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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
Maria Roslia Pinfildi Gomes
DESENVOLVIMENTO ECONMICO E BIOSSEGURANA: UMA ANLISE
CRTICA TICA, JURDICA, ECONMICA E SOCIAL DA UTILIZAO DOS
ORGANISMOS GENETICAMENTE MODIFICADOS
So Paulo 2008
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Maria Roslia Pinfildi Gomes
DESENVOLVIMENTO ECONMICO E BIOSSEGURANA: UMA ANLISE
CRTICA TICA, JURDICA, ECONMICA E SOCIAL DA UTILIZAO DOS
ORGANISMOS GENETICAMENTE MODIFICADOS
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Direito Poltico e Econmico da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial obteno do ttulo de Mestre em Direito Poltico e Econmico. Orientador: Prof. Dr. Fabiano Dolenc Del Masso
So Paulo 2008
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Gomes, Maria Roslia Pinfildi. Desenvolvimento Econmico e Biossegurana: uma anlise crtica tica, jurdica, econmica
e social da utilizao dos Organismos Geneticamente Modificados /Maria Roslia Pinfildi Gomes. 2008.
309 f.: il. ; 30 cm.
Dissertao (Mestrado em Direito Poltico e Econmico) Universidade Presbiteriana Mackenzie, So Paulo, 2008.
Bibliografia: f. 204-218.
1. Transgnicos Direito de Propriedade intelectual. 2. tica. 3. Poder Econmico. 4. Limites Jurdicos.
MARIA ROSLIA PINFILDI GOMES
DESENVOLVIMENTO ECONMICO E BIOSSEGURANA: UMA ANLISE
CRTICA TICA, JURDICA, ECONMICA E SOCIAL DA UTILIZAO DOS
ORGANISMOS GENETICAMENTE MODIFICADOS
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Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Direito Poltico e Econmico da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial obteno do ttulo de Mestre em Direito Poltico e Econmico
Aprovada em
Banca Examinadora
Prof. Dr. Fabiano Dolenc Del Masso Orientador Universidade Presbiteriana Mackenzie
Prof. Dr. Vicente Bagnoli Universidade Presbiteriana Mackenzie
Prof. Dr. Rubens Beak Universidade de So Paulo - USP
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DEDICATRIA
Ao meu pai, Desembargador Geraldo Gomes, in memorian, pelo amor, pela retido e exemplo de vida, motivo de eterno orgulho.
A minha me, Thereza Pinfildi Gomes, pelo amor incondicional e dedicao de todas as horas.
Aos meus filhos amados, Arthur e Carolina, diamantes brutos que Deus me confiou, e que representam verdadeiras ncoras, na plenitude da minha
jornada.
Finalmente, dedico este trabalho, tambm, a algum que no existia na minha vida ao iniciar esta empreitada acadmica, mas que foi de fundamental importncia para o seu florescimento, nos moldes em que se deu, realando que quaisquer palavras que eu pudesse mencionar aqui, no simbolizariam tudo; entretanto, quero registrar: nunca cessei de aludir s inspiraes que me despertou, e s correspondncias de nosso mundo. E nisto estou de acordo com minha maneira de pensar em smbolos; exatamente porque as coisas do mundo invisvel me atraem mais do que aquelas da vida concreta, por isso voc deve saber perfeitamente que, por seu intermdio e generosidade pude perceber a manifestao de uma divindade e da concepo neoplatnica do Amor (grafado em letra maiscula, bem na forma Renascentista): em Ibn Arab ela era a Sophia terna, para Dante e seus companheiros, Madonna Intelligenza , reveladas sob a forma de Nizm e Beatriz, para mim Tiago Reis, e os efeitos dessa experincia de vida nova em mim, foram muito bem descritos por Maud Bodkin:
A sensao de iluminao e preenchimento que ocorre
igualmente no amante, no poeta, no mstico filosfico ou
religioso, parece fornecer os indcios que nos torna
inteligvel a representao do poeta da transio que vai do
amor alegre, atravs de dor e da frustrao, ao xtase
espiritual, como contnuo - um processo de alguma forma
necessrio e internamente determinado. O ceticismo de
nosso tempo, em contraste com a f da era de Dante, pode
rejeitar como incorreto o sistema de pensamento pelo qual
o telogo buscou provar como corretas as intuies do
xtase religioso; mas a figura da Dama, ao mesmo tempo
companheira humana e guia divino, atravs da qual o
sentimento do poeta achou expresso, retm sua
significncia como leal a um padro realizado novamente
dentro da experincia emocional de toda poca.
E isso voc me ensinou a descobrir.
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AGRADECIMENTOS
O presente trabalho resultado de mais de dez anos de estudo, os quais se iniciaram na
troca de idias com meu pai, Desembargador Geraldo Gomes, magistrado paulista e jurista
especialista na rea criminal entorpecentes que possua formao profundamente
humanista, e maior responsvel pelo fascnio que os temas das humanidades e cincias sociais
representam em minha vida, bem como pelo meu entusiasmo com o magistrio, com a
pesquisa cientfica, e, fundamentalmente, com a busca incondicional pela verdade.
Assim como em qualquer obra que represente longos anos de estudo, impossvel citar
a contribuio de todos os colaboradores, quer sejam familiares ou amigos.
Todavia, algumas dessas contribuies foram to importantes que no podem ser
esquecidas.
Sinto-me muito grata aos professores da ps-graduao Ari Marcelo Slon, Alysson
Leandro Mascaro, Gabriel Chalita, Mrcia Cristina de Souza Alvim, Hlcio Ribeiro, Gilberto
Bercovici, e Jos Francisco Siqueira Neto, com os quais compartilho os horizontes de um
mundo mais justo, e que fomentaram, no meu ntimo, o desejo infinito de buscar o
conhecimento sobre a formao do homem grego, sobre filosofia, pedagogia, sociologia,
poltica, economia, alm de muitas outras matrias.
Ao querido amigo, e eterno Mestre, Professor Jos Roberto Fernandes, que
encaminhou meus primeiros passos rumo cincia social e poltica, apresentando-me as obras
de Max Weber, e que, mais do que isso, procurou transmitir-me a alma da cincia, um
simples agradecimento no bastaria, por isso, mais do que simplesmente agradecer rogo ao
Universo que verdadeiramente o proteja.
Contudo, a maior dvida de gratido , sem dvida alguma, para com meu orientador,
Professor Doutor Fabiano Dolenc Del Masso, ser humano admirvel, por ter me ensinado
tantas coisas, no apenas sobre o Desenvolvimento das Novas Tecnologias e sobre o Direito
Marcrio, mas, antes e acima de tudo, por tanto me ensinar a respeito da docncia, e da vida
acadmica, ensinamentos estes que me beneficiaram enormemente.
Muito obrigada pela dedicao e tempo gastos, sempre visando, no apenas o meu
xito pessoal na concluso desta dissertao de Mestrado, mas, fundamentalmente, visando o
meu verdadeiro crescimento humano, intelectual e enriquecimento profissional, embasados
em terreno slido o suficiente para que eu no desista com o aparecimento dos inevitveis
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obstculos. Finalmente, agradeo Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel
Superior (CAPES), pelo incentivo e apoio financeiro concedidos.
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Se enxerguei mais longe do que outros, foi apenas porque
me apoiei nos ombros de gigantes
Isaac Newton
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No momento atual, as prticas de controle da natureza
esto nas mos do neoliberalismo e, assim, servem a
determinados valores e no a outros. Servem ao individualismo
em vez de solidariedade; propriedade particular e ao lucro
em vez de aos bens sociais; ao mercado em vez de ao bem estar
de todas as pessoas; utilidade em vez de ao fortalecimento da
pluralidade de valores; liberdade individual e eficcia
econmica em vez de libertao humana; aos interesses dos
ricos em vez de aos direitos dos pobres; democracia formal
em vez de democracia participativa; aos direitos civis e
polticos sem qualquer relao dialtica com os direitos sociais,
econmicos e culturais.
(Hugh Lacey, Valores e atividade cientfica, p. 32).
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RESUMO
Freqentemente recorre-se cincia para legitimar a prioridade atribuda Biotecnologia e proteo privilegiada concedida aos direitos de propriedade intelectual que lhe so conferidos. Com isso h uma tendncia a aceitar, como pressuposto, que o futuro dever ser, e ser modelado pelos avanos biotecnolgicos. Por isso, qualquer crtica ao desenvolvimento de novas tecnologias parece constituir uma oposio ao desdobrar do futuro e prpria cincia. Na presente dissertao pretende-se questionar que valores informam a cincia, j que ela que define a rota, restando economia global fornecer as estruturas para sua efetiva implementao. Parece estar ocorrendo uma corrida visando legitimao do desenvolvimento e emprego de Organismos Geneticamente Modificados (OGMs) na autoridade e prestgio da cincia, contudo, a cincia no autoriza tal legitimao. Ao contrrio, os Organismos Geneticamente Modificados que prometem uma revoluo agrcola -, trazem a marca da economia poltica da globalizao, haja vista que seu desenvolvimento tem sido tomado, como um objetivo da economia neoliberal global, bem como um meio de fortalecer suas estruturas.
PALAVRAS-CHAVE: Filosofia do Direito, Poltica Econmica, Filosofia Social, Filosofia da Economia, Filosofia da Liberdade, Biossegurana, Biotecnologia, Alimentos Transgnicos, Desenvolvimento Econmico.
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ABSTRACT
One frequently resorts to science to legitimize the primacy attributed to Biotechnology and to the privileged protection granted to the rights of intellectual property that are conferred on it. Therewith, there is a tendency to accept, as a presupposition, that the future must and will be shaped by the biotechnological advances. Therefore, any criticism to the development of new technologies seems to constitute an opposition to the unfolding of the future and to science itself. In this dissertation we intend to inquire what values inform science, since it sets the course of this development, remaining for the global economy the role of providing the structures to its effective implementation. There seems to be a race towards the legitimization, founded on the authority and prestige of science, of the development and use of Genetically Modified Organisms (GMOs); science, however, does not authorize such legitimization. On the contrary, the Genetically Modified Organisms which promise an agricultural revolution bear the mark of the political economy of globalization, given that its development has been taken as an objective of the global neoliberal economy, as well as a means of strengthening its structures. KEY-WORDS: Philosophy of Right, Political Economy, Social Philosophy, Philosophy of Economics, Philosophy of Freedom, Biotechnology, Transgenic Food.
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SUMRIO
INTRODUO............................................................................................................ 12 O MTODO.................................................................................................................. 14 DA INTERDISCIPLINARIDADE............................................................................... 17 CAPTULO I A PRODUO TECNOLGICA COMO FONTE DE
PODER E CONTROLE.............................................................................................. 23 1.1 NOES GERAIS SOBRE O TEMA: O QUE SO OGMs E COMO SE DESENVOLVEM. INVESTIGAO CRTICA DOS RISCOS E EFEITOS SOCIAIS NO DESENVOLVIMENTO DESSAS NOVAS TECNOLOGIAS............. 23 1.2 CONTESTAO DA PRETENSO DA CINCIA DE SE CONSTITUIR EM PARADIGMA DE RACIONALIDADE: A TEORIA DE HUGH LACEY.......... 62 1.3 CONTRADIO ENTRE A TESE DO RACIONLISMO CIENTIFICISTA E DO RELATIVISMO PS-MODERNO........................................................................ 64 1.4 CRITRIO DE ESCOLHA DE UMA, DENTRE OUTRAS TEORIAS RIVAIS.......................................................................................................................... 66 1.5 POSTURA CRTICA EM RELAO PRPRIA CINCIA......................... 73 1.6 A DICOTOMIA FUNDAMENTAL ENTRE VALORES COGNITIVOS E VALORES NO COGNITIVOS (SOCIAIS OU MORAIS) E A INVESTIGAO CRTICA DOS EFEITOS SOCIAIS DAS NOVAS TECNOLOGIAS........................ 79 1.7 CINCIA A SERVIO DA TENOLOGIA: A PRTICA DO CONTROLE DA NATUREZA........................................................................................................... 80 1.8 A LEGITIMIDADE DA UTILIZAO DOS OGMs DENTRE ALTERNATIVAS POSSVEIS E A NECESSIDADE DE PRECAUES EM SUA UTILIZAO...................................................................................................... 81 1.9 OS REFLEXOS DA DOMINAO PELA ATITUDE MODERNA DO RECONHECIMENTO CIENTFICO DA SUPREMACIA DE TAL TECNOLOGIA. (UM DILOGO SOBRE CINCIA E TCNICA COM HEIDEGGER)............................................................................................................... 82 1.10 LIMITES MORAIS, TICOS E SOCIAIS AO DIREITO DE PROPRIEDADE INTELECTUAL DAS OGMs (UMA CONTRIBUIO DE JRGEN HABERMAS E HANS JONAS COM O QUE CHAMOU PRINCPIO RESPONSABILIDADE)............................................................................................. 95 CAPTULO II EXTENSO DO DIREITO DE PROPRIEDADE
TECNOLOGIA OGM................................................................................................. 107 2.1 A CONCESSO SELETIVA DE DIREITOS DE PROPRIEDADE INTELECTUAL AOS OGMs....................................................................................... 107 2.2 A SUJEIO DA SOCIEDADE A ABUSOS CRIADOS PELO SISTEMA DE NO-CONCORRNCIA EFETIVADO PELO RECONHECIMENTO DO DIREITO DE PROPRIEDADE INTELECTUAL AOS OGMs................................... 116 2.3 CONSEQENCIAS DA EXTENSO DO DIREITO DE PROPRIEDADE INTELECTUAL S NOVAS TECNOLOGIAS (SEMENTES TRANSGNICAS E FRMACOS)................................................................................................................ 126 CAPTULO III DESENVOLVIMENTO ECONMICO E
BIOSSEGURANA.................................................................................................... 132 3.1 TEORIA DO DESENVOLVIMENTO ECONMICO: SHUMPETER E AMARTYA SEN: UM DILOGO POSSVEL?......................................................... 132
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3.2 A TENSO CENTRAL: O PRIVILGIO DE EXPLORAO MONOPOLSTICA COMO EXCEO RADICAL AO REGIME DA LIVRE INICIATIVA: UMA CONTRIBUIO DE DENIS BORGES BARBOSA............... 150 3.3 A CONSTITUIO DOS DIREITOS ECONMICOS: UMA CONTRIBUIO DE CANOTILHO E A PONDERAO DOS PRINCPIOS CONSTITUCIONAIS PERTINENTS. A NECESSIDADE DE UM NOVO ENQUADRAMENTO LEGAL VISANDO PROTEO DE DIREITOS INTELECTUAIS COLETIVOS.................................................................................. 156 3.4 A NO-INTERAO ENTRE DIREITO E ECONOMIA: QUE MECANISMOS PODEM FACILITAR A AGREGAO DE DIREITOS? O PODER ECONMICO MODELANDO O ESTADO. SERIA VIVEL FALARMOS EM UMA TECNOLOGIA SOCIALISTA?........................................ 177 3.5 PARA UMA TECNOLOGIA SOCIALISTA...................................................... 179 CONCLUSO.............................................................................................................. 195 BIBLIOGRAFIA......................................................................................................... 204 GLOSSRIO................................................................................................................ 219 APNDICE A............................................................................................................... 222 APNDICE B............................................................................................................... 301 APNDICE C............................................................................................................... 306
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INTRODUO
Freqentemente, recorre-se cincia para legitimar a prioridade atribuda biotecnologia e proteo
privilegiada concedida aos direitos de propriedade intelectual que lhe so conferidos.
Com isso, h uma tendncia a aceitar, como pressuposto, que o futuro dever ser e ser modelado
pelos avanos biotecnolgicos.
Por isso, qualquer crtica ao desenvolvimento de novas tecnologias parece constituir uma oposio ao
desdobrar do futuro e prpria cincia.
Na presente dissertao, pretende-se questionar quais valores informam a cincia, j que a economia
global que define a rota, restando cincia fornecer as estruturas para sua efetiva implementao.
Parece estar ocorrendo uma corrida visando a legitimao do desenvolvimento e o emprego de
Organismos Geneticamente Modificados (doravante denominados de OGMs) na autoridade e prestgio da
cincia; contudo, a cincia no autoriza tal legitimao.
Ao contrrio, os OGMs que prometem uma revoluo agrcola trazem a marca da economia
poltica da globalizao, haja vista que seu desenvolvimento tem sido considerado um objetivo da economia
neoliberal global, bem como um meio de fortalecer suas estruturas.
Ser que, realmente, no h outro caminho para fornecer o necessrio para alimentar a crescente
populao mundial e ser que os OGMs realmente conseguiriam isso?
H pensamentos crticos em muitos sentidos, e podemos agreg-los da seguinte forma:
a) alguns rejeitam cabalmente a utilizao desse tipo de tecnologia ou mostram-se apreensivos diante
da violao da natureza;
b) outros exigem medidas de precauo luz dos riscos ambientais e para a sade humana,
salientando a inadequao dos procedimentos de avaliao de riscos, questes sobre a liberdade de escolha dos
consumidores e problemas na rotulagem de tais produtos, argumentando, finalmente, com a ameaa
biodiversidade, o perigo de monoplio de alimentos pelas empresas multinacionais e, ainda, o solapamento
potencial das condies necessrias agricultura orgnica;
c) h tambm os que criticam o uso corrente de OGMs em decorrncia do lucro empresarial descabido
alcanado por meio da utilizao de tal tcnica, embora apiem a pesquisa e o desenvolvimento, condicionando
tal objetivo ao de ajudar os povos de pases empobrecidos (na produo, por exemplo, de arroz enriquecido com
multivitaminas);
d) pensam outros que o risco que envolve os OGMs seria motivo suficiente para que se abandonasse
todo e qualquer empreendimento nesse sentido;
e) h ainda os que questionam o projeto de globalizao e esto envolvidos tanto na pesquisa quanto
na luta poltica para tornar viveis mtodos alternativos de agricultura.
Nosso trabalho procurar no perder de vista que a fome persiste ainda hoje e que produzir alimentos
suficientes para alimentar a todos como preleciona Hugh Lacey, em seu estudo As sementes e o
conhecimento que elas incorporam1 no significa que todos sero alimentados, j que sermos todos alimentados
depende no apenas da produo de alimentos em quantidade suficiente, mas tambm de que as pessoas tenham
1 Estudo que faz parte da obra de Lacey, Hugh. Valores e atividade cientfica. So Paulo: Discurso, 1998.
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acesso a eles; e, para as pessoas que no participam de comunidades agrcolas produtivas, isso significa ter de
compr-los.
Nessa perspectiva, aps breves consideraes sobre o mtodo por ns utilizado e o fator
interdisciplinar do tema, iniciaremos o captulo I, que versar sobre informaes gerais sobre OGMs (o que so e
como se desenvolvem); informaes sobre o nvel relativo de riscos das decises governamentais; a legitimidade
da utilizao dos OGMs dentre alternativas possveis; a necessidade de precaues em sua utilizao; os reflexos
da dominao pela atitude moderna de reconhecimento cientfico da supremacia de tal tecnologia.
Ainda nesse captulo, discorreremos sobre a contestao da pretenso da cincia de se constituir
paradigma de racionalidade, apresentando a teoria desenvolvida por Hugh Lacey; a contradio entre a tese do
racionalismo cientificista e do relativismo ps-moderno; o critrio de escolha de uma dentre outras teorias rivais;
a postura crtica em relao prpria cincia; a dicotomia fundamental entre valores cognitivos e valores no
cognitivos (sociais ou morais) e a investigao crtica dos efeitos sociais das novas tecnologias; sobre a cincia
encontrar-se no momento atual a servio da tecnologia, resultando na prtica do controle da natureza (Heidegger
e Lacey: um possvel dilogo?), e, finalmente, apresentaremos os limites morais, ticos e sociais ao Direito de
Propriedade Intelectual dos OGMs.
O captulo II dar destaque s questes relacionadas tenso central: a extenso do direito de
propriedade tecnologia OGM e suas conseqncias; o privilgio de explorao monopolstica como exceo
radical ao regime da livre iniciativa; a sujeio da sociedade a abusos criados pelo sistema de no-concorrncia
efetivado pelo reconhecimento de patentes dos OGMs e, por fim, apresentaremos a tenso central do privilgio
de explorao monopolstica como exceo radical ao regime de livre iniciativa (uma contribuio de Denis
Borges Barbosa).
O captulo III trar informaes sobre a no-interao entre Direito e Economia (bem como os
mecanismos que poderiam facilitar a agregao de direitos), analisando brevemente a Teoria do
Desenvolvimento Econmico de Shumpeter, num possvel dilogo com as idias desenvolvidas por Amartya
Sen.
Procuramos estabelecer uma ponderao entre os Princpios Constitucionais pertinentes (alimento e
ambiente saudveis enquanto direito sociais e a liberdade da pesquisa cientfica) e tambm utilizamos a
contribuio de Canotilho visando a anlise da constituio dos Direitos Econmicos e dos desafios metdicos e
metodolgicos sustentabilidade normativa do Estado Social (a direo por intermdio do Direito).
Na fase conclusiva do presente estudo, consideramos o que para ns constituiria o progresso genuno,
sugerindo e abrindo propostas viabilidade do desenvolvimento de uma tecnologia verdadeiramente socialista.
O MTODO
O mtodo que aqui se pretende o da cosmoviso goethiana, ou seja, utilizar a cincia de Goethe
segundo o mtodo de Schiller que nos apresentado por Rudolf Steiner.2
2 Steiner, Rudolf, 1861-1925. O mtodo cognitivo de Goethe: linhas bsicas para uma gnosiologia da cosmoviso goethiana. Traduo de Bruno Callegaro e Jacira Cardoso. 2. ed. atual. So Paulo: Antroposfiica, 2004.
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Chega-se a dizer, conforme adverte Rudolf Steiner, autor que estudou profundamente a obra goethiana
em decorrncia de sua participao no corpo editorial da Deutsche National-Litteratur (Bibliografia Nacional
Alem) organizada por Joseph Krschener a partir de 1882, que Goethe teve muito pouco senso cientfico, que
foi tanto o pior filsofo quanto o melhor poeta; por isso seria impossvel basear nele uma posio cientfica.3
Certamente, Goethe no foi um filsofo no sentido habitual da palavra; contudo, a maravilhosa
harmonia de sua personalidade levou Schiller seguinte expresso: O poeta o nico homem verdadeiro.
O que Schiller entendia por homem verdadeiro, esse era Goethe, j que em sua personalidade no
faltava nenhum elemento pertinente mais elevada cunhagem do carter humano universal; nele, porm,
conforme realado por Steiner, todos esses elementos se unificaram formando uma totalidade ativa em si.
isso que permite que os pontos de vista de Goethe sobre a natureza se baseiem num profundo
sentido filosfico, embora esse sentido no venha sua conscincia sob forma de sentenas cientficas definidas.
Quem procurar se aprofundar nessa totalidade conseguir, caso possua disposies filosficas,
compreender esse sentido filosfico e apresent-lo como cincia goethiana, porm, dever partir de Goethe e no
abord-lo como uma opinio pronta, conforme recomendado pela tutoria de Steiner.
Embora Goethe no nos tenha legado um todo sistemtico, suas foras espirituais sempre atuam da
maneira adequada mais rigorosa filosofia, sendo sua cosmoviso4 multifacetada.
Goethe empresta do mundo exterior o modo de observao e no o impe, diferentemente do pensar
de muitas pessoas, que s eficaz de uma determinada maneira, servindo apenas para uma espcie de objetos,
no sendo unitrio como o de Goethe, mas sim uniforme.5
Ento, elucida Steiner, se uma tal concepo unilateral se confrontar com a de Goethe que
ilimitada por no extrair o modo de observar da mente do observador, mas da natureza do observado ,
compreensvel que essa concepo se apegue aos elementos pensamentais que, na viso de Goethe, lhe
correspondem.
Encerra, portanto, a cosmoviso goethiana, justamente no sentido indicado, vrias direes de
pensamento, ao passo que no pode ser impregnada por nenhuma concepo unilateral.
Muito embora Goethe estivesse longe de apresentar de forma conceitualmente clara o que esse sentido
lhe transmitia, como Schiller era capaz de fazer, para ambos, esse sentido um fator que colabora em suas
respectivas criaes artsticas, no se podendo pensar nas produes poticas de ambos sem a cosmoviso
situada por trs delas, com a diferena de que, para Schiller, importavam mais seus princpios realmente
cultivados, enquanto, para Goethe, o modo de sua contemplao.
O fato de os maiores poetas da nao alem no terem podido passar sem esse elemento filosfico no
ponto mais alto de sua criao garante, mais do que todo o resto, que esse elemento seja um elo necessrio na
histria evolutiva da humanidade.
3 Ibid., p. 26. 4 Cosmoviso o termo utilizado inmeras vezes por Rudolf Steiner, na obra retrocitada, para significar que Goethe parte de um centro situado na natureza unitria do poeta e sempre mostra a face que corresponde natureza do objeto contemplado. O carter unitrio da atividade das foras espirituais reside na natureza de Goethe, sendo que o respectivo modo dessa atividade determinado pelo objeto em questo. 5 H pessoas cuja inteligncia particularmente adequada para pensar dependncias e efeitos puramente mecnicos; elas imaginam todo o Universo como um mecanismo. Outras tm o impulso de perceber em toda parte o elemento misterioso e mstico do mundo exterior, tornando-se adeptos do misticismo, sendo que todo erro surge por se declarar um modo de pensar, conquanto plenamente vlido para uma espcie de objeto, como sendo universal, e assim se explica o conflito entre as vrias cosmovises.
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Pensamos, ento, que justamente a relao com Goethe e Schiller que possibilitar arrancar nossa
cincia central de sua solido de ctedra e incorpor-la restante evoluo cultural, haja vista que as convices
cientficas de nossos clssicos ligam-se, com milhares de fios condutores, a seus demais empenhos, sendo de tal
ordem que acabam sendo exigidas pela poca cultural que as criaram.
Com o que expusemos at agora, vamos determinar a direo a ser tomada pelas pesquisas aqui
desenvolvidas, as quais devero seguir uma evoluo daquilo que em Goethe se validou como sentido cientfico:
uma interpretao de sua maneira de contemplar o mundo, deixando absolutamente claro que o fato de tomarmos
nosso ponto de partida em Goethe no deve nos impedir de, com a fundamentao do ponto de vista que
representamos, faz-lo to seriamente quanto o fazem os representantes de uma cincia6 pretensamente livre de
premissas.
Isso significa dizer que representamos a cosmoviso goethiana, contudo, fundamentamo-la segundo as
exigncias da cincia, pensando, desse modo, tornar os esforos cientficos de Goethe e Schiller frutferos para a
atualidade, e justamente de acordo com a designao cientfica habitual que nosso trabalho dever ser
concebido como teoria do conhecimento.
Agora, ento, passaremos a abordar as questes bsicas de uma cincia cognitiva correspondente a
essas observaes preliminares, mas no sem, antes, tecermos breves comentrios acerca da interdisciplinaridade
do tema apresentado.
6 As questes tratadas por Goethe, certamente, sero, em muitos pontos, de natureza diferente das que hoje, de modo quase geral, so tratadas por essa cincia, j que, onde quer que surjam pesquisas semelhantes, quase sempre elas partem de Kant, descuidando-se, os crculos cientficos, do fato de que, ao lado da cincia fundada pelo grande pensador de Knigsberg, ao menos em possibilidade, ainda existe uma outra direo, no menos capaz de um aprofundamento objetivo do que a de Kant.
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DA INTERDISCIPLINARIDADE
A complexidade e inter-relacionamento dos vrios temas tratados pelas diversas correntes de pesquisa
conduzem esta dissertao a uma proposta inovadora acerca do prprio significado e finalidade da cincia: o
estudo interdisciplinar da filosofia, da poltica, da sociologia, da economia, da tcnica e cincia biotecnolgicas
modernas, e ainda de ramo especfico do Direito (Direito de Propriedade Intelectual), bem como da participao
da sociedade brasileira nas suas contribuies construo da democracia no pas.
Essa viso de conjunto foi laboriosamente construda no contexto de nossa formao acadmica e foi
tambm nesse contexto que nos propusemos, desde o incio deste programa de ps-graduao, a considerar de
modo fecundo e interdisciplinar as diferentes contribuies terico-analticas que tanto a Economia como o
Direito podem oferecer realizao da democracia.
No exerccio da interdisciplinaridade, denominaremos os captulos que se seguem verdadeiras
interfaces temticas, esclarecendo, ainda, que essa apenas nossa prpria verso da interdisciplinaridade, que
no pretende ser nem superior nem generalizada, entre vrias outras possveis.
Essa busca interdisciplinar se tem imposto e desenvolvido ao redor de alguns temas e pesquisas,
portanto, limitamo-nos a apresentar a seguir apenas algumas de suas linhas gerais.
Quando consideramos as vrias orientaes tericas de fundo, percebemos que muitas delas so,
freqentemente, incompatveis, j que, inclusive, se apresentam como teoricamente excludentes (o que de fato
podem ser, como veremos adiante).
Contudo, quando essas orientaes divergentes so consideradas cientificamente, como aqui se
pretende fazer, considerando apenas as suas contribuies especficas aos temas tratados (inclusive os matizes
epistemolgicos que apresentam), percebemos que elas iluminam aspectos complementares da realidade, alm
de ajudarem tambm na compreenso das limitaes internas de cada abordagem terica.
Tal fato leva-nos tambm a pensar que, s vezes, temos casos de causao mltipla em situaes nas
quais h interferncias vrias que tornam difcil e muitas vezes controvertida a tarefa de estabelecer quais so as
causas principais e as melhores interpretaes de dado fenmeno.
O ponto, contudo, que queremos salientar aqui que pretendemos empreender um provvel
diagnstico inicial que possa encorajar inclusive novos estudos: trans- ou interdisciplinares, que enfatizem a
multicausalidade inerente aos processos do conhecimento.
Com este trabalho, pretendemos buscar provveis respostas que nos conduzam a uma concretizao de
igualdade da cidadania e justia no reconhecimento e respeito do direito social ao alimento sadio, alm de uma
economia solidria e sustentvel, incluindo sugestes de mudanas na legislao especfica que estabeleam
limites ao poder econmico, assim como sanes contra seu abuso.
Vemos tais sanes como indispensveis existncia e ao fortalecimento do regime democrtico
pelo exerccio da cidadania, correo da injustia e da iniqidade, no olvidando que isso tambm depender das
pessoas e grupos subordinados, que tm sido desrespeitados, e dos demais cidados que os apiam e que
levantam sua voz e suas demandas por uma nova cincia poltica econmica democrtica.
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A ttulo de nota pr-introdutria, gostaramos de enfatizar que o atual modelo de acumulao da
economia global repousa sobre a questo da proteo Propriedade Intelectual, que estabelece o controle na
utilizao de marcas e patentes.
O instituto da Propriedade Intelectual fundamenta-se na idia de que a inovao elemento essencial
do modelo shumpeteriano de destruio criativa, motor da dinmica capitalista.
Caberia a ela, ento, garantir monoplios mais longos possveis sobre novas tecnologias, produtos e
processos, de modo a estimular o investimento inovador.
Contudo, tal instrumento jurdico, que deveria por natureza proteger o inventor, dadas a alta
complexidade, a diversificao e a disperso dos elementos que compem a estruturao dos vetores
tecnolgicos a serem continuamente criados sob controle das grandes corporaes, acabou por se voltar, em
vrias circunstncias, contra o prprio inventor (criador), o que denota um comportamento paradoxal.
Tal fato tem demonstrado que, por um lado, apertam-se as exigncias de controle da Propriedade
Intelectual com a utilizao intensa das instituies Internacionais (Organizao Mundial do Comrcio, Banco
Mundial, e Fundo Monetrio Internacional); por outro lado, inicia-se o questionamento sobre o peso dos custos
envolvidos em aes defensivas dessas grandes corporaes para que evitem aes futuras, em face, inclusive,
de inventores menores, contra elas prprias.
O Direito de Propriedade Intelectual tem sido visto apenas a partir de uma lgica do capital e no
conseguiu provar ser benvolo aos demais atores do processo econmico e social.
Nesse processo hegemnico, no qual discursos e prticas induzem um sistema de naes ou culturas a
uma direo por eles desejada, mas ainda assim conseguindo eles serem percebidos como tambm buscando o
interesse geral, faz-se necessrio, na busca da construo de uma legitimidade, a capacidade de resposta dessas
naes ou culturas s mnimas demandas das outras naes ou setores, pressionados por suas prprias tenses.
O discurso hegemnico que pretendemos analisar na presente dissertao aquele que prega, como
fundamental dinmica do sistema econmico global, rigorosos dispositivos de garantia Propriedade
Intelectual mediante a proteo de patentes e marcas, pois, caso contrrio, o desestmulo inovao prejudicaria
o sistema como um todo.
Para que possamos enfrentar tal questo, ser necessrio retornar s origens do capitalismo e de como
esse sistema econmico fez da tecnocincia parte integrante da lgica do capital.
Shumpeter admite a evoluo tecnolgica como o motor indutor de um permanente impulso do
capitalismo, pela destruio criativa (cada nova tecnologia destri o valor das anteriores, criando um valor
maior e garantindo adequada acumulao e crescimento econmico).
O papel da cincia nessa dinmica capitalista seria promover um permanente estado de inovao,
sucateando e substituindo produtos, bem como criando novos hbitos de consumo.
Ao cabo do sculo XIX, os pases do capitalismo avanado desenvolveram um crescente
intervencionismo do Estado como reao defensiva para certas disfunes perigosas para o sistema e que o
ameaavam, visando tornar plausvel, diante das massas, sua prpria despolitizao (criada por conta da
necessidade do Estado de estabilizar as disfunes do sistema, fazendo com que a opinio pblica perdesse sua
funo poltica), surgindo o discurso hegemnico no qual a cincia e a tcnica assumem papel de garantidores do
progresso para todos.
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Conseqncias:
- a pesquisa industrial privada passou a predominar e fundiu-se pesquisa cientfica (at ento,
fundamentalmente, sob o comando do Estado);
- no havia mais sentido em calcular o montante de capital investido em cincia e tecnologia na base
do valor da fora de trabalho, pois o progresso tcnico-cientfico havia se transformado numa fonte independente
de mais-valia, reduzindo a importncia da mo-de-obra direta na produo.
Criadas, pois, estavam as condies necessrias para um endeusamento da tcnica que, associada
intimamente ao processo de acumulao do capital pela maximizao do retorno do investimento, gerou a
necessidade imperiosa de sistema de controle e punio que protegesse o monoplio do criador de novas
tecnologias:7 isto , a regra de patentes para a propriedade intelectual.
A orientao do capitalismo global,8 a partir das duas ltimas dcadas do sculo XX, foi no sentido de
apossamento completo dos destinos da tecnologia, orientando-a, exclusivamente, para a criao do valor
econmico.
Foi exatamente nesse cenrio que a tecnologia adquiriu autonomia dos valores ticos da sociedade,
passando a determinar os padres gerais de acumulao.
Segundo Gilberto Dupas:9
[...] A intensa acelerao da globalizao dos mercados e a abertura
dos grandes pases de periferia a produtos e capitais internacionais
7 Pinto, lvaro Vieira, em sua obra O conceito de Tecnologia (Rio de Janeiro: Contraponto, 2005, primeiro volume, p. 138), fornece-nos um conceito de tcnica elaborado por Aristteles: Aristteles considera a tcnica um modo de ser especfico do homem e a compreende como um conceito, uma razo, um logos, que precede a realizao da ao, sendo lcito supor que imaginasse nele a prefigurao dos resultados do ato, e assim o tomasse por um dos elementos da constituio da finalidade que determina a ao humana. necessrio frisar que a ateno dispensada por Vieira Pinto tecnologia decorre de sua certeza de que passar do subdesenvolvimento ao desenvolvimento exige manusear o mundo de forma mais elaborada, pois quando a chegada da mquina inviabiliza a transformao qualitativa da forma de manuseio (segundo ele, do grau de amanualidade), em relao situao ao redor, o trabalho passa a poupar quem trabalha, roubando do trabalhador o controle sobre sua prpria qualificao, e, sendo assim, at a proliferao da tecnologia torna-se uma obra da conscincia ingnua, portanto, lidar diretamente com a tcnica um ato de liberdade para a prpria conscincia do homem em um pas subdesenvolvido. Importante tambm transcrever o que pensa Vieira Pinto sobre o que chamou de o fenmeno do espanto do homem: medida, porm, que vo sendo compreendidos os processos naturais e descobertas as foras que os movimentam, com a conseqente possibilidade de utilizao delas pelo homem, para produzir artefatos capazes de satisfazer novas necessidades, e essa fabricao se multiplica constantemente, o mundo deixa de ser simplesmente o ambiente rstico espontneo e se converte no ambiente urbano, na casa povoada de produtos de arte e, na poca atual, de aparelhos que pem as foras naturais a servio do homem (p. 36). Portanto, ser cada vez mais o homem que cria a natureza, ou, antes, aquilo que para ele comea a lhe parecer como natural; apenas o que se entende por natureza, em cada fase histrica que corresponde a uma realidade diferente. Em tal caso converte-se em ideologia a valorao, a exaltao do presente, procedimento esse muito favorvel s classes sociais que desfrutam da posse dos objetos de conforto que a cincia lhes traz, sendo tais possuidores os porta-vozes da ideologizao do presente. Para finalizarmos os comentrios de Vieira Pinto acerca de tecnologia, devemos chamar a ateno para sua afirmao de que desligada a tcnica das bases no processo social produtivo (o que significa ao mesmo tempo desconhecer a inerncia dela ao racional do homem), converte-se em um fantasma filosfico, haja vista que a tcnica torna-se no um substantivo, categoria gramatical, mas uma substncia, categoria fsica, um ser, uma coisa. 8 Na nova lgica do poder mundial, o comportamento estratgico fundamental o controle da tecnologia de ponta. 9 Cf. Villares, Fbio (org.). Propriedade Intelectual: tenses entre o capital e a sociedade. So Paulo: Paz e Terra, 2007, p. 18.
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coincidiram com a necessidade das corporaes transnacionais de ampliarem
seus mercados e sua produo de modo a operar com as maiores escalas e os
menores custos possveis. Isso porque a manuteno de liderana nas cadeias
produtivas globais passou a exigir gerao de caixa cada vez maior para
investimentos em tecnologia de ponta. As tecnologias da informao, por sua
vez, possibilitaram um fracionamento intenso da lgica de fabricao pelo
mundo afora em busca de facilidades de produo onde quer que estivessem,
fossem elas mo-de-obra barata, flexibilidade das normas ambientais,
economias e evases fiscais etc.
Conclui o supracitado autor pela opo privilegiada e inexorvel pela
acumulao de capital, em detrimento do bem-estar amplo, quando discorre:
[...] A pesquisa tecnolgica privada tem como ideal permitir
empresa que concretize um monoplio ainda que temporrio do novo
conhecimento que lhe proporcione um rendimento exclusivo. Apoiada por
investimento em inovaes e campanhas publicitrias de alto custo, o objetivo
da corporao chegar antes dos concorrentes a uma posio monopolista,
com o marketing e a propaganda criando desejos e necessidades e
manipulando valores simblicos, estticos e sociais. Assim, passa a ser uma
contingncia da prpria lgica capitalista a reproduo contnua de ciclos de
escassez novos produtos como objetos do desejo seguidos de ciclos de
abundncia, quando esses mesmos produtos tornam-se consumo de massa.
Para que a engrenagem da acumulao funcione assiste-se a um sucateamento contnuo do meio ambiente e de escassez de energia.
Dupas adverte que a difcil questo atacar os prprios princpios do
capitalismo e lutar contra essa lgica que mantm a mquina econmica em
movimento, em um momento em que nenhum outro sistema ainda que sob a
forma de utopia aparece no horizonte como alternativa real.
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Portanto, como flexibilizar o instituto da Propriedade Intelectual10 sem
abalar os alicerces da acumulao capitalista?
Se o sistema depende da inovao, como podemos garantir que elas
existam sem proteger o retorno dos macios investimentos em tecnologia?
Interessante transcrever outro comentrio de Gilberto Dupas:
Na condio atual, o conceito de PI se amplia para alm das tecnologias duras, pois os produtos valem no mais pela sua utilidade objetiva, mas pelo seu valor simblico, esttico ou social. O que agrega valor a capacidade mercadolgica de transformao da inveno em objeto de desejo em forma de mercadoria ou servio patenteado. Dessa forma, a marca quase que substitui o produto por um valor simblico que prevalece sobre seu valor utilitrio. Essas marcas, e as empresas que as controlam, em muitos casos influenciam de tal modo o imaginrio coletivo que geraes inteiras as sobrepes a instituies seculares como escolas, igrejas, e partidos polticos. Casos emblemticos so a Coca-Cola e o McDonalds.
Pretendemos denunciar a falta de legitimao democrtica e a submisso das leis sobre Propriedade
Intelectual aos interesses maiores das sociedades mundiais, haja vista que o agente econmico global, por ser
transnacional, estende seu poder e explora as brechas entre os diferentes sistemas jurdicos nacionais e, aos
poucos, vai construindo seu prprio arcabouo legal, sendo que o poder vai deixando de ser pblico (governos e
opinio pblica vo se transformando em meros expectadores das decises corporativas maximizantes do lucro)
e acabam esses atores econmicos editando as novas normas internacionais (no podemos olvidar que no h
clara definio de responsabilidade direta dos atores globais acerca das conseqncias difusas de suas condutas,
algumas de efeitos a longo e mdio prazo, que podem causar efeitos sociais devastadores, mormente na rea de
segurana alimentar).
Como no faz parte da lgica do capital a auto-regulamentao do capital, cabe sociedade, por meio
dos Estados nacionais e de regulamentos internacionais enquadrar o Direito de Propriedade Intelectual em
determinados limites, os quais devem ser legitimados pela sociedade, o que no significa rejeitar a existncia de
um sistema de vetores tecnolgicos dominantes do qual fazemos parte, sendo preciso respeitar as regras atuais e
lutar para obtermos algumas vantagens que podemos extrair do atual sistema regulador, j que sabemos de
antemo que o sucesso das polticas industriais exige que elas estejam centradas na inovao, juntamente com a
agregao da tecnologia e aceso a mercados restritos, mas, sobretudo, com flexibilizaes no instituto do Direito
de Propriedade Intelectual (lembrando sempre que as aes dos atores econmicos globais necessitam de
legitimidade e credibilidade que apenas podem ser concedidas pela sociedade por meio da poltica e, em
especial, pelo resgate dos valores sociais da humanidade).
10 No caso da Propriedade Intelectual, os lucros exorbitantes, aliados a uma rigidez excessiva na regulamentao no razovel sobre marcas e patentes induzem, necessariamente, ao aumento de aes consideradas irregulares ou ilegais (imitaes e falsificaes).
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CAPTULO I A PRODUO TECNOLGICA COMO FONTE
DE PODER E CONTROLE
1. 1 N OES GERAIS SOBRE O TEMA: O QUE SO OGMS E
COMO SE DESENVOLVEM. INVESTIGAO CRTICA DOS RISCOS
E EFEITOS SOCIAIS NO DESENVOLVIMENTO DESSAS NOVAS
TECNOLOGIAS
O ser humano, no af de assegurar a vida, sua reproduo, criar os meios de vida, os mais abundantes possveis, fugir da entropia geral, se organiza centrado nele mesmo. Instaura o antropocentrismo. Em funo de si coloca tudo, a natureza, os seres vivos, as plantas, os animais e at os outros seres humanos. Apropria-se deles, submete-os ao seu interesse. Rompe a fraternidade e a sonoridade natural com eles, pois todos vivemos do mesmo hmus csmico e nos encontramos na mesma aventura universal. (Boff, Leonardo. Ecologia: grito da terra, grito dos pobres. Rio de Janeiro: Sextante, 2004, p. 120-121).
Conforme comentado por Gustavo Ferraz de Campos Mnaco11 no trabalho intitulado Pressupostos
Terico-Biolgicos para uma anlise jurdica dos organismos geneticamente modificados, a engenharia
gentica traduz a evoluo cientfica que desembocou nos organismos geneticamente modificados, sendo que:
[...] a transmisso das caractersticas genticas entre os seres vivos, de gerao para gerao, teve o incio de seu conhecimento desvendado pelo homem graas s pesquisas de Mendel [Guido Fernando Silva Soares faz meno, todavia, ao conhecimento emprico do homem, desde tempos imemoriais, que contribui para a seleo das espcies na medida em que eram escolhidos os melhores espcimes vegetais para a extrao de suas sementes para o replantio, bem como dos melhores animais para os cruzamentos com fins reprodutivos (Organismos geneticamente modificados - OGM), a legislao brasileira e os princpios e normas do direito internacional do meio ambiente parecer. Biotecnologia no Brasil uma abordagem jurdica, p. 38-39. Essa tcnica chamada de seleo que pode ser intra e interpopulacional. Cf. Ernesto Paterniani. Uma percepo crtica sobre tcnicas de manipulao gentica. Revista brasileira de milho e sorgo, v. 1 n 1, p. 77-84, 2002], que observou o cruzamento de algumas geraes de ervilhas e de seus resultados, e extraiu regras matemticas relacionadas probabilidade de transmisso das caractersticas genticas entre as sucessivas geraes.
Percebeu, ento, a comunidade cientfica, a existncia de genes dominantes, ao lado de genes
recessivos, sendo que estes ltimos, apesar de no se manifestarem no transcurso da vida de seu portador,
podiam ser transmitidos sua descendncia, segundo as referidas regras de probabilidade, decorrendo do
11 Doutorando em Direito Internacional pela Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo; Mestre em Cincias Jurdico-Polticas Direito Internacional pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (Portugal); Ex-bolsista da Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo Fapesp; Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da USP.
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fenmeno celular denominado meiose, responsvel pela formao das clulas germinativas ou gametas, que
contm parte das informaes genticas do indivduo que a originou.
Como salienta o supracitado autor, isso se deve ao fato de cada clula germinativa possuir metade do
material gentico normalmente encontrado em uma clula estrutural, ou seja, daquelas clulas que formam os
tecidos, rgos e sistemas de um corpo vivo, j que o fenmeno da meiose (a diviso de uma clula dessa
natureza d origem a quatro clulas diferentes e que contm, cada uma, material gentico diversificado, mas que
poder sempre ser reconduzido clula original, vale dizer, clula que sofreu a diviso meitica)
extremamente complexo e diferenciado e s ocorre em algumas clulas preparadas para essa funo reprodutora.
O fenmeno da meiose e a conseqente delegao de material gentico diversificado aos futuros
descendentes, segundo regras de probabilidade, s pde ser inteiramente explicado com a descoberta da estrutura
das molculas de DNA (cido desoxirribonuclico).
Tais molculas, formadas pelo encadeamento de bases nitrogenadas, assumem a feio helicoidal e
no chegam a se tocar, mantendo sempre a mesma distncia e o mesmo equilbrio, o qual se deve ao fato de as
quatro bases nitrogenadas que entram na composio da molcula se espelharem mutuamente, sempre numa
mesma e constante proporo (adenina com timina e guanina com citosina).
Quando ocorre o fenmeno da diviso celular, essas molculas de DNA criam rplicas de si mesmas,
de forma que as bases nitrogenadas do topo da escada se afastem mutuamente e se unam a outras bases
nitrogenadas que passam a espelh-las, e esse fenmeno ocorre em um crescendo, at que toda a estrutura tenha
sido finalmente duplicada e at que as duas novas molculas, idnticas, se afastem de forma a dar origem a duas
novas clulas, com a mesma composio da clula anterior, sendo esse o fenmeno da mitose responsvel pela
reproduo e renovao das clulas que compem um corpo vivo.
Todavia, conforme ensina ainda Gustavo Ferraz de Campos Mnaco:
[...] na meiose, aps a verificao deste fenmeno, outro ainda verificado, no qual cada uma das clulas originadas sofre nova diviso de suas molculas de DNA que deixam de apresentar a forma helicoidal e passam a ser formadas por um nico filamento. Em uma linguagem figurada, poder-se-ia comparar esta ltima diviso com a abertura de um zper, ocasionando a separao definitiva de cada uma das escadas em caracol.
Ainda outro fenmeno relativo ao DNA relativo sntese protica, porque toda protena produzida
por um organismo sintetizada com o auxlio de ribossomos, estruturas celulares formadas por RNA (cido
ribonuclico) do tipo r (RNA ribossmico) que tm sua origem mediata no DNA e so capazes de decodificar o
cdigo gentico de um indivduo para sintetizar protenas a partir da leitura do RNA do tipo m (RNA
mensageiro), o qual, por sua vez, capaz de ler a estrutura do RNAm verificando seqncias trinas de bases
nitrogenadas.
Para cada uma dessas seqncias trinas, o RNAr capaz de aprisionar um aminocido diferente (e
equivalente quela seqncia trina). Por seu turno, um outro RNAr compatvel com a seqncia trina posterior
ter procedido leitura da seqncia subseqente e, enxergando nela um outro aminocido, determinar a sua
ligao ao primeiro.
Esse mecanismo seguido at o final do RNAm e d origem a uma protena qualquer, vital para a
manuteno do organismo, sendo certo que cada protena desenvolve uma funo especfica e determinada no
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funcionamento e na estruturao de um dado organismo, sem a qual este ltimo poder ter o seu funcionamento
dificultado, a sua estrutura prejudicada, podendo, inclusive, levar o indivduo a bito.
Todavia, finaliza o comentado autor que nem todos os seres vivos possuem a capacidade para
sintetizar todas as protenas necessrias para a manuteno de suas atividades vitais (neste sentido, aquela pessoa
que sofre de diabetes, por exemplo, apresenta dficit ou mesmo a impossibilidade de sintetizar a protena
chamada insulina, responsvel pela absoro dos acares pelo organismo).
Por isso, as pesquisas genticas levaram o homem ao conhecimento de tcnicas que permitiram unir
ao DNA de uma bactria, de forma artificial, um trecho de DNA que fosse responsvel pela sntese da insulina
humana, e isso s foi possvel em razo da descoberta de outra tcnica de engenharia gentica denominada DNA
recombinante (na verdade, essa tcnica a base imediata de toda a atividade de engenharia gentica, para uma
verificao do papel das enzimas endonucleases e das ligases,12 segundo a qual um trecho de DNA de uma
espcie enxertado no DNA de uma outra espcie, que adquire a capacidade de sintetizar aquela protena
anteriormente inexistente em sua espcie).
Com a utilizao dessa tcnica, os RNAr do organismo geneticamente modificado pela incluso de
um trecho de DNA so enganados pelo homem e passam a produzir uma protena at ento impossvel de ser
produzida por aquela espcie, posto que no houve, at ento, a ordem para a sua sntese por parte do RNAm.
Todavia, com a incluso daquele trecho de DNA recombinante, o RNAm passa a ser diferente do
original e, em conseqncia, passa a determinar a sntese da protena, sendo assim possvel a disponibilizao,
por exemplo, da insulina aos diabticos, posto que no era possvel, como ainda no , enxertar esse trecho de
DNA no prprio patrimnio gentico do homem que sofra de diabetes, reconstituindo a sua prpria atividade.13
Passou ento a tcnica do DNA recombinante a ser largamente utilizada, garantindo algo que at ento
era invivel: transferir caractersticas atinentes a uma espcie para uma outra espcie, fosse ela do mesmo reino
ou no.14
Portanto, trechos de DNA animal podem ser combinados com trechos de DNA vegetal para que o
vegetal modificado geneticamente passe a emanar caractersticas daquele DNA animal.
A utilizao da tcnica do DNA recombinante, ento, possibilita que caractersticas de uma espcie se
manifestem em uma outra espcie diferente. Vale dizer, aquilo que era atributo exclusivo de uma espcie pode
passar a ser atributo de uma outra espcie.
O ponto central saber de que maneira haver a interferncia do DNA da espcie doadora no
funcionamento e na estrutura da espcie hospedeira ou receptora e se isso pode acarretar problemas ao equilbrio
ecolgico atingido ao longo do tempo pelo ecossistema no qual tenham sido liberados os OGMs.
Pela Constituio Federal de 1988, o meio ambiente foi definido como bem de uso comum do povo,
determinando que ele permanea ecologicamente equilibrado e salientando-se que a Constituio Cidad foi a
primeira, dentre todas as congneres, a se preocupar com o meio ambiente e com o equilbrio ecolgico,
12 Sobre esse processo, consulte-se Peters, Jos. Experincias no Brasil: prs e contras da liberao de transgnicos no ambiente. Biossegurana: uma viso interdisciplinar, p. 41 e ss. 13 Uma das caractersticas primordiais da tcnica do DNA recombinante a de no poder ser utilizado em clulas somticas, isto , estruturais, mas to-s, em clulas germinativas. 14 At a descoberta da tcnica do DNA recombinante, a possibilidade de transferncia de caractersticas genticas de uma espcie para a outra s era possvel por meio da reproduo sexuada que, no entanto, gerava um tertium genus, uma terceira espcie, normalmente estril, como o caso da mula e do burro, cruzamento de cavalos e asnos.
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traando regras claras, precisas e, no mais das vezes, completas a respeito de sua proteo e de seu
desenvolvimento, sendo que uma das medidas previstas como necessria por ela denominada estudo de
impacto ambiental (EIA), que pode ser definido como um estudo das provveis modificaes nas diversas
caractersticas socioeconmicas e biofsicas do meio ambiente que podem resultar de um projeto proposto;15 e
esse estudo teria o condo de verificar se determinada obra ou determinada atividade cognominada
potencialmente causadora de significativa degradao ao meio ambiente (CF, art. 225, 1, inciso IV)
realmente apresentaria essas potencialidades; e mais, se essas potencialidades seriam ao menos significativas.
Como lembra Fbio Ulhoa Coelho,16 o Cdigo de Proteo e Defesa do Consumidor determina que os
fornecedores de determinado produto ou servio estejam certos de terem esgotado todas as possibilidades
contemporneas de deteco de eventuais riscos e problemas que possam vir a ser causados aos consumidores
e ao meio , sendo certo que o estudo de impacto ambiental se configura como uma dessas possibilidades de
deteco.
Percebe-se claramente que o legislador constituinte originrio em 1988, detentor desse poder ilimitado
e insubordinado, valeu-se de conceitos jurdicos indeterminados, demandando interpretao de seu contedo de
acordo com as regras hermenuticas, utilizando-se do princpio constitucional vetor da precauo17 ao lidar com
as possibilidades de dano ao meio ambiente, associado ao cuidado para que no sejam produzidos danos ao
equilbrio ecolgico.
Surge, ento, o problema de saber se existe grau de lesividade na utilizao dos organismos
geneticamente modificados ao meio ambiente no qual venham a ser inseridos.
De acordo com as manifestaes cientficas veiculadas a respeito da engenharia gentica, muitas so
as dvidas que ainda assolam a comunidade cientfica a respeito desse potencial de lesividade, bastando atentar
para o fato de a prpria Sociedade Brasileira para o Progresso da Cincia SBPC ter se manifestado no
sentido de ser duvidosa a condio dos OGMs como agentes agressores do meio ambiente.
J outros estudiosos demonstram uma grande convico de que os transgnicos, quando liberados no
meio ambiente e eventualmente consumidos por outros animais e pelo homem, no causam danos relevantes aos
consumidores e que o desequilbrio ecolgico causado normal e decorre da prpria interveno do homem no
meio ambiente.18
A incerteza quanto segurana alimentar dos transgnicos estaria a exigir do mundo jurdico uma
posio de cautela, de precauo, e a prpria sociedade interessada no progresso da cientificidade nacional pe-
se em posio de cautela, devendo prevalecer o brocardo In dubio, pro natura, sendo essa mxima acolhida no
seio do Poder Judicirio nacional.19
15 Conforme apontado por Cappelli, Slvia, no artigo Avaliao de impacto ambiental e o componente da biodiversidade. Revista Direito Ambiental, So Paulo, v. 6 (out./dez.), n. 24, p. 84, 2001. 16 Apud Macedo, ngela A. M. Produtos transgnicos e o direito a informao do consumidor. Cincia e Direito: Revista Jurdica da Fic-Unaes, Campo Grande, v.1, n. 2, p. 23. 17 Nesse sentido: Szklarowsky, Leon Frejda. Transgnicos: a civilizao transgnica e ciberntica. Revista de Informao Legislativa, Braslia, v. 37 (jan./mar.), n. 145, p. 51, 2000. 18 Paterniani, Ernesto. Uma percepo crtica sobre tcnicas de manipulao gentica. Revista brasileira de milho e sorgo, v. 1, n. 1, p. 77-84, 2002. 19 Segundo a Desembargadora Federal Assusete Magalhes, o plantio da soja roundup ready, no Brasil, insere-se no conceito de atividade e, a rigor, estaria submetido s regras da legislao ambiental. Voto da relatora na apelao cvel 2000.01.00.014661-1/DF.
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Essa incerteza que assola parte da comunidade cientfica concentra uma srie de fatores, dentre os
quais aqueles destacados pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis
IBAMA , rgo ligado ao Poder Executivo Federal e incumbido da defesa do meio ambiente, em manifestaes
processuais no processo movido pelo IDEC (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), e outros, contra a
prpria Unio Federal e a Monsanto do Brasil, verbis:
31. Mencionam-se como riscos: o aparecimento de traos patgenos para os homens, animais e plantas; perturbaes para os ecossistemas; transferncia de novos traos genticos para outras espcies, com efeitos indesejveis; dependncia excessiva face s espcies, bem como com ausncia de variabilidade gentica. (...). 32. Alm da possibilidade do aparecimento de certos recombinantes inesperados, sintetizando molculas novas ou exprimindo vrus aparentemente inativados, quando se fabrica o organismo geneticamente modificado, outros riscos surgem ligados disposio voluntria dos OGM (organismos geneticamente modificados). Pode ocorrer a perda de controle dos OGM ou do gene introduzido ou poder ser constatado prejuzo para o meio ambiente.
Nesse ponto, cabe analisar, ainda que sinteticamente, cada uma das questes apontadas nos autos
supracitados.
Quanto ao aparecimento de traos patgenos para os homens, animais e plantas, concentra-se tal ponto
no receio de que algumas doenas se manifestem no organismo de outros seres vivos que ingiram ou mantenham
alguma espcie de contato com organismos geneticamente modificados.
Nesse sentido, as experincias que pretenderam transferir um gene da castanha do Par para a soja
(levadas a efeito por uma empresa privada multinacional) ou para o feijo (levadas a efeito pela EMBRAPA)
acarretaram a manifestao de uma srie de alergias em pessoas que eram sensveis a determinada substncia
milenarmente presente na castanha, por conta da transferncia para aqueles vegetais.
Portanto, os alrgicos que ingeriram o feijo da EMBRAPA ou a soja da multinacional manifestaram
reao patolgica e as pretenses das entidades de defesa do consumidor vo no sentido de garantir uma
rotulagem dos alimentos transgnicos que permita aos doentes e alrgicos o pleno conhecimento do que esto
ingerindo e assumindo, eventualmente, os riscos pelo consumo.
No que pertine s perturbaes para os ecossistemas, podemos resumi-las e exemplific-las no receio
comum de que as variedades transgnicas de certos seres vivos desequilibrem o ecossistema em razo, por
exemplo, de uma mais acelerada velocidade de reproduo, da capacidade de resistirem a certos predadores
naturais que acabem morrendo de fome ou mesmo se extinguindo, o que pode acarretar, em conseqncia, no
s a proliferao descontrolada do OGM como a extino de outros seres vivos que se coloquem mais acima na
pirmide alimentar e que sero afetados pelo desaparecimento daquela espcie que se interpe, normalmente,
entre eles e o OGM.
No que tange transferncia de novos traos genticos para outras espcies, com efeitos indesejveis,
relaciona-se possibilidade de que as caractersticas enxertadas no OGM sejam transmitidas a outras espcies.
Outra possibilidade no descartada pelos pesquisadores, mas certamente mais difcil de ser verificada,
que as caractersticas genticas possam ser transferidas por meio da cadeia alimentar.
Ainda se pode referir possibilidade de que um animal ou vegetal transgnico se reproduza com a
interferncia de um congnere no manipulado geneticamente, sem que se possam prever eventuais
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incompatibilidades genticas entre ambos ou mesmo problemas de sade a se manifestarem na prole desse
cruzamento.
Quanto dependncia excessiva ante as espcies, insere-se na possibilidade de que as vantagens
econmicas da advindas suplantem as espcies ditas naturais, tornando absurdamente dispendiosas as culturas e
as criaes no manipuladas geneticamente que, certamente, sero deixadas de lado.
Alm disso, as culturas de transgnicos e de outras cultivares que tenham passado por processos e
tcnicas de melhoramento de suas condies de plantio ou produo so menos dispendiosas, acabando por
exigir uma menor quantidade de produtos agroqumicos.
O principal problema, no nosso entendimento, aquele j afirmado pelo IBAMA no sentido de que a
utilizao em larga escala de OGMs poderia acarretar, em ltima instncia, a ausncia de variabilidade gentica
dentro daquela espcie, na medida em que, mormente entre os vegetais, pode-se programar as plantas para que
elas no produzam sementes, o que acarreta no s a dependncia do produtor rural perante o detentor da patente
daquele produto geneticamente modificado, uma vez que ele se v obrigado a adquirir sempre as sementes desse
fornecedor, como tambm gera a dependncia do prprio fornecedor, posto que este ter, em ltima anlise,
apenas uma certa gama de plantas reprodutoras.20
Por fim, no se deve olvidar que o IBAMA se referiu ao aparecimento de certos recombinantes
inesperados, sintetizando molculas novas ou exprimindo vrus aparentemente inativados quando se fabrica o
organismo geneticamente modificado, quando outros riscos surgem ligados disposio voluntria dos OGMs,
podendo ocorrer a perda de controle dos OGM ou do gene introduzido, ou a constatao de algum prejuzo para
o meio ambiente.
Um exemplo refere-se insero dos genes do vrus transmissor da AIDS em ratos, experincia
realizada nos EUA, em 1980, e que ocasionou a contaminao de todas as clulas somticas desses
camundongos e a verificao de grande variabilidade mutante com o conseqente aumento da carga virulenta
dessa doena.
Maria Sulema M. de Budin Pioli alude:
[...] veja o caso do rato infectado, em todas as suas clulas, com o vrus
humano da AIDS. Que escape um s. Vai cruzar com os ratos da natureza,
transmitindo aos seus descendentes um vrus com capacidade mutacional
nunca antes vista, que o grande entrave na produo da vacina. O vrus
100% mortal aos humanos. Ora, solto, sem controle, ocorrendo mutao
gentica a cada gerao, sempre para sua prpria preservao, o vrus, como
foi dimensionado em pesquisas, poder atingir formas de disseminao, que
hoje no existem. (Pioli, Maria Sulema M. de Budin. Transgnicos: desafio
da era bioindustrial. Meio ambiente, direito e cidadania, p. 91-92)
20 A respeito do tema da patenteabilidade de organismos geneticamente modificados e das conseqncias de uma tal patenteabilidade, veja-se: Zamudio, Teodora. Proteccin jurdica de las innovaciones, em especial o Captulo IV, item 1, p. 62 e ss; Castilho, Ela Wiecko Volkmer de. Patentes de produtos de origem biolgica. Poltica de patentes em sade humana, p. 70 e ss; Del Nero, Patrcia Aurlia. Biotecnologia. O Brasil e a OMC, p. 79 e ss; Oliveira, Sabina Nehmi de. Cultura patentiria e alimentos transgnicos. Revista da ABPI, n. 51, p. 19-23.
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Na presente dissertao, utilizaremos algumas expresses de forma repetitiva, portanto, faz-se mister
o esclarecimento de algumas definies bsicas e observaes preliminares.21
A expresso agronegcio pode ser empregada em sentido amplo, para abranger as atividades
primrias de agricultura, pecuria, florestal, pesqueira, da indstria de insumos e processamento e toda a
estrutura de distribuio de produtos direta ou indiretamente derivados de atividades agrcolas (Constituio da
Repblica, no art. 187, 1 [captulo da Poltica Agrcola e Fundiria e da Reforma Agrria], inclui no
planejamento agrcola as atividades agroindustriais, agropecurias, pesqueiras e florestais).
A expresso recursos ambientais apropriada do texto do art. 3 da Lei n 6.938/81 (LPNMA), que
assim considera a atmosfera, as guas interiores, superficiais e subterrneas, os esturios, o mar territorial, o
solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora.
J biodiversidade ou diversidade biolgica a necessria variabilidade de espcies de todos os
organismos vivos nos ecossistemas existentes, indispensvel ao equilbrio ecolgico e base produtiva do
agronegcio (agrobiodiversidade), contrapondo-se homogeneidade que lhe nociva.
Sabemos que a biodiversidade varivel de acordo com as diferentes regies ecolgicas e tende a ser
maior nas regies tropicais do que nos climas temperados.
Igualmente, sabemos que cada organismo tem uma funo e sua supresso pode acarretar
desequilbrio ecolgico (alteraes climticas, incapacidade de regenerao dos solos, poluio das guas etc).
Na agricultura em constante expanso, por exemplo, a monocultura, a substituio de variedades
locais e a utilizao de agrotxicos geram perdas significativas da agrobiodiversidade e, com igual efeito, o
crescimento populacional, a urbanizao desordenada e os desmatamentos.
Bioma uma comunidade bitica caracterizada pela uniformidade e diversidade gentica ou ainda
um grande biossistema regional caracterizado por um tipo principal de vegetao, como, por exemplo, a Mata
Atlntica, o Pampa Gacho e o Cerrado.
Biosfera representa o conjunto de seres vivos existentes na superfcie terrestre; partes slida e
lquida da terra e sua atmosfera.
Chamamos sade ambiental a interdependncia entre a sade humana e os fatores socioeconmicos
e ambientais, sendo que ela tambm pode ser definida como conjunto de fatores conjugados concernentes
sade humana e ambiental.
Importante ressaltarmos aqui que a preservao da qualidade da sade ambiental (equilbrio
ecolgico) est intimamente ligada ao desenvolvimento de processos econmicos ecologicamente sustentveis,
ou seja, a partir da utilizao dos recursos renovveis (solo, guas, plantas e animais) com ateno aos seus
limites de renovao e de recomposio.
Desertificao, segundo o estudo em foco, a reduo dos processos vitais no ambiente, com
implicaes nos espaos agrcolas. Contribuem para a intensificao da desertificao as prticas agrcolas
inadequadas, o desmatamento e as queimadas.
Biotecnologia o ramo da cincia que pesquisa a utilizao de tcnicas envolvendo materiais
biolgicos (exemplo: a tcnica de transferncia de genes de uma espcie para outra, com objetivo de atribuir a
um organismo caractersticas naturais de outro).
21 As definies por ns utilizadas foram retiradas de artigo cientfico produzido por Vaz, Paulo Afonso Brum Desembargador Federal do TRF da 4 Regio e Diretor da Escola da Magistratura EMAGIS Publicado na Edio 24, 02.07.2008, sob o ttulo Agronegcios e o Direito Ambiental: temas relevantes.
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A partir da utilizao da biotecnologia, foram concebidas as chamadas plantas geneticamente
modificadas (OGMs). A transgenia, ao alterar as caractersticas da planta, suprime biodiversidade, e a
homogeneidade culmina por favorecer o surgimento de organismos no desejados para a lavoura.
Biossegurana uma designao genrica da segurana das atividades que envolvem organismos
vivos. A segurana biolgica trata do controle e da minimizao de riscos advindos da exposio, da
manipulao e do uso de organismos vivos que podem causar efeitos adversos sade ambiental.
A expresso segurana alimentar comporta um duplo sentido: quantitativamente, alude
preocupao com a quantidade de alimentos disponveis para as necessidades do homem; qualitativamente, diz
respeito preocupao com os riscos sade do consumidor (controle da qualidade dos alimentos). A FAO
(Food and Agriculture Organization) desenvolve programas que contemplam ambas as preocupaes ou
controles: Programa Especial para Segurana Alimentar, sobre a segurana quantitativa, e o Codex Alimentarius
(em conjunto com a Organizao Mundial de Sade OMS), relativamente ao aspecto qualitativo.
Devemos no olvidar, nessa fase introdutria do presente trabalho, que a intruso do ser vivo no
campo da patente, a partir dos anos 30, foi uma revoluo jurdica e, para tanto, procuramos demonstrar aqui que
tal fato se deu em virtude de um duplo fenmeno: da modificao profunda do papel do direito de patentes e das
condies jurdicas que se forjaram para que o ser vivo fosse patentevel.
No nos cabe explorar o longo percurso percorrido por tal revoluo, que se iniciou nos Estados
Unidos da Amrica do Norte em 1930, com uma proteo jurdica especfica para as plantas, e que em 1980
abarca os microorganismos, estendendo-se aos animais no final da mesma dcada, finalmente chegando ao
homem, com o famoso caso Moore22.
Para os juristas, nessa evoluo, dois episdios se mostraram de fundamental importncia:
- Plant Act de 1930, no qual o Congresso Americano reconhece que as plantas melhoradas so
artificiais, ou seja, que a distino pertinente no mais entre as coisas vivas e as inanimadas, mas entre os
produtos da natureza (vivos ou no) e as invenes do homem;
- patenteamento do primeiro microorganismo derivado da bioengenharia (a deciso Diamond x
Chakrabarty, na qual a Suprema Corte dos Estados Unidos deveria julgar se uma bactria geneticamente
manipulada para consumir petrleo em guas marinhas podia ou no ser considerada uma inveno, j que no
existia como tal na natureza).
A despeito de a questo ser controversa, sob os aspectos biolgico e jurdico, acabou a Suprema Corte
por entender que o receptor da patente produziu uma nova bactria, com caractersticas diferentes daquela
encontrada na natureza, aplicando ao ser vivo um modelo industrial por meio da distino entre natureza e
atividade inventiva do homem, doravante pde o ser vivo ser considerado um meio.
Vale lembrarmos que se, no plano molecular, o ser vivo passa a ser considerado um meio que o
homem utiliza para a sua atividade transformadora e se isso se encontra sancionado pelo Direito, a vida perde
seu valor imanente, passando a ter valor socialmente apenas quando a ela for incorporado o trabalho
tecnocientfico.
22 Um mdico vinculado Universidade da Califrnia utilizou clulas do pncreas de um paciente chamado Moore, cirurgicamente, a fim de desenvolver uma linhagem celular com finalidade comercial, e a Suprema Corte de Justia da Califrnia (EUA), afirmaram que o paciente no tem direito sobre suas clulas retiradas em cirurgia, considerando-as material biolgico descartado.
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Para ns, importante frisarmos, desde j, que a transformao operada de domnio progressivo da
natureza humana corri o referencial do humanismo moderno, haja vista que o homem no mais a medida de
todas as coisas, sendo, tal medida para o capital global, a informao fora motriz da Nova Economia, a qual pe
em xeque alguns tipos de dificuldades:
De distinguirmos pessoas de coisas;
De distinguirmos o homem do animal, e, finalmente,
De distinguirmos o homem da mquina.
Conforme trabalho de Paulo Afonso Brum Vaz, Desembargador Federal do TRF da 4 Regio e
Diretor da Escola da Magistratura EMAGIS Publicado na Edio 24, 02.07.2008, sob o ttulo Agronegcios
e o Direito Ambiental: temas relevantes: Agronegcio e sociedade de risco, vivemos em uma autntica
sociedade de risco global, no dizer de Ulrich Beck, convivendo com a constante ameaa da catstrofe, sem
nada podermos fazer e, quase que invariavelmente, sem sabermos as suas causas reais, sonegadas que nos so
pelo sistema, baseado na supremacia do interesse econmico sobre o interesse social e na tcnica de governana
baseada no discurso do no h motivo para alarde.
Segundo Beck, conforme citado por Vaz, houve uma mudana gradual no conflito social
predominante no sculo XX: o conflito primrio, no incio do sculo, era centrado na distribuio do bem-estar
entre os grupos sociais; depois da Segunda Guerra Mundial, notadamente a partir dos anos 60, o foco mudou
para a distribuio de poder na poltica e na economia; nos ltimos anos, o maior conflito tem como objeto a
distribuio e a tolerabilidade dos riscos para os diferentes grupos sociais, regies e geraes futuras.
Como decorrncia da ao nociva do homem contra a natureza, podemos citar, exemplificativamente,
as srias ameaas das mudanas climticas, com perspectivas futuras, no muito remotas, de assustadoras
repercusses para a humanidade. O derretimento da calota polar e o aumento do nvel dos mares prometem fazer
muitos estragos e colocar em risco a integridade de milhares de pessoas e animais.
So vrias as conseqncias do aquecimento global.
Algumas delas j podem ser sentidas em diferentes partes do planeta, como o aumento da intensidade
de eventos de extremos climticos: furaces, tempestades tropicais, inundaes, ondas de calor, secas ou
deslizamentos de terra. constatao cientfica irrefutvel o aumento do nvel dos mares por decorrncia do
derretimento das calotas polares e da temperatura mdia do planeta em 0,8C desde a Revoluo Industrial. Um
possvel aumento acima de 2C acarretaria efeitos potencialmente catastrficos no mundo. Teramos pases
inteiros engolidos pelo aumento do nvel do mar e populaes inteiras precisariam migrar fugindo de regies
extremamente ridas e insuscetveis de sobrevivncia.
A poluio dos rios e enseadas j detectada em 38% das cidades brasileiras. A contaminao dos
solos afeta 33% dos municpios. Inundaes, deslizamentos de encostas, secas e eroso so os desastres
ambientais mais comuns no Brasil: 41% das cidades do pas foram atingidas por pelo menos um deles e 47%
sofreram prejuzos na agricultura, na pecuria ou na pesca, devido a problemas ambientais, ndices trazidos no
trabalho de Vaz em comento.
possvel afirmar que, em boa medida, as atividades ligadas direta ou indiretamente ao agronegcio,
na forma como so desenvolvidas, em determinados setores, contribuem para a exacerbao dos riscos (exemplo
emblemtico ocorreu recentemente com a invaso do espao urbano de Buenos Aires/AR pela fumaa das
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queimadas agrcolas, submetendo a risco, por vrios dias, em razo da poluio do ar, a sade e a vida de
milhares de pessoas).
Nessa perspectiva, esto essas atividades obrigadas a desenvolver polticas pblicas e programas de
gesto de riscos, como processo que inclui a definio, a escolha e a implementao das aes regulatrias
apropriadas, com base nos resultados obtidos no processo de avaliao e nos controles tecnolgicos disponveis
(filtros), levando em considerao as variveis custo-benefcio, riscos e nmero de casos aceitveis e fatores
sociais, polticos, econmicos e ambientais.
Da mesma forma, e, por conseguinte, no se concebem atividades agrrias que prescindam de um
eficaz sistema de gesto ambiental enquanto conjunto de procedimentos voltados conservao dos meios fsico
e bitico e dos grupos sociais que deles dependem.
A gesto de risco e a gesto ambiental, na era do risco,23 passaram a ser fundamentais para a
organizao das sociedades e, sobretudo, condicionantes de qualquer atividade econmica potencialmente
degradante do equilbrio ecolgico.
23 Acerca da era do risco e apenas a ttulo ilustrativo, colaciono aqui estudo elaborado por Vaz, Paulo Afonso Brum, Desembargador Federal do TRF da 4 Regio e Diretor da Escola da Magistratura EMAGIS Publicado na Edio 24, 02.07.2008, sob o ttulo Agronegcios e o Direito Ambiental: temas relevantes: Agronegcio e sociedade de risco. Danos sade humana: o direito sade emerge no constitucionalismo contemporneo inserido na categoria dos direitos sociais. A Constituio de 1988 incorpora claramente esse carter do direito sade ao estabelecer, em seu art. 196, que ele ser garantido mediante polticas sociais e econmicas que visem reduo do risco de doenas e de outros agravos e ao acesso universal e igualitrio s aes e servios para sua
promoo, proteo e recuperao. Portanto, o direito sade foi constitucionalizado em 1988 como direito pblico subjetivo a prestaes estatais, ao qual corresponde o dever dos Poderes Pblicos de desenvolverem as polticas que venham a garanti-lo (aes afirmativas, diramos). As gravssimas decorrncias do uso de agrotxicos constituem um problema de sade pblica. Sade pblica a expresso usada para indicar o estado de sanidade da populao de um pas, de uma regio, de uma zona ou de uma cidade. Em seu amplo sentido jurdico, em princpio, considera-se sade um bem pblico de interesse nacional, caracterizado pelo estado de pleno bem-estar fsico e biolgico, psquico ou mental, social (em seus diversos aspectos educacionais, econmicos, familiares, espirituais, morais), cultural e ambiental da pessoa humana, individual, coletiva e publicamente considerada. Em resumo, sade constitui um bem pblico constitucionalmente assegurado, garantido e protegido ao pleno bem-estar de todos. Vale destacar, pela importncia e incidncia de intoxicaes, a afetao do meio ambiente do trabalho, assim considerado o palco onde se desenvolvem as relaes de trabalho humano de qualquer espcie. Todos os trabalhadores so titulares do direito (difuso) ao meio ambiente do trabalho ecologicamente equilibrado. No ambiente de trabalho rural, em razo do uso indiscriminado e em descumprimento das medidas legais de precauo, tanto para a sade do trabalhador como para o meio ambiente, temos uma grande incidncia de casos de intoxicao, com trabalhadores sendo submetidos a doenas fatais ou irreversveis. Segundo pesquisa do IBGE, no estado do Paran (safra de 1998/1999) ocorreram cerca de 30 mil casos de intoxicao, dos quais 29.250 tiveram atendimento mdico/hospitalar. Os efeitos nocivos dos agrotxicos sobre a sade humana podem ser classificados, em apertada sntese, da seguinte forma: teratogenias (nascimentos com ms formaes); mutagenias (alteraes genticas patognicas) e carcinogenias (surgimento de diversos tipos de cncer). Tm-se incontveis registros de leses hepticas e renais, esterilidade masculina, hiperglicemia, hipersensibilidade, carcinognese, fibrose pulmonar, reduo da imunidade, distrbios psquicos e outras patologias. Dados estatsticos e pesquisas cientficas: para ilustrar a gravidade do problema, trazemos ao conhecimento de nossos leitores dados concretos, condensados em estatsticas alarmantes, e tambm estudos cientficos que atestam a contaminao pelo contato com agrotxicos. Recente relatrio da FAO classifica o Brasil como o terceiro maior consumidor de agrotxicos do mundo, com o emprego anual de 1,5 kg de ingrediente ativo por hectare cultivado, levando em conta a mdia global de todo o universo agrcola nacional. Em alguns tipos de lavoura, o consumo chega a ser absurdo (na cultura do tomate, por exemplo, a mdia de 40 kg/ha a cada safra). So esses dados estarrecedores que colocam o Brasil, em matria de mortalidade por cncer, em terceiro lugar no ranking mundial. Mas o cncer no a nica doena grave causada por agrotxicos, embora seja a mais grave. No renque das temveis conseqncias, incluem-se a cirrose heptica, a impotncia sexual, a fibrose pulmonar, os distrbios do sistema nervoso central (implicando depresso, loucura e/ou paralisia facial) e muitas outras doenas de natureza toxicolgica, a que esto mais sujeitos no s os que lidam diretamente com agrotxicos no campo como tambm os consumidores de alimentos contaminados por seus resduos. Calcula-se
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que em todo o mundo ocorrem, por ano, cerca de 2 milhes de casos de envenenamento por agrotxicos, com algo em torno de 50 mil mortes. Mais do que em muitas guerras. No demais, por falar em guerra, lembrar que o famoso agente laranja, usado pelos americanos na guerra do Vietn para destruir a produo agrcola e as selvas fechadas daquele pas, era um produto agrotxico, um herbicida, usado como arma de guerra. Existe uma quase certeza acerca da inter-relao entre o uso de agrotxicos e os suicdios que h anos tm ocorrido na regio fumageira de Venncio Aires e Santa Cruz do Sul, no Rio Grande do Sul. Acredita-se que se deva ao contato prolongado com algum tipo de veneno empregado na lavoura de fumo. A revista Galileu (agosto 2002, n 133, p. 24/31), em reportagem de capa, anuncia: Alto ndice de suicdios no campo traz novas suspeitas sobre agrotxicos. Noticia a reportagem que, no ano de 2001, suicidaram-se 21 pessoas, na maioria agricultores, na cidade de Santa Cruz do Sul, de 100 mil habitantes, conhecida como a capital do fumo. O nmero alarmante diante da mdia brasileira de 3,8 suicdios para cada 100 mil pessoas. Suspeita-se que o mangans presente em vrios tipos de agrotxicos seja o responsvel pelo distrbio depressivo que leva os agricultores ao suicdio. Segundo a referida reportagem, pesquisadores da UNISC Universidade de Santa Cruz do Sul, da Unicamp Universidade Estadual de Campinas e da UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro atestam que se pode aceitar como verdadeira a hiptese de que os agrotxicos usados indiscriminadamente no cultivo do tabaco
causam intoxicaes e distrbios neurocomportamentais nos membros das unidades familiares de produo. Pesquisas cientficas revelam tambm que a infertilidade humana e animal tem relao com o uso de agrotxicos. A declarao do pesquisador titular da Fundao Oswaldo Cruz (Fiocruz), Srgio Koiffmann, e est baseada em estudos preliminares da entidade. Segundo o pesquisador, foram coletados dados que demonstram que os pesticidas atuam no organismo humano e podem estar alterando a cadeia hormonal. A partir da anlise dos espermogramas, o levantamento sugeriu uma tendncia de queda na quantidade e na qualidade dos espermas dos homens e dos animais mamferos. O mesmo pesquisador apresenta outra preocupao: com relao ao crescimento do ndice de pessoas com cncer, que pode estar relacionado ao uso de agrotxicos, basicamente pela via alimentar. No so s as pessoas que manipulam que esto sujeitas a adquirir doenas causadas pelo uso do agrotxico; a populao geral tambm est, afirmou. Koiffmann citou diversos tipos de cncer que tm aumentado na populao, como o de prstata, testculos, mama, ovrio e tireide. O pesquisador da Fiocruz vaticinou que, alm de ter crescido o nmero de pessoas que fazem tratamento para fertilizao, tambm foi diagnosticado um nmero excessivo de crianas com m-formao, doenas congnitas e abortos. Deve-se ressaltar que a desinformao de usurios e de mdicos que a esses prestam atendimento serve para escamotear uma realidade alarmante, no permitindo que os dados estatsticos reais cheguem ao conhecimento das autoridades sanitrias, para que sirvam de subsdio implantao de polticas pblicas tendentes a minorar os problemas. A contaminao de alimentos com resduos de agrotxicos: a garantia constitucional do direito vida, qualidade de vida e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado torna certo tambm, como corolrio, que todo cidado tem direito ao consumo de alimentos saudveis. A segurana alimentar assunto que no nos empolga quotidianamente. Afinal, se no temos conhecimento sobre a origem da maioria dos alimentos que ingerimos, somos obrigados a depositar confiana em seus produtores e na eficcia das aes fiscalizatrias pblicas. Mas, infelizmente isto pblico, notrio e comprovado cientificamente , estamos sendo compelidos a ingerir, diariamente, doses homeopticas de resduos de agrotxicos, que podero nos trazer problemas futuros de sade. Pesquisas realizadas tm revelado altas concentraes de resduos txicos em frutas, em verduras e em carne bovina. Esse crime contra a sade pblica e ambiental, apesar das advertncias e medidas punitivas, ao longo do tempo, vem sendo praticado por produtores rurais. O jornal Zero Hora apresenta reportagem sob ttulo Agrotxicos mesa, assinada por Jorge Correa, trazendo um comparativo entre os dados das pesquisas da ANVISA de 2002 e 2003 sobre ndices de resduos de agrotxicos em frutas e verduras. A agncia constatou, em 2003, que o morango e o mamo so as frutas com maior ndice de contaminao, passando o morango de 46%, em 2002, para 54,44%, em 2003. De 78 amostras pesquisadas, 54 apresentavam ndice de resduos supe