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Jornal laboratório do curso de Comunicação Social da Universidade de Uberaba. 21 à 27 de putubro de 2003

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2 21 a 27 de outubro de 2003

Jornal-laboratório do curso de Comunicação Social, produzido e editado pelos alunos de Jornalismo e Publicidade & Propaganda da Universidade de Uberaba ([email protected])

Supervisora da Central de Produção: Alzira Borges Silva ([email protected]) • • • Edição: Alunos do curso de Comunicação Social • • • Projeto gráfico: André Azevedo ([email protected]) Diretor doCurso de Comunicação Social: Edvaldo Pereira Lima ([email protected]) • • • Coordenador da habilitação em Jornalismo: Raul Osório Vargas ([email protected]) • • •Coordenadora da habilitação em Publicidade e Propaganda: Karla Borges ([email protected]) • • • Professoras Orientadores: Norah Shallyamar Gamboa Vela ([email protected]), Neirimar deCastilho Ferreira ([email protected]) • • • Técnica do Laboratório de Fotografia: Neuza das Graças da Silva • • • Analista de Sistemas: Cláudio Maia Leopoldo ([email protected]) • • •Reitor: Marcelo Palmério • • • Ombudsman da Universidade de Uberaba: Newton Mamede • • • Jornalista e Assessor de Imprensa: Ricardo Aidar • • • Impressão: Gráfica ImprimaFale conosco: Universidade de Uberaba - Curso de Comunicação Social - Jornal Revelação - Sala L 18 - Av. Nenê Sabino, 1801 - Uberaba/MG - CEP 38055-500 • • • Tel: (34)3319-8953http:/www.revelacaoonline.uniube.br • • • Escreva para o painel do leitor: [email protected] - As opiniões emitidas em artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores

Luana Loren (*)

O patrimônio cultural, advindo do processode formação da sociedade, é a parte vital para aanálise dos traços cultu-rais de qualquer nação. Oprocesso de tombamentode monumentos históri-cos mantem viva a iden-tidade cultural dos povose permite a harmonia en-tre estes.

Contudo, a distorção do conceito demodernidade leva a sociedade à soberba cons-ciência de que sua formação independe de

Atitudes que valorizem opatrimônio histórico deUberaba merecem todo oapreço daqueles conscientesdos deveres de cidadão

vestígios históricos, resultando em um plenodesinteresse para com a conservaçãomemorial e monumental do patrimônio.

Em uma época na qual o apego sórdidoao dinheiro provocaavaria nas opiniões cívi-cas, qualquer atitudecom o intento de valori-zar o patrimônio históri-co da cidade de Uberaba,merece todo o apreço da-queles conscientes dos

deveres de ser cidadão.

* Estudante do ensino médio

Patrimônio culturalpromove cidadania

Assim como se afirma, há muitas décadas,que o ministério docente universitárionecessita de reformulação na linha doaprimoramento da qualidade e da consciênciaprofissional, pode-se afirmar, com maiorênfase e segurança, que essa reformulaçãodeve ser, acima de tudo, de autovalorizaçãoe, conseqüentemente, de auto-afirmaçãoprofissional. É certo e por demais sabido queuma classe somente se impõe de dentro parafora, com luta eesforço pró-prios, e não naespera de que osoutros o façampor ela. Princi-palmente se seconsiderar que aprofissão de professor não é liberal, masexercida com vínculo empregatício e remu-nerada como trabalho assalariado. E o meiomais eficaz de promover a valorização e aauto-afirmação profissional do magistério éo estabelecimento de um plano forte eurgentemente exeqüível de carreira docente.

Nas universidades públicas (federais eestaduais), a carreira docente já vem sendoregularizada dentro dos padrões e dasexigências oficiais, mas ainda há muito porfazer, tanto no aperfeiçoamento do pessoaldocente quanto na valorização profissionaldo magistério. Já em instituições parti-culares, mormente nas do interior, o planode carreira é incipiente, e o que está por fazeré muito mais vasto do que o que já foi ouestá sendo feito.

Já são históricas as lutas por “melhoriado ensino”, “melhoria de condições detrabalho” e, evidentemente, “melhor remu-neração”, no exercício profissional do magis-tério. Contraditoriamente, essas reivindi-cações e movimentos são muitíssimo maisfreqüentes nas universidades públicas do quenas particulares. Todavia, seja qual for acategoria das instituições universitárias,

públicas ou privadas, as lutas não surtemefeito, não sensibilizam autoridades nempatrões sem a autovalorização e a auto-afirmação do magistério como profissãoautônoma, dotada de identidade própria. Oucomo profissão independente. O seu lugar nocontexto profissional e social não seráreconhecido enquanto continuar sendoconsiderada e tratada, nas instituiçõesuniversitárias brasileiras, como apêndice,

como segundoemprego, comocomplementode outras pro-fissões exer-cidas pela mes-ma pessoa, oucomo bico.

Fato que ainda acontece por esses Brasis.Isso ocasiona a conhecida e badalada

crise por que passa a universidade e, emconseqüência, o ensino universitário e omagistério. Tríplice crise que se torna umasó. Todavia, não se pode conformar com issoe “deixar acontecer”. A luta, a revolução, asubversão dessa ordem deve partir dointerior, de dentro de cada professor e doconjunto, do interior da própria classe. Avalorização clamada e reclamada jamaisacontecerá sem uma bem estruturadaconsciência de classe e conseqüenteautovalorização. Consciência não só dereivindicações de direitos e de condiçõesdignas de trabalho, mas consciência donúcleo, da substância, da essência mesma domagistério, dessa profissão que se deveexercer por vocação e com responsabilidadee honestidade. Isto é, com a consciência deuma profissão distinta e autônoma.Consciência que gera e estabelece a auto-afirmação profissional da classe domagistério.

Newton Luís Mamede é Ombudsman daUniversidade de Uberaba

Auto-afirmaçãoprofissionalNewton Luís Mamede

É certo e por demais sabido que umaclasse somente se impõe de dentro parafora, com luta e esforço próprios, e não naespera de que os outros o façam por elaA Fundação Cultural de Uberaba convida

para o lançamento do livro “Fuga”, de RubensRibeiro, vencedor do concurso literário dacidade promovido em 2002.

O evento será realizado dia 29 de outubro,às 14h30, no saguão da Biblioteca Municipal

“Fuga” é lançadona Fundação CulturalLivro traz reminiscência da antiga Uberaba

Bernardo Guimarães, dentro da SemanaNacional do Livro e da Biblioteca.

A obra fala sobre a história da famíliaRibeiro e remonta à década de 30, do séculopassado, tendo como pano de fundo a cidadee diversos personagens de Uberaba.

Para refletir e pensar, nesta edição, contamoscom uma bela história de vida de uma pessoaque mesmo com todas as dificuldades nãodeixou de estampar o sorriso no rosto.

Paulo, deficiente físico, passou e passa portodas as dificuldades de uma pessoa portadora

História pra láde emocionante

de problemas físicos.Graziela Christina retrata a história deste

sorridente homem que é membro daAssociação de Deficientes Físicos deUberaba, ADEFU.

Vale a pena conferir!

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Além de exibir seus quadros feitos através de colagens, o professor Franciscon, do curso deMecicina, arrastou um tango e tocou Brasileirinho no acordeão

Cíntia Cunha, professora no curso Jornalismo,exibiu um número de dança do ventre

Coral da Escola Municipal Rural Maria Carolina Mendes cantou duas músicas que homenagearam os professores

Fábio Luís da Costa3º período de Jornalismo

Quem com pó de gizUm lápis e apagadorDeu o verbo a ViníciusMachado de Assis, Drummond?

Quem ensinou piano ao Tom?Quem pôs um lápis de corNos dedos de Portinari,Picasso e Van Gogh?

Inúmeras perguntas,como estas citadas namúsica, poderiam serfeitas e a resposta sempreseria a mesma: o Professor.

A letra dessa músicade Amilson Godoy e Celso Viáfora ilustra

bem a artífice do mestre que nos ensina eaprende, a cada dia, a fantástica e árdua tarefada construção do conhecimento.

No Centro Cultural Cecília Palmério,neste úlltimo dia 15, teve um show destesprofissionais que, além de transmitirconhecimento, agregar valores e ter ahumildade de ensinar, são verdadeiros artistas.

Médicos, odontólogos, jornalistas,administradores, enfim, professores, fizerama festa para os alunos.

Além de músicas, artes plásticas, dançastípicas, declamação de poemas, contos e

dublagens, esses profis-sionais alegraram o dia, emhomenagem aos alunos.Largaram o pó de giz paranos conceder um pouco deseus talentos, que não ficam

somente dentro das salas de aula.

AberturaO coral da Escola Municipal Rural Maria

Carolina Mendes abriu a apresentação,cantando músicas em homenagem aosprofessores presentes.O Coral, composto por40 crianças, está in-serido no projetoCanto Coral da cidadede Uberaba. A profes-sora de música e pe-dagoga Rose Priscila, diz que cerca de 19escolas participam deste projeto. Para ela, oprojeto tem grande importância na vidapessoal e escolar do aluno, pois a atenção e asocialização se fazem presentes. “O convívioem grupo é imprescindível para uma vidamenos individual.” Ela ainda acrescenta quemúsicas com fundamentos e de boa qualidade

são essenciais para o aprimoramento culturalde qualquer pessoa.

Além do Coral, vários professorescantaram, tocaram piano e até dançaram.

Danças “calien-tes”– como Salsa –foram apresentadaspelos professores docurso de Comuni-cação Social.

Para o professor edoutor em Ciências da Comunicação, AdriánFernandez, ser professor é ser facilitador deconhecimentos. “Na área universitária, oprofessor é o reflexo do que seria a profissãodo aluno. A troca de conhecimento específico,a experiência que o professor passa éimportante”. Adrián ressalta ainda que oprofessor é uma pessoa normal e não o donodo conhecimento absoluto. “Aliás, não existeverdade absoluta”, conclui.

Cíntia Cunha, também professora no cursode Comunicação, dançou duas músicas árabese vai além. Segundo Cíntia, professor é areferência do estudante, ele não é aquele quesó ensina; professor é aquele que buscacaminhos para que todos aprendam juntos. “Oofício de dar aulas é nobre e isso me encanta,”diz a professora.

Não importa a área que o estudante atuará,ter um professor que lida com a arte é ter umapessoa sensível, capaz de ser dinâmico aotransmitir os conhecimentos.

No curso de Odontologia, muitosprofessores são mestres e artistas – pleonasmoseria essa expressão? Ester e Rinaldo, casadose filhos de professores, cantaram belasmúsicas de Chico Buarque, Tom Jobim eVinícius de Moraes, alegrando a professora ecolega de profissão Ana Maria Vogt. Aprofessora que, também fez uma belíssimaapresentação com sua filha Luísa e sobrinhaMariana, relembrou os velhos tempos, quandoouviu a música Luíza de Chico. A professora

Ele pintarame bordaram!Professores mostram que também sabem fazer arte

Dia dos professores

Ter um professor que lida com aarte é ter uma pessoa sensível,capaz de ser dinâmico aotransmitir os conhecimentos

Professor é aquele quebusca caminhos para quetodos aprendam juntos

Fábi

o Lu

ís d

a Co

sta

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Professor Otaviano (segurando a guitarra ao alto) relembrou os “bons tempos” do rock’n roll dos anos 50 e 60

Professora Ana maria Vogt, do curso de Odontologia, junto com a filha Luísa e a colegaMariana, tocaram Moonlight Serenade e All I ask of you, o tema do Fantasma da Ópera

Os colombianos Raul Osório e Shirley, e os venezuelanos Norah Vela e Adrián Padilla,do curso de Comunicação Social,, arrasaram na salsa

Ester compara a Odontologia como umaespécie de arte, onde exige uma sensibilidadeno exercício da profissão. “Tenho poucadificuldade com os alunos, pois a música e opiano favoreceram o meu trabalho, tanto nolado de professora, quanto no lado deodontóloga”.

A turma de professores de Odonto marcoupresença. Como não poderia deixar a festapassar em branco, doutor Sultan Mattartambém deu o ar de sua graça. Com belosquadros mostrados, ele prova que com 52anos de profissão não consegue ficar parado.Vale lembrar que o doutor Sultan recebeu, nesteano, o Jubileu de Ouro,na Universidade deUberaba, tamanha suadedicação e profissio-nalismo.

Há várias formasfacilitadoras queensejam a prática dedar aulas. O piano, asdanças e as velhas eboas histórias que marcaram presença nafesta.

Boas histórias foram contadas, aquelas fábulasque pouco se escuta hoje em dia. Causos,declamação de poemas e até inocentes piadas.

Regina Marques, psicóloga e contadorade histórias, diz que seu trabalho é resgatarnas crianças a imaginação e a fantasia, queestão sendo perdidas gradativamente.

“Não basta contar histórias, é precisoentendê-las.” Comenta a professora.

ValoresAlgumas pessoas não dão valor aos

professores. Pensam ainda que essa classe éa pior que existe. Pessoas retrógradas pensamque professor é simplesmente professor ealuno é simplesmente aluno. Enganam-se!

Os professores de hoje, além de ter ahumildade de aprender com estudante, tem aessência da arte em suas vidas.

Como citados, muitos não ficam somenteno pó de giz ou no famoso quadro verde.Tocam piano, acordeom, violão, entre outrosinstrumentos. Divertem-se, vivem e nosbrindam com alegria e artes.

De Roberto Carlos à The Beatles, de Edith Piafà Patti Smith, várias canções foram interpretadas.

Chico Buarque também foi lembrado comas músicas Luíza e Eu te amo. Cantores quetransmitem sentimentos e que tiveram suas

músicas relembradaspor alguns mestres.

O Rouxinol da Fra-nça, a pomposa EdithPiaf, foi lembrada pelaprofessora Neli Mauad.Ao piano, com seusintensos dedos desli-zando nas teclas e comuma suave voz, a pro-

fessora diz que a música é a univesalizaçãodas linguagens, onde alcança todos.

Entre todas as mostras apresentadas, temosuma noção que o professor é um ser dúbio.Artistas e contínuos no processo de educador.

É… Só se faz um paísCom professorUm romance, um croquiCom professorUm poema de amor, “Dindi”Um país pra ensina seus jovens …”

A letra desta música é antagônica aMonteiro Lobato que diz que um país só sefaz com homens e livros. Mas o que seriadesses homens e desses livros, sem um mestreao lado para orientar?

Regina Marques, psicólogae contadora de histórias,diz que seu trabalho é resgatarnas crianças a imaginaçãoe a fantasia, que estão sendoperdidas gradativamente

Rinaldo e Ester cantam juntos músicas do Chico Buarque e Tom Jobim

Fábi

o Lu

ís d

a Co

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3521 a 27 de outubro de 2003

André Azevedo da Fonseca4º período de Jornalismo

Eu estava aguardando uma boaoportunidade, um acontecimento qualquer queservisse de “gancho” para encaixar essacrônica, escrita há dois anos. Como ela nãoveio, conto-a de forma inoportuna mesmo.

No dia 27 de julho de 2001 o pianista SylvioRobazzi apresentou um emocionante recital depiano na Centro Cultural Cecília Palmério, emUberaba. Foram executadas peças funda-mentais da tradição clássica, divididas em doisprogramas – um de compositores mais antigose outro de músicas do século XX. SylvioRobazzi é um pianista seguro, desses quesabem dosar a sensi-bilidade e fúria coma experiência da ma-turidade. Um pro-gramão, desses quenos fazem sair pes-soas melhores.

No entanto, co-mo sabemos, parte dos consumidores de arte ofazem não pelo refinamento da sensibilidade,ou pelo mergulho inconseqüente na alma; mascomo encargo para obter distinção social, emtributo à conveniência de parecer sofisticado.Assim, ser visto em um recital de piano éequivalente a receber da sociedade umdiplominha cultural invisível, um atestado deburguês-culto. Esses consumidores, evidente-mente, não se deixam envolver na música, nãovagabundeiam na multiplicidade de caminhosdas harmonias, não se perdem na arquiteturainvisível do labirinto de sons. Pragmáticos,acostumados com certezas, negócios, decisões,resultados e recompensas, são impacientes,aborrecidos, querem que a coisa acabe logopara ver logo cumprido o compromisso.

Para eles, ouvir Mendelsson se trata,portanto, de um tédio insuportável, uma esperano dentista, um mal necessário para cumprircom as obrigaçõessimbólicas de classe.Esse público suportacom muita dificuldadeuma peça inteira deVivaldi que, diferente-mente do jingle depropaganda de deso-dorante, dura mais que trinta segundos.

Logo chegarei no ponto. A terceira peçaapresentada por Robazzi foi Sonata ao Luar,de Beethoven. Linda e triste, envolvente eobscura, as notas cambaleiam passos chorososno piano; vacilam, hesitam, rodeiam, retraem-se em pulsões fluídas de sonho. Lenta como aprópria melancolia, em seu primeiro momento,a música é composta sobretudo por seussilêncios, que dizem mais à sensibilidade,

naquele contexto, do que faria qualquer nota.Essas ausências pontuadas são os acordesinalcançáveis que Beethoven dedilhou paradesnudar a tristeza muda de Sonata ao Luar.

Sylvio Robazzi, sem partitura, interpretoua peça com dose serena de emoção. Parahipnotizar-se com esta música, para mergulharnesse oceano de sensações, bastava que oouvinte se deixasse levar... O que o músicopede em troca dessa sublime experiência éapenas uma coisa: que o público peste amínima atenção.

Mas as hordas de consumidores impa-cientes não são capazes dessas sutilezas deespírito. Suportar um concerto de piano paraelevar o status cultural é difícil, mas pedir que

prestem atenção por10 minutos, ora, issojá é demais! Soli-citar que fiquemcalados então, issosim é quase umultraje. Acostumadosà algazarra onipre-

sente da televisão e dos eventos sociais, aexperiência do silêncio torna-se perturbadora,pois provoca algo que estes consumidores nãopodem suportar por muito tempo: aintrospecção, a auto-reflexão.

Por tudo isso, diante das insistentesquietudes de Sonata ao Luar, as madames nãotinham outra alternativa a não ser preencherde alguma forma os insuportáveis silêncios deBeethoven. Assim, sem combinar, passaram asubir e descer atabalhoadamente as escadas,pisando firme com seus tamancos, pocotó,pocotó, caprichando na percussão plástica dosseus saltos, pocotó, pocotó, que subiam edesciam, subiam e desciam os degraus. Um soldo piano, singelo e triste, era pisoteado pelossaltos alvoroçados; um sussurrado e inocentesi, minúsculo em seu murmúrio, erafebrilmente derrotado por relógios digitais quetiquetaqueavam pi pi pi pi; um ré sumido entre

dois dós não resistia esucumbia aos cochi-chos de dondocas ealmofadinhas que con-versavam sobre o quefazer depois do recital.Essa música é linda,não é? É! Como acho

linda! Linda linda linda! É mesmo, linda! Lindamesmo! Linda! Que fome! Onde vamoscomer? Ai, vibrou! Ah ah ah ah...

A guerra estava cada vez mais desigual:enquanto Robazzi, íntegro, mantinha a músicaem seu volume acústico natural, as hordas demadames pocotó pocotó, pi pi pi, blá blá bláatacavam ferozmente. Mas o tempo estava aolado de Ludwig, chegaria a hora da explosãode fúria em Sonata ao Luar. Quem conhece a

música sabe desse segundo momento. Assim,as notas ensaiaram a triste despedida,deixaram-se morrer num grave magoado,pareceram render-se à evidência da vitória dosbárbaros, à apoteose definitiva do salto alto,ao triunfo do despertador de relogiozinhodigital. Para muitos, que nunca ouviram amúsica, que alívio, pensaram, era o término daladainha! Alguns chegaram a estalar palmas.Ufa, acabou, enfim!

Mas da morte silenciosa, aparentementehumilhante, eis que renasce, ainda meiocambaleante, uma frase musical – trôpega elongínqua, como aqueles andarilhos queavistamos longe na rodovia. Os relógios e saltosficam em polvorosa – pocotó pocotó, pi pi pipi pi pi – pois já parecem pressentir, por alguminstinto impossível, o cheiro da tempestade.Gota a gota, eis que a melodia cresceameaçadora, feito a sombra de um predador,mas recua, em estratégia inesperada, como setragada por um manto de silêncio.

Os tamancos recrudescem os pocotópocotó, mas os movimentos sinuosos deBeethoven tornam-se cada vez mais insolentes,ameaçadores. Um TLAM TLAM! quasederruba as madames das escadas. Um golpeduro em um dó grave do piano faz as dondocastremerem e engolirem seco. Todas piscam osolhos ao mesmo tempo, levantando no salãouma poeira de rímel. Sonata ao Luar se recurvae rasteja feito serpente... contorce o ventre nolodo... arma obote... chaqualhao guizo... masfinge que sedistrai... finge quea inocência darenascente melo-dia é sua verda-deira natureza... fecha os olhos e acompanha oritmo leve com a cabeça... recua... volta aatenção para a harmonia dos acordes... ebrutalmente dá o bote! TLAM TLAMTLAMMM!

Seu golpe vem arrasador como umatormenta, como um abrir de comportas de umarepresa contida até o limite. Com a fúria de umPoseidon enlouquecido, Robazzi desencadeiaa tempestade suprema para liquidar as hordas

inimigas e enxotá-las ao precipício! Como aHidra dos pântanos de Lerna, as notasmultiplicam-se infinitamente, e a cada uma quese extingue, outras brotam dos dedos dopianista.

Até então, os saltos, relógios e cochichos,que souberam tão bem atacar os silêncios,tremeram arregalados perante a tempestade denotas jorradas do piano. Como em umavingança avassaladora de todos os deuses dosoceanos, Sonata ao Luar reagia com fúriadesproporcional ao ataque sofrido. Uma tropade celulares foi chamada às pressas pelocomando inimigo e passou a atacar Beethovencom toques seqüenciais de chamadas quereproduziam as primeiras notas digitalizadasde Bolero, de Ravel; Carmina Burana, de CarlOrff; Suite Nº1 em Dó Maior, de Bach; e AsQuatro Estações, de Vivaldi; e Stayin Alive,dos Bee Gees; mas neste momento ataque foiprontamente repelido por um exército invisívelinvocado justamente... pelo público!

Sim, a luta estava tão emocionante que aarena inteira passou a lutar ao lado de Sylvio eLudwig. Olhares fulminantes, cutucões ebeliscões dos próprios espectadores ajudarama abafar as cavalarias de tamancos, as fragatasde celulares, as baterias de despertadores derelógio e as tropas de cochichos cujos cadáveresforam deixados apodrecendo no campo debatalha. Um massacre! Como Átila, o huno,Beethoven circulava triunfal pelo anfiteatro

Cecília Palmério,cavalgando emum unicórniofabuloso, segu-rando pelos ca-belos os corposesfolados dosinimigos agoni-

zantes. Depois de uma luta árdua, Beethovenvencera, afinal! Só restava a Sonata ao Luarconcluir-se num golpe de misericórdia paraexibir ao público em êxtase a cabeçaensangüentada, decepada do inimigo. E aúltima nota ressoou até o fim. Catarse total! Oauditório aplaudiu de pé, enquanto Robazzi,ainda absorto na música, sem perceber a guerraque se travara, agradecia com um sorriso e umaceno de cabeça os aplausos.

Crônica

Parte dos consumidores de arteo fazem não pelo refinamento dasensibilidade, mas pela necessidadede parecer sofisticado

Suportar um concerto de pianopara elevar o status cultural édifícil, mas pedir que prestematenção, ora, isso já é demais!

As madames passaram a subir e desceras escadas, pisando firme com seustamancos, pocotó, pocotó, caprichandona percussão plástica dos seus saltos

reprodução

barbárieBeethoven contra a barbárie

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Graziela Christina de Oliveira1º ano de Jornalismo

Qual foi a última vez que você se irritou por-que alguma coisa que você queria não deu cer-to? Você já parou para pensar se você reclamade tudo? Será que acha que o universo está sem-pre contra você e que seus problemas são maio-res que os de todo mundo? Talvez seja a hora derefletir e parar de se lamentar tanto. Muita genteconsegue superar suas dificuldades, dar a voltapor cima e continuar seu caminho.

Gente como Paulo Roberto da Silva, quedescobriu, muito cedo, uma enorme barreira em suavida mas, nem por isso, deixou-se intimidar, e luta,com muita garra e determinação,para vencê-la a cada dia.

Ouvir o que ele tem a nosdizer, com tanta alegria e tan-tos sorrisos, é sentir que po-demos superar tudo. Que so-mos fortes o bastante paravencer qualquer barreira, qualquer degrau...

A doençaPaulo sofre de uma doença que, a cada ano,

faz 2.500 novos casos no Brasil, de acordo comdados da Organização Mundial de Saúde (OMS).A doença é hereditária e atinge mais quem é des-cendente de africano. É responsável pelafalciformação das hemáceas (glóbulos verme-lhos), ou seja, por fazer com que essas célulasdo sangue ganhem a forma de foice. Ainda nãose sabem as causas da enfermidade e, sua cura,também é desconhecida.

Dentro dos glóbulos vermelhos existe umpigmento chamado hemoglobina, que é respon-sável pela retirada do oxigênio dos pulmões. Emforma de foice, os glóbulos vermelhos ficammais alongados e nem sempre conseguem pas-sar através de pequenos vasos, bloqueando-os eimpedindo a circulação de sangue nas áreas aoredor. Como resulta-do, causa danos aostecidos e provoca dor.Se a dor for muito for-te, o falcêmico (comoé conhecida a pessoaportadora) tem queser internado.

Paulo descobriu a doença ainda na adoles-cência, quando tinha 12 anos. Mas o problemase iniciou quando ele era apenas um bebê. Suatia gostava de passear com ele e mostrá-lo paraas amigas. Em um desses passeios, numa festade São João, a tia de Paulo sofreu um acidenteque, até hoje, não está bem esclarecido.

O menino foi encaminhado as pressas parao Hospital da Criança, onde ficou internado por

40 dias, na UTI, todo engessado. A doença foitratada como desvio de coluna e se agravou. Sómais tarde é que se constatou que se tratava deuma anemia falciforme.

Assim, começaram-se as crises falcêmicas einternamentos. Paulo passava a maior parte dotempo em hospitais, engessado desde o ombro.Com isso, o estudo ficou prejudicado.

Mas as professoras não deixavam Paulo de-sanimar. Iam até sua casa para ensinar-lhe e apli-car-lhe as provas. Apesar do esforço, às vezes,Paulo entrava numa dessas crises. “Eu ficavafora de mim, perdia os sentidos. Quando volta-va, as carteiras estavam quebradas, os meninosgritando, desesperados. Mas eu não conseguia

me lembrar de nada, não sa-bia porque fazia aquilo.”

Para contornar as crises,Paulo fez um tratamento emum hospital para doentesmentais. Tinha que tomar re-médios muito fortes, mas

conseguiu superar esses momentos.E mesmo com tanta dificuldade, Paulo deci-

diu voltar a estudar. Tinha abandonado a escolaem 1982 quando estava na 5ª série e voltou em1993. “Eu vi que o esforço físico não me aju-dava. Então pensei: vou estudar um bocadinhoe desenvolver mais”, disse.

Quando retomou os estudos, Paulo começoua brincar de fazer frases para as colegas. Cadadia era para uma. “Vinha a pessoa e eu falava lina hora para ela”, conta.

Os colegas e professores gostaram muito epassaram a pedir frases a Paulo, que, então, co-meçou a escrever cada vez mais. O problemaeram só os erros de português.

Paulo conta que um assunto do momento podeservir de inspiração para suas poesias, que elegosta de chamar de frases. “Quando paro uns cin-co minutos para pensar, já surge. Gosto de pegara caneta e escrever para não ficar perdido no ar.”

Mesmo assim, algu-mas se perderam, porisso, Paulo gostaria degravá-las em uma fita.

Paulo disse termais ou menos 30 po-esias. Quando ele vêque uma está ficando

parecida com outra que ele já escreveu, ele jogafora; não gosta de repetir.

Para esse “inventor de frases”, escrever é ummomento muito especial, onde ele consegue cri-ticar uma situação, falar o que ele pensa. “Écomo se eu estivesse me colocando nas entreli-nhas, me vendo ali. É uma coisa que sai de den-tro. Se eu tô com raiva, eu consigo colocar nopapel, se eu tô feliz; eu também escrevo.”

E acrescentou com um enorme sorriso: “Égostoso. É bom brincar com isso, eu chamo debrincadeira.”

DificuldadesPaulo conta que, quando adolescente, eles

tinham uma criação de porcos. Certo dia, era avez da irmã dele ir tratá-los. Mas ela não quiz eele acabou indo no lugar dela.

No caminho, dois rapazes o abordaram parapedirem uma informação. Nisso, eles jogaram umaespécie de fumaça no rosto de Paulo, que não sou-be explicar muito bem o que era, e apagou.

Quando acordou, estava no segundo viadu-to da BR 262. Foi muito agredido. Os rapazesbateram nele com umcabo de vassoura e atéo colocaram num for-migueiro. “Fiquei todomordido, tenho as mar-cas até hoje,” conta.

Não satisfeitos,aqueles homens o jo-garam num poço d´água para que se afogasse.Mas a água fez Paulo despertar e ele conseguiuse arrastar pelo barranco. “Fui cambaleando pelaestrada, pedindo carona, mas ninguém dava,”explica Paulo.

Meio perdido, Paulo conseguiu chegar até aacasa de sua tia, onde apagou mais uma vez.Acordou no CTI, ficando outros 40 dias inter-nado. Até hoje, Paulo não sabe porque isso acon-

teceu. Ele acredita que seja por causa de umabriga de futebol, mas nada foi esclarecido.

Em virtude do sequestro, Paulo passou a usarum colete para proteger suas artilculações, já quetinha apanhado muito. Na escola, os colegas im-plicavam muito com ele: “Era ruim. Me chama-vam de robocop,” disse, meio triste, como se es-tivesse recordando esse episódio de sua vida.

A implicância cresceu tanto que, um dia, foiaté empurrado na escada. Paulo chegou em casarevoltado: queria quebrar o colete, disse que nãoia mais usá-lo e falou até em parar de estudar.

Mas sua mãe não deixou e “pegava no pé dele”,como ele disse, em tom de brincadeira. Mesmocom a mãe em cima, ele deixou de usar o colete e

acabou prejudicado.Paulo sentia muita

falta de correr e brincar.Queria participar daGuarda Mirim e quan-do via os primos com ouniforme dava uma cer-ta inveja. Mas as brin-

cadeiras tinham que ser deixadas de lado. Se faziaum movimento, logo vinha a dor nas articulações.

“Eu achava que aquilo não tava certo. Por-que tinha que ser logo comigo e não com umdaqueles?”, disse com ar meio incrédulo. “Fica-va olhando, mas eles podem e eu não. Ficavamuito revoltado,” completou.

O apoio do pai e da mãe foi essencial paraajudar Paulo a superar essa revolta. No hospital,

Portador de anemia falciforme, Paulo Roberto da Silva constrói sua vida enquanto desafia a morte a cada esquina

O herói dos glóbulos em foiceHistória da vida

A doença é hereditáriae atinge mais quem édescendente de africano

Para esse “inventor de frases”,escrever é um momento muitoespecial, onde ele consegue criticaruma situação, falar o que ele pensa

A implicância cresceu tanto que,um dia, foi até empurrado naescada. Paulo chegou em casarevoltado: queria quebrar o colete

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Apoio do pai e da mãe foi essencial para ajudar Paulo a superar essa revolta.

fotos: Graziela Christina de Oliveirafotos: Graziela Christina de Oliveirafotos: Graziela Christina de Oliveirafotos: Graziela Christina de Oliveirafotos: Graziela Christina de Oliveira

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ele sempre ficava na enfermaria com outras cri-anças. Sua mãe, então, falava que elas tinhamproblemas até mais sérios mas, mesmo assim,estavam sorrindo. “Toda vez que eu via as cri-anças brincando, vinham aquelas imagens dohospital. Isso me ajudava muito,” explica.

Paulo teve que enfrentar ainda outras difi-culdades. As financeiras fizeram com que elecomeçasse a trabalhar aos 15 anos.

Seu pai sofreu um acidente na coluna e nãopodia trabalhar. Mas a aposentadoria não ajuda-va muito. Por isso, quando a mãe não arrumavatrabalho como doméstica, ia para a lavoura co-lher café e levava os filhos.

Depois do café, veio o algodão A colheitanão dava aquele rendimento, mas ajudava. “Con-seguia uma arroba, enquanto outros tiravam 30”,conta com uma grande gargalhada.

Além disso, levantar de madrugada paratrabalhar não fazia bem a Paulo. A friagem com-plicava a anemia e acabou ocasionando uma in-flamação nos joelhos e, mais tarde, uma atrofiamuscular.

Teve que se subme-ter a uma drenagem e fi-car cerca de dois mesesno hospital para se re-cuperar. Depois disso,ficou um ano e dez me-ses em uma cadeira derodas, dessa vez, emcasa. Mas dependia muito do auxílio dos paispara fazer qualquer coisa.

Para ajudar Paulo, seu tio trouxe, se São Pau-

lo, um par de muletas. Isso trouxe uma enormealegria para ele e mais esperança para se recu-perar. “Mesmo caindo, eu tentava ficar em pé.

Consegui me esforçarmais, se não, estaria nacadeira de rodas atéhoje,” conta.

Mas Paulo ainda iapassar por uma situaçãomais difícil. Em 1999,teve um cálculo navesícula e precisou

retirá-lo. Durante a cirurgia, parte da bílis caiuem seu fígado, gerando uma crise hepática.

Paulo teve que ficar mais de um ano com

uma sonda. Depois, foi para Ribeirão Preto,onde ficou um mês sob um regime forçado.Não podia comer, nem tomar água. E ver osoutros comendo era di-fícil aguentar. “Tiveque superar aquilo.Custou mas foi. Nãovia hora de passar.Toda vez que eu via arefeição eu falava quequando eu estivessebom eu ia pra umachurrascaria. Só que até hoje eu não conse-gui”, conta rindo.

A última crise veio em março, quando umamigo dele faleceu. Já tinha perdido seu tiorecentemente, então, estava emocionalmen-te abalado. Ficou duas semanas internado, to-dos receosos de que ele tivesse uma paradacardíaca. “Aí eu falei: ótimo, mas eu souvaso ruim, não quebro assim não”, e ri no-vamente.

Hoje, ele consegue controlar as crises, to-mando remédios e muito líquido, e se prote-gendo do frio (ele usa duas calças). Exposição atemperaturas muito baixas e desidratação são assituações mais comuns que podem levar àfalciformação das hemáceas.

Os remédios têm que ser tomados todosos dias. Alguns são mais baratos e Paulo osconsegue em postos de saúde. Mas tem umque é mais caro e precisa ser requerido emBelo Horizonte. Este, ele revela que não estátomando: “Mais tarde, quem sabe”, ri, meiotímido.

De vez em quando, apenas um dorzinha bá-sica, passageira, surge. Paulo diz que ela nãopode deixar de vir, se não, sente falta. “É bomela tá ali, pra me lembrar, se não fico lerdo e nãome cuido.”

A ADEFUQuem descobriu a Associação de Deficien-

tes Físicos de Uberaba (ADEFU) foi a mãe dePaulo. Ela ficou sabendo que seria fundada essaassociação e foi até a prefeitura se informar, masPaulo não colocou muita fé. Nessa época, eletinha conseguido um emprego de cobrador numaempresa de ônibus da cidade.

Depois de uma ano e nove meses, saiu doemprego e foi para a ADEFU, quando a sedeainda era no bairro Parque das Américas: “Nãosabia se aquilo ia dar certo, se era mesmo pramim.”Lá ele conheceu muita gente em situaçãomais difícil que a dele e, novamente, ele se lem-brou das crianças no hospital. Aos poucos, Pau-lo foi conhecendo melhor a associação.

Em 2001, veio o convite do diretor da ADEFU,Paulo Nogueira, para ser diretor financeiro. Na oca-sião, ele não acreditou muito nessa possibilidade.“Eu disse que não era capaz, não tinha feito nadana área, não sabia como fazer. Mas se ele estavaconfiando, alguma qualidade devia ter”, explica.

No começo foi um pouco complicado. Toda asituação da ADEFU tinhaque passar pelos crivosmunicipal, estadual e fe-deral. Mas com a ajuda detodos, toda a documenta-ção foi aprovada. “Deutudo certo, com a ajuda detodo mundo. Se a gentequer crescer, eles ajudam”.

Para se aperfeiçoar, Paulo está fazendo cur-sos de captação, gestão e elaboração de proje-tos. Além disso, também está fazendo escola degoverno, que prepara para a vida política. Masele quer é aprender a teoria para usar na ADEFU.

Quando pergunto se ele gosta do seu traba-lho, ele dá uma grande gargalhada. “‘E fantásti-co. Eu chego, procuro trabalhar nas planilhas ele-trônicas, pego as notas, pago, recebo. À tardesobra tempo para escrever.”

Paulo também trabalha como diretor financei-ro na Associação Regional dos Falcêmicos(ARFA), fundada há um ano e dois meses. A ARFAnão tem sede, o sonho é ter uma igual à da ADEFU.

O falcêmico precisa do atendimento na horae, na maioria das vezes, isso não é possível. “Eujá fiquei esperando 13 horas e fui embora semser atendido, com crise forte e dores nas articu-lações. Isso é horrível.” Além do atendimentoficar prejudicado por causa de outros pacientes,a falta de remédios também é um outro obstá-culo. “O Hospital Escola não te ajuda por causada crise e quando tem remédio, é só o básico.”

O falcêmico não tem uma vida longa. EmUberaba, existem 180 e, o mais velho tem 45 anos.Paulo é o terceiro, com 40. A falta de conhecimen-to e de tratamento são as principais causas que nãodão ao falcêmico a chance de ficar velho.

A friagem complicava a anemiae acabou ocasionando umainflamação nos joelhos e, maistarde, uma atrofia muscular

Paulo também trabalha comodiretor financeiro na AssociaçãoRegional dos Falcêmicos (ARFA),fundada há um ano e dois meses

Paulo aproveita o tempo também para “pintar sua arte”

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“Trabalhar nas planilhas eletrônicas, pego as notas, pago, recebo. À tarde sobra tempo para escrever”

continua

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Pedagogia EspecialPaulo foi tema de um trabalho de conclu-

são de semestre do curso de Pedagogia Espe-cial da Universidade de Uberaba. SoniellyAlves de Oliveira, aluna do 4º ano, que já co-nhecia Paulo quando começou a fazer estágiona ADEFU, no início do ano, o convidou.

Paulo se assustou com o convite deSonielly: “Por que eu? Será que essa históriavai ter tanta importância assim?”, disse. Masele sabia que aquilo, mais tarde, ia ajudar al-guém.

O trabalho foi proposto pela professorado curso, Denise Rodovalho Scussel Teles,que queria que fosse feita uma história de vidacom pesquisa também da patologia. “Oobjetivo não é só a questão do malconhecimento da patologia dentro dadisciplina, precisa conhecer o que leva a essadeficiência e ter ummaior contato com ocotidiano da pessoaportadora”, explicaa professora.

Ela diz que aPedagogia Especialdifere da PedagogiaNormal Superiorem algumas matéri-as que, para ela, não deveria existir. “A genteacredita que daqui a um tempo vai chegartodo e qualquer tipo de criança na sala de aulaaté por causa da inclusão social de que tantotem se falado. E essa professora tem que estarpreparada para receber esse aluno.”

Denise falou, ainda, que o próprio nome“especial” já discrimina muito. “Quando sefala em deficiente mental e doente mental, aspessoas se assustam. O país não está prepa-rado.” E mesmo com essa barreira, ela se sur-preendeu pela profundidade com que suas alu-nas foram no trabalho.

Sonielly levou dois meses para fazer otrabalho, conversando com Paulo na ADEFUe na casa dele. A pesquisa, que comparou a

teoria estudada com a prática, enfocando asatividades de vida diária (ADV) foi muito im-portante para Sonielly. “É uma lição de vida.Uma pessoa sofrida que superou e superaaté hoje as dificuldades.

O PresenteNas suas lembranças, Paulo se recorda de

seu pai que faleceu em 1994 e pensa que gos-taria de ter mostrado mais o seu amor a ele.“Agora não adianta. Ele já foi. Como colocaresse amor pra ele? Isso me faz refletir bas-tante”, diz pensativo.

Ele disse que a relação entre eles era boae havia muita brincadeira, mas não foi o su-ficiente para seu pai saber o quanto o filholhe amava.

Agora, ele quer compensar essa “falha”com sua mãe. Apesar dela estar ocupada,

ajudando a filha navenda de salgados enão ter muitotempo, ele quer seenvolver mais. “Eutô sempre cobrandoisso, mas nuncaponho em prática”,solta umagargalhada.

Ao perguntar se hoje ele se considera umapessoa feliz, ele solta um “hum” comprido eme olha, desconfiado: Eu poderia dizer felizentre aspas”.

Paulo disse que está faltando a pessoaamada, que teve, mas não soube valorizar.“Aquela história de macho é sério”, comentacom um muxoxo.

Em 1988 ele tinha uma namorada, masacabou se envolvendo com a irmã dela e,claro, o namoro acabou.

Até hoje, ele não encontrou essa pessoacerta. O arrependimento é forte, principal-mente quando ele vê seu ex-amor com afamília e pensa que poderia ser com ele. “Hojeeu sei que perdi a pessoa que eu acho que eu

Os seus gorjeiosVi os teus olhos, e eles me falaram do teu ser…Vi a tua luz, e ela me mostrou o teu brilho…Vi tuas entranhas, e elas me apresentaram a tua alma…Vi a tua pele, e ela me contou do teu calor…

Perguntei às flores, e elas me falaram do teu perfume…Perguntei aos pássaros, e eles me mostraram os seus gorjeios…Perguntei às crianças, e elas me apresentaram o teu sorriso…Perguntei para os meus devaneios, e eles me falaram das noites de teus olhos…

Falei com o vento, e ele me disse dos teus cabelos despenteados…Falei com a chuva, e ela me disse do teu corpo molhado…Falei com as estrelas, e elas me contaram da tua constelação…Falei com os meus anseios, eles me falaram dos teus desejos de mulher…

Sei que agora posso sorrir, para tua amizade…Sei que agora posso sentir o teu cheiro…Sei que agora posso viver com os teus sonhos…Sei que agora posso saborear o teu batom…

Olhei para a tua linda face, e senti a beleza de um rosto, de um anjo…Olhei para a tua boca, e senti a imaginação do fogo, de um desejo…Olhei para o teu corpo, e vi o corpo de flor, de uma menina mulher…Olhei para as tuas mãos, e senti o toque de um arrepio, em meu coração…

Poderia te dizer isto tudo, mas as palavras ficam mudas com o teu olhar…Poderia te tocar, mas fico paralisado coma tua presença…Poderia te falar das flores, mas você me mostrou o jardim do teu ser…Poderia te mostrar os meus sentimentos, mas os teus olhos me disseram da esperança…

Paulo Roberto da Silva10/02/02

“Às vezes eu acho que a morte tálogo ali na esquina, que seu virarali, acabou. Acho que não tem muitoo que pensar ou fazer lá na frente,eu tenho é que viver aqui e agora”

amei de verdade e que me amou também”,diz com um ar pensativo. “Quem sabe, depoisde banguelinho?”, completa.

Paulo diz que a gente tem que fazer o quequer e hoje, não deixar para amanhã paranão se arrepender.

“Às vezes eu acho que a morte tá logo alina esquina, que seu virar ali, acabou. Acho

que não tem muito o que pensar ou fazer lána frente, eu tenho é que viver aqui e agora.Sonho a gente sempre tem muito. Acho que nãovai dar tempo de realizar tudo, mas que sejaum. O que eu procuro é fazer hoje porque eu tôafastando mais essa esquina. Acho que eu tôpassando por mais dois quarteirões!”, finaliza,rindo, esse modesto poeta. (G.C.O.)

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Da redação

Nos dias 22 e 23 de outubro, das 19h às22h30, no bloco N do Campus Aeroporto daUniube, o curso de Turismo realizará maisuma “Feira Cultural”, onde serão expostostrabalhos com o tema Patrimônios daHumanidade.

As aresentações mostrarão peculiaridadesde Ouro Preto, São Luiz do Maranhão,Brasília, Floresta Amazônica e Pelourinho,algumas das localidades brasileiasconsideradas pela Unesco como patrimônioda humanidade.

Toda a comunidade está convidada paraos dois dias de evento. A entrada é franca.

Curso de Turismorealiza Feira culturalNeste ano o tema é Patrimônio da Humanidade

Pelourinho, em Salvador (BA) será um dos temas

arquivo Revelação

Da redação

Para divulgar os trabalhos realizados emsala-de-aula, os prêmios conquistados emfestivais e as habilidades artísticas dos alunosde Jornalismo e Publicidade & Propagandada Uniube, o curso de Comunicação Socialpromove a segunda edição do UNITA-LENTOS. A idéia é incentivar a produçãoacadêmica dos estudantes e divulgar seustrabalhos para a comunidade universitária epara o mercado de trabalho.

A mostra acontecerá de 17 a 28 de no-vembro, no Bloco L, no Campus Aeroportoda Uniube. Os trabalhos serão expostos empainéis e contemplarão as categorias

Produção Gráfica, Fotografia, JornalRevelação, Artigos, Prêmios conquistados,Espaço Livre (escultura, estória emquadrinhos, desenhos, poesias, quadros, entreoutros) Televisão e Rádio.

Para participar da mostra, os alunosdeverão entregar os trabalhos até 10 denovembro, às 22h30 horas, para Valquíriaou Sr. Vicente no bloco L. Devem viridentificados com nome do aluno, períodoou ano, curso, nome da disciplina, doprofessor e do tema do trabalho. O alunoque desejar expor seu trabalho no EspaçoLivre deverá procurar a Profª. BluethSabrina no bloco L, sala 3, nas terças-feiras,das 15h às 18hs.

Abertas as inscriçõespara Unitalentos 2003Evento revela talentos do curso de Comunicação Social

Universidade

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21 a 27 de outubro de 200310

Jamil Idaló Júnior2º ano de História

“Os valores universais, na esfera da modernidade,foram dizimados, aniquilados. Não há mais valores

de transcendência, estamos num funcionamentototal, operacional, estratégico. Valores como a

democracia ou direitos humanos sãoinstrumentalizados a serviço da própria

superpotência, que age em contraponto ou mesmo emcontradição com seus próprios valores”.

Jean Baudrillard.

Assim como disse Sartre: “O homem estácondenado a ser livre”, em afirmaçãocategórica, me inspira a afirmar: A burguesiacapitalista, agonizante, está condenada àmorte.

A ideologia neoliberal, a partir domomento que contradiz os preceitos básicosde sua existência, está não obstante, fadada ase extinguir. Pois os ideais do Iluminismo quenorteiam o modo de vida da civilizaçãoocidental contemporânea, estão sendosubjugados em prol de uma deslegitimizaçãoda sociedade norte-americana. Ora, se a naçãoque primeiro propagou os conceitos dospensadores das luzes, que antes de todas asoutras cultuou o sincretismo religioso, que

defendeu os direitos humanos como sentidopleno da existência de sua sociedade, nega oliberalismo de modo tão efusivo, o quesobrará para o resto do mundo?

A partir do momento em que oimperialismo norte-americano “cria umaguerra”, a fim de principalmente, subsidiarsua fabricação bélica e retaliar os atentadosde 11 de setembro de 2001, sacrificando a vidade seus soldados, apenas para dar umademonstração de força, está realmentedemonstrando o descaso com o seu própriopovo. Renegando os nobres ideais daRevolução Francesa, base primária desustentação do “modo americano de vida”. Eo envio de cocaína para ser consumida peloseu exército, a fimde lhe dar maiscoragem, extrapolatodos os limites derespeito à pessoahumana, trans-forma seus sol-dados em autô-matos, aliena-os ao sistema, extingui-lhes olivre arbítrio de serem racionais, paraengrandecimento de um império cruel.

Por outro lado, o terrorismo invisível é a

Mariana Costa2º ano de Letras

Pode ser. Talvez o louco da históriatoda seja eu, não me importo, não meinteresso por nada e nem por ninguém,dane-se quem se incomodar, a minha leié: “Je ne regrette rien”* já ouviu? Estoupreso, internado em meus pensamentos,coma profundo, nunca me movimento,já não tenho sentimentos ou sofrimentos,quase morto.

A morte é uma mulher, é bela e deolhar doce, a maior causadora dasangustias e loucuras humana, pensarnela é sentir o seu beijo, perfeito. Esperopor ela, tenha pressa em viver , vivereipouco e isso é bom. Sempre a desejeiardentemente, sempre.

Não gosto de você. Eu não gosto deninguém, sou o homem e não queroamigos, não preciso deles, muitos se

Interlúdio doepitáfio burguês

decadência definitiva da cultura ocidental.Não se trata simplesmente das formasviolentas de terrorismo, das explosões, doshomens bomba, de sociedades famintas derevoltosos. Mas, de algo mais profundo, deum ideal de combate ao unilateralismo

dominante dosEUA. O exemploque melhor refleteesta questão éOsama Bin Laden,multimilionário,parte integrante daelite dominante

que, no entanto, se rebela contra a própria,declara uma “guerra santa” e simbolicamentehumilha a nação poderosa.

Portanto, o combate à superpotência está

Boca, lembra beijo, nunca mebeijaram sequer por afeto, sujo edesprezado, beijos só pelos bolsoscheios. Olhares também cheios de umamargo prazer em não viver e de umaquase dor em nunca ter o que se podequerer.

Pode ser. Não me julgo um louco,apenas um infeliz com capacidade deatingir e ser atingido sempre, para mimnão existe inocência nas palavras. Nãogosto de você, eu nunca irei gostar, vocêsabe que eu sou homem, tive tudo e assimnão tive nada, ficarei aqui meio mortoesperando a boca da morte que é umamulher, a única que irá me beijar sempedir nada em troca.

A morte é uma dama, a vida é que éprostituta.

* Je ne regrette rien -> Canção deCharles Dumont e Michael Voucaire.

Artigo

A ideologia neoliberal, a partir domomento que contradiz os preceitosbásicos de sua existência, está nãoobstante, fadada a se extinguir

presente no imaginário coletivo de toda naçãoque sofre com a opressão norte-americana,criando com isso um inimigo poderoso,fantasmagórico, invisível e desaparecido entrea população. Como combatê-lo?

A disjunção da sociedade dos EUA faceaos seus ideais e o crescente terrorismointernacional, somados à globalização políticae econômica mundial e ao contrabando dedrogas e armas, está pondo em xeque acivilização ocidental.

Então, se estamos realmente condenadosa sermos livres, resta-nos a tarefa de nosmodificarmos estruturalmente e socio-logicamente, de preservarmos a natureza, delutarmos por uma melhor distribuição derenda e, principalmente, de valorizarmos adignidade humana.

Ódio do nada

acreditam melhores e quem estiver próximoa mim é certamente parecido comigo, aodemais adeus. Sou o rei, Viva o rei! O reimorreu e rei morto, rei posto, Viva o rei!

Tive tudo e assim não tive nada, odeio oamor, não foi feito para gente comum, é

idéia de poeta, besteira. Mulheres sãocorpos quentes, corpos que se aconchegame acreditam no amor, os homens juramamor para receber deste calor, mas eununca o fiz, palavra maldita que nunca saida minha boca.

reprodução

reprodução

Crônica

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Ausência a portade um novo ser

CADERNO LITERÁRIO

Ana Paula De Vito2º ano de Letras

Sinto falta das suas mentiras.Sinto falta de suas promessas jamais cumpridas.Sinto falta de seus esforços iniciais e mais tarde mensagem jamais concluída.Quando a noite surgia meu relógio despertava e eu sorria.Quando amanhecia sabia que era menos um dia.Poderia nunca te perdoar.Poderia levar infinitamente a raiva explícita.Mas não.Seu papel de vítima abandonada me fez carregar durante tempos esperança.Minha consciência sabia sem vidência o que você queria.Palavras desconhecidas em meu coração jamais pensei que ouviria.Por que ainda existe?Eu já esquartejei meu peito para que seu sangue escorresse na porta por onde saiu.Não te culpo.Não te venero.Não exijo a verdade.Muito menos o seu conselho.Apenas acreditei no seu valor.Apenas fingi que enxergava.Sei que fui cega.Sei que fui tola.Agora vivo, minha visão me permite enxergar a realidade.Vejo realmente quem se importa com minhas lágrimas

que você enxugava apenas com falsas palavras.Ontem eu estava morta,Desafios fora do meu alcance por você fui capaz de cumprir.Hoje vivo.Achei o final do túnel, cujo caminho você nunca me ensinaria.Amanhã queria poder desejar felicidades sem a vida te cobrar.E eternamente esquecer que você fez parte do meu ser.

Yane Christensen's (reprodução)

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