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UNIVERSIDADE TECNOLÓGICA FEDERAL DO PARANÁ PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TECNOLOGIA GLÁUCIO HENRIQUE MATSUSHITA MORO PICTOGRAMA E PICTOGRAFIA: OBJETO, REPRESENTAÇÃO E CONCEITO. TESE CURITIBA 2016

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UNIVERSIDADE TECNOLGICA FEDERAL DO PARAN PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM TECNOLOGIA

GLUCIO HENRIQUE MATSUSHITA MORO

PICTOGRAMA E PICTOGRAFIA:

OBJETO, REPRESENTAO E CONCEITO.

TESE

CURITIBA 2016

GLUCIO HENRIQUE MATSUSHITA MORO

PICTOGRAMA E PICTOGRAFIA:

OBJETO, REPRESENTAO E CONCEITO.

Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Tecnologia, curso de Doutorado, da Universidade Tecnolgica Federal do Paran, como requisito parcial para a obteno do grau de Doutor em Tecnologia. Orientao: Prof

a. Dr

a. Luciana Martha Silveira.

CURITIBA 2016

Dados Internacionais de Catalogao na Publicao

Moro, Glucio Henrique Matsushita

M867p Pictograma e pictografia : objeto, representao e conceito / 2016 Glucio Henrique Matsushita Moro.-- 2016.

177 f. : il. ; 30 cm. Texto em portugus, com resumo em ingls Tese (Doutorado) Universidade Tecnolgica Federal do Pa-

ran. Programa de Ps-graduao em Tecnologia, Curitiba, 2016 Disponvel tambm via World Wide Web Bibliografia: f. 172-177 1. Pictografia. 2. Inscries. 3. Sinais e smbolos. 4. Escrita. 5.

Semitica. 6. Tecnologia Dissertaes. I. Silveira, Luciana Mar-tha, orient. II. Universidade Tecnolgica Federal do Paran. Pro-grama de Ps-Graduao em Tecnologia, inst. III. Ttulo.

CDD: Ed. 22 -- 600

Biblioteca Central da UTFPR, Cmpus Curitiba

Ministrio da Educao Universidade Tecnolgica Federal do Paran

Diretoria Geral do Campus Curitiba Diretoria de Pesquisa e Ps-Graduao

Programa de Ps-Graduao em Tecnologia

UNIVERSIDADE TECNOLGICA FEDERAL DO PARAN

PR

UTFPR - PPGTE Av. Sete de Setembro, 3165 80230-901 Curitiba PR Brasil www.ppgte.ct.utfpr.edu.br Fone: +55 (41) 3310-4785 Fax: +55 (41) 3310-4712

TERMO DE APROVAO

Ttulo da Tese N 35

Pictograma e Pictografia: Objeto, representao e conceito

por

Glucio Henrique Matsushita Moro

Esta tese foi apresentada s _ _ _ _ 14 horas _ _ _ do dia 12 de fevereiro de 2016 como

requisito parcial para a obteno do ttulo de Doutor em Tecnologia, rea de Concentrao

Tecnologia e Sociedade, Linha de Pesquisa Mediaes e Culturas, Programa de Ps-

Graduao em Tecnologia, Universidade Tecnolgica Federal do Paran. O candidato foi

arguido pela Banca Examinadora composta pelos professores abaixo assinados. Aps

deliberao, a Banca Examinadora considerou o trabalho _______ APROVADO______

(aprovado, aprovado com restries, ou reprovado).

____________________________________ Prof. Dr. Gilson Leandro Queluz

(UTFPR)

___________________________________ Prof. Dr. Luiz Antonio Zahdi Salgado

(UNESPAR)

___________________________________ Profa. Dra. Silvia Regina Ferreira de Laurentiz

(USP)

___________________________________ Prof. Dr. Milton Terumitsu Sogabe

(UNESP)

___________________________________

Profa. Dra. Luciana Martha Silveira (UTFPR) Orientadora

Visto da coordenao:

_________________________________ Prof. Dr. Nanci Stancki da Luz

Coordenadora do PPGTE

O documento original encontra-se arquivado na Secretaria do PPGTE.

AGRADECIMENTOS

Foram alguns anos para o desenvolvimento desta tese. Este trabalho,

possuiu a contribuio de muitas pessoas, desde o plano acadmico ao

financeiro e pessoal. Algumas dessas pessoas fizeram mais de um papel neste

processo e a elas agradeo:

A minha orientadora, professora Dra. Luciana Martha Silveira,

pela sabedoria sempre gentilmente passada, e pela pacincia,

cuidado, f e carinho.

A CAPES e ao professor Dr. Nilson do PPGTE pela bolsa de

estudos durante a tese.

Aos professores Drs. Gilson Queluz, Luiz Salgado, Milton Sogabe

e Sivia Laurentiz pelas contribuies.

Aos meus pais, Getulio e Carmen Moro, que sempre acreditaram

e estiveram ao meu lado.

Ao Mrcio Abbud, Paulo Takano, Roberto e Mrcia Arbex, Carlos

Debiasi, Rodrigo Gonzatto, Julio Tannus, Edna Camille

Blumenschein, Mariana Stockler, Carlos Figueiredo, Claydson

Moro, Celso Martini e Edgar Pereira pelo apoio.

A Jlia Blumenschein por todas as coisas e muito mais.

E a todos aqueles que amo e que eventualmente eu possa ter

temporariamente me esquecido no processo de elaborao desta

tese.

5

RESUMO

MORO, Glucio Henrique. Pictograma e Pictografia: Objeto,

Representao e Conceito. Tese - Programa de Ps-graduao em

Tecnologia, Universidade Tecnolgica Federal do Paran, 2016.

Este trabalho examina a pictografia e sua fora de construo

representativa na constituio subjetiva das pessoas. A partir do estudo de

pictogramas, investigao histrica, da construo simblica nos preceitos de

transformao e construo com o meio, localizada a pictografia dentro da

cultura, da linguagem, da semitica e da tecnologia, utilizando iconografias de

navegao presentes em interfaces de smartphones e criar um modelo de

anlise a fim de demonstrar o rastro na construo simblica e subjetiva das

pessoas.

Palavras-chave: Pictograma, Pictografia, Representao, Tecnologia

6

ABSTRACT

MORO, Glucio Henrique. Pictograms and Pictography: Object,

Representation and Concept. Thesis Graduate Program in Tecnoloy,

Universidade Tecnolgica Federal do Paran, 2016.

The present paper analyzes pictography and its impact on the

individuals subjective nature. By studying pictograms, retracing their historical

origins and investigating their symbolic qualities, as well as how those

meanings are created and transformed by the environment in which they exist,

this paper places pictography within the realms of culture, language, semiotics

and technology. It uses the iconography found in smartphone interfaces as the

foundation for an analytic model in order to demonstrate the traces left by

process of symbolic construction on the individual.

Key words: Pictogram, pictography, representation, technology

7

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Transformao do ideograma chins montanha. .................. 13

Figura 2 Biso Caverna de Altamira, Espanha ................................ 22

Figura 3 Desenho rupestre Dana Serra da Capivara, Brasil ....... 24

Figura 4 Desenho rupestre Parto Serra da Capivara, Brasil ......... 25

Figura 5 Detalhe Porcelana Ming Palcio de Santos, Portugal .... 27

Figura 6 Teto do Palcio de Santos (foto: Kenton Thacher) ............... 27

Figura 7 guia bicfala do Imprio Bizantino ...................................... 29

Figura 8 guia bicfala da Igreja Ortodoxa, em Constantinopla ......... 29

Figura 9 guia bicfala do Sacro Imprio Romano Germnico .......... 30

Figura 10 guia bicfala da Federao de armas russa..................... 31

Figura 11 guia bicfala da bandeira da Albnia ............................... 32

Figura 12 guias de Micenas ............................................................. 33

Figura 13 Hrcules matando o Orthos ............................................... 34

Figura 14 Hrcules lutando com Gerio ............................................. 34

Figura 15 Logotipo da Quaker de 1877 ............................................. 35

Figura 16 Logotipos da Quaker modificaes ................................. 37

Figura 17 Logotipo da Quaker de 2012 ............................................. 37

Figura 18 Circuito cultural. Fonte: (DU GAY et al., 1997) ................... 39

Figura 19 Templo budista na Coria do Sul ........................................ 42

Figura 20 Cruz gamada templo Jainista, ndia. .................................. 43

Figura 21 emoticon e emoji ................................................................. 48

Figura 22 Emoticon high five ou mos juntas em orao. .................. 49

Figura 23 Ren Magritte (1929), La trahison des images ................... 51

Figura 24 Placas indicativas de banheiro masculino e feminino ......... 53

Figura 25 Interface smarthphone Nokia Lumia 900 ............................ 56

Figura 26 Transformao do ideograma chins montanha. ................ 58

Figura 27 Hierglifo pictogrfico Tebas ........................................... 61

Figura 28 Hierglifo com direes de leitura ....................................... 61

Figura 29 demtico de 3 d.C. com transliterao hieroglfica. ............ 62

Figura 30 Pedra de Roseta Museu Britnico ................................... 63

8

Figura 31 Pedra de Roseta detalhe Museu Britnico .................... 64

Figura 32 Smbolo, transliterao, traduo ..................................... 65

Figura 33 Apolo de Tenea. 550 a. C. Gliptoteca de Munique .......... 67

Figura 34 Kanji fogo seguido de ilustrao, e kanji fogueira .......... 70

Figura 35 Kanji lavar e ilustrao ..................................................... 71

Figura 36 Aumento de mulheres que trabalham na indstria txtil .... 74

Figura 37 Exposio no incio dos anos 1930 .................................... 75

Figura 38 Como usar um telefone grfico de Otto Neurath 1939 . 76

Figura 39 Sinalizaes de comunicao de Otto Neurath 1939 ...... 77

Figura 40 diferenas entre pessoa e grupos de pessoas 1939 ....... 78

Figura 41 Formas para o mtodo vienense ...................................... 80

Figura 42 Neurath/Arntz Nascimentos e bitos em Viena 1933 ... 81

Figura 43 Infogrfico sobre o consumo de gua ................................. 82

Figura 44 Algumas imagens produzidas por Neurath/Arntz ................ 83

Figura 45 Alguns exemplos de sinalizao de estradas no Brasil ...... 83

Figura 46 Pictografias Jogos Olmpicos de Tquio 1964 ................. 84

Figura 47 Pictografias Imprensa Jogos Olmpicos de Tquio ....... 85

Figura 48 Imagem disquete salvar Word ....................................... 92

Figura 49 Imagem disquete salvar Acrobat ................................... 92

Figura 50 Disquete.............................................................................. 92

Figura 51 Caada da ona Serra da Capivara ................................. 98

Figura 52 Desenho rupestre Capivara Serra da Capivara .......... 100

Figura 53 Lista de emoticons ............................................................ 107

Figura 54 Lista de emojis .................................................................. 109

Figura 55 tigela Dinastia Ming 1465-1487 (foto: Vincent Yu) ...... 115

Figura 56 Prato Ingls Willow Pattern (foto: James Yolkowski) ..... 116

Figura 57 Fiana de Miragaia Museu de Arte Antiga, Lisboa. ....... 117

Figura 58 Festa dos Tabuleiros Mural, Tomar, Portugal. ............... 118

Figura 59 Igreja do Carmo, Porto, Portugal. ..................................... 119

Figura 60 Piso de porcelanato .......................................................... 120

Figura 61 Placa indicativa de prdios resistentes a tsunamis ........... 122

Figura 62 Placa para prdios resistentes a tsunamis com descrio 124

Figura 63 Aplicao da placa em prdios resistentes a tsunamis. ... 124

Figura 64 Produo de automveis Amrica e Europa 1929 ...... 128

9

Figura 65 Categorias de anlise em circularidade ............................ 133

Figura 66 Imagem relgio iPhone 2015 ............................................ 134

Figura 67 Imagem relgio iPhone 2007-2011 ................................... 135

Figura 68 Relgio de sol Museu egpcio de Berlim ........................ 136

Figura 69 Relgio de bolso antigo Museu de Nuremberg .............. 136

Figura 70 Relgio de Bolso (aproximadamente 1.900) ..................... 137

Figura 71 Comparao aditiva .......................................................... 138

Figura 72 Imagem HoursTracker ...................................................... 139

Figura 73 Aparelho iPhone 5 ......................................................... 140

Figura 74 Imagem de mensagem do iPhone .................................... 140

Figura 75 Mensagem outras formas .............................................. 141

Figura 76 Muro Teotihuacan ............................................................. 142

Figura 77 Vaso Maia ......................................................................... 143

Figura 78 George Cruikshank Tira 1823 ..................................... 144

Figura 79 Yellow Kid Tira 1896 ................................................... 145

Figura 80 Tipos de bales ................................................................ 146

Figura 81 Balo em tira de HQ Piada Mortal, Batman ................... 147

Figura 82 Balo em tira de HQ Calvin e Haroldo ........................... 148

Figura 83 Balo em tira de HQ Scott Pilgrim ................................. 149

Figura 84 Comparao aditiva balo de fala ................................. 150

Figura 85 Waze ................................................................................ 151

Figura 86 Whatsapp.......................................................................... 151

Figura 87 Mensagem no Android outras verses .......................... 152

Figura 88 Hangouts .......................................................................... 153

Figura 89 Mensagem do Android verso Marshmallow .................... 153

Figura 90 Interface Android Marshmallow ..................................... 154

Figura 91 Imagem telefonar Android ........................................... 154

Figura 92 Telefone outras formas .................................................. 155

Figura 93 Telefonar Samsung ....................................................... 155

Figura 94 Primeira ligao entre Nova York e Chicago 1896 ........ 156

Figura 95 Telefone com discagem eltrica 1912 ........................... 157

Figura 96 Telefone Automatic Electric, EUA 1940 ..................... 158

Figura 97 Telefone pblico anos 1950 EUA ............................... 159

Figura 98 Telefone pblico Madrid, Espanha ................................ 159

10

Figura 99 Telefone Rodovia Ayton Senna, Brasil .......................... 160

Figura 100 Telefone pblico para carros EUA ............................... 160

Figura 101 Celular NOKIA Telefonar e desligar em destaque ....... 161

Figura 102 Boto telefonar iPhone ................................................... 162

Figura 103 Comparao aditiva gancho de telefone ........................ 163

Figura 104 Comparao aditiva gancho IOS/Android .................... 164

Figura 105 Whatsapp........................................................................ 164

Figura 106 Logo do Viber ................................................................. 165

Figura 107 Propaganda do Ita em 2015 Emojis ........................... 169

11

SUMRIO

1 INTRODUO .............................................................................................. 13

1 Pictografia e pictograma como objeto de estudo ............................... 18

1.1. O pictograma e a cultura ....................................................... 19

1.2. Manifestaes e trocas .......................................................... 26

1.3. Contextos circulares .............................................................. 39

1.4. Aspectos representativos pictogrficos ................................. 44

1.5. A nitidez do que no se v .................................................... 50

2 Pictografia como linguagem no verbal .................................................... 55

2.1 Pictografia e relaes lingusticas .......................................... 56

2.2 O modelo de Otto Neurath no mtodo ISOTYPE ................... 73

2.3 Construo simblica da imagem na pictografia .................... 85

2.4 Traduo e pictografia ........................................................... 89

2.5 Traduo intersemitica ......................................................... 94

3 A conexo com o concreto ........................................................................ 97

3.1 Transformaes ao redor ....................................................... 98

3.2 Pictografias criadas disponibilidade das mos .................. 111

3.3 Tecnologia e sua relao com o meio .................................. 121

3.4 Graus de leitura na relao tecnolgica pictogrfica ............ 126

4 Aproximaes e distanciamentos do objeto ............................................ 130

4.1 Conceitos norteadores ......................................................... 131

4.2 Traduo O que ? ........................................................... 133

4.3 Relao De onde veio? ..................................................... 135

4.4 Comparao Aditiva Como se parece? ............................. 137

4.5 Apropriao Para onde foi? ............................................... 138

4.6 Anlise pictogrfica mensagem ........................................... 140

4.6.1 Anlise pictogrfica mensagem iOS .................................. 140

12

4.6.2 Anlise pictogrfica telefonar Android ............................. 154

Concluso ...................................................................................................... 166

REFERNCIAS .............................................................................................. 172

13

1 INTRODUO

O que um pictograma? O que pictografia? Por definio o pictograma

parte de um conjunto de smbolos grficos, em sua maioria figuras, que

visualmente representam objetos, aes, ou conceitos (Farias, 2003, p. 71) e

pictografia a escritura primitiva ideogrfica, em que as ideias so expressas

por meio de cenas ou objetos desenhados1. Nesta forma de expresso grfica

exprimem-se ideias que podem vir por meio de cenas figuradas ou simblicas.

Procurei de diversas formas a melhor maneira de iniciar o trecho

introdutrio desta tese, que discute o pensamento na concepo pictogrfica,

suas construes culturais, historicidade e formas de representao. Depois da

anlise do tema, com diversas tentativas frustradas de como inici-lo, imaginei

que um pequeno exemplo da transformao de um pictograma chins (Figura

1) seria um ponto introdutrio pertinente ao assunto. Nele podemos observar

as mudanas da representao da escrita montanha ou, como pronunciado em

mandarim, shn. possvel notar que a primeira imagem que representa a

idia montanha possui uma forma mais prxima a de uma cordilheira e suas

transformaes demonstram a simbologia usada do incio da forma escrita do

povo desde a contemporaneidade trazendo transformaes que levaram sua

representao final. Pode-se imaginar que o significado do signo2 atravessou

eras, e que, foi alterando-se por meio de diversas intervenes do ser humano.

Figura 1 Transformao do ideograma chins montanha3.

1

http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/definicao/pictografia%20_1021241.html acesso em: 01/02/2016

2 O sigficado de signo, neste caso, de qualidade do pictograma. O pictograma ser

tambm denominado signo nesta tese. O signo como propriedade semitica ser explorado mais adiante.

3 Retirado e recortado do prefcio do Livro Arte e Iluso de Gombrich (2007, p. XXI).

http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/definicao/pictografia%20_1021241.html

14

Tambm possvel observar que, antes de se tornar o ideograma

montanha na sua ltima verso, o smbolo grfico inicial representava a forma

de um objeto mais fiel a uma cadeia de montanhas. O ideograma final j

apresenta o sentido mais simblico de montanhas (dentro de um contexto

diferente da palavra) podendo conter at mais de um sentido de significado e j

no possui tanta relao com a representao prxima de uma cadeia de

montanhas. Inicialmente era uma representao pictrica prxima do que se

pretendia comunicar, ou seja, possua mais semelhanas entre sua imagem e o

objeto que a inspirou e a final mais subjetiva.

O objetivo deste trabalho examinar a fora da construo e da

representao do pictograma e a formao subjetiva das pessoas.

Paralelamente ser tratada a pictografia e sua localizao dentro da cultura, a

fim de trazer o pensamento em funo do objetivo do trabalho, a anlise de

iconografias de navegao presentes em smartphones, e seu rastro de

construo simblica. So alguns destes insights sobre a pictografia e o

pictograma que nesta tese se pretende contextualizar.

O pensamento na construo da imagem pictrica de maneira social,

histrica, cultural e tecnolgica ser tambm abordado neste texto, de forma a

embasar o estudo sobre representaes iconogrficas em smartphones.

Primeiramente sero apresentadas as formas e aspectos da pictografia

pelos estudos de cultura, de histria e de circularidade. Os processos de

emprstimos culturais, juntamente com a teoria de circularidade de Peter Burke

(2003), que trazem um olhar sobre as moficaes na cultura por meio de

liquidez e trocas entre diferentes povos.

Os emprstimos e assimilaes simblicas entre culturas descritas por

DAlviela (1995) sero unidos aos conceitos dos circuitos culturais de Stuart

Hall (1997) e fundamentaro as feies da pictografia como artefato,

assimilao cultural e circularidade entre povos e sua construo com base de

identidade e uso.

A construo da historicidade se dar pontualmente a fim de indicar

rastros histricos culturais como exemplos de construo e uso da pictografia

nos preceitos culturais e tecnolgicos desvelados.

Sero tambm trazidas algumas imagens, pinturas como exemplos

vistos como smbolos grficos que representam objetos, aes ou conceitos, e

15

sero explorados para este fim. Ao longo do texto sero colocados exemplos

pictogrficos que contam suas origens, demonstrando sua relao construtiva,

desde imagens e brases medievais a placas de trnsito na rua, alm de

imagens presentes em aplicativos de celulares. A inteno no dizer que

todas as representaes possuem o mesmo peso e valor cultural ou

universalidade de entendimento, mas sim mostrar que o smbolo pictogrfico

pode possuir uma fora de representao nos campos do aprendizado e da

cultura, e que, em alguns casos, tais smbolos migram entre as civilizaes,

que os ressignificam de sua prpria maneira com suas prprias formas e bases

de considerao, corroborando para o pensamento de estudo e anlise.

O processo de representao da imagem est contido como forma

cultural. Com base nos escritos de Berger (1972) e Gombrich (2007), as formas

de percepo da imagem pictogrfica estaro presentes a fim de fundamentar

como uma imagem pode no s se constituir em formas culturais como

tambm podem ter funes especficas para cada pessoa dependendo de seu

meio, sociedade e espao-tempo.

Pretende-se evidenciar a forma histrica e cultural, fazendo uso de

rastros pictogrficos, analisados para o trabalho no processo de construo do

conhecimento. As formas de aplicao dos estudos dos rastros no processo do

conhecimento sero adotadas a fim de observar as diferentes formas

intervencionistas nos objetos de produo, que podem modificar os resultados

finais do processo. Sero trazidas as condies do espectador e da imagem

por meio da teoria de Gombrich (2007). O estudo do espectador da imagem

vem para complementar o embasamento de sua construo tcnica, sua forma

de percepo e comportamento entre criador e espectador. Os conceitos

dentro do estudo da imagem acrescentaro os preceitos do autor e do

espectador considerando os pontos de vista de ambos por meio de sua

significao, conhecimento, cultura e formas sociais.

A segunda parte do trabalho iniciar o caminho de construo simblica

da imagem na pictografia. Esse momento visa conectar as condies da

segunda trade semitica, cone, ndice e smbolo, unidas ao conceito de Julio

Plaza (2008) de traduo intersemitica. O modelo de Plaza baseia-se no

pensamento peirceano de cone, ndice e simbolo, porm com relaes nos

signos de presente, passado e futuro ressignificando os signos como traduo

16

icnica, traduo indicial e traduo simblica. A semitica de Plaza

complementa-se no pensamento da traduo do autor da imagem por meio dos

conceitos utilizando como inspirao as anlises sobre o papel do tradutor de

Walter Benjamin e traduo de Haroldo de Campos. Esta parte compe a base

terica de anlise dos estudos da pictografia. por estes conceitos de cultura e

semiose que o desenvolvimento do mtodo de anlise da pictografia ser

inicialmente desenvolvido.

A terceira parte centrada no pensamento tecnolgico relacionado

imagem, cultura e produo. O conceito de tecnologia de Vieira Pinto (2005) e

a teoria crtica tecnolgica de Feenberg (2010) so apresentados para fechar

os arcabouos tericos. Pretende-se relacionar os pensamentos

transformadores e os fatores culturais que podem ser importantes na

construo do conhecimento nos graus de aprendizado. Neste ponto,

desenvolve-se o pensamento e sua construo com o meio no qual esta tese

pretende se orientar. O conceito de tecnologia adotado ligado ao pensamento

conectado a qualquer ponto histrico e no atribudo a uma era especfica.

Adota-se a ideia de que os objetos que nos cercam so produzidos pelo

trabalho humano, e possui uma histria que faz parte de uma determinada

cultura. Uma civilizao possui atributos prprios e desenvolve o trabalho, a

tcnica e a tecnologia com os elementos que so possveis devido s

caractersticas daquele meio. Com os subsdios mo, surge uma gama de

procedimentos com os quais artefatos so desenvolvidos (Pinto, 2005).

A discusso sobre trabalho, tcnica e tecnologia salientada, pois o

pensamento est presente no panorama geral dos dois primeiros captulos, e

visa aprofundar e criar um sentido para o objeto de estudo. Como pensar na

pictografia, trazendo um panorama de tantas eras culturas e fatos, sem a

tecnologia? A forma de representao pode estar ligada maneira como se

apresenta por meio dos pontos adotados e isso influi na maneira como a

pictografia pode ser manifestada.

A quarta parte focada no desenvolvimento conceitual da anlise e na

anlise. Os pictogramas para esta tese sero os que representam mensagem

e telefonar em dois tipos de sistemas operacionais de smartphones. O

contexto histrico, a discusso sobre a tecnologia, o processo migratrio de

17

alguns smbolos e a influncia nas simbologias escolhidas constituiro a base

conceitual e categrica da anlise.

Tambm para a anlise, o mtodo comparativo de Plaza (2008) ser

utilizado. A teoria do autor consiste em um percurso que dialoga por meio das

categorias de semiose peirceanas e dos estudos sobre o papel do tradutor de

Walter Benjamin, relacionando cone, ndice e smbolo transformando-os em

traduo icnica, traduo indicial e traduo simblica.

Alm do mtodo intersemitico de Plaza, em dilogo com os estudos de

Du Gay e Hall (1997) sobre circuitos culturais a pesquisa tambm est

fundamentada no conceito de amanualidade de Vieira Pinto. Da convergncia

desses autores surgiram quatro pontos de anlise: traduo, relao,

comparao aditiva e apropriao, que ajudam a considerar linhas, formas,

unidades, propores e caractersticas, com predominncias diversas,

evidenciando os elementos visuais.

De maneira alguma este mtodo pretende qualificar ou desqualificar

qualquer tipo de imagem analisada em detrimento de outra, mas sim trazer os

rastros histricos e culturais a fim de propiciar discusses sobre a pictografia,

alm de evidenciar as similiaridades do smbolo pictogrfico com o objeto em

que se baseia. Pretende-se evidenciar que a pictografia pode ser concebida de

variadas fontes, que podem estar em uma cultura especfica, ou que podem

atravessar sociedades criando apropriaes e recursos disponveis em

determinada poca ou localidade nas representaes pictricas, a fim de

contribuir com os estudos de tecnologia e sociedade, em campos como a arte,

o design e a comunicao, pois os significados tecnolgicos e sociais

presentes aqui podem colaborar com a estruturao da informao, na

construo e desenvolvimento do conhecimento.

18

1 Pictografia e pictograma como objeto de estudo

Este captulo traz um panorama sobre o pictograma e seus rastros

culturais dentro de algumas formas de reproduo e trabalho do ser humano.

Os pictogramas so elementos visuais que na contemporaneidade

compe um sistema de sinalizao e comunicao. Sua natureza figurativa e

ldica tem a capacidade de comunicar mensagens complexas. Essa forma de

dilogo, em muitos casos, pode quebrar obstculos lingusticos entre diferentes

culturas, como afirma Haroldo de Campos (1977, p. 40):

Pictogramas so signos de comunicao visual, grficos e sem valor fontico, de natureza icnica figurativa e de funo sinaltica. So autoexplicativos e apresentam como principais caractersticas: conciso grfica, densidade semntica e uma funcionalidade comunicativa que ultrapassa as barreiras lingusticas.

O pictograma compe um conjunto de smbolos grficos ligados a

objetos, representaes e conceitos. Sua manifestao pode ser encontrada

desde a antiguidade pr-histrica. Ele possui tambm a funo comunicativa

de mediador de uma mensagem. A forma como diversos receptores o

percebem pode at ser diferente, mas, mesmo assim, a comunicao

estabelecida.

O pictograma est presente em situaes do cotidiano como

sinalizaes virias, sistemas de identificaes visuais, logomarcas,

embalagens, etiquetas de roupas, mapas e guias tursticos, animaes,

navegao em computadores e aparelhos celulares. Quando olhados por um

ponto de vista sociocultural, podem estar correlacionados a diversos elementos

presentes no s no cotidiano, mas tambm na histria. Pinturas rupestres,

smbolos e brases de famlias antigas, por exemplo, so imagens

representativas que de alguma forma visam transmitir informao.

Alm de um panorama, este captulo traz tambm um recorte na histria

como elemento fundante da base pictogrfica. Muitos elementos histricos so

pesquisas de historiadores que vm de modelos indicirios e documentais por

meio de anlises de rastros e concluses, com o intuito criar uma aproximao

19

maior dos fatos. As anlises sero produzidas, tambm, com base nestas

aproximaes.

So analisados os pictogramas atravs de exemplos. Sua extenso

formada por diversas situaes inseridas em culturas distintas, e seus os

modelos podem colaborar como instrumento de apoio para os conceitos

apresentados da relao pictografia e cultura. O conceito surge a partir do

pressuposto que o objeto pictograma est inserido em determinada cultura, ou

seja, em todos os momentos em que uma pictografia demonstrada ela estar

presente em um meio cultural. Este pressuposto no faz aluso ou prioriza

determinada cultura, no tem a inteno de estudar uma cultura localizada,

apenas demonstrar o pictograma inserido nesta esfera.

Sendo assim, a informao no pode ser vista como algo generalizado,

universalizado ou percebido por qualquer pessoa, pois os meios culturais. A

assimilao e at mesmo a localizao geogrfica em que as pessoas se

encontram podem alterar o tipo de uso e seu contexto de entendimento. A

percepo no pode ser padronizada ou naturalizada, no possui um nico

olhar, ela tambm est mergulhada na cultura, nos filtros fisiolgicos e nos

diversos pontos de vista.

1.1. O pictograma e a cultura

A cultura est intrinsecamente relacionada aos fatores histricos, aos

meios em que o pictograma circula, percepo e ao olhar.

A viso conceitual da cultura, originria do raciocnio de Stuart Hall

(1997), que afirma que a cultura se d como um conjunto de significados

partilhados entre as pessoas, criando uma linguagem e um processo de

significao em um meio. Por intermdio da linguagem, os significados acabam

por atribuir sentidos, que podem se espalhar dentro de um sistema

representativo, onde produzido e significado. O uso de elementos que o ser

humano faz e o representa cria sentido, interpretao e importncia dentro das

prticas do dia a dia, como afirma Hall (1997):

atravs do uso que fazemos das coisas, o que dizemos, pensamos e sentimos como representamos que damos significado. Ou seja, em parte damos significado aos objetos,

20

pessoas e eventos atravs da estrutura de interpretao que trazemos. E, em parte, damos significado atravs da forma como as utilizamos, ou as integramos em nossas prticas do cotidiano (HALL, 1997, p. 3).

Com o argumento de Hall, coloca-se aqui o modelo de processos

pictricos que percorrem algumas culturas. Se tomarmos como exemplo as

gravuras nas cavernas do perodo rupestre, teremos pictografias produzidas

por povos que, com prticas que comearam a ser desenvolvidas entre 35.000

e 40.000 anos atrs, so consideradas as formas mais primitivas de expresso

pictogrfica humana (GASPAR, 2003).

A expresso simblica criada exprime o sentido e a inteno da

informao e, em alguns casos, as elucidaes sobre o sentido do que

comunica a estrutura ficam em um campo mais relacionado ao comportamento

sociocultural de um povo, juntamente com o desenvolvimento de estilo e

prticas, como afirma Pike (et al., 2012) em seu estudo sobre as imagens

encontradas nas cavernas de El Castillo, norte da Espanha:

Pinturas europeias das cavernas do perodo Paleoltico Superior e gravuras esto entre alguns dos primeiros exemplos de arte e comportamento simblico humano, apesar de haver uma considervel incerteza de quando comeou e como foram desenvolvidos os estilos e as prticas. A datao precisa ajudaria a determinar se eles chegaram com as primeiras populaes de humanos anatomicamente modernos por volta de 35-40.000 anos atrs ou foram um subproduto de sua interao com os Neandertais que se desenvolveram mais tarde (PIKE et al., 2012, p.1409).

Apesar de no ser possvel afirmar com exatido o ano de concepo

das gravuras rupestres, os motivos do surgimento desta prtica primitiva e a

representao da imagem possuem significado de importncia cultural para

aquele meio social. As pinturas preservam os antigos costumes de

representao da maneira como a imagem desenhada da presa geraria o

sucesso antecipado caa. Como um ato de magia, o caador estaria

simbolicamente abatendo o animal por meio da imagem pictogrfica

construda, representada em sua moradia. Gombrich (1999) fala sobre o

pensamento veiculado da produo da pictografia com o poder de equivalncia

que ela exerce como imagem para o ser humano:

21

A explicao mais provvel para essas descobertas ainda a de que se trata das mais antigas relquias dessa crena universal no poder da produo de imagens; por outras palavras, que o pensamento desses caadores primitivos era que, se fizessem uma imagem de sua presa e talvez a surrassem com suas lanas e machados de pedra os animais verdadeiros tambm sucumbiriam ao poder deles. Isso, evidentemente, uma conjetura mas conjetura bem apoiada pelo uso da arte entre aqueles povos primitivos de nosso prprio tempo que ainda preservam seus antigos costumes. verdade que, at onde me dado saber, no encontramos atualmente qualquer povo primitivo que tente realizar exatamente esse tipo de magia; mas a maior parte da produo artstica ainda est, para eles, estreitamente vinculada a ideias anlogas sobre o poder das imagens. Ainda existem povos primitivos que nada mais usam seno ferramentas de pedra e raspam suas imagens rupestres de animais para fins mgicos (GOMBRICH, 1999, p.17).

Gombrich (1999) comenta que se no procurarmos penetrar na mente

dos povos primitivos e descobrir qual o gnero de experincia que os fez

pensar em imagens, no nos aproximaremos do conceito de seu significado.

Segundo Gaspar (2003, p. 27), h pesquisas que explicam esses

grafismos como representaes de fenmenos celestes como estrelas,

cometas e eventos astronmicos. H ainda estudiosos que defendem a ideia

de que estas expresses so alucinaes xamansticas provenientes da

ingesto de drogas.

Qualquer um destes fenmenos naturais celestes ou rituais produzidos

pelo ser humano podem ter sido observados e representados dentro da

experincia destes povos de uma forma que no h como distinguir

precisamente quais seriam as formas representadas.

22

Figura 2 Biso Caverna de Altamira, Espanha4

A Figura 2 mostra um biso pintado h 15.000 anos na Caverna de

Altamira, Espanha e demonstra a mtica relacionada caa descrita por

Gombrich. A caverna de Altamira um dos mais importantes stios

arqueolgicos j conhecidos. Descoberto na regio espanhola de Santillana

Del Mar, na Catambria, o local repleto de grutas de origem calcria onde j

foram catalogadas mais de 600 descobertas arqueolgicas, dentre as quais,

representaes pictogrficas (SHUSTERMAN, 1998, p.34).

Com o biso, a ideia j era de uma imagem como algo poderoso, que

deve ser usada e no somente como algo bonito para ser contemplado. Os

desenhos rupestres possuam funo alm da decorativa. As figuras trazem a

funcionalidade da pictografia primitiva, como um grafismo integrando sistemas

de signos que se comunicam de uma maneira no verbal, artefatos sugerindo

situaes anlogas a uma forma de linguagem (GASPAR, 2003).

O desenvolvimento pictogrfico rupestre pode ter ajudado a construir a

cultura pr-histrica, pois a conservao da gravura na caverna foi o legado

4 Retirada da Enciclopdia Universale DellArte

23

deixado de uma gerao para outra. O conjunto de saberes pode ter auxiliado

os descendentes dessa sociedade a desenvolverem novos conhecimentos,

prticas e mtodos, utilizando justamente as manifestaes pictogrficas como

linguagem.

As imagens pictricas rupestres tinham a capacidade funcional de

informar e cunhar sabedorias adquiridas naquela cultura, alm de passar

experincias do cotidiano que poderiam se perder com o tempo.

Assim, tambm as ferramentas e artefatos eram transformados. A

especializao das ferramentarias, da caa e de todas as prticas culturais

passaram por processos longos de aprendizagem, adequao e modificao

conforme as diversas necessidades que surgiam. O conhecimento passado de

era em era, por meio da pictografia, transferiu a novas geraes informaes

importantes sobre as prticas j descobertas, para a continuidade,

melhoramento ou modificaes, dependendo da necessidade. Se no fosse

desta forma, o conhecimento poderia ser perdido, visto que a forma verbal,

mesmo nos dias de hoje, facilmente dispersa, e a gerao seguinte poderia

no ter acesso a ela. O fato de uma pictografia resistir s intempries pde dar

chance s pessoas de conhecer, aprender, atualizar e ressignificar o desenho

pois, com o tempo, novos indivduos acrescentaram outros elementos ao

trabalho, intervindo na imagem e tornando-a colaborativa.

Gaspar (2003) diz que ao desenhar um veado, por exemplo, o arteso

afirma a existncia em sua era e atualiza o significado, enriquecendo-o.

preciso, ainda, levar em conta que a organizao dos painis e at mesmo das figuras que os compem pode ser o resultado final da interveno de inmeros pintores que se sucederam atravs de geraes. Prouse e Baeta mostraram que cada pintor, ao acrescentar uma figura num painel, interpretava as obras anteriores, sua contribuio no sendo inserida como elemento isolado, mas como uma nova parte de um conjunto preestabelecido. Ao pintar um veado, acima ou ao lado de outro j existente, o arteso podia querer reafirmar ou atualizar o significado do primeiro desenho ou ento neg-lo, substituindo o animal. Ainda podia enriquecer o significado original da primeira pintura ao acrescentar, por exemplo, uma corsa ao animal preexistente, e com tal atitude evocar a dualidade procriadora, dando um novo significado ao desenho anterior (GASPAR, 2003 p. 17).

24

Manifestaes rupestres tambm foram encontradas no stio

arqueolgico da Serra da Capivara, localizada no nordeste brasileiro,

mostrando que esse tipo de prtica pode gerar conhecimento em todas as

culturas.

A figura 3 representa o que parece ser uma dana. J a figura 4 faz

aluso a um parto. Este modo de manifestao grfica pode ser tratado como

um preceito da comunicao entre as pessoas.

Figura 3 Desenho rupestre Dana Serra da Capivara, Brasil

25

Figura 4 Desenho rupestre Parto Serra da Capivara, Brasil

Assim, o pictograma o mensageiro das certas informaes, e seu

significado pode abranger a compreenso no contexto social em que ele foi

concebido, at se expandindo em outros contextos sociais levando a

informao a outras culturas.

A imagem pictrica rupestre pode ser vista como uma linguagem na qual

o significado exclusivamente composto por imagens. Os significados no

verbais, e tampouco compostos por palavras, so meios de comunicao que

transmitem uma mensagem e que so construdos, modificados e

ressignificados atravs do tempo, dentro de uma cultura e de uma sociedade.

O uso que fazemos das coisas, e como as representamos, gera significados

dados por quem as usa. As prticas integradas podem se multiplicar com o

tempo, dando ao pictograma uma condio de reconhecimento mais forte de

comunicao.

Mesmo nos dias de hoje ns no possumos um entendimento total de

significados das sociedades antigas. No podemos precisar o cdigo e o meio

em que foi introjetado, mas, mesmo assim, por meio de estudos histricos,

comprovaes tcnicas e a interpretao de significados das imagens, se criam

condies de interpretar as etnias, sistemas grficos prprios, cdigos,

princpios e preceitos daquele meio.

26

1.2. Manifestaes e trocas

Construdas culturalmente, as manifestaes pictricas exprimem de

maneira sincrtica as trocas entre vrias geraes povos que o influenciaram e

acabaram por criar e assimilar ritos, filosofias, lnguas e expresses diversas.

So circularidades culturais que se formam em diversos campos dentro dos

domnios da imagem.

Burke (2003) afirma que a troca de experincias e informaes est

presente em diversos tipos de civilizaes, mesclam culturas conforme o tempo

e apropriam objetos, imagens, formas e costumes. So permutas culturais com

ampla variedade de situaes, contextos e locais nos quais ocorrem encontros

de diversos tipos.

A circularidade da pictografia traz casos que, negando ou assimilando a

cultura no meio social, alguns dos muitos elementos caractersticos em sua

concepo podem ter tomado emprstimo de outros crculos e culturas e deles

terem produzido seu prprio elemento.

As apropriaes podem ter acontecido com certa naturalidade se

imaginar que antigos comerciantes viajavam de um pas a outro, levando

ornamentos diversos e diferentes tipos de produtos, especiarias e curiosidades.

Mesmo a pictografia dos vasos, tecidos e produtos chineses, japoneses e

hindus, que vieram do extremo Oriente, trouxeram imagens at ento

desconhecidas para o Ocidente.

A figura 5 um exemplo disso. Trata-se de uma porcelana da dinastia

Ming (1368-1644) de um acervo de cerca de 300 peas localizado no Palcio

de Santos, em Lisboa, Portugal. Os pratos importados do oriente, alguns com

mais de 500 anos, foram encomendados pelos diversos proprietrios do

palcio portugus ao longo dos anos. Figuras da nobreza de Portugal como D.

Manuel, D. Joo III e D. Sebastio, e a famlia Lencastre, foram responsveis

pela vasta coleo.

27

Figura 5 Detalhe Porcelana Ming Palcio de Santos, Portugal

Figura 6 Teto do Palcio de Santos (foto: Kenton Thacher)

28

Curiosamente, a porcelana atingiu outra funo ao longo do tempo,

sendo pendurada e exposta no teto de um dos cmodos do palcio. A

porcelana foi fixada por ganchos de metal onde permanece at hoje (figura 6).

As navegaes, a escravido e inmeros tipos de encontros de

diferentes culturas na histria, possibilitaram as trocas de smbolos e sua

circularidade, tornando-se itens de coleo, culto ou adorao de diversos

povos. Cada navegante, escravo ou qualquer pessoa que trafegasse de

continente a continente ou de pas a pas trazia consigo algum objeto, cultura

ou crena dos locais de passagem possibilitando assim a importao de itens

para outro ambiente e, em alguns casos, disseminando e criando um uso para

eles, como diz DAlviella (1995, p.30-31):

Em tempos antigos, soldados, marinheiros e viajantes de todas as profisses nunca deixavam seus lares sem levar consigo, de uma forma ou de outra, seus smbolos e deuses, difundindo assim o conhecimento destes at os rinces mais remotos e trazendo consigo outros ao retornarem. A escravido, to amplamente conhecida no mundo antigo, deve do mesmo modo ter favorecido a importao de smbolos do ambiente desses inumerveis cativos, que a casualidade da guerra, ou as oportunidades da pirataria, trouxeram de toda parte, desde as mais distantes regies, sem priv-los da memria de seus deuses e das formas de adorao.

A troca cultural e a circularidade esto em sinergia com a pictografia.

No existe circularidade sem troca. Sendo assim, a propagao de um objeto

pode ter acontecido de formas diversas. So milhares de maneiras possveis.

Qualquer tipo de integrao entre povos, mesmo que mnima, uma troca

cultural que introjeta objetos dentro da sociedade, causando a circularidade

cultural. DAlviella (1995) comenta sobre os fatores de assimilaes e

proliferao que um objeto pode conter, desde algo extico at algo

supersticioso como talisms.

Nada mais contagioso que um smbolo, exceto talvez uma superstio; e mais ainda quando os smbolos so combinados entre si, geralmente estavam, nas naes da Antiguidade, os quais raramente adotavam um smbolo sem lhe atriburem um valor de talism (DALVIELLA, 1995, p.31).

As pictografias so objetos que, de diversas maneiras, podem ser

trocadas entre povos e culturas, criando grandes circuitos culturais.

29

A guia bicfala (figura 7), ou guia de duas cabeas, um exemplo de

pictograma que cria circularidade. O smbolo pode ser encontrado nos brases

de diversos locais, em diversas culturas desde a antiguidade at a

contemporaneidade.

Figura 7 guia bicfala do Imprio Bizantino

A figura 8 uma representao na sede do Patriarcado Ecumnico de

Constantinopla da Igreja Ortodoxa, situada em Istambul. A relao com

Constantino e o imprio Bizantino nesse caso estreita, sendo possvel criar

uma ligao simples entre a guia bicfala da igreja ortodoxa e o smbolo do

Imprio Bizantino.

Figura 8 guia bicfala da Igreja Ortodoxa, em Constantinopla

30

Da mesma forma, o braso do Sacro Imprio Romano Germnico (figura

9) possui uma estreita ligao com o Imprio Romano por conta da unio dos

territrios da Europa central iniciado durante a Idade Mdia.

Figura 9 guia bicfala do Sacro Imprio Romano Germnico

J a guia bicfala na bandeira da Federao de armas Russa (figura

10) foge do princpio de colonizao do Imprio Romano.

Neste caso, o casamento de Ivan III (gro-prncipe de Vladimir e de

Moscou de 1462 a 1505) com a princesa bizantina Sofia Paleloga, sobrinha

de Constantino XI Palelogo, o ltimo imperador bizantino, juntamente com a

motivao poltica de uma unicidade entre Igreja e Estado, foram os motivos

pelos quais a guia foi adotada por Ivan III.

O nico diferencial das outras representaes est no selo central do

Ducado de Moscovo, o selo de Ivan III, um homem montado cavalo lutando

contra um drago. Este mesmo selo foi ressignificado mais tarde, em 1730,

alterado para a figura de So Jorge.

31

Figura 10 guia bicfala da Federao de armas russa

No caso da bandeira da Albnia (figura 11), a ligao tem muitos

motivos, entre eles a rota comercial do Imprio Bizantino e a forte influncia de

Constantino dentro da regio de Ilria, parte da antiga Albnia. A imagem uma

homenagem ao smbolo utilizado em combates por um dos maiores heris da

Albnia, conhecido como Skanderbeg (Gjergj Kastrioti Sknderbeu), que

liderou o povo albans durante a guerra contra a invaso Ottomana de 1443 a

1468.

32

Figura 11 guia bicfala da bandeira da Albnia

A forte influncia que o Imprio Romano teve sob estes locais foi apenas

o ponto inicial de circularidade e absoro culturais, pois cada cultura a

assimilou por motivos diversos: ecumnicos, polticos e at crenas

nacionalistas. No se pode localizar onde a troca e a circularidade cultural

poderiam ter acontecido, mas seu valor est fortemente conectado a cada

cultura por razes diferentes.

A origem deste smbolo pode ter sido ocasionada por uma forma

diferente de apropriao, ou ressignificao de copistas atravs dos tempos.

Charles Simon Clermont-Ganneau, arqueologista francs do sculo XIX,

demonstrou que no imaginrio popular monstros de extrema complexidade

eram produzidos por diversos grupos de indivduos separados (DALVIELLA,

1995).

A guia bicfala pode ter tido a sua criao desviada de uma

interpretao errnea da cena. Uma de suas origens vem de Heinrich

Schliemann, arquelogo alemo do sculo XIX que desenterrou objetos com

imagens entalhadas entre as tumbas da antiga cidade de Micenas, mostrando

33

que originalmente eram duas guias que se inclinavam uma para a outra,

enquanto suas cabeas estavam em sentidos opostos (figura 12).

Figura 12 guias de Micenas5

Tomando a ideia de que a expanso dos domnios do Imprio Romano,

que chegou a possuir fronteiras no norte da frica, Europa e sia, facilitou a

insero dentro de povos smbolos, migrados da cultura grega, incorporados

pela romana e por esta expandidos, as formas de circularidades culturais que

esto presentes at a contemporaneidade em bandeiras e brases produto

de ressignificaes e apropriaes de diversas culturas em sua circularidade.

Interpretaes errneas da cena no so caractersticas apenas

pertencentes ao exemplo da guia bicfala. H um exemplo nas figuras

produzidas na mitolgica histria dos doze trabalhos: a imagem de origem

fencia como a de Orthos (figura 13) apresentada na forma de dois ces

distintamente separados se olhados atentamente, ces que se tornaram um s

na interpretao da histria dos helnicos.

5 Retirado do livro Goblet DAlviella, A Migrao dos Smbolos (1995).

34

Figura 13 Hrcules matando o Orthos 6

Outro exemplo o Gerio, (figura 14) morto por Hrcules, que deve sua

existncia a uma interpretao errnea da cena na qual um rei visto

erguendo sua clava, dando a entender que iria atingir trs brbaros agrupados

em um s corpo, com trs cabeas.

Figura 14 Hrcules lutando com Gerio7

6 nfora cerca de 540 a. C., museu do Louvre.

7 nfora cerca de 520 a. C.

35

A interao entre povos ao longo dos anos promove a circularidade de

informaes, e a pictografia faz parte do circuito cultural de eventos. Grande

parte dos pictogramas consumidos atualmente est dentro desta forma de

consumo cultural, produzido por trocas e interpretaes.

Um exemplo mais contemporneo da circularidade, da troca e da

assimilao cultural a criao e a trajetria da marca da empresa de cereais

matinais Quaker Oats, comumente chamada de Quaker. A empresa foi fundada

em 1877 nos Estados Unidos e registrou sua marca no Escritrio de Patentes

como "uma figura de um homem em trajes Quaker" (figura 15).

Figura 15 Logotipo da Quaker de 1877 8

Um Quacker, ou a Sociedade de Amigos como conhecido, antes de

ser o logotipo de uma empresa uma associao religiosa fundada por George

Fox (1624 1691) na Inglaterra em 1651. A tradio Quaker a crena de que

a verdadeira fonte de conforto e consolo religioso a luz interior, a voz de Deus

falando diretamente com cada alma humana, sem o auxlio de qualquer

8 Retirado do site oficial da Quaker: http://www.quakeroats.com/about-quaker-

oats/content/quaker-history.aspx acesso em 27/05/2014

http://www.quakeroats.com/about-quaker-oats/content/quaker-history.aspxhttp://www.quakeroats.com/about-quaker-oats/content/quaker-history.aspx

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mediador terreno. Com esta crena e sem lderes religiosos, os seguidores

propuseram uma nova forma de f crist baseada no pacifismo e na

simplicidade, pois creem na opo de unir a religiosidade e o bem para a

sociedade no dia-a-dia. Os Quackers no acreditam em igrejas e padres ou

pastores como portadores da palavra de Deus.

George Fox e alguns adeptos criaram inicialmente um grupo de estudos

da bblia com pessoas desiludidas com as religies anglicana, catlica e

presbiteriana, as quais consideravam monopolistas e abusivas. Foi assim que

iniciaram sua prpria forma de culto religioso. Com o tempo, o discurso de Fox

abrangeu mais e mais seguidores que se juntaram sua pregao em feiras,

mercados, prises e tribunais.

Com a popularidade, Fox comeou a ser perseguido e foi preso algumas

vezes. Inclusive o nome Quacker chegou a ser um apelido sarcstico dado pela

opinio pblica devido a um depoimento no tribunal dado por Fox que afirmava

tremer (quake) diante do Senhor.9

Perseguidos na Inglaterra, os Quackers imigraram para os Estados

Unidos e, em 1681, criaram uma colnia na Pensilvnia, onde ficaram,

cresceram e tornaram-se conhecidos no pas. 10

Um fato importante da histria que os antigos proprietrios da empresa

de aveias e criadores da marca Quacker Oats, Henry Seymour e William

Heston, no eram Quakers. Eles afirmam que escolheram o nome como um

smbolo de boa qualidade e valor honesto. 11

A marca passou por muitas mudanas, mas nunca abandonou o smbolo

do homem trajado de Quaker (figura 16).

9 http://www.georgefox.edu/about/history/quakers.html acesso em 05/02/2015

10 Research Guide Religious Society of Friends (quakers) genealogical & historical

records Utah Valley regional family history center brigham young university Harold B. Lee

Library 11

Retirado do site oficial da Quaker: http://www.quakeroats.com/about-quaker-

oats/content/quaker-history.aspx acesso em 27/05/2014

http://www.georgefox.edu/about/history/quakers.htmlhttp://www.quakeroats.com/about-quaker-oats/content/quaker-history.aspxhttp://www.quakeroats.com/about-quaker-oats/content/quaker-history.aspx

37

Figura 16 Logotipos da Quaker modificaes

Em 2012 a marca apresentou sua ltima reformulao (figura 17).

Segundo a empresa, o homem da Quaker (carinhosamente conhecido como

Larry) adotou um aspecto mais saudvel por comer direito e fazer exerccios,

revelando uma pele sutilmente mais radiante obtida das mscaras feitas de

aveia.12

Figura 17 Logotipo da Quaker de 2012 13

12

Retirado do site oficial da Quaker: http://www.quakeroats.com/about-quaker-

oats/content/quaker-history.aspx acesso em 27/05/2014 13

Retirado do site oficial da Quaker: http://www.quakeroats.com/about-quaker-

oats/content/quaker-history.aspx acesso em 27/05/2014

http://www.quakeroats.com/about-quaker-oats/content/quaker-history.aspxhttp://www.quakeroats.com/about-quaker-oats/content/quaker-history.aspxhttp://www.quakeroats.com/about-quaker-oats/content/quaker-history.aspxhttp://www.quakeroats.com/about-quaker-oats/content/quaker-history.aspx

38

A Quaker Oats veio para o Brasil em 1953, e o fato da religio Quaker

no ser difundida no pas fez com que o nome Quaker passasse por uma

reapropriao tornando-se smbolo de aveia.

Assim, questes culturais e geogrficas podem produzir uma marca que

possu um sentido em seu local de criao relacionado cultura de um povo,

mas que muda de sentido assimilada por pessoas de outra localizao.

Explicar para outra civilizao que no conhece o segmento religioso

dos Quakers que o desenho de um homem de chapu sorrindo em suas

embalagens smbolo de boa qualidade e valores de honestidade relacionados

a uma comunidade especfica, e que esses valores eram a base de sua

empresa, seria um trabalho complicado, pois identificar conceitos de algo que

no conhecem e utilizar a metfora dessa ideia como valor de uma empresa

torna o conceito de difcil entendimento:

Filostrato atribui a ideias ao seu heri Apolnio de Tiana, a ideia de que aquele que contempla obras de desenho e de pintura deve ter a faculdade imitativa e de que ningum ser capaz de entender um cavalo ou um touro pintado se nunca viu tais criaturas antes (GOMBRICH, 2007, p. 170).

No caso do Brasil, provvel que um nmero mnimo de brasileiros

soubesse o que era a filosofia Quacker no ano em que ele foi apresentado ao

pas, sendo assim, ficou para o imaginrio local traduzir a logomarca, alterando

o seu entendimento. Inclusive a pronncia do nome da marca no Brasil

diferente (seria algo como cuaquer), sendo utilizada pela prpria companhia

em campanhas publicitrias.

Curiosamente, nota-se que at hoje as pessoas procuram saber quem

foi o velhinho da aveia Quaker, como se Larry tivesse existido e fosse uma

pessoa conhecida ou ilustre. Alguns perguntam por que ele est sorrindo e

outros ainda afirmam ser uma senhora14.

As circularidades presentes nos exemplos da antiguidade e da

contemporaneidade so cada qual sua maneira similares, pois atravessam o

tempo e as culturas e so interpretados pela sociedade e, assim, so

incorporadas e novamente circulam para outros lugares onde so

14

https://www.google.com.br/#q=homem+da+aveia acesso em 27/05/2014

39

reinterpretadas e reincorporadas, de maneira que cada uma delas possui

caractersticas distintas.

1.3. Contextos circulares

No campo da cultura, o modelo desenvolvido por Du Gay e Hall (1997)

de transitoriedade foi projetado a fim de olhar mais a fundo as interaes e

articulaes culturais dentro dos meios da circularidade cultural. O circuito

cultural apresentado por eles trabalha a questo da circularidade de maneira

importante para este trabalho e sua relao com a cultura. Os estudos sobre

circularidade e trocas aqui so vistos dentro de um contexto por onde eles

caminham, criando formas cclicas de absoro.

O estudo composto por cinco grandes etapas que conversam entre si:

representao, identidade, produo, consumo e regulao (figura 18).

Figura 18 Circuito cultural. Fonte: (DU GAY et al., 1997)

As cinco etapas so a base de pensamento na metodologia de circuito

dos estudos de Du Gay e Hall (1997). Se visualizados em conjunto, eles

40

completam um crculo interligado atravs do qual um artefato possui uma

representao com identidades sociais conectadas a ele de forma que seja

produzido e consumido por mecanismos que regulam sua distribuio e

utilizao.

No existe um ponto determinado onde comea ou termina o processo,

nem quais os passos que viro. Cada parte do caminho pode possuir rumos

diferentes, no havendo partes separadas das sees, pois estes termos se

sobrepem e se entrelaam continuamente de maneira complexa, no entanto,

eles so os elementos que em conjunto so o que queremos dizer fazendo um

"estudo cultural" de um determinado objeto (DU GAY et al. 1997, p. 3).

O circuito ajuda a visualizar a gama de trocas e absores culturais

dentro de um meio no caso dos estudos da imagem e da pictografia, como est

sendo tratado. As influncias esto presentes e so mutuamente infuenciveis.

A cultura pode ser entendida como um processo de prtica social que

integra e constitui a vida de uma sociedade e por meio destas formas cria

significados. O debate possui uma viso antropolgica nica ao considerar a

cultura em um sentido amplo, onde a questo central compreender em que a

cultura de um povo, e inicialmente, a das classes populares, funciona como

contestao da ordem social ou, contraditoriamente, como modo de adeso s

relaes de poder (MATTELART, 2004, p. 14).

A representao prtica expressiva de atividades intelectuais e

sociolgicas que constituem uma vasta gama de classes e formas de

circularidade, como afirma Williams (2011, p. 13):

Convergncia prtica entre os sentidos antropolgico e sociolgico da cultura como "modo de vida global" distinto, dentro do qual percebe-se, hoje, um "sistema de significaes" bem definido no s como essencial, mas como essencialmente envolvido em todas as formas de atividade social, e o sentido mais especializado, ainda que tambm mais comum, de cultura como "atividades artsticas e intelectuais", embora estas, devido nfase em um sistema de significaes geral, sejam agora definidas de maneira muito mais ampla, de modo a incluir no apenas as artes e as formas de produo intelectual tradicionais, mas tambm todas as "prticas significativas" desde a linguagem, passando pelas artes e filosofia, at o jornalismo, moda e publicidade que agora constituem esse campo complexo e necessariamente extenso.

41

Com essa lgica de Williams (2011), a pictografia estaria dentro de uma

prtica construda e absorvida por meio da cultura, sendo difundida e

decodificada pelo ser humano. Porm, uma prtica social depende da

interpretao dada por quem a est difundindo que nem sempre tem-se os

mesmos resultados. A forma de interpretao humana pode criar aes de

sentidos opostos, com formas de organizao totalmente distintas umas das

outras, onde toda ao social uma prtica cultural e todos os significados das

aes so interpretados, se expressam e se comunicam, como afirma Hall

(1997, p. 3):

Os seres humanos so seres interpretativos, instituidores de sentido. A ao social significativa tanto para aqueles que a praticam como para os que a observam: no em si mesma mas em razo dos muitos e variados sistemas de significado que os seres humanos utilizam para definir o que significam as coisas e para codificar, organizar e regular sua conduta uns em relao aos outros. Estes sistemas ou cdigos de significao do sentido s nossas aes. Eles nos permitem interpretar significativamente as aes alheias. Tomados em seu conjunto, eles constituem nossas 'culturas'. Contribuem para assegurar que toda ao social 'cultural', que todas as prticas sociais expressam ou comunicam um significado e, neste sentido, so prticas de significao.

Portanto, por meio da representao, pode-se pensar que a pictografia

estaria criando traos narrativos que abrangeriam a cultura de um local e

transmitiria e alocaria a informao por meio da prtica e do uso dos signos

nem sempre da mesma maneira, com a mesma interpretao e significado.

Na reflexo de Stuart Hall (1997) sobre os aspectos sociais

contextualiza-se a concepo cultural como um conjunto de significados

partilhados. por meio do uso que se criam relaes e interpretaes, e as

formas perceptivas podem se tornar parte de prticas comuns, trabalhando

para o funcionamento da imagem como processo de significao:

atravs do uso que fazemos das coisas, o que dizemos, pensamos e sentimos como representamos que damos significado. Ou seja, em parte damos significado aos objetos, pessoas e eventos atravs da estrutura de interpretao que trazemos. E, em parte, damos significado atravs da forma como as utilizamos, ou as integramos em nossas prticas do cotidiano (HALL, 1997, p. 3).

42

por este uso dado em diversos patamares que a interpretao pode

fazer com que o sentido geral de objetos seja absorvido e se torne

completamente diferente em culturas diversas. Podemos tomar como exemplo

o smbolo do gammadion, ou cruz gamada, mais conhecido como sustica.

A sustica um smbolo mstico encontrado em diversos povos e

culturas como, por exemplo, romanos, fencios, mesopotmicos e persas, alm

de cultos religiosos como o budista e o jainista15.

O smbolo constitudo por uma cruz cujas extremidades so dobradas

em ngulos retos, de modo que formam quatro gammas16 interligadas pela

base. No existe uma explicao nica do significado da sustica, pois cada

cultura a atribui interpretaes diferenciadas.

A figura 19 traz uma cruz gamada como smbolo de um templo budista

na Coria do Sul e a figura 20 mostra outra cruz gamada como smbolo

religioso Jainista, prximo a cidade de Bhubaneswar, em Odisha, ndia.

Figura 19 Templo budista na Coria do Sul

15

O jainismo, ou jinismo, religio antiga da ndia (meados do primeiro milnio a.C) juntamente com o hindusmo e o budismo, compartilhando com este ltimo a ausncia da necessidade de Deus como criador ou figura central.

16 Letra gamma do alfabeto grego -

43

Figura 20 Cruz gamada templo Jainista, ndia.

Os templos budistas da Coria do Norte utilizam a sustica (com o

desenho de maneira invertida ao dos nazistas) como um elemento de

longevidade, enquanto os jainistas a colocam como transformao humana

(PAVITT, William e Kate, 1922).

Para citar exemplos mais concretos de susticas, mencionaremos as que aparecem como elemento ornamental em Tria, nas urnas cinerrias itlicas anteriores a Roma, nas da lmina da espada de Vers-La-Gravelle e a que aparece no fundo da vasilha galo-romana do tesouro de Graincourt-les-Havrincourt. Tambm figura em mosaicos hipano-romanos. (...) A sustica mais antiga que vimos representada corresponde a um selo encontrado em Harappa (ndia), de aproximadamente 2000 a. C. Aparece mais tarde em estandartes hititas (CIRLOT, 2005, p. 541).

No ocidente e em parte do oriente, a sustica o smbolo associado ao

holocausto, a Hitler e ao partido nazista na Segunda Grande Guerra (1939

1945), onde o gammadion era associado hipottica descendncia cultural

ariana alem. De fato, a sustica nazista talvez a mais famosa forma de

44

representao do gammadion por conta do tamanho do conflito entre as

naes mundiais na poca, e as histrias que at hoje so difundidas em

filmes, documentrios e afins.

Neste caso, os nazistas apenas estavam se apropriando de um forte

smbolo comumente usado e difundido por muitas culturas, subvertendo a ideia

e agregando a ela seus prprios valores ideolgicos. O smbolo proibido em

diversos pases com multas e at priso para quem o utilizar. No Brasil, a pena

de multa e priso de 2 a 5 anos.17

No caso da sustica dentro do circuito cultural, podemos dizer que foi

representado por vrios povos entre eles o fencio.

Criou-se assim, uma identidade e uma produo, ou seja, um modelo

que foi utilizado por mais e mais pessoas como, por exemplo, para proteo ou

como amuleto at se tornar um smbolo conhecido. Mais tarde comeou a

integrar camadas maiores sendo indcio de moedas e brases. Sendo assim,

foi consumida em ampla escala, passando por uma regulao onde sua

imagem deveria possuir certas normas como um mesmo padro de uso ou a

mesma cor, por exemplo.

E assim, com a disseminao, a sustica chegou a outras culturas que

acabaram por adotar a imagem e criar sua prpria identidade e representao

de acordo com suas crenas, costumes, necessidades ou quaisquer outras

intenes, e passaram a produzir e consumir novamente refazendo o ciclo.

O circuito cultural de Du Gay e Hall (1997) pode andar em outras

direes dependendo do objeto analisado, mas este apenas um exemplo

prtico de seu funcionamento com a imagem pictrica dentro de um contexto

de circularidade e assimilao cultural.

1.4. Aspectos representativos pictogrficos

No campo da representao podemos olhar a imagem pictogrfica como

parte de um fenmeno cultural que tem a capacidade de circularidade e

absoro e que percorre as classes sociais com identidades e subculturas

dentro de uma circularidade. Parte deste pensamento est localizado na

17

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9459.htm Acesso em 27/05/2015

45

representao e na forma como estes aspectos so percebido pelo ser

humano.

Por mais que uma imagem tenha representao dentro de uma cultura,

ela ainda sofre a influncia da estreita relao de troca que possui para as

diferentes pessoas. Cada ser humano possui suas particularidades, seus

modos de ver, trazidos pela prpria experincia de vida. A forma de perceber a

pictografia tambm difere no processo de apropriao. Aquilo que sabemos ou

aquilo que julgamos afeta o modo como vemos as coisas (BERGER, 1972, p.

12).

Qualquer imagem caracteriza tambm um modo de visualizao, tanto

de quem a produziu como de quem a observa. A representao traz uma

infinidade de meios e possibilidades quando estamos tratando da diversidade

das formas de expresso.

Um fotgrafo ou um pintor, por exemplo, podem ser reconhecidos pela

marca do pincel ou pela sua forma de retratar configurando sua prpria forma

de representar algo. Dessa mesma maneira, algum que v suas obras pode

relacion-las de forma totalmente diferente que a pretendida pelo artista,

ficando uma apreciao que visa seu prprio modo de ver. Como afirma Berger

(1972, p. 14):

Todas as imagens corporizam um modo de ver. Mesmo uma fotografia. As fotografias no so, como muitas vezes se pensa, um mero registro mecnico. Sempre que olhamos uma fotografia tomamos conscincia, mesmo que vagamente, de que o fotgrafo selecionou aquela vista de entre uma infinidade de outras vistas possveis. Isso verdade mesmo para o mais banal instantneo de famlia. O modo de ver do fotgrafo reflete-se na sua escolha do tema. O modo de ver do pintor reconstitui-se atravs das marcas que deixa na tela ou no papel. Todavia, embora as imagens corporizem o modo de ver, a nossa percepo e a nossa apreciao de uma imagem dependem tambm do nosso prprio modo de ver.

A no linearidade realizada nos mais diversos tipos de interpretao,

mesmo que estes sejam prximos entre si, configura os diversos momentos

nicos da forma de ver.

Estas condies, chamadas por Gombrich (2007) de relaes ilusrias

da imagem, demonstram que a representao e a cultura corroboram nas

46

imagens em um ponto que o espectador acabe por projetar sua cultura,

experincia e imaginao a favor do vocabulrio construdo por ele mesmo e

completa o que ele chama de espaos em branco deixados em imagens

inacabadas (Gombrich, 2007, p. XX), que so as relaes no entendidas pelo

espectador em uma imagem, com objetos de sua iluso e reflexo, onde o

observador pode a preencher as lacunas da imagem imaginariamente:

Verificou-se que mesmo neste mundo deliberado faz-de-conta, a iluso genuna se aguentava: j vimos como a pintura inacabada pode despertar a imaginao do observador e projetar no quadro o que nele no se acha. (...) Temos de tratar agora sua interpretao psicolgica. H obviamente duas condies que tem de ser cumpridas para que o mecanismo da projeo se ponha em movimento. Uma que o observador no deve ser deixado em dvida sobre a maneira de preencher a lacuna; outra que ele receba uma tela, uma rea vazia ou mal definida, sobre a qual possa projetar a imagem esperada (GOMBRICH, 2007, p. 174).

Portanto, as reas vazias ou mal definidas projetadas fazem com o que

o espectador preencha as lacunas atravs de interpretaes culturais e

vocabulrios absorvidos, talvez endossando pessoalmente ainda mais a

veracidade das imagens apresentadas e, mesmo que estejamos falando de

pessoas que so especialistas na anlise da imagem, a projeo ainda existe,

e no ser livre de suas percepes pessoais construdas ao longo de sua

trajetria vivida.

A relao cruzada entre ver e perceber est constituda dentro de pontos

subjetivos que por vezes nem um especialista em imagens percebe. So as

pequenas formas perceptivas de uma imagem no qual ele se conecta. Se os

fragmentos perceptivos fossem retirados dessa mesma imagem por completo,

talvez a imagem no faria mais sentido algum para essa pessoa, como diz

Gombrich (2007, p. 176);

Aqueles cuja tarefa interpretar imagens com o objetivo de informar tem algo a dizer sobre as peas que esses fantasmas pregam na percepo. Oficiais do servio secreto, concentrados na leitura de fotografias de reconhecimento ou especialistas de raios X, que baseiam um diagnstico na mais tnue sombra visvel num tecido orgnico, aprendem em dura escola quantas vezes ver crer e como importante, portanto, manter flexveis as hipteses de trabalho. O

47

aficionado da arte adota a atitude oposta. A no ser que se trate de um restaurador, pode passar a vida sem perceber at que ponto os quadros de que gosta esto cruzados por traos subjetivos de sua prpria fabricao. Se ele algum dia devesse despi-los dessas projees, talvez dele s restasse uma ossatura sem sentido.

Neste caso, estar diante de uma perspectiva que, alm da cultura

externa com imagens difundidas e reconhecidas, tambm interna e se vale

do repertrio do espectador que completa as imagens com sua prpria

experincia trazendo uma perspectiva pessoal da representao.

A equiparao da maneira pela qual as coisas so representadas com a maneira pela qual so vistas , certamente, enganadora. Nenhuma criana v sua me como a desenha, isto , em termos rudes, esquemticos. Mas h outras falhas nessa histria aparentemente to bem arrumada. A que mais se discute o fato constrangedor de que os artistas pr-histricos sabiam como representar animais convincentemente pelo menos para ns, que s raramente estamos familiarizados com bises. Mas vimos que, em todos os estilos, o artista se vale de um vocabulrio de formas e que o conhecimento desse vocabulrio, mais do que um conhecimento das coisas que distingue o artista do perito inbil (GOMBRICH, 2007, p. 247).

Quando analisados pelas culturas da contemporaneidade, os conjuntos

grficos podem ter fora de ressignificao onde a temtica da pictografia entra

em questes socioculturais do espectador, e sua identificao cria outra

significao. As mudanas podem ser caracterizadas e apreciadas de maneiras

diferentes por diversas culturas, identificando nos elementos representados

significados totalmente novos.

Um exemplo contemporneo acontece com o emoticon (juno das

palavras em ingls emotion e icon). O emoticon, muito utilizado para a

comunicao de textos em meio eletrnico, usado para expressar a inteno

em um formato grfico inserido muitas vezes dentro do contexto de um texto

escrito.

Primeiramente usado em 1982, o emoticon foi uma ideia proposta pelo

professor Scott Fahlman, da Universidade Carnegie Mellon (Pittsburgh, EUA),

para diferenciar o uso de e-mails srios para os quem continham alguma piada.

O e-mail continha o seguinte contedo:

48

Proponho a seguinte sequncia de caracteres para os marcadores de

piada: :-) Leia-o de lado.18

O e-mail acabou se espalhando para outras universidades e laboratrios

e em poucos meses tornou-se um item bastante conhecido no meio

acadmico. Posteriormente, com o crescimento da internet, o emoticon foi

adotado em e-mails, salas de bate-papo e comunicadores instantneos19 como

ICQ, MSN e, em seguida, para a troca de mensagens em celulares.

Incialmente os emoticons possuam apenas a representao grfica do

prprio texto mas, com o tempo, os caracteres foram incorporando imagens

grficas em sua representao e se diversificando de vrias maneiras. Essas

figuras so chamadas de emojis. A palavra surgiu a partir das expresses em

japons e de imagem e moji de personagem, nome dado pelo seu criador

Shigetaka Kurita que, em 1995, decidiu inclu-los em pagers da companhia que

trabalhava, a NTT DoComo, para atrair o pblico adolescente. O significado em

portugus de emoji, no por coincidncia, pictograma.

Os emojis usam as formas dos emoticons, porm suas verses so em

imagens grficas.

Figura 21 emoticon e emoji

Este tipo de maneira grfica de uso dentro de um texto nem sempre

bem sucedida, levando em conta a inteno inicial e o uso que as pessoas

18

http://www.independent.co.uk/life-style/gadgets-and-tech/news/happy-30th-birthday-emoticon-8120158.html. Acesso em: 28/09/2015

19 O comunicador instantneo so programas que permitem o envio e recebimento de

mensagens de texto em tempo real.

49

fazem. Um exemplo de representao de emoji confusa a imagem grfica de

duas mos unidas (figura 22) presente nos aparelhos da Apple.

Figura 22 Emoticon high five ou mos juntas em orao.

As pessoas ficaram em dvida se a imagem representaria o gesto high

five ou se era mos juntas em orao.

O high five um gesto presente em diversas culturas, mas muito comum

nos Estados Unidos. Ocorre quando duas pessoas tocam suas mo no alto

simbolizando uma comemorao, um cumprimento amigvel ou uma

manifestao de alegria.

O emoji confundiu as pessoas a ponto de algumas defenderem o high

five e outras as mos em orao. Dentro do aparelho a representao est

indicada como mos juntas em orao, mas a controvrsia foi tanta que

chegou a ser matria de noticirios de telejornal, onde as pessoas afirmavam

que se tratava de mos em orao, pois os polegares da imagem estavam no

mesmo lado e a cor da manga da camisa representada era igual.20

A polmica foi criada pois cada pessoa dava um uso diferenciado para o

emoji. O dicionrio online de significados de emojis, o emojipedia, classifica

essa imagem como mos em orao, high five, pedido de por favor e

obrigado21 com base nas diversas formas em que utilizada.

Nesse caso, a forma de expresso contempornea acabou por ser

utilizada de diversas maneiras. O vocabulrio prprio de representao de

cada pessoa criou identidades e fez dela mltiplos usos preenchendo as

lacunas por meio de interpretaes culturais e vocabulrios prprios,

20

http://6abc.com/society/video-controversy-brews-over-emoji/229620/ acesso em: 30/09/2015

21 http://emojipedia.org/person-with-folded-hands/ acesso em: 30/09/2015

50

constituindo a percepo. A percepo depende essencialmente da

interpretao do quem est vendo, veiculada aos estmulos, aos aparelhos

fisiolgicos e s sensaes.

O estmulo fsico sozinho ou somente os aparelhos fisiolgicos no podem determinar a percepo, pois o que se chama percepo depende essencialmente da interpretao que faz o observador. Ao mesmo tempo, a percepo depende deste estmulo fsico e deste aparelho fisiolgico para acontecer, ou seja, a interpretao est tambm veiculada aos estmulos e sensaes. (...) A diferena est justamente na percepo, que, por sua vez, mais complexa por depender a interpretao baseada nas experincias sensrias vivenciadas diferentemente pelos indivduos, s quais se chama cultura (SILVEIRA, 2011, p. 124-125).

Relaes pessoais de religiosidade, ou a falta delas tambm, so os

pontos que criam o momento de iluso. Assim, o carter de iluso difcil de

escrever e pode variar de pessoa para pessoa (GOMBRICH, 1997, p. 197).

A interpretao relaciona uma experincia pessoal, um conhecimento

adquirido, percebido automaticamente dentro do contexto cultural. Todas as

Relaes lgicas que uma pessoa traduz sem se dar conta, interpretando e

codificando uma mensagem.

1.5. A nitidez do que no se v

A imagem, quando representada, por mais concreta que possa parecer,

ainda no o objeto real em si. comum identificarmos uma imagem como um

elemento que est representado mas, a partir do momento em que so

concebidas, so apenas idealizaes de algo que se pretende criar na mente

de quem as observa. Elas possuem a fora de informar e modificar ambientes,

complementar histrias, lugares e cunhar pensamentos. Por meio de um

quadro ou um pster, por exemplo, pode-se fabricar uma situao ou um

evento, como comenta Flusser (1985, p. 7):

O carter mgico das imagens essencial para a compreenso das suas mensagens. Imagens so cdigos que traduzem eventos em situaes, processos em cenas. No que as imagens eternalizem eventos; elas substituem eventos por cenas. E tal poder mgico, inerente estruturao plana da

51

imagem, domina a dialtica interna da imagem, prpria a toda mediao, e nela se manifesta de forma incomparvel.

A caracterstica ilusria presente em todas as imagens dialoga com as

relaes perceptivas do ser humano e sua forma de compreenso, um conjunto

de aparncias isoladas que assinala um modo de enxergar algo.

Uma imagem uma vista que foi recriada ou reproduzida. uma aparncia, ou um conjunto de aparncias, que foi isolada do local e do tempo em que primeiro se deu o seu aparecimento, e conservada por alguns momentos ou por uns sculos. Todas as imagens corporizam um modo de ver (BERGER, 1972, p. 14).

Olhando para o artista belga Ren Magritte em seu quadro A Traio

das Imagens (em francs, La trahison des images) de 1929 (figura 23),

notamos a ideia entre objeto e representao. Exibindo em seu quadro a

pintura de um cachimbo acompanhada da descrio Ceci n'est pas une pipe,

em portugus Isto no um cachimbo, o artista nega veementemente a

imagem que acabou de apresentar.

Figura 23 Ren Magritte (1929), La trahison des images

52

Inicialmente, a premissa da pintura parece ser bastante simples com a

leitura de algo que no algo. Mas a ideia de que a pintura de um cachimbo

no de fato um cachimbo de verdade o ponto da questo apresentada. No

possvel fumar o cachimbo da pintura, nem ao menos sentir a textura da

madeira, nem muito menos acend-lo, portanto, estamos diante apenas de

uma representao de algo que possui outra funo bem diferenciada do que a

daquilo que representa.

A imagem em si, no possui todos os elementos nem as funcionalidades

do objeto real, mas representada com certo grau de informaes a ponto de

ser identificada, ou seja, faz parte de um esquema de estilizao. A estilizao

o resultado da abstrao da figura, que permite retirar um sentido da imagem

reconstruindo as quatro dimenses do objeto em relaes planificadas de

representao, como afirma Flusser (1985, p. 7):

Imagens so superfcies que pretendem representar algo. Na maioria dos casos, algo que se encontra l fora no espao e no tempo. As imagens so, portanto, resultado do esforo de se abstrair duas das quatro dimenses espao-temporais, para que se conservem apenas as dimenses do plano. Devem sua origem capacidade de abstrao especfica que podemos chamar de imaginao. No entanto, a imaginao tem dois aspectos: se de um lado permite abstrair duas dimenses dos fenmenos, de outro permite reconstituir as duas dimenses abstradas na imagem. Em outros termos: imaginao a capacidade de codificar fenmenos de quatro dimenses em smbolos planos e decodificar as mensagens assim codificadas. Imaginao a capacidade de fazer e decifrar imagens.

Toda imagem, por mais cheia de detalhes que possa ser concebida,

ainda possui relaes estilizadas. Por meio desse pensamento podemos

afirmar que toda pictografia vem de um processo de estilizao e abstrao. A

estilizao simplifica a forma, sem que de fato seja retirado seu contedo

dedutvel, focando alguns detalhes que, apesar de torn-la diferente da

imagem representada, proporciona elementos importantes para a identificao

do objeto.

Uma estilizao, por mais simplificada que possa parecer, ainda d

pistas do que significa aquela imagem. Um exemplo exagerado disso pode ser

53

encontrado nas imagens fixadas em banheiros que identificam se ele

masculino ou feminino. Mais ou menos como um desenho de boneco palito,

eles representam formas rudimentares da anatomia de um ser humano, onde a

cabea representada apenas por um crculo e o corpo por linhas retas que

indicam braos, pernas e torso (figura 24).

Figura 24 Placas indicativas de banheiro masculino e feminino

O esquema rudimentar da imagem no demonstra expresses, cabelos,

mos ou muitas das afinidades que poderamos encontrar dentro de um

universo da representao humana de uma relao se vale tambm de trazer

ao universo representativo bidimensional da criao de uma imagem fatores

que identificam melhor o que ser representado. No caso das imagens do

homem e da mulher em questo, apesar de eles no possurem itens como

os descritos acima, eles possuem cabea, braos, tronco e pernas com certa

relao de proporcionalidade e semelhana ao do ser humano, o que facilita a

leitura e a identificao. Essa mmese tem a exposio das maiores

caractersticas distintivas de um objeto a ser representado. Essas formas

particulares caracterizam uma imagem, criando uma relao ntida invisvel a

quem v.

54

Uma moeda no mais real quando vista de cima do que quando vista de lado. Mas acontece que a vista frontal nos das maiores informaes. esse aspecto, que chamamos de forma caracterstica do objeto (), que expe a maior parte das caractersticas distint