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v.9 n.3 setembro/dezembro 2006 Salvador-BA ISSN 1808-124x set/dez. 2006. n. 2 p.265- 426 Gest. Ação Salvador v. 9

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Qualquer parte desta publicação pode ser reproduzida, desde que citada a fonte. Disponível em: <http://www.gestaoemacao.ufba.br>

Projeto Gráfico: Helane Monteiro de Castro Lima.Normalização: José Raimundo Paim de Almeida.Revisão: Katia Siqueira de Freitas, Charlie Palomo (Espanhol) e Robert Girling (Inglês).Diagramação e formatação: Helane Monteiro de Castro Lima.Capa: Maria Lúcia Ganem Assmar e Helane Monteiro de Castro Lima.Produção Editorial: Helane Monteiro de Castro Lima.Impressão:

Gestão em Ação é um periódico editado sob a parceria e responsabilidade da Linha de Pesquisa Políticas e Gestão em Educação do Programade Pós-Graduação em Educação da FACED/UFBA e do Centro de Estudos Interdisciplinares para o Setor Público (ISP/UFBA). Aceitaparcerias e colaborações, reservando-se o direito de publicar ou não os textos enviados à redação. Os trabalhos assinados são de inteiraresponsabilidade de seus autores.

Periodicidade: Quadrimestral Tiragem: 1.500 exemplares Circulação: Janeiro/2007.

Indexada em:Bibliografia Brasileira de Educação-BBE, INEP.Biblioteca Nacional <http://periodicos.bn.br/cgi-bin/isis/wwwisis/[tcg=999]/[in=ser.in]/>Organización de Estados Iberoamericanos para la Educación, la Ciencia y la Cultura (CREDI/OEI)-España.Citas Latinoamericanas en Ciencias Sociales e Humanidades da Universidad Nacional Autônoma de México (CLASE/UNAM).Universitat de les Illes Balears (UIB) - Spain <http://sls.uib.es/search*cat/s?SEARCH=gestao&submit=Cercar>

Inscrita em:Biblioteca Ana Maria Popovick (BAMP/FCC) <http://www.fcc.org.br/biblioteca/index.html >Sumários de Periódicos do Acervo FEUSP <http://www.fe.usp.br/biblioteca/publicacoes/sumario/jul/F_i.htm#Gestão%20em%20Ação>

Afiliada à Associação Brasileira de Editores Científicos (ABEC)Avaliada pela Qualis/Capes - Nacional B em 2003 e em 2005.Disponível no Portal Capes/MEC <http://www.periodicos.capes.gov.br>

Editor: Dr. José Albertino Carvalho Lordelo.

Universidade Federal da BahiaFaculdade de Educação-FACED.Programa de Pós-Graduação em EducaçãoLinha de Pesquisa Políticas e Gestão em EducaçãoAv. Reitor Miguel Calmon, s/n - Vale do CanelaSalvador/BA Brasil - CEP:40110-100Tel./Fax. (71) 3263-7262

Redação:Universidade Federal da BahiaCentro de Estudos Interdisciplinares para o Setor PúblicoAv. Adhemar de Barros, Campus Universitário de Ondina.Pavilhão IV- Salvador/BA Brasil CEP: 40170-110Tel./Fax. (71) 3263-6479 e 3263-6494homepage: http://www.gestaoemacao.ufba.brE-mail: [email protected]

Conselho Editorial Nacional: Antonio Carlos Xavier (IPEA); Celma Borges Gomes (UFBA); Denise Gurgel (UNEB); Jorge Lopes (UFPE);Katia Siqueira de Freitas (UFBA); Lauro Carlos Wittman (FURB); Magna França (UFRN); Maria Eulina Pessoa de Carvalho (UFPB); NelsonWanderley Ribeiro Meira (FABAC); Regina Vinhaes Gracindo (UnB); Vicente Madeira (UCP/RJ). Conselho Editorial Internacional: Abrilde Méndez (ICASE - Universidade do Panamá); Brigitte Detry Cardoso (U.Nova de Lisboa - Portugal); Ernestina Torres de Castillo (ICASE -Universidade do Panamá); Fábio Chacón (Empire State College-USA); Felicitas Acosta (IIPE/Argentina); Luiz Enrique Lopez (PROEIB-Cochabamba/Bolivia); Maria Clara Jaramillo (PROEIBAndes em Cochabamba -Bolívia); Rolando López Herbas (Facultad de Humanidades YCiencias de La Educacion.Universidad Mayor de San Simon.Cochabamba-Bolivia).

Comitê Científico Nacional: Ana Maria Fontenelle Catrib (UNIFOR); Antônio Cabral Neto (UFRN); Avelar Luiz Bastos Mutin (GAMBÁ);Dora Leal Rosa (UFBA); Edivaldo Boaventura (UFBA); Heloisa Lück (PUC/PR); Jerónimo Jorge Cavalcante Silva (UNEB); José Vieira deSousa (AEUDF); Katia Siqueira de Freitas (UFBA); Lourdes Marcelino Machado (UNESP/Marília); Miguel Angel Garcia Bordas (UFBA);Nicolino Trompieri Filho (UFC); Nigel Brooke (GAME/UFMG); Robert Evan Verhine (UFBA); Rogério de Andrade Córdova (FE/UnB);Romualdo Portela de Oliveira (USP); Theresinha Guimarães Miranda (UFBA); Walter Esteves García (Instituto Paulo Freire). ComitêCientífico Internacional: Carlos Alberto Vilar Estêvão (UMINHO- Portugal); Charlie Palomo (UNTREF- Argentina); Horst Von Dorpowski(The Pennsylvania State University – EUA); Javier Murillo (UAM- Espanha) José Gregório Rodriguez. (Universidad Nacional de Colômbia– Colômbia); Marcel Lavallée (UQAM); Mirna Lascano (Northeastern University of Boston - EUA); Robert Girling (Sonoma State University– EUA); Wayne Baughman (American Institutes for Research-EUA).

Os artigos enviados à Gestão em Ação são encaminhados aos seus pares para avaliação, preservando-se a identidade dos autores.

Gestão em Ação/ Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da UFBA; ISP/UFBA. - v.1,n.1 (1998) - Salvador, 1998 -

Quadrimestral

ISSN 1808-124x

1. Educação - Periódicos. I. Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Educação. Programa de Pós-Graduação em Educação. 2. Universidade Federal da Bahia. Centro de Estudos Interdisciplinares parao Setor Público.

CDU 37(05)CDD 370.5

ACEITAMOS PERMUTAS

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EditorialEditorial

José Albertino Carvalho Lordelo

Auto-avaliação institucional orientada à ampliação da responsabi-lidade social: o caso do CEFET-RNInstitutional self evaluation guided to social responsability: the case of CEFET-RN

Dante Henrique Moura

Eleição de diretores escolares: avanços e retrocessos no exercí-cio da gestão democrática da educaçãoThe election of school principals: advances and backward movements in the exercise of the

democratic management

Cláudia Dias Silva

La frontera: futuros imprevisibles, paradigmas en construcciónThe border: unforseeable futures, paradigms in construction

Sérgio Gómez Montero

A educação como mundo-vida: de professora à diretora escolarThe education as world-life: of professor to school principal

Amarildo Jorge da Silva

Ana Oliveira Castro dos Santos

Ricardo Roberto Behr

Transformação social e modo de produção: do sistema pré-industrialao sistema capitalista de produçãoSocial transformation and way of production: from of the system pre-industrialist to the

capitalist system of production

Alexandre Shigunov Neto

Lizete Shizue Bomura Maciel

O papel dos Conselhos Escolares no Sistema Municipal de Ensinodo RecifeThe paper of the pertaining to School Advice in the Municipal System of Education of Recife

Edson Francisco de Andrade

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Sumário/Summary

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Cultura nacional, cultura das organizações escolares e a gestãodemocrática: algumas reflexõesNational culture, culture of the school organization and the democratic management: some reflections.

Joyce Mary Adam de Paula e Silva

O professor e sua formação: representações de coordenadorespedagógicosTeacher and his education: pedagogical coordinators’ representations

Renata C. O. Barrichelo Cunha

Guilherme do Val Toledo Prado

A dupla relação: leitura e o imaginário como valores culturaisThe double relation between reading and imaginary as cultural aspects

Gicele Faissal de Carvalho

Gestão da Educação presencial e a distânciaClassroom and distance-learning administration

Katia Siqueira de Freitas

Instruções editoriais para autoresPublishing instructions for Authors

Política Editorial Gestão em Ação (GA)Publishing policies

Publicações PermutadasExchange Publications

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Editorial

Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 269-270, set./dez. 2006

Nesta edição de Gestão em Ação os pes-quisadores retomam os temas da agendapolítica da educação: avaliação institucional,gestão educacional, cultura e valores naorganização escolar e as relações entre edu-cação e sociedade, postos em relevo e ana-lisados cientificamente.

Dante Moura analisa as relações entre areforma da educação profissional e a identi-dade institucional, o contexto externo e oplanejamento escolar e vai além ao formularproposições para construir a nova identi-dade de uma instituição tomada como casona sua pesquisa.

Claudia Silva faz um balanço da eleição dediretores escolares e conclui que, sozinha,a prática da eleição do diretor não é capazde garantir o exercício da democracia na es-cola e nos convida a propor caminhos parasuperar os atuais modelos de gestão. JáAmarildo Silva, Ana Oliveira dos Santos eRicardo Behr mergulham na fenomenologiahermenêutica para compreender as relaçõesentre a formação social e histórica de umaprofessora e seu estilo de direção. Os auto-res mostram como essas dimensões estãoimbricadas. Edson Francisco de Andradeanalisa o papel dos Conselhos Escolares,centra sua discussão na questão da auto-nomia e sua relação com as instâncias su-

periores, tomando com campo de análise, oSistema Municipal de Ensino de Recife.

Recorrendo as metáforas para analisar asorganizações, Joyce de Paula e Silva apre-senta um estudo da organização escolarcomo fenômeno cultural e aponta os fatoresque dificultam o estabelecimento de umacultura de participação na gestão escolar.Gicele Carvalho nos mostra a relação entrea leitura e o imaginário como valores cultu-rais, produto de suas observações realiza-das em salas de aulas e na biblioteca de umaescola particular.

Katia Freitas aborda a gestão da educaçãopresencial e a distância. Ela mostra como aqualidade da educação está associada coma formação e o desempenho do gestor con-tudo, defende que a capacitação não fiquerestrita unicamente ao dirigente mas a todaequipe gestora. A pesquisadora finaliza seuartigo levantando novas questões e provo-cações que representam um convite a no-vos estudos, análises e pesquisas sobreesse tema recorrente da Gestão em Ação.

Renata Cunha e Guilherme Prado discutemas representações que o coordenador temda ação do professor e de sua formação. Apartir da escuta de cinqüenta coordenado-res os autores concluem que a comunica-

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Editorial

Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 269-270, set./dez. 2006

ção é indispensável para a formação,ressignificação de práticas e interações pro-dutivas e que conhecê-las anuncia a possi-bilidade de transformações nas relações ena escola.

Alexandre Neto e Lizete Maciel nos ajudama compreender as transformações sociaisocorridas durante o processo de implanta-ção do modo de produção capitalista a par-tir do século XV e como elas afetaram a vidahumana, tornando-nos prisioneiros do ca-pital e privando-nos de liberdade.

Do México, Sérgio Montero nos apresentauma temática sempre atual: a tensa situaçãona fronteira do México com os Estado Uni-dos, mas projetando um olhar sob uma pers-pectiva diferente.

Nesta edição, Gestão em Ação confirma suatradição de periódico diverso e aberto,acolhendo contribuições e análises de pes-quisadores, docentes, gestores e pós-graduandos que, direta ou indiretamentetocam no seu objeto central, a gestão edu-cacional.

Boa leitura.Dr. José AlbertinoCarvalho Lordêlo

Editor

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Dante Henrique Moura1

Auto-avaliação institucional orientada à ampliação daresponsabilidade social: o caso do CEFET-RN

Resumo: Nas instituições educacionaisbrasileiras e, particularmente nas de educaçãoprofissional - EP, ainda não se consolidou a culturada avaliação institucional. Além disso, asexperiências em curso tendem a privilegiar a buscapor resultados em detrimento da análise dosprocessos internos e da função que essasinstituições desempenham na sociedade. Assim,o artigo tem o objetivo de relatar uma pesquisarealizada no CEFET-RN voltada para a sua auto-avaliação. Dentre as conclusões, destaca-se aconstatação de que o CEFET-RN após a reformada EP vem perdendo sua identidade comoexcelente agência formadora de técnicos de nívelmédio e ainda não conseguiu criar a nova imagempretendida: a de um centro universitáriotecnológico que além da formar técnicos de nívelmédio atua nos cursos superiores de tecnologia edesenvolve pesquisa aplicada e atividades deextensão.

Palavras-chave: Educação profissional; Auto-avaliação; Responsabilidade social.

INTRODUÇÃO

Nas instituições educacionais brasileirase, particularmente nas de Educação Pro-fissional (EP), ainda não se implantou de-finitivamente a cultura da avaliaçãoinstitucional. E, ainda mais, as experiênci-as tendem a privilegiar a busca obsessivapor resultados em detrimento da análise

mais profunda dos processos e da funçãoque essas instituições desempenham nasociedade. Apesar de essa ser uma visãogeneralizada, neste trabalho nos circuns-crevemos apenas à esfera pública, maisespecificamente, às escolas técnicas eagro-técnicas federais e aos centros fede-rais de educação tecnológica, domínio emque atuamos.

Esse quadro vem se alterando ao longodos últimos anos, principalmente, na edu-cação superior pública, onde o Programade Avaliação Institucional das Universi-dades Brasileiras (PAIUB), nascido nosanos 1993/1994, se encarregou de promo-ver uma discussão mais profunda sobreavaliação institucional. Entretanto, nãoabrangeu a maioria das instituições fede-rais de EP, pois não pertencia a educaçãosuperior, fato que só ocorreu definitiva-mente a partir do Decreto n0 5.225/2004.Atualmente, no âmbito da educação supe-rior, o Sistema Nacional de Avaliação daEducação Superior (SINAES), aprovadopela Lei n0 10.861/2004, está sendo implan-tado e também abrange todos os CEFET's.

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2 MOURA, D. H. La Autoevaluación como instrumento de mejora de calidad: un estudio de caso (El Centro Federal de EducaçãoTecnológica do Rio Grande do Norte/CEFET-RN / Brasil). 2003. 516 f. Tese (Doutorado em educação) – Faculdade Educação da UniversidadeComplutense de Madrid. Madri.

Com relação ao SINAES ressaltamos queapresenta algumas mudanças importan-tes em relação ao PAIUB. Algumas delasapontam na direção da prevalência dedados estatísticos em relação aos aspec-tos mais qualitativos da avaliação, o que,em princípio pode sinalizar a intençãopolítica de construir rankings das IFESvia avaliação institucional.

No que tange às ofertas dos cursos téc-nicos de nível médio, a então Secretariade Educação Média e Tecnológica(SEMTEC) tentou implantar o Sistema deAvaliação Institucional (SAI) a partir de1996/1997 no âmbito das escolas técni-cas, agro-técnicas e CEFET's, entretanto,não obteve êxito, abandonando a idéiapor várias razões - algumas explicadasao longo deste texto.

Assim sendo, nosso objetivo central é re-latar uma pesquisa voltada para a auto-avaliação do CEFET-RN2 onde destaca-remos a metodologia adotada e as con-clusões alcançadas, assim como as açõesque se estão desencadeando como frutodesse processo. Com isso, objetivamosestimular a discussão, nas instituições deEP e demais centros educacionais, sobreesse tema na busca da consolidação deuma cultura da avaliação voltada para amelhoria dos processos educacionais e,conseqüentemente, para a ampliação daresponsabilidade social dessas institui-ções, que têm a função social estreita-

mente vinculada ao mundo do trabalho,mas que não podem submeter suas açõesa esse, tendo em vista que em vez deformarem "trabalhadores qualificados"devem buscar a formação integral de ci-dadãos críticos, reflexivos, competentestécnica e politicamente, e comprometidoseticamente com as transformações soci-ais voltadas para a construção de umasociedade mais justa e igualitária.

Para alcançar os objetivos previstos, di-vidimos o texto em quatro seções. Nestaprimeira, esclarecemos seus objetivos eapresentamos as partes que o constitu-em. Em seguida, discutimos a concepçãoe o significado da avaliação institucionalnas instituições educativas e, particular-mente, nas de EP. Depois, apresentamoso modelo de auto-avaliaçãocontextualizada e contrastada praticadano CEFET-RN2 e a metodologia adotada.Na quarta seção, discorremos sobre asprincipais conclusões alcançadas, além dediscutirmos os próximos passos a seremseguidos.

CONCEPÇÃO E SIGNIFICADO DA AVA-LIAÇÃO DE UMA INSTITUIÇÃO DE EP

Avaliação interna, externa, auto-avalia-ção e heteroavaliação

O termo avaliação externa está associadoa processos que ocorrem a partir de umpatrocinador externo, geralmente alguma

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Auto-avaliação institucional orientada à ampliação da responsabilidade social: o caso do CEFET-RN

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instância governamental com o objetivode alterar a imagem, construir rankings outomar decisões, entre outras possibilida-des, sobre: programas sociais; uma insti-tuição específica; ou um conjunto delas(SOBRINHO, 1995; SIMONS, 1999; entreoutros). No âmbito das instituições pú-blicas de EP, um caso típico e já mencio-nado foi o Sistema de AvaliaçãoInstitucional (SAI), o qual foi desativado,entre outros aspectos, porque foi conce-bido de forma que os agentes internos decada instituição objeto de avaliação ti-nham o exclusivo papel de prestar infor-mações à SEMTEC/MEC, a qual era res-ponsável pelo processamento, análise edecisões sobre a rede e cada instituiçãoavaliada.

Diante dessa realidade o sistema foi am-plamente rejeitado por não fazer sentidopara as instituições já que no lugar deestar orientado à melhoria delas, tinha im-plícito um caráter de punição/premiação,pois visava à construção de rankings e,em conseqüência, a definição da matrizorçamentária da rede.

Afortunadamente, o SAI não teve vidalonga, o saldo foi muito negativo. Em pri-meiro lugar, porque os gastos públicosrealizados com equipamentos em geral,computadores e periféricos de informáticaem particular, além de horas deconsultoria, passagens aéreas e diáriasforam muito elevados. Some-se a isso, aprópria energia perdida pelas instituiçõesna tentativa de implantá-lo ou ao na bus-

ca de estratégias para não atender ao queele preceituava. Em segundo lugar, por-que ao invés de contribuir para a criaçãode uma cultura avaliativa na rede, acabouproduzindo o efeito contrário, afastando,ainda mais, as instituições da avaliaçãoinstitucional.

Por outro lado, os processos de avalia-ção interna, normalmente, são de iniciati-va da própria organização e perseguemoutras finalidades, como a detecção depontos fortes e debilidades dos proces-sos e dos programas institucionais como fim de aperfeiçoá-los. Nesse caso, umadas possibilidades é a heteroavaliaçãointerna que é patrocinada por um setorem direção a outros ou a toda organiza-ção, situação em que, geralmente, a inici-ativa parte dos níveis mais elevados dahierarquia em direção aos de menor statushierárquico.

Outra possibilidade de avaliação internaque surge como alternativa democráticae participativa é a auto-avaliação - umaresposta crítica às duas posturas anteri-ormente apresentadas. Consiste em de-senvolver um processo participativo, noqual, a partir de iniciativa da própria ins-tituição e de seus distintos atores, de-senvolve-se a avaliação de alguns seto-res. Evidentemente, nesses processos, ospróprios patrocinadores se confundemcom a audiência/informantes, ou seja,cada unidade administrativa ou acadêmi-ca se auto-avalia. Quando isso se esten-de ao contexto institucional, produz-se

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Dante Henrique Moura

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a auto-avaliação institucional (SANTOSGUERRA, 1995; RISTOFF, 1995; SIMONS,1999).

Infelizmente, esse tipo de avaliação pade-ce de uma grande dificuldade. Trata-se dapossibilidade e, mais que isso, a probabili-dade do desenvolvimento de processosendógenos, nos quais se perde a finali-dade original (melhoria dos processos eprogramas institucionais), convertendo-senuma forma de transferir todas as res-ponsabilidades e culpabilidades relativasàs deficiências da instituição aos agentesexternos, geralmente às instâncias de go-verno, no caso das organizações públicas(um verdadeiro muro de lamentações).

Desse contexto, e como resposta ao ante-riormente mencionado, emerge a auto-ava-liação contextualizada à realidade de cadainstituição e contrastada por agentes ex-ternos como linha de pesquisa adotadaneste trabalho (SANTOS GUERRA, 1995;RISTOFF, 1995; SOBRINHO, 1995;DOMÍNGUEZ, 1999; SIMONS, 1999). Acontextualização cumpre a função de par-ticularizar o caso, pois é cada coletivo, cadagrupo específico que conhece com maisprofundidade sua própria realidade. O con-traste com os agentes externos tem múlti-plas finalidades. Ressaltamos a de evitaros processos endógenos aos quais nosreferimos previamente; a de estabelecer um

diálogo social com os segmentos sociaisimplicados na problemática educativa; ea de garantir a qualidade técnica do pro-cesso.

A PESQUISA AUTO-EVALUATIVACONTEXTUALIZADA E CONTRASTA-DA DO CEFET-RN

O contexto da EP e do CEFET-RN

Esse contexto é muito desafiador, pois oritmo dos avanços tecnológicos e trans-formações sociais não param como frutoda busca desenfreada por produtostecnológicos que "precisam alimentar omercado para fortalecer a economia", se-gundo a apologia hegemônica ao modeloneoliberal de sociedade e à globalizaçãodos mercados, vigentes em nossos dias3.Isso implica, para o CEFET-RN e outrasinstituições de EP, o risco de que os co-nhecimentos decorrentes dos processosformativos proporcionados pela Institui-ção possam tornar-se obsoletos em pou-co tempo, dependendo de como se conce-bam e estruturem as distintas ofertas.

Dessa forma, o CEFET-RN precisa organi-zar seu currículo, principalmente nos cur-sos técnicos4 , a partir de uma sólida basede conhecimentos científicos etecnológicos próprios da etapa final daeducação básica e da respectiva formação

3 Em função de não ser o objetivo fundamental do trabalho, não aprofundaremos a análise sobre o neoliberalismo. Para isso, sugerimos verANDERSON (1996); FRIGOTTO (1999); e BURBULES e TORRES (2004).4 Durante a coleta de dados e até a conclusão da pesquisa em dezembro de 2003, essa era uma situação de difícil solução, já que o Decreto nº2.208/97 impedia a integração entre os currículos do ensino médio/técnico Entretanto, em 2004, a Instituição estudava outras formas de minimizara separação médio/técnico à medida que acompanhava o trâmite do que seria o Decreto ne 5.154/2004. Assim, logo que entrou em vigor esseinstrumento legal o CEFET-RN redirecionou suas atividades para a (re)construção do currículo integrado, que já vigora em 2005.

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Auto-avaliação institucional orientada à ampliação da responsabilidade social: o caso do CEFET-RN

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profissional, a fim de garantir uma forma-ção que proporcione aos estudantes ascondições para uma efetiva participaçãosocial, política, cultural e no mundo dotrabalho e que, uma vez nele, possam en-frentar as mudanças decorrentes de novosavanços tecnológicos.

Outro aspecto fundamental é a obrigaçãoinstitucional de interatuar com o entornoe, em conseqüência, conhecê-lo profun-damente a fim de que mais do que satisfa-zer às suas demandas, possa contribuirpara transformações, nesse mesmo entor-no, orientadas aos interesses coletivosinerentes a cada realidade concreta, semperder de vista suas inter-relações com olocal, o regional e o mundial.

Ainda cabe destacar que o CEFET-RN atra-vessa nos últimos anos um amplo proces-so de reconversão em seu campo de atua-ção. Até 1997, a Instituição só oferecia,praticamente, cursos técnicos de nívelmédio. Enquanto isso, na época da coletade dados (MOURA, 2003) já oferecia, alémdos cursos técnicos, o ensino médio, osníveis básico e tecnológico da EP5, alémde estar projetando dois cursos de licen-ciatura, os quais já foram implantados.

A conceitualização do processo de auto-avaliação contextualizada e contrastada

Em Moura (2003), assumimos e agora rati-

ficamos o conceito de avaliação de insti-tuições educativas como sendo um pro-cesso de investigação auto-avaliativacontextualizada e contrastada, compostapor quatro fases inter-relacionadas (inici-al, processual, final e demorada). Assim,deve produzir diálogo entre os distintosparticipantes internos e entre a Institui-ção e a sociedade. Também deve promo-ver a compreensão da realidade educativaem geral e a de um centro em particular. E,finalmente, deve estar orientado à melhoriada qualidade educacional desses centros.

Como o CEFET-RN atua, principalmente,na EP, o que pressupõe uma estreita rela-ção com o mundo trabalho, enfatizaremosdois dos aspectos acima mencionados. Acompreensão do termo diálogo social(CABELLO, 1998) e o significado da ex-pressão melhoria da qualidade educativade um centro educativo.

O diálogo social está orientado a envolveros agentes internos, trabalhadores, empre-sários, associações comunitárias e de clas-se, políticos, ONG etc. e, também, camposcientíficos afins à educação como a Filo-sofia, a Psicologia, a Sociologia, a Econo-mia e outros envolvidos com a problemá-tica educativa. Evidentemente, essa podeser considerada uma visão utópica, masdiante de um problema complexo como oda EP, não podemos procurar respostasque reduzam suas reais dimensões.

5 O Decreto nº 5.154/2004, entre outros aspectos, alterou a denominação dos cursos da EP, os quais passaram a denominar-se: EP técnica denível médio; EP tecnológica de graduação e de pós-graduação; e formação inicial e continuada de trabalhadores. Apesar disso, como à épocada coleta de dados a denominação era distinta, em alguns casos, optamos por manter a nomenclatura de então: níveis básico, técnico etecnológico da EP.

Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 271-288, set./dez. 2006

Dante Henrique Moura

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À falta desse diálogo, permanecerá a situ-ação atual na qual prevalecem os interes-ses do ator mais privilegiado - o econômi-co. Esse diálogo pode ser estabelecido apartir da abertura dos centros de EP, como objetivo de descobrir as reais demandaseducativas da sociedade. Esse processo,desenvolvido através de uma metodologiaparticipativa (SOBRINHO, 1995; RISTOFF,1995; DOMÍNGUEZ, 1999; GAIRÍN, 1999)envolverá os docentes e técnicos do Cen-tro na problemática do entorno ao tempoem que esse se incorporará à realidade doCentro.

Ao combinar o diálogo social com as pos-sibilidades concretas que têm os docen-tes e dirigentes de influenciar na concep-ção educacional praticada em cada insti-tuição, se contribuirá para a consecuçãode resultados significativos, sendo neces-sário

[.. .] sair do enfoque queculpabiliza, exclusivamente, asReformas e Contra-reformas e aseus efeitos: rigidez das normas,instabilidade nas políticas, criseeconômica nos investimentoseducacionais, [...] aos educado-res e educadoras ainda lhes restao controle de importantes con-dições internas aos processoseducacionais; condições sólidas,que repercutem diretamente so-bre elementos como método,avaliação, conteúdo, qualidadedos processos e dos resultados[...] (CABELLO, 1998, p.27).

Para a autora a aproximação e o diálogocom o entorno não implica em deixar que

empresários, trabalhadores ou quaisqueroutros atores sociais definam a concep-ção de educação praticada nos centros.Ao contrário, a idéia é que através deleseja possível conhecer mais profundamen-te os pontos de vista e os interesses doentorno e, então, elaborar propostaseducativas que possam atender às suasnecessidades mais profundas. Isso signi-fica que se pode, e se deve, ir além do aten-dimento às demandas aparentes e imedia-tas. É necessário antecipar-se a essas de-mandas e atuar na direção de contribuirpara mudanças sociais significativas ori-entadas às necessidades coletivas.

O segundo aspecto que merece maior pre-cisão é a concepção de melhoria da quali-dade educativa de um centro. Para falarsobre isso é fundamental ter claro que asinstituições de EP, principalmente as pú-blicas e o CEFET-RN em particular, alémdos problemas crônicos de financiamen-to6 enfrentam outros três grandes desafios.

Um deles está relacionado com as discre-pâncias de oportunidades e de níveis eperfis de conhecimentos prévios dos dis-tintos grupos destinatários que acorrem aesses centros. Uma Instituição como oCEFET-RN, por exemplo, atua no ensinomédio; nos cursos técnicos, integrados aoensino médio e subseqüentes; nos cursossuperiores de tecnologia; nas licenciatu-ras; e na formação inicial e continuada detrabalhadores, de forma que tem alunos de

6 Não nos aprofundaremos sobre o tema financiamento, por não ser objeto central neste momento. Entretanto, esse é um dos maiores desafiospara a as áreas sociais do país e, em conseqüência para a EP. Por outro lado, o financiamento do CEFET-RN está bastante discutido em Moura(2003).

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todas as idades e procedência sócioeco-nômica-educativa e cultural.

O segundo é a demanda do mundo do tra-balho por indivíduos cada vez mais quali-ficados profissionalmente e capazes degerar soluções e estratégias para enfren-tar para novos problemas; que tenham ini-ciativa e sejam criativos, entre outras ca-racterísticas requeridas.

Dessa forma, embora a Instituição não ori-ente seus processos educacionais pelasnecessidades exclusivas do mundo do tra-balho, não pode perder de vista essa di-mensão sob pena de tornar-se disfuncionale, portanto, dispensável para a sociedade.O terceiro repto é a responsabilidade soci-al com os egressos e a sociedade em geral,representada tanto pela capacidade de(re)inserção sociolaboral de longa dura-ção proporcionada pelas ofertas, comopela capacidade desenvolvida pelos egres-sos no sentido de atuar como agentes pro-motores de mudanças sociais em benefí-cio dos interesses sociais e coletivos.

Diante do exposto, assumimos neste tra-balho que orientar a auto-avaliação àmelhoria da qualidade educativa doCEFET-RN é o mesmo que orientá-la aoenfrentamento a esses desafios.

As dimensões da investigação auto-avaliativa

Ao começar um processo avaliativo deve-mos elaborar e responder um conjunto de

perguntas relacionadas com as dimensõesou elementos da avaliação. Embora nãohaja consenso sobre essas perguntas-cha-ve as diferenças não são significativas(DOMÍNGUEZ, 1999; SOBRINHO, 1995;RISTOFF, 1995, entre outros). Em geral, po-demos considerar as seguintes perguntasprévias: A quem avaliar?; Para quem avali-ar?; O que avaliar?; Como avaliar?; Quemdeve avaliar?; Com que se vai avaliar?;Quando avaliar?; Para que avaliar?.

Elaborar e respondê-las resulta em optarpor uma determinada concepção de avali-ação, ou seja, significa planejá-la. Isso de-manda a tomada de decisões sobremetodologias, técnicas e instrumentos e aopção por una política de avaliação, a qualpode ser dirigida à verificação de resulta-dos ou à qualidade formal e política dosprocessos. Também significa, persuadir-sepor processos que privilegiem o aumentode oportunidades educativas públicas,gratuitas e de boa qualidade aos gruposmenos favorecidos ou incrementar a efi-cácia daquelas destinadas aos já incluí-dos, entre outras. Em seguida, apresenta-mos as escolhas deste trabalho (Quadro 1).

Sobre o Quadro 1 (p.278) esclarecemos querelativamente à primeira pergunta as res-postas apresentadas ainda precisam serdesdobradas, ou seja, temos que definircategorias (ou critérios)7 relacionados como contexto, objetivos, planos e/ou outroselementos relacionados com o objeto deavaliação. Oportunamente apresentaremosa estratégia utilizada para definir tais ca-tegorias.

7 Utilizaremos ao longo do texto o termo categoria

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O planejamento da investigação decampo

A noção de investigação avaliativa orien-tada à melhoria da qualidade educativa deinstituições educacionais permite-nos pro-jetar dois processos que ocorrem ao mes-mo tempo (DOMÍNGUEZ, 1999). A própria

pesquisa auto-avaliativa e o desenvolvi-mento do plano de gestão. São dois pro-cessos inter-relacionados que constituemum macro-processo (Figura 1). Algo impor-tante a ressaltar nessa Figura é o caráterinfinito inerente aos planos de gestão e deavaliação institucional, representado pelaespiral que se repete indefinidamente.

Pergunta Dimensão Respostas

O quê? ObjetoContexto, objetivos, planos, estruturas, processos de formação, processos de gestão etc.

A quem? Pessoal Alunos, professores, equipe dirigente, sistema relacional etc.

Para quem? Patrocinador A equipe de direção, os alunos, os professores e a comunidade.

Como? MetodologiaMista: quantitativa e qualitativa, com predomínio qualitativo. Estudo de caso.

Com que?Técnicas e Instrumentos Entrevistas semi-estruturadas, questionários e análise documental.

Quem? AudiênciaA equipe de direção, professores, técnico-administrativos, alunos e agentes externos (auto-avaliação contrastada e contextualizada).

Quando? Momento ou Fase Inicial, processual, final e demorada.

Para que? FinalidadeInovação e mudança orientadas à melhoria da qualidade educativa do Centro.

FONTE: Moura (2003), a partir de Domínguez (1999)

QUADRO 1 - Dimensões da avaliação

FIGURA 1 - Pesquisa auto-avaliativa e plano institucional de gestão

FONTE: Moura (2003), a partir de Domínguez (1999).

2. E laboração do program a de in terven ção

1 . A va liação inicial d iagn óstica: estado da questão sobre o cen tro (cr itérios e in dicadores)

Inovação e m udança orientada à m elhoria da qualidade educativa

In ovação do plan o de gestão

Processo do Plano estratég ico de gestão

Processo de pesquisa avaliativa

3. Aplicação

6. Avaliação do im pacto da form ação

4 . A valiação processual formativa.

5 . A valiação som ativa de contraste.

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Para concluir o planejamento da auto-ava-liação falta-nos definir os critérios rela-cionados com o que avaliar. Na busca des-sas respostas analisamos (MOURA, 2003)distintos modelos de avaliação de centroseducativos (SANTOS GUERRA, 1995;SOBRINHO, 1995 e 2000; RISTOFF, 1995;DOMÍNGUEZ, 1999; GAIRÍN, 1999) econstatamos que, independentemente dasquestões epistemológicas de cada um,existe um fio condutor relacionado com oobjeto da investigação.

Os modelos visitados consideram os ele-mentos dinâmicos da instituição, como osprocessos de relação com o entorno, degestão, de formação e de avaliação. Na-

turalmente, cada um pode atribuir mais oumenos importância a uns ou outros as-pectos, além de distintas denominações,mas esses elementos estão sempre pre-sentes. Além disso, temos que consideraros elementos estruturais comuns a todasas organizações como o contexto ondeestão localizadas, objetivos e planos, es-truturas, sistema relacional e o conheci-mento que produz e transmite (MOURA,2003).

Assim, a combinação entre os elementosestruturais e dinâmicos em um sistema decoordenadas (Quadro 2) resulta numa boareferência para orientar a construção decategorias relativas ao que avaliar.

Dimensão Estrutural Processos de Processos Processos Processos

Dimensão relação com de gestão de formação de avaliaçãoDinâmica o entorno

Aspectos contextuais específicos e características

Objetivos e planos

Estruturas

Sistema relacional

O conhecimento

Quadro 2 - Possíveis esferas de investigação sobre o funcionamento e desenvolvi-mento de uma instituição educativa

FONTE: Moura (2003), a partir de Domínguez (1999).

Utilizando o Quadro 2 como roteiro e fa-zendo uma profunda reflexão e estudos dedocumentos institucionais, construímosas categorias que orientaram o processode auto-avaliação.

Para isso, cruzamos cada elemento estru-tural com todos os elementos dinâmicos,produzindo as categorias da auto-avalia-ção, ou seja, definindo o que avaliaría-mos.

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Essas categorias não foram totalmenteconstruídas previamente à investigação decampo. Na verdade, após a primeira var-redura na Tabela 2, identificamos cerca de80 categorias e com elas partimos para ocampo. Durante o processo teórico-práticode confronto das categorias planejadascom os dados reais emergentes do proces-so investigativo, as categorias iniciais fo-ram sendo alteradas através de um proces-so interativo. Em seguida, apresentamos oconjunto final de categorias, geradas apartir do Quadro 2:

Aspectos contextuais e característicasversus Processos de relação com o entorno

1) Demanda do entorno pelas ofer-tas educacionais;2) Imagem institucional;3) Estudos do mercado de trabalhonas áreas de atuação do CEFET-RN.

Aspectos contextuais e característicasversus Processos aspectos de gestão

4) Debilidades resultantes da re-forma da EP e do PROEP8 e outrasdebilidades;5) Fortalezas resultantes da refor-ma da EP e do PROEP e outras for-talezas.

Aspectos contextuais e característicasversus Processos de formação

6) Implicações da reforma da EP edo PROEP sobre a oferta educacio-

nal do CEFET-RN;7) Grupos destinatários prioritários.

Aspectos contextuais e característicasversus Processos de avaliação

8) A socialização dos resultados dosprocessos institucionais de avalia-ção;9) Influência da avaliação na retro-alimentação da ação dos atores in-ternos e no funcionamento institu-cional;10) Relações entre avaliação e mu-dança institucional.

Objetos e planos versus Processos de re-lação com o entorno

11) As relações com o entorno e oprojeto institucional: a influênciadas transformações sociais, da re-forma da EP e do PROEP.

Objetos e planos versus Processos de ges-tão

12) Financiamento e função social;13) Elaboração e acompanhamentodo planejamento institucional;14) Coerência entre os planos e osobjetivos;15) Plano de Informatização.

Objetos e planos versus Processos de for-mação

16) Planos de estudos: elaboraçãoe socialização;17) O ensino médio;

8 Programa de Expansão da EP

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18) O nível básico da EP/cursosSINE;19) O nível técnico da EP;20) O nível tecnológico da EP;21) O uso das TIC na configuraçãoe implementação das ofertas;22) (Re)inserção sociolaboral eacompanhamento dos egressos;23) Plano de capacitação e formaçãodos dirigentes, dos docentes e téc-nico-administrativos: elaboração,participação e retorno para a Insti-tuição e para os profissionais.

Objetos e planos versus Processos deavaliação

24) Plano de avaliação;25)Avaliação do desenvolvimentodo plano de gestão.

Estruturas versus Processos de relaçãocom o entorno

26) O Conselho Diretor: constitui-ção e participação do entorno;27) a FUNCERN9: objetivos e rela-ções com o CEFET-RN.

Estruturas versus Processos de gestão

28) Adequação da estrutura aosobjetivos do Centro;29) Perfil profissional correspon-dente aos distintos níveis da estru-tura;30) Coordenação entre os órgãosda estrutura.

Estruturas versus Processos de formação

31) As gerências educacionais(departamentos acadêmicos): fun-ções e coordenação das atividadescom as demais gerências, órgãos deapoio e diretorias;32) O trabalho dos estudantes;33) O trabalho docente;34) O trabalho da equipe pedagógica;35) As reuniões pedagógicas-RP:temas protagonistas;36) Influência da estrutura no de-senvolvimento de ações multi einterdisciplinares.

Estruturas versus Processos de avaliação

37) Mecanismos de avaliação eauto-avaliação.

Sistema relacional versus Processos derelação com o entorno

38) Fluxos de comunicação;39) Conflitos com o entorno;40) A cultura de se inter-relacionarcom o entorno e sua influência noclima institucional.

Sistema relacional versus Processos degestão

41) Comunicação entre os órgãosque tomam as decisões e os quenão participam do processodecisório;42) Participação na tomada de deci-são e conseqüências dessas;

9 Fundação de Apoio ao CEFET-RN

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43) Clima: influência do contextointerno e externo;44) Incentivo a uma cultura parti-cipativa e colaborativa.

Sistema relacional versus Processos deformação

45) Inter-relações entre a equipedirigente, professores, técnico-ad-ministrativos e alunos (valores,respeito e confiança mútua).

Sistema relacional versus Processos deavaliação

46) Avaliação da interação entre osalunos, professores, técnico-admi-nistrativos e dirigentes;47) Auto-avaliação dos professorese técnico-administrativos sobre suaprópria participação profissional noCentro;48) Cultura de avaliação e auto-ava-liação.

Conhecimento versus Processos de rela-ção com o entorno

49) Produção e transferência do co-nhecimento a partir da interaçãocom o entorno.

Conhecimento versus Processos de gestão

50) Incentivo da gestão às ativida-des de pesquisa e extensão.

Conhecimento versus Processos de forma-ção

51) Planos de pesquisa e extensão ede transferência do conhecimentoproduzido ao entorno e à sociedadeem geral.

Conhecimento versus Processos de avali-

ação

52) Avaliação do Impacto da for-mação na melhoria da qualidade devida dos egressos e do entornoinstitucional.

A PESQUISA DE CAMPO: COLETAE ANÁLISE DOS DADOS

Metodologicamente, optamos por ummodelo misto, quantitativo e qualitativo,com predomínio qualitativo (Quadro 2).Adotamos três técnicas de coleta de da-dos: entrevistas semi-estruturadas; apli-cação de questionários e revisão docu-mental10 (GOETZ; LECOMPTE, 1988;PÉREZ SERRANO, 1994). Tendo em vistaa opção pelo predomínio qualitativo, asentrevistas se constituíram na principalfonte de informação da pesquisa. Na Fi-gura 2 (p.283) representamos o percursometodológico da investigação.

No Quadro 3 apresentamos a composiçãodos 12 grupos de informantes previamentedefinidos e o percentual que os sujeitos decada um deles representa relativamente aorespectivo universo, tendo como referênciaos dados institucionais de 2001.

10 A consulta a documentos foi utilizada para a coleta e para a análise de dados

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Sobre o Quadro 3, explicamos que os da-dos referentes aos técnico-administrativose alunos do nível básico não foram utiliza-dos na análise, pois a participação totaldeles não alcançou os 10% dos respecti-vos universos. Isso não gerou problemas,porque a informação proporcionada pelosoutros 10 grupos foi suficiente para os finsda pesquisa.

Coletados os dados, desenvolvemos vári-os processos intermediários de interpre-tação e análise antes de realizar atriangulação entre as contribuições dosdistintos grupos. Assim, previamente,transformamos os dados dos questionári-os e das entrevistas na visão de cada umdos grupos com relação às 52 categorias.

Antes de analisar entrevistas, as transcre-vemos, pois todas foram gravadas, medi-ante autorização dos informantes (GOETZ;LECOMPTE, 1988; SIMONS, 1999). Feitoisso, efetuamos a primeira ordenaçãotemática - agrupamento das contribuiçõesde cada grupo com relação às categoriasestabelecidas. Em seguida, procedemos àsegunda ordenação temática na qual cons-truímos a visão de cada grupo relativamen-te a cada categoria. Esse material foi aprincipal fonte de informações para atriangulação entre os grupos de informan-tes, o qual foi complementado pelos ques-tionários e análise documental.

Acerca dos dados oriundos dos questio-nários, o procedimento foi semelhante aodas entrevistas, de modo que também cons-

QUADRO 3 - Grupos de informantes: composição e percentual sobre cada universo

Grupos de informantes Entrevistados Respondentes dos

questionáriosTotal de sujeitos

Universo institucional

% do universo

Diretores 5 - 5 5 100

Gerentes [11] 8 - 8 8 100

Docentes 9 36 45 281 16,01Técnico-administrativos 3 5 8 201 4

Agentes externos 10 - - - -

Outros chefes de hierarquia inferior a dos gerentes

- 9 9 38 23,68

Alunos do ensino médio - 180 180 1.776 10,13

Alunos do nível básico da EP - 50 50 12.227 0,41

Alunos do nível técnico da EP - 320 320 3.186 10,04

Alunos do nível tecnológico da EP - 55 55 525 10,48

Fonte: Moura (2003)

11 Na verdade, em uma linguagem mais adequada à esfera educacional ,os gerentes são chefes de departamentos acadêmicos ou adminis-trativos. Entretanto, a legislação específica dos CEFET’s estabeleceu essa terminologia esdrúxula ao campo educativo.

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truímos a visão de cada grupo relativamen-te às categorias de auto-avaliação.

Depois, realizamos a triangulação, contras-tando as visões de todos os grupos queresponderam aos questionários e os en-trevistados, além da análise documental.Esta última, utilizada para complementar eaprofundar a análise de algumas categori-as cujas contribuições proveniente dasoutras fontes não foi suficiente para cons-truir um indicador confiável relativo à ca-tegoria abordada.

Dessa maneira, a triangulaçãocorrespondeu à fase final da análise dosdados e funcionou como um operador quetransformou a visão dos grupos de infor-mantes, classificadas de acordo com as 52categorias, em indicadores institucionais,ou seja, a partir de cada categoria constru-ímos um indicador através da triangulação.

Finalmente, a partir da síntese dos indica-dores elaboramos as conclusões da pes-quisa e respectivas propostas de melhora(MOURA, 2003).

CONCLUSÕES

Para os fins deste trabalho resumimos asconclusões em três grandes eixos temáticos,apesar de que, ao finalizar a pesquisa, emdezembro de 200312 , extraímos muito maisconclusões sobre o CEFET-RN do que asaqui tratadas.

O primeiro eixo diz respeito à posturainstitucional frente às demandas da socie-dade e do mundo do trabalho em particu-lar. Sobre isso, concluímos que a Institui-ção se conduz mais por reação às açõesdo entorno do que em função de um pla-nejamento prévio, elaborado a partir deseus objetivos, fins e prioridades. Alémdisso, concluímos que isso ocorre porqueo CEFET-RN e seus agentes não compre-endem totalmente a sociedade onde estãoinseridos, nem sabem utilizar adequada-mente, os meios disponíveis para melho-rar essas relações, por falta decapacitação/decisão política de fazê-lo.Apesar disso, também apreendemos que émuito boa a infra-estrutura e que parte dopessoal está capacitado/capacitando-se emotivado para realizar essa função.

O segundo relaciona-se com a redução dofinanciamento público que resulta numasituação-problema: a manutenção e, inclu-sive, a tentativa de ampliar a função socialdo CEFRET-RN versus a necessidade debuscar estratégias de complementação or-çamentária através da interação com o en-torno. Nesta esfera, a conclusão funda-mental é que o CEFET-RN e o governo fe-deral estão de acordo que a Instituiçãodeve ampliar a sua interação com o entor-no e a sociedade em geral. Entretanto, parao CEFET-RN essa interação deve estar pau-tada pela ampliação de sua função social,enquanto para a administração federal ofoco deve ser o aumento da capacidadeinstitucional de autofinanciamento13.

11 A íntegra do trabalho está em disponível em http://www.cefetrn.br/academico/projeto_pedagogico/Projeto_Pedagogico.pdf13

Neste ponto cabe destacar que chegamos a essa conclusão a partir da análise de dados que foram coletados entre outubro e dezembrode 2001, portanto durante o governo FHC.

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O terceiro eixo trata da identidadeinstitucional. Nesse terreno concluímosque a Instituição estava deixando de serreferência como excelente escola forma-dora de técnicos de nível médio face àreforma da EP e do PROEP, principalmente,à separação do ensino técnico/médioestabelecida pelo Decreto n0 2.208/97,além de outros aspectos mencionados nasconclusões anteriores. Ademais, aindaconcluímos que a aspiração institucionalaponta na direção de consolidar-se comoum centro de referência em EP com perfile atribuições bem mais ambiciosos, ouseja, consolidar-se e ser reconhecidacomo um centro que além do ensino téc-nico atua na educação superior, atravésdos cursos superiores de tecnologia, nonível básico da EP, na pesquisa aplicadae na extensão. Apesar desse desejoinstitucional firme em todos os segmen-tos internos, os próprios informantes re-conheceram que essa nova identidade nãoestava sendo criada e que, portanto, asociedade ainda não percebera as mudan-ças que o CEFET-RN atravessava. Alémdisso, constatamos algo ainda maispreocupante. Parte da própria equipe dedireção, naquele momento, ainda não ha-via percebido a profundidade e as impli-cações das mudanças.

Ainda com relação a essa questão apre-endemos que contribuíram para consoli-dar esse cenário, a redução do financia-mento público imposto pela administra-ção federal em decorrência da aplicação

da política neoliberal; as dificuldades in-ternas da própria administração do Cen-tro; e a inadequação do perfil de parte dopessoal docente e técnico-administrativofrente às demandas da nova realidadeinstitucional.

Apesar dessas dificuldades, a pesquisainforma o grande potencial do CEFET-RNpara enfrentar a situação. Os informantesesclarecem que a Instituição conta commuitos servidores capacitados/ capacitan-do-se para atuar nessa nova realidade.Que também dispõe de infra-estrutura fí-sica de qualidade, além de larga experiên-cia na EP, o que lhe permite avançar emoutros níveis desse segmento, através deum planejamento adequado e sem se afas-tar da luta pela recomposição orçamentá-ria institucional visando à implantação depolíticas educacionais acordes com as re-ais necessidades da classe trabalhadora.

A partir das conclusões propusemos es-tratégias para enfrentar o desafio de cons-truir uma nova identidade institucional(MOURA, 2003) visando levar à prática aidéia do centro federal que oferece o en-sino médio14, os três níveis da EP e querealiza a pesquisa aplicada vinculada aosprocessos educacionais, assim como ativi-dades de extensão, orientada pela noçãode itinerários formativos verticais.

Para materializar essa idéia, sugerimos àdireção do Centro que iniciasse um pro-cesso de construção coletiva de um novo

14 Na verdade, com relação ao ensino médio, a idéia recorrente ao longo da pesquisa (MOURA, 2203) é a de que o CEFET-RN só deveriacontinuar oferecendo esse curso em função da proibição legal de oferecer o técnico integrados com o ensino médio.

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dos planos dos novos cursos técnicosde nível médio integrados, que voltarama fazer parte da realidade acadêmicainstitucional após 7 anos em que foramproibidos por força da legislação vigen-te.

Dessa forma, em 2005, estamos constru-indo os planos dos cursos superiores detecnologia e das licenciaturas, de formaque em futuros relatos trataremos dorespectivo processo.

15 Nesse ínterim, houve eleições para a direção geral do CEFET-RN e eu fui convidado para ocupar a direção de ensino do Centro e, emdecorrência, disso, coordenar o processo de (re)construção do projeto político pedagógico do CEFET-RN

projeto político-pedagógico com o fim deintegrar todas as suas ofertas educacio-nais em um conjunto sistêmico, consis-tente, coerente e intencionado de ativi-dades acadêmicas,orientadas, indisso-ciavelmente, às do ensino, pesquisa e ex-tensão, as quais, deveriam ocorrer em umambiente de constante interação com omundo do trabalho e a sociedade (MOURA,2003).

Aceita a proposta, começamos uma novafase do processo integrado do plano degestão e de pesquisa auto-avaliativa dofuncionamento do CEFET-RN15 , a qualse desenvolve através de investigação-ação na perspectiva da construção cole-tiva. Essa fase iniciou-se em 2004 e du-rante aquele ano as atividades coletivasnos permitiram acordar que a nova iden-tidade institucional contemplaria:

• EP técnica de nível médio nasformas integrada e subseqüente;

• EP tecnológica de graduação epós-graduação;

• Formação inicial e continuada detrabalhadores;

• Formação de professores (Licenci-aturas).

Naquele momento não foi possívelredimensionar todos planos de cursos dasofertas educacionais acima especificadas,de modo que nos concentramos nosprincípios, fundamentos, concepções ediretrizes gerais para todo o currículo, além

Artigo recebido em: 08/09/2005.Aprovado para publicação em: 02/10/2006.

Institutional self evaluation guided to socialresponsability : the case of CEFET-RN

Abstract: In Brazilian educational institutions,mainly in the professional and technological ones,are still not be consolidated the culture of the self-evaluation. Moreover, the experiences in coursetend to privilege the search for results in detrimentof the analysis of its internal processes and thefunction that these institutions have in the society.Thus, this paper has the objective to relate theself-evaluation research realized in the CEFET-RN. Amongst the conclusions, it is distinguishedthat after the professional education reform of1997 this Institution comes losing its identity as aschool that form excellent technician of levelaverage and still not had obtained the new intendedimage: a technological university center thatbeyond forming technician of level average alsoworks in higher education and develops appliedresearch and activities of extension.

Keywords: Professional education; Self-evaluation; Social responsibility.

Autoevaluation Institutional orientada a laaplicación de la responsabilidad social: elcaso del CEFET-RN

Resumen: En las instituciones educativas brasileñasy particularmente en las de educación profesional

Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 271-288, set./dez. 2006

Dante Henrique Moura

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– EP- todavía no se consolidó la cultura de laevaluación institucional. Además de eso, lasexperiencias en curso tienden a privilegiar labúsqueda de resultados en detrimento del análisis delos procesos internos y de la función que esasinstituciones desempeñan en la sociedad. Así, elartículo tiene el objetivo de relatar una investigaciónrealizada en el CEFET-RN encaminado en suautoevaluación. Entre las conclusiones, se destacala constatación de que el CEFET-RN después de lareforma de la EP viene perdiendo su identidad comoexcelente agencia formadora de técnicos de nivelmedio y todavía no consiguió crear la nueva imagenbuscada: la de un centro tecnológico que además deformar técnicos de nivel medio actua en los cursossuperiores de tecnología y desenvuelve investigaciónaplicada y actividades de extensión.

Palabras-clave: Educación profesional; Autoeva-luación; Resposabilidad Social.

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Sobre o Autor:

1Dante Henrique MouraDoutor em educação pela UniversidadeComplutense de Madri. Engenheiro eletricista pelaUniversidade Federal do Rio Grande do Norte eProfessor do Centro Federal de EducaçãoTecnológica do Rio Grande do Norte (CEFET-RN).E-mail: [email protected]

Endereço Postal: Centro Federal de EducaçãoTecnológica do Rio Grande do Norte/ Diretoriade Ensino. Av. Senador Salgado Filho nº 1559.Morro Branco. CEP 59015-000. Natal/RN.

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Auto-avaliação institucional orientada à ampliação da responsabilidade social: o caso do CEFET-RN

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Eleição de diretores escolares: avanços e retrocessos no exercícioda gestão democrática da educação

Cláudia Dias Silva1

Resumo: Este artigo aborda o tema da eleição dediretor escolar como um dos construtos que vêmcontribuindo para exercício da gestão democráticada educação, possibilitando o envolvimento dacomunidade no processo decisório sobre aorganização e o funcionamento da escola.Estabelece uma discussão sobre as diferentes formasde provimento do cargo de diretor e suasimplicações para o desempenho das atividades e osucesso da escola, desvelando que a prática daeleição do diretor não garante o exercício da gestãodemocrática, na qual o comprometimento com osucesso da instituição deve estar no centro dasações.

Palavras-chave: Eleição de diretores escolares;Gestão democrática da educação.

INTRODUÇÃO

A discussão sobre a participação da socie-dade civil na gestão da educação não é algorecente na literatura educacional brasileira.Na década de 1930, Anísio Teixeira já con-cebia a municipalização da educação comoum mecanismo de descentralização, quedotaria as instâncias públicas de autono-mia, favorecendo a democratização da edu-cação. Defendia para a administração edu-cacional

[...] um regime especial de distri-buição dos poderes públicos en-carregados de ministrá-la, de

modo que, em ordens sucessivas,a União, o Estado e o Municípiose vejam com parcelas diversas econjugadas de poder e responsa-bilidade (TEIXEIRA, 1967,p.67).

Além disso, defendia para a administraçãoda educação local um modelo de gestãodemocrática no qual órgãos colegiados, decomposição leiga, Conselhos de Educação,com um alto grau de autonomia administra-tiva, participariam do processo de tomadade decisão sobre o funcionamento do sis-tema educacional. Os conselheiros seriamrepresentantes diretos dos pais de família eda comunidade, eleitos ou nomeados porautoridades eleitas, competindo-lhes a no-meação e supervisão das autoridades exe-cutivas.

A Constituição Federal do Brasil, promul-gada em 1988, traz a gestão democráticacomo um dos princípios norteadores daoferta do ensino público no país. A inclu-são desse princípio no texto legal é resul-tado de reivindicações de movimentos po-pulares, sindicais e outros segmentos dasociedade civil pela publicização do Estado,uma vez que o país passava por um regime

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militar autoritário e centralizador que se es-tendeu no período de 1964 até 1985.

Em 1996, com a aprovação da Lei de Diretri-zes e Bases da Educação Nacional, Lei nº9.394/96, se intensifica a discussão sobre aparticipação da sociedade nas questõeseducacionais. Em seu Artigo 14, a Lei nº9.394/96 detalha os mecanismos deviabilização da participação das comunida-des escolar e local na gestão democráticada escola.

Art. 14 - Os sistemas de ensinodefinirão as normas de gestãodemocrática do ensino público naeducação básica, de acordo comas suas peculiaridades e confor-me os seguintes princípios:

I - participação dos profissionaisda educação na elaboração doprojeto pedagógico da escola;

II - participação das comunida-des escolar e local em conselhosescolares ou equivalentes.

A idéia de gestão democrática expressa naLei abrange a existência de um projeto peda-gógico da escola; a participação de profes-sores e demais trabalhadores da educaçãoda escola na sua elaboração e a gestãocolegiada da implantação e execução desseprojeto, através de órgãos colegiados com-postos por representantes da comunidadeescolar e outros segmentos da sociedade.

De acordo com Libâneo (2003) o projetopedagógico tem por objetivo descentrali-zar e democratizar a tomada de decisõespedagógicas, jurídicas e organizacionais naescola, buscando maior participação dos

agentes escolares, significando uma formade toda a equipe escolar tornar-se co-res-ponsável pelo sucesso do aluno e, conse-qüentemente do funcionamento da unida-de escolar.

Já o conselho escolar idealizado pela LDBdeve compor a organização da própria es-cola, responsabilizando-se pela tomada dedecisões em todas os campos que envolveo trabalho na escola, não restringindo-sesomente a gestão de recursos financeiros,como vem se percebendo com a criação eimplementação dos órgãos colegiados queexecutam, basicamente, a gestão dos re-cursos do Programa Dinheiro Direto naEscola (PDDE). Cury citando AntonioGramsci (2001, p.50) define conselhocomo

[...] o lugar onde a razão se apro-xima do bom senso e ambos dodiálogo público, reconhecendoque todos são intelectuais, aindaque nem todos façam do intelec-to uma função permanente (grifosdo autor).

GESTÃO DEMOCRÁTICA E DESCEN-TRALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO

Nos últimos anos, a discussão sobre a ges-tão democrática da educação vem consti-tuindo-se em tema recorrente na literatura.Essa atenção é decorrente do carátercentralizador, burocrático, autoritário ecerceador de práticas participativas quecaracterizam o sistema público educacio-nal brasileiro. Por muitos anos, principal-mente no período em que a administraçãodo Estado brasileiro esteve sob o poder dos

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militares, a administração educacional as-sumiu um caráter tecnocrático e capitalis-ta. As escolas se configuravam como umlócus de formação dos trabalhadores ne-cessários para a consolidação do capita-lismo no país, reprodutores de uma ideo-logia que visava a construção de uma so-ciedade não-participativa e alienada, naqual seus integrantes não exerciam a suacidadania.

O início da década de 80 está marcado comoo período em que o debate sobre os temasda gestão e da autonomia escolar desta-cou-se nas discussões sobre o funciona-mento da escola pública. Esse período coin-cide com o momento de reconstrução dademocracia na sociedade brasileira, queenfatizava a necessidade de descentra-lização e democratização dos processossociais no Brasil, atribuindo uma forte rea-ção ao centralismo do poder na adminis-tração do Estado. No campo educacional,algumas das maiores conquistas foram aliberdade de ação e de decisão em relaçãoaos órgãos superiores da administração ea maior participação da comunidade esco-lar nos espaços de poder da escola, pormeio de instâncias como os conselhos es-colares.

De acordo com Mendonça (2001) o proces-so de democratização da educação noBrasil passou por vários estágios. Inicial-mente, houve o direito universal ao acessoa escola e, posteriormente, o direito a umensino de qualidade e à participação de-mocrática na gestão das unidades escola-

res e dos sistemas de ensino, que paraVitor Paro pode ser concebida como aque-la que está:

Inspirada na cooperação recípro-ca entre homens, deve ter comometa a constituição, na escola deum novo trabalhador coletivoque, sem os constrangimentos dagerência capitalista e da parce-lização desumana do trabalho,seja uma decorrência do trabalhocooperativo de todos envolvidosno processo escolar, guiados poruma 'vontade coletiva', em dire-ção ao alcance dos objetivos edu-cacionais da escola (PARO apudVINHAES; GRACINDO, 1995,p.161).

A realização das primeiras eleições diretaspara governador de Estados no Brasil, efe-tivadas em 1982, e a posse desses novosgovernadores no ano seguinte viabilizou aconcretização de muitas experiências departicipação democrática. Entre os proje-tos desenvolvidos entre 1983 e 1984,Gadotti (1993) destaca o Fórum de Educa-ção do Estado de São Paulo e o CongressoMineiro de Educação. As Sessões Públicasdo Fórum de Educação do Estado de SãoPaulo propiciaram, pela primeira vez nahistória da educação brasileira, que educa-dores participassem do processo de elabo-ração das políticas públicas de educação.A luta pela democratização da gestão edu-cacional foi intensa entre 1985 e 1988, anoda promulgação da Constituição que con-sagrou o princípio da "gestão democráticado ensino público".

A participação e a democratiza-ção num sistema público de ensi-no é a forma prática de formaçãopara cidadania. A educação para acidadania dá-se na participação no

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processo de tomada de decisão. Acriação dos conselhos de escolarepresenta uma parte desse pro-cesso. Mas eles fracassam se fo-rem instituídos como uma medi-da isolada e burocrática. Eles sósão eficazes num conjunto de me-didas políticas, num plano estra-tégico de participação que vise àdemocratização das decisões(GADOTTI, 1993, p.100).

A efetiva participação dos setores popula-res nas questões educacionais funcionariacomo um instrumento de redistribuição dopoder político, que resultaria na constru-ção da cidadania. Nessa vertente, a auto-nomia e a democratização são entendidascomo processos indissociáveis e necessá-rios para a construção de uma escola públi-ca de qualidade, garantindo o acesso detoda a população ao sistema de ensino for-mal, bem como a construção das ferramen-tas necessárias para o convívio em socie-dade.

A democratização e a descentra-lização da gestão educacionalsão processos necessariamenteindissociáveis e trazem de for-ma implícita a necessária mu-dança nas relações de poder. Adescentralização se constitui emprocesso necessário à democra-tização e ambas são meios parase alcançar a efetiva participa-ção dos cidadãos nas decisõesque dizem respeito à sua vida in-dividual e coletiva. Assim, essasse constituem em processos ne-cessários para o exercício dacidadania (BORDIGNON, 1993,p.72).

Luck et al (1998) sinalizam que o movi-mento que visava a descentralização e ademocratização da gestão das escolas pú-blicas concentrou-se em três vertentesbásicas: participação da comunidade esco-lar na seleção dos diretores da escola,

criação de um colegiado/conselho escolarque tivesse tanto autoridade deliberativaquanto poder decisório e repasse de recur-sos financeiros às escolas e conseqüente-mente aumento de sua autonomia.

Para Vinhaes Gracindo (1995), uma vez quea administração democrática deve ser ca-paz de desenvolver processos e objetivosna delimitação de suas políticas, na elabo-ração de seus planejamentos e no desen-volvimento de sua gestão, faz-se neces-sário o exercício de práticas construtivasdessa gestão no sistema educacional. Deacordo com a autora essas práticas devemenvolver: a escolha de dirigentes pelacomunidade escolar e local; a formacolegiada e descentralizada de administra-ção; a relação entre a escola e a comuni-dade com a decorrente participação popu-lar; a liberdade propiciada aos estudantese aos professores para a organização deassociações e grupos representativos.

Bobbio (2000) sinaliza que na gestão de-mocrática, as deliberações coletivas devemser tomadas por representantes governa-mentais e das organizações da sociedadecivil, em proporções definidas pelos esta-tutos e regimentos internos de cada polí-tica que esteja sendo definida e/ouimplementada. Isso atribui um caráterinstitucional aos referidos órgãos. Todavia,a forma de escolha e nomeação dessesrepresentantes deve assumir um caráter de-mocrático. Discutindo sobre a concepçãomínima de democracia e suas implicaçõespara o processo de tomada de decisão, o

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autor argumenta que:

(...) mesmo para uma definiçãomínima de democracia, como é aque aceito, não bastam nem a atri-buição a um elevado número decidadãos do direito de participardireta ou indiretamente da toma-da de decisões coletivas, nem aexistência de regras de procedi-mento como a da maioria (ou, nolimite, da unanimidade). É indis-pensável uma terceira condição:é preciso que aqueles que são cha-mados a decidir ou eleger os quedeverão decidir sejam colocadosdiante de alternativas reais e pos-tos em condição de poder esco-lher entre uma e outra. Para quese realize esta condição é neces-sário que aos chamados a decidirsejam garantidos os assim deno-minados direitos de liberdade, deopinião, de expressão das própri-as opiniões, de reunião, de asso-ciação etc (BOBBIO, 2000, p.32).

Os ideais dos movimentos que lutavampela construção de uma sociedade maisjusta envolviam a construção de um sis-tema educacional democrático, no qual agestão da escola fosse realizada pelos pró-prios representantes das comunidadesescolar e local. As políticas educacionaisdeveriam partir de dentro da escola, sen-do criada de acordo com cada realidade.Era imprescindível modificar a estruturado sistema público no país, principalmen-te das escolas, a fim de garantir o exercíciode práticas menos autoritárias e mais de-mocráticas. Essa reestruturação do siste-ma educacional deveria ampliar-se, possi-bilitando a participação dos educadoresnas discussões sobre as políticas públi-cas para a educação no país.

MECANISMOS DE PROVIMENTO DOCARGO DE DIRETOR ESCOLAR

A discussão sobre o processo de escolhade diretor escolar vem recebendo muita aten-ção dos pesquisadores na produção dereflexões teórico-conceituais e políticas so-bre a gestão democrática da educação. ParaMendonça (2001) a importância dispensadaa esse elemento da gestão democrática podeser compreendida através de dois proces-sos. Um está vinculado ao próprio processoeleitoral como fator essencial no exercícioda democracia e o outro, ao espaço que essemecanismo ocupou dentre as reivindica-ções dos movimentos sociais. Esse é o pro-cesso que melhor concretizou a luta contrao clientelismo e o autoritarismo na gestãoeducacional.

Apesar de a literatura pertinente ao temafazer referência a diferentes classificaçõesdos tipos de escolha de diretores escolares,nesse estudo será utilizada como referênciabásica para discussão, as quatro classifi-cações apresentadas por Moacir Gadotti eJosé E. Romão (2004): a nomeação, o con-curso público, a eleição e o esquema misto.

O primeiro mecanismo utiliza-se da práticada indicação do diretor por um agente ex-terno à instituição escolar para ocupar umcargo de confiança. Na maioria dos casosesse agente pode ser o prefeito ou o gover-nador. Essa modalidade não traz segurançapara o diretor, pois ele pode ser substituídoa qualquer momento, de acordo com os in-teresses políticos e com as conveniências

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daqueles que o indicaram. Essa prática ba-seia-se muito mais em critérios político-clientelistas que técnico-acadêmicos.

Segundo Paro (1996), o principal problemacom relação à nomeação como critério deescolha do diretor é a garantia defavorecimento dos interesses de políticosclientelistas. Pois, ao servir-se da práticada nomeação sem adoção de outros critéri-os de escolha democráticos que garantamo respeito aos interesses da comunidadeescolar e local, bem como a coibição de prá-ticas que resultem em favorecimento ilícitode pessoas, o diretor tende a comprome-ter-se muito mais com os interesses do in-divíduo ou força política que o nomeou,sem comprometer-se politicamente com osinteresses da comunidade que compõe aunidade escolar. Até a promulgação da cons-tituição federal de 1988 esse era o mecanis-mo que mais prevalecia para a ocupação docargo de diretor escolar.

A justificativa apresentada para a adoçãodo mecanismo de indicação do diretor es-colar pelo executivo local está baseada,pelos que a praticam, na prerrogativa dademocracia representativa. Uma vez que asociedade civil elege seus representantespara deliberarem a respeito de questões quedizem respeito à coletividade inteira, essaindicação tem legitimidade e evita o contra-ditório na administração. Entretanto, esseprocedimento não garante uma administra-ção democrática, ao contrário, traz muitomais riscos de centralização, autoritarismo,fisiologismo e nepotismo (GRACINDO,1995).

O concurso público pode ser realizado, pelomenos, de duas formas. Por meio de provaou através de provas e títulos, que se pro-põem a aferir o grau de conhecimentotécnico e a comprovação de formação aca-dêmica específica para o exercício das fun-ções inerentes ao cargo de diretor de esco-la.

Apesar de apresentar algumas virtudesnecessárias ao diretor para o exercício docargo, tais como: a objetividade, a coibiçãodo clientelismo e a possibilidade de aferi-ção do conhecimento técnico, esse meca-nismo vem sofrendo críticas pela própriacomunidade escolar porque ele acentua aadoção de critérios objetivos e técnicos enão afere a capacidade de liderança doscandidatos. Além disso, o candidato apro-vado, na maioria das vezes, escolhe a esco-la onde vai trabalhar, mas a comunidadeescolar não participa do processo de sele-ção desse diretor. Dessa forma,

o concurso acaba sendo demo-crático para o candidato, que, seaprovado, pode escolher a escolaonde irá atuar, mas é antidemo-crático em relação à vontade dac o m u n i d a d e e s c o l a r , q u e éobrigada a acei tar a escolhado primeiro (GADOTTI; ROMÃO,2004, p.94).

A eleição pode ser realizada de diferentesformas: voto direto, representativo,uninominal ou por escolhas através de lis-tas tríplices ou plurinominais. A adoçãodesse mecanismo é importante para o al-cance do sucesso da escola e o exercíciode gestão democrática e colegiada porqueeste favorece o desenvolvimento da prá-

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tica do diálogo na escola e resulta em maiordistribuição de poder dentro e fora da es-cola, bem como o alcance do equilíbrio en-tre a competência técnico-acadêmica e asensibilidade política necessárias ao dire-tor para o exercício do cargo (GADOTTI;ROMÃO, 2004).

Por último, o mecanismo de esquema mistocombina duas ou mais fases no processode escolha dos diretores. Essas fases po-dem se constituir em provas que aferem acompetência técnica e a formação do can-didato, e eleições que verificam sua experi-ência administrativa, capacidade de lideran-ça etc. Nesse mecanismo a comunidade es-colar tem a possibilidade de participar deuma ou mais fases do processo de seleção,resultando em um maior vínculo e compro-misso do diretor com aqueles que o esco-lheram.

De acordo com Paro (1996) a defesa daeleição como critério para a escolha de di-retor de escola está baseada em seu caráterdemocrático. É contraditório pensar na exis-tência de uma sociedade democrática, semconsiderar a democratização das institui-ções que compõem essa sociedade, possi-bilitando, inclusive, à população controlaro Estado no provimento de serviços coleti-vos em quantidade e qualidade compatí-veis com as obrigações do poder público eem atendimento aos interesses dessa soci-edade.

Daí a relevância de se considerara eleição direta, por parte dopessoal escolar, alunos e comuni-dade, como um dos critérios paraa escolha do diretor de escola pú-blica (PARO, 1996, p.26-27).

Em uma pesquisa realizada em 1999 queobjetivou fazer o mapeamento dadescentralização da educação brasileira nasredes estaduais do ensino fundamental,Parente e Luck (1998) constataram que osmecanismos mais utilizados para preenchi-mento do cargo de diretor escolar eram aindicação e nomeação direta pelas lideran-ças partidárias e dirigentes governamentaise a eleição direta e outras modalidades. Oresultado do estudo apontou a seguintesituação nas escolas: das 26 unidadesfederadas pesquisadas, 17 realizavam elei-ção direta com a participação da comunida-de escolar e local. Dessas, oito utilizavamcomo critério de seleção e escolha apenasa eleição; cinco utilizavam um sistema mis-to adotando critérios técnicos e eleição;duas adotavam somente prova de conheci-mentos específicos; uma utilizava curso dequalificação com aprovação do candidato;uma adotava como critério a análise do cur-rículo para selecionar os candidatos à elei-ção. Outros seis estados recorriam a formatradicional com indicação e nomeação delideranças locais diretamente pelos diri-gentes políticos.

De acordo com as autoras supracitadas, aprática da escolha de diretores escolaresatravés de eleição teve início no ano de 1984,no Estado do Paraná. Posteriormente, en-tre 1985 e 1987, os Estados do Rio Grandedo Sul, Acre, Mato Grosso e o Distrito Fe-deral adotaram essa prática. No DistritoFederal o processo foi interrompido porquestões políticas e a eleição foi embargada,voltando a ser implementado no ano 1996.Foi no período compreendido entre os anos

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1990 e 1997 que ocorreu uma expansão daseleições para diretor no âmbito dos esta-dos, com o início de processo eletivo emoito sistemas estaduais de ensino no país.A escolha pela eleição de diretor escolardestaca-se entre as práticas maisadotadas, como a que melhor representao desenvolvimento de uma gestão demo-crática. É importante ressaltar que essemecanismo não resolverá sozinho todo oproblema da escola, pois o verdadeiroexercício desse modelo de gestão requera participação da comunidade escolar elocal no processo de tomada de decisãosobre as diferentes dimensões - política,pedagógica e financeira - da gestão daeducação.

A eleição de diretores não pode,todavia, ser tomada como umapanacéia que resolverá todos osproblemas da escola e muito me-nos, em particular, os de nature-za política. Esta, aliás, tem sido aalegação mais freqüente dos queresistem à eleição como alterna-tiva para a escolha do diretor, ouseja, descarta-se a eleição porque'não é possível atribuir a existên-cia da democracia a apenas umavariável, seja ela o concurso, oscursos, ou, menos ainda, a elei-ção' (PARO, 1996, p.28-29).

Para a escola constituir-se verdadeira-mente em um espaço de exercício da de-mocracia é preciso que ocorra mudançanas práticas de exercício de poder. Énecessário que os sistemas de ensinorompam com a verticalização dos proces-sos e com as relações de dominação exis-tentes na administração da educação pú-blica, possibilitando que a comunidade

utilize o poder como instrumento de con-quista e atendimento dos interesses damaioria.

LIMITES E POTENCIALIDADES DOMECANISMO DE ELEIÇÃO DE DI-RETOR

Apesar de ser apontado por pesquisado-res como o mecanismo que mais propiciao exercício da democracia na gestão edu-cacional, a eleição de diretor escolar apre-senta algumas limitações que põem emquestio-namento a sua eficácia no que serefere ao exercício da gestão democráti-ca. Estudos realizados em diferentes es-tados brasileiros, na última década, reve-lam algumas dessas limitações.

No Mato Grosso, foram desveladas práti-cas condizentes com a cultura políticabrasileira nos espaços escolares. O contra-to clientelístico com os eleitores decorren-tes de compromissos e acordos sigilosospré-eleitorais termina por consolidardistorções e privilégios que comprometema gestão e o funcionamento da escola(TORRES; GARSKE apud LORDELO,2003).

A eleição também consolida o cor-porativismo de determinados grupos den-tro da escola, que querem tirar proveitoda situação, buscando o alcance de bene-fícios para o grupo, sem se comprometercom o coletivo da escola.

Pode-se ainda acrescentar o fortalecimen-

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to de influências dos professores no es-paço escolar, em detrimento da partici-pação dos pais e de outros trabalhadoresda escola com a instituição do processode eleição direta de diretor escolar (GO-MES apud LORDELO, 2003).

Médici apud Lordelo (2002), sinaliza que aforma como são organizadas as eleiçõesde diretores termina por resultar em umcrescimento do corporativismo dos pro-fessores nas escolas. Nas localidades ondeos professores têm maior participação quea comunidade local, o desempenho pro-fissional dos diretores está condicionadoao atendimento dos interesses dos do-centes, comprometendo todo o seu tra-balho com o sucesso pedagógico da es-cola. Ainda podem ser acrescentadas: ainterferência de política partidária que seconstituía em fator de participação, a opo-sição dos professores aos diretores elei-tos quando questões corporativas eramatingidas, os impasses criados com a elei-ção de diretores de oposição ao governo.

Mendonça (2001) acrescenta que outrosproblemas e limitações deste processo,apontados em vários estudos, abrangemfatores como excesso de personalismona figura do candidato, falta de preparode alguns deles, populismo e atitudesclientelistas típicos da velha política par-tidária, aprofundamento de conflitos en-tre os segmentos da comunidade escolar,comportamento de apropriação do cargopelo candidato eleito, dentre outros.

A adoção de eleição para diretor escolarcontribuiu para a diminuição ou elimina-ção, nos sistemas em que foiimplementada, de práticas tradicionalis-tas alicerçadas no clientelismo e nofavorecimento pessoal, prática comumna escolha de diretor através de nomea-ção. Contudo, isso não significa dizer queo clientelismo não tenha deixado de exer-cer suas influências na instituição esco-lar. Em algumas situações, permanece-ram aberturas para a penetração da influ-ência do agente político na nomeação dodiretor. Em outras, o interior da escolapassou a comportar práticas clientelistasquer no processo de eleição, quer duran-te o exercício de seu mandato (PARO,1996).

Para exemplificar a permanência da in-fluência político-partidária na eleição dediretor, Paro (1996) cita Zabot (1984) eCanesin (1993) para relatar as experiênci-as do estado do Paraná e da cidade deGoiânia, onde a eleição foi realizada atra-vés de lista tríplice e a escolha definitivado nome do candidato que ocuparia ocargo estava sob a responsabilidade doPoder Executivo.

No estado do Paraná o tempo exigido,por decreto estadual, para a escolha donome do diretor pela Secretaria Estadualde Educação, possibilitou que muitosgrupos pressionassem os responsáveispara a nomeação de candidatos de seuinteresse (ZABOT apud PARO, 1996).

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Em Goiânia, apesar do estabelecimento decritérios, tais como avaliação de currículos,teste de avaliação, identidade com o projetode melhoria do ensino, espírito de lideran-ça e outros, alguns candidatos que obtive-ram a classificação em primeiro lugar, nãoforam nomeados pelo Executivo, tendo sidonomeados candidatos indicados por ve-readores (CANESIN apud PARO, 1996).

O autor ainda faz referência ao ocorridono estado de Minas Gerais onde a eleiçãonão foi realizada através de listaplurinominal, mas os políticos desres-peitaram as regras para a eleição de dire-tor. Nesse estado, em 1992, ano de elei-ções municipais, ocorreram muitas subs-tituições de diretores escolhidos pelaSECOM por outros pertencentes a esque-mas eleitorais de alguns deputados e can-didatos a prefeitos e vereadores a pedidodos mesmos (MELLO; SILVA apudPARO, 1996).

Em relação às práticas clientelistas desen-volvidas no interior da unidade escolar,Paro (1996) relata casos ocorridos emGoiânia, em 1984, de candidatos que, pa-trocinados por vereadores distribuíam mi-mos e prometiam favores em troca de vo-tos, além do revezamento de alguns direto-res e secretários de uma mesma escola darede para se alternarem na direção de uni-dades escolares por longos anos (CANESINapud PARO, 1996).

Outra expectativa com relação à eleição eraa possibilidade de essa conseguir eliminar

o autoritarismo existente na escola e a faltade participação de professores, alunos,funcionários e pais nas decisões. Acredita-va-se que, uma vez o diretor não tendo sidoescolhido pela comunidade escolar e local,estaria mais comprometido com os interes-ses do Estado do que com as necessidadesda escola e do grupo. Isso implicava em umdistanciamento da comunidade escolar nofuncionamento da escola.

Todavia, a situação ocorrida no DistritoFederal mostra que

o processo de gestão democráti-ca nas escolas não conseguiu sair,ainda, do rol dos modelos tradici-onais, sem avanços na participa-ção de pais e alunos, professorese servidores na tomada de deci-sões, de forma mais ampla, en-volvendo a distribuição de poder(COUTO apud PARO, 1996, p.103).

Um passo muito importante para garantiada distribuição de poder na escola é amudança de comportamento do diretor, quedeveria deixar de assumir um papelcentralizador e autoritário e assumir umapostura democrática, oportunizando a to-dos os integrantes do corpo da escola aparticipação no processo de tomada dedecisão, bem como a divisão de poder eresponsabilidades para garantir o exercícioda gestão democrática da escola. Paro(1996) acredita que o autoritarismo exis-tente nas unidades escolares é decorrenteda

conjunção de uma série dedeterminantes internos e exter-nos à escola que se sintetizam na

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forma como se estrutura a pró-pria escola e no tipo de relaçõesque aí tem lugar (PARO, 1996, p.104).

Um aspecto positivo apontado por Paro(1996) proporcionado pela adoção da elei-ção de diretor é o comparecimento signi-ficativo dos vários setores da escola naseleições. O estado do Paraná, quando narealização das eleições em 1983, contoucom comparecimento de 70% dos pais, osestudantes também tiveram presença ma-ciça.

Também é importante destacar que a im-plantação de eleição não garante a partici-pação e o envolvimento das pessoas nacondução das ações na escola. É muitocomum ouvir reclamações de diretores quese sentem solitários, desacompanhados esobrecarregados de trabalho nas unidadesescolares, sem o apoio de outros integran-tes do grupo da escola para dividir astarefas e partilhar as responsabilidades eos problemas. Isso termina por reduzir oprocesso democrático à mera delegação depoderes.

Sobrinho et al. (1994) atribuem ao proces-so de implantação do colegiado/conselhoa maior possibilidade de mudança nofuncionamento da escola, conferindo aoprocesso de eleição de diretor resultadosmais otimistas. Este órgão possibilita que odiretor eleito tenha maior suporteinstitucional no exercício de suas ativida-des, retirando-o do isolamento, uma vez quepermite a participação dos professores, dos

pais, dos alunos e dos funcionários deforma mais permanente.

A experiência de outros países com a im-plantação e o funcionamento docolegiado/conselho aponta que o maiorenvolvimento dos pais na unidade esco-lar tende a: elevar a resposta dos educa-dores; elevar a confiança das famílias naescola; promover maior aproximação en-tre professores e pais, pais e filhos, dire-tores e comunidade; atrair sugestões ino-vadoras para melhorar a qualidade do en-sino (MURPHY apud SOBRINHO et al,1994).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A viabilização de uma gestão escolar queatenda a uma concepção progressista deeducação, onde todos os sujeitos são vis-tos como cidadãos com direitos a serematendidos pelo Estado e a participação nasquestões educacionais, constitui-se emexercício da cidadania, é muito importantepara o desenvolvimento da sociedade, bemcomo para o funcionamento da organiza-ção escolar nesse meio.

A gestão democrática não resolverá sozi-nha todos os problemas do sistema deensino no Brasil, mas a sua implementaçãoé hoje uma exigência da própria sociedadeque se quer mais justa e participativa. Éimportante a garantia dos mecanismos ne-cessários para o exercício desse modelo degestão, bem como a criação de políticas

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educacionais que partam de dentro da es-cola, atendendo às suas necessidades e as-segurando a descentralização do processode tomada de decisão.

O processo de eleição de diretores escola-res é apenas um dos componentes da ges-tão democrática do ensino público, que sóterá efeito prático eficaz se associada a ou-tras medidas que garantam a participaçãoefetiva dos representantes dos segmentosescolares e da comunidade. A forma de es-colha e a atuação do diretor escolar podemcontribuir para a superação de conflitos,para a melhoria do trabalho, para as rela-ções intra-escolares e para a qualidade doensino. Mas, para isso acontecer é impor-tante a conjunção de mudanças profundasna própria estrutura da escola e nas rela-ções que nela se desenvolvem.

Repensar os modelos de gestão atuais ea noção de democratização da escola éfundamental para o aperfeiçoamento dosmecanismos de participação existentes. Épreciso considerar a reestruturação dosespaços de exercício da gestão democráti-ca da educação, atribuindo responsabili-dades e significado aos diversos conse-lhos existentes nas escolas públicas comoo conselho/colegiado escolar, o conselho declasse, a coordenação pedagógica, o grêmioestudantil e outros, que se constituem emespaços privilegiados de democracia na es-cola e, funcionam de maneira precária e de-ficiente.

The election of school principals: advancesand backward movements in the exercise ofthe democratic management

Abstract: This article discusses the election ofschool principals as one of the constructs thatare contributing to exercise of democratic schoolgovernance, allowing for communityinvolvement in the decision-making processconcerning the organization and the running ofschools. It discusses different forms ofappointment to the post of principal and itsimplications for the development of theactivities and the success of the school, revealingthat the practice of electing the principal doesnot guarantee the exercise of democraticgovernance, which should comprehendcommitment to the success of the institution asthe center of all actions.

Keywords : Election of school principals;Democratic education governanc.

Eleccion de directores escolares: avances yretrocesos en el ejercicio de la gestiondemocratica de la educacion

Resumen: Este artículo aborda el tema de laelección de director escolar como una de lasconstrucciones que viene contribuyendo al ejerciciode la gestión democrática de la educación,posibilitando el involucramiento de la comunidaden el proceso decisorio sobre la organización y elfuncionamiento de la escuela. Establece unadiscusión sobre las diferentes formas de cubrir elcargo de director y sus implicaciones para eldesempeño de las actividades y el éxito de la escuela,develando que la práctica de la elección del directorno garantiza el ejercicio de la gestión democrática,en la cual el compromiso con el éxito de lainstitución debe estar en el centro del las acciones.

Palabras clave: Elección de directores escolares;Gestión democrática de la educación

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Eleição de diretores escolares: avanços e retrocessos no exercício da gestão democrática da educação

Artigo recebido em: 20/01/2006.Aprovado para publicação em: 03/11/2006.

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Sobre o autora:

1 Claudia Dias SilvaMestranda em Educação, Faculdade de Educação,da Universidade Federal da Bahia (FACED/UFBA).Professora Substituta FACED/UFBA.Orientador: Dr. José Albertino LordeloE-mail: [email protected]

Endereço Postal: Cond. Bosque Imperial, Ed.Carvalho, Apt.201, São Rafael. CEP 41.250-579,Salvador/BA, Brasil.

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“Por temor a lo manido/ muchas cosas me callo./En mi corazón hay escritos muchos poemas yesas canciones/ mías enterradas son las que amo”

Cavafis-Poesía completa

La frontera: futuros imprevisibles, paradigmas en construccion

Sergio Gómez Montero1

PRESENTACIÓN

Se presenta complejo, en principio,enunciar brevemente las razones que mehan llevado a elaborar este ensayo. Ellastienen que ver, desde luego, con lasinquietudes intelectuales que desdetiempo atrás me acompañan y las que,todas ellas, se emparientan de maneraestrecha con la Sociología y con eseuniverso abigarrado que desde hacetiempo también —¿será acaso el siglo XIX

o antes?— conforman las cienciassociales. Inquietudes intelectuales queagrupo en tres grandes campos de acciónen los que me he movido durante más detreinta años; campos que paso a mencionarsin jerarquizar, pues para mí todos ellosson igualmente significativos: la creaciónliteraria (en particular el ensayo), el análisispolítico (concretado en ejercicioperiodístico) y la docencia e investigacióneducativas en la universidad. Moverme enesos tres campos ha implicado siemprepara mí el tener indefectiblemente a mi veraa la Sociología, ¿la madre de todo mibatallar intelectual? Si no eso, sí, al menos,compañera siempre en las rutas del saber.

Una segunda razón que me mueve a estaraquí es la frontera; ella sí nuestra tierrasanta, nuestro terreno experimental detodos los días, la herida que no sangrapero que hace sangrar y llorar al mismo, latierra de fantasmas obcecados y deobcecados e incansables buscadores deotra vida (la menos pinche, la menos pobre,la vida en donde pueda uno al menoscomer, después ya Dios dirá). Me refiero,

Resumen: El artículo procura hacer un análisis– un corte longitudinal— de cuáles han sido losenfoques teóricos más relevantes para acercarseal estudio de la frontera entre México y Esta-dos Unidos y de los fenómenos sociales en ellaregistrados, para poder visualizar a partir deello presente y futuro de ese territorio complejo,es el contenido básico de este ensayo, tratandode realizar así un recorrido somero por un pre-sente social en donde las intersecciones sonmúltiples y analizando también cómo ellas estánconvertidas en la fuente que alimenta lainnovación continua de saberes, lo cual poneen el tapete de la discusión todo un conjunto desujetos e instituciones que se mueven en elecotono fronterizo.

Palabras-clave: Frontera; Sociología; Migración

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claro, a la frontera que se existe entreMéxico y Estados Unidos, y específi-camente a la frontera que hay entre BajaCalifornia y California y que me ha tocadovivir (a ambos lados) durante más de 25años.

Finalmente la tercera. La razón de ser apartir del diálogo, que puede ser escasoahora, pero que se puede enriquecerposteriormente, cuando luego de leer esteescrito, algo, poquito de lo aquí leído, sigaresonando en nuestro interior hacién-donos preguntar: “¿Y bueno, qué carajosfue lo que quiso decir el profe Sergio?” Deantemano lo expreso: intento hoy escribiralgo simple, algo sencillo: plantear nuevosretos, nuevos paradigmas para acercarnosal estudio de la frontera desde el terrenode las ciencias sociales. Por razonesexpositivas tan sólo, las ejemplificacionesutilizadas se refieren a este lado de la“Línea”; aunque, sin duda, muchasafirmaciones pueden ser válidas tambiénpara el otro lado.

Corre y se va - como en la Lotería deTijuana - con… El Valiente…

NUESTRA FRONTERA DE TODOS LOSDÍAS

Visualizar la frontera, cualquier frontera,desde un punto de vista etno-antropológico implica situarnos siempre,y quizá antes que nada, en un terreno deconflictos. Toda frontera – en cualquierterreno - implica límite, es decir diferencia,

y si bien, la diferencia hay que respetarla,ella también, en esencia, implica laexistencia de lo otro –sea cosa o sujeto-,lo que pone automáticamente enfuncionamiento la autoafirmación, queno siempre es un proceso pasivo porninguna de las partes (las partes que vivenentre fronteras). Es decir que en la fronteraconlleva múltiples dificultades poner laotra mejilla. Por el contrario, en esencia, lafrontera es campo predilecto de lucha decontrarios y de allí su esencia conflictiva,más allá de los ecotonos, que sólo implicanuna nueva reubicación territorial y unmatizado y en ocasiones temerosointercambio de experiencias sociales.

Esa esencia conflictiva de lo fronterizo seexacerba cuando la frontera hace referenciaa territorios geográficos habitados porhumanos y sobre todo cuando, como hoysucede en el caso de nuestra frontera, ellamarca límites entre Norte y Sur yarropa allí, por ende, toda la violencia queello conlleva. En nuestra frontera – la deMéxico - Estados Unidos -, socialmentehablando, el ecotono desaparece y el límiteno se presta a dudas: de un lado están losque aparentemente casi todo lo pueden,mientras que del otro la pobreza es unamarca indeleble desde tiempo atrás. A partirde ello no debe sorprender la manera enque los fenómenos sociales que en ella seregistran desde hace varios años (quizáveinte o treinta años atrás) y cuya raízesencial han sido y siguen siendo losprocesos migratorios (que le dan vida nosólo a los éxodos de indocumentados

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nacionales y extranjeros, sino también ala maquila, a los “transmuters” y a casitoda la vida económica de la región), sehayan convertido paulatinamente enverdaderas danzas de la muerte, cuyacosecha se diversifica entre quienesmueren cotidianamente en su intento por“cruzar”, entre los asesinados por losajustes de cuenta entre narcotraficantes,entre las que se vuelven “target” degénero como “las muertas de Juárez”, oentre quienes sufren las consecuenciasde la anomia social que cubre con sumanto, particularmente, obvio, a losestratos más pobres de la población.

Desde luego, tal dramatización se puedesuavizar si entramos al terreno de losecotonos –donde se mezclan y palian demuy diversa manera las diferencias - ysabemos que allí conviven ya, formandouna nueva real idad, fenómenoslingüísticos, educativos, artísticos,culturales, mediáticos, que dibujan unpaisaje menos presagiante que el de lasdanzas de la muerte.

Lindo, lindo laboratorio social es lafrontera, nuestra frontera (CUSMINSKY,1995; LOWENTHAL; BURGUESS, 1995).Pero, frente a ello, ¿qué es lo que hahecho y está haciendo hoy laSociología? ¿Qué tanto el la harespondido al cúmulo de retos que estánallí frente a nuestras narices y ha tratadode dar respuesta a las problemáticasimplícitas? ¿O le han pasado de frente,mientras ella, la Sociología, no logra salir

del mar de efluvios teóricos y de caminosrecorridos ya cientos de veces?

LOS RETOS DE LA CIENCIA SOCIAL

Quizá sea excesivo cargarle tanto la mano ala Sociología, pasando por alto los trabajosde Bustamante, de Alegría, de Iglesias, deGarduño, de Hernández, de Valenzuela o deGanster, por citar a unos pocos que traba-jan cuestiones sociales de frontera; oCastells, Morin, Bourdieu, Gorz, Gardner,Foucault, Moscovici, Sennet, Luhman,Maturana, Derrida, etcétera (URSUA,AYESTARÁN, GONZÁLEZ, 2004), en elcampo general de la Sociologíacontemporánea. Pero de hecho, a lo quequiero hacer referencia es a algo más defondo: ¿por qué las ciencias sociales engeneral se encuentran tan aparentementerezagadas respecto a las ciencias duras?¿Por qué ellas, respecto a las segundas,no entran todavía a los campos tanfascinantes que están abriendoindistintamente la Física (el mundo tancomplejo, pero prometedor, de laantimateria), la Nanotecnología (esematrimonio tan promisorio entre física ytecnología), la Robótica (que anunciaun nuevo mundo feliz) o la Biogenética(donde se puede ubicar, entre otras cosasigualmente relevantes, la controversialclonación)? Campos, los antedichos, quecomienzan a dejar atrás las fantasíasextremas de la ciencia-ficción, las que cadadía nos suenan más a cuentos infantiles.¿Qué es lo que realmente hoy está pasandocon las ciencias sociales, pregunta que

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considero necesario plantear, para entrarluego así al campo específico de los pro-blemas sociales de la frontera2?

Aventuro aquí dos hipótesis de trabajopara contestar mi pregunta antedicha. Laprimera de ellas tiene que ver funda-mentalmente con el desplazamiento de laSociología por dos saberes que, primerouno y luego el otro, restaron importanciaal saber sociológico, escindiendo de raíz(especializando a un grado extremo alconocimiento de lo social) a las cienciassociales. Es decir, la Sociología fuecediendo terreno primero frente a laEconomía (en su acepción demacroeconomía) y luego, en el tiempopresente, frente a la Política, convertidahoy en la madona que controlaaparentemente a todos los aparatossociales (un poco más adelante retomoeste tema para abordarlo con mayordetalle). Desde luego, ese desplazamientono fue gratuito; él respondió, y siguerespondiendo, a las condiciones deoperación del sistema social en el tiempopresente, t iempo en el cual estánoperando los sistemas sociales complejosque están planteando, como escribe donPablo González Casanova (2004) en unlibro que próximamente se publicará,nuevas posibilidades de estructuración,reflexión y acción a las organizacionessociales. Señalo sólo que allí, la Historia,como parte de las ciencias sociales, en lamedida que atraviesa longitudinalmentea todas las disciplinas que esas ciencias

acuerpan, se mantiene vigente, inconmo-vible su lugar.

De hecho, el tiempo de la globalizaciónsimple, que se emparentó inicialmentesólo o primordialmente con la Economía,pareciera ser que hoy, luego de menospreciarla de manera absurda, a quien estállamando para estudiarla más a fondo es ala Sociología, a través de sus vertientesinformacionales, de la teoría del caos o dela biopolítica.

Pero, segunda hipótesis de trabajo en esteapartado, ¿podrá la Sociología tradicionalenfrentar los retos ya no sólo del presente,sino sobre todo del futuro? Aquí,contradictoriamente, lo que la Sociologíase debe de plantear es pensar en el regresoa su matriz; es decir, rechazar el procesode fragmentación especializada a que sevio sometida, para volver a considerarseintegrante de un campo único de saberes:el campo de las ciencias sociales, en dondelos sujetos interesados en ese campo setornan, desde su proceso de formaciónhasta en su práctica profesional cotidiana,en individuos polivantes, cuyos saberesinciden en el conocimiento de los sistemassociales complejos contemporáneos, quereclaman de ellos, indistintamente,moverse como peces en el agua, lo mismoen la Sociología, que en la Política, laEconomía o la Filosofía, a la vez que estarbañados de saberes propios de las cienciasduras (si hacemos una revisión de losmuchos sociólogos aquí mencionados,

2 Hago mías aquí las reflexiones de Bourdieu (2003) sobre la material.

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fácilmente podemos darnos cuenta de lapolivalencia de ellos).

Pero, ¿por qué razón tanta crema en lostacos para ser sociólogo?

Bueno, fundamentalmente, porque vamosa ver de qué mundo estamos hablando yasí poder estimar el costeo de la tarea.

LA KOYAANISQATSI DEL TIEMPOPRESENTE

¿En dónde estamos situados hoy? Retomoaquí, para situarnos, la noción de “vidadesequilibrada”, Koyaanisqatsi (que dioorigen a un documental desgarrador,musicalizado magistralmente por PhilipGlass), utilizada por los indios hopis parareferirse a la devastación del medioambiente. Es decir, hoy estamos hablandode una nueva etapa capitalista,postfordista la llama Alejandro Horowicz(2004, p.1) en la cual

[…] no estamos hablando de unavida cotidiana homogénea, ni dedestinos claramente trazados,sino de un sinnúmero de destinosindividuales que dependen de lascaracterísticas de la estructura dela subjetividad por una parte, yde la naturaleza de la objetividadnacional por la otra.

O como Virno (2005) la concibe:

En la metrópolis postfordista[…] el proceso de trabajo materialpuede describirse empíricamentecomo un conjunto de actoslingüísticos, como una secuenciade aserciones, como interacciónsimbólica […] porque el proceso

productivo tiene por <<materiaprima>> el saber, la información,la cultura y las relaciones sociales.

Por un lado subjetividad, por el otroobjetividad, aunque ambas sometidas a una“vida desequilibrada”, cuya estructura desaqueo está arrasando tanto al hombrecomo a su entorno espacial. Como sea(AREA CIEGA, 2004),

[...] Globalización, postfordismo,neoliberalismo…,varios conceptosintentan aferrar las dimensionesde una gigantesca mutaciónproductiva, cultural, social yantropológica basada en laincorporación masiva de las mássofisticadas tecnologías informá-ticas y comunicativas, en ladescentralización productiva y laempresa en red, en la reestruc-turación del mercado de trabajohacia la flexibilidad y la precari-zación de la existencia entera, en laexpulsión incon-trolada de losmercados financieros etc.

¿En dónde estamos situados? Aquí, endonde hoy (DÍA SIETE, 2004, p. 6)

La humanidad consume losrecursos de la Tierra másrápidamente que su capacidadpara sustentar la vida, según unreporte del Fondo Mundial parala Naturaleza. El porcentaje deespecies sufrió una caída del40% entre 1970 y 2000 comoconsecuencia de la demanda dealimento y agua.

Pero, ¿cómo es entonces que la vidadesequilibrada nos afecta? ¿A quiénafecta primero: a los sujetos o a losobjetos? No, allí no hay principio ni fin;no hay dilema entre huevo y gallina; allí,

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como lo escribe José Manuel Naredo(2004, p. 13),

[...] en el marco de la llamada“globalización”, el objetivogeneralizado del crecimientoeconómico promueve laprogresiva explotación y usohumano masivo de la biosfera, lacorteza terrestre, la hidrosfera yla atmósfera, unidos a laexpansión de asentamientos einfraestructuras, a ritmos muysuperiores al del crecimientodemográfico, que están dejandohuellas de deterioro territorialevidentes: ocupación de los suelosde mejor calidad agronómica parausos extractivos, urbano-industriales e implantación deinfraestructuras, reducción de lasuperficie de bosques y otrosecosistemas naturales con grandiversidad biológica e interéspaisajístico, avance de la erosión,los incendios y la pérdida de lacubierta vegetal etc.

¿No acaso lo anterior tiene que vermuchísimo con nuestro entorno, connuestra frontera, que sufre la instalaciónde regasificadoras, carencia creciente deagua, urbanización siempre al borde delcolapso, cultivos agrícolas extensivos enlas cada vez más escasas tierras agrícolas,expansión esquizofrénica de maquila ypaisajes costeros dominados cada vezmás por edificios de todo tipo destinadospara satisfacer indistintamente al turismoy a la industria?

Al respecto hay dos problemas a resolver.Uno, ¿cómo se ha llegado a tal estado dedestrucción socio-ambiental? Dos, ¿cómoes que se permite la reproducciónampliada de la crisis?

Sobre ambos temas, la respuesta gira entorno a la modificación sustantiva delmodelo capitalista en la etapa actual,caracterizada por Horowicz (2004, p.10)por el fin de la demanda insuficiente, dadala existencia de una producción suficientey por ende la existencia de un consumoesquizofrénico

El placer ya no determina la dietaalimentaria, la salud no determinamás la dieta alimentaria, laIndumentaria determina todo:una dictadura más imbécil y másprofundamente deshumanizada nose ha visto jamás (HOROWICZ,2004, p.10).

Y lo que se puede decir de la Indumentariase puede extender a diversas actividadeshumanas igualmente alienantes; es decirque vivimos en un mundo en donde ya noexisten necesidades insatisfechas porincapacidad productiva (hoy como nuncase produce mucho más de lo que senecesita), sino por problemas dedistribución de lo producido, dado queentre la generación de riquezas y suapropiación media la propiedad privada,pues (HOROWICZ, 2004, p.9) hoy comonunca “El capitalismo es esquizofrenia, elcapitalismo produce esquizofrenia yfunciona esquizofrénicamente. La esquizo-frenia es su lógica funcional”.

¿Por qué el radicalismo tan marcado delbrillante sociólogo argentino aquí citado?Quizá por aquello que el médico Hernseñalara desde 1990 al apreciar (NAREDO,2004, p.14)

[…] una fuerte analogía entre lascaracterísticas que definen los

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procesos cancerígenos y laincidencia de la especie humanasobre el territorio, apoyándoseen las similitudes observadasentre la evolución de las manchascancerígenas reflejadas en losescáneres y las que recoge lacartografía sobre la ocupación delterritorio.

Y, más aún, si pudiéramos escanear hoylos comportamientos sociales de loshumanos, para nada sería sorprendente laexistencia de una cartografía similar a lasanteriores, en donde las zonas de salud seven cada vez más restringidas. Allí nadafue primero ni nada después: existe unentrelazamiento de los malestares, queparticularmente evolucionan paralelos lostres, generándose así entre ellos unaanalogía sorprendente. El maestroespañol Naredo (2004) nos lo explicacaracterizando a cada uno de esosterritorios de desastre. Cito a los tres sinque exista orden o jerarquía. Uno, elMeloma, que se caracteriza por: a) uncrecimiento rápido e incontrolado, b)metástasis en diferentes lugares, c)indiferencia de las células malignas, d)invasión y destrucción de los tejidosadyacentes. Dos, Conurbación Difusa,caracterizada por: a) desarrollo urbanísticomovido por ilimitados afanes de lucro, b)el modelo de la conurbación difusa envíatrozos de ciudad a puntos alejados (einfraestructuras), c) el estilo universalunifica las tipologías constructivas, d) laconurbación difusa y el estilo universaldestruyen los asentamientos y edificiospreexistentes. Tres, la Anomia Social,cuyas características serían: a) un creci-

miento exponencial de sus malestares, b)su surgimiento no obedece a reglasregulares y metódicas, c) no hay gradosde maldad (se es malo y eso es suficiente),d) su avance es incontrolable y contaminaa todo lo que encuentra a su alcance.

Margalef (NAREDO 2004, p 19-20)propone un indicador que marca así taldecadencia del sistema:

[… ] la fracción cada vez mayorde recursos que reclaman lasfunciones (e infraestructuras) detransporte, administración, control,defensa o policía, a la vez que sereduce la fracción de recursosligada a verdaderas ganancias deinformación o al simple disfrutede la vida.

En otras palabras, vivimos cada vez másen tensión continua, pues “[…] estemodelo de gest ión parasi tar ia nosarrastra hacia estados de mayor entropíaplanetaria” (NAREDO, 2004, p.20).

Digo, es dura pero es real estaKoyaanisqatsi, “vida desequilibrada” enla que hoy nos ha tocado sobrevivir.

EL PRESENTE ABIGARRADO

Metidos de lleno en la vida desequilibradadel presente, una primera tarea esreconocer su existencia y admitir que ellaha modificado sustantivamente las reglascotidianas de sobrevivencia, virtualmenteen todos los terrenos en que nos movemosde manera cotidiana. A pesar de que losrasgos más dolorosos y execrables de esavida nos lastiman cotidianamente (¿no

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nos gobiernan o nos van a gobernar aquíen la frontera verdaderos gángsteres, yqué hacemos frente a ello?), no siemprey no todos estamos concientes de eso.Es decir que paulatinamente se imponeun estado de indolencia generalizadofrente a la crisis, lo cual dificultaprimero su reconocimiento y luego yano se diga el luchar por transformarla.

Pero, segunda premisa, también esindudable el hecho de que ese presentecomplejo, en donde la vida desequilibradatiene lugar, trae consigo nuevas realidadesque, en un plazo de tiempo muy corto, hanmodificado sustantivamente la esencia delos fenómenos que desde tiempo atrás,por ejemplo en nuestra frontera, semanifiestan cotidianamente. Pongo, alrespecto, dos ejemplos, entre un verda-dero cúmulo que se pudieran plantear.

Uno, el fenómeno de las tribus urbanas(COSTA, PÉREZ TORNERO, TROPEA,1996), que nos i lustra sobre losproblemas de la identidad juvenil en unmundo – el de los jóvenes - que se mueveagitadamente entre el culto a la imagen,la autoafirmación y la violencia, y quesi bien originalmente se vinculó sobretodo a las “gangas” de las ciudadesnorteamericanas o a la mezcla explosivade interculturalidad de las ciudadeseuropeas o de nuestra misma frontera, hoyaparece diseminado y brutalmenteenriquecido en las zonas más disímbolasdel planeta. Llevado a sus extremos porlos “marasalvatruchas” – que hoy ya no

tienen territorio delimitado, sino que yason capaces de moverse indistintamentedesde San Francisco a Panamá yColombia- , ese neotribalismo sin dudaha afectado la vida cotidiana de nuestrosjóvenes en la frontera, conservando, sí,muchos de sus rasgos originales - susconstrucciones comunicativas ymediáticas, su tendencia hacia lo icónico,su marginalidad etcétera (VALEN-ZUELA, 1988)-, pero añadiendo hoy aello otros rasgos quizás hasta hoy nosuficientemente valorados –no por mí,reconozco- : una movilidad sorprendente,que no reconoce territorios ni soberaníasnacionales, y sobre todo poseedores deun caudal de prácticas violentas que seextienden y enriquecen sin cesar, algrado de estar convertidos estos gruposneotribales en verdaderos ejércitos demercenarios que recorren y dominanextensiones territoriales cada vez másamplias y cuya capacidad de convo-catoria no tiene límite. ¿Qué tanto esteneotribalismo ha rebasado la existenciatradicional de rockers, mods, hippies,skinheads, punks, chavos banda ycholos, que se han considerado endiferentes momentos los gruposmarginales dominantes de nuestrasociedad fronteriza? ¿Qué tanto suexistencia obliga a revisar másrigurosamente nuestro sistema socialcomplejo de la frontera, para darnoscuenta de cómo la operación de lasneotribus está hoy vinculada al fluir delas aguas subterráneas de la política o delcrimen organizado? ¿Qué tanto su actuar

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intra o extranacionales) y que recorrecada vez mayores distancias (de China oBrasil hacia Estados Unidos, de paísesafr icanos o sudamericanos haciaEuropa), sino fundamentalmente comola posibil idad de explicarnos esosfenómenos de una manera diferente,precisamente en el marco de ese presentecomplejo de vida desequilibrada quehoy nos ha tocado vivir.

Así, Attali (1999) lo plantea en estostérminos:

Nómada: Arquetipo humano delsiglo próximo [el autor se refiereaquí al siglo XXI] […] el 5% dela humanidad se ha hechonómada:trabajadores emigrantes,refugiados políticos, campesinosexpulsados de su tierra, ademásde no pocos miembros de lahiperclase […] Dentro de treintaaños, al menos la décima partede la humanidad será nómada –de lujo o de miseria.

De ello, o de nociones similares, RosiBraidotti (2003, p. 72) extrae la premisasiguiente:

[…] toda esa fuerza de trabajo quehoy se clasifica precipitadamentebajo la rúbrica de “migración”podría ser redefinida comociudadanos a tiempo parcial ociudadanos temporales. El derechode pertenecer a una nacionalidadno descansaría entonces en elespacio – la tierra, el suelo, elzócalo familiar, el contratolaboral en un lugar ubicado en elinterior del Estado-nación—, sinomás bien en el tiempo o el plazode la afiliación por parte de unsujeto al espacio social en el queél/ella funcione […] los itinerariosdel devenir nómadas nos aguardan:ahora es nuestro turno.

provocador, irreverente y agresivo seextiende como una marca de agua que,al igual que un tatuaje, sella hoy la pielde múltiples jóvenes de nuestra fronteray ello impacta la vida de la sociedadtoda, al originar la existencia de uncúmulo casi infinito de acciones queponen en riesgo continuo la hoy cadavez más endeble seguridad pública?¿Qué tanto, en fin, las nuevas tribusurbanas se diferencian de las antiguas?

Pero , s in duda , e l fenómeno másapasionante - otra vez para mí - quetiene que ver con nuestra frontera, y engeneral con todas las fronteras, es laneomigración, entendida no sólo comoun nuevo f lu jo de movimientosmigratorios, sino con las nuevas formasde asumir la comprensión de esosfenómenos, involucrando en ello, aquísí, no sólo a la Sociología, sino a lasciencias sociales en su conjunto.

Parto de una experiencia particular - eldiálogo polémico que tengo establecidocon colegas mexicanos, españoles eitalianos sobre la materia-, para hacera lgunos p lanteos . P lanteos quedevienen desde inicios de los noventade las tesis de Attali contenidas primeroen Milenio (1995) y luego en Diccio-nario del siglo XXI (1999); de Braidotti(2003), y finalmente de Hardt y Negri(2002). Insisto, la neomigración se debeentender no sólo como la extensión ennúmero de la población que se muevede un lugar hacia otro (en movimientos

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En ese esquema, lo que la neomigraciónnos estaría planteando serían al menostres cosas, que expreso aquí de maneramuy sintética.

Uno, el surgimiento de nuevasciudadanías, unas vinculadas a laneomigración, otras a la “internetasización”de la vida cotidiana (CASTELLS, 2001;CHUDNOUSKY, 2004), que tarde quetemprano plantearán (de hecho ya estánplanteando) nuevas relaciones sociales enel marco planetario; relaciones sociales querequieren actualizar necesariamentenuevas alternativas polí-ticas y legales.

Dos, el redimensionamiento que estásufriendo en la vía de los hechos la nociónde soberanía (BERGALI; RESTA, 2000),que ha tenido necesariamente queflexibilizarse, a la vez que ha puesto encrisis la noción de Nación que nos heredóel liberalismo desde el siglo XVI. Tres, sibien ubicados en los trabajos socialmentemarginales, el peso demográfico de losmigrantes al crecer cuantitativamentetambién lo ha hecho cualitativamente y esoestá originando respuestas de contra-violencia física y de represión política cadavez más marcada por parte de los nativos.

Frente a ese nuevo universo social, diceBraidotti (2003, p.73),

[…] la relación entre losciudadanos a tiempo completoy las minorías/ migrantes/ sinpapeles, emigrados, refugiadosy exiliados ha de redefinirse através de unas prácticas diferentes

de la socialidad y de las movili-dades respectivas.

Y desde luego, los que estamos totalmentede acuerdo con eso, somos quienes desdeeste lado de la “Línea” estamos viendo eltranscurrir de la neomigración, del noma-dismo creciente… Pero no sólo nosotros.También los que están viendo esos fenó-menos desde el otro lado, se comienzan apreocupar reactivamente.

DE QUÉ VECINDAD HABLAR

No es este el momento de desmenuzar elpensamiento de Samuel Huntington,presente en sus diferentes libros. Tampocode hincarle diente al reaccionarismo que serepite (pues siempre ha estado presente entodos sus libros) en ¿Quiénes somos?(2004). Lo que intentaré aquí, siguiendo lalógica de esta exposición, es plantear cómonuestra situación de estudiosos de lasciencias sociales en la frontera puede, acontracorriente de las tesis de Huntington,a través de un conjunto de accionessociales de muy diversa naturaleza,ejecutadas sincrónica y asincrónicamentepor la población mexicana y la mexicanaasentada en Estados Unidos, irdeconstruyendo la noción etnocentrista yhegemónica que permea hoy particu-larmente el pensamiento de Huntington, enaras de permitir que las multiplicidadesy complejidades que acompañan alnomadismo México-Estados Unidos tenganuna expresión social nueva, diferente, quegarantice que estos nuevos ciudadanos

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(¿ciudadanos de dos países al mismotiempo?) tengan un espacio binacionalpropio, singular, nuevo de una u otra manera.

Así, al separar mañosamente cultura deindividuos y retomar las tesis weberianasde la ética protestante, para Huntingtonse vuelve tarea sencilla - en el interior de lasociedad multiétnica y multirracial en queestá convertida hoy la estadounidense -abogar, en respuesta a los desafíos – segúneste autor - que plantea la inmigración,retomar aquellos valores y principiossurgidos de la ética protestante, base de laidentidad estadounidense, para que así, sinreticencias, los fundadores de su Naciónrecuperen los terrenos perdidos ante elacoso inmigratorio tanto de los afroame-ricanos, como particularmente hoy porparte de los hispanos. Siendo sobre estossegundos en donde recaen los reclamosmás virulentos de este profesor, quien, entreotras cosas, al hablar de la identidadestadounidense olvida, obvio, a lospueblos indios que habitaron originalmentea su Nación.

¿QUÉ PLANTEA LO ANTERIOR?

Sintetizo otra vez mis ideas (todas ellasvinculadas, y precisamente por ellopolémicas, con la neomigración), centrán-dome sobre todo en lo que tiene que verespecíficamente con México, reconociendode antemano, pero de manera muydiferente a lo planteado por Huntington,que, en efecto, la presencia de población

de origen latinoamericano, y particu-larmente mexicana, en Estados Unidosconforma hoy una realidad otra a la cualhay que atender.

Así, por un lado, se hace necesarioreconocer un complejo proceso dedesterritorialización que hace vigente nosólo lo simple –la doble nacionalidad—,sino más que nada la acción en la prácticade ejercer derechos de todo tipo en dospaíses diferentes, sin que importe eltiempo o tipo de permanencia que setenga en uno o en otro de esos países.La existencia de estos nuevos ciudadanosbinacionales reclama la revisión urgentede los stata legales, y en general sociales,hasta hoy vigentes.

Otro aspecto igualmente complejo tieneque ver con las economías nacionales.Pues, por un lado, la fuerza de trabajonómada le es irremplazable a laseconomías receptoras, mientras que a lasexpulsoras les son cada vez más vitaleslos recursos provenientes de nuestrostrabajadores externos, al margen de que,ni en uno ni en otro lado, los derechos deesa fuerza laboral se respeten.

Finalmente, lo que considero más tras-cendente, la neomigración resultado delnomadismo hoy, vuelve a decir Braidotti(2003, p.74), es necesaria “[...] como procesopolítico y, por lo tanto, como proyecto trans-versal, a través de una multiplicidad deespacios y estructuras”. Esa nueva realidadpolítica que conforma la presencia de

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población mexicana en Estados Unidos harecibido hasta hoy sólo respuestastradicionales, manteniéndo se virtual-mente inéditas las posibilidades deconstruir nuevas estrategias, necesa-riamente binacionales, que le den a esapoblación la posibilidad de moversesocialmente con mayor presteza yefect ividad en un mundo que estáplanteando nuevos e inéditos retos encuestiones laborales, legales, culturaleso educativas.

Me pregunto, frente a ese presentecomplejo que se conforma particularmenteaquí en la frontera, que se torna asíchiclosa, flexible, vana ocasionalmente,¿cuáles son las acciones a emprender,insisto que desde el terreno de las cienciassociales, para ir conformando lasrespuestas al presente, pero sobre todoal futuro que cada vez nos alcanza más?Además, ¿tomando en consideraciónvehementemente que hablamos depolítica, de economía, de cultura, deeducación, de todo accionar socialvirtualmente, cuáles son los quehaceresentonces?

NUESTRAS TAREAS COMPLEJAS

¿Qué depara el futuro a las cienciassociales en la frontera? Bueno, enprincipio, ¿qué depara el futuro a lasciencias sociales en general? Respondera ello, en lo fácil, conlleva jugar unpoco a la prospectiva basada en técnicas

Delfos (JANTSCH, KAHN et al, 1970;HAGEN, 1995) y pronosticar escenariosque bien se pueden o no concretar, pueslas t endenc ias son c a d a v e z m á sinestables y el manejo de los cono-c imientos se dos i f ica a t ravés deelucubraciones de las más diversasespecies. Pero hoy el futuro planteaalgunos escenarios i rreductibles eindudables.

El primero de ellos lo establecen Hardty Negri (2002), quienes nos pidenentender la enorme pobreza política dela sociedad contemporánea y la enormeincapacidad de las mayorías paraimponer su punto de vista, frente alcreciente saber de los sectores hoyprivilegiados de la sociedad. Nunca,como hoy, la dominación se ha tornadotan compleja, a la vez que difícil ycomplicada la posibilidad de la liberación(no es difícil diseñar futuros fraternaleso de esperanza; el problema radica enconcretarlos).

El segundo es también un escenariopesimista, pues implica reconocer quelos procesos que se suponía cam-biarían, gradual y pacíficamente, lasinjustas condiciones sociales de vida,se encuentran cada vez más sometidosa los procesos de dominación y hanperdido toda su capacidad libertaria.Me refiero al establecimiento del estadode bienestar keynesiano y al potencialliberador que procesos tales como loeducación se pensaba conllevaban.

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Hoy, tales utopías se han venido al piso.El tercero de esos escenarios lo enunciaasí Wallerstein (1998, p.98) en los futurosinmediatos y remotos

[…] se librará una lucha en formasmúltiples: violencia abierta,batallas electorales y legislativascasi corteses, debates teóricosdentro de las estructuras delconocimiento y llamamientospúblicos a una retórica desco-nocida y con frecuencia acallada.

Pero dentro de esas luchas atercio-peladasirá aumentado paulalatinamente el librealbedrío de sectores cada vez másamplios de la población y entonces esasluchas se transformarán y mul-tiplicarány nosotros, dice Horowicz (2004, p. 11)

[…] vamos a aprehender demillones de luchas que se van alibrar, y esas nuevas luchas nosvan a enseñar, como en sumomento la Comuna de París, cuáles el nuevo camino […] Nadiesabe cómo va a ser eso.

Este tercer escenario, pues, no es ni pesi-mista ni optimista. Es, sólo es.

Pero sepámoslo o no ahora, hay cosasque sí podemos saber vinculadas al futuro.

Así, el mesianismo que prefiguran lasopciones hoy de futuro, nos lleva aestablecer la existencia de un orden socialen efecto dominado por el caos.Pero no,sorpresiva y contra-dictoriamente, de uncaos caracterizado sólo por el desorden,sino de uno acompañado siempre deprocesos organizacionales cada vez más

complejos, que en lugar de disminuirconsolidan el poder de las mega-corporaciones. Digamos que es el caossupuestamente el que fortalece a lassociedades dominantes actuales, puesellas, en la medida que dicho caos seincrementa, se tornan más consistentes yexpoliadoras. Dado lo anterior, estableceGonzález Casanova (2004, p. 12), parecieraser que la única salida opcional para lasorganizaciones alternativas es jugar almismo juego: la teoría del caos; es decir

Frente a las organizacionessimples a que estamos acostum-brados, con centralizaciónpiramidal de decisiones [es decirpartidos políticos actuales osindicatos tradicionales], esnecesario pensar siempre entérminos de organizaciones decorporaciones y de complejosque combinen las redes conautonomías y con jerarquías. Lasorganizaciones alternativas no sevan a distinguir por mayoresautonomías y menores jerarquías,sino por la mayor participaciónde sus integrantes en la rede-finición de unas y de otras.

El centralismo leninista, así, por ejemplo,queda ubicado casi como objeto demuseo. A diferencia, la nueva propuestaorganizacional - que debemos concebirlano sólo situada en el terreno de la política,sino en la totalidad de lo social- finalmentenos plantea un futuro que no sólo seprevé, sino que se construye y suconstrucción implica lucha, por lo que sedebe asumir como problema episte-mológico y sobre todo como articuladorde la ética como poder.

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LA ÉTICA: ¿PUNTO DE EQUILIBRIOO PUNTO DE RUPTURA?

Abordo así, pues, el punto final de estadisquisición: ¿de qué ética estamoshablando? O antes aún: ¿por qué la ética?Su paciencia como lectores puede ser quese esté agotando, y de allí que sólo dediquealgunas notas dispersas para abordar estacuestión. Así, parto de una premisaconstruida a lo largo de lo hasta aquíexpuesto y que fundamentalmente tiene quever con la existencia de una realidad socialsobrecogedora no sólo por lo que lacaracteriza, sino por el fatalismo implícitoen su reproducción: estamos mal ycaminamos hacia lo peor, de ahí entoncesque necesitamos construir nuevas reglasdel juego para ver si es aún posiblerecomponer el futuro. En otras palabras, sise trata de construir nuevas reglas sociales,tiene necesariamente que intervenir la ética,pero no de la manera tradicional con que, almenos desde los griegos, lo ha venidohaciendo: establecer reglas universales quese tornen, vía la ley, en paradigmasobligatorios para todos. Eso ha sido, desdelos griegos, un fracaso y un engañocontinuo, que virtualmente sólo hacontribuido a llegar a donde hemos llegado.Un engaño que hoy nos tratan de nuevode vender, hablándonos ostentosamente delos valores: ¿los valores de quién o quiénes,para qué, si el poder social vigente opera almargen de cualquier valoración y pasa porencima, así, de cualquier sujeto?

El presente complejo y los futuros del caos,que particularmente en nuestra frontera

nada nos cuesta verificar, a la vez, pues,que marcan indeleblemente la decadenciade los viejos modelos de recambio social,al hacernos la pregunta de “Bueno, ¿y ahoraqué?”, parecieran agarrarnos con las manosvacías, si sobre todo reconocemos que yani la ética funciona; al menos, la éticafundada en valores. Pero si tal ética nofunciona, ¿hay otra que sí funcione?Esbozo sólo la respuesta, pues buena partede ella nos corresponde a cada quien darla.

Es decir, el planteo de una nueva ética –yo diría que sorprendentemente— nadatiene que ver con lo social; al menos nocon lo social entendido como normas deconvivencia con otros (ojo: convivencia nosólo entre humanos). En otras palabras, lanueva ética no es social – al menos no lo esen un primer momento-, sino funda-mentalmente se concibe como un procesosubjetivo; es decir de formación del sujeto.¿Qué quiere decir esto? Uf, muchísimascosas, pero, en síntesis, conlleva la idea deque, desde el primer momento de suconciencia, el humano debe saber que noestá solo, pero que en su transcurrir comotal, es decir como humano, él y sólo él seráel responsable de sí mismo, de la mismamanera que son responsables de sí mismoslos otros (un “los otros” genérico, queincluye a las personas y a las cosas). Ahorabien, no se crea que ese proceso deindividuación es nuevo. Más bien yo diríaque es extremadamente remoto y que tieneque ver, indistintamente, obvio, con elpensamiento zen, con las tradicioneschamánicas, con la heterodoxia de loscátaros o, un poquito más acá, con las

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enseñanzas del Maestro Eckhart y que yo,resumiendo burdamente, identificaría conel respeto a los seres y saberes de todos, ala impermanencia, al fluir de la concienciay a la búsqueda continua del punto deequilibrio. O, si se quiere, tiene que vertambién con lo que José Antonio Marina(2000, p.229) llama “La inteligencia ética”,la que en términos de ultramodernidadnos permite afirmar “[…]que la ética es elgran proyecto que la inteligencia humanahace sobre sí misma”. ¿Que allí se encierrael contenido de todos nuestros saberes?Puede ser, pero lo que debemos pregun-tarnos más bien es por qué no lo aplicamos.Sólo al irle dando respuesta a esa pregunta,la ética allí implícita, al consolidar alsujeto, logrará que éste, entonces sí,cambie su presente complejo y vislumbreun futuro menos presagiante. Nietzsche,Foucault, Heidegger (SCOTT, 1990) asílo creían, y eso, al menos, también yo locreo.

UN EPÍLOGO CABALÍSTICO

En fin, terminamos. Permítanme, tan sólo,como corolario de este grupo de pinceladasy brochazos diversos en torno a lasciencias sociales en la frontera, utilizarprecisamente al Maestro Eckhart (2001,p.87) para reflexionar sobre lo siguiente.Cuando San Lucas en los Evangelios dice“Saulo se levantó del suelo y, con los ojosabiertos, nada veía”, eso, dice Eckhart,

Me parece que esa palabra tienecuatro sentidos. Un sentido eséste: cuando se levantó del suelo,

con los ojos abiertos, nada veía yesa nada era Dios; puesto que,cuando ve a Dios, lo llama unanada. El segundo [sentido es]: allevantarse, allí no veía nada sinoa Dios. El tercero: en todas lascosas nada veía sino a Dios. Elcuarto: al ver a Dios veía a todaslas cosas como una nada.

¿Una respuesta es la válida o todas lasrespuestas valen? O, como yo he tratadode plantear aquí el saber social: ¿qué casotiene la pregunta, si no estamoscapacitados antes para formularla? En otraspalabras, escojan su carta; con qué cartales gustaría ganar este juego de la Loteríade Tijuana… Cuando lo decidan, todosjuntos podremos gritar: “¡Lotería!”

The border: unforseeable futures, paradigmsin construction

Abstract: The article tries to make an analysis - alongitudinal section of which they have been themore excellent theoretical approaches to developthe study of the border between Mexico and theUnited States and of the social phenomena thereregistered, to be able to visualize from it present/displays and future of that complex territory, isthe basic content of this test, treating to maketherefore a brief route by a social present in wherethe intersections are multiple and also analyzinghow they are turned the source who feeds thecontinuous innovation of knowledge, which putsin the rug of the discussion a whole set of subjectsand institutions that move in border.

Keywords: Border; Sociology; Migration.

Artigo recebido em: 24/08/2005Aprovado para publicação em: 10/05/2006.

A fronteira: futuros imprevisíveis, paradig-mas em construção

Resumo: Este artigo procura fazer uma análise –um corte longitudinal - de quais têm sido osenfoques teóricos mais relevantes desenvolvidosacerca do estudo da fronteira entre o México e osEstados Unidos e dos fenômenos sociais nela

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Sobre o autor:

1 Sergio Gómez Montero.Licenciado en Literatura Hispánica e Hispano-americana en las Universidades NacionalAutónoma de México (UNAM), Puebla y Sonora.Catedrático na UNAM, Universidade de Puebla, deSinaloa, Autónoma de Chapingo, PedagógicaNacional (UPN). Mestre visitante da Estatal deSan Diego, California. Docente-investigador de laUPN, subsede Ensenada.E-mail: [email protected]

Endereço Postal: en EU: PMB-017, P.O. Box189003, Coronado, CA, 92178-9003.

registrados, para poder visualizar o presente eantever o futuro desse território complexo. Esseé o conteúdo básico deste trabalho, traçar umarota breve sobre a realidade social onde as interse-ções são multiplas e como estas se retro-alimen-tam e se convertem na fonte que fomenta a ino-vação contínua de saberes pondo em discussãotodo um conjunto de sujeitos e instituições que semovem em torno da fronteira.

Palabras-chave: Fronteira; Sociologia; Migração.

Sergio Gómez Montero

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A educação como mundo-vida: de professora à diretora escolar

Amarildo Jorge da Silva1

Ana Oliveira Castro dos Santos2

Ricardo Roberto Behr3

Resumo: Neste artigo tem-se como objeto deanálise as implicações entre o processo deaprendizagem pretérita e presente do sujeito e agestão de uma unidade educacional de ensinofundamental. O objetivo principal do texto éanalisar e interpretar a experiência vivida do fazerreflexivo exercendo o ofício de gestora numaunidade educacional de nível fundamental. Utiliza-se como arcabouço teórico alguns pressupostosda formação centrada na pessoa. O artigo éeminentemente qualitativo. A abordagem dapesquisa ancora-se no método de fenomenologiahermenêutica. Utiliza-se como procedimento decoleta de dados a técnica de entrevista emprofundidade de três etapas. O resultado da análisee da interpretação da história de vida da gestoraCarmem indica que a sua formação social ehistórica tem implicações no seu modo de atuarprofissionalmente. Indica também implicaçõesnoutros papéis que a referida diretora cumpre nasociedade mais ampla.

Palavras-chave: Processo; Aprendizagem; Gestão.

PALAVRAS INICIAIS

Os objetivos deste trabalho ancoram-se nasdobras do processo de descrição, de carac-terização, de análise, de compreensão e deinterpretação da experiência vivida do fa-zer reflexivo de uma diretora de escola doEnsino Fundamental e Pré-Escolar.

Através do enfoque fenomenológico, pro-curou-se entender o significado desta ex-

periência e como ela se manifesta para umadeterminada consciência. Para tanto, a es-colha da entrevistada, deu-se em função darelação existente entre os membros de umgrupo de estudos na área da Psicope-dagogia. A paixão, o entusiasmo, a serieda-de, e o embasamento teórico-prático, nopensar, no sentir e no agir de forma crítica ecriativa demonstrada ao longo desses es-tudos, nos apontou alguém especial, sin-gular e acima de tudo, admiravelmente com-prometida e empenhada com a educa-ção, nossa atriz social Carmem.

Carmem compartilha conosco sua experiên-cia vivida no mundo-vida: a educação es-colar. Num momento de extremo labor e cor-rerias peculiares ao início de mais um anoescolar, ela abriu espaço e tempo para que,entre livros, cadernos, giz de cera e aponta-dores, fosse possível empreender um pro-cesso reflexivo sobre si mesma e sua práxis,por isso, expressamos desde já nossos agra-decimentos.

PERSPECTIVA METODOLÓGICA

Buscar o significado da experiência vivida

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de um gerente a partir de seu entendimen-to, a priori, foi caracterizado por muita an-gústia e dificuldade de se trabalhar com ométodo fenomenológico hermenêuticonuma abordagem humanista compreensivae construtivista. Em termos efetivos, a bus-ca de compreensão do método fenomenoló-gico deu-se no processo de elaboração dotexto, no qual buscou-se o entendimento eo significado da experiência vivida do querepresenta ser um dirigente escolar (geren-te). Isso remete ao pensamento de Merleau-Ponty (1999, p.1) reportando-se ao ser en-quanto unidade básica da fenomenologia eo seu verdadeiro sentido. Para o autor, "afenomenologia é o estudo das essências: aessência da percepção, a essência da cons-ciência [...]".

Entende-se a fenomenologia enquanto pos-sibilidade de pensamento, na qual

[...] o fenômeno pela consciên-cia, enquanto fluxo temporal devivências e cuja peculiaridade é aimanência e a capacidade de ou-torgar significado às coisas exte-riores. [...] A fenomenologia éuma descrição da estrutura espe-cífica do fenômeno (fluxoimanente de vivências que cons-titui a consciência) e, como des-crição de estrutura da consciênciaenquanto constituinte, isto é,como condição a priori de possi-bilidade do conhecimento, o é namedida em que ele, enquantoConsciência Transcendental,constitui as significações e namedida em que conhecer é purae simplesmente apreender (no ní-vel empírico) ou constituir (nonível transcendental) os signifi-cados dos acontecimentos natu-rais e psíquicos (HUSSERL,1980, p.7).

Ressalta-se que o entender do significadofenomenológico está relacionado com aexperiência vivida do ser, pois conforme oentendimento de Van Manen (1990), a ex-periência vivenciada é o ponto de partida ede chegada da pesquisa fenomenológica.O objetivo da fenomenologia é transformara experiência vivenciada, em uma expres-são textual de sua essência (de modo que oefeito do texto seja de uma só vez um reviverreflexivo e uma apropriação refletiva de algosignificante: uma noção pela qual o leitor éintensamente reanimado em sua própriaexperiência vivenciada). Experiências vivi-das aglutinam significância hermenêutica àmedida que nós, reflexivamente, as reuni-mos, dando memória a elas. Através demeditações, conversações, devaneios, ins-pirações e outros atos interpretativos, nósatribuímos significação aos fenômenosvivenciados.

Van Manen (1990) observa que quando umfenomenologista pergunta pela essência deum fenômeno (uma experiência vivenciada)ela se torna não muito diferente de um es-forço artístico, de uma tentativa criativa quede alguma maneira captura um certo fenô-meno da vida em uma descrição lingüísticaque é tanto holística e analítica, evocativae precisa, quanto única e universal, pode-rosa e sensitiva. Assim, o tema apropriadopara a investigação fenomenológica, é de-terminado pelo questionamento da nature-za essencial de uma experiência vivenciada:um certo modo de ser no mundo, o que paraHusserl (1980, p.10) se constitui num"certo modo de um ente ser visado pelaconsciência".

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Por sugestão de Van Manen (1990, p.25),um dos aspectos do método fenomeno-lógico é a identificação de temas. Segun-do ele,

Temas fenomenológicos podemser entendidos como as estrutu-ras da experiência. Assim, quan-do nós analisamos um fenôme-no, estamos tentando determi-nar o que os temas são, as estru-turas de experienciar que com-põem aquela experiência. Seriasimplista, porém, pensar em te-mas como formulações concei-tuais ou declarações categóricas.Afinal de contas, é experiênciavivida que nós estamos tentan-do descrever, experiência vivi-da não pode ser capturada comabstrações conceituais.Nestapesquisa, a técnica utilizada foia de campo. Como primeira fasedela, realizou-se uma pesquisa bi-bliográfica utilizando-se de pu-blicações que fornecessem afundamentação teórico-práticasobre à evolução do conceito deaprendizagem ao longo do tem-po, aprendizagem de adultos,aprendizagem gerencial, bemcomo aspectos relacionados aométodo fenomenológico her-menêutico que deu suporte àinterpretação dos dados .

Em seguida coletaram-se dados primáriossobre a experiência vivida de uma atriz so-cial, exercendo o oficio de diretora escolar.Para a coleta desses dados foi enfatizadocomo se deu o processo de aprendizagemdessa atriz no exercício de sua função. Osestudos de natureza descritiva propõem-seinvestigar o que é determinado fenômeno,ou seja, a descobrir as características deum fenômeno como tal. Nesse sentido, sãoconsiderados como objeto de estudo umasituação específica, um grupo ou um indi-víduo (RICHARDSON, 1999, p. 71).

Para entrevistar nossa atriz social, utilizou-se a técnica de entrevista sugerida porSeidman (1998), que foi desenvolvida emtrês etapas. Foram realizados então, três en-contros com a entrevistada em seu própriolocal de trabalho. O intervalo entre as en-trevistas foi de uma semana seguindo asugestão de Seidman (1998, p.15), já que oespaçamento de três dias a uma semanaconsiste em um tempo que no entendimen-to do autor, "é bom para o entrevistado re-fletir sobre a primeira entrevista, mas não étempo o bastante para esquecê-la". [...] Parao entrevistador, esse tempo é bom porque“evita entrevistas idiossincráticas na qualo participante pode ter tido um dia terrível,estar doente etc."

No processo de coleta e registro dos da-dos, utilizaram-se gravações em áudio eanotações de campo, este processo foicomplementado com a transcrição literal dasgravações efetuadas, realizadas logo apósas entrevistas. Observaram-se ainda, aspec-tos não-verbais subjacentes às referidasentrevistas.

No primeiro encontro, enfatizou-se o con-texto da experiência através da reconstru-ção da história de vida da entrevistada.Essa entrevista teve duração de noventa eoito minutos. Seu objetivo principal foicontextualizar a experiência de vida da en-trevistada que lhe permitiu ascender ao cargode Supervisora Escolar, Diretora Geral eDiretora Pedagógica. Sobre o contexto éimportante ressaltar o pensamento dePatton (apud SEIDMAN, 1998?, p.10) de

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que, "[...] sem o contexto existe pouca pos-sibilidade de explorar o significado de umaexperiência".

No segundo encontro, destacou-se a expe-riência de Carmem como gerente-diretora deescola, os diversos procedimentos utiliza-dos por ela no desenvolvimento do pro-cesso gerencial, os obstáculos, as dificul-dades e as possibilidades de seu trabalho.Destacou-se ainda, algumas vivências coma sua rede de relacionamentos que tives-sem uma relação direta ou indireta com asua atividade gerencial. Utilizaram-se asseguintes questões norteadoras: O quevocê faz atualmente como diretora pedagó-gica? Em que consiste o seu trabalhogerencial? O que significa para você a ati-vidade gerencial? Essa entrevista teve du-ração de noventa e seis minutos.

No último encontro, foi pedido para que anossa atriz refletisse sobre o significado daexperiência de ser gerente na sua vida pes-soal, profissional, bem como na sua redede relações e no seu contexto mais amplo.Essa entrevista teve duração de oitenta ecinco minutos. O objetivo principal destaentrevista foi a busca de significado na ex-periência vivida de ser gerente, bem comoas conexões intelectuais e emocionais en-tre o trabalho gerencial e a vida pessoal denossa atriz (entrevistada). Utilizaram-se asseguintes questões norteadoras: Comovocê compreende a atividade gerencial emsua vida? Que sentido isso tem para você?O que você acha mais desafiador na práticagerencial? Como você aprendeu a ser ge-

rente? Qual foi a sua maior dificuldade natransição de professora para diretora (ge-rente)?

A trajetória empreendida para a construçãodo texto fenomenológico, constitui-se dequatro momentos distintos que vão deencontro aos descritos por Bicudo (1997),que são:

a) leitura da descrição espontânea,que teve como embasamento per-guntas orientadoras;

b) leitura do texto na integra pararealizar o levantamento de temas;

c) transformação de cada tema en-contrado na descrição espontâneapara o discurso fenomenológico;

d) busca da essência ou estrutura.

Todos esses momentos serão relatados naspróximas seções. Para destacar a experiên-cia de nossa entrevistada das citações di-retas deste texto, optamos por utilizar-sedo recurso itálico nas declarações de nossaatriz.

A EXPERIÊNCIA VIVIDA DO SER, DOFAZER E DO APRENDER GERENCIAL

Esta seção tem o propósito de empreendera compreensão da experiência gerencial deCarmem levando em conta a sua história devida.

A experiência vivida como experienciada: ocaminho para aprender, crescer e mudar vis-

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lumbrando a busca de humildade e de sa-bedoria

Carmem nasceu na ilha de Santa Catarinae tem raízes culturais africanas e portu-guesas. Durante sua infância, morou nocentro da cidade. A partir dos nove anoscomeçou a veranear numa praia localizadano norte da ilha e importante reduto dacultura açoriana. Mora lá até hoje.

"Jamais a natureza, reuniu tanta beleza [...]pedacinho de terra, beleza sem par [...]".Foi nesse pedacinho de terra, com praiade águas calmas e quentes que Carmem seestabeleceu. Tal como as águas da praia,seu ambiente familiar, de acordo com suaspalavras, era muito calmo, tranqüilo e commuita liberdade. Por conseqüência dessaliberdade fez muitos amigos. Sempre gos-tou de estar com as pessoas e lhe agradamuito participar do contexto social.

Seu pai foi e é seu grande modelo. Sua figu-ra como Diretor de Ensino marcou profun-damente a vida de Carmem. Para ela atéhoje, ele é um espelho, um exemplo de li-derança, autonomia, ética, de postura eprincipalmente, de humildade e sabedo-ria. Nos seus tempos de infância eles pou-co se viam, pois o pai trabalhava nos perí-odos matutino, vespertino e noturno. Noentanto, quando entrava na sala de seupai, nossa atriz pensava: "um dia quero teruma mesa como essa [...] tantos papéis,horários de aula, planejamento de ensi-no [...]".

Apesar dessa vivência, desse clima de di-reção escolar, Carmem nunca pensou emtornar-se diretora. Na verdade o seu gran-de desejo era tornar-se professora, porisso, foi pega de surpresa quando foipromovida para ser Diretora Escolar. Emsuas palavras "ser professora foi sempreminha vocação", nossa atriz argumenta:

"desde minha infância sem-pre tive espírito de liderança.Todavia na escola eu sem-pre procurei ficar quieta, emmeu canto, porém chegavaum momento em que eu aca-bava tomando a iniciativaem relação às tarefas e àsatividades do grupo".

Aprendeu sozinha a tocar violão e o fazdesde os dez anos. Sempre gostou de mú-sica e seu gosto era tanto, que no colégioMenino Jesus onde estudou, aprendeu atocar também escaleta, flauta e piano. Maistarde utilizou-se da linguagem musical paraficar mais próximo das crianças e ministraro ensino, num trabalho voluntário desen-volvido na escola onde seu irmão estuda-va. Começava então, sua carreira de pro-fessora. Aos dezesseis anos foi para a salade aula propriamente dita, e desde de en-tão, não saiu mais, exercendo funções comoprofessora, supervisora e atualmente comodiretora pedagógica. Acrescenta que depoisdo seu casamento, dar aulas particulares,foi uma fonte de renda significativa.

Em sua trajetória de formação acadêmica,cursou o Núcleo Comum Aprofundamentoem Ciências no segundo grau. Iniciou Nu-

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trição em nível de graduação mais nãoconcluiu o referido curso. Nessa fase, mi-nistrou aulas de música para crianças edepois de ciências numa escola da redemunicipal. Mais tarde cursou e conclui aLicenciatura em Pedagogia.

Depois de formada, foi trabalhar numagrande escola estadual de Florianópolistornando-se supervisora da escola de pri-meira a quarta série, durante um ano. Emsuas palavras,

“acabei sendo supervisora.Esse é um capítulo no meio daminha história que deixou mui-tas marcas. Para mim foi hor-rível, foi um ano que eu nãovia a hora de acabar. No en-tanto, hoje reconheço que essaexperiência constitui-se na sus-tentação para que eu possa en-frentar os problemas que sur-giram na direção de minha es-cola. Através dela aprendiquase tudo sobre direção es-colar e relacionamento com asprofessoras, e isto tem me aju-dado de modo efetivo na dire-ção de minha escola. As difi-culdades que enfrentei foramadvindas da minha falta depreparação, pois fui promovi-da de professora da pré-es-cola para supervisora de pri-meira á quarta série”.

Após um ano exercendo a função desupervisora, a nossa atriz deixou a escolapública com o projeto de montar a suaprópria escola. Apesar de seu pai não ternenhum envolvimento pedagógico nadireção de sua escola, foi dele a idéia decriá-la. A idéia nasceu, de acordo com as

palavras da entrevistada, dessa forma:

“de origem humilde, meu paiconstruiu com muita dificulda-de a segurança financeira dafamília. Trabalhou muito e es-tudou fazendo muitos sacrifí-cios. Um deles, por exemplo,era ir caminhando do bairroda Prainha, no centro da cida-de, até a Carvoeira para fre-qüentar a Universidade Fede-ral. Quando meu pai aposen-tou-se, teve a iniciativa de en-caminhar os filhos, queria quefossem gerentes e não empre-gados. Por isso, aplicou suaseconomias para que os filhosfossem independentes. Montounegócios próprios para todosnós: para o odontólogo, mon-tou um consultório; para oprofessor de Educação Física,academia de musculação;para o irmão mais novo umaempresa de informática e paramim, professora, uma escola,que existe desde 1994.”

A escola foi montada na casa onde Carmemmorava, pois, de acordo com seu pai, se aescola não desse certo, a casa poderia sealugada. Atualmente, esse fato, consiste emum diferencial, pois, a escola tem um forma-to escola-casa, aconchegante, diferente,personalizado.

Ao falar do exemplo de personalidade forteque seu pai representa, Carmem diz que suamãe mostra o reverso da moeda, ou seja, éuma pessoa dócil, fácil de lidar, que tem fa-cilidade de estabelecer relações de amizadecom os outros, de socialização. Para ela,sua mãe é seu modelo de persistência e te-nacidade. Relata que mesmo tendo dificul-

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dade para enxergar, ela nunca viu ou ouviusua mãe reclamar.

Contou também que seu esposo sempre aapoiou. Quando montaram a escola ele foidurante seis anos, o contador e administra-dor da escola. Foi muito compreensivo comela, durante os dois primeiros anos de fun-cionamento da escola, que absorveu todoo seu tempo e dedicação. Atualmente, aentrevistada conta com uma sócia que com-partilha com ela as questões administrati-vas, bem como as questões pedagógicas.Isso tem lhe permitido ter mais tempo paradedicar-se a sua família e aos trabalhosvoluntários e viver melhor sua religiosida-de. Acredita que, associando sua persona-lidade forte, sua conduta autônoma e suareligiosidade, poderá prestar bons serviçosà comunidade.

Ao falar de sua relação com os aspectoseconômicos e financeiros, observou quetem investido muito na escola, e que geral-mente seu rendimento é menor em relaçãoàquele que recebia como funcionária públi-ca. Ao longo do tempo, foi aprendendo aseparar a questão profissional da questãofamiliar. Salienta sua dificuldade em dizernão, principalmente atuando como diretoraescolar.

Como aspecto negativo de sua experiênciacomo supervisora e como gerente da suaescola, argumentou que seu maior defeitofoi ser centralizadora e naturalmente muitomandona. Tem refletido sobre suas atitu-des centralizadoras, bem como sobre a ques-

tão de autoridade, responsabilidade e prin-cipalmente sobre a questão de confiar demodo integral nas outras pessoas que fa-zem parte de sua rede de relacionamentos(sócia, marido, filhos, alunos, educadores,educadoras, membros da igreja, membrosda comunidade etc.). Carmem conclui refle-tindo que um dos requisitos para ser umadiretora eficiente é a humildade, pois, estaatitude ajuda a conquistar as pessoas noambiente de trabalho, dentre outras coisas.

Com respeito à formação de seu quadrodocente, destacou que no início da escola,as educadoras contratadas não tinham ex-periência e nem formação de terceiro grau.O quadro foi formado durante o processo eque a princípio tudo dependia dela, porisso, ter desenvolvido sobremaneira o seulado centralizador.

Sobre as tarefas da escola, Carmem disseque durante dois anos fez a faxina. Come-çou a delegar e que não deu certo, faziamtudo errado, em função dos erros, voltou acentralizar e a não confiar, abraçando tudo,para que ninguém fizesse nada errado.

Salientou que nos primeiros cinco anos daescola ela e a empresa se confundiam. Hoje,consegue separar o que é pessoa jurídica esua atribuição, de sua pessoa física. Aduziuque nas atividades da escola procura serjusta, jamais procurou utilizar dois pesos eduas medidas. Explicita que o fato de nãoter medo de dizer o que pensa, tem lhe aju-dado na direção e condução da escola, pois,considera, que apesar de ser uma escola

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pequena (cento e quarenta alunos) é umainstituição de ensino, e como tal, possuinormas, valores e uma cultura que deveser respeitada pelos seus usuários. Sali-enta que tanto os educadores como aseducadoras que trabalham na sua escolaviram-na ministrando aulas, ou seja, antesde ser só diretora, ela também foi profes-sora e isso lhe dá mais credibilidade comodiretora.

A aprendizagem a partir da experiência,permite a Carmem argumentar, com seuquadro docente com relação ao ensino e apesquisa, com experiência de causa. Afala da entrevistada vai de encontro com opensamento de Rogers sobre tornar-sepessoa, de Van Manen sobre tornar-se serhumano e de Berger e Luckmann sobrepapéis. Para Rogers (1997), todo o indiví-duo sente necessidade de buscar a simesmo e de tornar-se ele próprio. Cadapassagem da vida, cada experiência vivi-da contribui para se tornar um ser humanomelhor. De acordo com Van Manen (1990),a pessoa não nasce ser humano, ela setorna humana. O real ser humano é aqueleque passa por um processo. Berger eLuckmann (1985, p. 103) sobre o desem-penho de papéis dizem:

[...] ao desempenhar papéis, oindivíduo participa de um mun-do social. Ao interiorizar estespapéis, o mesmo mundo torna-se subjetivamente real para ele.

Nossa atriz enfatizou também que, casoa escola venha a não dar certo, ela segarante financeiramente ministrando au-

las particulares. A outra parte de seu tem-po será investida em trabalhos comuni-tários. A religião ajuda a consolidar essaidéia, um desejo latente, pois, desdemuito pequena já gostava de prestar so-lidariedade. Enfatiza que quando tinhatreze anos ganhou algum dinheiro doseu pai no natal. Usou este dinheiro com-prando presentes para crianças carentes.Este veio de voluntariedade é algo mui-to forte, que geralmente vem à tona. Nu-tre ainda, o desejo de voltar a trabalharna escola pública. Gostaria de contribuircom ela, pois sabe que a escola públicaprecisa de educadores comprometidosseriamente com a questão da educação.

Ao falar de sua religiosidade disse queaos catorze anos em função de traumasda infância teve problemas emocionais eespirituais. Uma amiga levou-a para as-sistir uma palestra sobre o movimentoespírita. Desde então esta tem sido a suareligião. Salienta que encontrou harmo-nia nessa religião, tendo em vista queesta trabalha austeramente a questão devalores e regras de conduta na socieda-de. Neste período fez diversos trabalhosvoluntários em creches e outras institui-ções filantrópicas. Foi com base nessaexperiência que decidiu trabalhar na Es-cola Pública. No começo de sua carreiracomo educadora de ensino infantil traba-lhou na escola pública e na seqüênciaveio trabalhar no Instituto onde seu paiera diretor.

Ainda sobre religiosidade, ressalta que

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sua religião procura ensinar valores pe-renes e que a vida é nossa caixa de resso-nância. Em suas palavras "a vida é umespelho, ela dá de volta o que tu és". Comrelação à amabilidade no tratamento comas outras pessoas, lembrou a regra deouro, ou seja, colhemos aquilo que plan-tamos, nem mais, nem menos. Enfocoutambém que o ser humano não é perfeito,e em função dessa imperfeição, deve serequilibrado e misericordioso.

"Aprendi que devemos aceitaras pessoas como elas são. Estapostura de empatia tem meajudado na direção da escola,pois todas as crianças e seusrespectivos pais, possuem per-sonalidades diferentes. Aque-les pais com os quais é maisdifícil tratar, levo em conta ofato de serem humanos e im-perfeitos".

Ainda para a nossa atriz:

“ Tenho uma outra caracterís-tica forte, marcante: sou eumesma e gosto de dizer o quepenso, expressar minha pró-pria opinião. Meu pai foi apessoa que me ensinou e meincentivou a ter minha própriapersonalidade. Defendo sem-pre meus pontos de vista, res-peito os outros, e aprendi como tempo, a não ter medo dacrítica. Quando critico, porexemplo, procuro fazê-lo a umfato, não à pessoa. Detestofalsidade. Também não gostode ficar sozinha, a solidão meincomoda. Por isso, sempretive namorado. Gosto de co-mungar com os outros, de mesentir amada”.

O medo de ficar sozinha deve-se ao fatode seus irmãos mais velhos a excluírem.O trauma e o medo da solidão relaciona-se com o que era dito pelos irmãos aoafirmarem que ninguém gostava dela, quetinham achado ela numa lata de lixo. Ob-serva que este fato marcou sua infância elhe trouxe problemas emocionais na ado-lescência. Acrescenta que procurou ori-entação com pessoas amigas, pois, nesteperíodo de sua vida, tinha uma baixa auto-estima, problema superado hoje.

A experiência de ser gerente: a franqueza ea transparência como código de conduta,de autodesenvolvimento e de auto-realiza-ção

Ao discorrer a respeito de sua experiênciacomo gerente, Carmem confirmou o apren-dizado de sua experiência de supervisoraescolar como um marco significativo emsua vida. Propriamente sobre gerencia-mento, ela relata que começou aos dezesseisanos, dada sua capacidade espontânea paraliderança. Nessa época já participava dogrupo espírita de jovens, fazendo parte dacoordenação de encontros regionais e atu-ando como coordenadora musical em umprograma de evangelização.

Nossa atriz ressaltou que foram estas ex-periências que permitiram a sua atuaçãocomo líder, planejando, organizando e ava-liando a realização de atividades diversas.O ensino de música e sua importância noprocesso de evangelização, também fize-ram parte dos desdobramentos do pro-cesso de liderança.

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As portas da Escola de Aplicação foramabertas para Carmem devido ao seu desem-penho como organizadora e coordenadoravoluntária do programa musical paraevangelização realizado num grupo de jo-vens. A diretora da escola conhecia essetrabalho e convidou-a para trabalhar na ins-tituição como supervisora escolar. Antes,porém, havia sido professora da pré-escolana referida instituição. Ganhou destaquenas reuniões escolares, participando dasdiscussões e dos grupos de estudos. O fatode ter concluído o curso de Pedagogia tam-bém se constituiu um fator decisivo parasua ascensão profissional.

A diretora da escola de aplicação tambémfoi mentora de Carmem, uma pessoa muitoimportante, uma peça chave. Nas palavrasde Carmem:

“Meu pai era importante paramim como postura de uma di-reção de ensino, mas Lúcia foimeu espelho em termos decomo conduzir a direção de umaescola. Em se tratando de dire-ção escolar, Lúcia representa omeu modelo ideal, pois ela éum ser humano espetacular: suapostura, sua ética, sua tranqüi-lidade, seu conhecimento de-monstrado, Lúcia foi muito im-portante para mim. Enquantofui supervisora eu errei demais,por não dispor de preparação,mas sempre dei o melhor demim, tentei desempenhar afunção da melhor forma possí-vel. Refletindo sobre este perío-do, hoje, tenho consciência quefoi de muito aprendizado ape-sar de na época ter sido frus-trante”.

Fica evidente que Carmem não planejouser supervisora escolar. A primeira vistaficou muito confusa, porém, a imagem deseu pai como diretor, a lhe lembrar queera uma oportunidade e que ela tinha ca-pacidade, a fez encarar o convite como umdesafio. Esta reflexão levou a entrevistadaa aceitar a promoção, tendo em vista quese ela não conseguisse, teria adquirido al-guma experiência. Ter sido promovida paraocupar o cargo de supervisora foi paraela, uma experiência muito triste, pois

“não tinha condições e nem opreparo que eu tenho hoje, mefaltava a experiência, até entãoeu estava dando aula para edu-cação infantil e de quinta a oi-tava série, eu não dava aula deprimeira a quarta série, e fuiser supervisora de primeira aquarta, de professoras com maistempo de magistério e mais ex-periência em administração es-colar. Dessa forma, fui jogadano rolo, foi muito ruim paramim, foi uma frustração muitogrande, pois eu sentia que fal-tava a experiência e o conhe-cimento de professora de primei-ra a quarta série”.

Esta passagem ratifica o aprendizado atra-vés da experiência com erros e acertosdescrito por Rogers (1997) anteriormente.Ratifica também o pensamento de VanManen (1990) de tornar-se ser humano noprocesso vivencial e experiencial.

Ainda com relação a experiência no cargode supervisora, a entrevistada enfatizoucom veemência que sua dificulda dedeu-se principalmente pela falta de ex-

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periência e de conhecimento prático. Estapassagem reforça o pensamento de Hill(1993) sobre as dificuldades encontradaspelos gerentes no processo de transiçãode produtor para gerente.

No que diz respeito ao relacionamentocom as professoras por ela lideradas,Carmem disse que foi terrível e que algu-mas pessoas, observando a sua falta deexperiência, causaram-lhe de modo pro-posital, vários problemas. Relata que pordesconhecer totalmente a prática de alfa-betização de primeira a quarta série, obri-gou-se a ouvir as professoras que tinhamexperiência. Observa que sofria dasíndrome do domingo à tarde, pois pensarem ter que na segunda de manhã enfrentaras dificuldades da sua inexperiência e amaldade dos invejosos, lhe causava umasensação de mal estar. Mesmo assim, quan-do montou a sua escola, relembra em tomdivertido, já estava calejada e preparadapara as situações cotidianas de uma escolade educação infantil e ensino fundamental.

Considera que naquele período em quefoi supervisora, além das dificuldades daatividade de supervisão, deparou-se ain-da com uma questão pessoal, pois, na-quele período morava muito longe e ti-nha que levantar muito cedo para levarseus filhos ao colégio. Enfatiza que na-quele ano fez muito frio, e o fato de ter queacordar as crianças muito cedo lhe cau-sou mais trauma ainda.

A rápida ascensão profissional deCarmem pode ser relacionada ao seu espí-

rito de liderança. Para ela, ser um líderefetivo representa:

“ser um espelho, pois, precisadar exemplo aos liderados.Também está ligado à capaci-dade de influenciar os outros,pois, provoca reaçõescomportamentais naqueles queestão ao seu redor. Dessa for-ma, a recompensa vem atravésdos resultados positivos que sãoalcançados. Tem que agir comomotivador e inspirador, coor-denando as atividades e articu-lando ações para que as coisasaconteçam. Como diretora, devocoordenar e articular os sabe-res do meu quadro docente. Odiretor de escola enquanto lídertem que ter metas, saber aondequer chegar, traçar um cami-nho, assumir riscos, tomar de-cisões e ser responsável poraquilo que faz”.

Fica evidente com a observação acima, aimportância de se ter claro os propósitosnorteadores da direção de uma escola. Aefetividade da liderança segundo Carmem,também está ligada à capacidade do líderem lapidar os fatores contextuais adequan-do-os e adaptando-os aos objetivos traça-dos, saber priorizar, ter clareza de propósi-to, fazer uma coisa de cada vez.

O aprendizado gerencial, em se tratando depessoas, deve ser norteado por princípiose valores que direcionam a própria vida.Para ela, o grande aprendizado que a vidanos oferece, refere-se a ter, desenvolver emanter a paciência, a calma e a tranqüilida-de nas situações de tribulação. O líderdeve assumir o grupo e ser responsávelpelos resultados, sejam eles, favoráveis ou

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não: construir junto com o grupo, ouvir oque as pessoas têm a dizer, saber o porquêdas ações, das normas e das práticas quo-tidianas.

Conforme declaração da entrevistada, nocomeço de sua escola buscou inspiraçãonuma diretora concorrente, que a ajudouprincipalmente em termos da gestão admi-nistrativa. Deparou-se com a seguinte ques-tão:

“agora, eu sei dar aula, porém,como vou fazer com as ques-tões de direção e gerenciamentoda escola? A atitude da diretoraCláudia, eu jamais esquecerei,foi um gesto muito importantepara mim, um gesto muito bo-nito e muito depreendido, umgesto muito nobre. Em suma,três exemplos nortearam minhacarreira e minha vida: meu paicom a questão de ética, condutae de valores, Lúcia na questãopedagógica, administrativa ede supervisão escolar, Cláudiana questão administrativa”.

A entrevistada observa que começou suaescola com doze alunos e no final do anode 2001 contava com cento e quarenta eseis, e um quadro docente de dezesseiseducadores. Em suas palavras:

“ fui ao longo do tempo egradativamente construindo aescola e a sua cara: educaçãoinfantil e fundamental, institui-ção de ensino, não é uma cre-che. A cara da escola foiconstruída pela minha aptidãocom a educação, pelo prazer.Ser gerente-proprietária é di-ferente de ter um emprego, éfazer aquilo que a gente gosta

e naturalmente atender às ne-cessidades da comunidade. Aimplantação e implementaçãode primeira à quarta série, fo-ram por orientação de meu pai.Nossa escola segue a linha só-cio-histórica ou sócio-intera-cionista de Vygotsky”.

Carmem enfatiza a idéia da importância doaprendizado a partir do social, e que se deveconsiderar que cada aluno aprende de de-terminada maneira em função do contextoda aprendizagem. Ela salienta que a educa-ção representa a essência de liberdade ecidadania. A educação não se dá apenasem quatro paredes. A educação é um pro-cesso social que influencia e é influencia-do pelo meio ambiente, ou seja, pelo con-texto social e natural. Ressalta a importân-cia de trabalhar por projetos e a necessi-dade de se desenvolver um trabalho inter-disciplinar, pois, "meu quadro docente estáiniciando e aprendendo trabalhar comprojetos".

Quanto à mudança pessoal afirma que o tra-balho de gerenciamento na escola tem lheajudado a reduzir sua ansiedade. Continu-ando declara:

“tenho aprendido a saber es-perar. Negativamente posso di-zer que o fato de estar sempreexigindo demais de mim mesmatem interferido muito na minhavida familiar. Delegar e des-centralizar têm sido o grandedesafio, ou seja, tem sido mui-to difícil. Sinto-me frágil prin-cipalmente com a questão deespelho, imagem pública. Aparceria com o sindicato dasescolas particulares foi muito

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importante e vital na consoli-dação da escola, permitindoacesso a atualização e assesso-ria para a sua gestão. Ser lí-der tem seu lado positivo enegativo: positivo porque nin-guém manda em mim! A me-lhor coisa é não ter chefe, masao mesmo tempo tu queresum porto [...]”.

Por fim, ser avaliada segundo ela, era algoque a deixava inquieta, pois,

“ninguém me avaliava, eu fa-zia auto-avaliação, mas eraincômodo. Hoje, as professo-ras me avaliam criticamente,resultado de que nos últimostrês anos eu tenho delegadomais responsabilidades. Anova sócia assumiu parte daresponsabilidade da Direçãoda Escola. A escola começoua funcionar bem quando co-mecei a não ter mais medo deque ela fracassasse! [ . . .]manter a humildade é ter cons-ciência do que sabemos e doque desconhecemos”.

Em se tratando do significado da experiên-cia gerencial, Carmem relatou que o grandedesafio do aprendizado gerencial é conti-nuar sendo gerente.

Gerenciar envolve nossa capacidade deaprender constantemente. Aprendeu a sergerente aliando teoria e prática. O própriodia-a-dia da escola e os constantes requeri-mentos da educação fizeram-me esbarrarnum nível de conhecimento que precisavade atualização. Queria mudar, sair damesmice, crescer. Assim, decidi cursar a Pós-Lato Sensu em Psicopedagogia e me sinto

uma criança entrando na escola pela pri-meira vez.

Em relação à mudança pessoal relacionadaa atividade de liderança, Carmem acrescentaque

“[...] se eu voltar a dar aula,meu desempenho será diferen-te e melhor, em função da expe-riência gerencial. Gerenciarenvolve muita organização eresponsabilidade, temos que teruma visão muito grande, ouseja, capacidade de entender otodo, bem como as partes. Naescola, estamos investindo naqualificação docente, temos osnossos grupos de estudos vi-sando melhorar o nosso de-sempenho enquanto educadore também enquanto ser hu-mano. Eu não teria dificuldadeem voltar a ser professora.Continuo lecionando música,imagino a sala de aula, e o fatode trabalhar com os aspectospedagógicos, jamais deixei deestar em contato com a salade aula. Tenho paixão por daraula. O mais importante é serum bom profissional, seja comoprofessor, gerente, faxineiro,não importa, o que vale, é serbom naquilo que se faz!”

Na avaliação de Carmem o líder centralizadortem pouco tempo para exercer outros papéis,principalmente o papel na família. Mesmoassim,

“ser gerente me ensinou a serprecavida, buscar alternativas,capacidade de avaliar e de de-cidir sobre aquilo que julgo sero melhor para a minha vida.Gerenciar implica ter que es-colher, ter que decidir e quetoda decisão depende de al-guma exclusão. Aprender a ser

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gerente não é um processotranqüilo, pelo contrário, é do-loroso e interfere na questãopessoal. É um processo deconstrução constante, um mer-gulhar na realidade e que con-duz à maturidade”.

“A formação em Pedagogiame deu a condição para serdiretora, todavia contribuiumuito pouco na questão dogerenciamento efetivo. O fatode a organização ser própriame possibilitou um aprendiza-do diferente daquele no qualtemos um chefe nos cobrando.O meu chefe na verdade sãoos nossos usuários. Conside-rando a necessidade de nossosusuários, priorizamos onde ecomo investir na escola. Sercompetente naquilo que se faz,independe de ter curso supe-rior ou não”.

“O aprendizado como gerenteme ensinou a ser conservado-ra quando se trata de investi-mentos financeiros. O trata-mento pessoal e respeitoso éde fundamental importânciano relacionamento com os alu-nos e com os pais. Minha pos-tura enquanto gerente é dar acara para bater e ter consci-ência do porquê das coisas. Éimportante reconhecer quandoestamos metendo os pés pelasmãos”.

Neste último encontro, Carmem salientouque as conversas consistiram em momen-tos de reflexão e de paradas para pensar.Vivenciou um misto de sentimentos: aomesmo tempo em que sentiu orgulho aover o quanto cresceu como profissional ecomo pessoa, sentiu angústia em relembrarseus erros e desacertos. Nunca tinha pa-

rado para refletir sobre o "eu gerente", aspreocupações, os problemas do ofício.Ressaltou ainda que, falar sobre qualquertema em educação, ou sobre o dia-a-diada escola, consiste em uma tarefa relativa-mente fácil, mas falar de si mesma é algoque a deixou um tanto quanto incomoda-da, se sentindo exposta, pois, consideraque se mostrar é difícil. Por outro lado, aexperiência de fazer parte de um trabalhoacadêmico foi desafiadora!

IDENTIFICANDO OS TEMAS

Na construção do significado e da essên-cia da experiência vivida de nossa entre-vistada, a leitura e a releitura do materialcoletado pelas entrevistas e anotações decampo foram fundamentais para encontrarcategorias e temas. Neste sentido Coffeye Atkinson (1996) salientam que os dadoscoletados são dispositivos heurísticospara descoberta das essências e que de-vem ser pensados de forma dialógica paragerar idéias coerentes com esses própriosdados. Esse processo indica que há rela-ção forte e intrínseca entre a coleta dedados, a análise e a interpretação: essasetapas não são distintas, mas guardam umainter-relação dinâmica e circulam entre si.

A seleção dos temas foi realizada de ma-neira holística, conforme Van Manen(1990), pois a partir do texto na integra sepergunta "qual a sentença na frase quepode capturar o significado fundamentaldo texto no seu todo?". Levando em con-ta o pensamento de Van Manen sobre tema

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e usando a abordagem holística, foramobtidos os temas que nortearam a cons-trução deste texto.

Ainda de acordo com Van Manen (1990)a análise temática é uma simplificação, éuma fase extremamente importante por-que envolve síntese e criatividade quedescreve um aspecto da estrutura da ex-periência vivida. A análise temática é sem-pre um processo de redução, ela não con-segue recuperar o todo, fazer uma ligaçãofiel com a complexidade da realidade. Emúltima instância o projeto de reflexão e ex-plicação fenomenológica é efetuar um con-tato mais direto com a experiência comovivida. E, ainda o significado ou essênciade um f enômeno nunca é simples ouunidimensional. O significado é multidi-mensional e multiconfigurado. Fazer pes-quisa nas ciências humanas é estar envol-vido com a construção artesanal do texto.Assim, na pesquisa fenomenológica, opropósito da reflexão é experimentar com-preender o significado essencial de algu-ma coisa. A percepção da essência de umfenômeno envolve um processo refletida-mente de apropriação, de clarificação e deconfecção explícita da estrutura do signi-ficado da experiência vivida. No caso destapesquisa, vários temas foram identifica-dos, conforme apresentados a seguir, to-davia, o tema mais freqüente foi sobre aquestão da humildade, que no dizer deCarmem

"temos que ter a capacidade deestar abertos para podermosaprender, e somente com uma

postura humilde podemos efeti-vamente estar abertos para oaprendizado". Ela enfatizou nastrês entrevistas que sem humil-dade, primeiro, não se conse-gue aprender o necessário e se-gundo, que sem conhecimento(os diversos saberes) não sechega a lugar nenhum”.

Um aspecto ligado à humildade enfatizadopor Carmem é o referente à religiosidade,pois segundo seus preceitos acredita que

"devemos dar o exemplo en-quanto líder, porém, por sermosseres humanos, sujeitos a co-metermos erros, devemos estarabertos e sermos flexíveis, eneste caso, somente a pessoahumilde pode adotar este tipode postura".

Ainda sobre humildade é interessante ob-servar no dizer de Kierkegaard (1979, p. 35)o que ela representa:

A diferença infinita de naturezaentre Deus e o homem, eis o es-cândalo cuja possibilidade nadapode afastar. Deus faz-se homempor amor e diz-nos: Vede o que éser homem, mas acrescenta:tomai cuidado, porque ao mesmotempo sou eu Deus [...] e bem-aventurados os que não se escan-dalizam de mim. E ele reveste,como homem, a aparência dumhumilde servo, é para que essahumilde extração a todos mani-feste que nunca devemos julgar-nos excluídos de nos aproximar-mos d'Ele, que para isso não énecessário prestígio ou crédito.Com efeito, ele é humilde. Olhaipara mim, diz, e vinde conven-cer-vos do que é ser homem, mastomai cuidado também, porque aomesmo tempo eu sou Deus [...] ebem-aventurados aqueles que nãose escandalizam de mim. Ou in-

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versamente: Meu Pai e eu somosum só, e contudo eu sou este ho-mem de nada, este humilde, estepobre, este desamparado, entre-gue à violência humana [...] ebem-aventurados aqueles que nãose escandalizam de mim. E estehomem de nada que sou é o mes-mo que faz que os surdos ouçam,que os cegos vejam, caminhemos coxos, e se curem os leprosose ressuscitem os mortos [...] sim,bem-aventurados os que não seescandalizam de mim.

Com respeito ao tema dar exemplo, pode-se afirmar com base na frase de Escrivão(1995) que alcançar a legitimidade só pe-las palavras é tarefa de pregador, não degerente. No entendimento de Carmem, aaprendizagem

“[...] dá-se principalmente emfunção de nosso interesse indi-vidual e também através da-quelas pessoas que represen-tam um padrão a ser modela-do, todavia, o exemplo pelaprática, e pela reflexão, devenortear o trabalho e a posturado líder. O gerente não inspiraconfiança se sua prática é dife-rente da sua fala. Em outraspalavras, os liderados não es-cutam o que você fala, escutamo que você faz. O que se faz, émuito mais efetivo e inspiradordo que o que se diz, pois, umaação é muito mais representa-tiva do que mil palavras”.

Quanto ao tema confiança a entrevistadarelatou que tem aprendido com o tempo aconfiar de maneira integral nas pessoasque lidera.

“O aprendizado que obtive nomeu primeiro ano comosupervisora escolar, em especi-

al, o que foi aprendido com osmuitos erros cometidos, temme ajudado a tornar-me umapessoa mais flexível, mais aber-ta, mais confiante, mais huma-na e menos centralizadora. Atra-vés do aprendizado com a ex-periência vivida daquele meuprimeiro ano como gerente, temme permitido compartilhar po-der e responsabilidade com mi-nha equipe de trabalho, bemcomo, com minha rede de rela-cionamentos”.

Este ponto ressaltado pela entrevistadacorrobora sobre-maneira os pressupostosde Hill (1993) sobre os novos gerentes. Jáa visão da entrevistada sobre confiança,vai de encontro com o pensamento deRogers (1983) ao afirmar que a prática, ateoria e a pesquisa deixam claro que a abor-dagem centrada na pessoa baseia-se naconfiança em todos os seres humanos eem todos os organismos.

Sobre o tema experiência Rogers (1983, p.22) salienta que sente a necessidade detentar algo novo. Para ele, talvez a princi-pal razão que o leva a arriscar seja a des-coberta de que, ao fazer algo, aprende,errando, ou obtendo êxito. Considera queaprender, e especialmente aprender coma experiência, tem sido um elemento fun-damental que faz com que sua vida valhaa pena. Tal aprendizado o ajuda a cres-cer. Por isso, continua a arriscar. A obser-vação da entrevistada sobre a experiên-cia e a questão de correr riscos, reforçade modo intenso as palavras de Rogers.Literalmente ela disse que

“agir de forma humilde nos

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permite correr riscos e apren-dermos algo novo. A experi-ência tem me possibilitado umaprendizado efetivo, nãorepetitivo, e este aprendizadotem me influenciado a arris-car e desenvolver novos pro-jetos profissionais, bem como,novos projetos pessoais. Es-tar vivo envolve riscos, signi-fica agir de modo incerto, sig-nifica estar comprometido coma vida”.

Um outro aspecto ressaltado pela entrevis-tada com relação ao tema experiência refe-re-se à questão de comunicação empáticatão necessária para o gerenciamento admi-nistrativo e pedagógico de uma escola deensino infantil e de ensino fundamental. Aexperiência, nos seus oito anos como dire-tora administrativa (seis anos) e diretorapedagógica (dois anos) tem lhe ensinadomuito sobre a importância da comunicaçãoe da linguagem.

Linguagem e comunicação representamoutros temas que pôde ser identificado, osquais consideramos de grande importânciapara o processo de gerenciamento efetivo,bem como, no desempenho dos diversospapéis que assumimos em nossa vida. Arespeito de comunicação e linguagem,Capra (1996, p. 226, grifo nosso) reportan-do-se a teoria de Santiago de HumbertoMaturana e Francisco Varela, enfatizam quenossas distinções lingüísticas não são iso-ladas, mas existem na rede de acoplamentosestruturais que continuamente tecemos pormeio do linguageamento. O significado sur-ge como um padrão de relações entre essasdistinções lingüísticas, e, desse modo, exis-

timos num domínio semântico criado pelonosso linguageamento. Finalmente, aautopercepção surge quando usamos anoção de um objeto e os conceitos abstra-tos associados para descrever a nós mes-mos. Desse modo, o domínio lingüístico dosseres humanos se expande mais, de modo aincluir a reflexão e a consciência.

Capra (1996, p. 227) enfatiza sobre distin-ções lingüísticas que

“a unicidade do ser humano re-side na nossa capacidade paratecer continuamente a rede lin-güística na qual estamos embu-tidos. Ser humano é existir nalinguagem. Na linguagem, co-ordenamos nosso comporta-mento, e juntos, na linguagem,criamos o nosso mundo. O mun-do que todos vêem, não é o mun-do, mas um mundo, que nós cri-amos com os outros. Esse mun-do humano inclui fundamental-mente o nosso mundo interiorde pensamentos abstratos, deconceitos, de símbolos, de re-presentações mentais e deautopercepção. Ser humano éser dotado de consciência refle-xiva: à medida que sabemoscomo sabemos, criamos a nósmesmos”.

Por fim, baseada no pensamentovygotskyano a entrevistada diz que "o serhumano é fruto principalmente de seu con-texto, de sua capacidade inata e da relaçãoentre ambos". Essas afirmações corroboramde modo contundente, com as especulaçõesteóricas e com a importância deste tema naprática de uma liderança efetiva, atuandocomo líder, administrador, professor, pai ouqualquer papel que tenhamos que assumir.

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PALAVRAS FINAIS: ANÁLISE DOSEXCERTOS E REFLEXÕES FINAIS

Falar em fenomenologia, viver uma experi-ência de pesquisa fenomenológica, nosaponta um veio metodológico que rompecom a linearidade unidirecional, cartesianae racionalista que separa sujeito e objeto,espírito e matéria, razão e emoção, corpo ealma. Sob a perspectiva fenomenológica, osujeito e seu contexto não existem de formaautônoma ou independente um do outro,por isso, "o ato de pesquisa fenomenoló-gica visa compreender o vivido e transcen-der o empiricamente dado" (BICUDO, 1997).

Com base neste vivido, alguns aspectosteóricos estudados e discutidos sobreAprendizagem gerencial puderam serconstatados nas reflexões deste trabalho.

O primeiro deles, diz respeito a mentoria.Para aprender a ser gerente, Carmem bus-cou mentores, modelos que a ajudaramsobre-maneira a construir o processo degerenciamento de sua escola. Essesmentores promoveram o desenvolvimentodela tanto no aspecto individual, quantono aspecto profissional. Ainda hoje sãoreferenciais de conduta para ela.

O segundo, pode ser relacionado à ques-tão do processo de participação periféricalegítima. De acordo com os estudos deGherardi, Nicolini e Odella (1998), o pro-cesso de participação periférica legítimanão é automático e não é meramente indi-vidual ou técnico: depende do grupo. Mes-

mo assim, o indivíduo também tem umaparticipação nesse processo a qual se dáde forma dialógica, através do uso da lin-guagem. Por outro lado, não basta apenasao indivíduo saber fazer. Ao grupo cabedeixá-lo desempenhar sua função,reconhecê-lo enquanto tal e atribuir a ele apossibilidade de fazê-lo.

A falta de legitimação de Carmem enquan-to supervisora escolar tornou o desenvol-vimento de seu fazer pedagógico inviávelcausando a ela grandes frustrações. Poroutro lado, mesmo assim, conseguiu ad-quirir alguns conhecimentos relacionadosao dia-a-dia da escola, os quais foram fun-damentais posteriormente, no desenvol-vimento da direção de sua escola. Ficaevidenciado então, que a aprendizagemnão é um processo meramente individual,cognitivo ou de mudança comportamental.Ao contrário, está intrinsecamente relaci-onado ao contexto social.

Esse fato aponta para uma questão queprecisa ser urgentemente discutida e repen-sada nos cursos de graduação: quais osprincípios norteadores dos currículos e pro-gramas desses cursos? É possível estabe-lecer a relação teoria e prática nos proces-sos de aprendizagem? Em que medida a ex-periência tem sido incorporada nos proces-sos de ensino e de aprendizagem? Quais oslimites e possibilidades de processos deensino que ensejem a reflexão crítica e aconstrução do conhecimento?

A rede de relacionamentos também pode

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ser uma fonte de aprendizado e cresci-mento profissional. O entorno (outras es-colas), clientes, fornecedores podem seruma fonte de aprendizado profícuo à me-dida que servem como fomentadores deum processo de reflexão-ação.

A educação formal, os cursos de atuali-zação também têm o seu lugar na apren-dizagem gerencial. Apesar de, no iníciode sua carreira profissional, Carmem nãohaver conseguido aliar teoria e prática,ou seja, aliar os conhecimentos formaisadquiridos na universidade as situaçõesconcretas de seu fazer profissional, atu-almente, sente a necessidade prementede atualização e crescimento intelectualinvestindo para isso, num curso de espe-cialização.

O processo de liderança também trazmudança pessoal a ponto de afirmar que"ser gerente fez a minha vida e a modifi-cou, nunca mais serei a mesma pessoa!"

Para aprender, é preciso ter flexibilida-de para mudar a partir do aprendido. Por-tanto, aprendizagem gerencial envolve:

a) interesse individual;b) mentoria;c) processo de reflexão-ação.

A essência do trabalho de liderança efeti-va está em ouvir e ajudar os outros. Nele,a linguagem é fundamental. O diretor nãoé mais aquele que controla as atividades,mas aquele que age como facilitador auxi-liando o grupo a atingir seus objetivos.

Artigo recebido em: 17/10/2005.Aprovado para publicação em: 24/07/2006.

The education as world-life: of professor toschool principal

Abstract: In this article it is had as analysis objectthe implications between the process of past andpresent learning of the subject and theadministration of an educational unit of basicteaching. The main objective of the text is toanalyze and to interpret the lived experience ofdoing reflexive exercising manager’s occupationin an educational unit of basic level. It is used asframework theoretical some presupposed of theformation centered in the person. The article iseminently qualitative. The approach of theresearch is anchored in the method ofphenomenological hermeneutic. It is used asprocedure of collection of data the interviewtechnique in depth of three stages. The result ofthe analysis and of the interpretation of thehistory of manager’s Carmem life it indicates thatits social and historical formation has implicationsin its way of acting professional. It also indicatesimplications in another papers that referreddirector executes in the widest society.

Keywords: Process; Learning; Administration.

La educación como mundo-vida: de pro-fesora a directora escolar

Resumen: En este artículo se tiene como objetode análisis las implicaciones entre el proceso deaprendizaje pasado y presente del sujeto y lagestión de una unidad educacional de enseñanzafundamental. El objetivo principal del texto esanalizar e interpretar la experiencia vivida delhacer reflexivo ejerciendo el oficio de gestora enuna unidad educacional de nivel fundamental.Utiliza como andamiaje teórico algunospresupuestos de la formación centrada en lapersona. El artículo es eminentemente cualitativo.El abordje de la investigacón se basa en el métodode fenomenología hermenéutica. Se utiliza comoprocedimiento de recolección de datos la técnicade entrevista de profundidad de tres etapas. Elresultado del análisis y de la interpretación de lahistoria de vida de la gestora Carmen indica que suformación social e histórica tiene implicacionesen su modo de actuar profesionalmente. Indicatambién implicaciones en otros papeles que lareferida directora cumple en la sociedad.

Palabras-clave: Proceso; Aprendizaje; Gestión.

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Sobre os autores:

1 Amarildo Jorge da SilvaDoutor e Mestre em Engenharia da Produção pelaUniversidade Federal de Santa Catarina (UFSC).Professor Adjunto do Centro de Ciências SociaisAplicadas (CCSA) de Foz do Iguaçu daUniversidade Estadual do Oeste do Paraná(UNIOESTE). Pesquisador e Líder do Grupo deEstudos em Organizações Sociais (GEOS).E-mail: [email protected]

Endereço Postal: Rua Iraúna, 228. Vila A. CEP:85.866-280, Foz do Iguaçu/PR, Brasil.

2 Ana Oliveira Castro dos SantosDoutora em Engenharia de Produção,UFSC. Mestreem Educação, UFSC. Professora Assistente daFaculdade de Educação da Universidade Federal doAmazonas (UFAM).E-mail: [email protected]

Endereço Postal: Universidade Federal doAmazonas, Departamento de Métodos e Técnicas(DMT/FACED). Av. Gen. Octávio Jordão Ramos,3000, Aleixo, CEP: 69000-000, Manaus/AM,Brasil.

3 Ricardo Roberto BehrDoutor em Engenharia da Produção pela UFSC.Mestre em Administração pela UniversidadeFederal do Paraná (UFPR). Professor Adjunto daUniversidade Federal do Espírito Santo (UFES).E-mail: behr@npd ufes.br

Endereço Postal: Universidade Federal do EspíritoSanto, Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas.Avenida Fernando Ferrari, s/n, Goiabeiras, CEP:29060-900, Vitória/ES, Brasil.

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Transformação social e modo de produção: do sistema pré-industrial ao sistema capitalista de produção

Alexandre Shigunov Neto1

Lizete Shizue Bomura Maciel2

Resumo: A opção pelo tema Transformaçãosocial e a sociedade capitalista, num primeiromomento, justifica-se pelo interesse em tentarcompreender algumas questões relacionadas comas transformações sociais ocorridas durante oprocesso de implantação do modo de produçãocapitalista a partir do século XV; para num segundomomento, estudar como as transformaçõesprocessadas na organização do trabalho produtivotiveram impacto sobre o homem.

Palavras-chave: Transformação social; Modode produção capitalista; Trabalhador.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A opção pelo tema Transformação sociale a sociedade capitalista, num primeiromomento, justifica-se pelo interesse emtentar compreender algumas questõesrelacionadas com as transformaçõessociais ocorridas durante o processo deimplantação do modo de produçãocapitalista a partir do século XV; para numsegundo momento, estudar como astransformações processadas na organizaçãodo trabalho produtivo tiveram impactosobre o homem. Dessa maneira, se tomarácomo referência a análise da Grã-Bretanha3,

precursora do movimento capitalista e deacordo com Friedrich Engels, a

Inglaterra é o país clássico destarevolução que foi tanto maispoderosa quanto mais silen-ciosamente se fez. É por isso quea Inglaterra é também o paísclássico para o desenvolvimentodo principal produto destarevolução: o proletariado. É só naInglaterra que o proletariadopode ser estudado em todos os seusaspectos e relações (ENGELS,1985, p.11).

Ao longo do presente trabalho estaráimplícito o conceito de “transformaçãosocial”, que designará o processo amplo,complexo e lento de mudanças que ocorrem,principalmente pelo surgimento de novasnecessidades dos homens. Isso significadizer que, esse período estudado foi repletode transformações, em todos os níveis dasociedade.

Pressupondo-se que o modo de produçãoadotado pela sociedade exerça influênciasobre o modo de viver dos homens, paraeste trabalho segmentou-se a história,segundo o modelo de produção adotado: a

3 O termo Grã-Bretanha que utilizamos ao longo desse texto significa a complexa estrutura política, econômica e social, comumente chamadade Reino Unido, e formada pela Inglaterra, pela Escócia e pelo País de Gales.

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sociedade pré-industrial; a sociedadeindustrial, representada pelo sistema deprodução capitalista.

Por sociedade pré-industrial, considera-seo período de transição entre o modo deprodução feudal e o modo de produçãocapitalista. Segundo Paul Sweezy (1983),o “modo de produção pré-capitalista demercadorias”, prevaleceu na Europaocidental durante os séculos XV e XVI.Contudo, cabe aqui uma distinçãofundamental, esse momento trás em siaspectos do modo de produção feudal,bem como do modelo de produção emconstrução, o modo de produçãocapitalista.

A sociedade industrial ou sociedadecapitalista caracteriza-se fundamental-mente pela compra feita pelo capitalista –que é o homem que detém os instru-mentos e o local de trabalho - da força detrabalho do trabalhador. O advento domodo de produção capitalismo torna-seevidente, por momentos decisivos, taiscomo: as transformações políticas esociais ocorridas no século XVII; arevolução industrial no final do séculoXVIII e início do século XIX, que semostrou principalmente de importânciaeconômica.

Portanto, a expansão do capitalismo foium processo lento, irregular e com imensosconflitos, mas que foi conseguido emfunção da somatória de diversos fatores.Entre os quais se destacam: a privação dos

trabalhadores de qualquer possibilidadede subsistência, a não ser o trabalhoassalariado; a preocupação com aorganização e o controle do trabalho; umaprofunda revolução cultural; umametódica e rígida política repressivacontra os trabalhadores que se negavama aceitar as novas relações sociaisimpostas; a insti tucionalização demecanismos oficiais – através de leis,decretos e documentos oficiais - quetinham como função inserir os indivíduosnas novas relações de produção de formaa amenizar os conflitos, então existentes,conseguido inicialmente pelo serviçomilitar e mais tarde pela escola.

O MODO DE PRODUÇÃO NO SÉCULOXV

O declínio do sistema feudal não podeser considerado com sendo resultante deum único fator, mas sim, da somatóriade uma série de fatores, que juntosdeterminaram o declínio do sistemafeudal, enquanto sistema de produção, eo nascimento do sistema capitalista.Dessa maneira, esvazia-se a afirmativaque tenha sido a ampliação do mercadouma condição suficiente para o declíniodo sistema feudal.

O processo de declínio do sistema feudalocorreu de forma lenta e gradativamente efoi resultante da ineficiência do feu-dalismo enquanto sistema de produçãocapaz de satisfazer as necessidades de uma

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sociedade crescente, com “novas”necessidades, pela cobiça cada vez maiordos setores dominante, pelos conflitosinternos no antigo modo de produção epelo crescimento das cidades mercantis.

Foi um período de transição entre odeclínio de uma sociedade e o nascimentode uma “nova sociedade”, verifica-se,assim, que a forma de viver, pensar e agirdos homens começam a se transformar,não sendo mais a mesma, ou seja, a práticasocial que sustentava a sociedade feudalestá em declínio, não sendo mais aceitapela sociedade.

O crescimento das cidades mercantis e docomércio exigiram uma nova forma detrabalho, e, por extensão um “novohomem”, diferente do homem feudal, umhomem preocupado agora consigo mesmoe com a sua subsistência, possuidor denovas habilidades e conhecimentos.

Esses mesmos valores do “novo homem”contribuirão para o acirramento dosconflitos internos no modo de produçãofeudal. Conflitos estes que, tambémdesencadearão as condições propíciaspara a formação e implantação do sistemade produção capitalista.

O surgimento de novas carências e aincapacidade do sistema feudal emsatisfazer as exigências produtivas dessasociedade em crescimento contribuiu paraseu fracasso. Diante dessa inépcia e dasexigências de um “novo modelo de

produção” que pudesse suprir asnecessidades físicas dos homens é que teminício o processo de implantação dosistema de produção capitalista.

Partindo do pressuposto de que ocapitalismo, enquanto modo de produ-ção, se caracteriza pela subordinaçãodireta do trabalhador assalariado aocapitalista, poder-se-á

datar a sua fase inicial naInglaterra, não no século XIIcomo faz Pirene (que pensaprincipalmente na Holanda), nemmesmo no século XIV com seucomércio urbano e ligas artesanaiscomo fizeram outros, mas nasegunda metade do século XVI einício do século XVII, quando ocapital começou a penetrar naprodução em escala considerável,seja na forma de uma relação bemamadurecida entre capitalista eassalariados, ou na forma menosdesenvolvida de subordinação dosartesãos domésticos quetrabalham em seus próprios larespara um capitalista chamado“sistema de trabalhar caseiro(DOBB, 1971, p.31).

Dessa forma, a maneira como o trabalhoexcedente foi apropriado pelos detentoresdo poder diferiu nos diversos momentosda história, estando diretamente ligadosao uso de diversos métodos de produçãoe diferentes níveis de produtividade.

O senhor feudal encontrava uma grandedificuldade para auferir maiores rendimen-tos, pois a única maneira viável era atravésdo tempo de trabalho do servo, no entanto,em função da baixa produtividade nãopodia aumentar essa exploração da força de

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trabalho, que estava quase em seu limite.Assim, a solução encontrada foi reduzir onível mínimo de subsistência do servo e adegradação cada vez maior da força detrabalho, que tendia a cada dia produzirmenos.

Segundo Mariano F. Enguita (1989), osistema feudal, enquanto modelo deprodução não era tão eficaz quanto possaparecer, pelos altos custos e pela baixaprodutividade e complementa, supondoque o sistema de produção assalariado émais vantajoso, em termos de produtividadee custos, para o capital do que sua formaantecessora.

Cabe aqui uma observação, mesmo apósesse processo de transformação e deimplantação do modo de produçãocapitalista, logo após a Revolução Industrialdurante algum tempo ainda encontra-sevestígios do antigo sistema de produçãofeudal na nova sociedade. Fato represen-tado, fundamentalmente, pela produção e poruma população essencialmente agrícola enum comércio relativamente pequeno. Éo contraste entre duas sociedades, uma emdecadência, a sociedade feudal e outra emascensão, a sociedade capitalista.

O MODO DE PRODUÇÃO CAPITA-LISTA

De acordo com Marx (1987), o modo deprodução capitalista apresenta duas fases:o período manufatureiro e o período da

indústria moderna, caracterizado pelaintrodução da maquinaria e o surgimentodas fábricas.

Segundo Marx (1987), a manufatura,caracterizada pelo exercício dos ofícios dostrabalhadores em único local pertencenteao capitalista, representa o marco inicial dasociedade e predomina como formacaracterística do modo de produçãocapitalista aproximadamente entre meadosdo século XVI e XVIII. O períodomanufatureiro tem duas origens: a formacomplexa - onde trabalhadores dediferentes ofícios executam suasatividades; a forma simples - formado pelaaglomeração de trabalhadores do mesmoofício. Portanto, a manufatura é o períodoem que os trabalhadores apesar devenderem sua força de trabalho aocapitalista, ainda exercem seus ofícios deforma manual, ou seja, atuam sobre umarealidade objetiva que é o trabalho.

A maquinaria emerge no seio do períodomanufatureiro, o período manufatureiro vaipreparar e proporcionar as condiçõesfavoráveis ao advento da fábrica. Oprocesso de industrialização não é umprocesso fortuito e sem propósito, nãoocorre de forma natural, mas surgejustamente com o propósito de reduzircustos e aumentar o lucro do capitalistacomo bem explica Marx,

[...] não é esse o objetivo docapital, quando emprega maqui-naria. Esse emprego, comoqualquer outro desenvolvimento

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da força produtiva do trabalho,tem por fim baratear asmercadorias, encurtar a parte dodia de trabalho da qual precisa otrabalhador para si mesmo, paraampliar a outra parte que ele dágratuitamente ao capitalista. Amaquinaria é meio para produzirmais valia (MARX, 1987, p.424).

Portanto, o processo de industrializaçãoe de introdução da maquinaria no processoprodutivo teve seu impulso com a RevoluçãoIndustrial.

A Revolução Industrial constitui umimportante episódio da história dahumanidade, caracterizado basicamentepela transformação da sociedade feudalpara a sociedade capitalista. Foi umatransformação social, econômica, políticae cultural radical e díspar, que ocorreugradativamente, com início no séculoXVIII, na Grã-Bretanha e se espalhouposteriormente por toda a Europa.

Apesar da Revolução Industrial terproduzido transformações importantes esofisticadas nos processos produtivos,suas transformações iniciais foramextremamente simples, como demonstraHobsbawm,

[...] a tecnologia da manufaturade algodão era pois bastantesimples e, como veremos,também era simples a maioria dasrestantes mudanças que,coletivamente, constituíram a“Revolução Industrial”. Exigiampouco conhecimento científicoou qualificação técnica além deque dispunha um mecânicoprático do começo do séculoXVIII. Na verdade, quase não se

exigia também energia a vapor,pois embora a fabricação dealgodão tenha adotado logo anova fonte de energia, e em maiorgrau de outras atividades (excetoa de mineração e a metalúrgica),ainda em 1838 um quarto de suasnecessidades energéticas erasuprida por fontes hidráulicas. Arazão pra isso não era neminexistência de inovação cientí-fica nem falta de interesse dosnovos industriais pela revoluçãotécnica. Pelo contrário, asinovações científicas abundavame era rapidamente aplicadas aproblemas práticos por cientistasque ainda se recusavam a fazer aulterior distinção era o pensa-mento “puro” e o “aplicado”. Eos industriais absorviam essasinovações com grande rapidez,onde fossem necessárias ouvantajosas, e, acima de tudo,aplicavam um rigoroso racio-nalismo a seus métodos deprodução, o que caracteriza sempreuma era científica (HOBSBAWM,1979, p.56).

Ao analisarmos esse processo deindustrialização desencadeado no séculoXVIII, mas que teve suas basesfundamentadas muito antes, é necessáriocompreender que, tal processo só foidesencadeado em função das necessidadesevidentes e latentes da sociedade e davinculação, a partir desse momentohistórico, da vida humana ao trabalhoassalariado.

Para Hobsbawm (1979), as três categoriasfundamentais do processo de consolidaçãoda industrialização na Grã-Bretanha foramas exportações, o mercado interno e aatuação do Governo. As exportações queforam impulsionadas e subsidias de formasistemática e agressiva pelo Governo foram

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consideradas, juntamente com a produçãotêxtil de algodão, o setor básico doprocesso de industrialização britânico. Oprocesso de urbanização e seu mercadointerno propiciaram condições favoráveispara uma economia industrializada emgrande escala, na medida em que o processode industrialização aumentava a demandapelos produtos ingleses em seu mercadointerno. Desse modo, o incentivo àsexportações proporcionava melhorias notransporte marítimo, já o mercado internoimpulsionava o transporte terrestre. Opapel do Estado nesse processo foifundamental, principalmente incentivandoe financiando a inovação técnica e odesenvolvimento das indústrias de bens decapital e de consumo.

Portanto, a transformação do modo deprodução feudal para o capitalista naGrã-Bretanha somente foi possível emvirtude de seu mercado interno ser umexcelente e crescente mercado consu-midor dos produtos britânicos, de seumercado externo ser muito mais dinâmicoe seguro e pelo papel desempenhado pelogoverno nesse processo.

A primeira fase da Revolução IndustrialBritânica (1750-1860), foi baseada naindústria têxtil. Apesar do algodão perdersua força aproximadamente duas décadasapós o início do processo industrialização,sua importância é evidenciada porHobsbawm, ao afirmar que

o algodão deu o tom da mudançaindustrial e foi o esteio das

primeiras regiões que não teriamexistido se não fosse aindustrialização e que expressa-ram uma nova forma de sociedade,o capitalismo industrial, baseadanuma nova forma de produção, a“fábrica” (HOBSBAWM, 1979,p.53).

A segunda fase da Revolução IndustrialBritânica (1873-96), marca uma nova fasedo industrialismo, que proporcionariaalicerces muito mais consistentes para ocrescimento econômico, sendo baseadanas indústrias de bens de capital, nocarvão, no ferro e no aço. Foi duranteesse período que ocorreu a conhecidaGrande Depressão, período marcadopela intranqüilidade e estagnação daeconomia britânica. Contudo, e apesarde ser mais evidente na Grã-Bretanha, foium fenômeno mundial, atingindo emgraus diferenciados os demais países.Sua importância revela-se fundamen-talmente no fato de a Grã-Bretanha deixarde ser a precursora do movimento deindustr ial ização, passando a ser“apenas” uma das maiores potênciasmundiais. É o fim da era denominada de“fase britânica de industrialização” e oinício de uma nova, conhecida como“fase do imperialismo”.

As transformações ocorridas nesseprocesso de industrialização, iniciado naGrã-Bretanha, implicou em mudanças navida do homem, enquanto trabalhadore ser produtivo a serviço do capitalista.Ou seja, a transformação de uma sociedadefeudal em uma sociedade capitalistairá exigir um novo modelo de homem e

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conseqüentemente um novo modelo detrabalhador, com novas exigências econhecimentos.

O SISTEMA DE PRODUÇÃO FABRILE O TRABALHADOR

Na análise sobre as implicações que omodelo de produção capitalista impôs aostrabalhadores levar-se-á em conta a perdade autonomia do trabalhador na execuçãode suas funções, ou seja, a separação entresaber e fazer nas relações sociais detrabalho.

Pode-se considerar que o século XIX foi operíodo de consolidação do modelo deprodução capitalista. O seu desen-volvimento ocorreu, fundamentalmentepela exploração e degradação do trabalho,ou então, pelo estado de miséria por qualpassava a classe operária. Contudo, aolongo de seu crescimento, o capitalismoatravessa por algumas crises, durante asquais se intensifica ainda mais o estado dedepauperamento e de fome da classetrabalhadora.

O homem a partir da implantação do modode produção capitalista, passa a ser vistoapenas como agente produtivo, e não maisenquanto ser com sentimentos, desejos enecessidades próprias. É uma profunda eradical transformação social, em todos osníveis, e principalmente no modo de viverdo homem. Seus costumes e a prática socialtêm que ser alterados para atender aos

“novos” interesses da sociedade, ou seja,para atender aos interesses do capitalista edas fábricas.

Esse processo de transformação, tido pormuitos como “evolução” da organização dotrabalho somente se concretizou apósmuitos conflitos entre o trabalhador ecapital. Comumente tendemos sempre a ter

a organização atual do trabalho enossa atitude frente ao mesmosão coisas recentes e que nada têma ver com “a natureza das coisas”.A organização atual do trabalho ea cadência e sequenciação atuaisdo tempo de trabalho não existiamem absoluto no século XVI, eapenas começaram a serimplantadas precisamente ao finaldo século XVIII e início do séculoXIX. São, pois, produtos econstrutos sociais que têm umahistória e cujas condições têm queser constantemente reproduzidas.A humanidade trabalhadorapercorreu um longo caminhoantes de chegar aqui, e cadaindivíduo deve percorrê-lo paraincorporar-se ao estádio alcançado(ENGUITA, 1989, p.04).

O processo de organização do processoprodutivo para atender às necessidadesdas fábricas é um processo gradativo,sendo destacáveis as seguintes fases: naprimeira, o capitalista com sua forçaeconômica e política consegue expropriaro trabalhador de sua terra ou de seutrabalho independente; numa segunda,após retirar a única forma de subsistênciado trabalhador, o capitalista o transformaem assalariado e subordinado a ele; naúltima, ocorre a divisão manufatureira dotrabalho, com a subordinação real ecompleta do trabalhador ao capital. Assim,

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consolida-se o processo de apropriaçãopelo capitalista do processo e do produtodo trabalho executado pelo trabalhador.

As tradições, valores e a cultura dascivilizações nas economias de subsis-tência foram um grande obstáculo para suaconsolidação e para o recrutamento demão-de-obra para as fábricas. Comoconsidera Enguita (1989, p.42)

essa aversão para o trabalho fabrilfez com que uma massa ingentede camponeses e artesãosexpulsos por meios econômicosou extra-econômicos de suasterras ou de seus ofícios preferisseviver de seus parentes econhecidos, da caridade públicaou do nada a alistar-se comoassalariados. Os vagabundos eos pobres, no sentido mais amplode ambos os termos, converte-ram-se no pesado dos séculos XVa XIX. Para alguns eram aexpressão mais clara e aconseqüência mais grave dadissolução da velha ordem; paraoutros, uma massa de indigentesque se negava a trabalhar. Dequalquer forma, tornavam-se umelemento dissonante em umasociedade que necessitava deforma crescente de regularidade eestabilidade nos hábitos detrabalho. Para eles colocou-se emação uma coleção de sagaslegislativas em todos os países, quecomeçaram com fins assistenciaise terminaram por converter-seem uma agressiva política demobilização da mão de obra.

As transformações no modo de produção enas relações sociais de trabalho têmimplicações diretas sobre a vida, no com-portamento dos trabalhadores e sobre aprópria educação deles.

A introdução da maquinaria fez com quehouvesse uma reestruturação na orga-nização do processo produtivo, queconseqüentemente afetou a vida dostrabalhos de forma drástica e radical.

Engels (1985) nos apresenta o modelo detrabalhador e a maneira como:

os trabalhadores viviam umaexistência em geral suportável elevavam uma vida honesta etranqüila, em tudo piedosa ehonrada; a sua situação materialera bem melhor que a dos seussucessores; não tinham neces-sidade de se manter, de trabalhar,não faziam mais do que desejavame, no entanto, ganhavam para assuas necessidades e tinham tempolivre para um trabalho são nojardim ou no campo, trabalho queera para eles uma forma dedescanso, e podiam, por outrolado, participar nas distrações ejogos do seus vizinhos; e todosesses jogos, malha, bola etc.,contribuíam par a manutençãoda sua saúde e para o seudesenvolvimento físico (ENGELS,1985, p.12).

O trabalhador agrícola, que habita no campo,apresenta características e um estilo de vidadiverso dos trabalhadores industriais,pois a revolução industrial foi

reduzindo inteiramente os traba-lhadores ao papel de simplesmáquinas, arrebatando-lhes osúltimos vestígios de atividadeindependente, mas incitando-os,precisamente por essa razão, apensar em exigir uma posiçãodigna de seres humanos (ENGELS,1985, p.13-14).

Engels (1985), apesar de reconhecer quea vida dos camponeses ingleses era mais

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saudável e mais tranqüila, não a considerauma vida digna, pois falta a esses homensa preocupação com o mundo que os rodeia.Portanto, para Engels o grupo social emcondições de lutar por seus direitos, poruma vida digna e pela transformaçãonecessária – a transformação das relaçõessociais de produção -, é o proletariado. Poisa partir do momento em que, perderemsua possibilidade de ascensão social,tornando-se um grupo social estável,adquirem as condições necessárias paralutarem por melhores condições de vida ede trabalho.

Nesse sentido, tornava-se para oscamponeses muito difícil adaptar-se àsnovas condições de trabalho da fábrica.Acostumados ao trabalho ao ar livre, aosritmos sazonais, aos abundantes dias defesta, a poder abandonar as tarefas aqualquer momento, em suma, a seguir seupróprio ritmo em vez de um calendário, umhorário e um ritmo impostos, não podiamdeixar de sofrer um violento choque. Porisso se negavam a acudir às fábricas e,quando se viam forçados a fazê-lo, não erararo que desertassem em massa, mesmo emmomentos já avançados da industrialização.

Com o desenvolvimento do modo deprodução capitalista, com as reivin-dicações dos trabalhadores, enfim, emfunção das necessidades de umaregulamentação do trabalho, principal-mente, nas fábricas surgiram por volta dadécada de 1860 as primeiras legislaçõestrabalhistas. Juntamente com a regulação

do trabalho e de suas condições, surgiutambém

a partir de 1871 obtiveram até oprimeiro reconhecimento legaldo lazer não-religioso, o descansosemanal. No entanto, de modogeral, seus salários e suascondições de trabalho dependiamdos contratos que conseguiamestabelecer com os patrões,sozinhos ou através de seussindicatos (HOBSBAWM, 1979,p.143).

O fato de a Grã-Bretanha, nesse períodohistórico, ser considerada um país,essencialmente de trabalhadores possi-bilitou o surgimento do sindicalismo. Umaconquista importante dos trabalhadoresque possibilitou minimizar as precáriascondições de trabalho oferecidas, entre-tanto, esta conquista apenas foi conseguidaà base de muitas lutas e reivindicações,

[...] no começo da década de1870, o sindicalismo foi aceito ereconhecido oficialmente, noslugares onde haviam logradofirmar-se. Graças à estruturaarcaica da economia britânica,esse reconhecimento ocorreu nãoapenas para os artífices quali-ficados de ocupações manuais(como, por exemplo, pedreiros,alfaiates, impressores etc), comotambém no coração das atividadesbásicas, como as tecelagens dealgodão e as minas de carvão,bem como no grande complexode fabricação de máquinas enavios, atividades nas quais aparte maior do trabalhoqualificado continuou a compor-se essencialmente de artífices.Ainda assim, aquele reconhe-cimento não atingia mais queuma pequena minoria dostrabalhadores britânicos, exce-tuadas algumas localidades ealguns ofícios (HOBSBAWM,1979, p.143-144).

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As condições de vida dos trabalhadorescomeçou a melhorar em função de algunsfatos, tais como: as exigências da classetrabalhadora por melhores condiçõesde vida, e para abafar as manifestaçõese insatisfações dos trabalhadores; e aclasse trabalhadora tornou-se em umaopção de mercado consumidor para oscapitalistas

a sobrevivência das condições deindústria domiciliar e manufábricana segunda metade do século XIXteve conseqüência importante paraa vida e população industriais queraramente vemos exami-narem.Ela significava que só na últimaquadra do século a classetrabalhadora começou a tomar ocaráter homogêneo de umproletariado fabril. Antes disso, amaioria dos trabalhadores man-tinha as marcas do períodoanterior de capitalismo, tanto emseus hábitos quanto em seusinteresses: a natureza da relaçãode emprego e as circunstâncias desua exploração (DOBB, 1971,p.325).

Portanto, o “progresso” ao invés do queseria o modo socialmente aceito epretendido, não proporciona de formaigualitária a todos membros da sociedadeos mesmos benefícios. E sim, os benefíciosadvindos desse “progresso” tornam-seprivilégios de uma pequena parcela dasociedade.

Os benefícios que o “progresso” podeproporcionar à sociedade devem serigualmente distribuídos a todos os seusmembros, há necessidade de proporcionardemocraticamente o usufruto de taisbenefícios para todas as classes sociais,

sem distinção alguma. Só assim, podere-mos afirmar que a ciência e seu “progresso”não são privilégios e sim direitos de todos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao findar o presente artigo acreditamos quetenhamos conseguido demonstrar que osistema de produção capitalista atendeu eatende aos interesses de um setor socialminoritária, os detentores do capital e queos objetivos dos setores nunca poderiam,nesse modelo de produção, serem atingidosconjuntamente.

As transformações nas relações deprodução aliadas às circunstânciaspolítico-sociais ocorridas no seio dasociedade, decorrentes também daimplantação do modo de produçãocapitalista foram profundas e contribuírampara aumentar a pobreza e miséria doscidadãos.

Enquanto que durante o período feudal otrabalho dos homens, era o trabalhoagrícola e de subsistência, já no períodode crescimento das cidades mercantis edo comércio o trabalho passa a serconsiderado como uma forma de obtençãode lucro e de riqueza.

O trabalho é a categoria social que exerceinfluência sobre a vida dos homens, ou seja,o trabalho enquanto categoria de análiseinfluenciará o modo de vida e a forma deser e pensar dos homens.

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As desigualdades sociais existentes hojeem nossa sociedade tiveram início noséculo XV com a introdução do sistemade produção fabril e a divisão do trabalho.Portanto, à medida que a ordem burguesavai se estabelecendo e fortalecendo ficaevidente as contradições desse período –ao mesmo tempo em que há um aumentoda produção de riqueza pela introduçãoda maquinaria e o trabalho assalariado nasfábricas, também ocorre um aumento dapobreza.

O desenvolvimento, ou como muitospreferem chamar de “progresso”,conseqüente do sistema capitalista nãoestava e ainda não está disponível paratodas as pessoas, principalmente para aclasse trabalhadora, apenas algumaspodem usufruir plenamente de seusbenefícios, os detentores do capital.

O modo de produção capitalista corroboroupara tornar o homem um prisioneiro docapital, do próprio trabalho. Em últimainstância, a perda de liberdade do homem.Procuramos ao longo do texto, demonstrar,como o significado das palavras“controle”, “regra”, “normas”, “leis” estãoarraigadas ao modo de vida capitalista,visando tão somente contribuir para queo capital tenha um controle absoluto sobrea vida dos trabalhadores. Todavia, essaimposição, não ocorre de forma tranqüila,pois é seguida de uma resistência, de umaluta da classe trabalhadora. Nessemomento, fica expressa a contradiçãosocial e a luta entre capital X trabalhadorassalariado.

Artigo recebido em: 10/08/2005.Aprovado para publicação em: 03/11/2006.

Social transformation and way of production:from of the system pre-industrialist to thecapitalist system of production

Abstract: The option by the subject Socialtransformation and the capitalist society, at afirst moment, is justified by the interest in tryingto include/understand some questions related tothe happened social transformations during theprocess of implantation of the way of capitalistproduction as of century XV. Secondly, to studyhow the transformations produced in theorganization of the productive work had impactedthe man.

Keywords: Social transformation; Capitalistproduction; Worker.

Transformación social y modo deproducción: del sistema pre-industrial alsistema capitalista de producción

Resumen: La opción por e l tema Trans-formación social y la sociedad capitalista, enun primer momento, se justifica por el interésen intentar comprender algunas cuest ionesrelacionadas con las transformaciones socialesocurridas durante el proceso de implantacióndel modo de producción capitalista a partir delsiglo XV. En segundo lugar, estudiar cómo last ransformaciones producidas en laorganización del trabajo productivo tuvieronimpacto sobre el hombre.

Palabras-clave : Transformación social ;Modo de producción capitalista; Trabajador.

REFERÊNCIAS

DOBB, Maurice. A evolução do capitalismo.2.ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1971.

ENGELS, Friedrich. A situação da classetrabalhadora na Inglaterra . São Paulo:Global, 1985.

ENGUITA, Mariano F. A face oculta daescola: educação e trabalho no capitalismo.Porto Alegre: Artes Médicas, 1989.

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Sobre os autores:

1Alexandre Shigunov NetoDoutorado em Engenharia e Gestão doConhecimento. Universidade Federal de SantaCatarina (UFSC). Mestre em Educação peloPrograma de Pós-Graduação em Educação daUEM. Especialista em Economia Empresarialpela Universidade Estadual de Londrina.

HOBSBAWM, Eric J. Da Revolução IndustrialInglesa ao Imperialismo. 2.ed. Rio de Janeiro:Forense, 1979.

MARX, Karl. O capital: crítica da economiapolítica. 11.ed. São Paulo: DIFEL, 1987. LivroPrimeiro. Volume I.

SWEEZY, Paul e outros. A transição dofeudalismo para o capitalismo. 3.ed. Rio deJaneiro: Paz e Terra, 1983.

Administrador formado pela UniversidadeEstadual de Maringá (UEM).Orientador: Édis Mafra LapolliEmail: [email protected]

2Lizete Shizue Bomura MacielDoutora em Educação pela PontifíciaUniversidade Católica de São Paulo (PUC/SP).Mestra em Educação (PUC/SP). Líder do Grupode Estudos e Pesquisas em Trabalho Docente eAprendizagem Escolar (GEPAE) e Professorado Programa de Pós-Graduação em Educação daUniversidade Estadual de Maringá (UEM).Email: [email protected]

Endereço Postal: Universidade Estadual deMaringá (UEM).Centro de Ciências HumanasLetras e Artes, Departamento de Teoria e Práticada Educação. Av. Colombo, 5790. JardimUniversitário. CEP: 87.020-900 - Maringa/PR,Brasil.

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O papel dos Conselhos Escolares no Sistema Municipal deEnsino do Recife

Resumo: O artigo analisa o papel desempenha-do pelos Conselhos Escolares no Sistema Munici-pal de Ensino do Recife, considerando como ele-mento preponderante do estudo às questões queincidem no exercício da autonomia dessescolegiados. O texto ainda instiga a reflexão sobrea importância da atuação dos Conselhos Escola-res na relação com as instâncias superiores doSistema, pressupondo a necessária intervenção doconjunto das instâncias de participação munici-pal na proposição de políticas educacionais comogarantia da democratização da gestão dos proces-sos que envolvem o Sistema e não apenas a gestãoescolar.

Palavras-chave: Conselho Escolar; Instânciasde participação; Autonomia; Sistema de Ensino.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Após a promulgação da Constituição Fe-deral de 1988, as mudanças nas políticaspúblicas passaram a ser exigidas, sendoconfiguradas à luz da nova contratualidadeentre o Estado e a sociedade emergida doperíodo de centralização do poder - a dita-dura militar de 1964.

Em relação ao contexto educacional, o mo-vimento que ganha maior notoriedade é oda democratização da gestão escolar, ten-do o objetivo de reconhecer o destinatário

das políticas educacionais como sujeito dedireitos, em condições de intervenção naproposição de decisões que atendam a rea-lidade em que sua comunidade estáinserida. Logo, no cerne desse movimentode mudanças na gestão educacional, a cri-ação de instâncias de participação popular,como parte integrante dos sistemas de en-sino, passou a ser exigida de formaconsensual por autores que defendem ademocratização da gestão da educação pú-blica (GADOTTI, 1997; WERLE, 2003;WITTMANN, 1993).

No Recife, a Lei Orgânica Municipal de 1990passa a contemplar novas diretrizes comvista na reformulação do Conselho Muni-cipal de Educação (CME). Como também, oPlano Diretor de Desenvolvimento da Ci-dade do Recife reafirma os princípios e di-retrizes da democratização da gestão,explicitando o caráter e competências doCME e definindo a realização periódica daConferência Municipal de Educação(COMUDE).

A criação dessas instâncias pode ser con-siderada como indicativos de possibilida-des, no que se refere à materialização dos

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princípios da gestão democrática e doparadigma da co-gestão, na qual aparecemsob os holofotes do cenário político daadministração municipal, os atores sociaisdas comunidades escolar e local.

Têm-se, então, como conseqüência dessemovimento, além da reformulação do CME,e da realização periódica da COMUDE2, acriação dos Conselhos Escolares em 1992;do Departamento de Gestão Democrática edas Comissões Regionais de Controle So-cial de Qualidade do Ensino3.

Procuramos ressaltar, dentre as instânciasde participação mencionadas, o papel dosConselhos Escolares, tanto no que diz res-peito a sua atuação no interior do recintoescolar, como, sobretudo, nas suas relaçõescom o CME e com a Secretaria Municipalde Educação, por entendermos que o pro-cesso de democratização da gestão edu-cacional requer o exercício dos princípiosda gestão na escola, mas também a obser-vância de que a relação entre as instânci-as do Sistema de Ensino deve imbuir-sedo mesmo ideário democrático.

Cabe, então, perguntarmos: Uma vez insti-tuídos, que elementos interferem no exercí-cio da autonomia dos Conselhos Escolarespara o desempenho de suas atribuições nointerior da escola e na sua relação com asinstâncias superiores do Sistema Municipalde Ensino do Recife?

Buscamos compreender as possíveisrespostas para este problema que levanta-mos, a partir das interfaces entre leiturasde nosso marco legal; os discursos evo-cados pelos sujeitos co-participantes denossa pesquisa e a produção literáriacorrelata às categorias da participação,da autonomia da escola e da democratiza-ção da gestão, enfocadas nesse trabalho.

AS INSTÂNCIAS DE PARTICIPAÇÃODA EDUCAÇÃO MUNICIPAL DO RECIFE

O Conselho Municipal de Educação

O Conselho Municipal de Educação (CME)constitui um dos instrumentos criados pelaLei Orgânica Municipal do Recife para ela-borar as diretrizes globais da Educação noMunicípio, em conjunto com outros instru-mentos de participação e controle social.Criado através da Lei 10.383 em 01 de se-tembro de 1971, o CME recebe emendaatravés da lei municipal n° 16.190/96, comregulamentação de consonância com oArt. 135 da Lei Orgânica Municipal.

O CME é o órgão do Sistema Municipal deEnsino que tem organização prevista emLei, de forma democrática, com caráter deentidade pública de constituição paritáriae participativa, com representação dossegmentos da sociedade civil vinculadosà educação, assegurada sua autonomia emrelação ao Poder Executivo e as entidades

2 A Conferência Municipal de Educação – COMUDE, constitui a instância de participação, que envolve representantes de conselhos setoriais,membros de entidades da sociedade civil, dos poderes legislativo e executivo, professores, servidores e estudantes, com o objetivo dediscutirem questões relativas ao Sistema Municipal de Ensino, para dali oferecer propostas de diretrizes e políticas.3 As comissões Regionais são instâncias de participação eleitas pelos conselheiros escolares de cada RPA e referendadas pelo ConselhoMunicipal de Educação para funcionar como fóruns colegiados do processo de avaliação-planejamento-gestão da educação na RPA.

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mantenedoras das escolas privadas insta-ladas no Recife.

Fica evidente no texto da Lei Municipalnº 16.190/96, a indicação da COMUDE comoinstância de participação do Sistema Mu-nicipal de Ensino de Recife (SMER), da qualespera-se uma contribuição efetiva para aproposição de políticas educacionais quedeverão ser analisadas pela Secretaria deEducação quanto às possibilidades de im-plantação pelo poder público, sendo todoo processo acompanhado pelo CME.

O grande desafio que está posto é justa-mente construir as condições necessári-as para que a realização da ConferênciaMunicipal de Educação esteja de fato emconsonância com as reais necessidadeseducacionais do município, no queconcerne à sistematização dos conteúdosa serem discutidos durante a realizaçãodo evento, considerando, de forma im-prescindível, a participação dos sujeitosenvolvidos com a promoção da educaçãoescolar ao longo do processo de elabora-ção das normas que definirão a organiza-ção e funcionamento do SMER.

Há também uma atenção de nossa partecom as condições em que é planejada aCOMUDE, a forma de debate e sistematiza-ção das temáticas e, sobretudo, o tratamen-to a posteriori das suas proposições juntoàs instâncias superiores. Em face das Co-missões Regionais de Educação não esta-rem ativas, o contato entre os ConselhosEscolares de uma mesma Região Político-

Administrativa (RPA), ocorre de forma es-porádica, quando a própria Secretaria deEducação tem interesse em promover en-contros com o conjunto das RPA's.

Desta feita, os atuais embates a serem en-frentados para que os Conselhos Escola-res (CE's) exerçam seu papel de co-gestordo Sistema dizem respeito à criação de me-canismos que fortaleçam o contato entreos colegiados escolares para que o exercí-cio de sua autonomia dentro do Sistema sejaa expressão do sentimento externado peloconjunto dos segmentos da comunidadeescolar.

É justo concebermos que numa gestão edu-cacional que se pretende o cumprimentodos princípios da vivência democrática, aatuação dos conselhos não pode ser pre-miada tão-somente pelo seu êxito na con-dução dos processos de implementaçãodas normas e medidas emanadas das ins-tâncias superiores. É imperativo, portanto,pensarmos o papel do conselho como par-ticipante direto das definições daquilo queserá implementado em nível de Sistema.

Conforme enfatizamos na leitura do marcolegal, a COMUDE constitui o espaço legiti-mamente instituído para fins de proposi-ção dos diversos olhares de seus partici-pantes. Ao consultarmos uma representan-te do segmento pais de um dos quatro con-selhos que desenvolvemos a pesquisa, adepoente evocou a seguinte resposta, re-ferindo-se ao questionamento da COMUDEenquanto espaço de proposição de normas

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e medidas de funcionamento do Sistema:

“Olhe, eu participei dessa últi-ma COMUDE. Eu acho que elesjá têm os materiais, os relatóri-os deles (...) Eu acho que nãoestá seguindo o que a gente de-bateu não (...) Seria papel nos-so, do conselho, ir lá, né, fisca-lizar, cobrar, mas como nãoacontece... Eles também não re-passam. Eu acho também quepra eles não é viável repassar,porque jamais eles vão repas-sar o que foi decidido lá, o que agente cobrou. Então, eu achoque tudo é decidido lá” (Repre-sentante dos pais).

É possível inferir do depoimento desse su-jeito da pesquisa tanto uma preocupaçãocom a imobilidade dos conselhos escola-res no que se refere ao cumprimento de seupapel de fiscalizador dos processos que sedesenvolvem em nível de sistema, quantouma conclusão que vai de encontro aosprincípios da gestão democrática, ou seja,o reconhecimento dessa depoente de queapós a realização da Conferência Munici-pal de Educação, os passos seguintes re-velam uma centralização da decisão políti-ca por parte da Secretaria de Educação.

O depoimento do representante do segmen-to professor no CE, ao responder sobre amesma questão da relação entre o que éproposto na COMUDE e a materializaçãodessas propostas nas políticas educacio-nais do município, nos diz:

“Eu acho que morre pelo cami-nho. O professor sai represen-tante do conselho, vai partici-par da COMUDE e naquele mi-

nutinho traz e diz como foi, masnão tem uma continuação, umabusca de saber no que vai dar,que desdobramentos vão serdados, qual é a conseqüênciadisso pra dentro da escola emparticular. Eu acho que precisauma ponte desses espaços dediscussão e tudo, de delibera-ção que chegue na escola e queisso tenha uma continuidade”(Representante dos professoresI).

O discurso da professora expressa tanto omesmo incômodo já externado pela repre-sentante da comunidade, quanto à ausên-cia de uma atitude de busca pelo conselhoescolar, no sentido do acompanhamento doque vai ser feito das proposições daCOMUDE. É possível reconhecermos daparte desta depoente uma preocupação como elo de ligação entre o CE e as instânciassuperiores do Sistema.

Como condições objetivas para a articula-ção entre as instância de participação dagestão educacional do município, tem-se oCME como órgão colegiado mediador, emcondições de facilitar o diálogo entre ospartícipes das diferentes instâncias, comotambém, acompanhar mais de perto a im-plantação das proposições sistematizadasa partir da participação do conjunto dossegmentos na COMUDE.

Quando nos referimos às condições subje-tivas, no entanto, percebemos que a comu-nicação entre as instâncias do Sistema éprecária. Vejamos alguns trechos dos dis-cursos proferidos por membros pertencen-

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tes a diferentes segmentos dos CE:

“Nós temos uma distância mui-to grande aqui. São dois man-datos que a gente tirou aqui noconselho, a gente nunca tivemosuma reunião com a secretáriade educação, com o conselhomunicipal. Nunca eu tive essaoportunidade de ter essa reu-nião, esse conhecimento, ou esseelo, né, eu digo assim,entrosamento pra discutir, pramelhorar o sistema, ou até mes-mo o conhecimento de cada con-selheiro. Pra melhorar esse ter-mo de convivência, pra melho-rar também a escola” (Repre-sentante da Comunidade).

“Eu acho assim, as coisasquando vem pra escola, elas jávêm determinadas. Ninguémprocura antes saber, ou trazerpra que seja feita a discussão.Acho que é discutido entre eleslá, depois chega aqui pra genteimplementar, ta entendo. Nãoexiste esse diálogo aberto comose propaga por aí não” (Re-presentante da direção).

“Olha, eu numa fui consulta-da, então pra mim não é umacoisa que funciona em todos ossentidos, assim, pra todos osprocessos. Se ninguém da Se-cretaria de Educação me con-sultou, nem ao conselho daescola que faço parte pra tomardecisões A, B ou C, então, cer-tamente não teve outras” (Re-presentante dos Professores II).

Selecionamos os discursos desses sujeitos,por percebermos uma nítida preocupaçãoem reconhecer que o exercício do papel doconselho escolar pressupõe a vivência dodiálogo sistemático com as demais instân-cias do Sistema. Reconhecemos a mesmapreocupação quando analisamos o discur-

so de outros conselheiros escolares, queapenas fizeram menção aos contatos com oCME e a Secretaria de Educação quandoestas instâncias lhes solicitaram o cumpri-mento de alguma ação, porém, os membrosdo conselho escolar não mencionaramqualquer momento de encontro com asinstâncias superiores no sentido de dis-cutirem as normas e medidas de funciona-mento do Sistema.

Toda a rotina didático-pedagógico-admi-nistrativa da escola em nenhum momentoé reconhecida como parte de um debatesistemático com o CME. Diante do quepercebemos no campo de pesquisa, o papeldesenvolvido pelos CE's é bastante defi-citário em relação a suas possibilidadesobjetivas de atuação, em face dessa au-sência de comunicação com o CME. De-corrente disso cabe ao conselho escolaruma atuação com o foco muito mais deimple-mentador de decisões emanadasdas instâncias superiores do que propria-mente corroborador do processo de cons-trução das políticas a serem implemen-tadas em nível de Sistema.

Os Conselhos Escolares

O Conselho Escolar, no Sistema Municipalde Ensino do Recife (SMER), é uma entida-de formada por membros das comunidadesescolar e local, sem fins lucrativos, de du-ração indeterminada, com atuação junto àunidade de ensino em que está vinculada edisciplinada por regimento próprio.

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A lei nº 15.709/92 cria os Conselhos Es-colares nas escolas municipais do Recife,regulamentando a gestão democrática deacordo com o artigo 132, inciso VIII da leiorgânica do município do Recife. De acor-do com este dispositivo legal, cada unida-de de ensino, desde sua data de publica-ção em 26 de outubro de 1992, deve insti-tuir seu Conselho Escolar, tendo como ob-jetivo central, conforme preceitua o art. 2ºda lei nº 15.709/92,

Ajustar as diretrizes e metasestabelecidas pelo Sistema Muni-cipal de Educação à realidade daescola, participando do planeja-mento didático, acompanhandoe avaliando o processo pedagógi-co - administrativo nos seus vári-os aspectos, visando a melhoriado ensino.

A leitura deste artigo permite uma interpre-tação, a partir do verbo "ajustar", posto emrelevo no texto, de que aos Conselhos sereserva a incumbência de implementar asdiretrizes e metas (elaboradas nas instânci-as superiores), adaptando-as ao contextoparticular em que a escola está inserida.

Como também, o artigo em questão fazmenção as obrigações dos colegiados lo-calizando-as ao espectro restrito da unida-de escolar, pois, os Conselhos devem par-ticipar do planejamento didático, devemtambém acompanhar e avaliar os processospedagógicos e administrativos que se de-senvolvem no interior da escola, não antesda extrema observância de que todas asações devem tão somente expressar o ajus-te daquilo que fora emanado das instânci-as superiores do Sistema.

É evidente que as possibilidades de atua-ção dos colegiados não devem se circuns-crever a esse plano. Toda a legislaçãoeducacional vigente, onde se tem comofoco - subsidiar a conquista progressivada autonomia da escola, pressupõe umarelação entre o Conselho Escolar e as de-mais instâncias do Sistema Municipal deEnsino para além da dependência ou dacompleta independência. Desse modo, aspolíticas elaboradas no âmbito das ins-tâncias superiores do Sistema devempassar necessariamente pela inter-relaçãocom os colegiados.

Ou seja, considerar a possibilidade de pro-gressivos graus de autonomia da escolasignifica concebermos a atuação doscolegiados à luz da interdependência como Sistema ao qual está vinculado. O opostodisso só pode ser compreendido como oexercício da heteronomia por parte do Sis-tema, que planeja as políticas, respaldan-do-se em seus interesses internos e imedi-atos, deixando aos Conselhos Escolares opapel de "exercício de uma autonomia res-trita ao dialogo sobre o já estabelecido".

Nesse entorno, nossa pesquisa se propôsao estudo das atribuições dos colegiados,numa perspectiva de correlação entre osdocumentos que dão sustentação à gestãodemocrática do ensino público e amaterialização dos princípios que, de acor-do com a literatura produzida sobre o assun-to, correspondem ao processo de democra-tização da gestão educacional. Assim,passaremos a discutir a atuação dos Conse-lhos Escolares no que concerne a sua pos-

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tura enquanto instância pertencente aoSistema Municipal de Ensino.

Qual o sentido da atuação do ConselhoEscolar no Sistema: decidir o que imple-mentar ou implementar o já decidido?

Vejamos logo de início algumas falas sobrea atuação dos conselhos escolares na redemunicipal:

“Temos uma demonstraçãoviva da efetivação dos CE's noprocesso eleitoral de escolha dedirigentes, eles coordenam asunidades. Tudo perfeito? Não!Tudo certo? Com certeza não!Mas envolvidos” (Membro doNúcleo de Gestão da Secretariade Educação).

“O Conselho Escolar, além deser uma instância colegiada degestão e controle social da qua-lidade da Educação Municipalem Recife, também é o mecanis-mo de fortalecimento da socie-dade civil, experimentando aonível do sistema de ensino, oexercício do poder diretamen-te” (Ex-Secretária de Educa-ção do Município).

“Olha, eu acho que os CE's éuma órgão extremamente im-portante em uma gestão que sejademocrática. Se a gente tem noconselho um grupo forte,deliberativo, composto por per-sonagem de diversos segmen-tos da escola, eu acho muitomais justas as decisões que sãotomadas” (Representante dosprofessores III).

Como percebemos nos discursos, há umamplo consenso sobre a instituição doscolegiados como mecanismo de democrati-zação da gestão escolar. Chama-nos a aten-

ção o fato de que, mesmo as pesquisassobre a repercussão da ação dos conse-lhos nas unidades educacionais ainda nãoatestarem uma efetiva democratização dagestão (MACIEL, 1995; FLORES, 1997;GUTIÉRREZ; CATANI, 2003), não se con-testa a relevância do colegiado como "veí-culo de democratização". Fica tambémevidente uma profunda expectativa sobreas possibilidades de se expandir os limitesde suas intervenções; de se considerar osconselhos escolares co-dirigentes do Sis-tema e não apenas dirigidos por ele.

Diante disso, relacionarmos os imperativosda decisão partilhada com a discussão so-bre o papel a ser desempenhado pelos Con-selhos Escolares, buscando reconhecer queações como: a elaboração do projeto peda-gógico da unidade de ensino em estreitoatendimento às suas peculiaridades, comotambém, a proposição do regimento daescola em consonância com o marco legalvigente e com as exigências substantivasde sua comunidade, além do exercício daautonomia para decidirem sobre o orçamen-to financeiro da escola, têm implicações noque diz respeito aos imperativos que ditamas regras do jogo quando se refere à relaçãodos colegiados com as demais instânciasdo Sistema.

Tais considerações nos instigam a rever asimplicações que incidem no contexto doexercício da autonomia dos Conselhos,quando se trata da sua relação com as ins-tâncias superiores do Sistema4. Desta feita,

4 Entendemos, assim como Saviani (1999, p.120), que só é possível falar em um único sistema educacional, visto que "o sistema resulta daatividade sistematizada; e a noção sistematizada é aquela que busca intencionalmente realizar determinadas finalidades". Desta feita, utili-zaremos a expressão 'instância superior do Sistema' quando nos referirmos a Secretaria de Educação e seu Departamento de Gestão Demo-crática, como também, ao Conselho Municipal de Educação(CME), em face de essas instâncias manterem uma postura de coordenação dagestão educacional do município, destacando-se por sua acentuada interferência nas decisões políticas, em detrimento do caráter periféricoque os conselhos escolares desempenham suas funções.

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pretendemos analisar o contexto em que oscolegiados evocam sua palavra e de queforma suas proposições se incorporam aodiscurso do Sistema.

Temos como referência para nossas obser-vações, a acepção de que o processo dedemocratização da gestão educacional devetranscender as ações que expressam adesconcentração da Gestão. Assim, oideário de gestão democrática que estamosenfatizando, pressupõe a construção deacordos à luz da diversidade de pontos devista dos membros das instâncias de parti-cipação. Isto significa que a atuação doscolegiados precisa ir além do espectroterritorial da escola na perspectiva de queos consensos de seus partícipes interfiramno plano das proposições de políticas noâmbito do Sistema.

Nesse raciocínio, fica posto que o papel aser desempenhado pelos colegiados, ne-cessariamente, deve está atrelado a umavivência da autonomia na escola, sobretu-do de discutir os aspectos peculiares à suaprópria realidade social, sempre á luz domarco legal vigente, porém, jamais subal-terna ao que as instâncias superiores doSistema impõe, como conseqüência desuas concepções particulares, a respeitodo que dispõe as orientações legais.

Propomos, então, como hipótese de estu-do, que os Conselhos Escolares atuam nonível de instância colaboradora com adesconcentração da gestão, todavia, ain-da não intervém autonomamente nas de-cisões políticas do Sistema, uma vez que

não estão ativamente inseridos em comis-sões regionais para encontros sistemáticoscom as instâncias superiores do Sistema,onde deveria ser este o espaço de proposi-ção de políticas e construção de consen-sos a partir dos diversos pontos de vistasevocados por seus partícipes.

Em nosso entendimento, é imperativo con-siderarmos a representação dos conselhosescolares como sujeitos políticos e pres-supormos suas intervenções para além doslimites da escola e do limite do diálogo arespeito de algo sempre já estabelecido.Nesse contexto, ao assumir o papel de agen-tes políticos, os Conselhos Escolares sãochamados a sacrificar seus interesses ime-diatos e corporativistas e a não se limita-rem a apresentar projetos alternativos, masa se apresentarem como projetos vivos econfiáveis de uma gestão educacional co-participativa.

Em se tratando do processo de conquistada autonomia no âmbito da relação da es-cola com as instâncias superiores do Sis-tema, cabe evidenciar que o respaldo donovo marco legal assinala para a possibi-lidade de uma crescente descentralizaçãodas decisões ao indicar que

Os sistemas de ensino assegura-rão as unidades escolares públicasde educação básica que os inte-gram, progressivos graus de au-tonomia pedagógica e administra-tiva e de gestão financeira, ob-servada as normas gerais de direi-to financeiro público (Art. 15 -LDB/96).

Uma vez já tendo sido instituído a forma

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colegiada como mecanismo de democra-tização da gestão escolar, conforme odisposto no Artigo 14 da LDB- 96, pode-se afirmar que cabe de fato aos Conse-lhos Escolares a materialização dos prin-cípios inerentes ao regime democrático,na perspectiva da conquista da autono-mia da escola - algo que indubitavelmentepautar-se-á pela via do dissenso, sobre-tudo, em relação ao embate às posturasde administração que procuram resistirà democracia, se apoiando nas velhaspráticas de centralização das decisões nafigura do diretor (PARO, 2003, p.11)5.

A relevância do papel a ser desempenha-do pelos colegiados pode ser sublinha-da por ser uma possibilidade real de seassegurar - ao longo dos estágios daproposição, execução e fiscalização dasações desenvolvidas na escola - a inter-venção dos diversos representantes dacomunidade escolar e também da comu-nidade circunvizinha à escola.

Esse fato por si só já constitui um passoadiante na reconstrução da democraciano contexto da rotina gestionária da es-cola pública brasileira. Entretanto, é pre-ciso que cada conselheiro reconheça oque de fato deve nortear sua posturacomo membro de uma instânciacolegiada. Para sermos mais enfáticos,podemos dizer que cada membro docolegiado deve entender-se como sobe-rano - e não se trata de uma soberania

que se faz à luz da imposição de suaspaixões. Ser soberano, enquanto indivíduoco-responsável pela decisão assinada pelocoletivo, significa que suas convicçõesprecisam ser evocadas, independentemen-te de serem conciliatórias ou contrapostasaos demais indivíduos do grupo.

A partir desse entendimento, é possívelcompreender que a atuação de indivíduos,na perspectiva de exercício da soberania e,quando necessário, da postura contes-tatória nas suas relações com o Sistema,deve está atrelada a um ideal de formaçãohumana com o foco no reconhecimento deque a intervenção no espaço público é aúnica via que conduz a uma racionalizaçãomais justa quanto à aplicação dos recursospúblicos.

Isso significa dizer que a participação docidadão - com o foco na transformação darealidade sócio-econômica vigente - pres-supõe a aquisição de conhecimentos quesubsidiem os indivíduos a conscientizaçãode que a melhoria do seu entorno, bem comode toda a coletividade, não deve ser conce-bida como concessão das autoridades eórgãos centrais.

A autonomia a ser conquistada por cadaindivíduo e que servirá de pressupostopara a atuação autônoma dos colegiados,requer um movimento de construção deconhecimentos inerentes à vivência demo-crática. Nesse entorno, o exercício do po-

5 O que nós temos hoje é um sistema hierárquico que pretensamente coloca o poder nas mãos do diretor. Esse diretor, por um lado, éconsiderado a autoridade máxima no interior da escola, e isso, pretensamente, lhe daria um grande poder e autonomia, mas, por outrolado, ele acaba se constituindo, de fato, em virtude de sua condição de responsável último pelo cumprimento da lei e da ordem na escola,em mero preposto do Estado (PARO, 2003, p.11).

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der é analisado pelo cidadão, durante oseu processo de formação, como condi-ção primária para o reconhecimento de queos interesses das elites são defendidos emtodas as frentes por seus intelectuais.

Assim, é preciso aprender que a democra-cia exige o cumprimento de regras claras ede validade comum a todos os segmentossociais, independente da classe social a queestiver vinculado. O aprendizado sobre avida democrática exige de cada educando acapacidade de empatizar com a causa pú-blica - de assumir os riscos da decisão emcolegiado e, com maior relevo, oportunizara diversidade de pontos de vista, rejeitan-do toda e qualquer forma de manipulaçãopara a instauração de consensos unânimes,uma vez que as decisões em grupo pressu-põem divergências entre os partícipes,como também, a capacidade de cada indiví-duo de compreender qual posição expres-sa o verdadeiro consenso, como forma defazer valer o desejo da maioria. A esse res-peito Moacir Gadotti, em sua obra Auto-nomia da Escola princípios e propostas,explica que...

A instituição de coletivos nas es-colas apresenta-se dialeticamen-te, como uma instância media-dora que é, ao mesmo tempo ummecanismo de absorção das ten-sões e dos conflitos de interessese um instrumento potencial deinovação e transformação, namedida em que abre espaço para aexplicitação daquelas tensões econflitos represados, camufladosou inibidos (GADOTTI, 1997, p.29).

Portanto, ao conceber o Conselho Escolarcomo instância imprescindível para a con-

quista da autonomia no interior da escolae na relação desta com as demais instânciasdo Sistema de Ensino, tem-se a idéia de quea participação da comunidade na gestãoescolar constitui substancialmente a al-ternativa ao autoritarismo que se mantémarraigado fortemente à postura gestionáriaassumida quando se trata das relaçõesentre as instâncias periféricas e as instân-cias superiores do Sistema.

O que se observa é que o discursoda participação, quer entre polí-ticos e administradores da cúpulado sistema do ensino, quer entreo pessoal escolar e a direção, estámuito marcado por uma concep-ção de participação fortementeatrelada ao momento da execu-ção. Esses indivíduos, pertencen-tes aos diferentes segmentos dosistema educacional, querem aparticipação da comunidade emtudo, mas, quando se trata de par-ticipar nas decisões, não aceita.(PARO, 2003, p.50).

O fato é que quando se discute as regrasque controlam o jogo numa sociedade de-mocrática, se reconhece a condição de que

os próprios legisladores estão sub-metidos às normas vinculatórias.Um ordenamento deste gêneroapenas é possível se aqueles queexercem poderes em todos os ní-veis puderem ser controlados emúltima instância pelos possuido-res originários do poder funda-mental, os indivíduos singulares(BOBBIO, 1986, p .13).

Isto significa dizer que a discussão do pro-cesso de democratização pretende semprea reafirmação de que participar do proces-so de decisão na administração pública re-quer muito mais do que o exercício da cida-

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dania restrito a escolha dos representan-tes através do sufrágio universal. Na rea-lidade, pretende-se a defesa do sentido departicipação que "busca construircomunicativamente o consenso pelo diálo-go com todos os envolvidos, e não apenascom aqueles que pensam como nós"(GUTIÉRREZ; CATANI, 2003, p.74).

Sendo assim, a discussão sobre o sentidoda atuação das instâncias de participaçãono Sistema se insere numa perspectiva deintervenção mais ampla, onde o fluxo dopoder imposto autoritariamente na direçãodescendente (quer dizer, desce do alto parabaixo) precisa ser posto em situação deembate, onde se procura pôr em evidênciaa possibilidade crescente do exercício dopoder no espaço público em direção ascen-dente (quer dizer que vai de baixo para cima).

Ocorre que numa sociedade como a brasi-leira, marcada por um histórico de relaçõesheterônomas entre suas classes, fato quese observa ainda com maior evidência naprecária intervenção popular no que dizrespeito às decisões políticas tomadas nasinstâncias superiores dos sistemas queformam a estrutura de controle do poderpúblico, os indivíduos acabam integrandoos grupos não como soberanos, mas comosubalternos, destaca-se ainda o fato de queaqueles que ocupam cargos de liderançanas instâncias centrais procuram defender,sempre que possível, o exercício do poderna direção descendente nas suas relaçõescom as instâncias pertencentes às extremi-dades do organograma do Sistema.

Desta feita, a democratização da gestãoeducacional não poderia se pautar por ou-tra premissa, como prioridade de seus prin-cípios, se não o do trabalho enfático nadefesa da direção ascendente do exercíciodo poder, onde os indivíduos possam sen-tir-se responsáveis pela proposição, nãoapenas pela execução de ações; pela práti-ca do dissenso como expressão de sua ma-turidade e compromisso político com asdecisões em prol do coletivo, não apenasassevera consensos construídos numa sub-divisão do grupo que exerce uma sobera-nia à revelia do que pressupõe o regimedemocrático.

A defesa do poder no sentido ascendentepressupõe não somente o direito aodissenso dos partícipes das instânciascolegiadas, mas, sobretudo, o consensoconstruído a partir desses dissentâneos.Como afirma Alberoni (apud BOBBIO,1996, p.62), o regime que mantém o con-senso unânime fictício, como a expressãoda vontade de todos, pode ser consideradoregimes de democracia totalitária "(...) Aoinvés de deixarem aos que pensam diver-samente o direito de oposição, queremreeducá-los para que se tornem súditos fiéis".

Nesse contexto, inerente ao discurso dademocracia está à compreensão de que asescolas são locais contraditórios; elas re-produzem a sociedade mais ampla, enquan-to, ao mesmo tempo contêm espaço pararesistir a sua lógica de dominação. Esseespaço de resistência à dominação consis-te em uma ação, por parte dos sujeitos queao participarem das questões que dizem

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respeito aos interesses de sua comunidadeescolar, passam a desenvolver um discur-so, em que a linguagem da crítica e a lin-guagem da possibilidade constituem o eixocentral de todas as iniciativas que pleitei-am a melhoria da qualidade dos serviçospúblicos prestados pela escola.

As linguagens da crítica e da possibilidadesão propriedades inerentes ao papel de-sempenhado pelos Conselhos Escolares.No cumprimento de suas atribuições, cadacolegiado deve decidir sobre questões queexigem um posicionamento crítico no sen-tido de perceber o implícito; como também,de alertar-se para as intenções ocultas dosdiscursos que emanam das instâncias su-periores, exigindo dos membros doColegiado a capacidade de dialogar comseus pares e elaborar estratégias que pos-sam facilitar o acordo, sempre na perspecti-va de propor soluções em benefício dos queconfiaram a esses representantes o poderde decidirem em seus nomes.

Isto significa apenas admitirmos como pos-sibilidade de atitude prol democratizaçãoda gestão educacional, aquela voltada: a)para a defesa inconteste dos direitos igua-litários entre os segmentos da escola; b)para o exercício do dissenso, sempre quesuas convicções lhes certificarem de umaleitura diferente dos fatos; c) para a exigên-cia do cumprimento das incumbências dopoder público; d) para a participação docolegiado, respaldado na ética e na autori-dade para contestar posturas autoritárias.No que se refere às possibilidades, os Con-selhos Escolares devem partir da premissa

de que é preciso resistir e atuar numa pos-tura de embate à lógica de dominação emque historicamente foi circunscrita a esco-la. Para isso, a persistência pelamaterialização dos princípios do regimedemocrático deve constituir o principalsustentáculo ao exercício de suas atribui-ções.

Dentre as possibilidades que podemos re-conhecer como decorrentes do processo deredemocratização das instâncias públicasbrasileiras, referentes ao contexto educaci-onal - notavelmente marcado pelas campa-nhas protagonizadas pelos educadores nosanos 1980 - têm como pressuposto para suamaterialização, a instituição dos ConselhosEscolares, bem como sua efetiva atuação,militando em favor da melhoria do ensinopúblico, através da coordenação de proces-sos substanciais, como:

I - A eleição direta para diretor escolar;

II - A elaboração do Projeto Político-Pedagógico sob a exigência de que sejaconstruído à luz dos reais interesses daescola e com a participação de suascomunidades escolar e local;

III - A instituição, em diplomas legais,das condições objetivas para a con-quista da autonomia da escola;

IV - O reconhecimento dos ConselhosEscolares como mecanismo de democra-tização da gestão escolar.

Ressalta-se esses elementos, acima relaci-

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onados, como possibilidades no plano dadiscussão sobre as estratégias para demo-cratizar a gestão escolar e, sobretudo, a re-lação da escola com as demais instânciasdo Sistema, em face de se trata dos impera-tivos indispensáveis para a mudança doparadigma da gestão escolar sob o crivodo autoritarismo para o paradigma da ges-tão colegiada.

É sempre possível percebermos os impera-tivos inerentes ao modelo de gestão quepressupõe a decisão partilhada relacionan-do-se estreitamente com o papel a ser de-senvolvido pelos Conselhos Escolares, umavez que ao asseverarmos essa relação,estamos colocando em maior relevo as pos-sibilidades de uma gestão educacional pau-tada no reconhecimento da autonomia daescola em decidir sobre suas metas e açõesa serem alcançadas.

Isto na verdade significa reconhecer queos sujeitos sociais envolvidos com a esco-la e com assento no colegiado terão res-guardado o direito de elaborar o ProjetoPolítico-Pedagógico da unidade de ensinoem estreito atendimento às suas peculiari-dades, como também, propor um o regimen-to da escola em consonância com as legis-lações vigentes e com as exigências subs-tantivas de sua comunidade, além de goza-rem de liberdade para decidirem sobre oorçamento financeiro da escola.

A questão financeira é muito importante nadiscussão do processo de democratizaçãoda gestão educacional e deve ser discuti-da, sobretudo, no campo do discurso das

possibilidades, onde a autonomia financei-ra exercida de forma responsável pelos seg-mentos partícipes dos conselhosDeliberativo e Fiscal do Colegiado podevislumbrar a viabilidade de projetos impor-tantes para a escola.

Essa é uma discussão que nos remete a lei-tura do que de fato tem se materializado, nocontexto das unidades de ensino, daquiloque se pressupõe como autonomia finan-ceira dos Conselhos Escolares para decidi-rem sobre os recursos financeiros que fi-cam sob suas responsabilidades, como tam-bém, de participarem da proposição dasprioridades orçamentárias estabelecidasnas instâncias de centro do Sistema.

A esse respeito, se torna extremante rele-vante a análise das circunstâncias que en-volvem o exercício das funções dos Con-selhos Escolares, com ênfase nas condiçõessob as quais esses colegiados elencamsuas prioridades de aplicação dos recur-sos financeiros e como suas decisões sãotratadas no plano da relação com as instân-cias mais elevadas na hierarquia da organi-zação institucional do Sistema Municipalde Educação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Podemos asseverar que a análise da impor-tância das instâncias de participação parao processo de democratização da gestãoeducacional perpassa pelos imperativosque verdadeiramente ditam as regras dojogo quando se trata da relação entre osConselhos Escolares e as instâncias superi-

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ores do Sistema com as quais essescolegiados estão vinculados. Dentre os ele-mentos observáveis dessa relação, fatal-mente se inclui o respeito à autonomia dosConselhos no momento de decidirem sobreas prioridades da escola no paralelo com oque é "permitido pelas instâncias superi-ores".

É bem verdade que se temos a intenção deabordar esse assunto, utilizando-se tantolinguagem da crítica, mas também do reco-nhecimento das possibilidades, precisamospontuar a qualidade da relação dos Conse-lhos Escolares com o Sistema como o fiocondutor de nossa análise.

Nesse sentido, o que mais nos instiga écompreendermos que elementos são man-tidos na fronteira entre a escola e as instân-cias superiores e que podem ser reconheci-dos como empecilhos à democratização, nocontraponto com a simples taxação de queo desinteresse pela participação na escolaé quase que o único elemento que impede aimplementação dos princípios da gestãoescolar democrática.

No que se refere às discussões de cunhoadministrativo e pedagógico, mediadas pe-los Conselhos Escolares, nosso interesserecai sobre os encaminhamentos que sãodados as suas deliberações, como também,quais considerações podem ser feitas acer-ca da interferência das demais instânciasdo Sistema na sua implementação, tais ob-servações são dignas de análises acadêmi-cas voltadas para a contribuição com o pro-

cesso de democratização da gestão educa-cional brasileira.

É evidente que a observação dos proces-sos pedagógicos desenvolvidos na escolanos conduzem inexoravelmente à análisedas condições em que cada unidade de en-sino elabora seu Projeto Político-Pedagó-gico. E mais, quais ações implementadasrefletem a autonomia da comunidade esco-lar, como também, quais os possíveis limi-tes impostos pelo Sistema, quanto às açõeselencadas no conjunto dos segmentos daescola.

Assim, defendemos uma acepção de auto-nomia dos colegiados que só se sustentana inter-relação com o conjunto dos seg-mentos sociais envolvidos com o proces-so educacional. Não se trata de uma con-cepção de ação autônoma onde vê a auto-nomia como independência, isolamento;onde o sujeito assume o completo poder /controle em completa oposição ao poder /controle exercido por outros. Ser autôno-mo implica, desta forma, um corte radical euma ausência total de qualquer dependên-cia dos outros. Contudo, esta concepçãocorresponde muito pouco ao verdadeirosignificado da autonomia.

Faz-se necessário, então, que sejam esta-belecidos os pressupostos sob os quais oexercício da autonomia pelos colegiadosdeve nortear-se, procurando garantir a in-terferência dos Conselhos na elaboraçãodas políticas educacionais do município enão apenas nas decisões internas da esco-la. Na realidade, defendemos uma atuação

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The paper of the pertaining to school advicein the Municipal System of Education ofRecife

Abstract: The article analyzes the role playedfor the Pertaining to school Advice in theMunicipal System of Education of Recife,considering as preponderant element of the studyto the questions that happen in the exercise ofthe autonomy of these collegiate ones. The textstill instigates the reflection on the importanceof the performance of the Pertaining to schoolAdvice in the relation with the higher stages ofappeal of the System, estimating the necessaryintervention of the set of the instances ofmunicipal participation in the proposal ofeducational politics as guarantee of thedemocratization of the management of theprocesses that involve the System not only andthe pertaining to school management.

Keywords: Pertaining to school Advice;Instances of participation; Autonomy; System ofEducation.

El papel de los consejos escolares en el sis-tema municipal de educación de Recife

Resumen: El artículo analiza el papeldesempeñado por los Consejos Escolares en elSistema Municipal de Educación de Recife, con-siderando como elemento preponderante deestudio las cuestiones que inciden en el ejerciciode la autonomía de esos colegiados. El textoademás provoca la reflexión sobre la importanciade la actuación de los Consejos Escolares en larelación con las instancias superiores del siste-

Artigo recebido em: 01/05/2006.Aprovado para publicação em: 19/12/2006.

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ma, presuponiendo la necesaria intervención delconjunto de las instancias de participación mu-nicipal en la proposición de políticaseducacionales como garantía de lademocratización de la gestión de los procesosque envuelven al Sistema y no sólo a la gestiónescolar.

Palabras-clave: Consejo escolar; Instancias departicipación; Autonomía; Sistema Educativo

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Sobre o autor:

1 Edson Francisco de AndradeMestrando em Educação, Universidade Federal dePernambuco (UFPE).Especialista em Programa-ção do Ensino da Língua Portuguesa, UFPE.Pedagogo, UFPE. Professor Substituto da UFPE,Departamento de Psicologia e Orientação Educa-cionais (DPOE).Orientador: Prof. Dr. Alfredo Macedo GomesE-mail: [email protected]

Endereço Postal: Av. Falcão de Lacerda, n. 299, blo-co-B, aptº 2, Tejipió - Recife/PE. Cep 50.930-010.

_______. Lei nº 15.709/92, de 26 de outubrode 1992. Cria os Conselhos Escolares nas escolasmunicipais do Recife. Diário Oficial [da Cidade doRecife], Recife, 1992, p.02-03, 27 out. 1992.

________.Lei nº 16.589/2000. Altera a Lei nº15.709/92 que dispõe sobre os Conselhos Escola-res nas Escolas Municipais.

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Cultura nacional, cultura das organizações escolares e a gestãodemocrática: algumas reflexões

Joyce Mary Adam de Paula e Silva

INTRODUÇÃO

Organizações educacionais, assim comooutros tipos de organizações, têm sidoanalisadas como fenômenos culturais. Se-guindo esta linha de pensamento, algu-mas concepções da dinâmica de criação elegitimação da cultura organizacional e opapel da cultura nacional nesse contextotêm sido objeto de reflexão.

Diferentes concepções de cultura estãopresentes nessa discussão. Para Lévi-Strauss (1958) toda cultura é linguageme código. De acordo com este autor, a cul-

Resumo: Tomando-se como objeto de análisealguns aspectos presentes na LDB e na políticaeducacional implementada pelo governo do Estadode São Paulo na última década, serão analisadasneste artigo a viabilidade da implementação depropostas de democratização da gestão da escola,contempladas nessas políticas, à luz da culturaescolar e da cultura nacional. O referencial teóricoque orienta as análises deste trabalho, o do estudodas organizações como cultura, tem comopressuposto que as organizações possuem, além deum referencial interno, um referencial mais amploque se relaciona ao universo cultural peculiar àsdiferentes nações para constituição de sua cultura.

Palavras-chave: Cultura Escolar; Gestão daEducação; Política Educacional.

tura provê os grupos e nações com umreferencial que permite ao homem dar umsentido para o mundo em que vive e asuas próprias ações.

A cultura, no entanto, segundo Geertz(1973), não é uma qualidade e nem umpoder que determina o comportamentodos indivíduos,mas sim um sistema derelações e significados que torna inteli-gível e descritível os comportamentos,valores, crenças e princípios dos diferen-tes grupos sociais.

A compreensão de que as organizaçõespossuem, além de um referencial interno,um referencial mais amplo que se relacio-na ao universo cultural peculiar às dife-rentes nações para constituição de suacultura orienta os estudos sobre culturanacional e cultura das organizações.

As organizações educacionais, por suavez, também desenvolvem um cultura pró-pria como resultado de suas relações in-ternas e externas. Como afirma Brunet(1995), as organizações escolares, apesarde estarem situadas num contexto socialmais amplo, criam sua própria cultura que

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expressa os valores, princípios e crençascompartilhados por seus membros e quea caracterizam.

Nesse sentido, embora as escolas desen-volvam sua própria cultura, elas são partede uma cultura maior, a cultura nacional,que fornece referências para a construçãoda cultura organizacional.

Como afirma Motta (1996), para conhecer eentender as organizações nos diferentespaíses é importante conhecer sua culturanacional. Isto significa basicamente conhe-cer as concepções da vida em sociedade,que caracterizam essas culturas.

As organizações escolares se orientam pe-las políticas educacionais elaboradas pe-los órgãos governamentais responsáveispela educação no país, no entanto, obser-va-se que diferentes práticas são adotadaspelas mesmas, dependendo do grau de fle-xibilidade das relações em seu interior.

Além do caráter das relações internas àsorganizações escolares, outro elementoimportante na dinâmica das mesmas é o graude autonomia garantido pelas políticas edu-cacionais. Práticas democráticas oucentralizadoras, bem como a elaboração deregras e normas que vão além do previstona legislação, são reflexos de uma culturainterna que tem como um de seus elemen-tos a cultura nacional.

No caso específico do Brasil, pode-se ob-servar uma prática centralizadora na cons-

trução das estruturas organizacionais epolíticas do país. As organizações escola-res por sua vez e a política educacional têmrefletido essa prática, conferindo a essasorganizações um padrão de comportamen-to centralizador e burocratizado.

Alguns estudos, como os elaborados porFullan (1982) e Hoyle (1986), citados porGlater (1995), destacam como a cultura daescola pode frustrar mudanças e inovações,ao promover uma aceitação aparente de taisinovações e mudanças permanecendo asmesmas práticas de sempre.

Nesse sentido, o estudo exposto no pre-sente artigo pretende estabelecer uma re-lação entre as inovações relativas à ges-tão das escolas propostas na política edu-cacional brasileira, principalmente com aLDB e como estas inovações podem dei-xar de serem implementadas se determina-dos aspectos da cultura nacional prevale-cerem.

Os referenciais teóricos que orientarão asreflexões apresentadas são os relacionadosà compreensão das organizações como cul-tura, cultura esta que tem um forte com-ponente determinado pela cultura nacio-nal. O delineamento da cultura nacionalbrasileira, elemento importante na análisedas organizações no Brasil e em especialdas organizações educacionais terão comoreferenciais estudos sociológicos, históri-cos, antropológicos e filosóficos. O deli-neamento de uma cultura nacional,comvistas à análise de suas conseqüências na

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cultura das organizações pode ter comoreferencial essas diferentes abordagens,pela complementaridade que as mesmasapresentam.

CULTURA DAS ORGANIZAÇÕES NOBRASIL E CULTURA NACIONAL

Os estudos desenvolvidos por algunsautores brasileiros como Marilena Chauí(2001), Roberto Da Matta (1979, 1986,1994) e Raimundo Faoro (1984, 1988) em-bora com abordagens diferentes sãoreferenciais importantes no delineamento deuma cultura brasileira.

A gênese da hierarquia e da centralizaçãono exercício do poder são as questõesmais fundamentais que serão abordadasna constituição da cultura das organiza-ções no Brasil, por serem característicasmarcantes da formação do Estado brasi-leiro, presentes a partir da colonizaçãoportuguesa, como demonstram os estu-dos citados.

O estudo sobre Mito Fundador e Socieda-de Autoritária, realizado por Chauí (2001)é um dos referenciais importantes na com-preensão da cultura brasileira, por trazerelementos que ampliam a compreensãodas linguagens, valores e idéias presen-tes na sociedade.

A concepção de mito, segundo essa au-tora, vai além do sentido grego da pala-vra mythos, da narração pública de feitoslendários, tomando um sentido antropo-

lógico a respeito das soluções imaginá-rias para conflitos e contradições que arealidade não dá conta. Toma um sentidopsicanalítico também, quando significaum impulso à repetição de algo imaginá-rio, que cria um bloqueio à percepçãoda realidade e impede lidar com ela.

A autora usa o sentido de mito fundadorpara explicitar a constante relação dopassado como origem e que se encontrasempre presente.

Diferencia o sentido de formação, adota-do por historiadores, do conceito de fun-dação, destacando que:

(...) as ideologias que necessaria-mente acompanham o movimen-to histórico da formação, alimen-tam-se das representações produ-zidas pela fundação, atualizando-as para adequá-las à nova quadrahistórica. É exatamente por isso,que sob novas roupagens, o mitopode repetir-se indefinidamente(CHAUÍ, 2001, p.10).

Nesse sentido, é que nas representaçõessociais cotidianas e na cultura de um de-terminado grupo social o mito fundadorestaria presente, definindo muito de suascaracterísticas.

Roberto da Matta (1994, p.49), em seutexto "A Obra literária como Etnografia",busca a compreensão de alguns princí-pios estruturais, categorias e normassociais da sociedade brasileira, atravésda obra literária. Afirma que:

Meu postulado implícito era o

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seguinte: se o texto literário 'con-tava uma sociedade, no caso bra-sileiro, no qual eram poucos osestudos especificamente socioló-gicos da sociedade como tal, otexto literário de fato fazia falara sociedade. Neste sentido pro-fundo, a literatura não era, con-forme já disse, simplesmente umaoutra fotografia do sistema, masuma expressão, um meio privile-giado pelo qual a sociedade podiase manifestar. A narrativa, então,poderia ser tomada como a pró-pria sociedade, percebida (lida,entendida, falada, classificada)por meio de um certo código.

Por meio dessa metodologia de análise éque Da Matta (1994) apresenta algumasanálises sobre a cultura brasileira, análi-ses essas que contribuem para a com-preensão da influência desses elementosna construção da cultura das organizações.

Ao citar a frase de Oliveira Vianna "soucapaz de todas as coragens, menos a cora-gem de resistir aos amigos!", Da Matta(1994) destaca a importância de entender-mos a realidade brasileira nos termos darelação entre a lei, escrita e promulgada eos amigos. Com esta argumentação, eviden-cia uma característica importante que é acompreensão das redes de relações pessoaisem contraposição às normas e leisestabelecidas. Nesse sentido, o que preva-leceria nesse contexto seria muito mais asrelações pessoais do que propriamente asregras de um contrato social.

Voltando a falar sobre o mito fundador,relacionado à figura do governante, Chauí(2000, p.86) destaca o modo diferenciadode representação do mesmo, nas diferen-

tes classes:

[...] do lado dos dominantes, eleopera na produção da visão de seudireito natural ao poder e nalegitimação desse pretenso direi-to natural ao poder por meio dasredes de favor e clientela....; dolado dos dominados, ele se reali-za pela via milenarista com a vi-são do governante como salva-dor, e a sacralização- satanizaçãoda política [...] [...] o rei repre-senta Deus e não os governados eos que recebem o favor régio re-presentam o rei e não os súditos.

Essa forma de conceber as relações esta-belece uma estrutura das organizações so-ciais e políticas que não permite a partici-pação dos dominados nem pelo exercíciodo poder e nem pela representação. A tutelae o favor são as principais formas de poder,fato que se manifesta historicamente noBrasil, através do populismo, uma dasprincipais formas de exercício do poder po-lítico.

Transferindo a idéia do mito fundadorpara as organizações sociais, teríamoscomo uma das características principais,a ausência de participação dos envolvi-dos no processo, uma forte centralizaçãodo poder, hierarquização das relações econtrole estrito das informações. Os ní-veis hierarquicamente superiores é quetêm as informações, o saber e o significa-do da lei, podendo tutelar os desprovi-dos desse conhecimento.

Tais características estão fortemente pre-sentes na estrutura da sociedade brasi-leira, embora Faoro (MENDONÇA, 2000)

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destaque as peculiaridades das organi-zações burocráticas no Brasil, chamando-a de burocracia estamental, em suas ori-gens, devido principalmente ao desenvol-vimento de um estado patrimonialista:

O patrimonialismo, organizaçãopolítica básica, fecha-se sobre sipróprio com o estamento, de ca-ráter marcadamente burocrático.Burocracia não no sentido mo-derno, como aparelhamento ra-cional, mas de apropriação docargo - o cargo encarregado depoder próprio, articulado com opríncipe, sem a anulação da esfe-ra própria de competência (MENDONÇA, 2000, p.59).

Faoro, em obras como "Os donos do Po-der" (1984) e "A pirâmide e o trapézio"(1988), traz elementos fundamentais paraa compreensão da estrutura político so-cial brasileira e por conseqüência da cul-tura que permeia as instituições. Destacao caráter patrimonialista e o caráter deestamento da burocracia brasileira.

Descrevendo os traços da organizaçãoadministrativa, social, econômica e finan-ceira da colônia, Faoro (1984) apresenta acaracterística centralizadora da organiza-ção da colônia, destacando o papel doestamento burocrático que se forma, paragarantir essa centralização e o poderio dorei. Comenta que o funcionário é o outroeu do rei:

Um cronista do início do séculoXVII já define em termos de dou-trina, a projeção do soberano noseu agente: 'os amigos do rei, seusviso-reis e governadores e maisministros hão de ser outro ele,hão de administrar, governar e

despender como o mesmo rei ofizera, que isto é ser verdadeiroamigo (FAORO, 1984 p.171).

Tais aspectos reforçam a idéia da consti-tuição de uma malha de relações onde oEstado se impõe, desarticulando a socie-dade como um todo, mantendo-a na con-dição de desinformada, tendo o monopó-lio do exercício concreto do poder. Comoafirma Schwartzman (MENDONÇA, 2000,p.56):

(...) os padrões de relacionamen-to entre Estado e sociedade, queno Brasil tem se caracterizado,através dos séculos, por uma bu-rocracia estatal, pesada, todo-po-derosa, mas ineficiente e poucoágil, e uma sociedade acovarda-da, submetida mas, por isso mes-mo, fugidia e freqüentemente re-belde.

Nesse sentido, as relações que se proces-sam, passam do campo do envolvimento eda cidadania para o campo do reivin-dicatório, onde Estado e Sociedade sãoinstâncias totalmente divorciadas.

Tocqueville (1998, p.75) observa que:

(...) nas nações em que reina odogma da soberania do povo, cadaindivíduo constitui uma porçãoigual do soberano e participaigualmente do Estado. Portanto,cada indivíduo é tido como tãoesclarecido, tão virtuoso, tão for-te quanto qualquer outro de seussemelhantes.

A centralização e a ordem patrimonial,ao contrário, somente contribuem parao estabelecimento de relações de depen-dência, que são eficientes para o contro-le, mas não para o exercício da cidadania

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e avanço social. Tocqueville (1998, p.99)observa ainda que:

A centralização administrativa, éverdade, consegue reunir em de-terminada época e em certo lugartodas as forças disponíveis danação, mas é nociva à reprodu-ção das forças. Ela a faz triunfarno dia do combate, mas diminuicom o correr do tempo sua po-tência. Portanto pode contribuiradmiravelmente para a grandezapassageira de um homem, masnão para a prosperidade duradou-ra de um povo.

Historicamente, a estrutura patrimonialbrasileira, ressalta a centralização gover-namental e a desintegração dos núcleoslocais e provinciais conferindo à funçãopública um patriciado administrativo fielao rei, cujo compromisso se dá emrelação a este último e não à sociedade(FAORO, 1984). Nesse sentido, a "buro-cracia", formalmente, toma um aspectoimpessoal, mas as relações cotidianas,se revestem muito mais de um caráterpessoal, de favores e de amizades. As-sim, as leis ficam condicionadas a essasformas de interação, constituindo-se noque Roberto Da Matta (1994, p.139) defi-ne como a diferença entre a casa e a rua:

Tudo isso nos leva a entendermelhor os mesquinhos rituais defuga da isonomia política, comoo 'sabe com quem está falando?!'e o 'jeitinho, que são formas bra-sileiras de 'corromper' e - eis oponto que não é percebido - derelacionar a letra dura (porque es-crita, fixa, universal, automáticae anônima) da lei com as gradaçõese posições hierarquicamente di-ferenciadas que cada 'conhecido'ocupa numa rede socialmente de-terminada de relações pessoais.

Todos os aspectos aqui levantados, au-xiliam na compreensão da cultura quepermeia as organizações sociais no Bra-sil, sendo que as organizações educacio-nais não ficam fora desse processo.

Algumas características que têm sidoapontadas por diferentes autores (PARO,1998; OLIVEIRA; DUARTE, 2003;ADRIÃO; CAMARGO, 2001; MENDON-ÇA, 2000, 2001), a respeito das estru-turas gest ionárias da educação noBrasil, são :

excessivo grau de centralização ad-ministrativa e monopólio de infor-mações;

rigidez hierárquica e excessiva bu-rocracia;

supervalorização das estruturasintermediárias de gestão em detri-mento da autonomia das escolas;

separação entre o planejamento ea execução;

alijamento da comunidade e paisno processo decisório da escola.

O mito fundador, já citado, que caracteri-za o processo participativo e decisório eas relações Estado e Sociedade, tambémnas organizações educacionais está pre-sente. De um lado, a excessiva centrali-zação e monopólio de informações queestão presentes nas diferentes camadasda estrutura decisória no sistema edu-cacional dificultam tanto a autonomia daescola quanto a participação dos envol-

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vidos diretamente no processo educativo.É comum o comportamento, nas escolas,de cerceamento de autonomia seja pe-dagógica ou administrativa, justificadapela interpretação legal equivocada oupela autoridade exercida dentro dos pa-drões das relações pessoais e declientelismos. De outro lado, encontra-se uma massa amorfa dentro da escolaque espera que as receitas venham pron-tas, ora sacralizando ora satanizandoo Estado, como afirmou Chauí (2001).Para exercer a autonomia, é preciso queos participantes se sintam co-responsá-veis pelo processo e não simplesmenteexecutores.

Paro (1998, p.11) ilustra bem essa situa-ção ao discutir a figura do diretor deescola, com as seguintes palavras:

O que nos temos hoje é um siste-ma hierárquico que pretensa-mente coloca todo o poder nasmãos do diretor. Não é possívelfalar das estratégias para se trans-formar o sistema de autoridadeno interior da escola, em direçãoa uma efetiva participação de seusdiversos setores, sem levar emconta a dupla contradição quevive o diretor de escola hoje. Essediretor, por um lado, é conside-rado a autoridade máxima no in-terior da escola, e isso,pretensamente, lhe daria um gran-de poder e autonomia; mas, poroutro lado, ele acaba se constitu-indo, de fato, em virtude de suacondição de responsável últimopelo cumprimento da Lei e daOrdem na escola, em meropreposto do Estado.

O peso da cultura centralizadora auxiliano imobilismo das escolas, seja como

forma de resistência, seja como forma deausência. Como forma de resistência, en-contra-se a oposição sistemática de gru-pos que defendem maior participação noprocesso decisório e que não aceitammudanças governamentais propostas,mesmo que elas se constituam em peque-nos avanços nesse processo. Como for-ma de ausência encontra-se os que con-sideram não ser sua tarefa o pensar e de-cidir sobre o processo educativo e admi-nistrativo da educação e esperam que osórgãos governamentais tomem as deci-sões por esse grupo.

Partindo-se desse referencial aqui des-crito é que o artigo propõe uma reflexãosobre as inovações em termos de demo-cratização da organização da escola,trazidas pela política educacional da últi-ma década e a possibilidade de tais ino-vações serem implementadas.

POLÍTICA EDUCACIONAL E GESTÃODA ESCOLA NA ÚLTIMA DÉCADA:PRINCIPAIS INOVAÇÕES

Tomando-se como referência principal aultima LDB e a política implementadapelo governo do Estado de São Paulona última década, serão analisadas aquias principais inovações em termos degestão da educação e da escola, contem-pladas nessas políticas, à luz das carac-terísticas das organizações sociais e dacultura nacional, no Brasil.

Os períodos que antecederam a promul-

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gação da Constituição de 1988 e da LDBde 1996, foram períodos de grande movi-mentação social, no sentido de democrati-zação do Estado e de maior participaçãopopular, através das diferentes entidadesprofissionais, partidos políticos etc. Ocaráter centralizador, autoritário epatrimonialista presente na cultura dasorganizações sociais e políticas no Brasil,se acirrou com o regime militar, afastandoa maioria da população dos processosdecisórios, fato que gerou reações, nosentido de uma retomada da publicizaçãodo estado.

As reivindicações dos setores democrá-ticos organizados, vinham no sentido dereivindicar reformas no funcionamentodo Estado, de maneira a assegurar a re-presentação da sociedade civil organiza-da em conselhos que garantissem, alémda participação dos setores sociais naelaboração das políticas, também maiorfiscalização e controle da ação do Estado( ADRIÃO; CAMARGO, 2001).

No setor da educação, estes mesmosanseios da sociedade como um todo esti-veram presentes na elaboração da LDBde 1996, onde a pressão de organizaçõessociais por uma democratização da ges-tão da educação foi bastante forte.

O modelo gestionário centralizado,hierarquizado e fortemente influenciado poruma cultura patrimonialista, que caracteri-zou a constituição do estado brasileiro,dificulta, no entanto, a implementação de

novas formas de organização das estrutu-ras de poder nos sistemas educacionais enas escolas. Não basta estar no texto da lei,é necessário que os implementadores este-jam imbuídos dos princípios de democrati-zação para que as inovações sejamintroduzidas. Como já afirmado anteriormen-te, esse modelo tradicional, não permite, porum lado, a participação efetiva dos envol-vidos no processo educativo e por outrolado, a população, não tendo bem claro seusdireitos de cidadania, não se sentindo ca-paz de fazer parte do processo decisório,se ausenta e se exime desse direito.

A seguir, serão destacados alguns prin-cípios presentes, tanto na LDB de 1996,como na legislação da educação que foiimplantada no Estado de São Paulo naúltima década, que caminham na direçãode uma gestão democrática e que no coti-diano dos sistemas educacionais e esco-las ainda não foram implementados defato.

A LDB, promulgada em 1996, traz em seutexto muito dos princípios da gestão de-mocrática do ensino, reivindicações pre-sentes durante muito tempo na luta pordemocratização da gestão da educação.Ressalvado o aspecto da tomada do dis-curso democrático por forças conserva-doras, como forma de controle das forçasprogressistas, não se pode negar algunsavanços incorporados à legislação.

No artigo 14 está estabelecido que ossistemas de ensino definirão normas de

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gestão democrática do ensino público,conforme os seguintes princípios:

Participação dos profissionais daeducação na elaboração do projetopedagógico da escola;

Participação das comunidades es-colar e local em conselhos escolaresou equivalentes.

Tais princípios trazem algumas inovaçõesna concepção da gestão do processo deensino. Em primeiro lugar, um maiorenvolvimento dos que executam o proces-so educacional com seu planejamento, tra-ta-se de uma inovação no sentido de quepressupõe a superação da separação entreelaboração e execução, princípio tayloristaque permeou as concepções de políticaeducacional no Brasil até então. Em segun-do lugar o estabelecimento da participa-ção da comunidade escolar e local, atravésde organismos formais como os Conselhosde Escola.

O artigo 12 da LDB também apresenta umainovação na direção da gestão democráti-ca, na medida em que dá às escolas maiorautonomia, estabelecendo que cabe a es-tas a elaboração e execução de sua propos-ta pedagógica.

A legislação da educação no Estado de SãoPaulo, na última década, também avança nosentido de estabelecer como princípio agestão democrática da educação. Os arti-gos 7º e 9º das Normas Regimentais

Básicas das Escolas de 1998, estabelecidaspelo Governo do Estado de São Paulo, queserviu de base para que as escolas estadu-ais elaborassem seus regimentos escolaresestabelece que:

Artigo 7º - A gestão democráti-ca tem por finalidade possibili-tar à escola maior grau de auto-nomia, de forma a garantir opluralismo de idéias e de con-cepções pedagógicas, asseguran-do o padrão adequado de quali-dade do ensino ministrado.

Artigo 9º - Para melhor conse-cução de sua finalidade, a ges-tão democrática na escola far-se-á mediante a: I - participa-ção dos profissionais da escolana elaboração da proposta pe-dagógica; II - participação dosdiferentes segmentos da comu-nidade escolar -direção, profes-sores, pais, alunos e funcionári-os- nos processos consultivos edecisórios, através do Conselhode Escola e a Associação de Paise Mestres.

Observa-se que o princípio de participaçãotanto dos diretamente envolvidos, comoprofissionais da escola e alunos, como ou-tros setores de apoio no processo pedagó-gico, como pais e comunidade, está presentena legislação. Órgãos como o Conselho deEscola e a Associação de Pais e Mestrestêm sua composição e finalidades defini-das formalmente nas normas e legislaçõesdo Estado de São Paulo.

A composição do Conselho de Escola esua natureza, presente nas Normas Regi-mentais Básicas das Escolas do Estadode São Paulo, no capítulo III, artigo 16,

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estabelece que:

O conselho de escola, articuladoao núcleo de direção, constitui-seem colegiado de natureza consul-tiva e deliberativa, formado porrepresentantes de todos os seg-mentos da comunidade escolar.

As atribuições do Conselho de Escola, en-contram-se definidas na Lei Complemen-tar 444/85, do Estado de São Paulo, queem seu artigo 95, § 5º estabelece que com-pete ao mesmo deliberar sobre:

Diretrizes e metas da unidade es-colar;

Alternativas de solução para osproblemas de natureza adminis-trativa e pedagógica;

Projetos de atendimento psico-pedagógico e material ao aluno;

Programas especiais visando àintegração escola- família-comu-nidade;

Criação e regulamentação das ins-tituições auxiliares da escola;

Prioridades para aplicação de re-cursos da Escola e das institui-ções auxiliares;

As penalidades disciplinares a queestiverem sujeitos os funcionári-os, servidores e alunos da unida-de escolar.

O princípio da autonomia da escola, pre-sente nessa legislação constituiu-se emavanço e inovação no processo gestionáriodo ensino. Dar às escolas a incumbênciada elaboração da proposta pedagógica, bemcomo a gestão dos recursos financeiros,permite às mesmas maior poder decisório,poder este que antes estava ao encargo

das estruturas intermediárias do sistemade ensino.

No artigo 10, do título II das Normas Re-gimentais Básicas das Escolas do Estadode São Paulo fica estabelecido que a au-tonomia da escola, em seus aspectos ad-ministrativos, financeiros e pedagógicosserá assegurada mediante:

Capacidade de cada escola, coleti-vamente, formular, implementare avaliar sua proposta pedagógicae seu plano de gestão;

Constituição e funcionamento doconselho de escola, dos conselhosde classe e série e associação depais e mestres e do grêmio estu-dantil;

Participação da comunidade es-colar, através do conselho de es-cola, nos processos de escolha ouindicação de profissionais para oexercício de funções, respeitadaa legislação vigente;

Administração dos recursos finan-ceiros, através da elaboração,execução e avaliação do respec-tivo plano de aplicação, devida-mente aprovado pelos órgãos ouinstituições escolares competen-tes, obedecida a legislação espe-cífica para gastos e prestação decontas de recursos públicos.

Observa-se que a política educacionalmaterializada na legislação, tanto na LDB,quanto nas normas do ensino no Estadode São Paulo, introduzem certa inovação,que transfere à unidade escolar e aos en-volvidos uma maior autonomia e respon-sabilidade pelo processo pedagógico.Como afirma Libâneo (2004, p.30):

Conforme o ideário neoliberal,colocar a escola como centro das

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políticas, significa liberar boaparte das responsabilidades doEstado, dentro da lógica do mer-cado, deixando às comunidades eàs escolas a iniciativa de plane-jar, organizar e avaliar os servi-ços educacionais. Na perspectivasócio-crítica significa valorizar asações concretas dos profissionaisna escola, decorrentes de sua ini-ciativa, de seus interesses, de suaparticipação, dentro do contex-to sócio-cultural da escola, emfunção do interesse público dosserviços educacionais prestadossem, com isso, desobrigar o Esta-do de suas responsabilidades.

Tomando-se então a perspectiva sócio-crítica, é necessário que o sistema, a es-cola e toda sua comunidade estejampreparados para o exercício dessa au-tonomia, criando uma nova cultura, quecontemple aspectos como: quebra dasconcepções hierárquicas da gestão daescola, permitindo maior participação detodos os envolvidos no processo peda-gógico; incentivo à autonomia pessoale do grupo no sentido de propor inova-ções e fazer avaliações reais do pro-cesso educacional e correções de rumoquando necessário.

Essa nova cultura necessita estar presen-te, no caso das estruturas educacionaisno Estado de São Paulo, desde órgãos daSecretaria Estadual de Educação, passan-do por supervisores de ensino e diretori-as de ensino, até chegar à unidade es-colar. É necessário que as estruturasdo sistema educacional permitam à uni-dade escolar o exercício da autonomiae que as unidades escolares propiciem

à comunidade interna e externa à escolaas condições de participação real.

Confrontando essas inovações propostaspara o sistema educacional e para as insti-tuições escolares com as características dacultura nacional brasileira, já destacadaanteriormente, observa-se que esta nãocontribui para o estabelecimento de umacultura de participação. A hierarquizaçãodas relações, baseada em uma concepçãopatrimonialista, coronelista e de poderpessoal, a excessiva centralização do po-der, e a ausência de uma consciência decidadania dificultam o estabelecimentodessa cultura de participação nas organi-zações educacionais. Por mais que a leicontemple inovações nesse sentido, nãohá terreno fértil para que elas sejamimplementadas, a não ser por meio de umtrabalho constante das lideranças, tantono sentido de esclarecer o conteúdo des-sas inovações quanto no sentido de mu-dança de atitudes.

Como afirma Chauí (2001, p.90),

porque temos o hábito de suporque o autoritarismo é um fenô-meno político que, periodicamen-te, afeta o Estado, tendemos a nãoperceber que é a sociedade brasi-leira que é autoritária e que delaprovém as diversas manifestaçõesdo autoritarismo político.

Tal frase nos remete à reflexão de queo processo de participação e democra-tização das estruturas sociais e em par-ticular no caso do sistema educacional

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depende em grande medida da conside-ração, por parte dos envolvidos nesseprocesso, do quanto as ações são frutodessa cultura estabelecida e das possi-bilidades da mudança do paradigma quea orienta.

Artigo recebido em: 20/07/2006.Aprovado para publicação em: 14/08/2006.

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National culture, culture of the schoolorganization and the democratic manage-ment: some reflections.

Abstract: This paper is a study on educationallegislation regarding the national culture and thecharacteristics of organizations. The innovationsrelated to school organization and schooladministration in the educational policy is theobject of this study and they will be seen underthe light of national culture. The theoreticreferential of this study considers that schoolsshow internal characteristics but they reflect alarger perspective concerning external aspects andthe national culture.

Keywords: School Culture; Educational Adminis-tration; Educational police

Cultura nacional, cultura de la organi-zaciones escolares y la gestión democrá-tica: algunas reflexiones

Resumen: Se toma como objeto de análisisalgunos aspectos presentes en la LDB en la últimadécada. Serán analizadas en este artículo lasprincipales innovaciones en términos de gestiónde la educación de la escuela, contempladas enestas políticas, a la luz de las discusiones sobre lacultura de las organizaciones sociales y de la culturanacional. El referencial teórico que orienta losanálisis de este trabajo, el estudio de lasorganizaciones como cultura, tiene comopresupuesto que las organizaciones poseen, ademásde un referencial interno, un referencial másamplio que se relaciona con el universo culturalpeculiar de las diferentes naciones para laconstitución de su propia cultura.

Palabra clave: Cultura de las OrganizacionesEscolares; Gestión Educativa; Cultura Nacional.

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Sobre a autora:

1Joyce Mary Adam de Paula e SilvaPós-Doutorado, Universidad Complutense deMadrid (UCM) - Espanha. Doutora em Educação.Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)Professora Assistente do Departamento deEducação-I.Biociências, Universidade EstadualPaulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP)- RioClaro.Email: [email protected]

Universidade Estadual Paulista Júlio de MesquitaFilho, Instituto de Biociências de Rio Claro, De-partamento de Educação. Av. 24a, n.1515 -Vice-Diretoria. BELA VISTA, CEP 13506-900 - RioClaro/SP - Brasil

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O professor e sua formação: representações de coordenadorespedagógicos

Renata C. O. Barrichelo Cunha 1

Guilherme do Val Toledo Prado 2

INTRODUÇÃO

A educação continuada de professores,a formação centrada na escola e a açãodo coordenador pedagógico como medi-ador do trabalho docente coletivo sãotemáticas presentes na tese de doutora-mento - Pelas Telas, Pelas Janelas: A Co-

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Resumo: De acordo com a literatura que valorizaa formação de professores no contexto de trabalhoe a produção de conhecimentos a partir dasexperiências docentes, o coordenador pedagógicotem sido apontado como formador de professoresnas escolas. O presente artigo se propõe a discutiras representações que o coordenador tem da açãodo professor e de sua formação, com base nosdados da tese de doutoramento defendida naFaculdade de Educação da Universidade deCampinas. Compreender as representações sociaisdos coordenadores, valorizando as interaçõescomunicativas, permite reconhecer o tipo deformação que é possível estabelecer nos horáriosde trabalho docente coletivo na escola, encontrare confrontar posições, analisar as contradições eevidenciar discussões que apelem à ressignificaçãodas relações e práticas de formação.

Palavras-chaves : Coordenação Pedagógica;Formação centrada na escola;Representaçõessociais.

ordenação Pedagógica e a Formação deProfessores/as nas Escolas - defendidajunto ao Grupo de Estudos e Pesquisasem Educação Continuada (GEPEC), naFaculdade de Educação da UNICAMP.

A tese parte do princípio de que valorizara formação no contexto de trabalho dosprofessores possibilita a legitimação desaberes que orientam práticas e que in-formam teorias, na mesma medida em queas teorias iluminam práticas e orientammudanças.

Existe, atualmente, uma valorização daspráticas de formação continuada3 de pro-fessores, uma vez que o mundo contem-porâneo coloca múltiplos e novos desa-fios aos profissionais. A diversidade,imprevisibilidade e instabilidade da pós-modernidade (SILVA, 2000) repercutem naagenda social, cultural e econômica e anível educativo, valorizando a inovação,autonomia, formação contínua e reflexão,exercício da colegialidade, a investiga-ção-ação, projetos com identidade local,

3 Por formação continuada estamos assumindo a definição de Placco e Silva (2000, p.27), para quem a educação continuada é um “umprocesso complexo e multideterminado, que ganha materialidade em múltiplos espaços/atividades, não se restringindo a cursos e/outreinamentos, e que favorece a apropriação de conhecimentos, estimula a busca de outros saberes e introduz uma fecunda inquietaçãocontínua com o já conhecido, motivando viver a docência em toda a sua imponderabilidade, surpresa, criação e dialética com o novo”.

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currículos alternativos etc. Novas exigên-cias ao saber e ao saber fazer profissio-nais solicitam que os professores "gerem"novos modelos de práticas que envolvama partilha de experiências, dinâmicas re-flexivas e a construção de conhecimentos.

Valorizar a formação centrada na escolaé assumir, de antemão, a convicção deque o professor - e o coordenador - sãosujeitos que fundamentam suas práti-cas numa opção de valores e em idéiasque os ajudam a esclarecer as situações(SACRISTÁN; PÉREZ GÓMEZ, 1998)e que a escola é o lugar onde os profes-sores e coordenadores aprendem a suaprofissão, articulando suas experiências,saberes e idéias (CANÁRIO, 1999).

Essa formação centrada na escola, comênfase na reflexão sobre a prática doprofessor, acontece, preferencialmente,nos horários de trabalho docente coletivo.É justamente essa discussão que inte-ressa ao presente artigo: diante da lite-ratura educacional brasileira (PLACCO,2000, 2002; GUIMARÃES; MATE; BRU-NO, 1998; BRUNO; ALMEIDA;CHRISTOV, 2000; ALMEIDA; PLACCO,2001) que aponta o coordenador peda-gógico como mediador4 e interlocutorprivilegiado entre os professores nas re-flexões sobre suas práticas, atribuindo-lhe a responsabilidade de formador dosprofessores, a questão que se coloca é:

se o coordenador é o responsável poragenciar a formação na escola, qual arepresentação que ele tem da ação doprofessor e de sua formação? Essa inter-rogação revela-se pertinente porque pen-sar a formação continuada na escola supõedesvelar e lidar com a representação queos coordenadores têm dos professores.

A PRODUÇÃO SOBRE O COORDENA-DOR PEDAGÓGICO E A FORMAÇÃONA ESCOLA

A formação continuada-formação em ser-viço - dos professores é compreendida porGarrido (2000) e Christov (1998) como ta-refa principal do coordenador pedagógico.

Com a tarefa de subsidiar e organizar asreflexões dos professores, favorecendo atomada de consciência sobre suas ações,Garrido (2000) destaca que o trabalho doprofessor-coordenador é estimular o pro-cesso de decisão e proposição de alterna-tivas para os problemas da prática medi-ante uma constante atividade reflexiva,propiciando condições para o desenvol-vimento profissional dos professores, quepassam a assumir a autoria de suas práti-cas.

Christov (1998) justifica a necessidadedessa formação como decorrência de umarealidade que se modifica continuamente

4Assumimos a idéia de mediação como definida por Placco (2002, p.95): “a reflexão e os questionamentos do professor quanto à suaprática pedagógica se encontram e se confrontam com os questionamentos e fundamentos teóricos evocados pelo Coordenador Pedagógico-Educacional, num movimento em que ambos se formam e se transformam”. Essa parceria seria traduzida em um processo formativode ambos.

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O professor e sua formação: representações de coordenadores pedagógicos

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e que demanda atualizações mediante areflexão.

Orsolon (2001) reconhece o coordenadorcomo agente de mudanças das práticas dosprofessores com base nas articulações querealiza e na medida em que desvela eexplicita contradições escola-sociedade ereprodução-transformação nas práticasdos mesmos. Em pesquisa anterior(ORSOLON, 2000), a autora pesquisou quaisas ações do coordenador são capazes dedesencadear um processo de mudança naspráticas dos professores. Levantou algu-mas atitudes importantes ao exercício dacoordenação: a) desafiar para a realizaçãode algo diferente, repensando o costumeiromodo de fazer; b) questionar o professor deforma direcionada, isto é, através de per-guntas que permitam passar do nível des-critivo ao nível interpretativo, transformandoos confrontos em potenciais de reconstru-ção, dando sentido ao que se observou eao que depois se define como objetivo aprosseguir; c) estabelecer uma atitude deparceria para fazer e refletir na e sobre aação; d) demonstrar atitude de respeitofrente ao modo de trabalhar do professor,levando em conta seu conhecimento prá-tico, bem como suas dificuldades e facili-dades.

Valorizando também o exercício da reflexãono grupo de professores, Clementi (2001)argumenta que o apoio do coordenadoroportuniza o amadurecimento das intuições,possibilitando a superação de algumascontradições entre o que os professores

pensam, planejam e as respostas que rece-bem de seus alunos.

A pesquisa de Garcia (1995), contudo,explicita que a atribuição do coordenadorpedagógico como agente desencadeador deum processo de formação contínua dosprofessores no interior das escolas é re-cente, sofrendo ainda com um modelo deformação dos próprios coordenadores, quepressupõem que os professores já estejamdevidamente educados e formados e quepossam executar as suas atividades docen-tes para as quais já deveriam estar prepara-dos. Mesmo admitindo que a realidade so-fre transformações permanentes e que épreciso revê-la continuamente para atuarcom mais propriedade e que estudar é algoque faz parte da profissão docente, muitoscoordenadores ficam desapontados aoconstatar que os professores têm uma for-mação inconclusa, parcial, provisória. A ex-pectativa recíproca, dos professores paracom os coordenadores é, inversamente,proporcional: os professores esperam queos coordenadores saibam mais, melhor enão cometam falhas, pois são os "especia-listas" da escola e deveriam ter as respos-tas prontas para todos os problemas que ocotidiano apresenta.

Espera-se, portanto, que o coordenador sejaum mediador entre os professores, promo-vendo reflexões sobre a prática, alimentan-do-os com subsídios teóricos, garantindo otrabalho docente coletivo, oportunizandouma formação centrada na escola eapromoção de mudanças.

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Renata C. O. Barrichelo Cunhaa - Guilherme do Val Toledo Prado

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A PESQUISA COM AS COORDENADO-RAS

A pesquisa de doutoramento orientou-sepor um conjunto de questões, dentre asquais se destaca: qual a representaçãoque os coordenadores têm da ação doprofessor e de sua formação?

Para responder a essa pergunta a pesqui-sa dialogou com cinqüenta coordenado-res pedagógicos, no contexto de três gru-pos que se reuniram quinzenalmente du-rante um semestre para discutir a forma-ção de professores e a ação do coorde-nador pedagógico5. Os encontros foramregistrados por escrito e audiogravados,compondo dados relativos a registros es-critos pessoais da pesquisadora, regis-tros escritos das coordenadoras, avalia-ções escritas finais e "falas" audiogra-vadas.

O olhar que dirige as interações entre co-ordenadores e professores e que defineo tipo de formação que é possível esta-belecer nos horários de trabalho docentecoletivo na escola será analisado com oapoio da teoria das Representações Soci-ais, de Moscovici (2003) e outros autoresinfluenciados por suas obras ou que man-têm afinidade com seus principais con-ceitos e pressupostos.

A análise do conteúdo, diante do con-junto de materiais é temática (BARDIN,2000) - o que os professores dizem dos

professores e de sua formação - e o enca-minhamento é feito pelo "recorte" de uni-dades do texto completo produzido paraa ocasião do exame de qualificação dodoutorado. Para a análise do material al-guns passos sugeridos por Minayo (1994)foram adotados: organização do materiala ser analisado (definição de unidades deregistro, que foram frases ditas pelas co-ordenadoras), exploração do material,análise do conteúdo subjacente ao queestá sendo manifesto e as tentativas deinterpretação.

Importante destacar o que está sendo en-tendido por representações sociais nes-se texto. As representações sociais cons-tituem a "atmosfera social e cultural" com-posta por palavras, idéias e imagens quenos cercam individual e coletivamente(MOSCOVICI, 2003). Elas são socialmen-te construídas e partilhadas, configuran-do como uma forma de conhecimento6

apoiada na experiência pessoal e que ori-entam a vida cotidiana das pessoas.

Segundo Tura (2004), também apoiado emMoscovici, as representações sociais sãosaberes utilizados pelas pessoas nas suasvidas cotidianas e que comportam visõescompartilhadas pelos grupos. São essasvisões que determinam condutas desejá-veis ou indesejáveis e dirigem as relaçõesdos indivíduos entre si e com o mundo.

As representações, para Moscovici, teri-am duas funções: convencionalizar obje-

5 Outras questões da pesquisa foram discutidas em Cunha e Prado (2005).6

O conhecimento não é compreendido como descrição/cópia, mas como produção de interações e comunicações relativas aos interesseshumanos nele implicados (DUVEEN, 2003).

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tos, pessoas, acontecimentos, enquadran-do-os em modelos partilhados pelo gru-po, permitindo interpretar, distinguir e co-nhecer o sentido das coisas; e prescrever,influenciando a mente de cada sujeito, demaneira a serem re-pensadas e re-citadas.

Integrar a novidade, interpretar a realida-de e orientar condutas e relações sociaisseriam mecanismos de funcionamento dasrepresentações (TURA, 2004) que traba-lham em paralelo a um processo definidopor Moscovici como ancoragem.

Ancorar significa classificar e nomear/ro-tular algo. Para Moscovici, a representa-ção é um sistema de classificação e dealocação de categorias e nomes que re-velam uma "teoria" da sociedade e da na-tureza humana. Essas classificações sãofeitas a partir de aproximações com pro-tótipos que pretendem "reconhecer" umpadrão. Os protótipos favorecem opiniõesfeitas e conduzem a decisões supera-pressadas, com base em generalizações ouparticularidades. O que está em jogo nasclassificações de coisas não-familiares é anecessidade de definir o que está conformeou divergente da norma, o que pode pro-mover estigmatiazações.

Ancorar implica, portanto, "prioridade doveredicto sobre o julgamento e dopredicado sobre o sujeito" (MOSCOVICI,2003, p.64). A conclusão tem prioridade so-bre a premissa e antes de ver e ouvir umapessoa, nós já a julgamos, classificamos ecriamos uma imagem dela.

Leme (1993, p.49) confirma que nas repre-sentações sociais prevalecem as memóri-as e conclusões preestabelecidas e argu-menta que classificamos e rotulamos paraorganizarmos a realidade. "O rótulo con-fere uma afiliação e uma posição em umamatriz de identidades" que se convertenuma imagem comunicável. Nesse proces-so atribuímos um valor positivo e ou ne-gativo, e uma certa posição numa ordemhierárquica.

As pessoas e grupos criam representa-ções através da comunicação e da co-operação. As representações brotam dacomunicação social, das inter-relaçõessociais e depois de criadas "circulam, seencontram, se atraem e se repelem e dãooportunidade ao nascimento de novasrepresentações, enquanto velhas repre-sentações morrem" (MOSCOVICI, 2003,p.41).

Produzem na comunicação uma visão co-mum (leitura do mundo cotidiano), dizen-do sobre o estado da realidade. Partindodo princípio de que cada vez que expo-mos uma idéia dizemos algo de nós mes-mos, de nossa identidade e de nossa vi-são sobre a realidade, conhecer as repre-sentações traduzidas na comunicaçãopermite acessar diferentes facetas da re-alidade (JODELET, 2005).

Fica claro que são através dos intercâm-bios comunicativos, num esforço de com-preensão do mundo através de idéias es-pecíficas que as representações sociais

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são estruturadas e transformadas, além deprojetadas de maneira a influenciar outros,a estabelecer certa maneira de criar sentidopara o mundo.

Para enfatizar o poder da comunicação,Moscovici cita Tristan Tzara (2003, p.42):"Nós pensamos através de nossas bocas".As relações sociais envolvem e dependemde convenções lingüísticas (conversação),que vão criando uma base comum designificância entre seus praticantes queincluem imagens e de idéias consideradascertas e reciprocamente aceitas.

Isso é o que aconteceu na conversação comas coordenadoras que participaram dessapesquisa.

AS REPRESENTAÇÕES DAS COORDE-NADORAS SOBRE A PARTICIPAÇÃODOS PROFESSORES NO TRABALHODOCENTE COLETIVO

O terreno das expectativas das coorde-nadoras em relação aos professores é ocotidiano. Na vida cotidiana, como nosensina Heller (2000), estão em funciona-mento todos os aspectos da individuali-dade dos sujeitos: seus sentidos, capaci-dades intelectuais, habilidades mani-pulativas, sentimentos, paixões, idéias,ideologias. A atuação de cada sujeito nocotidiano é, ainda, pautada pela esponta-neidade e por motivações efêmeras, assi-milando as exigências sociais de forma"não tematizada", uma vez que refletirsobre o conteúdo de verdade material ou

formal de cada uma de nossas formas deatividade impediria a realização das ativi-dades cotidianas básicas.

O pensamento que orienta nosso cotidia-no é pautado por ultrageneralizações, quesão

[...] juízos provisórios que a prá-tica confirma ou, pelo menos, nãorefuta, durante o tempo em que,baseados neles, formos capazes deatuar e de nos orientar (HELLER,2000, p.34).

Nosso pensamento - e comportamento-ultrageneralizadores são construídos deduas maneiras: de um lado assumimos este-reótipos, analogias e esquemas já elabora-dos; por outro, esses mesmo estereótipossão "impingidos" pelo meio em que vive-mos e que muitas vezes não são percebidosde forma crítica.

Além da espontaneidade e pensamentoultrageneralizador, a vida cotidiana é aindaheterogênea, hierárquica e organizada atra-vés de uma rotina (CARVALHO, 1994).

As representações sociais como saberesutilizados pelas pessoas em suas vidas coti-dianas, orientadas por rotinas, atividadesheterogêneas e ultrageneralizações, com-portando visões compartilhadas por grupos,estruturam o meio social e caracterizam umdeterminado grupo social (GUERREIRO,1999).

Os grupos de coordenadoras ouvidos napesquisa mostraram-se coesos na formade pensar a formação do professor e suarelação de formação na escola. É fato que,

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como destaca Heller (2000), como pessoascomuns que somos, tendemos a considerare analisar o mundo de uma maneira seme-lhante. Nessa perspectiva isso aconteceporque nunca conseguimos nenhuma in-formação que não tenha sido distorcida porrepresentações e por imagens e hábitosaprendidos, recordações preservadas e ca-tegorias culturais estabelecidas (DUVEEN,2003, p. 33).

As representações enquanto visões com-partilhadas pelos grupos são inferidasnesse trabalho a partir das "falas" trans-critas dos registros em áudio e também apartir de registros escritos produzidos naavaliação final do trabalho.

Como saber se temos realmente "represen-tações sociais" a analisar nesse trabalho?Recorremos aos critérios de Xavier (2002)para responder a essa questão:

As representações constituem umamodalidade de conhecimento parti-cular que traduzem teorias sobre omundo social e que viabilizam a co-municação e a organização dos com-portamentos. Essa "teoria" sobre osprofessores, explicitada ou inferidanas falas das coordenadoras nos in-formam uma certa representação.

As representações sociais como sis-temas de organização da realidadeorganizam as relações dos indivídu-os com o mundo e orientam suascondutas e comportamentos no meio

social. As coordenadoras, a partir dasrepresentações expressas nos diálo-gos entre os grupos, confirmam suasmaneiras de se relacionar com osprofessores, a partir do olhar que lhesdirigem.

Considerando, portanto, as falas das coor-denadoras como representações, retoma-mos a questão que orienta parte da investi-gação: o que dizem alguns coordenadoressobre a formação dos professores e de suadisponibilidade nos momentos de formaçãoe trabalho docente coletivo? Vejamos:

“Ano a ano encontro dificulda-des para trabalhar com os pro-fessores em função da forma-ção”.

“De um modo geral, as pro-fessoras esperam coisas pron-tas, esperam que o coordena-dor traga receitas prontas. Àsvezes embarco nessa demandae dou pronto mesmo. Fico an-gustiada em ter que esperar ouna falta de reação do profes-sor”.

“Tem muito professor com pre-guiça de ler e estudar e que nãoreflete sobre o trabalho.

Existe dificuldade [dos profes-sores] de integrar o que estu-dam com a ação”.

“As professoras não têm inte-resse. As que tem interesse, àsvezes, depois de aprender tudo,saem da escola e é preciso re-começar a equipe novamente”.

“O professor tem preguiça deler...”

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“Alguns professores têm umapostura tradicional na sala,apesar do discurso moderno”.

“Os professores têm dificulda-de de integrar o que eles estu-dam com a ação... Ele precisainteriorizar a ação, transformaro discurso em prática”

“O professor precisa pensar erefletir”

“O professor não raciocina e élevado por modismos”

“O professor espera que a co-ordenadora resolva tudo, nãotem iniciativa, dependem sem-pre de condução”.

“O professor é muito depen-dente para buscar informaçõese para ir buscar novas infor-mações”.

“Os professores não se valori-zam, colocam-se na posição desubordinados, estando sempreà espera de ordens, não toman-do iniciativa, prejudicando as-sim o processo educativo e adinâmica da escola”.

“Os professores têm dificulda-de para reconhecer que preci-sam aprender e querem só coi-sas práticas... acham que a teo-ria é chata, monótona”

As coordenadoras referem-se aos profes-sores explicitando uma representação deacomodação, dependência, falta de inicia-tiva, dificuldade para refletir sobre a pró-pria ação. Elas classificam e rotulam osprofessores (ancoragem), mantendo um dis-curso depreciativo pautado pela idéia de"O professor é...", "O professor precisa

de...", identificando, portanto, um determi-nado estereótipo de professor. Esses ró-tulos determinam uma matriz de identida-des e o estigmatiza.

Essa identidade reduzida à descrição("aquilo que é") pode se transformar emuma proposição perfomativa (AUSTIN,1998, apud SILVA, T. 2000) entendida comoaquelas capazes de "produzir" o fato quesupostamente deveria "descrevê-lo".Butler (1999, apud SILVA, 2000) destacaque a eficácia produtivas dos enunciadosperformativos depende de sua incessanterepetição.

Moscovici (2003) chama nossa atençãopara uma particularidade do pensamentosocial: a conclusão tem prioridade sobre apremissa da mesma maneira que o veredic-to tem prioridade sobre o julgamento.Quando estamos categorizando objetos oupessoas recorremos a protótipos armaze-nados na memória, estabelecemos valorespositivos ou negativos. Julgamos as pes-soas antes mesmo de vê-las e ouvi-las,como também as classificamos e criamosuma imagem delas.

As coordenadoras conhecem seus profes-sores, mas são levados a classificar e julgá-los, denotando uma ultragene-ralização ca-racterística de nossos tempos quedesqualifica e responsabiliza o professorpor sua formação e atuação, ignorandocondições de trabalho e formação inicial econtinuada.

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AS POSSIBILIDADES DE RESSIG-NIFICAÇÃO DAS COORDENADORAS

Segundo Heller (2000), a ultrageneralizaçãoé inevitável na vida cotidiana.

Para Moscovici (2003), as representaçõescomo "ambiente real e concreto" dirigemo que fazemos e falamos. E isso também éinevitável.

Isso significa que estamos fadados à repe-tição?

Heller explica que o grau de ultragenera-lização - provisório! - nem sempre é omesmo e que a rigidez das formas de pen-samento e comportamento cotidianos éapenas relativa, isto é, podem se modificarlentamente na atividade permanente. Setoda ultrageneralização é uma regra pro-visória porque se antecipa e julga aos fa-tos e pessoas, muitas vezes ela não seconfirma e exige outra acomodação.

Já Moscovici (2003, p.45) nos explica queas pessoas e grupos não são receptorespassivos, compondo uma "sociedadepensante" que reivindica pensar, produzire comunicar idéias. As representaçõessociais como formas de conhecimentoapresentam-se diversas e heterogêneas,vulneráveis a conflitos e lutas que elabo-ram novas formas de representação.

Esses conflitos, que normalmente decor-rem das antecipações e julgamentos, apa-recem e permitem a mudança de práticas

na medida em que os sujeitos tomemconsciência das representações. Conhecê-las, nesse sentido, permite encontrar e con-frontar posições, analisar as contradiçõescom vistas a ajustes e adaptações, evi-denciar discussões, elaborar respostas,dialogar sobre conflitos, conscientizar erefletir (JODELET, 2005).

As representações sociais são estrutu-rantes dos contextos e, ao mesmo tempo,motores da mudança social. Consideran-do-se que outras representações podemser construídas nas comunicações e queoutros sentidos e significados podem serconferidos às interações, alguns coorde-nadores apresentaram outras elaboraçõesao final de um semestre de discussões.Essa sutil mudança pode ser justificadapela possibilidade de revisão "das repre-sentações", propiciada pela comunica-ção no grupo.

Da mesma forma, as proposições perfor-mativas podem ser interrompidas, questi-onadas e contestadas (BUTLER, 2000apud SILVA, 2000). É nessa interrupçãoque reside a possibilidade de produção denovos enunciados e representações.

Alguns fragmentos das falas das coorde-nadoras podem esclarecer essa compreen-são:

As discussões me ajudaram avisualizar os assuntos sob outroprisma. Exemplo: o resgate daauto-estima e valorização doprofessor merece consideração!

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“Eu passei, na medida do pos-sível, a ouvir mais o grupo,permitindo que todos partici-pem, pesquisem e até dirijam oHTPC”.

“Consegui trazer para o HTPCum maior momento de troca deexperiências”.

“Estou procurando fazer oHTPC de uma forma que nãoseja chata, nem insuportável, esim uma hora de conversa comtrocas de experiências”.

“Sobre a influencia das discus-sões no grupo, nos horários deHTPC, em minha escola, pro-curei dividir a responsabilida-de do mesmo: cada HTPC umaprofessora prepara, vi que sur-tiu resultados, com as profes-soras participando mais”.

“Acredito que esse horário (oHTPC) é o início de um traba-lho que vem enriquecer nossaprática enquanto docentes. Nãome achando a única responsá-vel, compartilho e delego a to-dos a oportunidade de contribuirpara esta formação, portanto,acredito que não só eu, mastodo o grupo cresceu junto”.

Quando as coordenadoras se propõem aouvir os professores, dividir responsabili-dades, oferecer outras oportunidades departicipação, trocar experiências, sinalizamuma mudança na forma de enxergar o pro-fessor e seu potencial de contribuição naformação compartilhada no grupo.

A pesquisa confirma, apesar de não ter sidoestruturada previamente para analisar asrepresentações sociais, que a comunica-

ção é indispensável para a formação,ressignificação de práticas e interaçõesprodutivas e que conhecê-las anuncia apossibilidade de transformações nas re-lações e na escola.

Artigo recebido em: 31/01/2006Aprovado para publicação em: 07/10/2006.

Teacher and his education: pedagogicalcoordinators’s representations

Abstract: According to the literature on the valueof the teachers’ education in the job context andthe production of knowledge from the teachingexperiences, the pedagogical coordinator isindicated as teachers’ educator in the schools. Thisarticle intends to discuss the coordinator’srepresentations of the teacher’s action and hiseducation, based on the data of the doctoral thesisbeing developed in the Education College atCampinas University. Understanding thecoordinators’ social representations by emphasizingthe communicative interactions is a way torecognize the type of education that can beestablished in the teachers’ group work time atschool, to find and compare positions, to analysethe contradictions and to make clear discussionsthat appeal to the resignification of the education’srelations and practices.

Keywords: Pedagogical coordination; Educationdeveloped in school; Social representations.

El professor y su formation: representacio-nes de coordinadores pedagogicos

Resumen: De acuerdo con la literatura quevaloriza la formación de profesores en el contextode trabajo y la producción de conocimientos apartir de las experiencias docentes, el coordinadorpedagógico fue señalado como formador deprofesores en las escuelas. El presente artículo sepropone discutir las representaciones que elcoordinador tiene de la acción del profesor y desu formación, en base a los datos del test dedoctorado en curso en la Facultad de Educación dela Universidade de Campinas. Comprender lasrepresentaciones sociales de los coordinadores,valorizando las interacciones comunicativas,

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Palabras-claves: Coordinación pedagógica;Formación centrada en la escuela; Representa-ciones sociales.

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Sobre os autores:

1 Renata Cristina Oliveira Barrichelo CunhaDoutora, Universidade Estadual de Campinas(UNICAMP). Especialista em Psicopedagogia, Ins-tituto Sedes Sapientiae (ISS, Brasil). Professorada Pós-Graduaçãoação da Faculdade Dom Bosco.Orientador: Prof. Dr. Guilherme do Val ToledoPrado.E-mail: [email protected]

Endereço Postal: Rua Fernando Febeliano daCosta, n.1419, Apto. 161. CEP: 13416-253,Piracicaba/SP, Brasil.

2 Guilherme do Val Toledo PradoDoutor em Educação, UNICAMP. Mestre emEducação, UNICAMP. Coordenador do Grupo deEstudos e Pesquisas em Educação Continuada(GEPEC).E-mail: [email protected]

Endereço Postal: Rua Luís Gama, n. 733, Apto.43. CEP: 13.070-170 Campinas/ SP, Brasil.

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O professor e sua formação: representações de coordenadores pedagógicos

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A dupla relação: leitura e o imaginário como valores culturais

Gicele Faissal de Carvalho1

Resumo: O presente artigo tem como objetivoapresentar experiências e reflexões no trabalhocom literatura, com a finalidade de melhorar aqualidade do ensino e da aprendizagem, num mo-vimento articulado com o trabalho da gestão, es-tabelecendo a dupla relação leitura e imagináriocomo valores culturais. Propõe-se uma reflexãosobre a prática pedagógica, sempre focando o in-centivo à leitura na prática social, enfatizando oprazer de ler e valorizando situações de envol-vimento do leitor com a história no estímulo àleitura comum, permitindo a interação com oimaginário. Segundo pesquisa de Baudelot, Cartier,e Detz (1999), a relação do leitor com a obra éafetiva, ela se manifesta pela sua identificaçãocom a história, com os personagens, prolongan-do ao mesmo tempo nas leituras, experiências ouquestionamentos pessoais.

Palavras-chave: Leitura; Criatividade; Valores;Cultura.

INTRODUÇÃO

Esse artigo fundamenta-se em observaçõesfeitas em vários ambientes de uma escolada rede particular em Teresópolis, cidadeserrana do estado do Rio de Janeiro, du-rante atividades realizadas em salas de aulae na biblioteca.

Mostra algumas experiências em que a lite-ratura infantil foi o roteiro das atividadesrealizadas com crianças das séries iniciais

do Ensino Fundamental, oportunizando atodas elas o contato prazeroso com o textoliterário, buscando a familiaridade com aleitura ativa e criativa e o despertar doimaginário como valor cultural.

Ressalta também os aspectos educacio-nais, psicológicos, criativos e culturaisque permeiam os trabalhos em que a lite-ratura desempenha o papel norteador.

Neste sentido, focaliza se o papel do gestorcomo estimulador de práticas pedagógi-cas que promovam o interesse pela leitu-ra, e a participação dos professores e to-dos os atores envolvidos na comunidadeescolar em projetos educativos visando amelhoria da qualidade do ensino peloscaminhos da leitura.

EDUCAÇÃO E LEITURA EM TEMPOSDE MUDANÇA

O ensino não apresenta sinais de melhoriaqualitativa, como pode ser observado a par-tir dos resultados obtidos pelos 2.199.214de concluintes e egressos do ensino mé-dio, participantes da oitava edição do Exa-

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me nacional do Ensino Médio (ENEM),em 2005, que obtiveram média de de-sempenho de 39,41 na parte objetiva ede 55,96 na redação. Além disso, o Brasiltambém não apresentou um bom resulta-do no Programa Internacional de Avalia-ção de Alunos (PISA).

Segundo o especialista Marcos Bagno(1995, p. ), doutor em Lingüística da USP,as notas baixas no Pisa são resultado damaneira equivocada com que a escola en-cara o ensino de Língua Portuguesa:

Pesquisas apontam que o grandefoco do ensino de língua portu-guesa está na gramática, pois amaior parte dos professores de-dica setenta por cento de suasaulas às normas, quando a ênfasedeveria ser na leitura e na escrita.

Citando o artigo de Ana Maria Machadosobre o mau resultado do Brasil no Pisa.Para ela, "o fato é que a escola brasileiranão sabe mesmo ensinar a ler. E a socieda-de não dá a mínima importância paraisso". No artigo, ela fala sobre o sucessodo USSR, um programa inglês que envol-ve as famílias no incentivo à leitura. Eelogia o projeto do MEC "Literatura emMinha Casa", que, segundo ela, vai tornaro governo federal o maior comprador delivros do mundo, feito digno de figurar nolivro dos recordes2

Segundo a fonte Câmara Brasileira do Li-vro em 2001, o cenário brasileiro está as-sim delineado:

a compra anual de livros não didáti-cos per capita por adulto alfabetiza-do é de 0,66%;

61% dos adultos alfabetizados têmmuito pouco ou nenhum contatocom livros;

De cada 10 não-leitores, 7 não têmcondições de adquirir livros;

73% dos livros concentram-se ape-nas nas mãos de 16% da população;

Média de leitura anual: Brasil (1,8 li-vro/habitante), Inglaterra (4,9 livro/habitante), EUA (5,1 livro/habitan-te), França (7 livro/habitante).

A escola, por sua vez, não tem se apresen-tado como um espaço institucional onde aleitura, o estudo e a pesquisa vêm se reali-zando dinamicamente por todos aquelesque fazem parte da comunidade seja porfalta de interesse ou por falta de conheci-mento de sua importância.

Há algum tempo tem se apontado a neces-sidade de ampliação dos espaços de leituranas escolas, onde as discussões e possí-veis desdobramentos possam proporcionaratividades de integração e reflexão sobre ogrande poder da literatura como processocivilizatório e educativo, como formade vincular as pessoas ao mundo, sendoponto de chegada e ponto de partida,pois completa em si uma jornada detrabalho de desenvolvimento de idéias e

Fonte: http://www.educational.com.br . Acesso em 11 de dezembro de 2005.

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questionamentos. A literatura nos propor-ciona a oportunidade de viver chegadas epartidas "como os dois lados da mesmaviagem", idéia apresentada na música En-contros e Despedidas de Milton Nasci-mento.

Antenor Gonçalves Filho (2000) sustentauma reflexão sobre o poder da palavra e apalavra do poder, expressos na literatura ena qual se procura explorar o que ela podeconter enquanto instância educativa e for-madora de valores de cultura, porém vemosque os avanços da tecnologia e os hábitossociais têm proporcionado mudançassignificativas na vida humana, especial-mente no que se refere à socialização.

As posturas individualistas afastam, dia-a-dia, o homem das suas relações sociais. Enesse contexto, se questiona como proce-der diante da tarefa de educar sem que hajainteração.

È na interação dos sujeitos que acontece aeducação, na inter-relação dos saberesonde as trocas de experiências e visões demundo oportunizam a formação do homem."Não é no silêncio que os homens se fa-zem, mas na palavra", dizia Paulo Freire( apud GONÇALVES FILHO, 2000, p.12)

Educar para transformar, mote das discus-sões contemporâneas, se apresenta comoum desafio que tem como aliado o cenárioliterário, sobretudo nos diferentes tiposde leituras:

ler para investigar- quando propor-cionamos uma leitura crítica que dêao aluno a oportunidade de refletirsobre as questões implícitas no texto(sociais, políticas, morais, culturais);

ler para conhecer- os conteúdosque fazem parte do seu cotidiano eque tornam possível a compreensãoda sua realidade;

ler para discutir- é na discussão quese sustentam as bases de argumen-tação, tão relevantes na comunica-ção e na troca de experiências, quan-do os conhecimentos se ampliam;

para criar e recriar textos- desenvol-vendo a oralidade na autonomia dopensamento e a oportunidade detransportar a sua história para o tex-to compreendendo-a melhor;

ler para formar e transformar- momen-to em que a educação se dá natranscendência das linhas dos li-vros.

Os leitores procuram as suas próprias his-tórias nos textos literários e de uma formapoética ou fantasiosa, encontram caminhosque os levam à novas reflexões e explica-ções para seus questionamentos.

Educação e leitura são realidades que ne-cessitam de novas atitudes. As mudançaseducacionais, sociais, políticas e científicas,nos levam a refletir sobre a educação dascrianças, sobre a educação do educador,sobre a formação dos cientistas, enfim, so-bre a formação de um ser humano que não

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queira mais viver sob a hegemonia dos sis-temas impostos hierarquicamente.

Educação dá poder e consciência ao ser hu-mano de sua situação dentro das esferasfamiliar, escolar, social e planetária, atribu-indo-lhe um papel histórico na construçãodo mundo.

E como registrar sua historicidade sem aoportunidade de ler e criar, de ler e provo-car inventividade, de ler e transpor as li-nhas do livro, deixando o imaginário levaras emoções a uma nova interação da leitu-ra, associando-a as suas experiências devida ou as suas expectativas de mudança?

Essa é a importância que deve ser atribuídaà literatura como matéria formadora huma-na, na transposição dos valores reais daeducação proclamados nas intenções dostextos.

O IMAGINÁRIO NA BUSCA DA IDEN-TIFICAÇÃO

Quando lê a criança deixa sua imaginaçãofuncionar sem regras. É um momento deidentificação com personagens, com a suahistória, com seus conhecimentos e valo-res.

Por muito tempo e ainda hoje, algumas es-colas excluíram e excluem a leitura prazerosaligada às experiências de vida e à curiosi-dade do leitor em relação à cultura geral,privilegiando uma leitura obrigatória, semsignificados, provocando desinteresse efalta de estímulo aos leitores.

Gianni Rodari (1982) defende assim seuponto de vista:

Não é, portanto, de se admirarque a imaginação nas nossas es-colas, ainda seja tratada como aparente pobre, em desvantagemcom a atenção e com a memória;que escutar pacientemente e re-cordar escrupulosamente consti-tuem até agora as característicasdo modelo escolar o mais cômo-do e maleável (RODARI, 1982,p.9).

Através do seu trabalho, ele nos mostra queos setores mais poderosos da sociedaderealmente não têm nenhuma intenção deprivilegiar a imaginação e a criatividade, poisnão desejam que as pessoas aprendam apensar, já que o pensamento criativo seriaa arma mais eficaz de transformação domundo e, portanto, uma ameaça à ordemsocial conhecida, estabelecida e vantajosapara eles.

A maneira de conduzir o trabalho com a lei-tura pode ser vantajosa ou não. No casoafirmativo, a ampliação do campo culturalvai ser desenvolvida de acordo com o con-junto de valores que forem agregados aoconhecimento.

Embora atuando mais fortemente na infân-cia, o imaginário, que representa a históriade vida do indivíduo, constitui-se um fortealiado na busca da identificação junto à li-teratura. As histórias trazem significadosque à imagem do leitor revelam passeiosfantásticos pelo reino da fantasia onde tudopode acontecer.

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No livro O menino que aprendeu a ver,Ruth Rocha (1997) nos apresenta uma his-tória cujo personagem foi associando cadapalavra decifrada ao mundo que o rodeava,ao mesmo tempo que se inseria enquantoser criativo. Muito antes de decodificar osnomes que João passou a ler, ele já os tinhamarcado na sua história de vida, nas suasbrincadeiras, nas suas curiosidades e des-cobertas e todas as palavras antes vividasno seu imaginário, puderam serdecodificadas e tornadas reais.

Em, O papel roxo da maçã, de MarcosBagno (1995), a menina Rosa, alimenta oseu imaginário quando transcende os sen-tidos de visão, audição e tato ao pegar opapel roxo da maçã, e travar com ele umdiálogo cheio de mistérios e descobertas.

Textos literários criativos acenam para a li-beração do imaginário do leitor, estimulan-do a sua participação na história. Alémdisso, o exercício da ludicidade, implícitono ato de ler e imaginar, permite a leitura demundo e expande a capacidade da criançapara compreender e interpretar sua histó-ria, realizando sonhos, (trans)formandovalores e atualizando experiências.

A CULTURA, A IMAGINAÇÃO E ACRIATIVIDADE NA PRÁTICA PEDA-GÓGICA

O espaço escolar (ainda) é aquele quedisponibiliza a cultura formal e que deveriaoportunizar a dinâmica de informações nasrelações internas e externas.

Aqui insere-se o trabalho da gestão esco-lar. Uma escola gerida de maneira autoritá-ria não contribui para a construção efetivada participação de todos os membros dacomunidade escolar na definição das polí-ticas que regulam os espaços de convivên-cia coletiva e na elaboração dos projetospedagógicos e administrativos.

Partindo de livres interpretações da reali-dade de cada um, a troca de informaçõesaumenta e as mentalidades (trans)formam-se, permitindo que o processo educacionalseja viabilizado nessa constante inter-rela-ções de saberes. Além disso, valoriza-setambém outras fontes de sabedoria, so-bretudo aquela relacionada à história oral,repassada pelas lideranças comunitárias,pelas pessoas mais velhas, pela "gente an-tiga", conferindo um grau de sabedoria ge-rada principalmente pela experiência de vida.

A construção da leitura no espaço escolarmerece cuidados especiais por parte doprofessor. O livro de literatura é um objetorico e cheio de oportunidades para o lei-tor, na constante busca de cultura eapreensão de valores, por isso precisa seranalisado na sua forma e no seu conteúdo.

Moreira e Silva (2000) apresentam a afir-mação de Giroux e Simon:

Pode parecer remota a relaçãoentre cultura e pedagogia apli-cada à sala de aula. A cultura éorganizada em torno do prazere da diversão, enquanto a peda-gogia é definida principalmenteem termos instrumentais. A

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cultura situa-se no terreno do co-tidiano, ao passo que a pedagogiageralmente legitima e transmitea linguagem, os códigos e os va-lores da cultura dominante. Acultura é apropriada pelos alunose ajuda a validar suas vozes e ex-periências, enquanto a pedagogiavalida as vozes do mundo adulto,bem como o mundo dos profes-sores e administradores da escola(MOREIRA; SILVA, 2000, p. 97)

Escolas que despertam futuros e produ-zem professores e alunos mais felizes ebem qualificados estão intensamente en-volvidas com o conhecimento. Neste con-texto vemos a importância das atividadespedagógicas estarem associadas a proje-tos que permitam a participação da co-munidade escolar, com a participação e oenvolvimento de todos na busca da qua-lidade educacional.

A utilização, nas aulas, de metodologiascomo a dramatização, leitura e releiturade textos ou histórias, exercícios autobi-ográficos, técnicas como a clarificaçãode valores e os enfoques socioafetivos,como sugerem Puig (1998) e Araújo &Aquino (2001), podem ser um caminhopara demonstrar a autonomia dos profes-sores, pautada na gestão democrática.

Deixar que a criança descubra nas pala-vras a sua capacidade perceptiva, o sensocriativo, a sua historicidade, pelos cami-nhos da literatura, não é tarefa simples,requer dos profissionais que atuam nocampo literário, que deveria permear to-das as disciplinas, uma atitude de respeitoao inconsciente de cada leitor, deixando

livre a interpretação subjetiva.

A função criativa da imaginação pertenceao homem e é condição necessária da vidacotidiana, manifestando-se nas brincadei-ras infantis quando combina na simplesrecordação de impressões vividas, suascuriosidades, e descobertas, construindouma nova realidade, possibilitando a in-terferência do imaginário num diálogoativo com a cultura, modificando a dinâmi-ca educacional.

E o que é cultura?

Para Werneck (2003), admitindo-se a exis-tência da cultura em todos os aspectos davida social, como produto da ação huma-na, esta explicita seu caráter processual,contínuo e mutante. É a revelação dinâmi-ca decorrente do agir humano.

Muniz Sodré (apud WERNECK, 2003) en-tende que:

Cultura é o conjunto dos instru-mentos de que dispõe a mediaçãosimbólica (língua, leis, ciência,artes, mitos) para permitir aoindivíduo ou ao grupo a aborda-gem do real.Os instrumentos di-tos culturais são "equipamentos"coletivos ou grupais postos à dis-posição de todos (WERNECK,2003, p.85).

Interferindo no convívio social e atuandosobre os sujeitos, a cultura é o produto dasnoções repassadas nos saberes transmiti-dos pelos meios de comunicação, que nosdias atuais tem na programação da televi-são (desenhos, noticiários, novelas, pro-

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gramas de variedades) sua principal fontede referência, pelo convívio social, incluin-do os acontecimentos familiares, pela lite-ratura e por outras manifestações expres-sivas da produção humana.

Esses "saberes" modificam hábitos, pen-samentos e posturas, agregando valoresou contra-valores ao sujeito, construindo,então, novos conhecimentos, que vãosendo processados para o seu aprimora-mento intelectual, social e moral.

No Brasil, durante muitos anos, a discri-minação social, se apoiava entre outrosfatores na posse do diploma de bacharel,de doutor, contra o analfabeto, o iletrado.A letra era usada para dominar, para con-trolar a vida dos que não sabiam ler.

A organização social da cultura sempre foidirecionada para marcar posições de podere classe social, no entanto, boa parte dasclasses pobres, tem uma forte e rica heran-ça cultural popular.

A cultura popular registrada e difundidaatravés de contos, mitos, crendices, repen-tes, cantigas, compõem um acervo literárioque não pode ser relegado, mas sim legiti-mado por ser historicamente construídoao longo da nossa formação, alimentandonossa história, a história do Brasil.

A valorização da leitura como um dos mei-os de apropriação cultural nos remete auma reflexão sobre as dificuldades deaprendizagem na escola. O contexto atual

se apresenta com pouca e até mesmo au-sência de oportunidades para experimen-tar atividades onde a imaginação tenhalugar de destaque em contra partida en-contra-se presente freqüentemente a im-posição do gramaticismo, dificultando aprática da reflexão da criação e da escritapor parte do aluno.

Qualquer educador, pai, professor, biblio-tecário, pedagogo etc., quando leva o li-vro à criança tem o mesmo objetivo - criarnos pequenos o hábito de ler para que aliteratura seja uma forma de enriqueci-mento cultural. Quanto mais e melhor umacriança lê, mais ela gosta de ler; quantomais hábil na leitura, mais autonomia tempara buscar os livros como fonte de co-nhecimento, informação e prazer.

A literatura é, sem dúvida, uma das formasde recreação mais importantes na vida dacriança por manipular a linguagem verbal,pelo papel que desempenha no seu cres-cimento psicológico, intelectual e espiri-tual, pela riqueza de motivações, de su-gestões e de recursos que oferece ao ima-ginário.

A atuação do imaginário, proporcionadapela literatura, na sua própria experiênciade vida através está assim descrita porLygia Bojunga (apud MIGUEZ, 2000):

Um dia eu dei pra transformarcoisa curta: transformava umador em vírgula; virava um alívioem ponto de exclamação; trans-formava uma esperança em pon-to de interrogação. Gostei. Me senti

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meio feiticeira.Achei tão bom po-der transformar o que eu sentiaem história que eu resolvi que eraassim que queria viver: transfor-mando. Foi por isso que eu mevirei em escritora (MIGUEZ,2000, p.82).

A imaginação é necessária até para serefazer o caminho de volta. Quando ashistórias imaginárias são narradas pelascrianças, possuem variados graus da coe-rência interna: algumas são desconexas,outras articuladas promovendo o pensamen-to reflexivo. Estas construções fantásticaspreparam a "estrada" para a construção dopensamento lógico, crítico e autônomo.Rodari (1982) apresenta a perspectiva deDewey sobre a função da imaginação:

A função própria da imaginação é a visãode realidades e possibilidades que não semostram nas condições normais da per-cepção sensível. Seu objetivo é penetrarclaramente no remoto, no ausente, noobscuro. Não só a história, a literatura, ageografia, os princípios das ciências, mastambém a geometria, e a aritmética contêmuma quantidade de argumentos sobre osquais a imaginação deve operar, para quepossam ser compreendidos (RODARI,1982, p.142).

Todos podem ser criativos, se não quise-rem viver em uma sociedade repressiva,em uma família repressiva, em uma escolarepressiva. É possível uma educação pela"criatividade", quando permitimos que opensamento seja divergente, quando pro-porcionamos um ambiente rico de estímu-

los, pois a criatividade trabalha com ma-teriais colhidos da realidade.

É criativa a mente que trabalha, quesempre faz perguntas, que descobre pro-blemas onde os outros encontram res-postas satisfatórias, que recusa o codifi-cado, e não se deixar inibir pelo confor-mismo.

E como as práticas pedagógicas vêmsendo realizadas para estimular a cria-tividade o não o conformismo? Elas es-timulam o pensar, provocam a reflexãoe o questionamento?

Germes da imaginação criativa, reforçaVygotski (apud RODARI, 1982, p.139),manifestam-se nas brincadeiras dos ani-mais: assim, manifestam-se ainda maisna vida infantil.

Se a criatividade é tão importante no de-senvolvimento das habilidades e compe-tências do educando, o professor devepromovê-la, pois não é mais ele que trans-mite o saber pronto. Ele é sim um adultopronto a desenvolver em si mesmo hábi-tos de criação, da imaginação, de constru-ção em uma série de atividades (produçãopictórica, plástica, dramática, musical,afetiva, moral, lúdica, lógica, lingüística),abordando todos os aspectos cognos-citivos.

Em uma escola que tenha essa prática pe-dagógica, o educando não é mais um con-sumidor de cultura e valores, é um criador

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e produtor de valores e de cultura.

Segundo Rodari (1982):

No passado falava-se de criati-vidade referindo-se quase sempreàs atividades expressivas e aojogo, praticamente em oposiçãoàs outras experiências, tais comoa conceituação matemático-cien-tífica ou a pesquisa histórico-ge-ográfica. O fato de que mesmopessoas empenhadas e bem dis-postas releguem o papel dacriatividade aos momentos demenor empenho é talvez a me-lhor prova de que o sistema desu-mano em que vivemos tem comoum de seus principais objetivos arepressão das potencialidades cri-ativas da humanidade (RODARI,1982, p.141).

A LITERATURA E A QUESTÃO DOSJUÍZOS DE VALOR

Muitas vezes o termo valor está corre-lacionado ao aspecto econômico, porémsua utilização também pode significaro que vale para o homem e que está implí-cito nos seus bens morais e culturais.

Max Weber, já nos advertia em algum lugarde sua obra (apud FILHO, 2000, p.90)dizia que a pretensão de que o conheci-mento deve ser "isento de valores" é, emsi, um juízo de valor.

Assim sendo, caberia a questão queexplicita quais os juízos de valor implíci-tos em um estudo sobre a literatura, poisela não tem uma proposta de neutralidade.Mesmo sem ter a pretensão de ensinar,acaba nos ensinando e muito. Esse ensino

pode transmitir sabedoria ou loucura,direcionando o homem em seu processode formação.

Por isso, considera-se que a literatura sejauma fabricadora de sentidos e os escrito-res, fabricantes de fantasias que deixamrefletir no imaginário do ser social, suaideologia, estimulando-o a se encontrarnela, a se identificar por meio de seu juízode valor.

Toda obra literária possui conteúdos devalor a serem transmitidos ao leitor, quese revelam na compreensão da realidade,decorrentes das várias leituras que se pos-sam fazer da conduta humana, e não daobra fechada em si mesma.

Antenor Gonçalves Filho (1992) citandoMax Weber apresenta sua posição naseguinte afirmativa:

O destino de uma época culturalque "provou da árvore do conhe-cimento" é ter de saber que pode-mos falar a respeito do sentidodo devir do mundo, não a partirdo resultado de uma investigação,por mais perfeita que seja, mas apartir de nós próprios que temosde ser capazes de criar este senti-do. Temos de admitir que "cos-mo-visões" nunca podem ser oresultado de um avanço do co-nhecimento empírico, e que,portanto, os ideais supremos quenos movem com a máxima forçapossível, existem, em todas asépocas, na forma de uma luta comoutros ideais que são, para outraspessoas, tão sagrados como o sãopara nós os nossos (GONÇALVESFILHO, 1992, p.113).

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A AQUISIÇÃO DE VALORES CULTU-RAIS PELO IMAGINÁRIO

Só libertando o imaginário da criança pelaliteratura é que ela descobrirá as váriaspossibilidades de conhecer e interpretar avida, as pessoas e o mundo.

O processo de reflexão crítica, de auto-conhecimento e identidade, que a leiturapermite, em um ato individual e espontâ-neo se revela na expressão de prazer e deliberdade. Além disso, a leitura possibilita adescoberta de si mesmo, através do jogode palavras e personagens que se confun-dem com a vida do leitor e que ampliam aspossibilidades de aquisição de valores cul-turais pelo imaginário.

Werneck (2003, p.34), apresenta a visãode Edgar Morin, que afirma que o imagi-nário participa da construção de todo oconhecimento, e é na infância que sãopercebidos os preconceitos, atitudes e va-lores expressos nas relações sociais e so-bretudo nas relações familiares, principal-mente pela força dos vínculos afetivos aíestabelecidos. A influência desses valoresnas manifestações comportamentais doindivíduo é gradual e se revelam na suaforma de ver e agir no mundo.

UMA EXPERIÊNCIA PEDAGÓGICA

A atividade que será aqui relatada foivivenciada no ano de 2005, em uma escolaparticular de Teresópolis, cidade serrana

do estado do Rio de Janeiro, com alunosde uma turma de 2ª série.

Durante uma aula de Contos, na bibliote-ca da escola, a professora apresentou umbaú bem decorado, com um acervo bas-tante variado, de livros de literatura infan-til, para estimular a curiosidade, deixandoque as crianças explorassem seu conteú-do livremente de acordo com seu interes-se individual ou coletivo.

Após a exploração inicial, as criançasdestacaram alguns títulos que foram per-cebidos de grande interesse, e logo apro-veitados pela professora para iniciar umtrabalho.

Brincadeiras e brinquedos para meninos emeninas foi o tema abordado após a dis-cussão surgida a partir do título destacado- A Cinderela das bonecas, de Ruth Rocha(2004). Contada a história, a professoraquestionou sobre os tipos de brincadeirasque as crianças gostavam e percebeu adicotomia entre "brincadeiras de meninos"e "brincadeiras de meninas".

Propôs, então, uma atividade em que osmeninos e as meninas pudessem participarem conjunto. As meninas trariam as bone-cas bem arrumadas e os meninos enfeitari-am os carrinhos das bonecas para um des-file, a ser apresentado para os alunos daEducação Infantil.

Durante os preparativos da atividade, ocor-reu que a mãe de um dos meninos questio-

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nou os objetivos da mesma se colocandocontra a realização da tarefa de "enfeitarcarrinho de boneca", uma vez que, segun-do ela, colocava seu filho em uma situa-ção constrangedora e numa posição ridí-cula. Ainda segundo os pais, seu filhoestava se sentindo envergonhado.

A situação descrita revela as limitaçõesimpostas pelo preconceito e pelos condi-cionamentos impostos por modelos vi-gentes que sufocam a liberdade de opini-ões e ações. O imaginário social está im-pregnado por atitudes e valores que di-ferenciam gêneros, raças e posições soci-ais, prejudicando o desenvolvimento dapersonalidade da criança e alimentandoa sua incapacidade para se aventurar aconhecer e experimentar o novo.

Uma outra experiência, realizada com aturma de 3ª série, desta mesma escola, uti-lizando o livro Aviãozinho de Papel, deRicardo Azevedo (1994), possibilitou atodos o contato com diferentes valoresculturais pelos caminhos da literatura.

O texto é poético e carregado de situaçõesonde o imaginário infantil pode viajar eencontrar suporte para dialogar com lem-branças ou realidades captadas pelasvivências dos leitores. A história de umaviãozinho, lançado de uma janela por umhomem e o seu percurso apresenta umatrajetória permeada de situações repletasde idéias, lembranças e sentimentos, facil-mente reconhecidas no cotidiano das cri-anças e a chegada do avião ao seu destino.

A ilustração, feita pelo autor do livro, foiinfluenciada pelo pintor surrealista belgaMagritte, o que oportunizou a pesquisasobre este movimento artístico e literáriode origem francesa e uma releitura de obrasde grandes mestres como Salvador Dali eMiró.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A literatura infantil não alimenta apenas aalma dos pequenos pelos múltiplos cami-nhos do imaginário, atinge também jovense adultos, resgatando a criança que devepermanecer em todos para continuaremolhando o mundo com mais afeto.

Tonucci (1997) apresenta um poema deGianni Rodari que representa bem o quefoi exposto acima:

Um dia num campo de ovelhasVi um homem de verdes orelhasEle era bem velho, bastanteidade tinhaSó sua orelha ficara verdinhaSentei-me então a seu ladoA fim de ver melhor, comcuidadoSenhor, desculpe minha ousadia,mas na sua idadeDe uma orelha tão verde, qual autilidade?Ele me disse, já sou velho, masveja que coisa lindaDe um menininho tenho aorelha aindaÉ uma orelha-criança que meajuda a compreenderO que os grandes não queremmais entenderOuço a voz de pedras epassarinhosNuvens passando, cascatas eriachinhosDas conversas de crianças,obscuras ao adulto

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Compreendo sem dificuldade osentido ocultoFoi o que o homem de verdesorelhasMe disse no campo de ovelhas(RODARI, apud TONUCCI,1997, p.13).

O texto de literatura infantil é hoje umobjeto real, com uma linguagem verbal eou visual que realiza uma revisão de mun-do, na perspectiva da infância, apresentan-do-lhe valores e conceitos para serem ava-liados, criticados e reformulados, tendoainda a propriedade de informar. Coloca acriança a par do que ela tem o direito desaber, refletir e discutir, facilitando suacompreensão e apresentando novas pers-pectivas para as várias situações que lheafligem.

Formar crianças leitoras num mundo ma-terialista onde o consumo exagerado desupérfluos predomina e imperiosamentesobrepõe-se ao ato de ler, tão significati-vo para a construção de uma sociedadeque necessita resgatar os valores éticos,morais e culturais, é um compromisso daescola que deve promover uma educaçãode qualidade, resgatando um direito queé de todos, o de saber ler e utilizar-se daleitura para sua inserção social num mun-do mais justo e cheio de oportunidadespara aqueles que conquistaram o saberpelo sabor das leituras.

Não aproveitar a grande aventura de traba-lhar com as crianças através da literatura,significa uma grande perda de tempo e deoportunidade para descobrir a essência decada um de nós.

Artigo recebido em: 31/01/2006.Aprovado para publicação em: 15/12/2006.

REFERÊNCIAS:

ARAÚJO, U.F.; AQUINO, J. G. tema Os direi-tos humanos na sala de aula: a ética comotransversal. São Paulo: Moderna, 2001.

The double relation between reading andimaginary as cultural aspects

Abstract: The aim of this article is to presentexperiences and thoughts about working withliterature, establishing the double relation betweenreading and imaginary as cultural aspects. Wepropose a reflection upon the pedagogicalpractice, emphasizing the pleasure of reading andgiving importance to situations when the readergets involved with the story, stimulating thecommon reading, allowing interaction with theimaginary. According to Baudelot Cartier andDetz's research (1999), the relationship betweenthe reader and the text is affective - it can be seenthrough his/her identification with the story andcharacters prolonging at the same time at readingpractice, experiences or personal questions.

Keywords: Reading; Creativity; Values; Culture.

La doble relacion: lectura y el imaginariocomo valores culturales

Resumen: Este artículo tiene como objetivopresentar experiencias y reflexiones en el trabajocon la literatura, estableciendo la doble relaciónlectura e imaginario como valores culturales. Sepropone una reflexión sobre la práctica pedagó-gica enfatizando el placer de leer y valorizandosituaciones de involucramiento del lector con lahistoria en el estímulo a la lectura común,permitiendo la interacción como el imaginario.Según la investigación de Baudelot, Cartier y Detz(1999), la relación del lector con la obra esafectiva, ella se manifiesta por su identificacióncon la historia, con los personajes, prolongandoseal mismo tiempo en las lecturas, experiencias ocuestionamientos personales.

Palabras clave: Lectura; Creatividad; Valores;Cultura.

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Gicele Faissal de Carvalho

Sobre a autora:

1 Gicele Faissal de CarvalhoEspecialista em Educação Infantil, Centro Uni-versitário Serra dos Órgãos (UNIFESO). Pedagoga.Professora do Curso de Pedagogia do UNIFESO.Aluna ouvinte do curso de Mestrado em Educação,Universidade Católica de Petrópolis (UCP).Orientadora: Dra.Vera Rudge Werneck

Endereço Postal: Rua Aguapeí, n.131. Bairro deFátima, Teresópolis, RJ. CEP: 25.960-630.

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Gestão da educação presencial e a distância

Katia Siqueira de Freitas1

Resumo: O texto discute a formação inicial econtinuada de profissionais de educação para a gestãoneste campo do conhecimento. Apresenta aproblemática de cursos presencias e a distanciarelacionados à formação continuada em serviçodesses profissionias.

Palavras-chave: Formação em serviço; Gestãoda Educação; Programas a distancia.

APRESENTAÇÃO

As pesquisas desenvolvidas nos últimosanos, indicam uma correlação entre a qua-lidade do processo educacional e o de-sempenho dos gestores educacionais.Assim, as políticas educacionais, nacio-nais e internacionais, passaram a enfatizara figura do gestor da escola básica, dossistemas e redes de ensino, de universida-des e instituições de ensino superior, comoum elemento chave para a melhoria da qua-lidade da educação em todo mundo.

No Brasil, especialmente, a partir de 1996com a promulgação da Lei de Diretrizes eBases da Educação Nacional - LDB nº 9394/96, cujo artigo 64 estabelece a formaçãodos profissionais de educação para a ad-

ministração, planejamento, inspeção, su-pervisão e orientação educacional" tantoem cursos de graduação quanto de pós-graduação, o muitos programas e cursos,presencias e a distancia passaram a seroferecidos.

Os programas e cursos nessa linha, na suagrande maioria, são implementados nacondição de extensão universitária, algu-mas vezes provocados pelas Secretariasde Educação dos estados ou dos municí-pios, outras vezes espontaneamente con-duzidos pelas universidades e instituiçõesde ensino superior ou empresas deconsultoria. Em menor freqüência, porémcada vez em maior número, eles sãodisponibilizados como pós-graduação latosensu, ou seja, especialização, e, em me-nor escala ainda, como cursos de pós-gra-duação stricto sensu. O Ministério de Edu-cação também têm contribuído com inici-ativas voltadas para a qualificação, emlarga escala, dos gestores municipais deeducação e gestores escolares.

Este texto pretende realizar uma discus-são sobre possibilidades de formação ini-

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cial e continuada de profissionais de edu-cação para a gestão. Apresenta algunsquestionamentos sobre a formação conti-nuada e em serviço de gestores munici-pais de educação e de gestores de unida-des escolares no Brasil.

INTRODUÇÃO

A consolidação da democracia e da políti-ca neo-liberal provocaram inúmeras mu-danças no trabalho e na vida das pessoas.Além do mais, à proporção que a socieda-de se institucionaliza, organiza seu siste-ma de ensino e as instituições educacio-nais, mais aumenta a necessidade de estu-dos, pesquisas e experiências sobre a me-lhor forma de geri-las.

Este tema tornou-se crucial na sociedadedo conhecimento e das comunicações viaeletro - eletrônica. Nessa sociedade, a ad-ministração tradicional que fragmentava otrabalho, sobretudo o físico, em cargos eos alocava em departamentos não encon-tra mais guarida. As ações administrati-vas rotineiras e fechadas em um mesmoambiente de trabalho deram lugar à comu-nicação interativa (presencial ou não), aodiálogo entre pessoas e rede de pessoas,entre pessoas e dados, entre pessoas emeio ambiente, entre pessoas e comuni-dade real ou virtual, entre pessoas de umaou de muitas organizações e a socieda-de. Com simples clicar é possível o diálo-go com pessoas ou pesquisar obras emqualquer parte do mundo. Nessa nova con-figuração, transformaram-se o trabalho, o

lazer, a economia, as técnicas de pesquisa,as responsabilidades e o papel dosgestores que muda com freqüência e demodo imprevisível. Assim, as liderançasconstituídas também se alternam a depen-der dos interesses e da conclusão de cadaprojeto e dos objetivos almejadas. O trei-namento multifuncional passou a fazerparte desse mundo do trabalho como umaalternativa para enfrentar os desafios dasmudanças desejadas, previsíveis ou não(BRIDGES, 2001) . Nesse mesmo contexto,se inserem os sistemas escolares, tanto osmais tradicionais quanto os mais avança-dos, assim como todos os seus elemen-tos facilitadores ou complicadores.

As teorias gestoras tomaram novas confi-gurações para atender à sociedade da co-municação e do conhecimento que agora,além do trabalho gestor presencial, convi-ve com o trabalho gestor em rede e a dis-tância. Algumas competências gerenciasficaram obsoletas e foram substituídas poroutras necessárias. Neste cenário a lingua-gem também muda porque mudam osreferencias, as políticas, as posturas e asintenções. As organizações passam a serentendidas como organização de pessoasnão de pessoal ou de recursos humanos;a autoridade é resultado da conquistada enão do exercício do cargo ou da função; asolidariedade, a cooperação e a confiançatornam-se elementos centrais nas relaçõesorganizacionais e delas dependem a parti-cipação coletiva presencial ou virtual. Avirtualidade passa a fazer parte do cotidia-no das organizações sociais, inclusive da

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escola e demais instituições educacionais,que agora são ao mesmo tempo coesas edispersas com seus endereços eletrônicoscapazes de interligar alunos do mundo in-teiro. É possível, pois, afirmar que o mun-do ficou plano e bem menor, para usar aimagem de Thomas Friedman .

A solidificação da educação a distancia,por exemplo, trouxe junto novos concei-tos de escola e de universidade, econsequentemente de ensino - aprendiza-gem e gestão. É possível dar aulas, ensi-nar, monitorar, gerir a partir da própria casaou de uma "lan house" em qualquer local,cidade ou país e a qualquer hora. Os fa-mosos três turnos de trabalho, manhã, tar-de e noite, agora podem ser quatro, consi-derando os cursos a distância cujos alu-nos e professores navegam durante amadrugada. Nessa nova configuração tam-bém do ensinar, do aprender e do gerirpessoas ou rede de pessoas, é impossí-vel, manter na linha de frente, os tradicio-nais ensinamentos tayloristas/fordistas dadivisão do trabalho e do trabalho em série.

Um dos grandes desafios no campo daeducação é como gerir as tradicionais ins-tituições de ensino no mundo globalizadoe a nova instituição de ensino que minis-tra aulas a distância através de um oumais meios de comunicação, como correioeletrônico, videoconferência, fax, com au-las gravadas em CD ou DVD, faz orienta-ção por telefone, usa correio postal e semovimenta em ambiente virtual de apren-dizagem. O ambiente virtual está se tor-

nando muito comum e bastante usada nocampo educacional, trata-se de uma pla-taforma on-line onde os conteúdos sãodisponibilizados em uma linguagemmultimídia. Ele possibilita que professo-res e alunos on line interajam através dechats, blogs, murais de recado, fotos, e-mail, fóruns, outros. Um dos exemplos deplataforma bem conhecido por gestores eprofessores é o eproinfo, muito usado noscursos virtuais disponibilizados pelo MEC.

Algumas questões podem logo serem con-sideradas: como preparar os gestores, pro-fessores e estudantes para atuarem nestecenário que convive com desafios tradici-onais não resolvidos e com novos desafi-os do mundo da educação virtual, comogerir-los?

Em todo o mundo, há uma pressão paraque a educação responda de modo efici-ente, eficaz e ainda com eficiência socialàs novas demandas desse mundo cada vezmais veloz, interligado por redes de comu-nicação, interdependente e cheio de con-tradições. A gestão tornou-se a grandeesperança da sociedade que se organizacada vez mais em instituições físicas ouvirtuais. Entretanto, é importante pergun-tar quem são os gestores no campo edu-cacional? Qual o perfil desses gestores?Que formação eles têm? Qual o nível deescolaridade? Como está sendoimplementada a preparação desse gestor?Como estão sendo conduzidos os cursospresenciais e a distancia relacionados àformação continuada em serviço de

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gestores educacionais? Que experiênciase práticas, voltadas para os sistemas mu-nicipais de educação básica e unidadesescolares, são desenvolvidas? É precisoindagar: de que forma o gestor educacio-nal está reagindo frente a essas mudanças?

Vejamos quem são os gestores educacio-nais brasileiros, que nível de escolaridadeeles têm e como estão distribuídos nacio-nalmente.

NÍVEL DE ESCOLARIDADE DOSGESTORES

Segundo dados apresentados pelo Insti-tuto Nacional de Estudos e Pesquisas emEducação Anísio Teixeira (INEP ), em 2004,havia mais diretores de escolas básicascom pós-graduação no sul do Brasil doque no resto do país, ocasionando umadiscrepância regional com relação à essaquestão. Além da diversidade de nível deformação, há também uma diversidade noscursos de formação inicial.

Os gestores procedem das mais diversasáreas do conhecimento e de vários níveiseducacionais. Naquele mesmo ano, os da-dos do INEP apontavam que havia 394gestores de escolas de educação básicacujo nível educacional era apenas corres-pondente ao ensino fundamental incom-pleto, 838 só tinham completado o cursofundamental, 3.255 tinham curso médio semmagistério, 37.523 tinham concluído cursode magistério, 5.099 terminaram o cursosuperior sem licenciatura, 60.058 possuí-

am curso de licenciatura e 31.940 eram pós-graduados. Apenas 53,18 % dos gestoreslicenciados tinham pós-graduação (em-bora os dados não afirmem que a pós-gra-duação era em gestão da educação), sen-do que 18.613 (ou seja 58,27%) desses úl-timos se concentravam no sul e sudestedo país. O norte e o centro-oeste apresen-tavam, na época, os menores índices comrelação a este tema.

Se considerarmos os gestores dos siste-mas municipais de educação, de universi-dade e de instituições de ensino superior,a diversidade de área e de nível de forma-ção também é consideravelmente ampla,além do mais a grande maioria não tem for-mação em gestão.

O item escolaridade dos gestores educa-cionais no Brasil não poderia ser maisdispar. Discute-se muito mais a formaçãode gestores ou dirigentes municipais deeducação e de dirigentes escolares do quea dos dirigentes de universidades e insti-tuições de ensino superior (IES). Mas,nesse segmento existem problemas nãoresolvidos com a formação dos gestores.O Instituto Internacional de Planejamentoda Educação(IIPE/UNESCO) tem imple-mentado projetos internacionais voltadospara o estudo dessa questão e identifica-do que ainda é necessário desenvolver umtrabalho sistemático de preparação degestores para as universidades e institui-ções de ensino superior .

O Plano Nacional de Educação- PNE- apro-

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vado em 2001- dispõe sobre a ampliaçãoda oferta de cursos de formação em admi-nistração escolar nas instituições públi-cas de nível superior, afirmando que emcinco anos, 50% dos diretores, pelo me-nos, possuam formação específica em ní-vel superior e que, no final da década, to-das as escolas contem com diretores ade-quadamente formados em nível superior,preferencialmente com cursos de especia-lização. Estamos em 2007 e, apesar do gran-de esforço político que vem sendo empre-endido, não há dados que indiquem que oBrasil conseguiu atingir esta meta ou quevá conseguir em curto prazo. Os dados doINEP já citados, evidenciam que a situa-ção da formação dos gestores do ensinobásico era gritante em 2004 e não há da-dos novos que indiquem mudança subs-tancial.

O GESTOR EDUCACIONAL FRENTEÀS TRANSFORMAÇÕES...

Para Sander ( 1995, p. 157) a

[...] qualidade da gestão correta-mente concebida e exercida de-pende, em grande medida, da ca-pacidade institucional para cons-truir e distribuir o conhecimen-to, definido como fator chavedos novos padrões de desenvol-vimento e da nova matriz dasrelações sociais tanto a nívelnacional como no âmbito inter-nacional.

Com a ênfase atual que é dada á comuni-cação, à participação e à gestão democrá-tica da educação, o papel do gestor tor-nou-se mais importante ainda. É preciso

uma preparação especifica para convivercom as novas demandas que enfrentam eresolver os desafios de modo satisfatóriocom transparência e ética.

Usando as palavras de Norberto Bobbio( 2004, p.77)

[...] por sistema democrático en-tende-se hoje preliminarmenteum conjunto de regras proce-dimentais, das quais a regra damaioria é a principal mas não aúnica...

Essa é uma das transformações que fazemparte do mundo de todos os gestores deeducação (quer sejam gestores escolares,municipais, de IES ou de universidades),logo é precisa aprender a lidar democrati-camente com situações conflitantes, é pre-ciso vivenciar experiências práticas eaprofundar o estudo teórico.

O contexto da globalização acelerada, aeconomia de mercado, a grande valoriza-ção do desenvolvimento científico etecnológico, as grandes inovações no cam-po das tecnologias das comunicações dofinal do século XX, tiveram todos essesgrande impacto nas políticas públicas e nasvidas das pessoas . Desse modo, as polí-ticas educacionais e a legislação têm deter-minado mudanças substantivas na gestãoda coisa pública. Há uma urgência para queos gestores sejam profissionais que de-monstrem mérito e competência comprova-da no exercício de suas funções, sejam lí-deres democráticos, éticos, congreguem osliderados em torno de objetivos nobres, de-senvolvam líderes proativos, participativos

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e democráticos, respeitem os valores hu-manos e o meio ambiente. Além disso, ogestor deve ser capaz de compartilhar su-cessos e acatar responsabilidades. O pa-pel de vitima ou de irresponsável por er-ros cometidos não pode fazer parte doseu repertório. Mas, como é preparado estegestor que além do administrativo devecuidar para que o processo e os resulta-dos pedagógicos sejam de qualidade, deveser um comunicador, um amimador e ter,naturalmente, competência técnica, polí-tica e humana? Que conteúdos, habilida-des e competências os cursos de forma-ção de gestores, oferecidos na atualidade,enfatizam?

A FORMAÇÃO DE GESTORES EDU-CACIONAIS

Dentre as políticas públicas brasileirasdestacamos as educacionais, voltadaspara a formação inicial e a formação e atu-alização em serviço, presencial e a distân-cia, dos gestores da educação e de suasequipes de gestores. Na formação inicial épreciso superar a histórica dicotomia en-tre teoria e prática e o divórcio entre a for-mação pedagógica e a formação no campodos conhecimentos específicos que serãotrabalhados cotidianamente.

Contudo, como declara o PNE, a formaçãocontinuada dos gestores em educação as-sume particular importância, em decorrênciado avanço científico e tecnológico e deexigência de níveis de conhecimentos sem-

pre mais amplos e profundos na sociedademoderna. Assim, o PNE enfatiza a forma-ção permanente (em serviço) dos profissi-onais da educação, determinando que, emtodos os Estados, sejam implementadosprogramas diversificados de formação con-tinuada e atualização voltados para amelhoria do desempenho da função ou car-go de diretores de escolas, os quais devemocorrer com a colaboração dos Municípiose das universidades. Isto é relevante tam-bém porque um dos objetivos do referidoPlano é democratizar a gestão do ensinopúblico, obedecendo os princípios da par-ticipação dos profissionais da educação naelaboração do projeto pedagógico da es-cola e a das comunidades escolar e localem conselhos escolares ou equivalentes.

O PNE, com vigência para dez anos, é umdos instrumentos legais cuja observânciapode gerar

[...] grandes mudanças, no panora-ma de desenvolvimento, da inclu-são social, da produção científica eda cidadania do povo brasileiro(PNE, 2001).

Esse Plano prevê a criação de um amplosistema interativo de educação a distância,com vistas à ampliação das possibilidadesde atendimento nos cursos presenciais, re-gulares ou de educação continuada. A for-mação continuada, parte da estratégia demelhoria permanente da qualidade da edu-cação, propiciará abertura de novos hori-zontes na atuação profissional e, se a dis-tância, incluirá sempre uma parte presencial,com encontros coletivos e a busca de seuaperfeiçoamento técnico, ético e político.

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O PNE prevê, ainda, o desenvolvimento deprogramas de educação a distância quepossam ser utilizados também em cursossemi-presenciais modulares.

O conteúdo programático desses cursospresenciais e a distância está atendendo asreais necessidades desse novo cenário demudanças no mundo do trabalho? Seráque os gestores educacionais estão prepa-rados para lidar com a tecnologia dos cur-sos a distância?

Podemos afirmar, sem medo de errar, que overtiginoso crescimento dos cursos deeducação a distancia está criando uma or-ganização educacional virtual, talvez mes-mo um novo sistema educacional virtual,entendendo-a como aquela que sabemosque existe, usufruímos dos seus serviços,contribuímos com seus serviços, mas nemsempre ela é vista no mundo físico em ape-nas um local com um endereço concretoem um certo bairro. Com a virtualidade, asinstituições e seus trabalhadores estão fi-sicamente em vários locais ( em casa, emviagens) e mesmo assim podem fazer suasatividades.

Pois bem, esta virtualidade em educaçãoestá crescendo muito no Brasil e no mun-do. O docente on line ou tutor faz partedesse mundo. Ele pode trabalhar à noite,durante a madrugada em sua casa, aten-der a todos os alunos sob sua responsa-bilidade, interagir on line, sem jamais verfisicamente os alunos, a instituiçãoeducativa ou ser visto pessoalmente.

Igualmente, os gestores dos sistemas deeducação a distancia podem não conhe-cer fisicamente seus liderados.

Essas questões devem ser inseridas noscursos de formação dos gestores, especi-almente daqueles que atuam as escolas enos sistema públicos de ensino. Uma rápi-da análise dos conteúdos desses cursospermite visualizar que a grande maioria doscursos examinados é consistente nas ofer-tas: tem programação didática muito se-melhante. Raramente introduzem as novastecnologias ou novas abordagens de comotrabalhar com esse mundo semi-presencialou semi-virtual, se é que pode ser chama-do assim. Como gerir uma instituiçãopresencial que também oferece cursos adistancia? Esta é outra questão que aindanão encontra abrigo nos referidos progra-mas de ensino.

No geral, há desinformação sobre as inter-relações entre processos gestor e peda-gógico e as possibilidades dos meios decomunicação presencias e virtuais. O as-pecto pedagógico continua sendo defini-do, na maior parte das vezes, depois dosinteresses dos setores financeiros e admi-nistrativos pelos órgãos competentes. Agrande maioria dos gestores não lida bemcom as questões gerencias da educação adistancia ou presencial, porque não é pre-parado para tal. A grande ênfase nos refe-ridos cursos de formação ainda é a gestãodemocrática e os instrumentos de partici-pação disponíveis nos sistemas de ensi-no e nas escolas, embora, contraditoria-

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mente, na maioria das vezes os gestoresparticipem sem a companhia dos seusliderados.

Contudo, devemos citar um bom exemplode trabalho de formação de gestores emconjunto com sua equipe de trabalho con-forme uma das tendências atuais, trata-seda experiência de "Formação Continuadados Profissionais em Educação" , desen-volvida pela Secretaria Municipal de Edu-cação, Cultura e Desporto de São Gabrieldo Oeste - Mato Grosso do Sul. Neste tra-balho todos foram envolvidos: gestores,professores, servidores técnico-adminis-trativos, motoristas e merendeiros. Foigarantido um dia por mês no CalendárioEscolar das três redes escolares ( estadu-al, municipal e privada) para essa Forma-ção Continuada, viabilizando o atendi-mento de profissionais de todas as redesde forma sistemática e permanente. Areferida experiência se baseia numa con-cepção ampla de gestão educacional, quearticula os aspectos administrativos epedagógicos numa política integrada deformação continuada e de valorizaçãoprofissional coletiva. Esse bom exemplopode ser seguido por outras instituiçõesque desejam melhorar a gestão da edu-cação.

De igual forma, o PROGESTÃO- Programade Capacitação a Distância para GestoresEscolares, organiza as atividades de estu-do para a equipe gestora das escolas pu-blicas. A sugestão que fica é de que os

gestores em educação participem de cur-sos presenciais ou a distancia com suasequipes de trabalho, pois o trabalhogestor é atualmente percebido como co-letivo. A complexidade das ações exigidasdo gestor educacional contrasta com aboa parte da formação profissional indi-vidual e a relação entre trabalho profissi-onal na escola, no sistema de ensino, naIES, na universidade.

MAIS QUESTIONAMENTOS E ALGU-MAS SUGESTÕES

O que efetivamente mudou nos cursos deformação de gestor educacionais? Comoas novas responsabilidades imputadas aesses gestores e sua equipe estão sendodiscutidas nos referidos cursos? O que taiscursos têm de relevante para a nova práti-ca que se impõe nos contextos semipresencial e virtual da educação atual?

As questões apresentadas tiveram o ob-jetivo apenas de inquietar os planejadoresdos cursos de formação de gestores. Nãohouve a pretensão de esgotar osquestionamentos ou de responde-los, masde chamar a atenção para as suas novasnecessidades partir das atuais tendênciasdo cenário político e educacional. Há quese buscar novas formas de definir conteú-dos de cursos de formação de gestoresda educação, é preciso ouvi-los mais eenvolve-los nas definições a serem toma-das. Que lições podemos aprender? Épossível indicar algumas possibilidades

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decorrentes: a preparação coletiva daequipe gestora, a necessidade de renovara preparação dos gestores e a atualizaçãodos conteúdos dos cursos com a introdu-ção de elementos relacionados com omundo virtual da educação e da suagestão.

É importante a leitura cuidadosa do PNEque, dentre outras coisas define, comoindicado anteriormente, a implementaçãode um sistema interativo de educação adistância. Além disso com relação a ges-tão, determinar no seu item 11.3.2 osseguintes objetivos a serem perseguidos,sendo importante, conveniente e neces-sário a inclusão desses conhecimentos ede estratégias relacionadas nos cursos degestores:

11.3.2 Gestão

19. Aperfeiçoar o regime de co-laboração entre os sistemas deensino com vistas a uma açãocoordenada entre entes federa-tivos, compartilhando responsa-bilidades, a partir das funçõesconstitucionais próprias e suple-tivas e das metas deste PNE.**20. Estimular a colaboração en-tre as redes e sistemas de ensinomunicipais, através de apoio téc-nico a consórcios intermunicipaise colegiados regionais consulti-vos, quando necessários.21. Estimular a criação de Con-selhos Municipais de Educação eapoiar tecnicamente os Municí-pios que optarem por constituirsistemas municipais de ensino.22. Definir, em cada sistema deensino, normas de gestão demo-crática do ensino público, com a

participação da comunidade.

23. Editar pelos sistemas de ensi-no, normas e diretrizes geraisdesburocratizantes e flexíveis, queestimulem a iniciativa e a açãoinovadora das instituições esco-lares.24. Desenvolver padrão de ges-tão que tenha como elementos adestinação de recursos para as ati-vidades-fim, a descentraliza-ção,a autonomia da escola, a eqüida-de, o foco na aprendizagem dosalunos e a participação da comu-nidade.25. Elaborar e executar planosestaduais e municipais de educa-ção, em consonância com estePNE.26. Organizar a educação básicano campo, de modo a preservaras escolas rurais no meio rural eimbuídas dos valores rurais.27. Apoiar tecnicamente as es-colas na elaboração e execuçãode sua proposta pedagógica.28. Assegurar a autonomia admi-nistrativa e pedagógica das esco-las e ampliar sua autonomia fi-nanceira, através do repasse derecursos diretamente às escolaspara pequenas despesas de manu-tenção e cumprimento de suaproposta pedagógica.29. Informatizar, em três anos,com auxílio técnico e financeiroda União, as secretarias estaduaisde educação, integrando-as emrede ao sistema nacional de esta-tísticas educacionais.30. Informatizar progressiva-mente, em dez anos, com auxíliotécnico e financeiro da União edos Estados, todas as secretariasmunicipais de educação, atenden-do, em cinco anos pelo menos, ametade dos Municípios com maisde 20.000 habitantes.31. Estabelecer, em todos os Es-tados, com auxílio técnico e fi-nanceiro da União, programas de

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formação do pessoal técnico dassecretarias, para suprir, em cincoanos, pelo menos, as necessida-des dos setores de informação eestatísticas educacionais, plane-jamento e avaliação.32. Promover medidas adminis-trativas que assegurem a perma-nência dos técnicos formados ecom bom desempenho nos qua-dros das secretarias.33. Informatizar, gradualmente,com auxílio técnico e financei-ro da União, a administração dasescolas com mais de 100 alunos,conectando-as em rede com assecretarias de educação, de talforma que, em dez anos, todas asescolas estejam no sistema.34. Estabelecer, em todos osEstados, com a colaboração dosMunicípios e das universidades,programas diversificados de for-mação continuada e atualizaçãovisando a melhoria do desempe-nho no exercício da função oucargo de diretores de escolas.35. Assegurar que, em cincoanos, 50% dos diretores, pelomenos, possuam formação espe-cífica em nível superior e que,no final da década, todas as es-colas contem com diretores ade-quadamente formados em nívelsuperior, preferencialmente comcursos de especialização.36. Ampliar a oferta de cursosde formação em administraçãoescolar nas instituições públicasde nível superior, de forma a per-mitir o cumprimento da meta an-terior (PNE, 2001, p.75).

A Educação é uma preocupação de estadoque repercute em todos os rincões do pais.

É importante implantar sistemas de infor-mação sobre os cursos de formação degestores em educação e consolidar um sis-tema de avaliação - indispensável para ve-

REFERÊNCIAS

BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia.São Paulo: Paz e terra, 2004.

BRASIL. Constituição da República Federativado Brasil, promulgada em 5 de outubro de 1988,organização dos textos, notas remissivas e índi-ces por Juarez de Oliveira, 5 ed. São Paulo: Sa-raiva, 1991. (Série legislação brasileira).

BRASIL. Plano Nacional da Educação, Lei N.10.172 de 10-01-2001. Disponível em http://www.abrelivros.org.br/abrelivros/dados/anexos/129.pdf. Acesso em 10 de dezembro de 2006.

Classroom and distance-learning adminis-tration.

Abstract: This paper discusses professionaltraining of educational administrators reviewingthe issues related to classroom-based educationalprograms as well as distance-learning in-servicetraining of educational managers.

Keywords: In-service training; Educationalmanagement; Distance-learning programs.

La sala de clase y la administración de laeducación de la distancia

Resumen: El articulo discute el entrenamientoprofesional de los administradores educativos querepasan las ediciones relacionadas con los progra-mas educativos en la sala de clase así como elentrenamiento en servicio en la distancia de losencargados educativos.

Palabras claves: Entrenamiento en servicio;Gerencia educativa; Programas que aprenden dedistancia.

Artigo recebido em: 10/12/2006.Aprovado para publicação em: 21/12/2006.

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rificar a eficácia das políticas públicas emmatéria de gestão da educação. A adoçãodessas medidas requer a formação de re-cursos humanos qualificados e a informa-tização dos serviços.

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BRIDGES, William. Conduzindo a organizaçãosem cargos. In: HESSELBEIN, Frances et al. Olíder do futuro. São Paulo: Futura, 2001.

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SANDER, Benno. Gestão da educação na Amé-rica Latina: construção e reconstrução doconhecimento. Campinas, São Paulo: AutoresAssociados, 1995.

Sobre a autora:

1 Katia Siqueira de FreitasPh.D. em Administração Educacional, ThePennsylvania State University (PSU), EUA. Pro-fessora e Pesquisadora da Universidade Católicado Salvador (UCSal), Programa de Mestrado emPolíticas Sociais e Cidadania.E-mail: [email protected]

Endereço Postal: Universidade Catolica de Salva-dor. Av. Anita Garibaldi, n. 2981. Rio Vermelho,CEP: 41940-450, Salvador/ BA, Brasil.

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Instruções editoriais para autoresPublishing instructions for authors

A GESTÃO EM AÇÃO (GA) é uma publicação quadrimestral e irá considerar para fins depublicação trabalhos originais que sejam classificados em uma das seguintes modalidades:GESTÃO EM AÇÃO (GA) is published quarterly and considers for publication original works that are classifiedin one of the following areas:

– Resultados de pesquisas sob a forma de artigos/Results of research;– Ensaios/Essays;– Resumos de teses/Summaries of MA or Ph.D;– Dissertações/Theses or dissertations;– Monografias/Monographs;– Estudos de caso/Case Studies.

A aceitação para publicação de qualquer trabalho está subordinada à prévia aprovação doConselho Editorial da GA e ao atendimento das condições especificadas.The acceptance forpublication of any work is subject to the approval of the Editorial Committee of the Gestaoem Acao and to meeting any specified conditions. In order to be considered, submissions should be:

– Os trabalhos deverão ser entregues em três vias impressas e em disquete WinWord 7.0ou superior (contendo o texto completo, tabelas etc.).

– Delivered in one of three ways printed and floppy or compact disc in 7,0 WinWord or superior(containing the complete text, tables etc.).

– Devem estar de acordo com a NBR6022/2003, norma referente a artigo em publicaçãoperiódica científica impressa.

– To be in accordance with NBR 6022/2003, the norm specified for articles published in scientificjournals.

– Devem ter entre 8 e 20 páginas e obedecer o seguinte formato: papel tamanho A4;espaçamento de 1,5 linhas; margens 2,5cm; fonte Times New Roman 12 e parágrafojustificado.Na etiqueta do disquete deverá constar o título do trabalho, o nome doautor, a instituição a que está vinculado, e-mail e telefone de contato.

– Between 8 and 20 pages in the following format: paper sized A4; spacing of 1,5 lines; edges 2,5cm; fontTimes New Roman 12 with justified paragraphs.

– Indicate, on the label of the floppy or compact disc, the title of the work, the name of the author, theinstitution the author is affiliated with, email and telephone number.

– Os dados sobre o autor (nome completo, endereço postal, telefone, e-mail, titulaçãoacadêmica, cargo, função e vinculação institucional) e o título completo do artigo,devem ser colocados em página de rosto. Mestrandos e doutorandos devem indicar onome dos seus orientadores. Na primeira página do texto deve constar o título comple-to do artigo, omitindo-se o nome do autor.

– Indicate on the inital page, the author's full name, postal address, telephone, email, academic title,position, function and institional connection) and the complete title of the article.

– The first page of the text should contain the complete title of the article, omitting the name of the author.– MA and Ph.D. theses must indicate the name of the principal advisors or comitte members.

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– As citações e notas devem ser apresentadas de acordo com a NBR 10520/2002.– To present citations and notes in accordance with NBR 10520/2002.

– Citações curtas: integradas ao texto, entre aspas, seguidas de parênteses com o sobre-nome do autor, ano da publicação e indicação da página. Citações longas: serão separa-das do texto (parágrafo único), corpo menor que o do texto, espaço simples, comindicação do autor, ano e página.

– Short citations will be integrated to the text, between quotations marks, followed of parentheses with thelast name of the author, year of the publication and the page number.

– Long citations will be separated within the text as a paragraph, a smaller size font than the text, singlespace, indicating the author, year and page.

– As menções a autores, no decorrer do texto, devem seguir o sistema de citação Autor/Data (Ver NBR 10520/2003).

– Citations of authors must follow the system Author/Data (see NBR 10520/2003).

– Figuras, gráficos, tabelas, mapas etc. devem ser apresentados em folhas separadasdo texto (com a devida indicação dos locais onde serão inseridos); devem ser numera-dos, titulados e apresentar indicações sobre as suas fontes.

– Figures, graphs, tables, maps etc. should be on separate pages of the text (with indication of theplaces where they are to be inserted); all should be numbered, titled and with sources specified.

– Siglas e abreviações, quando mencionadas pela primeira vez no texto deverão estarescritas por extenso.

– Acronyms and abbreviations should be spelled out when first mentioned in the text.

– Os artigos podem ser apresentados em português, espanhol, francês ou inglês e devemser acompanhados de um resumo informativo no idioma original e em inglês (Abstract),de até 10 linhas e de no máximo três palavras-chave (ver NBR 6028/1990, da ABNT).

– The articles can be submitted in Portuguese, Spanish, French or English and must include an abstractor summary in the original language and in English of up to 10 lines and with a maximum of three keywords (see NBR 6028/1990, of the ABNT).

– As referências bibliográficas devem ser completas, apresentadas ao final do artigo, emordem alfabética, obedecendo às Normas da Associação Brasileira de Normas TécnicasABNT (NBR 6023/2002), por exemplo:

– Bibliographical references must be complete, located at the end of the article, in alphabetical order(see - ABNT NBR 6023/2002). For example:

Monografias - autor; título; edição; imprenta (local, editor e ano de publica-ção); descrição física (nº de páginas/volumes); série ou coleção.Monographs - author; title; edition; publisher (place, publisher and year of publication);number of páges/volume, series or collection.

Artigos em periódicos – autor; título; nome do periódico; local onde foipublicado; número do volume e do fascículo; páginas inicial e final doartigo; mês; ano.Periodical articles - author; title; name of the periodical; place where published;number of the volume; initial and final page numbers of the article; month; year ofpublication.

ESTÊVÃO, C. V. A administração educacional em Portugal: teorias apli-cadas e suas práticas. Revista de Administração Educacional, Recife,v.2, n.6, p.9-20, jul./dez.2000a.

Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 419-421, set./dez. 2006

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Heller, Agnes. O cotidiano e a história. Rio de Janeiro: Paz e Terra,2000.

INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCA-CIONAIS – INEP. Ministro dá posse ao Conselho do FUNDEF. 27 demaio de 1998. Disponível em:< http://www.inep.gov.br/notícias/news>Acesso em: 12 fev.2003

– Serão fornecidos, gratuitamente, ao autor principal de cada artigo cinco exemplares donúmero da revista em que seu trabalho foi publicado. A Gestão em Ação não se obriga adevolver os originais das colaborações enviadas. Os textos assinados são de responsabili-dade de seus autores.

– Each main author of each article will receive five copies of the volume of the journal. Gestão em Açãowill not return the originals of any submissions. The authors are responsible for the accuracy of alltexts.

– As colaborações deverão ser encaminhadas para:– Submissions shold be sent to:

Revista Gestão em AçãoA/c Dr. José Albertino carvalho Lordelo,Universidade Federal da BahiaCentro de Estudos Interdisciplinares para o Setor PúblicoAv. Adhemar de Barros, Campus Universitário de Ondina, Pavilhão.IV –Salvador, BA, Brasil CEP. 40.170-110,ou para o e-mail:[email protected];website: http://www.gestaoemacao.ufba.br

Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 419-421, set./dez. 2006

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Política Editorial Gestão em Ação (GA)

TÍTULO I - DO OBJETIVO

Art. 1º A Gestão em Ação (GA), editada sob a parceria e responsabilidade da Linha de Pesquisa Políticase Gestão em Educação (LPGE), do Programa de Pós-Graduação em Educação da FACED/UFBA e doCentro de Estudos Interdisciplinares para o Setor Público (ISP/UFBA)- tem por objetivo a difusão deestudos, pesquisas e documentos relativos à educação superior, à pós-graduação e aos processos dagestão, da educação presencial, aberta,continuada e a distância, bem como questões relativas às políticaspúblicas, planejamento, descentralização e municipalização do ensino, autonomia, avaliação e financi-amento.

TÍTULO II - DO PÚBLICO ALVO

Art. 2º A Gestão em Ação (GA) tem como público-alvo docentes e alunos de pós-graduação, pesquisa-dores e gestores de instituições de ensino superior e de pesquisa, gestores de associações científicas eprofissionais, dirigentes e técnicos da área da Educação e demais órgãos envolvidos na formação depessoal e produção científica.

TITULO III - DAS RESPONSABILIDADES

Art. 3° As responsabilidades da Gestão em Ação (GA) serão exercidas por um Editor, um ConselhoEditorial e um Comitê Científico.

§1° Exercerá a função de Editor um Professor Doutor vinculado à Faculdade de Educação daUniversidade Federal da Bahia (FACED), ao Programa de Pós-Graduação em Educação daUFBA, à Linha de Pesquisa Políticas e Gestão em Educação (LPGE) e ao Centro de EstudosInterdisciplinares para o Setor Público (ISP), voluntariamente.§2° Compete ao Editor:I. convocar e coordenar as reuniões do Conselho Editorial e do Comitê Científico;II. distribuir os artigos recebidos para publicação ao Comitê Científico e/ou aos consultores ad hoc;III. coordenar os trabalhos de editoração, produção e distribuição da revista.

Art. 4° Compete ao Conselho Editorial elaborar a política editorial do periódico.

§1° Integram o Conselho Editorial da revista 17 membros com mandato temporário:I - um representante do ISP;II - um representante da LPGE;III - um representante da comunidade científica nacional e um representante da comunidadecientífica internacional, indicados pelo ISP;IV - um representante da comunidade científica nacional e um representante da comunidadecientífica internacional, indicados pela LPGE;V - um representante da comunidade científica nacional e um representante da comunidadecientífica internacional, indicados pelo PGP/LIDERE;VI - um representante da comunidade científica nacional e um representante da comunidadecientífica internacional, indicados pelo Comitê Científico.§2° Os membros do Conselho Editorial serão designados, com número igual de suplentes, paraum mandato de dois anos, sendo possível a prorrogação de mandato.§3° Não há limite de prorrogação do mandato de suplentes.

Art. 5° O Comitê Científico tem por competência emitir pareceres sobre as contribuições encaminhadasà GA e opinar sobre sua qualidade e relevância.

§1° O Comitê Científico será constituído por membros, escolhidos por sua competência acadêmi-ca e científica em áreas relacionadas à pós-graduação, podendo ser substituídos a critério doConselho Editorial.

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Art. 6° Compete ao PGP/LIDERE, a LPGE e ao ISP manter a Secretaria-Executiva da GA sob acoordenação do Editor.

Art. 7° Compete à Líder de Publicações e Coleta de Dados do PGP/LIDERE a divulgação,editoração, produção gráfica, controle de assinantes e distribuição das versões eletrônicas eimpressas da GA.

TÍTULO IV - DA PERIODICIDADE E DAS SEÇÕES DA REVISTA

Art. 8º A Gestão em Ação terá periodicidade quadrimestral e contará com as seguintes seções:- Editorial;- Estudos - divulga trabalhos de caráter acadêmico-científico (conforme especificado noArt.10º).

Art. 9° A revista terá divulgação impressa e eletrônica.§1° A revista impressa será distribuída gratuitamente, a título de permuta, para progra-mas de pós-graduação, pró-reitorias de pós-graduação e bibliotecas de instituições deensino superior, órgãos públicos, mantendo possibilidade de subscrição para assinaturas.§2° A publicação eletrônica da revista terá acesso gratuito.

TÍTULO V - DA ORIENTAÇÃO EDITORIAL

Art. 10º Serão aceitos trabalhos originais que sejam classificados em uma das seguintes moda-lidades: resultados de pesquisas sob a forma de artigos: ensaios; resumos de teses; dissertações;monografias; estudos de caso.

Art. 11º O autor será comunicado do resultado da avaliação do seu trabalho em até 90 (noventa)dias.

Art. 12º Serão remetidos a cada autor 05(cinco) exemplares do número em que for publicada asua colaboração.

Art. 13º A publicação de artigos não é remunerada, sendo permitida a reprodução total ou parcialdos mesmos, desde que citada a fonte.

Art. 14º Os artigos assinados serão de responsabilidade exclusiva de seus autores, não refletindo,necessariamente, a opinião da GA/PGP/LIDERE/ISP/FACED.

Art. 15º A critério do Conselho Editorial da GA, poderão ser aceitas e publicadas colaboraçõesem língua estrangeira.

Art. 16º Os originais podem ser adaptados para fins de editoração, em adequação às normas da GA.

Art. 17° As colaborações para a GA devem ser enviadas à redação, de acordo com as normaseditoriais.

Art. 18° Toda autoria dos pareceres e dos artigos, durante o processo de avaliação, será mantidaem sigilo.

TÍTULO VI - DAS DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 19° Os casos omissos e as dúvidas suscitadas na aplicação do presente Regimento serãodirimidos pelo Conselho Editorial da GA.

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425Gest. Ação, Salvador, v.9, n.2, p. 425-426, maio/ago. 2006

Publicações Permutadas

AE AMBIENTE E EDUCAÇÃOFURG

AMAZONIAUFAM

CADERNO CRHEDUFBA

CADERNOS CAMILLIANIRevista da São Camilo/ES

CADERNOS DE DIREITO FESOFundação Educacional Serra dos Orgãos/RJ

CADERNOS DE PESQUISA EMADMINISTRAÇÃOUSP

CADERNOS PPG-AUUFBA

CADERNOS UFSUFS

CIÊNCIA HOJEInstituto CIÊNCIA HOJE

EDUCAÇÃO E CONTEMPORANEIDADEUNEB

EDUCAÇÃO E SOCIEDADECEDES

EDUCAÇÃO EM FOCO: REVISTA DEEDUCAÇÃOUFJF

EDUCATIVAUCG

ENSAIO- Avaliação e Políticas Públicasem educaçãoFundação CESGRANRIO

FÊNIXNUPEP/UFPE

FORMADORES: VIVÊNCIA E ESTUDOSFaculdade Adventista da Bahia

FORUM CRÍTICO DA EDUCAÇÃOISEP

FÓRUM DE COORDENADORESUMESP

GESTÃO EM REDECONSED

LINGUAGENS EDUCAÇÃO E SOCIEDADEUFPI

O&S- ORGANIZAÇÃO E SOCIEDADEUFBA

QUAESTIO - REVISTA DE ESTUDOS DEEDUCAÇÃOUNISO

REVISTA AVALIAÇÃORAIES/UNICAMP

REVISTA BRASILEIRA DE INOVAÇÃOFINEP/RJ

REVISTA BRASILEIRA DE POLÍTICA EADMINISTRAÇÃO DA EDUCAÇÃOANPAE

REVISTA CANADARTUNEB/ABECAN

REVISTA CIÊNCIA & EDUCAÇÃOUNESP

REVISTA CIENTÍFICA ECCOSUNINOVE

REVISTA DA AATRAssociação de Advogados de TrabalhadoresRurais no Estado da Bahia - AATR

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Gest. Ação, Salvador, v.9, n.2, p. 425-426, maio/ago. 2006