valadao_claudiaindependenciaoumorte
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Copyright 1999by Cecilia Helena de SallesOliveira &Claudia Valladode Maltas (orgs.)
Dados Internacionaisde Catalogaona Publicao(CIP)(CmaraBrasileirado Livro, SP, Brasil)
O Bradodo IpirangaI Cecilia Helena de SallesOliveira, Claudia Valladode Mattos (orgs.).- So Paulo:Editora da Universidadede So Paulo: Museu Paulistada
Universidadede So Paulo, 1999. (Acervo,2).
Vrios autores.
ISBN 85-314-0518-1 (Edusp)
1. Brasil - Histria - Independncia,1822 2. Brasil- Histria - Perododa IndependnciaL Oliveira,CeciliaHelenade Salles. 11.Maltas, ClaudiaValladode.
99-2882 CDD-981.034
fndicesparacatlogosistemtico:1. Independncia:Brasil: Histria
2. Perododa Independncia:Brasil: Histtia
Direitos reservados
981.034
981.034
Edusp- Editora da Universidadede So PauloAv. Prof. Luciano Gualbeno, TravessaJ, 374, 6 andarEdifcio da Antiga Reitoria,Cidade Universitria,Butant05508-900,So Paulo, SP, BrasilFones: (OXX11) 818.4008, 818.4150 - Fax: (OXX11) 818.4151
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E-mai!: [email protected]
Impressono Brasil 1999
Foi feitoo depsitolegal
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Independncia ou Morte!:O Quadro, a Academia e o
ProjetoNacionalistadoImprio1
Em nossahist6riaainda curtaabundamjdos jeitosgloriososqueexcitamostalentoseinspiram
ognio [o..]preparai-vospara transmitiraosvindourosessamem6riagloriosaevossasobrasde
arteseroao mesmotempograndesobrasdepatriotismo.
Thomaz GomesdosSantos
Ata da SessoPblica da AcademiaImperialde 05/05/1864
\II
quadroIndependgnciaouMorte!dePedroAmrica,
pintadoem 1888(19),um dosprincipaisexem-
plosdepinturaacadmicabrasileiraedesuaestreita
vinculaocomo imaginriodo ltimoperododo
Imprio. PedroAmrica, queem 1865tornou-se
:Jrofessordaacademia,foi o artistamaisprximodo
mperador,esuaspinturas,especialmente~eusqua-lroshistricos,revelammuitoacercado mecenato
[omonarcaedo papelpolticoatribudopintura
oficialnaquelemomento.A histriadapinturaaca-
dmica,comoveremos,marcadapor umaestreita
relaocomo projetopessoaldo imperadordecons-
truodeumaidentidadenacional,queeleacredi-
tavapoderdesenvolverpeloincentivoscinciase
sartes2. Seugrandeinteressenasatividadesdaaca-
demiaeseumecenato,quepossibilitoua inmeros
artistas- inclusivePedraAmrico- completarsua
formaona Europa, so'bastanteconhecidos3
oBradadoIpiranga
\
Agradeo a Rafael Vieira Souto, do Museu Nacional de Belas-artesdo Rio de Janeiro, pela sua amvel acolhida durante as
,squisas que realizei para lins deste trabalho naquela instituio. Agradeo igualmente a Luiz Antnio Ewbank do Museu
'strico do Itamaraty, por sua ateno e preciosas informaes.
A anlise que desenvolveremos a seguir deve muito leitura do livro de Lilia Moritz Schwarcz, As Barbas do Imperador
Pedra 11:Um Monarca nos Trpicos, So Paulo, Companhia das Letras, 1998. Agradeo Prof'. Dr'. Helosa Pontes por esta
liosa indicao bibliogrfica.
CI., entre outros, Jos (arlos Duran, Arte, Privilgio e Distino: Artes Plsticas,Arquitetura e Classe Dirigente no Brasil,
55/1985, So Paulo, Perspectiva, 1989.
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Porm,gostaramosderessaltaraquiqueo projeto
deconstruodeumimaginrionacional,aindaque
tenhasidoacalentadodurantetodoo mandatodo
monarca,adquiriucoloridosdiferentesaolongodos
maisde quarentaanosde seureinado.O quadro
IndependnciaouMorte!dePedroAmrico,quenos
interessamaisdiretamenteaqui,pertenceaum mo-
mentoespecficodessahistria,queseiniciouaps
osacontecimentosdaGuerrado Paraguaieprovo-
cou, por assimdizer,umaguinadanasestratgias
deproduodeimagenspatriticaspostasempr-
ticapelaacademiaeseuprincipalmecenas.
Como PeterBurke to bem analisouem seu
livro sobrea construoda imagemdo rei Lus
XIV4, a sustenraode um regimemonrquico
dependeriaemgrandepartedo imensoteatroque
eleencenaa seuredor.O poder do rei derivaria,
assim,emlargamedida,daeficciadeseusmeios
de persuaso,ou seja,da funcionalidade d~seu
sistemade"propaganda".No ,portanto,desca-
bidaaafirmaodequeum novocontextohistri-
co inaugura-seno BrasilcomachegadadeD. Joo
VI esuacorte(contandoaproximadamente20 mil
pessoas),em 1808,impulsionadapelasinvestidas
expansionistasdeNapoleonapennsulaIbrica.
Poucoapsatransfernciadacorte,inicia-sea
montagemdetodo um sistemadeproduosim-
blicaquevisavalegitimara novaimagemdo Im-
prioportugus.Como partedaestruturaodes-
sasinstnciasde"propaganda",chegaaoBrasil,em
1816,aMissoArtstica Francesa,encomendada
pelo prprio rei,a fim deviabilizara formaode
artistas,arquitetoseartesoslocais,quepudessem
imprimir o esplendornecessrio nova sededa
corte e com isso impulsionar a continuidade da
monarquia.Tal misso,queseencontranaorigem
daAcademiaImperialdeBelas-artes,marcouuma
novaatitudediantedaproduovisuallocal,trans-
formando-a em um dosrgosfundamentaisde
legitimaodo sistemavigente.A AcademiaImpe-
rial deBelas-artes,nasceu,portanto,esedesenvol-
veuaolongodetodoo Imprio, como um projeto
poltico-esttico.
Apesar da potencial funo poltica de uma
academiabrasileiratersidoum dosprincipaisest-
mulosparao famosodecretodeD. Joo VI de 12
deagostode 1816,viabilizandoavindadaMisso
Francesa,o desenvolvimentoefetivode um siste-
madeproduodeimagensadaptadosnecessi-
dadespolticas do Imprio fez-seainda esperar.
EnquantoreinaramD. JooVI eseuftlhoD. PedroI,
aacademianofoi capazdeimpor comcoernciao
80
4. Peter Burke, A Fabricao do Rei: A Construo da Imagem Pblica de Luis XIV, Rio de Janeiro, Zahar, 1994.
-
5. Logo aps a chegada da Misso Artstica Francesa,morrem o seu diretor Lebreton e o ministro conde da Barca, protetor doJrimeiro diretor da academia, Nicolas-Antoine Taunay.Em conseqncia, Taunay afastado do cargo. assumindo a direo da
'ecm-fundada instituio um portugus, Henrique Jos da Silva, que ao longo de seus dezoito anos de mandato, combateria
)s ideais da Misso Francesa,criando uma situao turbulenta e impedindo. na prtica, a implementao da academia cornonstituio de ensino. Cf. Alfredo Galvo, "Resumo Histrico do Ensino das Artes Plsticas durante o Imprio", artigo
Ipresentado nos Anais do Congresso de Histria do Segundo Reinado, Comisso de Histria Artstica, publicado na Revistado1stituto Histrico e GeogrfiCOBrasileiro, vaI. 1, pp. 49-91, 1984.
. Na verdade, j desde a morte de Henrique Jos da Silva e a tomada de posse do novo diretor da academia Flix-Emile
,unay, em 1834, podemos falar de uma revitalizao do seu projeto: "A rigor, foi Flix Emilio Taunay quem estruturou a
cademia criando as Exposies Gerais de Belas-artes com suas premiaes, os Prmios de Viagem Europa. acabando as
bras do edifcio projetado por Grandjean de Montigny, tendo preparado o primeiro catlogo do acervo artstico da mesma,
,ndo orientado alguns artistas na sua cadeira de paisagem, tendo conseguido criar o cargo honorfico de 'Membro Corres-
lndente' e de 'Membro Honorrio'. Foi ele quem prirnelrosugeriu a criao da cadeira de Histria da Arte, em 1848". Porm,
passo fundamental foi dado a seguir, corno ainda veremos, com a implementao da "Reforma Pedreira" (Mello Jnior,
)nato, "Manuel de Arajo Porto-Alegre e a Reforma da Academia Imperial das Belas-artesem 1855: A Reforma Pedreira",
n CriticadeArte,n. 4, p. 27, 1981). Flx-Emileera filho de Nicolas-Antoine Taunay,o primeiro diretor da Academiaque viera,Brasil como parte da Misso Francesa, retornando Frana em 1821, aps ter sido demitido de seu cargo em 1919.
Cf. Schwarcz, op. cit
Porto-Alegre havia pedido demisso da academia devido a desentendimentos com Flix-Emile Taunay,ento seu diretor.
A carta de Porto-Alegre encontra-se hoje no Arquivo Nacional, e foi reproduzida na revista CriticadeArte,op.cit.,pp. 30-Porto-Alegre via na aliana entre academia e Estado, antes de tudo, urna soluo para o problema da insero social do
sta no Brasil.
seuprojetos.Foi necessrioqueD. PedroII assu-
misseo poderem 1840,paraqueestasituaose
revertesseeseiniciasseumacolaboraomaisefeti-
vaentreaacademiaeo governoGO novomonarca
haviarecebidoumaeducaocunhadaemmoldes
europeuseocupava-seseriamentecom aquesto
do papelqueasartesdeveriamassumirnaconstru-
odo imaginriodanao,refletindo,nessecon-
texto,tambmsobrea importnciafundamental
deseumecenato.Assim, logo depoisdesuamaio-
ridade,eletomao fomentoedesenvolvimentode
instituiescomoo InstitutoHistricoeGeogrfi-
co,aAcademiadeBelas-arteseo Colgio PedroII
como tarefapessoal,participandoativamentede
seusencontrosedemaisatividades7.
Aproveitando-sedasnovascondiescriadas
por esseinteressepessoaldeD. PedroII pelasartes,
o ex-professordaacademia,Manuel Arajo Porto-
AlegreS,enviou-lhe,em 1853,umacartasugerin-
do transformaesurgentesnaquelainstituio,de
forma aviabilizarasidias,acalentadaspelopr-
prio monarca,de um estreitamentodasrelaes
entreaproduoiconogrficageridapelainstitui-
oe o governo9.Os termosda cartaexpunham
abertamentetal propostade aproximaoentre
academiaeEstado.Nela, Porto-Alegreenfatizava
o Bradadolpiranza
-,
\
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1. D. PEDRa SAGRADO PORINDfGENAS DA TERRA E DIV1NDADES
Litogravura,c. 1840FundaoBibliotecaNacional
I
2. D. PEDRO lI, IMPERADOR,DEfENSOR PERPTUO DO BRASIL
Xilogravura,1869BibliotecaNacional
-
justamenteautilidadedasartesparaaconstruo
de um Estadoforte no imaginriodo povo brasi-
leiro:
"O Chefe da naono tem um palcio,e o
Governo, ostribunais,easescolasdo altoensino
soinquilinos, quemudamdedomiclio continu-
amente.Esteestadoprovisrio devesercombati-
do, porqueinfundeno moraldo cidadoaconvic-
odequenohestabilidade."
E continuandomaisadiante:
"Paraqueasartescomecematerumavidare-
gularefloresampouco apouco,paraqueelases-
palhemo seubenignoinsuflo namoralpblica,e
na indstria,necessrioqueafamliaartsticate-
nha um ponto de constanteapoio no pas,eeste
ponto o Governo [00']" 10.
._-------,-,....',,,'.,',:,,'.'"
A conseqnciado empreendimentodePorto-
Alegrefoi suanomeao,em 1855,paraadireo
daacademia,aoqueseguiuumaprofundareforma
emseusestatutos,hojeconhecidacomoaReforma
Pedreira11.Inaugura-se,portanto,comelaum pro-
jeto comum, queporiaaacademiadiretamentea
serviodaconstruodo imaginriodo Imprio12.
PedroAmricoingressacomoalunonaAcade-
mia Imperial deBelas-artesem 1855,exatamente
no anodaReformaPedreira,pertencendo,portan-
to, primeira geraode artistasformadasob a
novafilosofiadaescola13.
Antes,porm,depassarmosparaumadiscus-
somaisdiretadaobradePedroAmrico edesua
ligaocom o projeto nacionalistado imperador,
faz-senecessrioaindaexaminarmaisdepertoas
oBradodoIpiranga
-,
10, Porto-Alegre. Crtca de Arte. op, ct.. pp, 31-32,
11. A reforma leva o nome do ento ministro do Imprro, Luiz Pedreira do Couto Ferraz. que a assinou.
12, Aps '1855. vrros discursos dos diretores da academia. pronunciados nas sesses pblicas desta instituio por ocasio
da entrega de prmios ao final das Exposies Gerais, insistem neste ponto, Em 1856. Porto-Alegre evocaria a ligao entre
academia e imperador, ao procurar fortalecer-se diante das foras de oposio reforma: "Os nossos inimigos so estriges quepiam nas prprias runas e debaixo da noite que os envolve e os faz sonhar em triunfos impossiveis:o Imperador est conoscoe com ele a paternal influncia de sua poderosa real'ldadee de seu ministro. que para ns tem sido um verdadeiro mecenas"
(CI Ata da Sesso Pblica da Academia de 28/11/1856, documento indito que se encontra no arquivo da Academia, hOJe no
Museu D.Joo VI, Universidade Federal do Rio de Janeiro), Oito anos mais tarde, o discurso do ento diretor Thomaz Gomes
dos Santos tambm faz meno a esta "aliana" entre imperador e academia: "Todos ns sabemos que V.M. Imperial no vnas produes da arte meras criaes do engenho destinadas aos deleites dos sentidos. mas um dos mais poderosos incentivosdo progresso humanitrio, um dos mais ativos promotores dos nobres sentidos dos impulsores mais valentes do amor Ptria.
Esta apreciao dos destinos da arte ser o nosso norte.[..,] preparai-vos para transmitir aos vindouros essa memria gloriosa,
e vossas obras de arte sero ao mesmo tempo grandes obras de patriot'lsmo," (Cf. Ata da Sesso Pblica da Academia de
05/05/1864, idem).
13. A identificao do artista com a idia fundamental de uma aproximao entre governo e academia pode ser ainda
reforada por sua estreita ligao com o idealizador da reforma, seu futuro sogro Manuel Arajo Porto-Alegre.
Q
-
"";':~,'~iitZ:;::;;: 1ilJt\j'?1;.hY?iY:0~:;~::t::;';,'; -11I_._ _ -I
formasconcretasqueesseprojetoadquiriuaolongo
dosmaisde30anosqueseparamaReformaPedrei-
radarealizaodo quadraIndependnciaouMorte!.
Um primeirouniversoiconogrficoassociado
figuradeD. PedroII comeaatomarformanos
anosqueseseguiramsuamaioridadeeaoestabe-
lecimentodeumapoltica maisdefinidaemrela-
osartes.Essaproduoyisualvoltava-separaa
construodeimagensda nao- estreitamente
associadafiguradeD. PedraII edarecm-funda-
dacasaimperial- por alegoriascapazesdeevocar
simultaneamenteumaexperinciadaterratropical
brasileiraesmbolostradicionalmenteassociados
monarquia.Essavastaiconografia,comobemmos-
trouSchwarcz,mesclavasmboloseobjetosrituais
dacasarealportuguesacom elementostpicosda
paisagemlocal: ndios, abacaxis,folhasde cafe
tabaco,deformaaconstruirimagensevocativasda
naol4Assim,por exemplo,D. PedraII aparece-
ria,emumalitografiadecercade 1840(1), acom-
panhadopor ndios edivindadese,em 1869,no-
vamenteentrealegoriaslocaise europiascomo
DefensorPerptuodo Brasil(2)J 5. Estaiconografia
inspirava-seemlargamedidanatradioalegrica
barroca,seguindodepertoo modeloestabelecido
quasedois sculosantesna Franapor Lus XlV.
Assim,talqualo reidaFranaqueapareciaemsuas
representaescercadoporflores-de-liseoutrossm-
bolosdanaofrancesa(4), PedraII fazia-seretra-
tarcomoreitropical,incorporandoatributoseale-
gorias da terra s representaesdo Imprio 16.
Percebemos,portanto,nesteprimeiro momento,
umacertaidentificaoentreaiconografiado im-
perador,um gnerobemestabelecidonahistria
daarteJ? ocidental,eo projetonacionalistadeD.
PedrolI, levadoadiantepelaacademia.
14. Lilia Schwarcz, op. cito A autora. apoiando-se grandemente na prOduo literria da poca, identifica, apressadamente a
meu ver,esta iconografia com sentimentos romnticos, no a diferenciando, por exemplo, de quadros como Moema (1866) ou
A Primeira Missa (1860), ambos de Vitor Meireles), esses, sim, correspondendo a um "esprito romntico" propriamente dito.
No meu entender, a iconografia mais diretamente vinculada figura do imperador e s imagens do Imprio tem uma estreitarelao com fontes barrocas, vale dizer, com o universo iconogrfico associado ao rei Lus XlV.
15. As duas gravuras encontram-se hoje na Biblioteca Nacional.
16. A iconografia do Rei Sol tornou-se uma fonte importante para a iconografia da nobreza europia, incluindo Portugal. Deste
ponto de vista, podemos afirmar que Pedro II no estabelece, neste momento, nenhum novo padro formal na pintura por seumecenato. Isto pode ser comprovado pelo estudo da iconografia anterior ao Segundo Reinado, como, por exemplo, nostrabalhos de decorao de Debret para o Bailado Histrico.
17. Os quadros histricos anteriores dcada de 1870 retratam, em sua vasta maioria, os grandes acontecimentos da corte:
a aclamao do rei, a chegada da futura rainha, a coroao ete.
-
3.D. PEDRO NA ABERTURADA ASSEMBLIA GERAL
PedroAmrico,2,88x 2,05 m, 1872MuseuImperialdePetr6polis
Q::
-
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'"~--;"K,,
-
Tal padroiconogrficoquenorteouaprodu-
oacadmicanasprimeirasdcadasdo Segundo
Reinado,quandoapreocupaofundamentalc\o
imperadoredaacademiaeracriaralegoriasqueevo-
cassemaomesmotempoagrandezaeasingulari-
dadeda novanao,sersubstitudopor ourro a
partir dadcadade 1970,impulsionadopeload-
ventodaGuerrado Paraguai.
Lilia Schwarcz18chamaaatenoparaamu-
danade atitude do prprio imperador no mo-
mentoemqueestouraaguerra.D. PedroII deslo-
ca-sepessoalmemeparaaregiodeconflitoeacom-
panhadepertoo desenvolvimentodosaconteci-
memos.Vestindoseuuniformemilitar,elepassaa
assumiraatitudede"reiguerreiro",parausarnova-
menteaspalavrasdaautora,identificando-secom
a ambiciosaposturaexpansionistade Napoleo.
N averdadeestanovaatitudedo imperadorinicia
um processoimportantedemudananacaracte-
rsticadasimagensqueservirodesubstratoparaa
construodo imaginrionacional.Severdade,
comoprocurariosmostrarSchwarcz,queoprimei-
ro anodaGuerrado Paraguaipeemevidnciaa
imagemde um "reiguerreiro",aospoucospode-
mosobservarum deslocamentodo imaginriona-
cionaldafigurado imperadoremdireoaoshe-
risnacionaispOStosemevidnciaporseusatosde
coragemelideranaduranteaguerra.Nestepon-
to, estamosdeacordocom Schwarcz,quandoela
afirmaque"aGuerrado Paraguairepresentao apo-
geu e o comeo da decadncia de D.Pedro"19.
A partirdestemomento,o imperadorabandonaria
aospoucosa cenade seuprprio teatroe, ainda
quecontinuasseacalemandoo mesmoprojetona-
cionalista,no sesituariamaiscomo umafigura
centralnesseprocyss020.As cenasdebatalha,que
setornariamanovafomedeimagensevocativasdo
Brasil,faziamexignciasinditasestruturaformal
dosquadrosoficiaisproduzidospelaacademia:im-
puserama substituiodo modelo alegricopor
um modelo organizadoa partir do princpio da
ao,valedizer,narrativo.
Enquantoaiconograflado imperador(associa-
daasmbolosdaterra)constituao substratopri-
meiro paraaproduodo imaginrionacional,a
questodaao,emseudesdobramemotemporal,
nosefaziapremente,umavezquea legitimao
dafigurado imperadornosedavatantopor seus
oBradodoIpiranga
I~i~ti1''
P
I'
I '
18. Op cit.
19. Op. cit, p. 295.
20. Schwarcz descrevemuito bem esse processo, ao acompanhar a transformao de D.Pedro 11em um "rei cidado" ao longodo ltimo periodo do Imprio.
-
....
atos,masporsuacondiodenascimento.Uma
novalgica,noentanto,passariaasustentarapro-
duopictricaapartirdosanossetenta:nomais
algicadonome,masadofiito glorioso.
No momentoemqueosgrandesfeitosliga-
dosGuerradoParaguaipassaramasubstituira
figurado imperadore deseusatributoscomo
substratopar~aelaboraodeumimaginriona~
cionatfoinecessriorecorreraumtipodiferente
deimagemcapazdedarexpressoaessesfeitos
que,porsuaprprianatureza,exigiamumaes-.
truturanarrativa.Estenovomodelofoiencontra-
do,novamente,napinturaacadmicafrancesa,
pormnomaisnatradiodo reiabsolutista,
masnaiconografiaassociadafiguradeNapoleo
Bonaparre.Estaresgatarao edifcioconcetual
desenvolvidoporCharlesLebrun,adaptando-o
representaodeacontecimentoshistricoscon-
temporneos2i,Talampliao,ou,melhordizen-
do,transformaodoconceitodepinturahistri-
ca,forneceuosmoldesparaaconstruodeima-
gensadaptadasauma"histriadosgrandesvul-
tos",talcomoelaaparecetambmnahistoriogra-
fia do mesmoperodo. a essemodeloicono-
grficoqueseligao projetodaconstruodeum
imaginrionacionalbrasileiro,apsaGuerrado
Paraguai.Nomaiso imperadormasasbatalhase
seusherispassamapovoarascenaspatriticas
dosquadrosoficiais. estetambmo universo
imediatonoqualseinsereaobraIndependncia
ou Morte!, dePedraAmrica.Como veremos,
aindaqueo quadrosejaumarepresentao'de
D. PedraI e,portanto,doprimeiroreidoBrasil,
algicadaimagemencontra-sebastantedistante
daquelaquemarcouasprimeirasdcadasdoSe-
gundoReinado,quandoapenasapresenadoim-
peradorcomseusatributoserao suficientepara
servirdesuporteconstruodeumimaginrio
especificamentebrasileiro.Ao contrrio,Pedro
AmricoapresentaD. PedraI comoum heri,
explicitandonaobraa grandezadesuaao22.
Dito isto,passemosanlisedoquadro.
88
21. importante lembraraqui que para'Charles Lebrun,o primeirodiretor da Academia Francesa,fundada em 1648 sob o reinado
de Luis XIV, a representao direta de um acontecimento contempor~neo destitua a composio de seu carter universal,
transformando-a em simplescr~ica.Desta forma, os grandes feitos de LuisXIV eram sempreapresentadostransvestidosem umevento da histria clssica(ver.e'ntreoutras, a apresentao do rei como Alexandre o Grande na clebre pintura de Lebrun O
Reino da Prsiaaos ps de Alexandre o Grande). Napole~o, por sua vez, rompe com esta tradio e. em suas pinturas oficiais,
faz-se retratar em trajes contemporneos. Isso significou uma transformao profunda do campo da pintura histrica, que, aosecularizar-se,deu vazo a uma espcie de culto a personalidades individuais desconhecido do sculo XVII.
22. Esta questo torna-se mais evidente, quando comparamos o quadro aqui em questo com a tela Proclamao da
Independncia, de Franois-Ren Moreaux, pintada em 1844. Neste ltimo, como ainda veremos, D.Pedro I no apresentadocomo um heri, mas como o consumador de um ato de carter divino.
-
oQuadro
Como o prprio ttulo Independnciaou Morte!
sugere, a tela representao momento em que
D. Pedro1,levantandosuaespada,proclama,no
altodacolina do IpirangaemSoPaulo, em7 de
setembrode 1822,a Independncia do Brasil.
A composioapresentaumaorganizaorigorosa-
mentegeomtrica.Dois grandessemicrculos,que
evoluemrespectivamentedo centrodatelaparaa
direitaeparaaesquerda,reencontrando-senova-
mente no ponto em que eixo central tangelimite inferiordamesma,fornecemo esquemab-
sicoapartirdo qualsedadistribuiodasfiguras
edemaiselementosno quadro.Deslocadoligeira-
menteparaaesquerda,emsegundoplano,vemos
D. Pedro1,levantandosuaespada,ematosimb-
lico derompimentodoslaosqueuniamo Brasila
Portugal,seguidoporcavaleirosdeseusquito,que
sadamo gestoacenandocomchapuselenos23.
Ao final do squito,duasfiguraschegamagalope
sobreseuscavalos.Voltadosemdireoaoespecta-
dor,elesmarcamo incio do percursodescendente
daestrada,quedelineiao semicrculoesquerda.
Ao longodesta,acompanhandoadiagonal,vemos
um caipiradeter-secom seucarrodeboi paraob-
servara cenahistrica'que toma lugar no ponto
maisaltodacolina.Suafunoretricano quadro
evidente:elaafiguradeidentificaodo obser-
vador,tantopor suaposio,quantoporseutama-
nho eproximidade24. Atravsdeseusolhos,volta-
dosparaD. Pedro,participamosdo momentore-
presentado. elaquemdeterminao pontodevista
do observador,contribuindoassimparaainterpre-
taohericaqlle PedroAmrico procurouforne-
cer do eventoe que marca,como dissemos,sua
pertenaa umasegundageraode pintoresaca-
dmicos.
oBradodoIpiranga
I
23. Neste grupo de figuras encontram-se vrios retratos. Pedra Amrica cita os seguintes personagens histricos como
companheiros de D.Pedro I: "[...] Joaquim Maria da Gama Freitas Berqu, Joo Carlota, Joo de Carvalho Raposo, Francisco
Gomes da Silvae, prova'Jelmente, o guarda-roupa Joo Maria da Gama FreitasBerqu, depois marqus de Cantagalo, o padre
Melchior PinheirO, o brigadeiro Manoel Rodrigues Jordo, e alguma outra pessoa atrada pela curiosidade ou pelo desejo deobsequiar o principe" (Cf. "O Brado do Ipiranga ou a Proclamao da Independncia do Brasil", neste mesmo volume, p.16).
24. A funo de tais figuras retricas, que introduzem o observador no quadro, teorizada desde o Renascimento. Alberti
alertara para a importncia da mesma em seu livro De Pictura: "Em primeiro lugar, todos os corpos devem movimentar-se de
acordo com o que est disposto na histria. Agrada-me que nela haja algum que nos advirta e. nos mostre o que est
ocorrendo, ou nos acene com a mo para ver, ou ameace com a fisionomia irritada e com os oihos .perturbados, para queningum se aproxime, ou aponte para algum perigo ou coisa admirvel, ou nos convide a chorar junto com ele ou rir" (Alberti,
Da Pintura, Campinas, Editora da Un(camp, 1992, p. 115)
80
-
Talfunoexplicita-sequandocomparamos
nossoquadrocomaProclamaodaIndependn-
cia (1844),deFranois-RenMoreaux(5),hoje
no MuseuImperialdePetrpolis.Nele,vemos
D. PedroI, nocentro,acenandocomseuchapu
erodeadoporfigurasdopovo.A semelhanade
imagenscomoaSagraodeD. Pedro11(1844),
domesmoautor(6),etantasoutrasdoperodo
pr-GuerradoParaguai,vemosaquiumatentati-
vadelegitimaro governomonrquicopormeio
deumatodivino25Tantooprncipe,quantov-
riasdasfigurasqueoacompanhamdirigemseus
olharesparao cu,deondedesceumraiodeluz
queiluminaacena.MoreauxapresentaD. Pedrocomooconsumadordeumavontadedivina.Nesta
represenraonoestemjogoasuahabilidade
poltica,tampoLlcoo perfildeseucarterousua
capacidadedeliderana.A imagemenfatizaoeven-
.'"".~,,,.~.~-------
toemsualigaocomaprovidnciadivina,dimi-
nuindocomissoo tomhericoevoluntariosoda
figuradoprncipeereafirmandoalegitimidade
dosherdeirosda casadeBraganaaotronodo
futuroreinorropical.
PedroAmrico,porsuavez,procuraverem
D. PedroI o equivalentede um Napole026.
O artistaapresenta-ocomoumestadistadetermi-
nado,quenomedeocustodossacrifciosnece~s-
riosparaarealizaodeseuideal27, elevando-oto-
somente,pelacoragemdeseuato,acimadaposi-
oocupadapeloshomenscomuns28. Nacompo-
siopropriamentedita,arepresentaodesuagran-
dezaconcretiza-sepelodesnvel(realesimblico)
criadopeloartistaentrenossafiguradeidentifica-
oeoprncipe.O simplriocaipira(ecomele,ns
tambm)v-seforadoavoltarseuolharparao
altoafimdeenxergarD. Pedra,que,porsuavez,
o
25. Refiro-me aqui prpria lgica de legitimao dos sistemas monrquicos europeus. os quais fundamentavam seu podertemporal num direito divino ao trono.
26. Como veremos adiante, a representao de D.Pedro I no quadro de Pedra Amrico aproxima-se bastante daquelas de
Napoleo Bonaparte e de Napoleo 111,criadas por Meissonier algumas dcadas antes (7 e 8).
27. Um equivalente pictrico da descrio dada por Pedro Amrico do ato da proclamao em seu texto "O Brado do Ipiranga
ou a Proclamao da Independncia do Brasil": ..[...] Apenas os leu [os documentos trazidos pelos seus mensageiros]. como
que concentrou-se O.Pedro num dessespensamentos cuja impetuosa evoluo mal cabe no curto lapso de tempo que medeia
entre dOISinstantes quase consecutivos da mesma impresso moral. Depois olhou para seus companheiros de viagem, e disse
comOVido: 'Tantos sacrifcios pelo Brasil... e entretar,to no cessam de cavar a nossa rulna!'. Ento expande a fisionomia,acende o brilho dos olhos, e, como se houvera descoberto o talism da futura grandeza da sua ptria adotiva, puxa pela
espada e grita resolutamente: 'Independncia ou Morte! ... (d. neste mesmo volume, p. 17)
28 Em outras palavras, refiro-me aqui a um processo de secularizao da figura do monarca.
-
5. PROCLAMAO DA INDEPENDfNCIAFranois-RenMoreal/x.2,44 x 3,83 m, 1844Museu
Fotografia
-
ti
II
I1
1i
11
li
I
I i
maisseassemelhaaumaesttuaeqestre29,emsua
atitudepomposaeum tantoartificial.Eis tambm
o porqude D. Pedro encontrar-seem segundo
planoeapresentar-semenorqueafigurado caipira
(oudossoldadosemprimeiroplano).S assimfoi
possvelaoartistaestabelecerahierarquiaentreas
figuras,necessriaparaavisualizaodesuainter-
pretaodahistria30.
A qualidadehericadeD. Pedro,no entanto,
nosvisvelno desnvelentresoberanoesditos
quePedroAmrica estabelecenatela,masacima
detudo apresentadaatravsda estruturanarrativa
da composio.Como dissemosanteriormente,
umheridefine-seunicamentepor umaaoheri-
ca,eestaidia- essenciallgicadascenasdeba-
talhatpicasdasltimasduasdcadasdo Imprio-
queserviudeprincpio organizadordaimagemda
independnciacriadapeloartista.Lanandomo
dosprincpiosclssicosqueregiam,segundoatradi-
oda academiafrancesa,a composiode uma
pinturahistrica,PedroAmrico conta-nosahis-
triadeum atodebravura,legitimandosomente
porestaaohericao direitodo prncipeposio
delderdanaobrasileira.Acompanhemos,por-
tanto,o desenvolvimentovisualdestanarrativa:
Frenteafrentecom D. PedroI, um pouco aci-
mado riachoquemarcaa "barreiraesttica"31do
quadro,encontramosum cavaleirodasuaGuarda
deHonra, que,dandoascostasaoespectador,res-
ponde ao brado do prncipe arrancandode sua
fardao laovermelhoeazulquesimbolizavaaunio
entrea colnia esuametrpole. O eixoformado
por estasduasfigurasconstituio ncleodiscursivo
bsicoapartirdo qualatemticasedesenvolveno
quadro.O guardadehonraocupao centrodatela
eservecomoelementodearticulaoentreasduas
metadesda composio.Este papel mediador
acentuadoaindapelo movimento bruscoqueele
impinge aseucavalo,inclinando-o bruscamente
paraadireitaa fim dealterarsuadireo32.
09
29, A esttua eqestre possui ela rr.esma uma longa tradio iconogrfica, que remonta famosa esttua eqestre do
imperador romano Marco Aurlio realizada no segundo sculo d,e., tradio essa intimamente associada iconografia de reis,
30, t: desnecessrio reiterar aqui que tal viso de histria encontrava-se em plena concordncia com a misso patritica queO,Pedro II atribula s artes,
31, Termo tcnico usado para designar o limite inferior da tela,
32, Vale notar aqui que, ao compor o quadro, Pedra Amrica explicita seu dilogo com a pintura francesa, O cavaleiro da
Guarda 'de'Honra; que se encontra no centro da tela, apia-se sem dvida, especialmente no que diz respeito resoluo
visualdo seu'movimento, nas representaeseqestresde Jacques-Louis Oavide Gricault. Refiro-me aqui mais especificamenteaos quadros Napoleo Cruzando os Alpes (1800), de Oavid (16), e Um Oficial dos Chasseurs (1812), de Gricault (15), Este
ltimo quadro ser literalmente citado pelo artista em sua A Batalha do A vai, na figura de um oficial que empina seu cavalo
atrs do grupo principal, na extrema esquerda do quadro.
-
6.O ATO DE COROAO DO IMPERADOR D. PEpRO IIleodeFran,ois-RenMoreaux,2,38x 3,1O m, 1844MuseuImperialdePetrpolis
\~
-
Desenhandoum semicrculodireitado qua-
dro, vemosaguardadeD.Pedro, que, tomadade
surpre~apelac~~gadainesperadado prncipe,pro- .
curarapidamentemontaremseuscavaloseentrar
emformao.PedroAmricaimpingiugrandemo-
vimentomassadefigurasquecompemestameta-
dedatela,procurandocaracterizaraansiedadeea'
tensoqueprecederamaproclamaodeIndepen-
dncia,assimcomo o entusiasmocom queelafoi
recebida.Em termosdaleituradaobra,estegrupo
ocupaum papelfundamental,servindocomodes-
dobramentodosdoisplosnarrativoscriadospela
justaposiodafiguradeD. Pedroedo soldadoao
centro.Assimtemoso seguintepercursodeleitura:
nossaidentificaoinicialcomafigurado caipira
. esquerdanosintroduznacenaeseuolharnosreme-
teparao grupodeD. PedroI esuacomitiva.A partir
destegrupo,estabelece-se,p~loposicionamentofren-
teafrentedo prncipeede'seuguardadehonraao
centro(decostasparao espectador)um plo narra-
tivo,quesedesenvolveaseguiraolongodosemicr-
culoformadodireitapelosdemaissoldados.Neste
sentidodesenotarcomoo movimentodesramas-
sadefigurastransportao observadorpaulatinamen-
te do momento do brado,propriamentedito, de
D. Pedro:IndependnciaouMorte!- quesaudado
euforicamentecomo desembainhardasespadasda
guarda- parasuaconseqncia,asaber,o romp!-
mentocomPortugal,representadono gestosimb-
licodossoldadosquearrancamoslaosdesuasfar-
dasnaparteinferiordatela33.
Vemos,portanto,representadoo desfechodra-
mticodeum acontecimentohistrico,concebido
como o resultadoda bravurade um s homem,
o qual, com o seuexemplo,fundaria uma nova
ordempolitica emoral.Estanovaordem,por sua
vez,tambmj seencontraaquiesboada,corres-
pondendodepertoaosideaisdaelitedo Imprio e
sidiasdo prprio imperadorD. Pedro11.A com-
posiodeixavislumbrarumaestruturapiramidal
de poder,na qual a noode soberanianacional
encontra-seassociada preservaode uma elite
polticaeintelectual,sobalideranadeum sobera-
no decididoeforteeapoiadapor um exrcitopo-
deroso,honradoporvitriasefielaocomandodes-
ta elite34. Nesta estrutura,o "povo brasileiro"-
33. Aqui tambm a narrativa se desdobra em dois momentos: o primeiro, representado pelo soldado montado sobre o cavalo
branco direita do eixo central da tela, que arranca seu lao vermelho e azul, seguido pelo ato mais efusivo do soldadlaocentro, que atira o lao ao cho.
34. A presena efetiva do Exrcito na poltica do Imprio e seu correspondente espao no imaginrio da nao dilata-se de
forma significativa durante e aps a Guerra do Paraguai.
-
?::c~'"'8CI
~~~5"
-
-------------~--~---.~..
representadono quadr:opelocaipiraepor outras
duas figurasmarginais esquerda35- no teria
qualquerpapelativoadesempenhar,depositando,
no entanto,debomgradoseudestinonasmosdo
soberanodanao(no quadrosuaposiodees-
pectadoreadmiradordo eventoevidente).
Os recursosusadospor PedraAmrica para
comporumaimagemconvincentedaindependn-
ciado Brasil, queveiculasseao mesmotempo os
ideaisdenaoconstruidosaolongo do Segundo
Reinado,noterminamaqui.As refernciascons-
tantesa imagensdeNapoleo,encontradasnapin-
turaoficialfrancesado sculoXIX 36, tambmcon-
triburam para reforar a imagem herica de
D. PedraI construdapor PedraAmrica na tela".
J h bastantetemporeconhece-se,por exel~lplo,
umadasfontesprivilegiadasdo Independnciaou
Morte!nastelasdebatalhadeErnestMeissonier37.
De fato,o artistaestudoudetalhadamenrequadros
como.a Batalha deFriedland (1875)38(7), ou o
clebreNapoleo111naBatalhadeSo/ferino(1863)
(8) e no h como negara semelhanaentreos
traosessenciaisdessasduasobraseatelaaquiem
questo.Um dosprincpiosbsicosdacomposio
de PedraAmrica: o confronto da majestadede
D. PedraI com aagitaodossoldados direita,
assemelha-semuito estrutura da Batalha de
Friedland39.Reportando-sedestaformaaoj bem
estabelecido"mito"Napole040, o artistatranspor-
tavasuasqualidadesdeestadistaparao perfil que
delineavadeD. PedraL As ambiesdeexpanso
territarialemjogo no conflito como Paraguai,as-
oBradodo!piranga
35. t Interessante notar ainda a total ausnCiade negros nesta representao da independncia. Possivelmenteo caipira pode
estar sendo usado".comosmbolo do trabalho livre. Vale lembrar que o quadro foi pintado depois da abolio da escravaturano Brasil.
36. Como J dissemos acima o modelo de pintura histrica da era de Napoleo serviude base, por assimdizer,ao novo universode pinturas histricas produzidas pela Academia Imperial, aps a Guerra do Paraguai. Como ainda veremos, Pedro Amrica
utiliza este princpio composicional em uma grande parte de seus quadros desse perlodo. especialmente em suas cenas debatalha.
37. Em 15/11/1982, o jornalista tlio Gaspari da revsta Veja acusa Pedra Amrica de plgio do quadro Batalha de Friedlandde Meissonier na composio do Independncia ou Morte!. De fato Pedra Amrica usou este e outros quadros do artista
francs camareferncia para sua composio, porm, acus-Ia de plgio no compreender os pressupostos de sua arte.
38. Batalha comandada por Napoleo I em 1807. O quadro encontra-se hoje no Museu Metropolitan de Nova York.
39. Tambm no quadro de Meissonier os soldados esto desembainhando suas espadas diante de seu lder,no caso, Napoleo.
40. t importante ressaltar aqui que o modelo de pintura histrica inaugurado na era de Napoleo Banaparte foi adotadotambm na pintura oficial ligada a Napoleo 111.
C1l7
-
sim comoavit6ria do Brasil, forneciamo suporte
necessrioparaessesparalelos.
Apesar disso, h diferenas notveis entre
ascomposiesde PedroAmrico eMeissonier.
N ossoartistafariamenosconcessesqueestelti-
modescriodetalhadado fatohist6rico,talcomo
ele vinha sendo popularizado na Frana ap6s
o incio da monarquia liberal de Lus Filipe41
Suacomposioequacionadaemcadadetalhe,
denotandoabuscadeum equilbrio estvelentre
osdiversoselementosdaobra,a fim degeraruma
forte impressode unidade. Enquanto, no seu
Napoleo111..(8), Meissonier produz uma ima-
gemque,por assimdizer,simula uma fotografia
instantneado real42 - notem-se,por exemplo,os
cortesnasfigurasdaextremalateralesquerdado
quadro-no IndependnciaouMorte!,cadafigura
cuidadosamentecompostademaneiraaencontrar
seulugar pr6prio e confortvelno agrupamento
maior da cena,formando um conjunto disposto
deformaclaramente"legvel"parao observador43.
Nesteponto, vemosPedroAmrico voltar-se
paraoutrasfontes,reafirmandoosvaloresdatradi-
o acadmicana qual eleseformara.Aqui vale
arriscar,por exemplo,uma aproximaoentreo
Independnciaou Morte! e uma das pinturas de
Rafael,realizadasno famosoquartodeHeliodoro
no palciodoVaticano,representandoO Encontro
deLeoX etila (1512-1514), especialmenteno
quesereferedistribuioearticulaodasfiguras
no espao(9). O movimento dos dois cavalos
direita dapintura de Rafael,postosemcontraste
comaatitudeserenado Papa,assemelha-sebastan-
tesoluoencontradapor nossoartista44. justa-
mente esteaspectocuidadosamentecomposto,
nadaacidental,do quadro,queapontaparaaclara
intenodePedroAmrica deveicular,paraalm
do fatohist6rico,ideaispatri6ticos,que,comovi-
o Brado doIpiranga
41. Ver neste mesmovolume a minha anlise do texto" O Brado do !piranga" de Pedra Amrica, em que eu discuto em maioresdetalhes os fundamentos tericas de sua pintura.
42. Sobre a relao de Ernest Meissonier cam a fotografia ver: Alain Sayag, "Meissonier et Ia photographie", em ErnestMeissonierRetrospective,Lyon, Muse des Beaux-Arts, 25/03 a 27/06 de 1993 (Catlogo).
43. Outra diferena importante a ser notada diz respeito dimenso dessas obras. Enquanto Meissonier pintava quadros de
temas histricos em dimenses de pintura de cavalete(o seu Napalea 11,... mede apenas 44 X 76 cm), desprezando a vocao
ostentativa do gnero. Pedro Amrica, ao contrrio, buscava dar a suas obras a maior dimenso possivel. Seu quadroIndependncia ou Mortel mede, por exemplo, 4,15 X 7,60 m e A Batalha do Aval nada menos que 5 X 10m.
44. Cardoso de Oliveira menciona explicitamentea admirao de Pedro Amrica por Rafael e Michelangelo: "Foi seu modelo
predileto o divino RafaelSncio, e Miguel ngelo tornou-se objeto de suas incansveiscontemplaes estticas", op.cit.,p. 39.
99
-
moscabiamexemplarmentenocontextodarela-
oentreaacademiaeo imperador45
Ainda um ltimoaspectodo quadroInde-
pendnciaouMorte!merecemeno,noquediz
respeitosuavinculaoaoprojetoacadmicode
construodeumimaginrioespecificamentebra-
sileiro.SenasprimeirasdcadasdoSegundoRei-
nado,existiaummovimentodecaracterizaodo
contextonacionalpelainclusodeatributoses-
pecficosqueremetessemaouniversoexticodos
trpicos(procedimentoquesecoadunavaperfei-
tamentecomalgicadasimagensoficiaisprodu-
zidasento),apsaGuerradoParaguai,abando-
na-seestaestratgiaemproldaconstruodeuma
atmosfera,quepontuasseocontextobrasileirosem
quefossenecessriorecorreraatributos.Estanova
estruturavisualaparecepelaprimeiraveznaobra
deVtorMeireles,aindanadcadade1960,mais
especificamenteemseusquadrosA PrimeiraMis-
sa no Brasil (1861)(10)e Moema (1866)(11),
nosquaisnoexistemaisarefernciapontualao
mundoexticotropical,masestemundoapre-
sentadocomoo prpriocenriodanarrativa46,
O mesmoocorrenoquadrodePedroAmrica,no
qualpodemosnotarumasobteposiodesenti-
mentospatriticossqualidadesespecficasdapai-
sagempaulista.H umadramaticidade,encena-
danosacidentesdoterreno,queassociaclaramente
ostioaoacontecimentohistricorepresentad047
e,porsuavez,acaracterizaodaatmosferalocal,
construdaessencialmentepelotrabalhocoma
cor,forneceotompsicolgiconoqualtalaconte-
oBradodoIpiranga
fliII
45. Vale lembrarque o quadro foi pintado no ocaso do Imprio, quando D.Pedro 11e toda'a velha estrutura de Estado tornaram-se alvo de intensas criticas e mesmo de ridicularizao. A seriedade cQm que Pedro Amrico apresenta sua imagem davinculao essencial entre Imprio e Nao, nesse contexto, denota o nlvel de envolvimento de artistas acadmicos como ele
na propaganda oficial do Imprio..
46. A busca da representao de sentimentos nacionais atravs da prpria paisagem e do colorido local tem raizes nomovimento romntico, que passou a compreender a paisagem como veiculo de expresso de sentimentos subjetivos. Refiro-me aqui, por exemplo, s paisagens sublimes de Caspar David Friedrich.
47. Pedro Amrico fez modificaQes significativas na situao geogrfica da colina do Ipiranga, visando conseguir tal efeito
expressivo. Essasmodificaes evidenciam-se, por exemplo, quando comparamos o quadro com um desenho que M. Dutra fez
do stio (d. Pedro Correia do Lagb, lconografia Paulista do Sculo XIX, So Paulo, Metalivros, 1998,p. 131).Sobre a questodiz, por sua vez, o prprio artista: "Para satisfazer o geral desejo de ver representado o clebre riacho do Ipiranga - o qualna realidade passaria distncia de alguns metros atrs de quem observa o painel -, forcei a perspectiva pintando um
simulacro de corrente aos ps dos cavaleiros do primeiro plano. Desculpe-me o pblico essa quase insignificante violncia
topografia, considerando a necessidade de consagrar na pintura a idia do ribeiro cujo nome to intimamente ligou-se ao
glorioso fato da nossa emancipao poltica" (d. "O Brado do Ipiranga ou a Proclamao da Independncia do Brasil",reproduzido neste volume, pp. 26-27).
Hll
-
---
-
cimentodeveriaserrecebido48Assim, oselemen-
tos tpicos dapaisagembrasileira:avegetao,o
casebre,osnativos, tornam-seessenciaisinter-
pretaodo acontecimentohistricocomoevento
intrinsecamentevinculado terrae a seudestino
oLugardoIndependnciaouMorte!naObradePedro
Apontamentossobredo.Artistaao
doImperador
;1
It~'
oBradodolpiranga
oquadroda Independnciaocupaaindaum lugarprecisodentrodaproduodePedroAmricacomo
um todo.Observandoatentamenteasvriasrepre-
sentaesdecenasdebatalhaquesesucederamao
longodesuacarreira- comeandocomA Batalha
deCampoGrande,em 1871(12) epassandopeLi
sua famosarepresentaode A Batalha doAva
(1877) (14) - percebemosque, aos poucos, ele
desenvolveumaespciedeesquemacomposicional
queserutilizado como baseparaa realizaode
vriosdeseusquadroshistricos,entreosquaiso
prprio IndependnciaouMorte!.Sendoqueeste
percursoformaldo artistacentralparacompreen-
dermossuainseronosdebatesartsticosdeen-
to,elaserexaminadadepertoaseguir.Procura-
remos revelar uma dimenso, por assim dizer,
como nao.Ocorre nestapassagemumaestreita
aproximaoentrenaturezaehistria,quecontri-
bui grandementeparaaretricado quadro.
Por meio de tantosartifcios, PedroAmrico
conseguiuproduzir umaimagemdegrandeapelo
patritico naqual,outravez,tornava-seprotago-
nistao rei. Interessante,no emanto,notaradis-
tnciaexistenteentreessarepresentaoeasima-
gensoficiaiscriadasno comeodo SegundoReina-
do. Ao final do Imprio, como imaginrionacio-
nal estrutLlradoa partir de um modelo que tinha
como ncleo afigura do heri, o rei no poderia
maisseimpor puramentepor suapresena,mas
~penasassumindoeletambmum papelherico.
Secularizou-seo monarcae desmontou-seo seu
teatro.No por acasoestamossportasda Rep-
blica49
48. O uso da cor apresenta-se como um meio efetivo de estabelecimento da unidade composicional do quadro e espelha o
estudo detalhado que pedro Amrica fez de pintores como Delacroix e Gricault, de artistas juste mil/eu, como Meissonier,
Henri Regnault (1843-1871), mas tambm de pintores belgas e holandeses, como Edouard Biefve (1808-1882), Louis Gallait(1810-1887) e Jan Willem Pieneman (1779-1853), o qual pintou sua importante A Batalha de Waterloo em 1824.
49. O modelo de imagens oficiais produzidas durante os ltimos anos do Imprio receber continuidade durante os primrdios
da Repblica. Ao retirar-sedo centro das imagens patriticas a partir da dcada de 1870, D. Pedro II contribuia, sem saber,para a desmontagem do teatro da corte que, por sua vez, era um dos sustentculos do sistema monrquico.
108
-
programticado quadroIndependnciaouMorte!,
que,a nossover,origina-sena reaodo artista
fmosapolmicageradapelaexposioconjunta
deseuquadroA BatalhadoAva edeA Batalhade
GuararapesdeVtor Meirelesnaexposiogeralda
academiaem 187950
Quando PedroAmrico concebeuseuprimei-
ro quadrodebatalhaem 187151,elelanou mo,
emlargamedida,dasliesqueaprenderacomsua
cpia de A Balsa da Medusa (13) de Thodore
Gricault.Assim, maneirado artistaromntico,
eleadotouno quadroumaestruturapiramidalque
permitisseintensificaro sentimentodetensoen-
volvidonoepisdiorepresentado52. Nestaobratudo
seagitae,senofossepeloarranjodostrscavalos
queocupamo centrodo quadroeelevamo conde
D'Eu acimadacenadebatalhapropriamentedita,
esteseveriacompletamentesubmersona turbu-
lnciada luta53.Em seuconjunto, acomposio
eraengenhosaefoi muito discutidanosmeiosin-
telectuaisdapoca.Com o sucessodesteseupri-
meiroquadrahistrico, o artistaganhourenome
comopintor do gneroe,jem 1872,foi procura-
do peloministrodo Imprio comaencomendade
um quadrodebatalhadegrandesdimenses.
Em 1873,portanto, PedraAmrica embarca
paraaEuropacomo objetivoderealizarA Batalha
doAva (14),lpermanecendoatterminaraobra
em 1877.Como j vimos, Meissonier,quehavia
pintado seuNapoleo111na BatalhadeSo!ferno
(7), em 1863, realiza, em 1875, a Batalha de
Priedland(8),usandocomposiesbastanteseme-
lhantes.A partir destasduaspinturas,quePedro
Amrico certamenteestudouem detalh'e,nosso
artista desenvolvepara A Batalha do Ava um
esquemacomposicional bsicoque elepassara
J~
50. Sobre a Exposio Geral de 1879, consultar Donato Mello Jr., na Revistado Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro, op.
cit., especialmente pp. 317-328. Ver ainda, do mesmo autor, Pedra Amrico de Figueiredo e MeIo 1843-1905: Algumas
Singularidades de sua Vida e de sua Obra, Rio de Janeiro, Pinakotheke, 1983.
51. Sua deciso de pintar um quadro histrico certamente est associada ao fato de ele ter, entre 1870 e 1871, substitudo
Vitor Meireles, por algum tempo, na cadeira de Pintura Histrica da Academia de Belas-artes.
52. A composio piramidal tem uma longa trajetria dentro da tradio de pintura histrica; j Giovanni Paolo Lomazzo (1538-
1600) apontava para as possibilidades de expresso de movimento dada por esta forma composicional (d.Hubertus Kohle, UtPictura poesis non erit. Denis Diderots Kunstbegriff, Zurique, Hildesheim e Nova York, Georg Olms, 1989, p. 27). TambmG.E.Lessing(1729-1781) faz uma meno ao "aguamento em pirmide", encontrado no grupo do Laocoonte, "to agradvel
aos olhos" (d. Lessing, Laocoonte: Ou sobre as Fronteiras da Pintura e da Poesia, traduo, introduo e notas de MrcioSeligmann-Silva, So Paulo, lIuminuras, 1998, p. 120),
53. O grupo dos trs cavaleirosao centro do quadro de Pedro Amrica deriva da disposio dos trs homens que formam o topoda pirmide no quadro de Grcault.
-
empregaremsuassubseqentescenasdebatalha,e
igualmenteno quadroda Independncia.Tal estra-
tgiaconsistiaemcontrastaramajestadeeaausn-
cia de movimento do grupo principal - situado
sempreemum stio elevadoemsegundoplano-
com aagitaodasmassasdesoldadosalutarem.
Estaorganizaodasfiguraspermitia estabelecer
visualmentenatelaaidiadeumahierarquiaentre
comandantesecomandados,ou seja,entreosque
viam nos combatesuma cinciada estratgia(e
aquiPedroAmrico jogava,diretamente,com os
mitoscriadosemtorno deNapoleoBonaparte)e
situavam-se,portanto,paraalmdaconcepoda
batalhacomo experinciaimediata,eaquelesque
seentregavamcegamenteluta,confiandonases-
tratgiasde seuslderes.Ela fornecia, em outras
palavras,aestruturaidealparaumanarrativahist-
rica.A adoodestaestruturaformalnosseusqua-
drasdebatalhasquesucederamaodoAval,signi-
ficava,portanto,aadesodePedraAmricoaopro-
jeto nacionalistadaacademiaedeseusprincipais
mecenas.Portamo,aexplicitaodeseuprincpio
composicional, ou, dizendo de outra forma, do
cartercuidadosamentecompostodeseusquadros,
ocorre,anossover,noapenasemconseqnciada
experimentaodo artistacomo mesmoemdife-
rentestemticas,masemcertamedidaemfuno
deumaclaratomadadeposiodo artistadiante
do debatepblicosobrearteno final do Imprio.
Procuremosesclareceraquesto.
Quando A BatalhadoAlJal (14) foi exposta
pela primeira vez, ao lado de A Batalhade
GuararapesdeVtor Meireles,desenvolveu-seuma
grandepolmicanaimprensaquemobilizouposi-
esacadmicaseantiacadmicasdeformainusita-
da.Estavamemjogo, no entanto,nosquestes
estticas,mas,devidoaoestreitovnculoentreaca-
demiaepoltica imperial,tambmum confronto
veladoentremonarquistaserepublicanos.
O debatepblico geradoem torno dos dois
quadros foi impulsionado pelo posicionamento
abertodaAcademiaImperialdeBelas-artesafavor
de Vtor Meireles e pelo seusutil ataquecontra
PedroAmrica,especialmentenoparecerdadopela
comissojulgadoradaExposioGeral,aofinaldo
evento54.
106
54. Segundo Carlos Roberto M. Levy, mesmo antes da abertura da mostra, "[...] a ReVista Ilustrada recrimina a notria
vinculao preferencial da Academia ao pintor Vitor Meireles, insinuando que haveria transferncia da data de abertura da
exposio geral em virtude de ainda no estar concluda A Batalha de Guararapes" (Levy. "A Exposio Geral de 1879 e aCritica de Angelo Agostini (1843-1910)", Revista Critica de Arte, op. cit., p. 55).O parecer da Comisso Julgadora foi o seguinte:
Sobre A Batalha de Guararapes: " um quadro original de vasta dimenso, que mede uma superfcie de 882 palmos
quadrados, e que contm centenas de personagens, sendo as do primeiro plano de grandeza natural, e de forte proporo.
-
PedraAmrica, quehaviamuitos anosusava
desuainflunciajunto ao imperadorparaconse-guir longasdispensasdeseusdeveresdeprofessor
na academia,no eravisto com bons olhos porvrios deseuscolegas.O fatodeele,almdisso,ter
buscado usarde suasinfluncias parasubstituir
definitivamenteVtor MeirelesnacadeiradePin-
tura Histrica, paraaqualeleseconsideravamais
bem preparado,tornaraasuasituaonaquelains-
tituiobastantedelicada55. A exposioladoalado
dosdoisartistastrazia tona,portanto,um velho
conflito institucional,eo apoio integraldaacade-
miaaVtor Meirelessignificavamuito maisdo que
umaaprovaodeseusprincpiosestilsticos,uma
tomadadeposiopoltica damesmano sentido
deenfraqueceraposiodePedroAmrico dentro
dainstituio.
A friezacom queaacademiarecebeuA Bata-
lhadoAva polarizou o apoio da crtica de arteantiacadmicaa PedroAmrica. Ao abrir-seum
frum dedebatepblicosobreosdoisquadros,as
questesde politica internada instituiopassa-
ram,por assimdizer,parasegundoplano,eosdois
quadrosforamrecebidoscomo representantesde
duasposturasestticasantagnicas,o quegerou,
como veremos,uma leiturabastanteequivocada
deA BatalhadoAva.Destaforma,PedroAmrica,
um dosartistasmaisprximosdo imperadoreum
dosmaioresdefensoresdesuaconcepoutilirria
depintura,viu-se,paradoxalmente,usadonosata-
oBradadofpiranga
Inteira concepo do assunto, unidade de composio, correo de desenho, colorido brilhante e harmonioso, efeito completo
de perspectiva, em que sobressai a verdade das tintas quentes do cu dos trpicos, figuras bem concebidas, bem proporci-'
onadas, notando-se-Ihes a exatido das expressesfisionmicas, panejamentos escolhidos e executados com aquele gosto e
aquele talento que distinguem as obras dos mestres;e principalmente a tranqilidade geral da composio to recomendada
por todos os grandes mestres, e to diflcil de conseguir em quadros de batalhas, so as qualidades principais desta obra
capital; obra que S ser devidamente adquirida quando com o correr dos tempos, e os progressos da nossa sociedade, soubero nosso pblico conhecer onde na arte reside o verdadeiro merecimento. [...] Sobre A Batalha do Aval do Dr. Pedro Amrica
de Figueiredo e Meio, quadro de igual dimenso, e no menos trabalho que o precedente, a Comisso julga-se dispensada
de emitir opinio, visto como j tem sido esta obra muito discutida e analisada; ela tem sem dvida elevado merecimento, pois
sem isso no conseguiria seu ilustre autor, como conseguiu, galvanizar o habitual indiferentismo do nosso pblico, e obter por
ela do Governo Imperial uma recompensa pecuniria que honra a arte e o artista. Este fato pois denotando um juizo j feitosobre o valor da obra, justifica a classificao que do seu autor faz a Comisso." (Cf. RevistaCriticadeArte,op. cit.,p. 57).
55. Segundo Donato Mello Jnior (Pedra Amrica, op. cit.), em 1870 Pedro Amrico transfere-seda cadeira de Desenho para arecm-criada cadeira de Histria da Arte, Estticae Arqueologia. No mesmo ano, substitui Vitor Meireles na cadeira de Pintura
Histrica, uma das mais prestigiosasda instituio. Essasmudanas denotam o crescenteprestgio de Pedro Amrico junto ao
imperador e seu ministro, assim como sua ambio de poder. De fato, a encomenda de um quadro histrico sobre a Primeira
Batalha de Guararapesfoi dada pelo ento ministro do Imprio, Joo Alfredo Correia de Oliveira, inicialmente a Pedro Amrico.Tendo este escolhido um assunto mais contemporneo, a Batalha do Aval, passou-se a primeira encomenda a seu rival Vitor
Meireles. tportanto, possveldizer que, de certa forma, a intensa competio estabelecidaentre os dois artistasenvolviamuitomais do que uma disputa artstica, mas relacionava-secom uma disputa de poder interna prpria instituio acadmica.
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quesferozesdecrticosrepublicanosacademiaea
seupatrono.
Nessecontexto,A BatalhadoAva foi recebi-
da,antesdetudo, como um quadradeum realis-
mo brutap6.Gonzaga-Duque,um dosprincipais
crticos de artede suapocae ferrenhoantiaca-
dmicoaclamouatelacomo uma dasmaisbem-
sucedidasdo pintor, justamentepor tervistonela
umdescasodePedroAmricocomosvalorestradi-
cionaisdaacademia.Aps umalongadigressoso-
bre o aspecto cruelmente realista do quadro,
Gonzaga-Duquecompleta:
"porestamaneiradeveredesentirquePedra
Amrica nos ofereceA BatalhadoAva, que to
grandeceleumadespertounaimprensafluminense
etantabulhalanouentreoscrticosdiscpulosde
Ch. Blanc57Desenhadordo movimentoenoda
linha,deuaseuquadroum brio magistrale triun-
fante.Estendeuquantolhefoi possvelaao,par-
tindo do primeiro planoondehfiguraspintadas
com umvigordignodemestte.E foi precisamente
esrevigor,esraindependnciadecomposiocom
queeletratouo quadroqueprovocoualongadis-
crdiaentreacadmicoseinovadores.
O artistaabandonouascediasdacomposio
acadmica,ecompso sujeitocomomelhorenten-
deu,paratransmitirmaisdiretamentea impresso
recebida.Paraalgunsconstitui essemodo depro-
cederum imperdovelerro,porquedesprezaros
maisausterosprincpiosdaarte.Se,entretanto,in-
dagarmosbem da causaque provoca a imper-
sonalidadeem artistasde cuidados estudose de
intelignciasassinaladas,acharemoscomo causa
fundamentalessesausterosprincpiosdaarte,que
tantopreocupamoscrticosconvencionalistas"58.
E, maisadianteconclui:
"V-se,claramente,queo movimentoemum
quadrodebatalhaspode resultardo exagero,mas
oBradodolpiranga
!I,
56. Falando da recepoda obra, diz Donato Mello Jnior: "Quanto a Pedra Amrica [...] observou-se em relao Batalha do
Aval um certo exagero na dinmica das diversas aes que constituem a composio, a crueza chocante das imagens e aexistnciado estilhaamentoda unidade da obra em diversosquadros isolados, to autnomas se apresentamas diversascenas"
57. Charles Blanc (1813-1882) escreveu seu Grammaire des arts du dessin em 1867, um manual para artistas que visava
combater o pluralismo estilstico - nocivo a seu ver - que dominava a pintura histrica de sua poca. No livro, ele procurava
reafirmar os principias bsicos da doutrina acadmica, acentuando o carter ideal inerente a este gnero e combatendo as
tendncias realistas da pintura histrica de artistas como Meissonier ou Grome (d. Thomas Gaehtgens e Uwe Fleckner(orgs.), Historienmalerei, Berlim, Reimer, 1996).
58. Gonzaga-Duque, A Arte Brasileira, introduo e notas de Tadeu Chiarelli, Campinas, Mercado de Letras, 1995, p. 151(Coleo de Arte Ensaios e Documentos).
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nuncadaordemestabelecidaentreo contrastedas
figuras,entresi, e dos grupos, como pretendem
impor osacadmicos"59.
No sGonzaga-Duque posiciona-seafavor
dePedroAmrica, mastambmoutroscrticosda
instituioacadmica,comoAngeloAgostini- ele
mesmoartista,caricaturista,jornalistaeferrenho
republicano (17) - saramem defesado quadro,
elogiando-o em detrimento da obra de Vtor
Meireles:
"D-seum fatosingular,extraordinrioatual-
menteno Rio deJaneiro,acidadedosbocejoslon-
gosedosFagundescurtosdeinteligncia:discute-
se belas-artes.E discute-secom paixo, encar-
niadamentena imprensa,nos teatros,noscafs,
naspalestrasfamiliares,eatnaprpriaAcademia
sediscutebelas-artes!Os crticosdividiram-seem
partido, contrao Vtor epeloVtor [00']' No con-
fronto inevitveldasduasgrandestelas,j nose
procurasaberqualdasduasamelhor,masqual
apior dasduas,amaischeiadedefeitos,amenos
original,amaisplagiada;eoscrticosentregam-sea
escavaesartsticasqueespantamagentedetanta
erudio,e brevedescobremquePedroAmrica
plagiou a moldura de A Batalha doAval e Vtor
Meirelesaspenasdepapagaiocom queenfeitouo
Sr.FelipeCamaroeasdepavocomqueescondia
a sua nudez esttica.Admitindo, portanto, que
ambostenhamroubadoinspiraesparaseusqua-
dros, restasaberqual o bom e o mau ladro,e
comparando-osv-se:emA BatalhadoAval,dese-
nho, movimento, expresso;em A Batalha de
Guararap:sfaltadedesenho,falcademovimentoe
ausnciadeexpresso"60.
Uma anlisemaisdetidadeA BatalhadoAval
(14) revela,no entanto,que estaapropriaodo
quadroesuautilizaonaluta contraoscnones
daacademia(e,portanto,contraapolticacultural
do Imprio) nopossuanenhumfundamentona
prpria pintura. Quando bemobservado,o qua-
dro revelaumacomposiometiculosamenteestu-
dadae inteiramenterealizadade acordo com as
convenesestticasdaacademia.Resumidamen-
te,PedroAmrica concebeuasuacenadebatalha
apartirdeduasdiagonaisquesecruzamno ponto
centralda tela,sobreseuauto-retrato.A despeito
destepequenocapricho,asdiagonaissorigorosa-
mentepensadasdeformaadefinirasduasposies
59, Idem, p. 155,
60. Angelo Angelini, Revista Ilustrada, Rio de Janeiro, ano 4, n. 158, pp. 2 e 3, 25 de abril de 1879. Apud, Revista Critica deArte, op. cit., p. 66
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16. UM OFICIAL DOS CI-lASSEURSGricau/t,3,49 x 2,GGm, 1812Louvre
PedroAmricousouestequadrocomomodelopara a composiodeum detalhedesuaobraA Batalhado Ava.
-
delutanacenaapresentada:do ladoesquerdo,re-
presentadopor Caxiasesuacomitiva,osinteresses
do Brasil,contrapostoposioexatamentesim-
tricadosparaguaios,demarcadapor umabandeira
daquelepas.Passoapassoo artistaencaminhao
observador,pondo-lheahistriadabatalhadiante
dosolhos:dafiguraesquerda,vestidadeverme-
lho ereclinada,cujopdireito tangeabarreiraes-
tticado quadro, PedroAmrica nos conduz ao
oficialque,montadosobreum canho,acenacom
seuchapuemcomemoraovitriadabatalhae,
assimfazendo,apontandoparao grupodosheris
responsveispelamesma61, Abaixo eaoredordes-
tesprotagonistas,um grupo deparaguaiosdepe
armasebandeirasrogandopor clemncia.Os he-
risdacena,porsuavez,observamatentamenteos
ltimosmovimentosdabatalhajvencida,acom-
panhandocomo lentamenteabandeirabrasileira
avanasobreaposiodo inimigo.
A dinmicabsicado quadro resume-se,por-
tanto,no confrontoentreoscomandantesbrasilei-
ros,quevemsuasestratgiasdeguerracoroarem-
sedexito,eamassaquesucumbeaoshorroresda
luta.Reconhecemosaquiaestruturadescritaacima
naanlisedo quadroda Independncia:destavez
no contrasteentreamajestadedafigurado Duque
deCaxiasedeseuestado-maioreo caosquetoma
contadoscamposdebatalha frenteedireitada
tela.No entanto,diferentementedo queacontece
mais tarde em Independnciaou Morte!, Pedro
Amrica nopontuaratoclaramenteestaestrutu-
ra,encobrindo-acom um nmero quaseinfinito
de elementosditos "decorativos".Evidente,no
entanto,queA BatalhadoAva temumaestrutura
criteriosamentecompostasegundoprincpiosque
regiama criaode um quadro de histria e que
faziamdeste,segundoatradioacadmica,o mais
nobredosgnerosdapintura.
A recepoequivocadade seuquadro como
uma obra anriacadmica,deixou PedroAmrica
emuma situaobastanteincmoda, pondo po-
tencialmenteemriscoaprpria ligaoqueeleti-
nhacom o imperadoreestefatoteriaconseqn-
ciasparao desenvolvimentoposteriordesuaobra.
Sabemosque,apsasuaexperinciacomA Bata-
lha doAva, Pedro Amrico retoma Europa, e
aprofunda-seno estudodeagumasquestesest-
ticasdegrandeimportnciaparao mundo acad-
mico, publicando, ainda em 1879, seu Discurso
sobreoPldgio na LiteraturaenaArte. Estasrefle-
oBrado doIpiranga
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