universidade tuiuti do paranÁ gizeuda ferreira...

49
UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ GIZEUDA FERREIRA DOS SANTOS ANENCEFALIA: INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ A LUZ DOS DIREITOS CONSTITUCIONAIS CURITIBA 2013

Upload: nguyencong

Post on 09-Dec-2018

215 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

GIZEUDA FERREIRA DOS SANTOS

ANENCEFALIA: INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ A LUZ DOS

DIREITOS CONSTITUCIONAIS

CURITIBA

2013

GIZEUDA FERREIRA DOS SANTOS

ANENCEFALIA: INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ À LUZ DOS DIREITOS

CONSTITUCIONAIS

Trabalho de Conclusão de Curso Apresentado ao Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Marcelo Artigas Nogueira.

CURITIBA

2013

TERMO DE APROVAÇÃO

GIZEUDA FERREIRA DOS SANTOS

ANENCEFALIA: INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ À LUZ DOS DIREITOS

CONSTITUCIONAIS

Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do título de Bacharel no Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná.

Curitiba, de de 2013.

Bacharelado em Direito Universidade Tuiuti do Paraná

Orientador: Prof. Marcelo Nogueira Artigas Universidade Tuiuti do Paraná – Departamento de Ciências Jurídicas

Prof.

Universidade Tuiuti do Paraná – Departamento de Ciências Jurídicas

Prof.

Universidade Tuiuti do Paraná – Departamento de Ciências Jurídicas

DEDICATÓRIA

Dedico estre trabalho aos meus pais, José Ferreira dos

Santos e Maria dos Humildes Santos, com quem aprendi a

decência, a paciência e a educação.

Dedico este trabalho também ao meu esposo Robson

de Jesus, que com muito amor e paciência me apoiou neste

momento difícil da minha vida.

Também dedico este trabalho aos amigos que

estiveram do meu lado neste momento, e aqueles que não

estiveram também, pois de alguma forma, contribuíram para

minha realização.

AGRADECIMENTOS

Primeiramente, agradeço a Deus por tudo, em especial por ter conseguido

chegar até aqui.

Ao professor Marcelo Nogueira Artigas, pelas orientações nos momentos de

dificuldades quanto à elaboração da presente pesquisa monográfica.

À banca examinadora que em virtude das críticas colaboraram para o meu

crescimento como acadêmica.

Aos meus colegas da Universidade Tuiuti do Paraná pelo carinho e

solidariedade.

Aos meus pais José e Maria, com todo amor, pelo exemplo de vida que

sempre me proporcionaram.

Aos meus irmãos pelo carinho e incentivo no caminho que escolhi para trilhar.

Ao meu esposo Robson, com todo amor, pela paciência durante toda a

elaboração da presente pesquisa.

“O direito procura garantir a existência do homem e a segurança dos interesses primordiais, que integram a sua personalidade e lhe permitem o normal e livre exercício das atividades, juridicamente reconhecidas.”

Aníbal Bruno

RESUMO

A presente pesquisa visa à análise expositiva de uma questão que vem gerando

grande polêmica social, qual seja, a interrupção de gravidez eugênica por

anencefalia. Tal temática comporta grande divergência, sobretudo social, em

decorrência de princípios constitucionais discrepantes no ordenamento jurídico

vigente. A fim de elucidar o tema proposto, faz-se indispensável a compreensão da

jurisprudência sobre a matéria. Recentemente, a Confederação Nacional dos

Trabalhadores na Saúde – CNTS ajuizou Ação de Descumprimento de Preceito

Fundamental – ADPF – visando a declaração da inconstitucionalidade da

interpretação segundo a qual a interrupção da gravidez de feto anencéfalo seria

conduta tipificada nos artigos 124, 126 e 128, I e II, do Código Penal Brasileiro. O

STF, por maioria de votos, decidiu pela constitucionalidade da interrupção da

gravidez, pautado nos princípios da dignidade da vida humana e da saúde da

mulher. Todavia, apesar de pacífico o entendimento jurisprudencial, ainda não se

pacificou o anseio social, considerando diversos movimentos, especialmente

religiosos, que ainda posicionam-se contrários à legalização da interrupção de

gravidez de fetos anencéfalos, argumentando pelo direito absoluto à vida. Neste

cenário, se faz indispensável a análise crítica e principiológica acerca do tema, o que

se fará brevemente.

PALAVRAS-CHAVE: Aborto eugênico – Anencefalia – Saúde da Gestante.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................ 9

2 NOÇÕES ESSENCIAIS DO ABORTO ......................................................... 11

2.1 NOÇÕES INTRODUTÓRIAS DO ABORTO NO BRASIL .............................. 12

3 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS FUNDAMENTAIS .................................. 14

3.1 NOÇÕES INTRODUTÓRIAS..... ................................................................... 14

3.1.1 Princípio da dignidade da pessoa humana ................................................... 14

3.1.2 Princípio da Legalidade .................................................................................. 15

3.1.3 Princípio da Liberdade ................................................................................... 16

3.1.4 Princípio da autonomia da vontade ............................................................... 17

3.1.5 Princípio da segurança .................................................................................. 17

3.1.6 Princípio da justiça ........................................................................................ 18

3.1.7 Princípio da proporcionalidade ...................................................................... 19

4 APONTAMENTO HISTÓRICO DA PERSONALIDADE HUMANA............... 20

5 ABORTO ....................................................................................................... 22

5.1 NOÇÕES ESSENCIAIS ................................................................................ 22

5.1.1 Aborto terapêutico ......................................................................................... 23

5.1.2 Aborto eugênico ............................................................................................ 23

6 ANENCEFALIA ............................................................................................. 25

6.1 ASPECTOS FUNDAMENTAIS DA ANENCEFALIA ...................................... 25

6.1.2 Doenças relacionadas à gestação de fetos anencéfalos............................... 27

6.1.3 Traumas decorrentes de uma gravidez de anencéfalo.......... ........................ 27

6.2 POSICIONAMENTO MÉDICO ..................................................................... 29

7 A ANENCEFALIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO ..................... 31

7.1 POSICIONAMENTO JURISPRUDENCIA.....................................................33

7.1.2 Portaria MS/GM nº 1508/2005.......................................................................37

7.1.3 Projeto de Lei nº 312/2004.............................................................................38

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................43

REFERÊNCIAS:.........................................................................................................46

9

1 INTRODUÇÃO

O tema escolhido para ser desenvolvido enquanto Trabalho de Conclusão

de Curso derivou de questões polêmicas em relação à interrupção da gestação do

feto que apresenta má formação no decorrer de sua vida uterina, gerando assim

posições divergentes entre a permissão ou não desta interrupção.

Diante disso, após algumas conversas com o Ilustre Mestre Professor

Marcelo Nogueira Artigas, tornou-se interessante a abordagem do tema, por haver

uma série de discordâncias a respeito deste assunto. E um dos pontos a ser

abordado faz referência à Constituição, a Lei maior, onde todos deverão buscar a

melhor forma para solucionar os conflitos gerados pela sociedade.

Trata-se de um estudo direcionado à pesquisa de um tema polêmico, a

anencefalia. No entanto, pesquisas mostram que o concepto, apesar de manter

todas suas funções vitais, será efêmero após o parto.

Constitucionalmente, ambos possuem direitos, dentre eles os fundamentais.

Destaca-se o direito à vida cuja inviolabilidade está tutelada no caput do artigo 5º da

Constituição, sendo que ao concepto é assegurado o direito à vida intrauterina, e à

gestante o direito à saúde e à liberdade de autonomia reprodutiva. No ordenamento

jurídico brasileiro a vida humana é protegida desde a concepção, sendo os preceitos

da Convenção Americana de Direitos Humanos incorporados ao sistema

constitucional, onde o direito à vida é tutelado desde aquele momento.

Em decorrência desta proteção, a legislação penal tipifica os crimes que

atentam contra ela. A inviolabilidade do direito à vida, no âmbito punitivo, está

prevista em várias normas, dentre elas as que preveem os crimes dolosos contra a

vida como o homicídio; o induzimento, a instigação ou o auxílio ao suicídio; o

infanticídio e o aborto (LIMA, 2012, p. 17).

Todavia, no artigo 128 do Código Penal Brasileiro, o bem jurídico tutelado é

a vida intrauterina, sendo que o aborto doloso é considerado conduta criminosa.

Assim, o Código prevê duas hipóteses que excluem a ilicitude do ato, quais sejam: o

aborto necessário e o sentimental.

O presente estudo vem demonstrar que o aborto de anencéfalo é o meio

pelo qual se busca evitar um malefício maior para a mãe, que gerando toda uma

expectativa de ter um filho saberá que este nascerá com remotas chances de vida.

10

Para melhor análise e compreensão, o trabalho será dividido em quatro

capítulos, a saber: Capitulo I – Onde serão abordadas as noções introdutórias

acerca da temática; Capítulo II – Explicitará os princípios constitucionais brasileiros

que permeiam o aborto eugênico de anencéfalo; Capítulo III – Será voltada à análise

histórica da Personalidade Humana; Capítulo IV – Fará a exposição dos conceitos

de aborto; Capítulo V – Será especificamente abordada a anencefalia e

apresentados os riscos e traumas de uma gestação desta espécie. Capítulo VI –

analisará a Regulamentação no Ordenamento e Jurisprudencial acerca Interrupção

da Gravidez de Anencéfalo.

11

2 NOCÕES ESSENCIAIS DO ABORTO

Antes de adentramos no tema objeto de estudo da presente pesquisa

“Anencefalia: interrupção da gravidez à luz dos direitos constitucionais”,

procuraremos neste capítulo conceituar aborto, vez que fundamental, para uma

melhor compreensão do tema.

Na concepção de Lima, o vocábulo aborto significa privação do nascimento

“ab = privação e ortus = nascimento”. Para Noronha (1991, p. 49) o aborto se trata

da interrupção da gravidez, com a destruição do produto da concepção (ovo,

embrião ou feto).

De acordo com Benute (2007, p. 486): “a prática abortiva é tão antiga quanto

a própria existência humana. A primeira receita relatada foi o abortífero oral descrita

pelo Imperador Chinês, Shen Ning, entre 2737 a.C e 2696 a.C”. O tema aborto é um

dos mais polêmicos na sociedade atual, porém, desde a antiguidade, essa prática

era comum, podendo ser abordado sobre vários aspectos, como “o religioso, o

social, o político, o jurídico, o médico, o psicológico, o ético e outro” (LIMA, 2012,

p.54).

Benute explana que Aristóteles, Sócrates e Platão eram favoráveis à prática

do aborto. O primeiro filósofo acima citado acreditava que a alma só habitava o feto

após certo tempo de desenvolvimento do óvulo, enquanto que o segundo

incentivava as parteiras a realizarem o aborto em mulheres que desejassem fazê-lo.

Já Platão defendia que o aborto fosse realizado em todas as mulheres acima de 40

anos, a fim de evitar possível eugenia1 (2007, p. 486).

O aborto possui uma carga tão subjetiva que, enquanto para algumas

culturas recebe caráter de erro, pecado ou absurdo, para outras é visto de forma

completamente oposta, inclusive tendo aquelas que acreditam ser o ato abortivo

essencial em algumas situações, como ocorre em algumas tribos africanas, em que

a mulher, caso não realize o aborto, sente-se culpada, contrariamente ao que ocorre

em civilizações diversas (BENUTE, 2007, p. 487).

Cita Lima a explanação feita por José Henrique Pierangeli para melhor

entendimento do exposto: 1 Eugenia (Do gr. eugeneia). S. f. Ciência que estuda as condições mais propícias à reprodução e

melhoramento da raça humana. Disponível em: http://www.dicionarioinformal.com.br/significado/eugenia/1181/. Acesso em: 23 abr. 2013.

12

A palavra feto é empregada erroneamente pelo jurista durante toda a fase de gestação, a medicina legal utiliza uma classificação conforme cada fase da gestação. Assim, tem-se o ovo, quando a morte ocorre até as primeiras tr6es semana de gestação; o embrião, quando a morte ocorre a partir da terceira semana até os três meses de gestação; e finalmente, o feto, quando a morte acorre após os três meses de gestação, com ou sem expulsão do produto da concepção (PIERANGELI, apud LIMA, 2012, p.53)

Passa-se, então, à análise histórica do aborto no Brasil.

2.1 NOÇÕES INTRODUTÓRIAS SOBRE ABORTO NO BRASIL

As ciências biológicas e médicas ajudam o ordenamento jurídico a

conceituar o início da vida e seu término, mas fica a cargo da ciência jurídica a sua

proteção, em que pese essa definição ser controversa nas ciências médica e

biológica. Para o ordenamento jurídico brasileiro, essa proteção acontece desde a

concepção, incorporada à Constituição Federativa do Brasil pela Convenção

Americana de Direito do Homem (LIMA, 2012, p.40).

Segundo Lima (2012, p.42) o ordenamento jurídico brasileiro concebeu o

início da vida a partir da concepção, assim exposto:

A vida é protegida pelo ordenamento jurídico brasileiro, a partir da concepção, em decorrência de o Estado brasileiro ter incorporado ao sistema constitucional a Convenção Americana de Direito do Homem, que tutela a vida desde aquele momento (2012, p.42).

A tutela de tal direito vem prescrita em nossa Lei Maior no art. 1º, inciso III,

combinado com o art., 170 do mesmo diploma jurídico para a proteção da dignidade

da pessoa humana (LIMA, 20112, p.43).

No Código Penal Brasileiro, os casos de proteção da dignidade da pessoa

humana verificam-se em relação aos crimes: “Lesão corporal resultando morte,

abandono de incapaz com resultado morte, extorsão mediante sequestro [...]” (LIMA,

2012, p.51).

Ademais, o Código Penal Brasileiro estabelece penas para aqueles que

lesionem o bem jurídico que é a vida:

Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento. Art. 124. Provocar aborto em si mesmo ou consentir que outrem lho provoque: Pena: detenção de 1 a 3 anos” Aborto provocado por terceiros: Art. 125. Provocar aborto por terceiro, sem o consentimento da gestante:

13

Pena: reclusão de 3 a 10 anos Art. 126. Provocar aborto com o consentimento da gestante: Pena: reclusão de 1 a 4 anos”

Segundo Lima, o regulamento jurídico, ao tratar de aborto, divide-o em

sistema restritivo, permissivo e intermediário, sendo eles:

Restritivo: proibição absoluta, exceto o aborto terapêutico quando para salvar a vida da gestante; já o permissivo: considera as situações de conflitos reais de direitos fundamentais, dentre eles o conflito entre o direito à vida do concepto e o direito à autonomia reprodutiva da mulher, onde o direito da mulher sobrepõe-se ao do concepto; o sistema intermediário, por seu turno, encontra-se no meio termo entre os dois primeiros sistemas. Dentre as várias correntes doutrinárias, as mais significativas são o sistema do prazo e o sistema das indicações (LIMA, 2012, p.55-56).

Para tanto, Lima segue seu entendimento: “O sistema das indicações atua

segundo o princípio da regra e da exceção. Nele, o aborto consentido é, via de

regra, punível, sendo a vida humana intrauterina neste sistema protegido como bem

jurídico fundamental” (2012, p.55).

Neste sentido, preceitua o artigo constante no Código Penal Brasileiro: “Art.

128: Não se pune aborto praticado por médico: I – Se não há outro meio de salvar a

vida da gestante”.

Segue-se então, à análise dos princípios que permeiam a temática de

abordo de anencéfalo, uma vez abordados sob a luz dos Direitos Constitucionais.

14

3 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS FUNDAMENTAIS 3.1 NOÇÕES INTRODUTÓRIAS Na Constituição Brasileira de 1988, os princípios eram considerados como

fundamentais e, para que fossem mais bem analisados, deveriam estar intimamente

relacionados às Cláusulas Pétreas constantes no art. 60, §4º, e tomar seu “conteúdo

axiológico” para uma melhor interpretação (DANTAS, 2003, p.368).

Os princípios fazem com que as normas tenham coerência em seus

fundamentos. Sendo assim, as normas sem os princípios seriam como um homem

sem lucidez, precisando eles se inter-relacionar para que sejam melhor

compreendidos (VITTA, 2001, p. 48-49).

Para uma melhor compreensão, Vitta acrescenta: “O princípio é o Sol que se

irradia sobre os diversos compartimentos de uma casa. Sem o Sol a casa torna-se

escura, feia, deteriora-se com o passar do tempo. Sua utilização torna-se pouco

proveitosa ao homem” (VITTA, 2001)

Portanto, fundamental que tratemos dos princípios constitucionais, para que

tenhamos uma melhor compreensão do tema, objeto da presente pesquisa.

3.1.1 Princípio da dignidade da pessoa humana

De acordo com Lima (2012, p. 21): “os direitos fundamentais são todos

aqueles direitos garantidos pelo ordenamento jurídico positivo em nível

constitucional e que gozem de uma tutela reforçada”.

O princípio da dignidade humana fundamenta-se na “liberdade, igualdade e

fraternidade, visando proteger o ser humano em todas as suas dimensões” (LIMA,

2012, p.22).

Para tanto, segue o entendimento de Loureiro:

O primeiro de todos os direitos naturais do homem é o direito à vida, ao qual se vinculam o direito de nascer e, ao longo de toda a existência, o de viver com dignidade. O Direito Constitucionalmente assegura o direito à vida em duas acepções, o direito de continuar vivo e o direito de ter vida digna quanto à subsistência (2009, p.84).

15

Já na ótica de André Ramos Tavares, “A dimensão do direito à vida é

dúplice: O conteúdo do direito à vida assume duas vertentes; primeiro o direito de

permanecer existindo, e, em segundo, o direito a um adequado nível de vida (2002,

p.387)”.

A Constituição Federal de 1988, em seu art. 1º, inciso III, elege a dignidade

da pessoa humana como um dos fundamentos elementares do Estado Brasileiro, e

revela o fundamento e a essência do próprio Direito, que é servir ao homem para

que ele tenha uma vida digna, fazendo referência à dignidade da pessoa humana

como forma basilar da estrutura do Estado Democrático de Direito, elevando-a à

condição de bem supremo e universal da nação (LIMA, 2012, p. 23).

Embora o princípio da dignidade da pessoa humana possua “elevada carga

valorativa inerente à vida humana, não é absoluto, não podendo prevalecer

incondicionalmente sobre os demais princípios constitucionais quando em colisão”

(CUELLAR, 2006, p. 60).

“O princípio da dignidade da pessoa humana impõe limites à atuação estatal,

objetivando impedir que o poder público venha a violar a dignidade pessoal”

(SARLET, 2012, p. 131), todavia impõe ao Estado a objetivação deste princípio

como “meta permanente, proteção, promoção e realização concreta de uma vida

com dignidade para todos” (SARLET, 2012, p.131).

De acordo com ensinamentos de Péres Luño, citado por Sarlet:

A dignidade da pessoa humana constitui não apenas a garantia negativa de que a pessoa não será objeto de ofensas ou humilhação, mas implica também, num sentido positivo, o pleno desenvolvimento da personalidade de cada indivíduo (LUÑO, 1995 p.132 apud SARLET, 2012).

O princípio da dignidade da pessoa humana será abordado mais

profundamente, especialmente no que se relaciona à matéria abordada, com a

análise da jurisprudência e da Arguição de Descumprimento de Preceito

Fundamental (ADPF nº 54), conforme proposto.

Para tanto, faz-se necessário, uma análise dos demais princípios, vez que

pertinentes à presente pesquisa.

3.1.2 Princípio da Legalidade

16

O princípio da legalidade está previsto em nosso ordenamento jurídico e,

conforme entendimento de Celso Ribeiro Bastos, “ninguém é obrigado a fazer ou

deixar de fazer algo senão em virtude de lei surge como uma das vigas mestras do

nosso ordenamento”, (2002, p. 327), sendo que sua interpretação é vista de duas

formas, uma segundo a qual o Estado de Direito procura regular os comportamentos

dos indivíduos e dos órgãos estatais através das normas onde a lei é o meio

adequado a essa regulação e por outro protege ao particular de possível

arbitrariedade do Estado no qual apenas um deles (Legislativo, Executivo e

Judiciário) pode obrigar os particulares licitamente (BASTOS, 2002, p.327).

De acordo com o artigo 5º, inciso II da Constituição da República Federativa

do Brasil de 1988, “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo, senão em

virtude de lei”, salvo disposição em contrário, mostra que a obediência dos

particulares se dirige ao Legislativo, sendo sua competência pautada dentro dos

parâmetros legais (BASTOS, 2002, p.327).

Para tanto, seguiremos a análise dos demais princípios, onde se faz

necessário para um melhor entendimento.

3.1.3 Princípio da Liberdade

Historicamente, o princípio da liberdade foi posto como direito individual na

Declaração de Direitos do Homem de 1789, sendo esta uma das mais importantes

manifestações da Liberdade do homem, onde ele manifesta todas as suas opiniões

e crenças, tendo em vista que é dever do Estado defender e garantir as liberdades,

e jamais oprimi-las, devendo assegurar o respeito à pluralidade de ideias, opiniões,

e crenças a fim de harmonizá-las como os demais direitos fundamentais.

Por apresentar um conceito amplo, o direito à liberdade faz referência a uma

infinidade de direitos dentre os quais estão a liberdade de pensamento, a liberdade

religiosa e também a de escolher o que melhor lhe convém sendo que este não

prejudique a outrem. Ademais, anteriormente as decisões proibiam a interrupção da

gravidez em todas as formas, a não ser aquelas permitidas por lei, não levando em

conta que feriam e ofendiam também a liberdade da gestante (BASTOS, 2002, p.

329).

Acrescenta ainda que o art. 1º da Declaração de Direito do Homem

preceitua:

17

A livre comunicação dos pensamentos e das opiniões é um dos direitos mais precioso do homem; todo cidadão pode falar, escrever, exprimir livremente, sujeito a responder pelo abuso desta liberdade nos casos

determinados pela lei” (BASTOS, 2002, p. 329).

Este princípio nos remete ao caso dos anencéfalos, pois se há um vazio

legal a interrupção da gravidez que traz tal anomalia não pode ser considerada

como crime.

Seguindo, faremos uma análise dos princípios da autonomia da vontade, tão

necessário quanto os outros para a compreensão da presente pesquisa.

3.1.4 Princípio da autonomia da vontade

De acordo com Loureiro (2009, p. 12), o princípio da autonomia quer dizer

que o indivíduo é livre para escolher o que é melhor para si, sem que este

prejudique a outrem.

Para tanto, segue o entendimento do sobredito autor:

O princípio da autonomia, um dos princípios basilares da bioética, diz respeito à liberdade individual de cada pessoa poder escolher o que é melhor para si. Devendo ser respeitados os valores morais de cada um individualmente. Isto posto, autonomia não é simplesmente reconhecer que certo individuo é autônomo, reconhecer suas opiniões, escolhas, valores e crenças, mas sim, ver todas essa atitudes resguardadas pela legislação em seu todo valorativo (LOUREIRO, 2009, p.12).

3.1.5 Princípio da segurança

O princípio da segurança previsto no artigo 5º, inciso III, da Constituição

Federal garante o direito à integridade física e moral, não permitindo que ninguém

seja posto a tratamento desumano ou degradante e que o homem seja submetido a

terapia que o leve a sofrimento injusto (LOUREIRO, 2009, p.13).

Posto isso, dispõe Loureiro:

O princípio da segurança previsto no art. 5º, inciso III, da Constituição Federal garante o direito à integridade física e moral, porque ninguém será submetido a tratamento desumano ou degradante; não se pode praticar experimentos científicos que rebaixem a dignidade do homem ou terapia que o submetam a sofrimentos injusto (2009, p.13).

18

A respeito dessa definição, a desembargadora Giselda Leitão Teixeira, do

Tribunal de justiça do Rio de Janeiro, salientou que “a vida deve ser preservada a

qualquer custo, quando esta é inviável, mas impor à mãe meses de sofrimento,

angústia e desespero seria injusto” (ADPF/54).

Assim, este princípio constitui pressuposto essencial para o respeito da

dignidade da pessoa humana dando a todos os seres humanos um tratamento

adequado e uma maior segurança se este princípio for violado.

Tendo em vista que o princípio da segurança concomitantemente

relacionado com o da justiça oferece ao sujeito de direito uma efetividade do Estado

na promoção da equidade ao caso concreto.

3.1.6 Princípio da justiça

Na concepção de Loureiro (2009, p. 14), “o princípio da justiça, também

chamado de princípio da equidade”, vem previsto no artigo 3º, inciso IV, da

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, prevendo que todos devem

ter acesso aos procedimentos médicos necessários, independentemente de sua

situação econômica e social, porque todos os indivíduos devem ser tratados

igualmente.

No entanto, no Brasil existe somente a equidade formal, já que os meios de

tecnologia avançados são muito caros, ficando assim a maior parte da população

sem acesso a tais modernidades e somente a população com maior poder aquisitivo

tem plenamente tal acesso, porque o Estado não oferece os mesmos serviços na

rede pública de forma que todos se beneficiem com tal procedimento (LOUREIRO,

2009, p.14).

Ainda acrescenta Loureiro:

A respeito dessa definição o art. 3º, inciso IV, da Constituição Federal de 1988 preceitua que o Estado deve promover o bem para todos sem distinção, preconceito ou discriminação, pois todas as pessoas, independentemente de condição social, cultural e econômica, devem ter amplamente liberdade de optar entre os tratamentos que lhe são oferecidos, e todos devem ser tratadas igualmente pela lei, inclusive o embrião (2009, p. 14).

19

Diante disso, demonstra que o Estado, pelo caos que encontra o Sistema

público, não consegui atender a todos igualmente, sendo que boa parcela da

população não têm se quer o atendimento básico para o seu tratamento.

Posto isso, segue-se à analise dos demais princípios que norteia a pessoa

jurídica para uma efetiva concretização dos direito a eles inerentes.

3.1.7 Princípio da proporcionalidade

Ao analisarmos o princípio da proporcionalidade, notamos que este se

conecta ao princípio da dignidade da pessoa humana pelo fato de salvaguardar os

direitos fundamentais de ações limitativas do Estado em atos administrativos

abusivos de entes públicos; por outro lado é utilizado como critério para solucionar

conflitos de direitos fundamentais com juízos comparativos de ponderação

(CUELLAR, 2006, p.60).

Nas palavras de CUELLAR:

O princípio da proporcionalidade desempenha duas funções no sistema normativo: ora atua como instrumento de salvaguarda dos direitos fundamentais contra a ação limitativa que o Estado impõe a esses direitos visando ampliação do controle jurisdicional, ora cumpre a missão de atuar como critério para solucionar o conflito entre dois direitos fundamentais através de juízos comparativos de ponderação dos interesses envolvidos no caso concreto (2006, p. 60).

Posto isso, nas palavras de CUELLAR devemos sopesar os princípios que

envolvem a solução dos conflitos, buscando entre dois direitos fundamentais

ponderações no caso concreto a melhor solução entre os juízos.

Diante desta situação, juristas buscam preservar a dignidade da mãe e do

feto, nem que seja por um período de curto prazo. É necessário, no entanto, sopesar

no caso concreto que a mãe nessa relação será a maior prejudicada, pois pelo

exposto fica comprovada a inviabilidade extrauterina da vida do feto. (ADPF/54).

Postulados todos os princípios da dignidade da pessoa humana, se faz

necessária a análise do início da personalidade jurídica do sujeito para melhor

compreensão do que iremos expor adiante.

20

4 APONTAMENTO HISTÓRICO DA PERSONALIDADE HUMANA

Em Roma, os direitos humanos são conhecidos da mesma forma que hoje.

Para eles a “actio injuriarum, ação contra injúria”, se referia a qualquer discriminação

física e moral do indivíduo e, hoje, encontra-se tutelado no princípio da

personalidade humana. Em constante elaboração, a personalidade humana tem seu

início com as doutrinas germânicas e francesas datadas no século XIX, conhecido

como direito de personalidade, onde está inserido o direito à dignidade e o direito à

integridade, aspecto substancialmente importante para o entendimento da

personalidade do sujeito (TEPEDINO, 2008, p. 26).

Neste mesmo sentido, o ordenamento jurídico é um sistema no qual as

normas legais e os princípios incorporam as exigências de justiça e valores éticos,

onde o suporte axiológico confere coerência interna e estrutura harmônica a todo o

ordenamento jurídico. Este por sua vez apresenta função de salvaguardar valores

fundamentais extraídos do próprio sistema constitucional (PIOVESAN, Flavia –

Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional, 2002, p. 31).

Elevando-se à cláusula pétrea, o texto jurídico de 1988 resguarda o valor da

dignidade da pessoa humana, apresentando avanços em relação aos direitos e

garantias fundamentais, incluindo no catálogo os direitos civis, políticos e sociais

(MORAES, 2009, p. 31).

Estes princípios comungam com o princípio da Revolução Francesa, quais

sejam os princípios da liberdade, igualdade e fraternidade, tendo certa

interdependência com direitos humanos, sendo que o valor da liberdade não se

divorcia com direitos da igualdade, concluído assim por Manoel Gonçalves Ferreira

Filho, citado por Moraes (2009, p.32).

Conforme este entendimento, Sarlet disciplina:

É indissociável a relação entre a dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais que mesmo nas ordens normativas onde a dignidade ainda não foi expressa, apenas a partir desde dado - concluir que não se faça presente e não lhes reconheça e que não lhes assegure os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana (SARLET, 2012, p. 101)

Para o Código Civil Brasileiro (Lei nº10406/2002), o nascituro só passa a ser

sujeito de direitos se nascer com vida, adotando-se a teoria natalista. Apesar dos

eventuais direitos do nascituro, retrata o início da personalidade jurídica no art. 2º: “A

21

personalidade civil do homem começa do nascimento com vida; todavia a lei põe a

salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”.

Nos ensinamentos de Caio Mário da Silva Pereira:

O feto nas entranhas maternas era uma parte da mãe “portio mulieris velviscerum”, sendo que este não podia ter direitos, mas seus interesses eram resguardados e protegidos, até o momento de seu nascimento, o que excluía a uma só vez interesses de terceiros e qualquer situação contraria aos seus cômodos (PEREIRA, 2009, p.181-192).

Conforme Resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM nº 1.480 de

1997), a Personalidade Humana termina com sua morte, e somente com esta cessa

sua personalidade. Segundo as ciências modernas, a vida do indivíduo está

subordinada à atividade cerebral, tendo seu término com a morte encefálica,

contudo é licito a remoção de órgãos para fins de transplantes, ou outras finalidades

científicas (BARBARO JUNIOR, p. 436)

Em seu Livro de Direito Penal, Luiz Regis Prado, traz em seu histórico que:

Desde a antiguidade as práticas abortivas eram frequentes. “No reinado do imperador Septimius Severus (193-211 D.C.), passou a ser cerceado, pois tirava todos os direitos que o eventual pai poderia ter e sendo esta sujeita a pena cominada ao venéfico (ação de envenenar alguém)”. Com o Cristianismo o aborto foi reprovado, sendo o direito reformado pelos imperadores Adriano, Constantino e Teodósio, contudo este foi definitivamente comparado ao delito de homicídio. Na Idade Média havia divergências quanto às práticas abortivas. Santo Agostinho dizia que o aborto só seria delito se se tratasse de feto animado, mas São Basílio discordava dizendo que o aborto provocado seria sempre crime (374 d.C.). Com o Iluminismo estas distinções foram abandonadas, sendo postuladas, a partir de então, as reduções das penas se estas fossem praticadas por motivo de honra. No Brasil, o Código Criminal do Império (1830), não tipificava o aborto praticado pela própria gestante. Sendo somente sancionados os praticados por terceiros, com ou sem consentimento da gestante, ou se o meio empregado resultasse na morte da mulher, no entanto o autoaborto, embora tipificado, tinha sua pena aumentada se esta era para ocultar desonra própria (PRADO, 2011, p. 127-131).

22

5 ABORTO

5.1 NOÇÕES ESSENCIAIS

Para o Direito brasileiro, o nascituro só teria direitos se nascesse com vida,

adotando-se a teoria natalista, apesar dos eventuais direitos do concebido.

O Código Civil Brasileiro (Lei 10.406/2002) retrata o início da personalidade

jurídica no art. 2º: “A personalidade civil do homem começa do nascimento com vida;

todavia a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”.

Nos ensinamentos de Caio Mário da Silva:

O feto nas entranhas maternas era uma parte da mãe “portio mulieris velviscerum”, sendo que este não podia ter direitos, mas seus interesses eram resguardados e protegidos, até o momento de seu nascimento, o que excluía a uma só vez interesses de terceiros e qualquer situação contrária aos seus cômodos (2009, pag.181-192).

A legislação brasileira prevê duas formas expressas de aborto legal,

tratando-se de modalidades de exclusão de ilicitude. A primeira hipótese é a

chamada de aborto necessário ou terapêutico. No entanto para esse aborto são

necessários dois requisitos muito importantes, os quais seriam: a existência de

perigo para a vida da gestante e o outro a inexistência de outro meio para salvar a

sua vida. Esta deve ser absolutamente necessária, mesmo que este perigo seja

atual, pois basta haver certeza de que se a gestante levar adiante a gravidez esteja

colocando em risco sua própria vida.

No art.128 do Código Civil, em seu inciso I estabelece que não seja punível

aborto praticado por médico se não houver outro meio de salvar a vida da gestante,

por esta razão tem que atender simultaneamente os dois requisitos: salvar a vida da

gestante e o mesmo ser praticado por médico (LIMA, 2009, P.64).

Outro ponto principal refere-se ao conceito de vida, que ultrapassa o

biológico, sendo este obviamente a fonte primária de todos os demais direitos

fundamentais tutelados pela Constituição.

Neste sentido, José Afonso da Silva leciona: “[...] a vida, no contexto

constitucional, não será considerada apenas no seu sentido biológico de incessante

auto-atividade funcional, peculiar à matéria orgânica, mas na sua concepção

biográfica mais compreensiva.”

23

Assim, verifica-se que a proteção da vida e o de permanecer vivo é o que

confere a possibilidade de alguém exercer os demais direitos, tais como liberdade,

direitos patrimoniais e todos os demais a ele inerentes como pessoa humana,

segundo nossa Carta Magna.

José Afonso da Silva ensina ainda que “no conteúdo de seu conceito, se

envolve o direito a dignidade da pessoa humana, o direito a privacidade, à

integridade físico-corporal, o direito a integridade moral e especialmente o direito a

existência (2005, p. 414)

Segundo LIMA, foi atribuída ao médico:

a responsabilidade de decidir a necessidade de ser realizado o aborto, sendo que esta autorização deve preencher dois requisitos essenciais ao direito brasileiro que diz ser antijurídico o aborto praticado onde a existência de perigo para a vida da gestante e a inexistência de outro meio capaz para salvá-la (2012, p.64).

5.1.1 Aborto terapêutico

Segundo a medicina, o aborto terapêutico se dá com o objetivo de salvar a

vida da mãe conhecido também como “aborto necessário” (VERARDO, p.24). É

indicado para mulheres portadoras de doenças renais e vasculares, bem como para

mulheres com várias cardiopatias, diabetes, hemopatias como a leucemia e a

doença de Hodgkin e câncer do colo do útero, cujo risco para a mulher que

engravida é imediato (VERARDO, 1987, p.24).

5.1.2 Aborto eugênico

É realizado devido à suspeita de que o feto contraiu graves anomalias ou

doenças transmitidas por um ou por ambos os genitores (VERARDO, p.25), sendo

que há fatores que provocam lesões irreversíveis no feto tais como os provocados

por vírus, como a taxoplasmose, hepatites e rubéola. Atingindo uma gestante pode

provocar no feto microcefalia (acúmulo anormal de líquido cefalorraquidiano),

calcificação cerebral, retardo mental e psicomotor, sendo que no Brasil este é

considerado ilegal. (Maria Tereza Verardo, p.26). Posto isso, não prevê a lei a

exclusão da ilicitude do aborto eugênico, nem no direito material e nem no

24

processual, todavia, esta já pacificada entre os magistrados do STF em decisão da

ADPF 54, arguida pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde

(CNTS).

Posto isso, fica demonstrado que a prática de aborto de Anencéfalo não

poderá ser considerado antijurídico, já que o aborto é a interrupção de um ser

dotado de vida em curso. Sendo o feto Anencéfalo dotado de vida pelas

ponderações médicas, inexiste pertinência em considerar tal aborto como crime.

Assim sendo, o feto que desde sua concepção até a constatação clínica da

anencefalia era pelo código penal tutelado, pelo pressuposto da existência de vida.

Mas, se comprovada a morte anencefálica, deixa de ser amparado pelo artigo 124

do CP.

O aborto de fetos anencéfalos é conhecido no mundo jurídico por aborto

eugênico ou eugenésico, e só é tido como aborto quando ocorre a interrupção da

gravidez. De acordo com obstetras, o aborto induzido pode ser realizado no máximo

até a 22ª semana de gestação (cinco meses e meio). Estes podem ser espontâneos

ou provocados. Espontâneos se ocorrerem vários fatores de ordem natural, como

expulsão do feto sem interferência externa. Provocado quando este se dá por

organismo mecânico (curetagem e outros), químico (remédios), terapêutico (salvar a

vida da mãe) e eugênico (feto contrair doenças graves), sendo este de caráter legal

em vários países (Maria Tereza Verardo, Aborto: um direito ou um crime, p. 62).

25

6 ANENCEFALIA

6.1 ASPECTOS FUNDAMENTAIS DA ANENCEFALIA

O Anencéfalo é considerado um ser humano, sendo que no período

gestacional, ele é considerado nascituro e, por isso, titular de direito, dentre ele a

vida. No entanto, independente de apresentar qualquer deficiência, mesmo assim é

dotado de proteção. As ciências médicas sempre entraram em discussão quando é

que a vida se extingue. A incapacidade de respirar foi por muito tempo, o parâmetro

utilizado para dimensionar os indícios de vida. E com o passar do tempo as

tecnologias foram se aperfeiçoando, e hoje é notoriamente demonstrado que o

Anencéfalo, fora do ventre materno se extinguirá, e não terá vida e esse diagnóstico

é pacifico entre os doutores em medicina.

“Segundo o CFM (Conselho Federal de Medicina), em sua Resolução

1.752/04, os anencéfalos são natimortos cerebrais, e por não possuírem o córtex,

mas apenas o tronco encefálico, são inaplicáveis e desnecessários os critérios de

morte encefálica” (ROBERTO BARBATO JR., 2007, p. 437)

Do ponto de vista do Dr. Heverton Neves Pettersen da Sociedade de

Medicina Fetal: “o feto Anencéfalo já é considerado um natimorto neurológico, não

tendo sequer o desenvolvimento do sistema nervoso”. (ADPF/54).

Segundo Lima (2012, pag.76), “a anencefalia, segundo as ciências médicas,

configura uma das má formações do sistema nervoso central. Em decorrência da má

formação, carece de grande parte do sistema nervoso central, e por preservar o

tronco encefálico, ou parte dele, mantém algumas funções vitais, tais como o

sistema respiratório e cardíaco.

Acrescenta ainda:

A má formação o incapacita de funções relacionadas à consciência e à percepção, cognição, comunicação, afetividade e de emotividade, tornando sua existência não só precária como efêmera (2012, p.76)

Para melhor entendimento, a anencefalia se dá pelo defeito do fechamento

da parte anterior do tubo neural, que ocorre entre a terceira e quarta semana de

gravidez.

26

As suas principais características são a falta de desenvolvimento da calota

craniana, couro cabeludo e, principalmente, o comprometimento da parte anterior do

encéfalo (parte do sistema nervoso central, contida na cavidade do crânio, e que

abrange o cérebro, o cerebelo, a protuberância e o bulbo craniano), que origina os

hemisférios cerebrais. As porções média e posterior do encéfalo podem ter grau

variado de desenvolvimento chegando a permitir que essas crianças respirem

espontaneamente, chorem, deglutam, façam expressões faciais, movimentem os

membros e respondam a estímulos nocivos.

Consoante opinião de H. Petterson da Sociedade Brasileirade Medicina

Fetal, o diagnostico da anencefalia é 100% seguro (Folha de São Paulo, p. c5, de

29.08.2008).

Muito se discute em relação ao início da vida, onde esta é atualmente

definida por correntes:

I. Começa com a fertilização, no entanto esta se dá pela concepção

(teoria mista – caso francês)

II. Começa com a implantação do embrião no útero, na chamada nidação;

III. Coincide com a atividade cerebral;

IV. Começa com nascimento com vida (Concepcionalista).

Dispõe Venosa quanto ao entendimento do inicio da vida:

No entanto para o ordenamento jurídico esta definição deve ser clara e simples para que haja um bom entendimento quanto ao inicio da vida humana, e em que momento este será considerado vivo e com personalidade jurídica. Todavia, nada adianta a ciência médica conceituar a vida, mostrando todos ao parâmetro de idoneidade, se o direito não acatar tal conceituação. Este conceito não decorre da lei, mas é por ela fundamentada, se o objetivo é tutela-la. “Assim, podemos afirmar que a vida inicia-se no momento da fecundação e tem seu termo final quando da constatação de paralisia de todas as funções vitais do ser humano; portanto, toda prática que culmine com a alteração destes estados é considerado, a depender do estágio, crime de homicídio, infanticídio ou aborto, todos repudiados pelo ordenamento jurídico”. Mas o que seria vida? Para Loureiro (2009, pag.84), o primeiro de todos os direitos naturais do homem é o direito a vida, ao qual se vinculam o direito de nascer e, ao longo de toda a existência, o de viver com dignidade. O Direito Constitucionalmente assegura o direito a vida em duas acepções, o direito de continuar vivo e o direito de ter vida digna quanto à subsistência, igualmente, a personalidade é uma das características inerente ao ser humano. Destarte, “a personalidade não é propriamente um direito, mas um conceito básico sobre o qual se apoiam outros direitos” (VENOSA, 2001, p.140).

27

Assim, constata-se que é pacífico o entendimento de que o início da vida fica

a cargo das ciências médicas, enquanto a proteção fica a cargo do ordenamento

jurídico. Ante o exposto adentramos nas doenças relacionadas com o anencéfalo.

6.1.2 Doenças relacionadas à gestação de fetos anencéfalos

Conforme estudos científicos a doença que acomete os fetos anencéfalos se

dá por fatores “genéticos e ou ambientais”, frequentemente detectados em

mulheres acima de 40 anos; por ser anomalia fetal, sua vida após o parto é de

segundos, sendo que 75% nascem mortos, raras exceções, geralmente sobrevivem

poucas horas, sendo um quadro irreversível, a vida da criança se torna impossível

fora do útero da mãe (LIMA, 2012, p. 78).

Pertinente se faz a análise dos traumas sofridos por gestantes durante a

gravidez de anencéfalo.

6.1.3 Traumas decorrentes de uma gravidez de anencéfalo

A definição que traz a Organização Mundial de Saúde (OMS) “Saúde é

quando o indivíduo encontra-se em perfeito bem estar físico, mental e social, não

apenas com ausência de doença” (LIMA, 2012, p108).

A respeito dessa definição, Lima (2012, P. 108) afirma que: “de acordo com

essa organização, a saúde é concebida de forma abrangente e sua constatação

depende da análise de vários aspectos do bem–estar do ser humano, não se

limitando à ausência de doença”.

A propósito, Carolina Alves de Souza Lima acrescenta que “a garantia do

direito à saúde envolve tanto a proteção do direito em si, pelo ordenamento jurídico,

quanto à prestação de determinados serviços pelo Estado, para que o direito seja

resguardado” (2012, p. 108).

Além disto, destaca Lima:

O referido direito precisa ser regulamentado pela legislação infraconstitucional, sob pena de não ser exercido plenamente. Compreender o aborto do Anencéfalo, quando há consentimento da gestante, como conduta criminosa, configura lesão ao direito à saúde da mulher, uma vez que a gravidez, nessas circunstancias, põe em risco a sua saúde (2012, p. 108).

28

Por que impor à gestante o fardo de carregar por nove meses um feto que

sabe-se, com plenitude de certeza, não sobreviverá; causando a mulher dor,

angústia e frustração, violando as vertentes da dignidade humana como a física, a

moral e a psicológica com cerceio à liberdade de autonomia da vontade, podendo

causar risco a saúde da mulher, onde o Estado proclama em seus princípios de

Organização Mundial de Saúde – o completo bem-estar físico, mental e social e não

apenas a ausência de doença?

Segundo desembargadora Giselda Leitão Teixeira do Tribunal de Justiça do

Rio de Janeiro: “A vida é um bem a ser preservado a qualquer custo, mas, quando a

vida se torna inviável, não é justo condenar a mãe a meses de sofrimento, de

angústia, de desespero” (ADPF/54).

Carolina Alves da Souza Lima assevera:

A anencefalia pode ser diagnosticada no início da gestação, por meio dos exames pré-natais, particularmente pelos exames de ultrassonografia. Caso não diagnosticada no início da gestação, ou caso haja alguma dúvida quanto ao diagnóstico, este pode ser feito com absoluta certeza, entre o período da vigésima semana à vigésima segunda semana, por meio dos atuais aparelhos de ultrassonografia. Por isso o argumento de que poderia haver erro de diagnóstico é muito pouco provável, diante dos avanços na área da medicina fetal. No entanto, apesar de todos os avanços da ciência médica e da tecnologia a ela relacionada, ainda não há recursos médicos para reverter determinados quadros clínicos, como nos casos da anencefalia. Nestes, a medicina não possui nenhum procedimento ou tratamento que possa reverter tal situação. O Anencéfalo está fadado a uma vida vegetativa por breve período de tempo até a morte (2012, p. 93).

Lima cita Thomaz Gollop, pois busca alertar quanto ao risco que pode afetar

a mulher se levar uma gestação de Anencéfalo:

Uma gestação de feto Anencéfalo acarreta risco de morte à mulher grávida. Sem dúvida, e sobre isso há alguns dados levantados que são muito interessantes. Em primeiro lugar, há pelo menos 50% de possibilidade de polidrâmnio, ou seja, excesso de líquido amniótico que causa maior distensão do útero, possibilidade de atonia no pós-parto, hemorragia e, no esvaziamento do excesso de líquido, a possibilidade de deslocamento prematuro de placenta, que é um acidente obstétrico de relativa gravidade (2012, p.109 apud GOLLOP, 2004).

Ainda cita Gollop que além dessas existem inúmeras complicações em uma

gestação cujo resultado é um feto sem nenhuma perspectiva de vida, ou seja: “Que

29

a distócia de ombro acontece em 5% dos casos, o excesso de líquido em 50% dos

casos e a atonia do útero pode ocorrer em 10% a 15% dos casos, podendo os fetos

anencéfalos ser expulso antes da dilatação completa do útero” (2012, p. 110 apud

GOLLOP, 2004).

Então, por que se falar em aborto se o período de vida do Anencéfalo é

efêmero, por que impor a gestante tal sofrimento, se seu feto não terá vida a não ser

por segundos? Que direto é esse de dignidade, fazer com que uma pessoa suporte

por nove messes um concepto que não durará com vida após o parto?

Lima, em sua conclusão cita que:

A gestação do Anencéfalo pode comprometer a saúde física, psíquica e social da mulher, e a imposição de uma gestação nessas circunstancias efetivamente lesa sua saúde física, psíquica e social. Quanto a mulher é privada da liberdade de escolha, seu sofrimento pode ser ainda mais agravado e sua saúde física e psíquica, mais afetada. A única forma de atenuar o sofrimento da gestante, com respeito aos seus direitos fundamentais, é garantindo-lhe legalmente a decisão livre e autônoma de interromper ou não a gestação nos casos de anencefalia (2012, p. 173).

Olhando a inexigibilidade da conduta diversa encontrada no Estatuto

Repressivo Penal, é justo exigir outra forma de conduta da mãe, após saber o

diagnostico de que seu filho é portador da anencefalia outra forma se não optar pelo

aborto? E se no caso a mãe já tiver feito o aborto, é justo condena-la? O que deve

ser entendido por exigibilidade de conduta diversa?

Segundo entendimento de Rogerio Greco:

É a possibilidade que tinha o agente de, no momento da ação ou omissão, agir de acordo com o direito, considerando-se sua particular condição de pessoa humana”. Posto isso, é notório que diante da culpabilidade que é demonstrado na prática do aborto de anencéfalo se excluir a culpabilidade do agente, pois resta patente a impossibilidade de exigir da mãe uma conduta diversa que não o de abortar seu feto anencefálico (2007, p. 416).

Assim, buscam os doutrinadores o melhor entendimento em relação à

interrupção terapêutica de feto Anencéfalo. É os direitos fundamentais são uma

forma de melhor assegurar a todos uma existência digna, livre e igual.

30

6.2 POSICIONAMENTO MÉDICO

Do ponto de vista médico, o Cremesp – Conselho Regional de Medicina do

Estado de São Paulo sendo a favor ao aborto expõe suas razões:

O aborto deve ser legal não somente nos casos em que haja risco de vida da Gestante, como também colocar em risco a saúde da mulher e se o feto for portador de doenças prejudicial ao seu desenvolvimento. No entanto, a maioria dos abortos ocorridos no Brasil, o fator determinante não é de natureza médica, mas psicossocial, contudo o estado deve assumir sua responsabilidade promovendo uma assistência digna e adequada para a saúde destas mulheres (VERARDO, p.57)

No entanto, o Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro – Cremerj,

se posiciona contrariamente: “Segundo o Cremerj, a aprovação desta lei violaria a

consciência médica” (VERARDO, p. 58).

De acordo com Lima (2012, p.92-93), os avanços tecnológicos permite que o

diagnostico seja mais preciso e vem auxiliando na detecção das malformações

fetais, afirmando que:

Os avanços tecnológicos na área da medicina fetal permitem realizar diagnostico muito seguros sobre a formação do produto da concepção e a detecção de inúmeras doenças. O diagnostico pré-natal, na atualidade, abarca uma gama muito grande de procedimentos médicos com diversas finalidades. Possibilita uma melhor proteção da vida e da saúde, tanto da gestante quanto do concepto, ao detectar doenças e malformações fetais. A partir do diagnostico, é possível, por meio deste procedimento mais simples até de prática cirúrgicas, resolver ou remediar muitas dessas situações. Para auxiliar no diagnostico, os modernos aparelhos de ultrassonografia possibilitam resolução precisa quanto à existência de malformações fetais (LIMA, 2012, p.92-93).

Diante do exposto, entraremos na seara da análise da anencefalia e como

ele é visto no ordenamento jurídico.

31

7 A ANENCEFALIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO

A anencefalia traz ao operador do direito situações na qual se encontram

conflitos reais em relação aos direitos fundamentais. De um lado, o resguardo à vida

intrauterina do Anencéfalo e do outro à saúde e à liberdade de autonomia

reprodutiva da mulher, ambos disciplinados na Constituição da República Federativa

do Brasil.

De cada 10.000 nascimentos no Brasil, oito são de fetos anencéfalos. A

ciência médica afirma que, em se tratando de um verdadeiro caso de anencefalia, a

vida do feto resulta totalmente inviabilizada. Não há que se falar em delito, portanto,

no caso de aborto de anencéfalo. Não se trata de uma morte arbitrária (ou seja: não

se trata de um resultado jurídico desarrazoado ou intolerável). Daí a conclusão de

que esse fato é materialmente atípico. (GOMES, 2009, p.7).

O aborto de Anencéfalo está de acordo com o ordenamento jurídico, onde o

feto anencefálico é um morto cerebral, ou seja, a gestante carrega em seu ventre,

um indivíduo legalmente morto, sendo legal pela ordem jurídica, a antecipação do

parto, se a gestante, seu companheiro e familiares, decidirem por ela.

Nesta seara, são visíveis dois ângulos: um social e outro jurídico, todavia,

desde 1940, quando elaborado o Código Penal, houve grande avanço tecnológico e

científico em relação ao diagnóstico da anencefalia, como ultrassonografia, sendo

este diagnóstico mais preciso em relação àquela época. Por isso o Código Penal

não disciplinava o aborto de Anencéfalo. No entanto, hoje é possível fazer o

diagnóstico mais preciso.

Ademais, Lima cita Genival Veloso França asseverando que parte da

doutrina classifica aborto de Anencéfalo como eugênico, porém nas palavras de

Veloso:

O aborto seletivo em fetos anencefálicos não pode ser incluído entre os abortos ditos eugenésicos, pois estes evitam o nascimento de crianças com defeitos físicos ou perturbações psíquicas, enquanto aquele apenas promove a interrupção de uma gravidez cujo feto não tem nenhuma condição de vida autônoma (2012, p. 96 apud FRANÇA, 2007).

Sendo assim, os magistrados em seu exercício profissional, devem romper

com coragem o silêncio que oprime, para dar voz ao sofrimento contido daqueles

32

que nada tem, porque nada espera, em busca da satisfação do interesse lesado, do

direito ferido, da garantia violada.

Posto isso, o Ministro Marco Aurélio de Mello, precursor em entender o

sofrimento da gestante com diagnóstico de feto Anencéfalo, buscou através de uma

liminar minimizar este sofrimento.

Carolina Alves de Souza Lima aduz sobre o diagnóstico de feto Anencéfalo,

mostrando a inviabilidade de concepto com tal má formação:

A anencefalia pode ser diagnosticada no inicio da gestação, por meio dos exames pré-natais, particularmente pelos exames de ultrassonografia. Caso não diagnosticado no inicio da gestação, ou haja dúvida quanto ao diagnostico, este pode ser feito, entre o período da vigésima semana à vigésima segunda semana, por meio dos atuais aparelhos de ultrassonografia. No entanto, os avanços da ciência médica e da tecnologia a ela relacionada, ainda não há recursos médicos para reverter determinados quadros clínicos, como no caso da anencefalia. O anencéfalo é fadado a uma vida vegetativa por prevê período de tempo até a morte (2012, p. 93).

Também, segundo Loureiro:

A vida é o primeiro direito a ser tutelado pela constituição e nela se vincula o direito de nascer e, ao longo de sua existência, o de viver com dignidade. No entanto nada fala que retirar um concepto que diagnosticado com uma mal formação de anencefalia, esta comprovada, que o feto não terá vida após o parto, seja privar um individuo ao direito de nascer e o de viver com dignidade, pois, comprovadamente esta “vida”, não durará segundos (2009, pag.84)

A partir do exposto, segundo as palavras da desembargadora Giselda Leitão

Teixeira: “A vida é um bem jurídico a ser preservado a qualquer custo, mas, quando

a vida se torna inviável, não é justo condenar a mãe a meses de sofrimento, de

angustia, de desespero” (ADPF/54).

Nota-se pela frase abaixo citada o Estado ainda traz arraigado em seus

preceitos um pouco de religiosidade, sendo que esta deve ser pautada com maior

discernimento em relação aos casos concretos, devendo sopesar todos os princípios

fundamentais elencados aos interesses dos indivíduos.

Embora laico, o Estado brasileiro se vê as voltas com influencias de opiniões religiosas, chegando mesmo, em algumas circunstancias, a ter de colocar em pauta as posturas assumidas por seus lideres (ROBERTO BARBATO JR, nº 96, p.441).

33

Sendo que, pelo ângulo social esta seria benéfica às mulheres mais

humildes, pois o da classe abastarda ao detectarem a anencefalia, poderiam

recorrer a clínicas particulares que realizariam o procedimento sem nenhum

constrangimento, outro sim, aquela necessitaria procurar a justiça para conseguir

uma autorização, para em seguida realizar o procedimento.

Neste sentido, não é justo obrigar a gestante a levar adiante uma gravidez

que não resultará em um filho vivo, considerando-se algo torturante para a mulher,

se tiver que levar adiante essa gestação; constantemente lembrará que carrega em

seu ventre um feto morto “de certa forma”, sendo uma pressão psicológica

constante, pois nenhuma mulher conseguiria aguentar a sensação do fracasso de

não ser mãe.

7.1 POSICIONAMENTO JURISPRUDENCIAL

De acordo com o exposto nesta pesquisa, o direito a vida é resguardado

juridicamente em vários diplomas legais, sendo eles o Código Penal, o Código Civil

e o Estatuto da Criança e do Adolescente. Trazendo esta discussão para o âmbito

constitucional, Alexandre de Morais assevera:

Entendemos em relação ao aborto que, além das hipóteses já permitidas pela lei penal, na impossibilidade do feto nascer com vida, por exemplo, em caso de acrania (ausência de cérebro), ou, ainda comprovada a total inviabilidade de vida extra-uterina, por rigorosa pericia médica, nada justificaria sua penalização, uma vez que o direito penal não estaria a serviço da finalidade constitucional de proteção a vida, mas sim estaria ferindo direito fundamentais da mulher, igualmente protegidos: liberdade e dignidade humana. Assim sendo, a penalização nesses casos seria de flagrante inconstitucionalidade ( MORAIS, 2003, p. 91).

O nosso ordenamento jurídico traz varias regulamentações em relação a

permissão do aborto e o fornecimento, pelo Estado, de meios adequados para que

todas as mulheres possam, em igualdade, serem beneficiadas com esta tutela

estatal.

O amparo à gestante em um período tão critico é de suma importância, uma

vez que a mesma, justamente, por estar acometida pela gravidez eugênica, se

encontra em um momento extremamente frágil, carecendo da tutela estatal para ter,

de alguma forma, aliviado seu desconforto, físico, mental, emocional e psicológico.

34

Neste sentido, a gestante de anencéfalo recorre ao Judiciário, no intuito de

aliviar previamente um sofrimento inevitável: o parto de anencéfalo, cujo prazo de

vida é de segundos.

Em 17 de julho de 2004, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na

saúde – CNTS formalizou a arguição de descumprimento de preceitos fundamentais

afirmando que juízes e tribunais vêm extraindo do Código Penal, em detrimento da

Constituição Federal, a proibição de se efetuar a antecipação terapêutica do parto

nos casos de fetos anencéfalo, todavia fica demonstrado que a antecipação

terapêutica do parto não consubstancia aborto (ADPF/54, p.26).

A CNTS busca também demonstrar que essa medida apesar de análoga ao

preceituado no Código Penal é a melhor medida cabível, porém, a premissa é de

que apenas o feto com capacidade potencial de ser pessoa pode ser sujeito passivo

do crime de aborto.( ADPF/54, p.27)

Segundo Nelson Hungria, em comentário ao Código Penal:

Não está em jogo à vida de outro ser, não podendo o produto da concepção atingir normalmente vida própria, de modo que as consequências dos atos praticados se resolve unicamente contra a mulher { ...}, Se a gravidez se apresenta como processo verdadeiramente mórbido, de modo a não permitir sequer salvar a vida do feto, não há o que se falar-se em aborto, para cuja existência é necessário a presumida possibilidade de continuação da vida do feto (HUNGRIA, p. 28, apud ADPF/54)

O tema abordado se pauta exatamente na análise da constitucionalidade, ou

não, do aborto de anencéfalo, tomando como base a Ação de Descumprimento de

Preceito Fundamental nº 54, isto é, a ADPF 54, que recentemente decidiu pela

constitucionalidade da interrupção da gestação de fetos anencéfalos.

Valioso, e indispensável, então, o exame da decisão, cujo acórdão trouxe a

seguinte ementa:

ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITU FUNDAMENTAL – LIMINAR – ATUAÇÃO INDIVIDUAL – ARTIGO 21, INCISO IV E V, DO REGIMENTO INTERNO E 5º, § 1º, DA LEI Nº 9.882/99. LIBERDADE – AUTONOMIA DA VONTADE – DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA – SAÚDE – GRAVIDEZ – INTERRUPÇÃO – FETO ANENCEFÁLICO (ADPF/54, p. 30)

A decisão tomada pelo Ministro Marco Aurélio de Mello se pautou no

entendimento que devemos buscar nas soluções das lides ver além do ordenamento

jurídico, por isso assevera:

35

No cerne da questão está à dimensão humana que obstaculiza a possibilidade de se coisificar uma pessoa, usando-a como objeto. São muitos e de crucial importância os valores em jogo. A um só tempo, cuida-se do direito a saúde, do direito a liberdade em seu sentido maior, do direito a preservação da autonomia de vontade, da legalidade e, acima de tudo, da dignidade da pessoa humana (ADPF/54).

Conforme entendimento do ministro Marcos Aurélio ao decidir em favor da

interrupção da gravidez de feto anencéfalo, afirma que:

A incolumidade física do feto anencéfalo, que, se sobreviver ao parto, o será por poucas horas ou dias, não pode ser preservada a qualquer custo, em detrimento dos direitos básicos da mulher, sendo inadmissível que o direito à vida de um feto que não tem chances de sobreviver prevaleça em detrimento das garantias à dignidade da pessoa humana, à liberdade no campo sexual, à autonomia, à privacidade, à saúde e à integridade física, psicológica e moral da mãe, todas previstas na Constituição. Obrigar a mulher a manter esse tipo de gestação significa colocá-la em uma espécie de “cárcere privado em seu próprio corpo”, deixando-a desprovida do mínimo essencial de autodeterminação, o que se assemelha à tortura. “Cabe à mulher, e não ao Estado, sopesar valores e sentimentos de ordem estritamente privada, para deliberar pela interrupção, ou não, da gravidez”, afirmou, acrescentando estar em jogo a privacidade, a autonomia e a dignidade humana dessas mulheres, direitos fundamentais que devem ser respeitados. (ADPF/54).

No mesmo sentido posicionou-se a ministra Rosa Werber em relação a

interrupção de feto anencéfalo pelo seguinte entendimento:

O que está em jogo, no caso, não é o direito do feto anencefálico à vida, já que, de acordo com o conceito de vida do Conselho Federal de Medicina (CFM), jamais terá condições de desenvolver uma vida com a capacidade psíquica, física e afetiva inata ao ser humano, pois não terá atividade cerebral que o qualifique como tal. O que está em jogo, portanto, segundo ela, é o direito da mãe de escolher se ela quer levar adiante uma gestação cujo fruto nascerá morto ou morrerá em curto espaço de tempo após o parto, sem desenvolver qualquer atividade cerebral, física, psíquica ou afetiva, própria do ser humano. Embora, em seu voto, a Ministra sustentasse a relatividade dos conceitos da ciência sobre o que é vida e sobre a aplicabilidade dos conceitos e paradigmas da ciência às demais áreas da vida humana, em virtude de sua mutabilidade, ela se reportou, em seu voto, à Resolução nº 1480/97 do Conselho Federal de Medicina, que estabeleceu como parâmetro para diagnosticar a morte de uma pessoa a ausência de atividade motora em virtude da morte cerebral, isto é, a certeza de que o indivíduo não apresentará mais capacidade cerebral. Este é, segundo a Ministra, “um critério claro, seguro e garantido” que pode ser aplicado, por analogia, ao feto anencefálico. “A gestante deve ficar livre para optar sobre o futuro de sua gestação do feto anencéfalo”, sustentou a Ministra Rosa Weber. (ADPF/54).

36

Votou também pela constitucionalidade, Joaquim Barbosa, já que considera

que:

Em se tratando de feto com vida extrauterina inviável, não há possibilidade alguma de que esse feto venha a sobreviver fora do útero materno. Desse modo, a antecipação desse evento, em nome da saúde física e psíquica da mulher não se contrapõe ao princípio da dignidade da pessoa humana. Ao fazer a ponderação entre os valores jurídicos tutelados pelo direito, a vida extrauterina inviável e a liberdade e autonomia privada da mulher, deve prevalecer a dignidade da mulher, deve prevalecer o direito de liberdade desta de escolher aquilo que melhor representa seus interesses pessoais, suas convicções morais e religiosas, seu sentimento pessoal. (ADPF/54).

Em contrapartida, o ministro Ricardo Levandowski posicionou-se contrário ä

decisão, afirmando que:

O voto do Ministro Lewandowski seguiu duas linhas de raciocínio. Na primeira, ele destacou os limites objetivos do controle de constitucionalidade. Afirmou que o STF só pode exercer o papel de legislador negativo. Nesse aspecto, o Ministro observou que o Congresso Nacional, se assim o desejasse, poderia ter alterado a legislação para incluir os anencéfalos nos casos em que o aborto não é criminalizado, mas até hoje não o fez. O tema, assinalou, é extremamente controvertido, e ambos os lados defendem suas posições com base na dignidade da pessoa humana. Sustentou que o Congresso se encontra profundamente dividido, refletindo, aliás, a abissal cisão da própria sociedade brasileira em torno da matéria. O segundo ponto enfatizado pelo Ministro foi a possibilidade de que uma decisão favorável ao aborto de fetos anencéfalos torne lícita a interrupção da gestação de embriões com diversas outras patologias que resultem em pouca ou nenhuma perspectiva de vida extrauterina. Para o Ministro, uma decisão judicial isentando de sanção o aborto de fetos portadores de anencefalia, ao arrepio da legislação penal vigente, abriria a possibilidade de interrupção da gestação de inúmeros outros casos. (ADPF/54).

Divergente também foi o voto do ministro Cezar Peluzo, que considera que:

Segundo o Ministro, o anencéfalo morre, e ele só pode morrer porque está vivo. Lembrou, ainda, que a questão dos anencéfalos tem de ser tratada com “cautela redobrada”, diante da imprecisão do conceito, das dificuldades do diagnóstico e dos dissensos em torno da matéria. Os apelos para a liberdade e autonomia pessoais são “de todo inócuos” e “atentam contra a própria ideia de um mundo diverso e plural”. A discriminação que reduz o feto “à condição de lixo”, a seu ver, “em nada difere do racismo, do sexismo e do especismo”. Todos esses casos retratam, de acordo com o voto, “a absurda defesa e absolvição da superioridade de alguns sobre outros”. Ao encerrar seu voto, o presidente do STF ressaltou ainda que não cabe ao STF atuar como legislador positivo, e que o Legislativo não incluiu o caso dos anencéfalos nas hipóteses que, no art. 124 do Código Penal, autorizam o aborto.

37

Por fim, por maioria de votos, o STF, em sua decisão condicionou à

imprescindibilidade de que se trate efetivamente de um feto anencefálico, com

perspectiva vital inviabilizada (ou seja: deve ser exigida a constatação médica

fidedigna de duas coisas: feto anencefálico e inviabilidade da vida) (ADPF/54), pois

somente nessas circunstâncias justifica-se o abortamento, isto é, nessas

circunstancias a morte não é desarrazoada ou “arbitrária”. (GOMES, Fev-Mar/2009,

p.7).

A partir do exposto, das pesquisas de jurisprudência, doutrinas e acordão o

que fica demonstrado é que a premissa em relação a esse tema é não permitir com

que uma gestante tenha que passar por tantos horrores de uma gravidez fadada ao

insucesso; queremos sim é proteger o bem maior que neste caso seria a saúde da

mulher, esta física e psíquica.

Assim sendo, o que a liminar queria era apenas a adequação da lei a uma

nova realidade científica e tecnológica em que estamos vivenciando. O mérito da

liminar se da pela ameaça à saúde da mulher, não tão somente por o aborto sê

considerando atentado a vida do feto, mas que muitas mulheres morriam em

consequência das más condições em que o aborto era realizado.

7.2 PORTARIA MS/GM N°1.508, DE 1° DE SETEMBRO DE 2005

Conforme os preceitos seguidos pelas Normas Técnicas de Atenção

Humanizada ao Abortamento o procedimento para a autorização interrupção da

Gravidez encontra-se previstos em lei, é o Sistema Único de Saúde – SUS, adota o

que está prescrito no inciso II do parágrafo único do art. 87 da Constituição Federal,

cominado com Código Penal Brasileiro estabelecendo requisitos para o aborto

humanitário ou sentimental, previsto no inciso II do art. 128, “que ele seja praticado

por médico e com o consentimento da mulher” (SAÚDE, Normas Técnicas, 2011,

p.47).

Todavia deve o Ministério da Saúde disciplinar medidas que assegure a

licitude do procedimento da interrupção da gravidez nos casos previstos em lei

quando este for realizado no âmbito do SUS, e ao profissional de saúde a garantia

jurídica para a realização de tal procedimento, e que as mulheres que sofrerem

abuso sexual, não seja obrigada a comprovar em boletim de ocorrência tal violação,

38

para ter o acesso ao procedimento de interrupção da gravidez ao sistema único de

saúde (SAÚDE, Normas Técnicas, 2011, p.47)

De acordo com o que diz o art. 1º da normativa faz-se necessário a

Justificação e Autorização em âmbito jurisdicional para que seja adotado o

procedimento para a interrupção da gravidez:

Art. 1º O Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez nos casos previstos em lei é condição necessária para adoção de qualquer medida de interrupção da gravidez no âmbito do Sistema Único de Saúde, excetuados os casos que envolvem riscos de morte à mulher. Art. 2º O Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez nos casos previstos em lei compõe-se de quatro fases que deverão ser registradas no formato de Termos, arquivados anexos ao prontuário médico, garantida a confidencialidade desses termos. Art. 3º A primeira fase é constituída pelo relato circunstanciado do evento, realizado pela própria gestante, perante dois profissionais de saúde do serviço. Parágrafo único. O Termo de Relato Circunstanciado deverá ser assinado pela gestante ou, quando incapaz, também por seu representante legal, bem como por dois profissionais de saúde do serviço, e conterá: I - local, dia e hora aproximada do fato; II - tipo e forma de violência; III - descrição dos agentes da conduta, se possível; e IV - identificação de testemunhas, se houver. Art. 4º A segunda fase dá-se com a intervenção do médico que emitirá parecer técnico após detalhada anamnese, exame físico geral, exame ginecológico, avaliação do laudo ultrassonográfico e dos demais exames complementares que porventura houver.

7.3 PROJETO DE LEI N° 312/2004

Segundo projeto de lei apresentado pelo senador Marcelo Crivella (LP/RJ)

acrescenta ao art.128 do Código Penal Brasileiro um inciso que traz excludente de

antijuridicidade em relação à interrupção da gravidez de feto que apresentam graves

e irreversíveis anomalias físicas ou mentais, conforme preceitua: Art. 128 – “Há

fundada probabilidade, atestada por dois outros médicos, de o nascituro apresentar

graves e irreversíveis anomalias físicas ou mentais”.

Este projeto de lei justifica como objetivo a regulação de tema polêmico,

como da hipótese de interrupção de gravidez de feto anencéfalo, relatando conceitos

técnicos da morte, anencefalia, comparando com a Lei 9.434/97 que regula os

transplantes de órgão, como também por ele analisando na liminar proferida pelo

Ministro Marco Aurélio de Mello.

39

A ADPF nº 54-8/DF o Ministro Marco Aurélio tinha como base que à

gestação de fetos anencéfalos poderia causar sérios danos à saúde da mulher, sua

decisão pautou-se no direito a vida, autonomia da vontade, legalidade e dignidade

da pessoa humana, todos vinculados a nossa Carta Magna.

Todavia essa decisão trouxe a tona discussão relacionada ao aborto,

abrangendo aspecto morais, sociais e religiosos. Contudo a discussão maior vem do

projeto de lei que hoje já foi pacificada, surgindo questionamento a respeito até onde

o Direito Penal regula essa matéria da interrupção da gravidez de feto Anencéfalo.

Sem muito adentramos nestas questões, o projeto visa alterar dispositivo da

lei penal, onde esta visa proteger o bem jurídico mais importante, e como parte dele

o jurídico – penal instrumento eficaz que o Estado disponibiliza para realizar o

controle social, com normas reguladoras, usando como meio normas incriminadoras,

penas e medida de segurança.

Segundo o Código Penal Brasileiro a conduta para ser crime, esta necessita

ser típica antijurídica e atingir o bem tutelado. Deste modo se o bem jurídico

protegido não for atingido, não temos como falar de crime.

Contudo o projeto expõe argumentos para concessão da liminar onde deixa

claro que tecnicamente o feto Anencéfalo, não possui vida extrauterina, pela falta de

cérebro. Ausência esta que é considerada juridicamente de morte, possibilitando a

retirada de órgãos.

Como este bem jurídico, não terá vida após o parto, à interrupção da

gestação não é considerado típico penal.

A Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), em 2008,

com apoio do Instituto da Bioética, Direitos Humanos e Gênero-ANIS, entrou com

pedido de Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF de nº 54

)pretendendo obter um pronunciamento visando garantir à gestante acesso à

antecipação terapêutica do parto, e o direito dos profissionais de saúde a realização

do procedimento, tendo amparo à liberdade pessoal e profissional.

Em entrevista a Revista Época (2004, p.41) o ministro Marco Aurélio de

Mello defende à interrupção da gravidez de feto Anencéfalo, reportando ao Código

Penal Brasileiro onde viabiliza a interrupção terapêutica da gravidez quando há risco

de vida para a mulher, sendo seu entendimento que o risco não se trata apenas de

questão relacionada à integridade física, mas a saúde em sentido amplo; como a

40

saúde psicológica da mulher, os danos irreversíveis que essa gestação possa trazer

a gestante do ponto de vista físico quanto do psicológico.

O mesmo declara se naquele tempo houvesse tecnologia médica para

detectar a má formação fetal, esta provavelmente estaria previsto no Código Penal

Brasileiro e a gestação de Anencéfalo seria interrompida sem causar nenhum dano

moral à sociedade e ao direito do concepto (ADPF/54).

ABORTO-PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL PARA INTERRUPÇÃO TERAPEUTICA DE GESTAÇÃO-INDEFERIMENTO DO PEDIDO PELO JUIZ CRIMINAL, EM PRIMEIRO GRAU-INTERPOSIÇÃO DE APELAÇÃO CRIMINAL E, CONCOMITANTE, DE AGRAVO DE INTRUMENTO, VISANDO À OBRENÇÃO DA MEDIDA ANTES DO JULGAMENTO DA APELAÇÃO, DEFERIMENTO PELO RELATOR E CONFIRMADA PELA CÂMARA.

Do pedido de Habeas Corpus feito ao Superior Tribunal de Justiça, mediante

decisão da ministra Laurita Vaz, concedeu a liminar, suspendendo a autorização da

interrupção da gravidez no sentido de que o nascituro tem o direito de ter preservado

sua vida. (ADPF/54)

HABEAS CORPUS. PENAL. PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO PARA PRATICA DE ABORTO. NASCITURO ACOMETIDO DE ANE NCEFALIA. INDEFERIMENTO. APELAÇÃO. DECISÃO LIMINAR DA RELATORA RETIFICADA PELO COLEGIADO DEFERIMENTO O PEDIDO. INEXISTENCIA DE PREVISÃO LEGAL. IDONEIDADE DO WRIT PARA A DEFESA DO NASCITURO.

Neste mesmo sentido tem o Tribunal de Justiça do Paraná decidido:

Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em julgar extintos os processos pela perda de objeto. EMENTA: HABEAS CORPUS PREVENTIVO - PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL PARA INTERROMPER GRAVIDEZ DE FETO ANENCÉFALO - DECISÃO QUE SUSPENDEU A AUTORIZAÇÃO - TEMPO DE GESTAÇÃO SUPERIOR AO POSSÍVEL PARA A PRÁTICA DO ATO PRETENDIDO - PERDA DE OBJETO DO PEDIDO - ORDEM PREJUDICADA PELO DECURSO DO TEMPO. (TJPR - 1ª C.Cível Suplementar (2006) - HCC 393683-4 - Foro Regional de Fazenda Rio Grande da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba - Rel.: Rui Bacellar Filho - Unânime - J. 23.07.2007)

Já quanto ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais segue seu entendimento:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. ALVARÁ JUDICIAL. AUTORIZAÇÃO PARA INTERRUPÇÃO DE GRAVIDEZ. FETO ANENCÉFALO. INVIABILIDADE DA

41

VIDA EXTRA UTERINA. MANUTENÇÃO DA GRAVIDEZ. DEMASIADO SOFRIMENTO PSICOLÓGICO. AUTORIZAÇÃO CONCEDIDA. SENTENÇA REFORMADA. Considerando que a gestação de um feto portador de anomalia incompatível com a vida extra-uterina, a antecipação do parto é medida que se impõe, já que a morte desse feto é inevitável, em decorrência da aludida patologia. A sentença de morte proferida por ocasião da constatação da anencefalia já fulminou todas as expectativas e planos daqueles que aguardavam o nascimento daquele filho, de modo que não se mostra razoável e proporcional infligir à gestante o martírio de levar às últimas consequências uma gravidez sem serventia, o que somente lhe acarretará amargura e demasiado sofrimento psicológico, o que viola o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, previsto no art. 1º, III, da CF, do qual deflui, como consectários naturais, o respeito à integridade física e psíquica das pessoas..

Não se pode lançar mão dos avanços médicos, mormente, em casos de

anencefalia cabalmente comprovada, cujo grau de certeza é absoluto acerca da

impossibilidade de continuidade de vida extrauterina do feto anencefálico por tempo

razoável. Para haver a mais límpida e verdadeira promoção da justiça, é de

fundamental importância realizar a adaptação do ordenamento jurídico às técnicas

medicinais advindas com a evolução do tempo. Vale dizer, o direito não é algo

estático, inerte, mas sim uma ciência evolutiva, a qual deve se adequar à realidade.

Seja pela inexigibilidade de conduta diversa, causa supra legal de exclusão

da culpabilidade, seja pela própria interpretação da lei penal, a interrupção

terapêutica do parto revelasse possível à luz do vetusto Código Penal Brasileiro de

1940.

Considerando a previsão expressa neste diploma legal para a preservação

de outros bens jurídicos em detrimento do direito à vida, não se pode compreender

por qual razão se deve inviabilizar a interrupção do parto no caso do feto

anencefálico, se, da mesma maneira, há risco para a vida da gestante, com patente

violação da sua integridade física e psíquica, e,ainda, inexiste possibilidade de vida

extrauterina. Dentre os consectários naturais do princípio da dignidade da pessoa

humana deflui o respeito à integridade física epsíquica das pessoas. Evidente que

configura clara afronta a tal princípio submeter a gestante a sofrimento grave e

desnecessário de levar em seu ventre um filho, que não poderá sobreviver. Não

bastasse a gravíssima repercussão de ordem psicológica, a gestação de feto

anencefálico, conforme atestam estudos científicos, gera também danos à

integridade física, colocando em risco a própria vida da gestante. Ademais, com o

advento da Lei 9.434, de 4 de fevereiro de 1997, adotou-se o critério de morte

encefálica como definidor da morte. “Nessa linha, no caso de anencefalia, dada a

42

ausência de parte vital do cérebro e de qualquer atividade encefálica, é impossível

se cogitar em vida, na medida em que o seu contraponto, a morte, está configurado”.

43

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em suma, no Brasil, se busca justificar o aborto de Anencéfalo, visando o

melhor entendimento do ponto de vista legal, sendo que o estado de necessidade é

o ponto principal, devido às consequências geradas tanto “moral, familiar e social”

decorrentes do nascimento de um feto que configuraria perigo de grave dano à

pessoa da gestante, no mais, se essa hipótese não é vislumbrada, não se justifica o

aborto ( ADPF/54). Contudo, a exclusão de crime de aborto busca dirimir o conflito

gerado entre interesses opostos, os quais estão os direitos fundamentais do feto e a

saúde da mulher.

O que é visto na Doutrina é bastante fática ao assinalar que a mãe deve

correr perigo de morte para que lhe seja permitida a conduta do aborto, não

simplesmente o seu agravamento de saúde é suficiente para tal procedimento, à

prática abortiva (ADPF/54).

O aborto de fetos Anencéfalo é um tema muito discordante na seara jurídica

brasileira, e também pelas religiões e sociedade, pois, a palavra eugenia sugere

uma certa conotação política ,levando-nos a uma idade remota onde esta prática

eram feitas para que a população fossem perfeita e que não houvesse nenhuma

anomalia em sua gente tidos como “sangue puro”, entretanto não é essa o viés que

queremos dar a interpretação do aborto eugênico, entretanto, o que se busca como

objetivo demonstrar que o aborto de feto Anencéfalo não é simplesmente abortar

um feto anomalia adquirida durante a gestação por única é exclusiva vontade da

mãe, pois pelo exposto o que se tem notado é que muitas delas optam por ter seus

filhos, mas necessitam da segurança que se desejarem a interrupção da gravidez

de fetos Anencéfalo tenham o Estado a lhes assegurar esse direito, contudo, o

Estado não pode impor por ser o guardião dos direitos e deveres do cidadão, que

seja permitido a gestante sofrimento e tortura tanto física como psicológica; nesta

ótica, ao serem realizada a interrupção da gravidez, estaria sendo infringido direito

fundamental a vida intrauterina do feto, mas, por outro lado, se mantida a gestação,

estaria ferindo-se o princípio da dignidade da pessoa humana da gestante, do direito

a saúde física e psíquica, bem como da sua autonomia de vontade (BARBATO,

2007, p.43).

44

Sendo um dos princípios basilares da Organização Mundial de Saúde, quais

sejam, o completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de

doença (LIMA, 2012,apud OMS, p108).

Note-se que o conflito relacionado entre manter o direito à vida intrauterina

do Anencéfalo versus os direitos à saúde e à liberdade de autonomia reprodutiva da

mulher quando esta optar pela realização do aborto, vai muito mais além que

simplesmente sua liberação, sendo notado que a maioria dos indeferimentos pautou-

se simplesmente por concepções religiosa (GOMES, 2009, p.8). No entanto, o

Estado em sua legislação, especificamente, o direito penal, não pode estabelecer

limites para a vida em sociedade, onde esta não se mostra necessária.

A legislação deve sim, proteger os cidadãos e evoluir com a tecnologia e

com a medicina, não podendo de forma alguma esta ser injusta e inadequada,

observando o principio da dignidade humana, não tirando da mãe o direito em

relação a manter ou interromper sua gravidez, já que foi comprovado que o concepto

não sobreviverá após seu nascimento.

Nota-se que não é apenas abortar um ser nascente, mas, um concepto que

após se desligar de sua genitora não terá vida, como se este estivesse ligados a

aparelhos, que seu suporte seria sua mãe; pois cientificamente o Anencéfalo é um

ser sem perspectiva de vida após o parto.

De acordo com o exposto, o que se tem notado é que:

Por meio do princípio da proporcionalidade, busca-se dirimir da melhor forma possível no caso concreto, quem poderá sofrer uma lesão mais gravosa frente ou outro, tendo prevalecido na decisão dada pelo Superior Tribunal Federal a dignidade da mulher em relação a futura dignidade do feto (CUELLAR, 2006, p.61).

Dentro de toda essa analise podemos verificar que a gestante em seu

período mais critica pode ter do Estado o apoio que mais precisava, tendo seu

direito resguardado, o da dignidade da pessoa humana e o direito de autonomia

reprodutiva, podendo escolher em prosseguir ou não com sua gestação.

Sendo assim, o que fica demonstrado é que a anencefalia não pode

ser considerada como um aborto, pois não feri nenhum dos principio jurídicos

preservado por nossa legislação, pois o feto somente tem futuro direito e este feto

anencéfalo tem somente uma vida vegetativa intrauterinamente, sendo que fora do

corpo de sua genitora, sua vida durará somente segundo.

45

Durante toda a pesquisa da presente monografia, muito buscaram

demonstra o inicio da morte do anencéfalo, mas o que ficou demonstrado é a

divergência em todos os níveis sociais, acadêmicos, jurídico em especial das

ciências medicas em relação a esta, não entrando em um consenso.

O que ficou demonstrado, no entanto não é a modificação da Lei, mas a

garantia que se a gestante com o resultado médico de uma gravidez de anencéfalo,

ela pelo principio da autonomia reprodutiva, possa optar em ter ou não seu filho,

tendo seu direito resguardado e o Estado lhe protegendo em qualquer arbítrio de

qualquer ramo da sociedade que venham a lhe querer impor algumas restrições.

Como já dizia o Provérbio “mente sã corpo são” a base de todo equilíbrio

emocional de um ser vivente.

46

REFERÊNCIAS

BARBATO JR, Roberto. Revista dos Tribunais. nº 96. 2007. P.436-448.

BENUTE, G. R. (2007). Aborto por anomalia fetal letal: do diagnostico ä decisão

entre solicitar ou não alvará judicial para interrupcao da gravidez. Revista dos

Tribunais: Doutrina Penal, 486-509.

CUELLAR, Karla Ingrid Pinto. O Princípio constitucional da dignidade humana,

Princípio da Proporcionalidade e o Aborto.

GARCIA VITTA, Heraldo. Aspectos da Teoria Geral do direito administrativo

[Livro]. - São Paulo : Malheiros Editores, 2001.

GOMES, Luiz Flávio. Aborto Anencefálico: Direito não é religião. RDPP Nº 54 – Fev-

Mar/2009.

GRECO, Rogério. Curso de direito penal. Parte geral. V. 1. 8ª ed. Rio de Janeiro:

Impetrus, 2007.

LIMA, Carolina Alves de Souza. Aborto e anencefalia: direitos fundamentais em

colisão, Curitiba, Editora Juruá, 2008.

LOUREIRO, Claudia Regina Magalhães. Introdução ao Biodireito. São Paulo:

Saraiva, 2009.

MARQUES, Jader. Aborto. Revista dos Tribunais. nº 7. 2001.p.73-89.

MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 15ª ed. São Paulo: Atlas, 2004.

MORAES, Alexandre. Direitos humanos fundamentais: teoria geral. 5 ed. São Paulo:

Atlas, 2003, p. 91.

47

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Vol.1. 21. ed. Rio de

Janeiro: Forense, 2005.

PEREIRA, Caio Mario. Instituição de direito civil. 2009.

PIOVERSAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional. São Paulo, Max

Limonad,2002.

PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal. 2011.

QUEIRÓZ, Víctor Santos. Reflexões Acerca da equiparação da anencefalia à morte

para a justificativa para a interrupção da gestação de fetos anencefálicos. Disponível

em http://jus2.uol.com.br/Doutrina/texto.asp?id=7111. Acesso em 10 maio 2008.

SARLET, Ingo Wolfgan.Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na

Constituição Federal de 1988, in LIMA, Carolina A. de Souza, Aborto e Anencefalia,

Curitiba, PR, Editora Juruá, 2008.

SCHOOYANS, Michel. O Aborto: Aspectos Políticos. Ed.Marques Saraiva, 1990.

SILVA; José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 25. ed. Rio de Janeiro:

Malheiros editora, 2005.

TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. São Paulo: 2002.

VERARDO, Maria Tereza. Aborto: um direito ou um crime? São Paulo, editora

moderna, 1987. Coleção Polêmica.

DANTAS, Ivo. Instituições de direito constitucional brasileiro. Juruá, 2003

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito Constitucional, São Paulo: Celso Bastos

Editora, 2002.

TEPEDINO, Gustavo, Temas do Direito Civil, Rio de Janeiro: Renovar, 2008.

NORONHA, E. Magalhães, Direito Penal, São Paulo: Saraiva,1991

48