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Plato e o plgio de Epicarmo
Autor(es): Santoro, Fernando
Publicado por: Annablume Clssica; Imprensa da Universidade de Coimbra
URLpersistente: URI:http://hdl.handle.net/10316.2/24334
DOI: DOI:http://dx.doi.org/10.14195/1984-249X_8_1
Accessed : 3-Dec-2018 12:00:01
digitalis.uc.ptimpactum.uc.pt
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EDITORIAL Gabriele Cornelli
ARTIGOSPlato e o Plgio de Epicarmo Plato and the plagiarism of Epicharm Fernando Santoro
Morte e Vida na Antgona, de Sfocles Death and Life in Sophocles Antigone Jos Gabriel Trindade Santos
Hannah Arendt, uma Leitora Crtica de Plato Hannah Arendt, a critical reader of Plato Daiane Eccel
O Humano em Homero The Human in Homer Marcelo Alves
Max Weber e o Debate Sobre a Natureza da Economia Antiga Max Weber and the Debate on the Nature of the Ancient Economy Danilo Andrade Tabone
DOSSIApresentao Eudoro de Sousa: Retratos de um Helenista Foreword Eudoro de Sousa: Portrait of an Hellenist Gabriele Cornelli, Jos Otvio Nogueira Guimares, Hilan Bensusan
Entre Livros e Eudoro: Relato de Algumas Experincias Between Books and Eudoro: Report of some Experiences Marcus Mota
Entre-Lugar e Lugar-Comum: Eudoro de Sousa, de Portugal Braslia Between-place and Nowhere: Eudoro de Sousa, From Portugal to Braslia
Jos Otvio Nogueira Guimares
A Histria na Obra de Eudoro de Sousa History in Eudoro de Sousas Works Henrique Cairus
A Construo do Argumento no Ensaio Dioniso em Creta de Eudoro de Sousa The construction of the Argument in Eudoro de Sousas Essay
Dioniso em Creta Teodoro Renn Assuno
Eudodro de Sousa e a Potica de Aristteles Eudoro de Sousa and The Poetics of Aristotle Jacyntho Lins Brando
Em Torno do Ensaio Arte e Escatologia de Eudoro de Sousa On the Essay Art and Eschatology by Eudoro de Sousa Walter Menon
Horizonte e Irredutibilidade: Eudoro de Sousa e o Originrio na Ontologia Horizon and Irreductibility: Eudoro de Sousa and
the Originary in Ontology Hilan Bensusan
Linguagem, Mito e Enigma Language, Myth and Enigma Ordep Serra
Recordao de Eudoro de Sousa Remembering Eudoro de Sousa Ordep Serra
TRADUO Sobre os Ofcios, Trabalhos e Profisses Anise A. G. DOrange Ferreira
RESENHAS William A. Heidel: O Livro de Anaximandro. O Mais Antigo Tratado Geogrfico Conhecido. Traduo, Apresentao e Apndices de Katsuko Koike. Gabriele Cornelli
Martha Nussbaum. Not for Profit: Why Democracy Needs the Humanities. Princeton University Press, 2010. Fbio Faversani
8 jan.2012
issn 2179-4960
8 jan.2012
issn 2179-4960
8 ja
n.20
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R E V I S T A
ARCHAI JOURNAL: ON THE ORIGINS OF WESTERN THOUGHT
ARCHAI JOURNAL: ON THE ORIGINS OF WESTERN THOUGHT
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plato e o plgio de epicarmo
Fernando Santoro*
* departamento de Filosofia
da Universidade Federal
do rio de Janeiro, rio de
Janeiro, Brasil.
RESUMO: O estudo da filosofia dos pitagricos, bem como
da filosofia dos pr-socrticos em geral, inseparvel do estudo
de sua transmisso e recepo pelos filsofos que os seguiram.
Sob tal perspectiva, examino um testemunho particularmente
controverso dos textos escritos pelo comedigrafo Epicarmo.
Como se sabe, ele um dos mais antigos pensadores associados
aos crculos pitagricos. Este testemunho refere-se a uma longa
passagem sobre Plato, que comea no nono captulo, Livro
III, das Vidas e Doutrinas dos Filsofos Ilustres de Digenes
Larcio. Este testemunho interessa porque traz explicitamente
tona uma situao de imitao, j que o texto apresentado
como prova em um caso de plgio. Especificamente, o caso de
plgio est dentro do contexto de uma controvrsia envolvendo
a fundao de um gnero que apresenta grande importncia para
o desenvolvimento do discurso filosfico - o dilogo socrtico.
A passagem referida importante para a histria da filosofia,
uma vez que ajuda a reconstituir as diretrizes de Plato e do
pensamento da Academia. A acusao de plgio de alguma
forma evoca as discusses sobre o que Harold Cherniss chamou
de O enigma da Primeira Academia em seu livro homnimo
(1945). Outra preocupao deste artigo diz respeito aos critrios
de avaliao de autenticidade na recepo filolgica de Epicarmo,
que aparece nas edies crticas de suas obras.
PALAVRAS-CHAVE: Epicarmo, Plato, Pitagorismo, plgio,
Digenes Larcio.
ABSTRACT: The study of Pythagorean philosophy, as well as
the study of philosophy of Pre-Socratics in general, is insepa-
o estudo da filosofia dos pitagricos, assim como dos pr-socrticos em geral, indissocivel
de sua transmisso e recepo pelos filsofos sub-
sequentes. isto, no s pela contingncia de que
muitas das obras de pensadores anteriores a plato
no chegaram at ns seno por via indireta de
citaes e aluses; mas tambm, particularmente
no caso dos chamados pitagricos, por conta de
preceitos envolvendo o que publicamente pode ser
dito e o que no pode e, portanto, tambm o que
pode ser escrito ou no. e mesmo quando alguma
doutrina viesse a ser escrita, importava o modo
como esta seria escrita, no interesse de conservar o
ensinamento dentro de um pblico mais, ou menos,
circunscrito, conforme o caso. isto no impediu a
propagao e o sucesso das ideias atribudas aos
pitagricos, sejam elas oriundas de membros per-
tencentes aos crculos mais prximos de um dado
ensinamento do mestre, sejam oriundas de outras
fontes que tivessem, no entanto, uma semelhana
doutrinal. isto no apenas no impediu a pro-
pagao, mas possvel at mesmo que a tenha
impulsionado, visto a curiosidade que as situaes
de segredo e mistrio suscitam nos homens. por
isso, o pitagorismo como categoria histrica no se
construiu tanto a partir de uma linhagem precisa
ou de um corpus bem definido, mas antes como um
SaNtoro, F. (2012). plato e o plgio de epicarmo. archai n. 8, jan-jun 2012, pp. 11-20.
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rable from the study of its transmission and reception by
philosophers who followed them. From this perspective I
would like to examine a particularly controversial testimony
of the texts written by the comedy playwright Epicharmus.
As is known, he is one of the oldest thinkers associated
with the Pythagoreans circle. This testimony refers to a
long passage about Plato, which begins in the ninth chap-
ter, Book III, of Diogenes Laertius Lives and Opinions of
Eminent Philosophers. This testimony interests because it
explicitly brings to light a situation about imitation, since
the text is presented as evidence in a case of plagiarism.
Specifically, the case of plagiarism lies within the context
of a classic controversy involving the foundation of a genre
which presents great importance for the development of
philosophical discourse the Socratic dialogue. The referred
passage is important for the history of philosophy as it helps
to reconstitute the guidelines of Plato and the Academys
thinking. A charge of plagiarism somehow evokes the dis-
cussions on what Harold Cherniss called The riddle of the
early Academy in his homonymous book (1945). Another
concern is about the evaluating criteria of authenticity in
the philological reception of Epicharmus, which appears in
the critical editions of his works.
KEY-WORDS: Epicharmus , Plato, Pythagoreanism,
plagiarism, Diogenes Laertius
conjunto vago, fluido, de ideias igualmente vagas
e fluidas concernentes desde a preceitos dietticos,
morais e polticos at a concepes da natureza da
vida, do cosmos e da constituio fundamental dos
entes em geral.
por isso, categorias histricas como autn-
tico ou falso ou esprio no fazem o mesmo
sentido que fazem quando se trata de avaliar e
interpretar os corpora de outras escolas e outros
autores bem definidos. Se, do ponto de vista hist-
rico, pitgoras, seus ensinamentos e seus crculos
de discpulos esto muito mais no campo da lenda,
isto no impede o exame das ideias transmitidas
por essas lendas e, sobretudo, as ideias que, por
uma razo ou por outra, se quer associar a essas
lendas. assim, de modo amplo, podemos dizer que
o pitagorismo, como categoria histrica, pode ser
determinado pela simples expresso da inteno
de determinada fonte de vincular um conjunto de
ideias linhagem pitagrica. de modo que nunca
teramos um pitagorismo puro ou autntico, mas
sempre um pitagorismo segundo este ou aquele
autor ou texto fonte, e esta meno da fonte ou via
de transmisso nos dispensaria de classificar este
ou aquele texto como falso ou inautntico. Significa
que a vontade de simular os preceitos pitagricos,
suas ideias e seus textos justamente isso o que
constituiu, ao longo da histria, um movimento de
transmisso e propagao de ideias que podemos
chamar de pitagorismo. enfatizo: no o trabalho
supostamente criterioso de conservao doutrinal
e textual o que constitui o objetivo e a tarefa de
um fillogo, mas a vontade de imitar como um
discpulo e, portanto, de emular o mestre e simular
as ideias, o que constitui aquilo que aqui entendo
como pitagorismo.
essa definio generosa da categoria histrica
de pitagorismo tem um pressuposto epistemolgico
mais rigoroso do que aquele que pretende distinguir
testemunhos autnticos de testemunhos falsos.
porque nesta definio no se tem a iluso do positi-
vismo filolgico segundo o qual se poderia alcanar o
objeto emulado ou simulado pela transmisso: o de-
sejado objeto original perdido. Se assente aqui que
o critrio de avaliao de um texto no pode ser a
referncia perdida, mas to somente o prprio texto
da transmisso. neste texto que se vai encontrar
tanto uma expresso efetivamente formulada quanto
a inteno de emular e simular algo ou algum. o
maior rigor est justamente na atribuio autoral
da fonte e no exame de suas intenes na emula-
o de um mestre e na imitao ou simulao de
suas ideias. Uma consequncia desse pressuposto
epistemolgico ironicamente rigoroso, que pretendo
explorar adiante, o de considerar textos filosficos
e historiogrficos com categorias prprias da
avaliao de textos propositalmente ficcionais, usan-
do, por exemplo, categorias da potica tais como
a imitao ou mmesis, a verossimilhana e
todas as demais categorias relativas retrica da
representao. essas categorias tambm tm muito
de filosfico a nos instruir, sobretudo quanto s
estratgias retricas de expresso sapiencial.
nesta perspectiva que eu gostaria
de examinar um testemunho particularmente
controverso da recepo dos textos do comedigrafo
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epicarmo, que como se sabe, tambm um dos
mais antigos pensadores associados ao crculo dos
pitagricos. trata-se de uma extensa passagem sobre
plato, que comea no captulo nove do livro iii das
Vidas e doutrinas dos filsofos ilustres de digenes
larcio. o testemunho nos interessa primeiramente
pelo fato de trazer de forma explcita um caso de
imitao uma situao que envolve a imitao o
que, por si s, uma questo de ndole pitagrica
, visto que o texto apresentado em testemunho
e prova de um caso de plgio. alm disso, o caso de
plgio est inserido no contexto de uma controvrsia
clssica envolvendo a constituio de um gnero
literrio de suma importncia para a elaborao do
discurso filosfico o dilogo Socrtico para o qual
livio rossetti nos tem chamado bastante a ateno
nos ltimos anos, e particularmente no seu ltimo
livro homnimo (2011). a dita passagem tambm
importante do ponto de vista da histria da filo-
sofia, para a reconstituio das linhas mestras do
pensamento de plato e da academia, especialmente
no que concernem s suas fontes itlicas, como
explorou giovanni casertano em seu curso magistral
na eleatica de 2011, que tratava da transmisso das
ideias do Poema de parmnides ao Parmnides de
plato. de algum modo, esta acusao nos leva
para as discusses acerca do que Harold cherniss,
no livro homnimo (1945), intitulou de enigma
da antiga academia. tambm nos interessa a
avaliao dos critrios de autenticidade presentes
na recepo filolgica de epicarmo em suas edies
crticas; discusso para a qual muito tem contribudo
omar alvarez (2007 2009) e sem a qual no se
pode julgar a acusao de plgio dirigida a plato.
Vejamos, pois, a passagem e depois encaminhemos
nosso exame segundo os pontos de interesse aqui
levantados, ao lado desses interlocutores com os
quais tivemos o privilgio de dialogar no encontro
internacional sobre o pitagorismo, em Braslia.
Situemos o contexto da passagem. digenes
larcio prope compreender a filosofia de plato
como uma filosofia mista; qualificao que Nietzsche
retomar quando for contrapor essa filosofia mista de
plato s filosofias no mistas ou puras dos filsofos
pr-platnicos, no seu opsculo sobre Os filsofos
na idade trgica dos gregos (1873). os elementos
dessa mistura platnica so trs, segundo digenes:
as consideraes sobre os entes sensveis, a partir
de Herclito; dos inteligveis, segundo pitgoras; e
sobre as questes polticas, segundo Scrates.
M
,
,
. D.L., III.8.6-10
digenes segue expondo, em primeiro lugar, o
modo como plato entrou em contato com os ensi-
namentos de pitgoras: conforme o testemunho de
um bigrafo peripattico chamado Stiro, ele teria
primeiramente encomendado ao amigo don da Sic-
lia que comprasse de Filolao trs livros pitagricos1.
em seguida, digenes cita alcimo, um historiador
do final do quarto sculo antes de cristo, que teria
dito em um livro de acusao Contra Amntas, que
plato se aproveitou e transcreveu vrias obras de
epicarmo.
,
. D.L., III.9.6-8
digenes passa ento a citar diretamente a
acusao de plgio formulada por alcimo:
.
,
,
.
,
.
. ,
.
D.L., III.9.10-10.5
Parece que Plato disse muitas coisas a partir de
Epicarmo. Examinemos: Plato disse que o sensvel o
que nunca permanece em qualidade nem em quantidade,
1. d.l., iii, 9.
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mas sempre flui e se transforma, de modo que se algum
privasse tais coisas do nmero, nem a identidade nem
a quididade nem a quantidade nem a qualidade destas
existiriam. Tais coisas tm sempre devir, e naturalmente
nenhuma essncia. J o inteligvel o de que nada se
retira nem se acrescenta. Esta a natureza das coisas
eternas, que sempre semelhante e sempre coincide
consigo.
alcimo comea por resumir a teoria platnica
sobre a natureza do sensvel e do inteligvel, em
que o nmero aparece como a essncia permanente
das coisas e a natureza do que eterno. logo em
seguida, para que se compare com tais doutrinas
expressas por plato, a vez de alcimo fazer uma
citao, desta vez daquilo que diz epicarmo a res-
peito do sensvel e do inteligvel.
No deixemos de reparar que as citaes, estas
e as seguintes, viro em versos, 41 versos repartidos
entre tetrmetros trocaicos e trmetros imbicos.
reparemos ainda que as duas primeiras aparecem
no formato de um dilogo cmico2:
Mas os deuses sempre permaneciam presentes,
nunca sumiam;
e seus atributos sempre eram semelhantes porque
dos mesmos sempre.
Mas dizem que o caos gerou-se antes dos deuses.
Como assim? Nem pode, pois se no h nada nem de
que nem para que algo venha em primeiro!
Ento nada veio em primeiro? Nem em segundo,
por Zeus ! Nenhuma das coisas de que agora falamos;
pois que so sempre !
* * *
Pegue um nmero impar, ou par, se preferes!
Acrescenta ou retira uma unidade, achas que ainda o
mesmo ? Por mim que no!
Claro que no! Se ainda pegardes uma braa e
acrescentares ou retirares uma medida diferente, ainda
iremos supor que temos a mesma medida ? No.
Pois agora veja o homem: enquanto que um
cresce, o outro mngua, ambos esto o tempo todo em
transformao.
E o que se transforma por natureza nunca permanece
em si mesmo, sendo j outro do que o que ele se alterou.
Assim, tu e eu, ontem ramos outros do que agora,
e seremos ainda outros ; nunca seremos os mesmos
pela mesma razo.
{ }
,
.
{ }
.
{ }
.
{ } { }
, ,
.
,
,
, { }
.
{ }
, { }
. { }
, ,
.
.
. D.L., III.10.7-11.13 (DK 23 B 1 e 2)
alcimo, depois desta citao, retoma a sua
recenso da teoria platnica das ideias, falando
das ideias em si mesmas ( ), das suas relaes entre si ( ) e da sua participao nas coisas que recebem os mesmos nomes que elas ( ). continuando a comparao volta a citar o que diz
2. para um exame detalhado
da forma dialogal dessas duas
citaes cf. alvarez, omar, I
frammenti filosofici di Epicarmo:
una rivisitazione critica, 2007,
p.32.
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epicarmo sobre o bem e as ideias:
Acaso a aultica uma realidade ? Claro que sim!
A aultica um homem? De modo algum!
Vejamos, ento, o que um flautista? Quem voc
acha que ele ?
Um homem? Sim ou no? Sim, claro. No te
parece que assim tambm com respeito ao bem?
Pois o bem uma realidade por si, e quem soubesse
aprendendo, bom se tornaria. Como aprendendo a tocar
flauta que algum se torna flautista,ou danando, que
algum se torna danarino, ou tecendo, um tecelo.
E assim para qualquer outro exemplo semelhante que
tomares,ele no seria a prpria arte, mas sim o artfice.
{ } { }
.
{ } { } .
{ } ,
{ } . { }
,
, .
,
,
, .
D.L., III.14.1-14.11 (DK 23 B 3)
alcimo no para por aqui. agora a vez de
apresentar a teoria platnica do conhecimento, que
envolve as doutrinas da imortalidade da alma e da
anamnese. desta vez, porm, ele no vai apenas
resumir e aludir s teorias e opinies platnicas,
mas tambm vai citar o filsofo. a citao, todavia,
no remete a nenhum dos dilogos conhecidos, mas
a uma considerao acerca das ideias. tampouco
reconhecemos a passagem citada em algum dos
textos conhecidos de plato, nem ao menos no
dilogo Parmnides3, que recebia nas tetralogias de
thrasillo o subttulo de acerca das ideias4. teria
existido algum tratado platnico com este ttulo? ele
no consta nas listas do prprio digenes larcio, a
no ser como o dito subttulo. para plato, temos a
sorte, pouco frequente para os antigos, de conhecer
e possuir a integralidade do que ele escreveu em
vistas de publicao. por outro lado, consta no
apenas na lista de digenes, mas tambm em vrias
outras listas do perodo helenstico, a referncia ao
ttulo Acerca das Ideias, atribudo a aristteles.
esse tratado, se confiarmos nos trechos transcritos
por alexandre, no seu comentrio Metafsica de
aristteles, discutia vrios pontos do contedo da
teoria platnica das ideias, particularmente alguns
problemas que aparecem no dilogo Parmnides.
contedo que reencontramos nesta e tambm nas
outras referncias de alcimo s doutrinas que plato
teria plagiado em epicarmo. No ser a primeira vez
que comentadores peripatticos confundem obras
de plato e aristteles, visto que este escrevia sis-
tematicamente comentrios aos textos do mestre,
com ttulos prximos5. acredito que este no um
dado irrelevante para a nossa considerao. luc
Brisson (1992, p.3646-3651;1993, p.352) traduziu
e discutiu a passagem, no contexto do polmico
dossi acerca das doutrinas no escritas (grapha dogmta) de plato e, com razes suplementares,
tambm atribui a aristteles a base sobre a qual
os historiadores helenistas acusaram plato de
plagiar os pitagricos. Segundo ele, aristteles em
momento algum aludiu a qualquer plgio, mas no
primeiro livro da Metafsica, ao falar das influencias
que recebeu plato, cita justamente os pitagricos,
Herclito e Scrates. passagem bem conhecida dos
filsofos e historiadores helenistas, cuja ideia, como
vimos acima, digenes encampou completamente
quando disse que plato era um filsofo misto.
Vejamos a passagem de aristteles.
depois das filosofias de que falamos surgiu a
realizada por plato, a qual, se acompanha estes [os
pitagricos] em muitas coisas, tambm tem coisas
prprias ao largo da filosofia dos itlicos. pois desde
jovem, ele primeiro veio a ser frequentador de crtilo
e das opinies heraclticas, segundo as quais tudo o
que sensvel sempre flui e no pode haver cincia
destas; o que continuou sustentando tambm mais
tarde. por outro lado, recebeu as demonstraes de
Scrates que, tendo tratado de assuntos ticos mas
nada a respeito da natureza como um todo, nestes
buscou o universal e foi o primeiro a investigar com
o pensamento suas definies [...]
3. luc Brisson remete a passagem
a Fdon 96b e parmnides
128e; mas sua remisso no
identidade textual e sim a alguma
semelhana no contedo. cf.
larce, diogne, Vies et doctrines
des philosophes illustres, 1999, p.
429, n.6.
4. d.l., iii, 58.
5. tal confuso aparece,
por exemplo, com as referncias ao
Da Filosofia , que aristteles atribui a plato
(De Anima 404b 18) e temstio
remete a aristteles; Simplcio
e Filopo remetem ainda a outro
ttulo platnico: Do Bem ; cf. l. Boulakia, Platon hritier dAristote,1993 . para os
ttulos aristotlicos de comentrios
a plato cf. o ndice de ross, Frag-
menta Selecta,1979.
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,
,
.
,
,
,
,
, .
(A, 6, 987a29-b7)
parece-me claro que o conhecimento de pla-
to exposto por alcimo, assim como o de digenes
larcio, tem uma clara matriz aristotlica, ou pelo
menos provm das discusses da academia do tempo
em que aristteles a frequentava. pois bem, depois
de ter citado este plato de clara matriz aristotlica,
alcimo volta a citar outras passagens de epicarmo
de onde plato teria extrado essas doutrinas. agora
no temos um dilogo cmico, como nas demais
citaes, mas versos que lembram mais o canto coral
de uma comdia:
, ,
, .
,
,
, .
.
(DK 23 B 4)
Eumeu, o saber no somente para um,
mas enquanto vive, tudo tem pensamento.
Pois a fmea da raa galincea,
Se observares com ateno, no pare pintos
vivinhos, mas choca os ovos para dar-lhes vida.
Tal saber a natureza que sabe manter
sozinha: pois ela aprendeu consigo mesma.
E ainda:
,
, .
(DK 23 B 5)
Nada espantoso que ns assim falemos e regozijemos
de ns e nos orgulhemos naturalmente de ns mesmos;
tambm para o co nada mais belo que o co, e assim
o boi parece ao boi, para o asno o asno lindo, para o
porco o porco mais.
para coroar a longa passagem acusatria de
alcimo, que perpassa oito captulos do livro sobre
plato e comporta quatro citaes das comdias de
epicarmo, num total de 41 versos, digenes larcio,
por sua conta, acrescenta um trecho a mais, prova-
velmente extrado de uma parbase das comdias de
epicarmo, em que, vangloriando-se, o comedigrafo
previu que seria emulado no futuro:
,
.
,
. (DK 23 B 6)
Assim penso eu e penso que sei com clareza,
Destas minhas palavras ainda vo se lembrar.
Algum as tomar e as despojar de seu metro atual,
Vestindo-as de prpura e de belas palavras coloridas
Astucioso, far os outros parecerem ingnuos.
Visto o texto da acusao, passemos s con-
sideraes que nos interessam. primeiro no que se
refere s possveis contribuies de epicarmo para a
gnese desse gnero literrio que livio rossetti se no
batizou, com certeza consagrou em sua importncia
para o estudo das origens da filosofia: o dilogo
Socrtico. em seu livro homnimo (2011, p.40-41),
rossetti inclui as passagens de digenes sobre o
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plgio de epicarmo entre os elementos textuais do
dossi acerca das possveis origens deste gnero
multiplicado pelos discpulos de Scrates e coroado
por plato. epicarmo entra no exame dos possveis
modelos disponveis poca. mas pleiteio que ros-
setti no descarte to rapidamente sua hiptese de
que as comdias de epicarmo tenham contribudo
como um dos modelos para a constituio do gnero.
os modelos da comdia no retiram a originalidade
do dilogo Socrtico, mas certamente forneceram
ingredientes importantes para a elaborao da nova
receita. os dois contra-argumentos de rossetti so
verdadeiros, mas, a meu ver, no deveriam dar cabo
de todo o alcance de sua prpria hiptese. o primeiro
contra-argumento aponta que os pontos de contato
entre os testemunhos de epicarmo e plato ali apre-
sentados so doutrinais e, portanto, estranhos ao
agenciamento discursivo que caracteriza o gnero:
a) il sagit de points de contact de caractre
doctrinal (qui relvent du contenu) et donc trangers
lagencement des logoi (une formule, une stratgie
de communication);
o segundo, que epicarmo seria relativamen-
te distante da poca de proliferao do dilogo
Socrtico:
b) picharme appartient une poque rela-
tivement lointaine.
Sem dvidas a ateno de alcimo, bem como
a de digenes, na antiguidade, e de leitores con-
temporneos como Brisson, est voltada para as
semelhanas de carter doutrinal. mas os exemplos
citados mostram mais do que isso, mostram tambm
semelhanas do ponto de vista discursivo, mesmo
se os logoi socrticos so em prosa e no em verso,
como nas comdias. No me refiro s passagens
que atribumos ao coro. mas sem dvida so seme-
lhantes as partes dramticas, que envolvem algum
dilogo, citadas nas sees 10, 11 e 14. evidente
a semelhana com a estratgia do discurso curto de
Scrates (a braquilogia) composto de sequncias
argumentativas de perguntas e respostas. Neste
sentido, podemos entender que o discurso epicrmeo
incorpora e j d um passo alm do que tinha alcan-
ado a lgica argumentativa itlica de seu tempo,
anunciando e aproximando-se da dialtica socrtica.
alm disso, podemos apontar outros detalhes de
estilo, tais como a resposta jocosa em 10.11: , muito ao gosto das expresses que usar plato para compor o carter irnico de
Scrates. apontemos tambm o uso de silogismos
paradoxais, tal como, em 11.7-13, o uso do cha-
mado argumento do crescimento (cf. lvarez Salas 2009, p.79 ss.), que plato utilizar para expor a doutrina heracltica do devir,
no Teeteto6. possvel que esse argumento tambm
fosse um desdobramento, ou uma verso aplicada
ao problema da transformao, de outro famoso
argumento de provenincia pitagrica, chamado
de argumento do grande e do pequeno, nomeado
ainda pela expresso mais esotrica e quase blasfema
de dada indeterminada. esses argumentos para-
doxais e seus nomes obtusos sero abundantemente
utilizados nas comdias para retratar Scrates, tal
como o chamado argumento do mais fraco que
aparece nas Nuvens de aristfanes e tambm na
Apologia7e no primeiro livro da Repblica de plato.
parece que tais argumentos fizeram alargar a fama
de no poucos oradores deste perodo, quando no
ganharam fama prpria eles mesmos os argumentos
independente de seus criadores.
contudo , com clareza, na citao da seo
14 que veremos um discurso de epicarmo com estilo
idntico maneira de plato retratar as argumen-
taes epaggicas ou indutivas de Scrates. a
mesma escolha de exemplos simples nas atividades
artsticas, tais como a aultica, a arte da dana, a
tecelagem, usados para alcanar reflexes sobre coi-
sas mais abstratas, tais como o bem em si mesmo.
estes no so somente elementos doutrinais
e certamente fazem parte do agenciamento dos
discursos socrticos, de modo que no seria intil
buscar em expresses e estratgias retricas prprias
do drama cmico alguns elementos importantes na
constituio do dilogo Socrtico, e consequente-
mente da prpria filosofia, seja em plato seja nos
demais praticantes do gnero. claro que rossetti
continua tendo razo quanto originalidade in-
ventiva do dilogo Socrtico, sem o qual a filosofia
no ganharia a espantosa proliferao na grcia
da passagem do quinto para o quarto sculo, mas
a pizza no teria o mesmo sabor sem o tomate e o
azeite siciliano da comdia.
6. 152d-e
7. Apol. Socr. 19b
-
18
a segunda razo apresentada por rossetti
tambm verdadeira, mas no creio que a distncia
de epicarmo no passado seja um impedimento insu-
pervel para que exera, talvez no apenas de forma
direta, uma influncia nos discursos de Scrates e
tambm nos dilogos Socrticos escritos por seus
discpulos. Uma influncia de ingredientes retri-
cos e de certo esprito invectivo, que certamente
deixou mais temperado o novo gnero inspirado por
Scrates. e quem os usasse menos, como Xenofonte,
acabava obtendo resultados inspidos. os textos de
epicarmo deviam estar disponveis no quinto sculo
em atenas como os demais textos de origem itlica;
por que no disporiam de textos dele tanto como os
de parmnides e Xenfanes? os textos dramticos das
tragdias e, acredito eu, mais ainda os das comdias
dariam bons modelos para a dramatizao das con-
versas de Scrates com os seus concidados. afinal,
no foram as comdias mesmas os primeiros lugares
textuais em que Scrates foi representado?8 claro, o
Scrates das comdias e o dos dilogos no deixam
de ser diferentes, porque os gneros so parentes
mas no so o mesmo a comdia reala a invectiva,
a perplexidade, a ironia, mas nunca vai se importar
com o domnio, o rigor e a medida com que Scrates
conduz a vida e consequentemente os discursos.
por outro lado, possvel que a influncia na
retrica socrtica da comdia itlica tenha chegado
tambm por vias indiretas, tal como pelos ensina-
mentos retricos de grgias de leontini, que dizia
que necessrio desfazer a seriedade dos oponentes
com ironia e a gaiatice com seriedade. , .9 assim, bem provvel que plato tenha utilizado modelos retricos oriun-
dos da comdia, e o fato de no serem da comdia
que lhe era contempornea e mais prxima talvez
at o tenha deixado mais vontade para copiar sem
que o acusassem imediatamente de plgio.
Visto que tocamos no aspecto da influncia
itlica sobre os dilogos de plato, gostaria de
trazer uma considerao a mais para as questes
de linhagem filosficas que giovanni casertano
abordou em seu curso de maio na eleatica de 2011,
o qual veremos em breve publicado. casertano
apontou duas vertentes originrias dessa discusso
ontolgica que alcana seu insupervel desempenho
dialtico no Parmnides e no Sofista de plato. as
discusses levantadas pelo Poema de parmnides
chegariam a plato por um discpulo diligente que
teria explorado os absurdos de no seguir o uno:
Zeno de elia. este que mostrou todos os impasses
que deviam ser superados para se falar do mltiplo
e do devir. e, por outro lado, tambm chegaria
por via de um anti-discpulo travesso, grgias de
leontini, que exploraria a hiptese interdita do
no-ser, a ponto de obrigar plato a encontrar na
dialtica tambm um refgio para esta estranha e
esquiva entidade. permitam-me acrescentar outra
vertente de provenincia itlica para a constituio
dos dilogos de plato. Uma vertente de carter
cmico, que passa pela comdia de epicarmo, e
que, seguindo contra a corrente, podemos chegar
rio acima, por transmisso direta, at as Stiras de
Xenfanes de colofo, como ainda pretendo mostrar
em outra ocasio. pois o que se sugere, com estas
linhagens avessas e travessas que a filosofia no
se cria e cresce e se transmite apenas por discpulos
disciplinados e obedientes, mas tambm pela invec-
tiva, pela crtica, pelo confronto em torno de temas
e questes idnticas ou pelo menos afins, prtica
que os comedigrafos aproveitaram, intensificaram,
refinaram e difundiram.
assim, tambm quando voltamos a con-
siderar as acusaes contra o plgio de plato,
estas parecem se inserir nesse modo agonstico
com que os gregos tratavam as questes de im-
portncia filosfica e, particularmente, os estudos
sobre a transmisso das filosofias. mas afinal,
possvel ser aprendiz e discpulo sem, de algum
modo, emular os mestres? Qual o teor da acusa-
o de plgio levantada por alcimo e transmitida
por digenes? plato teria abusado dos direitos
autorais da comdia arcaica ou, filsofo misto
(e misturador), seria um grande, certamente o
maior sbio (cozinheiro), usando e abusando
dos ingredientes dessas filosofias puras e desses
condimentos literrios que ele pe magistralmente
na voz de suas personagens?
preciso examinar um pouco mais a
consistncia da acusao. Que ela seja plausvel no
quer dizer ainda que seja verdadeira. Se observarmos
8. en 423, As Nuvens de
aristfanes e Connos de
ameipsias ; en 421, Os Aduladores
de eupolis.
9. ariStot. rhet. 18. 1419b 3.
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desgnio 8
19
jan.2012
o ponto de vista filolgico adotado por Kassel &
austin nos Poetae Comici Greci (2001), que rene
todas as citaes de alcimo e digenes na sesso
dos pseudepicharmea, veremos que estes autores
tendem a desacreditar a acusao, com o argumento
de que as passagens de epicarmo seriam esprias
e forjadas; de modo que seria alcimo o plagirio e
no plato. mas Kassel e austin no so particular-
mente cuidadosos com estes fragmentos, visto que
nem sequer diferenciam a citao que digenes
acrescenta e que no poderiam atribuir ao suposto
plgio de alcimo (ex Alcimo) como o fazem10. parece
que o pressuposto com relao s autoridades filo-
sficas os teria enganado, e teriam confiado mais na
idoneidade metafsica de plato que nas intenes
litigantes de digenes e suas fontes.
omar alvarez (Pseudepicharmea: alle origini di
un corpus pseudepigrafo, 2007), por outro lado, de
opinio contrria e, a nosso ver, bem mais consisten-
te, no exatamente quanto ao teor da acusao, mas
autenticidade das passagens de epicarmo. alvarez
analisa as formas dialetais, os metros e tambm a
transmisso do famoso argumento do crescimento.
em vista dessas evidncias, no v por que pr em
dvida a autoria epicrmea dos mesmos. alm de
assentir com tais evidncias, gostaria de acrescentar
um argumento quanto ao aspecto da potica cmica
relacionado s partes da encenao. as trs primeiras
citaes so trechos de episdios dramticos, depois
as outras duas so trechos de interldios corais e
a ltima, acrescentada por digenes, uma parte
tpica de parbase; de modo que todas as citaes
se encaixariam perfeitamente dentro das estruturas
de composies cmicas. assim, todas as evidncias
contam a favor da autenticidade, ao passo que a
nica autoridade contrria que apresenta falha
de argumentao.
mas que as passagens de epicarmo sejam autn-
ticas, isso ainda no garante que a acusao de alcimo
seja procedente. primeiro porque, como vimos, a fonte
do contedo doutrinrio provm mais das leituras aca-
dmicas e aristotlicas de plato do que dos prprios
dilogos do filsofo. Segundo, porque mesmo nas partes
de dilogo cmico, onde o estilo do comedigrafo se as-
semelha dialtica de Scrates nos dilogos platnicos,
no podemos dizer que seja uma cpia realizada por
10. PCG, i, p.164.
plato; visto que se trata muito mais de uma forma
retrica genrica, que vai caracterizar a dialtica
socrtica e, consequentemente, todo o gnero dos
chamados dilogos socrticos.
Segundo o ponto de vista doutrinal, alcimo
no forja as passagens de epicarmo. por outro lado,
claramente a leitura de plato que ele usa para a
comparao uma leitura indireta, esta sim cons-
truda conforme o pressuposto aristotlico de que
a influncia do pitagorismo decisiva para a teoria
das ideias de plato. Neste caso o que interpretar?
trata-se de plato influenciado pelos pitagricos
ou trata-se de uma leitura pitagorizante de plato?
a qual, obviamente, vai encontrar aquilo que ela
mesma ps: as semelhanas com os pitagricos!
a resposta no to simples, pois envolve a com-
preenso que os prprios antigos faziam de suas
linhagens e da transmisso das ideias e doutrinas.
por mais que alcimo seja claramente influenciado
pelas leituras peripatticas, aristteles no inventa
nem afirma nenhum absurdo quando remonta plato
a linhagens pitagricas. mesmo assim, no plano dou-
trinal, trata-se menos de um caso de plgio do que
de influncia, como aponta o prprio aristteles no
primeiro livro da sua Metafsica. e de uma influncia
que, ainda segundo aristteles, vai misturar-se com
outras duas fontes filosficas antes de resultar na
composio propriamente platnica.
do ponto de vista formal, a semelhana
retrica tambm resulta, a meu ver, menos de um
caso de plgio entre plato e epicarmo, do que de
influncia das estratgias poticas e retricas das
comdias na constituio deste novo gnero de ex-
presso sapiencial que so os dilogos Socrticos.
estratgias que devero ser mais exploradas numa
reflexo sobre as expresses sapienciais resultantes
na filosofia clssica. plato com certeza leu e es-
tudou epicarmo e aristfanes, assim como tantos
outros autores cujas obras circulavam em seu tempo.
Se os livros eram raros e difceis, isto no impediu
plato de despender recursos e esforos para obt-
-los, como testemunhou digenes11. e no teria sido
plato o genial filsofo e escritor que foi se no
tivesse um particular mpeto agonstico, que no
o levaria propriamente a copiar, mas certamente a
competir com seus mulos.
11. d.l. iii,9.
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20
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