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    APRESENTAO

    Usurios, redes sociais, mediaes e integralidade em

    sade: o cuidado como reconhecimento recproco dedireito, ddiva e responsabilidade1

    ROSENI PINHEIROPAULO HENRIQUE MARTINS

    na esfera poltica e pblica que realizamos nossa condio hum A conana na realidade da vida, ao contrrio, depende qua

    exclusivamente da intensidade com que a vida experimentada,impacto com que ela se faz sentir.

    Hanna Arendt, A condio humana

    Esta coletnea traz um percurso coletivo de reexo sobre a segunda experincia deprtica de pesquisa da rede multicntrica LAPPIS-NUCEM, onde seus integrantes dissertamsobre seus resultados enfatizando a trade formao, pesquisa e incubao. Para celebrar suaconcluso, realizamos um simpsio nacional sob o mesmo ttulo, com o intuito de ofereceruma devolutiva a seus pesquisados e s instituies que nos mantm como representaodireta da nossa sociedade, com abertura pblica participao do cidado.

    A proposio desse tema se insere na linha de atuao e srie editorial Sade Coletiva,Instituies e Sociedade Civil, do Grupo de Pesquisa do CNPq LAPPIS, destinada adiscutir e reetir criticamente as novas prticas de sade na sociedade civil contempo-rnea em espaos pblicos, institucionais ou no, voltadas para o cuidado em sade.Compreender essas prticas e os saberes que as sustentam pode permitir pensar e agirno sentido da alteridade, ajuizamento e responsabilidade acerca das escolhas sobre osmeios e formas de os sujeitos cuidarem e serem cuidados.

    Pensamos que mediao das redes pode ser o o epistemolgico de compreensodos modos como os usurios buscam cuidado e como propem respostas aos problemasde sade em contextos nos quais as relaes sociais so imbricadas, contraditrias e seoferecem a vrias possibilidades de resoluo. Parece-nos evidente que as mediaes emredes sociais e aqui inclumos mediaes de construo de cuidado so pertinentes

    1 Agradecimentos as contribuies em devolutivas, seminrios e simpsio no mbito da rede de pesquisa multicntricaLAPPIS-NUCEM de Bethania Assy, Felipe Asensi, Jos Ricardo Aires e Madel Therezinha luz, para que de formaampliada pudssemos construir esta apresentao, oferecendo questes que nos motivaram e nos mobilizaram para arealizao da pesquisa;

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    Roseni Pinheiro e Paulo Henrique Martins

    em sociedades onde existem pessoas particularmente fragilizadas, pois a ideia de indi-vduos autnomos se sustenta apenas dentro de sociedades que asseguram um nvel derenda e liberdade cidad ampla para as pessoas que dela fazem parte. Mesmo assim,aqueles autnomos o so apenas dentro de certos limites, os de suas redes do cotidia-

    no, pois o parentesco, a amizade e a famlia sempre pem limites a todos indivduos,independentemente de sua origem social. Armamos ainda que, em sociedades de altavulnerabilidade, a noo de alteridade no evidente, pois ela tensiona a prpria ideiade autonomia dos indivduos. A integralidade do cuidado como a coexistncia de aesde respeito, estima e amor revela um misto de condies sociais, culturais e polticasambguas no indivduo na busca de sua liberdade individual e coero relacional. Istoporque o cuidado, como uma sntese esttico-afetiva-tica e tcnica, no se materializasem o apoio em aes coletivas, comunitrias, nas quais a solidariedade e o reconheci-mento recproco se colocam como armao da vida.

    Talvez o maior impasse que nos desaa seja a constatao de que esses usurios sopessoas que herdam uma cultura de humilhao histrica e socialmente construda queno favorece a alteridade. Nesse sentido, a rede faz pensar a sociedade civil para alm dahumilhao e no lado da dignidade: o usurio da sade e do servio pblico no comoelemento isolado, mas como ente articulado em um sistema de reciprocidade reexivo.

    Alm disso, percebemos um confronto entre a comunicao do saber racional planejadocom o saber espontneo popular. As redes de apoio social so justamente dispositivos quefuncionam minimizando este confronto entre a ao estatal planejada, regulamentada,e a ao e as redes espontneas da sociedade civil, como as familiares e associaes.

    De um lado, h o prossional; de outro, uma relao que se estabelece, de proximi-dade entre as pessoas em geral: amigos, familiares, vizinhos. Desta forma, mediadoresso essenciais para que essas redes de apoio social funcionem adequadamente. Por outrolado, identicamos em nossa pesquisa que as ideias de justia, reconhecimento e afetivi-dade evidenciam os dilemas da ao poltica como prxis de cuidado. Observamos queo cuidado como acolhimento (um conceito importante, pois gera sentimento de solida-riedade ao coletivo) perde sua fora metafrica e sua capacidade quando aprisionadopelas lgicas hierrquicas tradicionais. A palavra cuidado pode ganhar dimenso socialmais forte se as pessoas forem mais valorizadas como seres humanos em si. Ao relacio-

    narmos o cuidado ao dom do reconhecimento, embasados nas ideias de Marcel Mausse Axel Honneth, a ideia de experincia emerge como varivel importante do cuidado.

    Subjacente a essas reexes sobre nossas prticas de pesquisa, est a proposta derepensar essa ao (o nexo constituinte entre mediao, redes sociais e integralidade emsade) a partir de uma crtica s patologias sociais derivadas do conformismo poltico.

    As polticas de cuidado assistencial, por exemplo, podem reforar o lugar do sujeitocomo vtima, no permitindo que a pessoa possa realmente modicar sua situao so-cial. Parece-nos claro que devemos trabalhar a dignidade como valor, o direito de tervisibilidade perante as polticas pblicas. Ou seja, entender que o valor social das pessoas

    mais importante que os bens.

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    Apresentao

    Revisitando os conceitos e reexes produzidos pelo LAPPIS, e depois em parceriacom o NUCEM, observamos que ao longo da dcada, a ideia de cuidado, que se gestouno Brasil junto com o conceito de integralidade, exige incluir em nossos estudos nocampo da Sade Coletiva o olhar sobre o cotidiano. Isto porque acreditamos que a inte-

    gralidade ainda precisa ser pensada mais profundamente sob o eixo da ateno primria,identicando as necessidades, articulaes e interaes dos sujeitos no seu dia a dia.No por acaso que, ao delimitarmos o objeto desta pesquisa, se fez necessrio retomar

    a discusso sobre a teoria do reconhecimento de Axel Honneth, na medida em que traz luz a construo de normas morais que regulam as polticas pblicas. No campo dasade, a normatizao pode ser quebrada a partir do momento em que a vida humanaest em risco e, por isso, importante reconhecer que a vida mais importante que anorma. E a surgiram vrias questes, dentre elas a de saber at que ponto a efetivaode um direito sade produz, de fato, o acolhimento pela ddiva do reconhecimento

    dos usurios nos servios. Jos Ricardo Ayres pretende discutir reconhecimento tal como desenvolvido por Axel Honneth, para iluminar a politicidade da ao em sade, seja no plano da atenoindividual, seja no de aes coletivas. A questo do reconhecimento estabelece umainteressante mediao entre as ideias de cuidado em sade ao tecnicamente mediadainstruda pelos projetos de felicidade dos sujeitos e de vulnerabilidade conhecimentomediador entre saberes cientcos e prticos diversos, orientado para aes convenientesao cuidado. Para esse pesquisador, o reconhecimento da presena do outro, quer comoaceitao afetiva, quer como respeito a direitos ou como valorizao e legitimao tica,

    fundamental para que qualquer ao em sade tenha validade como cuidado. Isto ,construdo por sujeitos e para sujeitos vivendo em comunidade, concorrendo para queresulte em legtimo sucesso prtico.

    Da surge uma questo-chave: h interdependncia entre justia, reconhecimento eresponsabilidade? Acreditamos que sim, diz o referido pesquisador: Vou falar sobre aimportncia de reconhecer o outro, tanto no que se refere ao que nele se diferencia demim (alteridade), quanto naquilo que deveria nos igualar, ou seja, a condio de sujeitode direito. Ela tambm refora a concepo de afeto como a manifestao mais sublimeda nossa condio de humanos, ao questionar a possibilidade de consider-lo como uma

    forma de sociabilidade que prescinde de vnculos sociais estveis familiares e amorosos.Entendemos que a afetividade possui nexo constituinte com o valor na organizao de

    ddivas da justia. Trata-se do entendimento de que a afetividade no uma dimensosubstantiva, mas uma motivao da ao social que tem sinais diversos dependendo domodo com o ator age reexivamente sobre sua memria e sua prtica. Pode ter um sinalpositivo na liberao dos circuitos de trocas, como pode ter sinal negativo, inibindo astrocas. E por troca entendemos como sendo um conjunto de modalidades de bens emcirculao que contribuem para fortalecer o vinculo, ou, diferentemente, para enfraquec-lo.

    No entanto, tcita a existncia de tenses entre as concepes de justia e seu re-

    conhecimento no interior das instituies jurdicas, sobretudo quando houver a descon-

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    siderao das peculiaridades, anseios dos usurios. Na prtica, ao deferir uma liminar,ao conceder um medicamento ou permitir a realizao de um exame, o juiz, apesar deem muitos casos realizar a prtica do reconhecimento, no necessariamente estabeleceestratgias de afetividade. Com a liminar em suas mos, o usurio pode ter acesso ao

    medicamento ou ao atendimento, porm isto no tudo: fundamental compreenderque a sade tambm enseja um dever dos prprios prossionais de sade em cuidarafetivamente do outro.

    Dessa forma, o acolhimento e o vnculo compem o direito do indivduo sade, masso imponderveis nas decises judiciais. Isto signica que os principais desaos atuaisno se encontram propriamente no reconhecimento, por parte das instituies jurdicas,das diversas dimenses do direito sade, mas sim na prpria superao da ideia desade como fornecimento de medicamento, disponibilizao de servios ou ampliaode cobertura. O elemento da afetividade passa a ser fundamental na compreenso do

    aspecto humano e vivo que todo direito possui.Com efeito, a ideia da justia uma forma de politizao do conhecimento terico-prtico que embasa a produo do cuidado em sade, ou seja, pensar a categoria do cuidadocomo uma categoria praxiolgica, que desaa e retroalimenta a discusso e a resoluode dilemas da ao poltica em sade. Justia, reconhecimento e responsabilidade pblicaso categorias poderosas para, de alguma forma, pensar a poltica no apenas como umaformulao ou um exerccio de normatizao externa, mas tambm pensar a poltica comouma atitude voltada para a alteridade e o carter formativo das polticas de sade.

    Evidente est que, para o reconhecimento de algumas prticas de sade cujos maiores

    desaos esto no campo das prticas integrativas em sade, o nanciamento e a formaode recursos humanos para a rea ainda continuam sendo problemticos. Entendemosque muito importante que essas prticas encontrem um grau de legitimidade e desustentabilidade muito maior do que vm tendo na histria das polticas de sade nopas. Por mais que se diga que o Brasil um pas avanado, de vanguarda em relao legitimao de saberes e prticas no-hegemnicas ou distintas da biomedicina, alegitimao apenas parcial. No h suporte efetivo nem na formao dos recursos hu-manos que continuam sendo formados dentro de uma mentalidade, de um currculoe de uma prtica totalmente biomdica, voltada para a especializao e tampouco na

    formulao das polticas pblicas, porque os contratos prossionais no garantem queas pessoas sobrevivam trabalhando com essas prticas.

    Apesar disso, existem lugares onde as prticas integrativas tm avanado nos ltimosanos. As fronteiras de avano dessas prticas so os Programas de Sade da Famlia(PSF), onde a medicina familiar e comunitria tem uma tradio de envolvimentocom essas prticas em municpios do interior, como Campinas (SP), onde, muito antesde existir PSF, j se adotavam as chamadas prticas corporais de sade (ioga,tai chichuan). Temos a apresentao da experincia do Ncleo de Apoio em Prticas Integra-tivas: experimentaes de apoio matricial em busca da integralidade. no conjunto desta

    coletnea. Percebemos que algumas prticas j existiam no cotidiano das pessoas emreas de lazer, praas pblicas.

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    Apresentao

    Sem dvida, no nos limitamos, nesta coletnea, s aes de pesquisa, mas de formaoe incubao. Em particular nesta ltima ao, temos trabalhos que enfatizam os valoresdo cuidado, prticas de gesto do cuidado em sade. As incubaes de ideias e projetosocorrem em vrias situaes de mediaes: com doulas comunitrias na maternidade, com

    pessoas com doenas crnicas na rea rural, no acompanhamento clnico de usurios, naeducao prossional, no cuidado com idosos no serto, nos servios de sade mental,nas relaes da comunidade com a unidade de sade da famlia, na busca por direito sade em situaes crnicas pelo Poder Judicirio. A ideia de multicentricidade couevidente no trabalho dos pesquisadores da rede de pesquisa tanto no encaminhamentode temas de estudo quanto na adaptao das orientaes metodolgicas ao cotidianodos servios, articulando saberes de uma forma descentralizada.

    Alguns pontos abordados nos textos aqui construdos so enaltecidos, pelo olhar naperspectiva do usurio, no sentido de identicar e conhecer seus mediadores, as redes

    sociais existentes e o circuito de trocas pela ddiva. A mediao, como ponte entreindivduo e sociedade, relaciona os planos de atuao, faz elos entre ao coletiva, li-deranas, direitos, saberes, tecnologia e mobilizao. No entanto, no bastava para ns,pesquisadores, que identicssemos empiricamente o mediador, mas devamos estar atentossobretudo aos dispositivos e formas usadas para o acesso aos servios. Reconhecemos queas polticas e normatizaes do SUS indicavam bons caminhos, partindo de experinciase concepes vlidas, mas que precisavam dialogar mais com o vivido e perceber comoa fragmentao dos saberes e fazeres se d no cotidiano. E a esto as contribuies doNucem-Lappis, com a defesa de uma congurao terica que aponte a mediao e a

    integralidade como celeiro de saberes e prticas que possibilitem emancipao compatvelcom as situaes reais de inovaes, vnculos e conitos.De forma anloga, percebemos que a produo do conhecimento, gerida e gerada

    pelo grupo multicntrico e ilustres convidados, trazia um salto qualitativo na difusoe disseminao dos conhecimentos sistematizados pela pesquisa. Ela contribuiu para aBiblioteca Virtual em Sade sobre Integralidade, ao trazer tona a importncia de seregistrar a produo cientca parida ao nal da pesquisa, envolvendo bibliotecas locaisdas diferentes regies.

    A ideia de se criar a Incubadora da Integralidade nasce da demanda por um maior

    compromisso de nossas produes tcnico-cientcas no que concerne a sua efetiva apro-priao pela sociedade que as mantm. A cincia um empreendimento humano e, comouma ao pblica, por isso poltica, h de se buscar a promoo do bem comum, paratodos e no de poucos. Quando falamos disso, estamos pensando e agindo na direode tornar concretamente indissociveis as aes de ensino, pesquisa e extenso ou seja,as funes essenciais da universidade. A formao em sade no pode ser pensada comomercadoria, nem os alunos como a venda, como observamos nas expresses de algumasinstituies. A incubadora ou incubao visa a integrar esforos no aprendizado coletivo, ea universidade no deve se esquivar de potencializar as experincias inovadoras que o SUS

    cotidianamente constri. Desse modo, reconhecemos que as experincias no so frgeis,e que a universidade tem papel fundamental aos vivenci-las, pois agregam valores ticos

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    e polticos, a m de criar e integrar redes para lutar em defesa dos princpios do SUS. A premissa da Incubadora da Integralidade tambm foi gerada de uma incubao,

    que se deu no Hospital Soa Feldman, em Belo Horizonte, internacionalmente reconhe-cido por suas prticas cuidadoras na sade da mulher e do recm-nascido. Trata-se de

    uma instituio que tem um conselho gestor eminentemente de usurios, sendo tambmcampo de formao em vrias reas, alm de oferecer um ambiente humanizado comalternativas de parto natural.

    O presente livro est dividido em trs partes. A primeira, intitulada Construoda rede de pesquisa multicntrica: incubadora da integralidade redes e mediaes,contm textos tericos e metodolgicos que indicam as bases de construo da pesquisanuma perspectiva comparada. A segunda parte, Experincias regionais de estudo, reneo conjunto de textos produzidos pela rede multicntrica que foram objeto de amplasreexes coletivas durante as atividades de incubao da pesquisa em seminrios reali-

    zados no Recife, no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte. A terceira parte da coletnearecebeu o ttulo de Outros olhares e contm textos produzidos por pesquisadores daUniversidade de Buenos Aires (UBA) e de prossionais de servios de sade que acom-panharam o desenvolvimento da pesquisa e as reunies de incubao, contribuindo,assim, para integrar o valor do diferente neste trabalho.

    Sobre a primeira parte, de se ressaltar que ela se apoia em dois eixos: um deles,preferencialmente programtico, o do valor de se articular a pesquisa com a formaoe a incubao; o outro, preferencialmente terico, o de se articular a inovao com aalteridade e o vnculo social. Assim, temos aqui dois textos importantes para se avanar

    na discusso do cuidado numa perspectiva de integralidade, ddiva e rede. O texto dePaulo Henrique Martins, intitulado Dom do reconhecimento: elementos para entender ocuidado como mediao, busca aprofundar a importncia das trocas simblicas entre osatores envolvidos na ao em sade, de modo a revelar a complexidade do cotidiano noservio. O texto de Roseni Pinheiro, Integralidade no cuidado: a promessa da polticae a conana no direito, prope uma reexo crtica acerca da categoria integralidadedo cuidado como direito humano sade, concebido como imperativo constitucional,institucionalizado pelo sistema pblico universal de sade no Brasil o SUS.

    Numa outra perspectiva, o texto assinado por Martins et al. sobre Inovao, alteridade

    e vnculo nos processos de mediao na esfera pblica em sade objetiva apresentar umareleitura crtica sobre a tradicional articulao entre ensino, pesquisa e extenso. Propeuma inovao conceitual que se sustenta na trade pesquisa, formao e incubao, deconsiderar o reconhecimento como proposio observacional de estabelecimento de cri-trios para avaliao do sucesso de polticas pblicas descentralizadas na esfera da sade.Segue-se MARES: desaos do mapeamento metodolgico das novas subjetivaes docotidiano, tambm de Martins, segundo o qual o esforo de sistematizao da MARES(Metodologia de Anlise de Redes do Cotidiano) a expresso de um movimento te-rico mais amplo voltado para o mapeamento dos sistemas de sociabilidades coletivas em

    forma de redes em sociedades complexas, como as atuais. Para o autor, o fato de que asistematizao da MARES esteja sendo feita a partir do campo da Sade Coletiva, no

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    Apresentao

    Brasil, revela os desaos importantes que esto surgindo para a teoria social a partir dasinovaes em termos de polticas, de aes e de inovaes tecnolgicas.

    H ainda o texto de Roseni Pinheiro e Felipe Asensi, Direito vivo, ddiva e integra-lidade: uma triangulao para pesquisar o direito sade, que busca desenvolver um

    aporte terico-metodolgico que permita pensar a sade como um direito vivo, isto ,como um direito que, apesar de previsto normativamente, s recebe sentido a partir dodesenvolvimento de prticas sociais endogenamente constitudas. A dimenso viva dodireito sade proposta pelos autores se ancora em dois elementos fundamentais parasua compreenso, quais sejam: ddiva e integralidade, destacando os limites e desaospara pensar a atuao das instituies jurdicas na efetivao do direito sade.

    A segunda parte da pesquisa, Experincias regionais de estudo, est dividida poragrupamentos geogrcos: Regio Norte, Regio Nordeste, Regio Centro-Oeste, RegioSudeste e Regio Sul.

    Sob o ttulo Desinstitucionalizao, mediao e itinerrios teraputicos em sademental, so apresentados dois textos da Regio Norte. O primeiro, assinado porRodrigo Silveira e colaboradores, Mediao e circulao da ddiva no processo dedesinstitucionalizao em sade mental no Acre, e o segundo, por Juliana Lofego eRodrigo Silveira, intitula-se Trs Marias e seus itinerrios teraputicos: mediadoresna busca de cuidado para o cncer de colo do tero em uma regional de sade noEstado do Acre. Trata-se de trabalhos que representam desdobramentos da trajetriade pesquisa trilhada pelo grupo do Stio Norte Lappis, sediado na Universidade Federaldo Acre, em cinco anos de participao na pesquisa multicntrica que congrega grupos

    de todas as regies do pas. Os resultados apresentados no primeiro texto analisam opapel dos mediadores no processo de cuidado no territrio, bem como as formas demediao, ressaltando a circulao da ddiva nessas relaes. Para os autores, essesseriam principais constituintes de uma possvel rede social de apoio, que precisa serfortalecida para que possa dar sustentao a um processo de desinstitucionalizaoresponsvel, que mude a concepo e a forma de lidar com a loucura e com osloucos, com base no respeito diversidade, na incluso social e na cidadania. Jno segundo texto, analisam-se o papel dos mediadores e as formas de mediao noitinerrio teraputico de mulheres com leses precursoras de cncer de colo de tero

    moradoras da regional do Juru, no Estado do Acre. A lgica da ddiva, baseadanas ideias de Marcel Mauss e Allan Caill, foi utilizada para analisar a presena dasolidariedade nos processos de mediao na busca por cuidado.

    A Regio Nordeste, por sua vez, sob o ttulo Mediadores, dispositivos de cuidadoe redes, apresenta trs textos. O primeiro, Os prossionais de sade como mediadoresindividuais: a resoluo da demanda ilimitada por cidadania pelo mecanismo do duploregistro, de Paulo Henrique Martins e Ana Ceclia Cuentro, explora a ideia de mediaoentre o comunitrio e o estatal, com vistas organizao da esfera pblica local, sendo aprincipal hiptese que as aes dos mediadores individuais, em particular os mediadores

    prossionais de sade (agentes, enfermeiras, mdicas, residentes etc.), na organizao da Ateno Primria na rea estudada, vm contribuindo para a formao de sociabilidades

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    primrias pblicas que podem ser a base para experincias associativas hbridas. O segundotexto, Prossionais de sade e dispositivos de mediao na ateno bsica, de RaphaelBezerra e Enderson Carvalho, de cunho terico-metodolgico, objetiva discutir a perme-abilidade de elementos sociolgicos no funcionamento da poltica pblica de sade terri-

    torializada, adaptada ao contexto de uma comunidade do Recife, o Crrego do Jenipapo.E o terceiro, dos pesquisadores de Petrolina Antonita A. de Souza, Marlene Peixoto e Aldiane Macedo, intitulado Idosos mediadores docuidado de si : resistncia e subjetivaoem redes de interao no cuidado da sade, tem por nalidade indicar como as relaesdas redes de mediadores na sade se estabelecem e se disseminam, prioritariamente, pormeio de laos de amor, respeito e solidariedade, no cuidado de si de idos@s petrolinenses(PE), muitas vezes, em resposta inovadora condio de excludo.

    Na Regio Centro-Oeste, sob o eixo das ideias de condio crnica, direito e itinerrioteraputico, so apresentados trs textos de pesquisadores da Universidade Federal de

    Mato Grosso. O primeiro, Mediao e mediadores nos itinerrios teraputicos de pessoase famlias em Mato Grosso, de Roseney Belatto e colaboradores, aborda a temtica damediao relacionada experincia de adoecimento por condio crnica e os cuidadoscontinuados e prolongados que a mesma impe s pessoas e famlias, considerando asnecessidades constantemente renovadas e ampliadas. O segundo, Anlise da demandado direito sade em Mato Grosso e as possibilidades de mediao pelo TJMT, deLaura Arajo e colaboradores, trata da mediao realizada pelo Tribunal de Justia deMato Grosso (TJMT) frente s demandas do direito de usurios de servios de sadeno estado em termos de sua efetividade, no caso, compreendida como permanncia

    de certa eccia desta mediao, modicando prticas de ateno e gesto em sade eafetando, positivamente, a experincia de adoecimento de pessoas e famlias. O terceirotexto, Remdio jurdico e seus afetamentos no cuidado sade de uma famlia, tam-bm de Bellato e colaboradores, busca compreender que os afetamentos na interveno

    judicial podem produzir a experincia de adoecimento por condio crnica. Tomou-seo caso exemplar da situao de uma criana e sua famlia que vivenciam o adoecimentopor adrenoleucodistroa (ALD), e como a interveno possibilitou a efetivao, ou no,do direito sade dessas pessoas, considerando uma discusso em torno das categoriasinovao, alteridade e vnculo.

    J na Regio Sudeste, versando sobre o eixo temtico Mediaes entre prossionaisde sade e usurios inovaes no cotidiano das prticas nas instituies de sade, te-mos quatro textos que tratam diferentemente desta temtica. O primeiro, O cotidianode trabalho dos Agentes Comunitrios de Sade e Agentes de Vigilncia em Sade: umaproposta de formao prossional conjunta, de Alda Lacerda e colaboradoras, apresentaelementos comuns no cotidiano de trabalho. Visa a demonstrar o favorecimento da si-nergia das aes de cuidado em sade em um mesmo territrio, partindo do pressupostode que essa formao deve reforar o papel tico-poltico e emancipador dos sujeitos e opotencial dos trabalhadores da sade como mediadores na construo das redes de apoio

    social. O segundo texto, O plantonista social como mediador na construo da cidadaniae das aes de sade, de Tatiana Lopes e colaboradoras, tem como objetivo sistematizar

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    Apresentao

    e disseminar as formas de mediao presentes no cuidado parturiente e famlia, pormeio da prtica dos plantonistas sociais no Hospital Soa Feldman. O terceiro, intituladoTecnologia e inovao das doulas comunitrias: mediaes na assistncia ao parto de

    Julia Horta e colaboradoras, do Hospital Soa Feldman, prope a doula comunitria como

    uma tecnologia cuja insero no cotidiano dos servios de sade de ateno ao parto enascimento evidencia a incorporao de conhecimentos cientcos e empricos, associadoss experincias e habilidades necessrias a sua aplicao em diferentes contextos. O ltimotexto desta regio, intitulado Reetindo sobre uma escuta do usurio ou uma escuta como usurio: um ensaio sobre os rudos na escuta dos prossionais atuando na APS, de CesarFavoreto e Roseni Pinheiro, apresenta uma reexo sobre o lugar da escuta no modelo deateno sade, buscando analisar suas repercusses e efeitos nas prticas das equipes na

    Ateno Primria em Sade. Questiona o enfrentamento de situaes em que a propostade superao de um modelo de ateno sade mdico-centrado e medicalizador con-

    frontada com falas e demandas dos usurios que, em uma primeira aproximao, pareceser, justamente, a anttese de uma perspectiva de mudana para uma ateno fundada naintegralidade e nas aes de promoo sade.

    Encerrando a parte II desta coletnea, temos a Regio Sul, com dois textos de pesqui-sadores docentes e discentes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul que tratamda temtica Mediao da sade no meio rural: atores, redes sociais nas situaes de ado-ecimento crnico (agricultores e meio ambiente). A mediao no meio rural: concepese caminhos da pesquisa em sade e Atores, redes sociais e mediao na sade: laos ens em um cotidiano rural, ambos de Tatiana Gerhardt e colaboradoras. De um lado, as

    autoras destacam a mediao em sade na perspectiva da ddiva como possibilidade deconstruo de espaos coletivos participativos e solidrios; de outro, buscam explorar acomplexidade das relaes sociais (e seus elementos constitutivos) na mediao em sade emsua possibilidade de emergncia de espaos que valorizem mais a participao e cidadaniados sujeitos, a partir de uma abordagem calcada na ddiva; e de outro. A proposio dasautoras que a mediao em sade realizada na comunidade, os espaos e mobilizaessociais por ela desencadeados e, mais ainda, o incentivo e possibilidade da insurgnciade redes de mediao (entre mediadores), ao serem pautados numa concepo ampla desade e na perspectiva da ddiva geradora de solidariedade, so uma inovao, ou seja,

    uma metodologia de ao capaz de produzir novidades na sade. A terceira parte da pesquisa, que fecha a presente coletnea, trata de Outros olhares.

    Nela esto reunidos quatro textos que tratam de experincias de estudos sobre saberese prticas no cotidiano das instituies de sade no Brasil e Argentina. No primeirotexto, Atitudes e crenas que inibem aes de cuidado dos homens no interior do SUS:o caso de Unidades de Sade da Famlia no Recife, de Patricia Bezerra e Itamar La-ges, analisa como trabalhadores de Sade da Famlia lidam com a sade dos homens,considerando necessidades, demandas e direitos dessa populao. Seus questionamentostrazem elementos concretos da realidade das interaes entre esses sujeitos, pois procura

    buscar que atitudes, crenas ou valores so reproduzidos neste espao, de forma a proporreexes para aes em sade. O segundo, de autoria de Liliana Findling e colaborado-

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    ras, intitula-se Maternidad, redes sociales y (des)-integralidad: las experiencias de lasmujeres de sectores socioeconmicos medios de la Ciudad de Buenos Aires, Argentina,visa a explorar as experincias das mulheres em relao gravidez, parto, amamentaoaps o parto e os cuidados crianas recm-nascidas em conexo com suas redes sociais

    de pertena e de vnculos afetivos parentesco, os recursos materiais e simblicos de quedispem, assim como suas necessidades e demandas no atendidas. O terceiro texto,De prcticas represivas a prcticas integrales y de cuidado en salud mental: la expe-riencia del corralito, assinado por Silvia Faraone e colaboradoras, prope uma anlisedo dispositivo de desinstitucionalizao da ateno sade mental, experienciada na alapsiquitrica da Crcel de Coronda, que alojava as pessoas majoritariamente incapazes, ecujo fechamento denitivo de suas atividades permitiu reconstruir uma nova institucio-nalidade, a partir da introduo de prticas baseadas na integralidade de ateno e nadefesa dos direito humanos dos usurios em sade mental. Por m, temos o texto de

    Rodrigo Cariri, Ncleo de Apoio em Prticas Integrativas: experimentaes de apoiomatricial em busca da integralidade, que relata a experincia de implantao de NAPIsem Recife, discutindo os dispositivos de gesto e sua relao com o modelo de atenoadotado, no qual se destacam o apoio matricial que vem sendo utilizado com frequnciapara orientar as aes complementares estratgia de sade da famlia (ESF).

    Para nalizar, gostaramos de expressar nosso sentimento de alegria pelo sucesso demais uma parceria bem-sucedida entre o NUCEM e o LAPPIS, consolidando a impor-tncia estratgica tanto de se articular de modo interdisciplinar os estudos da Sociologiada Sade com a Sade Coletiva, como de buscar superar os riscos do academicismo

    mediante o esforo de articular a pesquisa cientica com as prticas de transformaodas realidades sociais e culturais. Tais esforos, quando construdos desde uma pesquisacomparada envolvendo as diversidades territoriais e culturais, permitem um entendimentodiferenciado e complexo do cotidiano da sade no Brasil hoje. Esperamos que o resultadonal agrade aos leitores.