universidade paranaense campus francisco beltrÃo · 2019. 2. 22. · física, o abuso sexual de...

30
1 UNIVERSIDADE PARANAENSE CAMPUS FRANCISCO BELTRÃO SAÚDE MENTAL E VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: DESCONSTRUINDO A BANALIZAÇÃO DAS INTERSECCIONALIDADES BETANIA FIORI FERLA Acadêmica do curso de Psicologia Rua Pernambuco, 560, Centro Francisco Beltrão PR CEP: 85601-300 [email protected] FERNANDA GABRIELA DE QUADROS SCHEUER Acadêmica do curso de Psicologia Rua Clevelândia, 1560, Vila Nova Francisco Beltrão PR CEP: 85601-680 [email protected] MARIA LUIZA PADILHA COMIM Acadêmica do curso de Psicologia Rua Erminia Romani, 80, Marrecas Francisco Beltrão PR CEP: 85601-477 [email protected] TATIANE PECORARO Mestra em Educação Professora de Psicologia da Universidade Paranaense Campus Francisco Beltrão PR Rua Vitório Scatola, 100, ap 01, Centro Salgado Filho PR [email protected] 2018

Upload: others

Post on 14-Nov-2020

0 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: UNIVERSIDADE PARANAENSE CAMPUS FRANCISCO BELTRÃO · 2019. 2. 22. · física, o abuso sexual de crianças, mutilação genital na mulher, violação, e outras práticas lesivas das

1

UNIVERSIDADE PARANAENSE

CAMPUS FRANCISCO BELTRÃO

SAÚDE MENTAL E VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: DESCONSTRUINDO A BANALIZAÇÃO

DAS INTERSECCIONALIDADES

BETANIA FIORI FERLA

Acadêmica do curso de Psicologia

Rua Pernambuco, 560, Centro – Francisco Beltrão – PR

CEP: 85601-300

[email protected]

FERNANDA GABRIELA DE QUADROS SCHEUER

Acadêmica do curso de Psicologia

Rua Clevelândia, 1560, Vila Nova – Francisco Beltrão – PR

CEP: 85601-680

[email protected]

MARIA LUIZA PADILHA COMIM

Acadêmica do curso de Psicologia

Rua Erminia Romani, 80, Marrecas – Francisco Beltrão – PR

CEP: 85601-477

[email protected]

TATIANE PECORARO

Mestra em Educação

Professora de Psicologia da Universidade Paranaense – Campus Francisco Beltrão – PR

Rua Vitório Scatola, 100, ap 01, Centro – Salgado Filho – PR

[email protected]

2018

Page 2: UNIVERSIDADE PARANAENSE CAMPUS FRANCISCO BELTRÃO · 2019. 2. 22. · física, o abuso sexual de crianças, mutilação genital na mulher, violação, e outras práticas lesivas das

1

SAÚDE MENTAL E VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: DESCONSTRUINDO A BANALIZAÇÃO

DAS INTERSECCIONALIDADES

RESUMO

O tema violência doméstica tornou-se muito discutido na atualidade, não apenas porque as mulheres

têm exposto com mais frequência tais abusos, mas também há um estímulo para que as pessoas que

passam por essa situação tragam à tona problemas que possam ser discutidos e auxiliados por

profissionais das mais diversas áreas. Dessa forma, este estudo buscou esclarecer as questões que

norteiam a violência doméstica e as interseccionalidades relacionadas a esse quadro cada vez mais

crescente no contexto social brasileiro e, também relacionar os prejuízos recorrentes da violência

doméstica que acentuam as dificuldades na saúde mental. Assim, se propôs como objetivo geral do

estudo cartografar os engendramentos da violência doméstica e sua interconexão com a saúde

mental. Para isto, utilizou-se a abordagem pós-estruturalista que tem como principal proposta a

recusa dos fundamentos tradicionais da filosofia e áreas afins, e a partir daí, questiona e transforma

os princípios teóricos já postulados e reproduzidos pela sociedade, questionando as ideias binárias.

E ainda dentro do contexto metodológico, este estudo é de cunho bibliográfico, pois procurou

abranger a bibliografia já tornada pública em relação ao tema estudado e a partir do material

levantado se propôs uma abordagem qualitativa. Portanto, este trabalho se justifica por considerar a

importância do tema nas várias esferas da sociedade brasileira, já que os índices de violência

doméstica no país só demonstram aumento, e buscou refletir sobre o papel do psicólogo nesse

contexto, apresentando e discutindo os direitos das mulheres, bem como, verificando quais são os

agravantes que antecedem a violência doméstica e seus pressupostos e as consequências para a

saúde mental das vítimas, bem como formas de intervenção para melhorar a saúde mental e física

das vítimas.

PALAVRAS-CHAVE: Violência Doméstica; Lei Maria da Penha; Interseccionalidades;

Intervenção Psicossocial.

MENTAL HEALTH AND DOMESTIC VIOLENCE: DECONSTRUCTING THE

BANALIZATION OF INTERSECCIONALITIES

ABSTRACT

The issue of domestic violence has become much discussed nowadays, not only because women

have more frequently exposed such abuses, but there is also a stimulus for these people who go

through this situation to bring up problems that can be discussed and aided by professionals from

the most diverse areas. Thus, this study sought to clarify the issues that guide domestic violence and

intersectionalities related to this growing picture in the Brazilian social context and also to relate to

the recurrent losses of domestic violence that accentuate the difficulties in mental health. Then, it

was proposed as the general goal of this study mapping the engendering of domestic violence and

its interconnection with mental health. For this, it was used the post-structuralist that has as main

proposal the refusal of the traditional foundations of philosophy and related areas, and from this, it

questions and transforms the theoretical principles already postulated and reproduced by the

society, questioning the binary ideas. And yet within the methodological context, this study is also

bibliographic, since it sought to cover the bibliography already made public in relation to this

subject and from the material raised a qualitative approach. Therefore, this work is justified

Page 3: UNIVERSIDADE PARANAENSE CAMPUS FRANCISCO BELTRÃO · 2019. 2. 22. · física, o abuso sexual de crianças, mutilação genital na mulher, violação, e outras práticas lesivas das

2

considering the importance of the theme in the several spheres of Brazilian society, since the

domestic violence rates in the country only show an increase, and sought to reflect on the role of the

psychologist in this context, presenting and discussing the rights of women, as well as checking the

aggravating factors prior to domestic violence and the assumptions and consequences for the

victims mental health, and the ways of intervening to improve the mental and physical health of the

victims.

KEYWORDS: Domestic Violence; Maria da Penha Law; Intersectionalities; Psychosocial

Intervention.

SALUD MENTAL Y VIOLENCIA DOMÉSTICA: DESCONSTRUYENDO LA

BANALIZACIÓN DE LAS INTERSECCIONALIDADES

RESUMEN

El tema de la violencia doméstica se ha vuelto muy discutido en la actualidad, no sólo porque las

mujeres han expuesto con más frecuencia tales abusos, pero también hay un estímulo para que las

personas que pasan por esa situación traigan a la superficie problemas que puedan ser discutidos y

auxiliados por profesionales de las más diversas áreas. De esta forma, este estudio buscó esclarecer

las cuestiones que orientan la violencia doméstica y las interseccionalidades relacionadas a ese

cuadro cada vez más creciente en el contexto social brasileño y, también relacionar los perjuicios

recurrentes de la violencia doméstica que acentúan las dificultades en la salud mental. Así, se

propuso como objetivo general del estudio cartografiar las situaciones de la violencia doméstica y

su interconexión con la salud mental. De esa forma, se utilizó el enfoque post-estructuralista que

tiene como principal propuesta el rechazo de los fundamentos tradicionales de la filosofía y áreas

afines, ya partir de ahí, cuestiona y transforma los principios teóricos ya postulados y reproducidos

por la sociedad, cuestionando las ideas binarias. Y aún dentro del contexto metodológico, este

estudio es de cuño bibliográfico, pues procuró abarcar la bibliografía ya hecha pública en relación al

tema estudiado ya partir del material levantado se propuso un abordaje cualitativo. Por lo tanto, este

trabajo se justifica por considerar la importancia del tema en las diversas esferas de la sociedad

brasileña, ya que los índices de violencia doméstica en el país sólo demuestran aumento, y buscó

reflexionar sobre el papel del psicólogo en ese contexto, presentando y discutiendo los derechos de

las mujeres así como, verificando cuáles son los agravantes que preceden a la violencia doméstica y

sus supuestos y las consecuencias para la salud mental de las víctimas, así como formas de

intervención para mejorar la salud mental y física de las víctimas.

PALABRAS CLAVE: La violencia doméstica; Ley Maria da Penha; Interseccionalidades;

Intervención Psicosocial.

Introdução

O tema violência doméstica tornou-se muito discutido na atualidade, não apenas porque as

mulheres têm exposto com mais frequência tais abusos, mas também há um estímulo para que as

pessoas que passam por essa situação tragam à tona problemas que possam ser discutidos e

auxiliados por profissionais das mais diversas áreas.

Page 4: UNIVERSIDADE PARANAENSE CAMPUS FRANCISCO BELTRÃO · 2019. 2. 22. · física, o abuso sexual de crianças, mutilação genital na mulher, violação, e outras práticas lesivas das

3

O que se percebe é que a violência doméstica se constitui em um sério problema de saúde

pública, atravessado nas classes econômicas, social, religiosa ou cultural. Assim, violência

doméstica pode ser conceituada, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2000),

como as manifestações de violência de caráter físico, sexual e psicológico, abrangendo a agressão

física, o abuso sexual de crianças, mutilação genital na mulher, violação, e outras práticas lesivas

das mulheres, incluindo o feminicídio que atinge números bem elevados no Brasil1, que acontecem

na família e na comunidade, perpetradas ou condenadas pelo Estado.

Dessa forma, este estudo trata de questões que norteiam a violência doméstica e as

interseccionalidades relacionadas a esse quadro cada vez mais crescente no contexto social

brasileiro e, também visibilizar os prejuízos recorrentes da violência doméstica que acentuam as

dificuldades na saúde mental. Para isto, utilizou-se a abordagem pós-estruturalista que tem como

principal proposta a desconstrução dos fundamentos tradicionais da filosofia e áreas afins, e a partir

daí, questiona e transforma os princípios teóricos já postulados e reproduzidos pela sociedade,

questionando as ideias binárias. Conforme Lather (1993)2 apud Cardozo (2014), as teorias pós-

estruturalistas ofereceram um rico campo de reflexão para a prática da pesquisa, promovendo a

heterogeneidade, buscando uma validade flexível, uma forma de comportamento por meio de

múltiplas aberturas, recusando a mera revelação de um conhecimento prévio, o qual esteja em

“algum lugar do universo” pronto para ser capturado e aplicado como verdade absoluta.

Nesse contexto pós-estruturalista, Guareschi e Scarparo (2008, p.22) afirmam que “a

proposição de novos olhares sobre a pesquisa não implica necessariamente a invenção de novos

métodos, mas sim a inserção de outros modos de interrogar nossos objetos de pesquisa.” As autoras

também assumem que uma das opções do pós-estruturalismo supõe o abandono definitivo dos

ideais de neutralidade científica, que o pesquisador precisa se posicionar e que “a pesquisa deve ser

compreendida como integrante da dimensão sociopolítica dos tempos e espaços vividos.”

(IBAÑEZ, 19943 apud GUARESCHI; SCARPARO, 2008, p.22)

“Ao centralizar a compreensão do sujeito na rede discursiva na qual ele é produzido, a

análise de comportamentos, de perspectivas individualistas e de interioridade do sujeito é deslocada

1 Entre 2009-2011, foram registrados 16.993 feminicídios no Brasil, chegando a um média assustadora de 5,82 óbitos

por 100.000 mulheres. In: Violência contra a mulher: feminicídios no Brasil, IPEA, 2013. Disponível em:

<http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/130925_sum_estudo_feminicidio_leilagarcia.pdf> Acesso em:

02/0818.

2 LATHER, P. Fertile obsession: Validity after poststructuralism. Sociological Quarterly. Vol. 34, n. 4, 1993, p. 673-

693.

3 IBAÑEZ, T. La construcción del conocimiento desde una perspectiva sociocontrucionista. In: Conocimiento,

Realidad e Idelogia. v.6, 1994, p.38-48.

Page 5: UNIVERSIDADE PARANAENSE CAMPUS FRANCISCO BELTRÃO · 2019. 2. 22. · física, o abuso sexual de crianças, mutilação genital na mulher, violação, e outras práticas lesivas das

4

para o diálogo com as práticas culturais nas quais ele é produzido” (GUARESCHI; SCARPARO,

2008, p.23). Portanto, o que se observa é que as perspectivas pós-estruturalistas induzem o debate

científico propondo o discurso e a linguagem como elementos centrais das produções teóricas,

tornando os processos culturais e políticos elementos fundantes da construção do conhecimento

(GUARESCHI; SCARPARO, 2008).

Assim, propõe-se como objetivo geral do estudo cartografar os engendramentos da violência

doméstica e sua interconexão com a saúde mental, tendo como objetivos secundários: a) conceituar

violência doméstica e suas categorias; b) apontar os agravantes recorrentes das interseccionalidades

neste contexto da violência doméstica; c) ressaltar os interpostos da violência doméstica na saúde

mental das pessoas que sofrem tais abusos; d) propor possibilidades de intervenção psicossocial

nesta temática.

Ainda dentro do contexto metodológico, pode-se afirmar que este estudo é de cunho

bibliográfico, pois conforme Marconi e Lakatos (2008, p.57), procura abranger a bibliografia já

tornada pública em relação ao tema estudado, “desde publicações avulsas, boletins, jornais, revistas,

livros, pesquisas, monografias, teses, material cartográfico etc. (...). “Sua finalidade é colocar o

pesquisador em contato direto com tudo que foi escrito (...) (MARCONI; LAKATOS, 2008, p.57).

A seleção dos materiais foi realizada baseando-se em leituras sobre o tema e dentro da abordagem

pós-estruturalista. O eixo central foi trazer inicialmente a questão do gênero, para depois explicar os

conceitos de violência doméstica e a importância da Lei Maria da Penha, para na sequência situar o

leitor sobre as intervenções psicossociais e como a violência doméstica é experimentada nas

diversas afectações de quem a sofre.

Portanto, este trabalho se justifica por considerar a importância do tema nas várias esferas da

sociedade brasileira, já que os índices de violência doméstica no país só demonstram aumento,

assim este estudo buscou refletir sobre o papel do psicólogo nesse contexto, apresentando e

discutindo os direitos das mulheres, bem como, verificando quais são os agravantes que antecedem

a violência doméstica e seus pressupostos e as consequências para a saúde mental das vítimas.

Outra justificativa plausível para a elaboração deste estudo foi o nosso interesse em

pesquisar sobre tema, já que tivemos a oportunidade de estagiar em um local onde os sujeitos

atendidos sofriam violência doméstica e a interseccionalidade se apresentou de forma tão clara.

Poder vivenciar na prática tais situações fez crescer em nós a vontade de expandir e aprofundar

nossos conhecimentos sobre o assunto, bem como discuti-lo de forma mais analítica, já que tivemos

a chance de conviver com essas vítimas.

Page 6: UNIVERSIDADE PARANAENSE CAMPUS FRANCISCO BELTRÃO · 2019. 2. 22. · física, o abuso sexual de crianças, mutilação genital na mulher, violação, e outras práticas lesivas das

5

Interseccionalidade no contexto da violência doméstica

A perspectiva de gênero é uma abordagem que considera a diversidade dos processos de

socialização de homens e mulheres, contrapondo-se ao entendimento do enfoque hegemônico,

clássico, cujas consequências impactam a vida de relações dos seres humanos, tanto no plano

individual quanto no coletivo, distanciando a mulher das possibilidades de sua emancipação social

(FONSECA; GUEDES, 2011).

Assim, o que se observa é que a perspectiva de gênero foi utilizada para explicar e

compreender a violência contra mulher e trabalhar com o reconhecimento de que, na hierarquia de

poderes presente na sociedade, a mulher sempre ocupou posição social inferior, sofrendo injustiça

social, em virtude das desigualdades construídas e naturalizadas historicamente (FONSECA;

GUEDES, 2011).

Nesse sentido, Silveira e Nardi (2015) enfatizam que é nesse contexto de explicitação sobre

diferentes vetores de subjetivação e o campo de possibilidades de existência que se deve reconhecer

a importância do conceito de interseccionalidade. Conforme Crenshaw (2002, p. 177)4 apud

Silveira e Nardi (2015, p.59), “a interseccionalidade é uma conceituação do problema que busca

capturar as consequências estruturais e dinâmicas da interação entre dois ou mais eixos de

subordinação”. Crenshaw (2002)5 apud Silveira e Nardi (2015) ainda propõe que existem eixos de

poder estabelecidos pelo patriarcado, pelo racismo e pela luta de classes e constrói a imagem de um

cruzamento de avenidas, em que o fluxo dos tráfegos vai definir a multiplicidade de opressões as

quais a pessoa estará submetida, definindo mais ou menos ‘poder’ em suas relações.

Dessa forma, o que se percebe é que o modelo hegemônico da mulher universal foi

profundamente abalado a partir do conceito de interseccionalidade, que visibilizou a necessidade de

compreensão articulada de como as categorias de sexo/gênero, classe e raça produzem efeitos

singulares nas experiências de vida das mulheres em contextos de dominação construídos

historicamente em diversas partes do mundo (VIGOYA, 2008).

É necessário reconhecer que as dinâmicas das relações de gênero têm pontos de encontro

com outras dinâmicas sociais em que as diferenças produzem desigualdades, discriminações e

violências (CRUZ, 2015). “Gênero não é uma dimensão encapsulada, nem pode ser vista como tal,

mas ela se intersecciona com outras dimensões recortadas por relações de poder, como classe, raça

4 CRENSHAW, K. Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial relativos ao

gênero. Revista Estudos Feministas, n. 10, 2002. p. 177-188.

5 Idem.

Page 7: UNIVERSIDADE PARANAENSE CAMPUS FRANCISCO BELTRÃO · 2019. 2. 22. · física, o abuso sexual de crianças, mutilação genital na mulher, violação, e outras práticas lesivas das

6

e idade” (DEBERT; GREGORI, 2008, p.4). Na maioria das vezes tais diferenças implicam em

relações de poder que transformam as diferenças em desigualdades. Para acessar a complexidade da

violência de gênero, é preciso desvendar as estruturas e seus mecanismos a partir da perspectiva de

gênero, o que não ocorre em geral, na sociedade (CRUZ, 2015). A violência de gênero é uma das

expressões dessas relações de poder entre masculinos e femininos que objetiva manter as relações

de desigualdade e de subalternidade entre homens e mulheres ou entre quem se comporta e

apresenta performances atribuídas ao gênero feminino (CRUZ, 2015).

A mulher tem sido tradicionalmente compreendida no contexto de um “universo feminino”

que compõe os processos de reprodução social. Assim, a importância e o significado das relações

sociais entre os sexos foram historicamente negligenciados, pois, a visão essencialista dominante

tem valorizado a mulher enquanto reprodutora da espécie humana e o seu papel na família voltado,

sobretudo, para o cuidado dos filhos, do lar e da vida doméstica (FONSECA; GUEDES, 2011).

As mesmas autoras acrescentam que o mundo ocidental constituiu e socializou a identidade

da mulher e do homem sob a ótica patriarcal de sujeição e tal enfoque possibilitou que o processo

de construção social e cultural do sexo ou da diferença sexual passasse a ser vincado pela ideologia

capitalista, classista e pela desigualdade social. Ou seja, na modernidade capitalista, o sexismo, que

é a essência da sociedade patriarcal, constitui uma das formas de hierarquização para a dominação

que contém elementos de duas importantes categorias sociológicas: a desigualdade e a exclusão

(FONSECA; GUEDES, 2011).

Dessa forma, Fonseca e Guedes (2011) acrescentam que a contradição de gênero é uma das

quatro grandes contradições da sociedade ocidental, sendo as outras três, a de classe, a de raça/etnia

e a de geração. Para as autoras, o patriarcado foi-se produzindo tendo gênero como pano de fundo,

mesclando-se com o racismo e, com o advento do capitalismo, as classes sociais floresceram em sua

plenitude e valorizaram as gerações de maneira diferenciada.

Pode-se afirmar então que a categoria gênero, por se referir a uma construção social

transversal a todos os campos desse universo, e incorporada e se articula com outras categorias,

como classe, raça, gerações. Neste sentido, Meyer (1996) argumenta que gênero é mais do que o

lugar onde as subjetividades sexuadas são produzidas, enquanto discurso, ele produz e é produzido,

organiza e é organizado e, portanto, atravessa, modula e regula o próprio contexto social. Coelho

(2001) enfatiza que as relações de gênero, uma vez permeadas pelas relações de poder, assumem

perspectivas ampliadas de análise, sendo incorporadas à estudos de relações sociais

interdisciplinares e institucionais.

Assim, com base nessa reflexão, Coelho (2001) esclarece que a compreensão da violência

contra a mulher, como fenômeno que tem em suas origens a desigualdade de gênero presente na

Page 8: UNIVERSIDADE PARANAENSE CAMPUS FRANCISCO BELTRÃO · 2019. 2. 22. · física, o abuso sexual de crianças, mutilação genital na mulher, violação, e outras práticas lesivas das

7

sociedade, o que exige a articulação entre múltiplas categorias inter-relacionadas, uma vez que

gênero perpassa todos os campos do social e das relações de poder da sociedade, que legitimam a

subordinação feminina, alimentando as condições para que ocorra a violência e opressão sobre um

grande número de mulheres.

Com relação à violência de gênero, Minayo (2006) destaca que a violência, quando

praticada contra mulheres, para ser compreendida, precisa ser vista sob a perspectiva de gênero,

pois distingue um tipo de dominação estruturalmente construída nas relações entre homens e

mulheres, atravessando classes sociais, etnias e faixas etárias. Para a autora, a violência com contra

a mulher consiste em um fenômeno que, embora diga respeito a relações que envolvam homens e

mulheres, incide principalmente sobre as mulheres, tornando-as vítimas por razões sexuais e

conjugais.

Bourdieu (2003) argumenta que a lógica da relação de dominação chega a impor nos

homens e nas próprias mulheres todas as propriedades negativas que o machismo dominante atribui

à natureza feminina e nesse sentido, a visão patriarcal é continuamente confirmada e legitimada

pelas próprias práticas que determina, fazendo com que as mulheres incorporem o preconceito

desfavorável contra o feminino. Sendo assim, a dominação masculina tem todas as condições

favoráveis para seu pleno exercício, uma vez que a primazia masculina se firma e é incorporada por

toda a estrutura social (BOURDIEU, 2003).

Para Fonseca e Guedes (2011), a violência constitui a forma perversa de uma relação de

poder fundamentada no gênero que se traduz numa relação de dominação na qual quase sempre as

mulheres são desfavorecidas e apesar da dominação masculina estar dentro do imaginário feminino,

isso não significa afirmar que as mulheres são responsáveis pela sua própria opressão e que a

escolhem conscientemente ou que se gratificam em adotar práticas submissas. A submissão

feminina é muitas vezes citada como pretexto para se culpar as mulheres, mas é importante

assinalar que essa construção não é um ato consciente e sim resultante de mecanismos ideológicos

da sociedade (FONSECA; GUEDES, 2011).

Guedes (2006) acrescenta que muitas vezes a permanência de muitas mulheres em relações

em que são submissas ao poder masculino envolve múltiplos aspectos, desde a dependência, seja

econômica ou afetiva do parceiro, até supostas gratificações que a relação traz pela realização

pessoal de manterem o modelo idealizado de mulher, que mantém a relação afetiva e a família

nuclear, mesmo que, para isso, tenha que se anular como ser humano sujeito de sua existência.

Segundo Pitanguy (2002), a invisibilidade da violência que ainda persiste não se encontra no

que se identifica como violência propriamente dita, ou seja, nas agressões físicas, estupros e

homicídios, mas na situação social, política, cultural e econômica da mulher na sociedade e no

Page 9: UNIVERSIDADE PARANAENSE CAMPUS FRANCISCO BELTRÃO · 2019. 2. 22. · física, o abuso sexual de crianças, mutilação genital na mulher, violação, e outras práticas lesivas das

8

imaginário social sobre o feminino e sua inferioridade na hierarquia de poder presente nas relações

de gênero.

Portanto, compreendemos que a violência de gênero, por sua vez, envolve a determinação

social dos papéis masculino e feminino e que toda sociedade pode atribuir diferentes papéis ao

homem e à mulher, isso, todavia, adquire caráter discriminatório quando a tais papéis são

atribuídos pesos com importâncias diferenciadas. O que percebemos é que no caso da nossa

sociedade, os papéis masculinos são supervalorizados em detrimento dos femininos, e mais,

notamos que os papéis impostos às mulheres e aos homens, consolidados ao longo da história e

reforçados pelo patriarcado e sua ideologia, induzem relações violentas entre os sexos, o que não

deveria acontecer em relações respeitosas.

Violência Doméstica

Conforme a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2002), a violência caracteriza-se pelo

uso intencional da força física ou do poder, real ou em ameaça, contra si próprio, contra outra

pessoa, ou contra uma comunidade ou grupo que possa levar a morte ou derivar lesão, dano

psicológico e problemas de desenvolvimento ou privação. Ainda de acordo com a OMS (2002), a

violência é classificada em: a) violência auto infligida, dirigida contra si próprio; b) violência

interpessoal classificada em duas esferas: violência intrafamiliar ou doméstica que ocorre entre

parceiros íntimos ou membros da família e; c) violência comunitária que ocorre no ambiente social,

entre conhecidos e desconhecidos.

Corroborando com o que conceitua a OMS (2002), Antunes (2003)6 apud Pinto (2009),

afirma que o termo violência doméstica pode ser entendida, como qualquer ato, conduta ou omissão

que sirva para infligir, reiteradamente e com intensidade, sofrimentos físicos, sexuais, mentais ou

econômicos, de modo direto ou indireto (por meio de ameaças, enganos, coação ou qualquer outro

meio), a qualquer pessoa que habite o mesmo agregado doméstico privado (pessoas-crianças,

jovens, mulheres adultos, homens adultos ou idosos que vivem em ambiente comum) ou que, não

habitando o mesmo ambiente doméstico privado que o agente da violência, seja cônjuge ou

companheiro marital ou ex-cônjuge ou ex-companheiro marital.

Nesse sentido Alves (2015) afirma que a violência se caracteriza de diversas formas, pois

pode apresentar marcas visíveis a exemplo da violência física e, também marcas sutis através da

6 ANTUNES, M. Violência e vítimas em contexto doméstico. In: MACHADO, C.; GONÇALVES, R.A

(Coordenadores). Violência e Vítimas de crimes, Vol I: Adultos. Coimbra: Quarteto, 2003.

Page 10: UNIVERSIDADE PARANAENSE CAMPUS FRANCISCO BELTRÃO · 2019. 2. 22. · física, o abuso sexual de crianças, mutilação genital na mulher, violação, e outras práticas lesivas das

9

violência psicológica, trazendo danos expressivos à estrutura emocional do sujeito agredido. Com

relação à violência doméstica, mais particularmente, Pinto (2009) aponta que esta causa um impacto

psicológico já que as vítimas geralmente desenvolvem problemas psicológicos como perturbações

de estresse pós-traumático, depressão e abuso de álcool.

Assim, Gonçalves e Machado (2003)7 apud Pinto (2009) descrevem que o impacto da

violência doméstica pode refletir em três esferas: a) a vitimização direta que em termos genéricos,

que é o dano físico, material e psicológico, como resultado direto da ação do agressor; b) a

vitimização secundária decorrente das respostas de outros, geralmente da justiça e; c) a vitimização

resultado da observação dos crimes em outras pessoas que são vítimas e do sofrimento vivenciado

por elas e seus familiares.

Nesse contexto, é necessário reconhecer que a violência contra a mulher é uma força social

herdada da ordem patriarcal e dotada de capacidade estruturante da realidade social (BANDEIRA,

2017). Bandeira (2017) ainda enfatiza que essa modalidade é expressiva na sociedade brasileira,

sendo carregada de significados e significações, e cujas relações sociais são permeadas por relações

de dominação e de poder, nas quais a carga simbólica é tão determinante quanto as demais.

Entende-se dessa forma que este tipo de violência está dentro da sociedade desde sempre, e embora

esteja emergindo apenas há poucas décadas, a violência de gênero é uma das expressões dessas

relações de poder entre masculinos e femininos “que objetiva manter as relações de desigualdade e

de subalternidade entre homens e mulheres ou entre quem se comporta e apresenta performances

atribuídas ao gênero feminino” (CRUZ, 2015).

Nesse sentido, o machismo dentro de nossa sociedade é muito visível, já que demonstra a

dominação sistemática das mulheres pelos homens por meio de instituições, comportamentos e

formas de pensar, que conferem maior valor, privilégio e poder aos homens (ou ao que tem sido

historicamente identificado como masculino) (WARREN, 20008 apud KOCH, 2016). E dentro

dessa sociedade doente pela violência e estruturada em premissas machistas, espera-se que as

mulheres assumam papéis servis, pautados na candura, no falar baixo, no não contrariar, no

respeitar para ser respeitada, como se respeito fosse moeda de troca (KOCH, 2016). A mulher

precisa ser respeitada pelo que ela é, sendo mulher e capaz de realizar suas vontades, sem

sofrimentos, injustiças ou violência.

7 GONÇALVES, R.A.; MACHADO, C. Vitimologia e Criminologia. In: MACHADO, C.; GONÇALVES, R.A

(Coordenadores). Violência e Vítimas de crimes, Vol I: Adultos. Coimbra: Quarteto, 2003.

8 WARREN, K. Ecofeminism philosophy: a western perspective on what it is and why it matters. Rowmman&

Littlefield Publishers, 2000.

Page 11: UNIVERSIDADE PARANAENSE CAMPUS FRANCISCO BELTRÃO · 2019. 2. 22. · física, o abuso sexual de crianças, mutilação genital na mulher, violação, e outras práticas lesivas das

10

Por conseguinte, Dias (2010) argumenta que a violência doméstica deva ser uma das mais

frequentes, mas talvez seja a menos denunciada, já que muitas vezes a vítima não percebe que

agressões verbais, silêncios prolongados, manipulações de atos e desejos, tensões, são violências e

devem ser denunciadas. Assim, o que percebemos é que a falta de denúncia na primeira agressão

pode ser causada pelo receio de separar-se do companheiro, ou que ele seja preso, ou que também a

vítima só busca ajuda quando já se cansou de apanhar. Dias (2010) acrescenta que pode ocorrer

ainda, que ela permaneça numa relação que lhe cause sofrimento e dor, durante anos sem nunca

denunciar seu agressor. Muitas vezes por medo, insegurança, sofrimento, depressão etc.,

observamos que muitas mulheres permanecem em silêncio por falta de opção ou por não saber

como lidar de forma adequada com a situação.

Violência doméstica de acordo com a Lei Maria da Penha

Para iniciar este tópico optamos por contextualizar os tipos de violência a fim de

compreender a importância da Lei supracitada. Santos et al. (2015) argumenta que a violência física

é entendida como qualquer conduta que ofenda a integridade ou saúde corporal, já a violência

psicológica é qualquer conduta que cause danos emocionais e diminuição da autoestima ou que

prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento que vise degradar ou controlar ações,

comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação,

isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização,

exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à saúde

psicológica e à autodeterminação.

E a violência sexual, entende-se como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a

manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso

da força (SANTOS et al., 2015). Cita-se também a violência patrimonial que é qualquer conduta

que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de

trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os

destinados a satisfazer suas necessidades, e por fim a violência moral que configura calúnia,

difamação ou injúria (SANTOS et al., 2015).

E por envolver questões legais, torna-se relevante nos apropriar de alguns temas do direito

para entender melhor a situação da mulher no contexto da violência doméstica e a importância da

Lei Maria da Penha. Assim, ao compreender que a mulher brasileira tem passado por todos esses

tipos de violência no decorrer da história e para que a vítima de tais agressões tivesse os cuidados

jurídicos necessários, entrou em vigor da Lei 11.340, a partir de 22 de agosto de 2006, chamada de

Page 12: UNIVERSIDADE PARANAENSE CAMPUS FRANCISCO BELTRÃO · 2019. 2. 22. · física, o abuso sexual de crianças, mutilação genital na mulher, violação, e outras práticas lesivas das

11

Lei Maria da Penha, batizada em virtude da luta da bio-farmacêutica Maria da Penha Maia

Fernandes, vítima de um grande número de violência praticada por seu marido, o professor

universitário e economista Marco Antônio H. Viveiros, no ambiente familiar, que resultou em uma

tentativa de homicídio causando-lhe uma irreversível paraplegia (DIAS, 2010). Guimarães e

Moreira (2014) expõem que a luta de Maria da Penha começou a partir do momento em que foi

vítima por duas vezes de tentativa de homicídio por parte de seu marido, em 1984. Em uma das

vezes, ele tentou assassiná-la pelas costas deixando-a paraplégica; em um segundo momento,

devido à frustração da primeira tentativa, Marco Antônio buscou assassinar Maria da Penha

eletrocutada9.

De acordo com Fernandes (2012), o processo em favor de Maria da Penha tramitou na

justiça brasileira durante quase vinte anos sem que o agressor fosse realmente penalizado, mas a

história mudou quando Maria da Penha começou a ganhar visibilidade, em 1994, quando escreveu o

livro intitulado “Sobrevivi, posso contar”. Motivada por sua história pessoal e pela negligência da

justiça brasileira em relação à violência doméstica contra a mulher, em 1998, Maria da Penha

denunciou o governo brasileiro à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da

Organização dos Estados Americanos (OEA), que reconheceu a negligência brasileira em relação a

este caso (FERNANDES, 2012).

Em 2001, a CIDH por meio do Relatório n°54 responsabilizou o Estado Brasileiro pelo

descumprimento do compromisso estabelecido na Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e

Erradicar a Violência contra a Mulher, em que se comprometeu a dar atenção especial aos casos de

violência contra a mulher (GUIMARÃES; MOREIRA, 2014). Para os mesmos autores, a justiça

brasileira com toda pressão sofrida pela referida Comissão, direcionou atenção especial ao caso de

Maria da Penha e, no ano de 2002, puniu o agressor com pena de prisão que durou o prazo de dois

anos. Dessa forma, a Lei Maria da Penha é a que preserva e auxilia as pessoas que sofrem de maus

tratos no âmbito familiar e que garante a proteção da mulher e de seus filhos para prevenir e impedir

a continuação de situações de violência. (SANTOS et al., 2015).

Nesse contexto, Lima (2011) acrescenta que a assistência à mulher vítima de violência

doméstica deva ser realizada de acordo com as políticas públicas de proteção específicas, as

diretrizes da Lei Orgânica de Assistência Social, do Serviço Único de Saúde e Serviço Único de

Segurança Pública. Além disso, o artigo 29 da Lei Maria da Penha prevê o trabalho de equipe

multidisciplinar para atendimento da vítima e avaliação de suas necessidades (BRASIL, 2006). E

ainda de acordo com esta Lei, foram criados os Juizados Especializados para julgar os crimes 9 Depois de quatro meses passados em hospitais e diversas cirurgias, Maria da Penha voltou para casa e sofreu mais

uma tentativa de homicídio: o marido tentou eletrocutá-la durante o banho. (FERNANDES, 2012).

Page 13: UNIVERSIDADE PARANAENSE CAMPUS FRANCISCO BELTRÃO · 2019. 2. 22. · física, o abuso sexual de crianças, mutilação genital na mulher, violação, e outras práticas lesivas das

12

previstos na referida legislação. Estes órgãos da justiça poderão contar com equipe multidisciplinar

para prestar assistência e encaminhar as vítimas para programas de atenção e assistência social,

visando resguardá-las de qualquer tipo de negligência, discriminação, violência ou exploração,

conforme previsto no artigo 3°, parágrafo 1°, da referida lei (BRASIL, 2006).

Dessa forma, torna-se importante apresentar o quadro a seguir que apresenta algumas

comparações de antes e depois da promulgação da lei.

Quadro 1: Lei Maria da Penha (antes e depois)

Como era antes da Lei 11.340/2006 Como é com a Lei 11.340/2006

Não existe lei específica sobre a violência doméstica

contra a mulher.

Tipifica e define a violência física contra a mulher.

Não estabelece as formas de violência. Estabelece as formas de violência doméstica contra a

mulher em: física, psicológica, sexual, patrimonial e

moral.

Aplica lei dos Juizados Especiais Criminais para os casos

de violência doméstica.

Retira dos Juizados Especiais Criminais a competência

para julgar os crimes de violência doméstica contra a

mulher.

Não trata da relação de pessoas do mesmo sexo. Determina que a violência doméstica contra a mulher

independe da orientação sexual.

Permite a aplicação de penas pecuniárias como as cestas

básicas.

Proíbe a aplicação de penas.

A mulher pode desistir da denúncia na delegacia. A mulher somente poderá renunciar perante o juiz.

A autoridade policial efetua um resumo dos fatos, por

meio de Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO).

Prevê um capítulo específico para o atendimento pela

autoridade policial para os casos de violência doméstica

contra a mulher.

A lei não utiliza a prisão em flagrante do agressor. Possibilita prisão em flagrante.

A violência doméstica contra mulher não é considerada

agravante de pena.

Altera o Código Penal para considerar este tipo de

violência como agravante de pena.

O crime de violência doméstica é de 6 meses a 1 ano. O crime de violência doméstica passa a ser de 3 meses a 3

anos.

Não prevê o comparecimento do agressor a programas de

recuperação e reeducação.

Permitir que o juiz determinasse o comparecimento

obrigatório do agressor e programas de recuperação e

reeducação.

FONTE: BRASIL (2006)

A partir dos dados acima, percebe-se a relevância legal e social da Lei, e para corroborar

com tais argumentações julgamos importante apresentar alguns dados estatísticos fornecidos pelo

Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2015) que afirma segundo o IBGE, “que a cada

ano, cerca de 1,2 milhão de mulheres sofrem agressões no Brasil.” Pelas estimativas do IPEA

(2015), destas, 500 mil são estupradas, sendo que somente 52 mil ocorrências chegam ao

conhecimento da polícia. Daniel Cerqueira, diretor do IPEA (2015) lembrou que até 1995, mesmo

depois da Constituição Cidadã, a mulher não poderia prestar queixa na delegacia contra o

companheiro, e até 2009 o estupro era um crime contra os costumes – não contra a dignidade e

liberdade sexual e segundo ele, é uma história trágica, que começou a ser superada com a Lei Maria

Page 14: UNIVERSIDADE PARANAENSE CAMPUS FRANCISCO BELTRÃO · 2019. 2. 22. · física, o abuso sexual de crianças, mutilação genital na mulher, violação, e outras práticas lesivas das

13

da Penha. E juntamente com estas informações, o IPEA (2015) acrescenta que a Lei Maria da Penha

“fez reduzir em cerca de 10% a taxa de homicídio contra as mulheres dentro das residências, ou

seja, foi responsável por evitar milhares de casos de violência doméstica.”

Para o IPEA (2015), a formulação e sanção da Lei Maria da Penha foi um dos mais

empolgantes exemplos de amadurecimento democrático no Brasil, pois contou com a participação

ativa de organizações não governamentais feministas, Secretaria de Política para Mulheres,

academia, operadores do direito e o Congresso Nacional. E ainda a lei incorporou aspectos

inovadores ao tratar de forma integral o problema da violência doméstica e ao considerar a

necessidade de implantação de serviços e medidas protetivas para garantir direitos e tentar levar a

paz aos lares (IPEA, 2015).

O IPEA (2015) após um grande estudo, avaliou que a Lei Maria da Penha afetou o

comportamento de agressores e vítimas de três formas: a) aumento do custo da pena para o

agressor; b) aumento do empoderamento e das condições de segurança para que a vítima pudesse

denunciar; e c) aperfeiçoamento dos mecanismos jurisdicionais, possibilitando ao sistema de justiça

criminal que atendesse de forma mais efetiva os casos envolvendo violência doméstica. Estes três

elementos somados fizeram aumentar o custo esperado da punição, com potenciais efeitos para

dissuadir a violência doméstica.

Em termos mais gerais, uma inovação importante da Lei Maria da Penha é que esta procurou

tratar de forma integral o problema da violência doméstica, e não apenas da imputação de uma

maior pena ao ofensor. Com efeito, esta legislação ofereceu um conjunto de instrumentos para

possibilitar a proteção e o acolhimento emergencial à vítima, isolando-a do agressor, ao mesmo

tempo que criou mecanismos para garantir a assistência social da ofendida (IPEA, 2015). Além

disso, a lei previu: a) os mecanismos para preservar os direitos patrimoniais e familiares da vítima;

b) sugeriu arranjos para o aperfeiçoamento e efetividade do atendimento jurisdicional; e c) previu

instâncias para tratamento do agressor (IPEA, 2015).

Ainda conforme os estudos realizados pelo IPEA (2015), mesmo a Lei sendo em âmbito

nacional, os seus efeitos deveriam se dar de forma mais heterogênea no país, uma vez que o

aumento da probabilidade de condenação depende da institucionalização dos serviços descritos na

lei, ou seja, nos locais onde a sociedade e o poder público não se mobilizaram para implantar

delegacias de mulheres, juizados especiais, casas de abrigo etc., é razoável imaginar que a crença

dos residentes não tenha mudado substancialmente no que se refere ao aumento da probabilidade de

punição.

Page 15: UNIVERSIDADE PARANAENSE CAMPUS FRANCISCO BELTRÃO · 2019. 2. 22. · física, o abuso sexual de crianças, mutilação genital na mulher, violação, e outras práticas lesivas das

14

Assim, entender o processo de institucionalização territorial das políticas prescritas pela lei,

é crucial para se pensar não apenas na efetividade dos instrumentos, mas também o futuro da

agenda de políticas públicas e formas de intervenção relacionadas ao tema da violência doméstica.

Analisando os dados, percebemos um grande avanço no sentido da minimização da

violência contra as mulheres com o advento da Lei, mas o que se observa é que ainda há muito a se

fazer no país, pois apenas nos últimos anos é que as vítimas estão se pronunciando e denunciando

seus agressores.

Nesse sentido, a Lei Maria da Penha representa uma grande conquista para as mulheres e

para a sociedade, além de ser uma segurança de que esses direitos sejam garantidos, já que a Lei

constitui também um compromisso do Estado.

Quanto ao profissional de psicologia, compreendemos que ele deva acompanhar os casos de

agressão familiar/domiciliar, pois isso se enquadra nos preceitos da Lei Maria da Penha e que esse

profissional deva priorizar a proteção da família e não apenas focar na mera condenação do agressor

como o sistema jurídico o faz.

Entendemos que uma das possíveis soluções seria a aplicação célere e de grande

abrangência de políticas públicas (elencadas na Lei, porém de pequeno respaldo pelo poder

público), para que assim se possa em primeiro lugar, evitar futuras e maiores agressões em outros

ambientes familiares. Pois, assim, além de evitar as agressões (previstas em lei, que não se

restringem em físicas), a morosidade do judiciário em nosso país ainda é muito grande, ocorrendo

no fato de que, muitas vezes a vítima acaba convivendo com seu agressor até que o caso seja

julgado, sofrendo por conta dessa morosidade e falta de auxílio do poder público.

E dentro desse contexto, devemos observar que essas Políticas Públicas não são apenas

voltadas às vítimas, e sim para toda a sociedade, comunidade, pois também há de se aplicá-las de

forma educativa aos possíveis agressores para que esses compreendam a importância do respeito à

mulher e à família e não promovam a violência.

Os impactos da violência doméstica na saúde mental da mulher

A violência está associada aos variados problemas, complexos e de caráter distinto, pode

estar ligada também a temas conceituais referentes a distinção entre poder e coerção, vontade

consciente e impulso (FONSECA et al., 2012). Nesse sentido, Butler (2015) questiona: “o que é

uma vida vivível?”. Para uma vida ser considerada lesada, perdida ou “matável”, ela precisa,

primeiro, ser considerada viva.

Page 16: UNIVERSIDADE PARANAENSE CAMPUS FRANCISCO BELTRÃO · 2019. 2. 22. · física, o abuso sexual de crianças, mutilação genital na mulher, violação, e outras práticas lesivas das

15

Se certas vidas não são qualificadas como vidas ou se, desde o começo, não são concebíveis

como vidas de acordo com certos enquadramentos epistemológicos [mas também políticos,

econômicos, religiosos, de gênero], então essas vidas nunca serão vividas nem perdidas no

sentido pleno dessas palavras (BUTLER, 2015).

São, portanto, os enquadramentos que decidem, diferenciam e definem quais vidas podem

ser apreendidas e reconhecíveis como vida e, quais vidas nunca reunirão condições de serem

reconhecidas como tal (MAIA, 2017). Por meios dos enquadramentos que se têm à disposição,

pode-se compreender a precariedade da vida e segundo a autora, a violência se apresenta como uma

precariedade e faz com que a vida comece a se tornar precária no aspecto de se sentir vivo e isso

terá interferência na saúde mental e física da pessoa lesada.

Vale salientar que a violência doméstica acontece em ciclos, e ainda que não se possa

generalizar um padrão evolucionário da dinâmica da violência doméstica, Soares (2005) identifica

tipicamente ciclos com três fases, que começam: a) com a construção da tensão no relacionamento,

quando acontecem incidentes menores, como agressões verbais, crises de ciúmes, ameaças,

destruição de objeto e violência psicológica entre outros; b) em seguida, há a fase crítica, em que os

incidentes mais graves ocorrem, como espancamentos, estupros e eventualmente homicídios; c) já a

terceira fase seria marcada pelo arrependimento, juras de paixão e promessas de regeneração.

Dessa forma, o principal ponto nisso é que a violência acaba por afetar a saúde mental da

vítima e essa violência psicológica imposta pelo agressor traz sérios problemas emocionais para

quem sofre a agressão. Para Hirigoyen, (2006), na violência psicológica o agressor não tem

reconhecimento sobre as emoções e sentimentos da vítima, já que o outro é visto como objeto, ou

seja, o objetivo de quem a pratica é subtrair a vontade do outro, com o intuito de que ele perca a sua

própria identidade (MONTEIRO, 2012). Na violência doméstica, o agressor tem por finalidade

manter a submissão do outro, garantindo e afirmando sua posição de poder dentro da relação.

Assim, a violência psicológica para Ballone (2008) pode ser considerada mais prejudicial do

que a física, já que acaba sendo assinalada pela discriminação, depreciação, rejeição, desrespeito,

humilhação e punição exageradas. Para Monteiro (2012) é uma agressão cujas marcas corporais não

são visíveis, mas que emocionalmente provoca cicatrizes inapagáveis para a vida toda. De acordo

com o art. 7º, inciso II da Lei Maria da Penha, a violência psicológica é entendida como:

[...] qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe

prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas

ações, comportamentos, crenças e decisões mediante ameaça, constrangimento,

humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto,

chantagem ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro

meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação.

Page 17: UNIVERSIDADE PARANAENSE CAMPUS FRANCISCO BELTRÃO · 2019. 2. 22. · física, o abuso sexual de crianças, mutilação genital na mulher, violação, e outras práticas lesivas das

16

Nessa perspectiva, os comportamentos mencionados na Lei Maria da Penha são

considerados danos à saúde psicológica da mulher. As sequelas psicológicas advindas da violência,

são consideradas ainda mais graves do que suas consequências físicas, já que estas destroem a

autoestima da mulher, aumentando a chance de sofrer de problemas mentais como fobia, estresse

pós-traumático, ideação suicida, depressão e abuso de álcool e drogas (PADILHA; SILVA, 2012).

Padilha e Silva (2012), ainda enfatizam que a violência psíquica destrói também a moral da

mulher, por meio das humilhações e xingamentos, injúrias e ameaças contra a vida deixando dessa

forma, marcas internas psicológicas. O que se percebe é que os impactos parecem cumulativos ao

longo do tempo, podendo a gravidade das agressões levar algumas mulheres à problemas

psicológicos mais sérios e até mesmo ao suicídio (ALVES, 2015). A autora ainda acrescenta

distúrbios da alimentação e do sono, agressividade ou passividade, estado de alerta permanente e

desconfiança. Dentro desse contexto, Slegh (2006) afirma que vivenciar atos violentos provoca na

mulher sentimentos pertinentes a violência, a exemplo do conflito com relação ao que gera à

violência, bem como, desespero referente a probabilidade de interromper com a mesma.

Corroborando com as palavras de Slegh (2006), Martins (2009) salienta que a violência

psicológica fere e interfere na saúde mental da mulher, na sua integridade física, moral e social que

ocorrem sobretudo no espaço intrafamiliar e se faz presente em todos outros tipos de violência.

Pode ocorrer, um sentimento de desvalorização de si mesmas e de tudo que possam realizar

(MARTINS, 2009). A tendência dessa mulher é concordar com tudo que o companheiro pedir ou

dizer, deixando de ter vida própria, abrindo mão do seu eu, ficando indiferente a suas vontades e

necessidades, sem capacidade de respeitar-se e de se amar rompendo com seus próprios desejos.

(ALVES, 2015).

Assim, o que se percebe é que a violência psicológica tem como objetivo primordial reforçar

o poder exercido sobre o outro dentro de uma relação. Ela tende a se repetir e se intensificar com o

tempo, fragilizando e transformando a vítima em um objeto sem valor (MONTEIRO, 2012). E

conforme a mesma autora, como esta não é uma violência visível aos outros, a vítima tem inúmeras

dificuldades para provar que está sofrendo agressões. Com isto, a vítima pode chegar a um estado

em que duvida daquilo que está vivenciando (HIRIGOYEN, 2006).

E dentro dessa situação, o que se percebe é que para intensificar o impacto da violência

psicológica, basta um único ato de violência física. Para a OMS (2002), o pior da violência para as

mulheres, não é a violência em si, mas a tortura mental e convivência com o terror e o medo. Dessa

forma, esse tipo de violência deve ser avaliado como um grave problema de saúde pública,

merecendo espaço de discussão, ampliação da prevenção bem como criação de políticas específicas

para o seu enfrentamento (OMS, 2002).

Page 18: UNIVERSIDADE PARANAENSE CAMPUS FRANCISCO BELTRÃO · 2019. 2. 22. · física, o abuso sexual de crianças, mutilação genital na mulher, violação, e outras práticas lesivas das

17

Para Padilha e Silva (2012) no que se refere a violência psicológica, nenhum sinal deve ser

desprezado, sob pena de se remeter a intervenção para momento tardio, com agravamento do

quadro e das sequelas, embora a presença de um ou outro indicador físico ou psicológico possa não

significar basicamente a ocorrência da violência, a exemplo de distúrbios do sono; distúrbios na

alimentação (inapetência, bulimia, anorexia, obesidade), depressão, choro frequente, dificuldade de

concentração, medo de ficar sozinha ou em determinadas companhias e comportamentos

autodestrutivos.

Alves (2015), acrescenta que a violência psicológica causa danos à saúde mental, ao intervir

na crença que a mulher tem sobre sua própria capacidade, ou seja, sobre a disposição de utilizar de

forma adequada seus recursos para o cumprimento das tarefas relevantes em sua vida. Nesse

sentido, a mulher pode apresentar distúrbios na capacidade de se comunicar com os outros, de

reconhecer e comprometer-se, de forma realista, com os desafios encontrados, além de desenvolver

sentimento de insegurança referente às decisões a serem tomadas, episódios significativos de

alterações psíquicas podem surgir em decorrência do trauma, o estado de choque, que ocorre

imediatamente após agressão, pode permanecer por várias horas ou dias (BRASIL, 2006).

Algumas teorias sobre a violência doméstica e a saúde mental das vítimas centram-se no

perfil dos agressores, dando menor atenção às características das vítimas, embora estudem também

as características psicológicas das mulheres que permanecem em relações abusivas (PINTO, 2009).

Para o mesmo autor, os defensores destas teorias enfatizam que o alcance explicativo do

conhecimento dos comportamentos do agressor, designadamente no que diz respeito à motivação

que os levará a agredir. Dessa forma, a atenção deverá estar direcionada sobretudo para as

características psicopatológicas do maltratante, consideradas como as causadoras dos

“comportamentos anormais”, ou atos violentos.

Slegh (2006) sugere algumas das causas que explicariam o comportamento dos agressores:

as perturbações psicológicas (psicopatia, depressão), estresse, baixa autoestima, dificuldades na

empatia, na comunicação e no autocontrole, bem como pobres competências sociais. Para além

destas características, outros autores enumeraram vários fatores de risco, tais como o estilo de

personalidade agressiva e hostil, a irritabilidade, elevada sintomatologia borderline, ansiedade,

depressão e queixas somáticas (SLEGH, 2006).

Mas percebemos que mesmo se explicando as perturbações que levam um agressor a mal

tratar sua mulher e/ou família, estas não devem ser vistas apenas como patologia, deve-se analisar

todo o ambiente onde o indivíduo viveu e vive, pois muitas vezes envolve muito mais questões

sociais e a da cultura do machismo do que apenas um desvio de caráter ou uma doença psíquica. O

Page 19: UNIVERSIDADE PARANAENSE CAMPUS FRANCISCO BELTRÃO · 2019. 2. 22. · física, o abuso sexual de crianças, mutilação genital na mulher, violação, e outras práticas lesivas das

18

que torna deficitário as abordagens que veem o agressor como doente, impossibilitando uma

reflexão mais ampla dos engendramentos da violência.

Nesta perspectiva cultural devemos incentivar e constituir políticas públicas amplas, e

possibilitar espaços de escuta e fortalecimento para a mulher agredida, além da ajuda jurídica, deve-

se encontrar possibilidades de buscar apoio psicossocial, no sentido de compreender o processo que

está inserida e visibilizar outras possibilidades de existência a ela.

Dessa forma, se percebe a importância no profissional da psicologia na interferência de

situações de violência doméstica tanto no trato da vítima quanto do agressor, por isso a relevância

de se fortalecer as redes psicossociais. Por meio do que foi dito acima, sujeitos expostos a este tipo

de problema demonstram a necessidade de tratamento adequado para criar uma potência criativa e

inventiva com relação a si mesmas e a suas vidas.

A importância do tratamento psicológico nas vítimas de violência doméstica

Os danos psicológicos surgem nas vítimas de violência doméstica como uma consequência

natural da vivência de maus tratos que provocam alterações psicoafetivas relevantes (PINTO,

2009). Essas tendem a perdurar no tempo, repercutindo-se em distúrbios de cunho emocional que

acabam por afetar grande parte das vítimas em diferentes áreas do seu funcionamento psicológico e

do seu comportamento (PINTO, 2009).

Matos (2003)10 apud Pinto (2009) defende que o impacto da violência nas mulheres vítimas

envolve dinâmicas traumáticas muito particulares e complexas, por vezes, comparáveis às

características da Perturbação de Estresse Pós-Traumático11. A Perturbação de Estresse Pós-

Traumático é muitas vezes diagnosticada em situações de violência doméstica e se torna relevante,

na medida em que considera que a pessoa reage normalmente a uma situação de agressão e procura

relacionar as dificuldades experienciadas às causas situacionais (PINTO, 2009).

De acordo com o relatório da Comissão Europeia sobre o estado de saúde das mulheres na

Comunidade Europeia (1997) citado por Pinto (2009), as mulheres agredidas têm cinco vezes mais

possibilidades de fazer tentativas de suicídio e de necessitar de tratamento psiquiátrico e

psicológico. Para Dattilio e Freeman (2004), mesmo durante os períodos em que não ocorre

10 MATOS, M. Violência conjugal. In: MACHADO, C.; GONÇALVES, R.A (Coordenadores). Violência e Vítimas de

crimes, Vol I: Adultos. Coimbra: Quarteto, 2003.

11 Define-se pelo desenvolvimento de sintomas característicos, desencadeados por um acontecimento específico,

psicologicamente doloroso, que está fora da faixa habitual da experiência humana. (PINTO, 2009).

Page 20: UNIVERSIDADE PARANAENSE CAMPUS FRANCISCO BELTRÃO · 2019. 2. 22. · física, o abuso sexual de crianças, mutilação genital na mulher, violação, e outras práticas lesivas das

19

violência física, as mulheres agredidas vivem frequentemente sob pressão, devido às táticas de

tortura e de terror psicológico utilizadas pelo agressor. Assim, o que se percebe é que as mulheres

vítimas de violência doméstica, tendem a serem vistas em constante estado de estresse, estando

constantemente vigilantes e atentas aos sinais de ataque iminente dos agressores, adotando

comportamentos de muita vigilância e evitando tudo ao seu redor (PINTO, 2009).

Para Lagerback (1995)12 apud Pinto (2009), após a agressão do companheiro, a vítima pode

apresentar reações emocionais intensas, como dificuldade de concentração, sentimento de

abandono, sensação de irrealidade, dificuldades na compreensão e interpretação de informações,

confusão, uma mistura de sentimentos que vão do desespero e da raiva até à euforia, e ainda pode

perder de autoconfiança, demonstrar necessidade de estar sozinha e muitas vezes sensação geral de

pânico.

Lagerback (1995)13 apud Pinto (2009) enumera três fatores determinantes da força das

reações: a) em primeiro lugar, se um indivíduo já teve uma crise que não foi corretamente encarada

e solucionada, terá, a princípio, menor capacidade para lidar com uma nova crise; b) em segundo

lugar, relaciona-se ao modo como é percebido/sentido este acontecimento negativo e; c) em terceiro

lugar, surge a questão do significado simbólico que a violência do agressor tem para a vítima. Ou

seja, antes de um episódio de agressão, se a mulher estiver numa situação de tensão

mental/psicológica, ela terá grande parte dos recursos mentais “ocupados”, o que significa que terá

menos mecanismos de defesa mental, para solucionar o problema (PINTO, 2009). O mesmo autor

sugere, por exemplo: que se uma mulher desenvolveu uma imagem negativa de si mesma, ela pode

entender o ataque criminoso como a confirmação dessa imagem, sendo o ataque criminoso a

consequência do valor que o agressor dá a ela. Lagerback (1995)14 apud Pinto (2009) acrescenta

ainda que as reações de âmbito mental podem dar lugar a reação físicas, denominadas vulgarmente

reações psicossomáticas, como, por exemplo, a fraqueza física, sensação de paralisia, pressão no

peito, dificuldades respiratórias, pressão sanguínea irregular, perda de apetite, dores generalizadas,

ataques de choro, sendo frequente a vítima exibir graus variáveis de reação física e mental que

podem levar a mudanças no seu comportamento. Assim sendo, podemos concluir que as mudanças

no comportamento podem ser consequência das experiências traumáticas e do fato de a mente

desviar a função de manter o comportamento habitual, para a de preservar intactas as defesas

mentais.

12 LAGERBACK, B. Vítimas de crime e suas reacções. Porto: A.P.A.V., 1995.

13 Idem.

14 Idem.

Page 21: UNIVERSIDADE PARANAENSE CAMPUS FRANCISCO BELTRÃO · 2019. 2. 22. · física, o abuso sexual de crianças, mutilação genital na mulher, violação, e outras práticas lesivas das

20

Os autores ainda sugerem várias sessões de terapia para que tanto vítimas quanto agressores

tenham a chance de superar a crise. Parar a violência e desistir do controle raramente é algo que se

consegue em uma sessão com o agressor, e superar o trauma da vítima também não se consegue de

uma hora para outra (HAMBERGER; MUNROE, 2004). Portanto, em várias sessões, pode ser

desenvolvida uma aliança terapêutica para facilitar a mudança, além de claro de grupos de apoio,

que podem auxiliar vítimas e agressores a compreender melhor o que está acontecendo e o que pode

ser feito para minimizar o problema.

O que se percebe, portanto é que o principal objetivo de um psicólogo nesses casos é

desenvolver planos de segurança/controle. Os ingredientes-chave dessas intervenções se baseiam

em diversas pressuposições, ou seja, conforme Hamberger e Munroe (2004): a) a maior

preocupação é a segurança das possíveis vítimas; b) o agressor, sozinho, é responsável por sua

violência e por tomar as medidas apropriadas para cessá-la; c) a vítima potencial, embora não seja

responsável pela violência do agressor, é responsável por tomar medidas para garantir a sua

segurança, quer por estratégias de prevenção e evitação, quer fugindo de um ataque.

Portanto, percebemos a importância da intervenção psicossocial nos casos de violência

doméstica tanto para as vítimas quando para os agressores, tema que será abordado a seguir.

Possibilidades de intervenção psicossocial

Torna-se importante salientar que a ideia da discussão das informações coletadas em fontes

bibliográficas e documentais foi baseada dentro da questão pós-estruturalista, ou seja, as

ferramentas de pesquisa foram os discursos, as linguagens, os enunciados e as vozes dos autores

pesquisados. Isso criou em nós versões diversas dos modos de ser, de compreender e de explicar os

paradigmas do trabalho científico e da produção do conhecimento. Nesse sentido, Guareschi e

Scaparo (2008) acrescentam que não cabem definições do que seja a proposta correta ou a

ferramenta adequada, importa a compreensão de que as ferramentas, as análises e as interpretações,

as teorias e seus protagonistas vinculam-se à contextos e as suas práticas.

Assim, a partir do que foi exposto, percebemos que a violência contra as mulheres é um

problema de saúde pública e a Lei Maria da Penha, a mais importante lei do país no combate à

violência, veio para somar e auxiliar vítimas e profissionais a tomar as melhores decisões com

relação aos agressores e as mulheres que sofrem maus tratos. Além disto, a lei tipifica, no artigo 7º,

cinco formas de violência contra as mulheres: física, psicológica, sexual, patrimonial e moral

(BRASIL, 2006), tornando mais fácil lidar com questão jurídica e as propostas de intervenção.

Page 22: UNIVERSIDADE PARANAENSE CAMPUS FRANCISCO BELTRÃO · 2019. 2. 22. · física, o abuso sexual de crianças, mutilação genital na mulher, violação, e outras práticas lesivas das

21

Segundo Oliveira (2017), a violência doméstica é um fenômeno social e complexo que exige

ações do Estado e de toda a sociedade para o seu enfrentamento e o dispositivo jurídico, ou seja, a

Lei Maria da Penha, cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra

a mulher. Mas o que a sociedade e nós esperamos é uma solução efetiva e mais democrática para as

situações de violência doméstica e não apenas a jurídica. Portanto, a inclusão do atendimento das

equipes psicossociais no Sistema Judiciário e da rede de serviços de apoio do Poder Executivo

proposto pela Lei Maria da Penha poderia atingir essa resposta social (OLIVEIRA, 2017).

Assim, podemos citar dentre as modalidades de acompanhamento psicossocial, a

intervenção com grupo de mulheres que viveram experiências de violência doméstica. A ideia desse

tipo de intervenção é procurar quebrar o isolamento a que essas mulheres vivem, validar as

experiências sofridas com outras pessoas que vivenciaram situações parecidas, obter informação e

receber suporte emocional.

Oliveira (2017) acrescenta que nesses serviços, há uma demanda explícita para a atuação do

profissional de psicologia, já que a intervenção psicológica se faz necessária também para se

trabalhar com os conteúdos da subjetividade (emoções, desejos inconscientes) e da individualidade,

que favorecem atitudes de submissão à violência, juntamente com as questões de ordem cultural,

uma vez que os profissionais da psicologia, em sua atuação profissional conseguem identificar a

dificuldade das mulheres em revelar a violência sofrida e o sofrimento psíquico complexo presente

nessa experiência.

Julgamos que a intervenção psicossocial em grupo com mulheres em situação de violência

doméstica ganha espaço de atuação e poderia ser inserida como metodologia de trabalho para as

políticas públicas, além é claro, de campanhas em unidades básicas de saúde, escolas e associações.

Assim, poderia ser realizado algo mais efetivo enquanto coletivo e intervir na ordem patriarcal

postulada, já que nesses grupos as pessoas têm a chance de criar e estabelecer conexões a fim de

construir outra ordem de subjetividade, e esses encontros podem favorecer o incentivo à essas

vítimas a se ajudarem e serem ajudadas.

Nesse sentido, Pedrosa e Zanello (2017) acrescentam que para que o atendimento dado às

essas mulheres seja realmente efetivo, é necessário e prudente que os profissionais de saúde que

trabalham na atenção à saúde mental tenham conhecimentos e se sintam capacitados para atender a

essa demanda. Pois, observamos não ser algo fácil lidar com situações deprimentes e com pessoas

que muitas vezes estão à margem da sociedade. Pedrosa e Zanello (2017) ainda afirmam, que

embora exista esta urgência em profissionais capacitados para atender essas mulheres, estudos

demonstram, que os profissionais de saúde não são devidamente preparados para lidar com a

violência contra as mulheres.

Page 23: UNIVERSIDADE PARANAENSE CAMPUS FRANCISCO BELTRÃO · 2019. 2. 22. · física, o abuso sexual de crianças, mutilação genital na mulher, violação, e outras práticas lesivas das

22

O que percebemos é que as práticas profissionais voltadas à tais situações de violência

devem intervir no sentido de ajudar as vítimas no enfrentamento desse grave problema, mas, por se

tratar de tema delicado e de difícil abordagem, requer capacitação específica, especialmente porque

as concepções que as embasam não consideram as relações de gênero, que correspondem a um

“atributo social do sexo biológico e que determina a construção histórico-social das matrizes

femininas e masculinas vigentes” (FONSECA, 2008).

Dessa forma, também observamos que a falta de apoio social também é um fator de peso. É

necessário compreender que, muitas vezes, sem o apoio de algum membro da família ou da

comunidade (seja por uma associação ou grupo), a mulher acredita que não tem condições de sair

da relação. Portanto, se vê a necessidade de que alguém (s) a escute de forma verdadeira e livre de

julgamentos e apoie a saída de uma relação de submissão e abuso (físico e/ou moral).

Outra situação que deve ser levada em consideração é a dependência emocional e a criação

dos filhos, pois envolvem questões de gênero que dizem respeito aos papéis sociais das mulheres

esperados na nossa sociedade. Para entender o fator da dependência emocional e da criação dos

filhos é necessário pensar a ideia do dispositivo amoroso e do dispositivo materno (ZANELLO,

2016). Zanello (2016) se utiliza de uma metáfora: as mulheres se subjetivam na "prateleira do

amor" para explicar esta situação, ou seja, esta prateleira é mediada por um ideal estético que é

branco, loiro, jovem e magro; sendo perversamente desigual dentre as mulheres, ainda que ruim

para todas, em suas devidas proporções. A autora ainda acrescenta que o amor é para as mulheres,

portanto, algo identitário e elas pagam preços caros para serem escolhidas por um homem, porque

isto implica em serem validadas como mulheres e isso seria o principal fator de desempoderamento

das mesmas. E trabalhar esse empoderamento nessas mulheres pode ser a saída da relação violenta,

mas isso requer que os profissionais tenham a consciência da leitura de gênero. Leitura essa que

contribui também para o entendimento do sofrimento mental por elas vivido. Segundo Zanello

(2016), a atuação com o olhar para as relações de gênero permite não apenas uma releitura da

quebra psíquica, mas também pensar em novas maneiras de intervir nas quais os próprios valores de

gênero possam ser utilizados.

A proposta de trabalho com o grupo faz com que as próprias mulheres levantem os temas

que querem conversar, podendo ou não haver um tema pré-estabelecido para cada encontro. Esse

tipo de abordagem possibilita o compartilhamento de experiências, o reconhecimento de situações

de violência e o empoderamento pelas histórias umas das outras. Com relação aos papéis sociais de

gênero, ou seja, aos comportamentos socialmente aceitos e esperados que as mulheres executem em

nossa sociedade, torna-se interessante fazer uma releitura e quebrar a ideia de que a “verdadeira

mulher é esposa, mãe, bela, sedutora, amante e disponível” (ZANELLO, 2016). O importante é

Page 24: UNIVERSIDADE PARANAENSE CAMPUS FRANCISCO BELTRÃO · 2019. 2. 22. · física, o abuso sexual de crianças, mutilação genital na mulher, violação, e outras práticas lesivas das

23

faze-las compreender que é possível se realizar por outros meios que não o do cuidado com o

outro(s) e incentiva-las a buscar novas formas de realização, como por exemplo, por meio do

trabalho e da independência financeira.

Assim, podemos entender que o grupo pode ser uma importante ferramenta de atuação para

profissionais de saúde mental que lidam com a demanda da violência, já que o grupo pode auxiliar

na quebra do silêncio, na identificação de que ela não é a única que passa por situações violentas e

conturbadas, e abre possibilidades de ação para quem está participando. Zanello (2016) argumenta

que nomear e partilhar o sofrimento e percebe-lo também em outras pessoas pode ser uma

experiência transformadora e o constructo de novas relações interpessoais. Visualizamos que o

importante é que o grupo seja também trabalhado com um olhar e uma escuta de gênero, tendo em

vista que a violência, nestes casos, é permeada estruturalmente por estas questões, pois trabalhar

com uma leitura de gênero na saúde mental é resgatar a fala do sujeito como uma fala engendrada e

marcada pelo lugar social no qual o sujeito fala. Além disto, ao analisar o adoecimento psíquico,

sob o viés de gênero, torna-se possível desnaturalizar o sofrimento e abrir novas possibilidades de

intervenção e tratamento (ZANELLO, 2016).

Dessa forma, partir das leituras e análises percebemos que a intervenção psicossocial é de

relevância no tratamento de vítimas de violência doméstica e que campanhas, grupos de saúde,

associações comunitárias e grupos formados em escola entre outros, podem ser possibilidades de

auxílio psicológico às pessoas que sofrem em silêncio e engendram outras possibilidades de

conexão e fortalecimento tanto das mulheres vítimas de violência quanto da rede de assistência.

Considerações finais

Este artigo procurou apresentar algumas reflexões teóricas dentro do contexto da violência

doméstica, interseccionalidade e a importância da implementação da Lei Maria da Penha. Portanto,

pode-se afirmar que a proposta inicial deste estudo que era cartografar os engendramentos da

violência doméstica e sua interconexão com a saúde mental das pessoas que sofrem tal violência foi

contemplado.

O que percebemos a partir do estudo realizado é que a violência doméstica e de gênero é um

fenômeno complexo, o qual apresenta raízes na organização social, nas estruturas econômicas e de

poder na sociedade brasileira. A atuação profissional nessas situações exige o desenvolvimento de

políticas públicas, a mobilização e conscientização da sociedade, a integração da rede de

atendimento e de enfrentamento. Dessa forma, a intervenção psicossocial em grupo com mulheres

em situação de violência doméstica é um campo vasto para a produção de conhecimento e

Page 25: UNIVERSIDADE PARANAENSE CAMPUS FRANCISCO BELTRÃO · 2019. 2. 22. · física, o abuso sexual de crianças, mutilação genital na mulher, violação, e outras práticas lesivas das

24

modalidade estratégica para o desenvolvimento de políticas públicas, portanto, visualiza-se a

importância da legitimação desse espaço de atuação profissional a partir de diretrizes nacionais e

parâmetros técnicos e formais.

As mudanças na legislação e a implementação das políticas públicas relativas à violência são

necessárias e fundamentais, porém, isoladamente, não significam a garantia de efetividade para o

enfrentamento do problema, uma vez que a violência contra a mulher é permeada por uma

complexa trama de fatores sociais, culturais e ideológicos que dificultam e até mesmo impedem a

efetiva vigência dos direitos humanos.

Assim, a intervenção psicossocial em grupo com mulheres vítimas de violência doméstica

tem o objetivo de fazer com que elas resgatem sua condição de sujeito, redescobrindo seus desejos e

vontades, que durante a relação violenta foram anuladas, além de resgatar a autoestima. O psicólogo

deve intervir a fim de ampliar a consciência da mulher, para que ela perceba a violência sofrida e

não se culpe por ela. Entendemos que nesses grupos, as mulheres podem conseguir reconhecer que

o parceiro se comporta de maneira que favoreça o surgimento de conflitos e de comportamentos

abusivos, assim ela tem a chance de perceber que tem capacidade e apoio para se mobilizar e

enfrentar a situação de violência. Torna-se importante salientar a importância de a mulher ter

conhecimento do ciclo da violência, que pode não acontecer em todos os casos, porque cada caso é

específico e tem suas particularidades, mas no geral, é comum que violência aconteça de forma

cíclica como foi citado anteriormente na fundamentação teórica. Nesse sentido, seria interessante

que essas mulheres participassem dessas redes de apoio, pois isso além de auxiliar no conhecimento

das causas e as formas de lidar com as agressões, as fariam perceber a importância de compartilhar

sofrimentos e experiências, a fim de ajudar umas às outras com o apoio de profissionais preparados

para isso. Como visto anteriormente, geralmente as mulheres encaminhadas ao atendimento

psicossocial, chegam encaminhadas pela Justiça, e neste caso, o trabalho do psicólogo não é

isolado, ele acaba por ser multidisciplinar pois envolve outras áreas do conhecimento. Dessa forma,

observamos que o intuito da intervenção psicossocial é empoderar a vítima para que ela consiga

transformar ou sair da situação de violência em que está envolvida, e assim, realizar seus desejos e

objetivos de vida. O psicólogo envolvido nesse processo deve então orientá-la sobre seus direitos

garantidos pela Lei Maria da Penha.

Por fim, a pesquisa demonstrou a importância da implementação da Lei Maria da Penha e do

trabalho do psicólogo que atua no contexto da violência contra a mulher, já que é uma intervenção

que não possui apenas um modo de se trabalhar e um objetivo a ser alcançado. O que se percebe é

que o psicólogo também deve trabalhar a questão da responsabilização pela violência estabelecida

na relação conjugal e discutir temas ligados à violência, justiça e controle da agressividade sem

Page 26: UNIVERSIDADE PARANAENSE CAMPUS FRANCISCO BELTRÃO · 2019. 2. 22. · física, o abuso sexual de crianças, mutilação genital na mulher, violação, e outras práticas lesivas das

25

generalizar os casos. Pois, por mais parecidos que possam ser os casos, cada pessoa é única, e os

casos devem ser tratados de forma singular, sempre levando em consideração a subjetividade e a

especificidade de cada um.

Conclui-se então, a clara necessidade de profissionais da psicologia atuar no contexto da

violência doméstica e familiar, pois é um fenômeno que, infelizmente, tem crescido no país e os

(as) psicólogos (as) quando preparados e capacitados para atender a demanda dessa população têm

muito a contribuir para a melhoria da saúde física e mental dessas pessoas, seja nas instituições

públicas ou no consultório privado, seja de forma individual ou em grupo ou nas comunidades.

Acreditamos que os profissionais que querem atuar nesse contexto devam estar sempre reciclando

seus conhecimentos, já que precisam conhecer as teorias e os procedimentos interventivos da

psicologia social e jurídica, além de ter certa familiaridade com a prática clínica e com seus

fundamentos teóricos, pois em várias situações pode ser necessário avaliar as condições

psicoemocionais da vítima e do agressor, quando são identificados indícios de algum transtorno

clínico ou de personalidade e encaminhá-los para acompanhamento psicossocial.

Referências Bibliográficas

ALVES, R. de C. de O. Os Impactos na Saúde Mentas das Mulheres Vítimas da Violência

Doméstica. Artigo apresentado ao curso de Pós-graduação em Saúde Mental, da Faculdade de

Tecnologia e Ciências. Feira de Santana, 2015.

BALLONE, G. J. Violência Doméstica. In: Psiqweb. Disponível em: <www.psiqweb.med.br>

revisto em 2008. Acesso em: 05/07/18.

BANDEIRA, L. M. Feminicídio como violência política. In: Encontro Pauta Feminina, edição de

16 de fevereiro de 2017. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/institucional/procuradoria/

pdf/apresentacao-lourdes-bandeira> Acesso em: 10/07/2018.

BOURDIEU, P. A dominação masculina. 3. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.

BRASIL, LEI MARIA DA PENHA. Lei 11.340 de 7 de agosto de 2006. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20042006/2006/lei/11340.htm.> Acesso em: 10/07/18.

BUTLER, J. Quadros de Guerra: quando a vida é passível de luto? Trad. Sérgio Tadeu de

Niemeyer Lamarão e Arnaldo Marques da Cunha. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015.

CARDOZO, G. L. O pós-estruturalismo e suas influências nas práticas educacionais: A pesquisa, o

currículo e a “Desconstrução”. Pensares em Revista. São Gonçalo-RJ, n. 4, pág. 118 – 134,

jan./jul. 2014. DOI: http://dx.doi.org/10.12957/pr.2014.14117. Disponível em:

<file:///C:/Users/lusch/Downloads/14117-50700-1-PB.pdf> Acesso em: 18/07/18.

Page 27: UNIVERSIDADE PARANAENSE CAMPUS FRANCISCO BELTRÃO · 2019. 2. 22. · física, o abuso sexual de crianças, mutilação genital na mulher, violação, e outras práticas lesivas das

26

COELHO, E.A.C. Enfermeiras que cuidam de mulheres: conhecendo a prática sob o olhar de

gênero. Tese (Doutoramento). Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2001.

CRUZ, R. A. Violência de Gênero e as suas Interseccionalidades. Anais da XI Semana de

Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação – SEPesq. Centro Universitário Ritter dos Reis, 2015.

Disponível em: <Violência%20de%20generos%20e%20interseccionalidades.pdf> Acesso em

04/07/18.

DATTILIO, F. M.; FREEMAN, A.M. Estratégias Cognitivo-Comportamentais de Intervenção

em Situação de Crise. 2.ed. Porto Alegre: Artmed, 2004.

DEBERT, G. G.; GREGORI, M. F. Violência de Gênero, novas propostas, velhos dilemas. Revista

Brasileira de Ciências Sociais. vol.23, n.66 São Paulo, 2008.

DIAS, M. B. A Lei Maria da Penha na Justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à

violência doméstica e familiar contra a mulher. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

Disponível: <http://periodicos.unicesumar.edu.br/index.php/revjuridica/article/view/2153/1428>

Acesso em: 28/06/18.

FERNANDES, E. O. J. Violência Doméstica. Trabalho de Conclusão de Curso. Universidade

Federal de Outro Preto - UFOP, Araçuaí 2012. Disponível em:

<http://www.amde.ufop.br/tccs/Aracuai/Aracuai%20-%20Eliene%20Fernandes.pdf>. Acesso em:

19/07/2018.

FONSECA, R. M. G. S. da. Gênero como categoria para a compreensão e a intervenção no

processo saúde-doença. PROENF- Programa de atualização em Enfermagem na saúde do adulto.

Porto Alegre: Artmed/Panamericana, 2008, v. 3, p. 9-39.

FONSECA, R. M. G. S da.; GUEDES, R. N. Violência Doméstica. 63a Reunião Anual da SBPC:

Goiânia, 2011. Disponível em: <Violência%20Dom.%20Um%20olhar%20de%20gênero.pdf>

Acesso em: 04/17/18.

FONSECA, D. H da; RIBEIRO, C. G.; LEAL, N. S. B. Violência Doméstica contra a Mulher:

realidades e representações Sociais Psicologia e Sociedade. Psi Soc. v. 24 n. 2. Belo Horizonte,

2012.

GUARESCHI, N. M. de F.; SCARPARO, H. B. K. Refletindo sobre pesquisa e produção de conhecimentos.

In: SCARPARO, H. B. K. (Org.). Psicologia e Pesquisa - Perspectivas metodológicas. 2ed. Porto Alegre:

Sulina, 2008, v. 1, p. 17-26.

GUEDES, R.N. Violência conjugal: problematizando a opressão das mulheres vitimizadas sob

olhar de gênero. Dissertação (Mestrado). Centro de Ciências da Saúde, Universidade Federal da

Paraíba. João Pessoa, 2006.

GUIMARÃES, I. S.; MOREIRA, R. A. Lei Maria da Penha - Aspectos Criminológicos, de

Política Criminal e do Procedimento Penal. 3. ed. Curitiba: Juará, 2014.

HAMBERGER, L. K.; MUNROE, A. H. Parceiros Violentos. In: DATTILIO, F. M.; FREEMAN,

A.M. Estratégias Cognitivo-Comportamentais de Intervenção em Situação de Crise. 2.ed.

Porto Alegre: Artmed, 2004. (p.281-299)

Page 28: UNIVERSIDADE PARANAENSE CAMPUS FRANCISCO BELTRÃO · 2019. 2. 22. · física, o abuso sexual de crianças, mutilação genital na mulher, violação, e outras práticas lesivas das

27

HIRIGOYEN, M. F. A Violência no Casal: da coação psicológica à agressão física. Rio de Janeiro:

Bertrand, 2006.

INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA - IPEA. Texto para discussão -

Avaliando a efetividade da Lei Maria da Penha. CERQUEIRA, D.; MATOS, M. V. M.; MARTINS,

A. P. A.; PINTO, Jr, J. Brasília: IPEA, 2015. Disponível em:

<http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/TDs/td_2048.pdf> Acesso em: 02/08/2018.

INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA - IPEA. Ipea apresenta dados sobre

Lei Maria da Penha em audiência no Senado. 2015. Disponível em:

<http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=25248&catid=8

&Itemid=6> Acesso em: 03/08/2018.

KOCH, C. de O. Morte à deferência: Sobre Machismo, Violência, Autonomia e Sororidade. In:

Empório do Direito. 2016. Disponível em: <http://emporiododireito.com.br/leitura/morte-a-

deferencia-sobre-machismo-violencia-autonomia-e-sororidade> Acesso em: 25/08/2018.

LIMA, F. R. Dos Procedimentos - artigos 13 a 17. In: CAMPOS, C.H. de (org). Lei Maria da

Penha Comentada em Uma Perspectiva Jurídico- Feminista. Rio de Janeiro: Lumem Juris,

2011. p. 265-287.

MAIA, C. Vidas que não importam, violência contra mulheres e biopolítica no norte de Minas. In:

STEVENS, C.; OLIVEIRA, S.; ZANELLO, V.; SILVA, E.; PORTELA, C. Mulheres e Violência:

Interseccionalidades. (p.80-100). Brasília: Technopolitik, 2017. Disponível em:

<%20ZANELLO,%20Valeska%20(Ed)%20-20Mulheres%20e%20violências.%20

Interseccionalidades[202].pdf> Acesso em: 25/06/18.

MARCONI, M. de A.; LAKATOS, E.M. Técnicas de Pesquisa. 7.ed. São Paulo: Atlas, 2008.

MARTINS, C. B. A. Violência Doméstica e a Função Social da Lei Maria da Penha. 92fls.

Trabalho de conclusão de cursos apresentado à Coordenação de direitos do Centro Universitário do

Distrito Federal – UDF, Brasília, 2009. Disponível em:

<http://www.conteudojuridico.com.br/monografia-tcc-tese,violencia-domestica-e-a-funcao-social-

da-lei-maria-da-penha,24385.html> Acesso em: 12/07/18.

MEYER, D. E. Do poder ao gênero: uma articulação teórico-analítica. In: LOPES, M.J.; MEYER,

D.E.; WALDOW, V.R. Gênero e Saúde. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. p. 41-54

MINAYO, M.C.S. Violência e saúde. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2006.

MONTEIRO, F.S. O papel do psicólogo no atendimento as vítimas e autores da violência

doméstica. 63 fls. Monografia de conclusão do curso de Bacharelado em Psicologia. Faculdade de

Ciências da Educação e Saúde do Centro Universitário de Brasília. UniCEUB, Brasília, 2012.

Disponível em: <http://repositorio.uniceub.br/bitstream/123456789/2593/3/20820746.pdf> Acesso

em: 10/17/18.

OLIVEIRA, T. L. de. Intervenção Psicossocial com mulheres em situação de violência doméstica.

Seminário Internacional Fazendo Gênero 11&13th Women’s Worlds Congress (Anais

Eletrônicos). Florianópolis, 2017. ISSN 2179-510X. Disponível em:

Page 29: UNIVERSIDADE PARANAENSE CAMPUS FRANCISCO BELTRÃO · 2019. 2. 22. · física, o abuso sexual de crianças, mutilação genital na mulher, violação, e outras práticas lesivas das

28

<http://www.en.wwc2017.eventos.dype.com.br/resources/anais/1499259432_ARQUIVO_Intervenc

aopsicossocialcommulheresemsituacaodeviolenciadomestica.pdf> Acesso em: 04/08/18.

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS). World Health Organization (WHO). Violence

against women. 2000, Fact Sheet, n. 239.

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS). Relatório mundial sobre violência e saúde.

Brasília: OMS/OPAS, 2002.

PADILHA, E. M; SILVA, F. N. da. Aspectos Psicológicos relevantes da Violência Doméstica.

RIES (Revista Interdisciplinar de Estudos em Saúde). Caçador, v.1, n.2, 2012. p. 105-122.

Disponível em: < http://www.periodicosuniarp.com.br/ries/article/view/53> Acesso em: 04/07/18.

PEDROSA, M.; ZANELLO, V. Vidas que não importam, violência contra mulheres e biopolítica

no norte de Minas. In: STEVENS, C.; OLIVEIRA, S.; ZANELLO, V.; SILVA, E.; PORTELA, C.

Reconstruindo histórias para além do diagnóstico psiquiátrico: escuta (e intervenção) de gênero

como meio de empoderamento de mulheres com histórico de relações violentas (p.569-585).

Brasília: Technopolitik, 2017. Disponível em: <%20ZANELLO,%20Valeska%20(Ed)%20-

20Mulheres%20e%20violências.%20Interseccionalidades[202].pdf> Acesso em: 04/08/18.

PINTO, J.M.C. Impacto psicológico da violência conjugal em mulheres vítimas acolhidas em

casas de abrigo. Estudo exploratório em duas casas abrigo do Grande Porto.75fls. Mestrado (em

Medicina Legal). Instituto de Ciências Biomédicas de Abel Salazar. Universidade do Porto, Grande

Porto, 2009. Disponível em: <https://repositorio-

aberto.up.pt/bitstream/10216/19364/2/Tese%20de%20Mestrado%202006%202008.pdf> Acesso

em: 15/07/18.

PITANGUY, J. Gênero, violência e Direitos Humanos. In: Brasil, Ministério da Saúde. Revista

Promoção da Saúde, 2002, p. 67-70.

SANTOS, E. A. G. dos.; OLIVEIRA, J. M.; REBELO, R. P.; MADEIRA, R. Lei Maria da Penha,

Perguntas e Respostas. Procuradoria Especial da Mulher do Senado Comissão Parlamentar Mista de

Combate à Violência Contra a Mulher. Brasília, 2015.

SILVEIRA, R. da S.; NARDI, H. C. Interseccionalidade e violência de gênero contra as mulheres: a

questão étnico-racial Intersecções em Psicologia Social: raça/etnia, gênero, sexualidades. In:

BRIZOLA, A. L. C.; ZANELA, A. V. (Coordenadoras) Intersecções em Psicologia Social:

raça/etnia, gênero, sexualidades. Coleção Práticas Sociais, Políticas Públicas e Direitos Humanos.

v.7. Florianópolis: Edições do Bosque, 2015. (p. 55-79).

SLEGH, H. Impacto psicológico da violência contra as mulheres. Outras Vozes, nº 15, maio de

2006. Disponível em: <http://www.wlsa.org.mz/artigo/impacto-psicologico-da-violencia-contra-as-

mulheres/> Acesso em: 18/07/18.

SOARES, B. M. Enfrentando a violência contra a mulher. Brasília: Secretaria Especial de

Políticas para as Mulheres, 2005. Disponível em: <http://goo.gl/94YWMl>. Acesso em: 04/08/18.

VIGOYA, M. V. La sexualización de la raza y la racialización de la sexualidad en el contexto

latinoamericano actual. Memorias del I Encuentro Latinoamericano y del Caribe. La sexualidad

frente a la sociedade, México, 2008. (p. 168-198). Disponível em: <http://www.interculturalidad.

Page 30: UNIVERSIDADE PARANAENSE CAMPUS FRANCISCO BELTRÃO · 2019. 2. 22. · física, o abuso sexual de crianças, mutilação genital na mulher, violação, e outras práticas lesivas das

29

org/numero06-07/attachments/article/145/viveros_sexualizacion-de-la-raza-y-la-racializacion-de-la-

sexualidad-en-el-contexto-latinoamericano.pdf> Acesso em: 05/07/18.

ZANELLO, V. Saúde mental, gênero e dispositivos. In: DIMENSTEIN, M.; LEITE, J.; MACEDO,

J. P.; DANTAS, C. (Orgs.). Condições de vida e saúde mental em assentamentos rurais. São

Paulo: Intermeios Cultural, 2016. p. 223-246.