valor131-2009-o artigo do ex-presidente (fhc sobre o governo lula)

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    O artigo do ex-presidente (FHC sobre ogoverno Lula)

    Fbio Wanderley Reis

    Lembro de ter ouvido, h tempos, o relato de uma conversa na qualsupostas raposas polticas avaliavam que, como poltico, FernandoHenrique Cardoso seria um bom socilogo: no seria do ramo. Com achegada Presidncia em dois grandes triunfos eleitorais, a precariedade daavaliao evidente. E, com a brilhante carreira como socilogointernacionalmente reconhecido, seria tola a ideia de inverter o que prope

    a avaliao, sugerindo que, como socilogo, ele seria um bom poltico. Detodo modo, o duplo chapeu de FHC, como lder poltico e como socilogoe analista, razo importante do interesse de suas manifestaes,especialmente se trazem a marca polmica de seu artigo recente noEstadode So Paulo (Para onde vamos?), de grande repercusso,complementado com entrevista a Vincius Torres Freire naFolha de S.

    Paulo dias depois. Como l-lo?

    O artigo contm uma espcie de fenomenologia oposicionista e algoirada do atual governo. No h como discordar de vrias alegaes que lse fazem. Mas h boas razes para indagaes sobre a consistncia geral eo alcance do diagnstico que flui dessa fenomenologia.

    Um aspecto saliente o autoritarismo popular, associado comapatia no incio do artigo e na entrevista Folha. Mas o autoritarismo

    popular de vrios nomes cesarismo, bonapartismo, agora

    bolivarianismo requer um povo mobilizado no apoio ao lder. Eposso evocar, por exemplo, se a questo inquirir sobre seu DNA, que emmaro de 1997 me era possvel ironizar, em artigo na mesmaFolha, asconfusas advertncias de despotismo e absolutismo dirigidas ao

    presidente FHC at por um Jos Arthur Giannotti as quais, envolvendo oproblema das relaes do Executivo com o Congresso e o Judicirio,tinham como pano de fundo justamente o apoio popular com que contava o

    presidente. E o prprio FHC no se inibia de invocar a voz rouca das ruas

    a propsito da mudana legal que lhe permitiria reeleger-se.

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    O tema da reeleio permite tomar outro aspecto das denncias, orelativo ameaa de atropelo s instituies, democracia constitucional esuas regras. Creio, e sustentei no momento em que a emenda foi debatida,que o argumento que se podia e pode brandir em favor da reeleio (ao

    menos uma...) tem duas pontas: de um lado, a de que ela resulta no emrestringir as opes do eleitor, mas em aument-las, incluindo a

    possibilidade de reconduo do titular cujo desempenho o eleitor avaliefavoravelmente; de outro, a ponderao de que o componente de

    plebiscitarismo e casusmo que a medida claramente conteve ao serproposta no primeiro governo FHC se via neutralizado pelo fato de que oque se buscava era a introduo da reeleio pelos meios legais econstitucionais apropriados. Pretender questionar a legitimidade disso com

    a alegao de que o governo controlava no Congresso os recursos polticosnecessrios aprovao da emenda redundaria em negar ao governo odireito de fazer poltica.

    FHC recua de falar de atropelo da lei a propsito do governo Lula:teramos antes atropelo dos bons costumes. Deixando de lado a questode saber se a proposta de reeleio se ajustava aos bons costumes, cabesupor que Lula, para FHC, faz poltica dentro da lei e no h por que

    imaginar, assim sendo, que a eventual disposio menos legalistamanifestada nos despautrios e iniciativas mais ousadas deixar deencontrar os obstculos necessrios na aparelhagem institucional-legal.

    Resta um outro ponto central e complexo: o do poder sem limites(no obstante a concesso quanto ao imprio da lei) que teramos numEstado burocrtico-corporativo em que ao aplauso do povo se junta oamlgama formado por sindicatos, movimentos sociais e mundo

    empresarial, alm do BNDES e dos fundos de penso (acionadosinicialmente, como se lembrou na imprensa, no governo FHC...) semesquecer que se trata, com Lula, de um personalismo subperonista de

    partidos em crise... Que o substrato sociolgico da poltica brasileiraproduz partidos fracos e personalismo algo que o socilogo FernandoHenrique Cardoso sabe h muito, naturalmente e o que tivemos denovidade a respeito, com Lula e o PT, foi a indicao clara, at o desastrede 2005, de como seria eventualmente possvel fazer do personalismo um

    instrumento de efetiva construo institucional na faixa partidria,

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    ajudando a criar, nas condies precrias de nossa sociopsicologia poltica,identificaes partidrias fortes e estveis. Deu errado para o PT, resta olulo-peronismo (sub?). Mas o que caberia esperar de FHC comoimportante lder partidrio, em vez da mera constatao da crise dos

    partidos, antes a resposta ao desafio de como seu PSDB poderia escapar aela e penetrar para valer o eleitorado atrado pelos despautrios lulistas.

    Quanto ao amlgama, algo curioso a notar a convergncia arespeito entre FHC e certas anlises de Luiz Werneck Vianna que tmcirculado com o pormenor de que neste ltimo elas se presumemformuladas de um ponto de vista de esquerda. A pergunta, como ocorrecom frequncia, o que colocar no lugar do Estado que agrega em busca da

    eficincia definida em termos agregados ou do todo. esquerda,descartado o socialismo real, seria talvez possvel sonhar com coisascomo um socialismo de mercado mas difcil ver como caminhar rumoao sonho sem dose importante de agregao corporativa e welfarista. AFHC, porm, caberia ponderar que o corporativismo integrador se acoplaao modelo mais bem sucedido de socialdemocracia, qual supostamenteaspira o Partido da Socialdemocracia Brasileira. Por certo, indispensveltratar de controlar democraticamente o Estado-amlgama para que o

    corporativismo no resulte em oligarquia. Mas, de novo, no fcilvislumbrar a alternativa a buscar, especialmente se o amlgama redistribuie ajuda a vencer crises econmicas.

    Valor Econmico, 9/11/2009

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