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EXCELENTÍSSIMO JUIZ DE DIREITO DA UNIDADE DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DA CAPITAL-SC URGENTE O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA, com fundamento nos artigos 5º, caput e inciso XXXII; 127; 129, inciso III, e 170, inciso V, todos da Constituição da República Federativa do Brasil; nos artigos 1º, inciso II; 5º, caput e inciso I, e demais dispositivos da Lei nº 7.347/85; no Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90), no artigo 81, par. único e seus incisos; na Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei nº 8.625/93); no artigo 82, inciso VI e alíneas, da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público (Lei Complementar n. 197/2000), e, ainda, sobretudo, com fulcro no Inquérito Civil n. 08.2013.00322615-5, que segue em anexo e ao qual será feita menção pelo número de folhas, que tramita nesta 29ª Promotoria de Justiça da Capital, vem à presença de Vossa Excelência propor a presente AÇÃO COLETIVA DE CONSUMO, com pedido de ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA, em face de SERASA S.A. (Serasa Experian), inscrita no CNPJ sob o n. 62.173.620/0001-80, com endereço na Alameda dos Quinimuras, n. 187, Planalto Paulista, São Paulo/SP, CEP 04068-900, pelos fatos e fundamentos a seguir expostos. 1

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EXCELENTÍSSIMO JUIZ DE DIREITO DA UNIDADE DA FAZEND A PÚBLICA DACOMARCA DA CAPITAL-SC

URGENTE

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA , comfundamento nos artigos 5º, caput e inciso XXXII; 127; 129, inciso III, e 170, inciso V,todos da Constituição da República Federativa do Brasil; nos artigos 1º, inciso II; 5º,caput e inciso I, e demais dispositivos da Lei nº 7.347/85; no Código de Defesa doConsumidor (Lei nº 8.078/90), no artigo 81, par. único e seus incisos; na Lei OrgânicaNacional do Ministério Público (Lei nº 8.625/93); no artigo 82, inciso VI e alíneas, daLei Orgânica Estadual do Ministério Público (Lei Complementar n. 197/2000), e,ainda, sobretudo, com fulcro no Inquérito Civil n. 08.2013.00322615-5, que segue emanexo e ao qual será feita menção pelo número de folhas, que tramita nesta 29ªPromotoria de Justiça da Capital, vem à presença de Vossa Excelência propor apresente

AÇÃO COLETIVA DE CONSUMO,com pedido de ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA,

em face de SERASA S.A. (Serasa Experian) , inscrita no CNPJ sob on. 62.173.620/0001-80, com endereço na Alameda dos Quinimuras, n. 187, PlanaltoPaulista, São Paulo/SP, CEP 04068-900, pelos fatos e fundamentos a seguirexpostos.

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I - SÍNTESE DOS FATOS

Diante do recebimento de representação de consumidor relatando anegativa de concessão de crédito, pela BV Financeira e pelo Banco Bradesco, parafinanciamento da aquisição de uma motocicleta, acreditando o consumidor se dar emrazão da existência do sistema "Concentre Scoring", da Serasa Experian, o MinistérioPúblico do Estado de Santa Catarina, por sua 29ª Promotoria de Justiça, instaurou oInquérito Civil nº 06.2013.00006945-1, tendente a apurar, entre outras, a legalidade daprática do "Scoring", sistema de pontuação aplicada aos consumidores com base eminformações contidas no banco de dados da ré Serasa Experian.

Requisitadas informações, a demandada informou, em síntese, que:

i) as alegações do consumidor não procedem, pois a ré pauta suasatividades no estrito cumprimento da legislação vigente;

ii) o sistema Scoring é resultado da mais avançada tecnologia emmodelagem de dados e tem como objetivo auxiliar os concedentes na análise do riscona decisão de concessão ou não de crédito e/ou de realização ou não de negócios;

iii) os principais elementos utilizados na composição do Scoring levamem conta informações individuais e coletivas, financeiras, patrimoniais, de cadastros,de idoneidade, fatores macro e microeconômicos que possam influir noscompromissos financeiros e outras circunstâncias especiais relacionadas aoconsumidor;

iv) vários elementos interferem no cálculo do Scoring, os quais sãocombinados segundo as diferentes fórmulas matemáticas utilizadas, as quais seencontram protegidas por sigilo e confidencialidade por constituírem segredoempresarial, conforme previsto no art. 5º, inciso IV, da Lei nº 12.414/11; (grifamos)

v) a Serasa não interfere na decisão do concedente de concessão ounão do crédito e/ou de realização ou não do negócio, pois o Scoring é uma das váriasferramentas que pode auxiliar o concedente na tomada de decisão da realização donegócio e da concessão de crédito responsável, pois auxilia o combate aosuperendividamento do consumidor, protegendo-o e a sua família;

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vi) é importante que as informações sejam atualizadasconstantemente pelos consumidores, já que a efetivação do negócio e/ou odeferimento da concessão de crédito não é direito subjetivo, mas fruto da decisão doconcedente, podendo o Scoring ser alterado de acordo com as informações doconsumidor existentes na base de dados do Serasa Experian;

vii) caso o consumidor tenha informações que comprovem históricopositivo de crédito, poderá contribuir com a melhoria do seu Scoring, valendo-se,assim, do direito de que estas informações sejam consideradas na composição doseu Scoring, podendo entregá-las juntamente com a documentação pertinente e coma autorização para abertura de seu cadastro positivo em qualquer agência da SerasaExperian.

Das informações prestadas pela ora ré (fls. 38-42 do Inquérito Civilque instrui a demanda), vê-se que a Serasa Experian, em última análise, exorbitousuas finalidades ao assumir o compromisso de zelar pelos interesses econômicos dosestabelecimentos comerciais, pois o novo mecanismo (sistema) "Concentre Scoring",destinado a proporcionar maior segurança nas relações negociais, ultrapassa oslimites permitidos por lei, causando, por consequência, indignação aos consumidoresque, mesmo sem nunca terem atrasado um pagamento, podem vir a ser tachados demaus pagadores.

De acordo com as informações contidas no endereço eletrônico daSerasa Experian1, o "Concentre Scoring é um produto baseado em modelosestatísticos de pontuação de crédito. Fortemente apoiado em informações negativas,o produto compreende diversos modelos estatísticos, cada um deles direcionado paraum determinado perfil de histórico de crédito. Os modelos fornecem uma pontuaçãoque representa a probabilidade de um proponente de crédito tornar-se inadimplenteno mercado em um período de 12 meses. Por considerar informações tãoabrangentes, o Concentre Scoring agrega valor aos processos de gestão de risco,mesmo para empresas que já possuem modelos internos de escoragem de crédito. Autilização conjunta de modelos internos com o Concentre Scoring permite aotimização do uso das informações nas avaliações de risco de crédito".

Desta forma, mesmo os consumidores que não apresentam quaisquerrestrições negativas ao crédito, por meio da anotação no sistema "Concentre

1 http://www.serasaexperian.com.br/solucoes/concentre/concentre_concentrescoring.htm. Acesso em 19/09/2013.

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Scoring", passam a receber uma pontuação que acena qual a probabilidade de virema não pagar uma dívida.

Assim, além dos serviços de proteção ao crédito tradicionais, queregistram o nome de quem tenha deixado de honrar com sua obrigação em dia,começam a surgir mecanismos de defesa do fornecedor que, por critérios nãonecessariamente ligados à falta de pagamento 2, presumem que o consumidor nãopasse de um mau pagador.

É o caso da investigação que informa a presente demanda, em que aré Serasa Experian armazena dados de consumidores, formando com estes umverdadeiro banco de dados paralelo e oculto – vez que criado à margem dos jáexistentes cadastros negativo e positivo, sem que seja dada ciência ao consumidor daabertura do novel cadastro –, repassando-o aos estabelecimentos comerciais eagregando a ele um Scoring (sistema de pontuação, de zero a mil) do consumidorconsultado, tendo tais informações a finalidade de auxiliar na formação de umjuízo de valor a respeito da lisura do consumidor, balizador para a concessão decrédito.

Nada de errado em se verificar, antes de aceitar um cheque ouconceder crédito, se o respectivo emitente/pretendente possui registro nos serviçosde proteção ao crédito, etc., os chamados ”cadastros negativos“. Eventualconstatação do fato é indício de que o pagamento a ser efetuado possa não passarde fantasia. Todavia, outra coisa é o mecanismo que, calcado em critériosnebulosos e inacessíveis, sugere que alguém não irá cumprir com suaobrigação de pagar somente porque pessoas com perfi s semelhantes não ofazem, ou porque a idoneidade do consumidor foi con siderada ruim e porquefatores macro ou microeconômicos possam influir no compromisso financeiro(fl. 39 do IC em referência).

No procedimento que instrui a presente demanda, a demandadaalega atender os interesses dos consumidores (!), uma vez que auxilia no controle deseus gastos, evitando o comprometimento excessivo de sua renda. Fá-lo, entretanto,sem haver sido contratada ou sequer convidada a prestar esse serviço, funcionandocomo o Irmão Mais Velho (Big Brother) que a premonição de George Orwell

2 Como, por exemplo, as informações coletivas levadas em consideração para atribuição de melhor ou piorpontuação ao consumidor determinado, considerando-se assim, "informações de pessoas com perfis semelhantes"(fl. 39 do IC en referência).

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anunciava ao descrever a sociedade do futuro em sua obra ”1984“, em que doindivíduo se subtrai o seu maior patrimônio, a capacidade de auto-determinação para,no caso, favorecer ao interesse patrimonial dos fornecedores.

Com a adoção deste novo mecanismo obscuro (Concentre Scoring),cuja utilização tem por fulcro um ilegítimo banco de dados, o consumidor poderá terseu crédito recusado sem qualquer justificativa pla usível 3, o que fere o direito àinformação consagrado pelo Código de Defesa do Consumidor em seus arts. 6º, III, e43.

Ademais, há informações veiculadas pela mídia (docs. anexo) dandoconta de que, como componentes dos critérios utilizados para a formação do bancode dados e do Score, a Ré se vale de renda presumida de determinadosconsumidores e do fato de estes proporem ou terem contra si propostas açõesjudiciais, circunstâncias que, se comprovadas, reforçam o caráter abusivo da condutapor ela perpetrada.

Em virtude do todo o exposto acima, com o flagrante desrespeito aosdireitos do consumidor, bem como o descaso da requerida, que insiste em sustentar alegalidade do banco de dados ora atacado e do score sobre ele aplicado (ConcentreScoring), não há outro caminho senão a propositura da presente actio, a fim de queos ideais de justiça sejam concretizados.

II – LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO

O Ministério Público é instituição permanente e essencial à funçãojurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regimedemocrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127, caput, daCF), bem como a obrigação de zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dosserviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição, promovendoas medidas necessárias a sua garantia (art. 129, inciso II, da CF).

3 Situação já ocorrida com o consumidor Felipe Ricardo Ribeiro, que representou a esta Promotoria de Justiçasolicitando a apuração da legalidade do Concentre Scoring (fl. 06 do IC em referência).

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Além disso, a Lei nº 7.347/1985 atribuiu legitimidade ao MinistérioPúblico para intentar a Ação Civil Pública, ferramenta valiosa na defesa dosinteresses difusos, coletivos e individuais homogêneos. Assim, a Lei nº 8.078/1990,que instituiu o Código de Defesa do Consumidor, buscou dar maior efetividade àsações ministeriais, atribuindo ao Ministério Público a tutela do consumidor,acrescentando ainda a tutela dos direitos individuais homogêneos, em perfeitasintonia com a Carta Magna.

Na presente ação, busca-se a tutela dos direitos e interesses difusos,coletivos e individuais homogêneos dos consumidores.

Sobre os direitos individuais homogêneos, Eduardo Arruda Alvimconceitua como sendo:

(...) aqueles decorrentes de origem comum (artigo 81, III, do Códigode Defesa do Consumidor). Representam, pois, interesses individuaisque, pela dimensão que assumem, podem ser tratados coletivamente,segundo o que preceitua referido dispositivo. Não está, pois, nestecaso, presente o traço da indivisibilidade, característico dos direitosdifusos e coletivos. Seus titulares são, portanto, perfeitamenteidentificáveis. Todavia, a maior dimensão que assumem permite quepossam sem tutelados, também coletivamente4.

A doutrina e a jurisprudência reconheceram a legitimidade do MinistérioPúblico para atuar na defesa de interesses individuais homogêneos que demonstrema conveniência coletiva da atuação desse órgão devido à natureza do interesse, suaabrangência social (determinada pela dispersão dos lesados) e o interesse social nofuncionamento de determinado sistema econômico, social ou jurídico atingido pelatutela do interesse individual homogêneo.

Frisa-se que, muito embora haja a possibilidade de cada participanteque se sinta prejudicado ingressar individualmente em juízo (como inclusive já vemocorrendo), os aventados interesses assumem tamanha repercussão que permitem oajuizamento desta ação coletiva, tendo em vista a importância social diferenciada,bem como por se tratarem de direitos tutelados pelo Código Consumerista e, ainda,classificarem-se não apenas como direitos individuais homogêneos, mas tambémcoletivos (sentido lato), buscando-se, pois, tutelar não só os consumidores atingidospela prática ilegal e abusiva, mas todos aqueles incluídos no banco de dados do

4 Direito do Consumidor: Tutela Coletiva. Organizado por Aurisvaldo Sampaio e Cristiano Chaves. Rio deJaneiro/RJ: Lumen Juris, 2005, p. 245.

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"Concentre Scoring" sem que tenha havido necessária comunicação, conformeexigência contida no art. 43, §2º, do Código de Proteção e Defesa do Consumidor.

Com efeito, em relação à defesa coletiva dos interesses e direitos dosconsumidores, estabelece o CDC, em seu art. 81, par. único, que será exercidaquando se tratar de: I) interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitosdeste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titularespessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; II) interesses ou direitoscoletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, denatureza indivisível, de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadasentre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base; e III) interesses oudireitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.

Destarte, irrefutável a legitimação do Ministério Público para figurar nopólo ativo desta ação, em defesa de todos os consumidores que se encontramcadastrados no banco de dados ora questionado e daqueles que ainda poderão serinscritos, a qualquer momento, sem a devida e obrigatória comunicação, suscetíveisde receberem uma pontuação com base em ferramenta que não respeita princípiosbásicos de proteção do sistema consumerista. Ainda, não custa ressaltar que apresente demanda beneficia a própria prestação jurisdicional, na medida em quedispensa o Poder Judiciário de julgar milhares de ações individuais sobre a mesmamatéria, principalmente se considerada, in casu, a já noticiada avalanche de açõespropostas contra a ré, o que inclusive tumultuou a distribuição nos Juizados EspeciaisCíveis desta Capital (fls. 65-6 e 69 do IC em referência).

III – FUNDAMENTAÇÕES JURÍDICAS

3.1) Ofensa a princípios fundamentais do sistema jur ídico pertinente

Excelência, o tipo de banco de dados/cadastro e o sistema oraimpugnados (Concentre Scoring) são incompatíveis com o Sistema Nacional deDefesa do Consumidor, inaugurado pela Constituição da República Federativa doBrasil e regulamentado pelo Código de Defesa do Consumidor.

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Dentre os princípios que fundamentam a Ordem Econômica, destaca-se a defesa do consumidor (art. 170, V, CRFB), o que significa dizer que a livreiniciativa deve certamente ser fomentada, mas desde que circunscrita adeterminados parâmetros.

Observa-se, também, que a dignidade da pessoa humana, erigidacomo um dos fundamentos da República (art. 1º, III, CRFB), está sendo diminuídasempre que alguém sofre limitação a seu direito de crédito sem que a ela tenha dadocausa, como ocorre quando a recusa à efetivação do negócio pretendido se dá,simplesmente, porque o consumidor, com base em informações genéricas eimprecisas, foi considerado mau pagador.

Por isso, o mecanismo ora censurado permite que os fornecedores,em lugar de provar ou pelo menos acenar com algum indício real que os autorize adesconfiar da idoneidade do consumidor, presumam, sem admitir prova emcontrário nem direito de defesa, sua qualidade de i nadimplente por causa dealgum fator (desconhecido pelo consumidor) que não possui relação direta com a suaincapacidade de ser pontual no pagamento de suas dívidas.

Neste caso, acurada é a exposição de Antonio H. Benjamin:

A consulta aos bancos de dados e cadastros, com o condão deconhecer o pretendente ao crédito, atinge-o sob todos os aspectos, epor este motivo se diz que os repositórios em comento possuemonisciência, para saber tudo, não deixando pedra sobre pedra noedifício da individualidade e da privacidade; onipo tência, aodeterminar o destino dos negócios, com incontestáve l poder devida ou morte sobre o homo economicus; onipresença, ao invadirtodos os espaços da vida comunitária, muitas vezes confundindomercado com o modesto e frágil território da privac idade de cadaindivíduo .5 (sem grifos no original)

Assim, a conduta protagonizada pela demandada ofende princípiosfundamentais do sistema jurídico a que pertence.

5 apud EFING, Antônio Carlos; Bancos de Dados e Cadastro de Consumidores, RT, 2002, p. 59.

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3.2) Violação ao Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90)

É consabido que o art. 43 do CDC prevê a possibilidade da existênciade cadastros e bancos de dados de consumidores.6 É uma medida que, quandoutilizada na forma da lei, assegura aos consumidores facilidades e permite aosfornecedores a proteção contra os maus pagadores, diminuindo, pois, os custosrelacionados à inadimplência.

Neste contexto, salienta-se que bancos de dados de consumidoressão considerados entidades de caráter público, conforme estabelece o §4º do art. 43do CDC, e gozam, assim, da proteção constitucional até mesmo pela via do habeasdata (art. 5º, inciso LXXII, alíneas “a” e "b", da CF), sendo obrigadas, ainda, como tal,a fornecer serviços adequados, eficientes e seguros, in verbis:

Art. 43 (...) § 4º. Os bancos de dados e cadastros relativos a consumidores, osserviços de proteção ao crédito e congêneres são consideradosentidades de caráter público.

Por sua vez, o §2º do art. 43 do diploma consumerista determina quea inclusão de consumidor em cadastro negativo seja comunicada por escrito ,quando não solicitada por ele. Veja-se o dispositivo em comento:

Art. 43. O consumidor, sem prejuízo do disposto no art. 86, teráacesso às informações existentes em cadastros, fichas, registros edados pessoais e de consumo arquivados sobre ele, bem como sobreas suas respectivas fontes. § 1° Os cadastros e dados de consumidores devem ser objetivos,claros, verdadeiros e em linguagem de fácil compreensão, nãopodendo conter informações negativas referentes a período superior acinco anos. § 2° A abertura de cadastro, ficha, registro e dado s pessoais e deconsumo deverá ser comunicada por escrito ao consumidor, quandonão solicitada por ele.

Neste passo, forçoso reconhecer que a demandada adota condutailícita ao não tomar a precaução citada , deixando de informar o consumidor sobre

6 Muito embora a ênfase e a discussão em torno das regras instituídas no art. 43 recaiam nos chamadoscadastros de inadimplentes dos serviços de proteção ao crédito, a norma incide em sistemas de informação maisampla.

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sua inclusão em banco de dados que servirá de suporte para a utilização do sistemaScoring, o qual lhe atribui pontuação subjetiva, despida de critérios transparentes,bem como o impedindo, deste modo, de inclusive questionar a existência do débito ouefetuar o pagamento oportunamente, a fim de evitar os reflexos negativos do cadastrodesabonatório. Assim, o consumidor vê-se privado de informação essencial, a qual foiinstituída pelo legislador justamente para a proteção da parte hipossuficiente narelação de consumo.

A esse respeito, cumpre destacar precedentes do Superior Tribunalde Justiça:

Processual Civil e Comercial. Inscrição em cadastro restritivo decrédito. Ausência de prévia comunicação ao consumidor. Violação aoartigo 43, §2º, do diploma Consumerista. Enunciado 359, da Súmulado STJ. Dano moral configurado. Verba reparatória que não destoados parâmetros desta egrégia Corte. Agravo Regimental improvido.7

E mais:

Direito do Consumidor. Recurso especial. Ação de compensação pordanos morais. Inscrição de número de CPF em cadastro deinadimplentes realizada sem prévia comunicação. Registro realizadoem desacordo com o art. 43, §2º, do CDC. Legitimidade passiva doórgão mantenedor do cadastro. Dano moral reconhecido. (...) A ausência de prévia comunicação ao consumidor da inscrição do seunome em cadastros de proteção ao crédito, prevista no art. 43 , §2º doCDC, enseja o direito à compensação por danos morais, salvo quandopreexista inscrição desabonadora regularmente realizada.8

No mesmo rumo, é oportuno destacar julgamentos que já trataram dotema no judiciário catarinense:

O banco de dados e cadastros de consumidores lidam com o nomedas pessoas, ou seja, com um dos mais importantes direitos dapersonalidade. Deste modo, a fim de proteger o consumidor, o art. 43do CDC estabeleceu que: (...)Portanto, a teor das disposições do CDC, os cadastros deconsumidores devem conter informações verdadeiras, de forma clara,objetiva e em linguagem de fácil compreensão, até para possibilitaruma possível correção a dados inexatos. Além disso, a abertura deste

7 AgRg no Resp 1012911/RS, rel. Ministro Luis Felipe Salomão, quarta turma, julgado em 05/02/2009, Dje26/02/2009.8 REsp 901.584/RJ, Rel. Ministra Nancy Andrighi, terceira turma, julgado em 17/09/2009, DJe 02/10/2009.

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cadastro de consumo deverá ser previamente comunicada por escritoao consumidor, quando por ele não solicitada.9

RECURSO INOMINADO – SERASA – CONCENTRE SCORING –BANCO DE DADOS RESTRITIVO DE CRÉDITO NÃO AUTORIZADO

PELO CONSUMIDOR – ACESSO À INFORMAÇÃO –IMPOSSIBILIDADE DE RETIFICAÇÃO – VIOLAÇÃO AO ART. 5º,INCISO X, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL; ART. 43 DO CDC; E ART.4º DA LEI 12.414/11 – BANCO DE DADOS OBSCURO EMANIFESTAMENTE ILEGAL – FALTA DE TRANSPARÊNCIA – FATODO SERVIÇO – RECURSO DESPROVIDO.1. É ilegal a manutenção de cadastro de crédito paralegal, de carátersubjetivo, sem transparência, sem contraditório e obscuro, porentidade privada, com efeitos limitadores do crédito do consumidor. Acriação e manutenção do Concentre Scoring avilta a vulnerabilidadejurídica e de informação do consumidor. Ofende o Estado Democráticode Direito. 2. O caráter obscuro e sigiloso do banco de dados representaobstáculos aos direitos dos consumidores, vez que impossível inferirse na obtenção do score foram considerados, por exemplo, débitos jáquitados, prescritos ou por prazo superior a 05 (cinco) anos.10

Vê-se, dos julgados acima reproduzidos, que o sistema "ConcentreScoring" não atende a nenhum dos requisitos estabel ecidos pelo art. 43 doCDC. O consumidor não é previamente notificado da abertura do banco de dados eas informações obtidas por meio deste para a aplicação do Scorings não são claras,possuem diversos dados subjetivos e em linguagem de complicada compreensão,violando, como consequência, o princípio da transparência consagrado pelo códigoconsumerista. Reza o caput do art. 4º do CDC:

Art. 4º. A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivoo atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à suadignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesseseconômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como atransparência e harmonia das relações de consumo, atendidos osseguintes princípios: (...) (grifo nosso)

Além disso, releva ponderar que a norma que estabelece a obrigaçãode comunicação ao consumidor decorre do dever de informar (art. 6º, III, do CDC), dealertar o consumidor acerca do apontamento, a qual, se descumprida, ocasionadiversos prejuízos aos consumidores, de quem é ocultada informação relevante que

9 2º Juizado Especial Cível da Capital, Proc. n. 0811651-30.2013.8.24.0023, julgado em 04/09/2013, Dje12/09/2013.10 1ª Turma de Recursos da Capital, Recurso Inominado n. 0800016-45.2013.8.24.0090, julgado em 29/08/2013,ainda não publicado no Dje.

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trará reflexos diretos no seu direito ao crédito. Nesse sentido, são os ensinamentos deCláudia Lima Marques11:

Como segundo reflexo do princípio da transparência, temos o novodever de informar, imposto ao fornecedor pelo CDC. Este dever deinformar concentra-se, inicialmente, nas informações sobre ascaracterísticas do produto ou serviço oferecido no mercado. (...)O dever de informar passa a representar, no sistema do CDC, umverdadeiro dever essencial, dever básico (art. 6º, inciso III) para aharmonia e transparência nas relações de consumo, na atividade detoda a cadeia de fornecedores, é verdadeiro ônus atribuído aosfornecedores, parceiros contratuais ou não do consumidor. Aliás, o Código de Defesa do Consumidor, ao instituir os direitosbásicos do consumidor, definiu no seu art. 6º, inciso III, que; (...)III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos eserviços, com especificação correta de quantidade, características,composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos queapresentem; (...)Assim, a norma precitada assegura ao consumidor a informaçãoadequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, bem comosobre os riscos que apresentem. Portanto, no caso sub judice, háevidente desobediência ao dispositivo legal em comento, na medidaem que as informações acerca de restrição em órgão cadastral nãoforam repassadas oportunamente ao consumidor. Nessa seara, descumprido direito básico do consumidor de serinformado, de forma clara e adequada, sobre os dados quanto àconduta comercial daquele, que serão divulgados ao público queutiliza aquelas informações para análise de risco para concessão decrédito ao mesmo, cuja repercussão negativa pode importar na perdada oportunidade de realizar transação comercial de seu interesse.

Não bastasse, como visto, a ausência de necessária comunicação aoconsumidor acerca da abertura do cadastro/banco de dados ora impugnado, retira-sedas informações prestadas pela própria demandada (fls. 38-42) que sua práticatambém viola as disposições do art. 43, §1°, do CDC, que prevê que "os cadastros edados de consumidores devem ser objetivos, claros, verdadeiros e em linguagem defácil compreensão, não podendo conter informações negativas referentes a períodosuperior a cinco anos".

11 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relaçõescontratuais. São Paulo: RT, 2002. p. 646.

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Ora, ao admitir que "vários elementos interferem no cálculo do score,os quais são combinados segundo as diferentes fórmulas matemáticas utilizadas" (fl.40), a Serasa deixa claro que se trata de um sistema dos mais complexos, que nãopermitiria – ainda que supostamente houvesse comunicação de sua abertura – fácilcompreensão do consumidor, como expressamente exige o Diploma Consumerista.

Aliás, também a circunstância de se atribuir pontuação tão alargada(de zero a mil) é claramente indicativa da infinidade de dados/informações utilizadas eda complexidade e consequente dificuldade de compreensão do sistema.

Ademais, o sistema "Concentre Scoring" da ré não dispõe acerca daforma de obtenção da contagem apresentada (pontuação de zero a mil), ficando oconsumidor sem saber os motivos da pontuação a si atribuída.

Cuida-se, na verdade, de informação que envolve análise subjetivarealizada pelo Serara Experian, o que certamente dificulta o exercício do direito decorreção, previsto no art. 43, §3º, do CDC.

Analisando a questão posta, infere-se que a ré, ao disponibilizar àsempresas consulentes a pesquisa ao banco de dados do consumidor e respectivapontuação pelo sistema "Concentre Scoring" sem que haja necessária comunicaçãoàquele, tampouco possibilidade de acesso às informações que são utilizadas paraobter a pontuação – já que a própria Serasa sustenta que se encontram protegidaspor sigilo e confidencialidade por constituírem segredo empresarial (fl. 40 do IC) –está violando os direitos dos consumidores à inform ação e transparência doscadastros , preconizados pelas normas constitucional (art. 5º, XII e XIV) econsumerista (arts. 4º, caput, 6º, III, e 43, §§1º e 2º).

Não foi outra a orientação do Tribunal de Justiça do Rio Grande doSul quando do julgamento do recurso de Apelação n. 0347500-28.2013.8.21.700012,onde se discutia a legalidade do sistema ora combatido, o "Concentre Scoring", inverbis:

(...)1. A demandada criou um banco de dados com um verdadeirocadastro de consumidores, em que são armazenadas informaçõesrelativas a estes, lastreadas em critérios obscuros e não divulgadosnem mesmo à própria empresa contratante, mas utilizado como

12 Julgado em 11/09/2013 e Publicado no DJe 5165-3.

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instrumento na avaliação para concessão do crédito. Portanto, sesujeita as regras dispostas no Capítulo V, Seção VI, do CDC, relativoaos bancos de dados e cadastros. 2. É oportuno destacar que a parte demanda confessa, tanto nacontestação como nas contra-razões, sob a eufemística denominaçãode que se utiliza de uma “ferramenta” atinente a tecnologia dainformação, sem perceber que este último conceito consiste: noconjunto de todas as atividades e soluções providas por recursos decomputação que visam permitir a produção, arrmazenamento,transmissão, acesso e o uso das informações. 3. Em última análise é um banco de dados e como tal está sujeitoas diretrizes do Código de Defesa do Consumidor, em especial no quediz respeito ao dever legal de informar os critérios utilizados paraavaliação do consumidor. 4. Nessa hipótese se trata de verdadeira ofensa ao princípio datransparência, o qual regula todas as práticas abrigadas pelo Códigode Defesa do Consumidor, pois o fornecedor é obrigado a esclarecer edivulgar todos os parâmetros que regem a análise de risco feita, o queinocorreu no caso em exame.5. Ademais, versando a causa sobre relações jurídicas de consumoafetas ao campo do direito empresarial, por óbvio que não se cria umbanco de dados ou cadastro para benemerência dos associados oudos consumidores, mas sim para aferir as condições e viabilidade dosnegócios entabulados entre estes, de sorte a minimizar os riscos eaumentar os ganhos. Assim, a inscrição de consumidor no referidobanco de dados ou neste tipo de cadastro destina-se a indicar aprobabilidade de inadimplemento e como tal restrição ao crédito, semque haja na hipótese do novo cadastro criado direito de o consumidoraferir e contraditar a avaliação feita.6. O consumidor não pode ficar sujeito ao alvedrio do órgão derestrição de crédito na escolha das informações que prestará arespeito deste, a míngua de critérios preestabeleci dos etransparentes ao público em geral, em verdadeiro ab uso dedireito. Isso porque tal prerrogativa foi exercitad a de maneiradesconforme com a legislação civil e o microssistem a do Códigode Defesa do Consumidor7. Pretensão de suspensão do sistema de avaliação de crédito emquestão e exclusão dos consumidores do referido banco de dados ecadastro que merece guarida, o qual deverá ser comunicadopreviamente demonstrando os critérios para auferir a pontuaçãoatribuída a cada consumidor, especificando, ponto a ponto, os itensconsiderados para chegar ao resultado final da avaliação que deveráser informada de maneira clara, precisa, objetiva e adequada, de sortea que não gere qualquer dúvida e possibilite a parte hipossuficiente emtermos técnicos jurídico-econômicos apresentar eventual discordânciaquanto a determinado fator de risco ponderado na média que lhe foiatribuída. 8. O dever legal precitado visa afastar qualquer dúvida e possibilitarà parte hipossuficiente, em termos técnicos jurídico-econômicos,apresentar eventual discordância quanto a determinado fator de riscoponderado na média que lhe foi atribuída.

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(...) (grifo nosso)

Este é o entendimento consolidado pelo colegiado Rio Grandense,como se observa dos seguintes arestos:

(...)Sendo o Crediscore um banco de dados que avalia o perfil doconsumidor, formado a partir de elementos extraídos do meio sócio-econômico deste, é inquestionável a incidência do art. 43 do CDC . Assim, deve ser assegurado ao consumidor o direito de conhecer oconteúdo de todo e qualquer dado ou informação que seja produzida aseu respeito, tanto de forma positiva como negativa. E tal inocorreu nahipótese vertente, em que à parte não foi dado conhecer os critérioseconômico-financeiros adotados para estabelecer o seu perfil oupontuação, a fim de ser obtido o crédito desejado. Declaração deilegalidade do cadastro da autora e dever da parte ré exibir osdocumentos da pontuação da demandante, bem como dasvariáveis utilizadas para tal. 13 (grifou-se)

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. CONCENTRESCORING. SISTEMA DE ANÁLISE DE CRÉDITO POR MEIO DEPONTUAÇÃO. NECESSIDADE DE COMUNICAÇÃO PRÉVIA.ARTIGO 43, §2º, DO CDC. DANO MORAL CONFIGURADO. Paraque as empresas possam utilizar o Sistema Concentre Scoring éimperioso que seja o consumidor previamente notific ado dosdados que serão fornecidos, observado o previsto no art. 43, §2ºdo CDC. Comprovada a falha na prestação do serviço, deve a apeladaser responsabilizada pela indevida divulgação dos dados negativos emnome do apelante, realizada sem a observância das exigências legais,conduta abusiva na qual assumiu o risco de causar lesão a esta.Hipótese de fixação da indenização por dano moral, de acordo com osprincípios da razoabilidade e da proporcionalidade.14 (grifou-se)

Ao tratar do sistema Scoring, discorre, com propriedade, LeonardoRoscoe Bessa:

Por meio de pontuação ou classificação, do tipo situação normal, riscode atraso, risco de perda, o banco de dados emite opinião sobre osriscos de um negócio específico.Tal tipo de informação, inserida no arquivo pela própria entidade queadministra o banco de dados, não atende ao atributo da objetividade,exigido pelo §1º do art. 43 do CDC. Cuida-se, à evidência, deinformação que envolve análise subjetiva pelo banco de dados deproteção ao crédito.

13 Apelação Cível Nº 70055174643, Quinta Câmara Cível, Relator: Isabel Dias Almeida, Julgado em 31/07/2013.14 TJRS, Apelação Cível Nº 70054990544, Quinta Câmara Cível, Relator: Sergio Luiz Grassi Beck, Julgado em26/06/2013.

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Na verdade, tal tipo de avaliação colabora com desvirtuamento dasfinalidades dos bancos de dados de proteção ao crédito que existem,não para emitir opiniões, mas para fornecer informações objetivas quepossam auxiliar a tomada de decisão de determinado fornecedor.Acrescente-se que, se a informação é subjetiva, há dificuldade, senãoimpossibilidade, do exercício do direito de correção, previsto no art.43, §3º do CDC. Como pode o consumidor refutar uma avaliaçãosubjetiva? Como fica o banco de dados, diante da assertiva doconsumidor de que a informação não é exata, pois, ao contrário doregistro, não há risco de atraso? (itálico no original; grifo próprio)(BESSA, Leonardo Roscoe. O consumidor e os limites dos bancos dedados de proteção ao crédito. São Paulo: RT, 2003, p. 267).

Portanto, imperioso reconhecer que a Serasa Experian, por mei odo sistema "Concentre Scoring", descumpre os ditame s contidos naConstituição Federal e no Código de Defesa do Consu midor , ao divulgar umsistema que viola os direitos de informação e transparência, valendo-se de cadastroou banco de dados paralelo que contém informações obscuras de consumidores, oqual é utilizado, em sua ampla maioria, para negar crédito aos contratantes.

3.3) Violação à Lei do Cadastro Positivo (Lei nº 12. 414/2011)

Após análise da documentação que acompanha a presente, observa-se que o sistema "Concentre Scoring" não analisa somente dados relacionados aohistórico de inadimplemento, mas de comportamento do consumidor, subordinando-se, assim, também à Lei nº 12.414/2011.

Tal condição não é rechaçada pela ré, que inclusive sustenta pautarsuas ações no art. 170, parágrafo único, da Constituição Federal, no art. 43 do CDC enas Leis do habeas data (Lei nº 9.507/97) e do Cadastro Positivo (Lei nº 12.414/11).

Estabelece o art. 1º da Lei nº 12.414/2011:

Esta Lei disciplina a formação e consulta a bancos de dados cominformações de adimplemento, de pessoas naturais ou de pessoasjurídicas, para formação de histórico de crédito, sem prejuízo dodisposto na Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 - Código deProteção e Defesa do Consumidor.

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Em relação ao sistema de cadastro de riscos, referido diploma legalacrescenta peculiaridades próprias para a manutenção dos bancos de dados a elasubordinados, quais sejam:

Art. 3º. Os bancos de dados poderão conter informações deadimplemento do cadastrado, para a formação do histórico de crédito,nas condições estabelecidas nesta Lei. § 1º. Para a formação do banco de dados, somente poderão serarmazenadas informações objetivas, claras, verdadei ras e de fácilcompreensão , que sejam necessárias para avaliar a situaçãoeconômica do cadastrado. (sem grifos no original)§ 2º. Para os fins do disposto no §1º, consideram-se informações: I - objetivas: aquelas descritivas dos fatos e que não envolvam juízo devalor; II - claras: aquelas que possibilitem o imediato entendimento docadastrado independentemente de remissão a anexos, fórmulas,siglas, símbolos, termos técnicos ou nomenclatura específica; III - verdadeiras: aquelas exatas, completas e sujeitas à comprovaçãonos termos desta Lei; e IV - de fácil compreensão: aquelas em sentido comum que asseguremao cadastrado o pleno conhecimento do conteúdo, do sentido e doalcance dos dados sobre ele anotados.

Ora, conforme observado, o sistema "Concentre Scoring" possuicritérios obscuros. As informações armazenadas e prestadas pela Serasa Experiandizem que o sistema leva em conta vários elementos15 combinados, segundodiferentes fórmulas matemáticas. São inúmeras variáveis, calculadas de inúmerasformas, que fogem ao conhecimento do consumidor, tampouco se consegue imaginarcomo funciona a avaliação. Portanto, as informações do sistema "Concentre Scoring"estão em descompasso com o que dispõe a Lei nº 12.414/2011, sobretudo no quetange ao art. 3º, §2º, incs. II e IV, bem como com o art. 6º, do Decreto Federal nº7.829/12.

Além disso, a já citada Lei do Cadastro Positivo, em seus arts. 2º e 4º,condiciona o cadastro do consumidor à autorização d este , do mesmo modo emque prevê, em seu art. 5º, os direitos dos consumidores cadastrados:

Art. 5º. São direitos do cadastrado: I - obter o cancelamento do cadastro quando solicitado;

15 Informações individuais (dados cadastrais, negativos e positivos, nome, endereço, nome da mãe, telefone,protestos, ações de execução, cheques sem fundos, dívidas com credores, dívidas com instituições financeiras,hábito de pagamento, etc.), coletivas (informações de pessoas com operfis semelhantes, informações divulgadaspelo censo do IBGE, pesquisas de orçamento familiar do POF-IBGE e pesquisas de mercado), financeiras,patrimoniais, de cadastros, de idoneidade, fatores macro e microeconômicos e outras circunstâncias especiais (fl.39 do IC em referência).

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II - acessar gratuitamente as informações sobre ele existentes nobanco de dados, inclusive o seu histórico, cabendo ao gestor mantersistemas seguros, por telefone ou por meio eletrônico, de consultapara informar as informações de adimplemento; III - solicitar impugnação de qualquer informação sobre eleerroneamente anotada em banco de dados e ter, em até 7 (sete) dias,sua correção ou cancelamento e comunicação aos bancos de dadoscom os quais ele compartilhou a informação; IV - conhecer os principais elementos e critérios considerados para aanálise de risco, resguardado o segredo empresarial; V - ser informado previamente sobre o armazenamento, a identidadedo gestor do banco de dados, o objetivo do tratamento dos dadospessoais e os destinatários dos dados em caso de compartilhamento; VI - solicitar ao consulente a revisão de decisão realizadaexclusivamente por meios automatizados; e VII - ter os seus dados pessoais utilizados somente de acordo com afinalidade para a qual eles foram coletados.

Assim sendo, tem-se que a inclusão do consumidor em qualquer sistema de registro de cadastro positivo deve ser p reviamente autorizada porele (arts. 2º e 4º da Lei nº 12.414/11 , e art. 7º, caput, do Decreto nº 7.829/12), enquanto a inclusão em cadastro negativo deve ser c omunicada por escrito aoconsumidor, quando por ele não solicitada (art. 43, §2º, do Código de Proteção eDefesa do Consumidor) .

Caracterizada, portanto, a prática ilegal a que estão submetidos osconsumidores, impõe-se o reconhecimento da ilegalidade do cadastro/banco dedados e do sistema “Concentre Scoring” nos moldes atuais e a sua suspensãoimediata até a completa correção das irregularidades apontadas, de modo que atendaaos comandos da Lei do Cadastro Positivo, do Código de Defesa do Consumidor e daConstituição Federal.

3.4) Síntese das Práticas Abusivas

Em síntese, percebe-se que a utilização do Concentre Scoring pelademandada acarreta sistemáticos vilipêndios a princípios e direitos do consumidor,em flagrante e odiosa preponderância do lucro sobre valores tão caros para a vida emsociedade.

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A afronta à ordem consumerista inicia pela criação e utilização de umbanco de dados/cadastro paralegal ou, como queiram, o uso ilegítimo de informaçõesarmazenadas onde quer que estejam localizadas, pois ao arrepio da disciplina legal.Em outras palavras, a ilicitude salta aos olhos, desde logo, na medida em que não háobservância às diretrizes legais do que se convencionou chamar de “cadastronegativo” (CDC: art. 43) e “cadastro positivo” (Lei 12.414/2011), já que a “figuracriada” pela demandada é um misto de cadastro negativo, positivo e, ao que tudoindica, algo mais, com o propósito manifesto, repita-se, de burlar o sistema protetivo àprivacidade e honra das pessoas, tutelados pelas duas modalidades lícitas de uso dasinformações.

A propósito, Leonardo Roscoe Bessa foi preciso ao registrar que:

As atividades desenvolvidas pelos bancos de dados d e proteçãoao crédito são potencialmente ofensivas à privacida de no queconcerne à ideia atual de necessidade de controle e tutela dedados pessoais .No Brasil, em que pese a previsão constitucional da inviolabilidade davida privada (art. 5º, X), o tema é fragmentado e pouco consistente noâmbito infraconstitucional. Ainda, não existe uma lei geral sobreproteção de dados pessoais. O Código Civil, além de tratar da vidaprivada em apenas um único dispositivo (art. 21), não define seuconteúdo, gerando incertezas. A disciplina mais substanciosasobre proteção de dados pessoais é oferecida pelo C ódigo deDefesa do Consumidor, justamente ao regulamentar os bancos dedados e cadastros de consumo (art. 43). Tal discipl ina secompleta agora com a Lei 12.414/2011 (v. comentário ao art. 1º).Tanto o CDC como a Lei 12.414/2011 possuem preceito s que setraduzem em proteção à privacidade do consumidor .16 (sem grifosno original)

Não bastasse, ainda que, para argumentar, a Ré demonstrasse queas informações capturadas pela ferramenta por ela utilizada teriam provido de fonteslegitimas – que observariam as diretrizes do cadastro positivo, negativo ou estariamarmazenadas em sítios públicos –, a forma obscura de atribuição de pontos macula oseu modus operandi.

Nesse contexto, inaugura-se a segunda fase de ilicitudes perpetradaspela demandada, já que a primeira decorre da ausência de comprovação de que cada

16 BESSA, Leonardo Roscoe. CADASTRO POSITIVO – Comentários à Lei 12.414, de 09 de junho de 2011. SãoPaulo:Revista dos Tribunais, 2011. ps. 54-55.

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informação pontuada está legitimada pela comunicação ao consumidor (cadastronegativo), autorização deste (cadastro positivo) ou inequívoca publicidade da fonte.

Nesta etapa subsequente, há, na realidade, uma multiplicidade desituações que consubstanciam práticas abusivas, as quais podem ser sintetizadas,principalmente, no desrespeito à dignidade do consumidor (CDC: art. 4º caput) ecidadão (CF: art. 1º, III), bem como na inobservância ao princípio da transparência(CDC: art. 4º caput) e ao direito à informação (CDC: art. 6º, III) correspondentes.

Com efeito, se de um lado é legítima a necessidade da adoção decautelas para viabilizar a segura concessão de crédito e, para tal, não é vedada autilização regrada de informações que encerram o histórico financeiro do respectivotomador, de outro, deve permanecer imaculado o arcabouço de direitos e princípiosque protegem sua privacidade, honra e tranquilidade, valores esses que só podem servisitados quando há expressa (e comprovada) permissão pessoal ou, nos casosexcepcionais, autorização legal.

Refere-se, sobretudo, à gama de critérios obscuros utilizados pela Répara valorar as informações e atribuir pontos aos consumidores, transformando-os,mutatis mutandis, em números, cujo resultado final das sucessivas subtrações sepresta a indicar o potencial de inadimplência que cada um de nós, consumidoresrotulados, representamos aos fornecedores de produtos e serviços.

A obscuridade avulta patente no simples fato de o consumidor não serdevidamente informado do porquê de cada um dos fatores levados em consideraçãopara diminuir-lhe a credibilidade creditícia, de modo a possibilitar-lhe a avaliação a fimde verificar se as informações plasmadas nos critérios utilizados são verdadeiras,corretas, lícitas, e se eventualmente não foram consideradas mais de uma vez,inclusive de forma a evitar o bis in idem. Há, pois, flagrante subtração do direito aocontraditório, na medida em que não se viabiliza o questionamento dos aludidoscritérios, os quais, pasmem, estariam acobertados sob o manto do sigilo decorrentedo “segredo empresarial” que estaria por trás da concepção do sistema, como sepode verificar das informações prestadas pela própria requerida à fl. 40 do InquéritoCivil que instrui a presente ação, bem assim da fundamentação de decisões judiciaisacerca de casos concretos envolvendo a prática ora questionada.

Nessa linha, indaga-se como seria possível ao consumidor exercer odireito de retificação da informação (CDC: art. 43, §3º), se não lhe é viabilizado o

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acesso aos critérios utilizados para a pontuação e nem aos dados que foramconsiderados para tal.

O fato é que nenhum de nós – pois todos somos vítimas, já queninguém escapa da “coisificação” ocasionada pela rotulagem numérica arquitetadapela demandada –, consumidores, sabemos, por exemplo, se os prazos estampadosnos §§ 1º e 5º do art. 43 do CDC estão sendo respeitados; se o grupo no qualestamos inseridos realmente merece a pecha atribuída pelo Concentre Scoring, nosentido de diminuir nossa pontuação – já que, segundo também informado, sãoconsideradas informações coletivas; aliás, se efetivamente pertencemos ao grupo noqual fomos enquadrados pela Ré; se, como dito, um mesmo fato supostamentedesabonador presente em mais de uma fonte não está sendo levado emconsideração mais de uma vez – partindo da premissa de que há mais de uma fontede consulta; se a informação desabonadora atribuída ao consumidor, como, porexemplo, o protesto de um título ou uma parcela em atraso, está correta ou atualizada...

Resta claro, portanto, que o consumidor tem o direito de saber, e ofornecedor tem o dever de informar, de maneira clara, correta, precisa, adequada eem linguagem de fácil compreensão, cada um dos critérios utilizados para a subtraçãodos pontos, critérios esses que necessariamente devem ser calcados em cadastro edados objetivos, sob pena de violação ao direito de informação e ao princípio datransparência, com forte e negativa repercussão na privacidade e honra da pessoa.

A relevância da tutela ora tratada, diga-se, manifesta-se não só nabase constitucional que lhe dá amparo (CF: art. 5º, X, XII, XXXII; art. 170, V), mastambém no fato de o legislador ter selecionado e inserido na estreita seara do direitopenal, ultima ratio, a conduta de dificultar o acesso do consumidor às informações quesobre ele constem em cadastros e banco de dados (CDC: art. 72), bem como a dedeixar de corrigir imediatamente informações inexatas lançadas nos cadastros ebancos de dados (CDC: art. 73).

Além do já exposto, vale ainda registrar que as premissas (variáveis)utilizadas pela equação do Concentre Scoring não necessariamente chegam aconclusões (pontuação) razoáveis, como se pode verificar, por exemplo, de notíciasveiculadas nos dias 13 de agosto de 2013, sob o título Perfis que Serasa passa ao

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mercado são pura fantasia17, e 16 de agosto de 2013, sob o título Para tribunais,Serasa fornece dados ilegais18, do site Consultor Jurídico, cuja tabela abaixo “fala porsi só”:

Veja abaixo alguns exemplos da disparidade entre o limite de crédito sugerido pela Serasa Experian e a renda presumida também pela empresa:

NomeLimite decrédito

sugerido

Rendapresumida

Joaquim Barbosa 25.896 2.986

Henrique Eduardo Alves 15.676 16.315

Renan Calheiros 12.741 11.912

Lula 10.894 3.232

Ivo Cassol 8.103 9.757

Sérgio Cabral 4.373 4.615

Geraldo Alckmin 2.933 11.110

Daniel Dantas 2.730 6.516

Tiririca 2.198 12.553

Dilma Rousseff 2.101 3.700

José Serra 2.098 3.416

Abílio Diniz 2.042 14.230

Aécio Neves 1.660 9.368

Demóstenes Torres 1.621 3.014

Nicolau dos Santos Netto 1.600 2.860

Paulo Maluf 1.551 2.607

Marina Silva 1.547 5.508

Natan Donadon 1.165 1.902

Eduardo Campos 938 2.971

Fernando HenriqueCardoso 778 1.207

Protógenes Queiroz 751 4.788

Carlinhos Cachoeira 319 13.391

Eike Batista Não disponível 14.462

Enfim, são inúmeras as práticas abusivas levadas a efeito pelaSerasa S.A. (Serasa Experian) ao utilizar o sistema do Concentre Scoring, envoltonuma complexa e velada gama de variáveis protegidas pelo sigilo, com o propósito

17 http://www.conjur.com.br/2013-ago-13/baseada-informacoes-publicas-serasa-mercado-visao-distorcida .

18 http://www.conjur.com.br/2013-ago-16/tribunais-serasa-fornece-dados-ilegais-clientes .

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único de privilegiar o lucro em detrimento de princípios e de direitos do consumidor –subvertendo, aliás, a lógica do art. 170, V, da CF –, em especial o da transparência einformação.

IV - INDENIZAÇÃO PELO DANO COLETIVAMENTE CAUSADO

A Lei n.º 7.347/85, aplicável à tutela do consumidor em face do art. 90do CDC, prevê que as indenizações decorrentes da lesão aos direitos e interessesdifusos ou coletivos revertam ao Fundo Estadual previsto no art. 13 daquele Diploma.Para os individuais homogêneos, onde a lesão é do tipo massificada, ou seja, o fatogerador da lesão é idêntico a vários consumidores, a condenação será genérica (art.95 do CDC).

No caso, independentemente dos prejuízos sofridos individualmentepor cada consumidor, a ofensa aos dispositivos normativos colacionados, por si só,lesionou gravemente o interesse/direito difuso (titular indeterminável)19 ao respeito, nomercado de consumo, à dignidade da pessoa humana (arts. 1º, III, e 170, caput,CRFB) e ao objetivo fundamental republicano da construção de uma sociedade justae da promoção do bem de todos (art. 3º, IV, CRFB), invocando, portanto, apromoção/defesa estatal do consumidor (arts. 5º, XXXII, e 170, V, CRFB).

Ademais, nesse âmbito, também restou ofendido o direito/interessedifuso ao respeito aos interesses econômicos do consumidor e à transparência eharmonia das relações de consumo (arts. 4º, caput, e 6º, I, CDC).

Uma vez configurada a prática lesiva levada a efeito pela demandadae sua absoluta ilegalidade, urge salientar que esse fato ensejou danos morais adireitos dos consumidores no plano difuso e coletivo, sobretudo daqueles concreta epotencialmente expostos às práticas abusivas ora denunciadas, notadamente no querespeita àqueles interessados atual e futuramente na concessão de crédito.

A exigência legal da reparação à lesão desses direitos e interessestambém está prevista no art. 6°, inc. VI, do CDC. 20

19 Art. 81, parágrafo único, I, CDC.20 Art. 6°. São direitos básicos do consumidor: VI – a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos.

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A Lei da Ação Civil Pública, legislação que, conjuntamente com oCDC, forma o microssistema de proteção e defesa do consumidor, também prevê aresponsabilização pelos danos difusos e coletivos, patrimoniais e morais, causadosaos consumidores, no seu art. 1º.21

Como já anotado, o expediente utilizado pela Ré para a formação deseu cadastro/banco de dados aqui combatido, com aplicação do sistema "ConcentreScoring", vai de encontro, da forma mais agressiva, às garantias fundamentais doscidadãos consumidores.

Oportuna a lição de Minozzi, citado por José de Aguiar Dias:

[...] não é o dinheiro nem coisa comercialmente reduzida a dinheiro,mas a dor, o espanto, a emoção, a vergonha, a injúria física ou moral,em geral uma dolorosa sensação experimentada pela pessoa,atribuída à palavra dor o mais largo significado.22

A reparação do dano moral, consagrada definitivamente no direitobrasileiro pelo disposto no art. 5º, X, da Constituição Federal, é expressamenteadmitida pelo Código de Defesa do Consumidor, como acima mencionado, em seuart. 6°, inc. VI, que cuida dos direitos básicos do consumidor.

O dano moral perpetrado pela Ré atingiu a esfera difusa, pois, alémdos valores abstratos antes relatados (que podem ser sintetizados pela credibilidadedo sistema que encerra as relações de consumo), toda a coletividade consumidoraestá, ao menos, exposta às práticas abusivas, aí incluídos os consumidores que já seencontram inseridos no banco de dados/cadastro ora questionado e aqueles queainda poderão ser inscritos, a qualquer momento, sem a devida e obrigatóriacomunicação/autorização, e suscetíveis de receberem uma pontuação sem aindispensável e adequada informação de critérios, com base em ferramenta que nãorespeita princípios básicos de proteção do sistema consumerista.

Os interesses difusos foram definidos pelo legislador consumerista, noart. 81, inc. I, do CDC, como os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejamtitulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato, ao passo em

21 Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade pordanos morais e patrimoniais causados: II – ao consumidor; 22 Da Responsabilidade Civil. 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense. v. 2. p. 730.

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que os coletivos, como os transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titulargrupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária, poruma relação jurídica base (art. 91, II, do CDC).

Ao comentar e exemplificar os interesses difusos, Kazuo Watanabeassevera:

Nos interesses ou direitos difusos, a sua natureza indivisível e ainexistência de relação jurídica-base não possibilitam, como já ficouvisto, a determinação dos titulares. É claro que, num plano mais geraldo fenômeno jurídico ou análise, é sempre possível encontrar-se umvínculo que une as pessoas, como a nacionalidade. Mas, a relaçãojurídica-base que nos interessa, na fixação dos conceitos em estudo,é aquela da qual é derivado o interesse tutelando, portanto interesseque guarda relação mais imediata e próxima com a lesão ou ameaçade lesão. [...] No campo da relação de consumo, podem ser figuradosos seguintes exemplos de interesses direitos difusos: [...] b) colocaçãono mercado de produtos com alto grau de nocividade oupericulosidade à saúde, ou segurança dos consumidores, o que évedado pelo art. 10 do Código. O ato do fornecedor atinge a todos osconsumidores potenciais do produto, que são em número incalculávele não vinculados entre si por qualquer relação-base. Da mesma formaque no exemplo anterior, o bem jurídico tutelado é indivisível, poisuma única ofensa é suficiente para a lesão de todos os consumidores,e igualmente a satisfação de um deles, pela retirada do produto nomercado, beneficia ao mesmo tempo a todos eles.23

O dano moral difuso assenta-se, exatamente, na agressão a bens evalores jurídicos que são inerentes a toda a coletividade, de forma indivisível. A má-fée conduta abusiva praticada pela Ré abala o patrimônio moral da coletividade, poistodos acabam se sentindo ofendidos e desprestigiados como cidadãos com a práticalesiva a que se expuseram.

Com efeito, a lesão causada pela prática abusiva da demandada érepresentada pela clara quebra da confiança e trans parência que devem imperarnas relações de consumo. As legítimas expectativas dos consumidores não podemrestar frustradas e, quando o forem, deverá o fornecedor reparar o dano.

Destarte, a lei, ao eleger como um direito a circunstância de todos osmembros da coletividade viverem em harmonia e transparência em suas relações de

23 Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto. São Paulo: ForenseUniversitária, 1997. p. 625/627).

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consumo, na verdade está procurando proteger todos os membros dessa coletividadepara que eles não venham, através da atuação dos fornecedores de produtos eserviços, a formular um juízo mental errôneo acerca da realidade desse produto ouserviço.

A lesão aos direitos e interesses coletivos (lato sensu), portanto,atinge diretamente as convicções, confiança e impressões subjetivas de um númeroindeterminável de pessoas.

A figura do dano moral causado difusamente à coletividade foi tratadapor André de Carvalho Ramos no artigo “A Ação Civil Pública e o Dano MoralColetivo”24:

Com a aceitação da reparabilidade do dano moral, verifica-se apossibilidade de sua extensão ao campo dos chamados interessesdifusos e coletivos. (...) Tal entendimento dos Tribunais com relação às pessoas jurídicas é oprimeiro passo para que se aceite a reparabilidade do dano moral emface de uma coletividade, que, apesar de ente despersonalizado,possui valores morais e um patrimônio ideal que merece proteção. (...)O ponto-chave para a aceitação do chamado dano moral coletivo estána ampliação de seu conceito, deixando de ser o dano moral umequivalente da dor psíquica, que seria exclusivamente de pessoasfísicas. (...) Pelo contrário, não somente a dor psíquica que pode gerar danosmorais. Qualquer abalo no patrimônio moral de uma coletividadetambém merece reparação. (...) Assim, é preciso sempre enfatizar o imenso dano coletivo causadopela agressões aos interesses transindividuais. Afeta-se a boa-imagem da proteção legal a estes direitos e afeta-se a tranqüilidade docidadão, que se vê em verdadeira selva, onde a lei do mais forteimpera. Tal intranqüilidade e sentimento de desapreço gerado pelosdanos coletivos, justamente por serem indivisíveis, acarretam lesãomoral que também deve ser reparada coletivamente. (...) Há que se lembrar que não podemos opor a essa situação adificuldade de apuração do justo ressarcimento. O dano moral éincomensurável, mas tal dificuldade não pode ser óbice à aplicação dodireito e a sua justa reparação. (...) Quanto à prova, verifico que o dano moral já é considerado comoverdadeira presunção absoluta. Para o saudoso Carlos Alberto Bittar,em exemplo já clássico, não precisa a mãe comprovar que sentiu amorte do filho; ou o agravo em sua honra demonstrar em juízo quesentiu a lesão; ou o autor provar que ficou vexado com a não inserçãode seu nome no uso público da obra, e assim por diante.

24 Revista de Direito do Consumidor, n° 25, janeiro/ março de 1998, fls. 80 a 86.

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O ataque aos valores de uma comunidade, além dos danos materiaisque gera, acarreta indiscutível necessidade de reparação moral naação coletiva. Isso porque, tal qual o dano coletivo material, o danomoral coletivo só é tutelado se inserido nas lides coletivas.Configurando-se o dano moral coletivo indivisível (quando gerado porofensas aos interesses difusos e coletivos de uma comunidade) oudivisível (quando gerado por ofensa aos interesses individuaishomogêneos), em todos os casos somente a tutela macro-individualgarantirá uma efetiva reparação do bem jurídico tutelado.

A coletividade de pessoas é equiparada a consumidor (arts. 2º, par.único, e 29 do CDC). Além disso, a Lei nº 12.529/11, voltada à coibição de práticasconcorrenciais desleais e o abuso do poder econômico, estabelece que a coletividadeé a titular dos direitos e interesses protegidos (art. 1º, par. único). Ela é mais do que amera soma dos indivíduos: constitui um organismo dotado de identidade própria edistinta. A coletividade possui interesses e valores que são superiores à simples somados interesses e valores de cada um de seus membros.

Não se pode conceber que numa sociedade democrática, onde seespera e se luta pelo aperfeiçoamento dos mecanismos que venham a garantir aocidadão o pleno exercício dos atributos da cidadania, inclusive com a efetivaimplementação da legislação consumerista, em que estão esculpidas garantiasbásicas ao consumidor, tenha lugar a busca insana do enriquecimento fácil quesubmete o consumidor a práticas inaceitáveis, como a narrada nesta inicial.

É dentro desse mesmo contexto que não se pode esconder a grandeextensão do dano causado, pois, além de agredir interesses garantidos por lei aoconsumidor, o procedimento denunciado gerou sentimento de descrença edesprestígio da sociedade com relação aos poderes constituídos e ao sistema de ummodo geral.

Ao conceituar o dano em questão, Nehemia Domingos de Melo25,esclarece:

Dano moral, na moderna doutrina, é toda agressão injusta àquelesbens imateriais, tanto de pessoa física quanto jurídica, insusceptívelde quantificação pecuniária, porém indenizável com tríplice finalidade:satisfativo para a vítima, dissuasório para o ofensor e deexemplaridade para a sociedade.

25 Melo, Nehemias Domingos de. Dano moral coletivo nas ralações de consumo. Internet, Jus Navegandi nº 380,de 22/7/2004.

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Estudo da Doutora Liliane Garcia Ferreira26, por seu turno, traz asseguintes lições:

[...] Acompanhando a evolução do direito, em especial no aspecto datutela dos interesses difusos e coletivos, a doutrina mais moderna vemampliando a possibilidade de reparação do dano moral, de forma quevenha a alcançar não apenas o dano extrapatrimonial individual, comotambém o coletivo, uma vez que pode abranger, além da ofensa àhonra, à vida, à liberdade de um indivíduo, qualquer ofensa àcoletividade, genericamente considerada, "que tem um interessecomum de natureza transindividual agredido".O Prof. Rubens Limongi França, citado por Sérgio Severo, em suaobra "Os danos extrapatrimoniais", ao conceituar o dano moral, já odefinia como "aquele que, direta ou indiretamente, a pessoa, física oujurídica, bem assim a coletividade, sofre no aspecto não econômico deseus bens jurídicos".Carlos Alberto Bittar Filho disciplina que dano moral coletivo "é ainjusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, é aviolação antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos",citando como exemplo de dano moral coletivo o dano ambiental, oqual consiste "na lesão ao equilíbrio ecológico, à qualidade de vida e àsaúde da coletividade". Marco Antonio Marcondes Pereira, por sua vez, conceitua o danomoral coletivo como "o resultado de toda ação ou omissão lesivasignificante, praticada por qualquer pessoa contra o patrimônio dacoletividade, considerada esta as gerações presentes e futuras, quesuportam um sentimento de repulsa por um fato danoso irreversível,de difícil reparação, ou de conseqüências históricas" . Aliás, a reparação do dano moral coletivo, de há muito, encontrarespaldo na legislação brasileira.A Lei Federal 6.938/81, ao dispor em seu art. 2º, inc. I, que o meioambiente é "patrimônio público a ser necessariamente assegurado eprotegido, tendo em vista o uso coletivo", já assegurava a proteção aesse interesse difuso, inclusive a reparação de eventuais danos a elecausados, impondo penalidades administrativas, a par da obrigaçãode reparação dos danos, conforme o disposto em seus arts. 4º, Incs.VI e VII; 9º, Inc. IX; e 14, § 1º.E mencionada norma foi recepcionada pela Constituição Federal que,conforme já mencionado no tópico nº 2, pacificou a questão do direitoà indenização por dano moral, elevando-o à categoria de garantiafundamental, não se podendo olvidar, jamais, o caráter exemplificativodas hipóteses previstas nos dispositivos constitucionais, que não têmo condão de tornar exclusiva a reparação dos danos moraisindividuais.Ora, conforme o disposto em seu art. 5º, § 2º, os direitos e garantiasexpressos na Constituição "não excluem outros decorrentes do regimee dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais emque a República Federativa do Brasil seja parte".

26 Disponível em: http://www.acpo.org.br/inf_atualizadas/2003/pag_e_pdf/Dra_Liliane2.htm. Acesso em: 07 fev.2013.

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Da mesma forma, o Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 6º,incs. VI e VII, de maneira expressa, prevê o dano extrapatrimonialtanto na hipótese de violação de direitos individuais, quanto coletivos edifusos.Afinal, conforme bem menciona André de Carvalho Ramos, diante daimportância dos interesses difusos e coletivos, estes necessitam deuma efetiva tutela jurídica: "Ora, tal importância somente reforça anecessidade de aceitação do dano moral coletivo, já que a dorpsíquica que alicerçou a teoria do dano moral individual acabacedendo lugar, no caso do dano moral coletivo, a um sentimento dedesapreço e de perda de valores essenciais que afetamnegativamente toda uma coletividade".Induvidoso, conforme adverte o mesmo autor, que a "coletividade,apesar de ente despersonalizado, possui valores morais e umpatrimônio ideal que merece proteção", devendo a lesão a essepatrimônio imaterial coletivo ser reparada, também, coletivamente.

Especificamente em relação à incidência do dano moral no caso deindevida inscrição em cadastro ou banco de dados de avaliação de crédito, decidiu,recentemente, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul no julgamento do recursode Apelação n. 0347500-28.2013.8.21.7000, datado de 11/09/2013 e publicado noDJe 5165-3:

Evidente que foram atingidos direitos inerentes a personalidade dosconsumidores, quais sejam, os atinentes ao bom nome, reputação eimagem destes. Situação esta que decorre do fato da partehipossuficiente não ter sido nem ao menos informada da sua inscriçãoem cadastros ou banco de dados de avaliação de crédito, bem comodos critérios estabelecidos para a pontuação no registro criado pelademandada, tal medida abusiva resulta na violação ao dever derespeitar esta gama de direitos inerentes a cada ser humano.(...)No caso em tela, restou comprovada a desídia na conduta da partedemandada, suficiente para responder por culpa, na modalidade denegligência, pois deixou de informar ao consumidor esclarecimentoessencial atinente ao seu direito ao crédito. Além disso, comprovada a falha na prestação do serviço, deve serresponsabilizada a empresa ré pela divulgação de informaçõescontidas no cadastro negativo ou banco de dados em desacordo aosditames legais, conduta abusiva na qual assumiu o risco de causarlesão aos consumidores, mesmo os de ordem extrapatrimonial, daíensejando o dever de indenizar.

(...)Frise-se que não se está coibindo aqui a avaliação da possibilidadeeconômica do consumidor obter crédito, nem que o comerciante possanegar a concessão de prazo para satisfazer a dívida aquele, mas simque este seja cientificado das razões de ordem financeiro-econômica

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para tanto, ou seja, a motivação factível pela qual não poderá utilizardeterminadas linhas de crédito disponíveis no mercado para aquisiçãode bens, não decorrendo este impedimento de contratar de meradiscricionariedade sem causa plausível a esse respeito.Sinale-se que a prova do dano se mostra ainda mais difícil em casoscomo o presente, em que a demandada criou um cadastro ou bancode dados restritivo oculto (porque tais informações não são divulgadasaos consumidores), detendo o monopólio de tal informação, que serveapenas para tisnar a imagem daquele sem que possa se utilizar dodireito de petição e da ampla defesa, garantidos constitucionalmente(art. 5º da CF).(...)Portanto, experimentando o consumidor uma situação constrangedoraante a negativa de crédito por conta da pontuação existente, o danomoral está ínsito a tal evento, não necessitando de comprovação doprejuízo, mas apenas a conduta ilícita, o que resta demonstrada pelafalta de comunicação prévia, bem como o nexo causal, situação queestá consubstanciada na avaliação negativa, o que limita a obtençãode crédito.

Por todos esses motivos, resta demonstrada a razão do pedido decondenação ao pagamento de indenização ao Fundo Estadual de Reconstituição deBens Lesados (art. 13 da Lei da Ação Civil Pública), pertinente e até mesmoindeclinável para reparar o dano causado e também desestimular a demandada areincidir na mesma prática abusiva.

De qualquer sorte, registra-se que a indenização por dano moral temcaráter propedêutico e possui como objetivos tanto a reparação do dano quanto apedagógica punição, adequada e proporcional ao dano. Nesse sentido, transcreve-sedecisão do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:

(...) O valor fixado para o dano moral está dentro dos parâmetroslegais, pois há eqüidade e razoabilidade no quantum fixado. A boadoutrina vem conferindo a esse valor um caráter dúplice, tanto punitivodo agente quanto compensatório em relação à vítima.27

Na mesma esteira (duplo caráter da indenização por danos moraisdifusos), tem-se ainda os seguintes julgados: REsp 785.777/MA, Rel. Min. PauloFurtado (Desembargador Convocado do TJ/BA), DJe de 06/08/2010 e AgRg no Ag904.447/RS, Rel. Min. Sidnei Beneti, DJe de 07/05/2008.

27 REsp 965.500/ES, Rel. Min. José Delgado, DJ de 25/02/2008.

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Assim, o valor a ser arbitrado, a título de danos morais, a par derefletir o lucro exacerbado e indevido que a demandada vem auferindo diariamente acusta de milhões de lesões aos consumidores, deve situar-se em patamar querepresente inibição à prática de outros atos antijurídicos e imorais por parte da réSerasa Experian. É imperioso que o Poder Judiciário dê ao infrator resposta eficaz aoilícito praticado, sob pena de se chancelar e estimular o comportamento infringente.

Ao sentir deste órgão, considerando a expressiva quantidade deconsumidores lesados (todos os inscritos no Cadastro de Pessoas Físicas), aindenização por danos morais não pode ser inferior a R$ 50.000.000,00 (cinquentamilhões de reais), revertendo-se para o fundo de que trata o artigo 13 da Lei Federaln° 7.347/85. Em Santa Catarina, o “Fundo para Recon stituição dos Bens Lesados” foicriado pelo Decreto n° 1.047, de 10 de dezembro de 1987, cujo objetivo é fornecerrecursos para a implementação de programas que objetivem a proteção a taisinteresses.

V - INDENIZAÇÃO PELOS DANOS AO DIREITO INDIVIDUAL H OMOGÊNEO

A conduta impugnada nesta actio já resvalou efeitos concretos sobreconsumidores identificáveis, caracterizando evidente direito/interesse individualhomogêneo (art. 81, parágrafo único, III, CDC), passível de reparação específica(distinta daquela a ser fixada pelos danos difusos e coletivos). Aqui, em que pese apossibilidade de ajuizamento individual por cada ofendido, o manejo da ação civilpública homenageia a economia processual e encontra sustentáculo no próprio CDC(arts. 81 e 82), até porque uma das principais vocações das ações coletivas éjustamente a de evitar o abarrotamento do Judiciário em situações dessa natureza.

Nesse contexto, não cabem maiores considerações sobre o direitodos consumidores lesados. Provado o fato, torna-se certo o direito de obter amplareparação pelos danos morais e materiais resultantes da injustificável conduta da ré.

Conferindo à reparação de danos contra o patrimônio, intimidade ehonra, hierarquia normativa superior, a Constituição Federal, em seu art. 5º, incisos Ve X, elenca-os como garantias e direitos individuais, oponíveis de imediato contraquem os tenha violado, tal como no presente caso.

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A regra matriz da reparação civil, pela qual todo aquele que causadanos a outrem fica obrigado a repará-los, encontra-se nos arts. 186 e 927, ambos doCódigo Civil:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ouimprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda queexclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano aoutrem, fica obrigado a repará-lo.

Sob outro aspecto, verifica-se a existência de relação de consumoentre as partes, colocando-se, de um lado, o autor – Ministério Público – comolegítimo representante dos consumidores, e de outro, a empresa ré, comofornecedora de serviços.

Assim, deve-se observar o estipulado pela lei consumerista (art. 14 doCDC) para casos desta espécie, tendo em vista que o procedimento adotado pelademandada é temerário, atentando contra a boa fé ob jetiva ao descumprir como dever jurídico de bem prestar seus serviços , deixando de fornecer asinformações necessárias para que o consumidor possa conhecer e compreender osistema de avaliação criado para concessão de crédito.

Ademais, na hipótese dos autos, a própria multiplicidade de açõesindividuais, decorrente da prática ilícita, além de contribuir ainda mais para oabarrotamento do Judiciário, denota o caráter extremamente danoso e prejudicial daprática em questão.

Com efeito, em relação à condenação genérica, na qual seestabelece, apenas, um núcleo essencial, qual seja, o na debeatur (o que se deve), oquis debeat (quem deve) e o quid debeat (o que é devido), consoante magistério domestre Teori Albino Zavascki28, tem-se que os danos morais, cujo quantum deverá serapurado em cada ação (individual) de liquidação da sentença coletiva, decorrem dopróprio fato (in re ipsa), sendo, portanto, desnecessárias outras considerações.

Portanto, tem a ré o dever de reparar os danos ocasionados aosconsumidores já conhecidos e àqueles que porventura venham a ser conhecidos(arts. 6º, inc. VI, e 14, ambos do CDC, c/c arts. 186 e 927, ambos do CC).

28 Processo Coletivo: Tutela de Direitos Coletivos e Tutela Coletiva de Direito. 3. ed. São Paulo: Revista dosTribunais, 2008, p. 265/266.

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VI - INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA

Incide no caso, também, como instrumento processual de facilitaçãode defesa do consumidor, a regra da inversão do ônus da prova prevista no art. 6°,inc. VIII, do CDC29, presentes a verossimilhança dos fatos e a hipossuficiência doconsumidor, pressupostos de sua aplicação.

Sobre a aplicação da regra de inversão, ressalta-se o ensinamento dadoutrinadora Flávia Lefévre Guimarães30:

(...) tendo-se em vista as compreensíveis dificuldades enfrentadaspelo consumidor no campo das provas, o juiz deve ser menos rígidoao apreciar as alegações do autor consumidor, autorizando, desde oinício do processo, a inversão do ônus da prova. Ou seja, deve o juizdar-se por satisfeito com a demonstração pelo consumidor de indíciosde abuso de direito, excesso de poder, fraude, etc..., possibilitandoefetividade ao direito introduzido pelo Código, garantindo-se, por meiode autorização da inversão do ônus da prova logo, junto com odespacho saneador, a desconsideração da personalidade jurídica parafazer cumprir o ressarcimento do dano sofrido pelo consumidor.

Não bastasse, a inversão do ônus probatório se faz necessária pelofato da acentuada dificuldade – ou, quiçá, absoluta impossibilidade – da produção deprova negativa por parte do autor, na medida em que teria que comprovar, porexemplo, que a fonte de onde o sistema captura os dados/informações do consumidornão está legitimada pela (i) comunicação ou autorização prévia do consumidor ou (ii)publicidade, ou que referidos dados/informações (iii) não foram adequadamenteutilizados (sob o prisma da objetividade, clareza, facilidade de linguagem...).

Além disso, como os dados/informações estão de posse dademandada, assim como a “ferramenta” do score, é evidente que somente a SerasaExperien possui condições de produzir a prova em juízo.

29 Art. 6º São direitos básicos do consumidor:VIII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processocivil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regrasordinárias de experiência. 30 Desconsideração da Personalidade Jurídica no Código do Consumidor (Aspectos Processuais), Editora MaxLimonad, 1ª edição, 1998, página 177.

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Dessa forma, requer o Ministério Público a inversão do ônus da prova,para que a demandada assuma o ônus de se desincumbir das imputações a elaatribuídas nesta ação.

VII – APLICAÇÃO DE EFEITO ERGA OMNES e ULTRA PARTES

Com esta Ação Civil Pública, o Ministério Público Estadual almejaalcançar todos os consumidores lesados pela ré no país, tendo em vista que osistema "Concentre Scoring" reflete no registro e direito de informações tanto arespeito de consumidores catarinenses, quanto a consumidores dos demais diversosestados brasileiros.

Neste contexto, dispõe o art. 103, do CDC:

Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este Código, a sentençafará coisa julgada:

I - erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente porinsuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderáintentar outra ação, com idêntico fundamento, valendo-se de novaprova, na hipótese do parágrafo único do art. 81;

II - ultra partes, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe,salvo improcedência por insuficiência de provas, nos termos do incisoanterior, quando se tratar da hipótese prevista no inciso II do parágrafoúnico do art. 81;

III - erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, parabeneficiar todas as vítimas e seus sucessores, na hipótese do inciso IIIdo parágrafo único do art. 81.

§ 1° Os efeitos da coisa julgada previstos nos inci sos I e II nãoprejudicarão interesses e direitos individuais dos integrantes dacoletividade, do grupo, categoria ou classe.

§ 2° Na hipótese prevista no inciso III, em caso de improcedência dopedido, os interessados que não tiverem intervindo no processo comolitisconsortes poderão propor ação de indenização a título individual.

§ 3° Os efeitos da coisa julgada de que cuida o art . 16, combinadocom o art. 13 da Lei n° 7.347, de 24 de julho de 19 85, nãoprejudicarão as ações de indenização por danos pessoalmentesofridos, propostas individualmente ou na forma prevista neste código,

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mas, se procedente o pedido, beneficiarão as vítimas e seussucessores, que poderão proceder à liquidação e à execução, nostermos dos arts. 96 a 99.

Tratando da matéria, parecer da douta Subprocuradoria-Geral daRepública, da lavra da e. subprocuradora Gilda Pereira de Carvalho, foi ementado nosseguintes termos:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CDC. REAJUSTE DERENDIMENTO DE CADERNETA DE POUPANÇA. EFICÁCIA.LIMITES TERRITORIAIS. 1. O art. 16 da Lei n. 7.347/85 que limita os efeitos da coisa julgadaem ação civil pública não se aplica às ações coleti vas previstasno Código de Defesa do Consumidor, vez que este é l ei especial,aplicando-se à espécie o disposto no art. 103. 2. O art. 103 do CDC diz que a sentença faz coisa julgada 'ergaomnes', exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiênciade provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outraação, com idêntico fundamento. (grifo nosso)

Referido parecer foi exarado nos autos do Recurso Especial n.399.357/SP31, em que atuou como Relatora a Ministra Nancy Andrigui, tendo assimproferido seu voto:

A controvérsia cinge-se a dois pontos principais: (i) determinar oalcance dos efeitos da sentença proferida em ação coletiva,verificando se estes se estendem para todos os que gozam deidêntica situação fática, independente do seu domicílio, ou se, nostermos do art. 16 da Lei n. 7.347/85, a eficácia da sentença é limitadapela competência territorial do órgão prolator;

[...]II. Limites a eficácia da sentença proferida em ação coletiva

(dissídio jurisprudencial).A Medida Provisória n. 1.570/97, convertida na Lei n. 9.494/97,

ao alterar a redação do art. 16 da Lei n. 7.347/85, LACP, dispôsacerca do limite da competência territorial da coisa julgada "ergaomnes" na ação civil pública, nos seguintes termos:

"Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada 'erga omnes',nos limites da competência territorial do órgão prolator,exceto se o pedido for julgado improcedente porinsuficiência de provas, hipótese em que qualquerlegitimado poderá intentar outra ação com idênticofundamento, valendo-se de nova prova."

A crítica da doutrina tradicional à inovação legislativa é que amodificação legal não teve eficácia porque mantidos os dispositivos

31 Recurso Especial n. 399.357/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em17/03/2009, DJe 20/04/2009.

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equivalentes do CDC, que têm aplicação subsidiária à LACP, etambém por confundir os conceitos de "efeitos da sentença" e"competência" do órgão prolator.

São de NELSON NERY JUNIOR e ROSA MARIA DE ANDRADENERY os contundentes comentários de que:

"A norma, na redação dada pela Lei n. 9.494/97, éinconstitucional e ineficaz. Inconstitucional por ferir osprincípios do direito de ação (CF 5º XXXV), darazoabilidade e da proporcionalidade e porque oPresidente da República a editou, por meio de medidaprovisória, sem que houvesse autorização constitucionalpara tanto, pois não havia urgência (o texto anteriorvigorava há doze anos, sem oposição ou impugnação),nem relevância, requisitos exigidos pela CF 62 'caput'.Ineficaz porque a alteração ficou capenga, já que incide oCDC 103 nas ações coletivas ajuizadas com fundamentona LACP, por força da LACP 21 e CDC 90. Para que tivesse eficácia, deveria ter havido alteração daLACP 16 e do CDC 103. De conseqüência, não hálimitação territorial para a eficácia 'erga omnes' da decisãoproferida em ação coletiva, quer esteja fundada na LACP,quer no CDC. De outra parte, o Presidente da República confundiu oslimites subjetivos da coisa julgada, matéria tratada nanorma, com jurisdição e competência, como se, v.g., asentença de divórcio proferida por juiz de São Paulo nãopudesse valer no Rio de Janeiro e nesta última comarca ocasal continuasse casado! O que importa é quem foiatingido pela coisa julgada material. No mesmo sentido:José Marcelo Menezes Vigliar, RT 745/67.Qualquer sentença proferida por órgão do Poder Judiciáriopode ter eficácia para além de seu território. Até asentença estrangeira pode produzir efeitos no Brasil,bastando para tanto que seja homologada pelo STF.Assim, as partes atingidas por seus efeitos onde quer queestejam no planeta Terra. Confundir jurisdição e competência com limites subjetivosda coisa julgada é, no mínimo desconhecer a ciência dodireito. Portanto, se o juiz que proferiu a sentença na açãocoletiva 'tout court', quer verse sobre direitos difusos, quercoletivos ou individuais homogêneos, for competente, suasentença produzirá efeitos 'erga omnes' ou 'ultra partes',conforme o caso (v. CDC 103), em todo o territórionacional - e também no exterior -, independentemente dailógica e inconstitucional redação dada à LACP 16 pela Lein. 9.494/97. É da essência da ação coletiva a eficácia prevista no CDC103." ("Código de Processo Civil Comentado e Legislaçãoprocessual civil extravagante em vigor", 5ª edição, RT, p.1558, 1ª col., nota n. 12).

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O e. 1º TACvSP, vislumbrou a inaplicabilidade do art. 16 daLACP, - afora as críticas tecidas por NELSON NERY JUNIOR e ROSAMARIA DE ANDRADE NERY -, nas ações coletivas em defesa deinteresses individuais e homogêneos dos consumidores, como nesteprocesso, em que se discute o direito de correção monetária dospoupadores, porque a matéria é regida, especificamente, pelo art. 103do CDC. Confira-se:

"Irrelevante, por outro lado, o fato de ter sido dado àdemanda a denominação de ação civil pública, uma vezque no seu processamento foram obedecidas as normasprocessuais estabelecidas no Código de Defesa doConsumidor (arts. 81 a 104), restando apenas assegurar àdecisão nela proferida a abrangência estabelecida em seuartigo 103, inciso III."

PAULO VALÉRIO DAL PAI MORAES, em artigo intitulado "Acoisa julgada 'erga omnes' nas ações coletivas (Código doConsumidor) e a Lei n. 9.494/97)", veiculado na Revista da Ajuris n.77, março de 2000, pp. 155/182) leciona:

"Caso a Lei n. 9.494/97 fosse aplicável ao CDC, a restriçãodos efeitos 'erga omnes' de uma sentença coletivainfringiria os mais importantes dispositivos da LeiConsumerista, dificultando a defesa dos consumidorescoletivamente considerados, maculando os princípios davulnerabilidade do consumidor e da repressão eficienteaos abusos praticados ao mercado de consumo, além deafrontar os direitos básicos do consumidor, constantes noartigo 6º do CDC.Conforme ensinou Eros Grau, os princípios acima citadossão o alicerce do microssistema consumerista, pelo que ainfração a eles se constitui em flagrante lesão ao sistemajurídico como um todo, configurando, assim, evidenteaplicação incorreta da norma legal que concretizar ainfração.A Lei n. 9.494/97, sem dúvida, fere estes princípios, poisintenta criar uma limitação à ampla, rápida e eficaz defesados consumidores vulneráveis, haja vista que busca fazercom que várias ações com o mesmo objeto e interesseslesados sejam propostas em juízo diversos, quandoapenas uma seria necessária....A Lei n. 9.494/97 dispôs que os efeitos da decisão ficarãorestritos à competência territorial do órgão prolator. Ora, conforme ensina Ada Pellegrini Grinover '... Acompetência territorial nas ações coletivas é reguladaexpressamente pelo art. 93 do CDC ... E a regra expressada 'lex specialis' é no sentido da competência da Capitaldo Estado ou do Distrito Federal nas causas em que odano ou perigo de dano for de âmbito regional ounacional ... Assim, afirmar que a coisa julgada se restringeaos 'limites da competência do órgão prolator' nada maisindica do que a necessidade de buscar a especificação

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dos limites legais da competência, ou seja, os parâmetrosdo art. 93 do CDC, que regula a competência territorialnacional e regional para os processos coletivos'.Por isso, as regras de competência continuam as mesmas,nada tendo sido alterado. Aliás, o fato de ser estabelecidaa competência no foro da Capital do Estado ou do DistritoFederal para os danos de âmbito nacional ou regional, emnada interferia nos efeitos da coisa julgada 'erga omnes',sendo e continuando a ser evidentemente compatíveis asregras do artigo 93 com as do artigo 103 do CDC....Na verdade, no Código de Defesa do Consumidor existemAÇÕES COLETIVAS DE CONSUMO, as quais possuemregras próprias, somente a elas pertencentes, que,eventualmente, recebem o acréscimo, o auxílio, acomplementação das AÇÕES CIVIS PÚBLICAS, quandoisto não venha a contrariar as disposições consumeristas....Sem dúvida, então, que a restrição tentada pela Lei n.9.494/97, por não ser adequada às situações veiculadasno Código do Consumidor, deve ficar limitada às açõesque objetivem pagamentos de salários ou vantagens dofuncionalismo, pois este foi o motivo original do seusurgimento, sendo este o processo hermenêutico maiscorreto."

Capitaneando essa solução, está o magistério de ADAPELLEGRINI GRINOVER, que, ao comentar o art. 103 do CDC,doutrina que:

"... completamente diverso é o regime da coisa julgada nosinteresses individuais homogêneos (inc. III do art. 103), emque o legislador adotou sistema próprio, revelado pelaredação totalmente distinta do dispositivo: a uma, porque acoisa julgada 'erga omnes' só atua em caso deprocedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas eseus sucessores; a duas, porque para esse grupo deinteresses o legislador não adotou a técnica dainexistência de coisa julgada para a sentença deimprocedência por insuficiência de provas.Resulta daí que não se pode dar por modificado o art. 103,III do CDC, por força do acréscimo introduzido no art. 16da LACP, nem mesmo pela interpretação analógica,porquanto as situações reguladas nos dois dispositivos,longe de serem semelhantes, são totalmente diversas.Aliás, nem assim poderia deixar de ser: a Lei n. 7.347, de1985, só disciplina a tutela jurisdicional dos interessesdifusos e coletivos, como se vê pelo próprio art. 1 (inc. IV)e pelo fato de a indenização pelo dano causado destinar-se ao Fundo por ela criado, para a reconstituição dos bens- indivisíveis - lesados (art. 13). A criação da categoria dosinteresses individuais homogêneos é própria do Código deDefesa do Consumidor e deles não se ocupa a lei, salvo

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no que diz respeito à possibilidade de utilização da açãocivil pública para a defesa de interesses individuaishomogêneos, 'segundo os esquemas' do CDC (art. 21 daLACP).Disso resulta uma primeira conclusão: o art. 16 da Lei n.7.347/85, em sua nova redação, só se aplica aotratamento da coisa julgada nos processos em defesa deinteresses difusos e coletivos, podendo-se entendermodificados apenas os incs. I e II do art. 103 do CDC. Masnenhuma relevância tem com relação ao regime da coisajulgada nas ações coletivas em defesa de interessesindividuais homogêneos, regulado exclusivamente peloinc. III do art. 103 do CDC, que permanece inalterado."(Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentadopelos autores do anteprojeto, 6ª edição, Editora ForenseUniversitária, 1999, pp. 818/820).

Some-se a esses ensinamentos o disposto no art. 93 do CDC,aplicável por interpretação extensiva às ações em defesa tanto deinteresses individuais homogêneos como de qualquer outra açãocoletiva. Esse artigo afasta a regra do art. 16 da LACP e constitui oparâmetro adequado para definir a competência para o julgamento deações civis coletivas nas quais se busca a reparação pelos danoscausados a consumidores e a terceiros a eles equiparados.

Por outro lado, a abrangência da coisa julgada é determinadapela extensão do pedido do autor e não pela competência do órgãojulgador, sujeita às normas do CPC e da Lei n. 8.078/90, quando setrata de relações consumeristas.

Como esclarece, ainda, ADA PELLEGRINI GRINOVER:"Esta [a competência] nada mais é do que a relação de

adequação entre o processo e o juiz, nenhuma influência tendo sobreo objeto do processo. Se o pedido é amplo (de âmbito nacional) nãoserá por intermédio de tentativas de restrições da competência que omesmo poderá ficar limitado". (Ob. cit., p. 821)."

De fato, o posicionamento acima é o mais prudente a ser adotado.Atuar somente em nome dos consumidores de Santa Catarina não é o suficiente parareparar e coibir práticas como a da ré, cujos danos provocados lesam consumidoresde diversos outros Estados da Federação. Considerando, também, os princípios daceleridade e economia, não há razão em sobrecarregar ainda mais o Judiciário eoutros legitimados de outros Estados com outras ações de idêntico objeto, se apenasuma pode ser suficiente para tutelar os interesses de todos os consumidoresvitimados.

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Destaque-se, ainda, o que esclarece Rodolfo de Camargo Mancuso32

a respeito da ultratividade dos efeitos da coisa julgada na ação coletiva, a qualultrapassa os limites da demanda convencional, a seguir:

(...)O que, felizmente, arrefece o impacto do equívoco em que incorreu olegislador na alteração que procedente no art. 16 da Lei 7.347/85 éque o sistema processual que rege a jurisdição coletiva em matéria deinteresses metaindividuais forma um todo integrado eintercomplementar, dito microssistema processual coletivo: assim éque na parte processual do CDC distinguem-se as eficácia ergaomnes e utlra partes da coisa julgada, em função do tipo de interessemetaindividual objetivado (art. 103, incisos e parágrafos, e art. 104), e,bem assim, faz-se o discrímen entre os danos local, regional enacional (art. 93 e incisos), autorizando-se, por fim, o transaldo detodo esse conjunto para o âmbito da Lei 7.347/85 (cf. art. 117 do CDC,que para tal acrescentou um artigo – n. 21 – à Lei 7.347/85). Com aaplicação conjunta desses textos torna-se possível demonstrar que,no ambiente processual coletivo, a compreensão e a extensão dacoisa julgada não pode ser delimitadas em função do território ,que é critério determinativo de competência, justamente por issoempregado em outro dispositivo: art. 2º da Lei 7.347/85. (grifou-se)

Ainda a esse respeito, pertinente colacionar trecho do bem lançadovoto proferido pelo Ministro Luis Felipe Salomão no julgamento do REsp 1.243.887-PR, o qual esclarece a exata abrangência da eficácia erga omnes da coisa julgada emsede de ação coletiva de consumo, in verbis:

Aduz o recorrente, nesse ponto, que o alcance territorial da coisajulgada se limita à comarca na qual tramitou a ação coletiva, mercê doart. 16 da Lei das Ações Civis Públicas (Lei n. 7.347/85), verbis :

(...)Tal interpretação, uma vez mais, esvazia a utilidad e prática

da ação coletiva, mesmo porque, cuidando-se de dano de escalanacional ou regional, a ação somente pode ser propo sta nacapital dos Estados ou no Distrito Federal (art. 93 , inciso II, CDC).Assim, a prosperar a tese do recorrente, o efeito erga omnes próprioda sentença estaria restrito às capitais, excluindo todos os demaispotencialmente beneficiários da decisão.

A bem da verdade, o art. 16 da LACP baralha conceitosheterogêneos - como coisa julgada e competência territorial - e induz ainterpretação, para os mais apressados, no sentido de que os "efeitos"ou a "eficácia" da sentença podem ser limitados territorialmente,quando se sabe, a mais não poder, que coisa julgada – a despeito da

32 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação civil pública em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e dosconsumidores. 10ª Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 297 e 301.

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atecnia do art. 467 do CPC - não é "efeito" ou "eficácia" da sentença,mas qualidade que a ela se agrega de modo a torná-la "imutável eindiscutível".

É certo também que a competência territorial limita o exercícioda jurisdição e não os efeitos ou a eficácia da sentença, os quais,como é de conhecimento comum, correlacionam-se com os "limites dalide e das questões decididas" (art. 468, CPC) e com as que opoderiam ter sido (art. 474, CPC) - tantum judicatum, quantumdisputatum vel disputari debebat .

A apontada limitação territorial dos efeitos da sentença nãoocorre nem no processo singular, e também, como mais razão, nãopode ocorrer no processo coletivo, sob pena de desnaturação dessesalutar mecanismo de solução plural das lides.

A prosperar tese contrária, um contrato declarado nulo pelajustiça estadual de São Paulo, por exemplo, poderia ser consideradoválido no Paraná; a sentença que determina a reintegração de possede um imóvel que se estende a território de mais de uma unidadefederativa (art. 107, CPC) não teria eficácia em relação a parte dele;ou uma sentença de divórcio proferida em Brasília poderia não valerpara o judiciário mineiro, de modo que ali as partes pudessem serconsideradas ainda casadas, soluções, todas elas, teratológicas.

A questão principal, portanto, é de alcance objetivo ("o que" sedecidiu) e subjetivo (em relação "a quem" se decidiu), mas não decompetência territorial.

Pode-se afirmar, com propriedade, que determinada sentençaatinge ou não esses ou aqueles sujeitos (alcance subjetivo), ou queatinge ou não essa ou aquela questão fático-jurídica (alcanceobjetivo), mas é errôneo cogitar-se de sentença cujos efeitos não sãoverificados, a depender do território analisado.

Nesse sentido é o magistério de Rodolfo de Camargo Macuso,alinhando-se às ácidas críticas de Nelson Nery e José MarceloMenezes Vigilar:

Qualquer sentença proferida por órgão do Poder Judiciário podeter eficácia para além de seu território. Até a sentençaestrangeira pode produzir efeitos no Brasil, bastando para tantoque seja homologada pelo STF [agora STJ].Assim, as partes entre as quais foi dada a sentença estrangeirasão atingidas por seus efeitos onde quer que estejam no planetaTerra. Confundir jurisdição e competência com limites subjetivosda coisa julgada é, no mínimo, desconhecer a ciência do direito.Com efeito, o problema atinente a saber quais pessoas ficamatingidas pela imutabilidade do comando judicial insere-se narubrica dos limites subjetivos desse instituto processual dito"coisa julgada", e não sob a óptica de categorias outras, como ajurisdição, a competência, a organização judiciária. (MANCUSO,Rodolfo de Camargo. Ação civil pública: em defesa do meioambiente, do patrimônio cultural e dos consumidores . 11 ed.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, pp. 322-323)

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A antiga jurisprudência do STJ, segundo a qual "a eficácia ergaomnes circunscreve-se aos limites da jurisdição do tribunalcompetente para julgar o recurso ordinário" (REsp 293.407/SP, QuartaTurma, confirmado nos EREsp. n. 293.407/SP, Corte Especial), emhora mais que ansiada pela sociedade e pela comunidade jurídica,deve ser revista para atender ao real e legítimo propósito das açõescoletivas, que é viabilizar um comando judicial célere e uniforme - ematenção à extensão do interesse metaindividual objetivado na lide.

Caso contrário, "esse diferenciado regime processual não sejustificaria, nem seria eficaz, e o citado interesse acabaria privado detutela judicial em sua dimensão coletiva , reconvertido e pulverizadoem multifárias demandas individuais" (MANCUSO, Rodolfo deCamargo. Op. cit. p. 325), "atomizando " as lides na contramão domoderno processo de "molecularização " das demanas.

Com efeito, como se disse anteriormente, por força do art. 21 daLei n.º 7.347/85, o Capítulo II do Título III do CDC e a Lei das AçõesCivis Públicas formam, em conjunto, um microssistema próprio doprocesso coletivo, seja qual for a sua natureza, consumerista,ambiental ou administrativa.

Assim, com o propósito também de contornar aimpropriedade técnico-processual cometida pelo art. 16 da LACP,a questão relativa ao alcance da sentença proferida em açõescoletivas deve ser equacionada de modo a harmonizar os váriosdispositivos aplicáveis ao tema.

Nessa linha, o alcance da sentença proferida em açã o civilpública deve levar em consideração o que dispõe o C ódigo deDefesa do Consumidor acerca da extensão do dano e d aqualidade dos interesses metaindividuais postos em juízo.

O norte, portanto, deve ser o que dispõem os arts. 93 e 103 doCDC, verbis:

(...)Portanto, se o dano é de escala local, regional ou nacional, o

juízo competente para proferir sentença, certamente, sob pena de serinócuo o provimento, lançará mão de comando capaz de recompor ouindenizar os danos local, regional ou nacionalmente, levados emconsideração, para tanto, os beneficiários do comando,independentemente de limitação territorial. Esse também é oentendimento de Ada Pellegrini Grinover:

De início, os tribunais não perceberam o verdadeiro alcance dacoisa julgada erga omnes, limitando os efeitos da sentença edas liminares segundo critérios de competência. Logo afirmamosnão fazer sentido, por exemplo, que ações em defesa dosinteresses individuais homogêneos dos pensionistas eaposentados da Previdência Social ao recebimento da diferençade 147% fossem ajuizadas nas capitais dos diversos Estados, apretexto dos limites territoriais dos diversos órgãos da justiçafederal. O problema não é de competência: o juiz federal, competentepara processar e julgar a causa, emite um provimento (cautelar

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ou definitivo) que tem eficácia erga omnes, abrangendo todos osaposentados e pensionistas do Brasil. Ou a demanda é coletiva,ou não o é; ou a coisa julgada é erga omnes, ou não o é. E se opedido for efetivamente coletivo, haverá uma clara relação delitispendência entre as várias ações juizadas nos diversosEstados da Federação.Por isso, sustentamos que a limitação operada por certosjulgados afronta o art. 103, CDC, e despreza a orientaçãofornecida pelo art. 91, II, por onde se vê que a causa que versesobre a reparação de danos de âmbito nacional ou regional deveser proposta no foro da capital do Estado ou no Distrito Federal,servindo, evidentemente, a decisão para todo o territórionacional. Esse dispositivo aplica-se aos demais casos de interesses quealcancem grupos e categorias de indivíduos, mais ou menosdetermináveis, espalhados pelo território nacional. (GRINOVER,Ada Pellegrini [et al]. Código brasileiro de defesa do consumidor:comentado pelos autores do anteprojeto . 9 ed. Rio de Janeiro:Forense Universitária, 2007, p. 942) (grifou-se)

Saliente-se, ao final, que o recurso especial precitado refere-se àincidente de uniformização de jurisprudência, submetido ao regime do artigo 543-C doCódigo de Processo Civil, o qual consolidou a tese de que, em se tratando de açãocoletiva de consumo, a repercussão e efeitos decorrentes desta é nacional,inexistindo qualquer limitação à eficácia da decisão dada neste tipo de demanda.

Neste passo, registra-se que a presente ação tem por objeto a efetivatutela dos consumidores indistintamente considerados (interesses difusos, coletivos eindividuais homogêneos), de modo que, após a necessária divulgação da interposiçãodeste instrumento de tutela coletiva, pugna-se pela aplicação, na sentença, dosefeitos previstos no art. 103, I, II e III e §3º, do Código de Defesa do Consumidor.

VIII – ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA

A pretensão deduzida nesta ação coletiva de consumo encontraguarida no Código de Defesa do Consumidor, cujas normas são de ordem pública einteresse social, com forte base constitucional.

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O instituto da antecipação dos efeitos da tutela está previsto no CDCe na Lei n. 7.347/85, respectivamente nos arts. 84, § 3º, e 12, caput, cuja aplicação éde suma importância para a salvaguarda dos direitos fundamentais dosconsumidores. Note-se, ainda, que a Constituição Federal estabelece que a defesa doconsumidor é dever do Estado, que também é prevista como um dos princípios daordem econômica, conforme art. 170, inc. V.

Com efeito, estabelece o Código de Defesa do Consumidor:

Art. 84. Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação defazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigaçãoou determinará providências que assegurem o resultado práticoequivalente ao adimplemento.§ 3º. Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificadoreceio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder atutela liminarmente ou após justificação prévia, citado o Réu.

Ainda, registre-se que o art. 6º, inc. VI, do CDC, prevê como direitobásico dos consumidores a efetiva prevenção de danos patrimoniais e morais,individuais, coletivos e difusos.

A relevância do fundamento da presente ação é inquestionável, poisestá em discussão a proteção de milhares, possivelmente milhões, de consumidoresque já tiveram ou poderão vir a ter seus direitos desrespeitados pela demandada, coma divulgação indevida de informações constantes no sistema "Concentre Scoring".

Ademais, a demora natural e própria de processos desta naturezapode levar à ineficácia do provimento final. Caso não concedida a liminar, aperpetuação da prática noticiada continuará atingindo direitos de personalidade dosconsumidores – como a honra e o “bom nome” –, que, pela sua natureza, uma vezviolados, caracterizam-se pela inviabilidade de recomposição ao “status quo ante”. Ouseja, ainda que venha a ser posteriormente arbitrada uma indenização pela ofensalevada a efeito, a medida paliativa, de caráter compensatório pelo desgostoexperimentado, não atingirá a finalidade maior do ordenamento jurídico, que é aproteção (prevenção do dano) do direito tutelado ou, subsidiariamente, a suarecomposição "in natura".

Além disso, o direito tutelado será ainda mais acintosamente violadona medida em que poderão continuar ocorrendo negativas de crédito com base nas

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informações prestadas pelo sistema "Concentre Scoring" da demandada, situação atambém evidenciar a urgente necessidade de antecipação dos efeitos da tutela.

O fato é que a manutenção do suporte fático atual, a par deprejudicar, e muito, milhares – possivelmente milhões – de consumidores, beneficiademasiadamente a demandada, pois a emissão das certidões de score tem um custoconsiderável e, por conseqüência, gera uma vultosa renda diária a ela, segundo dáconta a notícia veiculada no dia 13 de agosto de 2013, sob o título Perfis que Serasapassa ao mercado são pura fantasia33, do site Consultor Jurídico:

[...]

E os lucros não são baixos. A Serasa responde, diariamente, a 6

milhões de consultas feitas por 500 mil clientes diretos e indiretos,

apenas no Brasil, “o maior bureau de crédito do mundo fora dos

Estados Unidos”, segundo a própria empresa. Uma assinatura básica

para pessoa jurídica custa cerca de R$ 150,00, convertidos em

serviços. Os preços variam de R$ 0,06 a R$ 20 mil por consulta. Um

serviço que permite visualizar a renda presumida, o limite de crédito

sugerido e a probabilidade de inadimplência custa em torno de R$ 10

por consulta.

Assim, o ônus da demora do processo – e, por evidente, da nãoconcessão da antecipação dos efeitos da tutela – atende o interesse da demandada eprejudica, de maneira irreversível, o direito dos consumidores.

Acerca do assunto, o Centro de Apoio Operacional do Consumidor doMinistério Público de Santa Catarina, em solicitação de pesquisa encaminhada poruma das Promotorias de Justiça do Estado, já teve a oportunidade de registrar:

Foi-se o tempo em que o titular do direito material tinha que suportarcom exclusividade os deletérios efeitos do tempo transcorrido desde oinício até o término de um processo cuja tramitação sempre foimarcadamente morosa. Sob esse prisma, ao réu incumbia lançar mãode todos os incontáveis instrumentos protelatórios, a fim de martirizarainda mais a penosa situação daquele cujo direito foi violado,beneficiando-se do efeito do tempo e agravando ainda mais a situaçãodo autor.

33 http://www.conjur.com.br/2013-ago-13/baseada-informacoes-publicas-serasa-mercado-visao-distorcida . - acesso em 13 de agosto de2013.

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Com a introdução no ordenamento jurídico da possibilidade deantecipação dos efeitos da tutela, buscou-se, preponderantemente,distribuir-se o ônus do tempo do processo, de modo a alcançar aoautor, imediatamente, o bem da vida perseguido.

No entanto, a efetividade da antecipação dos efeitos daquelatutela que seria prestada ao autor em momento longínquo, somenteserá alcançada mediante o correto uso de seus instrumentos, entre osquais se destaca a imposição de multa diária pelo descumprimento dedecisão antecipatória (astrintes), tal qual prevista, v.g., nos §§ 4º e 3º,do art. 461, do Código de Processo Civil (CPC), ou §§ 3º e 4º do art.84 do Código de Defesa do Consumidor (CDC).

A propósito, a tônica que inspirou a alteração da disciplina dosartigos 273 e 461 do CPC, por via das Leis nºs 8.952/94 e 10.444/02,foi cristalizada no ápice de nosso ordenamento pela redação do incisoLXXVIII, do art. 5º, da Constituição Federal (CF), com o seguinte teor:

Art. 5º [...]LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são asseguradosa razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridadede sua tramitação.

Nesse contexto, os entendimentos jurisprudenciais passaram asofrer natural modificação, balizados pelo norte calcado na celeridadeprocessual e efetividade do processo, sem perder de vista, porevidente, a distribuição do ônus referente ao tempo do processo.

Os excertos doutrinários abaixo expressam bem a “nova ordem”.

[...] o processo deve amoldar-se aos desígnios do direito material, desorte a não simplesmente assegurar a composição do litígio e areparação do dano que o titular do direito lesado suportou, mas aproporcionar a melhor e mais rápida e objetiva concretização do direitoda parte que tem razão. O processo deve estar voltado para aefetividade, evitando, quando possível, o dano ou o agravamento dodano ao direito subjetivo (THEODORO JR., Humberto. Curso de direitoprocessual civil. v. 2. 45ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 653).

[...] nas antecipatórias de tutela de mérito, o que está em jogo é agarantia de efetivo acesso à Justiça, que figura entre as garantiasfundamentais no Estado Democrático de Direito. [...] Deixar que umdireito subjetivo pereça no aguardo do provimento jurisdicionaldefinitivo é, sem dúvida, negar a tutela jurídica que o Estado garantiu,é vetar, praticamente, ao lesado o acesso à Justiça (op. cit., p. 701-702).

Assim, passaram a ganhar corpo e solidez os instrumentos queasseguram a mencionada efetividade, entre os quais a astrinte.

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A propósito,

O objetivo das astreintes não é obrigar o réu a pagar o valor da multa,mas obrigá-lo a cumprir a obrigação na forma específica. A multa éapenas inibitória. (NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade.Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 9. ed.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 588).

Requer-se, assim, a concessão de tutela antecipada, liminarmente.

IX – PEDIDOS E REQUERIMENTOS

Diante de todo o exposto, configurados os requisitos autorizadores, oMinistério Público requer a Vossa Excelência a antecipação dos efeitos da tutela,inaudita altera parte , de modo a determinar, imediatamente:

A) o cumprimento da obrigação de não fazer, consistente na proibição,atual e futura, de utilização do sistema Concentre Scoring (serviçoscore) pela demandada, até a efetiva correção dos inúmeros ilícitosapontados nesta actio, de modo que passe a atender aos comandosdas Leis n. 8.078/90 (CDC) e 12.414/11 (Cadastro Positivo), e queesteja em sintonia com a Constituição Federal;

B) o cumprimento da obrigação de fazer, consubstanciada na retirada,de seu(s) banco(s) de dados e cadastros, das informações e dadosrelativas a todo e qualquer consumidor que não autorizou e nem foinotificado previamente a respeito de sua inclusão no sistema (arts. 4ºda Lei nº 12.414/11, e 43, par. 2º, do CDC), ou que não provenha delocais públicos;

C) o cumprimento da obrigação de não fazer, plasmada na proibição dacaptura de dados e informações de outros bancos e cadastros,pertinentes a todo e qualquer consumidor que não tenha autorizadoou sido notificado previamente a respeito de sua inclusão no banco dedados ou cadastro (arts. 4º da Lei nº 12.414/11, e 43, par. 2º, do

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CDC), bem como a não utilização dos mencionados dados einformações;

D) o cumprimento da obrigação de não fazer, consistente na proibição defornecimento e/ou compartilhamento de informações e/ou dadosarmazenados em seus cadastros e/ou banco de dados, quando nãopossua comprovação documental de que o registro foi autorizado peloconsumidor ou, conforme o caso, precedido de notificação a ele, naforma da lei;

E) o cumprimento da obrigação de fazer, consubstanciada na prestaçãode informações claras, adequadas e em linguagem de fácilcompreensão na certidão de score (documento emitido pelademandada com atribuição dos pontos aos consumidores), acercados dados/informações – que devem ser objetivos e verdadeiros –,utilizados como critério (variáveis) e que influenciam no total dapontuação atribuída aos consumidores (normalmente na subtraçãodos pontos, a partir de 1.000);

F) o cumprimento da obrigação de fazer, consubstanciada na prestaçãode informações referentes a quantos pontos estão sendo subtraídospara cada dado/informação (critério) utilizado;

G) a publicação, nos jornais Diário Catarinense, A Notícia e Notícias doDia (jornais de grande circulação Estadual), no prazo de até quinzedias contados da data da publicação do decisum, da decisão deantecipação dos efeitos da tutela, por duas vezes, com intervalo de 15(quinze) dias e em dimensões que possibilitem a fácil identificação eleitura (no mínimo, 20cm X 20cm), a fim de viabilizar a ciência, daliminar, aos consumidores, de modo a contribuir com a fiscalização deseu cumprimento;

H) a cominação de multa para o caso de descumprimento de quaisquerdas medidas acima elencadas, no valor de R$ 500.000,00 (quinhentosmil reais) por dia de descumprimento, a ser revertido ao Fundo paraReconstituição dos Bens Lesados do Estado de Santa Catarina, deacordo com o artigo 13 da Lei nº 7.347/85 (Banco do Brasil, c/c63.000-4, Agência 3582-3, CNPJ nº 76.276.849/0001-54);

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Ao final, o Ministério Público pugna pela confirmação dos efeitosda medida antecipatória , tornando definitiva a decisão que a concedeu, ouconcedendo as pretensões na hipótese de ainda não t erem sido alcançadas,inclusive a multa pelo descumprimento , e, ainda, a procedência dos demaispedidos abaixo deduzidos e deferimento dos requerimentos que seguem:

01) Seja a presente ação recebida, autuada e processada no rito ordinário,com a citação da ré, por meio de seu representante legal, para apresentarcontestação, no prazo legal, sob pena de se reputarem inteiramenteverdadeiros os fatos articulados nesta inicial;

02) A publicação de edital, no órgão oficial, dando ciência a respeito dapresente demanda, a fim de que os interessados possam intervir noprocesso como litisconsortes, sem prejuízo de ampla divulgação pelosmeios de comunicação social por parte dos órgãos de defesa doconsumidor (art. 94, CDC), adotando-se a mesma publicidade quando daprolação da sentença;

03) Desde logo, a inversão do ônus da prova, a teor do art. 6º, inc. VIII, doCódigo de Defesa do Consumidor;

04) No que pertine ao direito individual homogêneo, a condenação genérica dademandada à obrigação de indenizar, da forma mais ampla e completapossível, os danos materiais e morais ocasionados aos consumidoresindividualmente considerados, decorrentes da prática ilegal mencionadanesta ação, conforme determina o art. 6°, inc. VI, e arts. 91 e 95, todos doCDC;

05) No que tange aos direitos difuso e coletivo, a condenação da Requerida aopagamento, a título de reparação pelos danos morais causados àcoletividade de consumidores, da quantia de R$ 50.000.000,00 (cinquentamilhões de reais), em favor do Fundo para Reconstituição de BensLesados do Estado de Santa Catarina, valor a ser depositado no Banco doBrasil, c/c 63.000-4, Agência 3582-3, CNPJ nº 76.276.849/0001-54;

06) A obrigação de fazer consistente em fazer publicar, nos jornais DiárioCatarinense, A Notícia e Notícias do Dia (jornais de grande circulação

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estadual), no prazo de quinze dias do trânsito em julgado da sentença, porquatro vezes, com intervalo de 15 (quinze) dias e em dimensões quepossibilitem a fácil identificação e leitura (no mínimo, 20cm X 20cm), aparte dispositiva de eventual sentença de procedência, para que osconsumidores tomem ciência da mesma (arts. 95, 97, 103 e seguintes doCDC), a qual deve ser introduzida com a seguinte mensagem: “Acolhendopedido veiculado em ação coletiva de consumo ajuizada pela Promotoriade Justiça de Defesa do Consumidor do Ministério Público do Estado deSanta Catarina, o juízo da [__]ª Vara da Fazenda Pública da Comarca daCapital condenou a Serasa Experian, nos seguintes termos: [__]”. O pedidotem como finalidade a recomposição dos danos material e moralocasionados aos consumidores, previsto no artigo 6º, inc. VI, do CDC, alémde servir como mecanismo de educação e informação aos consumidores efornecedores quanto aos direitos e deveres, em atenção ao princípio do art.4º, inc. IV, do mesmo diploma legal;

07) A fixação de multa diária no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) pordia de descumprimento da decisão que determinar a publicação dasentença de procedência do pedido, na forma pugnada no item “6” supra, aser revertido ao Fundo para Reconstituição dos Bens Lesados do Estadode Santa Catarina (Banco do Brasil, c/c 63.000-4, Agência 3582-3, CNPJ nº76.276.849/0001-54);

08) A imposição do ônus da sucumbência, com a condenação da demandadaao pagamento das despesas processuais e, se for o caso, honoráriosadvocatícios (art. 18 da Lei nº 7.347/85), a serem revertidos ao Fundo paraReconstituição dos Bens Lesados do Estado de Santa Catarina, Banco doBrasil, c/c 63.000-4, Agência 3582-3, CNPJ nº 76.276.849/0001-54;

09) A produção de todas as provas em direito admitidas, sobretudo a pericial;

10) A aplicação, na sentença, dos efeitos previstos no art. 103 do Código deDefesa do Consumidor, com eficácia em âmbito nacional;

11) A expedição de ofício a sua excelência, o Corregedor-Geral da Justiça deSanta Catarina, para que determine a expedição de certidão informando aquantidade de ações ajuizadas em face da demandada que tenham porobjeto controvérsia relacionada ao sistema concentre scoring, apontando,

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se possível, as em tramitação, as com sentença prolatada de procedênciado pedido, de improcedência, e com trânsito em julgado;

12) A expedição de ofício a sua excelência, o magistrado em atuação no 1ºJuizado Especial Cível local (Fórum Des. Eduardo Luz), solicitando aurgente remessa, relativamente às 50 (cinquenta) últimas ações judiciaispropostas por consumidores em face da Serasa Experian S/A – cujo objetoguarde pertinência ao da presente ação coletiva –, de (12.1) cópia doextrato/documento (certidão do score) emitido pela Ré referente a cadaum dos consumidores demandantes, onde conste a pontuação a elesatribuída – para o propósito de verificar se a demandada presta asinformações indispensáveis aos consumidores, no sentido de apurar, se foro caso, quais os dados/informações estão sendo consideradosveladamente pela demandada para efeito de subtração dos pontos, cujapublicidade – se houvesse – serviria para viabilizar o direito ao contraditóriopara fins de questionar eventuais equívocos, abusos ou utilização múltiplado mesma variável (critério) na “equação” que redundou na pontuaçãoatribuída; e de (12.2) cópia das iniciais – para fins de apurar a situaçãofática que motivou o ajuizamento das ações;

13) Após aportar aos autos a documentação solicitada acima, a intimação dademandada, desde logo, para demonstrar, clara e minuciosamente, (13.1)cada um dos dados/informações utilizados para a subtração dos pontosdos referidos autores das ações individuais e (13.2) quantos pontos foramatribuídos a cada variável (dados/informações), bem como (13.3)comprovar que cada um dos dados/informações: (13.3.1) provém de fontepública; ou (13.3.2) provém de fonte privada na qual houve préviacomunicação, por escrito, ao consumidor, quando a inserção do dado nãofoi por ele solicitada (art. 43, §2º, do CDC), ou (13.3.3) provém de fonteprivada na qual houve, em instrumento específico ou cláusula apartada,prévia e expressa autorização do consumidor respectivo (4º, da Lei n.12.414/2011);

14) A expedição de ofício a sua excelência, o presidente da Primeira Turma deRecursos da Capital – que detém competência cível –, solicitando aremessa de cópia dos últimos 50 (cinqüenta) acórdãos prolatados apropósito de recursos interpostos em lides envolvendo consumidores e a

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Serasa Experian S/A, cujo objeto guarde pertinência ao da presente açãocoletiva;

15) O sobrestamento, se for o caso, das ações individuais atuais e futuras cujoobjeto seja similar ao da presente ação coletiva, ressalvada apenas apossibilidade de prosseguimento – só para argumentar – caso não sejadeferida a antecipação dos efeitos da tutela ora pugnada.

Em anexo, segue a íntegra do Inquérito Civil nº 06.2013.00006945-1,instaurado no âmbito da 29ª Promotoria de Justiça da Capital com vistas à apuraçãoda legalidade da prática do "Score", pontuação aplicada aos consumidores com baseem informações contidas no banco de dados do Serasa Experian.

A presente petição e os documentos que a instruem são transmitidos por meio eletrônico, na forma da Lei Federal n. 11.419/06, sendo que permanecerãopreservados nesta Promotoria de Justiça os originais dos documentos digitalizados,pelo prazo previsto no art. 11, § 3º, do referido Diploma Legal.

Dá-se à causa o valor de R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões dereais).

Florianópolis, 02 de outubro de 2013.

Eduardo Paladino Marcelo de Tarso Zanellato Promotor de Justiça Promotor de Justiça e Coordenador do Centro de Apoio Operacional do Consumidor do MPSC

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