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1 Evidências do Uso da Musicoterapia para Atendimento de Pessoas com Déficit Global de Desenvolvimento Maryléa Elizabeth Ramos Vargas 1 RESUMO A música afeta cada ouvinte de modo singular, considerando que nem todos compartilham dos mesmos gostos e interesses musicais. Quando muitas vezes a fala e a ação impõem resistências, a música libera. Durante séculos a música foi utilizada intuitivamente como um recurso terapêutico, sendo a Musicoterapia a expressão da prática que se estruturou no último século para contemplar tal objetivo. A Musicoterapia utiliza-se de recursos da linguagem musical e instrumental, que se adequadamente estruturados e aplicados, podem promover mudanças significativas para pessoas portadoras de diferentes dificuldades seja física ou mental. Investigar sobre as ações e efeitos da música em atividades oferecidas na prática musicoterapêutica é a base deste trabalho, que se utiliza de recursos bibliográficos de investigações realizadas nas áreas da Neurociência, Música e Musicoterapia com objetivos de apresentar evidências para sua validação. Através deste estudo, pode-se considerar que a Musicoterapia em sua prática, aborda o sujeito em terapia de uma forma holística como um todo, o que leva a obter resultados observáveis. PALAVRAS-CHAVE Música, Musicoterapia, Neuropsicologia 1 Psicóloga, Musicoterapeuta, Pós-Graduada em Musicoterapia, Mestranda em Teologia, Docente do Bacharelado de Musicoterapia do Instituto Superior de Música de São Leopoldo – ISM, na Faculdades EST, em São Leopoldo (RS). E-mail: [email protected] .

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Uso_da_Musicoterapia Com Dist Global Do Desenvolvimento

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Evidências do Uso da Musicoterapia para Atendimento de Pessoas com

Déficit Global de Desenvolvimento

Maryléa Elizabeth Ramos Vargas1

RESUMO

A música afeta cada ouvinte de modo singular, considerando que nem todos compartilham

dos mesmos gostos e interesses musicais. Quando muitas vezes a fala e a ação impõem

resistências, a música libera. Durante séculos a música foi utilizada intuitivamente como um

recurso terapêutico, sendo a Musicoterapia a expressão da prática que se estruturou no último

século para contemplar tal objetivo. A Musicoterapia utiliza-se de recursos da linguagem

musical e instrumental, que se adequadamente estruturados e aplicados, podem promover

mudanças significativas para pessoas portadoras de diferentes dificuldades seja física ou

mental. Investigar sobre as ações e efeitos da música em atividades oferecidas na prática

musicoterapêutica é a base deste trabalho, que se utiliza de recursos bibliográficos de

investigações realizadas nas áreas da Neurociência, Música e Musicoterapia com objetivos de

apresentar evidências para sua validação. Através deste estudo, pode-se considerar que a

Musicoterapia em sua prática, aborda o sujeito em terapia de uma forma holística como um

todo, o que leva a obter resultados observáveis.

PALAVRAS-CHAVE – Música, Musicoterapia, Neuropsicologia

1 Psicóloga, Musicoterapeuta, Pós-Graduada em Musicoterapia, Mestranda em Teologia, Docente do Bacharelado de Musicoterapia do Instituto Superior de Música de São Leopoldo – ISM, na Faculdades EST, em São Leopoldo (RS). E-mail: [email protected].

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1 Introdução A arte e a música encontram-se presentes em todas as culturas. Historicamente sabe-

se que desde sua origem a música foi utilizada como um recurso terapêutico para atender e

tratar manifestações físicas e emocionais que não encontravam uma explicação na

normalidade.

A música foi, durante séculos, aplicada de forma intuitiva para intervir no tratamento

terapêutico, no resgate do equilíbrio tanto do corpo como do espírito, especialmente quando

outras ações não se mostravam eficientes.

No início do século XX, por ocasião da Segunda Guerra Mundial a música passou a

ser utilizada de forma mais sistematizada nos Estados Unidos para atender os veteranos de

guerra hospitalizados, assim como pacientes vítimas do surto de poliomielite na Argentina.

A partir de então a Musicoterapia estruturou-se para atender tais objetivos.

Buscar uma compreensão da ação da Musicoterapia para atender pessoas que

apresentam patologias mais severas, com déficit global do desenvolvimento e resistentes a

outras formas de intervenção terapêutica é o objetivo deste trabalho, que investiga na área da

Neurociência, Música e Musicoterapia recursos para sua explicação.

2 Déficit global do desenvolvimento Histórica e culturalmente sabe-se que pessoas que apresentavam qualquer desvio da

normalidade sempre sofreram os mais diferentes tipos de cuidado e intervenção, muitos deles

hoje reconhecidos como desumanos, repercutindo frequentemente no incremento das

dificuldades e potencializando o problema. Atualmente, mesmo com propostas políticas de

inclusão, pode-se observar que muitas vezes ela de fato não chega a ocorrer em razão do

despreparo técnico para atender tais problemáticas, revertendo em maior exclusão da pessoa

com dificuldades, seja da ordem física, emocional ou mental.

Os transtornos considerados como globais do desenvolvimento são caracterizados por

alterações que se tornam presentes em todas as ocasiões, como uma característica global do

funcionamento do portador do déficit. São assim considerados por envolver alterações

qualitativas relacionadas às interações sociais recíprocas e modalidades de comunicação e

apresentar um repertório de interesses e atividades restrito, estereotipado e repetitivo.

Déficits globais do desenvolvimento implicam em inúmeras restrições na vida que

podem incluir atraso psicomotor, da linguagem oral e da comunicação como um todo. Entre

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as causas desencadeantes são considerados os fatores genéticos, os físicos originados do meio

e o psicossocial. (Holmes, 2001)

Os sujeitos afetados com déficit global do desenvolvimento, independentemente de

atraso psicomotor apresentam uma defasagem no desenvolvimento de aspectos cognitivos e

perceptivos, caracterizando-se em um desajuste a faixa etária esperada.

Somando-se às limitações previstas, carências na estimulação sensorial e motora de

crianças com déficit global do desenvolvimento resultam em inúmeras e severas restrições

que frequentemente são potencializadas ao longo de toda sua vida.

Entre inúmeros fatores, lesões neurológicas, síndromes e transtornos metabólicos

também contribuem para déficits cognitivos repercutindo para uma inadequação ao

desenvolvimento normal do sujeito.

Déficits perceptivos (audição e visão) e fatores emocionais quando não reconhecidos e

tratados são responsáveis por uma parcela de atrasos e desajuste no desenvolvimento.

Observa-se que muitas situações de retardo no desenvolvimento podem ser resultantes

da carência de estimulação perceptiva e motora provindas do meio, podendo ser revertido em

parte dependendo da intervenção a ser realizada. Entretanto, situações de déficit global

apresentam-se refratárias e restritivas a uma gama de intervenções terapêuticas.

Segundo CID 10 esta classificação inclui o Autismo Infantil, o Autismo Atípico, A

Síndrome de Rett, a Síndrome de Asperger, entre outros.

O Autismo Infantil, transtorno do desenvolvimento que se manifesta antes do terceiro

ano de vida, dependendo de seu nível de severidade, pode comprometer o desenvolvimento

psiconeurológico e global. Este transtorno afeta a capacidade de comunicação, compreensão e

linguagem, que frequentemente implicam em severas restrições na relação intra e interpessoal,

no convívio social, além apresentar comportamento repetitivo, agressividade e outros

distúrbios.

A Síndrome de Asperger apresenta características semelhantes às observadas no

autismo, com um repertório de interesses e atividades restritas, estereotipadas e repetitivas.

Ainda que os sujeitos afetados apresentem-se frequentemente desajeitados com estereótipos

persistindo na adolescência e idade adulta, diferencia-se do autismo pelo fato de que não

acompanha retardo ou deficiência de linguagem ou desenvolvimento cognitivo.

Enquanto que outras terapêuticas parecem não produzir mudanças, o uso da linguagem

musical associada ao uso de instrumentos no processo musicoterapêutico mostra-se como

dispositivo importante para auxiliar pacientes com diferentes dificuldades, sejam relacionadas

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à paralisias, déficits cognitivos, distúrbios globais do desenvolvimento ou outros transtornos

mais severos.

3 O poder terapêutico da música

“Durante quase toda a história do homem a música e a terapia tem estado

estreitamente vinculadas, com freqüência de forma inseparável.” (Schneider et al., apud

Gaston (1968), p. 21) Além de estar presente “... em todas as culturas conhecidas”(Gfeller,

1992, p.42) a música foi também, desde os primórdios, canal que o ser humano utilizou para

uma tentativa de cura ou alívio de doenças.

Na sua origem, ao som, o homem atribuía uma força sobrenatural e cósmica,

relacionada, em algumas lendas, à criação do próprio universo. O som era concebido como

elemento natural no Universo, inaudível, relacionado à harmonia das esferas, aos sons

celestiais etc. Misterioso e mágico acreditava-se que através da imitação do som era possível

adquirir poder sobre suas fontes originais, concepção vinculada ao princípio de Iso, segundo o

qual “o semelhante atua sobre o semelhante” (Alvin, 1967, p.18), princípio aplicado à

Musicoterapia.

A aplicação curativa da música foi através dos tempos empregada inicialmente pelos

magos, monges, pelos médicos e finalmente pelo musicoterapeuta.

“A música, os ritmos, os cantos e as danças desempenharam um papel vital nos ritos

curativos mágicos, que eram secretos” (Alvin, 1967, p. 33), tanto nos atendimentos

individuais como nos compartilhados por toda comunidade. A doença não era concebida

como conseqüência de transtorno patológico e sim como possessão de algum espírito.

Acreditava-se que o som e a música, graças sua origem mágica, tinham o poder de

comunicação com o espírito, sendo utilizada para ajudar a penetrar ou a vencer a resistência

do espírito da enfermidade.

Para os povos gregos a música, através de sua ordem e harmonia, tinha uma função de

permitir o domínio das emoções e de alterar o estado de espírito. A cada modo rítmico e

melódico, os gregos atribuíam uma expressão. Os modos eram combinados de tal forma que

pudessem proporcionar a alteração do estado de espírito, o domínio das emoções e a catarse.

Se Hipócrates foi chamado pai da medicina podemos também reconhecer Platão e

Aristóteles como precursores da musicoterapia. Aristóteles dava à música um valor médico ao

considerar que quando aplicada às pessoas que sofrem de emoções não domináveis, tem seu

controle normalizado, pois “ouvir melodias que elevam a alma até o êxtase, retorna a seu

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estado normal como se houvesse experimentado um tratamento médico ou depurativo” (apud

Alvin, 1967, p. 53)

“No restabelecimento do equilíbrio perdido, a música, por ser ordem e harmonia dos

sons, desempenhava tanto a função de provocar a depuração catártica das emoções, quanto

a de enriquecer a mente e dominar as emoções através de melodias que levam ao êxtase”

(Costa, 1989, p. 19)

Apolo ao presidir a música e a medicina torna-se símbolo de integração das duas

ciências.

Os gregos procuraram encontrar razão e lógica intelectual no mundo e no próprio ser

humano e aplicaram de forma sistemática a música como meio curativo e preventivo que

podia e devia ser dosado, pois seus efeitos sobre o estado físico e mental eram previsíveis.

Platão acreditava que o caráter de cada modalidade produzia efeitos específicos sobre

a moral do ouvinte, sendo permanentes.

Para os gregos, os modos tinham uma relação de efeito específica sobre o

comportamento. Destaca-se: “o modo dório relacionado à modéstia e a pureza; o modo frígio estimulante à combatividade; o modo eólio recompõe transtornos mentais e induz ao sono; o modo jônio aguça intelectos melancólicos e provoca o desejo de objetos celestiais e o modo lídio alivia as almas oprimidas pelas preocupações. (Costa, 1989, p. 20)

Na Idade Média, música e medicina ficam sob o domínio da Igreja e a doença era

encarada como uma possessão demoníaca sendo tratada através de exorcismo. “A Igreja

assume a tarefa de moldar a forma e o uso da música, para evitar influências perniciosas

sobre a alma dos mortais, reconhecendo o poder dos modos musicais de provocar

comportamentos e emoções.” (Costa, 1989, p.22)

No século XVII com o desenvolvimento da medicina somática, a música é indicada

para tratamento quase que exclusivamente aos casos hoje chamados de psiquiátricos.

Na época, nem sempre o tratamento oferecido às pessoas ditas perturbadas parecia

humano, pois além de serem aprisionadas em asilos, eram mantidas acorrentadas. É certo que

tais formas de correção, convertidas em castigo, não auxiliavam na recuperação dos doentes.

Nesta época começam a surgir as primeiras obras de musicoterapia. Richars

Brocklesby (1749) escreve um tratado completo sobre musicoterapia onde apresenta diversos

casos, descrendo sintomas, causas das enfermidades, história musical e indicação sobre o uso

da música. (Costa, 1989)

A doença passa a receber um tratamento diferenciado através de Philippe Pinel (1745-

1826), que promove condições mais humanas ao cuidado dos doentes asilados, ao libertá-los

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das correntes também indica o uso da música e inclusive o uso de instrumentos musicais.

(Holmes, 2001) Franz Anton Mesmer (1734-1815), considerado o pai da hipnose, também fez

o uso da música como fundo sonoro na indicação de tratamento para o desequilíbrio de

pacientes, através da aplicação de bastões e liquido magnetizado.

Durante séculos a música foi utilizada ora de modo intuitivo ora de forma mais

racional e consciente, para além de seu sentido estético, com objetivos terapêuticos

objetivando atender diferentes patologias que não tinham uma explicação dentro da

normalidade.

A Musicoterapia firma-se no século XX, juntamente com um grande avanço

tecnológico, sendo utilizada nos hospitais dos Estados Unidos para atender e tratar neuróticos

de guerra e na Argentina quando da ocorrência do surto de poliomielite, ao observar-se que

outros recursos não respondiam satisfatoriamente ao tratamento.

Sua eficácia resultou na sistematização de sua prática e criação dos primeiros cursos

de formação nesta área nestes países estendendo-se rapidamente a outros centros.

A partir deste cenário a Musicoterapia passou a ser difundida em todo o mundo

repercutindo em pesquisas e cursos de formação profissional na área.

4 O uso da musicoterapia no déficit global do desenvolvimento As limitações apresentadas pelos pacientes com déficit global do desenvolvimento

podem envolver a área da fala, da linguagem, da cognição, do relacionamento intra e

intersubjetivo e implicam em restrições por vezes bastante severas na possibilidade de

qualquer intervenção. Segundo Holmes (2001), restrições na fala, na linguagem, inclusive

mímica, na comunicação e percepção mostram-se restritivas e por vezes incapacitantes para

estabelecer relações terapêuticas.

Enquanto que algumas técnicas terapêuticas apresentam-se refratárias para o

tratamento de pacientes com este transtorno, observa-se que a prática da musicoterapia, do

uso da linguagem musical e recursos instrumentais podem promover respostas observáveis na

alteração de um comportamento até então resistente e imutável.

Constata-se que o uso da música apresenta-se como eficiente canal para estabelecer

uma possibilidade terapêutica com pessoas profundamente afetadas cognitivamente e em suas

relações com o meio. “A música é uma das melhores maneiras de manter a atenção de um ser

humano devido à constante mistura de estímulos novos e estímulos já conhecidos.” (Ruud,

1986, p.31) E, ainda que a audição desses pacientes apresente-se prejudicada, a vivência

terapêutica através da musicoterapia mostra-se possível de provocar e viabilizar respostas até

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então inesperadas. “Enquanto que outros estímulos despertam a conduta negativa ou positiva

no homem, a música (quando escolhida adequadamente) consegue levá-lo a um estado de

ânimo positivo.”(Leining, 2008, p.251)

Quando intervenções através da fala e linguagem pode produzir bloqueios e estimular

a resistência, a música libera. “Música e fala são fundamentalmente similares, já que utilizam

o material sonoro, que são recebidos e analisados no mesmo órgão”. (Pederiva e Tristão,

2006, 83-90) A diferença encontra-se no fato de que a informação da música percorre

caminho diferente do da linguagem e independente do desejo do ouvinte acessa e afeta

conteúdos restritos e inclusive censurados, “poderosa em sua capacidade de tanger as cordas

da emoção”. (Weiberger, p. 47-53) “A música como uma linguagem “não verbal” é

“frequentemente considerada como uma linguagem emocional, capaz de atingir áreas de

nossa psique que processam informações e que nós, por vários motivos, não comunicamos

com clareza a nós mesmos.” (Ruud, 1990, p. 87)

Pesquisas constatam que diferentemente da linguagem, a música “exige ambas as

metades do cérebro”, (Levitin, 2007, p. 136) e como não tem um centro de processamento,

assim como a linguagem, seu impacto é “distribuído por todo o cérebro”. (Ratey, 2002, p.

265)

A primeira experiência perceptiva humana é a pulsação, que é registrada através dos

batimentos cardíacos. Esta vivência insere o ser humano no mundo sonoro, tornando-se

constituinte e participando do desenvolvimento mesmo antes do nascimento.

A música, elemento da cultura, conecta e resgata memórias primordiais da experiência

de vida e passa a ser um fator importante influenciando o comportamento humano. Além de

aspectos singulares, a música mobiliza “necessariamente, em sua realização, funções

cerebrais diversas.” (Barbizet, 1985, p. 59) “A interdependência de cada hemisfério é

particularmente evidente no processamento da música.” (Ratey, 2002, p. 97). Pesquisas

apontam que a música estimula as mesmas áreas do cérebro onde são acionadas as emoções,

sendo que “regiões diferentes do cérebro estão envolvidas nas reações emocionais.”

(Weinberger, s.d., 47-53) Por outro lado “a memória afeta tão profundamente a experiência

de audição de uma música que sem ela não haveria música.”(Levitin, 2007, p. 173)

O estímulo resultante da experiência musical repercute em efeitos no cérebro,

considerando que nele há uma estrutura de aproximadamente 1 centímetro de diâmetro,

chamada de núcleo accumbens, que graças a seus poderes especiais possibilitam a sensação

de prazer a partir de sua ativação. (Herculano-Houzel, s.d., 26-35) O reconhecimento em ser

bem sucedido em algo, ao qual atendemos expectativas repercute em que o córtex cerebral

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providencie fornecimento de dose de dopamina para o núcleo accumbens. Isto significa que

quanto mais dopamina o núcleo accumbens receber mais sensação de prazer é obtida. Tal

sistema de recompensa “é a base neurológica da satisfação e da auto-estima” (Idem, p. 29),

que repercute em expectativas positivas em relação à vida, melhorando o enfrentamento a

situações limites e auxiliando na resistência às doenças.

O uso da linguagem musical associada à experiência do fazer musical em

musicoterapia apoiado em objetivos terapêuticos busca resgatar experiências pertinentes a

história pessoal de cada participante, acionar aspectos saudáveis de sua personalidade e

promover melhores condições de relacionamento intra e interpessoal. “Em Musicoterapia a

música é um meio através do qual se pretende dar possibilidades para que uma outra pessoa

se desenvolva, não especificamente na área musical, mas como um todo” (Barcellos, 2004,

p. 70) “Em crianças, a música raramente é associada a algo negativo. Experiências traumáticas são, em geral, ligadas a palavras, não a sons musicais. Portanto, crianças com experiências ruim costumam ter ouvido mais sensível para a música, e os terapeutas conseguem se aproximar mais facilmente delas por esse caminho”. (Schaller, 2005, p.68)

Michael Thaut diretor do Centro de Pesquisa Biomédica em Música, da Universidade

de Colorado vem pesquisando a relação entre o ritmo, funções cerebrais e sequência de

movimentos em pacientes com deficiências cerebrais degenerativas ou traumáticas. Tem

observando que a “reação motora inconsciente a estímulos acústicos pode ser utilizada, em

alguns casos, para a reabilitação de pacientes com dificuldades de caminhar.” (Schaller,

2005, p.67).

Schaller (2005) considera que resultados de pesquisas atuais devem aumentar a

predisposição para o reconhecimento da aplicabilidade da musicoterapia como importante,

sendo que “o efeito curativo da música deveria adquirir no futuro um significado especial”.

(p. 69)

Diariamente, independente de qualquer desejo pessoal somos afetados pelas mais

diversas influências sonoras, que podem nos trazer prazer ou desconforto. Vivemos

constantemente submetidos a um bombardeio sonoro. (Sacks, 2007) Assim como qualquer

outro impacto sonoro, a música acessa ao nosso sistema nervoso através de nossos aparelhos

auditivos (ouvidos). A qualidade da percepção dependerá também da qualidade do conjunto

auditivo, assim como da importância que o som percebido pode representar para cada um.

Ainda assim, independente de apreço ou não, cognição ou afeto a música sempre toca.

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5 Reflexões finais

A musicoterapia oferece ao paciente a oportunidade de manifestar habilidades e

potencialidades, expressar emoções de desconforto e contentamento, além de alcançar

descontração através do canto e da participação ativa na execução da música, na possibilidade

de tocar diferentes instrumentos musicais. A música atua no sentido de melhor a atenção,

favorece a expressão emocional, estimula o pensamento e habilidades sócio-comunicativas.

(Ruud, 1990)

Ao ser proposta dentro das condições pessoais de cada participante, a musicoterapia

permite experiências de êxito, através de respostas de um comportamento adequado às

capacidades individuais. A obtenção de sucesso no processo musicoterapêutico proporciona

uma elevação da auto-estima, que por sua vez permite que a experiência possa ser refletida

em outras áreas da vida.

Através do uso da linguagem musical e seus elementos e como um recurso não verbal,

a musicoterapia pode intervir auxiliando no processo de recuperação, conectando o paciente

às situações de maior potencialidade e condição física. Neste processo, estimula a

autoconfiança, a autoestima e aumenta possibilidades para engajamento em propostas

terapêuticas necessárias para reabilitação, principalmente quando a fala e a comunicação,

inclusive mímica, apresentam-se bastante limitadas, ou restritivas devido a diferentes danos

sejam físicos, emocionais ou mentais.

Independente da possibilidade e condição do ouvinte, a música rompe com aspectos

do controle consciente, acionando e disparando áreas cerebrais menos estimuladas e mais

preservadas. A prática da Musicoterapia, através do uso da linguagem musical agregada à

convocação da ação motora de percutir ou tocar algum instrumento incita

neurofisiologicamente o participante que se envolve num processo lúdico, gerador de prazer e

articulado com a emoção.

A Musicoterapia, em sua prática, ao associar o uso da linguagem musical com a

estimulação motora relacionada a percutir ou tocar algum instrumento em um processo

adequadamente estruturado e com objetivos terapêuticos, aciona e envolve o cérebro como

um todo holisticamente. Neste processo o córtex é estimulado a um grande consumo de

energia, que associado aos elementos prazerosos envolvidos na realização musical repercute

potencialmente em respostas físicas, comportamentais e emocionais observáveis.

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