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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ SUELLEN CRISTINA ANDRETTI USUCAPIÃO: UMA ANÁLISE À LUZ DO ARTIGO 923 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL Biguaçu 2011

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

SUELLEN CRISTINA ANDRETTI

USUCAPIÃO: UMA ANÁLISE À LUZ DO ARTIGO 923 DO CÓDIGO DE PROCESSO

CIVIL

Biguaçu

2011

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1

SUELLEN CRISTINA ANDRETTI

USUCAPIÃO:

UMA ANÁLISE À LUZ DO ARTIGO 923 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Monografia apresentada à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial a obtenção do grau em Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. MSc. Ricardo Brandt Naschenweng.

Biguaçu

2011

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SUELLEN CRISTINA ANDRETTI

USUCAPIÃO: UMA ANÁLISE À LUZ DO ARTIGO 923 DO CÓDIGO DE PROCESSO

CIVIL Esta Monografia foi julgada adequada para a obtenção do título de bacharel e

aprovada pelo Curso de Direito, da Universidade do Vale do Itajaí, Centro de

Ciências Sociais e Jurídicas.

Área de Concentração: Direito Processual Civil

Biguaçu, 15 de maio de 2011.

Prof. MSc. Ricardo Brandt Naschenweng UNIVALI – Campus de Biguaçu

Orientador

Prof. MSc. Maria Helena Machado Instituição Membro

Prof. MSc. Geyson José Gonçalves da Silva Instituição Membro

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Dedico este trabalho a Deus, pois sem ele nada seria

possível.

Ao meu pai Carlos Andretti, meu mestre, e minha mãe Maria

das Dores Andretti pelos anos de dedicação, de incentivo e

por não terem medido esforços para que eu alcançasse meu

objetivo.

A minha mãe Mirela Elaine Colenetz e meu irmão Marco

Antonio Colenetz de Oliveira, pelo apoio, estímulo e alegria

que sempre me transmitiram.

Ao meu namorado, e amigo, Luiz Filipe da Silva Passos pela

compreensão, pelo amor e carinho a mim dedicado

A Mariana Schlemper pela amizade, pelo companheirismo, e

pelos momentos compartilhados.

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4

AGRADECIMENTOS

Agradeço meu orientador, eminente Ricardo Brandt Naschenweng pelas orientações

e pelas palavras de conforto.

Aos meus colegas de curso e todo o corpo docente pelo conhecimento, respeito e

tempo a mim dedicado.

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“A justiça é a base da sociedade. Chama-se julgamento a aplicação do que

é justo.”

Aristóteles

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade

pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o

Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Biguaçu, 15 de junho de 2011.

Suellen Cristina Andretti

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RESUMO

A presente monografia tem por intento demonstrar as peculiaridades dos institutos

da posse e da propriedade, os quais albergam questões que dão margem a

inúmeras deliberações entre juristas, partindo deste tema geral para compreender o

que sucede, a usucapião, tema agasalhado pela Carta Magna e legislação

infraconstitucional, dada a importância do assunto, o qual deve ser ventilado em

todas as suas vertentes, material e processual, posterior a preleção do sustentáculo

da monografia o tema restringe-se ao ponto primaz, a contenda a cerca do artigo

923 do Código de Processo Civil confrontando-o com os princípios norteadores do

direito, e analisando os precedentes judiciais e posicionamento doutrinário, quanto a

prejudicialidade da vedação de ação de reconhecimento de domínio na pendência

da ação possessória. Nesta conjuntura, explanado será sobre o apanágio do artigo

11 do Estatuto da Cidade cotejando o aludido dispositivo legal com o exposto no

artigo 923 do Código de Processo Civil.

Palavras-chave: Posse - Propriedade - Usucapião - Petitória – Conexão.

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ABSTRACT

The aim of this monograph is to demonstrate the peculiarities of the institutes of

ownership and property, which contain matters in question that give rise to a number

of deliberations among jurists. Therefore to comprehend what succeeds, “the

adverse possession” (usucapião), topic admitted by the Carta Magna as well as

constitutional legislation, given its importance, which must be debated by taking

material and processional aspects into account. Thereby, followed by the reading of

the monograph’s base, the subject matter is limited to its beginnings, the dispute

stated in the article 923 of the “Code of Civil Process” that deals with the guiding

principles of law, and analysing the judicial precedents and doctrinal approach,

concerning the prejudicial question of the interrupted act about the recognition

domain in abeyance of the possession act. Regarding this conjuncture, there will be

a detailed explanation on the attributes of the article 11 of the Statute Book of the

City collating the aforementioned legal provision with the one stated in the article 923

of the “Code of Civil Process”.

Keywords: Ownership - Property - Adverse Possession - petitions – Connection.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..........................................................................................................13 

1 POSSE E PROPRIEDADE ....................................................................................15 

1.1 DA POSSE..........................................................................................................15 

1.2 CONCEITO DE POSSE ......................................................................................15 

1.3 ELEMENTOS CONSTITUTIVOS ........................................................................16 

1.3.1 Teoria Subjetiva..............................................................................................16 

1.3.2 Teoria Objetiva ...............................................................................................18 

1.4 NATUREZA JURÍDICA........................................................................................21 

1.5 OBJETO DA POSSE...........................................................................................22 

1.5.1 Bens Corpóreos e Incorpóreos.....................................................................22 

1.5.2 Direito Real e Direito Pessoal........................................................................23 

1.5.3 Posse de direitos pessoais ...........................................................................24 

1.6 CLASSIFICAÇÃO................................................................................................25 

1.6.1 Posse Direta e Posse Indireta .......................................................................25 

1.6.2 Posse Justa e Posse Injusta .........................................................................26 

1.6.3 Posse de Boa-fé e Posse de Má-fé................................................................27 

1.6.4 Posse com Justo Título e Posse sem Justo Título .....................................28 

1.6.5 Posse Nova e Posse Velha ............................................................................29 

1.6.6 Posse ad interdicta e Posse ad usucapionem .............................................30 

1.6.7 Composse .......................................................................................................30 

1.7 AQUISIÇÃO DA POSSE .....................................................................................32 

1.7.1 Aquisição Originária ......................................................................................32 

1.7.2 Apreensão da Coisa.......................................................................................33 

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1.7.3 Exercício do Direito........................................................................................33 

1.7.4 Modos Derivados de Aquisição ....................................................................33 

1.7.5 Tradição ..........................................................................................................33 

1.7.5.1 Tradição Consensual ..................................................................................34 

1.7.5.2 Tradição Simbólica......................................................................................34 

1.7.6 Acessão na Posse..........................................................................................35 

1.8 PERDA DA POSSE.............................................................................................36 

1.8.1 Abandono........................................................................................................36 

1.8.2 Tradição ..........................................................................................................36 

1.8.3 Pela perda da coisa em si..............................................................................37 

1.8.4 Destruição da coisa........................................................................................37 

1.8.5 Colocação da coisa fora do comércio, inalienabilidade .............................37 

1.8.6 Pela posse de outrem ....................................................................................37 

1.8.7 Constituto Possessório .................................................................................38 

1.9 ARREMATE DA POSSE .....................................................................................38 

1.10 DA PROPRIEDADE ..........................................................................................38 

1.11 CONCEITO DE PROPRIEDADE ......................................................................39 

1.12 CARACTERÍSTICAS.........................................................................................39 

1.13.1 Por Usucapião ..............................................................................................40 

1.13.2 Registro de Títulos.......................................................................................40 

1.13.3 Acessão.........................................................................................................40 

1.14 PERDA DA PROPRIEDADE .............................................................................41 

1.15 FUNÇÃO SOCIAL .............................................................................................42 

2. PANORAMA JURÍDICO DO INSTITUTO DA USUCAPIÃO SOBRE BENS

IMÓVEIS ...................................................................................................................44 

2.1 CONCEITO E NOMENCLATURA .......................................................................44 

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2.1.1 Usucapião e Prescrição Aquisitiva...............................................................44 

2.2 NOÇÃO HISTÓRICA...........................................................................................44 

2.3 NATUREZA JURÍDICA........................................................................................46 

2.4 REQUISITOS IMPRETERÍVEIS DA PRESCRIÇÃO AQUISITIVA ......................47 

2.4.1 Aqueles exigidos a toda forma de prescrição aquisitiva............................47 

2.4.2 Requisitos Suplementares ............................................................................50 

2.4.2.1 Justo Título ..................................................................................................50 

2.4.2.2 Boa-fé ...........................................................................................................52 

2.5 SUCESSIO POSSESSIONIS E ACESSIO POSSESSIONIS ..............................53 

2.6 MODALIDADES USUCAPIATÓRIAS..................................................................54 

2.6.1 Usucapião Ordinária ......................................................................................55 

2.6.2 Usucapião Extraordinária ..............................................................................55 

2.6.3 Usucapião Especial Urbana ..........................................................................56 

2.6.4 Usucapião Especial Rural..............................................................................59 

2.6.5 Usucapião Indígena........................................................................................60 

2.6.6 Usucapião Administrativa (instrumento de política urbana)......................61 

2.7 USUCAPIÃO DE BENS MÓVEIS E OUTROS DIREITOS REAIS ......................61 

2.8 FUNÇÃO SOCIAL ...............................................................................................62 

2.9 USUCAPIÃO NO ÂMBITO PROCESSUAL.........................................................63 

2.9.1 Objetivo e fundamento...................................................................................63 

2.9.2 Competência...................................................................................................63 

2.9.3 Procedimento .................................................................................................64 

2.9.4 Propositura .....................................................................................................64 

2.9.5 Legitimidade ...................................................................................................65 

2.9.6 Citação ............................................................................................................66 

2.9.7 Audiência de Justificação de posse.............................................................67 

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12

2.9.8 Rito ..................................................................................................................67 

2.10 SENTENÇA.......................................................................................................68 

2.11 EFEITOS DA USUCAPIÃO...............................................................................69 

2.12 USUCAPIÃO EM DEFESA................................................................................70 

3. USUCAPIÃO: UMA ANÁLISE À LUZ DO ARTIGO 923 DO CÓDIGO DE

PROCESSO CIVIL....................................................................................................72 

3.1 PREVENÇÃO E CONEXÃO................................................................................72 

3.2 AÇÃO POSSESSÓRIA .......................................................................................76 

3.2.1 Manutenção de Posse....................................................................................76 

3.2.2 Reintegração de Posse ..................................................................................77 

3.2.3 Interdito Proibitório........................................................................................77 

3.3 AÇÕES PETITÓRIAS..........................................................................................78 

3.3.1 Ação de imissão de posse.............................................................................79 

3.3.2 Ação reivindicatória .......................................................................................80 

3.3.3 Ação de nunciação de obra nova .................................................................80 

3.3.4 Ação de embargos de terceiro ......................................................................82 

3.3.5 Ação de Usucapião ........................................................................................83 

3.4 ANÁLISE DO ARTIGO 923 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E ARTIGO 11

DO ESTATUTO DA CIDADE ....................................................................................83 

3.4.1 Exceção de Domínio ......................................................................................83 

3.4.2 Análise à luz do artigo 923 do Código de Processo Civil ...........................86 

3.4.3 Artigo 11 do Estatuto da Cidade ...................................................................88 

3.5 DICOTOMIA ENTRE NORMAS E PRINCÍPIOS .................................................92 

CONCLUSÃO ...........................................................................................................97 

REFERÊNCIAS.........................................................................................................99 

ANEXOS .................................................................................................................105 

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13

INTRODUÇÃO

O objeto do presente trabalho de conclusão de curso é demonstrar a

inoportuna existência de dispositivo legal que não coaduna com a demanda

existente no atual ordenamento jurídico, para atingir tal fim será feita uma análise

sob a luz do art. 923 do Código de Processo Civil.

O método utilizado no desenvolvimento da investigação da pesquisa é o

Método Dedutivo.1

A técnica de pesquisa utilizada será a de documentação indireta, a mesma

utilizada para seleção do assunto abordado, quando da escolha da área de

concentração da presente monografia, diante do interesse na disciplina posse e

propriedade, em especial no assunto a cerca da usucapião principiou-se a busca por

questões polêmicas e discussões que circundam os institutos, ao fim encontrou-se a

intrigante contenda a cerca do artigo 923 do Código de Processo Civil, a qual

persiste desde 1973.

A monografia encontra-se dividida em três capítulos, no primeiro será feita

uma abordagem geral dos institutos da posse e da propriedade, demonstrando os

distintos posicionamentos dos jurisconsultos no que tange a natureza jurídica e a

classificação da posse, ao adentrar na esfera do domínio, encontrarão as

características condizentes ao instituto bem como as formas de aquisição, de modo

a explanar o que sobrevém, o vértice dos institutos tratados no primeiro capítulo, a

usucapião.

No segundo capítulo serão abordadas as peculiaridades da usucapião,

discriminando as modalidades usucapiatórias e apresentando os efeitos, objetivos e

procedimentos, realizar-se-á um panorama geral do instituto, tanto no âmbito

material como no processual.

1 Estabelece uma forma geral e logo após busca [...] as partes do fenômeno de modo a sustentar a formulação geral. PASOLD. Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do direito. 8. ed. Florianópolis: OAB/SC, 2003. p. 104.

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14

Os primeiros dois capítulos tem por intento abordar os temas necessários a

compreensão do objeto da pesquisa, terceiro e último capítulo, qual seja o artigo 923

do Código de Processo Civil, de modo a possibilitar a formação de opinião quanto a

uma questão que embora não represente novidade no ordenamento jurídico,

continua sendo polêmica e relevante, dito isto é levantada a seguinte hipótese: Se

diante de duas situações distintas, poder-se-á depararmo-nos com decisões

conflitantes, não seria mais sábio optar-se por aquele que traria maior celeridade ao

judiciário? A celeuma se instalou no ordenamento jurídico com a vedação expressa

da norma jurídica quando o assunto é conexão entre possessórias e ação de

reconhecimento de domínio, diante da propositura anterior daquela.

A presente monografia se encerra com a conclusão, na qual está inserida a

retroalimentação de todo o estudo abordado ao longo do aludido trabalho, bem

como o resultado atingido a partir da investigação realizada.

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15

1 POSSE E PROPRIEDADE

A posse e propriedade antes de inseridas no ordenamento jurídico, já faziam

parte dos primeiros costumes dos cidadãos, por conseguinte, tanto pelas razões

históricas e culturais como pela cognição jurídica é essencial adentrar no universo

destes institutos

1.1 DA POSSE

O estado de aparência defendido pela posse é extremamente necessário no

atual ordenamento jurídico, onde inúmeras informações são fornecidas através de

nossos sentidos, das quais fazemos julgamentos presumidos, ou seja, sem cunho

investigativo tomamos como correto e verídico aquilo que por ora nos parece real.2

Sem a credibilidade da sociedade no estado de aparência, inviável seria a convivência. A cada instante, defrontamos com situações aparentes que tomamos como verdadeiras e corretas. Assim, não investigamos se cada empregado de um estabelecimento bancário possui relação de trabalho com a instituição para nos dar quitação ao pagamento que efetuamos; não perguntamos ao professor que adentra a sala de aula e inicia sua prelação se ele foi efetivamente contratado para essa função, não averiguamos se o motorista que dirigi o táxi ou ônibus que utilizamos é habilitado, e assim por diante.3

Corrobora com o delineado todo o estudo a seguir, que tem por escopo

demonstrar a gama de conteúdo e divergência que circunda o instituto da posse.

1.2 CONCEITO DE POSSE

Pode-se dizer que posse, lato sensu, é o exercício de fato de algum dos

poderes inerentes à propriedade. O Código Civil Brasileiro não traz o conceito de

posse, porém percebe-se que o significado adotado pela doutrina deflui do conceito

de possuidor, disposto no art. 1.196, do Código Civil.4

Preconiza o artigo supra: “Considera-se possuidor todo aquele que tem de

fato o exercício pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade” 5

2 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direitos reais. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 27. 3 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direitos reais. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 27. 4 SILVIO, Rodrigues. Direito Civil: direito das coisas. 28. ed. v. 5. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 23. 5 BRASIL. Código Civil. Lei nº 10.406 de Janeiro de 2002. Vade Mecum. 11.ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

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16

Figueira Júnior critica o conceito de posse supracitado, defende que é

admissível ter a posse sem que se exerça a posse. Porquanto define a posse como:

Não o exercício do poder, mas sim o poder propriamente dito que tem o titular da relação fática sobre um determinado bem, caracterizando-se tanto pelo exercício como pela possibilidade de exercício. Ela é a disponibilidade e não a disposição; é a relação potestativa e não, necessariamente, o efetivo exercício.6

Por conseguinte em inúmeros casos o vocábulo posse é comumente

empregado de maneira errônea, dando sentido à palavra diverso da realidade, como

para designar propriedade diz-se possuir uma casa, ou refere-se ao compromisso do

funcionário público como tomar posse.7

1.3 ELEMENTOS CONSTITUTIVOS

Dois elementos tem caráter determinante para compreensão do instituto, são

elementos integrantes da posse: corpus e animus. Onde o corpus representa a

“relação material do homem com a coisa, ou a exteriorização da propriedade”, e, o

animus, elemento subjetivo, representa a vontade de ter a coisa como sua e de

defendê-la contra qualquer intervenção.8

O tema sub examine é delimitado por duas teorias, predominantes9, a teoria

subjetiva de Friedrich Karl Von Savigny, que foi o primeiro a explanar do assunto nos

tempos modernos, e a teoria objetiva de Rudolf Von Ihering.10

1.3.1 Teoria Subjetiva

Savigny11, teoria subjetiva, sustenta que a posse é configurada pela união

de dois elementos, corpus e animus, a ausência deste configura detenção, posse

6 FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias apud GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: direito das coisas. v.5. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 41.

7 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: direito das coisas. 22. ed. v.4. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 33-32.

8 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direitos reais. 6.ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 36. 9Ferrini, Riccobono e Barassi são doutrinadores que trataram sobre o assunto, todavia essas teorias

denominadas por doutrinadores como “ecléticas” não tiveram muita repercussão. GONÇALVES, Carlos Roberto. v.5. Direito Civil Brasileiro: direito das coisas. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 29.

10GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: direito das coisas. v.5. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 29.

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17

natural e não jurídica, e falta daquele caracteriza “fenômeno de natureza psíquica”,

sem relevância para o Direito.12

O animus é o elemento que distingue o possuidor do mero detentor,

destarte, o corpus não é suficiente para distingui-los, tendo em vista que aos olhos

de terceiros a relação sobre a coisa tanto pelo detentor quanto pelo possuidor é

visualmente idêntica.13

“Portanto, pela teoria subjetiva é inadmissível a posse por outrem, porque

não podemos ter, para terceiro, a coisa com o desejo de que seja nossa” 14, já que a

ausência de desejo, de ter a coisa como própria, configura detenção.

A presente teoria, com fundamento subjetivista, não encontrou sustentáculo,

por não conseguir explanar sobre as posses anômalas, como é o caso do credor

pignoratício.15

O direito moderno não pode deixar de tutelar, proteção possessória, ou seja,

direito daqueles que detêm a posse do que lhe fora confiado (anime nomine alieno),

Savigne buscou uma solução tangencial acrescentando a sua tese uma nova

categoria de posse, a denominada posse derivada, para que assim o credor

pignoratício, o precarista e o depositário da coisa litigiosa pudessem guardar e

conservar a posse em nome alheio16, porém o remédio para a lacuna da teoria não

foi suprido com relação à posse do usufrutuário e do enfiteuta que não gozam da

posse derivada.17 Por conseguinte Savigne foi contra a própria teoria, ao admitir

posse sem intenção de dono.

Tanto o conceito do corpus como o do animus sofreram mutações na própria teoria subjetiva. O primeiro, inicialmente considerado simples contato físico com a coisa (é, por exemplo, a situação daquele que mora na casa ou conduz o seu automóvel), posteriormente passou a consistir na mera possibilidade de exercer esse contato, tendo sempre a coisa à sua disposição. Assim, não perde o dono do veículo que entrou no cinema e o deixou no estacionamento. Também a noção de animus evoluiu para

11Teoria Subjetiva, porque dá mais ênfase ao animus, elemento intencional, na construção do conceito de posse. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: direito das coisas. 22. ed. v.4. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 35.

12 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: direito das coisas. 22. ed. v.4. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 34-35.

13 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direitos reais. 6.ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 37. 14 GOMES, Orlando. Direitos Reais. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1978. p. 29;37. 15 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direitos reais. 6.ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 37-38. 16 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: direito das coisas. v.5. São Paulo: Saraiva, 2006. p.

31. 17 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direitos reais. 6.ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 38.

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18

abranger não apenas o domínio, senão também os direitos reais, sustentando-se ainda a possibilidade sobre coisas incorpóreas.18

O Código Civil em vigor, consoante o Código Civil de 1916, adotou a teoria

de Ihering - teoria objetiva estudada a seguir - isso não significa, entretanto, que não

há resquícios da concepção de Savigne (vide item 1.7 deste capítulo) na atual

legislação, onde é possível vislumbrar a retomada por parte do legislador da idéia de

apreensão material da coisa.19

1.3.2 Teoria Objetiva

A teoria de Ihering denominada objetiva, por não acentuar o animus como

caracterizador da posse, sustenta que o animus está integrado no corpus. Destarte,

a dispensa da intenção de dono, como na teoria de Savigne, permite o

enquadramento como possuidor do locatário, do comandatário, do depositário etc.20

Basta o corpus para a caracterização da posse, onde se exige não o contato

físico, mas a conduta de dono.21 Ihering exemplifica a situação da seguinte forma:

Se encontrarmos um feixe de lenha devidamente amarrado, está evidente, devido à situação da própria coisa, que ele está sob a posse de alguém e que não podemos nos apossar dele sem cometermos um furto; diferentemente ocorre, se nos depararmos com um maço de cigarros tombado, que denuncia abandono ou perda porque não é ali o seu lugar adequado, onde cumpre sua destinação econômica. Igualmente se virmos alguns materiais junto a uma construção, apesar de ali não se encontrar o possuidor, exercendo poder sobre a coisa, a circunstância das obras e dos materiais indica a existência da posse de alguém.22

Quando o possuidor comporta-se como faria o proprietário e fixa um poder

econômico ao bem, está exercendo posse, por conseguinte dispensa a apreensão

física da coisa. Conforme a teoria de Ihering para distinguir posse e detenção deve-

se analisar com cautela em cada caso concreto se o ordenamento jurídico protege a

18 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: direito das coisas. v.5. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 32.

19 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: direito das coisas. 28. ed. v.5. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 20. 20 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: direito das coisas. 22. ed. v.4. São Paulo: Saraiva,

2007. p. 36. 21 “A conduta de dono pode ser analisada objetivamente, sem a necessidade de pesquisar-se a intenção do

agente. A posse, então, é a exteriorização da propriedade, a visibilidade do domínio, o uso econômico da coisa. Ela é protegida, em resumo, porque representa a forma como o domínio se manifesta. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: direito das coisas. v.5. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 32.

22 IHERING, Oeuvres Choisies, 1983 apud DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: direito das coisas. 22. ed. v.4. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 37.

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coisa, caso contrário, a situação configura mera detenção. Corolário a posse deve

ser a regra, dispondo de proteção aquele que tiver determinada coisa sob seu poder,

ressalvados os casos em que se comprove a degradação da coisa.23

Duas são as espécies de detenção, a denominada detenção dependente, na

qual se enquadra o fâmulo da posse e os atos de mera permissão ou tolerância, e a

detenção autônoma, enquanto não cessados os atos de violência ou de

clandestinidade não existe posse e sim esta espécie de detenção.

A lei aponta expressamente os casos em que a conduta não configura

posse, e sim detenção. Consoante disposto no art. 1.208 do Código Civil, o qual

estabelece que não caracteriza posse os atos de mera tolerância.24

Preceitua o art. 1.208 do Código Civil: “Não induzem posse os atos de mera

permissão ou indulgência assim como não autorizam a sua aquisição os atos

violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou clandestinidade.”

Quanto ao fâmulo da posse ou servidor da posse, a citação infra articula

com clareza esta figura:

[...] é aquele que, em virtude de sua situação de dependência econômica ou de um vínculo de subordinação em relação a uma outra pessoa (possuidor direto ou indireto), exerce sobre o bem, não uma posse própria, mas a posse desta última e em nome desta, em obediência a uma ordem ou instrução.25

Para melhor compreensão do instituto em questão mister que se analise o

resultado da conjugação de três dispositivos, são eles: artigos 1.198, caput e

parágrafo único do Código Civil, e artigo 1.208 do mesmo dispositivo legal.26

O caput do artigo 1.198 do Código Civil dispõe sobre o exercício da posse

quando o mesmo configura detenção dependente: “considera-se detentor aquele

que, achando-se em relação de dependência para com o outro, conserva posse em

nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções suas”.27 Já o parágrafo

23 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direitos reais. 6.ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 38-39. 24 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: direito das coisas. v.5. São Paulo: Saraiva, 2006. p.

36. 25 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: direito das coisas. 22. ed. v.4. São Paulo: Saraiva,

2007. p. 40. 26 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: direito das coisas. v.5. São Paulo: Saraiva, 2006. p.

41. 27 BRASIL. Código Civil. Lei nº 10.406 de Janeiro de 2002. Vade Mecum. 11.ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

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único do mesmo dispositivo legal discorre sobre a presunção juris tantum da

detenção: “Aquele que começou a comportar-se do modo como prescreve este

artigo, em relação ao bem e à outra pessoa, presume-se detentor, até que prove o

contrário”.28 Por tanto, o dispositivo explana sobre a possibilidade do agente em

demonstrar, desde que de modo inequívoco, não estar subordinado a ordens e

instruções, e que deixou de conservar a posse em nome de terceiro, portanto

perdendo o caráter de detentor em razão do animus domini.29

Expressão latina comumente utilizada por doutrinadores, a posse não pode

ocorrer “nec vim, nec dam, nem precario”30, para assim ser considerada justa.

Bem como, também, não constitui posse o contato material com a coisa

“sem vontade deliberada e consciência de praticar certos atos sobre o objeto. Assim

o espectador do cinema não é possuidor da cadeira que ocupa, nem a pessoa que

janta num restaurante tem a posse dos talheres e pratos servidos.”31

Portanto, é protegido pela lei aquele que age como se fosse proprietário da

coisa, de fato dando a destinação econômica para a qual foi feita. De modo que

protege-se a posse, porque o possuidor é o proprietário presuntivo, proteção esta

conferida por meio das ações possessórias.32

A distinção substancial das duas escolas consiste, lato sensu, nos dizeres

que se seguem:

Teoria Subjetiva Teoria Objetiva

A posse só se configura pela

união de corpus e animus;

A posse é condição de fato da

utilização econômica da propriedade;

A posse é o poder imediato de

dispor fisicamente do bem, com

animus rem sibi habendi, defendendo-

O direito de possuir faz parte do

conteúdo do direito de propriedade;

28 BRASIL. Código Civil. Lei nº 10.406 de Janeiro de 2002. Vade Mecum. 11.ed. São Paulo: Saraiva, 2011. 29 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: direito das coisas. v.5. São Paulo: Saraiva, 2006. p.

41. 30 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direitos reais. 6.ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 41. 31 WALD, Arnoldo. Direito Civil: direito das coisas. 12. ed. v.4. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 119. 32 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: direito das coisas. 28. ed. v.5. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 19.

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a contra agressões de terceiros;

A mera detenção não

possibilita invocar os interditos

possessórios, devido à ausência do

animus domini;

A posse é o meio de proteção

do domínio;

A posse é uma rota que conduz

à propriedade, reconhecendo assim a

posse como um direito. 33

1.4 NATUREZA JURÍDICA

Com base nos ensinamentos das duas escolas, teoria subjetiva e objetiva,

conclui-se que para Savigne a posse é um fato em sua origem, entretanto, torna-se

um direito ao adentrar no âmbito jurídico, tendo em vista os efeitos que produz; já

para Ihering a posse é um direito, porquanto, é juridicamente protegida.34

Nesse aspecto a doutrina se divide em três correntes:

1ª – sustenta que a posse é um direito, levando em conta a premissa que

direito são interesses jurídicos protegidos. Trata-se de uma relação jurídica que tem

como causa um fato35. Seguidores: Ihering, Cáio Mário da Silva Pereira, Orlando

Gomes, entre outros.

2ª – sustenta que a posse é um fato, porquanto “não tem autonomia, não

tem valor jurídico próprio”36. Seguidores: Clóvis Beviláqua, Arnoldo Wald, e outros.

3ª (eclética) - sustenta que a posse é concomitantemente um fato e um

direito. “Considerada em si mesma, é um fato, considerada nos efeitos que produz é

33 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: direito das coisas. 22. ed. v.4. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 35-38.

34 AQUINO. Àlvaro Antônio Sagulo Borges. A Posse e seus Efeitos. São Paulo: Atlas, 2000. p. 43. 35 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: direito das coisas. v.5. São Paulo: Saraiva, 2006. p.

53. 36 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: direito das coisas. v. 5. São Paulo: Saraiva, 2006. p.

53.

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um direito”.37 Juristas que compactuam com esta corrente: Savigne, Lafayette e

outros.

Sendo a posse um direito, deve-se verificar onde se enquadra, na categoria

dos direitos reais ou dos direitos obrigacionais, também denominados pessoais.

1.5 OBJETO DA POSSE

Antes de adentrar, com efeito, no estudo do instituto da posse, indispensável

pormenorizar sobre a distinção entre bens corpóreos e bens incorpóreos; e direitos

reais e pessoais.

1.5.1 Bens Corpóreos e Incorpóreos

A evolução do direito fez com que a proteção possessória não se

restringisse somente as coisas corpóreas, portanto sendo suscetíveis de uso e

apropriação os bens incorpóreos.38

Bens corpóreos são aqueles que nossos sentidos podem perceber: um automóvel, um animal, um livro. Os bens incorpóreos não têm existência tangível. São direitos das pessoas sobre as coisas, sobre o produto de seu intelecto, ou em relação a outra pessoa, com valor econômico: direitos autorais, créditos, invenções.39

Em razão da dificuldade de enquadrar determinados bens como corpóreos

ou incorpóreos, criaram, então, uma terceira classificação, os bens ditos semi-

incorpóreos. São exemplos de bens semi-incorpóreos a energia elétrica, linhas

telefônicas, ondas de freqüência televisivas, entre outros. Com base nos

precedentes judiciais pode-se ratificar que esses bens são passíveis de proteção

possessória.40

Há, entretanto, o cuidado ao estudar em face de quem propor a ação. O

posicionamento majoritário vai contra a possibilidade de intentar ação contra a

37 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: direito das coisas. v.5. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 54.

38 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direitos reais. 6.ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 46-47 39SOUZA, Roberto de. Classificação dos Bens. Publicado em 21/12/2009. Disponível em:

<http://www.webartigos.com/articles/30281/1/Classificacao-dos Bens/ pagina1.html#ixzz1G QF1hDJF> . Acesso em: 22 de novembro de 2010.

40 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: direito das coisas. v.5. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 51.

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concessionária, quem de fato estaria legitimado a ocupar o pólo passivo da

demanda são aqueles que turbam esses direitos semi-incorpóreos.41

1.5.2 Direito Real e Direito Pessoal

Antes de analisar as distintas teses sobre a posse ser um direito real ou

pessoal, prescindível fazer as devidas distinções.

O Direito Real – jus in re – é o direito inerente a coisa, em contrapartida o

Direito Pessoal – jus in personam – é o direito vinculado à pessoa sem dependência

de coisa certa.42

Inúmeros juristas veem a posse como direito real, “em consideração a

elementos que a caracterizam, entre estes a oponibilidade erga omnes,

indeterminação do sujeito passivo e incidência em objeto obrigatoriamente

determinado”.43

Em contrapartida, outros autores fundamentam a sua posição na

taxatividade do artigo 1.225, o qual elenca os direitos reais e dentre eles não está à

posse, portanto se enquadra como direito pessoal, tece ainda Gomes Junior “a

posse carece de certos predicados inerentes aos direitos reais: direito de sequela,

validade erga omnes, publicidade”.44

Numerosos, os direitos pessoais são criados para atender as necessidades

individuais e sociais, e dentro de uma sociedade capitalista são intermitentes as

relações obrigacionais, sendo, portanto por meio delas que circulam os bens e

riquezas.45

Doutro lado, o direito real é taxativo e ordinariamente são empregados como

acessórios de direitos obrigacionais, “é o que sucede nas garantias reais (penhor e

41 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: direito das coisas. v.5. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 51.

42 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direitos reais. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 28. 43 RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de Usucapião. 7. ed. v.1. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 713. 44 GOMES JUNIOR, Luiz Manoel. A Posse é um Direito – Real?. Disponível em:

<http://www.fiscolex.com.br/doc_6221080_A_POSSE_DIREITO_REAL_DIFERENCA_ENTRE_DIREITOS_REAIS_PESSOAIS.aspx Acesso em: 23 de novembro de 2010.

45 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: teoria geral das obrigações e dos contratos. 10. ed. v.2. São Paulo: Atlas, 2010. p. 9.

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hipoteca) que surgem em razão de uma obrigação contraída pelo devedor, o qual,

em caso de insolvência, estará com seu bem onerado para garantia do credor”.46

Cruzam-se os direitos obrigacionais e reais, até porque a obrigação pode ter

como objeto um direito real, destarte não há antagonismo entre os direitos

mencionados. Entretanto, em diversos pontos diferem um do outro, entre eles no

que tange as características. O direito real tem caráter absoluto, exclusivo, atributivo

e eficácia erga omnes, ao par que o direito pessoal é cooperativo e relativo, visto

que a prestação só pode ser exigida de pessoa certa; enquanto este tem caráter

interino aquele tende à perpetuidade.47

1.5.3 Posse de direitos pessoais

Tudo aquilo que puder ser objeto de propriedade, por consequência, podem

ser objeto de posse, sejam corpóreos ou incorpóreos, ressalvadas aqueles relativas

à propriedade artística, científica ou literária.48

Contrariando o entendimento do autor supracitado, outros estudiosos

defendem “[...] ser inconcebível a posse de uma coisa incorpórea, pois os efeitos da

posse estão vinculados essencialmente a existência de uma coisa”.49

Consideram a posse inaplicável aos direitos pessoais, com o fundamento na

impossibilidade de violência física a estes direitos, de modo a impossibilitar a

necessidade dos interditos. Admitem, portanto, somente quando possível vislumbrar

o exercício de um dos poderes inerentes a propriedade sobre determinado objeto.50

Outra corrente defende que no âmbito jurídico a posse deixa de ser somente

um fato, por esse motivo se torna possível “a proteção de bens imateriais quando

46 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: teoria geral das obrigações e dos contratos. 10. ed. v.2. São Paulo: Atlas, 2010. p. 8.

47 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: teoria geral das obrigações e dos contratos. 10. ed. v. 2. São Paulo: Atlas, 2010. p. 7-8.

48 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: direito das coisas. 22. ed. v.4. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 44.

49 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: direito das coisas. 22. ed. v.4. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 62.

50 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: direito das coisas. v. 5. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 48-49

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suscetíveis de uso e apropriação, como ocorre com a marca comercial e os símbolos

que a acompanham”.51

Destarte, embora inexata a expressão posse de direitos, tem ela perfeita compreensão na doutrina. No entanto, deve ser afastada a idéia de que essas manifestações de domínio aqui exemplificadas ficam fora da proteção possessória, como errônea interpretação do tema poderia sugerir. Desse modo, como corolário da teoria objetiva da posse, há de ser concebido como possuidor todo aquele que no âmbito das relações patrimoniais exerça um poder de fato sobre o bem. Mas, em qualquer situação, a posse deve estampar uma exterioridade ou aparência. Sem esta, não há como defendermos a existência da posse, porque impossível torna-se o animus, porque existirá o fato passível de posse. Por essa razão, não chegamos ao extremo de admitir a posse de um direito de crédito, por exemplo, como também não deferimos proteção possessória à manutenção de um cargo ou função pública, para cujo resguardo existem medidas específicas, distintas da noção possessória. Não negamos, portanto, a proteção possessória a direitos incorpóreos.52

Consoante delineado ao longo deste item não há consenso no que diz

respeito à possibilidade ou não da posse de direito pessoal. Aduz a jurisprudência o

seguinte: “é suscetível de proteção possessória tudo aquilo que puder ser

apropriado e exteriormente demonstrado”.53

1.6 CLASSIFICAÇÃO

Não há uma uniformização por parte dos doutrinadores no que diz respeito à

classificação da posse. Conquanto, algumas modalidades são tidas como unânimes.

1.6.1 Posse Direta e Posse Indireta

Ambas as modalidades de posse são amparadas pelo artigo 1.197 do

Código Civil, portanto, a lei tutela o direito de duas categorias de possuidores, o

direto e o indireto.

Consoante ensinamento do jurista Aquino: “direta é a posse em que o

possuidor tem a coisa consigo, exercendo um contato físico, direto, imediato e

51 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direitos reais. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 47. 52 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direitos reais. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 47-48. 53 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direitos reais. 6.ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 46.

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aparente. Indireta é a posse em que o possuidor exerce um contato indireto,

mediato.54

O melhor exemplo para compreender a posse direta e indireta é na locação,

onde figura como possuidor direto o locatário, e como possuidor indireto o locador, já

que aquele está ligado, diretamente e imediatamente, à coisa, usando e gozando,

enquanto, este não tem a coisa em seu poder, podendo ser o dono ou em posição

semelhante.55

A posse direta, de pessoa que tem a coisa em seu poder, temporariamente,

em virtude de direito pessoal, ou real, não anula a indireta, de quem aquela foi

havida, podendo o possuidor direto defender a sua posse contra o indireto.56

Apesar de não existir a possibilidade de haver sobre um bem mais de uma

posse, visto que a posse é exclusiva, o legislador admitiu que pudesse ela se

desdobrar.57

A tradição faz com que ocorra essa bipartição da posse, posse direta,

transitória, e indireta. Apesar de coexistirem simultaneamente as duas categorias

não colidem. Esse desdobramento de posse foi necessário a partir do momento em

que os elementos integrantes da posse, animus e corpus, não se fizeram

suficientes.58 O desdobramento pode ser sucessivo, ou seja, após o primeiro

desdobramento o possuidor direto pode fazer um segundo, se tornando assim

possuidor indireto, sem olvidar, que aqueles que não estão em posse da coisa são

considerados possuidores indiretos, em gradações sucessivas.59 Corolário, tanto o

possuidor direto como o indireto podem recorrer às ações possessórias.

1.6.2 Posse Justa e Posse Injusta

Sendo mansa e pacífica, portanto sem vícios (clandestinidade, violência ou

precariedade), a posse é tida como justa.

54 AQUINO. Àlvaro Antônio Sagulo Borges. A Posse e seus Efeitos. São Paulo: Atlas, 2000. p. 48. 55 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direitos reais. 6.ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 51-52. 56 Artigo 1.197. BRASIL. Código Civil. Lei nº 10.406 de Janeiro de 2002. Vade Mecum. 11.ed. São Paulo:

Saraiva, 2011. 57 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: direito das coisa. 28. ed. v.5. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 24. 58 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direitos reais. 6.ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 50-51. 59 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: direito das coisas. v. 5. São Paulo: Saraiva, 2006. p.

62-63.

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Os três vícios fundamentais da posse correspondem, aliais, a três figuras de crimes definidas pelo nosso Código Penal, que são respectivamente o roubo (violência), o furto (clandestinidade) e a apropriação indébita (precariedade da posse e recusa em devolver o objeto quando exigido pelo seu legítimo titular).60

A aquisição sorrateira da posse, ou seja, aquela sem publicidade é

considerada injusta, visto que a clandestinidade impede o conhecimento da

“invasão” por parte do possuidor.61

A violência seja física, moral ou psicológica, configura posse injusta. Ainda

que causador da violência seja o proprietário a vítima pode recorrer à proteção

possessória.62

A precariedade é oriunda de um abuso de confiança, visto que nesse caso

alguém se apropriou de algo indevidamente, apropriação esta que deveria ser por

tempo determinado e em razão de uma relação jurídica. Diante da situação exposta

à posse deixa de ser justa e passa a configurar apropriação indébita.63

Mister salientar que a posse originalmente viciada pode vir a convalescer,

desde que cessem os atos violentos ou clandestinos. Porém, o mesmo não ocorre

com a posse precária, onde há quebra de acordo e confiança.64

O articulado anteriormente ratifica que “a posse justa e injusta acham-se

definidas, a segunda a contrario sensu da primeira”.65

1.6.3 Posse de Boa-fé e Posse de Má-fé

Preceitua o artigo 1.201 do Código Civil:

É de boa-fé a posse, se o possuidor ignora o vício, ou o obstáculo que impede a aquisição da coisa. O possuidor com justo título tem por si a presunção de boa-fé, salvo prova em contrário, ou quando a lei expressamente não admite esta presunção.

Manifesto que ao elaborar o artigo 1.201 o legislador coloca como

pressuposto de boa-fé a convicção do possuidor de que a coisa lhe pertence, ou

60 WALD, Arnoldo. Direito Civil: direito das coisas. 12. ed. v.4. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 68. 61 NADER, Paulo. Curso de Direito Civil: direito das coisas. v.4. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 47. 62 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: direito das coisas. 28. ed. v.5. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 27-28. 63 WALD, Arnoldo. Direito Civil: direito das coisas. 12. ed. v.4. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 68. 64 NADER, Paulo. Curso de Direito Civil: direito das coisas. v.4. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 47. 65 RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de Usucapião. 7. ed. v.1. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 721.

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seja, deve ignorar o vício existente. Por consequência, perde a posse de boa-fé se

provada à ciência por parte do possuidor do fato impeditivo.66

“A posse de boa-fé só perde este caráter no caso e desde o momento em

que as circunstâncias façam presumir que o possuidor não ignora que possui

indevidamente.”67

Portanto, se o vício é de conhecimento do possuidor está caracterizada a

posse de má-fé. Trata-se de um critério cuja presunção é juris tantum. O possuidor

de boa-fé o será até que demonstrem que este tinha ciência de não o ser, usa-se o

termo “demonstrem”, porquanto, o ônus da prova é daquele que arguir a má-fé.68

A boa-fé “é a alma das relações sociais” 69, conquanto, não é critério exigido

para que se possa utilizar das ações possessórias, visto que ainda que comprovada

a má-fé o possuidor pode tutelar seu direito por meio dos interditos, “a boa-fé

somente ganha relevância, com relação à posse, em se tratando de usucapião, de

disputa sobre os frutos e benfeitorias da coisa possuída ou da definição da

responsabilidade pela sua perda ou deteriorização”.70

1.6.4 Posse com Justo Título e Posse sem Justo Título

“Título é o fundamento jurídico de um direito, o documento que serve para

provar direitos e obrigações.” 71, a expressão faz alusão a todos os negócios

jurídicos que tenham o condão de transferir o domínio, ou que de fato o teria se

fosse oriundo do legítimo proprietário (ou de quem com capacidade alienatória) ou

se não houvessem os obstáculos que o impedem.72

O justo título, hábil à transferência do domínio, mesmo aparentemente legítimo e válido, mas com vícios e irregularidades, e desde que o adquirente esteja imbuído ou convicto da ideia de que tratou com o

66 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: direito das coisas. 22. ed. v.4. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 60.

67 Artigo 1.202. BRASIL. Código Civil. Lei nº 10.406 de Janeiro de 2002. Vade Mecum. 11.ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

68 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: direito das coisas. v.5. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 78.

69 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: direito das coisas. v.5. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 74.

70 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: direito das coisas. v.5. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 77.

71 COSTA, Wagner Veneziani; AQUEROLI, Marcelo. Dicionário Jurídico. 9.ed. São Paulo: Madras, 2008. p. 274.

72 RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de Usucapião. 7. ed. v.2. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 841; .

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verdadeiro dono e assim o julgou, tanto que possui o imóvel com ânimo de proprietário, exerceu posse manda, pacífica ou tranqüila, pelo tempo previsto em lei, será básico ao reconhecimento da usucapião ordinária. O decurso do tempo expungirá o vício originário, sanando os defeitos, as irregularidades. Enfim, não sendo o vício de forma nem constituindo nulidade absoluta, desde que estejam satisfeitos os requisitos enumerados, tranquilamente usucapirá o adquirente a propriedade.73

Aduz o artigo 1.201, parágrafo único, do Código Civil: “O possuidor com

justo título tem por si a presunção de boa-fé, salvo prova em contrário, ou quando a

lei expressamente não admite esta presunção.”. Por conseguinte, diante do exposto,

para ter status de justo, o título não pode estar eivado de vícios que impeçam a

transmissão do direito real condizente. Para maior inteireza do assunto, deve ser

consultado o item 2.4.2.1.

1.6.5 Posse Nova e Posse Velha

Lapso temporal é o quesito com maior relevância para que se faça a

distinção de posse velha e posse nova, o prazo tem início da data em que foi

praticada a lesão possessória, sendo que para o enquadramento legal dentro da

modalidade posse nova não poderá ter ultrapassado ano e dia, caso ultrapasse, a

posse será denominada posse velha, e o rito adotado será o ordinário, não por isso

perdendo o caráter possessório74.

Não há conceito expresso em lei de possa nova e posse velha, incumbe,

portanto, ao magistrado com base em cada caso concreto, decidir qual é a melhor

posse. O Código Civil de 2002 não recepcionou o artigo 507 do Código Civil de

1916, o dispositivo não conceituava posse velha e posse nova, conquanto fornecia

formas de identificar a melhor posse75.

Dispunha o artigo 507 do Código Civil de 1916 “nenhum possuidor será

manutenido ou reintegrado judicialmente, senão contra os que tiverem melhor

posse” 76, o parágrafo único completa o referido dispositivo legal, descreve a melhor

posse como aquela “que se fundar em justo título; na falta de título, ou sendo os

73 RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de Usucapião. 7. ed. v.2. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 844. 74 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: direito das coisas. v. 5. São Paulo: Saraiva, 2006. p.

82. 75 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direitos reais. 6.ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 72. 76 Artigo 507, caput. BRASIL. Código Civil. Lei nº 3.071 de Janeiro de 1916. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L3071.htm>. Acesso em: 28 de novembro de 2010.

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títulos iguais, a mais antiga; se da mesma data, a posse atual. Mas se todas forem

duvidosas, será sequestrada a coisa, enquanto se não apurar a quem toque”.77

1.6.6 Posse ad interdicta e Posse ad usucapionem

Requisitos para que seja caracterizada a posse ad interdicta: basta que não

seja violenta, clandestina, ou precária. De forma incisiva, basta ser justa para efeito

de interditos. Como exemplo, o locador que esbulha a posse do locatário, este tem

posse justa, portanto, pode se valer dos interditos.78

A posse que em razão do fator temporal pode advir aquisição de domínio dá-

se o nome de posse ad usucapionem. O possuidor injusto e de má-fé com relação a

terceiros, que não aquele que sofreu as consequências dos vícios, pode defender

sua posse. Até mesmo possuidor sem boa-fé pode adquirir propriedade por meio da

usucapião. 79 Entretanto o exposto não abrange a posse adquirida de forma precária,

pois esta jamais convalesce, a afirmativa faz jus ao ventilado no item 1.6.2.

1.6.7 Composse

Ocorre a chamada composse quando dois ou mais indivíduos, com animus,

ao mesmo tempo, possuem a mesma coisa. Para tal, não há a necessidade de

ciência por parte de todos os possuidores, “como ocorre na hipótese de herdeiro que

se acredita único, quando de fato não o é. Ainda que ele não saiba da existência de

outros herdeiros, todos têm a posse dos bens hereditários desde o momento da

morte do autor da herança [...]”.80

Preceitua o artigo 1.199 do Código Civil: “se uma ou mais pessoas

possuírem coisa indivisa, poderá cada um exercer sobre ela atos possessórios,

contanto que não excluam os dos outros compossuidores.”

77 Artigo 507, parágrafo único. BRASIL. Código Civil. Lei nº 3.071 de Janeiro de 1916. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L3071.htm>. Acesso em: 28 de novembro de 2010.

78 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: direito das coisas. 28. ed. v.5. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 34. 79 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direitos reais. 6.ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 70-71. 80 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direitos reais. 6.ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 55.

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A composse, também chamada de compossessão ou posse comum, exige o

preenchimento de dois pressupostos para sua caracterização, a pluralidade de

sujeito e a coisa indivisa.81

Lafayette descreve alguns casos de composse:

a) entre cônjuge, consorciados pelo regime de comunhão universal de bens, e entre conviventes havendo união estável; b) entre herdeiros, antes da partilha do acervo; c) entre consórcios, nas coisas comuns, salvo se se tratar de pessoa jurídica; e d) em todos os casos em que couber a ação communi dividundo (ação de divisão de coisa comum) 82. (grifo acrescido)

Os compossuidores possuem uma fração ideal do bem, em face da não

determinação exata de qual parte pertence a cada qual. A essa espécie de

composse dá-se o nome de composse pro indiviso.83

Quanto à composse pro diviso, in verbis:

[...] se os compossuidores acordam em delimitar o terreno objeto de sua posse, ou a extensão fática do objeto da posse, passa cada um a exercer a posse exclusiva sobre o torrão escolhido, desaparecendo nesse caso a composse. Composse localizada é mera aparência de posse em comum. É posse exclusiva. Nada obsta que seja ajuizada ação declaratória para delimitar o âmbito da posse ou posse localizada. Nesse caso, distingui-se a posse pro diviso da posse pro indiviso. Se o possuidor tem posse delimitada sobre a coisa, sua posse é pro diviso, exercitada sobre parte certa e determinada. Se a posse em comum em terreno mostra-se indeterminada, sem fixação clara de limites, cuida-se de posse pro indiviso, a verdadeira composse [...].84

Cessa a composse, ou quando o objeto “sai” do estado de indivisão, ou

ainda, quando extinta a relação jurídica que lhe deu causa85. Em regra, a composse

é temporária, porém, é possível observar casos em que a composse pode vir a ser

“perpétua”, como exemplo o condomínio onde há composse enquanto o edifício ali

permanecer.86

81 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: direito das coisas. 22. ed. v.4 São Paulo: Saraiva, 2007. p. 57.

82 PEREIRA, Lafayette Rodrigues apud DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: direito das coisas. 22. ed. v.4. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 57.

83 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: direito das coisas. 22. ed. .v.4. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 58.

84 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direitos reais. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 65. 85 AQUINO. Àlvaro Antônio Sagulo Borges. A Posse e seus Efeitos. São Paulo: Atlas, 2000. p. 62. 86 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: direito das coisas. 22. ed. v.4. São Paulo: Saraiva,

2007. p. 59.

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1.7 AQUISIÇÃO DA POSSE

Explana o artigo 1.204 do Código Civil, sobre a aquisição da posse,

vinculando a mesma ao exercício dos poderes inerentes à propriedade, qual seja

usar, gozar, dispor e reaver.

Onde, usar significa utilizar da coisa, tirar proveito, exerce este poder o

possuidor direto; gozar, jus fruiendi, consiste na faculdade de colher os frutos

advindos do objeto da posse, implica na necessidade de exercício concomitante do

poder de usar; Dispor, jus abutendi, possibilidade de se desfazer, seja por alienação,

doação, consumo, ou qualquer outra forma que acarrete a quebra do vínculo

existente; Reaver, direito de buscar a coisa onde quer que ela se encontre, direito de

sequela.87

Os modos de aquisição são classificados em originários e derivados, sendo

que quando a posse é adquirida de forma originária é unilateral, sem anuência do

possuidor precedente, o que diferencia essa espécie de posse da derivada, que

como o próprio nome já insinua é proveniente de outra, portanto, bilateral, com

ciência e anuência de ambos os envolvidos.88

O legislador, esquecendo-se do fato de haver adotado a teoria de Ihering, admitiu a aquisição da posse pela apreensão da coisa, bem como a sua perda pelo abandono e pela tradição, modos estes que melhor se coadunam com a teoria de Savigne, baseada na coexistência do corpus e do animus.89

A interpretação supra é proveniente da análise do artigo 1.204 do Código

Civil, o qual dispõe: “Adquire-se a posse desde o momento em que se torna possível

o exercício, em nome próprio, de qualquer dos poderes inerentes à propriedade”.

1.7.1 Aquisição Originária

A ausência de vínculo entre o possuidor anterior e o atual configura

aquisição originária. Impossível dessa forma que qualquer vício proveniente da

87 NADER, Paulo. Curso de Direito Civil: direito das coisas. v.4. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 88. 88 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: direito das coisas. v.5. São Paulo: Saraiva, 2006. p.

88. 89 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: direito das coisas. v.5. São Paulo: Saraiva, 2006. p.

87.

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posse anterior contamine a atual90, corrobora a afirmativa o art. 1.203 do Código

Civil, o qual aduz: “Salvo prova em contrário, entende-se manter a posse o mesmo

caráter com que foi adquirida.”

1.7.2 Apreensão da Coisa

Apreensão é a apropriação unilateral do objeto, em razão de abandono (res

derelicta), quando inexistir dono (res nullius), ou ainda quando se retira sem

anuência do proprietário a coisa de sua posse.91

1.7.3 Exercício do Direito

A apreensão não é a única forma unilateral de aquisição de posse, é

possível obter o mesmo fim através do exercício do direito. Silvio Rodrigues

emprega o seguinte exemplo, “se alguém constrói aqueduto em terreno alheio e o

utiliza ostensivamente sem oposição do proprietário, está exercendo a posse de

uma servidão. Transcorrido o prazo legal, há aquisição de referida posse, pelo

exercício do direito, podendo o possuidor invocar interdito possessório, em defesa

de sua situação.”92

1.7.4 Modos Derivados de Aquisição

Aquisição derivada, aquela em que se vislumbra uma relação de

causalidade entre a posse precedente e a atual, bilateral. Nesse tipo de aquisição a

transmissão é feita com a anuência daquele que transmite. Como exemplo típico o

contrato de compra e venda, bem como os frutos da árvore do vizinho que passam a

compor os objetos de posse do possuidor do terreno o qual o fruto caiu.93

1.7.5 Tradição

A Tradição se manifesta por ato bilateral, ato este de vontade mútua entre

90 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direitos reais. 6.ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 76-77. 91 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: direito das coisas. v.5. São Paulo: Saraiva, 2006. p.

89. 92 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: direito das coisas. 28. ed. v.5. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 40. 93 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direitos reais. 6.ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 75.

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contratantes, tradente e adquirente, e se consolida com a entrega propriamente dita

do objeto. Conquanto, nem toda a tradição se dá de forma tão simples, seja “porque

o objeto, pelo seu volume ou pela fixação, não permite o deslocamento, seja porque

não há necessidade da remoção.”94 Para facilitar a compreensão, a tradição é

dividida em três modalidades: efetiva ou material, ficta ou simbólica, e consensual.

1.7.5.1 Tradição Consensual

A tradição consensual se subdivide em constituto possessório e traditio

breve manu. Na traditio brevi manu ocorre uma transferência na situação fática,

onde o possuidor direto passa a ser o possuidor indireto, portanto, o proprietário.

Enquanto, no constituto possessório o possuidor passa a adquirir posse em nome de

outrem, como é o caso daquele que aliena seu imóvel, todavia, continua ali

residindo, perdendo o status de proprietário e assumindo de possuidor direto ou

mediato95.

As hipóteses supracitadas demonstram que há aquisição sem exteriorização

da entrega, no caso específico, com inversão do elemento subjetivo, animus.96

Alguns doutrinadores colocam o constituto possessório não como uma das

subdivisões da tradição consensual, mas como uma terceira divisão da tradição.

1.7.5.2 Tradição Simbólica

Simbólica, pode ser chamada de representativa, por ter como marco um ato

que evidencia que houve a alienação, clássico exemplo, a entrega das chaves do

carro, embora, o objeto de posse não tenha sido entregue representa a

disponibilidade do mesmo, ao adquirente.97

94 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: direito das coisas. v.5. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 92.

95 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: direito das coisas. v.5. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 92.

96 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direitos reais. 6.ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 78. 97 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: direito das coisas. 28. ed. v.5. São Paulo: Saraiva, 2003. p.78-79.

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1.7.5.3 Tradição Material

Posse que se consuma pela entrega real da coisa a ser adquirida,

denominada como efetiva ou material, a compra e venda é um exemplo, pode-se

dizer que dentre as modalidades é a mais frequente.98

Para se enquadrar em uma das espécies de tradição, deve a relação jurídica

se consolidar com o preenchimento de um desses requisitos indispensáveis: “[...]

entrega da coisa; a intenção das partes em efetuar essa tradição [...]; [...] a justa

causa, requisito este entendido como a presença de um negócio jurídico precedente,

fundamentando-a”99.

1.7.6 Acessão na Posse

Acessão explica o porquê o sujeito que tem a posse de um terreno por um

período de cinco anos, herança do de cujus que o tinha anteriormente por igual

tempo, pode vir a intentar ação de usucapião ordinária, que tem como requisito

primordial posse mansa e pacífica de no mínimo 10 anos.100

“Acessão na posse é gênero de qual são espécies a sucessão de posse e a

união de posse.“101

Consoante, artigo 1.206 do Código Civil, “a posse transmite-se aos herdeiros

ou legatários do possuidor com os mesmos caracteres”, completa o artigo 1.207 do

mesmo diploma legal “o sucessor universal continua de direito a posse do seu

antecessor; e ao sucessor singular é facultado unir sua posse à do antecessor, para

efeitos legais.”

Mister distinguir sucessão e união de posse, onde sucessão de posse ocorre

na aquisição a título universal, “quando o objeto da transferência é uma

universalidade, como um patrimônio, ou parte alíquota de uma universalidade”, Por

conseguinte união de posse ocorre na aquisição a título singular quando a coisa a

98 AQUINO. Àlvaro Antônio Sagulo Borges. A Posse e seus Efeitos. São Paulo: Atlas, 2000. p. 68. 99 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: direito das coisas. v.5. São Paulo: Saraiva, 2006. p.

92. 100 AQUINO. Àlvaro Antônio Sagulo Borges. A Posse e seus Efeitos. São Paulo: Atlas, 2000. p. 68. 101 AQUINO. Àlvaro Antônio Sagulo Borges. A Posse e seus Efeitos. São Paulo: Atlas, 2000. p. 72.

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ser adquirida for certa e determinada.102 Corolário o legatário adquiri a título singular,

já o herdeiro a título universal.

O sucessor universal dá continuidade, por assim dizer, a posse do seu

antecessor, assim se eivada de vícios antes da aquisição a título universal

continuará posteriormente. Como no exemplo citado no primeiro parágrafo deste

item, onde em razão dessa continuidade o herdeiro se beneficia dos cinco anos de

posse do de cujus.103

1.8 PERDA DA POSSE

Quando há o impedimento do livre exercício de um dos poderes inerentes a

propriedade, ou se o possuidor deixa de agir com animus, ocorrerá à perda da

posse. A perda será provisória, desde que se utilize dos instrumentos remediadores,

às ações possessórias.104

1.8.1 Abandono

Diante da voluntariedade, por parte do possuidor, em renunciar a posse, fica

configurado o abandono, pois ocorre a perda do animus e do corpus. Sem olvidar

que a perda da posse não significa abandono da propriedade, por exemplo, “para

salvação de navio em perigo deitam-se ao mar diversos objetos: arrojados à praia,

ou recolhidos por outrem, assiste ao dono o direito de recuperá-los”.105

1.8.2 Tradição

Tanto meio pelo qual se adquiri como meio pelo qual se perde, pois o

tradente ou transmitente perde a posse ao transferi-la para o adquirente, portanto

102 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: direito das coisas. 28. ed. v.5. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 43. 103 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: direito das coisas. 28. ed. v.5. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 42. 104 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: direito das coisas. v.5. São Paulo: Saraiva, 2006. p.

101;109. 105 GONÇALVES, Cunha apud GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: direito das coisas.

v.5.São Paulo: Saraiva, 2006. p. 101.

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desaparecem o animus e o corpus. Análoga a tradição é, se tratando de bens

imóveis, o registro do título. 106

1.8.3 Pela perda da coisa em si

Não confundir coisa perdida com coisa abandonada, no primeiro caso o

proprietário ao emprenhar-se na procura da coisa não perde a posse da mesma, no

abandono a perda é intencional.107

1.8.4 Destruição da coisa

O perecimento, natural ou fortuito, acarreta a perda da posse, bem como a

modificação do estado atual do objeto, o qual se torna inutilizável, corolário

desvalorizado.108

1.8.5 Colocação da coisa fora do comércio, inalienabilidade

Via de regra, os bens inalienáveis não são objetos de posse, conquanto o

Estado no exercício de suas atribuições possa ceder à posse daquilo que lhe

pertence, e consequentemente podem aqueles que exercem a posse protegê-las de

qualquer moléstia.109

1.8.6 Pela posse de outrem

A perda da posse só será permanente quando da inércia do possuidor

primitivo durante o lapso temporal necessário para intentar ação possessória, desde

que a posse não seja precária, hipótese que a mesma não convalesce.110 O

possuidor tem prazo de ano e dia para obter a concessão da liminar, a inércia

durante este prazo acarreta a perda temporária da posse, pois diante da

106 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direitos reais. 6.ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 86. 107 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direitos reais. 6.ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 86-87. 108 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: direito das coisas. v.5. São Paulo: Saraiva, 2006. p.

103-104. 109 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direitos reais. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 86-87. 110 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: direito das coisas. v.5. São Paulo: Saraiva, 2006. p.

104.

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impossibilidade da liminar, provado a turbação ou esbulho, somente a sentença terá

o condão de reintegrar ou manutenir o possuidor primitivo.111

1.8.7 Constituto Possessório

Aquele que aliena a coisa e continua a exercer posse direta, tornou-se

proprietário aparente, entretanto perdeu o animus, a situação gera a perda de um

título e simultaneamente a aquisição de outro.112

1.9 ARREMATE DA POSSE

Conclui-se que o, até então, exposto faz jus as palavras de Venosa, abaixo

transcrita:

A posse continua sendo, sem dúvida, o instituto mais controvertido de todo o Direito, não apenas do Direito Civil. De fato, tudo quanto a ela se vincula é motivo de divergência doutrinária: conceito, origem, elementos, natureza jurídica, etc. Essas dificuldades devem-se em parte aos textos romanos, na maioria das vezes contraditórios e interpolados. Na história romana, o próprio conceito de posse foi sendo alterado nas diversas épocas, recebendo influência do direito natural, canônico e direito germânico. Ademais, os ordenamentos jurídicos existentes não são homogêneos, tratando do tema com enfoques diversos. Enfim, o conceito de posse nunca logrará atingir unanimidade na doutrina e na legislação.113

A posse é a base da propriedade, é a soma dos atos não defesos em lei,

logo analisado em sua essência o alicerce da propriedade impreterível coadunar o

conhecimento assimilado com as lições que sucedem.

1.10 DA PROPRIEDADE

Entre os juristas é considerado o mais importante dos direitos patrimoniais,

corolário é a referência dos demais direitos reais, “enquanto o direito subjetivo da

propriedade abrange, em tese, a plena disponibilidade da coisa, os demais direitos

reais contêm uma fração apenas ou algum tipo de poder sobre elas”.114

111 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direitos reais. 6.ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 87. 112 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direitos reais. 6.ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 88-89. 113 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direitos reais. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 30. 114 NADER, Paulo. Curso de Direito Civil: direito das coisas. v.4. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 86.

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Os poderes inerentes a propriedade são os responsáveis pela característica

de plenitude do instituto, a exceção dos direitos reais limitados.115

1.11 CONCEITO DE PROPRIEDADE

Ainda que no Código Civil não esteja inserido o conceito de propriedade,

elencado estão os poderes inerentes a ela, aduz o artigo 1.228 “O proprietário tem a

faculdade de usar, gozar, e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem

quer que injustamente a possua ou detenha”.

O domínio é pleno e exclusivo, todavia a presunção é juris tantum; pleno

tendo em vista o enfeixe de poderes do proprietário, e exclusivo por ter o condão de

afastar determinadas manifestações de terceiro sobre a coisa.116

1.12 CARACTERÍSTICAS

São características gerais dos direitos reais que abrangem o direito de

propriedade: exclusividade, perpetuidade, generalidade, caráter absoluto, e

elasticidade.117

Exclusividade, o titular do direito detém o poder sobre o objeto de direito;

Perpetuidade, possibilidade de transmissão inter vivos ou causa mortis, por

conseguinte não se trata de um direito interino; Generalidade, com base no princípio

da norma de liberdade – o que não foi coibido pela lei pode ser licitamente praticado;

Caráter Absoluto, conjunto de poderes do proprietário em relação à coisa, se

tratando, também, de um direito oponível a todos, validade erga omnes;

Elasticidade, capacidade de retornar a plenitude inicial quando finda determinada

limitação.118

1.13 AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE

Formas possíveis de adquirir a propriedade, que não pelo direito hereditário.

115 WALD, Arnoldo. Direito Civil: direito das coisas. 12. ed. v.4. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 119. 116 NADER, Paulo. Curso de Direito Civil: direito das coisas. v.4. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 88. 117 NADER, Paulo. Curso de Direito Civil: direito das coisas. v.4. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 89-90 118 NADER, Paulo. Curso de Direito Civil: direito das coisas. v.4. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 89-90

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1.13.1 Por Usucapião

Diante do comportamento comissivo por parte do usucapiente, e da

omissão do proprietário abre-se a brecha pela qual, respeitados os critérios

legais, possibilita a aquisição do domínio pela posse, usucapião. Conforme a

modalidade de usucapião aderida determinada qualificação deverá ter a

posse.119 Vide segundo capítulo.

1.13.2 Registro de Títulos

O termo registro abrange os atos de transcrição e de inscrição, a

obrigatoriedade do registro tem como alicerce os princípios básicos que

asseguram a eficácia do mesmo, entre eles estão o princípio da identificação,

o qual fornece dados como localização e medidas da propriedade; princípio

da publicidade almeja-se por este a divulgação; princípio da continuidade,

assegura este a sucessão dos registros; princípio da adequação que tem o

condão de garantir a veracidade contida nos assentamentos públicos.120

O ato de registro consiste na oficialização da transferência de domínio ou de qualquer fato suscetível de registro, previsto no elenco do art. 167, I, da Lei dos Registros Públicos. Pela averbação, o oficial do cartório faz anotações à margem do registro, consignando dados relevantes, como retificação de nome ou de metragem, penhora, extinção de direitos reais, convenção antenupcial, promessa de compra e venda, entre outras previstas no inciso II do art. 167, da supracitada Lei.121

1.13.3 Acessão

Constitui modo originário de aquisição de propriedade, por haver uma fusão,

do objeto da acessão ao domínio.

Quando da própria coisa, objeto de propriedade, advém um acréscimo,

passa a pertencer a quem tem a propriedade, objeto principal, o chamado objeto

acessório, objeto da acessão. De modo a exemplificar discorre Sílvio Venosa sobre

uma das modalidades de acessão, “pela acessão imobiliária ocorre um acréscimo ao

119 NASCIMENTO. Tupinambá Miguel Castro. Posse e Propriedade. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000. p. 268-269.

120 NADER, Paulo. Curso de Direito Civil: direito das coisas. v.4. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p.130. 121 NADER, Paulo. Curso de Direito Civil: direito das coisas. v.4. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 129.

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solo de outrem, aumentando o âmbito de sua propriedade e seu valor. [...] pode

decorrer de causa natural ou de atividade humana”.122

São cinco as espécies de aquisição por acessão: formação de ilhas, aluvião,

abandono de álveo (força da natureza), construções e plantações em terreno alheio

(ação humana).123

1.14 PERDA DA PROPRIEDADE

Alienação: Ato voluntário pelo qual o proprietário transfere seu direito a

outrem124, sem olvidar que este ato é inter vivos, visto que dois são os elementos

fundamentais à alienação, a transferência da coisa pelo alienante e a aquisição da

mesma pelo adquirente.125

Arrematação: É a alienação forçada por ordem de autoridade judicial, difere

da alienação por não se tratar de ato voluntário126, apesar de alguns juristas como

Nader e Venosa entenderem ser a alienação judicial um subgrupo de alienação.

Já, na renúncia há o abandono de direito, no qual aquele que abdicar, ato

unilateral, deve fazê-lo de forma expressa estando ciente da irrevogabilidade do

ato127.

Por Abandono ou Derrelição: Ato de disposição, por aquele que tem o poder

de dispor. Diante do abandono qualquer sujeito pode possuir a coisa, e passado o

lapso temporal necessário para usucapião adquirirá o domínio, caso assim não o

seja o Estado iniciará o processo de arrecadação128.

O despojamento da posse não se presume, mister analisar e saber quando

se trata de abandono ou não-uso, devendo portanto a atitude do proprietário ao

deixar a coisa traduzir sua intenção de abandoná-la129.

122 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direitos reais. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 196. 123 NADER, Paulo. Curso de Direito Civil: direito das coisas. v.4. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 131. 124 WALD, Arnoldo. Direito Civil: direito das coisas. 12. ed. v.4. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 219. 125 NADER, Paulo. Curso de Direito Civil: direito das coisas. v.4. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 164. 126 NADER, Paulo. Curso de Direito Civil: direito das coisas. v.4. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 220. 127 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direitos reais. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 255-256. 128 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direitos reais. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 266-267. 129 NADER, Paulo. Curso de Direito Civil: direito das coisas. v.4. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 166-167.

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Em razão do perecimento: O perecimento, ou desaparecimento físico, tem

como característica primaz a involuntariedade, sem olvidar que diante da perda do

objeto perece também o direito. O atual Código Civil não agasalhou o artigo 78 do

Código Civil de 1916, o qual elencava as hipóteses de perecimento, hoje as

situações são julgadas de acordo com o bom senso, o aludido artigo preconizava.

Em última hipótese por desapropriação: Ocorre quando estamos diante de

necessidade ou utilidade pública130, devendo portando o sujeito receber indenização,

previamente, pela perda da coisa. Somente pessoas de direito público podem

requerer a desapropriação, União, Estado, Municípios, autarquias, etc.131

1.15 FUNÇÃO SOCIAL

Sofreu contundente modificação a idéia de função social da propriedade, nas

palavras Tepedino se trata de um conceito “relativo e historicamente maleável, de

acordo com a távola axiológica inspiradora da doutrina e do sistema positivo de cada

época”.132

Contemporaneamente a função social da propriedade está vinculada ao

direito de propriedade, visto que com o nascimento da preocupação com a função

social o direito de propriedade ganhou uma nova concepção, deixando de ser

privatista e aderindo uma posição coletivista, de modo a ser considerado um dos

elementos fundamentais à organização do estado democrático atual. O princípio da

função social tem por escopo assegurar o exercício do direito a ele vinculado, sem

olvidar o interesse social.133

A Constituição da República de 1988 coloca no rol dos direito fundamentais

a propriedade, art. 5º, caput. A Carta Magna aduz que “a propriedade atenderá a sua

130 “A declaração de utilidade pública deve ser feita pelo Poder Executivo por meio de decreto. A lei brasileira sobre desapropriação (Dec.-Lei n. 3.365, de 21-6-1941) estabeleceu que tal declaração seria feita `por decreto do Presidente da República, governador, interventor ou prefeito (art. 6º). Na declaração de utilidade pública, poderá o órgão competente atender à necessidade de segurança nacional, defesa do Estado, de socorro público, de saúde ou outras da mesma ordem.” WALD, Arnoldo. Direito Civil: direito das coisas. 12. ed. v.4. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 221.

131 WALD, Arnoldo. Direito Civil: direito das coisas. 12. ed. v.4. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 220. 132 TEPEDINO, Gustavo apud CHALHUB, Melhim Namem. Propriedade Imobiliária: função social e outros

aspectos. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 8. 133 SOUZA, Sérgio Iglesias Nunes. Direito à Moradia e de Habitação. São Paulo: RT, 2004. p. 229; 231.

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função social”134, cabendo-nos observar a lei, a qual estabelecerá o procedimento

para desapropriação.135

Mais enérgica e positivamente promove a sua integração, ao traçar o programa “Da ordem Econômica e Financeira”. Estabelecendo “os princípios gerais da atividade econômica”, o art. 170 alia três suportes básicos: 1. a valorização do trabalho humano na livre iniciativa; 2. garantia a todos de uma exigência digna; e, 3. realização da justiça social. Entre os elementos essenciais de sua consecução está, como alínea III, a função social da propriedade.136

Portanto a função social da propriedade deixou de ser uma utopia e tornou-

se realidade representando a realização de justiça social, visando o bem comum e

respeitando o preceito da equidade.

No passado mais distante, quando predominava a filosofia individualista, esse direito era incomensurável, sem limites, mas tal fase se encontra perdida na noite dos tempos, substituída pelo princípio de solidariedade que deve existir nas relações sociais. Hoje, a grande chancela do direito de propriedade é a sua função social, que impede o exercício regular desse direito subjetivo em detrimento do interesse da coletividade.137

Conforme pode extrair-se do ventilado, a posse e a propriedade são temas

ávidos de conteúdo, divergência e valor histórico, também configuram o sustentáculo

do instituto da usucapião, o qual desde os primórdios está presente na realidade dos

homens, por conseguinte está inserido no processo de construção da sociedade,

razões suficientes para instigar a leitura do que sucede.

134 Artigo 5º, XXIII. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Vade Mecum. 11.ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

135 Artigo 5º, XXIV. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Vade Mecum. 11.ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

136 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Direito Civil: alguns aspectos da evolução. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 72.

137 NADER, Paulo. Curso de Direito Civil: direito das coisas. v.4. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 89.

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2. PANORAMA JURÍDICO DO INSTITUTO DA USUCAPIÃO SOBRE

BENS IMÓVEIS

2.1 CONCEITO E NOMENCLATURA

Os termos capere e usus do latim, respectivamente, tomar e usar, ou tomar

pelo uso, deram origem ao vocábulo usucapião.138

O vocábulo usucapião já se fez conhecer como léxico do gênero masculino,

contudo com o advento do Código Civil de 2002 o termo passa a ser acolhido pelos

juristas como palavra do gênero feminino, consequência da expressão “da

usucapião” usada pelo legislador no código vigente.139

Pereira conceitua o instituto como “aquisição da propriedade ou outro direito

real pelo decurso de tempo estabelecido e com a observância dos requisitos

instituídos em lei.” 140

2.1.1 Usucapião e Prescrição Aquisitiva

A expressão prescrição aquisitiva é utilizada como sinônimo de usucapião, a

confusão teve início no código francês, aderindo o uso posteriormente o italiano,

chileno, argentino e brasileiro.141

Salienta Savigne que, ao mesmo tempo que a prescrição opera a aquisição de domínio em favor do possuidor, extingui-se em relação ao proprietário, daí veio dar-se-lhe também a denominação de prescrição, rei praescriptio, rem praescribere.142

2.2 NOÇÃO HISTÓRICA

Os romanos inferiram que inúmeros problemas são atribuídos a incerteza

138 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direitos Reais. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 207. 139 Seção I dos Capítulos II e III, do Título III do Livro III. BRASIL. BRASIL. Código Civil. Lei nº 10.406 de

Janeiro de 2002. Vade Mecum. 11.ed. São Paulo: Saraiva, 2011. 140 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 2.ed. v.4. Rio de Janeiro: Forense, 1974. p.

128. 141 RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de Usucapião. 7. ed. v.1. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 217. 142 PEREIRA, Lafayette Rodrigues apud RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de Usucapião. 7. ed. v.1. São

Paulo: Saraiva, 2010. p. 217.

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do domínio, portanto com intento em transformar a situação fática em jurídica

nasceu o instituto da usucapião.143

[...] surgiu no Direito Romano com o objetivo de regularizar a situação dos compradores, que, por irregularidades ocorridas na ocasião da aquisição do bem, se socorriam do instituto para consolidar a nova situação patrimonial de conformidade com as normas em vigor.144

Há controvérsias no que concerne à época do surgimento da usucapião,

majoritariamente consideram os juristas Roma o berço do instituto, malgrado

opiniões contrárias que acreditam ter sido na Grécia, em razão da alusão feita por

Platão em sua obra “A República”.145

Fato é que origem do instituto remonta a Lei das XIII Tábuas, a qual

agasalhou a usucapião ao estatuir que aquele que possuísse por dois anos

determinado imóvel tornar-se-ia proprietário do mesmo, desde que fosse cidadão

romano, quirites.146

Posteriormente outras leis disciplinaram a matéria, a exemplo a Lex Atinia,

não permitindo usucapir objeto de furto, e a Julia e Plautia, a qual vedada à

aquisição por meio de violência.147

Em 1824 foi promulgada a primeira Constituição do Brasil, estabelecia o art.

179, § 18, da referida, a promessa de elaboração de um Código Civil e um Criminal.

Teixeira de Freitas elaborou a Consolidação das Leis Civis.148 Infra um breve relato

da Consolidação das Leis Civis:

A prescrição aquisitiva foi tratada dentro do capítulo dos direitos reais, arts 1319 usque 1333. Inicia-se o título V: “Posse, justo título e boa-fé são os requisitos necessários para a prescrição aquisitiva”. As modalidades e prazos de prescrição foram sistematizados por Teixeira de Freitas com base nas Ordenações Filipinas e leis extravagantes. O art. 1320 define o conceito de justo título, in verbis, “como todo aquele que, conforme o Direito, reputa-se hábil para

143 ARAÚJO. Fabio Caldas de. A Usucapião no Âmbito Material e Processual. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 33.

144 PRATES, Clyde Werneck. Usucapião no Direito Brasileiro. Curitiba: J.M. Livraria Jurídica, 2010. p. 9. 145 RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de Usucapião. 7. ed. v.1. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 195. 146 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direitos reais. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 207. 147 PRATES, Clyde Werneck. Usucapião no Direito Brasileiro. Curitiba: J.M. Livraria Jurídica, 2010. p. 9-10. 148 ARAÚJO. Fabio Caldas de. A Usucapião no Âmbito Material e Processual. Rio de Janeiro: Forense, 2005.

p. 47.

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transferência do domínio”. No que se refere à prescrição aquisitiva, Freitas acompanhou a tradição das ordenações para impedir que o possuidor de má-fé em tempo nenhum pudesse prescrever. Da mesma forma, já previa a impossibilidade de prescrição dos bens e servidões públicas [...].149

O projeto de Teixeira de Freitas não vingou, e somente em 1916 foi

aprovado o projeto de Clóvis Beviláqua, só assim obtivemos o primeiro Código Civil,

até o advento do mesmo três eram as espécies de usucapião, quais sejam ordinária,

extraordinária e imemorial, o Código Civil aboliu a imemorial permanecendo no

ordenamento jurídico a modalidade extraordinária e ordinária, conquanto tenha

sofrido contundentes modificações.150

Hodiernamente o assunto apresentado foi difundido, são modalidades

usucapiatórias a ordinária, extraordinária, especial rural, especial urbana, indígena, e

ainda a administrativa, a qual dispensa a via judicial. A inovação do instituto denota

a preocupação com a estabilização social e com a garantia da paz entre os

fraternários.

2.3 NATUREZA JURÍDICA

O tema não é pacífico no que diz respeito à classificação da usucapião como

modo originário ou derivado de aquisição, porém a doutrina majoritária se inclina em

enquadrar o instituto como aquisição originária, porquanto nasce um direito não

havendo transmissão.

Há quem defenda a existência de uma relação jurídica anterior, Pereira é

um dos poucos juristas que consideram a usucapião forma derivada de aquisição,

assinala Moreira Alves que o doutrinador assim conceitua por ter como base para

definição o fato de coisa já ter tido um proprietário, o qual perdeu a titularidade, não

levando em conta a existência ou inexistência de transmissão.151

149 ARAÚJO. Fabio Caldas de. A Usucapião no Âmbito Material e Processual. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 47-48.

150 ARAÚJO. Fabio Caldas de. A Usucapião no Âmbito Material e Processual. Rio de Janeiro: Forense, 2005. P. 48.

151 ALVES, Moreira apud VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direitos reais. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 51.

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Há jurisconsultos que vislumbram a possibilidade da usucapião ser

enquadrada tanto como forma originária ou derivada. Estamos diante de aquisição

originária, desde que a coisa nunca tenha estado sob o domínio de alguém, e de

aquisição derivada quando há transmissão.152

Em sentido contrário:

Adquire-se, porém não se adquire de alguém. O novo direito já começou a formar-se antes que o velho se extinguisse. Chega o momento em que este não pode subsistir, suplantado por aquele. Dá-se a impossibilidade de coexistência, e não sucessão, não o nascer um do outro. Nenhum ponto entre os dois marca a continuidade. Nenhuma relação, a fortiori, entre o perdente do direito de propriedade e o usucapiente.153

2.4 REQUISITOS IMPRETERÍVEIS DA PRESCRIÇÃO AQUISITIVA

São requisitos para aquisição por usucapião: posse, tempo, objeto hábil e

animus domini. Determinadas modalidades de usucapião exigem a presença de

outros elementos não supratranscritos como boa-fé e justo título, requisitos

suplementares.

2.4.1 Aqueles exigidos a toda forma de prescrição aquisitiva.

Sem os requisitos infra explanados impossível adquirir a propriedade por

meio da usucapião.

2.4.1.1 Posse

“Posse é o conjunto dos atos, não defesos em lei (posse justa), exercidos

sobre a coisa pelo sujeito, ou por terceiro em seu nome (fâmulos da posse), tal como

se dela fosse proprietário, ou titular de algum respectivo direito real (quase

posse).154 Maiores considerações a respeito do instituto da posse no primeiro

capítulo.

152 RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de Usucapião. 7. ed. v.1. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 195. 153 MIRANDA, Pontes. 1977 apud RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de Usucapião. 7. ed. São Paulo:

Saraiva, 2010. p. 197. 154 BUSHATSKY, Jaques. Posse e seus Efeitos.São Paulo: Advocacia Dinâmica, 1964. p. 13.

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2.4.1.2 Animus Domini

A expressão significa com ânimo de dono, portanto, tem o condão de

ressaltar a intenção do possuidor, o qual deve possuir a coisa como sua,

exteriorizando esta intenção.155

Não é propriamente a convicção de dono, mas a vontade de ter a coisa

como sua, exercendo o direito de propriedade como se titular fosse.156

2.4.1.3 Objeto Hábil

A usucapião deve incidir sobre coisa hábil, e passível de circulação

econômica, impossível a aquisição daquilo que está fora do comércio, são hipóteses

que impedem a circulação econômica da coisa: quando insuscetível de apropriação,

quando inalienáveis e aquelas contra pessoas que não corre a prescrição.157

Estatui o artigo 183, §3º e artigo 191, parágrafo único, ambos dispositivos

constitucionais, sobre a vedação da prescrição aquisitiva de bens públicos, já na

esfera infraconstitucional, com redação similar, a matéria encontra-se disciplinada no

artigo102 do Código Civil.158

Corrobora com o dispositivos supra a Súmula 340 do Supremo Tribunal

Federal, in verbis: “Desde a vigência do Código Civil, os bens dominicais, como os

bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião”, editada em 1964 a Súmula

está em vigor desde 17 de janeiro de 1917.159

Os bens privados tem caráter residual, fundamenta a máxima o artigo 98 do

Código Civil o qual aduz que “são públicos os bens do domínio nacional

pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno; todos os outros são

particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem”, isto pois a lei civil arrola os

155 WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil: processo cautelar e procedimentos especiais. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. v.3. p. 286.

156 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: direito das coisas. São Paulo: Saraiva, 2006. v,5. p. 30.

157 RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de Usucapião. 7. ed. v.1. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 548-562. 158 PRATES, Clyde Werneck. Usucapião no Direito Brasileiro. Curitiba: J.M. Livraria Jurídica, 2010. p. 109. 159 SALLES, José Carlos de Moraes. Usucapião de Bens Imóveis e Móveis. 7.ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2010. p. 80.

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bens públicos, consoante transcrição infra dos incisos do art. 99 do mesmo

dispositivo legal:

I - os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças; II - os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias; III - os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades.160

Destarte não são objetos de usucapião os bens voluntariamente

inalienáveis, ou seja, assim sendo em razão da vontade humana, como no caso de

bens clausulados, e bens insuscetíveis de apropriação, bens públicos. Sem olvidar

que não podem ser adquiridos, também, por usucapião, aqueles concernentes a

direitos personalíssimos, bem como os naturalmente indisponíveis, como o ar

atmosférico e o mar.161

2.4.1.4 Lapso Temporal

O tempo, ao lado da posse, figura como elemento indispensável à aquisição

por usucapião. Não obstante, o prazo seja diferenciado a cada modalidade

usucapiatória.

Mesmo diante de prazo distinto seja qual for à modalidade de usucapião, o

tempo exigido por lei será contínuo, incumbindo ao prescribente efetuar a contagem

com base nas regras abaixo transcritas:

a prescrição conta-se por dias civis, isto é, por duração de vinte e quatro horas, de meia-noite a meia-noite, e não por horas (momento ad momentum); o dia em que começa a posse é incluído, computando-se no termo — começado, é havido por completo (dies conceptus pro completo habetur); o termo final (dies ad quem) é contado (dies termino computatur in termino) e , ainda que mal começado, é tido como acabado (dies novissimus caeptus pro jam completo habetur); o prazo é contínuo (tempus continuum), sem abatimento dos feriados, exceto nas hipóteses de suspensão; a contagem se faz pelo calendário gregoriano, considerados o ano de 365 dias e os meses de trinta dias; o ano bissexto mão é contado com um dia a

160 BRASIL. Código Civil. Lei nº 10.406 de Janeiro de 2002. Vade Mecum. 11.ed. São Paulo: Saraiva, 2011. 161 SALLES, José Carlos de Moraes. Usucapião de Bens Imóveis e Móveis. 7.ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2010. P. 86.

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mais, e o número de dias dos meses somente será levado em conta quando tiver o prazo de ser reduzido a dias.162

No momento da propositura da ação declaratória de usucapião o tempo,

requisito intrínseco do instituto, precisa estar completo, sob pena de extinção da

demanda.163

2.4.2 Requisitos Suplementares

São aqueles requisitos não exigidos a toda modalidade usucapiatória, nem

por isso menos importante.

2.4.2.1 Justo Título

O vocábulo título está vinculado aos atos de transferências ou translativos,

pode ser interpretado tanto como ato ou fato de onde advém um direito. Não há

communis opinio, jurisprudencial ou doutrinária, no que diz respeito ao conceito de

justo título.164

Assinala Nequete, justo título é definido como:

Todo ato formalmente adequado a transferir o domínio ou o direito real de que se trata, mas que deixa de produzir tal efeito em virtude de não ser o transmitente senhor da coisa ou do direito, ou de faltar-lhe o poder legal de alienar.165

De modo singular aduz Almeida, ipsis verbis:

É um fato, e não simplesmente ato jurídico (unilateral, bilateral), porque o ato jurídico é sempre destinado a criar, modificar, ou extinguir direitos, e títulos de aquisição há que, embora causa da aquisição, não são destinados a esse fim. São fatos e, como fatos, dão origem ao direito, não intencionalmente como os atos jurídicos, mas ocasionalmente.166

162 RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de Usucapião. 7. ed. v.1. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 807. 163 RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de Usucapião. 7. ed. v.1.. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 808. 164 RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de Usucapião. 7. ed. v.2. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 838. 165 NEQUETE, Lenine apud SALLES, José Carlos de Moraes. Usucapião de Bens Imóveis e Móveis. 7.ed. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 121. 166 ALMEIDA, Lacerda apud RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de Usucapião. 7. ed. v.2. São Paulo: Saraiva,

2010. p. 838.

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51

Alguns elementos tem o condão de impedir o justo título de produzir os seus

efeitos: a aquisição a non domino, os atos nulos, e as aquisições que apresentam

erros, “como é o caso da aquisição por instrumento particular quando deveria ser por

escritura pública”.167

Mediante análise da tabela infra é possível discernir os atos nulos, anuláveis

e inexistentes:

Atos Inexistentes Atos Nulos Atos Anuláveis Quando lhe falta um elemento essencial à sua formação, e de tal monta, que não é possível conceber-se o ato.

São nulos os atos quando:

· O agente for absolutamente incapaz.

· O objeto for ilícito ou impossível.

· Não ter forma prescrita em lei.

· For preterida solenidade essencial.

. Outros casos declarados nulos por lei.

São anuláveis os atos quando

· O agente for relativamente capaz.

· O objeto estiver viciado por erro, dolo, coação, simulação ou fraude.

A lei não tem necessidade de anulá-lo ou de declarar a sua nulidade, uma vez que ele não chegou a ter existência.

funda-se em ordem pública Funda-se no interesse privado.

Não se constituiu em ato. Invalida de pleno direito o ato. Torna apenas o ato anulável. Não tem validade. · Não é suscetível de ser

sanada.

· Não pode ser suprida pelo juiz, nem mesmo a requerimento das partes.

· Pode ser sanada.

· A requerimento das partes, tácita ou expressamente.

· Pode ser suprida pelo juiz. É o nada, por isso não é regulamentada.

Pode e deve ser decretada de ofício.

Deve ser pronunciada mediante provocação da parte, não podendo ser decretada “ex officio”.

È mais do que nulo. Pode ser decretada não só a pedido dos interessados, como também, do órgão do MP, quando lhe caiba intervir.

Pode ser alegada e promovida pelos prejudicados com o ato, ou por seus legítimos representantes.

Não se prescreve. É prescritível, em prazos relativamente exíguos.

Quase sempre opera, “pleno jure”, ressalvada a hipótese em que se suscite dúvida sobre a existência da própria nulidade.

Deve ser sempre pleiteada através de ação judicial168

167 PRATES, Clyde Werneck. Usucapião no Direito Brasileiro. Curitiba: J.M. Livraria Jurídica, 2010. p. 33-34. 168 ZULIANI, Matheus Stamillo Santarelli. Das Nulidades. Publicado em Julho de 2009. Disponível em:

<http://jus.uol.com.br/revista/texto/13363/posse-justa-e-posse-injusta> . Acesso em: 17 de abril de 2011.

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O título contaminado de nulidade absoluta não tem serventia para o direito,

já o título eivado de nulidade relativa enquanto a parte prejudicada não demandar

sua nulidade, devendo esta respeitar o prazo estipulado por lei para ser argüida a

impugnação, será tido como válido.169

Não olvido que o título putativo não constitui justo título, considerado pela

doutrina como “existente tão somente na projeção mental do adquirente”, ou seja,

não é suficiente a convicção da aquisição por justo título é indispensável a existência

legal do mesmo.170

A jurisprudência em determinados casos flexibilizou a exigência do justo

título, visto que no âmbito dos tribunais há arestos que acolheram o pleito da

Usucapião Ordinária mesmo diante da ausência do instrumento.171

Finalizada a questão consenso há que justo título caminha de mãos dadas

com a boa-fé, e somente dessa forma adquiri solidez.172

2.4.2.2 Boa-fé

A boa-fé deve estar presente no momento da aquisição devendo subsistir

por todo espaço de tempo posterior, entretanto cada caso concreto deverá ser

analisado separadamente, esclarece o articulado os dizeres infra:

Se o momento a partir do qual deve existir a boa-fé é o da aquisição da coisa, estando o adquirente insciente da ocorrência de ato ilícito e não sendo o vício objeto de comunicação, não só pelo silêncio do alienante, mas também pelo ato ilícito que se ignora (existência de ato anterior que se desconhece), fundado em erro de fato, em que se conhece o fato, mas se ignora o caráter ilícito, há situações que merecem considerações peculiares.173

Ignorando o vício o possuidor não incidi em má-fé, e se munido de justo

título a boa-fé será presumida, consoante preceitua o art. 1.201 do Código Civil. Não

obstante a presunção seja juris tantum.

Art. 1.201. É de boa-fé a posse, se o possuidor ignora o vício, ou o obstáculo que impede a aquisição da coisa.

169 RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de Usucapião. 7. ed. v.2. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 846-847. 170 RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de Usucapião. 7. ed. v.2. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 869 171 PRATES, Clyde Werneck. Usucapião no Direito Brasileiro. Curitiba: J.M. Livraria Jurídica, 2010. p. 34-35 172 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direitos reais. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 218. 173 RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de Usucapião. 7. ed. v.2. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 967.

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Parágrafo único. O possuidor com justo título tem por si a presunção de boa-fé, salvo prova em contrário, ou quando a lei expressamente não admite esta presunção.

2.5 SUCESSIO POSSESSIONIS E ACESSIO POSSESSIONIS

Sobretudo mister esclarecer a distinção entre sucessio possessionis e

acessio possessionis, este está relacionado ao sucessor particular ou singular,

enquanto aquele ao sucessor universal.174

Sucessor universal, como se sabe, é o que substitui o titular do direito na totalidade de seus bens ou em uma quota-parte dos mesmos. Sucessor universal é o herdeiro. Sucessor singular ou a título particular é o que substitui o antecessor em direitos ou coisas determinadas. Sucessor a título particular ou singular é o comprador. O legatário também o é. [...].175

Dispõe o artigo 1.243 do Código Civil: “O possuidor pode, para o fim de

contar o tempo exigido pelos artigos antecedentes, acrescentar à sua posse a de

seus antecessores (artigo 1.207), contanto que todas sejam contínuas, pacíficas e,

nos casos do artigo 1.242, com justo título e boa-fé”.176

Nessa mesma linha preceitua o art. 9º, § 3º do Estatuto da Cidade: “Para os

efeitos deste artigo, o herdeiro legítimo177 continua, de pleno direito, a posse de seu

antecessor, desde que já resida no imóvel por ocasião da abertura da sucessão”.178

Consoante exposto supra no que concerne à usucapião especial urbana

somente haverá soma da posse quando se tratar de herdeiro legítimo, descartando

o legatário ou qualquer outro que esteja residindo no imóvel, o mesmo

posicionamento deve ser empregado quando se tratar da usucapião rural. A

intenção do legislador foi, sobretudo, tutelar aquele, herdeiro legítimo, que reside no

imóvel na data da sucessão.179

174 SALLES, José Carlos de Moraes. Usucapião de Bens Imóveis e Móveis. 7.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 90.

175 SALLES, José Carlos de Moraes. Usucapião de Bens Imóveis e Móveis. 7.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 89.

176 BRASIL. Código Civil. Lei nº 10.406 de Janeiro de 2002. Vade Mecum. 11.ed. São Paulo: Saraiva, 2011. 177 Havendo pluralidade de herdeiros legítimos, onde apenas um resida no imóvel na data da sucessão, não

obsta a soma da posse em nome de todos os herdeiros, impossível será ao herdeiro residente afastar os demais. RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de Usucapião. 7. ed. v.2. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 1020.

178 Estatuto da Cidade 179 RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de Usucapião. 7. ed. v.2. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 1020.

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Ocorre que, mesmo diante da transmissão permanecem os caracteres da

posse anterior, salvo no caso do sucessor singular o qual tem a faculdade de somar

a posse do antecessor a sua, caso opte pela não união não irá enodoar a sua posse

com os vícios que a caracterizavam antes da sucessão.180

Ainda em relação à soma das posses, outro dispositivo disciplina a matéria

quanto à usucapião coletiva, aduz o artigo 10, § 1º do Estatuto da Cidade: “O

possuidor pode, para fim de contar o prazo exigido por este artigo, acrescentar sua

posse à de seu antecessor, contanto que ambas sejam contínuas”.181 Conclui-se,

portanto, que na espécie usucapião urbana coletiva não há a limitação imposta à

usucapião individual e rural.

Fazendo um adendo, o qual foge do tema em tela, mas de mister

importância, não há cotejo com as situações anteriormente ventiladas quando o

assunto é transmissão inter vivos. Ocorre a transmissão inter vivos, se o possuidor

por meio de cessão de direitos possessórios transferir sua posse a outrem, podendo

este valer-se do tempo da posse de seu antecessor.182

2.6 MODALIDADES USUCAPIATÓRIAS

De modo a coibir a proliferação de áreas ociosas ou improdutivas criou-se a

usucapião, com o fito de dar um fim social a estas áreas. Visando impedir a solução

de conflitos pela força o direito tutela as relações sociais, como consequência advém

a manutenção da paz, a distribuição da Justiça e a garantia de segurança.183

O instituto da usucapião “[...] constitui meio eficaz hábil para proporcionar

moradia e permitir maior dinâmica no uso da terra”.184

180 SALLES, José Carlos de Moraes. Usucapião de Bens Imóveis e Móveis. 7.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 90.

181 BRASIL. Estatuto da Cidade. Lei nº 10.257 de Julho de 2001. Vade Mecum. 11.ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

182 GONÇALVES. Marcus Vinicius Rios. Novo Curso de Direito Processual Civil: processo de conhecimento e procedimentos especiais. v.2. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 312.

183 BATISTA, Antenor. Posse, Possessória, Usucapião e Ação Rescisória. 3.ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2006. p. 68-69.

184 RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de Usucapião. 7. ed. v.1. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 265.

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2.6.1 Usucapião Ordinária

O usucapiente deverá observar os requisitos caracterizadores da usucapião

ordinária, também intitulada como usucapião abreviada ou prescrição breve. 185

Faz-se, portanto, necessária a análise do artigo 1.242 do Código Civil, o qual

aduz: “Adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e

incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por dez anos”.

Na usucapião ordinária a boa-fé e o justo título são indispensáveis, a

indispensabilidade desses elementos é o diferencial entre as modalidades ordinária

e extraordinária.186

Perfaz o parágrafo único do artigo 1.242, do Código Civil:

Será de cinco anos o prazo previsto neste artigo se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelado posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico.

A falta de qualquer dos requisitos elencados no dispositivo legal implica na

impossibilidade de aquisição pela modalidade sub examine. Cabendo ao

usucapiente aguardar decurso de prazo maior, para atingir seu objetivo, com fulcro

na modalidade usucapião extraordinária, estudada a seguir, pois “enquanto na

usucapião extraordinária se exigem apenas os requisitos formais essenciais, na

ordinária, tanto estes como os suplementares, são inarredáveis à sua

configuração”.187

2.6.2 Usucapião Extraordinária

Amparada pelo artigo 1.238 do Código Civil essa modalidade de usucapião

dispensa a boa-fé e o justo título, denominados pela doutrina como elementos

suplementares.

Preceitua o artigo acima mencionado:

185 RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de Usucapião. 7. ed. v.1. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 260. 186 SALLES, José Carlos de Moraes. Usucapião de Bens Imóveis e Móveis. 7.ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2010. p. 119. 187 RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de Usucapião. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 260.

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Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de titulo e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.

Por conseguinte são indispensáveis os requisitos formais comuns a todas as

modalidades, posse, coisa hábil e lapso temporal. De modo que, a exigência de

longa duração da posse fundamenta a dispensabilidade do justo título e boa-fé.188

Sem olvidar que a posse a que se refere o artigo deverá ser ininterrupta e

sem oposição, ou seja, contínua e incontestada.189 Complacente se mostra o

parágrafo único do artigo 1.238 do Código Civil, visto que reduz o prazo

estabelecido, de 15 anos para 10 anos, desde que o imóvel sirva de moradia

habitual ou provenha o sustento da família.

Como bem explana Ribeiro “deve-se interpretar o artigo 1.238 não como

dilatante, mas sim o artigo 1.242 como abreviativo [...]”. 190

2.6.3 Usucapião Especial Urbana

Agasalhada pela Carta Magna, essa modalidade está prevista no artigo 183,

o qual estatui:

Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

Não há de se fazer cotejo com as demais espécies de usucapião (ordinária e

extraordinária), pois são características intrínsecas à modalidade a restrição quanto

ao tamanho da área usucapível e o dever de utilizar a área como moradia provando

de modo inequívoco, o possuidor, não ser dono de qualquer outro domínio.191

Dada a importância do tema sub examine, não só a lei das leis albergou a

disciplina, o Código Civil no artigo 1.240 transcreve quase literalmente o preceito

188 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direitos reais. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 219. 189 RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de Usucapião. 7. ed. v.1. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 264. 190 RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de Usucapião. 7. ed. v.1, São Paulo: Saraiva, 2010. p. 263. 191 SALLES, José Carlos de Moraes. Usucapião de Bens Imóveis e Móveis. 7.ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2010. p. 267-268.

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constitucional, apenas protrai os dizeres do §3º deste, o qual estatui: “[...] §3º Os

imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.”192

Segunda a doutrina ao inserir a regulamentação na lei civil o legislador

disciplinou o assunto onde melhor adequado, os jurisconsultos criticam a tendência

de implantarem normas na Constituição Federal que melhor coadunam com as

codificadas. Corrobora com o exposto os dizeres abaixo, in verbis:

[...] a matéria relativa à usucapião especial urbana seria mais apropriadamente tratada no Código Civil do que na Constituição Federal, sabido que a última cabe disciplinar a estrutura básica do País, no que diz respeito à organização do Estado, aos direitos e garantias fundamentais, aos princípios fundamentais, à organização dos Poderes, à ordem econômica e financeira, à ordem social e à defesa do Estado e das instituições democráticas, deixando o restante para a legislação complementar e ordinária.193

A usucapião urbana é regulada, também, alhures, no denominado Estatuto

da Cidade Lei nº 10.257/2001, o preceito constitucional é transcrito quase que

literalmente no art. 9º da referida lei, cinge a distinção no acréscimo de “ou

edificações” e não somente área como disciplina o dispositivo constitucional.194

2.6.3.1 Usucapião Especial Coletiva Urbana

O Estatuto da cidade criou a usucapião especial coletiva urbana com o fito

em urbanizar e regularizar a situação das áreas não legalizadas, como é o caso das

favelas.

Com efeito, preceitua o artigo 10 da Lei nº 10.257/2001 que disciplina a

matéria:

Áreas urbanas com mais de 250 m² (duzentos e cinquenta metros quadrados), ocupadas por população de baixa renda para sua moradia, por 5 (cinco) anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, são suscetíveis de serem usucapidas coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural.195

192 BRASIL. Código Civil. Lei nº 10.406 de Janeiro de 2002. Vade Mecum. 11.ed. São Paulo: Saraiva, 2011. 193 SALLES, José Carlos de Moraes. Usucapião de Bens Imóveis e Móveis. 7.ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2010. p. 160-161. 194 RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de Usucapião. 7. ed. v.2. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 1034. 195 BRASIL. Estatuto da Cidade. Lei nº 10.257 de Julho de 2001. Vade Mecum. 11.ed. São Paulo: Saraiva,

2011.

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A modalidade supra sofre críticas da doutrina, assinala Salles “o legislador

criou um monstrengo difícil de ser digerido” 196, Prates vê a criação do instituto como

um problema de difícil solução197.

O fundamento do articulado, anteriormente, está na dificuldade de colocar

uma questão utópica na prática, podendo demandar problemas referentes à

legitimidade das partes, dificuldades em analisar a validade das obras e serviços,

economicamente e socialmente falando, bem como há dificuldade em definir baixa

renda, pois o preceito legal menciona, porém não conceitua.198

A perpetuação de favelas tem sido vista como uma possível consequência

da usucapião coletiva, sem falar na questão processual, principalmente no que diz

respeito à produção de provas quando de áreas de grandes dimensões.199

Ribeiro afirma que a usucapião coletiva está acoimada de

inconstitucionalidade, posto que o artigo 10 do Estatuto da Cidade não limitando a

área possível de ser usucapida estaria ultrapassando os limites estipulados no art.

183 da Constituição Federal de 1988, visto que normas ordinárias, por natureza

complementares aos ensinos constitucionais, não podem afastar-se do estabelecido

na Carta Magna.200

A contrario sensu Salles afirma não vislumbrar nenhuma eiva de

inconstitucionalidade no instituto, sendo válida a criação da usucapião coletiva pela

lei ordinária. Porém, a constitucionalidade do instituto não significa a conveniência

do mesmo.201

Quanto à constitucionalidade da modalidade sub examine não há consenso

entre os doutrinadores, em contrapartida a despeito da revogação da matéria, se

inclina a doutrina no posicionamento da urgente necessidade.

196 SALLES, José Carlos de Moraes. Usucapião de Bens Imóveis e Móveis. 7.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 304.

197 PRATES, Clyde Werneck. Usucapião no Direito Brasileiro. Curitiba: J.M. Livraria Jurídica, 2010. p.95. 198 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direitos reais. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 225-227. 199 SALLES, José Carlos de Moraes. Usucapião de Bens Imóveis e Móveis. 7.ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2010. p. 304-305. 200 RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de Usucapião. 7. ed. v.2. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 1034-1036. 201 SALLES, José Carlos de Moraes. Usucapião de Bens Imóveis e Móveis. 7.ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2010. p. 306-307.

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2.6.4 Usucapião Especial Rural

O vocábulo rural deriva do latim ruralis, e indigita aquilo que está fora dos

limites das consideradas zonas urbanas ou suburbanas.202

Ainda que o tema não seja pacífico em sua totalidade a corrente majoritária

considera como critério adequado para definir área rural ou urbana, a da destinação

e não da localização.203 Estatui a Lei nº 4.505/64, Estatuto da Terra, em seu artigo

4º, inciso I:

Imóvel rural é o prédio rústico, de área contínua, qualquer que seja a localização, que se destine à exploração extrativa, agrícola, pecuária ou agroindustrial, quer através dos planos públicos de valorização, quer através de iniciativa privada.204

O instituto tem previsão constitucional, preceitua o artigo 191 da Carta

Magna:

Aquele que não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinquenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade.205

Destarte, a produtividade, a moradia habitual e gleba não superior aos

limites impostos por lei são requisitos intrínsecos à usucapião rural, fundamentais,

também, à distinção desta modalidade das demais. Sem olvidar que a usucapião

rural é inaplicável a pessoa jurídica, pela impossibilidade da mesma em preencher

os requisitos inarredáveis a espécie.206

Tal como na usucapião extraordinária os elementos suplementares são

dispensáveis, qual seja boa-fé e justo título.

Na esfera infraconstitucional o tema é agasalhado, pela Lei. 6.969/81 e pelo

Código Civil artigo 1.239, o qual transcreve quase que literalmente o artigo 191 da

Carta Magna, a diferença consiste no termo “possua como seu”, vislumbrado no

202 RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de Usucapião. 7. ed. v.2. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 1103-1104. 203 SALLES, José Carlos de Moraes. Usucapião de Bens Imóveis e Móveis. 7.ed. v.1. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2010. p. 280-281. 204 BRASIL. Estatuto da Terra. Lei nº 4.504 de Novembro de 1964. Vade Mecum. 11.ed. São Paulo: Saraiva,

2011. 205 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Vade Mecum. 11.ed. São Paulo:

Saraiva, 2011. 206 BATISTA, Antenor. Posse, Possessória, Usucapião e Ação Rescisória. 3.ed. São Paulo: Juarez de

Oliveira, 2006. p. 86-87.

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dispositivo constitucional, ao invés de “possua como sua”, forma correta, já que o

pronome possessivo deve concordar com o substantivo feminino área.207

2.6.5 Usucapião Indígena

Classificada como modalidade usucapiatória especial, consoante estabelece

artigo 4º do Código Civil, a usucapião indígena encontra amparo legal na Lei nº

6.001 de 1973.208

São considerados índios, ou silvícolas, “[...] todo indivíduo de origem e

ascendência pré-colombiana que se identifica e é identificado como pertencente a

um grupo étnico cujas características o distinguem da sociedade nacional”.209

Preceitua o artigo 33 do Estatuto do Índio:

Art. 33. O índio, integrado ou não, que ocupe como próprio, por dez anos consecutivos, trecho de terra inferior a cinqüenta hectares, adquirir-lhe-á a propriedade plena. Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica às terras do domínio da União, ocupadas por grupos tribais, às áreas reservadas de que trata esta Lei, nem às terras de propriedade coletiva de grupo tribal.

O artigo supra faz alusão ao índio integrado e ao não integrado, sendo

considerado integrado aquele que está adaptado à civilização do País, como

consequência desta “adaptação” o índio deixa de ser considerado relativamente

incapaz, possuindo plena capacidade poderá propor a ação de usucapião, caso

contrário à Funai (Fundação Nacional do Índio) caberá defender os direitos dos

índios.210

Manifesto a dicotomia entre a política nacional de combate ao minifúndio e o

que prescreve o artigo 33 do estatuto do índio, onde estabelece o limite de terra

usucapível como não superior 50 hectares.211

207 SALLES, José Carlos de Moraes. Usucapião de Bens Imóveis e Móveis. 7.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 160-161.

208 RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de Usucapião. 7. ed. v.1. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 266. 209 Artigo 3º, I. BRASIL. Estatuto do Índio. Lei nº 6.001 de Dezembro de 1973. Vade Mecum. 11.ed. São Paulo:

Saraiva, 2011. 210 RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de Usucapião. 7. ed. v.1. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 266-267. 211 RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de Usucapião. 7. ed. v.1. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 267.

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61

2.6.6 Usucapião Administrativa (instrumento de política urbana)

A distinção desta modalidade das demais se concentra na ausência de

transferência coercitiva do domínio, portanto o proprietário poderá valer-se da via

judicial para eventual reivindicação. A modalidade em questão encontra amparo na

Lei nº. 11.977 de 2009, a qual dispõe sobre o programa Minha Casa Minha Vida e a

regularização fundiária de assentamentos localizados em zonas urbanas.212

O artigo 49 da Lei nº 11.977/2009 confere ao Município, União, Estados e

Distrito Federal a legitimidade para promover a usucapião administrativa.213

O instituto visa, sobretudo, a titulação da propriedade, de modo a tornar o

até então posseiro proprietário. Para atingir este fim é realizada demarcação

urbanística214, podendo ser em área de domínio público ou privado, desde que não

sejam áreas de mananciais ou de risco.215

Mesmo para as áreas de preservação permanente, mostra-se possível a regularização daquelas que tenham sido ocupadas até 31 de dezembro de 2007 e inseridas em área urbana consolidada, desde que estudo técnico comprove que esta intervenção implica a melhoria das condições ambientais em relação à situação de ocupação irregular anterior [...].216

A usucapião administrativa difere da tradicional usucapião pela ausência de

previsão da via judicial, o procedimento daquela terá trâmite no Cartório de Registro

de Imóveis.

2.7 USUCAPIÃO DE BENS MÓVEIS E OUTROS DIREITOS REAIS

Podem ser objetos de usucapião os bens móveis, a premissa encontra

amparo nos artigos 1.243 e 1.244 do Código Civil, e embora a importância dada ao

a usucapião de bens móveis não seja tão ampla comparada a usucapião de bens

212 RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de Usucapião. 7. ed. v.2. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 1077. 213 RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de Usucapião. 7. ed. v.2. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 1083. 214 Demarcação urbanística é o procedimento pelo qual o poder público, no âmbito da regularização fundiária de

interesse social, demarca imóvel de domínio público ou privado, definindo seus limites, áreas, localização e confrontantes, com a finalidade de identificar seus ocupantes e qualificar a natureza e o tempo das respectivas posses. Artigo 47, III. BRASIL. PMCMV. Lei nº 11.977 de Julho de 2009. Vade Mecum. 11.ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

215 RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de Usucapião. 7. ed. v.2. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 1078; 1087-1086.

216 RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de Usucapião. 7. ed. v.2. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 1086.

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imóveis, ambas compartilham da mesma finalidade.217

O instituto da prescrição aquisitiva incidi, também, sobre outros direitos

reais, que não a propriedade, tendo em vista que “[...] se é admissível a

USUCAPIÃO em termos de direito pleno correspondente ao domínio (direito de gozo

e disposição), não se pode deixar de admiti-la quando se trata do enfoque menor

sobre a coisa (direito de uso e gozo)”218

Portanto, possível inferir que a usucapião não se limita a aquisição de

propriedade, se estende a aquisição de bens móveis, bem como a outros direitos

reais sobre coisas alheias, como servidões, usufruto, uso e habitação.219

2.8 FUNÇÃO SOCIAL

Dentre as inúmeras finalidades da usucapião a mais importante consiste na

manutenção da paz social, visa o ordenamento jurídico ao proteger o instituto

impedir a autotutela, e a proliferação de latifúndios particulares, e áreas sem a

devida destinação social.220

Noutro aspecto, a usucapião permite o fomento da economia, destarte

auxiliando no desenvolvimento do país e corolário trazendo benefícios à

coletividade.

Sendo a prescrição assunto de ordem pública, fica condicionada a sua existência a razões de ordem social e nunca a interesses individuais. Mas, considerados os direitos do cidadão, em especial no âmbito da propriedade, desde que presentes os requisitos daquele que está na posse mansa, pacífica e incontestada pelo legítimo proprietário, titular do domínio, a sua negligência ou inércia acarreta um sacrifício do particular, em favor do bem comum, isto é, ao possuidor que trabalha a terra ou a ela se ligue, produz riqueza e é útil a sociedade.221

A Constituição Federal de 1988 ao traçar uma política de desenvolvimento

urbano estabeleceu regras no que concerne à utilização do domínio, e por

217 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direitos Reais. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 254-255. 218 PRATES, Clyde Werneck. Usucapião no Direito Brasileiro. Curitiba: J.M. Livraria Jurídica, 2010. p. 120. 219 SALLES, José Carlos de Moraes. Usucapião de Bens Imóveis e Móveis. 7.ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2010. p. 139-140. 220 BATISTA, Antenor. Posse, Possessória, Usucapião e Ação Rescisória: manual teórico e prático. 3. ed.

São Paulo: Juarez de Oliveira, 2006. p. 68-70 221 RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de Usucapião. 7. ed. v.1.. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 193.

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consequência da posse, visando proteger, dentre outros direitos fundamentais, a

dignidade da pessoa humana, primordial à convivência social.

A usucapião tem por fito garantir que todo bem, móvel ou imóvel, tenha uma

destinação, ou seja, uma função social, portanto, aquele que permitir, ou se omitir,

que outro tenha animus domini e dê a destinação exigida em lei ao domínio pode

perder seu domínio.222

O estudo da usucapião até então demonstra a importância do instituto que

tem por fito exterminar com as situações transitórias, portanto deliberado sobre a

usucapião no direito material exige-se a incursão no direito processual.

2.9 USUCAPIÃO NO ÂMBITO PROCESSUAL

O Código de Processo Civil regula a ação de usucapião de terras

particulares, nos artigos 941 a 945, incontinente disciplina à usucapião ordinária e

extraordinária, a usucapião especial rural (Lei nº. 6.969/1981) e especial urbana (Lei

nº. 10.257/2001) tem procedimento próprio.223

O propedêutico tem por intento situar o local na legislação em que se

encontra o assunto, o desenvolvimento infra visa ventilar sobre a usucapião em juízo

pormenorizadamente.

2.9.1 Objetivo e fundamento

A ação de usucapião tem por fito declarar a propriedade, ou outro direito

real, a quem preenche os requisitos exigidos por lei para tanto, é o que estatui o

artigo 941 do Código de Processo Civil.224

2.9.2 Competência

Via de regra a ação deve ser proposta no foro onde o imóvel está localizado

222 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direitos reais. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 49. 223 SALLES, José Carlos de Moraes. Usucapião de Bens Imóveis e Móveis. 7.ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2010. p. 165. 224 GAIO JÚNIOR, Antônio Pereira. Direito Processual Civil: cumprimento da sentença, processo de

execução, processo cautelar e procedimentos especiais. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 340.

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determinação advinda do artigo 95 do Código de Processo Civil, o qual aduz:

Nas ações fundadas em direito real sobre imóveis é competente o foro da situação da coisa. Pode o autor, entretanto, optar pelo foro do domicílio ou de eleição, não recaindo o litígio sobre direito de propriedade, vizinhança, servidão, posse, divisão e demarcação de terras e nunciação de obra nova.225

2.9.3 Procedimento

O procedimento adotado na ação de usucapião varia conforme a modalidade

a que se refere, podendo ser sumário ou procedimento especial.226

Ocorre que, as modalidades de procedimento especial em determinado

momento processual se depararão com a adoção de atos condizentes com o

procedimento adotado para o ordinário, medida tomada pelo magistrado diante dos

desdobramentos realizados durante o trâmite da demanda, nos termos do artigo

277, §§ 4º e 5º, do Código de Processo Civil.227 Dispõe mencionado artigo, in verbis:

Art. 277 - O juiz designará a audiência de conciliação a ser realizada no prazo de trinta dias, citando-se o réu com a antecedência mínima de dez dias e sob a advertência prevista no § 2º deste artigo, determinando o comparecimento das partes. Sendo ré a Fazenda Pública, os prazos contar-se-ão em dobro. [...] § 4º - O juiz, na audiência, decidirá de plano a impugnação ao valor da causa ou a controvérsia sobre a natureza da demanda, determinando, se for o caso, a conversão do procedimento sumário em ordinário. § 5º - A conversão também ocorrerá quando houver necessidade de prova técnica de complexidade.228

2.9.4 Propositura

Na petição inicial deverão estar presentes os requisitos essenciais ao

recebimento da mesma, elencados no artigo 282, do Código de Processo Civil, bem

como a planta do imóvel e o memorial descritivo, consoante artigo 942, do Código

de Processo Civil.

225 BRASIL. Código de Processo Civil. Lei nº 5.869 de Janeiro de 1973. Vade Mecum. 11.ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

226 GONÇALVES. Marcus Vinicius Rios. Novo Curso de Direito Processual Civil: processo de conhecimento e procedimentos especiais. v.2. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 318.

227 RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de Usucapião. 7. ed. v.2. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 1022. 228 BRASIL. Código de Processo Civil. Lei nº 5.869 de Janeiro de 1973. Vade Mecum. 11.ed. São Paulo:

Saraiva, 2011.

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Art. 942 - O autor, expondo na petição inicial o fundamento do pedido e juntando planta do imóvel, requererá a citação daquele em cujo nome estiver registrado o imóvel usucapiendo, bem como dos confinantes e, por edital, dos réus em lugar incerto e dos eventuais interessados, observado quanto ao prazo o disposto no inciso IV do Art. 232.

Consoante preconiza o artigo retro sendo o réu incerto ou certo em local

incerto deverá o autor requerer a citação por edital. Imprescindível a juntada de

certidão positiva ou negativa do registro de imóveis, e, respeitando os dizeres do

artigo 923 do Código de Processo Civil, de certidão comprovando não haverem sido

ajuizadas ações possessórias ou petitória contra o usucapiente.229

A vara de registro público e sucessões de Florianópolis, responsável pelo

julgamento das ações de usucapião, em razão da demanda de processos,

padronizou a documentação a ser juntada no ato da propositura, elencou os

documentos na portaria nº 01/10 expedida em 21 de junho de 2010, o objetivo é

facilitar a conferência e melhorar a sistemática dos cartórios, a aludida portaria

segue em apenso.230

2.9.5 Legitimidade

Aquele que detém a posse, preenchidos os requisitos exigidos por lei, pode

demandar ação de usucapião, mesmo que tenha no passado sido possuidor não

perde a legitimidade, “por ocasião da convergência dos requisitos legais”.231

Consenso não há entre os juristas no que concerne à necessidade de

litisconsortes ativos quando o objeto da ação versar sobre gleba pertencente a

vários possuidores, enquanto uma corrente defende que a ação não pode ser

proposta de forma individualizada, outra corrente com fulcro nos artigos 1.199 e

1.314 do Código Civil defendem o direito que cada possuidor tem de defender sua

posse, mesmo que individualmente.232

229 RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de Usucapião. 7. ed. v.2. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 1228; 1249. 230 SANTA CATARINA. Vara de Registros Públicos e Sucessões. Portaria nº 01/10. Expedida em Junho de 2010.

Disponível em: <http://fit.oab-sc.org.br/outros/artigos/usucapiao.pdf>. Acesso em: 26/05/2011. 231 WAMBIER. Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil: processo cautelar e

procedimentos especiais. 10. ed. v.3. São Paulo: Revista dos Tribunais. p. 287-288. 232 WAMBIER. Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo.Curso Avançado de Processo Civil: processo cautelar e

procedimentos especiais. 10. ed. v.3. São Paulo: Revista dos Tribunais. p. 288.

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Hipótese de legitimação extraordinária pode ser vislumbrada no Estatuto da

Cidade, in verbis:

Art. 12. São partes legítimas para a propositura da ação de usucapião especial urbana: I – o possuidor, isoladamente ou em litisconsórcio originário ou superveniente; II – os possuidores, em estado de composse; III – como substituto processual, a associação de moradores da comunidade, regularmente constituída, com personalidade jurídica, desde que explicitamente autorizada pelos representados. § 1o Na ação de usucapião especial urbana é obrigatória a intervenção do Ministério Público. § 2o O autor terá os benefícios da justiça e da assistência judiciária gratuita, inclusive perante o cartório de registro de imóveis.233

O litisconsórcio simples é necessário, a máxima deriva do artigo 942 do

Código de Processo Civil transcrito infra:

Art. 942. O autor, expondo na petição inicial o fundamento do pedido e juntando planta do imóvel, requererá a citação daquele em cujo nome estiver registrado o imóvel usucapiendo, bem como dos confinantes e, por edital, dos réus em lugar incerto e dos eventuais interessados, observado quanto ao prazo o disposto no inciso IV do art. 232.

2.9.6 Citação

Os interessados serão citados para apresentar contestação, decorrido o

prazo sem a juntada da contestação o processo correrá a revelia. Diante da revelia

ao magistrado cabe julgar antecipadamente a lide com fulcro no artigo 330 do

Código de Processo Civil, caberá, também, julgamento antecipado diante da

ausência de provas a serem produzidas na audiência.234

Art. 330 - O juiz conhecerá diretamente do pedido, proferindo sentença: I - quando a questão de mérito for unicamente de direito, ou, sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência; II - quando ocorrer a revelia (art. 319).

A citação dos réus casados, independente do regime de bens adotado,

respeitará o artigo 10 do Código de Processo Civil, o qual aduz que ambos deverão

233 BRASIL. Estatuto da Cidade. Lei nº 10.257 de Julho de 2001. Vade Mecum. 11.ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

234 GAIO JÚNIOR, Antônio Pereira. Direito Processual Civil: cumprimento da sentença, processo de execução, processo cautelar e procedimentos especiais. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 341.

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atuar no pólo passivo da demanda, os dizeres atingem também a união estável.235

2.9.7 Audiência de Justificação de posse

A supressão da audiência de justificação de posse, a qual tinha por fito a

comprovação da posse por parte do autor, tornava o procedimento especial. Ao

magistrado incumbia deferir ou não a justificativa apresentada, caso a posse não

fosse devidamente justificada o processo era extinto sem julgamento de mérito,

mister salientar que para realização deste audiência todos os réus eram citados,

ainda que patrocinada exclusivamente pelo autor, pois ao réu não era permitido a

produção de provas .236

2.9.8 Rito

Outrora o procedimento da ação de usucapião era considerado especial em

sua totalidade, isto devido à audiência de justificação de posse, com o advento da

Lei nº 8.951/94 houve a supressão dessa fase, como consequência o procedimento

passou a ser o ordinário, pelo menos na prática, após a citação editalícia.237

Outra peculiaridade é necessária intimação dos representantes da Fazenda

Pública da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios

em razão da impossibilidade de usucapir terras públicas, intimação esta realizada

via postal nos termos do artigo 943 do Código de Processo Civil.238

Demonstrado o interesse público na demanda intervém o Ministério Público,

por força do artigo 82, do Código de Processo Civil, o qual aduz “nas ações que

envolvam litígios coletivos pela posse da terra rural e nas demais causas em que há

interesse público evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte” compete

ao Ministério Público intervir. Determinam os artigos 84 e 246 do Código de

235 SILVA. Ovídio Araújo Baptista da. Procedimentos Especiais. 2. ed. Rio de Janeiro: Alde, 1993. p. 385. 236 GONÇALVES. Marcus Vinicius Rios. Novo Curso de Direito Processual Civil: processo de conhecimento

e procedimentos especiais. v.2. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 322-323. 237 WAMBIER. Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil: processo cautelar e

procedimentos especiais. 10. ed. v.3. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 285. 238 WAMBIER. Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo.Curso Avançado de Processo Civil: processo cautelar e

procedimentos especiais. 10. ed. v.3. São Paulo: Revista dos Tribunais. p. 289

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Processo Civil “a falta de participação efetiva do Ministério Público na ação de

usucapião acarreta nulidade do processo”.239

Sem olvidar que o Estatuto da Cidade aduz que o rito processual a ser

observado é o sumário, já a Lei nº 6.969/81 adota o sumaríssimo, consoante estatui

o artigo 5º, aspectos que diferem ambas as modalidades das demais.

A disciplina encontra-se disposta no Livro IV do Código Civil, livro este que

trata dos procedimentos especiais. Mas, sem delonga, quando da vigência do novo

Código de Processo Civil, o tema será tratado na Parte Geral, Livro I, Título VIII,

Capítulo IV, Seção V que explana sobre o procedimento edital.240

Art. 238. Adotar-se-á o procedimento edital: I – na ação de usucapião; II – nas ações de recuperação ou substituição de título ao portador; III – em qualquer ação em que seja necessária, por determinação legal, a provocação, para participação no processo, de interessados incertos ou desconhecidos. Parágrafo único. Na ação de usucapião, os confinantes serão citados pessoalmente.

Excetuadas as hipóteses de usucapião contidas no Estatuto da Cidade e

usucapião rural, os demais a partir da vigência do novo Código de Processo Civil

seguirão pelo procedimento ordinário, desde que o projeto do Código de Processo

Civil seja aprovado com o conteúdo atual.

2.10 SENTENÇA

Julgado procedente o pedido a sentença servirá de título para registro no

Cartório de registro de imóveis, via mandado, conforme preceitua o artigo 945 do

Código de Processo Civil. Já, diante da improcedência do pedido de igual modo a

sentença fará coisa julgada material, excetuado o caso de improcedência em razão

da não comprovação do lapso temporal necessário para aquisição, onde poderá o

239 WAMBIER. Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo.Curso Avançado de Processo Civil: processo cautelar e procedimentos especiais. 10. ed. v.3. São Paulo: Revista dos Tribunais. p. 289-290.

240 BRASIL. Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil. Brasília, DF: Senado Federal, 2010. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/Anteprojeto.pdf>. Acesso em: 15 de março de 2011.

240 GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo Curso de Direito Processual Civil: processo de conhecimento e procedimentos especiais. v.2. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 277.

240 WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 287.

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autor propor a demanda novamente quando cumprido a exigência do prazo prevista

em lei. 241

A sentença da ação de usucapião é de natureza declaratória, porquanto tem

o condão de reconhecer relação jurídica pré-existente, eficácia ex tunc, de modo que

retroage ao momento da aquisição.242

No tocante a usucapião urbana coletiva a sentença deverá atribuir a fração

ideal de cada um dos demandantes. Sem olvidar que a improcedência da ação de

usucapião coletiva não impede a propositura da ação de usucapião individual.243

Dissenso há como visto no capítulo 1 deste trabalho de conclusão de curso

no tocante a natureza constitutiva ou declaratória do instituto. Entretanto concordam

os juristas que “enquanto não acontece a sentença na ação de usucapião, o direito

do usucapiente não se aperfeiçoa pela forma, visto que só a sentença devidamente

transcrita no registro de imóveis daí repele o antigo proprietário”.244

2.11 EFEITOS DA USUCAPIÃO

A decisão de procedência da usucapião com consequente formação de título

passível de registro no cartório de registro de imóveis, o qual serve para dar

publicidade à aquisição e garantir a oponibilidade erga omnes, justifica a busca pelo

instituto.245

Tal decisão faz coisa julgada material, razão pela qual o objeto usucapido

não pode ser reivindicado por outrem, bem como seus efeitos são retroativos, ex

tunc, ratifica a máxima o caráter declaratório da ação.246

A indivisibilidade do direito configura um dos efeitos da usucapião

exemplifica Ribeiro “[...] como no caso do condômino, com relação ao bem comum, o

241 GAIO JÚNIOR, Antônio Pereira. Direito Processual Civil: cumprimento da sentença, processo de execução, processo cautelar e procedimentos especiais. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 342.

242 WAMBIER. Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil: processo cautelar e procedimentos especiais. 10. ed. v.3. São Paulo: Revista dos Tribunais. p. 290.

243 RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de Usucapião. 7. ed. v.2. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 1048. 244 BORGES, Paulo Torminn Borges. apud SALLES, José Carlos de Moraes. Usucapião de Bens Imóveis e

Móveis. 7.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 78. 245 PRATES, Clyde Werneck. Usucapião no Direito Brasileiro. Curitiba: J.M. Livraria Jurídica, 2010. p. 149. 246 RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de Usucapião. 7. ed. v.1. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 219-220.

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qual não poderá adquirir por prescrição somente para si, porque, em se tratando de

direito indivisível, a prescrição favorece a todos [...]”.247

Portanto são efeitos provenientes da usucapião a transferência do domínio,

a retroatividade, a eficácia erga omnes e a indivisibilidade do direito.

2.12 USUCAPIÃO EM DEFESA

Manifesto a possibilidade de alegar usucapião em defesa, nesse sentido

preleciona a Súmula 237 do Pretório Excelso. Todavia, a exceção de usucapião se

acolhida, gera a improcedência da demanda sem contudo dispensar processo

autônomo, só a sentença prolatada por este meio poderá efetivamente declarar o

domínio e servir de título judicial passível de registro.248

A alegação de usucapião como matéria de defesa deverá vir arguida na

contestação, e não em via reconvencional249, ainda que o artigo 315 do Código de

Processo Civil reconheça a possibilidade de reconvenção, desde que se vislumbre

conexão entre o pedido formulado e a ação principal.250 Esclarece o aludido a

citação infra:

A negativa pela admissão de pedido reconvencional fundado em usucapião encontra fundamento em várias razões, dentre elas o procedimento especial, com citações, intimações, cientificações, chamamento editalício e intervenção do Ministério Público.251

Portanto, obsta o registro na circunscrição imobiliária a sentença que teve

alegada em defesa a usucapião, isto em razão da ausência de preenchimento dos

requisitos exigidos por lei.252

O aludido supra não condiz com o artigo 7º da Lei 6.969 de 1981, o qual

estatui “a usucapião especial poderá ser invocada como matéria de defesa valendo

a sentença que a reconhecer como título para transcrição no Registro de

247 RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de Usucapião. 7. ed. v.1. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 220. 248 SALLES, José Carlos de Moraes. Usucapião de Bens Imóveis e Móveis. 7.ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2010. p. 168-169. 249 A reconvenção representa ação do réu em face do autor no mesmo processo, “[...] consiste em posição

ofensiva do réu, que vai além da postura impugnativa que caracteriza a posição do demando havendo dilargação do tema da ação”. RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de Usucapião. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 1549.

250 RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de Usucapião. 7. ed. v.2. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 1548-1549. 251 RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de Usucapião. 7. ed. v.2. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 1549. 252 RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de Usucapião. 7. ed. v.2. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 1530.

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Imóveis”,253 na mesma linha aduz o artigo 13 do Estatuto da Cidade “a usucapião de

imóvel urbano poderá ser invocada como matéria de defesa, valendo a sentença

que a reconhecer como título para registro no cartório de imóveis”,254 portanto nos

casos citados a contestação tem força de reconvenção.

Não obsta à efetivação do registro sem a citação de todos os interessados,

nas modalidades supracitadas, ocorre que este registro terá eficácia apenas inter

partes.255

Pacífica a questão entre a doutrina e a jurisprudência no que concerne a

possibilidade da alegação da usucapião em defesa, portanto prosseguimos

analisando a possibilidade de conexão entre a ação de usucapião e as

possessórias, e quando e porque serão sobrestadas as ações.

253 BRASIL. Usucapião Especial de Imóveis Rurais. Lei nº 6.969 de Dezembro de 1981. Vade Mecum. 11.ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

254 BRASIL. Estatuto da Cidade. Lei nº 10.257 de Julho de 2001. Vade Mecum. 11.ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

255 RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de Usucapião. 7. ed. v.2. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 1154.

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72

3. USUCAPIÃO: UMA ANÁLISE À LUZ DO ARTIGO 923 DO CÓDIGO

DE PROCESSO CIVIL

Questão relevante e polêmica no âmbito jurídico as que circundam a órbita

do artigo 923 do Código de Processo Civil, não obstante tema calcado de contenda

ordena imperisiosamente à hermenêutica das vertentes doutrinárias e

jurisprudenciais a respeito.

3.1 PREVENÇÃO E CONEXÃO

Antes de adentrar as hipóteses de conexão essencial ter noção do instituto

da prevenção, o qual se torna indispensável diante de duas ações que devem ser

reunidas, ações estas conexas, continentes ou que tem entre si relação de

acessoriedade. A prevenção ocorre em primeiro e segundo grau, bem como nos

tribunais superiores.256

Para compreensão do instituto sub examine indispensável à análise de dois

dispositivos legais, artigos 219 e 106, do Código de Processo Civil, os quais

estabelecem os critérios pertinentes a prevenção. O caput do artigo 219 preconiza

que fica prevento o juiz que primeiro ordenou a citação, ou se tratando de segundo

grau a câmara ou turma que primeiro conhecer do recurso.257

Art. 219. A citação válida torna prevento o juízo, induz litispendência e faz litigiosa a coisa; e, ainda quando ordenada por juiz incompetente, constitui em mora o devedor e interrompe a prescrição. § 1o A interrupção da prescrição retroagirá à data da propositura da ação. § 2o Incumbe à parte promover a citação do réu nos 10 (dez) dias subseqüentes ao despacho que a ordenar, não ficando prejudicada pela demora imputável exclusivamente ao serviço judiciário. § 3o Não sendo citado o réu, o juiz prorrogará o prazo até o máximo de 90 (noventa) dias. § 4o Não se efetuando a citação nos prazos mencionados nos parágrafos antecedentes, haver-se-á por não interrompida a prescrição. § 5o O juiz pronunciará, de ofício, a prescrição. § 6o Passada em julgado a sentença, a que se refere o parágrafo anterior, o escrivão comunicará ao réu o resultado do julgamento.

256 ALMEIDA, Flávio Renato Correia; WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil: teoria Geral do processo e processo de conhecimento. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 103.

257 ALVIM. Arruda. Manual de Direito Processual Civil. 11.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 373.

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O artigo precedente estabelece os critérios para juízos de comarcas

distintas, enquanto o artigo 106, do Código de Processo Civil delibera sobre os

sediados na mesma comarca,258 o dispositivo legal estatui: “Correndo em separado

ações conexas perante juízes que têm a mesma competência territorial, considera-

se prevento aquele que despachou em primeiro lugar”.

“A prevenção, em sua configuração tradicional, é fenômeno que gera, em

relação às demais ações já em curso, o que a doutrina chama de vis attractiva,

‘atraindo’, como consta da expressão, para junto de si, as outras ações”, levando em

conta critérios cronológicos e a competência dos órgãos judicantes. 259

A prevenção, [...], ocorre entre juízos de igual competência. Trata-se de um fato processual, através do qual se fixa a competência de um dado juízo, concretamente, dentre diversos outros juízos que, do ponto de vista abstrato, também são competentes. Não é, pois, a prevenção critério de determinação da competência, porém, de fixação da competência, dentre órgãos cuja competência já estava determinada, e era abstratamente a mesma.260

Diante de litispendência, ações idênticas, a segunda ação a ser proposta

será distribuída para mesmo juízo que tramita a primeira, com o fito de ser

promovida a extinção desse segundo processo.261 Uma nova hipótese de prevenção

foi criada pela Lei nº 10.358/2001, a norma está amparada pelo artigo 253, II, do

Código de Processo Civil, o qual aduz:

Art. 253. Distribuir-se-ão por dependência as causas de qualquer natureza: I - quando se relacionarem, por conexão ou continência, com outra já ajuizada; II - quando, tendo sido extinto o processo, sem julgamento de mérito, for reiterado o pedido, ainda que em litisconsórcio com outros autores ou que sejam parcialmente alterados os réus da demanda; [...].

Por conseguinte sobre a distribuição por dependência pode-se tirar as

seguintes ilações:

[...].o juiz torna-se prevento não em virtude de uma ação em curso, mas de um processo já extinto. Nesse caso, a distribuição por dependência não toma em conta razões de economia processual. Busca evitar, segundo a

258 ALVIM. Arruda. Manual de Direito Processual Civil. 11.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 373. 259 ALMEIDA, Flávio Renato Correia; WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de

Processo Civil: teoria Geral do processo e processo de conhecimento. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 103.

260 ALVIM. Arruda. Manual de Direito Processual Civil. 11.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 376. 261 ALMEIDA, Flávio Renato Correia; WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de

Processo Civil: teoria Geral do processo e processo de conhecimento. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 103.

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exposição de motivos que acompanhou o Projeto de Lei, “distribuições conduzidas”, nas comarcas ou (circunscrições federais) em que há mais de um juízo com a mesma competência para a causa. Ou seja, pretende-se impedir que o autor, tendo sua ação distribuída por sorteio para uma vara cujo juiz tem posição contrária à tese veiculada na ação, desista da ação e ajuíze outra, idêntica, na tentativa de que, na nova distribuição por sorteio, a ação seja distribuída para outra vara, cujo juiz seja favorável à tese do autor. A nova ação será distribuída para outra vara, cujo juiz seja favorável à tese do autor. A nova ação será distribuída por dependência, para o mesmo juízo para o qual fora a anterior ação.262

Arrematada as questões suscitadas a cerca da prevenção do juízo nos

remetemos ao ponto primacial, o instituto da conexão. No tocante a possibilidade da

conexão, os artigos reguladores são 103, 105 e 106, ambos do Código de Processo

Civil.

A conexão é estabelecida diante de ações onde a decisão de uma possa vir

influir na decisão da outra, sendo assim com o intento de evitar decisões

controvertidas o juiz de ofício ou a requerimento das partes pode ordenar a reunião

das ações, a fim de não causar dano à atividade jurisdicional.263 O princípio da

economia processual também fundamenta a reunião de processos parcialmente

idênticos.

Consoante artigo 103 do Código de Processo Civil “Reputam-se conexas

duas ou mais ações, quando Ihes for comum o objeto ou a causa de pedir”, a

premissa tem como sustentáculo a teoria das três identidades, pela qual “uma ação

é idêntica à outra quando tem as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o

mesmo pedido”, consoante delineado no artigo 301, §2º, do Código de Processo

Civil, entretanto a jurisprudência tem se mostrado condescendente ao expor o

seguinte::

Ementa: CONFLITO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO DE USUCAPIÃO. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. É pertinente a reunião de ações quando há risco de decisões contraditórias, pois o objetivo da norma do artigo 103, bem como o disposto no artigo 106, ambos do Código de Processo Civil, é evitar decisões colidentes. Mesmo porque, para configurar a conexão, desnecessária a perfeita identidade de partes e, ou, de objeto, entre os feitos, bastando que o liame entre os processos acarrete a

262 ALMEIDA, Flávio Renato Correia; WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil: teoria Geral do processo e processo de conhecimento. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 104.

263 ALVIM. Arruda. Manual de Direito Processual Civil. 11.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 379-380.

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prejudicialidade de uma ou de outra decisão. CONFLITO DE COMPETÊNCIA JULGADO PROCEDENTE. ( (grifo acrescido)264

Nesse sentido, vejamos decisão do colendo Superior Tribunal de Justiça:

O objetivo da norma inserta no art. 103, bem como no disposto no art.106, ambos do CPC é evitar decisões contraditórias; por isso, a indagação sobre o objeto ou a causa de pedir, que o artigo por primeiro quer que seja comum, deve ser entendida em termos, não se exigindo a perfeita identidade, senão que haja um liame que os façam passíveis de decisão unificada.”265

Com fulcro nos precedentes judiciais pode-se afirmar que embora não exista

uma perfeita conexão entre as ações possessórias e de usucapião há liame entra

ambas, visto que o objetivo final do litígio é comum, qual seja o mesmo imóvel. Por

conseguinte de acordo com os arestos citados podem ser julgadas

concomitantemente ações possessórias e de usucapião266, quando decisões

separadas possam acarretar contradição dos julgados.267

A continência ainda que configure causa de alteração de competência difere

da conexão, haverá continência entre duas ou mais ações sempre que houver

identidade entre a causa de pedir, as partes e o objeto da contenda, ou seja, “o

conceito de continência está contido no conceito de conexão, pois para que haja

continência é necessária a identidade de causa de pedir, e se isso ocorre já é o caso

de conexão”. 268 O assunto não requer maior abrangência, entretanto, indispensável

compreender a distinção entre um e outro instituto.

Estabelecidas as hipóteses em que cabe a reunião e julgamentos simultâneo

de ações, afunilaremos o assunto ao tratar especificamente do julgamento

simultâneo de ações possessórias e petitórias, não antes de analisar as

peculiaridades de cada instituto.

264 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (17ª Câmara Cível). Conflito de Competência nº 70019363035. Relator: Alzir Felippe Schmitz. Julgado em 23/08/2007. Disponível em: <http://www1.tjrs.jus.br/busca/?as_q=&tb=proc>. Acesso em: 05 de abril de 2011.

265 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RSTJ 98/191, p.207. Relator: Ministro Waldemar Zveiter. 266 Diante da alusão à reunião dos julgamentos de possessória e petitória, deve-se partir do pressuposto que são

comuns as partes e o objeto do litígio. 267 SALLES, José Carlos de Moraes. Usucapião de Bens Imóveis e Móveis. 7.ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2010. p. 315. 268 DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 8.ed. v.1. Salvador: JusPodivm, 2007. p. 123.

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3.2 AÇÃO POSSESSÓRIA

As ações possessórias tem por fito a proteção da posse, podendo inclusive

ser intentada contra o proprietário, desde que comprovada moléstia à posse, ou

possibilidade de moléstia, quais sejam turbação, esbulho ou ameaça, consoante

estatui artigo 1.210 do Código Civil.269

O direito material não fornece dados precisos para classificação de esbulho,

turbação ou ameaça, em determinados casos é dificultoso distinguir se a violação à

posse se trata de um ou outro vício.270 Por esta razão o legislador criou o artigo 920,

do Código de Processo Civil, o dispositivo legal preleciona que “a propositura de

uma ação possessória em vez de outra não obstará a que o juiz conheça do pedido

e outorgue a proteção legal correspondente àquela, cujos requisitos estejam

provados”, princípio da fungibilidade.271

São três as espécies de interditos possessórios referenciados pelo Código

de Processo Civil, a manutenção de posse, a reintegração de posse e os interditos

proibitórios, que devem ser utilizadas em caso de turbação, esbulho ou ameaça,

respectivamente.

3.2.1 Manutenção de Posse

A perda parcial do exercício da posse configura turbação, a ação cabível é a

manutenção de posse, pela qual tem-se por intento restituir a posse em sua

totalidade. “Por exemplo, ocorre turbação quando alguém adentra no imóvel e passa

a cortar árvores, seguidamente, mas não impede o acesso do possuidor à área”.272

269 WAMBIER. Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil: processo cautelar e procedimentos especiais. 10. ed. v.3. São Paulo: Revista dos Tribunais. p. 258-259

270 GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo Curso de Direito Processual Civil: processo de conhecimento e procedimentos especiais. v.2. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 268.

271 BRASIL. Código de Processo Civil. Lei nº 5.869 de Janeiro de 1973. Vade Mecum. 11.ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

272 ALMEIDA, Flávio Renato Correia; WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil: processo cautelar e procedimentos especiais. 5.ed. v.3. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 184.

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Configurada está à turbação diante de um ato violento, podendo este ser

físico ou moral, a ação de manutenção de posse visa fazer cessar tais atos

praticados pelo turbador.273

3.2.2 Reintegração de Posse

Ação cabível diante de esbulho, o qual se caracteriza pela perda total da

posse. “Por exemplo, se alguém invade uma propriedade [...], cercando-a e

impedindo que o possuidor nela adentre, cometeu esbulho”.274

Para intentar ação de reintegração de posse é requisito a efetiva perda da

posse, “só se considera perdida a posse para quem não presenciou o esbulho,

quando, tendo notícia dele, se abstém de retornar a coisa, ou, tentando recuperá-la,

é violentamente relido” 275, partindo desta premissa os atos clandestinos, por si só,

não tem o condão de ensejar a perda da posse.

3.2.3 Interdito Proibitório

O interdito proibitório será proposto quando o possuidor vislumbra a

possibilidade de sua posse vir a ser turbada ou esbulhada, devendo o receio ser

fundado, por conseguinte a ameaça justifica a interposição do interdito proibitório.

“Por exemplo, se o molestador posicionar máquinas na entrada da área rural

noticiando que nela pretende entrar”.276

Destarte o interdito proibitório tem natureza preventiva, bem como

característica de ação cominatória, visa a exigência de prestação de fazer negativa

por parte do demandado277, o qual desrespeitando a imposição arcará com o

273 SANTOS. Ernane Fidélis dos. Manual de Direito Processual Civil: procedimentos especiais codificados e da legislação esparsa, jurisdição contenciosa e jurisdição voluntária. 11. ed. v.3. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 45-46.

274 ALMEIDA, Flávio Renato Correia; WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil: processo cautelar e procedimentos especiais. 5.ed. v.3. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 184.

275 Artigo 1.124. BRASIL. Código Civil. Lei nº 10.406 de Janeiro de 2002. Vade Mecum. 11.ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

276 ALMEIDA, Flávio Renato Correia; WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil: processo cautelar e procedimentos especiais. 5.ed. v.3. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 184.

277 THEODORO, Humberto Júnior. Curso de Direito Processual Civil: procedimentos especiais. 39. ed. v.3. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 148.

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estabelecido no artigo 923, o qual preconiza: “O possuidor direto ou indireto, que

tenha justo receio de ser molestado na posse, poderá impetrar ao juiz que o segure

da turbação ou esbulho iminente, mediante mandado proibitório, em que se comine

ao réu determinada pena pecuniária, caso transgrida o preceito”.

A distinção entre reintegração de posse e manutenção de posse está

intimamente ligada à intensidade da agressão, onde naquele caso exige-se a perda

total da posse e neste a configuração de incômodo em seu exercício, enquanto o

interdito proibitório tem caráter preventivo, de modo a impedir que os atos

praticados, pelo demandado da ação, se transformem em esbulho ou turbação.278

3.3 AÇÕES PETITÓRIAS

Estamos de diante de conceitos vinculados a posse, tanto no juízo petitório

quanto no possessório, ocorre que enquanto neste a discussão tutela o direito de

posse, não esbulho e não turbação, aquele tutela o direito à posse, emanado no

direito de propriedade.279

Discute-se, portanto, no “possessório” tão somente o jus possessionis, que vem a ser a garantia de obter proteção jurídica ao fato da posse contra atentados de terceiro praticados ex auctoritate. Exercitam-se, pois, no juízo possessório, faculdades jurídicas oriundas da posse em si mesma. No juízo “petitório”, a pretensão deduzida no processo tem por supedâneo o direito de propriedade, ou seus desmembramentos, do qual decorre “o direito à posse do bem litigioso” Os dois juízos são, como se vê, totalmente diversos, já que a causa petendi de um e de outro são até mesmo inconciliáveis. E, justamente por isso, não se pode cogitar de coisa julgada, ou litispendência, quando se coteja o julgamento e o processo possessório com a sentença e o processo petitório.280

Determinadas ações são comumente confundidas com os interditos

possessórios, contudo são de natureza petitória. Ação reivindicatória, ação de

imissão de posse, ação de nunciação de obra nova e ação de embargos de terceiro,

são instrumentos de proteção do direito à posse.

278 MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica Profissional e Tutela dos Direitos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 571.

279 SANTOS. Ernane Fidélis dos. Manual de Direito Processual Civil: procedimentos especiais codificados e da legislação esparsa, jurisdição contenciosa e jurisdição voluntária. 11.ed. v.3. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 44-45.

280 THEODORO, Humberto Júnior. Curso de Direito Processual Civil: procedimentos especiais. 39. ed. v.3. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 138.

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3.3.1 Ação de imissão de posse

Proposta por quem nunca esteve em posse da coisa tutelada, mas por ter se

tornado titular da coisa almeja havê-la do alienante. Mister salientar que não obsta

ao adquirente a tutela possessória, desde que presente no contrato cláusula

constituti, de acordo com a qual o alienante ao assinar o contrato transfere tanto o

domínio como a posse, mesmo antes da tradição.281

A ação de imissão de posse está enquadrada como petitória, ainda que não

seja fundada no domínio e sim reservada a quem tem o direito à posse, exige-se

portanto a “existência de negócio jurídico sobre transmissão da posse, a partir do

qual se possa exigir a emissão na posse na coisa objeto do contrato”.282

Como fundamental é a existência de obrigação de transferência da posse, a imissão de posse pode ser proposta pelo promitente-comprador. Note-se, entretanto, que a base dessa ação de imissão de posse não é simplesmente o contrato de compromisso de compra e venda, ou o fato do seu registro imobiliário. Para que a ação de imissão seja viável, nessa hipótese, o contrato deve conter cláusula que outorgue ao promitente-comprador o direito de imissão na posse.283

O Superior Tribunal de Justiça se pronunciou no sentido da dispensabilidade

do registro para ingressar com a presente ação, embora haja necessidade da

convenção entre as partes284, ilustrar o exposto a citação infra:

É certo que o adquirente tem ação de imissão de posse contra o alienante (sic). Mas nem todo adquirente pode utilizá-la. Supunha-se, por exemplo, que foi alienada coisa cedida em locação. Nessa situação, o alienante não se obrigou, até porque não poderia, a transferir a posse. O adquirente apenas pode se valer da imissão no caso em que se convencionou, obviamente de forma válida e eficaz, a obrigação de transferência da posse, e, assim o seu direito à posse.285

281 GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo Curso de Direito Processual Civil: processo de conhecimento e procedimentos especiais. v.2. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 265-266.

282 MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica Profissional e Tutela dos Direitos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 563.

283 MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica Profissional e Tutela dos Direitos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 563.

284 MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica Profissional e Tutela dos Direitos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 563.

285 MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica Profissional e Tutela dos Direitos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 563.

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3.3.2 Ação reivindicatória

Demanda onde o proprietário visa reaver o objeto, de sua propriedade, onde

quer e com quem quer que esteja, cabível desde indevido que o exercício da posse,

exercendo seu direito de sequela pela via judicial. Destoa das ações possessórias

ao passo que não fundamenta seu direito com base na posse, mas sob alegação de

domínio.286

Impera como prova o registro imobiliário, tendo em vista que tem

legitimidade para propor a presente ação o proprietário sem a posse, o qual

demanda contra o possuidor sem propriedade. Devendo o proprietário demonstrar a

posse injusta, por parte do demandado.287

3.3.3 Ação de nunciação de obra nova

A presente ação tem por fito coibir a realização de obra nova em imóvel

vizinho que possa causar dano ao patrimônio, abrange o termo “vizinho” aqueles

próximos o bastante para causar influência no imóvel alheio.288

Elencados estão os legitimados para propor a ação nos incisos do artigo 934

do Código de Processo Civil:

Art. 934. Compete esta ação: I - ao proprietário ou possuidor, a fim de impedir que a edificação de obra nova em imóvel vizinho lhe prejudique o prédio, suas servidões ou fins a que é destinado; II - ao condômino, para impedir que o co-proprietário execute alguma obra com prejuízo ou alteração da coisa comum; III - ao Município, a fim de impedir que o particular construa em contravenção da lei, do regulamento ou de postura.

A pretensão ao nunciar ou embargar a obra é paralisar a mesma, portanto

se a obra já estiver conclusa não cabe a propositura da ação sub examine. “O

conceito de obra nova para fins de nunciação, é tomado em sentido amplo. Não

286 GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo Curso de Direito Processual Civil: processo de conhecimento e procedimentos especiais. v.2. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 266.

287 RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de Usucapião. 7. ed. v.2. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 1552-1553. 288 GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo Curso de Direito Processual Civil: processo de conhecimento

e procedimentos especiais. v.2. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 266.

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apenas a edificação é obra, mas também a demolição, reparos e reformas do que já

está construído.” 289

Requisito intrínseco a modalidade é que a obra possa ou esteja causando

prejuízo, excetuados os casos em que a construção, ainda que não represente

perigo de dano, tenha características que possibilitam o embargo, hipóteses como

do exemplo infra:

[...] Em zona residencial e familiar por excelência começa a ser construído prédio de características tais que seu uso exclusivo é identificado como para motel; apartamento autônomo, com completa privacidade, inclusive de garagens fechadas e portaria no estilo próprio. Ora, sabido que referidas hospedagens são, na realidade, autênticos lupanares, casas de encontro, pode o vizinho nunciar a obra.290

Outra exceção a regra tem fundamento legal no inciso III do artigo 923, do

Código de Processo Civil, o qual possibilita não só ao Município, mas aos

moradores, da proximidade de uma obra que não respeita as vedações

estabelecidas em lei, embargá-la.291

A concessão de medida liminar, não obsta o posterior prosseguimento da

obra, desde que a caução seja oferecida. Sem olvidar que em determinados casos é

inviável o deferimento da caução por parte do magistrado, para saber quando

plausível deve-se avaliar a dimensão do prejuízo, se é ou não de difícil ou

impossível reparação, e se contrária a regulamentos administrativos, a exemplo

deste os artigos 1.301, 1.303 e 1.310, do Código de Processo Civil.292

Art. 1.301. É defeso abrir janelas, ou fazer eirado, terraço ou varanda, a menos de metro e meio do terreno vizinho. § 1º As janelas cuja visão não incida sobre a linha divisória, bem como as perpendiculares, não poderão ser abertas a menos de setenta e cinco centímetros. § 2º As disposições deste artigo não abrangem as aberturas para luz ou ventilação, não maiores de dez centímetros de largura sobre vinte de comprimento e construídas a mais de dois metros de altura de cada piso;

289 SANTOS. Ernane Fidélis dos. Manual de Direito Processual Civil: procedimentos especiais codificados e da legislação esparsa, jurisdição contenciosa e jurisdição voluntária. 11.ed. v.3. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 59.

290 SANTOS. Ernane Fidélis dos. Manual de Direito Processual Civil: procedimentos especiais codificados e da legislação esparsa, jurisdição contenciosa e jurisdição voluntária. 11.ed. v.3. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 59.

291 SANTOS. Ernane Fidélis dos. Manual de Direito Processual Civil: procedimentos especiais codificados e da legislação esparsa, jurisdição contenciosa e jurisdição voluntária.11.ed. v.3. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 59-60.

292 SANTOS. Ernane Fidélis dos. Manual de Direito Processual Civil: procedimentos especiais codificados e da legislação esparsa, jurisdição contenciosa e jurisdição voluntária. 11.ed. v.3. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 64-65.

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Art. 1.303. Na zona rural, não será permitido levantar edificações a menos de três metros do terreno vizinho; Art. 1.310. Não é permitido fazer escavações ou quaisquer obras que tirem ao poço ou à nascente de outrem a água indispensável às suas necessidades normais. (grifo acrescido)

3.3.4 Ação de embargos de terceiro

Os embargos de terceiro tem por escopo a reintegração ou a manutenção na

posse do terceiro interessado, pode ser proposto pelo titular de direito real

“proprietário, usufrutuário, usuário, e o que goza apenas de habitação”.293

Considerada a de maior semelhança com as ações possessórias permite

com que o sujeito que não é parte no processo intervenha em prol de sua posse ou

propriedade atingida por ato de apreensão judicial294, objetivando o desfazimento da

medida.295

Não albergado nos dizeres supra a sentença que determina a restituição do

e domínio e posse dos bens, assim sendo não cabe embargos de terceiro contra

mandado de despejo ou reintegração de posse. Em contrapartida, juristas encaram

a situação sob ângulo diverso ao estabelecer, in verbis:

Na realidade, nem mesmo se pode afirmar que no cumprimento do mandado reintegratório inocorre “apreensão judicial”. Se a apreensão, in casu, não é duradoura, é, pelo menos, transitória, isto é, ocorre necessariamente naqueles instantes em que o Poder Judiciário toma o bem do poder de uma parte para em seguida entregá-lo ao vencedor da causa.296

Nesse sentido é o posicionamento dominante dos Tribunais, bem como da

doutrina, vislumbrando a possibilidade de embargos na fase de execução do

mandado de reintegração de posse.297

293 SANTOS. Ernane Fidélis dos. Manual de Direito Processual Civil: procedimentos especiais codificados e da legislação esparsa, jurisdição contenciosa e jurisdição voluntária. 11.ed. v.3. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 142.

294 Os atos de apreensão judicial são os elencados no art. 1.046 do CPC, entretanto os embargos de terceiro não estão limitados a este rol. “A expressão ‘apreensão judicial’ utilizada pelo legislador no referido dispostivo do CPC, é genérica e não se confunde com os casos em que haja depósito judicial apenas, tanto que o próprio artigo 1.046 dá como um dos exemplos de cabimento dos embargos de terceiro a hipótese de simples descrição de imóvel alheio em inventário ou arrolamento”. THEODORO, Humberto Júnior. Curso de Direito Processual Civil: procedimentos especiais. 39. ed. v.3. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 151.

295 GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo Curso de Direito Processual Civil: processo de conhecimento e procedimentos especiais. v.2. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 266-267.

296 THEODORO, Humberto Júnior. Curso de Direito Processual Civil: procedimentos especiais. 39. ed. v.3. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 152.

297 THEODORO, Humberto Júnior. Curso de Direito Processual Civil: procedimentos especiais. 39. ed. v.3. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 151.

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3.3.5 Ação de Usucapião

Ação de natureza declaratória, tem por fim a declaração do domínio o qual

em momento pretérito foi adquirido, por essa razão a sentença que o declara produz

efeito ex tunc. Por conseguindo o usucapiente visa à regularização da propriedade

junto ao cartório de registro de imóveis, com o fito de exercer o jus disponendi e dar

publicidade à aquisição, efeito erga omnes.298 Vide capítulo 2.

3.4 ANÁLISE DO ARTIGO 923 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E ARTIGO 11

DO ESTATUTO DA CIDADE

3.4.1 Exceção de Domínio

Tema que levantou diversas divergências entre juristas e órgãos julgadores

é o concernente a permissibilidade da exceção de domínio no ordenamento jurídico

brasileiro.

O Código Civil de 1916 em seu artigo 505 preconizava “não obsta à

manutenção ou reintegração na posse, a alegação de domínio, ou de outro direito

sobre a coisa. Não se deve entretanto julgar a posse em favor de quem

evidentemente não pertencer o domínio”299

Manifesta a contradição existente entre a primeira e segunda parte do

dispositivo supracitado, a primeira exprimi a possibilidade de o autor ser mantido ou

reintegrado na posse mesmo diante da demonstração da propriedade, ou de outro

direito real, por parte do réu. Em contrapartida a segunda parte preleciona sobre a

impossibilidade de o magistrado julgar em favor de quem não pertencesse o

domínio.300

298 RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de Usucapião. 7. ed. v.2. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 1161. 299 GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo Curso de Direito Processual Civil: processo de conhecimento

e procedimentos especiais. v.2. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 275-276. 300 GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo Curso de Direito Processual Civil: processo de conhecimento

e procedimentos especiais. v.2. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 275-276.

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Preleciona o artigo 923 do Código de Processo Civil, o qual foi sancionado

em 1973, “Na pendência do processo possessório é defeso assim ao autor como ao

réu intentar a ação de reconhecimento de domínio”. A redação do dispositivo

mencionado advém de uma alteração introduzida no texto pela Lei nº. 6.820/80, a

qual suprimiu a alusão à exceção de domínio, o supresso aduzia: “Não obsta,

porém, à manutenção ou à reintegração na posse a alegação de domínio ou de

outro direito sobe a coisa; caso em que a posse será julgada em favor daquele a

quem evidentemente pertencer o domínio”.301

A segunda parte do artigo 923 do Código de Processo Civil encontrava

semelhança com a norma aludida no artigo 505 do Código Civil de 1916, entretanto

“não há dúvida de que impor ao juiz o dever de julgar a posse em favor daquele a

quem pertencer evidentemente o domínio, não é o mesmo que proibir o magistrado

de decidir a questão possessória de modo a não julgar a posse em favor daquele a

quem evidentemente não pertencer o domínio”.302

Com fulcro nos dispositivos supra referenciados o Supremo Tribunal Federal

editou a Súmula 487, a qual dispõe: “Será deferida a posse a quem, evidentemente,

tiver o domínio, se com base neste for ela disputada”. Por conseguinte determinou

que somente se ambas as partes se qualificarem como proprietárias, na ação

possessória, é que o magistrado julgará com base na propriedade.303

Consoante explanado anteriormente, com o advento da Lei nº. 6.820 de

1980 a parte do artigo 923, do Código de Processo Civil, a qual tratava sobre

exceção de domínio foi revogada, corolário a segunda parte do artigo 505 do Código

Civil, também. A controvérsia permanece no que concerne à vigência da Súmula

487 do Supremo Tribunal Federal, visto que de início prevaleceu o entendimento

que a mesma continuava em vigor.304

“A regra é, portanto, que o domínio só se leva em conta, quando a posse, a

título exclusivo dele, for disputada [...] (Supremo Tribunal Federal, Súmula 487)”;

301 SILVA. Ovídio Araújo Baptista da. Procedimentos Especiais. 2. ed. Rio de Janeiro: Alde, 1993. p. 207. 302 FABRÍCIO, Adroaldo apud SILVA. Ovídio Araújo Baptista da. Procedimentos Especiais. 2. ed. Rio de

Janeiro: Alde, 1993. p. 210. 303 GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo Curso de Direito Processual Civil: processo de conhecimento

e procedimentos especiais. v.2. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 276. 304 GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo Curso de Direito Processual Civil: processo de conhecimento

e procedimentos especiais. v.2. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 276.

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“Pode o domínio ser discutido somente no caso de os dois litigantes disputarem a

posse, alegando que a ela têm o direito diante da propriedade, esta que, per si,

concede o direito de usar, gozar e dispor da coisa [...]” 305. As referidas citações

cotejadas com os dizeres infra demonstram a existente divergência pautada na

Súmula 487.306

Jurisconsultos, que consideram vigente a súmula, fundamentam seu

posicionamento nas hipóteses em que não há como saber qual a melhor posse,

devendo neste caso julgar em favor de quem provar ser o proprietário.307 Embora,

outra corrente alegue que a solução para o caso abordado deve se dar com fulcro

no artigo 333 do Código de Processo Civil, o qual aduz sobre o ônus da prova308, in

verbis:

Art. 333. O ônus da prova incumbe: I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito; II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. Parágrafo único. É nula a convenção que distribui de maneira diversa o ônus da prova quando: I - recair sobre direito indisponível da parte; II - tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito.

O aludido artigo determina que incumbe ao magistrado julgar em desfavor

de quem tinha que provar e não o fez.309 Portanto, levando em conta o mínimo

dissenso existente no que concerne o tema em tela, faz-se necessário a análise do

infra transcrito:

[...] não mais se admite, em nenhuma hipótese, a exceção de domínio nas ações possessórias. É que o Código Civil vigente, no art. 1.210, § 2º, estabelece: “Não obsta à manutenção ou reintegração na posse a alegação de propriedade, ou de outro direito sobre a coisa”. A lei não faz nenhuma exceção a essa regra, de sorte que, atualmente, a regra de que o juízo possessório e o petitório devem ficar separados é absoluta. Mesmo que na ação possessória ambas as partes invoquem para si qualidade de proprietárias, o juiz não deve julgar em favor de quem provar ser o dono da

305 GAIO JÚNIOR, Antônio Pereira. Direito Processual Civil: cumprimento da sentença, processo de execução, processo cautelar e procedimentos especiais. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 337.

306 SANTOS. Ernane Fidélis dos. Manual de Direito Processual Civil: procedimentos especiais codificados e da legislação esparsa, jurisdição contenciosa e jurisdição voluntária. 11.ed. v.3. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 45.

307 GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo Curso de Direito Processual Civil: processo de conhecimento e procedimentos especiais. v.2 São Paulo: Saraiva, 2005. p. 277.

308 SILVA. Ovídio Araújo Baptista da. Procedimentos Especiais. 2. ed. Rio de Janeiro: Alde, 1993. p. 210. 309 GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo Curso de Direito Processual Civil: processo de conhecimento

e procedimentos especiais. v.2 São Paulo: Saraiva, 2005. p. 277

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coisa, mas de quem demonstrar melhor posse. Se ninguém conseguir, a decisão deve ser dada com fundamento nas regras do ônus da prova.310

Em 1968 com fulcro nos princípios da economia e celeridade o Supremo

Tribunal Federal conheceu de matéria petitória na demanda possessória.

Ementa REINTEGRAÇÃO DE POSSE. 1. E INADMISSIVEL, POR INFENSA A LOGICA E A REALIDADE DA VIDA, A GENERALIZAÇÃO DE QUE, EM MATÉRIA DE POSSE, NÃO CABE RECURSO EXTRAORDINÁRIO, PORQUE ENVOLVE SEMPRE REAPRECIAÇÃO DE FATOS E PROVAS. 2. DECIDINDO ACERCA DA APARENTE ANTINOMIA DOS DOIS PERIODOS DO ART. 505, DO CÓDIGO CIVIL, A JURISPRUDÊNCIA DO S.T.F. JA ASSENTOU QUE A EXCEÇÃO DE DOMÍNIO E ACEITAVEL QUANDO OS LITIGANTES DISPUTAM A POSSE A TÍTULO DE PROPRIETARIOS OU QUANDO TAL POSSE E DUVIDOSA EM RELAÇÃO A QUALQUER DELES. 3. MAS O ART. 505, DO CÓDIGO CIVIL, PROTEGE A POSSE COMO FATO, INDEPENDENTEMENTE DO DOMÍNIO DA GENERALIDADE DOS CASOS, CONTRA A VIOLÊNCIA E O ARBITRIO, AINDA QUE DO PROPRIETARIO, RESSALVADOS OS CASOS PREVISTOS EM LEI. SE ESTA PUNE QUEM FAZ JUSTIÇA PELAS PROPRIAS MAOS, AINDA QUE EM PRETENSAO LEGITIMA, NÃO SE COMPADECE COM O ESBULHO PRATICADO PELO PROPRIETARIO CONTRA POSSE MANSA DE CERCA DE 30 ANOS.311

3.4.2 Análise à luz do artigo 923 do Código de Processo Civil

Conforme explanado no item precedente o artigo 923 estatui: “Na pendência

do processo possessório é defeso assim ao autor como ao réu intentar a ação de

reconhecimento de domínio”

Primeiramente mister esclarecer o que denota a expressão reconhecimento

de domínio. Atribui-se à locução o sentido de ação declaratória, visto que esta é a

apropriada para obter-se o reconhecimento da propriedade.312 A ação declaratória,

prevista no artigo 4º, do Código de Processo Civil, é admissível quanto tem-se por

intento declarar a existência ou inexistência de relação jurídica, a autenticidade ou

falsidade de documentos, ou ainda, simplesmente declarar um direito pré-

existente.313

310 GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo Curso de Direito Processual Civil: processo de conhecimento e procedimentos especiais. v.2. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 277.

311 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 63.080 / MG. Relator: Min. Aliomar Baleeiro. Julgado em: 22/03/1968. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/publicacaoPublicacaoInstitucionalMemoriaJurisprud/anexo/AliomarBaleeiro.pdf>. Acesso em: 16/04/2011.

312 SILVA. Ovídio Araújo Baptista da. Procedimentos Especiais. 2. ed. Rio de Janeiro: Alde, 1993. p. 207. 313 PRATES, Clyde Werneck. Usucapião no Direito Brasileiro. Curitiba: J.M. Livraria Jurídica, 2010. p. 127.

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“Ora, a ação de usucapião é, manifestamente, ‘ação de reconhecimento de

domínio.’ Partindo desse pressuposto no bojo de ação possessória inadmissível é

intentar ação de usucapião.314

A vedação estabelecida pelo dispositivo legal em análise se restringe ao

ajuizamento de ação possessória na pendência da petitória, por conseguinte não

obsta a tramitação desta se promovida anteriormente, bem como não coibi ação

possessória na pendência do processo petitório.315

O fato da via petitória se fechar gera contenda, alegavam os juristas o

cerceamento de defesa, entretanto os argumentos foram rebatidos, sob o

fundamento que sobrestar a tutela jurisdicional não significa coibir definitivamente, e

sim susta temporariamente,316 inadmitindo tal sustentação alega o jurisconsulto, in

verbis: “Com efeito, a idéia de interditar a propositura da ação petitória envolve

amputação inaceitável, ainda que temporária e contingente, do próprio direito de

propriedade (do que é elemento integrante o poder de reivindicar a coisa de quem

quer que a detenha).” 317

Ilustra a razão da vedação a transcrição infra:

Poderia quem sabe, estar justificando a vedação do ajuizamento simultâneo de ações petitórias e possessórias quando, nas primeiras, o autor pretendesse obter a posse a respeito da qual estivesse ele sendo demandado no juízo possessório. Por exemplo, o esbulhador, como tal demandado na ação de reintegração, como não pudesse alegar no juízo possessório sua condição de proprietário, para conservar a posse obtida de modo ilegítimo, ingressaria, em processo separado, com uma ação reivindicatória, de modo a anular, sob o ponto de vista prático, o resultado da vitória que o possuidor esbulhado obtivesse no juízo possessório.

A jurisprudência vai de encontro a letra da lei, coibindo a tramitação

concomitante das duas ações.

USUCAPIÃO. PROPOSITURA DA AÇÃO NA PENDÊNCIA DE PROCESSO POSSESSÓRIO. INADMISSIBILIDADE. ART. 923 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. – Na pendência do processo possessório é vedado tanto ao autor como ao réu intentar a ação de reconhecimento de domínio, nesta

314 SALLES, José Carlos de Moraes. Usucapião de Bens Imóveis e Móveis. 7.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 178.

315 GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo Curso de Direito Processual Civil: processo de conhecimento e procedimentos especiais. v.2. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 280.

316 SALLES, José Carlos de Moraes. Usucapião de Bens Imóveis e Móveis. 7.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 178.

317 FURTADO, Adroaldo apud SALLES, José Carlos de Moraes. Usucapião de Bens Imóveis e Móveis. 7.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 179.

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compreendida a ação de usucapião.Recurso especial conhecido e provido.318

A tutela possessória tem como fundamento primaz a paz social,

indispensável a uma convivência harmônica em sociedade, assim eloquente os

dizeres infra:

[...] ao lado da ordem jurídica existe a ordem da paz, [...]. A essa ordem da paz pertence a posse, instituto social, que não se regula pelos princípios do direito individualista. A posse não é instituto individual, é social; não é instituto de ordem jurídica, e sim da ordem da paz. Mas a ordem jurídica protege a ordem da paz, dando ação contra turbação e a privação da posse”.319

Anos de contenda sobre o assunto, em 2001 o legislador cria Estatuto da

Cidade, o qual em seu artigo 11 preconiza o instituto da usucapião especial como

prevalecente ao cotejo com ações possessórias e ou petitórias. De acordo com a

citação precedente o legislador ao elaborar o presente dispositivo foi contra a ordem

da paz. O posicionamento do legislador surpreendeu os juristas, também por permitir

o registro da sentença recognitiva de usucapião aduzida em defesa, quando se

tratar desta modalidade usucapiatória, configurando inovadora hipótese de exceção

ao princípio da irregistrabilidade.320

3.4.3 Artigo 11 do Estatuto da Cidade

O artigo 923 do Código de Processo Civil, por si só já gera posicionamentos

controvertidos, e com o advento do Estatuto da Cidade, o qual a contrario senso

aduz em seu artigo 11: “Na pendência da ação de usucapião especial urbana,

ficarão sobrestadas quaisquer ações petitórias ou possessórias, que venham a ser

propostas relativamente ao imóvel usucapiendo”, surgem contendas maiores no que

diz respeito ao posicionamento correto do legislador.

318 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Resp 171624/ MG Recurso Especial nº 1998/0029217-9. Quarta Turma. Relator: Min. Barros Monteiro. Julgado em 29/06/2004. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=199800292179&dt_publicacao=18/10/2004> Acesso em: 27/04/2011.

319 KOHLER apud THEODORO, Humberto Júnior. Curso de Direito Processual Civil: procedimentos especiais. 39. ed. v.3. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 119

320 RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de Usucapião. 7. ed. v.2. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 1551.

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Ambas as normas tem por intento impedir a tramitação concomitante da

ação de usucapião e das petitórias ou das possessórias, de modo a coibir decisões

contraditórias provenientes desse julgamento conjunto. Embora semelhantes,

enquanto no artigo 923 o ajuizamento da possessória precede a da usucapião, no

artigo 11 é a usucapião especial urbana que precede a possessória ou petitória.321

O dispositivo apresenta uma nova hipótese de suspensão do processo, visto

que estabelece que a partir do ajuizamento da usucapião especial urbana estarão

suspensas quaisquer ações possessórias ou petitórias que porventura sejam

intentadas, 322 nova hipótese, pois foge do rol presente no artigo 265 do Código de

Processo Civil, o qual estatui:

Art.265. Suspende-se o processo: I - pela morte ou perda da capacidade processual de qualquer das partes, de seu representante legal ou de seu procurador; II - pela convenção das partes; III - quando for oposta exceção de incompetência do juízo, da câmara ou do tribunal, bem como de suspeição ou impedimento do juiz; IV - quando a sentença de mérito: a) depender do julgamento de outra causa, ou da declaração da existência ou inexistência da relação jurídica, que constitua o objeto principal de outro processo pendente; b) não puder ser proferida senão depois de verificado determinado fato, ou de produzida certa prova, requisitada a outro juízo; c) tiver por pressuposto o julgamento de questão de estado, requerido como declaração incidente; V - por motivo de força maior; VI - nos demais casos, que este Código regula. § 1o No caso de morte ou perda da capacidade processual de qualquer das partes, ou de seu representante legal, provado o falecimento ou a incapacidade, o juiz suspenderá o processo, salvo se já tiver iniciado a audiência de instrução e julgamento; caso em que: a) o advogado continuará no processo até o encerramento da audiência; b) o processo só se suspenderá a partir da publicação da sentença ou do acórdão. § 2o No caso de morte do procurador de qualquer das partes, ainda que iniciada a audiência de instrução e julgamento, o juiz marcará, a fim de que a parte constitua novo mandatário, o prazo de 20 (vinte) dias, findo o qual extinguirá o processo sem julgamento do mérito, se o autor não nomear novo mandatário, ou mandará prosseguir no processo, à revelia do réu, tendo falecido o advogado deste. § 3o A suspensão do processo por convenção das partes, de que trata o no Il, nunca poderá exceder 6 (seis) meses; findo o prazo, o escrivão fará os autos conclusos ao juiz, que ordenará o prosseguimento do processo. § 4o No caso do no III, a exceção, em primeiro grau da jurisdição, será processada na forma do disposto neste Livro, Título VIII, Capítulo II, Seção III; e, no tribunal, consoante Ihe estabelecer o regimento interno.

321 SALLES, José Carlos de Moraes. Usucapião de Bens Imóveis e Móveis. 7.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 314.

322 RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de Usucapião. 7. ed. v.2. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 1025.

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§ 5o Nos casos enumerados nas letras a, b e c do no IV, o período de suspensão nunca poderá exceder 1 (um) ano. Findo este prazo, o juiz mandará prosseguir no processo.

A orientação jurisprudencial aplica a letra da lei, consoante demonstra

ementa, in verbis:

Ementa: REINTEGRAÇÃO DE POSSE. Pedido de sobrestamento do feito. Preexistência de ação de usucapião constitucional urbano. Admissibilidade. Inteligência do art. 11 da Lei n" 10.257/2001 (Estatuto da Cidade). Recurso provido. O que se releva observar do sobrestamento determinado pelo Estatuto da Cidade é o objetivo evidente de evitar decisões contraditórias, que poderiam decorrer do processamento concomitante ou simultâneo das ações possessória e de usucapião.323

Na mesma linha decidiu a 14ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de

Justiça de São Paulo, in verbis:

Ementa: POSSESSÓRIA – Reintegração de posse – Pendência de ação de usucapião relativa ao imóvel objeto da possessória – Suspensão do feito até o julgamento da ação de usucapião – Possibilidade – Inteligência dos art. 11 e 13 da Lei nº 10.257/2001 – Estatuto da Cidade – Despacho mantido – Recurso desprovido.324

Desembargador Francisco Kupidlowski interpreta o artigo 11 do Estatuto da

Cidade sob a seguinte ótica:

Pois bem, é inegável que o dispositivo supramencionado tem a intenção de dar proteção àquele que pleiteia o reconhecimento judicial da aquisição da propriedade através da posse prolongada e, no decorrer deste processo, venha a sofrer uma decisão provisória, através de uma liminar POSSESSÓRIA ou uma antecipação de tutela que o obrigue a desocupar o local em que está fixado.325

323 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça de São Paulo (11ª Câmara de Direito Privado). Agravo de Instrumento nº 991.09.097554-6. Julgado em 17/12/2009. Disponível em: <https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=4263814&vlCaptcha=Juqxa >. Acesso em: 28/04/2011.

324 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça de São Paulo (14ª Câmara de Direito Privado). Agravo de Instrumento nº 0343059-53.2009.8.26.000. Relator: Min. Cardoso Neto. Julgado em: 24/04/2010. Acesso em: 15 de abril de 2011.

325 MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Agravo de Instrumento nº 1.0372.04.010289-2/002. Relator: Min. Francisco Kupidlowski. Julgado em 30/03/2006. Disponível em: <http://www.tjmg.jus.br/juridico/jt_/juris_resultado.jsp?numeroCNJ=&dvCNJ=&anoCNJ=&origemCNJ=&tipoTribunal=1&comrCodigo=&ano=&txt_processo=&dv=&complemento=&acordaoEmenta=ementa&palavrasConsulta=prote%E7%E3o+%E0quele+que+pleiteia+o+reconhecimento+judicial+da+aquisi%E7%E3o+da+propriedade+atrav%E9s+da+posse+prolongada+e%2C+no+decorrer+deste+processo%2C+venha+a+sofrer+uma+decis%E3o+provis%F3ria%2C+atrav%E9s+de+uma+liminar+POSSESS%D3RIA+ou+uma+antecipa%E7%E3o+de+tutela+que+o+obrigue+a+desocupar+o+local+em+que+est%E1+fixado&tipoFiltro=and&orderByData=0&orgaoJulgador=&relator=&dataInicial=&dataFinal=29%2F05%2F2011&resultPagina=10&dataAcordaoInicial=&dataAcordaoFinal=&captcha_text=61398&pesquisar=Pesquisa>. Acesso em: 15/04/2011.

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Entende José Carlos de Moraes Salles que o legislador teria agido de forma

mais erudita ao optar pelo processamento conjunto das ações mencionadas no

artigo 11 da Lei. 10.257/1981 ao invés de joeirar pelo sobrestamento das ações

petitórias e possessórias na pendência da usucapião.326

Nessa linha é a orientação jurisprudencial, in verbis:

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE USUCAPIÃO E REINTEGRATÓRIA DE POSSE - CONEXÃO - IDENTIDADE DO OBJETO - JULGAMENTO SIMULTÂNEO. Há conexão, ante o perigo de decisões conflitantes, entre ação de usucapião e de reintegração de posse, por constituir a posse o elemento essencial a sustentar as teses dos contendores nessas demandas, embora a causa petendi seja diversa, uma vez que uma objetiva o domínio, enquanto a outra simplesmente a posse.327

Nesse diapasão, decidiu o Superior Tribunal de Justiça ao julgar ação de

usucapião especial urbana concomitantemente com ação possessória:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. PREJUDICIALIDADE EXTERNA ENTRE AÇÃO POSSESSÓRIA E USUCAPIÃO ESPECIAL URBANO. INEXISTÊNCIA. NECESSIDADE DE PROSSEGUIMENTO DO FEITO. - Ajuizada ação de usucapião especial urbano posteriormente e contra aquele que já havia deduzido em juízo sua pretensão de reintegração de posse, suspendeu-se este último processo, por prejudicialidade externa, com fundamento no art. 265, IV, 'a', CPC. - Não há prejudicialidade externa que justifique a suspensão da possessória até que se julgue a usucapião. A posse não depende da propriedade e, por conseguinte, a tutela da posse pode se dar mesmo contra a propriedade. Recurso Especial provido. Julgamento concomitante da usucapião especial urbana e prosseguimento da possessória.(grifo acrescido)328

326 SALLES, José Carlos de Moraes. Usucapião de Bens Imóveis e Móveis. 7.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 316.

327 MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Agravo de Instrumento nº 1.0261.07.046865-5/002. Relator: Min. Viçoso Rodrigues. Julgado em 31/07/2007. Disponível em: <http://www.tjmg.jus.br/juridico/jt_/juris_resultado.jsp?numeroCNJ=&dvCNJ=&anoCNJ=&origemCNJ=&tipoTribunal=1&comrCodigo=&ano=&txt_processo=&dv=&complemento=&acordaoEmenta=ementa&palavrasConsulta=EMENTA%3A+AGRAVO+DE+INSTRUMENTO+-+A%C7%C3O+DE+USUCAPI%C3O+E+REINTEGRAT%D3RIA+DE+POSSE+-+CONEX%C3O+-+IDENTIDADE+DO+OBJETO++JULGAMENTO+SIMULT%C2NEO.+H%E1+conex%E3o%2C+ante+o+perigo+de+decis%F5es+conflitantes%2C+entre+a%E7%E3o+de+usucapi%E3o+e+de+reintegra%E7%E3o+de+posse%2C+por+constituir+a+posse+o+elemento+essencial+a+sustentar+as+teses+dos+contendores+nessas+demandas%2C+embora+a+causa+petendi+seja+diversa%2C+uma+&tipoFiltro=and&orderByData=0&orgaoJulgador=&relator=&dataInicial=&dataFinal=29%2F05%2F2011&resultPagina=10&dataAcordaoInicial=&dataAcordaoFinal=&captcha_text=93750&pesquisar=Pesquisar>. Acesso em: 15 /04/2011.

328 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Resp 866.249 / SP Recurso Especial nº 2006/0131792-5. Terceira Turma. Relator: Min. Nancy Andrighi. Julgado em 17/04/2008. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200601317925&dt_publicacao=30/04/2008> Acesso em: 27/04/2011.

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Baseado no articulado ao longo do aludido capítulo estaria o legislador de

um extremo vedando direito e no outro exagerando na permissibilidade, já que

manifesto a ausência de preocupação em sopesar os institutos.

3.5 DICOTOMIA ENTRE NORMAS E PRINCÍPIOS

Estarão suspensas as ações de usucapião, desde que proposta

posteriormente à possessória, de modo diverso deve ser analisada a questão

quando se tratar de usucapião especial urbana, caso em que estarão suspensas

quaisquer petitórias ou possessórias supervenientes, de modo que naquele caso o

ajuizamento anterior da usucapião não impede a tramitação da possessória e neste

o ajuizamento anterior de possessória ou petitória não só não veda a usucapião

especial urbana como permite a alegação da mesma em defesa, e diante da

procedência da alegação, poderá o usucapiente registrar a sentença recognitiva no

registro no cartório de registro de imóveis.

Nas palavras do jurisconsulto contrário ao julgamento concomitante das

ações possessórias e petitórias:

Realmente, inutilizada estaria a tutela da posse se possível fosse ao proprietário esbulhador responder ao possuidor esbulhado com a ação petitória. O máximo que conseguiria o possuidor seria a medida liminar do interdito, pois, propondo o proprietário, em seguida, a reivindicatória, os dois feitos seriam reunidos por conexão e o julgamento da lide forçosamente seria em favor do proprietário, pela óbvia prevalência do domínio sobre a posse.329

Se os efeitos da possessória não tem caráter definitivo, visto que perduram

até o resultado da petitória precedente, o bom senso não levaria os julgadores a

definir a questão por inteiro?

Até porque a vedação aludida pelos artigos pode fazer perdurar por longo

tempo a impossibilidade de intentar demanda possessória ou petitória, pela parte ré,

dependendo do caso em análise, de modo que o possuidor de má-fé sabendo de

sua posse ilegítima utilizará dos meios possíveis para procrastinar a decisão, de

modo a impedir o ajuizamento do pleito, o qual tem ciência que sucumbirá. O

delineado vai contra o princípio constitucional da razoável duração do processo,

329 THEODORO, Humberto Júnior. Curso de Direito Processual Civil: procedimentos especiais. 39. ed.. V.3. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 139.

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artigo 5º, LXXVII, da Constituição Federal de 1988, o qual exige celeridade e

segurança das atividades jurisdicionais, por conseguinte poderia caracterizar o

decurso de tempo para ajuizar ação, ora suspensa, como demora excessiva do

judiciário.

Dito isto, urge analisar alguns dos princípios norteadores do direito, não sem

anteriormente de modo lacónico conceituar normas e direitos fundamentais,

indispensáveis ao entendimento da questão abordada.

Os direitos fundamentais tem por fito a defesa dos cidadãos, ao coibir a

invasão dos poderes públicos nos direitos individuais, e tem caráter instrumental, ou

seja, tem como função fornecer meios de tutelar os direitos, bem como consagram

os princípios norteadores do nosso ordenamento jurídico.330 Podem ser

conceituados como: “[...] conjunto de normas, princípios, prerrogativas e institutos

inerentes à soberania popular, que garantem a convivência pacífica, digna, livre e

igualitária, independentemente de credo, raça, origem, cor, condição econômica ou

status social.” 331

Impositivos os princípios diferem das normas, as quais tem caráter

imperativo e devem ser cumpridas na medida de sua disposição, integralmente, a

própria faculdade vislumbrada no texto da lei em determinados casos vai contra o

exposto, visto que não deixa dar um comando, mesmo que este seja o de respeitar a

faculdade sancionada pela própria norma.332

Sinônimo de alicerce, os princípios são fundamentais, etimologicamente

denota início, tem o condão de tutelar direitos básicos, para atingir tal fim servem de

vetor de interpretação, correspondem as diretrizes, as quais todos devem escoltar.

Por conseguinte, visam “garantir a unidade da Constituição brasileira, orientar a

ação do intérprete, balizando a tomada de decisões, tanto dos particulares como dos

órgãos legislativo, executivo e judiciários, e preservar o Estado Democrático de

Direito”.333

330 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 401-402. 331 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 401. 332 BESTER, Gisela Maria. Direito Constitucional: fundamentos teóricos. São Paulo: Manole, 2005. p. 117-

118. 333 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 384.

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Dentre os inúmeros princípios norteadores do direitos alguns tem a

prerrogativa de fundamentar os possíveis danos advindos da vedação do artigo 923

do Código de Processo Civil, são eles:

Princípio da Inafastabilidade e Acesso a Justiça:

O presente princípio está inserido na Carta Magna, artigo 5º, XXXV, o qual

aduz “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a

direito”. Por conseguinte o direito ao acesso a justiça é um direito fundamental,

impedi-lo mesmo que temporariamente denotaria afronta ao princípio constitucional.

Respeitar o princípio da inafastabilidade significa prevalência da ótica do

cidadão em detrimento do ponto de vista do Estado “produtor do direito

(legislador/lei, juiz/Judiciário)”.334

Princípio da igualdade:

Preconiza o artigo 5º, caput e inciso I, da Constituição da República

Federativa do Brasil: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer

natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a

inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à

propriedade”, nos termos seguintes: “I – homens e mulheres são iguais em direitos e

obrigações, nos termos desta Constituição”. Sendo assim, este princípio assegura

paridade de tratamento entre os membros de uma sociedade.

Princípio da proporcionalidade e da razoabilidade

Em respeito ao princípio da proporcionalidade o magistrado dever resolver

as situações conflitantes de acordo com o critério da ponderação, é por vezes feita

analogia entre o presente princípio e a balança comumente vista como símbolo da

Justiça.335

O princípio supra mencionado caminha de “mãos dadas” com o princípio da

razoabilidade, ratifica a premissa os dizeres, in verbis:

334 PORTANOVA, Rui. Princípios do Processo Civil. 6.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 84. 335 BUENO. Cássio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil: teoria geral do direito

processual civil. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 102-103.

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Destarte, a “máxima da proporcionalidade”, [...] reveste-se de três condições, cuja averiguação é prejudicial se faltar um desses requisitos. São eles: necessidade (meio mais benéfico ou menos oneroso para o cidadão), adequação e proporcionalidade em sentido estrito. A aferição da razoabilidade [...] será verificada, primeiramente, pela adequação dos meios e fins utilizados. Assim, estando ausente um destes pressupostos, não será mais necessário indagar a presença dos demais elementos pois a razoabilidade não estará verificada no ato praticado. Contudo, caso se averigúe que o ato emanado pelo Poder Público tenha apenas se utilizado dos meios apropriados para os fins almejados não bastará, pois também será importante verificar pela sua necessidade, qual seja, se foi efetivado pelo meio menos gravoso, através do princípio da menor ingerência possível. Nesse sentido, em sendo concebível que o ato poderia ser praticado em nível de menor onerosidade ou ingerência na vida do cidadão, também aí haverá a falta da razoabilidade, o que o sujeita à adequada anulação ou declaração de inconstitucionalidade pelo Poder Judiciário.336

Por conseguinte, deve-se estabalecer qual o meio mais eficaz e menos

danoso antes de decidir a contenda, com observância da “ponderação entre e o

meio e o fim, ou seja, entre o ônus imposto e o bônus conseguido”.337

Agasalhado pela Carta Magna, artigo 5º, XXIII, está o direito a proteção da

propriedade, ainda que o direito patrimonial tenha suas limitações, entre elas não

está a impossibilidade de proteger seu domínio. Enquanto justificam338 a tutela da

posse como meio de impedir a autotutela, a insegurança jurídica gerada pelo

sentimento de injustiça e o adágio da tramitação do processo não encontra medida

protetiva. “O direito civil em determinada época, manteve-se distante das realidades

de seu tempo – trancafiado em seu formalismo tipicista[...]. Hoje, almejam-se, a

partir dos seus princípios, soluções para as questões latentes aproximando-se

Direito e relações sociais.”339

Através da aplicação da principiologia dos direitos fundamentais o

ordenamento jurídico se desvincula das situações “estanques”, o aumento da

demanda exige uma mudança de postura dos poderes, pois o próprio abarrotamento

336 MENDES, Fábio Carvalho; QUEIROZ, Taísa; PEICOTO, Alexandre Sivolella. O Princípio da Razoabilidade. Disponível em:

<http://www.unigran.br/revistas/juridica/ed_anteriores/11/artigos/06.pdf>. Acesso em: 07/05/2011. 337 MENDES, Fábio Carvalho; QUEIROZ, Taísa; PEICOTO, Alexandre Sivolella. O Princípio da Razoabilidade.

Disponível em: <http://www.unigran.br/revistas/juridica/ed_anteriores/11/artigos/06.pdf>. Acesso em: 07/05/2011. 338 THEODORO, Humberto Júnior. Curso de Direito Processual Civil: procedimentos especiais. 39. ed. v.3

Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 138-139. 339 CLÉVE, Clémerson Merlin; PAGLIARINI, Alexandre Coutinho; SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos Humanos e

Democracia. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 154.

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do judiciário gera déficit dos direitos fundamentais, sendo pertinente que “a força da

razão ocupe o espaço da força da tradição”.340

340 LEAL, Rogério Gesta. O Estado-Juiz na Democracia Contemporânea: uma perspectiva procedimentalista. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 43;52.

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CONCLUSÃO

Procurou-se demonstrar com os estudos abordados a gama de divergências

que circundam os temas, desde o primeiro até o último capítulo podem ser

vislumbradas discordâncias entre os jurisconsultos.

A posse e a propriedade, assuntos abordados no primeiro capítulo desta

monografia, são de extrema importância no mundo fático e jurídico, remontam ao

período da antiguidade e perduram até os dias modernos, motivo que justifica a

presença necessária dos institutos na vida e no direito. Seu estudo é base para o

abordado nos capítulos sucessivos. Ao longo deste capítulo demonstrou-se as

distintas classificações da posse, cuja compreensão permite analisar as hipóteses

em que a posse eivada de vícios convalesce, ou seja, recupera-se e corolário ex vi

legis permite a tutela possessória, quanto à propriedade possível foi evidenciar a

presença de um dos elementos fundamentais à organização do atual estado

democrático de direito, inserido como ponto primaz do estudo, o princípio da função

social, demonstrando a avulta preocupação com a coletividade.

A usucapião integrante inicialmente dos costumes demonstrou sua

relevância para o mundo jurídico, seu conceito, objetivo e efeitos foram abordados

no segundo capítulo, o qual consistiu em demonstrar de modo explícito os requisitos

peculiares de cada modalidade usucapiatória, bem como o trâmite processual,

determinando o foro competente para propositura da ação, os documentos

indispensáveis, e os efeitos da sentença com especial atenção nos casos em que

esta tem o condão de servir de título judicial passível de registro.

O último capítulo, objeto do presente trabalho científico, demonstrou que as

decisões inconciliáveis provenientes do julgamento em apartado de ações

possessórias e de usucapião geram insegurança jurídica e abarrotamento do

judiciário, o que denota, também, posicionamento contrário ao princípio da economia

processual.

Restou evidente que diante da vedação clara da lei incumbe aos que

exercem função judicante basear suas decisões nos princípios, na justiça e no bom

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senso, a premissa pode encontrar amparo nos julgados do Supremo Tribunal

Federal, os quais em determinados casos tem decidido contra legem, levando em

conta os fundamentos supramencionados.

A sociedade não pode se fechar no sistema codificado, de modo que se a

lei não vai de encontro aos princípios norteadores do direito e a plausividade das

relações jurídicas, ao juiz, o qual imbuído de pacificar as relações sociais, cabe

julgar de modo mais conciso aos objetivos da sociedade, levando em conta a

doutrina, os princípios e os costumes.

Doravante o julgamento concomitante de ações possessórias ou petitórias

em suma é defeso com o intento de resguardar a paz social e de não obter-se em

uma mesma ação decisões contraditórias, todavia urge salientar que ações

apartadas, ainda que não corram no mesmo momento, cujo objeto final é comum

também geram decisões contraditórias, inclusive com agravantes, pois diante da

procrastinação ao acesso a justiça advém insegurança jurídica, arrefecimento dos

princípios norteadores do direito e perda da credibilidade na prestação jurisdicional,

questões que inegavelmente abalam a paz social.

O instituto da conexão visa à harmonia entre as decisões e não o oposto,

a vedação do juízo possessório e petitório tem raízes históricas, o apego a costumes

clássicos deve ser ponderado, de modo a não prejudicar o andamento progressivo

da sociedade e consequentemente as decisões e interpretações do direito.

Confirmada a hipótese levantada quando principiou-se a monografia, a

demanda contingente do judiciário exige reformulação da legislação processual e

nova postura dos órgãos judicantes, por conseguinte deve-se buscar meios

alternativos de julgar ações possessórias e ações de reconhecimento de domínio de

modo a balancear os resultados, até alcançar o ínfimo grau de prejudicialidade a

ambas as partes da contenda, tendo como base sobretudo os princípios da

proporcionalidade e da razoabilidade, adotando critérios condizentes com o bom

senso, de acordo com o qual impera indubitavelmente o equilíbrio, vocábulo este

que suscita a imagem do símbolo da justiça.

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