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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Henrique Athayde de Hollanda A VALIDADE DO ENCONTRO FORTUITO DE PROVAS – A RELATIVIZAÇÃO DAS PROVAS ILÍCITAS – CURITIBA 2011

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

Henrique Athayde de Hollanda

A VALIDADE DO ENCONTRO FORTUITO DE PROVAS – A RELATIVIZAÇÃO DAS PROVAS ILÍCITAS –

CURITIBA 2011

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A VALIDADE DO ENCONTRO FORTUITO DE PROVAS – A RELATIVIZAÇÃO DAS PROVAS ILÍCITAS –

CURITIBA 2011

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Henrique Athayde de Hollanda

A VALIDADE DO ENCONTRO FORTUITO DE PROVAS – A RELATIVIZAÇÃO DAS PROVAS ILÍCITAS –

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel. Orientador: Murilo Henrique Pereira Jorge.

CURITIBA 2011

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TERMO DE APROVAÇÃO Henrique Athayde de Hollanda

A VALIDADE DO ENCONTRO FORTUITO DE PROVAS – A RELATIVIZAÇÃO DAS PROVAS ILÍCITAS –

Esta monografia foi julgada e aprovada para obtenção do grau de bacharel em Direito no curso de Direito da Universidade Tuiuti do Paraná.

Curitiba, 30 de setembro de 2011.

__________________________________________

Direito Universidade Tuiuti do Paraná

Orientador: Professor Murilo Henrique Pereira Jorge Universidade Tuiuti do Paraná

_____________________________________

Universidade Tuiuti do Paraná

_____________________________________ Universidade Tuiuti do Paraná

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DEDICATÓRIA

Este trabalho é dedicado àqueles que de alguma forma me auxiliaram ao

longo destes anos de faculdade. Hoje sou uma pessoa melhor e mais completa

devido ao apoio que tive de vocês nos momentos decisivos da minha vida.

Ao meu orientador, Dr. Murilo Henrique Pereira Jorge, agradeço as horas

dedicadas às aulas que me foram dadas e à correção do meu trabalho.

À Deus agradeço o dom da vida bem como as oportunidades e obstáculos

que colocou em meu caminho.

Meus pais, minha família e minha esposa, vocês foram fundamentais nesta

jornada. Compreenderam as várias horas de que tive que me abster de suas

companhias em prol de conquistar o objetivo que hoje consegui. A vocês devo tudo

o que sou. Muito obrigado, amo todos vocês.

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"No que diz respeito ao desempenho, ao compromisso, ao esforço, à dedicação, não existe meio termo. Ou você faz uma coisa bem-feita ou não faz."

(Ayrton Senna)

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RESUMO Este trabalho tem com principal objetivo analisar o encontro fortuito de provas, no que diz respeito à sua validade. Para chegar a este ponto, fez-se necessário abordar os tipos de provas a fim de entender porque podem ser consideradas lícitas ou ilícitas. Apresentamos exemplos do direito pátrio e comparado com o intuito de mostrar como a aplicação das leis penais é feita no Brasil e no exterior. As jurisprudências utilizadas demonstram entendimentos atuais em nossos Tribunais, mas nada impede de que com o passar dos anos estes sofram alterações, pois o direito é uma ciência em constante modificação para atender às necessidades da sociedade.

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ABSTRACT

The main goal of this study is to analyze the chance encounter of evidences and its acceptance. In order to reach this goal it was necessary to study the different kinds of evidences so that we could understand why evidences can be considered licit or illicit. We present Brazilian and overseas’ cases to demonstrate how the penal law is applied in our country as well as abroad. The jurisprudences utilized in this study demonstrate how our Courts are judging cases today, but this will not avoid that, when times goes by, these understandings change, for Law is a science in constant change to fulfill the needs of the society.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO .....................................................................................................10 2. AS PROVAS ILÍCITAS NO DIREITO COMPARADO...........................................14 3. AS PROVAS NO PROCESSO PENAL ................................................................17 3.1. AS PROVAS DESNECESSÁRIAS OU MERAMENTE PROTELATÓRIAS........18 3.2. AS PROVAS ILÍCITAS .......................................................................................20 3.2.1 PROVA ILÍCITA POR DERIVAÇÃO.................................................................22 3.2.1.1 DOUTRINA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA............................22 3.2.1.2. FONTE INDEPENDENTE (INDEPENDENT SOURCE) ...............................25 3.3. PROVA ILEGÍTIMA ............................................................................................27 4. ENCONTRO FORTUITO DE PROVAS / DESCOBERTA INEVITÁVEL (INEVITABLE DISCOVERY).....................................................................................29 4.1. TEORIA DA PROPORCIONALIDADE - RELATIVIZAÇÃO DAS PROVAS ILÍCITAS....................................................................................................................31 5. CONCLUSÃO .......................................................................................................34 REFERÊNCIAS.........................................................................................................36 ANEXO I - HC 107.285/RJ........................................................................................37

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1. INTRODUÇÃO

O símbolo do Direito é a Deusa Têmis, vendada e segurando uma balança

em uma mão e uma espada na outra. É importante a análise desta figura. A cegueira

causada pela venda nos olhos é o símbolo da imparcialidade, já a balança

representa a equivalência e a equação entre o castigo e a culpa, enquanto a espada

por sua vez significa a destruição da injustiça, da maleficência e da ignorância, além

de manter a paz e a justiça (www.stf.jus.br).

O que vale mais, os direitos e garantias individuais do réu ou aqueles da

sociedade? Deve-se deixar de punir um culpado tão somente porque a prova

apresentada pelo Ministério Público foi de origem suspeita? Conforme o jargão

amplamente difundido no meio jurídico, “cada caso é um caso”. Até que ponto os

direitos individuais devem prevalecer sobre os direitos da sociedade? É válido

manter um bandido nas ruas, em condições propícias para novas práticas ilícitas,

causando temor e desconfiança à sociedade, ou seria melhor em determinados

casos entender que é maior o benefício de manter tal pessoa enclausurada, visando

o bem da sociedade, ainda que a prova que o levou a condenação seja de origem

suspeita, porém inequívoca?

Em uma ação penal existem duas partes, acusação e defesa, e um juiz ou

tribunal. Cabe ao juiz ou tribunal proferir a decisão que absolverá ou condenará o

réu, extinguirá ou trancará a ação penal, contudo, essa decisão deve ser tomada

analisando-se cautelosamente as provas apresentadas pelas partes.

A produção das provas tem o objetivo de demonstrar ao magistrado a

verdade real, aquilo que realmente ocorreu no caso concreto, no entanto, nem

sempre é possível chegar a esta verdade, devendo o juiz sentenciar baseado na

verdade processual, ou seja, baseado naquilo que se foi possível concluir através

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das provas produzidas e introduzidas no processo.

Existem provas que não são aceitas pelo juiz, por serem desnecessárias ou

por serem ilegais (ilícitas ou ilegítimas). Faz-se necessário distinguir esses tipos de

provas, pois cada uma delas recebe um tratamento diferenciado pela lei, pela

doutrina e pela jurisprudência. Essa abordagem será feita no momento oportuno ao

longo deste trabalho.

A produção de provas no processo penal vem de dois lados. Em um

encontramos a acusação, representada, na maioria das vezes, pelo Ministério

Público, e em alguns casos (nas ações penais privadas) pode contar com o auxílio

de um assistente de acusação (artigos 268 e 269 do Código de Processo Penal). Em

outro lado está o acusado, o réu, que terá obrigatoriamente ao seu lado um

advogado legalmente constituído ou um defensor público, para representar seus

interesses, como preceitua o artigo 261 do Código de Processo Penal: nenhum

acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor.

Art. 261. Nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor.

Art. 268. Em todos os termos da ação pública, poderá intervir, como assistente do Ministério Público, o ofendido ou seu representante legal, ou, na falta, qualquer das pessoas mencionadas no Art. 31.

Art. 269. O assistente será admitido enquanto não passar em julgado a sentença e receberá a causa no estado em que se achar.

Em algumas situações, há provas que aparecem no decorrer do Inquérito

Policial ou do processo sem serem o objeto da busca ou investigação policial. A

essas ocorrências dá-se o nome de encontro fortuito de provas ou ainda teoria da

descoberta inevitável. Esta teoria é admitida e muito utilizada no direito

estadunidense (Eugênio Pacelli de Oliveira, Curso de Processo Penal, 2008, p. 310).

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No direito brasileiro, existe vedação constitucional das provas ilícitas,

conforme o artigo 5º, inciso LVI. Some-se a ela a proibição encontrada no Código de

Processo Penal, em seu artigo 157, caput e § 1º.

LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos;

Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)

§ 1o São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.

Data vênia ao cuidado do legislador quando da elaboração tanto do Código

de Processo Penal quanto da Constituição Federal, essas proibições genéricas

causam alguns percalços quando aplicadas a alguns casos concretos. Não raras as

vezes em que um criminoso é posto em liberdade e absolvido porque as provas

apresentadas pela acusação não puderam entrar no processo ou tiveram que ser

dele desentranhadas por serem ilícitas ou por força do princípio dos frutos da

árvore envenenada (fruits of the poisonous tree).

O encontro fortuito de provas pode ser decorrente tanto de uma prova

ilícita quanto de uma ilegítima, mas muitas são as vezes em que ele ocorre em uma

diligência policial legal, não tendo portanto a sua origem maculada por uma

ilegalidade.

O foco deste trabalho será abordar situações em que a aceitação da teoria

da descoberta inevitável deveria ser levada em consideração por nossos

julgadores. Serão analisados os pontos positivos e negativos destas provas,

levando-se em conta o confronto entre os direitos e garantias fundamentais de um

indivíduo e os direitos e garantias assegurados à sociedade.

Qual seria a aplicabilidade do Princípio da Razoabilidade nesses casos? Ela

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é válida ou não? Há necessidade de se alterar a lei ou existem meios legais de

contornar essas vedações? Há divergência doutrinária e jurisprudencial a esse

respeito.

Este é um tema polêmico, que merece cuidadosa pesquisa e abordagem,

visando encontrar um ponto de equilíbrio entre a lei em sua forma abstrata e aquela

aplicada ao caso concreto, pois, a nosso ver, existem situações em que a aplicação

positivista da lei poderá trazer prejuízos muito grandes à sociedade.

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2. AS PROVAS ILÍCITAS NO DIREITO COMPARADO

A inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos não é novidade nem

no Brasil nem em outros países desenvolvidos. O princípio da inadmissibilidade é

originário do processo penal dos Estados Unidos. Jerold H. Israel e Wayne R.

LaFave in Denilson Feitoza (Direito Processual Penal, 2008, p.607/608), destacam a

proibição das provas ilícitas na 4ª Emenda à Constituição dos Estados Unidos da

América. Vejamos:

“Segundo Jerold H. Israel e Wayne R. LaFave, no contexto da 4ª Emenda à Constituição dos Estados Unidos da América, a proibição contra a admissão, no processo, da prova obtida inconstitucionalmente tem sido conhecida como “princípio da exclusão” ou, conforme denominação mais empregada no português, “regra de exclusão” (exclusionary rule), que equivale, em terminologia brasileira, ao princípio da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos ou princípio da ilicitude. (...) A finalidade primordial do “princípio da exclusão”, se não a única, é prevenir a conduta policial ilícita (caso U.S. v. Janis, 1976). Mais do que um direito individual da parte lesada, é um “remédio jurídico” criado judicialmente com a destinação de proteger as normas constitucionais da 4ª Emenda Constitucional, geralmente por seu efeito preventivo ou dissuasivo (caso U.S. v. Calandra, 1974), o que vem sendo repetido pela maioria da Suprema Corte em quase todas as principais discussões posteriores sobre o “princípio da exclusão”.

Um dos primeiros casos a enfrentar tal situação – e fazer uso daquilo que

hoje conhecemos como doutrina dos frutos da árvore envenenada, ou fruits of the

poisonous tree doctrine – foi o Silverthorne Lumber Co. v. U.S. ocorrido em 1920.

Sobre este tema Denilson Feitoza Pacheco (2008, p.611) se pronúncia:

“[...]a Suprema Corte considerou inválida uma intimação que tinha sido expedida com base numa informação obtida por meio de uma busca ilegal. A acusação não poderia usar no processo a prova obtida diretamente da busca ilegal, nem a prova obtida indiretamente por meio da intimação baseada nesta busca. O princípio da exclusão seria aplicável a todas as provas contaminadas pela busca inconstitucional. Mais tarde, essa extensão do princípio da exclusão às provas derivadas passou a ser chamado de fruits of the poisonous tree doctrine. Inicialmente foi aplicada como extensão da regra de exclusão da 4ª Emenda, mas, depois, foi estendida às demais regras de exclusão, como as da 6ª Emenda e da 5ª Emenda à Constituição americana.”

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Luiz Francisco Torquato Avolio, em seu livro Provas Ilícitas: interceptações

telefônicas, ambientais e gravações clandestinas (2010, p. 60), traz outro caso do

direito norte-americano:

“Embora a jurisprudência já tivesse tido oportunidade, em diversas ocasiões, de repelir as provas obtidas de forma ilegal, foi a partir da sentença proferida pela Suprema Corte no caso “Mapp v. Ohio”, de 1961, que se firmou posição pela inadmissibilidade também nos procedimentos criminais dos Estados-Membros. Tratava-se de uma apreensão, sem mandado judicial, de material obsceno encontrado na casa da Srta. Mapp, cuja mera posse era proibida pelas leis do Estado de Ohio. A decisão afastou, em caráter geral, tanto nos procedimentos estaduais como federais, a prova ilegalmente obtida, por constituir violação à Constituição Federal.”

A proibição das provas ilícitas na Itália ocorreu apenas em 1988, com o

advento do Código de Processo Penal Italiano. Seu artigo 191 introduziu a vedação

à utilização das ilícitas, no entanto, a doutrina não a encara de forma absoluta, como

aponta Luiz Francisco Torquato Avolio, (2010, p. 56/57).

Já no direito francês, este autor ainda relata que:

“[...] encontra-se a possibilidade de aplicação da doutrina da inadmissibilidade das provas ilícitas, através de uma disposição do estatuto processual que regula as nulidades. Além das hipóteses de nulidade pela inobservância de determinadas prescrições processuais, o art. 172 do Código de Processo francês estabelece, como caráter muito amplo, a nulidade nos casos de violação dos direitos da defesa. Deixa, ainda, a critério do Tribunal, a qualquer fase a abrangência da anulação, que pode estender-ser do ato viciado a qualquer fase ulterior do procedimento. E, ainda, conforme o art. 173, ao ato anulado é excluído dos autos, impossibilitando aos magistrados deles extrair qualquer elemento, sob pena de incidirem em prevaricação, e, quanto aos defensores, em sanções disciplinares.”

Em 1950, com a introdução do novo § 136 da Strafprozessoronung, a

Alemanha excluiu a utilização de métodos narcoanalíticos (exploração do

inconsciente de uma pessoa através de hipnose) e psicométricos (medida dos

fenômenos psíquicos) para a obtenção de provas, além de vedar explicitamente a

utilização, em juízo, de provas obtidas de forma ilegal.

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É mister ressaltarmos que ainda que grande maioria da doutrina mundial seja

partidária da inadmissibilidade das provas obtidas por meio ilícito, há aqueles que

apontam alguns casos excepcionais em que tais meios probatórios poderiam ser

utilizados no processo penal.

Ada Pellegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes e Antonio Magalhães

Gomes Filho destacam a teoria da proporcionalidade e a teoria das provas ilícitas

por derivação, que tem como objetivo possibilitar a admissibilidade em casos

específicos. Sobre essas teorias, abordaremos em capítulos futuros.

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3. AS PROVAS NO PROCESSO PENAL

Na língua portuguesa, prova é aquilo que serve para estabelecer a verdade

de um fato, origina-se do latim – probatio – que significa verificação, inspeção,

exame. Ao analisarmos o seu significado no meio jurídico, não há muita variação,

pois é o objeto responsável pela demonstração evidente da verdade ou

autenticidade de algo. (Guilherme de Souza Nucci, Provas no Processo Penal, 2009,

p. 13).

Prova, para José Frederico Marques (Elementos de Direito Processual

Penal, p. 331), é constituída pela demonstração dos fatos que assenta a acusação e

por aquilo que o réu alega em sua defesa.

A finalidade da prova no Processo Penal é levar o magistrado à certeza

daquilo que a parte esta tentando demonstrar, seja ela de acusação ou de defesa.

Caso a convicção do julgador corresponda à realidade dos fatos, Guilherme de

Souza Nucci a chama de verdade objetiva, enquanto aquela que não corresponder à

realidade é chamada de verdade subjetiva. As provas podem ser apresentadas

ao juiz de forma direta (regra geral, através de testemunhas e perícias) ou indireta

(exceção, através de indícios). Para Nucci (Provas no Processo Penal, 2009, p. 21):

“são diretas as que se unem, sem qualquer intermediário, ao fato objetivado. São indiretas as que necessitam de interposto fator, elemento ou situação para atingir o fato almejado. Em processo penal, admitem-se as provas diretas e as indiretas para qualquer fim: condenar ou absolver.”

O ônus da prova caberá a quem alegar, conforme previsto em nosso Código

de Processo Penal, em seu artigo 156.

Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício:

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I - ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida;

II - determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.

No processo penal brasileira, é possível a produção antecipada de provas,

mas para tanto, faz-se necessário atentar a alguns requisitos intrínsecos: a

relevância e a urgência. Há ainda a necessidade de cumprir os requisitos

extrínsecos, quais sejam: necessidade, adequação e proporcionalidade. Somam-se

a estes requisitos as demais condições gerais da ação e da ação cautelar.

3.1. Provas Desnecessárias ou Meramente Protelatórias

O destinatário das provas é sempre o juiz, pois é ele que as analisará e

criará o seu convencimento para assim proferir a sentença, condenando ou

absolvendo o réu. Nesta posição, ele tem o direito de rejeitar produção de provas

que julgue desnecessárias, seja por já ter provas suficientes para dar o veredicto,

seja por considerá-las protelatórias.

Nossos Tribunais já pacificaram esse entendimento como verificamos

abaixo:

Habeas Corpus. Prisão em flagrante. Tráfico. Cerceamento de defesa. Não ocorrência. Magistrado que, de maneira fundamentada, indefere a produção de prova pericial considerada desnecessária e protelatória. O Juiz é o destinatário da prova, na condição de presidente da instrução criminal. Decisão devidamente fundamentada. Arrimo, ainda, no § 5º, do artigo 55, da Lei nº 11.343/2006. Inocorrência de constrangimento ilegal. Ordem conhecida, porém denegada. (...) 2. O magistrado, como destinatário direto da instrução probatória, pode, mediante fundamentação (princípio do livre convencimento motivado), indeferir a produção de provas que entender impertinentes, desnecessárias ou protelatórias. 3. A defesa não logrou demonstrar a imprescindibilidade da realização do exame, não consistindo referida perícia em direito subjetivo do réu. 4. Ordem parcialmente conhecida e, nessa extensão, denegada. (HC 99.739/DF, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 15/06/2010, DJe 02/08/2010) (TJPR - 5ª C.Criminal - HCC 0751526-2 - Apucarana - Rel.: Juiz Subst. 2º G. Rogério Etzel - Unânime - J. 03.03.2011) (grifo nosso)

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HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE PERÍCIA NO LOCAL DO CRIME. CERCEAMENTO DE DEFESA. INEXISTÊNCIA. DILIGÊNCIA INDEFERIDA DE FORMA MOTIVADA PELO JUÍZO PROCESSANTE. FALTA DE LAUDO DE EXAME DE CORPO DE DELITO NO USUÁRIO QUE ADQUIRIU O ENTORPECENTE. INEXISTÊNCIA DE NULIDADE NA SENTENÇA. ORDEM DENEGADA. 1. O Magistrado condutor da ação penal pode indeferir, desde que em decisão devidamente fundamentada, as diligências que entender protelatórias ou desnecessárias, dentro de um juízo de conveniência, que é próprio do seu regular poder discricionário. 2. No caso, o Juiz do feito indeferiu o pedido da Defesa de perícia no local dos fatos porque apenas a prova oral poderia, facilmente, esclarecer a distância entre o local onde o Paciente foi preso em flagrante e o local onde ocorreu o comércio ilícito. 3. Não se afigura demonstrado, na via estreita do writ, o alegado constrangimento ilegal por cerceamento de defesa, uma vez que o Juiz indeferiu o pedido apresentando fundamentação consistente e lógica para o indeferimento. Precedentes. 4. Inexiste nulidade na sentença pelo não encaminhamento do exame do corpo de delito do usuário de drogas que adquiriu o entorpecente com o réu, sobretudo porque não há nos autos prova de que a perícia tenha sido feita ou indícios de qualquer tipo de violência ou arbitrariedade contra a testemunha. 5. Ordem denegada. (HC 143.851/RJ, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 17/05/2011, DJe 01/06/2011) (grifo nosso) PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ASSOCIAÇÃO E TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. NULIDADE PROCESSUAL. INDEFERIMENTO DE OITIVA DE TESTEMUNHA. DECISÃO FUNDAMENTADA. DISCRICIONARIEDADE DO JUIZ CONDUTOR DO PROCESSO. REVOLVIMENTO DE FATOS E PROVAS, INCABÍVEL NA VIA ESTREITA DO HABEAS CORPUS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. EXCESSO DE PRAZO. PERDA DE OBJETO. RÉU CONDENADO E SENTENCIADO. 1. Não configura cerceamento de defesa o indeferimento de diligência desnecessária ou protelatória, como ocorreu no caso concreto. 2. Não há se falar em excesso de prazo, pois, de acordo com as informações prestadas, o paciente já foi julgado e condenado. 3. Ordem denegada. (HC 102.658/RJ, Rel. Ministro ADILSON VIEIRA MACABU (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RJ), QUINTA TURMA, julgado em 31/05/2011, DJe 20/06/2011) (grifo nosso)

Ao analisar esse posicionamento, merece um contraponto. Pode-se

considerar algum tipo de prova como protelatória ou desnecessária? O magistrado

poderia descartar uma prova tão somente por acreditar que ela não trará

informações novas ao processo? Tanto a acusação quanto a defesa têm seus

motivos para crer necessária a introdução das provas no processo, uma testemunha

que não seja ouvida, ou um documento que não seja analisado poderá trazer grande

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prejuízo à parte. O juiz poderia dispensar, por considerar protelatória ou

desnecessária, uma prova após analisá-la, mas já que ela foi analisada e não é

ilícita ou ilegítima, não haveria por que extraí-la dos autos.

3.2. Provas Ilícitas

CF/88 Art. 5º, LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos;

As provas ilícitas são aquelas que afrontam o direito material, quer quanto

ao meio, quer quanto ao modo de obtenção (MIRABETE, Processo Penal, p. 253).

Para citar um exemplo, é comum na doutrina pátria a prova obtida sob tortura, pois

viola uma norma material, a Lei 9.455/1997.

Fernando da Costa Tourinho Filho, em seu livro Processo Penal (2008, p.

58/59) destaca que até a chegada da Constituição de 1988, o Brasil não possuía,

além do artigo 233 do Código de Processo Penal, qualquer regra impeditiva de se

produzir em juízo “prova obtida através de transgressões a normas de direito

material”. O Artigo 5º, inciso LVI, da Constituição Brasileira de 1988, sanou esta

lacuna. Para o autor:

“trata-se de uma demonstração de respeito não só à dignidade humana como também à seriedade da Justiça e ao ordenamento jurídico. O n. 2 do artigo 5 do Pacto de São José da Costa Rica, ao qual o Brasil depositou sua Carta de Adesão, dispõe que “ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos e degradantes. Toda pessoa provada da liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade da pessoa humana”. Ainda que não tivéssemos no texto constitucional tais garantias, elas seriam válidas, à dicção do §2º do seu artigo 5º. (...) Nenhuma legislação, exceto a brasileira, proclama, de maneira absoluta e peremptória, a inadmissibilidade, no processo, das provas obtidas por meios ilícitos.”

Em sua obra “Prova Criminal” (p. 100 e 101), Jorge Henrique Schaefer

Martins aponta que este tipo de prova não deve ser acolhida pelo juiz, ainda que

contenha dados importantes para a apuração do fato em análise, mesmo se tratando

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de crime gravoso. Este autor ainda faz um destaque à possibilidade da admissão

das provas ilícitas quando pro reo, em acaráter excepcional.

A vedação das provas ilícitas busca assegurar um equilíbrio entre acusação

e defesa no âmbito processual, pois impedindo a produção probatória irregular pelos

agentes do Estado – normalmente os responsáveis pela prova – gera um equilíbrio

na relação de forças relativamente à atividade instrutória desenvolvida pela defesa

(Eugênio Pacelli de Oliveira, Curso de Processo Penal, p. 295).

EMENTA: HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. PROVA ILÍCITA. ALCANCE. LIMITES INSTRUTÓRIOS DO HABEAS CORPUS. EXAME MINUCIOSO DE PROVA. IMPOSSIBILIDADE. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. EXCEPCIONALIDADE. 1. O reconhecimento da ilicitude da interceptação telefônica, empreendida anteriormente ao lançamento definitivo do tributo, não inibe a instauração de outras ações penais contra o Paciente por crimes de natureza diversa daquele contra a ordem tributária, desde que sejam apresentados outros elementos probatórios. 2. O reconhecimento da ilicitude da prova acarreta a sua inadmissibilidade, conforme estabelece o inciso LVI do art. 5º da Constituição da República. Precedentes. 3. O habeas corpus não é a via processual adequada para o exame detalhado e minucioso das provas que alicerçam a acusação, devendo essa atividade ser reservada aos procedimentos que comportam dilação ampla e irrestrita. Precedentes. 4. O trancamento de ação penal constitui medida reservada a hipóteses excepcionais, nelas se incluindo a manifesta atipicidade da conduta, a presença de causa de extinção da punibilidade ou a ausência de indícios mínimos de autoria e materialidade delitivas. Precedentes. 5 . Ordem denegada. (HC 106271, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, julgado em 12/04/2011, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-084 DIVULG 05-05-2011 PUBLIC 06-05-2011) (grifo nosso)

O ex Ministro do Supremo tribunal Federal Sepúlveda Pertence, na função

de relator no HC 69.912/RS, expressou em seu voto:

“ou se leva às últimas conseqüências a garantia constitucional ou ela será facilmente contornada pelos frutos da informação ilicitamente obtida”.

Tourinho Filho corroborou com o pensamento do Ministro ao encerrar um

capítulo em seu livro de 2008 (p.61) da seguinte forma:

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“É preferível que o criminoso fique impune a se permitir o desrespeito à Lei

Maior”.

3.2.1 Prova Ilícita por Derivação

É aquela oriunda de uma investigação embasada em prova ilícita cujos

resultados obtidos foram elementos probantes de forma válida (Martins, Prova

Criminal, p. 101). Nesta mesma linha, corroborando com este entendimento,

Guilherme de Souza Nucci, em seu Código de Processo Penal Comentado (p. 337)

relaciona esta prova à Doutrina dos Frutos da Árvore Envenenada, pois, segundo

preceitos bíblicos, “árvore envenenada não pode dar bons frutos”.

Um exemplo comum dessas provas ocorre quando uma pessoa confessa

sob tortura a existência de uma testemunha (esta é a prova ilícita) e por

conseqüência, o depoimento de tal testemunha será considerado prova ilícita por

derivação.

3.2.1.1 Doutrina dos Frutos da Árvore Envenenada Esta doutrina é adotada pela Suprema Corte norte-americana que a justifica

alegando que “o defeito da árvore se transmite aos frutos” (Cesar D. M. da Silva,

Provas Ilícitas, 2010, p. 22). No Brasil, a linha de decisões é similar, vetando o uso

das provas contaminadas, porém, há situações em que nossa Suprema Corte tem

aceitado a prova maculada quando esta servir em favor da defesa, ou seja, apenas

quando ela for favorável ao réu (Martins, Prova Criminal, p. 102).

Para Eugênio Pacelli de Oliveira, em seu Curso de Processo Penal, a

aplicação dos frutos da árvore envenenada é “uma simples conseqüência lógica da

aplicação do princípio da inadmissibilidade das provas ilícitas”. Analisando esta

afirmação, percebe-se que a não aplicação desta doutrina significaria uma maneira

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de escapar sem maiores dificuldades de uma conduta ilícita. Vejamos: a acusação

consegue uma prova incriminadora contra o réu, porém a consegue de maneira

ilícita, a partir desta prova, parte para um novo rumo, colhendo mais provas que

comprometem a defesa. Sem aquela primeira prova as seguintes não estariam no

processo, portanto, caso as derivadas fossem aceitas, de nada adiantaria a ilicitude

da primeira.

Quando o julgador encontra-se a analisar um caso de prova ilícita por

derivação, é imprescindível que seja feito um exame cuidadoso do caso concreto a

fim de analisar se a prova posterior esta ou não envenenada, pois não se pode

afirmar que toda prova apresentada após uma ilícita esta contaminada. Caso essa

análise minuciosa não seja feita, bastará a própria defesa “produzir uma situação de

ilicitude na obtenção da prova de seu crime, com violação a seu domicílio, por

exemplo, para trancar todas e quaisquer iniciativas que tenham por objeto a

apuração daquele delito então noticiado” (Gilmar Mendes, Inocêncio Mártires Coelho

e Paulo Gustavo Gonet Branco, Curso de Direito Constitucional, 2007, p. 605).

Se houver nos autos outras provas que levaram à condenação, não se

decreta a nulidade do processo em que houver prova ilícita (STF: RT 724/570).

Importante ressaltar que a Doutrina dos Frutos da Árvore Envenenada

possui duas exceções: a fonte independente (independent source) e a descoberta

inevitável ou encontro fortuito de provas (inevitable discovery), ambas serão

analisadas oportunamente neste trabalho.

A ministra Laurita Vaz, da quinta turma do STJ, ao julgar o HC 107.285/RJ

(Anexo I deste trabalho), em 09/11/2010, fez menções que merecem destaque em

relação a esta doutrina.

(...) DIREITO DE QUALQUER INVESTIGADO OU ACUSADO A SER ADVERTIDO DE QUE NÃO É OBRIGADO A PRODUZIR QUAISQUER

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PROVAS CONTRA SI MESMO, E DE QUE PODE PERMANECER EM SILÊNCIO PERANTE A AUTORIDADE ADMINISTRATIVA, POLICIAL OU JUDICIÁRIA. INVESTIGADA NÃO COMUNICADA, NA HIPÓTESE, DE TAIS GARANTIAS FUNDAMENTAIS. FORNECIMENTO DE MATERIAL GRAFOTÉCNICO PELA PACIENTE, SEM O CONHECIMENTO DE QUE TAL FATO PODERIA, EVENTUALMENTE, VIR A SER USADO PARA FUNDAMENTAR FUTURA CONDENAÇÃO. LAUDO PERICIAL QUE EMBASOU A DENÚNCIA. PROVA ILÍCITA. TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA (FRUITS OF THE POISONOUS TREE). ORDEM CONCEDIDA. (...) 4. Nos termos do art. 5.º, inciso LXIII, da Carta Magna "o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado". Tal regra, conforme jurisprudência dos Tribunais pátrios, deve ser interpretada de forma extensiva, e engloba cláusulas a serem expressamente comunicadas a quaisquer investigados ou acusados, quais sejam: o direito ao silêncio, o direito de não confessar, o direito de não produzir provas materiais ou de ceder seu corpo para produção de prova etc. (...). 6. Evidenciado nos autos que a Paciente já ostentava a condição de investigada e que, em nenhum momento, foi advertida sobre seus direitos constitucionalmente garantidos, em especial, o direito de ficar em silêncio e de não produzir provas contra si mesma, resta evidenciada a ilicitude da única prova que embasou a condenação. Contaminação do processo, derivada da produção do laudo ilícito. Teoria dos frutos da árvore envenenada. 7. Apenas advirta-se que a observância de direitos fundamentais não se confunde com fomento à impunidade. É mister essencial do Judiciário garantir que o jus puniendi estatal não seja levado a efeito com máculas ao devido processo legal, para que a observância das garantias individuais tenha eficácia irradiante no seio de toda a sociedade, seja nas relações entre o Estado e cidadãos ou entre particulares (STF, RE 201.819/RS, 2.ª Turma, Rel. Min. ELLEN GRACIE, Rel. p/ Acórdão: Min. GILMAR MENDES, DJ de 27/10/2006). 8. Ordem concedida para determinar o trancamento da ação penal, sem prejuízo do oferecimento de nova denúncia com base em outras provas. (HC 107.285/RJ, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 09/11/2010, DJe 07/02/2011) (grifo nosso)

Faz-se necessário destacar que esta doutrina visa à segurança jurídica,

portanto tem o intuito de proteger o réu de abusos cometidos pela acusação. Ela

impede que a acusação utilize subterfúgios ilegais para atingir seu objetivo, que é o

da condenação do acusado, portanto, esta doutrina corrobora com preceitos

constitucionais tais como o da proibição da tortura, pois através desta poder-se-ia

chegar a uma confissão forçada, que não necessariamente represente a realidade

do caso concreto. O ser humano quando torturado é capaz de admitir ter cometido

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um ato que na realidade não o fez, tão somente para que seja interrompida a sessão

de dores irresistíveis.

Quando os julgadores aceitam alguma prova obtida por meio ilícito, indo de

encontro à Doutrina dos Frutos da Árvore Envenenada, eles o fazem para assegurar

mais uma vez a defesa do réu, já que somente serão aceitas as provas ilícitas

favoráveis à defesa. Portanto, se não há outro meio de provar a inocência, o direito

pátrio acata tal prova a fim de absolver o acusado. Por esses motivos, os casos em

que há a incidência de provas obtidas por meio ilícito merecem especial atenção dos

julgadores.

3.2.1.2. Fonte independente (independent source)

Nosso Código de Processo Penal, em seu artigo 157, §2º, prevê a aceitação

da fonte independente. Vejamos:

Art. 157.

(...)

§ 2o Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova.

A aplicação desta limitação da teoria dos frutos da árvore envenenada é bem

exemplificada por Denilson Feitoza (2008, p. 611/612), que cita novamente casos

clássicos da jurisprudência norte-americana:

“em Bynum v. U.S., 1960, inicialmente a corte excluiu identificação dactiloscópica que havia sido feita durante a prisão ilegal do “acusado” Bynum. Quando este foi novamente “processado”, o “governo” utilizou um antigo conjunto de planilhas dactiloscópicas de Bynum que se encontrava nos arquivos do FBI e que correspondiam às impressões digitais encontradas no local do crime. Como a polícia tinha razão para verificar as antigas planilhas de Bynum independentemente da prisão ilegal e como as impressões digitais de tais planilhas tinham sido colhidas anteriormente sem qualquer relação com o roubo investigado dessa vez, as antigas planilhas foram admitidas como uma prova obtida independentemente, de maneira alguma relacionada à prisão ilegal.”

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Ainda sobre este assunto, prossegue o autor supra:

“Em Murray v. U.S., 1988, uma corte inferior aplicou a doutrina da fonte independente, entendendo que a polícia: a) inicialmente tinha “causa provável” (“indícios” probatórios necessários) para obter um mandado de busca e apreensão para contrabando; b) então, ilicitamente entrou na “casa” sem mandado, onde verificou que o contrabando procurado estava realmente ali; c) depois, deixou a “casa” e obteve um mandado baseado unicamente na “causa provável” obtida previamente (isto é, sem qualquer referencia à informação obtida durante a entrada ilegal); d) então, retornou com o mandado e apreendeu o contrabando na execução deste mandado. A maioria da Suprema Corte americana entendeu que a doutrina da fonte independente se aplicaria à situação descrita, desde que, nesse caso concreto, uma avaliação adicional das provas fosse feita, baixando, então, o processo para a instância inferior.”

Cesar Dario Mariano da Silva (2010, p. 24) também aborda preciosamente o

tema:

“A fonte é capaz, de, por si só, usando de métodos regulares de obtenção de prova, chegar ao fato objeto da prova considerada ilícita. Nesse caso, a fonte independente fatalmente chegaria a mesma prova que se originou da ilícita, motivo pelo qual a lei não a macula, podendo ser aproveitada no processo. Note-se que se trata de uma presunção legal de licitude, já que a lei, dentro de um critério de razoabilidade, entende que seria possível chegar-se ao objeto da prova com o emprego dos trâmites típicos e de praxe próprios da investigação e da instrução criminal. A título de exemplo, suponhamos que por meio de uma interceptação telefônica ilegal seja apreendido carregamento de drogas. Como a apreensão decorreu de uma prova ilícita, ela é contaminada pela ilicitude probatória, bem como todas as demais provas dela decorrentes. No entanto, paralelamente à interceptação telefônica ilegal, corriam outras diligências investigatórias independentes e lícitas (oitiva de testemunhas, apreensão legal de documentos etc.), de modo que, por meio delas, fatalmente chegar-se-ia ao carregamento de drogas. Como efeito, como essas diligências são consideradas fontes independentes, a apreensão do carregamento de drogas não será contaminada pela ilicitude e poderá ser admitida no processo.”

O Superior Tribunal de Justiça também já se posicionou quanto à fonte independente:

PENAL E PROCESSO PENAL. RECLAMAÇÃO. HABEAS CORPUS Nº 51.586/PE. ALEGAÇÃO DE AFRONTA À AUTORIDADE DE DECISÃO DESTA CORTE. INOCORRÊNCIA. DESENTRANHAMENTO DA PROVA ILÍCITA E DAS DERIVADAS. OCORRÊNCIA. NÃO DEMONSTRAÇÃO DE QUE AS DEMAIS PROVAS TENHAM NEXO CAUSAL COM A ILÍCITA. EXISTÊNCIA DE FONTE INDEPENDENTE. RECLAMAÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE. 1. A reclamação é instrumento processual de caráter específico e aplicação restrita. Nos termos do artigo 105, inciso I, alínea "f", da Constituição

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Federal, presta-se para preservar a competência e garantir a autoridade das decisões dos Tribunais. 2. Na hipótese dos autos, inexiste descumprimento da decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça nos autos do writ 51.586/PE, pois o pronunciamento desta Corte concedeu a ordem em parte, "apenas para declarar a ilicitude da busca e apreensão realizada, bem como das provas dela derivadas". 3. Não comprovando o reclamante o nexo de causalidade entre a prova tida como ilícita e as demais, e constando dos autos a existência de fonte independente, não tem como prosperar a presente reclamação, haja vista já ter sido determinada "a devolução do quanto apreendido naquelas medidas cautelares e a expunção do que adveio delas, inclusive laudos de exame em mídia de armazenamento computacional, laudos periciais de documentos e laudos contábeis" 4. Reclamação julgada improcedente. (Rcl 2.988/PE, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 27/04/2011, DJe 30/05/2011) (grifo nosso)

Portanto, a fonte independente recebeu guarida em nosso direito pátrio, pois

não fere a Doutrina dos Frutos da Árvore Envenenada, uma vez que a fonte da nova

prova obtida não possui relação com aquela alcançada por meios ilícitos, não

havendo razões para ser excluída do corpo do processo.

3.3. Prova Ilegítima

A prova ilegítima diverge da ilícita, pois a primeira viola os preceitos

processuais enquanto a segunda infringe o direito material.

Segundo Adalberto Aranha (Da Prova no Processo Penal, p. 49), prova

ilegítima é aquela produzida sem o amparo da lei processual e esta não tem

qualquer valia. O Código de Processo Penal, em seu artigo 564, veda tacitamente

as provas ilegítimas.

Art. 564. A nulidade ocorrerá nos seguintes casos:

(...)

III - por falta das fórmulas ou dos termos seguintes:

a) a denúncia ou a queixa e a representação e, nos processos de contravenções penais, a portaria ou o auto de prisão em flagrante;

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b) o exame do corpo de delito nos crimes que deixam vestígios, ressalvado o disposto no Art. 167;

c) a nomeação de defensor ao réu presente, que o não tiver, ou ao ausente, e de curador ao menor de 21 anos;

d) a intervenção do Ministério Público em todos os termos da ação por ele intentada e nos da intentada pela parte ofendida, quando se tratar de crime de ação pública;

e) a citação do réu para ver-se processar, o seu interrogatório, quando presente, e os prazos concedidos à acusação e à defesa;

f) a sentença de pronúncia, o libelo e a entrega da respectiva cópia, com o rol de testemunhas, nos processos perante o Tribunal do Júri;

g) a intimação do réu para a sessão de julgamento, pelo Tribunal do Júri, quando a lei não permitir o julgamento à revelia;

h) a intimação das testemunhas arroladas no libelo e na contrariedade, nos termos estabelecidos pela lei;

i) a presença pelo menos de 15 jurados para a constituição do júri;

j) o sorteio dos jurados do conselho de sentença em número legal e sua incomunicabilidade;

k) os quesitos e as respectivas respostas;

l) a acusação e a defesa, na sessão de julgamento;

m) a sentença;

n) o recurso de oficio, nos casos em que a lei o tenha estabelecido;

o) a intimação, nas condições estabelecidas pela lei, para ciência de sentenças e despachos de que caiba recurso;

p) no Supremo Tribunal Federal e nos Tribunais de Apelação, o quorum legal para o julgamento;

O Código de Processo Penal determina a maneira como seguirá o rito

processual penal no Brasil, estipulando expressamente as etapas a serem seguidas

bem como os requisitos a serem cumpridos. Qualquer violação a este codex não

será aceita, portanto, não há que se falar em exceções de admissibilidade das

provas ilegítimas.

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4. Encontro Fortuito de Provas ou Descoberta inevitável (inevitable discovery)

Similar à fonte independente, o encontro fortuito de provas também é aceito

no processo penal brasileiro e, da mesma forma, não é considerada derivada de

prova obtida por meios ilícitos, pois por mais que a prova tenha sido obtida

ilicitamente, ela viria a ser descoberta independentemente da prova anterior ilícita.

Imaginemos que uma equipe com um grande número de policiais esta

procurando, com autorização judicial, em uma residência, uma arma utilizada em um

homicídio, enquanto fazem a busca, o acusado está sendo torturado a fim de

informar onde escondeu o objeto e assim o faz, indicando precisamente o local

dentro da casa que esta sendo vasculhada. A informação obtida através da tortura,

logicamente é ilegal, contudo, a equipe encontraria a arma de qualquer jeito, pois ela

estava escondida na casa onde a busca estava ocorrendo. Isto posto, não há

relação entre a confissão e o encontro da arma, já que os policiais estavam

procurando no local correto e inevitavelmente a encontrariam.

Podemos imaginar ainda uma situação em que ocorra uma busca e

apreensão de tóxicos em uma residência, ao chegar ao local, os policiais se

deparam com uma situação de cárcere privado ou até mesmo de seqüestro. Estes

crimes não estão relacionado àquele do mandado de busca e apreensão, mas o

Estado não poderá ficar inerte frente a um ilícito penal flagrancial.

Denilson Feitoza (2008, p. 612) aborda o tema de forma magistral, trazendo

exemplos do direito comparado.

“A limitação da descoberta inevitável (“inevitable discovery” limitation) foi aplicada num caso (Nix v. Willians – Willians II, 1984) em que uma declaração obtida ilegalmente do acusado revelou o paradeiro do corpo da vítima de homicídio numa vala de beira de estrada, mas um grupo de duzentos voluntários já estava procurando pelo cadáver conforme plano desenvolvido cuidadosamente, que eventualmente teria abrangido o lugar onde o corpo foi encontrado. A Suprema Corte entendeu que a “doutrina dos frutos” não impediria a admissão da prova derivada de uma violação constitucional, se tal prova teria sido descoberta “inevitavelmente” por meio de atividades investigatórias lícitas sem qualquer relação com a violação,

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bem como que a descoberta inevitável não envolve elementos especulativos, mas concentra-se em fatos históricos demonstrados capazes de pronta verificação. Segundo Israel e La Fave, circunstâncias que justifiquem a aplicação da regra da descoberta inevitável são improváveis de ocorrerem, a menos que, no momento da conduta policial ilícita, já houvesse uma investigação em andamento que eventualmente teria resultado na descoberta da prova por meio de procedimentos investigatórios rotineiros” (Israel e La Fave, Criminal procedures: constitutional limitations, 2001, p. 295).

O Superior Tribunal de Justiça já fez uso desta limitação dos fruits of the

poisonous tree em decisão recente. Vejamos:

HABEAS CORPUS. FURTO QUALIFICADO. CONDENAÇÃO. OBTENÇÃO DE DOCUMENTO DE TRANSFERÊNCIA BANCÁRIA. SIGILO BANCÁRIO. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. PROVA SUPOSTAMENTE ILEGAL. ILICITUDE DAS DEMAIS PROVAS POR DERIVAÇÃO. PACIENTES QUE NÃO PODEM SE BENEFICIAR COM A PRÓPRIA TORPEZA. CONHECIMENTO INEVITÁVEL. NULIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. 1. Ao se debruçar sobre o que dispõe o art. 5º, XII, da Constituição Federal, é necessário que se faça sua interpretação com temperamentos, afinal, inexiste, no ordenamento pátrio, direito absoluto. Assim, diante do caso concreto, cabe ao intérprete fazer uma ponderação de valores. 2. A inviolabilidade dos sigilos é a regra, e a quebra, a exceção. Sendo exceção, deve-se observar que a motivação para a quebra dos sigilos seja de tal ordem necessária que encontre apoio no princípio da proporcionalidade, sob pena de se considerarem ilícitas as provas decorrentes dessa violação. 3. Assim, a par da regra da liberdade dos meios de prova, excetua-se a utilização daquelas obtidas por meios ilegais, conforme dispõe o inciso LVI do art. 5º da Constituição Federal, inserindo-se, nesse contexto, as oriundas da quebra de sigilo sem autorização judicial devidamente motivada. 4. Entretanto, no caso, há que se fazer duas considerações essenciais que afastam, por completo, a proteção que ora é requerida por meio de reconhecimento de nulidade absoluta do feito. A primeira diz respeito a própria essência dessa nulidade que, em tese, ter-se-ia originado com a publicidade dada pelo banco ao sobrinho da vítima, que também era seu herdeiro. Tratou-se toda a operação bancária de um golpe efetivado por meio de um engodo.Titularidade solidária que detinha uma das pacientes e que agora é reclamada para efeitos de autorização legal, decorreu de ilícito efetivado contra vítima. 5. Pretende-se, na verdade, obter benefício com a própria prática criminosa. Impossibilidade de se beneficiar da própria torpeza. 6. A segunda consideração, não menos importante, é que o extrato ou documento de transferência foi obtido por herdeiro da vítima, circunstância que ocorreria de qualquer maneira após a sua habilitação em inventário, a ensejar, da mesma maneira, o desenrolar do processo tal qual como ocorreu na espécie. 7. Acolhimento da teoria da descoberta inevitável; a prova seria necessariamente descoberta por outros meios legais. No caso, repita-se, o sobrinho da vítima, na condição de herdeiro, teria, inarredavelmente, após a habilitação no inventário, o conhecimento das movimentações financeiras e, certamente, saberia do desfalque que a vítima havia sofrido; ou seja, a descoberta era inevitável.

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8. Ordem denegada. (HC 52.995/AL, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, julgado em 16/09/2010, DJe 04/10/2010)

Em julgado de 2007, o STJ analisou caso concreto envolvendo o encontro

fortuito de provas através de uma interceptação telefônica. Na oportunidade

acolheram o encontro fortuito da prova, como demonstrado a seguir.

PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. ART. 288 DO CÓDIGO PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA OFERECIDA EM DESFAVOR DOS PACIENTES BASEADA EM MATERIAL COLHIDO DURANTE A REALIZAÇÃO DE INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA PARA APURAR A PRÁTICA DE CRIME DIVERSO. ENCONTRO FORTUITO. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONEXÃO ENTRE O CRIME INICIALMENTE INVESTIGADO E AQUELE FORTUITAMENTE DESCOBERTO. I - Em princípio, havendo o encontro fortuito de notícia da prática futura de conduta delituosa, durante a realização de interceptação telefônica devidamente autorizada pela autoridade competente, não se deve exigir a demonstração da conexão entre o fato investigado e aquele descoberto, a uma, porque a própria Lei nº 9.296/96 não a exige, a duas, pois o Estado não pode se quedar inerte diante da ciência de que um crime vai ser praticado e, a três, tendo em vista que se por um lado o Estado, por seus órgãos investigatórios, violou a intimidade de alguém, o fez com respaldo constitucional e legal, motivo pelo qual a prova se consolidou lícita. II - A discussão a respeito da conexão entre o fato investigado e o fato encontrado fortuitamente só se coloca em se tratando de infração penal pretérita, porquanto no que concerne as infrações futuras o cerne da controvérsia se dará quanto a licitude ou não do meio de prova utilizado e a partir do qual se tomou conhecimento de tal conduta criminosa. Habeas corpus denegado. (HC 69.552/PR, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 06/02/2007, DJ 14/05/2007, p. 347)

Esta é mais uma situação delicada que merece análise minuciosa por parte

dos magistrados, já que é imperiosa a verificação de que a prova seria

inevitavelmente encontrada sem a utilização de uma prova ilícita.

4.1. Teoria da Proporcionalidade – Relativização das provas ilícitas

Ainda que grande parte da doutrina seja favorável a extração das provas

ilícitas dos autos processuais, existem aqueles doutrinadores que, valendo-se do

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princípio da proporcionalidade, tentam justificar a sua utilização. Para estes autores,

cabe ao magistrado colocar na balança os direitos que estão sendo violados. Ele

deverá decidir por aquilo que trará menores prejuízos, se será a condenação

baseada na prova ilícita – beneficiando a sociedade – ou se será a preservação dos

direitos individuais do réu, mantendo-o em liberdade por não haver prova lícita de

sua conduta reprovável.

Cesar Dario Mariano da Silva, em sua obra intitulada Provas Ilícitas (2010, p.

20/21), aponta decisão da 6ª turma do Superior Tribunal de Justiça, com publicação

no DJU de 26/02/96, p. 4084, cujo Ministro Relator foi Adhemar Maciel, nos autos de

Habeas Corpus número 3982/RJ:

“Constitucional e Processo Penal. Habeas Corpus. Escuta telefônica com ordem judicial. Réu condenado por formação de quadrilha armada, que se acha cumprindo pena em penitenciária, não tem como invocar direitos fundamentais próprios do homem livre para trancar ação penal (corrupção ativa) ou destruir gravação feita pela polícia. O inciso LVI do art. 5º da Constituição, que fala “são inadmissíveis as provas obtidas por meio ilícito”, não tem conotação absoluta. Há sempre um substrato ético a orientar o exegeta na busca de valores maiores na construção da sociedade. A própria Constituição federal Brasileira, que é dirigente e programática, oferece ao juiz, através da “atualização constitucional (verfassungktualisierung), base para o entendimento de que a clausula constitucional invocada é relativa. A jurisprudência norte-americana, mencionada em precedente do Supremo TribunalFederal, não é tranqüila. Sempre é invocável o princípio da “Razoabilidade” (Reasonableness). O “princípio da exclusão das provas ilicitamente obtidas” (Exclusionary Rule) também lá pede temperamentos. Ordem denegada.” (grifo nosso)

No Brasil, a doutrina mostra-se favorável a utilização das provas obtidas por

meio ilícito quando esta servir para beneficiar o réu.

Tourinho Filho destaca (2008, p. 60):

“se a proibição da admissão das provas ilícitas está no capítulo destinado aos direitos fundamentais do homem, parece claro que o princípio visa a resguardar o réu. Sendo assim, se a prova obtida por meio ilícito é favorável à Defesa, seria um não-senso sua inadmissibilidade. É que nos pratos afilados da balança estão dois interesses em jogo: a liberdade e o direito de terceiro sacrificado, e entre os dois obviamente deve pesar o bem maior, no caso a liberdade, pelo menos como decorrência do princípio do favor libertatis.”

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.

Neste diapasão, Grinover, Scarance e Magalhães Filho afirmam que:

“[...] a posição praticamente unânime que reconhece a possibilidade de utilização, no processo penal, da prova favorável ao acusado, ainda que colhida com infringência a direitos fundamentais seus ou de terceiros. Trata-se da aplicação do princípio da proporcionalidade, na ótica do direito de defesa, também constitucionalmente assegurado, e de forma prioritária no processo penal, todo informado pelo princípio do favor rei. Alem disso, quando a prova, aparentemente ilícita for colhida pelo próprio acusado, tem-se entendido que a ilicitude é eliminada por causas legais, como a legitima defesa, que exclui a antijuridicidade.”

A esse respeito, nossa Suprema Corte:

EMENTA Recurso em Habeas Corpus recebido como Habeas Corpus. Princípio do livre convencimento motivado do Juiz. Valoração de provas. Confissão. Princípio do favor rei. 1. Recurso em habeas corpus, interposto contra acórdãos já transitados em julgado, que não observa os requisitos formais de regularidade providos no artigo 310 do RISTF, mas que merece ser recebido como habeas corpus. 2. Não constitui reexame de matéria fático-probatória a análise, em cada caso concreto, da força probante dos elementos de prova relativos a fatos incontroversos. 3. Vige em nosso sistema o princípio do livre convencimento motivado ou da persuasão racional, segundo o qual compete ao Juiz da causa valorar com ampla liberdade os elementos de prova constantes dos autos, desde que o faça motivadamente, com o que se permite a aferição dos parâmetros de legalidade e de razoabilidade adotados nessa operação intelectual. Não vigora mais entre nós o sistema das provas tarifadas, segundo o qual o legislador estabelecia previamente o valor, a força probante de cada meio de prova. 4. Tem-se, assim, que a confissão do réu, quando desarmônica com as demais provas do processo, deve ser valorada com reservas. Inteligência do artigo 197 do Código de Processo Penal. 5. A sentença absolutória de 1º grau apontou motivos robustos para pôr em dúvida a autoria do delito. Malgrado a confissão havida, as demais provas dos autos sustentam, quando menos, a aplicação do princípio do favor rei. 6. Habeas corpus concedido. (RHC 91691, Relator(a): Min. MENEZES DIREITO, Primeira Turma, julgado em 19/02/2008, DJe-074 DIVULG 24-04-2008 PUBLIC 25-04-2008 EMENT VOL-02316-05 PP-01035 LEXSTF v. 30, n. 357, 2008, p. 350-366) (grifo nosso)

A relativização das provas ilícitas está sendo aceita desde que a favor da

defesa, tal fato também é conhecido como “favor rei”. Neste sentido, desde que a

prova ilícita seja apresentada pela defesa, e em seu favor, ela deverá ser aceita,

pois assim se estaria protegendo um bem maior, o direito à liberdade do indivíduo.

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5. CONCLUSÃO

No processo penal brasileiro, assim como no direito comparado, as provas

têm uma importância fundamental, pois elas servem para formar o convencimento

dos magistrados. É baseado nelas, porém não apenas nelas, que são tomadas as

decisões que podem condenar ou absolver o réu.

Como vimos no decorrer deste trabalho, a legislação pátria, assim como

aquela de alguns outros países, aceita, regra geral, apenas as prova obtidas em

conformidade com a Lei, ou seja, que não tenham violado nenhuma regra de direito

material ou de direito processual, tornando-se respectivamente provas ilícitas ou

ilegítimas. As provas que não estejam em conformidade com a lei deverão ser

desentranhadas do processo, bem como todas aquelas que dela derivarem.

O encontro fortuito de provas, ou descoberta inevitável, é um limite à teoria

da prova ilícita por derivação (ou teoria dos frutos da árvore envenenada). Este

ponto de vista dever ser aplicado com muita cautela pelos magistrados, pois o caso

concreto deve ser analisado minuciosamente a fim de ser deixado claro que haveria

outros meios para se chegar a determinada prova, que não aqueles baseados em

ilicitudes.

A doutrina pátria é quase uníssona ao defender a inadmissibilidade das

provas ilícitas, apenas não o é, pois aceita em casos excepcionais a utilização de

tais provas quando em favor da defesa. Poucos são os defensores da relativização

das provas ilícitas pro societate.

A relativização para que possa ser aplicada, deve ser presidida com

maestria pelos julgadores. Não se pode admitir que uma exceção se torne regra

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geral. No direito público, o interesse principal é com aquilo que é melhor, que

interessa à sociedade; na contra mão deste pensamento, no direito privado, o

interesse principal é com o indivíduo e seus direitos e garantias fundamentais, Por

este motivo a relativização somente deve ser aplicada quando a favor do acusado,

pois as garantias fundamentais do indivíduos não podem ser colocadas em um nível

abaixo das garantias coletivas. Deve ser colocado na balança da justiça, em um lado

aquilo que é constitucionalmente assegurado ao cidadão, de maneira individual, ou

seja, a liberdade, a ampla defesa, o devido processo legal, o princípio da inocência,

e do outro, aquilo que é garantido à sociedade, ou seja, a segurança jurídica e

processual. Quando se passa a aceitar uma prova ilícita para condenar um

indivíduo, esta atitude por meio dos magistrados passa a ser uma ameaça à

segurança jurídica e processual, visto que qualquer pessoa poderá utilizar-se de

ilicitudes para provar a culpa de outrem, o que não impediria que tais provas além de

ilícitas sejam falsas, forjadas.

Como nossa Constituição Federal é extremamente protecionista em relação

ao indivíduo, não cabe em nosso ordenamento jurídico posição favorável à

relativização das provas obtidas por meio ilícito em favor da sociedade.

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REFERÊNCIAS

ARANHA, Adalberto José Q. T. de Camargo. Da Prova no Processo Penal. Editora Saraiva, São Paulo, 1996. AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas Ilícitas: interceptações telefônicas, ambientais e gravações clandestinas. Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 2010. GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antonio Magalhães; FERNANDES, Antonio Scarance. As Nulidades no Processo Penal. Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 2011. MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. Editora Millennium, São Paulo, 2000. MARTINS, Jorge Henrique Schaefer. Prova Criminal: retrospectiva histórica, modalidades, valoração, incluindo comentários sobre a Lei 9.296/96. Editora Juruá, Paraná, 1996. MENDES, Gilmar; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet, Curso de Direito Constitucional. Editora Saraiva, São Paulo/Brasília, 2007). MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. Editora Atlas, São Paulo, 2008. MITTERMAIER, C. J. A. Tratado da Prova em Matéria Criminal ou Exposição Comparada. Editora Bookseller, São Paulo, 1997. NUCCI, Guilherme de Souza. Provas no Processo Penal. Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 2009. OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. Livraria e Editora Lumen Juris LTDA, São Paulo, 2008. PACHECO, Denilson Feitoza. Direito Processual Penal: teoria, crítica e práxis. Editora Impetus, Rio de Janeiro, 2008. SILVA, Cesar Dario Mariano da. Provas Ilícitas. 6 ed. Editora Atlas, São Paulo, 2010 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. Editora Saraiva. São Paulo, 2008. http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=bibliotecaConsultaProdutoBibliotecaSimboloJustica&pagina=inicial

http://www.priberam.pt/dlpo/default.aspx?pal=prova

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ANEXO I - HC 107.285/RJ

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. DELITO DE FALSIDADE IDEOLÓGICA. PEDIDO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. "PRIVILÉGIO CONSTITUCIONAL CONTRA A AUTO-INCRIMINAÇÃO: GARANTIA BÁSICA QUE ASSISTE À GENERALIDADE DAS PESSOAS. A PESSOA SOB INVESTIGAÇÃO (PARLAMENTAR, POLICIAL OU JUDICIAL) NÃO SE DESPOJA DOS DIREITOS E GARANTIAS ASSEGURADOS" (STF, HC 94.082-MC/RS, REL. MIN. CELSO DE MELLO, DJ DE 25/03/2008). PRINCÍPIO “NEMO TENETUR SE DETEGERE”. POSITIVAÇÃO NO ROL PETRIFICADO DOS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS (ART. 5.º, INCISO LXIII, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA): OPÇÃO DO CONSTITUINTE ORIGINÁRIO BRASILEIRO DE CONSAGRAR, NA CARTA DA REPÚBLICA DE 1988, "DIRETRIZ FUNDAMENTAL PROCLAMADA, DESDE 1791, PELA QUINTA EMENDA [À CONSTITUIÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA], QUE COMPÕE O “BILL OF RIGHTS”" NORTE-AMERICANO (STF, HC 94.082-MC/RS, REL. MIN. CELSO DE MELLO, DJ DE 25/03/2008). PRECEDENTES CITADOS DA SUPREMA CORTE DOS ESTADOS UNIDOS: ESCOBEDO V. ILLINOIS (378 U.S. 478, 1964); MIRANDA V. ARIZONA (384 U.S. 436, 1966), DICKERSON V. UNITED STATES (530 U.S. 428, 2000). CASO MIRANDA V. ARIZONA: FIXAÇÃO DAS DIRETRIZES CONHECIDAS POR "MIRANDA WARNINGS", "MIRANDA RULES" OU "MIRANDA RIGHTS". DIREITO DE QUALQUER INVESTIGADO OU ACUSADO A SER ADVERTIDO DE QUE NÃO É OBRIGADO A PRODUZIR QUAISQUER PROVAS CONTRA SI MESMO, E DE QUE PODE PERMANECER EM SILÊNCIO PERANTE A AUTORIDADE ADMINISTRATIVA, POLICIAL OU JUDICIÁRIA. INVESTIGADA NÃO COMUNICADA, NA HIPÓTESE, DE TAIS GARANTIAS FUNDAMENTAIS. FORNECIMENTO DE MATERIAL GRAFOTÉCNICO PELA PACIENTE, SEM O CONHECIMENTO DE QUE TAL FATO PODERIA, EVENTUALMENTE, VIR A SER USADO PARA FUNDAMENTAR FUTURA CONDENAÇÃO. LAUDO PERICIAL QUE EMBASOU A DENÚNCIA. PROVA ILÍCITA. TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA (FRUITS OF THE POISONOUS TREE). ORDEM CONCEDIDA. 1. O direito do investigado ou do acusado de ser advertido de que não pode ser obrigado a produzir prova contra si foi positivado pela Constituição da República no rol petrificado dos direitos e garantias individuais (art. 5.º, inciso LXIII). É essa a norma que garante status constitucional ao princípio do “Nemo tenetur se detegere” (STF, HC 80.949/RJ, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, 1.ª Turma, DJ de 14/12/2001), segundo o qual ninguém é obrigado a produzir quaisquer provas contra si. 2. A propósito, o Constituinte Originário, ao editar tal regra, "nada mais fez senão consagrar, desta vez no âmbito do sistema normativo instaurado pela Carta da República de 1988, diretriz fundamental proclamada, desde 1791, pela Quinta Emenda [à Constituição dos Estados Unidos da América], que compõe o “Bill of Rights” norte-americano" (STF, HC 94.082-MC/RS, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJ DE 25/03/2008). 3. "Qualquer pessoa que sofra investigações penais, policiais ou parlamentares, ostentando, ou não, a condição formal de indiciado – ainda

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que convocada como testemunha (RTJ 163/626 –RTJ 176/805-806) –, possui, dentre as várias prerrogativas que lhe são constitucionalmente asseguradas, o direito de permanecer em silêncio e de não produzir provas contra si própria" (RTJ 141/512, Rel. Min. CELSO DE MELLO). 4. Nos termos do art. 5.º, inciso LXIII, da Carta Magna "o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado". Tal regra, conforme jurisprudência dos Tribunais pátrios, deve ser interpretada de forma extensiva, e engloba cláusulas a serem expressamente comunicadas a quaisquer investigados ou acusados, quais sejam: o direito ao silêncio, o direito de não confessar, o direito de não produzir provas materiais ou de ceder seu corpo para produção de prova etc. 5. Na espécie, a autoridade policial, ao ouvir a Paciente durante a fase inquisitorial, já a tinha por suspeita do cometimento do delito de falsidade ideológica, tanto é que, de todas as testemunhas ouvidas, foi a única a quem foi requerido o fornecimento de padrões gráficos para realização de perícia, prova material que ensejou o oferecimento de denúncia em seu desfavor. 6. Evidenciado nos autos que a Paciente já ostentava a condição de investigada e que, em nenhum momento, foi advertida sobre seus direitos constitucionalmente garantidos, em especial, o direito de ficar em silêncio e de não produzir provas contra si mesma, resta evidenciada a ilicitude da única prova que embasou a condenação. Contaminação do processo, derivada da produção do laudo ilícito. Teoria dos frutos da árvore envenenada. 7. Apenas advirta-se que a observância de direitos fundamentais não se confunde com fomento à impunidade. É mister essencial do Judiciário garantir que o jus puniendi estatal não seja levado a efeito com máculas ao devido processo legal, para que a observância das garantias individuais tenha eficácia irradiante no seio de toda a sociedade, seja nas relações entre o Estado e cidadãos ou entre particulares (STF, RE 201.819/RS, 2.ª Turma, Rel. Min. ELLEN GRACIE, Rel. p/ Acórdão: Min. GILMAR MENDES, DJ de 27/10/2006). 8. Ordem concedida para determinar o trancamento da ação penal, sem prejuízo do oferecimento de nova denúncia com base em outras provas. (HC 107.285/RJ, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 09/11/2010, DJe 07/02/2011) (grifo nosso)