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Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito da Universidade Luterana do Brasil como requisito para a obtenção do título de Mestre em Direito. Área de concentração: Direitos Fundamentais.
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PPAARREECCEERR
O PRINCÍPIO DA TRANSPARÊNCIA E O CONTROLE JUDICIAL DAS POLÍTICAS PÚBLICAS.
EVANDRO TEIXEIRA HOMERCHER
DISSERTAÇÃO APRESENTADA AO PROGRAMA DE MESTRADO EM DIREITO DA UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL COMO REQUISITO PARA A OBTENÇÃO DO TÍTULO DE MESTRE EM DIREITO.
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: DIREITOS FUNDAMENTAIS.
APROVADA EM: ____/____/______
DR. LEONEL PIRES OHLWEILER
(ULBRA, PRESIDENTE E ORIENTADOR)
DR.
(MEMBRO EXTERNO)
DRA. ANDREA NÁRRIMAN CEZNE
(ULBRA)
DR. GERMANO SCHWARTZ
(ULBRA)
4
Agradecimentos
Meus amores e paixões: Maria Cristina e minha sempre nenê Maria Carolina.
Aos meus avós maternos in memorian.
Ao Professor Doutor Leonel Ohlweiler, não somente pela orientação, mas por aceitar o compromisso do diálogo.
A todos que entendem que a democracia não é somente uma expressão, mas um compromisso.
Muito obrigado!
5
Podemos descrever o direito de várias formas e desde várias perspectivas. Na verdade, não descrevemos jamais a realidade, porém o nosso modo de ver a realidade. É que a realidade só existe em nosso pensamento. A realidade é o que aparenta ser, para cada um de nós.
(Eros Roberto Grau)
6
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ________________________________________________ 8
1 TRANSPARÊNCIA E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ______________ 10
1.1 DEMOCRACIA E PLURALISMO ________________________________ 10
1.2 TRANSPARÊNCIA E UMA NOVA VISÃO DE MUNDO _________________ 18
11..22..11 AAss DDiimmeennssõõeess EEssttrruuttuurraaiiss ddoo PPrriinnccííppiioo ddaa TTrraannssppaarrêênncciiaa ____________________ 2255
1.3 O PRINCÍPIO DA TRANSPARÊNCIA: SUA DINÂMICA NO TRATO DAS RELAÇÕES
CIDADÃO-ESTADO __________________________________________ 41
2 O DIREITO À INFORMAÇÃO ________________________________ 52
2.1 O DIREITO FUNDAMENTAL À INFORMAÇÃO: NOTAS À SUA EVOLUÇÃO ____ 52
22..11..11 AA CCoonnssttiittuuiiççããoo ddaa RReeppúúbblliiccaa ddee 11998888 ee oo DDiirreeiittoo FFuunnddaammeennttaall àà IInnffoorrmmaaççããoo ____________________________________________________________________________________________________ 6611
22..11..22 OO DDiirreeiittoo àà IInnffoorrmmaaççããoo AAddmmiinniissttrraattiivvaa __________________________________________________ 7766
2.2 A CONSTITUIÇÃO DE 1988 E A INFORMAÇÃO ADMINISTRATIVA ________ 91
2.3 O LIMITE DO DIREITO À INFORMAÇÃO ADMINISTRATIVA: O SIGILO______ 104
3 O CONTROLE JUDICIAL DAS POLÍTICAS PÚBLICAS __________ 112
3.1 POLÍTICAS PÚBLICAS _____________________________________ 112
3.2 O CONTROLE JUDICIAL DAS POLÍTICAS PÚBLICAS _________________ 115
7
3.3 A INFLUÊNCIA DO PRINCÍPIO DA TRANSPARÊNCIA NO CONTROLE JUDICIAL
DAS POLÍTICAS PÚBLICAS. ____________________________________________ 127
4 CONCLUSÃO ____________________________________________ 150
REFERÊNCIAS _____________________________________________ 152
8
INTRODUÇÃO
É da natureza do protocolo dos trabalhos acadêmicos, que o autor busque
expor, neste momento, as razões que o motivaram e os objetivos que pretende
alcançar com a pesquisa realizada. Se fôssemos adotar uma linha pragmática,
poderíamos reduzir, tanto a pergunta, quanto a resposta, a uma única expressão:
visibilidade.
O exercício do poder, por parte dos titulares de (en)cargos públicos, deixou,
na atualidade, de representar um espaço de imunidade, no tocante à sua forma de
atuação. A afirmação de um Estado Democrático de Direito, no texto da Constituição
da República, não é somente uma diretriz relativa ao exercício dos direitos políticos,
mas uma realidade que determina a todos os agentes públicos levar em
consideração, no cotidiano de suas atividades, sejam elas diretivas ou operacionais.
Não obstante a afirmação daquele modelo estatal, que em sua essência
representa o controle do Estado, pelo cidadão, tornou-se, cada vez mais constante,
a menção de que suas atividades estavam submetidas a um princípio de
transparencia. Todavia, na literalidade do texto constitucional, não há menção a um
princípio dessa natureza. De onde, portanto, nasce essa idéia? Em igual medida,
qual a razão de se afirmar tal princípio, se, explicitamente, a Constituição da
República elenca, na principiologia da Administração Pública, o da publicidade (art.
37, caput)?
Conexo a essa temática, reside a expressa consignação, no texto da
Constituição da República, de um direito à informação administrativa (art. 5º, XXXIII).
Mesmo que delineado no texto fundamental, seu objetivo representa uma amplitude
9
de sentido muito superior à idéia de certificação de determinados atos
administrativos. Mas, que dimensão, na atualidade, corporifica tal direito e qual a sua
relação com o princípio da transparência?
No âmbito das ações estatais, as políticas públicas sempre foram
representativas de uma zona de não-sindicabilidade, fundadas no princípio da
separação dos poderes, discricionariedade, ou outros argumentos de imunidade ao
controle. Não obstante, observa-se como, de forma cada vez mais constante, a
contestação judicial daquelas ações, bem como o afastamento dos óbices
tradicionais.
Mesmo que o Poder Judiciário aceite ampliar sua esfera cognitiva, no âmbito
das políticas públicas, suas decisões não continuam restritas a tão somente
contradizer os mesmos institutos que alicerçavam os fundamentos da não-
sindicabilidade? Não se torna necessária uma análise mais reflexiva, inclusive do
processo formativo da política? E, no tocante ao controle judicial das políticas
públicas, qual função exerce o princípio da transparência?
As perguntas formuladas representam a síntese do proposto nesta pesquisa.
E, como dito anteriormente, pode-se reduzir o tema à expressão visibilidade.
Transparência é visibilidade, informação é visibilidade, controle dos atos estatais
pressupõe visibilidade. Mas, quem sabe a realidade pode ser outra?
10
1 TRANSPARÊNCIA E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
11..11 DDEEMMOOCCRRAACCIIAA EE PPLLUURRAALLIISSMMOO
A Constituição da República, afirmando e firmando o modo de agir do
Estado, para consecução dos seus princípios fundamentais e objetivos (arts. 1º e
3º), estabelece um momento de diálogo da sua razão de ser, da sua idéia fundadora,
não por outra razão consignando-o no seu início, no seu preâmbulo.
Falar do preâmbulo da Constituição da República não é mera referência de
ordenação estrutural (ESPÍNOLA, 1946)1, mas uma compreensão de sentido. Tudo
que decorre, textualmente, após as palavras iniciais do poder constituinte, através do
preâmbulo este “pode falar sobre si mesmo, pode se auto-referir” (BRITTO, 2003,
p.41)2, consigna a ideologia – die weltanschauung - sentido da visão de mundo -, do
poder constituinte inaugural3. Há, no preâmbulo, uma força de corporificação, de
unificação de valores, os quais, pela própria topografia de sua inserção, desvelam
um querer que ultrapassa a individualidade dos grupos políticos formadores da
Constituição, para sintetizar, pela própria idéia de um modelo de democracia
representativa, o querer de toda a nação4.
1 Nas Constituições políticas, em geral, se encontra uma proclamação preliminar, denominada preâmbulo, na qual se declara o Poder Público de que emanam, a razão e o fim de sua decretação, e também a ordem de execução, como regime político de composição do Estado, repartição dos poderes públicos e reconhecimento de direitos. ESPINOLA. Eduardo. A Nova Constituição do Brasil – Direito Político e Constitucional Brasileiro. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1946, p.103. 2 BRITTO. Carlos Ayres. Teoria da Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p.41. 3 Mas por traduzir semanticamente as idéias políticas que permearam a formação do estatuto político da nação, isso não significa que há uma verdade imutável, alheia a controvérsias no seu próprio âmago, pois: “Como salienta Zizek (1996a,p.13) ‘a ideologia nada tem a ver com a ilusão, com a representação equivocada e distorcida de seu conteúdo social’. Adota-se esse pressuposto teórico por considerar-se que toda compreensão está fundada em uma concepção de mundo. Não há conhecimento destituído de um conjunto de pré-compreensões que o alimenta. Em relação a tais representações de mundo, com certeza, o que se discute reside, exatamente, em criticar ou não tais elementos determinantes do conhecimento. Logo, torna-se importante vislumbrar que uma ideologia não é necessariamente falsa”. Cf. OHLWEILER. Leonel. A concepção dogmática do direito administrativo. Contributo para uma (re) construção hermenêutica. Revista de Informação Legislativa. n.167. Setembro de 2005, p.176. 4 Necessário uma nota explicativa. Relativamente ao preâmbulo da Constituição da República, a dimensão de análise firmou-se na sua identidade enquanto elemento de interpretação do texto constitucional. (sobre a questão veja-se CANOTILHO, J. J. Gomes e MOREIRA, Vital. Constituição da República Portuguesa. Anotada. 1.ed. brasileira. 4.ed. portuguesa revista. São Paulo: Revista
11
Quanto a esse conteúdo axiológico do preâmbulo, refere Javier Tajadura
Tejada:
El valor político del texto preambular es pues notable. Em él se condensa el espíritu del constituynte, se objetiviza el espíritu de la Constitución. De esta manera su valor político trasciende su mero valor jurídico. (TEJADA, 2001, p.242)5.
Assim, o preâmbulo não é, também, mera adição formal derivada da tradição
dos documentos constitucionais, mas síntese da idéia da Constituição, que repercute
na sua compreensão, pois “reflecte a opinião pública ou o projecto de que a
Constituição retira a sua força [...]; mais do que no articulado as palavras adquirem
aqui todo seu valor semântico e a linguagem todo o seu poder simbólico”
(MIRANDA, 2002, p.437)6.
Este aporte interpretativo é didaticamente exposto por J. J. Gomes Canotilho
e Vital Moreira:
dos Tribunais, 2007, p.181). Decorre tal explicitação, em face dos dissensos doutrinários relativos à força normativa do preâmbulo. Neste aspecto , observa Jorge Miranda a ocorrência de três posicionamentos – a tese da irrelevância jurídica; a tese da eficácia idêntica à de quaisquer disposições constitucionais; entre as duas, a tese da relevância jurídica específica ou indirecta, não confundindo preâmbulo e preceituado constitucional (Teoria do Estado e da Constituição. 2002.p.437). Relativamente a questão, o STF manifestou-se no sentido de que o "Preâmbulo da Constituição: não constitui norma central. Invocação da proteção de Deus: não se trata de norma de reprodução obrigatória na Constituição estadual, não tendo força normativa". (ADI 2.076, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 08/08/03). Não obstante esta posição jurisprudencial, o critério de análise respeita menos a questão de sua imperatividade, e mais quanto as idéias que lhe são subjacente. Logo, não obstante a carência normativa afirmada na decisão colacionada, esta não retira do preâmbulo um elemento de qualidade – de que o texto constitucional nada mais faz do que explicitar os princípios ou valores consignados naquele instrumento, como se vislumbra em diversos momentos do texto da Constituição, v.g. art. 1º -ao afirmar o Estado Democrático de Direito- art. 5º, caput, - ao afirmar os direitos a liberdade e igualdade – art. 6º, caput, - ao afirmar os direitos sociais, art. 170 – ao estabelecer os princípios gerais da atividade econômica, especialmente quanto ao assegurar a todos uma existência digna, art. 193 – ao dizer que a ordem social tem como objetivo o bem-estar e a justiça sociais. Assim, perde sentido uma discussão quanto à força normativa, pois está se encontra implícita em cada dizer da Constituição da República. Por isso, o que releva destacar é a tarefa de compreensão, a força interpretativa da Constituição que o preâmbulo proporciona. 5 “O valor político do texto preambular é pois notável. Nele se condensa o espírito de constituinte, se objetiviza o espírito da Constituição. Desta maneira, seu valor político transcende seu mero valor jurídico” (tradução do autor). TEJADA. Javier Tajadura. La Función Política de los Preâmbulos Constitucionales. Cuestiones Constitucionales. Revista Mexicana de Derecho Constitucional.nº5.Julio-Deciembre de 2001.p.242. Disponível em http://info.juridicas.unam.mx, acesso em 19.7.2006. 6 MIRANDA. Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p.437.
12
Assim, por exemplo, a referência à sociedade socialista pode ajudar definir os contornos do princípio socialista mencionado no art. 2º da Constituição; a referência ao regime fascista, com o seu concreto significado histórico em Portugal, referenciado ao Estado Novo, ajuda a delimitar mais rigorosamente o sentido da proibição de organizações de ideologia fascista [...] (CANOTILHO, 1984, p.63)7.
Na afirmação de D. Rosseau (citado por OST, 2005, p.29)8 de que “As
Constituições, como exemplos de relatos que contam a história dos homens, dão um
sentido à sua vida individual e coletiva”, tem-se, no preâmbulo, a grande narrativa do
momento constituinte, suas aspirações e promessas, que se dispersam, explícitas
ou implicitamente, no texto constitucional (MIRANDA, 1947, p.195)9.
Desta forma, deve-se ler o preâmbulo da Constituição da República de 1988,
enquanto expressão dos valores diretivos para sua compreensão:
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL (grifo nosso).
Contudo, do ideário de aspirações, duas notas são centrais à temática da
transparência: a instituição de um Estado Democrático e de uma sociedade
pluralista. Isto porque, democracia e pluralismo, contemporaneamente, são
substratos ínsitos à análise e desenvolvimento do princípio da transparência.
Ao se determinar que o Estado Brasileiro seja um Estado Democrático, há
uma opção clara por um modelo político específico: a democracia. Pela
impossibilidade lógica, nos tempos atuais, do governo ser exercido pelo povo na
7 CANOTILHO, J. J. Gomes; MOREIRA, Vital. Constituição da República Portuguesa Anotada. 2.ed. 1.vol. Coimbra/POR: Coimbra Editora, 1984, p.63. 8 OST, François. Contar a lei – As fontes do imaginário jurídico. Coleção Díke. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2005, p.29. 9 “Todo Preâmbulo anuncia; não precisa anunciar tudo, nem, anunciando, restringe”. Cf. MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1946. v. I. (arts. 1-36). Rio de Janeiro: Henrique Cahen, 1947, p.195.
13
“praça” 10/11, imagem símbolo da democracia direta, adota, a Carta da República, o
modelo clássico da modernidade, ou seja, democracia representativa 12. Possíveis
dissensos sobre qual a melhor forma de democracia, se a dos antigos ou a dos
modernos, utilizando-se as expressões de Bobbio (2000, p.375)13, pela extensão de
conteúdo, que implicaria em desenvolvimento próprio, não serão objeto de análise,
ao menos de forma direta.
A democracia, numa perspectiva conceitual, não proporciona afirmações
peremptórias, a conceituação de democracia é uma tarefa quase impossível,
destaca a doutrina14/15. Não obstante, a evolução do instituto afirma certas
características que proporcionam a aferição do seu conteúdo material, e não
meramente textual (BOBBIO, 2000)16, determinando uma análise, não sob um
contexto imaginário, mas na sua faticidade nas relações sociais:
Hoje, quem deseja ter um indicador do desenvolvimento democrático de um país deve considerar não mais o número de pessoas
10 “A ágora já foi mencionada: a praça do mercado, centro espacial e social da polis, símbolo da presença do povo na ação política. A ágora situava a vida pública, como com as conversas, as facções, as decisões: nela a palavra se fazia pública, como se fazia pública a condição do homem.” SALDANHA, Nelson. O Jardim e a Praça. Ensaio sobre o lado privado e o lado público da vida social e histórica. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1986, p.20. 11 Não custa observar que esta impossibilidade, pode se revelar aparente, em face do fenômeno da internet: O ciberespaço tornou-se uma ágora eletrônica global em que a diversidade da divergência humana explode numa cacofofia de sotaques. CASTELLS, Manuel. A galáxia da internet. Jorge Zahar Editores. 2003.p.114/115. Grifei. 12 O aumento no tamanho e na complexidade dos estados, portanto, significou que no mundo moderno a democracia tem de ser indireta. Nesse caso, o povo só toma diretamente algumas poucas decisões muito básicas, em eleições, e o resto é feito por seus representantes eleitos: a democracia indireta é uma democracia representativa. HOLDEN, Barry. verbete Democracia. In Dicionário do Pensamento Social do Século XX. Editado por William Outhwaite e Tom Bottomore. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996, p.180. 13 BOBBIO, Norberto. Teoria Geral da Política. Organizado por Michelangelo Bovero. 4.tir. São Paulo: Campus, 2000, p.375. 14 STRECK, Lenio Luiz; MORAIS. José Luiz Bolzan. Ciência Política e Teoria do Estado. 5.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p.109. 15 Nenhuma definição explícita de democracia se estabeleceu em definitivo entre os cientistas políticos ou no dicionário. Muito pelo contrário, a realidade da democracia é objeto de profundas controvérsias. CF. DWORKIN, Ronald. O direito da liberdade. A leitura moral da Constituição norte-americana. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p.23-24. 16 É que, pela própria densidade da expressão, sua colocação em dado texto constitucional, pode ter como pretensão, não concretizar as aspirações que a palavra evoca, mas sim servir de instrumento de legitimação de ações governamentais. O que pode produzir um distanciamento entre a realidade e o contexto social. Cabe aqui a observação de Bobbio: Hoje “democracia” é um termo que tem uma conotação fortemente positiva. Não há regime, mesmo o mais autocrático, que não goste de ser chamado de democrático. CF. BOBBIO, ob.cit., 2000, p.375.
14
que têm direito de votar, mas o número de instâncias diversas daquelas tradicionalmente políticas nas quais se exerce o direito de voto. Em outros termos, quem deseja dar um juízo sobre o desenvolvimento da democracia num dado país deve pôr-se não mais a pergunta “Quem vota?”, mas “Onde se vota?” (BOBBIO, 2001, p.157)17.
Desta forma, ao afirmar a Constituição da República, no seu preâmbulo, a
intenção de instituir um Estado Democrático, ao mesmo tempo em que é firmada
uma orientação social e política específica, tem-se, da mesma forma, uma referência
para compreensão do sentido de democracia, razão de se adotar, para fins de
estudo da questão da democracia, a perspectiva de J. J. Gomes Canotilho, no
sentido de se buscar o significado da democracia afirmada na Constituição da
República, mediante a compreensão da “democracia como princípio normativo”
(CANOTILHO, 2003, p.281)18.
Isso significa entender a democracia como se apresenta no complexo
normativo constitucional (HESSE, 1998, p.115)19, a forma de escolha dos
representantes dos cidadãos nos Poderes, formas de participação do povo nas
deliberações. Nesta linha, a orientação firmada pelo Ministro Gilmar Ferreira
Mendes, no voto proferido por ocasião do julgamento da medida cautelar, em
Argüição Descumprimento de Preceito Fundamental nº 33 (STF, 2004)20:
O que significa, efetivamente, “separação de poderes” ou “forma federativa”? O que é um “Estado Democrático de Direito”? Qual o significado da “proteção da dignidade humana”? Qual a dimensão do “princípio federativo”? Essas indagações somente podem ser respondidas, adequadamente, no contexto de determinado sistema constitucional. É o exame sistemático das disposições constitucionais integrantes do modelo constitucional que permitirá explicitar o conteúdo de determinado princípio.
17 BOBBIO, Norberto. Estado, Governo e Sociedade. 9.ed. São Paulo: Paz e Terra, 2001, p.157. 18 “A Constituição, ao consagrar o princípio democrático, não se <<decidiu>> por uma teoria em abstracto, antes procurou uma ordenação normativa para um país e para uma realidade histórica”. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3.ed. Coimbra/POR: Almedina, s.d., p.281. 19 Quase não há um conceito jurídico-constitucional ao qual são dadas interpretações tão diferentes como àquele da democracia...Diante dessa multiplicidade, o significado decisivo jurídico-constitucionalmente do conceito pode ser ganho somente com base na forma concreta da democracia pela Constituição. HESSE. Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha. (Trad.) HECK, Luís Afonso. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1998, p.115. 20 Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar em Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 33. Relator: Gilmar Ferreira Mendes. Julgado em: 29.10.2004.
15
Tal compreensão de sentido proporciona, outrossim, uma análise reflexiva
sobre o contexto democrático nacional, de forma a não cairmos em extremos, em
face do sonho, que a própria história da palavra remete, pois como bem destaca
Michelangelo Bovero:
La palabra “democracia” indica un mundo posible, es decir, una de las formas políticas en las cuales puede ser organizada la convivência social: pero tal forma no corresponde necesariamente a la del mundo político real, por lo demás sumamente variado y hetero-géneo, que es normalmente indicado com esta palabra [...]. He aqui planteado de la manera más simples el problema de la relación entre la democracia ideal y la democracia real (BOVERO, 2002, p.22-23)21.
Assim, deve-se considerar que a democracia, consolidada no texto da
Constituição da República, imprime sua marca na transparência das ações estatais
de forma vinculada v.g art. 5º,XXXIII, logo, a concepção de democracia plasmada no
seu texto é a do “governo do poder público em público” (BOBBIO, 2000, p.98)22.
Esta afirmação de Norberto Bobbio reflete-se na temática da pesquisa, uma vez que
considera a visibilidade das ações do Estado como condição sem a qual não há o
controle dos governantes, pelo cidadão, característica que é subjacente à clássica
formulação de democracia como governo do povo, pelo povo e para o povo.
Porém, se a democracia posta no texto da Constituição da República
oferece um instrumental para o controle do príncipe pelo cidadão, o preâmbulo
ordena mais, quer não somente uma sociedade democrática, mas pluralista23.
21 A palavra “democracia” indica um mundo possível, é dizer, uma das formas políticas nas quais pode ser organizada a convivência social: mas tal forma não corresponde necessariamente a do mundo político real, por demais sumamente variado e heterogêneo, que é normalmente indicado com esta palavra [...]. Aqui está colocado de maneira mais simples o problema da relação entre a democracia ideal e a democracia real (tradução do autor). BOVERO, Michelangelo. Democracia y Derechos Fundamentales. Revista ISONOMÍA. nº 16/abril de 2002.p.22-23. Disponível em <http://www.cervantesvirtual.com>. Acesso em: 8 de maio de 2007. 22 BOBBIO, Norberto. O Futuro da Democracia. 7.ed. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Paz e Terra, 2000, p.98. 23 O revolucionário reflexo do pluralismo social na política durante a segunda metade do século XX foi objeto de inúmeros estudos, como, para dar um exemplo marcante, o clássico O Processo de Governo, de ARTHUR F. BENTLEY, que introduziu esta expressão sociedade pluralista, para designar o todo social que comporta o convívio de grupos de indivíduos com interesses definidos e que desenvolvem uma atividade concertada para realiza-los, apontando essa riqueza da diversidade
16
Sendo elemento de interpretação – eventualmente de integração – das
normas constitucionais 24, o Preâmbulo da Lei Fundamental de 1988, ao anunciar a
consolidação de uma sociedade plural, direciona as ações dos Poderes Públicos25.
Logo, as estruturas constitucionais, bem como as conformações legislativas delas
decorrentes, devem atenção ao objetivo de consolidação do pluralismo, o que, sem
sombra de dúvida, implica em adequados instrumentos de participação social.
Com a idéia de uma sociedade pluralista, o cidadão converte-se de mero
espectador passivo, em ator ativo, inclusive no âmbito jurisdicional, do ideal
preconizado pelo legislador constituinte originário. Esta ampliação do espaço de
participação representa o núcleo da idéia de pluralismo.
Quando hoje se fala de pluralismo ou de concepção pluralista da sociedade, ou coisa semelhante, entendem-se mais ou menos claramente três coisas. Antes de tudo, uma constatação e fato= nossas sociedades são sociedades complexas. Nelas se formaram esferas particulares relativamente autônomas, desde os sindicatos ate os partidos, desde os grupos organizados ate os grupos não-organizados, etc. Em segundo lugar, uma preferência= o melhor modo para organizar uma sociedade desse tipo e fazer com que o sistema político permita aos vários grupos ou camadas sociais que se expressem politicamente, participem, direta ou indiretamente, na formação da vontade coletiva. E, terceiro lugar, uma refutação= uma sociedade política assim constituída e a antítese de toda forma de despotismo, em particular daquela versão moderna do despotismo a que se costuma chamar totalitarismo (BOBBIO, 1999, p.16)26.
Mesmo em se caracterizando o pluralismo, pela dispersão dos centros de
poder, esta difusão objetiva que o cidadão participe, na maior medida possível, da
“formação das deliberações que lhe dizem respeito, o que e a quintessência da
democracia” (BOBBIO, 1999, p.22)27. Este alargamento da esfera participativa não
como um dos traços mais diferenciativos entre as sociedades do passado e as contemporâneas [...] MOREIRA NETO, Diogo de. O parlamento e a Sociedade como destinatários do Trabalho dos Tribunais de Contas. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado. n.4. Dezembro, 2005. Janeiro, Fevereiro, 2006, p.6. Disponível em <http://www.direitodoestado.com.br> Acesso em: 22 de maio de 2006. 24 CANOTILHO; MOREIRA, ob. cit., 2007.p.181. 25 Destarte, qualquer ação administrativa deverá ser compreendida a partir do horizonte de sentido do Estado Democrático de Direito (arts.1º e 3º da Constituição Federal), fundando-se no conjunto de direitos e garantias fundamentais dos cidadãos e na promoção do bem-estar da comunidade. OHLWEILER, ob. cit., 2005, p.184. 26 BOBBIO, Norberto. As Ideologias e o Poder em Crise. Brasília: Editora UNB, 1999.p.16. 27 BOBBIO. ob. cit., 1999, p.22.
17
se caracteriza como um rompimento com a democracia representativa, mas como a
busca de um modelo decisório no qual o hoje formal detentor do poder – o cidadão,
efetivamente, assuma a condição de detentor real do poder de decisão.
Deve-se considerar que a idéia de pluralismo adere a de democracia, na
medida em que uma sociedade plural, no enfoque que foi referido, estabelece uma
dimensão de democracia material:
Pode-se denominar “democracia material” a que se realiza não apenas pela satisfação de formalidades procedimentais para a escolha dos políticos, mas pela adoção de novos instrumentos de participação para as escolhas das políticas e para a confirmação de que elas estão sendo executadas a contento (MOREIRA NETO, 2005, p.109)28.
Necessário evocar, mesmo que adiante se volte ao tema, que a idéia de
pluralismo se reflete de forma inequívoca na interpretação constitucional, como
proposto por Peter Häberle:
Do ponto de vista teorético-constitucional, a legitimação fundamental das forças pluralistas da sociedade para participar da interpretação constitucional reside no fato de que essas forças representam um pedaço da publicidade e da realidade da Constituição [...].Uma Constituição, que estrutura não apenas o Estado em sentido estrito, mas também a própria esfera pública (Öffentlichkeit), dispondo sobre a organização da própria sociedade e, diretamente, sobre setores da vida privada, não pode tratar as forças sociais e privadas como meros objetos. Ela deve integrá-las ativamente enquanto sujeitos (HÄBERLE, 2002, p.33)29.
Se, como afirmado anteriormente, à compreensão do significado de
democracia e de pluralismo importam a necessária análise da densificação destes
princípios no texto da Constituição, a aceitação da democracia, como regime do
28 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Juridicidade, Pluralidade Normativa, Democracia e Controle Social, in Fundamentos do Estado de Direito. Estudos em Homenagem ao Professor Almiro do Couto e Silva. (org.) ÁVILA, Humberto. São Paulo: Malheiros, 2005, p.109. 29 HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional. A sociedade aberta dos interprétes da Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da Constituição. (Trad.) MENDES, Gilmar Ferreira. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002, p.33.
18
“poder público em público” (BOBBIO, 2000, p.98)30 e do pluralismo, como modelo de
participação ativa do cidadão no processo decisório de políticas públicas, dimana
conseqüências na formulação do regime da Administração Pública, eis que ancilar à
concretização dos direitos fundamentais firmados na Carta da República, aquela
devendo ter sua configuração normativa conforme as concepções principiológicas
destacadas.
A democracia que, desde o seu preâmbulo a Constituição da República
anuncia, tem como consectário o controle do Estado, pelo cidadão, e não há
possibilidade lógica de tal controle sem que a Administração Pública se deixe ver, no
sentido mais amplo do termo. Assim, não basta ser uma Administração Pública
pautada por princípios como legalidade, moralidade, impessoalidade, eficiência, sem
que haja possibilidade de comprovação dos mesmos nas situações concretas.
Desta forma, irrompe, no pensamento jurídico e social contemporâneo,
motivado por variáveis diversas, a necessidade de ampliação da esfera de
conhecimento das ações do Estado, que se formata na concepção de um princípio
de transparência.
11..22 TTRRAANNSSPPAARRÊÊNNCCIIAA EE UUMMAA NNOOVVAA VVIISSÃÃOO DDEE MMUUNNDDOO
O princípio da transparência integra a idéia de democracia. É uma
identidade clássica, ainda que com nomes e matizes diversas, que evoluiu e, hoje, é
indissociável falar de democracia, sem que, em algum momento, aborde-se a
transparência como estrutural à mesma.
Esta fusão, porém, tem como consectário lógico a necessidade de uma
reordenação da concepção tradicional de interpretação do fenômeno de acesso aos
atos estatais. Isto não decorre, simplesmente, pelo avanço teórico-doutrinário, mas
por uma razão, diga-se, mais pragmática, mais factual, qual seja, o que ordena a
Constituição da República desde o seu preâmbulo, ao enunciar seus propósitos de
instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos
30 BOBBIO, ob. cit., 2000, p.98.
19
sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem estar, o desenvolvimento, a
igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista.
Não obstante a dicção constitucional, a estrutura formativa do “senso comum
teórico” (WARAT, 1979, p.20)31, ainda condiciona a interpretação doutrinária e
jurisprudencial, especialmente no âmbito das relações entre Estado e cidadão, a
uma higidez, que não condiz com o atual estágio da sociedade brasileira, onde o
próprio sistema normativo infraconstitucional, estabelece, cada vez mais, diálogos
prévios, e, até mesmo, condicionais para a validade das leis. É o caso das
audiências públicas, na elaboração dos orçamentos, conforme previsto no art. 48,
parágrafo único, da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Entretanto, essa modificação que se opera, ressalte-se novamente, inclusive
normativamente parece passar alheia aos operadores do direito. Estes, como bem
observado por Leonel Ohlweiler, ainda estão presos a um dogmatismo:
É importante especificar, novamente, a diferenciação entre dogmática jurídica e dogmatismo. A primeira mostra-se útil, a fim de propiciar a construção de um conhecimento jurídico, fornecendo elementos para as pré-compreensões dos operadores. Já, o segundo, merece maiores críticas, pois estabelece vinculações irrazoáveis a certos dogmas – institutindo-os como pontos de partida e de chegada da própria discussão. Aqui reside o caráter diferencial, pois a dogmática – como construção doutrinária – é vista como instrumental imprescindível para a aplicação do direitos.(grifo nosso) (OHLWEILER, 2000, p.52)32.
Há, pois, uma dissociação na interpretação entre o que a realidade mostra e
os dogmas que, firmemente arraigados à tradição jurídica, condicionam as decisões
dos operadores:
Certos postulados típicos de um Estado liberal-individualista ainda continuam a ser utilizados pelos operadores, em que pese vivenciarmos uma ordem constitucional voltada para a construção de um Estado Social e Democrático de Direito (art. 1º, CF) [...]. As lições sobre a legalidade, por
31 Quanto a esse fenômeno, explica Warat: Trata-se de um discurso que oferece respostas que apenas aludem ao real e comandadas por interesses que tomam a forma de princípios ou diretrizes. Assim,não é difícil ver que o senso comum teórico apresenta um conjunto de questões onde as respostas já estão sobredeterminadas.(grifei) WARAT, Luiz Alberto. Mitos e Teorias na interpretação da lei. Porto Alegre: Síntese, 1979, p.20. 32 OHLWEILER, Leonel. Direito Administrativo em Perspectiva. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p.52.
20
exemplo, continuam a ser tratadas como se elas constituíssem uma substância imutável, uma substância sobre a qual o tempo não exerce nenhum poder, formada por uma substância sublime, indestrutível e imutável [...] (OHLWEILER, 2000, p.57)33.
A passagem acima é esclarecedora para fixar a estrutura do “senso comum
teórico dos juristas” (WARAT, 1979, p.20)34, proporcionando dimensionar-se o
quanto aquele se move num ambiente retrospectivo, ou seja, utiliza-se de padrões
de um modelo pretérito, para resolver questões do presente. Destarte, quando a
Constituição da República afirma um modelo de Estado Social e Democrático de
Direito, este se afirma em valores e aspirações muito diversas da liberal-
individualista, modelo sob o qual estruturaram-se as grandes questões temáticas do
direito administrativo: bens públicos, poder de polícia, interesse público.
Quanto a essa dissociação, entre a realidade normativa constitucional e o
modo de atuar da administração pública, escreve Odete Medauar:
O modelo formulado para o Estado e a sociedade do século XIX mostra-se inadequado à realidade de fins do século XX. Por isso, também para a Administração se fala de crise de identidade, justamente porque as antigas estruturas resistem ao tempo e se consolidam nas suas próprias deficiências (MEDAUAR, 1992, p.129)35.
Desta forma, torna-se necessário, para o entendimento dos efeitos da
transparência na relação estado-cidadão, aceitar novos modos de análise das
demandas sociais pelo direito, implicando numa nova compreensão hermenêutica
que rompa a “aceitação acrítica, por parte dos operadores do direito, de
determinadas idéias ou teorias” (OHLWEILER, 2000, p.77-78)36. Essa nova
perspectiva, que irrompe da inserção cada vez mais constante da idéia de
transparência, encontra uma perspectiva de otimização na hermenêutica filosófica,
33 OHLWEILER, ob. cit., 2000, p.57. 34 WARAT, ob. cit., 1979, p.20. 35 MEDAUAR, Odete. O direito administrativo em evolução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992, p.129. 36 OHLWEILER, ob. cit., 2000, p.77-78.
21
que evita, como expõe Leonel Ohlweiler, que o operador jurídico venha a cair num
processo de coisificação das relações sociais (OHLWEILER, 2000, p.77)37:
Estabelecendo um paralelo entre lei e direito, os operadores jurídicos sabem muito bem que a lei é apenas uma das manifestações do Direito, mas, em sua prática, agem como se houvesse um Direito-em-si, como entidade abstrata, realizado apenas na lei. Há um processo de coisificação do Direito, o que leva também a um distanciamento da realidade social (OHLWIELER, 2000, p.77)38.
Esta abertura de perspectiva, num tema como o da transparência, revela-se
como elemento indissociável. A temática da transparência é uma idéia ainda em
conformação, não plenamente sedimentada nas suas dimensões, isso implicando
que, à sua análise, as idéias integradas aos operadores do direito, como o “direito”
do Estado a zonas de sigilo - sem necessidade de explicitação e razoabilidade -, a
relatividade da participação popular, encontrariam plena “justificação”, pelos dogmas
firmados pela ciência jurídica em momentos pretéritos.
Aqui, a idéia de reflexão conforme explicita Leonel Ohweiler (2000, p.100)39,
ao mesmo tempo em que liga, possibilita uma reconstrução do pensamento,
propiciando estabelecer uma nova realidade que a transparência determina ao
Estado:
É importante que o jurista realize uma tarefa de reflexão...,sendo fundamental vislumbrar que, na aplicação de um termo indeterminado, referido em um corpo jurídico, vai ser realizada uma tarefa prática, relacionada com as necessidades do presente. Esta reflexão vai ser caracterizada por uma atividade de mediação da norma jurídica com o presente [...]. A reflexão é o que possibilita a contínua mediação entre o presente e o passado, possibilitando que o jurista rompa com os poderes dogmáticos (OHLWEILER, 2000, p.100-101)40.
Essa perspectiva de compreensão pressupõe uma estruturação política
própria, ou seja, um regime de relações horizontais, onde a palavra “Estado” não
37 OHLWEILER, ob.cit., 2000, p.77. 38 idem ibidem. 39 OHLWEILER, ob. cit., 2000, p.100. 40 OHLWEILER, ob. cit., 2000, p.100-101.
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significa onipotência, mas instrumento, pois, como observado por Hans-Georg
Gadamer (2006, p.372)41.
Assim, para a possibilidade de uma hermenêutica jurídica é essencial que a lei vincule por igual todos os membros da comunidade jurídica. Quando não é este o caso, como no absolutismo, onde a vontade do chefe supremo está acima da lei, já não é possível hermenêutica alguma, “pois um chefe supremo pode explicar suas palavras até contra as regras de interpretação comum” [...]. Neste caso nem sequer se coloca a tarefa de interpretar a lei, de modo que o caso concreto se decida com justiça dentro do sentido jurídico da lei. A vontade do monarca não sujeito à lei pode sempre impor o que lhe parece justo, sem atender à lei isto é, sem o esforço da interpretação. A tarefa de compreender e interpretar subsiste onde uma regra estabelecida tem valor vinculante e irrevogável (GADAMER, 2005, p.432)42 (grifo nosso).
Esta mudança de perspectiva hermenêutica, que se torna necessária, não
pode ser concebida, tão somente, no espaço judicial, mas deve ocorrer, igualmente,
por parte dos agentes públicos que concentram poderes decisórios ou consultivos,
tendo em vista sua ligação finalística à concretização das promessas da
Constituição, sob pena de, assim não ocorrendo, manter-se o quadro da crise
ideológica do Estado Social, referido por José Luiz Bolzan de Morais:
Ocorre, então, o que vai ser designado como uma crise ideológica, patrocinada pelo embate, antes mencionado, entre a democratização do acesso ao espaço público da política, oportunizando que, pela participação alargada, tenha-se um aumento significativo de demandas e, para além, tenha-se, também, a complexificação das pretensões sociais, até mesmo pelo perfil dos novos atores que se colocam em cena, e a burocratização das fórmulas para responder a tais pretensões a partir da constituição de um corpo técnico-burocrático a quem incumbe a tarefa de elaborar estratégia de atendimento de demandas, na medida em que a lógica política democrática, como poder ascendente, vai de encontro a lógica da decisão tecnoburocrática, caracterizada por uma verticalidade descendente. Ou
41 Gadamer inaugura e estabelece as bases de uma nova corrente do pensamento contemporâneo, a chamada hermenêutica filosófica. GADAMER, Hans-Georg; ESTRADA-DUQUE, Paulo César. Verbete. Dicionário de Filosofia do Direito. (Coord.) BARRETO, Vicente de Paulo. São Leopoldo: Ed. Unisinos, 2006, p.372. 42 GADAMER. Hans-Georg. Verdade e Método I. 7.ed. Petrópolis: Vozes, 2005, p.432.
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seja: constantemente a demanda política se vê frustrada pela “resposta” técnica (MORAIS, p.43)43.
Esse quadro de crise ideológica, na perspectiva da frustração advinda da
resposta técnica, pode ser visualizado numa situação que se torna cada vez mais
comum, nos debates, quanto à efetividade dos direitos fundamentais, especialmente
os de segunda geração, qual seja, a da denominada reserva do possível. Nesta,
mais do que nunca, o sopesamento entre necessidades públicas e a disponibilidade
financeira do Estado, cria um ambiente fértil à tarefa de interpretação, e demonstra a
necessidade de um repensar da ação administrativa:
Hodiernamente, um dos elementos interessantes para abarcar uma gama considerável de manifestações administrativas é a idéia de ação administrativa, entendida como o agir da Administração Pública, seja por meio de seus órgãos específicos ou de pessoas jurídicas criadas para determinadas finalidades em coordenação com particulares (OHLWEILER, 2005, p.184)44.
E, exatamente, num tema tão caro à efetividade dos direitos fundamentais, é
que o E. Supremo Tribunal Federal sinalizou um avanço na interpretação
constitucional, exteriorizando um novo caminho aos operadores do direitos, para o
entendimento da relação cidadão-administração.
Trata-se da paradigmática decisão do Ministro Celso de Mello, na Argüição
de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 45, cujo excerto pertinente se
reproduz:
Não deixo de conferir, no entanto, assentadas tais premissas, significativo relevo ao tema pertinente à "reserva do possível" (STEPHEN HOLMES/CASS R. SUNSTEIN. The Cost of Rights. New York: Norton, 1999), notadamente em sede de efetivação e implementação (sempre onerosas) dos direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais), cujo adimplemento, pelo Poder Público, impõe e exige, deste, prestações estatais positivas concretizadoras de tais prerrogativas individuais e/ou coletivas. É que a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais - além de caracterizar-se pela gradualidade de seu
43 MORAIS, José Luis Bolzan de. As crises do Estado e da Constituição e a transformação espacial dos Direitos Humanos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p.43. 44 OHLWEILER, ob. cit., 2005, p.184.
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processo de concretização - depende, em grande medida, de um inescapável vínculo financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que, comprovada, objetivamente, a incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, desta não se poderá razoavelmente exigir, considerada a limitação material referida, a imediata efetivação do comando fundado no texto da Carta Política. Não se mostrará lícito, no entanto, ao Poder Público, em tal hipótese - mediante indevida manipulação de sua atividade financeira e/ou político-administrativa - criar obstáculo artificial que revele o ilegítimo, arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de condições materiais mínimas de existência. Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da "reserva do possível" - ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível - não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade (STF, 2004) (grifo nosso)45.
O voto proferido na ADPF nº 45, revela-se uma “revolução copernicana
precisamente no sentido Kantiano, como inversão do ponto de vista”, (BOBBIO,
1992, p.57)46, pois rompe com a compreensão do dogma do interesse público ou de
razões de estado; mormente, no âmbito orçamentário, uma zona, por excelência,
restrita à esfera decisória do administrador público, estabelecendo uma discussão,
não sob perspectiva ex parte principis, mas, necessariamente, ex parte populi , pelo
fator determinante de se tratar de implementação de direitos fundamentais.
Mas do voto referido, a par da questão da efetividade dos direitos
fundamentais, revela-se um ponto nuclear, ou seja, de que na argumentação da
reserva do possível deve ocorrer a possibilidade de ser comprovada,
objetivamente, a incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal. Tal
condição, especialmente pelas especificidades relativas à matéria orçamentária,
somente pode ser efetivada sob um regime de estrita observância do princípio da
transparência, tendo em vista a necessidade de disponibilização dos instrumentos
orçamentários, da execução do mesmo, de informações quanto às disponibilidades
de caixa.
45 Supremo Tribunal Federal. Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 45. Rel. Ministro Celso de Mello. Julgado em 29.04.2004. 46 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. 11.ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p.57.
25
Logo, o princípio da transparência induz uma nova mentalidade à
compreensão das ações do Poder Público, cuja base não pode mais se fixar em
argumentos retóricos, mas em dados factuais, o que implica, por obviedade, que os
mesmos estejam aptos a serem disponibilizados a todo o cidadão. Assim, sob um
aspecto da efetividade dos direitos fundamentais, pode-se demonstrar a
reformulação que o princípio da transparência determina, aos operadores do direito,
mormente pela importância de concretização dos ideais e valores que a Constituição
da República exterioriza47.
11..22..11 AAss DDiimmeennssõõeess EEssttrruuttuurraaiiss ddoo PPrriinnccííppiioo ddaa TTrraannssppaarrêênncciiaa
Na literalidade do texto constitucional não há dispositivo que faça menção ao
princípio da transparência. Não obstante, o mesmo se encontra cada vez mais
incorporado à teoria jurídica, ganhando contornos mais relevantes e influenciando,
por conseguinte, a práxis judicial.
Tal fluidez, que decorre da própria não-descrição normativa na Constituição
da República, torna necessária, para sua compreensão, a análise de suas idéias
fundamentadoras, especialmente por sua faticidade nos efeitos das relações do
cidadão com o Estado.
1.2.1.1 O Fundamento Político
Quando da entrada em vigor da Carta Fundamental de 1988, o Ministro
Chefe do Serviço Nacional de Informações encaminhou questão ao Excelentíssimo
Senhor Presidente da República, quanto aos efeitos do hábeas data, no tocante aos
47 Quanto à realização dos fins e objetivos da constituição leciona Luño: Em el horizonte del constitucionalismo actual los derechos fundamentales desempenam, por tanto, uma doble función: em el plano subjectivo siguen actuando como garantias de la libertad individual, si bien a este papel clásico se aúna ahora la defensa de los aspectos socieales y colectivos de la subjetividad, mientras que en el objetivo han asumido uma dimensión institucional a partir de la cual su contenido debe funcionalizarse para la consecución de los fines y valores constitucionalmente proclamados. Cf. LUÑO, Antonio E. Perez. Los Derechos Fundamentales. 8.ed. Tecnos, 2005. No horizonte do constitucionalismo atual os direitos fundamentais desempenham, para tanto, um dupla função: no plano subjetivo seguem atuando como garantias da liberdade individual, se bem que a este papel clássico se juntam agora a defesa dos aspectos sociais e coletivos da subjetividade, quando, no objetivo, tenham assumido uma dimensão institucional a partir da qual seu conteúdo deve se funcionaliza para a consecução dos fins e valores constitucionalmente proclamados (tradução do autor).
26
registros constantes naquele órgão. A matéria foi submetida à audiência da
Consultoria-Geral da República, com pronunciamento no Parecer nº SR/71.
Não obstante as conclusões finais do parecer48 e a aprovação, subseqüente,
pela Presidência da República, isso não determina sua exclusão como elemento de
compreensão dos efeitos que a nova ordem constitucional determinou à
administração pública. Não tanto pela indagação formulada na consulta que originou
o parecer – efeitos do hábeas data –, mas pela conseqüência imediata que a idéia
de democracia, fixada na Constituição da República, operou no modo de agir do
administrador – no caso, o Serviço Nacional de Informações, e a sua relação com o
cidadão no que se refere ao acesso aos dados detidos por aquele.
Daquele parecer incorporam-se algumas de suas manifestações:
2. O controle da atividade estatal, pela opinião pública, constitui uma das expressões mais significativas do Estado regrado por uma ordem democrática.
A exigência de publicidade dos atos que se formam no âmbito o aparelho de Estado traduz um princípio essencial, a que a nova ordem jurídico-constitucional não permaneceu indiferente.
[...]
A Carta Federal, ao proclamar os direitos e deveres individuais e coletivos (art. 5º), enunciou preceitos básicos, cuja compreensão é essencial à caracterização da ordem democrática como um regime do poder visível.
[...]
O modelo político-jurídico, plasmado na nova ordem constitucional rejeita (a) o poder que oculta e (b) o poder que se oculta. Com essa vedação, pretendeu o constituinte tornar efetivamente legítima, em face dos
48 Mas é necessário mencionar que o parecer, mesmo reconhecendo a necessidade da publicidade, entendeu que a legislação que regulava as atividades do SNI encontrava-se recepcionada pela nova Constituição da República (itens e e f das conclusões).
27
destinatários do poder, a prática das instituições do Estado (RAMOS, 2006)49.
Como afirmado, no parecer, a nova ordem constitucional rejeita: (a) o poder
que oculta e (b) o poder que se oculta, ficando explícito um marco divisor entre o
modelo político adotado pela Constituição da República de 1988 e a que lhe
antecedia. A Lei Fundamental de 1988 afirma-se na concepção democrática e,
conforme Norberto Bobbio (2000b, p.98)50, “pode-se definir o governo da democracia
como o governo do poder público em público”. Assim, o princípio, no regime
democrático, é o do amplo acesso do cidadão aos negócios públicos, reservando-se
ao segredo um caráter ancilar, reduzido e descontínuo.
Mas essa característica indissociável à concepção de democracia deve ser
compreendida, também, como um processo histórico, no qual a ágora como espaço
público - democracia direta – vê-se substituída pelo parlamento – democracia
representativa. Entretanto, na consolidação da democracia representativa, o
deslocamento do espaço de diálogo, não substitui a idéia de “visibilidade do poder”
(BOBBIO, 2000a, p.387)51, proporcionada pela praça. Isso, porque o poder
legislativo “só é representativo, como aponta Carl Schmitt, se existe a crença de que
sua atividade específica reside na publicidade” (LAFER, 1999, p.244)52.
Tem-se, assim, que a fundamentação política do princípio da transparência
está radicada na idéia de democracia, ou seja, do regime que tem, como
característica, a possibilidade do cidadão ver quem é, como e de que forma atua o
governante. E, vendo, pode controlá-lo (STRECK; MORAIS, 2006, p.115)53.
49 RAMOS, José Saulo Pereira. Parecer nº SR-71. Disponível em <http://www.agu.gov.br> Acesso em: 17 de julho de 2006. 50 BOBBIO, ob. cit., 2000b, p.98. 51 BOBBIO.ob. cit., 2000a, p.387. 52 LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos – um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. 3.reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. 53 Nesse sentido a exposição de STRECK e MORAIS: Por fim, outro aspecto a ser relevado diz com a necessidade de controle do poder. Para tanto, pretendeu o ideal democrático constituir-se em um espaço de ampla visibilidade, com suporte na idéia de que as decisões públicas devem ser tomadas em público, onde a transparência deveria ser a tônica. CF. STRECK; MORAIS, ob. cit., 2006.p.115.
28
A democracia põe por terra a construção do Panapticon (FOUCAULT, 2007,
p.209)54. Neste, o governante vê, mas não é visto. Naquela, o cidadão vê e o
governante sabe que é visto. Mas a formulação de Bobbio (2000b, p.103-104)55, da
democracia enquanto governo do poder visível, retrata o vínculo desse pensamento
com a formulação de Kant: “Todas as ações que afetam os direitos de outros seres
humanos são errôneas se sua máxima não for compatível com sua divulgação
pública” (CAYGILL, 2000, p.267)56.
Essa construção principiológica de Kant é determinante à formação
contemporânea da democracia – não pelo aspecto do voto ou da representatividade
parlamentar, mas por uma questão mais tênue, mais difusa, que agrega em si todo o
ideário democrático, ou seja, de que o princípio da transparência, ampliando o
espaço de comunicação entre o Estado e o cidadão, determina um aprimoramento
das instituições democráticas e da cidadania. Afinal, como expõe Konrad Hesse:
Democracia é, segundo seu princípio fundamental, um assunto de cidadãos emancipados, informados, não de uma massa ignorante, apática, dirigida apenas por emoções e desejos irracionais que, por governantes bem-intencionados ou mal-intencionados, sobre a questão do seu próprio destino, é deixada na obscuridade (HESSE, 1998, p.133)57.
Desta forma, a dimensão política do princípio da transparência, radicada na
forma democrática, proporciona um novo status ao cidadão, na sua relação com o
Estado, pelo amplo acesso informacional que a transparência permite, possibilitando
uma compreensão esclarecida (DAHL, 2001, p.111)58, pois democracia é o espaço
do diálogo e da comunicação (TOURAINE, 1996, p.261)59. Aquela dimensão
fundamentadora do princípio da transparência revela-se reafirmada na intelecção do
Supremo Tribunal Federal, relativa aos efeitos do modelo democrático em relação ao
segredo:
54 Relativamente a esta figura consulte-se especialmente o tópico o “Olho do Poder” in FOUCAULT. Michel. Microfísica do Poder. 23.ed. Rio de Janeiro: Graal, 2007, p.209. 55 BOBBIO, ob. cit., 2000b, p.103-104. 56 CAYGILL. Howard. Dicionário Kant. Verbete público/publicidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000, p.267. 57 HESSE, ob. cit., 1998, p.133. 58 DAHL, Robert. Sobre a Democracia. Brasília: Ed. UNB, 2001, p.111. 59 TOURAINE, ob. cit., 1996, p.261.
29
Não custa rememorar, neste ponto, que os estatutos do poder, numa República fundada em bases democráticas, não podem privilegiar o mistério.
Na realidade, a Carta Federal, ao proclamar os direitos e deveres individuais e coletivos (art. 5º), enunciou preceitos básicos, cuja compreensão é essencial à caracterização da ordem democrática como regime do poder visível, ou, na lição expressiva de Bobbio (“O Futuro da Democracia”, p.86, 1986, Paz e Terra), como “um modelo ideal do governo público em público”.
[...]
È preciso não perder de perspectiva que a Constituição da República não privilegia o sigilo, nem permite que este se transforme em “práxis” governamental, sob pena de grave ofensa ao princípio democrático, pois, consoante adverte NORBERTO BOBBIO, em lição magistral sobre o tema (“O Futuro da Democracia”, 1986, Paz e Terra), não há, nos modelos políticos que consagram a democracia, espaço possível reservado ao mistério (STF, 2003)60.
1.2.1.2 O Fundamento Jurídico
A questão da estruturação das normas jurídicas em princípios e regras,
mormente no âmbito da tipologia normativa da Constituição, encontra-se firmada no
pensamento jurídico 61/62. A ordem normativa constitucional compõe-se de princípios
e regras; os primeiros caracterizam-se enquanto “mandatos de optimización [...] que
ordenan que algo sea realizado em la mayor medida posible, de acuerdo com las
posibilidades jurídicas y fácticas” (ALEXY, 1997, p.162)63, já as regras são
60 Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança nº 24725. Rel.Ministro Celso de Mello. Julgado em 28.11.2003. 61 Nesse sentido a exposição de Wilson Steinmetz: 46. A distinção das normas jurídicas em princípios e regras tem ampla aceitação na teoria (geral) do direito e da dogmática jurídica. CF. STEINMETZ, Wilson. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2004, p.205. 62 Corroborando a afirmação de integração conceitual dessa duplicidade normativa, o pensamento de Ana Paula Barcellos: Paralelamente a todo debate envolvendo a classificação das normas constiucionais, a teoria geral do direito consolidou entendimento, hoje generalizadamente aceito, de que as normas jurídicas – e assim também as normas constitucionais – podem ser classificadas, quanto à sua estrutura, em duas categorias: princípios e regras. CF. BARCELLOS, Ana Paula. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p.43. 63 Mandatos de otimização..que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, de acordo com as possibilidades jurídicas e fáticas. [...] Mandatos definitivos...normas que sempre ou bem são satisfeitas ou não o são. (tradução do autor). ALEXY, Robert. El concepto y la validez del derecho. Barcelona/ESP: Gedisa Editorial, 1997, p.162.
30
“mandatos definitivos... normas que siempre o bien son satisfechas o no lo son”,
segue-se, portanto, o modelo conceitual proposto por Robert Alexy.
Subjaz na incorporação do ordenamento jurídico-constitucional das “normas-
princípio” (ZAGREBELSKY, 2007, p.111)64 a consciência de valores e ideais que são
próprios de uma sociedade 65/66. E tal expressão condiciona as respectivas normas-
regras (ZAGREBELSKY, 2007, p.111)67, na medida em que os princípios “são
normas que estão na base ou constituem a ratio de regras jurídicas” (CANOTILHO,
s.d., p.1087)68. Não obstante, os princípios integram a ordem jurídica constitucional,
seja de forma explícita (art. 37, caput), seja de forma implícita (princípio da
segurança jurídica).
Tendo em vista a abordagem que ora se apresenta, fica centrada a segunda
forma de exteriorização dos princípios, pois não se pode perder de vista, que não é
a expressa menção no texto da constituição que dá eficácia a um princípio, mas,
conforme Karl Larenz, a sua força de convicção:
Segundo Esser (129), os princípios que não estão ainda positivados irrompem <<no pensamento jurídico pelo umbral da consciência, devido a um caso paradigmático>>. Um dia serão formulados pela doutrina ou por um tribunal, e acham logo, de modo mais ou menos rápido, devido à força de convicção a eles inerente, reconhecimento geral na consciência jurídica do momento (LARENZ, 1997, p.599-600)69.
A eficácia da “força de convicção” (LARENZ, 1997, p.599-600)70 pode ser
percebida em relação ao princípio da transparência. Este, mesmo não integrando o
rol, formalmente falando, de princípios expostos na Constituição da República,
64 A expressão é de ZAGREBELSKY, Gustavo. El derecho dúctil. 7.ed. Madri/ESP: Editorial Trotta, 2007, p.111. 65 Nesse sentido J.J. Gomes Canotilho: Em virtude de sua <<referência>> a valores ou da sua relevância ou proximidade axiológica (da <<justiça>>, da <<idéia de direito>>, dos <<fins de uma comunidade>>)... CF. CANOTILHO, ob. cit., s.d., p.1089. 66 Sob outro enfoque, mas alinhado a idéia valorativa dos princípios, a concepção de Ronald Dworkin: Denomino “princípio” um padrão que deve ser observado, não porque vá promover ou assegurar uma situação econômica ou social desejável, mas porque é uma exigência de justiça ou eqüidade ou alguma outra dimensão da moralidade. CF. DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p.37. 67 A expressão é de ZAGREBELSKY, ob. cit., 2007, p.111. 68 CANOTILHO, ob. cit., s.d., p.1087. 69 LARENZ, ob. cit., 1997, p.599-600. 70 idem ibidem.
31
encontra-se integrado ao pensamento jurídico71, produzindo efeitos diretos nas
atividades estatais, como se percebe nos julgados a seguir colacionados:
EMENTA. ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. RUBRICA DO PERITO EM LAUDO TÉCNICO. SUPRIMENTO DOS EFEITOS DA ASSINATURA. INEXISTÊNCIA DE IRREGULARIDADE LEGAL. PREVALÊNCIA DA SUBSTÂNCIA DO ATO EM DETRIMENTO DA FORMA. NÃO OCORRÊNCIA DE LESÃO AOS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE, MORALIDADE, PUBLICIDADE E TRANSPARÊNCIA DOS ATOS PÚBLICOS. RECURSO ORDINÁRIO DESPROVIDO (STJ, 2005)72 (grifo nosso).
EMENTA: REEXAME NECESSÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. SINDICATO DOS MUNICIPÁRIOS DE SÃO LORENÇO DO SUL. SIMUSSUL. PEDIDO DE CERTIDÃO. ARTIGO 5º, INCISO XXXIV, B, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. DIREITO FUNDAMENTAL DE EFICÁCIA PLENA E APLICABILIDADE IMEDIATA. SEGURANÇA CONCEDIDA. O ARTIGO 5º, INCISO XXXIV, B, C/C O ARTIGO 37, CAPUT, AMBOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988, SÃO EXPRESSOS NO SENTIDO DE QUE AOS ADMINISTRADOS É ASSEGURADO O DIREITO DE ACOMPANHAR OS ATOS PERPETRADOS POR QUEM OS REGE. EXPEDIDÇÃO DE CERTIDÃO QUE SE FAZ NECESSÁRIA ANTE A TRANSPARÊNCIA QUE DEVE DITAR O COMPORTAMENTO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. SENTENÇA CONFIRMADA EM REEXAME NECESSÁRIO (TJERS, 2002)73. (grifo nosso)
EMENTA. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CAUTELAR. INDEFERIMENTO LIMINAR. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. INCRA. VISTORIAS. ADMINISTRATIVAS. IMÓVEL RURAL. 1. Indispensável a comunicação ao interessado do dia e hora em que será realizada a vistoria e a apresentação de cronograma de levantamentos preliminares. 2. tal providência se faz necessária para que o vistoriado possa, querendo, indicar assistente técnico para acompanhar os trabalhos, independentemente da interpretação que se dê aos ART-1 e ART-2 DO DEL- 2250/97, que não afastam os princípios
71 Relativamente a idéia de incorporação no pensamento jurídico dos princípios implícitos, traz-se a exposição de Cadermatori: Estes últimos são considerados implícitos, seja por estarem expressos na doutrina ou então, porque se consagraram de forma consuetudinária (sendo que estes últimos ganham uma maior relevância no sistema da commow law). CADERMATORI, Luiz Henrique. Urquhart. Discricionariedade Administrativa no Estado Constitucional de Direito. São Paulo: Juruá, 2001, p.84. 72 Superior Tribunal de Justiça. Recurso em Mandado de Segurança nº 18.254-RS. Rel. Ministro José Delgado. Julgado em 19.05.2005. 73 Tribunal de Justiça do Estado do RS. Reexame Necessário nº 70004557773 – Rel. Des. Vasco Della Giustina. Julgado em 25.09.2002.
32
constitucionais do contraditório e da ampla defesa, bem como o da publicidade e transparência dos atos administrativos (TRF-4ª, 1998)74.
Desta forma, já se pode afirmar, quanto ao princípio da transparência, que
este se revela como um princípio implícito. Além disso, não se pode compreender o
princípio da transparência como sinônimo do princípio da publicidade, assunto que
será referido posteriormente.
O princípio da transparência, como já se teve oportunidade de mencionar,
decorre do princípio democrático, que permeia toda a carta constitucional, detendo,
portanto, um caráter de “centralidade”, conforme lição de Carlos Ayres Britto (2003,
p.186)75. A democracia, enquanto princípio fundamental é, pois, uma “idéia
directiva”, tal qual o princípio do Estado de Direito (LARENZ, 1997, p.676)76. E, da
mesma forma que deste princípio decorre o princípio da legalidade, a democracia se
concretiza através de outros princípios, que se deduzem daquela, como o princípio
da soberania popular (art. 1º, parágrafo único, CR).
No caso, o princípio da transparência, não obstante sua implicitude, mas em
face da sua “força de convicção” (LARENZ, 1997, p.599)77, é dedutível do princípio
maior da democracia, complementando-o em dimensão específica, relativa ao dever
do Estado de mostrar-se em forma e fundo ao cidadão.
Quanto ao caráter de complementaridade, observa Carlos Ayres Britto
(2003, p.167)78:
4.9.1.3. Advirta-se, porém, que o diálogo interprincipal não infirma o significado próprio ou autonomizado de cada princípio dialogante. Ele apenas quer traduzir que, de par com o valor que lhe adensa a individualidade enquanto norma, cada princípio concorre para a significação de outro, ou de outros. Quer por efeito de complementação, quer por efeito de contraposição. Verbi gratia, o princípio da impessoalidade [...] é logicamente dedutível do princípio republicano (de res publica) [...]
74 Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Agravo Regimental em Agravo de Instrumento nº 1998.04.01.029568-1/RS. Re. Desa.Luiza Dias Cassales. Decisão em 20/08/1998. 75 BRITTO, ob. cit., 2003, p. 186. 76 LARENZ, ob. cit., 1997, p.676. 77 LARENZ, ob. cit., 1997, p.599. 78 BRITTO, ob. cit., 2003, p.167.
33
4.9.1.4. Ora bem, se o princípio constitucional é daqueles que tem sua inter-referência marcada por complementação, um deles será o principal e, o outro, secundário. Ter-se-á, então a dicotomia princípio/subprincípio (como se dá entre o mesmo princípio republicano e o princípio da moralidade administrativa).
Mas a complementaridade do princípio da transparência, em relação ao
princípio democrático, aliado à sua implicitude, é somente um dado de anatomia do
instituto. Em ambos, o caráter principiológico determina uma eficácia “em termos
óptimos” (mandado de optimização) (LARENZ, 1997, p.676)79.
Assim, da mesma forma que o princípio da transparência encontra sua
dimensão política no regime democrático, pois a visibilidade das ações do Estado
integra a “natureza da democracia” (BOBBIO, 2000b, p.98)80, deve-se ter presente
que a democracia é “princípio normativo” (CANOTILHO, s.d., p.281)81, o que é
determinante no trato das ações administrativas, sob perspectiva da hermenêutica
jurídica82, cuja tarefa de concretização encontra-se sob responsabilidade das
funções e órgãos constitucionais do Estado, pois, como destacado por Eros Roberto
Grau.83
1.2.1.3 O Fundamento Social
Apesar de a democracia estar expressa como fundamento da Constituição
da República, isso não significa que, por si, como num passe de mágica, todas as
instituições passarão daí por diante a tê-la como norte, na concretude de suas
79 LARENZ, ob. cit., 1997, p.676. 80 BOBBIO, ob. cit., 2000b, p.98. 81 CANOTILHO, s.d., p.281. 82 Relativamente ao vínculo interpretativo que a concepção democrática firma aos operadores do direito, observa Juarez Freitas: Bem por isso, o princípio da democracia (direta ou representativa), por mais controvérsias que suscite o conceito [...], serve de base para a hermenêutica de todos os mandamentos infraconstitucionais. Por certo, o intérprete há de tê-lo em mente no exercício da síntese concreta dos valores conflitantes, em busca do “governo” dos princípios, no lugar dos particularismos arcaicos e arbitrários. Vai daí a relevância do pressuposto democrático e das suas vastas implicações. FREITAS, Juarez. O Controle dos Atos Administrativos. 3.ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p.31-32. 83 [...]. 66. O que peculiariza a interpretação da Constituição, de modo mais marcado, é o fato de ser ela o estatuto jurídico do político..., o que prontamente nos remete à ponderação de “valores políticos”. Como, no entanto, esses “valores” penetram o nível do jurídico, na Constituição, quando contemplados em princípios – seja em princípios explícitos, seja em princípios implícitos – desde logo se antevê a necessidade de os tomarmos, tais princípios, como conformadores da interpretação das regras constitucionais [...]. GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 11.ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p.163-164.
34
ações. É que a teoria democrática se vê permeada de condicionantes estruturais,
sejam de ordem política, econômica, cultural, jurídica. Percebe-se isto na
democracia representativa, modelo adotado na contemporaneidade, que sofre as
vicissitudes das relações sociais, internas e externas, como mostra o cotidiano.
Entretanto, talvez não seja a democracia representativa, enquanto modelo
de delegação da autoridade popular, que esteja em “crise”, mas os “valores” que,
herdados da sua gênese, mostram-se, hoje, mais complexos (TOURAINE, 1996,
p.154-155)84. A evolução do núcleo da luta democrática rompe com a standartização
que pautava a idéia representativa. Esta, historicamente, era idealizada em
determinados substratos sociais, que se radicavam em partidos políticos, que
monopolizavam os centros de diálogo, entre a sociedade e o Estado.
Mas, na atualidade, aquele monopólio encontra-se disperso, fragmentado
em outras instituições representativas – ONG’s, órgãos de classe - o que é
determinante para afirmar-se a existência de uma “crise da democracia
representativa”, que, na realidade, não se traduz num sentido alarmante, mas como
uma conseqüência da alteração dos canais de comunicação.
A “crise”, aceitando-se o termo, se existe, não é do modelo democrático
representativo, mas da forma como se compreendia tal modelo nas suas relações
com a sociedade. De ator principal, o legislador passa a co-partícipe na
transmissão dos anseios sociais. Por certo, essa perda de identidade, historicamente
associada ao exercício da representação popular, cria uma “crise”, que não se
traduz, enquanto crise do, mas no sistema.
Outrossim, necessário atentar para o fato de que o ideal de uma sociedade
pluralista, expressamente consignado no preâmbulo da Constituição da República,
implica num movimento de dispersão dos centros de poder, tornando-se necessária
84 Uma síntese dessa transformação, pode-se encontrar em Alain Touraine: Durante um século, o espaço da democracia foi em grande parte o da atividade econômica e das relações de trabalho. Em uma sociedade pós-industrial onde as indústrias culturais – educação, saúde e assistência social, informação – desempenham um papel mais central do que a produção dos bens materiais, a sorte da democracia está em jogo por toda a parte, no hospital, colégio ou universidade, no jornal ou canal de televisão, pelo menos, tanto quanto nas empresas de produção. A essa ação democrática ampliada deve corresponder um espaço político transformado. Cf. TOURAINE, ob. cit., 1996, p.154-155.
35
uma reconformação da idéia de democracia representativa. Nesse sentido a
preciosa lição de Paulo Bonavides:
Por um certo prisma, governar é legislar; governo é legislatio; governa quem legisla. Em se tratando, porém, de democracia, há que atender a este requisito fundamental: legisla quem tem legitimidade. E legitimidade quem a tem é o povo (BONAVIDES, 2003, p.435)85.
Com o exposto até o presente, não se está idealizando um retorno à
democracia direta, pelas próprias impossibilidades lógicas da atualidade - só o
aumento da população já seria um índice pragmático da impossibilidade -, mas
aceitando as mutações sociais que estão a determinar uma redefinição na relação
Estado-cidadão.
A idéia de democracia participativa é o modelo que melhor representa este
novo momento social. A ampliação da representatividade, pela redistribuição dos
canais de diálogo entre a sociedade e o Estado, mandante e delegado, e a influência
respectiva na tomada de decisões, não somente potencializa a ação do delegado,
mas determina ao mandante que assuma sua responsabilidade enquanto cidadão. É
que, na fórmula clássica da democracia representativa, o voto implica numa outorga
de poder legiferante, portanto, de concretização normativa do “bem comum”, sem
que, necessariamente, tal concretude se apresente na realidade. Por outro lado, a
delegação determina uma sensação de conforto para o mandante, pois possíveis
fracassos e omissões do delegado, são imputados à conduta única deste.
A democracia participativa86, como o próprio núcleo está a indicar, implica na
abertura do Estado ao cidadão, mediante a participação efetiva deste na condução
dos negócios públicos, pois, a participação popular “ocorre no momento da tomada
85 BONAVIDES. Paulo. Teoria Constitucional da Democracia Participativa. 2.ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p.435. 86 Relativamente a importância da concepção da democracia representativa, destaca-se a posição de Streck e Morais: As fórmulas da chamada democracia participativa talvez se constituam como alternativas possíveis de rearticulação de espaços públicos que constituam uma fonte de autoridade cuja legitimidade ultrpasse até mesmo os esquemas procedimentais característicos da democracia representativa, escapando, inclusive, às insuficiências – outras – que esta enfrenta, em particular no que tange à formação da opinião em sociedades dominadas por sistemas de informação cujo controle público é diminuído. Cf. STRECK; MORAIS, ob. cit., 2006, p.158.
36
de decisões, antes ou concomitante à elaboração do ato da Administração; é um
poder político de elaboração de normas jurídicas” (SIRAQUE, 2005, p.112)87.
Poder-se-ia cogitar que tal modelo - de participação popular -, não obstante
sua constante menção teórica, não seria adequado enquanto expressão
constitucional. Tal argumento, entretanto, resta afastado por seu explícito
reconhecimento em sede de controle abstrato de constitucionalidade pelo Supremo
Tribunal Federal:
EMENTA. [...] 1. Além das modalidades explícitas, mas espasmódicas, de democracia direta – o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular (art. 14) – a Constituição da República aventa oportunidades tópicas de participação popular na administração pública (v.g. , art. 5º, XXXVIII e LXXIII; art. 29, XII e XIII; art. 37, § 3º; art. 74, § 2º; art. 187; art. 194, parág. Único, VII; art. 204, II; art. 206, VI; art. 224) (STF, 2002)88.
O indicativo constitucional representa o reconhecimento, pelo legislador, da
necessidade de estabelecer um novo modelo de administração pública, rompendo
com a introversão característica de regimes constitucionais pretéritos, exatamente
pela ampliação da participação do cidadão na condução dos negócios públicos.
Trata-se, outrossim, de um movimento contemporâneo (MEDAUAR, 1992, p.214)89,
sendo que a participação proporciona a construção de uma “ponte entre um mundo
administrativo muito fechado e cidadãos muito esquecidos” (MATHIOT citado por
MEDAUAR, 1992, p.215)90.
A concepção de participação popular, exposta na Constituição da República,
vem gradativamente ampliando seu espaço e tornando, cada vez mais comum, a
participação do cidadão como elemento de validade dos atos estatais, mediante
audiências públicas, consultas públicas, como expressamente consignadas, por
87 SIRAQUE. Vanderlei. Controle Social da Função Administrativa do Estado. São Paulo: Saraiva, 2005, p.112. 88 Supremo Tribunal Federal. ADIN nº 244-9/RJ. Relator. Min. Sepúlveda Pertence. Julgado em 11.09.2002. 89 MEDAUAR, ob. cit., 1992, p.214. 90 MATHIOT, citado por MEDAUAR, 1992, p.215.
37
exemplo, na Lei nº 10.527/2001 (Estatuto das Cidades)91 e na Lei nº 9784/99
(Processo Administrativo)92.
Tal movimento, porém, é característico à órbita dos poderes executivo e
legislativo, certamente, pelas posições fáticas que ostentam na realização dos ideais
da República, por sua própria razão de ser. A idéia de participação popular, por
decorrer da própria concepção de democracia e pluralismo, que, desde o preâmbulo
a Constituição da República, anuncia, reflete-se, inclusive, no âmbito do Poder
Judiciário. A não-análise deste fenômeno, no âmbito desse Poder, ainda que sua
concepção seja mais tênue, implicaria em dissociar-se, este, da obrigação que
ostenta na concretização de uma sociedade plural e democrática.
Pode-se apontar, como exemplo de ampliação da esfera participativa do
cidadão, no âmbito judicial, a previsão contida na Lei nº 11.417/2006, que
regulamenta o processo de edição, revisão e cancelamento da súmula vinculante –
art. 103-A, da Constituição da República. Como preceituado no art. 103-A da
Constituição da República, a súmula, com efeito vinculante, irradiará seus efeitos em
relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e
indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. Trata-se, assim, de instrumento
91 Art. 43. Para garantir a gestão democrática da cidade, deverão ser utilizados, entre outros, os seguintes instrumentos: I -...II – debates, audiências e consultas públicas; III – conferências sobre assuntos de interesse urbano, nos níveis nacional, estadual e municipal; IV - ....V - ....Art. 44. No âmbito municipal, a gestão orçamentária participativa de que trata a alínea f do inciso III do art. 4º desta Lei incluíra a realização de debates, audiências e consultas públicas sobres as propostas do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e do orçamento anual, como condição obrigatória para sua aprovação pela Câmara Municipal. Art.45. Os organismos gestores das regiões metropolitanas e aglomerações urbanas incluirão obrigatória e significativa participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade, de modo a garantir o controle direto de suas atividades e o pleno exercício da cidadania. 92 Art. 31. Quando a matéria do processo envolver assunto de interesse geral, o órgão competente poderá, mediante despacho motivado, abrir período de consulta pública para manifestação de terceiros, antes da decisão do pedido, se não houver prejuízo para a parte interessada. § 1o A abertura da consulta pública será objeto de divulgação pelos meios oficiais, a fim de que pessoas físicas ou jurídicas possam examinar os autos, fixando-se prazo para oferecimento de alegações escritas. § 2o O comparecimento à consulta pública não confere, por si, a condição de interessado do processo, mas confere o direito de obter da Administração resposta fundamentada, que poderá ser comum a todas as alegações substancialmente iguais. Art. 32. Antes da tomada de decisão, a juízo da autoridade, diante da relevância da questão, poderá ser realizada audiência pública para debates sobre a matéria do processo. Art. 33. Os órgãos e entidades administrativas, em matéria relevante, poderão estabelecer outros meios de participação de administrados, diretamente ou por meio de organizações e associações legalmente reconhecidas. Art. 34. Os resultados da consulta e audiência pública e de outros meios de participação de administrados deverão ser apresentados com a indicação do procedimento adotado.
38
cuja mandamentalidade repercutirá em questões sensíveis à sociedade,
especialmente se for considerado que a súmula tem, como um de seus
pressupostos, a relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.
No entanto, a constatação dos efeitos sociais da edição de súmula, com
efeitos vinculantes, tornou necessária a transposição para o seu processo de
formação da figura do amicus curiae, na linha preconizada na Lei nº 9.868/99.
Não obstante, no âmbito do processo sumular, inexiste o requisito da
qualidade dos requerentes à manifestação, diferentemente da previsão da Lei nº
9.868/99, cujo pressuposto é a representatividade dos postulantes. Esta modificação
de tratamento revela uma opção legislativa extremamente democrática, que amplia,
consideravelmente, a esfera de participação no debate constitucional, como se
percebe da dicção do art. 3º, § 2º, da lei da súmula vinculante:
§ 2º No procedimento de edição, revisão ou cancelamento de enunciado da súmula vinculante, o relator poderá admitir, por decisão irrecorrível, a manifestação de terceiros na questão, nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.
A ausência do qualificativo previsto na Lei nº 9.868/99, tendo em vista que
se admite a manifestação de terceiros na questão (art. 3º, § 2º), revela uma pauta
aberta, que rompe o hermetismo característico de uma interpretação constitucional,
fundada numa “sociedade fechada” (HÄBERLE, 2002, p.13)93, utilizando-se a
expressão e o sentido deste autor, indo ao encontro de uma “sociedade aberta dos
intérpretes da Constituição”:
Propõe-se, pois, a seguinte tese: no processo de interpretação constitucional estão potencialmente vinculados todos os órgãos estatais, todas as potências públicas, todos os cidadãos e grupos, não sendo possível estabelecer-se um elenco cerrado ou fixado numerus clausus de intérpretes da Constituição (HÄBERLE, 2002, p.13)94.
93 Quanto ao sentido dessa expressão, sustenta Peter Häberle: Interpretação constitucional tem sido, até agora, conscientemente, coisa de uma sociedade fechada. Dela tomam parte apenas os interprétes jurídicos “vinculados às corporações” (zünftmässige Interpreten) aqueles participantes formais do processo constitucional . Cf. HÄBERLE, ob. cit., 2002, p.13. 94 HÄBERLE, ob. cit., 2002, p.13.
39
Além disso, a idéia síntese de integração e influência na formação da
decisões públicas, caracteriza a participação popular, de integração e influência na
formação das decisões públicas, de “identificação do interesse público de modo
compartihado” (MEDAUAR, 1992, p.216)95, revela-se na abertura procedimental
formulada, pelo espaço de intervenção, que propicia um especialíssimo canal de
comunicação. A súmula vinculante não representa, tão somente, um instituto
processual constitucional, mas uma nova concepção normativa:
A presente positivação constitucional da súmula vinculante é medida de alto impacto para o ambiente jurídico-político de um país como o nosso, de tradição codicística, que tem a norma legal (em sentido largo, como tomado neste estudo) como fonte de direitos e obrigações. O novo instituto, avalia Luis Carlos Alcofarado, “haverá de demarcar nova fase do direito constitucional brasileiro, notadamente porque inova, significativamente, ao conferir à cúpula da Justiça, competência para editar regra jurídica que, doravante, ultrapassa o nicho processual e, pois, se projeta, imperativamente, em todas as esferas judicantes e administrativas, sem concurso da vontade do povo. Em definição, diz-se que o poder vinculante é o exercício da função jurisdicional com efeito normativo que se outorga ao Judiciário, pela vontade da Constituição, para editar súmulas, resultantes de reiteradas decisões sobre a matéria, com força de lei, cujo comando obriga a todos os órgãos do Judiciário e à Administração Pública“ (MANCUSO, 2005, p.703-704)96.
A proposta legislativa, ao reconhecer os efeitos sociais da súmula
vinculante, propiciando que novos atores participem do diálogo de formação e
conformação daquele instrumento, estabelece espaço para um “contraditório social”
(FERREIRA, 2005, p.799)97, pois, não somente os integrantes da sociedade
fechada, ou aqueles que possuam representatividade, são legitimados a
participarem do processo sumular, mas reconhece que:
Todo aquele que vive no contexto regulado por uma norma e que vive com este contexto é, indireta ou, até mesmo diretamente, um intérprete dessa norma [...] Como não são apenas intérpretes jurídicos da Constituição
95 MEDAUAR, ob. cit., 1992, p.216. 96 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Súmula Vinculante e a EC n. 45/2004 in Reforma do Judiciário. (Coord.) WAMBIER, Teresa Arruda Alvim Wambier et al. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p.703-704. 97 Expressão de FERREIRA, William Santos. Súmula Vinculante – Solução Concentrada: vantagens, riscos e a necessidade de um contraditório de natureza coletiva (amicus curiae) in Reforma do Judiciário. (Coord.) WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p.799.
40
que vivem a norma, não detém eles o monopólio da interpretação da Constituição (HÄBERLE, 2002, p.15)98.
Este “contraditório social” (FERREIRA, 2005, p.799)99 importa, inclusive,
numa nova visualização dos fenômenos da participação popular e de controle
social100, até agora geralmente vislumbrado sob ótica da relação do cidadão com os
Poderes Executivo e Legislativo, mas que, como se vê, condiciona, também, o agir
da função judicial.
Destarte, percebe-se que a idéia de participação popular vem,
gradativamente, ocupando espaço na formação das decisões estatais, sejam no
âmbito dos Poderes Executivo e Legislativo, como do Judiciário, ainda que, quanto a
este, de forma especialíssima.
Sendo, a participação popular, forma de integração do cidadão, no âmbito
das decisões públicas, tal inserção condiciona o modo de agir dos poderes e órgãos
do Estado, criando, para este, como consectário lógico, que os processos e
procedimentos sejam abertos ao cidadão. Razão pela qual a participação popular é
determinante à ampliação dos espaços de desvelamento101, sendo fundamento ao
princípio da transparência:
98 HÄBERLE, ob. cit., 2002, p.15. 99 FERREIRA, ob. cit., 2005, p.799. 100 Devemos considerar que a expressão controle social, corriqueiramente é utilizada na relação de fiscalização dos atos administrativos. Não obstante, deve-se ter em mente o exposado por Franco Garelli: “Por controle social se entende o conjunto de meios de intervenção, quer positivos quer negativos, acionados por cada sociedade ou grupo social a fim de induzir os próprios membros a se conformarem às normas que a caracterizam, de impedir e desestimular os comportamentos contrários às mencionadas normas, de restabelecer condições de conformação, também em relação a uma mudança do sistema normativo.” Verbete Controle Social in BOBBIO, Norberto et al. Dicionário de Política. 5.ed. Brasília: Editora UNB, 2000, p.283. E como já sublinhado, a súmula com efeito vinculante deve ser compreendida como novo instituto normativo, portanto, a participação social no processo sumular, reflete uma nova faceta daquela forma der controle. 101 Há nesse sentido discordância com a tese de Wallace de Paiva Martins Júnior, no sentido de que a transparência é pressuposto da participação popular: 45. Pressuposto. Um dos pressupostos da participação popular é a democratização da Administração Pública e de suas relações com a sociedade. A participação popular depende dos graus de transparência, desde o acesso à informação [...], que proporciona o mínimo de participação, a um maior arsenal de abertura à participação e de seus meios. O intuito participativo altera o perfil da gestão do interesse público pela Administração Pública, tornando-o mais aberto e democrático e menos imperial e autoritário. Cf. JÚNIOR, Wallace Paiva Martins. Transparência Administrativa. São Paulo: Saraiva, 2004, p.301.
41
E a transparência da actividade administrativa é assegurada, entre outras formas, pela publicidade da actuação administrativa [...] pela participação dos interessados na gestão efectiva dos serviços administrativos, pela abertura do procedimento administrativo à participação dos interessados, pelo direito de informação do público, pelo direito de os administrados requererem informações sobre o andamento dos procedimentos em que sejam interessados, pelo direito de acesso aos documentos e arquivos administrativos e pela procedimentalização da actividade administrativa [...] (RIBEIRO, 1996, p.192-193)102.
Assim, o princípio da transparência tem, na participação popular, a sua
dimensão social. Se a participação do cidadão nas decisões públicas mostra-se
cada vez mais ampla, esta determina, pela lógica que lhe é subjacente, o incremento
cada vez maior da transparência das ações públicas.
11..33 OO PPRRIINNCCÍÍPPIIOO DDAA TTRRAANNSSPPAARRÊÊNNCCIIAA:: SSUUAA DDIINNÂÂMMIICCAA NNOO TTRRAATTOO
DDAASS RREELLAAÇÇÕÕEESS CCIIDDAADDÃÃOO--EESSTTAADDOO
A transparência, mesmo se traduzindo como um princípio constitucional
implícito, mostra-se como um corolário do mundo contemporâneo. “A transparência
se impôs, hoje, como a norma central de nossa sociedade. A figura do bem passa
pelo fato de poder ser mostrado” (AUBENAS; BENASAYAG, 1996, p.192-193)103.
Tal afirmação do princípio conduz à necessidade de uma reflexão introdutória no
tocante a relação daquele princípio com o da publicidade (art. 37, caput, da CF/88),
em face das novas dinâmicas que a transparência estabelece no diálogo cidadão-
Estado.
Desde a Carta Imperial de 1824, a publicidade dos atos do parlamento se
integrava à vida constitucional. Mas a publicidade, tal como posta nas Constituições
Brasileiras que mantiveram a tradição de 1824, ainda se reduzia a uma dimensão
minimalista, tendo em vista sua relação com o conhecimento das leis e da
possibilidade do exercício do direito de expressão, especialmente pela imprensa,
proporcionando o respectivo controle:
102 RIBEIRO, Maria Teresa de Melo. O Princípio da Imparcialidade da Administração Pública. Coimbra/POR: Almedina, 1996, p.192-193. 103 AUBENAS, Florence; BENASAYAG, Miguel. A Fabricação da Informação. (Trad.) ROANET, Luiz Paulo. São Paulo: Loyola, 2003, p.11.
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As deliberações parlamentares regem-se, ordinariamente, pelo princípio da publicidade, que traduz dogma do regime constitucional democrático. A votação pública e ostensiva nas Casas Legislativas constitui um dos instrumentos mais significativos de controle do poder estatal pela Sociedade Civil (STF, 1994)104.
Mesmo na atualidade, a idéia do princípio da publicidade ainda se vê
atrelada àquela concepção. Não sem motivo que esse princípio é determinante
como condição de eficácia dos atos administrativos (FINGER, 2006, p.80)105, em
face da adoção da “teoria da publicidade” (MEDAUAR, 1992, P.19)106, modelo
ratificado no âmbito jurisdicional:
ADMINISTRATIVO. CARGO PÚBLICO. APOSENTADORIA. RETRATAÇÃO DO PEDIDO. - ANTES DA PUBLICAÇÃO DO ATO. RETORNO AO STATUS QUO ANTE.POSSIBILIDADE. - 1 - Regida a Administração pelo princípio da publicidade de seus atos, estes somente têm eficácia depois de verificada aquela ocorrência, razão pela qual, retratando-se o servidor, antes de vir a lume o ato de aposentadoria, sua situação funcional deve retornar ao status quo ante, vale dizer, subsiste a condição de funcionário ativo. 2 - Recurso em mandado de segurança provido (STJ, 2000; TJRS, 2007, TJRS, 1989)107/108/109.
104 Supremo Tribunal Federal. ADIN nº 1057-3/BA. Rel. Ministro Celso de Mello. Julgado em 20.04.1994. 105 Nesse sentido a afirmação de Finger: A publicidade é também unanimamente reconhecida por todos os administrativistas como requisito de eficácia dos atos e contratos administrativos. Cf. FINGER, Julio César. Constituição e Publicidade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p.80. 106 Cf. MEDAUAR, Odete. Da Retroatividade do Ato Administrativo. São Paulo: Max Limonad. 1992, p.19: A teoria da publicidade revela-se, portanto, mais consentânea com as características do ato administrativo geral. Um texto redigido e assinado, ainda não é vontade expressa; assemelha-se a uma carta assinada, mas não expedida (...) Para provocar repercussão, no mundo jurídico, a vontade da Administração deve ser exteriorizada mediante os meios de publicidade. A publicidade do ato, ponto relevante da forma, constitui elemento da elaboração do ato administrativo que tem por finalidade introduzi-lo na ordem jurídica. A entrada em vigor, a partir da qual podem nascer direitos, obrigações, faculdades, subordina-se a condições de publicidade posteriores à assinatura, realizadas pela inserção do ato em jornal oficial, afixação em local de fácil acesso, notificação pessoal ou ciência no próprio expediente(...). 107 Superior Tribunal de Justiça.Recurso em Mandado de Segurança nº 5164. Rel. Ministro Fernando Gonçalves. Julgado em 15.08.2000. 108 Assim refere oTribunal de Justiça do Estado do RS.Apelação Cível nº 70019028596. Tribunal de Justiça do Estado do RGS. Rel. Des. Jaime Piterman.: APELAÇÃO CÍVEL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. PROMOÇÕES COM EFEITOS RETROATIVOS. RECEBIMENTO DE DIFERENÇAS REMUNERATÓRIAS. ATO DE PROMOÇÃO PUBLICADO COM EFEITOs RETROATIVOs. PRESCRIÇAO QUINQUENAL. INOCORRÊNCIA. A partir da publicação do ato de promoção é que a autora poderia pleitear o pagamento das diferenças, ou seja, é deste ato que se origina o direito. Prescrição qüinqüenal afastada, porque não decorrido o lapso de cinco anos entre a data em que o ato administrativo foi publicado no Diário Oficial, o qual reconheceu o direito às
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Não obstante esta idéia finalística do princípio da publicidade,
constantemente se percebe um atrelamento lingüístico daquele ao princípio da
transparência, mediante uma utilização sinônima das expressões, como se
estivessem tratando de institutos jurídicos idênticos. Mas a extensão contemporânea
destes demonstra sua individualidade própria, especialmente se for considerada a
afirmação nos textos constitucionais do direito fundamental à informação.
O fenômeno do princípio da transparência não possui, temporalmente, uma
data precisa que indique seu reconhecimento, enquanto valor necessário ao Estado
Democrático. Caracteriza, mais, sua integração à consciência jurídica, como um
movimento surgido no século XX. Como destacado por Jorge Miranda, ao tratar do
tema das mutações da Administração Pública:
1. É bem conhecida a contraposição entre a Administração clássica, ligada ao individualismo liberal, e a nova Administração emergente ao longo do século XX, em conexão ao Estado social e com idéias democráticas e participativas [...]. E também se tem distinguido, nas duas ou três últimas décadas, entre Administração autoritária, fechada em si, decidindo em segredo, e a Administração aberta, agindo com publicidade e com comunicação para o exterior [...] (MIRANDA, 1992, p.207)110.
A fim de estabelecer um marco temporal do desenvolvimento do princípio da
transparência, trazem-se as observações de Agustí Cerrilo I Martínez:
Em los últimos años se ha producido um movimento de apertura de las Administraciones públicas hacia los ciudadanos y ciudadanas con el que se há roto su tradicional secreto. Este fenômeno, es decir, la posibilidad de poder ver qué pasa trás las puertas de las oficinas públicas, es conocido como <<transparancia administrativa>>.
promoções em caráter retroativo, e a data do ajuizamento da ação. Apelo desprovido . Julgado em 25.04.2007. 109 Da mesma forma: Tribunal de Justiça do Estado do RS.Mandado de Segurança nº 588074575. Tribunal de Justiça do Estado do RGS. Rel. Des. Silvio Manoel de Castro Gamborgi.: MANDADO DE SEGURANÇA. MUDANÇA DE NÍVEL. DEMORA NA EXPEDIÇÃO DO ATO ADMINISTRATIVO. PUBLICIDADE. NÃO É MAIS AUTOMÁTICA A ELEVAÇÃO DE NÍVEL NO QUADRO DE CARREIRA DO MAGISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. NÃO CONSTITUTI ILEGALIDADE A DEMORA JUSTIFICADA NA EXPEDIÇÃO DO ATO ADMINISTRATIVO PELO INVENCÍVEL VOLUMA E DIFICULDADES BUROCRÁTICAS. INDISPENSÁVEL A PUBLICIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO PARA GERAR EFEITOS JURÍDICOS E INCLUSIVE LEGITIMAR O PAGAMENTO. INEXISTÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. SEGURANÇA DENEGADA . Julgado em 17.11.1989. 110 MIRANDA, Jorge. O Direito de Informação dos Administrados. Antologia Luso-Brasileira de Direito Constitucional. (Org.) SARAIVA, Paulo Lopo. Brasília: Brasília Jurídica, 1992, p.207.
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[...]
Este proceso vino impulsado por las exigencias de incrementar la democracia y legitimación de la Administración pública. De esta forma, podemos considerar que a partir de los años 60 se produce una nueva actitud en los regímens democráticos tendente a la transparencia en la actuación administrativa y, el particular, a la consagración del derecho de acesso de los ciudadanos a la documentación administrativa. A este proceso también se incorporo plenamente la Unión Europea en los últimos años de la década de los 80 (MARTINÉS, 1998, p.27-28)111.
Já Odete Medauar observa que:
A partir do término da Segunda Guerra, acentuando-se nos anos setenta, surge o interesse em alterar a tradição do secreto, predominante na atividade administrativa, mesmo nos países caracterizados nas respectivas Constituições como Estados de direito com regime democrático (MEDAUAR, 1992, p.222)112.
Tendo em vista as observações precedentes, desenvolve-se a idéia do
princípio da transparência no período posterior à proclamação da Declaração
Universal dos Direitos do Homem de 1948. Não sem motivo, sua penetração, na
mentalidade das instituições, ocorre num momento de afirmação da democracia e
dos direitos fundamentais do cidadão, com a derrocada dos regimes totalitários, cuja
expressão é o culto ao segredo.
Porém, como observado por Martinez (1998, p.29)113, a afirmação do
princípio da transparência não foi precedida de movimentos sociais a exigi-lo da
Administração Pública, mas exsurge por força das novas relações desta com o
cidadão, movidas pela maximização das intervenções estatais nas mais diversas
111 Nos últimos anos se tem produzido um movimento de abertura das Administração Públicas para os cidadãos e cidadãs com o que se quebrou seu tradicional segredo. Este fenômeno, é dizer, a possibilidade de poder ver o que se passa por trás das portas dos escritórios públicos, é conhecido como <<transparência administrativa>> [...] Este processo veio impulsionado pelas exigências de incrementar a democracia e a legitimação da Administração pública. Desta forma, podemos considerar que a partir dos anos 60 se produz uma nova atitude nos regimes democráticos tendente a transparência na atuação administrativa e, no particular, a consagração do direito de acesso dos cidadãos à documentação administrativa. A este processo também se incorporou a União Européia nos últimos anos da década de 80. (tradução do autor). MARTINÉZ. Agusti Cerrilo I. La Transparencia Administrativa: Unión Europea y Médio Ambiente. Tirant Lo Blanch, 1998, p.27-28. 112 MEDAUAR. Odete. O Direito Administrativo em Evolução. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992, p.222. 113 MARTINÉZ, ob. cit., 1998, p.29.
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esferas da vida. Trata-se, assim, de um movimento que, mesmo não dissociado do
cidadão, relaciona-se, mais intrinsecamente, com a modificação de paradigmas da
Administração Pública.
No instante em que se inverte a lógica do poder, preponderando o individuo
em face do Estado, irrompe uma idéia de afastamento deste em relação ao cidadão.
Mas afirmação do indivíduo vem conjugada à sua representatividade nos assuntos
políticos, mediante a função legislativa.
O poder legislativo, detendo a representativade do povo, competindo-lhe,
exclusivamente, a produção de normas jurídicas, à função executiva, cabia um
caráter ancilar, de fiel aplicação da lei. Logo, cumprindo a lei, estaria esta acatando
a decisão popular, exercida por seus representantes (CONDESSO, 1995, p.74)114.
Não havia, pois, necessidade alguma de comunicação entre administração e
administrado.
Não obstante, como anota Fernando Condesso (1995, p.75)115, ainda que
sob o prisma da participação popular, que é conexo com a questão da
transparência, duas situações foram preponderantes à reformulação da idéia de
dissociação administração – administrado: a) o aumento da competência legislativa
do poder executivo – v.g.decreto-lei, criando a realidade de uma administração que
obedece “a si própria”, b) a maior proximidade da Administração com o cidadão,
derivada da sua constante “intervenção em todos os domínios da vida social”.
Nesse contexto, a idéia de manutenção de uma administração pública
introversa mostrou-se inconsistente, tendo em vista “las reinvindicaciones sociales
em favor de la plena incorporación del principio democrático a la actuación pública”
(MARTINÉZ, 1998, p.31)116, corporificando-se na concepção de “democracia
administrativa” (CONDESSO, 1995, p.55)117 E, para este movimento de
114 Cf. CONDESSO, Fernando. Direito à Informação Administrativa. Lisboa /POR: Pedro Ferreira, 1995, p.74. 115 CONDESSO, ob. cit., 1995, p.75. 116 As reinvidicações sociais em favor da plena incorporação do princípio democrático na atuação pública (tradução do autor). MARTINÉZ, ob. cit., 1998, p.31. 117 Quanto à idéia democrática, ela não pode deixar de implicar a realização da democracia administrativa a que corresponderá a cidadania administrativa, tradução para o plano da Administração do direito de participação e do conhecimento da actividade pública que o cidadão há
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consolidação do ideal democrático, no âmbito da administração pública, torna-se
corolário o princípio da transparência:
Como pone de relieve ARENA: “en nuestra sociedad, sobre todo em los últimos años, la transparencia y la democracia han devenido dos conceptos tan relacionados que no es posible citar uno sin pensar em el outro, de tal modo que parece obvio afirmar que no puede ejercerse uma verdadera democracia sin transparencia y al revés” (MARTINÉZ, 1998, p.32)118.
Enquanto decorrência da eficácia da idéia democrática, no espaço da
administração pública, o princípio da transparência torna-se instrumento de
legitimidade daquela, sob ângulo da “legitimidad-equidad” (MARTINÉZ, 1998,
p.33)119, ou seja, da transparência enquanto forma de ligação entre a administração
pública e o cidadão.
Detendo, o princípio da transparência, uma ligação genética com a idéia de
Estado Democrático, que neste contexto e texto constitucional encontra um aditivo
muito usufruiu no plano político e que já estava ínsito no Art.º 15º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789. Cf. CONDESSO, ob. cit., 1995, p.55. 118 Como põem em relevo ARENA: “em nossa sociedade, sobretudo nos últimos anos, a transparência e a democracia TEM ESTADO tão relacionados que não é possível citar um sem pensar no outro, de tal modo que parace óbvio afirmar que não se pode SE exercer a verdadeira democracia sem transparência e ao contrário (tradução do autor). MARTINÉZ, ob. cit., 1998, p.32. 119 Adota-se, no tocante a relação transparência-legitimidade, a proposta classificatória de Martinéz: Pero además, el principio de transparencia ha sido uno de los sistemas propuestos por la doctrina dentro del conjunto de mecanismos llamados a ser nuevos mecanismos de legitimidad de la Administración Pública. [...]. Entre los primeros mecanismos que la doctrina ha ido proponiendo...destaca la legitimidad-eficacia que se basa em critérios de racionalidad econômica y de eficácia em la gestión pública...; la legitimidad-eficiciencia, em función de la consecución de los fines u objetivos com los menores costes posibles; la legitimidad-equidad que tendría por fundamento el estabelecimento de nuevas relaciones entre la Administración y el individuo...; la legitimad-consenso que consistiría en que la Administración debe buscar la aceptación de sus decisiones...o la legitimidad participativa que supondría que los afectados pudiensen intervenir de algún modo em la toma de decisiones administrativas. Dentro del mecanismo de legitimidad-equidad se há propuesto el uso de la transparencia como mecanismo de legitimación de la Administración... MARTINÉZ, ob. cit., 1998, p.33. Mas ademais, o princípio da transparência tem sido um dos sistemas propostos pela doutrina dentro do conjunto de mecanismos chamados a ser novos mecanismos de legitimidade da Administração Pública [...]. Entre os primeiros mecanismos que a doutrina tem proposto...destaca a legitimidade-eficácia que se baseia em critérios de racionalidade econômica e de eficácia na gestão pública...; a legitimidade-eficiência em função da consecução dos fins e objetivos com menores custos possíveis.; a legitimidade-eqüidade que teria por fundamento o estabelecimento de novas relações entre a Administração e o indivíduo [...]; a legitimidade-consenso que consistiria em que a Administração deve buscar a aceitação de suas decisões...ou a legitimidade participativa que suporia que os afetados pudessem intervir de algum modo na tomada de decisões. Dentro do mecanismo de legitimidade-eqüidade se há proposto o uso da transparência como mecanismo de legitimação da Administração (tradução do autor).
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na idéia de pluralismo, posta no preâmbulo da Constituição da República, pode-se
dizer que sua concepção sinônima ao princípio da publicidade somente pode ser
entendida enquanto figura de linguagem.
Se, efetivamente, a concepção de publicidade afirmou-se, primariamente, no
âmbito da divulgação dos atos parlamentares, a fim de satisfazer a presunção de
conhecimento, por todos, da lei, e, posteriormente, migra para os demais atos
administrativos, como condição de eficácia dos mesmos, não se pode, na
atualidade, com a difusão social e a respectiva integração legislativa do princípio da
transparência, pretender manter a utilização sinônima da expressões, mas aceitar
que se tratam de institutos jurídicos diversos, ainda que, muitas vezes integrados,
porque a transparência “ultrapassa o âmbito limitado da publicidade” (JÚNIOR, 2004,
p.19)120.
Essa diferenciação – transparência e publicidade – revela-se, enquanto
expressão normativa (LIMBERGER, 2006, p.70)121/122, como demonstra o art. 48, da
Lei Complementar nº 101/2000:
Art. 48. São instrumentos de transparência da gestão fiscal, aos quais será dada ampla divulgação, inclusive em meios eletrônicos de acesso público: os planos, orçamentos e leis de diretrizes orçamentárias; as prestações de contas e o respectivo parecer prévio; o Relatório Resumido da Execução Orçamentária e o Relatório de Gestão Fiscal; e as versões simplificadas destes instrumentos. Parágrafo único. A transparência será assegurada também mediante incentivo à participação popular e realização de audiências públicas, durante os processos de elaboração e de discussão dos planos, lei de diretrizes orçamentárias e orçamento.
120 JÚNIOR, ob. cit., 2004, p.19. 121 Afirmativa no ponto a manifestação de Limberger: O enunciado proferido pela Lei de Responsabilidade Fiscal não é de publicidade, mas sim de transparência. LIMBERGER, Têmis. Transparência Administrativa e novas tecnologias: o dever de publicidade, o direito a ser informado e o princípio democrático. Interesse Público. Notadez. Nº 39, 2006, p.70. 122 Reafirmando a dimensão de controle da legitimidade que a transparência induz, é a exposição de Mendes: O princípio da transparência ou clareza foi estabelecido pela Constituição de 1988 como pedra de toque do Direito Financeiro. Poderia ser considerado mesmo um princípio constitucional vinculado á idéia de segurança orçamentária¹. Nesse sentido, a idéia de transparência possui a importante função de fornecer subsídios para o debate acerca das finanças públicas, o que permite maior fiscalização das contas públicas por parte dos órgãos competentes e, mais amplamente, da própria sociedade. A busca pela transparência é também a busca pela legitimidade. MENDES, Gilmar Ferreira Mendes. In Comentários à Lei de Responsabilidade Fiscal. )Org.) MARTINS, Ives Gandra; NASCIMENTO, Carlos Valder do. São Paulo: Saraiva, 2001, p.335. (grifo nosso).
48
Sem adentrar em questões relativas a este diploma legal e seus reflexos na
estrutura federativa, cingindo-se ao tópico destacado, a inserção topográfica do
princípio da transparência é reveladora do distanciamento de ideal daquele, em
relação ao da publicidade, na ordem normativa.
Enquanto a publicidade se alinha a uma idéia de validação das decisões
administrativas, através da sua exteriorização, a transparência não se cinge a este
“limitado” âmbito, mas busca, primordialmente a integração do sujeito, mediante o
conhecer, na própria formação das decisões públicas. Cabe aqui destacar o
pensamento de Agustín Gordillo: “Pero aun más, se va advirtiendo que la
administración no puede ni debe administrar sola: el pueblo administrativo debe
participar em la decisión administrativa misma” (GORDILLO, 2003, p.II-15)123.
A idéia de publicidade incorpora uma noção de legalidade. O princípio da
transparência revela uma concepção de legitimidade (MARTINÉZ, 1998, p.33)124.
Isto deriva do próprio núcleo-objetivo deste princípio – visibilidade para compreender
os assuntos públicos. Ultrapassa, portanto, tal principiologia a noção de controle do
ato estatal, radicado na sua conformação com o ordenamento jurídico, sentido que
publicidade expressa, para um sentido de zelo “pela íntegra das diretrizes
superiores” (FREITAS, 2004, p.76)125.
Esta compreensão exsurge do próprio ordenamento constitucional, que, de
forma expressa e peremptória, afirma no art. 31, § 3º, da Constituição da República,
a obrigatoriedade dos entes municipais disponibilizarem, aos contribuintes,
anualmente, as contas municipais, para fins de exame e apreciação por parte dos
contribuintes. A estes é deferido o direito de exame e apreciação daquelas, para,
querendo, questionar-lhes a legitimidade. Na expressão de Celso Ribeiro Bastos:
O termo legitimidade é utilizado pela Lei Maior como possuindo um conteúdo próprio, consistente na adequação de algo, não a letra fria da lei, mas aos princípios e valores que informam o ordenamento jurídico do
123 Mas há ainda mais, observa-se que a administração não pode e nem deve administrar sozinha: o povo deve participar das decisões administrativas da mesma (tradução do autor). GORDILLO, Agustín. Tratado de Derecho Adminisrativo. Tomo I. 7.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p.II -15. 124 MARTINÉZ, ob. cit., 1998, p.33. 125 FREITAS, ob cit., 2004, p.76.
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país e até mesmo a consciência jurídica e moral da nação (BASTOS e MARTINS, 2002, p.338)126.
Mas a norma constitucional em apreço, ao afirmar a legitimidade como uma
condição de integridade dos atos estatais, impõe, como de forma assecuratória, o
direito de acesso do cidadão às contas. É a conclusão lógica, ante a previsão de que
estes detêm o direito de exame e apreciação. E o direito à informação administrativa
é instrumental ao princípio da transparência.
Em igual medida é o que se percebe na dicção do artigo da Lei de
Responsabilidade Fiscal transcrito, na medida em que, da mesma forma que torna
compulsória a divulgação pública dos documentos orçamentários e prestações de
contas indicados, revela como necessária à participação do cidadão na sua
formação (art. 48, § único). A transparência assume, assim, papel preponderante na
estruturação do próprio Estado, numa perspectiva de um buen gobierno:
El buen gobierno comprende las tradiciones, instituciones y procesos que determinan como el poder es ejercido, como los ciudadanos utilizan su voz y como las decisiones se toman de acuerdo com el interes general127.
Nesta idéia de interação ativa do cidadão nas decisões públicas
(LIMBERGER, 2006, p.39)128 é que a transparência se revela, enquanto “termo que
parece tender a uma omnicompreensividade à medida da ânsia dos cidadãos em
conhecer tudo o que se mantém oculto em domínios que dizem respeito ou mexe
com a vida da colectividade” (CONDESSO, 1995, p.35)129. Esta necessidade de
visibilidade das ações administrativas, contemporaneamente, não se cinge, pois, à
mera publicação dos atos, sejam legislativos ou administrativos, mas se relaciona a
126 BASTOS. Celso Ribeiro; MARTINS. Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. 2.ed., v.3, Tomo II.São Paulo: Saraiva, 2002, p.338. 127 O bom governo compreende as tradições, instituições e processos que determinam como o poder é exercido, como os cidadãos utilizam sua voz e como as decisões são tomadas de acordo com o interesse geral (tradução do autor). Transparencia y buen gobierno. Fundación Amics de la Universitat Politécnica de Catalunya. Içaria Editorial. 2002.p.16. 128 A idéia vetora da participação, enquanto elemento contemporâneo da legitimidade das decisões estatais, é , também, destacada por Limberger: Nos Estados Democráticos, a livre discussão é um componente jurídico prévio à tomada de decisão que afeta a coletividade e é imprescindível para sua legitimação.CF. LIMBERGER, ob. cit., 2006, p.39. 129 CONDESSO, ob. cit., 1995, p.35.
50
novas formas de integração do cidadão nas ações estatais, na conformação da
realidade social.
Cabe observar, igualmente, que se poderia conceber a idéia de publicidade
como estática. Trata-se de uma “condição” sem a qual os atos estatais não
produzem seus efeitos necessários. Não há, nesta, uma idéia de movimento. Já a
transparência é dinâmica, não se cingindo à idéia de “efeitos”, mas de participação,
envolvimento, e, por certo, também, conhecimento. A transparência é integrativa do
cidadão no núcleo da administração, seja para participar ou saber.
Como se observa, a transparência possui uma dinâmica própria e peculiar
na relação cidadão-Estado, muito diversa da publicidade. Não obstante se traduzir
em princípio implícito, a transparência, cujo fundamento é princípio democrático,
expressando um valor constitucional, encontra elementos ou instrumentos de
exteriorização no direito à informação, como observam J.J. Gomes Canotilho e Vital
Moreira, em relação ao art. 48, da Constituição Portuguesa:
IV. O direito ao esclarecimento sobre actos do Estado e o direito à informação acerca da gestão dos assuntos públicos (nº 2) são componentes essenciais do próprio direito de tomar parte na <<direcção dos assuntos públicos>> (nº 1). Trata-se de direitos a acções positivas do Estado, que correspondem as respectivas obrigações de esclarecer e informar. O direito à informação a que se refere este artigo não diz respeito ao cidadão como particular, interessado num certo procedimento da Administração (cf. art. 268º), mas ao cidadão como membro da comunidade interessada na res publica, dizendo respeito à esfera política propriamente dita. Além de instrumento da transparência dos negócios públicos, o direito à informação e ao esclarecimento constitui garantia da responsabilidade pública (accountability) dos órgãos do poder político e dos titulares (art. 117º) (CANOTILHO; MOREIRA, 2007, p.665-666)130.
E, no âmbito do direito à informação, especificamente na sua vertente de
direito à informação administrativa, na motivação e na participação popular
(MARTINÉZ, 1998, p.36; CONDESSO, 1995, p.37; JÚNIOR, 2004, p.19)131. Mas,
mesmo que esse trinômio faça exsurgir à idéia fundamental da transparência, este
estudo deter-se-á, especificamente, no trato do direito à informação administrativa
130 CANOTILHO; MOREIRA., ob. cit., 2007, p.665/666. 131 Quanto ao trinômio – informação administrativa, motivação e participação – enquanto mecanismos da transparência veja-se MARTINÉZ, ob. cit., 1998, p.36; CONDESSO, ob. cit., 1995, p.37; JÚNIOR, ob. cit., 2004, p.19. Não obstante este autor acrescer a publicidade neste contexto.
51
(CONDESSO, 1995, p.273)132, em razão da sua relação necessária ao controle
jurisdicional das políticas públicas.
132 Expressão de CONDESSO, ob. cit., p.273.
52
2 O DIREITO À INFORMAÇÃO
22..11 OO DDIIRREEIITTOO FFUUNNDDAAMMEENNTTAALL ÀÀ IINNFFOORRMMAAÇÇÃÃOO:: NNOOTTAASS ÀÀ SSUUAA
EEVVOOLLUUÇÇÃÃOO
Dentre os direitos fundamentais do cidadão, o de expressar sua opinião
sempre se revelou como indicativo do distanciamento entre aquele e o Estado. Não
sem motivo é a sua característica, como um direito fundamental de primeira geração,
que se configura pela exigência de condutas de não invasão por parte das
instituições estatais. Trata-se de um direito fundamental que encerra, mesmo na
atualidade, um compromisso do Estado com o cidadão133.
É que a história afirma a circunstância de temor que a difusão das idéias
exerce aos investidos em funções estatais, especialmente aqueles que não
compreendem que a investidura não lhes proporciona “tomar posse dos cargos”134,
seguindo a lógica de uma visão patrimonialista do Estado.
Numa retrospectiva da corrente direito e literatura, colaciona François Ost
que:
Nas Leis, os legistas da colônia dos Magnetes [povo da costa oriental da antiga Tessália] opõem-se igualmente à entrada dos trágicos na Cidade, ou, melhor, os admitem apenas sob condição e mediante uma severa censura: somente as autoridades decidirão se “a obra pode ser aprovada e é boa para ser ouvida pelo público”...Conscientes do temível poder da ficção, os legistas querem manter os poetas à distância para preservar a integridade do direito e da justiça (OST, 2005, p.10)135.
133 Esta relação compromissória encontra-se bem delineada por Celso de Mello: Não custa insistir, neste ponto, na asserção de que a Constituição da República revelou hostilidade extrema a quaisquer práticas estatais tendentes a restringir ou a reprimir o legítimo exercício da liberdade de expressão e de comunicação de idéias e pensamento. Essa repulsa constitucional bem traduziu o compromisso da Assembléia Nacional Constituinte de dar expansão às liberdades do pensamento. Estas são expressivas prerrogativas constitucionais cujo integral e efetivo respeito, pelo Estado, qualifica-se como pressuposto essencial e necessário à prática do regime democrático. Supremo Tribunal Federal.Petição nº 3486. Rel. Ministro Celso de Mello. Julgado em 22.08.2005. 134 Expressão colhida do voto do Min. Carlos Ayres Britto, na Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 12. Julgada em 16.02.2006. 135 OST, ob. cit., 2005, p.10.
53
Em igual contexto está o exemplo de José Cretella Júnior:
Na Antigüidade, a manifestação do pensamento estava sujeita a severas restrições, sendo bastante conhecida a série de perseguições movidas contra o fabulista Fedro, em Roma, por exteriorizar em suas histórias, embora sob forma velada, generalizada crítica social a altas personagens romanas. Não obstante tivesse aprendido, em criança, que “para o plebeu é sacrilégio manifestar-se publicamente” (Caio Júlio Fedro, Fábulas, Livro III, Epílogo, versos 33 a 35), o continuador de Esopo defendeu com teimosia, até o fim da longa existência, o direito de manifestar opiniões que julgava mais justas (JÚNIOR, 1990, p.206)136/137.
Como se percebe dos excertos colacionados, a oposição à liberdade de
manifestar suas opiniões é um cotidiano histórico. Não se caracteriza como traço
marcante de uma dada época, ou lugar, ainda que, certamente, em determinados
momentos, seja característico de certos regimes (totalitarismo). Mas, da mesma
forma que se exterioriza, nas citações acima, o medo dos soberanos retrata a não
subserviência do cidadão ao poder, buscando, sempre, formas e meios para
expressar sua opiniões.
Na sua gênese histórica, conforme Thomas Fleiner-Gerster, a liberdade de
pensamento era associada à idéia de expressão religiosa (GERSTER-FLEINER,
2006, p.148)138. Não sem motivo que um dos grandes libelos em defesa de variante
daquela, ou seja, a liberdade de imprensa, seja a Aeropagítica, de John Milton,
difundida na Inglaterra num ambiente de divisão religiosa entre puritanos e
presbiterianos139. Aquele manifesto foi motivado pela cláusula de censura permitida
na Ordenação de 14 de junho de 1643:
Está portanto decidido pelos Lordes e Comuns no Parlamento que nenhuma Ordenação ou Declaração de ambas ou alguma Casa do Parlamento será impressa por alguém sem a permissão de uma ou ambas
136 JÚNIOR, José Cretella. Comentários à Constituição Brasileira de 1988, V.I. Belo Horizonte: Forense Universitária, 1990, p.206. 137 Para uma análise mais abrangente dos documentos relativos à liberdade de expressão, veja-se FERREIRA, Aluízio. Direito à Informação e Direito à Comunicação. São Paulo: Celso Bastos, 1997, p.114. 138 GERSTER-FLEINER, Thomas. Teoria Geral do Estado. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p.148. 139 Sobre esta ambientação histórica veja-se a exposição de Felipe Fortuna na edição da Aeropagítica consultada.
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as referidas casas; nenhum livro, panfleto, estudo, nem parte de qualquer livro, panfleto, ou estudo será a partir de agora impresso, encadernado, costurado ou posto à venda por qualquer pessoa ou pessoas, a menos que o mesmo seja primeiramente aprovado ou licenciado pelas mãos de representante ou representantes de ambas ou uma das Casas nomeado para autorizar o mesmo [...] (MILTON, 1999, p.192)140.
Mas as palavras de Milton não se fizeram ecoar naquele momento, pois a
censura somente foi revogada em 1694 (FORTUNA in MILTON, 1999, p.25)141.
Não obstante, a preeminência da liberdade de “manifestação exterior do
próprio pensamento” (RUFFIA, 1984, p.543; BARBOSA, 1950, p.257-258)142/143, sua
materialização na liberdade de expressão e opinião, enquanto normas jurídicas144, é
produto da Revolução Francesa (LOPES, 1997, p.182)145. A Declaração dos Direitos
do Homem e do Cidadão de 1789 afirmava:
Art. 10. Ninguém deve ser inquietado por suas opiniões, mesmo religiosas, desde que sua manifestação não perturbe a ordem pública estabelecida em lei.
Art. 11. A livre comunicação dos pensamentos e opiniões é um dos direitos mais preciosos do homem; todo cidadão pode pois falar, escrever, imprimir livremente, respondendo, todavia, pelo abuso dessa liberdade nos casos determinados em lei (COMPARATO, 1999, p.139-140)146.
140 MILTON, John. Areopagítica. Discurso pela Liberdade de Imprensa ao Parlamento da Inglaterra. (Trad.) BARBOSA, Raul Sá. Prefácio e introdução Felipe Fortuna. Rio de Janeiro: Topbooks, 1999, p.192. 141 Cf. Felipe Fortuna, in, Areopagítica.ob.cit.p.26. 142 RUFFIA, Paolo Biscaretti de. Direito Constitucional. (Trad.) DINIZ, Maria Helena Diniz. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1984,p.543. 143 Síntese da importância nuclear dessa liberdade é expressada por Rui Barbosa: De todas as liberdades, a do pensamento é a maior e a mais alta. Dela decorrem todas as demais. Sem ela todas as demais deixam mutilada a personalidade humana, asfixiada a sociedade, entregue à corrupção o governo do Estado. BARBOSA, Rui. Teoria Política. Selecção, coordenação e prefácio de PIRES, Homero. Rio de Janeiro: W.M.Jacson Inc., 1950, p.257-258. 144 Sobre a necessária garantia normativa, o pensamento de Bastos e Martins: Para que possa exercitar a liberdade de expressão do seu pensamento, o homem, como visto, depende do direito. É preciso pois que a ordem jurídica lhe assegure esta prerrogativa e, mais ainda, que regule os meios para que se viabilize esta transmissão. BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. v.2. São Paulo: Saraiva, 1989, p.40. 145 LOPES, Vera Maria de Oliveira Nusdeo. O Direito à Informação e as Concessões de Rádio e Televisão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p.182. 146 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 1999, p.139-140.
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Outrossim, relativamente à liberdade de imprensa, sustentada por John
Milton século antes da Declaração de 1789, têm-se que o “primeiro país a
reconhecê-la foi a Suécia, em 1766, antes, portanto, do surgimento institucional do
Estado de Direito” (LOPES, 1997, p.182)147/148. Mas a referência à Suécia não afasta
a constante menção aos documentos de independência dos Estados Unidos da
América, e a importância, destacada nestes, à liberdade de imprensa (BULIK, 1990,
p.66)149, como expõe Aluízio Ferreira:
De modo que coube aos legisladores constituintes do Estado (então colônia) da Virgínia a primazia de positivação jurídica da liberdade de expressão, especificamente no que concerne a sua manifestação através da imprensa, assim consignando-a no Virginia’s Bill of Rigths, de 12 de junho de 1776, art. 12: “Que a liberdade de imprensa é um dos grandes baluartes da liberdade e jamais pode ser restringida, senão por um governo despótico” (FERREIRA, 2005, p.122)150.
Mas é no famoso texto “O Federalista” que se percebe a importância
fundamental da liberdade de imprensa na formação daquele Estado:
Uma vez que não é possível a observação pessoal, aqueles constituintes irão depender das informações que lhe forem transmitidas por pessoas em que confiam; e como são obtidas tais informações? Evidentemente através das medidas do governo, da imprensa, da correspondência com os representantes e com outras pessoas que residirem no local das deliberações (HAMILTON et al., 2003, 520) 151.
Nesse sentido, pode-se perceber que o valor da liberdade de imprensa –
veículo por excelência da liberdade de expressão do pensamento (FARIAS, 1996,
147 LOPES, ob. cit., 1997, p.182. 148 A Suécia apresenta o regime mais liberal de informação pública. Atos sucessivos regularam o acesso por parte do cidadão a documentos governamentais. O primeiro foi o ato de liberdade de imprensa de 1776, ainda em vigor. Seguiram-se as revisões de 1810, 1812 e 1949. Lei de 1937, permite ao governo classificar alguns de seus atos como secretos. Entretanto essa classificação nãp pode ser feita de maneira prévia à consulta do cidadão. A lei tão somente enumera os assuntos passíveis de justificar a classificação dos documentos como secretos. LACOMBE, Marcelo Barroso. Classificação de documentos sigilosos e Regulamentação da Liberdade de Informação. Nota Técnica. Câmara dos Deputados. 1994. p.3. Disponível em <http://www.camara.gov.br> Acesso em: 22 de maio de 2006. 149 BULIK, Linda. Doutrinas de informação no mundo de hoje. São Paulo: Loyola, 1990, p.66. 150 FERREIRA, ob. cit., 2005, p.122. O autor cita na nota 28 Francis Balle. 151 HAMILTON, Alexandre; MADISON, James. JAY, John. O Federalista. (Trad.) GOMES, Ricardo Rodrigues. Campinas: Russell, 2003, p.520.
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p.128)152 – ultrapassa a mera relação comunicativa entre indivíduos, para afirmar-se
como meio, posto à disposição daqueles, para influenciarem a condução política do
Estado, pois como afirmava John Milton:
Sei, porém, que as possibilidades de erro no governo dos homens existem tanto nas boas quanto nas más administrações. Qualquer magistrado pode ser vítima de falsas informações, principalmente se a liberdade de imprensa estiver limitada ao poder de alguns poucos (MILTON, 1999, p.187)153.
Importância também destacada por João Barbalho, comentando a Carta
Republicana de 1891:
Depois, a livre manifestação do pensamento favorece o exame e critica dos actos das autoridades publicas e leva seos abusos e desvios ao conhecimento dos poderes competentes para corrigil-los (BARBALHO, 1992, p.319)154.
Em razão do contínuo compromisso de assegurar, nos textos
constitucionais, tanto “liberdade de manifestação exterior do próprio pensamento”
(RUFFIA, 1984, p.543)155, quanto à liberdade de imprensa, as Cartas Constitucionais
Brasileiras, desde o império, são unânimes em reafirmá-las, como se observa nos
seus específicos dispositivos - art. 179, IV (1824), art. 72, §12 (1891), art. 113, 9
(1934), art. 122, 15 (1937), art. 141, § 5º (1946), art. 153, § 8º (1967). Mas tais
liberdades veiculavam-se nas Cartas constitucionais passadas, em dispositivo
constitucional único, demonstrando a indicar o seu núcleo comum da liberdade de
expressão.
152 Tal conformação é exposta por Farias: A liberdade de expressão e informação deduz-se da liberdade de manifestação do pensamento. Na verdade, ambas estão sempre unidas porquanto a liberdade de pensamento teria escasso valor sem a correspondente possibilidade de expressar-se ou difundir-se. FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de Direitos. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1996, p.128. 153 MILTON, ob. cit., 1999, p.187. 154 BARBALHO, João. Constituição Federal Brasileira. Comentários. Brasília: Fac-Similar - Senado Federal, 1992, p.319. 155 “[...] liberdade de manifestação exterior do próprio pensamento (dado que este último, se entendido em sentido estrito, aparece sempre, devido a sua natureza, livre e incoercível).” RUFFIA, ob. cit., 1984, p.543.
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Entretanto, como é perceptível, não fazem menção às Cartas
Constitucionais, até a de 1988, quanto a um direito à informação156. A consagração
do direito à informação, enquanto instituto dotado de fisionomia própria, traduz um
processo histórico de afirmação, cujo desenvolvimento somente acontece no Século
XX (SECLAENDER, 1991, p.147)157, especialmente pelas condições de avanço dos
meios de comunicação e o aperfeiçoamento das instituições democráticas.
Um inventário das modificações operadas no âmbito das comunicações
extrai-se do Relatório da Comissão MacBride, da Unesco; lembrando que o mesmo
foi composto na década de 80, do século XX, quando a internet não era uma
realidade popular, não obstante ser antevista no referido informe:
Cuando la prensa de circulación masiva estaba avanzando hacia su apogeo, el descubrimiento de la electricidad hizo surgir otros médios: el telégrafo, el telefono, la radio y el cine. Las nuevas tecnologias se beneficiaron com la experiência de la prensa de circulación masiva y pudieron pasar directamente al campo de las comunicaciones masivas. La invención de la radio em el primer decênio del siglo XX fue uma revolución de grandes proporciones [...]. Para los años treinta había nacido uma rama nueva del periodismo: la radiofusión de noticias.
Una generación más tarde, a fines de los años cuarenta y princípios de los cincuenta, la televisión se convertió em um aspecto de la vida diária [...].
Los últimos quince años han sido particularmente fructíferos em matéria de inventos. Con los dos grandes sistemas internacionales de satélites – Intelsat e Intersputnik – iniciados respectivamente em 1965 y 1971, se han abiertos nuevas posibilidades para las comunicaciones.
[...]
Se está abriendo uma nueva era de la comunicación. Ahora es concebible la construcción de un sistema de comunicación mundial que
156 A explicação é que tal direito estava encoberto na clássica concepção do direito fundamental da liberdade de expressão, exteriorizado nas formas dos direitos à liberdade de pensamento e imprensa, como, aliás, expressamente se infere da formulação textual do art.XIX, da Declaração Universal de 1948. 157 SECLAENDER, Airton C. Leite. O Direito de ser informado – base do paradigma moderno do direito de informação. Revista de Direito Público. n. 99, 1991, p.147.
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conecte cualquier punto del planeta com cualquier outro (MAcBRIDE et al., 1987, p.33-34)158.
Como anota Airton Seclaender (1991, p.147-148)159, a concepção do direito
à informação remonta a 1927, por ocasião da reunião da Sociedade das Nações,
onde se afirmaram os conceitos de liberdade de informar e liberdade de informação.
No entanto, é um documento universal, editado no pós-guerra que incorpora
normativamente a liberdade de informação. A Declaração Universal dos Direitos do
Homem, de 1948, expressa de forma solene e peremptória:
Artigo XIX. Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras (ONU-BRASIL, s.d.)160.
A Declaração, marcada pelas contingências da 2ª Guerra, que derivou da
insensatez do homem, em tempos de “banalidade do mal”, conforme expressão de
Hannah Arendt (2004, p.80)161, que bem sintetiza aquela quadra da história, ao
mesmo tempo em que reconheceu direitos de várias categorias, estabeleceu uma
nova ordem de valores, e um conseqüente comprometimento das nações.
Inaugura-se, com a declaração, uma nova fase dos direitos fundamentais,
cuja síntese foi exposta em observação de Norberto Bobbio:
158 Quando a imprensa de circulação de massa estava avançando para seu apogeu, o descobrimento da eletricidade fez surgir outros meios: o telégrafo, o telefone, o rádio e o cinema. As novas tecnologias se beneficiaram com a experiência da imprensa de circulação de massa e puderam passar diretamente ao campo das comunicações de massa. A invenção do rádio no primeiro decênio do século XX foi uma revolução de grandes proporções [...]. Para os anos trinta havia nascido um novo ramo do jornalismo: a radiodifusão de notícias. / Uma geração mais tarde, nos fins dos anos quarenta e princípio dos cinqüenta, a televisão se converteu num aspecto da vida diária. / Os últimos quinze anos têm sido particularmente frutíferos em relação aos inventos. Com os grandes sistemas internacionais de satélites – Intelsat e Intersputnik – iniciados respectivamente em 1965 e 1971, estão abertas novas possibilidades para as comunicações. / Se está abrindo uma nova era da comunicação. Agora é concebível a construção de um sistema de comunicação mundial que conecte qualquer ponto do planeta com qualquer outro. (tradução do autor). MAcBRIDE, Sean et al. Um Solo Mundo, Voces Múltiples. Comunicación e información em nuestro tiempo. México/MEX: Fondo de Cultura Econômica, 1987, p.33/34. Disponível em <http://www.unesco.org.br> Acesso em: 26 de setembro de 2006. 159 SECLAENDER, ob. cit., 1991, p.147-148. 160 ONU-BRASIL. Disponível em <http://www.onu-brasil.org.br> Acesso em: s.d. 161 ARENDT, Hannah. Responsabilidade e julgamento. São Paulo: Companhia das Letras, 2004, p.80.
59
Por conseguinte, depois dessa declaração, o problema dos fundamentos perdeu grande parte do seu interesse. Se a maioria dos governos existentes concordou com uma declaração comum, isso é sinal de que encontraram boas razões para fazê-lo. Por isso, agora, não se trata tanto de buscar razões outras razões, ou mesmo (como querem os juristas redivivos) a razão das razões, mas de pôr as condições para uma mais ampla e escrupulosa realização dos direitos proclamados (BOBBIO, 1992, p.23)162.
Mesmo sendo desnecessário se referir à importância do texto universal de
1948, em relação aos direitos fundamentais, sua eficácia nos documentos
constitucionais das nações é inegável. Construiu aquele texto um novo paradigma
da compreensão da relação do cidadão com o Estado, calcado no primado da
dignidade da pessoa humana163, constante de seu preâmbulo, como exposto por
Celso de Mello (2004, p.54)164.
É inacreditável que a plena realização dos direitos traduzidos, naquele
instrumento, mostre-se, ainda nos dias de hoje, destacada da realidade, como
expressado por Jean Rivero (2006, p.98)165. Mas o ideal de “afastar, das relações
entre os indivíduos e o poder estatal, o medo da opressão” (MELLO, 2004, p.54)166,
encontra instrumental efetivo com a positivação da liberdade de informação naquela
Declaração.
Ainda que se considere tal explicitude, como intermédia à consagração do
direito à informação como instituto jurídico individualizado (SECLAENDER, 1991,
162 BOBBIO, ob. cit., p.23. 163 Destaca-se do preâmbulo. Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo. Disponível em <http://www.onu-org.br> Acesso em: s.d. 164 A declaração Universal dos Direitos da Pessoa Humana, por isso mesmo, deve representar, na consciência dos governantes responsáveis e dos Estados comprometidos com a causa da liberdade, da justiça, da paz entre os povos e da democracia, o elemento vital e impulsionador de medidas, que, de um lado, visem a afastar, das relações entre os indivíduos e o poder estatal, o medo da opressão e, de outro, tendam a evitar a frustação de sonhos que buscam dar sentido de concreta efetividade às legítimas aspirações do ser humano, banindo, para sempre, das relações entre as pessoas, o ódio e a intolerância, o preconceito e a discriminação que tão profundamente desonram aqueles que os praticam. Cf. MELLO, Celso. Voto proferido no julgamento do Habeas Corpus nº 82424/RS. Crime de Racismo e Anti-Semitismo. Um julgamento histórico do STF. Brasília: Brasília Jurídica, 2004, p..54. 165 A defasagem entre o ideal assim consagrado e práticas nacionais que o contradizem infelizmente não é de surpreender: onde e quando as realidades estiveram em conformidade com a ética afirmada. RIVERO, Jean; MOUTOUH, Hugues. Liberdades Públicas. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p.98. Habeas Corpus nº 82424/RS. 166 MELLO, ob. cit., 2004, p.54.
60
p.148)167, especialmente pelo seu atrelamento aos direitos de opinião e expressão,
qualificando-a, ainda, como uma liberdade e não um direito, demonstrando a
influência da concepção francesa de liberdades públicas e não, ainda, de direito
fundamental, é certo que a influência daquele documento proporcionou a necessária
abertura normativa para o desenvolvimento e reconhecimento posterior do direito
fundamental à informação.
Posterior à Declaração de 1948, a Convenção Européia para Proteção dos
Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, de 1950, reafirmando a
liberdade de informação, segue a tendência daquela declaração de incorporar essa
liberdade à de expressão:
Art 10º - Liberdade de Expressão - 1. Qualquer pessoa tem direito a liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou transmitir informações ou idéias sem que possa haver ingerências de qualquer autoridades públicas e sem considerações de fronteiras.
Mas, se na declaração de 1948, à informação foi dado status de liberdade,
sua consagração, enquanto direito fundamental do homem (SECLAENDER, 1991,
p.150; FERREIRA, 1997, p.140; LOPES, 1997, p.184)168, mormente pela importância
na ordem mundial do documento que incorpora tal concepção, ocorre com a edição
da Carta Encíclica Pacem In Terris, de 11 de abril de 1963, do Papa João XXIII, que
na sua primeira parte, tratando dos direitos que se referem aos valores culturais e
morais, afirma:
Todo ser humano tem direito natural ao respeito de sua dignidade e à boa fama; direito à liberdade na pesquisa da verdade e, dentro dos limites da ordem moral e do bem comum, à liberdade na manifestação e difusão do pensamento, bem como no cultivo da arte. Tem direito também à informação verídica sobre os acontecimento públicos169.
167 Qualificando a liberdade de informação como meramente negativa e descrevendo-a como um simples componente de uma liberdade maior, a Declaração veio, além disso, a dificultar sobremaneira, dado o seu prestígio, o progresso doutrinário rumo à concepção de um direito à informação autônomo e de um direito-crédito de ser informado. SECLAENDER, ob. cit., 1991, p.148. 168 SECLAENDER, ob. cit., 1991, p.150; FERREIRA, ob. cit., 1997, p.140; LOPES, ob. cit., 1997, p.184. 169 Carta Encíclica Pacem in Terris. 5.ed. São Paulo: Paulinas, 2003, p.11.
61
Não obstante a importância da Encíclica para a afirmação do direito à
informação, cabe destacar-se que a Lei Fundamental de Bonn de 1949, já previa
aquele direito (art. 5º), mas tal documento não produziu, no âmbito dos demais
Estados, os necessários efeitos (SECLAENDER, 1991, p.149)170.
Denota-se, da própria dicção e estrutura da exposição textual da Encíclica,
uma ruptura de institutos. Mantendo as clássicas liberdades de manifestação e
imprensa, exterioriza o novel instituto do direito à informação, dando-lhe fisionomia
própria, bem como, e o que será importante para o desenvolvimento da segunda
parte desta exposição, afirmando o dever de veracidade sobre as atividades
públicas. O que é de extrema importância num Estado Democrático de Direito, como
expõe Ronal Dworkin, citando Madison: “[...] um governo popular, sem informação
popular ou os meios de obtê-la, é apenas o prólogo de uma farsa ou tragédia ou,
talvez, ambos [...] um povo que pretende ser seu próprio governante deve armar-se
com o poder que o conhecimento oferece” (DWORKIN, 2001, p.582)171.
22..11..11 AA CCoonnssttiittuuiiççããoo ddaa RReeppúúbblliiccaa ddee 11998888 ee oo DDiirreeiittoo FFuunnddaammeennttaall àà IInnffoorrmmaaççããoo
Recebendo, nos anos que se seguiram à titularidade própria, o direito à
informação foi incorporado a documentos jurídicos de natureza internacional, ou às
constituições nacionais. Sendo que, no Brasil, somente recebeu sua individualização
com o advento da Constituição da República de 1988, que em seu artigo 5º afirmou:
XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;
XXXIII – todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;
Como já referido, as Constituições da República que precederam a de 1988,
seguindo uma concepção vigorante, não tratavam da liberdade de informação, pois,
170 SECLAENDER, ob. cit., 1991, p.149. 171 DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. Ed. Martins Fontes. 2001.p.582.
62
adotando uma perspectiva reducionista, integravam-na como elemento formativo da
liberdade de manifestação exterior do próprio pensamento, sendo este seu núcleo
originário (GONÇALVES, 1994, p.24; LOPES, 1997, p.197; CARVALHO, 1999, p.26;
FARIAS, 1996, p.28)172.
Mesmo após o advento da Declaração de 1948, da edição da Carta
Encíclica Pacem in Terris, da Lei Fundamental de Bonn, a informação, em sede
constitucional brasileira, não perde este caráter.
Entretanto, se, anteriormente, poder-se-ia conceber, como o fez a
Declaração de 1948, a informação enquanto liberdade pública, integrando-a como
elemento formativo da liberdade de expressão (GONÇALVES, 1994, p.24)173,
atualmente, sua visualização é de um direito fundamental do cidadão com fisionomia
constitucional própria174. Convém referir-se, nesse ponto, tendo em vista a afirmação
do parágrafo precedente, que a expressão “liberdade de informação” será utilizada
para se situar na evolução histórico-jurídica do instituto, bem como essa expressa
adoção terminológica em determinados textos legais, utilizados como referência
(SARLET, 1998, p.30-31)175.
172 Sobre o assunto veja-se GONÇALVES, Maria Eduarda. Direito da Informação. Coimbra/POR: Almedina, 1994, p.24; LOPES, ob. cit., 1997, p.197; CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de. Direito de Informação e Liberdade de Expressão. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p.26; FARIAS, ob. cit., 1996, p.128. 173 No aspecto da formação, transcreve-se a opinião de Gonçalves: Na óptica do liberalismo, só se a informação pudesse ser tornada pública, sem impedimentos, viria a verdade à luz do dia. É assim que a liberdade de expressão passa a estar associada à liberdade de imprensa e de outros meios de comunicação social. GONÇALVES, ob. cit., 1994, p.24. 174 Tal individualidade, relaciona-se com a idéia de positivação, enquanto explicitação dos direitos fundamentais na ordem constitucional. Los derechos fundamentales poseen um sentido um sentido más preciso y estricto, ya que tan solo describen el conjunto de derechos y libertades jurídica e institucionalmente reconecidos y garantizados por el Derecho positivo. Se trata siempre, por tanto, de derechos delimitados espacial y temporalmente, cuya denominación responde a su carácter básico o fundamentador del sistema jurídico político de Estado de Derecho. Cf. LUÑO, ob. cit., 2005.p.47. 175 Pois apropriada a lição de Ingo Sarlet: Além deste forte argumento ligado ao direito positivo, o qual por si só já bastaria para justificar a nossa opção terminológica, a moderna doutrina constitucional, ressalvadas algumas exceções, vem rechaçando progressivamente a utilização de termos como “liberdades públicas”, “liberdades fundamentais”, “direitos individuais” e “direitos públicos subjetivos”, “direitos naturais”, “direitos civis”, assim como as suas variações, porquanto, - ao menos em termos genéricos- anacrônicos e, de certa forma, divorciados do estágio atual da evolução dos direitos fundamentais no âmbito de um Estado (democrático e social) de Direito..., até mesmo em nível do direito internacional, além de revelarem, com maior ou menor intensidade, uma flagrante insuficiência no que concerne à sua abrangência, visto que atrelados a categorias específicas do gênero direitos fundamentais [...] SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p.30-31.
63
A concepção da liberdade de informação surge no período intermédio das
grandes guerras mundiais. Enquanto direito de liberdade, ou uma liberdade pública,
atrela-se a uma concepção vigorante de institutos jurídicos cujo objeto era,
exatamente, tolher a ação estatal.
Assim, a Declaração de 1948, que é explícita em afirmar que a liberdade de
informação integra os direitos de opinião e expressão, direitos estes, historicamente,
de natureza defensiva, ou negativa:
Assumem particular relevo no rol desses direitos, especialmente pela sua notória inspiração jusnaturalista, os direitos à vida, à liberdade, à propriedade e à igualdade perante a lei. São, posteriormente, complementados por um leque de liberdades, incluindo as assim denominadas liberdades de expressão coletiva (liberdades de expressão, imprensa, manifestação, reunião, associação, etc.) [...] (SARLET, 1998, p.48) (grifo nosso)176.
A perspectiva da informação, enquanto liberdade, não era imprópria, se for
considerada sua integração ao direito de liberdade de expressão, este, por sua vez,
dotado de toda sua carga histórica de matriz individualista. Afinal, os direitos
fundamentais de primeira geração são característicos de uma época de
emancipação do homem na sua relação com o Estado. Sob perspectiva do
indivíduo, na sua relação com a conformação da estrutura do Estado liberal, a
informação afirmou-se como elemento integrador, como anotou José Carlos Vieira
de Andrade:
Por outro lado, não pode haver comportamento racional sem informação suficiente, sem publicidade. A construção individual da <<vontade geral>> - a ascensão ao interesse <<nacional>> - exige cidadãos esclarecidos (<<ilustrados>>), que tenham tempo para se cultivarem e que não vejam a realidade distorcida por necessidades (materiais) que o corrompem. Daí que se reservasse o direito de voto e o de ser eleito aos proprietários, a uma nova aristocracia, absolvida de interesses, rica porque diligente ou abençoada [...] (ANDRADE, 2004, p.52)177.
176 SARLET, ob.cit.,1998, p.48. (grifo do autor). 177 ANDRADE. José Carlos Vieira de. Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. 3ª ed. Almedina. 2004.p.52.
64
O pensamento político liberal, radicado numa concepção individualista 178 do
homem, inverte a lógica da formulação do poder. Este, não sendo atributo inato do
soberano, mas uma outorga do cidadão ao Estado, torna necessário não mais
aceitar a tese de que direitos do homem, como a vida ou a liberdade, podem
subsistir e se desenvolver sem a necessária normatização na ordem jurídico-estatal.
Por esta razão, as palavras contidas na Declaração Francesa de 1789179.
Desta forma, a atuação favorável do Estado deve estar consignada no
contrato fundamental, como expresso na Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão de 1789:
Os representantes do povo francês, constituídos em Assembléia nacional, considerando a ignorância, o descuido ou o desprezo dos direitos humanos são as únicas causas das desgraças públicas e da corrupção dos governos, resolveram expor, numa declaração solene, os direitos naturais, inalienáveis e sagrados do homem, a fim de que essa declaração, constantemente presente a todos os membros do corpo social, possa, lembrar-lhes sem cessar seus direitos e seus deveres; a fim de que os atos do poder legislativo e os do poder executivo, podendo ser a todo instante comparados com a finalidade de toda a instituição política, sejam por mais respeitados; a fim de que as reclamações dos cidadãos, fundadas doravante em princípios simples e incontestáveis, redundem sempre na manutenção da Constituição e na felicidade de todos (COMPARATO, 1999, p.138) (grifo nosso)180.
E, na mesma linha de sentido, o texto da Declaração de Independência dos
EUA de 1776:
Consideramos as seguintes verdades auto-evidentes, a saber, que todos os homens são criaturas iguais, dotadas pelo seu Criador de certos direitos inalienáveis, entre os quais a vida, a liberdade e a busca da felicidade.
178 No que respeita a idéia de individualidade, se segue a lição de Bobbio: Concepção individualista significa que primeiro vem o indivíduo ( o indivíduo singular, deve-se observar), que tem valor em si mesmo, e depois vem o Estado, e não vice-versa, já que o Estado é feito pelo indivíduo e este não é feito pelo Estado... BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. São Paulo: Campus. 11.ed., 1992, p.60. 179 Sobre a idéia de individualismo constante na Declaração de 1789 veja-se RIVERO. Jean e MOUTOUTH. Hugues.op.cit.págs.58 e 59. 180 COMPARATO, ob. cit., 1999, p.138.
65
É para assegurar esses direitos que os governos são instituídos entre os homens, sendo seus justos poderes derivados do consentimento dos governados (COMPARATO, 1999, p.91)181.
A matriz liberal, calcada na proteção da liberdade, enquanto autonomia
(BOBBIO, 2000, p.489)182, exterioriza-se nos grandes textos constitucionais,
indicando que o Estado deve ao indivíduo um dever de abstenção em sua esfera de
desenvolvimento pessoal, aqui compreendida em sentido amplo, incluindo o
econômico, como se percebe pela integração da propriedade no núcleo dos direitos
invioláveis e sagrados da Declaração de 1789183. Esta maximização da liberdade e a
busca da diminuição das tarefas (deveres) do Estado, de acordo com Miranda (2002,
p. 47)184, representam a essência do liberalismo (OHLWEILER, 2000, p.10)185.
Essas breves considerações possibilitam compreender o estágio inicial da
idéia de liberdade de informação, ou seja, de conteúdo tipicamente individual, que
determina, ao Estado, um dever de abstenção. Como explicitamente definido na
Declaração de 1948, uma liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de
procurar, receber e transmitir informações.
No entanto, se a liberdade de informação, no seu primeiro estágio, afigura-
se pelo conteúdo negativo, de abstenção do Estado em tolher a procura,
recebimento e difusão por parte do cidadão, a evolução dos meios e instrumentos de
181 COMPARATO, ob. cit., 1999, p.91. 182 Trata-se da autonomia, enquanto idéia transformadora da concepção de liberdade, como exposto por Bobbio: A primeira ampliação do conceito de liberdade ocorreu com a passagem da teoria da liberdade como não-impedimento para a teoria da liberdade como autonomia, quando a “liberdade” passou a ser entendida não mais apenas como o não ser impedido por normas externas, mas como a dar leis a si próprios, e portanto não tanto como o não ter leis, tal como entendia Hobbes, mas sim como o obedecer a leis estabelecidas por nós mesmos. BOBBIO, ob. cit., 2000.p.489. 183 Art. 17. Sendo a propriedade um direito inviolável e sagrado, ninguém pode ser dela privado, a não ser quando a necessidade pública, legalmente verificada, o exigir de modo evidente, e sob condição de uma justa e prévia indenização. COMPARATO, ob. cit., 1999, p.140. 184 Este aspecto do liberalismo é retratado por Miranda: O Estado constitucional, representativo ou de Direito surge como Estado liberal, assente na idéia de liberdade e, em nome dela, empenhado em limitar o poder político tanto internamente (pela sua divisão) como externamente (pela redução ao mínimo das suas funções perante a sociedade). MIRANDA, ob. cit., 2002, p.47. 185 O Estado Moderno (Séc.XVI) assumiu uma feição liberal, após emergir de um período de absolutismo, sendo, por razões óbvias, predominantemente o aspecto da limitação da atividade estatal, mostrando-se imperiosa uma necessária tutela das liberdades individuais. Dentro de uma perspectiva econômica, “o liberalismo que lhe inspira está baseado sobre o princípio da limitação da intervenção estatal, da liberdade do indivíduo e da crença na superioridade da regulação espontânea (Hayec) da sociedade” [...]. Cf. OHLWEILER, ob. cit., 2000, p.10.
66
comunicação, a concepção da informação, enquanto bem comercializável, o
desvelamento de novos direitos fundamentais, e a própria concepção de um Estado
Democrático de Direito, impulsionaram a visualização autônoma de um direito
fundamental à informação, agora não mais calcado na individualidade, enquanto
direito de primeira geração, mas ampliando seu espectro, de forma a revestir-se de
uma múltipla dimensão.
Para o reconhecimento da informação, enquanto um direito fundamental do
cidadão o Poder Constituinte de 1988, adotou, por assim dizer, uma visão
pragmática. Percebendo a importância daquele instituto para o desenvolvimento da
sociedade democrática destacou, o mesmo, do seu núcleo originário – a liberdade
de expressão – dando-lhe fisionomia institucional própria e autônoma enquanto
direito fundamental, optando, assim, por sua positividade (VIEIRA, 2006, p.36)186, ou
positivação (CANOTILHO, 2007, p.353)187, no Título II – Dos Direitos e Garantias
Fundamentais, da Constituição da República.
Utilizando-se de um critério de análise literal do texto constitucional, se
percebe a dissociação da informação em relação à liberdade de expressão, bem
como sua autonomia:
Art. 5º [...] - IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; [...] XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional; [...] XXXIII – todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;
186 Embora incorporados pelo direito positivo, os direitos fundamentais continuam a partilhar de uma série de características com o universo moral dos direitos da pessoa humana. Sua principal distinção é a positividade, ou seja, o reconhecimento por uma ordem constitucional em vigor. Cf. VIEIRA, Oscar Vilhena. Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2006, p.36. 187 A positivação de direitos fundamentais significa a incorporação na ordem jurídica positiva dos direitos considerados “naturais” e “inalienáveis” do indivíduo. Não basta uma qualquer positivação. É necessário assinalar-lhes a dimensão de Fundamental Rigths colocados no lugar cimeiro das fontes de direito: as normas constitucionais. Cf. CANOTILHO, ob. cit., 2007, p.353.
67
Porém, o direito fundamental à informação, se previsto constitucionalmente,
por si só não exterioriza, na sua literalidade, os reflexos que lhe são próprios na
ordem jurídica brasileira. É que, como já mencionado anteriormente, aquele direito
não pode ser visualizado unicamente com características de um direito fundamental
de primeira geração, onde o que se quer é a abstenção de condutas estatais de
interferência.
O direito à informação, partindo-se de uma visão literal do texto
constitucional, e, diversamente de outros documentos constitucionais, não delimita,
explicitamente, sua dimensão de conteúdo, ao menos na sua norma genérica - é
assegurado a todos o acesso à informação (art.5º, XIV, da CRB).
Essa linguagem pode determinar o entendimento de que o direito à
informação somente abrange, no seu âmbito de incidência, as condutas preventivas
explicitadas na Declaração de 1948, ou seja, de procura, recepção e transmissão da
informação.
Assegurado o acesso, este engloba, tanto a procura, quanto a recepção,
sendo que a transmissão é um consectário lógico. Quanto ao conteúdo do direito à
informação, à luz do texto constitucional, defende Celso Ribeiro Bastos:
Se formos adaptar o texto do mestre português à realidade brasileira, teremos o seguinte: nada é previsto na Constituição quanto ao direito a informar, na sua modalidade positiva, isto é: o Texto não confere a ninguém direitos a meios de informar, a não ser o caso do acesso dos partidos políticos à televisão. O nosso texto consagra o direito de se informar (BASTOS e MARTINS, 1989, p.81) (grifo nosso)188.
Não obstante esse magistério, a compreensão contemporânea do direito à
informação é ampliativa e não minimalista. Certo que, na sua fase inicial,
preponderava a proteção à “liberdade de informação”, fundada numa concepção de
um direito fundamental de primeira geração, enquanto direito de defesa à ingerência
do Estado. Mas, como já manifestado, tal forma de entendimento retrata a fase
liberal do direito à informação. E, como referido por J. Xifra-Heras, em estudo
clássico sobre a informação:
188 BASTOS e MARTINS, ob. cit., 1989, p.81.
68
[...]. c) Superando a fase crítica das últimas guerras, ressurge a regulamentação do direito á informação, a partir de uma perspectiva institucional ou funcional. Já não é concebido como exercício de uma liberdade individual isolada, nem qual meio a serviço de uma ideologia política, mas qual instrumento de desenvolvimento social (XIFRA-ERAS, 1975, p.285)189.
Da mesma forma que os direitos fundamentais de segunda geração são
característicos do Estado Social, esta nova concepção de Estado é determinante à
nova interpretação do direito à informação, pois, como referido por Luiz Gustavo
Grandinetti de Carvalho:
O Estado verdadeiramente social deve ir adiante e assegurar a livre informação sob uma nova dimensão participativa e pluralista, com o objetivo final de aperfeiçoar a democracia, fundada não só na liberdade, mas no princípio da igualdade e da dignidade; democracia que persegue a elevação do espírito humano por meio da educação e do fim da marginalização (CARVALHO, 2003, p.82)190.
As condutas positivas do Estado, que são características dos direitos
fundamentais de segunda geração, influenciam na conformação de um novo
conteúdo do direito à informação, pela necessidade do estabelecimento de
condições para o seu livre desenvolvimento, que, na sua finalidade última,
proporcionam o devido esclarecimento do cidadão sobre os negócios públicos.
Afinal, como exterioriza José Luis Bolzan de Morais:
Entretanto, não podemos deixar de referir que, também os ditos direitos de liberdade – primeira geração – implicam, a partir de sua necessária e intrínseca conexão com os ditos direitos prestacionais, demandar uma concretização positiva das condições necessárias e suficientes para sua ampla usufruição.
Poderíamos, assim, exemplificar esta posição a partir da tomada em consideração da liberdade de expressão. Ora, se no contexto atual, pretendermos que alguém possa se dizer apto a usufruir desta liberdade, necessariamente teremos que referir que, para tanto, é inderrogável o acesso ao conhecimento, à informação, à educação como aspectos instrumentais da liberdade. E, se tais acessos pressupõem uma atitude facilitadora/implementadora, positiva/prestacional, positiva de desobstrução e/ou de viabilização da obtenção das condições mínimas que
189 XIFRA-HERAS, J. A informação. Análise de uma liberdade frustrada. São Paulo: LUX - Editora da Universidade de São Paulo, 1975, p.285. 190 CARVALHO, Luiz Gustavo Grandinetti de. Liberdade de Informação e o Direito Difuso à Informação Verdadeira. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p.82.
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permitem a prática da liberdade, com uma nítida atitude promocional, por parte da autoridade pública, veremos que para que a as liberdades se exercitem não é suficiente o não-impedimento de sua prática, mas se faz presente a imperiosidade de sua promoção através da construção das condições infra-estruturais mencionadas (MORAIS, 2002, p.69)191.
Mas, se deve, o Estado, promover ações tendentes a ampliar o espaço da
informação ao cidadão, isso significa proporcionar, às mesmas, condições para a
formulação de juízo relevante sobre as atuações do poder público, ampliando seu
espaço de participação nas decisões governamentais.
Conceber-se o direito fundamental à informação, somente sob uma
perspectiva de procura e recebimento, dissolve sua essência na sociedade
contemporânea, especialmente a brasileira, a qual a Constituição da República
afirma, no seu artigo inaugural, ser um Estado Democrático de Direito.
Assim, não basta que, ao cidadão, seja disponibilizado o direito à
informação, sob uma perspectiva de procura, recebimento e difusão; é necessário
reconhecer-se uma nova dimensão, a do direito a ser informado192.
Sobre esta nova perspectiva observa Luiz Gustavo Grandinetti de Carvalho:
O postulado liberal da livre informação só garante que o informado noticie o que ele quiser noticiar, da maneira como quiser e no momento que entender oportuno. O componente social será o responsável pelo direito do informador pesquisar e pelo dever de o Poder Público permitir ser pesquisado, pelo direito do público de receber informação, pelo direito desse público de selecionar a informação que deseja receber e, talvez o mais importante, pelo direito do público à informação verdadeira (CARVALHO, 2003, p.82)193.
O direito a ser informado – ou “direito à informação verdadeira”, na
expressão de Luiz Gustavo Grandinetti de Carvalho (2003, p.91)194 e Rosane
191 MORAIS, ob. cit., 2002, p.69. 192 Cabe destacar o pensamento de Celso Ribeiro Bastos e Ives Granda Martins: O que não vislumbramos na Lei Maior é a plenitude do direito, assegurado na Constituição Portuguesa, de ser mantido adequada e verdadeiramente informado desde logo pelos meios de comunicação. Vamos é certo encontrar uma modalidade deste direito no inc. XXXIII deste artigo, que assegura o direito de ser informado pelos órgãos públicos. BASTOS e MARTINS, ob. cit., 1989, p.81. 193 CARVALHO, ob. cit., 2003, p.82. 194 CARVALHO, ob. cit., 2003,.p.91.
70
Heineck Schmitt (2000, p.219)195, traduz-se, em síntese, pelo direito que o público
receptor das notícias difundidas pelos meios de comunicação tem a uma informação
veraz.
A importância desse conteúdo do direito, a ser informado, pode ser
percebida no âmbito da decisão proferida pela Suprema Corte do EUA, no caso New
York Times vs. Sullivan, quando estabelece, como requisito para indenizações por
notícias veiculadas pela imprensa, quando promovida por agente público, à prova da
“temerária desconsideração” (reckless disregard) “pela veracidade ou falsidade das
informações ali contidas”:
A grande decisão que a Suprema Corte tomou em 1964, no caso New York Times vs. Sullivan é um dos elementos centrais desse esquema constitucional de proteção...Segundo a Primeira Emenda à Constituição, o Estado “não pode elaborar nenhuma lei [...] que limite a liberdade de expressão ou a liberdade de imprensa”. Na decisão Sullivan, a Corte afirmou que, a partir desse dispositivo constitucional, se conclui que nenhum servidor público ou ocupante de cargo público pode ganhar uma ação contra a imprensa, a menos que prove não só que a acusação feita contra ele era falsa e nociva, mas também que o órgão de imprensa fez essa acusação com “malícia efetiva” – que os jornalistas não só foram descuidados ou negligentes ao fazer as pesquisas para a reportagem, mas que também a publicaram sabendo que era falsa ou com “temerária desconsideração” (reckless disregard) pela veracidade ou falsidade das informações ali contidas (DWORKIN, 2006, p.311)196.
Também se pode apreender a importância crescente do direito a ser
informado, nas manifestações do Tribunal Constitucional Federal Alemão,
relativamente à radiodifusão, na decisão BVerfGE 57,295 – Rundfunkentscheidung:
b) [...] Precisamente, encontram-se neste ponto diversas posições de direitos fundamentais que podem colidir entre si: por um lado, a pretensão jurídica decorrente da liberdade de informação à informação ampla e verídica; por outro lado, a liberdade de expressão do pensamento daqueles que produzem as programações ou falam nos programas. É função do legislador harmonizar [resolver] tais colisões (grifo nosso).
[...]
195 SCHMITT. Rosane Heineck. Direito à Informação – liberdade de imprensa x direito à privacidade. In A Constituição Concretizada. Construindo pontes com o público e o privado. (Org.) SARLET, Ingo Wolfgang. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p.219. 196 DWORKIN, ob. cit., 2006, p.311.
71
É assunto da própria decisão do legislador como ele cumprirá a tarefa. A Grundgesetz não lhe prescreve nenhuma forma determinada da organização de rediofusão; o essencial é que a formação de opinião livre, ampla e verídica seja garantida conforme exposto e que os prejuízos ou desenvolvimentos errôneos sejam evitados (MARTINS, 2005, p.478-479)197 (grifo nosso).
É extreme de objeções a preocupação com a dimensão do direito a ser
informado, pelo confronto de direitos fundamentais que podem ocorrer com a notícia
divulgada – honra privacidade etc, mas é assunto que se afasta do âmbito de nossa
análise.
Quanto ao direito a ser informado – enquanto direito à informação verdadeira
– a Lei Fundamental da Espanha, no seu art. 20 determina:
Artículo 20. - 1. Se reconocen y protegen los derechos: a) A expresar y difundir libremente los pensamientos, ideas y opiniones mediante la palabra, el escrito o cualquier otro medio de reproducción. b) A la producción y creación literaria, artística, científica y técnica. c) A la libertad de cátedra. d) A comunicar o recibir libremente información veraz por cualquier medio de difusión. La ley regulará el derecho a la cláusula de conciencia y al secreto profesional en el ejercicio de estas libertades198.
Buscando estabelecer padrões para a compreensão do dever de veracidade,
especialmente em face do conteúdo axiológico de verdade, anota Eduardo Espín ao
texto espanhol:
Desde luego, por veracidad de una información há de entenderse, em principio, la correspondencia de los hechos y circunstancias descritos con la realidad, al menos com sus elementos esenciales. Ahora bien, como ha señalado el Tribunal Constitucional, no puede pretenderese que esa correspondencia sea total, pues ello convertería la garantía constitucional de la libertad de información em algo puramente teórico. De esta manera, el alto Tribunal há interpretado que una información es veraz, a los efectos de su protección constitucional, cuando há sido suficientemente contrastada antes de su divulgación, aunque luego pueda contener errores o inexactitudes. Ciertamente uma información constratada siempre presentará uma correspondencia básica com la realidad, pero la manera de verificar si
197 BVerfGE 57, 295. SCHWABE, Jüngen. Cinqüenta anos de jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal Alemão. (Org.) MARTINS, Leonardo. Montevideo: Konrad-Adenauer-Stiftung, 2005, p.478-479. 198 Artigo 20. 1. Se reconhecem e protegem os direitos: d) A comunicar e receber livremente informação veraz por qualquer meio de difusão. A lei regulará o direito a claúsula de consciência e ao segredo profissional no exercício destas liberdades. (tradução do autor). Constituição da Espanha. Disponível em <http://www.tribunalconstitucional.es> Acesso em: 02 de junho de 2007.
72
es o no veraz no será la de contrastar el grado de esa correspondencia, sino comprobando si el informador há verificado o no convenientemente la exactitud de la noticia que transmite (SSTC 171 y 172/90, casos Comandante Patino I y Comandante Patino II) (GUERRA et al., 1997, p.268)199.
Desta forma, em razão do até aqui exposto, o direito fundamental à
informação, não se reduz à dimensão de procura, recebimento e difusão, mas, em
face da ampliação dos meios de comunicação, e da importância destes na formação
da opinião pública, agrega-se um componente qualitativo, o do direito a ser
informado.
Assim, não obstante posições que sustentam que o conteúdo do direito à
informação, tal qual posto na Constituição da República, não compreende um direito
a ser informado, trata-se de uma interpretação ainda lastreada numa concepção
tradicional da informação, enquanto direito de defesa, cujo conteúdo individual é
relevante.
Da mesma forma, o direito à informação, hoje, traduz-se como um direito
coletivo, conforme assentado no E. Superior Tribunal de Justiça200. Cabe referir,
ainda neste ponto, que é o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana
(art. 1º, III, da CRB) que ampara na sociedade contemporânea o direito a ser
informado:
199 Desde logo, por veracidade de uma informação se deve entender, em princípio, a correspondência dos fatos e circunstâncias descritos com a realidade, ao menos com seus elementos essenciais. Agora bem, com já assinalado pelo Tribunal Constitucional, não se pode pretender que essa correspondência seja total, pois isso converteria a garantia constitucional da liberdade de informação em algo puramente teórico. Desta maneira, o alto Tribunal tem interpretado que uma informação é veraz, para os efeitos da proteção constitucional, quando tenha sido suficientemente contrastada antes de sua divulgação, embora logo possa conter erros ou inexatidões. Certamente uma informação contrastada sempre apresentará uma correspondência básica com a realidade, mas a maneira de verificar se é ou não veraz não será a de contrastar o grau desta correspondência, se não comprovando se o informador haja verificado ou não convenientemente a exatidão da notícia que transmite. (tradução do autor). GUERRA, Luis López; ESPÍN, Eduardo; MORILLO, Joaquín García; TREMPS, Pablo Pérez; SATRÚSTEGUI, Miguel. Derecho Constitucional. vol.I. Valencia: Tirant lo Blanch, 1997, p.268. 200 EMENTA. AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. CRIMES CONTRA A HONRA. LEI Nº 5.250/67. DIREITO DE INFORMAR E DIREITO À INFORMAÇÃO. NATUREZA RELATIVA. PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL À HONRA. QUEIXA. RECEBIMENTO PARCIAL. - 1. O direito à informação é de natureza coletiva, titularizado pela Sociedade, que o exerce primacialmente por intermédio da informação jornalística, que há de ser livre essencial que é aos direitos fundamentais e à democracia. Superior Tribunal de Justiça. AÇÃO PENAL Nº 388 – DF. Rel. Ministro. HAMILTON CARVALHIDO. Julgado em 15.06.2005.
73
O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana refere-se às exigências básicas do ser humano no sentido de que ao homem concreto sejam oferecidos os recursos de que dispõe a sociedade para a mantença de uma exigência digna, bem como propiciadas as condições indispensáveis para o desenvolvimento de suas potencialidade (FARIAS, 1996, p.51-52)201.
Em uma sociedade em que os meios de comunicação e difusão de notícias
são fato notório, integrados ao dia-a-dia do cidadão, com plena capacidade de
estabelecer padrões de comportamento, quase que de forma imediata, aceitar-se
que as informações transmitidas possam veicular e traduzir conteúdo não-veraz é,
não somente uma falta ética, mas um instrumento que obstaculiza ao indivíduo sua
plena capacidade de julgamento e opção, ou seja, impede o desenvolvimento de
suas potencialidades, como referido na passagem acima, pela não disponibilidade
da formação concreta de sua consciência sobre os fatos.
Ressalte-se, igualmente, que a concepção de um direito fundamental a ser
informado encontra disciplinamento na Constituição de Portugal:
Art. 37.º - 1. Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informado, sem impedimentos nem discriminações.
Relativamente a esse dispositivo constitucional, comentam J.J. Gomes
Canotilho e Vital Moreira:
IV. O direito de informação (nº 1, 2ª parte) integra três níveis: o direito << de informar>>, o direito << de se informar>>, e o direito << de ser informado>>. O primeiro consiste, desde logo, na liberdade de transmitir ou comunicar informações a outrem, de as difundir sem impedimentos; mas pode também revestir de uma forma positiva, enquanto direito a informar, ou seja, direitos a meios para informar. O direito de se informar consiste, designadamente, na liberdade de recolha de informação, de procura de fontes de informação, isto é, no direito de não ser impedido de se informar, embora sejam admissíveis algumas restrições à recolha de informações armazenadas em certos arquivos (ex: arquivos secretos dos serviços de informação). Finalmente, o direito a ser informado é a versão positiva do direito de se informar, consistindo num direito a ser adequadamente e verdadeiramente informado, desde logo, pelos meios de comunicação (cf.
201 FARIAS, ob. cit., 1996, p.51-52.
74
Arts. 38º e 39º) e pelos poderes públicos (art. 48º-2) [...] (CANOTILHO e MOREIRA, ob. cit., 2007, p.573)202.
Com essas considerações, é de se concluir que o direito fundamental à
informação, na Constituição da República Federativa do Brasil, compreende, tanto
o direito do cidadão de procurar, receber e difundir informações, quanto,
relativamente a estas, o direito a receber uma informação veraz.
Não obstante, como é notório, a questão do direito a ser informado
desenvolve-se com maior intensidade na relação derivada dos meios de
comunicação. Mas o dever de uma informação verdadeira, num Estado Democrático
de Direito, assume relevante papel na ótica da relação entre cidadão e Estado.
Nesse âmbito, não se trata tanto de um conteúdo valorativo, do dever de
veracidade das informações públicas, afinal esta é pressuposta em qualquer ato
comunicativo estatal. A dimensão que se entende relevante é a qualitativa, ou
seja, de que a informação prestada seja apta a ser compreendida pelo
receptor.
Se o direito à informação incorpora o direito a ser informado, sob perspectiva
do poder público, afirma-se a dimensão de um direito à explicação, como referido
por Airton Seclaender:
E, pois, partindo de uma avaliação semelhante da conjuntura atual, que tanto o pensador alemão quanto Balle concluem estar a liberdade de informação dependendo, nos dias de hoje, da realização de um processo permanente de tradução das informações oriundas do Estado para termos inteligíveis para o homem comum...- o direito de ser informado, nos fins do século XX, não pode deixar de implicar também um direito à explicação, sob pena de perder sua própria razão de ser (SECLAENDER, ob. cit., 1991, p.153)203.
Assim, no Estado Democrático de Direito, o processo de comunicação entre
o Estado e o cidadão, da informação administrativa, não pode ser sinônimo de
hermetismo, de uma zona de exclusão por incompreensão.
202 CANOTILHO e MOREIRA, ob. cit., 2007, p.573. 203 SECLAENDER, ob. cit., 1991, p.153.
75
Se a democracia é um “princípio normativo”, de acordo com Canotilho (s.d.,
p.281)204, sendo “realidade jurídica, que se cristaliza em um sistema normativo da
conduta humana”, como assevera Ferreira (1971, p.190)205, uma de suas variantes
de concretização no plano fático ocorre no âmbito do direito à informação
administrativa, por revelar faceta de indiscutível ligação entre os sujeitos do
processo de comunicação pública. O ideal democrático deve se realizar no mundo
do ser, tratando-se de imperativo que Constituição da República ordena, como se
vislumbra no julgamento do Mandado de Segurança nº 24.831-9:
A opção do legislador constituinte pela concepção democrática do Estado de Direito não pode esgotar-se numa simples proclamação retórica. A opção pelo Estado democrático de direito, por isso mesmo, há de ter conseqüências efetivas no plano de nossa organização política, na esfera das relações institucionais entre os poderes da República e no âmbito da formulação de uma teoria das liberdades públicas e do próprio regime democrático (STF, 2005)206.
Desta forma, quando se fala no regime constitucional da informação, que a
Constituição da República de 1988 estabelece, este deve exteriorizar e ser refletido
conforme o sentido da democracia que na Lei Fundamental promete, pois da mesma
forma que expressa um compromisso, marca uma ruptura com o modelo
constitucional-administrativo precedente (STF, 2006)207.
204 CANOTILHO, s.d., p 281. 205 FERREIRA, Pinto. Princípios Gerais do Direito Constitucional Moderno. 5.ed., Tomo I. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1971, p.190. 206 Supremo Tribunal Federal.Mandado de Segurança nº 24831-9/DF. Relator Min. Celso de Mello. Julgado em 22.06.2005. 207 A idéia de rompimento encontra-se claramente delineda em julgado do STF: A Assembléia Nacional Constituinte, em momento de feliz inspiração, repudiou o compromisso do Estado com o mistério e com o sigilo, que fora tão fortemente realçado sob a égide autoritária do regime anterior (1964-1985), quando no desempenho de sua prática governamental. Ao dessacralizar o segredo, a Assembléia Constituinte restaurou velho dogma republicano e expôs o Estado, em plenitude, ao princípio democrático da publicidade, convertido, em sua expressão concreta, em fator de legitimação das decisões e dos atos governamentais. Cf. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança nº 25832 MC/DF. Relator Min. Celso de Mello. Informativo nº 416/STF. Julgado em 14.02.2006.
76
22..11..22 OO DDiirreeiittoo àà IInnffoorrmmaaççããoo AAddmmiinniissttrraattiivvaa
2.1.2.1 Síntese Evolutiva do Acesso Constitucional às Informações Públicas
Como já mencionado, a Constituição da República de 1988, desde e em
razão do seu preâmbulo, condiciona de forma taxativa a estrutura formativa da
Administração Pública. Não obstante, no que se refere à abordagem do princípio da
transparência e seu instrumental respectivo – o direito à informação administrativa -,
sua efetiva compreensão contemporânea torna imprescindível o conhecer de
modelos constitucional-administrativos pretéritos de acesso às informações públicas,
e suas condições ou peculiaridades previstas nas respectivas Constituições do
Brasil.
No que pertine ao acesso às informações públicas, pode-se dizer que as
garantias previstas nos diversos ordenamentos constitucionais, anteriores à Carta de
1988, explicitavam, salvo honrosas exceções, um modelo de administração pública
introvertido, ou seja, “voltado para dentro”, conforme o léxico.
É a administração pública que tem o segredo como regra, afinal aquele,
como expressa Canetti (2000, p.399)208, “encontra-se no mais recôndito cerne do
poder”. Segredo no âmbito estatal, como elemento de poder ou para manutenção do
poder, aqui entendido como dominação, é algo a ser compreendido tão somente
como história de um passado, momentos nos quais os direitos fundamentais
estavam em seu desenvolver embrionário, ou, em hipóteses mais drásticas,
reduzidos ou anulados no seu conteúdo eficacial. Mas sempre como passado.
Nunca como presente, ou perspectiva de futuro.
Quando, porém, afirma-se que, salvo exceções, as constituições nacionais
pretéritas são caracterizadas por um regime administrativo introverso, deve-se firmar
a compreensão deste modelo. A administração pública introversa se caracteriza, na
perspectiva da presente exposição, e pela própria expressão, como aquele sistema
constitucional-administrativo no qual o acesso às informações públicas: a) era
208 CANETTI, Elias. Massa e Poder. 1.reimpressão. São Paulo: Companhia da Letras, 2005, p.290.
77
normativamente reduzido, seja quanto ao conteúdo ou ao legitimado, ou b) inexistia
previsão expressa para tal exercício.
Doravante, procurar-se-á traçar o perfil do acesso às informações públicas,
presente nas Constituições anteriores a de 1988, sem a preocupação, por ora,
quanto ao conceito e elementos do direito à informação administrativa, o que será
feito oportunamente. Por isso, a expressão “informação administrativa” deve ser
compreendida num sentido corriqueiro de acesso aos diversos documentos públicos.
Na Constituição do Império de 1824, os regramentos próprios de tutela de
assuntos administrativos devem ser compreendidos sob perspectiva da
centralização organizativa e decisória do Imperador, que, “segundo fórmula depois
consagrada, reina, governa e administra” (LIMA, 1987, p.30-31)209. Mas se tal é
característica dos modelos absolutistas, no Brasil recebe uma roupagem peculiar,
firmada na figura do Poder Moderador, expressa no art. 98 da Constituição do
Império de 1824210. Uma análise dessa emblemática figura constitucional é exposta
por Raymundo Faoro:
A Constituição de 1824, fiel à direta lição de Benjamin Constant, autor que, na hora, ofusca Rosseau, situa no poder moderador a “chave de toda a organização política”, poder delegado “privativamente ao imperador, como chefe supremo da nação e seu primeiro representante, para que, incessantemente, vele sobre a manutenção da independência, equilíbrio e harmonia dos demais poderes” (art. 98). O pouvoir royal do escritor francês, o pouvoir neutre, evocado para ajustar os três poderes clássicos, colocando-os na sua órbita constitucional, a clef de toute organisation politique, assume, na tradução infiel, caráter ativo...Em lugar de um mecanismo de contenção dos demais poderes, alheios às suas atribuições específicas..., o poder moderador, apropriado pelo chefe do executivo, comanda a administração e a política.
[...]
209 LIMA, Ruy Cirne. Princípios de Direito Administrativo. 6.ed. São Palo: Revista dos Tribunais, 1987, p.30-31. Grifo do autor. 210 Art.98. O Poder Moderador é a chave de toda organização política, e é delegada privativamente ao Imperador, como Chefe Supremo da Nação, e seu Primeiro Representante, para que incessantemente vele sobre a manutenção da Independência, equilíbrio e harmonia dos mais poderes políticos. Cf. NOGUEIRA, Octaciano. Constituições Brasileiras. 1824. Vol.1. Brasília: Senado Federal, 2001, p.92.
78
Esse poder moderador, essência do primado da Coroa, será a pedra que autorizará o imperador a reinar, governar e administrar, por via própria sem cobertura ministerial. 211/212.
Esse enfeixamento dos poderes de governo e administração, na pessoa do
Imperador, refletiu na estrutura administrativa das províncias, “meras circunscrições
administrativas e territoriais, seus presidentes, agentes locais do imperador, por este
designados e removíveis a seu critério pessoal”, de “conveniência ao bom serviço do
Estado” (PONDÉ, s.d., p.24)213, não obstante a cláusula ”relativos a seus interesses
particulares”, prevista no art. 71 da Carta Imperial. Cabe destacar que a previsão do
art. 165, da Carta de 1824, bem expressa a relação de subordinação ao Imperador
(NOGUEIRA, 2001, p.101)214.
A Constituição de 1824, em seu Título 8º, disciplinou matéria concernente às
Garantias dos Direitos Civis e Políticos dos Cidadãos. A própria enunciação do título
já descreve seu objeto, ou seja, regra, de forma clássica, a proteção às liberdades
do indivíduo frente o Estado, positivando direitos fundamentais de primeira geração,
conforme seu art. 179: “A inviolabilidade dos Direitos Civis e Políticos dos cidadãos
brasileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual e a propriedade, é
garantida pela Constituição do Império, pela maneira seguinte”215.
E, como observa Paulo Bonavides:
Os direitos de primeira geração são os direitos de liberdade, os primeiros a constarem do instrumento normativo constitucional, a saber, os direitos civis e políticos, que em grande parte correspondem, por um prisma
211 FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder – Formação do Patronato Político Brasileiro. 13.ed. v.1. São Paulo: Globo, 1998, p.290-292. 212 A apropriação da idéia de Benjamin Constant na formação da idéia do Poder Moderador é controversa: Em suma, o Poder Moderador, qual constava da Constituição, se opunha tanto à doutrina de Montesquieu, da separação dos poderes, como à de Constant, que era a doutrina do poder neutro ou poder judiciário dos demais poderes. Cf. BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes. História Constitucional do Brasil. 8.ed. São Paulo: LEUD, 2006, p.110. 213 PONDÉ. Lafayette. O Direito Administrativo na República. Revista de Direito Administrativo. nº.178.s.d., p.24. 214 Art.165. Haverá em cada província um presidente, nomeado pelo Imperador, que o poderá remover quando entender que assim convém ao bom serviço do Estado Constituição de 1824. NOGUEIRA, ob. cit., 2001, p.101. 215 E, como observado por Sarlet: Os direitos elencados, são exemplos clássicos daqueles nominados de primeira geração: Assumem particular relevo no rol desses direitos, especialmente pela sua notória inspiração jusnaturalista, os direitos à vida, à liberdade, à propriedade e à igualdade perante a lei. Cf. SARLET, ob. cit., 1998, p.48.
79
histórico, àquela fase inaugural do constitucionalismo do Ocidente (BONAVIDES, 2000, p.517)216.
A Constituição do Império de 1824, não obstante enunciar direitos
fundamentais de primeira geração, com seu caráter protetivo, em face do Estado,
não previu, naquele título, o acesso às informações públicas. Mas a ausência de
disciplinamento, na declaração de direitos, não significou a inexistência de previsão
constitucional de publicidade na Carta Imperial de 1824, ainda que de forma
específica ao trato de certas matérias. No seu artigo 24, previu que “as sessões de
cada uma das Câmaras serão públicas, à exceção dos casos em que bem do
Estado exigir, que sejam secretas”. Como se pode constatar, afirmou a Carta
Imperial, como regra, a publicidade das sessões do Poder Legislativo. A exceção,
mediante sessões secretas, era através de uma fórmula fluída – em que o bem do
Estado exigir. Mas a importância da publicidade não passou despercebida por
Pimenta Bueno, em clássica obra de análise da Constituição Imperial:
Essa publicidade tão importante, porém não resulta somente de franquear-se as galerias ao pequeno número de ouvintes que possam assistir os trabalhos; resulta principalmente da reprodução sincera e integral das discussões por via da imprensa e distribuição dos impressos pelo país.
[...]
A publicação interessa também muito ao estudo das leis, fazendo conhecer as vistas e motivos delas. Interessa ao crédito e segurança pública, dirige a opinião do país, leva a instrução e o interesse dos negócios do Estado a todas as classes; é finalmente o melhor meio que os eleitores têm de avaliar os serviços dos seus eleitos, e de inspirar-se a confiança nas leis (BUENO, 1958, p.129)217.
Com a instauração da República e a promulgação da Constituição de 1891,
inaugura-se uma nova estrutura estatal. Se, no modelo monárquico, a figura do
Poder Moderador entronizava a centralização, o Presidencialismo que a Carta de
1891 consagra sofre as críticas de ter criado a figura de um “monarca sem coroa, um
rei sem trono” (BONAVIDES e ANDRADE, 2006, p.257)218. Mas a Carta
216 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 10.ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p.517. 217 BUENO, José Antonio Pimenta. Direito Público Brasileiro e Análise da Constituição do Império. Rio de Janeiro: Ministério da Justiça e Negócios Interiores, 1958, p.129. 218 BONAVIDES e ANDRADE, ob. cit., 2006, p.257.
80
Republicana, diversamente da de 1824, estrutura o Estado mediante a repartição de
suas funções - executivo, legislativo e judiciário, conforme preconizado por
Montesquieu (art. 15).
A ideologia subjacente à Carta de 1891, firmada em seu preâmbulo, afirma a
democracia como modelo político; a República como forma de governo (art. 1º),
estruturada numa Federação, alçando-se, por conseguinte, as antigas províncias, à
estatura de Estados (art. 2º). Estas modificações, comparativamente à Carta de
1824, demonstram uma ruptura com o modelo imperial. Esta pretensão se mostra
explícita no regime das liberdades públicas, como, por exemplo, o disposto no art.
72, § 2º:
Art. 72 [...] - §2º. Todos são iguais perante a lei. A República não admite privilégio de nascimento, desconhece foros de nobreza e extingue as ordens honoríficas existentes e todas as suas prerrogativas e regalias, bem como os títulos nobiliários e de conselho.
Quanto aos demais direitos de primeira geração, se a Carta de 1824,
explicitamente, garantiu certas liberdades de natureza individual, a Constituição da
República de 1891 as ampliou de modo significativo, através de inserção do hábeas
corpus e, principalmente, pela disposição do art. 78:
Art. 78. A especificação das garantias e direitos expressos na Constituição não exclui outras garantias e direitos não-enumerados, mas resultantes da forma de governo que ela estabelece e dos princípios que consigna 219.
Não obstante, quanto ao acesso às informações públicas, mantém-se a
declaração de direitos silente. Mas, da mesma forma que a Carta de 1824, a
Constituição de 1891 mantém, como regra, a publicidade das sessões legislativas,
219 Trata-se de uma fórmula que integrou-se as constituições precedentes. A essência desse dispositivo, como pedra angular do Estado de Direito, tem-se reproduzido em todas as Constituições republicanas subseqüentes, derivadas de poder constituinte legítimo. Com tal energia que há consentido uma latitude admirável ao exercício jurisdicional de proteção das liberdades fundamentais. Na Constituição da República de 1988, se encontra explicitado no art. 5º, § 2. BONAVIDES e ANDRADE, 2006, p. 259.
81
conforme art. 18220. No entanto, ao regular o princípio da publicidade das sessões
legislativas, a Constituição da República de 1891 entendeu por romper com a fluidez
constante na Carta Imperial de 1824, bem como regrar a forma de deliberação
parlamentar para utilização da reserva de sigilo. Percebe-se, nesta alteração
constitucional, uma ampliação da esfera de conhecimento, de publicidade, ainda que
jungida à atuação do Poder Legislativo.
Não obstante o assento constitucional, é através de um julgamento perante
o E. Supremo Tribunal Federal que a importância da publicidade dos atos estatais se
explicita. Trata-se do Hábeas Corpus nº 3635, impetrado por Rui Barbosa, que teve
como relator o Ministro Oliveira Ribeiro, no qual se discutia a publicidade de discurso
de Rui, através da imprensa, estando em vigor o Estado de Sítio. Consignou o
impetrante nas suas razões:
A publicidade das sessões, pelo uso universal dos corpos legislativos, pressupõe quatro condições, igualmente imprescindíveis à sua existência real: 1ª) a fixação taquigráfica dos debates; 2ª) o livre acesso às galerias, em ambas às câmaras, a todos os cidadãos; 3ª) a autenticação dos debates mediante inserção quotidiana na ata dos trabalhos, estampada no Diário do Congresso; 4ª) a sua livre reprodução pela imprensa. Do mandato legislativo resulta, para o mandante, o direito de tomar conta aos seus mandatários, e para os mandatários, o dever de as prestarem. É mediante a publicidade, - não apenas a oficial, - mas a geral da imprensa, a sua amplíssima publicidade, que essas relações de mandante e mandatários se exercem entre a Nação e os membros do Congresso Nacional (COSTA, 1964, p.190-191)221.
A ordem foi concedida, conforme voto do Ministro Relator, de que se
destaca:
Neste regime político, a publicidade dos debates no Parlamento é da sua essência, porque todos os poderes públicos surgem da Nação no exercício da sua soberania, e ela, como comitente do mandato, precisa saber como agem os seus representantes. A publicação dos discursos
220 Art.18. A Câmara dos Deputados e o Senado trabalharão separadamente e, quando não se resolver o contrário por maioria de votos, em sessões públicas. As deliberações serão tomadas por maioria de votos, achando-se presente em cada uma das câmaras a maioria absoluta de seus membros. 221 COSTA, Edgard. Os grandes julgamentos do Supremo Tribunal Federal. v.1. (1892-1925). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1964, p.190-191.
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restrita à imprensa oficial sob a fiscalização do Executivo anula a publicidade (COSTA, 1964, p.197)222.
Buscando precisar o pensamento, sobre a publicidade, acresce-se, ao
entendimento do E. Supremo Tribunal Federal, a posição de João Barbalho:
Sessões publicas. A publicidade é a grande lei dos regimens livres. Ella esclarece os cidadãos quanto ao procedimentos de seus representantes, habilita ao conhecimento do modo com estes desempenham suas funcções e adverte quanto ás medidas que elles tratam de votar. E assim dá lugar á censura desse procedimento e dessas medidas, abre margem ás apreciações da imprensa, ás reuniões populares, ás representações dirigidas ao parlamento, em apoio ou em opposição a providencias que elle discute. De onde resulta que as leis serão mais estudadas, elaboradas mais cuidadosamente (BARBALHO, 1992, p.60)223.
Percebe-se, tanto sob perspectiva doutrinária, quanto jurisprudencial, um
alargamento da compreensão da publicidade, no âmbito da Constituição da
República de 1891.
Sucedendo a Constituição de 1891, a Constituição da República de 1934,
se efêmera no tempo, preconizou, sem dúvida, avanços significativos, que
perduraram nas constituições que lhe precederam.
Se o móbil da Carta Republicana de 1891 foi a instauração de uma nova
ordem política, rompendo com a tradição monárquica, ampliando direitos
fundamentais de primeira geração e mecanismos de proteção destes, e, inclusive,
garantindo o reconhecimento e garantias dos direitos não-enumerados (art. 78), a
idéia social permeia todo o corpo da Constituição de 1934. Nesta, as carências
sociais não são mais compreendidas como “questão de polícia” (BONAVIDES e
ANDRADE, 2006, p.325)224.
O preâmbulo da Carta de 1934 expressa, na sua literalidade, um
compromisso muito diverso das constituições que lhe antecederam:
Nós, os representantes do povo brasileiro, pondo confiança em Deus, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para organizar um
222 COSTA, ob. cit., 1964, p.197. 223 BARBALHO, ob. cit., 1992, p.60. 224 BONAVIDES e ANDRADE, ob. cit., 2006, p.325.
83
regime democrático, que assegure a Nação a unidade, a liberdade, a justiça e o bem-estar social e econômico decretamos e promulgamos [...].
A cláusula de bem-estar, consignada no preâmbulo, seguida de diversos
dispositivos relativos a direitos fundamentais sociais, expressam uma orientação que
se percebe seguida no corpo da Constituição, como nos arts. 121, 122, 149.
O escopo de um estado social, com positivação e acolhimento, agora de
direitos fundamentais de segunda geração, expande-se, por conseguinte, para uma
nova compreensão da relação entre Estado e cidadão. Se o mote dos direitos de
primeira geração era a proteção do indivíduo, frente o poder do Estado, o que se
quer com a previsão de direitos de segunda geração é o alcance, por parte do
estado, de bens necessários à própria dignidade do homem enquanto tal.
Esta nova perspectiva de Estado reestrutura o regime dos direitos e
garantias individuais e, quanto ao acesso às informações públicas, pode-se dizer
que a Carta de 1934 rompe o hermetismo das Constituições pretéritas.
A Carta de 1934, não obstante sua importância como texto que explicitou
direitos fundamentais sociais, no que diz respeito ao acesso às informações
públicas, deve ser considerada como o instrumento constitucional originário
dessa concepção. A Constituição assim previu:
Art. 113 - [...]. 35) A lei assegurará o rápido andamento dos processos nas repartições públicas, a comunicação aos interessados dos despachos proferidos, assim como das informações a que estes se refiram, e a expedição das certidões requeridas para a defesa de direitos individuais, ou para esclarecimento dos cidadãos acerca dos negócios públicos, ressalvados, quanto às últimas, os casos em que o interesse público imponha segredo, ou reserva.
O fato é que as previsões constitucionais das Cartas de 1824 e 1891,
anteriormente citadas, tinham escopo diverso da Constituição de 1934. Naquelas, a
publicidade era entendida como um atributo inerente ao exercício do Poder
Legislativo, enquanto produtor de leis que deviam chegar ao conhecimento público.
A atividade de assistência às sessões do parlamento, a publicação aliada a esta, era
o quanto bastava.
Já a Carta de 1934 reconhece mais. Ciente da onipotência do Estado, no
embate com o cidadão, ela proporciona a possibilidade de conhecimento do que lhe
está sendo imputado. E mais, agora não é só a relação individual que legitima o
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conhecer, mas os interesses da coletividade conforme a cláusula - ou para
esclarecimento dos cidadãos acerca dos negócios públicos (art. 113, § 35).
O direito de acesso torna-se mais amplo, mas o mais significativo é o direito
à informação pública encontrar-se explicitado como direito fundamental do cidadão,
não mais disperso, ou limitado a certas situações específicas, mas amplo e, em
regra, incondicionado. É correto afirmar, então, que a promessa de um estado social
impulsiona uma nova visualização dos direitos fundamentais, afinal:
Como a Constituição de 1981 não se referia a “direitos sociais”, a qualificação explícita de desses direitos é algo que ilumina e faz mais compreensivo o texto constitucional de 1934, tocante à Declaração de Direitos e suas respectivas garantias (BONAVIDES e ANDRADE, 2006, p.330)225.
A Carta de 1934 é o embrião de um direito fundamental à informação
administrativa, especialmente se for considerado o atributo da positivação, como
característica estruturadora daqueles direitos 226.
Mas, se a Constituição de 1934 tem, como pretensão, um estado de bem-
estar social - que se reflete na formulação de um regime da informação
administrativa como direito fundamental -, a Carta de 1937 não lhe segue o espírito.
A Constituição de 1937, por seu turno, caracteriza-se pela ruptura do ideal
democrático que existe na de 1934, buscando inspiração, inclusive, em modelos de
natureza autoritária 227. No que se relaciona com o direito de acesso às informações
públicas, percebe-se, igualmente, a supressão daquela conquista.
Não há dispositivo similar, na Constituição de 1937, que permita a requisição
de documentação administrativa, mesmo em casos de situação individual 228. A
225BONAVIDES e ANDRADE, ob. cit., 2006, p.330. 226 A positivação de direitos fundamentais significa a incorporação na ordem jurídica positiva dos direitos considerados “naturais” e “inalienáveis” do indivíduo. Não basta uma qualquer positivação. É necessário assinalar-lhes a dimensão de Fundamental Rigths colocados no lugar cimeiro das fontes de direito: as normas constitucionais. Cf. CANOTILHO, ob. cit., s.d., p.353. 227 Veja-se BONAVIDES e ANDRADE, ob.cit., 2006, p.345-346. 228 Reflexo, por certo, da própria opacidade que marcou o poder legislativo, com as conseqüências óbvias na produção de normas protetivas dos direitos individuais, como observado por Bonavides e Andrade: Os jogos e intercâmbios políticos, que tinham seu canal natural de expressão – o Parlamento – coarctados, acabaram por penetrar todas as camadas da burocracia, fazendo com que
85
concepção do Estado, naquele momento, reflete-se na conformação das liberdades
públicas, ratificando que a “História constitucional, de acordo com a lição de F.A. von
der Heydte, é sempre também – e é em primeira linha – história das idéias” (BENDA,
1999, p.349)229.
A Constituição de 1946, como todas aquelas posteriores a documentos
constitucionais, que regularam momentos de centralização máxima da estrutura
político-administrativa, procura maximizar o regime dos direitos e garantias
fundamentais.
Exemplo dessa nova personificação é o reingresso, no ordenamento jurídico,
conforme art. 144 da Constituição de 1946, da cláusula constitucional que permite o
reconhecimento implícito de outros direitos fundamentais, independente da sua
consignação no texto, regulação que foi suprimida pela Carta de 1937, o que
demonstra o compromisso afirmado por Aliomar Baleeiro:
Os constituintes de 1946 partiam do princípio filosófico kantiano de que o Estado não é fim em si mesmo, mas meio para o fim. Este fim seria o homem. O Estado deveria fazer convergir seus esforços precipuamente para elevar material, física, moral e intelectualmente o homem (BALEEIRO e SOBRINHO, 2001, p.18-19)230.
Não obstante esse regramento, cabe salientar que a garantia das liberdades
públicas ganha relevo, em vista da competência deferida ao Poder Judiciário, artigo
141, § 4º, no sentido de que “a lei não poderá excluir da apreciação do Poder
Judiciário qualquer lesão de direito individual”. Trata-se de dispositivo sobre o qual
Pontes de Miranda tece o seguinte comentário:
A regra jurídica constitucional do art. 144, § 4º., em que o legislador constituinte formulou o princípio de ubiqüidade da justiça, foi a mais típica e a mais prestante criação de 1946 (MIRANDA, 1953, p.140)231.
as decisões políticas ganhassem cada vez mais um caráter intransparente, espesso e incontrolável. Cf. BONAVIDES e ANDRADE, ob. cit., p.415. 229 BENDA, Ernst. O Espírito da Nossa Lei Fundamental. (Trad.) SARLET, Ingo Wolfgang. Ajuris. v.76, 1999, p.349. 230 BALEEIRO, Aliomar; SOBRINHO, Barbosa Lima. Constituições Brasileiras. 1946. v.5. Brasília: Senado Federal, 2001, p.18-19. 231 MIRANDA, ob. cit., 1953, p.140.
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Mesmo se considerada a obra de 1946 como uma “reprodução mais
apurada” (FERREIRA, 1971, p.114)232 da Carta de 1934, o liberalismo que lhe é
subjacente (BONAVIDES e ANDRADE, 2006, p.415)233, proporcionou o
aperfeiçoamento do regime das liberdades públicas.
Relativamente ao acesso às informações públicas, a solução de
continuidade, imposta pela Constituição de 1937, foi rompida com a disciplina posta
no artigo 141, § 36 (STF, 1968)234:
§ 36. A lei assegurará: I - o rápido andamento dos processos nas repartições públicas; II - a ciência aos interessados dos despachos e das informações a que eles se refiram; III - a expedição das certidões requeridas para defesa de direitos; IV - a expedição das certidões requeridas para esclarecimento de negócios administrativos, salvo se o interesse público impuser sigilo.
Percebe-se, na disciplina da Constituição de 1946, um aperfeiçoamento
redacional em relação à Carta de 1934, que inaugura, no ordenamento
constitucional, o regime de acesso às informações administrativas. Esta abandona a
previsão em bloco, que caracterizou a Constituição de 1934, mediante a inserção
das situações ensejadoras do pedido de acesso aos dados de forma individualizada.
Mas o aperfeiçoamento não fica na técnica de redação do dispositivo, opera-
se de forma e fundo. A primeira constatação diz respeito ao dever de ciência do
interessado nos assuntos de seu interesse (§ 36,II). Modifica-se a essência do
saber, pois a previsão de 1934 mencionava tão somente a comunicação, enquanto
que a de 1946 determina a efetiva disponibilidade, ao interessado, da decisão.
O § 36, III, determina uma nova compreensão do âmbito do direito de
acesso. Enquanto a Carta de 1934 garantia a “expedição das certidões requeridas
para a defesa de direitos individuais”, a Constituição de 1946 amplia o âmbito de
232 FERREIRA, ob. cit., 1971, p.114. 233 BONAVIDES e ANDRADE, ob. cit., p.415. 234 Importa reproduzir, para compreensão histórica do dispositivo, a manifestação do Ministro Themistocles Cavalcanti, quanto a sua auto-aplicabilidade: “Sob regime da Constituição de 46, esta matéria foi muito debatida. Lembro-me de que a primeira sentença proferida sobre êste assunto foi do eminente Ministro Castro Nunes, quando era Juiz Federal da 2a . Vara. Ele concedeu a segurança, considerando o art. 141, § 36, auto-executável, para que fosse dada a certidão”. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Voto no MS nº 18556. Julgado em 04.09.1968. Disponível em <http://www.stf.gov.br> Acesso em: junho de 2006.
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desvelamento ao assegurar “a expedição das certidões requeridas para defesa de
direitos”. A supressão da parte final do dispositivo de 1934 - “direitos individuais” –
implica em se estabelecer, ainda que embrionariamente, uma garantia de acesso
pautada em direitos não meramente de ordem individual, mas, inclusive, de natureza
coletiva235.
Quanto ao direito de conhecer, dos negócios públicos, a Constituição de
1946 mantém a disciplina iniciada com a Carta de 1934. O § 36, IV, estabelece uma
catalogação para impediência de acesso, em razão da matéria - “salvo se o
interesse público impuser sigilo” -, de forma mais peremptória que a Carta de 1934,
que afirmava como situações de óbice o “segredo, ou reserva”. Os graus de
classificação, no sentido estrito das palavras, diferem.
A Constituição de 1967, com as emendas que lhe foram supervenientes, é
marcada pelo momento político de sua existência. Tanto sua formulação, quanto sua
tramitação, expressaram contingências das estruturas sócio-políticas daquele
momento 236.
No âmbito dos direitos e garantias individuais, observa-se:
A Constituição de 1967 manteve formalmente os mesmos direitos e garantias individuais, mas a prática contestou o texto adotado, deixando para a lei ordinária (art. 150), estabelecer os termos em que seriam exercidos esses direitos “visando à realização da justiça social e à preservação e ao aperfeiçoamento do regime democrático”, segundo expunha o Ministro da Justiça, Carlos Medeiros Silva no ofício que acompanhou o projeto oficial (BONAVIDES e ANDRADE, 2006, p.447)237.
Quanto ao regime de acesso às informações públicas, o momento político-
institucional refletiu na sua estrutura. Se a Constituição de 1946 representou
avanços de forma e fundo, em relação à Lei Fundamental de 1934, a Carta de 1967
235 Cabe destacar que, ante a previsão do § 38 da Constituição de 1946, legitimando a propositura da ação anulatória por atos lesivos ao patrimônio público, o direito de acesso às informações administrativas deve ser compreendido numa perspectiva mais ampla, a exemplo dos comentários de Manoel Gonçalves Ferreira Filho ao dispositivo similar da Carta de 1967: Note-se que, prevendo a Constituição no § 31 deste artigo (vide supra) a ação popular, o interesse legítimo para obtenção de tais certidões não é necessariamente o interesse particular. Cf. FILHO, Manoel Gonçalves Ferreira. Comentários à Constituição Brasileira. Emenda Constitucional nº 1 e alterações posteriores. 3. vol. São Paulo: Saraiva, 1977, p.121. 236 A respeito veja-se a narrativa de BONAVIDES e ANDRADE. Paes, ob.cit., 2006, p.438 a 445. 237 BONAVIDES e ANDRADE, 2006, p.447.
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descreve um retraimento na disciplina do acesso às informações estatais. O art 153,
§ 35, desta Carta tão só refere que “a lei assegurará a expedição de certidões
requeridas às repartições administrativas, para defesa de direitos e esclarecimento
de situações”. Comparativamente às Constituições de 1934 e 1946, percebem-se
restrições explícitas ao exercício do direito à informação. Aquelas Constituições
determinavam o dever da administração de dar ciência, ao interessado, das
manifestações proferidas nos seus processos. Esta prerrogativa de ordem
democrática viu-se suprimida na Carta de 1967.
Nas Cartas de 1934 e 1946, explicitamente, garantia-se o direito de
informação relativa aos negócios públicos. Na análise da Constituição de 1967 não
há regramento explícito a determinar o dever de informação, relativo aos negócios
públicos, não obstante a posição externada por Pontes de Miranda:
Ainda estatui o art. 153,§ 35, que se assegure(e deve-se ler: aos Brasileiros, natos ou naturalizados, ou aos estrangeiros residentes, ou não) a expedição de certidões que sirvam ao esclarecimento de situações, portanto – não só em caso de negócios públicos, ressalvados, quanto a essas certidões, os casos em que o interesse público imponha segredo ou reserva (MIRANDA, 1971, p.656)238.
Mas os retrocessos, implícitos ou explícitos, da Constituição de 1967,
mostram-se maximizados, tendo em vista entendimento doutrinário, ratificado em
decisões do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que, não obstante ausência
de tal requisito no texto da Carta, o direito de requerer pressupunha a indicação
dos seus motivos, conforme magistério de Pontes de Miranda:
A denegação somente se pode admitir por falta de legitimação do requerente para requerer, ou nenhuma ligação do conteúdo do ato certificável com o direito deduzido, ou a deduzir-se, em juízo ou administrativamente, ou sigilo. É escusado advertir-se que o requerimento há de dizer qual o direito que se afirma, para que se saiba qual a matéria que interessa à afirmação e prova dele (MIRANDA, 1967, p.655)239.
Tal afirmação viu-se acolhida em decisões do Supremo Tribunal Federal,
conforme ementas:
238 MIRANDA, ob. cit., 1971, p.656. 239 MIRANDA, ob. cit., 1971, p.655.
89
Certidão. Direito à sua expedição. Interpretação do art. 153, § 35, da Constituição da República. A requerente deverá legitimar-se perante a Administração Pública, dizendo qual a ligação do conteúdo do ato certificável com o direito a ser deduzido. Mandado de Segurança indeferido. Recurso Extraordinário não conhecido (STF, 1980)240.
Mandado de Segurança. Expedição de certidões. Legitimidade de interesse. CF, art. 153,§ 35. – O dever da Administração, de expedir certidões a requerimento da parte, supõe o interesse de sua utilização na defesa de direito ou no esclarecimento de situações relacionadas à esfera jurídica do requerente. Não infringe ao preceito constitucional a decisão que as denega, por inexistente aquele interesse. Recurso Extraordinário não conhecido (STF, 1982)241.
Mesmo sob pálio desses entendimentos, reprise-se, não declinados no texto
da Constituição, vozes dissonantes na doutrina afirmavam:
12. Do exposto se extrai que existe um direito à certidão condicionado a uma finalidade (defesa de direito) e o mesmo direito sujeito apenas a um interesse (o de conhecer os negócios e documentos públicos). Viu-se que à Administração não é dado avaliar se está presente a finalidade referida no primeiro caso; viu-se também que o interesse objeto da segunda hipótese fica demonstrado pelo simples pedido de certidão.
Com isso é possível sacar uma conclusão importante: para ter direito à certidão basta pedi-la. Não se pode exigir a indicação da finalidade dela, nem do direito que se quer proteger, nem de coisa outra alguma (SUNDFELD, 1987, p.57)242.
Pela retrospectiva formulada, e em razão da compreensão do regime
administrativo introverso, pode-se classificar as Constituições de 1824, 1891, 1937 e
1967, como exemplos de um regime daquela natureza. A Constituição de 1824, não
obstante regrar a publicidade das sessões parlamentares, estabelecia
condicionamentos a esta, bem como no capítulo dedicado às liberdades públicas,
omisso quanto à possibilidade de acesso às informações administrativas. Segue-lhe
os passos a Constituição de 1891, que, não obstante manter expressa a publicidade
das ações parlamentares, não dedicou dispositivo expresso, quando tratou dos
direitos e garantias individuais a proporcionar o acesso às informações públicas. Não
240 Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 92775-1. Rel. Min. Soares Munoz. Julgado em 09.09.1980. 241 Supremo Tribunal Federal.Recurso Extraordinário nº 89789-5. Rel.Min. Rafael Mayer. Julgado em 01.06.1982. 242 SUNDFELD, Carlos Ari. Princípio da publicidade administrativa. Direito de certidão, vista e intimação. Revista de Direito Público. n..82, 1987, p.57.
90
obstante o aperfeiçoamento do entendimento da publicidade, formulado no âmbito
do E. Supremo Tribunal Federal.
A Constituição de 1967, mesmo mantendo a essência da previsão constante
na Lei Fundamental de 1946, optou por uma redução de explicitude, que implicou,
inclusive, em afirmarem-se condições de procedibilidade aos pedidos de informação
não previstos constitucionalmente. A par dessa circunstância, foi omissa quanto ao
acesso às informações, relativamente aos negócios públicos, tradição inaugurada
com a Carta de 1934, rompida na de 1937, e repristinada na de 1946.
Em sentido diverso, caracterizando-se como modelos de extroversão e
expressando a vontade consignada, nos seus preâmbulos, de uma sociedade
democrática, as Constituições de 1934 e 1946 buscam romper com o regime de
introversão. A primeira Carta, afirma-se, é a matriz constitucional do regime amplo
de acesso às informações públicas. Ela não só previu o direito de saber, relativo a
direitos individuais, como ampliou a esfera de conhecimento aos negócios públicos.
Já a Constituição de 1946, aprimorou, significativamente, o sistema de acesso às
informações administrativas.
Em face da análise precedente, pode-se, em relação à Lei Fundamental de
1988, afirmar-se que a mesma consolida os ideais de 1934 e 1946, relativamente ao
acesso às informações públicas. A atual constituição é, sem dúvida alguma, exemplo
de uma administração pública extroversa. Essa afirmação decorre da própria
literalidade dos dispositivos constitucionais, relativos ao acesso às informações
públicas. Eles não somente previram quase que a exaustão, e até mesmo de forma
repetitiva, o dever da administração pública de aceder suas informações (art. 5º,
XIV, XXXIII, XXXIV, LXXII, art. 37, caput, art. 37, § 3º, II), como regularam a
legitimidade de acesso, com as proteções respectivas a outros direitos de natureza
individual (art. 5º, X), como instrumentalizaram ações constitucionais próprias a
conduzir a administração, quando omissa, a propiciar o conhecimento. Sob o
específico aspecto do acesso às informações públicas, é taxativo afirmar que a
Administração Pública, tal qual formatada pela Constituição da República de 1988,
caracteriza-se como uma administração pública extroversa, ou seja, voltada para
fora.
91
É, assim, um modelo constitucional de administração pública que não
reconhece legitimidade de qualquer ação dos poderes e órgãos estatais de ocultar
suas atividades. A extroversão, ou desvelamento, mostram-se, diversamente dos
textos constitucionais passados, como uma regra indeclinável, somente restringível
nos termos que a própria Constituição da República enuncia. O acesso às
informações administrativas, conforme previsto nas Constituições de 1934 e 1946,
na atual Lei Fundamental é profundamente alterado, seja pela particularização de
situações, seja pela ampliação do seu locus constitucional. Não somente se entende
como um direito fundamental do cidadão, mas, como que, num reforço normativo,
vetor a pautar as condutas da administração pública (art. 37, caput).
Todavia, a afirmação de explicitar um modelo de administração pública
extroversa, pressupõe uma sistematização própria, não somente em nível de
positivação de um direito à informação, mas pela consolidação um direito
fundamental específico: o direito fundamental à informação administrativa.
22..22 AA CCOONNSSTTIITTUUIIÇÇÃÃOO DDEE 11998888 EE AA IINNFFOORRMMAAÇÇÃÃOO AADDMMIINNIISSTTRRAATTIIVVAA
A Constituição da República, ao enunciar, na primeira parte do art. 5º,
XXXIII, que “todos têm o direito a receber dos órgãos públicos informações de seu
interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral”, consolidou-se,
normativamente, a adoção, pelo legislador constituinte originário, de um modelo de
administração pública de rompimento.
O artigo em questão corporifica, sob este ângulo, o princípio da
administração aberta, cujo paralelo pode-se buscar no art. 268, nº 2, da
Constituição de Portugal, que, na sua primeira parte, enuncia que os cidadãos “têm
também o direito de acesso aos arquivos e registros administrativos”. Relativamente
a este princípio, o Tribunal Constitucional de Portugal, no Acórdão nº 176/92, teve
oportunidade de traçar-lhe os contornos:
Consagra este preceito no nosso direito o conhecido “princípio do arquivo aberto” (“open file”) ou “princípio da administração aberta” – um princípio jurídico nascido na Suécia, na segunda metade do século XVIII. Cf. A. Barbosa de Melo, As Garantias Administrativas na Dinamarca e o Princípio do Arquivo Aberto (Relatório), Separata do Vol. LVII (1981) do Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra, 1983, p.17 ss., e Bertill Cottier, La Publicité des Documents Administratifs (Etude de Droit Suédois et Suisse), Genève, Droz, 1982,
92
p.3 ss.] - , o qual consiste no reconhecimento a toda e qualquer pessoa do direito de acesso às informações constantes de documentos, “dossiers”, arquivos e registros administrativos – mesmo que não se encontre em curso qualquer procedimento administrativo que lhe diga directamente respeito-, desde que elas não incidam sobre matérias concernentes à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas (CANOTILHO, 1991, p. 679)243.
Por seus próprios fundamentos o “princípio da administração aberta” traduz
um modelo antitético àquele que representava a administração pública clássica, de
matriz weberiana, cujas idéias centrais são o estamento burocrático, o autoritarismo,
onde o segredo era regra; e a transparência, a exceção. A administração clássica
não poderia conceber uma idéia de cidadão, mas tão somente de súdito ou, em
outra linguagem, ainda corrente, de administrado.
Já, o regime constitucional, que alberga o princípio da administração aberta,
dá “um decisivo passo na direcção da plena democratização da nossa vida
administrativa”244, condicionando o agir da administração e de seus agentes ao
efetivo controle dos cidadãos, pelo direito que lhe é facultado de se informar sobre
as ações administrativas. Trata-se de uma efetivação da “democracia
administrativa”:
a idéia de democracia administrativa [...] aponta não só para um direito de acesso aos arquivos e registros públicos para defesa de direitos individuais, mas também para um direito de saber (cf. Ac TC 156/92) o que se passa no âmbito dos esquemas político-burocráticos, possibilitando ao cidadão o acesso a <<dossiers>>, relatórios, actas, estudos, estatísticas, directivas, instruções, circulares e notas (cf. CPA, arts. 61.º e ss) (CANOTILHO, s.d., p.481)245.
A adoção, pelo poder constituinte originário, do “princípio da administração
aberta” integra, na praxis constitucional brasileira, o denominado “direito ao arquivo
aberto” (CANOTILHO, s.d., p.481)246, ou “derecho de acesso a la documentación
administrativa” (MARTINÉZ, 1998, p.64)247 ou, como expressa Fernando Condesso,
243 Tribunal Constitucional de Portugal. Acórdão nº 176/92. Tribunal Constitucional de Portugal. Disponível em <http://www.tribunalconstitucional.pt> Acesso em: 01 de março de 2007. 244 idem ibidem. 245 CANOTILHO, ob. cit., s.d., p.481. 246 idem ibidem. 247 MARTÍNEZ, ob. cit., 1998, p.64.
93
em caráter sistematizador: um “direito à informação administrativa” (CONDESSO,
1998, p.273)248.
O direito à informação administrativa, espécie qualificada do direito à
informação, guarda a idêntica natureza do seu gênero, classificando-se como um
direito fundamental de natureza coletiva (STJ 388; JÚNIOR, 2004, p.102)249, que, na
taxinomia dos direitos fundamentais, enquadra-se enquanto direito fundamental de
quarta geração, seguindo a expressiva lição de Paulo Bonavides (2000, p.525)250,
em face do seu caráter concretizador da democracia.
O direito à informação administrativa é exercível em razão de um interesse
pessoal, particular, coletivo ou geral (art. 5º, XXXIII, da CF/88). Pressuposto primeiro
é a existência de um interesse, o vínculo que une o sujeito à informação pretendida,
em razão do “valor que esse bem possa representar para aquela pessoa”
(MANCUSO, 2004, p.1)251. Desta forma, pressuposto do direito de acesso é uma
necessidade efetiva e concreta, que relaciona o sujeito à informação pretendida.
Neste sentido, cabe colacionar decisão do E. Superior Tribunal de Justiça, que
vedou acesso indiscriminado a documentos públicos, em face da ausência de
razoabilidade no pedido:
ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO DE OBTER CERTIDÕES DO PODER PÚBLICO PARA EVENTUAL PROPOSITURA DE AÇÃO POPULAR. PEDIDO GENÉRICO. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DE ATOS OU FATOS ESPECÍFICOS. INADMISSIBILIDADE. I - A Constituição Federal, no art. 5º, incisos XXXIII e XXXIV, letra b , prevê o direito de obter certidões, em repartições públicas, "para defesa de direitos esclarecimento de situações de interesse pessoal". II - A Lei nº 9.051/95, que regulamentou os mencionados dispositivos da Carta Magna, especificou o direito de obter
248 CONDESSO, ob. cit., 1998, p.273. 249 Cf. STJ, na Ação Penal nº 388. No mesmo sentido, ver JÚNIOR, ob. cit., 2004, p.102, citando José Afonso da Silva. 250 Adota-se, desta forma, a posição integrativa e conceitual da classificação de Paulo Bonavides, que defende a idéia dos direitos fundamentais de quarta geração: São direitos de quarta geração o direito à democracia, o direito à informação, e o direito ao pluralismo. BONAVIDES, ob. cit., 2000, p..525. Certo que, se trata de estrutura classificatória, ainda não perfeitamente definida na doutrina, seja quanto ao grau, seja quanto ao conteúdo. Relativamente às catalogações possíveis, veja-se WOLKMER, Antonio Carlos. Introdução aos fundamentos de uma Teoria Geral dos “Novos” Direitos. In. Os novos Direitos no Brasil. WOLKMER, Antonio Carlos; LEITE, José Rubens Morato. São Paulo: Saraiva, 2003, p.7-16 (especialmente). 251 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses Difusos. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p.1.
94
certidões, desde que vinculadas à defesa de interesse pessoal do requerente. III - Pedido de cópia de todo e qualquer contrato celebrado entre a Administração Pública do Estado do Rio de Janeiro que não pode, definitivamente, ser atendido, ante a flagrante violação ao princípio da razoabilidade. IV - Recurso Ordinário improvido (STJ, 2004)252.
Existindo o interesse, especifica o dispositivo constitucional, este pode se
basear numa situação de ordem “particular, coletiva ou geral”. A primeira situação
motivadora do “direito de acesso” respeita aquelas lastreadas num interesse
particular. Aqui, prepondera uma idéia de individualidade; é a pessoa, considerada
numa perspectiva singular, que busca o acesso a documentos que não são relativos
à própria, mas que, para ela, possuem determinado valor, como se conclui de
julgado do Tribunal Regional Federal da 4ª Região253.
Porém, pela utilização da expressão interesse particular, surge a indagação
sobre se, motivada no dispositivo em comento, poder-se-ia pretender o acesso
derivado de um interesse pessoal. Amplia-se a questão, se observadas as
enunciações postas nos incisos XXXIV, b (obtenção de certidões em repartições
públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse
pessoal); e LXXII, a (para assegurar o conhecimento de informações relativas à
252 Superior Tribunal de Justiça.Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 18564-RJ. Rel. Ministro Francisco Falcão. Julgado em 09.11.2004. 253 A situação em apreço pode ser exemplificado em julgado do E. Tribunal Regional Federal da 4ª Região, no qual se garantiu o acesso a documentos relativos a processo de importação de determinado bem, tendo em vista possível ato infracional de falsificação de produtos. A decisão foi assim ementada: CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA.FALSIFICAÇÃO DE PRODUTOS. OBTENÇÃO DE INFORMAÇÕES SOBRE TERCEIRO. SIGILO FISCAL NÃO CARACTERIZADO. 1. O artigo 5º, inciso XXXIII da CR/88 assegura o direito de receber, dos órgãos públicos, informações de interesse do requerente, excetuadas as que coloquem em risco a segurança da sociedade e do Estado. A Lei nº 9.279/96 regulamenta a disposição constitucional e dá amparo à pretensão do impetrante, sendo o mandado de segurança a via adequada, pois não se trata de informações sobre a pessoa do requerente, que dariam ensejo ao habeas data, mas sobre terceiros. 2. Hipótese de sigilo fiscal não configurada, porque as informações pretendidas pela impetrante, relativas à operação de importação envolvendo produtos falsificados, não dizem respeito às obrigações fiscais da importadora, nem à sua situação econômica. A importação é operação complexa, que não envolve apenas relação de caráter tributário, incluindo relações de natureza civil e administrativa, que não são cobertas pelo sigilo fiscal.3. Ainda que houvesse incompatibilidade das informações pretendidas com o sigilo fiscal, a questão se solucionaria pela supremacia da norma constitucional que dá acesso à informação, sobre as disposições do CTN, mormente em se tratando de informações que vão ao encontro do interesse da coletividade, maior vítima das falsificações do produto.4. Recurso de apelação e remessa oficial desprovidos. Mantida a sentença que concedeu a segurança. Tribunal Regional Federal da 4ª Região.Apelação em Mandado de Segurança nº 2001.70.08.001998-0/PR. Rel. Juíza Taís Schilling Ferraz. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Decisão em 28/05/2002.
95
pessoa do impetrante, constantes de registros ou banco de dados de entidades
governamentais ou de caráter público).
Pela linguagem utilizada na Constituição da República, pode-se indicar a
existência de uma duplicidade de regimes, cujo núcleo está, não no interesse –
particular/pessoal – mas na natureza da informação pretendida – nominativa/não-
nominativa – ou seja, que contem, ou não, dados pessoais, assunto a que se
voltará, posteriormente. O inciso XXXIII, revela-se genérico - “todos têm o direito a
receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse
coletivo ou geral”; já, os incisos XXXIV, b (obtenção de certidões em repartições
públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse
pessoal) e LXXII, a (para assegurar o conhecimento de informações relativas à
pessoa do impetrante, constantes de registros ou banco de dados de entidades
governamentais ou de caráter público), revelam-se mais específicos, especialmente
o segundo.
Não obstante disposições aparentemente excludentes, em razão da
linguagem utilizada – “interesse particular/interesse pessoal” – deve-se observar que
o direito à informação compreende uma tríplice dimensão – “direito de informar,
direito de se informar e direito a ser informado” – que se transporta ao direito à
informação administrativa, enquanto espécie qualificada do mesmo. Sendo um
direito fundamental do cidadão, não se poderia cogitar, por força do art. 5º, § 1º, -
“As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata
– e, ante a ausência da expressão interesse pessoal” no inciso XXXIII, que
informação detida pela administração pública, de natureza pessoal, cujo acesso pelo
próprio requerente, seria, por si, qualificada como um interesse pessoal, somente
fosse obtida mediante a propositura do Hábeas Data. Não parece que interpretação
de tal ordem seria crível numa Constituição que adota, em plenitude, um “princípio
da administração aberta”.
O direito à informação administrativa, contido no inciso XXXIIII, da
Constituição, integra, tanto o interesse particular, quanto o interesse pessoal. É o
que expressamente consigna o art. 7º, da Lei nº 11.111/2005, reguladora daquele
inciso:
96
Art. 7º Os documentos públicos que contenham informações relacionadas à intimidade, a vida privada, honra e imagem de pessoas, e que sejam ou venham a ser de livre acesso poderão ser franqueados por meio de certidão ou cópia do documentos, que expurgue ou oculte a parte sobre a qual recai o disposto no inciso X do caput do art. 5º da Constituição Federal.
Parágrafo único. As informações sobre as quais recai o disposto no inciso X do caput da Constituição Federal terão seu acesso restrito à pessoa diretamente interessada ou, em se tratando de morto ou ausente, ao seu cônjuge, ascendentes ou descendentes, no prazo de que trata o § 3º do art. 23 da Lei nº 8.159, de 8 de janeiro de 1991.
A consideração legislativa indica, claramente, uma interpretação integrativa
do inciso XXXIII, do art. 5º, da Constituição da República, no sentido de determinar o
direito à informação administrativa, seja fundado num interesse particular, seja no
interesse pessoal. Neste último caso, encontra-se delimitado, no parágrafo único,
da lei acima indicada, pois somente terão acesso “à pessoa diretamente interessada
ou, em se tratando de morto ou ausente, ao seu cônjuge, ascendentes ou
descendentes”.
Desta forma, a expressão particular deve ser compreendida, também, como
sinônima de pessoal. É que, como referido por Thomas Cooley, em lição centenária
da interpretação da constituição, “no interpretar as clausulas deve-se presumir que
as palavras têm sido usadas na sua significação natural e ordinária” (COOLEY,
1909, p.407)254. O pessoal encobre o particular, que lhe é inerente. Mas, há
particularidades (texto de um livro) que não detém o atributo da pessoalidade
(declaração de imposto de renda).
Conjuntamente, com o interesse pessoal e o particular, regra a Constituição
da República que o direito à informação administrativa pode ser fundado no
interesse coletivo ou geral. Por interesse coletivo, compreende-se aqueles “afetos a
vários sujeitos não considerados individualmente, mas sim na qualidade de membro
de comunidades menores ou grupo intercalares, situados entre o indivíduo e o
Estado” (BASTOS, citado por MANCUSO, 2004, p.62)255, cuja nota é integrarem, é
estarem organizados em sindicatos, associações, partidos políticos, conforme
254 COOLEY, Thomas. Direito Constitucional dos Estados Unidos da América do Norte. Versão de Alcides Cruz. Porto Alegre: Carlos Echenique, 1909, p.407. 255 MANCUSO, ob. cit., 2004, p.62.
97
Rodolfo de Camargo Mancuso (2004, p.60-63)256. Relativo a esse núcleo do
interesse o julgado pelo E. Tribunal de Justiça do Estado do RS, quanto a pedido
formulado por Sindicato.
REEXAME NECESSÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. sindicato dos municipários de São Lourenço do Sul – SIMUSSUL. pedido de certidão. artigo 5º, inciso XXXIV, “B” da constituição federal. DIREITO FUNDAMENTAL DE EFICÁCIA PLENA E APLICABILIDADE IMEDIATA. segurança concedida. O artigo 5º, inciso XXXIV, “b” c/c o artigo 37, caput, ambos da Constituição Federal de 1988, são expressos no sentido de que aos administrados é assegurado o direito de acompanhar os atos perpetrados por quem os rege. Expedição de certidão que se faz necessária ante a transparência que deve ditar o comportamento da Administração Pública. SENTENÇA CONFIRMADA EM REEXAME NECESSÁRIA. (TJRS, 2002)257.
Quanto ao interesse geral, como a expressão já pode induzir, este respeita
a sociedade como um todo. É o interesse que ultrapassa a noção de individualidade
– seja de uma pessoa singular, ou de um grupo de pessoas organizadas, por
qualificar-se em valores superiores que interessam a todos os cidadãos, como, v.g. a
moralidade pública (art. 5º, LXXIII, CF/88). Nesta tipologia de interesse, pode-se
enquadrar o pedido de informações para fins de propositura da ação popular
fundada em lesão à moralidade administrativa. Trata-se de situação que ultrapassa a
noção de interesse individual, ou afeto a um grupo de pessoas, mas de um valor
intrínseco ao exercício do múnus público, cujo desvirtuamento não atinge um dado
território, mas solapa um respeito à própria Constituição da República, mormente
que:
A elevação da dignidade do princípio da moralidade administrativa a nível constitucional, embora desnecessária, porque no fundo o Estado possui uma só personalidade, que é a moral, consubstancia uma conquista da Nação que, incessantemente, por todos os seus segmentos, estava a
256 MANCUSO, ob. cit., 2004, p.60-63. 257 Tribunal de Justiça do Estado do RS.Reexame Necessário nº 70004557773. Rel. Desembargador Vasco Della Giustina. Julgado em 25.09.2002.
98
exigir uma providência mais eficaz contra a prática de atos administrativos violadores desse princípio (STJ, 2004)258.
Tendo em vista a especialidade dessa ação, em face dos interesses que
visa proteger, a “ação popular protege interesses não só de ordem patrimonial como,
também, de ordem moral e cívica”259, é que o administrador público não exerce juízo
discricionário quanto ao pedido de informações postulado pelo cidadão:
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. AÇÃO POPULAR. INSTRUÇÃO. - PEDIDO DE CERTIDÃO. DIREITO ASSEGURADO CONSTITUCIONALMENTE AO CIDADÃO, VEDADO A AUTORIDADE A QUEM COMPETE FORNECE-LA, ARVORAR-SE EM JUIZ, DECIDIR SOBRE A LEGITIMIDADE E O INTERESSE DO REQUERENTE EM OBTE-LA. - RECURSO PROVIDO (STJ, 1991)260.
O objeto do direito, previsto no art. 5º, XXXIII, da Constituição da República,
são informações, de interesse pessoal, particular, coletivo ou geral, qualificadas em
razão do seu detentor – o Estado – nas suas mais diversas materializações
funcionais – poderes executivo, legislativo, judiciário, Ministério Público, Tribunal de
Contas, Conselho Nacional de Justiça, Conselho Nacional do Ministério Público,
órgãos e entidades da administração direta e indireta.
Informação, como anota Maria Eduarda Gonçalves (1994, p.15-16) 261, é um
“processo de criação de significados”, sendo o resultado da soma dos dados +
esforço intelectual para sua compreensão, razão porque a informação é uma síntese
da compreensão do conteúdo do documento administrativo e não o próprio
documento, que é mero instrumento de corporificação (GONÇALVES, 2002, p.36)262.
Mas, à conclusão daquele processo, é necessária a materialização dos dados em
258 Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 579.541 – SP. Rel. Ministro José Delgado. Julgado em 17.02.2004.Disponível em www.stj.gov.br. 259 Superior Tribunal de Justiça, ob. cit., 2004, Recurso Especial nº 579.541. 260 Superior Tribunal de Justiça. Recurso em Mandado de Segurança nº 686/SC. Rel. Ministro Américo Luz. Julgado em 16.08.1991. 261 GONÇALVES, 1994, p.15-16. 262 GONÇALVES, José Renato. Acesso à informação das entidades públicas. Coimbra/POR: Almedina, 2002, p.36.
99
documentos hábeis à análise e, tendo em vista a questão em foco, aos
documentos públicos.
Caracterizam-se, como documentos públicos, aqueles produzidos ou
recebidos por órgãos ou entidades públicas (federais, estaduais, municipais, distrito
federal), da administração direta ou indireta, agentes do poder público (Lei nº
8.159/1991, Decreto nº 4.073/2002).
Não obstante esta qualificação, que, formalmente, já legitimaria o direito de
acesso, faz-se necessário mencionar que os documentos públicos, sob critério de
conteúdo, classificam-se em “documentos nominativos e documentos não-
nominativos”. Documentos públicos nominativos são aqueles cujo conteúdo
contenha dados pessoais. São documentos não-nominativos aqueles que não
possuam conteúdo caracterizado como de natureza pessoal.
A relevância da questão da nominatividade, como critério de análise à
petição de acesso, percebe-se da dicção dos art. 7º da Lei nº 11.111/2005, art. 4º,
da Lei nº 8.159/1991, onde a proteção à intimidade, vida privada, honra e imagem,
são valores a serem protegidos, mormente por sua extração constitucional (art. 5º,
X). Poder-se-ia exemplificar, como documento de natureza nominativa, o prontuário
médico detido por uma instituição hospitalar. Trata-se de documento cujo acesso é
vedado a terceiros, como já observado no Parecer nº 59/2000, do E. Tribunal de
Contas do RS, de lavra da Auditora Substituta de Conselheiro Rosane Heineck
Schmitt, cuja ementa segue:
Direito à privacidade. Prontuário médico pessoal. Instituto de Previdência do Estado – IPERGS. Consulta. Exigência de apresentação, pelos hospitais, das contas hospitalares, acompanhadas de toda documentação original, inclusive prontuário médico individual do paciente. Ficha de saúde pessoal pertence ao próprio paciente só a esse cabendo liberá-la, sob pena de lesão ao direito à privacidade, garantido no inciso X, do art. 5º da Constituição Federal, e no Código de Ética Médica. Sugestão para substituição da ficha pessoal por relatórios e /ou formulários específicos, contendo dados necessários à comprovação da despesa,
100
resguardado o direito ao sigilo dos dados de saúde personalíssimos e privativos do paciente (TCERS, 2000)263.
Identicamente, ostentam a qualidade de nominatividade os valores
percebidos, individualmente, pelo servidor, razão pela qual, o direito de acesso a
estes é vedado:
ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL - CERTIDÃO. 1. A remuneração dos servidores públicos está prevista em lei, com publicidade ampla para conhecimento dos interessados. 2. Diferentemente, não pode o cidadão ter acesso à intimidade de cada servidor. 3. Impossibilidade de conceder a Administração certidão nominal dos ganhos de cada servidor. 4. Recurso ordinário improvido (STJ, 2002)264.
Não obstante, a natureza ser de acesso restrito, necessária mencionar a
solução adotada, pela Lei nº 11.111/2005, para balancear o interesse na informação
e o direito do sigilo individual. Referido diploma aponta solução conciliadora ao
determinar que, detendo o documento público “informações relacionadas à
intimidade, vida privada, honra e imagem de pessoas, e que sejam ou venham a ser
de livre acesso poderão ser franqueados por meio de certidão ou cópia do
documento”, que expurgue ou oculte a parte sobre a qual recai o disposto no
inciso X do caput do art. 5º da Constituição Federal.
Estabelecida a característica dos documentos públicos nominativos, por um
critério de exclusão, os demais documentos detidos pelo Estado se classificam como
não-nominativos, cuja regra geral é o amplo e irrestrito acesso, nos termos do inciso
XXXIII, art. 5º, da CF/88, bem como do art. 22 da Lei nº 8.159/1991. Exemplo de
documento não-nominativo é a listagem de servidores de determinado órgão
público, cujo acesso não é vedado, conforme já decidido pelo E. Superior Tribunal
de Justiça:
ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. ACESSO À LISTA DE SERVIDORES CONTRATADOS PARA TRABALHAR EM HOSPITAL ESTADUAL. DIREITO DE INFORMAÇÃO. PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO DIREITO À INTIMIDADE E À VIDA
263 Tribunal de Contas do Estado do RS.Parecer nº 59/2000. Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul. Disponível em <http://www.tce.rs.gov.br> Acesso em: 26 de junho de 2006. 264 Superior Tribunal de Justiça. Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 14.163/MS. Rel. Ministra Eliana Calmon. Julgado em 27.08.2002.
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PRIVADA. I - O servidor público, na administração direta, como é o caso, quando de sua nomeação tem seu nome divulgado publicamente, justamente para atender ao princípio da publicidade. Ora, quando do ingresso do servidor não se perquire sobre a existência de violação à intimidade ou vida privada daquela pessoa, uma vez que, in casu, não existe mesmo tal desrespeito, mas sim uma necessária observação aos preceitos legais de acessibilidade aos cargos públicos. II - Não é diferente quando se pretende, amparado no direito à informação e ao princípio da publicidade administrativa, a lista dos nomes daqueles servidores, que outrora já constaram em relação pública com acesso para todos os interessados, inexistindo qualquer ataque a intimidade dos mesmos, porquanto não se está cogitando de intromissão ao universo particular de cada servidor, nem qualquer ingerência no âmbito das relações subjetivas de cada um deles. III - Recurso provido (STJ, 2006)265.
Como já mencionado, anteriormente, a concepção contemporânea do direito
à informação compreende uma tríplice dimensão: “direito de informar, direito de se
informar e direito a ser informado”. Estas dimensões transportam-se, da mesma
forma, ao âmbito do direito à informação administrativa, que é espécie qualificada
daquele.
Entretanto, relativamente à efetividade do princípio da transparência, o
direito à informação administrativa revela sua faceta mais importante na última
dimensão mencionada, ou seja, o direito a ser informado, especialmente por traduzir
um “direito à explicação” conforme Airton Seclaender (1991, p.153)266.
No âmbito do direito à informação administrativa, na sua perspectiva de um
direito à explicação, exemplo paradigmático para revelar seus efeitos na relação
cidadão-Estado é o caso de alegação de sigilo, relativamente ao exame
psicotécnico. A regra geral era a aceitação do seu caráter sigiloso e a ausência de
disponibilização dos critério informativos do teste. O que, em razão do não
conhecimento de sua estrutura, impedia ao candidato se opor às conclusões, logo,
impedindo sua participação nas demais fases do certame, ou, quem sabe, a própria
investidura no cargo.
265 Superior Tribunal de Justiça.Recurso em Mandado de Segurança nº 21021/RJ. Rel. Ministro Francisco Falcão. Julgado em 16.06.2006. 266 SECLAENDER, ob. cit., 1991, p.153.
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Não obstante, pela determinação constitucional de um direito à informação
administrativa, o óbice ao candidato de aceder aos dados relativos ao exame
mostra-se inconstitucional, conforme decidido pelo E. Supremo Tribunal Federal:
II. Concurso público: exame psicotécnico: inadmissibilidade de oposição do sigilo de seus resultados ao próprio candidato em conseqüência declarado inapto. A oposição ao próprio candidato a concurso público do resultado dos elementos e do resultado do exame psicotécnico em decorrência dos quais foi inabilitado no certame viola, a um só tempo, “o direito de receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular” (CF, art. 5º, XXXIII), como também de submissão ao controle do Judiciário de eventual lesão de direito seu (CF, art. 5º, XXXV): precedente (RE 125556) (STF, 2001)267.
O direito a ser informado, no âmbito do direito à informação administrativa,
representa conquista inconteste do cidadão, na medida em que, não basta aos
órgãos públicos disponibilizar o acesso, mas que o conteúdo transmitido possibilite,
de fato, e não somente de direito, a compreensão efetiva do que foi transmitido. É
que a efetividade do princípio da transparência, a fim de que não se expresse
formalmente, tem como pressuposto necessário que o cidadão compreenda o objeto
da informação.
Apesar de ter ciência sobre algo ou alguma coisa, deve o indivíduo ter
consciência e a consciência do cidadão, como pressuposto para o exercício de seus
direitos, já era observada por João Barbalho, comentando a Constituição primeira da
República:
Oferece-nos assim a Constituição um rico catalogo de direitos e garantias, verdadeiras conquistas que o espírito de liberdade e a dignidade humana foram obtendo no correr dos séculos á custa de muito sangue e ingentes sacrifícios,- preciosismo thesouro que fica sob a guarda e vigilância do patriotismo e zelo cívico dos que compõem a nação brazileira. Para a effectividade e valia dessa guarda é porém indispensável que se instrua o povo e tenha elle verdadeira consciência de seus direitos, afim de que os saiba defender e possa acertar na escolha de seus mandatários (CAVALCANTI, 2002, p.5)268.
267 Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 265261-0/PR. Rel. Ministro Sepúlveda Pertence. Julgado em 13.02.2001. 268 CAVALCANTI, João Barbalho Uchoa. Constituição Federal Brasileira (1891). Comentada. Brasília: Senado Federal/Fac-Similar, 2002, p.5.
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Veja-se o caso das audiências públicas que, se mediante a participação
meramente presencial do cidadão, preenche o elemento formal da transparência.
Com isso, não significa dizer que conduza a sua materialidade, ou melhor, a sua
efetividade normativa. Destarte, não basta a mera disponibilização da informação,
sem que, correspondentemente, possa o sujeito compreender. Ao Estado cabe, por
conseguinte, exercer seu dever de informar, de forma a proporcionar ao cidadão a
captação do sentido da sua interação, a fim de que se realize “o círculo virtuoso, o
conhecimento do fato (acesso, publicidade) e de suas razões (motivação) permite o
controle, a sugestão, a defesa, a consulta, a deliberação (participação)” (JÚNIOR,
2004, p.22)269.
No entanto, a questão relativa à transmissibilidade compreensível das
informações administrativas é instrumento imprescindível, também, para o efetivo
exercício da participação popular, especialmente se forem consideradas as
observações de Norberto Bobbio (2000a, p.410)270, quanto à tecnocracia que,
mediante uma linguagem não facilmente acessível à maioria dos cidadãos, convola-
se em nova vertente do segredo.
Somente sob a vertente de um direito à informação administrativa
compreensível que o princípio da transparência maximiza sua efetividade,
proporcionando a devida participação do cidadão nas decisões estatais, o que
estabelece a centralidade daquele princípio no âmbito do controle das políticas
públicas. Especialmente porque a transparência implica no direito que todos os
cidadãos detêm de serem “esclarecidos objectivamente sobre actos do Estado e
demais entidades públicas e de ser informados pelo Governo e outras autoridades
acerca da gestão dos assuntos públicos”, como explicitado no art. 48, 2, da
Constituição Portuguesa, na lição de Gonçalves (2002, p.13)271.
269 JÚNIOR, ob. cit., 2004, p.22. 270 Cf. BOBBIO, ob. cit., 2000a, p.410 : O saber técnico cada vez mais especializado torna-se cada vez mais um saber de elites, inacessível à massa. Também a tecnocracia tem os seus arcana, e para a massa também ela uma forma de saber esotérico, que é incompatível com a soberania popular pelos mesmos motivos pelos quais o regime autocrático considera o vulgo incompetente e incapaz de compreender as questões de Estado. 271 GONÇALVES, ob. cit., 2002, p.13.
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22..33 OO LLIIMMIITTEE DDOO DDIIRREEIITTOO ÀÀ IINNFFOORRMMAAÇÇÃÃOO AADDMMIINNIISSTTRRAATTIIVVAA:: OO
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No atual estágio da sociedade, a relação entre sigilo e Estado é
caracterizada por um sentido negativo. “A menor opacidade é ipso facto declarada
marginal, desviante, e um homem ou um país será julgado segundo esta grade”
(AUBENAS e BENASAYAG, 2003, p.64)272. Em se tratando de algo que está no dia-
a-dia, explica-se a aversão ao segredo estatal, não pelo segredo em si, pois o
mesmo integra a dimensão da intimidade de todos, mas pela sua utilização
deturpada, tanto no âmbito público, quanto no privado.
Assim, a questão não é o segredo ou o sigilo, mas o porquê de sua
existência e o como dele se utilizar, especialmente no âmbito dos Poderes Públicos,
afinal “o segredo é um elemento historicamente assumido do poder” (ROMÃO, 2005,
p.16)273.
Partindo-se de uma análise do texto da Constituição da República, percebe-
se que o sigilo não é elemento dissociado, quer às relações privadas, quer às
públicas. Em relação àquelas, a Lei Fundamental é expressa em determinar que
“são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,
assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua
violação” (art. 5º, X). No âmbito das relações entre Estado e cidadão, estabelece o
texto da Constituição que
todos têm o direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado (art.5º,XXXIII).
Esses dispositivos, ao mesmo tempo em que afirmam o sigilo como algo
elementar às relações do indivíduo, e que se transporta ao Estado, estabelecem, de
272 AUBENAS e BENASAYAG, ob. cit., 2003, p.64. 273 ROMÃO, Miguel Lopes. A Bem do Estado. Publicidade e Segredo na formação e na divulgação das leis (1820-1910). Coimbra/POR: Almedina, 2005, p.16.
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forma explícita, a dicotomia entre a esfera privada e a pública, o que implica em
tratamento diverso daquele instituto, quando analisado sob perspectiva do cidadão,
ou quando relativo às ações do Estado.
Sob o ângulo do cidadão, na questão da proteção à sua intimidade e vida
privada, a questão do sigilo é elemento central. Essa faceta do sigilo pode, também,
ser percebida com base na teoria das esferas, desenvolvida no âmbito do Tribunal
Constitucional Federal da Alemanha274, que incorpora os atributos de
confidencialidade e segredo (FARIAS, 1996, p.113-114)275. Destarte, pela própria
estrutura constitucional de proteção à reserva de intimidade do cidadão, percebe-se
que, nas relações privadas e lícitas, a regra é o sigilo, sendo, o desvelamento, a
exceção. Proteção que implica em dever de abstenção, não só dos demais
indivíduos, quanto do próprio Estado, conforme a advertência de Nelson Saldanha:
Nos ordenamentos jurídicos de hoje, um problema freqüente vem sendo o de preservar a “privacidade”, ameaçada pela onda das comunicações (e pelo “Direito à informação”), bem como pela onipresença do poder público (SALDANHA, 1986, p.25)276.
Se, no âmbito das relações privadas lícitas, o sigilo é elemento integrante da
esfera de intimidade, diverso é o seu tratamento, quando transportado para as ações
do Poder Público. Nestas, já se pode antecipar, há uma inversão de valores, a regra
é a visibilidade; a exceção, o segredo.
A afirmação do segredo, na célebre expressão arcana imperii, as arcas do
império já é de todo simbólica. A expressão de linguagem já transporta para a
274 Sobre a questão veja-se: CACHAPUZ, Maria Cláudia. Intimidade e Vida Privada no Novo Código Civil Brasileiro. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris, 2006, p.110-ss. 275 Relativamente a esta concepção traz-se a seguinte exposição. Com efeito, a doutrina alemã, debruçando-se sobre o conteúdo do direito à intimidade, vislumbra a existência de três esferas: (a) Privatsphäre (esfera da vida privada) – a mais ampla das esferas, abarcando todas as matérias relacionadas com as notícias e expressões que a pessoa deseja excluir do conhecimento de terceiros.Ex.: imagem física, comportamentos que mesmo situados fora do domicílio, só devem ser conhecidos por aqueles que travam regularmente contacto com a pessoa. (b) Vertrauensphäre (esfera confidencial) – incluindo aquilo que o indivíduo leva ao conhecimento de outra pessoa de sua confiança, ficando excluído o público em geral e as pessoas pertencentes ao ciclo da vida privada e familiar. Ex.: correspondência, memoriais, etc. (c) Geheimsphäre (esfera do secreto) – compreendendo os assuntos que não devam chegar ao conhecimento dos outros devido à natureza extretamente reservada dos mesmos. Cf. FARIAS, ob. cir., 1996, p.113-114. O autor cita Fernando Herrero-Tejedor. 276 SALDANHA, ob. cit., 1986, p.25. Grifo no original e nosso.
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imagem de algo encerrado, guardado, somente acessível àquele que detém a chave
– ou seja, à época da sua formação – o soberano. Os arcana imperii simbolizam um
axioma à manutenção do poder, especialmente na perspectiva do absolutismo, no
qual o segredo era elemento essencial à perpetuação do soberano. Como refere
Norberto Bobbio:
Destas citações pode-se ver que na categoria dos arcana entram dois fenômenos diversos, porém estreitamente coligados: o fenômeno do poder oculto, ou que se oculta e o do poder que oculta, isto é, que se esconde escondendo. O primeiro compreende o tema clássico do segredo de Estado, o segundo compreende o tema igualmente clássico da mentira lícita e útil (lícita porque útil) que nasce, nada mais nada menos, com Platão. No Estado autocrático, o segredo de Estado não é uma exceção mas a regra: as grandes decisões políticas devem ser tomadas ao abrigo dos olhares indiscretos de qualquer tipo de público. O mais alto grau do poder público, isto é, do poder de tomar decisões vinculatórias para todos os súditos, coincide com a máxima concentração da esfera privada do príncipe (BOBBIO, 2000b, p.107-108)277.
A maximização da concentração dos poderes, na mão do soberano, implica
que este seja o centro do qual emanam as decisões governamentais. Desta forma,
tem-se, no segredo, um instrumento de manutenção do poder.
É por essa razão que, em síntese, do ponto de vista da acepção de público na sua dimensão de visibilidade ou invisibilidade, a gestão totalitária leva às suas últimas conseqüências o Panapticon de Bentham, tal como analisado por Foucalt. Trata-se de uma imensa máquina de dominação que dissocia o ver do ser visto. Dessa maneira, o governante é tanto mais capaz de comandar quanto mais escondido estiver, vendo tudo, e os governados estão tanto mais subjugados quanto mais souberem que são vistos, mas não sabem onde estão os governantes que os vêem [...] (LAFER, 1999, p.245)278.
Há, pois, um ingrediente alienante do segredo. Não saber implica em impedir
a formulação de juízos de valor sobre as ações, esterilizando-se o potencial de
compreensão do mundo e, portanto, isolando o indivíduo da realidade verdadeira.
Mas esse óbice artificial à percepção da realidade não impediu que o cidadão
buscasse, ao longo da história, a afirmação de seu direito de acesso às informações
públicas.
277 BOBBIO, ob. cit., 2000b, p.107-108. 278 LAFER, ob. cit., 1999, p.245.
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O dito acima pode ser bem clarificado no texto da Declaração Francesa de
1789, quando reconheceu, expressamente, em seus arts. 14 e 15:
Art. 14. Todos os cidadãos têm o direito de verificar, pessoalmente ou por meio de representantes, a necessidade da contribuição pública, bem como de consenti-la livremente, de fiscalizar o seu emprego e de determinar-lhe a alíquota, a base de cálculo, a cobrança e a duração.
Art. 15. A sociedade tem o direito de pedir, a todo o agente público, que preste contas de sua administração (COMPARATO, 1999, p.140)279.
A pauta dos direitos fundamentais de primeira geração, seu caráter de
proteção contra a intromissão do Estado, revela, nesses dispositivos, uma dimensão
estrutural da própria declaração. A visão liberal e individualista, que sustenta a
afirmação em textos constitucionais daqueles direitos, determinou uma nova
contextualização do fenômeno do poder do Estado, pois sendo, este, o “produto
artificial de uma vontade comum, segue-se que de agora em diante o verdadeiro
protagonista do saber político será não mais o Estado, mas o indivíduo” (BOBBIO,
2000a, p.392)280. Não obstante, o segredo perpetua-se como elemento indissociável
à figura do Estado, seja para sua manutenção externa, seja interna. Mesmo o
advento do Estado Democrático não invalida a presença daquele, na estrutura do
Estado.
O regime democrático, que se estrutura, seguindo-se a concepção de
Norberto Bobbio (2000a, p.386)281, enquanto “poder em público”, mostra-se, assim,
como a antítese do regime totalitário, no qual o segredo é princípio de manutenção
do status quo.
Mas a diferença, num e noutro regime, não é, como à primeira vista pode
parecer, a completa inexistência do segredo no regime democrático, e a sua
existência, como elemento indissociável ao regime totalitário. A questão central é a
completa ausência de regras de controle do segredo, por parte do cidadão, nos
279 COMPARATO, ob. cit., 1999, p.140. 280 BOBBIO, ob. cit., 2000a, p.392. 281 BOBBIO, ob. cit., 2000a, p.386.
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regimes totalitários, aliada ao componente de utilização ex parte principis do mesmo,
e a sua submissão normativa e de conhecimento por parte dos cidadãos no
ambiente democrático.
Assim, a questão do segredo ou sigilo, para utilizar-se a expressão
constitucional, diferencia-se nos regimes totalitários e democráticos, tanto em
quantidade, quanto em qualidade. Nos primeiros, recebe um tratamento especial,
envolvendo aspectos estatais e privados:
Porque os limites do público e do privado não existem e são oscilantes por força da lógica do totalitarismo no poder, é que se trata de um regime que constitutivamente não abre espaço para a tutela do direito à intimidade na perspectiva ex parte populi (LAFER, 1999, p.245)282.
Já, sob a perspectiva democrática, que reconhece a dignidade do homem e,
portanto, direitos de personalidade que lhe são próprios, a proteção ao indivíduo
engloba, por conseqüência, a intimidade de todo o cidadão, embora tratamento
diverso é dado ao Estado. Para este, o segredo é uma figura anômala, o que implica
em tratamento normativo rigoroso nas suas hipóteses e amplitude, ou, nas palavras
de Norberto Bobbio, ao qual não se pode dar “uma extensão indébita” (BOBBIO,
2000b, p.115)283.
Assim, o sigilo não desaparece num ambiente democrático, seus contornos
é que são mais restritos. Pode-se perceber isto, no Brasil, que é um Estado
Democrático de Direito, onde, tanto a Constituição da República284, quanto a
legislação infraconstitucional285, estabelecem hipóteses para o sigilo.
Não obstante a cláusula geral de acesso, prevista no art. 5º, XXXIII, a parte
segunda do referido preceito dispõe que se ressalva o direito à informação
administrativa, quando o “sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do
Estado”. Como já referido, anteriormente, nem todas as informações detidas pelo
Estado são passíveis de um direito de acesso. Mas o que importa, para limitação, é
282 LAFER, ob. cit., 1999, p.245. 283 BOBBIO, ob. cit., 2000b, p.115. 284 Art. 5º,XXXIII e LX, e art.93, IX, da Constituição da República. 285 Para citar alguns exemplos: Art. 55,§1º, da Lei nº 8.443/92, Art. 1º, §6º, da Lei nº 4.717/65, Art. 8º, § 2º, da Lei nº 7.347/85, Art.12, III e VII, da Lei nº 8.429/92, Art.2º, V, da Lei nº 9.784/99.
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que esta somente pode ser determinada pela própria Constituição da República. É
que as cláusulas do sigilo, da transparência e da publicidade, submetem-se a
idêntica situação jurídica, são deveres constitucionais do Estado. “Guardar sigilo
não é direito, mas dever da Administração, tal seja a natureza do assunto”
(CAVALCANTI, 1949, p.407)286.
O conhecimento e o não-conhecimento, nascendo com idêntica força
normativa – ambos são preceitos constitucionais - variam quanto ao espectro de
atuação. O dever de desvelamento é mais amplo e, via de regra, não condicionado,
enquanto que a proibição do acesso, em sendo exceção constitucional, prescinde
de contornos precisos, bem como interpretação restritiva, atendendo ao que
expressamente determina a Constituição Federal: “imprescindível à segurança da
sociedade e do Estado (art. 5º, XXXIII) ou quando imposto por força de garantia da
inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra e imagem” (art. 5º, X).
Quanto à necessidade de balanceamento, e entre a alegação de sigilo e o
direito de acesso, exemplar o decido pelo Superior Tribunal de Justiça, em caso no
qual um oficial das forças armadas requeria cópias de documentos funcionais, em
razão da sua preterição para integrar curso do Estado Maior. Mesmo que alegada a
exceção de sigilo, a mesma foi afastada, em face do disposto no art. 5º, XXXIII, da
Constituição da República:
CONSTITUCIONAL. HABEAS DATA. MILITAR DA AERONÁUTICA. MATRÍCULA EM CURSO DA ECEMAR. PEDIDO INDEFERIDO. ACESSO A DOCUMENTOS FUNCIONAIS. NEGATIVA DA ADMINISTRAÇÃO. REGRA CONSTITUCIONAL BASILAR: PUBLICIDADE. EXCEÇÃO: SIGILO. ORDEM CONCEDIDA. 1. "O 'habeas data' configura remédio jurídico-processual, de natureza constitucional, que se destina a garantir, em favor da pessoa interessada, o exercício de pretensão jurídica discernível em seu tríplice aspecto: (a) direito de acesso aos registros existentes; (b) direito de retificação dos registros errôneos e (c) direito de complementação dos registros insuficientes ou incompletos. – Trata-se de relevante instrumento de ativação da jurisdição constitucional das liberdades, que representa, no plano institucional, a mais expressiva reação jurídica do Estado às situações que lesem, efetiva ou potencialmente, os direitos fundamentais da pessoa, quaisquer que sejam as dimensões em que estes se projetem” (HD 75/DF, Rel. Ministro CELSO
286 CAVALCANTI. Temístocles Brandão. Processo Administrativo. Requisição pelo Poder Legislativo. Sigilo sobre atos administrativos. Separação e independência dos Poderes. Parecer. Revista de Direito Administrativo. 1949. Vol.17.p.407.
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DE MELLO, Informativo STF 446, de 1º/11/2006). 2. A exceção ao direito às informações, inscrita na parte final do inciso XXXIII do art. 5º da Constituição Federal, contida na expressão "ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado", não deve preponderar sobre a regra albergada na primeira parte de tal preceito. Isso porque, embora a Lei 5.821/72, no parágrafo único de seu art. 26, classifique a documentação como sendo sigilosa, tanto quanto o faz o Decreto 1.319/94, não resulta de tais normas nada que indique estar a se prevenir risco à segurança da sociedade e do Estado, pressupostos indispensáveis à incidência da restrição constitucional em apreço, opondo-se ao particular, no caso o impetrante, o legítimo e natural direito de conhecer os respectivos documentos, que lastrearam, ainda que em parte, e, assim digo, porque deve existir, também, certo subjetivismo na avaliação, a negativa de sua matrícula em curso da Escola de Comando e Estado Maior da Aeronáutica – ECEMAR, como alegado. 3. A publicidade constitui regra essencial, como resulta da Lei Fundamental, art. 5º, LX, quanto aos atos processuais; 37, caput, quanto aos princípios a serem observados pela Administração; seu § 1º, quanto à chamada publicidade institucional: 93, IX e X, quanto às decisões judiciais, inclusive administrativas, além de jurisprudência, inclusive a Súmula 684/STF, em sua compreensão. No caso, não há justificativa razoável a determinar a incidência da exceção (sigilo), em detrimento da regra. Aplicação, ademais, do princípio da razoabilidade ou proporcionalidade, como bem ponderado pelo órgão do Ministério Público Federal. 4. Ordem concedida (STJ, 2007)287.
Mas a refutação do sigilo, como regra, pressupõe, como já se disse, um
ambiente social e político próprio. Desde a sua concepção clássica a democracia
estabelece limites ao segredo.
Na memória histórica dos povos europeus, a democracia apresenta-se pela primeira vez através da imagem da ágora ateniense, a assembléia ao ar livre onde se reúnem os cidadãos para ouvir os oradores e então expressar sua opinião erguendo a mão. Na passagem da democracia direta para a democracia representativa (da democracia dos antigos para a democracia dos modernos), desaparece a praça, mas não a exigência de “visibilidade” do poder, que passa a ser satisfeita de outra maneira, com a publicidade das sessões do parlamento, com a formação de uma opinião pública através do exercício da liberdade de imprensa, com a solicitação dirigida aos líderes políticos de que façam suas declarações através dos meios de comunicação de massa (BOBBIO, 2000a, p.387)288.
Desta forma, o princípio da transparência mostra-se cada vez mais como um
sinônimo para a própria democracia. Esta identidade, nos dias atuais, e,
especificamente, no caso brasileiro, pressupõe uma abordagem da transparência,
não somente pelo caráter idealizante da mesma, mas pela necessidade de uma
287 Superior Tribunal de Justiça. Hábeas Data nº 91/DF. Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima. Julgado em 14.03.2007. 288 BOBBIO, ob. cit., 2000a, p.387.
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compreensão calcada no direito a ser informado, o que representa uma dimensão
atual do fenômeno do acesso às informações públicas.
Frente a essa perspectiva estrutural do princípio da transparência, este se
reflete em todas as atividades administrativas. Mas, influenciando o modo de
consecução das tarefas públicas, aquele princípio torna-se fundamental, também,
na análise das políticas públicas, enquanto instituto de concretização das
determinações constitucionais.
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3 O CONTROLE JUDICIAL DAS POLÍTICAS PÚBLICAS
33..11 PPOOLLÍÍTTIICCAASS PPÚÚBBLLIICCAASS
A questão das políticas públicas, seja no âmbito conceitual, como, mais
especificamente, no âmbito da sua sindicabilidade, tem, como pressuposto
necessário, o reconhecimento de uma especificidade formativa, de que se trata de
um tema, como exemplarmente observado por Marília Lourildo dos Santos (2006,
p.75)289, que não surge da ou na ciência do direito, mas é “originário da ciência
política”.
Esta observação não se faz tão somente a título de conhecimento, mas
pelas implicações decorrentes à compreensão das políticas públicas, especialmente
do seu processo, que, ao nosso juízo, está a merecer um estudo mais detido pela
doutrina jurídica. E, não conhecendo o seu processo, mas centrando-se no
resultado, a resposta positiva ou não quanto este, é s.m.j., ao menos, imprecisa.
A expressão “políticas públicas” tornou-se um imperativo na contemporânea
abordagem do tema das intervenções estatais, especialmente com a configuração
prestacional do Estado (SANTOS, 2003, p.629; BUCCI, 2002, p.241)290/291. Sob a
formulação do estado liberal, a proteção do indivíduo pressupunha, unicamente,
condutas omissivas do estado. A partir do momento em que a sociedade passa a
exigir condutas comissivas – mediante a catalogação de direitos de segunda
geração, o Estado passa, de ente protetor das liberdades individuais, para agente
indutor de políticas concretizadoras dos anseios sociais.
289 SANTOS, Marília Lourido dos. Interpretação Constitucional no Controle Judicial das Políticas Públicas. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2006, p.75. 290 SANTOS, Marília Lourido dos. Políticas Públicas (Econômicas) e Controle. Boletim de Direito Administrativo. Agosto/2003, p.629. 291 Relativamente a importância da compreensão das políticas públicas, em face do Estado Social, observa Bucci: Cada vez mais o tema das políticas públicas vai se infiltrando entre as preocupações do jurista, tendo merecido, no entanto, pouco trabalho sistemático nessa área. Não obstante, numa época em que o universo jurídico se alarga – em que os direitos sociais e transindividuais deixam de ser meras declarações retóricas e passam a ser direitos positivados em constituições e leis, em busca de efetividade -, não seriam as políticas públicas um foco de interesse juridicamente pertinente, como “esquema de agregação de interesses e institucionalização dos conflitos”? [...]. BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito Administrativo e Políticas Públicas. São Paulo: Saraiva, 2002, p.241.
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Ao assumir esta característica, a própria noção de política sofre uma
mutação, tornando necessária uma abstração do seu sentido de exercício partidário,
para afirmar-se como um instrumento de condução, de programa de ação, como
afirmado por Fábio Konder Comparato:
O conceito de política, no sentido de programa de ação, só recentemente entrou a fazer parte das cogitações da teoria jurídica. E a razão é simples: ele corresponde a uma realidade inexistente ou desimportante antes da Revolução Industrial, longo período histórico durante o qual se forjou o conjunto de conceitos jurídicos dos quais nos servimos habitualmente.
Um dos raros autores contemporâneos a procurar uma elaboração técnica daquele novo conceito é Ronald Dworkin... Para ele a política (policy), contraposta à noção de princípio, designa “aquela espécie de padrão de conduta (standard) que assinala uma meta a alcançar, geralmente uma melhoria em alguma característica econômica, política ou social da comunidade, ainda que certas metas sejam negativas, pelo fato de implicarem que determinada característica deve ser protegida contra uma mudança hostil” Daí porque as argumentações jurídicas de princípios tendem a estabelecer um direito individual, enquanto as argumentações jurídicas de políticas visam estabelecer uma meta ou finalidade coletiva (COMPARATO, 1997, p.352)292.
Partindo desta compreensão de sentido da expressão política, enquanto
programa de ação, Maria Paula Dallari Bucci estabelece seu conceito de política
pública:
Políticas públicas são programas de ação governamental visando a coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados (BUCCI, 2002, p.241)293.
Ainda no aspecto conceitual, expressa Rodolfo de Camargo Mancuso, que
política pública é:
a conduta comissiva ou omissiva da Administração Pública, em sentido largo, voltada à consecução de programa ou meta previstos em norma constitucional ou legal, sujeitando-se ao controle jurisdicional amplo e
292 COMPARATO, Fábio Konder. Ensaio sobre o Juízo de Constitucionalidade das Políticas Públicas. Estudos em Homenagem a Geraldo Ataliba. v.2. (Org.) MELLO, Celso Antônio Bandeira de. São Paulo: Malheiros, 1997, p.352. 293 BUCCI, ob. cit., 2002, p.241.
114
exauriente, especialmente no tocante à eficiência dos meios empregados e à avaliação dos resultados alcançados (MANCUSO, 2002, p.776-777)294.
Para Eros Roberto Grau (2003, p.26)295, a “expressão políticas públicas
designa todas as atuações do Estado, cobrindo todas as formas de intervenção do
poder público na vida social”. Na proposta conceitual de Leonel Ohlweiler (2006, p.9-
10)296, políticas públicas são “o Estado em ação, pois o Estado as implementa por
meio de projetos e de ações voltadas a setores específicos da sociedade”. Para
Lindomar Wessler Boneti (2006, p.14)297, políticas públicas são “decisões de
intervenção na realidade social, quer seja para efetuar investimento ou de pura
intervenção administrativa ou burocrática”.
Como se observa, políticas públicas são ações estatais que objetivam uma
modificação de determinada situação fática na sociedade. São ações estatais
porque o sujeito ativo, seja no âmbito de planejamento, seja no de coordenação, é o
Estado, ainda que a execução possa ser delegada a entes colaboradores da própria
sociedade civil – ONG. Seu objetivo é sempre modificativo de determinada situação
fática na sociedade, pois “somente a convicção de que um problema social precisa
ser dominado política e administrativamente o transforma em um problema de
“policy’” (WINDHOFF-HÉRITIER, citado por FREY, 2000)298.
Logo, toda política pública é determinada por um objetivo, o qual, tratando-
se de uma intervenção do Estado, possui um resultado a ser alcançado, que, de
resto, não pode ser outro que o atendimento de uma finalidade pública (interesse
público) mensurável, ou seja, aferível materialmente.
294 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. A Ação Civil Pública como instrumento de controle judicial das chamadas Políticas Públicas. Ação Civil Pública - 15 anos. 2.ed. (Coord.) MILARÉ, Édis. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p.776-777. 295 GRAU, Eros Roberto. O Direito Posto e o Direito Pressuposto. 5.ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p.26. 296 OHLWEILER, Leonel. As políticas públicas no Estado Democrático de Direito e a (Re) funcionalização da Administração Pública Brasileira. Capítulo VII. Texto inédito. 297 BONETI, Lindomar Wessler. Políticas Públicas por dentro. Ijuí: Editora Unijuí, 2006, p.14. 298 Windhoff-Héritier, citado por FREY, Klaus. Políticas Públicas: um debate conceitual e reflexões referentes à prática da anáçlise de políticas públicas no Brasil. Revista Planejamento e Políticas Públicas. Nº 21. 2000. IPEA. Disponível em <http://www.ipea.gov.br> Acesso em: 12 de março de 2007.
115
Entretanto, em se tratando de uma intervenção do Estado, com uma
finalidade pública a ser alcançada, como se explica a cada vez maior discussão
relativa a sindicabilidade das políticas públicas?
33..22 OO CCOONNTTRROOLLEE JJUUDDIICCIIAALL DDAASS PPOOLLÍÍTTIICCAASS PPÚÚBBLLIICCAASS
O embate cidadão x estado é uma constante no desenvolver da civilização.
Nem mesmo na atualidade tal situação deixa de ocupar espaço. O que se modifica,
nos diversos momentos da história, são a forma e a razão da disputa, mas sua
essência continua a mesma: a luta por espaços de poder.
Tendo em vista esta relação conflituosa, acentuou-se, cada vez mais, a
questão relativa ao controle do poder do Estado. Em um dos escritos de o
Federalista, o de nº. 51 colhe-se:
Mas, afinal, o que é o próprio governo senão o maior de todos os reflexos da natureza humana? Se os homens fossem anjos, não seria necessário haver governos. Se os homens fossem governados por anjos, dispensar-se-iam os controles internos e externos. Ao constituir-se um governo, integrado por homens que terão autoridade sobre outros homens, a grande dificuldade está em que se deve primeiro, habilitar o governante a controlar o governado e, depois, obrigá-lo a controlar-se a si mesmo. A dependência em relação ao povo é, sem dúvida, o principal controle sobre o governo, mas a experiência ensinou-nos que há necessidade de precauções suplementares (HAMILTON et al., 2003, p.322)299.
Se o controle dos atos estatais é assunto que integra a cultura político-
jurídica, não poderia, tal questão, deixar de incidir no âmbito das políticas públicas,
principalmente se considerarmos que estas traduzem o “o Estado em ação”
(OHLWEILER, 2006, p.9-10)300. Mas, se o ideário do controle - no caso específico
das políticas públicas - surge como um corolário do Estado Democrático de Direito
(OHLWEILER, 2006, p.3)301, a praxis jurídica, de forma ainda majoritária, demonstra
uma insensibilidade de compreensão desse novo fenômeno.
299 HAMILTON et al., ob. cit., 2003, p. 322. O texto em questão, conforme referido na obra utilizada, não têm autoria certa, sendo atribuída a Hamilton ou Madison. 300 OHLWEILER, ob. cit., 2006, p.9-10. 301 Hodiernamente, cada vez mais, constroí-se um imaginário segundo o qual no âmbito de um Estado Democrático de Direito é plenamente possível controlar políticas públicas, relativamente à sua
116
Mantido através do já proclamado “senso comum teórico dos juristas”
(WARAT, 1979, p.20)302, este se propõe a negar espaço à sindicabilidade das
políticas públicas, através de óbices calcados em: a) princípio da separação dos
poderes, b) atos políticos e c) discricionariedade. Não obstante, ainda que estes
argumentos sejam potencialmente válidos para determinadas questões, e
determinantes para o reconhecimento de uma reserva de competência imune à ação
jurisdicional, em relação a políticas públicas, são argumentos a serem recebidos
com reserva.
Separação de Poderes. Considerando-se as diretivas (fundamentos e
objetivos) do Estado Democrático de Direito, que a Constituição da República
estabelece, observa-se a necessidade de uma nova perspectiva das relações entre
as diversas funções do Estado - executiva, legislativa e judiciária – que não podem
mais ser visualizadas sob a monolítica interpretação da cláusula da separação dos
poderes. Até porque a Constituição da República estabelece, de forma explícita,
seus deveres para com seus cidadãos, sendo, aquelas, funções instrumentais para a
consecução do ideal afirmado, especialmente num Estado Democrático que
pretende assegurar os direitos sociais.
Assim, o primeiro argumento de resistência ao controle das políticas
públicas, firmado na separação dos poderes, perde sua carga de racionalidade,
especialmente se for considerada a positivação constitucional dos direitos sociais,
cujas políticas públicas são veículos de concretização por excelência. E, como
observa Nuno Piçarra:
O surgimento daqueles direitos foi basicamente determinado por uma preocupação de justiça social que, por sua vez, foi a grande causadora da ruptura da anterior tríade de funções e órgãos do Estado, acrescentando a este uma nova dimensão [...]. Desta perspectiva, não é de estranhar que a efectivação de tais direitos fundamentais exija, cada vez mais, a solidariedade activa de todos os órgão de produção e aplicação do Direito, vinculados que estão aos mesmos objetctivos, nem que, por isso, certa crítica neoliberal venha opor o Estado democrático e social ao <<
procedimentalização e ao próprio conteúdo da decisão adotada pelo agente público. OHLWEILER, ob. cit., 2006, p.3. 302 WARAT, ob. cit., 1979, p.20.
117
Estado com separação de poderes>> (grifo nosso) (PIÇARRA, 1989, p.26-27)303.
A cláusula da separação dos poderes (art. 2º da CRB), em vista da expressa
catalogação dos direitos fundamentais sociais da constituição (art. 6º), deve ser
compreendida enquanto instrumento de consertação dos poderes públicos, na
concretização dos valores constitucionais. Por isso já é perceptível uma modificação
no âmbito jurisdicional, no tocante ao óbice do princípio da separação dos poderes,
no tocante à realização das políticas públicas (TJRS, 2006)304.
Atos Políticos. Como exposto, a cláusula da separação dos poderes não é
óbice ao controle judicial das políticas públicas, tomando-se em consideração o
dever de todas as funções do Estado, na concretização dos fundamentos e objetivos
da república. Não obstante, afirma-se, também, a não-sindicabilidade das políticas
públicas, calcada na caracterização de determinados atos como políticos ou de
governo:
Questão das mais controvertidas na doutrina é a que se refere ao controle judicial dos atos políticos ou de governo [...]. A Constituição, que impõem uma conformação política ao Estado e a todos subordina – por
303 PIÇARRA, Nuno. A separação dos poderes como doutrina e princípio constitucional. Coimbra/POR: Coimbra, 1989, p.26-27. 304 EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. ECA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MUNICÍPIO DE ALVORADA. IMPLANTAÇÃO DE POLÍTICA PÚBLICA PARA ATENDIMENTO INTEGRAL A CRIANÇAS E ADOLESCENTES PORTADORES DE NECESSIDADES ESPECIAIS. ELABORAÇÃO, IMPLANTAÇÃO E EXECUÇÃO DE PLANO CLÍNICO, EDUCACIONAL E MULTIDISCIPLINAR DE ATENDIMENTO ESPECIALIZADO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. POSSIBILIDADE. IMPORTÂNCIA DOS INTERESSES PROTEGIDOS. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. INCIDÊNCIA DE MULTA PARA O CASO DE DESCUMPRIMENTO. REDUÇÃO DO QUANTUM. 1) Não há falar em ofensa à Lei nº Lei nº 8.437/92, que veda a concessão de medida liminar que esgote, no todo ou em parte, o objeto da ação (art. 1°, § 3º), bem como estabelece que, na ação civil pública, a liminar será concedida, quando cabível, após a audiência (art. 2º), visto que não se pode desconsiderar que, excepcionalmente, a gravidade da situação e a peculiaridade do caso concreto exigem a tutela de urgência, devendo, por certo, ser imposta a primazia do interesse jurídico ameaçado sobre o interesse público tutelado pela referida lei. Ademais, o fornecimento de tratamento adequado a crianças e adolescentes, por meio de políticas públicas eficientes, constitui responsabilidade estatal, visto que a saúde é um direito social que figura entre os direitos e garantias fundamentais previstas na Constituição Federal. 2) Cabível a fixação de multa diária para o caso de descumprimento, pelo Município de Alvorada, de decisão que, em antecipação de tutela, determina o fornecimento de assistência integral à crianças e adolescentes portadores de necessidades especiais (art. 213, caput e § 2º do ECA e art. 461, §§ 4º e 5º do CPC). O valor da multa, contudo, não deve ser exorbitante, sendo razoável a sua fixação em R$ 100,00 por dia. Precedentes. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Tribunal de Justiça do Estado do RS.Agravo de Instrumento Nº 70016795007, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Ataídes Siqueira Trindade. Julgado em 10/10/2006. Grifo nosso.
118
meios de seus princípios, preceitos e normas-, materializa-se, em grande medida, por meio desses atos, hoje tão necessários para impulsionar as políticas públicas e imprimir a orientação política de um Estado [...]. (TAMER, 2005, p.64)305.
Idêntico argumento é referido por Marília Lourildo dos Santos:
A resistência dos Poderes do Estado em submeter às políticas públicas ao controle judicial mais rígido, está em que tal demanda uma atuação política do judiciário, no sentido de que deverá questionar as opções do administrador. Notadamente, atos como declaração de guerra, licença para parlamentar ser processado e outros, manifestam feição meramente política. Mas sob o rótulo de questões meramente políticas não se podem esconder questões que afetam de forma direta e rotineira o exercício dos direitos dos cidadãos, como é o caso dos programas econômicos e seus efeitos. Tanto que eles estão sendo sempre questionados, sendo as perdas salariais, em geral, reconhecidas (SANTOS, 2003, p.637)306.
A questão da sindicabilidade dos atos políticos ou atos de governo é
histórica e representativa da luta pelo controle do poder. Os problemas já iniciam
pela própria terminologia – atos políticos ou de governo – de todo simbólica, de
forma a impressionar pelo sentido que as expressões carregam. Não obstante, trata-
se de uma ilusão buscar, no conteúdo simbólico, a resposta à questão. Isto porque
não se pode, hoje, pretender isolar-se a política do direito, mas, ao contrário, o
intérprete deve compreender que estas instituições são interdependentes, pois o
“que vale juridicamente é determinado politicamente, como anotado por Dieter
Grimm” (2006, p.3)307.
Também não se pode compreender a temática dos atos políticos ou de
governo tendo, como pressuposto, que se trata de uma específica categoria de atos
estatais privativos da função executiva. É que todas as funções do Estado, em maior
ou menor grau, detêm capacidade de exercício de atos políticos ou de governo, v.g.
estabelecimento da política de comunicação do poder judiciário com a sociedade e a
formação de blocos para votação de determinada matéria no âmbito do poder
305 TAMER, Sergio Victor. Atos Políticos e Direitos Sociais nas Democracias. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2005, p.64. 306 SANTOS, ob. cit., 2003, p.637. 307 GRIMM, Dieter. Constituição e Política. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p.3.
119
legislativo. Não obstante, há certa proeminência de, no trato da questão dos atos
políticos ou de governo, estabelecer-se como referência o poder executivo.
Postas as premissas precedentes, é claro que, no âmbito da condução dos
assuntos do Estado, há questões que se revelam, conforme expressado de Ruy
Barbosa, “altamente política, segundo alguns, até puramente política” (citado por
LESSA, 2003, p.63)308. Questões de natureza “puramente política”, poderiam ser
visualizadas na composição de forças para assegurar a maioria do governo nas
casas legislativas. Trata-se de situação de natureza eminentemente político-
partidária. Aqui, a expressão política revela seu lado mais explícito, pois as relações
que se criam evidenciam o objetivo precípuo de manutenção do poder político. Tais
diretivas políticas, in tese, não são passíveis de sindicabilidade.
Sob outro prisma, determinadas ações ostentam a característica de
“altamente política”. Neste caso, não se revela, como no primeiro, uma questão
“puramente política”, mas, certamente, uma questão cuja densidade política é
considerável, onde se conjugam situações outras que lhe retiram a exclusividade de
uma questão política pura. Nesse caso, poder-se-ia enquadrar a decisão do chefe
do poder executivo em implementar determinado programa que integrou sua
plataforma eleitoral.
A idéia, em si, advém de uma concepção político-ideológica, que pautou a
disputa eleitoral; mas, eleito, ainda que a gênese do plano tenha, por princípio, o
ideário político, este se vê na contingência de obediência aos parâmetros jurídico-
técnicos necessários à sua implementação. Desta feita, agora, ultrapassam a
concepção de um plano político para se concretizarem mediante atos administrativos
Assim, a alta densidade política permanece somente na fase pré-
procedimental da consecução do plano. Iniciado, este, por traduzir atos do poder
público, substitui-se o “móbil político”, pela ampla submissão às normas – princípio e
regras – condicionadores da ação administrativa. Aqui, importa duas características
reveladas por Norberto Bobbio, quanto ao poder político: a “universalidade e a
inclusividade”. A primeira se refere à atribuição cometida aos detentores do poder
308 LESSA, Pedro. Do Poder Judiciário. Brasília Senado Federa/Fac-Similar, 2003, p.63.
120
político, para estabelecer decisões “no concernente à distribuição e destinação dos
recursos (não apenas econômicos)”; a segunda, por sua vez, refere-se à capacidade
de “intervir, de modo imperativo, em todas as esferas possíveis da atividade dos
membros do grupo” (BOBBIO et. al., 2000, p.957)309.
Se for crível falar em atos políticos ou de governo, que pressupõem o
respectivo “exercício do poder político”, e este possuindo, como característica, a
“universalidade e a inclusividade”, tais atributos, mesmo advindos daquele exercício,
encontram um limite, qual seja, a Constituição da República, que, ainda que muitos
não percebam, “não elimina a política, apenas lhe coloca uma moldura” (GRIMM,
2006, p.10)310.
Contudo, ao mesmo tempo em que limita a ação política, a Constituição é
fundamento de existência àqueles atos, como anotam Sergio Victor Tamer (2005,
p.89)311 e Régis Fernandes de Oliveira (1980, p.143)312. Dentre os exemplos
elencados, por este último autor citado, estão o veto, a celebração de tratados e a
declaração de guerra. Não obstante este rol indicado, transcreve-se a posição de
Paulo Bonavides:
As questões políticas, consideradas de um ponto de vista técnico, para efeito de excluí-las do controle de constitucionalidade, são entre outras as que se alojam na faculdade discricionária, reservada aos poderes políticos, para ditar, por exemplo, as medidas da política econômica, declarar a guerra, negociar a paz, estabelecer o regime tributário, decretar a intervenção nos preços e na moeda, regular as relações internacionais, promover o desenvolvimento, em suma, aquelas prerrogativas que, pela sua natureza mesma, podem compor o substrato de uma política ou de uma legislação, cujo teor controverso não será nunca objeto legítimo de apreciação judicial (BONAVIDES, 2000, p.292)313.
Mesmo observando as facetas da não-sindicabilidade das questões
políticas, percebe-se que as mesmas não serão imunes ao controle, se, por ventura,
“interferirem com a existência constitucional dos direitos individuais” (BONAVIDES,
309 Verbete política, ver em BOBBIO, ob. cit., 2000.p.957. 310 GRIMM, ob. cit., 2006, p.10. 311 TAMER, ob. cit., 2005, p.89. 312 OLIVEIRA, Régis Fernandes. Ato Administrativo. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980, p.143. 313 BONAVIDES, ob. cit. 2000, p.292.
121
2000, p.293)314. Da mesma forma, ou seja, assegurando sindicabilidade quando
violado direitos individuais, era a posição de Ruy Barbosa (citado por LESSA, 2003,
p.63)315.
Ainda que observado, por estes mesmos autores, que, existindo lesão a
direito subjetivo, por força de ato político, torna-se, o mesmo, hábil ao controle
jurisdicional, se deve acatar a tese de M. Seabra Fagundes, no sentido de que o ato
político é controlável, tanto diretamente - quando afeta direito subjetivo -, quanto tal
lesão ocorre reflexamente:
Acontece, no entanto, que se o ato exclusivamente político... não afeta, de imediato direitos subjetivos, pode, em certos casos, implicar, na prática de outros com repercussão sôbre tais direitos. No primeiro caso, a questão que se suscitasse sôbre o ato seria exclusivamente política, [...]mas no segundo, já não aconteceria o mesmo...Poder-se-ia provocar o pronunciamento jurisdicional, em face de atos conseqüentes do ato político e remontar até êste. O procedimento deixa de ser ùnicamente político quando, não obstante ter no ato político a sua origem, é seguido de medidas que afetam direitos expressamente amparados pela ordem jurídica. E, então, desaparece a impossibilidade de controle. O judiciário é levado, embora, indiretamente, ao exame do ato político (FAGUNDES, 1957, p.184)316.
Se, no trato de violação de direitos individuais - seja diretamente, ou por via
reflexa -, os atos políticos são controláveis, outra não pode ser a conclusão no que
respeita as políticas públicas. Na fiscalização das políticas públicas, controla-se,
especialmente, o seu conteúdo finalístico, a relação entre o que se pretendeu e o
que se realizou. O que importa, em desconsideração do político, como item de
controle, para robustecer a análise do plano fático. Logo, não é o ato político que se
controla, mas a atividade (COMPARATO, 1997, p.353)317, a ação administrativa
(OHLWEILER, 2005, p.184)318 decorrente.
314 BONAVIDES, ob. cit., 2000, p.293. 315 LESSA, ob. cit., 63. 316 FAGUNDES, M. Seabra. O Contrôle dos Atos Administrativos. Rio de Janeiro: Forense, 1957, p.184. 317 Essa noção de atividade é inerente a moderna concepção de administração pública. É que a política aparece, antes de tudo, como uma atividade, isto é, um conjunto organizado de normas e atos tendentes à realização de um objetivo determinado. O conceito de atividade, que é também recente na ciência jurídica, encontra-se hoje no centro da teoria do direito empresarial (em substituição ao superado “ato de comércio”) [...] e constitui o cerne da moderna noção de serviço
122
Não fosse esse aspecto procedimental destacado – atividade-finalidade –
forçoso seria reconhecer que a própria Constituição da República determina a ampla
sindicabilidade dos atos de governo, tendo em vista a expressa menção do art. 37, §
3º, II, com redação da EC nº 19/98:
Art. 37: [...]. §3º A lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta, regulando especialmente: II – o acesso dos usuários a registros administrativos e a informação sobre atos de governo, observado o disposto no art. 5º, X e XXXIII.
Não obstante a necessidade intercalar de lei, a própria Constituição da
República enuncia, expressamente, essa categoria normativa de atos. E, ademais,
ao determinar o regime de acesso amplo de informações relativas ao mesmo, não
lhe circunscreveu a hipótese de interesse pessoal ou particular, pois, como já
observado, as informações administrativas, por expressa disposição constitucional,
baseiam-se, também, em interesses coletivos ou gerais (art. 5º, XXXIII, da CRB).
Logo, não somente quando atinja direitos individuais os atos políticos são
controláveis, mas, também - e o que importa em sede de políticas públicas -, quando
violarem direitos coletivos ou gerais.
Em suma, por força desse novel dispositivo não há como se afirmar a
exclusão de sindicabilidade das políticas públicas, sob argumento de traduzirem
questões políticas, ou veicularem atos políticos ou de governo.
Discricionariedade. Igualmente, busca-se fundar a negativa ao controle das
políticas públicas, com base no exercício de uma “competência discricionária”
(MELLO, 2000, p.18)319 do administrador. A questão da discricionariedade, ou seja,
público [...],de procedimento administrativo [...] e de direção estatal da economia [...]. COMPARATO, ob. cit., 1997, p.353. 318 OHLWEILER, ob. cit. 2005, p.184. 319 Segue-se aqui a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello: “Aliás, cabe aqui observar que embora seja comum falar-se em “ato discrionário”, a expressão deve ser recebida apenas como uma maneira elíptica de dizer “aro praticado no exercício de apreciação discricionária em relação a algum ou alguns dos aspectos que condicionam ou que o compõem”. Com efeito, o que é discricionária é a competência do agente quanto ao aspecto ou aspectos tais ou quais, conforme se viu. O ato será apenas o “produto” do exercício dela. Então, a discrição não está no ato, não é uma qualidade dele; logo, não é ele que é discricionário, embora nele (ou em sua omissão) que ela haverá de se revelar”. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Discricionariedade e Controle Jurisdicional. 2.ed. 4. tiragem. São Paulo: Malheiros, 2000, p.18.
123
a competência deferida pela lei (STF, 2004)320, ao agente, frente à situação
concreta, para exercer uma “opção entre alternativas igualmente válidas”
(CARDOZO, 2005)321, a fim de concretizar o interesse público reclamado, no âmbito
das políticas públicas, revela-se como tema ainda instigador de controvérsias. Isto
se dá, especialmente, se for considerado que elas são instrumentos, por excelência,
para a concretização dos direitos fundamentais, especialmente os de natureza
prestacional, cuja conformação, em primeira linha, cabe aos poderes executivo e
legislativo.
Não obstante, quanto discricionariedade em sede de políticas públicas, é
necessário atentar para o fato de que estas pressupõem um processo que lhe é
antecedente e, na sua implementação, é necessário avaliar considerações de
múltiplas ordens - social-jurídica-econômica-técnica -, justificando-se, assim, uma
idéia de procedimentalização da atividade administrativa (STJ, 2004)322.
Deve-se considerar que, na formulação de políticas públicas, relativas a
direitos fundamentais sociais, não se pode considerar como correta a afirmação de
que se trata de intervenções discricionárias, pois, se toda atividade administrativa é
procedimentalizada, neste específico tipo de atuação estatal avulta de importância
que se trata de “decisões de prognose”:
Decisões de prognose são juízos de probabilidade que, de fatos atuais e princípios fundados na experiência gerais, tiram conclusões para o futuro. Elas são, em geral, parte de uma decisão complexa e requerem conhecimentos específicos das conexões técnicas. Por causa da relação
320 É que o exercício da competência discricionária não nasce do querer do agente público, mas traduz uma ação condicionada a prévia existência de permissão legal que indique tal modo de proceder: Em outros termos: a autoridade administrativa está autorizada a atuar discricionariamente apenas, única e exclusivamente, quando norma jurídica válida expressamente a ela atribuir essa livre atuação. Supremo Tribunal Federal. Recurso em Mandado de Segurança nº 24699-9 /DF. Supremo Tribunal Federal. Julgado em 30.11.2004. 321 CARDOZO, José Eduardo Martins. A Discricionariedade e o Estado de Direito. In Discricionariedade Jurídica. (Coord.) GARCIA, Emerson. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005. 322 De fato, desde que se consagrou o modelo democrático para o Estado brasileiro, todo o agir administrativo deve ser legitimado pela idéia de “procedimentalização”. Isso quer dizer que, cada vez mais, no Direito, a antiga noção de que a atividade administrativa se desenvolve por meio de ato administrativo, concebido em isolado, vem sendo, felizmente, substituída pela idéia de submissão da ação estatal a determinado procedimento. Ag. Rg nos EDcl no Recurso em Mandado de Segurança nº 17.718.
124
com o futuro e tecnicidade dessas decisões é reconhecido um espaço de apreciação (MAURER, 2001, p.61)323.
Razão porque, quando se fala em discricionariedade, no âmbito das políticas
pública, não se há como impor aquela como fator de objeção ao controle
jurisdicional destas. Pois, como adverte a doutrina:
Prognose é palavra originária do grego (pro= antes + gnonai = reconhecer), consistindo na avaliação de uma situação atual com ulterior projeção de uma situação futura, sendo o ponto nuclear da atividade de planificação. Atos dessa natureza, cuja prática seja deflagrada por um juízo de prognose, acarretam grande mitigação na esfera de discricionariedade do agente, reduzindo-a a patamares que praticamente a anulam (grifo nosso).
É o que, na maioria das vezes, redunda na denominada “discricionariedade técnica”. Como exemplo, pode-se mencionar a iniciativa de determinado Município em construir um segundo terminal rodoviário a partir da previsão, com base em estudos técnicos, de que a implementação de projetos de incentivo ao turismo acarretará um sensível aumento do número de visitantes em futuro próximo. Nessa hipótese, em havendo impugnação, poderá o judiciário analisar se a previsão se encontra lastreada em um estudo tecnicamente adequado à hipótese, se houve integral valoração de todos os fatos subjacentes à previsão, se os fatos foram ponderados adequadamente e se o iter de ponderação se encontra devidamente motivado, permitindo identificar a correção do raciocínio que culminou com o resultado obtido (GARCIA e ALVES, 2004, p.262)324.
Desta forma, não há como se sustentar, no âmbito das políticas públicas,
concretizadoras de direitos fundamentais sociais, uma não sindicabilidade calcada
em exercício de competência discricionária, mormente quando se tratar de
efetivação de comando, posto na Constituição da República, como expressado pelo
Supremo Tribunal Federal, no tocante ao direito fundamental à educação:
- A educação infantil, por qualificar-se como directo fundamental de toda criança, não se expõe, em seu processo de concretização, a
323 MAURER, Hartmut. Elementos de Direito Administrativo Alemão. (Trad.) HECK, Luís Afonso. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2001, p.61. 324 GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 2.ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2004, p.262.
125
avaliações meramente discricionárias da Administração Pública, nem se subordina a razões de puro pragmatismo governamental (STF, 2005)325.
No mesmo sentido de estabelecer limites ao argumento da
discricionariedade, foi decidido pelo Superior Tribunal de Justiça:
4. A determinação judicial desse dever pelo Estado, não encerra suposta ingerência do judiciário na esfera da administração. Deveras, não há discricionariedade do administrador frente aos direitos consagrados, quiçá constitucionalmente. Nesse campo a atividade é vinculada sem admissão de qualquer exegese que vise afastar a garantia pétrea (STJ, 2004)326.
Pode-se, ainda, destacar a argumentação fundada na ausência de
legitimidade do Poder Judiciário, tendo em vista que, numa democracia
representativa, a eleição dos membros dos Poderes Executivo e Legislativo implica
numa atribuição popular de competência para consecução dos interesses da
população.
Contudo, a democracia, como já se observou precedentemente, é “princípio
normativo” (CANOTILHO, s.d., p.281)327, disso decorrendo “conseqüências
efetivas no plano de nossa organização política, na esfera das relações
institucionais entre os poderes da República e no âmbito da formulação de uma
teoria das liberdades públicas e do próprio regime democrático” (STF)328. Desta
forma, o argumento meramente formal de democracia - legitimação pelo voto -,
perde sentido se analisado sob perspectiva da uma dimensão de democracia que
busca, cada vez mais, a interação do cidadão enquanto partícipe ativo nas decisões
do Estado.
Quando se fala em participação ativa dos cidadãos, não se está a falar no
sentido clássico da democracia direta, ou de usurpação do poder, conferido no
ambiente da democracia representativa, mas de uma decorrência da Lei
325 Supremo Tribunal Federal. Ag.Reg. no Recurso Extraordinário 436996-6/SP. Rel. Ministro Celso de Mello. Julgado em 22.11.2005. Disponível em <http://www.stf.gov.br> Acesso em: 23 de maio de 2007. 326 Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 575.998-MG. Rel . Ministro Luiz Fux. Julgado em 07.10.2004. 327 CANOTILHO, ob. cit., s.d., p.281. 328 Supremo Tribunal Federal.Mandado de Segurança nº 24831-9/DF. Relator Min. Celso de Mello.
126
Fundamental brasileira, que estabelece uma “democracia material”, que determina
a ampla sindicabilidade das ações do Estado, pois, conforme Diogo de
Figueiredo Moreira Neto:
Pode-se denominar “democracia material” a que se realiza não apenas pela satisfação de formalidades procedimentais para a escolha dos políticos, mas pela adoção de novos instrumentos de participação para as escolhas das políticas e para a confirmação de que elas estão sendo executadas a contento (NETO, 2005, p.109)329.
Assim, separação dos poderes, atos políticos, discricionariedade e ausência
de legitimidade, mostram-se como argumentos ainda centrados na visão
individualista de Estado que, se ainda fundamenta os direitos fundamentais de
primeira geração, não serve para a compreensão de um Estado que objetiva
proteger os direitos sociais; pois, como observa Leonel Ohlweiler:
Destarte, falar sobre políticas públicas exige construir uma concepção filosófica e política do próprio agir do Administrador Público, bem como migrar de uma perspectiva excessivamente liberal-individualista para uma dimensão mais comunitarista e republicana de gestão pública [...] política pública é um bem de toda a comunidade (OHLWEILER, 2006, p.1)330.
Em suma, a questão do controle das políticas públicas revela-se como
atributo natural da atividade do poder judiciário. Se há zonas de exclusão, como a
reserva de sigilo em determinadas matérias, trata-se de exceção à regra geral da
ampla sindicabilidade dos atos estatais. Afinal, os direitos fundamentais sociais não
podem ficar esterilizados normativamente, mas efetivados mediante as necessárias
ações responsáveis do poder público, situação cuja alçada última compete ao Poder
Judiciário (TRF, 2006)331.
329 NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Juridicidade, Pluralidade Normativa, Democracia e Controle Social, in Fundamentos do Estado de Direito. Estudos em Homenagem ao Professor Almiro do Couto e Silva. (Org.) ÁVILA, Humberto. São Paulo: Malheiros, 2005, p.109. 330 OHLWEILER, ob. cit., 2006, p.1. 331 Incumbe ao órgão jurisdicional garantir que a Constituição seja cumprida. E essa atribuição comporta uma dimensão negativa, declarar a inconstitucionalidade de atos contrários à Constituição, com sua eficácia de afastar a aplicação daquela norma, ou uma concepção positiva, atuar determinando que se faça, que se cumpram os mandamentos constitucionais, sob pena da cominação de penalidades e responsabilidade funcional. O Poder Judiciário não vai dizer à Administração Pública o que deve ser feito. Isso a Constituição já fez. O papel do Poder Judiciário
127
33..33 AA IINNFFLLUUÊÊNNCCIIAA DDOO PPRRIINNCCÍÍPPIIOO DDAA TTRRAANNSSPPAARRÊÊNNCCIIAA NNOO
CCOONNTTRROOLLEE JJUUDDIICCIIAALL DDAASS PPOOLLÍÍTTIICCAASS PPÚÚBBLLIICCAASS..
A Constituição da República, ao firmar de forma peremptória, o direito
fundamental do cidadão à informação (art. 5º, XIV), e, em igual medida, um direito
fundamental à informação administrativa (art. 5º, XXXIII), não assumiu, tão somente,
um compromisso moral, mas estabeleceu uma condição de eficácia de toda e
qualquer ação administrativa, no sentido de que a condução dos assuntos públicos
não poderá mais se dar de forma fechada – sigilosa – devendo, os poderes públicos,
“agirem à luz do sol (au grand jour)” (BOBBIO, 1999, p.208)332. Reside, pois, a
transparência dos assuntos públicos como pauta concretizadora da democracia, cuja
densidade pode ser observada, inclusive, em termos de sancionamento, como
exposto no art. 11, IV, da Lei nº 8.429/1992.
A formatação de um regime constitucional, específico à informação
administrativa, bem como da própria informação por extensão, tendo em vista a
profusão de dispositivos constitucionais relacionados, ou relacionáveis, àquele
direito, implica, sob prisma da administração pública, a absorção do “princípio da
administração aberta”.
Corolário deste princípio é que a regra é o amplo acesso ao cidadão às
informações, detidas pela Administração Pública, sendo que a reserva de acesso,
enquanto limitação de um direito constitucionalmente assegurado, encontra-se
expressamente clausulada, não sendo permitido, em face dos estreitos limites
fixados pela Lei Fundamental de 1988, às situações de ressalva de acesso, serem
interpretadas ampliativamente. É que, em sendo restrição, restritivamente deve ser
interpretada.
A visibilidade dos atos de poder, não obstante ter ingressado, ainda que de
forma restrita na Constituição de 1934, alcançando situações exclusivamente de
natureza individual, todavia daí também se pudesse inferir os interesses coletivos,
está em exigir que sejam implementadas as políticas públicas. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. APELAÇÃO CÍVEL Nº 2002.71.05.008761-8/RS. Rel. Juíza Vânia Hack de Almeida. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Decisão em 26.6.2006. 332 BOBBIO, ob. cit., 1999, p.208.
128
na Constituição da República de 1988, consolida-se, ampliando-se, seja em relação
ao conteúdo, seja em legitimação (art. 5º, XXXIII).
Esta maximização do direito à informação administrativa é irradiação direta
da idéia democrática que impregna todo o texto constitucional, desde seu
preâmbulo, que deve condicionar o pensar dos operadores do direito, não mais
detidos numa percepção de submissão – que o termo administrado ainda expressa -
mas, e principalmente, de participação, cuja expressão cidadão é de todo
construtiva.
Mas a idéia de participação, como toda aquela que importa em
desconstrução de paradigmas, surge lentamente e, no alvorecer da Constituição da
República de 1988, ainda não poderia ser totalmente percebida na extensão que,
hoje, inclusive normativamente, vê-se contemplada.
Isto porque participação, como anota Medauar (1992, p.214)333, significa a
“presença dos cidadãos, das formações sociais e dos interesses coletivos no interior
da Administração” e esta presença pressupõe a aceitação de um modelo de
“administração pública consensual“ (STJ)334, o que, no ambiente da entrada em
vigor, da Lei Fundamental de 1988, não era de todo assimilável pela administração
pública, tendo em vista a onipresença de um modelo administrativo de natureza
burocrática (PEREIRA, 1998, p.41-42)335.
Contudo, gradativamente, percebe-se o esgotamento do modelo burocrático.
Da mesma forma que este buscou romper com o modelo patrimonialista, mediante
movimento estatal, consignado no Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado,
333 MEDAUAR, ob. cit., 1992, p.214. 334 Superior Tribunal de Justiça. Ag.Rg nos EDcl no Recurso em Mandado de Segurança nº 17.718 – AC – Rel. Ministro Paulo Medina. Disponível em <http://www.stj.gov.br> Acesso em: 26 de maio de 2007. 335 A abertura democrática no Brasil não foi apenas, como bem observou Weffort, conservadora (1984); foi também populista e, afinal, burocrática. O pacto político que comandou a transição para a democracia do país a a partir dos anos 70, e que chegou ao poder em meados dos 80, além de democrático era populista, na medida em que foi incapaz de reconhecer a crise fiscal e partiu para uma política expansionista e ingenuamente distributivista que teve seu auge no Plano Cruzado(..) E afinal se revelou burocrático porque, paradoxalmente, a Constituição de 1988 consagrou um burocratismo sem precedentes na história do país. PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Reforma do Estado para a Cidadania. 1. reimpressão, ENAP, 2002, p.41-42.
129
por sua vez, o governo buscou, à época, com a aprovação da Emenda
Constituicional nº 19/98, firmar o modelo da administração pública gerencial:
Recentemente, tem ascendido o conceito da chamada administração pública gerencial (ou NPM, New Public Management), que é definida pelo Estado com maior participação dos administrados e por ele conduzida, com exclusividade em certos casos ou em parceria com entes da sociedade, mas sempre no interesse desta e sob seu mais intenso e direto controle (NETO, 1999, p.3-4)336.
Relativamente a esse modelo gerencial, que a reforma constitucional da EC
nº 19/98 buscou implementar, seu acerto ou desacerto transcende as lides dessa
exposição. Não obstante, quanto ao tema da transparência, trata-se de um modelo
constitucional que estabeleceu parâmetros de compreensão, até então não
revelados, o que importa em desconsiderar, até, possíveis opiniões pessoais
contrárias àquele modelo, para se fixar nos novos padrões de inteligência daquele
princípio.
Conforme expõe Luiz Carlos Bresser Pereira (1998, p.151)337, a
administração pública gerencial tem, como consectário, a ampliação da participação
do cidadão no trato da coisa pública. Mas aduz, este autor, a importância da
eficiência no contexto da reforma.
Pode-se colocar que a preocupação com a eficiência da administração
pública traduz um dos eixos programáticos da Reforma Administrativa, consolidada
na Emenda Constitucional nº 19/98, tanto é que a mesma foi alçada ao nível de
princípio constitucional, conforma dispõe o art. 37, caput, da Constituição da
República.
Quanto ao sentido da expressão, leciona José Afonso da Silva:
Eficiência não é um conceito jurídico, mas econômico; não qualifica normas, qualifica atividades. Numa idéia muito geral, eficiência significa fazer acontecer com racionalidade, o que implica medir os custos
336 NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Apontamentos sobre a Reforma Administrativa. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p.3-4. 337 PEREIRA, ob. cit., 1998, p.151.
130
que a satisfação das necessidades públicas importam em relação ao grau de utilidade alcançado (SILVA, 2002, p.651)338.
Ainda sob perspectiva conceitual da eficiência, cabe trazer, à colação, a
concepção de Diogo de Figueiredo Moreira Neto. Relativamente ao conceito, alinha
esse que aquela “só estará satisfeita quando esses resultados pretendidos forem
efetivamente alcançados e qualificados por uma correlação ótima entre os meios
empregados e o que efetivamente se logrou” (NETO, 2005, p.95)339.
Assim, percebe-se que a idéia de eficiência tem, como núcleo comum, um
resultado público maximizado, no qual o custo e a necessidade da intervenção
estatal são elementos estruturais à equação. Sendo que o produto final daquela
deve proporcionar a satisfação plena do interesse dos cidadãos. Com a idéia de
eficiência não basta, portanto, tão somente um agir, mas uma ação que supra as
deficiências constatadas.
E o princípio da eficiência se revela nuclear, ao Plano Diretor da Reforma do
Aparelho do Estado, diante, dentre outros aspectos, da necessidade de uma melhor
governança, que significa, na linguagem do plano, a capacidade de implementar
de forma eficiente políticas públicas340/341. Cabe, aqui, uma nota explicativa,
relativa ao aspecto conceitual de governança. Neste contexto de pesquisa, a
expressão terá a conotação explicitada no Plano Diretor já referido, enquanto
necessidade de otimização das políticas públicas. Esta opção é pragmática, em face
dos desdobramentos decorrentes daquele planejamento na consolidação da
Emenda Constitucional nº 19/98, subsistindo, então, enquanto elemento de
compreensão de sentido da respectiva reforma constitucional, da qual tópicos são
338 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 20.ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p.651. 339 NETO, ob. cit., 2005, p.95. 340 Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado. Presidência da República. Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado. 1995, p.16. 341 Como destacado por Luiz Carlos Bresser Pereira: Tal necessidade de uma administração pública mais eficiente é particularmente sentida na área social, na qual os serviços de saúde, educação e previdência básica, essenciais a garantia dos direitos sociais, só poderão ter uma qualidade , melhor, com o mesmo custo, se forem prestados nos termos de uma administração pública gerencial, moderna e eficiente do tipo que vai aos poucos se generalizando nos países do primeiro mundo, particularmente na Grã-Bretanha, Nova Zelândia, Austrália e nos países escandinavos. PEREIRA, ob. cit., 2002, p.45-46.
131
referenciais à análise do princípio da transparência. Por outro lado, sob perspectiva
doutrinária, adota-se a posição de Luiz Carlos Bresser Pereira, no sentido de que
“governança é a capacidade financeira e administrativa, em sentido amplo, de um
governo implementar políticas” (PEREIRA, 2002, P.33)342.
O aprimoramento da governança, porém, pressupõe, não somente a
utilização de novos mecanismos de gestão, mas a ampliação da esfera de
participação do cidadão na formatação das políticas públicas, que, como já se disse
anteriormente, é a dimensão social do princípio da transparência.
E, no âmbito de implementação de uma administração pública gerencial, o
princípio da transparência mostra-se como um dos seus “princípios informativos e
interpretativos” (NETO, 1999, p.19-23)343, especialmente se for considerada a
observação de Max Weber, quanto ao modelo burocrático que a reforma gerencial
visa substituir, no sentido de que aquele “é sempre uma administração que exclui o
público. A burocracia oculta, na medida do possível, o seu saber e o seu fazer da
crítica” (citado por BENTO, 2003, p.83)344.
Pode-se constatar a preocupação com a ampliação do transparência das
ações administrativas, pela dicção do art. 37, § 3º, II, com a redação da Emenda
Constitucional nº 19/98:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: § 3º A Lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta, regulando especialmente: II – o acesso dos usuários a registros administrativos e a informações sobre atos de governo, observado o disposto no art. 5º, X e XXXIII.
Ainda que já mencionada a importância deste dispositivo, para a análise da
sindicabilidade das políticas públicas, não é sem tempo, a título de reforço, e por
342 PEREIRA, ob. cit., 2002, p.33. 343 NETO, ob. cit., 1999, p.19-23. 344 BENTO, Leonardo Valles. Governança e Governabilidade na Reforma do Estado. Barueri: Manole, 2003, p.83.
132
força da pertinência do contexto ora tratado, trazer a exposição de Diogo de
Figueiredo Moreira Neto:
Deve-se interpretar que previu o acesso dos administrados a registros administrativos e a informação sobre atos de governo, embora o dispositivo se refira apenas a usuários, que é expressão mais restrita e sem referência lógica com os mencionados atos de governo, que, por óbvio, vão além de meras prestações administrativas, embora se incluam nos sistemas a serem instituídos. A menção aos incisos X e XXXIII do art. 5º da Constituição resguarda os casos de legitimidade e sigilo (NETO, 1999, p.65-66)345.
Não obstante a inteira pertinência das observações firmadas pelo tratadista,
deve-se considerar, quanto à expressão usuários, que a mesma possui lógica,
frente à essência da concepção da administração pública gerencial, tendo em vista
que a mesma “vê o cidadão como contribuinte de impostos e como cliente dos seus
serviços”346.
No que tange ao direito de acesso a informações, relativas aos atos de
governo, efetivamente, estes não são “prestações administrativas”; mas é
necessário observar que estes vêm integrar a formação do processo de que
resultam as políticas públicas. Estas, sim, concretizadoras de prestações estatais
stricto sensu.
Tendo em vista a lógica que norteou a reforma administrativa,
consubstanciada na EC nº 19/98, caracterizando o cidadão enquanto cliente da
administração pública, as decisões relativas àquele, formuladas por esta, não podem
estar alheias à informação respectiva.
Disso resulta, por expressa normatização constitucional, a
imprescindibilidade do princípio da transparência ao controle das políticas públicas,
tendo em vista que estas, ainda que não se concorde com tal concepção, mas
seguindo a essência da reforma, traduzem um serviço prestado pelo estado.
Traçando um paralelo entre as disposições originariamente estabelecidas na
Constituição da República, relativas ao direito à informação administrativa (art. 5º,
345 NETO, ob. cit., 1999, p.65-66. 346 Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado. Presidência da República. Câmara da Reforma do Estado. Ministério da Administração e Reforma do Estado. Brasília, 1995, p.23.
133
XXXIII), com a redação do art. 37, § 3º, firmada pela Emenda Constitucional nº
19/98, torna perceptível que a transparência revele-se, cada vez mais, como um
valor constitucional preponderante.
Entretanto, esse processo constitucional contínuo, de afirmação do princípio
da transparência, ainda não foi totalmente explorado pelo Poder Judiciário, no
tocante ao controle judicial das políticas públicas, especialmente aqueles
promoventes de direitos fundamentais sociais. É que, não obstante uma abertura
gradual do espectro do controle, como destacado em posições jurisprudenciais
citadas, observa-se que, na questão das políticas públicas, o controle jurisdicional
busca afirmar sua legitimação mediante o enfrentamento, sob enfoque da
“discricionariedade, da separação dos poderes, dos atos de governo”, ou seja, em
institutos jurídicos consolidados no âmbito do “senso comum teórico dos juristas”
(WARAT, 1979, p.20)347.
Mas a quase cotidiana intervenção do poder judiciário, em casos de
fornecimento de medicamentos, internações hospitalares, vagas em escolas, direito
à moradia, estão a demonstrar, de forma perceptível, a ocorrência de uma “crise de
racionalidade” na administração pública:
Portanto, com o incremento das funções do Estado, a administração se vê às voltas com os riscos de crise de racionalidade – que adviria da intervenção mediante políticas públicas mal planejadas e ineficazes – e de crise de legitimidade – decorrente da insatisfação popular e de políticas públicas que não logram satisfazer os interesses nem obter o apoio das populações afetadas (grifo nosso) (BENTO, 2003, p.144)348.
Essa perceptível “crise de racionalidade”, seja pela cotidiana necessidade de
manifestação judicial, seja por sua explicitude no âmbito da reforma administrativa,
pelo sentido de governança lá expresso, é afirmativa à conclusão de que somente a
compreensão efetiva do fenômeno processual das políticas públicas é que
possibilita, ao órgão jurisdicional, um exercício efetivo de sua função na República.
347 WARAT, ob. cit., 1979, p.20. 348 BENTO, ob. cit., 2003, p.144.
134
Neste aspecto, torna-se imprescindível, ao poder judiciário, buscar uma nova
perspectiva de controle, firmado, não somente na oposição aos argumentos
clássicos, mas incursionar no tema da policy anaysis:
Entretanto, o interesse da análise de políticas públicas não se restringe meramente a aumentar o conhecimento sobre planos, programas e projetos desenvolvidos e implementados pelas políticas setoriais. Visando à explanação das “leis e princípios próprios das políticas específicas”, a abordagem da ‘policy analysis’ pretende analisar “ a inter-relação entre as instituições políticas, o processo político e os conteúdos de política” com o “arcabouço dos questionamentos ‘tradicionais’ da ciência política (WINDHOLF-HÉRITIER, 1987, p.7).
Nos Estados Unidos, essa vertente de pesquisa da ciência política começou a se instituir já no início dos anos 50. Sob rótulo de ‘policy science’ [...], ao passo que na Europa, particularmente na Alemanha, a preocupação com determinados campos de políticas só toma força a partir do início dos anos 70, quando com a ascensão da socialdemocracia o planejamento e as políticas setoriais foram estendidos significativamente [...]. Já no Brasil, estudos sobre políticas públicas foram realizados só recentemente (FREY, 2000, p.214)349.
A análise de determinada política pública pressupõe um processo que lhe é
próprio, estruturado no que se denomina policy cicle , composto por três momentos
distintos, sob prisma procedimental: formulação, implementação e controle. Mas,
antes de uma análise do ciclo, convém destacar a observação de Klaus Frey:
Vale assinalar que o modelo heurístico do ‘policy cicle’ é um tipo puro idealizador do processo político, na prática dificilmente este se dá de pleno acordo com o modelo. Porém, o fato de os processos políticos reais não corresponderem ao modelo teórico não indica necessariamente que o modelo seja inadequado para a explicação desses processos, mas sublinha o seu caráter enquanto instrumento de análise. O ‘policy cicle’ nos fornece o quadro de referência para à análise processual. Ao atribuir funções específicas às diversas fases do processo político-administrativo, obtemos – mediante a comparação dos processos reais com o tipo puro – pontos de referência que nos fornecem pistas às possíveis causas dos déficits do processo de resolução do problema [...]. (grifo nosso) (FREY, 2000, p.229)350.
As fases do policy cicle, anteriormente indicadas, e que resumem o processo
de determinada política pública, na visão de Klaus Frey (2000, p.227-228)351,
349 FREY, ob. cit., 2000, p.214. 350 FREY, ob. cit., 2000, p.229. 351 FREY, ob. cit., 2000, p.227-228.
135
merecem ser desdobradas em “fase da percepção e definição dos problemas, fase
de elaboração de programas e de decisão, fase de implementação de políticas e
fase de avaliação de políticas e correção de ação”.
Quanto à primeira fase, já se teve oportunidade de mencionar que as
políticas públicas pressupõem uma necessidade de intervenção do Estado em
determinada situação concreta. Na segunda fase, avaliam-se, de acordo com Frey
(2000, p.227-228)352 as “várias alternativas de decisão”. A terceira fase, de acordo
com o mesmo autor, é de conteúdo concreto da política pública. A última fase busca,
assim, aferir os “impactos efetivos” da política pública.
Ainda que traçado de forma sucinta o ciclo formativo e conformativo da
política pública, pode-se observar que se trata de um processo complexo,
condicionado por variáveis amplas, mas que não resulta em impedimento para o seu
controle jurisdicional. É que, até sua efetiva concretização, no mundo dos fatos, a
política pública pressupõe uma procedimentalização administrativa que lhe é
antecedente.
As situações a serem enfrentadas, a escolha formulada, os instrumentos
para atingimento da finalidade, todos esses dados, necessariamente, devem estar
presentes naquele processo. A política pública não surge, assim, ex ponte própria,
veiculada de forma autônoma pelo poder executivo, em dado projeto de lei, que,
encaminhado ao legislativo, passa a integrar o ordenamento jurídico.
A Constituição da República, ao determinar o direito à informação
administrativa, enquanto direito fundamental, sob sua tríplice dimensão – “direito de
informar, de se informar e de ser informado” – e, sendo, aquele direito, concretizador
da transparência, esta possui caráter de centralidade para a sindicabilidade das
políticas públicas, pois não detendo, o poder judiciário, a respectiva informação, não
poderá efetuar um juízo satisfatório sobre a pretensão deduzida. Isso possibilitará,
em determinadas situações, aceitarem-se como válidos argumentos como o da
“reserva do possível”, baseado, unicamente, nos argumentos despendidos a título
de defesa pelo ente estatal.
352 idem ibidem.
136
No tocante à reserva do possível, esta não se traduz como uma limitação
normativa, mas como déficit de pressupostos (CANOTILHO, 2003, p.443)353 de
direitos fundamentais. Mesmo não se qualificando como um limite normativo, o que,
sob argumento da reserva do possível, pode-se pretender, é fundamentar atos de
natureza limitativa354. Assim, a reserva do possível, enquanto situação fática
(ANDRADE, 2006, p.190)355 relativa à formação da receita pública (BALEEIRO,
2000, p.126)356 e à realização de despesas públicas (NASCIMENTO, 2001,
p.107)357, por se fundamentar358 na limitação ou ausência de recursos públicos,
353 Em sendo pressupostos, são condições necessárias a realização dos direitos fundamentais: Considera-se pressupostos de direitos fundamentais a multiplicidade de factores – capacidade económica do Estado, clima espiritual da sociedade, estilo de vida, distribuição de bens, nível de ensino, desenvolvimento económico, criatividade cultural, convenções sociais, ética filosófica ou religiosa – que condicionam, de forma positiva e negativa, a existência e protecção dos direitos económicos, sociais e culturais. Estes pressupostos são pressupostos de todos os direitos fundamentais. Alguns deles, porém, como os da distribuição dos bens e da riqueza, o desenvolvimento económico e o nível de ensino, têm aqui particular relevância. Mais do que noutros domínios os Realien (“os dados reais”) condicionam decisivamente o regime jurídico-constitucional do estatuto positivo dos cidadãos. Cf. CANOTILHO, ob. cit., s.d., p.443. 354 Pode bem exemplificar a afirmação, o caso relativo ao fracionamento de salários do funcionalismo do Estado do RS. Suspensão de Segurança nº 3154-6/RS. Rel. Ministro Gilmar Ferreira Mendes. Decisão em 28.03.2007. 355 Na realidade, certos direitos, como, p.ex., os direitos à habitação, saúde, assistência, educação, cultura, etc., dependem, na sua actualização, de determinadas condições de facto. Para que o Estado possa satisfazer as prestações a que os cidadãos têm direito, é preciso que existam recursos materiais suficientes e é preciso ainda que o Estado possa juridicamente dispor desses recursos. Cf. ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. Coimbra/POR.: Almedina, 2006, p.190. 356 Receita pública é a entrada que, integrando-se no patrimônio público sem quaisquer reservas, condições ou correspondência no passivo, vem acrescer o seu vulto, como elemento novo e positivo. BALEEIRO, Aliomar. Uma Introdução à Ciência das Finanças. 15.ed. Atualizada por CAMPOS, Dejalma de. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p.126. 357 Compreende a despesa pública..., sob uma perspectiva financeira, todo emprego ou dispêndio de dinheiro para aquisição de alguma coisa ou execução de um serviço. Nesse passo, há de ser tomada num sentido mais amplo, visto não configurar apenas uma mera operação de gasto. Sem dúvida, sua aplicação envolve investimentos vultuosos que implicam o desenvolvimento econômico, cultural e social do próprio Estado. NASCIMENTO, Carlos Valder do. Comentários à Lei de Responsabilidade Fiscal. (Org.) MARTINS; Ives Gandra da Silva; NASCIMENTO, Carlos Valder do Nascimento. São Paulo: Saraiva, 2001, p.107. 358 Os direitos a prestação peculiarizam-se, sem dúvida, por uma decisiva dimensão econômica. São satisfeitos segundo as conjunturas econômicas, segundo as disponibilidades do momento, na forma prevista pelo legislador infraconstitucional. Diz-se que estes direitos estão submetidos à reserva do possível. São traduzidos em medidas práticas tanto quanto permitam as disponibilidades materiais do Estado. Cf. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Aspectos da Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 2002. In Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais. MENDES, Gilmar Ferreira et al. 1.ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2002, p.146. Outra peculiaridade dessas pretensões a prestações de índole positiva é a de que elas estão voltadas mais para a conformação do futuro do que para a preservação do status quo. Tal como observado por Krebs, pretensões à conformação do futuro (Zukunfgestaltung) impõem decisões que estão submetidas a elevados riscos: o direito ao trabalho (Cf, art. 6º) exige uma política estatal adequada de
137
necessários à satisfação de direitos fundamentais, encontra, no direito à informação
administrativa, instrumento efetivo para sua perfeita sindicabilidade, mormente por,
daquele direito, decorrer o de uma informação verdadeira, comprovável de forma
inconteste, quanto à realidade orçamentária.
Outrossim, o direito à informação administrativa, revelando-se enquanto
direito à explicação, na expressão de Airton Seclaender (1991, p.153)359, atua
diretamente na jurisdição constitucional, ante a previsão contida no artigo 6º, § 1º, da
Lei nº 9.868/99:
Art. 6º O relator pedirá informações aos órgãos ou às autoridades das quais emanou a lei ou o ato normativo impugnado. [...]. §1º Em caso de necessidade de esclarecimentos de matéria ou circunstância de fato ou de notória insuficiência das informações existentes nos autos, poderá o relator requisitar informações adicionais, designar perito ou comissão de peritos para que emita parecer sobre a questão, ou fixar data para, em audiência pública, ouvir depoimentos de pessoas com experiência e autoridade na matéria.
Consagrando, o dispositivo, uma abertura no processo de controle de
constitucionalidade, e relativamente ao tema de políticas públicas - ao possibilitar a
ampla solicitação de informações -, isso proporcionará uma decisão judicial que não
se afasta da realidade, pois:
criação de empregos. Da mesma forma, o direito à educação (CF, art. 205 c/c art. 6º), o direito à assistência social (Cf, art. 203 c/c art. 6º) e à previdência social (Cf, art. 201 c/c art. 6º) dependem da satisfação de uma série de pressupostos de índole econômica, política e jurídica....Observe-se que, embora tais decisões estejam vinculadas juridicamente, é certo que a sua efetivação está submetida, dentre outras condicionantes, à reserva do financeiramente possível (“Vorbehalt des finanziell Möglichen”). Nesse sentido, reconheceu a Corte Constitucional alemã, na famosa decisão sobre numerus clausus de vagas nas Universidades (numerus-clausus Entscheidung), que pretensões destinadas a criar os pressupostos fáticos necessários para o exercício de determinado direito estão submetidos à “reserva do possível” (“Vorbehalt des Möglichen)” Cf. MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade. 2.ed. São Paulo: Celso Bastos, 1999, p.47-48. Essa teoria, na verdade, é uma adaptação da jurisprudência constitucional alemã (Vorbehalt des Möglichen), que entende que a construção de direitos subjetivos à prestação material de serviços públicos pelo Estado está sujeita à condição da disponibilidade dos respectivos recursos. Ao mesmo tempo, a decisão sobre a disponibilidade dos mesmos estaria localizada no campo discricionário das decisões governamentais e dos parlamentos,através da composição dos orçamentos públicos (Cf. KRELL, Andreas J. Direitos Sociais e Controle de Constitucionalidade no Brasil e Alemanha. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002, p.52). A expressão reserva do possível procura identificar o fenômeno econômico da limitação dos recursos disponíveis diante das necessidades quase sempre infinitas a serem por eles supridas. Cf. BARCELLOS, ob. cit., 2002, p.236. 359 SECLAENDER, 1991, p.153.
138
É certo, por outro lado, que o Tribunal que exerce as funções de Corte Constitucional não pode deixar de exercer a sua competência, especialmente no que se refere à defesa dos direitos fundamentais em face de uma decisão legislativa, sob a alegação de que não dispõe dos mecanismos probatórios adequados para examinar a matéria (MARTINS e MENDES, 1999, p.182)360.
Nesse contexto informacional, o controle jurisdicional pode desempenhar, de
forma otimizada, a análise do cicle policy, mediante a ação colaborativa do Tribunal
de Contas. É que, se óbices existem, ainda que artificiais, como se buscou
demonstrar, ao controle judicial das políticas públicas, em relação ao Tribunal de
Contas, tal questão merece reflexão específica, em razão das suas próprias
competências constitucionais.
O Tribunal de Contas possui o dever constitucional do controle externo da
Administração Pública, não somente sob aspecto financeiro-contábil-orçamentário,
mas lhe outorga, a Lei Fundamental, competência para o controle operacional
(SANCHES, 1997, p.28-29)361 (art. 70, caput, da Constituição da República).
Reflita-se que os Tribunais de Contas estão constitucionalmente autorizados a realizar “auditorias operacionais”, distintas das auditorias contábil, financeira e patrimonial, pelo art. 71, inciso VII, da Constituição, perante os órgãos e entidades da administração pública, o que não teria sentido se o administrador fosse livre para ser eficiente e ineficiente, sem que a ineficiência importasse violação do direito (MODESTO, 2000, p.69)362.
A importância do controle operacional, relativamente às políticas públicas,
está em que aquele, firmado na fiscalização/avaliação da eficiência, eficácia e
efetividade da ação governamental, resulta num diagnóstico material desta, ou seja,
360 MARTINS, Ives Gandra da Silva; MENDES, Gilmar Ferreira. Controle Concentrado de Constitucionalidade. Comentários à Lei n. 9.868, de 10-11-1999. São Paulo: Saraiva, 2001, p.182. 361 Auditoria Operacional – Modalidade de auditoria que se orienta, especificamente, para a avaliação do desempenho da ação governamental, ou seja, dos níveis de eficiência, eficácia, efetividade, etc. com que os órgãos e entidades executam as programações a seu cargo. Ela pode ser realizada com ênfase nos processos (eficiência ou economia no uso dos recursos), nos resultados (efeitos e conseqüências das ações governamentais no atendimento de necessidades) ou em ambos. SANCHES, Osvaldo Maldonado. Dicionário de Orçamento, Planejamento e Áreas afins. São Luiz: Prisma, 1997, p.28-29. 362 MODESTO, Paulo. Notas para um debate do Princípio da Eficiência. Revista Interesse Público. nº 7. 2000, p.69.grifo nosso.
139
do que realmente resultou, em termos de modificação do quadro social, objeto da
atuação do Estado363.
Diante do escopo das auditorias referidas, o controle das prognoses lhe é
inerente, o que insere o Tribunal de Contas num novo contexto de apreciação
constitucional dos atos estatais, legitimando uma ruptura do modelo formal de
controle externo, calcado na legalidade, para uma apreciação material da opção
estatal.
Desta forma, tendo em vista o preceituado no art. 6º, § 1º, da Lei nº
9.868/99, não há óbice de solicitação formulada ao Tribunal de Contas para que se
363 Pode-se constatar a complexidade da ação do Tribunal de Contas no controle operacional das políticas públicas, logo, da prórpria efetividade dos direitos fundamentais, exteriorizado nas respectivas políticas públicas, conforme exemplos desenvolvidos no âmbito do Tribunal de Contas da União: TC 012.278/2003-1. Acórdão 423/2004 - Plenário, em 14/04/2004, Ata 12/2004-P .Entidade: Secretaria Nacional de Habitação.Relator: Ministro Marcos Vilaça " O objeto desta auditoria são as ações que integram, no Plano Plurianual - PPA 2000/2003, o Programa Morar Melhor. O Morar Melhor, regulamentado pela Portaria do Ministério das Cidades n.º 250, de 25/07/2003, e por procedimentos operacionais definidos em manuais de instruções específicos, tem por objetivo "viabilizar o acesso à moradia, bem como elevar os padrões de habitabilidade e de qualidade de vida das famílias de baixa renda, assim consideradas aquelas com rendimento mensal de até três salários mínimos, que vivem em localidades urbanas e rurais." As ações do Morar Melhor estão vinculadas à Secretaria Nacional de Habitação, do Ministério das Cidades.O objetivo da auditoria foi verificar em que medida a concepção, execução e operacionalização do Programa vêm contribuindo para a eqüidade de atendimento do público- alvo, efetividade dos projetos contratados e sustentabilidade dos empreendimentos. " TC 012.274/2003-2. Acórdão 304/2004 - Plenário, em 24/03/2004, Ata 09/2004-P Entidade: Secretaria Especial dos Direitos Humanos.Relator: Ministro Lincoln Magalhães da Rocha " O Programa visa articular e estimular os esforços do sistema socioeducativo instituído pelo Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, de forma a possibilitar a inclusão do adolescente em conflito com a lei no meio social. Durante o planejamento dos trabalhos de auditoria, foram identificadas deficiências na articulação das políticas públicas direcionadas para o adolescente em conflito com a lei. Também se observou que, embora a ação prioritária do Programa refira-se a medidas socioeducativas não privativas de liberdade, parecia haver, na prática, prevalência na aplicação de medidas privativas. TC Acórdão 137/2004 - Plenário, em 18/02/2004, Ata 5/2004-P . Entidade: Departamento de Desenvolvimento da Política de Assistência Social .Relator: Ministro Ubiratan Aguiar . Esta auditoria tem como objeto a Ação de Atendimento à Pessoa Portadora de Deficiência em Situação de Pobreza, integrante do Programa Atenção à Pessoa Portadora de Deficiência. O objetivo do Programa é assegurar os direitos, promover condições de acessibilidade e combater a discriminação de pessoas portadoras de deficiência e o da Ação, melhorar a qualidade de vida da pessoa portadora de deficiência vulnerabilizada pela pobreza, assegurando-lhe uma vida mais independente e produtiva. O principal enfoque desta auditoria consistiu em avaliar se os recursos do Fundo Nacional de Assistência Social, no que tange ao cumprimento do Programa de Atenção à Pessoa Portadora de Deficiência, em especial a Ação Atendimento à Pessoa Portadora de Deficiência em Situação de Pobreza, são distribuídos de forma eqüitativa e propiciam o alcance de uma vida mais independente para os beneficiários e a cobertura de sua demanda, baseada em critérios claros, sob o devido acompanhamento e monitoramento da Gerência do Projeto.
140
manifeste, observadas as reservas de competência que lhe outorgam a Constituição
da República, sobre aspectos de determinada política pública.
O que se pretende demonstrar, com a análise do policy cicle, e os exemplos
realizados no âmbito do Tribunal de Contas da União, em sede de auditorias
operacionais, é que o controle judicial das políticas públicas parece desconhecer
que estas são formatadas por variáveis amplas, que compreendem diversos áreas
do conhecimento.
Não obstante, em tema de sua justiciabilidade, os padrões de aferição ainda
buscam resposta em idéias já conhecidas dos operadores jurídicos. Mas a realidade
que envolve as políticas públicas é outra, especialmente pela situação fática cuja
intervenção pressupõe a realização daquela forma de ação estatal. Quanto a essa
descontinuidade, no raciocínio jurídico, observa Flávio Galdino:
Com efeito, a pior solução que o Direito pode imaginar é tentar afirmar em caráter absoluto a sua própria racionalidade ou as sua próprias premissas e soluções sobre as demais (como dizer que o direito deve prevalecer sobre a economia) ou mesmo que alguma racionalidade deve prevalecer sobre as demais em caráter definitivo, principalmente porque os fatos desafiam essas racionalidades e seus paradigmas dominantes [...] (GALDINO, 2005, p.254)364.
Nesse sentido, o princípio da eficiência convola-se numa diretriz de
rompimento, na medida em que, ao pretender a busca da atuação ótima da
administração pública, determina um novo olhar sobre todo o desenvolvimento da
política pública, estabelecendo uma nova perspectiva de compreensão das ações
estatais.
Daí que, no tema da justiciabilidade daquelas formas de intervenção, a
questão da não efetividade de determinada política pública pode residir, não na
omissão do administrador público, mas num exercício ineficiente. A gravosidade em
ambos, num primeiro olhar, pode parecer explícita, mas uma conduta ineficiente
implica em custos financeiros consideráveis, que podem, ao fim, serem em maior
monta, em face da sua duplicidade, se a atividade houvesse sido exercida, desde o
364 GALDINO, Flávio. Introdução à Teoria dos Custos dos Direitos – Direitos não nascem em árvores. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005, p.254.
141
seu nascedouro, de forma razoável. Esta ampliação dos gastos públicos terá
conseqüências na realização de outras tarefas, transformando-se num círculo
vicioso e em déficit financeiro crescente.
Se é plausível, em certas situações, cingir-se à análise da política pública,
sob ótica de institutos jurídicos consolidados, torna-se necessário recepcionar e
pensar sobre as outras variáveis que integram a formação das políticas públicas,
tendo em vista o horizonte que o princípio da eficiência afirma aos operadores do
direito, pois:
Não se pode admitir a construção de uma eficiência no plano jurídico que seja divorciada das condicionantes sociais, políticas, econômicas, como se fora uma teoria pura da eficiência no Direito, pois isso retiraria as melhores perspectivas da eficiência que laboram justamente no sentido de se constituir o canal de comunicação entre as análises econômicas e as jurídicas [...] (GALDINO, 2005, p.261)365.
A eficiência, assim, traduz-se como um objetivo inerente à realização de
qualquer ato estatal que se qualifique como uma intervenção social. Mas, se esta é
uma dimensão preponderante, frente à situação concreta, não pode, o Poder
Judiciário, afirmar uma atuação eficiente, baseada em dados exclusivamente de
natureza jurídica, de forma sumária. Lembre-se que políticas públicas não são
unicamente pensadas sob ótica normativa, mas se radicam em premissas várias –
econômicas e sociológicas -, o que implica dizer que o conhecer de uma política
pública tem, como pressuposto, uma compreensão efetiva de seu processo
estruturador.
Pois, como bem percebido por Bueno (2002, p.281)366, o princípio da
eficiência proporciona ao Poder Judiciário um novo fator de controle da
Administração Pública. Os particulares podem e devem questionar judicialmente [...]
eficiência [...] dos atos administrativos.
365 GALDINO, ob. cit., 2005, p.261. 366 BUENO, Vera Cristina Caspari Monteiro. As Leis de Procedimento Administrativo. Uma leitura operacional do princípio constitucional da eficiência. Revista de Direito Constitucional e Internacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, Ano 10. nº 39. 2002, p.281.
142
Esta possibilidade de sindicabilidade da eficiência da ação estatal,
entretanto, encontra suporte efetivo num ordenamento normativo que afirme a
transparência como um princípio fundamental. E tal concretização, sob prisma do
regime constitucional brasileiro, vê-se plasmado num expresso direito à informação
administrativa, na sua tríplice dimensão – repita-se “direito de informar, se informar e
ser informado”. Esta última dimensão é qualificativa no controle das políticas
públicas, no sentido de assegurar um direito a uma informação verdadeira.
Isto porque não se trata, como já mencionado anteriormente, de, tão
somente, criar-se a possibilidade de acesso à informação, mas que esta seja
compreensível, estabelecendo um padrão de inteligibilidade efetiva do
desenvolvimento da política pública.
Exemplo emblemático da efetividade que o princípio da transparência
proporciona, ao controle da política pública, na sua essencialidade, pode ser inferida
em demanda levada à apreciação do E. Superior Tribunal de Justiça (STJ, 1993,
p.75)367. Tratava-se de questão relativa ao tabelamento de preços do gás liquefeito
de petróleo (GLP), por parte da União, caracterizando-se como política pública de
intervenção, no domínio econômico ou de mercado. A impetração foi formulada pelo
Sindicato Nacional de empresas distribuidoras daquele produto, tendo, como
autoridades impetradas, o Ministro da Fazenda e o Diretor do Departamento
Nacional de Combustíveis. Não obstante a questão relativa ao cabimento da
regulação, por parte do Estado, em vista da liberdade de mercado, preconizada na
Constituição da República, para os fins de nossa exposição, importa pedido
formulado pela impetrante no sentido de ser direito líquido e certo seu:
b) [...] obter cópias de inteiro teor, de todos os levantamentos técnicos, dados econômicos, memória de cálculo e demais elementos que serviram de base para as planilhas utilizadas para fixar os preços do GLP na dimensão constante das Portarias editadas a partir de outubro de 1992 e relacionados no anexo, bem como os atos do segundo impetrado editados ao ensejo de cada uma dessas Portarias (objeto do fax em anexo) de cuja conjugação resultou a dimensão dos encargos de distribuição (remuneração das filiadas) determinando-se às dignas autoridades
367 Superior Tribunal de Justiça. Mandado de Segurança nº 2.887-1-DF. Rel. Ministro César Asfor Rocha. Julgado em 09.11.1993. Revista do Superior Tribunal de Justiça. Brasília: Brasília Jurídica. Nº 56.1994, p.75.
143
impetradas que especam as respectivas certidões (fls. 33) (STJ, 1993, p.76)368.
Este pedido foi formulado em razão da omissão de acesso aos documentos,
cuja razão era “saber com base em quais critérios técnicos e fáticos os preços
estariam sendo fixados” (STJ, 1993, p.77)369. Ao julgar a ação de segurança, o
Superior Tribunal de Justiça, quanto ao pedido de informação, decidiu no sentido de:
No entanto, reconheço o direito de o impetrante obter a certidão objeto do seu segundo pedido. Diante de tais pressupostos, conheço do mandamus para o fim de conceder parcialmente a ordem determinando aos impetrados que forneçam, por certidão, cópia do inteiro teor de todos os levantamentos técnicos, dados econômicos, memórias de cálculo e demais elementos que serviram de base para as planilhas utilizadas para fixar os preços do GLP na dimensão constante das Portarias editadas a partir de outubro de 1992 e relacionados em anexo à inicial incluindo aí os atos do segundo impetrado editados ao ensejo de cada uma dessas Portarias objeto dos fax em anexos à inicial, de cuja conjugação resultou a dimensão dos “encargos de distribuição” (STJ, 1993, p.83)370.
No âmbito da análise, é emblemático que a existência de uma política
pública, de natureza econômica e seus efeitos no mercado, tornou necessário a
determinado segmento compreender a formulação do preço final, ou, como
declinado no relatório, “saber com base em quais critérios técnicos e fáticos os
preços estariam sendo fixados”. Tratava-se, assim, de aceder, não a dados
quaisquer, mas a elementos de estruturação do processo da política pública, e que
conduziram a seu resultado interventivo final, ou seja, preço de comercialização do
GLP.
Tal desiderato, todavia, somente se tornou possível pela existência de um
direito fundamental de acesso à informação administrativa, no caso, através da
previsão de seu instrumento constitucional de veiculação – certidão – (art. 5º,
XXXIV,b, da CF/88). Mas o pedido formulado na ação, não se afirma tão somente
como um direito de se informar, mas em razão do próprio interesse explicitado no
relatório do mandado de segurança, enquanto um direito a ser informado – “a ser
368 STJ. Mandado de Segurança nº 2.887-1-DF, ob. cit., p.76. 369 STJ. Mandado de Segurança nº 2.887-1-DF, ob. cit., p.77. 370 STJ. Mandado de Segurança nº 2.887-1-DF, ob. cit., p.83.
144
mantido adequadamente e verdadeiramente informado” 371, quanto à lógica
subjacente a formulação do preço.
Desta forma, a simples exteriorização da vontade estatal, em intervir em
determinado setor da sociedade, seja para fins de promoção, seja para regulação,
através das respectivas políticas públicas, não significa, por si só, que tal vontade
esteja, de forma efetiva, concretizando o querer da Constituição da República.
Mas a efetividade do princípio da transparência, no âmbito do controle
judicial das políticas públicas, não pode ficar adstrita à ação do juiz, ou do Ministério
Público, no sentido de instrução informacional. A Constituição da República afirma
meios processuais aptos a assegurar a otimização daquele princípio. Tendo em vista
a instrumentalidade do direito à informação administrativa, para concretização da
transparência, o mandado de segurança é instrumento processual hábil a obrigar a
autoridade administrativa a facultar o acesso aos dados solicitados, como resta
demonstrado no precedente jurisprudencial comentado.
Quanto à forma de propositura, é o interesse que qualificará se a impetração
dar-se-á na forma de uma ação de segurança individual (art. 5º, LXIX, da CF/88), ou
coletiva (art. 5º, LXX, da CF/88), como é perceptível nos acórdãos colacionados
quando abordado o tema específico do direito à informação administrativa.
Sob perspectiva da relação em análise – transparência e políticas públicas –
o instrumento do hábeas data revela-se inviável, mormente em face da sua
especialíssima finalidade de acesso ou retificação de dados pessoais (art. 5º, LXXII,
da CF/88). E o que pode existir em sede de políticas públicas é um interesse
particular, cujo instrumento é o mandado de segurança, inviabilizando-se a utilização
da hábeas data:
EMENTA: CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA. HABEAS DATA. C.F., ART. 5º, LXIX E LXXII. Lei 9.507/97, art. 7º, I. I. – O habeas data tem finalidade específica: assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público, ou para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo
371 CANOTILHO, Gomes; MOREIRA, Vital Moreira em Parecer nº 246. Procuradoria Geral da República. Portugal. Disponível em <http:// www.dgsi.pt> Acesso em: 05 de junho de 2007.
145
sigiloso, judicial ou administrativo (C.F., art. 5º, LXXII, a e b). II. – No caso, visa a segurança ao fornecimento ao impetrante da identidade dos autores de agressões e denúncias que lhe foram feitas. A segurança, em tal caso, é meio adequado. Precedente do STF: MS 24.405/DF, Ministro Carlos Velloso, Plenário, 03.12.2003, “DJ” de 23.4.2004. III. - Recurso provido (STF, 2005)372.
Conjugada a utilização do mandado de segurança, revela-se cabível a
propositura da ação popular (art. 5º, LXXIII, da CF/88), para fins de resguardo do
princípio da transparência. Exemplar, neste sentido, a decisão relativa ao dever do
administrador público explicitar suas ações, e o princípio da transparência é o
substrato de um direito à explicação (SECLAENDER, 1991, p.153)373 relativamente
aos assuntos públicos:
AÇÃO POPULAR-PROCEDÊNCIA-PRESSUPOSTOS. Na maioria das vezes, a lesividade ao erário público decorre da própria ilegalidade do ato praticado. Assim o é quando se dá a contratação, por município, de serviços que poderiam ser prestados por servidores, sem a feitura de licitação e sem que o ato administrativo tenha sido precedido da necessária justificativa (STF, 1994)374.
Revela-se, também, viável, com a observação de que o caso concreto é que
afirmará o cabimento, a utilização da Ação Direta de Inconstitucionalidade. Exemplo
é a situação relativa à inexistência de audiências públicas, como preconizado no
Estatuto da Cidade (Lei nº 10257/2001). Aquele instituto é explicitação da idéia de
participação popular. Destarte, a não-realização da audiência da comunidade, afora
violar o princípio constitucional da legalidade (art. 37, caput, da CF/88), obstaculiza o
processo de comunicação entre o Estado e o cidadão, criando óbice, não somente
ao “direito à explicação” (SECLAENDER, 1991, p.153)375, mas à própria concepção
de “compreensão esclarecida” (DAHL, 2001, p.111)376, que integra a idéia de
democracia e, por decorrência, da expressão funcional do princípio da transparência:
372 Supremo Tribunal Federal. Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 24617-4. Rel. Ministro Carlos Velloso. Julgado em 17.05.2005. 373 SECLAENDER, ob. cit., 1991, p.153. 374 Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 160381. Rel. Ministro Marco Aurélio. Julgado em 29.03.1994. 375 SECLAENDER, ob. cit., 1991, p.153. 376 DAHL, ob. cit., 2001, p.111.
146
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI MUNICIPAL. ALTERAÇÃO NO PLANO DIRETOR DO MUNICÍPIO DE SAPIRANGA. AUSÊNCIA DE AUDIÊNCIA PÚBLICA. OFENSA AO ESTATUTO DA CIDADE - LEI NO. 10.257/2001 - BEM COMO ÀS CONSTITUIÇÕES ESTADUAL E FEDERAL. São inconstitucionais as leis municipais nºs 3.302, 3.303, 3.368, 3.369, 3.404, 3.412, 3.441 e 3.442, todas de 2004, do Município de Sapiranga, editadas sem que promovida a participação comunitária para a deliberação de alteração do plano diretor do município sem a realização de audiência pública prevista em lei. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. [...]
Em face da propriedade, consigna-se parte do voto acolhido:
DES. ARNO WERLANG (RELATOR) - Senhor Presidente. Eminentes Colegas. Estou em prover esta ação direta de inconstitucionalidade, na esteira do que já dissera na ocasião em que deferi a liminar.
[...]
De outro lado, cumpre observar que as razões discorridas na manifestação trazida pela municipalidade não vingam, porquanto as leis ora impugnadas estão em desacordo com o que dispõem sobre a matéria a Constituições Estadual e Federal, por não proporcionarem a participação da comunidade, por suas entidades legalmente constituídas na sua elaboração, tanto que não houve manifestação no sentido da realização da indispensável audiência pública, sem o que a declaração de inconstitucionalidade é medida que se impõe na espécie.
Por todo o exposto, declaro a inconstitucionalidade das leis municipais nºs 3.302, 3.303, 3.368, 3.369, 3.404, 3.412, 3.441 e 3.442, todas de 2004, do Município de Sapiranga, por ofensa aos artigos 8º, 19 e 177, parágrafo 5º, da Constituição Estadual, artigos 29, XII, 37, caput, da Constituição Federal, e artigo 40 do Estatuto da Cidade, Lei n. 10.257/01 (TJRS, 2007)377.
No mesmo contexto casuístico da Ação Direta de Inconstitucionalidade está
a utilização da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), não
somente enquanto instrumento idôneo à concretização de políticas públicas, caso da
ADPF nº 45, objeto de análise quando abordada a questão específica da
modificação interpretativa que o princípio da transparência proporciona, mas,
também, como meio processual válido à própria efetividade do princípio da
transparência, tendo em vista que a vulneração do direito à informação
377 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 70015837131. Rel. Desembargador ARNO WERLANG. Julgada em 26.02.2007.
147
administrativa convola-se em afronta a preceito fundamental, na linha de
compreensão firmada na ADPF nº 33:
É muito difícil indicar, a priori, os preceitos fundamentais da Constituição passíveis de lesão tão grave que justifique o processo de argüição de descumprimento.
Não há dúvida de que alguns desses preceitos estão enunciados, de forma explícita, no texto constitucional.
Assim, ninguém poderá negar a qualidade de preceitos fundamentais da ordem constitucional aos direitos e garantias individuais (art. 5º, dentre outros). Da mesma forma, não se poderá deixar de atribuir essa qualificação aos demais princípios protegidos pela cláusula pétrea do art. 60, § 4º, da Constituição, quais sejam, a forma federativa de Estado, a separação de Poderes e o voto direto, secreto, universal e periódico.
[...]
Nessa linha de entendimento, a lesão a preceito fundamental não se configurará apenas quando se verificar possível afronta a um princípio fundamental, tal como assente na ordem constitucional, mas também a disposições que confiram densidade normativa ou significado específico a esse princípio (STF, 2004)378.
Revela-se, assim, o princípio da transparência, através de suas
concretizações normativas, como um elo de ligação entre o fim e os meios,
invertendo, até mesmo, a lógica de Maquiavel de que os fins justificam os meios. Ao
contrário, num Estado Democrático, o meio é ancilar ao fim, pois, como já
proclamava Carlos Maximiliano:
Em um regimen democrático devem os governos agir à luz meridiana, expondo todos os seus actos ao estudo e à critica dos interessados e dos competentes (MAXIMILIANO, 1929, p.336-337)379.
Assim, o princípio da transparência é meio essencial para se falar de um
controle judicial efetivo de políticas públicas, cujas dimensões de utilização
possibilitam ultrapassar os instrumentos jurídicos atuais utilizados no trato do tema.
378 STF, ob. cit., 2004. 379 MAXIMILIANO, Carlos. Commentarios á Constituição Brasileira. 3.ed. de acordo com a Reforma Constitucional de 1925-26. Porto Alegre: Livraria do Globo, 1929, p.336-337.
148
Porém, não se pode deixar de considerar a observação de Fernando
Condesso, no sentido de que transparência, mais do que regra, é, principalmente,
uma cultura:
É um movimento legislativo amplo, embora <<a administração de vidro>>, a Administração aberta, a Administração <<au grand jour>>, ou seja, a Administração transparente, seja uma questão de comportamento, a impor-se, em todos os domínios pertinentes, mais pela alteração dos costumes do que pela via da organização jurídica (CONDESSO, 1995, p.35)380.
Assim, é forçoso reconhecer que a consolidação do princípio da
transparência somente ocorrerá mediante a contínua participação do cidadão nos
assuntos públicos. É o cidadão quem deve se reconhecer como co-partícipe da
democracia. A Constituição da República, ao determinar a estrutura administrativa,
enquanto “administração aberta”, não consegue, por si, enquanto texto, alterar
concepções seculares, como a do sigilo, se o exercício do direito à informação não
for bem utilizado pelo cidadão. Utilizado, aqui, entenda-se, em prol da sociedade,
não como instrumento de mercado.
Ao menos, desde 1988, o que a Constituição da República sinaliza, ou
melhor, obriga à Administração Pública é deixar-se conhecer, não sendo mais
possível aceitar decisões que afetem a sociedade, sejam elas tomadas de forma
solitária, pelo governante, sem possibilidade de o cidadão exercer seu direito de ser
informado. Afinal, como precisamente observa Maria Paula Dallari Bucci:
Mas uma política pública também deve ser expressão de um processo público, no sentido de abertura à participação de todos os interessados, diretos e indiretos, para a manifestação clara e transparente das posições em jogo.
Nesse sentido, o processo administrativo de formulação e execução das políticas públicas é também processo político, cuja legitimidade e cuja “qualidade decisória”, no sentido da clareza das prioridades e dos meios para realizá-las, estão na razão direta do amadurecimento da participação democrática dos cidadãos (BUCCI, 2002, p.269)381.
380 CONDESSO, ob. cit., 1995, p.35-ss. 381 BUCCI, ob. cit., 2002, p.269.
149
Em suma, o que o princípio da transparência determina, em relação ao
controle das decisões públicas, é, nada mais, nada menos, o que já previa a
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, no sentido de que “a
sociedade tem o direito de pedir, a todo o agente público, que preste contas de sua
administração”382. Assim, transportando este ideal à atualidade, se assegurado o
direito, há um “dever” imposto a todo o cidadão, que exerça aquele, a fim de que se
consolide, efetivamente, um Estado Democrático, tal como expresso no Preâmbulo
da Constituição da República.
382 Art. 15. Cf. COMPARATO, ob. cit., 1999, p.140.
150
4 CONCLUSÃO
A Constituição da República, afirmando e firmando o modo de agir do
Estado, para consecução dos seus princípios fundamentais e objetivos (arts.1º e 3º),
estabelece um momento de diálogo da sua razão de ser, da sua idéia fundadora,
não por outra razão, consignando-o no seu início, no seu Preâmbulo. Há, neste, uma
força de corporificação, de unificação de valores, que, pela própria topografia de sua
inserção, desvela um querer que ultrapassa a individualidade dos grupos políticos,
formadores da Constituição, para sintetizar, pela própria idéia de um modelo de
democracia representativa, o querer de toda a nação.
O preâmbulo não é mera adição formal derivada da tradição dos
documentos constitucionais, mas síntese da idéia da Constituição, que repercute na
sua compreensão. Neste sentido, a instituição de um Estado Democrático e de uma
sociedade pluralista, firmadas naquela manifestação, são idéias fundamentais à
análise e desenvolvimento de um tema como o do princípio da transparência.
A transparência é uma idéia ainda em conformação, não plenamente
sedimentada na totalidade de sua dimensão de eficácia. Porém, gradativamente, tal
idéia está se integrando no modo de compreensão das ações do poder público,
especialmente no que se relaciona ao direito de conhecimento sobre os atos
estatais, por parte do cidadão.
O princípio da transparência, mesmo não encontrando explicitação
normativa na Constituição da República, encontra-se cada vez mais incorporado à
teoria jurídica, ganhando contornos mais relevantes e influenciando, por
conseguinte, à práxis judicial.
A fundamentação política deste princípio está radicada na idéia de
democracia, ou seja, no regime que, tem como característica, a possibilidade de o
cidadão ver quem é, como e de que forma atua o governante. E, vendo, possa
controlá-lo.
A fundamentação jurídica é a revelação da transparência, enquanto princípio
implícito. É que, também, não se pode compreender o princípio da transparência
como sinônimo do princípio da publicidade. O princípio da transparência, não
151
obstante sua implicitude, mas em face da sua força de convicção, conforme Karl
Larenz, é dedutível do princípio maior da democracia, complementado-o em
dimensão específica, relativa ao dever do Estado de mostrar-se em forma e fundo ao
cidadão.
O fundamento social do princípio da transparência encontra-se afirmado na
idéia de participação popular. E a participação popular vem, gradativamente,
ocupando espaço na formação das decisões estatais, seja no âmbito dos Poderes
Executivo e Legislativo, como no do Judiciário, ainda que, quanto a este, de forma
especialíssima. Mas, sendo a participação popular, forma de integração do cidadão
no âmbito das decisões públicas, tal inserção condiciona o modo de agir dos
poderes e órgãos do Estado, criando, para este, como consectário lógico, que os
processos e procedimentos sejam abertos ao cidadão. Razão pela qual, a
participação popular é determinante à ampliação dos espaços de desvelamento,
sendo fundamento social ao princípio da transparência. Se a participação do
cidadão, nas decisões públicas, mostra-se cada vez mais ampla, esta determina,
pela lógica que lhe é subjacente, o incremento cada vez maior da transparência das
ações públicas.
A concepção sinônima do princípio da transparência, em relação ao princípio
da publicidade, somente pode ser entendida enquanto figura de linguagem. Com a
difusão social e a respectiva integração legislativa do princípio da transparência, de
que são exemplos o art. 31, § 3º, da Constituição da República e o art. 48 da Lei
Complementar nº 101/2000, não podendo se pretende manter a utilização sinônima
das expressões, mas sim, aceitar que se tratam de institutos jurídicos diversos,
ainda que, muitas vezes, integrem-se.
Enquanto a publicidade se alinha a uma idéia de validação das decisões
administrativas, através da sua exteriorização, a transparência não se cinge a este
“limitado” âmbito, mas busca, primordialmente, a integração do sujeito, mediante o
conhecer, na própria formação das decisões públicas.
A idéia de publicidade incorpora uma noção de legalidade. O princípio da
transparência revela uma concepção de legitimidade, que deriva do próprio núcleo-
objetivo deste princípio – visibilidade para compreender os assuntos públicos. Esta
compreensão exsurge, primordialmente, do ordenamento constitucional, que, de
152
forma expressa e peremptória, afirma, no art. 31, § 3º, da Constituição da República,
a obrigatoriedade de os entes municipais disponibilizarem, aos contribuintes,
anualmente, as contas municipais, para fins de exame e apreciação daqueles. Estes,
querendo, podem lhes questionar a legitimidade. A norma constitucional em
apreço, ao afirmar a legitimidade como uma condição de integridade dos atos
estatais, impõe, como de forma assecuratória, o direito de acesso do cidadão às
contas. É a conclusão lógica ante a previsão de que estes detêm o direito de exame
e apreciação. E o direito à informação administrativa é instrumental ao princípio da
transparência.
Pode-se, igualmente, conceber a idéia de publicidade como estática. Trata-
se de uma “condição” sem a qual os atos estatais não produzem seus efeitos
necessários. Não há, nesta, uma idéia de movimento. Já a transparência é dinâmica,
não se cingindo a idéia de “efeitos”, mas de participação, envolvimento, e, por certo,
também, conhecimento. A transparência é integrativa do cidadão, no núcleo da
administração, seja para participar ou saber.
As Cartas Constitucionais brasileiras, até a promulgação da Constituição da
República de 1988, não afirmavam um direito fundamental à informação, pois
integravam a informação como elemento formativo da liberdade de pensamento.
À consagração do direito à informação, enquanto instituto dotado de
fisionomia própria, traduz um processo histórico de afirmação, cujo desenvolvimento
somente acontece no Século XX, na lição de Seclaender. O estágio inicial da idéia
de liberdade de informação encontra seu fundamento na Declaração dos Direitos do
Homem de 1948, ao determinar que aquela liberdade é uma liberdade de, sem
interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações.
No entanto, esse estágio inicial de conteúdo negativo, com a evolução dos
meios e instrumentos de comunicação, a concepção da informação, enquanto bem
comercializável, o desvelamento de novos direitos fundamentais e a própria
concepção de um Estado Democrático de Direito impulsionaram a visualização
autônoma de um direito fundamental à informação.
Tal reconhecimento foi acatado pelo Poder Constituinte de 1988, que
destacou a informação do seu núcleo originário – a liberdade de expressão – dando-
153
lhe fisionomia institucional própria e autônoma, enquanto direito fundamental,
mediante sua positivação no art. 5º, XIV, da Constituição da República.
Tal normatização constitucional do direito fundamental à informação, porém,
não exterioriza, na sua literalidade, os reflexos que lhe são próprios em nossa ordem
jurídica. Sua linguagem pode determinar o entendimento de que aquele direito à
informação somente abrange, no seu âmbito de incidência, as condutas preventivas
explicitadas na Declaração de 1948, ou seja, de procura, recepção e transmissão da
informação.
Mas, não basta que, ao cidadão, seja disponibilizado o direito à informação
sob uma perspectiva de procura, recebimento e difusão; é necessário reconhecer-se
uma nova dimensão, a do direito a ser informado. O direito fundamental à
informação, na Constituição da República Federativa do Brasil compreende, tanto o
direito do cidadão de procurar, receber e difundir informações, quanto, relativamente
a estas, o direito a receber uma informação veraz.
O dever de uma informação verdadeira, num Estado Democrático de Direito,
assume relevante papel na ótica da relação entre cidadão e Estado. Nesse âmbito,
não se trata, tanto, de um conteúdo valorativo, do dever de veracidade das
informações públicas, afinal esta é pressuposta em qualquer ato comunicativo
estatal. A dimensão que se entende relevante é a qualitativa, ou seja, de que a
informação prestada esteja apta a ser compreendida pelo receptor. Se o direito à
informação incorpora o direito a ser informado, sob perspectiva do poder público,
afirma-se a dimensão de um direito à explicação, na dicção de Seclaender.
Ao enunciar a Constituição da República, na primeira parte do art. 5º, XXXIII,
que “todos têm o direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse
particular, ou de interesse coletivo ou geral”, consolidou-se, normativamente, o
princípio da administração aberta, cujo paralelo pode-se buscar no art. 268, nº 2,
da Constituição de Portugal.
A adoção pelo poder constituinte, originário do “princípio da administração
aberta”, integra, na nossa práxis constitucional, um “direito à informação
administrativa”, conforme expressão de Condesso. O direito à informação
administrativa, espécie qualificada do direito à informação, guarda a idêntica
natureza do seu gênero, classificando-se como um direito fundamental de natureza
154
coletiva, que, na taxinomia dos direitos fundamentais, enquadra-se enquanto direito
fundamental de quarta geração, seguindo a expressiva lição de Paulo Bonavides,
em face do seu caráter concretizador da democracia.
A concepção contemporânea do direito à informação compreende uma
tríplice dimensão: direito de informar, direito de se informar e direito a ser informado,
que se transportam, da mesma forma, ao âmbito do direito à informação
administrativa, enquanto espécie qualificada daquele. Em relação à efetividade do
princípio da transparência, o direito à informação administrativa revela sua faceta
mais importante, na última dimensão mencionada, ou seja, o direito a ser informado,
especialmente por traduzir um “direito à explicação”, como definiu Seclaender.
O direito a ser informado, no âmbito do direito à informação administrativa,
representa conquista inconteste do cidadão, na medida em que, não basta aos
órgãos públicos disponibilizar o acesso, mas que o conteúdo transmitido possibilite,
de fato, e não somente de direito, a compreensão efetiva do que foi transmitido. Mas
a questão relativa a transmissibilidade compreensível das informações
administrativas é instrumento imprescindível, também, para o efetivo exercício da
participação popular, especialmente se considerarmos as observações de Norberto
Bobbio, quanto à tecnocracia, que, mediante uma linguagem não facilmente
acessível à maioria dos cidadãos, convola-se em nova vertente do segredo.
Somente com a dimensão de direito à informação administrativa
compreensível, o princípio da transparência maximiza sua efetividade,
proporcionado a devida participação do cidadão nas decisões estatais, o que
estabelece a centralidade daquele princípio, no âmbito do controle das políticas
públicas.
O direito à informação administrativa, contudo, possui limites. Não obstante
a cláusula geral de conhecimento, prevista no art. 5º, XXXIII, a parte segunda do
referido preceito dispõe que se ressalva o direito à informação administrativa,
quando o sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado. Assim,
percebe-se que as cláusulas do sigilo e transparência se submetem à idêntica
situação jurídica, são deveres constitucionais do Estado. O conhecimento e o não-
conhecimento, nascendo com idêntica força normativa – ambos são preceitos
constitucionais - variam quanto ao espectro de atuação. O dever de desvelamento é
155
mais amplo e, via de regra, não condicionado, enquanto que a proibição do acesso,
em sendo exceção constitucional, prescinde de contornos precisos, bem como
interpretação restritiva, atendendo ao que, expressamente, determina a Constituição
Federal: imprescindível à segurança da sociedade e do Estado (art. 5º, XXXIII), ou
quando imposto por força de garantia da inviolabilidade da intimidade, vida privada,
honra e imagem (art. 5º, X).
Mas a refutação do sigilo, como regra, pressupõe um ambiente social e
político próprio. Desde a sua concepção clássica, a democracia estabelece limites
ao segredo. Em face da identidade entre democracia e transparências, esta se
revela como uma barreira natural à opacidade das relações cidadão-Estado,
proporcionando um novo entendimento às ações dos poderes públicos, e, portanto,
estabelecendo um novo padrão para a análise da questão do controle das políticas
públicas.
A questão das políticas públicas, seja no âmbito conceitual, quanto, mais
especificamente, no âmbito da sua sindicabilidade, pressupõe o reconhecimento de
um especificidade formativa, de que se trata de um tema, como exemplarmente
observado por Marília Lourildo dos Santos, que não surge da ou na ciência do
direito, mas sim, é “originário da ciência política”.
Políticas públicas são ações estatais que objetivam uma modificação de
determinada situação fática na sociedade. Ações estatais, pois o sujeito ativo, seja
no âmbito de planejamento, quanto no de coordenação é o Estado, ainda que a
execução possa ser delegada a entes colaboradores da própria sociedade civil –
ONGs. Seu objetivo é sempre modificativo de determinada situação fática na
sociedade, pois, como referiu Windhoff-Héritier, “somente a convicção de que um
problema social precisa ser dominado política e administrativamente o transforma
em um problema de ‘policy’ “.
Toda política pública é determinada por um objetivo, o qual, tratando-se de
uma intervenção do Estado, possui um resultado a ser alcançado, que, de resto,
não pode ser outro que o atendimento de uma finalidade pública (interesse
público) mensurável, ou seja, aferível materialmente. Assim, separação dos
poderes, atos políticos, discricionariedade e ausência de legitimidade, enquanto
óbices teóricos ao não-controle das políticas públicas, mostram-se como argumentos
156
ainda centrados na visão individualista de Estado, que, se ainda fundamenta os
direitos fundamentais de primeira geração, não serve para a compreensão de um
Estado que objetiva proteger os direitos sociais, como foi observado por Ohlweiler.
A Constituição da República, ao afirmar o direito fundamental do cidadão à
informação (art. 5º, XIV) e, em igual medida, um direito fundamental à informação
administrativa (art. 5º, XXXIII), não assumiu, tão somente, um compromisso moral,
mas estabeleceu uma condição de eficácia de toda e qualquer ação administrativa,
no sentido de que a condução dos assuntos públicos não poderá mais ser de forma
fechada – sigilosa – devendo, os poderes públicos, agirem à luz do sol (au grand
jour), na expressiva lição de Bobbio. Reside, pois, a transparência dos assuntos
públicos como pauta concretizadora da democracia.
Esta maximização do direito à informação administrativa, enquanto
instrumental do princípio da transparência, deve condicionar o pensar dos
operadores do direito, não mais detidos numa percepção de submissão – que o
termo administrado ainda expressa - mas, e principalmente, de participação, cuja
expressão cidadão é de todo construtiva.
Entretanto, a idéia de participação, como toda aquela que importa em
desconstrução de paradigmas, no alvorecer da Constituição da República de 1988,
ainda não poderia ser de todo percebida na extensão que, hoje, inclusive,
normativamente, vê-se contemplada. No ambiente da entrada em vigor, da Lei
Fundamental de 1988, não era totalmente assimilável pela administração pública,
tendo em vista a onipresença de um modelo administrativo de natureza burocrática.
Não obstante, gradativamente se percebe o esgotamento do modelo
burocrático. Da mesma forma que este buscou romper com o modelo patrimonialista,
mediante movimento estatal consignado no Plano Diretor de Reforma do Aparelho
do Estado, o governo buscou, à época, com a aprovação da Emenda Constituicional
nº 19/98, firmar o modelo da administração pública gerencial que tem, no princípio
da transparência, “um dos seus princípios informativos e interpretativos”, nas
palavras de Neto.
O processo constitucional contínuo de afirmação do princípio da
transparência, no entanto, ainda não foi totalmente explorado pelo Poder Judiciário,
no tocante ao controle judicial das políticas públicas, especialmente aqueles
157
promoventes de direitos fundamentais sociais. É que, não obstante uma abertura
gradual do espectro do controle, na questão das políticas públicas, o controle
jurisdicional busca afirmar sua legitimação mediante o enfrentamento, sob enfoque
da “discricionariedade, da separação dos poderes, dos atos de governo”, ou seja,
em institutos jurídicos consolidados no âmbito do “senso comum teórico dos
juristas”, relembrando Warat.
Torna-se imprescindível, ao poder judiciário, buscar uma nova perspectiva
de controle, firmado, não somente na oposição aos argumentos clássicos, mas
incursionar no tema da policy anaysis. A análise de determinada política pública
pressupõe um processo que lhe é próprio, estruturado no que se denomina policy
cicle, composto por três momentos distintos: formulação, implementação e controle.
Na primeira fase, reconhece-se a necessidade de intervenção do Estado em
determinada situação concreta. Na segunda fase, avaliam-se as “várias alternativas
de decisão”, delineou Frey.
A terceira fase é de conteúdo concreto da política pública. A última fase
busca, assim, aferir os impactos efetivos da política pública. E a política pública é um
processo complexo, condicionado por variáveis amplas, mas que não resulta em
impedimento para o seu controle jurisdicional. É que, até sua efetiva concretização,
no mundo dos fatos, a política pública pressupõe uma procedimentalização
administrativa que lhe é antecedente. As situações a serem enfrentadas, a escolha
formulada, os instrumentos para atingimento da finalidade, todos esses dados,
necessariamente, devem estar presentes naquele processo.
O controle judicial das políticas públicas parece desconhecer que estas são
formatadas por variáveis amplas, que compreendem diversos áreas do
conhecimento. Não obstante, em tema de sua justiciabilidade, os padrões de
aferição ainda buscam resposta em idéias já conhecidas dos operadores jurídicos.
Mas a realidade, que envolve as políticas públicas, é outra, especialmente, pela
situação fática, cuja intervenção pressupõe a realização daquela forma de ação
estatal. Mas esta possibilidade de sindicabilidade da eficiência da ação estatal
encontra suporte efetivo num ordenamento normativo que afirme a transparência
como um princípio fundamental. E tal concretização, sob prisma de nosso regime
constitucional, vê-se plasmado num expresso direito à informação administrativa, na
158
sua tríplice dimensão – direito de informar, informar-se e ser informado. E esta última
dimensão é qualificativa no controle das políticas públicas, no sentido de determinar
assegurar um direito a uma informação verdadeira.
A simples exteriorização da vontade estatal em intervir em determinado setor
da sociedade, seja para fins de promoção, seja para regulação, através das
respectivas políticas públicas, não significa, por si só, que tal vontade esteja, de
forma efetiva, concretizando o querer da Constituição da República. Revela-se,
assim, o princípio da transparência, através de suas concretizações normativas,
como um elo de ligação entre o fim e os meios, invertendo, até mesmo, a lógica de
Maquiavel de que “os fins justificam os meios”. Em um Estado Democrático, o meio
é ancilar ao fim, pois, como já proclamava Carlos Maximiliano: “Em um regimen
democrático devem os governos agir à luz meridiana, expondo todos os seus actos
ao estudo e à critica dos interessados e dos competentes”.
Assim, o princípio da transparência é meio essencial para se falar de um
controle judicial efetivo de políticas públicas, cujas dimensões de utilização
possibilitam ultrapassar os instrumentos jurídicos atuais utilizados no trato do tema.
A Constituição da República afirma, como meios processuais-constitucionais
aptos a concretizarem a efetividade do princípio da transparência, na sua relação
com as políticas públicas, o mandado de segurança - seja na modalidade individual,
seja na coletiva -, a ação popular, a ação direta de inconstitucionalidade e a argüição
de descumprimento de preceito fundamental.
Porém, não se pode deixar de considerar a revelação de Fernando
Condesso, no sentido de que transparência, mais do que regra, é, principalmente,
uma cultura. A consolidação do princípio da transparência somente ocorrerá
mediante a contínua participação do cidadão nos assuntos públicos. É o cidadão
quem deve se reconhecer como co-partícipe da democracia. A Constituição da
República, ao determinar a estrutura administrativa, enquanto administração aberta,
não consegue, por si só, enquanto texto, alterar concepções seculares, como a do
sigilo, se o ideal da transparência, consolidado no exercício do direito à informação
administrativa, não for bem utilizado pelo cidadão.
Com o texto constitucional de 1988, explicita-se uma obrigação da
Administração Pública deixar-se conhecer, não sendo mais possível aceitar-se que
159
decisões que afetem a sociedade sejam tomadas de forma solitária pelo governante,
sem possibilidade de o cidadão exercer seu direito de ser informado. Em síntese, o
que o princípio da transparência determina, em relação ao controle das decisões
públicas é, nada mais, nada menos, o que já previa a Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão de 1789, no sentido do dever de todo agente público de
prestar contas da sua administração (art. 15). Contudo, da mesma forma que há um
direito de conhecer, há o respectivo “dever”, imposto a todo o cidadão, que o exerça,
a fim de que se consolide, efetivamente, um Estado Democrático, tal como expresso
no Preâmbulo da Constituição da República.
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