valery - levantamento a inovação na indústria

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Levantamento: A Inovação na Indústria THE ECONOMIST A INDÚSTRIA COMO RELIGIÃO A inovação tornou-se a nova teologia, diz Nicholas Valéry. No entanto, ainda há muita confusão quanto a o quê é e a como fazê-la acontecer A INOVAÇÃO tornou-se a religião industrial dos idos do século XX. O mundo empresarial a vê como a chave para lucros crescentes e para fatias de mercado. Os governos automaticamente a buscam quando tentam pôr ordem na economia. No mundo inteiro, a retórica da inovação substituiu a linguagem da economia do bem-estar do após-guerra. É a nova tecnologia que une a esquerda e a direita da política, diz Gregorio Daines, da Universidade de Cambridge. Mas, o que constitui precisamente a inovação é difícil dizer, mais ainda medir. Normalmente se pensa na inovação como na criação de um produto ou de um processo melhor. No entanto, ela poderia ser tão simplesmente a substituição de um material por um outro mais barato num produto existente, ou uma maneira melhor de comercializar, distribuir ou apoiar um produto ou serviço. Os empresários - os mais bem sucedidos, embora não os únicos praticantes da inovação - raramente se detêm para examinar como o fazem. A maioria deles simplesmente continua criando valor através da exploração de alguma forma de mudança - seja na tecnologia, nos materiais, nos preços, em aspectos tributários, em questões demográficas, ou mesmo na geopolítica. Eles geram, assim, novas demandas, ou uma nova maneira de explorar um mercado existente. “O empresário”, disse Jean-Baptiste Say, o economista francês que cunhou a palavra em torno de 1800, “movimenta recursos econômicos de uma área de produtividade baixa para uma área de produtividade mais alta e de maior rendimento”. Dois séculos mais tarde, os economistas ainda estão lutando para entender esta misteriosíssima parte do processo de criação de riquezas. Uma maneira de descrever a inovação é explicar o que ela não é. O marido e a mulher que abrem uma lanchonete na frente de um novo edifício de escritórios podem estar jogando com a poupança de suas Reflexão

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  • PARCERIAS ESTRATGICAS - nmero 8 - Maio/2000 307

    Levantamento: A Inovao naIndstria

    THE ECONOMIST

    A INDSTRIA COMO RELIGIO

    A inovao tornou-se a nova teologia, diz Nicholas Valry.

    No entanto, ainda h muita confuso quanto a o qu e a comofaz-la acontecer

    A INOVAO tornou-se a religio industrial dos idos do sculoXX. O mundo empresarial a v como a chave para lucros crescentes epara fatias de mercado. Os governos automaticamente a buscam quandotentam pr ordem na economia. No mundo inteiro, a retrica da inovaosubstituiu a linguagem da economia do bem-estar do aps-guerra. anova tecnologia que une a esquerda e a direita da poltica, diz GregorioDaines, da Universidade de Cambridge.

    Mas, o que constitui precisamente a inovao difcil dizer, maisainda medir. Normalmente se pensa na inovao como na criao deum produto ou de um processo melhor. No entanto, ela poderia ser tosimplesmente a substituio de um material por um outro mais baratonum produto existente, ou uma maneira melhor de comercializar,distribuir ou apoiar um produto ou servio.

    Os empresrios - os mais bem sucedidos, embora no os nicospraticantes da inovao - raramente se detm para examinar como ofazem. A maioria deles simplesmente continua criando valor atravsda explorao de alguma forma de mudana - seja na tecnologia, nosmateriais, nos preos, em aspectos tributrios, em questes demogrficas,ou mesmo na geopoltica. Eles geram, assim, novas demandas, ou umanova maneira de explorar um mercado existente. O empresrio, disseJean-Baptiste Say, o economista francs que cunhou a palavra em tornode 1800, movimenta recursos econmicos de uma rea de produtividadebaixa para uma rea de produtividade mais alta e de maior rendimento.Dois sculos mais tarde, os economistas ainda esto lutando paraentender esta misteriosssima parte do processo de criao de riquezas.

    Uma maneira de descrever a inovao explicar o que ela no . Omarido e a mulher que abrem uma lanchonete na frente de um novoedifcio de escritrios podem estar jogando com a poupana de suas

    Reflexo

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    vidas, mas no esto inovando. A empresa japonesa de eletrnica quelana uma cmera de vdeo mais atraente est simplesmente forandosua linha de distribuio numa tentativa de tirar os produtos daconcorrncia das prateleiras. A empresa farmacutica que fabrica umaverso genrica de uma plula contra a lcera campe de vendas estsimplesmente se locupletando da expirao das patentes de um rival.Todos estes exemplos so simplesmente empreendimentos comerciais,no so inovaes.

    As inovaes no apenas quebram a forma, elas tambm rendemretornos bem melhores do que os empreendimentos comerciais comuns.Um estudo norte-americano concluiu que a taxa geral de retorno decerca de 17 inovaes de sucesso atingidas nos anos setenta ficou numamdia de 56%. Compare-se isto com o retorno mdio sobre o investimentode 16% de todas as empresas norte-americanas nos ltimos 30 anos.No constitui surpresa alguma, ento, que a despeito de todo o risco deseus empreendimentos, os inovadores com boas idias e bons registrosde desempenho atraiam investimentos como as flores atraem abelhas.

    Para apreciar a diferena entre abrir mais uma loja de hambrguerese realmente promover a inovao, consideremos o que fez a McDonalds.Ela padronizou o produto, concebeu procedimentos culinriosinteiramente novos e treinou meticulosamente a sua gente, dando assimaos clientes algo que nunca tinham tido - um sanduche de hambrguerde alta qualidade, servido com a velocidade da preparao no ltimomomento, num ambiente higinico, a um preo arrasador. A McDonaldsno apenas criou um novo produto, mas toda uma nova categoria demercado. Isto foi inovao de primeirssima ordem.

    Por razes diferentes, tambm o foi o gravador de videocasseteBETAMAX que a Sony exibiu pela primeira vez em fins de 1974 e (demaneira mais significativa) o primeiro gravador de VHS que a JVCrevelou em 1976. Nenhuma das duas empresas japonesas realmenteinventou a gravao em vdeo, isso j fora feito por uma empresa norte-americana chamada AMPEX, em 1954. No entanto, os gravadores devdeo da AMPEX, com suas fitas de duas polegadas de largura de rolo arolo, eram do tamanho de uma eletrola de colocar moedas. Eles eramusados por redes de televiso, de modo que estaes na costa oeste dosEstados Unidos pudessem gravar programas de televiso transmitidosao vivo da costa leste e retransmiti-los localmente num horrio maisconveniente.

    Os inovadores japoneses deram-se conta de que o grande mercadopara o gravador de vdeo eram as residncias, no o estdio. No entanto,transformar o gravador industrial da AMPEX num produto para oconsumidor significava encolher tudo - no apenas o tamanho, mas

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    tambm o preo. A sada surgiu utilizando-se a fita de trs quartos depolegada num cassete enrolado ao redor de cabeotes de gravao,montado num tambor giratrio que era inclinado num ngulo da direoda fita. Assim, em vez de gravar o sinal de vdeo como uma seqnciade bandas verticais de impulsos magnticos em toda a largura da fita medida em que ela se movia passando pelos cabeotes de gravao, osinal de vdeo era lanado sob a forma de faixas diagonais em toda afita. Mexendo-se na inclinao do tambor giratrio, o comprimento dafaixa diagonal numa fita de trs quartos de polegada podia ser tornadoto longo quanto o da vertical numa fita de duas polegadas. O gravadorpodia, assim, gravar a mesma quantidade de informao e oferecer umaimagem to precisa quanto o sistema anterior. No entanto, como a fitaera muito mais estreita, os projetistas japoneses puderam acumular oequivalente a vrios grandes rolos de fita de gravao num pequenocassete jeitoso do tamanho de um livro.

    Nunca houve um produto para o consumidor que se comparasseao gravador de videocassete. Nos anos oitenta, este nico itemrepresentou a metade das vendas anuais de 30 bilhes de dlares daindstria japonesa de produtos eletrnicos para o consumidor, e trsquartos de seus lucros combinados. Como todas as melhores inovaes,o aparelho de videocassete no substituiu o produto existente,canibalizando assim suas vendas. Era um tipo totalmente novo deengenho, que surgiu do nada e aambarcou uma demanda sensacional.

    A VISO TRINTA-TRINTA

    Quem so essas pessoas que podem dar o salto de uma idia paraum novo produto ou processo que os consumidores compararo?Esqueamos o inventor solitrio que trabalha em sua garagem. AforaBill Hewlett e Dave Packard, essas pessoas raramente aparecem cominovaes que agitam os mercados, que fazem fortunas ou que mudama maneira pela qual o mundo funciona. Tampouco so os inovadoresmais vigoros, necessariamente as pequenas empresas do mito popular,fundadas por engenheiro brilhantes, que trabalham na ponta do avanotecnolgico. Thomas Edison, provavelmente o inventor mais bemsucedido de todos os tempos, era to incompetente como inovador queseus financiadores tiveram de retir-lo de todas as novas empresas quefundou. A inveno e a inovao tm em comum mais ou menos o quetm em comum uma alavanca de mudana e o Federal Express. RalphWaldo Emerson estava equivocado ao sugerir, no sculo XIX (se quejamais o fez), que se um homem fabrica uma ratoeira melhor o mundoacorrer sua porta. Inventar uma ratoeira melhor a parte fcil; odifcil inovar, que leva tempo, dinheiro, acesso a mercados e percepo.Talvez Emerson devesse ter colocado de outra forma: Se voc produzir

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    um servio de dedetizao de eficcia nica, os investidores acorreropara apoi-lo.

    Duas coisas distinguem todas as organizaes detentoras de bonsantecedentes em matria de inovao. Uma delas que elas incentivampessoas que tm uma fora motora interior - sejam elas motivadas pelodinheiro, pelo poder e pela fama, sejam elas motivadas pela simplescuriosidade e pela necessidade de realizao pessoal. A segunda queelas no deixam a inovao por conta da sorte: elas a buscamsistematicamente. Elas procuram ativamente a mudana (a raiz de todainovao), depois avaliam cuidadosamente seu potencial em termos deretorno econmico ou social.

    Em seu livro de 1985, Inovao e Esprito de Empresa, PeterDrucker, agora o mais venerado de todos os gurus da cultura gerencial,relaciona sete fontes de oportunidade para as organizaes que buscama inovao. Quatro delas podem ser encontradas dentro da prpriaempresa, ou pelo menos no mbito do setor de que a empresa faz parte,e que deveriam portanto resultar bastante bvias para as pessoas dedentro. As outras trs vm do mundo exterior, e devem resultar aparentespara qualquer pessoa que se d o trabalho de olhar. Todas as sete sosintomas de mudana. Relacionadas em ordem de dificuldade e incertezacrescente, elas so:

    O sucesso inesperado que recebido com gratido mas raramentedissecado para ver como ocorreu.

    A incongruncia entre o que realmente acontece e o que deveria teracontecido.

    A inadequao de um processo bsico que considerado natural.

    As mudanas na estrutura do setor ou do mercado que tomam a todosde surpresa.

    As mudanas demogrficas causadas por guerras, melhorias namedicina e at mesmo a superstio.

    As mudanas na percepo, no humor e na moda provocadas pelosaltos e baixos da economia.

    As mudanas no nvel de conscincia causadas por novosconhecimentos.

    A ironia que os funcionrios, os acadmicos e mesmo osempresrios prestam bem mais ateno s formas mais arriscadas deinovao (tentando explorar alguma descoberta baseada na cincia) do

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    que ao tipo mais fcil e mais rpido de inovao com o qual poderiamfazer lucros (capitalizando em cima de algum sucesso inesperado, porexemplo). Isto pode ter muito a ver com o encanto da pesquisa e dodesenvolvimento - sem falar das grandes somas de recursos pblicosque os governos disponibilizam, diretamente atravs de doaes, bemcomo indiretamente atravs de crditos fiscais, para empresas realizarempesquisa e desenvolvimento. Ademais, h boas provas a mostrar que seum novo produto ou servio chega ao mercado como resultado de algumevento novo ligado a patentes ou a propriedade intelectual nos prprioslaboratrios de uma empresa, esse produto ou servio normalmente rendeelevados retornos: pese-se somente no que a Dupont ganhou com o Nylonou a SmithKline com o Tagamet, um dos medicamentos mais bemsucedidos da histria. Mas esses grandes eventos novos acontecemsomente uma ou duas vezes na vida de uma empresa.

    Este levantamento sustenta que a inovao tem mais a ver com abusca pragmtica da oportunidade do que com idias romnticas sobrea fortuna acidental, ou com pioneiros solitrios que pugnam por suaviso contra todas as adversidades. Pode ser que no haja qualquer receitanica para produzir inovaes sob encomenda, mas h uma espcie delivro de receitas que se est tornando sempre mais til. Hoje em dia osEstados Unidos obtm mais da metade de seu crescimento industrial apartir de indstrias que mal existiam h uma dcada - tal o poder dainovao, especialmente nos setores da indstria da informao e dabiotecnologia. O melhor ponto de partida, portanto, o prpriocrescimento econmico, e o papel que a inovao nele desempenha.

    Copyright 1999 The Economist Newspaper Limited.

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