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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ GRAZIELLE PALMA SETTI PENTEADO LANZARINI RELATÓRIO DE ESTÁGIO CURRICULAR E RELATO DE CASO TRICOBEZOAR E HIPERPLASIA ENDOMETRIAL CISTICA EM ORYCTOLAGUS CUNICULUS CURITIBA 2015

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

GRAZIELLE PALMA SETTI PENTEADO LANZARINI

RELATÓRIO DE ESTÁGIO CURRICULAR E RELATO DE CASO –

TRICOBEZOAR E HIPERPLASIA ENDOMETRIAL CISTICA EM ORYCTOLAGUS

CUNICULUS

CURITIBA

2015

UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

GRAZIELLE PALMA SETTI PENTEADO LANZARINI

RELATÓRIO DE ESTÁGIO CURRICULAR E RELATO DE CASO –

TRICOBEZOAR E HIPERPLASIA ENDOMETRIAL CISTICA EM ORYCTOLAGUS

CUNICULUS

Trabalho de Conclusão apresentado ao Curso de

Medicina Veterinária da Universidade Tuiuti do

Paraná como requisito parcial para a obtenção do

grau de Médico Veterinário.

Orientador Acadêmico: Profª. Lucyenne Giselle Popp

Brasil Queiroz

Orientador Profissional: Med. Vet. Rogério Ribas Lange

CURITIBA

2015

UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

REITOR

Prof. Luiz Guilherme Rangel Santos

PRÓ-REITOR ADMINISTRATIVO

Carlos Eduardo Rangel Santos

PRÓ-REITORA ACADÊMICA

Prof. Dra. Carmen Luiza da Silva

DIRETOR DE GRADUAÇÃO

Prof. Dr. João Henrique Faryniuk

COORDENADOR DO CURSO DE MEDICINA VETERINÁRIA

Prof. Dr. Welington Hartmann

COORDENADOR DE ESTÁGIO CURRICULAR

Prof. Dr. Welington Hartmann

TERMO DE APROVAÇÃO

GRAZIELLE PALMA SETTI PENTEADO LANZARINI

RELATÓRIO DE ESTÁGIO CURRICULAR E RELATO DE CASO –

TRICOBEZOAR E HIPERPLASIA ENDOMETRIAL CISTICA EM ORYCTOLAGUS

CUNICULUS

Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado e aprovado para obtenção

do título de Médico (a) Veterinário (a) pela Comissão Examinadora do Curso de

Medicina Veterinária da Universidade Tuiuti do Paraná.

Comissão Examinadora:

Presidente: Prof. Lucyenne Giselle Popp Brasil Queiroz

Prof. Elza Maria Galvão Ciffoni Arns

Prof. José Carlos Roble Jr.

Curitiba, 3 de dezembro de 2015

Dedico este re latór io aos animais que

i luminaram minha vida, Kat i ta , Panqueca

e T im Tim. A todos os meus fami l iares,

amigos e mestres que me ajudaram a

tr i lhar todo esse caminho, mui to

obr igada.

AGRADECIMENTOS

Aqui se encerra uma grande etapa, marcada por muitas batalhas, as quais

não teria vencido sem o apoio de pessoas que foram fundamentais nessa jornada.

Agradeço primeiramente aos meus pais, Claudia e Claudio, que sempre estiveram

ao meu lado e me contemplaram com a maior herança que pode ser deixada a um

filho, a da educação, tanto acadêmica quanto humana.

Agradeço também a todos meus familiares, em especial a meus irmãos

Rafael e Rodrigo, e a minha avó Hercília, que iluminaram todo esse caminho que

trilhei com seus conhecimentos e exemplos de vida.

Aos meus mestres, que mesmo nos momentos mais difíceis dessa

caminhada, me presentearam com toda a gama de conhecimentos, com extrema

maestria e dedicação. Ao professor José Carlos Roble Jr., que me apresentou a

beleza e complexidade da Medicina Veterinária de animais selvagens, acendendo

verdadeira paixão pela área. À minha orientadora acadêmica Lucyenne Popp, que

me guiou com atenção, paciência, extrema experiência e competência durante a

realização desse trabalho.

Aos meus amigos, em especial a Samya, Luísa, Izabelle e Pâmela, que me

acompanharam com lealdade e companheirismo durante toda a minha graduação,

sendo pilares de apoio incondicional tanto nos momentos de alegria quanto em

tempos de dificuldades, tornando minha experiência acadêmica inesquecível e

inigualável.

Ao meu orientador profissional Rogério Ribas Lange, e as Médicas

Veterinárias residentes Andreíse Przydzimirski, Kévily Sabino e Tatiane Bressan que

compartilharam toda sua experiência com simpatia e companheirismo durante a

realização do meu estágio supervisionado.

Á FEPAR, que durante a maior parte da minha formação me proporcionou o

prazer de compartilhar e somar conhecimentos com profissionais de extrema

competência, construindo dessa forma minhas convicções como Médica Veterinária,

agregando à minha formação acadêmica os princípios éticos e morais.

À Universidade Tuiuti do Paraná por nos receber de braços abertos e com

esplendorosa dedicação, fazendo seu melhor para guiar-nos em um momento onde

encontrávamo-nos perdidos. Sustentando, apoiando e oferecendo excepcionais

mestres para nos ajudar a construir e consolidar nossos conhecimentos e valores

como profissionais.

E por fim, não poderia deixar de agradecer aos meus queridos animais,

Katita, Panqueca e Tim Tim, que dia-a-dia me ensinaram o valor do verdadeiro

amor, acendendo e fortalecendo a certeza de que fiz a escolha certa de profissão.

SUMÁRIO

LISTA DE GRÁFICOS ........................................................................................ 8

LISTA DE FIGURAS .......................................................................................... 10

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ............................................................ 12

APRESENTAÇÃO .............................................................................................. 13

RESUMO ............................................................................................................. 14

1. INTRODUÇÃO ................................................................................................... 16

2. DESCRIÇÃO DA UNIDADE CONCEDENTE DE ESTÁGIO ............................. 17

2.1 HOSPITAL VETERINÁRIO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ ........ 17

2.2 CLÍNICA MÉDICA E CIRÚRGICA DE ANIMAIS SELVAGENS .......................... 19

3. DESCRIÇÃO DAS ATIVIDADES DESENVOLVIDAS ....................................... 21

4. CASUÍSTICA ACOMPANHADA NO HV-UFPR ................................................ 24

5. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA .............................................................................. 29

5.1 LAGOMORFOS ................................................................................................... 29

5.2 TRICOBEZOAR ................................................................................................. 31

5.3 HIPERPLASIA ENDOMETRIAL CÍSTICA .......................................................... 34

6. RELATO DE CASO ........................................................................................... 37

7. DISCUSSÃO ...................................................................................................... 45

8. CONCLUSÃO .................................................................................................... 47

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................ 48

8

LISTA DE GRÁFICOS E TABELAS

Gráfico 1: casuística de atendimentos clínicos e cirúrgicos no setor de clínica

médica e cirúrgica de animais selvagens do HV-UFPR, no período de 03 de agosto

de 2015 a 20 de outubro de 2015 ............................................................................ 24

Gráfico 2: casuística das diferentes classes animais atendidas no período entre 03

de agosto de 2015 a 20 de outubro de 2015 no setor de animais selvagens do HV-

UFPR ....................................................................................................................... 24

Gráfico 3: casuística das diferentes espécies de aves atendidas no período entre 03

de agosto de 2015 e 20 de outubro de 2015 no setor de animais selvagens do HV-

UFPR ....................................................................................................................... 25

Gráfico 4: procedência das aves atendidas no setor de animais selvagens do HV-

UFPR durante o período de 03 de agosto de 2015 a 20 de outubro de 2015 .......... 25

Gráfico 5: casuística de espécies de mamíferos atendidos durante o período de 03

de agosto de 2015 a 20 de outubro de 2015 no setor de animais selvagens do HV-

UFPR ....................................................................................................................... 26

Gráfico 6: procedência dos mamíferos atendidos no setor de animais selvagens do

HV-UFPR, no período de 03 de agosto de 2015 a 20 de outubro de 2015 .............. 26

Gráfico 7: taxa de mortalidade no setor de animais selvagens do HV-UFPR no

período de 03 de agosto de 2015 a 20 de outubro de 2015 ..................................... 27

Gráfico 8: casuística de eutanásia dentro da taxa de mortalidade encontrada no

período de 03 de agosto de 2015 a 20 de outubro de 2015 no setor de animais

selvagens do HV-UFPR ........................................................................................... 27

Gráfico 9: diferentes espécies que vieram a óbito durante o período de 03 de agosto

de 2015 a 20 de outubro de 2015 no setor de animais selvagens do HV-UFPR ..... 28

9

Tabela 1: procedimentos cirúrgicos realizados durante o período do estágio

curricular e as espécies submetidas ......................................................................... 23

10

LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Fachada do Hospital Veterinário da Universidade

Federal do Paraná .................................................................................................... 17

Figura 2: Recepção do Hospital Veterinário da Universidade

Federal do Paraná .................................................................................................... 18

Figura 3: Ambulatório de Clínica Médica de Animais Selvagens do

HV-UFPR ................................................................................................................. 19

Figura 4: Ambulatório de Clínica Médica de Animais Selvagens do

HV-UFPR ................................................................................................................. 20

Figura 5: Internamento de Animais Selvagens do HV-UFPR .................................. 20

Figura 6: Internamento de Animais Selvagens do HV-UFPR .................................. 21

Figura 7: Dentição de lagomorfos ............................................................................ 29

Figura 8: Trato gastrointestinal dos lagomorfos ....................................................... 30

Figura 9: Coelho-doméstico (Oryctolagus cuniculus), da raça Fuzzy Lop, atendida

no Hospital Veterinário da Universidade Federal do Paraná ..................................... 37

Figura 10: Projeção radiográfica ventro-dorsal do coelho doméstico (Oryctolagus

cuniculus) apresentando estômago distendido com conteúdo radiopaco, e presença

de gás em alças intestinais ...................................................................................... 38

Figura 11: Projeção radiográfica latero-lateral direita, do coelho doméstico

(Oryctolagus cuniculus) apresentando estômago distendido com conteúdo

radiopaco, e presença de gás em alças intestinais .................................................. 39

Figura 12: Projeção radiográfica latero-lateral esquerda, do coelho doméstico

(Oryctolagus cuniculus) apresentando estômago distendido com conteúdo

radiopaco, e presença de gás em alças intestinais .................................................. 39

11

Figura 13: Imagem de exame ultrassonográfico realizado no coelho doméstico

(Oryctolagus cuniculus) apresentando sombra acústica

em região de estômago ............................................................................................ 40

Figura 14: Imagem de exame ultrassonográfico realizado no coelho doméstico

(Oryctolagus cuniculus) apresentando aumento de espessura em corno uterino

direito ....................................................................................................................... 40

Figura 15: Imagem de exame ultrassonográfico realizado no coelho doméstico

(Oryctolagus cuniculus) delimitando a presença

de cisto em útero ...................................................................................................... 41

Figura 16: Tricobezoar sendo retirado durante a gastrotomia realizada no coelho

doméstico (Oryctolagus cuniculus) no HV-UFPR ..................................................... 43

Figura 17: Tricobezoar retirado do estômago do coelho doméstico (Oryctolagus

cuniculus) no HV-UFPR ........................................................................................... 43

12

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ALT – Alanina Aminotransferase

BID – Bis In Die

GGT - Gamaglutamiltranspeptidase

HEC – Hiperplasia Endometrial Cística

HV-UFPR – Hospital Veterinário da Universidade Federal do Paraná

IM – Via Intramuscular

MPA – Medicação Pré-Anestésica

MV – Médico Veterinário

QID – Quater In Die

SC – Via Subcutânea

SID – Semel In Die

TID – Ter In Die

UTI – Unidade de Tratamento Intensivo

VO – Via Oral

13

APRESENTAÇÃO

O estágio curricular tem como intuito inserir o aluno no ambiente de trabalho,

onde o mesmo tem a oportunidade de acompanhar a rotina mantida em tal espaço.

O preparando, por meio das experiências vividas durante o período de execução das

atividades realizadas, para o mercado de trabalho. O presente trabalho expõe o

período de estágio curricular supervisionado realizado no Hospital Veterinário da

Universidade Federal do Paraná, sob a orientação acadêmica da Profª. Lucyenne

Giselle Popp Brazil Queiroz.

Na referida instituição tive a oportunidade de acompanhar a área de Clínica

Médica e Cirúrgica de Animais Selvagens, contemplando o atendimento clínico dos

animais, a rotina do internamento da área, bem como os procedimentos cirúrgicos

realizados. O estágio foi realizado de segunda a sexta-feira, das 08:00 as 12:00

horas, e das 14:00 as 18:00 horas, no período de 03 de agosto a 20 de outubro de

2015, totalizando uma carga horária de 432 horas.

No total foram atendidos oitenta e dois animais, dentre os quais sete foram

submetidos a procedimentos cirúrgicos. A maior casuística encontrada no período

de realização do estágio curricular é constituída de aves e coelhos-domésticos.

Onde as principais enfermidades consistiam de problemas respiratórios e distúrbios

gastrointestinais.

O relatório em questão irá abordar a descrição do Hospital Veterinário da

Universidade Federal do Paraná, as atividades exercidas durante o período de

estágio curricular, a casuística presenciada e a rotina abordada quanto aos animais

internados. Sendo outro tópico abordado um relato de caso de tricobezoar gástrico e

hiperplasia endometrial cística em coelho doméstico (Oryctolagus cuniculus), bem

como uma revisão bibliográfica sobre tais temas.

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RESUMO

Bezoar consiste em um acúmulo de material na região do estômago ou intestino, e se classifica de acordo com a sua composição, sendo o tricobezoar formado por pêlos ou cabelos. Tal enfermidade pode acometer diferentes espécies, dentre elas gatos, suínos, bovinos, ovelhas, ratos, porquinhos-da-índia, coelhos e humanos. A combinação de diversos fatores contribui para a formação de tricobezoares gástricos em coelhos e roedores, dentre os quais se destacam o hábito do animal se limpar excessivamente durante as épocas de troca de pelagem, lambedura do local onde medicamentos tópicos estão sendo administrados, mastigação de pêlo devido a uma dieta pobre em fibras e estresse. Outro fator de suma importância quando se trata de coelho é a sua característica anatômica de possuir a musculatura gástrica menos desenvolvida, impossibilitando assim, que o mesmo vomite o conteúdo retido no estômago. Os sinais clínicos apresentados por coelhos com tricobezoar são inespecíficos, sendo que os mais comumente encontrados são a anorexia, letargia, perda de peso, oligodipsia, desidratação, abdômen tenso, hipotermia, diarréia ou decréscimo na defecação. O diagnóstico é baseado na anamnese, exame físico, exames complementares como radiografia e ultrassonografia, assim como laparotomia exploratória. O tratamento é baseado de acordo com o estado clínico do animal e do grau de compactação presente, sendo o tratamento clínico constituído de fluidoterapia, fármacos pró-cinéticos e analgésicos. Quando presente um animal em condições clínicas instáveis e com um alto grau de compactação, opta-se pelo tratamento cirúrgico, onde realiza-se o procedimento de gastrotomia para retirada do conteúdo retido no lúmen estomacal. A hiperplasia endometrial cística consiste em uma proliferação anormal das células do endométrio, e é classificada como uma forma benigna de hiperplasia uterina. Tais cistos são originários do endométrio, e variam tamanho, número, distribuição, histomorfologia e relevância clínica. Sendo a presença dos mesmos considerado um fator predisponente para a ocorrência de piometra, hidrometra e mucometra. Normalmente a hiperplasia endometrial cística por si só não provoca um quadro clínico no animal, e é um achado acidental durante exames ultrassonográficos de rotina. Sinais como hematúria, apatia e leve anemia pode acometer alguns animais. O tratamento de escolha na maioria dos casos consiste na ovariosalpingohisterectomia e apresenta um bom prognóstico para o animal.

Palavras-chaves: tricobezoar, bezoar, coelhos domésticos, Oryctolagus cuniculus,

hiperplasia endometrial cística.

15

ABSTRACT

Bezoar consists in an accumulation of material in the stomach or intestinal area, and is classified according to its composition, being the trichobezoar formed by bristle or hair. Such disease can affect different species, among them cats, pigs, cattle, sheep, mice, guinea-pig, rabbits and humans. The combination of several factors contributes to the formation of gastric trichobezoars in rabbits and rodents, among which stand out the animal's habit of overmuch clear itself during the fur trading times, licking the place where topical medications are being administered, fur chewing due to a low-fiber diet and stress. Another factor of great importance when it comes to rabbits, is its anatomical feature of possessing a least developed stomach muscles, thus making it impossible that the same vomit the contents retained in the stomach. Clinical signs presented by rabbits with trichobezoar are nonspecific, being the most commonly found anorexia, lethargy, weight loss, oligodipsia, dehydration, tense abdomen, hypothermia, diarrhea or decrease in defecation. And the diagnosis is based on history, physical examination, laboratory tests like radigraph and ultrasound, as well as exploratory laparotomy. The treatment is based according to the clinical state of the animal and the present degree of compaction, and the clinical treatment consist of fluidtherapy, prokinetic drugs and analgesics. But when an animal present an unstable clinical condition and with a high degree of compression, the surgical treatment is selected, which takes place the gastrostomy procedure to remove the contents retained in the stomach lumen. The cystic endometrial hyperplasia consists of an abnormal proliferation of endometrial cells, and is classified as a benign uterine hyperplasia. Such cysts originate from the endometrium, and range size, number, distribution, histomorphology, and clinical relevance. the presence of it is considered a predisposing factor for the occurrence of pyometra, hydrometra and mucometra. Typically cystic endometrial hyperplasia in itself doesn’t causes a clinical status in animals, and is an incidental finding during routine ultrasound examinations. Signs such as hematuria, apathy and mild anemia may affect some animals. The treatment of choice in most cases is the ovariosalpingohisterectomy and has a good prognosis for the animal.

Keywords: trichobezoar, bezoar, domestic rabbits, Oryctolagus cuniculus, cystic

endometrial hyperplasia.

16

1. INTRODUÇÃO

O estágio curricular contempla uma disciplina de caráter obrigatório para a

conclusão do curso de Medicina Veterinária e visa preparar o aluno para o mercado

de trabalho, colocando em prática os conhecimentos adquiridos durante a

graduação. Proporciona, através das práticas efetuadas durante a realização do

mesmo, a vivência e experiência do aluno, consolidando sua importância como

profissional da área médica. É indispensável para a formação do graduando pois o

transforma em um profissional com condutas éticas, uma vez que tal atividade

ensina de maneira prática a importância do comprometimento pessoal necessário

para com a profissão. O estudo contínuo para aprimoramento e agregação de novos

conhecimentos faz-se necessário para alcançar melhores resultados e maior

satisfação da população que busca o serviço do Médico Veterinário, o qual não

termina na graduação.

Outro ponto crucial abordado durante a realização do estágio curricular diz

respeito ao comportamento adequado em um ambiente de trabalho, amadurecendo

as relações interpessoais do graduando, desenvolvendo sua capacidade de tomada

de decisões, de busca de soluções em momentos críticos e de trabalho em equipe.

O estágio curricular foi realizado no Hospital Veterinário da Universidade

Federal do Paraná, campus Agrárias, no período de 03 de agosto de 2015 até 20 de

outubro de 2015, no departamento de Clínica Médica e Cirúrgica de Animais

Selvagens, totalizando 432 horas, sob orientação profissional do M. V. Profº Dr.

Rogério Ribas Lange.

O relatório em questão abordará a descrição do local onde foi realizado o

estágio curricular, as atividades executadas durante a rotina e um relato de caso

sobre tricobezoar e hiperplasia endometrial cística.

17

2. DESCRIÇÃO DA UNIDADE CONCEDENTE DE ESTÁGIO

2.1 HOSPITAL VETERINÁRIO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

O Hospital Veterinário da Universidade Federal do Paraná se encontra dentro

do Campus de Ciências Ágrarias, localizado na Rua dos Funcionários, nº 1.540,

bairro Juvevê, na cidade de Curitiba, estado do Paraná (Figura 1). Tendo como

meios de contato os telefones (41) 3350-5616 e (41) 3350-5785 e o email

[email protected]. O horário de atendimento ao público é das 08h às 12h e das 14h às

18h. Sob a direção do Profº Dr. Rogério Ribas Lange e Profº Dr. Antonio Waldir

Cunha da Silva, como vice-diretor.

Figura 1: Fachada do Hospital Veterinário da Universidade Federal do Paraná, 2015

Fonte: Google Imagens, 2015

O hospital atende por meio de agendamento de consultas, através de sistema

de senhas com prioridade pelos atendimentos emergenciais; os animais passam por

triagem, realizada na recepção (Figura 2), para classificar a prioridade de

atendimento, levando em consideração as condições do mesmo. No HV-UFPR são

oferecidos serviços na área de clínica médica, clínica cirúrgica, anestesiologia,

oncologia, oftalmologia, odontologia e diagnóstico por imagem, contemplando

animais de pequeno e grande porte, animais selvagens e exóticos.

18

Figura 2: Recepção do Hospital Veterinário da Universidade Federal do Paraná, 2015

Fonte: Google Imagens, 2015

A área de clínica médica de pequenos animais conta com quatro

ambulatórios, duas salas de internamento geral, um isolamento e um internamento

específico para felinos. Já a área de clínica cirúrgica contempla três salas cirúrgicas

para animais de pequeno porte, uma sala cirúrgica para animais de grande porte,

uma sala para realização de MPA, um vestiário e um expurgo. Outro serviço

oferecido pelo HV-UFPR é a UTI para animais de pequeno porte.

Relacionado às áreas de especialidades contidas no HV-UFPR, o mesmo

contempla um consultório de oftalmologia, um centro para realização de

procedimentos odontológicos, um ambulatório de atendimento e uma sala para

realização de procedimentos terapêuticos oncológicos, uma sala destinada a

exames cardiológicos, um ambulatório e um internamento para animais selvagens,

diversas baias e um ambulatório para animais de grande porte, um laboratório de

anatomia patológica e outro para patologia clínica e uma farmácia. O serviço de

diagnóstico por imagem contém uma sala para realização de exame radiográfico

digital e outra para exames ultrassonográficos.

19

2.2 CLÍNICA MÉDICA E CIRÚRGICA DE ANIMAIS SELVAGENS

A área de especialidade de clínica médica e cirúrgica de animais selvagens

do HV-UFPR atende animais voltados a medicina zoológica, contemplando tanto

pets exóticos, como animais selvagens trazidos de outras instituições. A estrutura

conta com um ambulatório para atendimento clínico (Figura 3 e figura 4), e um

internamento próprio (Figura 5 e figura 6). Quando necessária a realização de

cirurgias, o centro cirúrgico do HV-UFPR é utilizado nas datas reservadas às áreas

de especialidades. O uso do centro odontológico é aberto à área de animais

selvagens quando procedimentos odontológicos se fazem necessários, da mesma

forma a UTI geral é disponível aos animais quando estes se encontram em estado

crítico, proporcionando uma monitoração intensiva.

Figura 3: Ambulatório de Clínica Médica de Animais Selvagens do HV-UFPR

20

Figura 4: Ambulatório de Clínica Médica de Animais Selvagens do HV-UFPR

Figura 5: Internamento de Animais Selvagens do HV-UFPR

21

Figura 6: Internamento de Animais Selvagens do HV-UFPR

3. DESCRIÇÃO DAS ATIVIDADES DESENVOLVIDAS

O estágio curricular foi desenvolvido no Hospital Veterinário da Universidade

Federal do Paraná, no período de 03 de agosto de 2015 até 20 de outubro de 2015,

no setor de Clínica Médica e Cirúrgica de Animais Selvagens, cumprindo o horário

das 8h00min às 12h00min e das 14h00min às 18h00min, totalizando 432 horas, sob

a supervisão do Profº Dr. Rogério Ribas Lange e das MV. Residentes Andreise

Przydzimirski, Kévily Sabino e Tatiane Bressan.

Durante as manhãs das segundas e sextas-feiras eram ministradas aulas no

anfiteatro do HV-UFPR para os Médicos Veterinários residentes, como instituído

pelo MEC dentro do programa de residência, onde os estagiários tinham a

oportunidade de assistir as mesmas.

As atividades desenvolvidas consistiam em auxiliar na supervisão do

internamento a animais presentes no mesmo, onde pela manhã as forrações das

22

gaiolas eram trocadas utilizando jornal como substrato, a alimentação dos animais

era renovada, contemplando ampla variedade de rações, sementes, frutas e carne,

segundo as necessidades de cada espécie. Seguindo as fichas de internamento de

cada animal, eram realizadas, ao longo do dia, as medicações e curativos que

compunham o tratamento individual ao qual o mesmo estava sendo submetido.

As consultas eram realizadas pelas Médicas Veterinárias residentes,

padronizada com anamnese detalhada, exame físico completo e seguido de exames

complementares quando necessário. Todo o processo era acompanhado pelos

estagiários, que auxiliavam durante os exames físicos e complementares, e

aprendiam como realizar a anamnese entre as diferentes espécies atendidas. Os

estagiários tinham a oportunidade de realizar a anamnese das consultas

previamente à Médica Veterinária Residente. Os casos clínicos eram discutidos

entre os profissionais e os estagiários visando enriquecer os conhecimentos sobre

as espécies atendidas, assim como as enfermidades apresentadas e o

desenvolvimento de escolha de tratamentos.

Quando necessário à realização de procedimentos cirúrgicos e odontológicos,

os mesmos eram agendados nas datas disponíveis do centro cirúrgico ou do centro

de procedimentos odontológicos. Os animais eram submetidos a exames pré-

operatórios e os estagiários tinham a oportunidade de acompanhar e aprender a

realizar colheita de sangue, urina e contenção das diferentes espécies. Sendo

realizado o acompanhamento, junto à equipe médica veterinária, desde o

internamento do animal para o procedimento, passando pelo preparo alimentar,

respeitando o tempo de jejum individual de cada espécie, melhor escolha da MPA e

de protocolo anestésico, realização do procedimento propriamente dito até a

recuperação pós-cirúrgica do animal. Os procedimentos cirúrgicos realizados, assim

como às espécies submetidas consta na tabela a seguir.

23

TABELA 1: Procedimentos cirúrgicos realizados durante o período do estágio curricular e as

espécies submetidas

Espécie Procedimento realizado

Carcará (Polyborus plancus) Osteossíntese de rádio e ulna direita

Chinchila (Chinchilla lanígera) Retirada de abscesso

Coelho-doméstico (Oryctolagus cuniculus)

Retirada de abscesso com amputação de membro torácico direito

Coelho-doméstico (Oryctolagus cuniculus)

Gastrotomia e OSH

Galo-doméstico (Gallus gallus) Amputação de 3º dígito de membro pélvico esquerdo

Porquinho-da-índia (Cavia Porcellus)

Cistotomia

Rolinha-roxa (Columbina talpacoti) Síntese de fístula de inglúvio

TOTAL Sete procedimentos

Ao final de cada mês de estágio curricular, o estagiário apresentava um

seminário sobre um tema escolhido pelo mesmo, que estivesse dentro da área de

animais selvagens. Foram realizados dois seminários, sendo o primeiro o tema

“Serpentes”, abordando as particularidades do animal, assim como as principais

afecções clínicas e cirúrgicas encontradas na espécie. No segundo seminário o

tema escolhido dizia respeito a aves, com enfoque em métodos de consolidação de

fraturas, abordando tratamentos clínicos e cirúrgicos.

Visando aprimoramento e um melhor aproveitamento do período em que

realizei o estágio curricular no HV-UFPR, participei dos encontros quinzenais do

Grupo Fowler. Um grupo de estudos voltado à medicina de animais selvagens, onde

foram realizadas palestras contemplando diferentes espécies animais, assim como,

a exposição, por parte dos palestrantes, de experiências vividas fora do Brasil

relacionadas a animais selvagens, proporcionando uma visão mais ampla da

Medicina Veterinária Zoológica como um todo.

24

4. CASUÍSTICA ACOMPANHADA NO HV-UFPR

Durante o período de 03 de agosto de 2015 a 20 de outubro de 2015, foram

atendidos 82 animais no setor de Clínica Médica e Cirúrgica de Animais Selvagens

do HV-UFPR de quatro diferentes classes animais, sendo elas: aves, mamíferos,

répteis e anfíbios. Dos quais 91% passaram por tratamentos clínicos e 9% por

procedimentos cirúrgicos (Gráfico 1).

Sete animais foram submetidos a procedimentos cirúrgicos, dentre eles três

coelhos (Oryctolagus cuniculus), um porquinho-da-índia (Cavia porcellus), uma

chinchila (Chinchilla lanigera), um carcará (Polyborus plancus) e um galo doméstico

(Gallus gallus).

Gráfico 1: figura representando a casuística de atendimentos clínicos e cirúrgicos no

setor de clínica médica e cirúrgica de animais selvagens do HV-UFPR, no período de 03 de agosto de

2015 a 20 de outubro de 2015

Dos 82 animais atendidos (Gráfico 2), houveram 43 aves (52%), 33

mamíferos (40%), cinco répteis (6%), e um anfíbio (2%).

Gráfico 2: Casuística das diferentes classes animais atendidas no período entre 03 de

agosto de 2015 a 20 de outubro de 2015, no setor de animais selvagens do HV-UFPR

91%

9%Tratamentos Clínicos (75 animais)

Procedimentos Cirúrgicos (7 animais)

52%40%

6% 2%

Aves

Mamíferos

Répteis

Anfíbios

25

Dentre as espécies de aves atendidas, sete eram galos domésticos (Gallus

gallus) (16%), 13 Calopsitas (Nymphicus hollandicus) (30%), cinco papagaios

pertencentes ao gênero Amazona (12%), e 18 (42%) aves de outras espécies em

menor proporção (Gráfico 3).

Gráfico 3: Casuística das diferentes espécies de aves atendidas no período entre 03 de

agosto de 2015 e 20 de outubro de 2015 no setor de animais selvagens do HV-UFPR

Quando relacionado a procedência das aves atendidas no HV-UFPR durante

o período do estágio curricular, sete (16%) aves eram de vida livre, enquanto 36

(84%) eram de proprietários (Gráfico 4).

Gráfico 4: Procedência das aves atendidas no setor de animais selvagens do HV-UFPR

durante o período de 03 de agosto de 2015 a 20 de outubro de 2015

Das espécies de mamíferos atendidos (Gráfico 5) durante o período de

realização do estágio curricular, houveram seis Chinchilas (Chinchilla lanígera), 15

16%

30%

12%

42% Gallus gallus

Nymphicus hollandicus

Papagaios

Outros

16%

84%

Animais de vida livre

Animais de proprietários

26

coelhos domésticos (Oryctolagus cuniculus), sete porquinhos-da-índia (Cavia

porcellus), dois primatas que compreendiam um macaco-aranha (Atelles paniscus) e

um babuíno (Papio hamadryas), uma onça-pintada (Panthera onca), um gambá-

brasileiro (Didelphis marsupialis) e um queixada (Tayassu pecari).

Gráfico 5: Casuística de espécies de mamíferos atendidos durante o período de 03 de

agosto de 2015 a 20 de outubro de 2015 no setor de animais selvagens do HV-UFPR

Quanto a procedência dos mamíferos atendidos durante a realização do

estágio curricular, 28 (85%) eram de proprietários, quatro (12%) foram

encaminhados do Zoológico Municipal de Curitiba, e um (3%) era de vida livre

(Gráfico 6).

Gráfico 6: Procedência dos mamíferos atendidos no setor de animais selvagens do HV-

UFPR, no período de 03 de agosto de 2015 a 20 de outubro de 2015

A taxa de mortalidade de animais atendidos no setor de animais selvagens do

HV-UFPR durante o período de realização do estágio curricular foi de 15 (18%)

18%

46%

21%

6%3%

6%Chinchilla lanígera

Oryctolagus cuniculus

Cavia porcellus

Primatas

Onça-pintada

Outros

85%

12%

3%

Animais de proprietários

Animais do Zoológico Municipal de Curitiba

Animal de vida livre

27

óbitos (Gráfico 7). Sendo importante salientar que dentro da clínica de animais

selvagens a taxa de mortalidade é mais expressiva que na clínica de cães e gatos,

por motivos inerentes à essa área da Medicina Veterinária, tais como o estado crítico

que se encontram os animais de vida livre ao chegar na clínica, e a demora dos

proprietários de animais exóticos em procurar o Médico Veterinário oriundo da falta

de percepção do estado de saúde do seu animal, agravando assim o quadro

apresentado.

Gráfico 7: Taxa de mortalidade no setor de animais selvagens do HV-UFPR no período de

03 de agosto de 2015 a 20 de outubro de 2015

Considerando a taxa de mortalidade apresentada no período de realização do

estágio curricular, foram realizadas duas (13%) eutanásias, sendo as outras 13

(87%) mortes por complicações oriundas do estado clínico do animal (Gráfico 8).

Gráfico 8: Casuística de eutanásia dentro da taxa de mortalidade encontrada no período de

03 de agosto de 2015 a 20 de outubro de 2015 no setor de animais selvagens do HV-UFPR

Dos animais que vieram a óbito (Gráfico 9) haviam 11 (73%) aves e quatro

(27%) mamíferos. Dentre as aves estão duas corujas-orelhudas-brasileiras (Asio

clamator), três calopsitas (Nymphicus hollandicus), duas pombas-rola (Columbina

18%

82%

Óbitos

Sucesso no tratamento

13%

87%

Eutanásia

Mortes por complicações do estado clínico do animal

28

picui), um Agapornis, um galo-doméstico (Gallus gallus), um joão-de-barro

(Furnarius rufus), e um trinca-ferro (Saltator similis). Já entre os mamíferos haviam

dois coelhos-domésticos (Oryctolagus cuniculus), um porquinho-da-índia (Cavia

porcellus) e uma chinchila (Chinchilla lanígera).

Gráfico 9: Espécies que vieram a óbito durante o período de 03 de agosto de 2015 a 20 de

outubro de 2015 no setor de animais selvagens do HV-UFPR

A seguir, será relatado o caso clínico de tricobezoar gástrico e hiperplasia

endometrial cística em coelho-domésitco (Oryctolagus cuniculus).

13%

20%

13%6%

7%

7%

7%

13%

7% 7%

Coruja-orelhuda

Calopsita

Pomba-rola

Agapornis

Galo

João-de-barro

Trinca-ferro

Coelho

Porquinho-da-índia

Chinchila

29

CASO CLÍNICO:

5. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

5.1 LAGOMORFOS

A ordem Lagomorpha é constituída de duas famílias, Ochotonidae composta

de lebres-assobiadoras, e Leporidae de coelhos e lebres, essa última inclui três

gêneros, o Lepus, Sylvilagus e Oryctolagus. Os lagomorfos se distinguem dos

roedores pela presença de dois pares de dentes incisivos superiores (Figura 7),

enquanto os roedores possuem apenas um par. Esse par adicional é muito pequeno

e arredondado, sendo visualizado apenas quando a boca do animal é aberta

(CUBAS et at., 2014).

Figura 7: Dentição de lagomorfos

Fonte: Google imagens

Os coelhos são herbívoros especializados, e como tais, para ter acesso aos

nutrientes contidos nos alimentos vegetais, necessitam romper a parede celular dos

mesmos (FERREIRA et al., 2006). Na natureza esses animais se alimentam desde

folhagens suculentas, capim, grama e botões de flores, até materiais mais duros

como casca de árvores. Em cativeiro, a alimentação ideal pode ser alcançada

através de pellets comerciais concentrados de proteínas e carboidratos, em conjunto

30

com vegetais de alta concentração de fibras, como grama, capim, folhagem verde,

dentre outros (CUBAS et al., 2014).

O estômago do coelho é constituído por dois divertículos característicos, o

cárdia que é pouco pronunciado, e o piloro bastante desenvolvido, e possui uma

capacidade média de 500 ml em um animal adulto. Tal órgão possui uma túnica

muscular pouco desenvolvida, sendo assim pouco contrátil, o que incapacita o

vômito. O pH encontrado é baixo, em torno de 1 a 2, embora em lactantes seja de

5,5 a 6,0. As secreções estomacais incluem ácido clorídrico, pepsinogênio e muco,

entretanto há uma baixa taxa de fermentação em tal local (FERREIRA et al., 2006).

Anatomicamente, apresentam o ceco bastante desenvolvido (Figura 8),

constituindo a maior porção do trato digestório, sendo bem adaptados à digestão de

considerável parte de forragens e cereais, com capacidade de conter cerca de 80%

da digesta. Esses animais apresentam a maior parte da fermentação posterior ao

intestino delgado, mais precisamente no ceco, o que limita o aproveitamento do

material fermentado. Como mecanismo compensatório a tal limitação, os coelhos

possuem dualidade de excreção fecal, que leva a formação de cecotrofos, fezes

oriundas de tal fermentação, as quais o animal reingere a fim de obter uma melhor

absorção dos nutrientes excretados (FERREIRA et al., 2006).

Figura 8: Trato gastrointestinal dos lagomorfos

Fonte: Google imagens

31

As fezes duras são constituídas pelas partículas maiores e modeladas através

de contrações do colo distal, já os cecotrofos são produzidos depois que o conteúdo

do ceco foi submetido por algumas horas à ação bacteriana, tendo sua produção

iniciada em resposta à passagem completa da digesta pela válvula ileal. O fusus

coli, que consiste numa estrutura que conecta o cólon transverso e o cólon

descendente, é o responsável pela separação das fezes duras e cecotrofos

(FERREIRA et al., 2006). A composição desses cecotrofos é semelhante ao

conteúdo cecal em termos de proteínas, nitrogênio, fibras, vitaminas do complexo B

e eletrólitos, e são caracterizadas como tendo cheiro adocicado e cor verde-clara,

são brilhantes, recobertas de muco e pequenas, parecendo um cacho de uvas. A

ingestão ocorre direto do ânus do animal, ao amanhecer e ao anoitecer (CUBAS et

al., 2014).

5.2 TRICOBEZOAR

Bezoar consiste em um acúmulo de material na região do estômago ou

intestino (KELSEN, 2011), e se classificam de acordo com a sua composição, entre

as quais temos tricobezoares, que são formados por cabelos ou pelos, fitobezoares

por vegetais, lactobezoares por leite, dentre outros diversos materiais como areia,

fungos e papéis (SEHGAL & SRIVASTAVA, 2006).

Há relatos de diferentes tipos de bezoares em diversas espécies, como gatos,

suínos, bovinos, ovelhas, ratos, porquinhos-da-índia, coelhos e humanos (LEE et at.,

1978), sendo tricobezoares e fitobezoares os tipos mais encontrados em animais

(KRUGNER-HIGBY et al., 1996).

A combinação de diversos fatores contribui para a formação de tricobezoares

gástricos em coelhos e roedores, dentre eles o hábito do animal se limpar

excessivamente durante épocas de troca de pelagem, lambedura de local onde

medicamentos tópicos estão sendo aplicados ao longo de um tratamento

dermatológico e mastigação de pelo secundária a uma deficiente ingestão de fibra

(HARCOURT-BROWN, 2007). Mais recentemente novos fatores foram citados como

predisponentes na formação de tricobezoares em coelhos, por levar à diminuição de

motilidade gastrointestinal secundária a situações estressantes. Dentre as quais

32

constam má nutrição, ambiente estressante, limitação de espaço e baixa rotina de

exercícios. Tais fatores podem levar a um quadro de anorexia, desidratação e

acúmulo de pelos e ingesta no estômago, o que resulta em agregação do conteúdo

contido no mesmo diminuindo sua capacidade normal de esvaziamento (REUSCH,

2005). Durante o período de ovulação, fêmeas que não são fertilizadas, podem

apresentar um quadro de pseudociese que dura de 15 a 18 dias, tal quadro leva a

uma excessiva lambedura da região abdominal para que a fêmea forme seu ninho

com os pêlos arrancados, aumentando assim a ingestão dos mesmos pelo animal

(LEBAS et al., 1997). Outro ponto de suma importância quanto a compactação

gástrica em coelhos, é a característica anatômica da espécie, que possui a

musculatura do estômago menos desenvolvida, inviabilizando que o animal possa

vomitar e assim expelir materiais estranhos, como bolas de pelos, por via oral

(CROSSLEY & MEREDITH, 2002).

Os sinais clínicos apresentados por coelhos com tricobezoar normalmente

são inespecíficos, sendo os sinais mais comumente encontrados anorexia, letargia,

perda de peso, oligodipsia, desidratação, prostração, abdômen tenso, hipotermia,

diarréia (HARKNESS & WAGNER, 1990) ou decréscimo na defecação (HOYT,

2001).

O diagnóstico é baseado na anamnese, em achados de exame físico, e

radiográficos, embora neste último, não seja possível diferenciar o tricobezoar de

conteúdo alimentar. Relacionado ao exame físico, durante a palpação pode-se sentir

uma massa abdominal em região anatômica de estômago (HOYT, 2001) e alguns

animais podem apresentar um abdômen tenso e sinais de dor durante a realização

do exame (HARKNESS & WAGNER, 1990). A ultrassonografia abdominal também

pode ser utilizada como método para complementar o diagnóstico, sendo mais

adequado que a radiografia, tanto para avaliar o conteúdo gástrico quanto as

estruturas abdominais (GILLETT et al., 1983).

Devido às incertezas presentes nos métodos diagnósticos quando se trata de

tricobezoar, e as possíveis complicações relacionadas ao complexo fisiológico

gastrointestinal que podem acometer o animal, determinar a terapia ideal consiste

numa difícil decisão (LICHTENBERGER & LENNOX, 2010). Sendo assim, a escolha

33

do tratamento irá variar de acordo com o caso e estado específico de cada animal

(HARCOURT-BROWN, 2007).

Quando presente um tricobezoar pequeno, em que seja possível a sua

passagem pelo trato gastrointestinal, o tratamento clínico é a escolha ideal. Já

quando o conteúdo é maior, causando uma obstrução completa, ou após a

realização de um tratamento clínico mal sucedido, faz-se necessária uma

intervenção cirúrgica para retirada do mesmo (HARCOURT-BROWN, 2007).

Em ambos os casos, um tratamento agressivo e rápido faz-se necessário,

estabilizando o quadro clínico do animal, para que assim um melhor prognóstico seja

alcançado (HARCOURT-BROWN, 2007). O tratamento clínico de tricobezoares

gástricos em coelhos consiste em quatro pilares básicos, sendo estes a analgesia,

suporte nutricional, restabelecimento da motilidade gastrointestinal e rehidratação do

animal através de fluidoterapia (REUSCH, 2005).

Uma vez que a dilatação gástrica compreende uma condição extremamente

dolorosa, a administração de medicamentos que promovam analgesia deve ser

realizada o quanto antes, sendo a combinação de opióides, como o cloridato de

meperidina, e antiinflamatórios não estereoidais, como o cetoprofeno, um protocolo

eficaz (HARCOURT-BROWN, 2007).

Visando o reestabelecimento da motilidade gastrointestinal e consequente

esvaziamento gástrico, a administração de procinéticos, como cisaprida,

compreende parte do protocolo de tratamento clínico (HENRY, 2014), porém é

necessário frisar que a utilização destes fármacos é contra-indicada no tratamento

pré-operatório em casos de obstrução completa, podendo levar a um quadro de

rompimento gástrico (REUSCH, 2005).

O suporte nutricional tem como meta manter o equilíbrio energético do animal,

assim como estimular a motilidade gastrointestinal do mesmo. A reposição

nutricional pode ser realizada através de seringas ou sondas nasogástricas. A dieta

oferecida deve conter alto teor de fibras, o que pode ser encontrado em produtos

nutricionais disponíveis comercialmente voltados a animais em recuperação, outra

opção consiste em triturar uma mistura de pellets próprios para coelhos com grama.

34

Em ambos os casos, a dieta deve ser fornecida ao animal de quatro a cinco vezes

por dia (REUSCH, 2005).

Nos casos em que o tratamento cirúrgico é necessário, a técnica utilizada

consiste na gastrotomia. No pós-operatório é recomendado uso de antiinflamatório

não esteroidal, antibioticoterapia por sete a dez dias, sendo o uso de probiótico

necessário para que não ocorra disbiose no trato gastrointestinal do animal, suporte

nutricional, prócineticos, fármacos anti-gases para prevenir o acúmulo do mesmo e

fluidoterapia caso necessário (FERREIRA et al., 2007; REUSCH, 2005).

Para prevenir recidivas, algumas medidas devem ser tomadas, dentre elas,

ofertar uma dieta rica em fibras, deixar disponível feno de capim a todo momento,

reduzir o estresse ambiental e manter cuidados com a pelagem do animal, deixando-

o tosado caso necessário (THEUS et al., 2008).

5.3 HIPERPLASIA ENDOMETRIAL CÍSTICA

A hiperplasia endometrial consiste em uma proliferação anormal das células

do endométrio (MOORE & SHAFI, 2013). Diversos fatores podem levar a tal

condição, dentre eles destacam-se neoplasias (BISHOP, 2002), infecções

bacterianas (HILLYER & QUESENBERRY, 1997) e mutações genéticas (MOORE &

SHAFI, 2013).

Apesar de ser considerada uma enfermidade incomum em coelhos, diferentes

casos de neoplasia vêm sendo relatados nesta espécie, acometendo em maior

proporção os animais mais velhos. Dentre as neoplasias que acometem as células

endometriais, o adenocarcinoma é o mais comumente encontrado (GARNER, 2007).

Quanto aos tipos benignos de hiperplasia uterina, podem ser citados cistos e

pólipos, ambos são dificilmente diferenciados dos adenocarcinomas sem a

realização de exame histopatológico (BISHOP, 2002). Sendo, na maioria das vezes,

achados acidentais durante exames ultrassonográficos. Tais cistos podem ser

divididos em dois tipos, os que envolvem o endométrio, que são considerados os

mais comuns, e aqueles que surgem do miométrio ou da parede serosa do útero

(SCHLAFER & GIFFORD, 2008).

35

Na hiperplasia endometrial cística, os cistos são originários do endométrio, e

variam de tamanho, número, distribuição, histomorfologia, e relevância clínica. Tais

cistos são formados por uma resposta exagerada do útero frente a uma estimulação

crônica ou repetitiva de progesterona e estrógeno durante o ciclo estral, com

conseqüente acúmulo de fluído nas glândulas endometriais e dentro do lúmen

uterino (BOSSCHERE et al., 2001). Os animais que apresentam hiperplasia

endometrial cística podem apresentar sinais como hematúria, leve anemia e apatia,

mas normalmente são assintomáticos (SLADAKOVIC et al., 2015).

As lesões oriundas da hiperplasia endometrial cística são consideradas

fatores predisponentes para que ocorra piometra, hidrometra e mucometra

(OLIVEIRA, 2007), sendo a viscosidade do fluído acumulado nas glândulas e lúmen

uterino, o fator diferencial entre as duas últimas enfermidades citadas (FELDMAN &

NELSON, 1996).

Quando o animal é acometido por uma infecção bacteriana secundária, se

desenvolve um quadro denominado como complexo da hiperplasia endometrial

cística piometra (BOSSCHERE, 2000). Tal infecção tem como fontes mais comuns o

trato urinário e as regiões urogenitais, sendo Pasteurella multocida e Staphylococcus

aureus as bactérias encontradas com maior freqüência (BISHOP, 2002). Quando tal

complexo encontra-se presente, a parede uterina apresenta numerosas lesões

(BOSSCHERE, 2000), e um aumento importante de espessura, levando a uma

apresentação clínica de descarga vaginal, inchaço abdominal, depressão, anorexia e

hipertermia, não sendo necessariamente apresentados todos os sinais clínicos em

um mesmo momento (BISHOP, 2002).

Considerando o diagnóstico diferencial neoplásico, e as possíveis

complicações oriundas da hiperplasia endometrial cística acima citadas, para

estabelecer um diagnóstico definitivo faz-se necessário cirurgias exploratórias,

ovariosalpingohisterectomia e exames histopatológicos. Sendo o procedimento

cirúrgico da OSH, o tratamento preconizado na hiperplasia endometrial cística

(HILLYER & QUESENBERRY, 1997).

36

Quando o animal já apresenta uma infecção bacteriana secundária, o mesmo

deve ser estabilizado antes da realização da cirurgia, sendo indicada a realização de

fluido e antibioticoterapia, no pré e pós-cirúrgico (BISHOP, 2002), tal fármaco deve

ser utilizado durante os 7 a 10 dias posteriores ao procedimento (FERREIRA et al.,

2007).O tratamento suporte deve ser realizado segundo o estado clínico do animal e

as particularidades apresentadas no período pós-cirúrgico do mesmo (OLIVEIRA,

2007).

37

6. RELATO DE CASO

Um coelho doméstico (Oryctolagus cuniculus), da raça Fuzzy Lop (Figura 9),

fêmea, um ano de idade, com 2,501 Kg, foi trazido ao Hospital Veterinário da

Universidade Federal do Paraná, com histórico de não defecar a dois dias. Na

anamnese a proprietária relatou que o animal estava perdendo grande quantidade

de pelo de toda superfície corporal, e que ingeria o mesmo constantemente. Outro

ponto citado pela proprietária foi o fato do animal ter acesso a toda área da casa, e

que tinha hábito de roer diferentes objetos presentes no local.

Figura 9: Coelho-doméstico (Oryctolagus cuniculus), da raça Fuzzy Lop, atendida no Hospital

Veterinário da Universidade Federal do Paraná

Fonte: Imagem cedida pela M.V residente do HV-UFPR Tatiane Bressan

Durante o exame físico o animal se apresentava alerta, com escore corporal

avaliado em 3/5. Na palpação observou-se a presença de conteúdo endurecido em

região anatômica de estômago, e presença de grande quantidade de gás em alças

intestinais. Sendo então indicado que o animal ficasse internado para realização de

exames complementares e tratamento suporte.

No internamento, o tratamento suporte consistiu em fluidoterapia de 60 ml de

Ringer com Lactato BID por via subcutânea, simeticona 50mg/kg/BID e 0,5 ml de

38

probiótico TID, ambos por via oral, e carprofeno 4mg/kg/BID por via subcutânea. No

dia posterior a data de internamento foi realizado o exame radiográfico, a

ultrassonografia abdominal, e colheita de sangue para o hemograma e exames

bioquímicos, dentre eles creatinina, uréia, ALT e GGT.

Ao exame radiográfico observou-se uma severa dilatação no estômago, com

presença de conteúdo radiopaco, e alças intestinais sem conteúdo e repletas de gás

(Figura 10, 11 e 12). A ultrassonografia abdominal (Figura 13) revelou uma grande

sombra acústica formada pelo denso conteúdo presente no estômago do animal, e

alças intestinais repletas de gás, mas com motilidade preservada, havendo um

achado complementar em trato reprodutivo, onde o útero apresentava uma

hiperplasia endometrial cística (Figura 14), contendo um cisto de 0,29cm (Figura 15).

No hemograma não foram constatadas alterações significativas, e dentre os exames

bioquímicos solicitados observou-se leve aumento da concentração sérica de uréia,

oriunda do leve grau de desidratação que o animal apresentava.

Figura 10: Projeção radiográfica ventro-dorsal do coelho doméstico (Oryctolagus cuniculus)

apresentando estômago distendido com conteúdo radiopaco, e presença de gás em alças intestinais

Fonte: Foto cedida pela M.V residente do HV-UFPR Giovanna Palladino.

39

Figura 11: Projeção radiográfica latero-lateral direita, do coelho doméstico (Oryctolagus cuniculus)

apresentando estômago distendido com conteúdo radiopaco, e presença de gás em alças intestinais

Fonte: Foto cedida pela M.V residente do HV-UFPR Giovanna Palladino.

Figura 12: Projeção radiográfica latero-lateral esquerda, do coelho doméstico (Oryctolagus

cuniculus) apresentando estômago distendido com conteúdo radiopaco, e presença de gás em alças

intestinais

Fonte: Foto cedida pela M.V residente do HV-UFPR Giovanna Palladino.

40

Figura 13: Exame ultrassonográfico realizado no coelho doméstico (Oryctolagus cuniculus)

apresentando sombra acústica em região de estômago

Fonte: Foto cedida pela M.V residente do HV-UFPR Giovanna Palladino.

Figura 14: Exame ultrassonográfico realizado no coelho doméstico (Oryctolagus cuniculus)

apresentando aumento de espessura em corno uterino direito

Fonte: Foto cedida pela M.V residente do HV-UFPR Giovanna Palladino.

41

Figura 15: Imagem de exame ultrassonográfico realizado no coelho doméstico (Oryctolagus

cuniculus) delimitando a presença de cisto em útero

Fonte: Foto cedida pela M.V residente do HV-UFPR Giovanna Palladino.

Após constatada a presença de conteúdo de alta densidade causando

obstrução e dilatação do estômago do animal, concomitante com o achado de

hiperplasia endometrial cística, optou-se pelo tratamento cirúrgico, com remoção do

conteúdo estomacal e procedimento de OSH. O animal foi encaminhado para o setor

de cirurgia do HV-UFPR, onde recebeu como medicação pré-anestésica midazolam,

na dose de 5mg/Kg por via intra-muscular. Posteriormente foi realizada ampla

tricotomia em região abdominal. O animal foi induzido utilizando máscara com

isoflurano a 4%, para então ser entubado com traqueotubo nº 2, sendo o circuito

anestésico utilizado o baraka. Seguiu-se protocolo de anti-sepsia com álcool iodado.

Para manutenção anestésica foi utilizado o isoflurano a 2%.

Após a anti-sepsia, a cavidade abdominal foi acessada através de celiotomia

pré retro-umbilical. Primeiramente foi realizada a OSH, sendo utilizada a técnica das

três pinças com fio monocryl 3-0 para ligadura das estruturas envolvidas, com

posterior excisão do útero e ovários. Seguiu-se então à troca de campos cirúrgicos

para realização da gastrotomia, visando à retirada do conteúdo estomacal. O

estômago foi localizado e exteriorizado, e com auxílio de sutura de reparo, foi

42

realizada uma incisão em região hipovascular. O conteúdo estomacal consistia em

um tricobezoar (Figura 16 e 17) de consistência firme medindo 13 cm, que preenchia

todo lúmen estomacal. A gastrorrafia foi realizada em duas camadas, com sutura

padrão Cushing com fio monocryl 4-0. Após a colocação do estômago em sua

posição anatômica, seguiu-se a lavagem da cavidade abdominal com soro fisiológico

aquecido. A celiorrafia foi realizada em três camadas, sendo a sutura da fáscia

muscular realizada com padrão Sultan e fio monocryl 3-0, o subcutâneo com padrão

Cushing e fio monocryl 3-0, e na pele padrão Sultane fio nylon 4-0.

Nas primeiras doze horas de pós-cirúrgico o animal ficou na UTI, sendo

monitorada temperatura corporal, glicemia, padrão respiratório e realizada

fluidoterapia de Ringer com Lactato 6ml/hora. Após esse período o animal foi para o

internamento de animais selvagens, onde permaneceu por nove dias. O mesmo foi

medicado com butorfanol1 0,5mg/kg SID/IM por três dias, carprofeno2 4mg/kg

SID/SC por quatro dias, enrofloxacina3 2,5% 5mg/kg BID/IM por oito dias,

simeticona4 50mg/kg BID/VO por nove dias, ranitidina5 2mg/kg BID/SC por nove

dias, e probiótico6 0,5ml QID/VO, sendo realizado troca de curativo duas vezes ao

dia.

1 Torbugesic®

2 Rimadyl Solução Injetável®

3 Chemitril® Injetável 2,5%

4 Simeticona® Gotas Medley

5 Cloridrato de Ranitidina®

6 Probiótico® Vetnil Equinos

43

Figura 16: Tricobezoar sendo retirado durante a gastrotomia realizada no coelho doméstico

(Oryctolagus cuniculus) no HV-UFPR

Fonte: Imagem cedida pela M.V residente do HV-UFPR Tatiane Bressan.

Figura 17: Tricobezoar de 13cm retirado do estômago do coelho doméstico (Oryctolagus cuniculus)

no HV-UFPR

Fonte: Imagem cedida pela M.V residente do HV-UFPR Tatiane Bressan.

44

Durante esse período, o animal se alimentava normalmente de ração e fibras,

se apresentava ativo e defecando normalmente, apenas com pequena alteração no

tamanho das fezes. Sendo assim, foi realizada a retirada da sutura de pele, e

concedida alta hospitalar. A proprietária foi orientada a realizar a troca do curativo

duas vezes ao dia, a ofertar 1ml de simeticona BID/VO, e 0,5ml de probiótico TID/VO

até a consulta de retorno. Além de manter o animal com tosa baixa para que o

mesmo não voltasse a ingerir grande quantidade de pelos, e fornecer uma dieta com

ração balanceada e grande quantidade de fibras.

Após sete dias foi realizada a consulta de retorno, quando a proprietária

relatou que o animal estava se alimentando e defecando normalmente, tendo o

tamanho das fezes voltado ao padrão correto. O local da incisão se apresentava

bem cicatrizado, e sem presença de secreção. Considerando que o animal

apresentou uma resposta favorável ao tratamento, sem nenhuma complicação pós-

cirúrgica, foi estabelecida a alta clínica do mesmo.

45

7. DISCUSSÃO

Casos de tricobezoar em coelhos domésticos (Oryctolagus cuniculus) são

relatados por diversos autores, tendo como principais causas uma combinação de

fatores que incluem dieta com pouca oferta de fibras, situações estressantes ao

animal, e lambedura excessiva com conseqüente ingestão de pêlos. Entretanto, nem

sempre é necessária a combinação de mais de um fator para a formação do

tricobezoar gástrico (LICHTENBERGER & LENNOX, 2010). No caso relatado o

animal possuía uma dieta correta, com alta oferta de fibras, e era manejado de

maneira a prevenir situações estressantes ao mesmo. Portanto, se tratando de um

coelho da raça Fuzzy Lop, que tem como característica marcante pêlos longos, a

ingestão excessiva por tempo prolongado foi considerado o fator responsável pela

formação do tricobezoar que causou a compactação gástrica completa no animal.

O tratamento para tricobezoar gástrico instituído em coelhos domésticos varia

segundo as particularidades apresentadas no quadro clínico de cada animal,

podendo ser realizado através apenas de manejo clínico, até a realização do

procedimento cirúrgico quando encontrada uma compactação gástrica completa

(HARCOURT-BORWN, 2007). Uma vez que o animal do caso descrito se

encontrava sem defecar a dois dias, e as imagens obtidas através de exames

radiográficos e de ultrassonografia apontavam uma compactação que levava a uma

obstrução gástrica completa, o tratamento de escolha consistiu na gastrotomia

porque o tricobezoar detectado no estômago tinha tamanho e densidade

incompatíveis com o tratamento clínico.

Em casos encontrados na literatura, foi utilizada alimentação forçada nos dez

primeiros dias de pós-operatório, composta de uma mistura de iogurte, um

concentrado altamente calórico e dextrose a 50% (GILLETT et al., 1983). Tal

procedimento não foi necessário no caso relatado, uma vez que o animal voltou a se

alimentar normalmente logo após voltar da anestesia, sendo a ingestão de fibras

retomada após doze horas da realização do procedimento.

A terapia pós-cirúrgica instituída no caso relatado composta de fluidoterapia,

anti-inflamatórios, fármacos pró cinéticos, antibioticoterapia, assim como a oferta de

46

probióticos visando prevenir uma possível disbiose no trato gastrointestinal do

animal, vai de acordo como protocolo terapêutico de escolha citado por

HARCOURT-BROWN (2007).

Quanto à hiperplasia endometrial cística apresentada pelo animal, sem a

presença de nenhum quadro clínico oriundo da mesma, sendo apenas um achado

acidental durante exames pré-operatórios, vai de acordo como uma das formas de

apresentação da enfermidade encontrada em literatura (SLADAKOVIC et al., 2015;

BOSSCHERE et al., 2000), onde o procedimento cirúrgico de OSH consiste no

tratamento de escolha.

47

8. CONCLUSÃO

A realidade atual, onde as pessoas dispõem de menos tempo para atribuir

aos cuidados e necessidades afetivas de animais companhia como cães, propicia

um cenário de crescimento no mercado de animais como coelhos domésticos

(Oryctolagus cuniculus), devido ao seu comportamento dócil e maior facilidade de

criação e manejo.

Porém, o aumento na população de coelhos domésticos como animais de

companhia vem acompanhado de um aumento expressivo de afecções oriundas

dessa domesticação. Uma vez que, as necessidades nutricionais e ambientais de tal

espécie, nem sempre são supridas quando colocados em ambientes domiciliares, o

que leva o animal a desenvolver diferentes enfermidades frente a um manejo

inadequado, muitas vezes oriundo de informações incorretas passadas ao

proprietário quanto ao modo de criação de tais animais.

Sendo assim, o Médico Veterinário representa um papel fundamental frente a

essa situação, tendo que estar munido de conhecimentos relacionados às

particularidades da espécie, para que possa auxiliar de maneira correta essa gama

de proprietários que cresce substancialmente. Assim como se atualizar

freqüentemente quanto às afecções que acometem tal espécie, estando preparado

para realizar a melhor escolha de tratamento frente ao quadro clínico apresentado

pelo animal, tendo assim maior chance de sucesso quando relacionado ao

prognóstico do mesmo.

48

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