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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE COMUNICAÇÃO Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social GUSTAVO MOREIRA ZANINI PUBLICIDADE E O POLITICAMENTE CORRETO: INTERDISCURSIVIDADES NA CONSTRUÇÃO SOCIAL DO SENTIDO São Bernardo do Campo, 2015.

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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

FACULDADE DE COMUNICAÇÃO

Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social

GUSTAVO MOREIRA ZANINI

PUBLICIDADE E O POLITICAMENTE CORRETO:

INTERDISCURSIVIDADES NA CONSTRUÇÃO SOCIAL DO SENTIDO

São Bernardo do Campo, 2015.

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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

FACULDADE DE COMUNICAÇÃO

Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social

GUSTAVO MOREIRA ZANINI

PUBLICIDADE E O POLITICAMENTE CORRETO:

INTERDISCURSIVIDADES NA CONSTRUÇÃO SOCIAL DO SENTIDO

Dissertação apresentada em cumprimento

parcial às exigências do Programa de Pós-

Graduação em Comunicação Social, da

Universidade Metodista de São Paulo

(UMESP), para obtenção do grau de Mestre.

Orientador: Prof. Dr. Paulo Rogério Tarsitano.

São Bernardo do Campo, 2015.

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FICHA CATALOGRÁFICA

Z16p Zanini, Gustavo Moreira

Publicidade e o politicamente correto: interdiscursividades na

construção social do sentido / Gustavo Moreira Zanini. 2015.

125 p.

Dissertação (mestrado em Comunicação Social) --Faculdade de

Comunicação da Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo

do Campo, 2015.

Orientação : Paulo Rogério Tarsitano

1. Publicidade 2. Politicamente correto 3. Construção social

4. Identidade 5. Análise do discurso I. Título.

CDD 302.2

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FOLHA DE APROVAÇÃO

A dissertação “PUBLICIDADE E O POLITICAMENTE CORRETO:

INTERDISCURSIVIDADES NA CONSTRUÇÃO SOCIAL DO SENTIDO”

elaborada por Gustavo Moreira Zanini foi defendida no dia 23 de fevereiro de 2015, tendo

sido:

( ) Reprovada

( ) Aprovada, mas deve incorporar nos exemplares definitivos modificações sugeridas pela

Banca Examinadora, até 60 (sessenta) dias a contar da data da defesa.

( X ) Aprovada

( ) Aprovada com louvor

Banca Examinadora:

___________________________________

Professor Doutor Paulo Rogério Tarsitano (UMESP);

___________________________________

Professora Doutora Elizabeth Moraes Gonçalves (UMESP);

___________________________________

Professor Doutor Gino Giacomini (Titular Externo – USCS)

Área de concentração: Processos Comunicacionais.

Linha de Pesquisa: Comunicação Institucional e Mercadológica.

Projeto Temático: Comunicação de Mercado.

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LISTA DE TABELAS E GRÁFICOS

Tabela 1 Decisões dos casos de respeitabilidade em 2010 .......................................... 79

Tabela 2 Decisões dos casos de respeitabilidade em 2011 .......................................... 80

Tabela 3 Decisões dos casos de respeitabilidade em 2012 .......................................... 81

Tabela 4 Decisões dos casos de respeitabilidade em 2013 .......................................... 82

Tabela 5 Decisões dos casos de respeitabilidade em 2014 .......................................... 83

Tabela 6 Anúncios selecionados para análise 2010 - 2014 .......................................... 86

Gráfico 1 Número de queixas entre 2009 e 2014 comparado ao número de

arquivamentos ................................................................................................ 84

Quadro 1 Anúncio “Oi Pontos” ..................................................................................... 90

Quadro 2 Anúncio “Oi Pontos” ..................................................................................... 91

Quadro 3 Anúncio “Oi Pontos” ..................................................................................... 93

Quadro 4 Anúncio “Oi Pontos” ..................................................................................... 93

Quadro 5 Anúncio “Havaianas Lune de Miel” .............................................................. 95

Quadro 6 Anúncio “Havaianas Lune de Miel” .............................................................. 96

Quadro 7 Anúncio “Havaianas Lune de Miel” .............................................................. 96

Quadro 8 Anúncio “Havaianas Lune de Miel” .............................................................. 97

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Quadro 9 Anúncio “Havaianas Lune de Miel” .............................................................. 97

Quadro 10 Anúncio “Havaianas Lune de Miel” .............................................................. 98

Quadro 11 Anúncio “Quem usa Tigre é autoridade no assunto” .................................. 100

Quadro 12 Anúncio “Quem usa Tigre é autoridade no assunto” .................................. 101

Quadro 13 Anúncio “Quem usa Tigre é autoridade no assunto” .................................. 101

Quadro 14 Anúncio “Vivo – Tem tudo aqui” ............................................................... 103

Quadro 15 Anúncio “Vivo – Tem tudo aqui” ............................................................... 104

Quadro 16 Anúncio “Vivo – Tem tudo aqui” ............................................................... 104

Quadro 17 Anúncio “Vivo – Tem tudo aqui” ............................................................... 105

Quadro 18 Anúncio “Vivo – Tem tudo aqui” ............................................................... 106

Quadro 19 Anúncio “Vivo – Tem tudo aqui” ............................................................... 106

Quadro 20 Anúncio “Vivo – Tem tudo aqui” ............................................................... 107

Quadro 21 Anúncio “Vivo – Tem tudo aqui” ............................................................... 107

Quadro 22 Anúncio “H2OH! Limoneto – Tô sapecando” ............................................ 109

Quadro 23 Anúncio “H2OH! Limoneto – Tô sapecando” ............................................ 110

Quadro 24 Anúncio “H2OH! Limoneto – Tô sapecando” ............................................ 110

Quadro 25 Anúncio “H2OH! Limoneto – Tô sapecando” ............................................ 111

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 17

CAPÍTULO I – O contexto: nosso tempo

1. O Contemporâneo ............................................................................................... 22

1.1 Globalização e as referências de poder ............................................................... 25

1.2 Transitoriedades .................................................................................................. 27

1.3 O sujeito em contexto ......................................................................................... 29

2. Cultura “líquida” ................................................................................................. 31

2.1 Cultura do consumo ............................................................................................ 33

2.2 O consumo cultural num mundo globalizado ..................................................... 35

3. Identidades culturais ............................................................................................ 37

3.1 Identidades comunais e hegemonia ..................................................................... 39

3.2 Novas narrativas .................................................................................................. 41

3.3 O politicamente correto ....................................................................................... 43

CAPÍTULO II – O texto: ética e publicidade contemporâneas

1. Ética por quê? ...................................................................................................... 46

1.1 Ética e moral ........................................................................................................ 47

1.2 Deontologia ......................................................................................................... 48

2. Ética publicitária ................................................................................................. 50

2.1 Representações .................................................................................................... 53

2.2 Sociedade “pós-moralista” .................................................................................. 54

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3. Publicidade contemporânea e a questão ética ..................................................... 57

3.1 Estratégias de identificação ................................................................................. 59

3.2 Uma nova retórica ............................................................................................... 61

CAPÍTULO III – UMA ANÁLISE DO DISCURSO PUBLICITÁRIO

1. O discurso ............................................................................................................ 62

1.1 A construção social do sentido ............................................................................ 63

1.2 Interdiscurso ........................................................................................................ 65

1.3 Semântica e sintaxe discursivas .......................................................................... 67

2. Um dispositivo analítico ...................................................................................... 69

2.1 Outros elementos de análise ................................................................................ 72

2.2 Os discursos publicitário e politicamente correto ................................................ 73

2.3 O mediador: Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária ............. 75

2.4 Da respeitabilidade .............................................................................................. 77

3. Categorias de análise ........................................................................................... 78

3.1 Definição do corpus ............................................................................................ 84

CAPÍTULO IV – OBJETOS E SEUS DISCURSOS

1. Introdução ............................................................................................................ 89

2. Análise da peça “Oi Pontos – o programa de relacionamento da Oi” ................. 90

2.1 Observações ........................................................................................................ 93

3. Análise da peça “Havaianas – Lune de miel” ..................................................... 95

3.1 Observações ....................................................................................................... 99

4. Análise da peça “Quem usa Tigre é autoridade no assunto” ............................ 100

4.1 Observações ...................................................................................................... 102

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5. Análise da pela “Vivo – Aqui tem tudo” ........................................................... 103

5.1 Observações ...................................................................................................... 107

6. Análise da peça “H2OH! Limoneto – Tô Sapecando!” .................................... 109

6.1 Observações ...................................................................................................... 112

7. Dos discursos .................................................................................................... 113

CONCLUSÃO ............................................................................................................... 115

REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 120

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RESUMO

ZANINI, Gustavo Moreira. Publicidade e o politicamente correto: interdiscursividades na

construção social do sentido. 2015. 125 f. Dissertação (Mestrado em Comunicação Social) –

Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo.

Ao que se percebe, paradigmas até então vigentes passam a ser considerados singulares e

ditatoriais. Em contrapartida, estabelece-se uma nova acepção, cujo norte é o pensar

“politicamente correto”. Entendendo a publicidade como um produto sociocultural, essa

pesquisa inicialmente é bibliográfica visando à conceituação e análise de questões inerentes

ao seu tema. Com este contexto devidamente apreendido, uma análise pragmática do discurso

foi realizada em um corpus de anúncios publicitários veiculados entre 2009 e 2014, no meio

televisivo brasileiro de formato aberto. Nossa investigação se concentrou nos modos com que

os elementos postulados pelo pensamento politicamente correto vêm sendo incorporados ao

gênero publicitário em construções de sentido. Pudemos observar uma tendência de

repreensão de determinados grupos a conteúdos publicitários que tocam em temáticas muito

específicas, com interpretações marcadas por um alto grau de subjetividade; e o que se busca

muitas vezes, através de um empoderamento permitido por nosso contexto atual, é mesmo a

supressão de determinadas temáticas dentro da comunicação publicitária.

Palavras-Chave: Publicidade. Politicamente correto. Construção social do sentido. Identidade.

Análise do discurso.

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ABSTRACT

ZANINI, Gustavo Moreira. Advertising and the political correctness: interdiscursivities

on the social construction of meaning. 2015. 125 f. Dissertation (Master in Social

Communication) - Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo.

We realized that the traditional paradigms are now considered singular and dictatorial. On the

other hand, sets out a new meaning whose north is the “political correctness”. Understanding

the advertising as a socio-cultural product, this research is initially a bibliographic study,

aimed the conceptualization and analysis of issues related to your theme. With this properly

seized context, a pragmatic discourse analysis was performed on a corpus of advertisements

aired between 2009 and 2014, on brazilian television through open format. Our investigation

focused on the ways that elements postulated by politically correct thinking are being added

to advertiser gender, in constructions of meaning. We could observe a rebuke trend of certain

groups to advertising content that touch on very specific themes, with interpretations marked

by a high degree of subjectivity; and what is being sought, oftentimes, through an

empowerment permitted by our present context, is in fact the suppression of certain themes

within the advertising communication.

Key Words: Advertising. Political correctness. Social construction of signification. Identity.

Discourse analysis.

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RESUMEN

ZANINI, Gustavo Moreira. Publicidad y corrección política: interdiscursividades en la

produción social del sentido. 2015. 125 f. Disertación (Master en Communicación Social) –

Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo.

Nos damos cuenta de que los paradigmas vigentes hasta entonces ahora son considerados

particulares y dictatoriales. Por otra parte, establece un nuevo intento, cuyo norte es o pensar

"políticamente correcto". Entendendo la publicidad como un producto sociocultural, esta

investigación es inicialmente bibliográfica y dirigida a la conceptualización y análisis de

temas relacionados con su tema. Con este contexto debidamente apoderado, se realizó un

análisis pragmática del discurso en un corpus de publicidades emitidas entre 2009 y 2014, en

la televisión brasileña a través de formato abierto. Nuestra investigación se centró en las

formas en que se están agregando los elementos postulados por el pensamiento políticamente

correcto a construcciones sociales de significado. Pudimos observar una tendencia a

reprensión de ciertos grupos a los contenidos publicitarios que tocan en temas muy

específicos, con interpretaciones marcadas por un alto grado de subjetividad; y lo que se

busca, a menudo, a través de un empoderamiento permitido por nuestro contexto actual, es

mismo la supresión de ciertos temas dentro de la comunicación publicitaria.

Palabras Clave: Publicidad. Políticamente correcto. Construcción social del sentido.

Identidad. Análisis del discurso.

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INTRODUÇÃO

Essa pesquisa discute e analisa a comunicação publicitária brasileira, constituída de

discursos alusivos a comportamentos, pensamentos e estereótipos usuais, paradoxalmente

ainda vivos e fortes na sociedade em seu senso comum, mas que, talvez, já não sejam mais

bem aceitos, igualmente, por todos os seus grupos. Em contrapartida, surge um novo

pensamento, entendido como “politicamente correto”, que, por ainda não estar

suficientemente delimitado, pode provocar reações negativas por parte dos receptores da

informação, ou do conteúdo publicitário, quando fora desse novo modelo de representação.

Em tal contexto, supõe-se o surgimento de novos desafios relativos à criação publicitária,

especialmente quando consideramos uma sociedade como a brasileira - composta por

diferentes classes, culturas e identidades, bem como estabelecida em dimensões continentais;

de forma a configurar naturalmente alteridades identitárias e interpretações culturais bastante

distintas.

O problema central deste estudo trata, portanto, de alguns desses novos desafios

relativos à publicidade, entendida aqui como produto sociocultural; ou seja, como discurso

que reflete e refrata, simultaneamente, o contexto social no qual está inserido. Buscamos

apresentar algumas análises críticas, acerca destes novos fenômenos dentro do atual cenário

de movimentações e reinterpretações das identidades; assim como de estereótipos e elementos

sociais coercitivos, até então vigentes dentro desse tipo de comunicação.

Falamos de coerções sociais, que emergem em decorrência dos processos naturais de

mudança e que, portanto, até então não havíamos analisado racionalmente; ou melhor, de

maneira consciente: condutas, hábitos, costumes, valores (ou a falta deles), crenças,

atribuições de significados e imaginários. Elementos estes que são compartilhados pela

linguagem e instituem o senso comum do nosso jeito de ser e de se relacionar com os outros,

delimitando os contextos onde ocorrem as interações e as comunicações sociais, inclusive a

publicidade. Falamos, assim, de um contexto “trans-paradigmático”, de alterações e de

contínuas reinterpretações culturais e identitárias, onde a publicidade deve se reconstruir com

base no estabelecimento de novas culturas e novos valores.

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Ao tentar estabelecer comunicação com os novos imaginários que se consolidam junto

às novas significações identitárias – permeadas, neste momento e muitas vezes, pelas

demandas do politicamente correto, a publicidade é desafiada a se reconstruir

discursivamente, uma vez que estratégias de segmentação da mensagem parecem ter o poder

de despertar reações negativas e indesejáveis por diferentes grupos componentes do meio

social. Nossa investigação se concentra na mensagem, que estudada profundamente revela o

extrato dos componentes culturais, ideológicos, filosóficos e antropológicos de seus

interlocutores. Aprofundando-nos, assim, nas convenções tácitas que permeiam e organizam

as relações sociais em suas significações, compartilhadas exclusivamente pela linguagem. Em

tal contexto, a reflexão sobre os processos sociais e as profundas transformações vividas nos

últimos anos, motiva ainda mais os estudos de natureza analítico-discursiva.

Não podemos considerar que a publicidade tenha apenas o objetivo de levar

“receptores” totalmente reativos ao consumo material, o não acontece na maioria das vezes.

Mas sim, direcionar a atenção ao “consumo simbólico” da informação, ou do conteúdo

gerador de efeitos de sentido e entendimento nos indivíduos. Tomando o texto como unidade

de análise, nosso referencial teórico-metodológico é a Análise do Discurso, com base na

Escola Francesa. Buscamos explorar certa materialidade linguística e, por conseguinte,

ideológica; considerando a natureza dialógica do discurso publicitário, bem como articulando

sua intersecção em contextos permeados por outro discurso antagônico: o politicamente

correto.

O politicamente correto consiste numa corrente de pensamento intimamente ligada às

ciências políticas e composta por um conjunto de medidas e princípios postulados na tentativa

de solucionar problemas de ordem social. Com origem no final dos anos 1940, nos Estados

Unidos, o politicamente correto surge em meio aos debates entre socialistas e membros do

partido comunista norte-americano. A “correção política” se referia aos ideais mais

dogmáticos dos comunistas ortodoxos, e soava como uma espécie de ataque aos socialistas

(com ideais mais libertários), de forma a separar um grupo do outro. Curiosamente, o termo

ressurgiu nos anos 1990, no discurso político da direita neoconservadora, também norte-

americana, em ataque contra acadêmicos que defendiam o multiculturalismo. Para eles, a

proposta multicultural teria raízes comunistas, pois é tão autoritária e ortodoxa como a

primeira, uma vez que obriga a todos aceitarem, indiscriminadamente, a diferença.

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Trata-se de um movimento presente hoje em quase todo o mundo ocidental, e que

atravessa as esferas políticas, institucionais, pedagógicas, midiáticas e mercadológicas.

Permite a mescla de correntes filosóficas, antropológicas, sociológicas, linguísticas e, de certa

forma, impõe a desconstrução de ideários valorativos e significativos componentes da

instituição social. A linguagem, por sua vez, é a responsável pela sua materialização e permite

seu compartilhamento, sobretudo no que se refere a indivíduos ou grupos entendidos como

minoritários.

Sabemos que a produção de sentidos se dá com base na apropriação e interpretação, de

cada um, a partir de suas experiências históricas e das mediações culturais entrelaçadas ao

processo. Por isso, as maneiras para que uma Análise do Discurso seja realizada de forma

efetiva são complexas e não podem ser confundidas com fórmulas, uma vez que o interlocutor

apresenta suas características próprias, sejam elas individuais ou grupais.

Dentro da publicidade, os estereótipos funcionam como uma espécie de recurso

cognitivo facilitador de entendimento, acerca de um discurso mercadológico. Funcionam

como ferramenta estratégica de persuasão, eficaz na (de)codificação, no armazenamento, na

consolidação e na recuperação da mensagem na estrutura cognitiva do interlocutor. Tais

elementos são largamente explorados na criação dos discursos publicitários, e podemos

identificá-los de maneira explícita ou implícita, em diferentes níveis, na construção das

mensagens; assim como, dentro do jogo promovido pela publicidade e firmado na relação

com seus interlocutores.

Concordamos com Maria Rita Kehl (2008) que, atualmente, o maior desafio da

publicidade é justamente fornecer argumentos aos seus interlocutores, a fim de que possam

reinventar a própria realidade e diferenciar-se frente aos demais. Este cenário, fértil para

construções identitárias e imaginativas, permite à publicidade, enquanto fonte de novas ideias,

informação e comportamentos, bem como uma das principais manifestações midiáticas do

Brasil contemporâneo, transitar pelas insurgentes questões sociais, posicionando-se de alguma

maneira em relação a tal contexto.

Hoje, deparamo-nos com a polarização de temas vitais ao convívio social, tais como:

liberdade/repressão, ético/antiético, moral/amoral, inclusão/exclusão, aceitável/inaceitável,

sustentável/não sustentável, etc., e de dentro de cada um destes é possível ocorrer ainda uma

gama de ramificações potencialmente opostas. Por isso, são esperados conflitos diversos, os

quais esbarram em diversas áreas, inclusive na publicidade. Vivemos, ainda, um momento

onde a opinião pública se confunde com o que seria, de fato, a regulamentação do setor das

comunicações.

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No campo da publicidade, são numerosos os recentes casos de conteúdos julgados

pelo Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária, o CONAR, sendo que isso

aconteceu devido, principalmente, às manifestações de grupos classificados ainda como

“minorias” e, não necessariamente, por infringirem as normas estabelecidas pelo órgão.

Trabalhos chegaram a ser encerrados por causa das proporções de repercussão negativa, de

modo a se verem os próprios anunciantes obrigados a retirá-los de circulação.

Estes dois casos de “repressão” a conteúdos publicitários têm muito em comum,

mesmo sendo diferentes os seus determinantes. Ambos trazem elementos que fazem

referência a culturas em processo de desconstrução e/ou reconstrução, e que vão contra o

discurso politicamente correto, que empodera os sujeitos a se posicionarem ativamente contra

determinadas representações. Hoje, temos cada vez mais dificuldade em controlar a recepção

dos conteúdos, já que vivemos tempos de total liberdade de expressão e de pensamento. O

receptor tornou-se interlocutor, e é totalmente proativo dentro do processo comunicacional. A

descontinuidade, bem como o contrafluxo da mensagem, criam cada vez mais subprodutos do

conteúdo original.

Por meio de uma análise pragmática do discurso, o corpus que compõe essa pesquisa

será estudado de modo a evidenciar nossa proposta, com atenção especial à mensagem.

Entende-se que é a mensagem, em seu discurso, quem revela toda a rede sígnica evocada

pelos interactuantes do processo comunicacional, na busca e apreensão de sentidos. Aspectos

como intencionalidade, argumentatividade, referências e associações em dialogismo, são

empregados persuasivamente e voltados, principalmente, ao consumo simbólico da

informação, os quais serão evidenciados e analisados criticamente, articulando-os neste

contexto de intensas transformações.

Iniciamos esse percurso apreendendo elementos relativos ao contexto do nosso

problema. Portanto, no primeiro capítulo falamos da sociedade contemporânea em suas

nuances culturais e identitárias. Nosso objetivo foi delimitar um cenário que é completamente

complexo e difuso e, por meio de uma pesquisa bibliográfica, nos concentramos em aspectos

gerais, os quais nos ajudam a perceber elementos relacionados diretamente ao nosso problema

de pesquisa. Definindo o sujeito contemporâneo e seu contexto social, dirigimos nossa

atenção ao conceito de identidade, articulando proposições sobre esse conceito e dentro deste

contexto entendido como “trans-paradigmático”. Confrontados com as novas narrativas de

pertencimento, encontramos no “Politicamente Correto” o agrupamento de conceitos e

elementos discursivos intimamente relacionados a essa situação de mudança.

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No segundo capítulo, sentimos a necessidade de discutir o comportamento da

comunicação publicitária nesse contexto maior. Para isso, discorremos sobre a ética

publicitária contemporânea, sobretudo no que tange as representações sociais que ela,

enquanto discurso, faz. Num segundo momento, debatemos as estratégias de identificação

empregadas persuasivamente na consecução de objetivos mercadológicos, e constatamos um

novo modelo de retórica.

Seguindo em nossa pesquisa, com “contexto” e “texto” devidamente apreendidos,

evocamos um referencial teórico-metodológico sobre o discurso e a construção social do

sentido. Com isso, no capítulo três, pudemos definir nosso dispositivo analítico, determinando

nossas categorias e elementos de análise. Na sequência, delimitamos nosso corpus e podemos,

por fim, proceder nossas análises.

No capítulo quatro, desenvolvemos as cinco análises discursivas que compõe nossa

pesquisa, com o objetivo de identificar padrões no comportamento da comunicação

publicitária num momento de atualização dos paradigmas, com base em anúncios

criteriosamente selecionados, de modo a evidenciar nossas proposições. Chegando, assim, às

conclusões de nossa dissertação.

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CAPÍTULO I

O CONTEXTO: NOSSO TEMPO

1. O CONTEMPORÂNEO

Parece-me coerente iniciar nossa discussão pela dissertação doe conceitos

estruturantes, tais como o de identidade e cultura, sobretudo em contexto contemporâneo. Tais

conceitos apresentam-se como verdadeiras matrizes estruturantes de pensamento, associação,

significação e autodeterminação humana; portanto, não só relacionam-se entre si, como

também se constituem como colunas de sustentação em nossa pesquisa. Faremos resgate de

tais conceitos, mas, primeiramente, nos concentraremos no contexto social vigente.

Primeiramente, é oportuno dizer que entendemos a publicidade como um discurso

social. Assim, ela oferece um espaço legítimo de representação do seu contexto sócio-cultural

ao mesmo tempo em que atua de modo a (re)elaborá-lo. Assim, a compreensão de nuances do

nosso momento se faz fundamental ao início de nossa discussão. Não há um consenso

terminológico, conceitual ou esquemático que defina o contemporâneo. O nosso tempo, em

sua complexidade e pluralidade faz com que não abarquemos, nessa breve discussão, todo o

seu significado. Buscamos, aqui, simplesmente conceituar um modelo de sociedade, evocando

alguns de seus princípios, sobretudo os novos modelos de representação e de pensamento.

Lyotard (2008) defende que vivemos o fim das metanarrativas, especialmente àquelas

relativas ao modernismo. O que o autor afirma é que todos os grandes esquemas explicativos

tradicionais e modernos ruíram, e foram desacreditados; inclusive a ciência e seus métodos

aplicados por perderem o status de guardiães de “verdades absolutas”. O autor nomeia esta

condição como “pós-modernismo”, justamente por defender que as crenças em visões

totalizantes, que dirigiam as regras de conduta relativas ao modernismo, se desfizeram. Num

cenário multicultural, nenhuma metanarrativa é, para ele, totalmente aceita por todos os

grupos; não há mais um acordo comum.

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Já Habermas (1990) relaciona o contemporâneo às tendências culturais e políticas

neoconservadoras, ou seja, determinadas a combater especificamente os ideais iluministas

emancipando, assim, o “projeto moderno”. O autor defende que vivemos numa condição

peculiar do modernismo, agora pautados num diálogo aparentemente livre de coerções

sociais.

Por sua vez, encontramos em Zigmunt Bauman (2001) o conceito de “modernidade

líquida” como forma póstuma da modernidade. Apresentando conceitos sobre uma realidade

ambígua e multiforme, onde redes substituem estruturas, onde tudo que era ou é “sólido” pode

ou vai “derreter”. Não entraremos no mérito de discutir todos os pensamentos variantes sobre

o contemporâneo, nem as diversas nomenclaturas apresentadas. Neste estudo, para nos

referirmos ao tempo presente, elegemos simplesmente “contemporâneo” como termo, e

seguiremos majoritariamente as ideias de Bauman - por verificar que o autor se aproxima

bastante de aspectos relacionados ao consumo, os quais aqui mais nos interessam.

De qualquer forma, entendemos que vivemos um momento de quebra dos paradigmas

em nossa condição sócio-cultural, estética, política e ideológica. Na verdade, trata-se mais de

um tempo marcado por uma ideologia pós-paradigmática, uma vez que qualquer paradigma

ou dispositivo homeostático, conformista ou rotineiro, contém certa previsibilidade que, na

atualidade, é frequentemente rejeitada. Cultura e identidade emergem aqui como estruturas

que caracterizam e que nos ajudam a apreender o novo contexto. Recorremos mais uma vez a

Lyotard (2008), que entende o contemporâneo como uma “condição cultural”, caracterizada

pela mudança constante em perseguição a um ideal de progresso. Nosso tempo, para ele,

representaria, então, a culminação deste processo: a mudança constante é o novo status quo.

O atual período também tem diversas ramificações políticas, e destacamos alguns

recentes movimentos correlatos: o feminista, o de igualdade racial, o favorável aos direitos

dos homossexuais, as diversas formas de anarquismo, até mesmo os movimentos de paz, de

anti-globalização, de crise de representação política nos sistemas democráticos ou, ainda, os

relacionados à preservação do meio ambiente. Diversos outros movimentos híbridos decorrem

destes e, apesar de, em sua maioria, não abraçarem inteiramente todos os aspectos

contemporâneos, notamos certos reflexos de ideias mais centrais e comuns a todas essas

manifestações. Vemos emergir minorias que se autoafirmam e se agrupam em comunidades

coesas, buscando ressignificações e, ao mesmo tempo, o reforço de suas alteridades.

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O fato é que, muitos de nós, em diferentes níveis de consciência ou de interpretação,

vivemos a “desconstrução” do que era, até então, nossa realidade compartilhada, que se

apresenta, agora, num processo de reconfiguração polissêmica. Padrões até então rígidos

e que serviam de base para a delimitação das identidades (re)conhecidas (classes ou

segmentos de classes, raça, gênero, origem geopolítica, religião, etc.) são agora convidadas a

coexistirem com “novas” categorias identitárias, que apresentam-se como alternativas e que

são baseadas nas infinitas individualidades constitutivas dos sujeitos.

Compreendemos essa reconfiguração, sobretudo, apreendendo os conceitos “líquidos”

de Bauman (2001), como o encurtamento das distâncias, a substituição de cidadãos por

consumidores, o deslocamento do poder político e, talvez o mais importante, a presença

contínua das mídias nas relações sociais, dinamizando as mudanças. Os padrões difundidos,

até então, pelas instituições tradicionais e chamadas pelo autor de “sólidas” se liquidificam e

provocam o que Stuart Hall (2006) classificou como “crise de identidades”. Paisagens

culturais que forneciam os alicerces para a localização dos indivíduos de certa forma se

fragmentam, e tornam a identidade algo totalmente descontínuo.

O indivíduo, dentro deste novo contexto, tem total liberdade de assumir diferentes

papéis em processos de identificação que não são mais automáticos. As novas estruturas

impõem que assumamos diferentes identidades e mais, que lhes atribuamos diferentes

significações; as quais, certamente, serão conflitantes ou não totalmente resolvidas. Não

habitando nenhum espaço pré-definido e estando, portanto, sempre deslocados,

experimentamos constantemente uma espécie de “negociação”.

A localização individual baseada nessa descontinuidade torna a identidade algo de fato

flutuante. Tão logo uma identidade é assumida e defendida, o indivíduo deve preparar-se para,

logo em seguida, abandoná-la e assumir outra. Talvez ele o faça mesmo que

momentaneamente, estimulado, sobretudo, pelo consumo. As relações afrouxam-se,

volatilizam-se e se tornam descartáveis, tão qual uma peça de roupa. Não há um eixo imóvel

ou referências totalmente fixas. No contemporâneo, o social ambienta-se, portanto, no “não

lugar”. E aqui encontramos as características principais que, acreditamos, fundamentam nossa

discussão.

Discorreremos, a seguir, sobre essas principais características, relacionando-as ao

consumo e à publicidade, buscando apreender como o discurso publicitário se reacomodou

dentro deste novo contexto.

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1.1 GLOBALIZAÇÃO E AS REFERÊNCIAS DE PODER

Nesta discussão não podemos ignorar o processo de globalização, e seus impactos nas

percepções de cultura e de identidade do sujeito contemporâneo. Seguindo as ideias de Hall

(2006), a globalização altera profundamente as noções de tempo e de espaço, desalojando o

sistema social e suas estruturas até então fixas. Ela ainda favorece a pluralização dos centros

de exercício do poder. O pensamento aproxima-se com o de Bauman:

A “globalização” sustenta-se basicamente numa rede de dependências inter-

humanas, ampliada a dimensões globais. A questão, contudo, é que esse processo

não se faz acompanhar do aparecimento de uma gama equivalente de

instituições de controle político capazes e eficientes, ou algo como uma

cultura verdadeiramente global. A separação entre poder e política está

estritamente ligada ao desenvolvimento desigual da economia, da política e

da cultura. (BAUMAN, 2013 p.75)

O poder se encarna na distribuição mundial de capital e de informação, tornando-se

extraterritorial. Ao passo que instituições políticas tradicionais, ao contrário, permanecem

locais. Esse paradoxo (poder econômico em escala mundial versus controle político local)

leva inevitavelmente à fragilização irrefreável da percepção sólida de um Estado-Nação. A

desregulamentação cede o controle econômico e cultural às forças de mercado, que são livres

de qualquer controle normativo. Este tipo de vácuo institucional resulta numa busca

incessante de permanências:

Qualquer sentimento de segurança existencial balança em seus alicerces. Os laços

de sangue e solo relembrados do passado perdem muito de sua antiga credibilidade

nas novas condições. Como repete Jeffrey Weeks em outro contexto, quando

velhas narrativas de “pertencimento de berço” grupal (comunal) não parecem mais

verossímeis, cresce em seu lugar a necessidade das “histórias de identidade”, em

que “dizemos a nós mesmos de onde viemos, quem somos agora, para onde

vamos”. (BAUMAN, 2013, p.76)

Os novos relatos são, então, fundamentais para restaurar algum sentimento de

segurança e reafirmar a confiança perdida, tornando possível a interação com as outras

pessoas. Sem as referências de outrora, há que se buscar novas narrativas de pertencimento

que subsidiem a identidade, para que não se viva uma espécie de complexo de inadequação.

Quanto mais forte for a ameaça da existência coletiva de um determinado grupo social, maior

é o sentimento resultante de comunidade. “Em aparência, incapazes de controlar as relações

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sociais em que elas próprias estão envolvidas, as pessoas fazem com que o mundo encolha até

chegar ao tamanho de suas comunidades, e atuam politicamente com base nisso. O resultado,

com muita frequência, é um particularismo obsessivo como forma de assumir ou enfrentar a

contingência.” (WEEKS, 2000 in BAUMAN, 2013, p.78). A coesão se dá, então, através da

construção de um sólido sentido de resistência e de empoderamento.

Tal movimento, nos leva ao que Bauman (2013) chama de “ideologia conservadora”

ou de “pragmática da exclusividade”. Conservadorismos e exclusivismos, segundo ele, são

indispensáveis para que o verbo se faça carne, para que a comunidade “imaginada” estabeleça

interrelações de dependência que a farão real. Entretanto, os movimentos são mais complexos

que isso. De certa forma, vive-se outro paradoxo, dado que os conceitos até então vigentes de

identidade e cultura – historicamente baseados nos ideais iluministas - parecem tornar-se

verdadeiros entraves ao novo projeto de status quo, com permanentes e compulsivas

mudanças. Compromisso e comprometimento agora atrapalham e são, ou devem, ser evitados.

O futuro sempre foi incerto, mas o seu caráter inconstante e volátil nunca pareceu

tão inextricável como no líquido mundo moderno da força de trabalho flexível, dos

frágeis vínculos entre os seres humanos, dos humores fluidos, das ameaças

flutuantes e do incontrolável cortejo de perigos camaleônicos. (BAUMAN, 2005,

p.74)

Neste contexto, a identidade torna-se, como sugere Hall, um conceito sob rasura,

“uma ideia que não pode mais ser pensada da forma antiga, mas sem a qual certas questões-

chave não podem sequer serem pensadas.” (HALL, 2005, p.104). Já a cultura, antes seletiva e

exclusiva, é moldada agora para ajustar-se à liberdade individual e manifesta-se em inúmeros

artigos voltados exclusivamente ao consumo: “ela afasta todos os rígidos padrões e

exigências, aceita todos os gostos com imparcialidade e sem uma preferência unívoca.”

(BAUMAN, 2013, p.18).

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1.2 TRANSITORIEDADES

Vivemos numa sociedade baseada essencialmente no consumo. Para girar a roda, é

necessário que se consuma mais e mais, estimulando, sobretudo, novas necessidades que são

impostas ininterruptamente. O resultado de uma vida voltada ao consumo incessante é uma

espécie de transitoriedade sistêmica. O permanente esquema de desejar, buscar, adquirir,

descartar e voltar a desejar, num átimo, estende-se para âmbitos maiores que o

mercadológico. Quando nada está, de fato, totalmente ao alcance, os indivíduos incorporam o

novo pensamento à sua própria significação, bem como às significações sociais adjacentes. O

fato é que vivemos:

num mundo cheio de oportunidades – cada uma mais apetitosa e atraente que a

anterior, cada uma ‘compensando’ a anterior, e preparando o terreno para a

mudança para a seguinte’ – é uma experiência divertida. Nesse mundo, poucas

coisas são predeterminadas, e menos ainda irrevogáveis. Poucas derrotas são

definitivas, pouquíssimos contratempos, irreversíveis; mas nenhuma vitória

é tampouco final. Para que as possibilidades continuem infinitas, nenhuma

deve ser capaz de petrificar-se em realidade para sempre. (BAUMAN, 2001,

p. 74)

O estímulo permanente ao novo inquieta e gera ansiedade. O indivíduo esgota-se em

buscas e experimenta a angústia da permanente insatisfação. Aprisionado no sistema

retroalimentado pelo mercado, o consumidor tem sempre ofertado a si bens infinitos, onde

ele, sem alternativas, busca consolar-se ou satisfazer-se - mesmo que por alguns minutos,

antes da nova onda de ansiedade atingi-lo. Decorre disso, que “o próprio caráter e

sensibilidade das pessoas foi reelaborado, reformulado, de tal forma que elas se agrupam

aproximadamente (...) com as mercadorias, experiências e sensações (...), cuja venda é o que

dá forma e significado às suas vidas.” (BAUMAN, 2001, p. 100).

Desse fator, explica-se o que entendemos primeiramente como um tempo “pós-

paradigmático”. Os paradigmas se dissolvem, ao passo que os indivíduos, neutralizados de

certa forma, associam-se e desassociam-se a este ou àquele grupo, através de seu

comportamento de consumo. Na verdade, falamos é de um momento “trans-paradigmático”.

Até porque, permanecer por muito tempo num grupo, que se autossignifica por meio de

produtos, é insuportável. A liquidez se manifesta ao impulsionar o sujeito à constante conexão

e desconexão.

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Quando grupos distintos aproximam-se um dos outros por meio de produtos

correlatos, o distanciamento “necessário” volta a ser buscado através de novos

comportamentos de compra, novas preferências e novas demandas, que imediatamente são

atendidas pelos produtores com o objetivo claro de reestabelecer a “ordem”. Assim, é através

do consumo que o motocontínuo líquido cascateia-se por todos os elementos do real que nos

enreda. O poder de “desmontagem” do nosso tempo avassala as percepções instituintes da

sociedade, até então. Governo, hierarquia, trabalho, família, cidadania, ideologia, identidade e

cultura; tudo está em trânsito acelerado, tudo está por devir.

É interessante que nos atentemos à questão da imediatez. É ela quem impulsiona tudo

o que já dissertamos até aqui. Mas como falar em imediatez quando o que se busca, de fato,

não é alcançado? A substituição contínua impede a conquista; ou melhor, torna-a efêmera.

Portanto, a nova estética - pautada no consumo - adia constantemente a conquista da

satisfação. Deste modo, os sujeitos experimentam uma espécie de procrastinação da

satisfação, onde a substituição de uma meta por outra, aumenta a percepção de uma efetiva

recompensa à espera:

Paradoxalmente, a negação da imediatez, a aparente degradação dos objetivos,

redunda em sua elevação e enobrecimento. A necessidade de esperar magnífica os

poderes sedutores do prêmio. Longe de rebaixar a satisfação dos desejos como

motivo para os esforços da vida, o preceito de adiá-la torna-a o propósito supremo

da vida. O adiamento da satisfação mantém o produtor a serviço do consumidor –

mantendo o consumidor que vive no produtor plenamente acordado e de olhos bem

abertos. (BAUMAN, 2001, p. 182)

O processo é o propulsor fundamental do sistema capitalista no mundo

contemporâneo. A efemeridade da satisfação trabalhando pelo consumo incessante resulta no

adiamento perpétuo da satisfação plena e verdadeira. Uma vez que a autossatisfação

experimentada pelo sujeito jamais é suficiente para aquietar a ansiedade viciosa, pulsante em

seu interior. Seria algo como capitalizar os espíritos.

O que conta, entre a qualidade das coisas e dos atos é só a ‘autossatisfação’

instantânea, constante e irrefletida. Obviamente, a demanda de que a satisfação seja

instantânea vai contra a procrastinação. Mas, sendo instantânea, a satisfação não

pode ser constante, a menos também que seja de curta duração, impedida de se

estender além da duração de seu poder de diversão e entretenimento. (BAUMAN,

2001, p. 183).

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Nesta condição, há a instauração da necessidade permanente no sujeito de reclassificar

sua visão, sua autodeterminação e sua autossignificação ad continuum. A substituição

incessante de um desejo ou necessidade por outra, prontamente atendida pelo mercado, ao

mesmo tempo em que esta é superada por produtos novos e melhores que sobrepujam

emocional, ou racionalmente seus antecessores, liquidifica as próprias necessidades e a

própria satisfação, bem como a própria individualidade do sujeito. A instantaneidade

oferecida justifica a substituição permanente, e o sujeito age com base no poder ser, poder ter

e poder experimentar agora.

1.3 O SUJEITO EM CONTEXTO

A coabitação atual e compulsória de velhos e de novos paradigmas, sobrepondo-se uns

aos outros, abre espaço para diversas formas de pensamento, libertando os indivíduos de

ideologias dominantes. “As velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo

social, estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo

moderno.” (HALL, 2005, p. 7). A experiência do plural amplia a percepção do “eu” e as

individualidades anseiam, assim, por uma espécie de protagonismo hedônico.

O movimento reafirma-se externamente, pelo que é mostrado e pelo o que é possuído.

O “eu” contemporâneo existe com base naquilo que significa esse “eu” em seu entorno, não

em seu interior, dado que esse “eu” se conjuga a partir de uma sociedade de consumo. Sem

referências fixas de identificação, as identidades alternam-se e vivenciam livremente as

experiências da alteridade. Para que o sujeito sinta-se parte de um determinado grupo e para

que ele interaja com semelhantes deste mesmo grupo, ele deverá se enquadrar num modelo

bem definido de hábitos e costumes, principalmente de consumo.

O mesmo se dá com os grupos sociais, que também se autodeterminam por fatores

externos e não mais por elementos internos, como sua cultura por exemplo. Desta forma, a

identidade, agora cambiante, permite ao indivíduo a migração para diferentes e distantes

grupos. Ela, a identidade, não é mais uma estrutura, e sim um processo. Talvez pareça uma

experiência nobre de autoconhecimento. Entretanto, as relações interpessoais, por serem

pautadas pelo “externo”, tornam-se frágeis e passageiras, permitindo que não haja, após o

câmbio identitário, qualquer ligação entre o sujeito e seu agora antigo grupo.

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Podemos entender, então, que a impermanência não é apenas característica do

indivíduo. A volatilidade estende-se, igualmente, aos grupos sociais, que sucumbem muitas

vezes antes mesmo de seus aspirantes experimentarem alguma efetiva integração. Podemos

então supor, que alguns grupos são apenas imaginados, idealizados, sem ter sido efetivamente

povoados, uma vez que nunca se sabe ao certo se se está lá. O objetivo foi alcançado a tempo,

ou já há um processo de mudança na busca por um novo objetivo substituto? Desta técnica de

construção comunitária só podem resultar comunidades extremamente frágeis, de medos e

ódios compartilhados, como sugere Bauman (2001).

O isolamento e a sensação de vazio interior são as características experimentadas pelo

sujeito ao viver tais experiências. Sem a identificação efetiva e verdadeira com seu exterior, o

indivíduo experimenta um constante isolamento e distanciamento dos demais, com quem se

“relaciona” apenas exteriormente. A introspecção abre espaço para a identificação de novas

ondas de desejo e canaliza energia para novas buscas. Ao mesmo tempo, um sentimento

hedônico irrefreável apodera-se do indivíduo, que passa a idealizar seu “estar no mundo”.

Uma nova busca inicia-se com base na projeção desse ideal, que é igualmente passageiro.

O que emerge no lugar das normas sociais evanescentes é o ego nu, atemorizado e

agressivo à procura de amor e de ajuda. Na procura de si mesmo e de uma

sociabilidade afetuosa, ele facilmente se perde na selva do eu (...). Alguém que

tateia na bruma de seu próprio eu não é mais capaz de perceber que esse

isolamento, esse “confinamento solitário do ego” é uma sentença de massa. (BECK

in BAUMAN, 2001, p.47)

O modelo hedônico de vida não permite fracassos. Quando o sujeito não consegue

associar-se a um grupo, no qual ele projetou seus ideais e que supririam suas angústias, assim

como seus anseios atuais, um intenso abalo psicoemocional é experimentado. Acostumado a

tudo poder e ter, o sujeito contemporâneo não tem habilidades psicológicas para lidar com a

insatisfação, com o “não ser”. A ideologia do “depende só de você” faz do sujeito uma vítima

de si próprio:

Viver diariamente com o risco da autorreprovação e do autodesprezo não é fácil.

Com os olhos postos em seu próprio desempenho – e, portanto, desviados do

espaço social onde as contradições da existência individual são coletivamente

produzidas – os homens e mulheres são naturalmente tentados a reduzir a

complexidade de sua situação a fim de tornarem as causas do sofrimento

inteligíveis e, assim, tratáveis. (BAUMAN, 2001, p.49)

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O individualismo e o hedonismo fazem aqui com que o sujeito sinta-se o único

responsável pela sua insatisfação, pelo seu fracasso na consecução de um objetivo traçado e

com a falsa noção do “por ele mesmo”. O eu é, portanto, o centro de todo o movimento.

Feathestone (1995, p. 48) argumenta que “a cultura de consumo usa imagens, signos e bens

simbólicos evocativos de sonhos, desejos e fantasias, que sugerem autenticidade romântica e

realização emocional em dar prazer a si mesmo, de maneira narcísica, e não aos outros”.

2. CULTURA LÍQUIDA

Amplo sistema de significações, a cultura aqui discutida vai muito além dos produtos

culturais direcionados ao consumo material, ou até mesmo simbólico. Seguindo as ideias de

Williams (1977, p.25), tomemos “o conceito de cultura como um processo social constitutivo,

que ‘cria modos de vida’ específicos e diferentes.” Desta forma, parece errôneo discutir “a”

cultura; soa mais razoável considerar as culturas no plural. No contexto social atual e numa

sociedade líquida e globalizada, tal como concebemos, percebe-se mais do que nunca a

coexistência de inúmeras culturas coexistindo - harmonicamente ou não.

A cultura, em seu sentido mais amplo, é uma forma de atividade que implica alto

grau de participação, na qual as pessoas criam sociedades e identidades. A cultura

modela os indivíduos, evidenciando e cultivando suas potencialidades e

capacidades de fala, ação e criatividade. (KELLNER, 2001, p.11)

Consideramos, então, o termo “cultura”, ainda que no singular, como um amplo

conjunto de aspectos; portanto, um sistema naturalmente plural. Este é um entendimento

relativamente novo do termo, advindo dos estudos culturais e de seus principais autores, há

algumas décadas, na Inglaterra. Até então, vigoravam definições provenientes ainda dos

ideais iluministas de cultivo, de uma “missão proselitista, planejada e empreendida sob a

forma de tentativas de educar as massas e refinar seus costumes e assim melhorar a sociedade

e aproximar ‘o povo’, ou seja, os que estão na ‘base da sociedade’, daqueles que estão no

topo.” (BAUMAN, 2013, p.12). Também se definia cultura como uma espécie de dispositivo

homeostático, de manutenção e controle social.

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O termo “cultura” surgiu em contexto iluminista como uma missão a ser empreendida.

O objetivo era o esclarecimento, a libertação dos ignorantes das amarras dos preconceitos e

das superstições, que atuavam como entraves ao projeto moderno de progresso dos Estados-

Nação, ainda em formação. O termo era compreendido como atividade semelhante ao do

cultivo da terra infértil, que, sendo trabalhada, proporcionaria o enobrecimento e elevação dos

indivíduos componentes da massa. Buscava-se, assim, a coesão social para fortalecer a

nacionalidade de um povo.

O conceito de “cultura”, quando considerado no contexto amplo do

desenvolvimento histórico, exerce uma forte pressão contra os termos limitados de

todos os outros conceitos. Essa é sempre a sua vantagem; é sempre também uma

fonte de dificuldades, tanto na definição como na compreensão. Até o século XVIII

ele ainda era um processo objetivo: a cultura de alguma coisa – colheitas, animais,

sementes. As modificações decisivas em “sociedade” e “economia” começaram

antes, em fins do século XVI e no século XVII, e grande parte de sua evolução

essencial completou-se antes que “cultura” viesse a incluir seus significados novos

e alusivos. Estes não poderão ser compreendidos se não entendermos o que

aconteceu a “sociedade” e “economia”, e nenhum deles poderá ser plenamente

compreendido se não examinarmos um decisivo conceito moderno que exigiu uma

nova palavra no século XVIII – civilização. (WILLIAMS, 1979, p.19)

O iluminismo delegou à cultura o status de ferramenta básica à construção das novas

nações em formação. “Em suas perambulações por ambições políticas e deliberações

filosóficas, objetivo semelhante ao do empreendimento iluminista logo se havia cristalizado

(...) no duplo postulado de obediência dos súditos e da solidariedade dos compatriotas.”

(BAUMAN, 2013, p.14). Com a perspectiva da colonização de novos territórios, a ideia

iluminista de cultura enquanto projeto de esclarecimento tomou proporções globais.

Numa imagem especular da visão de ‘esclarecimento do povo’, forjou-se o

conceito de ‘missão do homem branco’ e de ‘salvar o selvagem de seu estado de

barbárie’. Logo esses conceitos ganhariam um comentário teórico sob a forma da

teoria cultural evolucionista, que promovia o mundo ‘desenvolvido’ ao status de

perfeição inquestionável, a ser imitada e ambicionada, mais cedo ou mais tarde,

pelo restante do planeta. Na busca desse objetivo, o resto do mundo deveria ser

ativamente ajudado e, em caso de resistência, coagido. (BAUMAN, 2013, p.14)

Ao longo de duzentos anos, o colonialismo permitiu o fortalecimento dos Estados-

Nação que passaram a ter seu próprio impulso. De estimulante, a cultura passou

gradativamente a tranquilizante, a uma espécie de dispositivo homeostático. De arsenal da

revolução moderna, para repositório de conservação, como sugere Bauman (2013). A

manutenção e reprodução garantiam, assim, o êxito de um sistema solidamente estabelecido.

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Contudo, a solidez passou depois a se dissolver e a cultura a voltar-se ao indivíduo, de

forma a atender às suas necessidades e solucionar os seus conflitos. No contemporâneo, a

cultura amolda-se “para se ajustar à liberdade individual de escolha e à responsabilidade,

igualmente individual, por essa escolha” (BAUMAN, 2013, p.15).

Assim, a cultura passa a se comportar também de forma trans-paradigmática, como

acontece com o processo de identidade. Pierre Bourdieu (2011) argumenta que a cultura de

nosso tempo consiste em ofertas e estímulos. Ela colabora para a perseguição da mudança

constante - característica primeira do nosso tempo; servindo a uma sociedade de consumo

voltada exclusivamente à rotatividade. A cultura, hoje, se materializa em incontáveis produtos

comercializáveis, que competem num grande mercado. “Hoje, o sinal de pertencimento a uma

elite cultural é o máximo de tolerância e o mínimo de seletividade.” (BAUMAN, 2013, p.18).

Neste mundo aqui discutido, habitado por consumidores, a cultura não tem ignorantes

para esclarecer ou trabalhadores para manter, mas sim consumidores a seduzir; inclusive,

neles criando continuamente novas necessidades. Dessa forma, a cultura passa a ser ofertada e

consumida indiscriminadamente, dissolvendo qualquer traço de elitismo, de seleção ou de

exclusividade.

2.1 CULTURA DO CONSUMO

No contemporâneo, é a cultura, materializada em bens de consumo, quem fornece

certos subsídios aos indivíduos para que estes, ao mesmo tempo, se diferenciem das massas e

experimentem algum sentido de pertencimento. Decorre deste raciocínio que o apoio social,

somado às demandas por autonomia, fazem do sujeito um consumidor compulsivo de

símbolos culturais: “Em suma, todas essas contradições resumem-se ao conflito entre a

necessidade de dar as mãos, em função do anseio por segurança, e a necessidade de ceder, em

função do anseio de liberdade.” (BAUMAN, 2013, p.24).

A ambivalência experimentada promove o consumo de marcas que fornecem

argumentos essencialmente simbólicos de diferenciação. Tornando-as, assim, de certa forma

comuns num segundo momento. O processo ocorre demasiadamente rápido e o sujeito deve

então partir para outra(s) forma(s) de diferenciação, cujo único meio disponível é o consumo

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de novos produtos que o associem a novos “guetos”. O traço camaleônico sugere que, hoje,

a(s) cultura(s) exige(m) a constante mudança de identidade.

Ao ato de consumir atribui-se a responsabilidade de se fazer sentir a liberdade e, ao

mesmo tempo, a integração. Featherstone (1995, p.31) aponta que “há a questão dos prazeres

emocionais do consumo, os sonhos e desejos celebrados no imaginário cultural consumista e

em locais específicos de consumo, que produzem diversos tipos de excitação física e prazeres

estéticos.” Ir às compras é, em primeira instância, um grito de liberdade, pois o indivíduo é

livre para se reafirmar ou passar a ser outra coisa, a qual tanto deseja; em suma, é isso que o

mobiliza a comprar. Paralelamente, é também este ir às compras que fornece a esse mesmo

indivíduo uma sensação de segurança, de pertencimento - uma tábua de salvação no alto mar

de suas buscas eternas.

Em suma: a mobilidade e a flexibilidade da identificação que caracterizam a vida

do ‘ir às compras’ não são tanto veículos de emancipação quanto instrumentos de

redistribuição de liberdades. São por isso bênçãos mistas – tanto tentadoras e

desejadas quanto repulsivas e temidas, e despertam os sentimentos mais

contraditórios. (BAUMAN, 2001, p.106)

É por meio deste processo que se constrói parte da racionalidade integrativa e

comunicativa de toda uma sociedade (CANCLINI, 1996, p.56). Chegamos, assim, ao

fornecedor primeiro dos discursos, que direcionam e organizam tudo o que foi apresentado: a

mídia. A mídia é quem fornece todo arsenal discursivo capaz de criar as demandas de

liberdade somadas às demandas pelo conforto do pertencimento. A aderência se dá graças a

um processo de identificação que fomenta a certeza nos indivíduos de serem merecedores do

que é comunicado. A cultura do consumo difunde-se, então, por meio do seu principal

agitador: a mídia. As narrativas apresentadas pela mídia tornam-se imperativas às narrativas

pessoais dos sujeitos, que se apropriam destes discursos para se autodeterminarem.

A possibilidade em questão é, de fato, bastante questionável. Numerosos estudos

mostram que as narrativas pessoais são meramente ensaios da retórica pública

montados pelos meios públicos de comunicação para ‘representar verdades

subjetivas’. Mas a não-autenticidade do eu supostamente autêntico esta

inteiramente disfarçada pelos espetáculos de sinceridade – os rituais públicos de

perguntas pessoais e confissões públicas. (BAUMAN, 2001, p.102)

A certeza de encontrar no produto consumido aquilo que foi apreendido por meio do

discurso proferido na mídia é tamanha que, caso o “efeito” deste consumo não seja percebido,

é experimentada uma gigantesca dissonância cognitiva. Disso decorrem uma revolta e um

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descrédito capazes de mobilizarem pessoas contra o objeto de consumo, ou até mesmo à

marca detentora do mesmo. Em última instância, até à mídia recai certa responsabilidade.

O processo ganha ainda mais combustível ao se aliar às mídias digitais, que fornecem

amplo e novo espaço ao indivíduo. “O que se segue é que a suposta transitoriedade das

parcerias tende a se tornar uma profecia autocumprida.” (BAUMAN, 2001, p.189). Na cultura

do consumo, a lógica do consumo em si é alterada. O novo pensamento aponta para outras

modalidades de estrutura social e novas modalidades de utilização dos produtos, agora para

marcar e demarcar relações interpessoais.

2.2 O CONSUMO CULTURAL NUM MUNDO GLOBALIZADO

As referências instituintes dos Estados-Nação, como vimos, dissolvem-se às pressões

impostas pela globalização. Eixos de referência até então fixos, solidamente edificados, de

modo a permitir processos automáticos de identificação se liquidificam, não permitindo

nenhuma aderência por parte dos indivíduos. A cultura nacional, a linguagem, as referências

de poder, as estruturas políticas, religião, história nacional e tantas outras fontes de

significação coletiva cedem lugar ao novo estar no mundo, pautado agora na mudança

constante. Reguladas unicamente pelo mercado, as referências tornam-se descartáveis e as

identidades cambiantes.

Da mesma forma, até mesmo as fronteiras geopolíticas dos Estados passam a deixar de

fazer sentido. Elas são agora ondulantes e porosas e não há meios exatos de determinar quem

realmente é, e quem não é. A globalização abranda os traços mais rígidos das identidades

culturais dos grupos ao colocá-los lado a lado, sem nenhuma distancia realmente suficiente

para afastá-los por muito tempo.

Esse problema só pôde se materializar num momento em que as diferenças entre as

pessoas deixaram de ser percebidas apenas como fontes temporárias de irritação.

Ao contrário do passado, a realidade de viver na estrita proximidade de estranhos

parece algo que chegou para ficar; assim, exige que se desenvolvam ou se

adquiram habilidades que possibilitem a coexistência diária com modos de vida

diferentes dos nossos; uma coexistência, além disso, que se mostrará não apenas

sustentável, mas mutuamente benéfica – não apesar das diferenças que nos

dividem, mas em função delas. (BAUMAN, 2013, p.38)

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Da convivência compulsiva com o estranho, do caráter líquido das identidades e da

pluralidade adquirida pelo indivíduo, decorrem relações culturais que não mais são verticais, e

sim horizontais. Não há subserviência de uma cultura à outra; todas flutuam

desordenadamente e, por vezes, realizam modalidades de intercâmbio, sendo que, em outros

momentos, entram em conflito. O direito à diferença é, então, uma das máximas da cultura em

nosso tempo. Esse direito básico está intimamente relacionado ao direito de pertencimento,

apregoado justamente pela cultura do consumo. Deste ponto surge a questão dos direitos

humanos - nova modalidade diretiva dos direitos, antes determinados através de vias

territoriais. “A nova interpretação da ideia de direitos humanos básicos estabelece, no mínimo

dos mínimos, os alicerces da tolerância mútua; mas cabe enfatizar, não chega a ponto de

estabelecer os alicerces da solidariedade mútua.” (BAUMAN, 2013, p. 38)

A disputa hoje se dá pela permissão de ser diferente. O termo “multiculturalismo”

emerge aqui como novo conceito a se considerar. O multiculturalismo apregoa a coexistência

harmoniosa entre as múltiplas culturas, que agora são vizinhas de porta. Entretanto, a filosofia

multicultural apoia, de certa forma, tendências separatistas. Já que, em último caso, promove

uma indiferença que é neutralizante. A pluralidade cultural comporta assim a aprovação da

indiferença.

Na realidade, contudo, o multiculturalismo age como uma força socialmente

conservadora. Seu empreendimento é a transformação da desigualdade social,

fenômeno cuja aprovação geral é altamente improvável, sob o disfarce da

‘diversidade cultural’, ou seja, um fenômeno merecedor do respeito universal e do

cultivo cuidadoso. Com esse artifício linguístico, a feiúra moral da pobreza se

transforma magicamente, como que pelo toque de uma varinha de condão, no apelo

estético da diversidade cultural. (BAUMAN, 2013, p.46)

O espaço público, sobrecarregado de conflitos intercomunais, favorece a hierarquia do

poder global. Para Bauman (2013), esse movimento atua estrategicamente de forma a

promover o não engajamento. Ou seja, é a abundância inexaurível de inquietação local

trabalhando a favor da manutenção do controle e do poder global, o qual é dirigido pelo

mercado. O multiculturalismo seria, então, um potencializador dos efeitos negativos de uma

globalização desenfreada. Para o autor, é graças à filosofia multicultural que forças globais

têm o poder de disfarçar as consequências destrutivas de aumento das desigualdades intra e

intersociais.

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O perigo está no entendimento de que interpretações racistas, classistas, sexistas,

enfim, excludentes, agora se mascarem por meio de um discurso “politicamente correto”, o

qual apresentaria as desigualdades como resultado natural da multiplicidade – um direito

incontestável que não deve ser só preservado, mas incentivado. E que é amplamente

explorado pelo mercado. “O novo culturalismo, tal como o racismo que o precedeu, busca

minar a consciência moral e aceitar a desigualdade humana encarando-a como um fato que

ultrapassa nossa capacidade de intervenção (...)” (BAUMAN, 2013, p.47).

3. IDENTIDADES CULTURAIS

Para que iniciemos nossa reflexão acerca do conceito de identidade, buscamos em

Stuart Hall (1999) três concepções distintas do termo: identidade do sujeito do iluminismo, do

sujeito sociológico e, por fim, do sujeito contemporâneo. Um panorama do avanço dos

entendimentos do conceito, contextualizados cada um em seu tempo, permitirá que

fundamentemos a compreensão do termo no contemporâneo.

Na concepção iluminista, a identidade era totalmente centrada no indivíduo. A

percepção individualista baseava-se num indivíduo “totalmente centrado, unificado, dotado de

capacidades de razão, de consciência e de ação, cujo ‘centro’ consistia num núcleo interior.”

(HALL, 1999, p.10). Essa visão conferia à identidade um caráter autônomo e pouco mutável,

ou seja, a identidade do sujeito era de caráter puramente individual e pouco se alterava com

suas interações no meio social.

A evolução do mundo moderno e os estudos sociológicos trouxeram uma visão

“interativa” da identidade, que passou a ser considerada com base nas relações do sujeito com

seu meio. O núcleo do sujeito era formado “na relação com ‘outras pessoas importantes para

ele’, que mediavam para o sujeito os valores, sentidos e símbolos – a cultura – dos mundos

que ele/ela habitava.” (HALL, 1999, p.11). A identidade aqui passa a ser concebida a partir da

relação dialógica do indivíduo com seu meio. A síntese dessa relação alinha os impulsos

subjetivos individuais às condições objetivas grupais; ou ainda, seguindo na citação de Hall,

“costura o sujeito à estrutura”.

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São justamente essas costuras que, no contemporâneo, parecem estar se soltando do

tecido. “O sujeito, previamente vivido como tendo uma identidade unificada e estável, está se

tornando fragmentado; composto não de uma única, mas de várias identidades, algumas vezes

contraditórias ou não resolvidas.” (HALL, 1999, p.12). As mudanças estruturais do social,

como as aqui discutidas, promovem a substituição de paisagens socioculturais sólidas e, até

então, automaticamente apreendidas, por novos modelos totalmente variáveis e instáveis.

Processos não automáticos de identificação formam um eu incoerente, ou seja, por vezes

contraditório ou deslocado.

A identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia. Ao

invés disso, à medida em que os sistemas de significação e representação cultural

se multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e

cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos

identificar – ao menos temporariamente. (HALL, 1999, p.13)

A descontinuidade e a descentralização do sujeito e de sua identidade é um resultado

natural dos processos de profundas transformações experimentadas pelos indivíduos no

contemporâneo. A globalização emerge em nossa discussão, mais uma vez, como fator que

potencializa o processo; e a mídia como seu principal divulgador e agitador. As

transformações das noções de tempo e espaço permitem ao sujeito experiências jamais

provadas, experiências estas que contribuem para sua descentralização.

O contato íntimo com a diferença fornece os subsídios necessários para a experiência

da descontinuidade. O sujeito, confrontado com o diferente, sente-se impelido a tomar

diferentes posições, isto é, a caminhar por diferentes identificações.

Se tais sociedades não se desintegram totalmente não é porque elas são unificadas,

mas porque seus diferentes elementos e identidades podem, sob certas

circunstâncias, ser conjuntamente articulados. Mas essa articulação é

sempre parcial: a estrutura da identidade permanece aberta. (HALL, 1999,

p. 17)

Parece, assim, ser evidente que as mudanças de autossignificação humana têm

diversas consequências e impactos na cultura, na política e também na linguagem. A ruína de

um centro fixo de referências promove a ascensão de novas identidades, que devem ser

experimentadas ou rejeitadas de forma “politizada”; há “uma mudança de uma política de

identidade (de classe) para uma política de diferença.” (HALL, 1999, p.21)

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O fim das metanarrativas modernas vem, portanto, descentrando o sujeito e esta

descentralização parece ser o ponto chave da discussão acerca da identidade contemporânea e

multicultural. Neste mundo, as representações culturais, que antes conferiam simbolicamente

coesão às nações, ou seja, que antes forneciam toda uma paisagem na qual o sujeito se

apoiava em sua autossignificação, agora se fragmentam sensivelmente em diversos

subprodutos.

Sem a coesão conferida por uma cultura ou identidade unificadoras, as multiculturas

ou as diversas identidades híbridas constitutivas de um país, por exemplo, emergem e se

apresentam como alternativas para o sujeito em busca de pertencimento. Assim, ele tem a

permissão para transitar por estes híbridos, afirmando-se como tal.

3.1 IDENTIDADES COMUNAIS E HEGEMONIA

No novo contexto aqui discutido, sem paradigmas realmente eficientes, uma imensa

gama de possibilidades se abre para os sujeitos na busca pessoal de identificação. A

identificação do sujeito com pares e, por conseguinte, com um grupo ou comunidade, não

segue necessariamente paradigmas tradicionais ou (re)conhecidos, como de classe, gênero,

etnia ou nacionalidade. A cultura, igualmente líquida, também não parece restringir o sujeito a

quaisquer ditames hegemônicos. Livres de qualquer acordo tácito, o sujeito pode transitar

“livremente” por qualquer comunidade e, ainda mudar de uma para outra a qualquer momento

e sem nenhum impedimento. Ao contrário, esse parece ser o novo imperativo.

Identificar-se é satisfazer uma necessidade, que muitas vezes é apreendida pelo sujeito

por discursos mercadológicos. Moldar-se culturalmente para se ajustar a uma determinada

comunidade, por comparação com o outro, promove de certa forma relações. Uma “leitura” é

utilizada e a assimilação se dá por analogia: “Os estilos e marcas diferentes de roupas e

produtos da moda, conquanto estejam sujeitos a mudanças (...) constituem um conjunto de

pistas usado no ato de classificar os outros.” (FEATHERSTONE, 1995, p. 39)

Como já adiantamos, a identificação tornou-se também instável, de curta duração.

Incentivados pelo consumo, pela descentralização e, sobretudo, pelas centenas de discursos

mercadológicos difundidos pelos meios de comunicação, que são instantâneos, ao sujeito são

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apresentadas inúmeras opções de elencos, aos quais ele pode se identificar e seguir, inclusive

de acordo com o momento do seu dia.

Quanto mais a vida social se torna mediada pelo mercado global de estilos, lugares

e imagens, pelas viagens internacionais, pelas imagens da mídia e pelos sistemas de

comunicação globalmente interligados, mais as identidades se tornam

desvinculadas – desalojadas de tempos, lugares, histórias e tradições específicas e

parecem ‘flutuar livremente’. (HALL, 2005, p.75)

Os produtos das novas comunidades construídas passam a conviver diariamente,

coexistindo no mesmo espaço e tempo. Presenciamos, assim, um novo modelo cultural de

identidades, agora combinadas e misturadas – o que favorece a transitoriedade do sujeito

nestes grupos. Disto decorrem novos subprodutos, identidades cada vez mais híbridas, onde

culturas e tradições se fundem.

Parece contraditório, então, levantarmos aqui a questão da hegemonia. Como falar em

hegemonia num contexto que fomenta a multiplicidade de identidades e, mais que isso, dá ao

indivíduo total acesso a elas? Se a cultura se articula agora horizontalmente, seria possível

falar em supremacia? A hegemonia, aqui, deve ser entendida também por meio de outros

olhares, diferentes dos até então considerados tradicionais.

A ‘hegemonia’ é um conceito que inclui imediatamente, e ultrapassa, dois

poderosos conceitos anteriores: o de ‘cultura’ como ‘todo um processo social’, no

qual os homens definem e modelam todas as suas vidas, e o de ‘ideologia’, em

qualquer de seus sentidos marxistas, no qual um sistema de significados e valores é

a expressão ou projeção de um determinado interesse de classe. (WILLIAMS,

1977, p.111)

Não há um poder hegemônico de dominação, de imposição unilateral pressionando os

sujeitos. As matrizes hegemônicas se impõem como eixos de liderança, que podem ser aceitos

pelos sujeitos ou não, de acordo com suas preferências, concordâncias e concessões que

deverão fazer no caso de haver filiação a um discurso hegemônico. Tais discursos, difundidos

majoritariamente pela mídia, assumem contornos polifônicos se levarmos em consideração a

total liberdade dos indivíduos de se comunicarem entre si, colocando-se como fontes

complementares de tal discurso, endossando-o ou advertindo seus pares sobre suas próprias

experiências. Os traços marcantes de negociação e de consentimento alteram profundamente

as relações de dominação.

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Essas pessoas são, como a maioria antes delas, dominadas e ‘remotamente

controladas’; mas são dominadas e controladas de uma maneira nova. A liderança

foi substituída pelo espetáculo: ai daqueles que ousem lhes negar a entrada. Acesso

à ‘informação’ (em sua maioria eletrônica) se tornou o direito humano mais

zelosamente defendido e o aumento do bem-estar da população como um todo é

hoje medido, entre outras coisas, pelo número de domicílios equipados (invadidos

por?) aparelhos de televisão. (BAUMAN, 2001, p.179)

A subserviência não é, portanto, conquistada por meio de coação ou de sanções, trata-

se mais de um processo de negociação, onde o sujeito aceita e se sujeita ao discurso

hegemônico, por ver no resultado desta experiência a possibilidade de se encontrar. A

hegemonia deve ser então analisada como “um conjunto de práticas e expectativas, sobre a

totalidade da vida: nossos sentidos e distribuição de energia, nossa percepção de nós mesmos

e nosso mundo.” (WILLIAMS, 1977, p.113). Parece que estamos diante de uma espécie de

hegemonia da diferença. Percebemos um traço comum com tudo o que foi exposto até aqui:

uma tendência à valorização da experiência de alteridade.

3.2 NOVAS NARRATIVAS

Concordando aqui, que nosso tempo se caracteriza pelo fim das metanarrativas, ou

seja, pelo fim dos grandes esquemas explicativos e pela ausência de eixos fixos e centrados de

referências, deduzimos que novos discursos estão sendo construídos e articulados

socialmente, buscando algum tipo de sentido para a nova condição individual e coletiva.

A narrativa está presente em todos os lugares, em todas as sociedades; não há, em

parte alguma, povo algum sem narrativa; todas as classes, todos os grupos humanos

têm suas narrativas, e frequentemente estas narrativas são apreciadas por homens

de cultura diferente, e mesmo oposta: a narrativa é ridiculariza a boa e a má

literatura: internacional, transhistórica, transcultural, a narrativa está aí, com a vida.

(BARTHES, 1971, p.20)

Na obra de Roland Barthes, encontramos respaldo à afirmação de que não há

sociedade sem narrativa. São nestes discursos sociais que encontramos sentido para nossa

existência, e é neles que está a principal ferramenta de construção deste sentido, ou de novos.

Se os grandes esquemas explicativos, os grandes relatos, enfim as tradições – ou as

metanarrativas discutidas por Lyotard (2008) - ruem, novas histórias são escritas e seguidas.

Porém, agora de forma muito mais plural, e “livre” de padrões normativos.

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O paradoxo está justamente aqui: pluralidade em excesso não costuma resultar em

liberdade quando falamos em sentido de existência. Os modernos meios de comunicação e o

universo de mensagens despejadas paulatinamente sobre todos nós parecem, igualmente, ter

se atentado para esse novo paradoxo. As narrativas, antes pautadas no territorial, racional,

científico ou no religioso, adotam cada vez mais tons emocionais, subjetivos e exclusivos.

Numa vivência angustiante e descentrada, a emoção parece falar mais alto e fazer mais

sentido. Não falamos aqui que todo conhecimento racional deixou de ter significado. Mas,

que a emoção, até então renegada, se alia a este conhecimento e passa, em alguns casos, a

dirigi-lo.

Histórias e contos falam diretamente ao coração ao invés de falaram ao cérebro. Aí

esta toda a teoria. Num século onde a sociedade é marcada pela ciência e pela

razão, através de análises e pragmatismo, onde seus analistas estão nas posições

mais elevadas - este é precisamente o lugar onde as emoções, as histórias e as

narrativas, todos os valores retomam a cena. O termo Sociedade dos Sonhos fala

por si. O mercado dos sonhos gradualmente toma o lugar do mercado da

informação, baseado na realidade. O mercado dos sentimentos toma o lugar do

mercado do tangível. (JENSEN, 1999, p.4. Tradução nossa).

O conceito de sociedade dos sonhos é apresentado por Rolf Jensen (1999) justamente

para caracterizar este momento, onde o material recebe menos atenção e onde nos definimos

mais pelo imaterial. Observamos também que o valor emocional dos discursos sociais está

igualmente cada vez mais incorporado aos discursos mercadológicos. O bem consumido é

mais consumido por agregar emoção, do que pelos benefícios materiais apresentados.

Na verdade, o que nutre a escala consumista é indubitavelmente tanto a angústia

existencial quanto o prazer associado às mudanças, o desejo de intensificar e

reintensificar o cotidiano. Talvez esteja aí o desejo fundamental do consumidor

hipermoderno; renovar sua vivência do tempo, revivificá-lo por meio das

novidades que se oferecem como simulacros de aventura. (LIPOVETSKY, 2004,

p.79).

A busca pela realização de sonhos através do consumo de bens carregados de emoção

e simbolismos fornece arsenal suficiente para a habitação de um mundo imaginário e repleto

de diferenças e de minorias. Disso decorrem os novos discursos, cada vez mais e mais e mais

matizados.

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3.3 O POLITICAMENTE CORRETO

Seja em termos de novas interpretações, ou num tipo de “neutralização de linguagens”,

podemos entender o politicamente correto (PC) como um novo discurso social; ou ainda,

como novo paradigma, que objetiva sobrepujar esquemas antigos. Trata-se de uma criação

presente, hoje em dia, em quase todo mundo ocidental e que atravessa as esferas políticas,

institucionais, pedagógicas, midiáticas e mercadológicas. Permite, também, mesclar correntes

filosóficas, antropológicas, sociológicas, políticas, linguísticas e, de certa forma, impõe

(termo este não exatamente politicamente correto) a desconstrução de ideários valorativos e

significativos componentes da instituição social. A linguagem, por sua vez, é a responsável

pela sua materialização, e permite o seu compartilhamento, sobretudo no que se refere a

indivíduos ou grupos entendidos como minoritários1.

O PC parece surgir junto com toda agitação política e social gerada durante a Segunda

Guerra Mundial:

A primeira vez que ouvi a expressão ‘politicamente correto’ foi entre o final dos

anos 1940 e o início dos anos 1950, nos debates políticos entre socialistas e

membros do Partido Comunista dos EUA. (...) Os membros do Partido Comunista

se dirigiam à doutrina de seu partido como a ‘correta’. (KOHL, 1994, p.103.

Tradução nossa).

Em tais debates, as discussões giravam em torno não só da política tradicional, mas de

sua intersecção, ou melhor, de sua influência em esferas e âmbitos mais pessoais.

O termo ‘politicamente correto’ era usado de forma pejorativa para se referir a

alguém cuja lealdade para com o Partido Comunista foi perdida, aliando-se a uma

má política. O termo foi usado por socialistas contra comunistas, e foi concebido

para separar os socialistas que acreditavam em ideias morais mais igualitárias, dos

comunistas mais dogmáticos, que defendiam as posições do partido

independentemente de sua substância moral. (KOHL, 1994, p.103. Tradução

nossa).

Portanto, em sua estreia, o PC referia-se a uma política de esquerda, que em nome da

correção proposta por seu partido, se despreocupava com questões de caráter moral. Com a

guerra fria em curso e as polarizações centradas no capitalismo e no comunismo soviético, a

1 Tomamos o conceito de minorias concordando com Stuart Hall (2003), que afirma considerarem-se “grupos

minoritários aqueles colocados à margem da sociedade por não se enquadrarem nos ditames hegemônicos

impostos socioculturalmente. Cabe citar como exemplo os homossexuais, os judeus, os negros, e outros.”

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correção política, tal qual apresentada acima, arrefeceu. Ainda segundo Kohl (1994), foi só no

início dos anos 1990 que o termo ressurgiu nos EUA. Porém, surpreendentemente, ele

ressurge da boca de partidários da direita neoconservadora, em ataques a acadêmicos que

defendiam o multiculturalismo. “O fundamento dessas acusações era de que essas pessoas em

busca de uma educação antisexista e antiracista se comparariam à conduta dos partidários

“mais linha dura” do partido comunista, que insistiam na conformidade com o pacto ‘correto’

de Hitler-Stalin.” (KOHL, 1994, p.104. Tradução nossa).

As polarizações voltaram-se então aos multiculturalistas e conservadores, que

afirmavam serem as políticas igualitárias na verdade autoritárias e ortodoxas, com raízes

comunistas, obrigando a todos aceitarem indiscriminadamente quaisquer diferenças. Para Hall

(1994), o PC reflete a atual fragmentação do cenário político ocidental e, além disso, a recusa

dos grupos sociais em coexistirem por mais tempo dentro de uma “identidade coletiva mais

ampla”.

O Politicamente Correto parece ser característico de sociedades onde houve a

erosão política de partidos de massa, um declínio na participação ativa em

movimentos populares políticos e um enfraquecimento da influência e do poder

dos movimentos sociais tradicionais da classe operária. Ele vigorou em locais onde

a iniciativa política migrou para os "novos movimentos sociais", nutridos no

mesmo solo que PC. O PC, portanto, reflete uma mudança sísmica na topografia

política. (HALL, 1994, p.166. Tradução nossa).

No contemporâneo, e em tempos de PC, as tradicionais fronteiras políticas entre

esquerda e direita também se tornam cambiantes e porosas, sendo que os discursos políticos

também incorporam tons emocionais e mais subjetivos em suas narrativas. Enfim, notamos

aqui traços semelhantes com o que já foi discutido. Encontramos suporte para essa afirmação

ao seguir na leitura de Hall (1994):

Tradicionalmente, a exploração econômica entre classes era o que a esquerda

considerava como a "contradição principal" da vida social. Todos os principais

conflitos pareciam fluir a partir e levar de volta para isso. A era do PC é marcada

pela proliferação de espaços de conflito social em torno de questões de raça,

gênero, orientação sexual, família, etnia e diferenças culturais, bem como questões

em torno da desigualdade de classes. Questões como a vida familiar, o casamento e

as relações sexuais, ou alimentação, que eram consideradas "não-políticas", são

agora politizadas. O PC também é característica do surgimento das "políticas de

identidade", onde compartilhar uma identidade social (como das mulheres, negros,

gays ou lésbicas) é um fator de mobilização. Ele reflete a propagação da "política"

do público para a esfera privada, a esfera de interação social informal e os cenários

da vida cotidiana. O slogan feminista "o pessoal é político", captura perfeitamente

essas mudanças. (HALL, 1994, p. 167. Tradução nossa.)

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O PC tem, portanto, um tom conflituoso e autoritário. Apregoa uma correta seleção de

nomes e palavras, acreditando que alguns de seus significados deixarão de existir. A tônica

gira em torno de um forte senso de moral e de justiça social, explorado fortemente pela nova

ideologia política, ainda em processo estabelecimento. A consolidação do PC, segundo Hall

(1994), está intimamente ligada aos regimes de “nova direita” nos EUA e no Reino Unido das

últimas décadas:

Os regimes Regan-Bush e Tatcher comandaram o cenário político. Mas também

definiram os parâmetros de ações políticas e de debates morais. Eles redefiniram o

pensamento público com a sua virulenta filosofia social de livre mercado e

estabeleceram um novo e poderoso consenso de bem-estar. Seu poder se

estabeleceu, sobretudo, graças ao terreno do ideológico. (...) Eles assertivamente

formaram um apelo sedutor ao egoísmo e ao individualismo, atingindo uma espécie

de aliança populista sobre as linhas tradicionais de classe e definindo a norma de

que “as forças de mercado devem prevalecer”. (HALL, 1994, p.169. Tradução

nossa.)

Centrado numa política muito mais ligada à moral, ao sexual, racial e ao pessoal, o PC

força, na verdade, as instituições sociais a seguirem a lógica do mercado ao fomentar um tipo

de hegemonia de minorias. Isso altera profundamente a significação coletiva ou grupal.

Observamos, assim, que o discurso politicamente correto origina novas narrativas de

pertencimento, de associação e de significação. Estas composições passam a ser incorporadas

e exploradas, igualmente, pelo sistema político e pelo mercado. O PC tem assim dimensões,

ao mesmo tempo, culturais e discursivas. Compreendemos que a linguagem é nossa

mediadora com a realidade e, portanto, é justamente na linguagem e nos discursos que o PC

se materializa; inclusive, nas produções publicitárias.

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CAPÍTULO II

O TEXTO: ÉTICA E PUBLICIDADE CONTEMPORÂNEAS

1. ÉTICA POR QUÊ?

Objeto de interesse e de estudo há séculos, a ética ganhou papel de destaque nas

últimas décadas - não só na academia, mas também na mídia, no mercado e em inúmeras

esferas profissionais. O sentido ético relaciona-se com um todo exterior, ou seja, é impossível

pensar e falar sobre ética desvinculando este sentido de uma realidade externa, de um todo

social onde ele se insere. Por isso, podemos entendê-la, igualmente, como um discurso social.

Para discutir a ética na publicidade o caminho não poderia ser diferente. Referenciais

externos devem aqui ser evocados e aprofundados, de modo a nos permitir discernir, avaliar e

julgar suas construções. Sobretudo ao entendermos a publicidade enquanto um produto social,

vinculada a processos culturais, históricos, linguísticos, etc.

A pesquisadora Elisa Piedras (2007, p. 1) pontua que, “sendo uma forma de

comunicação persuasiva fortemente ligada ao mercado e à lógica capitalista, a publicidade é

frequentemente abordada em termos de manipulação ou de outros olhares restritos que

desconsideram sutilezas de articulação que ela estabelece entre o consumo e o imaginário”.

Devemos expandir o olhar sobre o comportamento da comunicação publicitária no contexto

social e não apenas considerar o seu objetivo de levar seus interlocutores ao consumo, o que

muitas vezes não acontece de fato. Mas direcionar também atenção ao consumo simbólico da

informação, ou do conteúdo gerador de efeitos de sentido e entendimento nos indivíduos.

Todos nós podemos “consumir os produtos anunciados ou não, mas, de qualquer

forma, consumimos os signos publicitários (...) articulados segundo as estratégias do mercado,

inclusive do simbólico que nos enreda a todos.” (BARBOSA, 2005, p. 180). Para o jogo

simbólico da persuasão e do efeito estético, a publicidade assume características de

espetáculo.

O sociólogo francês Michel Maffesoli (2001) defende a ideia de que a publicidade,

enquanto forma de manifestação midiática, pode ser entendida como “instrumento de criação

de imaginários”. A escolha por um determinado produto ou marca, sabemos, dá-se muito mais

pelo subjetivo, pelo encadeamento sígnico evocado através do seu consumo. Desta forma,

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entendemos que a publicidade contribui enormemente para reforçar estilos, hábitos e culturas,

assim como contribui para redirecioná-los.

Assim, podemos analisar a publicidade como uma mediadora do sujeito com o social,

e a questão da ética emerge aqui como um ponto pertinente para nossa discussão. Sánchez

Vásquez (2000, p. 189) indica que “os éticos contemporâneos costumam dividir a ética em

dois gêneros: deontológica (tratado dos deveres) e teleológica (estudo dos fins humanos).”

Para nossa pesquisa e dentro de nossa área de interesse, são os postulados éticos

deontológicos os quais mais nos interessam e sobre os quais discorreremos a seguir.

1.1 ÉTICA E MORAL

Pautada no bem comum, a ética baseia-se em valores que são universais. Os

postulados e princípios éticos buscam, assim, definir o que é o “bom” e o que deve ser

praticado por todos na busca pelo comportamento humano ideal, em práticas que devem ser

conservadas ou alteradas caso não atinjam tal objetivo.

Portanto, a ética é um procedimento filosófico, que resulta na moral, esfera de ação

objetiva e reguladora das ações sociais, de forma a garantir sua harmonização. A ética é, por

assim dizer, o “estudo dos juízos de apreciação referentes à conduta humana suscetível de

qualificação do ponto de vista do bem e do mal, seja relativamente à determinada sociedade,

seja de modo absoluto.” (FERREIRA, 2010, p. 208). Sobre a moral, o autor em mesma

publicação (p. 442) afirma ser “um conjunto de regras de conduta consideradas como válidas,

quer de modo absoluto para qualquer tempo ou lugar, ou para um grupo ou pessoa

determinada”.

Em suma, as duas esferas são intrínsecas: a ética sedimenta os princípios à

convivência social harmoniosa e a moral os faz valer:

Enquanto o domínio ético tem a ver com o processo gerador da sociabilidade e da

institucionalização da vida em comum, sendo, por conseguinte, prévio às formas

contratuais que os interlocutores estabelecem entre si, já o domínio moral resulta

nos contratos estabelecidos entre os atores e os locutores, cristalizando-se no

sistema normativo e legal que orienta os discursos e as ações. O ético é

constituinte, o moral é constituído. (RODRIGUES, 1995, p. 213)

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Portanto, concluímos que uma leva à outra, que nos leva de volta à primeira. O dever

moral parte da liberdade de escolha e de ação do sujeito, que o segue graças a uma reflexão

ética anterior. Desta forma, a liberdade de julgamento e escolha referenda o comportamento

ético e, por conseguinte, moral.

Como já mencionamos, vivemos um momento particular onde comportamentos éticos

e morais parecem emergir e tornam-se constantes temas de debates, estudos e de muita

reflexão. “Por toda parte, ideias de revitalização dos valores e espírito de responsabilidade se

agitam como o imperativo determinante de nossa época: mencionar o padrão ético tornou-se

uma imagem corrente para avaliar o novo espírito dos tempos.” (LIPOVETSKY, 2005, p. 26).

Conceitos e postulados éticos, bem como comportamentos morais se ajustam de acordo com o

momento da sociedade. Talvez, vivamos justamente um período de atualização, o que seria

natural. Afinal, trata-se de respostas aos problemas de convívio social, que são básicos e

mutáveis.

Por isto, existe uma estreita vinculação entre os conceitos morais e a realidade

humana, social, sujeita historicamente a mudanças. (...) Mudando radicalmente a

vida social, muda também a vida moral. (...) Surge então a necessidade de novas

reflexões ou de uma nova teoria moral, pois os conceitos, valores e normas

vigentes se tornam problemáticos.” (SÁNCHEZ VÁZQUEZ, 2000, p. 267)

Encontramos em Valls (1998, p. 73) argumentos que apontam haver, na

contemporaneidade, um pensar ético preocupado com o julgamento de um sistema econômico

e institucionalizado. A ética contemporânea não se relaciona, portanto, apenas aos indivíduos,

mas também às instituições. Pois bem, se vivemos tempos de uma espécie de “liquefação

institucional”, como fica este debate? É o que buscaremos entender a seguir.

1.2 DEONTOLOGIA

Entendida como tratado dos deveres, a ética deontológica se debruça sobre os padrões

normativos das atividades e interações humanas, segundo os quais as escolhas são

moralmente necessárias, proibidas ou permitidas. Max Weber (1984), ao dissertar sobre a

deontologia, usou a terminologia de “Ética da Convicção”, e cita como exemplo o religioso:

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O cristão cumpre seu dever e, quanto aos resultados da ação, confia em Deus. (...)

Quando as consequências de um ato praticado por pura convicção se revelam

desagradáveis, o partidário de tal ética não atribuirá responsabilidade ao agente,

mas ao mundo, à tolice dos homens ou à vontade de Deus, que assim criou os

homens. (...) Se existe um problema de que a ética absoluta (convicção) não se

ocupa, esse é o problema das consequências. (WEBER, 1984, p. 113).

Portanto, a ética deontológica não se preocupa com as consequências de determinadas

práticas e comportamentos morais, sejam individuais, sejam institucionais. “Uma teoria da

obrigação moral recebe o nome de deontológica (do grego déon, dever) quando não se faz

depender a obrigatoriedade de uma ação exclusivamente das consequências da própria ação

ou da norma com a qual se conforma.” (SÁNCHEZ VÁZQUEZ, 2000, p. 198).

A ética deontológica pode ser dividida em duas correntes teóricas: do ato e da norma.

Na deontologia do ato, as pessoas não recorrem às normas para discernir sobre seus próprios

atos, ou seja, de certa forma “intuem”, em processos automáticos, como devem agir. Já na

deontologia da norma, as práticas seguem normas pré-determinadas, válidas

independentemente de possíveis consequências:

O normativo existe para ser realizado, o que não significa que se realize

necessariamente; postula um comportamento que se julga dever ser; isto é, que

deve realizar-se, embora na realidade efetiva não se cumpra a norma. Mas o fato de

que a norma não se cumpra não invalida, como sua nota essencial, a exigência de

sua realização. (SÁNCHEZ VÁZQUEZ, 2002, p. 63)

Talvez essas práticas sejam passíveis de algumas observações, as quais se relacionam

com nossos objetivos:

Agir por dever é operar puramente conforme a lei moral expressa nos imperativos

universalizáveis, e a vontade que age desta maneira, movida pelo sentimento do

dever, independentemente de condições e circunstâncias, interesses ou inclinações,

é uma vontade “boa”. O dever não é outra coisa senão exigência de cumprimento

da lei moral, em face da qual as paixões, os apetites e inclinações silenciam. O

dever se cumpre pelo próprio dever, pelo sentimento do dever de obedecer aos

imperativos universalizáveis. (SÁNCHEZ VÁZQUEZ, 2002, p. 195)

Assim sendo, podemos considerar que, em alguns casos, a deontologia normativa

torna-se de certa forma inoperante: uma vez que abstrai as consequências dos atos,

prevalecendo a máxima do dever universal. É claro que essas mesmas normas são imperativos

ao bom convívio social. É neste âmbito social que encontramos seu objetivo em promover a

ordem sem recorrer à coerção.

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Aprofundando um pouco mais na deontologia, recorremos a Srour que a chama de

“ética da convicção” (2000). Suas conjecturas estão de acordo com as preposições

desenvolvidas anteriormente por Weber. “Cumpra suas obrigações, siga as prescrições”, tais

são as máximas deontológicas apresentadas por Srour, que as classifica dicotomicamente:

“Tudo ou nada, sim ou não, branco ou preto (2000, p. 51)”.

Sua maior crítica está no fato de que, em uma ordem estabelecida sobre tais

configurações, dilemas complexos e questionamentos mais profundos são postos de lado,

dilacerando assim as consciências individuais. “A tomada de decisões com base na ética da

convicção move os agentes pelo senso do dever e exacerba o cumprimento de prescrições.

Isso tudo, sem que explicações sejam exigidas. Pois vale o pressuposto de que uma autoridade

superior avaliou tais preceitos.” (SROUR, 2000, p. 58). Talvez, aqui esteja uma das principais

justificativas de nosso pensamento: de que vivamos um momento de “atualização ética”.

Compreendendo o contemporâneo e suas características “líquidas” (onde redes substituem

estruturas e onde há uma descentralização das identidades, dos discursos e das instituições),

comportamentos assim, automáticos, talvez já não façam sentido algum.

Em suma, em Sánchez Vázquez, Weber e em Srour, encontramos apontamentos

relevantes para concluirmos que na deontologia há uma ausência de consequências dos atos

praticados, e a concepção da imposição de padrões morais normativos.

2. ÉTICA PUBLICITÁRIA

A deontologia aplicada, àquela descrita ou prescrita para um determinado exercício

profissional, busca regular o exercício de toda profissão. Aqui, as normas são estabelecidas

pelos próprios profissionais tendo em vista suas relações com a sociedade. Em nosso caso,

nos referimos ao Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, aprovado em 1978;

e à Lei 8.078 de 11 de setembro de 1990, que instituiu o Código de Defesa do Consumidor.

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Geralmente, tem-se percebido a necessidade de estabelecer regras que permitam o

livre exercício da publicidade, mas de forma a que se respeite também a livre

concorrência entre os competidores e a livre escolha dos consumidores. A distorção

da verdade e a concorrência irresponsável ou desleal redundam em prejuízo dos

consumidores; por isso, é conveniente que tais abusos sejam disciplinados com

algum tipo de norma disciplinar. (...) A maior parte dos profissionais da

publicidade, anunciantes e meios de apoio, são partidários da “auto-regulação” ou

“auto-controle”. Querem ser eles mesmos os guardiões de sua honestidade

mercantil e da confiabilidade que necessitam do público. (...) O direito publicitário

se ocupa das normas jurídicas. A ética ocupa-se do estudo e interpretação dos

códigos deontológicos. (BLÁZQUEZ, 1999, p. 607)

No caso publicitário, os dispositivos supracitados se relacionam quase que

exclusivamente com a produção de anúncios honestos, que não sejam enganosos e nem

abusivos2, afinal:

O objetivo específico da publicidade é o lucro, mas não em sentido exclusivo. A

finalidade lucrativa somente se justifica quando a atividade publicitária é um

serviço ao público, de caráter informativo. A intenção lucrativa nasce e se justifica

na prestação desse serviço informativo e humanístico no terreno particular do

mercado. A publicidade apenas útil à empresa produtora, mas que não promove o

bem comum, é eticamente recusável. Tanto mais se, além disso, for prejudicial. (...)

O público pode ser confundido por causa da distorção dos fatos, exagero das

imagens ou expressões hiperbólicas, mediante o recurso da ambiguidade. A

verdade exigida pela publicidade consiste na conformação daquilo que percebemos

no anúncio publicitário como a realidade nua dos produtos e serviços ofertados.

(BLÁZQUEZ, 1999, p. 622)

O ponto mais perceptível nesta questão refere-se ao engano, à ilusão, à trapaça, etc.,

sobretudo relacionados ao produto ou serviço anunciante. Entretanto, diversos subprodutos

relativos à questão ética nos anúncios podem ocorrer, e de fato ocorrem. Representações,

situações, articulações, signos evocados, elementos culturais, enfim, o procedimento analítico

destas questões não é tão simples.

O artigo primeiro do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária institui

que “Todo anúncio deve ser respeitador e conformar-se às leis do país; deve, ainda, ser

honesto e verdadeiro.” No artigo terceiro, referindo-se aos produtores, pontua que “Todo

2 Segundo Grinover (et al., 1992, p. 191), a propaganda enganosa é qualquer modalidade de informação ou

comunicação de caráter publicitário inteiro ou parcialmente falso, ou por qualquer outro modo, mesmo por

omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, propriedades,

origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos ou serviços.

Já a propaganda abusiva é aquela de natureza discriminatória, que incita a violência, explora o medo ou a

superstição, se aproveita da deficiência de julgamento ou experiência da criança, desrespeita valores ambientais

ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou

segurança. (GRINOVER, et al., 1992, p. 191)

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anúncio deve ter presente a responsabilidade do Anunciante, da Agência de Publicidade e do

Veículo de Divulgação junto ao consumidor”.

Seguindo na leitura, no artigo oitavo, quanto ao objetivo do Código, encontramos que

o mesmo “é a regulamentação das normas éticas aplicáveis à publicidade comercial, assim

entendida como toda atividade destinada a estimular o consumo de bens e serviços, bem como

promover instituições conceitos ou ideias.” Quanto aos ditames éticos prescritos no Código,

no décimo quinto artigo consta que estes “devem ser respeitados por quantos estão envolvidos

na atividade publicitária, sejam Anunciantes, Agências de Publicidade, Veículos de

Divulgação, sejam Publicitários, Jornalistas e outros profissionais de comunicação, que

participem do processo publicitário”.

Percebemos nestes recortes, um texto usuário de uma linguagem que potencializa a

característica maleável da interpretação. Por exemplo, quanto à representação de indivíduos, o

Código não discrimina o que são conceitos muito subjetivos, como “decência”, “intimidade”

ou “dignidade”. Dada essa característica, buscamos em alguns autores articulações que se

relacionam a tal questão, visando uma maior apreensão do que o código objetiva estabelecer.

Mariângela Machado Toaldo (2000, p. 76), conselheira do CONAR desde 1988, argumenta

que um ato desrespeitoso em um anúncio é algo intimamente ligado ao que cada um tem de

entendimento sobre moral e bons costumes. “Um comercial que utiliza personagens

homossexuais pode ser visto por um primeiro grupo de consumidores como ofensivo porque

incentiva à discriminação. Outro grupo pode se sentir ofendido por entender que sugere a

prática do homossexualismo; um terceiro pode achar que não há nada de desrespeitoso na

temática.” Entretanto, destacamos que neste caso, por exemplo, não se leva em conta os

modos com que tais personagens são utilizados para vender algo, nem como o paralelo

homossexuais - moral e bons costumes foi estabelecido.

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2.1 REPRESENTAÇÕES

Dado nosso objetivo principal de pesquisa, aprofundaremos aqui na questão ética das

representações identitárias e culturais de nossa sociedade atual em anúncios publicitários.

Sendo assim, resgataremos os três itens da Seção Um do Código, que se dirigem à questão da

“Respeitabilidade”:

Artigo 19: Toda atividade publicitária deve caracterizar-se pelo respeito à

dignidade da pessoa humana, à intimidade, ao interesse social, às instituições e

símbolos nacionais, às autoridades constituídas e ao núcleo familiar.

Artigo 20: Nenhum anúncio deve favorecer ou estimular qualquer espécie de

ofensa ou discriminação racial, social, política, religiosa ou de nacionalidade.

Artigo 21: Os anúncios não devem conter nada que possa induzir a atividades

criminosas ou ilegais – ou que pareça favorecer, enaltecer ou estimular tais

atividades. (CONAR, 2014)

Tais imperativos, por exemplo, não fazem prescrições às representações idealizadas.

Randazzo (1997, p. 37), argumenta que a “a imagem do usuário na publicidade pode ser real,

ou seja, coerente com a auto-imagem, os valores e o estilo de vida do usuário, ou

mitologizado – uma imagem que espelha o tipo de pessoa que o consumidor gostaria de ser.”

Talvez, por si mesma, a estratégia de uma representação idealizada não seja

exatamente ética – sobretudo em casos onde o ideal é humanamente impossível de ser

alcançado. A descaracterização de algum grupo, ou a hipervalorização de determinados

segmentos sociais em detrimento dos demais, não desrespeitam, por exemplo, os imperativos

dos artigos citados acima. Entretanto, podemos deduzir que tais estratégias não são simpáticas

a questões éticas mais abrangentes.

O estereótipo parece-nos ser um dos pontos centrais desta discussão. Dentro da

publicidade funcionam como uma espécie de recurso cognitivo facilitador de entendimento

acerca de um discurso mercadológico. Atuam como valiosa ferramenta estratégica de

persuasão, eficaz na (de)codificação, no armazenamento, na consolidação e na recuperação da

mensagem na estrutura cognitiva do receptor.

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Esses elementos estereotípicos são, portanto, largamente explorados na criação dos

discursos publicitários. Podemos identificá-los de maneira explícita ou implícita, em

diferentes níveis na construção das mensagens, dentro de um jogo promovido pela

publicidade e firmado na relação de seus interlocutores. É importante ressaltar que nesse

contexto, muitas vezes, o significado pretendido com o uso desses elementos se dá somente

no contrafluxo da mensagem, na resposta de quem recebe o conteúdo.

A iconografia publicitária, em nosso contexto social, torna-se uma expressão do

imaginário contemporâneo. Elisa Piedras (2007) reforça essa ideia em seus estudos nos

apresentando a publicidade como parte integrante de um “mundo imaginal”, com função de

“comunhão eucarística”. Encontramos, assim, justificativas que apontam para o caráter

dialógico, não só do discurso publicitário, mas também dos estereótipos.

O estereótipo é outro fenômeno a ser destacado, ele pode ser entendido como uma

ferramenta cognitiva utilizada para categorizar na memória a pluralidade dos

elementos sociais, com o objetivo de auxiliar o indivíduo a organizar e

compreender de forma menos complexa seu ambiente. (LEITE, 2008, p.134)

As imagens mentais atuam na interpretação dos eventos e sintetizam vários elementos:

atributos, características, culturas, hábitos, traços psicológicos ou físicos, etc. Entretanto,

Krüger apud LEITE (2008, p.135) aponta para a relação dos estereótipos com os preconceitos:

“quando estiverem associados a sentimentos, os estereótipos sociais passam a constituir

estruturas psicológicas de maior complexidade, caracterizadas como atitudes, preconceitos

sociais.” Vivendo num mundo repleto de possibilidades e aparentemente livres de ditames

hegemônicos, nos questionamos sobre a eficácia destas modalidades discursivas pautadas em

imagens mentais pré-estabelecidas.

2.2 SOCIEDADE PÓS-MORALISTA

Encontramos fundamento para nossa hipótese de mudança nos paradigmas éticos e

morais na obra de Gilles Lipovetsky – A Sociedade Pós-Moralista (2005). Portanto, achamos

justo e pertinente dedicar espaço às suas ideias mais centrais, que se relacionam intimamente

com este ponto de nossa discussão. O autor discorre sobre as várias transformações de valores

morais e sobre a questão das responsabilidades diante da emergência de uma nova e inédita

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cultura, divulgadora de normas e bem-estar em detrimento às obrigações. Para ele, uma

sociedade pós-moral é:

Uma sociedade que repudia a retórica do dever rígido, integral e estrito e,

paralelamente, consagra direitos individuais à autonomia, às aspirações de ordem

pessoal, à felicidade... É uma sociedade que (...) deixou de estar baseada nas

exortações ao cumprimento integral dos preceitos, e que só procura acreditar nas

normas indolores da existência ética. Eis a razão pela qual nenhuma contradição

existe entre o aumento da popularidade da temática ética e a lógica pós-moralista,

uma vez que a atual concepção de ética não exige nenhum sacrifício maior,

nenhuma renúncia a si mesmo. (LIPOVETSKY, 2005, p. XXX)

Passamos a falar, então, de uma prática ética muito mais pragmática e menos idealista

ou utópica. A ética não se constitui como dever absoluto e individualmente desinteressado, há

uma contraposição entre a prática individual e a prática social. Para esta “modalidade”, o

autor usa o nome de “ética inteligente”.

Uma ética inteligente seria justamente aquela que considera, em primeira instância, as

necessidades concretas do sujeito. Porém, ela não desconsidera totalmente o coletivo. Trata-se

de uma fusão entre liberdade e solidariedade; de uma atenção ao coletivo, sem que isso resulte

em prejuízos aos interesses individuais. “Em resumo, mais aproveitam iniciativas

‘interesseiras’, porém capazes de melhorar a condição humana, do que boas intenções

desprovidas de meios apropriados.” (LIPOVETSKY, 2005, p. XXXIV).

Este pragmatismo relaciona-se com todo o perfil social contemporâneo. Um perfil

construído com base numa sociedade voltada exclusivamente para o consumo. “A sedução

tomou o lugar do dever, o bem-estar tornou-se Deus, e a publicidade é seu profeta. O reino do

consumo e da publicidade exprime muito bem o sentido coeso da cultura pós-moralista.”

(LIPOVETSKY, 2005 p. 31).

O sujeito contemporâneo, sabemos, tem a pulsão de busca e a sensação de acesso livre

e irrestrito exortadas em si por todos os discursos com que pode relacionar-se. Desta forma,

sentidos éticos e morais mais rígidos tornam-se empecilhos à consecução de seus objetivos

pessoais e, muito provavelmente, à sua realização individual. Portanto, há uma verdadeira

repulsa ao discurso do dever, que se submete ao discurso da felicidade e do bem-estar.

Os discursos moralizantes, que precederam esse momento ao qual nos referimos,

pautavam-se na moderação das vontades, no cumprimento de deveres para consigo e para

com os outros. Evidente que tais construções não encontram mais, pelo menos sem um grande

esforço, ressonância no contemporâneo e numa sociedade que, basicamente, prima pelo

prazer, pela satisfação individual e que, ainda, glorifica o entretenimento.

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Entretanto, ética e moral não caíram em desuso, apenas amoldam-se ao novo

momento. Para Lipovetsky, a ética atual busca um equilíbrio entre o individual e o social,

pautando-se, sobretudo, no respeito ao humano. “Nenhuma questão atual é tratada sem que o

referencial ético se faça presente.” (LIPOVETSKY, 2005, p. 185).

A diferença crucial está no fato de que, atualmente, uma prática considerada ética só

recebe tal consideração por ser realista e efetiva; ao passo que tentativas nesse mesmo sentido,

pautadas por um tom idealista e com sentidos morais imperativos, são fortemente rejeitadas,

justamente por serem consideradas, agora, absolutamente inviáveis. A constatação do novo

modus operandi está justamente na promoção do bem-estar coletivo sem quaisquer renúncias

pessoais. Há, portanto, uma conciliação, um acordo de interesses.

É, de fato, uma mudança significativa. A falência da imposição dos deveres pode

conduzir a um comportamento egoísta, extremamente individualista. Por outro lado, práticas

mais solidárias também podem surgir, a partir destes mesmos valores humanistas - atitudes

particulares podem acabar por promover um bem maior. Segundo o autor, esse fenômeno já

pode ser observado, por exemplo, nas questões ecológicas e temáticas de sustentabilidade e,

também, em questões de discriminação, que podem afetar a vida íntima de pessoas.

Aumentando, assim, práticas solidárias em prol de causas relativas à igualdade e ao respeito

mútuo.

As práticas morais e éticas tornaram-se igualmente mais “livres”, porém, com limites

que são indicados agora pelos próprios sujeitos praticantes, ou na medida em que sofrem com

a violação dos direitos valorizados. Trazendo para o contexto publicitário:

Antes, a ideia de sabonete vinha associada a conceitos de energia, saúde, disciplina

moral; hoje, em vez disso, os produtos de toalete frisam a doçura, o charme da boa

aparência. Dá-se por encerrado o ciclo da obrigação perante si e perante os demais;

a higiene corporal, os cuidados dentários e com cabelos agora se vinculam à

sedução e à auto-satisfação. Aliás, por toda parte, o que prevalece é um verdadeiro

hino de louvor à sedução, ao amor de si, ao bem-estar narcisista. (LIPOVETSKY,

2005, p. 79).

Outros exemplos são anúncios que valorizam práticas ambientais, sustentáveis, o

apoio financeiro à cultura, práticas de cidadania e a diversidade étnica, religiosa, sexual, etc.

Tais argumentos são usados para promover marcas ou vender produtos que pouco ou mesmo

nada têm a ver com tais eixos. Em resumo, na publicidade, observamos que o exercício da

ética segue a mesma tendência de rejeitar sentidos totalizantes rígidos, ou o cumprimento

incondicional deles. Os trabalhos seguem, entretanto, seu código ético próprio.

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3. PUBLICIDADE CONTEMPORÂNEA E A QUESTÃO ÉTICA

O discurso publicitário é caracterizado pela sua habilidade de persuadir. Alinhavando

inúmeros outros discursos, convenções e sentidos construídos tacitamente, a publicidade

objetiva o convencimento, sobretudo através da sedução. Essa construção, por si mesma, já

pode ser entendida como retórica. Essa estratégia de composição torna difuso seu aspecto de

impor ideias e conceitos, bem como de dominar opiniões. Afinal, quando nos comunicamos é

porque queremos algo: geralmente convencer.

O nuance sedutor do discurso publicitário é o que o diferencia dos demais discursos

institucionalizados, é o que o caracteriza e o constitui enquanto gênero. A sedução encanta e

estar encantado envolve admiração, assim como desejo. Nada é questionado, apenas se

associa. Lipovetsky (1989, p. 188) trata este processo como a “apoteose da sedução (...) a

publicidade criativa se solta, dá prioridade ao imaginário (...), a sedução está livre para

expandir-se por si mesma (...)”.

Importante dizermos aqui que não creditamos à publicidade algum tipo de capacidade

criativa de novas necessidades, mas sim de dialogar com outros discursos e demandas do

social, acelerando ou retardando tendências (BROWN, apud VESTERGAARD, 2000, p. 9).

Toda a linguagem empregada, mesmo a visual e imagética, é “caracterizada por

participar do contexto social, por apropriar-se de elementos culturais e traduzir a realidade

conforme esses padrões, mas também influenciar esses padrões e contribuir para mudanças.”

(GONÇALVES, 2006, p. 27). É desta forma que os conteúdos geram identificação. Há um

espaço ofertado de fácil projeção, onde o produto surge como elo entre o real e o imaginado,

causando, assim, um forte encantamento e abrindo espaço para a persuasão. Entretanto, o

processo não é automático; sobretudo no contemporâneo, onde tantas características difusas,

relativas e ondulantes circundam os indivíduos.

Nenhum anúncio publicitário, por mais sedutor que seja, convencerá os

consumidores pós-modernos a abdicarem da liberdade de escolha que arduamente

conquistaram. Aos demais, resta encontrar criatividade para fazer valer seus

argumentos no concorrido mercado das ideias. (LIPOVETSKY, 2000, p. 13).

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Assim, observamos sempre mudanças nos padrões argumentativos das mensagens

publicitárias. Por vezes sutis e por vezes radicais. A linguagem funcional, a conciliação do

anúncio com o científico e a argumentação lógica são exemplos de estratégias que, frente ao

complexo mundo contemporâneo, parecem perder sentido. A estratégia funda-se agora muito

mais no imaginário, na busca por autossignificação.

Essa mudança relaciona-se diretamente com tudo o que já dissertamos até aqui. Há um

traço comum entre todas estas mudanças de paradigmas. A criatividade sugerida por

Lipovetsky parece se relacionar justamente com a busca pelo pertencimento – sem

esquecermos o anseio pela liberdade, sendo que o consumo parece resolver essa equação, pelo

menos por alguns instantes.

O criador dos discursos publicitários só é criador na medida em que consegue

captar o que circula na sociedade. Ele precisa corresponder a uma atmosfera. O

criador dá forma ao que existe nos espíritos, ao que está aí, ao que existe de

maneira informal ou disforme. (...) Assim, uma visão esquemática, manipulatória,

não dá conta do real, embora tenha uma parte de verdade. A genialidade implica a

capacidade de estar em sintonia com o espírito coletivo. (MAFFESOLI, 2000).

Deste modo, apontamos para o que parece ser o traço mais significativo da publicidade

contemporânea: as pessoas e a marca. Não mais o produto com suas incríveis características e

habilidades. Se, antes o problema era qual creme dental traria mais benefícios relativos à

saúde bucal, hoje, a dúvida volta-se ao que trará maior satisfação amorosa e realização

profissional, simultaneamente.

Em uma época mais simples, a publicidade meramente chamava a atenção para o

produto e exaltava suas vantagens. Hoje em dia, ela procria um produto próprio: o

consumidor, perpetuamente insatisfeito, intranquilo, ansioso e entediado. A

publicidade serve não tanto para anunciar produtos, mas para promover o consumo

como um modo de vida. Ela “educa” as massas para ter um apetite inesgotável não

só por bens, mas por novas experiências e satisfação pessoal. Ela defende o

consumo como a resposta aos antigos dissabores da solidão, da doença, da fadiga,

da insatisfação sexual; ao mesmo tempo, cria novas formas de descontentamentos

peculiares à era moderna. (LASH, apud DE SANTI, 2005, p. 183).

Entretanto, podemos deduzir que, frente ao novo contexto, surge um desafio: uma

eficiente identificação do consumidor com o discurso a ele proferido.

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3.1 ESTRATÉGIAS DE IDENTIFICAÇÃO

Para manter-se fiel ao seu objetivo principal – de convencer, a publicidade opera no

contemporâneo entrecruzando o discurso mercadológico aos novos discursos sociais,

empregando diferentes estratégias de identificação e buscando a filiação de seus interlocutores

aos seus imperativos.

(...) o consumidor contemporâneo, resultante não de uma seleção natural

Darwiniana, mas de uma construção bio-psico-social-tecno-cultural, que o

transforma não mais em um mero participante passivo no jogo do consumo, mas

em um parceiro deste jogo, um ser ativo e co-participante na construção ou

desconstrução das estratégias comerciais e das imagens corporativas. (GALINDO,

2012)

A nova retórica empregada pauta-se no pressuposto de uma espécie de aliança entre os

interlocutores deste ato, ou seja, “toda argumentação visa à adesão dos espíritos e, por isso

mesmo, pressupõe a existência de um contato intelectual.” (PERELMAN, 2005, p. 16). Para

compreendermos melhor esse movimento, buscamos referências no conceito de ethos –

um tipo de “elo” entre aquilo que é enunciado, seu enunciador e seu auditório, ou seja, seus

interlocutores. Este vínculo permite uma aderência do discurso e, por fim, o convencimento.

O ethos é entendido pelos analistas de discurso como o “tom” de cada produção discursiva,

seu sentimento:

Qualquer discurso escrito, mesmo que a negue, possui uma vocalidade específica,

que permite relacioná-lo a uma fonte enunciativa, por meio de um tom que indica

quem o disse: o termo “tom” apresenta a vantagem de valer tanto para o escrito

quanto para o oral: pode-se falar do “tom” de um livro. (MAINGUENEAU, 2005,

p. 72).

Ainda podemos apreender o conceito como “um conjunto de traços de caráter que o

orador mostra ao auditório para dar uma boa impressão. Incluem-se nesses traços as atitudes,

os costumes, a moralidade, elementos que apareçam na disposição do orador.” (FERREIRA,

20010, p. 21). Desta forma, quando falamos em ethos, não falamos propriamente em uma

personalidade ou totalidade, mas apenas ao que é mostrado ou exortado.

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Em Dominique Maingueneau (2005, p. 69) encontramos pontes entre o conceito de

ethos e a publicidade: “Além da persuasão por argumentos, a noção de ethos permite, de fato,

refletir sobre o processo mais geral da adesão de sujeitos a certa posição discursiva. O

processo é particularmente evidente quando se trata de discursos como o da publicidade”.

Percorrendo a linha de raciocínio do autor encontramos uma taxonomia do ethos,

quando observado pela perspectiva discursiva: ethos discursivo e ethos pré-discursivo. O

primeiro se revela no discurso em si, na enunciação. Já o segundo relaciona-se com uma fase

anterior ao momento do discurso, a uma imagem pré-concebida do enunciador que cria uma

determinada expectativa em relação à enunciação.

Conseguimos, assim, capturar mais facilmente toda construção prévia ao discurso, a

qual é fundamental para a aderência deste discurso por seus interlocutores. Maingueneau usa

o termo “fiança”, para caracterizar o empréstimo que o ethos pré-discursivo concede ao

discurso, neste movimento que se autocompleta.

O “fiador”, cuja figura o leitor deve construir com base em indícios textuais de

diversas ordens, vê-se, assim, investido de um caráter e de uma corporalidade, cujo

grau de precisão varia conforme os textos. O “caráter” corresponde a um feixe de

traços psicológicos. Quanto à “corporalidade”, ela é associada a uma compleição

corporal, mas também a uma forma de vestir-se e de mover-se no espaço social.

(MAINGUENEAU, 2005, p. 72).

É esta fiança que projeta no discurso segurança e credibilidade, fundamentais para sua

aderência. O interlocutor passa, assim, a projetar-se no enunciado, firmando-se um acordo

tácito entre ambos. É o que Patrick Charaudeau (2006) chama de “contrato de comunicação”.

Uma aliança largamente explorada pela publicidade.

A operação discursiva publicitária, no contemporâneo, em sua busca por identificação,

explora largamente o ethos enunciativo, o seu “auditório”, o contrato de comunicação firmado

com seus interlocutores, bem como a fiança que dá autoridade ao seu discurso, o qual

entrecruza imaginário, cultura e identidade na construção de seu sentido.

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3.2 UMA NOVA RETÓRICA

Ao nos debruçarmos sobre os estudos da retórica, desde a concepção Aristotélica

(2011) até os recentes estudos de argumentação desenvolvidos por Perelman (2005),

concluímos que em toda construção discursiva encontramos elementos retóricos visando

persuadir. Hoje, os estudos retóricos não se concentram tanto na produção, mas sim nos

subsídios necessários para a interpretação dos discursos, os quais nos interessam

especialmente.

Essas últimas teorias nos permitem olhar para os discursos e para suas estruturas

argumentativas pelo viés e sob os conceitos retóricos. Isso se aplica, igualmente, à

publicidade - discurso especialmente construído visando o convencimento. Assim,

encontramos semelhanças com os fundamentos teóricos evocados até aqui, os quais nos

possibilitam apreender os sentidos propostos e direcionadores do discurso publicitário.

Especialmente, quando falamos nas modalidades de filiação do “auditório” a determinado

discurso, característica especialmente ligada ao conceito de ethos.

A análise do “contrato de comunicação” de Charaudeau (2006), ou do “auditório” de

Perelman (2005), nos permitem identificar os movimentos discursivos empregados pelo

orador, objetivando aderência à sua produção. Isso quer dizer, partimos da afirmação de que

este orador sabe previamente o quê e como dizer – ou que, ao menos, ele domina as

aspirações de seu auditório.

Sobre este auditório, os interlocutores do discurso publicitário, Perelman (2005, p. 20)

sustenta que “a maior parte das formas de publicidade e de propaganda se preocupa, acima de

tudo, em prender o interesse de um público indiferente, condição indispensável para o

andamento de qualquer argumentação.” Em Charaudeau (2006) encontramos o complemento

a este raciocínio ao compreender que: Primeiro, os discursos informativos – e, neste caso, o

autor inclui o discurso propagandista, voltam-se especificamente para um “alvo”. Segundo,

que há um necessário reconhecimento recíproco das restrições da situação, as quais permitem

afirmar que os “parceiros” estão ligados por um acordo prévio, entendido como “contrato de

comunicação”.

Assim, elencamos, quando da construção retórica do discurso, o ethos; o profundo

conhecimento do auditório; o contrato tácito firmado entre os interlocutores; a fiança que

transmite o discurso autorizado e que tem autoridade, não só pelo papel ou importância do

fiador ao enunciar. Enfim, o que podemos entender como a “retórica dos competentes”.

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CAPÍTULO III

UMA ANÁLISE DO DISCURSO PUBLICITÁRIO

1. O DISCURSO

Nosso objeto de estudo é a linguagem da publicidade brasileira, com o objetivo de

verificar as formas com que ela tem se reconfigurado num cenário de importantes

transformações sociais, culturais, identitárias e filosóficas. Desse modo, partiremos de uma

perspectiva discursiva para avaliar os principais objetivos da pesquisa, pois entendemos que o

discurso é o portador do extrato de todas essas mudanças ou transições.

Nosso referencial teórico-metodológico se concentra na Análise de Discurso (AD)

com base na Escola Francesa. Sua origem baseou-se, inicialmente, nos trabalhos de Michel

Pêcheux e Michel Foucault, numa tentativa de articulação histórico-linguística, para a

construção de uma teoria do discurso. Na visão da Escola Francesa de Análise do Discurso, os

discursos são práticas sociais determinadas pelo contexto sócio-histórico, mas que também

são parte constitutiva daquele contexto.

De acordo com Rosalind Gill (2002), o número de estudos fundamentados e

construídos a partir deste referencial teve um crescimento significativo nos últimos anos.

Trata-se tanto de “uma consequência, como de uma manifestação da ‘virada linguística’,

ocorrida nas artes, humanidades e nas ciências sociais” (GILL, 2002, p.245).

Utilizar textos na pesquisa social, sem abordá-los com instrumentos linguísticos ou

semiológicos adequados, leva o cientista social com frequência a só levar em conta

o seu valor documental imediato, isto é, a considerá-los inocentemente como

“transparentes” em relação ao universo representado, confiando na letra do texto, o

que significa, e apesar dos protestos em contrário, tratá-los como independentes

dos contextos, aí sim de modo imanente, esquecendo-se sua “opacidade”

ideológica, que a análise de discursos coloca em primeiro plano.

(PINTO, 2002, p. 28)

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Tomando o texto como unidade de análise e aceitando a visão de que “o homem não

só é conhecido através dos textos, como se constrói enquanto objeto de estudos nos, ou por

meio dos textos” (BARROS, 2007, p.23), buscamos explorar certa materialidade linguística e,

por conseguinte, ideológica; de modo a permitir que se verifiquem modos de como o

politicamente correto vem sendo incorporado ao gênero publicitário – seja no momento da

articulação de seu discurso, ou em seu processo de consumo; despertando as reações

desejadas, ou não; e buscando sempre a construção de novos sentidos mercadológicos a partir

da articulação direta deste discurso (publicitário) com o imaginário, a cultura e o sentido

identitário.

A análise do discurso publicitário perpassa a linguagem verbal e outras semióticas

com que se constroem os textos. Consideremos tais elementos como constituintes dos

anúncios e, ao mesmo tempo, como elementos constituídos pelos contextos onde foram

comunicados. Para Eni Orlandi (2005, p. 66), toda AD deve partir da compreensão das formas

com que um objeto simbólico produz sentidos. Todo plano linguístico deve ser, assim,

convertido em discurso. A autora sugere que a compreensão do processo de produção dos

sentidos pode ser alcançada por meio de um dispositivo interpretativo:

Esse dispositivo tem como característica colocar o dito em relação ao não dito, o

que o sujeito diz em um lugar com o que é dito em outro lugar, o que é dito de um

modo com o que é dito de outro, procurando ouvir, naquilo que o sujeito diz, aquilo

que ele não diz, mas que constitui igualmente os sentidos de suas palavras.

(OLRANDI, 2005, p. 59)

Esta atenção aos silêncios relaciona-se diretamente com a consciência aprimorada dos

contextos sociais, culturais, políticos, filosóficos e culturais, nos quais o texto se apoia e os

quais devem ser considerados.

1.1 A CONSTRUÇÃO SOCIAL DO SENTIDO

A produção dos sentidos se dá com base na apropriação e interpretação de cada um a

partir de suas experiências sociais, históricas e de mediações culturais entrelaçadas ao

processo. Por isso, as maneiras para que uma AD seja realizada de forma efetiva são

complexas e não podem ser confundidas com fórmulas, uma vez que os interlocutores

apresentam características próprias - sejam elas grupais ou mesmo individuais.

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O texto pode ser abordado de dois pontos de vista complementares. De um lado,

podem-se analisar os mecanismos sintáxicos e semânticos responsáveis pela

produção do sentido; de outro, pode-se compreender o discurso como objeto

cultural, produzido a partir de certas condicionantes históricas, em relação

dialógica com outros textos. (FIORIN, 2011, p.10).

Com base nessas esferas de composição da trama do discurso, procuramos investigar a

constituição de imperativos de sentido que sobrepujam, por vezes, àquele pretendido quando

da elaboração do discurso publicitário. Falamos justamente em escavar o texto até que

possamos alcançar os elementos discursivos, os quais, ao serem consumidos por

interlocutores inseridos em outros contextos de informação, acabam por estabelecer novos e

alternativos horizontes ao sentido pretendido.

A AD rejeita a noção de linguagem neutra e entende o discurso como objeto

fundamental na construção do meio social. Sua base epistemológica construtivista possui, de

acordo com Rosalind Gill (2002), quatro características-chave: a postura crítica sobre a

natureza do objeto; o reconhecimento de que a maneira como compreendemos o objeto é

histórica e culturalmente específica, assim como relativa; a convicção de que o conhecimento

é socialmente construído; e, por fim, o compromisso de explorar as maneiras como os

conhecimentos estão ligados às ações práticas. Embora, sigamos a posição de que nada, em

Análise do Discurso, se pode (de)limitar, e de que mesmo os signos e suas origens não podem

ser precisamente mensurados.

Para fundamentarmos algumas definições importantes acerca do que buscamos,

encontramos na obra de Dominique Maingueneau (2000) conceitos centrais que nos auxiliam

a apreender o discurso, se é que assim podemos dizer. Primeiramente, devemos reconhecer

que o discurso é sempre assumido por um sujeito. Trata-se do “eu” que se apresenta como

fonte de referências pessoais, temporais e espaciais. Além disso, devemos levar em

consideração que cada ato de linguagem implica também em normas particulares, como as

sintáxicas e semânticas.

Ademais, o discurso também se constrói em função de uma finalidade específica e

como forma de ação. Toda enunciação constitui, assim, um ato que visa modificar uma

situação. Logo, ele sempre será orientado e somos levados a considerar também seu aspecto

interativo. Há sempre uma troca explícita ou implícita com outros enunciadores - sejam

virtuais ou reais. Por fim, o discurso só adquire sentido no interior de um universo de outros

discursos onde se apoia, buscando sua própria legitimidade. Ele é, assim, contextualizado e

não se pode atribuir sentido a um enunciado fora de contexto.

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A AD procura, então, compreender a linguagem agindo e propõe relacioná-la com seu

exterior constitutivo. Sendo o discurso promovido pela intencionalidade, é através da

linguagem que a ideologia se materializaria: a linguagem faz a mediação do sujeito com sua

realidade.

É na superfície dos textos que podem ser encontradas as pistas ou marcas deixadas

pelos processos sociais de produção de sentidos (...) procurar e interpretar vestígios

que permitem a contextualização em três níveis: o contexto situacional imediato, o

contexto institucional e o contexto sociocultural mais amplo, no interior dos quais

se deu o evento comunicacional. (PINTO, 2002, p. 26)

Torna-se evidente, assim, o aspecto dialógico do texto. Esse diálogo (intertextualidade,

polifonia ou mesmo heterogeneidades do discurso) pode dar-se entre interlocutores ou mesmo

entre discursos. A interação entre os sujeitos implica na linguagem e desta relação decorrem o

sentido e a significação, que são dependentes dessa interação. Como as manifestações

discursivas não se limitam somente à língua e à fala, podemos afirmar que os estímulos são

inúmeros e todos são elementos que dialogam entre si. Com isso, adentramos nas dimensões

relativas ao diálogo entre discursos.

1.2 INTERDISCURSO

Para compreender melhor a característica interdependente do discurso, buscamos três

observações importantes acerca do fenômeno, as quais são sugeridas por Diana Barros (2007):

nas duas primeiras, temos abordagens que englobam o contexto sócio-histórico com o outro e

a concepção de texto como tecido composto por diversas vozes, formando discursos que

sempre se cruzam. E no terceiro caso: “se nos discursos falam vozes diversas, que mostram a

compreensão que cada classe ou segmento de classe tem do mundo em um dado momento

histórico, os discursos são, por definição, ideológicos e marcados por coerções sociais.”

(BARROS, 2007, p. 34).

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O texto, como unidade de análise em pesquisa social, coloca a opacidade ideológica

do discurso em primeiro plano. Não falamos aqui do texto linguístico isoladamente, mas sim,

de todos os elementos articulados que compõem a mensagem.

Definir os discursos como práticas sociais implica que a linguagem verbal e as

outras semióticas com que se constroem os textos são partes integrantes do

contexto sócio-histórico e não alguma coisa de caráter puramente instrumental,

externa às pressões sociais. Têm assim papel fundamental na reprodução,

manutenção ou transformação das representações que as pessoas fazem e das

relações e identidades com que se definem numa sociedade. (PINTO, 2002, p. 28).

Buscamos revelar processos constituintes dessa interação simbólica; ou seja, os modos

como os agentes se reconhecem em seu devido lugar dentro no discurso e assim constroem,

apreendem e empregam sentidos. Michel Pêcheux (2010) aponta que sob a forma geral do

discurso apagam-se as “dissimetrias” e “dissimilaridades” entre os agentes do sistema de

produção. O processo é neutralizado e vemos apenas as aparências externas e suas

consequências:

Para compreender como este processo se situa em um mesmo movimento, ao

mesmo tempo realizado e mascarado, e o papel que nele desempenha a linguagem,

devemos renunciar à concepção de linguagem como instrumento de comunicação.

Isto não quer dizer que a linguagem não serve para comunicar, mas sim que este

aspecto é somente a ponta emersa do iceberg. (HENRY, 1997, p.26).

O discurso decorre, portanto, de relações tecidas entre linguagem e ideologia. O

sentido é apreendido e construído pelo(s) sujeito(s) da enunciação, na relação fundada entre

sujeito(s) da linguagem e sujeito(s) da ideologia (PÊCHEUX, 2010). Assim, compreendemos

o discurso como uma construção social, e justifica-se todo o esforço realizado nos capítulos

anteriores para que nos posicionemos no contexto situacional mais amplo, onde se constroem

os discursos publicitário e politicamente correto, objetos desta pesquisa.

Afinal, não podemos capturar o que buscamos desconsiderando esse “amplo mundo

das representações (conhecimentos e crenças), das relações e identidades sociais (...)”

(PINTO, 2002, p. 44). Essas condicionantes são constitutivas de um mundo ideológico, onde

se dão quaisquer processos de produção, circulação e consumo de discursos. “Um discurso é,

portanto, uma configuração espaço-temporal do sentido” (BRAGA, 2012, p. 261).

Este universo de significados condicionados está dividido em duas dimensões a se

considerar. A primeira é a ideológica, ou seja, o texto propriamente dito e em sua significação

no contexto onde existe; é o que Milton José Pinto chama de intertexto consensual: “Uma

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parte do ideológico também transparece num texto sob a forma de preconstruídos, que são

inferências e pressuposições que o coemissor deve fazer para suprir as lacunas e dar coerência

à interpretação que faz, interligando entre si as frases e partes do texto e ligando-o a um

mundo” (PINTO, 2002, p. 45). São tais relações que organizam os discursos

hierarquicamente, como hegemônicos ou subordinados, permitindo que se deem as produções

de sentido.

Os efeitos desse discurso no interior de um tecido determinado de relações sociais

e esses efeitos só podem ter a forma de outra produção de sentido. Toda produção

discursiva, um pouco paradoxalmente, é assim o resultado de um processo de

consumo ou reconhecimento de outros discursos e vice-versa, o que nos traz de

volta à intertextualidade e à retórica aristotélica, e nos leva ao conceito de ordem

de discursos. (PINTO, 2002, p. 47)

Assim, compreendemos também a segunda dimensão constitutiva desta rede: a do

poder. Etapa relativa ao processo final de circulação dos sentidos sociais, ligada diretamente

ao consumo dos discursos.

1.3 SEMÂNTICA E SINTAXE DISCURSIVAS

Sabemos que a semântica, de um modo geral, refere-se ao estudo do significado. Para

José Luiz Fiorin (2011, p.15), “tendo fracassado o ambicioso projeto da Semântica Estrutural,

os linguistas voltaram-se para a análise de unidades maiores do que a palavra.” Segundo o

autor, o campo abriu-se a partir dos estudos de Ducrot e de Greimas3. O primeiro se

concentrou nos estudos do enunciado. Já Greimas tomou o texto como unidade de análise,

estudando seus elementos semânticos. As análises desenvolvidas desta forma revelariam,

posteriormente, uma descrição profunda de determinada cultura cristalizada sobre um

universo de significados que são compartilhados exclusivamente pela linguagem.

3 Oswald Ducrot (1930). Linguísta francês que desenvolve estudos sobre a enunciação. É um dos principais

autores da Teoria da Argumentação na Linguagem.

Algirdas Julius Greimas (1917-1992). Linguísta lituano que contribuiu com a Teoria da Semiótica e da

Narratologia.

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Concordamos com Fiorin (2011) que para uma análise semântico-discursiva devemos

considerar uma semântica ao mesmo tempo gerativa, sintagmática e geral. Ou seja, que dê

conta dos processos crescentes de construção do sentido, explique a produção e a

interpretação do discurso, assim como parta do princípio de um sentido a priori dito “único”,

de forma a considerar sua capacidade de manifestar-se em diferentes planos de expressão.

Consideramos neste trabalho, também, a análise dos elementos sintáticos do discurso.

Para isso, devemos primeiramente ter clara a percepção do sujeito da enunciação: é ele quem

produz, a partir do texto, o discurso. Há sempre um “eu”, ou um “alguém”, que diz; explícita

ou implicitamente.

A enunciação é o ato de produção do discurso, é uma instância pressuposta pelo

enunciado (produto da enunciação). Ao realizar-se, ela deixa marcas no discurso

que constrói. (...) Mesmo quando os elementos da enunciação não aparecem no

enunciado, a enunciação existe, uma vez que nenhuma frase se enuncia sozinha.

(FIORIN, 2011, p. 55)

É na enunciação que se definem sujeito, tempo e espaço do enunciado. Falamos aqui

dos participantes (do eu, do tu) e, além disso, da coerção discursiva que estabelece tais papéis.

Este sujeito habita o espaço a partir do qual todos os outros espaços se definem. E, finalmente,

falamos do tempo relativo ao momento em que nosso sujeito tomou a palavra; é deste

momento em diante que se estabelece toda construção temporal.

Todo ato de produção de enunciados, que visa sempre sua comunicação a alguém, é

um saber-fazer persuasivo. Isto porque, ao se articular, o enunciador procura sempre

convencer seu enunciatário, ele se prepara para que seu enunciado seja aceito. E, da mesma

forma, percebemos no enunciatário um saber-fazer que é interpretativo.

A enunciação é a instância que povoa o enunciado de pessoas, de tempos e de

espaços. Por isso, a sintaxe do discurso, ao estudar as marcas da enunciação no

enunciado, analise três procedimentos de discursivização, a actorialização, a

espacialização e a temporalização, ou seja, a constituição das pessoas, do espaço e

do tempo do discurso. (FIORIN, 2011, p. 57)

Uma análise sintático-discursiva revela, portanto, os elementos organizadores e

estabilizadores dos enunciados, o eu-aqui-agora que direcionam o sentido e de que forma o

fazem. A enunciação projeta no enunciado estes elementos, marcando-o com categorias de

pessoa, espaço e tempo, que são passíveis de análise e se manifestam de diferentes e inúmeras

formas.

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Nesta etapa de nossa análise, devemos nos atentar também aos elementos resultantes

da relação entre enunciador e enunciatário. Trata-se de toda sorte de procedimentos

argumentativos empregados pelo enunciador visando convencer, persuadir e seduzir seu

enunciatário, de modo a fazê-lo concordar, aceitar ou endossar sua fala. Estas induções podem

se manifestar através de palavras, de figuras de linguagem, do estilo empregado, de modos de

organização do texto, entre tantas outras, que em nossa análise buscamos revelar.

2. UM DISPOSITIVO ANALÍTICO

Procuramos aqui apresentar os demais elementos de análise que compõem nosso

dispositivo analítico. São essas ocorrências, por exemplo, quem nos fornece a substância

necessária e, eficiente o bastante, para nos demonstrar a constituição dos sentidos alternativos

ocorridos nos materiais componentes de nosso corpus.

Resgatamos, primeiramente, pontos centrais das teorias de Eliseo Verón (2004), as

quais estudam e analisam os discursos sociais em funcionamento, na sociedade, produzindo

sentidos. O autor também parte da afirmação de que não há outra maneira de entender o texto

como discurso sem relacioná-lo diretamente com outros discursos; ou seja, ele jamais termina

em si:

De fato, o texto pode ser analisado de um ponto de vista discursivo, ou não. Pode-

se, por exemplo, dividi-lo em “enunciados canônicos” (normalizando-o),

destruindo desta forma suas propriedades discursivas. A noção de discurso

corresponde, portanto, a um enfoque teórico em relação com um conjunto

significante dado. (VERÓN, 2004, p. 17. Tradução nossa)

Para Verón, a produção social do sentido se estabelece a partir de uma visão integral

de um sistema. Entretanto, já vimos que pistas são sempre deixadas no texto por suas próprias

condições de produção a partir de operações discursivas, “que constituem operações pelas

quais os materiais significantes que, compõem o texto analisado, foram investidos de sentido”

(VERÓN, 2004, p. 18). Isto é, devemos identificar no discurso este “sistema de operações

discursivas, que atravessam as classificações em níveis sintático, semântico e pragmático.”

(BRAGA, 2012, p. 250).

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Uma visualização sistêmica permite a articulação direta entre produção, circulação e

consumo, e ainda legitima leituras que nos revelam características de todos estes processos -

em conjunto. É o que Verón (2004) classifica de “gramática de produção” e “gramática de

reconhecimento”. Elas jamais são iguais, mas possuem sempre relações que produzem

alterações sistemáticas nos discursos e que se desenvolvem na etapa de circulação: “O

conceito de circulação designa precisamente o processo pelo qual o sistema de relações entre

condições de produção e de recepção é produzido socialmente” (VERÓN, 2004, pg. 20).

É desta forma, que temos nos fenômenos sociais verdadeiros processos de produção de

sentido. As condições de produção e as de reconhecimento são, portanto, o local preciso onde

se dão os processos de circulação de quaisquer discursos sociais, sendo que suas condições de

produção e seus efeitos são mantidos pelos discursos e devem ser analisadas. Assim,

evidenciamos a complexidade das relações entre sentido e contexto, adentrando em novas

teorias:

Considera-se, geralmente, que cada enunciado é portador de um sentido estável, a

saber, aquele que lhe foi conferido pelo locutor. Esse mesmo sentido seria

decifrado por um receptor que dispõe do mesmo código, que fala a mesma língua.

Nessa concepção da atividade linguística, o sentido estaria de alguma forma

inscrito no enunciado e sua compreensão dependeria essencialmente de um

conhecimento do léxico e da gramática da língua; o contexto desempenharia

apenas um papel periférico, fornecendo dados que permitem desfazer as eventuais

ambiguidades dos enunciados. (MAINGUENEAU, 2002, p. 19)

Qualquer ato de interpretação de um enunciado é desenvolvido com base numa

“reconstrução” do sentido, a partir de indicações contextuais presentes no próprio enunciado.

O que ocorre é uma relação assimétrica: não há garantias de que o sentido “reconstruído”

coincida com as representações do enunciador.

O que se quer dizer é que, fora de contexto, não podemos falar realmente do

sentido de um enunciado, mas, na melhor das hipóteses, de coerções para que um

sentido seja atribuído à sequência verbal proferida em uma situação particular, para

que esta se torne um verdadeiro enunciado, assumido em um lugar e em um

momento específicos, por um sujeito que se dirige numa determinada perspectiva a

um ou a vários sujeitos. (MAINGUENEAU, 2002, p. 20)

São tais indicações contextuais e direcionadoras que Maingueneau (2002) chama de

“estatuto pragmático do enunciado”, que buscamos revelar, também. Trata-se de uma série de

procedimentos pragmáticos, uma vez que exigem a reflexão sobre o contexto e não apenas

uma interpretação semântica. Tais considerações nos levaram de volta à figura ideológica do

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sujeito: “o sujeito não pode não significar e não há sentido sem interpretação.” (ORLANDI,

2001, p. 130). Falamos em sujeito ideológico justamente por entendê-lo como produtor de

interpretações, empregadas em condições específicas, que são apagadas naturalmente pelo ato

discursivo. O sentido é ainda submisso à interpretação deste sujeito, que o emprega a partir de

seu próprio repertório discursivo.

Entretanto, devemos considerar que algumas convenções tácitas permeiam todo o

processo. Dominique Maingueneau emprega o termo Leis do Discurso para determiná-las:

“essas leis desempenham um papel considerável na interpretação dos enunciados e constituem

um conjunto de normas, que cabe aos interlocutores respeitarem quando participam de um ato

de comunicação verbal.” (MAINGUENEAU, 2002, p. 32). A dominação destas leis do jogo é

condição da competência comunicativa, ou seja, da capacidade de produzir e interpretar

enunciados adequadamente, em múltiplas situações.

Uma grande contribuição para a prática da AD foi exatamente o estabelecimento deste

conjunto de normas sobre a interpretação dos enunciados. Tais leis foram articuladas de modo

a permitir a compreensão da capacidade dos interlocutores de se (re)conhecerem e se

respeitarem ao longo do processo comunicacional. São elas que “neutralizam”, por exemplo, a

total confusão da fala.

Diversos autores elegem diversas leis; entretanto, algumas têm, segundo Maingueneau

(2001), um alcance geral. Falamos aqui da lei da pertinência e da sinceridade. A primeira

relaciona-se à adequação da enunciação ao seu contexto: “ela deve interessar ao destinatário,

fornecendo-lhe informações que modifiquem uma situação” (MAINGUENEAU, 2001, p. 34).

Já a segunda, refere-se ao comprometimento do enunciador no ato de sua fala: “Cada ato de

fala (prometer, afirmar, ordenar, desejar, etc.) implica em um determinado número de

condições e de regras do jogo. Por exemplo, para afirmar algo, deve-se estar em condições de

garantir a verdade do que se diz” (MAINGUENEAU, 2001, p. 35).

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2.1 OUTROS ELEMENTOS DE ANÁLISE

Partimos do pressuposto de que a publicidade constitui um amplo espaço para

reprodução ou representação de comportamentos, atitudes, valores, crenças e atribuições de

significado, que permeiam a sociedade de seu contexto. Entretanto, concebemos que ela

fornece, igualmente, um espaço legítimo para transformar essa mesma sociedade.

Assim, somos levados a considerar os modos de dizer desse discurso; ou seja,

devemos compreender o como e por que estes produtos simbólicos se apresentam. Os modos

de dizer consistem em designar e descrever os sujeitos ou coisas de que se fala, estabelecendo

interrelações entre eles, bem como seu tempo e espaço.

Seguiremos a sistematização proposta por Milton José Pinto (2002, p. 65), que propõe

a análise das funções com que as pessoas produzem um texto para se comunicar: mostração,

interação e sedução. Isto é, os modos com que o enunciador fala e as relações que faz, assim

como as relações de poder estabelecidas com o enunciatário e como se processam. Por fim, as

formas com que o enunciador marca as pessoas ou coisas de que fala, positiva ou

negativamente, mostrando reações favoráveis ou não a eles. Ademais, tratamos aqui de

produções audiovisuais e não podemos deixar de considerar essas outras semióticas. As

imagens e os sons carregam igualmente consigo diversos elementos interdiscursivos. A

compreensão de qualquer imagem como representação do real, por exemplo, está sujeita a

interpretações bastante subjetivas.

Concentremo-nos novamente na comunicação verbal, buscamos na teoria das faces

outros elementos para nossa análise. Concordamos com Maingueneau quando diz que

“toda comunicação verbal é uma relação social, que se submete às regras de polidez. Nesse

modelo, todo indivíduo é possuidor de duas faces” (MAINGUENEAU, 2001, p. 37). Uma

face, a positiva, corresponde ao ator social em questão, a imagem construída e que é

apresentada ao mundo. A segunda face, negativa, corresponde ao espaço de cada um, ao

íntimo.

Para a teoria das faces, toda enunciação pode consistir numa verdadeira ameaça para

outra enunciação, ou para várias delas. Além disso, em todo ato de comunicação se

confrontam quatro faces: a positiva e a negativa do enunciador, e a positiva e negativa do

enunciatário. Por exemplo: ao dar uma ordem, o enunciador valoriza sua face positiva em

detrimento da face negativa de seu enunciatário.

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A constante “ameaça” às faces é um fato em toda enunciação. Por isso, devemos levar

em conta esse confronto em nossa análise, sobretudo quando falamos de anúncios

publicitários, onde é fundamental que o enunciador preserve sua face positiva. Em

publicidade, um bom anúncio é aquele que supostamente anula essas ameaças. Entretanto, o

que observamos são anúncios onde o que mais se busca é um acordo, uma negociação nessa

disputa de faces, através de estratégias discursivas empregadas persuasivamente.

Entretanto, notamos que em alguns casos esse “acordo” parece não funcionar muito bem.

Falamos dos conteúdos permeados pelo politicamente correto, aos quais dedicaremos atenção

a seguir.

2.2 OS DISCURSOS PUBLICITÁRIO E POLITICAMENTE CORRETO

Nosso objetivo principal trata exatamente da articulação direta entre os discursos

publicitário e politicamente correto. Assim, nossa análise se detém num produto

interdiscursivo; até mesmo porque:

O texto publicitário nasce na conjunção de vários fatores, quer psicossociais-

econômicos, quer do uso daquele enorme conjunto de efeitos retóricos aos quais

não faltam as figuras de linguagem, as técnicas argumentativas, os raciocínios.

(CITELLI, 2002).

De acordo com Francisco Leite (2008, p. 135), podemos definir uma publicidade

como politicamente correta por apresentar “cenários que operam a inclusão simbólica e

possibilitam o trânsito de personagens representantes de grupos minoritários em condições

contextuais antes demarcadas apenas a perfis hegemônicos”.

Poderíamos afirmar que, pelo simples ato de comunicar tais fatores, define-se essa

publicidade como politicamente correta? Juliana Botelho (2006, p. 17) aponta em seus

estudos que estes elementos “não conseguem, por sua simples existência, assegurar que tais

representações sejam, de fato, ‘politicamente corretas’. Garante-se o número, mas não a

qualidade das representações”.

É com base nas reações das tramas tecidas a partir de efeitos geradores de sentido, e

valendo-se, sobretudo, de estereótipos, que a publicidade vem alinhavando a si conceitos

politicamente corretos. Atingindo, assim, diversos objetivos mercadológicos e simbólicos em

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torno de seus anunciantes e marcas. Mas também, parece ser cada vez mais comum a

interferência do politicamente correto na construção de novos sentidos.

No contexto publicitário, não entendemos apenas este tipo de proposta “inclusiva”

como politicamente correta. A contrassituação é também destacada como outra modalidade.

Ela é entendida como evento interacional, que foge ao padrão convencional organizador e

facilitador das relações sociais em suas significações. Tomando a contrassituação pelo

discurso, ou seja, aquela promovida pela linguagem agindo, concluímos tratar-se de uma

situação nova e desafiante ao sentido até então “convencional”.

A palavra contra-intuitiva pode ser traduzida a partir do termo inglês

counterintuitive, isto é, algo que desafia a intuição ou senso comum. Ou seja, com

a recepção/interação da mensagem com estímulo contra-intuitivo pelo indivíduo,

tenta-se operacionalizar (deslocar) o desenvolvimento do seu pensamento, inserido

no senso comum, levando-o do conhecimento superficial ao reflexivo, filosófico

gerador do senso crítico. (LEITE, 2008, p. 132)

Podemos traçar um paralelo bastante próximo entre as convenções tácitas que

gerenciam os sentidos dos discursos àquilo entendido como senso comum. O pensamento

crítico e analítico sobre os eventos apresenta-se como nova proposta desafiante a estes

sentidos organizadores e previamente estabelecidos. São estes movimentos que notamos

incorporar-se às narrativas publicitárias atualmente – e os quais nos despertam interesse.

Uma das expectativas da comunicação publicitária contraintuitiva é buscar não

desconsiderar a relevância da produção do senso comum, mas sim apresentar ao

indivíduo o desafio e provocação inerente à sua narrativa, que busca estimulá-lo,

para que utilize ambas as formas de produção de conhecimento (senso comum e

senso crítico) para deslocar suas percepções e opiniões negativas sobre os

indivíduos e grupos estigmatizados. (LEITE, 2008, p. 132)

Este deslocamento de sentidos apresenta-se, dentro do gênero publicitário, como novo

mecanismo retórico de persuasão, sedução e convencimento. Porém, é importante dizer que

essas novas expressões apresentam-se dentro de um contexto maior – o do discurso

politicamente correto como um todo. Essa interdiscursividade toma corpo, hoje, em diversos

conteúdos publicitários disponíveis em diferentes mídias. O conteúdo contraintuitivo propõe

ressignificação, através justamente da contrassituação; ao passo que, a inclusão simbólica

satisfaz apenas questões figurativas, não estabelecendo comunicação direta com os

interlocutores na construção de novos sentidos.

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O paradoxo da contrasituação proporciona comunicação por deixar a última palavra

com o interlocutor. Promove o jogo com uma nova apresentação das mesmas regras,

oferecendo um espaço claro e bem delimitado aos seus interlocutores, buscando no

subproduto criado por estes o sentido pretendido. Naturalmente há uma indução, mas ela

mascara-se de modo mais eficiente ao deixar um espaço claro para a “conclusão do outro”.

Esta modalidade projeta ao patamar de protagonistas os alvos frequentes de

estereotipação e, neste ponto, o paradoxo se consolida e nos orienta através de seu teor

ideológico e interdiscursivo a tomar determinada direção, na busca pelo sentido proposto.

Somos, assim, persuadidos a endossá-lo.

O novo movimento não tem apenas teor manipulatório, como já defendemos ao

entender a publicidade como um produto sociocultural. Ao deslocar sentidos cristalizados

pelo senso comum, ele pode promover ressignificação e atingir objetivos muito maiores que

aqueles consumados, por exemplo, através de uma venda. Estes objetivos imateriais e

simbólicos passam a despertar cada vez mais o interesse dos anunciantes publicitários.

Se este discurso não fizesse efeito, ou seja, se não tivesse absolutamente nenhum

sentido ou ressonância no meio social, ele não seria empregado. Trata-se, portanto, de um

novo buscar de sentidos, já experimentado por diversas manifestações do meio social e não só

pela publicidade.

2.3 O MEDIADOR: CONSELHO NACIONAL DE AUTOR-

REGULMENTAÇÃO PUBLICITÁRIA

No capítulo anterior, falamos brevemente do CONAR e trouxemos alguns pequenos

recortes de seu Código, também a fala de uma tradicional conselheira. Entretanto, neste ponto

do nosso trabalho, nos aprofundaremos no Conselho elegendo-o como nosso mediador, que se

coloca entre anunciantes e consumidores, ou enunciadores e enunciatários – termos mais

pertinentes para este trabalho.

A relevância deste “novo” discurso aqui evocado justifica-se quando consideramos,

basicamente, os seguintes aspectos: primeiro, porque se trata de um modelo de auto-

regulamentação sintetizada em um Código. Foram os próprios profissionais de publicidade os

redatores do código e são, até hoje, os responsáveis por sua aplicação na relação entre

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anunciantes, veículos de comunicação e consumidores, fazendo valer os seus interesses. O

modelo parece ter sucesso. Em trinta anos de atuação foram sete mil processos éticos e um

número impreciso de conciliações. Cabe dizer que, em seu portal online, o Conselho afirma

ter se saído vitorioso, nas raras vezes em que foi questionado na Justiça. O CONAR

apresenta-se da seguinte forma:

Rápido e inimigo do excesso de formalismo, o CONAR revela-se um tribunal

capaz de assimilar as evoluções da sociedade, refletir-lhe o avanço, as

particularidades, as nuanças locais. Não é, nem de longe, uma entidade

conservadora, nem poderia, pois publicidade e conservadorismo decididamente não

combinam. (www.conar.org.br Acesso em 13 de setembro de 2014)

Outro aspecto importante a se ressaltar é que se trata do órgão responsável por

fiscalizar, julgar e deliberar no que diz respeito ao cumprimento do disposto no Código de

Autorregulamentação Publicitária no Brasil. Hoje, os principais anunciantes, agências,

produtores de conteúdo e meios de comunicação subordinam-se às diretrizes do órgão e

acatam suas orientações e decisões. A ONG propõe dar fala a consumidores, autoridades e a

todos seus associados, conferindo à sua diretoria a competência de formular, igualmente,

denúncias contra quaisquer materiais publicitários veiculados em quaisquer suportes

midiáticos.

É o CONAR, também, quem recomenda, em caso de condenação do anúncio, a

sustação da veiculação do material, sugere alterações e pode, ainda, aplicar advertências

formais. É sempre conferido um amplo espaço de defesa e todas as ocorrências são

publicadas. São oito câmaras sediadas em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Porto Alegre e

Recife, atuando hoje cento e oitenta (180) conselheiros entre publicitários de todas as áreas e

representantes de diversos grupos componentes da sociedade civil.

Nosso objetivo aqui não é analisar discursivamente o Código e sua ética, tampouco o

discurso organizacional do Conselho ou seus acórdãos. Mas sim, dada à relevância e o papel

do CONAR no contexto onde se dá a comunicação publicitária, pautar-nos nessas decisões

para justificar a escolha dos materiais onde desenvolvermos nossas análises. Pois, além do já

exposto, percebemos também que se nos concentrássemos no anunciante-enunciador

encontraríamos uma construção discursiva articulada com um sentido muito claro: a venda.

Por outro lado, olhando atentamente às ocorrências que são abertas por consumidores,

individualmente ou agrupados em associações, pautando-nos apenas nas queixas deste

consumidor-enunciatário, ficaríamos restritos às condicionantes de sentido que vão ao

encontro de suas aspirações por representações condignas.

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Portanto, vamos analisar as peças selecionadas como examinadores que estão de fora

da relação entre anunciante e consumidor. Partiremos da posição de que o discurso foi

articulado por um enunciador-anunciante, que se dirige sempre a um enunciatário-

consumidor; e justamente o que escapou dessa relação nos interessa.

2.4 DA RESPEITABILIDADE

Reiteramos que não é nossa intenção analisar discursivamente o Código Brasileiro de

Autorregulamentação Publicitária. O mesmo vale para sua construção ética, ou para o

discurso organizacional do Conselho. Também não nos interessa discutir os procedimentos de

julgamento e, sobretudo, as decisões dos conselheiros. O CONAR tem, nesse trabalho, uma

função de mediador. Além disso, será a partir dos dados divulgados pela organização, que

chegaremos aos materiais componentes de nossa análise. Justificando, assim, sua relevância e

pertinência.

Já sabemos que nosso tema correlaciona publicidade, politicamente correto e a

construção social do sentido identitário. Entretanto, a “categoria politicamente (in)correto”,

por assim dizer, não é um dos componentes da sessão de Princípios Gerais do Código.

Todavia, encontramos na sessão Respeitabilidade as diretrizes que mais se aproximam às

propostas da correção política.

Seguiremos nossa análise a partir dos casos julgados pelo Conselho, entre 2010 e

2014, por supostamente terem violado, ignorado ou desrespeitado um ou mais itens relativos à

sessão de respeitabilidade disposta no Código. São apenas três itens, já evocados aqui

anteriormente, mas que resgatamos novamente:

Artigo 19: Toda atividade publicitária deve caracterizar-se pelo respeito à

dignidade da pessoa humana, à intimidade, ao interesse social, às instituições e

símbolos nacionais, às autoridades constituídas e ao núcleo familiar.

Artigo 20: Nenhum anúncio deve favorecer ou estimular qualquer espécie de

ofensa ou discriminação racial, social, política, religiosa ou de nacionalidade.

Artigo 21: Os anúncios não devem conter nada que possa induzir a atividades

criminosas ou ilegais – ou que pareça favorecer, enaltecer ou estimular tais

atividades. (CONAR, 2014)

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Essas são as recomendações centrais, que foram desrespeitadas e resultaram num total

de duzentos e um (201) processos éticos dentro dos cinco anos de interesse deste trabalho

(2010 – 2014). Não encontramos, junto aos boletins, informações comparativas. O que se

divulga são apenas os resumos de cada processo, mês-a-mês, contendo o acórdão estabelecido

pela câmara responsável. Assim, ficamos motivados a trabalhar sobre as informações

disponíveis, de modo que chegamos às conclusões descritas a seguir:

3. CATEGORIAS DE ANÁLISE

Julgamos que, para esta pesquisa e seus objetivos, a leitura de cinco anos de anúncios

processados e julgados é suficiente para termos um panorama eficiente o bastante e nos

permitir chegar às conclusões aqui esperadas. Assim, com este recorte conseguimos construir

algumas categorias de análise, que vão de acordo com a proposta deste trabalho. Pois bem, a

partir do total de processos julgados pelo conselho de ética de CONAR (entre 2010 e 2014 e

que infringiram os princípios de Respeitabilidade), sentimos a necessidade de categorizá-los

ano a ano e, assim, extrair algumas novas informações.

Em 2010 foram trinta e oito (38) casos julgados. Deste total, o que mais nos chamou

atenção foi o número expressivo de arquivamentos. Ou seja, notamos que a grande maioria

dos processos foi julgada como improcedente – não foram sugeridas alterações nas peças e

muito menos sua suspensão. Falamos precisamente de vinte e dois (22) arquivamentos, ou de

58% do total de processos transcorridos neste ano.

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Já o ano de 2011 contabilizou vinte e três (23) processos relativos à sessão de

respeitabilidade. Mais uma vez, predominaram os arquivamentos: quatorze (14), ou 61% do

total.

Anunciante Campanha Decisão

Volkswagen Novo Fox - Velhinhos Arquivamento

Globo.com Globo.com - Big Brother Brasil 10 Arquivamento

Arezzo Cleo Pires e Juliana Paes Arquivamento

Sadia Família - Sadia Arquivamento

Ótica e Relojoaria Kavassaki Ótica Seiko Arquivamento

Bandeirantes Propaganda Externa Bandeirantes propaganda - Tem gente virando onça e tem gente virando porco Arquivamento

DKT do Brasil Prazer começa com Prudence Arquivamento

Red Bull Red Bull - Chapeuzinho Vermelho Arquivamento

Fundação S.O.S. Mata Atlântica Xixi no banho - S.O.S. Mata Atlântica Arquivamento

Boehringer Ingelheim do Brasil BUSCOFEM - Você livre das cólicas e dores menstruais Arquivamento

AmBev Guaraná Antártica Zero - Quem duvida paga mico Arquivamento

Renault do Brasil Renault - Depois do Stepway, ladeira é drop. Tunel é turbo. E outros carros são flat Arquivamento

Unilever Brasil Novo Axe Play 2010 Arquivamento

Oi Oi Pontos Arquivamento

Net Serviços de Comunicação NET - Todo mundo está saindo da Sibéria Arquivamento

Coca-Cola Coca-Cola Light Plus Arquivamento

Ford No comparativo entre os veículos que mais passam por cima de outros veículos, deu empate Arquivamento

Unilever Brasil Desodorante AXE - Salvo pelo twist Arquivamento

Unilever Brasil Novo Dove Men Care Arquivamento

Aché Laboratórios Farmacêuticos Aché laboratórios Farmacêuticos - Flogoral Arquivamento

Nissan Nissan Sentra Arquivamento

Coca-Cola Kuat - Mãe do amigo Arquivamento

Unilever Brasil Ades Nutri Kids - As escolhas de Marina: Primeiro dia de aula Alteração

Volkswagen Revisão mesmo - Volkswagen Alteração

Triton Coleção Triton Alteração

Sky Brasil Quem não assina Sky por R$ 69,90 é muito pamonha Alteração

Ford Novo Fiesta 2011, vale a pena ser exigente Alteração

AmBev Skol - Garota do Tempo - O jeito redpndo de ver o clima Alteração

Vivo Vivo - Bônus de até mil reais Alteração

Vegas Gentlemen´s Club Vegas Gentlemen´s Club Sustação

Fiat Fiat Linea - Schumacher Sustação

DuLoren Você não imagina do que uma Duloren é capaz Sustação

Target Blindagens Target Blindagens Sustação

Rede Play Time Rede Play Time - O Jogo vai começar... Participe! Sustação

Bic Brasil Bic Brasil - Descubra se você é um homem bem feito Sustação

Shell Brasil Shell - Vamos Juntos Sustação

Ind. e Com. de Bebidas Rodrigues e Silva Merchandising Selvagem - Programa Pânico na TV Sustação e advertência

Sócia Comércio de Gêneros Alimentícios Pizzaria Oca de Savoia, polícia Sustação e Advertência

Tabela 1: DECISÕES DOS CASOS DE RESPEITABILIDADE EM 2010

Fonte: www.conar.org.br Acesso em 20/11/2014

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O ano de 2012 destaca-se pelo grande aumento no número de casos com relação ao

ano anterior. Foram quarenta e quatro (44) processos, que resultaram em vinte e oito (28)

arquivamentos, ou 64% do total. Assim, começamos a perceber algumas tendências relativas

aos dados que analisamos, e começamos a definir algumas categorias de análise buscando os

anúncios mais próximos de nossos objetivos.

Anunciante Campanha Decisão

Oi Oi Agenor Arquivamento

Ambev Skol Litrão - Beto Barbosa Arquivamento

VW Todo mundo sabe que no Brasil... Arquivamento

Net Tem que ter NET Arquivamento

Ipiranga Ipiranga - Um lugar completo esperando por você Arquivamento

Visa Visa - Agora 35 mil por semana... Arquivamento

Styllus Motel Pecado - Styllus Motel Arquivamento

Bombril Bombril - Mulheres Evoluídas - AME Arquivamento

Ambev Skol para casamento Arquivamento

Lazer Hotéis e Turismo Motel comodoro Arquivamento

São Paulo Alpargatas Havaianas - Francesa Arquivamento

Hope Gisele Bündchen - Hope ensina Arquivamento

ABMR&A "Sou agro - Dia a dia" e "Bendita terra" Arquivamento

Unilever Brasil Brilhante - Desafio da roupa nova Arquivamento

Primo Schincariol É pelo corpo que se reconhece a verdadeira negra Alteração

Honda Honda Dentista Alteração

Mercado Livre Mercado Livre - Sou velho mas não sou idiota Alteração

Liga Nacional de Futebol Litoral CAP Alteração

Primo Schincariol Nova Schin - Festa junina Alteração

Primo Schincariol Devassa - Água Alteração

Caixa Econômica Federal Caixa 150anos Alteração

SLKS Comércio de Artigos de Moda Sergio K Sustação

For Her Lingeries For her lingeries - Presenteie sua secretária... Sustação

Tabela 2: DECISÕES DOS CASOS DE RESPEITABILIDADE EM 2011

Fonte: www.conar.org.br Acesso em 20/11/2014

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Em 2013, foram cinquenta (50) processos julgados. Desse total, trinta e seis (ou 72%

do total) foram julgados improcedentes e, consequentemente, foram arquivados. Podemos,

então, afirmar que dentro do nosso recorte, predominaram as decisões de arquivamento,

independente da origem, natureza ou gênero da reclamação.

Anunciante Campanha Decisão

Ford Ford - Promoção a decisão é sua Arquivamento

Havaianas Havaianas - Rodrigo Santoro Arquivamento

Ambev Skol Dragão Arquivamento

Tigre Tigre - seu Jairo, volta. Volta Jairo Arquivamento

Visa Visa - "Tinturaria", "Coroa de flores" e "Rodoviária" Arquivamento

Renault Renault - Tempo de Mudar Arquivamento

Unilever Brasil Axe - O fim do mundo Arquivamento

Tigre Tigre - Gaga Arquivamento

Galderma Aquaclin Arquivamento

Ambev Skolzinha 300ml Arquivamento

Boehringer Ingelheim Anador - Sindíco Arquivamento

Peugeot Peugeot Arquivamento

Lojas Marisa Primavera verão Marisa - Moda íntima Arquivamento

Peugeot Citroën Peugeot - O IPI é por nossa conta Arquivamento

Primo Schincariol Nova Schin - Invisíveis Arquivamento

Ford Ford Fiesta Tocam - Peixão Arquivamento

Cruzeiro do Sul Educacional Faculdade Cruzeiro do Sul - Suas escolhas refletem seu futuro Arquivamento

Marisa Marisa - Alto Verão Arquivamento

Unilever Brasil Close Up - Dentista Arquivamento

Subway Subway - Marinara Arquivamento

Arezzo Top Scenes - Arezzo mania Arquivamento

Monsters Gym Monsters Gym Arquivamento

Vivo Vivo Speedy - Lan house Arquivamento

Bombril Mulheres que brilham - Bombril Arquivamento

Editora Referência Prêmio Colunistas 2012 Arquivamento

Mash Cuecas Mash Arquivamento

K2 Comércio de Confecções Cavalera - Coleção Salvador rocks Arquivamento

Hypermarcas Nova Linha Jontex Arquivamento e Alteração

Danone Activia nectar de frutas Alteração

NetShoes Tudo o que você quer sem um vendedor chato Alteração

Gallo Brasil Nosso azeite é rico. O vidro escuro é o segurança Alteração

IBR Tatuzinho 3 Fazendas Barcats Velho Barreiro Alteração

Unilever Brasil Axe - Prateado e Preto Alteração

Grendene Sandálias Melissa plastic paradise Advertência

Kerocasa Pense no futuro, conheça a Kerocasa Advertência

Red Bull Red Bull - Nazaré Sustação

Diário de São Paulo Diário de São Paulo - Troca de óleo Sustação

Open English OpenEnglish.com inglês online Sustação

Duloren Pacificar foi fácil, quero ver dominar Sustação

Corpus Motel Corpus Motel - Chupetinha Sustação

Hope Hope - Bonita por natureza Sustação

Platense Feliz dia da secretária, chefe Sustação e advertência

Ambev Skol Facul Sustação e advertência

DKT do Brasil Dieta do sexo Sustação e advertência

Tabela 3: DECISÕES DOS CASOS DE RESPEITABILIDADE EM 2012

Fonte: www.conar.org.br Acesso em 20/11/2014

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Anunciante Campanha Decisão

Cervejaria Petrópolis Crystal - Plano C Arquivamento

Primo Schincariol Tenha sua primeira vez com uma Devassa Arquivamento

Renault Novo Clio - Mecânico Arquivamento

Unilever Axe - Prateado e preto Arquivamento

Unilever Ketchup Hellmann's - O bom de verdade Arquivamento

Ambev Skol - Peixe Arquivamento

Vivo Vivo sempre internet - Alvará Arquivamento

P&G Gillette - Quero ver raspar Arquivamento

Lojas Insinuante Lojas Insinuante - Gutierrez Arquivamento

Net Serviços de Comunicação Net - 10 mega pelo preço de 1 mega Arquivamento

Fiat Fiat Palio - Segredo Arquivamento

O Boticário Nativa Spa - O Boticário Arquivamento

Unimed Unimed - Na hora de escolher seu plano de saúde, não chute Arquivamento

Eudora Eudora - Café com leite Arquivamento

Ambev Massagista - Antartica Sub Zero Arquivamento

Sanofi-Aventis Dorflex - Bar do Otário Arquivamento

Peugeot Novo Peugeot 208 - Corrida maluca Arquivamento

Vivo Vivo - Tem tudo aqui Arquivamento

Cervejaria Petrópolis Crystal apelidos Arquivamento

Bombril "Homem Biju Concentrado", "Homem Vantage Concentrado" e outros Arquivamento

Fiat Fiat - Wolverine Arquivamento

CTIS Service CTIS Service pack Arquivamento

Habib´s Habib's - Líncua do zero Arquivamento

Cadiveu Professional Eu preciso de Cadiveu Arquivamento

Duloren Brasileira, miscigenada Arquivamento

VW Mecânica inteligente para mulheres Arquivamento

Prefeitura Municipal de Colombo Não viva pela metade Arquivamento

Ellus Ellus jeans deluxe Arquivamento

Chery Chery Pelado Arquivamento

Valisere O primeiro Valisere a gente nunca esquece Arquivamento

Reckitt Benckiser Brasil "Vanish - não fique com inveja" e " Precisa de um cara" Arquivamento

Editora Abril Ninguém vive só de arroz Arquivamento

Amanco Brasil Du Moscovis Arquivamento

Tema Propaganda Tema Propaganda Arquivamento

Wmix Mato sem cachorro Arquivamento

L´Oreal Brasil Garnier Fructis - Troca receita Arquivamento

Vivo Vivo - Internet fixa Alteração

Fiat Fiat Punto - serie especial Black Motion Alteração

Altana Motel Altana Motel Sustação

Cei Mirassol Cei Mirassol 2013 Sustação

Oi Dia internacional da mulher Sustação

Faisão Hotel Elas adoram o panda Sustação

Yamaha Moto cantada factor Sustação

Genomma Asepxia - Bullyng Sustação

Pró-Vida PE Pernambuco não te quer Sustação e advertência

Agência Black Dia do ginecologista Sustação e advertência

Unilever Axe - Duas gostosas e um sortudo Sustação e advertência

Dafra e Blumare Motos Compre que eu dou pra você Sustação e advertência

Bain Duche Multimarcas Dama na rua selvagem na cama Sustação e advertência

Couro Fino Couro Fino Sustação e advertência

Tabela 4: DECISÕES DOS CASOS DE RESPEITABILIDADE EM 2013

Fonte: www.conar.org.br Acesso em 20/11/2014

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Por fim, no último ano de nosso recorte foram quarenta e seis (46) processos julgados

e impressionantes quarenta e dois (42) arquivamentos. Ou seja, 93% dos processos foram

considerados improcedentes. É a maior taxa de arquivamentos dos cinco anos analisados,

consolidando os arquivamentos como decisão mais usual do Conselho para os casos que

infringiram o disposto na sessão de respeitabilidade.

Anunciante Campanha Decisão

Coca Cola Coca-Cola - Bem-vindos à copa de todo mundo Arquivamento

Pepsico H2OH - Limoneto Arquivamento

Hotel Urbano Não seja um turistão - Hotel Urbano Arquivamento

Brasil Foods Não tem chester, não tem a magia do natal Arquivamento

Whirlpool Geladeira Consul bem-estar Arquivamento

Ambev Guaraná Antartica apresenta - Papelzinho Arquivamento

Lojas Riachuelo Riachuelo - Campanha dia da mulher brasileira Arquivamento

P&G Old Spice - O chamado Arquivamento

TSE TSE convoca mulheres para política Arquivamento

Whirlpool Lava-louça Brastemp Arquivamento

Cervejaria Petrópolis Itaipava - Comparações Arquivamento

Ossel Funerária Ossel Arquivamento

Giraffas Hambúrguer Giraffas - Saia da mesmice Arquivamento

Unilever Axe - Roubo de beleza Arquivamento

Sky Sky livre apresenta - Vitor Livre Arquivamento

Ipiranga Música Posto Ipiranga Arquivamento

Mitsubishi Mitsubishi L200 Triton 2015 Arquivamento

Mondelez Brasil Lacta - Bis de ouro Arquivamento

Nissan Nissan - Amigo imaginário Arquivamento

Mondelez Brasil Belvita maçã e canela Arquivamento

Vivo Vivo internet fixa - "Seu Bolha" e "Seu Bolha 2" Arquivamento

Bob´s Bob´s passarinhos Arquivamento

Cervejaria Petrópolis Caminhão cheio de itaipava Arquivamento

Move Rio Bunda de cigarro é lixo - Rio eu amo eu cuido Arquivamento

Bob´s Festival de molhos do Bob's Arquivamento

OLX Fabio Porchat - Desapega Arquivamento

Stara Iperador Stara Arquivamento

Ambev Antartica - Um brinde às mulheres Arquivamento

O Popular O Popular - 75 Anos Arquivamento

Sul América Sul América Auto Arquivamento

Condor Promoção Condor. 40 anos. 40 carros Arquivamento

Brockton Namore de Redley Arquivamento

Evoluxe Cabelos crespos têm solução Arquivamento

Duloren Eu me amo Arquivamento

Marisa Marisa Arquivamento

Marisa Strip commerce Arquivamento

Cervejaria Petrópolis Itaipava - Palavrões Arquivamento

Open Englush Open English - Like a Brazil? Like a favela? Arquivamento

Química Amparo Tixan Ypê - "O poder da mulher de multiplicação" e "O poder da mulher de persuasão"Arquivamento

Bom Negócio Bom Negócio - Compadre Washington Arquivamento

Adidas Adidas - Tudo ou nada Arquivamento

P&G Old Spice - Danger Zone Arquivamento

Hypermarcas Olla - Anitta Alteração

Bom Negócio Bom Negócio - Compadre Washington Alteração

Vaneliz Box Vaneliz Box Sustação

Casa Di Conti Cerveja Conti Sustação e advertência

Tabela 5 - DECISÕES DOS CASOS DE RESPEITABILIDADE EM 2014

Fonte: www.conar.org.br Acesso em 20/11/2014

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3.1 DEFINIÇÃO DO CORPUS

A seleção do corpus, em análise de discurso, não segue critérios empíricos, mas sim

teóricos. “Nessa forma de análise, a exaustividade almejada – que chamamos vertical – deve

ser considerada em relação aos objetivos da análise e à sua temática.” (ORLANDI, 2005,

p.62). Portanto, quando definimos nosso corpus, já definimos também de quais propriedades

discursivas queremos falar.

Após assistirmos a cada anúncio e com base nos dados obtidos por meio dessa

pesquisa inicial, não só percebemos algumas particularidades, como também notamos que, em

alguns casos específicos, parecem transparecer de forma mais “palpável” os elementos

discursivos constitutivos dessa nova construção social do sentido identitário. Permeada, agora

e muitas vezes, pelo discurso politicamente correto. Entretanto, queremos primeiro justificar a

nossa escolha pelos casos arquivados. Falamos da grande maioria dos acórdãos julgados pelo

Conselho no período analisado, como podemos notar ao verificar os dados abaixo:

Gráfico 1 – Número de queixas entre 2009 e 2014 comparado aos números de arquivamentos

Fonte: www.conar.org.br Acesso em 20/11/2014

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Além de ser a maioria absoluta em termos de decisão, notamos que os arquivamentos

continuaram crescendo após 2011, ao contrário das outras decisões. Ou seja, podemos

concluir que esse aumento no número de processos não configura nenhuma tendência

negativa na produção de anúncios. Ao contrário, podemos observar que, em 2014, apenas

quatro processos não foram arquivados e, portanto, tinham alguma procedência. O aumento

teve muito mais a ver com os consumidores, que parecem exigir maior controle do conteúdo

publicitário. Reiteramos que não temos a pretensão de discutir aqui as decisões tomadas,

soberanamente, pelo CONAR.

Assim, elegemos primeiramente os arquivamentos como uma categoria de análise.

Chegamos, então, à marca de cento e quarenta e dois (142) anúncios publicitários, veiculados

em diferentes mídias e em território nacional, que foram julgados como improcedentes entre

os anos de 2010 e 2014 pela comissão de Respeitabilidade. Falamos dos processos abertos em

razão de reclamações a nível individual, ou mesmo reunidas através do discurso de alguma

associação representante de determinado grupo social.

Portanto, falamos de materiais considerados ofensivos ou que feriram algum princípio,

mas, que não foram assim entendidos pelo CONAR. Notamos que os próprios publicitários

vêm entendendo a maioria dessas reivindicações como improcedentes e que isso ocorre com

base em diversos motivos. O fato aqui exposto revela ainda que, na visão do órgão, o disposto

na sessão respeitabilidade vem sendo seguido pelos anunciantes, de maneira crescente

(conforme gráfico 1). Questionamo-nos, novamente, se falamos de um interlocutor que passa

a exigir mais limites.

Notamos ainda, que a grande maioria dos processos se concentrou em anúncios

televisionados regional ou nacionalmente. Assim, determinamos nossa segunda categoria de

análise: anúncios audiovisuais produzidos para o meio televisivo. O CONAR não divulga

com precisão o número de queixas que recebeu e que motivaram os processos. Entretanto,

destacamos que em alguns materiais falamos de queixas isoladas, ou mesmo individuais – e

este fator não tem nenhum peso nas deliberações do Conselho. Nos cinco anos analisados,

constatamos que trinta e cinco (35) processos foram abertos por queixas individuais. Portanto,

não excluiremos processos abertos individualmente.

Procuramos, em cada ano pesquisado, selecionar um (01) anúncio dentro dessas

categorias, e que nos traga todos, ou boa parte dos elementos aqui discutidos. Temos, assim,

um recorte que contempla cinco (05) anúncios, de fato, pertinentes para essa análise.

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No mês de setembro de 2010, nos deparamos com a campanha da empresa de

telecomunicações “Oi” para divulgar seu programa de relacionamento e fidelização, bem

como os serviços de telefonia móvel e fixa, banda larga e ligações longa-distância via DDD.

A campanha “Oi Pontos” resultou em processo por supostamente incentivar comportamentos

reprováveis e antiéticos. Seu arquivamento deu-se, segundo relator do processo, por tratar-se

apenas de uma abordagem “criativa e bem humorada”.

Num primeiro contato com a peça, identificamos a articulação de situações

corriqueiras, que envolvem a subversão de valores profissionais e matrimoniais, mas que,

quando observadas conjuntamente à situação final e aliada à locução, notamos tratar-se, na

verdade, de um conjunto de situações que nos deixam desconfortáveis em relação ao outro.

Sobretudo, por percebermos que realmente não são atitudes muito admiráveis. Notamos aqui

que o humor submeteu-se ao policiamento e controle do comportamento individual, exercidos

socialmente e, assim, elegemos nosso primeiro material de análise.

No ano seguinte, encontramos no anúncio da marca de sandálias “Havaianas” um

novo material, que se relaciona intimamente com o que estamos estudando. Segundo denúncia

oferecida por grupo de consumidores e também pelo Sindicato Estadual dos Guias de

Turismo do Ceará, a peça reforçaria o estigma do turismo sexual no Brasil. A reclamação do

Sindicato adverte que não é necessário “apelar ainda mais ao fato de que o Brasil só chama

atenção de estrangeiros quando se fala da sensualidade da mulher brasileira, especificamente

em trajes ousados”.

Neste caso, o arquivamento deu-se por entenderem, relator e demais conselheiros, não

haver nenhum elemento “desabonador à reputação das brasileiras”. Aqui, encontramos

elementos interdiscursivos, que possibilitaram uma construção de sentido bastante alternativa

à proposta de se vender sandálias, valendo-se, sobretudo, de fatores não mencionados e,

talvez, sequer sugeridos, mas que fazem parte do universo discursivo relativo ao turismo em

território brasileiro – pelo menos por parte do grupo de denunciantes.

Ano Anunciante Campanha Temática da reclamação

2010 Oi Oi Pontos - O programa de relacionamento da Oi Comportamento antiético

2011 Havaianas "Lune de Miel" Turismo sexual

2012 Tigre Quem usa Tigre é autoridade no assunto Deficiência

2013 Vivo Vivo tem tudo aqui Desrespeito com minorias

2014 H2OH! Limoneto Tô SapecandoEstímulo à infidelidade matrimonial e ao

homossexualismo

Tabela 6: ANÚNCIOS SELECIONADOS PARA ANÁLISE 2010 -2014

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Em 2012, foi a campanha da marca de tubos e conexões “Tigre” quem nos chamou a

atenção. A Abragagueira (Associação Brasileira de Gagueira), entidade representante dos

portadores de dislalia, entrou com representação contra o anunciante junto ao CONAR por

entender que em seu anúncio, a empresa desrespeita os portadores dos distúrbios da fala,

principalmente ao reforçar opiniões equivocadas sobre os gagos, associando-os a pessoas

inseguras e nervosas.

No vídeo, o que vemos são apenas dois personagens que, em situação de insegurança

ou inexperiência, gaguejam. Entenderam relator e conselheiros que o anúncio apenas vale-se

de bom humor - fato este que incidiu em recurso contra decisão. Entretanto, o arquivamento

foi mantido por unanimidade e entendeu o novo relator que: “Pessoas portadoras de

limitações, deficiências, inabilidades ou até mesmo inadequações de todos os tipos são uma

verdade, uma realidade próxima de todos nós. Quanto mais as entendemos e as tratamos com

leveza e naturalidade na propaganda e principalmente na vida real, menores serão o

preconceito e a discriminação, porque as incluiremos naturalmente”.

A campanha “Tem tudo aqui” para a empresa de telecomunicações “Vivo” foi a que

mais nos chamou a atenção no ano de 2013. Para se autoproclamar como opção completa de

serviços, a anunciante acaba por se comparar ao próprio Brasil, que na época se preparava

para sediar o mundial de futebol a ser realizado no ano seguinte. O anúncio segue fazendo

afirmações exageradas, elegendo situações totalmente novas, relativas ao futebol e à

identidade nacional. O processo foi motivado por consumidores que viram expressos no

anúncio elementos que, segundo eles, desrespeitam costumes (no caso o vegetarianismo) e,

ainda, satirizaram o roubo histórico da taça Jules Rimet4. O arquivamento se deu graças ao

entendimento do conselho de que o filme não menciona, nem remotamente, o questionado

pelos denunciantes.

Por fim, em 2014 selecionamos o anúncio do refrigerante H2OH!. No material,

predominam as ambiguidades, que acreditamos terem motivado as trinta reclamações

recebidas pelo órgão, as quais resultaram também em processo ético. Segundo denunciantes, o

anúncio é apelativo e estimula a traição conjugal ao promover relações homossexuais.

Observamos aqui questões intimamente ligadas ao imaginário sexista e homofóbico,

sobretudo ao considerarmos a contrassituação exposta pelo ato de ser a mulher quem

supostamente trai.

4 Até 1970, a Taça da Copa do Mundo Fifa era chamada de Taça Jules Rimet. Em 1983, no Rio de Janeiro, o

troféu conquistado pela seleção brasileira de futebol na Copa de 1970 foi roubado da sede da Confederação

Brasileira de Futebol (CBF).

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Portanto, dedicaremos atenção a este anúncio por entender que ele nos traz elementos

culturais, sociais e históricos, os quais sedimentam construções sociais de sentido – agora e,

neste caso, permeadas pelo discurso politicamente correto.

A seguir, procederemos às análises discursivas dos anúncios selecionados, buscando

especificamente a observância dos elementos discursivos e das categorias de análise

apreendidos neste capítulo. Além disso, buscamos também a relação direta de todos estes

elementos com o contexto social onde se deram tais comunicações e na investigação dessas

construções sociais de sentidos.

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CAPÍTULO IV

OBJETOS E SEUS DISCURSOS

1. INTRODUÇÃO

Nossa pesquisa procura transpor um percurso analítico, que nos traga condições

eficientes para discorrer sobre algumas indagações correspondentes aos nossos objetivos de

pesquisa; tais como: percebemos interferências do politicamente correto na interpretação das

representações feitas nos anúncios? Mais que isso, essa interdiscursividade toma corpo em

diferentes grupos sociais? De que formas?

A análise de discurso não procura identificar processos universais e, na verdade, os

analistas de discurso criticam a noção de que tais generalizações são possíveis,

argumentando que o discurso é sempre circunstancial – construído a partir de

recursos interpretativos particulares, e tendo em mira contextos específicos.

(GILL, 2002, p. 264)

Não ficaremos restritos somente aos anúncios selecionados, também abordaremos aqui

o discurso do mediador desse conjunto – o Conselho Nacional de Autorregulamentação

Publicitária. Na tentativa de assim identificar algumas das possíveis motivações das

ocorrências. No capítulo anterior, definimos os elementos discursivo-analíticos selecionados

para este trabalho; contudo, esclarecemos que tais elementos não figuram igualmente em

todas as peças analisadas. Isso porque cada um deles atua de uma forma particular nas

articulações de sentido, com seu modo singularmente subjetivo de significar no contexto de

cada anúncio. “Uma análise de discurso é uma leitura cuidadosa, próxima, que caminha entre

o texto e o contexto, para examinar o conteúdo, organização e funções do discurso” (GILL,

2002, p. 266). Assim, procuramos discutir, em cada análise, os elementos centrais de cada

discurso articulando-os entre si, tentando definir os próprios sentidos.

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2. ANÁLISE DA PEÇA “OI PONTOS – O PROGRAMA DE

RELACIONAMENTO DA OI”

A primeira cena caracteriza-se por uma situação embaraçosa, criada pelo flagrante em

que nosso protagonista se coloca. A narrativa se inicia com um paradoxo: ao telefone, o

personagem lamenta com seu chefe não poder comparecer ao que, subentende-se ser um

compromisso de trabalho. No momento em que ele afirma estar no hospital, notamos que na

verdade ele circula pelo cenário de uma festa (ainda em preparação). O personagem sustenta

sua farsa (a nós já revelada) até ser surpreendido por uma altíssima música que irrompe no

ambiente. Ele acena ansiosamente, tentando sinalizar ao profissional, que testa o som, sobre a

urgência de abaixar o volume. Sem sucesso, ele foge correndo para longe, tentando manter

alguma credibilidade em ralação ao chefe, que permanece oculto.

Nesse momento, o discurso assume um viés lúdico, pelo esdrúxulo da situação e temos

na locução a apresentação de um contraponto positivo, que dá sentido à situação como um

todo. O tom do discurso agora articula um jogo de contrastes, com o efeito de surpreender o

interlocutor. Na locução, temos: “É... Ele perdeu pontos com o chefe.”, num tom de

lamentação; porém, na sequência temos: “Mas ganhou pontos com o Oi fixo e pode trocar por

passagens aéreas!”, proferido de forma enfática. O emprego do operador argumentativo

“mas” funciona retoricamente ao ligar uma sentença afirmativa, em concordância com algo

pensado supostamente pelo interlocutor – induzindo ao produto do anunciante, o qual emerge

como uma espécie de prêmio. A situação, que era negativa, é transformada em algo

totalmente positivo; tudo, graças ao produto anunciado. A antítese se define com o emprego

das palavras opostas: “perdeu” e “ganhou”, interligadas pelo “mas”.

Cena 1

Ambientação: Ator 1 fala ao telefone. Preparação de uma

festa.

Quadro 1: Anúncio "Oi Pontos".

Imagens disponíveis na internet.

Ator 1: “Oi chefe. Estou ligando pra dizer que não vou. É

estou aqui no hospital.”

Entra background sonoro: música funk em alto volume.

Locutor 1: “É... ele perdeu pontos com o chefe. Mas ganhou

pontos com Oi fixo e pode trocar por passagens aéreas!”

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Ainda durante a locução, somos colocados frente à segunda cena do anúncio, que se

ambienta numa sala. Nosso segundo protagonista destaca-se no cenário. Ele está sentado à

frente de um computador e olha atentamente para a tela. Ele sorri e acena negativamente com

a cabeça – outra reação esperada do interlocutor do anúncio neste momento: desaprovando o

comportamento do personagem anterior, ao mesmo tempo em que acha graça de sua

exposição. Subitamente, ele muda sua feição e seu olhar torna-se lânguido. Somos

surpreendidos quando uma mulher irrompe a cena e, numa troca de ângulos, nos é revelado o

verdadeiro conteúdo que o protagonista conferia em seu computador: a foto sensual de outra

mulher. A primeira exclama: “o que é isso?!” e, mais uma vez, notamos uma construção

supondo o comportamento do interlocutor do anúncio, novamente o induzindo.

O jovem rapaz se vê agora na mesma situação vexatória de seu antecessor, a qual nos

parecia já resolvida. Ele tenta inutilmente acalmar quem concluímos ser a sua esposa, por

meio de uma linguagem corporal em busca de minimizar o flagrante. Ela, visivelmente

nervosa, afasta-se ameaçadoramente pondo fim à cena. Temos novamente uma antítese: a

imagem de superioridade do protagonista desta cena, tal como a de seu antecessor, e a

situação extremamente vulnerável após serem confrontados por uma figura que conota

autoridade. A locução funciona também como direcionador de sentido e atua, ainda, como elo

entre as cenas. “Hum... perdeu pontos com a mulher”. É pronunciado com certo pesar e, mais

uma vez, a oposição é articulada com o mesmo objetivo da construção anterior: “Mas ganhou

pontos com a banda larga da Oi e pode usar para encher o tanque do carro!”, também

proferido em tom enfático.

Cena 2

Ambientação: Escritório domiciliar. À meia-luz, um homem usa

o computador.

Atriz 1: “O que é isso?!”

Locutor 1: “Hum, perdeu pontos com a mulher. Mas ganhou

pontos com a banda larga da Oi e pode usar para encher o

tanque do carro!”

Imagens disponíveis na internet.

Quadro 2: Anúncio "Oi Pontos".

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Notamos que as duas situações se apresentam formando uma unidade, com significado

particular, independente e específico. Para ligar uma cena a outra, usa-se a locução e

elementos estruturais muito próximos. É a locução quem dá continuidade e sentido ao

enunciado, enquanto que outros signos sonoros e visuais aproximam as situações construindo

um todo particular. Nas duas primeiras cenas notamos o emprego dos mesmos recursos

sonoros: o início repentino da música muito alta e, depois, a exclamação repentina da

mulher. A situação de flagrante constrói-se, igualmente, como elemento de ligação entre as

cenas, assim como as reações infantilizadas dos protagonistas quando descobertos.

Neste ponto do material, a locução mais uma vez permeia a troca de cenas e, pela

primeira vez, temos uma protagonista mulher. Observamos que a terceira cena configura-se,

primeiramente, como oposto de suas antecessoras. Não há situação de flagrante, a própria

personagem é quem liga para seu companheiro (a nova figura de autoridade) e, mesmo se

valendo de eufemismos, expõe sua situação constrangedora: “Oi amor...”, proferido

hesitantemente e, em seguida, a personagem continua vacilante. “Então..., é que aconteceu

uma coisinha...”; neste momento ela dirige seu olhar para a situação clímax do anúncio - seu

carro batido na fachada de uma lanchonete. O ridículo da situação é hiperbolizado pelo

contexto: o letreiro da lanchonete, que havia caído sobre o carro, entra em curto-circuito e

confere um efeito cômico à cena.

Configura-se uma antítese novamente, assim como nas cenas anteriores, definida pelo

contraste de “coisinha” (fala da protagonista), com a situação fantasiosa do acidente no qual

ela se envolvera. Temos uma nova locução, que também passa a ser feminina. Ela é mais

objetiva e não percorre a construção retórica de outrora. Marcando, mais uma vez, os tempos

do anúncio. Essa segunda locução possui um discurso fortemente autoritário, marcado pelo

modo de dizer, e não há contrapontos positivos à situação representada. Aqui, finalmente, os

benefícios citados ganham uma explicação racional: “Chegou Oi Pontos! Tudo o que você já

usa na Oi: móvel, banda larga, fixo e DDD viram pontos pra você trocar pelo o que quiser!” é

proferido afirmativamente. Assim, é oferecido ao interlocutor um espaço imaginário de

interação e ele não só é apresentado ao programa de fidelização da empresa anunciante, como

também se recorda de situações onde se identificou com os protagonistas de alguma forma.

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A locução assina todo o conteúdo imperativamente ao dizer que: “Na Oi você pode,

sim!”, incentivando comprometimento e engajamento dos interlocutores com a marca. Por

fim, é reforçada a positividade do anúncio com a assinatura da campanha, feita com uma

menina portadora de Síndrome de Down, a qual nos sorri dizendo um “Oi” esfuziante.

2.1 Observações

Este processo foi motivado a partir da identificação, no anúncio, de estímulo a um

comportamento profissional reprovável e antiético. A reclamação concentrou-se na primeira

cena do anúncio – onde um funcionário mente para seu chefe e é pego em flagrante.

Anunciante e agência se justificaram com base no bom humor da narrativa, apontando para o

que classificaram como “pecadilhos cometidos pelos personagens e as sais justas em que se

encontram”. O Conselho deliberou pelo arquivamento da representação por concordar com a

defesa.

Atriz 2: “Oi amor... Então..., é que aconteceu uma coisinha...”

Locutor 2: “Chegou o Oi pontos! Tudo o que você já usa na

Oi: móvel, banda larga, fixo e DDD viram pontos pra você

trocar pelo o que quiser. Na Oi você pode, sim!”

Cena 3

Imagens disponíveis na internet.

Ambientação: Atriz 2 fala ao celular. Seu automóvel está

batido em um luminoso de lanchonete.

Quadro 3: Anúncio "Oi Pontos".

Atriz 3: “Oi!”

Cena 4

Ambientação: Apresentação da logomarca do anunciante.

Atriz 3 gesticula um abraço.

Quadro 4: Anúncio "Oi Pontos".

Imagens disponíveis na internet.

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Apesar de termos verificado em nossa análise diversos elementos que poderiam

suscitar interpretações bastante distintas e, talvez, motivar reclamações de outros tipos, o

cerne do problema foi o comportamento profissional antiético – retratado pela farsa de um

empregado para com seu empregador, demonstrando desonestidade e mau-caratismo para

com essa figura de autoridade. O discurso politicamente correto parece permear essa

interpretação, que credita à narrativa competência para influenciar outras pessoas a adotarem

o mesmo comportamento reprovável.

A rejeição da mensagem se dá justamente por julgá-la, em tese, como politicamente

incorreta. Notamos que o personagem responsável por esta situação, em especial,

aparentemente se prejudica pela sua atitude, o que anularia possível incentivo a tal

comportamento. Talvez, haja impressão de que o anunciante recompensa os “pecadilhos” de

seus consumidores. Mas, o que se recompensa, de fato, no anúncio é a fidelidade à

contratação dos serviços anunciados, e isso se dá pela segunda locução, assim como pelo seu

modo de afirmar. Neste ponto, observamos o empoderamento conferido pelo discurso

politicamente correto, uma vez que se acredita no endosso de tal comportamento no simples

mostrar, citar ou mencionar; mesmo que a consequência apareça explícita ou implicitamente

no próprio texto.

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3. ANÁLISE DA PEÇA “HAVAIANAS – LUNE DE MIEL”

Nosso segundo material tem como primeira cena um ambiente bucólico. Ainda que de

maneira repentina sejam definidos o espaço e os actantes da enunciação, vislumbramos uma

imagem do entardecer em Paris, com a Torre Eiffel ao fundo. Em seguida, o cenário passa

para um apartamento com arquitetura incomum, e a protagonista nos é apresentada. Chamam

atenção os traços fortes da atriz, reforçando o estereótipo brasileiro em relação à mulher

estrangeira: excessiva magreza e alvura da pele, bem como um rosto fora dos padrões

nacionais de beleza. Entretanto, tais elementos são empregados muito sutilmente.

Ela parece estar completamente absorta na leitura de um almanaque. A cena

concentra-se, então, na capa deste livro onde figura a imagem do Cristo Redentor sob o título

“Brésil”. Entendemos que, na verdade, todos os elementos descritos até aqui atuam de modo a

situar o cenário da enunciação: a capital da França. Ela fala em francês e, através do recurso

da legenda, temos a tradução instantânea: “Brasil, um dos países mais lindos do mundo”.

Neste ponto já temos estabelecidos alguns elementos direcionadores do sentido. Trata-se de

uma mulher francesa, que vive em Paris, se informando sobre o Brasil por meio de um

almanaque, também de origem francesa. Não é ela quem diz, não é o anunciante (ainda não

revelado) e não há locução. O discurso se constrói sedutoramente, dado o elogio feito ao

nosso país, de modo a ficarmos receptivos e simpáticos ao conteúdo que virá a seguir.

Quadro 5: Anúncio "Havaianas Lune de Miel ".

Cena 1

Ambientação: Entardecer em Paris.

Trilha: Música tranquila e agradável.

Imagens disponíveis na internet.

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A primeira fala de nossa protagonista soa como um devaneio. Sorridente, ela continua

folheando as páginas do almanaque, lendo-o em voz alta: “O povo mais feliz do planeta”, é

proferido no mesmo tom idealista. É importante ressaltar que, novamente, o interlocutor do

anúncio recebe um elogio. Para dar sentido à sua fala, nos é mostrado o conteúdo do livro: a

imagem de um sambista negro, sorridente, vestindo terno branco e segurando um pandeiro – a

imagem simpática do conhecido e boêmio sambista carioca, que se apresenta sob o famoso

calçadão da praia de Copacabana.

A trilha sonora caracteriza-se por uma música extremamente suave e feminina, o que

ajuda a configurar o contexto onírico do anúncio. Inesperadamente, ela esboça uma grande

surpresa: “Uau! Todos os modelos de Havaianas no Brasil!” e o ângulo se fecha sobre o

almanaque, onde vemos agora a imagem das sandálias fabricadas pelo anunciante, que

finalmente é revelado. A imagem volta-se à protagonista, agora com uma feição mais

Atriz: “Brasil. Um dos países mais lindos do mundo."

Imagens disponíveis na internet.

Quadro 6: Anúncio "Havaianas Lune de Miel ".

Cena 2

Ambientação: Sala de apartamento parisiense. Protagonista

folheando um almanaque.

Quadro 7: Anúncio "Havaianas Lune de Miel ".

Cena 3

Ambientação: Sala de apartamento parisiense. Protagonista

folheando um almanaque.

Atriz: “O povo mais feliz do planeta."

Imagens disponíveis na internet.

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pragmática, ou seja, sua linguagem corporal denuncia a passagem do emocional para o

racional. Somos levados a deduzir o que ela pensa, ao ser focalizado novamente o almanaque,

onde vemos a logomarca do anunciante exposta acima da palavra “Shopping”.

A palavra inglesa “shopping”, mesmo que pertencente a uma terceira língua no

contexto do anúncio, figura como elemento universal, independente do idioma da leitora

protagonista e do interlocutor do anúncio, que obviamente fala português. Ela invoca um novo

personagem ao exclamar: “Querido?!”. Uma voz masculina responde, nos mesmos moldes:

“Sim?”, e ela completa satisfeita e decidida: “já sei para onde viajaremos na lua de mel!”,

como forma de dizer indiretamente, que deseja na verdade comprar todos os modelos de

sandálias, disponíveis apenas no Brasil.

O segundo personagem se aproxima, enquanto nossa protagonista continua folheando

as páginas do almanaque de viagem. “Aonde iremos querida?” ele indaga. Subitamente, a

mulher muda sua feição e se aproxima demasiadamente do livro. Hesitante, ela olha

atentamente a foto de uma mulher curvilínea, de costas, usando um tradicional biquíni

Cena 4

Ambientação: Sala de apartamento parisiense. Protagonista

folheando um almanaque.

Atriz: “Todos os modelos de Havaianas no Brasil! Querido, já

sei onde iremos na lua de mel!"

Quadros 8: Anúncio "Havaianas Lune de Miel ".

Imagens disponíveis na internet.

Quadro 9: Anúncio "Havaianas Lune de Miel ".

Ambientação: Sala de apartamento parisiense. Protagonista

folheando um almanaque.

Ator: “Onde vamos, querida?”

Imagens disponíveis na internet.

Cena 5

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brasileiro. Ela demonstra perceber, finalmente, algo que ainda não havia considerado e fecha

repentinamente seu almanaque, escondendo-o do marido, que chega à sala.

Podemos entender que, apesar de todos os possíveis benefícios vislumbrados por nossa

protagonista com a possível vinda ao Brasil, ela abole tal ideia ao se comparar com o padrão

de beleza feminino brasileiro, retratado pelo almanaque. O fato adensa-se por se tratar de uma

viagem de lua de mel. Na verdade, temos aqui mais um elogio dirigido ao interlocutor do

anúncio, funcionando retoricamente na construção do sentido. Sabemos que o material se

reporta, majoritariamente, às consumidoras femininas brasileiras, que se veem representadas

no anúncio pela modelo fotografada, que amedronta a protagonista. Ademais, nada é dito.

Temos um silêncio justificado na guinada que a situação sofre. De forma reticente, ela se vira

para o marido e exclama numa tentativa de se livrar da situação: “Veneza!”, que figura como

improviso de sua parte.

Ele demonstra incredulidade, dada a frustração pela falta de um elemento surpresa.

Percebemos que uma situação apresentada inicialmente como positiva, se revelou, para nossa

protagonista, como ameaçadora. Neste momento, a tradicional trilha sonora dos anúncios da

marca assina o conteúdo. Lembramos a característica já consolidada de humor que permeia o

discurso publicitário deste anunciante. Assim, o sentido se consolida como uma situação

cômica, pela forma com que se constrói. Mais nada é dito e a cena acaba. Por fim, a assinatura

do anúncio é composta pela exposição do produto com as cores da bandeira brasileira. Assim,

de certa forma, a identidade positiva do Brasil é ressaltada e o posicionamento nacionalista da

marca se consolida.

Quadro 10: Anúncio "Havaianas Lune de Miel ".

Cena 6

Ambientação: Sala de apartamento parisiense. Protagonista

folheando um almanaque.

Atriz: “Veneza!”

Imagens disponíveis na internet.

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3.1 Observações

Este processo se originou com base em queixas de consumidores feitas diretamente ao

CONAR, bem como por uma representação enviada pelo Sindicato Estadual dos Guias de

Turismo do Ceará. A denúncia fundamenta-se no suposto reforço que o anúncio faz ao

turismo sexual no Brasil. O documento enviado ao CONAR afirma: “não precisamos de um

apelo desse tipo para mostrar que só podemos chamar a atenção quando se mostra uma

mulher brasileira em trajes ousados”.

A defesa baseou-se diretamente no que está disposto no Código de

Autorregulamentação, assegurando que o material publicitário tem “caráter respeitador,

verdadeiro e adequado às normas vigentes”. Anunciante e agência ainda afirmam que a súbita

mudança de ideia da protagonista revela muito mais “a fragilidade emocional dela própria do

que qualquer outro valor a deturpar a imagem da mulher brasileira”. Para o relator do caso

não há no filme qualquer conteúdo desabonador à reputação das brasileiras. Seu voto de

arquivamento foi aceito por unanimidade e não houve recurso.

Em nossa análise, pautada num âmbito mais pragmático, revelamos alguns elementos

que, dentro de um contexto específico de informação, podem ter contribuído para tal

interpretação. Falamos especificamente das motivações que, segundo o anúncio, podem trazer

um estrangeiro ao Brasil - neste caso, representadas pela beleza natural do país, a alegria

contagiante de seu povo, o samba, a grande variedade de sandálias do anunciante e, por fim, a

sensualidade da mulher brasileira. Sendo que, esta última, não se configura por nenhum

elemento verbal, apenas pela imagem ilustrativa no almanaque de viagem.

Notamos aqui, que todo um histórico discursivo relativo ao turismo no Brasil é

evocado e dirige os sentidos alternativos motivadores das denúncias. Mais uma vez,

percebemos uma manifestação do empoderamento da correção política, que não só dá

margem a novas interpretações, como as compreende como disseminadoras de valores a

serem definitivamente abolidos.

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4. ANÁLISE DA PEÇA “QUEM USA TIGRE É AUTORIDADE NO

ASSUNTO”

O filme ambienta-se num apartamento em fase final de construção e acabamento.

Desde o primeiro momento, já aparecem os protagonistas: uma mulher e um homem, que a

acompanha carregando uma pasta. No primeiro segundo do anúncio, já fica evidente a

gagueira da personagem feminina.

O diálogo é estabelecido através das indagações corriqueiras que a mulher dirige ao

seu companheiro de cena. São perguntas comuns para aquisição de um imóvel, clichês de

compradores de primeira viagem. Enquanto a mulher aparenta insegurança e dúvidas, o

corretor mostra dedicação e conhecimento, simbolizado pela pasta que carrega durante todo

anúncio como uma verdadeira credencial. “E bate sol da manhã?”, com acentuada cacofonia.

O vendedor responde ironicamente: “Claro que bate!”, enquanto ela continua examinando o

imóvel. “Vai ter armários?”, porém sua frase não chega a ser completada. Ela acentua ainda

mais sua gagueira e seu companheiro de cena, demonstrando irritação, completa suas

palavras, respondendo: “Armários?! Embutidos?! Nos quartos!”

A compradora assume, ainda gaguejando demasiadamente, que esta será a primeira

vez que comprará um imóvel, expondo toda sua fragilidade. Esse é o ponto de virada do

anúncio, pois ela pergunta algo verdadeiramente relevante no contexto e não previamente

estabelecido por clichês. Inesperadamente, ela para de gaguejar: “Olha,” é empregado como

figura de advertência e ameaça – dedo levantado em riste apontando para seu interlocutor,

Quadro 11: Anúncio "Quem usa Tigre é autoridade no assunto".

Cena 1

Imagens disponíveis na internet.

Ambientação: Casa ainda sem acabamento.

Atriz: “E ba-ba-bate sol-sol da ma-manhã?”

Ator: “Claro, bate.”

Atriz: “Vai vai ter ar a ar ar ma má”

Ator: “Armários! Embutidos! Nos quartos.”

Atriz: “No o os as!”

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inquirindo-lhe sinceridade e rompendo, assim, o contrato até então estabelecido com ele:

“Usaram tubos e conexões Tigre nessa obra?”.

Ao ser proferida por uma mulher, apresentada como insegura e vulnerável mas que se

mostra, depois, conhecedora de detalhes de construção, a inquisição transfere a fragilidade da

personagem ao seu companheiro de cena, que, surpreso, passa a gaguejar também. Ele, antes

impaciente, mesclando deboche e ironia, é agora ameaçado e não só se apoia na parede por

parecer faltar-lhe o equilíbrio, como também coloca a pasta à sua frente, de maneira a tentar

se defender de algo. Agora, é a mulher quem o recrimina e, ameaçadoramente, lhe ordena

para não gaguejar: “Não gagueja!”.

Logo, subentende-se que a gagueira presente em todo o filme, seja por parte da

compradora de primeira viagem, seja pelo corretor, é puramente o reflexo de algum tipo de

insegurança e dúvida, e não de um distúrbio propriamente dito. A insegurança, retratada de

forma cômica no vídeo, é proveniente da falta de conhecimento técnico sobre determinado

assunto, no caso as especificidades de uma construção.

Quadro 12: Anúncio "Quem usa Tigre é autoridade no assunto".

Cena 2

Imagens disponíveis na internet.

Ambientação: Casa ainda sem acabamento.

Atriz: “Olha é mi minha pri primeira ca casa. Usaram tubos e

conexões tigre nessa obra?”

Ator: “As as so so sabe que ih”

Atriz: “Não gagueja!”

Imagens disponíveis na internet.

Ambientação: Casa ainda sem acabamento. Distintivo com a

marca do Anunciante.

Quadro 13: Anúncio "Quem usa Tigre é autoridade no assunto".

Locução: “Quem usa Tigre é autoridade no assunto. Antes de

comprar seu imóvel pergunte se tem Tigre. Sucesso em mais

de quarenta países!”

Cena 3

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A cena é irrompida por uma mão, segurando um distintivo com a logomarca da

anunciante, caracterizando uma situação exagerada e fantasiosa, mas que valoriza quem

detém conhecimento suficiente para perguntar sobre tubos e conexões. A apresentação do

distintivo é acompanhada pela locução: “Quem usa Tigre é autoridade no assunto”, e ainda

recomenda que, antes de comprar qualquer imóvel, deve haver a certificação de que nele

foram usados materiais fabricados pelo anunciante, dando assim a possibilidade ao

interlocutor de ser, também, uma espécie de autoridade no assunto.

4.1 Observações

As reclamações recebidas pelo CONAR, reunidas por representação enviada pela

Associação Brasileira de Gagueira (Abragagueira), consideraram que o anúncio desrespeita os

portadores de deficiências da fala por reforçar um estereótipo negativo de insegurança e

nervosismo extremados. O processo transcorreu em duas instâncias: na primeira, o Conselho

deliberou pelo arquivamento por julgar que no material há apenas uma situação bem

humorada, em nada desrespeitando os gagos.

A decisão foi contestada pelo denunciante, que recorreu baseando-se nos mesmos

argumentos. O novo relator do processo argumentou não ter observado deficiências éticas no

material. “Pessoas portadoras de limitações, deficiências, inabilidades ou até mesmo

inadequações de todos os tipos são uma verdade, uma realidade próxima de todos nós. Quanto

mais entendemos e tratemos com leveza e naturalidade na propaganda, principalmente na vida

real, menores serão o preconceito e a discriminação em relação a estas pessoas, porque as

incluiremos naturalmente”. Seu voto foi aceito por unanimidade e o processo finalmente

arquivado.

É evidente a relação da gagueira com a insegurança pessoal dos personagens, que se

alternam nesse papel. Entretanto, percebemos que essa associação se fundamenta na oscilação

natural da fala humana em situações de alto estresse. Não são personagens gagos, mas sim

vacilantes, e isso fica claro no anúncio. Entretanto, esse discurso mexe diretamente com um

estereótipo consolidado e relativo aos portadores da gagueira: o de serem pessoas inseguras,

ansiosas e nervosas, de um modo geral e exagerado. A correção política ganha corpo

aqui ao impor censura a conteúdos que retratam, mesmo que humoristicamente, estereótipos.

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5. ANÁLISE DA PEÇA “VIVO – AQUI TEM TUDO”

O quarto anúncio de nosso corpus se inicia com uma pergunta feita por uma locução:

“Por que aqui vai ser o melhor mundial da história?”. Durante esse breve momento, ao som de

uma música inspiradora, temos duas cenas. Na primeira, observamos pelo alto, uma grande

cidade de arranha-céus. Ao centro, temos um homem caminhando pela laje de um destes

edifícios, como se contemplasse a paisagem. A segunda cena se concentra nos

dribles, que as pernas de um garoto faz com uma bola de futebol. Neste momento,

entendemos de qual mundial a locução fala.

Temos o emprego da palavra “melhor” como adjetivo hiperbólico, transmitindo uma

ideia aumentada do campeonato mundial, que na época ainda não acontecera. O reforço do

adjetivo se dá com base na imagem dos dribles belíssimos que a criança executa com sua

bola, mesmo que num humilde e amador campo de terra batida. A narrativa caminha com uma

alternância de cenas que transcorrem junto com a locução, que tem a função de atribuir-lhes

sentido. Na sequência, temos a imagem de jogadores de futebol, já profissionais (uniformes e

estádio de futebol), indicando o percurso natural a ser transposto por aquele menino. A cena

volta ao alto do prédio, onde aquele homem contemplava o horizonte. Na locução, temos a

explicação desta cena: “Talvez porque só aqui tem o rei.” e, neste momento, a identidade do

homem contemplando a vista do alto do prédio é revelada. Trata-se do ex-jogador de futebol

“Pelé”. Ele figura como representante máximo de todos os meninos, que, tal como ele, se

iniciaram em campos amadores, passaram por diversos times e, agora, se preparam para o

“melhor mundial”.

Quadro 14: Anúncio "Vivo - Tem tudo Aqui".

Cena 1

Ambientação: Cidade vista do alto.

Locução: “Por que aqui vai ser o melhor mundial da história?

Imagens disponíveis na internet.

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Temos uma construção interessante neste momento da locução. A oração define-se

como uma suposição, explicitada pelo emprego do advérbio “talvez”. Entretanto, “só” e “o

rei” conferem contornos afirmativos, uma vez que são pronunciados enfaticamente ao mesmo

tempo em que o rosto de Pelé é focalizado. Ele personifica a experiência e a história do

futebol brasileiro, que automaticamente passa a ser entendido como o melhor futebol do

mundo.

Numa mudança repentina de cenário, vemos uma bela mulher estender a icônica

camisa dez da seleção brasileira, com o nome de Pelé, na sacada de um cortiço repleto de

varais. Do outro lado, sua vizinha observa e gesticula nervosa, reprovando a atitude da

primeira mulher. A vizinha apoia-se na bandeira da Itália, que figura como elemento de

expressão do seu patriotismo e que nos ajuda a compreender, que agora a cena se passa em

alguma periferia na Itália. Mais uma vez, a locução completa o sentido: “A única

unanimidade do futebol no mundo”, e a mesma construção que objetiva conferir reforço ao

proferido, é desenvolvida. Falamos especificamente do pleonasmo “única unanimidade”,

empregado estilisticamente.

Quadro 15: Anúncio "Vivo - Tem tudo Aqui".

Cena 2

Ambientação: Cidade vista do alto.

Locução: “Talvez porque só aqui tem o rei!"

Imagens disponíveis na internet.

Imagens disponíveis na internet.

Quadro 16: Anúncio "Vivo - Tem tudo Aqui".

Cena 3

Ambientação: cortiço europeu.

Locução: “A única unanimidade do futebol no mundo!"

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A nova cena retrata uma quantidade imensa de bolas de futebol, se dirigindo

magicamente a um gol, que fica lotado delas. Tais elementos são surreais e, assim, a

linguagem hiperbólica do anúncio se consuma. Sobretudo, com a continuação da locução:

“Aqui tem os melhores artilheiros de todos os campeonatos”. Em seguida, um jogador de

futebol, vestindo a mesma camisa dez da seleção brasileira, observa num pôster afixado num

vestiário a imagem lendária de Pelé comemorando um gol, inspirando-se então em sua

trajetória. Ele caminha para o campo, que se coloca acima do plano da câmera, como se fosse

um Olimpo, e a locução continua articulando-se com base em exageros, com função de realce:

“E a camisa mais pesada do mundial!” credita demasiada responsabilidade e significado ao

objeto.

Temos uma mudança na trilha sonora, que remete agora a um tom lúdico, o qual se

sobrepõe ao emocional: “Só aqui tem tantas taças, que uma foi derretida. Mas, hoje pode estar

aí, no grito de alguém na torcida” – imagem de um torcedor com dente de ouro comemorando

um gol. “Aqui, a vaca é sagrada. Ela vira churrasco, chuteira, bola, drible...”.

Quadro 17: Anúncio "Vivo - Tem tudo Aqui".

Cena 4

Ambientação: jogo de futebol.

Locução: “E a camisa mais pesada do mundial"

Imagens disponíveis na internet.

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O anúncio volta ao campinho de terra das crianças e a locução continua: “Aqui o pato

é sagrado. E o ganso? O ganso também!” é proferido em tom faceto, e vemos crianças

jogando futebol com esses dois animais, uma situação extremamente cômica e que se

relaciona diretamente com outros jogadores de futebol, com o mesmo nome destes animais. A

cena muda novamente e temos um pai observando, pela janela de uma maternidade, o seu

filho recém-nascido, que se destaca no meio de centenas de outros bebês por estar com a

mesma camisa amarela. “Aqui nasce um craque todo dia. E pelo menos milhares de

torcedores fanáticos!”. Temos, na imagem, pessoas torcendo histericamente. A sequência

volta-se para alguns amigos jogando futebol, a uma torcedora jovem comemorando ao celular,

a uma passeata de torcedores caminhando pelas ruas fazendo algazarra, enfim, a diversos

elencos exibidos na mesma situação exagerada de comemoração.

Imagens disponíveis na internet.

Quadro 18: Anúncio "Vivo - Tem tudo Aqui".

Cena 5

Ambientação: jogo de futebol.

Locução: “Só aqui tem tantas taças, que uma foi derretida.

Mas hoje pode tá aí, no grito de algém na torcida"

Quadro 19: Anúncio "Vivo - Tem tudo Aqui".

Cena 6

Ambientação: açougue.

Locução: “Aqui a vaca é sagrada. Ela vira churrasco, chuteira,

bola, drible!"

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Por fim, a locução afirma em tom mais circunspecto: “Aqui tem tudo pra gente fazer o

melhor mundial – bem aqui”. Vemos a imagem de um aparelho de celular, onde podemos ler

em sua tela “Tem tudo aqui”. Assim, a narrativa reforça a ideia central do conteúdo: de que

temos tudo o que é necessário para o melhor mundial de futebol de todos os tempos. Isso

porque nos comunicamos e porque o fazemos por intermédio do anunciante (que não expressa

nenhum de seus produtos ou serviços).

5.1 Observações

A motivação das reclamações concentrou-se em dois momentos do anúncio: primeiro,

os denunciantes julgaram desrespeitosa a forma com que o filme aborda o destino das vacas

no Brasil (churrasco, chuteira, bola e drible). Uma vez que desconsideraria os vegetarianos ou

algum grupo protetor dos animais, empregando inclusive a palavra “sagrada” para qualificar o

animal. Foi entendido, também, que o anúncio satiriza o roubo da taça Jules Rimet, ocorrido

no Rio de Janeiro na década de 1980. Em sua defesa, anunciante e agência negam tais

interpretações. A autora do voto vencedor concordou com esse ponto de vista, propondo o

arquivamento, o que foi aceito pela maioria. “Todas as queixas são marcadas por um alto grau

Quadro 20: Anúncio "Vivo - Tem tudo Aqui".

Cena 7

Ambientação: passeata de torcedores.

Locução: “Aqui tem tudo pra gente fazer o melhor mundial..."

Imagens disponíveis na internet.

Cena 8

Ambientação: aparelho celular.

Locução: “Bem aqui!"

Imagens disponíveis na internet.

Quadro 21: Anúncio "Vivo - Tem tudo Aqui".

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de subjetividade, além de se posicionarem contra o filme em razão de algo que ele

efetivamente não menciona, nem remotamente”.

Notamos que na fala dos denunciantes, sobrepõe-se um autoritarismo que

desconsidera o contexto onde se deu a comunicação. Ou seja, dentro de um conteúdo

caracterizado por seu discurso lúdico e por sua “licença poética”. Como vimos anteriormente,

na publicidade contemporânea opera-se muito mais pelo simbólico e pelo emocional.

Ademais, a produção de couro e de carne de origem bovina configuram-se, inclusive, como

atividades comuns e altamente lucrativas em nosso país.

Podemos, entretanto, questionar a forma com que o roubo da taça Jules Rimet, fato

ocorrido no Brasil, é abordado. Mas, para além dessa questão, devemos sempre considerar o

contexto da comunicação. Portanto, notamos que, neste caso, a vigilância dos consumidores

objetivou, de fato, a censura prévia de alguns temas, que nem são relativos, por exemplo, à

representação identitária de grupos sociais ou a elementos culturais já cristalizados. No

anúncio, notamos inclusive, que alguns elementos dessa natureza são, na verdade, exortados

pelo anunciante. Podemos entender que essa interpretação autoritária dirige-se, portanto, a

elementos discursivos contemporâneos ao conteúdo do anúncio – a preparação do Brasil para

a Copa do Mundo, realizada em 2014, e não especificamente às formas com que eles foram

narrativizados

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6. ANÁLISE DA PEÇA “H2OH! LIMONETO – TÔ SAPECANDO”

O filme se ambienta em uma cozinha e, em seu primeiro enquadramento, temos a

imagem da mão de um homem, usando uma aliança e cortando vegetais. Na sequência, sua

esposa chega e o cumprimenta com um beijo, sem muito entusiasmo. Ela avisa reticente que

tem duas notícias para dar: uma boa e uma má, virando-se de costas. Ele balança a cabeça e,

sem dar muita atenção ao que a esposa diz, continua cortando os vegetais sem nenhum tipo de

contato visual. Ele pede para que ela conte primeiramente a má noticia.

Nesse momento, ela se vira para o rapaz tentando estabelecer contato visual e diz em

tom intimidador: “Sabe aquela mulher do seu trabalho, que você vive ciscando, dando em

cima?!” se sobressai ao tom amigável anterior. Pela primeira vez, vemos os olhos do

protagonista masculino, que se mostra preocupado com a situação, na qual provavelmente

será buscado algum tipo de envolvimento sexual com uma colega de trabalho, fora do âmbito

matrimonial. Ele franze o cenho e se limita a um “Hum?!” para que, assim, sua mulher dê

continuidade à fala, que possivelmente resultaria numa discussão um tanto quanto comum.

Quadro 22: Anúncio "H2OH! Limoneto - Tô sapecando".

Cena 1

Imagens disponíveis na internet.

Ambientação: Cozinha pouco iluminada. Rapaz preparando o

Jantar.

Atriz: “Oi.”

Ator: “E aí?”

Atriz: “Carlos, tenho uma boa e uma má notícia pra te dar.”

Ator: “Qual que é a má?”

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Tomamos conhecimento, então, da má notícia. A personagem feminina diz, com ar de

superioridade, surpreendendo o interlocutor do anúncio e também seu marido: “tô

sapecando!”, em tom provocador. Estarrecido, ele se vira e, pela primeira vez, os

protagonistas ficam frente a frente. Ele pergunta: “Como assim, tô sapecando?!”, realçando

um tom de dúvida acerca do que ela disse. Antes que essa nova chance de desentendimento se

estendesse, ela muda o tom abruptamente e, sorrindo, informa profissionalmente: “Mas tem a

boa notícia! Chegou o novo H2OH! Limoneto! Muito refrescante, olha!”. Ela lhe mostra a

garrafa do produto, que aparece totalmente iluminada. Seu marido, ainda aturdido, é

convidado pela mulher sorridente a experimentar o refrigerante: “Experimenta!”. Enquanto

ele prova a bebida, entra como trilha uma música envolvente, sensual e relaxante, que junto

com o efeito luminoso sobre a garrafa, confere alguma capacidade extraordinária ao produto.

Quadro 23: Anúncio "H2OH! Limoneto - Tô sapecando".

Cena 2

Ator: “Como assim tô sapecando?!”

Imagens disponíveis na internet.

Ambientação: Cozinha pouco iluminada. Rapaz preparando o

Jantar.

Atriz: “Então, sabe aquela mulher do seu trabalho que você

vive ciscando, dando em cima?!”

Ator: “Hum?”

Atriz: “Tô sapecando!”

Quadro 24: Anúncio "H2OH! Limoneto - Tô sapecando".

Imagens disponíveis na internet.

Cena 3

Ambientação: Cozinha pouco iluminada. Rapaz preparando o

Jantar.

Atriz: “Mas tem a boa notícia! Chegou o novo H2OH!

Limoneto! Muito refrescante, ó! Experimenta!”

Cena do ator degustando o produto. Entra trilha sonora

envolvente. Iluminação especial no produto.

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111

A expressão facial do rapaz muda para calma e satisfação. Sorrindo, ele volta

tranquilamente ao preparo de seus vegetais, como se nada tivesse acontecido. Sua esposa

aprova sua atitude, assentindo com a cabeça e sorri, igualmente satisfeita. Podemos entender,

que ela ficou satisfeita por motivos realmente diferentes: ou por ter declarado que estava

saindo com outra mulher (a mesma que desperta a atenção do seu marido) e deduzimos isso

pelo significado conotativo de “sapecando” – gíria que designa um tipo de relacionamento

sem muito compromisso- ou ainda, por ter, com essa situação, conseguido a confirmação de

que seu marido realmente tem alguém em mente no seu trabalho, dado o inusitado da

situação.

Em seguida, ela também bebe o refrigerante. Aparentemente absorta em seus

pensamentos, e exclama vitoriosa: “Delícia!”. A imagem se fecha na garrafa do produto para

fixar a assinatura do anúncio. Pela primeira vez, temos uma locução, que é masculina e

extremamente amigável: “Não esquenta... H2OH! Limoneto! Absurdamente refrescante!”

fecha o conteúdo e transmite uma mensagem clara de descontração e irreverência.

Quadros 25: Anúncio "H2OH! Limoneto - Tô sapecando".

Cena 4

Ambientação: Cozinha pouco iluminada. Rapaz preparando o

Jantar.

Ator: “Refrescante mesmo!”

Imagens disponíveis na internet.

Atriz: “Não te disse? Delícia!”

Locução: “Não esquenta! H2OH! Limoneto, absurdamente

refrescante!”

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112

6.1 Observações

Temos nesse caso um processo motivado por reclamações de diferentes grupos sociais,

que recorreram ao CONAR por julgar o anúncio sexualmente apelativo e por entender ainda,

que o material estimula a homossexualidade e a traição conjugal. Anunciante e sua agência

discordam desses pontos de vista, afirmando que o anúncio não dá curso a tais acusações.

Informaram ao Conselho, também, que a veiculação do material foi feita sempre após as 21

horas. Relator e demais membros do Conselho concordaram com o ponto de vista da defesa e

votaram pelo arquivamento do processo.

Concentremo-nos na queixa relativa ao “incentivo do homossexualismo e da traição

conjugal”, identificado pelos reclamantes. No anúncio, não temos nenhum elemento concreto

e relacionado com a temática homossexual. Observamos, porém, o emprego do neologismo

“sapecando” para definir o tipo de relação, que supostamente a protagonista teria com outra

mulher. Entretanto, essa é uma leitura não oficial, uma vez falarmos de uma gíria com

significação ambígua. “Sapecar” pode assumir um significado completamente distinto – ela

pode estar apenas tentando obter de seu marido uma confissão, dado o caráter inesperado da

declaração, na qual ela afirma, seguramente, estar ciente dos segredos dele. Além dessa

ambiguidade na fala da esposa, que pode creditar a traição ao marido ou a si própria, não

temos nenhum elemento concreto a conotar traição conjugal.

Portanto, temos no anúncio uma situação que, isolada, não pode ser definida. A última

palavra fica, certamente, com o interlocutor, que deve direcionar o sentido de acordo com seu

próprio repertório, atribuindo o significado que mais lhe satisfazer. Talvez, seja justamente

esse espaço oferecido, num contexto delicado, que tenha suscitado as representações feitas

junto ao CONAR.

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113

7. Dos discursos

Primeiramente, identificamos que em nenhum dos casos analisados houve

inobservância do disposto no Código, com especial atenção à sessão Respeitabilidade. Além

disso, observamos que alguns materiais foram alvo de reclamações individuais, enquanto

outros tiveram essas queixas reunidas e representadas por entidades terceiras: Sindicato

Estadual dos Guias de Turismo do Ceará e Associação Brasileira de Gagueira (Abragagueira).

A grande maioria das decisões de arquivamento foi acatada pelos denunciantes, com exceção

do caso representado pela Abragagueira, que recorreu da decisão inicial.

Chamou-nos atenção também, os votos dos relatores de cada caso. São manifestações

pessoais, que não falam exatamente da mesma coisa. Mas que, com certeza, se relacionam a

um todo maior. E isso fica evidente quando justificam, usualmente, suas deliberações com

base no humor sugerido pelo anúncio em questão. Especificamente no caso referente à

empresa Tigre, observamos a proposta de um posicionamento corporativo do CONAR sobre a

questão da representação de “pessoas portadoras de limitações, deficiências, inabilidades ou

até mesmo inadequações de todos os tipos”. A argumentação apoia a representação “leve e

natural” desses personagens reais na publicidade, pois haveria, assim, uma “inclusão natural”

que contribuiria com a diminuição da “exclusão” e do “preconceito”. Entretanto, não

observamos tais reivindicações no na fala da associação que representa os gagos. O que eles

desejam, de fato, é o fim do emprego de estereótipos negativos e que não são verdadeiros,

uma vez que a gagueira é uma limitação física da fala e que não tem, necessariamente, relação

com o estado emocional do indivíduo.

No caso da empresa Vivo, é curiosa a manifestação expressa de desacordo com a

denúncia. O relator afirma que as reclamações se caracterizam por um “alto grau de

subjetividade” e, ainda, que se baseiam em elementos sobre os quais o anúncio “efetivamente

não menciona, nem remotamente”.

De acordo com os números analisados no capítulo três, onde identificamos um grande

aumento no número de casos julgados nos últimos anos (sendo acompanhado por uma forte

tendência de decisões de arquivamento), traçamos um paralelo com a fala do CONAR,

personificada aqui pelos relatores de cada caso julgado. E, assim, identificamos um

posicionamento claro do órgão em favor da total liberdade criativa, respeitando-se tudo aquilo

que já é prática comum.

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114

As incursões do politicamente correto, nessa análise, podem ser observadas pelo

empoderamento que tal discurso confere aos indivíduos entendidos como minorias. Atribui o

poder de incentivo às representações negativas, desconsiderando o contexto da comunicação

publicitária, na qual se dão, especificamente, tais situações. Ademais, propõe a suspensão

imediata dos conteúdos, indo de acordo com as propostas restritivas da correção política.

Foram evocados conceitos entendidos como reprováveis, tais como: insubordinação; conduta

profissional antiética; traição conjugal; qualidades genéricas designadas pejorativamente às

mulheres; incentivo ao homossexualismo; incentivo ao turismo sexual no Brasil; reforço de

estereótipos pejorativos e desqualificantes às pessoas com deficiências de qualquer tipo; assim

como, comportamento desrespeitoso para com diferenças religiosas e culturais. Isso sem falar

dos vegetarianos, que buscam alguma legitimidade.

Com base nessas observações, acreditamos ter elementos suficientes para, finalmente,

concluir nosso trabalho. Atingindo nossos objetivos de pesquisa sem restringir nosso objeto

(uma construção sociocultural, histórica e discursiva) a abordagens que desconsiderariam as

sutilezas de articulação operadas pela publicidade entre o material e o imaterial.

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115

CONCLUSÃO

Essa pesquisa, assim como tantas outras, é o resultado de muita observação, intuição e

também de certa criatividade. Sim, porque com o problema identificado, devemos ter a

capacidade de vislumbrar meios de resolvê-lo. Sistematizando-o em perguntas, articulando

hipóteses, traçando objetivos e, não menos importante, adotando um referencial teórico-

metodológico que nos sustente durante este trajeto. Falamos das percepções iniciais que

motivaram essa pesquisa e que deveriam ser devidamente verificadas, de modo a permitir

outros estudos e análises. Vislumbramos um fenômeno social que se refletia na comunicação

publicitária, mesmo que por vezes de forma não desejável pelos anunciantes. Falamos da

questão das representações sociais e dos estereótipos ou coerções que atribuem significados

aos indivíduos. A comunicação de alguns elementos desse tipo parece ter, mais do que nunca,

o poder de despertar reações negativas e indesejáveis por diferentes grupos componentes do

meio social.

Nosso principal objetivo foi o de validar hipóteses formuladas sobre um objeto, que é

construído socialmente. Para isso, transpomos um caminho teórico buscando delimitar nosso

“texto em contexto” para, em seguida, analisá-lo discursivamente. Nossa opção teórico-

metodológica se deu graças a sua sinergia com nosso objeto e problema de pesquisa: falamos

justamente de construções sociais e de discursos. Buscamos assim, revelar elementos

geradores de sentido, articulando-se em cada material, de modo a consolidar interpretações

opostas. Falamos de aspectos como intencionalidade, argumentatividade, referências e

associações, empregados de maneira persuasiva e por vezes sedutora, em contexto

mercadológico.

Nossa primeira conclusão é a de que vivemos num momento de atualização dos

paradigmas, e que as novas propostas ainda não estão suficientemente (de)limitadas. Trata-se

de um contexto em constante atualização, onde minorias buscam ressignificações, ao mesmo

tempo em que tentam reforçar suas alteridades. Nesse cenário, o indivíduo passa a ter mais

liberdade para assumir diferentes papéis em processos de identificação, que passam a não ser

mais automáticos. Os tradicionais esquemas ou relatos dão lugar a novas narrativas,

fundamentais à restauração do sentimento de pertencimento de outrora.

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116

Tendo como objetivo principal de vida o consumo, e estimulado a se ressignificar

continuamente, percebemos que o sujeito contemporâneo passa a se identificar pelo o que é

mostrado, ou seja, pelo lado externo. Disso resultam o individualismo e o hedonismo,

característicos desse indivíduo que busca, ainda, se diferenciar das massas e experimentar

algum sentido de pertencimento. É a cultura, materializada em bens de consumo, quem

fornece os subsídios necessários para que esse indivíduo atinja tal objetivo. Assim, o direito à

diferença articula-se como uma das máximas em nosso tempo.

Discorremos também sobre a descontinuidade e a descentralização do sujeito e de sua

identidade, como um resultado natural dos processos de profundas transformações

experimentadas pelos indivíduos no contemporâneo. Sem a coesão conferida por uma cultura

ou identidade, antes unificadoras, emergem e se apresentam agora como alternativas diversas

identidades ao sujeito em sua busca por pertencimento. É o contato com a diferença quem

fornece, portanto, os subsídios necessários para a experiência da descontinuidade.

Neste ponto, fomos levados a deduzir que novos discursos estão sendo construídos e

articulados socialmente, buscando conferir algum tipo de sentido à nova condição individual e

coletiva. Observamos que o “politicamente correto” aglutina diversas potencialidades nesse

sentido, uma vez que força as instituições sociais a seguirem lógicas mercadológicas ao

fomentar a hegemonia de minorias; o que altera profundamente a significação coletiva ou

grupal. A tônica gira em torno de um forte senso de moral, apoiando-se ao mesmo tempo em

elementos culturais e discursivos.

Sentimos, então, a necessidade de dedicar atenção ao “texto” propriamente dito.

Assim, primeiro nos concentramos na ética publicitária e nas representações sociais.

Concluímos que o sentido ético relaciona-se com um todo exterior: é impossível pensar e falar

sobre ética desvinculando este sentido de uma realidade externa, de um contexto social onde

ele se insere. Portanto, a ética é um procedimento filosófico, que resulta na moral - esfera de

ação com o objetivo de regular as relações sociais. No discurso publicitário, caracterizado

pela persuasão, são evocados inúmeros outros discursos objetivando o convencimento,

sobretudo através da sedução. Assim, concordamos com Lipovetsky ao falarmos de uma ética

que se tornou mais pragmática (menos idealista e que não se constitui como dever absoluto ou

pessoalmente desinteressado). Em seguida, abordamos nosso “texto” enquanto discurso. Para

isso, percorremos um novo trajeto teórico, de modo a compreender a produção social dos

sentidos, em concordância com nossos objetivos: permitindo a verificação dos modos que o

politicamente correto vem sendo incorporado ao gênero publicitário; seja no momento da

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articulação de seu discurso, ou em seu processo de consumo, como base para (de)limitação de

sentidos.

Observamos que uma análise do discurso publicitário perpassa a linguagem verbal e

outras semióticas com que se constroem os textos. Entendemos, ainda, que tais elementos são

constituintes dos discursos e, ao mesmo tempo, são constituídos pelos contextos onde foram

articulados. Portanto, a produção social dos sentidos se dá com base na apropriação e

interpretação de cada indivíduo com base em suas experiências individuais e sociais. Se o

discurso é promovido pela intencionalidade, é através da linguagem que a ideologia se

materializa, e observamos que é a linguagem quem faz a mediação desse sujeito com sua

realidade. Recordamos aqui que “um discurso é, portanto, uma configuração espaço-temporal

do sentido” (BRAGA, 2012, p. 261).

Baseados em um extenso referencial teórico-metodológico, elegemos alguns

elementos de análise que direcionaram nossos estudos. Falamos dos elementos semânticos e

sintáticos do discurso, compreendemos a enunciação e, também, os elementos resultantes da

relação entre enunciador e enunciatário. Na sequência, compreendemos que toda operação

discursiva abarca dimensões pragmáticas, uma vez que exigem muito mais a reflexão sobre o

contexto, do que uma simples interpretação. Entendemos, assim, que os fenômenos sociais se

configuram como legítimos processos de produção de sentido e que temos nas condições de

produção e de reconhecimento o local preciso onde se dão processos de circulação de

quaisquer discursos. Tais considerações nos levaram de volta à figura do sujeito, e na

perspectiva discursiva adotada, entende-se que esse sujeito é, por definição, ideológico.

Justamente por entendê-lo como produtor de interpretações empregadas em condições

específicas, apagadas naturalmente pelo ato discursivo. O sentido é ainda submisso à

interpretação deste sujeito, que o emprega a partir de seu próprio universo significante.

Nosso objetivo principal corresponde à articulação entre os discursos publicitário e o

politicamente correto. Assim, completamos nosso arcabouço dissertando sobre referências

acerca dos dois tipos de discursos. Trouxemos, ainda, a fala do CONAR, como mediador que

se coloca entre os interactuantes dos casos analisados. Elegemos o órgão por ser ele o

responsável por fiscalizar, julgar e deliberar no que diz respeito ao cumprimento do disposto

no Código de Autorregulamentação Publicitária no Brasil. Ademais, justificamos a definição

de nosso corpus com base na relevância e papel do CONAR, no contexto onde se dá a

comunicação publicitária.

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A partir das categorias de análise definidas no capítulo três, chegamos ao número de

duzentos e um (201) conteúdos julgados pelo Conselho de ética do órgão, por terem,

supostamente, infringido o disposto pela sessão de Respeitabilidade do Código. Destes,

observamos que cento e quarenta e um (141) foram arquivados, por terem sido considerados

improcedentes, indicando assim uma tendência importante.

Reiteramos que, em nenhum dos casos analisados houve, de fato, atitude desrespeitosa

ao disposto no Código. Observamos ainda, que alguns materiais foram alvo de reclamações

individuais, enquanto outros tiveram suas queixas agrupadas e devidamente representadas.

Chamou nossa atenção também a fala dos relatores de cada caso. Consideramos essas

manifestações pessoais como correlatas e identificamos isso também por meio do número

crescente de deliberações a favor do arquivamento dos casos. Fica claro o posicionamento do

órgão, que se manifesta favoravelmente à liberdade criativa da publicidade.

Em nossa análise, identificamos que o pensar “politicamente correto” adquiriu corpo

através, por exemplo, do empoderamento que esse discurso oferece às “minorias”. Ainda,

quando atribui às representações articuladas pelos conteúdos o poder de incentivar

comportamentos deturpados, desconsiderando totalmente o contexto de onde se deu a

comunicação publicitária. Resgatemos aqui os conceitos considerados reprováveis,

identificados nas interpretações dos denunciantes: insubordinação; conduta profissional

antiética; traição conjugal; qualidades genéricas designadas pejorativamente às mulheres;

incentivo ao homossexualismo; incentivo ao turismo sexual no Brasil; reforço de estereótipos

pejorativos e desqualificantes de pessoas com deficiências diversas; e comportamento

desrespeitoso para com diferenças religiosas e culturais.

Em nossa primeira peça analisada, o processo foi motivado por consumidores

entenderem que o anúncio incentivava comportamentos considerados “reprováveis e

antiéticos”. Seu arquivamento foi motivado pelo caráter “criativo e bem humorado”,

identificado no conteúdo. Nesse momento do trabalho, com esse caso, podemos notar que o

humor submeteu-se ao policiamento e ao controle do comportamento individual exercidos

socialmente. Em seguida, nos deparamos com o caso do anúncio reforçador do estigma de

turismo sexual no Brasil. Aqui ficou claro que a interpretação negativa deu-se muito mais em

razão do contexto desse enunciatário, do que pelo conteúdo em si. O mesmo fator se mostrou

presente no caso relativo aos gagos, que se sentiram incomodados ao verem o emprego de um

estereótipo negativo a respeito deles.

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119

Dando sequência em nossa série de análises, pudemos perceber indícios de que,

realmente, as interpretações negativas tinham mais relação com um alto grau de subjetividade,

o que caracterizava o contexto dos denunciantes; por vezes, devidamente representados. Isso

ficou nítido com a análise referente ao nosso quarto anúncio, onde até mesmo o ato de se

comer carne bovina resultou em reclamação. No último caso analisado, conseguimos

identificar concretamente uma articulação ambígua, que acreditamos representar

figurativamente o que motivou as denúncias. Assim, tivemos a revelação do poder de

subjetividade da mensagem: que no interior de um universo discursivo pode significar coisas

totalmente distintas. Isso pode ser observado nos dois gêneros onde se concentraram as

reclamações, que motivaram esse último caso analisado: o estímulo à traição matrimonial, no

caso heterossexual; ou o incentivo à homossexualidade. Naturalmente, se tratam de situações

antônimas.

Com base em tudo que foi concluído, ou seja, através desse percurso transposto

cientificamente, podemos agora completar que o “politicamente correto” permeia muito mais

a interpretação do que os conteúdos. Observamos como ocorre o empoderamento dos

indivíduos na busca por representações condignas e percebemos, ainda, que essa exigência

vem aumentando continuamente.

Acreditamos, também, que o “politicamente correto” aglutina diversas potencialidades

positivas, sobretudo quando opera a ressignificação de estereótipos, hábitos, condutas ou

modelos de pensamento. E isso se dá, por vezes, através de contrassituações, ou seja, com

situações que se apresentam contrariamente ao senso comum. E isso nada tem a ver com

ações restritivas, que impeçam a comunicação de determinados elementos. Na verdade,

chegamos a um fio muito tênue que (de)limita o dito “politicamente correto” em oposição ao

que seria, de fato, “politicamente incorreto”.

Por outro lado, a proposta da dita neutralidade da língua, consonante com a proposta

mais ortodoxa da correção política, apresenta-se como novo obstáculo à criatividade do

publicitário. Mesmo comprovadamente ineficiente, uma vez que é impossível falarmos em

neutralidade ideológica do discurso, ela vem se manifestando, gradativamente e de forma

institucionalizada, na publicidade brasileira. Acreditamos, porém, tratar-se de um momento

ainda em curso. Sedimentadas novas culturas, identidades, significações e imaginários (ainda

em transição), esperamos que as tentativas de resolução dos problemas de ordem social, como

preconceito e exclusão, se concentrem mais na reflexão individual acerca dessas situações do

que em suas representações.

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