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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO
FACULDADE DE COMUNICAÇÃO
Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social
GUSTAVO MOREIRA ZANINI
PUBLICIDADE E O POLITICAMENTE CORRETO:
INTERDISCURSIVIDADES NA CONSTRUÇÃO SOCIAL DO SENTIDO
São Bernardo do Campo, 2015.
UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO
FACULDADE DE COMUNICAÇÃO
Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social
GUSTAVO MOREIRA ZANINI
PUBLICIDADE E O POLITICAMENTE CORRETO:
INTERDISCURSIVIDADES NA CONSTRUÇÃO SOCIAL DO SENTIDO
Dissertação apresentada em cumprimento
parcial às exigências do Programa de Pós-
Graduação em Comunicação Social, da
Universidade Metodista de São Paulo
(UMESP), para obtenção do grau de Mestre.
Orientador: Prof. Dr. Paulo Rogério Tarsitano.
São Bernardo do Campo, 2015.
FICHA CATALOGRÁFICA
Z16p Zanini, Gustavo Moreira
Publicidade e o politicamente correto: interdiscursividades na
construção social do sentido / Gustavo Moreira Zanini. 2015.
125 p.
Dissertação (mestrado em Comunicação Social) --Faculdade de
Comunicação da Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo
do Campo, 2015.
Orientação : Paulo Rogério Tarsitano
1. Publicidade 2. Politicamente correto 3. Construção social
4. Identidade 5. Análise do discurso I. Título.
CDD 302.2
FOLHA DE APROVAÇÃO
A dissertação “PUBLICIDADE E O POLITICAMENTE CORRETO:
INTERDISCURSIVIDADES NA CONSTRUÇÃO SOCIAL DO SENTIDO”
elaborada por Gustavo Moreira Zanini foi defendida no dia 23 de fevereiro de 2015, tendo
sido:
( ) Reprovada
( ) Aprovada, mas deve incorporar nos exemplares definitivos modificações sugeridas pela
Banca Examinadora, até 60 (sessenta) dias a contar da data da defesa.
( X ) Aprovada
( ) Aprovada com louvor
Banca Examinadora:
___________________________________
Professor Doutor Paulo Rogério Tarsitano (UMESP);
___________________________________
Professora Doutora Elizabeth Moraes Gonçalves (UMESP);
___________________________________
Professor Doutor Gino Giacomini (Titular Externo – USCS)
Área de concentração: Processos Comunicacionais.
Linha de Pesquisa: Comunicação Institucional e Mercadológica.
Projeto Temático: Comunicação de Mercado.
LISTA DE TABELAS E GRÁFICOS
Tabela 1 Decisões dos casos de respeitabilidade em 2010 .......................................... 79
Tabela 2 Decisões dos casos de respeitabilidade em 2011 .......................................... 80
Tabela 3 Decisões dos casos de respeitabilidade em 2012 .......................................... 81
Tabela 4 Decisões dos casos de respeitabilidade em 2013 .......................................... 82
Tabela 5 Decisões dos casos de respeitabilidade em 2014 .......................................... 83
Tabela 6 Anúncios selecionados para análise 2010 - 2014 .......................................... 86
Gráfico 1 Número de queixas entre 2009 e 2014 comparado ao número de
arquivamentos ................................................................................................ 84
Quadro 1 Anúncio “Oi Pontos” ..................................................................................... 90
Quadro 2 Anúncio “Oi Pontos” ..................................................................................... 91
Quadro 3 Anúncio “Oi Pontos” ..................................................................................... 93
Quadro 4 Anúncio “Oi Pontos” ..................................................................................... 93
Quadro 5 Anúncio “Havaianas Lune de Miel” .............................................................. 95
Quadro 6 Anúncio “Havaianas Lune de Miel” .............................................................. 96
Quadro 7 Anúncio “Havaianas Lune de Miel” .............................................................. 96
Quadro 8 Anúncio “Havaianas Lune de Miel” .............................................................. 97
Quadro 9 Anúncio “Havaianas Lune de Miel” .............................................................. 97
Quadro 10 Anúncio “Havaianas Lune de Miel” .............................................................. 98
Quadro 11 Anúncio “Quem usa Tigre é autoridade no assunto” .................................. 100
Quadro 12 Anúncio “Quem usa Tigre é autoridade no assunto” .................................. 101
Quadro 13 Anúncio “Quem usa Tigre é autoridade no assunto” .................................. 101
Quadro 14 Anúncio “Vivo – Tem tudo aqui” ............................................................... 103
Quadro 15 Anúncio “Vivo – Tem tudo aqui” ............................................................... 104
Quadro 16 Anúncio “Vivo – Tem tudo aqui” ............................................................... 104
Quadro 17 Anúncio “Vivo – Tem tudo aqui” ............................................................... 105
Quadro 18 Anúncio “Vivo – Tem tudo aqui” ............................................................... 106
Quadro 19 Anúncio “Vivo – Tem tudo aqui” ............................................................... 106
Quadro 20 Anúncio “Vivo – Tem tudo aqui” ............................................................... 107
Quadro 21 Anúncio “Vivo – Tem tudo aqui” ............................................................... 107
Quadro 22 Anúncio “H2OH! Limoneto – Tô sapecando” ............................................ 109
Quadro 23 Anúncio “H2OH! Limoneto – Tô sapecando” ............................................ 110
Quadro 24 Anúncio “H2OH! Limoneto – Tô sapecando” ............................................ 110
Quadro 25 Anúncio “H2OH! Limoneto – Tô sapecando” ............................................ 111
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 17
CAPÍTULO I – O contexto: nosso tempo
1. O Contemporâneo ............................................................................................... 22
1.1 Globalização e as referências de poder ............................................................... 25
1.2 Transitoriedades .................................................................................................. 27
1.3 O sujeito em contexto ......................................................................................... 29
2. Cultura “líquida” ................................................................................................. 31
2.1 Cultura do consumo ............................................................................................ 33
2.2 O consumo cultural num mundo globalizado ..................................................... 35
3. Identidades culturais ............................................................................................ 37
3.1 Identidades comunais e hegemonia ..................................................................... 39
3.2 Novas narrativas .................................................................................................. 41
3.3 O politicamente correto ....................................................................................... 43
CAPÍTULO II – O texto: ética e publicidade contemporâneas
1. Ética por quê? ...................................................................................................... 46
1.1 Ética e moral ........................................................................................................ 47
1.2 Deontologia ......................................................................................................... 48
2. Ética publicitária ................................................................................................. 50
2.1 Representações .................................................................................................... 53
2.2 Sociedade “pós-moralista” .................................................................................. 54
3. Publicidade contemporânea e a questão ética ..................................................... 57
3.1 Estratégias de identificação ................................................................................. 59
3.2 Uma nova retórica ............................................................................................... 61
CAPÍTULO III – UMA ANÁLISE DO DISCURSO PUBLICITÁRIO
1. O discurso ............................................................................................................ 62
1.1 A construção social do sentido ............................................................................ 63
1.2 Interdiscurso ........................................................................................................ 65
1.3 Semântica e sintaxe discursivas .......................................................................... 67
2. Um dispositivo analítico ...................................................................................... 69
2.1 Outros elementos de análise ................................................................................ 72
2.2 Os discursos publicitário e politicamente correto ................................................ 73
2.3 O mediador: Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária ............. 75
2.4 Da respeitabilidade .............................................................................................. 77
3. Categorias de análise ........................................................................................... 78
3.1 Definição do corpus ............................................................................................ 84
CAPÍTULO IV – OBJETOS E SEUS DISCURSOS
1. Introdução ............................................................................................................ 89
2. Análise da peça “Oi Pontos – o programa de relacionamento da Oi” ................. 90
2.1 Observações ........................................................................................................ 93
3. Análise da peça “Havaianas – Lune de miel” ..................................................... 95
3.1 Observações ....................................................................................................... 99
4. Análise da peça “Quem usa Tigre é autoridade no assunto” ............................ 100
4.1 Observações ...................................................................................................... 102
5. Análise da pela “Vivo – Aqui tem tudo” ........................................................... 103
5.1 Observações ...................................................................................................... 107
6. Análise da peça “H2OH! Limoneto – Tô Sapecando!” .................................... 109
6.1 Observações ...................................................................................................... 112
7. Dos discursos .................................................................................................... 113
CONCLUSÃO ............................................................................................................... 115
REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 120
RESUMO
ZANINI, Gustavo Moreira. Publicidade e o politicamente correto: interdiscursividades na
construção social do sentido. 2015. 125 f. Dissertação (Mestrado em Comunicação Social) –
Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo.
Ao que se percebe, paradigmas até então vigentes passam a ser considerados singulares e
ditatoriais. Em contrapartida, estabelece-se uma nova acepção, cujo norte é o pensar
“politicamente correto”. Entendendo a publicidade como um produto sociocultural, essa
pesquisa inicialmente é bibliográfica visando à conceituação e análise de questões inerentes
ao seu tema. Com este contexto devidamente apreendido, uma análise pragmática do discurso
foi realizada em um corpus de anúncios publicitários veiculados entre 2009 e 2014, no meio
televisivo brasileiro de formato aberto. Nossa investigação se concentrou nos modos com que
os elementos postulados pelo pensamento politicamente correto vêm sendo incorporados ao
gênero publicitário em construções de sentido. Pudemos observar uma tendência de
repreensão de determinados grupos a conteúdos publicitários que tocam em temáticas muito
específicas, com interpretações marcadas por um alto grau de subjetividade; e o que se busca
muitas vezes, através de um empoderamento permitido por nosso contexto atual, é mesmo a
supressão de determinadas temáticas dentro da comunicação publicitária.
Palavras-Chave: Publicidade. Politicamente correto. Construção social do sentido. Identidade.
Análise do discurso.
ABSTRACT
ZANINI, Gustavo Moreira. Advertising and the political correctness: interdiscursivities
on the social construction of meaning. 2015. 125 f. Dissertation (Master in Social
Communication) - Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo.
We realized that the traditional paradigms are now considered singular and dictatorial. On the
other hand, sets out a new meaning whose north is the “political correctness”. Understanding
the advertising as a socio-cultural product, this research is initially a bibliographic study,
aimed the conceptualization and analysis of issues related to your theme. With this properly
seized context, a pragmatic discourse analysis was performed on a corpus of advertisements
aired between 2009 and 2014, on brazilian television through open format. Our investigation
focused on the ways that elements postulated by politically correct thinking are being added
to advertiser gender, in constructions of meaning. We could observe a rebuke trend of certain
groups to advertising content that touch on very specific themes, with interpretations marked
by a high degree of subjectivity; and what is being sought, oftentimes, through an
empowerment permitted by our present context, is in fact the suppression of certain themes
within the advertising communication.
Key Words: Advertising. Political correctness. Social construction of signification. Identity.
Discourse analysis.
RESUMEN
ZANINI, Gustavo Moreira. Publicidad y corrección política: interdiscursividades en la
produción social del sentido. 2015. 125 f. Disertación (Master en Communicación Social) –
Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo.
Nos damos cuenta de que los paradigmas vigentes hasta entonces ahora son considerados
particulares y dictatoriales. Por otra parte, establece un nuevo intento, cuyo norte es o pensar
"políticamente correcto". Entendendo la publicidad como un producto sociocultural, esta
investigación es inicialmente bibliográfica y dirigida a la conceptualización y análisis de
temas relacionados con su tema. Con este contexto debidamente apoderado, se realizó un
análisis pragmática del discurso en un corpus de publicidades emitidas entre 2009 y 2014, en
la televisión brasileña a través de formato abierto. Nuestra investigación se centró en las
formas en que se están agregando los elementos postulados por el pensamiento políticamente
correcto a construcciones sociales de significado. Pudimos observar una tendencia a
reprensión de ciertos grupos a los contenidos publicitarios que tocan en temas muy
específicos, con interpretaciones marcadas por un alto grado de subjetividad; y lo que se
busca, a menudo, a través de un empoderamiento permitido por nuestro contexto actual, es
mismo la supresión de ciertos temas dentro de la comunicación publicitaria.
Palabras Clave: Publicidad. Políticamente correcto. Construcción social del sentido.
Identidad. Análisis del discurso.
17
INTRODUÇÃO
Essa pesquisa discute e analisa a comunicação publicitária brasileira, constituída de
discursos alusivos a comportamentos, pensamentos e estereótipos usuais, paradoxalmente
ainda vivos e fortes na sociedade em seu senso comum, mas que, talvez, já não sejam mais
bem aceitos, igualmente, por todos os seus grupos. Em contrapartida, surge um novo
pensamento, entendido como “politicamente correto”, que, por ainda não estar
suficientemente delimitado, pode provocar reações negativas por parte dos receptores da
informação, ou do conteúdo publicitário, quando fora desse novo modelo de representação.
Em tal contexto, supõe-se o surgimento de novos desafios relativos à criação publicitária,
especialmente quando consideramos uma sociedade como a brasileira - composta por
diferentes classes, culturas e identidades, bem como estabelecida em dimensões continentais;
de forma a configurar naturalmente alteridades identitárias e interpretações culturais bastante
distintas.
O problema central deste estudo trata, portanto, de alguns desses novos desafios
relativos à publicidade, entendida aqui como produto sociocultural; ou seja, como discurso
que reflete e refrata, simultaneamente, o contexto social no qual está inserido. Buscamos
apresentar algumas análises críticas, acerca destes novos fenômenos dentro do atual cenário
de movimentações e reinterpretações das identidades; assim como de estereótipos e elementos
sociais coercitivos, até então vigentes dentro desse tipo de comunicação.
Falamos de coerções sociais, que emergem em decorrência dos processos naturais de
mudança e que, portanto, até então não havíamos analisado racionalmente; ou melhor, de
maneira consciente: condutas, hábitos, costumes, valores (ou a falta deles), crenças,
atribuições de significados e imaginários. Elementos estes que são compartilhados pela
linguagem e instituem o senso comum do nosso jeito de ser e de se relacionar com os outros,
delimitando os contextos onde ocorrem as interações e as comunicações sociais, inclusive a
publicidade. Falamos, assim, de um contexto “trans-paradigmático”, de alterações e de
contínuas reinterpretações culturais e identitárias, onde a publicidade deve se reconstruir com
base no estabelecimento de novas culturas e novos valores.
18
Ao tentar estabelecer comunicação com os novos imaginários que se consolidam junto
às novas significações identitárias – permeadas, neste momento e muitas vezes, pelas
demandas do politicamente correto, a publicidade é desafiada a se reconstruir
discursivamente, uma vez que estratégias de segmentação da mensagem parecem ter o poder
de despertar reações negativas e indesejáveis por diferentes grupos componentes do meio
social. Nossa investigação se concentra na mensagem, que estudada profundamente revela o
extrato dos componentes culturais, ideológicos, filosóficos e antropológicos de seus
interlocutores. Aprofundando-nos, assim, nas convenções tácitas que permeiam e organizam
as relações sociais em suas significações, compartilhadas exclusivamente pela linguagem. Em
tal contexto, a reflexão sobre os processos sociais e as profundas transformações vividas nos
últimos anos, motiva ainda mais os estudos de natureza analítico-discursiva.
Não podemos considerar que a publicidade tenha apenas o objetivo de levar
“receptores” totalmente reativos ao consumo material, o não acontece na maioria das vezes.
Mas sim, direcionar a atenção ao “consumo simbólico” da informação, ou do conteúdo
gerador de efeitos de sentido e entendimento nos indivíduos. Tomando o texto como unidade
de análise, nosso referencial teórico-metodológico é a Análise do Discurso, com base na
Escola Francesa. Buscamos explorar certa materialidade linguística e, por conseguinte,
ideológica; considerando a natureza dialógica do discurso publicitário, bem como articulando
sua intersecção em contextos permeados por outro discurso antagônico: o politicamente
correto.
O politicamente correto consiste numa corrente de pensamento intimamente ligada às
ciências políticas e composta por um conjunto de medidas e princípios postulados na tentativa
de solucionar problemas de ordem social. Com origem no final dos anos 1940, nos Estados
Unidos, o politicamente correto surge em meio aos debates entre socialistas e membros do
partido comunista norte-americano. A “correção política” se referia aos ideais mais
dogmáticos dos comunistas ortodoxos, e soava como uma espécie de ataque aos socialistas
(com ideais mais libertários), de forma a separar um grupo do outro. Curiosamente, o termo
ressurgiu nos anos 1990, no discurso político da direita neoconservadora, também norte-
americana, em ataque contra acadêmicos que defendiam o multiculturalismo. Para eles, a
proposta multicultural teria raízes comunistas, pois é tão autoritária e ortodoxa como a
primeira, uma vez que obriga a todos aceitarem, indiscriminadamente, a diferença.
19
Trata-se de um movimento presente hoje em quase todo o mundo ocidental, e que
atravessa as esferas políticas, institucionais, pedagógicas, midiáticas e mercadológicas.
Permite a mescla de correntes filosóficas, antropológicas, sociológicas, linguísticas e, de certa
forma, impõe a desconstrução de ideários valorativos e significativos componentes da
instituição social. A linguagem, por sua vez, é a responsável pela sua materialização e permite
seu compartilhamento, sobretudo no que se refere a indivíduos ou grupos entendidos como
minoritários.
Sabemos que a produção de sentidos se dá com base na apropriação e interpretação, de
cada um, a partir de suas experiências históricas e das mediações culturais entrelaçadas ao
processo. Por isso, as maneiras para que uma Análise do Discurso seja realizada de forma
efetiva são complexas e não podem ser confundidas com fórmulas, uma vez que o interlocutor
apresenta suas características próprias, sejam elas individuais ou grupais.
Dentro da publicidade, os estereótipos funcionam como uma espécie de recurso
cognitivo facilitador de entendimento, acerca de um discurso mercadológico. Funcionam
como ferramenta estratégica de persuasão, eficaz na (de)codificação, no armazenamento, na
consolidação e na recuperação da mensagem na estrutura cognitiva do interlocutor. Tais
elementos são largamente explorados na criação dos discursos publicitários, e podemos
identificá-los de maneira explícita ou implícita, em diferentes níveis, na construção das
mensagens; assim como, dentro do jogo promovido pela publicidade e firmado na relação
com seus interlocutores.
Concordamos com Maria Rita Kehl (2008) que, atualmente, o maior desafio da
publicidade é justamente fornecer argumentos aos seus interlocutores, a fim de que possam
reinventar a própria realidade e diferenciar-se frente aos demais. Este cenário, fértil para
construções identitárias e imaginativas, permite à publicidade, enquanto fonte de novas ideias,
informação e comportamentos, bem como uma das principais manifestações midiáticas do
Brasil contemporâneo, transitar pelas insurgentes questões sociais, posicionando-se de alguma
maneira em relação a tal contexto.
Hoje, deparamo-nos com a polarização de temas vitais ao convívio social, tais como:
liberdade/repressão, ético/antiético, moral/amoral, inclusão/exclusão, aceitável/inaceitável,
sustentável/não sustentável, etc., e de dentro de cada um destes é possível ocorrer ainda uma
gama de ramificações potencialmente opostas. Por isso, são esperados conflitos diversos, os
quais esbarram em diversas áreas, inclusive na publicidade. Vivemos, ainda, um momento
onde a opinião pública se confunde com o que seria, de fato, a regulamentação do setor das
comunicações.
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No campo da publicidade, são numerosos os recentes casos de conteúdos julgados
pelo Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária, o CONAR, sendo que isso
aconteceu devido, principalmente, às manifestações de grupos classificados ainda como
“minorias” e, não necessariamente, por infringirem as normas estabelecidas pelo órgão.
Trabalhos chegaram a ser encerrados por causa das proporções de repercussão negativa, de
modo a se verem os próprios anunciantes obrigados a retirá-los de circulação.
Estes dois casos de “repressão” a conteúdos publicitários têm muito em comum,
mesmo sendo diferentes os seus determinantes. Ambos trazem elementos que fazem
referência a culturas em processo de desconstrução e/ou reconstrução, e que vão contra o
discurso politicamente correto, que empodera os sujeitos a se posicionarem ativamente contra
determinadas representações. Hoje, temos cada vez mais dificuldade em controlar a recepção
dos conteúdos, já que vivemos tempos de total liberdade de expressão e de pensamento. O
receptor tornou-se interlocutor, e é totalmente proativo dentro do processo comunicacional. A
descontinuidade, bem como o contrafluxo da mensagem, criam cada vez mais subprodutos do
conteúdo original.
Por meio de uma análise pragmática do discurso, o corpus que compõe essa pesquisa
será estudado de modo a evidenciar nossa proposta, com atenção especial à mensagem.
Entende-se que é a mensagem, em seu discurso, quem revela toda a rede sígnica evocada
pelos interactuantes do processo comunicacional, na busca e apreensão de sentidos. Aspectos
como intencionalidade, argumentatividade, referências e associações em dialogismo, são
empregados persuasivamente e voltados, principalmente, ao consumo simbólico da
informação, os quais serão evidenciados e analisados criticamente, articulando-os neste
contexto de intensas transformações.
Iniciamos esse percurso apreendendo elementos relativos ao contexto do nosso
problema. Portanto, no primeiro capítulo falamos da sociedade contemporânea em suas
nuances culturais e identitárias. Nosso objetivo foi delimitar um cenário que é completamente
complexo e difuso e, por meio de uma pesquisa bibliográfica, nos concentramos em aspectos
gerais, os quais nos ajudam a perceber elementos relacionados diretamente ao nosso problema
de pesquisa. Definindo o sujeito contemporâneo e seu contexto social, dirigimos nossa
atenção ao conceito de identidade, articulando proposições sobre esse conceito e dentro deste
contexto entendido como “trans-paradigmático”. Confrontados com as novas narrativas de
pertencimento, encontramos no “Politicamente Correto” o agrupamento de conceitos e
elementos discursivos intimamente relacionados a essa situação de mudança.
21
No segundo capítulo, sentimos a necessidade de discutir o comportamento da
comunicação publicitária nesse contexto maior. Para isso, discorremos sobre a ética
publicitária contemporânea, sobretudo no que tange as representações sociais que ela,
enquanto discurso, faz. Num segundo momento, debatemos as estratégias de identificação
empregadas persuasivamente na consecução de objetivos mercadológicos, e constatamos um
novo modelo de retórica.
Seguindo em nossa pesquisa, com “contexto” e “texto” devidamente apreendidos,
evocamos um referencial teórico-metodológico sobre o discurso e a construção social do
sentido. Com isso, no capítulo três, pudemos definir nosso dispositivo analítico, determinando
nossas categorias e elementos de análise. Na sequência, delimitamos nosso corpus e podemos,
por fim, proceder nossas análises.
No capítulo quatro, desenvolvemos as cinco análises discursivas que compõe nossa
pesquisa, com o objetivo de identificar padrões no comportamento da comunicação
publicitária num momento de atualização dos paradigmas, com base em anúncios
criteriosamente selecionados, de modo a evidenciar nossas proposições. Chegando, assim, às
conclusões de nossa dissertação.
22
CAPÍTULO I
O CONTEXTO: NOSSO TEMPO
1. O CONTEMPORÂNEO
Parece-me coerente iniciar nossa discussão pela dissertação doe conceitos
estruturantes, tais como o de identidade e cultura, sobretudo em contexto contemporâneo. Tais
conceitos apresentam-se como verdadeiras matrizes estruturantes de pensamento, associação,
significação e autodeterminação humana; portanto, não só relacionam-se entre si, como
também se constituem como colunas de sustentação em nossa pesquisa. Faremos resgate de
tais conceitos, mas, primeiramente, nos concentraremos no contexto social vigente.
Primeiramente, é oportuno dizer que entendemos a publicidade como um discurso
social. Assim, ela oferece um espaço legítimo de representação do seu contexto sócio-cultural
ao mesmo tempo em que atua de modo a (re)elaborá-lo. Assim, a compreensão de nuances do
nosso momento se faz fundamental ao início de nossa discussão. Não há um consenso
terminológico, conceitual ou esquemático que defina o contemporâneo. O nosso tempo, em
sua complexidade e pluralidade faz com que não abarquemos, nessa breve discussão, todo o
seu significado. Buscamos, aqui, simplesmente conceituar um modelo de sociedade, evocando
alguns de seus princípios, sobretudo os novos modelos de representação e de pensamento.
Lyotard (2008) defende que vivemos o fim das metanarrativas, especialmente àquelas
relativas ao modernismo. O que o autor afirma é que todos os grandes esquemas explicativos
tradicionais e modernos ruíram, e foram desacreditados; inclusive a ciência e seus métodos
aplicados por perderem o status de guardiães de “verdades absolutas”. O autor nomeia esta
condição como “pós-modernismo”, justamente por defender que as crenças em visões
totalizantes, que dirigiam as regras de conduta relativas ao modernismo, se desfizeram. Num
cenário multicultural, nenhuma metanarrativa é, para ele, totalmente aceita por todos os
grupos; não há mais um acordo comum.
23
Já Habermas (1990) relaciona o contemporâneo às tendências culturais e políticas
neoconservadoras, ou seja, determinadas a combater especificamente os ideais iluministas
emancipando, assim, o “projeto moderno”. O autor defende que vivemos numa condição
peculiar do modernismo, agora pautados num diálogo aparentemente livre de coerções
sociais.
Por sua vez, encontramos em Zigmunt Bauman (2001) o conceito de “modernidade
líquida” como forma póstuma da modernidade. Apresentando conceitos sobre uma realidade
ambígua e multiforme, onde redes substituem estruturas, onde tudo que era ou é “sólido” pode
ou vai “derreter”. Não entraremos no mérito de discutir todos os pensamentos variantes sobre
o contemporâneo, nem as diversas nomenclaturas apresentadas. Neste estudo, para nos
referirmos ao tempo presente, elegemos simplesmente “contemporâneo” como termo, e
seguiremos majoritariamente as ideias de Bauman - por verificar que o autor se aproxima
bastante de aspectos relacionados ao consumo, os quais aqui mais nos interessam.
De qualquer forma, entendemos que vivemos um momento de quebra dos paradigmas
em nossa condição sócio-cultural, estética, política e ideológica. Na verdade, trata-se mais de
um tempo marcado por uma ideologia pós-paradigmática, uma vez que qualquer paradigma
ou dispositivo homeostático, conformista ou rotineiro, contém certa previsibilidade que, na
atualidade, é frequentemente rejeitada. Cultura e identidade emergem aqui como estruturas
que caracterizam e que nos ajudam a apreender o novo contexto. Recorremos mais uma vez a
Lyotard (2008), que entende o contemporâneo como uma “condição cultural”, caracterizada
pela mudança constante em perseguição a um ideal de progresso. Nosso tempo, para ele,
representaria, então, a culminação deste processo: a mudança constante é o novo status quo.
O atual período também tem diversas ramificações políticas, e destacamos alguns
recentes movimentos correlatos: o feminista, o de igualdade racial, o favorável aos direitos
dos homossexuais, as diversas formas de anarquismo, até mesmo os movimentos de paz, de
anti-globalização, de crise de representação política nos sistemas democráticos ou, ainda, os
relacionados à preservação do meio ambiente. Diversos outros movimentos híbridos decorrem
destes e, apesar de, em sua maioria, não abraçarem inteiramente todos os aspectos
contemporâneos, notamos certos reflexos de ideias mais centrais e comuns a todas essas
manifestações. Vemos emergir minorias que se autoafirmam e se agrupam em comunidades
coesas, buscando ressignificações e, ao mesmo tempo, o reforço de suas alteridades.
24
O fato é que, muitos de nós, em diferentes níveis de consciência ou de interpretação,
vivemos a “desconstrução” do que era, até então, nossa realidade compartilhada, que se
apresenta, agora, num processo de reconfiguração polissêmica. Padrões até então rígidos
e que serviam de base para a delimitação das identidades (re)conhecidas (classes ou
segmentos de classes, raça, gênero, origem geopolítica, religião, etc.) são agora convidadas a
coexistirem com “novas” categorias identitárias, que apresentam-se como alternativas e que
são baseadas nas infinitas individualidades constitutivas dos sujeitos.
Compreendemos essa reconfiguração, sobretudo, apreendendo os conceitos “líquidos”
de Bauman (2001), como o encurtamento das distâncias, a substituição de cidadãos por
consumidores, o deslocamento do poder político e, talvez o mais importante, a presença
contínua das mídias nas relações sociais, dinamizando as mudanças. Os padrões difundidos,
até então, pelas instituições tradicionais e chamadas pelo autor de “sólidas” se liquidificam e
provocam o que Stuart Hall (2006) classificou como “crise de identidades”. Paisagens
culturais que forneciam os alicerces para a localização dos indivíduos de certa forma se
fragmentam, e tornam a identidade algo totalmente descontínuo.
O indivíduo, dentro deste novo contexto, tem total liberdade de assumir diferentes
papéis em processos de identificação que não são mais automáticos. As novas estruturas
impõem que assumamos diferentes identidades e mais, que lhes atribuamos diferentes
significações; as quais, certamente, serão conflitantes ou não totalmente resolvidas. Não
habitando nenhum espaço pré-definido e estando, portanto, sempre deslocados,
experimentamos constantemente uma espécie de “negociação”.
A localização individual baseada nessa descontinuidade torna a identidade algo de fato
flutuante. Tão logo uma identidade é assumida e defendida, o indivíduo deve preparar-se para,
logo em seguida, abandoná-la e assumir outra. Talvez ele o faça mesmo que
momentaneamente, estimulado, sobretudo, pelo consumo. As relações afrouxam-se,
volatilizam-se e se tornam descartáveis, tão qual uma peça de roupa. Não há um eixo imóvel
ou referências totalmente fixas. No contemporâneo, o social ambienta-se, portanto, no “não
lugar”. E aqui encontramos as características principais que, acreditamos, fundamentam nossa
discussão.
Discorreremos, a seguir, sobre essas principais características, relacionando-as ao
consumo e à publicidade, buscando apreender como o discurso publicitário se reacomodou
dentro deste novo contexto.
25
1.1 GLOBALIZAÇÃO E AS REFERÊNCIAS DE PODER
Nesta discussão não podemos ignorar o processo de globalização, e seus impactos nas
percepções de cultura e de identidade do sujeito contemporâneo. Seguindo as ideias de Hall
(2006), a globalização altera profundamente as noções de tempo e de espaço, desalojando o
sistema social e suas estruturas até então fixas. Ela ainda favorece a pluralização dos centros
de exercício do poder. O pensamento aproxima-se com o de Bauman:
A “globalização” sustenta-se basicamente numa rede de dependências inter-
humanas, ampliada a dimensões globais. A questão, contudo, é que esse processo
não se faz acompanhar do aparecimento de uma gama equivalente de
instituições de controle político capazes e eficientes, ou algo como uma
cultura verdadeiramente global. A separação entre poder e política está
estritamente ligada ao desenvolvimento desigual da economia, da política e
da cultura. (BAUMAN, 2013 p.75)
O poder se encarna na distribuição mundial de capital e de informação, tornando-se
extraterritorial. Ao passo que instituições políticas tradicionais, ao contrário, permanecem
locais. Esse paradoxo (poder econômico em escala mundial versus controle político local)
leva inevitavelmente à fragilização irrefreável da percepção sólida de um Estado-Nação. A
desregulamentação cede o controle econômico e cultural às forças de mercado, que são livres
de qualquer controle normativo. Este tipo de vácuo institucional resulta numa busca
incessante de permanências:
Qualquer sentimento de segurança existencial balança em seus alicerces. Os laços
de sangue e solo relembrados do passado perdem muito de sua antiga credibilidade
nas novas condições. Como repete Jeffrey Weeks em outro contexto, quando
velhas narrativas de “pertencimento de berço” grupal (comunal) não parecem mais
verossímeis, cresce em seu lugar a necessidade das “histórias de identidade”, em
que “dizemos a nós mesmos de onde viemos, quem somos agora, para onde
vamos”. (BAUMAN, 2013, p.76)
Os novos relatos são, então, fundamentais para restaurar algum sentimento de
segurança e reafirmar a confiança perdida, tornando possível a interação com as outras
pessoas. Sem as referências de outrora, há que se buscar novas narrativas de pertencimento
que subsidiem a identidade, para que não se viva uma espécie de complexo de inadequação.
Quanto mais forte for a ameaça da existência coletiva de um determinado grupo social, maior
é o sentimento resultante de comunidade. “Em aparência, incapazes de controlar as relações
26
sociais em que elas próprias estão envolvidas, as pessoas fazem com que o mundo encolha até
chegar ao tamanho de suas comunidades, e atuam politicamente com base nisso. O resultado,
com muita frequência, é um particularismo obsessivo como forma de assumir ou enfrentar a
contingência.” (WEEKS, 2000 in BAUMAN, 2013, p.78). A coesão se dá, então, através da
construção de um sólido sentido de resistência e de empoderamento.
Tal movimento, nos leva ao que Bauman (2013) chama de “ideologia conservadora”
ou de “pragmática da exclusividade”. Conservadorismos e exclusivismos, segundo ele, são
indispensáveis para que o verbo se faça carne, para que a comunidade “imaginada” estabeleça
interrelações de dependência que a farão real. Entretanto, os movimentos são mais complexos
que isso. De certa forma, vive-se outro paradoxo, dado que os conceitos até então vigentes de
identidade e cultura – historicamente baseados nos ideais iluministas - parecem tornar-se
verdadeiros entraves ao novo projeto de status quo, com permanentes e compulsivas
mudanças. Compromisso e comprometimento agora atrapalham e são, ou devem, ser evitados.
O futuro sempre foi incerto, mas o seu caráter inconstante e volátil nunca pareceu
tão inextricável como no líquido mundo moderno da força de trabalho flexível, dos
frágeis vínculos entre os seres humanos, dos humores fluidos, das ameaças
flutuantes e do incontrolável cortejo de perigos camaleônicos. (BAUMAN, 2005,
p.74)
Neste contexto, a identidade torna-se, como sugere Hall, um conceito sob rasura,
“uma ideia que não pode mais ser pensada da forma antiga, mas sem a qual certas questões-
chave não podem sequer serem pensadas.” (HALL, 2005, p.104). Já a cultura, antes seletiva e
exclusiva, é moldada agora para ajustar-se à liberdade individual e manifesta-se em inúmeros
artigos voltados exclusivamente ao consumo: “ela afasta todos os rígidos padrões e
exigências, aceita todos os gostos com imparcialidade e sem uma preferência unívoca.”
(BAUMAN, 2013, p.18).
27
1.2 TRANSITORIEDADES
Vivemos numa sociedade baseada essencialmente no consumo. Para girar a roda, é
necessário que se consuma mais e mais, estimulando, sobretudo, novas necessidades que são
impostas ininterruptamente. O resultado de uma vida voltada ao consumo incessante é uma
espécie de transitoriedade sistêmica. O permanente esquema de desejar, buscar, adquirir,
descartar e voltar a desejar, num átimo, estende-se para âmbitos maiores que o
mercadológico. Quando nada está, de fato, totalmente ao alcance, os indivíduos incorporam o
novo pensamento à sua própria significação, bem como às significações sociais adjacentes. O
fato é que vivemos:
num mundo cheio de oportunidades – cada uma mais apetitosa e atraente que a
anterior, cada uma ‘compensando’ a anterior, e preparando o terreno para a
mudança para a seguinte’ – é uma experiência divertida. Nesse mundo, poucas
coisas são predeterminadas, e menos ainda irrevogáveis. Poucas derrotas são
definitivas, pouquíssimos contratempos, irreversíveis; mas nenhuma vitória
é tampouco final. Para que as possibilidades continuem infinitas, nenhuma
deve ser capaz de petrificar-se em realidade para sempre. (BAUMAN, 2001,
p. 74)
O estímulo permanente ao novo inquieta e gera ansiedade. O indivíduo esgota-se em
buscas e experimenta a angústia da permanente insatisfação. Aprisionado no sistema
retroalimentado pelo mercado, o consumidor tem sempre ofertado a si bens infinitos, onde
ele, sem alternativas, busca consolar-se ou satisfazer-se - mesmo que por alguns minutos,
antes da nova onda de ansiedade atingi-lo. Decorre disso, que “o próprio caráter e
sensibilidade das pessoas foi reelaborado, reformulado, de tal forma que elas se agrupam
aproximadamente (...) com as mercadorias, experiências e sensações (...), cuja venda é o que
dá forma e significado às suas vidas.” (BAUMAN, 2001, p. 100).
Desse fator, explica-se o que entendemos primeiramente como um tempo “pós-
paradigmático”. Os paradigmas se dissolvem, ao passo que os indivíduos, neutralizados de
certa forma, associam-se e desassociam-se a este ou àquele grupo, através de seu
comportamento de consumo. Na verdade, falamos é de um momento “trans-paradigmático”.
Até porque, permanecer por muito tempo num grupo, que se autossignifica por meio de
produtos, é insuportável. A liquidez se manifesta ao impulsionar o sujeito à constante conexão
e desconexão.
28
Quando grupos distintos aproximam-se um dos outros por meio de produtos
correlatos, o distanciamento “necessário” volta a ser buscado através de novos
comportamentos de compra, novas preferências e novas demandas, que imediatamente são
atendidas pelos produtores com o objetivo claro de reestabelecer a “ordem”. Assim, é através
do consumo que o motocontínuo líquido cascateia-se por todos os elementos do real que nos
enreda. O poder de “desmontagem” do nosso tempo avassala as percepções instituintes da
sociedade, até então. Governo, hierarquia, trabalho, família, cidadania, ideologia, identidade e
cultura; tudo está em trânsito acelerado, tudo está por devir.
É interessante que nos atentemos à questão da imediatez. É ela quem impulsiona tudo
o que já dissertamos até aqui. Mas como falar em imediatez quando o que se busca, de fato,
não é alcançado? A substituição contínua impede a conquista; ou melhor, torna-a efêmera.
Portanto, a nova estética - pautada no consumo - adia constantemente a conquista da
satisfação. Deste modo, os sujeitos experimentam uma espécie de procrastinação da
satisfação, onde a substituição de uma meta por outra, aumenta a percepção de uma efetiva
recompensa à espera:
Paradoxalmente, a negação da imediatez, a aparente degradação dos objetivos,
redunda em sua elevação e enobrecimento. A necessidade de esperar magnífica os
poderes sedutores do prêmio. Longe de rebaixar a satisfação dos desejos como
motivo para os esforços da vida, o preceito de adiá-la torna-a o propósito supremo
da vida. O adiamento da satisfação mantém o produtor a serviço do consumidor –
mantendo o consumidor que vive no produtor plenamente acordado e de olhos bem
abertos. (BAUMAN, 2001, p. 182)
O processo é o propulsor fundamental do sistema capitalista no mundo
contemporâneo. A efemeridade da satisfação trabalhando pelo consumo incessante resulta no
adiamento perpétuo da satisfação plena e verdadeira. Uma vez que a autossatisfação
experimentada pelo sujeito jamais é suficiente para aquietar a ansiedade viciosa, pulsante em
seu interior. Seria algo como capitalizar os espíritos.
O que conta, entre a qualidade das coisas e dos atos é só a ‘autossatisfação’
instantânea, constante e irrefletida. Obviamente, a demanda de que a satisfação seja
instantânea vai contra a procrastinação. Mas, sendo instantânea, a satisfação não
pode ser constante, a menos também que seja de curta duração, impedida de se
estender além da duração de seu poder de diversão e entretenimento. (BAUMAN,
2001, p. 183).
29
Nesta condição, há a instauração da necessidade permanente no sujeito de reclassificar
sua visão, sua autodeterminação e sua autossignificação ad continuum. A substituição
incessante de um desejo ou necessidade por outra, prontamente atendida pelo mercado, ao
mesmo tempo em que esta é superada por produtos novos e melhores que sobrepujam
emocional, ou racionalmente seus antecessores, liquidifica as próprias necessidades e a
própria satisfação, bem como a própria individualidade do sujeito. A instantaneidade
oferecida justifica a substituição permanente, e o sujeito age com base no poder ser, poder ter
e poder experimentar agora.
1.3 O SUJEITO EM CONTEXTO
A coabitação atual e compulsória de velhos e de novos paradigmas, sobrepondo-se uns
aos outros, abre espaço para diversas formas de pensamento, libertando os indivíduos de
ideologias dominantes. “As velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo
social, estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo
moderno.” (HALL, 2005, p. 7). A experiência do plural amplia a percepção do “eu” e as
individualidades anseiam, assim, por uma espécie de protagonismo hedônico.
O movimento reafirma-se externamente, pelo que é mostrado e pelo o que é possuído.
O “eu” contemporâneo existe com base naquilo que significa esse “eu” em seu entorno, não
em seu interior, dado que esse “eu” se conjuga a partir de uma sociedade de consumo. Sem
referências fixas de identificação, as identidades alternam-se e vivenciam livremente as
experiências da alteridade. Para que o sujeito sinta-se parte de um determinado grupo e para
que ele interaja com semelhantes deste mesmo grupo, ele deverá se enquadrar num modelo
bem definido de hábitos e costumes, principalmente de consumo.
O mesmo se dá com os grupos sociais, que também se autodeterminam por fatores
externos e não mais por elementos internos, como sua cultura por exemplo. Desta forma, a
identidade, agora cambiante, permite ao indivíduo a migração para diferentes e distantes
grupos. Ela, a identidade, não é mais uma estrutura, e sim um processo. Talvez pareça uma
experiência nobre de autoconhecimento. Entretanto, as relações interpessoais, por serem
pautadas pelo “externo”, tornam-se frágeis e passageiras, permitindo que não haja, após o
câmbio identitário, qualquer ligação entre o sujeito e seu agora antigo grupo.
30
Podemos entender, então, que a impermanência não é apenas característica do
indivíduo. A volatilidade estende-se, igualmente, aos grupos sociais, que sucumbem muitas
vezes antes mesmo de seus aspirantes experimentarem alguma efetiva integração. Podemos
então supor, que alguns grupos são apenas imaginados, idealizados, sem ter sido efetivamente
povoados, uma vez que nunca se sabe ao certo se se está lá. O objetivo foi alcançado a tempo,
ou já há um processo de mudança na busca por um novo objetivo substituto? Desta técnica de
construção comunitária só podem resultar comunidades extremamente frágeis, de medos e
ódios compartilhados, como sugere Bauman (2001).
O isolamento e a sensação de vazio interior são as características experimentadas pelo
sujeito ao viver tais experiências. Sem a identificação efetiva e verdadeira com seu exterior, o
indivíduo experimenta um constante isolamento e distanciamento dos demais, com quem se
“relaciona” apenas exteriormente. A introspecção abre espaço para a identificação de novas
ondas de desejo e canaliza energia para novas buscas. Ao mesmo tempo, um sentimento
hedônico irrefreável apodera-se do indivíduo, que passa a idealizar seu “estar no mundo”.
Uma nova busca inicia-se com base na projeção desse ideal, que é igualmente passageiro.
O que emerge no lugar das normas sociais evanescentes é o ego nu, atemorizado e
agressivo à procura de amor e de ajuda. Na procura de si mesmo e de uma
sociabilidade afetuosa, ele facilmente se perde na selva do eu (...). Alguém que
tateia na bruma de seu próprio eu não é mais capaz de perceber que esse
isolamento, esse “confinamento solitário do ego” é uma sentença de massa. (BECK
in BAUMAN, 2001, p.47)
O modelo hedônico de vida não permite fracassos. Quando o sujeito não consegue
associar-se a um grupo, no qual ele projetou seus ideais e que supririam suas angústias, assim
como seus anseios atuais, um intenso abalo psicoemocional é experimentado. Acostumado a
tudo poder e ter, o sujeito contemporâneo não tem habilidades psicológicas para lidar com a
insatisfação, com o “não ser”. A ideologia do “depende só de você” faz do sujeito uma vítima
de si próprio:
Viver diariamente com o risco da autorreprovação e do autodesprezo não é fácil.
Com os olhos postos em seu próprio desempenho – e, portanto, desviados do
espaço social onde as contradições da existência individual são coletivamente
produzidas – os homens e mulheres são naturalmente tentados a reduzir a
complexidade de sua situação a fim de tornarem as causas do sofrimento
inteligíveis e, assim, tratáveis. (BAUMAN, 2001, p.49)
31
O individualismo e o hedonismo fazem aqui com que o sujeito sinta-se o único
responsável pela sua insatisfação, pelo seu fracasso na consecução de um objetivo traçado e
com a falsa noção do “por ele mesmo”. O eu é, portanto, o centro de todo o movimento.
Feathestone (1995, p. 48) argumenta que “a cultura de consumo usa imagens, signos e bens
simbólicos evocativos de sonhos, desejos e fantasias, que sugerem autenticidade romântica e
realização emocional em dar prazer a si mesmo, de maneira narcísica, e não aos outros”.
2. CULTURA LÍQUIDA
Amplo sistema de significações, a cultura aqui discutida vai muito além dos produtos
culturais direcionados ao consumo material, ou até mesmo simbólico. Seguindo as ideias de
Williams (1977, p.25), tomemos “o conceito de cultura como um processo social constitutivo,
que ‘cria modos de vida’ específicos e diferentes.” Desta forma, parece errôneo discutir “a”
cultura; soa mais razoável considerar as culturas no plural. No contexto social atual e numa
sociedade líquida e globalizada, tal como concebemos, percebe-se mais do que nunca a
coexistência de inúmeras culturas coexistindo - harmonicamente ou não.
A cultura, em seu sentido mais amplo, é uma forma de atividade que implica alto
grau de participação, na qual as pessoas criam sociedades e identidades. A cultura
modela os indivíduos, evidenciando e cultivando suas potencialidades e
capacidades de fala, ação e criatividade. (KELLNER, 2001, p.11)
Consideramos, então, o termo “cultura”, ainda que no singular, como um amplo
conjunto de aspectos; portanto, um sistema naturalmente plural. Este é um entendimento
relativamente novo do termo, advindo dos estudos culturais e de seus principais autores, há
algumas décadas, na Inglaterra. Até então, vigoravam definições provenientes ainda dos
ideais iluministas de cultivo, de uma “missão proselitista, planejada e empreendida sob a
forma de tentativas de educar as massas e refinar seus costumes e assim melhorar a sociedade
e aproximar ‘o povo’, ou seja, os que estão na ‘base da sociedade’, daqueles que estão no
topo.” (BAUMAN, 2013, p.12). Também se definia cultura como uma espécie de dispositivo
homeostático, de manutenção e controle social.
32
O termo “cultura” surgiu em contexto iluminista como uma missão a ser empreendida.
O objetivo era o esclarecimento, a libertação dos ignorantes das amarras dos preconceitos e
das superstições, que atuavam como entraves ao projeto moderno de progresso dos Estados-
Nação, ainda em formação. O termo era compreendido como atividade semelhante ao do
cultivo da terra infértil, que, sendo trabalhada, proporcionaria o enobrecimento e elevação dos
indivíduos componentes da massa. Buscava-se, assim, a coesão social para fortalecer a
nacionalidade de um povo.
O conceito de “cultura”, quando considerado no contexto amplo do
desenvolvimento histórico, exerce uma forte pressão contra os termos limitados de
todos os outros conceitos. Essa é sempre a sua vantagem; é sempre também uma
fonte de dificuldades, tanto na definição como na compreensão. Até o século XVIII
ele ainda era um processo objetivo: a cultura de alguma coisa – colheitas, animais,
sementes. As modificações decisivas em “sociedade” e “economia” começaram
antes, em fins do século XVI e no século XVII, e grande parte de sua evolução
essencial completou-se antes que “cultura” viesse a incluir seus significados novos
e alusivos. Estes não poderão ser compreendidos se não entendermos o que
aconteceu a “sociedade” e “economia”, e nenhum deles poderá ser plenamente
compreendido se não examinarmos um decisivo conceito moderno que exigiu uma
nova palavra no século XVIII – civilização. (WILLIAMS, 1979, p.19)
O iluminismo delegou à cultura o status de ferramenta básica à construção das novas
nações em formação. “Em suas perambulações por ambições políticas e deliberações
filosóficas, objetivo semelhante ao do empreendimento iluminista logo se havia cristalizado
(...) no duplo postulado de obediência dos súditos e da solidariedade dos compatriotas.”
(BAUMAN, 2013, p.14). Com a perspectiva da colonização de novos territórios, a ideia
iluminista de cultura enquanto projeto de esclarecimento tomou proporções globais.
Numa imagem especular da visão de ‘esclarecimento do povo’, forjou-se o
conceito de ‘missão do homem branco’ e de ‘salvar o selvagem de seu estado de
barbárie’. Logo esses conceitos ganhariam um comentário teórico sob a forma da
teoria cultural evolucionista, que promovia o mundo ‘desenvolvido’ ao status de
perfeição inquestionável, a ser imitada e ambicionada, mais cedo ou mais tarde,
pelo restante do planeta. Na busca desse objetivo, o resto do mundo deveria ser
ativamente ajudado e, em caso de resistência, coagido. (BAUMAN, 2013, p.14)
Ao longo de duzentos anos, o colonialismo permitiu o fortalecimento dos Estados-
Nação que passaram a ter seu próprio impulso. De estimulante, a cultura passou
gradativamente a tranquilizante, a uma espécie de dispositivo homeostático. De arsenal da
revolução moderna, para repositório de conservação, como sugere Bauman (2013). A
manutenção e reprodução garantiam, assim, o êxito de um sistema solidamente estabelecido.
33
Contudo, a solidez passou depois a se dissolver e a cultura a voltar-se ao indivíduo, de
forma a atender às suas necessidades e solucionar os seus conflitos. No contemporâneo, a
cultura amolda-se “para se ajustar à liberdade individual de escolha e à responsabilidade,
igualmente individual, por essa escolha” (BAUMAN, 2013, p.15).
Assim, a cultura passa a se comportar também de forma trans-paradigmática, como
acontece com o processo de identidade. Pierre Bourdieu (2011) argumenta que a cultura de
nosso tempo consiste em ofertas e estímulos. Ela colabora para a perseguição da mudança
constante - característica primeira do nosso tempo; servindo a uma sociedade de consumo
voltada exclusivamente à rotatividade. A cultura, hoje, se materializa em incontáveis produtos
comercializáveis, que competem num grande mercado. “Hoje, o sinal de pertencimento a uma
elite cultural é o máximo de tolerância e o mínimo de seletividade.” (BAUMAN, 2013, p.18).
Neste mundo aqui discutido, habitado por consumidores, a cultura não tem ignorantes
para esclarecer ou trabalhadores para manter, mas sim consumidores a seduzir; inclusive,
neles criando continuamente novas necessidades. Dessa forma, a cultura passa a ser ofertada e
consumida indiscriminadamente, dissolvendo qualquer traço de elitismo, de seleção ou de
exclusividade.
2.1 CULTURA DO CONSUMO
No contemporâneo, é a cultura, materializada em bens de consumo, quem fornece
certos subsídios aos indivíduos para que estes, ao mesmo tempo, se diferenciem das massas e
experimentem algum sentido de pertencimento. Decorre deste raciocínio que o apoio social,
somado às demandas por autonomia, fazem do sujeito um consumidor compulsivo de
símbolos culturais: “Em suma, todas essas contradições resumem-se ao conflito entre a
necessidade de dar as mãos, em função do anseio por segurança, e a necessidade de ceder, em
função do anseio de liberdade.” (BAUMAN, 2013, p.24).
A ambivalência experimentada promove o consumo de marcas que fornecem
argumentos essencialmente simbólicos de diferenciação. Tornando-as, assim, de certa forma
comuns num segundo momento. O processo ocorre demasiadamente rápido e o sujeito deve
então partir para outra(s) forma(s) de diferenciação, cujo único meio disponível é o consumo
34
de novos produtos que o associem a novos “guetos”. O traço camaleônico sugere que, hoje,
a(s) cultura(s) exige(m) a constante mudança de identidade.
Ao ato de consumir atribui-se a responsabilidade de se fazer sentir a liberdade e, ao
mesmo tempo, a integração. Featherstone (1995, p.31) aponta que “há a questão dos prazeres
emocionais do consumo, os sonhos e desejos celebrados no imaginário cultural consumista e
em locais específicos de consumo, que produzem diversos tipos de excitação física e prazeres
estéticos.” Ir às compras é, em primeira instância, um grito de liberdade, pois o indivíduo é
livre para se reafirmar ou passar a ser outra coisa, a qual tanto deseja; em suma, é isso que o
mobiliza a comprar. Paralelamente, é também este ir às compras que fornece a esse mesmo
indivíduo uma sensação de segurança, de pertencimento - uma tábua de salvação no alto mar
de suas buscas eternas.
Em suma: a mobilidade e a flexibilidade da identificação que caracterizam a vida
do ‘ir às compras’ não são tanto veículos de emancipação quanto instrumentos de
redistribuição de liberdades. São por isso bênçãos mistas – tanto tentadoras e
desejadas quanto repulsivas e temidas, e despertam os sentimentos mais
contraditórios. (BAUMAN, 2001, p.106)
É por meio deste processo que se constrói parte da racionalidade integrativa e
comunicativa de toda uma sociedade (CANCLINI, 1996, p.56). Chegamos, assim, ao
fornecedor primeiro dos discursos, que direcionam e organizam tudo o que foi apresentado: a
mídia. A mídia é quem fornece todo arsenal discursivo capaz de criar as demandas de
liberdade somadas às demandas pelo conforto do pertencimento. A aderência se dá graças a
um processo de identificação que fomenta a certeza nos indivíduos de serem merecedores do
que é comunicado. A cultura do consumo difunde-se, então, por meio do seu principal
agitador: a mídia. As narrativas apresentadas pela mídia tornam-se imperativas às narrativas
pessoais dos sujeitos, que se apropriam destes discursos para se autodeterminarem.
A possibilidade em questão é, de fato, bastante questionável. Numerosos estudos
mostram que as narrativas pessoais são meramente ensaios da retórica pública
montados pelos meios públicos de comunicação para ‘representar verdades
subjetivas’. Mas a não-autenticidade do eu supostamente autêntico esta
inteiramente disfarçada pelos espetáculos de sinceridade – os rituais públicos de
perguntas pessoais e confissões públicas. (BAUMAN, 2001, p.102)
A certeza de encontrar no produto consumido aquilo que foi apreendido por meio do
discurso proferido na mídia é tamanha que, caso o “efeito” deste consumo não seja percebido,
é experimentada uma gigantesca dissonância cognitiva. Disso decorrem uma revolta e um
35
descrédito capazes de mobilizarem pessoas contra o objeto de consumo, ou até mesmo à
marca detentora do mesmo. Em última instância, até à mídia recai certa responsabilidade.
O processo ganha ainda mais combustível ao se aliar às mídias digitais, que fornecem
amplo e novo espaço ao indivíduo. “O que se segue é que a suposta transitoriedade das
parcerias tende a se tornar uma profecia autocumprida.” (BAUMAN, 2001, p.189). Na cultura
do consumo, a lógica do consumo em si é alterada. O novo pensamento aponta para outras
modalidades de estrutura social e novas modalidades de utilização dos produtos, agora para
marcar e demarcar relações interpessoais.
2.2 O CONSUMO CULTURAL NUM MUNDO GLOBALIZADO
As referências instituintes dos Estados-Nação, como vimos, dissolvem-se às pressões
impostas pela globalização. Eixos de referência até então fixos, solidamente edificados, de
modo a permitir processos automáticos de identificação se liquidificam, não permitindo
nenhuma aderência por parte dos indivíduos. A cultura nacional, a linguagem, as referências
de poder, as estruturas políticas, religião, história nacional e tantas outras fontes de
significação coletiva cedem lugar ao novo estar no mundo, pautado agora na mudança
constante. Reguladas unicamente pelo mercado, as referências tornam-se descartáveis e as
identidades cambiantes.
Da mesma forma, até mesmo as fronteiras geopolíticas dos Estados passam a deixar de
fazer sentido. Elas são agora ondulantes e porosas e não há meios exatos de determinar quem
realmente é, e quem não é. A globalização abranda os traços mais rígidos das identidades
culturais dos grupos ao colocá-los lado a lado, sem nenhuma distancia realmente suficiente
para afastá-los por muito tempo.
Esse problema só pôde se materializar num momento em que as diferenças entre as
pessoas deixaram de ser percebidas apenas como fontes temporárias de irritação.
Ao contrário do passado, a realidade de viver na estrita proximidade de estranhos
parece algo que chegou para ficar; assim, exige que se desenvolvam ou se
adquiram habilidades que possibilitem a coexistência diária com modos de vida
diferentes dos nossos; uma coexistência, além disso, que se mostrará não apenas
sustentável, mas mutuamente benéfica – não apesar das diferenças que nos
dividem, mas em função delas. (BAUMAN, 2013, p.38)
36
Da convivência compulsiva com o estranho, do caráter líquido das identidades e da
pluralidade adquirida pelo indivíduo, decorrem relações culturais que não mais são verticais, e
sim horizontais. Não há subserviência de uma cultura à outra; todas flutuam
desordenadamente e, por vezes, realizam modalidades de intercâmbio, sendo que, em outros
momentos, entram em conflito. O direito à diferença é, então, uma das máximas da cultura em
nosso tempo. Esse direito básico está intimamente relacionado ao direito de pertencimento,
apregoado justamente pela cultura do consumo. Deste ponto surge a questão dos direitos
humanos - nova modalidade diretiva dos direitos, antes determinados através de vias
territoriais. “A nova interpretação da ideia de direitos humanos básicos estabelece, no mínimo
dos mínimos, os alicerces da tolerância mútua; mas cabe enfatizar, não chega a ponto de
estabelecer os alicerces da solidariedade mútua.” (BAUMAN, 2013, p. 38)
A disputa hoje se dá pela permissão de ser diferente. O termo “multiculturalismo”
emerge aqui como novo conceito a se considerar. O multiculturalismo apregoa a coexistência
harmoniosa entre as múltiplas culturas, que agora são vizinhas de porta. Entretanto, a filosofia
multicultural apoia, de certa forma, tendências separatistas. Já que, em último caso, promove
uma indiferença que é neutralizante. A pluralidade cultural comporta assim a aprovação da
indiferença.
Na realidade, contudo, o multiculturalismo age como uma força socialmente
conservadora. Seu empreendimento é a transformação da desigualdade social,
fenômeno cuja aprovação geral é altamente improvável, sob o disfarce da
‘diversidade cultural’, ou seja, um fenômeno merecedor do respeito universal e do
cultivo cuidadoso. Com esse artifício linguístico, a feiúra moral da pobreza se
transforma magicamente, como que pelo toque de uma varinha de condão, no apelo
estético da diversidade cultural. (BAUMAN, 2013, p.46)
O espaço público, sobrecarregado de conflitos intercomunais, favorece a hierarquia do
poder global. Para Bauman (2013), esse movimento atua estrategicamente de forma a
promover o não engajamento. Ou seja, é a abundância inexaurível de inquietação local
trabalhando a favor da manutenção do controle e do poder global, o qual é dirigido pelo
mercado. O multiculturalismo seria, então, um potencializador dos efeitos negativos de uma
globalização desenfreada. Para o autor, é graças à filosofia multicultural que forças globais
têm o poder de disfarçar as consequências destrutivas de aumento das desigualdades intra e
intersociais.
37
O perigo está no entendimento de que interpretações racistas, classistas, sexistas,
enfim, excludentes, agora se mascarem por meio de um discurso “politicamente correto”, o
qual apresentaria as desigualdades como resultado natural da multiplicidade – um direito
incontestável que não deve ser só preservado, mas incentivado. E que é amplamente
explorado pelo mercado. “O novo culturalismo, tal como o racismo que o precedeu, busca
minar a consciência moral e aceitar a desigualdade humana encarando-a como um fato que
ultrapassa nossa capacidade de intervenção (...)” (BAUMAN, 2013, p.47).
3. IDENTIDADES CULTURAIS
Para que iniciemos nossa reflexão acerca do conceito de identidade, buscamos em
Stuart Hall (1999) três concepções distintas do termo: identidade do sujeito do iluminismo, do
sujeito sociológico e, por fim, do sujeito contemporâneo. Um panorama do avanço dos
entendimentos do conceito, contextualizados cada um em seu tempo, permitirá que
fundamentemos a compreensão do termo no contemporâneo.
Na concepção iluminista, a identidade era totalmente centrada no indivíduo. A
percepção individualista baseava-se num indivíduo “totalmente centrado, unificado, dotado de
capacidades de razão, de consciência e de ação, cujo ‘centro’ consistia num núcleo interior.”
(HALL, 1999, p.10). Essa visão conferia à identidade um caráter autônomo e pouco mutável,
ou seja, a identidade do sujeito era de caráter puramente individual e pouco se alterava com
suas interações no meio social.
A evolução do mundo moderno e os estudos sociológicos trouxeram uma visão
“interativa” da identidade, que passou a ser considerada com base nas relações do sujeito com
seu meio. O núcleo do sujeito era formado “na relação com ‘outras pessoas importantes para
ele’, que mediavam para o sujeito os valores, sentidos e símbolos – a cultura – dos mundos
que ele/ela habitava.” (HALL, 1999, p.11). A identidade aqui passa a ser concebida a partir da
relação dialógica do indivíduo com seu meio. A síntese dessa relação alinha os impulsos
subjetivos individuais às condições objetivas grupais; ou ainda, seguindo na citação de Hall,
“costura o sujeito à estrutura”.
38
São justamente essas costuras que, no contemporâneo, parecem estar se soltando do
tecido. “O sujeito, previamente vivido como tendo uma identidade unificada e estável, está se
tornando fragmentado; composto não de uma única, mas de várias identidades, algumas vezes
contraditórias ou não resolvidas.” (HALL, 1999, p.12). As mudanças estruturais do social,
como as aqui discutidas, promovem a substituição de paisagens socioculturais sólidas e, até
então, automaticamente apreendidas, por novos modelos totalmente variáveis e instáveis.
Processos não automáticos de identificação formam um eu incoerente, ou seja, por vezes
contraditório ou deslocado.
A identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia. Ao
invés disso, à medida em que os sistemas de significação e representação cultural
se multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e
cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos
identificar – ao menos temporariamente. (HALL, 1999, p.13)
A descontinuidade e a descentralização do sujeito e de sua identidade é um resultado
natural dos processos de profundas transformações experimentadas pelos indivíduos no
contemporâneo. A globalização emerge em nossa discussão, mais uma vez, como fator que
potencializa o processo; e a mídia como seu principal divulgador e agitador. As
transformações das noções de tempo e espaço permitem ao sujeito experiências jamais
provadas, experiências estas que contribuem para sua descentralização.
O contato íntimo com a diferença fornece os subsídios necessários para a experiência
da descontinuidade. O sujeito, confrontado com o diferente, sente-se impelido a tomar
diferentes posições, isto é, a caminhar por diferentes identificações.
Se tais sociedades não se desintegram totalmente não é porque elas são unificadas,
mas porque seus diferentes elementos e identidades podem, sob certas
circunstâncias, ser conjuntamente articulados. Mas essa articulação é
sempre parcial: a estrutura da identidade permanece aberta. (HALL, 1999,
p. 17)
Parece, assim, ser evidente que as mudanças de autossignificação humana têm
diversas consequências e impactos na cultura, na política e também na linguagem. A ruína de
um centro fixo de referências promove a ascensão de novas identidades, que devem ser
experimentadas ou rejeitadas de forma “politizada”; há “uma mudança de uma política de
identidade (de classe) para uma política de diferença.” (HALL, 1999, p.21)
39
O fim das metanarrativas modernas vem, portanto, descentrando o sujeito e esta
descentralização parece ser o ponto chave da discussão acerca da identidade contemporânea e
multicultural. Neste mundo, as representações culturais, que antes conferiam simbolicamente
coesão às nações, ou seja, que antes forneciam toda uma paisagem na qual o sujeito se
apoiava em sua autossignificação, agora se fragmentam sensivelmente em diversos
subprodutos.
Sem a coesão conferida por uma cultura ou identidade unificadoras, as multiculturas
ou as diversas identidades híbridas constitutivas de um país, por exemplo, emergem e se
apresentam como alternativas para o sujeito em busca de pertencimento. Assim, ele tem a
permissão para transitar por estes híbridos, afirmando-se como tal.
3.1 IDENTIDADES COMUNAIS E HEGEMONIA
No novo contexto aqui discutido, sem paradigmas realmente eficientes, uma imensa
gama de possibilidades se abre para os sujeitos na busca pessoal de identificação. A
identificação do sujeito com pares e, por conseguinte, com um grupo ou comunidade, não
segue necessariamente paradigmas tradicionais ou (re)conhecidos, como de classe, gênero,
etnia ou nacionalidade. A cultura, igualmente líquida, também não parece restringir o sujeito a
quaisquer ditames hegemônicos. Livres de qualquer acordo tácito, o sujeito pode transitar
“livremente” por qualquer comunidade e, ainda mudar de uma para outra a qualquer momento
e sem nenhum impedimento. Ao contrário, esse parece ser o novo imperativo.
Identificar-se é satisfazer uma necessidade, que muitas vezes é apreendida pelo sujeito
por discursos mercadológicos. Moldar-se culturalmente para se ajustar a uma determinada
comunidade, por comparação com o outro, promove de certa forma relações. Uma “leitura” é
utilizada e a assimilação se dá por analogia: “Os estilos e marcas diferentes de roupas e
produtos da moda, conquanto estejam sujeitos a mudanças (...) constituem um conjunto de
pistas usado no ato de classificar os outros.” (FEATHERSTONE, 1995, p. 39)
Como já adiantamos, a identificação tornou-se também instável, de curta duração.
Incentivados pelo consumo, pela descentralização e, sobretudo, pelas centenas de discursos
mercadológicos difundidos pelos meios de comunicação, que são instantâneos, ao sujeito são
40
apresentadas inúmeras opções de elencos, aos quais ele pode se identificar e seguir, inclusive
de acordo com o momento do seu dia.
Quanto mais a vida social se torna mediada pelo mercado global de estilos, lugares
e imagens, pelas viagens internacionais, pelas imagens da mídia e pelos sistemas de
comunicação globalmente interligados, mais as identidades se tornam
desvinculadas – desalojadas de tempos, lugares, histórias e tradições específicas e
parecem ‘flutuar livremente’. (HALL, 2005, p.75)
Os produtos das novas comunidades construídas passam a conviver diariamente,
coexistindo no mesmo espaço e tempo. Presenciamos, assim, um novo modelo cultural de
identidades, agora combinadas e misturadas – o que favorece a transitoriedade do sujeito
nestes grupos. Disto decorrem novos subprodutos, identidades cada vez mais híbridas, onde
culturas e tradições se fundem.
Parece contraditório, então, levantarmos aqui a questão da hegemonia. Como falar em
hegemonia num contexto que fomenta a multiplicidade de identidades e, mais que isso, dá ao
indivíduo total acesso a elas? Se a cultura se articula agora horizontalmente, seria possível
falar em supremacia? A hegemonia, aqui, deve ser entendida também por meio de outros
olhares, diferentes dos até então considerados tradicionais.
A ‘hegemonia’ é um conceito que inclui imediatamente, e ultrapassa, dois
poderosos conceitos anteriores: o de ‘cultura’ como ‘todo um processo social’, no
qual os homens definem e modelam todas as suas vidas, e o de ‘ideologia’, em
qualquer de seus sentidos marxistas, no qual um sistema de significados e valores é
a expressão ou projeção de um determinado interesse de classe. (WILLIAMS,
1977, p.111)
Não há um poder hegemônico de dominação, de imposição unilateral pressionando os
sujeitos. As matrizes hegemônicas se impõem como eixos de liderança, que podem ser aceitos
pelos sujeitos ou não, de acordo com suas preferências, concordâncias e concessões que
deverão fazer no caso de haver filiação a um discurso hegemônico. Tais discursos, difundidos
majoritariamente pela mídia, assumem contornos polifônicos se levarmos em consideração a
total liberdade dos indivíduos de se comunicarem entre si, colocando-se como fontes
complementares de tal discurso, endossando-o ou advertindo seus pares sobre suas próprias
experiências. Os traços marcantes de negociação e de consentimento alteram profundamente
as relações de dominação.
41
Essas pessoas são, como a maioria antes delas, dominadas e ‘remotamente
controladas’; mas são dominadas e controladas de uma maneira nova. A liderança
foi substituída pelo espetáculo: ai daqueles que ousem lhes negar a entrada. Acesso
à ‘informação’ (em sua maioria eletrônica) se tornou o direito humano mais
zelosamente defendido e o aumento do bem-estar da população como um todo é
hoje medido, entre outras coisas, pelo número de domicílios equipados (invadidos
por?) aparelhos de televisão. (BAUMAN, 2001, p.179)
A subserviência não é, portanto, conquistada por meio de coação ou de sanções, trata-
se mais de um processo de negociação, onde o sujeito aceita e se sujeita ao discurso
hegemônico, por ver no resultado desta experiência a possibilidade de se encontrar. A
hegemonia deve ser então analisada como “um conjunto de práticas e expectativas, sobre a
totalidade da vida: nossos sentidos e distribuição de energia, nossa percepção de nós mesmos
e nosso mundo.” (WILLIAMS, 1977, p.113). Parece que estamos diante de uma espécie de
hegemonia da diferença. Percebemos um traço comum com tudo o que foi exposto até aqui:
uma tendência à valorização da experiência de alteridade.
3.2 NOVAS NARRATIVAS
Concordando aqui, que nosso tempo se caracteriza pelo fim das metanarrativas, ou
seja, pelo fim dos grandes esquemas explicativos e pela ausência de eixos fixos e centrados de
referências, deduzimos que novos discursos estão sendo construídos e articulados
socialmente, buscando algum tipo de sentido para a nova condição individual e coletiva.
A narrativa está presente em todos os lugares, em todas as sociedades; não há, em
parte alguma, povo algum sem narrativa; todas as classes, todos os grupos humanos
têm suas narrativas, e frequentemente estas narrativas são apreciadas por homens
de cultura diferente, e mesmo oposta: a narrativa é ridiculariza a boa e a má
literatura: internacional, transhistórica, transcultural, a narrativa está aí, com a vida.
(BARTHES, 1971, p.20)
Na obra de Roland Barthes, encontramos respaldo à afirmação de que não há
sociedade sem narrativa. São nestes discursos sociais que encontramos sentido para nossa
existência, e é neles que está a principal ferramenta de construção deste sentido, ou de novos.
Se os grandes esquemas explicativos, os grandes relatos, enfim as tradições – ou as
metanarrativas discutidas por Lyotard (2008) - ruem, novas histórias são escritas e seguidas.
Porém, agora de forma muito mais plural, e “livre” de padrões normativos.
42
O paradoxo está justamente aqui: pluralidade em excesso não costuma resultar em
liberdade quando falamos em sentido de existência. Os modernos meios de comunicação e o
universo de mensagens despejadas paulatinamente sobre todos nós parecem, igualmente, ter
se atentado para esse novo paradoxo. As narrativas, antes pautadas no territorial, racional,
científico ou no religioso, adotam cada vez mais tons emocionais, subjetivos e exclusivos.
Numa vivência angustiante e descentrada, a emoção parece falar mais alto e fazer mais
sentido. Não falamos aqui que todo conhecimento racional deixou de ter significado. Mas,
que a emoção, até então renegada, se alia a este conhecimento e passa, em alguns casos, a
dirigi-lo.
Histórias e contos falam diretamente ao coração ao invés de falaram ao cérebro. Aí
esta toda a teoria. Num século onde a sociedade é marcada pela ciência e pela
razão, através de análises e pragmatismo, onde seus analistas estão nas posições
mais elevadas - este é precisamente o lugar onde as emoções, as histórias e as
narrativas, todos os valores retomam a cena. O termo Sociedade dos Sonhos fala
por si. O mercado dos sonhos gradualmente toma o lugar do mercado da
informação, baseado na realidade. O mercado dos sentimentos toma o lugar do
mercado do tangível. (JENSEN, 1999, p.4. Tradução nossa).
O conceito de sociedade dos sonhos é apresentado por Rolf Jensen (1999) justamente
para caracterizar este momento, onde o material recebe menos atenção e onde nos definimos
mais pelo imaterial. Observamos também que o valor emocional dos discursos sociais está
igualmente cada vez mais incorporado aos discursos mercadológicos. O bem consumido é
mais consumido por agregar emoção, do que pelos benefícios materiais apresentados.
Na verdade, o que nutre a escala consumista é indubitavelmente tanto a angústia
existencial quanto o prazer associado às mudanças, o desejo de intensificar e
reintensificar o cotidiano. Talvez esteja aí o desejo fundamental do consumidor
hipermoderno; renovar sua vivência do tempo, revivificá-lo por meio das
novidades que se oferecem como simulacros de aventura. (LIPOVETSKY, 2004,
p.79).
A busca pela realização de sonhos através do consumo de bens carregados de emoção
e simbolismos fornece arsenal suficiente para a habitação de um mundo imaginário e repleto
de diferenças e de minorias. Disso decorrem os novos discursos, cada vez mais e mais e mais
matizados.
43
3.3 O POLITICAMENTE CORRETO
Seja em termos de novas interpretações, ou num tipo de “neutralização de linguagens”,
podemos entender o politicamente correto (PC) como um novo discurso social; ou ainda,
como novo paradigma, que objetiva sobrepujar esquemas antigos. Trata-se de uma criação
presente, hoje em dia, em quase todo mundo ocidental e que atravessa as esferas políticas,
institucionais, pedagógicas, midiáticas e mercadológicas. Permite, também, mesclar correntes
filosóficas, antropológicas, sociológicas, políticas, linguísticas e, de certa forma, impõe
(termo este não exatamente politicamente correto) a desconstrução de ideários valorativos e
significativos componentes da instituição social. A linguagem, por sua vez, é a responsável
pela sua materialização, e permite o seu compartilhamento, sobretudo no que se refere a
indivíduos ou grupos entendidos como minoritários1.
O PC parece surgir junto com toda agitação política e social gerada durante a Segunda
Guerra Mundial:
A primeira vez que ouvi a expressão ‘politicamente correto’ foi entre o final dos
anos 1940 e o início dos anos 1950, nos debates políticos entre socialistas e
membros do Partido Comunista dos EUA. (...) Os membros do Partido Comunista
se dirigiam à doutrina de seu partido como a ‘correta’. (KOHL, 1994, p.103.
Tradução nossa).
Em tais debates, as discussões giravam em torno não só da política tradicional, mas de
sua intersecção, ou melhor, de sua influência em esferas e âmbitos mais pessoais.
O termo ‘politicamente correto’ era usado de forma pejorativa para se referir a
alguém cuja lealdade para com o Partido Comunista foi perdida, aliando-se a uma
má política. O termo foi usado por socialistas contra comunistas, e foi concebido
para separar os socialistas que acreditavam em ideias morais mais igualitárias, dos
comunistas mais dogmáticos, que defendiam as posições do partido
independentemente de sua substância moral. (KOHL, 1994, p.103. Tradução
nossa).
Portanto, em sua estreia, o PC referia-se a uma política de esquerda, que em nome da
correção proposta por seu partido, se despreocupava com questões de caráter moral. Com a
guerra fria em curso e as polarizações centradas no capitalismo e no comunismo soviético, a
1 Tomamos o conceito de minorias concordando com Stuart Hall (2003), que afirma considerarem-se “grupos
minoritários aqueles colocados à margem da sociedade por não se enquadrarem nos ditames hegemônicos
impostos socioculturalmente. Cabe citar como exemplo os homossexuais, os judeus, os negros, e outros.”
44
correção política, tal qual apresentada acima, arrefeceu. Ainda segundo Kohl (1994), foi só no
início dos anos 1990 que o termo ressurgiu nos EUA. Porém, surpreendentemente, ele
ressurge da boca de partidários da direita neoconservadora, em ataques a acadêmicos que
defendiam o multiculturalismo. “O fundamento dessas acusações era de que essas pessoas em
busca de uma educação antisexista e antiracista se comparariam à conduta dos partidários
“mais linha dura” do partido comunista, que insistiam na conformidade com o pacto ‘correto’
de Hitler-Stalin.” (KOHL, 1994, p.104. Tradução nossa).
As polarizações voltaram-se então aos multiculturalistas e conservadores, que
afirmavam serem as políticas igualitárias na verdade autoritárias e ortodoxas, com raízes
comunistas, obrigando a todos aceitarem indiscriminadamente quaisquer diferenças. Para Hall
(1994), o PC reflete a atual fragmentação do cenário político ocidental e, além disso, a recusa
dos grupos sociais em coexistirem por mais tempo dentro de uma “identidade coletiva mais
ampla”.
O Politicamente Correto parece ser característico de sociedades onde houve a
erosão política de partidos de massa, um declínio na participação ativa em
movimentos populares políticos e um enfraquecimento da influência e do poder
dos movimentos sociais tradicionais da classe operária. Ele vigorou em locais onde
a iniciativa política migrou para os "novos movimentos sociais", nutridos no
mesmo solo que PC. O PC, portanto, reflete uma mudança sísmica na topografia
política. (HALL, 1994, p.166. Tradução nossa).
No contemporâneo, e em tempos de PC, as tradicionais fronteiras políticas entre
esquerda e direita também se tornam cambiantes e porosas, sendo que os discursos políticos
também incorporam tons emocionais e mais subjetivos em suas narrativas. Enfim, notamos
aqui traços semelhantes com o que já foi discutido. Encontramos suporte para essa afirmação
ao seguir na leitura de Hall (1994):
Tradicionalmente, a exploração econômica entre classes era o que a esquerda
considerava como a "contradição principal" da vida social. Todos os principais
conflitos pareciam fluir a partir e levar de volta para isso. A era do PC é marcada
pela proliferação de espaços de conflito social em torno de questões de raça,
gênero, orientação sexual, família, etnia e diferenças culturais, bem como questões
em torno da desigualdade de classes. Questões como a vida familiar, o casamento e
as relações sexuais, ou alimentação, que eram consideradas "não-políticas", são
agora politizadas. O PC também é característica do surgimento das "políticas de
identidade", onde compartilhar uma identidade social (como das mulheres, negros,
gays ou lésbicas) é um fator de mobilização. Ele reflete a propagação da "política"
do público para a esfera privada, a esfera de interação social informal e os cenários
da vida cotidiana. O slogan feminista "o pessoal é político", captura perfeitamente
essas mudanças. (HALL, 1994, p. 167. Tradução nossa.)
45
O PC tem, portanto, um tom conflituoso e autoritário. Apregoa uma correta seleção de
nomes e palavras, acreditando que alguns de seus significados deixarão de existir. A tônica
gira em torno de um forte senso de moral e de justiça social, explorado fortemente pela nova
ideologia política, ainda em processo estabelecimento. A consolidação do PC, segundo Hall
(1994), está intimamente ligada aos regimes de “nova direita” nos EUA e no Reino Unido das
últimas décadas:
Os regimes Regan-Bush e Tatcher comandaram o cenário político. Mas também
definiram os parâmetros de ações políticas e de debates morais. Eles redefiniram o
pensamento público com a sua virulenta filosofia social de livre mercado e
estabeleceram um novo e poderoso consenso de bem-estar. Seu poder se
estabeleceu, sobretudo, graças ao terreno do ideológico. (...) Eles assertivamente
formaram um apelo sedutor ao egoísmo e ao individualismo, atingindo uma espécie
de aliança populista sobre as linhas tradicionais de classe e definindo a norma de
que “as forças de mercado devem prevalecer”. (HALL, 1994, p.169. Tradução
nossa.)
Centrado numa política muito mais ligada à moral, ao sexual, racial e ao pessoal, o PC
força, na verdade, as instituições sociais a seguirem a lógica do mercado ao fomentar um tipo
de hegemonia de minorias. Isso altera profundamente a significação coletiva ou grupal.
Observamos, assim, que o discurso politicamente correto origina novas narrativas de
pertencimento, de associação e de significação. Estas composições passam a ser incorporadas
e exploradas, igualmente, pelo sistema político e pelo mercado. O PC tem assim dimensões,
ao mesmo tempo, culturais e discursivas. Compreendemos que a linguagem é nossa
mediadora com a realidade e, portanto, é justamente na linguagem e nos discursos que o PC
se materializa; inclusive, nas produções publicitárias.
46
CAPÍTULO II
O TEXTO: ÉTICA E PUBLICIDADE CONTEMPORÂNEAS
1. ÉTICA POR QUÊ?
Objeto de interesse e de estudo há séculos, a ética ganhou papel de destaque nas
últimas décadas - não só na academia, mas também na mídia, no mercado e em inúmeras
esferas profissionais. O sentido ético relaciona-se com um todo exterior, ou seja, é impossível
pensar e falar sobre ética desvinculando este sentido de uma realidade externa, de um todo
social onde ele se insere. Por isso, podemos entendê-la, igualmente, como um discurso social.
Para discutir a ética na publicidade o caminho não poderia ser diferente. Referenciais
externos devem aqui ser evocados e aprofundados, de modo a nos permitir discernir, avaliar e
julgar suas construções. Sobretudo ao entendermos a publicidade enquanto um produto social,
vinculada a processos culturais, históricos, linguísticos, etc.
A pesquisadora Elisa Piedras (2007, p. 1) pontua que, “sendo uma forma de
comunicação persuasiva fortemente ligada ao mercado e à lógica capitalista, a publicidade é
frequentemente abordada em termos de manipulação ou de outros olhares restritos que
desconsideram sutilezas de articulação que ela estabelece entre o consumo e o imaginário”.
Devemos expandir o olhar sobre o comportamento da comunicação publicitária no contexto
social e não apenas considerar o seu objetivo de levar seus interlocutores ao consumo, o que
muitas vezes não acontece de fato. Mas direcionar também atenção ao consumo simbólico da
informação, ou do conteúdo gerador de efeitos de sentido e entendimento nos indivíduos.
Todos nós podemos “consumir os produtos anunciados ou não, mas, de qualquer
forma, consumimos os signos publicitários (...) articulados segundo as estratégias do mercado,
inclusive do simbólico que nos enreda a todos.” (BARBOSA, 2005, p. 180). Para o jogo
simbólico da persuasão e do efeito estético, a publicidade assume características de
espetáculo.
O sociólogo francês Michel Maffesoli (2001) defende a ideia de que a publicidade,
enquanto forma de manifestação midiática, pode ser entendida como “instrumento de criação
de imaginários”. A escolha por um determinado produto ou marca, sabemos, dá-se muito mais
pelo subjetivo, pelo encadeamento sígnico evocado através do seu consumo. Desta forma,
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entendemos que a publicidade contribui enormemente para reforçar estilos, hábitos e culturas,
assim como contribui para redirecioná-los.
Assim, podemos analisar a publicidade como uma mediadora do sujeito com o social,
e a questão da ética emerge aqui como um ponto pertinente para nossa discussão. Sánchez
Vásquez (2000, p. 189) indica que “os éticos contemporâneos costumam dividir a ética em
dois gêneros: deontológica (tratado dos deveres) e teleológica (estudo dos fins humanos).”
Para nossa pesquisa e dentro de nossa área de interesse, são os postulados éticos
deontológicos os quais mais nos interessam e sobre os quais discorreremos a seguir.
1.1 ÉTICA E MORAL
Pautada no bem comum, a ética baseia-se em valores que são universais. Os
postulados e princípios éticos buscam, assim, definir o que é o “bom” e o que deve ser
praticado por todos na busca pelo comportamento humano ideal, em práticas que devem ser
conservadas ou alteradas caso não atinjam tal objetivo.
Portanto, a ética é um procedimento filosófico, que resulta na moral, esfera de ação
objetiva e reguladora das ações sociais, de forma a garantir sua harmonização. A ética é, por
assim dizer, o “estudo dos juízos de apreciação referentes à conduta humana suscetível de
qualificação do ponto de vista do bem e do mal, seja relativamente à determinada sociedade,
seja de modo absoluto.” (FERREIRA, 2010, p. 208). Sobre a moral, o autor em mesma
publicação (p. 442) afirma ser “um conjunto de regras de conduta consideradas como válidas,
quer de modo absoluto para qualquer tempo ou lugar, ou para um grupo ou pessoa
determinada”.
Em suma, as duas esferas são intrínsecas: a ética sedimenta os princípios à
convivência social harmoniosa e a moral os faz valer:
Enquanto o domínio ético tem a ver com o processo gerador da sociabilidade e da
institucionalização da vida em comum, sendo, por conseguinte, prévio às formas
contratuais que os interlocutores estabelecem entre si, já o domínio moral resulta
nos contratos estabelecidos entre os atores e os locutores, cristalizando-se no
sistema normativo e legal que orienta os discursos e as ações. O ético é
constituinte, o moral é constituído. (RODRIGUES, 1995, p. 213)
48
Portanto, concluímos que uma leva à outra, que nos leva de volta à primeira. O dever
moral parte da liberdade de escolha e de ação do sujeito, que o segue graças a uma reflexão
ética anterior. Desta forma, a liberdade de julgamento e escolha referenda o comportamento
ético e, por conseguinte, moral.
Como já mencionamos, vivemos um momento particular onde comportamentos éticos
e morais parecem emergir e tornam-se constantes temas de debates, estudos e de muita
reflexão. “Por toda parte, ideias de revitalização dos valores e espírito de responsabilidade se
agitam como o imperativo determinante de nossa época: mencionar o padrão ético tornou-se
uma imagem corrente para avaliar o novo espírito dos tempos.” (LIPOVETSKY, 2005, p. 26).
Conceitos e postulados éticos, bem como comportamentos morais se ajustam de acordo com o
momento da sociedade. Talvez, vivamos justamente um período de atualização, o que seria
natural. Afinal, trata-se de respostas aos problemas de convívio social, que são básicos e
mutáveis.
Por isto, existe uma estreita vinculação entre os conceitos morais e a realidade
humana, social, sujeita historicamente a mudanças. (...) Mudando radicalmente a
vida social, muda também a vida moral. (...) Surge então a necessidade de novas
reflexões ou de uma nova teoria moral, pois os conceitos, valores e normas
vigentes se tornam problemáticos.” (SÁNCHEZ VÁZQUEZ, 2000, p. 267)
Encontramos em Valls (1998, p. 73) argumentos que apontam haver, na
contemporaneidade, um pensar ético preocupado com o julgamento de um sistema econômico
e institucionalizado. A ética contemporânea não se relaciona, portanto, apenas aos indivíduos,
mas também às instituições. Pois bem, se vivemos tempos de uma espécie de “liquefação
institucional”, como fica este debate? É o que buscaremos entender a seguir.
1.2 DEONTOLOGIA
Entendida como tratado dos deveres, a ética deontológica se debruça sobre os padrões
normativos das atividades e interações humanas, segundo os quais as escolhas são
moralmente necessárias, proibidas ou permitidas. Max Weber (1984), ao dissertar sobre a
deontologia, usou a terminologia de “Ética da Convicção”, e cita como exemplo o religioso:
49
O cristão cumpre seu dever e, quanto aos resultados da ação, confia em Deus. (...)
Quando as consequências de um ato praticado por pura convicção se revelam
desagradáveis, o partidário de tal ética não atribuirá responsabilidade ao agente,
mas ao mundo, à tolice dos homens ou à vontade de Deus, que assim criou os
homens. (...) Se existe um problema de que a ética absoluta (convicção) não se
ocupa, esse é o problema das consequências. (WEBER, 1984, p. 113).
Portanto, a ética deontológica não se preocupa com as consequências de determinadas
práticas e comportamentos morais, sejam individuais, sejam institucionais. “Uma teoria da
obrigação moral recebe o nome de deontológica (do grego déon, dever) quando não se faz
depender a obrigatoriedade de uma ação exclusivamente das consequências da própria ação
ou da norma com a qual se conforma.” (SÁNCHEZ VÁZQUEZ, 2000, p. 198).
A ética deontológica pode ser dividida em duas correntes teóricas: do ato e da norma.
Na deontologia do ato, as pessoas não recorrem às normas para discernir sobre seus próprios
atos, ou seja, de certa forma “intuem”, em processos automáticos, como devem agir. Já na
deontologia da norma, as práticas seguem normas pré-determinadas, válidas
independentemente de possíveis consequências:
O normativo existe para ser realizado, o que não significa que se realize
necessariamente; postula um comportamento que se julga dever ser; isto é, que
deve realizar-se, embora na realidade efetiva não se cumpra a norma. Mas o fato de
que a norma não se cumpra não invalida, como sua nota essencial, a exigência de
sua realização. (SÁNCHEZ VÁZQUEZ, 2002, p. 63)
Talvez essas práticas sejam passíveis de algumas observações, as quais se relacionam
com nossos objetivos:
Agir por dever é operar puramente conforme a lei moral expressa nos imperativos
universalizáveis, e a vontade que age desta maneira, movida pelo sentimento do
dever, independentemente de condições e circunstâncias, interesses ou inclinações,
é uma vontade “boa”. O dever não é outra coisa senão exigência de cumprimento
da lei moral, em face da qual as paixões, os apetites e inclinações silenciam. O
dever se cumpre pelo próprio dever, pelo sentimento do dever de obedecer aos
imperativos universalizáveis. (SÁNCHEZ VÁZQUEZ, 2002, p. 195)
Assim sendo, podemos considerar que, em alguns casos, a deontologia normativa
torna-se de certa forma inoperante: uma vez que abstrai as consequências dos atos,
prevalecendo a máxima do dever universal. É claro que essas mesmas normas são imperativos
ao bom convívio social. É neste âmbito social que encontramos seu objetivo em promover a
ordem sem recorrer à coerção.
50
Aprofundando um pouco mais na deontologia, recorremos a Srour que a chama de
“ética da convicção” (2000). Suas conjecturas estão de acordo com as preposições
desenvolvidas anteriormente por Weber. “Cumpra suas obrigações, siga as prescrições”, tais
são as máximas deontológicas apresentadas por Srour, que as classifica dicotomicamente:
“Tudo ou nada, sim ou não, branco ou preto (2000, p. 51)”.
Sua maior crítica está no fato de que, em uma ordem estabelecida sobre tais
configurações, dilemas complexos e questionamentos mais profundos são postos de lado,
dilacerando assim as consciências individuais. “A tomada de decisões com base na ética da
convicção move os agentes pelo senso do dever e exacerba o cumprimento de prescrições.
Isso tudo, sem que explicações sejam exigidas. Pois vale o pressuposto de que uma autoridade
superior avaliou tais preceitos.” (SROUR, 2000, p. 58). Talvez, aqui esteja uma das principais
justificativas de nosso pensamento: de que vivamos um momento de “atualização ética”.
Compreendendo o contemporâneo e suas características “líquidas” (onde redes substituem
estruturas e onde há uma descentralização das identidades, dos discursos e das instituições),
comportamentos assim, automáticos, talvez já não façam sentido algum.
Em suma, em Sánchez Vázquez, Weber e em Srour, encontramos apontamentos
relevantes para concluirmos que na deontologia há uma ausência de consequências dos atos
praticados, e a concepção da imposição de padrões morais normativos.
2. ÉTICA PUBLICITÁRIA
A deontologia aplicada, àquela descrita ou prescrita para um determinado exercício
profissional, busca regular o exercício de toda profissão. Aqui, as normas são estabelecidas
pelos próprios profissionais tendo em vista suas relações com a sociedade. Em nosso caso,
nos referimos ao Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, aprovado em 1978;
e à Lei 8.078 de 11 de setembro de 1990, que instituiu o Código de Defesa do Consumidor.
51
Geralmente, tem-se percebido a necessidade de estabelecer regras que permitam o
livre exercício da publicidade, mas de forma a que se respeite também a livre
concorrência entre os competidores e a livre escolha dos consumidores. A distorção
da verdade e a concorrência irresponsável ou desleal redundam em prejuízo dos
consumidores; por isso, é conveniente que tais abusos sejam disciplinados com
algum tipo de norma disciplinar. (...) A maior parte dos profissionais da
publicidade, anunciantes e meios de apoio, são partidários da “auto-regulação” ou
“auto-controle”. Querem ser eles mesmos os guardiões de sua honestidade
mercantil e da confiabilidade que necessitam do público. (...) O direito publicitário
se ocupa das normas jurídicas. A ética ocupa-se do estudo e interpretação dos
códigos deontológicos. (BLÁZQUEZ, 1999, p. 607)
No caso publicitário, os dispositivos supracitados se relacionam quase que
exclusivamente com a produção de anúncios honestos, que não sejam enganosos e nem
abusivos2, afinal:
O objetivo específico da publicidade é o lucro, mas não em sentido exclusivo. A
finalidade lucrativa somente se justifica quando a atividade publicitária é um
serviço ao público, de caráter informativo. A intenção lucrativa nasce e se justifica
na prestação desse serviço informativo e humanístico no terreno particular do
mercado. A publicidade apenas útil à empresa produtora, mas que não promove o
bem comum, é eticamente recusável. Tanto mais se, além disso, for prejudicial. (...)
O público pode ser confundido por causa da distorção dos fatos, exagero das
imagens ou expressões hiperbólicas, mediante o recurso da ambiguidade. A
verdade exigida pela publicidade consiste na conformação daquilo que percebemos
no anúncio publicitário como a realidade nua dos produtos e serviços ofertados.
(BLÁZQUEZ, 1999, p. 622)
O ponto mais perceptível nesta questão refere-se ao engano, à ilusão, à trapaça, etc.,
sobretudo relacionados ao produto ou serviço anunciante. Entretanto, diversos subprodutos
relativos à questão ética nos anúncios podem ocorrer, e de fato ocorrem. Representações,
situações, articulações, signos evocados, elementos culturais, enfim, o procedimento analítico
destas questões não é tão simples.
O artigo primeiro do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária institui
que “Todo anúncio deve ser respeitador e conformar-se às leis do país; deve, ainda, ser
honesto e verdadeiro.” No artigo terceiro, referindo-se aos produtores, pontua que “Todo
2 Segundo Grinover (et al., 1992, p. 191), a propaganda enganosa é qualquer modalidade de informação ou
comunicação de caráter publicitário inteiro ou parcialmente falso, ou por qualquer outro modo, mesmo por
omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, propriedades,
origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos ou serviços.
Já a propaganda abusiva é aquela de natureza discriminatória, que incita a violência, explora o medo ou a
superstição, se aproveita da deficiência de julgamento ou experiência da criança, desrespeita valores ambientais
ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou
segurança. (GRINOVER, et al., 1992, p. 191)
52
anúncio deve ter presente a responsabilidade do Anunciante, da Agência de Publicidade e do
Veículo de Divulgação junto ao consumidor”.
Seguindo na leitura, no artigo oitavo, quanto ao objetivo do Código, encontramos que
o mesmo “é a regulamentação das normas éticas aplicáveis à publicidade comercial, assim
entendida como toda atividade destinada a estimular o consumo de bens e serviços, bem como
promover instituições conceitos ou ideias.” Quanto aos ditames éticos prescritos no Código,
no décimo quinto artigo consta que estes “devem ser respeitados por quantos estão envolvidos
na atividade publicitária, sejam Anunciantes, Agências de Publicidade, Veículos de
Divulgação, sejam Publicitários, Jornalistas e outros profissionais de comunicação, que
participem do processo publicitário”.
Percebemos nestes recortes, um texto usuário de uma linguagem que potencializa a
característica maleável da interpretação. Por exemplo, quanto à representação de indivíduos, o
Código não discrimina o que são conceitos muito subjetivos, como “decência”, “intimidade”
ou “dignidade”. Dada essa característica, buscamos em alguns autores articulações que se
relacionam a tal questão, visando uma maior apreensão do que o código objetiva estabelecer.
Mariângela Machado Toaldo (2000, p. 76), conselheira do CONAR desde 1988, argumenta
que um ato desrespeitoso em um anúncio é algo intimamente ligado ao que cada um tem de
entendimento sobre moral e bons costumes. “Um comercial que utiliza personagens
homossexuais pode ser visto por um primeiro grupo de consumidores como ofensivo porque
incentiva à discriminação. Outro grupo pode se sentir ofendido por entender que sugere a
prática do homossexualismo; um terceiro pode achar que não há nada de desrespeitoso na
temática.” Entretanto, destacamos que neste caso, por exemplo, não se leva em conta os
modos com que tais personagens são utilizados para vender algo, nem como o paralelo
homossexuais - moral e bons costumes foi estabelecido.
53
2.1 REPRESENTAÇÕES
Dado nosso objetivo principal de pesquisa, aprofundaremos aqui na questão ética das
representações identitárias e culturais de nossa sociedade atual em anúncios publicitários.
Sendo assim, resgataremos os três itens da Seção Um do Código, que se dirigem à questão da
“Respeitabilidade”:
Artigo 19: Toda atividade publicitária deve caracterizar-se pelo respeito à
dignidade da pessoa humana, à intimidade, ao interesse social, às instituições e
símbolos nacionais, às autoridades constituídas e ao núcleo familiar.
Artigo 20: Nenhum anúncio deve favorecer ou estimular qualquer espécie de
ofensa ou discriminação racial, social, política, religiosa ou de nacionalidade.
Artigo 21: Os anúncios não devem conter nada que possa induzir a atividades
criminosas ou ilegais – ou que pareça favorecer, enaltecer ou estimular tais
atividades. (CONAR, 2014)
Tais imperativos, por exemplo, não fazem prescrições às representações idealizadas.
Randazzo (1997, p. 37), argumenta que a “a imagem do usuário na publicidade pode ser real,
ou seja, coerente com a auto-imagem, os valores e o estilo de vida do usuário, ou
mitologizado – uma imagem que espelha o tipo de pessoa que o consumidor gostaria de ser.”
Talvez, por si mesma, a estratégia de uma representação idealizada não seja
exatamente ética – sobretudo em casos onde o ideal é humanamente impossível de ser
alcançado. A descaracterização de algum grupo, ou a hipervalorização de determinados
segmentos sociais em detrimento dos demais, não desrespeitam, por exemplo, os imperativos
dos artigos citados acima. Entretanto, podemos deduzir que tais estratégias não são simpáticas
a questões éticas mais abrangentes.
O estereótipo parece-nos ser um dos pontos centrais desta discussão. Dentro da
publicidade funcionam como uma espécie de recurso cognitivo facilitador de entendimento
acerca de um discurso mercadológico. Atuam como valiosa ferramenta estratégica de
persuasão, eficaz na (de)codificação, no armazenamento, na consolidação e na recuperação da
mensagem na estrutura cognitiva do receptor.
54
Esses elementos estereotípicos são, portanto, largamente explorados na criação dos
discursos publicitários. Podemos identificá-los de maneira explícita ou implícita, em
diferentes níveis na construção das mensagens, dentro de um jogo promovido pela
publicidade e firmado na relação de seus interlocutores. É importante ressaltar que nesse
contexto, muitas vezes, o significado pretendido com o uso desses elementos se dá somente
no contrafluxo da mensagem, na resposta de quem recebe o conteúdo.
A iconografia publicitária, em nosso contexto social, torna-se uma expressão do
imaginário contemporâneo. Elisa Piedras (2007) reforça essa ideia em seus estudos nos
apresentando a publicidade como parte integrante de um “mundo imaginal”, com função de
“comunhão eucarística”. Encontramos, assim, justificativas que apontam para o caráter
dialógico, não só do discurso publicitário, mas também dos estereótipos.
O estereótipo é outro fenômeno a ser destacado, ele pode ser entendido como uma
ferramenta cognitiva utilizada para categorizar na memória a pluralidade dos
elementos sociais, com o objetivo de auxiliar o indivíduo a organizar e
compreender de forma menos complexa seu ambiente. (LEITE, 2008, p.134)
As imagens mentais atuam na interpretação dos eventos e sintetizam vários elementos:
atributos, características, culturas, hábitos, traços psicológicos ou físicos, etc. Entretanto,
Krüger apud LEITE (2008, p.135) aponta para a relação dos estereótipos com os preconceitos:
“quando estiverem associados a sentimentos, os estereótipos sociais passam a constituir
estruturas psicológicas de maior complexidade, caracterizadas como atitudes, preconceitos
sociais.” Vivendo num mundo repleto de possibilidades e aparentemente livres de ditames
hegemônicos, nos questionamos sobre a eficácia destas modalidades discursivas pautadas em
imagens mentais pré-estabelecidas.
2.2 SOCIEDADE PÓS-MORALISTA
Encontramos fundamento para nossa hipótese de mudança nos paradigmas éticos e
morais na obra de Gilles Lipovetsky – A Sociedade Pós-Moralista (2005). Portanto, achamos
justo e pertinente dedicar espaço às suas ideias mais centrais, que se relacionam intimamente
com este ponto de nossa discussão. O autor discorre sobre as várias transformações de valores
morais e sobre a questão das responsabilidades diante da emergência de uma nova e inédita
55
cultura, divulgadora de normas e bem-estar em detrimento às obrigações. Para ele, uma
sociedade pós-moral é:
Uma sociedade que repudia a retórica do dever rígido, integral e estrito e,
paralelamente, consagra direitos individuais à autonomia, às aspirações de ordem
pessoal, à felicidade... É uma sociedade que (...) deixou de estar baseada nas
exortações ao cumprimento integral dos preceitos, e que só procura acreditar nas
normas indolores da existência ética. Eis a razão pela qual nenhuma contradição
existe entre o aumento da popularidade da temática ética e a lógica pós-moralista,
uma vez que a atual concepção de ética não exige nenhum sacrifício maior,
nenhuma renúncia a si mesmo. (LIPOVETSKY, 2005, p. XXX)
Passamos a falar, então, de uma prática ética muito mais pragmática e menos idealista
ou utópica. A ética não se constitui como dever absoluto e individualmente desinteressado, há
uma contraposição entre a prática individual e a prática social. Para esta “modalidade”, o
autor usa o nome de “ética inteligente”.
Uma ética inteligente seria justamente aquela que considera, em primeira instância, as
necessidades concretas do sujeito. Porém, ela não desconsidera totalmente o coletivo. Trata-se
de uma fusão entre liberdade e solidariedade; de uma atenção ao coletivo, sem que isso resulte
em prejuízos aos interesses individuais. “Em resumo, mais aproveitam iniciativas
‘interesseiras’, porém capazes de melhorar a condição humana, do que boas intenções
desprovidas de meios apropriados.” (LIPOVETSKY, 2005, p. XXXIV).
Este pragmatismo relaciona-se com todo o perfil social contemporâneo. Um perfil
construído com base numa sociedade voltada exclusivamente para o consumo. “A sedução
tomou o lugar do dever, o bem-estar tornou-se Deus, e a publicidade é seu profeta. O reino do
consumo e da publicidade exprime muito bem o sentido coeso da cultura pós-moralista.”
(LIPOVETSKY, 2005 p. 31).
O sujeito contemporâneo, sabemos, tem a pulsão de busca e a sensação de acesso livre
e irrestrito exortadas em si por todos os discursos com que pode relacionar-se. Desta forma,
sentidos éticos e morais mais rígidos tornam-se empecilhos à consecução de seus objetivos
pessoais e, muito provavelmente, à sua realização individual. Portanto, há uma verdadeira
repulsa ao discurso do dever, que se submete ao discurso da felicidade e do bem-estar.
Os discursos moralizantes, que precederam esse momento ao qual nos referimos,
pautavam-se na moderação das vontades, no cumprimento de deveres para consigo e para
com os outros. Evidente que tais construções não encontram mais, pelo menos sem um grande
esforço, ressonância no contemporâneo e numa sociedade que, basicamente, prima pelo
prazer, pela satisfação individual e que, ainda, glorifica o entretenimento.
56
Entretanto, ética e moral não caíram em desuso, apenas amoldam-se ao novo
momento. Para Lipovetsky, a ética atual busca um equilíbrio entre o individual e o social,
pautando-se, sobretudo, no respeito ao humano. “Nenhuma questão atual é tratada sem que o
referencial ético se faça presente.” (LIPOVETSKY, 2005, p. 185).
A diferença crucial está no fato de que, atualmente, uma prática considerada ética só
recebe tal consideração por ser realista e efetiva; ao passo que tentativas nesse mesmo sentido,
pautadas por um tom idealista e com sentidos morais imperativos, são fortemente rejeitadas,
justamente por serem consideradas, agora, absolutamente inviáveis. A constatação do novo
modus operandi está justamente na promoção do bem-estar coletivo sem quaisquer renúncias
pessoais. Há, portanto, uma conciliação, um acordo de interesses.
É, de fato, uma mudança significativa. A falência da imposição dos deveres pode
conduzir a um comportamento egoísta, extremamente individualista. Por outro lado, práticas
mais solidárias também podem surgir, a partir destes mesmos valores humanistas - atitudes
particulares podem acabar por promover um bem maior. Segundo o autor, esse fenômeno já
pode ser observado, por exemplo, nas questões ecológicas e temáticas de sustentabilidade e,
também, em questões de discriminação, que podem afetar a vida íntima de pessoas.
Aumentando, assim, práticas solidárias em prol de causas relativas à igualdade e ao respeito
mútuo.
As práticas morais e éticas tornaram-se igualmente mais “livres”, porém, com limites
que são indicados agora pelos próprios sujeitos praticantes, ou na medida em que sofrem com
a violação dos direitos valorizados. Trazendo para o contexto publicitário:
Antes, a ideia de sabonete vinha associada a conceitos de energia, saúde, disciplina
moral; hoje, em vez disso, os produtos de toalete frisam a doçura, o charme da boa
aparência. Dá-se por encerrado o ciclo da obrigação perante si e perante os demais;
a higiene corporal, os cuidados dentários e com cabelos agora se vinculam à
sedução e à auto-satisfação. Aliás, por toda parte, o que prevalece é um verdadeiro
hino de louvor à sedução, ao amor de si, ao bem-estar narcisista. (LIPOVETSKY,
2005, p. 79).
Outros exemplos são anúncios que valorizam práticas ambientais, sustentáveis, o
apoio financeiro à cultura, práticas de cidadania e a diversidade étnica, religiosa, sexual, etc.
Tais argumentos são usados para promover marcas ou vender produtos que pouco ou mesmo
nada têm a ver com tais eixos. Em resumo, na publicidade, observamos que o exercício da
ética segue a mesma tendência de rejeitar sentidos totalizantes rígidos, ou o cumprimento
incondicional deles. Os trabalhos seguem, entretanto, seu código ético próprio.
57
3. PUBLICIDADE CONTEMPORÂNEA E A QUESTÃO ÉTICA
O discurso publicitário é caracterizado pela sua habilidade de persuadir. Alinhavando
inúmeros outros discursos, convenções e sentidos construídos tacitamente, a publicidade
objetiva o convencimento, sobretudo através da sedução. Essa construção, por si mesma, já
pode ser entendida como retórica. Essa estratégia de composição torna difuso seu aspecto de
impor ideias e conceitos, bem como de dominar opiniões. Afinal, quando nos comunicamos é
porque queremos algo: geralmente convencer.
O nuance sedutor do discurso publicitário é o que o diferencia dos demais discursos
institucionalizados, é o que o caracteriza e o constitui enquanto gênero. A sedução encanta e
estar encantado envolve admiração, assim como desejo. Nada é questionado, apenas se
associa. Lipovetsky (1989, p. 188) trata este processo como a “apoteose da sedução (...) a
publicidade criativa se solta, dá prioridade ao imaginário (...), a sedução está livre para
expandir-se por si mesma (...)”.
Importante dizermos aqui que não creditamos à publicidade algum tipo de capacidade
criativa de novas necessidades, mas sim de dialogar com outros discursos e demandas do
social, acelerando ou retardando tendências (BROWN, apud VESTERGAARD, 2000, p. 9).
Toda a linguagem empregada, mesmo a visual e imagética, é “caracterizada por
participar do contexto social, por apropriar-se de elementos culturais e traduzir a realidade
conforme esses padrões, mas também influenciar esses padrões e contribuir para mudanças.”
(GONÇALVES, 2006, p. 27). É desta forma que os conteúdos geram identificação. Há um
espaço ofertado de fácil projeção, onde o produto surge como elo entre o real e o imaginado,
causando, assim, um forte encantamento e abrindo espaço para a persuasão. Entretanto, o
processo não é automático; sobretudo no contemporâneo, onde tantas características difusas,
relativas e ondulantes circundam os indivíduos.
Nenhum anúncio publicitário, por mais sedutor que seja, convencerá os
consumidores pós-modernos a abdicarem da liberdade de escolha que arduamente
conquistaram. Aos demais, resta encontrar criatividade para fazer valer seus
argumentos no concorrido mercado das ideias. (LIPOVETSKY, 2000, p. 13).
58
Assim, observamos sempre mudanças nos padrões argumentativos das mensagens
publicitárias. Por vezes sutis e por vezes radicais. A linguagem funcional, a conciliação do
anúncio com o científico e a argumentação lógica são exemplos de estratégias que, frente ao
complexo mundo contemporâneo, parecem perder sentido. A estratégia funda-se agora muito
mais no imaginário, na busca por autossignificação.
Essa mudança relaciona-se diretamente com tudo o que já dissertamos até aqui. Há um
traço comum entre todas estas mudanças de paradigmas. A criatividade sugerida por
Lipovetsky parece se relacionar justamente com a busca pelo pertencimento – sem
esquecermos o anseio pela liberdade, sendo que o consumo parece resolver essa equação, pelo
menos por alguns instantes.
O criador dos discursos publicitários só é criador na medida em que consegue
captar o que circula na sociedade. Ele precisa corresponder a uma atmosfera. O
criador dá forma ao que existe nos espíritos, ao que está aí, ao que existe de
maneira informal ou disforme. (...) Assim, uma visão esquemática, manipulatória,
não dá conta do real, embora tenha uma parte de verdade. A genialidade implica a
capacidade de estar em sintonia com o espírito coletivo. (MAFFESOLI, 2000).
Deste modo, apontamos para o que parece ser o traço mais significativo da publicidade
contemporânea: as pessoas e a marca. Não mais o produto com suas incríveis características e
habilidades. Se, antes o problema era qual creme dental traria mais benefícios relativos à
saúde bucal, hoje, a dúvida volta-se ao que trará maior satisfação amorosa e realização
profissional, simultaneamente.
Em uma época mais simples, a publicidade meramente chamava a atenção para o
produto e exaltava suas vantagens. Hoje em dia, ela procria um produto próprio: o
consumidor, perpetuamente insatisfeito, intranquilo, ansioso e entediado. A
publicidade serve não tanto para anunciar produtos, mas para promover o consumo
como um modo de vida. Ela “educa” as massas para ter um apetite inesgotável não
só por bens, mas por novas experiências e satisfação pessoal. Ela defende o
consumo como a resposta aos antigos dissabores da solidão, da doença, da fadiga,
da insatisfação sexual; ao mesmo tempo, cria novas formas de descontentamentos
peculiares à era moderna. (LASH, apud DE SANTI, 2005, p. 183).
Entretanto, podemos deduzir que, frente ao novo contexto, surge um desafio: uma
eficiente identificação do consumidor com o discurso a ele proferido.
59
3.1 ESTRATÉGIAS DE IDENTIFICAÇÃO
Para manter-se fiel ao seu objetivo principal – de convencer, a publicidade opera no
contemporâneo entrecruzando o discurso mercadológico aos novos discursos sociais,
empregando diferentes estratégias de identificação e buscando a filiação de seus interlocutores
aos seus imperativos.
(...) o consumidor contemporâneo, resultante não de uma seleção natural
Darwiniana, mas de uma construção bio-psico-social-tecno-cultural, que o
transforma não mais em um mero participante passivo no jogo do consumo, mas
em um parceiro deste jogo, um ser ativo e co-participante na construção ou
desconstrução das estratégias comerciais e das imagens corporativas. (GALINDO,
2012)
A nova retórica empregada pauta-se no pressuposto de uma espécie de aliança entre os
interlocutores deste ato, ou seja, “toda argumentação visa à adesão dos espíritos e, por isso
mesmo, pressupõe a existência de um contato intelectual.” (PERELMAN, 2005, p. 16). Para
compreendermos melhor esse movimento, buscamos referências no conceito de ethos –
um tipo de “elo” entre aquilo que é enunciado, seu enunciador e seu auditório, ou seja, seus
interlocutores. Este vínculo permite uma aderência do discurso e, por fim, o convencimento.
O ethos é entendido pelos analistas de discurso como o “tom” de cada produção discursiva,
seu sentimento:
Qualquer discurso escrito, mesmo que a negue, possui uma vocalidade específica,
que permite relacioná-lo a uma fonte enunciativa, por meio de um tom que indica
quem o disse: o termo “tom” apresenta a vantagem de valer tanto para o escrito
quanto para o oral: pode-se falar do “tom” de um livro. (MAINGUENEAU, 2005,
p. 72).
Ainda podemos apreender o conceito como “um conjunto de traços de caráter que o
orador mostra ao auditório para dar uma boa impressão. Incluem-se nesses traços as atitudes,
os costumes, a moralidade, elementos que apareçam na disposição do orador.” (FERREIRA,
20010, p. 21). Desta forma, quando falamos em ethos, não falamos propriamente em uma
personalidade ou totalidade, mas apenas ao que é mostrado ou exortado.
60
Em Dominique Maingueneau (2005, p. 69) encontramos pontes entre o conceito de
ethos e a publicidade: “Além da persuasão por argumentos, a noção de ethos permite, de fato,
refletir sobre o processo mais geral da adesão de sujeitos a certa posição discursiva. O
processo é particularmente evidente quando se trata de discursos como o da publicidade”.
Percorrendo a linha de raciocínio do autor encontramos uma taxonomia do ethos,
quando observado pela perspectiva discursiva: ethos discursivo e ethos pré-discursivo. O
primeiro se revela no discurso em si, na enunciação. Já o segundo relaciona-se com uma fase
anterior ao momento do discurso, a uma imagem pré-concebida do enunciador que cria uma
determinada expectativa em relação à enunciação.
Conseguimos, assim, capturar mais facilmente toda construção prévia ao discurso, a
qual é fundamental para a aderência deste discurso por seus interlocutores. Maingueneau usa
o termo “fiança”, para caracterizar o empréstimo que o ethos pré-discursivo concede ao
discurso, neste movimento que se autocompleta.
O “fiador”, cuja figura o leitor deve construir com base em indícios textuais de
diversas ordens, vê-se, assim, investido de um caráter e de uma corporalidade, cujo
grau de precisão varia conforme os textos. O “caráter” corresponde a um feixe de
traços psicológicos. Quanto à “corporalidade”, ela é associada a uma compleição
corporal, mas também a uma forma de vestir-se e de mover-se no espaço social.
(MAINGUENEAU, 2005, p. 72).
É esta fiança que projeta no discurso segurança e credibilidade, fundamentais para sua
aderência. O interlocutor passa, assim, a projetar-se no enunciado, firmando-se um acordo
tácito entre ambos. É o que Patrick Charaudeau (2006) chama de “contrato de comunicação”.
Uma aliança largamente explorada pela publicidade.
A operação discursiva publicitária, no contemporâneo, em sua busca por identificação,
explora largamente o ethos enunciativo, o seu “auditório”, o contrato de comunicação firmado
com seus interlocutores, bem como a fiança que dá autoridade ao seu discurso, o qual
entrecruza imaginário, cultura e identidade na construção de seu sentido.
61
3.2 UMA NOVA RETÓRICA
Ao nos debruçarmos sobre os estudos da retórica, desde a concepção Aristotélica
(2011) até os recentes estudos de argumentação desenvolvidos por Perelman (2005),
concluímos que em toda construção discursiva encontramos elementos retóricos visando
persuadir. Hoje, os estudos retóricos não se concentram tanto na produção, mas sim nos
subsídios necessários para a interpretação dos discursos, os quais nos interessam
especialmente.
Essas últimas teorias nos permitem olhar para os discursos e para suas estruturas
argumentativas pelo viés e sob os conceitos retóricos. Isso se aplica, igualmente, à
publicidade - discurso especialmente construído visando o convencimento. Assim,
encontramos semelhanças com os fundamentos teóricos evocados até aqui, os quais nos
possibilitam apreender os sentidos propostos e direcionadores do discurso publicitário.
Especialmente, quando falamos nas modalidades de filiação do “auditório” a determinado
discurso, característica especialmente ligada ao conceito de ethos.
A análise do “contrato de comunicação” de Charaudeau (2006), ou do “auditório” de
Perelman (2005), nos permitem identificar os movimentos discursivos empregados pelo
orador, objetivando aderência à sua produção. Isso quer dizer, partimos da afirmação de que
este orador sabe previamente o quê e como dizer – ou que, ao menos, ele domina as
aspirações de seu auditório.
Sobre este auditório, os interlocutores do discurso publicitário, Perelman (2005, p. 20)
sustenta que “a maior parte das formas de publicidade e de propaganda se preocupa, acima de
tudo, em prender o interesse de um público indiferente, condição indispensável para o
andamento de qualquer argumentação.” Em Charaudeau (2006) encontramos o complemento
a este raciocínio ao compreender que: Primeiro, os discursos informativos – e, neste caso, o
autor inclui o discurso propagandista, voltam-se especificamente para um “alvo”. Segundo,
que há um necessário reconhecimento recíproco das restrições da situação, as quais permitem
afirmar que os “parceiros” estão ligados por um acordo prévio, entendido como “contrato de
comunicação”.
Assim, elencamos, quando da construção retórica do discurso, o ethos; o profundo
conhecimento do auditório; o contrato tácito firmado entre os interlocutores; a fiança que
transmite o discurso autorizado e que tem autoridade, não só pelo papel ou importância do
fiador ao enunciar. Enfim, o que podemos entender como a “retórica dos competentes”.
62
CAPÍTULO III
UMA ANÁLISE DO DISCURSO PUBLICITÁRIO
1. O DISCURSO
Nosso objeto de estudo é a linguagem da publicidade brasileira, com o objetivo de
verificar as formas com que ela tem se reconfigurado num cenário de importantes
transformações sociais, culturais, identitárias e filosóficas. Desse modo, partiremos de uma
perspectiva discursiva para avaliar os principais objetivos da pesquisa, pois entendemos que o
discurso é o portador do extrato de todas essas mudanças ou transições.
Nosso referencial teórico-metodológico se concentra na Análise de Discurso (AD)
com base na Escola Francesa. Sua origem baseou-se, inicialmente, nos trabalhos de Michel
Pêcheux e Michel Foucault, numa tentativa de articulação histórico-linguística, para a
construção de uma teoria do discurso. Na visão da Escola Francesa de Análise do Discurso, os
discursos são práticas sociais determinadas pelo contexto sócio-histórico, mas que também
são parte constitutiva daquele contexto.
De acordo com Rosalind Gill (2002), o número de estudos fundamentados e
construídos a partir deste referencial teve um crescimento significativo nos últimos anos.
Trata-se tanto de “uma consequência, como de uma manifestação da ‘virada linguística’,
ocorrida nas artes, humanidades e nas ciências sociais” (GILL, 2002, p.245).
Utilizar textos na pesquisa social, sem abordá-los com instrumentos linguísticos ou
semiológicos adequados, leva o cientista social com frequência a só levar em conta
o seu valor documental imediato, isto é, a considerá-los inocentemente como
“transparentes” em relação ao universo representado, confiando na letra do texto, o
que significa, e apesar dos protestos em contrário, tratá-los como independentes
dos contextos, aí sim de modo imanente, esquecendo-se sua “opacidade”
ideológica, que a análise de discursos coloca em primeiro plano.
(PINTO, 2002, p. 28)
63
Tomando o texto como unidade de análise e aceitando a visão de que “o homem não
só é conhecido através dos textos, como se constrói enquanto objeto de estudos nos, ou por
meio dos textos” (BARROS, 2007, p.23), buscamos explorar certa materialidade linguística e,
por conseguinte, ideológica; de modo a permitir que se verifiquem modos de como o
politicamente correto vem sendo incorporado ao gênero publicitário – seja no momento da
articulação de seu discurso, ou em seu processo de consumo; despertando as reações
desejadas, ou não; e buscando sempre a construção de novos sentidos mercadológicos a partir
da articulação direta deste discurso (publicitário) com o imaginário, a cultura e o sentido
identitário.
A análise do discurso publicitário perpassa a linguagem verbal e outras semióticas
com que se constroem os textos. Consideremos tais elementos como constituintes dos
anúncios e, ao mesmo tempo, como elementos constituídos pelos contextos onde foram
comunicados. Para Eni Orlandi (2005, p. 66), toda AD deve partir da compreensão das formas
com que um objeto simbólico produz sentidos. Todo plano linguístico deve ser, assim,
convertido em discurso. A autora sugere que a compreensão do processo de produção dos
sentidos pode ser alcançada por meio de um dispositivo interpretativo:
Esse dispositivo tem como característica colocar o dito em relação ao não dito, o
que o sujeito diz em um lugar com o que é dito em outro lugar, o que é dito de um
modo com o que é dito de outro, procurando ouvir, naquilo que o sujeito diz, aquilo
que ele não diz, mas que constitui igualmente os sentidos de suas palavras.
(OLRANDI, 2005, p. 59)
Esta atenção aos silêncios relaciona-se diretamente com a consciência aprimorada dos
contextos sociais, culturais, políticos, filosóficos e culturais, nos quais o texto se apoia e os
quais devem ser considerados.
1.1 A CONSTRUÇÃO SOCIAL DO SENTIDO
A produção dos sentidos se dá com base na apropriação e interpretação de cada um a
partir de suas experiências sociais, históricas e de mediações culturais entrelaçadas ao
processo. Por isso, as maneiras para que uma AD seja realizada de forma efetiva são
complexas e não podem ser confundidas com fórmulas, uma vez que os interlocutores
apresentam características próprias - sejam elas grupais ou mesmo individuais.
64
O texto pode ser abordado de dois pontos de vista complementares. De um lado,
podem-se analisar os mecanismos sintáxicos e semânticos responsáveis pela
produção do sentido; de outro, pode-se compreender o discurso como objeto
cultural, produzido a partir de certas condicionantes históricas, em relação
dialógica com outros textos. (FIORIN, 2011, p.10).
Com base nessas esferas de composição da trama do discurso, procuramos investigar a
constituição de imperativos de sentido que sobrepujam, por vezes, àquele pretendido quando
da elaboração do discurso publicitário. Falamos justamente em escavar o texto até que
possamos alcançar os elementos discursivos, os quais, ao serem consumidos por
interlocutores inseridos em outros contextos de informação, acabam por estabelecer novos e
alternativos horizontes ao sentido pretendido.
A AD rejeita a noção de linguagem neutra e entende o discurso como objeto
fundamental na construção do meio social. Sua base epistemológica construtivista possui, de
acordo com Rosalind Gill (2002), quatro características-chave: a postura crítica sobre a
natureza do objeto; o reconhecimento de que a maneira como compreendemos o objeto é
histórica e culturalmente específica, assim como relativa; a convicção de que o conhecimento
é socialmente construído; e, por fim, o compromisso de explorar as maneiras como os
conhecimentos estão ligados às ações práticas. Embora, sigamos a posição de que nada, em
Análise do Discurso, se pode (de)limitar, e de que mesmo os signos e suas origens não podem
ser precisamente mensurados.
Para fundamentarmos algumas definições importantes acerca do que buscamos,
encontramos na obra de Dominique Maingueneau (2000) conceitos centrais que nos auxiliam
a apreender o discurso, se é que assim podemos dizer. Primeiramente, devemos reconhecer
que o discurso é sempre assumido por um sujeito. Trata-se do “eu” que se apresenta como
fonte de referências pessoais, temporais e espaciais. Além disso, devemos levar em
consideração que cada ato de linguagem implica também em normas particulares, como as
sintáxicas e semânticas.
Ademais, o discurso também se constrói em função de uma finalidade específica e
como forma de ação. Toda enunciação constitui, assim, um ato que visa modificar uma
situação. Logo, ele sempre será orientado e somos levados a considerar também seu aspecto
interativo. Há sempre uma troca explícita ou implícita com outros enunciadores - sejam
virtuais ou reais. Por fim, o discurso só adquire sentido no interior de um universo de outros
discursos onde se apoia, buscando sua própria legitimidade. Ele é, assim, contextualizado e
não se pode atribuir sentido a um enunciado fora de contexto.
65
A AD procura, então, compreender a linguagem agindo e propõe relacioná-la com seu
exterior constitutivo. Sendo o discurso promovido pela intencionalidade, é através da
linguagem que a ideologia se materializaria: a linguagem faz a mediação do sujeito com sua
realidade.
É na superfície dos textos que podem ser encontradas as pistas ou marcas deixadas
pelos processos sociais de produção de sentidos (...) procurar e interpretar vestígios
que permitem a contextualização em três níveis: o contexto situacional imediato, o
contexto institucional e o contexto sociocultural mais amplo, no interior dos quais
se deu o evento comunicacional. (PINTO, 2002, p. 26)
Torna-se evidente, assim, o aspecto dialógico do texto. Esse diálogo (intertextualidade,
polifonia ou mesmo heterogeneidades do discurso) pode dar-se entre interlocutores ou mesmo
entre discursos. A interação entre os sujeitos implica na linguagem e desta relação decorrem o
sentido e a significação, que são dependentes dessa interação. Como as manifestações
discursivas não se limitam somente à língua e à fala, podemos afirmar que os estímulos são
inúmeros e todos são elementos que dialogam entre si. Com isso, adentramos nas dimensões
relativas ao diálogo entre discursos.
1.2 INTERDISCURSO
Para compreender melhor a característica interdependente do discurso, buscamos três
observações importantes acerca do fenômeno, as quais são sugeridas por Diana Barros (2007):
nas duas primeiras, temos abordagens que englobam o contexto sócio-histórico com o outro e
a concepção de texto como tecido composto por diversas vozes, formando discursos que
sempre se cruzam. E no terceiro caso: “se nos discursos falam vozes diversas, que mostram a
compreensão que cada classe ou segmento de classe tem do mundo em um dado momento
histórico, os discursos são, por definição, ideológicos e marcados por coerções sociais.”
(BARROS, 2007, p. 34).
66
O texto, como unidade de análise em pesquisa social, coloca a opacidade ideológica
do discurso em primeiro plano. Não falamos aqui do texto linguístico isoladamente, mas sim,
de todos os elementos articulados que compõem a mensagem.
Definir os discursos como práticas sociais implica que a linguagem verbal e as
outras semióticas com que se constroem os textos são partes integrantes do
contexto sócio-histórico e não alguma coisa de caráter puramente instrumental,
externa às pressões sociais. Têm assim papel fundamental na reprodução,
manutenção ou transformação das representações que as pessoas fazem e das
relações e identidades com que se definem numa sociedade. (PINTO, 2002, p. 28).
Buscamos revelar processos constituintes dessa interação simbólica; ou seja, os modos
como os agentes se reconhecem em seu devido lugar dentro no discurso e assim constroem,
apreendem e empregam sentidos. Michel Pêcheux (2010) aponta que sob a forma geral do
discurso apagam-se as “dissimetrias” e “dissimilaridades” entre os agentes do sistema de
produção. O processo é neutralizado e vemos apenas as aparências externas e suas
consequências:
Para compreender como este processo se situa em um mesmo movimento, ao
mesmo tempo realizado e mascarado, e o papel que nele desempenha a linguagem,
devemos renunciar à concepção de linguagem como instrumento de comunicação.
Isto não quer dizer que a linguagem não serve para comunicar, mas sim que este
aspecto é somente a ponta emersa do iceberg. (HENRY, 1997, p.26).
O discurso decorre, portanto, de relações tecidas entre linguagem e ideologia. O
sentido é apreendido e construído pelo(s) sujeito(s) da enunciação, na relação fundada entre
sujeito(s) da linguagem e sujeito(s) da ideologia (PÊCHEUX, 2010). Assim, compreendemos
o discurso como uma construção social, e justifica-se todo o esforço realizado nos capítulos
anteriores para que nos posicionemos no contexto situacional mais amplo, onde se constroem
os discursos publicitário e politicamente correto, objetos desta pesquisa.
Afinal, não podemos capturar o que buscamos desconsiderando esse “amplo mundo
das representações (conhecimentos e crenças), das relações e identidades sociais (...)”
(PINTO, 2002, p. 44). Essas condicionantes são constitutivas de um mundo ideológico, onde
se dão quaisquer processos de produção, circulação e consumo de discursos. “Um discurso é,
portanto, uma configuração espaço-temporal do sentido” (BRAGA, 2012, p. 261).
Este universo de significados condicionados está dividido em duas dimensões a se
considerar. A primeira é a ideológica, ou seja, o texto propriamente dito e em sua significação
no contexto onde existe; é o que Milton José Pinto chama de intertexto consensual: “Uma
67
parte do ideológico também transparece num texto sob a forma de preconstruídos, que são
inferências e pressuposições que o coemissor deve fazer para suprir as lacunas e dar coerência
à interpretação que faz, interligando entre si as frases e partes do texto e ligando-o a um
mundo” (PINTO, 2002, p. 45). São tais relações que organizam os discursos
hierarquicamente, como hegemônicos ou subordinados, permitindo que se deem as produções
de sentido.
Os efeitos desse discurso no interior de um tecido determinado de relações sociais
e esses efeitos só podem ter a forma de outra produção de sentido. Toda produção
discursiva, um pouco paradoxalmente, é assim o resultado de um processo de
consumo ou reconhecimento de outros discursos e vice-versa, o que nos traz de
volta à intertextualidade e à retórica aristotélica, e nos leva ao conceito de ordem
de discursos. (PINTO, 2002, p. 47)
Assim, compreendemos também a segunda dimensão constitutiva desta rede: a do
poder. Etapa relativa ao processo final de circulação dos sentidos sociais, ligada diretamente
ao consumo dos discursos.
1.3 SEMÂNTICA E SINTAXE DISCURSIVAS
Sabemos que a semântica, de um modo geral, refere-se ao estudo do significado. Para
José Luiz Fiorin (2011, p.15), “tendo fracassado o ambicioso projeto da Semântica Estrutural,
os linguistas voltaram-se para a análise de unidades maiores do que a palavra.” Segundo o
autor, o campo abriu-se a partir dos estudos de Ducrot e de Greimas3. O primeiro se
concentrou nos estudos do enunciado. Já Greimas tomou o texto como unidade de análise,
estudando seus elementos semânticos. As análises desenvolvidas desta forma revelariam,
posteriormente, uma descrição profunda de determinada cultura cristalizada sobre um
universo de significados que são compartilhados exclusivamente pela linguagem.
3 Oswald Ducrot (1930). Linguísta francês que desenvolve estudos sobre a enunciação. É um dos principais
autores da Teoria da Argumentação na Linguagem.
Algirdas Julius Greimas (1917-1992). Linguísta lituano que contribuiu com a Teoria da Semiótica e da
Narratologia.
68
Concordamos com Fiorin (2011) que para uma análise semântico-discursiva devemos
considerar uma semântica ao mesmo tempo gerativa, sintagmática e geral. Ou seja, que dê
conta dos processos crescentes de construção do sentido, explique a produção e a
interpretação do discurso, assim como parta do princípio de um sentido a priori dito “único”,
de forma a considerar sua capacidade de manifestar-se em diferentes planos de expressão.
Consideramos neste trabalho, também, a análise dos elementos sintáticos do discurso.
Para isso, devemos primeiramente ter clara a percepção do sujeito da enunciação: é ele quem
produz, a partir do texto, o discurso. Há sempre um “eu”, ou um “alguém”, que diz; explícita
ou implicitamente.
A enunciação é o ato de produção do discurso, é uma instância pressuposta pelo
enunciado (produto da enunciação). Ao realizar-se, ela deixa marcas no discurso
que constrói. (...) Mesmo quando os elementos da enunciação não aparecem no
enunciado, a enunciação existe, uma vez que nenhuma frase se enuncia sozinha.
(FIORIN, 2011, p. 55)
É na enunciação que se definem sujeito, tempo e espaço do enunciado. Falamos aqui
dos participantes (do eu, do tu) e, além disso, da coerção discursiva que estabelece tais papéis.
Este sujeito habita o espaço a partir do qual todos os outros espaços se definem. E, finalmente,
falamos do tempo relativo ao momento em que nosso sujeito tomou a palavra; é deste
momento em diante que se estabelece toda construção temporal.
Todo ato de produção de enunciados, que visa sempre sua comunicação a alguém, é
um saber-fazer persuasivo. Isto porque, ao se articular, o enunciador procura sempre
convencer seu enunciatário, ele se prepara para que seu enunciado seja aceito. E, da mesma
forma, percebemos no enunciatário um saber-fazer que é interpretativo.
A enunciação é a instância que povoa o enunciado de pessoas, de tempos e de
espaços. Por isso, a sintaxe do discurso, ao estudar as marcas da enunciação no
enunciado, analise três procedimentos de discursivização, a actorialização, a
espacialização e a temporalização, ou seja, a constituição das pessoas, do espaço e
do tempo do discurso. (FIORIN, 2011, p. 57)
Uma análise sintático-discursiva revela, portanto, os elementos organizadores e
estabilizadores dos enunciados, o eu-aqui-agora que direcionam o sentido e de que forma o
fazem. A enunciação projeta no enunciado estes elementos, marcando-o com categorias de
pessoa, espaço e tempo, que são passíveis de análise e se manifestam de diferentes e inúmeras
formas.
69
Nesta etapa de nossa análise, devemos nos atentar também aos elementos resultantes
da relação entre enunciador e enunciatário. Trata-se de toda sorte de procedimentos
argumentativos empregados pelo enunciador visando convencer, persuadir e seduzir seu
enunciatário, de modo a fazê-lo concordar, aceitar ou endossar sua fala. Estas induções podem
se manifestar através de palavras, de figuras de linguagem, do estilo empregado, de modos de
organização do texto, entre tantas outras, que em nossa análise buscamos revelar.
2. UM DISPOSITIVO ANALÍTICO
Procuramos aqui apresentar os demais elementos de análise que compõem nosso
dispositivo analítico. São essas ocorrências, por exemplo, quem nos fornece a substância
necessária e, eficiente o bastante, para nos demonstrar a constituição dos sentidos alternativos
ocorridos nos materiais componentes de nosso corpus.
Resgatamos, primeiramente, pontos centrais das teorias de Eliseo Verón (2004), as
quais estudam e analisam os discursos sociais em funcionamento, na sociedade, produzindo
sentidos. O autor também parte da afirmação de que não há outra maneira de entender o texto
como discurso sem relacioná-lo diretamente com outros discursos; ou seja, ele jamais termina
em si:
De fato, o texto pode ser analisado de um ponto de vista discursivo, ou não. Pode-
se, por exemplo, dividi-lo em “enunciados canônicos” (normalizando-o),
destruindo desta forma suas propriedades discursivas. A noção de discurso
corresponde, portanto, a um enfoque teórico em relação com um conjunto
significante dado. (VERÓN, 2004, p. 17. Tradução nossa)
Para Verón, a produção social do sentido se estabelece a partir de uma visão integral
de um sistema. Entretanto, já vimos que pistas são sempre deixadas no texto por suas próprias
condições de produção a partir de operações discursivas, “que constituem operações pelas
quais os materiais significantes que, compõem o texto analisado, foram investidos de sentido”
(VERÓN, 2004, p. 18). Isto é, devemos identificar no discurso este “sistema de operações
discursivas, que atravessam as classificações em níveis sintático, semântico e pragmático.”
(BRAGA, 2012, p. 250).
70
Uma visualização sistêmica permite a articulação direta entre produção, circulação e
consumo, e ainda legitima leituras que nos revelam características de todos estes processos -
em conjunto. É o que Verón (2004) classifica de “gramática de produção” e “gramática de
reconhecimento”. Elas jamais são iguais, mas possuem sempre relações que produzem
alterações sistemáticas nos discursos e que se desenvolvem na etapa de circulação: “O
conceito de circulação designa precisamente o processo pelo qual o sistema de relações entre
condições de produção e de recepção é produzido socialmente” (VERÓN, 2004, pg. 20).
É desta forma, que temos nos fenômenos sociais verdadeiros processos de produção de
sentido. As condições de produção e as de reconhecimento são, portanto, o local preciso onde
se dão os processos de circulação de quaisquer discursos sociais, sendo que suas condições de
produção e seus efeitos são mantidos pelos discursos e devem ser analisadas. Assim,
evidenciamos a complexidade das relações entre sentido e contexto, adentrando em novas
teorias:
Considera-se, geralmente, que cada enunciado é portador de um sentido estável, a
saber, aquele que lhe foi conferido pelo locutor. Esse mesmo sentido seria
decifrado por um receptor que dispõe do mesmo código, que fala a mesma língua.
Nessa concepção da atividade linguística, o sentido estaria de alguma forma
inscrito no enunciado e sua compreensão dependeria essencialmente de um
conhecimento do léxico e da gramática da língua; o contexto desempenharia
apenas um papel periférico, fornecendo dados que permitem desfazer as eventuais
ambiguidades dos enunciados. (MAINGUENEAU, 2002, p. 19)
Qualquer ato de interpretação de um enunciado é desenvolvido com base numa
“reconstrução” do sentido, a partir de indicações contextuais presentes no próprio enunciado.
O que ocorre é uma relação assimétrica: não há garantias de que o sentido “reconstruído”
coincida com as representações do enunciador.
O que se quer dizer é que, fora de contexto, não podemos falar realmente do
sentido de um enunciado, mas, na melhor das hipóteses, de coerções para que um
sentido seja atribuído à sequência verbal proferida em uma situação particular, para
que esta se torne um verdadeiro enunciado, assumido em um lugar e em um
momento específicos, por um sujeito que se dirige numa determinada perspectiva a
um ou a vários sujeitos. (MAINGUENEAU, 2002, p. 20)
São tais indicações contextuais e direcionadoras que Maingueneau (2002) chama de
“estatuto pragmático do enunciado”, que buscamos revelar, também. Trata-se de uma série de
procedimentos pragmáticos, uma vez que exigem a reflexão sobre o contexto e não apenas
uma interpretação semântica. Tais considerações nos levaram de volta à figura ideológica do
71
sujeito: “o sujeito não pode não significar e não há sentido sem interpretação.” (ORLANDI,
2001, p. 130). Falamos em sujeito ideológico justamente por entendê-lo como produtor de
interpretações, empregadas em condições específicas, que são apagadas naturalmente pelo ato
discursivo. O sentido é ainda submisso à interpretação deste sujeito, que o emprega a partir de
seu próprio repertório discursivo.
Entretanto, devemos considerar que algumas convenções tácitas permeiam todo o
processo. Dominique Maingueneau emprega o termo Leis do Discurso para determiná-las:
“essas leis desempenham um papel considerável na interpretação dos enunciados e constituem
um conjunto de normas, que cabe aos interlocutores respeitarem quando participam de um ato
de comunicação verbal.” (MAINGUENEAU, 2002, p. 32). A dominação destas leis do jogo é
condição da competência comunicativa, ou seja, da capacidade de produzir e interpretar
enunciados adequadamente, em múltiplas situações.
Uma grande contribuição para a prática da AD foi exatamente o estabelecimento deste
conjunto de normas sobre a interpretação dos enunciados. Tais leis foram articuladas de modo
a permitir a compreensão da capacidade dos interlocutores de se (re)conhecerem e se
respeitarem ao longo do processo comunicacional. São elas que “neutralizam”, por exemplo, a
total confusão da fala.
Diversos autores elegem diversas leis; entretanto, algumas têm, segundo Maingueneau
(2001), um alcance geral. Falamos aqui da lei da pertinência e da sinceridade. A primeira
relaciona-se à adequação da enunciação ao seu contexto: “ela deve interessar ao destinatário,
fornecendo-lhe informações que modifiquem uma situação” (MAINGUENEAU, 2001, p. 34).
Já a segunda, refere-se ao comprometimento do enunciador no ato de sua fala: “Cada ato de
fala (prometer, afirmar, ordenar, desejar, etc.) implica em um determinado número de
condições e de regras do jogo. Por exemplo, para afirmar algo, deve-se estar em condições de
garantir a verdade do que se diz” (MAINGUENEAU, 2001, p. 35).
72
2.1 OUTROS ELEMENTOS DE ANÁLISE
Partimos do pressuposto de que a publicidade constitui um amplo espaço para
reprodução ou representação de comportamentos, atitudes, valores, crenças e atribuições de
significado, que permeiam a sociedade de seu contexto. Entretanto, concebemos que ela
fornece, igualmente, um espaço legítimo para transformar essa mesma sociedade.
Assim, somos levados a considerar os modos de dizer desse discurso; ou seja,
devemos compreender o como e por que estes produtos simbólicos se apresentam. Os modos
de dizer consistem em designar e descrever os sujeitos ou coisas de que se fala, estabelecendo
interrelações entre eles, bem como seu tempo e espaço.
Seguiremos a sistematização proposta por Milton José Pinto (2002, p. 65), que propõe
a análise das funções com que as pessoas produzem um texto para se comunicar: mostração,
interação e sedução. Isto é, os modos com que o enunciador fala e as relações que faz, assim
como as relações de poder estabelecidas com o enunciatário e como se processam. Por fim, as
formas com que o enunciador marca as pessoas ou coisas de que fala, positiva ou
negativamente, mostrando reações favoráveis ou não a eles. Ademais, tratamos aqui de
produções audiovisuais e não podemos deixar de considerar essas outras semióticas. As
imagens e os sons carregam igualmente consigo diversos elementos interdiscursivos. A
compreensão de qualquer imagem como representação do real, por exemplo, está sujeita a
interpretações bastante subjetivas.
Concentremo-nos novamente na comunicação verbal, buscamos na teoria das faces
outros elementos para nossa análise. Concordamos com Maingueneau quando diz que
“toda comunicação verbal é uma relação social, que se submete às regras de polidez. Nesse
modelo, todo indivíduo é possuidor de duas faces” (MAINGUENEAU, 2001, p. 37). Uma
face, a positiva, corresponde ao ator social em questão, a imagem construída e que é
apresentada ao mundo. A segunda face, negativa, corresponde ao espaço de cada um, ao
íntimo.
Para a teoria das faces, toda enunciação pode consistir numa verdadeira ameaça para
outra enunciação, ou para várias delas. Além disso, em todo ato de comunicação se
confrontam quatro faces: a positiva e a negativa do enunciador, e a positiva e negativa do
enunciatário. Por exemplo: ao dar uma ordem, o enunciador valoriza sua face positiva em
detrimento da face negativa de seu enunciatário.
73
A constante “ameaça” às faces é um fato em toda enunciação. Por isso, devemos levar
em conta esse confronto em nossa análise, sobretudo quando falamos de anúncios
publicitários, onde é fundamental que o enunciador preserve sua face positiva. Em
publicidade, um bom anúncio é aquele que supostamente anula essas ameaças. Entretanto, o
que observamos são anúncios onde o que mais se busca é um acordo, uma negociação nessa
disputa de faces, através de estratégias discursivas empregadas persuasivamente.
Entretanto, notamos que em alguns casos esse “acordo” parece não funcionar muito bem.
Falamos dos conteúdos permeados pelo politicamente correto, aos quais dedicaremos atenção
a seguir.
2.2 OS DISCURSOS PUBLICITÁRIO E POLITICAMENTE CORRETO
Nosso objetivo principal trata exatamente da articulação direta entre os discursos
publicitário e politicamente correto. Assim, nossa análise se detém num produto
interdiscursivo; até mesmo porque:
O texto publicitário nasce na conjunção de vários fatores, quer psicossociais-
econômicos, quer do uso daquele enorme conjunto de efeitos retóricos aos quais
não faltam as figuras de linguagem, as técnicas argumentativas, os raciocínios.
(CITELLI, 2002).
De acordo com Francisco Leite (2008, p. 135), podemos definir uma publicidade
como politicamente correta por apresentar “cenários que operam a inclusão simbólica e
possibilitam o trânsito de personagens representantes de grupos minoritários em condições
contextuais antes demarcadas apenas a perfis hegemônicos”.
Poderíamos afirmar que, pelo simples ato de comunicar tais fatores, define-se essa
publicidade como politicamente correta? Juliana Botelho (2006, p. 17) aponta em seus
estudos que estes elementos “não conseguem, por sua simples existência, assegurar que tais
representações sejam, de fato, ‘politicamente corretas’. Garante-se o número, mas não a
qualidade das representações”.
É com base nas reações das tramas tecidas a partir de efeitos geradores de sentido, e
valendo-se, sobretudo, de estereótipos, que a publicidade vem alinhavando a si conceitos
politicamente corretos. Atingindo, assim, diversos objetivos mercadológicos e simbólicos em
74
torno de seus anunciantes e marcas. Mas também, parece ser cada vez mais comum a
interferência do politicamente correto na construção de novos sentidos.
No contexto publicitário, não entendemos apenas este tipo de proposta “inclusiva”
como politicamente correta. A contrassituação é também destacada como outra modalidade.
Ela é entendida como evento interacional, que foge ao padrão convencional organizador e
facilitador das relações sociais em suas significações. Tomando a contrassituação pelo
discurso, ou seja, aquela promovida pela linguagem agindo, concluímos tratar-se de uma
situação nova e desafiante ao sentido até então “convencional”.
A palavra contra-intuitiva pode ser traduzida a partir do termo inglês
counterintuitive, isto é, algo que desafia a intuição ou senso comum. Ou seja, com
a recepção/interação da mensagem com estímulo contra-intuitivo pelo indivíduo,
tenta-se operacionalizar (deslocar) o desenvolvimento do seu pensamento, inserido
no senso comum, levando-o do conhecimento superficial ao reflexivo, filosófico
gerador do senso crítico. (LEITE, 2008, p. 132)
Podemos traçar um paralelo bastante próximo entre as convenções tácitas que
gerenciam os sentidos dos discursos àquilo entendido como senso comum. O pensamento
crítico e analítico sobre os eventos apresenta-se como nova proposta desafiante a estes
sentidos organizadores e previamente estabelecidos. São estes movimentos que notamos
incorporar-se às narrativas publicitárias atualmente – e os quais nos despertam interesse.
Uma das expectativas da comunicação publicitária contraintuitiva é buscar não
desconsiderar a relevância da produção do senso comum, mas sim apresentar ao
indivíduo o desafio e provocação inerente à sua narrativa, que busca estimulá-lo,
para que utilize ambas as formas de produção de conhecimento (senso comum e
senso crítico) para deslocar suas percepções e opiniões negativas sobre os
indivíduos e grupos estigmatizados. (LEITE, 2008, p. 132)
Este deslocamento de sentidos apresenta-se, dentro do gênero publicitário, como novo
mecanismo retórico de persuasão, sedução e convencimento. Porém, é importante dizer que
essas novas expressões apresentam-se dentro de um contexto maior – o do discurso
politicamente correto como um todo. Essa interdiscursividade toma corpo, hoje, em diversos
conteúdos publicitários disponíveis em diferentes mídias. O conteúdo contraintuitivo propõe
ressignificação, através justamente da contrassituação; ao passo que, a inclusão simbólica
satisfaz apenas questões figurativas, não estabelecendo comunicação direta com os
interlocutores na construção de novos sentidos.
75
O paradoxo da contrasituação proporciona comunicação por deixar a última palavra
com o interlocutor. Promove o jogo com uma nova apresentação das mesmas regras,
oferecendo um espaço claro e bem delimitado aos seus interlocutores, buscando no
subproduto criado por estes o sentido pretendido. Naturalmente há uma indução, mas ela
mascara-se de modo mais eficiente ao deixar um espaço claro para a “conclusão do outro”.
Esta modalidade projeta ao patamar de protagonistas os alvos frequentes de
estereotipação e, neste ponto, o paradoxo se consolida e nos orienta através de seu teor
ideológico e interdiscursivo a tomar determinada direção, na busca pelo sentido proposto.
Somos, assim, persuadidos a endossá-lo.
O novo movimento não tem apenas teor manipulatório, como já defendemos ao
entender a publicidade como um produto sociocultural. Ao deslocar sentidos cristalizados
pelo senso comum, ele pode promover ressignificação e atingir objetivos muito maiores que
aqueles consumados, por exemplo, através de uma venda. Estes objetivos imateriais e
simbólicos passam a despertar cada vez mais o interesse dos anunciantes publicitários.
Se este discurso não fizesse efeito, ou seja, se não tivesse absolutamente nenhum
sentido ou ressonância no meio social, ele não seria empregado. Trata-se, portanto, de um
novo buscar de sentidos, já experimentado por diversas manifestações do meio social e não só
pela publicidade.
2.3 O MEDIADOR: CONSELHO NACIONAL DE AUTOR-
REGULMENTAÇÃO PUBLICITÁRIA
No capítulo anterior, falamos brevemente do CONAR e trouxemos alguns pequenos
recortes de seu Código, também a fala de uma tradicional conselheira. Entretanto, neste ponto
do nosso trabalho, nos aprofundaremos no Conselho elegendo-o como nosso mediador, que se
coloca entre anunciantes e consumidores, ou enunciadores e enunciatários – termos mais
pertinentes para este trabalho.
A relevância deste “novo” discurso aqui evocado justifica-se quando consideramos,
basicamente, os seguintes aspectos: primeiro, porque se trata de um modelo de auto-
regulamentação sintetizada em um Código. Foram os próprios profissionais de publicidade os
redatores do código e são, até hoje, os responsáveis por sua aplicação na relação entre
76
anunciantes, veículos de comunicação e consumidores, fazendo valer os seus interesses. O
modelo parece ter sucesso. Em trinta anos de atuação foram sete mil processos éticos e um
número impreciso de conciliações. Cabe dizer que, em seu portal online, o Conselho afirma
ter se saído vitorioso, nas raras vezes em que foi questionado na Justiça. O CONAR
apresenta-se da seguinte forma:
Rápido e inimigo do excesso de formalismo, o CONAR revela-se um tribunal
capaz de assimilar as evoluções da sociedade, refletir-lhe o avanço, as
particularidades, as nuanças locais. Não é, nem de longe, uma entidade
conservadora, nem poderia, pois publicidade e conservadorismo decididamente não
combinam. (www.conar.org.br Acesso em 13 de setembro de 2014)
Outro aspecto importante a se ressaltar é que se trata do órgão responsável por
fiscalizar, julgar e deliberar no que diz respeito ao cumprimento do disposto no Código de
Autorregulamentação Publicitária no Brasil. Hoje, os principais anunciantes, agências,
produtores de conteúdo e meios de comunicação subordinam-se às diretrizes do órgão e
acatam suas orientações e decisões. A ONG propõe dar fala a consumidores, autoridades e a
todos seus associados, conferindo à sua diretoria a competência de formular, igualmente,
denúncias contra quaisquer materiais publicitários veiculados em quaisquer suportes
midiáticos.
É o CONAR, também, quem recomenda, em caso de condenação do anúncio, a
sustação da veiculação do material, sugere alterações e pode, ainda, aplicar advertências
formais. É sempre conferido um amplo espaço de defesa e todas as ocorrências são
publicadas. São oito câmaras sediadas em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Porto Alegre e
Recife, atuando hoje cento e oitenta (180) conselheiros entre publicitários de todas as áreas e
representantes de diversos grupos componentes da sociedade civil.
Nosso objetivo aqui não é analisar discursivamente o Código e sua ética, tampouco o
discurso organizacional do Conselho ou seus acórdãos. Mas sim, dada à relevância e o papel
do CONAR no contexto onde se dá a comunicação publicitária, pautar-nos nessas decisões
para justificar a escolha dos materiais onde desenvolvermos nossas análises. Pois, além do já
exposto, percebemos também que se nos concentrássemos no anunciante-enunciador
encontraríamos uma construção discursiva articulada com um sentido muito claro: a venda.
Por outro lado, olhando atentamente às ocorrências que são abertas por consumidores,
individualmente ou agrupados em associações, pautando-nos apenas nas queixas deste
consumidor-enunciatário, ficaríamos restritos às condicionantes de sentido que vão ao
encontro de suas aspirações por representações condignas.
77
Portanto, vamos analisar as peças selecionadas como examinadores que estão de fora
da relação entre anunciante e consumidor. Partiremos da posição de que o discurso foi
articulado por um enunciador-anunciante, que se dirige sempre a um enunciatário-
consumidor; e justamente o que escapou dessa relação nos interessa.
2.4 DA RESPEITABILIDADE
Reiteramos que não é nossa intenção analisar discursivamente o Código Brasileiro de
Autorregulamentação Publicitária. O mesmo vale para sua construção ética, ou para o
discurso organizacional do Conselho. Também não nos interessa discutir os procedimentos de
julgamento e, sobretudo, as decisões dos conselheiros. O CONAR tem, nesse trabalho, uma
função de mediador. Além disso, será a partir dos dados divulgados pela organização, que
chegaremos aos materiais componentes de nossa análise. Justificando, assim, sua relevância e
pertinência.
Já sabemos que nosso tema correlaciona publicidade, politicamente correto e a
construção social do sentido identitário. Entretanto, a “categoria politicamente (in)correto”,
por assim dizer, não é um dos componentes da sessão de Princípios Gerais do Código.
Todavia, encontramos na sessão Respeitabilidade as diretrizes que mais se aproximam às
propostas da correção política.
Seguiremos nossa análise a partir dos casos julgados pelo Conselho, entre 2010 e
2014, por supostamente terem violado, ignorado ou desrespeitado um ou mais itens relativos à
sessão de respeitabilidade disposta no Código. São apenas três itens, já evocados aqui
anteriormente, mas que resgatamos novamente:
Artigo 19: Toda atividade publicitária deve caracterizar-se pelo respeito à
dignidade da pessoa humana, à intimidade, ao interesse social, às instituições e
símbolos nacionais, às autoridades constituídas e ao núcleo familiar.
Artigo 20: Nenhum anúncio deve favorecer ou estimular qualquer espécie de
ofensa ou discriminação racial, social, política, religiosa ou de nacionalidade.
Artigo 21: Os anúncios não devem conter nada que possa induzir a atividades
criminosas ou ilegais – ou que pareça favorecer, enaltecer ou estimular tais
atividades. (CONAR, 2014)
78
Essas são as recomendações centrais, que foram desrespeitadas e resultaram num total
de duzentos e um (201) processos éticos dentro dos cinco anos de interesse deste trabalho
(2010 – 2014). Não encontramos, junto aos boletins, informações comparativas. O que se
divulga são apenas os resumos de cada processo, mês-a-mês, contendo o acórdão estabelecido
pela câmara responsável. Assim, ficamos motivados a trabalhar sobre as informações
disponíveis, de modo que chegamos às conclusões descritas a seguir:
3. CATEGORIAS DE ANÁLISE
Julgamos que, para esta pesquisa e seus objetivos, a leitura de cinco anos de anúncios
processados e julgados é suficiente para termos um panorama eficiente o bastante e nos
permitir chegar às conclusões aqui esperadas. Assim, com este recorte conseguimos construir
algumas categorias de análise, que vão de acordo com a proposta deste trabalho. Pois bem, a
partir do total de processos julgados pelo conselho de ética de CONAR (entre 2010 e 2014 e
que infringiram os princípios de Respeitabilidade), sentimos a necessidade de categorizá-los
ano a ano e, assim, extrair algumas novas informações.
Em 2010 foram trinta e oito (38) casos julgados. Deste total, o que mais nos chamou
atenção foi o número expressivo de arquivamentos. Ou seja, notamos que a grande maioria
dos processos foi julgada como improcedente – não foram sugeridas alterações nas peças e
muito menos sua suspensão. Falamos precisamente de vinte e dois (22) arquivamentos, ou de
58% do total de processos transcorridos neste ano.
79
Já o ano de 2011 contabilizou vinte e três (23) processos relativos à sessão de
respeitabilidade. Mais uma vez, predominaram os arquivamentos: quatorze (14), ou 61% do
total.
Anunciante Campanha Decisão
Volkswagen Novo Fox - Velhinhos Arquivamento
Globo.com Globo.com - Big Brother Brasil 10 Arquivamento
Arezzo Cleo Pires e Juliana Paes Arquivamento
Sadia Família - Sadia Arquivamento
Ótica e Relojoaria Kavassaki Ótica Seiko Arquivamento
Bandeirantes Propaganda Externa Bandeirantes propaganda - Tem gente virando onça e tem gente virando porco Arquivamento
DKT do Brasil Prazer começa com Prudence Arquivamento
Red Bull Red Bull - Chapeuzinho Vermelho Arquivamento
Fundação S.O.S. Mata Atlântica Xixi no banho - S.O.S. Mata Atlântica Arquivamento
Boehringer Ingelheim do Brasil BUSCOFEM - Você livre das cólicas e dores menstruais Arquivamento
AmBev Guaraná Antártica Zero - Quem duvida paga mico Arquivamento
Renault do Brasil Renault - Depois do Stepway, ladeira é drop. Tunel é turbo. E outros carros são flat Arquivamento
Unilever Brasil Novo Axe Play 2010 Arquivamento
Oi Oi Pontos Arquivamento
Net Serviços de Comunicação NET - Todo mundo está saindo da Sibéria Arquivamento
Coca-Cola Coca-Cola Light Plus Arquivamento
Ford No comparativo entre os veículos que mais passam por cima de outros veículos, deu empate Arquivamento
Unilever Brasil Desodorante AXE - Salvo pelo twist Arquivamento
Unilever Brasil Novo Dove Men Care Arquivamento
Aché Laboratórios Farmacêuticos Aché laboratórios Farmacêuticos - Flogoral Arquivamento
Nissan Nissan Sentra Arquivamento
Coca-Cola Kuat - Mãe do amigo Arquivamento
Unilever Brasil Ades Nutri Kids - As escolhas de Marina: Primeiro dia de aula Alteração
Volkswagen Revisão mesmo - Volkswagen Alteração
Triton Coleção Triton Alteração
Sky Brasil Quem não assina Sky por R$ 69,90 é muito pamonha Alteração
Ford Novo Fiesta 2011, vale a pena ser exigente Alteração
AmBev Skol - Garota do Tempo - O jeito redpndo de ver o clima Alteração
Vivo Vivo - Bônus de até mil reais Alteração
Vegas Gentlemen´s Club Vegas Gentlemen´s Club Sustação
Fiat Fiat Linea - Schumacher Sustação
DuLoren Você não imagina do que uma Duloren é capaz Sustação
Target Blindagens Target Blindagens Sustação
Rede Play Time Rede Play Time - O Jogo vai começar... Participe! Sustação
Bic Brasil Bic Brasil - Descubra se você é um homem bem feito Sustação
Shell Brasil Shell - Vamos Juntos Sustação
Ind. e Com. de Bebidas Rodrigues e Silva Merchandising Selvagem - Programa Pânico na TV Sustação e advertência
Sócia Comércio de Gêneros Alimentícios Pizzaria Oca de Savoia, polícia Sustação e Advertência
Tabela 1: DECISÕES DOS CASOS DE RESPEITABILIDADE EM 2010
Fonte: www.conar.org.br Acesso em 20/11/2014
80
O ano de 2012 destaca-se pelo grande aumento no número de casos com relação ao
ano anterior. Foram quarenta e quatro (44) processos, que resultaram em vinte e oito (28)
arquivamentos, ou 64% do total. Assim, começamos a perceber algumas tendências relativas
aos dados que analisamos, e começamos a definir algumas categorias de análise buscando os
anúncios mais próximos de nossos objetivos.
Anunciante Campanha Decisão
Oi Oi Agenor Arquivamento
Ambev Skol Litrão - Beto Barbosa Arquivamento
VW Todo mundo sabe que no Brasil... Arquivamento
Net Tem que ter NET Arquivamento
Ipiranga Ipiranga - Um lugar completo esperando por você Arquivamento
Visa Visa - Agora 35 mil por semana... Arquivamento
Styllus Motel Pecado - Styllus Motel Arquivamento
Bombril Bombril - Mulheres Evoluídas - AME Arquivamento
Ambev Skol para casamento Arquivamento
Lazer Hotéis e Turismo Motel comodoro Arquivamento
São Paulo Alpargatas Havaianas - Francesa Arquivamento
Hope Gisele Bündchen - Hope ensina Arquivamento
ABMR&A "Sou agro - Dia a dia" e "Bendita terra" Arquivamento
Unilever Brasil Brilhante - Desafio da roupa nova Arquivamento
Primo Schincariol É pelo corpo que se reconhece a verdadeira negra Alteração
Honda Honda Dentista Alteração
Mercado Livre Mercado Livre - Sou velho mas não sou idiota Alteração
Liga Nacional de Futebol Litoral CAP Alteração
Primo Schincariol Nova Schin - Festa junina Alteração
Primo Schincariol Devassa - Água Alteração
Caixa Econômica Federal Caixa 150anos Alteração
SLKS Comércio de Artigos de Moda Sergio K Sustação
For Her Lingeries For her lingeries - Presenteie sua secretária... Sustação
Tabela 2: DECISÕES DOS CASOS DE RESPEITABILIDADE EM 2011
Fonte: www.conar.org.br Acesso em 20/11/2014
81
Em 2013, foram cinquenta (50) processos julgados. Desse total, trinta e seis (ou 72%
do total) foram julgados improcedentes e, consequentemente, foram arquivados. Podemos,
então, afirmar que dentro do nosso recorte, predominaram as decisões de arquivamento,
independente da origem, natureza ou gênero da reclamação.
Anunciante Campanha Decisão
Ford Ford - Promoção a decisão é sua Arquivamento
Havaianas Havaianas - Rodrigo Santoro Arquivamento
Ambev Skol Dragão Arquivamento
Tigre Tigre - seu Jairo, volta. Volta Jairo Arquivamento
Visa Visa - "Tinturaria", "Coroa de flores" e "Rodoviária" Arquivamento
Renault Renault - Tempo de Mudar Arquivamento
Unilever Brasil Axe - O fim do mundo Arquivamento
Tigre Tigre - Gaga Arquivamento
Galderma Aquaclin Arquivamento
Ambev Skolzinha 300ml Arquivamento
Boehringer Ingelheim Anador - Sindíco Arquivamento
Peugeot Peugeot Arquivamento
Lojas Marisa Primavera verão Marisa - Moda íntima Arquivamento
Peugeot Citroën Peugeot - O IPI é por nossa conta Arquivamento
Primo Schincariol Nova Schin - Invisíveis Arquivamento
Ford Ford Fiesta Tocam - Peixão Arquivamento
Cruzeiro do Sul Educacional Faculdade Cruzeiro do Sul - Suas escolhas refletem seu futuro Arquivamento
Marisa Marisa - Alto Verão Arquivamento
Unilever Brasil Close Up - Dentista Arquivamento
Subway Subway - Marinara Arquivamento
Arezzo Top Scenes - Arezzo mania Arquivamento
Monsters Gym Monsters Gym Arquivamento
Vivo Vivo Speedy - Lan house Arquivamento
Bombril Mulheres que brilham - Bombril Arquivamento
Editora Referência Prêmio Colunistas 2012 Arquivamento
Mash Cuecas Mash Arquivamento
K2 Comércio de Confecções Cavalera - Coleção Salvador rocks Arquivamento
Hypermarcas Nova Linha Jontex Arquivamento e Alteração
Danone Activia nectar de frutas Alteração
NetShoes Tudo o que você quer sem um vendedor chato Alteração
Gallo Brasil Nosso azeite é rico. O vidro escuro é o segurança Alteração
IBR Tatuzinho 3 Fazendas Barcats Velho Barreiro Alteração
Unilever Brasil Axe - Prateado e Preto Alteração
Grendene Sandálias Melissa plastic paradise Advertência
Kerocasa Pense no futuro, conheça a Kerocasa Advertência
Red Bull Red Bull - Nazaré Sustação
Diário de São Paulo Diário de São Paulo - Troca de óleo Sustação
Open English OpenEnglish.com inglês online Sustação
Duloren Pacificar foi fácil, quero ver dominar Sustação
Corpus Motel Corpus Motel - Chupetinha Sustação
Hope Hope - Bonita por natureza Sustação
Platense Feliz dia da secretária, chefe Sustação e advertência
Ambev Skol Facul Sustação e advertência
DKT do Brasil Dieta do sexo Sustação e advertência
Tabela 3: DECISÕES DOS CASOS DE RESPEITABILIDADE EM 2012
Fonte: www.conar.org.br Acesso em 20/11/2014
82
Anunciante Campanha Decisão
Cervejaria Petrópolis Crystal - Plano C Arquivamento
Primo Schincariol Tenha sua primeira vez com uma Devassa Arquivamento
Renault Novo Clio - Mecânico Arquivamento
Unilever Axe - Prateado e preto Arquivamento
Unilever Ketchup Hellmann's - O bom de verdade Arquivamento
Ambev Skol - Peixe Arquivamento
Vivo Vivo sempre internet - Alvará Arquivamento
P&G Gillette - Quero ver raspar Arquivamento
Lojas Insinuante Lojas Insinuante - Gutierrez Arquivamento
Net Serviços de Comunicação Net - 10 mega pelo preço de 1 mega Arquivamento
Fiat Fiat Palio - Segredo Arquivamento
O Boticário Nativa Spa - O Boticário Arquivamento
Unimed Unimed - Na hora de escolher seu plano de saúde, não chute Arquivamento
Eudora Eudora - Café com leite Arquivamento
Ambev Massagista - Antartica Sub Zero Arquivamento
Sanofi-Aventis Dorflex - Bar do Otário Arquivamento
Peugeot Novo Peugeot 208 - Corrida maluca Arquivamento
Vivo Vivo - Tem tudo aqui Arquivamento
Cervejaria Petrópolis Crystal apelidos Arquivamento
Bombril "Homem Biju Concentrado", "Homem Vantage Concentrado" e outros Arquivamento
Fiat Fiat - Wolverine Arquivamento
CTIS Service CTIS Service pack Arquivamento
Habib´s Habib's - Líncua do zero Arquivamento
Cadiveu Professional Eu preciso de Cadiveu Arquivamento
Duloren Brasileira, miscigenada Arquivamento
VW Mecânica inteligente para mulheres Arquivamento
Prefeitura Municipal de Colombo Não viva pela metade Arquivamento
Ellus Ellus jeans deluxe Arquivamento
Chery Chery Pelado Arquivamento
Valisere O primeiro Valisere a gente nunca esquece Arquivamento
Reckitt Benckiser Brasil "Vanish - não fique com inveja" e " Precisa de um cara" Arquivamento
Editora Abril Ninguém vive só de arroz Arquivamento
Amanco Brasil Du Moscovis Arquivamento
Tema Propaganda Tema Propaganda Arquivamento
Wmix Mato sem cachorro Arquivamento
L´Oreal Brasil Garnier Fructis - Troca receita Arquivamento
Vivo Vivo - Internet fixa Alteração
Fiat Fiat Punto - serie especial Black Motion Alteração
Altana Motel Altana Motel Sustação
Cei Mirassol Cei Mirassol 2013 Sustação
Oi Dia internacional da mulher Sustação
Faisão Hotel Elas adoram o panda Sustação
Yamaha Moto cantada factor Sustação
Genomma Asepxia - Bullyng Sustação
Pró-Vida PE Pernambuco não te quer Sustação e advertência
Agência Black Dia do ginecologista Sustação e advertência
Unilever Axe - Duas gostosas e um sortudo Sustação e advertência
Dafra e Blumare Motos Compre que eu dou pra você Sustação e advertência
Bain Duche Multimarcas Dama na rua selvagem na cama Sustação e advertência
Couro Fino Couro Fino Sustação e advertência
Tabela 4: DECISÕES DOS CASOS DE RESPEITABILIDADE EM 2013
Fonte: www.conar.org.br Acesso em 20/11/2014
83
Por fim, no último ano de nosso recorte foram quarenta e seis (46) processos julgados
e impressionantes quarenta e dois (42) arquivamentos. Ou seja, 93% dos processos foram
considerados improcedentes. É a maior taxa de arquivamentos dos cinco anos analisados,
consolidando os arquivamentos como decisão mais usual do Conselho para os casos que
infringiram o disposto na sessão de respeitabilidade.
Anunciante Campanha Decisão
Coca Cola Coca-Cola - Bem-vindos à copa de todo mundo Arquivamento
Pepsico H2OH - Limoneto Arquivamento
Hotel Urbano Não seja um turistão - Hotel Urbano Arquivamento
Brasil Foods Não tem chester, não tem a magia do natal Arquivamento
Whirlpool Geladeira Consul bem-estar Arquivamento
Ambev Guaraná Antartica apresenta - Papelzinho Arquivamento
Lojas Riachuelo Riachuelo - Campanha dia da mulher brasileira Arquivamento
P&G Old Spice - O chamado Arquivamento
TSE TSE convoca mulheres para política Arquivamento
Whirlpool Lava-louça Brastemp Arquivamento
Cervejaria Petrópolis Itaipava - Comparações Arquivamento
Ossel Funerária Ossel Arquivamento
Giraffas Hambúrguer Giraffas - Saia da mesmice Arquivamento
Unilever Axe - Roubo de beleza Arquivamento
Sky Sky livre apresenta - Vitor Livre Arquivamento
Ipiranga Música Posto Ipiranga Arquivamento
Mitsubishi Mitsubishi L200 Triton 2015 Arquivamento
Mondelez Brasil Lacta - Bis de ouro Arquivamento
Nissan Nissan - Amigo imaginário Arquivamento
Mondelez Brasil Belvita maçã e canela Arquivamento
Vivo Vivo internet fixa - "Seu Bolha" e "Seu Bolha 2" Arquivamento
Bob´s Bob´s passarinhos Arquivamento
Cervejaria Petrópolis Caminhão cheio de itaipava Arquivamento
Move Rio Bunda de cigarro é lixo - Rio eu amo eu cuido Arquivamento
Bob´s Festival de molhos do Bob's Arquivamento
OLX Fabio Porchat - Desapega Arquivamento
Stara Iperador Stara Arquivamento
Ambev Antartica - Um brinde às mulheres Arquivamento
O Popular O Popular - 75 Anos Arquivamento
Sul América Sul América Auto Arquivamento
Condor Promoção Condor. 40 anos. 40 carros Arquivamento
Brockton Namore de Redley Arquivamento
Evoluxe Cabelos crespos têm solução Arquivamento
Duloren Eu me amo Arquivamento
Marisa Marisa Arquivamento
Marisa Strip commerce Arquivamento
Cervejaria Petrópolis Itaipava - Palavrões Arquivamento
Open Englush Open English - Like a Brazil? Like a favela? Arquivamento
Química Amparo Tixan Ypê - "O poder da mulher de multiplicação" e "O poder da mulher de persuasão"Arquivamento
Bom Negócio Bom Negócio - Compadre Washington Arquivamento
Adidas Adidas - Tudo ou nada Arquivamento
P&G Old Spice - Danger Zone Arquivamento
Hypermarcas Olla - Anitta Alteração
Bom Negócio Bom Negócio - Compadre Washington Alteração
Vaneliz Box Vaneliz Box Sustação
Casa Di Conti Cerveja Conti Sustação e advertência
Tabela 5 - DECISÕES DOS CASOS DE RESPEITABILIDADE EM 2014
Fonte: www.conar.org.br Acesso em 20/11/2014
84
3.1 DEFINIÇÃO DO CORPUS
A seleção do corpus, em análise de discurso, não segue critérios empíricos, mas sim
teóricos. “Nessa forma de análise, a exaustividade almejada – que chamamos vertical – deve
ser considerada em relação aos objetivos da análise e à sua temática.” (ORLANDI, 2005,
p.62). Portanto, quando definimos nosso corpus, já definimos também de quais propriedades
discursivas queremos falar.
Após assistirmos a cada anúncio e com base nos dados obtidos por meio dessa
pesquisa inicial, não só percebemos algumas particularidades, como também notamos que, em
alguns casos específicos, parecem transparecer de forma mais “palpável” os elementos
discursivos constitutivos dessa nova construção social do sentido identitário. Permeada, agora
e muitas vezes, pelo discurso politicamente correto. Entretanto, queremos primeiro justificar a
nossa escolha pelos casos arquivados. Falamos da grande maioria dos acórdãos julgados pelo
Conselho no período analisado, como podemos notar ao verificar os dados abaixo:
Gráfico 1 – Número de queixas entre 2009 e 2014 comparado aos números de arquivamentos
Fonte: www.conar.org.br Acesso em 20/11/2014
85
Além de ser a maioria absoluta em termos de decisão, notamos que os arquivamentos
continuaram crescendo após 2011, ao contrário das outras decisões. Ou seja, podemos
concluir que esse aumento no número de processos não configura nenhuma tendência
negativa na produção de anúncios. Ao contrário, podemos observar que, em 2014, apenas
quatro processos não foram arquivados e, portanto, tinham alguma procedência. O aumento
teve muito mais a ver com os consumidores, que parecem exigir maior controle do conteúdo
publicitário. Reiteramos que não temos a pretensão de discutir aqui as decisões tomadas,
soberanamente, pelo CONAR.
Assim, elegemos primeiramente os arquivamentos como uma categoria de análise.
Chegamos, então, à marca de cento e quarenta e dois (142) anúncios publicitários, veiculados
em diferentes mídias e em território nacional, que foram julgados como improcedentes entre
os anos de 2010 e 2014 pela comissão de Respeitabilidade. Falamos dos processos abertos em
razão de reclamações a nível individual, ou mesmo reunidas através do discurso de alguma
associação representante de determinado grupo social.
Portanto, falamos de materiais considerados ofensivos ou que feriram algum princípio,
mas, que não foram assim entendidos pelo CONAR. Notamos que os próprios publicitários
vêm entendendo a maioria dessas reivindicações como improcedentes e que isso ocorre com
base em diversos motivos. O fato aqui exposto revela ainda que, na visão do órgão, o disposto
na sessão respeitabilidade vem sendo seguido pelos anunciantes, de maneira crescente
(conforme gráfico 1). Questionamo-nos, novamente, se falamos de um interlocutor que passa
a exigir mais limites.
Notamos ainda, que a grande maioria dos processos se concentrou em anúncios
televisionados regional ou nacionalmente. Assim, determinamos nossa segunda categoria de
análise: anúncios audiovisuais produzidos para o meio televisivo. O CONAR não divulga
com precisão o número de queixas que recebeu e que motivaram os processos. Entretanto,
destacamos que em alguns materiais falamos de queixas isoladas, ou mesmo individuais – e
este fator não tem nenhum peso nas deliberações do Conselho. Nos cinco anos analisados,
constatamos que trinta e cinco (35) processos foram abertos por queixas individuais. Portanto,
não excluiremos processos abertos individualmente.
Procuramos, em cada ano pesquisado, selecionar um (01) anúncio dentro dessas
categorias, e que nos traga todos, ou boa parte dos elementos aqui discutidos. Temos, assim,
um recorte que contempla cinco (05) anúncios, de fato, pertinentes para essa análise.
86
No mês de setembro de 2010, nos deparamos com a campanha da empresa de
telecomunicações “Oi” para divulgar seu programa de relacionamento e fidelização, bem
como os serviços de telefonia móvel e fixa, banda larga e ligações longa-distância via DDD.
A campanha “Oi Pontos” resultou em processo por supostamente incentivar comportamentos
reprováveis e antiéticos. Seu arquivamento deu-se, segundo relator do processo, por tratar-se
apenas de uma abordagem “criativa e bem humorada”.
Num primeiro contato com a peça, identificamos a articulação de situações
corriqueiras, que envolvem a subversão de valores profissionais e matrimoniais, mas que,
quando observadas conjuntamente à situação final e aliada à locução, notamos tratar-se, na
verdade, de um conjunto de situações que nos deixam desconfortáveis em relação ao outro.
Sobretudo, por percebermos que realmente não são atitudes muito admiráveis. Notamos aqui
que o humor submeteu-se ao policiamento e controle do comportamento individual, exercidos
socialmente e, assim, elegemos nosso primeiro material de análise.
No ano seguinte, encontramos no anúncio da marca de sandálias “Havaianas” um
novo material, que se relaciona intimamente com o que estamos estudando. Segundo denúncia
oferecida por grupo de consumidores e também pelo Sindicato Estadual dos Guias de
Turismo do Ceará, a peça reforçaria o estigma do turismo sexual no Brasil. A reclamação do
Sindicato adverte que não é necessário “apelar ainda mais ao fato de que o Brasil só chama
atenção de estrangeiros quando se fala da sensualidade da mulher brasileira, especificamente
em trajes ousados”.
Neste caso, o arquivamento deu-se por entenderem, relator e demais conselheiros, não
haver nenhum elemento “desabonador à reputação das brasileiras”. Aqui, encontramos
elementos interdiscursivos, que possibilitaram uma construção de sentido bastante alternativa
à proposta de se vender sandálias, valendo-se, sobretudo, de fatores não mencionados e,
talvez, sequer sugeridos, mas que fazem parte do universo discursivo relativo ao turismo em
território brasileiro – pelo menos por parte do grupo de denunciantes.
Ano Anunciante Campanha Temática da reclamação
2010 Oi Oi Pontos - O programa de relacionamento da Oi Comportamento antiético
2011 Havaianas "Lune de Miel" Turismo sexual
2012 Tigre Quem usa Tigre é autoridade no assunto Deficiência
2013 Vivo Vivo tem tudo aqui Desrespeito com minorias
2014 H2OH! Limoneto Tô SapecandoEstímulo à infidelidade matrimonial e ao
homossexualismo
Tabela 6: ANÚNCIOS SELECIONADOS PARA ANÁLISE 2010 -2014
87
Em 2012, foi a campanha da marca de tubos e conexões “Tigre” quem nos chamou a
atenção. A Abragagueira (Associação Brasileira de Gagueira), entidade representante dos
portadores de dislalia, entrou com representação contra o anunciante junto ao CONAR por
entender que em seu anúncio, a empresa desrespeita os portadores dos distúrbios da fala,
principalmente ao reforçar opiniões equivocadas sobre os gagos, associando-os a pessoas
inseguras e nervosas.
No vídeo, o que vemos são apenas dois personagens que, em situação de insegurança
ou inexperiência, gaguejam. Entenderam relator e conselheiros que o anúncio apenas vale-se
de bom humor - fato este que incidiu em recurso contra decisão. Entretanto, o arquivamento
foi mantido por unanimidade e entendeu o novo relator que: “Pessoas portadoras de
limitações, deficiências, inabilidades ou até mesmo inadequações de todos os tipos são uma
verdade, uma realidade próxima de todos nós. Quanto mais as entendemos e as tratamos com
leveza e naturalidade na propaganda e principalmente na vida real, menores serão o
preconceito e a discriminação, porque as incluiremos naturalmente”.
A campanha “Tem tudo aqui” para a empresa de telecomunicações “Vivo” foi a que
mais nos chamou a atenção no ano de 2013. Para se autoproclamar como opção completa de
serviços, a anunciante acaba por se comparar ao próprio Brasil, que na época se preparava
para sediar o mundial de futebol a ser realizado no ano seguinte. O anúncio segue fazendo
afirmações exageradas, elegendo situações totalmente novas, relativas ao futebol e à
identidade nacional. O processo foi motivado por consumidores que viram expressos no
anúncio elementos que, segundo eles, desrespeitam costumes (no caso o vegetarianismo) e,
ainda, satirizaram o roubo histórico da taça Jules Rimet4. O arquivamento se deu graças ao
entendimento do conselho de que o filme não menciona, nem remotamente, o questionado
pelos denunciantes.
Por fim, em 2014 selecionamos o anúncio do refrigerante H2OH!. No material,
predominam as ambiguidades, que acreditamos terem motivado as trinta reclamações
recebidas pelo órgão, as quais resultaram também em processo ético. Segundo denunciantes, o
anúncio é apelativo e estimula a traição conjugal ao promover relações homossexuais.
Observamos aqui questões intimamente ligadas ao imaginário sexista e homofóbico,
sobretudo ao considerarmos a contrassituação exposta pelo ato de ser a mulher quem
supostamente trai.
4 Até 1970, a Taça da Copa do Mundo Fifa era chamada de Taça Jules Rimet. Em 1983, no Rio de Janeiro, o
troféu conquistado pela seleção brasileira de futebol na Copa de 1970 foi roubado da sede da Confederação
Brasileira de Futebol (CBF).
88
Portanto, dedicaremos atenção a este anúncio por entender que ele nos traz elementos
culturais, sociais e históricos, os quais sedimentam construções sociais de sentido – agora e,
neste caso, permeadas pelo discurso politicamente correto.
A seguir, procederemos às análises discursivas dos anúncios selecionados, buscando
especificamente a observância dos elementos discursivos e das categorias de análise
apreendidos neste capítulo. Além disso, buscamos também a relação direta de todos estes
elementos com o contexto social onde se deram tais comunicações e na investigação dessas
construções sociais de sentidos.
89
CAPÍTULO IV
OBJETOS E SEUS DISCURSOS
1. INTRODUÇÃO
Nossa pesquisa procura transpor um percurso analítico, que nos traga condições
eficientes para discorrer sobre algumas indagações correspondentes aos nossos objetivos de
pesquisa; tais como: percebemos interferências do politicamente correto na interpretação das
representações feitas nos anúncios? Mais que isso, essa interdiscursividade toma corpo em
diferentes grupos sociais? De que formas?
A análise de discurso não procura identificar processos universais e, na verdade, os
analistas de discurso criticam a noção de que tais generalizações são possíveis,
argumentando que o discurso é sempre circunstancial – construído a partir de
recursos interpretativos particulares, e tendo em mira contextos específicos.
(GILL, 2002, p. 264)
Não ficaremos restritos somente aos anúncios selecionados, também abordaremos aqui
o discurso do mediador desse conjunto – o Conselho Nacional de Autorregulamentação
Publicitária. Na tentativa de assim identificar algumas das possíveis motivações das
ocorrências. No capítulo anterior, definimos os elementos discursivo-analíticos selecionados
para este trabalho; contudo, esclarecemos que tais elementos não figuram igualmente em
todas as peças analisadas. Isso porque cada um deles atua de uma forma particular nas
articulações de sentido, com seu modo singularmente subjetivo de significar no contexto de
cada anúncio. “Uma análise de discurso é uma leitura cuidadosa, próxima, que caminha entre
o texto e o contexto, para examinar o conteúdo, organização e funções do discurso” (GILL,
2002, p. 266). Assim, procuramos discutir, em cada análise, os elementos centrais de cada
discurso articulando-os entre si, tentando definir os próprios sentidos.
90
2. ANÁLISE DA PEÇA “OI PONTOS – O PROGRAMA DE
RELACIONAMENTO DA OI”
A primeira cena caracteriza-se por uma situação embaraçosa, criada pelo flagrante em
que nosso protagonista se coloca. A narrativa se inicia com um paradoxo: ao telefone, o
personagem lamenta com seu chefe não poder comparecer ao que, subentende-se ser um
compromisso de trabalho. No momento em que ele afirma estar no hospital, notamos que na
verdade ele circula pelo cenário de uma festa (ainda em preparação). O personagem sustenta
sua farsa (a nós já revelada) até ser surpreendido por uma altíssima música que irrompe no
ambiente. Ele acena ansiosamente, tentando sinalizar ao profissional, que testa o som, sobre a
urgência de abaixar o volume. Sem sucesso, ele foge correndo para longe, tentando manter
alguma credibilidade em ralação ao chefe, que permanece oculto.
Nesse momento, o discurso assume um viés lúdico, pelo esdrúxulo da situação e temos
na locução a apresentação de um contraponto positivo, que dá sentido à situação como um
todo. O tom do discurso agora articula um jogo de contrastes, com o efeito de surpreender o
interlocutor. Na locução, temos: “É... Ele perdeu pontos com o chefe.”, num tom de
lamentação; porém, na sequência temos: “Mas ganhou pontos com o Oi fixo e pode trocar por
passagens aéreas!”, proferido de forma enfática. O emprego do operador argumentativo
“mas” funciona retoricamente ao ligar uma sentença afirmativa, em concordância com algo
pensado supostamente pelo interlocutor – induzindo ao produto do anunciante, o qual emerge
como uma espécie de prêmio. A situação, que era negativa, é transformada em algo
totalmente positivo; tudo, graças ao produto anunciado. A antítese se define com o emprego
das palavras opostas: “perdeu” e “ganhou”, interligadas pelo “mas”.
Cena 1
Ambientação: Ator 1 fala ao telefone. Preparação de uma
festa.
Quadro 1: Anúncio "Oi Pontos".
Imagens disponíveis na internet.
Ator 1: “Oi chefe. Estou ligando pra dizer que não vou. É
estou aqui no hospital.”
Entra background sonoro: música funk em alto volume.
Locutor 1: “É... ele perdeu pontos com o chefe. Mas ganhou
pontos com Oi fixo e pode trocar por passagens aéreas!”
91
Ainda durante a locução, somos colocados frente à segunda cena do anúncio, que se
ambienta numa sala. Nosso segundo protagonista destaca-se no cenário. Ele está sentado à
frente de um computador e olha atentamente para a tela. Ele sorri e acena negativamente com
a cabeça – outra reação esperada do interlocutor do anúncio neste momento: desaprovando o
comportamento do personagem anterior, ao mesmo tempo em que acha graça de sua
exposição. Subitamente, ele muda sua feição e seu olhar torna-se lânguido. Somos
surpreendidos quando uma mulher irrompe a cena e, numa troca de ângulos, nos é revelado o
verdadeiro conteúdo que o protagonista conferia em seu computador: a foto sensual de outra
mulher. A primeira exclama: “o que é isso?!” e, mais uma vez, notamos uma construção
supondo o comportamento do interlocutor do anúncio, novamente o induzindo.
O jovem rapaz se vê agora na mesma situação vexatória de seu antecessor, a qual nos
parecia já resolvida. Ele tenta inutilmente acalmar quem concluímos ser a sua esposa, por
meio de uma linguagem corporal em busca de minimizar o flagrante. Ela, visivelmente
nervosa, afasta-se ameaçadoramente pondo fim à cena. Temos novamente uma antítese: a
imagem de superioridade do protagonista desta cena, tal como a de seu antecessor, e a
situação extremamente vulnerável após serem confrontados por uma figura que conota
autoridade. A locução funciona também como direcionador de sentido e atua, ainda, como elo
entre as cenas. “Hum... perdeu pontos com a mulher”. É pronunciado com certo pesar e, mais
uma vez, a oposição é articulada com o mesmo objetivo da construção anterior: “Mas ganhou
pontos com a banda larga da Oi e pode usar para encher o tanque do carro!”, também
proferido em tom enfático.
Cena 2
Ambientação: Escritório domiciliar. À meia-luz, um homem usa
o computador.
Atriz 1: “O que é isso?!”
Locutor 1: “Hum, perdeu pontos com a mulher. Mas ganhou
pontos com a banda larga da Oi e pode usar para encher o
tanque do carro!”
Imagens disponíveis na internet.
Quadro 2: Anúncio "Oi Pontos".
92
Notamos que as duas situações se apresentam formando uma unidade, com significado
particular, independente e específico. Para ligar uma cena a outra, usa-se a locução e
elementos estruturais muito próximos. É a locução quem dá continuidade e sentido ao
enunciado, enquanto que outros signos sonoros e visuais aproximam as situações construindo
um todo particular. Nas duas primeiras cenas notamos o emprego dos mesmos recursos
sonoros: o início repentino da música muito alta e, depois, a exclamação repentina da
mulher. A situação de flagrante constrói-se, igualmente, como elemento de ligação entre as
cenas, assim como as reações infantilizadas dos protagonistas quando descobertos.
Neste ponto do material, a locução mais uma vez permeia a troca de cenas e, pela
primeira vez, temos uma protagonista mulher. Observamos que a terceira cena configura-se,
primeiramente, como oposto de suas antecessoras. Não há situação de flagrante, a própria
personagem é quem liga para seu companheiro (a nova figura de autoridade) e, mesmo se
valendo de eufemismos, expõe sua situação constrangedora: “Oi amor...”, proferido
hesitantemente e, em seguida, a personagem continua vacilante. “Então..., é que aconteceu
uma coisinha...”; neste momento ela dirige seu olhar para a situação clímax do anúncio - seu
carro batido na fachada de uma lanchonete. O ridículo da situação é hiperbolizado pelo
contexto: o letreiro da lanchonete, que havia caído sobre o carro, entra em curto-circuito e
confere um efeito cômico à cena.
Configura-se uma antítese novamente, assim como nas cenas anteriores, definida pelo
contraste de “coisinha” (fala da protagonista), com a situação fantasiosa do acidente no qual
ela se envolvera. Temos uma nova locução, que também passa a ser feminina. Ela é mais
objetiva e não percorre a construção retórica de outrora. Marcando, mais uma vez, os tempos
do anúncio. Essa segunda locução possui um discurso fortemente autoritário, marcado pelo
modo de dizer, e não há contrapontos positivos à situação representada. Aqui, finalmente, os
benefícios citados ganham uma explicação racional: “Chegou Oi Pontos! Tudo o que você já
usa na Oi: móvel, banda larga, fixo e DDD viram pontos pra você trocar pelo o que quiser!” é
proferido afirmativamente. Assim, é oferecido ao interlocutor um espaço imaginário de
interação e ele não só é apresentado ao programa de fidelização da empresa anunciante, como
também se recorda de situações onde se identificou com os protagonistas de alguma forma.
93
A locução assina todo o conteúdo imperativamente ao dizer que: “Na Oi você pode,
sim!”, incentivando comprometimento e engajamento dos interlocutores com a marca. Por
fim, é reforçada a positividade do anúncio com a assinatura da campanha, feita com uma
menina portadora de Síndrome de Down, a qual nos sorri dizendo um “Oi” esfuziante.
2.1 Observações
Este processo foi motivado a partir da identificação, no anúncio, de estímulo a um
comportamento profissional reprovável e antiético. A reclamação concentrou-se na primeira
cena do anúncio – onde um funcionário mente para seu chefe e é pego em flagrante.
Anunciante e agência se justificaram com base no bom humor da narrativa, apontando para o
que classificaram como “pecadilhos cometidos pelos personagens e as sais justas em que se
encontram”. O Conselho deliberou pelo arquivamento da representação por concordar com a
defesa.
Atriz 2: “Oi amor... Então..., é que aconteceu uma coisinha...”
Locutor 2: “Chegou o Oi pontos! Tudo o que você já usa na
Oi: móvel, banda larga, fixo e DDD viram pontos pra você
trocar pelo o que quiser. Na Oi você pode, sim!”
Cena 3
Imagens disponíveis na internet.
Ambientação: Atriz 2 fala ao celular. Seu automóvel está
batido em um luminoso de lanchonete.
Quadro 3: Anúncio "Oi Pontos".
Atriz 3: “Oi!”
Cena 4
Ambientação: Apresentação da logomarca do anunciante.
Atriz 3 gesticula um abraço.
Quadro 4: Anúncio "Oi Pontos".
Imagens disponíveis na internet.
94
Apesar de termos verificado em nossa análise diversos elementos que poderiam
suscitar interpretações bastante distintas e, talvez, motivar reclamações de outros tipos, o
cerne do problema foi o comportamento profissional antiético – retratado pela farsa de um
empregado para com seu empregador, demonstrando desonestidade e mau-caratismo para
com essa figura de autoridade. O discurso politicamente correto parece permear essa
interpretação, que credita à narrativa competência para influenciar outras pessoas a adotarem
o mesmo comportamento reprovável.
A rejeição da mensagem se dá justamente por julgá-la, em tese, como politicamente
incorreta. Notamos que o personagem responsável por esta situação, em especial,
aparentemente se prejudica pela sua atitude, o que anularia possível incentivo a tal
comportamento. Talvez, haja impressão de que o anunciante recompensa os “pecadilhos” de
seus consumidores. Mas, o que se recompensa, de fato, no anúncio é a fidelidade à
contratação dos serviços anunciados, e isso se dá pela segunda locução, assim como pelo seu
modo de afirmar. Neste ponto, observamos o empoderamento conferido pelo discurso
politicamente correto, uma vez que se acredita no endosso de tal comportamento no simples
mostrar, citar ou mencionar; mesmo que a consequência apareça explícita ou implicitamente
no próprio texto.
95
3. ANÁLISE DA PEÇA “HAVAIANAS – LUNE DE MIEL”
Nosso segundo material tem como primeira cena um ambiente bucólico. Ainda que de
maneira repentina sejam definidos o espaço e os actantes da enunciação, vislumbramos uma
imagem do entardecer em Paris, com a Torre Eiffel ao fundo. Em seguida, o cenário passa
para um apartamento com arquitetura incomum, e a protagonista nos é apresentada. Chamam
atenção os traços fortes da atriz, reforçando o estereótipo brasileiro em relação à mulher
estrangeira: excessiva magreza e alvura da pele, bem como um rosto fora dos padrões
nacionais de beleza. Entretanto, tais elementos são empregados muito sutilmente.
Ela parece estar completamente absorta na leitura de um almanaque. A cena
concentra-se, então, na capa deste livro onde figura a imagem do Cristo Redentor sob o título
“Brésil”. Entendemos que, na verdade, todos os elementos descritos até aqui atuam de modo a
situar o cenário da enunciação: a capital da França. Ela fala em francês e, através do recurso
da legenda, temos a tradução instantânea: “Brasil, um dos países mais lindos do mundo”.
Neste ponto já temos estabelecidos alguns elementos direcionadores do sentido. Trata-se de
uma mulher francesa, que vive em Paris, se informando sobre o Brasil por meio de um
almanaque, também de origem francesa. Não é ela quem diz, não é o anunciante (ainda não
revelado) e não há locução. O discurso se constrói sedutoramente, dado o elogio feito ao
nosso país, de modo a ficarmos receptivos e simpáticos ao conteúdo que virá a seguir.
Quadro 5: Anúncio "Havaianas Lune de Miel ".
Cena 1
Ambientação: Entardecer em Paris.
Trilha: Música tranquila e agradável.
Imagens disponíveis na internet.
96
A primeira fala de nossa protagonista soa como um devaneio. Sorridente, ela continua
folheando as páginas do almanaque, lendo-o em voz alta: “O povo mais feliz do planeta”, é
proferido no mesmo tom idealista. É importante ressaltar que, novamente, o interlocutor do
anúncio recebe um elogio. Para dar sentido à sua fala, nos é mostrado o conteúdo do livro: a
imagem de um sambista negro, sorridente, vestindo terno branco e segurando um pandeiro – a
imagem simpática do conhecido e boêmio sambista carioca, que se apresenta sob o famoso
calçadão da praia de Copacabana.
A trilha sonora caracteriza-se por uma música extremamente suave e feminina, o que
ajuda a configurar o contexto onírico do anúncio. Inesperadamente, ela esboça uma grande
surpresa: “Uau! Todos os modelos de Havaianas no Brasil!” e o ângulo se fecha sobre o
almanaque, onde vemos agora a imagem das sandálias fabricadas pelo anunciante, que
finalmente é revelado. A imagem volta-se à protagonista, agora com uma feição mais
Atriz: “Brasil. Um dos países mais lindos do mundo."
Imagens disponíveis na internet.
Quadro 6: Anúncio "Havaianas Lune de Miel ".
Cena 2
Ambientação: Sala de apartamento parisiense. Protagonista
folheando um almanaque.
Quadro 7: Anúncio "Havaianas Lune de Miel ".
Cena 3
Ambientação: Sala de apartamento parisiense. Protagonista
folheando um almanaque.
Atriz: “O povo mais feliz do planeta."
Imagens disponíveis na internet.
97
pragmática, ou seja, sua linguagem corporal denuncia a passagem do emocional para o
racional. Somos levados a deduzir o que ela pensa, ao ser focalizado novamente o almanaque,
onde vemos a logomarca do anunciante exposta acima da palavra “Shopping”.
A palavra inglesa “shopping”, mesmo que pertencente a uma terceira língua no
contexto do anúncio, figura como elemento universal, independente do idioma da leitora
protagonista e do interlocutor do anúncio, que obviamente fala português. Ela invoca um novo
personagem ao exclamar: “Querido?!”. Uma voz masculina responde, nos mesmos moldes:
“Sim?”, e ela completa satisfeita e decidida: “já sei para onde viajaremos na lua de mel!”,
como forma de dizer indiretamente, que deseja na verdade comprar todos os modelos de
sandálias, disponíveis apenas no Brasil.
O segundo personagem se aproxima, enquanto nossa protagonista continua folheando
as páginas do almanaque de viagem. “Aonde iremos querida?” ele indaga. Subitamente, a
mulher muda sua feição e se aproxima demasiadamente do livro. Hesitante, ela olha
atentamente a foto de uma mulher curvilínea, de costas, usando um tradicional biquíni
Cena 4
Ambientação: Sala de apartamento parisiense. Protagonista
folheando um almanaque.
Atriz: “Todos os modelos de Havaianas no Brasil! Querido, já
sei onde iremos na lua de mel!"
Quadros 8: Anúncio "Havaianas Lune de Miel ".
Imagens disponíveis na internet.
Quadro 9: Anúncio "Havaianas Lune de Miel ".
Ambientação: Sala de apartamento parisiense. Protagonista
folheando um almanaque.
Ator: “Onde vamos, querida?”
Imagens disponíveis na internet.
Cena 5
98
brasileiro. Ela demonstra perceber, finalmente, algo que ainda não havia considerado e fecha
repentinamente seu almanaque, escondendo-o do marido, que chega à sala.
Podemos entender que, apesar de todos os possíveis benefícios vislumbrados por nossa
protagonista com a possível vinda ao Brasil, ela abole tal ideia ao se comparar com o padrão
de beleza feminino brasileiro, retratado pelo almanaque. O fato adensa-se por se tratar de uma
viagem de lua de mel. Na verdade, temos aqui mais um elogio dirigido ao interlocutor do
anúncio, funcionando retoricamente na construção do sentido. Sabemos que o material se
reporta, majoritariamente, às consumidoras femininas brasileiras, que se veem representadas
no anúncio pela modelo fotografada, que amedronta a protagonista. Ademais, nada é dito.
Temos um silêncio justificado na guinada que a situação sofre. De forma reticente, ela se vira
para o marido e exclama numa tentativa de se livrar da situação: “Veneza!”, que figura como
improviso de sua parte.
Ele demonstra incredulidade, dada a frustração pela falta de um elemento surpresa.
Percebemos que uma situação apresentada inicialmente como positiva, se revelou, para nossa
protagonista, como ameaçadora. Neste momento, a tradicional trilha sonora dos anúncios da
marca assina o conteúdo. Lembramos a característica já consolidada de humor que permeia o
discurso publicitário deste anunciante. Assim, o sentido se consolida como uma situação
cômica, pela forma com que se constrói. Mais nada é dito e a cena acaba. Por fim, a assinatura
do anúncio é composta pela exposição do produto com as cores da bandeira brasileira. Assim,
de certa forma, a identidade positiva do Brasil é ressaltada e o posicionamento nacionalista da
marca se consolida.
Quadro 10: Anúncio "Havaianas Lune de Miel ".
Cena 6
Ambientação: Sala de apartamento parisiense. Protagonista
folheando um almanaque.
Atriz: “Veneza!”
Imagens disponíveis na internet.
99
3.1 Observações
Este processo se originou com base em queixas de consumidores feitas diretamente ao
CONAR, bem como por uma representação enviada pelo Sindicato Estadual dos Guias de
Turismo do Ceará. A denúncia fundamenta-se no suposto reforço que o anúncio faz ao
turismo sexual no Brasil. O documento enviado ao CONAR afirma: “não precisamos de um
apelo desse tipo para mostrar que só podemos chamar a atenção quando se mostra uma
mulher brasileira em trajes ousados”.
A defesa baseou-se diretamente no que está disposto no Código de
Autorregulamentação, assegurando que o material publicitário tem “caráter respeitador,
verdadeiro e adequado às normas vigentes”. Anunciante e agência ainda afirmam que a súbita
mudança de ideia da protagonista revela muito mais “a fragilidade emocional dela própria do
que qualquer outro valor a deturpar a imagem da mulher brasileira”. Para o relator do caso
não há no filme qualquer conteúdo desabonador à reputação das brasileiras. Seu voto de
arquivamento foi aceito por unanimidade e não houve recurso.
Em nossa análise, pautada num âmbito mais pragmático, revelamos alguns elementos
que, dentro de um contexto específico de informação, podem ter contribuído para tal
interpretação. Falamos especificamente das motivações que, segundo o anúncio, podem trazer
um estrangeiro ao Brasil - neste caso, representadas pela beleza natural do país, a alegria
contagiante de seu povo, o samba, a grande variedade de sandálias do anunciante e, por fim, a
sensualidade da mulher brasileira. Sendo que, esta última, não se configura por nenhum
elemento verbal, apenas pela imagem ilustrativa no almanaque de viagem.
Notamos aqui, que todo um histórico discursivo relativo ao turismo no Brasil é
evocado e dirige os sentidos alternativos motivadores das denúncias. Mais uma vez,
percebemos uma manifestação do empoderamento da correção política, que não só dá
margem a novas interpretações, como as compreende como disseminadoras de valores a
serem definitivamente abolidos.
100
4. ANÁLISE DA PEÇA “QUEM USA TIGRE É AUTORIDADE NO
ASSUNTO”
O filme ambienta-se num apartamento em fase final de construção e acabamento.
Desde o primeiro momento, já aparecem os protagonistas: uma mulher e um homem, que a
acompanha carregando uma pasta. No primeiro segundo do anúncio, já fica evidente a
gagueira da personagem feminina.
O diálogo é estabelecido através das indagações corriqueiras que a mulher dirige ao
seu companheiro de cena. São perguntas comuns para aquisição de um imóvel, clichês de
compradores de primeira viagem. Enquanto a mulher aparenta insegurança e dúvidas, o
corretor mostra dedicação e conhecimento, simbolizado pela pasta que carrega durante todo
anúncio como uma verdadeira credencial. “E bate sol da manhã?”, com acentuada cacofonia.
O vendedor responde ironicamente: “Claro que bate!”, enquanto ela continua examinando o
imóvel. “Vai ter armários?”, porém sua frase não chega a ser completada. Ela acentua ainda
mais sua gagueira e seu companheiro de cena, demonstrando irritação, completa suas
palavras, respondendo: “Armários?! Embutidos?! Nos quartos!”
A compradora assume, ainda gaguejando demasiadamente, que esta será a primeira
vez que comprará um imóvel, expondo toda sua fragilidade. Esse é o ponto de virada do
anúncio, pois ela pergunta algo verdadeiramente relevante no contexto e não previamente
estabelecido por clichês. Inesperadamente, ela para de gaguejar: “Olha,” é empregado como
figura de advertência e ameaça – dedo levantado em riste apontando para seu interlocutor,
Quadro 11: Anúncio "Quem usa Tigre é autoridade no assunto".
Cena 1
Imagens disponíveis na internet.
Ambientação: Casa ainda sem acabamento.
Atriz: “E ba-ba-bate sol-sol da ma-manhã?”
Ator: “Claro, bate.”
Atriz: “Vai vai ter ar a ar ar ma má”
Ator: “Armários! Embutidos! Nos quartos.”
Atriz: “No o os as!”
101
inquirindo-lhe sinceridade e rompendo, assim, o contrato até então estabelecido com ele:
“Usaram tubos e conexões Tigre nessa obra?”.
Ao ser proferida por uma mulher, apresentada como insegura e vulnerável mas que se
mostra, depois, conhecedora de detalhes de construção, a inquisição transfere a fragilidade da
personagem ao seu companheiro de cena, que, surpreso, passa a gaguejar também. Ele, antes
impaciente, mesclando deboche e ironia, é agora ameaçado e não só se apoia na parede por
parecer faltar-lhe o equilíbrio, como também coloca a pasta à sua frente, de maneira a tentar
se defender de algo. Agora, é a mulher quem o recrimina e, ameaçadoramente, lhe ordena
para não gaguejar: “Não gagueja!”.
Logo, subentende-se que a gagueira presente em todo o filme, seja por parte da
compradora de primeira viagem, seja pelo corretor, é puramente o reflexo de algum tipo de
insegurança e dúvida, e não de um distúrbio propriamente dito. A insegurança, retratada de
forma cômica no vídeo, é proveniente da falta de conhecimento técnico sobre determinado
assunto, no caso as especificidades de uma construção.
Quadro 12: Anúncio "Quem usa Tigre é autoridade no assunto".
Cena 2
Imagens disponíveis na internet.
Ambientação: Casa ainda sem acabamento.
Atriz: “Olha é mi minha pri primeira ca casa. Usaram tubos e
conexões tigre nessa obra?”
Ator: “As as so so sabe que ih”
Atriz: “Não gagueja!”
Imagens disponíveis na internet.
Ambientação: Casa ainda sem acabamento. Distintivo com a
marca do Anunciante.
Quadro 13: Anúncio "Quem usa Tigre é autoridade no assunto".
Locução: “Quem usa Tigre é autoridade no assunto. Antes de
comprar seu imóvel pergunte se tem Tigre. Sucesso em mais
de quarenta países!”
Cena 3
102
A cena é irrompida por uma mão, segurando um distintivo com a logomarca da
anunciante, caracterizando uma situação exagerada e fantasiosa, mas que valoriza quem
detém conhecimento suficiente para perguntar sobre tubos e conexões. A apresentação do
distintivo é acompanhada pela locução: “Quem usa Tigre é autoridade no assunto”, e ainda
recomenda que, antes de comprar qualquer imóvel, deve haver a certificação de que nele
foram usados materiais fabricados pelo anunciante, dando assim a possibilidade ao
interlocutor de ser, também, uma espécie de autoridade no assunto.
4.1 Observações
As reclamações recebidas pelo CONAR, reunidas por representação enviada pela
Associação Brasileira de Gagueira (Abragagueira), consideraram que o anúncio desrespeita os
portadores de deficiências da fala por reforçar um estereótipo negativo de insegurança e
nervosismo extremados. O processo transcorreu em duas instâncias: na primeira, o Conselho
deliberou pelo arquivamento por julgar que no material há apenas uma situação bem
humorada, em nada desrespeitando os gagos.
A decisão foi contestada pelo denunciante, que recorreu baseando-se nos mesmos
argumentos. O novo relator do processo argumentou não ter observado deficiências éticas no
material. “Pessoas portadoras de limitações, deficiências, inabilidades ou até mesmo
inadequações de todos os tipos são uma verdade, uma realidade próxima de todos nós. Quanto
mais entendemos e tratemos com leveza e naturalidade na propaganda, principalmente na vida
real, menores serão o preconceito e a discriminação em relação a estas pessoas, porque as
incluiremos naturalmente”. Seu voto foi aceito por unanimidade e o processo finalmente
arquivado.
É evidente a relação da gagueira com a insegurança pessoal dos personagens, que se
alternam nesse papel. Entretanto, percebemos que essa associação se fundamenta na oscilação
natural da fala humana em situações de alto estresse. Não são personagens gagos, mas sim
vacilantes, e isso fica claro no anúncio. Entretanto, esse discurso mexe diretamente com um
estereótipo consolidado e relativo aos portadores da gagueira: o de serem pessoas inseguras,
ansiosas e nervosas, de um modo geral e exagerado. A correção política ganha corpo
aqui ao impor censura a conteúdos que retratam, mesmo que humoristicamente, estereótipos.
103
5. ANÁLISE DA PEÇA “VIVO – AQUI TEM TUDO”
O quarto anúncio de nosso corpus se inicia com uma pergunta feita por uma locução:
“Por que aqui vai ser o melhor mundial da história?”. Durante esse breve momento, ao som de
uma música inspiradora, temos duas cenas. Na primeira, observamos pelo alto, uma grande
cidade de arranha-céus. Ao centro, temos um homem caminhando pela laje de um destes
edifícios, como se contemplasse a paisagem. A segunda cena se concentra nos
dribles, que as pernas de um garoto faz com uma bola de futebol. Neste momento,
entendemos de qual mundial a locução fala.
Temos o emprego da palavra “melhor” como adjetivo hiperbólico, transmitindo uma
ideia aumentada do campeonato mundial, que na época ainda não acontecera. O reforço do
adjetivo se dá com base na imagem dos dribles belíssimos que a criança executa com sua
bola, mesmo que num humilde e amador campo de terra batida. A narrativa caminha com uma
alternância de cenas que transcorrem junto com a locução, que tem a função de atribuir-lhes
sentido. Na sequência, temos a imagem de jogadores de futebol, já profissionais (uniformes e
estádio de futebol), indicando o percurso natural a ser transposto por aquele menino. A cena
volta ao alto do prédio, onde aquele homem contemplava o horizonte. Na locução, temos a
explicação desta cena: “Talvez porque só aqui tem o rei.” e, neste momento, a identidade do
homem contemplando a vista do alto do prédio é revelada. Trata-se do ex-jogador de futebol
“Pelé”. Ele figura como representante máximo de todos os meninos, que, tal como ele, se
iniciaram em campos amadores, passaram por diversos times e, agora, se preparam para o
“melhor mundial”.
Quadro 14: Anúncio "Vivo - Tem tudo Aqui".
Cena 1
Ambientação: Cidade vista do alto.
Locução: “Por que aqui vai ser o melhor mundial da história?
Imagens disponíveis na internet.
104
Temos uma construção interessante neste momento da locução. A oração define-se
como uma suposição, explicitada pelo emprego do advérbio “talvez”. Entretanto, “só” e “o
rei” conferem contornos afirmativos, uma vez que são pronunciados enfaticamente ao mesmo
tempo em que o rosto de Pelé é focalizado. Ele personifica a experiência e a história do
futebol brasileiro, que automaticamente passa a ser entendido como o melhor futebol do
mundo.
Numa mudança repentina de cenário, vemos uma bela mulher estender a icônica
camisa dez da seleção brasileira, com o nome de Pelé, na sacada de um cortiço repleto de
varais. Do outro lado, sua vizinha observa e gesticula nervosa, reprovando a atitude da
primeira mulher. A vizinha apoia-se na bandeira da Itália, que figura como elemento de
expressão do seu patriotismo e que nos ajuda a compreender, que agora a cena se passa em
alguma periferia na Itália. Mais uma vez, a locução completa o sentido: “A única
unanimidade do futebol no mundo”, e a mesma construção que objetiva conferir reforço ao
proferido, é desenvolvida. Falamos especificamente do pleonasmo “única unanimidade”,
empregado estilisticamente.
Quadro 15: Anúncio "Vivo - Tem tudo Aqui".
Cena 2
Ambientação: Cidade vista do alto.
Locução: “Talvez porque só aqui tem o rei!"
Imagens disponíveis na internet.
Imagens disponíveis na internet.
Quadro 16: Anúncio "Vivo - Tem tudo Aqui".
Cena 3
Ambientação: cortiço europeu.
Locução: “A única unanimidade do futebol no mundo!"
105
A nova cena retrata uma quantidade imensa de bolas de futebol, se dirigindo
magicamente a um gol, que fica lotado delas. Tais elementos são surreais e, assim, a
linguagem hiperbólica do anúncio se consuma. Sobretudo, com a continuação da locução:
“Aqui tem os melhores artilheiros de todos os campeonatos”. Em seguida, um jogador de
futebol, vestindo a mesma camisa dez da seleção brasileira, observa num pôster afixado num
vestiário a imagem lendária de Pelé comemorando um gol, inspirando-se então em sua
trajetória. Ele caminha para o campo, que se coloca acima do plano da câmera, como se fosse
um Olimpo, e a locução continua articulando-se com base em exageros, com função de realce:
“E a camisa mais pesada do mundial!” credita demasiada responsabilidade e significado ao
objeto.
Temos uma mudança na trilha sonora, que remete agora a um tom lúdico, o qual se
sobrepõe ao emocional: “Só aqui tem tantas taças, que uma foi derretida. Mas, hoje pode estar
aí, no grito de alguém na torcida” – imagem de um torcedor com dente de ouro comemorando
um gol. “Aqui, a vaca é sagrada. Ela vira churrasco, chuteira, bola, drible...”.
Quadro 17: Anúncio "Vivo - Tem tudo Aqui".
Cena 4
Ambientação: jogo de futebol.
Locução: “E a camisa mais pesada do mundial"
Imagens disponíveis na internet.
106
O anúncio volta ao campinho de terra das crianças e a locução continua: “Aqui o pato
é sagrado. E o ganso? O ganso também!” é proferido em tom faceto, e vemos crianças
jogando futebol com esses dois animais, uma situação extremamente cômica e que se
relaciona diretamente com outros jogadores de futebol, com o mesmo nome destes animais. A
cena muda novamente e temos um pai observando, pela janela de uma maternidade, o seu
filho recém-nascido, que se destaca no meio de centenas de outros bebês por estar com a
mesma camisa amarela. “Aqui nasce um craque todo dia. E pelo menos milhares de
torcedores fanáticos!”. Temos, na imagem, pessoas torcendo histericamente. A sequência
volta-se para alguns amigos jogando futebol, a uma torcedora jovem comemorando ao celular,
a uma passeata de torcedores caminhando pelas ruas fazendo algazarra, enfim, a diversos
elencos exibidos na mesma situação exagerada de comemoração.
Imagens disponíveis na internet.
Quadro 18: Anúncio "Vivo - Tem tudo Aqui".
Cena 5
Ambientação: jogo de futebol.
Locução: “Só aqui tem tantas taças, que uma foi derretida.
Mas hoje pode tá aí, no grito de algém na torcida"
Quadro 19: Anúncio "Vivo - Tem tudo Aqui".
Cena 6
Ambientação: açougue.
Locução: “Aqui a vaca é sagrada. Ela vira churrasco, chuteira,
bola, drible!"
107
Por fim, a locução afirma em tom mais circunspecto: “Aqui tem tudo pra gente fazer o
melhor mundial – bem aqui”. Vemos a imagem de um aparelho de celular, onde podemos ler
em sua tela “Tem tudo aqui”. Assim, a narrativa reforça a ideia central do conteúdo: de que
temos tudo o que é necessário para o melhor mundial de futebol de todos os tempos. Isso
porque nos comunicamos e porque o fazemos por intermédio do anunciante (que não expressa
nenhum de seus produtos ou serviços).
5.1 Observações
A motivação das reclamações concentrou-se em dois momentos do anúncio: primeiro,
os denunciantes julgaram desrespeitosa a forma com que o filme aborda o destino das vacas
no Brasil (churrasco, chuteira, bola e drible). Uma vez que desconsideraria os vegetarianos ou
algum grupo protetor dos animais, empregando inclusive a palavra “sagrada” para qualificar o
animal. Foi entendido, também, que o anúncio satiriza o roubo da taça Jules Rimet, ocorrido
no Rio de Janeiro na década de 1980. Em sua defesa, anunciante e agência negam tais
interpretações. A autora do voto vencedor concordou com esse ponto de vista, propondo o
arquivamento, o que foi aceito pela maioria. “Todas as queixas são marcadas por um alto grau
Quadro 20: Anúncio "Vivo - Tem tudo Aqui".
Cena 7
Ambientação: passeata de torcedores.
Locução: “Aqui tem tudo pra gente fazer o melhor mundial..."
Imagens disponíveis na internet.
Cena 8
Ambientação: aparelho celular.
Locução: “Bem aqui!"
Imagens disponíveis na internet.
Quadro 21: Anúncio "Vivo - Tem tudo Aqui".
108
de subjetividade, além de se posicionarem contra o filme em razão de algo que ele
efetivamente não menciona, nem remotamente”.
Notamos que na fala dos denunciantes, sobrepõe-se um autoritarismo que
desconsidera o contexto onde se deu a comunicação. Ou seja, dentro de um conteúdo
caracterizado por seu discurso lúdico e por sua “licença poética”. Como vimos anteriormente,
na publicidade contemporânea opera-se muito mais pelo simbólico e pelo emocional.
Ademais, a produção de couro e de carne de origem bovina configuram-se, inclusive, como
atividades comuns e altamente lucrativas em nosso país.
Podemos, entretanto, questionar a forma com que o roubo da taça Jules Rimet, fato
ocorrido no Brasil, é abordado. Mas, para além dessa questão, devemos sempre considerar o
contexto da comunicação. Portanto, notamos que, neste caso, a vigilância dos consumidores
objetivou, de fato, a censura prévia de alguns temas, que nem são relativos, por exemplo, à
representação identitária de grupos sociais ou a elementos culturais já cristalizados. No
anúncio, notamos inclusive, que alguns elementos dessa natureza são, na verdade, exortados
pelo anunciante. Podemos entender que essa interpretação autoritária dirige-se, portanto, a
elementos discursivos contemporâneos ao conteúdo do anúncio – a preparação do Brasil para
a Copa do Mundo, realizada em 2014, e não especificamente às formas com que eles foram
narrativizados
109
6. ANÁLISE DA PEÇA “H2OH! LIMONETO – TÔ SAPECANDO”
O filme se ambienta em uma cozinha e, em seu primeiro enquadramento, temos a
imagem da mão de um homem, usando uma aliança e cortando vegetais. Na sequência, sua
esposa chega e o cumprimenta com um beijo, sem muito entusiasmo. Ela avisa reticente que
tem duas notícias para dar: uma boa e uma má, virando-se de costas. Ele balança a cabeça e,
sem dar muita atenção ao que a esposa diz, continua cortando os vegetais sem nenhum tipo de
contato visual. Ele pede para que ela conte primeiramente a má noticia.
Nesse momento, ela se vira para o rapaz tentando estabelecer contato visual e diz em
tom intimidador: “Sabe aquela mulher do seu trabalho, que você vive ciscando, dando em
cima?!” se sobressai ao tom amigável anterior. Pela primeira vez, vemos os olhos do
protagonista masculino, que se mostra preocupado com a situação, na qual provavelmente
será buscado algum tipo de envolvimento sexual com uma colega de trabalho, fora do âmbito
matrimonial. Ele franze o cenho e se limita a um “Hum?!” para que, assim, sua mulher dê
continuidade à fala, que possivelmente resultaria numa discussão um tanto quanto comum.
Quadro 22: Anúncio "H2OH! Limoneto - Tô sapecando".
Cena 1
Imagens disponíveis na internet.
Ambientação: Cozinha pouco iluminada. Rapaz preparando o
Jantar.
Atriz: “Oi.”
Ator: “E aí?”
Atriz: “Carlos, tenho uma boa e uma má notícia pra te dar.”
Ator: “Qual que é a má?”
110
Tomamos conhecimento, então, da má notícia. A personagem feminina diz, com ar de
superioridade, surpreendendo o interlocutor do anúncio e também seu marido: “tô
sapecando!”, em tom provocador. Estarrecido, ele se vira e, pela primeira vez, os
protagonistas ficam frente a frente. Ele pergunta: “Como assim, tô sapecando?!”, realçando
um tom de dúvida acerca do que ela disse. Antes que essa nova chance de desentendimento se
estendesse, ela muda o tom abruptamente e, sorrindo, informa profissionalmente: “Mas tem a
boa notícia! Chegou o novo H2OH! Limoneto! Muito refrescante, olha!”. Ela lhe mostra a
garrafa do produto, que aparece totalmente iluminada. Seu marido, ainda aturdido, é
convidado pela mulher sorridente a experimentar o refrigerante: “Experimenta!”. Enquanto
ele prova a bebida, entra como trilha uma música envolvente, sensual e relaxante, que junto
com o efeito luminoso sobre a garrafa, confere alguma capacidade extraordinária ao produto.
Quadro 23: Anúncio "H2OH! Limoneto - Tô sapecando".
Cena 2
Ator: “Como assim tô sapecando?!”
Imagens disponíveis na internet.
Ambientação: Cozinha pouco iluminada. Rapaz preparando o
Jantar.
Atriz: “Então, sabe aquela mulher do seu trabalho que você
vive ciscando, dando em cima?!”
Ator: “Hum?”
Atriz: “Tô sapecando!”
Quadro 24: Anúncio "H2OH! Limoneto - Tô sapecando".
Imagens disponíveis na internet.
Cena 3
Ambientação: Cozinha pouco iluminada. Rapaz preparando o
Jantar.
Atriz: “Mas tem a boa notícia! Chegou o novo H2OH!
Limoneto! Muito refrescante, ó! Experimenta!”
Cena do ator degustando o produto. Entra trilha sonora
envolvente. Iluminação especial no produto.
111
A expressão facial do rapaz muda para calma e satisfação. Sorrindo, ele volta
tranquilamente ao preparo de seus vegetais, como se nada tivesse acontecido. Sua esposa
aprova sua atitude, assentindo com a cabeça e sorri, igualmente satisfeita. Podemos entender,
que ela ficou satisfeita por motivos realmente diferentes: ou por ter declarado que estava
saindo com outra mulher (a mesma que desperta a atenção do seu marido) e deduzimos isso
pelo significado conotativo de “sapecando” – gíria que designa um tipo de relacionamento
sem muito compromisso- ou ainda, por ter, com essa situação, conseguido a confirmação de
que seu marido realmente tem alguém em mente no seu trabalho, dado o inusitado da
situação.
Em seguida, ela também bebe o refrigerante. Aparentemente absorta em seus
pensamentos, e exclama vitoriosa: “Delícia!”. A imagem se fecha na garrafa do produto para
fixar a assinatura do anúncio. Pela primeira vez, temos uma locução, que é masculina e
extremamente amigável: “Não esquenta... H2OH! Limoneto! Absurdamente refrescante!”
fecha o conteúdo e transmite uma mensagem clara de descontração e irreverência.
Quadros 25: Anúncio "H2OH! Limoneto - Tô sapecando".
Cena 4
Ambientação: Cozinha pouco iluminada. Rapaz preparando o
Jantar.
Ator: “Refrescante mesmo!”
Imagens disponíveis na internet.
Atriz: “Não te disse? Delícia!”
Locução: “Não esquenta! H2OH! Limoneto, absurdamente
refrescante!”
112
6.1 Observações
Temos nesse caso um processo motivado por reclamações de diferentes grupos sociais,
que recorreram ao CONAR por julgar o anúncio sexualmente apelativo e por entender ainda,
que o material estimula a homossexualidade e a traição conjugal. Anunciante e sua agência
discordam desses pontos de vista, afirmando que o anúncio não dá curso a tais acusações.
Informaram ao Conselho, também, que a veiculação do material foi feita sempre após as 21
horas. Relator e demais membros do Conselho concordaram com o ponto de vista da defesa e
votaram pelo arquivamento do processo.
Concentremo-nos na queixa relativa ao “incentivo do homossexualismo e da traição
conjugal”, identificado pelos reclamantes. No anúncio, não temos nenhum elemento concreto
e relacionado com a temática homossexual. Observamos, porém, o emprego do neologismo
“sapecando” para definir o tipo de relação, que supostamente a protagonista teria com outra
mulher. Entretanto, essa é uma leitura não oficial, uma vez falarmos de uma gíria com
significação ambígua. “Sapecar” pode assumir um significado completamente distinto – ela
pode estar apenas tentando obter de seu marido uma confissão, dado o caráter inesperado da
declaração, na qual ela afirma, seguramente, estar ciente dos segredos dele. Além dessa
ambiguidade na fala da esposa, que pode creditar a traição ao marido ou a si própria, não
temos nenhum elemento concreto a conotar traição conjugal.
Portanto, temos no anúncio uma situação que, isolada, não pode ser definida. A última
palavra fica, certamente, com o interlocutor, que deve direcionar o sentido de acordo com seu
próprio repertório, atribuindo o significado que mais lhe satisfazer. Talvez, seja justamente
esse espaço oferecido, num contexto delicado, que tenha suscitado as representações feitas
junto ao CONAR.
113
7. Dos discursos
Primeiramente, identificamos que em nenhum dos casos analisados houve
inobservância do disposto no Código, com especial atenção à sessão Respeitabilidade. Além
disso, observamos que alguns materiais foram alvo de reclamações individuais, enquanto
outros tiveram essas queixas reunidas e representadas por entidades terceiras: Sindicato
Estadual dos Guias de Turismo do Ceará e Associação Brasileira de Gagueira (Abragagueira).
A grande maioria das decisões de arquivamento foi acatada pelos denunciantes, com exceção
do caso representado pela Abragagueira, que recorreu da decisão inicial.
Chamou-nos atenção também, os votos dos relatores de cada caso. São manifestações
pessoais, que não falam exatamente da mesma coisa. Mas que, com certeza, se relacionam a
um todo maior. E isso fica evidente quando justificam, usualmente, suas deliberações com
base no humor sugerido pelo anúncio em questão. Especificamente no caso referente à
empresa Tigre, observamos a proposta de um posicionamento corporativo do CONAR sobre a
questão da representação de “pessoas portadoras de limitações, deficiências, inabilidades ou
até mesmo inadequações de todos os tipos”. A argumentação apoia a representação “leve e
natural” desses personagens reais na publicidade, pois haveria, assim, uma “inclusão natural”
que contribuiria com a diminuição da “exclusão” e do “preconceito”. Entretanto, não
observamos tais reivindicações no na fala da associação que representa os gagos. O que eles
desejam, de fato, é o fim do emprego de estereótipos negativos e que não são verdadeiros,
uma vez que a gagueira é uma limitação física da fala e que não tem, necessariamente, relação
com o estado emocional do indivíduo.
No caso da empresa Vivo, é curiosa a manifestação expressa de desacordo com a
denúncia. O relator afirma que as reclamações se caracterizam por um “alto grau de
subjetividade” e, ainda, que se baseiam em elementos sobre os quais o anúncio “efetivamente
não menciona, nem remotamente”.
De acordo com os números analisados no capítulo três, onde identificamos um grande
aumento no número de casos julgados nos últimos anos (sendo acompanhado por uma forte
tendência de decisões de arquivamento), traçamos um paralelo com a fala do CONAR,
personificada aqui pelos relatores de cada caso julgado. E, assim, identificamos um
posicionamento claro do órgão em favor da total liberdade criativa, respeitando-se tudo aquilo
que já é prática comum.
114
As incursões do politicamente correto, nessa análise, podem ser observadas pelo
empoderamento que tal discurso confere aos indivíduos entendidos como minorias. Atribui o
poder de incentivo às representações negativas, desconsiderando o contexto da comunicação
publicitária, na qual se dão, especificamente, tais situações. Ademais, propõe a suspensão
imediata dos conteúdos, indo de acordo com as propostas restritivas da correção política.
Foram evocados conceitos entendidos como reprováveis, tais como: insubordinação; conduta
profissional antiética; traição conjugal; qualidades genéricas designadas pejorativamente às
mulheres; incentivo ao homossexualismo; incentivo ao turismo sexual no Brasil; reforço de
estereótipos pejorativos e desqualificantes às pessoas com deficiências de qualquer tipo; assim
como, comportamento desrespeitoso para com diferenças religiosas e culturais. Isso sem falar
dos vegetarianos, que buscam alguma legitimidade.
Com base nessas observações, acreditamos ter elementos suficientes para, finalmente,
concluir nosso trabalho. Atingindo nossos objetivos de pesquisa sem restringir nosso objeto
(uma construção sociocultural, histórica e discursiva) a abordagens que desconsiderariam as
sutilezas de articulação operadas pela publicidade entre o material e o imaterial.
115
CONCLUSÃO
Essa pesquisa, assim como tantas outras, é o resultado de muita observação, intuição e
também de certa criatividade. Sim, porque com o problema identificado, devemos ter a
capacidade de vislumbrar meios de resolvê-lo. Sistematizando-o em perguntas, articulando
hipóteses, traçando objetivos e, não menos importante, adotando um referencial teórico-
metodológico que nos sustente durante este trajeto. Falamos das percepções iniciais que
motivaram essa pesquisa e que deveriam ser devidamente verificadas, de modo a permitir
outros estudos e análises. Vislumbramos um fenômeno social que se refletia na comunicação
publicitária, mesmo que por vezes de forma não desejável pelos anunciantes. Falamos da
questão das representações sociais e dos estereótipos ou coerções que atribuem significados
aos indivíduos. A comunicação de alguns elementos desse tipo parece ter, mais do que nunca,
o poder de despertar reações negativas e indesejáveis por diferentes grupos componentes do
meio social.
Nosso principal objetivo foi o de validar hipóteses formuladas sobre um objeto, que é
construído socialmente. Para isso, transpomos um caminho teórico buscando delimitar nosso
“texto em contexto” para, em seguida, analisá-lo discursivamente. Nossa opção teórico-
metodológica se deu graças a sua sinergia com nosso objeto e problema de pesquisa: falamos
justamente de construções sociais e de discursos. Buscamos assim, revelar elementos
geradores de sentido, articulando-se em cada material, de modo a consolidar interpretações
opostas. Falamos de aspectos como intencionalidade, argumentatividade, referências e
associações, empregados de maneira persuasiva e por vezes sedutora, em contexto
mercadológico.
Nossa primeira conclusão é a de que vivemos num momento de atualização dos
paradigmas, e que as novas propostas ainda não estão suficientemente (de)limitadas. Trata-se
de um contexto em constante atualização, onde minorias buscam ressignificações, ao mesmo
tempo em que tentam reforçar suas alteridades. Nesse cenário, o indivíduo passa a ter mais
liberdade para assumir diferentes papéis em processos de identificação, que passam a não ser
mais automáticos. Os tradicionais esquemas ou relatos dão lugar a novas narrativas,
fundamentais à restauração do sentimento de pertencimento de outrora.
116
Tendo como objetivo principal de vida o consumo, e estimulado a se ressignificar
continuamente, percebemos que o sujeito contemporâneo passa a se identificar pelo o que é
mostrado, ou seja, pelo lado externo. Disso resultam o individualismo e o hedonismo,
característicos desse indivíduo que busca, ainda, se diferenciar das massas e experimentar
algum sentido de pertencimento. É a cultura, materializada em bens de consumo, quem
fornece os subsídios necessários para que esse indivíduo atinja tal objetivo. Assim, o direito à
diferença articula-se como uma das máximas em nosso tempo.
Discorremos também sobre a descontinuidade e a descentralização do sujeito e de sua
identidade, como um resultado natural dos processos de profundas transformações
experimentadas pelos indivíduos no contemporâneo. Sem a coesão conferida por uma cultura
ou identidade, antes unificadoras, emergem e se apresentam agora como alternativas diversas
identidades ao sujeito em sua busca por pertencimento. É o contato com a diferença quem
fornece, portanto, os subsídios necessários para a experiência da descontinuidade.
Neste ponto, fomos levados a deduzir que novos discursos estão sendo construídos e
articulados socialmente, buscando conferir algum tipo de sentido à nova condição individual e
coletiva. Observamos que o “politicamente correto” aglutina diversas potencialidades nesse
sentido, uma vez que força as instituições sociais a seguirem lógicas mercadológicas ao
fomentar a hegemonia de minorias; o que altera profundamente a significação coletiva ou
grupal. A tônica gira em torno de um forte senso de moral, apoiando-se ao mesmo tempo em
elementos culturais e discursivos.
Sentimos, então, a necessidade de dedicar atenção ao “texto” propriamente dito.
Assim, primeiro nos concentramos na ética publicitária e nas representações sociais.
Concluímos que o sentido ético relaciona-se com um todo exterior: é impossível pensar e falar
sobre ética desvinculando este sentido de uma realidade externa, de um contexto social onde
ele se insere. Portanto, a ética é um procedimento filosófico, que resulta na moral - esfera de
ação com o objetivo de regular as relações sociais. No discurso publicitário, caracterizado
pela persuasão, são evocados inúmeros outros discursos objetivando o convencimento,
sobretudo através da sedução. Assim, concordamos com Lipovetsky ao falarmos de uma ética
que se tornou mais pragmática (menos idealista e que não se constitui como dever absoluto ou
pessoalmente desinteressado). Em seguida, abordamos nosso “texto” enquanto discurso. Para
isso, percorremos um novo trajeto teórico, de modo a compreender a produção social dos
sentidos, em concordância com nossos objetivos: permitindo a verificação dos modos que o
politicamente correto vem sendo incorporado ao gênero publicitário; seja no momento da
117
articulação de seu discurso, ou em seu processo de consumo, como base para (de)limitação de
sentidos.
Observamos que uma análise do discurso publicitário perpassa a linguagem verbal e
outras semióticas com que se constroem os textos. Entendemos, ainda, que tais elementos são
constituintes dos discursos e, ao mesmo tempo, são constituídos pelos contextos onde foram
articulados. Portanto, a produção social dos sentidos se dá com base na apropriação e
interpretação de cada indivíduo com base em suas experiências individuais e sociais. Se o
discurso é promovido pela intencionalidade, é através da linguagem que a ideologia se
materializa, e observamos que é a linguagem quem faz a mediação desse sujeito com sua
realidade. Recordamos aqui que “um discurso é, portanto, uma configuração espaço-temporal
do sentido” (BRAGA, 2012, p. 261).
Baseados em um extenso referencial teórico-metodológico, elegemos alguns
elementos de análise que direcionaram nossos estudos. Falamos dos elementos semânticos e
sintáticos do discurso, compreendemos a enunciação e, também, os elementos resultantes da
relação entre enunciador e enunciatário. Na sequência, compreendemos que toda operação
discursiva abarca dimensões pragmáticas, uma vez que exigem muito mais a reflexão sobre o
contexto, do que uma simples interpretação. Entendemos, assim, que os fenômenos sociais se
configuram como legítimos processos de produção de sentido e que temos nas condições de
produção e de reconhecimento o local preciso onde se dão processos de circulação de
quaisquer discursos. Tais considerações nos levaram de volta à figura do sujeito, e na
perspectiva discursiva adotada, entende-se que esse sujeito é, por definição, ideológico.
Justamente por entendê-lo como produtor de interpretações empregadas em condições
específicas, apagadas naturalmente pelo ato discursivo. O sentido é ainda submisso à
interpretação deste sujeito, que o emprega a partir de seu próprio universo significante.
Nosso objetivo principal corresponde à articulação entre os discursos publicitário e o
politicamente correto. Assim, completamos nosso arcabouço dissertando sobre referências
acerca dos dois tipos de discursos. Trouxemos, ainda, a fala do CONAR, como mediador que
se coloca entre os interactuantes dos casos analisados. Elegemos o órgão por ser ele o
responsável por fiscalizar, julgar e deliberar no que diz respeito ao cumprimento do disposto
no Código de Autorregulamentação Publicitária no Brasil. Ademais, justificamos a definição
de nosso corpus com base na relevância e papel do CONAR, no contexto onde se dá a
comunicação publicitária.
118
A partir das categorias de análise definidas no capítulo três, chegamos ao número de
duzentos e um (201) conteúdos julgados pelo Conselho de ética do órgão, por terem,
supostamente, infringido o disposto pela sessão de Respeitabilidade do Código. Destes,
observamos que cento e quarenta e um (141) foram arquivados, por terem sido considerados
improcedentes, indicando assim uma tendência importante.
Reiteramos que, em nenhum dos casos analisados houve, de fato, atitude desrespeitosa
ao disposto no Código. Observamos ainda, que alguns materiais foram alvo de reclamações
individuais, enquanto outros tiveram suas queixas agrupadas e devidamente representadas.
Chamou nossa atenção também a fala dos relatores de cada caso. Consideramos essas
manifestações pessoais como correlatas e identificamos isso também por meio do número
crescente de deliberações a favor do arquivamento dos casos. Fica claro o posicionamento do
órgão, que se manifesta favoravelmente à liberdade criativa da publicidade.
Em nossa análise, identificamos que o pensar “politicamente correto” adquiriu corpo
através, por exemplo, do empoderamento que esse discurso oferece às “minorias”. Ainda,
quando atribui às representações articuladas pelos conteúdos o poder de incentivar
comportamentos deturpados, desconsiderando totalmente o contexto de onde se deu a
comunicação publicitária. Resgatemos aqui os conceitos considerados reprováveis,
identificados nas interpretações dos denunciantes: insubordinação; conduta profissional
antiética; traição conjugal; qualidades genéricas designadas pejorativamente às mulheres;
incentivo ao homossexualismo; incentivo ao turismo sexual no Brasil; reforço de estereótipos
pejorativos e desqualificantes de pessoas com deficiências diversas; e comportamento
desrespeitoso para com diferenças religiosas e culturais.
Em nossa primeira peça analisada, o processo foi motivado por consumidores
entenderem que o anúncio incentivava comportamentos considerados “reprováveis e
antiéticos”. Seu arquivamento foi motivado pelo caráter “criativo e bem humorado”,
identificado no conteúdo. Nesse momento do trabalho, com esse caso, podemos notar que o
humor submeteu-se ao policiamento e ao controle do comportamento individual exercidos
socialmente. Em seguida, nos deparamos com o caso do anúncio reforçador do estigma de
turismo sexual no Brasil. Aqui ficou claro que a interpretação negativa deu-se muito mais em
razão do contexto desse enunciatário, do que pelo conteúdo em si. O mesmo fator se mostrou
presente no caso relativo aos gagos, que se sentiram incomodados ao verem o emprego de um
estereótipo negativo a respeito deles.
119
Dando sequência em nossa série de análises, pudemos perceber indícios de que,
realmente, as interpretações negativas tinham mais relação com um alto grau de subjetividade,
o que caracterizava o contexto dos denunciantes; por vezes, devidamente representados. Isso
ficou nítido com a análise referente ao nosso quarto anúncio, onde até mesmo o ato de se
comer carne bovina resultou em reclamação. No último caso analisado, conseguimos
identificar concretamente uma articulação ambígua, que acreditamos representar
figurativamente o que motivou as denúncias. Assim, tivemos a revelação do poder de
subjetividade da mensagem: que no interior de um universo discursivo pode significar coisas
totalmente distintas. Isso pode ser observado nos dois gêneros onde se concentraram as
reclamações, que motivaram esse último caso analisado: o estímulo à traição matrimonial, no
caso heterossexual; ou o incentivo à homossexualidade. Naturalmente, se tratam de situações
antônimas.
Com base em tudo que foi concluído, ou seja, através desse percurso transposto
cientificamente, podemos agora completar que o “politicamente correto” permeia muito mais
a interpretação do que os conteúdos. Observamos como ocorre o empoderamento dos
indivíduos na busca por representações condignas e percebemos, ainda, que essa exigência
vem aumentando continuamente.
Acreditamos, também, que o “politicamente correto” aglutina diversas potencialidades
positivas, sobretudo quando opera a ressignificação de estereótipos, hábitos, condutas ou
modelos de pensamento. E isso se dá, por vezes, através de contrassituações, ou seja, com
situações que se apresentam contrariamente ao senso comum. E isso nada tem a ver com
ações restritivas, que impeçam a comunicação de determinados elementos. Na verdade,
chegamos a um fio muito tênue que (de)limita o dito “politicamente correto” em oposição ao
que seria, de fato, “politicamente incorreto”.
Por outro lado, a proposta da dita neutralidade da língua, consonante com a proposta
mais ortodoxa da correção política, apresenta-se como novo obstáculo à criatividade do
publicitário. Mesmo comprovadamente ineficiente, uma vez que é impossível falarmos em
neutralidade ideológica do discurso, ela vem se manifestando, gradativamente e de forma
institucionalizada, na publicidade brasileira. Acreditamos, porém, tratar-se de um momento
ainda em curso. Sedimentadas novas culturas, identidades, significações e imaginários (ainda
em transição), esperamos que as tentativas de resolução dos problemas de ordem social, como
preconceito e exclusão, se concentrem mais na reflexão individual acerca dessas situações do
que em suas representações.
120
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