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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE ROGÉRIO NOVAKOSKI FERREIRA ALVES MUDANÇAS NOS PROGRAMAS FUNCIONAIS DAS RESIDÊNCIAS DA ELITE PAULISTANA DO SÉCULO XVIII AO SÉCULO XX São Paulo 2015

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

ROGÉRIO NOVAKOSKI FERREIRA ALVES

MUDANÇAS NOS PROGRAMAS FUNCIONAIS DAS RESIDÊNCIAS DA ELITE PAULISTANA DO SÉCULO XVIII AO SÉCULO XX

São Paulo 2015

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ROGÉRIO NOVAKOSKI FERREIRA ALVES

MUDANÇAS NOS PROGRAMAS FUNCIONAIS DAS RESIDÊNCIAS DA ELITE PAULISTANA DO SÉCULO XVIII AO SÉCULO XX

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Arquitetura e Urbanismo. Orientador: Prof. Dr. Roberto Righi

São Paulo 2015

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A474m Alves, Rogério Novakoski Ferreira. Mudanças nos Programas Funcionais das Residências da Elite

Paulistana do Século XVIII ao Século XX / Rogério Novakoski Ferreira

Alves - 2015.

209 f. : il. ; 30 cm

Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Universidaded

Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2015.

Bibliografia: f. 177 – 183.

1. Casa. 2. Programa funcional. 3 Elite. 4. São Paulo. I. Título. CDD 728

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Ao Thiago

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Meus sinceros agradecimentos ao

professor Roberto Righi por sua

dedicada e atenciosa orientação.

Agradeço à minha esposa e aos

meus pais pelo amor, apoio e

incentivo para a realização deste

trabalho.

Agradeço a Jesus por mais uma

conquista.

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RESUMO

No período colonial, a elite da sociedade vivia no cinturão rural e dirigia-se eventualmente à cidade de São Paulo para participar da vida social. No século XVIII, as famílias mais ricas passaram a construir seus sobrados ao lado dos casebres dos mamelucos, residências sempre construídas em taipa de pilão, mas com partidos arquitetônicos e programas funcionais diferenciados. Na segunda metade do século XIX, com a economia do café e a implantação das ferrovias na cidade e na região, São Paulo desenvolveu-se de maneira rápida, com grandes transformações urbanas, sociais e na arquitetura. A elite passou a ser cada vez mais urbana e mais influenciada pela cultura europeia. A burguesia cafeeira e seus casarões de alvenaria do final do século XIX e início do XX eram residências baseadas em uma nova decoração e no programa funcional europeu, base do ecletismo. Também sucederam as mansões neocoloniais, em busca de uma identidade nacional. No segundo quartel do século XX, as casas modernistas foram construídas com uma arquitetura internacional, voltada às inovações tecnológicas. Esse processo trouxe importantes transformações na forma e no programa das residências. Em suma, este trabalho analisa as mudanças nos programas funcionais e modelos arquitetônicos residenciais da elite paulistana, desde o período colonial até os projetos de mansões modernistas anteriores à exposição “Brazil Builds”, no MoMA (Museu de Arte Moderna de Nova York), em 1943.

Palavras-chave: casa. programa funcional. elite. São Paulo.

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ABSTRACT

During the colonial period, the high society citizens of São Paulo used to live in the rural area and eventually went to the city to participate of the social life. In the XVIIII century, the wealthiest families started to construct their two or three store-houses beside the mamelukes’ huts, but these residences though made in rammed earth (taipa de pilão), had differentiated functional programs and architectural patterns. In the second half of the XIX century, with the profitable coffee culture and the implantation of railways in the city and its surroundings, São Paulo developed quickly with big urban, social and architectural changes. The high society became more urban and was more influenced by the European culture. The coffee bourgeoisie and their masonry mansions of the end of the nineteenth and the beginning of the twentieth centuries were based in the Eclectic movement with new interior designs and European functional programs. In the second quarter of the XX century, the more modern houses were built based on international architectural pattern, with technological advances. This process brought important transformations in the style and in the program of the residences. In conclusion, this work analyses the changes in the functional programs and architectural patterns of the houses of the high society in São Paulo since the colonial period till projects of modernist mansions prior to the “Brazil Builds” exhibition in MoMA (Museum of Modern Art in New York), in 1943.

Keywords: house. functional program. high society. São Paulo.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 01: RODRIGUES, José Wasth. Documentário Arquitetônico. 5ª Ed. Belo Horizonte: Editora Itatiaia Limitada, 1990, p.11. Figura 02: REIS FILHO, Nestor Goulart. Quadro da Arquitetura no Brasil. São Paulo: Editora Perspectiva, 2011, p. 29. Figura 03: REIS FILHO, Nestor Goulart. Quadro da Arquitetura no Brasil. São Paulo: Editora Perspectiva, 2011, p. 29. Figura 04: Gravura “Uma Sala de Estar em São Paulo” do pintor Thomas Ender de 1817. http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Thomas_Ender_-_Sala_de_Estar_em_S%C3%A3o_Paulo.jpg – copiada em 27-04-2014. Figura 05: Fotografia do autor, 2013. Figura 06: Fotografia do autor, 2013. Figura 07: Fotografia do autor, 2013. Figura 08: Fotografia de Caio Prado Jr. HOMEM, Maria Cecília Naclério. O Palacete Paulistano – e outras formas urbanas de morar da elite cafeeira. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010, p. 74. Figura 09: Desenho do cartunista Belmonte. AMARAL, Edmundo. Rótulas e Manilhas – Evoluções do Passado Paulista. São Paulo: Editora Civilização Brasileira, 1932. http://www.novomilenio.inf.br/santos/h0354b.htm - copiada em 27-09-2014. Figura 10: Fotografia de Guilherme Gaensly, 1902. http://www.euemeuchapeu.com.br/cidade/a-paulista-que-nunca-foi-dos-baroes/#.VDM252ddWSo - copiada em 21-08-2014.

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Figura 11: Desenho elaborado no escritório de Ramos de Azevedo, no início do século XX. LEMOS, Carlos. Alvenaria Burguesa: breve história da arquitetura residencial de tijolos em São Paulo a partir do ciclo econômico liderado pelo café. São Paulo: Nobel, 1989, p. 98. Figura 12: Desenho elaborado no escritório de Ramos de Azevedo, no início do século XX. LEMOS, Carlos. Alvenaria Burguesa: breve história da arquitetura residencial de tijolos em São Paulo a partir do ciclo econômico liderado pelo café. São Paulo: Nobel, 1989, p. 98. Figura 13: LEMOS, Carlos. A República Ensina a Morar (melhor). São Paulo: Hucitec, 1999a, p. 63. Figura 14: LEMOS, Carlos. A República Ensina a Morar (melhor). São Paulo: Hucitec, 1999a, p. 62. Figura 15: Desenho assinado por Luís Pucci e Giulio Micheli, 1892. Arquivo Histórico Municipal “Washington Luís” DPH/SMC/PMSP – São Paulo HOMEM, Maria Cecília Naclério. O Palacete Paulistano – e outras formas urbanas de morar da elite cafeeira. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010, p. 120. Figura 16: Fotografia de Guilherme Gaensly, 1904. HOMEM, Maria Cecília Naclério. O Palacete Paulistano – e outras formas urbanas de morar da elite cafeeira. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010, p. 120. Figura 17: HOMEM, Maria Cecília Naclério. O Palacete Paulistano – e outras formas urbanas de morar da elite cafeeira. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010, p. 118. Figura 18: HOMEM, Maria Cecília Naclério. O Palacete Paulistano – e outras formas urbanas de morar da elite cafeeira. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010, p. 118. Figura 19: HOMEM, Maria Cecília Naclério. O Palacete Paulistano – e outras formas urbanas de morar da elite cafeeira. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010, p. 118.

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Figura 20: HOMEM, Maria Cecília Naclério. O Palacete Paulistano – e outras formas urbanas de morar da elite cafeeira. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010, p. 118. Figura 21: HOMEM, Maria Cecília Naclério. O Palacete Paulistano – e outras formas urbanas de morar da elite cafeeira. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010, p. 126. Figura 22: HOMEM, Maria Cecília Naclério. O Palacete Paulistano – e outras formas urbanas de morar da elite cafeeira. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010, p. 127. Figura 23: Fotografia de Otto Rudolf Quaas, 1900. Acervo do Instituto Moreira Salles. http://www.pinterest.com/pin/327214729148371189/ - copiada em 25-09-2014. Figura 24: HOMEM, Maria Cecília Naclério. O Palacete Paulistano – e outras formas urbanas de morar da elite cafeeira. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010, p. 152. Figura 25: SCHPUN, Mônica Raisa. Regionalistas e Cosmopolitas : As amigas Olivia Guedes Penteado e Carlota Pereira de Queiroz. In Artelogie, n.2, 2011. http://cral.in2p3.fr/artelogie/spip.php?article81 – copiada em 03-10-2014. Figura 26: HOMEM, Maria Cecília Naclério. O Palacete Paulistano – e outras formas urbanas de morar da elite cafeeira. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010, p. 154. Figura 27: HOMEM, Maria Cecília Naclério. O Palacete Paulistano – e outras formas urbanas de morar da elite cafeeira. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010, p. 154. Figura 28: HOMEM, Maria Cecília Naclério. O Palacete Paulistano – e outras formas urbanas de morar da elite cafeeira. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010, p. 200.

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Figura 29: Sem autor http://cafehistoria.ning.com/photo/residencia-de-horacio-sabino?context=latest – copiada em 03-10-2014. Figura 30: Desenho do Arquivo Histórico de São Paulo – A cidade e seus documentos São Paulo, 1903. http://www.arquiamigos.org.br/expo/2011ahsp/1889-1930-primeira-republica/1903-projeto-resid-horacio-sabino.html. – copiada em 03-10-2014. Figura 31: Desenho do Arquivo Histórico de São Paulo – A cidade e seus documentos São Paulo, 1903. http://www.arquiamigos.org.br/expo/2011ahsp/1889-1930-primeira-republica/1903-projeto-resid-horacio-sabino.html. – copiada em 03-10-2014. Figura 32: HOMEM, Maria Cecília Naclério. O Palacete Paulistano – e outras formas urbanas de morar da elite cafeeira. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010, p. 200. Figura 33: HOMEM, Maria Cecília Naclério. O Palacete Paulistano – e outras formas urbanas de morar da elite cafeeira. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010, p. 200. Figura 34: Fotografia do Arquivo de Sylvia Laraya Kawall. Jornal “O Estado de S.Paulo”, São Paulo. http://topicos.estadao.com.br/fotos-sobre-horacio-sabino – copiada em 03-10-2014. Figura 35: Sem autor Estadão, São Paulo. http://topicos.estadao.com.br/fotos-sobre-horacio-sabino – copiada em 03-10-2014. Figura 36: Sem autor http://projetobrasilfranca.wordpress.com/2010/06/14/vila-penteado-a-maior-mansao-art-nouveau-do-brasil-sao-paulo - copiada em 08-11-2014.

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Figura 37: HOMEM, Maria Cecília Naclério. O Palacete Paulistano – e outras formas urbanas de morar da elite cafeeira. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010, p. 190. Figura 38: Fotografia do autor, 2014. Figura 39: HOMEM, Maria Cecília Naclério. O Palacete Paulistano – e outras formas urbanas de morar da elite cafeeira. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010, p. 190. Figura 40: HOMEM, Maria Cecília Naclério. O Palacete Paulistano – e outras formas urbanas de morar da elite cafeeira. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010, p. 191. Figura 41: HOMEM, Maria Cecília Naclério. O Palacete Paulistano – e outras formas urbanas de morar da elite cafeeira. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010, p. 194. Figura 42: HOMEM, Maria Cecília Naclério. O Palacete Paulistano – e outras formas urbanas de morar da elite cafeeira. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010, p. 194. Figura 43: Fotografia do autor, 2014. Figura 44: Fotografia do autor, 2014. Figura 45: Fotografia do autor, 2014. Figura 46: SEGAWA, Hugo. Prelúdio da Metrópole – Arquitetura e Urbanismo em São Paulo na passagem do século XIX ao XX. São Paulo: Ateliê Editorial, 2000, p. 115. Figura 47: Revista “Cigarra” – capa, edição 3, 1914. https://patinadotempo.wordpress.com/2010/01/19/cigarra-natal-rio-grande-do-norte-1928-30/ - copiada em 04-04-2015.

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Figura 48: FARIAS, Claudio Lamas de, AYROSA, Eduardo, CARVALHO, Gabriela, ABRAMOVITZ, José, FRAIHA, Silvia. Eletrodomésticos – Origens, História & Design no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Fraiha, 2006, p. 61. Figura 49: Revista “Cigarra” - propaganda http://martaiansen.blogspot.com.br/2012_07_01_archive.html - copiada em 04-04-2015. Figura 50: MINDLIN, Henrique. Organização Racional da Cozinha. In: Acrópole, n.2. São Paulo: 1938, p. 21. Figura 51: MINDLIN, Henrique. Organização Racional da Cozinha. In: Acrópole, n.2. São Paulo: 1938, p. 22. Figura 52: Revista “Acrópole”, n.6. São Paulo: 1938, p.16. Figura 53: Revista “Acrópole”, n.6. São Paulo: 1938, p.17. Figura 54: Revista “Acrópole”, n.6. São Paulo: 1938, p.17. Figura 55: Revista “Acrópole”, n.34. São Paulo: 1941, p.355. Figura 56: Revista “Acrópole”, n.34. São Paulo: 1941, p.356. Figura 57: Revista “Acrópole”, n.34. São Paulo: 1941, p.357. Figura 58: Revista “Acrópole”, n.34. São Paulo: 1941, p.357. Figura 59: Revista “Acrópole”, n.46. São Paulo: 1942, p.388. Figura 60: Revista “Acrópole”, n.46. São Paulo: 1942, p.388. Figura 61: Revista “Acrópole”, n.46. São Paulo: 1942, p.388.

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Figura 62: Revista “Acrópole”, n.46. São Paulo: 1942, p.390.

Figura 63: Revista “Acrópole”, n.66. São Paulo: 1943, p.159.

Figura 64: Revista “Acrópole”, n.66. São Paulo: 1943, p.160.

Figura 65: Revista “Acrópole”, n.66. São Paulo: 1943, p.160.

Figura 66: Desenhos de Le Corbusier https://histarq.wordpress.com/2012/11/24/le-corbusier-1a-parte-1919-1932/ - copiada em 16-04-2015.

Figura 67: Revista “Acrópole”, n.1. São Paulo: 1938, p.22.

Figura 68: Revista “Acrópole”, n.1. São Paulo: 1938, p.26.

Figura 69: Revista “Acrópole”, n.1. São Paulo: 1938, p.22.

Figura 70: Revista “Acrópole”, n.1. São Paulo: 1938, p.24.

Figura 71: Revista “Acrópole”, n.10. São Paulo: 1939, p.25.

Figura 72: Revista “Acrópole”, n.10. São Paulo: 1939, p.41.

Figura 73: Revista “Acrópole”, n.10. São Paulo: 1939, p.40.

Figura 74: Revista “Acrópole”, n.10. São Paulo: 1939, p.44.

Figura 75: Revista “Acrópole”, n.10. São Paulo: 1939, p.44.

Figura 76: Revista “Acrópole”, n.16. São Paulo: 1939, p.25.

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Figura 77: Revista “Acrópole”, n.16. São Paulo: 1939, p.30.

Figura 78: Revista “Acrópole”, n.16. São Paulo: 1939, p.30.

Figura 79: Revista “Acrópole”, n.16. São Paulo: 1939, p.27.

Figura 80: Revista “Acrópole”, n.16. São Paulo: 1939, p.26.

Figura 81: PETROSINO, Maurício Miguel. João Batista Vilanova Artigas – residências unifamiliares: a produção arquitetônica de 1937 a 1981. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – Universidade de São Paulo. São Paulo: 2009, p.243. Figura 82: PETROSINO, Maurício Miguel. João Batista Vilanova Artigas – residências unifamiliares: a produção arquitetônica de 1937 a 1981. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – Universidade de São Paulo. São Paulo: 2009, p.242. Figura 83: Jornal Folha de S.Paulo http://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/23225-gregori-warchavchik - copiada em 20-05-2015. Figura 84: LIRA, José. Ruptura e Construção: Gregori Warchavchik, 1917-1927. SciELO - Scientific Electronic Library Online. Novos Estudos CEBRAP, São Paulo, 2007. http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-33002007000200013.

Figura 85: LIRA, José. Ruptura e Construção: Gregori Warchavchik, 1917-1927. SciELO - Scientific Electronic Library Online. Novos Estudos CEBRAP, São Paulo, 2007. http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-33002007000200013.

Figura 86: LIRA, José. Ruptura e Construção: Gregori Warchavchik, 1917-1927. SciELO - Scientific Electronic Library Online. Novos Estudos CEBRAP, São Paulo, 2007. http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-33002007000200013.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 17

1 AS CASAS COLONIAIS .................................................................................... 21

1.1 A OCUPAÇÃO TERRITORIAL DO PLANALTO DE PIRATININGA ................ 21

1.2 A URBANIZAÇÃO COM CASEBRES E SOBRADOS ..................................... 24

1.3 A CASA BANDEIRISTA .................................................................................. 27

1.4 A CASA RURAL E A MIGRAÇÃO MINEIRA ................................................... 28

1.5 O PROGRAMA DO SOBRADO COLONIAL ................................................... 31

1.6 A ARQUITETURA DA CASA E A RUA ........................................................... 41

1.7 ORGANOGRAMA PADRÃO DO SOBRADO COLONIAL ............................... 47

2 AS CASAS ECLÉTICAS.................................................................................... 48

2.1 AS TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS, ECONÔMICAS E CULTURAIS ............. 48

2.2 AS TRANSFORMAÇÕES URBANAS ............................................................. 50

2.3 O USO DO TIJOLO ......................................................................................... 55

2.4 AS ARQUITETURAS NEOCLÁSSICA E ECLÉTICA ...................................... 56

2.5 A HIGIENE E O ESPAÇO HABITACIONAL .................................................... 62

2.6 O PROGRAMA DA CASA TÉRREA ............................................................... 65

2.7 O PROGRAMA DO PALACETE ...................................................................... 70

2.8 ORGANOGRAMA PADRÃO DA CASA TÉRREA ........................................... 78

2.9 ORGANOGRAMA PADRÃO DO PALACETE ................................................. 79

2.10 CASOS DE RESIDÊNCIAS ECLÉTICAS ...................................................... 80

2.10.1 Residência da senhora Marguerita Marchesini .......................................... 80

2.10.2 Residência de José Fernandes Pinto ......................................................... 82

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2.10.3 Palacete do Conselheiro Antônio da Silva Prado ....................................... 84

2.10.4 Palacete de Inácio e Olívia Penteado ........................................................ 89

2.10.5 Palacete de Horácio Sabino ....................................................................... 93

2.10.6 Palacete de Antônio Álvares Penteado ...................................................... 98

3 AS CASAS NEOCOLONIAIS .......................................................................... 106

3.1 O CAFÉ, A INDÚSTRIA E A CIDADE MODERNA ........................................ 106

3.2 A NOVA FISIONOMIA DA METRÓPOLE PAULISTA ................................... 107

3.3 A ARQUITETURA NEOCOLONIAL EM SÃO PAULO .................................. 110

3.4 A RACIONALIZAÇÃO DA ARQUITETURA ................................................... 112

3.5 O AMERICAN WAY OF LIFE ........................................................................ 114

3.6 O PROGRAMA DA CASA NEOCOLONIAL .................................................. 118

3.7 ORGANOGRAMA PADRÃO DA CASA NEOCOLONIAL .............................. 127

3.8 CASOS DE RESIDÊNCIAS NEOCOLONIAIS RACIONALIZADAS .............. 128

3.8.1 Residência do senhor Ismael Brandão ....................................................... 128

3.8.2 Residência do senhor Sylvio Suplicy .......................................................... 131

3.8.3 Residência do senhor Caio Pinheiro .......................................................... 134

3.8.4. Residência do senhor Jacob Klabin Lafer ................................................. 137

4 AS CASAS MODERNISTAS ........................................................................... 141

4.1 A ARQUITETURA MODERNISTA EM SÃO PAULO .................................... 141

4.2 O PROGRAMA DA CASA MODERNISTA .................................................... 149

4.3 ORGANOGRAMA PADRÃO DA CASA MODERNISTA ................................ 151

4.4 CASOS DE RESIDÊNCIAS MODERNISTAS ............................................... 152

4.4.1 Residência do senhor G. Haberkamp......................................................... 152

4.4.2 Residência do senhor Alexandre Tito Labat ............................................... 156

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4.4.3 Residência do senhor Jayme de Albuquerque Cavalcanti ......................... 159

4.4.4 Residência do senhor Nicolau Scarpa Jr. ................................................... 162

4.5 A CASA DE WARCHAVCHIK DA RUA SANTA CRUZ ................................. 165

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 171

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................... 177

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INTRODUÇÃO

A configuração arquitetônica da moradia revela os aspectos da vida

privada do morador, suas necessidades, detalhes da organização familiar, sua

relação com a cidade onde mora, seu contato com culturas nacionais e

estrangeiras e o uso de sua casa como forma de expressão social. A casa é a

arquitetura mais íntima do homem, o seu abrigo e a construção cultural de uma

determinada sociedade, manifestada na organização de seus ambientes, na

disposição do mobiliário e através de fragmentos da cultura material, exigidos

conforme o seu programa de necessidades.

Esta pesquisa tem como objetivo o estudo do programa funcional da casa

da elite social paulistana na cidade de São Paulo, desde os sobrados do século

XVIII, até as mansões modernistas da primeira metade do século XX. Ela está

vinculada diretamente à história dinâmica da cidade, às transformações

socioeconômicas, urbanísticas e tecnológicas de São Paulo e às influências

culturais de seus imigrantes. É um trabalho com foco no estudo do programa

funcional do espaço arquitetônico dos sobrados, palacetes e mansões da elite

paulistana, porém revelando, ainda, muitos outros aspectos da história de São

Paulo. Já existem algumas pesquisas que mostram a ligação da arquitetura com a

sua história urbanística, social, econômica e cultural, mas sempre valorizando

muito mais o aspecto plástico da arquitetura. Este trabalho busca o enfoque no

programa funcional arquitetônico, em seus aspectos espaciais, sociais e

antropológicos, sem deixar de citar, também, as técnicas construtivas e os

partidos arquitetônicos, como fatores contribuintes e determinantes na

caracterização desses programas.

É importante salientar que há poucos livros e trabalhos acadêmicos na

área da Arquitetura focados na pesquisa dos programas funcionais e suas

mudanças ao longo do tempo. Esta pesquisa surgiu de um interesse antigo do

autor em estudar os motivos capazes de transformar o espaço residencial da elite

social paulistana, de forma radical, como aconteceu, e compreender as

consequências formais e funcionais dentro de um período amplo, pesquisa essa

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que permitisse a observação e a comparação das diversas alterações no interior

das casas e no modo de vida de seus moradores.

A escolha da “elite paulistana” justifica-se pelo interesse em pesquisar o

programa das casas construídas através da arquitetura erudita em São Paulo,

sem abrir espaço para um estudo mais profundo da arquitetura e dos programas

de casebres, mucambos, casas de operários, cortiços, entre outros, apesar da

devida importância da arquitetura popular na história da cidade.

Neste trabalho, o termo “elite” refere-se a um grupo situado em uma

posição hierárquica superior, dentro de uma determinada organização social, com

maior poder de decisão política, econômica e cultural, por isso mesmo capaz de

formar, transformar e difundir opiniões que sirvam como referência a toda a

sociedade1. Em São Paulo, a elite do século XVIII era formada pelos grandes

comerciantes e pelos fazendeiros de açúcar, chamados de “senhores de

engenho”; no século XIX, pelos “barões do café”; no século XX, pelos grandes

fazendeiros e pela burguesia industrial.

O trabalho tem início com a descrição do desenvolvimento da região do

Planalto de Piratininga, a partir da chegada dos jesuítas, em 1554, para, assim,

melhor explicar a formação da cidade, da sociedade, e as influências da

arquitetura rural nas primeiras construções urbanas; e finaliza com a análise do

programa funcional das casas modernistas, até o ano 1943, quando ocorre a

exposição “Brazil Builds” no MoMA (Museu de Arte Moderna de Nova York), e a

arquitetura modernista brasileira passa a seguir novos rumos, com um caráter

mais progressista.

A metodologia da pesquisa é bibliográfica e documental, pautada em

levantamentos e análises de trabalhos nas áreas da Arquitetura, do Urbanismo, da

Sociologia e da Antropologia; fotografias, desenhos técnicos; visitas a residências

de grande importância histórica; e montagens de organogramas para

comparações de programas funcionais de diferentes épocas.

1 Esse conceito de “elite” baseia-se na obra “The Power Elite” (1956), do sociólogo norte-americano Charles

Wright Mills.

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As pesquisas feitas na revista “Acrópole”, da edição n.1, de 1938, até a

edição n.152, de 1950, foram de grande importância para o trabalho, em especial,

na elaboração dos capítulos 3 e 4.

O primeiro capítulo, “As Casas Coloniais”, descreve o contexto histórico

do surgimento da cidade de São Paulo; o aparecimento das casas bandeiristas e

as primeiras casas urbanas; a influência dos migrantes mineiros na arquitetura e

nos costumes paulistanos; e a compreensão dos programas funcionais dos

sobrados coloniais urbanos. Esses sobrados, pertencentes às famílias mais

abastadas do século XVIII, surgem em uma fase de pobreza da cidade, e pouco

se distinguiam dos casebres em qualidade, tanto no interior como no exterior da

residência.

O segundo capítulo, “As Casas Ecléticas”, trata de grandes mudanças na

arquitetura residencial da elite, ocorridas no final do século XIX, devido ao

enriquecimento com o café; a implantação de ferrovias e o desenvolvimento da

economia; o trabalho da mão de obra imigrante; o uso difundido do tijolo nas

construções; as arquiteturas neoclássica e eclética; a importância da higiene e da

salubridade na arquitetura residencial; as mudanças na legislação urbana; a

compreensão dos programas funcionais das casas térreas e dos palacetes, com

comparações ao programa colonial; e a apresentação de exemplos arquitetônicos

relevantes desse período.

O terceiro capítulo, “As Casas Neocoloniais”, mostra um momento, no

século XX, em que o país buscava a sua identidade nacional e, por isso, evocava

a arquitetura colonial em oposição às influências europeias do século XIX. Nesse

mesmo momento, há o crescimento da indústria e a necessidade de

racionalização da arquitetura. O capítulo trata, também, do surgimento da

burguesia industrial; da popularização do art decó; das influências norte-

americanas; do surgimento dos eletrodomésticos; da compreensão dos programas

funcionais da casa neocolonial, com comparações aos programas anteriores; e da

apresentação de importantes projetos arquitetônicos desse período.

O quarto capítulo, “As Casas Modernistas”, descreve um momento

cronologicamente paralelo ao do capítulo anterior, porém focando o surgimento de

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uma nova arquitetura e um novo conceito espacial, criados por Le Corbusier, e

defendidos pelos jovens arquitetos de São Paulo. Ainda que não aceitos pela

burguesia tradicional da cidade, foram apoiados por alguns representantes

vanguardistas da burguesia industrial e por uma elite intelectual. O capítulo

termina com a compreensão dos programas funcionais da casa modernista, com

comparações aos programas anteriores; a apresentação de exemplos

arquitetônicos relevantes desse período; e uma análise do programa funcional da

“Casa de Warchavchik”, na rua Santa Cruz.

No quinto capítulo, “Considerações finais”, são feitos os comentários de

finalização do trabalho, após um breve resumo e uma análise das oposições

marcantes nos diferentes programas funcionais da residência da elite paulistana,

durante os três séculos estudados.

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1. As casas coloniais

“Há em São Paulo algumas casas verdadeiramente ricas; mas, em geral, as fortunas não são muito consideráveis.” - Auguste de Saint-Hilaire

1.1 A ocupação territorial do planalto de Piratininga

No ano de 1554, um grupo de jesuítas portugueses, comandado pelos

padres Manuel da Nóbrega e José de Anchieta, chegou ao planalto paulista,

auxiliado por João Ramalho, com o objetivo de catequizar os índios que viviam na

região localizada entre os rios Tietê, Anhangabaú e Tamanduateí. Esses jesuítas

contaram com a total aprovação do cacique Tibiriçá, líder de uma das aldeias

próximas, dado o interesse dos índios em ter acesso às técnicas e ferramentas de

trato da terra dos brancos, maior que pelo cristianismo.

Para efetivar o trabalho de catequese, índios e religiosos construíram um

colégio, marco inicial da futura Vila de São Paulo, que se desenvolveu em uma

colina rodeada de várzeas, como uma típica aldeia portuguesa (LEMOS, 1999b).

A região agradava aos jesuítas não somente pela semelhança com o clima ibérico,

mas por ser uma terra de muitos campos férteis e água fresca, pastos com

variedade de alimentos para o gado, os cavalos e os porcos. Também havia

árvores com muitas frutas, algumas conhecidas nos campos de Portugal,

conforme relatos e descrições do Padre José de Anchieta em suas cartas à corte

(BRUNO, 1991).

A ocupação das novas terras na região deu-se de forma bem dispersa, ou

seja, através de diversos aldeamentos, o que se explica pela geografia da região,

com relevo de muitos aclives, vales e riachos. Inicialmente, a organização urbana

foi se desenvolvendo da mesma forma em toda a colônia, centrada administrativa

e eclesiasticamente nas paróquias, cada uma dominada por uma igreja.

Mas o fato de se desenvolver em um planalto de difícil acesso, pela

dificuldade de subir a Serra do Mar, fez com que a capital da província de São

Paulo, no período colonial, se tornasse uma cidade desconectada do litoral e

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isolada do resto do país. Esse relativo isolamento da região, até o início do século

XVIII, prejudicou o seu desenvolvimento econômico, que se mantinha por meio de

lavouras de subsistência, através do trabalho forçado do índio, e também fez com

que os paulistas desenvolvessem traços culturais muito próprios, encontrados até

mesmo na peculiaridade da arquitetura da região.

No ano de 1681, o Marquês de Cascais, donatário da Capitania de São

Vicente, transferiu sua capital para a Vila de São Paulo, que foi instalada, em

1683, com muita alegria da população, grandes comemorações e festejos

públicos.

Porém, a pobreza dos moradores locais, que não podiam comprar

escravos negros africanos, e a necessidade de mão de obra na região fizeram

com que se iniciassem as atividades dos bandeirantes, que se dispersaram pelo

interior do país em busca de índios para o trabalho da lavoura. Esses

desbravadores abandonaram suas terras no planalto não só à procura de mão de

obra, mas também de ouro e diamantes. Pelo caminho, esses moradores

nômades do planalto foram deixando seus rastros e, próximos aos riachos, era

comum encontrar casebres simples e provisórios de taipa de pilão ou adobe,

cobertos de palha (BRUNO, 1991).

Apesar de todas as dificuldades, a vila cresceu e, em 1711, a Vila de São

Paulo foi elevada à categoria de cidade. Entretanto, toda a região do planalto

paulista seguia com sua base econômica na agricultura de subsistência e, pela

raridade da moeda, era comum haver muitos negócios através de trocas de

animais e alimentos da terra, como mandioca, açúcar, trigo, algodão, milho,

laranja, limão, marmelo, jabuticaba, entre outros. Os inventários dos primeiros

paulistas acusavam pequena quantidade de importações e completa ausência de

luxo (MORSE, 1970, p.32 e 33). Portanto, São Paulo estava longe de ser um

empório comercial.

Para se chegar à cidade de São Paulo, era necessário muito esforço na

luta contra todas as dificuldades do caminho: o acesso à serra em trilhas

perigosas ladeadas de precipícios abruptos, os ataques dos índios, a fome e as

doenças, obstáculos esses que levaram a imigração europeia a um rigoroso

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processo seletivo (MORSE, 1970, p.30). Tais condições de vida determinaram,

mais tarde, a formação de uma sociedade em moldes mais democráticos,

diferente daquela que estava sendo estabelecida mais ao norte da colônia.

Assim, desde o início do século XVI, os paulistas eram conhecidos por

seu jeito de “bicho do mato”, de caráter voluntarioso, pragmático, destemido,

valente, lutador, rebelde e desconfiado de novas ideologias. Com o passar do

tempo, os colonos da região não aceitaram a ideia centralizadora dos jesuítas no

desenvolvimento urbano através do povoamento em núcleos ao redor do colégio e

de suas igrejas. Seguiram em outra direção, preferindo a distribuição sobre os

terrenos vastos do planalto, montando suas fazendas, acompanhados por seus

escravos índios e mamelucos (SAIA, 1995, p.31).

Os paulistas se opuseram com êxito aos esquemas jesuíticos de núcleos sagrados, utópicos, bem como ao seu uso de terra como instrumento de conquista e acumulação de poder. Para isso, desenvolveram um padrão de povoamento rural dispersivo, que manteve baixo o valor da terra, deu relevo aos séquitos de mamelucos e guerreiros

índios e tornou o centro urbano um núcleo principalmente simbólico (MORSE, 1970, p.29).

Nesse cenário, na cidade de São Paulo, em processo de formação, do

século XVI ao século XVIII, foram se fixando colonos brancos mais abastados,

mamelucos, escravos indígenas e, mais tarde, negros. As casas na área urbana

foram se organizando próximas à Câmara Municipal e às igrejas. Muitas outras

casas foram dispersas pela área rural ao redor do centro urbano. Surgiram o

comércio e as trocas de produtos, realizadas através dos deslocamentos das

tropas e, mais tarde, na área rural, os engenhos de açúcar que marcaram a

segunda metade do século XVIII.

Em 1765, o governo-central enviou a São Paulo Dom Luís Antônio de

Sousa Botelho Mourão, mais conhecido como “Morgado de Mateus”, com a função

de governar a região. Essa atitude tinha como meta alterar a característica local

ainda pobre e pouco povoada, além de fortalecer o domínio português na marinha

do sul e em todas as divisas com ocupação espanhola.

Morgado de Mateus iniciou o governo reagrupando a população em novas

cidades ao redor do centro urbano e incentivou a agricultura e o comércio de

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tropas na região. Trouxe, também, novas ferramentas e tecnologias de plantio e

estimulou a produção de cana-de-açúcar no planalto paulista, visando ao comércio

internacional, pois o consumo de açúcar na Europa e a quebra de produção nas

colônias francesas desse período favoreceram ali o cultivo de cana-de-açúcar

(SETÚBAL, 2004a). Pela fertilidade do solo de “terra roxa”, a região logo se

transformou em uma grande produtora de açúcar do país.

Então, a partir dessa segunda metade do século XVIII, o chamado

“quadrilátero”, região compreendida pelas cidades de Piracicaba, Mogi-Guaçu,

Jundiaí e Sorocaba, ficou conhecido como a grande indústria produtora de açúcar

da região. Os antigos fazendeiros do planalto, bem como os novos produtores de

açúcar, passaram a ser chamados de “senhores de engenho”, tornando-se

conhecidos por suas grandes propriedades e pela produção de açúcar, rapadura,

melado e aguardente.

1.2 A urbanização com casebres e sobrados

No centro urbano, a quantidade de casas ao redor do colégio dos jesuítas

e das igrejas foi aumentando vagarosamente, dando forma à região central da

cidade durante o período colonial. Os moradores da área urbana construíam

normalmente casas mais simples que as rurais. As casas construídas por jesuítas

para o abrigo de índios continuavam com um aspecto bem primitivo, feitas com

paus roliços e telhado de palha, como as ocas, porém havia também casas em

taipa de pilão e de mão, e telhado com telhas de canal de cerâmica. Além desses

modelos mais simples, foram aparecendo alguns sobrados na região,

pertencentes às famílias mais abastadas de São Paulo.

Mesmo assim, era ainda mais comum encontrar, na região, casas de

índios, mamelucos, tropeiros e aventureiros, que construíam moradias

propositalmente provisórias, que não lhes custava substituir por outras parecidas,

depois de alguns poucos anos.

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Os fazendeiros foram preenchendo toda a área rural com suas grandes

propriedades e, com isso, o resto da população foi, com o tempo, estabelecendo-

se no centro urbano e em pequenas propriedades agrícolas próximas a ele. Dessa

forma, notavam-se claramente dois tipos bem diferenciados de casa na área

urbana: o casebre popular e o sobrado da classe dominante.

Afonso Brás, que é considerado por muitos o primeiro “arquiteto” da

cidade, quando ainda era chamada vila, no século XVI, construiu, com seus

auxiliares, algumas casas para os índios na região urbana, já preocupado em

seguir um alinhamento dessas casas (BRUNO, 1991).

Com o passar do tempo, o poder municipal passou a controlar o desenho

das casas para o cumprimento de alguns gabaritos estéticos aprovados pela

Câmara Municipal, o que indicava um crescimento mais acelerado da cidade na

área urbana. As casas seguiam um modelo com fachadas pequenas, pois os lotes

eram estreitos e compridos, com uma porta de entrada direta à sala e uma, duas

ou mais janelas, conforme a vontade e condição do morador. Esse padrão cuidava

não somente do desenho da fachada, mas também do tamanho do lote e da

implantação da casa no terreno.

Assim, a cidade de São Paulo foi crescendo segundo um claro padrão

português em seu desenho urbano, com casas construídas em taipa de pilão e

taipa de mão seguindo um alinhamento frontal bem definido, paredes laterais nos

limites de seus terrenos, e todas com um quintal nos fundos (REIS FILHO, 2011).

Não havia recuos e jardins frontais. As fachadas alinhadas delimitavam a transição

do espaço privativo da casa para o espaço público, a rua, onde caminhavam

moradores da região e vários animais soltos. A parede externa da fachada era em

taipa de pilão, com espessuras que variavam de quarenta a sessenta centímetros,

pintadas na cor branca com cal ou tabatinga (de cor branca, um pouco amarelada)

(SAIA, 1995, p.80). As cores das fachadas costumavam ser claras: brancas,

amareladas ou até rosadas, e era comum a madeira das portas e janelas ser

pintada de verde ou azul.

Até o início do século XVIII, apesar do crescimento da região, São Paulo

ainda era uma cidade pequena e rústica, sem ter uma contribuição relevante no

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desenvolvimento do país (MORSE, 1970, p.38). Porém, já se notavam algumas

mudanças em relação à sociedade dos séculos anteriores. A figura do fazendeiro

bandeirante, valente e dominador, foi dando lugar à do novo fazendeiro dos

engenhos de açúcar nas áreas rurais e à do comerciante esperto e bom

negociador no centro urbano da cidade (MORSE, 1970). Com o crescimento do

comércio no século XVIII, a cidade passou a ser habitada por diversos tipos de

comerciantes: seleiros, ferreiros, sapateiros, marceneiros, artesãos, tecelões,

entre muitos outros.

Novas rotas fluviais e terrestres surgiram, favorecendo ainda mais o

comércio e a exportação dos produtos da região, e o período das bandeiras foi

sendo substituído pelo período das tropas de mulas. Também, nessa época, os

negros começaram a aparecer em maior quantidade em São Paulo, passando a

ser muito utilizados no trabalho de mineração e no serviço doméstico nas casas

dos grandes proprietários.

Os finais de semana e outras datas especiais de comemoração eram dias

em que esses senhores de engenho e suas famílias visitavam o centro urbano da

região. Passavam alguns dias em seus sobrados com o intuito de comprar sal,

trigo, artigos manufaturados, roupas, escravos negros, bem como participar de

eventos religiosos e políticos da região.

Em regra geral os sobrados urbanos começaram nos meados do século XVIII, raros entre os humildes casarios de um só piso. Mas eram casas de taipa de pilão, que não costumavam ser pequeninas e, entre a maioria de porta e janela, sobressaíam as de uma porta e duas janelas e as de porta entre muitas janelas. [...] Mas, embora se repita que os senhores rurais tinham boas casas de morada nas fazendas e engenhos, deixando de caprichar nas das vilas, isso não se estende aos meados e final deste período. Eles gostavam da casa térrea da fazenda, às vezes com o pequeno sobrado devido ao desnível da frente, mas apreciavam também os seus sobradões das ruas de procissão

em povoado. (MOURA, 1999, p.18).

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1.3 A casa bandeirista

Antes da chegada dos jesuítas, a arquitetura local, assim como a de todo

o país, era vernácula e indígena. A morada do índio na região caracterizava-se por

algumas madeiras roliças estruturais fincadas na terra e outras funcionando como

vigas definidoras de uma abóboda coberta de palha. Era a morada conhecida

como oca, um espaço fresco e escuro, limitado por paredes com poucas e

pequenas aberturas, mas com um sistema bem eficaz de ventilação. Esse modelo

arquitetônico de moradia foi, aos poucos, sendo substituído pelo modelo

conhecido hoje como “casa bandeirista”.

O termo “bandeirista” refere-se à cultura mameluca, ao uso e às

atividades exercidas por esse mestiço da região de São Paulo (SAIA, 1995;

LEMOS, 1999b). A expressão “casa bandeirista” é usada para referir-se às

construções residenciais rurais paulistas do período colonial, de cultura mameluca,

com paredes em taipa de pilão e telhado com estrutura de madeira e telhas de

canal em cerâmica. Essas casas possuíam um partido arquitetônico simples, com

planta quadrada ou retangular, diferentemente do desenho circular ou elíptico da

oca, e seguiram padrão estético e de organização espacial com poucas alterações

desde o século XVI até o início do século XVIII.

O modelo da casa bandeirista era caracterizado pelo sincretismo da

moradia indígena e ibérica, porém o seu programa foi orientado, em seu interior,

pela direção cristã dos portugueses, que não toleravam as circulações e

acomodações promíscuas dos índios (LEMOS, 1999b).

É bem provável que a técnica construtiva de taipa de pilão tenha sido

trazida ao Brasil pelos portugueses e muito adotada na região de São Paulo, onde

não havia jazidas de carbonato de cálcio para a produção de cal. Assim, era

impossível a fabricação de argamassas e alvenarias. Na época, era também difícil

o transporte desses materiais até a região devido à inexistência de caminhos

adequados e veículos para o transporte. Dessa forma, naquele período de

pobreza, a técnica construtiva em taipa de pilão foi aceita e difundida pelo fato de

ser viável, bem eficiente e também barata (LEMOS, 1999b, p.39). Por isso, ficou

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conhecida, no país, por ser a técnica padrão de uso dos paulistas, que foram por

isso chamados de “bons taipeiros”.

1.4 A casa rural e a migração mineira

O professor e pesquisador Carlos Lemos costuma comparar a casa

bandeirista a uma “esfinge semidecifrada” (LEMOS, 1999b, p.20), pela dificuldade

em se estudar sua arquitetura e seus programas de necessidade, devido aos

poucos “restos arquitetônicos” incompletos que dela se têm, além dos raros

documentos em textos e desenhos disponíveis.

Mas, mesmo com essa escassez de dados, pode-se concluir que a casa

bandeirista de São Paulo não teve quase nenhuma alteração desde o início do

século XVI até a primeira metade do século XVIII, no aspecto da técnica

construtiva, do partido arquitetônico e do programa de necessidades da casa.

(LEMOS, 1999b). Essa observação é importante, pois demonstra que a sociedade

dessa época passou mais de dois séculos por uma estabilidade sociocultural,

econômica e tecnológica.

Os colonos brancos, moradores mais abastados de São Paulo no início

do período colonial, chamados também de fazendeiros, tinham suas grandes

famílias formadas pelo fazendeiro patriarcal, sua esposa, cerca de dez ou mais

filhos, alguns agregados, hóspedes viajantes e escravos indígenas e negros. As

escravas concebiam também, normalmente, filhos de seus senhores (MORSE,

1970).

Essas famílias, no século XVI, moravam em fazendas ao redor do centro

urbano de São Paulo. Eram grandes propriedades rurais com ocupações bem

fragmentadas, geralmente constituídas pela construção principal, a casa onde

residia a família do fazendeiro, e outras com diferentes funções, dispersas pelo

terreno, formadas por construções onde dormiam os escravos, por depósitos de

vários tipos de cereais, por paióis, moinhos de trigo ou milho, a área do monjolo, o

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galinheiro, o curral, a moenda, entre outras construções, conforme a necessidade

dos serviços na fazenda (LEMOS, 1999b).

Nessa época, a fazenda era o abrigo principal da elite do planalto de

Piratininga. Era ali que a família morava e cuidava do seu plantio de subsistência e

dos seus animais; onde os fazendeiros recebiam os tropeiros e os acolhiam no

quarto de hóspedes; e onde também faziam trocas e compras debaixo do telhado

dos alpendres das casas.

Essa hospitalidade dos fazendeiros significava muito mais que um ato

bom e cordial, como diz Carlos Lemos: “era uma obrigação social que garantia a

sobrevivência da comunidade” (LEMOS, 1999b, p.30). Porém, lembrando que

esse fazendeiro de São Paulo tinha um caráter de “bicho do mato” desconfiado e

era o chefe de uma grande família inserida em uma sociedade patriarcal rígida,

não permitia que as mulheres ficassem no alpendre ou próximas de qualquer

abertura da casa, expostas aos olhares dos “estranhos”, como eram chamados,

na época, os visitantes desconhecidos. Isso justificava muito bem o desenho

“fechado” da casa bandeirista, com a presença de suas alcovas e poucas

aberturas de portas e janelas.

Na casa rural, o alpendre dava acesso também à capela, onde o

fazendeiro recebia o padre para os eventos religiosos da família. A grande

distância em relação ao centro urbano impedia a ida frequente à igreja, daí a

capela ser um espaço comum e fundamental inserido no programa da casa rural.

A religião dos fazendeiros portugueses e dos mamelucos, tanto os

moradores da área rural quanto da urbana, era muito importante e estava bem

ligada ao temor ao desconhecido e abstrato, e também à precariedade da vida na

região, às dificuldades do cotidiano e à sobrevivência. As crenças eram meio

cristãs e meio indígenas, principalmente para os caipiras mamelucos. Aos poucos,

as forças da natureza foram sendo substituídas pela fé cristã, porém, para eles,

não bastavam os cantos e as orações, como para a maioria dos portugueses. Era

necessário, também, dançar como os antecessores indígenas (SETÚBAL, 2004b).

Como isso não era permitido dentro das igrejas, muitos deles saíam em

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procissões, folias e festas. Na noite de São João, erguiam o mastro e dançavam

ao redor da fogueira, conforme os antigos rituais e cerimônias indígenas.

O centro urbano, nos séculos XVI e XVII, era desprezado pela população

paulista, principalmente pela elite da sociedade. Porém, os fazendeiros tinham

suas casas na área urbana para utilizá-las em ocasiões especiais, como festas

religiosas ou reuniões políticas da Câmara Municipal. Nos outros dias, essas

casas ficavam abandonadas, sem muita importância para eles. A elite da

sociedade paulistana demorou a ter seus sobrados urbanos e, quando isso

aconteceu, eles não surgiram com tanta exuberância como alguns que já existiam

em outras cidades do país. Tinham a simplicidade da arquitetura bandeirista, e era

comum não terem mais que um pavimento superior.

No século XVIII, o trabalho nos engenhos de produção de açúcar,

rapadura, melado e aguardente promoveu o aumento da população negra no

planalto paulista e a consequente inclusão de novos rituais religiosos e algumas

mudanças culturais no cotidiano da população colonial. Alguns negros realizavam

cultos religiosos clandestinos com rituais de feitiçaria, outros realizavam cultos

abertos ao redor do chafariz da Misericórdia, local de reunião dos escravos negros

(MORSE, 1970). Mesmo assim, pelo fato de os negros terem chegado tarde à

composição da comunidade paulista, pouco contribuíram para a vida cotidiana e

para a cultura da região, muito marcada ainda pela grande influência branca e

mameluca.

O enriquecimento da classe social dos produtores de açúcar teve

consequências em toda a região: o crescimento maior na área urbana e nas vilas

ao redor, o aumento do consumo e das atividades dos comerciantes, a introdução

do trabalho artesanal doméstico e o aumento da compra de escravos negros.

Então, a partir da segunda metade do século XVIII, esse novo cenário passou a

interessar também aos mineiros que, desiludidos com o esgotamento do ouro em

suas terras, começaram a migrar para a região de São Paulo.

A mudança da função da fazenda bandeirista para o engenho de açúcar e

a instalação de grande número de mineiros no planalto provocaram algumas

alterações na arquitetura rural, mas pouco na arquitetura das casas urbanas. Com

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a cultura mineira, chegou ao centro de São Paulo a técnica de construção em

taipa de mão, ou pau a pique, já muito usada nas terras das Minas Gerais.

Trouxeram, também, o uso da estrutura de “gaiola” (LEMOS, 1999b), pois haviam

aprendido a execução da técnica de “gaiolas” em madeira com os engenheiros

militares portugueses, que desenvolveram esse novo método estrutural para

proteger melhor as edificações, depois do terrível terremoto ocorrido em Lisboa,

no ano de 1755. Porém, com o passar do tempo, as técnicas paulistas e mineiras

misturaram-se, e muitas construções do final do século XVIII passaram a utilizar

grossas paredes externas em taipa de pilão e paredes internas e divisórias em

taipa de mão. Além dessas técnicas construtivas, com os mineiros apareceram,

também, o forro de madeira, as sacadas mais salientes e o desenho curvo das

vergas sobre as portas e janelas, quebrando um pouco o aspecto rude e de linhas

rígidas bandeiristas dos sobrados e casebres urbanos da época.

1.5 O programa do sobrado colonial

O programa dos sobrados apresentava poucas diferenças em relação ao

dos casebres. Aliás, era um programa funcional muito parecido em todo o país

(REIS FILHO, 2011). Isso se explica pelo desenho estreito e comprido das casas e

pela implantação de residências geminadas com telhados de duas águas no

modelo urbano português. Era difícil fugir ao modelo padrão formado por uma sala

de receber (ou sala de visitas), logo à entrada, acessível através da porta

principal; um corredor que saía dessa sala e acessava os dormitórios sem janelas,

chamados também de alcovas ou camarinhas; e, ao fundo, a varanda, espaço de

transição para o quintal. Esse modelo era bem semelhante, em sua organização,

às casas bandeiristas.

Os sobrados eram casas urbanas de propriedade dos fazendeiros e

comerciantes abastados. Sua arquitetura permitia que o morador deixasse todo o

pavimento térreo para usá-lo como um estabelecimento comercial.

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Fig.1 – Modelos de fachadas dos sobrados coloniais de São Paulo reproduzidos pelo

historiador José Wasth Rodrigues (1990).

a) Padrão mais simples b) Padrão senhorial com sacada de ferro e esteios para luminárias c) Padrão com último andar em forma de água-furtada d) Padrão com dois andares (modelo muito raro em São Paulo) e) Padrão com quatro águas no telhado e quatro águas furtadas dispostas em

cruz

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Caso o morador não fosse um comerciante, deixava normalmente o espaço térreo

vazio (REIS FILHO, 2011), pronto para acomodar seus escravos e seus animais.

O acesso da rua à edificação era por algumas portas que se abriam para a loja e

por outra porta, de onde saía um corredor lateral que ia até o fundo do terreno e

também levava a uma escada que permitia o acesso ao pavimento superior.

Nesse piso superior, outro corredor ligava a sala de visitas, localizada à frente da

casa, à varanda ou “sala de viver”, aos fundos. Anexo à varanda no piso superior

ou sob um telheiro no quintal, havia um espaço destinado somente à preparação e

cozimento dos alimentos, a cozinha. Na área central, entre a sala de visitas e a

varanda, o corredor era ladeado pelas portas de acesso às alcovas. Ao fundo do

terreno, assim como nos casebres, ficava o quintal.

Fig.2 – Perspectiva modelo do sobrado

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PLANTA PAVIMANTO TÉRREO PLANTA PAVIMENTO SUPERIOR

Fig.3 – Plantas do pavimento térreo, à esquerda, e do pavimento superior, à direita.

Legenda:

1 – loja 2 – corredor 3 – sala de visitas 4 – alcova 5 – varanda (ou sala de viver) 6 – cozinha e serviços

A sala de visitas (ou sala de receber, como era mais conhecida nos

casebres) tinha a função social de receber os amigos convidados e os visitantes

“estranhos”, bem como o ambiente onde aconteciam as comemorações da família,

os almoços e jantares especiais.

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A entrada nesses espaços da casa não permitia o acesso físico e visual

do visitante ao setor privativo e de serviços da casa. Em dias de visitas, as

mulheres recolhiam-se em suas alcovas ou na varanda, ao fundo da casa, para se

esconderem dos olhos abusados dos visitantes “estranhos”.

A pequena casa urbana e a da roça, no entanto, têm ambas em seus organogramas funcionais, absoluta identidade – possuíam os mesmos critérios de morar no que dizia respeito à segregação da mulher, dona de uma área indevassável pelos estranhos. O resguardo da família era fundamental na organização do programa, como atestam conhecidos depoimentos dos séculos XVIII e XIX, quando se referem às práticas muito

antigas da sociedade apartada de todos (LEMOS, 1999b, p.21).

Alguns comerciantes mais humildes, principalmente os artesãos, usavam

a sala de recepção também como um espaço de trabalho. Porém, aqueles mais

abastados tinham a condição de construir os seus sobrados e podiam separar

melhor a área de trabalho da área social da casa.

Durante os três primeiros séculos de São Paulo, o interior dos sobrados,

assim como das demais casas urbanas ou casas rurais, foi desprovido de luxos e

requintes. As casas, em geral, tinham poucas mobílias, e as poucas que havia

tinham prioridade em seu aspecto funcional, constituindo-se em “caixas” de

madeira, baús, poucas mesas e cadeiras, bufetes, catres ou camas. Nas salas de

visitas, apesar de seu caráter social, não havia mobiliários bonitos e luxuosos.

Porém, nos sobrados da cidade do final do século XVIII, já era comum encontrar-

se um sofá com assento de palha e três ou quatro cadeiras dispostas em alas

rigorosamente paralelas. Quando havia visitas das quais as mulheres podiam

participar, os homens sentavam-se nas cadeiras, e as senhoras, nos sofás

(BRUNO, 1991).

Os sobrados tinham o pavimento térreo em terra batida, assim como nos

casebres, mas o pavimento superior era um assoalho estruturado por grossos

barrotes de madeira. A madeira preferida dos forros e assoalhos era, por sua

durabilidade, a canela-preta.

As alcovas eram pequenas, abafadas e escuras. Por estarem no centro

da casa, longe das portas e janelas, e pela necessidade do resguardo das moças

e senhoras da casa, elas não eram ambientes agradáveis e tinham suas funções

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de descanso e resguardo. Nas alcovas ocorria também a limpeza íntima dos

corpos dos moradores, que era feita através de tinas e jarros de água e com

panos molhados.

Essas alcovas tinham normalmente forros de madeira e, acima deles,

funcionava um espaço de depósito da casa.

Era muito comum, em casas urbanas ou rurais, a existência de alguns

quartos de hóspedes. Nos sobrados, as alcovas e quartos de hóspedes ficavam

no pavimento superior, e os quartos dos escravos sempre no piso térreo.

Até o século XVII, as mulheres dormiam em catres, e os homens, em

redes. Na região de São Paulo, ainda uma região muito pobre nesse período

colonial, as camas apareceram somente na metade do século XVII, como símbolo

Fig.4 – Gravura “Uma Sala de Estar em São Paulo” do pintor Thomas Ender de 1817, registrando o

despojamento de móveis e objetos no ambiente. Próximos às janelas, existem blocos fixos funcionando como bancos de uso das moças e senhoras da casa para a observação do movimento na rua através das rótulas.

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de riqueza e poder (DONATO, 2005). As redes, influência do modo de vida dos

índios, eram utilizadas não somente nas alcovas, mas também nas varandas das

casas urbanas e rurais. Seus ganchos eram presos em estruturas de madeira

separadas das paredes da casa, pois a taipa de pilão não era capaz de reter os

pontos de fixação.

A varanda dos sobrados era constituída por espaços grandes, geralmente

com o seu comprimento igual à largura do terreno da casa. Tinha funções muito

importantes, pois era não somente um espaço de transição, mas também de

preparação e cozimento dos alimentos. Era, ainda, utilizada pela família como um

ambiente de convivência, para sentar-se à mesa e alimentar-se no dia a dia, daí

ser chamada também de “sala de viver”. Em alguns inventários pesquisados no

período colonial, foram encontradas descrições de algumas tripeças2 nessas

varandas, principalmente nas casas rurais. Eram peças utilizadas no ato de cozer

(LEMOS, 1999b; SAIA, 1995), e a sua montagem na varanda ou no quintal

permitia que o cozimento dos alimentos não ocorresse em um local único da casa.

Porém as varandas não possuíam nenhuma peça fixa de uso para o cozimento,

como um fogão ou uma lareira. Eram apenas espaços de apoio à cozinha e

deveriam ser ótimas para essa função devido à sua ventilação uma vez que

tinham janelas voltadas ao quintal ou eram espaços bem vazados, com somente

um guarda-corpo de balaústres simples em madeira de canela-preta. Essa

madeira, muito utilizada em todo o período colonial nas casas bandeiristas,

passou, então, a ser muito rara no século XVIII. Daí para frente foi necessário o

uso alternativo de madeiras inferiores na construção de casas, como

principalmente a peroba, a arindiúva e a maçaranduba (SAIA, 1995).

As varandas eram um espaço muito utilizado pelas mulheres da casa,

pois lá elas estavam protegidas e escondidas dos olhares de visitantes, um lugar

de onde elas podiam vigiar as crianças nos quintais e também realizar muitos dos

seus serviços domésticos.

2 Na casa bandeirista, a “tripeça” costumava ser uma estrutura triangular de blocos de terra apoiados no chão,

usada como base para as panelas de cerâmica.

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O trabalho da mulher colonial, até o século XVIII, estava vinculado a tudo

que era doméstico e familiar: administrar a casa, preparar alimentos, cuidar das

crianças e vigiá-las. Ou seja, enquanto o homem cuidava do exterior, ela cuidava

de tudo que pertencia ao interior da casa. Tanto nas varandas das casas de

engenho, quanto nos sobrados urbanos da época, era comum encontrar as

senhoras, as mocinhas e as escravas reunidas ali para trabalhar ou conversar.

Porém, nesses momentos, era normal que houvesse uma divisão espacial entre

as mulheres brancas e as negras (LEMOS,1999b). Na varanda sempre havia

mesas e bancos de madeira, e lá se produzia artesanato caseiro, panos de

algodão, roupas, redes, chapéus de feltro, sabão, óleo de combustível, xaropes,

remédios e utensílios diversos para uso doméstico; preparavam-se doces e

realizavam-se diversos outros trabalhos relacionados à produção de alimentos na

cozinha.

No final do século XVIII, o cozimento de alimentos nas casas urbanas

deixou de ser ambulante ou de acontecer fora do corpo da casa, como faziam os

índios, e passou a ocorrer em um único local, a cozinha, sempre localizada ao

lado da varanda, muitas vezes como um “puxado” da casa e sob um telheiro.

Os portugueses pouco contribuíram no desenho da cozinha paulista e na

organização desse espaço dentro da casa colonial. Enquanto os portugueses

estavam acostumados ao uso do “fogão-lareira” dentro da casa para cozer seus

alimentos e aquecer os ambientes, os índios estavam acostumados a montar suas

fogueiras fora de suas ocas (LEMOS, 1976). Os índios faziam fogueiras dentro de

suas ocas somente com a função de enfumaçar a área interna e expelir os

insetos, mas a preparação dos alimentos acontecia sempre fora. Porém, como

afirma Carlos Lemos em sua obra “Cozinhas, etc.” (1976), esse hábito não foi algo

tão difícil de ser absorvido pelos portugueses, pois eles já conheciam esse

costume dos mouros de cozinhar ao relento nas terras ibéricas, e também o calor

tropical favorecia o retiro de qualquer aparelho de aquecimento da área central da

casa.

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O lugar do fogo caseiro, antes de tudo, sempre foi em função do clima. Na Europa, fria e temperada, o lar3, centro primordial da família, ocupou lugar privilegiado na habitação. O português, do Norte ou do Sul, veio acostumado ao lume e ao trafogueiro internos, à trempe e à lareira da “casa de estar e comer”. No trópico, passou a cozinhar no quintal, conforme a usança indígena, e comer na varanda fresca. O índio, por sua vez, que cozinhava ao relento, no interior da morada rústica acendia o fogo fumacento de madeira verde, de cascas especiais, para defender-se dos mosquitos atormentadores. Ambos os povos conheciam o fogo dentro de casa: um na sua terra de origem, talvez por causa do frio, e o outro, para aproveitar a fumaça incômoda, mas útil. O português logo se esqueceu do fogo interno para aquecimento e aproveitou a fogueira externa do índio –

pois aqui o fogo entre quatro paredes lhe era insuportável (LEMOS, 1976, p.51 e 52).

Além disso, o serviço culinário estava diretamente ligado ao trabalho

escravo, o que também favoreceu o maior afastamento possível da cozinha em

relação à zona de habitação das casas coloniais, principalmente dos sobrados.

Enquanto os casebres mantinham suas cozinhas dentro da casa, como um

espaço de grande importância, os sobrados da elite social expulsavam a cozinha

para o fundo da casa e pouco se preocupavam com a qualidade da construção

desses ambientes. Suas paredes eram mal feitas e mal acabadas, bem diferentes

do resto da casa. Enquanto o caipira mameluco se reunia com a família e seus

amigos ao redor do fogo para conversar, os colonos e comerciantes abastados

afastavam-se do fogão e da cozinha da casa, utilizada somente por seus

escravos.

Nessas cozinhas do século XVIII, podiam-se encontrar utensílios de ferro,

latão, cobre, estanho, porcelana, madeira e alguns poucos em prata. Objetos em

vidro ainda eram raríssimos (DONATO, 2005). Se os portugueses não

contribuíram tanto para a arquitetura e organização desse espaço, pelo menos

trouxeram certos utensílios para a cozinha paulista e brasileira, além de

contribuições para o cardápio.

Existem alguns objetos de cozinha herdados dos índios e que, até hoje,

podem ser encontrados em uso nas cidades do interior paulista. O jirau4 é um

3 A palavra “lar”, utilizada no texto de Carlos Lemos, tem uma ligação direta com a palavra “lareira” e

expressa o calor sentimental e físico da casa. Essas duas palavras têm suas raízes no nome do deus romano

Lares, que protegia as famílias e era simbolizado pelo fogo aceso dentro de suas casas. 4 O jirau é uma grade de varas sobre esteios fixados no chão, usado, principalmente, para assar ou secar a

carne sob o sol, ou para defumá-la sobre o fogo da lenha e conservá-la por mais tempo.

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exemplo desses objetos da cultura indígena, que foi absorvido pelos portugueses

e utilizado em suas cozinhas para a defumação da carne (LEMOS, 1976).

Na cozinha, para os serviços de preparação dos alimentos e limpeza dos

utensílios, é indispensável a água. Por isso, era fundamental que fosse buscada

em rios, riachos e chafarizes próximos e armazenada em potes para o uso diário.

A limpeza de objetos da casa, em geral, era feita ao fundo da casa, no quintal, ao

lado do “puxado” da cozinha. A água era guardada também para a higiene

pessoal, feita em gamelas e grandes bacias de latão, principalmente nos banhos

das mulheres e crianças, dentro de suas próprias alcovas. Os homens, na maioria

das vezes, banhavam-se nos riachos da região.

No quintal, era comum haver a latrina ou “casinha”, um espaço pequeno,

discreto e fechado, com um buraco no piso de terra para os moradores deixarem

ali os seus dejetos.

Os quintais dos sobrados eram áreas muito importantes aos moradores,

pois representavam a raiz da vida rural dentro de sua propriedade. Eram áreas

reservadas para hortas e pomares, e também locais onde as crianças brincavam

sob o controle de suas mães, dentro do perímetro da casa. Eram delineados por

cercados, que preservavam os fundos da casa, protegendo suas plantações e

impedindo que os seus animais fugissem (LEMOS, 1999b).

A fragmentação dos espaços de serviço ao fundo dos sobrados

transformou o quintal também em uma área de grande circulação dos escravos

para a distribuição dos mantimentos, a preparação da farinha de mandioca e o

tratamento dos animais domésticos. Era comum encontrar, no quintal, construções

avulsas com funções de depósito, despensa, galinheiro, quarto para os escravos e

pequenas cozinhas. Entretanto, todas elas eram sempre mal feitas, escondidas e

desprezadas pelos moradores dos sobrados (LEMOS, 1976).

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1.6 A arquitetura da casa e a rua

Uma novidade no programa da casa do século XVIII foi o surgimento de

uma ligação direta da rua com o quintal. Anteriormente, no início da cidade, os

quintais não eram totalmente cercados e protegidos e, por esse motivo, havia

muitos animais soltos pelas ruas. Porém, a partir da segunda metade do século

XVIII, com o aumento da densidade demográfica urbana, as construções

passaram a ficar mais concentradas, a cidade mais fechada sobre si mesma, e os

muros de taipa foram garantindo o fechamento dos quintais (LEMOS, 1999b).

Dessa maneira, as novas casas começaram a ser construídas de forma geminada

em seus dois flancos, e a passagem da rua ao quintal, para o transporte de água,

mantimentos, animais e para o tráfego dos escravos, passou a ocorrer através de

um corredor de ligação “rua-quintal”, ou através de passagens obrigatórias pelas

portas dos cômodos do pavimento térreo, pois nem sempre havia esse corredor

na casa.

Uma outra novidade que apareceu nos sobrados do século XVIII foram as

sacadas ou balcões, peças que surgiram não somente por uma simples imposição

do partido arquitetônico, mas, principalmente, por uma nova necessidade de

abertura à área externa de maneira segura, criando, assim, um “posto de

observação” voltado à rua.

O centro urbano foi crescendo, e as ruas passaram a ter uma função mais

ampla do que simplesmente uma via de transporte, tornando-se locais da cidade

onde aconteciam os principais eventos públicos: festividades, procissões,

julgamentos e enforcamentos. Além disso, as ruas começaram a ser muito mais

usadas pela população como pontos de encontro no dia a dia. No início do século

XVIII, elas passaram a ter para a sociedade uma importância maior, inexistente

nos dois séculos anteriores. Então, as ruas de terra, danificadas pelas águas das

chuvas, sujas de lixo e excrementos de animais, repletas de ervas daninhas e

cheias de buracos, começaram a incomodar a população e os vereadores da

cidade. Cerimônias públicas e procissões eram prejudicadas pelo piso irregular e

pela sujeira, e era difícil caminhar à noite pelas ruas, quase sem nenhuma

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iluminação e repletas de buracos. Dessa forma, através do poder municipal, a

sociedade começou a preocupar-se de maneira especial com essas áreas

públicas. Assim, os moradores passaram a ter um zelo maior pela parte da rua

frontal à sua casa, enxergando-a como continuação de sua própria moradia, e a

Câmara Municipal determinou a pavimentação das vias públicas, inicialmente com

pedras brutas (BRUNO, 1991). Como consequência desse novo significado das

vias públicas, as sacadas começaram a surgir no século XVIII, e passaram a ser

interessantes como “postos de observação” do movimento das ruas, da vida alheia

e dos principais eventos da cidade que ali ocorriam. Passou a ser chique e

atraente ter sacadas nas salas de visitas abrindo-se às ruas e, quanto mais

importante e movimentada fosse a rua da casa, maior atração e interesse oferecia

ao seu proprietário e visitantes.

Faz-se necessário explicitar que o termo “sacada” é usado para identificar

uma plataforma suspensa, “puxada” do perímetro da edificação, saliente à fachada

da casa e protegida por um guarda-corpo. Também é chamada de “balcão” ou

“varanda”. Quando as sacadas aparecem interligadas, constituindo um corredor de

circulação externa, dando acesso a algumas portas paralelas, forma-se, então, a

“galeria”.

Em São Paulo, por todo o século XVIII, as sacadas foram construídas

com piso de madeira, suportado por cachorros também de madeira, desenhados

nas pontas dos grossos barrotes que formavam a estrutura para o assoalho do

piso superior e saíam além do plano da fachada para suportar a sacada.

Possuíam um guarda-corpo em madeira, preferencialmente de canela-preta,

estruturado por balaústres ou treliças e, em algumas situações, suportando acima

dele um painel de muxarabis, cobrindo todo o resto do vão até a altura do beiral.

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Fig.5 e 6 – Janela com abertura para fora (figura à esquerda) e sacada com guarda-corpo treliçado (figura à direita) de casas coloniais da região urbana central de Santana de Parnaíba, São Paulo.

Fig.7 – Fachada de um sobrado colonial da região urbana central de Santana de Parnaíba,

São Paulo. Uma das poucas peças coloniais residenciais ainda existentes hoje, na região.

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O muxarabi era um anteparo de origem mourisca, trazido ao Brasil por

portugueses ou espanhóis, formado por treliças de madeira para uma vedação,

que favorecia a circulação do ar e barrava os excessos dos raios solares e os

olhares indiscretos dos transeuntes das ruas (MELLO, 1973). Dessa forma, os

muxarabis permitiam aos moradores da casa, principalmente às mulheres, o uso

da sacada como um “ponto de observação”, permitindo a visão de fora e

impedindo a de dentro.

O uso de rótulas nas janelas e dos muxarabis em algumas sacadas

indicava uma cerimônia social parecida com aquela existente nas residências

rurais, onde se usava o alpendre como um “filtro” para a casa. Esse padrão de

sociabilidade caracterizava as tradições comportamentais daquela sociedade

patriarcal e também se refletia nas roupas das mulheres de elite, com a imagem

retórica de ócio e pudor, além do uso de capas e véus resguardando as idas à

igreja (MARINS, 2001, p.73).

Fig.8 – Sobrado colonial do século XVIII, que pertenceu ao casal da aristocracia paulistana Martinho e Veridiana da Silva Prado, construído na rua da Consolação.

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Frequentemente, entretanto, as mulheres não se mostravam, nem à mesa, diante dos hóspedes masculinos; saíam à rua sob a vigilância masculina, e usualmente para fins religiosos. Com poucas soirées e sem as rajadas de manias e modas estrangeiras a soprarem pela cidade, as moças casavam-se com apenas 13 a 14 anos e ocupavam-se

em casa a fazer bordados, rendas, doces, e à noite, a tocar violão e cantar (MORSE, 2001, p.60 e 61).

O sistema patriarcal queria as mulheres, sobretudo as moças, as meninotas, as donzelas, dormindo nas camarinhas ou alcovas de feitio árabe: quartos sem janela, no interior da casa, onde não chegasse nem sequer o reflexo do olhar pegajento dos donjuans, tão mais afoitos nas cidades que no interior. Queria que elas, mulheres, pudessem espiar a rua, sem ser vistas por nenhum atrevido: através das rótulas, das gelosias, dos ralos de convento, pois só aos poucos é que as varandas se abriram para a rua e apareceram os palanques, esses mesmos recatados, cobertos de trepadeiras (FREYRE, 2004, p.317).

Além das sacadas, era também comum encontrar nas fachadas,

principalmente dos sobrados, os mirantes. Eram pequenas janelas situadas abaixo

dos frechais, sob os beirais voltados à rua, vãos característicos da arquitetura

Fig.9 – Sacada com muxarabi desenhada,

em 1932, pelo cartunista Belmonte.

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bandeirista, que indicavam a presença de um sótão sobre a área social da casa,

usado como mais um espaço de depósito.

Pode-se ver, no organograma apresentado a seguir, características

típicas desses sobrados coloniais do século XVIII, com destaque: à posição

central das alcovas na casa, sendo, por isso, sempre um ambiente fechado e

escuro; à importância da varanda também como um espaço de convivência

familiar e de circulação da casa, além de sua função de apoio à cozinha; à

existência de sobreposição de funções na maioria dos ambientes; e à necessidade

de um pavimento térreo e outro superior, como recurso de segregação,

fundamental para a convivência de duas camadas extremas da sociedade sob o

mesmo teto.

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1.7 Organograma padrão do sobrado colonial

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2. As casas ecléticas

“Eis me em São Paulo, na terra de Azevedo, na bela cidade das névoas e das mantilhas, no solo que casa Heidelberg com a Andaluzia.” – Castro Alves

2.1 As transformações econômicas, sociais e culturais

Na passagem do século XVIII para o XIX, o açúcar era um dos mais

importantes produtos na economia da região de São Paulo. As cidades do

“quadrilátero”, a oeste, e as cidades ao norte e noroeste de São Paulo

continuavam recebendo muitos migrantes mineiros vindos das terras decadentes

do ouro. Eles chegavam, tomavam posse de seus lotes e ocupavam-se com

plantios de subsistência e criações de gado nas terras ao redor da cidade de São

Paulo.

O café já existia em algumas áreas rurais do país desde as primeiras

décadas do século XVIII e foi se disseminando por todo o século, porém o seu

consumo ficava restrito ao seu local de produção. Nas últimas décadas do século

XVIII, começou a ter uma importância econômica maior, e a procura mundial pelo

produto brasileiro, principalmente por parte dos norte-americanos, aumentou

bastante (MORSE, 1970). Portanto, o século XIX, na cidade de São Paulo, foi

marcado pela chegada do café e pelas transformações urbanas decorrentes do

crescimento econômico por ele provocado.

Com o desenvolvimento da cultura cafeeira na região de São Paulo,

sobretudo nas áreas do Vale do Paraíba e no Oeste Paulista5, no século XIX,

surgiram dois novos problemas que passaram a colocar em risco o acelerado

crescimento da lavoura do café: a escassez da mão de obra escrava e a grande

distância entre as áreas de plantio e o porto de Santos. Para resolver esses

problemas, foi necessário pensar em algo ainda inédito no país: a mão de obra

livre e o transporte ferroviário (SETÚBAL, 2004a).

5 O nome conhecido como “Oeste Paulista” refere-se à região oeste ao Vale do Paraíba e não à área do estado

de São Paulo.

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Na verdade, esses e outros problemas começaram a aparecer por uma

razão muito clara: a nova escala de produção econômica nunca antes

experimentada pelos paulistas. Esse momento criou, então, novos grupos de

interesses, novas ideias e aspirações próprias, destoantes daquelas das

oligarquias existentes da época. E o Estado, com todas as suas características

tradicionais, não era mais capaz de atender às novas expectativas políticas e

econômicas dentro daquele contexto transformador (SETÚBAL, 2004a).

Assim sendo, surgiu a ideia republicana baseada no interesse desses

novos grupos econômicos, formados principalmente pelos grandes cafeicultores

paulistas, interessados em abolir o trabalho escravo e, consequentemente, abolir a

monarquia. Dessa forma, os grandes fazendeiros do planalto paulista pensaram

em descentralizar o poder e beneficiar os seus próprios negócios, incluindo

impostos sobre a exportação do café e revertendo-os às elites das regiões

tradicionais (SETÚBAL, 2004a).

Portanto, ainda que toda essa região do planalto estivesse há quase três

séculos inserida em um pacato cenário, o século XIX foi marcado por grandes

mudanças, que fizeram a cidade de São Paulo dar um grande salto em sua

história e transformar-se no mais importante núcleo econômico do país.

A elite dirigente passou a preocupar-se com o desenvolvimento de um

sistema educacional capaz de formar uma classe responsável pelas atividades

político-administrativas e pelos negócios econômicos de São Paulo,

principalmente após a independência do país, em 1822. Assim, em 1828, ocorreu

a inauguração da Academia de Direito, que passou a ser o centro intelectual e vital

da cidade. Como disse o historiador Richard Morse (1970): “(A academia) atraía

alunos e professores de todo o país e de fora. Com estes vieram necessidades e

atitudes que iriam lançar o fermento na comunidade introvertida”.

Com a criação da academia, surgiram novos costumes, novas ideias

políticas e novos espaços culturais: teatros, jornais, livrarias, bailes, cafés e outros

pontos de reunião para a comunidade, além daquelas igrejas já existentes. Os

novos estudantes e intelectuais da cidade defendiam o crescimento de São Paulo

e colocavam-se contra alguns conceitos antigos e tradicionais da aristocracia

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colonial, defendendo também a abolição dos escravos. Pela primeira vez na

história da cidade, a vida cultural e letrada estava se desvinculando do universo

limitado da igreja. Essa população de estudantes, flutuante e transitória na cidade,

criava choques com as autoridades policiais e espantava alguns moradores

tradicionais que insistiam em permanecer alheios ao “corpo da comunidade

acadêmica”. Porém, mesmo tendo sido um processo lento, a presença dinâmica

dos estudantes contribuiu, na primeira metade do século XIX, para a maior

produção de livros na cidade, muitos deles de autoria de alunos e professores da

Academia de Direito. E surgiram, também, os primeiros jornais diários (BRUNO,

1991).

2.2 As transformações urbanas

Nessa época, a maioria dos estudantes não era de São Paulo, por isso,

em geral, moravam em repúblicas, e a quantidade de espaços de moradia passou

a ser mais um problema na cidade. A população crescia e exigia uma província

maior, que acompanhasse o ritmo da nova época.

O impulso à modernização da sociedade, em todos os seus sentidos,

aconteceu também pela implantação da estrada de ferro, em 1867, pela

companhia inglesa The São Paulo Railway, ligando a estação da Luz e toda a

região cafeicultora ao porto de Santos. Além dessa ferrovia, foram construídas,

logo depois, a ferrovia Sorocabana, ao lado da estação da Luz, e a estrada de

ferro São Paulo–Rio de Janeiro, no bairro do Brás. A implantação dessas ferrovias

somente foi possível por causa do dinamismo da economia provocado pela

produção cafeeira. Com a sua construção, o planalto paulista deixou de ser uma

área isolada e escondida das demais regiões do interior paulista e do porto de

Santos, facilitando muito o contato com a Corte, no Rio de Janeiro, e,

consequentemente, com a Europa.

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Com as novas ferrovias atuando como importante precipitante, os muitos agentes catalisadores que se tinham infiltrado na pequena cidade provinciana e pós-colonial, estavam, em 1870, a ponto de dar vazão a suas forças de crescimento. A incipiente expansão da metrópole, com tudo o que representava para os costumes, mentalidades e

almas dos paulistanos, estava a ponto de começar. (MORSE, 1970, p.209).

A expansão ferroviária contribuiu para o crescimento da cidade. Também

a aplicação de novos padrões urbanísticos e arquitetônicos caracterizados por

novas diretrizes de higienização do espaço urbano e novos conceitos de

modernidade desempenharam um papel decisivo. Foi criado um serviço de

limpeza contando com carroças para a coleta do lixo produzido nas casas mais

pobres. Começaram a ser tomadas medidas, na Câmara, para que houvesse um

melhor traçado e nivelamento dos pequenos e antigos largos dos tempos coloniais

(BRUNO, 1991).

A nova cidade passou a revelar-se com um desenho de ruas mais largas

e iluminadas, casas recuadas das vias de circulação e uma estética arquitetônica

diferenciada da colonial, marcada agora por construções mais ventiladas, um

partido arquitetônico influenciado por traços europeus e uma decoração

sofisticada.

Novas posturas aprovadas entre 1853 e 1857 pelo poder público

mostraram preocupações com o direito da rua: foi proibido amarrar animais nas

esquinas e batentes das portas das casas da Sé e Santa Ifigênia. Também ficou

estabelecido que as rótulas de portas, meias-portas e janelas não se podiam abrir

para fora; e proibiu-se, também, que trabalhadores, como alfaiates, sapateiros,

entre outros, exercessem seu ofício nas áreas de passeio, atrapalhando, assim, a

circulação dos transeuntes (BRUNO, 1991).

Naquela época, a cidade de São Paulo assistiu a uma grande mudança

em sua paisagem urbana, através da implantação de novos loteamentos, frutos do

parcelamento das chácaras existentes ao redor do centro urbano, com a formação

de novos bairros para a elite cafeeira, como Campos Elíseos e Higienópolis, e

para os novos trabalhadores nos bairros do Ipiranga, Brás, Vila Prudente, entre

outros.

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O núcleo urbano, que pouco ultrapassava no começo do século dezenove os limites do “triângulo” tradicional, foi se ampliando em algumas direções, forçando o recuo das chácaras e dos matagais que dominavam até então certas zonas circunvizinhas. O acréscimo de população impôs então o retalhamento das terras de algumas dessas chácaras para formação de ruas e de largos ou edificações de casas. Ganharam ao mesmo tempo feição mais acentuadamente urbana bairros que até o começo do oitocentismo se caracterizavam, antes de mais nada, com áreas tomadas pelos sítios e

as casas de campo (BRUNO, 1991, p.556).

Todo esse crescimento físico representava o progresso material. João

Teodoro Xavier de Matos, que assumiu a presidência do país, no período de 1872

a 1875, incentivou bastante o embelezamento da cidade de São Paulo e as

transformações urbanas convergentes à nova mentalidade positivista da época.

Entretanto, a expansão da cidade ocorria de forma rápida, mas sem o

planejamento necessário. As únicas ruas para abertura de novos terrenos eram

produto de um sistema novo de vias retas com dezesseis metros de largura e

novas praças quadradas. Esse desenho em “xadrez” teve como resultado uma

cidade desarticulada e despreparada para conter o trânsito da época, cada vez

mais intenso. Várias ruas foram abertas, novas ligações entre bairros surgiram,

muitos alargamentos de ruas foram feitos e novos bairros foram criados, tudo isso

exigindo muitas desapropriações e demolições de edificações antigas. As ruas do

“triângulo” central da cidade receberam os primeiros paralelepípedos, porém a

largura estreita dessas ruas antigas já incomodava os moradores locais. (MORSE,

1970).

Em 1877, foi contratado o engenheiro Jules Martin para construir um

viaduto de cento e oitenta metros de comprimento sobre o vale do Anhangabaú,

para fazer a conexão do centro da cidade ao Morro do Chá, cuja chácara estava

sendo subdividida em lotes. Esse viaduto foi chamado de Viaduto do Chá,

inaugurado em 1892. Ele passou, então, a ligar o centro da cidade a novos bairros

ao redor e a funcionar como uma “válvula de segurança” para os

congestionamentos no “triângulo” central da cidade (MORSE, 1970).

Todas essas transformações que ocorriam no final do século

incentivavam os fazendeiros a transferirem as suas moradas para a capital.

Proprietários de grandes chácaras próximas ao “triângulo” central, os alemães

Frederico Glette, Martin Buchard e Victor Nothmann passaram a desfazer-se de

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suas propriedades para lucrar bem mais com o arruamento e o loteamento dessas

áreas, transformadas nos bairros aristocráticos de Campos Elíseos e Higienópolis.

Os herdeiros de Antônio Pinto do Rego Freitas venderam também, por volta de

1893, a chácara que foi arruada e loteada, dando origem à formação da Vila

Buarque (MORSE, 1970).

A São Paulo Railway induziu a formação de uma faixa industrial,

margeando o rio Tamanduateí, criando, consequentemente, novos bairros mais

planos, que comportaram também as residências dos operários das novas

indústrias que surgiram na época.

A alta sociedade passou a viver em seus sobrados e utilizá-los de forma

mais frequente, e o centro da cidade passou a ser frequentado como área de

encontros para socialização, com discussões sobre questões políticas e negócios

comerciais. Portanto, cada vez mais, era necessário que o fazendeiro e o

comerciante do planalto paulista se abrissem a novos contatos, reuniões e

eventos da cidade, de forma bem diferente daquele fazendeiro “bicho do mato” da

era colonial. Até o final do século XIX, São Paulo não era ainda uma cidade de

importante papel na comercialização do café, pois os pontos principais de

entroncamento da malha ferroviária eram Campinas e Jundiaí, de onde o produto

saía direto para Santos. No entanto, a capital desempenhava importantes funções

estratégicas no financiamento da produção. Em São Paulo concentravam-se os

estabelecimentos bancários, dando origem a um mercado de capitais que foi

decisivo para o futuro financiamento da industrialização (SETÚBAL, 2004a).

O comércio varejista concentrava-se em duas ruas principais da cidade: a

rua da Quitanda e a rua das Casinhas (atual rua do Tesouro), onde aconteciam,

principalmente, vendas de farinha, arroz, milho, toicinho, carne seca, frutas secas,

hortaliças e grãos cultivados nas chácaras e sítios da área rural do planalto

(SETÚBAL, 2004a).

Na metade do século XIX, São Paulo já tinha o melhor sistema de água e

esgoto do país, superior até mesmo ao da cidade do Rio de Janeiro, porém ele

ainda não era suficiente para o grande número de moradores (BRUNO, 1991). O

abastecimento de água ainda não satisfatório na cidade era outro problema que

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precisava ser resolvido. A captação de água ocorria nos chafarizes da cidade,

porém a aglomeração de pessoas em disputa nesses locais passou a ser motivo

de desordem e brigas, com a necessidade de um policiamento mais fortalecido.

Nessa época, a qualidade da água era muito ruim. Os tanques municipais que

serviam aos chafarizes da cidade eram abastecidos pelas vertentes do morro do

Caaguaçu, onde não havia fiscalização nenhuma, e muitas pessoas tomavam

banho, lavavam roupas e, até mesmo, animais mortos apareciam boiando nas

águas (BRUNO, 1991). Diante desse problema, nas últimas décadas do século

XIX, o poder público comprometeu-se a melhorar a qualidade da água com a

ajuda de engenheiros ingleses que orientaram a construção e a instalação de

novos tubos hidráulicos, caixas d’água e chafarizes para a cidade.

Ainda considerando a infraestrutura, no ano de 1872, os lampiões de

querosene da cidade foram substituídos pela iluminação a gás, servida pela

companhia São Paulo Gas Company, de Londres. Em 1888, já havia iluminação

elétrica nas ruas, instaladas por uma empresa húngara (MORSE, 1970, p.245).

A cidade crescia com seus problemas e preocupações. Mais pessoas,

mais casas, indústrias e lojas, pertencentes principalmente aos negociantes

estrangeiros. São Paulo começou a ter novas doenças e crimes, passou a ser

uma outra cidade, muito diferente daquela província do período colonial. Deixou

de lado o transporte de tropeiros em trilhas perigosas e buscou uma comunicação

mais fácil, confortável e lucrativa, como comentam, a seguir, os professores

Benedito Lima de Toledo e Carlos Lemos.

São Paulo estava deixando de ser uma cidade de tropeiros. Agora, o café chegava a Santos mais rapidamente. A viagem da fazenda para a capital é rápida e confortável. Será possível, sem grande transtorno, passar parte do ano em São Paulo e, talvez por que não?, morar na capital. O trem que desceu carregado de café pode agora subir com material de construção para se fazer uma casa igual àquela vista em alguma capital europeia. É possível morar com

desafogo e conforto na capital. Como na sede de fazenda, como na Europa (TOLEDO, 2012, p.77). O fazendeiro do café, por fim, definiu-se como um agricultor diferenciado, mais parecendo homem de cidade, e logo na segunda geração realmente tornou-se um ser urbano, sempre com outras ocupações, e foi igualmente médico, advogado, engenheiro, banqueiro, jornalista, especulador na bolsa e industrial. Frequentemente com um pé na Corte. Foi também político, influindo nos destinos do recém-fundado Império. Com isso

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veio a engrossar a fidalguia chegada com Dom João VI, fornecendo à história os

chamados “barões do café” (LEMOS, 1999b, p.136).

As cidades com estações ferroviárias recebiam as novidades de forma

mais rápida. Portanto, no setor construtivo, São Paulo passou a receber não só

objetos decorativos da Europa, como também diferentes materiais para

construção e novos trabalhadores livres: os imigrantes europeus.

2.3 O uso do tijolo

A taipa de pilão foi, em São Paulo, a técnica construtiva considerada

nobre e a mais utilizada durante os séculos coloniais. Com a chegada dos

mineiros, no século XVIII, a taipa de mão passou também a ser muito utilizada.

Ambas as técnicas construtivas tiveram grande importância praticamente até o

final do século XIX. A alvenaria de tijolos conquistou vagarosamente o habitante

do planalto paulista, que se convenceu primeiramente da excelência da técnica e,

depois, da alteração estética que ela proporcionava. Inicialmente, mesmo usando

a nova técnica construtiva, era muito difícil distinguir a terra socada do tijolo, nas

paredes das casas.

A abolição da escravatura, provavelmente, foi o golpe final no uso das

taipas. Pode-se dizer, também, que o café foi responsável direto pela chegada e

pela popularização do tijolo em São Paulo. Somente ele permitia obras de

construção rápida e durável para o beneficiamento do café, como aquedutos,

muros de arrimo e calçamento de terreiros para secagem dos grãos (LEMOS,

1989; 1999b). Desde o início do século XVII, os paulistas já conheciam o tijolo de

barro, porém ele era utilizado somente em situações muito especiais. A partir da

metade do século XIX, o tijolo passou a ser, muitas vezes, uma peça importada da

Europa e, somente ao final do século, surgiram olarias ao lado das pequenas

fábricas de telha canal de cerâmica ao redor de São Paulo.

Por outro lado, se antes faltava cal para a produção de cimento, foram

então instalados fornos para a queima do calcário da região, com a fabricação de

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cal em cidades próximas, como Sorocaba e Santana de Parnaíba. No final do

século, com a estrada de ferro, São Paulo passou a receber também sacos de

cimento da Alemanha e da Inglaterra, e, consequentemente, apareceram anúncios

de imigrantes alemães e italianos, que constituíam a mão de obra especializada

para o uso da nova técnica (LEMOS, 1999b).

Portanto, demorou, mas já a partir de 1870, as taipas eram vistas como

técnicas construtivas rústicas, antiquadas e feias, e os artífices estrangeiros, com

suas técnicas consideradas “mais civilizadas” pela sociedade, passaram a difundir

o uso do tijolo e a dominar o ramo das construções (MORSE, 1970).

As técnicas italianas do uso do tijolo foram as que dominaram a cidade

nas primeiras décadas de expansão da técnica, com um estilo já bem diferenciado

daquele dos pedreiros portugueses. Porém, essa diferença era, inicialmente,

apenas de ordem técnica. As mudanças estéticas causadas pelo uso do tijolo

realmente apareceram mais tarde, ao final do século, quando os novos

fazendeiros e comerciantes ricos da cidade passaram a aceitar o novo modelo

arquitetônico europeu, mais suntuoso.

Somente no último quartel do século XIX, o uso dos tijolos acabou

conquistando e convencendo os paulistas. Porém, mesmo aceitando a nova

técnica, a maioria dos moradores da cidade de São Paulo ainda buscava manter a

plástica das taipas, sem a preocupação de usufruir das vantagens que a alvenaria

de tijolos poderia proporcionar. Por exemplo, apesar do uso dos tijolos, a distância

entre os vãos das janelas era mantida como antes, isto é, ainda era importante

conservar o partido arquitetônico colonial (LEMOS, 1999b).

2.4 As arquiteturas neoclássica e eclética

No ano de 1816, a convite de D. João VI, veio ao Brasil um grupo de

artistas e artífices franceses, liderado por Joachim Lebreton. A vinda desse grupo

ficou conhecida como a Missão Artística Francesa. Eles trouxeram ao Brasil

princípios artísticos e culturais aplicados na França na época da Revolução e do

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Império, que ficaram conhecidos como Neoclassicismo. Esse movimento cultural

surgiu na Europa no início do século XVIII, com base nos ideais do Iluminismo e

como reação contrária aos excessos criados pelo barroco e o rococó, renovando o

interesse pela cultura da antiguidade clássica (BRUAND, 2010).

A Missão Artística Francesa apresentou o Neoclassicismo na cidade do

Rio de Janeiro, e essa expressão cultural foi bem aceita, pois passou a simbolizar

a modernidade da época e a imagem de um novo país, após a conquista da

liberdade sobre o poder de Portugal (LEMOS, 1989).

A arquitetura neoclássica propunha a retomada de formas renascentistas

das arquiteturas grega e romana e a utilização de desenhos regulares,

geométricos e simétricos dentro das normas clássicas e rígidas de Vitrúvio: era

uma arquitetura constituída por abóbodas, cúpulas, platibandas, cornijas e

frontões triangulares.

Em São Paulo, esse novo movimento cultural veio com atraso em relação

ao Rio de Janeiro e, quando chegou, foi recebido com certa resistência, pois o

planalto paulista acolhia uma sociedade ainda bem tradicional, dominada por

grandes comerciantes e fazendeiros cafeicultores conservadores. Para os

paulistas, de modo geral, era difícil substituir a estética colonial de séculos e

também trocar a técnica construtiva da taipa pela da alvenaria de tijolos.

Durante toda a primeira metade do século XIX, a cidade de São Paulo

manteve o mesmo padrão estético, a técnica construtiva e as necessidades

domésticas da casa colonial. Ao longo das ruas, no centro da cidade,

aglomeravam-se os sobrados de um andar e, alguns raros, de dois andares. Ao

longo das ladeiras de acesso à região central, crescia o número de casas térreas

da população mais humilde. Porém, sobrados e casebres continuavam sendo

construídos em taipa de pilão e taipa de mão (MORSE, 1970).

Rótulas e muxarabis foram retirados das fachadas das casas no Rio de

Janeiro e em outras muitas cidades do país por ordem da Corte, no início do

século XIX, mas, em São Paulo, esses elementos marcantes da arquitetura

colonial mantiveram-se presentes por todo o século e desafiaram as posturas

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municipais por razões climáticas, sociais e psíquicas (MORSE, 1970), contribuindo

também para a resistência ao novo partido arquitetônico neoclássico.

Se em São Paulo foi demorada a substituição da técnica construtiva e a

aceitação das alterações do partido arquitetônico, demorou também a percepção

da necessidade de mudanças no programa interno das casas. Essas mudanças

só aconteceram nas últimas duas décadas do século XIX, devido à grande

presença dos imigrantes na cidade e à chegada do Ecletismo.

Como diz Carlos Lemos (1989): esse novo estilo presente na arquitetura

paulista, o estilo eclético, era a arquitetura neoclássica desregrada e despoliciada.

Não havia, na época, respeito à autenticidade da arquitetura nacional, pois era

tudo copiado da Europa e produzido pela mão de obra imigrante de maneira livre à

imaginação (LEMOS, 1989).

Hoje, quase não existe mais registro de casas originais nesse modelo

descrito na cidade de São Paulo, a não ser através de algumas poucas

fotografias. Porém, Carlos Lemos afirma, com certeza, que se têm como exemplos

dessa arquitetura as casas encontradas em cidades próximas a São Paulo.

Acontece que tudo foi inexoravelmente demolido, quando a cidade de taipa foi totalmente substituída pela cidade de tijolos. Não sobrou um registro sequer, a não ser as fotos de Militão. No entanto, temos convicção de que as afirmativas referentes às casas de Campinas, Taubaté ou São Luis do Paraitinga, por exemplo, são extensíveis às casas de São Paulo, mesmo porque nunca tivemos notícia de alguma singularidade

própria do morar paulistano por essa época (LEMOS, 1999, p.222).

O Ecletismo é um termo referente ao último quartel do século XIX, que

passou a significar “bom gosto” e “modernidade”, ambos baseados na nova

estética erudita e civilizada produzida na Europa daquela época.

Na arquitetura, o Ecletismo refere-se aos estilos surgidos durante o século

XIX, que exibiam combinações de elementos presentes nas arquiteturas clássica,

medieval, renascentista, barroca, entre outros estilos históricos, sem o

compromisso de seguir as normas estéticas das arquiteturas passadas (SEGAWA,

2010) e aproveitando os últimos avanços tecnológicos da engenharia e da

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Revolução Industrial, como por exemplo, os primeiros usos de estruturas em ferro

forjado nas construções.

Esse estilo arquitetônico era o modelo praticado pela Escola de Belas

Artes (École des Beaux Arts) de Paris, nessa época, a referência artística no

mundo. E, se os fazendeiros e comerciantes do início do século XIX haviam sido

resistentes à arquitetura neoclássica, a nova geração da burguesia paulistana e os

imigrantes da cidade estavam de olhos voltados para Paris e adotaram o

Ecletismo como o modelo arquitetônico ideal e do “bom gosto”.

Esse novo gosto, repleto de novidades, começou a chegar através de

novos mobiliários, tecidos finos, papéis de parede, porcelanas, cristais, objetos

decorativos e novos equipamentos, como os fogões de ferro, considerados mais

econômicos. Também as geladeiras para a conservação dos alimentos; as

luminárias a gás; e as peças sanitárias em porcelana inglesa, esmaltadas e

ornamentadas com ladrilhos do repertório art nouveau. (LEMOS, 1999b).

Assim, a exemplo da França e toda a Europa daquela época, o Ecletismo

trouxe à casa da elite paulistana uma decoração bem diferente de tudo que havia

antes, numa busca de intimidade e conforto para seus moradores. Essa casa do

final do século XIX passou a ter o seu interior mais valorizado e, com isso,

surgiram novos móveis com desenhos mais funcionais, novos materiais e

tecnologias decorrentes da Revolução Industrial (DEJEAN, 2012). Conforme

palavras de Carlos Lemos (1999b, p.252): “A casa tradicional recebeu entre suas

taipas velhas as novidades do gosto novo. A modernização começou pelo interior

das moradias. De dentro para fora".

O conforto, o luxo e a privacidade passaram a ser fundamentais dentro da

casa, similar à burguesia francesa da época, que representava o “modo ideal” e

“moderno” de se viver, já disseminado por vários países da Europa desde os fins

do século XVII (DEJEAN, 2012).

A prova mais evidente de que a maneira de viver estava passando por uma revolução foi o fato de o francês ter se tornado a primeira língua moderna a desenvolver um vocabulário relativo ao conceito de conforto. As primeiras indicações de que a mudança pairava no ar surgiram nos anos 1670; duas palavras ganharam destaque e, embora não

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fossem novas, começaram a ser usadas de modo diferente: o adjetivo commode (cômodo) e o substantivo commodité (comodidade) originalmente indicavam conveniência e limpeza, sobretudo na esfera pública; serviços públicos como a limpeza das cidades eram commodités originais. Da década de 1671 em diante, essas palavras passaram a ser cada vez mais usadas no âmbito doméstico, para se referir à higiene pessoal e para designar tudo o que promovesse a sensação de conforto e bem-estar

(DEJEAN, 2012, p.16).

Os edifícios públicos da cidade logo foram reconstruídos sob a visão da

arquitetura eclética, e o principal nome na construção desses novos edifícios foi o

engenheiro-arquiteto Ramos de Azevedo. As igrejas antigas, feitas em taipa de

pilão, segundo os rudes moldes coloniais, como a Igreja de Santa Ifigênia, a Igreja

de São Bento, a Igreja da Sé6 e outras da época, desapareceram para dar lugar a

novas construções com feições europeias consagradas, de acordo com o novo

modelo que a cidade buscava assumir (BRUNO, 1991).

Assim, nas últimas décadas do século XIX, não somente por uma questão

estética, que buscava imitar o “bom gosto” europeu, mas também pela

necessidade do uso de novas técnicas construtivas, que faziam dos edifícios

construções mais resistentes ao tempo, a cidade de São Paulo foi praticamente

reconstruída em alvenaria de tijolos, perdendo muitos monumentos arquitetônicos

dos séculos anteriores.

O escritor José de Alcântara Machado comentou, em seu livro “Vida e

Morte do Bandeirista”, que as igrejas coloniais paulistanas não se equiparavam às

europeias na perfeição das linhas, no vistoso porte e nem mesmo na duração do

edifício, pela ausência do granito e outros elementos nobres e resistentes. Daí,

então, a necessidade da reconstrução ou reforma de quase todas (BRUNO, 1991).

Em 1896, na noite de 13 de março, um forte vendaval foi responsável por

rachar as paredes em taipa de pilão da igrejinha do Colégio dos Jesuítas e

danificar sua estrutura em madeira e seu telhado, exigindo a demolição do edifício,

6 No momento da demolição da antiga Igreja da Sé, foram retiradas largas e grossas tábuas de canela-preta do

assoalho, muito disputadas pelos moradores da região para a construção de mobiliários das suas casas

(BRUNO, 1991).

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que já destoava das novas construções ao redor, por sua arquitetura antiga e

singela (BRUNO, 1991).

As reformas, porém, não se fizeram só nas igrejas e nos conventos. Também nas casas particulares. Ao lado das demolições e das edificações numerosas, em fins do século passado (fins do século XIX). Em 1884, Dona Veridiana Prado mandou edificar na colina de Santa Cecília, dentro de um belo parque, o seu elegante palacete, dando o exemplo a outras pessoas abastadas que começaram a edificar palácios nos subúrbios paulistanos. Arquitetos hábeis, como Ramos de Azevedo e Tomás Bezzi – escreveu Teodoro

Sampaio – foram mobilizados para esses empreendimentos. (BRUNO, 1991, p.929).

A “modernização” da casa paulistana realmente começou de dentro para

fora, mas, no início do século XX, esse novo modelo eclético já se revelava no

exterior das casas e se expunha às ruas da cidade, chamando a atenção pela

semelhança com a “paisagem urbana europeia”.

Na obra “Histórias e Tradições da Cidade de São Paulo”, Ernani Silva

Bruno (1991) comenta que escritores estrangeiros e viajantes, no início do século

XX, registraram, em seus textos, as transformações da cidade e a chegada do

novo estilo eclético, chamado, na época, por Monteiro Lobato, de “carnaval

arquitetônico”. Segundo os registros do francês Paul Walle, em seu livro sobre a

cidade de São Paulo “Au Pays de l’Or Rouge”, lançado em 1921, o novo bairro de

Higienópolis reunia tudo o que a cidade possuía de mais rico e mais distinto, um

grande número de casas suntuosas e luxuosas, porém também algumas

construções de gosto bizarro. O escritor Christopher Andrews fez comentários

sobre a nova cidade e suas vilas bonitas e extravagantes. O jornalista francês Max

Leclerc, em sua visita a São Paulo, na época da proclamação da República, já

havia registrado, em suas “Cartas do Brasil”, a presença de novos edifícios

caracterizados pela solidez e pela “moda europeia”. O jornalista argentino Manuel

Bernardez, em seu livro “El Brasil”, lançado em 1908, fez comentários sobre o luxo

das casas paulistanas. O italiano Nicolau Fanuele, em 1910, registrou, em seu

livro “Il Brasile”, a nova paisagem paulistana, que parecia a cidade de Nice e

algumas cidades italianas (BRUNO, 1991).

O Ecletismo em São Paulo, devido à forte presença de imigrantes

europeus, mostrava-se, assim, de maneira bem diversificada, com uma arquitetura

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de linhas inspiradas em motivos alemães, ingleses, normandos, suecos e,

principalmente, italianos (BRUNO, 1991). Esse caráter da arquitetura paulistana

procurava apagar o estilo caipira, ou o “não-europeu”, em busca da vanguarda

europeia, que se diferenciava, na época, de outros centros urbanos do Brasil pelas

formas bizarras, exóticas e desordenadas, devido à liberdade do Ecletismo e à

diversidade cultural, presentes em São Paulo ao final do século XIX. Foi um estilo

adotado pelos novos fazendeiros e ricos comerciantes da cidade, manifestado

através de chalés suíços e palacetes luxuosos, que haviam chegado para atestar

a nova riqueza do café e a consequente frequência dos passeios à Europa dessa

elite social paulistana.

A riqueza proporcionada pelo cultivo do café nas terras paulistas acabou por alterar substancialmente muitos costumes e práticas culturais ali existentes. Da arquitetura aos objetos domésticos, dos modos de vestir aos de falar, pode-se dizer que o século XIX foi um período de verdadeira revolução, no qual traços comportamentais vindos do passado indígena, do período sertanista e dos tempos áureos do açúcar foram rapidamente justapostos ou mestiçados à intensa europeização permitida pelas imensas fortunas exportadoras, pela rapidez dos trens e, especialmente, pela entrada maciça de dezenas

de etnias de imigrantes (Paulo César Garcez Marins - SETÚBAL, 2004b, p.133).

2.5 A higiene e o espaço habitacional

Esse período pós-colonial produziu grandes e radicais mudanças no

desenho da cidade, na área cultural e na economia, pois recebeu novos

moradores e manifestou novos modos de viver da população, refletidos em

alterações na arquitetura residencial.

A transição da economia colonial para a economia exportadora capitalista

passou a definir, de forma mais clara, as diferenças de classes sociais e,

consequentemente, as diferenças entre os partidos arquitetônicos e os programas

residenciais (LEMOS, 1989). Como disse o pesquisador Carlos Lemos (1999b,

p.134): “o café foi um verdadeiro divisor de águas na vida cultural em geral e na

civilização material em particular de São Paulo”.

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Entre os anos de 1886 e 1900, a população da cidade de São Paulo

quintuplicou, passando de 44.030 para 239.820 habitantes, e o número de

edificações triplicou (MORSE, 1970). Surgiram novas formas de moradia: cortiços

e casas de operários para o uso da classe baixa do proletariado paulistano, e as

casas térreas e palacetes para as classes média e alta da sociedade.

A antiga arquitetura das casas coloniais, com sua baixa ventilação interna

e iluminação debilitada, e o crescimento acelerado da quantidade de cortiços na

cidade contribuíram para as péssimas condições de higiene em São Paulo e para

o consequente surgimento de novas doenças. A cidade via crescer o número de

cortiços, principalmente na região da Igreja da Sé e no bairro de Santa Ifigênia,

habitados por ex-escravos, ex-lavradores e imigrantes europeus.

(O cortiço-padrão) era formado por uma série de pequenas moradias em torno de um pátio ao qual vinha ter, da rua, um corredor longo e estreito. A moradia média abrigava de 4 a 6 pessoas, embora suas dimensões raramente excedessem 3 metros por 5 ou 6, com uma altura de 3 a 3,5 metros. Os móveis existentes ocupavam um terço do espaço. O cubículo de dormir não tinha luz nem ventilação; superlotado, à noite era hermeticamente fechado. Exceto nos cômodos de pessoas naturais do norte da Europa, o soalho ficava tão incrustado de lama, que não se viam as tábuas; a umidade do solo onde elas repousavam fazia descascar o papel ordinário e liso das paredes. Estas e os tetos eram pretos de sujeira de moscas e da fumaça do fogão que a chaminé mal feita e

mal conservada não eliminava convenientemente (MORSE,1970, p.264).

Em questão de higiene, no final do século XIX, a luz do sol foi descoberta

como um excelente bactericida. O “Serviço Sanitário”, através do Código de 1911,

passou a exigir com rigor o combate à umidade residencial proveniente do solo,

bem como a proteção contra os ventos úmidos. Os projetos passaram a dar

importância aos recuos e à elevação do piso da casa, criando espaços vazios no

subsolo, conhecidos como porões.

Essas exigências do chamado “Código Sanitário” foram logo depois

endossadas pela Prefeitura da cidade na luta contra os problemas de

insalubridade da época, com uma cobrança maior dos projetos arquitetônicos

residenciais. Também era de grande interesse da Prefeitura e do Estado cuidar da

higiene do espaço urbano e doméstico para impedir a difusão das doenças e criar

condições para atrair capitais, mãos de obra e técnicos estrangeiros à cidade de

São Paulo (HOMEM, 2010).

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Novas regiões da cidade, como o bairro de Higienópolis e a Avenida

Paulista, possuíam lotes bem amplos, favorecendo a implantação do tipo

“chácara” e casa do tipo “palacete”. A Avenida Paulista foi pioneira na garantia da

exclusividade dos palacetes, através da implantação de uma lei que obrigava as

construções a respeitarem um recuo mínimo de dez metros em relação ao

alinhamento das calçadas e recuo lateral de dois metros (HOMEM, 2010). Essas

novas regiões, destinadas às camadas sociais mais abastadas, já possuíam

serviços de transporte com bondes a tração animal, rede de água, esgoto e

iluminação adequada.

Essa revolução na concepção das casas, no final do século XIX, deveu-se

não somente às novas preocupações e conceitos de higiene da habitação, mas

também à possibilidade de uso de novos materiais e técnicas construtivas.

Fig.10 – Avenida Paulista com suas primeiras residências vista da torre do palacete de Adam Ditrik von Bülow, em 1902.

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Chegaram à cidade barricas de cimento e cal, e materiais importados, como tijolos

laminados ingleses, ladrilhos, mosaicos, azulejos, telhas de Marselha, placas de

mármore e ardósia, chapas de ferro onduladas e galvanizadas, chapas de zinco

puro e latão de cobre, gradis de ferro forjado ou fundido, canos, tubos, manilhas,

papéis de parede, vidros planos lisos ou lapidados, dobradiças, fechaduras,

maçanetas, tintas, betumes e mastiques. A utilização do tijolo possibilitava a

construção de arcos, abobadilhas, vãos maiores e mais próximos uns dos outros,

favorecendo, assim, iluminação e ventilação mais eficientes. As chapas de cobre

ou zinco permitiam a instalação de calhas nos telhados para a condução das

águas pluviais. Assim, os telhados puderam assumir desenhos recortados e

afastamentos laterais dos lotes vizinhos, facilitando o contato dos ambientes

internos com a área externa da casa (LEMOS, 1993).

Os imigrantes, devido à sua origem e cultura, sempre que podiam

construir as suas próprias casas, aplicavam esses afastamentos laterais do

terreno, dando a importância necessária à ventilação e à entrada da luz do sol no

interior de suas casas. Dessa forma, eles foram considerados precursores da

solução das questões de higiene na construção residencial (LEMOS, 1993).

2.6 O programa da casa térrea

Duas importantes inovações na arquitetura das casas paulistanas, no final

do século XIX, foram o porão e o recuo lateral. A inserção do porão no subsolo

passou a evidenciar que o edifício era somente residencial e, por isso, havia essa

preocupação em elevar o piso de madeira para eliminar a umidade vinda da terra

para dentro de seus ambientes. Além disso, a existência do porão também passou

a elevar as janelas frontais da casa em relação ao nível das ruas, evitando que

elas ficassem muito expostas aos olhares externos. Os porões passaram a ter

ambientes usados para alojamento de empregados, depósitos e, em alguns casos,

para serviços da casa, como, por exemplo, a cozinha (REIS FILHO, 2011).

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Essas novas casas térreas com porões mantinham o seu alinhamento

sobre o limite das vias públicas, porém, depois, surgiu o afastamento lateral,

modificando a relação entre os alinhamentos da edificação e do lote, mais uma

inovação devida ao valor dado ao “higienismo”, através da ventilação, iluminação

e conforto aos habitantes. O recuo lateral passou a existir somente em um dos

lados, e, quanto maior a casa, maior era o recuo e seu jardim. A fachada possuía

um desenho com janelas ou portas-balcão das salas de visitas voltadas para as

ruas e, abaixo dessas aberturas, os óculos de acesso ao porão no subsolo. Na

lateral do recuo, ficava o portão de ferro no alinhamento da via pública, para a

entrada no lote da casa.

O uso da alvenaria de tijolos nas novas construções permitia também

portas e janelas maiores, condizentes com os novos valores e preocupações da

época.

Diferentemente da casa colonial, esse modelo de casa do final do século

XIX demonstrava uma preocupação maior com os ambientes sociais. Ao entrar

pelo portão metálico principal, havia uma escada com um patamar de

aproximadamente um metro de altura, e uma ou duas portas que davam acesso à

sala de visita, ou até mesmo ao gabinete7 (conhecido também como escritório,

estúdio ou closet) e à sala de jantar. A ligação desses ambientes podia ser feita

também através de um corredor interno ou simplesmente por portas que os

interligavam diretamente. Ao fundo dessa área social havia o corredor interno para

o qual abriam as portas dos quartos, dentro da área privativa da casa e, ao fim do

corredor, a copa e a cozinha. Esta última possuía uma porta de acesso ao quintal,

através de uma escada com um patamar de serviço ao fundo da casa. No quintal,

em algumas casas, apareceram as edículas, como dormitórios para os serviçais.

Porém, tal opção não conquistou inicialmente boa parte da burguesia paulistana,

que preferia alojar suas criadas dentro da casa, em um quarto ao lado da cozinha,

e tratá-las como agregadas da família. Dessa forma, por várias décadas,

permaneceram as “zonas de serviço”, formadas por quartos de criadas nos porões

7 O gabinete era um espaço típico das casas da burguesia paulistana no final do século XIX, que funcionava

como um ambiente de trabalho para contabilidade e administração da casa e dos negócios, e também exibia

aos visitantes da casa a qualidade intelectual da família, muito valorizada nessa época pela alta sociedade.

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ou em anexos à cozinha, dentro da casa, mas sempre vinculados ao quintal

(LEMOS, 1976).

Nas salas de visitas era ainda comum encontrar as sacadas voltadas às

ruas, uma vez que as vias públicas de São Paulo mantinham o seu movimento e a

sua importância social. Além disso, a preocupação em “proteger” o espaço interno

da casa e resguardar suas mulheres não era mais tão rígida como antes, na

primeira metade do século XIX. As “moças”, principalmente, passaram a

frequentar mais as sacadas, não somente como simples “ponto de observação”,

mas também com o interesse de se expor e se apresentar à sociedade. Essa nova

postura feminina, utilizando sacadas e varandas como pontos de exposição,

segundo Gilberto Freyre (2004), marcou uma importante vitória da mulher da

época sobre o ciúme sexual do homem e uma das transigências do sistema

patriarcal.

Essa mudança nos valores patriarcais das famílias da classe média-alta

da sociedade paulistana revelou-se, também, através das novas formas de

circulação no interior da casa. A circulação deixou de ocorrer somente por um eixo

interno e escuro, como nas casas coloniais, passando a acontecer também

através de um “corredor-varanda”, expondo salas e quartos à área lateral externa

da casa. Nesse “corredor-varanda”, os pais fiscalizavam o namoro de suas filhas,

e a família recebia ali os seus convidados e realizava os seus saraus

(VERÍSSIMO, BITTAR, 1999). Então, se nos sobrados coloniais as varandas se

localizavam ao fundo da casa com funções de transição da área íntima à área de

serviço, apoio ao serviço da cozinha e como ambiente de reclusão da mulher, o

“corredor-varanda” do final do século XIX tornou-se um espaço muito mais social,

como área de extensão dos primeiros ambientes da casa. A possibilidade dessa

nova circulação externa através do “corredor-varanda” e do jardim lateral passou a

ser fundamental para a iluminação e ventilação residencial, exigidas pela

sociedade da época, e factíveis devido às novas tecnologias que permitiram os

recortes dos telhados.

Como vimos, o primeiro esquema de circulação doméstica foi substituído por aquele cujo partido é caracterizado pelo corredor lateral descoberto, patrocinador de ar e luz aos

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cômodos intermediários. Esta nova solução realmente foi um rompimento com a tradição – agora, os novos conceitos da higiene da habitação estavam sendo atendidos graças à renovação tecnológica aplicada ao desenho do telhado. O telhado é que sempre comandou as decisões relativas à segurança, à satisfação da função de abrigo, vinculando a planta às suas possíveis variações formais. Somente a partir dos recentes recursos técnicos, telhas planas de Marselha, rufos e calhas de cobre, rincões protegidos adequadamente, condutores, gárgulas e buzinotes, é que os telhados passaram a ser movimentados, tornando-se independentes de compromissos com as

coberturas vizinhas (LEMOS,1989, p.96).

As salas de visitas, de jantar, gabinetes e outros salões passaram a ter

móveis europeus no estilo neoclássico, recebidos tardiamente: cadeiras, poltronas

e sofás de tiras de palha trançada e madeira de jacarandá e madeira óleo,

inspirados no mobiliário francês dos reinados de Luís Felipe e Napoleão III; mesas

de centro com tampos de mármore branco, consoles, relógios, estatuetas, lustres

e castiçais de metal; louças, cristais e porcelanas inglesas expostas em

aparadores guarda-louça e cristaleiras; cartas, documentos, fotografias da família

e retratos a óleo fixados sobre os papéis de parede importados (SETÚBAL,

2004b). Tudo isso acontecia segundo o estilo de decoração francês do século XIX,

revelando o luxo e o “bom gosto” da família, além de contar um pouco da sua

história.

Os quartos deixaram de ser apertados, fechados e escuros, como as

alcovas. Eles se abriram para as varandas e se tornaram também um ambiente

social, onde as moças recebiam suas amigas, faziam suas reuniões e

conversavam durante horas. Porém eles ainda permaneciam no centro da casa,

ladeando a circulação interna e fazendo a passagem da área social à área de

serviço da casa, como antes. Era comum encontrar, nos quartos, móveis como

camas requintadas com espaldar alto, cômodas com tampo de pedra e espelho,

penteadeiras e armários guarda-roupa, que apareceram na cidade somente ao

final do século XIX (SETÚBAL, 2004b). Nessa época, era normal ainda o antigo

hábito de utilizar quartos separados, independentes, para o casal. A relação

sexual entre os parceiros de casamento consistia em algo obrigatório entre ambas

as partes, mas era um momento marcado com antecedência em um dos quartos,

pois exigia o uso de trajes adequados (VERÍSSIMO, BITTAR, 1999).

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Essas casas mais sofisticadas eram de proprietários abastados,

geralmente fazendeiros de café ou pessoas que viviam de renda (REIS FILHO,

2011). Seus moradores passaram a depender de serviçais mais refinados,

pessoas que acompanhavam também o desenvolvimento tecnológico e a

mudança dos ambientes da casa. Por exemplo: nas casas com instalações

hidráulicas foi desprezado o serviço braçal do escravo negro. Sendo assim, o

emprego de trabalhadores remunerados, geralmente imigrantes, passou a ser

mais interessante. A implantação do banheiro também era novidade nesse modelo

de casa térrea sobre o porão. Ele era instalado ao fundo das casas, no setor de

serviços, ao lado da cozinha, devido ao uso de uma mesma parede com

instalações hidráulicas comuns a ambos os ambientes. Ao final do século XIX,

com a influência de novos materiais vindos da Europa, como tubulações, torneiras,

peças esmaltadas e louças inglesas, e com a valorização da vida social, passou-

se a requerer uma preocupação maior com o corpo. O banheiro tornou-se um

espaço necessário às famílias mais abastadas, e condizente com sua rotina

social. Não bastava mais adaptar as alcovas para a limpeza do corpo, com o uso

da latrina ou “casinha”, no quintal. A média-alta sociedade aprovou as invenções

europeias, que chegaram para ficar. Não era mais moderno e, muito menos

higiênico, sobrepor as funções do quarto e do banheiro em um mesmo ambiente.

A copa era um ambiente novo e típico dessas casas térreas. Ela foi

inspirada na arquitetura europeia e apareceu com uma estratégia parecida à das

antigas varandas dos sobrados coloniais. Tinha a função de centro distribuidor e

de apoio à cozinha. Nas casas mais populares e modestas, a copa podia funcionar

como uma “sala de jantar”, mas, nas casas da elite burguesa, a copa e a sala de

jantar eram ambientes separados e diferentes (LEMOS, 1976). Na casa das

famílias mais abastadas, era o local onde a copeira lavava os utensílios da mesa

de refeições, a pajem alemã preparava a “papinha” do nenê, as senhoras

preparavam os doces, e a área separadora entre a família e a cozinheira (LEMOS,

1976). Era um ambiente revestido de azulejos até a metade das paredes, com

pisos em cerâmicas hexagonais, ladrilhos ou assoalhos, com janelas de belas

cortinas, com um lavatório de uso exclusivo fixado na parede, uma mesa de

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madeira ao centro e uma passagem aberta à cozinha ou, às vezes, através de um

largo recorte em arco na parede (LEMOS, 1976; VERÍSSIMO, BITTAR, 1999).

A cozinha mantinha sua mesma função de antes, como nas casas

coloniais, porém, agora, devia se apresentar de maneira mais bonita, limpa e

organizada, pois fazia parte do corpo da casa, anexada ao lado da copa e próxima

à sala de jantar. Possuía seus revestimentos em piso e paredes semelhantes aos

da copa: azulejos, cerâmicas e ladrilhos hidráulicos. Era comum encontrar, nas

cozinhas do final do século XIX, fogões à lenha ou a carvão, pois o gás ainda era

utilizado somente para a iluminação das principais ruas nos bairros novos da elite.

E agora, também, a fumaça da cozinha podia ser expelida por uma chaminé,

possível de ser construída com o uso da alvenaria de tijolos.

O quintal tinha a sua importância para a criação de galinhas, o plantio da

horta e do pomar, o corte da lenha, a torrefação do café, a implantação da cisterna

e da bomba d’água, a instalação dos varais para secagem da roupa lavada e para

as brincadeiras das crianças nos limites da casa.

2.7 O programa do palacete

O palacete foi o modelo de residência da mais alta classe social

paulistana, da virada do século XIX para o XX, que surgiu no momento em que a

indústria e o comércio se destacaram de tal forma, que tiraram a exclusividade do

café como fonte de enriquecimento da classe dominante (LEMOS, 1989). Os

proprietários desses palacetes eram fazendeiros cafeicultores, comissários,

banqueiros, investidores da construção civil, pioneiros da indústria, além de

grandes comerciantes e empresários.

Esse tipo de residência surgiu quando se levantava uma nova cidade. Era

construída em alvenaria de tijolos, provinda dos capitais de um grupo dominante

na economia, na política e na cultura do Estado de São Paulo, e instalada em

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bairros elegantes da capital, como Campos Elísios, Liberdade, Santa Cecília,

Higienópolis e a Avenida Paulista, preferida pela elite industrial (HOMEM, 2010).

Os palacetes eram mansões de telhados recortados ao estilo europeu da

época, e com ambientes bem decorados e pés-direitos altos. Eram casas luxuosas

e imponentes, simbolizando, de forma bem explícita na arquitetura, o poder

econômico do proprietário.

O programa desse novo estilo residencial trouxe novidades relevantes:

um novo sistema de implantação da casa no lote, afastando a construção principal

de todos os limites do terreno, e uma nova forma de circulação e distribuição dos

ambientes internos, seguindo o modelo residencial da burguesia francesa da

época. Porém, para que ocorressem essas mudanças espaciais, houve, antes, a

necessidade de uma alteração no modo de vida da elite paulistana (HOMEM,

2010).

Essa nova elite paulistana do final do século XIX procurava um vínculo

cultural maior com a Europa, principalmente com a França, pois os europeus eram

o exemplo de “civilizados”, “modernos” e elegantes. Ser civilizado era ter civilité

(HOMEM, 2010). Tal modelo europeu fez com que a elite paulistana imitasse os

franceses na decoração e na etiqueta, e viesse a apreciar a moda, a literatura, a

arquitetura e a filosofia francesa. Tudo isso passou a aumentar também o

preconceito com o modo de vida “caipira” do resto da sociedade paulistana.

Assim, os empresários do café trouxeram de Paris os primeiros modelos

de palacetes. Eram modelos diversos, mas todos com implantações inspiradas

nas villas e nos hôtels privés8 (HOMEM, 2010).

O palacete, seguindo o modo de vida francês, propunha um programa

basicamente composto por funções bem definidas de estar e serviço no pavimento

térreo, e funções íntimas de repouso no pavimento superior. Era comum também

haver a edícula para serviçais e cocheiras nos fundos do terreno, bem como um

sótão para abrigar um quarto de hóspedes ou para criados mais íntimos da

família. O porão continuava existindo como recurso contra a umidade e, muitas

8 Villas e hôtels privés eram os nomes dados às residências burguesas francesas mais ricas da época. Villas

eram modelos suburbanos, e hôtels privés, urbanos (HOMEM, 2010).

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vezes, como um espaço para serviços, adegas, depósitos e, em alguns casos, até

mesmo para cozinha.

O grande jardim que cercava a casa, no estilo “villa”, era composto por

parques fronteiros, pomares, árvores frutíferas isoladas, hortaliças, pombais e

galinheiros, criando uma paisagem próxima à das chácaras semiurbanas dos

arredores da cidade, lembrando a vida rural das fazendas, e afastando o edifício

da rua, aumentando, assim, a separação entre o espaço da privacidade e o

domínio público.

Porém, no palacete paulistano, em que pesasse a sua proposta de renovação, também persistiam elementos da morada tradicional paulista, tais como a sala de jantar mais ampla do que os demais cômodos, em posição centralizada e próxima à cozinha, o gabinete e um quarto independente para hóspedes, ambos na parte fronteira da casa térrea e do sobrado. Fora, havia a entrada de serviços e, nos fundos, horta, pomar ou algumas árvores frutíferas, forno, lenheiro, e até poço, córrego ou desvio do curso de um rio. As edículas da moradia francesa, como casa do porteiro e as cocheiras, foram reproduzidas no palacete, onde, contudo, as construções destinadas a acomodar os criados e o tipo de instalação utilizada para os tanques evocavam as antigas senzalas e o

os telheiros dos quintais. (HOMEM, 2010, p.14).

Logo ao entrar no palacete, era comum ter acesso ao vestíbulo (ou hall,

em inglês), espaço típico do modo de distribuição francesa, que funcionava como

um saguão de transição, na entrada social da casa, para o acesso aos demais

ambientes, criando, assim, uma circulação que dificultava o cruzamento ou o

contato entre proprietários, visitantes e serviçais da casa. No vestíbulo havia

móveis e cabides, onde os visitantes deixavam seus casacos, chapéus e outros

objetos, para adentrarem o interior da casa de forma mais confortável.

O vestíbulo era o portal de entrada da casa e o espaço responsável por

transmitir a “primeira impressão” aos visitantes e convidados. Sendo assim, devia

ser sempre um local muito fino e elegante. Sobre o piso de madeira havia poucos

móveis, mas sempre sóbrios e esbeltos, como porta-chapéus, cabides, poltronas,

cadeiras e mesas com porta-canetas e folhas de papel, para se deixarem

mensagens aos proprietários. Os revestimentos de parede sempre também muito

sóbrios, em tinta, lambris de madeira ou papéis de parede. Ainda, compondo a

decoração, peças ornamentais raras, trazidas de viagens ao exterior.

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Do vestíbulo era possível acessar os ambientes sociais, como o gabinete,

a sala de visitas, a sala das senhoras, a sala de bilhar, o fumoir9, outros salões e a

sala de jantar. Desta, acessava-se a copa, depois a cozinha e o quarto da criada,

ambos, muitas vezes, localizados abaixo, no porão.

O vestíbulo também permitia o acesso à escada, que levava tanto ao

porão quanto aos pavimentos superiores, onde ficavam os ambientes mais íntimos

da casa: quartos de dormir, banheiros, quarto de costura, rouparias e boudoirs10.

O gabinete, usado somente pelo homem e trancado a chaves, era o local

onde ele exercia suas atividades de contabilidade, leituras, orações, ou onde

recebia convidados especiais. Era comum encontrar o gabinete ao lado do

dormitório do proprietário, mas, nos palacetes paulistanos, sempre se localizava

logo na entrada residencial, assim como nas casas térreas.

Em São Paulo, o escritório localizava-se sempre na frente da casa, com entrada independente. Ao mesmo tempo em que era reconhecido como o lugar de absoluta independência masculina, a sua localização acentuava a ligação do homem com o espaço externo. Se era no escritório que o marido lia sossegadamente seu jornal ou alguns de seus inúmeros livros escolhidos ali mesmo da biblioteca, estudava ou cuidava da administração de seu patrimônio, sem correr o risco de interrupções, era também no escritório que ele recebia amigos e fazia acertos que envolviam a família ou os negócios.

(CARVALHO, 2008, p.138).

O espaço do gabinete possuía normalmente um mobiliário simples e

sólido sobre um assoalho de madeira bem encerado e sem tapetes. Ali ficavam

estantes de livros envidraçadas, uma mesa de madeira ampla e quadrada,

cadeiras e poltronas de couro. Nas paredes, via-se sempre uma pintura com cores

claras ou um papel de parede sem muitos desenhos e ornamentos, e muitos livros

exibidos em estantes ao longo dessas paredes, juntamente com quadros de

familiares e armas penduradas (CARVALHO, 2008).

O setor de “estar” da casa era o mais bem cuidado. As salas exibiam

móveis franceses e ingleses, peças de arte vindas do exterior e os ornamentos

9 Fumoir era a “sala para fumar”, utilizada pelos homens da casa e seus convidados. 10 Boudoir era o “quarto de vestir” usado para a troca de roupas, e onde as “senhoras” guardavam as suas

roupas íntimas.

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mais belos e sofisticados da casa, representando o poder econômico, o “bom

gosto” e o cosmopolitismo da família.

Ao lado da sala de visitas, encontravam-se outras salas complementares

com funções sociais, como o fumoir e a sala de bilhar, utilizadas em reuniões

masculinas, e a sala das senhoras. Em festas, reuniões e eventos sociais, homens

e mulheres dividiam-se entre as salas da casa para conversas mais conflituosas

de temas políticos e empreendimentos cafeeiros, ou assuntos sobre arte, literatura

e experiências em viagens, em conversas entre as mulheres. O surgimento da

sala das senhoras, na composição da casa, representava a valorização da mulher

na família e a conquista de sua posição na sociedade.

Era comum encontrar, na sala de visitas, um excesso de móveis, tais

como cadeiras, poltronas, banquetas, sofás, mesas, e muitos objetos ornamentais

em bronze, prata, cristal e porcelana, cortinas, tapetes e toldos de renda e seda.

Nas paredes da sala de visitas e das demais salas complementares, havia sempre

pinturas coloridas a óleo e papéis de parede coloridos com temas florais, além de

muitos espelhos. Os forros costumavam ser bem ornamentados, com a presença

de sancas e lustres de cristal belga. O piano não podia faltar, era uma peça

fundamental como elemento decorativo e representativo da cultura musical dos

moradores.

A sala de jantar possuía menos objetos decorativos e um mobiliário inglês,

mais pesado e desprovido de muitas curvas e ornamentos. Móveis simples e mais

sólidos significavam “bom gosto” em uma sala de jantar. Apesar de ser sempre

organizada e controlada pela mulher, a sala de jantar simbolizava a tradição

familiar e a estabilidade financeira, representada pela figura masculina, que, desde

o período colonial, era responsável pelas atividades externas à casa e pela

subsistência da família, como explica a historiadora Vânia Carneiro de Carvalho:

O homem, mantenedor da família e sua linhagem, está associado à função provedora. A ele é outorgada simbolicamente a responsabilidade pelo alimento (e não pelo seu processamento e apresentação à mesa). Como chefe da casa, a categoria masculina será constituída em torno de objetos que concentram sentidos como estabilidade, segurança, força, tradição e respeito. Móveis robustos, pesados, confeccionados em madeira nobre, escura, tratada de forma rústica, com superfícies pouco reflexivas (não

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polidas) integram-se às demais características da sala de jantar (CARVALHO, 2008, p.120).

Por essa importância e pelo costume de receber uma grande família com

agregados em mesas enormes, nos horários de refeição, a sala de jantar sempre

teve uma área generosa dentro da planta arquitetônica dos palacetes, localizando-

se no centro espacial, em uma região privilegiada da casa.

Próxima à sala de jantar, em direção aos fundos da casa, encontrava-se a

copa. Com a mesma função à da casa térrea, a copa vinha substituir a varanda

dos sobrados coloniais e funcionava como apoio à cozinha. A copa mantinha as

paredes altas da casa, porém revestidas somente até a metade em azulejos, os

pisos em cerâmicas, ladrilhos hidráulicos ou assoalhos, e uma grande mesa de

madeira ao centro, usada na preparação dos alimentos. Nas situações em que a

cozinha se encontrava no porão, na copa havia um “monta-pratos”, comum em

casas europeias da época, funcionando como um elevador para o transporte de

louças e alimentos.

A cozinha ficava no porão ou no fundo da casa, próxima ao quintal.

Porém, em qualquer das opções, ela já fazia parte do corpo da casa e não era

mais um puxado mal feito ou um espaço segregado e isolado ao fundo do terreno,

como nos tempos coloniais.

Com a abolição da escravatura, a chegada de materiais manufaturados, a

presença da “empregada imigrante” nas casas mais abastadas e a inserção da

cozinha no corpo da casa, passou a ser mais frequente a presença da “dona da

casa” dentro da cozinha. Além disso, a cozinha passou a ser um ambiente mais

bonito, limpo, ventilado e agradável, revestido de azulejos no mínimo até um metro

e meio de altura nas paredes, e com ladrilhos hidráulicos e cerâmicas no piso.

A água corrente já era comum nos palacetes, e o gás, antes utilizado

somente na iluminação, começou a ser usado nos palacetes para a utilização dos

fogões a gás, substituindo os fogões à lenha.

Os hábitos alimentares transformaram-se e adotaram os modos à

francesa. Foram incorporados licores importados, produtos defumados e frutas

cristalizadas, principalmente nas festas e jantares de eventos sociais. Conforme o

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modelo francês, diminuiu-se a quantidade de alimentos servida e aumentaram-se

os utensílios, como copos, taças e talheres específicos para determinado tipo de

bebida ou comida (VERÍSSIMO, BITTAR, 1999).

No porão, podiam-se encontrar, ao lado da cozinha, despensas, depósitos

e uma adega. Quando a cozinha estava no pavimento térreo, ela compunha o

setor de serviço da casa, juntamente com a copa, um banheiro, uma despensa e

um quarto para a “criada”, sempre próximo à porta de saída para o quintal.

Através da escada principal, no vestíbulo, ficava o acesso ao primeiro

pavimento do palacete. Esse pavimento representava a privacidade e a intimidade

da família e, por isso, era de acesso exclusivo. Aí ficavam os quartos de dormir,

banheiros, quarto de costura, rouparias e outros ambientes íntimos de utilização

da família.

Os quartos dos palacetes não somente permitiam entrada de luz e

ventilação pelas janelas, mas também valorizavam a abertura às belas paisagens

do jardim ao redor da casa. Eram espaços com assoalho de madeira e paredes

pintadas ou em papel decorativo, com pouco mobiliário para evitar o acúmulo de

poeira, composto por camas, mesas de cabeceira, cadeiras, toucadores, divãs,

escrivaninhas, criados-mudos, guarda-roupas e cômodas. Em muitas casas

também havia o quarto de hóspedes, situado mais comumente no sótão ou no

pavimento térreo.

O banheiro próximo ao quarto era símbolo de conforto. Os banheiros

passaram a ser completos, adequados para garantir que ali fossem exercidas

todas as atividades de higiene pessoal. A presença da banheira foi mais uma

novidade da época, por isso os banheiros passaram a localizar-se de forma

estratégica na casa, para que a água, nas novas tubulações em cobre, pudesse

passar pelo aquecimento do fogão, na cozinha, e chegasse quente até eles. Um

pouco mais tarde, chegariam os aquecedores independentes das banheiras.

A chegada dos aquecedores a gás e das banheiras permitiu a independência e o maior conforto dos banheiros, que se uniram definitivamente aos w.c. em um só compartimento. O palacete passou a contar com três banheiros completos: um no térreo, na zona de serviço, um no andar superior e o terceiro no porão ou nas edículas. Mas persistiam os penicos, guardados nos criados-mudos, assim como nos quartos de toilette,

transformados em estar íntimo das senhoras. (HOMEM, 2010, p.205).

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A conquista da privacidade e a necessidade de menos mobilidade na

casa, com o uso das novas tecnologias, significavam conforto e “modernidade”,

pois representavam um modo de vida oposto ao daquele “acaipirado” do período

colonial, quando os espaços residenciais possuíam funções sobrepostas.

Diferentes funções em um mesmo ambiente era símbolo de pobreza e de algo

ultrapassado para a classe burguesa.

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2.8 Organograma padrão da casa térrea

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2.9 Organograma padrão do palacete

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2.10 Casos de residências ecléticas

A seguir, serão apresentados seis casos de residências ecléticas da elite

social paulistana, projetados na virada do século XIX para o XX. Esses seis casos,

duas casas térreas e quatro palacetes, foram selecionados por serem

representantes significativos do estilo eclético residencial de São Paulo.

Porém, como escreveu o professor Carlos Lemos em um de seus livros

(1999a), é impossível estabelecer, com precisão, separações nítidas entre as

categorias residenciais. Realmente, é difícil enxergar uma linha divisória entre as

casas de moradores da classe média-alta e da classe alta. Prova disso é o caso 2,

projeto que se utiliza das características mescladas da casa térrea e do palacete.

O primeiro caso possui uma organização padrão das casas térreas, o

segundo tem um desenho de “transição” entre os modelos, e os quatro últimos são

palacetes escolhidos por terem sido elaborados por quatro diferentes projetistas

importantes da época: Ramos de Azevedo, Victor Dubugras, Luigi Pucci e Carlos

Ekman. Apesar de suas nítidas diferenças plásticas, eles mantêm semelhanças na

organização dos espaços e no programa.

2.10.1 Residência da senhora Margherita Marchesini

Na planta da residência da senhora Margherita Marchesini, projetada pelo

escritório de Ramos de Azevedo, e construída nos primeiros anos do século XX,

existe a implantação opcional da cozinha no porão e o seu acesso através de uma

escada ligando-a ao térreo, chamado de “service” (substituído depois por “copa”).

Observa-se, também, o uso do “monta-pratos” para facilitar o contato e os

trabalhos nos dois ambientes (LEMOS, 1989). No pavimento térreo dessa casa,

havia uma série de ambientes sociais ligados por um corredor interno: a sala de

visitas, o gabinete e o “salão nobre”, ao final do corredor, separando dois quartos.

O “salão nobre” era um ambiente usado para a realização de jantares importantes

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Fig.11 – Fachada da casa de Margherita Marchesini

e eventos sociais da família. Nessa casa, a sala de jantar ficava no porão, como

característica típica de um ambiente mais simples e íntimo da casa.

.

PAVIMENTO SUBSOLO

Fig.12 – Plantas dos pavimentos subsolo, à esquerda, e do

térreo, à direita.

Legenda:

1 – cozinha 2 – despensa 3 – quarto da criada 4 – acesso ao térreo 5 – sala de jantar 6 – corredor lateral 7 – sala de visitas 8 – gabinete 9 – quarto 10 – banheiro 11 – service

12 – salão nobre

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2.10.2 Residência de José Fernandes Pinto

Essa casa foi construída, em 1896, na esquina da rua Aurora com a rua

Guaianases. Ela é um caso interessante por apresentar um programa com mistura

de características da casa térrea e do palacete burguês (LEMOS, 1999a).

Assim como na casa da senhora Margherita Marchesini, essa residência é

alinhada à rua e com uma entrada lateral. Porém, possui um vestíbulo, logo à

entrada, espaço típico dos palacetes.

É curioso notar, ao fundo da casa, um banheiro com funções divididas em

dois ambientes: “sala de banho” e “latrina” (water closet). Também é interessante

a existência de duas salas de jantar: a primeira, maior e mais próxima aos quartos

de hóspedes, parece pertencer ao setor social da casa e ser utilizada para a

circulação diária e refeições especiais; e a segunda parece ser um ambiente mais

íntimo, para o uso cotidiano dos moradores da casa.

Fig.13 – Fachada da residência de José Fernandes Pinto

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Fig.14 – Planta do pavimento térreo da casa de

José Fernandes Pinto

Legenda:

1 – varanda 2 – vestíbulo 3 – gabinete 4 – salão 5 – quarto 6 – sala de jantar 7 – copa 8 – banheiro – water closet 9 – banheiro - sala de banho 10 – quarto da criada 11 – cozinha 12 - despensa

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2.10.3 Palacete do Conselheiro Antônio da Silva Prado

(Chácara do Carvalho)

Antônio da Silva Prado, filho de Martinho e Veridiana da Silva Prado,

importantes membros da aristocracia cafeeira paulistana, contratou, em 1890, o

capomastro (mestre de obra) fiorentino Luigi Pucci para o projeto neo-

renascentista e a construção de seu palacete, que ocorreu dois anos depois, na

alameda Barão de Limeira em esquina com a alameda Eduardo Prado, no bairro

da Barra Funda, onde o proprietário morou com sua família até o ano de 1929.

A família tinha um prestígio tão grande dentro da sociedade e em todo o

país, que chegou a hospedar os reis da Bélgica, em 1920, durante uma visita ao

Brasil. Sendo assim, não somente por sua riqueza e importância social, a família

ostentava um grande palacete também pela quantidade de pessoas que ali

moravam. Chegou a abrigar sessenta pessoas.

Ele foi construído com um pavimento térreo, dois pavimentos acima e

ainda um porão. Os ambientes de higiene pessoal, as salas de banho, foram

construídos na área do jardim, fora do corpo do edifício principal. Nessa residência

era comum o uso dos urinóis dentro dos quartos, e isso justifica a pouca

quantidade de banheiros no programa (HOMEM, 2010). Outro item interessante é

a ausência de um grande vestíbulo central, substituído por um espaço de entrada

e um eixo-corredor principal. Esses dois itens chamam a atenção, porque se

desviam dos objetivos de conforto, higiene e sofisticação comuns da época.

No projeto, estava previsto um elevador para o transporte entre o

escritório e o quarto do conselheiro, porém esse elevador foi instalado no corredor,

próximo à escada principal (HOMEM, 2010).

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Fig.15 – Desenho da fachada principal da Chácara do Carvalho

Fig.16 – Fotografia registrada em 1904, com vista da fachada principal e da lateral do palacete.

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Legenda:

1 – entrada 2 – sala de espera 3 – salão de baile / nave da capela / biblioteca 4 – passagem 5 – sala de orquestra /altar 6 – sala de bilhar 7 – ante-sala 8 – sala de reunião 9 - fumoir 10 – sala de jantar 11 – copa 12 – despensa 13 – cozinha 14 – cozinha 15 – refeitório 16 – sala do piano 17 – escada de serviço 18 – quarto 19 – escada social 20 – banheiro – water closet 21 – hall 22 – mictório 23 - banheiro – water closet 24 - banheiro 25 – biblioteca 26 - elevador

Fig.17 – Implantação do edifício no terreno e desenho

do jardim

Fig.18 – Planta do pavimento térreo

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Legenda:

1 – cozinha 2 – quarto com banheira 3 – banheiro – water closet

4 – escritório 5 – boudoir 6 – sala de costura 7 – quarto do Conselheiro 8 – quarto do casal Carlos e Hermínia 9- quarto de Marcos Monteiro de Barros 10 – quarto de Silvio da Silva Prado 11 – quarto de Maria Eugênia Monteiro de Barros 12 – quarto de Antonieta Prado Arinos Fig.19 – Planta do primeiro pavimento

Fig.20 – Planta do segundo pavimento

Legenda:

1 – terraço 2 – torres descobertas 3 – quarto 4 – sala de estudo/ piano 5 – quarto de brinquedos 6 – banheiro – water closet 7 – claraboia

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Fig.21 – Salão de baile

Fig.22 – Sala de jantar

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2.10.4 Palacete de Inácio e Olívia Penteado

Inácio Penteado era um importante fazendeiro e exportador de café da

época, e Olívia era filha de outro conhecido fazendeiro da região, por isso o casal

e seu palacete marcaram história na sociedade paulistana.

O palacete foi projetado pelo arquiteto Ramos de Azevedo, e construído

no ano de 1895, na esquina das ruas Conselheiro Nébias e Duque de Caxias, no

bairro de Campos Elíseos, utilizando materiais importados da Itália (HOMEM,

2010).

O palacete foi implantado no alinhamento das duas ruas, e, assim, a

entrada social encontrava-se protegida da rua e voltada ao jardim, algo difícil de

se ver na época.

A entrada dava acesso a um corredor que ladeava as portas do gabinete

e do quarto de hóspedes, e terminava, ao centro da casa, em um vestíbulo

octogonal de pé-direito duplo e iluminado por uma claraboia, com características

formais típicas de um espaço exclusivo de distribuição através de oito acessos.

Outro aspecto interessante é o desenho bem definido do “retângulo” do

setor de serviço, com um banheiro para o uso da governanta da casa, o único

banheiro do pavimento térreo.

Apesar de não existir mais a planta do pavimento superior, é importante a

apresentação desse projeto, devido a suas características diferenciadas.

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Fig.23 – Palacete do casal Inácio e Olívia Penteado

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Fig.25 – Planta do pavimento térreo

Legenda:

1 – entrada 2 – vestíbulo 3 – quarto de hóspedes 4 – rouparia 5 – escritório 6 – salão nobre 7 – sala das senhoras 8 – sala de jantar 9- copa 10 – cozinha 11 –despensa 12 – quarto da governante 13 – banheiro da governante

Fig.24 – Implantação do edifício no terreno

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Fig.23 – Salão nobre

Fig.23 – Salão nobre

Fig.26 – Salão nobre

Fig.27 – Canto da sala de jantar

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2.10.5 Palacete de Horácio Sabino

(Vila Horácio Sabino)

A Vila Horácio Sabino foi um palacete que pertenceu ao casal Horácio

Sabino e América Milliet, construído em 1903, dentro do quarteirão cercado pela

Avenida Paulista e a rua Augusta, alameda Santos e rua Padre João Manuel.

O palacete foi projetado pelo arquiteto argentino Victor Dubugras, no puro

estilo art nouveau, como parte de uma série de casas projetadas pelo arquiteto,

caracterizadas por salas de jantar e varandas semicirculares. (HOMEM, 2010).

A organização da casa ao “estilo francês” ficava evidente pela divisão

bem definida dos setores funcionais e pelo uso da copa, como espaço divisor da

área social e da cozinha. É interessante notar a existência de banheiros somente

no pavimento superior e a presença de um jardim de inverno, não tão comum nos

palacetes da época, mas muito usado como um espaço de reunião da família

Sabino.

Horácio Sabino era um excelente músico, pianista e compositor, portanto

passava não só horas de seu dia em seu piano de cauda, localizado na sala de

visitas, como também no final das noites e durante festas e eventos oferecidos

aos amigos da sociedade (HOMEM, 2010).

Na casa havia, também, um porão habitável com os ambientes de

despensa, adega, lavanderia, um respiradouro e uma sala de brinquedos para as

crianças. No enorme jardim, ficavam edículas para moradia das famílias do

copeiro e do motorista (HOMEM, 2010).

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Fig.28 – Implantação do edifício no terreno

Fig.29 – Fachada principal do edifício vista da Avenida Paulista

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Fig.30 – Desenhos das fachadas no projeto de Victor Dubugras

Fig.31 – Desenhos das plantas no projeto de Victor Dubugras

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Fig.32 – Planta do pavimento térreo

Fig. 33 – Planta do pavimento superior

Legenda:

1 – entrada 2 – vestíbulo 3 – sala de visitas 4 – sala de jantar 5 – jardim de inverno 6 – saleta 7 – copa 8 – sala de costura / refeição das crianças 9- cozinha 10 – quarto da criada 11 –despensa

Legenda:

1 – escritório 2 – quarto 3 – quarto do casal com acesso ao terraço 4 – quarto de vestir 5 – toilette 6 – banheiro – banho e water closet 7 – alpendre 8 – terraço lateral

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Fig.34 – Jardim de inverno com vitral ao estilo art nouveau

Fig.35 – Varanda frontal em curva, no desenho art nouveau, com

acesso à sala de jantar

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2.10.6 Palacete de Antônio Álvares Penteado

(Vila Penteado)

A Vila Penteado foi um palacete que pertenceu ao casal Antônio Álvares

Penteado e Ana Franco de Lacerda Álvares Penteado, projetado por Carlos

Ekman. Situado no bairro de Higienópolis, no quarteirão delimitado pelas ruas

Itambé, Maranhão, Sabará e a avenida Higienópolis, onde se localizava a entrada

principal.

Antônio Álvares Penteado foi um grande fazendeiro de café. Na cidade de

Santa Cruz das Palmeiras, era dono de uma fazenda que chegou a ter 750.000

pés de café. Depois, na cidade de São Paulo, focou seu trabalho como empresário

em outras áreas comerciais e industriais.

A casa da Vila Penteado tem um desenho simétrico, dividido por um eixo

central marcado por um alpendre na entrada social, um grande vestíbulo e um

escritório, aberto aos fundos.

Maria Cecília Naclério Homem salienta que esse palacete era “quase um

hotel” (2010). Realmente, ele abrigava, além dos proprietários, outros dois filhos

solteiros em sua ala esquerda; e outra família, do filho Antônio Prado Jr., na ala

direita. Além disso, estava sempre aberto a outros filhos, genros, noras, netos e

sobrinhos residentes próximos da região. O casal proprietário costumava também

receber muitos amigos em eventos, como bailes e espetáculos teatrais, realizados

no grande vestíbulo, característico do estilo art nouveau em seu modelo austríaco

(HOMEM, 2010).

Dessa forma, as duas plantas a seguir demonstram, em suas duas alas,

um setor social próximo ao eixo central da casa com ligações às áreas privativas

dos quartos e escadas de acessos ao pavimento superior e ao porão, com adegas

e depósitos e, aos fundos, os ambientes do setor de serviço e acessos ao jardim.

Assim, percebe-se, nesse projeto, que a função social do vestíbulo é tão

importante, ou mais, quanto à de circulação e distribuição. Outro item interessante,

encontrado também nesse projeto, é a pequena quantidade de salas de banho e

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water closet comparados ao tamanho enorme da casa e à quantidade de pessoas

que ali habitavam ou frequentavam o local.

A Vila Penteado é a última remanescente das residências no estilo art

nouveau da cidade de São Paulo e, desde 1948, é ocupada pela Faculdade de

Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (HOMEM, 2010).

Fig.36 – Foto da fachada do palacete voltada à rua Maranhão.

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Fig.38 – Foto atual (2014) da fachada do palacete voltada ao fundo do terreno (antiga fachada

principal), com o acesso residencial feito através do alpendre.

Fig.37 – Implantação do edifício no terreno

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Fig.39 – Planta do pavimento térreo

Legenda:

1 – alpendre 2 – vestíbulo 3 – pequeno salão 4 – quarto de vestir 5 – grande salão 6 – escritório 7 – gabinete 8 – sala de bilhar 9 – toilette 10 – banheiro – banho e water closet 11 – banheiro – banho e water closet

12 – sala de jantar 13 – dormitório 14 – despensa 15 – copa 16 – copeiro 17 – quarto da criada 18 – cozinha 19 – galinheiro 20 – serviço 21 – lenheiro 22 - water closet

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Fig.40 – Planta do pavimento superior

Legenda:

1 – quarto do casal principal 2 – dormitório 3 – toilette

4 – rouparia 5 – despejo 6 – quarto da criada 7 – banheiro 8 – saleta 9 – sala de estudos

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Fig.41 – Sala de jantar

Fig.42 – Vestíbulo

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Fig.43 – Foto atual (2014) da área do vestíbulo

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Fig.44 – Foto atual (2014) de pintura em uma das paredes do

vestíbulo, fazendo referência à indústria nacional.

Fig.45 – Foto atual (2014) da porta externa para acesso ao porão

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3. As casas neocoloniais

“Um mistério esse negócio de eletricidade. Ninguém sabia como era. Caso é que funcionava. Para isso as ruas da pequena São Paulo de 1900 enchiam-se de fios e postes.” – Oswald de Andrade

3.1 O café, a indústria e a cidade moderna

Entre os anos de 1890 e 1900, o estado de São Paulo teve um grande

crescimento na quantidade de produtores de café: o número passou de 220 mil

para 520 mil. Esse aumento não ocorreu somente no Brasil, gerando a saturação

do mercado mundial do café, com a consequente queda brusca de seu valor.

Muitos fazendeiros endividados perderam a segurança do investimento na área

rural, e tanto os proprietários de fazendas quanto os trabalhadores da terra

passaram a interessar-se pelo crescente mercado industrial (MORSE, 1970).

Assim, a cidade de São Paulo iniciou o século XX recebendo, além de

novos imigrantes, também migrantes da área rural. Esse movimento fez com que

São Paulo continuasse crescendo em todas as suas direções, em busca de novas

áreas industriais nas periferias da cidade, localizadas nas proximidades das linhas

férreas, onde havia terrenos com maiores espaços e menores preços para a

instalação de indústrias e vilas operárias residenciais. Essa distribuição

demográfica incentivou a geração de uma sociedade urbana mais híbrida e

heterogênea na cidade. (MORSE, 1970).

Na primeira década do século XX, com o aumento dos bairros operários,

as diferenças sociais mostravam-se cada vez mais claras e definidas, não

somente na localização espacial-urbana e nas diferentes arquiteturas das casas,

mas também nos conflitos, tensões e choques de interesses.

De um lado o luxo, de outro a pobreza. A crescente riqueza ostentada pela cidade de São Paulo nas décadas finais do século XIX estabelecia um agudo paradoxo com a precariedade das condições de vida a que estava submetida a maior parte de seus habitantes. Descontentamento e revoltas, coletivas ou individuais, passaram a inserir na metrópole nascente, faceando a efervescência do comércio ou a europeização dos bairros residenciais das elites. Os movimentos operários, por exemplo, apesar de se intensificarem apenas a partir da primeira década do século XX, já esboçavam os

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primeiros sinais de sublevação contra as condições de trabalho ou a discriminação a que

sobretudo os numerosos italianos estavam submetidos. (Paulo César Garcez Marins – orgs. CAMPOS, GAMA, SACCHETTA, 2004, p.68)

Guerras e depressões internacionais estimularam o crescimento da

indústria em todo o Brasil, e São Paulo passou a ser o foco dessa industrialização

e a cidade mais importante do país. Os principais motivos que levaram a essa

situação foram: a existência da rede de estradas de ferro que ligava São Paulo ao

porto de Santos; um mercado acessível e populoso; o acesso fácil da matéria

prima nacional e estrangeira; a grande quantidade de mão de obra; a facilidade de

obtenção de energia elétrica; e uma classe empresarial com capital necessário

para grandes investimentos, conquistado no auge do café (MORSE, 1970).

Mesmo com o sucesso da capital paulista no setor industrial, o estado de

São Paulo continuava tendo no café o principal produto da economia agrícola,

apesar de, a partir da segunda década do século, muitos fazendeiros paulistas já

terem abandonado a monocultura cafeeira e investido em outros produtos como:

laranja, algodão, arroz, feijão, amendoim, milho, batata, mandioca, mamona, entre

outros.

3.2 A nova fisionomia da metrópole paulista

O crescimento da cidade repercutia naturalmente na quantidade de

automóveis e edificações. Em 1918, a cidade possuía pouco menos de 60 mil

edificações; em 1928, esse número chegou a quase 100 mil (BRUNO, 1991).

Desde o início do século XX, São Paulo tinha sua área central

caracterizada pelo comércio varejista. Essa área comercial estava em pleno

crescimento e expansão por toda a cidade, não somente pelo aumento da

população, mas pela ampliação do poder de consumo das elites. A cidade cresceu

também com novos bairros residenciais finos e seus casarões e continuava se

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expandindo no sentido leste, nas áreas do Brás, da Mooca e suas vizinhanças,

como consequência natural do desenvolvimento industrial.

O novo século iniciou com Higienópolis sendo o bairro mais luxuoso e

elegante e o ponto de encontro da elite paulistana. A Avenida Paulista continuava

sendo o mais belo boulevard da cidade, repleto de belíssimos palacetes, que

atestavam a prosperidade econômica da cidade, deixando maravilhados até

mesmo os visitantes europeus.

Porém, o crescimento acelerado de São Paulo mantinha os problemas e

as preocupações de uma metrópole, como já ocorria desde os fins do século

anterior. A cidade continuava em busca de soluções para seus problemas, como:

necessidades de transporte, pavimentação, iluminação elétrica pública e particular

e serviços de água e esgoto. No entanto, o novo século exigia soluções urgentes e

drásticas, e havia a necessidade de projetos de intervenção urbana para atualizá-

la e dotá-la de infraestrutura digna de uma grande metrópole moderna.

Esse conjunto de projetos de intervenção fez nascer o primeiro plano

urbanístico de São Paulo, que tinha como foco inicial a valorização da região do

Anhangabaú, na primeira década do século (SIMÕES JÚNIOR, 2003).

A valorização de áreas centrais simbolizava a modernidade dos grandes

centros urbanos e constituía uma característica comum nas mais importantes

cidades do país e do mundo naquela época. O vale do Anhangabaú era o espaço

que refletia a paisagem moderna e cosmopolita da cidade, e as recentes

construções do Viaduto do Chá e do Teatro Municipal fortaleciam essa paisagem

(SIMÕES JÚNIOR, 2003).

A expansão no sentido oeste, com o surgimento de novos bairros

aristocratas, também favorecia a despolarização do centro da cidade, onde o vale

do Anhangabaú funcionava como um espaço de ligação ao “centro novo”.

Assim sendo, o projeto publicado, em 1906, pelo vereador Augusto Carlos

da Silva Teles, ficou conhecido como “os melhoramentos de São Paulo”. Esse

trabalho teve a participação de vários profissionais arquitetos, urbanistas e

engenheiros, tanto do Brasil como do exterior.

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Além da transformação da região do vale, foram apresentadas propostas

de melhorias no sistema viário da cidade, de criação de novos espaços abertos,

de controle das áreas de expansão urbana e uma preocupação estética geral,

baseada em cidades europeias, sobretudo francesas e inglesas.

Fig.46 – Propaganda de terrenos no bairro Jardim América com

valorização à paisagem do campo e ao conforto, lançada em 1928, no jornal “O Estado de S. Paulo”.

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Na sequência temporal, durante a Primeira Grande Guerra, as

construções residenciais na cidade quase pararam. Mas, a partir do fim dessa

guerra, apareceram novos loteamentos afastados do centro de São Paulo,

destinados às famílias mais abastadas. Bairros como Pacaembu, Alto da Lapa,

Perdizes, Mirandópolis, Jardim Europa e Jardim América vendiam a imagem de

loteamentos com uma “paisagem do campo”, um “ar saudável”, muito conforto e

status, sem deixar de lado a importância da proximidade ao centro comercial da

cidade.

Nesse período pós-guerra, outros símbolos de status passaram a ser

determinantes para a sociedade paulistana: a utilização da energia elétrica nas

residências, o acesso à rede de bondes elétricos e o uso do automóvel, que, além

de um importante meio de transporte, passou a ser visto também como um

símbolo de riqueza.

3.3 A arquitetura neocolonial em São Paulo

Na segunda década do século XX, os palacetes ecléticos continuavam

sendo minoria na cidade, pois realmente representavam a arquitetura de uma

elite. Apesar disso, eles se apresentavam ainda como peças influentes para as

classes inferiores, que os viam como modelos ideais de arquitetura, decoração e

do modo de vida de seus proprietários. No entanto, esse estilo arquitetônico das

residências da elite paulistana passou a demonstrar algumas transformações

devido à dificuldade de acesso aos materiais construtivos europeus e à mão de

obra de qualidade. A decoração no modelo eclético também já manifestava o seu

desgaste (HOMEM, 2010).

Diante disso, começou a surgir, como novidade, a arquitetura

neocolonial11 em São Paulo. Esse estilo fazia parte ainda do movimento eclético,

11 Segundo Carlos Lemos (1989), o uso do termo “neocolonial” é recente e, na época, o estilo era conhecido

simplesmente como “colonial”.

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porém com a proposta de resgatar a arquitetura e a decoração da época colonial,

de origem portuguesa, sendo praticado de maneira tímida e pontual na construção

de residências da elite paulistana durante a Primeira Guerra (LEMOS, 1996).

Porém, na década de 20, o estilo neocolonial foi difundido e conquistou a alta e a

média classe social paulistana. O movimento neocolonial demonstrava a vontade,

na época pós-guerra, de criar uma identidade arquitetônica no país, perante um

contexto de transformações da sociedade e da cultura material, em reação aos

muitos anos de importação de diversos estilos europeus. O espírito nacionalista

era comum não só na cidade de São Paulo, mas em todo o país e na América, e

passou a manifestar-se na construção de edificações que buscavam uma

arquitetura identificadora da nacionalidade (SEGAWA, 2010). O partido

arquitetônico relembrava a imagem da arquitetura do período colonial com seus

beirais largos, cachorros bem desenhados, sacadas, treliças, telhas de canal,

frontões curvilíneos, vergas em arco, belos painéis de azulejos, entre outras

características do período colonial, somadas a atualizações, tais como o uso da

alvenaria de tijolos e dos telhados com planos mais recortados.

Em São Paulo foram construídos importantes exemplares neocoloniais

por Victor Dubugras, como a residência do Sr. Eugênio Du Val, na rua

Albuquerque Lins, no bairro Higienópolis; a residência de Carlos Whately, no

bairro Jardim América; e a residência do Sr. Ferdinand Pierre, na Avenida

Paulista. Outro exemplo foi a residência projetada pelo arquiteto português

Ricardo Severo para o banqueiro Numa de Oliveira, também na Avenida Paulista.

Todas essas residências foram construídas na segunda década, logo após o final

da Primeira Grande Guerra (LEMOS, 1989).

Segundo o professor Carlos Lemos (1989), deve-se repartir igualmente o

mérito da introdução do novo estilo arquitetônico na cidade a esses dois

arquitetos. Entretanto, para Yves Bruand (2010), esse mérito pertence somente ao

arquiteto Ricardo Severo.

O marco de lançamento do movimento neocolonial foi realmente a

conferência "A Arte Tradicional no Brasil", realizada em 1914, na Sociedade de

Cultura Artística de São Paulo, por Ricardo Severo. No entanto, para Carlos

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Lemos, Dubugras ignorou o mostruário de elementos de composição das

construções históricas, registrados por José Wasth Rodrigues, e “renovou” o

barroco resgatado por Ricardo Severo, criando, assim, um estilo colonial

“modernizado”, copiado por muitos outros arquitetos da época.

É de autoria de Victor Dubugras uma das mais belas e interessantes

obras públicas de São Paulo, construída no estilo neocolonial, em 1919: o Largo

da Memória.

3.4 A racionalização da arquitetura

A partir da segunda década do século XX, logo após a Primeira Guerra,

devido à dificuldade de acessos a materiais construtivos e à mão de obra de

qualidade, a produção de residências no padrão eclético “tradicional francês”

diminuiu bastante, e o modelo neocolonial passou a mostrar-se mais simples, com

detalhes de ornamentação “barroca” optativos e, por isso, ele se difundia mais

facilmente por toda a cidade e também em seu entorno.

Nessa época, o programa funcional dos casarões da burguesia, na

arquitetura eclética, em todos os seus estilos formais europeus, não mostrava

grandes alterações, e seguia os mesmos padrões de organização dos casarões

do século anterior (LEMOS, 1989). Porém, o tamanho da casa diminuiu bastante.

Essa racionalização da arquitetura fez com que os ambientes ficassem mais

compactos e mais bem planejados. Além disso, a área social da casa diminuiu,

pois a vida social da nova burguesia dessa época passava a acontecer, cada vez

mais, fora de casa. Sendo assim, muitos ambientes da área social passaram a

perder a sua função e desapareceram.

Ocorreram mudanças em relação a nomes de ambientes e elementos

arquitetônicos com a influência do cinema norte-americano, que introduziu uma

nova terminologia: a palavra “living-room” passou a ser usada na identificação do

espaço de “estar”; o “w.c.” (water closet) passou a substituir o nome “latrina”; e

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surgiram também termos como “bay window” e “bungalow” (adaptado depois, na

língua portuguesa, como “bangalô”); e a palavra “hall” passou a substituir

definitivamente a palavra “vestíbulo” (LEMOS, 1994).

A racionalização dos espaços internos e dos volumes na arquitetura da

década de 30 alinhava-se com um novo movimento artístico da época: o art decó.

Esse movimento já era conhecido pelos europeus desde 1925, a partir da

Exposição Internacional de Artes Decorativas e Industriais Modernas, ocorrida em

Paris, mas demorou um pouco mais para chegar ao Brasil. A arquitetura art decó

caracterizava-se por linhas verticais, rigor geométrico e escalonamento de planos,

criando volumes sobrepostos.

O concreto armado, que até então havia sido muito pouco usado na

arquitetura brasileira, passou a ser empregado de forma mais frequente. Na

década de 30, o seu uso facilitou a criação arquitetônica dentro dos novos padrões

estéticos e, desde então, passou a ser muito importante na construção de casas

da classe média e edifícios públicos, mesmo que coberto e escondido por outros

revestimentos considerados mais nobres.

A popularização do art decó fez diminuir a aplicação do partido

neocolonial nas construções da classe média em São Paulo. O contexto da época

demonstrava a valorização e a necessidade de uma arquitetura bem mais

funcional, ajustada às novas ideias de Le Corbusier, que já havia apresentado, na

Europa, um conceito revolucionário de casa e uma nova forma de morar. Assim, o

art decó manifestou-se como uma verdadeira “ponte” entre o Ecletismo e o

Modernismo, denominado também Futurismo ou Protomodernismo.

No entanto, o art decó era visto somente em edifícios públicos e

residências da classe média. A casa neocolonial, mesmo que de forma mais

simplificada e racionalizada, continuou sendo a opção arquitetônica preferida da

elite paulistana durante toda a primeira metade do século XX, e seu partido

arquitetônico caracterizava e identificava os bairros mais nobres da cidade de São

Paulo.

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3.5 O american way of life

As primeiras décadas do século XX foram suficientes para trazer à cidade

e à sociedade paulistana novidades e transformações revolucionárias, com

consequências óbvias e inevitáveis ao modo de vida cotidiano.

A utilização residencial da energia elétrica, primeiramente nas casas de

famílias mais abastadas, trouxe a possibilidade do uso de equipamentos que

mudariam o dia a dia e o ritmo da vida doméstica em São Paulo e outras

metrópoles brasileiras. Eis alguns deles: o ferro elétrico, popularizado ao final da

Primeira Guerra Mundial, o rádio e o ventilador, na década de 20; a geladeira

elétrica (ou refrigerador elétrico), o aspirador de pó, a enceradeira, o secador de

cabelo e a batedeira de bolo, na década de 30; o liquidificador e o fogão elétrico,

na década de 40; e a máquina de lavar, o fogão a gás e a televisão, que seriam

realmente usados somente a partir da década de 50. (FARIAS, AYROSA,

CARVALHO, ABRAMOVITZ, FRAIHA, 2006; LEMOS, 1996). Quase todos esses

equipamentos eram importados da Europa e dos Estados Unidos, eram caros e,

por isso, de uso comum somente nas casas da elite paulistana.

O alto custo dos produtos estrangeiros, aliado às dificuldades de importação durante a guerra, motivou alguns empreendedores a investir na produção nacional desses artefatos para o lar. O estilo de vida do consumidor brasileiro também se modificava. Os costumes europeus importados até os anos 40 eram cada vez mais substituídos pela influência do american way of life, que chegava através do cinema, do rádio, jornais, revistas e, mais

tarde através da televisão (FARIAS, AYROSA, CARVALHO, ABRAMOVITZ, FRAINHA, 2006, p.67).

Ser “moderno”, nessa época, era seguir o modelo da maneira de viver da

alta classe norte-americana. O modo de vida “à francesa” foi vagarosamente

perdendo seu encanto, principalmente para as novas gerações. Os costumes

norte-americanos, as máquinas, os carros e os aparelhos eletrodomésticos eram

retratados por meios de comunicação, ainda inexistentes no século anterior.

Revistas de grande reprodução, tais como “Revista Feminina” e “Cigarra”,

passaram a ser importantes meios de divulgação dos novos códigos sociais para a

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família moderna, que tinham como público leitor principal a mulher da classe social

alta.

Fig.47 – Capa da revista “Cigarra”, edição 3, do ano de 1914, mostrando a

imagem da “mulher moderna”: uma boa dona de casa e boa esposa, mas preocupada também com a moda e sem receio de expor a sua sensualidade.

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Fig.48 – Essa propaganda de geladeira buscava atrair a atenção da elite,

através de desenhos de pessoas bem vestidas e um texto curto, fazendo conexão com um espaço da cidade muito frequentado por essa classe social, o teatro.

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Além de informações de como ser uma “boa dona de casa”, ser uma “boa

esposa” e dicas para educar os filhos, essas revistas traziam fotos de pessoas

ricas e influentes da sociedade, além de artigos sobre decoração, moda, arte,

etiqueta, propagandas de produtos de limpeza, equipamentos elétricos e tudo

mais que fosse importante ao lar da “mulher moderna”.

Esses artigos e propagandas, em meios de comunicação focados a

interesses exclusivamente femininos, demonstravam as novas conquistas da

mulher na sociedade da década de 20 e a influência da cultura norte-americana. A

mulher passou a ter uma importância maior como estabilizadora da família e

administradora das atividades domésticas, bem como uma liberdade maior dentro

e fora de casa.

Nessa mesma época, nas famílias menos abastadas, o homem foi

perdendo o seu destaque como o único provedor da casa.

As mudanças no comportamento feminino ocorridas ao longo das três primeiras décadas deste século incomodaram conservadores, deixaram perplexos os desavisados, estimularam debates entre os mais progressistas. Afinal, era muito recente a presença das moças das camadas médias e altas, as chamadas “de boa família”, que se aventuravam sozinhas pelas ruas da cidade para abastecer a casa para tudo o que se

fizesse necessário (Marina Maluf e Maria Lúcia Mott – SEVCENKO (org.), 1998, p.368).

Fig.49 – Propaganda na revista “Cigarra”, em 1914, mostrando a necessidade do uso de produtos

eletrodomésticos para se possuir uma casa moderna, valorizada pela higiene e pelo conforto.

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Nesse período de industrialização, intensificação do comércio, novas

opções de lazer e de serviços, o modo de viver mudou não somente dentro de

casa, na estrutura familiar, mas também fora dela, com a frequência em cafés,

restaurantes, teatros, cinemas e clubes (MORSE,1970). Esse novo costume,

adotado pela elite social e intelectual de São Paulo, levou a vida social a sair de

dentro da casa para ocorrer em espaços atrativos e elegantes da cidade. Assim, ir

ao cinema e ao teatro passou a ser importante não somente no aspecto cultural,

mas também no social. Portanto, locais como esses, para “ver e ser visto”,

passaram a ser interessantes tanto aos homens quanto às mulheres.

3.6 O programa da casa neocolonial

No programa das casas neocoloniais racionalizadas da primeira metade

do século XX, alterações ocorreram devido às mudanças na vida social da elite

paulistana, às influências norte-americanas e ao uso dos eletrodomésticos.

Como novidade, na área externa da casa, nas primeiras décadas, já

surgiu uma área coberta para o estacionamento do automóvel ao lado da porta de

entrada ou à frente da casa, conforme as residências da elite norte-americana.

Essa opção permitia ao proprietário mostrar à sociedade o seu automóvel, em vez

de escondê-lo ao fundo da casa.

Uma varanda, muitas vezes chamada de “terraço”, era comum na entrada

principal dessas casas, como já se via em casas ecléticas de décadas anteriores.

Ela dava acesso direto à sala de visitas, que se tornou o único ambiente social da

casa voltado à recepção de visitantes. Porém, na década de 20, a elite paulistana

já tinha a sua vida social ocorrendo muito mais fora de casa do que dentro e, por

isso, a sala de visitas raramente era aberta e utilizada. Com o tempo, pela

necessidade de racionalização, esse espaço passou a ser reutilizado, porém como

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um ambiente de uso cotidiano da família. Assim, o termo “sala de visitas” passou a

ser substituído por “sala de estar”.

A sala de estar dava acesso à sala de jantar e, na década de 20, nas

casas mais abastadas da cidade, era nesse ambiente que a família passou a ouvir

o rádio, aparelho criado no início do século para uso militar. O rádio reunia a

família na sala de jantar para ouvir rádio-novelas, notícias culturais e científicas,

recitais de poesia, músicas, programas educacionais e propagandas, ainda tudo

voltado somente ao público da alta classe social, que podia ter acesso a esse

aparelho. Inicialmente, o estilo musical que se ouvia era apenas música clássica e

óperas (FARIAS, AYROSA, CARVALHO, ABRAMOVITZ, FRAINHA, 2006). Alguns

anos depois, quando foi acoplado à vitrola, o rádio substituiu o piano, sempre

presente nas antigas casas ecléticas da elite paulistana.

O rádio aperfeiçoou-se e logo foi acoplado às vitrolas de 78 rotações e de agulhas de aço cambiáveis periodicamente. Assim, o som eletrônico começou a dominar o lazer doméstico, substituindo o piano com muito proveito porque era acessível a qualquer momento do dia ou da noite, ao contrário dos outros instrumentos musicais dependentes

da boa vontade dos intérpretes da família (LEMOS, 1996, p.67).

O mobiliário requintado europeu continuava presente nas salas de estar e

de jantar, no entanto, com o passar dos anos, a necessidade de espaços mais

simplificados e racionalizados buscou também um padrão de mobiliário com linhas

mais retas e de formas geométricas, ao estilo art decó, sem a preocupação

exagerada com a ostentação. Passou a ser comum, na sala de estar, o uso de

lareiras, mais como uma peça decorativa do que funcional, além de luminárias

europeias e de quadros e tapetes, também importados, com imagens de

paisagens românticas (VERÍSSIMO, BITTAR, 1999).

A ligação direta entre as salas de estar e de jantar era feita através de

paredes com grandes passagens em arcos, o que contribuía para a impressão de

uma área social mais ampla, permitindo a difusão do som do rádio e da vitrola por

todo o setor social.

Porém, nem sempre essas salas eram ligadas diretamente. Em alguns

projetos, a partir da década de 30, o hall passou a ter uma função de espaço

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“divisor” de ambas, além de manter a sua antiga função de espaço “distribuidor”, já

que nele se localizava a escada de acesso ao pavimento superior, onde ficava o

setor privativo da casa.

A partir da década de 50, com o surgimento dos primeiros aparelhos

televisores no Brasil, restritos somente à alta classe social, instalados nas salas de

estar, ocorreu uma importante mudança no desenho do setor social das casas da

elite da época. Houve a necessidade de eliminar totalmente a parede e quaisquer

outros obstáculos visuais que separavam a sala de estar da sala de jantar, para

que aqueles que se alimentavam na mesa de jantar também tivessem acesso às

imagens da televisão. Dessa forma, a sala de estar uniu-se definitivamente à sala

de jantar e tornou-se o espaço mais usado no dia a dia da família. A antiga “sala

de visitas” desapareceu por completo, transformando-se, na verdade, em um living

room. Com o passar dos anos, a televisão popularizou-se, e essas alterações

espaciais tornaram-se necessárias também nas residências da classe média.

A televisão foi a responsável pelas fundamentais alterações na vida íntima das famílias, com óbvios reflexos na organização espacial, o que o rádio fora incapaz de efetuar. O rádio foi importante, mas como ele podia ser ouvido de qualquer lugar, não exigia necessariamente alterações no programa de necessidades e tampouco providências espaciais de caráter arquitetônico. A televisão ao contrário, além de ouvida, também era vista, pedindo acomodações apropriadas, porque fixa o espectador num determinado lugar e por muito tempo. Logo de início, a televisão invadiu a sala de visitas, transformando-a verdadeiramente num living room. E foi responsável por enormes mudanças no mobiliário, permitindo aos designers, aos decoradores e aos moveleiros novas concepções de projeto, agora tendo uma tônica principal: o conforto, exigência até

então secundária e atrelada acessoriamente às razões de estilos (LEMOS, 1996, p.72).

A escada, quase sempre presente no hall, dava acesso a um hall

superior, responsável pela distribuição aos quartos, toucador12, quarto de costura,

banheiro, entre outros ambientes privativos da casa.

Dentro dos quartos, ocorreram alterações somente em relação ao

mobiliário que, assim como em toda a casa, passou a ter linhas retas e formas

geométricas, substituindo as antigas formas rebuscadas.

12 O toucador era um ambiente comum nas casas ecléticas como um espaço usado para se vestir, pentear os

cabelos, maquiar-se e adornar-se, sempre com o auxílio de um espelho em uma penteadeira.

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Percebe-se, também, a preocupação dos arquitetos da época em

posicionar os quartos e alguns outros espaços sociais dentro do lote, de maneira a

receber a iluminação solar durante a maior parte do dia.

O banheiro do pavimento superior, a partir da década de 20, já se

mostrava completo: com a função conjunta de sala de banho e de water closet. No

pavimento inferior, era mais comum encontrar apenas um water closet.

A copa ainda continuava a ser um importante espaço de apoio à cozinha,

assim como um ambiente de separação entre o setor social e o de serviço. Em

alguns exemplos de casas mais simplificadas e compactas, podia-se ver a

eliminação da copa, mas eram casos muito raros. Até mesmo em casas da classe

média paulistana encontrava-se a copa, porém com outras funções: era ali o

principal espaço para a alimentação e a convivência diária dessas famílias.

A cozinha sofreu grandes mudanças estéticas e funcionais no decorrer

das décadas da primeira metade do século XX. A industrialização, a preocupação

com a racionalização espacial e a chegada dos eletrodomésticos transformaram

as necessidades desse ambiente e, por isso, a partir da década de 30, novas

operações ocorriam na cozinha e exigiam um espaço de trabalho mais eficiente,

como já se via nas cozinhas europeia e norte-americana.

Para atender às novas operações da cozinha, os eletrodomésticos

precisavam também estar em harmonia com um mobiliário mais ergonômico e

contínuo, compondo um ambiente que facilitasse a utilização dos novos

equipamentos e a circulação dentro desse espaço. Nele, todo o trabalho deveria

produzir o máximo em quantidade e qualidade, exigir o mínimo esforço, com o

menor desperdício de tempo possível, de acordo com os ideais “modernos”.

No entanto, essas transformações puderam ser possíveis, inicialmente,

apenas em casas da alta classe paulistana, pois, para o funcionamento da

“cozinha racionalizada”, era necessário não somente um projeto interno do

ambiente, mas o acesso a uma infraestrutura urbana que permitisse o seu

funcionamento, através do abastecimento hidráulico, elétrico e de gás.

O fogão a gás foi logo adotado pelas famílias burguesas, porém sem se

desfazer do fogão à lenha, ainda opção de uso no cozimento de alguns alimentos.

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A geladeira (ou refrigerador) passou a ser indispensável. Com ela, tornou-se

possível armazenar alimentos e comprar mais, conforme o modo de vida norte-

americano (VERÍSSIMO, BITTAR, 1999). Dessa forma, o planejamento e a

organização dos móveis da cozinha eram sempre pensados a partir da localização

de três pontos: pia, fogão a gás e geladeira.

Quanto a essas mudanças na “nova cozinha”, Maria Cecília Naclério

Homem escreveu um artigo para a Revista Pós, com o título de “O Princípio da

Racionalidade e a Gênese da Cozinha Moderna”, como se lê nos textos a seguir:

Definia-se, assim, a cozinha racional: aquela que é especialmente organizada e ocupa um espaço reduzido, em vista da economia de tempo e de energia humana. Deve ser clara, arejada e bem iluminada por janelas e luzes noturnas, e ter aspecto alegre. Considera três grandes centros de atividades: armazenamento e conservação; limpeza e preparo; cozimento e serviço, apresentando-os em perfeita conexão entre si, mediante a melhor disponibilidade do equipamento e das janelas, além de relacioná-los com as peças que compõem a habitação. O trabalho será simplificado pela disposição e pela automação dos aparelhos auxiliares. Móveis e aparelhos se integram às superfícies contínuas e compactas, contidos todos em um espaço menor e mais bem utilizado, apto a atender à necessidade de economia de passos e de movimentos do usuário

(HOMEM, 2003, p.126).

Nesse momento, em que a cozinha passava a ser vista de maneira

diferente, havendo uma preocupação mais racional em sua organização e no uso

de novos equipamentos por seus moradores, ocorria, também, uma preocupação

maior, dos órgãos municipais, em relação à higiene. Por isso, o fogão a gás

passou a ser visto, pela burguesia paulistana, como um equipamento essencial,

por ser mais limpo e funcional. No entanto, ele se tornou um produto realmente

popular somente a partir da década de 50, com a aplicação do serviço de

distribuição e troca de botijões de gás nas áreas menos favorecidas da cidade.

O primeiro fogão a gás foi instalado em 1902, no Palácio do Governo. Segundo artigo de Lúcia Seixas, publicado no jornal O Globo, até a década de 30, quem quisesse ter em casa o conforto de um fogão a gás precisava alugá-lo da The San Paulo Gas Company, firma inglesa estabelecida em São Paulo desde 1872, com o objetivo de instalar o serviço de iluminação pública a gás nas ruas da cidade. Com a chegada da iluminação elétrica, essa companhia se voltou para o consumo doméstico do gás para cozinhas e calefação. Os modelos mais antigos eram muito parecidos com os fogões à lenha e a maioria provinha da Inglaterra. As casas mais ricas do começo do século não se desfizeram logo dos fogões à lenha, mantidos ao lado dos mais recentes. (...) Pouco antes da Segunda Grande Guerra, uma iniciativa pioneira abria uma nova etapa na

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história da cozinha. Em 1937, Ernesto Igel, imigrante austríaco radicado no Rio de Janeiro, teve a ideia de engarrafar o gás para utilizá-lo como combustível de fogões e de aquecedores domésticos, a exemplo do que já se fazia em países da Europa, nos Estados Unidos e na Argentina. Para tanto, aproveitou o gás butano, deixado em reserva pelos alemães para o abastecimento dos zepelins que faziam o voo de carreira entre o Brasil e a Alemanha. O sistema de engarrafamento de gás seria dependente do fogão a botijão e do serviço de distribuição e troca dos botijões. Estes seriam levados pela Ultragaz, Liquigás e outras congêneres, às zonas não urbanizadas. Limpo, barato e versátil, o engarrafamento do gás liquefeito do petróleo, o GLP, atingiria mais pessoas do que os serviços de distribuição de eletricidade, de água encanada e de coleta de lixo ou

tratamento de esgoto (HOMEM, 2003, p.134).

Desde as primeiras décadas do século XX, revistas voltadas ao público

feminino das famílias mais abastadas sempre procuraram mostrar a importância

de uma cozinha limpa, bem organizada e repleta de novos utensílios importados

de última geração, para facilitar o trabalho da mulher, porém foi só a partir da

década de 30 que estudos realizados por arquitetos fortaleceram essa ideia. Na

Revista Acrópole, uma das principais revistas sobre arquitetura do país (1938 –

1971), na edição de junho de 1938, Henrique Mindlin, arquiteto e professor da

Universidade Mackenzie, escreveu o importante artigo “Organização Racional da

Cozinha”. Nele o autor demonstrava a necessidade de uma cozinha bem

planejada, através da disposição de seus móveis e de estudos sobre a circulação

de seus usuários. Nesse mesmo artigo, Henrique Mindlin também explicou como o

sucesso de um ambiente racionalmente projetado poderia contribuir para a difusão

dos conceitos da arquitetura modernista, defendida por ele e por outros jovens

arquitetos da época.

O resultado, na prática, do uso de uma cozinha racionalmente organizada compensa amplamente os esforços expedidos na sua elaboração: o trabalho da dona de casa torna-se mais fácil, mais agradável e mais rápido; além disso, o argumento da eficiência permite a redução da área destinada à cozinha, com consequente diminuição do preço da construção. E mais que isso, pode-se dizer que o estudo cuidadoso da cozinha é o meio mais direto de levar ao conhecimento do grande público alguns princípios da arquitetura moderna, demonstrando como, através do estudo rigoroso das suas funções, um local, geralmente feio e desagradável, pode ser transformado em uma peça agradável, convidativa, que eleva o nível do trabalho caseiro e lhe dá um conforto

compatível com o progresso material do nosso tempo (MINDLIN, 1938, p.22).

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Fig.50 – Planta e vistas do estudo de composição do mobiliário da cozinha, realizado pelo

arquiteto Henrique Mindlin, e apresentado no artigo “Organização Racional da Cozinha”, na edição de junho de 1938 da revista “Acrópole”.

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Fig.51 – Plantas sobre o estudo da circulação ideal e funcional para a cozinha “moderna”,

realizado pelo arquiteto Henrique Mindlin, e apresentado no artigo “Organização Racional da Cozinha”, na edição de junho de 1938 da revista “Acrópole”.

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Na década de 50, o cinema apresentou a “cozinha americana”: modelo de

cozinha integrado à área social da casa. Esse arranjo não foi bem aceito pelos

brasileiros de uma forma geral, muito menos pela elite da sociedade. Alguns

estudos justificam essa reação devido ao fato de a culinária brasileira ser repleta

de muitas frituras e odores de temperos fortes, como se vê no livro “500 Anos da

Casa Brasileira” (1999), de Francisco Veríssimo e William S. M. Bittar. No entanto,

sempre foi presente, na cultura brasileira, desde o período colonial, a necessidade

de separar o serviçal da área de uso social do proprietário da casa, e,

provavelmente, esse tenha sido o motivo mais relevante para a recusa dessa

inovação funcional.

Mesmo assim, a cozinha aproximou-se da sala de jantar, ficou mais limpa

e mais bonita. Além do mobiliário moderno e dos eletrodomésticos, que criaram

um novo padrão estético no ambiente, surgiram novos revestimentos cerâmicos

com desenhos coloridos para a parede, produtos de fácil limpeza e mais

atraentes.

Com a industrialização, o uso dos eletrodomésticos e a diminuição do

tamanho das famílias, o quintal deixou de ser uma área importante para o

fornecimento domiciliar de alimentos, pois a indústria introduziu o benefício de

produção de muitos desses alimentos que antes eram elaborados em casa

(Marina Maluf e Maria Lúcia Mott – SEVCENKO (org.), 1998). Ter um galinheiro,

um pomar ou uma horta já não era tão importante, pois havia sempre um mercado

próximo à casa, e o alimento comprado poderia ser armazenado na residência por

mais tempo. O quintal continuou sendo a área para o lazer da família, para

guardar o carro e, muitas vezes, aos fundos, para uma edícula onde dormiam os

serviçais e ocorria o serviço de lavagem das roupas, para depois serem

estendidas no varal.

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3.7 Organograma padrão da casa neocolonial

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3.8 Casos de residências neocoloniais racionalizadas

Uma das principais revistas sobre arquitetura do país, nesse período, foi a

“Acrópole”, editada entre 1938 e 1971. Nessa revista, através da análise das

edições mensais, pode-se deduzir que os principais projetos residenciais na

cidade de São Paulo, durante as décadas de 30 e 40, foram casas de estilo

neocolonial racionalizado, construídas em bairros elegantes. Muitos desses

projetos da época foram trabalhos de jovens arquitetos que já conheciam os

conceitos de Le Corbusier e defendiam a arquitetura modernista. No entanto, seus

clientes mais nobres faziam parte de uma burguesia tradicional e conservadora,

que valorizava o estilo neocolonial, por ser ele considerado a verdadeira

arquitetura nacional, além de representar o poder e o status na sociedade. Essa

diversidade entre propósitos dos clientes e dos arquitetos fez com que futuros

expoentes da arquitetura modernista, como Oswaldo Bratke, Alberto Botti,

Eduardo Kneese de Mello, entre outros, não dessem tanto valor às suas primeiras

produções em estilo neocolonial (WOLFF, 2001).

A seguir, serão destacadas quatro das mais representativas residências

neocoloniais, projetadas por importantes arquitetos da época: Eduardo Kneese de

Mello, Oswaldo Bratke, Carlos Botti e Gregori Warchavchik.

3.8.1 Residência do senhor Ismael Brandão

(revista Acrópole – outubro/1938)

O artigo sobre a casa do doutor Ismael Brandão, construída na rua

Leôncio de Carvalho, travessa da Avenida Paulista, foi publicado na 6ª edição da

revista “Acrópole”, em 1938. O projeto é de Eduardo Kneese de Mello, que, apesar

de ser um dos arquitetos que mais defendiam as ideias modernistas, inclusive

através de textos publicados pela mesma revista, tinha como seus melhores

clientes famílias burguesas conservadoras. Portanto, pode-se ver, através da

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figura a seguir, uma casa ainda com características ecléticas e um programa

funcional racionalizado, conforme as necessidades da época.

A casa tinha uma entrada principal por um terraço; outra pelo quintal, aos

fundos, por uma varanda; e ainda uma entrada lateral pelo hall. Esse hall era o

ambiente com acessos às salas de estar e de jantar, ao escritório e à área

privativa, através da escada, cumprindo, dessa forma, suas funções de

distribuição e de divisão de setores da casa.

É também interessante observar a indicação do norte da cidade,

desenhado na planta desse projeto. Algo que somente passou a ser relevante

após as exigências do “Código Sanitário” e a crescente valorização da luz natural

dentro de casa, principalmente nos ambientes sociais e nos quartos.

Fig.52 – Fachada principal da residência do senhor Ismael Brandão, em 1938.

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Legenda:

1 – terraço 2 – sala de estar 3 – escritório 4 – sala de jantar 5 – hall 6 – water closet 7 – saleta 8 – copa 9 – quarto da criada 10 – cozinha 11 – varanda 12 – garagem com water closet

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13 – hall superior 14 – quarto 15 – toucador 16 - banheiro 17 – terraço superior

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Fig.53 – Pavimento térreo

Fig.54 – Pavimento superior

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3.8.2 Residência do senhor Sylvio Suplicy

(revista Acrópole - fevereiro/1941)

A 34ª edição da revista “Acrópole” traz mais um projeto do arquiteto

Eduardo Kneese de Mello, implantado na rua Maestro Elias Lobo, na região dos

“Jardins”. Ele possui características ainda mais expressivas das antigas casas

coloniais: beirais mais largos, verga curva sobre as janelas, sacadas com rótulas,

portão de madeira treliçada, entre outras, como se vê na figura a seguir.

O artigo mostra claramente como o desenho da arquitetura neocolonial e o

“retorno” de elementos coloniais nas residências da época eram motivo de orgulho

e apreciação dentro daquele momento cultural em que vivia o país, como se lê a

seguir.

Acompanhando o movimento de brasilidade, que se vem notando em todo o país, reaparecem em nossas construções os caracteres de antiga arquitetura colonial. (...) Os beirais largos, acolhedores, as rótulas, os pilares de reforço nos cantos do edifício, são outros interessantes detalhes inspirados na admirável arquitetura de nossos antepassados. (Revista Acrópole, 34ª edição, 1941, p.355)

Dentro da casa, com a necessidade de um espaço compactado e

projetado de forma inteligente em sua circulação, surgiam, de forma mais

frequente, os vãos em arco interligando os ambientes sociais da casa, como

podem ser vistos nesse projeto.

O mobiliário, as luminárias e os objetos de decoração mostram ainda

linhas do período eclético, porém sem o luxo e a ostentação das antigas mansões

e palacetes.

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Legenda:

1 – terraço 2 – sala de estar 3 – sala de jantar 4 – hall 5 – quarto da criada

1 2

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6 – water closet 7 – cozinha 8 – armário 9 – hall superior 10 – quarto 11 - banheiro

Fig.55 – Residência do senhor Sylvio Suplicy, na região do “Jardins”, em 1941.

Fig.56 – Plantas dos pavimentos térreo (à esquerda) e superior (à direita).

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Fig.58 – Canto da sala de estar com uma lareira

Fig.57 – Passagem em arcos da sala de estar para a sala de jantar

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3.8.3 Residência do senhor Caio Pinheiro

(revista Acrópole - fevereiro/1942)

Na 46ª edição da revista Acrópole, aparece o projeto da dupla de

engenheiros arquitetos Oswaldo Bratke e Carlos Botti, na avenida Rebouças,

região dos “Jardins”. Na fachada frontal da casa, comparece o estilo modernista,

através de um grande vão de janela do quarto principal, em contraste com o

neocolonial e seus largos beirais com telhas de canal por toda a casa. No desenho

da planta do pavimento superior, como se pode ver a seguir, esse quarto principal

tem duas pequenas janelas, uma na fachada frontal e outra na lateral esquerda da

casa. Tal ideia foi substituída por um único grande rasgo frontal.

Na planta do pavimento térreo, pode-se ver, logo à frente da casa, um

escritório, assim como os antigos gabinetes, característica marcante do programa

e da organização dos palacetes paulistanos. Existe, também, a ligação direta entre

as salas de estar e de jantar, e um corredor estreito funcionando como um hall. Na

sala de estar pode-se ver o desenho de uma lareira, muito comum na época, e o

uso de arandelas nas duas salas. Nessa residência, o quarto da criada localizava-

se na edícula, aos fundos da casa, juntamente com a garagem.

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Fig.59 – Residência do senhor Caio Pinheiro, na região dos “Jardins”, em 1942.

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Legenda:

1 – terraço 2 – escritório 3 – sala de estar 4 – sala de jantar 5 – corredor 6 – cozinha 7 – copa 8 – water closet

9 - garagem 10 – tanque 11 – water closet 12 – quarto da criada 13 – hall superior

14 – quarto

Fig.60 – Pavimento térreo

Fig.61 – Pavimento superior

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3.8.4 Residência do senhor Jacob Klabin Lafer

(revista Acrópole - outubro/1943)

Nessa edição de outubro de 1943 da revista Acrópole, foi publicado um

projeto do arquiteto Gregori Warchavchik, de uma casa na avenida Europa, na

região dos “Jardins”. Pode-se ver um largo beiral ao estilo neocolonial, porém

também alguns elementos formais típicos da arquitetura modernista, como a

cobertura sem telhado sobre a sala de estar, um grande painel vertical de pedra,

transversal à fachada, e uma peça semicircular na fachada principal, formada

apenas por placas de vidro.

Fig.62 – Sala de estar e a de jantar, aos fundos.

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A entrada principal acontece na lateral esquerda da casa, dando acesso à

sala de estar, decorada com uma lareira. Essa sala permite acessos diretos à sala

de jantar, ao hall e a um escritório, logo à frente da casa, como os antigos

gabinetes. No hall encontra-se um armário, um acesso ao vestiário e ao water

closet, e a escada que leva ao pavimento superior. Aos fundos da sala de jantar

pode-se ver uma copa, muito bem equipada, com um espaço reservado para

refeições diárias e auxílio à preparação dos alimentos na cozinha, logo ao lado da

copa. Percebe-se, na planta desse projeto, a necessidade de o arquiteto mostrar a

copa e a cozinha muito bem organizadas, com a localização de seus

equipamentos, mobiliários e a área de circulação. Após a cozinha, um terraço dá

acesso ao quarto da criada e a seu banheiro, completando o corpo arquitetônico

da casa.

Atravessando o quintal, há uma grande edícula com dois pavimentos. O

piso térreo possui um espaço de uso das criadas para lavar e passar roupa, e

mais um water closet. Ao lado direito, uma garagem para três carros. No

pavimento superior ficam mais três quartos para as criadas, armários e um

banheiro.

A área privativa dos proprietários, no pavimento superior da casa, contém

três dormitórios, sendo que dois deles têm acesso a grandes terraços. Nesse piso

estão, também, um toucador, um banheiro, um water closet e um quarto de banho.

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Fig.63 – Frente da casa do senhor Jacob Klabin Lafer, marcada por combinações de elementos neocoloniais e

modernistas.

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Legenda:

1 – terraço 2 – sala de estar 3 – escritório 4 – sala de jantar 5 – hall 6 – vestiário e water closet

7 – copa 8 – cozinha 9 – quarto da criada e banheiro 10 – área de passar roupa 11 – lavanderia 12 – área de serviço e depósitos 13 - garagem

14 – hall superior 15 – quarto 16 – toucador 17 – terraço 18 – quarto de banho 19 – quarto 20 – terraço 21 – quarto 22 – quarto 23 – water closet 24 – quarto

Fig.64 – Pavimento térreo

Fig.65 – Pavimento superior

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4. As casas modernistas13

“Depois do pranto de todo um século romântico, coroado nos espinhos duma guerra tremenda, queremos rir, livremente rir!” – Mário de Andrade

4.1 A arquitetura modernista em São Paulo

A necessidade de se ter uma identidade brasileira na arquitetura e na arte

era bem nítida desde o início da década de 20, com a difusão do Neocolonialismo.

Esse “espírito” era encontrado também na literatura e nas artes plásticas, através

de jovens artistas, criando e fortalecendo um novo movimento, que seria chamado

de Modernismo.

Entre os historiadores existe um consenso de que o marco inicial do

movimento modernista no Brasil ocorreu em São Paulo, em dezembro de 1917,

com a exposição de pinturas da artista Anita Malfatti. Essa exposição provocou

uma reação negativa entre os críticos, que defendiam o estilo tradicional e

acadêmico. Por outro lado, chamou a atenção dos jovens intelectuais que se

solidarizaram com a pintora e se articularam na criação do primeiro grupo

modernista brasileiro, colocando em debate os conceitos conservadores no meio

artístico em geral e propondo a renovação do ambiente cultural. A primeira

importante manifestação desse grupo foi a Semana de Arte Moderna, em fevereiro

de 1922, no Teatro Municipal de São Paulo (SEGAWA, 2010).

Hoje, passados quase cem anos, pode-se ter mais clareza sobre os

acontecimentos da época. A aparente contradição entre a necessidade de

identidade, em contraponto com a modernidade, traduz uma nova visão do

passado, só possível com a superação dos convencionalismos criada pelo

Modernismo. Assim, a eclosão da Semana de Arte Moderna ocorreu com

transposições francesas de Anita Malfati, que conviviam com as ideias da

Antropofagia de Mário de Andrade, em uma mistura da cultura moderna

13 Neste trabalho, houve a preocupação em distinguir o termo “moderno”, como adjetivo, e o termo

“modernista”, como referência ao estilo.

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internacional e a revisitação das tradições do Brasil colonial, antes escondido

pelas elites.

A Semana de Arte Moderna em São Paulo não propôs nenhuma mudança

na arquitetura brasileira. O nome “moderno”, na arquitetura, ainda era um adjetivo

vinculado à arquitetura neocolonial racionalizada. Somente em 1925, dois artigos

escritos pelos arquitetos Rino Levi e Gregori Warchavchik trouxeram ideias

alinhadas à vanguarda moderna europeia, lideradas por Le Corbusier, Walter

Gropius, Mies Van der Rohe, o arquiteto norte-americano Frank Lloyd Wright,

entre outros.

No artigo “A Arquitetura e Estética das Cidades”, publicado no jornal “O

Estado de São Paulo”, Rino Levi chamou a atenção para a nova arquitetura

prática e econômica, caracterizada por linhas e volumes simples e pelo uso de

materiais diferentes, com novas técnicas construtivas. No artigo “Acerca da

Arquitetura Moderna”, publicado no jornal carioca “Correio da Manhã”, Gregori

Warchavchik elogiou o racionalismo das máquinas e ressaltou a importância da

estandardização dos elementos arquitetônicos. Ambos propunham não somente

novas ideias formais, mas colocavam em debate as questões econômicas na

construção e a importância da velocidade na produção de edifícios, que poderia

ser melhorada com o uso de novas tecnologias. No entanto, essas publicações

não mudaram em nada o pensamento da maioria dos arquitetos da época, mas

foram textos guardados para, mais tarde, serem resgatados pela historiografia do

Modernismo, dessa forma tornando possível comprovar as ideias registradas na

arquitetura desses dois arquitetos (SEGAWA, 2010).

Na Europa, Le Corbusier havia apresentado uma reinvenção do conceito

da casa: “a máquina de morar”. Pensamento gravado em 1923 em sua obra “Por

uma Arquitetura” (2000), através das seguintes palavras: “Uma casa é uma

máquina de morar. Banhos, sol, água quente, água fria, temperatura conforme a

vontade, conservação dos alimentos, higiene, beleza pela proporção”. Essa “nova

casa” deveria funcionar tão bem como uma máquina, e sua forma arquitetônica,

de características cubistas, seria fruto de suas necessidades, conceito baseado

nos padrões da Bauhaus e sintetizado na célebre frase: “a forma segue a função”.

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Tal ideia foi criticada por muitos arquitetos tradicionais. No entanto, foi apoiada por

vários outros arquitetos vanguardistas e intelectuais no mundo inteiro, que viam

esse novo modelo de arquitetura como um padrão universal e revolucionário. No

Brasil, Gregori Warchavchik era um dos maiores admiradores e apoiadores de Le

Corbusier, como mostra o texto a seguir, de sua autoria:

Na construção aperfeiçoada de uma máquina não procuramos criar um objeto de beleza. Queremos que seja de perfeita utilidade, de perfeito funcionamento, queremos também que não custe mais do que o necessário a esse perfeito funcionamento. Disto resultam proporções e formas tão harmoniosas e convenientes que não pensamos por um único segundo que essas formas poderiam ser diferentes. Defronte a uma perfeita locomotiva, a um telescópio, defronte a qualquer maquinismo aperfeiçoado, temos o sentimento feliz e seguro de que assim, e não de outra maneira, poderiam estes instrumentos ser construídos. Em arquitetura, os problemas são os mesmos e só da mesma maneira poderão ser

resolvidos (WARCHAVCHIK, 2006, p.57).

Essa necessidade de enxergar a casa moderna como uma verdadeira

máquina de morar foi fruto da Revolução Industrial, que trouxe ao homem da

época um impulso para otimizar o tempo e o espaço em suas ações cotidianas.

Automóveis, aeroplanos, eletrodomésticos e outras máquinas surgiram como

equipamentos que deram ao homem uma nova sensação de poder e domínio

sobre a natureza, o espaço e o tempo. Por outro lado, trouxeram um ritmo diário

mais acelerado e uma nova percepção de tempo e espaço à população das

metrópoles, transformações essas que se refletiram claramente no modo de viver

do homem moderno.

O problema da casa é um problema de época. O equilíbrio das sociedades hoje depende dele. A arquitetura tem como primeiro dever, em uma época de renovação, operar a

revisão dos valores, a revisão dos elementos constitutivos da casa”. (LE CORBUSIER, 2000, p.159).

Sendo o problema da casa uma questão de época, como dizia Le

Corbusier, os chamados arquitetos modernistas, no mundo todo, defendiam que o

homem moderno não poderia se conformar com uma arquitetura do século

passado e, assim, deveria abrir os olhos às novas possibilidades que os materiais

industrializados e as tecnologias da época lhe proporcionavam para as

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construções e soluções das necessidades do homem do século XX. Para Le

Corbusier, a verdadeira arquitetura era aquela que deveria se preocupar em

resolver problemas tal qual uma máquina, ou seja, de maneira simples e racional,

sem o objetivo de se esconder atrás de ornamentos decorativos, como crítica a

todas as correntes da arquitetura eclética.

Novos materiais de construção, como o aço e o concreto, permitiram o

desenvolvimento de tipologias arquitetônicas com traços retos e mais simples, que

se adaptaram à chamada nova “estética universal” e cobriram as necessidades de

higiene, iluminação natural e funcionalidade dos ambientes residenciais, através

do uso de técnicas construtivas ainda mais práticas e rápidas.

Dentro dessas novas possibilidades criativas, Le Corbusier fundamentou

sua “máquina de morar” em tópicos, que ele chamou de os “5 pontos da nova

arquitetura”: 1) o edifício elevado sobre pilotis; 2) a planta livre obtida através da

independência entre os elementos estruturais e as vedações internas; 3) a

fachada livre obtida através da independência entre os elementos estruturais e a

vedação externa; 4) as janelas longas, resultado da criação de fachadas livres; 5)

a laje-jardim (ou terraço-jardim).

Esses cinco tópicos foram resultado de pesquisas realizadas pelo

arquiteto, em seus primeiros anos de carreira, e permitiram tornar independentes

os elementos construtivos do projeto, possibilitando maior criatividade formal do

edifício, maior comunicação entre o espaço interno e o externo, e maior

continuidade espacial entre os ambientes em seu interior.

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As ideias de Le Corbusier, com sua arquitetura modernista racionalista,

influenciaram muitos arquitetos jovens brasileiros, entre eles Lúcio Costa e Oscar

Niemeyer, no Rio de Janeiro. Porém, devido ao fato de São Paulo ainda ser uma

cidade que não aceitava facilmente novos conceitos e estilos revolucionários, e

também por ser a metrópole brasileira de maior contato econômico e cultural com

os Estados Unidos no início da década de 30, o maior prestígio de seus jovens

arquitetos era em relação ao arquiteto norte-americano Frank Lloyd Wright e seu

estilo modernista orgânico. A escassez do cimento e do aço importados,

consequência da Segunda Guerra Mundial, também contribuiu para que alguns

arquitetos encontrassem, em Wright, soluções modernas, independentes do uso

desses materiais. Essa influência de Frank Lloyd Wright em São Paulo fez surgir,

muitas vezes, uma solução mista, encontrada nas arquiteturas de João Vilanova

Fig.66 – Desenhos de Le Corbusier representando os “5 pontos da nova arquitetura”.

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Artigas, Rino Levi, Oswaldo Bratke, entre outros (BRUAND, 2010). Com esses

arquitetos, a partir dos anos 1940, a arquitetura modernista de São Paulo passou

a ter características bem próprias, cada vez mais diferenciadas da produção

carioca. Além de Wright, influências como as de Richard Neutra, Gropius e Mies

van der Rohe também podiam ser notadas em alguns projetos, e o rigor

construtivo e funcional tornou-se a principal marca dessa geração na arquitetura

paulistana.

No entanto, apesar de algumas diferenças plásticas e diversidades no uso

de materiais construtivos, os diferentes estilos modernistas tinham sua base

conceitual em comum, sintetizada nos “5 pontos da nova arquitetura”, descritos

por Le Corbusier.

Portanto, a corrente orgânica possui uma personalidade indiscutível e exprime aspirações diferentes das do racionalismo, mas não se pode falar de antinomia absoluta: as duas tendências estão fundadas na exploração da planta livre e vinculam-se à criação de uma continuidade espacial fruto da visão cubista. É por isso que existem obras intermediárias, às vezes de difícil classificação, influências difusas num sentido ou noutro, sem esquecer as confusões originadas de uma denominação genérica capaz de recobrir diferentes

interpretações (BRUAND, 2010, p.271).

A liberdade formal que a arquitetura modernista permitia ao edifício e suas

linhas retas e isentas de ornamentos manufaturados, devido à utilização do aço,

do concreto e peças industrializadas, refletiam-se também na organização do

interior da casa, com a “planta livre”, na possibilidade de separar a estrutura dos

elementos de vedação.

A utilização de elementos construtivos, como brises, pérgolas, cobogós,

grandes vãos abertos e vedações com grandes placas de vidro; o uso de

eletrodomésticos; e as novas necessidades residenciais, tudo isso trouxe fluidez,

leveza, transparência e um controle maior do homem sobre o espaço em sua

casa.

Surgiu, assim, uma arquitetura conceitualmente revolucionária e

diferenciada em seus aspectos plásticos, tecnológicos e funcionais. Porém, essa

arquitetura era contrária à ideologia de muitos da alta classe tradicional da época,

que mantinham a imagem de suas residências neocoloniais como símbolo de

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riqueza e como peça necessária de distinção social. Por outro lado, alguns

representantes dessa elite social e muitos jovens intelectuais da cidade já se

interessavam pelas diferentes formas de expressão da arte modernista. A senhora

Olívia Guedes Penteado, apesar de ser uma conhecida burguesa de família

tradicional na cidade, foi uma importante admiradora da arte modernista. Mantinha

bom relacionamento com Anita Malfati, Tarsila do Amaral e Heitor Villa-Lobos, e

sempre procurou incentivar o progresso do movimento modernista em São Paulo

e no Brasil.

Na década de 40, o arquiteto João Vilanova Artigas, apesar da sua

ideologia comunista, enxergava a burguesia industrial como a classe de poder

transformador do país, e projetou grandes residências para essa classe social.

Segundo seu discurso, ele buscava, com a sua arquitetura, “reeducar” essa nova

burguesia, através de uma ética que propunha a limpeza de excessos em móveis,

ornamentos e quaisquer outros símbolos de riqueza, em completa oposição a

todos os modelos ecléticos, e incentivava o uso do capital de forma “útil”, com

aplicações na industrialização e no desenvolvimento do país (ARANTES, 2002).

Dessa forma, na primeira metade do século XX, a elite paulistana dividia-

se em residências neocoloniais, existentes em bairros nobres, como o Pacaembu

e os da região dos “Jardins”; nas poucas residências construídas na arquitetura

modernista em novos bairros mais afastados do centro da cidade; e apartamentos

dos primeiros prédios residenciais voltados às famílias mais abastadas, no bairro

de Higienópolis.

A residência construída nos moldes da arquitetura modernista de Le

Corbusier demorou a ser aceita em São Paulo. Foi somente a partir da década de

50 que a burguesia industrial e uma elite intelectual realmente passaram a aceitá-

la como modelo de arquitetura residencial14. Esse fenômeno ocorreu,

principalmente, após a primeira exposição da arquitetura modernista brasileira no

MoMA (Museu de Arte Moderna de Nova York), em janeiro de 1943, denominada

“Brazil Builds”. Esse evento teve total incentivo do governo dos Estados Unidos e

14 Pode-se notar esse fenômeno, acompanhando o histórico das edições da revista Acrópole. A partir das

edições de 1950, percebe-se a valorização do estilo modernista de Le Corbusier e o aumento de construções

nesse padrão formal racionalista.

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procurava ilustrar as diversas manifestações da cultura arquitetônica no país.

Porém, ele ocorreu devido a óbvios interesses políticos, durante o período pós-

guerra, quando os Estados Unidos, claramente, buscavam promover uma

aproximação diplomática com o Brasil15 (CARRILHO, 1998).

A exposição “Brazil Builds” começou em Nova York e circulou por várias

cidades norte-americanas, Toronto, Cidade do México, Londres, entre outras,

durante quase dois anos. No Brasil, também foi apresentada, inicialmente, na

cidade do Rio de Janeiro e, posteriormente, em Belo Horizonte, São Paulo,

Santos, Campinas, Jundiaí, Curitiba, Florianópolis e Porto Alegre. Ela mostrava

fotos da chamada arquitetura brasileira “antiga”, que contava um pouco da história

da arquitetura no país, e da arquitetura modernista de “vanguarda”, que se

produzia naquele momento, exaltando, principalmente, obras modernistas

progressistas da produção carioca. Esse evento teve repercussão mundial, com

elogios da revista norte-americana “Life Magazine” e do jornal “New York Times”.

(CARRILHO, 1998). No Brasil, essa exposição contribuiu para apresentar, à

própria população a nova arquitetura, inovadora nas técnicas construtivas e no

desenho chamado de “futurista”, baseada nos conceitos de Le Corbusier. Devido

ao impacto da exposição e à reação positiva internacional, ela contribuiu, também,

para fortalecer e impulsionar a produção desse modelo arquitetônico no país e, em

contrapartida, desvalorizar tudo aquilo que não estivesse conforme esse padrão.

15 Além do interesse diplomático de aproximação entre os dois países, é bem provável que houve, também,

um interesse norte-americano de que nenhum país latino-americano, em especial o Brasil, descobrisse a sua

identidade nacional. Sendo assim, na arquitetura, a produção do modelo internacional de Le Corbusier, nos

países latino-americanos, era interessante para os Estados Unidos, além de contribuir com a quebra de

vínculos coloniais desses países com os países europeus.

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4.2 O programa da casa modernista

Em relação ao programa, na casa modernista ocorreram algumas

alterações, porém nenhuma mudança muito radical em relação às casas

neocoloniais. Apareceram alguns casos permitindo a passagem da sala de jantar

para a cozinha de forma direta, sem a utilização da copa, como espaço de

transição da área social à área de serviços. Esse fato pode ser explicado,

principalmente, pelo melhor planejamento e organização funcional da cozinha,

sendo, assim, necessário somente um único ambiente para o cozimento e a

preparação dos alimentos. A partir da década de 30, pode-se ver, em algumas

plantas de projetos, esse único espaço sendo chamado de “copa-cozinha”.

Surgem, também, projetos com a preocupação de tirar a área social da frente da

casa e colocá-la ao fundo, criando uma ligação com o jardim do quintal, muitas

vezes, através de um terraço. Os terraços aparecem com uma frequência maior,

mais por uma questão estética da arquitetura progressista, do que funcional, com

a finalidade de criar contrastes entre “cheios e vazios” no molde do edifício

prismático. Torna-se mais comum, também, o uso de desníveis, através de alguns

poucos degraus, como um elemento separador entre ambientes, sem a

necessidade do uso de paredes ou qualquer outro obstáculo visual. A “limpeza”

visual das faces do edifício, com traços simples e sem ornamentos, manifestava-

se também em seu interior, onde passou a ser comum o uso de móveis mais

leves, de madeira compensada e estrutura metálica, e ornamentos em menor

quantidade.

Os estilos neocolonial e modernista diferiam, mais nitidamente, no uso de

materiais construtivos e no partido arquitetônico. A liberdade maior no desenho da

planta e no aspecto plástico do edifício, conquistada pelo uso de novas

tecnologias construtivas, conseguiu promover diferentes possibilidades de

organização entre os ambientes, sem grandes alterações no programa.

A arquitetura modernista aplicada pelos arquitetos paulistas, discípulos de

Wright, muitas vezes apresentava elementos ecléticos. Por outro lado, projetos

neocoloniais também passaram a receber elementos da arquitetura modernista,

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como foi visto, por exemplo, na residência do senhor Jacob Klabin Lafer, projetada

por Warchavchik.

Diferentemente da arquitetura modernista orgânica, o desenho cubista da

arquitetura de Le Corbusier era inédito e livre de influências do século anterior.

Esse estilo chamava a atenção por sua estética “futurista”, como era chamada na

época, e foi usado em São Paulo, nas décadas de 30 e 40, por profissionais como

Antônio Garcia Moya, Henrique Mindlin, Gregori Warchavchik, Jayme Fonseca

Rodrigues, entre outros. No entanto, foi somente a partir da década de 50 que

esse modelo passou a ser visto, no país, como a “verdadeira arquitetura

modernista”, uma vez que não possuía qualquer vínculo com o passado colonial e

eclético.

Porém, independentemente do partido arquitetônico orgânico ou

progressista, essa nova arquitetura, em seu interior, não deixava dúvidas: a

fluidez, a transparência entre os espaços internos e externos e a continuidade dos

ambientes eram características típicas da arquitetura modernista. Outro elemento

característico dessa arquitetura era o uso de móveis industrializados, mais leves,

mais simples e, ao mesmo tempo, com um design mais arrojado e inovador,

permitindo a criação de layouts adequados para situações diferentes em um

mesmo ambiente. Tudo isso era o reflexo de um novo tempo e de uma nova

maneira de morar, aceita e adotada ainda por poucos representantes da burguesia

paulistana.

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4.3 Organograma padrão da casa modernista

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4.4 Casos de residências modernistas

A seguir, serão destacadas quatro importantes residências modernistas,

projetadas por relevantes profissionais da época: Henrique Mindlin, Eduardo

Kneese de Mello, Jayme Fonseca Rodrigues e João Vilanova Artigas. Esses

projetos mostram, plasticamente, diferenças claras, específicas de cada autor.

Pode-se observar, no entanto, que os programas residenciais são bem

semelhantes.

4.4.1 Residência do senhor G. Haberkamp

(revista Acrópole - maio/1938)

A residência do senhor G. Haberkamp, projetada por Henrique Mindlin, na

rua Dr. João Pinheiro, na região dos “Jardins”, é o primeiro artigo de um projeto da

revista Acrópole, em sua primeira edição de maio de 1938. É interessante notar

que, nessa edição, juntamente com o artigo desse projeto de Mindlin, considerado

na época como “futurista”, há outros artigos de projetos neocoloniais, além de a

capa da revista trazer uma homenagem a Ramos de Azevedo. Assim, percebe-se

que o Ecletismo e o Modernismo caminhavam paralelamente, porém a preferência

da elite paulistana pelo padrão eclético neocolonial dava a esse estilo uma

importância maior.

Esse projeto de Mindlin, no modelo Le Corbusier, é bem interessante e

merece uma atenção especial, pela maneira diferenciada de organizar os espaços

da casa. Em um terreno estreito, a passagem do carro, ao lado da casa, para levá-

lo à garagem aos fundos, diminuiria ainda mais a largura do edifício. Por isso,

Mindlin propôs uma garagem frontal, com acesso ao setor de serviços (a cozinha

e o quarto da criada), liberando, dessa forma, o fundo da casa para o uso do setor

social, com acesso direto ao quintal. Assim, o living room e a sala de jantar, em

completa conexão, puderam se abrir, através de grandes janelas e portas de vidro,

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a um terraço e ao jardim, aos fundos da casa. Uma solução diferente, na época,

mas que, hoje, é muito utilizada.

A entrada da casa acontece por uma porta frontal, ao lado da garagem, e

acessa o hall (ou vestíbulo, como ainda é chamado no projeto), que separa e

distribui, de maneira bem prática, os três setores da casa. A escada, existente

nesse hall, acessa o hall superior, que faz os acessos a um banheiro e três

dormitórios, sendo dois deles com passagem a terraços. O uso de terraços na

arquitetura modernista passou a ser comum, também, por uma questão plástica,

pois permitia criar espaços abertos e “esculpir” a forma prismática do edifício.

Na decoração e no mobiliário da casa, objetos em estilo art decó e em

design modernista misturavam-se. O piso de madeira, coberto por grandes

tapetes, e a lareira na sala de estar (ou living room) também eram características

comuns nos projetos modernistas das décadas de 30 e 40.

Fig.67 – Vista da frente e da lateral da casa.

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Fig.68 – Vista da face posterior da casa, mostrando os acessos ao terraço e ao

jardim.

Fig.69 – Plantas dos pavimentos térreo e superior (acima).

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Legenda: 1 – hall 2 – living room 3 – sala de jantar 4 – terraço 5 – garagem 6 – quarto da criada 7 – cozinha 8 – hall superior 9 – banheiro 10 – dormitório 11 – terraço

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Fig.70 – Vista da sala de jantar, do living room e seus acessos ao jardim.

Fig.71 – Vista do living room com a lareira ao fundo.

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4.4.2 Residência do senhor Alexandre Tito Labat

(revista Acrópole – fevereiro/1939)

Esse projeto de Eduardo Kneese de Mello para a residência do senhor

Alexandre Tito Labat, localizada na rua Chile, no bairro Jardim América, propõe

uma plástica progressista, entretanto mantém um programa e uma organização

espacial dos ambientes mais conservadores que os de Mindlin, no projeto anterior.

O jardim da casa apresenta-se à frente, compondo uma função bem paisagística,

voltada mais aos olhos do transeunte da rua do que ao uso privativo do

proprietário, ao contrário do projeto anterior. Outra característica que o difere do

projeto de Mindlin é o desmembramento do quarto da criada do corpo da casa.

Esse quarto é inserido em uma edícula, entre a garagem e o galinheiro.

O que mais chama a atenção nesse projeto são os desníveis e o uso de

escadas curtas na separação de alguns ambientes. Nessas escadas, já se veem

grossos corrimãos em aço cromado, bem como em uma cerca, separando o

escritório da sala de estar.

O escritório, à frente da casa, tem como referência o padrão eclético

paulista. O piso de madeira coberto por tapetes, as aberturas para janelas, como

grandes “rasgos” nas paredes, e o uso de terraços aparecem novamente nesse

projeto, como características típicas desse modelo arquitetônico.

Fig.72 – Vista frontal da casa.

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Legenda:

1 – terraço de entrada 2 – hall 3 – escritório 4 – sala de estar 5 – sala de jantar 6 – copa 7 – cozinha 8 – saleta 9 – quarto da criada 10 – banheiro 11 – galinheiro 12 - garagem

Fig.73 – Plantas do pavimento térreo, à esquerda, e do pavimento superior, à

direita.

13 - banheiro 14 – terraço do banheiro 15 - quarto 16 – quarto com toucador 17 – terraço frontal

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Fig.74 – Sala de estar com acesso ao escritório, à esquerda, e à sala de estar, à

direita.

Fig.75 – Vista da sala de estar e de jantar, ao fundo.

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4.4.3 Residência do senhor Jayme de Albuquerque Cavalcanti

(revista Acrópole – agosto/1939)

No mesmo ano da publicação do projeto anterior, a revista Acrópole

publica o projeto da residência do senhor Jayme de Albuquerque Cavalcanti, na

rua Ceará, no bairro Pacaembu, criado pelo arquiteto Jayme Fonseca Rodrigues.

A entrada da casa dá acesso ao hall, que faz sua função de distribuição

aos três setores funcionais da casa. O setor social tem uma interligação contínua

entre o escritório, o living room e a sala de jantar. O living room tem um layout

simétrico, tendo, ao centro, a lareira. O escritório, ao lado da entrada principal da

casa, reaparece nesse projeto, e os terraços são também novamente utilizados. A

sala de jantar dá acesso à copa-cozinha, ao lado esquerdo da casa.

A organização dos espaços, nesse projeto, tem semelhanças com o

projeto de Mindlin, na ideia de aproveitar o fundo da casa com o setor social,

voltado a um jardim privativo, e separando o setor de serviços em uma das laterais

da casa.

O water closet, no pavimento térreo, está um pouco acima do nível do

hall, e pode ser acessado através do patamar da escada.

O pavimento superior é composto por um grande dormitório, com ligação

a uma toalete, com funções de um toucador. Há também um banheiro, com

acesso a um terraço, e outro escritório. O bloco composto pelo escritório térreo e o

superior formam um semicilindro, repleto de aberturas, marcante no partido

arquitetônico do projeto.

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Fig.78 – Toalete (ou toucador) com uma penteadeira

ao fundo.

Fig.77 – Dormitório visto por dentro da

toalete.

Fig.76 – Vista frontal e lateral da casa.

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Fig.79 – Planta do pavimento superior

Fig.80 – Planta do pavimento térreo

Legenda:

1 – terraço de entrada 2 – hall 3 – escritório 4 – sala de estar (living room) 5 – sala de jantar 6 – copa – cozinha 7 – banheiro 8 - terraço 9 – escritório superior 10 – dormitório 11 – toalete 12 – banheiro 13 - terraço

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4.4.4 Residência do senhor Nicolau Scarpa Jr.

Essa residência, projetada pelo arquiteto João Vilanova Artigas, em 1942,

na rua Manuel Maria Tourinho, no bairro Pacaembu, destaca-se em relação às

anteriores por suas características plásticas ainda ecléticas. Artigas propôs uma

arquitetura com um desenho normando, através de um telhado inclinado e repleto

de recortes, construído em alvenaria portante pintada de branco e tijolos

aparentes, como referência às casas de Wright.

A entrada da casa ocorre por um corredor na lateral direita do terreno,

acessando um hall com suas funções de separação e distribuição. Os ambientes

sociais da casa, formados por uma sala de estar, dois terraços, uma sala de jantar

e um banheiro, ficam ao lado oposto da porta lateral, separados por um desnível e

uma escada de dois degraus. Já existe um interesse modernista de dar

continuidade a esses ambientes, sem uso de corredores, assim como nos projetos

anteriores. Porém, Artigas mantém a proposta tradicional de inserir o setor de

serviços aos fundos da casa, com acesso ao quintal; e a sala de estar, com uma

lareira em um dos cantos, com aberturas ao corredor lateral esquerdo.

O piso térreo do corpo principal da casa possui também uma copa,

separando a sala de jantar da cozinha; dois dormitórios, sendo um deles com um

toucador ao lado; um banheiro e um lavabo. No pavimento superior, há um hall

que acessa dois dormitórios, um roupeiro e um banheiro.

Na edícula há, em seu piso térreo, uma garagem, uma lavanderia, um

depósito e um galinheiro. No piso superior, um banheiro e dois dormitórios para

serviçais.

É um projeto nem um pouco ousado de Artigas, se for comparado a outros

trabalhos desse arquiteto nessa época, mas que reflete algumas influências de

Wright, somadas às necessidades e ao pensamento conservador da maioria de

seus clientes da classe alta paulistana.

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Fig.81 – Vista do corredor lateral com a porta de entrada da casa coberta por um terraço.

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Legenda: 1 – hall de entrada 2 – sala de estar 3 – sala de jantar 4 – terraço frontal 5 – banheiro 6 – toucador 7 – dormitório 8 – terraço 9 – lavabo

Fig.82 – Plantas do piso térreo, à esquerda, e do piso superior, à direita.

10 – copa 11 - cozinha 12 - garagem 13 - galinheiro 14 - lavanderia 15 - depósito 16 - roupeiro

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4.5 A casa de Warchavchik da rua Santa Cruz

A casa de Warchavchik da rua Santa Cruz, no bairro Vila Mariana,

projetada e executada entre os anos 1927 e 1928, tem grande importância na

história da arquitetura paulistana e brasileira, por ser considerada pela grande

maioria de críticos, historiadores e arquitetos, a primeira obra modernista do

Brasil.

Essa obra já foi tema de muitas discussões em jornais, livros e trabalhos

acadêmicos, com suas críticas negativas e positivas, mais por questões

relacionadas ao partido arquitetônico e pela técnica construtiva, do que pelo

programa funcional.

Em plena década de 20, Warchavchik somente conseguiu propor tal

arquitetura, porque a casa não era para nenhum de seus clientes da burguesia

paulistana, mas, sim, para sua própria moradia. A obra foi construída em um

terreno pertencente à família de sua esposa, Mina Klabin, que projetou todo o

paisagismo ao redor da casa.

As principais críticas negativas em relação a esse projeto são: a

construção ter sido realizada, quase que inteira, com tijolos revestidos de cimento

branco, e não em concreto armado; as janelas horizontais, de canto, darem um

aspecto formal modernista, porém não justificando o uso dos materiais

tradicionais; e a cobertura não ser um terraço-jardim sobre uma laje, mas um

telhado de telhas coloniais, escondido por uma platibanda. Assim, dos “5 pontos

da nova arquitetura”, estabelecidos por Le Corbusier, Warchavchik utilizou

somente um, e de forma parcial: as janelas horizontais. Somente a intenção

plástica do edifício parecia ser uma novidade. Isso fez com que Carlos Lemos, em

mais um de seus comentários polêmicos, discordasse do título de “a primeira obra

modernista no Brasil” e a chamasse, em seu livro “Alvenaria Burguesa”, de “a

última casa eclética ao estilo francês”.

Assim, podemos dizer que o marco finalizador do ciclo “cafezista” das residências burguesas foi justamente a casa da rua Santa Cruz, de Gregori Warchavchik – casa só de tijolos, de sobrado feito de assoalho e grossos dormentes de madeira e coberta de

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telhas tradicionais de barro de capa e canal. Constitui ela o fim de uma era e não o

começo de outra (LEMOS, 1989, p.201).

Em outras de suas críticas, Carlos Lemos (2005) também destaca

algumas semelhanças do programa funcional da casa de Warchavchik com os

programas utilizados por Ramos de Azevedo, como, por exemplo, a posição da

escada, em um ambiente central, que funciona como um vestíbulo “à francesa”, e

a importância dada a esse espaço para a circulação, sem corredores; além disso,

o uso de portas internas para a circulação entre os dormitórios.

Por outro lado, Yves Bruand (2010) exalta alguns aspectos da obra,

principalmente, ao enxergar, no interior da casa, as intenções modernistas do

arquiteto, como a busca pela continuidade dos ambientes sociais, apesar das

dificuldades técnico-construtivas da época, e a necessidade da relação entre o

espaço interno e o externo da casa, como se lê no texto a seguir:

A influência do cubismo, porém, não se limitava à fisionomia externa, composta por prismas elementares; eram visíveis as pesquisas de continuidade espacial, de ligação entre o exterior e o interior. A porta envidraçada, protegida por apenas uma elegante grade de ferro que não impedia a visão e a janela de canto da ala direita, que abria para a varanda, davam uma sensação de acentuada transparência a essa face da casa, enquanto a organização da planta visava a criação de um espaço contínuo, ao mesmo tempo interno e externo, valendo-se de grandes superfícies envidraçadas e de grandes aberturas, que colocavam os ambientes de estar em comunicação direta com a vasta varanda sem criar uma separação visual; a oposição completa entre as diversas faces agrupadas duas a duas, umas compostas de volumes prismáticos, as outras dominadas pelo caráter particular dado pela varanda em “L”, estava de acordo com uma das maiores preocupações do cubismo: a de não poder apreender-se um objeto a partir de uma única perspectiva, sendo necessário deslocar-se em torno dele para poder compreendê-lo ou

representá-lo na sua totalidade (BRUAND, 2010, p.67).

Warchavchik conseguiu construir uma casa esteticamente diferenciada

em São Paulo, burlando as normas dos órgãos municipais da época, que não

aceitavam ainda a completa ausência de ornamentos na fachada. Assim, a casa

tornou-se atração local, com muita gente indo aos domingos à rua Santa Cruz

para ver a “caixa d’água”, apelido que foi dado à casa na época (BRUAND, 2010).

Em verdade, Warchavchik foi muito criticado por ter sido um arquiteto

sempre radical na defesa da arquitetura modernista e por ter escrito vários artigos

a favor da “nova arquitetura” e, no entanto, em sua própria casa, não aplicou

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integralmente os conceitos que defendia. Mesmo assim, deve-se valorizar sua

coragem e pioneirismo e, apesar da dificuldade da identificação dessa obra dentro

de um modelo arquitetônico puro, compreendê-la dentro de um momento de

transição natural, observando as dificuldades do arquiteto, as propostas formais e

o programa funcional da casa. Outras residências construídas para a elite

paulistana, que vieram depois, projetadas por arquitetos considerados defensores

da arquitetura modernista, também mostraram elementos do Ecletismo até a

década de 40.

Fig.83 – Fachada principal da casa da rua Santa Cruz.

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Fig.84 – Vista da casa que destaca o terraço, acima, e a janela de canto,

no pavimento térreo.

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No desenho da planta, percebe-se, realmente, a intenção do arquiteto de

continuidade dos ambientes sociais, assim como da transparência entre os

espaços internos e externos, sendo mediada, nos ambientes sociais, por uma

grande varanda, chamada de “terraço” por Warchavchik. O mobiliário leve e o uso

de espaços abertos (terraços) no prisma também caracterizam o estilo modernista

da casa. Por outro lado, o escritório à frente da casa, ao lado esquerdo da entrada

principal, lembra o tradicional modelo paulista das residências ecléticas. O piano,

peça fundamental nas residências da burguesia do início do século XX, também

aparece desenhado, ocupando boa parte do living room.

Também é interessante notar a necessidade do arquiteto em projetar os

ambientes térreos e superiores com medidas determinadas e limitadas pela

sustentação das paredes térreas em alvenaria: são vistos dois dormitórios,

exatamente do tamanho do living room, e um outro do tamanho da sala de jantar.

Fig.85 – Planta do piso térreo, à esquerda, e do piso superior, à direita.

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Fig.86 – Vista da escada com piso de madeira, ao centro, e a porta metálica envidraçada, dando acesso

ao terraço, à direita.

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5. Considerações finais

Analisar e descrever as mudanças nos programas funcionais das

residências urbanas das elites paulistanas, desde os sobrados coloniais até as

casas modernistas da década de 1940, implica contar a história, mesmo que de

modo superficial, da cidade de São Paulo e de sua sociedade, durante todo esse

período. Afinal, a história de São Paulo foi conduzida por sua elite social: os

senhores de engenho, donos dos sobrados no período colonial; os barões do café,

donos de mansões e palacetes no século XIX; e os burgueses conservadores ou

progressistas, no século XX, que se dividiram entre mansões neocoloniais,

modernistas e apartamentos. Além disso, aspectos importantes como a

setorização dos espaços, a sobreposição de funções, os mobiliários utilizados,

entre outros, contam o modo de vida da elite da época, assim como definem o

significado dinâmico de “casa” para essa classe social. A casa nunca deixou de

ser um espaço de abrigo, entretanto também com outras funções, que variaram de

século a século: proteção e resguardo, convivência social, ou, simplesmente, de

acolhimento e vivência dos moradores, além de sempre simbolizar status perante

a sociedade.

Os sobrados coloniais surgiram no centro urbano de São Paulo, mas,

inicialmente, não como a casa principal dos fazendeiros da região do planalto. No

entanto, passaram a ter cada vez mais importância a partir do desenvolvimento

comercial e social da área central urbana.

Em relação ao programa dos sobrados paulistanos, até o final do século

XVIII, ainda se misturavam os setores social, privativo e de estar-serviço, uma vez

que este último servia tanto para a vida cotidiana dos moradores como para o uso

dos escravos. O setor privativo ficava no eixo central de circulação da casa.

Porém, essa divisão foi uma novidade na época em relação às casas anteriores,

mostrando uma preocupação um pouco maior na organização setorial da casa,

pois tanto os casebres quanto as antigas ocas não se preocupavam com essa

setorização funcional. A segregação e o resguardo da mulher da elite social,

somados à convivência de dois extremos de classes sociais sob o mesmo telhado,

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favoreceram essa setorização padrão, que ainda é encontrada, de forma muito

semelhante, na arquitetura de residências atuais.

Porém, apesar de ter um desenho mais claro e definido nos sobrados,

essa organização espacial aparecia também em alguns casebres, e de forma não

tão diferente. Na verdade, a diferença entre a casa das famílias abastadas e a das

famílias mais modestas manifestava-se nitidamente no tamanho da construção e

no número de móveis, ou seja, de forma quantitativa. O fato de aquela sociedade

ter vivido por mais de dois séculos isolada no planalto e fechada em um modo de

vida patriarcal, transmitido de geração a geração, impediu que esses paulistanos,

até o início do século XVIII, buscassem algo novo, independentemente de sua

condição financeira. Para os abastados ou não, a casa era construída em taipa de

pilão, que já limitava e definia o desenho da casa em muitos aspectos do partido

arquitetônico. Dentro dela, redes, catres, caixas, baús e tripeças eram

encontrados como equipamentos comuns e necessários a todas as famílias. Até

então, São Paulo não era uma cidade rica, o que tornava seu modo de vida muito

parecido ao de toda a sociedade brasileira colonial.

A vida cotidiana dentro da casa ocorria, praticamente, em um único

pavimento. Tanto em casas térreas como em sobrados, a vida social, a privativa e

os serviços aconteciam no mesmo piso, característica típica do período colonial.

Nos sobrados, a adição de mais um pavimento favorecia uma separação maior

dos espaços de uso diário da família e de acomodação dos escravos. O sobrado

também favorecia ainda mais o resguardo das mulheres da casa, pois sua

presença cotidiana ocorria na varanda, na cozinha e nas alcovas, ambientes do

andar superior que as separavam da frente da casa. O piso térreo era utilizado

somente pelos homens da casa e pelos escravos.

Assim, o programa funcional dos sobrados coloniais refletia, de forma

muito fiel e verdadeira, a cultura e as características gerais de uma sociedade

modesta, livre de luxos e de outros interesses, senão aqueles transmitidos por

seus antecessores e já inseridos no cotidiano da região do planalto.

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No período eclético, ao final do século XIX, os fazendeiros cafeicultores

instalaram suas mansões próximas às estradas de ferro, em bairros como

Campos Elíseos, Luz, Santa Ifigênia e Vila Buarque. Porém, com o surto de

doenças na região noroeste da cidade, os fazendeiros afastaram-se, subindo para

Higienópolis e chegando até a Avenida Paulista, em sentido sudoeste.

Nessa época, o novo modo de vida das famílias mais abastadas trouxe

inovações no programa residencial e na arquitetura, manifestadas principalmente

nas casas da mais alta classe social de São Paulo, os palacetes da burguesia.

A qualidade passava a ser mais importante do que a quantidade para se

viver bem, e essa qualidade tornou-se o diferencial entre as classes sociais da

cidade, diferentemente do período colonial.

O novo programa residencial procurava trazer o bem-estar para os

moradores da casa, com os novos conceitos de higiene, salubridade e a

necessidade de uma rígida setorização espacial, além da privacidade, do luxo e

do conforto. A privacidade era revelada nas mudanças da circulação, com o

aparecimento do vestíbulo e a divisão bem definida das funções da casa entre os

pavimentos e seus ambientes. O luxo aparecia desde a fachada exuberante até os

revestimentos internos de piso e parede, ornamentos decorativos, móveis

franceses e ingleses e obras de arte estrangeiras e caras. O conforto revelava-se

na quantidade de ambientes de estar, no surgimento da copa, na aproximação da

cozinha com a sala de jantar, na facilidade de acesso aos banheiros pelos

usuários da casa, na qualidade dos utensílios e dos móveis, no uso das novas

tecnologias e na disposição fixa do mobiliário dentro dos espaços específicos da

casa.

O uso do mobiliário mais pesado, robusto e específico para o ambiente

determinado passava a representar a estabilidade social e econômica do morador,

além de distinguir cada ambiente, de forma clara, com suas diferentes funções. A

forma evocava a função. Os antigos móveis nômades do período colonial, como

as arcas, os bancos, os baús, o jirau, a tripeça, as redes, entre outros, foram

necessários dentro de um programa residencial com espaços de funções

sobrepostas e marcaram também um período de maior necessidade de

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mobilidade da população masculina com suas viagens. Isso, para a elite social da

cidade, no século XIX, simbolizava pobreza e um modo de vida ultrapassado.

A casa das famílias mais abastadas passava a ter uma função importante

como espaço aberto ao relacionamento social entre as famílias dessa classe.

Assim, deixava de ser somente uma edificação necessária para o abrigo, a

proteção e a subsistência de seus moradores. O relacionamento era primordial

para os negócios profissionais, os acertos políticos, o conhecimento dos

pretendentes ao casamento, para as conversas sobre viagens e momentos de

lazer. Trabalhar em casa e viver da subsistência também não mais condiziam com

o modo “moderno” de vida.

No início do século XX, a burguesia paulistana passou a morar em

regiões da Avenida Paulista, dos “Jardins” e no Pacaembu, continuando a

ocupação no vetor de sentido sudoeste, conforme se vê ocorrendo até os dias

atuais, com casas e apartamentos no Morumbi e outros bairros, e municípios

como Cotia, Taboão da Serra, Embu das Artes, entre outros.

A primeira metade desse século foi marcada pela mescla entre a busca

da identidade nacional e a influência estrangeira. Isso ocorreu, à primeira vista,

não somente em manifestações da arquitetura brasileira, mas também na

arquitetura mexicana, na norte-americana, com modelos em Miami e na região da

Califórnia, e em outros países latino-americanos.

Em São Paulo, as casas neocoloniais procuraram manter todo o conforto

e a privacidade do morador, apesar da racionalização do espaço. O porte da

residência da elite paulistana diminuiu, e os espaços públicos da cidade passaram

a ser mais valorizados. A casa neocolonial já não mostrava a necessidade do

resguardo feminino, homens e mulheres tinham acesso à casa toda. Essa

conquista do espaço interno da casa, pela mulher, era um reflexo de conquistas

muito maiores na sociedade. A cidade, a sociedade e a casa passavam por

profundas transformações.

A tecnologia permitia que o espaço interno da casa se mantivesse de

forma organizada, privilegiando o bem-estar e a vida privada dos moradores. O

luxo ainda existia, porém sem exageros, pois a vida social deixou de ocorrer

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dentro de casa. Esta deveria funcionar bem somente para o proprietário e sua

família. O piano, sempre presente nos ambientes sociais, foi substituído pelo rádio

e pela vitrola e, assim, a música, na casa, não mais dependia da boa vontade de

algum membro da família. O mobiliário ficou mais “enxuto”, até mesmo para

acompanhar as naturais alterações no espaço. Não era mais possível morar em

um palacete, devido à carência de terrenos, de empregados, de novas

necessidades familiares e outros motivos, que compunham um paradigma mais

prático do modo de viver.

Esses conceitos de racionalização e maior praticidade, encontrados no

programa e no desenho dos ambientes da casa neocolonial, juntamente com o

desejo de resgatar um modelo plástico na arquitetura como identidade nacional

seguiam, cronologicamente, paralelos à difusão das ideias de Le Corbusier e

Frank Lloyd Wright, e fortaleciam os ideais modernistas, já presentes na

arquitetura de jovens arquitetos, mesmo que ainda de forma tímida.

A arquitetura modernista propunha fluidez, transparência, continuidade

espacial, bem como uma praticidade, de forma geral, na maneira de morar.

Eletrodomésticos passaram a ser fundamentais, e móveis mais leves e

independentes do espaço onde inseridos passaram a ser mais interessantes na

formação de diferentes layouts em ambientes mais flexíveis e funcionais. A forma

passava a seguir a função. Nesse momento, não havia muita sobreposição de

funções, no entanto, os espaços não deveriam ser mais tão rígidos como antes.

Percebe-se, assim, que, tanto na virada do século XVIII para o XIX,

quanto na do século XIX para o XX, existiu, na arquitetura e no programa funcional

da casa, um tipo de “resposta contrária”: o Ecletismo promoveu uma mudança

radical em relação à arquitetura e ao modo de vida da elite paulistana colonial, e o

Modernismo, por sua vez, também propôs mudanças com conceitos

revolucionários, totalmente contrários àqueles do Ecletismo. E é claro que essas

mudanças ocorreram inseridas em um conjunto de transformações históricas, que

foram muito além do modo de vida do núcleo familiar, da sociedade, da cidade e,

muitas vezes, do país. No entanto, o modo de viver da elite paulistana sempre

teve características bem particulares, refletidas pela história peculiar e

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efervescente da cidade, e manifestadas no programa funcional da casa e no modo

de utilização de seus espaços.

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