urbanização na cidade de manaus: uma reflexão acerca do

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAZONAS PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO AMBIENTAL KÁTIA CRISTINA CRUZ SANTOS Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do Direito à Moradia frente ao Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado MANAUS 2015

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAZONAS

PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO AMBIENTAL

KÁTIA CRISTINA CRUZ SANTOS

Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do Direito à Moradia

frente ao Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado

MANAUS

2015

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KÁTIA CRISTINA CRUZ SANTOS

Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do Direito à Moradia

frente ao Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas, como requisito parcial para obtenção do título de mestre em Direito Ambiental.

Linha de pesquisa: Conservação dos Recursos Naturais e Desenvolvimento Sustentável. Orientador: Prof. Dr. Paulo Fernando de Brito Feitoza.

MANAUS

2015

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TERMO DE APROVAÇÃO

KÁTIA CRISTINA CRUZ SANTOS

Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do Direito à Moradia

frente ao Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado.

Dissertação aprovada pelo Programa de Pós-graduação em Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas, como requisito parcial para obtenção do título de mestre em Direito Ambiental pela Comissão Julgadora abaixo identificada. Manaus, 30 de Junho de 2015.

COMISSÃO JULGADORA

Prof. Dr. Paulo Fernando de Brito Feitoza Universidade do Estado do Amazonas-UEA

Prof.ª Dra. Izaura Rodrigues Nascimento Universidade do Estado do Amazonas

Prof. Dra. Aline Christien de Figueiredo Rondon Universidade Nilton Lins

Page 4: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

Ao meu único filho Moisés Seixas Nunes Filho

a mais bela representação de amor apoio e

compreensão, razão das minhas alegrias.

Page 5: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

AGRADECIMENTOS

Primeiramente, a Deus, por sustentar-me espiritualmente, fazendo acreditar na

possibilidade de vencer os mais difíceis desafios que a vida nos coloca, fazendo-me sentir

sempre amparada e amada nas horas mais difíceis.

À minha família, pais, meu único filho e irmãos, por serem minhas referências de

responsabilidade, honestidade, amorosidade e gratidão.

Ao meu filho Moisés Seixas Nunes Filho o maior responsável e incentivador desse

momento de estudo, pelas palavras sempre motivadoras, por sua presença amiga, pelo carinho,

amor , participação ;

Ao meu querido professor orientador Dr. Paulo Fernandes de Brito Feitoza, a qual

me aceitou, acreditou em mim, e oportunizou-me a realizar esta pesquisa em nível de mestrado.

Com suas palavras sábias, provocadoras de reflexão.

Aos estimados professores avaliadores, pelas orientações dadas e por

compartilharem seus saberes.

Aos demais professores que transmitiram seus conhecimentos e reflexões através

das aulas ministradas, técnicos administrativos e funcionários da UEA-PPGDA, pelo apoio e

atenção.

Em todas as conquistas da minha vida sempre tive a certeza de que todas as vitórias

alcançadas não serão apenas individuais e sim coletivas. Foi uma etapa árdua e ao mesmo tempo

prazerosa. Limites e desafios eram postos a cada momento, no entanto, a possibilidade de

crescimento pessoal e intelectual foi intensa e me possibilitou um repensar quanto a minha

profissão de professora e um repensar enquanto ser humano aprendendo a conhecer melhor os

meus reais limites como ser social, cultural, pensante, falante e que age nas mais diversas

situações.

Page 6: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

"Se você quer transformar o mundo mexa primeiro em seu interior” (Dalai Lama)

A diferença entre o possível e o impossível está na vontade humana.

Louis Pasteur

Três verbos existem que, bem conjugados, serão lâmpadas

luminosas em nosso caminho - Aprender, Servir e Cooperar.

Chico Xavier.

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Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do Direito à Moradia frente ao Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado.

RESUMO

A moradia apresenta-se como um dos muitos Direitos Sociais garantidos constitucionalmente aos brasileiros. O Direito de se ter uma moradia é maior que as ideologias, porém, tal Direito está sendo difícil de concretizá-lo, especialmente pelas populações mais pobres das grandes cidades brasileiras. O desordenamento urbano na cidade de Manaus promove a desigualdade social e perpetua condições de vida precárias e sub-humanas contribuindo de sobremaneira para o agravamento do problema socioambiental na cidade de Manaus. A presente dissertação apresenta como problematização, o seguinte questionamento: O acesso ao Direito à Moradia, conforme estatui a Constituição Federal 1988, promove a manutenção e equilíbrio sócio ambiental ao seu redor? O Objetivo Geral desta pesquisa é analisar e estudar a relação existente entre a urbanização crescente na cidade de Manaus quanto ao Direito de Moradia Digna e ao Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado. Para isto, esta dissertação propõe um tratamento conceitual, teórico e normativo do tema e usa a técnica documental, eminentemente bibliográfica, tendo como base da pesquisa livros, artigos, teses, dissertações, reportagens de jornais, a Constituição Federal e seus princípios e os objetivos constitucionais, legislação infra legal, consubstanciado pela doutrina pátria e estrangeira, todos envolvendo os direitos sociais voltadas para o Direito à Moradia Digna e ao Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado. No primeiro capítulo são abordados os aspectos e características da urbanização brasileira. Essa discussão é necessária para auxiliar na compreensão do estudo adiante. Primeiramente, trabalha-se a evolução da urbanização Brasileira, um segundo momento, apresenta-se a evolução da urbanização na Amazônia. No segundo capítulo é discutido os conceitos e titularidades dos Direitos Sociais. Os Princípios da Dignidade da pessoa humana e princípio do mínimo existencial. O Enquadramento do Direito à Moradia no plano Constitucional, apresentamos o Direito à Moradia como Direito Fundamental. Por fim, analisamos os Tratados, Acordos e Convenções internacionais acerca ao Direito à Moradia. No terceiro capítulo apresentamos um breve histórico do Direito Ambiental no Brasil, Definição legal de meio ambiente, Meio Ambiente na Constituição Federal de 1988, o Direito Fundamental ao Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado, Educação ambiental, Relação entre percepção Ambiental, Topofilia e Topofobia, Consciência Ecológica. No quarto capítulo denominado “Reflexões sobre a dualidade de moradias na cidade de Manaus”, abordamos a urbanização na cidade de Manaus por intermédio do Problema da moradia e do Déficit Habitacional. Refletiremos a dualidade das moradias na cidade de Manaus através da análise do Flat Tropical e das moradias fluviais no Bairro de Educandos e São Raimundo. Assim sendo se faz necessário a compreensão das Histórias e características dos Bairros da Ponta Negra, São Raimundo e Educandos. Posteriormente apresentaremos percepção dos problemas ambientais e o Paradoxo do Flat Tropical e as moradias do Bairro Educandos e São Raimundo. Por fim, são apresentadas as considerações finais esperando, de certa maneira, ter contribuído para uma compreensão sobre o Direito à Moradia e sua interação com o meio ambiente ecologicamente equilibrado. Palavras-chaves: Direito à Moradia. Urbanização. Meio Ambiente. Dignidade da Pessoa Humana.

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Urbanization in Manaus : a reflection on the right to housing front to an ecologically balanced

environment.

ABSTRACT

The habitation presents itself as one of many social rights constitutionally guaranteed to Brazilians. The Right to have a house is greater than the ideologies, however, this law is being hard to achieve it, especially by the poorest populations of the big cities. Urban disordering in the city of Manaus promotes social inequality and perpetuates poor living conditions and inhuman contributing greatly to the worsening environmental problem in the city of Manaus. This work shows how problematic the following question as access to housing rights, as the Constitution stipulates in 1988, promotes the maintenance and balance environmental partner around you? The general objective of this research is to analyze and study the relationship between the increasing urbanization in the city of Manaus on the Decent Housing of law and an Ecologically Balanced Environment. For this, this thesis proposes a conceptual approach, theoretical and normative theme and uses the documentary technique, eminently literature, based on the research books, articles, theses, dissertations, newspaper reports, the Federal Constitution and its principles and objectives constitutional, legislation infra cool, embodied by country and foreign doctrine, all involving social rights facing the Right to Decent Housing and the Environment Ecologically Balanced. In the first chapter examines the aspects and characteristics of the Brazilian urbanization. This discussion is needed to assist in understanding the study forward. First, work the evolution of the Brazilian urbanization, a second time shows the evolution of urbanization in the Amazon. The second chapter discussed the concepts and entitlements of Social Rights. The Principles of Human dignity and principle of existential minimum. The law of the Constitutional Framework Housing plan, present the right to housing as a Fundamental Right. Finally, we analyze the Treaties, agreements and international conventions on the right to housing. In the third chapter we present a brief history of environmental law in Brazil, Legal definition of environment, Environment in the Federal Constitution of 1988, the Fundamental Right to an Ecologically Balanced Environment, Environmental Education, Environmental Relationship between perception and topophilia topophobia, Ecological Consciousness . In the fourth chapter called "Reflections on the duality of housing in the city of Manaus" approach to urbanization in the city of Manaus through the problem of housing and the Housing Deficit. Will reflect the duality of the villas in the city of Manaus by analyzing the Flat Tropical and river villas in Educandos district and Sao Raimundo. Therefore it is necessary to understand the stories and characteristics of neighborhoods of Ponta Negra, São Raimundo and Educandos. Later present perception of environmental problems and the Paradox Flat Tropical and townhomes Educandos and São Raimundo Quarter. Finally, the concluding remarks are presented waiting, in a way, have contributed to an understanding of housing rights and their interaction with the ecologically balanced environment. Keywords: Right to Housing. Urbanization. Environment. Human Dignity.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 Teatro Amazonas, ano 1886 - Inaugurado em 31 de dezembro de 1896, teve sua pedra fundamental lançada em 1884.. Fonte: Monteiro (2006, p. 116)................................................40

Figura 2 O Palácio da Justiça, Avenida de Eduardo Ribeiro. Inaugurado pelo Governador Ramalho Junior em 1900. Foto do Álbum do Amazonas, 1901-02. Fonte: Monteiro (2006, p. 465)..........................................................................................................................................41 Figura 3 Palácio Rio Branco- Patrimônio Cultural da Humanidade. Herança cultural, com arquitetura e memórias políticas, que nos remete as riquezas do auge do ciclo da borracha. Trata-se de um prédio estilo eclético construído entre os anos de 1905 e 1938. Fonte: G1 AM...........................................................................................................................................41 Figura 4 Gymnasio Amazonense- A pedra fundamental em 25 de março de 1881, em 05/09/1886. Fonte: Colégio Amazonense D. Pedro II (Carmélia Esteves de Castro).....................................................................................................................................42

Figura 5 Av. de Eduardo Ribeiro, com a linha de bondes elétricos do lado direito e as inúmeras carroças tiradas a muares, de propriedade de cidadãos portugueses. Foto do Álbum de Fotografias de Casas Comerciais de Manaus, 1900. Fonte: Monteiro (2006, p. 117). .................................................................................................................................................43 Figura 6 Catedral de Manaus, paredão, escadarias e jardim, 1897. Fonte: Monteiro (2006, p.322).......................................................................................................................................43 Figura 7 Biblioteca Pública, rua Barroso, esquina da avenida de Sete de Setembro. Planta do arquiteto paraense dr. José Carlos de Figueiredo. Foto do Anuário de Manaus. 1913-14. Fonte: Monteiro (2006, 228)...............................................................................................................44 Figura 8 Mapa da Região Metropolitana de Manaus- Fonte: Atlas (PNUD) ONU 2014 ...............................................................................................................................................106 Figura 9 Fotos das moradias do Bairro de São Raimundo. Fotografia Gabriela Colares. Fonte: Núcleo de Estudos e Pesquisas das Cidades Da Amazônia Brasileira – NEPECAB/ UFAM....................................................................................................................................121

Figura 10 Vista aérea da ilha de Constantinópolis, vendo-se, em primeiro plano, ao sul, o Amarelinho; a oeste, ligando-a ao centro da cidade, a ponte Pe. Antônio Plácido de Souza. Fonte: Constantinópolis: origens e tradições, p. 11...............................................................122 Figura 11 Nesta foto de 1901 (Álbum Amazonas), vê-se no topo da colina o antigo prédio da Olaria Provincial, e logo abaixo a Vila Péres, construída em 1889. Em primeiro plano, a tradicional catraia transporte tradicional, trazida pelos portugueses desde o início da colonização. Fonte: Constantinópolis: origens e tradições, p. 18.........................................123

Figura 12 Fotos das moradias do bairro de Educandos, 2014. Fotografia: Leco Jucá.............125

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Figura 13 Fotos das moradias do bairro de Educandos, 2014 Fotografia: Leco Jucá...........126

Figura 14 Fotos das moradias do bairro de Educandos, 2014. Fotografia: Leco Jucá..........126

Figura 15 Entrada do Flat Tropical. Fonte: www.tropicalmanaus.com.br............................131

Figura 16 Piscina do Flat Tropical, na época de Cheias as águas do Rio Negro margeam a piscina. Fotografia: Kátia Cruz, 2015....................................................................................132

Figura 17 Piscina do Flat Tropical, Cheia do Rio Negro águas margeam a piscina. Autor desconhecido, 2015, site OLX...............................................................................................133

Figura 18 Foto Aérea do Flat Tropical. Fonte: www.tropicalmanaus.com.br......................139

Figura 19 A grande quantidade de lixo jogada pelos próprios moradores torna-se um tormento com a subida do rio- Fonte: Jornal Acrítica..........................................................................146 Figura 20 Além do perigo de animais peçonhentos, o lixo também coloca em risco a saúde dos moradores. Fonte: JornalAcrítica....................................................................................146 Figura 21 Lixo acumula-se em baixo das casas de palafitas Fonte: Jornal Acrítica............147

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 Déficit Habitacional total no Brasil. Fonte: IPEA.................................................115

Gráfico 2 Déficit Habitacional nas Capitais brasileiras. Fonte: IPEA..................................116

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 População das doze maiores cidades. Fonte: Revista Exame.com.........................105

Tabela 2 UDH com maior IDHM na Região Metropolitana de Manaus. As Unidades de

Desenvolvimento Humano (UDH) são áreas dentro das regiões metropolitanas que podem ser

uma parte de um bairro, um bairro completo ou, em alguns casos, até um município pequeno.

Fonte Atlas PNUD ONU 2014..............................................................................................130

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .....................................................................................................................14

CAPÍTULO I PROCESSO DE URBANIZAÇÃO

1 A URBANIZAÇÃO BRASILEIRA .................................................................................20

1.1 O PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO E URBANIZAÇÃO NA AMAZÔNIA....25

1.2 BREVE HISTÓRICO DA OCUPAÇÃO NA CIDADE DE MANAUS.........................36

1.3 DIFERENÇAS ENTRE URBANIZAÇÃO E URBANISMO.........................................45

CAPÍTULO II DIREITO À MORADIA, DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E

TRATADOS INTERNACIONAIS

2 DIREITOS SOCIAIS ........................................................................................................48

2.1 DEFINIÇÃO DE DIREITOS SOCIAIS..........................................................................48

2.2 TITULARIDADE DOS DIREITOS SOCIAIS................................................................52

2.3 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E PRINCÍPIO DO MÍNIMO

EXISTENCIAL.......................................................................................................................56

2.4 ENQUADRAMENTO DO DIREITO À MORADIA NO PLANO

CONSTITUCIONAL..............................................................................................................61

2.5 DIREITO À MORADIA COMO DIREITO FUNDAMENTAL.....................................62

2.6 TRATADOS, ACORDOS E CONVENÇÕES INTERNACIONAIS ACERCA AO

DIREITO À MORADIA.........................................................................................................67

2.6.1 Carta das Nações Unidas ............................................................................................67

2.6.2 Declaração Universal dos Direitos Humanos............................................................68

2.6.3 Pacto Internacional dos direitos econômicos, sociais e culturais ...........................69

2.6.4 Agenda 21 ....................................................................................................................72

2.6.5 Agenda Habitat ...........................................................................................................73

CAPÍTULO III MEIO AMBIENTE, EDUCAÇÃO AMBIENTAL E A CONSCIÊNCIA

AMBIENTAL

3 BREVE HISTÓRICO DO DIREITO AMBIENTAL NO BRASIL .............................76

Page 14: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

3.1 DEFINIÇÃO LEGAL DE MEIO AMBIENTE...............................................................82

3.1.1 Meio Ambiente na Constituição Federal de 1988.....................................................85

3.2 O DIREITO FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE

EQUILIBRADO......................................................................................................................91

3.3 A IMPORTÂNCIA DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL....... ............................................93

3.3.1 Relação entre percepção ambiental, Topofilia e Topofobia. ..................................96

3.4 O PAPEL RELEVANTE DA CONSCIÊNCIA ECOLÓGICA......................................98

CAPÍTULO IV REFLEXÕES SOBRE A DUALIDADE DE MORADIA S NA CIDADE

DE MANAUS

4 URBANIZAÇÃO NA CIDADE DE MANAUS ............................................................101

4.1 O PROBLEMA DA MORADIA.....................................................................................107

4.1.1 A Questão do Déficit Habitacional ..........................................................................114

4.2 DUALIDADE DAS MORADIAS NA CIDADE DE MANAUS: O FLAT TROPICAL E

OS BAIRROS DE EDUCANDOS E SÃO RAIMUNDO....................................................117

4.2.1 Características do Bairro da Ponta Negra..............................................................117

4.2.2 História e características do Bairro São Raimundo...............................................117

4.2.3 História e características do Bairro Educandos.....................................................122

4.2.4 A Percepção dos problemas ambientais..................................................................127

4.2.5 O Paradoxo do Flat Tropical e as moradias dos Bairros de Educandos e São

Raimundo.............................................................................................................................129

4.2.5.1 O Flat Tropical.........................................................................................................129

4.2.5.2 As moradias em palafitas no Bairro de Educando e São Raimundo.......................140

CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................150

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁGICAS .............................................................................154

Page 15: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

14

INTRODUÇÃO

A Urbanização é o aumento proporcional da população urbana em relação à

população rural. Segundo esse conceito, só ocorre urbanização quando o crescimento da

população urbana é superior ao crescimento da população rural.

O processo de urbanização no Brasil teve início no século XX, a partir do processo

de industrialização, que funcionou como um dos principais fatores para o deslocamento da

população da área rural em direção a área urbana. Esse deslocamento, também chamado de

êxodo rural, provocou a mudança de um modelo agrário-exportador para um modelo urbano-

industrial.

Até 1950 o Brasil era um país de população, predominantemente, rural. As

principais atividades econômicas estavam associadas à exportação de produtos agrícolas, dentre

eles o café. A partir do início do processo industrial, em 1930, começou a se criar no país

condições específicas para o aumento do êxodo rural.

Além da industrialização, também esteve associado a esse deslocamento campo-

cidade, dois outros fatores, como a concentração fundiária e a mecanização do campo.

As raízes da urbanização brasileira são decorrentes da história, os primeiros centros

urbanos surgiram no século XVI, ao longo do litoral em razão da produção do açúcar, nos

séculos XVII e XVIII, a descoberta de ouro fez surgir vários núcleos urbanos e no século XIX

a produção de café foi importante no processo de urbanização, em 1872 a população urbana era

restrita a 6% do total de habitantes.

Posteriormente, no início do século XX, a indústria foi um instrumento de

povoamento, a partir da década de 1930, o país começou a industrializar-se, como o trabalho

no campo era duro e a mecanização já provocava perda de postos de trabalho, grande parte dos

trabalhadores rurais foram atraídos para as cidades com intuito de trabalhar no mercado

industrial que crescia.

Esse êxodo rural elevou de forma significativa o número de pessoas nos centros

urbanos.

Page 16: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

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Na Amazônia, o desenvolvimento da urbanização teve início realmente na segunda

metade do século XIX, com a economia da borracha. Foi nesse período a eclosão do boom da

economia baseada na produção gomífera.

O comércio da borracha definiu o surgimento de novas aglomerações e o

desenvolvimento inicial da forma urbana.

A evolução da economia da borracha conduziu ao aparecimento da estrutura urbana

primaz onde se evidenciaram as diferenças entre as cidades maiores e o conjunto das menores.

Belém se destacou pela população e centralização dos recursos financeiros disponíveis para

investimento urbano, e Manaus como a segunda maior cidade, responsável pela interiorização

das frentes exploradoras de borracha.

Esta estrutura ocasionou o surgimento da forma-cidade assim como dos grandes

contrastes entre o centro, com infra-estrutura, e a periferia com população residindo em casas

de palha e madeira.

A estrutura sócio-político-institucional excluiu a população de seus benefícios

diretos tais como melhor remuneração e diversificação da oferta de emprego, e ainda benefícios

indiretos como a presença de equipamentos de uso coletivo, caracterizando uma urbanização

incompleta, típica de países periféricos.

A elite da época, os grandes seringalistas, juntamente com o poder Público inciou

o processo de transformação da cidade em um pedaço da Europa nos trópicos, com construção

de prédios imponentes e luxuosos como o teatro Amazonas, o Palácio da Justiça, a Alfândega

do Porto de Manaus, o Palácio do Governo, etc.

Manaus que já foi considerada a Paris dos Trópicos, vem tendo seu entorno espacial

constituindo-se a partir de práticas espontâneas de ocupação do solo, sem planejamento e sem

seguir padrões éticos e estéticos, ou seja, sem o respaldo legal de políticas fundiárias e de

políticas públicas habitacionais.

O resultado são condições precárias de moradia, sem o mínimo de segurança e

conforto e, principalmente, sem a certeza, por parte dos indivíduos envolvidos, de que o lugar

que ocupam é seu e de sua família.

Por outro lado, sabemos que tal fato não corresponde a um fenômeno específico

desta cidade, já que nos últimos quarenta anos, cidades como São Paulo, Recife e Rio de

Page 17: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

16

Janeiro, por exemplo, passam por processos similares. Entretanto, os processos históricos e os

atores sociais que os constroem diferenciam-se em cada contexto.

Manaus vive uma condição histórica que a coloca na posição de centro de atração

para diversas correntes migratórias. Não podemos negar que o projeto Zona Franca, instalado

no final da década de 1960, transformou a capital do Amazonas em esperança de vida melhor

para milhares de pessoas, advindas do interior do Estado ou de outras regiões do país,

acarretando um peso extra sobre o espaço e os serviços urbanos já existentes, cujo impacto foi

enorme, não podendo ser desconsiderado nesta discussão.

Portanto, grande parte da população Manauara, formada pelos trabalhadores, não

têm reconhecidas socialmente suas necessidades de consumo habitacional, inerentes ao modo

urbano de vida. Como consequência desse processo decorrente da exclusão de grande parcela

da sociedade do mercado imobiliário formal, essa parcela da sociedade busca sua inserção na

cidade, mesmo que de forma marginal através da ocupação irregular de diversas áreas.

Por outro lado, os custos decorrentes da expansão desordenada recaem sobre o

poder público e, principalmente, àquela parcela da população com poder aquisitivo menor,

sendo ela, então forçada a ocupar as áreas periféricas da cidade desprovidas dos serviços

básicos.

Os altos custos da terra e dos imóveis nas áreas centrais da cidade têm levado a um

crescente processo de espoliação, contribuindo para aumentar os problemas ambientais.

O trato da questão habitacional no Brasil tem se limitado historicamente a uma política

habitacional, que atinge a esfera urbana e o mercado imobiliário, e não o campo da cidadania e

da democratização do Direito à Moradia.

O impacto da problemática habitacional sobre o cotidiano dos sujeitos sociais que

estão inseridos no complexo universo denominado de “populações pobres”, tem impulsionado

nestes sujeitos a resistência à situação de miséria e a luta para a conquista do acesso ao espaço

urbano.

Apesar do reconhecimento internacional de que a problemática da moradia representa

uma ameaça à cidadania, o poder público brasileiro tem adotado medidas pouco consistentes

para assegurar esse direito, principalmente no tocante à democratização do acesso à terra urbana

pelas populações pobres.

Page 18: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

17

A moradia ou a habitação apresenta-se como um dos muitos direitos sociais

garantidos constitucionalmente aos brasileiros.

O Direito de se ter uma moradia é maior que as ideologias, porém, tal direito está

sendo difícil de concretizá-lo, especialmente pelas populações mais pobres das grandes cidades

brasileiras. Não ter onde morar ou, ainda, não ter casa própria gera um sentimento de

insegurança e dependência naqueles que passam por tal situação.

Segundo Falcão (2008, p.7), "a estabilidade de qualquer sociedade depende da

tranquilidade e da experiência que cada cidadão tenha individualmente da segurança de sua

própria moradia".

A questão torna-se ainda mais complexa em relação à precariedade desse acesso,

tendo a ver com a infraestrutura, serviços urbanos e qualidade de vida, o que contraria a

concepção de moradia.

Quanto a descrição do direito fundamental do homem à moradia é de primordial

importância a compreensão do objeto em si (moradia). Para tanto, lançar-se-á mão da

concepção desse direito como mínimo existencial, sempre, ou ao menos tentando, assegurar

uma compreensão fática do que é moradia, pois, como afirma Sarlet (2009):

Sem um local adequado para proteger-se a si próprio e a sua família contra as intempéries, sem um local para gozar de sua intimidade e privacidade, enfim, de um espaço essencial para viver com o mínimo de saúde e bem- estar, certamente a pessoa não terá assegurada a sua dignidade, aliás, por vezes não terá sequer assegurado o direito a própria existência física, e portanto o seu direito à vida

A escolha do presente tema dá-se em razão do desafio que este representa, mas

acima de tudo pela importância que o mesmo tem na sociedade contemporânea. O Brasil, o que

se constata, para além do crescente processo de urbanização, é o desenvolvimento desordenado

das cidades, que resulta num cenário desigual tanto no que diz respeito à constituição do seu

espaço urbano quanto no que se refere aos seus aspectos sociais.

O processo de urbanização acelerada e a intensificação das ocupações desordenadas

especificamente na cidade de Manaus são reflexos das violações dos Direitos à Moradia digna

e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

O desordenamento urbano na cidade de Manaus promove a desigualdade social e

perpetua condições de vida precárias e sub-humanas contribuindo de sobremaneira para o

agravamento do problema socioambiental na cidade de Manaus.

Page 19: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

18

A presente dissertação apresenta como problematização, o seguinte

questionamento, o acesso ao Direito à Moradia, conforme estatui a Constituição Federal 1988,

promove a manutenção e equilíbrio sócio ambiental ao seu redor?

O Objetivo Geral desta pesquisa foi de analisar e estudar a relação existente entre a

urbanização crescente na cidade de Manaus quanto ao Direito de Moradia Digna e ao Meio

Ambiente Ecologicamente Equilibrado.

Para orientar os estudos propostos, outros aspectos foram analisados

compreendendo os objetivos específicos, que são: Compreender o processo de urbanização

brasileira, principalmente ocorrido na cidade de Manaus, e seus impactos socioambientais;

estudar os aspectos conceituais, paradigmáticos e legais do Direito à Moradia digna e seus

princípios da Dignidade da Pessoa Humana e Mínimo Existencial frente ao Direito ao Meio

Ambiente Ecologicamente Equilibrado e seu acesso reconhecido pelo texto Constitucional e

infra legal; despertar a consciência ecológica, através da educação ambiental e refletir as

dualidades de moradias na cidade de Manaus.

Para isto, esta dissertação propõe um tratamento conceitual, teórico e normativo do

tema e usa a técnica documental, eminentemente bibliográfica, tendo como base da pesquisa

livros, artigos, teses, dissertações, reportagens de jornais, a Constituição Federal e seus

princípios e os objetivos constitucionais, legislação infra legal, consubstanciado pela doutrina

pátria e estrangeira, todos envolvendo os direitos sociais voltadas para o Direito à Moradia

Digna e ao Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado.

No primeiro capítulo são abordados os aspectos e características da urbanização

brasileira. Essa discussão é necessária para auxiliar na compreensão do estudo adiante.

Primeiramente, trabalha-se a evolução da urbanização Brasileira, um segundo momento,

apresenta-se a evolução da urbanização na Amazônia.

No segundo capítulo é discutido os conceitos e titularidades dos Direitos Sociais.

Os Princípios da Dignidade da pessoa humana e princípio do mínimo existencial. O

enquadramento do Direito à Moradia no plano Constitucional, apresentamos o Direito à

Moradia como Direito Fundamental. Por fim, analisamos os Tratados, Acordos e Convenções

internacionais acerca ao Direito à Moradia.

No terceiro capítulo apresentamos um breve histórico do Direito Ambiental no

Brasil, Definição legal de meio ambiente, Meio Ambiente na Constituição Federal de 1988, o

Page 20: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

19

Direito Fundamental ao Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado, Educação ambiental,

Relação entre percepção Ambiental, Topofilia e Topofobia, Consciência Ecológica.

No quarto capítulo denominado “Reflexões sobre a dualidade de moradias na

cidade de Manaus”, abordamos a urbanização na cidade de Manaus por intermédio do Problema

da moradia e do Déficit Habitacional. Refletiremos a dualidade das moradias na cidade de

Manaus através da análise do Flat Tropical e das moradias fluviais no Bairro de Educandos e

São Raimundo. Assim sendo se faz necessário a compreensão das Histórias e características

dos Bairros da Ponta Negra, São Raimundo e Educandos. Posteriormente apresentaremos

percepção dos problemas ambientais e o Paradoxo do Flat Tropical e as moradias do Bairro

Educandos e São Raimundo.

Por fim, são apresentadas as considerações finais esperando, de certa maneira, ter

contribuído para uma compreensão sobre o Direito à Moradia e sua interação com o meio

ambiente ecologicamente equilibrado.

Page 21: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

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CAPÍTULO I PROCESSO DE URBANIZAÇÃO

1 A URBANIZAÇÃO BRASILEIRA

O processo de urbanização brasileira deu-se com mais ênfase a partir da Segunda

Guerra Mundial. Durante os quatro primeiros séculos, a economia colonial brasileira comandou

o processo de desenvolvimento das cidades.

Essas, por sua vez atendiam basicamente as demandas agrícolas do país. Pode-se

dizer que a origem das cidades brasileiras, nesse período, está diretamente associada às

atividades agrícolas e mineradoras e até o século XX não se constitui num processo de

urbanização propriamente dito.

Santos (2008, p. 22), afirma que, “subordinado a uma economia natural, as relações

entre lugares eram fracas, inconstantes, num país com tão grandes dimensões territoriais”.

Mesmo assim, a expansão da agricultura comercial e a exploração mineral foram a

base de um povoamento e uma criação de riquezas redundando na ampliação de relações e no

surgimento de cidade no litoral e no interior.

Somente no final do século XIX, a cidade torna-se o local de moradia dos barões

do café. A construção de estradas e ferrovias facilitou o processo de escoamento da produção

cafeeira e dinamizou a economia.

Outro aspecto importante foi a chegada dos imigrantes europeus que passam a

substituir a mão-de-obra escrava a partir da segunda metade do século. Avançandos as

premissas básicas para o processo de urbanização brasileiro, comandado por São Paulo, que

torna-se, com o café, o centro da economia nacional e que possibilitou, a partir da infraestrutura

espacial, do capital acumulado, do mercado consumidor e da mão de obra, a implantação da

indústria nacional propriamente dita, passando a prevalecer a lógica da industrialização.

Santos (2008, p. 30) afirma que, “essa nova base econômica ultrapassa o nível

regional, para situar-se na escala do país; por isso, a partir daí, uma urbanização cada vez mais

envolvente e mais presente no território dá-se com o crescimento demográfico sustentado das

cidades naturalmente, as capitais de estados”. O autor complementa afirmando, ainda, que entre

1940 e 1980, dá-se verdadeira inversão quanto ao lugar de residência da população brasileira.

Page 22: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

21

Há meio século (1940), a taxa de urbanização era de 26,35%, em 1980 alcança

68,86%. Nesses quarenta anos, triplica a população total do Brasil, ao passo que a população

se multiplica por sete vezes e meia (SANTOS, 2008, p. 31).

Em 2010 a taxa de urbanização da população brasileira era de 84,36% (IBGE,

2010), superando a de muitos países desenvolvidos. No entanto, não podemos comparar o

processo brasileiro ao ocorrido nos países desenvolvidos, visto que, o Brasil é um país

subdesenvolvido, portanto de urbanização tardia.

Lefebvre (2001, p. 137)

Proclame-se a racionalidade industrial como necessária e como suficiente e se estará destruindo o sentido (a orientação, o objetivo) do processo. A industrialização produz a urbanização inicialmente de modo negativo (explosão da cidade tradicional, de sua morfologia, de sua realidade prático-sensível).

A organização espacial e populacional das cidades não acontece na mesma

intensidade entre as mesorregiões brasileiras. Contudo, “a concentração de pessoas e atividades

econômicas em poucas cidades não deve ser vista como algo permanente, e a complexidade do

padrão de urbanização atrelasse ao fato da cambiante concentração e desconcentração

industrial” (SOUZA, 2001, p. 392).

No entanto, a concentração populacional acarretou grandes problemas de ordem

econômica, social e ambiental, para as pessoas e para os centros urbanos, condensando-se num

intenso processo de espoliação urbana.

Segundo Mota (1999, p. 17) “O aumento da população e a ampliação das cidades

deveria ser sempre acompanhado do crescimento de toda a infraestrutura urbana, de modo a

proporcionar aos habitantes uma mínima condição de vida”.

Silva (1997, p. 21) destaca que, “a urbanização gera enormes problemas, deteriora

o ambiente urbano, provoca a desorganização social, com carência de habitação, desemprego,

problemas de higiene e de saneamento básico”. Modifica a utilização do solo e transforma a

paisagem urbana.

A solução desses problemas obtém-se pela intervenção do poder público, que

procura transformar o meio ambiente e criar novas formas urbanas. Dá-se então a ramificação,

processo deliberado de correção da urbanização, ou na criação artificial de núcleos urbanos.

Page 23: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

22

Considerando todos os aspectos decorrentes do processo de urbanização no Brasil,

percebe-se que não difere da maioria dos países do continente, principalmente quanto aos

aspectos socioeconômicos, visto que na maioria das cidades latino-americanas a oferta de

empregos urbanos não se faz ao mesmo ritmo que a chegada de migrantes, gerando os bairros

de extrema miséria, conhecidos por barriadas, favelas, mocambos, cortiços e palafitas.

(CAMPOS FILHO,1992).

Corroborando com esse pensamento, Lacoste (1985, p. 181), afirma que “nas

cidades dos países “subdesenvolvidos”, uma grande parte da população vive em condições que

são, unanimemente, julgadas inadequadas”.

Isso demonstra que as condições de vida nas cidades são extremamente

diversificadas, privilegiando uma pequena classe elitizada em detrimento de uma grande

maioria que ocupa as periferias urbanas. Essa situação pode ser encontrada em todas as médias

e grandes cidades brasileiras, independente da região em que está inserida, fazendo parte

constante da realidade das populações amazônicas.

De acordo com dados do IBGE (2010), cerca de 60% da população amazônica vive

em áreas qualificadas de urbanas, sejam sedes de municípios, distritos ou vilas. Segundo

Nascimento e Mauro (2006, p. 117), “O processo de urbanização é relativamente recente. Até

a segunda metade do século XX predominavam as chamadas cidades florestais, formadas por

pequenos núcleos urbanos e as paisagens rurais do período colonial”.

Esta estrutura urbana se desenvolveu ao longo da densa rede fluvial, tendo os

núcleos urbanos a função de constituir pontos comerciais. Esta situação continuou durante o

ciclo da borracha, sendo os núcleos pequenos polarizados por cidades médias ou grandes.

Há uma grande preocupação com o processo de urbanização regional, intensificado

nas últimas décadas, haja vista, que ocorreu sem considerar os danos ambientais decorrentes de

uma ocupação desordenada.

No entanto, a questão ambiental não é tratada com a devida importância pela esfera

pública e não faz parte das preocupações da população, de maneira geral, contribuindo para

intensificar o processo de favelização nas cidades amazônicas.

A exclusão social é fato corrente no processo de urbanização da região. Nascimento

e Mauro (2006, p. 117), destacam, ainda, que, “a partir de 1970, a ditadura brasileira impôs um

novo modelo de ocupação espacial, quando ao basear-se na doutrina da segurança nacional,

Page 24: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

23

tratou de implantar um projeto de modernização. A Amazônia no tal modelo assumiu uma

posição chave nesse novo processo”.

O governo viabilizou e subsidiou a ocupação de terras favorecendo a implantação

de mega projetos de exploração e transformação dos recursos e sistemas ambientais. Este plano

estatal entrou em contradição com as características do espaço natural e do espaço vivido dos

grupos sociais.

Corroborando com esse pensamento, Ribeiro (1997, p. 84) afirma que,:

O processo de urbanização da Amazônia, nas três últimas décadas, está ligado, de modo geral, à aproximação capitalista da fronteira, intensificada pela ação sucessiva de medidas oficiais – tais como: Programa de Pólos Agropecuários e Agrominerais (Polamazônia), Programa Grande Carajás (PGC) – e, principalmente, pela implantação de grandes projetos incentivados pela Sudam que, atrelados a outros fatos importantes como a criação da Zona Franca de Manaus (Suframa) – em 1967, com funcionamento a partir de 1972 – e o estabelecimento de uma infraestrutura de grandes eixos, calçada no sistema rodoviário, garantiram a viabilização dos programas propostos.

O processo de ocupação da região culminou na formação de vários núcleos urbanos,

porém mantendo uma grande concentração populacional nas principais cidades da região, com

destaque para Belém e Manaus. Contudo, com o fracasso de muitos projetos, parcela

significativa dos excluídos do campo viu-se obrigada a migrar novamente para as cidades, mas

o sonho de melhorar a vida novamente transformou-se em pesadelo.

Com baixo nível de instrução e sem qualificação a massa de trabalhadores rurais

inicia um processo de ocupação periférico urbano.

Nesse contexto, Browder e Godfrey (1997) afirmam que, [...] entre 60 % e 80 % da

expansão urbana das grandes cidades da região amazônica é realizada em mutirão nas favelas,

sem nenhum sistema de saneamento, sem meio de transporte adequado [...]. Muitas vezes, a

moradia está desprovida de qualquer sistema de infraestrutura adequada e equipamentos e

serviços em geral. Percebe-se que em todos os aspectos a urbanização intensifica os problemas

ambientais, principalmente quando se trata do ambiente Amazônico.

Figueiredo (1993), analisando o processo de ocupação da cidade de Manaus

assevera que: A transformação de igarapés em valões, na cidade de Manaus, é uma síntese da

degradação do meio ambiente urbano, comprometendo não só a outrora exuberante rede de

Page 25: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

24

drenagem daquele sítio urbano, como o contingente humano que ali sobrevive sem habitação,

saneamento, saúde, educação, enfim, sem cidadania (...).

Se o inchamento das capitais e dos centros regionais abriga grande parte dos

excluídos do crescimento regional, as pequenas cidades, vilas, lugarejos e corrutelas surgidas

no rastro de company towns, da colonização agrícola, de frentes mineradoras e de garimpagem,

enfim, da expansão da fronteira, são, também, manifestações caóticas do urbano nessa área e

pontos críticos de sua crise ambiental.

Vale destacar que o aumento dos núcleos urbanos na região resulta também de

estratégias políticas locais, através da criação de novos municípios, a fim de se beneficiarem

dos repasses federais, elevando, consequentemente, o número de aglomerados, que não têm

caráter urbano, à categoria de cidades ou vilas.

“Após a Constituição de 1988, a fragmentação municipal, representa, de certo

modo, uma forma de descentralizar recursos através das transferências federais garantidas pela

legislação.” (RIBEIRO, 1997, p. 89).

Percebe-se, nesse sentido, que não há como deixar de observar a relação sociedade

natureza ao se estudar o processo de urbanização de uma região. Observa-se que as cidades

amazônicas apresentam os mesmos problemas encontrados nas cidades das demais regiões

brasileiras carecendo dos mesmos meios para a elaboração de uma política urbana voltada para

atender ao cidadão e ao meio ambiente.

Ribeiro (1997, p. 89) afirma ainda que,

o crescimento da população urbana e o aumento do tamanho e do número de cidades e vilas, na Amazônia, já atuam como elementos de pressão sobre o meio ambiente, não apenas como mais um fator de disputa pelo território, mas também por desestruturar, pelo êxodo rural, sistemas socioeconômicos longamente adaptados aos ecossistemas da região.

Nesse sentido, Becker (1992) afirma que a Amazônia é uma selva urbanizada,

fazendo parte de um País urbano, com multiplicação de centros, planejados ou não

(espontâneos), já que a expansão da fronteira agrícola se fez num contexto de urbanização

simultânea.

Page 26: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

25

1.1 O PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO E URBANIZAÇÃO NA AMAZÔNIA

Na Amazônia, a produção do espaço urbano cria a possibilidade de novos modos

de vida resultantes do embate entre as várias formas de relações sociais que são imbricadas no

novo e no velho que se opõem, se contradizem e se completam, dando origem a outras formas

de viver.

Nesse sentido, a paisagem urbana não se resume apenas ao aparente, ao construído,

ela também contém história, enquanto produto do trabalho do homem. A paisagem é o resultado

das relações sociais de produção e, principalmente, contém vida, sentimentos e emoções que se

traduzem no cotidiano das pessoas. Tais relações são portadoras de profundidade e leveza,

valendo a pena, por isso mesmo, compreendê-las (OLIVEIRA, 2000).

É com este querer e propositura da compreensão da produção das cidades

amazônicas que se deseja implementar, mesmo que de forma breve, esta reflexão. Segundo

Oliveira (2000), há uma tendência do capital em produzir o espaço, em particular o espaço

amazônico, desconsiderando o passado enquanto dimensão do vivido e não levar em

consideração o futuro enquanto possibilidade.

Para o autor, ambos são aniquiladores pelo imediatismo das ações, e neste processo

não só se destrói a natureza como também modos de vida. O espaço urbano que se produz hoje

na Amazônia introduz a mediação do mercado e da terra enquanto mercadoria na relação do

homem com a natureza, visando a garantia da reprodução para o capital na forma mais

predatória. Assim, a cidade é um valor de uso complexo, importante para a produção e

circulação de mercadorias e, no entanto, ela em si mesma, não é uma mercadoria (RIBEIRO,

1997).

Corrêa (2006) ao analisar a rede urbana da Amazônia, considera que esta teve início

na primeira metade do século XVII, quando foi implantado o seu primeiro núcleo urbano,

passando por um processo de transformação que é suscetível de periodização.

A periodização da organização espacial é considerada pelo autor como a história

espacializada, espacializando-se e a espacializar-se.

Na Amazônia, a diferenciação dos tempos espaciais é muito marcante no âmbito da

rede urbana, o que possibilita falar em seguimentos “velhos”, que possuem um tempo espacial

longo, e os seguimentos “novos”, exemplificados com as cidades ribeirinhas, de um lado, e as

Page 27: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

26

cidades e os embriões urbanos, de outro, que surgiram recentemente ao longo dos grandes eixos

que rasgaram a Amazônia (CORRÊA, 2006).

Corrêa (2006) considera que, apesar de não se verificar na Amazônia uma

hierarquia de centros que se aproxime daquela proposta por Christaller, de a maioria dos

centros urbanos ser pequena, tradicionalmente indiferenciada e desigualmente distribuída, de

as articulações entre eles serem fracas em termos de intensidade e frequência, de haver uma

acentuada primazia, contrariando assim o modelo da regra ordem tamanho, indica apenas uma

coisa: que a rede urbana da Amazônia reflete e reforça as características sociais e econômicas

regionais, incorporando através dos padrões de localização dos centros urbanos, de suas

funções e de sua dinâmica, os diferentes tempos espaciais que estão presentes nos diversos

seguimentos da rede urbana.

Por conta disso, Corrêa (2006, p. 190) sugere que,

A rede urbana da Amazônia deve ser analisada considerando-se, a inserção, a cada momento da região, em um contexto que é externo a ela, seja internacional, nacional ou abrangendo ambos, bem como considerando-se a existência, conflitiva ou não, das cristalizações urbanas resultantes das internalizações dessas diversas inserções no mundo externo a ela.

Em sua análise sobre a rede urbana da Amazônia, Corrêa (2006) apresenta uma

periodização do processo de urbanização da região, que revela as diversas combinações

desiguais dos elementos que a compõem, e cada uma dessas combinações resultando num

período. Nesse sentido, o período inicial se dá com a implantação da cidade de Belém e o início

da conquista do território.

O segundo período é caracterizado pela expansão dos fortes e a criação de aldeias

missionárias, embriões das futuras cidades, estendendo-se da metade do século XVII à metade

do século XVIII. O terceiro e curto período, é marcado por um relativo e importante

desenvolvimento da vida econômica e urbana sob a égide da Companhia Geral do Grão-Pará e

Maranhão, estendendo-se da metade do século XVIII ao final dos anos 70 do mesmo século.

O quarto período relativamente longo, que se estende do final do século XVIII à

metade do século XIX e que é caracterizado por uma estagnação econômica e urbana. O período

do boom da borracha, marcado pela expansão e riqueza urbanas, estende-se da metade do século

XIX ao final da Primeira Guerra Mundial. Um período de estagnação, após a crise da borracha,

que se estende, aproximadamente de 1920 a 1960.

Page 28: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

27

E um período atual, iniciando da década de 1960 e que ainda perdura, caracterizado

por um intenso processo de mudança econômica e urbana.

Oliveira e Schor (2008) consideram que na história de formação das cidades na

Amazônia, quando os europeus iniciaram o processo de colonização da Região, esta não era um

vazio demográfico e a ocupação não se dava na forma de aglomeração.

A ocupação que inicia a partir do século XVII até meados do século XIX com a

construção do Forte do Presépio e mais tarde Belém, configura-se como estratégia de defesa e

conquista territorial e como ponto de apoio para a interiorização da região, até atingir a vila de

São Francisco Xavier de Tabatinga (localizada 3.000 km a oeste da foz).

Nos quase três séculos após a criação do primeiro forte, o processo de criação de

cidades e sua dinamização na Amazônia é considerado incipiente. Surgem pequenos

aglomerados dispersos nas margens dos rios, exercendo papel da defesa e se constituíam nos

locos avançados do projeto civilizatório nem sempre concretizado (OLIVEIRA; SCHOR,

2008).

A partir do final do século XIX, com a exploração do látex, se intensificou a

ocupação, por população indígena da parte mais oeste da Amazônia. Nos vales dos rios

Madeira, Purus e Juruá foram criados povoados visando a servir de apoio à exploração do látex,

e que posteriormente se transformaram em vilas e mais tarde em cidades.

Após o boom econômico da borracha, a região experimenta um período de crise

que se inicia por volta de 1910 e se acentua na década seguinte estendendo-se até os anos 1960.

Esse período de crise provocou um refluxo de parte dos migrantes para a região de

origem. Alguns núcleos urbanos apresentaram crescimento relativo, como Marabá (em

decorrência da castanha) e das cidades do Médio Amazonas, especialmente Santarém (no Pará),

Parintins, Itacoatiara e Manacapuru (no Amazonas), em função da produção de juta

(OLIVEIRA ; SCHOR, 2008).

Na década de 1940, no governo de Getúlio Vargas, houve a divisão territorial com

a criação dos Territórios Federais do Guaporé (AC) e Rio Branco (RR). Na década de 1950,

período em que foi criada a SPVEA (Superintendência do Plano de Valorização Econômica da

Amazônia), várias cidades foram criadas na Amazônia.

No que se refere à concentração e aumento populacional na Região Amazônica, em

No Amazonas em 1970 a cidade de Manaus concentrava 32,7% da população de todo o Estado;

Page 29: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

28

em 1980 esse índice aumentou para 44,3%; em 1991, atingiu os 48%; em 2000 houve um breve

crescimento de 49,9% e em 2010 atingiu os 51,78%. (IBGE, 2010)

Nesses mesmos períodos, Belém apresentou uma certa tendência à estabilidade em

seu crescimento. Em 1970, 29,2% da população do Estado do Pará estava concentrada em

Belém; em 1980, 26,9%; em 1991. A região metropolitana de Belém concentrava 28,31%; em

2000 houve um ligeiro crescimento passando para 29,00%; e em 2010 apresenta um percentual

de 18,34%. A concentração da população nas capitais da Amazônia mostra que Macapá é a que

possui o maior percentual (74,64%), seguida de Boa Vista (63,00%). (IBGE, 2010)

Quanto ao número de habitantes nas cidades amazônicas, em 1991, somente 13

cidades possuíam mais de 50.000 habitantes e menos de 200.000. Essas cidades são: Porto

Velho, Rio Branco, Boa Vista, Macapá, Santarém, Marabá, Castanhal, Ananindeua, Itaituba,

Abaetetuba, Araguaína, Gurupi e Ji-Paraná. Em 2000 o número de cidades com mais de 50.000

mil habitantes e menos de 200.000, aumentou para 23 cidades. O número de cidades também

vem aumentando na Amazônia: em 1960 existiam 165; em 1980 passou para 212; Em 1991 foi

para 264; e em 2000 atingiu 449. Na última década teve um acréscimo de 185 cidades. Em

geral, são pequenos núcleos que se emancipam, com a ausência ou então com uma incipiente

infraestrutura, tendo como base de suas economias, apenas o repasse de recursos públicos. A

taxa de urbanização dos Estados da Região Amazônica, onde no Amapá foi a maior (89,91%)

em 2010. Ficando inclusive, acima da taxa da média brasileira, que foi de 84,81% na mesma

data. (IBGE, 2010)

A Amazônia brasileira teve seu processo de urbanização muito acelerado, a partir

da abertura das rodovias, na década de 1960 e, mais acentuadamente, na década de 1970. A

estratégia de inserir esta região à esfera capitalista foi um dos fatores responsáveis por este

processo, pois a meta era usar os núcleos urbanos como pontos logísticos para uma rápida

ocupação (BECKER, 1987; BECKER, MIRANDA, MACHADO, 1990).

Muitas cidades nascem antes do campo, como base logística para a exploração dos

recursos naturais por meio de grandes projetos. Essa ocupação, espontânea ou dirigida, ocorrida

através da abertura de rodovias e da implantação de grandes projetos agropecuários, de

mineração e hidrelétricos ligados à industrialização, produziu na esfera produtiva e nas relações

de produção da região amazônica, mudanças que podem ser observadas em sua rede urbana,

que se transforma e se complexifica para dar conta de integrar-se na divisão nacional e

internacional do trabalho dentro da fase atual do capitalismo (CORRÊA, 2006).

Page 30: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

29

Assim, muitos núcleos urbanos foram criados na Amazônia, visando

principalmente servir de suporte para a implementação de grandes projetos e de colonização

induzida. É a fronteira, que segundo Becker (1990), nasce urbana, e que pode ser entendida

enquanto logística para a rápida ocupação da Região, antecipando muitas vezes, a expansão de

várias frentes, e impulsionada pelo incentivo aos grandes empreendimentos e pela política de

migração induzida e financiada pelo Estado.

A visão da Amazônia no início do século 21 apresenta padrões e arranjos espaciais

de uma Amazônia diferente, pois em meio à floresta tropical um tecido urbano complexo se

estruturou, levando à criação e ao uso do termo “floresta urbanizada” por pesquisadores que

estudam e acompanham o processo de ocupação da região (BECKER, 1995).

A espacialidade das cidades na Amazônia revela as diferentes estratégias dos

agentes produtores do espaço urbano, que buscam, a partir das condições concretas, defender

seus interesses o que, segundo Oliveira e Schor (2008), permite compreender a paisagem não

apenas como resultado das determinações das políticas do estado e das relações sociais de

produção, mas principalmente como depositária de vida, sentimentos e emoções evidenciadas

no cotidiano das pessoas.

Nesse sentido, diz Oliveira (2000, 38) que, “nas pequenas cidades amazônicas, mais

do que em qualquer lugar, a memória não se encontra no espaço social que se está construindo,

mas nos seus construtores, pois cada fragmento do que se produz contém uma parte de quem o

faz”.

É o processo do construir construindo-se, dando a dimensão do não acabado. Neste

sentido, a cidade é o lugar do vivido, mas de um vivido espedaçado em que a memória não

detém a ação do produzir o espaço, havendo no processo de criação da cidade a predominância

do esquecimento e do desenraizamento.

No que se refere às tipologias das cidades na Amazônia, Vicentini (1994) destaca

as cidades tradicionais, cidades da colonização, cidades espontâneas vinculadas ao garimpo ou

a projetos extrativistas e as company towns.

Trindade Jr. (1998) por sua vez, ressalta o dinamismo das cidades ligadas aos

setores da mineração, indústria madeireira, siderurgia e à construção civil, o que, segundo o

autor, alterou as redes urbanas regionais.

Page 31: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

30

Essas cidades apesar da especificidade que cada uma têm, possuem um ponto em

comum, surgiram para desenvolverem suas atividades econômicas voltadas para os interesses

externos.

E muitas dessas cidades, em especial as das empresas mineradoras, as dos projetos

agroindustriais etc., após o término dessas atividades, ficam insustentáveis.

Quanto às pequenas cidades localizadas às margens dos rios, estas apresentam um

padrão urbano característico, as ruas e os caminhos sempre terminam no porto. A rua da frente

ou a rua primeira é onde estão localizadas as melhores casas, e nas ruas de trás, os casebres

cobertos de palha.

Essas cidades parecem ter sido criadas para serem vistas de longe, porque ao se

chegar perto, a dimensão de beleza do primeiro olhar, se esvai diante da situação caótica.

O mesmo acontece com as cidades que são alcançadas por estradas, muitas vezes

esburacadas, que depois de muito caminhar, a monotonia de uma paisagem de floresta

aparentemente uniforme é quebrada (OLIVEIRA, 2000).

Para Trindade Jr. et al (2008), A presença de uma rua principal, quase sempre

paralela ao rio define, de imediato, a localização de alguns equipamentos que integram a

paisagem da cidade ribeirinha.

Complementarmente ao rio, há uma franja de contato deste com a cidade

propriamente dita. Não que o rio não seja parte constituinte da cidade, ele é, mas, ao mesmo

tempo, ele também estabelece seu limite. A beira, assim, é um ponto de contato importante

entre o rio e a pequena concentração urbana propriamente dita.

Nela e a partir dela dispõe-se, de forma aparentemente caótica, um conjunto de

objetos espaciais/geográficos, como armazéns, comércios, portos, feiras, trapiches e barcos;

estes últimos, de tipos, cores e tamanhos variados.

Na Amazônia, o aumento acelerado do processo de urbanização teve como

contrapartida a geração de uma série de impactos ambientais e sociais que passaram a

comprometer cada vez mais o meio ambiente e a qualidade de vida da população.

Entre as consequências do crescimento urbano, ressaltam-se a aceleração do

desmatamento; a degradação dos recursos naturais; a pressão sobre a infraestrutura e

equipamentos urbanos; a ausência de saneamento básico adequado que tem como consequência

a proliferação de doenças infecto-contagiosas e está diretamente ligado à mortalidade infantil;

Page 32: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

31

à poluição dos rios principalmente pela falta de saneamento básico; à falta de destinação

adequada para o lixo urbano que é depositado a céu aberto ou nos cursos de água; e à ocupação

irregular de território que faz com que haja um aumento no número de pessoas vivendo em

moradias insalubres.

Becker (2001) também ressalta que o crescimento da população urbana na

Amazônia não foi acompanhado da implementação de infraestrutura para garantir condições

mínimas de qualidade de vida. Como consequência, avolumam-se nas cidades problemas como

baixos índices de saúde, educação, empregos e salários, aliados à falta de equipamentos

urbanos. Os índices dos serviços urbanos na Amazônia estão muito abaixo da média brasileira.

Enfim, o ser humano para viver necessita ocupar um determinado lugar no espaço,

porém, o ato em si não é meramente o de ocupar uma parcela do espaço, ele envolve o ato de

produzir o lugar.

Portanto, o urbano amazônico é o produto da produção dos seres humanos que aí

vivem, é produto histórico, ao mesmo tempo em que é realidade presente e imediata.

Mas a Amazônia teve seus tempos de glória, de uma região em franco desenvolvimento, um

crescimento econômico que beneficiou a poucos.

O período áureo da borracha (aproximadamente de 1898 a 1912) representa esta

condição. Na cidade Manaus, há diversos símbolos, como o Teatro Amazonas, que representam

esse momento de fausto da economia gomífera na Amazônia brasileira.

Porém, quando o capital reduziu sua margem de lucro, veio o período de crise e

estagnação. Esse período de estagnação econômica do Amazonas é o intervalo entre o fim do

ciclo da borracha, por volta de 1912 até um pouco antes de 1967, quando acontece a instalação

da Zona Franca de Manaus (ZFM).

Nesse período, conforme sustentado por Loureiro (2004), a economia do Amazonas

viveu debilmente sustentada pelo extrativismo. Foi um período de estagnação, marasmo, falta

de horizonte e de esperança no futuro.

Nesse sentido, as políticas públicas da União implantadas na Amazônia

especialmente a partir de 1950, tinham como objetivo a colonização da região e o

estabelecimento das bases para o desenvolvimento econômico e social (CARDOSO E

MÜLLER 1978).

Page 33: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

32

No terceiro quarto do século XX, o país aspirava ares do nacional-

desenvolvimentismo, que teve início ainda no governo de Juscelino Kubitschek, no final dos

anos de 1950, e posteriormente propagou-se na ditadura militar (1964-1985).

Nesse período, a economia brasileira foi financiada por volumosos empréstimos de

fontes externas, aumentando assim a dependência brasileira dos organismos internacionais e

dos interesses estrangeiros.

Nas décadas seguintes de 1960 e 1970, as ações do Estado e do capital na região

foram intensificadas por meio da abertura de estradas, possibilitando a penetração das frentes

pioneiras na exploração mineral e vegetal.

Ainda conforme Cardoso e Müller (1978), as ações do poder público na região

tinham também a incumbência de afirmar a sua soberania no território. É importante lembrar

que os anos de 1960/70 são conturbadores na economia e na política nacional brasileira.

No início da década 1960, a economia brasileira viveu uma fase recessiva e um

impasse político, posteriormente transformado em uma ditadura militar que conduziu a

concentração de capitais, redefiniu as bases do desenvolvimento econômico do país.

Os interesses capitalistas locais já existiam, entretanto, conforme a leitura de

Cardoso e Müller (1978, p. 14) as condições neste período de 1960-70, como a “ênfase nas

vantagens da exportação e do interesse crescente de capitais internacionais em investimentos

industriais, mineradores e agroexportadores”, possibilitaram melhor articulação da economia

local com o mercado internacional, contribuindo para o crescimento do capitalismo na região,

o que se torna uma tendência não apenas predominante como oficialmente aceita.

Ainda conforme esses autores, “a ocupação da Amazônia obedecendo às razões da

ideologia militar não contemplava no início a forma que a expansão do capitalismo adotou, mas

não conflitava com ela, nem com a grande empresa, que é a sua mola” (CARDOSO; MÜLLER,

1978, p. 15).

O discurso ideológico era o de ocupação e integração da Amazônia ao território

nacional deu-se com a abertura de estradas, construção de hidrelétricas e a dinamização da

economia, para tanto, as políticas de incentivo à migração para região, os projetos

assentamentos agrícolas foram os processos que auxiliaram na urbanização e no crescimento

econômico.

Page 34: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

33

A industrialização, tida como base para o desenvolvimento da Amazônia segundo

Ferreira Neto (1942) acelerou o processo de urbanização, especialmente nas grandes cidades,

causando a favelização dos espaços urbanos e, com ela, todos os problemas do crescimento

rápido das cidades, os quais já são conhecidos na literatura especializada, já discutidos por

diversos autores da Geografia e da Sociologia Urbana.

Mello (2006) também argumenta que, desde os fins da década de 60, o Estado

brasileiro atuou no sentido de eliminar os obstáculos à exploração dos recursos naturais

existentes, e acelerar a velocidade para a circulação de mercadorias na região amazônica.

Implantou parcela da logística necessária à integração e circulação no espaço

nacional, favoreceu a expansão de empresas e de grandes propriedades agropecuárias, conforme

esclarece Mello (2006, p. 27)) “[...]as redes físicas (viária, energética e de comunicações)

somaram-se a outros tipos de incentivos fiscais e econômicos, tais como linhas de

financiamento para projetos agropecuários, agroindustriais e madeireiros”.

Como se pode compreender, a produção de diferentes estruturas espaciais na

Amazônia, realçadas a partir de 1960, com a abertura e pavimentação de rodovias, a construção

de usinas hidrelétricas e o incentivo à exploração dos recursos naturais (minerais, vegetais e

madeireiros) serviu de base para o desenvolvimento das atividades econômicas, mas também

se chocou com as relações de produção até então existentes, as quais se davam

predominantemente com base no extrativismo vegetal, na pesca e na agricultura de várzea,

constituindo-se, provavelmente, em um quadro de menor degradação ao ambiente.

As ações do poder público (associadas ao capital), na Amazônia e no Amazonas,

com a implantação de grandes obras de infraestrutura na região, mais intensas durante o regime

militar, tinham como base o desenvolvimento pelo crescimento econômico, um crescimento

que deveria acontecer a qualquer custo, conforme a ótica progressista.

Mas estas ações do Estado, dadas com a implantação de grandes obras de

infraestrutura na Amazônia, sofreram uma redução, devido a duas importantes situações, a

primeira foi da crise econômica e também política brasileira dos anos 1980; e a segunda foi da

pressão pelo uso sustentável dos recursos naturais, muito difundido nos anos 1990.

A ideologia do Estado mínimo e o início da privatização das empresas públicas

também contribuíram para a redução dos investimentos do poder público. A crise econômica

brasileira dos anos de 1980 também levou o país ao endividamento, ao crescimento da inflação

Page 35: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

34

e também à redução da capacidade de investimento do Estado, conforme estudo publicado pelo

Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (IPEA, 2010).

Além disso, o fim da ditadura e a redemocratização do país propiciaram a abertura

de canais para a participação dos movimentos sociais e das diversas reivindicações, vindas dos

mais diferentes setores da sociedade. Na Amazônia, assim como em outras regiões brasileiras,

a mobilização de sindicatos e associações de trabalhadores rurais, homens da floresta, povos

indígenas e, ainda, com o auxílio de organizações internacionais, a luta por melhores condições

de vida e trabalho foi fortalecida.

A atuação desses agentes sociais, antes excluídos, contribuiu para que o poder

público repensasse suas ações e desenvolvesse uma importante legislação ambiental por meio

da qual se busca assumir compromissos com a sustentabilidade ambiental da região, embora

muitas vezes isso não ultrapasse o campo dos discursos.

Vale considerar que essa mudança no processo de ocupação e dominação da

Amazônia não se deu simplesmente por conta da pressão social dos movimentos ambientalistas,

mas pela nova lógica capitalista de exploração dos recursos naturais.

Quer dizer, antes a lógica era de dominação da natureza, como escreve Andrade (2004) ao analisar o discurso ideológico e as atitudes do repórter Amaral Neto: Os símbolos da modernização brasileira na década de 1970, como o crescimento urbano, grandes hidrelétricas e a ponte Rio- Niterói são reverenciados como o atestado de bom encaminhamento dos rumos da nação, enquanto que nossa natureza esconde monstros disformes e acesso perigosos. (ANDRADE, 2004, p. 158).

A nova lógica capitalista para apropriação dos recursos da natureza fundamenta-se

na ideia de interação, de complementação, na relação sociedade natureza. Os discursos

geralmente enfatizam a necessidade da preservação para as gerações futuras.

Na realidade, para Harvey (2011), este discurso ambientalista, focado na

contradição da relação sociedade natureza, centrado no exaurimento dos recursos naturais,

serve também para desviar o foco da principal contradição na sociedade capitalista que se dá

na relação capital trabalho, especialmente nos países ou regiões emergentes, onde há uma farta

mão de obra e grande volume de recursos naturais disponíveis para a produção de mercadorias.

Portanto, embora se tenha elaborado, a partir dos anos 1990, uma legislação

ambiental rigorosa, sabe-se que as grandes obras na Amazônia (e em outras regiões brasileiras)

Page 36: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

35

continuam, insuficientemente, respeitando a exploração dos recursos e reduzindo a degradação

dos ambientes naturais.

Voltando ao cenário nacional e já na segunda metade década de 1990, observa-se

que após sucessivos planos econômicos, quase todos frustrados, o país começa a se restabelecer,

com a estabilização da moeda, firmando mais uma vez as bases para o desenvolvimento do

capital, com a abertura ao mercado financeiro internacional e o fortalecimento dos

investimentos estrangeiros no país.

Com o início da estabilização da moeda, mais precisamente no ano de 1995 quando

Fernando Henrique Cardoso – FHC assume a Presidência do Brasil, o Governo brasileiro

retoma a concepção e a elaboração de planos para o desenvolvimento do país, voltando-se os

grandes empreendimentos feitos pelo Estado.

Desse modo, para cada região do país, o poder público planejou a construção de

importantes obras de infraestrutura a fim de que pudessem oferecer as condições para a

implantação de outros empreendimentos, possibilitando, dessa maneira, o desenvolvimento

regional.

No período atual, segundo aponta Becker (2005), em que novas dinâmicas se

impõem à região Amazônica, a expansão da atividade madeireira moderna no leste do Pará, a

agroindústria em Mato Grosso, o garimpo, a criação de novos municípios, o crescimento de

pequenas e médias cidades, entre outras, verificam-se novos padrões urbanos contemporâneos,

a colonização dirigida em Rondônia deu origem a um adensamento de cidades que formou um

subsistema espacial de Vilhena a Porto Velho, núcleos urbanos baseados na economia

madeireira e leiteira; no Pará houve um adensamento de cidades no sudeste do Estado, de

Marabá à Redenção, interiorizando uma urbanização antes restrita a Belém-Brasília; a

emergência de subsistemas urbanos adensados em torno de São Luiz, Palmas e Mato Grosso.

O crescimento verificado durante os anos de 2000 a 2010, demonstra a dinâmica

que as obras do Plano de Aceleração do Crescimento impuseram à região, a partir da

implementação de obras de infraestrutura e dos grandes projetos hidrelétricos de Santo Antônio

e Jirau.

A implantação de grandes obras de infraestrutura que se associam diretamente à

ideia de desenvolvimento traz uma nova dinâmica à cidade de Porto Velho, a partir da

oportunidade de novos negócios e de trabalho, associado aos fluxos migratórios sempre

presentes na história da formação sócio espacial da cidade.

Page 37: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

36

Segundo a Jornal Folha de São Paulo (2011), a região das obras das hidrelétricas de

Jirau e Santo Antônio, em Rondônia, houve um aumento dos problemas urbanos, no período,

que superam o ritmo do crescimento populacional. As usinas hidrelétricas começaram a ser

construídas no segundo semestre de 2008, a população de Porto Velho, onde estão as duas

obras, cresceu 12,5% entre aquele ano e 2010, portanto a expansão populacional de Rondônia

foi de 2,7% até o ano de 2011.

1.2 BREVE HISTÓRICO DA OCUPAÇÃO NA CIDADE DE MANAUS

Desde seu surgimento, Manaus é uma cidade ligada diretamente ao capital

internacional. Assim como toda a América e o Brasil, a Amazônia estava inserida em um amplo

processo de expansão do capitalismo comercial a partir do século XVII.

Em linhas gerais, podemos dizer que, em grande parte, disso resultamos. A escolha

estratégica de sua localização, na confluência dos rios Negro e Solimões, fez-se necessária por

conta do controle que os portugueses deveriam ter sobre as calhas destes importantes rios,

especialmente por eles darem acesso a um vasto território, muito cobiçado por outros

dominadores europeus, tais como os franceses e os holandeses.

Naquele momento, pelos idos de 1669, a fortaleza de São José do Rio Negro

configurou-se como uma estratégia de controle e de posse, visando legitimar o poder e a

presença lusitana na região.

A presença dos portugueses e de outros povos dominantes na Amazônia

representou, segundo Silva, reajustes econômicos e políticos da Europa dos séculos XVI e

XVII.

Os invasores dos invasores, com ou sem apoio dos seus governos, disputam na Amazônia escravos potenciais, possíveis mercados, rotas marítimas c comerciais alternativas, terras, matérias-primas e um espaço propício para a medida e o ajuste de forças da corrida colonial (SILVA, 2004, p. 23).

O ponto geográfico onde foi construída a fortaleza de São José do Rio Negro

recebeu o nome de Lugar da Barra do Rio Negro, ou Lugar da Barra, índios como os Manaus,

Barés, os Banibas e Passés, que viviam na região, mesclaram-se, via miscigenação, com os

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37

portugueses instalados neste ponto, formando o embrião de Manaus, há cerca de trezentos e

quarenta anos atrás.

O forte ou fortaleza militar é, na história das cidades antigas, um capítulo

importante. Estes eram lugares escolhidos para abrigar um número relativo de pessoas sob uma

liderança, transformando-se em um lugar de proteção em relação às ameaças externas

provenientes de grupos inimigos.

No entanto, a fortaleza representa também a possibilidade de internamente haver

controle e opressão de um pequeno grupo sobre a maioria dos que lá habitavam. Certamente,

na fortaleza que deu origem à cidade de Manaus não foi diferente, pois os grupos indígenas que

aqui habitavam foram extintos.

Infelizmente não sabemos esta versão da história. Deste passado distante, sabemos

que a dominação e a escravização dos índios era prática recorrente. Salvo alguns casamentos,

que na verdade eram alianças, os portugueses capturavam os índios para deles obterem mão-

de-obra escrava e uma certa proteção, uma vez que estes formavam verdadeiros exércitos que

serviam para a captura de outros índios.

Além disso, os portugueses podiam contar com o exímio conhecimento que os

mesmos tinham da natureza amazônica. Assim, nos séculos XIV e XV, a Amazônia foi alvo de

mercadores em busca das chamadas "drogas do sertão" para comercializá-las na Europa,

fazendo uso da preciosa ajuda da mão-de-obra indígena.

No entanto, a exploração da borracha, a partir da metade do século XIX, mudou a

face da Amazônia, trazendo implicações políticas, econômicas, demográficas, sociais e

culturais.

O ciclo da borracha intensificou o processo de "civilização" da região amazônica.

No espaço físico de cidades como Manaus e Belém houve a implantação de um conjunto de

instrumentais técnico-racionais, que alteraram a vida daqueles que viviam nesses lugares.

Não pretendemos percorrer os quase três séculos e meio de história vividos por

Manaus desde a sua formação inicial, enquanto espaço permeado por relações sociais, mas

destacamos que no estágio presente de nossa realidade encontramos elementos do passado,

visto que somos resultantes desta trajetória dialética, que envolve o espaço e as relações

estabelecidas entre os indivíduos.

Page 39: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

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Na formação de Manaus, assim como no resto do país e em toda a América, a

exploração e a falta de respeito ao nativo foi marca registrada. Interpretando a historiografia

existente sobre o processo de ocupação, bem como o povoamento da região podemos afirmar

que os manauaras legítimos, os primeiros a nascerem neste lugar, quando este ainda nem havia

recebido sua denominação, viveram em condições de submissão e a mercê das vontades dos

portugueses.

O processo de intervenção do urbanismo vivido por Manaus, a partir do final do

século XIX, torna-se uma expressão, em se tratando do espaço "desta dinâmica social, isto é da

penetração, pelo modo de produção capitalista historicamente formado nos países ocidentais

pelo resto das formações existentes, situadas em níveis diferentes do ponto de vista técnico,

econômico e social (...)" (CASTELLS, 1983, p. 83).

Assim, Castells tipifica três tipos de dominação historicamente constituídos, que

podem coexistir, no entanto, com o predomínio de um deles. A saber

1. Dominação colonial, tendo por objetivos essenciais, a administração direta dc uma exploração intensiva dos recursos e a afirmação de uma soberania política,

2. Dominação capitalista-comercial, através dos termos da troca, adquirindo matérias-primas abaixo do seu valor c abrindo novos mercados para os produtos manufaturados por preços acima do valor,

3. Dominação imperialista e financeira, através do investimento especulativo e a criação de indústrias locais tendendo a controlar o movimento dc substituição das importações, segundo uma estratégia de lucro adotada pelos trustes internacionais no mercado do conjunto mundial (IDEM).

O outrora Lugar da Barra do Rio Negro, espaço permeado pela dominação colonial,

foi desaparecendo aos poucos. Sobre suas ruínas foi surgindo uma Vila que, por conta da

exploração da borracha, teve que se modernizar, visto que se encontrava voltada, em grande

medida, para o capital internacional.

As relações estabelecidas neste espaço passaram a ser, talvez mais do que antes,

pautadas na lógica capitalista. Aos poucos, o espaço da cidade vai tendo seu valor de uso e de

troca configurado fortemente sob as regras do capital.

A área central da cidade, nas proximidades do porto, passa a ser valorizada a partir

da transformação técnica estabelecida e pela centralização das tomadas de decisões referentes

a atividade gomífera, baseada no extrativismo para a exportação, que passou a ser o carro-chefe

da economia regional.

Page 40: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

39

As duas últimas décadas do século XIX foram marcadas por intensa intervenção

urbanística em Manaus. A borracha atingia excelentes preços no mercado internacional, o que

exigiu a adequação dos espaços para atender a esta demanda do capital.

Um conjunto de fatores foi proporcionando à cidade de Manaus uma conotação de

importância e centralidade, tais como a existência de prédios públicos com funções diversas,

abertura de ruas e regularização do transporte público, a partir dos bondes, bem como regras

para o uso das carroças com cavalos, estes trazidos da Europa, as ‘mesons’ que divulgavam a

moda francesa como padrão mundial de qualidade e beleza, os armazéns (quase sempre de

portugueses) expondo, em suas vitrines, o que havia de melhor em produtos europeus -

principalmente gêneros alimentícios.

Manaus era um centro cosmopolita, onde o contingente de estrangeiros era grande

e a elite local importava idéias e costumes (MESQUITA, 2006). A delimitação de quadras e o

calçamento de ruas foram realizados definindo as áreas de residências para a classe dominante,

representada pelos comerciantes, seringalistas e políticos.

Ao restante da população, formado principalmente por índios e seus descendentes,

a solução encontrada para que estes tivessem onde morar foi construir casebres a partir da

autoconstrução e com recursos advindos da natureza.

Dito isto, gostaríamos de traçar um quadro imaginário do que foi visto por muitos

viajantes que estiveram na região a partir do final do século XIX. Na área central, planejada

pelo urbanismo, inspirado na arquitetura européia, prédios modernos utilizados para o serviço

público, teatros, cinemas, casas comerciais e residências de comerciantes, seringalistas e

políticos, contrastando com o que se via nas margens dos igarapés e nas regiões mais distantes

do núcleo central, isto é, casebres que abrigavam aqueles que se encontravam na mera condição

de vender sua força de trabalho em algumas profissões/ocupações apenas para servir aquele

modelo econômico.

Mas, podemos assinalar que a intervenção urbanística realizada em Manaus, no

final do século XIX e início do século XX, interferiu, enormemente, nas relações sociais até

então permeadas pela cultura e contornadas pela natureza amazônica.

Havia tanta riqueza e prosperidade nas cidades em que a borracha gerava riqueza

que as roupas das famílias proprietárias dos grandes seringais eram lavadas no exterior, os filhos

dos seringalistas estudavam nas melhores universidades da Europa.

Page 41: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

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Manaus e Belém possuíam luz elétrica e sistema de água encanada e esgotos,

gozavam de tecnologias que outras cidades do sul e sudeste do Brasil ainda não possuíam, tais

como bondes elétricos, avenidas construídas sobre pântanos aterrados, além de edifícios

imponentes e luxuosos, como o requintado Teatro Amazonas, o Palácio do Governo, o Tribunal

de Justiça o Mercado Municipal e o prédio da Alfândega, palacetes residenciais, enfim todas as

construções com influência europeia, conforme verificamos nas fotos abaixo.

Figura 1- Teatro Amazonas, ano 1886 - Inaugurado em 31 de dezembro de 1896, teve sua pedra fundamental lançada em 1884.. Fonte: Monteiro (2006, p. 116).

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Figura 2- O Palácio da Justiça, Avenida de Eduardo Ribeiro. Inaugurado pelo Governador Ramalho Junior em 1900. Foto do Álbum do Amazonas, 1901-02. Fonte: Monteiro (2006, p. 465).

Figura 3- Palácio Rio Branco- Patrimônio Cultural da Humanidade. Herança cultural, com arquitetura e memórias políticas, que nos remete as riquezas do auge do ciclo da borracha. Trata-se de um prédio estilo eclético construído entre os anos de 1905 e 1938. Fonte: G1 AM

Page 43: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

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A cidade tinha renda per capita duas vezes superior à região produtora de café (Rio

de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo).

Foi assim que a cidade de Manaus se desenvolveu, a qual implantou diversos

serviços públicos, além de muitas opções de lazer, hotéis, praças, que ostentavam o luxo e a

maior parte da riqueza da época. Contudo, a riqueza ficou concentrada nas mãos dos

estrangeiros que vinham explorar a borracha e obter o máximo de lucro com a exploração da

mão de obra existente.

Figura 4- Gymnasio Amazonense- A pedra fundamental em 25 de março de 1881, em 05/09/1886. Fonte: Colégio Amazonense D. Pedro II (Carmélia Esteves de Castro)

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Figura 5- Av. de Eduardo Ribeiro, com a linha de bondes elétricos do lado direito e as inúmeras carroças tiradas a muares, de propriedade de cidadãos portugueses. Foto do Álbum de Fotografias de Casas Comerciais de Manaus, 1900. Fonte: Monteiro (2006, p. 117).

Figura 6- Catedral de Manaus, paredão, escadarias e jardim, 1897. Fonte: Monteiro (2006, p.322).

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Figura 7- Biblioteca Pública, rua Barroso, esquina da avenida de Sete de Setembro. Planta do arquiteto paraense dr. José Carlos de Figueiredo. Foto do Anuário de Manaus. 1913-14. Fonte: Monteiro (2006, 228).

A formação do espaço e a questão da moradia vai ser o recorte necessário nesta

nossa reconstrução dos processos históricos que compõem esta realidade. Ainda assim,

reconhecemos que é uma visão parcial, pois a escolha das fontes podem nos levar por "ruas",

"ruelas" ou "becos" de compreensão que podem ser considerados equivocados por alguns, afinal

a neutralidade axiológica é quase inviável, principalmente, quando somos sujeitos históricos da

realidade estudada.

O certo é que "as origens da cidade são obscuras, enterrada ou irrecuperavelmente

apagada uma parte de seu passado, e são difíceis de pesar suas perspectivas futuras"

(MUNFORD, 2004, p. 09).

Sobre aquele momento algumas questões permeiam nossas preocupações, entre as

quais "Como se configuravam as moradias - esta importante condição de proteção e

sobrevivência dos indivíduos - daqueles que residiam em Manaus?", ou ainda "Qual o grau de

importância atribuído pelos governantes locais da época com relação às moradias populares?"

Page 46: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

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Otoni Mesquita, em sua pesquisa, ajuda-nos a visualizar as prioridades do poder

público manauara que teve como foco a história e a arquitetura de Manaus, entre os anos de

1852 e 1910.

Em 1883, o vice-presidente Manuel Gomes de Miranda apontava a falta de

materiais e de pessoas que arrematassem os trabalhos como a principal causa do pouco

andamento de muitas obras de urgência, tais como: a Matriz, o cemitério e pontes (MESQUITA,

2006, p. 20).

Moradias ou residências não eram consideradas prioridades pelas autoridades

políticas O texto acima demonstra que havia uma repartição de obras públicas, buscando sanar

o que era considerado como necessidades latentes naquele momento, como, por exemplo, a

igreja, para que os fiéis devotassem sua fé católica, o cemitério, para enterrar os mortos e as

pontes, para superar os obstáculos que os vários igarapés representavam no processo de

expansão da cidade.

Esta passagem mostra ainda que a maior preocupação do governo da nova

Província, a qual o Amazonas havia se tornado, em 1850, era com obras públicas em Manaus.

Por outro lado, outras localidades do Estado, como o interior, por exemplo, não são

mencionadas.

As moradias dos habitantes de Manaus deste período, de acordo com relatos de

viajantes, missionários, naturalistas, dentre outros que por aqui estiveram no período em

questão, demonstram o contraste que já existia, ou seja, de um lado, casas de tijolos com um ou

dois pavimentos construídas por representes da economia comercial capitalista européia para

servir de moradia e para desenvolver o comércio e, de outro, casas com paredes de pau- a-pique

e barro, cobertas, geralmente, com folhas de palmeira.

1.3 DIFERENÇAS ENTRE URBANIZAÇÃO E URBANISMO

A urbanização pode ser compreendida como um processo que se refere tanto ao

crescimento físico dos artefatos geográficos em suas diferentes configurações (abordagem

físico espacial) bem como às mudanças nas relações comportamentais e sociais desenvolvidas

no interior das cidades e das aglomerações urbanas (abordagem sócio cultural).

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Este trabalho procura analisar o processo de urbanização sob um enfoque sócio

espacial, abordando a dimensão das relações sociais que se estabelecem em um território

singularizado por seus atributos físicos, ambientais, econômicos, políticos e culturais.

Conforme Spósito (2002), a análise do processo de urbanização não pode ser

pontual, enfocando apenas o tempo presente. É necessário utilizar-se tempos longos, com

perspectivas temporais em que se possa trabalhar e entender as rupturas de paradigmas, de

diferentes momentos históricos. É imprescindível para investimento em uma cidade conhecer

o processo de urbanização de um país, de um estado ou de uma região.

Urbanismo é um conjunto técnico de conhecimento que faz intervenções sobre o

espaço, adaptando-o às necessidades correntes, e foi isto que ocorreu em Manaus durante a

economia gomífera.

Sobre o urbanismo, podemos usar a análise sobre sua trajetória histórica realizada

pela doutora em arquitetura, Regina Maria Meyer, que nos diz: "tanto a análise urbana quanto

os projetos realizados durante três séculos evidenciam que o objetivo do urbanismo era

justamente oferecer propostas pautadas por padrões de racionalidade formal e funcional"

(MEYER, 2006).

Em outras palavras, o urbanismo é uma forma de aplicação racional de técnicas que

preparam o espaço para objetivos diversos, quase sempre ligados aos interesses econômicos,

mas não quer dizer, necessariamente, que isto ocorra concomitantemente ao processo de

urbanização.

Assim, é correto dizer que urbanização e urbanismo são processos que caminham

juntos, mas não necessariamente.

Em Manaus, o urbanismo chegou primeiro, pois cidades como Manaus e Belém

precisaram estar apropriadas funcionalmente para que a economia gomífera tivesse sucesso. No

entanto, a intensa migração produzida por este modelo não concentrou grandes núcleos

populacionais nas principais cidades, visto que as atividades produtivas aconteciam dispersas

nos inúmeros seringais localizados nas entranhas da Amazônia, ao longo de vários rios.

Manaus tinha similaridade com as cidades européias mais urbanizadas, efeito

produzido pela intervenção do urbanismo, no entanto, tinha uma baixa densidade demográfica,

uma das variáveis que define o processo de urbanização.

Page 48: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

47

De acordo com Castells (1980), além da concentração populacional, o

desenvolvimento de uma cultura urbana própria são elementos essenciais para que se afirme

que uma determinada sociedade sofre um processo de urbanização.

É bem verdade que em Manaus foi implantado um modo novo de vida, com novos

costumes e regras sociais. Mas consideramos que, naquele momento, este modo de vida foi

mais uma estratégia do processo civilizatório imposto à região do que, propriamente, as

consequências da urbanização.

A urbanização estudada por Castells, com os seus desdobramentos, ou seja, com

todas as implicações que configuram a questão urbana, termo definido por este autor, é

complexa e envolve inúmeros elementos, dentre elas o processo de industrialização, que

ocorreu somente no final da década de 1960, em Manaus.

Sobre este processo, vejamos como a industrialização pressionou o espaço e a

sociedade não só de Manaus, mas de toda a região Norte, para um quadro latente de pobreza,

desigualdade e exclusão social, principalmente no que tange às condições de moradia, visto que

este novo modelo implantado vem produzindo a questão urbana em toda a sua complexidade

em um espaço que historicamente vem sendo construído a partir dos interesses de classes.

Page 49: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

48

CAPÍTULO II DIREITO À MORADIA, DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E

TRATADOS INTERNACIONAIS

2 DIREITOS SOCIAIS

2.1 DEFINIÇÃO DE DIREITOS SOCIAIS

O primeiro, e ao mesmo tempo o mais extenso, debate sobre o conceito de direitos

sociais foi desenvolvido por Saraiva (1983). Os direitos sociais são aqueles que visam garantir

ao indivíduo condições materiais básicas e imprescindíveis para a vida. Em geral são direitos

que exigem uma prestação positiva do Estado com a finalidade de diminuição das desigualdades

sociais e possuem um alto custo, sendo que sua prestação, se prolonga por longos períodos de

tempo.

Suas preocupações principais eram três: a) desfazer a ideia de que direitos sociais

circunscrevem-se apenas aos direitos trabalhistas; b) definir os direitos sociais como gênero o

qual, portanto, inclui diferentes espécies de direitos; c) estabelecer quais os direitos inclusos na

mencionada expressão.

Os pontos de debate propostos por Saraiva fazem todo o sentido, se levar em

consideração o ambiente jurídico no qual estava inserido. Diante de um ambiente teórico e

prático que não juridicizava questões relativas à moradia, saúde ou educação foi necessário

reafirmar que os direitos sociais não abarcavam somente direitos trabalhistas, mas também

outras espécies de direitos. Por isso, afirma o autor, desde o início de seu Capitulo I

(denominadas “dificuldades conceituais”):

Não é nova a dificuldade de conceituação da expressão direitos sociais. Em princípio, confundem-se estes com direitos laboristas, uma de suas espécies. É assim que o qualificam os professores brasileiros Cesariano Júnior e Ruy Azevedo Sodré, como ainda o professor alienígena Garcia Oviedo (SARAIVA, 1983, 23)

A Constituição de 1967 não trazia expressamente, como faz a atual em seu art. 6º,

um rol especificando quais eram os direitos considerados sociais, tampouco os qualificava

como fundamentais.

Saraiva interpreta o texto constitucional de 1967 não só para identificar quais eram

os direitos sociais, mas também para tratá-los como fundamentais.

Page 50: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

49

O autor baseou-se no art. 153, §36 da Constituição então em vigor para concluir

que os direitos sociais foram considerados implicitamente como direitos fundamentais. Além

deste artigo justifica sua posição pela relevância ao ser humano dos direitos sociais:

O importante, a nosso ver, é o estabelecimento da distinção entre Direito social constitucional e suas espécies. O direito social constitucional é um direito fundamental, ínsito à pessoa humana, que, sem o exercício deste, jamais poderá realizar seus mínimos objetivos. O direito fundamental é, portanto, parte estrutural da vida humana. Sem ele, não pode haver participação popular ou justificação para a existência do Estado. O direito social, senso largo, é o direito primário do indivíduo. Direito primário de habitar ou de trabalhar, por exemplo. O Estado contemporâneo deve adaptar-se às novas exigências sociais, no sentido de atender, pelo menos, e em princípio, a dois direitos sociais: o de trabalho e moradia (SARAIVA, 1983, p. 28).

Por fim, o autor ressalta quais são os direitos sociais que, em sua opinião, são os

mais relevantes:

A relevância conferida aos Direitos Sociais tenta demonstrar o caráter fundamental desses direitos, que não se devem confundir – urge repeti-lo – com sua espécie laborista. O Direito do trabalho, por conseguinte, o jus laboris, enquadra-se na moldura dos direitos sociais, sendo, para muitos, sua nota essencial. Mas, além do direito do trabalho, há o direito ao trabalho, o jus jaborandi, que se encontra implícito, como visto, no ordenamento constitucional, a partir do art. 160, estabelecedor das regras relativas à ordem econômica e social. O direito de trabalhar, como o direito de habitar requerem um tratamento específico e uma garantia constitucional urgente. Não é possível falar-se em Estado de Bem-Estar, quando as pessoas não têm Emprego e não têm habitação condigna (SARAIVA, 1983, 38).

Depreende-se de ambos os trechos citados acima que direito ao trabalho e à moradia

são os direitos sociais mais importantes para o autor. Algumas questões tratadas por Saraiva

foram formalmente sanadas pela Constituição de 1988. Não se questiona que os direitos sociais

sejam fundamentais, pois a Constituição incluiu-os no “Título II” denominado “Dos direitos e

garantias fundamentais”.

O art. 6º especifica, ainda que não de forma exaustiva, quais são os direitos sociais

assegurados pela Constituição Federal: educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança,

previdência social, proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados.

Também se tornou mais consolidada na cultura jurídica nacional que a expressão

direitos sociais não é sinônima de direitos trabalhistas. É provável que esse novo quadro tenha

diminuído os debates conceituais em torno dos “direitos sociais”.

Page 51: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

50

O fato é que desde 1983 o conceito de direitos sociais não objeto foi de discussão.

A doutrina brasileira valeu-se, pelo menos entre 1996-2006, do conceito direito sociais cunhado

por Silva (2009, p. 285-286):

Assim, podemos dizer que os direitos sociais, como dimensão dos direitos fundamentais do homem, são prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais. São, portanto, direitos que se ligam ao direito de igualdade. Valem como pressupostos do gozo dos direitos individuais na medida em que criam condições materiais mais propícias ao aferimento da igualdade real, o que, por sua vez, proporciona condição mais compatível com o exercício efetivo da liberdade.

Segundo Acca (2009) a definição mais utilizada na doutrina é a de José Afonso da

Silva. Para Silva (2009) os direitos sociais são prestações positivas proporcionadas pelo Estado

direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores

condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações

sociais desiguais. São, portanto, direitos que se ligam ao direito de igualdade.

Tavares (2012) conceitua direitos sociais como direitos que exigem do Poder

Público uma atuação positiva, uma forma atuante de Estado na implementação da igualdade

social dos hipossuficientes. São, por esse exato motivo, conhecidos também como direitos a

prestação, ou direitos prestacionais

Bulos (2011) afirma que prestações qualificam-se como positivas porque revelam

um fazer por parte dos órgãos do Estado, que têm a incumbência de realizar serviços para

concretizar os direitos sociais (...) “é beneficiar os hipossuficientes, assegurando-lhes situação

de vantagem, direta ou indireta, a partir da realização da igualdade real.

Segundo Moraes (2012), direitos sociais são direitos fundamentais do homem,

caracterizando-se como verdadeiras liberdades positivas, de observância obrigatória em um

Estado Social de Direito, tendo por finalidade a melhoria de condições de vida dos

hipossuficientes, visando à concretização da igualdade social, e são consagrados como

fundamentos do Estado Democrático, pelo art. 1º, IV, da Constituição Federal.

Costa apresenta uma definição de direitos sociais que traz um elemento diferente

quando comparada à definição de Silva. Segundo Costa (1990, p. 433):

Page 52: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

51

O conceito de direitos fundamentais sociais, também conhecidos como direitos econômicos e culturais, significa a pretensão jurídica subjetiva, individual ou coletiva, a uma intervenção ativa do Estado, neste compreendido o aparato ou a sociedade civil, no sentido de se obter uma prestação ou uma regulamentação protetora.

Os direitos sociais são considerados direitos fundamentais de segunda geração. É

importante ressaltar que se diferenciam dos direitos econômicos, sendo certo que estes últimos,

possuem uma dimensão institucional, enquanto que os primeiros, constituem formas de tutela

pessoal visando a garantia do mínimo existencial.

Os direitos econômicos se destinam à realização de determinada política

econômica, ao passo que os direitos sociais disciplinam situações subjetivas, pessoais ou

grupais, de caráter concreto.

Os direitos sociais se relacionam com o direito de igualdade. Sua existência visa a

criação de condições materiais propícias para se atingir a igualdade real, o que, por sua vez,

proporciona condição mais compatível com o exercício efetivo da liberdade e da cidadania.

Assim, os direitos sociais surgem para a tutela aos hipossuficientes, assegurando-

lhes situação de vantagem, direta ou indireta, a partir da realização de igualdade real.

Dessa forma, visam garantir a qualidade de vida das pessoas. Isso porque a

declaração de igualdade formal, propiciada com a declaração dos direitos humanos de primeira

dimensão, não foi suficiente para proporcionar igualdade de condições no acesso a bens e

serviços.

O autor abre a possibilidade de que se pleiteie junto ao Estado além prestações

materiais, politicas públicas (“regulamentação protetora”). Dessa forma, as obrigações do

Estado não se circunscrevem a concessão de bens (remédios, moradia, etc.), já que englobam

também a realização de políticas públicas.

Se, por um lado, é verdade que Costa não desenvolve esta ideia em seu texto, por

outro, parece-me inexorável que a definição por ele adotada abra caminhos para uma discussão

sobre direitos sociais que não leve em consideração apenas a dimensão individual do problema,

mas também a coletiva.

Em outras palavras, os direitos sociais não são proteções para pessoas singulares

apenas, porém para uma coletividade. Por fim, gostaria de registrar o uso de Alexy por Garcia

(2005, p.148) para definir direitos sociais:

Page 53: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

52

Os direitos sociais, longe de interditarem uma atividade do Estado, a pressupõem. Indicam, em regra, a necessidade de intervenção estatal visando ao fornecimento de certos bens essenciais, que poderia ser obtido pelo indivíduo, junto a particulares, caso dispusesse de meios financeiros suficientes e encontrasse uma oferta adequada no mercado.

Vale destacar que a Constituição Federal de 1988 estabelece como objetivos

fundamentais da República erradicar a pobreza e a marginalização, bem como reduzir as

desigualdades sociais e regionais (artigo 3º, inciso III), metas que só poderão ser alcançadas

com o avanço dos direitos sociais.

A amplitude dos temas inscritos no art. 6º da Constituição deixa claro que os direitos

sociais não são somente os que estão enunciados nos artigos 7º, 8º, 9º, 10, 11 e 19.

Bonavides (2009) destaca que os direitos sociais tomaram forma após expansão da

ideologia e da reflexão antiliberal. O jurista adverte que tais direitos passaram por um “ciclo de

baixa normatividade, ou tiveram eficácia duvidosa, em virtude de sua própria natureza de

direitos que exigem do Estado determinadas prestações materiais nem sempre resgatáveis por

exiguidade, carência ou limitação essencial de meios e recursos.

No Brasil, especificamente, a Constituição Federal de 1988 explicitou amplo rol de

direitos sociais, tornando ainda mais relevante o tema de sua eficácia. Apenas positivar direitos,

reconhecê-los e apontar sua importância não é suficiente; quanto maior a consagração formal

de direitos sociais, maior a dificuldade de lhes garantir uma aplicação efetiva.

2.2 TITULARIDADE DOS DIREITOS SOCIAIS

O tema da titularidade dos direitos sociais não é destaque na doutrina brasileira. Os

direitos sociais são universais? Ou eles devem ser atribuídos apenas aos mais necessitados

materialmente? Se forem atribuídos aos mais necessitados, quais são os critérios para identificá-

los? É possível pensar-se em assegurá-los apenas para determinados grupos como índios,

negros e deficientes? Essas questões não são objeto de abordagem.

Talvez, porque, como os direitos fundamentais expressam a ideia de que são

direitos extremamente importantes para os seres humanos independentemente de raça, religião,

posição política, sexo ou classe social, a doutrina tome como pressuposto que os direitos

fundamentais, sociais ou não, são universais.

Page 54: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

53

Apenas Lêda Oliveira, Francisco Lima Filho e Germano Schwartz tratam

especificamente dessa questão. Lima Filho afirma que os direitos sociais não devem ser

atribuídos universalmente:

É praticamente unânime o entendimento de que, contrariamente aos direitos civis e políticos – que têm uma titularidade universal e abstrata -, os direitos sociais têm uma titularidade especifica, o que de certa forma nega o caráter da universalidade dos direitos fundamentais. Argumenta-se que os direitos civis e políticos são atribuídos ao homem enquanto ser abstrato e racional, ou seja, a todos independentemente da sua condição social, na medida em que os bens e valores tutelados por esses direitos, como a vida, a integridade física e mental, a liberdade, a honra, a intimidade etc. são bens presumidos valiosos para todos, independentemente de sua posição social, da origem, do sexo, da orientação sexual, da profissão etc. e, neste sentido, são universais. Entretanto, com os direitos sociais ocorre o inverso, pois são atribuídos não ao homem genérico enquanto ser humano, mas ao homem histórico, contextualizado, social e culturalmente determinado e inserido em um complexo de relações sociais e econômicas que leva em conta as suas condições socioculturais como a condição de trabalhar integrante de uma determinada profissão, de pensionista, de inválido, de viuvez, de integrar certos grupos vulneráveis como as mulheres, os jovens, os deficientes, etc.

Assim, os interesses e as necessidades básicas que constituem o objeto e o fundamento dos direitos sociais pertencem não a todos, mas a um sujeito em sua especifica situação social. Nessa perspectiva pode-se afirmar que os direitos sociais tendem a levar em consideração o homem em sua especifica situação social. Os direitos sociais não podem, pois, ser definidos nem justificar-se sem levar em conta os fins, ou seja, sem ter em consideração entre outras coisas as necessidades. Por conseguinte, não podem ser concebidos como direitos universais no sentido de que interessam por igual a todo membro da família humana, já que são formulados para atender as carências e postulações instaladas na esfera desigual das relações sociais (...) Pode-se, pois concluir que os direitos sociais são direitos que efetivamente visam se não eliminar, pelo menos diminuir as desigualdades socioeconômicas e culturais. São, portanto, qualquer que seja o ângulo que os visualizemos, direitos de liberdade, de igualdade que objetivam proporcionar uma existência digna. Por conseguinte, direitos intimamente ligados à dignidade humana e por isso atribuídos, sobretudo, aos carentes que, em verdade, são seus titulares” (LIMA FILHO, 2006, p. 31-33).

Lima Filho (2006) inicia o trecho acima fazendo uma distinção quanto à titularidade

de direitos individuais e sociais. Os direitos individuais são universais, isto é, protegem a todos

igualmente (sem distinção de qualquer natureza). Isso porque essa categoria de direitos

fundamentais, segundo ele, leva em consideração o ser humano independentemente de qualquer

consideração social, econômica ou cultural.

O fato de pertencer a categoria de ser humano é suficiente para afirmar que devem

ter bens como a vida e liberdade protegidos. Por sua vez, os direitos sociais não visam proteger

o ser humano abstratamente, mas o indivíduo imerso em determinadas condições sociais,

Page 55: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

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culturais e econômicas. Assim, cada categoria de direitos fundamentais visa um aspecto do ser

humano: direitos individuais, o ser humano abstrato e os sociais, o histórico.

Pelo trecho citado acima, percebe-se que o critério para a atribuição de titularidade

dos direitos sociais não é apenas econômico, mas também sociocultural.

Não é levado em consideração apenas a renda, o patrimônio do indivíduo, mas

também se ele provém de um grupo vulnerável (mulheres, negros, etc.) ou ainda que profissão

exerce.

Lima Filho (2006) faz uma afirmação duvidosa sobre como se vê a questão da

titularidade dos direitos fundamentais. O autor afirma claramente que é unânime o

entendimento de que a titularidade dos direitos sociais não é universal. Onde está essa

unanimidade?

Quais as citações feitas por Lima Filho (2006) para sustentar essa unanimidade? Na

verdade, ele não cita qualquer brasileiro. Há uma citação de Luís Prieto Sanchís e outra de

Maria José Añon Roig, porém elas não estão claramente concordando com Lima Filho.

Ademais, ainda que estivesse, a citação de dois autores parece-me muito pouco para justificar

a afirmação de que o entendimento acerca da titularidade especifica dos direitos sociais é

praticamente unânime.

O que me parece, pelo menos em relação à doutrina brasileira dos direitos sociais,

é justamente o contrário, como afirmei no início deste item. A doutrina pressupõe a titularidade

universal dos direitos sociais. Schwartz (2001), com relação especificamente ao direito à saúde,

entende que apenas a pessoa necessitada pode ser seu titular. Diz o autor:

(...) na proteção do direito público subjetivo da saúde: o cidadão e/ou estrangeiro residente no país deve ser pessoa necessitada, e que não possa arcar com os custos da manutenção de sua saúde sem comprometer seu sustento próprio e/ ou de sua família. A finalidade deste requisito é o não-alargamento da tarefa estatal, pois, se de um lado o Estado deve garantir a saúde para todos, por outro, temos que, por questões de justiça social, o abastado possui recursos suficientes para cuidar de sua saúde sem que seja necessária a ajuda estatal

(...) O direito público subjetivo da saúde deve ser destinado àqueles que, sem a atuação estatal, correm sérios riscos de vida, seja pela falta de prestação sanitária, seja pela impossibilidade de se manter – ou de manter sua família – caso tenham que desembolsar valores para ter sua saúde assegurada” (SCHWARTZ, 2001, p. 83-84).

Page 56: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

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Schwartz (2001), diferentemente de Lima Filho, está mais preocupado com o

critério econômico. Ele, em nenhum momento, refere-se a questões culturais ou de grupos

vulneráveis (a não ser vulneráveis materialmente).

Para Schwartz (2001), o direito à saúde deve ser atribuído apenas àquele que não

pode arcar com os custos exigidos para garantir a saúde. A voz dissonante em relação às

posições de Lima Filho e Schwartz é de Lêda Oliveira:

Apesar do texto constitucional contemplar a universalização, ‘garantindo’ a todos os brasileiros, sem exceção, a atenção às necessidades de saúde, esta vem seguindo um curso diferente do previsto, assumindo características excludentes. Nesse caso, assume a função não de incluir efetivamente todos os segmentos sociais, mas de garantir o atendimento a setores mais carentes. Na realidade, o que se observa é que, paralelo à inclusão dos setores populares, ocorreu um racionamento dos gastos em saúde por parte do Estado, acarretando o sucateamento da atenção prestada. Por outro lado, esse mesmo processo de racionamento excluiu os setores médios, e mesmo grupos populacionais de baixa renda, do sistema público, sobretudo a partir da grande difusão de planos privados de saúde. Estes segmentos passaram a buscar atendimento fora do sistema público tendo como referência o subsistema privado

(...) Este quadro é demonstrativo de que o princípio da universalização da atenção como um direito social, portanto, como um atributo da cidadania a ser garantido pelo Estado parece não estar sendo contemplado, na sua essência, no SUS. Na verdade, o que de fato tem ocorrido é o renascimento de antigas teses que propunham um sistema público de atenção para os pobres e excluídos, ficando o sistema privado responsável pela atenção à saúde dos demais segmentos populacionais

(...) o Estado realiza uma política de gasto voltado àqueles segmentos populacionais que não têm condições, por seus próprios meios, de usufruir dos serviços privados de proteção social. A ação estatal é direcionada a setores mais bem definidos, os pobres ou muito pobres. Sob está ótica, a universalização do direito encontra-se ameaçada por diversas propostas de focalização que restringem a ação estatal direcionando o gasto social para programas públicos e públicos-alvo específicos” (OLIVEIRA, L. 2001, p. 255-256).

Oliveira (2001) traz um elemento a esse debate que não é enfrentado por nenhum

dos dois autores mencionados acima: a Constituição. O art. 196 diz claramente que a saúde é

direito de todos garantido mediante politicas estatais que visem, entre outras coisas, o acesso

universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Se o acesso, pelo menos ao direito à saúde, é universal (art. 196) como defender,

por exemplo, a tese de Schwartz de que tal direito deve ser prestado apenas aos mais

necessitados? É uma questão que permanece em aberto.

Page 57: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

56

2.3 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E MÍNIMO EXISTENCIAL

É comum na doutrina brasileira dos direitos sociais haver algum tipo de associação

entre dignidade da pessoa humana, mínimo existencial e direitos sociais. Essas três ideias são

relacionadas de diferentes formas.

Os discursos em torno delas vão desde afirmar que respeitar a dignidade humana é

garantir condições existenciais mínima (SCHWARTZ, 2001, p. 195) até dizer simplesmente

que os direitos sociais fundam-se na dignidade da pessoa humana (VIDAL NETO, 1979, p.

154-155).

Apesar dos textos serem, quanto a esse tópico, um tanto genéricos, é possível

demarcar dois grupos de autores. Um primeiro grupo associa dignidade da pessoa humana (e/ou

mínimo existencial) com direitos sociais para ressaltar a importância destes. Assim, a relevância

dos direitos sociais está em auxiliar na proteção da dignidade da pessoa humana.

Um segundo grupo de autores faz essa mesma associação, mas vai além. Eles

admitem que o Estado não pode prover todos os direitos sociais ou mesmo determinado direito

social (ou saúde ou educação ou moradia) a todos os cidadãos ao mesmo tempo.

No entanto, em algumas hipóteses o Estado é obrigado, independentemente de

questões orçamentárias, a prover o bem de que o indivíduo necessita. Esse grupo de autores

afirma que quando o mínimo existencial e/ou dignidade da pessoa humana está em jogo o

Estado não pode esquivar-se de atuar, não pode deixar de prestar o bem ou serviço requerido

sob qualquer alegação. Se estiver comprovado que o indivíduo se encontra com sua dignidade

maculada ou abaixo na linha de um mínimo existencial o Estado tem de necessariamente atuar.

O princípio da dignidade da pessoa humana impõe-se como critério de orientação e

interpretação do ordenamento jurídico, devendo-se acrescentar a ideia que vêm estampada no

princípio da máxima efetividade das normas constitucionais relativas aos direitos e garantias

fundamentais.

A dignidade da pessoa humana, por ser fundamento do Estado Democrático de Direito

brasileiro é, como diz Rocha (2004) princípio havido como super princípio constitucional,

aquele no qual se fundam todas as escolhas políticas estratificadas no modelo de direito

plasmado na formulação textual da constituição.

Page 58: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

57

Afirma Rocha (2004, p. 72) quando trata da positivação da dignidade da pessoa

humana no art. 1º, III da Constituição Brasileira que:

A expressão daquele princípio como fundamento do Estado brasileiro quer significar, pois, que ele existe para o homem, para assegurar condições políticas, sociais, econômicas e jurídicas que lhe permitam atingir os seus fins; que é o seu fim é o homem, e é fim em si mesmo, quer dizer, como sujeito de dignidade, de razão digna e superiormente posta acima de todos os bens e coisas, inclusive do próprio Estado.

Sarlet (2009) propôs uma conceituação jurídica para a dignidade da pessoa humana

que, além de reunir a perspectiva ontológica e instrumental destacou-lhe a faceta intersubjetiva

quanto à dimensão negativa (defensiva) e à positiva prestacional:

Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de casa ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão dos demais seres humanos. SARLET (2009, p. 56)

Alexy (2008) admite que a norma da dignidade da pessoa humana pode ser percebida

como princípio, devendo gerenciar todo ordenamento, e como regra, tratando da questão das

condições mínimas de existência, e, neste sentido, com caráter absoluto.

Miranda (1998, p. 82) sistematizou características da dignidade da pessoa humana: a)

reporta-se a todas e a cada uma das pessoas, e é a dignidade da pessoa individual e concreta b)

cada pessoa vive em relação comunitária, mas a dignidade de que possui e dela mesma, e não

da situação em si c) o primado da pessoa é o do ser, não o do ter; a liberdade prevalece sobre a

propriedade d) a proteção da dignidade das pessoas está além da cidadania portuguesa e postula

uma visão universalista da atribuição de direitos e) a dignidade da pessoa pressupõe a

autonomia vital da pessoa, a sua autodeterminação relativamente ao Estado, às demais entidades

públicas e as outras pessoas.

Constata-se que o princípio da dignidade da pessoa humana impõe um dever de abstenção

e de condutas positivas tendentes a efetivar e proteger a pessoa humana. É imposição que recai

sobre o Estado de respeitar, proteger e promover as condições que viabilizem a vida com

dignidade.

Os direitos da pessoa humana consagrados no plano internacional e interno tem como

escopo resguardar a dignidade e condições de vida minimamente adequadas do indivíduo, bem

como proibir excessos que por ventura sejam cometidos por parte do Estado ou de Particulares.

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58

A moradia digna deve ser habitável, tendo condições de saúde física e de salubridade

adequadas, tais como saneamento básico, água potável, fornecimento de energia elétrica, custo

acessível, infraestrutura, etc. Moradia adequada também significa estar localizada em lugares

que permitam acesso as opções de emprego, transporte público eficiente, serviços de saúde,

escola e lazer.

Um bom resumo dessas ideias está em Sarlet (2002, p. 58-59):

Embora tenhamos que reconhecer a existência destes limites fáticos (reserva do possível) e jurídicos (reserva parlamentar em matéria orçamentária) e que, por esta razão, o fator ‘custo dos direitos’ (não exclusivo dos direitos a prestações) implica certa relativização no âmbito da eficácia e efetividade especialmente dos direitos sociais a prestações, que, de resto, acabam conflitando entre si, quando se considera que os recursos públicos deverão ser distribuídos para atendimento de todos os direitos fundamentais sociais básicos, sustentamos o entendimento, pelos órgãos do Poder Judiciário, de direitos subjetivos a prestações, pelo menos não em toda e qualquer hipótese (...) sempre onde nos encontramos diante de prestações de cunho emergencial, cujo indeferimento acarretaria o comprometimento irreversível ou mesmo o sacrifício de outros bens essenciais, notadamente – em se cuidando de direito da saúde – da própria vida, integridade física e dignidade da pessoa humana, haveremos de reconhecer um direito subjetivo do particular a prestação reclamada em juízo (...) a solução, portanto, está em buscar, à luz do caso concreto e tendo em conta os direitos e princípios conflitantes, uma harmonização dos bens em jogo (...) fazendo prevalecer, quando e na medida do necessário, os bens mais relevantes e observando os parâmetros do princípio da proporcionalidade e o respeito ao conteúdo mínimo dos direitos e prestações sociais, no sentido de um conjunto de prestações materiais indispensáveis para uma vida digna.

Há um descompasso entre o uso recorrente dos conceitos de mínimo existencial e

dignidade da pessoa humana e seus possíveis significados. Os doutrinadores se valem desses

conceitos partindo do pressuposto de que transmitem significados já conhecidos e consolidados.

No entanto, não é pacifico, nem mesmo claro, por exemplo, quais são as prestações

devidas pelo Estado base na ideia de dignidade da pessoa humana. Afinal qual é o mínimo que

deve ser garantido pelo Estado para que o ser humano permaneça existindo e ao mesmo tempo

não macule sua dignidade?

O único a conceituar dignidade é Ingo Sarlet (2005, p. 32):

(...) dignidade da pessoa humana pode ser definida como sendo ‘a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir

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condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos (...).

Em sentido semelhante posiciona-se Mello (2005, p.134):

A tendência é de rejeitar o maximalismo moral e adotar uma concepção minimalista para o dever de solidariedade comunitária. Com isso, admite-se que os direitos sociais devem assegurar o ‘mínimo existencial’ para garantir a dignidade da pessoa humana. Mas a expressão ‘mínimo existencial’ não é auto- explicativa. É preciso saber se, para determinar o seu significado, bastará recorrer ao sistema de princípios, regras e valores positivados no sistema jurídico nacional, ou se serão necessários critérios independentes de moralidade critica, através dos quais se possam definir quais são os níveis de proteção imprescindíveis para assegurar a dignidade humana e a justiça política da comunidade.

Há autores que criticam a noção de “mínimo existencial” justamente por sua falta

de precisão. O que significa garantir um “mínimo existencial”? Para Barreto a adoção deste

critério para atribuição de direitos sociais acaba por restringi-los. Nos termos do autor:

Inspirada na doutrina e na jurisprudência constitucional alemã, o ‘mínimo existencial’ pretende atribuir ao indivíduo um direito subjetivo contra o Poder Público, que seria obrigado a garantir uma existência mínima digna a todos os cidadãos. Em nenhum momento, pode-se, entretanto, determinar em que reside esse ‘mínimo existencial’, caindo-se, assim, no argumento do voluntarismo político, onde o mínimo para a vida humana fica a depender da vontade do governante. Essa teoria por sua imprecisão básica, tem servido de justificativa para interpretar a aplicação dos direitos sociais de forma restritiva, esvaziando a sua amplitude e magnitude (BARRETO, 2003, p. 122)

Em sentido semelhante posiciona-se Mello:

A tendência é de rejeitar o maximalismo moral e adotar uma concepção minimalista para o dever de solidariedade comunitária. Com isso, admite-se que os direitos sociais devem assegurar o ‘mínimo existencial’ para garantir a dignidade da pessoa humana. Mas a expressão ‘mínimo existencial’ não é auto- explicativa. É preciso saber se, para determinar o seu significado, bastará recorrer ao sistema de princípios, regras e valores positivados no sistema jurídico nacional, ou se serão necessários critérios independentes de moralidade critica, através dos quais se possam definir quais são os níveis de proteção imprescindíveis para assegurar a dignidade humana e a justiça política da comunidade (MELLO, 2005, p. 134).

A via do mínimo existencial e da dignidade da pessoa humana para a aplicação de

direitos sociais.

O direito à moradia está diretamente vinculado à dignidade humana e constitui-se

em fundamento material mínimo para uma existência digna. Assim, a natureza do direito à

moradia tem consequências diretas na efetivação de outros Direitos Fundamentais, como o

Page 61: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

60

direito à educação; reafirma-se que o direito à moradia adequada é base para a consecução de

outros direitos, ao menos em parte, em função das condições materiais que o direito à moradia

propicia.

Há uma clara tendência na doutrina brasileira dos direitos sociais em utilizar

conceitos como “dignidade da pessoa humana” e “mínimo existencial” para justificar a

aplicação de direitos sociais. Esses conceitos funcionam como uma espécie de cinturão protetor

do indivíduo. O Estado não pode feri-los tanto omissiva quanto comissivamente.

No entanto, tal como formulados, eles realmente estão aptos a serem utilizados

como critérios para a aplicação dos direitos sociais? É possível identificar com um mínimo de

clareza em que momentos tais princípios estão sendo ameaçados? É possível por meio deles

extrair quais as prestações de saúde, educação e moradia devidas pelo Estado aos cidadãos? Da

forma como estão formulados padecem de alta carga de imprecisão.

Não há dúvidas, tratando o ponto de modo genérico, que todos devem ter

assegurados seu mínimo existencial e sua dignidade. A própria Constituição dispõe em seu art.

1º, III que a República Federativa do Brasil tem como fundamento a dignidade da pessoa

humana. Isso é indiscutível. O problema é justamente defini-la de modo que tenha relevância

prática. Sarlet (2005, p. 2) define a dignidade nos seguintes termos:

(...) dignidade da pessoa humana pode ser definida como sendo ‘a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos (...).

A definição de Sarlet não auxilia muito a solucionar as questões propostas no início

deste item. Se a intenção é falar sobre dignidade e mínimo existencial é preciso enfrentar

seriamente o tema. Isso significa mostrar como esses conceitos podem concretamente auxiliar

na compreensão e aplicação dos direitos sociais.

A palavra “dignidade” possui alta carga emotiva, por isso seu uso deve ser realizado

com cuidado.

Page 62: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

61

Segundo Nino (1998, p. 15-16):

“las palavras no sirven solamente para referirse a cosas o hechos y para designar propriedades, sino que a veces se usan también para expresar emociones y provocarlas en los demás (...) cuando una palabra tiene carga emotiva, ésta perjudica su significado cognoscitivo. Porque la gente extiende o restringe el uso del término para abarcar con El o dejar fuera de sua denotación los fenômenos que aprecia o rechaza, según sea el significado emotivo favorable o desfavorable”.

A “dignidade da pessoa humana” vem desempenhando o papel de critério para

qualificar o que é “bom” ou “mal”. A determinação das condutas devidas ou indevidas faz-se

“emotivamente”.

O significado cognoscitivo de “dignidade” perde-se, ou sequer há uma preocupação

em construí-lo, em meio ao apelo sentimental. Assim, quando um indivíduo encontra-se

adoentado e necessita de remédios basta afirmar que caso o Estado não forneça esses

medicamentos estará ferindo a “dignidade da pessoa humana”.

2.4 ENQUADRAMENTO DO DIREITO À MORADIA NO PLANO CONSTITUCIONAL

O direito à moradia foi incluído na Constituição Federal de 1988 pela emenda

constitucional n° 26 do ano de 2000, estando previsto expressamente no caput do artigo 6º,

Capitulo II -Dos direitos sociais - Titulo II - Dos direitos e garantias fundamentais.

A doutrina afirma que devido à declaração constitucional que os direitos e garantias

fundamentais não deixam de fora outros provindos do regime por ela adotado (artigo 5°, § 2°,

da CF) e a sua relação com o princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1°, III, da CF),

abre um rol que coloca o direito à moradia como materialmente fundamental mesmo antes da

emenda constitucional n° 26.

Aliás, antes mesmo de introduzir a moradia no rol dos direitos sociais expressos, o

Brasil assinou uma série de tratados que serão expostos nos capítulos seguintes, garantindo o

direito à moradia digna, mesmo antes da inclusão do direito no referido rol.

Dessa forma, o Estado deve garantir o direito à moradia ao ser humano, juntamente

com os demais direitos sociais: à educação, à saúde, o trabalho, o lazer, a proteção à

Page 63: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

62

maternidade, à infância, e, como não se trata de um rol fechado, o que restar necessário para a

manutenção dessa dignidade.

O anteriormente mencionado justifica-se por tratar-se de um direito social. O direito

à moradia exige do Estado uma atitude, para garantir ao cidadão uma melhor qualidade de vida

em sociedade. Além do mais, o desrespeito a esse direito, acarreta a violação indireta a outros

direitos fundamentais.

Para garantir o acesso à moradia, a Constituição tornou exigência a formação do

sistema de normas de direito urbanístico, que deve ser composto pelas normas constitucionais

referentes à politicas urbana, lei federal de desenvolvimento urbano, o conjunto de normas

sobre a política urbana estabelecidas nas Constituições dos Estados, lei estadual de política

urbana e a legislação estadual urbanística, e o conjunto de normas municipais referentes à

política urbana estabelecidas nas Leis Orgânicas dos Municípios, no Plano Diretor e na

legislação municipal urbanística.

2.5 DIREITO À MORADIA COMO DIREITO FUNDAMENTAL

Os direitos fundamentais são aqueles direitos do ser humano, reconhecidos e

positivados na esfera do direito constitucional positivo de um determinado Estado. Atualmente,

não há como negar que a moradia é um direito fundamental da pessoa humana.

Vale lembrar, a natureza da interdependência, indivisibilidade e inter-

relacionamento dos Direitos Humanos. É certo que a efetividade de um direito como a moradia

tem impactos diretos na consecução de outros direitos sociais como direito à educação, à saúde,

ao trabalho, à proteção da família especialmente dos segmentos mais vulneráveis da sociedade

como crianças e idosos e, mesmo, nas garantias e liberdades civis.

Nesse ponto, repousa uma grande dificuldade na determinação doutrinária do

conteúdo dos Direitos Fundamentais e de seus limites.

Como bem define Bobbio (2004, p. 51), “os direitos do homem são direitos

históricos, que emergem gradualmente das lutas que o homem trava por sua própria

emancipação e das transformações das condições de vida que essas lutas produzem”.

A determinação do suporte fático dos Direitos Fundamentais não é uma tarefa

simples, tomando por base que o direito à moradia é um direito natural, que reflete questões

Page 64: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

63

relacionadas à própria sobrevivência do indivíduo. Sua existência como direito não depende de

sua positivação expressa, mas deflui dos princípios que norteiam a Constituição brasileira.

A própria Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 consagra a moradia

como direito fundamental, de forma que não há controvérsias a respeito do tema, isto é, a

totalidade dos estudiosos sobre os direitos fundamentais incluem a moradia no rol dos direitos

fundamentais da pessoa humana.

No ordenamento jurídico brasileiro, toda e qualquer discussão sobre a

fundamentalidade do direito à moradia foi sedimentada com a sua constitucionalização no ano

2000, quando a Emenda Constitucional 26 incluiu a moradia no rol dos direitos sociais

expressos.

A moradia faz parte de um rol de direitos elencados nos artigos 6º ao 11 da

Constituição Federal, juntamente com outros direitos sociais tais como: educação, saúde,

trabalho, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância e assistência

aos desamparados. Foi introduzida como direito social expresso por meio da Emenda

Constitucional n. 26 do ano de 2000, apesar de ser considerado social mesmo antes da referida

constitucionalização.

A moradia, por ser um direito social que exige a prestação do Estado, tende a sofrer

supressão e minimização de sua aplicabilidade. Os direitos sociais, por sua própria natureza,

requerem do poder político uma demanda de recursos para sua aplicabilidade plena, o que gera

fortes pressões ideológicas e envolve escolhas políticas determinantes para conseguir alcançar

o ideal de uma sociedade livre, justa e solidária, objetivo consagrado em nossa Carta Magna.

Não obstante, o direito à moradia se notabiliza como um complexo de direitos de

característica prestacional e, em sua perspectiva jurídico-subjetiva, é um direito individual de

defesa que, no mesmo sentido dos demais Direitos Fundamentais, se manifestam em três

diferentes categorias: “a) direitos ao não impedimento de ações por parte do titular do direito;

b) direitos a não afetação de propriedades e situações do titular do direito; c) direitos à não

eliminação de posições jurídicas” (SARLET, 2009, p.280).

No Brasil, a Constituição Federal, em seu artigo 5º, parágrafo 2º, consagra que os

direitos e garantias nela expressos "não excluem outros decorrentes do regime e princípios por

ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte".

Portanto, a Constituição de 1988 consubstancia no rol dos direitos protegidos

aqueles enunciados nos tratados internacionais, incluindo os direitos humanos. O direito

Page 65: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

64

humano à moradia é um dos direitos sociais assegurado em vários tratados internacionais

mesmo antes de sua constitucionalização no artigo 6º, entretanto, no país, continua longe de ser

assegurado.

O direito a uma moradia salubre configura uma das necessidades básicas do ser

humano. Para que o indivíduo desenvolva suas capacidades e até mesmo se integre socialmente,

é fundamental possuir uma morada com condições mínimas de habitabilidade.

Trata-se de questão relacionada à própria existência, pois, dificilmente alguém

conseguiria viver por muito tempo exposto às intempéries naturais, sem qualquer abrigo.

O provimento da necessidade habitacional passa evidentemente pelo espaço físico,

pelo "pedaço de terra", o que por si só gera conflito entre diversos grupos antagônicos da

sociedade, mas, em razão do processo de civilização, acaba sempre por requerer mais do que

simplesmente a terra. Fatores culturais, econômicos e ambientais, entre outros, moldam a

questão habitacional, definindo o mínimo desejável, sendo certo que, as soluções alcançadas

no passado, já não satisfazem os padrões atuais, bem como a moradia minimamente adequada,

para as áreas rurais, não atende ao modo de vida urbano.

A precariedade material e jurídica da habitação é, lamentavelmente, um dos

problemas mais graves da sociedade contemporânea. Para além dos dramas pessoais e

familiares que a questão engendra, o pior é constatar que esse quadro habitacional precário que

verificamos atualmente, não constitui caso isolado, exceções à regra e sim, se torna rotineiro.

A moradia representa um dos custos mais caros nas sociedades submetidas ao

sistema capitalista. Em um país com população predominantemente pobre e com capacidade

comprometida para investimentos públicos, a habitação popular usualmente apresenta soluções

temerárias, não raro improvisadas, muito ruins do ponto de vista da habitabilidade e sem

qualquer segurança jurídica da posse; tal insegurança decorre, por vezes, da existência de

legislação restritiva quanto à construção no local ocupado; em outros casos, por inexistir, para

o possuidor, o chamado "justo título" em relação ao direito de propriedade.

A ONU, através da Comissão das Nações Unidas para Assentamentos Humanos,

estima que no mundo, 1,1 bilhões de pessoas estejam vivendo em condições inadequadas de

habitabilidade em área urbana. No Brasil, esse quadro não é diferente. Segundo os dados do

Ministério das Cidades, atualmente, existe um déficit habitacional na faixa de 6,27 milhões de

moradias, além de 13 milhões de domicílios urbanos irregulares.

Page 66: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

65

Essa situação revela o passivo da desigualdade brasileira no tocante à habitação,

especialmente se levarmos em consideração que a maior parte deste déficit está situado nas

camadas mais pobres da população, ou seja, na população com renda familiar entre zero e três

salários mínimos.

A controvérsia em relação ao direito fundamental à moradia surge quanto ao dever

prestacional de habitação por parte do Estado. Isso porque, a moradia foi incluída na

Constituição, como direito social, ou seja, direito fundamental de prestação obrigatória pelo

Estado.

Podemos afirmar que, a maior dificuldade de implementação dos direitos sociais

reside no fato de que as normas de direito social ainda têm caráter de normas programáticas.

Assim, na interpretação dominante dos direitos sociais, o direito à educação, à saúde, ao

trabalho e à moradia impõe um fim ao Estado, que se legitima constantemente mediante a

realização de tais finalidades, que evidentemente depende de um orçamento e, portanto, não

são ilimitadas.

Vale ressaltar, contudo, que no plano do direito internacional, o Brasil foi signatário

de vários tratados que reconhecem os direitos sociais como direitos humanos fundamentais, a

exemplo da Declaração Universal de Direitos Humanos (1948), Protocolo de São Salvador

(1988) adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos (1969) e o Pacto de São José

da Costa Rica, no qual o Brasil acolheu expressamente o princípio do não retrocesso social,

entendido este como a impossibilidade de redução dos direitos sociais amparados na

Constituição, garantindo ao cidadão o acúmulo de patrimônio jurídico. Não só no Brasil, como

no mundo, o direito fundamental à moradia enunciado na Declaração dos Direitos do Homem

em 1948 foi reforçado por diversos tratados internacionais.

O direito à moradia é reconhecido como um direito humano em diversas

declarações e tratados internacionais dos quais o Estado Brasileiro é parte. A seguir

analisaremos a proteção do direito à moradia no aparato internacional de proteção aos direitos

fundamentais. As Constituições do México de 1917 e da Alemanha (Weimar) de 1919 foram o

divisor de águas para a questão dos direitos sociais e serviram de paradigma para todas as

Constituições que adotam o Estado de Bem Estar Social, sendo referência ainda na atualidade.

Podemos afirmar que as referidas constituições são para os direitos sociais o mesmo

que a Declaração da Revolução Francesa é para os direitos fundamentais de primeira geração.

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66

Assim, foram as Constituições Mexicana (1917) e Alemã (1919), no final da

primeira década do século passado, que iniciaram com o chamado “constitucionalismo social”,

entendido como “o movimento que, considerando uma das principais funções do Estado a

realização da Justiça Social, propõe a inclusão de direitos trabalhistas e sociais fundamentais

nos textos das Constituições dos países." (NASCIMENTO, 2006).

Ambas preconizavam o Estado de Bem Estar Social que é um modelo de Estado

intervencionista, que busca o bem estar e a justiça social. Para a garantia dos recém criados

direitos sociais, em especial aos direitos dos trabalhadores assalariados, no plano internacional,

em 1919, foi criada a Organização Internacional do Trabalho (OIT), que, em suas inúmeras

convenções e recomendações, trata dos direitos sociais de trabalho e seguridade social.

Além da criação da OIT, a Carta do Atlântico, redigida durante a 2a Guerra

Mundial, em 14 de agosto de 1941, foi aprovada e, em 1943, o Brasil aderiu aos seus princípios.

A redação do parágrafo quinto demonstra a preocupação com os direitos sociais e econômicos,

fortalecendo a concepção do Welfare State.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos promulgada em 1948 foi redigida

sob o impacto do pós 2ª Guerra Mundial e retomou os ideais da Revolução Francesa, como se

pode observar pela redação de seu artigo 1º: " Todos os homens nascem livres e iguais em

dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros

com espírito de fraternidade".

Os artigos XXII, XXIII e XXV da Declaração Universal dos Direitos Humanos

tratam da proteção aos grupos sociais mais fracos ou necessitados, que se concretiza por meio

da seguridade social e assistência social. Visando o desenvolvimento e a complementação do

conteúdo da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, foi elaborado o Pacto

Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, promulgado em 1966. Mas,

somente em 12 de dezembro de 1991, por meio do Decreto Legislativo no. 226, o Brasil

aprovou referido Pacto, que entrou em vigência em nosso país a partir de 24 de abril de 1992.

Segundo os artigos 10 e 11 do Pacto entre os deveres dos Estados Partes, está o de

proteger a família, a maternidade as crianças e os adolescentes, proporcionando as condições

de melhoria de vida, incluindo nessa proteção, o direito à moradia digna.

No Brasil, mesmo que timidamente, desde a Constituição de 1824 já havia sinais

de direitos sociais seguindo o paradigma das declarações de direitos da Revolução Francesa de

1789, contudo, foi a Constituição de 1934 que pela primeira vez surgiu a ordem econômica e

Page 68: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

67

social, em seu Titulo IV. Todavia, somente em 1988, a Constituição elevou estes direitos ao

plano de direitos fundamentais da pessoa humana.

2.6 TRATADOS, ACORDOS E CONVENÇÕES INTERNACIONAIS ACERCA AO

DIREITO À MORADIA

O Brasil, mesmo antes da constitucionalização do direito à moradia, firmou vários

tratados e convenções internacionais para a garantia de moradia digna a seus cidadãos.

Os principais documentos internacionais que tratam do direito à moradia adequada

dos quais o Brasil é signatário são:

O papel da moradia como direito ligado à dignidade da pessoa humana costuma ser

inferido de enunciados normativos constantes das principais cartas jurídicas que se dedicam à

proteção dos direitos humanos, no plano internacional, e dos direitos fundamentais, no plano

nacional.

No âmbito internacional, os direitos humanos encontram a unidade significativa e

normativa de um sistema jurídico a partir, fundamentalmente, da Declaração Universal

aprovada pela ONU - Organização das Nações Unidas, em 1945, a qual, em seu art. XXV, item

1, dispõe: Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar-lhe, e a sua

família, saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os

serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença,

invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em 194

circunstâncias fora de seu controle.

2.6.1 Carta das Nações Unidas

A Carta das Nações Unidas foi assinada por representantes de 50 países na

Conferência das Nações Unidas sobre Organização Internacional, realizada em São Francisco,

em 26 de junho de 1945. Entrou em vigor no dia 24 de outubro de 1945, sendo ratificada em

21 de setembro de 1945 pelo Brasil. É um documento muito importante porque a partir de sua

Page 69: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

68

assinatura, ocorreram diversas transformações no Direito Internacional, inaugurando-se um

novo paradigma nas relações internacionais.

A Carta da ONU reconhece e preserva muitos dos direitos fundamentais do

indivíduo do mundo pós-guerra, momento em que era preciso evitar que atrocidades ocorridas

durante a segunda guerra se repetissem. Nela estão contidas as principais disposições com

relação à manutenção da paz e segurança internacionais, dando prioridade ao estabelecimento

das condições necessárias para a efetivação da justiça e o respeito às obrigações decorrentes da

assinatura dos tratados internacionais.

A Carta também garante as condições necessárias ao progresso social e melhorias

nas condições de vida, enfatizando a defesa dos direitos humanos e das liberdades pessoais,

utilizando-se da cooperação internacional. É um documento de extrema importância na

proteção do direito à moradia no Brasil, pois, apesar de não ter tratado expressamente, em seu

texto, do direito à moradia como um direito humano fundamental, definiu uma estrutura

internacional de proteção dos direitos humanos ligados à proteção dos direitos sociais.

2.6.2 Declaração Universal dos Direitos Humanos

A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi proclamada pela Assembléia

Geral da ONU, em 10 de dezembro de 1948, pela aprovação unânime de 48 Estados, com 8

abstenções.

A Declaração Universal é uma das principais conquistas das Nações Unidas no

campo dos direitos humanos, tendo sido proclamada segundo Comparato (2010) como o ideal

comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações”. A Declaração Universal dos

Direitos Humanos, como se percebe da leitura de seu preâmbulo, também foi redigida sob o

impacto das atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra Mundial.

Retoma os ideais da Revolução Francesa, representa a manifestação histórica em

âmbito universal, do reconhecimento dos valores supremos da igualdade, da liberdade e da

solidariedade entre os homens, como ficou consignado em seu artigo I. A Declaração Universal

dos Direitos Humanos, fonte inspiradora do sistema de proteção internacional dos direitos

humanos, reconhece o direito à moradia como um direito humano, com base no artigo XXV,

que dispõe sobre o direito a um padrão de vida adequado: A declaração dispõe que, toda pessoa

Page 70: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

69

tem o direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar,

inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais

indispensáveis, o direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice

ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.

Sendo assim, pode-se afirmar que a pessoa humana somente terá um padrão de vida adequado

se os direitos à alimentação, ao vestuário, à moradia, saúde e seguridade forem assegurados e

respeitados.

2.6.3 Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais

O Pacto Internacional dos direitos econômicos, sociais e culturais é o principal

documento de proteção aos direitos sociais no âmbito da ONU – Organização das Nações

Unidas. O processo de especificação e de aperfeiçoamento dos direitos estabelecidos na

Declaração Universal tem como marco os Pactos Internacionais de direitos civis e políticos e o

Pacto dos direitos econômicos, sociais e culturais, ambos instituídos pelas Nações Unidas em

1966, e com entrada em vigor em 03 de janeiro de 1976, tendo sido ratificados pelo Brasil,

somente em 24 de janeiro de 1992.

O Pacto Internacional dos direitos econômicos, sociais e culturais teve como

objetivo incorporar os dispositivos da Declaração Universal sob a forma de preceitos

juridicamente obrigatórios e vinculantes. Criou obrigações legais aos Estados-partes, ensejando

responsabilização internacional em caso de violação dos direitos que enuncia Piovezan (2006).

Através do Pacto Internacional dos direitos econômicos, sociais e culturais, os

direitos previstos no artigo XXV, da Declaração Universal, passam a ter tratamento específico

e força vinculante para os Estados signatários do documento. O direito à moradia está incluído

no rol dos direitos sociais e tem por objetivo garantir a todo ser humano o direito a uma moradia

adequada, sadia e dotada de infraestrutura e serviços públicos urbanos (água, esgoto, coleta de

lixo, drenagem, iluminação pública, varrição, transporte, telefonia, entre outros).

Encontra-se expressamente reconhecido como um direito humano no artigo 11 do

Pacto, que estabelece que os Estados Partes o reconhecem o direito de toda pessoa a um nível

de vida adequado para si próprio e sua família, inclusive à alimentação, vestimenta e moradia

adequadas, assim como uma melhoria contínua de suas condições de vida.

Page 71: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

70

Estabelece ainda que, os Estados Partes tomarão medidas apropriadas para

assegurar a consecução desse direito, reconhecendo, neste sentido, a importância essencial da

cooperação internacional fundada no livre consentimento. No artigo 2º do Pacto, cada Estado

Parte compromete-se a adotar medidas, tanto por esforço próprio como pela assistência e

cooperação internacional, que visem progressivamente, o pleno exercício dos direitos

reconhecidos no Pacto.

Segundo Saule Júnior (1999), a adoção do termo “progressivamente” no Pacto

Internacional de direitos econômicos, sociais e culturais, significa que os Estados devem tomar

medidas, implementar politicas, programas e planos visando a realização contínua e gradual,

sempre no sentido ascendente desses direitos.

Destaca o autor que os Estados não podem se isentar das obrigações imediatas e

responsabilidades decorrentes do Pacto, sob pena de descumprir e desrespeitar os

compromissos que legalmente assumiram perante a comunidade internacional. Os Estados

Partes têm a obrigação legal de instituir organismos e instrumentos para a promoção de politicas

públicas de modo a tornar pleno o exercício desses direitos.

De acordo com Piovezan (2006) os direitos sociais, econômicos e culturais, nos

termos que estão concebidos pelo Pacto (art. 2º, parágrafo 1º), apresentam realização

progressiva, ou seja, são direitos que estão condicionados à atuação do Estado, que tem por

obrigação adotar medidas econômicas e técnicas, isoladamente e por meio da assistência e

cooperação internacional, até o máximo de seus recursos disponíveis com vistas a alcançar

progressivamente a completa realização dos direitos previstos pelo Pacto.

Os Estados-parte não se comprometem a atribuir efeitos imediatos aos direitos

enumerados no Pacto, mas os Estado se obrigam meramente a adotar medidas, até o máximo

de recursos disponíveis, a fim de alcançarem progressivamente a plena realização desses

direitos.

Sendo assim, o Estado Brasileiro tem a obrigação, no que diz respeito ao direito à

moradia, de elaborar uma legislação, criar instrumentos, programas e planos de ação sobre

política habitacional de modo a garantir esse direito para os seus cidadãos.

Os direitos garantidos pelo Pacto são aplicação progressiva, considerando que não

podem ser implementados sem que exista um mínimo de recursos econômicos disponível e

principalmente não podem ser implementados sem que representem efetivamente uma

prioridade na agenda política nacional.

Page 72: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

71

Dessa obrigação da progressividade na implementação dos direitos sociais,

econômicos e culturais decorre a chamada “cláusula de proibição do retrocesso social”, na

medida em que é vedado aos Estados retroceder no campo da implementação desses direitos,

ou seja, a cláusula proíbe o retrocesso ou a redução de politicas públicas voltadas à garantia de

tais direitos.

Conforme a Recomendação Geral no 03, item 09, do Comitê sobre os Direitos

Econômicos, Sociais e Culturais: “qualquer medida deliberadamente regressiva requer a mais

minuciosa consideração e deverá ser completamente justificada em relação ao total dos direitos

previstos no Pacto Internacional de Proteção dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e no

contexto da utilização do máximo dos recursos disponíveis”.

O Comitê das Nações Unidas de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais emitiu

ainda o Comentário Geral nº 4. considerando adequada a moradia que contempla os seguintes

elementos:

1. Segurança Jurídica da Posse – devem existir mecanismos que garantam proteção

legal contra despejos forçados, expropriação, deslocamentos e quaisquer outros tipos de

ameaças.

2. Disponibilidade de Serviços e infraestrutura - deve ser assegurado o acesso à

serviços de água potável, energia elétrica, saneamento básico, tratamento de resíduos,

transporte e iluminação públicas.

3. Custo de Moradia Acessível – devem ser adotadas medidas que garantam a

proporcionalidade entre os gastos com habitação e a renda das pessoas. Devem criar subsídios

e financiamentos para grupos sociais de baixa renda, bem como proteger inquilinos de aumentos

abusivos do valor de aluguel.

4. Habitabilidade - a moradia deve ser ter condições de salubridade adequadas.

5. Acessibilidade – as politicas públicas habitacionais devem contemplar grupos

vulneráveis, como os portadores de deficiências, grupos sociais empobrecidos, vítimas de

desastres naturais ou de violência urbana e conflitos armados.

6. Localização - moradia adequada significa moradia bem localizada, ou seja, em

lugares que permitam acesso às opções de emprego, transporte público eficiente, serviços de

saúde, escola, cultura e lazer.

Page 73: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

72

7. Adequação cultural – deve haver respeito à produção social do habitat, à

diversidade cultural, aos padrões habitacionais oriundos dos usos e costumes das comunidades

e grupos sociais

2.6.4 Agenda 21

A Agenda 21 foi elaborada durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio

Ambiente e Desenvolvimento, celebrada no Rio de Janeiro, em junho de 1992, tendo como

objetivo regulamentar o processo de desenvolvimento com base nos princípios de

sustentabilidade.

No capítulo 7 da Agenda 21, estão expresso itens referentes ao direito à moradia,

como o item 6 - “O acesso a uma habitação sadia e segura, é essencial para o bem-estar

econômico, social, psicológico e físico da pessoa humana e deve ser parte fundamental das

ações de âmbito nacional e internacional”.

Este mesmo item estabelece que o direito à moradia é um direito humano básico,

que está inserido na Declaração Universal de Direitos Humanos, e no Pacto Internacional de

Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, e estima que pelo menos um bilhão de pessoas não

tem acesso a uma habitação sadia e segura.

A previsão do direito à moradia num documento que tem como objeto primário a

proteção do meio ambiente demonstra a relação de profunda interdependência entre esses dois

direitos.

A Agenda 21 não é um documento normativo, pois não obriga as Nações

signatárias, mas é um documento ético que se reduz a um compromisso por parte deles, sendo

assim, não é um documento técnico, mas político.

A Agenda 21 transformou-se em instrumento de referência e mobilização para a

mudança do modelo de desenvolvimento em direção de sociedades cada vez mais sustentáveis.

Infelizmente uma das maiores críticas à Agenda 21 relaciona-se com o seu caráter genérico e

às dificuldades de implementação prática. A Agenda não está sendo muito utilizada devido a

pouca ou nenhuma implementação de ações voltadas a efetiva defesa ambiental.

As Conferências Mundiais têm proporcionado grande mobilização, sobretudo da

mídia. A participação ativa da sociedade civil nessas Conferências Mundiais, principalmente

Page 74: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

73

através das ONGs, e movimentos sociais, tem contribuído para pressionar as Nações Unidas e

os Estados a assumirem as agendas da sociedade.

2.6.5 Agenda Habitat

A Agenda Habitat foi adotada pela Conferência das Nações Unidas sobre

Assentamentos Humanos – Habitat II, que foi realizada em Istambul, em junho de 1996, tendo

como objetivos principais: instituir padrões de habitação adequada para todos, e o

desenvolvimento sustentável em um mundo em urbanização.

A Agenda estabelece um conjunto de princípios e metas que vão nortear esses dois

objetivos. O direito à moradia foi o principal tema e objeto de debates e de negociações entre

os países e organizações não governamentais presentes na Conferência do Habitat II.

No preâmbulo da Agenda é reconhecido o acesso à habitação sadia e segura, dotada

dos serviços básicos, como condição essencial para uma vida digna e para o bem estar físico,

psicológico, social e econômico das pessoas.

O direito à moradia encontra-se expresso no capítulo II, parágrafo 13. No referido

artigo, os Estados parte se comprometem a assegurar a plena realização dos direitos humanos a

partir dos instrumentos internacionais, em particular nesse contexto o direito à moradia disposta

na Declaração Universal dos Direitos Humanos, e provido pelo Pacto Internacional dos Direitos

Econômicos, Sociais e Culturais, a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as

Formas de Discriminação Racial, a Convenção sobre todas as Formas de Discriminação contra

a Mulher e a Convenção sobre os Direitos da Criança, levando em conta que o direito à moradia

incluído nos instrumentos internacionais acima mencionados deve ser realizado

progressivamente.

Os Estados Parte reafirmam que todos os direitos humanos, civis, culturais,

econômicos, políticos e sociais são universais, indivisíveis, interdependentes e inter-

relacionados. Os compromissos sobre a adequada habitação para todos estão expressos no

Capitulo III, tendo sido o direito à moradia reconhecido no parágrafo 24, como segue.

Nesse artigo, os Estados Parte reafirmam o compromisso para a plena e progressiva

realização do direito à moradia, provido por instrumentos internacionais.

Page 75: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

74

Neste contexto, reconhecem a obrigação dos governos de capacitar as pessoas para

obter habitação e proteger e melhorar as moradias e vizinhanças. Se comprometem com a meta

de melhorar as condições de vida e de trabalho numa base sustentável e eqüitativa, pelo qual

todos terão adequada habitação, sadia, segura, protegida, acessível e disponível, que inclui

serviços básicos, facilidades e amenidades, e o gozo de liberdades frente a discriminações de

moradia e segurança legal de posse.

Afirmam que devem implementar e promover este objetivo de maneira plenamente

consistente com as normas de direitos humanos. Nos termos da Agenda Habitat, os Governos

devem tomar apropriadas ações para promover, proteger e assegurar a plena e progressiva

realização do direito à moradia.

Saule Júnior (1999) afirma sobre esse tema que a obrigação de tornar efetivo o

direito à moradia, de forma progressiva significa que o Estado brasileiro tem que criar meios

materiais indispensáveis para o exercício desse direito. Para realização progressiva do direito à

moradia são necessárias as seguintes medidas: - adoção de instrumentos financeiros, legais,

administrativos para a promoção de uma política habitacional; - a constituição de um sistema

nacional de habitação descentralizado, com mecanismos de participação popular; - revisão de

legislações e instrumentos de modo a eliminar normas que acarretem algum tipo de restrição e

discriminação sobre o exercício do direito à moradia; - a destinação de recursos para a

promoção da política habitacional.

A realização progressiva como obrigação, produz de imediato os seguintes efeitos:

a faculdade de o cidadão exigir de forma imediata, as prestações e ações constitutivas desse

direito, face a inércia do Estado, que pode gerar a inconstitucionalidade por omissão; o direito

de acesso à Justiça, mediante ações e processos judiciais eficazes destinados a proteção do

direito à moradia; o direito de participar da formulação e implementação da política

habitacional.

A definição de moradia adequada encontra-se no parágrafo 43 da Agenda, dispondo

ser aquela que “possui privacidade, espaço, acessibilidade física, segurança, incluindo

segurança da posse, durabilidade e estabilidade estrutural, iluminação, ventilação e

aquecimento, infraestrutura básica, suprimento de água, saneamento e tratamento de resíduos,

apropriada qualidade ambiental e de saúde, e adequada localização com relação ao trabalho e

serviços básicos, devendo todos esses componentes terem um custo acessíveis e estarem

disponíveis a todos os seres humanos”. De acordo com o parágrafo 44, do Capitulo IV, o direito

à moradia é reconhecido como um direito humano, desde a adoção da Declaração Universal de

Page 76: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

75

Direitos Humanos de 1948, o direito à moradia tem sido reconhecido como um importante

componente do direito a um nível adequado de vida.

Todos os Governos sem exceção, têm a responsabilidade no setor de habitação de

proteger, assegurar e promover: a expansão do suprimento de moradias; regulamentação e

incentivos ao mercado para construção de casas a preços acessíveis; provisão de subsídios para

locação e outras formas de assistência à moradia para os mais necessitados; apoio a programas

habitacionais para as comunidades de base, cooperativas e associações sem fins lucrativos;

promoção de programas voltados aos sem teto e outros grupos vulneráveis; utilização de

financiamentos e outros recursos públicos e privados de forma inovadora; criação e promoção

de incentivos ao setor privado para investimento no mercado de habitação mais baratas,

voltadas a atender à demanda de moradias tanto no regime de locação como no de propriedade;

desenvolvimento de modelos de ocupação territorial sustentáveis.

O Brasil é signatário de vários tratados e convenções sobre assentamento humano

e meio ambiente, além da Agenda 21 e da Agenda Habitat. Os tratados internacionais integram

o nosso ordenamento jurídico por força do que dispõe o § 2º e o § 3º do art. 5º da Constituição

Federal.

Sendo assim, os princípios do desenvolvimento sustentável, da participação popular

e do direito à moradia integram o nosso ordenamento jurídico, sendo que tal direito foi

recepcionado no art. 6º da Constituição Federal através da emenda constitucional nº. 26/2000,

sendo incorporado ao rol de direitos sociais fundamentais.

Page 77: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

76

CAPÍTULO III MEIO AMBIENTE, EDUCAÇÃO AMBIENTAL E A CONSCIÊNCIA

AMBIENTAL

3 BREVE HISTÓRICO DO DIREITO AMBIENTAL NO BRASIL

A história da proteção ao meio ambiente na legislação brasileira sofre alterações

profundas (WAINER, 1999) ao longo de sua evolução, que refletem as diferentes concepções

e estratégias do Estado (MONOSOWSKI, 1989).

A preocupação social crescente com o meio ambiente, cada vez mais influenciada

por diferentes pontos de vista (ONGs, comunidades atingidas, bancos financiadores

internacionais, Estado, setor produtivo, meios de comunicação) ensejou a criação do arcabouço

legal que se têm hoje.

De forma geral, as normas e políticas de meio ambiente são marcadas pela

abordagem que assumem. Suas classificações ajudam no entendimento da complexidade que

foi tomando o arcabouço legislativo ambiental no Brasil, com a sobreposição e convivência de

abordagens da problemática ambiental.

No início estavam voltadas à saúde pública, de origem no sanitarismo e higienismo

no século passado, assim como à preservação da paisagem, da fauna e da flora e da

administração dos recursos naturais, em especial os florestais.

As primeiras normas ambientais surgem com o Código Civil de 1916, regulando os

conflitos entre particulares e, de forma indireta, a qualidade da água para uso ordinário, de poço

ou de fonte.

Paralelamente, são criadas normas ligadas à saúde pública e saneamento, como o

Regulamento de Saúde Pública, que criou a inspetoria de Higiene Industrial e Profissional e

exigiu o licenciamento de todos os estabelecimentos industriais novos, buscando impedir que

as fábricas e oficinas prejudicassem a saúde dos moradores de sua vizinhança.

No período compreendido entre as décadas de 30 e 50 acontece a industrialização

brasileira baseada na substituição de importações e nas indústrias de base.

O Estado brasileiro centraliza o fornecimento das infraestruturas e matérias primas

e regulamenta a utilização dos recursos ambientais que sustentavam esse processo.

Page 78: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

77

A preocupação está na racionalização do uso e da exploração dos recursos naturais

e na definição das áreas de preservação permanente (MONOSOWSKI, 1989).

No período de 1935 a 1939 são criadas as primeiras Unidades de Conservação

Nacionais, os Parques Nacionais do Itatiaia, da Serra dos Órgãos e do Iguaçu, influenciadas

pela política norte-americana relacionada à necessidade da existência de espaços naturais

institucionalmente protegidos, iniciada com a criação do Yellowstone National Park (1872).

E ainda uma série de códigos e normas específicas: o Código Florestal,

caracterizando as florestas e a vegetação como bens de uso comum a todos, submetendo

limitações ao direito de propriedade e critérios de identificação das áreas de preservação

permanente, de reservas legais e regras para criação de parques e reservas biológicas, para a

exploração florestal e desmatamento; O Código de Águas, definindo os direitos de propriedade

e de uso dos recursos hídricos para abastecimento, irrigação, navegação, usos industriais e

proteção de energia em qualidade e quantidade; o Código de Pesca, declarando de domínio

público todos os animais e vegetais das águas brasileiras fixando princípios e modalidades para

sua exploração e pesca; a regulamentação da caça, e o Decreto no 25/37, que organizou a

proteção do patrimônio histórico e artístico nacional, prevendo a preservação de objetos e

imóveis de interesse público, por seu valor arqueológico, etnográfico, bibliográfico, artístico ou

natural.

Em 1940, é editado o Código de Minas, que tratava das substâncias minerais ou

fósseis encontradas na superfície ou no interior da terra, determinando os princípios para

exploração de jazidas sob fiscalização do Governo Federal, dissociando o direito de propriedade

das terras ao direito de exploração dos recursos seu subsolo.

É criado para aplicação da política de recursos minerais o Departamento Nacional

de Prospecção Mineral – DNPM. Seguiram à legislação os institutos para conhecimento,

avaliação, gestão das potencialidades e ordenamento do uso dos recursos naturais do país.

Para a gestão das águas e a produção de energia elétrica, o Ministério de Minas e

Energia – MME e o Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica – DNAEE.

Responsável pela execução da política florestal e proteção/ conservação dos

recursos naturais, o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal – IBDF, vinculado ao

Ministério da Agricultura.

Para formulação do Plano Nacional de Pesca e fiscalização das atividades

pesqueiras no mar territorial brasileiro, a Superintendência de Desenvolvimento da Pesca –

Page 79: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

78

SUDEPE, no quadro do Ministério da Agricultura em corresponsabilidade com os Ministérios

da Marinha e Aeronáutica.

Para o controle sobre a transmissão e a conservação dos bens tombados o Instituto

do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, atualmente vinculado ao Ministério da

Cultura.

As instituições criadas entre 30 e 50 caracterizam-se por exercer suas atividades de

forma centralizada por todo o território nacional, entretanto, independentemente umas das

outras, com objetivos e estratégias próprias, isoladas, até mesmo conflitantes, que vão se

sobrepor e concorrer pelos recursos geralmente escassos das instituições governamentais, em

especial aquelas ligadas ao meio ambiente (MONOSOWSKI, 1989).

Em meados da década de 60 começam a fervilhar os encontros e estudos

internacionais sobre a temática ambiental.

Em 1968 é realizada a Conferência UNESCO sobre a utilização racional e a

conservação dos recursos da biosfera, onde foram definidas as bases para criação de um

programa internacional dedicado ao homem e à biosfera (MAB) e iniciam-se os trabalhos do

Clube de Roma, criado na Academia de Licei, em Roma, por cientistas de vários países,

movimento que se preocupava com as crescentes pressões demográficas exercidas sobre o

equilíbrio dos ecossistemas, em seus países e no mundo.

Em 1969, a Suécia suscita, durante a XXIII Assembleia Geral da ONU, a

necessidade de uma conferência para debater os problemas ambientais. A gota d`água teria sido

o desastre ecológico na Baía de Minamata, no Japão, com a contaminação de pescadores e

moradores por mercúrio (HERCULANO, 1992).

A posição brasileira refletia sua realidade nos anos do “milagre econômico”. A

partir da década de 70, o movimento ambientalista brasileiro começa a se organizar, em especial

no Sul e Sudeste, muito influenciada pelas convenções e estudos divulgados

internacionalmente, e pela crítica ao plano nacional de desenvolvimento do governo militar

voltado à expansão das fronteiras do desenvolvimento, em especial na Amazônia, onde houve

redistribuição de terras e estímulos à agropecuária, levando um grande contingente à exploração

da madeira e das terras amazônicas de forma destrutiva (MAGALHÃES, 1998).

Seguindo a produção de estudos, no ano de 1971 foi publicado o relatório “The

Limits of Growth” por D. Meadows e alguns cientistas do MIT (Massachusetts Institut of

Tecnology), membros do Clube de Roma.

Page 80: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

79

O estudo concluía que se o crescimento demográfico e econômico continuasse a

longo prazo, inevitáveis efeitos catastróficos iriam ocorrer em meados do próximo século.

Para evitar esse caminho seria necessária uma política mundial de “crescimento

zero” e o desenvolvimento tecnológico para dissolver qualquer limite físico. Para os países

pobres essa previsão os condenava a um contínuo estado de subdesenvolvimento (FRANCO,

2000).

Em 1972, na Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente Humano, em

Estocolmo, foi produzida a “Declaração sobre o Ambiente Humano” em que se destacaram os

problemas da pobreza e o crescimento da população.

O documento afirmou como princípios básicos a conciliação entre desenvolvimento

e proteção ambiental e a salvaguarda dos recursos naturais em benefício das gerações atuais e

futuras, destacando o papel do planejamento racional como instrumento para a consecução de

tais finalidades.

Neste encontro foi criado o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente –

PNUMA, com o objetivo de catalisar as atividades de proteção ambiental dentro do sistema das

Nações Unidas (FRANCO, 2000).

O governo brasileiro resistiu a essa tese, argumentando que a preocupação com a

proteção ao meio ambiente fora criada pelos países ricos para colocar obstáculos à

industrialização do “terceiro mundo” (SACHS, 1986, p. 203 apud MENEZES, 1996, p. 37).

Sua posição condizia com a política econômica externa baseada na atração de

indústrias poluentes e incentivo para migração de populações de alta fecundidade para a

Amazônia (VIOLA E LEIS, 1992, p. 83 apud MENEZES, 1996, p. 37).

Uma resposta diplomática às pressões da opinião pública internacional foi a criação,

em 1973, da Secretaria Especial de Meio Ambiente – SEMA para a execução da política de

meio ambiente nacional (MONOSOWSKI, 1989), colocando o Brasil numa posição favorável

à obtenção de empréstimos e investimentos estrangeiros (MENEZES, 1996).

Não havia uma definição clara de uma política ambiental, e a SEMA, incumbida de

um rol extenso de atribuições, resumia-se a uma secretaria, junto à qual funcionava o Conselho

Consultivo do Meio Ambiente – CCMA, integrado por nove membros nomeados pelo

Presidente da República com indicação do Ministro do Interior. “Gerida por Paulo Nogueira

Neto durante todo o regime militar, a secretaria foi responsável pela criação de umas unidades

Page 81: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

80

de conservação e pela Política Nacional de Meio Ambiente e de Impactos Ambientais”

(ALMANAQUE BRASIL SOCIOAMBIENTAL, 2005, p. 128).

O II PND20 traçou as diretrizes e prioridades sobre a preservação do meio ambiente

destacando três áreas de atuação principais: 1) política para o meio ambiente urbano, para evitar

ações poluidoras em decorrência da instalação de indústrias em locais inapropriados, a fim de

gerir o tráfego urbano e de garantir a infraestrutura mínima de esgotos adequados e áreas de

recreação; 2) política de preservação de recursos naturais do País, com a exploração adequada

dos recursos de valor econômico; e 3) política de defesa e proteção da saúde humana.

O documento assumiu como estratégia o estabelecimento do zoneamento e do

planejamento como instrumentos, criando normas para o controle da poluição e uso e

parcelamento de solo, voltadas principalmente para as áreas críticas, nas regiões

metropolitanas.

A falta de efetividade das políticas e ações na década de 70 é atribuída à

subordinação das questões ambientais à lógica desenvolvimentista, caracterizada pelo

dimensionamento inadequado dos órgãos ambientais diante da gravidade dos problemas

(MENEZES, 1996).

Ao longo da década de 80, crescem as pressões dos bancos internacionais à

regulação e institucionalização da proteção ambiental no Brasil.

Essas instituições, pressionadas pelo movimento ambientalista dos países centrais,

vinculavam o repasse de recursos (mesmo empréstimos) para grandes obras, ao cumprimento

de regulamentos internacionais de proteção ambiental.

A presença constante das pressões das entidades internacionais de fomento sugere

que o fortalecimento das instituições e normas ambientais no Brasil se dá sob pressão de

interesses externos, de interesses ligados ao capital financeiro internacional, pressionados por

grupos ecológicos de países centrais (da Alemanha Ocidental, Itália, Estados Unidos, Holanda,

Inglaterra, Suécia, Espanha, Suíça, Dinamarca, Bélgica e Áustria), preocupados as implicações

“ecocidas e antissociais” das políticas do FMI e do BIRD, financiando "megaprojetos

ecologicamente defeituosos", que atingiam as florestas tropicais, em especial a Amazônica.

A devastação amazônica havia ganho destaque pela atuação do seringueiro e

ativista acreano, Chico Mendes. A visita ao Brasil da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente

e Desenvolvimento em 1985 deixa clara essa posição internacional.

Page 82: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

81

Em 1981, foi aprovada a Política Nacional de Meio Ambiente, em que existe uma

preocupação com a regulação e gestão integrada dos recursos ambientais.

Foi instituído o Sistema Nacional de Meio Ambiente –SISNAMA, que integrou a

gestão ambiental nas três esferas de governo (federal, estadual e municipal), de forma articulada

e descentralizada, pelo menos teoricamente.

Assim como foram instituídos os instrumentos para consecução da política: I – o

estabelecimento de padrões de qualidade ambiental; II – o zoneamento ambiental; III – a

avaliação de impactos ambientais; IV – licenciamento de atividades efetiva ou potencialmente

poluidoras; V – incentivos à produção e instalação de equipamentos tecnológicos voltados à

melhoria da qualidade ambiental; VI – criação de espaços especialmente protegidos; VII –

criação de um sistema de informações sobre meio ambiente; VIII – Cadastro das atividades e

instrumentos de defesa ambiental; IX – penalidades disciplinares ou compensatórias.

O apelo à criação de um Ministério do Meio Ambiente era justificado pelo

Ministério da Justiça para o recebimento de recursos externos, entretanto a criação do

Ministério só veio a acontecer em 1992 e até então a SEMA passou por diversos ministérios,

sob diversas organizações, que não proporcionaram, entretanto, a estrutura necessária para a

consecução de suas atribuições.

Em 1982 são divulgados os relatórios do Worldwatch Institute e o Brundtland,

intitulado “Nosso futuro comum”. Segundo o último, as causas da deterioração ambiental

decorriam de três campos: do uso de tecnologias poluidoras; do aumento demográfico e da

intensificação e expansão da miséria (HERCULANO, 1992).

As soluções propostas estariam na reorientação tecnológica e institucionalização de

meios de fiscalização internacionais; no controle populacional no Terceiro Mundo e nas

políticas de ajustes e de ajuda financeira dos países ricos aos pobres.

O principal objetivo do relatório era a adequação e integração do desenvolvimento

econômico às questões ambientais, em busca do que denominou “desenvolvimento

sustentável”.

O novo conceito foi definido como “aquele que atende às necessidades dos

presentes sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras satisfazerem suas próprias

necessidades”.

Page 83: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

82

O relatório admitiu de forma clara que “a solução dos problemas ambientais poderia

ser conseguida através de medidas tecnológicas, financeiras e institucionais, sem questionar o

modelo vigente de crescimento econômico” (FRANCO, 2000, p. 160).

Num contexto de forte pressão internacional e de crescimento do movimento

ambientalista brasileiro, é aprovado o capítulo de meio ambiente na Constituição Federal de

1988.

E, por fim, é criado o órgão que reuniria quatro agências federais com atuação na

área ambiental, unificando sua gestão: o IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos

Recursos Naturais Renováveis, sob o comando do jornalista Fernando César Mesquita, que

tinha muito respaldo político do Presidente da República (BURSZTYN, 2002, p. 87).

3.1 DEFINIÇÃO LEGAL DE MEIO AMBIENTE

A Constituição brasileira de 1988 recepcionou os termos da lei de Política Nacional

do Meio Ambiente (Lei 6.938/81), que já conceituava meio ambiente em seu art. 3º, I: Art. 3º

Para fins previstos nesta Lei, entende-se por: I Meio ambiente, o conjunto de condições, leis,

influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida

em todas as suas formas.

Segundo Salge Jr. (2003, p. 9), essa definição é a mesma defendida por Luís Paulo

Sirvinskas, “[...] que também busca no conceito legal a base do estudo, a manifestar que a

expressão meio ambiente já está consagrada na doutrina, na jurisprudência e na própria

consciência da população”.

Salge Jr. (2003, p. 73) afirma, porém, que são vários e multiformes os aspectos a

serem levados em conta na expressão meio ambiente, “[...] muitas vezes com grande riqueza de

detalhes como: natureza jurídica, requisitos, características e outras notícias igualmente

imprescindíveis”.

Sem sombra de dúvida, os elementos que compõem a nossa organização social

pressupõem a constituição de um domínio transdisciplinar de conhecimento, visto que a

compreensão de meio ambiente exige que se ultrapasse a noção, mais amplamente difundida,

de ecologia.

Page 84: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

83

Com efeito, “se o conceito não absorver toda a significação do objeto, nem

incorporar a necessidade de transdisciplinaridade, todo o sistema provido dele incorrerá em

parcialidade, tornando-se limitado, eis que não contempla o todo” (SALGE JR., 2003, p.73).

Celso Antônio Pacheco Fiorillo e outros doutrinadores, como Paulo Affonso Leme

Machado, chamam a atenção para o fato de o termo meio ambiente ser redundante, pleonástico,

“[...] em razão de ambiente já trazer em seu conteúdo a idéia de ‘âmbito que circunda’, sendo

desnecessária a complementação pela palavra meio” (FIORILLO, 2004, p. 19).

Silva (1994, p. 3), a seu turno, conceitua meio ambiente como a “[...] interação do

conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento

equilibrado da vida humana”.

Já Antunes, adotando uma noção mais holística, que visa à natureza como um todo,

propõe o seguinte entendimento:

A natureza é originada do latim Natura, de nato, nascido. Dos principais significados apontados nos diversos dicionários escolhi como os mais importantes aqueles que definem a natureza como conjunto de todos os seres que formam o universo e essência e condição própria de um ser. Assim sendo, não é difícil dizer-se que a natureza é uma totalidade. Nessa totalidade, evidentemente, o ser humano está incluído. (ANTUNES, 2000, p. 4)

O Advogado e ambientalista Milaré (2000, p. 53) vê o meio ambiente como a “[...]

interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o

desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas”.

Machado, citando Salge Jr., volta a referir-se ao termo, considerando a sua origem

latina e a sua ocorrência em algumas línguas modernas:

Origem latina – ambiens, entis, que rodeia. Entre os significados encontramos “meio em que vivemos”. A expressão “ambiente” é encontrada em italiano: “ambiente che va intorno, che circonda”, em francês “ambiant: Qui entoure” ou “environnement: ce Qui entoure; ensemble dês éléments naturels et artifiels où se deroule da vie humaine”. Em inglês “environment: something that surrounds; the combination of external or extrinsic physical conditions that affect and influence the growth and development of organisms” (MACHADO, 2010, p. 58).

Concordamos com Salge Jr. quando ele diz que todos os conceitos trazidos à baila,

mesmo que inesgotáveis, são alguns dos mais importantes da doutrina jurídica, pois o seu

conjunto “[...] nos serve de reflexão a respeito da amplitude do assunto [...], até porque o direito

Page 85: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

84

ambiental regula a vida em todas as formas, indiscutivelmente o bem mais importante tutelado

pelo direito” (SALGE JR., 2003, p. 75).

Conforme veremos mais adiante neste trabalho, não podemos olvidar também o

fato de que o meio ambiente vem sendo entendido pela ciência do direito como um bem jurídico

e que a sua natureza jurídica é estruturada na doutrina como uma relação que diz respeito aos

interesses difusos.

Explica-se esse entendimento quando se faz referência ao meio ambiente como um

“bem de uso comum do povo” (art. 225 da CF), de forma que:

[...] ninguém, no plano constitucional, pode estabelecer relação jurídica com o bem ambiental que venha implicar a possibilidade do exercício de outras prerrogativas individuais ou mesmo coletivas (como as de gozar, dispor, fruir, destruir, fazer com o bem ambiental, de forma absolutamente livre, tudo aquilo que for da vontade, do desejo da pessoa humana, no plano individual ou metaindividual), além do direito de usar o bem ambiental (FIORILLO, 2004, p. 57).

Segundo Fiorillo (2004, p. 57), “[...] a Constituição da República não autoriza fazer

com o bem ambiental, de forma ampla, geral e irrestrita, aquilo que permite fazer com os outros

bens em face do direito de propriedade”.

Tal posicionamento supera as noções tradicionais de interesses individuais e mesmo

coletivos, e nos permite deduzir, do conceito jurídico de meio ambiente, a perspectiva de um

bem de massa, que rompe com a ideia de apropriação individual e instaura a necessidade de

limitação das condutas individuais que tendam ao dano ambiental. A nota essencial é a

qualidade de difuso, ou seja, daquilo que é adéspota.

Acontece, porém, que o processo de sensibilização para determinar que é um bem

jurídico está estritamente relacionado à dogmática jurídica constituída pela comunidade de

juristas e operadores do direito. É essa dogmática que estabelece o paradigma a partir do qual

se concebe o objeto (bem) e se define que bens são jurídicos.

Como vimos, a definição jurídica de meio ambiente é ampla e indeterminada e,

segundo Fiorillo, o legislador constituinte optou, no art. 225, por distinguir dois objetos da

tutela ambiental: “um imediato, que é a qualidade do meio ambiente, e outro mediato, que é a

saúde, o bem-estar e a segurança da população, que vêm sintetizando na expressão da qualidade

de vida” (SILVA, 1994, p. 54).

Page 86: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

85

Silva (1994), empregando as acepções italianas da palavra ambiente, lhe assinala

três noções: I – a de ambiente enquanto paisagem, incluindo tanto as belezas naturais como os

centros históricos, parques e florestas; II – a de ambiente como objeto de movimento normativo

ou de idéias sobre defesa do solo, do ar e da água; III – a de ambiente como objeto da disciplina

urbanística. Essas noções de ambiente permitem sua definição pelo autor como “a interação do

conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento

equilibrado da vida em todas as suas formas” e distinção entre os seus três aspectos: I – meio

ambiente artificial, constituído pelo espaço urbano construído (...) II – meio ambiente cultural,

integrado pelo patrimônio histórico, artístico, arqueológico, paisagístico, turístico, que, embora

artificial, em regra, como obra do Homem, difere do anterior (que também é cultural) pelo valor

especial que adquiriu ou de que se impregnou; III – meio ambiente natural ou físico, constituído

pelo solo, a água, o ar atmosférico, a flora; enfim, pela interação dos seres vivos e seu meio,

onde se dá a correlação recíproca entre as espécies e as relações destas com o ambiente físico

que ocupam.

3.1.1 Meio ambiente na Constituição Federal de 1988

Os fundamentos dorsais do Direito Ambiental encontram-se expressamente

apresentados em um crescente número de Constituições modernas.

Conforme Benjamin (2007), somente por mediação do texto constitucional é

possível visualizar um novo paradigma ético jurídico, que é também político econômico,

marcado pelo permanente exercício de fuga da clássica compreensão, exclusivista,

individualista e fragmentária da biosfera.

O autor assevera que a Constituição do Brasil, mas também de muitos outros países,

repreendeu e retificou o velho paradigma civilístico, substituindo-o por outro mais sensível à

saúde das pessoas (compreendidas coletivamente), às expectativas das futuras gerações, à

manutenção das funções ecológicas, aos efeitos negativos a longo prazo da exploração

predatória dos recursos naturais, bem como aos benefícios tangíveis e intangíveis do seu uso

limitado (e até não uso).

Nessa via, essas novas ordens constitucionais, afastando-se das estruturas

normativas do passado recente, não ignoram ou desprezam a natureza, nem são a ela hostis.

Muito ao contrário, na Constituição, inicia-se a jornada que permite propor, defender e edificar

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86

uma nova ordem pública centrada na valorização da responsabilidade de todos para com as

verdadeiras bases da vida (BENJAMIN, 2007).

No que tange à constitucionalização do meio ambiente, Benjamin (2007) afirma

serem múltiplas as vantagens. O autor revela que a partir de um exame da experiência

estrangeira observa-se que a norma constitucional comumente: estabelece uma obrigação geral

de não degradar; fundamentaliza direitos e obrigações ambientais; ecologiza o direito de

propriedade; legitima a intervenção estatal em favor da Natureza; reduz a discricionariedade

administrativa no processo decisório ambiental; amplia a participação pública; atribui

preeminência e proeminência à tutela da Natureza; robustece a segurança normativa; substitui

a ordem pública ambiental legalizada pela constitucionalização; reforça a interpretação pró-

ambiente e, por fim, enseja o controle da constitucionalidade da lei sob bases ambientais.

A Constituição Federal de 1988, primeira a tratar deliberadamente da questão

ambiental, no Título VIII (Da Ordem Social), em seu Capítulo VII, no art. 225, caput, dispõe

que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do

povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o

dever de defende-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

Ela concebeu o meio ambiente ecologicamente equilibrado como requisito

essencial à sadia qualidade de vida, incluindo todas as formas de vida como beneficiárias da

manutenção do equilíbrio ambiental, um dever atribuído conjuntamente ao Poder Público e à

coletividade (BRASIL, 1988, art. 225, caput).

Com efeito, equilíbrio ecológico pode ser entendido como o estado de equilíbrio

entre os diversos fatores integrantes de um ecossistema ou habitat, suas cadeias tróficas,

vegetação, clima, microorganismos, solo, ar, água, os quais podem ser desestabilizados pela

ação humana, seja por poluição ambiental, seja por eliminação ou introdução de espécies

animais e vegetais.

Contudo, o equilíbrio ecológico não significa uma permanente inalterabilidade das

condições naturais, mas sim a harmonia ou a proporção e a sanidade entre os vários elementos

que compõem a ecologia (populações, comunidades, ecossistemas e a biosfera), objetivo que

deve constantemente ser almejado pelo Poder Público e pela coletividade (MACHADO, 2010).

Ademais, a noção de equilíbrio ecológico diz respeito ao entendimento de que entre

os organismos vivos e o meio ambiente desenvolvem-se várias ações simultâneas e recíprocas

cuja natureza é essencialmente ativa.

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87

Nessa perspectiva, Benjamin (2007) assevera que tal qualidade não teve como

intenção por parte do constituinte de fossilizar o meio ambiente e estancar suas permanentes e

comuns transformações, mas apenas estabelecer um estado de equilíbrio no qual forças díspares

e conflitantes se processam com espontaneidade e dinamismo.

Essa qualidade constitucionalmente atribuída, ainda, deve ser entendida no contexto

do meio ambiente em sua concepção integrativa, na qual se encontra estabelecido o mínimo

essencial ecológico necessário à sadia qualidade de vida (LEITE e FERREIRA, 2011).

Nessa via, a proteção ambiental requer para sua efetividade um direito ambiental

integrativo, que, no caso brasileiro, deve ter como referência primária o artigo 225 da

Constituição Federal de 1988. A fragmentação do direito implica uma fragmentação do próprio

meio ambiente.

Perdendo-se a noção de integralidade da norma jus ambiental, perde-se

automaticamente a noção do meio ambiente como bem integrado.

Por conseguinte, ao não se adotar abordagens jurídicas abrangentes e

multitemáticas, o princípio da proibição do retrocesso ecológico fica ameaçado. Por fim, a perda

de uma noção integrada e integrativa faz com que o meio ambiente volte a ser considerado a

partir de seus elementos constitutivos.

Dessa forma, esvaziasse a visão sistêmica que origina um todo considerado maior

do que a simples soma de suas partes, possibilitando um recuo ao reducionismo e ao

antropocentrismo tradicional (LEITE e FERREIRA, 2011).

Ademais, a Constituição, em seu art. 225, conferiu uma nova dimensão ao conceito

de meio ambiente como bem de uso comum do povo ao inserir a função social e a função

ambiental da propriedade (arts. 5º, XXIII, e 170, III e VI) como bases da gestão do meio

ambiente, rompendo a distinção de propriedade privada e pública.

Nesse contexto, o Poder Público adquire novo papel, passa de proprietário de bens

ambientais para gestor ou gerente, no sentido daquele que administra bens que não são dele e,

por isso, deve explicar convincentemente sua gestão.

Assim, essa concepção jurídica conduz o Poder Público a melhor informar, a alargar

a participação da sociedade civil na gestão dos bens ambientais e a ter que prestar contas sobre

a utilização dos bens "de uso comum do povo", concretizando um "Estado Democrático e

Ecológico de Direito" (MACHADO, 2010).

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88

Além de ter afirmado o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, a

Constituição faz um vínculo desse direito com a qualidade de vida. O direito à vida foi sempre

assegurado como direito fundamental nas Constituições Brasileiras. Contudo na Constituição

de 1988 observasse um avanço: resguardasse a dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III)

e é feita a introdução do direito à sadia qualidade de vida.

Eles precisam de normas e de políticas públicas para serem dimensionados

completamente, mas os seus alicerces estão constitucionalmente expressos a fim de garantir a

construção de uma sociedade política ecologicamente democrática e de direito.

O constituinte previu, assim, o direito ao meio ambiente como bem essencial à sadia

qualidade de vida, a qual só pode ser conseguida e mantida se o meio ambiente estiver

ecologicamente equilibrado, não poluído. Assim, a qualidade de vida é um elemento finalista

do Poder Público, onde se unem a felicidade do indivíduo e o bem comum (MACHADO, 2010).

O texto constitucional emprega, ainda, figuras genéricas " Poder Público" e

"coletividade" como as responsáveis por preservar e defender o meio ambiente. Machado

(2010) esclarece que "Poder Público" não significa só o Poder Executivo, mas abrange o Poder

Legislativo e o Poder Judiciário, ou seja, os três "Poderes da União" (BRASIL, 1988, art. 2º),

agindo com independência e harmonia recíproca (BULOS, 2011).

A utilização do termo "coletividade" caracteriza um chamamento à ação dos grupos

sociais em prol do meio ambiente. O termo abrange a "sociedade civil" (expressão acolhida na

Constituição art. 58, II), não integrando formalmente o Poder Público, compreendendo as

organizações não governamentais (ONGs), constituídas em associações e fundações, e as

organizações da sociedade civil de interesse público. A ação da coletividade, diferentemente da

do Poder Público, em geral é facultativa.

Cumpre destacar, ainda, que não é papel isolado do Estado cuidar sozinho do meio

ambiente, pois essa tarefa não pode ser eficientemente executada sem a cooperação do corpo

social.

O Poder Público e a coletividade, nessa via, deverão defender e preservar o meio

ambiente desejado pela Constituição, e não qualquer meio ambiente, isto é, aquele

ecologicamente equilibrado. Portanto, descumprem a Constituição tanto o Poder Público como

a coletividade quando permitem ou possibilitam o desequilíbrio (MACHADO, 2010).

O constituinte tratou, também, de proteger as atuais e as futuras gerações,

estabelecendo entre elas um compromisso de solidariedade intergeracional que se refere tanto

Page 90: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

89

à relação dos seres humanos com a sua própria espécie quanto à relação dos seres humanos com

o sistema natural do qual fazem parte (WEISS, 1990). Com efeito, a Constituição acolheu a

proteção do meio ambiente, reconhecendo-o como bem jurídico autônomo e recepcionando-o

na forma de sistema, e não como um conjunto fragmentário de elementos (BENJAMIN, 2007).

Nessa via, o art. 225 consagra a ética da solidariedade entre as gerações, isto é, às

gerações presentes cumpre, a fim de garantir a continuidade da vida no planeta, o dever de usar

o meio ambiente sem fabricar a escassez e a debilidade para as gerações vindouras.

Observa-se, assim, um novo tipo de responsabilidade jurídica: a responsabilidade

ambiental entre gerações. A continuidade na boa gestão do meio ambiente traduz o

"desenvolvimento sustentado", que encontra sua mais ampla elaboração no art. 170 da CF,

ainda que tenha seu fundamento art. 225. Nesse contexto, o princípio da responsabilidade

ambiental entre gerações remete a um modelo de economia que conserva o recurso sem esgotá-

lo (MACHADO, 2010).

Nessa via, o art. 225 representa o reconhecimento do meio ambiente como um bem

jurídico autônomo, sobressaindo o caráter difuso do direito que dele emana. Com efeito, o

direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado configura-se como difuso, pois ele não se

funda num vínculo jurídico determinado, específico, mas em dados genéricos, contingentes,

acidentais e modificáveis, bem como não instrumentaliza um direito subjetivo típico, divisível,

particularizável, que alguém possa usufruir individualmente (BULOS, 2011).

Ademais, o meio ambiente caracteriza-se como bem coletivo de desfrute

simultaneamente individual e geral. Com efeito, o direito ao meio ambiente é de cada pessoa,

mas não somente dela, sendo ao mesmo tempo transindividual (MACHADO, 2010).

Nesse sentido, Moraes (2012) assevera que todas as condutas do poder público

estatal devem ser direcionadas no sentido de integral proteção legislativa interna e adesão aos

pactos internacionais protetivos desse direito humano fundamental de terceira geração,

almejando evitar prejuízo da coletividade em face de uma afetação do recurso natural a uma

finalidade individual.

O Direito Constitucional brasileiro criou, assim, uma nova categoria de bem: o bem

ambiental, de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida. Nenhum ser humano,

nessa via, tem o direito de causar danos ao meio ambiente, pois estaria agredindo a um bem de

todos, causando, portanto, danos não só a si próprio, mas aos seus semelhantes.

Page 91: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

90

A proteção do meio ambiente, com efeito, é um direito fundamental de terceira

geração, direitos de solidariedade e fraternidade que tem como titular não um indivíduo nem

determinado grupo, mas sim o gênero humano, por isso também classificado de direito humano.

Com efeito, a proteção do meio ambiente tem o seu núcleo no artigo 225 da

Constituição Federal. Contudo, sua compreensão, será deficiente se não se levar em conta

outros dispositivos que a ela se referem explícita ou implicitamente.

Ainda, cumpre destacar que o direito fundamental ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado, instituído no caput do artigo 225 da CF/88 constitui cláusula

pétrea, em face da sua importância para a própria vida (BRASIL, 1988, art. 60, § 4º, inciso IV).

Nessa via, encontrasse inserido no rol de matérias que limita o poder de reforma

constitucional (LEITE e FERREIRA, 2011). Benjamin (2007) afirma que o constituinte, ao

reconhecer a proteção ambiental como cláusula pétrea, conferiu-lhe um “valioso atributo de

durabilidade”, extremamente funcional na medida em que se opõe a possíveis

desregulamentações ou alterações propensas a atender interesses específicos e momentâneos.

No que tange ao conceito de meio ambiente, o constituinte não apresentou os seus

elementos constitutivos. Há uma grande discussão em torno da redundância do termo meio

ambiente. O silêncio do constituinte, conforme Leite e Ferreira (2011), indica que a constituição

recepcionou a conotação apresentada pela Lei n. 6.938/81, concebendo o meio ambiente como

um conjunto de condições e de fatores essenciais ao desenvolvimento equilibrado da vida em

todas as suas formas (BRASIL, 1981, art. 3o, inciso I).

Os autores asseveram, assim, que essa concepção integrada caracteriza uma parte

indissociável do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, instituído

no caput do artigo 225 da Constituição Federal de 1988. Ainda, essa noção globalizante também

permeia o dever atribuído ao Poder Público e à coletividade de defender e preservar o meio

ambiente para as gerações atuais e futuras, assim como aqueles atribuídos especificamente ao

Poder Público visando assegurar a efetividade do direito em questão.

Portanto, o constituinte tomou uma concepção integrada do meio ambiente,

essencial para que o homem se perceba como parte do planeta em que vive e do qual depende

a sua própria existência (LEITE e FERREIRA, 2011).

Nessa via, Machado (2010) afirma que o caput do art. 225 é antropocêntrico na

medida em que caracteriza um direito fundamental da pessoa humana, como forma de preservar

a vida das pessoas (núcleo essencial dos direitos fundamentais).

Page 92: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

91

Contudo, nos parágrafos do art. 225 equilibra-se o antropocentrismo com o

biocentrismo, expressando a preocupação do constituinte em harmonizar e integrar seres

humanos e biota.

Assim, o constituinte dispôs, no art. 225, § 1º, que para assegurar a efetividade do

direito previsto no caput, incumbe ao Poder Público: preservar e restaurar os processos

ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; preservar a

diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas

à pesquisa e manipulação de material genético; definir, em todas as unidades da Federação,

espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e

a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a

integridade dos atributos que justifiquem sua proteção; exigir, na forma da lei, para instalação

de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente,

estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; controlar a produção, a

comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a

vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; promover a educação ambiental em todos os níveis

de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente; proteger a fauna e

a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica,

provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade. Nesse contexto, ao

poder público incumbe o dever de preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e

prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas (BRASIL, 1988, art. 225, § 1º, inciso

I).

3.2 O DIREITO FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE

EQUILIBRADO

O direito ao meio ambiente equilibrado, expresso no caput do artigo 225, cumpre

esses requisitos sendo apresentado como “essencial à qualidade de vida”, que insere o direito a

desfrutar condições de vida digna em um ambiente saudável entre o rol dos direitos

fundamentais da pessoa humana, individuais e coletivos, relacionados no artigo 5º da

Constituição.

Page 93: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

92

Dallari (1995, p.174), afirma que os direitos fundamentais são aqueles que “nascem

com o homem e cujo respeito se impõe, por motivos que estão acima da vontade de qualquer

governante”.

E a própria CF/88 estabelece mecanismos a fim de garantir a eficácia das normas e

dos princípios relativos ao meio ambiente. Esse direito contém, claramente, um componente

filosófico, na medida em que, por um lado o bem jurídico a ser protegido pode ser mensurado

em termos econômicos (os recursos naturais), mas por outro, inclui aspectos da condição

humana, como a saúde física e psíquica, valores culturais e estéticos, ou seja, todos os infinitos

substratos da qualidade de vida referida no art. 225.

Esse direito, assim, tem dupla função, de estabelecer a preponderância do interesse

coletivo sobre o individual, assim como afirmar um novo conceito de relacionamento do

homem com a natureza. E esse direito fundamental ao meio ambiente tem também dupla

natureza.

Canotilho (1998, p. 28), analisando o caput do artigo 225 da CF/88 (e classificando

o que nele está disposto como direito fundamental), assim se pronunciou:

Se do ponto anterior saiu reforçada a idéia da existência de um novo valor que reveste cada vez maior importância para a comunidade jurídica organizada – valor esse que, pelo menos neste sentido, é sobretudo compreendido na sua dimensão pública ou coletiva – importa, em todo caso ainda mostrar que essa sua natureza não prejudica (mas, pelo contrário, reforça) a circunstância de o ambiente ser também assumido como um direito subjetivo de todo e qualquer cidadão individualmente considerado. Isto é claro se compreendermos que o ambiente, apesar de um bem social unitário, é dotado de uma indiscutível dimensão pessoal.

Ou seja, por um lado, a CF/88 classificou o direito ao meio ambiente como direito

subjetivo de cada cidadão (como componente da sua própria dignidade); e, de outro, como

elemento fundamental de ordem objetiva da comunidade, protegido como instituição (embora

vinculado ao interesse humano, numa perspectiva antropocentrista alargada).

Sendo um direito social fundamental da coletividade, e igualmente um direito

subjetivo de cada cidadão, o Constituinte conferiu-lhe status de cláusula pétrea, não podendo

ser alvo de alteração posterior, nos termos do artigo 60, §4º, IV, da Constituição.

Page 94: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

93

3.3 A IMPORTÂNCIA DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL

Nesse amplo cenário em que nos movemos, a cada ano que passa, crescem as

Organizações Não Governamentais, sem fins lucrativos (ONGs), e o interesse pela preservação

e conservação ambiental.

Uma parcela da sociedade vem demonstrando ter consciência de que o modelo de

desenvolvimento atual, desigual, excludente e esgotante dos recursos naturais está levando à

produção de níveis alarmantes de poluição do solo, ar e água, destruição da biodiversidade e ao

rápido esgotamento das reservas minerais e demais recursos não renováveis, em praticamente

todas as regiões do planeta.

Também há evidências de que conservar, preservar e recuperar o ambiente não pode

e não deve ser responsabilidade exclusiva do Poder Público, já que leis, normas, regulamentos

e fiscalização por parte do Estado não têm sido suficientes para deter o avanço de degradação

ambiental em curso.

Segundo Santos (2008), o momento atual marca a era onde o ser humano é quem

fabrica a natureza ou ainda quem lhe atribui valor e sentido através de suas ações.

É impossível resolver os crescentes e complexos problemas ambientais e reverter

suas causas sem que ocorra uma mudança radical nos sistemas de conhecimento, dos valores e

dos comportamentos gerados pela dinâmica de racionalidade existente, fundada no aspecto

econômico do desenvolvimento (LEFF, 2001).

As possíveis respostas para as questões que envolvem desenvolvimento e

conservação – desenvolvimento sustentável tem como base a participação da sociedade em

ações individuais e coletivas.

Participação implica envolver, ativa e democraticamente, a população local em todas as fases do processo, da discussão do problema, do diagnóstico da situação local, na identificação de possíveis soluções, até a implementação das alternativas e avaliação dos resultados. (MARCATTO, 2002, p. 12).

Nesse contexto, desponta-se a Educação Ambiental como uma das ferramentas que

possibilita sensibilizar a população em geral acerca dos problemas ambientais. Esta facilita o

processo de tomada de consciência sobre a gravidade dos impactos ambientais e a necessidade

urgente de ações de gestão sustentável do patrimônio natural. Entre as várias definições de

Page 95: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

94

Educação Ambiental, a Agenda 21, em seu capítulo 36 (ONU, 1992), define como um processo

que visa a:

[...] desenvolver uma população que seja consciente e preocupada com o ambiente e com os problemas que lhes são associados. Uma população que tenha conhecimentos, habilidades, atitudes, motivações e compromissos para trabalhar, individual e coletivamente, na busca de soluções para os problemas existentes e para a prevenção dos novos [...].

Conforme Reigota (1995), a Educação Ambiental é um processo baseado no

coletivo, na busca do diálogo para se chegar ao objetivo desejado, com alternativas ambientais

que contemplem a maioria da pessoas de forma a integrá-las no seu ambiente.

A Educação Ambiental é um processo de formação dinâmico, permanente e

participativo, que permite que as pessoas envolvidas sejam agentes transformadores,

participando ativamente da busca de alternativas para a redução de impactos ambientais,

sugestão de manejo e para o controle social do uso dos recursos naturais.

De acordo com a Conferência de Tbilisi, ocorrida em 1977, a Educação Ambiental

tem como principais características ser um processo: integrativo, transformador, participativo,

abrangente, globalizador, permanente e contextualizador. (DAVIDOFF, 2001)

É definida como uma práxis educativa e social que tem por finalidade a construção

de valores, conceitos, habilidades e atitudes que possibilitem o entendimento da realidade de

vida e a atuação lúcida e responsável de atores sociais individuais e coletivos no ambiente.

Assim, Loureiro (2002) afirma que para a real transformação do panorama de crise

atual, a Educação Ambiental é a ferramenta estratégica na formação de ampla consciência

crítica das relações sociais e de produção que situam a inserção humana na natureza.

Para essa tomada de consciência, Freire (1983) salienta a necessidade do

movimento dialógico entre o desvelamento crítico da realidade e a ação social transformadora,

baseado no princípio de que os seres humanos se educam reciprocamente e são mediados pelo

mundo.

Segundo Reigota (1995), para que possamos realizar a Educação Ambiental, é

necessário, primeiramente, conhecermos as concepções de ambiente das pessoas envolvidas na

atividade.

Page 96: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

95

O autor categorizou o termo em três visões distintas: naturalista, globalizante e

antropocêntrica. Na Naturalista, o ambiente é visto como sinônimo de natureza intocada,

evidenciam-se somente os aspectos naturais; na Globalizante, o ambiente é resultado das

relações recíprocas entre natureza e sociedade; e, na Antropocêntrica, evidencia-se a utilidade

dos recursos naturais para a sobrevivência do ser humano. Cabe ainda ressaltar que, no Brasil,

existe a Política Nacional de Educação Ambiental.

A Lei Federal nº 9.795, sancionada em 27 de abril de 1999, institui a Política

Nacional de Educação Ambiental. Nela são definidos os princípios relativos à Educação

Ambiental que deverão ser seguidos em todo o País. Essa Lei foi regulamentada em 25 de junho

de 2002, através do Decreto nº 4.281.

A lei estabelece que todos têm direito à Educação Ambiental, como um

“componente essencial e permanente da educação nacional, devendo estar presente em todos

os níveis e modalidades do processo educativo, em caráter formal e não formal” (LEI Nº 9.795,

DE 27 DE ABRIL DE 1999, 2014).

A Educação Ambiental deverá estar presente em todos os níveis de ensino, como

tema transversal, sem constituir disciplina específica, como uma prática educativa integrada,

envolvendo todos os professores. A dimensão ambiental deve ser incluída em todos os

currículos de formação dos professores.

De acordo com a lei que institui a Política Nacional de Educação Ambiental, fazem

parte dos princípios básicos da Educação Ambiental: o enfoque holístico, democrático e

participativo; a concepção do ambiente em sua totalidade, considerando a interdependência

entre o meio natural, socioeconômico e o cultural, sob o enfoque da sustentabilidade; o

pluralismo de ideias e concepções pedagógicas; a permanente avaliação crítica do processo

educativo; a abordagem articulada das questões ambientais locais, regionais, nacionais e

globais; a vinculação entre a ética, educação, trabalho e as práticas sociais (LEI Nº 9.795, DE

27 DE ABRIL DE 1999, 2014).

A melhor maneira de tratar as questões ambientais é assegurar a participação, no

nível apropriado, de toda a sociedade. E, para que haja tal participação, é necessário o acesso à

informação ambiental. O acesso à informação está assegurado no art. 5º, inc. XIV, da

Constituição Federal.

No âmbito ambiental, a Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81)

estabelece, no art. 4º, inc. V, como um de seus objetivos a divulgação de dados e informações

Page 97: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

96

ambientais e, além disso, fixa como um dos instrumentos, previsto no art. 9º, inc. XI, a garantia

da prestação de informações relativas ao ambiente, ficando o Poder Público obrigado a produzir

tais informações, quando inexistentes.

A Declaração do Rio de Janeiro de 1992 sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento

(ECO92) também consagra o princípio da informação ambiental (Princípio 10 da Declaração).

O direito à informação ambiental é decorrente do direito fundamental da pessoa

humana de viver em ambiente ecologicamente equilibrado. Assegurando-se o direito à

informação, permite-se a conscientização dos indivíduos para a participação ambiental

(ARAÚJO, 2014).

O objetivo maior da informação ambiental é permitir que a sociedade participe

ativamente das questões atinentes ao ambiente. Por essa razão, é que os juristas têm se

debruçado sobre o direito à informação ambiental, como pressuposto básico do direito de

participação ambiental.

3.3.1 Relação entre Percepção Ambiental, Topofilia e Topofobia

Conforme já abordado, a Educação Ambiental é um processo que busca

principalmente o diálogo, propondo alternativas ambientais que integre o ser humano ao seu

ambiente.

A educação é um dos principais instrumentos capazes de despertar novas reflexões

e comportamentos em relação ao ambiente, uma vez que somente no momento em que o

indivíduo reflete sobre o seu lugar na paisagem percebida é que se torna possível a avaliação e

a mudança de suas ações (MARIN, 2003).

É preciso levar as pessoas a refletirem sobre suas ações e atitudes, sendo capazes

de analisar o seu espaço enquanto lugar de vivência. A Educação Ambiental deve ser entendida

como um processo onde atitudes e habilidades são desenvolvidas visando à atuação crítica e

participativa perante a conservação das áreas naturais

A percepção ambiental forma-se ao longo do processo de desenvolvimento do ser

humano e é influenciada por diversos fatores, sendo dinâmica e complexa. “As percepções

ambientais não são estáticas e o olhar reflexivo para o ambiente permite uma visão holística

capaz de induzir mudanças comportamentais” (MARIN, 2003, p. 284).

Page 98: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

97

É possível uma mudança de conduta, uma melhor relação do ser humano com o

ambiente através da Educação Ambiental. A percepção do ser humano em relação ao ambiente

pode ser um importante indicador de qualidade ambiental que pode favorecer um uso mais

sustentável dos recursos ambientais (CASTELLO, 2001).

Estudos que investigam a percepção das comunidades que interagem com o

ambiente têm como objetivos: aumentar em todos os domínios a compreensão das bases das

diferentes percepções do ambiente; auxiliar na preservação das percepções e os sistemas de

conhecimento do ambiente, que estão em via de desaparecimento rápido; encorajar a

participação da comunidade no desenvolvimento e planejamento; contribuir para uma

utilização mais racional dos recursos da biosfera; agir enquanto instrumento educativo.

(WHYTE, 1978).

Tuan (1980, p. 4) define percepção como “Tanto a resposta aos estímulos externos,

como a atividade proposital, na qual certos fenômenos são claramente registrados, enquanto

outros retrocedem para a sombra ou são bloqueados”. Para Davidoff (2001, p. 141) “A

percepção é o processo de organização e interpretação dos dados sensoriais (sensações) para

desenvolver a consciência do ambiente e de nós mesmos”.

Segundo o autor, a relação estabelecida entre percepção e atitude é a de que “atitude

é primeiramente uma postura cultural, uma posição que se toma frente ao mundo. Ela tem mais

estabilidade que a percepção e é formada de uma longa sucessão de percepções, isto é, de

experiências” (TUAN, 1980, p. 4).

É muito complexo e difícil estudar a forma como os seres humanos percebem o

ambiente. Marin et al. (2003) justifica essa afirmativa devido à influência da imaginação, dos

aspectos topofílicos, dentre outros, na configuração da percepção ambiental.

O conceito topofilia foi citado pela primeira vez por Bachelard, em 1957, e

difundido por Tuan, em sua obra homônima, lançada em 1980 (MARIN et al., 2003). De acordo

com os autores, Tuan considera a topofilia como sinônimo da atração do ser humano pelos

aspectos físicos, especialmente paisagísticos, de um determinado ambiente.

Segundo o próprio Tuan (1980, p. 5), a topofilia significa “o elo afetivo entre a

pessoa e o lugar ou ambiente físico”. Para ele, o ambiente pode não ser a causa direta da

topofilia, mas fornece estímulos sensoriais que, ao agir como imagem percebida, dá forma aos

ideais humanos.

Page 99: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

98

Esse termo (topofilia) considera aspectos subjetivos como a afetividade, a memória

e a experiência interativa (ou vivência), que são intrínsecos ao fenômeno perceptivo, devendo

ser considerados nos estudos referentes ao ambiente e à percepção ambiental (MARIN et al.,

2003).

Além da topofilia, Tuan (1980) também criou outro conceito, a topofobia, que é

antônimo à topofilia, com sentimentos negativos, introduzindo a ideia do medo. Através do

estudo da percepção ambiental, verifica-se quanto esse estudo é de fundamental importância

para o processo de Educação Ambiental, pois através da percepção é possível conhecer cada

um dos grupos envolvidos, o que facilita a realização de ações que contemplem a gestão de suas

bases locais.

Cabe ressaltar que, para conhecer esses grupos, para analisar suas relações com o

ambiente, é preciso compreender como está estruturado esse espaço percebido na mente das

pessoas, ou melhor, como ocorre a construção das imagens mentais.

3.4 O PAPEL RELEVANTE DA CONSCIÊNCIA ECOLÓGICA

É notório que as sociedades mundiais e o mundo globalizados encontram-se em

estado de crescente caos, em graus exageradamente alarmantes e sem precedentes.

Paralelamente, a constante degradação do meio ambiente, dada as dimensões que

atingiu na contemporaneidade, as multiplicidades de formas na qual se manifesta e a

complexidade de fatores que estão implicados na sua gênese e perpetuação, tem lançado um

desafio que, notadamente, mobiliza estudiosos no seu mapeamento e compreensão.

Recentemente os estudos têm se debruçado não apenas sobre o entendimento das

dinâmicas sociais envolvidas na evidente crise socioambiental, mas também sobre estratégias

voltadas para o seu enfrentamento. Sabe-se que essas intervenções nem sempre são realizadas

de forma sistemática e continua nos diferentes espaços, apresentando ainda distintas

configurações e modalidades.

A crise socioambiental, evidenciada nos dias de hoje, nos impõe o desafio de

conhecê-lá, bem como buscar soluções não somente através de novos instrumentos normativos,

mas, principalmente, através de um novo padrão de ação do ser humano.

Page 100: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

99

Melhor ainda, precisamos de um novo ser humano, cuja capacidade e habilidade de

despertar, construir e/ou desenvolver a sua consciência seja algo, tão factível, quanto exequível.

Até porque, a mudança básica para a mudança do mundo necessita acontecer dentro de cada

um de nós, em nossa individualidade.

O termo Consciência Ecológica se contextualiza historicamente no período pós-

Segunda Guerra Mundial, quando setores da sociedade ocidental industrializada passam a

expressar reação aos impactos destrutivos produzidos pelo desenvolvimento tecnocientífico e

urbano industrial sobre o ambiente natural. Manifesta-se, principalmente, como compreensão

intelectual de uma realidade, tempo em que desencadeia e materializa ações e sentimentos que

atingem, em última instância, as relações sociais e as relações dos seres humanos com a

natureza.

Isso quer dizer que a consciência ecológica significa, também, uma nova forma de

ver e compreender as relações humanas, assim como a relação do ser humano com o meio

ambiente, cuja indivisibilidade entre sociedade e natureza, bem como a indispensabilidade desta

para a vida humana é, cada vez mais, evidente. Aponta, ainda, para a busca de um novo

relacionamento com os ecossistemas naturais que ultrapasse a perspectiva individualista,

antropocêntrica e utilitária que, historicamente, tem caracterizado a cultura e civilização

modernas ocidentais. (BOFF, 1995; MORIN, 2000).

Esses novos valores que precisam ser construídos pela sociedade contemporânea

exigem a formulação de uma nova visão de mundo, e, por conseguinte, de uma nova formação

de ser humano, em que a consolidação de valores morais, éticos e estéticos, cada vez mais

elevados, se vejam refletidos na sociedade, e até mesmo de novas teorias sobre as relações

sociais e ambientais, etapas que somente podem ser alcançadas, na medida em que houver a

transformação do indivíduo, à partir do despertamento, construção e/ou desenvolvimento da

sua consciência.

No que se refere ao aspecto ambiental, o mundo, inevitavelmente, passa por

constantes modificações, fato este que pode ser percebido pela escassez do petróleo,

racionalização de água e aquecimento global, tudo isso fruto da sociedade industrial

consumista. Isto porque, o ser humano tem esquecido que, ao promover a destruição da

natureza, está se autodestruindo, visto que é parte integrante da mesma, como um todo.

Esquece-se também que a natureza e os seres humanos possuem uma relação de nítida e

inevitável interdependência.

Page 101: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

100

Devemos ampliar a nossa percepção acerca da atual relação existente entre nós,

seres humanos, e o ambiente que nos cerca. Assim, possivelmente, conseguiremos agir, de

forma consciente, promovendo um novo modelo de desenvolvimento que favoreça a boa

qualidade de vida de todos e a ampliação do tempo de permanência da humanidade na terra.

A reeducação do ser humano para o despertamento, construção e desenvolvimento

da sua consciência é um empreendimento grandioso e sublime, que não permite negligencia,

covardia e equívocos, mas exige esforço.

A solução para o caos mundial está dentro de nós mesmos; afinal não há riqueza

maior fora do nosso ser. E, se o problema emana de nós, por nós mesmos tem que ser

solucionado. Assim, a terapia/cura para essa terrível epidemia que toma conta do mundo é o

despertamento, construção e/ou desenvolvimento da consciência do ser humano.

Page 102: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

101

CAPÍTULO IV REFLEXÕES SOBRE A DUALIDADE DE MORADIAS NA CIDADE

DE MANAUS

4 URBANIZAÇÃO NA CIDADE DE MANAUS

A história da urbanização pode ser entendida através da pesquisa sobre a evolução

das relações sociais impostas pelas trajetórias do capitalismo. A começar pela produção e

distribuição de alimentos, a divisão do trabalho entre as classes urbanas e classes que vivem

nas áreas rurais, pois o nascimento e o progresso da urbanização depende, em última instância,

da produção de excedente pela zona rural.

Os agricultores são produtores e ofertantes de bens primários que abastecem às

indústrias e o comércio das cidades, que acabam por acumular maior parcela da renda gerada

pela sociedade, assim como concentrar o poder decisório do sistema econômico. Essa relação

de dominação foi mostrada pioneiramente pelos fisiocratas no século XVIII.

Singer (2002) focaliza a questão bipolar entre campo e cidade, que norteia a relação

das classes sociais de cada localidade, destacando que a cidade depende explicitamente da

exploração do campo.

A produção do excedente agrícola é uma condição necessária, mas não suficiente

para o surgimento da cidade. Para que surja a cidade “é preciso ainda que se criem instituições

sociais.

Para Huberman (1979), a divisão do trabalho originou duas classes sociais: a classe

dominante e a classe dominada. Singer (2002) esclarece que a evolução da divisão o trabalho

permitiu, além da especialização, o aparecimento das cidades e a posterior separação entre

campo e cidade.

Nas palavras de Singer (2002, p.10):

Somente quando a residência dos guerreiros se transformou em forte e a dos sacerdotes em templo, agrupando-se ao redor das casas dos servos especializados, isto é, que igualmente deixaram de ser produtores diretos, só então a estrutura de classes se consolida e o princípio da diferenciação entre campo e cidade se estabelece.

A relação de dominação existente entre campo e cidade é confirmada,

principalmente, através do trabalho dos mercadores (comerciantes).

Page 103: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

102

Com a apropriação do excedente de outros territórios, a cidade possibilita o avanço

de diversas classes sociais que passam a se concentrar na transformação e comercialização do

produto da zona rural.

As atividades desenvolvidas nas cidades geram maior valor agregado, em menor

espaço geográfico, que as atividades primárias do campo. Isso possibilita uma expansão da

área urbana ocupada e das atividades nela desenvolvidas. Esse processo impõe um ritmo

acelerado de divisão do trabalho na cidade que, por sua vez, acaba por demandar maior

quantidade de produtos oriundos da zona rural.

O avanço das cidades também é favorecido pelo progresso dos meios de

comunicação, notadamente, das estradas de rodagem que fazem a interligação com as demais

cidades e com o campo. Vale e Vasconcellos (1984) associam o aparecimento e o avanço das

aglomerações humanas (cidades) ao avanço dos meios de transporte que propiciam economia

de tempo. Para Barquero (2001, p.23), “as cidades converteram-se no espaço preferencial do

desenvolvimento (...)”.

As condições favoráveis das cidades acabam por atrair um grande contingente

populacional, que, a torna uma grande demandante de produtos de outras áreas urbanas e rurais.

Isso cria uma relação de interdependência entre a cidade, o campo e outras regiões que

necessitam, cada vez mais, de um sistema de troca desenvolvido e da divisão do trabalho, que,

por seu turno, promove a especialização.

Em outros termos, o avanço da especialização do trabalho e a melhoria da

produtividade, tanto no campo quanto nas cidades, faz surgir novos centros urbanos próximos

as cidades percussoras.

Em alguns casos, as novas cidades se confundem com o território das cidades já

existentes, formando, assim, um grande aglomerado urbano, pois as cidades pioneiras se

constituem em um pólo difusor, um centro geopolítico, que se propaga para áreas periféricas e

acabam transformando espaços outrora rurais em espaços urbanos.

O resultado dessa política de desenvolvimento adotada pelo Estado nacional

especialmente a partir do final da década de 60 do século passado, com tripé formado pela

exploração dos recursos naturais e minerais da Amazônia Oriental, da montagem do enclave na

Zona Franca de Manaus e do conjunto de estímulos para fomentar migração para a Amazônia.

Dentre eles o mais nítido e perverso é o agravamento dos desequilíbrios

intra-regionais que se dá em relação ao Amazonas em contraste com o restante da Amazônia

Page 104: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

103

Ocidental. Criada em sua versão primitiva pela Lei nº. 3.173, de 6 de junho de 1957 (Governo

Juscelino Kubitschek) a Zona Franca de Manaus não vingou. Em primeiro lugar porque o

intento era o estabelecimento de um centro distribuidor regional de produtos importados para

um mercado interno exíguo.

Em segundo, a área de abrangência dos estímulos fiscais era de apenas 200 hectares,

na cidade de Manaus, e finalmente, pela fragilidade dos instrumentos de incentivos para a

atração de investimentos para a região. Ela só foi revigorada através do Decreto-lei no. 288, de

28 de fevereiro de 1967 (Governo Militar de Castelo Branco, o primeiro dos generais

presidentes).

Através desse instrumento a Zona Franca de Manaus foi convertida em área não

tributável, com benefício não só ao comércio de produtos importados, mas ao seu

beneficiamento e industrialização. Nas duas primeiras décadas após sua criação, a Zona Franca

transformou Manaus no mais importante centro brasileiro de comercialização de produtos

importados, principalmente pela autarquização do Brasil em relação ao resto do Mundo,

consequência do modelo nacional de substituição de importação que atribuía alta incidência de

tributos sobre as mercadorias importadas.

A capital amazonense virou o paraíso da classe média brasileira, atraindo milhares

de consumidores que anualmente lotavam as ruas do velho centro comercial manauara, cujo

cenário de decadência refletia o longo período de pasmaceira econômica desde a falência da

economia gomífera.

Esses primeiros anos de funcionamento da Zona Franca consolidaram Manaus

como o grande centro urbano, comercial e de serviço, da Amazônia Ocidental, fortalecendo os

laços de dependência dos demais estados da Amazônia Ocidental (Roraima, Rondônia e Acre)

com a capital amazonense.

A expansão da atividade comercial importadora de varejo propiciada pela Zona

Franca atraiu investimento público e privado para o entorno de Manaus com visíveis melhorias

na infra-estrutura urbana (equipamentos públicos, infra-estrutura viária, aeroportos e

instalações portuárias) e propiciou o aumento significativo das receitas do estado e do

município até então desmilinguidas.

Ao lado, e concomitante à expansão comercial, Manaus foi recebendo inúmeras

indústrias do setor eletro-eletrônico e de joias, que passada duas décadas criaram um vigoroso

parque industrial, mais tarde reforçado pela indústria brasileira de duas rodas (motocicletas).

Page 105: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

104

Hoje, Manaus tem a maior concentração de indústrias eletroeletrônicas e de

montagem de motocicleta da América Latina que a torna o quarto maior PIB industrial entre as

capitais brasileiras.

Do ponto de vista das desigualdades, houve atenuação do hiato inter-regional da

Amazônia em relação ao resto do país, graças principalmente aos desempenhos dos estados do

Amazonas, Pará e Rondônia. A participação do PIB da Amazônia em relação ao PIB do país

aumentou de 2,24%, em 1970, para aproximadamente 4,96%, no ano 2005, com 5,4% do PIB

em 2014. Infelizmente para os demais estados da Amazônia brasileira (Roraima, Acre e

Amapá), essa transformação aconteceu sob o véu do aprofundamento das assimetrias inter-

regionais.

Propiciado pelo arranque inicial dado pela Zona Franca, Manaus expandiu sua base

econômica em outros setores aumentando o fosso de desenvolvimento entre os estados da

Amazônia Ocidental.

Assim, concentra a capital amazonense a mais importante oferta de cursos

superiores, públicos e privados, da região, transformando-a num centro de ensino universitário

que atrai jovens de todos os demais estados.

Está ainda em Manaus o maior pólo de turismo regional da Amazônia Ocidental,

tanto o turismo internacional como o sub-regional, devido ainda à forte atração exercida pelos

benefícios tributários ao comércio, apesar do grau de abertura econômica que vem sendo

vivenciado pela economia brasileira desde o começo da última década do Século passado.

Sobre a consolidação de Manaus como centro de influência intra-regional, Berta

Becker (1987, p. 22) diz, “A condição urbana, em si, também dinamiza Manaus”.

A ZFM criou externalidades, isto é, outros serviços e comércios essenciais ao seu

avanço. Novas elites se formaram, como, por exemplo, consultores locais de empresas

transnacionais, e os empresários de bens de consumo e de serviços, bem como trabalhadores,

professores e alunos, elevaram o patamar de consumo, inclusive da produção agrícola, gerando

um cinturão de produtores rurais médios e pequenos no entorno da cidade, para seu

abastecimento alimentar.

Diversificou-se a sociedade urbana que, à diferença da maioria das cidades

amazônicas, não é majoritariamente constituída por funcionários públicos. Enfim, constituindo

uma concentração geográfica de 300 empresas, numa área de 3.400 ha. (Indicadores industriais

da Suframa), com um faturamento de 23 bilhões de dólares, que lhe valeu a posição de 4o PIB

Page 106: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

105

municipal do País no início de 2006, e estimulando a produção agropecuária à sua volta,

Manaus deixou de ser um enclave em termos territoriais.

Possui um ambiente de negócios e técnico – cientifico adequado a germinar as

vantagens competitivas e torná-las competitivas num futuro que já se faz presente. Alguns

indicadores confirmam a posição de Manaus como pólo de crescimento na Amazônia

Ocidental.

A capital amazonense é hoje a maior cidade da Amazônia em população residente

conforme Tabela 01, com cerca de 2.020.301 habitantes superou Belém (1.432.844 habitantes)

que ocupou esse posto até a década passada, ocupando o 8º lugar dentre as capitais brasileiras.

Manaus ocupa o 4º lugar (2,3%) dentre os municípios brasileiros que mais contribuem para o

valor adicionado da indústria, com produto per capita de R$ 18.902,00 superior ao brasileiro,

que é de R$ 11.658,00.

Tabela 1- População das doze maiores cidades do Brasil. Fonte: Revista Exame.com

Assim, por força dos incentivos fiscais concedidos à Zona Franca, Manaus

consolidou sua condição de pólo de crescimento regional da Amazônia Ocidental, sendo esse

um dos objetivos do Estado nacional quando decidiu criar um enclave industrial/comercial em

pleno coração da Amazônia Ocidental.

Page 107: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

106

Em 2007, foi criada a Região Metropolitana de Manaus pela Lei Complementar

Estadual nº. 52/07. A Região Metropolitana de Manaus é composta por oito municípios e possui

área de 101.475 km2.

Figura 8- Mapa da Região Metropolitana de Manaus- Fonte: Atlas (PNUD) ONU 2014

Em 2010, a Região Metropolitana de Manaus possuía um grau de urbanização de

94% e cerca de 60% da população estadual residia na Região Metropolitana de Manaus. A

população do município-núcleo da Região Metropolitana, Manaus, correspondia, em 2010, a

85% da população metropolitana (IBGE, 2014).

A taxa de crescimento da população da Região Metropolitana de Manaus, entre

2000 e 2010, foi de 2,5% ao ano. O Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM)

na Região Metropolitana de Manaus, em 2000 apresentava IDHM igual a 0,585, situando-se na

faixa de Baixo Desenvolvimento Humano.

Page 108: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

107

Atualmente a Região Metropolitana (RM) de Manaus ocupa o 16° lugar no ranking

do Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), entre as 16 áreas analisadas pelo

Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), com a nota de 0,72. A escala

vai de 0 a 1 e quanto mais perto de 1, melhor o desempenho.

4.1 O PROBLEMA DA MORADIA

O direito à moradia se insere em um contexto, cujo acesso à moradia vai além da

disponibilidade da habitação e se enquadra no conceito de “moradia adequada”, que pressupõe

boas condições físicas do imóvel, adequação da moradia à ordem jurídica dando ensejo à

segurança jurídica da posse e inserção da moradia no planejamento urbano da cidade.

Esses pressupostos indicam que a moradia deve fazer parte do planejamento urbano

com a disponibilização do acesso aos moradores, da fruição dos equipamentos e serviços

públicos. No conceito de moradia adequada é basilar a localização física da moradia com

infraestrutura de serviços públicos e em áreas com maior concentração de postos de trabalho.

A preocupação é para evitar áreas que sofrem a segregação socioterritorial, isto é,

pessoas totalmente excluídas dos benefícios produzidos pela cidade. Por sua vez, o conceito de

moradia adequada não nasce de concepções teóricas, mas emerge das necessidades materiais e

formais da grande maioria da população de grandes metrópoles.

Tais habitações estão à margem da ordem jurídica de diferentes formas, como é

exemplo a transmissão da propriedade que se dá preponderantemente pela ocupação do espaço

urbano e não se coaduna com as formas de transmissão previstas pelo sistema normativo.

As consequências dessa opção de expansão urbana, patrocinada pelo Estado, são

cidades cada vez mais insustentáveis nos aspectos ambientais, de mobilidade e de gestão

pública.

O adensamento periférico eleva os custos das cidades e impõe uma crescente

demanda por investimentos para a disponibilização de infraestrutura de equipamentos urbanos

e, também, de serviços de transporte público, em função da necessidade de grandes

deslocamentos dos moradores para seus locais de trabalho.

A constatação empírica é que os investimentos públicos não acompanham as

necessidades da população e o crescimento periférico impõe a uma grande parcela da

Page 109: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

108

população, a opção de morar longe dos benefícios produzidos pela cidade, como hospitais,

escolas, creches.

Em muitas situações, a opção pelo crescimento periférico do planejamento urbano

impõe, à população empobrecida, alternativas de moradia em áreas de risco, próximas a

córregos, rios, encostas e de mananciais, segregando-a.

Para melhor interpretação da interdependência entre os Direitos Econômicos e

Sociais e, particularmente, o Direito à moradia é imprescindível analisar a realidade histórica

do cotidiano das grandes cidades.

A definição do conteúdo do Direito à moradia está diretamente relacionada ao da

dignidade humana, que pressupõe que a moradia deva atender às condições para uma vida

saudável, ou seja, deve atender a critérios mínimos de qualidade de vida.

Na omissão de nossa Constituição, o direito internacional, por meio da Comissão

da Organização das Nações Unidas para Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, definiu os

critérios básicos para a consecução do direito à moradia, como já foi salientado no conceito de

moradia adequada, a saber:

a) Segurança jurídica para a posse, independentemente de sua natureza e origem.

b) Disponibilidade de infraestrutura básica para a garantia da saúde, segurança, conforto e nutrição dos titulares do direito (acesso à água potável, energia para o preparo da alimentação, iluminação, saneamento básico, etc.).

c) as despesas com a manutenção da moradia não podem comprometer a satisfação de outras necessidades básicas.

d) A moradia deve oferecer condições efetivas de habitabilidade, notadamente assegurando a segurança física aos seus ocupantes.

e) acesso em condições razoáveis à moradia, especialmente para os portadores de deficiência.

f) Localização que permita o acesso ao emprego, serviços de saúde, educação e outros serviços essenciais.

g) A moradia e o modo de sua construção devem respeitar e expressar a identidade e diversidade cultural da população (SARLET, 2009, p. 19).

A desigualdade econômica criou abismos entre os detentores da riqueza e os pobres.

Estes não ostentavam condições para desfrutar de prestações mínimas para uma vida digna.

Os Direitos Sociais podem ser agrupados em grandes categoriais: a) os Direitos

Sociais dos Trabalhadores, por sua vez subdivididos em individuais e coletivos; b) os Direitos

Page 110: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

109

Sociais de Seguridade Social; c) os Direitos Sociais de Natureza Econômica; d) os Direitos

Sociais da Cultura; e) os de Segurança.

Bulos (2011) destaca que os Direitos Sociais da seguridade social envolvem o

direito à saúde, à previdência social, à assistência social, enquanto que os relacionados à cultura

abrangem a educação, o lazer, a segurança, a moradia e a alimentação.

Silva (2009), propõe a divisão dos Direitos Sociais em: 1) relativos aos

trabalhadores; 2) relativos ao homem consumidor. Na primeira classificação, isto é, direitos

sociais do homem trabalhador, teríamos os direitos relativos ao salário, às condições de

trabalho, à liberdade de instituição sindical, o direito de greve, entre outros (CF, artigos 7º a

11). Na segunda classificação, ou seja, direitos sociais do homem consumidor, teríamos o

direito à saúde, à educação, à segurança social, ao desenvolvimento intelectual, o igual acesso

das crianças e adultos à instrução, à cultura e garantia ao desenvolvimento da família, que

estariam no título da ordem social.

Na esfera do ordenamento jurídico brasileiro, é a redação vigente do artigo 6º da

Constituição Federal, sob o “TÍTULO II - Dos Direitos e Garantias Fundamentais”, que coloca

a moradia entre os direitos básicos do cidadão: “São direitos sociais a educação, a saúde, a

alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à

maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”

O que se constata, portanto, é que o conteúdo do direito à moradia (em outras

palavras, o seu âmbito de proteção ou de aplicação) há de ser identificado também mediante

uma interpretação simultaneamente tópica e sistemática, que, além de observar a necessidade

de um diálogo entre as diversas fontes do Direito (interno e internacional), dialogue com os

diversos direitos e deveres fundamentais que com ele guardam conexão.

É que também o Direito à Moradia, da mesma forma como ocorre com o direito à

saúde e uma série de outros direitos (e bens) fundamentais, embora seja sempre um direito

autônomo, encontra-se “marcado por zonas de sobreposição com esferas que são

autonomamente protegidas”, como é o caso, dentre outras, da vida, da alimentação, da saúde,

privacidade, da intimidade, do meio ambiente e da propriedade.

De pronto, salta aos olhos o dissenso terminológico entre os dispositivos transcritos,

evidenciado pelo emprego das expressões “habitação” e “moradia”, respectivamente.

A doutrina nacional civilista voltada ao estudo do direito à moradia mais

frequentemente o conceitua como um entre os demais direitos da personalidade, visando

Page 111: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

110

contrapô-lo ao resultado de uma certa associação intuitiva das ideias de moradia e de prédio,

que naturalmente remete ao terreno das relações jurídicas em que se definem direitos reais,

como o direito de propriedade ou o direito de posse.

Souza (2004), dedicando especial estudo à distinção entre moradia e habitação,

encampa aquela como expressão de um direito da personalidade e apresenta esta como tradução

de um direito específico, o “direito real de habitação”, o qual é “tipicamente definido como

direito real, notadamente, na sua forma gratuita, em que a relação jurídica que se cogita é entre

indivíduo e bem patrimonial”.

Como consequência desta diferenciação, somente ao direito à moradia (e não à

habitação) caberia reconhecer os atributos típicos dos direitos da personalidade, compreendidos

como: (a) próprios da pessoa em si (ou originários), existentes por sua natureza, como ente

humano, com o nascimento; (b) os referentes às suas projeções para o mundo exterior (a pessoa

como ente moral e social, ou seja, em seu relacionamento com a sociedade).

Apesar da concepção que distingue o Direito à Moradia do direito de habitação,

direito esse que pode exsurgir tanto numa relação jurídico-real, como numa relação jurídico-

obrigacional, é possível sustentar que o artigo XXV da Declaração Universal dos Direitos

Humanos faz uso da expressão “habitação” com o sentido de “moradia”, porquanto deixou o

correspondente direito arrolado entre os direitos que propiciam ao indivíduo e à sua família “a

saúde e o bem-estar”, cuja presença cumulativa, tal qual se observa em face dos direitos da

personalidade, é condição para a preservação da dignidade humana, eixo central da tutela dessa

Declaração e também da menção a direitos fundamentais feita na Constituição Federal de 1988.

A delimitação do conteúdo do Direito à Moradia pressupõe a admissão do caráter

multidimensional que permeia essa tarefa, como esclarece (SARLET, 2002).

A posição nuclear da pessoa em vista do Direito à Moradia é, portanto, o elemento

que permite compreendê-lo como direito da personalidade, já que é na morada que o indivíduo

encontra o ponto geográfico que se torna a sua referência de segurança (em termos de proteção

à vida e à saúde), de privacidade, de descanso e de vida familiar, predicados sem os quais se

afiguram impossíveis a sobrevivência e o desenvolvimento do ser humano com dignidade.

É de se ver, contudo, que o direito imaterial à moradia e o direito de habitação,

embora inconfundíveis do ponto de vista semântico, aproximam-se na medida em que aqueles,

como este, concretizam-se ordinária e materialmente em um imóvel.

Page 112: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

111

Para além de uma simples proximidade, há quem, como Souza (2004, p. 335-336),

reconhece aí uma relação de conteúdo/continência — o direito à moradia contém o direito de

habitação, gratuito ou oneroso —, a partir do entendimento segundo o qual “o direito de

habitação é reconhecido justamente para dar guarida efetiva ao direito à moradia”, e sob o

prisma desse deve ser analisado:

Desse modo, as normas ou as decisões que busquem retirar ou fazer perecer o direito de habitação, sobre o determinado bem de um ou mais indivíduos, devem atravessar, antes, os princípios e as características concernentes ao direito à moradia, principalmente, com o objetivo sempre de preservá-lo como direito de personalidade ou de zelar para que não seja violentado. (SOUZA, 2004, p. 335-336)

A despeito desta proximidade, mantem-se reforçada a não identificação entre os

termos em comento e isso é de notável importância hermenêutico-jurídica, com vistas à

aplicação da norma jurídica sobre direito à moradia ao caso concreto.

O mérito maior da contribuição teórica desta distinção é exatamente colocar a figura

da pessoa como foco da tutela jurídica da moradia, independentemente de qualquer direito real

ou pessoal que a vincule a um bem destinado ao seu e ao acolhimento de sua família.

Não se está a tratar, pois, de direito de imediata expressão patrimonial, mas de

direito imaterial , razão pela qual a concretização do direito à moradia não se resume à obrigação

prestacional de entrega de um bem à utilização do titular desse suposto direito subjetivo,

prestação essa frequentemente atribuída ao Estado pela corriqueira doutrina que classifica os

direitos sociais como “direitos positivos de segunda geração”.

No que se refere à aplicação da norma jurídica sobre o direito à moradia exposta

com a estrutura de princípio jurídico, tal constatação projeta-se na interpretação de seu

conteúdo, haja vista o fato dos direitos da personalidade ostentarem conformação ética muito

mais intensa, a ser considerada, de modo inarredável, no momento de concretizar este

mandamento de otimização.

Sob esta perspectiva, a moradia, como adverte Aina (2009, p. 68), “é um conceito

muito mais amplo e complexo do que o conceito de casa própria”, porquanto do contrário estar-

se-ia admitindo a completa identificação entre moradia e direito de propriedade, desmentida

pelos institutos da locação, do comodato, da posse, da ocupação, etc.

Page 113: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

112

Não obstante, é importante não esquecer que os Direitos Fundamentais em sua

dimensão de proteção e, particularmente, em relação ao direito à moradia, impõem obrigações

ao Estado como avalia Sarlet (2009, p. 29).

[...] assim como os particulares, tem o dever jurídico de respeitar e de não afetar a moradia das pessoas, de tal sorte que toda e qualquer medida violadora do direito à moradia é passível de ser impugnada em Juízo, seja na esfera do controle difuso e incidental, seja por meio do controle abstrato e concentrado de constitucionalidade, ou mesmo por intermédio dos instrumentos processuais específicos pela ordem jurídica.

As normas de uso e ocupação do solo urbano colocam a realidade à margem da

legalidade. Assim, a ocupação do solo urbano não obedece ao preceito legal, mas responde às

possibilidades materiais da maioria da população.

Esta análise exclusivamente formal não esclarece que o direito não logrou êxito em

exercer sua função de “oferecer instrumentos normativos ao Poder Público a fim que possa,

com respeito ao princípio da legalidade, atuar no meio social e no domínio privado, para ordenar

a realidade no interesse da coletividade” (SILVA, 2009, p.37).

Outro elemento importante da atividade urbanística é a “ordenação da urbanística

das áreas de interesses social”, conforme aponta Silva (2009, p. 32) “[...] a preservação do meio

ambiente natural e cultural, assegurando de um lado, condições de vida respirável e, de outro,

a sobrevivência de legados históricos e a salvaguarda de belezas naturais”.

Essa dicotomia entre áreas regulares e irregulares na cidade de Manaus reflete, de

forma preponderante, porém não exclusiva, a separação entre estratos sociais em função do

poder aquisitivo.

De um lado, são áreas plenamente legalizadas com grande valor de mercado

ocupadas por uma população com maior poder aquisitivo e, de outro, as periferias da cidade –

até mesmo algumas regiões centrais – ocupadas por uma população empobrecida com suas

moradias edificadas sob a égide de diferentes irregularidades.

Os exemplos de irregularidades são extensos, como bairros em áreas de mananciais;

loteamentos irregulares ou clandestinos; moradias construídas de forma irregular e sem as

devidas autorizações; a inexistência de títulos de propriedade e tantas outras.

Page 114: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

113

Se for verdade que a ocupação do território urbano se dá em conformidade com os

recursos financeiros da população, não é possível olvidar que tais condições materiais, de forma

pragmática, definem diferentes significados da legitimidade da legislação urbanística.

A noção de “mínimo existencial” é extraída implicitamente de determinados

preceitos constitucionais (CF, art. 1º, III, e art. 3º, III), e compreende um complexo de

prerrogativas cuja concretização revela-se capaz de garantir condições adequadas de existência

digna, em ordem a assegurar, à pessoa, acesso efetivo ao direito geral de liberdade e, também,

a prestações positivas originárias do Estado, viabilizadoras da plena fruição de direitos sociais

básicos.

A doutrina contemporânea desenvolveu também o conceito de mínimo existencial,

que nada mais é que o “conjunto de condições materiais essenciais e elementares cuja presença

é pressuposto da dignidade para qualquer pessoa. Se alguém viver abaixo daquele patamar, o

mandamento constitucional estará sendo desrespeitado”

Há, na doutrina, pelo menos duas posições quanto ao conteúdo do mínimo

existencial (quais seriam os direitos que fazem parte deste mínimo existencial).

Para Torres (1995) o mínimo existencial não teria um conteúdo definido. Para este

autor, estes direitos básicos vão depender de cada época, de cada sociedade. O meio ambiente

pode não ter sido um direito essencial e em outra época, sim.

Alguns autores colocam o direito à moradia, como parte do mínimo existencial.

Quando se fala em direito à moradia, não é direito a receber do Estado uma casa.

O Direito à Moradia, dentro do mínimo existencial, seria o direito de ter ao menos

um local onde se recolher durante o período noturno. O direito à moradia dentro da nossa

realidade, é o direito a um abrigo. A destinação de recursos públicos, sempre tão

dramaticamente escassos, deverá ter em perspectiva a intangibilidade do mínimo existencial,

em ordem a conferir real efetividade às normas positivadas na própria Lei Fundamental.

Se o Poder Público se abstém de cumprir, total ou parcialmente, o dever de

implementar políticas públicas definidas no texto constitucional, transgrede a própria

Constituição Federal. A inércia estatal configura desprezo e desrespeito à Constituição e, por

isso mesmo, configura comportamento juridicamente reprovável. A vedação do retrocesso não

está expressamente prevista no vigente texto constitucional, mas foi acolhida pela doutrina

moderna.

Page 115: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

114

Esse princípio visa a impedir que o legislador venha a desconstituir pura e

simplesmente o grau de concretização que ele próprio havia dado às normas da Constituição,

especialmente quando se trata de disposições constitucionais que, em maior ou menor escala,

acabam por depender dessas normas infraconstitucionais para alcançarem sua pela eficácia e

efetividade.

Em síntese, não pode o legislador diminuir ou radicar os direitos humanos

fundamentais, aqui inseridos os de segunda dimensão. Muito embora o constituinte originário

tenha elevado à condição de clausulas pétreas apenas os direitos e garantias individuais, a

doutrina e a jurisprudência parecem corroborar o entendimento de ser legitima a manutenção

de estabilidade nas conquistas dispostas na Carta Política, que incluiu os Direitos Sociais sob o

título “Direitos e Garantias Fundamentais” (Título II da Constituição).

Não se trata de conferir imutabilidade às normas relativas a direitos sociais, mas

segurança jurídica ao assegurar que os tais não sejam suprimidos, ou diminuídos em sua

importância e alcance. Tal princípio vincula não só o legislador infraconstitucional, bem como

o legislador constituinte derivado, ao elaborar Emendas à Constituição.

4.1.1 A Questão do Déficit habitacional

O mercado de terras urbanas, sendo controlado pelo princípio da propriedade privada,

termina por excluir de si parcela substancial da população pobre, produzindo em nossas cidades

áreas que se caracterizam pela completa carência de condições adequadas de vida. Afirma ainda

que o déficit de moradia e de infraestrutura urbana decorrentes da injusta distribuição do

produto social, comprometem a cidadania e a sustentabilidade do desenvolvimento das nossas

cidades (NUNES, 1998).

De acordo com Ribeiro e Pechman (1985), entende-se por déficit habitacional:

Existência de uma discrepância entre o ritmo de crescimento da população urbana e o da construção de novas moradias. Essa desproporção ocasiona o desequilíbrio entre a oferta e a procura de moradias, gerando o aumento do preço dos imóveis e tornando impossível o acesso a esse bem para certas camadas da população.

Page 116: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

115

Gráfico 1- Déficit Habitacional total no Brasil. Fonte: IPEA, 2013.

A questão habitacional tem em seu cerne uma relação direta com o sistema econômico

vigente, ou seja, o desenvolvimento capitalista transforma a sociedade, uma vez que a

necessidade de acumulação provoca um desenvolvimento antagônico onde apenas uma

minoria, detentora dos meios de produção, consegue colher frutos, enquanto a maioria da

população, formada por trabalhadores e operários, convive com o mínimo que lhes é destinado

através do seu esforço e trabalho.

Na visão de Ribeiro e Pechman (1985, p. 9).

Se existe déficit habitacional é porque grande parte da população urbana brasileira está excluída do mercado da produção de moradias. Sendo duas as razões: de um lado, uma distribuição profundamente desigual da renda gerada na economia e, de outro lado, as condições que regem a produção capitalista de moradia no Brasil, que impõem um elevado preço ao direito de habitar a cidade.

O estudo produzido pela Fundação João Pinheiro em parceria com o Ministério das

Cidades, a partir dos números do censo de 2010, em todas as cidades do país, apontou déficit

de 6,940 milhões de unidades sendo de 85 % na área urbanas.

Page 117: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

116

O norte do Brasil, Maranhão e no Piauí, por exemplo, os domicílios precários são a

maioria. Nos demais estados do Nordeste, e nas regiões sul, sudeste e centro-oeste, a questão

principal é o ônus excessivo com o aluguel.

Além disso, o estudo concluiu que 70% do déficit nacional estão concentrados no

Nordeste e no Sudeste. Proporcionalmente Manaus é a capital com maior déficit (23% dos

domicílios enquadrados em uma das categorias de déficit habitacional).

Gráfico 2- Déficit Habitacional nas Capitais brasileiras. Fonte: IPEA, 2013.

A metodologia do cálculo de déficit varia entre países, o que impede comparações.

Pelos critérios locais, na Argentina, 2010 mais de 20% das famílias viviam em habitações

precárias. Na França, é estimado entre 800 mil e um milhão de moradias de um total de 24

milhões e um estudo do programa das Nações Unidas para os Assentamento Humanos, em 2000

mostrava na América Latina, déficit de 51 milhões de moradias.

Page 118: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

117

4.2 DUALIDADE DAS MORADIAS NA CIDADE DE MANAUS: O F LAT TROPICAL

E OS BAIRROS DE EDUCANDOS E SÃO RAIMUNDO.

4.2.1 Características do Bairro da Ponta Negra

O bairro à margem do rio Negro fica equidistante 13 quilômetros do Centro de

Manaus. A praia de Ponta Negra é um dos principais pontos turísticos da capital amazonense,

um cartão postal da cidade. Na Ponta Negra está localizado o Tropical Hotel Manaus, primeiro

grande investimento na área, e é a porta de entrada de Manaus para grandes celebridades que

visitam a cidade. O Tropical está instalado em exuberante cenário, combinando a paisagem da

floresta e do rio Negro com a sofisticação de um hotel cinco estrelas.

Com a revitalização da Orla da Ponta Negra, o ponto de encontro dos amazonenses

legítimos e dos apaixonados pelo lugar, virou um complexo turístico frequentado 24 horas todos

os dias. Dotado de ampla infraestrutura, serve de palco para grandes eventos culturais, sociais

e esportivos, o mais tradicional é a queima de fogos na festa de Réveillon. há uma concentração

de instalações militares, começa pelo CMA (Comando Militar da Amazônia), a PE (Polícia do

Exército), o Centro de Embarcações, a 12 a Região Militar e outras. Mais próximo da Orla do

rio Negro estão localizados os grandes condomínios fechados, como o Jardim Europa e Jardim

das Américas, mais valorizado de Manaus. O processo de modernização do bairro começou

com a duplicação da av. Coronel Jorge Teixeira mais conhecida por estrada Ponta Negra, no

início da década de 1970. A expansão imobiliária se voltou para o bairro da Ponta Negra no

final da década de 1980, como uma tendência natural, fazendo surgir inúmeros edifícios

voltados para o rio, uma vez que o bairro detém privilegiada paisagem natural. (JORNAL DO

COMERCIO, 2014).

4.2.2 História e Características do Bairro São Raimundo

O Bairro de São Raimundo, um dos mais antigos da cidade, apresenta o aspecto que

nos interessa, a ligação fluvial que possui com o rio Negro ao sul e a leste com o igarapé de São

Raimundo, mantendo ainda o vínculo ribeirinho neste setor da cidade.

A primeira data que se conhece sobre o bairro de São Raimundo é 1849. São

Raimundo foi o primeiro aglomerado de residências afastado do berço da cidade. Um igarapé

o separava das casas mais antigas da cidade.

Page 119: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

118

As pessoas que chegavam ao bairro, principalmente os nordestinos fugidos da seca,

ao se aproximar do porto viam mais adiante a pequena colina com praia, floresta, uma beleza e

atravessavam o rio para fazer suas casas no lugar.

Existe uma contradição entre autores quanto ao terreno a quem pertenceu as terras

do bairro de São Raimundo. Para o autor Alencar (1985, p. 11)

O Bairro de São Raimundo, é constituído de um terreno que há muitos anos atrás pertenceu aos herdeiros Raimundo, Francisco e Maria, que fizeram doação dessas terras à Arquidiocese de Manaus. Antes dessa doação, o terreno ainda não construía propriamente um bairro, porque nele estavam edificadas apenas 40 casas, muito pobres, e que, só após a doação, por influência da Igreja Católica, através da Arquidiocese de Manaus, é que surgiu o Bairro de São Raimundo, com uma pequena Igreja de madeira, coberta de zinco, ostentando as Imagens de São Raimundo Nonato, de São Francisco e da Virgem Maria, como se fosse a gratidão da donatária à memória de seus doadores.

Para a jornalista e autora Souza (2008), o Governo do Estado doou terras, quase

380.000 m2 à Arquidiocese de Manaus que as repassou ao Seminário São José. As pessoas que

fizeram suas casas nesse extenso terreno passaram a pagar uma pequena quantia mensal

chamada foro da igreja. E somente para promover o mais rápido povoamento do Bairro e

aumento do número de fiéis, a Arquidiocese passou a aforar terrenos de cerca de 10 metros de

frente, por fundos que chegavam até 60 metros. E ainda hoje, a grande maioria dos moradores

pagam foros à Arquidiocese, pelas terras onde moram; alguns porém, já adquiriram por compra

o chão de suas casas, enquanto outros, em pequeno número, fazendo uso dos direitos que o

instituto lhes dá, resgataram a propriedade dos terrenos onde moram, porque pagaram foros há

mais de 10 anos.

Alencar (1985) informa que na época dessa doação, o terreno era uma pequena

floresta que fazia limites com terras que vieram a pertencer ao Sr. Arduíno a Oeste; à leste, com

o igarapé de São Raimundo; ao Sul, com o rio Negro e ao Norte, com terras do Governo do

Estado do Amazonas.

Conforme descrição de Alencar (1985, p. 12):

Poucas residências existiam no Bairro: todas cobertas de palha e zinco, de chão de barro batido e paredes de taipa. Barracas de pouco valor, oscilando entre duzentos e quinhentos réis, isto por volta de 1.930. Era um Bairro pobre e isolado do centro da cidade. Não possuía comércio, salvo pequenas mercearias e quiosques.

Segundo Souza (2008, p. 18) “A colina é um bairro de origem católica. Bem no

início, ainda no século XIX, a praia onde se alojaram os primeiros moradores era conhecida

Page 120: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

119

como depósito, graças a um depósito de lenha feito por essas pessoas para abastecer as

embarcações”.

Poucas eram as mercearias do Bairro. Havia no porto das catraias a mercearia do

Pedro Pacheco. Alencar, (1985, p. 15)

Esse cidadão sexagenário, muito carrancudo, que não gostava dos meninos travessos do Bairro, vivia constantemente no caixa, recebendo os réis do meio litro de farinha, do litro de querosene, das colheres de óleo comestível, do tabaco de corda, das doses de parati, do cocai, da cerveja XPTO, que vendia no retalho.

Até antes do advento da construção da Estrada de São Raimundo, que liga hoje o

Bairro ao centro, isto por volta de 1.950, bem poucas eram as ruas do Bairro, umas conhecidas

pelo nome original e algumas, por denominação popular, dadas suas características próprias, ou

em virtude de pontos de referências.

Alencar (1985, p. 19)

Assim é que tínhamos a rua 5 de Setembro, a rua Beira Mar, a rua da Sede, a rua da Bosta — esta, localizava-se por trás do Clube Sul América, onde havia certa criação de porcos (suínos), que faziam daquela artéria a sua grande pocilga, deixando-a completamente suja de excremento. O nome verdadeiro dessa rua, era pouco conhecido — era rua São Francisco

Este autor relata que, quando o bairro de São Raimundo ainda se ligava ao Centro

pelo trabalho dos catraieiros, a beira-rio possuía uma grande influência não só para a vida social

do bairro mas também para a economia local, pois durante a seca, dezenas de pessoas

instalavam em tendas de lona, um pequeno comércio de melancia e melão que funcionava por

24 horas, isso por volta de 1945.

A vida social do bairro à noite girava em torno das barracas, onde pessoas de todas

as idades se reuniam até as 22 horas para comer melancia ao preço de dois tostões e conversarem

demoradamente. Isto porque ao secar, a beira-rio do São Raimundo apresentava uma imensa

praia, que deixava à mostra velhos navios de ferro na areia, sendo definida a área dos banhistas,

e do campo de futebol desde a frente da rua Central até suas proximidades.

A beira-rio abrigava apenas algumas embarcações de pequeno porte, e as lanchas

boieiras responsáveis por realizar o desembarque do gado, bem como o reabastecimento de

víveres e combustível para os que iriam partir em outra viagem.

Aos domingos e feriados, o estaleiro rudimentar que funcionava na praia não

funcionava. Havia uma certa consciência de que o lazer da população só seria completo caso

fosse livre do incômodo do cheiro forte do breu e do peixe.

Page 121: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

120

Daí que as tendas dos carpinteiros nesses dias eram substituídas por barracas que

vendiam a melancia. Quanto às moradias nas proximidades do barranco, havia poucas palafitas,

e na verdade, as que lá estavam eram pertencentes às lavadeiras do bairro, ou pequenos

comerciantes que faziam quiosques e mercearias.

Havia também em um trecho de praia um curral feito de madeira roliça extraída do próprio bairro e sem qualquer beneficiamento, que ia até o rio, se estendendo até o Matadouro Municipal por onde passavam o gado que vinha nas lanchas boieiras que chegavam do Baixo Amazonas daquela região ou vindos da Bolívia. (ALENCAR, 1985, p. 88-89).

As casas da praia tinham pequenas pontes feitas de tábuas que as ligavam às do

barranco, que a população aproveitava durante a cheia abrigando as canoas e os banhistas que

procuravam se abrigar dos ventos com amarras nos esteios e durante a vazante do rio.

Nos domingos e feriados, durante a noite, muitos residentes do bairro pescavam de “tarrafa” ou linha comprida, garantindo o almoço do dia seguinte, com peixe fresco ou dos demais dias com peixe salgado. Com isso, a praia de São Raimundo nos domingos e feriados, com exceção do Dia de Finados, era reservada aos banhistas (ALENCAR, 1985, p. 89).

As ruas do Bairro de São Raimundo só vieram a receber o asfalto, quando da

construção da Estrada de São Raimundo. O Bairro de São Raimundo, até 1.947, não possuía

água encanada, salvo 2 torneiras públicas, e em pequena parte do começo da rua 5 de Setembro.

Por estas razões, como a água era um luxo das residências afortunadas, os moradores do Bairro,

banhavam-se no chamado igarapé das cacimbas, que durante a cheia do rio, o banho e a lavagem

de roupa, eram feitas no próprio igarapé e, na vazante, quando restava apenas um córrego

contínuo de água muito escassa, a serventia eram as cacimbas (ALENCAR, 1985).

Para autora Souza (2008, p. 19), informa que: A população do bairro hoje com cerca de 15.500 moradores segundo o IBGE, encolheu nos últimos anos. Todo o terreno, antes uma extensa área verde com límpidos igarapés que se estendia pelo bairro da Glória e Santo Antônio, hoje compreende pouco mais de 115 hectares e está tomado por casas, pátios e sujeira. Não tendo para onde crescer e sem um planejamento para a sua ocupação, o bairro estagnou. A única coisa que cresceu foi a violência. Há muito tempo as drogas foram tomando conta e minaram boa parte da juventude local.

Até 1950, o Bairro de São Raimundo vivia isolado do resto da cidade, tendo como

via de acesso ao centro, apenas as catraias do igarapé do mesmo nome.

Alencar (1985, p. 55):

Por volta de 1949, no governo de Leopoldo Amorim da Silva Neves — O Pudico, teve início a construção da estrada de São Raimundo, que iria fazer a ligação desse

Page 122: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

121

Bairro, ao centro da cidade. Certo dia, o povo do Bairro de São Raimundo foi surpreendido por máquinas que, em fúria selvagem, rasgavam a floresta trazendo o progresso.

Talvez em decorrência da proximidade com o centro da cidade, o trajeto pelo rio

antes feito pelas catraias e hoje pela ponte Fábio Lucena, o morador do bairro vai num pé e

volta no outro, todo o comércio do bairro até alguns anos atrás se resumia à padaria, algumas

quitandas, poucos bares.

Souza (2008), a pequena colina é cercada de água por quase todos os lados. O

igarapé de São Raimundo forma um círculo de águas pretas que já foram muito limpas. Nesse

tempo existiam cacimbas em toda a orla, que eram poços naturais de águas límpidas onde o

povo tomava banho e lavava roupas. A primeira delegacia foi criada em 1917. A primeira escola

no bairro foi a Escola São Luiz de Gonzaga criada em 1904 por Augusto Ferreira Cunha Até

então no bairro vigorava a lei do mais forte. Qualquer desavença era resolvida com a "peixeira"

que não saía da cintura dos valentões. Grupo Escolar Olavo Bilac, cujo prédio foi construído

em 1914 por Durval Porto, superintendente da Prefeitura de Manaus, para ser um mercado.

A construção da ponte Fábio Lucena que liga o bairro de São Raimundo ao centro

foi uma novela que durou muitos anos. Desde as primeiras promessas em 1917, passando pela

construção dos quatro alicerces de concreto nos anos 30 e a sua inauguração em 1987 foi um

longo trajeto de malversação de dinheiro público.

Figura 9- Fotos das moradias do Bairro de São Raimundo. Fotografia Gabriela Colares. Fonte: Núcleo de Estudos e Pesquisas das Cidades da Amazônia Brasileira – NEPECAB/ UFAM.

Page 123: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

122

4.2.3 História e Características do Bairro Educandos

O Bairro do Educandos é margeado pela orla do rio Negro e emoldurado pelo

calçadão batizado de Amarelinho, ponto turístico do bairro. O bairro fica na zona Sul da cidade,

por via terrestre faz fronteira com os bairros de Santa Luzia e Colônia Oliveira Machado por

via fluvial está à margem do rio Negro e do igarapé do Educandos.

Um dos bairros mais antigos de Manaus, Constantinópolis, conhecido muito mais

pelo nome de Educandos, tem atualmente uma população acima dos 16 mil habitantes do censo

de 2000 (IBGE), um setor comercial e industrial muito diversificado, e uma localização

privilegiadíssima, frente ao rio Negro, à entrada da capital amazonense.

Amazonas (2008, p. 11) nos ensina sobre o atual bairro de Educandos:

Cercado pelos igarapés da Colônia Oliveira Machado (a leste) e pelo igarapé da Cachoeirinha (a norte e oeste), Constantinópolis abriga, nos seus 130.693 metros quadrados, restaurantes famosos, visitados frequentemente por personalidades as mais variadas de todos os rincões; é um dos bairros mais alegres da cidade, com festas animadíssima que atraem multidões o ano todo, uma agitada vida noturna que sempre despertou o interesse de curiosos, notívagos e boêmios. E uma história que remonta aos tempos imperiais, com suas lendas e tradições.

Figura 10-Vista aérea da ilha de Constantinópolis, vendo-se, em primeiro plano, ao sul, o Amarelinho; a oeste, ligando-a ao centro da cidade, a ponte Pe. Antônio Plácido de Souza. Fonte: Constantinópolis: origens e tradições, p. 11.

Para o historiador Amazonas (2008, p. 12)

Page 124: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

123

Criada através da Lei n° 60, de 21 de agosto de 1856, a instituição foi instalada no prédio da Olaria Provincial, edifícado no início daquele ano na ilha naqueles tempos chamada de Barreira de Baixo, em oposição à Barreira de Cima, como era então chamado o atual bairro de São Raimundo, daí que as pessoas, quando olhavam da distância em direção à ilha; mencionando o nome Educandos, referiam-se à escola existente no topo da colina, cristalizando-se, entretanto, no imaginário popular, a toponímia que faria prevalecer até os dias atuais, não obstante o bairro tenha sido batizado oficialmente com o nome de Constantinópolis, através do Decreto n° 67, de 22 de julho de 1907, do superintendente municipal, coronel José da Costa Monteiro Tapajós, em homenagem ao governador Constantino Nery.

Figura 11- Nesta foto de 1901 (Álbum Amazonas), vê-se no topo da colina o antigo prédio da Olaria Provincial, e logo abaixo a Vila Péres, construída em 1889. Em primeiro plano, a tradicional catraia transporte tradicional, trazida pelos portugueses desde o início da colonização. Fonte: Constantinópolis: origens e tradições, p. 18.

Ainda conforme Amazonas (2008) a maioria dos habitante era constituída de índios

e outras genes procedentes do interior do Estado, os seus habitantes continuavam a sua vida

simples, mesmos após mais de trinta anos da instalação do Estabelecimentos dos Educandos

Artífices que estimulara o início da ocupação do lugar, vivendo uma vida melancólica em suas

casas de chão batido, cobertas de palha, iluminadas por lamparinas de óleo de peixe, garantindo

Page 125: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

124

o sustento na pesca nos igarapés de águas frias e cristalinas das redondezas, de onde provinha

a água potável, da caça da floresta, da criação de aves e porcos nos terreiros cercados de árvores

frutíferas.

As atividades dos moradores eram restritas às diminutas lavouras de subsistência e

à construção de pequenos barcos de madeiras. Somente em 1901 o local começaria a receber

os primeiros sinais de urbanização.

Amazonas (2008, p. 20)

Antes mesmo de ser batizado como Constantinópolis, o local seria acrescentado com duas edificações em alvenaria de dimensões consideráveis: a Vila Neuza em 1889, no local onde passaria a rua Leste/Oeste n.° 1, e a Vila Péres, também em 1889, na rua que viria a ser chamada de Norte/Sul n.° 1.Antes de chegar o final dos anos 20, Constantinópolis consegue alguns avanços. A população já beira a quatro mil pessoas O modo de vida sofre as alterações naturais e, consequentemente, surgem outras necessidades impostas pelo progresso que paulatinamente se aproxima. O impacto do homem, submetido apenas as coisas da natureza, doravante terá à frente encargos de uma sociedade que se organiza.

No ano de 1929 é instalada a luz elétrica no bairro, e é criado o posto policial, diante

da praça Dr. Tavares Bastos, dirigido por guardas civis de primeira classe.

De acordo com Alencar (2008, p.42) “em 1939 Constantinópolis está com 6.009

habitantes, 31 residências térreas, 133 mocambos e I sobrados, conforme assinala o Dr. Djalma

Batista, em artigo sob o título Tuberculose no Amazonas, na Revista Brasileira de Tuberculose”

Bairro tradicional voltado para moradia, comércio e serviços, encontrou na cultura

uma forma de desenvolver ações que promovam melhorias e integração para seus habitantes,

cerca de 16 mil, segundo dados do IBGE.

O Bairro de Educandos tem seu centro financeiro e econômico na avenida Leopoldo

Péres, gerando diversos empregos diretos e indiretos, além de renda para trabalhadores

informais. Possui agências bancárias, postos 24 horas, postos de gasolina, supermercado, lojas

de eletrodomésticos, sapatarias, lojas de confecções, serviços de hotelaria e restaurantes. Na

área de gastronomia, o restaurante Panorama é o mais antigo de Manaus. Funciona há mais de

quatro décadas na avenida Rio Negro, com a vista para a baía do rio Negro, em frente ao

Amarelinho. Turistas, líderes políticos e empresariais. Durante o período das festividades em

comemoração à fundação do bairro acontecem inúmeras atividades, com a participação da

comunidade e de visitantes. A festa vem sendo organizada desde 1992. Hoje em dia a

comunidade mantém a tradição e reserva uma semana de festejos com a realização das

atividades cívico-sociais. (JORNAL DO COMÉRCIO, 2014)

Atualmente o Bairro de Educandos já foi reconhecido como o cartão de visita de

Manaus e carinhosamente conhecido por Cidade Alta. Está ligado ao Bairro Cachoeirinha pelas

Page 126: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

125

pontes Efigênio Sales e Juscelino Kubitschek e ao centro da cidade pela ponte Padre Antônio

Plácido. Em sua orla está esculpido nas pedras a frase: Sejam Bem-Vindos a Manaus.

Figura 12- Fotos das moradias do bairro de Educandos, 2014. Fotografia: Leco Jucá.

Page 127: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

126

Figura 13- Fotos das moradias do bairro de Educandos., 2014 Fotografia: Leco Jucá.

Figura 14- Fotos das moradias do bairro de Educandos, 2014. Fotografia: Leco Jucá.

Page 128: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

127

4.2.4 A Percepção dos problemas ambientais

Como observado na sociedade brasileira, o espaço urbano é ocupado de forma

diferente em função das classes a partir das quais se divide a sociedade urbana. Tal divisão

espacial das classes sociais é um fato que se apresenta no espaço total do país e em suas regiões,

porém configura-se, sobretudo como um fenômeno urbano (SANTOS, 2008).

A desigualdade social, reforçada no espaço urbano, manifestasse na cidade,

transformando a num espaço eivado de contradições. A cidade é o local de maior evidência das

contradições sociais. Essas contradições se refletem, portanto, no uso e na apropriação do

espaço urbano.

Para Castro (1992, p. 171) “As camadas populares, sobretudo aquelas que chegam

do campo em decorrência da falta de condições de vida ali, engrossam as fileiras dos que

buscam um lugar de moradia. Participam das invasões e as reproduzem como uma alternativa

de sobrevivência”. Nesse espaço urbano desencadeiam-se processos ainda mais complexos

quanto à relação entre a saúde e o ambiente que se tornam objetos de estudo da saúde ambiental

urbana.

Segundo Amorim (2009), quando se refere ao estudo da saúde ambiental nas

cidades deve-se considerar que o processo de urbanização ocorrido, na maioria das vezes, de

forma não planejada, não controlada e, principalmente subfinanciada, é o responsável por sérios

danos provocados ao ambiente; Suas consequências afetam diretamente a saúde e a qualidade

de vida das populações, tais como a poluição das águas e do ar, o saneamento básico inadequado

ou inexistente; A inadequada coleta e destinação do lixo e a precariedade nos serviços de saúde,

bem como nas condições de emprego e moradia.

As consequências da urbanização associada à falta de infraestrutura e de

investimentos por parte do poder público, em serviços públicos essenciais à vida e à qualidade

ambiental e de saúde, são sofridas, na maioria das vezes, pela camada mais pobre da população:

[...] em geral aqueles mais pobres que residem na periferia dos grandes centros, vive em condições inadequadas de moradia, sem acesso aos serviços básicos, e ainda expostos a diversos contaminantes ambientais típicos do desenvolvimento, como a poluição por produtos químicos e a poluição atmosférica. São os que enfrentam o “pior dos dois mundos”: os problemas ambientais associados ao desenvolvimento econômico e os ainda não resolvidos problemas sanitários típicos do subdesenvolvimento (AMORIM, 2009, p. 31).

Page 129: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

128

Em consequência da insustentabilidade das cidades, aqueles que habitam áreas com

precárias condições socioeconômicas apresentam, do mesmo modo, precárias condições de

saúde. Áreas com alto nível de renda tendem a proporcionar uma boa cobertura dos serviços

de saneamento, de saúde e educação.

Áreas pobres, principalmente as que se situam nos cinturões das cidades do terceiro

mundo, normalmente encontram-se excluídas de tais serviços, cujos baixos indicadores das

condições de vida e de saúde estão ligados diretamente à concentração de renda e de população.

O espaço, polarizado em áreas ricas e pobres, torna-se um produtor de

diferenciações sociais e epidemiológicas, consistindo numa desigualdade sócio espacial, isto é,

na distribuição desigual dos recursos e oportunidades entre indivíduos e grupos inseridos no

espaço (BARCELOS, 2002).

O acesso ao ambiente saudável compreende o direito ao ambiente de forma justa e

equitativa. Isto consiste num movimento democrático e alternativo que seja capaz de ir além do

nível reflexivo sobre o modo como o atual modelo de desenvolvimento econômico e

tecnológico vem reproduzindo processos insustentáveis e injustos.

Desse modo, significa alcançar o nível da proposição, pois compreende a

construção de movimentos que sejam capazes de construir novos modelos de desenvolvimento.

Diante das inúmeras demandas postas para a questão ambiental, destacando as

diversas problemáticas levantadas pela saúde ambiental na atualidade, é notório que nem todos

têm direito ao ambiente nos termos do artigo 225 da Constituição e que nem todo ambiente

proporciona qualidade de vida.

Nota-se ainda que a defesa do ambiente significa um desafio tanto para o poder

público quanto para a coletividade, ao mesmo passo em que representa um desafio ainda maior

para assegurar esta defesa também para as futuras gerações. Nesse desafio está implícita a ideia

de mudança cultural e perpassa por um processo político, supondo compromisso ético.

Cada pessoa tem esse direito enquanto ser humano porque um ambiente propício à vida é essencial para que desenvolva todas suas capacidades. Dados os perigos ao ambiente hoje e, em consequência, o perigo à própria existência, o acesso a um ambiente saudável deve ser concebido como um direito que impõe sobre uma obrigação a ser respeitada (RIBEIRO, 2004, p. 79).

Page 130: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

129

O direito ao ambiente saudável é um direito inalienável do ser humano, porém

ressalta que os obstáculos existentes na concretude desse direito se deparam com uma nítida

complicação exigem transformações dos próprios homens.

4.2.5 O paradoxo do Flat Tropical e as Moradias dos Bairros Educandos e São Raimundo.

4.2.5.1 O Flat Tropical

O homem, na maioria das vezes, modifica o ambiente sem avaliar as consequências

danosas que isto pode causar. Portanto, na organização de um espaço é de fundamental

importância estudar a dinâmica dos ambientes para uma utilização consciente dos recursos

ecológicos.

Vislumbramos disparidades de zonas economicamente ativas na Região

Metropolitana de Manaus em desrespeito ao fundamento da dignidade da pessoa humano. O

levantamento dessas disparidades foi feito com base em dados do Censo Demográfico do IBGE

de 2010, o qual formalizaram o estudo do Índice de Desenvolvimento Humano Municipal

(IDHM-2014). Os pesquisadores avaliaram 200 itens relacionados com trabalho, renda,

educação e moradia, divulgados pelo Atlas do Desenvolvimento Humano nas Regiões

Metropolitanas Brasileiras.

Segundo a ONU (2010),

O Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) é uma medida composta de indicadores de três dimensões do desenvolvimento humano: longevidade, educação e renda. O índice varia de 0 a 1. Quanto mais próximo de 1, maior o desenvolvimento humano. O IDHM brasileiro segue as mesmas três dimensões do IDH Global - longevidade, educação e renda, mas vai além: adequa a metodologia global ao contexto brasileiro e à disponibilidade de indicadores nacionais. Embora meçam os mesmos fenômenos, os indicadores levados em conta no IDHM são mais adequados para avaliar o desenvolvimento dos municípios brasileiros. Assim, o IDHM - incluindo seus três componentes, IDHM Longevidade, IDHM Educação e IDHM Renda - conta um pouco da história dos municípios em três importantes dimensões do desenvolvimento humano durantes duas décadas da história brasileira.

Page 131: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

130

Casos extremos como a Região Metropolitana de Manaus, a renda média da

Unidade de Desenvolvimento Humano (UDH) mais abastada é 47 vezes maior que a da UDH

mais carente. A diferença entre uma região e outra varia 47 vezes, de acordo com o

levantamento. A renda per capita na cidade varia entre R$ 169 e R$ 7.800.

As Unidades de Desenvolvimento Humano (UDH) são áreas dentro das regiões

metropolitanas que podem ser uma parte de um bairro, um bairro completo ou, em alguns casos,

até um município pequeno. A homogeneidade socioeconômica é o que define os limites das

UDHs, que são formadas a partir da agregação dos setores censitários do IBGE.

Tabela 2- UDH com maior IDHM na Região Metropolitana de Manaus. As Unidades de Desenvolvimento Humano (UDH) são áreas dentro das regiões metropolitanas que podem ser uma parte de um bairro, um bairro completo ou, em alguns casos, até um município pequeno. Fonte Atlas PNUD ONU 2014

Page 132: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

131

Os dados quantitativos e qualitativos elaborados pelo Atlas do Desenvolvimento

Humano na Região Metropolitana de Manaus, o qual representa, o Índice de Desenvolvimento

Humano Municipal (IDHM), mede as chances de um cidadão ter uma vida longa e saudável,

acesso ao conhecimento e um padrão de vida que garanta as necessidades básicas para o

exercício de seus Direitos Sociais, como podemos citar o Direito Fundamental a Moradia

Digna.

Localizado no Bairro da Ponta Negra, a qual é uma das zonas mais ricas da cidade

de Manaus, como aponta o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) no quesito

‘renda’ (em outras áreas este mesmo índice apresenta-se mais que o dobro do registrado na

menor renda que é de apenas 0,490), o Tropical Executive and Residence Hotel, mais

comumente identificado como Flat- Tropical, possui 16 andares de unidades mais a área comum

de lazer e de prestação de serviços aos proprietários.

Figura 15- Entrada do Flat Tropical. Fonte: www.tropicalmanaus.com.br

Page 133: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

132

Construído à margem direita do Rio Negro, mais especificamente, contíguo à

margem, em área de preservação natural permanente, reconhecida e destratada pela Lei n.

279/95 do Município de Manaus, estando a área contida nos limites de propriedade da

Companhia Tropical de Hotéis – Hotel Tropical Manaus.

Figura 16- Piscina do Flat Tropical, na época de Cheias as águas do Rio Negro margeam a piscina. Fotografia: Kátia Cruz, 2015.

Page 134: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

133

Figura 17- Piscina do Flat Tropical, Cheia do Rio Negro águas margeam a piscina. Autor desconhecido, 2015, site OLX..

As Áreas de Preservação Permanente foram instituídas pelo Código Florestal (Lei

nº 4.771 de 1965 e alterações posteriores) e consistem em espaços territoriais legalmente

protegidos, ambientalmente frágeis e vulneráveis, podendo ser públicas ou privadas, urbanas

ou rurais, cobertas ou não por vegetação nativa.

Segundo o atual Código Florestal, Lei nº12.651/12 em seu art. 3º, II define Área de

Preservação Permanente:

Art. 3º Para os efeitos desta Lei, entende-se por:

II - Área de Preservação Permanente - APP: área protegida, coberta ou não por

vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a

estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o

solo e assegurar o bem-estar das populações humanas.

Áreas de preservação permanente (APP) visam atender ao direito fundamental de

todo brasileiro a um "meio ambiente ecologicamente equilibrado", conforme assegurado no art.

225 da Constituição.

Page 135: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

134

MACHADO (2010) expõe o seguinte sobre a finalidade das APPs:

Dessas florestas estão o dever de proteger os cursos d’água, evitar o assoreamento dos rios e as enchentes e fixar as montanhas, evitando-se o frequente soterramento de pessoas nos grandes centros urbanos (...). Temos assim, com a característica da preservação permanente, florestas de proteção física do solo, florestas de proteção dos mananciais e das águas em geral, florestas de proteção das ferrovias e das rodovias, florestas de defesa do território nacional, florestas de conservação dos valores estéticos, florestas de conservação dos valores científicos, florestas de proteção dos valores históricos, florestas de preservação do ecossistema local, florestas de conservação do ambiente das populações indígenas, florestas para a preservação do bem-estar público e florestas situadas nas áreas metropolitanas definidas em lei.

Entre as diversas funções ou serviços ambientais prestados pelas APP em meio

urbano, vale mencionar:

a proteção do solo prevenindo a ocorrência de desastres associados ao uso e ocupação inadequados de encostas e topos de morro; a proteção dos corpos d'água, evitando enchentes, poluição das águas e assoreamento dos rios; a manutenção da permeabilidade do solo e do regime hídrico, prevenindo contra inundações e enxurradas, colaborando com a recarga de aquíferos e evitando o comprometimento do abastecimento público de água em qualidade e em quantidade; a função ecológica de refúgio para a fauna e de corredores ecológicos que facilitam o fluxo gênico de fauna e flora, especialmente entre áreas verdes situadas no perímetro urbano e nas suas proximidades, a atenuação de desequilíbrios climáticos intra-urbanos, tais como o excesso de aridez, o desconforto térmico e ambiental e o efeito ilha de calor.(MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, 2015, grifo nosso)

É vedado, portanto, ao particular, pessoa física ou jurídica, qualquer alteração ou

modificação em APP, incluindo a mata ciliar, no meio rural ou urbano uma vez que esta deve

estar assegurada pelo plano diretor e às leis de uso e ocupação do solo como explicita o Código

Florestal.

A razão da existência das áreas de preservação permanente está voltada ao fato da

garantia de manutenção da água, flora, fauna e recursos naturais e minerais e o bem-estar social.

As áreas de APP devem ser mantidas em suas características originais, reconhecidas

como indispensáveis para a manutenção das bacias hidrográficas e, por consequência, da vida

humana eu desenvolvimento, pois desempenham um papel voltado para a qualidade de água,

vegetação, fauna, bem como de dissipação de energia erosiva, a legislação reconhece sua

importância reguladora da vazão fluvial, consequentemente das cheias, preservadoras das

condições sanitárias para o desenvolvimento da vida humana nas cidades.

Assim o novo Código Florestal dispõe a localização que a APP deve permanecer

conforme o art. 4º, I, alíneas de ‘a’ à ‘e’:

Page 136: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

135

Art. 4o Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas,

para os efeitos desta Lei:

I - as faixas marginais de qualquer curso d’água natural, excluídos os efêmeros,

desde a borda da calha do leito regular, em largura mínima de:

a) 30 (trinta) metros, para os cursos d’água de menos de 10 (dez) metros de largura;

b) 50 (cinquenta) metros, para os cursos d’água que tenham de 10 (dez) a 50

(cinquenta) metros de largura;

c) 100 (cem) metros, para os cursos d’água que tenham de 50 (cinquenta) a 200

(duzentos) metros de largura;

d) 200 (duzentos) metros, para os cursos d’água que tenham de 200 (duzentos) a

600 (seiscentos) metros de largura;

e) 500 (quinhentos) metros, para os cursos d’água que tenham largura superior a

600 (seiscentos) metros;

A manutenção das APP em meio urbano possibilita a valorização da paisagem e do

patrimônio natural e construído (de valor ecológico, histórico, cultural, paisagístico e turístico).

Esses espaços exercem, do mesmo modo, funções sociais e educativas relacionadas com a

oferta de campos esportivos, áreas de lazer e recreação, oportunidades de encontro, contato com

os elementos da natureza e educação ambiental (voltada para a sua conservação),

proporcionando uma maior qualidade de vida às populações urbanas, que representam 84,4%

da população do país.

Na linha da proteção integral ao bem ambiental deve-se entender que a tutela do

meio ambiente deve atentar para os postulados da responsabilidade civil, para os princípios de

direito penal e informar-se pelas regras de direito administrativo (art. 225, § 3º, c.c. o caput, in

fine).

Somente um enfoque amplo e includente da tutela do meio ambiente pode atender

ao princípio constitucional da proteção integral. A tutela do meio ambiente, quer no aspecto da

responsabilização civil, quer no da administrativa ou da penal, deverá atentar para o problema

da prevenção do dano ambiental e da precaução contra os riscos ao meio ambiente

Como ensina Costa Júnior (1996, p. 74):

Se verifica o crime de perigo sempre que a lei transfira o momento consumativo do crime da ‘lesão’ para aquele da ‘ameaça’, aperfeiçoando-se o crime no instante em que o bem tutelado encontra-se numa condição objetiva de possível ou provável lesão. Obtém-se dessa forma a confortadora perspectiva de avançar a fronteira protetora de bens e valores, merecedores de especial tutela. De um ponto de vista político criminal,

Page 137: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

136

portanto, recurso aos crimes de perigo permite realizar conjuntamente finalidades de repressão e prevenção.

Igualmente lembra Prado (1992, p. 72) “A doutrina majoritária tem consagrado,

sobretudo para os tipos penais básicos – em matéria ambiental – a forma de delito de perigo,

especialmente de perigo abstrato, em detrimento do delito de lesão ou de resultado material”.

A criminalização do perigo, em matéria de Direito Penal Ambiental, reflete o

princípio da prevenção e da precaução, na medida em que, ao antecipar a punição de uma

conduta potencialmente danosa ao bem jurídico tutelado – o meio ambiente ecologicamente

saudável, dispensa a produção do resultado – o dano – e promove a tutela preventiva dos bens

ambientais por não esperar a ocorrência efetiva da lesão.

Assim, podemos afirmar que a água, o ar, a flora a fauna, entre outros recursos

disponíveis na natureza usufruído pelo homem são Bens Ambientais (MILARÉ, 2000).

A concepção jurídica, de Plácido e Silva (2004, p. 218) definem “bens públicos

como sendo aqueles de uso comum e pertencentes ao domínio particular do Estado, que em

sentido lato são os bens destinados ao uso e gozo do povo”.

Fiorillo (2004) define bem ambiental como sendo um bem de uso comum do povo,

podendo ser desfrutado por toda e qualquer pessoa dentro dos limites constitucionais, e, ainda,

um bem essencial à qualidade de vida, sendo classificado como bem de uso comum ao povo,

essencial à sadia qualidade de vida.

A Constituição (BRASIL, 1988), artigo 225, ao tratar de meio ambiente, formulou

inovação no sentido de criar um terceiro gênero de bem que, em face de sua natureza jurídica,

não se confunde com os bens públicos e muito menos com os bens privados.

Daí pode se reiterar a visão desse dispositivo constitucional, ao estabelecer a

existência jurídica de um bem que se estrutura como sendo de uso comum do povo e essencial

à sadia qualidade de vida, configurando uma nova realidade jurídica e disciplinando bem que

não é público nem, muito menos, privado.

A autora portuguesa Garcia (2005) esclarece que o sentido holístico do meio

ambiente veio trazer um sentido novo aos bens ambientais, porquanto aliou à ideia tradicional

de bens insuscetíveis de apropriação, como a pureza do ar ou a biodiversidade, uma pretensão

individual idêntica para todos quantos habitam o planeta ou irão habitar no futuro, e que não só

torna esses bens, em certo sentido, apropriáveis como os agrupa amplamente numa peça unitária

a que se chama patrimônio comum da humanidade. Por sua vez, os bens ambientais aproximam-

se da concepção de interesse difuso.

Page 138: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

137

Para Fiorillo (2004), o direito difuso apresenta-se como um direito transindividual,

tendo um objeto indivisível, titularidade indeterminada e interligada por circunstância de fato.

Assim, a titularidade na defesa de um direito é estendida a todas as pessoas, que, de forma direta

ou indireta, tenham sido afetadas por um abalo de direito, provocado por agente da própria

sociedade.

Dessa forma, os bens ambientais são de interesse difuso, em face de sua

indispensabilidade à manutenção da qualidade ambiental. Dessas disposições constitucionais,

ainda, pode-se afirmar que existem três conjuntos de normas relacionadas à proteção ambiental.

A primeira é onde se inscreve a norma princípio, a norma matriz, substancialmente

reveladora do direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. A segunda institui

os instrumentos de garantia da efetividade do direito ambiental. A terceira, finalmente,

caracteriza um conjunto de determinações particulares, em relação a objetos e setores, nos quais

a incidência do princípio constitucional se revela de primordial exigência e urgência, dado que

são elementos sensíveis que requerem imediata proteção e direta regulamentação

constitucional, a fim de que sua utilização, necessária talvez ao progresso, se faça sem prejuízo

ao meio ambiente.

Por sua vez, o meio ambiente é a interação do conjunto de elementos naturais,

artificiais e culturais que propiciam o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas

formas. A integração busca assumir concepção unitária do ambiente, compreensiva dos

recursos naturais e culturais. O legislador infraconstitucional brasileiro tratou de definir o meio

ambiente como sendo “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física,

química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas” (BRASIL,

1981).

No exemplo brasileiro, a Constituição Federal de 1988, à luz dessas novas

considerações da propriedade como fonte de direitos e deveres fundamentais, declara que “as

normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata” (art. 5º, § 1º).

Com efeito, verificamos que a Constituição brasileira é explícita quando liga, ao

direito de propriedade, o dever fundamental de atendimento às necessidades sociais. O velho

instituto ganha, assim, novas finalidades. A propriedade não é garantia em si mesma, mas um

instrumento de proteção de valores fundamentais.

Cabe salientar, nesse passo, que, como um bem de uso comum do povo, certo é que

o bem ambiental pode, e deve ser desfrutado por toda e qualquer pessoa, dentro dos limites

Page 139: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

138

constitucionais, estando configurada, portanto, uma nova realidade jurídica, de um bem que não

é público muito menos particular.

Dizer que o bem ambiental é essencial à qualidade de vida, por sua vez, é fazer

referência ao fato de que uma vida saudável reclama a satisfação dos fundamentos democráticos

de nossa Constituição Federal, entre os quais o da dignidade da pessoa humana, conforme

dispõe o art. 1º, III (FIORILLO, 2004).

Edifício de arquitetura moderna, com vidros espelhados, elevadores panorâmicos,

heliporto, piscina e demais comodidades encontradas em empreendimentos destinados à

hotelaria ou ao chamado “flat residencial” junto à margem esquerda do Rio Negro (área

anteriormente destinada a lazer dos hóspedes do Hotel Tropical) de beleza arquitetônica

inegável, mas de localização duvidosa, uma vez que coloca, entre outros patrimônios

ambientais, a água e o solo como recursos passiveis de impacto de médio porte, conforme

consta na Certidão de Viabilidade Ambiental n. 104/2000 de 13 de setembro de 2000, e em

conformidade com a Licença de Instalação — L.I. n. 015/01 datada de 28 de marco de 2001 e

emitida pelo legítimo, IPAAM – Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas, está

categorizado como empreendimento potencialmente poluidor/degrado de nível Alto, mas de

porte pequeno.(CARVALHO, 2003)

Consoante ao Parecer n. 023-DINPU (Diretoria de Integração e Planejamento

Urbano da Prefeitura Municipal de Manaus) datado de 12 de julho de 2000, o empreendimento

integra a área interna do Hotel Tropical, limítrofe à margem esquerda do Rio Negro e à Estrada

da Ponta Negra.

O Relatório Técnico n. 0116/2000-DLAT da Secretaria Municipal do

Desenvolvimento e Meio Ambiente – SEDEMA, datado de 13 de setembro de 2000, esclarece

que o empreendimento é composto por um andar de subsolo, um pavimento destinado ao uso

comum dos usuários e outros 15 pavimentos que comportam 374 unidades com capacidade para

458 pessoas, o que em linhas gerais, não se poderia considerar de pequeno porte, principalmente

em se considerando que o Flat é contíguo ao Hotel Tropical, do qual fará uso de toda

infraestrutura sanitária e viária, e que ambos poderão, em algum momento, estar funcionando

com plena capacidade, ou seja, com 100% de cada um dos empreendimentos, demandando alto

risco de degradação ambiental.(CARVALHO, 2003)

Page 140: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

139

Figura 18- Foto Aérea do Flat Tropical. Fonte: www.tropicalmanaus.com.br

A análise do Flat-Tropical pelo prisma do Direito Ambiental envolve uma reflexão

acerca à proteção dos Bens Ambientais disponíveis, a água, a flora, a fauna. Engloba os Direitos

e Garantias Fundamentais da Sociedade pois é fácil constatar os perigos decorrentes de

empreendimento do porte do Flat-Tropical em Área de Preservação Permanente, a beira de rio

e em local de beleza ímpar. Verifica-se juridicamente que se trata de um Crime de Perigo pois

apenas a localização do Flat em Área de Preservação Permanente já se trata de um ilícito civil

e penal.

A princípio é relevante que se diga que além do que dispõe o art. 231 da

Constituição do Estado, o Art. 296 da Lei Orgânica do Município de Manaus, promulgada em

05/04/1990, assegura que a Ponta Negra, dentre outras áreas e os igarapés localizados dentro

do município, são áreas de interesse ecológico, tendo o Plano Diretor Urbano e Ambiental de

Page 141: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

140

Manaus, criado mediante o art. 129 da Loman em seu Capítulo II Seção I, Art. 10 alínea a,

garantido a elaboração do Programa de Proteção do Patrimônio Natural, constituindo este um

programa que visaria a proteção do patrimônio natural, uma vez que a orla do rio Negro, demais

cursos d’ água e fragmentos florestais urbanos em Manaus constituem patrimônio natural da

cidade (art.7°, Cap. II Seção I Loman).

A esse elenco somam-se os fatos lesivos derivados do exercício das atividades

perigosas, daí a previsão genérica do crime de perigo para assuntos relativos aos bens

ambientais, “o perigo consubstancia a probabilidade de um evento temido e os crimes de perigo

mais se harmonizam com as ideias de precaução, prevalecente em matéria ambiental. ”

Em contrapartida demonstra-se as ausências entre outras obrigações incumbidas ao

Poder Público em promover a Educação Ambiental e difundir informações necessárias à

conscientização pública para as causas relacionadas ao meio ambiente inclusive dos cidadãos

aos conhecimentos pertinentes dos seus direitos, desconhecendo-se literalmente, o que venha a

ser um “um bem de uso comum do povo”, muito menos da representatividade deste bem para

a manutenção ou a melhoria de sua qualidade de vida num futuro bem próximo.

4.2.5.2 As Moradias em palafitas no Bairro de Educando e São Raimundo

O espaço urbano é construído historicamente e socialmente. A cidade representa o

resultado processual e cumulativo de intervenções humanas e relações sociais e econômicas

estabelecidas em cada momento histórico.

Segundo Braga (2003), no início da década de 1960 o Brasil ainda era um país

agrário. Dezenas de milhões de brasileiros não tem tido acesso ao solo urbano e à moradia, a

não ser através de processos e mecanismos ilegais, como as ocupações de áreas públicas,

encostas, áreas de preservação, beiras de reservatórios e rios (MINISTÉRIO DAS CIDADES,

2004).

Esse processo intenso de urbanização acarretou vários problemas, destacando-se,

entre eles, a degradação das áreas ocasionada pela ocupação desordenada e irregular. Surgem,

dessa forma, territórios de segregação econômica e social, locais nos quais as relações entre os

homens são marcadas pelas diferenças e desigualdades sociais, políticas, econômicas e

Page 142: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

141

culturais, gerando uma crise urbana e ambiental sem precedentes, pois os processos de

degradação ambiental crescem na proporção que a concentração populacional aumenta.

Guerra (2011 p. 9) afirma que “a população brasileira vem se concentrando em

grandes, médias e pequenas cidades, sendo que, atualmente mais de 80% vive em áreas

urbanas”.

E o crescimento acelerado e desordenado que ocorreu ao longo do século XX e que

continua a ocorrer até os dias de hoje também é responsável pelos problemas ambientais de que

as populações são vítimas.

Segundo Braga (2003), os principais pontos que caracterizam a atual crise urbana,

são:

concentração da população nas regiões metropolitanas, grande dinamismo das cidades médias, grande déficit habitacional, esvaziamento das áreas centrais das cidades grandes e médias, expansão desordenada das periferias, segregação socioespacial, violência urbana crescente, falta de saneamento e queda na qualidade ambiental (BRAGA, 2003, p. 2).

Tucci (2005, p. 6) argumenta que os problemas decorrentes do processo de

urbanização possuem causas diversas ao longo do tempo, principalmente nas últimas décadas:

a) a população que migra para as cidades geralmente é de baixa renda, não possui capacidade de investimento e tende a invadir áreas públicas ou comprar áreas precárias sem infraestrutura, nas quais estão incluídas as áreas de risco de inundação ou de deslizamento; b) o déficit de emprego, de renda e de moradia; c) as legislações equivocadas de controle do espaço urbano; d) a incapacidade dos municípios de planejar e antecipar a urbanização e investir no planejamento do espaço seguro e adequado como base do desenvolvimento urbano. O município consegue apenas controlar as áreas de médio e alto valor econômico com regulamentação do uso do solo, onde se estabelece a cidade formal.

A macrocefalia constitui um dos principais problemas econômicos que a capital

Amazonas sofre em relação aos outros 61 municípios que compõem o Estado do Amazonas,

em decorrência disto, temos o acúmulo de um passivo socioambiental na cidade nas mesmas

proporções, o que ocasionou a drástica redução na qualidade de vida de maior parte da

população, tendo isso um reflexo direto nas condições de saúde, higiene e moradia.

(GUGLIELMINI, 2005)

Todavia observa-se que, principalmente após a década de 70, houve um certo

relaxamento no cumprimento das normas urbanísticas e edilícias previstas no Plano Diretor

Page 143: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

142

Local Integrado de Manaus- PDLI, bem como legislação complementar em vigor desde meados

da década de 70.

Porém a ausência de um planejamento e melhor ordenamento do solo urbano,

juntamente com a perda do controle do crescimento da cidade, propiciou a ocorrência de

diversos problemas ambientais urbanos (GUGLIELMINI, 2005).

Ao construir e reproduzir seu espaço o homem torna-o adequado as suas exigências.

Mudanças nas morfologias espaciais acompanham as mudanças e interesses da história social

e econômica de uma determinada região. Os impactos ambientais produzidos por essas

mudanças, principalmente em locais de forte instabilidade ambiental são, ao mesmo tempo,

produto e processo de transformações dinâmicas e recíprocas da natureza e da sociedade.

A pobreza e as habitações precárias têm aumentado em todo o mundo,

proporcionalmente ao aumento das ocupações em áreas ambientalmente impróprias,

consideradas de risco geomorfológico.

O aumento dos desastres naturais derivados dos processos exógenos de dinâmica

superficial (movimentos de massa) e de dinâmica fluvial (alagamentos, inundações, enchentes,

enxurradas) aumenta em número e em gravidade e as consequências desses desastres serão

maiores quanto maior for a vulnerabilidade social da população envolvida (TUCCI, 2005).

A precariedade das ocupações aumenta a vulnerabilidade das áreas já naturalmente

frágeis, fazendo com que surjam setores de alto risco que, por ocasião dos períodos chuvosos

mais intensos, têm sido palco de graves acidentes (MINISTÉRIO DAS CIDADES/IPT, 2007).

Silva (2011) esclarece que os problemas ambientais que ocorrem nas áreas urbanas

muitas vezes são advindos da ocupação de encostas em solos altamente suscetíveis aos

processos erosivos ou mesmo pela ocupação dos fundos de vale em áreas sujeitas a inundações.

As modificações executadas na paisagem para a implantação de cidades afetam diretamente a dinâmica hidrológica, alterando os caminhos por onde a água circula. A retirada da cobertura vegetal produz alterações muito drásticas no ciclo hidrológico, capazes de provocar grandes danos nas áreas urbanas. Quando a ocupação é de forma desordenada a degradação dos solos é maior. Processos erosivos, movimentos de massa e inundações respondem por parte dos danos ambientais em áreas urbanas (SILVA, 2011, p. 57).

Nessa perspectiva, Ross (2005, p. 14–15) argumenta que “toda a ação humana sobre

o ambiente natural ou alterado causa algum impacto em diferentes níveis, gerando alterações

Page 144: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

143

com graus diversos de agressão, levando às vezes as condições ambientais a processo até

mesmo irreversíveis”. Nesse sentido, todas as modificações inseridas pelo homem no ambiente

natural alteram o equilíbrio dinâmico e harmonioso da natureza, quando não afetada pela ação

antrópica.

De acordo com a estruturação da Política Urbana no Estado do Amazonas, a

Constituição Estadual (promulgada em 5 de outubro de 1989) em seu Capítulo X, seção II Art.

136 que trata sobre o desenvolvimento urbano, assegurando em todos os municípios a

ordenação do pleno desenvolvimento das funções sociais e econômicas da cidade, de forma que

satisfaça a qualidade de vida e bem-estar de seus habitantes, sendo suas funções sociais

esmiuçadas no §1° deste mesmo artigo e garantidas como direitos de todos os cidadãos .

Constituição do Estado do Amazonas-Art. 136. A política de desenvolvimento

urbano, será formulada pelos Municípios e pelo Estado, onde couber, de conformidade com as

diretrizes fixadas nesta Constituição, objetivando ordenar o pleno desenvolvimento das funções

sociais e econômicas da cidade, de forma a garantir padrões satisfatórios de qualidade de vida

e bem-estar de seus habitantes.

§ 1º. As funções sociais da cidade são compreendidas como os direitos de todos os

cidadãos relativos a acesso à moradia, transporte público, comunicação, informação,

saneamento básico, energia, abastecimento, saúde, educação, lazer, água tratada, limpeza

pública, vias de circulação em perfeito estado, segurança, justiça, ambiente sadio, preservação

do patrimônio ambiental, histórico e cultural.

As ocupações ao longo dos igarapés São Raimundo, Educandos e do Quarenta na

década de 90 ainda representam o maior problema urbano, juntamente com as inúmeras causas

ambientais que crescem acompanhando o crescimento populacional e a ocupação desordenada

do solo, a destruição das coberturas vegetais, a poluição dos corpos d’água e a deficiência de

saneamento básico (GUGLIELMINI, 2005).

A característica peculiar do processo de ocupação urbana em Manaus é a

apropriação do solo a partir da completa retirada da cobertura florestal nativa. Este

procedimento gera uma série de consequências para o sistema ambiental local, aumentando o

poder erosivo das águas pluviais nos terrenos pela perda da proteção natural do solo, tornando-

os mais vulneráveis à erosão.

A retirada da cobertura vegetal permite a rápida lavagem do material superficial e

consequente carreamento do mesmo para o fundo do vale, causando muitas vezes, o

assoreamento dos canais de drenagem. Na área em estudo se observam três formas principais

Page 145: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

144

de origem dos processos erosivos induzidos: (I) ruptura de sistemas hidráulicos de escoamento

das águas pluviais; (II) a abertura e/ou pavimentação de estradas com sistemas de drenagem

inadequados ou mal dimensionados; e (III) a ocupação de encostas de alta declividade. (RIMA-

2004)

Em relação ao destino do lixo produzido na cidade a maior parte é coletada pelo

órgão responsável, mas que um volume significativo ainda é queimado ou lançado em terrenos

baldios e corpos d’água, segundo os dados da CPRM e da Defesa Civil Municipal.

(GUGLIELMINI, 2005)

Estes indicam que quase todos os igarapés que cortam a área urbana estão com suas

águas poluídas, dentre eles o igarapé do São Raimundo.

As intensas chuvas características da região e o regime de cheias provocam grandes

mudanças nos níveis dos rios e igarapés. Ocorre a inundação natural das margens desses corpos

d’agua. Há a ocorrência de alagamento das áreas ocupadas, inclusive com riscos de

desabamento presente em alguns pontos. Dentre os bairros mais atingidos estão o bairro do

Educando e o bairro de São Raimundo. Como estas áreas hoje se encontram ocupadas por

moradias e servem como depósito de grande quantidade de lixo, dificulta-se o escoamento das

águas, têm-se um cenário de risco. (RIMA-2004)

Isto é sempre um tormento aos moradores quando ocorrem as inundações dos

trechos mais baixos da área urbana, pois todos os anos durante as cheias fluviais, principalmente

os moradores dos bairros que estão localizados às margens dos cursos d’água sofrem as

consequências, aparecendo novamente dentre outros, o de São Raimundo e Educandos como

os mais atingidos. (GUGLIELMINI, 2005)

O lixo constitui-se num dos principais problemas ambientais da cidade na

atualidade, pois é no período das cheias que os riscos ambientais aumentam para os que se

encontram nessas áreas.

Em pesquisa bibliográfica realizada no jornal ACRITICA, através da plataforma

virtual- disponibilizada no endereço http://acritica.uol.com.br/, pesquisamos em área própria os

seguintes termos: Moradia; Habitação; Bairro de Educando e São Raimundo, utilizamos os

filtros de tempo do ano de 2010-2015.

Foram apresentadas notícias recentes datadas de 26 de maio de 2015, com o

seguinte título “Moradores do Educandos aguardam a descida das águas rodeados por um ‘rio

de lixo’ sobre a cheia do rio Negro, no bairro de Educando”, o qual chamou-nos atenção, no

Jornal Acrítica.

Page 146: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

145

Neste ano de 2015 como exemplo, na área ribeirinha de Manaus os moradores

preocupam-se com a subida da água pois há grande quantidade de lixo nos igarapés. O chão

onde todos circulam é feito de madeira e, abaixo dele, há muita água e lixo, esse que causa um

odor característicos dos gazes liberados no processo de decomposição de material orgânico e

não orgânico. A precariedade favorece a incidência de doenças, especialmente, as relacionadas

a veiculação hídrica como diarréia, parasitoses, micoses, atrai também bichos transmissores de

doenças como leptospirose e hepatite.

Os moradores, conforme a reportagem ao jornal Acrítica, informam que os mesmos

permanecem no local adequando a estrutura com “marombas”, deslocam seus móveis na

tentativa de preservá-los da água, ou mesmo se arriscando pisando em águas cobertas por lixo.

De acordo com a prefeitura, aproximadamente 775 famílias que moram na área

tiveram as residências atingidas pela cheia. A narração transcrita a seguir é um relato dos

moradores locais aos jornalistas “Graças a Deus estamos bem de saúde. De vez em quando dá

uma ‘disenteriazinha’, mas dá para viver, diz o autônomo Moisés Progênio Magno”; “Não gosto

de viver aqui, quando vim para cá sabia que seria assim... Mas o que eu posso fazer? Se eu

tivesse um casarão, lógico que não ficaria aqui nem um dia”. (ACRÍTICA, 2015)

Assim sendo, da análise da reportagem do jornal Acrítica percebemos que a

população ribeirinha vive em condições desumanas, o direito constitucional a moradia e a saúde

encontram-se em risco em razão da precariedade das moradias, falta de equipamentos urbanos

como infraestrutura, saneamento básico, redes de esgoto. A Educação Ambiental e a

consciência ecológica estão ausentes, uma vez que o próprio lixo é jogado nos rios e igarapés

pelos moradores e esse mesmo lixo retorna a população no período das enchentes como está

ocorrendo hoje. A falta de implantação de políticas públicas eficazes pelo poder Público, a

desigualdade social, econômica dos moradores ribeirinhos, contribuem para o impedimento ao

acesso a uma moradia digna frente ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

É importante despertar a consciência individual e coletiva para a preservação

ambiental, uma vez que o cidadão sofre em razão da sua própria falta de educação. A seguir as

fotos desta situação.

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Figura 19- A grande quantidade de lixo jogada pelos próprios moradores torna-se um tormento com a subida do rio- Fonte: Jornal Acrítica, 04 de Maio de 2015.

Figura 20- Além do perigo de animais peçonhentos, o lixo também coloca em risco a saúde dos moradores. Fonte: Jornal Acrítica, 04 de Maio de 2015.

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147

Figura 21- Lixo acumula-se em baixo das casas de palafitas Fonte: Jornal Acrítica, 04 de Maio de 2015

Segundo a Defesa Civil do município, mais de três mil famílias foram atingidas

diretamente pela cheia em toda a capital. Todas elas são moradoras de 16 áreas de Manaus,

contudo, as mais afetadas são: São Jorge, Santo Antônio, Educandos, Cachoeirinha, Raiz,

Betânia, Presidente Vargas, Aparecida, Centro, Mauzinho e Colônia Antônio Aleixo.

Ainda segundo a prefeitura, em casos onde a residência já está ou ficará alagada, as

famílias serão removidas e entrarão na programação de recebimento do Auxílio Aluguel, da

Secretaria Municipal da Mulher, Assistência Social e Direitos Humanos (Semasdh). O valor

geralmente fica em torno de R$ 400,00 e R$ 600,00, segundo informaram moradores das

palafitas. (ACRITICA, 2015)

De acordo com a Secretaria Municipal de Saúde (Semsa), os levantamentos dos

primeiros quatro meses de 2015 mostram que não houve alteração no padrão epidemiológico

das doenças de veiculação hídrica.

De acordo com Guglielmini (2005), a vazão das águas nas cheias do rio Negro na

cidade, mesmo não atingindo cotas mais elevadas, cuja frequência é de cinco anos, é

responsável por impactos negativos nas áreas ribeirinhas da cidade, em razão do grande

Page 149: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

148

contingente populacional que habita terrenos suscetíveis à inundação. Logo, vemos que uma

das poucas áreas pela qual a população em geral pode chegar até o rio, que é a área de moradias

da população de menor poder aquisitivo, é também a que possui os maiores problemas urbanos

– ambientais da cidade, ficando mais uma vez o direito ao “acesso” na cidade resguardado a

um segundo plano por parte do poder público.

De acordo com os estudos de Campos Filho (1992, p. 47),

O cidadão tem o direito de não somente habitar com dignidade, mas implica também toda infraestrutura urbana que o envolve, ou seja, além da casa, deve haver o transporte, o lazer, os serviços de saúde, a água potável e tratada, alimentação, serviços de segurança, educação etc, bem como o direito a uma vida segura com estabilidade de emprego, um ganho razoável e o próprio direito de, reivindicar por melhorias.

A atual forma de ocupação da cidade de Manaus e da Bacia de Educandos em

particular teve uma influência muito negativa sobre a fauna de modo geral, principalmente, os

peixes as aves e espécies endêmicas como o Sauim-de-Coleira.

Quanto as aves, estima-se que mais da metade das espécies que ocorreriam na área

de estudo tenham se extinguido localmente. As aves florestais foram as mais prejudicadas. No

entanto, a pesar das enormes perturbações ambientais há um número relativamente grande de

espécies de aves que ainda reside nas áreas verdes da cidade.

A maioria das espécies florestais ocorre exclusivamente em áreas verdes urbanas,

principalmente no Campus Universitário da UFAM. A melhor maneira de proteger estas

espécies é evitando a destruição do seu habitat natural tanto nas enormes áreas de floresta que

se encontram fora da cidade de Manaus, como nas manchas de floresta que ocorrem ao longo

da Bacia de Educandos.

A ação predatória de animais domésticos e a redução da cobertura vegetal nativa

colaboraram para a redução da maioria das populações de lagartos, que têm como refúgio os

fragmentos de florestas remanescente se de maior porte. A redução no número de espécies ainda

não pode ser confirmada, uma vez que as espécies da Região de Manaus que ainda não foram

registradas na bacia de Educandos podem ser relativamente raras ou de difícil visualização, o

que exigiria um esforço de amostragem bem maior do que foi feito até o momento.

Animais de grande porte como anta, veados, alguns macacos, porcos, onças, etc. já

foram extintos principalmente por pressão de caça e em segundo plano pelos efeitos da

fragmentação e destruição dos ambientes, ou seja, houve uma redução drástica da riqueza dos

mamíferos e também do número de indivíduos da maioria das espécies que ainda sobrevivem

na bacia. No Igarapé do Quarenta encontram-se apenas espécies de peixes resistentes a

Page 150: Urbanização na cidade de Manaus: uma reflexão acerca do

149

ambientes poluídos como o tamoatá (Hoplosternum littorale), a traíra (Hoplias malabaricus), o

cará-açu (Astronotus sp). Como consequência da presença de metais pesados nesse sistema

hídrico se constata altos valores de metais nos músculos e fígado de Hoplosternum littorale e

Hoplias malabaricus. Os altos níveis de metais nos peixes podem ser evidenciados pela

deformação na sua nadadeira. (PROGRAMA SOCIAL E AMBIENTAL DOS IGARAPÉS DE

MANAUS, 2004)

Outro problema ambiental grave é a rede de esgoto da cidade de Manaus tem ao

todo aproximadamente 361km, sendo que, 141,20 km, correspondentes à 39% do total, se

estendem na área do PROSAMIM cobrindo os bairros de Educandos, Centro e Distrito

Industrial.

Embora a área seja uma das poucas com sistema de coleta de esgotos da cidade, a porcentagem de cobertura frente ao universo de moradias é insignificante. A maior parte dos domicílios, principalmente aqueles localizados as margens dos igarapés lançam diretamente seus esgotos nestes corpos d’agua. As instalações sanitárias, apesar de alguns admitirem terem-na através da rede geral ou do tipo pluvial, o que pode ser observado na área é que quase sempre todos os canos de escoamento da água servida vão diretamente para o rio sem receber nenhum tipo de tratamento. Após o tratamento na EPC deste bairro, os efluentes são lançados no rio Negro, através de emissário subfluvial, com percurso seguindo pelo fundo do Igarapé do Educandos até o local da disposição final. Todavia, a rede de coleta existente na cidade se encontra dispersa ou agrupada em diferentes pontos, como áreas que abrangem conjunto habitacionais, loteamentos ou em alguns bairros inteiros, o que não forma um sistema contínuo. (PROGRAMA SOCIAL E AMBIENTAL DOS IGARAPÉS DE MANAUS, 2004, p. 46

Sendo que nas áreas onde não existem rede coletora, são utilizadas fossas e

sumidouros nas residências e fossa/filtros anaeróbicos nos conjuntos habitacionais. Mas que

em geral, todas as cidades, mesmo nas áreas próximas ao centro, ocorrem lançamento de

efluentes domésticos nas ruas e nos vários igarapés que cruzam Manaus. (GUGLIELMINI,

2005).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A discussão realizada nos capítulos anteriores permitiu a construção de um

referencial teórico para a concretização da análise das relações existentes entre a expansão

urbana, as fragilidades ambientais da paisagem urbana e o Meio Ambiente das populações que

habitam os locais definidos como de fragilidade ambiental, pois se entende que os estudos

ambientais urbanos devem abranger a compreensão das interações existentes entre o meio físico

e a ação antrópica e elucidar como essas relações se manifestam objetiva e subjetivamente, para

que se possa gerir o ambiente de forma integrada.

Sendo assim para atingir tal objetivo foi necessário investigar o processo histórico

do crescimento urbano da cidade de Manaus e quais foram às implicações socioambientais

decorrentes da evolução da urbanização frente ao Direito à Moradia Digna principalmente para

as populações de menor renda, quais consequências ao Meio Ambiente Ecologicamente

Equilibrado, por fim a análise de áreas que apresentaram fragilidade ambiental decorrentes de

desequilíbrios ambientais devido às intensas modificações da paisagem intermediadas pelas

ações antrópicas.

Para contextualizarmos foi fundamental a leitura de diferentes autores que discutem

a organização e a produção do espaço na Amazônia brasileira, especialmente a partir da década

de 1970, quando a região de Manaus começa a experimentar um vertiginoso crescimento

populacional, sendo diretamente influenciado pela instalação do Polo Industrial.

O aumento da população não ocorreu separado de um intenso desenvolvimento do

mercado imobiliário o qual parcelou e ocupou até as áreas mais distantes do centro da cidade,

contribuindo para a expansão urbana da capital.

A discussão sobre essas mudanças foi acompanhada de dados captados em fontes

primárias fornecidas pelo próprio poder público como o IBGE, no principal periódico de

Manaus, A Crítica, em livros, artigos e dissertações as quais foram muito importantes no

fornecimento de informações. A cada edição, uma e outra matéria traziam o registro das

transformações em curso na cidade de Manaus.

Podemos afirmar que o Direito à Moradia é um Direito Fundamental Social que

ainda está em construção no Brasil. É um direito de difícil consolidação por se tratar de um

direito de natureza social, isto é, por requer ação positiva do Estado.

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A presente pesquisa demonstrou o percurso de formação do Direito à Moradia,

desde seu surgimento, passando pelos Tratados e acordos internacionais, até a

constitucionalização no Brasil pela Emenda Constitucional 26 de 14 de fevereiro de 2000.

Analisamos o Direito à Moradia em colisão com outros Direitos Fundamentais mais

tradicionais como a propriedade, o Meio Ambiente e a Legislação Urbanística. No segundo

capítulo deste trabalho, destinamos a descrever a formação da norma de Direito à Moradia,

discorremos sobre a natureza da norma constitucional, sua forma de interpretação e aplicação,

sobre a natureza da norma de Direito Fundamental Social.

A moradia, em nosso ordenamento jurídico, é um Direito Fundamental da pessoa

humana. Faz parte de um rol de direitos elencados nos artigos 6º ao 11 da Constituição Federal,

juntamente com outros Direitos Sociais tais como: educação, saúde, trabalho, lazer, segurança,

previdência social, proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados.

Contudo esse direito não é absoluto. O Direito à Moradia tende a sofrer minimização em sua

aplicabilidade. Isso porque, os Direitos Sociais, por sua própria natureza, requerem do poder

político uma demanda de recursos para sua aplicabilidade plena, o que gera fortes pressões e

envolve escolhas políticas determinantes, para que se alcance o ideal de uma sociedade livre,

justa e solidária, objetivo consagrado em nossa Carta Magna.

Dentre os diversos problemas urbanos existentes em Manaus envolvendo o Direito

à Moradia Digna destacamos a desigualdade social, que se manifesta de várias formas, a

começar pela segregação espacial. As pessoas sem terem condições de pagar por uma moradia

decente passaram a ocupar na orla fluvial da cidade, depois surgiram as ocupações clandestinas,

as ocupações periféricas ao longo das várzeas dos rios e igarapés com barracos e palafitas,

tornando a forma de habitar insalubre, comprometendo, assim, o ecossistema fluvial e a

qualidade de vida de seus moradores, além da falta de serviços de consumo coletivo e de

infraestrutura urbana capazes de atender a essa parcela da população.

Os bairros onde residem a população de melhor poder aquisitivo são mais

valorizados, em função de disporem de melhor infraestrutura urbana, serviços de consumo

coletivo, proporcionando melhores condições de vida a seus habitantes.

Na complexa realidade em que o Direito à Moradia está inserido, o espaço urbano

é um bem valorizado, escasso e disputado, no qual as normas que têm a incumbência de regular

a ocupação e o uso do espaço urbano, são capazes de adequar à ordem jurídica somente uma

pequena e privilegiada parcela do território urbano.

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A informalidade dos contratos, a insegurança jurídica na posse, a ausência do poder

público e segregação socioterritorial são as marcas das moradias de grande parte da população

empobrecida da cidade de Manaus.

No terceiro capítulo fizemos a inserção doutrinaria entre Meio Ambiente

Ecologicamente Equilibrado, Educação Ambiental, Consciência Ecológica e a proteção

ambiental, normalmente os danos ambientais são piores em áreas onde existem desrespeitos aos

direitos humanos, sua aplicação é pouco difundida e a sociedade civil não está apta a defender

as problemáticas ambientais efetivamente. A Educação formal e a Educação Ambiental são

Direitos Fundamentais no processo de inclusão social. Em Manaus o baixo nível de

escolaridade da população, aliado à falta de renda e ao subemprego têm levado boa parte da

população dessa cidade a viver em situações precárias. Essas situações conjugadas à degradação

que se faz presente na cidade através da falta de arborização, esgotos escorrendo a céu aberto,

além do lixo espalhado por ruas e terrenos baldios, denunciam a falta de comprometimento

público, requerendo, assim, a adoção de medidas que solucionem este quadro, principalmente

no que se refere à implementação de eficazes políticas públicas.

Ao procedermos no recorte espacial no quarto capítulo da área ribeirinha do Bairro

de São Raimundo e Educando constatamos as condições de moradia da população de baixa

renda e sua relação em desarmonia com o Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado,

afirmamos que não somente estas áreas estão em desarmonia, mas no Bairro da Ponto Negra,

um dos mais ricos da cidade de Manaus como por exemplo o Flat Tropical está cristalina o

desrespeito às normas Estaduais, Federais, de proteção e manutenção de um Meio Ambiente

Ecologicamente Equilibrado, sendo assim possibilitamos nesse trabalho representar uma

síntese das características negativas da urbanização de Manaus para a manutenção e proteção

ambiental.

De acordo com a análise bibliográfica, percebemos o nível de precariedade a que

as populações segregadas estão submetidas, ficando expostas a todas as enfermidades

decorrentes da falta de acesso ao saneamento básico. Além disso, há uma ausência de

equipamentos urbanos importantes na caracterização das áreas urbanas que implicam

diretamente na qualidade de vida de uma comunidade.

Com intuito de retirar as populações residentes em áreas de risco o poder público

tem criado projetos que contemplam a reestruturação sanitária, a retirada das famílias próximas

aos recursos hídricos e a recuperação dos igarapés, além da retirada de toneladas de materiais

sólidos depositados nos igarapés.

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No entanto, as questões socioambientais que norteiam o processo de ocupação da

cidade envolvem diversos fatores e necessitam de soluções multidisciplinares. Programas de

Educação Ambiental para as comunidades são tão importantes quanto à disponibilização de

uma infraestrutura adequada.

A Educação Ambiental pode assumir tanto um papel de conservação da ordem

social, reproduzindo os valores, ideologias e interesses dominantes socialmente, como um papel

emancipatório, promovendo a renovação cultural, política e estética da sociedade e o pleno

desenvolvimento das potencialidades dos indivíduos que a compõem.

Deste modo, destaca-se a Educação Ambiental definida a partir de uma matriz que

percebe a educação como um elemento de transformação social baseada no diálogo, no

exercício da cidadania, no fortalecimento dos sujeitos, na superação das formas de dominação

e na compreensão do mundo em sua complexidade (LOUREIRO, 2004).

Esses valores precisam ser construídos pela sociedade contemporânea pois exigem

a formulação de uma nova visão de mundo, e, por conseguinte, de uma nova formação do ser

humano, em que a consolidação de valores morais, éticos e estéticos, se vejam refletidos na

sociedade, e até mesmo de novas teorias sobre as relações sociais e ambientais, etapas que

somente podem ser alcançadas, na medida em que houver a transformação do indivíduo, à partir

do despertar, construção e/ou desenvolvimento da sua consciência ecológica adquirida pela

educação ambiental.

Não foi nosso objetivo, nesse trabalho, esgotar as discussões acerca dos problemas

urbanos da cidade de Manaus, apenas refletirmos sobre essa temática, e assim contribuirmos

para discutirmos sobre o direito à moradia digna, questões de ordem legal, social, econômica,

política e ambiental e sua interdependência ao Meio Ambiente sadio e ecologicamente

equilibrado.

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