universidade para o desenvolvimento do estado e … · inserida em uma ampla gama de ecossistemas,...
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UNIVERSIDADE PARA O DESENVOLVIMENTO DO ESTADO E DA REGIÃO
DO PANTANAL - UNIDERP
MARCELO FILIPPIN
BOAS PRÁTICAS AGROPECUÁRIAS E O CONCEITO DE EMPRESA RURAL
NA PRODUÇÃO DE SOJA
CAMPO GRANDE - MS
2008
MARCELO FILIPPIN
BOAS PRÁTICAS AGROPECUÁRIAS E O CONCEITO DE EMPRESA RURAL
NA PRODUÇÃO DE SOJA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em nível de Mestrado Profissionalizante em Produção e Gestão Agroindustrial da Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Produção e Gestão Agroindustrial. Comitê de Orientação: Prof. Dr. Fernando Paim Costa Profa. Dra. Iandara Schettert Silva Prof. Dr. Bruno Ricardo Scheeren
CAMPO GRANDE - MS
2008
FOLHA DE APROVAÇÃO
Candidato: Marcelo Filippin Dissertação defendida e aprovada em 26 de maio de 2008 pela Banca Examinadora: __________________________________________________________ Prof. Doutor Fernando Paim Costa (Orientador) __________________________________________________________ Prof. Doutor Ivo Martins Cézar (EMBRAPA) __________________________________________________________ Prof. Doutor Bruno Ricardo Scheeren (UNIDERP)
_________________________________________________ Prof. Doutor Francisco de Assis Rolim Pereira
________________________________________________ Prof. Doutor Raimundo Martins Filho
Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação da UNIDERP
Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Produção e Gestão Agroindustrial
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Para meus pais, Marino e Rosinha, meu irmão Eduardo e
minhas irmãs Michele e Alessandra. Os pequenos atos
que vocês fizeram durante todo o período do mestrado
representam a grandeza de nossa família.
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AGRADECIMENTOS
A Deus, pela minha vida.
Ao Professor Dr. Fernando Paim Costa, pela total dedicação e empenho
na orientação, da qual levarei os ensinamentos e exemplos para a continuidade
de minha carreira na área de docência.
Ao Professor Dr. Bruno Ricardo Scheeren e Profa. Dra. Iandara Schettert
Silva, co-orientadores da pesquisa.
À Professora Dra. Juliana Gadum, pela orientação inicial e apoio
contínuo.
Ao Professor Dr. Celso Correia de Souza, pela ajuda estatística.
À Professora Dra. Sinclair Pozza Casemiro, pelo apoio na revisão da
dissertação.
À Cooperativa Agropecuária e Industrial de Itambé, PR, – COCARI pela
disposição em apresentar seus cooperados, produtores de soja.
À Casa do Agricultor de Itambé, pelo apoio nas entrevistas com os
produtores de soja.
Aos meus tios José Aquiles Kloeckner, Vânia Garcia Kloeckner e Clélia
Rosa Garcia “In Memorian”, pela hospitalidade e apoio durante todo período do
mestrado.
Ao amigo e fiel companheiro Ronei Dutra Sanches, que me apoiou como
um pai, principalmente nos momentos difíceis do mestrado.
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iv
SUMÁRIO
RESUMO ...................................................................................................................vi
ABSTRACT .............................................................................................................viii
1. INTRODUÇÃO.....................................................................................................8
2. REVISÃO DE LITERATURA.............................................................................12
2.1 Boas práticas agrícolas...................................................................................12
2.2 A cultura da soja ..............................................................................................15
2.2.1 Expansão da soja .....................................................................................16
2.2.2 Cenário futuro da soja .............................................................................18
2.2.3 Comercialização da soja..........................................................................19
2.3 Administração ..................................................................................................21
2.4 A empresa rural................................................................................................22
2.5 Administração rural .........................................................................................24
2.5.1 Aspectos econômicos e financeiros ......................................................28
2.5.2 Aspectos de informação e conhecimento..............................................29
2.5.3 Aspectos da produção.............................................................................30
2.5.4 Aspectos sociais ......................................................................................33
2.5.5 Aspectos ambientais................................................................................35
2.6 Legislação rural ...............................................................................................37
3. MATERIAL E MÉTODOS..................................................................................41
3.1 População e planejamento amostral..............................................................45
3.2 Desenvolvimento do questionário .................................................................48
3.3 Aplicação dos questionários ..........................................................................49
3.4 Preparação dos dados e análise estatística ..................................................50
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO.........................................................................51
4.1 Delineamento do modelo de boas práticas agropecuárias..........................51
4.2 Nível de comprometimento dos produtores com a gestão de seus
negócios. .................................................................................................................54
4.3 Nível de conscientização dos produtores a respeito do conceito de boas
práticas de produção..............................................................................................56
v
v
4.4 Nível em que as propriedades exercem a condição de empresas rurais. ..58
4.5 Fatores que restringem a adoção de boas práticas agropecuárias ............63
5. CONCLUSÕES..................................................................................................66
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.........................................................................68
APÊNDICES ....................................................................Erro! Indicador não definido.
APÊNDICE A...................................................................Erro! Indicador não definido.
APÊNDICE B...................................................................Erro! Indicador não definido.
APÊNDICE C...................................................................Erro! Indicador não definido.
APÊNDICE D...................................................................Erro! Indicador não definido.
vi
RESUMO
As mudanças ocorridas no setor agropecuário nos últimos anos, muitas delas
diminuindo o lucro dos produtores, têm induzido importantes transformações nas
propriedades rurais. As principais estão relacionadas às formas de gestão, que
têm levado os produtores a tratar seus negócios de forma mais ampla, incluindo a
visão da porteira para fora da propriedade, no sentido de administrá-la como uma
verdadeira empresa rural. Apesar de o conceito “empresa rural” ser utilizado
freqüentemente no setor agropecuário, os trabalhos existentes nessa área estão
mais direcionados aos aspectos econômicos da gestão, incluindo custos, finanças
e contabilidade. O presente estudo visa contribuir para a consolidação desse
conceito, incluindo áreas como produção, meio ambiente e responsabilidade
social. Procurou-se identificar as definições de empresa rural concebidas no
Estatuto da Terra e seguindo critérios e padrões amplamente aceitos como
EUREPGAP, Critérios Basel de Produção de Soja e Boas Práticas Agropecuárias
da Embrapa Gado de Corte, a partir do que foi delineado um Modelo de Boas
Práticas Agropecuárias para a Cultura da Soja. Esse modelo, dividido em cinco
áreas gestoras, contempla as principais atividades que devem ser exercidas pelas
propriedades produtoras de soja. Apesar de ser direcionado para produtores de
soja, o presente modelo contém uma estrutura geral que pode ser adaptada para
outras atividades do setor rural. Partindo do modelo proposto, realizou-se
pesquisa de campo a partir de uma amostra representativa de produtores de soja
da região de Itambé, PR, com objetivo de analisar o nível de comprometimento
desses produtores com a gestão de seus negócios, identificando também em que
nível suas propriedades exercem a condição de empresas rurais. Os resultados
das entrevistas permitiram classificar as propriedades segundo o nível em que
adotam as boas práticas. As propriedades mais produtivas e mais estruturadas
financeiramente são justamente as que se enquadram nos níveis médio e alto.
vii
Portanto, entende-se que a implantação do modelo de boas práticas resultante
dessa pesquisa, leva a fazenda à condição de empresa rural, e contribui para a
elevação do nível de gestão, proporcionando aumento de produtividade e
chances de maiores lucros.
Palavras-chave: Gestão rural, agronegócio, qualidade de processo
viii
ABSTRACT
The changes occurred recently in the agribusiness, many of them decreasing the
producers’ profit, have induced important changes at farm level. The main
transformations are related to the management forms, which have conditioned the
farmers to enlarge the vision of their business, including the environment outside
the propriety, in a way to consider it as a true rural enterprise. In spite of the
frequent use of the “rural enterprise” concept, the approaches in this area
emphasize economic aspects including costs, finances and accounting. The
present study aims to consolidate this concept, including areas as production,
environment and social responsibilities. The definitions of "rural enterprise" were
examined, based on the “Estatuto da Terra”, Basel Criteria for Soybeans
Production and Good Production Practices for Beef Cattle in Brazil. A Good
Production Practices Model for Soybeans Production was delineated, including
five management areas. In spite to be directed to soybeans producers, the model
presents a general structure which can be adapted to other activities at the rural
sector. Based on this model, a representative sample of farmers from Itambé-PR
were visited to assess their commitment to the business management, as well as
verify in what level the farms play the condition of “rural enterprise”. Also a result
of this survey, the farmers were classified according to the level they use the
production good practices. The most productive and financially structured ones are
those which use such practices in a medium or high level. Therefore, it is possible
to say that the implementation of the model of good practices naturally implies the
condition of “rural enterprise”, and contributes to improve the management level,
besides increasing the productivity and the chance of making profit from farming.
Key-Words: Agricultural management, agribusiness, process quality
1. INTRODUÇÃO
Complexidade e diversidade são características da agricultura que,
inserida em uma ampla gama de ecossistemas, torna essa atividade bastante
distinta dos demais setores da economia. A instabilidade do clima e seus efeitos
nos fenômenos biológicos inerentes à produção, a característica perecível de
muitos produtos e a variabilidade dos preços agrícolas aumentam o risco de
ocorrência de prejuízos. Essas peculiaridades, atuando isoladas ou em conjunto,
dificultam as tomadas de decisão do produtor rural.
A composição da sociedade agrária evidencia uma diversidade social
típica do agronegócio. Os produtores rurais, por exemplo, se diferenciam tanto
pelas suas condições sócio-econômicas e critérios de decisão, como pelos seus
sistemas de produção e práticas agrícolas. Contrariando essas diferenças, a
maioria dos produtores têm em comum o baixo nível gerencial e não visualizam
suas atividades como um empreendimento rural propriamente dito.
Apesar disso, o conceito de empresa rural é utilizado com freqüência no
setor agrícola, mesmo que a bibliografia existente seja insuficiente para explicar
com clareza e precisão esse conceito. Segundo Nantes et al. (1995), os trabalhos
existentes na área de gestão do empreendimento rural estão restritos aos
aspectos econômicos da gestão do empreendimento (custos, finanças e
contabilidade). Ainda, segundo esses autores, os esforços dedicados a outras
ferramentas de gestão, tais como definição do produto e do processo de
produção, sistemas de qualidade, planejamento e controle da produção, logística,
entre outros, são incipientes.
Considerando que a produção agrícola passa pela agroindústria e pelos
canais de distribuição até chegar ao consumidor final, deduz-se uma integração
visível entre os diferentes elos da cadeia produtiva. De um lado, estão os
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fornecedores cada vez mais organizados na determinação da política de preços
dos insumos e, do outro, as agroindústrias e os consumidores apresentando
novas exigências, como resultado da própria evolução da sociedade.
A integração dos elos da cadeia produtiva é sinal de que os produtores
não podem mais visualizar seus negócios apenas da porteira para dentro de suas
propriedades rurais. Segundo Batalha (2001), à medida que a oferta se amplia, as
margens são determinadas, não mais pelo próprio produtor, mas pela diferença
entre o que o mercado se dispõe a pagar pelo produto e os custos de produção.
Na verdade, a atividade rural é, por natureza, uma tomadora de preços, dada a
grande oferta agregada e a característica de commodity de grande parte dos
produtos agrícolas. Isso torna a redução de custos uma das principais formas de
ampliar ganhos. Mais recentemente, a diferenciação de produtos passou a ser
usada como meio de obter preços mais remuneradores. Assim, reduzir custos ou
inovar, diferenciando o produto, tornou-se uma condição de sobrevivência que
exige administrar a propriedade como uma empresa.
Um acontecimento exemplar, que comprova a necessidade de uma boa
gestão agropecuária, atenta para o processo de produção, foi a suspensão das
importações de soja imposta pela China no ano de 2004. O motivo alegado para
essa medida foi a presença de sementes tratadas com fungicidas no
carregamento.
Segundo Baize (2004), as regras internacionais estipulam que impurezas
de até 0,2% são toleráveis. Nos dias do embargo, a carga de um dos navios ainda
abarcado no Porto de São Francisco (RS), foi submetida a uma análise
laboratorial. O resultado apontou que apenas 0,06% de fungicida estava presente
na carga da Cargill, mas a decisão chinesa foi de embargar a soja. Nesse caso, a
China decidiu adotar uma postura de tolerância zero.
Decisões como essa, da China, seja por simples protecionismo de
mercado, ou pela justificável falta de respeito às normas estabelecidas, são
bastante comuns. As normas configuram uma exigência de qualidade em todo
processo produtivo da soja, e boas práticas agrícolas certamente podem garantir
a segurança alimentar exigida pelo mercado internacional dessa commodity.
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Outros fatores relevantes que, aos poucos, vêm sendo exigidos dos
produtores, são as certificações de unidades de produção agrícola e seus setores
específicos. O EUREPGAP (2005), uma referência de boas práticas agrícolas,
afirma que o objetivo dessas certificações é garantir integridade, transparência e
harmonização das normas globais de agricultura. Isso inclui as condições
necessárias para a produção de alimentos seguros, levando em consideração
saúde, segurança e bem-estar dos consumidores e dos empregados, além das
questões ligadas à vida dos animais explorados e ao meio ambiente.
Segundo a ProForest (2004), uma organização independente que
desenvolveu os Critérios Basel de Produção Responsável de Soja, existe uma
preocupação mundial com relação aos potenciais impactos sociais e ambientais
negativos que a produção desorganizada de soja pode causar. As queimadas
usadas na derrubada de florestas, a erosão dos solos, o uso intensivo de
agroquímicos e as infrações dos direitos trabalhistas são alguns exemplos desses
impactos.
As empresas compradoras de soja e seus produtos, tidas como
socialmente responsáveis, querem a certeza do não comprometimento com esses
tipos de impactos. Uma forma de garantir essa certeza é o estabelecimento de
critérios de compra, exigência essa que converge, entre outras, para uma boa
prática de produção e gestão agrícola nas propriedades rurais.
Diante do exposto, o objetivo geral deste trabalho foi desenvolver e testar
um modelo de boas práticas de produção de soja, bem como discutir a
operacionalização do conceito de empresa rural.
Os objetivos específicos foram:
a) delinear um modelo de boas práticas voltado para produção de soja,
oferecendo-o como subsídio àqueles que pretendem produzir conforme as
exigências do mercado e da boa gerência;
b) analisar, a partir do modelo resultante dessa pesquisa, o nível de
comprometimento dos produtores com a gestão de seus negócios;
c) verificar o grau de conscientização dos produtores a respeito do
conceito de boas práticas de produção;
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d) verificar em que nível as propriedades exercem a condição de
empresas rurais.
e) verificar quais são os fatores que restringem a adoção de boas práticas
agropecuárias.
2. REVISÃO DE LITERATURA
2.1 Boas práticas agrícolas
O conceito de Boas Práticas Agrícolas surgiu em 1997 como uma
iniciativa do grupo denominado “Euro-Retailer Produce Working Group” (EUREP).
Esse grupo era formado por retalhistas britânicos e supermercados da Europa
Continental.
Eles reagiram ao interesse crescente dos consumidores nos assuntos de segurança alimentar e normas ambientais ou de trabalho, e por isso decidiram harmonizar as suas próprias normas, que em muitos casos apresentavam grandes diferenças umas das outras. A elaboração de normas conjuntas de certificação também foi interessante para os produtores. Aqueles com relações contratuais com vários retalhistas relatavam que todos os anos tinham que passar por várias auditorias baseadas em diferentes critérios. Tendo isto em mente, o EUREP começou a elaborar normas e procedimentos harmonizados para o desenvolvimento de Boas Práticas Agrícolas (BPA) na agricultura convencional, incluindo a importância da Gestão Integrada das Culturas assim como de uma abordagem responsável dos assuntos de bem-estar dos trabalhadores (EUREPGAP, 2007).
O protocolo de boas práticas agrícolas [Good Agricultural Practices –
GAP] desenvolvido pelo EUREP é considerado um código de conduta e já é
adotado para a certificação. Trata-se, portanto, de um modelo de certificação,
documento normativo, baseado nas boas práticas agrícolas, aplicadas na
produção de frutas, vegetais frescos, flores e carnes.
O programa de certificação é baseado em critérios objetivos, os quais
podem ser resumidos nas seguintes exigências:
• estabelecimento de uma gestão ambiental que garanta a
minimização dos impactos ambientais, incluindo o aproveitamento
racional dos recursos naturais;
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• garantia do uso e manuseio adequados de defensivos agrícolas;
• estabelecimento de uma gestão ocupacional, visando redução e
controle dos perigos e riscos aos quais os trabalhadores rurais estão
sujeitos;
• estabelecimento de uma gestão de qualidade do processo produtivo,
garantindo a segurança dos alimentos produzidos.
Os objetivos do EUREPGAP são, dessa forma, reduzir os riscos,
assegurar a qualidade e inocuidade dos alimentos na produção primária,
enfocando também a implementação das melhores práticas para uma produção
sustentável. Nesse contexto, insere-se ainda o protocolo EUREPGAP IFA
(Integrated Farm Assurance), que descreve alguns requisitos essenciais para
atender os padrões globais de segurança alimentar. Devem se destacar a HACCP
(Hazard Analysis and Critical Control Points) e outros aspectos importantes que
englobam as normas da EUREPGAP.
A HACCP (Hazard Analysis and Critical Control Points) ou "Análise de
Perigos e Pontos Críticos de Controle" (APPCC) é um sistema que visa identificar
e analisar os perigos associados à produção de alimentos e definir maneiras de
controlá-los.
O sistema de análise de perigos e pontos críticos de controle é um método embasado na aplicação de princípios técnicos e científicos de prevenção, que tem por finalidade garantir a inocuidade dos processos de produção, manipulação, transporte, distribuição e consumo dos alimentos. Esse conceito cobre todos os fatores que possam afetar a segurança do alimento (ATHAYDE, 1999).
Os aspectos que englobam as normas da EUREPGAP IFA são: a)
rastreabilidade, assegurando o acompanhamento total de toda cadeia alimentícia;
b) técnicas de produção, com o objetivo do uso controlado de agrotóxicos, para
minimizar o impacto dos resíduos nos alimentos, nos seres humanos e no meio
ambiente; c) conservação do meio ambiente; d) aspectos higiênicos, para evitar
as contaminações químicas, físicas e biológicas, assegurando a inocuidade dos
alimentos; e) aspectos sociais, enfocando um ambiente de trabalho adequado às
necessidades trabalhistas e sanitárias dos trabalhadores envolvidos na cadeia.
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As normas EUREPGAP atendem ainda às necessidades dos
consumidores, atualmente muito exigentes, com maior requerimento de alimentos
seguros, conhecimento da origem desses alimentos e produtos com qualidade
sanitária garantidas. Em resumo, esse sistema de certificação envolve a
segurança do alimento, a saúde e o bem-estar dos trabalhadores, além da
conservação do meio ambiente.
O processo de certificação do programa EUREPGAP, consolida-se
através da auditoria e certificação independentes realizadas por entidades
credenciadas ao EUREP (Food Plus). Algumas empresas credenciadas pela
EUREPGAP no Brasil são: Skal International do Brasil, Instituto Gênesis, Brasil
Certificação, OIA Brasil, Certificadora Qualidade Brasil, entre outras.
No Brasil, o conceito de boas práticas destaca-se em setores como a
fruticultura, pela Produção Integrada de Frutas (PIF) e, na pecuária, através das
Boas Práticas Agropecuárias em Bovinos de Corte da Embrapa.
A organização Internacional para Controle Biológico e Integrado contra os Animais e Plantas Nocivas (OILB) define a Produção Integrada como “o sistema de produção que gera alimentos e demais produtos de alta qualidade, mediante a aplicação de recursos naturais e regulação de mecanismos para substituição de insumos poluentes e a garantia da sustentabilidade da produção agrícola; enfatiza o enfoque do sistema holístico, envolvendo a totalidade ambiental como unidade básica; o papel central do agro-ecossistema; o equilíbrio do ciclo de nutrientes; a preservação e o desenvolvimento da fertilidade do solo e a diversidade ambiental como componentes essenciais; e métodos e técnicas biológico e químico cuidadosamente equilibrados, levando-se em conta a proteção ambiental, o retorno econômico e os requisitos sociais” (MAPA, 2002).
As diretrizes gerais para Produção Integrada de Frutas (PIF) estão
adequadas e harmonizadas aos preceitos legais e normativos definidos pelo
Ministério da Agricultura. As normas gerais contemplam algumas áreas temáticas,
como capacitação de recursos humanos, organização de produtores, recursos
naturais, material propagativo, implantação de pomares, nutrição de plantas,
manejo e conservação do solo, recursos hídricos e irrigação, manejo da parte
aérea, proteção integrada da planta, colheita e pós-colheita, análise de resíduos,
processo de empacotadoras, sistema de rastreabilidade e assistência técnica.
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Na pecuária, a Embrapa elaborou seu primeiro manual de “Boas Práticas
Agropecuárias Bovinos de Corte” em fevereiro de 2005. Participaram, na
elaboração desse manual, diversas entidades ligadas à cadeia da carne bovina,
com o objetivo de informar e conscientizar os produtores rurais sobre as novas
demandas de mercado.
O manual “Embrapa Gado de Corte” contempla atividades relacionadas à
gestão econômica e financeira, função social do imóvel rural, responsabilidade
social, gestão ambiental, instalações rurais, manejo pré-abate e bons tratos na
produção animal, formação e manejo de pastagens, suplementação alimentar,
identificação animal e rastreamento, controle sanitário e manejo reprodutivo
(EMBRAPA, 2004).
Com relação às boas práticas agrícolas para o cultivo da soja, a
ProForest (2004), uma organização independente, desenvolveu os Critérios Basel
de Produção Responsável de Soja. Esses critérios, porém, não focalizam os
aspectos de gestão da propriedade rural, mas, sim, uma preocupação mundial
com relação aos potenciais impactos sociais e ambientais negativos que a
produção desorganizada de soja pode causar.
2.2 A cultura da soja
No Brasil, a soja chegou via Estados Unidos, em 1882, e foi a Escola de
Agronomia da Bahia que realizou os primeiros estudos de avaliação de cultivares.
A Embrapa tem o primeiro registro de cultivo de soja no Brasil, datada de 1914,
no município de Santa Rosa, RS.
Segundo a EMBRAPA (2002), foi a partir dos anos de 1940 que a soja
adquiriu alguma importância econômica, merecendo o primeiro registro estatístico
nacional em 1941, no Anuário Agrícola do RS: área cultivada de 640 hectares,
produção de 450 toneladas e rendimento de 700 kg/ha. Nesse mesmo ano,
instalou-se a primeira indústria processadora de soja do País (Santa Rosa, RS) e,
em 1949, com produção de 25.000 toneladas, o Brasil figurou, pela primeira vez,
como produtor de soja nas estatísticas internacionais.
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2.2.1 Expansão da soja
Vários fatores foram responsáveis pelo estabelecimento da soja como
cultura importante no Brasil. Começando pelo Sul e posteriormente expandindo-
se para os Cerrados, cabe destacar (EMBRAPA, 2002):
Região Sul:
• semelhança do ecossistema do Sul do Brasil com o predominante no
Sul dos EUA; incentivos fiscais para os produtores de trigo, nos anos
1950, 1960 e 1970, que beneficiaram também a cultura da soja;
• mercado internacional em alta, em meados dos anos de 1970,
devido à frustração da safra de grãos na Rússia e na China, assim como
da pesca de anchova no Peru, cuja farinha era utilizada como
componente protéico na fabricação de rações para animais, sendo que os
fabricantes do produto passaram a utilizar o farelo de soja;
• substituição das gorduras animais por óleos vegetais;
• estabelecimento de um importante parque industrial de
processamento de soja, de máquinas e insumos agrícolas, em
contrapartida aos incentivos fiscais do governo, disponibilizados tanto
para o incremento da produção como para o estabelecimento de
agroindústrias;
• facilidades de mecanização total da cultura;
• surgimento de um sistema cooperativista dinâmico e eficiente na
Região Sul, que apoiou fortemente a produção, a industrialização e
comercialização das safras;
• estabelecimento de uma articulada rede de pesquisa da soja;
• melhorias nos sistemas viário, portuário e de comunicações,
facilitando e agilizando o transporte e as exportações.
Brasil Central:
• construção de Brasília na região, determinando melhorias na infra-
estrutura regional, como vias de acesso, comunicação e urbanização;
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• incentivos fiscais para a abertura de novas áreas de produção
agrícola, assim como para a aquisição de máquinas e a construção de
silos e armazéns;
• estabelecimento de agroindústrias na região, estimuladas pelos
mesmos incentivos fiscais disponibilizados para a ampliação da fronteira
agrícola;
• baixo valor da terra na região, nas décadas de 1960, 1970 e 1980;
• desenvolvimento de um bem sucedido conjunto de tecnologias para
a produção da soja em condições de baixas latitudes, com destaque para
as novas cultivares adaptadas a essas condições;
• topografia altamente favorável à mecanização, proporcionando o uso
de máquinas e equipamentos de grande porte, gerando economia de
mão-de-obra e maior rendimento nas operações de preparo do solo,
tratos culturais e colheita;
• boas condições físicas dos solos da região, facilitando as operações
de maquinaria agrícola e compensando parcialmente as desfavoráveis
características químicas desses solos;
• melhorias no sistema de transporte da produção regional, com o
estabelecimento de corredores de exportação, utilizando articuladamente
rodovias, ferrovias e hidrovias;
• bom nível econômico e tecnológico dos produtores de soja da
região, oriundos, em sua maioria, da Região Sul, onde cultivavam soja
com sucesso previamente à sua fixação na região tropical;
• regime pluviométrico da região altamente favorável aos cultivos de
verão, em contraste com os veranicos ocorrentes com freqüência na
Região Sul, destacadamente no Rio Grande do Sul.
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2.2.2 Cenário futuro da soja
Segundo a ABIOVE (2005), o consumo de produtos oleaginosos é
determinado por variáveis como crescimento populacional, desenvolvimento
econômico, consumo per capita, hábitos alimentares, segurança alimentar/saúde,
preços relativos, distribuição e novos usos. Conquanto devam ser olhadas com
cuidado por se tratarem de projeções, a ABIOVE (2005) apresenta as seguintes
tendências (favoráveis para a soja) para algumas dessas variáveis:
• a população mundial crescerá em torno de 17% nos próximos 15
anos, aumentando, segundo as Nações Unidas, em mais de um bilhão de
habitantes;
• os países em desenvolvimento terão um peso cada vez maior na
população mundial;
• a produção de carne apresentará aumento significativo, para atender
a demanda crescente; haverá redução gradual nas barreiras
internacionais de comércio e participação crescente de animais
monogástricos em relação aos ruminantes; os sistemas de pastagens
serão gradualmente substituídos pela produção industrial de carnes
(intensiva e especializada), com substituição de ingredientes animais por
vegetais nas rações; haverá ainda um aumento da participação da
aqüicultura no total da produção da pesca; os controles sanitários serão
aprimorados devido à produção industrial em larga escala, em que a
maior densidade e concentração geográfica poderão aumentar o risco de
proliferação de doenças;
• o biodiesel deverá se tornar mais competitivo ao longo dos próximos
anos, em conseqüência da tendência no aumento do preço do petróleo e
do surgimento de novos usos para esta fonte energética;
• quanto à tecnologia da soja, em 2020 surgirão aprimoramentos
genéticos tradicionais e baseados na biotecnologia, aumentando-se a
produtividade com sustentabilidade; o produto aumentará seu valor
agregado, pelo aprimoramento dos aspectos nutricionais: maior teor de
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ácido oléico (menor necessidade por hidrogenação), menor teor de ácido
linoléico, desativação da proteína P34 que causa alergias, aumento do
tocoferol, maior disponibilidade de cálcio e fósforo, propriedades
terapêuticas aprimoradas (fitoesterois e isoflavonas). Prevê-se ainda
aumento do teor de óleo e proteína e redução no uso de insumos.
Deve-se destacar, também, que a produção da soja no Brasil se
concentra cada vez mais nas grandes propriedades da Região Centro-Oeste, em
oposição às pequenas e médias propriedades da Região Sul, cujos proprietários,
por falta de competitividade na produção de grãos, têm migrado para atividades
agrícolas mais rentáveis, devido ao intensivo uso de mão-de-obra, geralmente
abundantes em propriedades familiares onde o recurso escasso é a terra. O Brasil
possui, apenas no ecossistema dos Cerrados, cerca de 90 milhões de hectares
de terras ainda virgens e aptas para a sua imediata incorporação ao processo
produtivo da soja, além do grande potencial para integração com a pecuária.
(EMBRAPA, 2005).
Contrapondo essa afirmativa da Embrapa, o Paraná apresenta-se como
segundo maior produtor de soja, mesmo tendo uma estrutura fundiária que
concentra, principalmente, pequenos e médios produtores. Para superar a falta de
competitividade, o governo do Estado tem estimulado a formação de associações
que objetivam apoiar os pequenos produtores na aquisição de máquinas e
implementos e na compra de insumos, além de conceder outros benefícios que
visam manter esses produtores na atividade da soja.
2.2.3 Comercialização da soja
Segundo Marques e Mello (1999), para que o empresário agrícola consiga
obter sucesso na comercialização de seus produtos, é necessário que conheça os
fundamentos do mercado. Esses são definidos pela estrutura e funcionamento
das cadeias produtivas, incluindo suas relações contratuais, pelos determinantes
da oferta e da demanda dos produtos e de seus substitutos, bem como pelos
demais elementos do mercado que influenciam o comportamento dos preços.
Essas forças dão origem a meios diferentes de formação e transmissão de preços
20
dos produtos agropecuários e, juntamente com o acompanhamento dos preços
dos mercados futuros, fornecem as ferramentas básicas para operar nos
mercados agropecuários.
Entre o período de plantio e a venda efetiva do produto, há geralmente um considerável risco de preços, o que ocorre notadamente com produtos agrícolas, devido aos vários fatores que afetam adversamente a produção. As flutuações dos preços da soja (volatilidade) trazem anualmente sérias preocupações aos produtores, devido à incerteza quanto a um justo retorno pelos seus esforços. A variabilidade dos preços desse produto, que absorve substancial parcela do crédito rural, gera intranqüilidade também para os agentes financeiros devido à incerteza de que o produtor obtenha receita suficiente para saldar seus compromissos bancários, caso ele não comercialize seu produto na hora certa. Isto gera, em conseqüência, maior número de inadimplências. Mesmo com a presença desta aleatoriedade nos preços da soja, é possível detectar um conjunto de estratégias (portfólios) ou maneiras de comercializar esse produto, que possibilite uma sensível redução de risco de mercado, sem afetar o nível de renda da empresa agrícola. Devido a este problema de flutuações de preços (risco de mercado), é de interesse dos produtores, cooperativas, bancos e firmas ligadas ao setor, avaliar as alternativas disponíveis para a comercialização de um produto (soja), porque uma eficiente seleção de opções de comercialização garantirá mais facilmente ao produtor uma receita maior e mais estável (MENDES e PADILHA, 2005).
Por ser uma commodity, a soja apresenta alternativas de comercialização
no mercado disponível (físico) e no mercado a termo (futuro). A comercialização
no mercado disponível é realizada diretamente com os compradores de soja
(cooperativas, agroindústrias, etc.), podendo ser efetuada no momento da colheita
ou posteriormente, no caso do produtor deixar a soja armazenada.
O mercado a termo apresenta grande flexibilidade e pode acomodar o interesse das partes. Por este motivo, os exemplos desse tipo de mecanismo são muito variados, contemplando preços preestabelecidos ou preços variáveis, pagamento antecipado ou no momento da entrega do produto, entre outras alternativas. Há, no entanto, alguns tipos de contratos a termo que ganharam notoriedade no sistema agroindustrial brasileiro, particularmente a partir da década de 1980, com a redução dos recursos direcionados ao crédito agrícola. Entre estes, o mais relevante foi denominado “soja verde”, compreendendo a compra antecipada da soja pela agroindústria, cooperativa ou corretores. Trata-se, portanto, de um contrato de entrega futura de um produto ainda em processo de produção. O contrato de “soja verde” apresenta um conjunto de vantagens ao produtor e à agroindústria, que explicam sua adoção em elevada escala no Brasil, principalmente no período de escassez de crédito. Por ser
21
um pagamento antecipado, esse mecanismo de comercialização não somente permite a transferência física do produto do agricultor para a agroindústria, mas também permite que o primeiro obtenha recursos para o financiamento da produção (BATALHA, 2001).
O mercado de futuros é outra opção de comercialização da soja. Segundo
Batalha (2001), nesse mercado as transações são padronizadas e simplificadas,
não permitindo a inclusão de idiossincrasias, mesmo que o comprador e vendedor
assim o desejem. Os contratos futuros especificam apenas o período para
entrega, o lugar e objeto transacionado. Além disso, esses três elementos são
especificados de modo limitado. O período de entrega obedece ao cronograma
padrão das instituições responsáveis pela comercialização, não podendo as
partes escolher um dia qualquer do seu interesse. Do mesmo modo, o local de
entrega deve ser escolhido dentro das poucas opções oferecidas pelo mercado.
Somente as commodities são objeto de contratos de futuros, sendo a quantidade
comercializada necessariamente um múltiplo inteiro de um lote padrão.
Considerando o risco da comercialização no mercado futuro, Batalha
(2001) apresenta o Hedging como um mecanismo contra o risco. Segundo o
autor, trata-se de uma estratégia de redução do risco, por meio do mercado de
futuros, que consiste na realização da operação que exatamente neutraliza a
especulação implícita a um negócio qualquer. Essa operação normalmente
resume-se à compra ou venda de um contrato de futuros, de valor semelhante ao
valor desse dado negócio, de tal modo que uma eventual perda, devida a
flutuações nos preços, seja compensada por um ganho no mercado de futuros,
devido a essas mesmas flutuações de preços. Por outro lado, no caso da variação
de preços implicar um ganho no negócio do investidor, o mercado de futuros
resultará em uma perda que anule esses ganhos. O benefício dessa operação,
portanto, é apenas a redução do risco e não a elevação do lucro esperado.
2.3 Administração
Segundo Stoner (1995), uma organização é representada por duas ou
mais pessoas trabalhando juntas e de modo estruturado para alcançar um
22
objetivo específico ou um conjunto de objetivos. Para tanto, é necessária uma
administração eficaz, caso contrário, é possível que a organização fracasse. A
administração é definida pelo mesmo autor como o processo de planejar,
organizar, liderar e controlar o trabalho dos membros da organização, e de usar
todos os recursos disponíveis para alcançar os objetivos estabelecidos.
Drucker (1978), considerado um dos ícones da Administração, afirmava
que não existem países desenvolvidos ou subdesenvolvidos, mas, sim, países
que sabem ou não administrar a tecnologia e os recursos disponíveis e
potenciais. Em outros termos, existem países administrados e países
subadministrados. O mesmo ocorre com as empresas.
2.4 A empresa rural
Ao abordar o conceito de empresa rural, grande parte dos autores o
descrevem de forma superficial. Os trabalhos existentes nessa área estão mais
focados nos aspectos da gestão financeira.
Segundo Scaff (1997), juridicamente a empresa rural é um instituto
fundamental do direito agrário que busca, dentro de suas especificidades,
entender e interpretar todos os aspectos de valoração deste instituto, deixando de
lado a ótica meramente fundiária do imóvel rural, e sendo visto como empresa
que exerce uma atividade produtiva, organizada e profissional. Com relação às
particularidades da empresa agrária, o autor discorre sobre a natureza das
atividades desenvolvidas. Basicamente, essas consistem no cultivo de vegetais e
na criação de animais, como também na conexão dessas com outras atividades;
na ocorrência do ciclo biológico, subordinado ao homem; na ampla consideração
quanto à economicidade do processo produtivo realizado; e na natureza dos bens
que compõem o estabelecimento, com especial atenção, ao fundo rústico.
Marion (2002) afirma que empresas rurais são aquelas que exploram a
capacidade produtiva do solo por meio do cultivo da terra, da criação de animais e
da transformação de determinados produtos agrícolas. Para Crepaldi (1998),
empresa rural é a unidade de produção em que são exercidas atividades que
dizem respeito a culturas agrícolas, criação do gado ou culturas florestais, com a
23
finalidade de obtenção de renda. Ambos os conceitos de empresa rural abordam
a exploração da terra e a criação dos animais como fonte de renda, classificando
as atividades rurais em três grupos distintos:
1) Produção Vegetal - Atividade Agrícola;
2) Produção Animal - Atividade Zootécnica;
3) Indústrias Rurais - Atividade Agroindustrial.
A Receita Federal, em sua Instrução Normativa SRF nº. 83, de 11 de
outubro de 2001 (artigo 2º) considera, como atividade rural: a) a agricultura; b) a
pecuária; c) a extração e a exploração vegetal e animal; d) a exploração de
atividades zootécnicas, tais como apicultura, avicultura, cunicultura, suinocultura,
sericicultura, piscicultura e outras culturas animais; e) a atividade de captura de
pescado in natura, desde que a exploração se faça com apetrechos semelhantes
aos da pesca artesanal (arrastões de praia, rede de cerca entre outros), inclusive
a exploração em regime de parceria; f) a transformação de produtos decorrentes
da atividade rural, sem que sejam alteradas as características do produto in
natura, feita pelo próprio agricultor ou criador, com equipamentos e utensílios
usualmente empregados nas atividades rurais, utilizando-se exclusivamente de
matéria-prima produzida na área rural explorada.
O Estatuto da Terra, em seu 4º Artigo, parágrafo VI, assim define
empresa rural:
“Empresa Rural” é o empreendimento de pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que explore econômica e racionalmente imóvel rural, dentro de condição de rendimento econômico da região em que se situe e que explore área mínima agricultável do imóvel segundo padrões fixados, pública e previamente, pelo Poder Executivo. Para esse fim, equiparam-se às áreas cultivadas, as pastagens, as matas naturais e artificiais e as áreas ocupadas com benfeitorias (BRASIL, Lei Nº 4.504, de 30 de novembro de 1964).
É importante observar, no Estatuto da Terra, o Artigo 2º que trata da
função social da empresa rural:
Art. 2° É assegurada a todos, oportunidade de acesso à propriedade da terra, condicionada pela sua função social, na forma prevista nesta Lei.
24
§ 1° A propriedade da terra desempenha integralmente a sua função social quando, simultaneamente:
a) favorece o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores que nela labutam, assim como de suas famílias;
b) mantém níveis satisfatórios de produtividade;
c) assegura a conservação dos recursos naturais;
d) observa as disposições legais que regulam as justas relações de trabalho entre os que a possuem e a cultivem (BRASIL, Lei Nº 4.504, de 30 de novembro de 1964).
2.5 Administração rural
Na visão de Oliveira (1976), para que se consiga bom êxito na exploração
agrícola, a pessoa a quem está afeta sua gerência deve conhecer e aplicar os
princípios administrativos, da mesma forma como em qualquer outra espécie de
indústria. Segundo Costa Júnior (1936), todas as pessoas que dirigem uma ou
mais explorações agrícolas e, portanto, todos os produtores, são administradores
agrícolas; porém, nem todos são bons administradores, por falta de
conhecimentos necessários da ciência administrativa.
Conforme Lima et al. (2005), no Brasil o desenvolvimento teórico e prático
da administração rural vem se dando com base em duas abordagens. De um
lado, enquanto ramo da economia rural e, de outro, sob a égide do arcabouço
teórico da ciência administrativa.
A primeira abordagem é representada basicamente pela obra de
Hoffmann et al. (1978), onde a administração rural é definida como um ramo da
economia rural que estuda a organização e administração de uma empresa
agrícola, visando ao uso mais eficiente dos recursos para obter resultados mais
compensadores e contínuos. Lima et al. (2005) afirmam que essa abordagem
permanece vinculada à perspectiva inicial, restringindo a prática e os problemas
de estudos administrativos a uma análise estritamente econômica. Esses autores
observam pouca preocupação com o processo que torna possível o uso mais
eficiente dos recursos, ou seja, com a ação administrativa propriamente dita.
Apesar dessa observação, para esses mesmos autores trata-se de uma
abordagem extremamente importante e indispensável, porém insuficiente no
25
tratamento das diferentes dimensões da problemática administrativa nas
organizações rurais.
A segunda abordagem encontra-se referenciada na obra de Souza et al.
(1989), com a definição de administração rural:
“A administração rural é o ramo da ciência administrativa que se preocupa com a análise dos aspectos inerentes à empresa rural e suas inter-relações com o meio ambiente. É um enfoque que aplica às empresas rurais os conceitos administrativos concebidos nas empresas industriais e comerciais. Com isso, busca contemplar os diferentes elementos do processo administrativo, todas as áreas e os níveis hierárquicos da empresa e seu relacionamento com o meio ambiente.”
Para Lima et al. (2005), o enfoque que aplica às empresas rurais os
conceitos administrativos concebidos nas empresas industriais e comerciais
representa também um ponto de referência sumamente importante para o estudo
e a prática em administração rural, principalmente porque supera a perspectiva
economicista e setorial da atividade administrativa nas empresas rurais, ao
abordá-la de forma mais completa. É, no entanto, uma referência mais recente
que ainda carece de aprofundamento, especialmente no que concerne à sua
aplicabilidade em face das particularidades das organizações rurais e da
diferenciação socioeconômica existente entre elas.
Um estudo da FUNDAP (1978) evidencia esse aspecto, ao reconhecer
que as particularidades impostas pela natureza ao processo de produção na
agricultura condicionam a atividade administrativa nas organizações rurais,
conferindo-lhes outras características. Isso confirma a necessidade de adaptação
ao meio rural, dos princípios e métodos administrativos concebidos nas atividades
industriais e comerciais, bem como do emprego de uma abordagem sistêmica no
exame dos problemas práticos e científicos na área de administração rural.
Apesar de constituírem-se nas principais referências nessa área de
conhecimento, Lima et al. (2005) observam que ambas as abordagens deixam de
contemplar, em suas formulações, as especificidades da atividade administrativa
resultantes da diferenciação social e econômica que ocorre entre as organizações
rurais. Para os autores, esse ponto tem se constituído no divisor de águas nas
atuais discussões sobre a produção de conhecimentos e a prática em
26
administração rural, principalmente quando se trata da administração das
unidades de produção.
Ao falar em administração das unidades de produção, Lima et al. (2005)
distinguem dois entendimentos. A concepção dominante parte do pressuposto de
que as unidades de produção na agricultura são indistintamente explorações
econômicas capitalistas, denominadas de empresas rurais, e que os princípios
econômicos e administrativos são universais. O resultado disso é assinalado por
Alencar e Moura Filho (1988), que consideram os produtores rurais como uma
categoria social e econômica homogênea, que orientam a produção segundo os
mesmos padrões de racionalidade empresarial, possuem objetivos comuns,
problemas semelhantes e oportunidades idênticas.
Ávila et al. (2002), mencionam que a gerência da produção agrícola é
diferenciada dos demais setores da economia. O equilíbrio entre a oferta e a
demanda da produção numa situação de queda de preços não é retomado
simplesmente por uma decisão gerencial. Ocorre que o planejamento da
produção normalmente é realizado com meses e até anos de antecedência em
relação à entrega dos produtos e, nesse período, as condições de mercado
podem se modificar, diminuindo a precisão entre objetivos traçados e a produção
a ser atingida.
O setor rural deverá, então, se voltar cada vez mais para o consumidor,
rompendo a tradição de unicamente produzir. Para isso, torna-se necessário que
o produtor rural conheça os caminhos que seu produto percorre como matéria-
prima e como produto derivado do processamento. Essa visão de dentro para fora
da porteira da fazenda é decisiva, segundo Nantes et al. (1995), ou seja, é preciso
que o produtor rural conheça os impactos dos setores de distribuição e
comercialização (e também a evolução tecnológica) dos produtos com que
trabalha. Ainda segundo estes autores, a gestão do empreendimento rural, que
compreende coleta de dados, geração de informações, tomada de decisão e
ações decorrentes, é insuficientemente tratada na literatura.
Complementando a idéia citada anteriormente, Lima et al. (2005) afirmam
a necessidade dos produtores possuírem uma visão empresarial dos seus
negócios. Somente com essa visão, os produtores poderão tornar-se mais
eficientes e competitivos. Como a maioria dos produtores não possui essa
27
conduta, cabe aos técnicos prestar-lhes assistência para que consigam aumentar
a produtividade, racionalizando custos e maximizando lucros.
O crescente interesse pela administração rural deve-se às transformações que vêm ocorrendo nas condições de produzir na agricultura, nos últimos anos. Para os agricultores, essas transformações significam a necessidade de adaptação ou reconversão dos seus sistemas de produção. Para as instituições e os técnicos, isso representa a necessidade de redefinição de suas estratégias e métodos de atuação, para dar conta da nova problemática vivenciada pelos agricultores. Nesse contexto, a administração rural vem constituindo-se em uma modalidade alternativa de trabalho para os técnicos e instituições (LIMA et al., 2005).
Ao apresentar uma abordagem mais abrangente de administração rural,
Souza e Andrade (1986) citam outras áreas empresariais, como finanças,
comercialização, marketing, recursos humanos e as inter-relações entre unidade
de produção agrícola e ambiente. Essa abordagem, que vai além da área de
produção e das funções de planejamento, organização, direção e controle,
permite uma análise mais detalhada da renda da propriedade rural.
Segundo Vale (2001), a análise da renda consiste na determinação dos
indicadores de resultados econômicos. Tais indicadores permitem o
conhecimento do grau de eficiência da empresa agrícola e fornecem subsídios
para que o agricultor identifique os fatores que, direta e indiretamente, influenciam
o desempenho dos negócios.
Lacki (2005) escreve que as principais causas que levam à baixa
rentabilidade da empresa agrícola são as ineficiências tecnológicas, gerenciais e
organizacionais. Afirma ainda que a empresa agrícola somente será rentável se
as distorções provocadas pela falta de conhecimentos forem eliminadas. Para
tanto, o autor sugere o acesso das famílias rurais às tecnologias e à capacitação,
para que possam melhorar a qualidade dos produtos colhidos, minimizar custos
unitários de produção, diminuir perdas durante a comercialização, agregar valor
ao produto e assim aumentar a receita obtida na venda da produção.
A seguir, apresentam-se alguns aspectos da gestão rural que merecem
destaque.
28
2.5.1 Aspectos econômicos e financeiros
Crepaldi (1998) aponta a contabilidade como um dos principais sistemas
de controle para as empresas rurais. Através de seus instrumentos, pode-se
verificar a situação da empresa sob os mais diversos enfoques, como análises de
estrutura, de evolução, de solvência, de garantia de capitais próprios e de
terceiros, retorno de investimentos, entre outros. Para tanto, é necessário elaborar
informações contábeis que permitam ao empresário rural conhecer melhor sua
propriedade e as atividades por ele desenvolvidas, destacando-se pontos como:
a) descrição das atividades produtivas desenvolvidas; b) planejamento e controle
das atividades exploradas; c) cálculo de receitas e despesas, evidenciadas para
avaliar o desempenho do negócio; d) análise do potencial de crescimento da
propriedade e das atividades rurais; e) avaliação do retorno dos investimentos e,
principalmente, cálculo do custo de produção.
A separação das atividades produtivas é fundamental para compreender
o resultado econômico da empresa rural. Quando existe mais de uma atividade
produtiva, é importante verificar os resultados econômicos independentes, porque
muitas vezes uma atividade pode estar dando lucro e a outra atividade prejuízo.
Sem a separação das atividades, a análise final do desempenho econômico pode
ficar comprometida, porque uma atividade pode mascarar o resultado da outra.
A análise da renda, isto é, a determinação dos índices de resultado econômico, pode ser feita tanto para a empresa como um todo como para as explorações individuais. No primeiro caso, esses índices, se comparados como o de outras empresas da região ou de regiões diferentes, permitem obter indicações úteis sobre as relações entre as formas de administração e montante dos recursos empregados, e os resultados obtidos. Todavia, para se conhecer com detalhes a estrutura produtiva da empresa e realizar as alterações necessárias ao aumento de sua eficiência, torna-se necessário fazer também a análise de suas explorações: tanto a análise financeira como o cálculo de índices físicos de eficiência no uso dos recursos produtivos (HOFFMANN et al., 1978).
Reconhecendo a importância dos registros para o controle financeiro,
alguns autores destacam que o sistema de registros deve ser escolhido de acordo
com as características da empresa, devendo ser o mais simples possível.
29
O tipo e a amplitude dos registros dependerão do tamanho e da organização da empresa, do nível de educação e interesse do agricultor e da disponibilidade de assistência de contadores ou instituições oficiais. Para satisfazer as exigências usuais de administração os registros devem proporcionar pelo menos todas as informações necessárias para cálculo do lucro da empresa, como dados sobre quantidade e valor dos ativos existentes, as modificações de inventário, as fontes e os montantes das entradas e saídas, em dinheiro ou em espécie etc. (HOFFMAN et al., 1978).
Com relação às vantagens que os registros agrícolas oferecem ao
empresário agrícola destacam-se o inventário dos bens existentes na
propriedade, as transações efetuadas durante o ano agrícola, a determinação das
rendas e remunerações, as informações sobre custos de produção e demais
informações básicas para o processo de tomada de decisões.
2.5.2 Aspectos de informação e conhecimento
Na visão de Fráguas (2003), a gestão da informação e do conhecimento
nas propriedades rurais é o ato de compreender as propriedades características
dos processos agropecuários, a fim de aplicá-los na condução das atividades da
empresa rural. Ainda, segundo Fráguas, fazem parte do conhecimento as
técnicas, informações, experiência, intuição e prática que o empresário rural deve
possuir para exercer suas atividades.
A terra como fator de produção é uma das características peculiares dos
estabelecimentos agrícolas. Segundo Hoffman et al. (1978), ela é o meio em que
se desenvolve o processo biológico de crescimento e, por isso, são importantes
as qualidades da terra associadas a esse processo.
Assim, é fundamental que o produtor conheça sua propriedade por inteiro.
Qualquer que seja a atividade rural a ser desenvolvida deve estar em
conformidade com as características que viabilizem e potencializem o seu
desenvolvimento. Conhecer a propriedade por inteiro significa ser capaz de
responder:
• quais são os limites da propriedade e as construções existentes?
30
• quais são as classes de solos, tipologias florestais, nascentes e
áreas degradadas existentes?
• como é a topografia da propriedade?
• quais são os diferentes tipos de uso da terra que podem contribuir
para atividades futuras?
• qual é o nível de produtividade das terras (em função das análises
de solo)?
Para identificar as características da área existem alguns trabalhos específicos. O levantamento topográfico, por exemplo, permite uma caracterização da distribuição das áreas dentro do imóvel e da materialização dos seus limites. Esse trabalho normalmente é feito por engenheiros agrimensores, topógrafos e outros profissionais da área de engenharia. A partir do levantamento topográfico é possível construir um mapa planialtimétrico que permite visualizar as curvas de nível obtidas a partir das diferenças de nível no terreno levantado. Isso é uma ferramenta importante porque ajuda na construção de curvas de nível no momento de preparação do solo para o plantio. Esse trabalho de levantamento topográfico, quando realizado em propriedades com mais de 300 hectares, deve ser feito através de um levantamento aerofotográfico. Neste caso deve ser feito por uma equipe especializada que utiliza um avião que executa linhas de vôo, onde são produzidas várias fotos em cada linha, fotografando toda a propriedade (LANI et al., 2004).
Percebe-se que o produtor rural, tem a necessidade de conhecer sua
propriedade de forma integral. É importante identificar quais são os potenciais e
restrições da propriedade antes de definir qualquer estratégia de trabalho.
2.5.3 Aspectos da produção
Uma boa produção vem acompanhada da seleção e da combinação de
atividades produtivas a serem exploradas. Segundo Aidar (1995), a melhor
combinação é aquela que utiliza de modo mais intenso todos os fatores de
produção existentes na empresa e permite sua boa conservação. Um conjunto de
práticas e procedimentos deve ser adotado em todas as etapas do processo
produtivo para obter a qualidade pretendida do produto. Nesse sentido, princípios
31
de qualidade, tais como higiene e limpeza, organização e boas práticas de
produção devem ser adotados.
Se os recursos naturais disponíveis permitem um bom índice de
produtividade, é possível seguir adiante no processo produtivo. O planejamento
da produção é o primeiro fator a ser considerado depois das observâncias com
relação às características dos recursos disponíveis.
Ao propor o desenvolvimento de planejamento para o empreendimento rural em moldes empresariais, deve-se considerar que, nesse tipo de sistema de produção, além de haver um número muito mais significativo de variáveis aleatórias, há ainda menos informações prontamente disponíveis e que nem sempre espelham de fato a realidade (BATALHA, 2001).
Batalha (2001) afirma ainda que em qualquer empreendimento rural, a
primeira questão que se coloca é qual ou quais serão os produtos a serem
produzidos e em quais quantidades, tendo em vista os recursos disponíveis e o
retorno desejado. Obviamente que, para uma empresa rural, o objetivo final é o
lucro, portanto, a quantidade a ser produzida deve estar vinculada à área
disponível e à demanda ou as restrições de mercado. Isso quer dizer que, se não
houver qualquer problema com a área disponível e nenhuma restrição financeira
ou de mercado, recomenda-se a utilização da área total disponível para plantio.
O correto manejo do solo é fundamental para uma boa produção.
Segundo a Embrapa (2007), o manejo do solo consiste num conjunto de
operações realizadas com o objetivo de propiciar combinações favoráveis à
semeadura, ao desenvolvimento e à produção das plantas cultivadas, por tempo
ilimitado. Para que esses objetivos sejam atingidos, é imprescindível a adoção de
diversas práticas, dando-se prioridade ao uso do Sistema de Plantio Direto (SPD),
haja vista que este envolve simultaneamente todas as boas práticas
conservacionistas.
Em algumas regiões do Brasil, o sistema de preparo do solo para a soja ainda se constitui do uso continuado de grades de discos, com várias operações anuais. Como resultado, ocorre degradação de sua estrutura, com formação de camadas compactadas, encrostamento superficial e perdas por erosão. O SPD pode ser a melhor opção para diminuir a maioria dos problemas antes apontados. O uso contínuo das tecnologias que compõem o sistema proporciona efeitos significativos na conservação e na melhoria do solo, da água, no aproveitamento dos recursos e
32
insumos como os fertilizantes, na redução dos custos de produção, na estabilidade de produção e nas condições de vida do produtor rural e da sociedade. Para que esses benefícios aconteçam, tanto os agricultores como a assistência técnica devem estar predispostos a mudanças, conscientes de que o sistema é importante para alcançar êxito e sustentabilidade na atividade agrícola (EMBRAPA, 2007).
Considerando a existência de diversas cultivares para cada região do
país, a Embrapa informa aos técnicos e empresários do setor produtivo, os
avanços que ocorrem, a cada ano, na tecnologia varietal. Essas informações
normalmente são repassadas através de publicações.
Cultivares melhoradas, portadoras de genes capazes de expressar alta produtividade, ampla adaptação e boa resistência/tolerância a fatores bióticos ou abióticos adversos, representam usualmente uma das mais significativas contribuições à eficiência do setor produtivo. O ganho genético proporcionado pelas novas cultivares ao setor produtivo tem sido muito significativo - maior que 1% ao ano. A utilização da tecnologia RR (Roundup Ready) continua crescendo entre os produtores e também sendo o caráter de maior oferta pelas instituições de pesquisa, através das novas cultivares. Em 2005, foram registradas no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento 22 cultivares tolerantes ao glifosato. Igual número foi novamente inscrito no RNC até agosto de 2006, elevando a disponibilidade total para 85 cultivares RR (EMBRAPA, 2007).
Durante o período de desenvolvimento das plantas, as práticas de manejo
devem ser feitas seguindo as recomendações técnicas. Os produtos químicos
utilizados devem ser de procedência e oficialmente registrado para a cultura da
soja. Além disso, deve ser feito um registro dos produtos e das aplicações
realizadas, constituindo um histórico de utilização de agrotóxicos na propriedade.
Com relação à colheita, é importante que seja realizada de forma eficaz.
Segundo os critérios definidos pela EUREPGAP (2007), uma colheita eficaz
consiste em respeitar a época adequada para essa tarefa, além da correta
utilização de equipamentos apropriados.
A colheita constitui uma importante etapa no processo produtivo da soja, principalmente pelos riscos a que está sujeita a lavoura destinada ao consumo ou à produção de sementes. A colheita deve ser iniciada tão logo a soja atinja o estádio R8 (ponto de colheita), a fim de evitar perdas na qualidade do produto (EMBRAPA, 2007).
33
Medidas preventivas para redução de perdas devem ser tomadas no
período da colheita, e compreendem desde a revisão das máquinas, até o
controle do transporte e armazenagem dos grãos.
As perdas serão mínimas se forem tomados alguns cuidados relativos à velocidade adequada de operação e pequenos ajustes e regulagens desses mecanismos de corte e recolhimento, além dos mecanismos de trilha, separação e limpeza (EMBRAPA, 2007).
2.5.4 Aspectos sociais
Há uma, e apenas uma, responsabilidade social das empresas: usar seus recursos e sua energia em atividades destinadas a aumentar seus lucros, contanto que obedeçam as regras do jogo [...] e participem de uma competição aberta e livre, sem enganos e fraudes [...] (FRIEDMAN apud STONER e FREEMAN, 1995, p. 73).
A citação acima representa uma visão extremamente liberal, deixando
clara a idéia de que as empresas devem produzir bens e serviços com eficácia,
entregando a solução dos problemas sociais para os indivíduos e órgãos
governamentais competentes. Contrariando a idéia de Friedman, o Estatuto da
Terra determina algumas exigências para cumprimento de uma parte da função
social da propriedade rural. Especificamente nessa prática de gestão, observam-
se as disposições legais que regulam as justas relações de trabalho entre os que
possuem a terra e a cultivam, além do favorecimento do bem-estar dos
proprietários e trabalhadores.
Segundo Martins e Lima (1999), o processo do trabalho rural vem
apresentando alterações, tanto no aspecto técnico como nas relações entre
empregador e o trabalhador, surgindo com isto, novas definições e condutas que
deram e darão origem a discussões, conceitos e normas. A própria evolução da
humanidade busca a humanização do trabalho com o propósito do bem-estar
coletivo.
Existe um grande número de atividades na exploração agropecuária, que
vão desde a limpeza e preparo do solo para plantio, até as operações de manejo
da cultura, colheita, transporte e armazenamento. Paralelamente a essas
34
atividades, existem ainda o tratamento de sementes, a criação de animais, a
construção e manutenção de estradas, cercas, estábulos, paiol e outros, o
controle de doenças e pragas, a aplicação de corretivos e adubos, a operação de
máquinas, a eletrificação rural e as agroindústrias de beneficiamento.
O ponto de partida para uma boa gestão social é cumprir as disposições
legais que regulam as justas relações de trabalho entre empregador e
empregado. A Lei nº. 5.889, de oito de junho de 1973, estatui as normas
reguladoras do trabalho rural e define outras providências.
Algumas diretrizes importantes nos aspectos sociais estão diretamente
relacionadas à área trabalhista. São as principais, o contrato de trabalho, que é
um acordo tácito ou expresso correspondente à relação de emprego; o exame
admissional, que é uma avaliação médica para verificar se o trabalhador está em
condições físicas e psíquicas para desenvolver a atividade para a qual está sendo
contratado; a segurança e higiene no trabalho, que são regidas por normas
específicas denominadas Normas Regulamentadoras Rurais (NRR), e incluem a
obrigatoriedade de uso de equipamentos de proteção individual (EPI's); o
recolhimento de encargos relacionados à área social, como INSS, FGTS e
Contribuição Sindical.
Além das diretrizes citadas anteriormente, a legislação determina que
empresa rural deve primar em propiciar aos empregados condições de acesso à
saúde pública preventiva, facilitar o acesso das crianças à escola, proibir trabalho
escravo e infantil, disponibilizar moradia em boas condições de habitação,
verificando o dispositivo em lei no que se refere aos descontos salariais por
moradia disponibilizada.
Ainda, nos aspectos sociais, existe um critério muito importante que está
relacionado à produtividade agrícola. O Estatuto da Terra define que as
propriedades rurais devem apresentar índices satisfatórios de produção (GEE) e
utilização da terra (GUT), ficando inclusive vulneráveis à desapropriação legal na
falta de cumprimento desses índices. O GUT refere-se à utilização adequada dos
recursos naturais disponíveis e conservação do meio ambiente. O GEE refere-se
ao aproveitamento racional e adequado dos recursos. Para cumprir a função
social, a empresa rural precisa ter GUT e GEE superiores a 80% e 100%
respectivamente.
35
Para cálculo do GEE do setor agrícola, divide-se a quantidade colhida
(comprovada por notas fiscais e/ou comprovantes de depósito em armazéns
oficiais) pelo índice de produtividade da região, obtendo-se a área equivalente em
agricultura que, dividida pela área cultivada, resulta no GEE do setor agrícola,
conforme Instrução Normativa do INCRA nº. 11/2003 disposta na Tabela 1A
(Apêndice A).
Se houver integração agricultura/pecuária, o GEE total deve ser calculado
incluindo o GEE do setor pecuário. Nesse caso, divide-se a média de UA
(unidades animais) dos 12 meses do ano, pelo índice de lotação pecuária (de
acordo com a região), resultando na área equivalente em pecuária. Soma-se a
área equivalente em agricultura à área equivalente em pecuária e divide-se o
resultado pela área aproveitável, resultando o GEE total. Para cumprir a função
social, o valor do GEE total deve ser igual ou superior a 100%.
2.5.5 Aspectos ambientais
Agri cultura “... est scientia,
quae sint in quoque agro serenda ac facienda,
quo terra máximos perpetuo reddat fructus”
Varro, Rerum Rusticarum
Segundo Conway (2003), quando Marco Terêncio Varro, um proprietário
rural do primeiro século d.C. escreveu essas palavras, tinha 80 anos de idade e
havia se casado de novo recentemente. Rerum Rusticarum, um dos vários
tratados latinos sobre agricultura que sobreviveu até nossos dias, foi escrito para
sua esposa como um manual de conselhos sobre como administrar a propriedade
que havia adquirido para ela. Nessa passagem, ele definia pela primeira vez o
conceito de sustentabilidade. A agricultura, diz ele, é “uma ciência que nos ensina
que culturas devem ser plantadas em cada tipo de solo, e que operações devem
ser feitas para a terra produzir os rendimentos mais perpetuamente”.
Analisando as palavras de Varro, é possível perceber uma definição clara
e sucinta a respeito do tema agricultura sustentável. A definição mais citada a
36
respeito desse tema, foi elaborada em 1987 pela World Commission on
Environment and Development (Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento), presidida pela ex-primeira ministra da Noruega, Gro Harlem
Brundtland. Essa definição, que foi publicada no Relatório Brundtland, afirma que
desenvolvimento sustentável é aquele que atende às necessidades do presente
sem comprometer a capacidade das futuras gerações atenderem suas próprias
necessidades.
A definição de Brundtland no contexto da agricultura é valiosa como declaração política, mas é abstrata demais para agricultores, pesquisadores e especialistas em extensão rural que estão tentando projetar novos sistemas agrícolas e desenvolver novas práticas agrícolas. Para eles, é preciso uma definição que seja científica, aberta à experimentação e ao teste de hipóteses, e praticável (CONWAY, 2003).
Para Henao (1991), citado por Batalha (2001), são abundantes as
evidências empíricas a respeito dos impactos da agricultura brasileira sobre o
meio ambiente e a saúde. Apesar de um grande número de casos não se tornar
público, encontram-se documentados vários acidentes, relatórios médicos,
estudos de caso sobre áreas específicas e embargos à exportação de produtos
alimentares contaminados.
Os problemas ambientais causados por pesticidas e fertilizantes no Brasil têm sido estudados por várias organizações governamentais e não governamentais. A maioria dos estudos identifica efeitos de algum produto químico na saúde dos produtores rurais, nos alimentos e nos recursos hídricos. Casos de envenenamento e/ou intoxicação de trabalhadores, bem como contaminação de recursos naturais, apresentam freqüências que causam preocupação. Em geral, isso ocorre por causa do uso inadequado de equipamentos de proteção, estocagem de produtos em condições precárias, lavagem de equipamentos em rios, córregos e lagos. Grande número de produtores faz uso de produtos tóxicos sem seguir corretamente as prescrições agronômicas. Essa é uma situação muito comum em quase todo o território nacional, que tem como uma de suas principais razões o baixo nível de treinamento e educação dos trabalhadores e/ou condições inadequadas de trabalho (MARGULIS apud BATALHA, 2001).
Na visão de Batalha (2001), a Revolução Verde interferiu bastante nos
aspectos ambientais do Brasil. A Revolução Verde refere-se à invenção e
disseminação de novas sementes e práticas agrícolas que permitiram um vasto
37
aumento na produção agrícola em países menos desenvolvidos durante as
décadas de 1960 e 1970. Segundo Conway (2003), as origens da revolução estão
numa joint venture entre o Escritório de Estudos Especiais, criado pelo Ministério
da Agricultura do México e a Fundação Rockefeller em 1943. O objetivo era
melhorar o rendimento das culturas alimentares básicas: milho, trigo e feijão. O
Quadro 1A (Apêndice A) apresenta alguns problemas ambientais causados pela
Revolução Verde no Brasil.
Batalha (2001) afirma que a tecnologia tem um importante papel a
desempenhar na transformação de sistemas produtivos em direção a maior
sustentabilidade. Tecnologias limpas, classificadas na literatura como
sustentáveis, podem simultaneamente proporcionar conservação ambiental e
sistemas econômicos mais justos. Contudo, sua adição depende de um conjunto
de variáveis que muitas vezes estão completamente fora do controle dos
produtores rurais. Existem motivações econômicas e não econômicas para
adoção dessas práticas e técnicas, bem como fortes barreiras, muitas
institucionais, que impedem uma definição mais ampla.
2.6 Legislação rural
A legislação específica para o campo foi elaborada na primeira metade da
década de 1960. Inicialmente foi constituído o Estatuto do Trabalhador Rural em
1963. A seguir, veio o Estatuto da Terra, em 1964, possivelmente a peça-chave
do novo aparato jurídico, e toda uma extensa legislação complementar. Os
princípios e definições do Estatuto da Terra são:
Art. 1° Esta Lei regula os direitos e obrigações concernentes aos bens imóveis rurais, para os fins de execução da Reforma Agrária e promoção da Política Agrícola.
§ 1° Considera-se Reforma Agrária o conjunto de medidas que visem a promover melhor distribuição da terra, mediante modificações no regime de sua posse e uso, a fim de atender aos princípios de justiça social e ao aumento de produtividade.
§ 2º Entende-se por Política Agrícola o conjunto de providências de amparo à propriedade da terra, que se destinem a orientar, no interesse da economia rural, as atividades agropecuárias, seja no sentido de garantir-lhes o pleno emprego, seja no de harmonizá-
38
las com o processo de industrialização do país (BRASIL, Lei Nº 4.504, de 30 de novembro de 1964).
Algumas leis ambientais mais importantes relacionadas à produção agropecuária são:
Lei dos agrotóxicos - Lei nº 7.802 de 11 de julho de 1989
Esta Lei dispõe sobre a pesquisa, a experimentação, a produção, a
embalagem e rotulagem, o transporte, o armazenamento, a comercialização, a
propaganda comercial, a utilização, a importação, a exportação, o destino final
dos resíduos e embalagens, o registro, a classificação, o controle, a inspeção e a
fiscalização de agrotóxicos, seus componentes e afins, e dá outras providências.
Lei de proteção a fauna - Lei nº 5.197 de 3 de janeiro de 1967
Esta Lei dispõe sobre a proteção à fauna e dá outras providências.
Determina que os animais de quaisquer espécies, em qualquer fase do seu
desenvolvimento e que vivem naturalmente fora do cativeiro, constituindo a fauna
silvestre, bem como seus ninhos, abrigos e criadouros naturais são propriedades
do Estado, sendo proibida a sua utilização, perseguição, destruição, caça ou
apanha.
Política agrícola - Lei nº 8.171 de 17 de janeiro de 1991
Esta Lei fixa os fundamentos, define os objetivos e as competências
institucionais, prevê os recursos e estabelece as ações e instrumentos da política
agrícola, relativamente às atividades agropecuárias, agroindustriais e de
planejamento das atividades pesqueira e florestal. Para os efeitos desta Lei,
entende-se por atividade agrícola a produção, o processamento e a
comercialização dos produtos, subprodutos e derivados, serviços e insumos
agrícolas, pecuários, pesqueiros e florestais.
39
Política nacional de recursos hídricos - Lei nº 9.433 de 8 de janeiro de 1997
A Política Nacional de Recursos Hídricos baseia-se nos fundamentos de
que a água é um bem de domínio público; um recurso natural limitado e dotado de
valor econômico. Em situações de escassez, o uso prioritário dos recursos
hídricos é para o consumo humano e dessedentar animais. Os objetivos da
Política Nacional de Recursos Hídricos são assegurar à atual e às futuras
gerações a necessária disponibilidade de água, em padrões de qualidade
adequados aos respectivos usos; a utilização racional e integrada dos recursos
hídricos, incluindo o transporte aquaviário, com vistas ao desenvolvimento
sustentável e a prevenção bem como a defesa, contra eventos hidrológicos
críticos de origem natural ou decorrentes do uso inadequado dos recursos
naturais.
Código florestal - Lei nº 4.771 de 15 de setembro de 1965
Esta Lei referente ao Código Florestal define que as florestas existentes
no território nacional e as demais formas de vegetação, reconhecidas de utilidade
às terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do
país, exercendo-se os direitos de propriedade, com as limitações que a legislação
em geral e especialmente esta Lei estabelecem. As ações ou omissões contrárias
às disposições deste Código na utilização e exploração das florestas são
consideradas uso nocivo da propriedade (BRASIL, Lei Nº 4.771, de 15 de
setembro de 1965, 1965).
Política nacional do meio ambiente - Lei nº 6.938 de 17 de janeiro de 1981
Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e
mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências.
Art 2º - A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento sócio-econômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana, atendidos os seguintes princípios:
I - ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico, considerando o meio ambiente como um patrimônio público a ser
40
necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo;
II - racionalização do uso do solo, do subsolo, da água e do ar;
III - planejamento e fiscalização do uso dos recursos ambientais;
IV - proteção dos ecossistemas, com a preservação de áreas representativas;
V - controle e zoneamento das atividades potenciais, ou efetivamente poluidoras;
VI - incentivos ao estudo e à pesquisa de tecnologias orientadas para o uso racional e a proteção dos recursos ambientais;
VII - acompanhamento do estado da qualidade ambiental;
VIII - recuperação de áreas degradadas;
IX - proteção de áreas ameaçadas de degradação;
X - educação ambiental a todos os níveis de ensino, inclusive a educação da comunidade, objetivando capacitá-la para participação ativa na defesa do meio ambiente (BRASIL, Lei Nº 6.938, de 17 de janeiro de 1981).
Reforma agrária - Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993
Esta Lei regulamenta e disciplina disposições relativas à reforma agrária
quanto a desapropriação de terras improdutivas por não cumprirem a função
social. Os dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária estão previstos
no Capítulo III, Título VII, da Constituição Federal (BRASIL, Lei Nº 8.629, de 25 de
fevereiro de 1993).
3. MATERIAL E MÉTODOS
Para delinear o modelo de boas práticas para a cultura da soja, tomou-se
como base critérios e padrões amplamente aceitos como EUREPGAP, Critérios
Basel de Produção de Soja e Boas Práticas Agropecuárias da Embrapa Gado de
Corte. Usaram-se também informações existentes na literatura sobre
administração, economia rural e ciências sociais em geral, além de
conhecimentos técnicos fornecidos pela agronomia. O Estatuto da Terra e a
legislação do setor rural também foram importantes fontes de consulta.
A proposta resultante da combinação dessas fontes foi então apresentada
e discutida com produtores de soja, engenheiros agrônomos, técnicos agrícolas e
outros profissionais ligados à área rural, visando obter subsídios para a seleção
das atividades que deveriam compor cada área gestora, bem como para a
determinação de que itens são obrigatórios, altamente recomendáveis ou
recomendáveis.
O nível de comprometimento dos produtores, com a gestão de seus
negócios, foi medido através de uma verificação das atividades descritas no
modelo de boas práticas (Apêndice-D). Para cada área gestora do modelo, foi
analisado um conjunto de atividades por meio de uma entrevista pessoal ou
identificação visual da própria fazenda. As atividades efetivamente cumpridas
foram caracterizadas como “em conformidade (E/C)” e as atividades não
realizadas foram caracterizadas como “não conformidade (N/C)”. Quanto maior a
quantidade de atividades em conformidade, maior o nível de comprometimento
dos produtores com a gestão de seus negócios.
Para verificar o nível de conscientização dos produtores a respeito do
conceito de boas práticas de produção, foi utilizado um questionário com
perguntas abertas e fechadas conforme modelo descrito no Apêndice-D. Além do
42
conceito de boas práticas, esse questionário evidenciou termos como empresa
rural e certificação de fazendas.
O nível em que as propriedades exercem a condição de empresas rurais
foi aferido através de um “ranking” dividido em três níveis: básico, intermediário e
avançado. Esse “ranking” foi criado com base no modelo de Garantia Integrada
da Fazenda do EUREPGAP (2005). Apresenta três critérios relacionados às
atividades desenvolvidas nas propriedades rurais:
• critério 1 - atividades denominadas PGO (Prática de Gestão
Obrigatória): são atividades essenciais que uma propriedade deve
realizar; logo, são obrigatórias e determinantes na caracterização da
empresa rural;
• critério 2 – atividades denominadas PGAR (Prática de Gestão
Altamente Recomendável): envolve atividades importantes, porém não
determinantes na caracterização da empresa rural;
• critério 3 – atividades denominadas PGR (Prática de Gestão
Recomendável): apesar de não influenciar na caracterização de uma
empresa rural, serve de alerta para uma melhoria contínua da
propriedade.
Além destes critérios, o “ranking” apresenta três fases que permitem
identificar em que nível de adoção das boas práticas encontram-se os produtores
rurais:
• fase 1 – NÍVEL BÁSICO DE BOAS PRÁTICAS: envolve produtores
que cumpriram até 60% das atividades consideradas obrigatórias (PGO) e
altamente recomendáveis (PGAR), descritas na lista de verificação;
• fase 2 – NÍVEL INTERMEDIÁRIO DE BOAS PRÁTICAS: envolve
produtores que cumpriram de 60% a 80% das atividades consideradas
PGO e PGAR descritas na lista de verificação;
• fase 3 – NÍVEL AVANÇADO DE BOAS PRÁTICAS: envolve
produtores que cumpriram acima de 70% das atividades consideradas
PGAR e pelo menos 90% das atividades consideradas obrigatórias
(PGO).
43
O critério determinante nesta pesquisa para caracterizar as “verdadeiras
empresas rurais” é que as propriedades estejam enquadradas na fase 3 deste
“ranking”. Em cada área gestora foi realizada uma verificação das atividades. O
propósito foi identificar quais atividades estavam em conformidade com as
exigências propostas pelo modelo.
A Tabela 1 apresenta um exemplo de como foi realizada esta verificação.
Esse exemplo representa uma área gestora específica, contendo cinco atividades
consideradas obrigatórias (PGO) e cinco atividades consideradas altamente
recomendáveis (PGAR). Supondo-se que durante a verificação encontrou-se em
conformidade (E/C) quatro atividades obrigatórias e cinco atividades altamente
recomendáveis, os índices de conformidade de PGO e de PGAR são,
respectivamente, de 80% e 100%.
Considerando que o modelo proposto apresenta cinco áreas gestoras, o
escore final foi determinado pela média aritmética de todas as áreas. Para
exemplificar, se os resultados encontrados nas outras áreas apresentassem os
mesmos percentuais desse exemplo, o resultado final da avaliação apresentaria
índices de 80% para atividades obrigatórias e 100% de atividades altamente
recomendáveis.
Finalmente para verificar os fatores que restringem a adoção de boas
práticas pelos produtores, foi utilizado um questionário com perguntas abertas e
fechadas conforme modelo descrito no Apêndice-D. O modelo de boas práticas
também ajudou a identificar esses fatores na medida em que os produtores
apresentavam as causas de não conformidade de alguma atividade disposta
neste modelo.
44
Tabela 1 - Exemplo da verificação das atividades em cada área gestora do modelo de boas práticas de produção de soja.
E/C = EM CONFORMIDADE PGO = 80%
N/C = NÃO CONFORMIDADE PGAR = 100%
LISTA DE VERIFICAÇÃO DAS PRÁTICAS DE GESTÃO AGROPECUÁRIA DA EMPRESA RURAL
2. GESTÃO ECONÔMICO-FINANCEIRA
PRÁTICA DE GESTÃO ESCORE POSIÇÃO MÉTODO DE AVALIAÇÃO
2.1 A propriedade possui um planejamento financeiro contendo objetivos, meios para alcançá-los e cronograma de execução?
PGAR E/C Entrevistar o gestor, e verificar o planejamento
2.2 A propriedade realiza previsão de receitas e despesas no início de cada ano agrícola?
PGAR E/C Verificar registros
2.3 Existe consolidação das receitas e despesas mensais e do resultado do exercício?
PGAR E/C Verificar registros
2.4 Existe uma programação de investimentos com cronogramas para execução no início de cada ano?
PGR E/C Entrevistar o gestor e verificar documentos referentes a essa programação.
2.5 Existe um controle financeiro em um livro caixa?
PGO N/C Verificar documentos
2.6 Existe um controle financeiro dividido por tipo de cultura e/ou atividade agrícola?
PGO E/C Verificar registros
2.7 Existe um controle de custos de produção e do desempenho econômico da propriedade?
PGO E/C Verificar registros
2.8 Existe separação entre as contas particulares do gestor e da propriedade rural?
PGAR E/C Entrevistar o gestor e verificação do livro caixa
2.9 Existem registros físicos referentes ao uso de insumos, mão-de-obra, combustíveis nas diversas operações?
PGAR E/C Verificar registros
2.10 Existe um registro de controle de estoques? PGO E/C Verificar registros
2.11 Existe registro de inventário no final do ano agrícola?
PGO E/C Verificar registros
2.12 Os registros econômicos e financeiros são informatizados?
PGR N/C Verificar sistema
45
3.1 População e planejamento amostral
A população da pesquisa corresponde aos produtores de soja da região
de Itambé, PR. Os questionários foram aplicados em uma amostra de produtores
da Cooperativa Cocari. A amostra restringiu-se ao município de Itambé, PR
(Figura 1), primeiramente porque este está localizado no estado que segundo o
IBGE (2007), é o segundo maior produtor de soja do Brasil. Ainda, a cooperativa
disponibilizou o cadastro dos agricultores e demonstrou interesse no trabalho,
colocando à disposição as informações necessárias para esta pesquisa. Por fim,
é nessa região que o autor do trabalho tem concentrada sua atuação profissional,
o que possibilitou um melhor acesso aos elos da cadeia produtiva a contactar.
Figura 1 – Mapa Político-Rodoviário do Estado do Paraná (Fonte Base
Cartográfica do PR)
46
Segundo dados da COCARI, existem 317 (trezentos e dezessete)
produtores de soja cooperados que estão localizados no município de Itambé, PR.
A COCARI foi fundada em 07 de fevereiro de 1962, na busca por soluções diante
das dificuldades encontradas com a comercialização da produção de café. Hoje, a
COCARI conta com 19 entrepostos, atendendo a 16 municípios e 3 distritos. Além
de atuar com o recebimento de grãos e a venda de insumos, possui também três
indústrias - Fiação de Algodão, Fábrica de Rações e Destilaria de Álcool – e duas
coligadas, a Transcocari – Transportadora Cocari Ltda, que presta serviços
exclusivamente para a cooperativa, e a Cooperfios S/A – Indústria e Comércio,
localizada em Maringá-PR, da qual a cooperativa possui 76,3% das ações
participativas. Seus entrepostos somam 4.600 sócio-cooperados, e o
departamento de cooperativismo estima que estejam envolvidas cerca de 25.000
pessoas no sistema cooperativo. Na composição do quadro social de 2006,
observa-se uma concentração de micro e pequenas propriedades: 30,2% na faixa
de 0 a 10 hectares e 41,8% na de 10,1 a 60 hectares. Esses percentuais
somavam 80,1% em 2003, detectando-se, portanto, uma migração para as faixas
fundiárias superiores.
O número de produtores a serem investigados foi determinado através de
um método probabilístico que, segundo Fonseca e Martins (1994), exige que cada
elemento da população possua a mesma probabilidade de ser selecionado para a
entrevista. Trata-se do método que garante cientificamente a aplicação das
técnicas estatísticas de inferências ou induções sobre a população a partir do
conhecimento da amostra. Assim, se N for o tamanho da população, a
probabilidade de cada elemento será 1/N.
Como se trata de uma variável nominal, com população finita e, como não
existe nenhuma pesquisa que trata do tema em estudo, para que se pudesse
escolher uma amostra usando parâmetros já calculados na referida pesquisa, tais
como o desvio padrão, calculou-se o número de elementos da amostra usando a
fórmula matemática:
^^22
^^2
)1( qpzNe
Nqpzn
+−
=
47
Sendo:
n = número de elementos da amostra;
N= número de elementos da população;
z = abscissa da curva normal padrão, fixado o nível de confiança em 95%
(z = 1,96);
^
p = estimativa da verdadeira proporção de um dos níveis da variável
escolhida;
^
q = 1 - ^
p
e = erro amostral, expresso em decimais ( máxima diferença que o
pesquisador admite suportar entre p e ^
p ).
No presente trabalho de pesquisa, o problema consistiu em determinar
uma amostra a partir de uma população de 317 cooperados da Cocari, com os
seguintes parâmetros:
N = 317
z = 1,96
^
p = 0,50 (pior caso)
^
q = 0,50
e = 0,05 (5%)
Assim, substituindo os valores na fórmula da amostragem obteve-se:
174
50,0.50,096,1)1317(05,0
317.50,0.50,096,1^^
22
^^2
=
+−
=n
Considerando que foi realizada uma amostragem sem reposição, e o
tamanho da amostra é maior que 5% do tamanho da população, no cálculo do
48
erro padrão deve ser incluído o fator de correção finita. Assim, aplicando-se tal
correção tem-se:
34,112
317
1741
174
10 =
+
=
+
=
N
n
nN
Logo, a amostra a entrevistar deve ser de 113 produtores, no mínimo.
Segundo informações da cooperativa, é possível classificar os
cooperativados, de acordo com o tamanho da área de plantio, em pequenos,
médios e grandes. A proporção de cada uma dessas classes no total de 317
produtores foi usada para estratificar a amostra, conforme mostrado na Tabela 2.
TABELA 2 - Amostra dos produtores por tamanho da área de plantio
Estrato Área de plantio Qtd. Produtores % Nº de amostras
1 até 12 hectares 32 10,09 12
2 de 13 a 73 hectares 95 29,97 34
3 de 74 a 170 hectares 95 29,97 34
4 acima de 170 hectares 95 29,97 34
TOTAL 317 100% 114
3.2 Desenvolvimento do questionário
O questionário apresenta-se dividido em duas seções: a primeira para
verificar o nível de adoção das boas práticas e a segunda, para verificar o nível de
conscientização dos produtores com relação importância de administrar suas
propriedades como uma verdadeira empresa rural.
A primeira seção foi elaborada com base na lista de verificação, criada no
modelo de boas práticas, conforme as tabelas apresentadas no Apêndice B. Essa
lista foi subdividida em cinco partes, contendo as seguintes informações: 1)
aspectos econômicos e financeiros; 2) informação e conhecimento rural; 3)
produção de soja; 4) aspectos sociais e 5) aspectos ambientais.
49
A segunda seção foi elaborada com questões diretas, a fim de identificar
o nível de consciência dos produtores e os fatores determinantes da adoção das
boas práticas agrícolas. Compreender a visão dos produtores com relação ao
futuro das atividades agropecuárias, também foi importante nessas visitas. O
modelo deste questionário encontra-se no Apêndice D.
Uma característica importante deste modelo de boas práticas é a sua
estrutura, formada por uma lista de atividades consideradas importantes no
processo de gestão das propriedades rurais. Portanto, vem contribuir para os
produtores entrevistados nesta pesquisa, no sentido de auxiliá-los na melhoria da
qualidade de seus produtos, bem como no bem estar das pessoas que atuam
nessas propriedades.
Algumas perguntas introdutórias abrem o questionário, com o objetivo de
despertar o interesse dos produtores no assunto em questão. “Perguntas
introdutórias devem gerar uma opinião direta e descomplicada ou informações
básicas... a principal função é estimular o interesse pela continuação do
questionário sem ofender, ameaçar, confundir ou entediar o entrevistado” (REA e
PARKER, 2002).
3.3 Aplicação dos questionários
A pesquisa de campo foi realizada nos meses de novembro e dezembro de
2007, por uma equipe de quatro pessoas. Alguns produtores foram entrevistados
na sede da cooperativa e outros em suas propriedades. As visitas nas
propriedades foram importantes, porque facilitaram a validação das informações
prestadas, seja pela comprovação documental ou visual.
Os produtores foram submetidos a dois questionários. O primeiro é o
modelo de boas práticas disposto no Apêndice B, e serviu para verificar quais são
as propriedades que podem ser caracterizadas como empresas rurais. O segundo
questionário, disposto no Apêndice D, está relacionado ao nível de
conscientização dos produtores com relação à importância de uma boa gestão da
propriedade rural.
50
3.4 Preparação dos dados e análise estatística
Para tabular os dados do primeiro questionário (modelo de boas práticas),
utilizou-se uma planilha eletrônica Excel conforme disposto no Apêndice C. Para
cada um dos itens que compõem a lista de verificação do modelo calculou-se a
freqüência relativa de adoção, medindo-se assim o grau em que as práticas
preconizadas são utilizadas.
As respostas obtidas no segundo questionário foram inseridas no
software Sphinx Plus. Esse software atende às necessidades básicas de quem
pretende realizar uma pesquisa, processá-la, analisar os dados e apresentar seus
resultados.
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Este capítulo apresenta o modelo de boas práticas direcionado para a
atividade de produção de soja. Na seqüência, são descritos os resultados da
pesquisa de campo que objetivou: analisar o nível de comprometimento dos
produtores com a gestão de seus negócios; verificar o nível de conscientização
dos produtores a respeito do conceito de boas práticas de produção; verificar em
que nível as propriedades exercem a condição de empresas rurais; e verificar
quais são os fatores que restringem a adoção de boas práticas agropecuárias.
4.1 Delineamento do modelo de boas práticas agropecuárias
Com o propósito de delinear um modelo que incorporasse de forma plena
o conceito de empresa rural, sua estrutura apresenta-se dividida em cinco áreas
gestoras: 1) gestão da informação e do conhecimento; 2) gestão econômico-
financeira; 3) gestão social; 4) gestão da produção e 5) gestão ambiental.
Gestão da informação e do conhecimento
A gestão da informação e do conhecimento é composta de atividades que
permitem identificar as características peculiares de cada propriedade rural. As
práticas de gestão recomendáveis nessa área contemplam a existência de mapas
que possam caracterizar limites territoriais da propriedade, classes dos solos,
tipologias florestais, nascentes, áreas degradadas e topografia do terreno. As
práticas de gestão consideradas obrigatórias estão relacionadas à existência de
relatórios de análise dos solos e também o conhecimento do produtor com
relação ao Estatuto da Terra. A Tabela 1B (Apêndice B) apresenta a lista de
52
verificação das atividades pertinentes à área de gestão da informação e do
conhecimento.
Gestão econômico-financeira
A gestão econômico-financeira é uma das mais importantes áreas da
empresa rural. Essa área deve proporcionar ao produtor os conhecimentos
necessários para compreender melhor sua propriedade e as atividades por ele
desenvolvidas. As práticas altamente recomendáveis contemplam planejamento
financeiro, previsão de receitas e despesas, separação das contas particulares do
gestor e da propriedade e registro das informações financeiras. As atividades
obrigatórias estão relacionadas ao controle de estoques, inventário, controle
financeiro separado por cultura, além de controle dos custos de produção. A
Tabela 2B (Apêndice B) apresenta a lista de verificação das atividades pertinentes
à área de gestão econômico-financeira.
Gestão da produção
A área produtiva é complexa e peculiar para cada tipo de empresa rural.
Para o modelo aqui proposto, as atividades estão direcionadas à produção de
soja. As atividades obrigatórias envolvem aspectos como respeito aos limites
estipulados pela legislação para plantio às margens dos rios e colheita na época
correta.
As atividades altamente recomendáveis englobam análise de solos,
mapeamento de plantas daninhas, utilização do Sistema de Plantio Direto (SPD),
cobertura do solo, rotação de culturas, boas práticas de manejo, registro da
procedência dos defensivos agrícolas, revisão dos equipamentos, medidas
preventivas para redução de perdas na colheita, além do correto transporte e
armazenagem dos grãos. A Tabela 3B (Apêndice B) apresenta a lista de
verificação das atividades pertinentes à área da gestão da produção.
Gestão social
Seguindo as recomendações do Estatuto da Terra, a gestão social deve
apresentar atividades que permitam regular as justas relações de trabalho entre
os que possuem a terra e a cultivam, além do favorecimento do bem-estar dos
53
proprietários e trabalhadores. Como atividades obrigatórias, destacam-se o
registro em carteira dos funcionários, exame médico admissional e demissional,
proibição do trabalho infantil, disponibilização e utilização de EPI's, recolhimento
de encargos sociais, oferta de residências em boas condições de habitação,
descanso semanal para funcionários, além do cumprimento das exigências legais
quanto aos níveis de produtividade (GEE) e exploração da propriedade (GUT),
conforme determina o Estatuto da Terra.
As atividades altamente recomendáveis englobam a formalização de
contratos de trabalho, treinamento e capacitação de funcionários, condições de
acesso à saúde pública preventiva, acesso das crianças à escola, etc. A Tabela
4B (Apêndice B) apresenta a lista de verificação das atividades pertinentes à área
de gestão social.
Gestão ambiental
Considerando a importância da conservação ambiental para as futuras
gerações e para própria sobrevivência da empresa rural, a gestão ambiental trata
do manejo adequado dos recursos naturais existentes na propriedade rural. As
atividades obrigatórias estão relacionadas à conformidade com as leis ambientais
e com as técnicas recomendadas para conservação do solo, da biodiversidade,
dos recursos hídricos, etc. As medidas de controle da erosão, o correto
armazenamento dos insumos, a existência de equipamentos de segurança, a
realização da tríplice lavagem nas embalagens de agroquímicos e o posterior
destino às unidades de recebimento complementam as atividades obrigatórias.
As atividades altamente recomendáveis englobam licenciamento
ambiental, monitoramento dos impactos ambientais, correta localização dos
galpões de agroquímicos, coleta seletiva de resíduos sólidos e existência de
tanques apropriados para armazenagem de combustíveis. A Tabela 5B (Apêndice
B) apresenta a lista de verificação das atividades pertinentes à área de gestão
ambiental.
54
4.2 Nível de comprometimento dos produtores com a gestão de seus
negócios.
Para identificar o nível de comprometimento dos produtores com a gestão
de seus negócios foram usadas as listas de verificação contidas no Apêndice B. O
critério utilizado foi a porcentagem de atividades obrigatórias (PGO) e altamente
recomendáveis (PGAR) em conformidade (E/C). O nível de comprometimento
levou em conta as cinco áreas gestoras, tomadas em conjunto. O índice calculado
corresponde então à média das porcentagens de execução das atividades em
todas as áreas. Portanto, quanto maior o índice, maior o nível de
comprometimento dos produtores.
Conforme pode ser observado no Gráfico 1, o nível de comprometimento
dos produtores com a gestão de seus negócios pode ser considerado alto, uma
vez que o percentual de atividades obrigatórias (PGO) executadas pelas
propriedades ficou entre 80% e 91%. As atividades altamente recomendáveis
(PGAR) também apresentaram índices altos, ficando acima de 80%.
Gráfico 1 – Nível de gestão geral por tamanho de propriedade
55
Um detalhe interessante é que o nível de comprometimento dos
produtores com seus empreendimentos melhora conforme aumenta o tamanho da
propriedade. Ainda pelo Gráfico 1, é possível observar, por exemplo, que uma
propriedade de até 12 hectares realiza aproximadamente 80% de atividades
consideradas obrigatórias, enquanto uma propriedade acima de 170 hectares
realiza mais de 90% das atividades obrigatórias.
Para uma melhor visualização das diferenças existentes entre os níveis
de comprometimento dos produtores, o Gráfico 2 apresenta as cinco áreas
gestoras com as respectivas atividades obrigatórias (PGO) e altamente
recomendáveis (PGAR).
Gráfico 2 – Níveis de gestão por tamanho de propriedade
É possível observar que as pequenas propriedades apresentam um
menor nível de gestão nas áreas de conhecimento e econômico-financeira.
Quanto à primeira, são poucos os pequenos produtores que possuem noções
sobre o Estatuto da Terra. Quanto à área econômico-financeira, grande parte dos
produtores não possuem controles financeiros.
As entrevistas pessoais ajudaram a compreender porque os grandes
produtores possuem um nível de comprometimento maior do que os pequenos.
Estes últimos, por natureza, possuem uma agricultura de subsistência e
visualizam a cultura da soja como uma renda extra. O próprio tamanho da
56
propriedade não permite sobreviver apenas da soja, principalmente os produtores
com área de até 73 hectares. Nessas propriedades, além da cultura da soja,
existe a criação de animais e outras plantações que servem como fonte de
subsistência.
Embora o modelo proposto considere a rotação de culturas uma prática
altamente recomendável, esta se restringe a um pequeno número de produtores,
que plantam trigo ou aveia em sucessão à soja. O binômio soja - milho safrinha é
o negócio de muitos produtores, mas é preciso ressaltar que esta prática não
configura uma verdadeira rotação de culturas.
Nas entrevistas, os pequenos produtores foram questionados sobre a
possibilidade de plantarem outra cultura no lugar da soja. A grande maioria
respondeu que depois das frustrações com o café na década de 1970, quando
fortes geadas dizimaram essa atividade no Paraná, o café foi substituído pela
soja. Segundo os produtores, essa escolha permanece até hoje por não
encontrarem outra opção mais rentável.
Apesar dos menores índices nas áreas de gestão do conhecimento e
gestão econômico-financeira, os resultados das áreas de gestão da produção e
gestão social demonstram que os produtores apresentam um bom nível de
comprometimento com seus negócios. Essas duas últimas áreas representam o
que os produtores sabem fazer com excelência: plantar.
4.3 Nível de conscientização dos produtores a respeito do conceito de boas
práticas de produção
O grau de conscientização dos produtores, quanto à necessidade de
adotar um sistema de boas práticas, foi verificado através de um questionário com
perguntas abertas e fechadas conforme modelo descrito no Apêndice D. Além do
conceito de boas práticas, o questionário englobou aspectos sobre certificação de
fazendas, empresa rural e futuro do mercado da soja.
57
Com relação ao conceito “empresa rural”, 100% dos produtores
entrevistados já ouviram falar a respeito. Todos acreditam que hoje é fundamental
administrar as propriedades rurais como verdadeiras empresas.
Quanto às considerações dos produtores sobre as características de uma
empresa rural, destacam-se a organização e o controle. Mais de 80% dos
entrevistados citaram este último como uma característica importante. Além disso,
foram também citadas: boa gerência, dedicação, redução de custos e tecnologia.
Expressiva parcela de produtores (83%) declarou já ter ouvido falar sobre
boas práticas de produção, e as cooperativas, juntamente com a televisão, são
responsáveis pela transmissão deste tipo de informação. Todos os produtores
entrevistados que não tinham noção sobre boas práticas de produção,
demonstraram interesse em saber mais sobre o assunto.
O desejo de implantar na propriedade um sistema de gestão que permita
identificá-la como um empreendimento rural propriamente dito é comum a todos
os produtores entrevistados. O modelo de boas práticas resultante dessa
pesquisa foi apresentado aos produtores durante as entrevistas e foi considerado,
pela grande maioria, como um sistema adequado de boas práticas.
A complexidade do cultivo da soja exige um conjunto mínimo de
atividades, que são essenciais para o desempenho eficaz da produção. Portanto,
muitas atividades que englobam um sistema de boas práticas já são realizadas
pela maioria dos produtores, principalmente nos aspectos relacionados à
produção e gestão social.
A área de gestão de pessoas foi considerada como a mais difícil de
administrar. Para os produtores, a capacitação profissional não acompanhou o
desenvolvimento tecnológico do campo. Além disso, as características peculiares
do trabalho rural dificultam algumas rotinas, que fazem parte das atividades dos
trabalhadores. O nível cultural e o baixo grau de instrução também foram
apresentados como fatores problemáticos na área de gestão de pessoas.
Com relação ao conceito “certificação de propriedades rurais”, 58% dos
produtores entrevistados já ouviram falar sobre o assunto. Esses produtores
58
relataram que as certificações são importantes porque visam melhorar a produção
e a qualidade dos produtos, além de permitirem a rastreabilidade da produção
agrícola. Na visão dos produtores, as normas existentes para certificar uma
fazenda acabam ajudando a organização da propriedade como um todo.
Ainda no contexto da certificação das propriedades, 90% dos produtores
acreditam que, num futuro próximo, o mercado passará a comprar apenas soja de
propriedades certificadas. Entretanto, outros 10% mencionaram que, assim como
a soja convencional não possui vantagem sobre a transgênica no momento da
venda, o mercado continuará comprando soja, independente de a propriedade
estar certificada ou não.
Mesmo que 90% dos produtores acreditem que o mercado passará a
comprar soja apenas das propriedades certificadas, vale comentar que se a
relação entre oferta e demanda não for de equilíbrio, possivelmente prevalecerá a
necessidade de consumo, independente da soja ser de propriedades certificadas
ou não. Outro fator relevante é a necessidade de melhoria na estrutura de
logística e armazenagem da soja no Brasil, que atualmente não garante a
qualidade do produto desde a propriedade certificada até a indústria.
4.4 Nível em que as propriedades exercem a condição de empresas rurais.
Os resultados da pesquisa de campo permitiram enquadrar as
propriedades produtoras de soja, da região de Itambé, nos níveis intermediário e
avançado de boas práticas. O nível avançado, segundo a proposta do presente
trabalho, corresponde às “verdadeiras empresas rurais”, e, como pode ser
observado no Gráfico 3, existem 47 propriedades enquadradas nesse nível, o que
representa em torno de 41,% dos produtores entrevistados.
59
Gráfico 3 – Nível de adoção das boas práticas
Para compreender melhor o enquadramento das propriedades no modelo,
elaborou-se o Gráfico 4, o qual apresenta os percentuais alcançados nas
atividades consideradas obrigatórias (PGO) e altamente recomendáveis (PGAR),
segundo as diferentes áreas gestoras. Das cinco áreas descritas no modelo, as
áreas de gestão ambiental e gestão econômico-financeira foram as que
apresentaram os menores índices de adoção das atividades. Mesmo nas
propriedades que, segundo a proposta deste estudo, são consideradas empresas
rurais, essas áreas apresentaram índices menores do que aqueles da gestão
social ou do conhecimento, como pode ser comprovado no Gráfico 5.
A área de gestão ambiental deixa um pouco a desejar na caracterização
da empresa rural. O Gráfico 4 demonstra que essa área apresenta os menores
índices de realização das atividades obrigatórias e das atividades altamente
recomendadas.
Ainda sobre a área ambiental, apenas 11 (onze) produtores, ou 9%, estão
em conformidade com os critérios ambientais definidos neste modelo de boas
práticas. Isso pode ser observado na Tabela 1C do Apêndice C, onde as onze
propriedades que alcançaram mais de 90% das atividades consideradas
obrigatórias na área de gestão ambiental estão destacadas na cor verde. Apesar
60
dos menores índices apresentados nessa área, todos os produtores cumprem as
exigências quanto às matas ciliares (preservação permanente), que determinam a
preservação às margens dos rios. Segundo a legislação, os limites de
preservação dependem da largura do rio e, no caso dos produtores de Itambé,
que plantam às margens do Rio Ivaí, o limite estipulado é de 30 metros.
Gráfico 4 – Percentual de atividades desenvolvidas por área gestora
Apesar da conformidade com a legislação de preservação às margens
dos rios, percebeu-se, pelas entrevistas, que isso se deu mais pela pressão dos
órgãos fiscalizadores do que pela própria consciência ambiental dos produtores.
Nesse sentido, existe receio quanto ao rigor da ação desses órgãos, tendo havido
casos em que produtores foram presos por não estarem obedecendo a legislação.
Os menores índices da área econômico-financeira podem ser explicados
pelo baixo nível de escolaridade dos produtores. Boa parte deles não mantém os
registros financeiros organizados ou informatizados por não possuírem maiores
conhecimentos nessa área.
61
Gráfico 5 – Comparativo entre empresas rurais e demais propriedades
Pelo Gráfico 6 é possível perceber que o nível de escolaridade dos
produtores está concentrado entre o ensino fundamental completo e o ensino
médio. O motivo “falta de tempo” também foi apresentado como argumento para o
não cumprimento de algumas atividades básicas como, por exemplo, a
escrituração do livro caixa ou a realização de um simples controle de estoques.
62
Gráfico 6 – Número de produtores segundo o grau de escolaridade.
Dentre as áreas apresentadas no Gráfico 5, destacam-se as boas práticas
na produção, com índice acima de 90%. Percebe-se, nessa área, uma
experiência muito grande dos produtores, o que ficou comprovado pelo tempo em
que atuam na produção de soja. Dentre os entrevistados, 26% declararam que
começaram a plantar soja num período entre seis a dez anos; os 74% restantes
plantam há mais de dez anos, conforme pode ser observado no Gráfico 7.
63
Gráfico 7 – Tempo de atuação dos produtores na produção de soja
4.5 Fatores que restringem a adoção de boas práticas agropecuárias
São vários os fatores que restringem a adoção de boas práticas
agropecuárias pelos produtores. Pelos gráficos apresentados anteriormente, é
possível identificar que esses fatores restringentes estão mais concentrados nas
áreas econômico-financeira e ambiental.
Na área econômico-financeira, conforme já mencionado, esses fatores
estão relacionados à ausência de controles, que vão desde um livro caixa,
passando pela separação das receitas e despesas por culturas (milho e soja) até
um simples controle de estoques. A falta de conhecimento na área de informática
dificulta os produtores na realização de alguns controles, considerados essenciais
na gestão de uma propriedade rural.
Segundo os entrevistados, a realização do planejamento financeiro e da
produção dependem de fatores externos. O planejamento financeiro depende da
agilidade do governo na determinação das políticas agrícolas, que mudam quase
todos os anos e, muitas vezes, são apresentadas próximo do início da época de
plantio. Além disso, os prazos de renegociação de dívidas passadas são
64
determinados tardiamente pelo governo, o que é altamente prejudicial. Como o
planejamento da produção depende do planejamento financeiro, os produtores
acabam não realizando nenhum dos dois.
Na área ambiental, a maior dificuldade dos produtores, atualmente, é a
recuperação da área destinada à reserva legal. A legislação nacional determina,
para a região de Itambé, um limite mínimo de 20% da área total da propriedade.
Os produtores que não quiserem recuperar suas próprias áreas podem comprar
outras propriedades, desde que localizadas na mesma bacia do Rio Ivaí, onde se
situam as propriedades da amostra pesquisada.
Como a região de Itambé possui uma produtividade considerada alta,
alguns produtores já estão adquirindo propriedades em outras regiões, somente
para atender os requisitos da conservação ambiental. Considerando que o custo
financeiro para aquisição de uma nova propriedade é muito alto, esta alternativa
está disponível para poucos. Por outro lado, recuperar áreas da própria fazenda
significa reduzir significativamente a área agricultável, com reflexos na receita
gerada pela lavoura.
Na área social, apesar dos altos índices apresentados, a implantação de
boas práticas tem como importante limitação a gestão de recursos humanos. Dos
produtores entrevistados, 44% afirmaram que existe uma carência muito grande
de pessoas capacitadas e interessadas em trabalhar na lavoura de soja. Além
disso, os poucos profissionais mais experientes não conseguem acompanhar a
evolução tecnológica que chegou ao campo. Um exemplo disso foi citado por um
produtor que possui duas automotrizes modernas, e há dois anos apenas os filhos
que possuem formação superior conseguem operar essas máquinas.
Por ser considerado baixo, o nível educacional dos trabalhadores rurais,
além de dificultar atividades importantes para produção da soja, dificulta também
ações que são consideradas essenciais para a própria saúde dos trabalhadores.
A dificuldade na utilização de EPI's, seja por negligência ou ignorância, é uma das
conseqüências do baixo nível educacional dos trabalhadores. Mesmo aqueles
mais conscientes encontram dificuldades para sua utilização, principalmente nos
65
dias de muito calor, por considerarem o equipamento desconfortável para o
trabalho.
Ainda, na gestão de pessoas, existe uma rotatividade considerável de
trabalhadores, principalmente nas épocas de plantio e colheita. Isso dificulta a
elaboração de contratos de trabalho temporários e acaba se tornando um
problema tanto para o empregado quanto para o empregador.
Complementando os fatores que restringem a adoção de boas práticas, o
clima foi apresentado pela grande maioria dos produtores como um fator que
interfere diretamente na execução das atividades de plantio, manejo e colheita.
Em função disso, algumas atividades que são programadas para acontecer dentro
dos padrões de boas práticas, são feitas de outra forma ou até mesmo deixam de
ser realizadas.
O clima é um fator incontrolável que pode interferir em algumas decisões
do produtor rural, mas não é justificativa para a não implantação das boas
práticas agropecuárias. Na verdade, a adoção de boas práticas proporciona ao
produtor rural uma maior capacidade para enfrentar as adversidades impostas
pelo clima.
5. CONCLUSÕES
A definição mais completa do conceito de empresa rural, nas fontes
pesquisadas, é aquela do Estatuto da Terra, que exige a exploração econômica e
racional do imóvel rural, níveis satisfatórios de produtividade, conservação dos
recursos naturais e bem-estar dos proprietários e trabalhadores. Apesar dessa
amplitude, o Estatuto da Terra não apresenta, de forma clara e mensurável, o que
é necessário fazer na prática para se classificar ou não uma fazenda como uma
empresa rural propriamente dita.
Considerando a expressão “o que não pode ser medido, também não
pode ser mensurado”, o modelo de boas práticas resultante dessa pesquisa
apresenta-se como uma ferramenta capaz de avaliar os atributos que definem a
empresa rural.
A importância da utilização do modelo de boas práticas pôde ser
verificada a partir da pesquisa de campo realizada neste estudo, que possibilitou
caracterizar as fazendas de soja de Itambé, PR, como empresas rurais ou não.
Nesse sentido, várias fazendas foram caracterizadas como “verdadeiras”
empresas rurais.
Com base nos resultados da pesquisa de campo, é possível afirmar que o
nível de gestão dessas fazendas é bastante alto, afinal, 99% das propriedades
executam mais de 70% das atividades propostas no modelo. Essa afirmativa
alinha-se com a idéia de uma relação direta entre o nível de gestão da
propriedade e a condição de empresa rural. Tais resultados contrariam a idéia
geral de que o nível de gestão das fazendas brasileiras é baixo. Como o presente
estudo restringe-se aos produtores de soja de Itambé, PR, a aplicação da lista de
verificação do modelo em outras regiões produtoras do Brasil é uma das
sugestões derivadas deste trabalho.
67
Os altos índices de conformidade citados anteriormente estão
relacionados à conscientização dos produtores quanto à necessidade de se
implantar um modelo de boas práticas em suas propriedades. O pensamento dos
produtores entrevistados, com relação às tendências do mercado futuro da soja -
segundo alguns deles, o mercado passará a exigir soja apenas de propriedades
certificadas - reforça essa necessidade.
Por fim, é possível afirmar que as propriedades mais produtivas e mais
estruturadas financeiramente são aquelas consideradas “verdadeiras empresas
rurais”. Portanto, conclui-se que a implantação do modelo de boas práticas, que
naturalmente leva a fazenda à condição de empresa rural, certamente contribui
para a elevação do nível de gestão da fazenda, aumentando a produtividade e as
chances de maiores lucros. Ainda, favorece o produtor em suas tomadas de
decisão, à medida que esse fica mais preparado para enfrentar as adversidades
do setor agrícola e as demandas da sociedade.
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