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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA ÁREA DE HISTÓRIA CLARICE FERREIRA RAMIRO DE SOUZA “NO RIO DE JANEIRO TEM BAILE DE FAVELA” (?): O BAILE DO CHAPÉU MANGUEIRA E O CENÁRIO DE INTERDIÇÃO DOS BAILES FUNK (1990-2016) Niterói

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSTITUTO DE

CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA

ÁREA DE HISTÓRIA

CLARICE FERREIRA RAMIRO DE SOUZA

“NO RIO DE JANEIRO TEM BAILE DE FAVELA” (?):

O BAILE DO CHAPÉU MANGUEIRA E O CENÁRIO DE

INTERDIÇÃO DOS BAILES FUNK (1990-2016)

Niterói

2017

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA

CURSO DE GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

CLARICE FERREIRA RAMIRO DE SOUZA

“NO RIO DE JANEIRO TEM BAILE DE FAVELA” (?):

O BAILE DO CHAPÉU MANGUEIRA E O CENÁRIO DE INTERDIÇÃO DOS

BAILES FUNK (1990-2016)

Monografia apresentada ao Curso de

História da Universidade Federal Fluminense,

como requisito parcial para a obtenção do

título de Licenciado em História

Orientadora: Juniele Rabêlo de Almeida

Niterói

2017

CLARICE FERREIRA RAMIRO DE SOUZA

“NO RIO DE JANEIRO TEM BAILE DE FAVELA” (?):

O BAILE DO CHAPÉU MANGUEIRA E O CENÁRIO DE INTERDIÇÃO DOS

BAILES FUNK (1990-2016)

Monografia apresentada ao Curso de História

da Universidade Federal Fluminense, como

requisito parcial para a obtenção do título de

Licenciado em História

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________

Prof. Juniele Rabêlo de Almeida (Orientador) UFF

_____________________________________________ Profª. Drª. Adriana Facina (Leitora crítica) UFRJ

Niterói

2017

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 6

O CHAPÉU MANGUEIRA ........................................................................................... 12

NEOLIBERALISMO E CRIMINALIZAÇÃO DO FUNK ........................................... 48

CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 54

FONTES ......................................................................................................................... 59

ANEXO .......................................................................................................................... 63

BIBLIOGRAFIA: ........................................................................................................... 68

RESUMO

O presente trabalho discute o cenário que faz surgir, na favela do Chapéu

Mangueira, o baile funk que virou febre na década de 1990, sua interdição no ano de

1995 e a atual tentativa de retomada da atividade cultural em meio a novas investidas de

repressão aos bailes funk, hoje sob a égide dos processos de implantação das UPPs

(Unidades de Polícia Pacificadora). A pesquisa discute a criminalização do funk, a partir

da ótica da criminalização da pobreza. Debruça-se sobre os aspectos da fruição do lazer

nas favelas, vendo no funk uma cultura de sobrevivência e um modo de comunicação

poderoso da juventude carioca. Entende que o funk sofre com processos criminalizantes

de interdição dos bailes por conta de sua origem de classe, raça e territorial.

Palavras-chave: Funk, criminalização da pobreza, Chapéu Mangueira,

bailes funk, juventude, cultura

5

ABSTRACT

The present work discusses the scenario that brings out the funk music, a

common music style in Brazil, in the favela Chapéu Mangueira . The “Baile Funk” (the

kind of party where people can dance to that rhythm) was all the rage in the 1990s and

this work aims to talk about that, aside from its prohibition in 1995 and the current

attempt to take up cultural activity through new endeavors to repress the “Bailes Funk”,

working, nowadays, under the auspices of UPP’s (Pacifying Police Units)

implementation processes. The research discusses the criminalization of funk music,

from the perspective of the criminalization of poverty. It focuses on the exercise of free

time activities in the favelas, in which funk music plays an important role: it works as a

culture of survival and a powerful communication means of Rio's youth. It understands

that the funk music suffers from criminalization processes of prohibition of the Bailes

due to its origin of class, race and territory.

Keywords: Funk, criminalization of poverty, Chapéu Mangueira, Bailes funk,

juventude, culture

6

INTRODUÇÃO

A necessidade de compreender as formas de fruição do lazer da juventude,

sobretudo, a juventude pobre, negra e moradora de favela, no Rio de Janeiro dos dias de

hoje, me levou a pensar este trabalho. Sempre me pareceu importante discutir no

universo acadêmico a potência da juventude, visto que muitos dos trabalhos acabam por

discutir apenas as mazelas.

Não poderemos passar por este tema sem apontar o genocídio que estamos

vivenciando nas favelas cariocas, uso a expressão “genocídio” com amparo em

trabalhos que corajosamente trouxeram a tona os números de guerra nas favelas do Rio

de Janeiro. Historicamente a cidade é marcada por políticas de segurança pública que

promovem o medo como “forma de disciplinamento”, “criminalização da luta das

classes populares” e “ódio aos pobres e aos diferentes”. Parte deste projeto de

propagação do medo consiste em, com a introdução de forças policiais nas favelas e o

auxílio dos meios jurídicos, retirar o direito ao lazer dos cidadãos e criminalizar suas

práticas culturais. Calar os discursos da classe trabalhadora e criminalizá-la.

Busco com as linhas que se seguirão apontar uma das faces desse genocídio,

uma espécie de tentativa de silenciamento das narrativas dos sujeitos locais, a

criminalização do funk. Ao falar de criminalização do funk mobilizo um conceito mais

abrangente, o de “criminalização da pobreza”. De forma mais detalhada pretendo operar

com este conceito trazendo-o a realidade brasileira e mostrando como ele se aplica ao

cenário atual de proibição de diversos bailes funk na cidade.

É importante que o leitor compreenda que desde que o funk começa a chegar ao

Brasil, ainda na forma estadunidense, o mundo tem conformado características

econômicas neoliberais. O trabalho pretende mostrar o que o neoliberalismo1 modificou

na realidade carioca, especificamente nas favelas, e porque este foi o momento propício

para fazer nascer o funk no Rio de Janeiro.

Compreender como o ordenamento jurídico e policial voltado para as favelas

tem buscado arbitrar as práticas de sociabilidade nos referidos territórios não é tarefa

simples. Com a compreensão de que quaisquer análises que buscassem dar conta deste

fenômeno tão complexo em sua totalidade poderiam cair em generalizações pouco

1 Cf. ANDERSON, Perry. “Balanço do Neoliberalismo”. In: SADER, Emir.(org) Pósneoliberalismo - As

políticas Sociais e o Estado Democrático, São Paulo, Editora Paz e Terra, 1995.

7

produtivas. Procuramos investir na percepção de um único baile e entender sua história

como parte de muitas outras parecidas. Mapear hoje quantos bailes acontecem e de que

modo, na cidade do Rio de Janeiro, não é tarefa simples. Desta forma, me proponho ao

exercício da percepção do Baile do Chapéu Mangueira no decorrer das três últimas

décadas.

Ao analisar a história do Baile do Chapéu Mangueira pretendo compreender, a

partir das semelhanças e particularidades com os demais bailes da cidade, de que forma

o universo funk tem lidado com o aparato repressivo do Estado nas favelas e se foram

dadas salvaguardas judiciais para que o movimento cultural pudesse continuar a usufruir

do seu direito de sê-lo.

Para discutir estas questões me deparei com uma dificuldade inicial: como

analisar a história de um determinado baile funk de uma favela? A dificuldade veio da

falta de trabalhos historiográficos, afinal, os historiadores ainda estão poucos dedicados

aos estudos sobre os territórios de favela, e tampouco aos trabalhos com o tema do funk

enquanto manifestação cultural.

Encontrei, ao final da minha graduação, a metodologia da história oral2 e por

meio dos procedimentos estudados foi possível desenvolver parte da história que

problematizo a seguir. Fiz o curso de História e Fontes Orais, elaborei um projeto de

pesquisa e instalei o aplicativo de gravação de áudios no celular. Iniciei dessa forma a

construção das redes de entrevistados, procurando pessoas que pudessem narrar suas

histórias de vida na interface com as histórias do funk e do Chapéu Mangueira. Nesta

ordem mesmo, pois até a escolha de falar do baile do Chapéu Mangueira foi gestada no

processo de uma entrevista.

Meu primeiro entrevistado, pessoa que muito respeito e admiro, foi o MC

Leonardo3. A princípio queria trabalhar com a história de outro baile, mas durante sua

entrevista chegamos à conclusão que o Chapéu Mangueira poderia me dar um olhar ao

mesmo tempo específico e abrangente de como o funk tem se reinventado nas ultimas

2 Auxiliaram-me neste campo de saber: PORTELLI, Alessandro, ALBERTI, Verena, BAUMAN,

Zygmunt, BENJAMIN, Walter, MEIDA, J. R. e ROVAI, M. G. O., BOSI, Ecléa., POLLACK, Michael,

MAUAD, Ana, NORA, Pierre 3 Descrito por Mariana Gomes, ao falar da dupla de funk que faz com seu irmão Junior, como: “iniciaram

a carreira no início dos anos 90, decidiram cantar após assistirem a um show de MC Galo, de quem

tornaram-se fãs. Após vencerem nove concursos de funk, foram convidados pelo DJ Malboro para

gravarem um disco, que foi o primeiro disco de apenas uma dupla de funk (antes, os discos eram

coletâneas de músicas de vários artistas). Lançado pela Sony, o principal sucesso do disco foi o ‘Rap das

armas’, que resultou no primeiro videoclipe de funk do Brasil” (“A representação feminina do funk em

jornais populares do Rio de Janeiro”, p. 29)

8

décadas. Compositor, junto a seu irmão Junior, da música “Endereço dos Bailes”,

quando perguntado sobre a questão do fechamento dos bailes me respondeu da seguinte

maneira: -“Eu acho que o maior prejuízo não é as pessoas do asfalto não virem pra

favela. O maior prejuízo é as favelas pararem de conhecer as favelas! Os moleques da

Rocinha hoje não sabem onde fica o Borel”.

Foi uma aula de “direito à cidade” ministrada por meu entrevistado, depois dela

entendi que colocar a favela no mapa é uma faceta do funk. Fazer o sujeito poder cantar

o “seu lugar” é mérito de meninos que muitas vezes tem sua mobilidade urbana

cerceada, seja via transporte público monopolizado, seja através das barreiras

simbólicas de um país que insiste em pregar ódio à presença negra não subalterna.

A busca deste trabalho é justamente por entender como o funk, enquanto cultura

de sobrevivência, tem se apresentado como forma de resistência nas favelas cariocas a

todo tipo de opressão simbólica e física. Sobre este conceito de cultura da sobrevivência

nos ajuda na leitura a professora Adriana Facina4, quando afirma:

“(...) a cultura envolveria modos de vida permeados

de solidariedade e de estratégias para garantir direitos e

acessos aos benefícios da modernidade, como luz elétrica,

água encanada, internet e TV a cabo. A criação artística não

pode ser separada disso, pois ela é gerada pelos mesmos

valores e elabora simbolicamente práticas cotidianas do

chão dos becos que se tornam matéria-prima da

criatividade.”

A respeito do título do trabalho, a parte colocada entre aspas é trecho da canção

“Baile de Favela 3 (Versão Rio de Janeiro)”, produzida por Dennis DJ. A composição

original da música é do MC João, jovem morador da Zona Norte de São Paulo, que

encontrou o sucesso entre o fim de 2015 e começo de 2016. A música enumera alguns

dos bailes funk das periferias de São Paulo e em quatro meses teve seu clipe visto mais

de 50 milhões de vezes no Youtube5. No momento desta pesquisa os acessos ao clipe

estão em 168 milhões.

4 Sobreviver e sonhar: reflexões sobre cultura e "pacificação" no Complexo do Alemão. In: Escritos

Transdisciplinares de Criminologia, Direito e Processo Penal: homenagem aos mestres Vera Malaguti e

Nilo Batista. 1ed.Rio de Janeiro: Revan, 2014, v. 1

5 Conforme matéria:< http://g1.globo.com/musica/noticia/2016/01/baile-de-favela-muda-vida-de-mc-

joao-que-sustenta-familia-desde-os-17-anos.html> acessada em: 27/06/2017

9

A versão do DJ e produtor de funk Dennis, que se autodenomina em sua página

do Facebook como “o maior DJ e produtor do Brasil”, tem cifras de acesso no

Youtube mais modestas e tenta transportar a realidade cantada por MC João ao Rio de

Janeiro. Na letra temos:

“Em Caxias é baile de favela

Em São Gonçalo é baile de favela

No Rio De Janeiro é baile de favela

E ‘os menor’ preparado ‘tudo’ pra dança com ela! Vai!

Na Baixada é baile de favela

Em Campo Grande é baile de favela

E em Niterói é baile de favela

E ‘os menor’ preparado ‘tudo’ pra dançar com ela! Vai!

Ela veio quente hoje eu tô fervendo

Ela veio quente hoje eu tô fervendo

Que desafiar... não tô entendendo

Mexeu com o Dennis, vai ter que mostrar talento! Vai!

Na Zona Oeste é baile de favela

Na Zona Norte é baile de favela

E na Zona Sul é baile de favela

E ‘os menor’ preparado ‘tudo’ pra dançar com ela! Vai!”

A letra, se analisada com cuidado, pode ser percebida como uma ode aos bailes

que acontecem dentro das favelas, porém a mesma os canta de forma genérica e ampla.

Esta pode ser uma mera opção do produtor e do letrista, mas também pode sinalizar para

nós um ponto de fragilidade na produção cultural do funk hoje. A realização dos bailes

funk em diversos lugares do Rio de Janeiro tem encontrado diversas dificuldades, de

diversas ordens, como veremos mais a frente.

Sem correr o risco de ser anacrônica ou de traçar comparações descabidas, peço

que analisemos uma canção da dupla de MCs Junior e Leonardo, o mesmo Leonardo

que citei acima como entrevistado. Esta canção, datada da década de 1990, está

circunscrita num contexto histórico distinto, mas tem como intento enumerar bailes do

Rio de Janeiro, tal qual as canções que discutíamos a pouco. Observemos:

“É que no Rio tem mulata e futebol,

10

Cerveja, chopp gelado, muita praia e muito sol, é...

Tem muito samba, Fla-Flu no Maracanã,

Mas também tem muito funk rolando até de manhã

Vamos juntar o mulão e botar o pé no baile Dj

Ê ê ê ah! Peço paz para agitar,

Eu agora vou falar o que você quer escutar

Ê ê ê ê! Se liga que eu quero ver

O endereço dos bailes eu vou falar pra você

É que de sexta a domingo na Rocinha o morro enche de gatinha

Que vem pro baile curtir

Ouvindo charme, rap, melody ou montagem,

É funk em cima, é funk embaixo,

Que eu não sei pra onde ir

O Vidigal também não fica de fora

Final de semana rola um baile shock legal

A sexta-feira lá no Galo é consagrada

A galera animada faz do baile um festival

Tem outro baile que a galera toda treme

É lá no baile do Leme lá no Morro do Chapéu

Tem na Tijuca um baile que é sem bagunça

A galera fica maluca lá no Morro do Borel

Ê ê ê ah! Peço paz para agitar,

Eu agora vou falar o que você quer escutar

Ê ê ê ê! Se liga que eu quero ver

O endereço dos bailes eu vou falar pra você

Vem Clube Íris, vem Trindade, Pavunense

Vasquinho de Morro Agudo e o baile Holly Dance

Pan de Pillar eu sei que a galera gosta

Signos, Nova Iguaçu, Apollo, Coelho da Rocha, é...

Vem Mesquitão, Pavuna, Vila Rosário

Vem o Cassino Bangu e União de Vigário

Balanço de Lucas, Creib de Padre Miguel

Santa Cruz, Social Clube, vamos zoar pra dedéu

11

Volta Redonda, Macaé, Nova Campina

Que também tem muita mina que abala os corações

Mas me desculpa onde tem muita gatinha

É na favela da Rocinha lá no Clube do Emoções

Vem Coleginho e a quadra da Mangueira

Chama essa gente maneira

Para o baile do Mauá

O Country Clube fica lá Praça Seca

Por favor, nunca se esqueça,

Fica em Jacarepaguá

(...)”

À época da composição desta música havia um costume geral de se fazer, nos

“festivais de Galeras”6, canções que cantassem os bailes. E isto fez com que inúmeras

favelas fossem “colocadas no mapa” da cidade. Hoje, os jovens MCs não tem tanto

apelo para cantar desta forma, o tempo da canção é outro. No entanto, nos interessa

entender se seria possível a um MC nos dias de hoje criar uma canção, no Rio de

Janeiro, enumerando os bailes funk com tanta facilidade. Os bailes hoje estão

acontecendo nas favelas com regularidade temporal e espacial? Esta é mais uma das

discussões deste trabalho.

Para não mais alongar-me nesta introdução pretendo mostrar de que forma os

capítulos estarão dispostos. Serão três capítulos: no primeiro a ideia é contar um pouco

da história do local, discutir como o Chapéu Mangueira se consolidou e foi cenário para

que o baile em questão acontecesse; o segundo capítulo analisa a história do baile e

pretende problematizar os desafios para que o baile pudesse continuar a acontecer até os

dias de hoje; já a terceira parte deve nos trazer mais para os dias atuais e para a

compreensão das novas configurações que o baile tomou. Desejo apontar algumas

questões mais abrangentes e compreender qual é a situação colocada hoje para o funk.

6 Momentos de bailes, na década de 1990, conhecidos por gincanas e competições no palco entre

aspirantes a MC que mostravam suas composições.

12

O CHAPÉU MANGUEIRA

No dia em que fui conhecer o baile do Chapéu Mangueira – 12 de novembro de

2016 – havia marcado, para o mesmo dia, uma entrevista com uma pessoa de grande

importância para o evento. Digo isto com certo acanhamento, pois, na época, meu

trabalho de pesquisa estava pouquíssimo desenvolvido e eu não tinha a precisa

dimensão da importância dessa pessoa para a história do funk no Chapéu Mangueira.

Consultando o acervo jornalístico posteriormente, pude perceber que recorri a uma

pessoa que viveu o baile na sua multiplicidade de emoções. O meu entrevistado foi Ivan

Esteves Costa, autoproclamado como “um dos idealizadores” do baile, morador do

Chapéu Mangueira há 55 anos, e único presidente a ser campeão com o bloco

Aventureiros do Leme7. Ele me disse uma frase e eu pretendo que ela norteie esse

trabalho, em dado momento ouvi do meu entrevistado: “- Cada baile é um baile, a

história da comunidade é a história do seu baile.”

Fiquei com essa inquietação, e a cada ida ao Chapéu Mangueira entendia que

são histórias realmente indissolúveis. Não teria jeito, era necessário percorrer os tempos

da ocupação do morro, era preciso entender a alcunha de Chapéu Mangueira, era

preciso saber mais sobre o local que o funk havia me levado desta vez. Devo dizer

também que, do meu lugar de moradora de Santíssimo, na Zona Oeste do Rio de

Janeiro, que não conhecia nem Leme, nem Chapéu Mangueira, conhecer os dois no

mesmo dia foi uma experiência e tanto. Era um dia bastante ensolarado, e a cena do

encontro de uma senhora, acompanhada de seu filho, com um grupo de mais de dez

garotos do Chapéu Mangueira caminhando em grupo com suas pranchas de bodyboard

parecia um presságio de tudo que eu viria a estudar dali em diante. Altivez e medo, de

ambos os lados, me fizeram compreender que as barreiras simbólicas de um favelado da

Zona Sul eram outras que não as minhas, e eu estava também vencendo as minhas

naquele momento.

Em busca de dados “oficiais”, produzidos pelo Estado do Rio de Janeiro, acabei

deparando-me com um material chamado “Plano histórias e memórias das favelas”,

7 O bloco tem longa história no morro e nasce da necessidade de se brincar o carnaval. Conforme as

entrevistas mostram, o bloco cai no esquecimento durante alguns anos e depois consegue voltar a disputar

o carnaval de rua nas mais nobres divisões. A renda do baile é parte dessa reinserção do Bloco no

carnaval

13

divulgado em 2013, como fruto de um programa8 da UPP. Um dos locais escolhidos era

o Chapéu Mangueira, que segundo o documento, comemorava em 2013/14 o Centenário

de ocupação. Há o relato de que muitos militares atuavam na área do Forte do Leme e

na construção do túnel que ligaria Botafogo e Leme, muitas famílias eram oriundas de

locais como Minas Gerais, Ceará, Pernambuco, Paraíba, Espírito Santo, e resolveram

firmar residência no Morro da Babilônia. A questão era estar perto do trabalho, fosse ele

as forças militares, fosse o cuidado de casa da ainda incipiente vizinhança do Leme, ou

mesmo as fábricas.

O documento faz questão também de mencionar que a área era propriedade

privada e foi ocupada por “moradores ligados a movimentos de esquerda”. Associa este

fator ao engajamento futuro nos mutirões que viriam a dar vida e sociabilidade ao

morro. Ressalta o pioneirismo dos mutirões em construir a Associação de Moradores, o

Posto de Saúde, a Creche e outros espaços. Finalizando a parte destinada ao Chapéu

Mangueira, explica a origem do nome, que nos remete a esperança de implantação de

uma Fábrica de chapéus – A Fábrica de Chapéu Mangueira – que nunca viria a

acontecer.

Era importante saber mais, fui então até a Associação de Moradores. Consegui

fazer uma entrevista muito proveitosa com o atual presidente, mas não tive acesso a

qualquer material que pudesse ajudar a entender o Chapéu Mangueira além desta. E eu

entendo que tenha sido assim, estamos falando de uma favela que há anos tem seu

passado estudado e desvelado por inúmeros cientistas, e nós muitas vezes, somos pouco

responsáveis no retorno das informações para os principais interessados. Saí de lá com a

informação de que eu deveria ir atrás de um estudo chamado “Versão do Passado”,

realizado em parceria com a FACHA9.

Não posso deixar de lembrar e agradecer aqui ao meu principal cicerone em toda

esta jornada, pessoa que “botou fé” no meu trabalho e não me subestimou em momento

algum. Realmente, um amigo que levo, seu nome é “Dinei”, um ilustre Medina do

Chapéu Mangueira. Ele também me indicou o trabalho “Versão do Passado”. Nossa

entrevista foi gravada em uma lan house do Leme e neste primeiro momento ele já me

mostrou vídeos e fotos que foram muito úteis na tentativa de contar essa história. Com

relação a estes materiais da FACHA posso dizer que também não fui muito bem

8Programa Territórios da Paz, criado em novembro de 2010 pelo governo do Estado do Rio de Janeiro no

âmbito da Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos (SEASDH) e da Superintendência de

Territórios (SuTer) 9 Faculdades integradas Hélio Alonso

14

sucedida. Ao falar com a bibliotecária da faculdade descobri que o laboratório que geriu

o projeto não mais existia, o NECC10, e que muitos dos documentos não estavam mais

lá, haviam sido levados quando do fim do laboratório por pesquisadores. Tive acesso a

alguns DVDs que contavam a história de projetos como a “TV Chapéu” e a rádio

comunitária ainda em gênese. Uma entrevista do projeto está disponível na internet, e

só. Nos últimos momentos da pesquisa encontrei um trabalho intitulado

“Documentação Audiovisual: Instrumento de Construção de Memória da Favela do

Chapéu Mangueira”11. O trabalho se destina justamente a analisar o material do projeto

“Versão do Passado”. Através dele pude ter acesso também aos documentos da

Associação..

Por meio das minhas buscas no acervo de O Globo conheci a obra de Celeida

Tostes e entendi sua trajetória no local em questão. Encontrei em seguida dois livros

dedicados a sua vida e neles a história do Chapéu Mangueira estava narrada de certa

forma. Posso dizer que são estas as bases que me sustentam para analisar essa história.

Em toda a minha trajetória a vivência que havia tido com favelas estava restrita

as favelas planas. A engenhosidade da ocupação de um morro se revela pra mim no

momento desta pesquisa. A disposição das senhoras subindo inúmeros degraus, o

movimento dos mototaxistas pra cima e pra baixo, os meninos descendo o “escadão”

com suas pranchas como se quisessem voar e a torrencial água da chuva descendo com

a terra barrenta me faziam pensar que aquele era um local que eu não sabia ser possível.

Agora, imagine você, pensá-lo 70 anos atrás.

Neste processo me auxiliou uma fala, que encontrei no livro Celeida Tostes,

mais especificamente no capítulo intitulado “Breve neste local, Fábrica de Chapéus

Mangueira”12. A fala era de D. Augustinha, ou Maria Augusta do Nascimento Silva,

importante liderança comunitária que chega aos 17 anos no morro, em 1955, vinda do

sertão da Paraíba. Em seu relato ela diz:

“Tinha uma terceira subida, pelo Leme Tênis Clube, que era

em um caminho no meio da mata, um caminho de pedras. Como nas

histórias dos desenhos, a gente botava o pé numa pedra e tinha que

ter cuidado para não escorregar na próxima em que ía pisar. Achei

aquilo muito estranho: barracos de madeira, muitos cobertos com

10 Núcleo de Educação e Comunicação Comunitária 11 Tese de mestrado apresentada por Ana Cristina da Conceição Arruda ao Progrrama de Pòs Graduação

em Memória Social e Documento, da UNIRIO, em 2006 12 Capítulo escrito por Raquel Silva no livro Celeide Tostes

15

lata e com zinco. Não havia água nem caminho. Tinha um rapaz que

carregava água para a gente. Carregava em galão, naquela balança

que tem uma lata na frente e outra atrás... O fogão era de lenha, a

gente não tinha fogão a gás. Havia aquele fogãozinho jacaré,

cozinhávamos com querosene. As casas era (sic) de estuque, pau a

pique e cobertas com telhas. No chão havia umas madeiras

compridas. Existem casas que ainda mantem essas madeiras, e as

casas eram pequenas, só tinham quarto, cozinha, sala e um banheiro.

Eu dormia na sala.” (D. Augustinha, fundadora e

coordenadores do Galpão de Arte do Chapéu

Mangueira.13)

Aos poucos fui chegando cada vez mais perto dos relatos de moradores que

ocuparam o morro no período posterior a década de 1940 e pude tornar essa narrativa

mais tangível. A construção do túnel do Leme, ou túnel novo, viria para ligar mais

coisas que Pereira Passos pensava estar ligando no momento. Neste momento, estava o

Leme para sempre ligado ao Chapéu Mangueira, para além dos laços laborais,

construía-se no momento um laço territorial que nunca viria a se desfazer. O momento

da construção da via de acesso remonta o ano de 1906, mas é inegável que o maior

adensamento populacional ocorre somente nos anos 1940, com a chegada dos migrantes

de diversos estados, em busca de sustento. A placa da fábrica estava já afixada no morro

e o nome ficou. Um jornal na década de 1950 já se refere a “Chapéu Mangueira” como

“um ponto do morro do Leme”14.

E as páginas do jornal O Globo nos anos 1950 pareciam já demonstrar quais

seriam as pautas preferenciais destinadas ao morro do Leme: violência (“Presos os

assaltantes do morro do Leme”15), deslizamento de terras (Até agora nenhuma

providência para evitar que a pedra caia”16) , luta contra despejos (“Núcleos coloniais,

na Baixada Fluminense para os favelados”17) e assistencialismo protagonizado pela

13 Entrevista concedida a Raquel Silva em 05/04/2006

14 12/03/1953, Matutina, Geral, p 3

15 12/03/1953, Matutina, Geral, p 3

16 25/06/1956, Vespertina, Geral, p 6

17 29/29/1955, Matutina, Geral, p 6

16

Igreja Católica (“Festival Popular no Leme”18). É interessante observar que os

moradores do morro são apontados em alguns momentos como “gente ordeira”. Ainda

que o morro seja o local de onde viriam “os marginais”. A década seguinte também

trabalha muito com este binarismo. Mas voltemos aos aspectos históricos do Chapéu

Mangueira.

É interessante observar como a memória dos episódios de tentativas de remoção

ou despejos é bastante viva, mesmo na narrativa de pessoas que não foram diretamente

afetadas por eles. O presidente da Associação de moradores – Luis Alberto de Jesus

(Beto) – quando perguntado o que havia o levado a ocupar este cargo hoje, afirmou que

sempre gostou de participar de reuniões comunitárias e:

(...) o que nos faz estar engajado nisso é que nós

tínhamos sempre um temor de uma remoção da nossa

comunidade. E se a gente não se unir a gente acaba

perdendo realmente o nosso espaço, porque já aconteceu, já

retiraram algumas famílias. Hoje eu acho que o risco é um

pouco menor, mas eu creio que zero não seja. Mas a gente

tem que tá ali acompanhando tudo, até porque nós estamos

numa área privilegiada. As comunidades da Zona Sul estão

numa área privilegiada. E, por estar numa área privilegiada

incomoda muita gente.”

Três questões presentes na fala acima valem nosso olhar mais atencioso: o uso

do vocábulo “comunidade” para se referir ao lugar em que vive; a questão da

remoção19; e o incômodo causado pelas favelas localizadas na Zona Sul20. Em relação

ao primeiro ponto, percebi nas entrevistas que realizei, que os que moravam por mais

tempo no Chapéu Mangueira optavam por usar o termo “comunidade” e alternavam seu

uso com o do termo “favela”. Já os moradores mais novos optavam pelo uso apenas de

“favela”, o que talvez seja fruto dos diversos movimentos de militância que lutaram pela

positivação do termo e pelo empoderamento dos sujeitos e grupos sociais que habitam

as favelas.

18 06/10/1959, Matutina, Geral, p 2 19 “Garis não saem do Leme e remoção continua hoje” – 04/12/1970, Matutina, Geral, p 3 20 “A favela Chapéu Mangueira, situada no Leme, não será removida para o conjunto Porto Velho, porque

os seus 200 barracos estão colocados em locais invisíveis para quem olha de qualquer parte de

Copacabana. As favelas da Babilônia, 15 braços, Santa Teresinha e São João estão sendo removidas

primeiro porque ficam em locais bem visíveis” – 04/12/1970, Matutina, Geral, p 3

17

A questão da escolha lexical, especificamente no Chapéu Mangueira, carrega um

pouco mais de significados do que a simples influência da Igreja Católica

historicamente já conhecida. Aqueles que se ocuparam em compreender a história das

favelas no Rio de Janeiro já se depararam com o momento da entrada da Igreja Católica

e o desejo de ressignificação do conceito favela. O desejo de fazer corrente o uso da

definição “comunidade” vinha da vontade de tirar o ar pejorativo que a expressão favela

carregava, como a associação com a violência e a carência.

No entanto, no Chapéu Mangueira pode-se perceber que o acionamento de

memórias de uma vida em comum, de uma luta coletiva por sobrevivência, dos

mutirões, ajuda com que lideranças comunitárias optem pelo uso do termo em questão.

E é justamente o evocar do passado que nos leva ao próximo ponto. Ao ler o trabalho

que acima citei, que trata do projeto “Versão do Passado”, encontrei um parágrafo que

traduzia o que eu percebi em todas as entrevistas que realizei:

“Diante de tamanhas dificuldades, imaginamos

encontrar narradores cansados de tanta luta e esforço para

melhorar as condições do local de moradia. Ao contrário

dessa expectativa, deparamo-nos com pessoas felizes, mas

muito saudosistas dessa época; são unânimes em afirmar que

essa fase, apesar das dificuldades, era melhor que os dias de

hoje, em que a luz elétrica chegou para todos, os caminhos

de acesso à favela estão abertos e cada residência tem seu

botijão de gás.”

É muitíssimo valioso ter esse olhar voltado ao passado, pois sabemos que as

histórias que são contadas a respeito das lutas dos trabalhadores quase sempre são

contadas na ótica que não os pertence. Sermos narradores dos nossos feitos é uma

conquista e os moradores mais antigos do Chapéu Mangueira já compreenderam isto. A

questão é: olhar pra trás com orgulho é olhar pra frente com desdém? As lutas que estão

sendo tocadas hoje estão sendo valorizadas e reconhecidas? Na minha percepção há um

equilíbrio, as pessoas, apesar de muito saudosistas de um passado de uma vivência

comunitária maior, conseguem entender as novas iniciativas e endossam as iniciativas

novas.

Sobre o episódio de remoção, ouso dizer que essa seja ainda uma grande

preocupação dos moradores, vide as inúmeras cartas de leitor do jornal O Globo

lamentando a não remoção da favela ou exigindo que a mesma seja realizada. E não,

18

não estamos falando de cartas enviadas ao jornal na década de 1980, estamos falando de

2005, por exemplo:

“No Leme, por exemplo, a favela do Chapéu

Mangueira, que ficava escondida atrás dos edifícios, agora

pode ser vista de qualquer ponto da orla de Copacabana. A

cada dia surgem mais barracos e mais vegetação é

devastada. Está perto de virar um Vidigal. Por onde anda o

Ministério Público de Meio Ambiente? Por que será que só

abrem processos administrativos, com participação do Ibama

e da Feema, para investigar reformas ou construções de

mansões em Angra dos Reis?”21

É obvio que esta carta de leitor nos dá uma caricatura de um morador do Leme e

que nem todos estão imbuídos destes mesmos pensamentos. O jornal tem um editorial

claramente voltado a um perfil de moradores do Leme e é interessante perceber que este

perfil não se faz de rogado ao clamar, inúmeras vezes, a remoção de uma favela vizinha

a sua área de moradia. Relatos como “Não são os moradores do Morro do Chapéu

Mangueira que pagam um IPTU caro, somos nós! O bairro nem parece que está na

Zona Sul, encravado numa área turística e cercado de hotéis”22 não são raros.

É interessante observar que, ao estudar a forma como o neoliberalismo atinge as

favelas, temos a definição de que é necessário construir um inimigo em comum. O

paradigma bélico, que tem inclusive justificado a ocupação dos morros pelo exército,

tem a necessidade ideológica de criar um inimigo comum para ser alvo de políticas de

extermínio e movimentar a lógica de guerra e seus mercados poderosos.

Ao lermos os jornais no decorrer de décadas podemos perceber esta mudança de

inimigo comum. Antes ele estava na figura do comunista, do terrorista e hoje centra-se

na figura do “traficante” de drogas, que mais honestamente podemos chamar de

varejista da droga, vide seu papel verdadeiramente secundário na questão da

comercialização de entorpecentes. O fim da Guerra Fria faz com que a dicotomia entre

nós x eles de Capitalismo x Comunismo dê lugar, especialmente na América Latina, ao

nós x eles figurado pelo autointitulado “cidadão de bem”, trabalhador honesto x

“traficante”, que invariavelmente tem a cor e classe social não aleatoriamente escolhida.

21 25/12/2005, Matutina, Opinião, p 6 22 08/02/2007, Matutina, Opinião, p 6

19

Em uma notícia de 195623, podemos ver a figura do líder religioso D. Helder

Câmara convocando moradores de favelas, entre os quais estavam os do Chapéu

Mangueira, para o Congresso de Representantes de Favelas. O líder definia o encontro

como “(...)uma ponta de lança democrática em redutos que os comunistas imaginaram

lhes pertencessem”. Ainda em 196424, podemos ver os moradores do morro do Chapéu

Mangueira definidos como: “(...)pessoas pacatas e trabalhadoras que pouco trabalho

dão as autoridades policiais”, estes são colocados em contraposição a “uma juventude

de playboys e filhos de papai rico que vem fazer toda sorte de arruaça durante as

madrugadas em prejuízo da pacata população do bairro”.

As décadas de 1980 e 1990 são marcadas por notícias como “Caçada a

traficantes na Zona Sul: três presos em 20 hores de cerco nos morros”25 e aos poucos,

vai se formando um estereótipo do traficante – geralmente, “jovem negro, funkeiro,

morador de favela, próximo do tráfico de drogas vestido com tênis, boné, cordões,

portador de algum sinal de orgulho ou poder e de nenhum sinal de resignação cenário

de miséria e fome que o circunda”, como nos diz Orlando Zaconne26.

No próximo capítulo retomarei alguns dos aspectos do neoliberalismo para

entendermos o modo como ele incide sobre o local e prática cultural estudadas neste

trabalho. No momento, peço que nos voltemos ao momento de construção do Chapéu

Mangueira. Não poderia escrever esta história sem falar de duas figuras femininas muito

citadas nos relatos dos primeiros moradores: Dona Marcela e Dona Renné Delorme.

Na entrevista do projeto “Versão do Passado” que se encontra no “youtube”,

temos a figura do Gibeon de Brito, importante líder comunitário que foi presidente da

associação de moradores por três gestões. Nela ele afirma: “A gente não segue mais o

nosso padrão comunitário” e fala sobre como era o Chapéu Mangueira de antigamente.

O entrevistado chega ao morro com 4 meses, vindo da Paraíba, no ano de 1954. Nos

DVD’s do projeto, que consegui ver na biblioteca da FACHA, fala sobre a importância

da Dona Marcela, “uma semianalfabeta”, que realizou a alfabetização no Chapéu

Mangueira.

Diversas gerações foram alfabetizadas por Dona Marcela, o atual presidente da

associação lembra que a creche que eles tem hoje, construída em regime de mutirão,

recebe o nome de Dona Marcela por conta de sua dedicação sem igual. Afirma ele:

23 29/12/1956, Matutina, Geral, p 5 24 23/06/1964, Matutina, Geral, p 15 25 08/05/1980, Matutina, Rio, p 18 26 Acionistas do nada: Quem são os traficantes de drogas (p. 21)

20

“Mesmo sem grande leitura, mas funcionava como a

creche que a gente vê hoje, porque nossas mães iam

trabalhar e ela ficava ali com a gente, alfabetizando,

ensinando. Os ensinamentos básicos dela eram mais voltados

pros princípios básicos da família, da educação familiar. Ela

não tinha formação, mas ela ensinava as coisas, naquela

época ela fazia um trabalho com a gente de agregar todo

mundo pra que a gente pudesse viver em coletivo.”

Já a história da freira francesa Renné Delorme se encontra com a dos moradores

do Chapéu Mangueira no fim da Segunda Grande Guerra, quando ela vem para o Brasil

em missão, junto com freis dominicanos. As moradias na década de 1950 eram mais

esparsas no território, e isso influenciava também na sociabilidade da comunidade,

falava-se com quem morava mais próximo e só. Dona Renné estimula o encontro de um

grupo de moradores, dentre os quais está a figura de Sr Lucio, e este grupo passa a

reivindicar água, luz, melhores acessos ao morro, etc. Grande parte dos relatos afirmam

que o espírito comunitário que eles tiveram foi a Dona Renné quem incentivou a ter.

A sede do posto médico, ainda de madeira, ganha estrutura de concreto graças

aos mutirões convocados por Dona Renné, “possuidora de um caráter disciplinador,

ela batia na porta dos barracos, convocando os homens para trabalhar e as mulheres

para preparar a comida.”27 A reforma do posto começa no ano de 1983 e termina em

1986, segundo os jornais. Mas os depoimentos mostram que a atuação de Dona Renné

não parou por aí.

A associação de moradores também é criada neste momento de união por

melhorias, os moradores tem orgulho de contar que a associação de moradores do

Chapéu Mangueira, criada em 1960, foi a primeira a ser reconhecida fora da

comunidade como uma instância deliberativa. Sr Lucio conta que Dona Renné percebeu

nele uma figura que sabia ponderar nas tomadas de decisões e o incentivou a compor

inicialmente uma junta administrativa e posteriormente a ser o presidente da associação

de moradores.

A cultura política fomentada com a associação de moradores e a atuação da

mesma junto à Faferj 28pode ser vista como um dos fatores que explicam por exemplo o

surgimento de Benedita da Silva, secretária atuante da associação e futura ministra de

27Documentação audiovisual: instrumento de construção da memória da favela do Chapéu Mangueira

(p.26) 28 Federação das Associações de Favelas do Estado do Rio de Janeiro

21

Lula. Este é um exemplo de lutadora que teve sua vida e história contadas oficialmente,

mas não podemos deixar de mencionar os diversos lutadores que o Chapéu Mangueira

formou e que nem sempre são laureados como deveriam.

Como afirma Raquel Silva:

“(...) A representação institucional cumpriu seu

objetivo de facilitar o diálogo com o poder público e de

beneficiar a comunidade com melhorias urbanísticas,

instalações elétricas e hidráulicas. Contudo, foi a prática dos

mutirões, implantada pelos religiosos, que ao longo do tempo

acabou responsável pela construção da Capela Nossa

Senhora das Graças, do Galpão de Arte, do Posto de Saúde,

da escolinha D. Marcela, da sede do grupo de escoteiros, da

quadra de esportes, do bloco carnavalesco Aventureiros do

Leme e da Assembleia de Deus. A organização da

comunidade foi fundamental para impedir o projeto do

governo militar de desocupar toda a área, na década de

1970”29

As imagens dos mutirões acima narrados estão disponíveis no anexo (figura I) e

(figura II)

Dona Augustinha (Maria Augusta do Nascimento Silva), Dona Henriqueta,

Dona Djanira, Bola (Aguinaldo dos Santos Bezerra), Tia Percília, Dona Marcela, Beto

(Luis Alberto de Jesus), Lafaiete J Medina, Miltola, Sr. Lucio (Lucio de Paula Bispo),

Gibeon de Brito Silva, Alfriza Rodrigues de Souza, Benedita da Silva, Dona Maria

Martins, Dona Maria de Fátima, Jorge Anum, Marquinho, Dona Maria José, Dona

Efigênia, Dona Dionita, Hermes Isidoro, Dona Marcília, Álvaro Maciel, Dona Filinha

(Maria da Conceição Ferreira Pinto), Geraldo Jesus, Ivan Esteves Costa, entre outros

são aqueles que Artur da Távola descreveu em sua crônica “Saudades do Leme onde o

sol toma banho de mar” através do verso: “Saudade da turma do Chapéu Mangueira,

gente boa e dos líderes de comunidade do morro em seu esforço de mudar o mundo.

Ninguém sabe quanto luta um líder de morro contra o enorme preconceito social que é

marca estranha e injusta de nosso país”. A todos esses este trabalho é dedicado.

Porém, devemos reconhecer que o trabalho da atual juventude não é dos mais

fáceis! Na análise dos jornais é perceptível que os anos 1990 mudam bastante a

abordagem voltada ao Chapéu Mangueira, especialmente no que tange aos efeitos do

29 Celeida Totes, Marcus de Lontra Costa e Raquel Silva (p. 177)

22

baile funk na vida dos moradores do Leme. No segundo capítulo pretendo trabalhar a

década com mais cuidado ao tentar contar a história do baile. No entanto, os anos 2000

seguiram operando na lógica do exotismo e da criminalização para se referir a esta

favela.

Na minha primeira ida ao Chapéu Mangueira tive que ficar na associação um

tempo esperando um entrevistado meu, e confesso que fiquei surpresa com o que vi. O

prédio da associação fica de frente pra uma espécie de espaço vazio que é a intersecção

de outros prédios onde existe aula de reforço e outros projetos. Estava tendo uma aula

de alguns instrumentos musicais e a minha espera, e conversa com um senhorzinho

muito simpático30, que depois descobri ser vice-presidente da associação, se deu ao som

de flautas.

O Chapéu Mangueira é uma favela com muitos projetos e isso não é sempre

fruto de intervenções externas. Hoje mesmo a cada pesquisada em redes sociais que

envolvem a favela descubro campeonatos de futebol, encontros da Velha Guarda, entre

outros. As novas gerações mostram-se, a sua maneira, muito afinadas com os

sentimentos de coletividade e cuidado com o lugar em que vivem.

No decorrer das décadas, com a análise das matérias de jornal, pude identificar

uma infinidade de projetos, dentre eles: “Mania de Saúde”, “Mutirão pela Paz”, “Viva

Rio”, “Natal Solidário”, “Mutirão Reflorestamento”, “Balcão de Direitos”, “Dançando

para não dançar”, “Luta pela pacificação”, “Clube da Memória”, “Ame a criança”,

“Projeto ciclovia”, “Projeto Rios de História”, “UPP Verde”, “Comunidades

Sustentáveis”, “Morar Carioca”, “UPP Solar”, “PAC”, “UPP Social”, “Morar Bem”,

“FLUPP”, etc.

Sabemos bem que cada projeto carrega uma ideologia e pensa o jovem morador

de favelas de uma forma, muitos destes tem como justificativa para estar no Chapéu

Mangueira a ideia de tirar meninos de um caminho “do mal”, evitar com que se tenha

tempo livre e achar nas drogas um modo de vida. Fazem uso utilitarista da cultura e do

esporte. Não são todos os que tem essa postura, felizmente. E os moradores, de certa

forma, conseguem extrair o melhor desses projetos.

Alguns aspectos de todo o processo de construção do Chapéu Mangueira como o

conhecemos me chamaram atenção, sobretudo os que estão relacionados aos

movimentos culturais. Três momentos me pareceram importantes para a sociabilidade

30 Haroldo, só sei o primeiro nome

23

jovem no local: o Bloco Aventureiros do Leme, o time de futebol Embalo e a banda

Renascer.

Com relação à Banda Renascer, tenho pouca informação. Nas fontes

jornalísticas ela está apresentada como “banda reggae renascer”, e tem uma matéria

sobre sua trajetória intitulada como “Garotada do morro adere ao samba-reggae”31. A

matéria começa com a seguinte frase: “Desde que trocaram o grito de guerra pelo

gingado do samba-reggae, 23 crianças do Morro do Chapéu Mangueira, no Leme, não

sonham mais com revólveres e violência”. A matéria explica que o grupo era formado

por meninos que tinham dos 6 aos 16 anos e que se chamava ainda “Resistência

Mirim”. Coloca a trajetória do grupo, que já havia se apresentado no Circo Voador, e

explica que foi uma parceria de um agente externo que atendeu ao apelo de Benedita.

Explica que os componentes participam também do bloco Aventureiros do Leme.

Nos DVDs produzidos pela FACHA encontrei algumas imagens da Banda

Renascer ensaiando na quadra e entrevistas com os vocalistas do grupo. Eles

mencionam também o apoio de Benedita e falam que a ideia é “tirar os jovens do mau

caminho através da música baiana”. Informam-nos que o grupo tem 25 componentes e

falam do desejo de criar um bloco. Contam que no começo tiveram o auxílio de Almir

do Borel e que neste momento usavam os instrumentos do bloco Aventureiros do Leme.

Comentam porém que no momento já tinham seus próprios instrumentos e que não

tocam “só afro, mas samba, pagode”.

Sobre o time de futebol temos no depoimento de Gibeon ao projeto “Versão do

Passado” a informação de que haviam 4 times, mas que o único que permaneceu

existindo foi o “Embalo”. O time reunia jogadores do Chapéu Mangueira e da Babilônia

e passou a disputar apenas o campeonato de futebol de praia. E a história do Embalo em

dado momento se confunde com a história do bloco Aventureiros do Leme. Para não

haver confusão, é importante ressaltar que o “Embalo” é fundado em 1966.

Segundo o entrevistado, certa vez uma liderança comunitária convocou os

meninos do time para ajudar em um mutirão e ouviu deles que por mais que eles

ajudassem a trazer a água pra favela, nunca eles conseguiriam ter um espaço de lazer no

Chapéu Mangueira. É quando é criado o Bloco Aventureiros do Leme, como uma

alternativa de lazer que permitisse que os jovens do Chapéu Mangueira não precisassem

mais se deslocar aos clubes do subúrbio em busca de lazer. Gibeon afirma que a Black

31 25/03/1991, Matutina, Jornais de Bairro, p 36

24

Rio fazia um grande sucesso no subúrbio e a Discoteca dominava as boates da Zona

Sul.

Nas notícias de jornal sobre o “Embalo” podemos ter a dimensão de como a

areia da praia era uma arena de disputas para além do momento dos desportos. As

tentativas de criminalização não são raras. Em notícia do ano de 1994, podemos ver que

uma notícia que diz que as “turmas ou galeras” estão “delimitadas pelos times de

futebol de praia”32. Em 2003 a chamada era: “Territórios dominados na areia:

Gangues de favelas demarcam áreas nas praias, onde fazem arrastões e badernas”33.

Em 1985 temos a seguinte declaração no jornal: “O pessoal do asfalto achava

que o nosso time era só de marginal e um foco de tumulto, brigas. Mas conseguimos

provar que não era nada disso. Nós queríamos era ganhar o título e modificar essa

imagem negativa”34. No entanto, em 2008, o jornal O Globo, faz uma matéria de folha

inteira com o título “Capitães de Areia”35, e nela tenta positivar a experiência dos

campeonatos de futebol de areia na Zona Sul. Nela cita o “Embalo” da seguinte forma:

“Espaço democrático por natureza, a praia acolhia os times do morro, como o Embalo,

formado por jogadores do Chapéu Mangueira e Babilônia. Os mais antigos costumam

dizer, sem preconceito: quando aquela equipe descia, a temperatura do jogo subia”.

O bloco Aventureiros do Leme, como já foi dito, nasce em 1978 e movimenta a

vida cultural do Chapéu Mangueira. Em matéria de 1970, Dona Marcília, cita dois

blocos como precursores no Chapéu Mangueira e Babilônia: o Recanto do Sul e o Bloco

da Chapinha. Não consegui coletar muitas informações sobre eles, mas achei

interessante perceber que já na década de 1970 as movimentações culturais do morro

estavam criando seus meios.

Em matéria de 198536, temos a seguinte informação sobre o bloco: “O bloco foi

fundado em 1978, quando, no domingo de carnaval, a bateria do Morro da Babilônia

cruzou com a do Chapéu Mangueira na escadaria de acesso ao morro. Os surdos e

cuícas se afinaram batendo no mesmo ritmo e o samba uniu passistas dos dois morros,

acabando com a velha rivalidade entre as duas comunidades”.

No entanto, ao realizar minha entrevista do Ivan, presidente do Aventureiros do

Leme por anos, ele me explicou que: “O Aventureiros existia desde a minha mãe. O

32 09/01/1994, Matutina, Rio, p 14 33 23/11/2003, Matutina, Rio, p 22 34 24/07/1985, Matutina, Jornais de Bairro, p 1 35 26/10/2008, Matutina, Esportes, p 68 36 04/02/1985, Matutina, Jornais de Bairro, p 10

25

Aventureiros é centenário. Eu fui o milésimo presidente!”. Foi então que recorri

novamente ao acervo do O Globo em busca de notícias sobre o bloco e encontrei uma

outra matéria de 198537 que dava uma explicação mais detalhada sobre a origem do

mesmo: “‘Cria’ do Chapéu Mangueira, como se define, Isidoro teve a ideia de fundar o

Aventureiros em 1963 e de escolher o azul e o branco para as cores do bloco (...)

Durante alguns anos, porém o bloco caiu no esquecimento só voltando a ter apoio

popular no final da década passada”, provavelmente o 1978 que vemos citado como

fundação. Em 1979, o bloco volta disputando no 10º grupo, que desfilava em Campo

Grande, e em sete anos de competição chega ao 3º grupo, no ano de 1986. Mais afrente

veremos que o bloco consegue se sagrar campeão na década de 1990 com influência da

renda gerada pelo baile funk do Chapéu Mangueira.

Decidi pegar esses três exemplos de manifestações culturais do morro pra

entender de que forma os saberes eram partilhados e em que contexto poderia surgir o

baile com as proporções que ele tomou no morro do Chapéu Mangueira. Duas matérias

jornalísticas separadas no tempo por 17 anos, a primeira de 1967e a segunda de 1984,

apresentam espanto diante da produção de cultura no morro e acho interessante analisa-

las sob o ponto de vista de uma compreensão que entende que existe o lugar da arte

fazer-se, e que obviamente este lugar não é uma favela.

A primeira notícia tem como título: “Cantor de Samba é Agora de Ópera”38.

Ela narra a trajetória de um morador do Chapéu Mangueira que tem 32 anos e é “ex-

ajudante de pedreiro e ex-boemio”. O sujeito era compositor e cantor de sambas, mas

nenhum sambista queria gravar seus sambas o que o motivou a procurar uma aula de

canto. Nestas aulas aprendeu que “sua voz era boa, mas precisava ser educada” e

“para seu desconsolo sua voz foi ficando cada vez menos adequada ao samba”. O final

da história coloca o cantor com uma trajetória bem sucedida, visto que ele faz um

concurso público “para o mais importante teatro lírico do país” e passa. Na descrição

da rotina de estudos a matéria ressalta que a casa no Chapéu Mangueira não é um

ambiente propício ao estudo da música, visto que ela é “pequena e humilde, e fica

parecendo um elevador lotado quando os sobrinhos vão ouvi-lo tocar violão”

Ao abordar essa notícia não desejo fazer com que meu leitor ache que todo

morador de favela na década de 1960 que gostaria de trabalhar com arte deveria ter

como horizonte a vida boemia e o samba. Acho ótimo que outros caminhos tenham se

37 04/11/1985, Matutina, Jornais de Bairro, p 6 38 09/10/1967, Vespertina, Geral, p 17

26

revelado da vida desse indivíduo, a questão é o modo como as coisas se dão. Há uma

nítida necessidade de disciplinamento durante toda a narrativa, dos anseios profissionais

as cordas vocais tudo passa por um processo de reeducação. Portanto, a mensagem que

o jornal traz é que a produção artística na favela é uma exceção e precisa ser lapidada

por um professor de fora da favela. Cria a ideia da necessidade de um lugar idílico para

que haja a fruição da arte, o que sabemos ser uma retórica elitista

A segunda matéria recebeu como título: “Hugo, ritmista de bloco, fatura

sucesso na Noruega” 39 e afirma que “Novos horizontes estão se abrindo no Chapéu

Mangueira”. A narrativa conta a história de um jovem ritmista de 14 anos que

conseguiu a proeza de excursionar pela Noruega e sair na capa de diversos jornais de

Oslo. A oportunidade de crescimento se dá quando o menino encontra no carnaval um

grupo de músicos noruegueses que foram ao Chapéu Mangueira assistir ensaios do

Aventureiros do Leme. “Hugo cativou logo os visitantes com seu repinique”, diz a

matéria.

Na continuidade a matéria afirma: “Hugo não é ambicioso. Confessa que não

teve intenção de faturar quando aceitou fazer a viagem. Ainda assim trouxe de volta

650 dólares e presentes para a família. Roupas novas, tênis, jogos de copos de cristal,

dois relógios de pulso, e ainda, os irresistíveis walkman e jogos eletrônicos”.

Prosseguem comentando que os noruegueses pagaram um tratamento dentário para o

menino e conta a história difícil da mãe de Hugo e seus 4 irmãos. E finaliza com o

“Apesar da chance que se abriu, nosso garoto tipo exportação voltou a levar a vida de

sempre” e relata que o menino continua no anonimato em nível local, apesar da fama

internacional.

Novamente está posta a figura do exotismo com relação a arte no Chapéu

Mangueira, o menino despontar é motivo de comentários que o colocam como

ambicioso apenas do ponto de vista financeiro e mal sucedido em seu empreendimento

de fama. Um ritmista de outro lugar qualquer da cidade teria a especulação das coisas

que trouxe de uma viagem internacional? Qual é a necessidade de falar da benfeitoria

dos noruegueses? Por que tipificar o menino como “garoto tipo exportação”,

nomenclatura historicamente racista e eurocêntrica? São esses questionamentos, e

alguns outros, que devem nos levar no próximo capítulo a compreender a história do

Baile do Chapéu Mangueira. As histórias são muitas e é preciso entender o Chapéu

39 16/07/1984, Matutina, Jornais de Bairro, p 9

27

Mangueira de hoje para entender as atuais conotações do baile. As lideranças antigas

fizeram questão de sinalizar em suas falas que o morro hoje é outro e nós vamos

precisar entender também que outro baile surge.

28

O BAILE DO CHAPÉU MANGUEIRA

Ao pesquisar fontes que me ajudassem a contar a história do Chapéu Mangueira

acabei me deparando com a seguinte frase em uma matéria de jornal: “A favela foi

progredindo, e chegou a hora de cantar” 40. A frase foi dita por Dona Marcília a um

jornalista no ano de 1970 e me ajudou muito a entender mais sobre os anseios dos

moradores do lugar em que nasce o baile que tentarei apresentar nas próximas linhas.

No momento em que escrevo este texto, o prefeito do Rio de Janeiro decide

retirar 50% da verba que destina às escolas de samba41 e diz que usará este dinheiro para

a construção de creches. Surpresa alguma a vontade do atual prefeito, Marcelo Crivella,

em fazer a agenda da IURD se implantar na cidade. O comprometimento da Liesa com

o incipiente povo das comunidades que sobrou nas agremiações, e que poderia lutar

contra esta medida, é risível. No entanto, é interessante observar neste episódio, como,

em pleno 2017, a cultura é vista como apêndice em uma lista de direitos. A festa, que no

caso pode ser defendida até como geradora de lucros pra cidade, é tratada como

acessório. Ou tem creche, ou tem festa, é basicamente a mensagem. O que acontece é

que o favelado, a alma das manifestações populares, sejam elas samba ou funk, não se

cansam de dizer que “chegou a hora de cantar”, a despeito de todo tipo de toda

tentativa de silenciamento a que estejam submetidos.

A compreensão do baile em questão se dá em dois momentos, o baile da década

de 1990 e o baile de hoje. Como foi dito na introdução deste trabalho, interessa-me

compreender o contexto que faz com que o baile acabe, ainda na década de 1990, o

contexto que o faz ficar sem acontecer por 21 anos e o contexto atual, que imprime

características novas ao baile. O pesquisador Micael Herschmann visita o baile do

Chapéu Mangueira em abril de 1995, e sua percepção, aliada a entrevistas que realizei

no final de 2016, fontes jornalísticas e minha ida ao baile nos ajudarão a entender os

caminhos que este baile tomou com o decorrer das décadas.

O baile do Chapéu Mangueira começa a acontecer por iniciativa dos diretores do

bloco Aventureiros do Leme e segundo um dos organizadores, o Ivan: “(...)o morador

da comunidades saía pra outras comunidades pra curtir baile. A gente quis criar uma

coisa nossa pra prender o morador”. Em duas entrevistas que realizei, uma com um

40 27/11/1970, Matutina, Geral, p 16 41Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/06/1892994-crivella-diz-que-vai-cortar-

subvencao-destinada-as-escolas-de-samba-do-rio.shtml Acessado em: 19/06/2017

29

dos idealizadores do baile na década de 1990 e a outra com o atual realizador, escutei

que o baile no início era esvaziado. Duas justificativas distintas me foram dadas para o

fato.

O primeiro entrevistado afirma que isto acontecia porque “Nós temos uma

mania, que é cultural, de não valorizar o que é nosso”, o segundo entrevistado porém,

que na época do baile tinha 12 anos, afirma que o esvaziamento se dava “Porque a

equipe da época não era uma boa equipe”. Por fim, no relato do primeiro entrevistado

ele reconhece que a equipe que tocava no baile assim que eles começaram era

“mambembe” e estava “caindo aos pedaços”. O segundo entrevistado reconhece

também a humildade dos integrantes do bloco em perguntar aos moradores que estavam

indo para outros bailes “qual equipe é boa?”.

A resposta desta última pergunta é que a equipe que deveria vir, que ainda estava

começando, mas era boa, era a Duda’s. Fui então procurar o dono da Duda’s, Eduardo,

para saber que histórias ele tinha pra me contar sobre esse baile. Na sua residência, no

bairro Barreto, em Niterói, fizemos uma entrevista e devo dizer que ver uma geração

funkeira já com seus cabelos brancos foi cena que muito me emocionou. Ele me

informou que antes quem realizava o baile eram as equipes Pantera Funk Som e

Curtisom Rio. Ivan, um dos idealizadores do baile, fala: “E então foi criado esse baile,

com o Ari Pantera”, dono da Pantera Funk Som. As histórias aos poucos íam se

encaixando.

A primeira notícia que encontro no jornal O Globo citando o baile data do ano

de 1991 e o título é: “Barulho prejudica o sono de moradores do Leme”42. Na matéria o

jornal se refere a “bailes e pagodes” e o tom é conciliador entre a presidenta da

associação de moradores do Leme e o p0residente da associação de moradores do

Chapéu Mangueira.

Na entrevista com Eduardo, da Duda’s, ele me conta que um dos fatores que

pode ter feito com que o baile tivesse o “boom” que teve foi a divulgação através de um

programa de rádio que eles tinham na Rádio Imprensa43. Ele afirma que o baile

acontecia aos domingos e que, somente depois que a sua equipe assume e o baile ganha

popularidade, é que ele passa a acontecer nas sextas-feiras e domingos. Segundo ele:

42 20/05/1991, Matutina, Jornais de Bairro, p 5 43 Na entrevista, Eduardo não fala o nome do programa do rádio, nem o tempo em que ele ficou em

exibição

30

“Era domingo. Começava cedo, umas 20h, mais ou menos. Ía até, mais ou menos, 1h

da manhã”.

Todos relatam que o espaço em que o baile acontecia é o espaço em que hoje

existe a quadra da Faetec (Fundação de Apoio à Escola Técnica). É, basicamente, um

ponto de intersecção entre Chapéu Mangueira e Babilônia. A quadra hoje é fechada e

coberta, o que faz com que a capacidade de frequentadores se reduza muito, fora a

questão da entrada, que historicamente era gratuita. Vale lembrar que, o Chapéu

Mangueira é uma favela de extensão territorial pequena, se comparada a outras do Rio

de Janeiro. Tamanho foi meu estranhamento quando, meu primeiro entrevistado, Dinei,

afirmou categoricamente que cabia 5 mil pessoas naquele espaço.

Vale a pena recorrer a descrição de Micael Herschmann:

“(...) Nesta noite estiveram presentes cerca de 5 mil

pessoas, sendo que 4 mil provavelmente eram do ‘asfalto’.

Os ‘assíduos’ informavam-me que o baile estaria naquele dia

particularmente mais cheio porque a Furacão 2000, equipe

mais respeitada da cidade, iria dar o som. Realmente era

impressionante: numa quadra aberta, ao ar livre, que

deveria ter capacidade para 400 pessoas, havia pelo menos

mil. Nos arredores desta quadra, subindo o Morro, a massa

de pessoas cada vez mais ia se comprimindo. O som que saía

da parede parecia particularmente baixo e não soube num

primeiro momento distinguir se era um problema de acústica

(a geografia do Morro favorece a dispersão do som) ou

medida de segurança para evitar mais conflitos com a

vizinhança de classe média. Assim, para sentir a emoção do

baile, era necessário estar dentro da disputadíssima quadra

poliesportiva onde ele transcorria.”44

O trecho nos dá a dimensão dos contornos que o baile ganhou. Ivan, ao falar

sobre o público nos diz: “Mas não era nunca menos de 3 mil pessoas. Não dá para ser

menos, era uma coisa dos caras virem bebendo lá de baixo e acabarem os estoques dos

bares e acabar o meu (...)”. Todos os entrevistados me deram cifras de público

parecidas. E os jornais também falaram do público na casa dos 5 mil.

Um fator é mencionado por todas as pessoas que entrevistei, algumas notícias

analisam ele e o pesquisador que citei anteriormente também o cita – a composição

44 P 130, O funk e o hip hop invadem a cena

31

social extremamente heterogênea do baile do Chapéu Mangueira. E aí o leitor pode me

questionar neste momento: - Mas o trabalho não tem como proposta discutir o direito à

cidade que o baile funk proporcionou em determinado contexto? Que direito o baile

funk dá e a quem?

É interessante observar a via de mão dupla que existe no ato do morador da zona

sul frequentar o baile do Chapéu Mangueira. Historicamente, o Chapéu Mangueira

mostrou-se um local “convidativo” aos moradores do asfalto, mas estudá-lo nos ajuda a

entender uma série de outros fatores. É preciso entender que ser anfitrião era fator que

mexia com a autoestima do morador, é preciso compreender que galeras da baixada

subiam e frequentavam a mesma festa que o morador dos apartamentos da zona sul

estava frequentando. Falar de direito à cidade é falar sobre o direito do trabalhador de

uma favela frequentar o baile de outra favela, é falar do direito da menina rica subir o

morro, é falar do direito do morador de favela circular nas ruas do Leme, etc.

A pauta do direito à cidade é muito complexa e mais a frente daremos maior

atenção a ela. Os próprios organizadores, de ontem e hoje, tentam enumerar fatores que

levaram o baile do Chapéu Mangueira a ser um fenômeno que influenciou a vida da

cidade e provocou encontros de pessoas de variadas classes sociais. Dentre os motivos,

meus entrevistados relatam que as possíveis causas dessa aparente harmonia45 residem

no fato de:

“(...)o especial lá era o seguinte, na maioria das

comunidades os traficantes exibiam armas e boca de fumo, lá

não tinha isso. Tinha, mas era bem distante. Ali na quadra

mesmo ninguém via isso.” (Eduardo, dono da equipe Duda’s)

“(...) a comunidade do Chapéu Mangueira sempre

foi uma comunidade de fácil acesso, hospitaleira. (...) era um

baile pacífico, não tinha confusão. Aí você vai dizer que

tinha o tráfico, sim tinha, mas o tráfico não se envolvia, não

tinha confusão, não tinha nada, ninguém atacava ninguém.”,

(Beto, atual presidente da associação de moradores)

“Você não via ninguém armado no baile. Você não

via arma, você não sabia quem era e quem não era. Você

atraia o asfalto para um lugar onde ele sentia que tava na

‘Disney’, porque ele ficava muito a vontade.(...) O Chapéu

Mangueira é isso, sabe? Essa facilidade de transformar

45 Uso “aparente harmonia” pois como veremos há uma questão geracional. Os filhos da classe média

frequentavam o baile, porém, seus pais imploravam nos jornais e tribunais medidas que determinassem o

fim dos bailes

32

visitante em morador.” (...) O cara pra comprar droga tinha

uma área, daquela área pra cá ele não podia nem fumar.

Então, você não sentia cheiro de maconha no baile, porque

tinha um lugar chamado fumódromo(...)” (...)Pra você ver

arma aqui no Leme você teria que ir onde a arma tá. A arma

não vinha pro baile. O cara do tráfico que queria vir pro

baile se desarmava, botava uma roupa e vinha pro baile.”

(Ivan, um dos organizadores do baile em 1990)

A disputa pela narrativa do que é o baile é muito interessante e ficará melhor

exposta quando discutirmos o episódio do sequestro de John Reis, em 1995. A questão é

que as entrevistas realizadas em 2016 rebatiam acusações feitas, entre outras, pela mídia

impressa nos anos de 1990. É como se as acusações deste período continuasse a ecoar

na sociedade e na cabeça dos meus entrevistados, que, a todo o momento tentavam

destruir estigmas criados na figura do funkeiro.

O estudioso já citado, Micael Herschmann, coloca o baile do Chapéu Mangueira

na categoria de “Baile de Comunidade” e em dado momento da definição destes nos

explica que eles:

“Constituem-se em espaços que favorecem a

interação – sempre dentro de relações de poder – entre

grupos ou segmentos sociais muitas vezes afastados

geográfica e historicamente, e onde se entrecruzam posições,

visões de mundo, ou seja, conformam zonas intersticiais que

favorecem o adensamento de territorialidades.”46

Essas “zonas intersticiais” foram criadas no baile que estamos estudando e os

jornais da época mostram que, ainda que alguns jovens de classe média da Zona Sul

estivessem subindo os morros para frequentar a festa, pouca aceitação a mesma tinha

com seus pais. A seguir destaco algumas manchetes ou trechos de notícias relacionadas

ao baile do Chapéu Mangueira. Elas não estão na coluna “Opinião”, logo não são Carte

de leitores. Observem:

“Durma-se com um barulho desse”(...) “Música para uns, sofrimento para outros” (...) “verdadeira

tortura”47

“sinônimo de baderna”48

46 p 237, O funk e o hip hop invadem a cena 47 22/11/1993, Matutina, Jornais de Bairro, p 8 48 03/01/1994, Matutina, Rio, p 11

33

“O baile funk da comunidade do Chapéu Mangueira é frequentado por todos e o vai-e-vem de

compradores de drogas não incomoda mais ninguém”49

“Leme quer um pouco de silêncio”50

“Bailes tiram o sono no Leme”51

“(...)o Comando Vermelho usa os bailes – sucesso absoluto entre os adolescentes cariocas – para

arregimentar soldados e fazer apologia do crime”52

“Delegado: bandido usava festa para vender drogas”53

“’Funk’ volta e tira sono dos moradores do Leme”54

“Moradores do Leme perderam o sossego”55

“Para os 20 mil moradores da área, que se orgulhavam de viver entre mar e montanha numa das poucas

regiões ainda pacatas da cidade, os altos decibéis dos embalos funkeiros são o inferno”56

”As operações para asfixiar o tráfico de drogas na favela da Zona Sul tiveram ainda uma outra

consequência, essa de pleno agrado dos moradores do Leme: o fim do baile funk na quadra do Morro

Chapéu Mangueira”57

“A associação ente o funk e a violência começa na letra das músicas – muitas exaltam bandidos famosos

– e acaba nos tiros e mortes na porta dos bailes (...) A 12ª DP (Copacabana) interditou o baile do

Chapéu Mangueira, no Leme, porque uma das bocas-de-fumo ficava atrás da quadra do baile”58

Com estas manchetes desejo mostrar que o baile estava sendo disputado, todos

queriam narrar o que ele era, mesmo os que não o frequentavam. É óbvio que selecionei

neste momento apenas as notícias que buscavam trazer uma imagem ruim para o baile.

Outras notícias são vinculadas sobre o mesmo, com o efeito de tornar exótico, muitas

das vezes, e de alertar aos pais sobre o novo passatempo da juventude carioca.

O baile segue sendo um sucesso estrondoso nesses primeiros anos da década de

1990. A mídia continua investindo seu arsenal na direção da criminalização do baile59,

os moradores do Leme entram em disputas judiciais com o intuito de não pagarem o

IPTU que pagavam a época. A reclamação era o volume do baile e a saída das pessoas,

haviam diversas denúncias de carros com o retrovisor quebrado e portarias sendo usadas

como banheiro.

49 09/01/1994, Matutina, Rio, p 14 50 02/02/1995, Matutina, Jornais de Bairro, p 14 51 02/03/1995, Matutina, Jornais de Bairro, p 14 52 12/06/1995, Matutina, Rio, p 12 53 13/06/1995, Matutina, Rio, p 18 54 03/07/1995, Matutina, Rio, p 36 55 10/10/1995, Matutina, Rio, p 17 56 14/12/1995, Matutina, Jornais de Bairro, p 4 57 20/12/1995, Matutina, Rio, p 28 58 04/03/1996, Matutina, Rio, p 8 59 O autor Micael Herschmann usa a expressão “campanha antifunk na mídia” p 129

34

Este trabalho não tem por intenção minimizar as reclamações dos moradores do

Leme ou colocá-los como grandes vilões numa briga entre asfalto e favela. A parte toda

a responsabilidade na criminalização do ódio de classe de alguns moradores deste local,

a minha principal análise se destina ao papel do Estado na salvaguarda do funk como

movimento cultural. A lei que define que “Funk é cultura”60 data de 2009, eu sei. Mas a

ideia é acompanhar o que nos leva a reivindicar uma lei que diga isto, uma tremenda

obviedade.

É preciso ter muito cuidado ao analisar o funk e o dinheiro que viabiliza o

acontecimento de uma festa dentro de uma favela. No caso específico do baile do

Chapéu Mangueira, seus organizadores afirmam que as primeiras edições tiveram a

ajuda do tráfico no pagamento das equipes. Porém, se orgulham de, com pouco tempo

depois, ter conseguido criar autonomia em relação aos varejistas da droga no morro.

Afirmam com toda a certeza que o baile era financiado pelo caixa das bebidas vendidas

no mesmo, e com as contribuições dos moradores que tinham suas barracas de comida

no evento.

Como já vimos, cada baile tem a sua realidade. Cada baile, igualmente, terá sua

fonte de recurso. A mídia na década de 1990, alimentada pelos anseios de uma classe

média desesperada por tirar seus filhos dos espaços de favela, simplifica a questão e

coloca todos os bailes como festas organizadas pelo tráfico para a venda de drogas.

Conhecer organizadores de bailes, de ontem e de hoje, é um movimento que não

permite que continuemos acreditando na linearidade dessas narrativas jornalísticas.

Anualmente são realizados encontros com produtores, donos de equipes, MCs e

DJs de funk. A ideia de que existem produtores culturais nas favelas parece não existir

na cabeça de alguns na década de 1990. O entendimento de que o funk nasce em um

espaço em que, por anos, o varejo da droga existe, precisa existir. O funk não nasce

nesses espaços pra alimentar esta prática, ele só convive com ela. A convivência se dá

por medo, por aceitação, por inúmeros fatores que não cabem a este estudo a discussão.

A questão é que o baile não pode ser visto como financiado e nem financiador do tráfico

de drogas no Rio de Janeiro.

A história dos bailes funk na cidade mostram que, antes da década de 1990, os

bailes blacks, conhecidos como Baile da Pesada, aconteciam no espaço do Canecão. Há

uma expulsão destes eventos do local, muitos bailes migram pras favelas, pros clubes de

60 Lei 5543, 22/09/2009

35

subúrbio. Muitos bailes black surgiram nesta época, eles eram realizados por nomes

como Big Boy, Ademir Lemos e Dom Filó61. Nessa época, o grande sucesso, e o que se

pode perceber como o princípio dos bailes funk no Rio de Janeiro, eram os “Bailes da

Pesada”, festas que aconteciam aos domingos no Canecão62. Estes bailes traziam em

suas músicas fortes contestações sociais, especialmente no que diz respeito à

conscientização dos negros quanto ao seu papel na sociedade.

A grande transformação ocorrida na década de 1980 é a busca por

“intelectualizar” o espaço do Canecão. Com isso, temos a ida do “Baile da Pesada” para

as favelas. Na obra pioneira de Hermano Vianna63 aprendemos, através do relato de

organizadores da festa na época, que:

“As coisas estavam indo muito bem por lá. Os

resultados financeiros estavam correspondendo à

expectativa. Porém, começou a haver falta de liberdade do

pessoal que frequentava. Os diretores começaram a pichar

tudo, a por restrição em tudo. Mas nós íamos levando até que

pintou a ideia da direção do Canecão de fazer um show com

o Roberto Carlos. Era a oportunidade deles para

intelectualizar a casa, e eles não iam perdê-la, por isso

fomos convidados pela direção a acabar com o baile.”

O Estado, basicamente, empurra o funk para dentro das favelas. Não reconhecer

que, em algum momento as forças que disputavam aquele território, dentre elas o tráfico

de drogas, poderia querer exercer influência ou mesmo apenas financiar os eventos é

uma grande mostra de despreparo. A medida tomada em relação a esta questão não

poderia ser pior, decreta-se o fim dos bailes.

A “Operação Rio”, que acontece nos anos de 1994 e 1995, e consegue pôr fim a

inúmeros bailes de comunidades. Para entender melhor o que foi esta operação recorri

61Big Boy era o pseudônimo de Newton Alvarenga Duarte, ele foi um dos mais importantes DJs do

Brasil, mas iniciou-se no mundo funk através do programa de rádio que apresentava na década de 1970.

(http://pt.wikipedia.org/wiki/Big_Boy). Ademir Lemos foi um discotecário (DJ) que começou a atuar no

início da década de 1980, tendo o auge do sucesso na década de 1990. Visionariamente compôs o Rap do

Arrastão, em uma época em que ainda não era costume a composição dos raps.

(http://www.funkderaiz.com.br/2009/02/ademir-lemos.html). Asfilófio de Oliveira Filho, o Dom Filó, foi

o primeiro produtor da Banda Black Rio e de muitos dos Bailes Black que aconteceram na cidade nos

anos 1970. Foi o grande precursor da música soul nos subúrbios cariocas. Até hoje milita nos movimentos

negros.( http://www.humbertodiscofunk.com/2008/02/dom-fil-soul-grand-prix.html). 62 Casa de show criada em 1967 que foi palco dos Bailes da Pesada na década de 1970. Com o tempo o

funk perdeu espaço nesta casa de shows, pois os donos do empreendimento decidiram “atender a outro

público”. 63 “O mundo funk carioca” (1998)

36

ao livro da professora Cecília Coimbra, chamado “Operação Rio, o mito das classes

perigosas”. Na obra temos uma complexificação do plano de intervenção em favelas e

que:

“A chamada “Operação Rio I”, iniciada em 31 de

outubro de 1994, através do Convênio assinado entre os

governos do estado do Rio de Janeiro e federal, trouxe a

presença ostensiva das Forças Armadas nas favelas e bairros

populares fluminenses, locais percebidos como perigosos e

degenerados. Contudo, para que esse Convênio se efetivasse,

com o aplauso das classes populares médias e das elites,

desde a ECO-92 - pelos ‘bons’ resultados obtidos -

alardeiam-se a importância e necessidade de um

policiamento mais ostensivo urbano feito por quem tem

competência para isto: as Forças Armadas, e em especial, o

Exército.”

Sobre a legitimação e continuidade do projeto a autora afirma:

“No início de dezembro, é anunciado que, mesmo

sem ser firmado novo Convênio, as Forças Armadas ficarão

no Rio até março de 1995. Promovem-se ‘modificações

estratégicas’ e o então Ministro da Justiça informa que ‘o

exército não se afastará, pois ficará trabalhando com a

inteligência e a informação’. Apesar dessas declarações,

durante todo o mês de dezembro as Forças Armadas

continuam ocupando e invadindo favelas no Rio, utilizando

‘táticas de guerra’ e de forte violência contra os moradores

em vários pontos da zona norte, sul e centro, chegando à

Baixada Fluminense e ao município de Niterói.”

Antes da operação acima apresentada, no caso específico do baile que estamos

estudando, temos o caso do sequestro do filho do deputado Albano Reis. Em poucas

linhas, trata-se de um menino – John Reis - de 14 anos que frequentava o baile com seus

primos. Um dia, um familiar do menino estaciona seu potente carro em um determinado

ponto da favela e é interpelado por Alexandre Soares Zoel, um varejista de droga

conhecido como “Piloto”, que pede para que ele retire o carro daquele local. O parente

37

vai embora e deixa John no baile. Testemunhas afirmam ter visto “Piloto”64 apontar

para John durante o baile e mostra-lo a amigos. O desfecho se dá quando, em uma rua

de Copacabana, um grupo sequestra John e o mantém refém por alguns dias. Seu pai, o

deputado Albano Reis, decide não pagar resgate, pois acha moralmente condenável e

poucos dias depois seu filho é liberto.

A questão nos jornais é tratada de forma inadequada. Usa-se a expressão: jovem

é sequestrado “na saída” de baile funk no Chapéu Mangueira. Assim como no caso do

jornalista Tim Lopes morto “durante um baile funk”, etc. Um capítulo dos episódios da

criminalização do baile funk do Chapéu Mangueira começa a se dar quando deste

sequestro.

Sobre este acontecimento um dos atuais organizadores do baile, Dinei, diz:

“E o baile para porque forjam um sequestro do

filho do Albano Reis – o John – embaixo do morro, um lugar

que não era tão violento. Os moradores do Leme pedem o fim

do baile por causa do barulho. Interessantíssimo isso, pedem

o fim do baile por causa do barulho, forjam esse sequestro e

acabam com o baile.”

Um dos idealizadores do baile na época, Ivan, afirma categoricamente:

“O sequestro nem foi aqui, o sequestro foi no Lido.

O sequestro não foi aqui! A questão é que ele estava saindo

do Baile do Chapéu Mangueira. Quando você precisa de um

pretexto, qualquer pretexto é pretexto. Isso é um absurdo pra

mim. O John, que era o menino, na época tinha um carro que

era um Mitsubishi – que hoje não é nada, mas naquela época

era ponta – e ele deixava o carro aberto na ladeira. Não

tinha porquê. Um sequestro imbecil. Sequestraram os

moleques, mas não foi aqui, o negócio foi lá no Lido. Enfim,

foi um caos (...) Tem outra coisa que eu acho legal falar. O

morador quando gosta da coisa toma conta do que é dele.

Quando você tinha qualquer coisa que pudesse manchar a

ideia do baile, o próprio morador falava: - qual é cara? quer

bagunçar? Eu acho que se o sequestro do filho do Albano

Reis tivesse acontecido na ladeira, ele não teria acontecido,

porque o morador não ía deixar. Algum problema ía dar. O

64 “Piloto” seria o responsável pelo varejo da droga no Morro da Mineira e frequentava o baile do Chapéu

Mangueira, segundo as fontes jornalísticas

38

cara ía ver e ía falar: - esse cara vai acabar com o meu

baile”

Ainda sobre o fim do baile na época, em meados de 1995, Ivan diz:

“Uma vez eu lembro que eu fui numa reunião no

19º, o comandante era muito meu amigo, a gente tinha uma

relação muito legal. Ele virou pra mim e falou assim: “- pô

tu é muito meu amigo, eu gosto muito de você, mas eu vou ter

que acabar com aquele baile.” Eu falei: “- vai acabar?” Ele

falou: “- vou”. Aí eles começaram a fazer o seguinte: não

tinha problema com o tráfico, mas eles começaram a dar tiro

para o alto, na mata, a esmo. O que acontecia? Os caras iam

pra mata, começavam a dar tiro para o alto. Os caras na

quadra (falavam): “- Invasão!”Descia todo mundo correndo.

Os caras fizeram a primeira, fizeram a segunda, fizeram a

terceira, até que não veio mais ninguém.”

Os relatos fortes dão conta da forma como o Estado lidou com o baile do Chapéu

Mangueira e com inúmeros outros na cidade, durante a década de 1990. O Chapéu

Mangueira passaria 21 anos sem o seu baile. Discute-se o projeto de construção de uma

Concha, chamada inclusive de Concha da Paz. Os jornais mostram quais seriam os

custos, quanto tempo a obra levaria, mas, no fim, o projeto não sai por conta de um

imbróglio com os detentores da posse legal do local. Uma nota do jornal O Globo,

intitulada “Tem dono” traz a informação de que a “Área da obra pertence à Caixa de

Pecúlio da Aeronáutica e a herdeiros de Roberto Burle Marx. E nenhum deles

concorda com aquela apropriação ilegal”65

Voltando nosso olhar as acusações que eram feitas aos funkeiros frequentadores

do baile em questão na época de sua interdição, qual papel deveria o Estado ter tomado

em relação ao evento? Tinha ônibus circulando em quantidade necessária para atender

ao público que saía dos bailes durante a madrugada? Havia algum mínimo sistema de

trânsito no Leme para receber um público na casa dos 5 mil?

Diversos estudiosos do funk incansavelmente tem mostrado o quão difícil era

para um jovem funkeiro pegar uma condução e ir para sua casa tranquilamente depois

de um baile na década de 1990. Inúmeros relatos, inclusive com relação ao baile do

Chapéu Mangueira, nos mostram funkeiros tendo que esperar o dia amanhecer para

65 18/05/1995, Matutina, Rio, p 10

39

conseguir pegar uma condução. Anteriormente eu citei a questão da mídia reforçar as

tintas ao tratar o público do funk como exótico, e como sabemos, os estigmas tem

grande facilidade de fixação nos perfis tidos como exóticos. Os motoristas de ônibus

não paravam para os funkeiros na saída dos bailes, havia o medo das brigas de torcida,

havia o medo dos arratões, todas as práticas de violências estavam associadas a figura

do funkeiro. Mesmo os funkeiros que frequentavam bailes de comunidade, como é o

caso do baile que estamos analisando, tido como bailes onde os conflitos não eram parte

do jogo.

No entanto, qualquer indivíduo que, deseja entender minimamente o surgimento

do funk na cultura brasileira, precisa entender como a juventude pobre das favelas se

relaciona com o fenômeno da violência urbana em face do neoliberalismo. Convido

meu leitor neste momento para que veja as fotos premiadas como fotografia do ano,

pelo instituto Vladmir Herzog, no ano de 1996, disponíveis no anexo como Figura III e

Figura IV. O título das fotos é: “Exposição Macabra” e “Morte em exposição na rua”.

Elas foram veiculadas no jornal A Notícia – Rio de Janeiro e são da autoria de Leonardo

Dias Correa.

As imagens são bastante fortes e mostram que as artes estavam usando seu

potencial para expressar as mazelas da sociedade brasileira, em especial a realidade

carioca. Percebemos este grito artístico em diversos campos no mesmo momento. O rap

se fortalece nas periferias de São Paulo através das denúncias que faz da realidade

miserável a que estão submetidos os trabalhadores paulistanos. A estética é violenta

para reclamar uma sociedade que alimentou diversos sujeitos apenas com violência

durante toda a sua vida.

A dificuldade de compreender o funk como movimento artístico faz com que as

pessoas não percebam que seus narradores possuem um ‘eu lírico’, podem criar

personagens, podem fantasiar realidades. A crônica da realidade em que vivem é tida

como apologia porque esse é o caminho mais fácil para a criminalização. Ainda que os

criminalistas apontem o quão perigoso é associar as formas artísticas e o crime de

apologia, sob pena de estarmos refazendo os passos de censores e cerceando a liberdade

de expressão de grupos com direitos já tão cerceados. Nilo Batista, no artigo “Sobre a

criminalização do funk carioca”, nos ensina que:

“Não é um encargo do Judiciário atrelar ou extrair

das invenções humanas o rótulo de obra de arte; ao

contrário, constitui relevantíssima tarefa, que só o Judiciário

40

pode eficazmente cumprir, a proteção da criação artística

contra toda sorte de censura, constrangimento ou

manipulação de qualquer autoridade.”66

O crivo que define se é arte ou apologia é o da forma, é o da cor da pele, é o da

origem social. A conduta é criminosa ou artística a depender do sujeito que é analisado.

O funk, no bojo da década de 1990, encontra sua forma de fazer-se no mundo e ouso

dizer que ele não surgiria com tão grande potência artística e de denúncia não fosse o

cenário de privações que o cercava a época.

A professora Adriana Facina, no artigo “Quem tem medo do ‘proibidão’?” ao

falar das críticas que o funk recebe por conta do conteúdo de suas letras afirma:

“(...) A regra é que faz o desvio e quem define a lei

ou a regra é quem tem poder para tal. Portanto, a

capacidade de definir o que é desvio e quem é desviante é

distribuída de forma desigual na sociedade. (...) nas

sociedades complexas, o que é desviante para alguns grupos

e em alguns lugares, não o é para outros grupos e em outros

espaços da cidade”67

Estes autores nos ajudam a compreender a forma como a juventude funkeira se

apropria da estética da violência, seja através do funk proibidão, seja através das

ameaças proferidas entre amante e fiel, seja em outros relatos quaisquer. O recurso ao

uso da estética da violência não é exclusividade do funk, diversos movimentos artísticos

mundo a fora. Supor que um estilo musical tenha a capacidade de engrossar fileiras no

comercio do varejo das drogas nas favelas cariocas é compreender pouco o jogo a que

estão submetidos os jovens moradores de favela.

O funk, ainda que não tenha qualquer obrigação ou intenção disto, tem-se

mostrado, pelo contrário, como uma possibilidade de crescimento financeiro autônoma

em relação as atividades ilícitas. Temos já gerações de MCs que afirmam que o funk os

“salvou”. Ainda que não caiba a arte quaisquer tarefas salvacionistas. A coragem é um

valor muito cobrado aos meninos moradores de favela, muitas vezes é dada a estes

“pequenos homens” a tarefa do cuidado do lar e da mãe, nos recorrentes episódios em

que as mães são provedoras do lar e abandonadas por seus companheiros.

66 criminologia de cordel 2 (p 203)

67 criminologia de cordel 2 (pp 52-54)

41

A infância é outra e as disputas territoriais também o são. Não é coincidência

que os bailes da década de 1990 sejam palcos de disputas de galeras. Aos funkeiros

estava sendo dado o direito de conhecer outras favelas da cidade, outros bairros, outras

linhas de ônibus, a praia, etc. A disputa se dava de diversos modos, nos bailes de

comunidade, por exemplo, importava ser um bom anfitrião, mostrar que seu baile era o

melhor.

Micael Herschmann defende que há uma “dimensão simbólica ou ‘ritual’ na

violência reproduzida pelas galeras funk”, um grito de galera é um grito contra uma

sociedade excludente, no sentido em que reivindica melhor transporte, mais acesso a

todas as partes da cidade. O autor continua:

“É bem verdade que, no que se refere ao mundo

funk, insatisfação, tensões e conflitos não aparecem com

grande frequência nas letras de música, mas na ritualização

da violência nos bailes e em esporádicas intervenções

urbanas como, por exemplo, em brigas, quebra-quebras e

arrastões. Estas condutas, inclusive, dão credibilidade aos

estereótipos que em geral acompanham estes agentes, quase

sempre vistos como figuras endemoninhadas ou, na melhor

das hipóteses, alienadas politicamente.”68

Ainda sobre o fenômeno da violência, temos a contribuição de Denis Martins, na

tese “Direito e cultura popular: o batidão do funk carioca no ordenamento jurídico”:

“(...) a violência gerada por grupos sociais é

costumeiramente tida como ilegítima, ‘a parte maldita do

cotidiano’, em contrapartida à gerada pelo Estado, detentor

legal do monopólio da violência. Todavia, na medida em que

se evidencia a falência do modelo de orquestração do Bem-

Estar Social pelo Poder Público e o abuso e corrupção da

máquina estatal, mais se contrapõe a necessidade de uma

concepção mais ampla de violência, como denotam o

surgimento de manifestações culturais denunciadoras da

desigualdade social e de uma realidade marginal.”69

O baile do Chapéu Mangueira fica interditado por duas décadas e nem os

problemas sociais da realidade carioca se extinguem, nem o funk deixa de ser expoente

68 o funk e o hip hop invadem a cena (pp 213 – 214) 69 “Direito e cultura popular: o batidão do funk carioca no ordenamento jurídico”:

42

movimento cultural da metrópole carioca. A Operação Rio logra êxito apenas em cessar

a forma de lazer e acabar com a fonte de renda de inúmeros moradores de favela, visto

que volta seu olhar para uma política de combate as drogas falida. As pessoas passam a

frequentar outros bailes funk, a zona sul perde a chance de ver outras realidades sociais

a uma distância menor que a da sacada de seus prédios, o medo continua frequente.

O que causa maior espanto é olhar hoje para Leme e Chapéu Mangueira e

perceber o quão nociva é essa sucessão de políticas públicas que coloca no lugar do

“nós x eles” o morro e o asfalto. Após o hiato de 21 anos temos um processo gradual de

retomada dos bailes no Chapéu Mangueira. Para o espanto de alguns, o ataque ao lazer

dos moradores da região não freia em nada o desenvolvimento do varejo da droga na

região.

Os processos não mutuamente dependentes – tráfico de drogas e bailes funk -

tiveram no decorrer da história tratamentos distintos, visto que a atuação dos serviços de

segurança pública não tem o real interesse de coação do poder dos varejistas da droga,

mas acabam por coagir produtores locais com grande frequência. Se o olhar das forças

de segurança estivesse voltado para uma política de repressão do comércio ilícito das

drogas nas favelas, certamente ele estaria agindo mais com os setores de inteligência e

nas fronteiras do país, não dentro das favelas fazendo operações de forma equivocadas e

deliberadamente colocando a vida de trabalhadores em perigo.

Como afirma o delegado Orlando Zaccone, em seu livro “Acionistas do nada:

Quem são os traficantes de drogas”:

“A incapacidade da atual política de

‘combate’ às drogas em destruir o ‘narcotráfico’ e

suprimir o consumo de drogas ilícitas é apenas

aparente. A suposta impotência da ‘guerra’ contra

as drogas mostra um outro lado vitorioso, revelado

na seleção criminalizante dos traficantes

‘escolhidos’ e no reforço do negócio junto ao

mercado legal”

A política de “guerra às drogas” tem-se mostrado incansavelmente política

contra os pobres, não existe uma guerra contra a abstração, contra uma planta ou uma

substância. Define-se que o problema não vai ser combatido quando se opta por atuar

apenas na ponta dele, no último processo. A escolha do local em que se dá esse último

processo e de quais são os atores envolvidos é crucial. Acabar com a sexta-feira do

43

morador de favela é útil no ordenamento de um Estado que opera nas favelas uma

lógica de guerra, uma lógica que militariza a vida dos trabalhadores e os impõe uma

suspeição generalizada via CEP.

Sobre a militarização da vida nas áreas de favela é importante lembrar que todos

os significados estão em constante disputa. O site da UPP afirma: “A pacificação ainda

tem um papel fundamental no desenvolvimento social e econômico das comunidades, pois

potencializa a entrada de serviços públicos, infraestrutura, projetos sociais, esportivos e

culturais, investimentos privados e oportunidades.”70 Quais projetos culturais são bem

vindos? Qual definição de cultura povoa o imaginário da secretaria de segurança do Rio de

Janeiro? A qual paradigma de segurança pública se filia hoje o estado do Rio de Janeiro?

As suas táticas de ação estão inseridas em que lógica de cidade? Genocídio e

pacificação andaram juntos em inúmeros episódios da nossa história. A busca de

atender a um projeto de cidade voltada ao mercado faz com que discursos de usos da

força armada, e até militarizada, nos territórios de favela sejam legitimados.

Vamos ao baile dos nossos dias. Não pretendo fazer uma análise muito

aprofundada exclusivamente na minha ida ao baile no dia 12/11/2016, pois não

considero ter uma prática etnográfica tão desenvolvida para bem fazê-lo. No entanto,

recordo que um aspecto me chamou muita atenção, a ostensiva presença policial. Não

teço o comentário em tom de crítica ou reclamando a retirada desses sujeitos, mas o que

eu vi foi um carro da UPP com a lanterna vermelha acesa o tempo inteiro e 11 policiais

enfileirados lado a lado em frente a quadra onde se realizava o baile durante toda a

noite. Isso me chamou atenção. Como moradoras de favela, que vê gente armada com

certa frequência, não consegui naturalizar aquelas armas.

As fotos (Figuras VI, VII e VIII) e o cartaz de divulgação (Figura V) pertencem

a esse dia. Para entender o baile tive algumas conversas com o atual organizador do

evento, Dinei, um jovem morador de 35 anos que faz da cultura funk a sua militância no

Chapéu Mangueira. Curiosamente, em nossa primeira conversa o encontrei em uma lan

house e ele estava as voltas com a tarefa de escrever um edital. A política de cultura dos

editais fez com que muitos moradores precisassem, para ter financiamento estatal para

seus projetos, aprender a escrever os mesmos. É preciso colocar no papel as

justificativas, os gastos e tudo que sirva para convencer o poder público da necessidade

daquele evento ou projeto.

70 Site UPP – Disponível em: http://www.upprj.com/index.php/o_que_e_upp

44

Outras opiniões divergentes também me auxiliaram no entendimento sobre o

baile hoje, como a do atual presidente da associação de moradores, Beto, e a de um dos

antigos idealizadores do baile, o Ivan. Todos eles concordam que o baile ter deixado de

acontecer foi uma grande perda e reconhecem que hoje o baile se dá com outro formato.

A começar pelo espaço físico da quadra, que ganhou cobertura, o que diminui a

capacidade de público. O presidente da associação aponta algumas barreiras simbólicas

que a quadra ajudou a criar, no sentido de criar uma festa fechada só para aqueles que

pagam pelo evento, como afirma o mesmo. Ainda que o valor seja entre 10 e 20 reais

para entrar. A crítica parte mais do sentimento de que o baile de hoje não tem os laços

com a favela que o da década de 1990 tinha.

Há uma crítica de que hoje o morador não pode botar suas barraquinhas como

colocava antes pra vender suas mercadorias, que o baile não consegue mais gerar uma

renda “partilhada” e sim concentrada na figura do caixa do baile. No entanto, eu vi

comerciantes locais lucrando, do lado de fora da quadra, com o evento no dia em que

estive no baile. Porém, imagino que na época da memória acionada os lucros eram

muito maiores e a demanda maior de frequentadores fazia com que mais moradores

pudessem lucrar.

Dinei foi me contando a história desse retorno, afirmou que o projeto Eu amo

baile funk ganhou um edital no ano de 2015 e escolheu fazer um baile no Chapéu

Mangueira. No ano de 2015 aconteceram 5 bailes, segundo o mesmo, com as equipes

Cashbox, Pipos e Dudas. Segundo ele:

“É totalmente diferente, mudou muita coisa. Tipo,

nosso baile começa 14h e acaba 2h, a galera chega 18h.

então começa 18h e acaba 2h. Aquela galera mais antiga

vem relembrar o baile, a gente não quer fazer como era

antigamente. É muito difícil, a gente não tem mais recurso.

Tem UPP, tem a questão do silêncio”

Nesse momento ele me mostra algumas fotos (Figura IX) de um dos bailes

acontecidos no ano de 2015 e comenta o simbolismo dela. A foto tem uma mulher, com

seus 30 anos, que frequentava o baile na época, e hoje levou seu filho de colo para o

baile. O produtor afirma que esse foi o clima desses bailes iniciais, um clima de

saudosismo e união.

45

Ainda sobre a questão dos editais e da UPP ele afirma:

“(...) hoje existem editais, e é isso que a gente tá

tentando escrever. Não existem editais hoje que é só pra

baile funk, é o Favela Criativa71. O problema da UPP, a

fragilidade surgiu porque eles não discutiram com as

lideranças locais. Eles viram que não ia dar certo se

matassem a cultura local. Tem vários editais para Jazz, isso

não contempla a gente. O que contempla a gente é perguntar

a pessoa. Quem sabe disso somos nós, sabe?”

Outra fala que caminha na direção da anterior, vem da entrevista com Ivan:

(...) a própria segurança pública não soube entrar

nas comunidades e respeitar as raízes das comunidades. A

UPP não veio para fazer uma história, a UPP veio para

conhecer uma história. E eles não entenderam isso. Então,

quando ela chega no Chapéu Mangueira, que tinha o maior

baile, e não consegue entender isso como uma história, que

vai ser contada por você e daqui há 100 anos por mais

alguém, a UPP não soube fazer isso.(...) eu acho que o

governo, quando faz esses editais, é uma justificativa só, pra

dizer que tá acontecendo, mas que na verdade não muda

nada. Normalmente, o cara que escreve o edital não é o cara

que organiza o baile, porque o cara que organiza o baile é

da comunidade. Apesar de que as pessoas aprenderam a

fazer projeto. Mas eu acho que você diminui muito o

pertencimento local. O baile hoje não é mais um baile teu,

ele é um baile patrocinado. Você tem um limite. Eu não tô

trabalhando com baile, a molecada não tá trabalhando no

baile. Eu já tive que ir buscar equipe de som no Aterro, no

Ano Novo, porque os trajetos estavam todos fechados e o

equipamento de som só entraria se fosse comigo. Isso a gente

não tem mais hoje, porque é do Estado. Só que o Estado não

quer fazer.”

Entramos na questão do financiamento e da produção do baile. Quais são os

limites de atuação dos produtores locais? E a atuação do Estado deve se dar em quais

momentos? É muito interessante ver um morador cobrando a agência do projeto, ele

71 Para entender melhor do que se trata é importante que o leitor leia o edital em questão, disponível no

link: http://www.cultura.rj.gov.br/tcfc2016/assets/light/06_2016_Agenda_Funk_RJ.pdf

46

geralmente o faz porque sabe que aquela é uma atividade que ele tem algum domínio,

dado pela prática. A questão específica do baile do Chapéu Mangueira é de deixar

qualquer um confuso, vide o discurso oficial que diz que a política dos editais vem para

tirar as manifestações culturais do domínio de grupos do dito “crime organizado”.

Como os registros nos mostraram, no momento da interdição dos bailes, na década de

1990, era totalmente reconhecida a autonomia da produção do baile em relação a

quaisquer grupos que não o Bloco Aventureiros do Leme. O grupo sabia produzir a

festa e fazer gerar lucro para movimentar outros eventos culturais do local, mas isso não

foi levado em conta. Vinte anos depois, o Estado deseja arbitrar uma festa que sempre

negou o arbítrio de grupos terceiros.

O atual organizador reconhece as dificuldades que o baile tem hoje pra

acontecer. Nos três últimos anos talvez 10 edições tenham acontecido. Ao falar desta

realidade com amigos da Zona Norte, mais especificamente do Complexo do Alemão,

obtive a informação de que por lá e por algumas outras favelas, os bailes tem se dado

com intervalos irregulares e em locais variáveis. Não se sabe expressar exatamente o

motivo, mas é possível perceber a todo o momento políticas de negociação com os

comandos das UPPs.

O atual organizador do baile, diz que mantém diálogo com o comandante da

UPP, e que mesmo sem edital consegue a autorização do mesmo para que bailes

aconteçam. A dificuldade está no fomento. No entanto, acompanhamos inúmeras

denúncias de interdição de bailes funks na cidade do Rio de Janeiro ainda hoje. A

expressão é tão grande que um grupo da sociedade civil, Meu Rio72, criou um aplicativo

para que denúncias de abusos policiais fossem feitas, dentre elas estão as interrupções

abruptas de bailes funk. O aplicativo se chama Defezap e é uma iniciativa que envolve

defensores públicos, midiativistas do morro e do asfalto.

Em postagem do dia 8 de maio deste ano temos a seguinte matéria:

“No dia 7 de maio de 2017, logo após a final do campeonato carioca (aprox. 18h30), um

pagode aconteceria em uma pizzaria na comunidade do Mandela, em Manguinhos, não fosse a chegada

da PM no Caveirão. Conforme mostram as imagens recebidas pelo DefeZap, o blindado foi utilizado

mais uma vez pela polícia militar para destruição de equipamentos de som.

Como temos denunciado, esta é uma prática recorrente no Rio de Janeiro. Em menos de dois

meses, já recebemos quatro denúncias com provas audiovisuais. Isso sem falar nos relatos de casos que

72 Autodefinido no site da organização como: uma rede de ação por um Rio de Janeiro mais democrático,

inclusivo e sustentável. (...) Somos independentes e apartidários. Não aceitamos dinheiro de governos,

partidos, empresas públicas ou privadas.”

47

não foram filmados. Produtores culturais entrevistados em sigilo pela nossa equipe afirmam que esta

prática ocorre há mais de uma década, quase todos os finais de semana.

Nossa equipe encaminhou o material para o Ministério Público e Secretaria de Segurança.

Vamos cobrar abertura de investigações oficiais e monitorar os procedimentos.”

Além deste trabalho, é interessante perceber como os próprios agentes culturais

das favelas tem usado suas redes sociais para denunciar abusos de autoridade e sinalizar,

dentre outras coisas, a forma como o funk é vista pelos poderes públicos. Alguns

exemplos disto estão no anexo deste trabalho (Figuras X e XI).

O grande motivo deste trabalho talvez seja a vontade de fazer ecoar estas vozes,

sem qualquer intenção de “dar voz” a quaisquer sujeitos, pois eles a tem. Ver as

denúncias tão pertinentes e tão estarrecedoras faz com que entendamos que, como

afirma a professora Adriana Facina, “Assim, se o movimento funk conseguiu

reconhecimento legal, ele ainda está longe de conseguir garantir a existência de sua

expressão maior: o baile funk”.73 E é esta reflexão que nos levará ao nosso terceiro

capítulo.

73 Criminologia de Cordel 2 (p.66)

48

NEOLIBERALISMO E CRIMINALIZAÇÃO DO FUNK

Neste capítulo pretendo abordar melhor as relações existentes entre a

Criminalização da Pobreza e a Criminalização do Funk. Para bem fazê-lo é necessário

compreender que o funk só surge neste cenário por conta de questões sociais específicas

do neoliberalismo. Este modelo desponta como resposta a uma crise do capital que

aconteceu na década de 1970, mais especificamente no ano de 1973. Alguns livros de

história utilizam ainda a nomenclatura “Crise do Petróleo” para abordar este momento,

porém, alguns teóricos marxistas vêm se esforçando em mostrar que esta foi mais uma

das crises estruturais e episódicas do capital. As taxas de inflação subiram na medida

em que havia uma combinação entre recessão econômica e uma baixa taxa de

crescimento, trocando em miúdos, uma queda na taxa de lucros em reflexo a uma

superprodução de mercadorias. Como nos informa Fernanda Kilduff em sua dissertação:

“A capacidade produtiva ociosa e a inflação

provocaram a subida do preço do petróleo que, na verdade,

acabou por acentuar essa tendência inflacionária

constituindo-se em um detonador da crise, afetando tanto os

países imperialistas como as semi-colonias; todavia não

pode ser confundida como a causa da crise analisada.”74

A resposta dos economistas e ideólogos do período ao clima especulativo desta

crise foi o neoliberalismo. O ataque passou a ser feito ao Estado de bem estar, que no

Brasil sabemos que não ocorreu, aos sindicatos e as organizações partidárias dos

trabalhadores. A crítica ao intervencionismo do Estado passou a ser o mote principal

dos defensores do ideário neoliberal.

No entanto, é um engano pensar que a defesa era a da diminuição do Estado. A

questão principal era fazer com que o livre mercado fosse compreendido como o melhor

gestor dos recursos. O Estado continuará intervindo, no entanto, sua atuação se dá no

sentido de preservar as possibilidades de ampliação do mercado como força autônoma

no jogo da oferta e demanda.

Ao olharmos para o cenário mundial temos Augusto Pinochet (1973, Chile),

Margaret Tatcher (1979, Inglaterra), Ronald Reagan (1980, Estados Unidos), Helmut

Kohl (1982, Alemanha), etc. Todos estes, sinalizam em seus governos que medidas

74 “A criminalização da pobreza no marco do capitalismo contemporâneo: uma análise sobre as mudanças

na política criminal argentina e seus rebatimentos para o Serviço Social no âmbito penal” (p.18)

49

econômicas de caráter neoliberal devem ter espaço. O final da década de 1980 reserva

uma ofensiva destes planos de governo a nível internacional. Com o fim da Guerra Fria,

a queda da União Soviética e o fim de experiências do Socialismo Real, o poder de

convencimento de que um novo receituário econômico deveria ser seguido aumenta

consideravelmente. A questão é: de novo esse receituário tinha pouca coisa, a

acumulação de capital continuava a ser a questão central. Assistiríamos nos próximos

anos a processos de privatizações e reestruturação do mercado de trabalho que visavam

exatamente este intento.

A respeito destes processos de reestruturação do mercado de trabalho, é preciso

entendê-los como uma marca do capitalismo contemporâneo. “O capitalismo

contemporâneo encontra – na expulsão do mercado formal de trabalho de amplos

contingentes de população – o seu traço mais significativo, como também sua tendência

mais destrutiva e barbarizante”.75

A criminalização da pobreza é uma ferramenta ideológica muito poderosa, a

qual recorre a corrente neoliberal. O trabalho da professora Cecília Coimbra76 cita a

discussão dos teóricos que ensaiavam, pelo campo científico, a afirmação da existência

de “classes perigosas”. A América Latina se depara com, mais efetivamente após

Consenso de Washington (1989)77, uma série de medidas que visam alimentar a

hegemonia neoliberal no continente.

A criação de um inimigo comum, assunto que tratamos brevemente nos

capítulos anteriores ao falar dos varejistas de drogas nas favelas, passa a ser uma

justificativa para que se aceite todo tipo de ofensiva neoliberal, “como trabalhos de

inteligência, controle de fronteiras, criação de bancos de dados pessoais, operações

policiais e militares nos bairros empobrecidos, a aceitação quase generalizada do

recurso ao encarceramento como remédio para o crime.”78

O que se assistiu foi um grande deslocamento de receitas públicas para

operações policiais e todo tipo de política penalista. O âmbito das políticas sociais é

bastante esvaziado e a noção de que vivemos em um combate passa a ser latente. É

importante lembrar que falar de penalismo e da ofensiva de um ideário de segurança

75 A criminalização da pobreza no marco do capitalismo contemporâneo: uma análise sobre as mudanças

na política criminal argentina e seus rebatimentos para o Serviço Social no âmbito penal. (p. 30) 76 Operação Rio: um estudo sobre a violência urbana, a mídia impressa e os discursos de segurança

pública. 77 Reunião entre economistas do FMI e do Banco Mundial que formulou um pacote econômico que viria a

ser aplicado como receituário na década de 1990 em diversos países a fim de ajustar a economia mundial 78 A criminalização da pobreza no marco do capitalismo contemporâneo: uma análise sobre as mudanças

na política criminal argentina e seus rebatimentos para o Serviço Social no âmbito penal. (pp. 31-32)

50

pública voltado para o combate de um inimigo comum é falar também de um sistema

judiciário extremamente conivente com esses valores e práticas.

A lógica belicista que separa a sociedade entre bandidos e cidadãos de bem,

ratifica que o ideal de ressocialização é balela. Exterminar o inimigo tem custos menos

elevados que reeducar sujeitos, segundo o neoliberalismo. A teoria de que existem

sujeitos irrecuperáveis é cada dia mais retroalimentada e as medidas tomadas em relação

a estes devem ser a cadeia ou morte, quaisquer outras medidas seriam dar a chance

destes cometerem novos delitos. Desta maneira, mesmo o cárcere é despossuído de seu

caráter educador e a pena passa a ser um fim em si mesma. Assistimos em nossos dias,

não à toa, ao crescimento de uma superpopulação carcerária em nosso país, vivendo em

condições desumanas.

Especificamente nos Estados Unidos, temos a política conhecida como

“Tolerância Zero”, surgindo através da figura de Rudolph Giuliani, no ano de 1993. A

lógica de guerra, fomentada em parte por um mercado que tem enorme interesse em

vender armas e “proteção”, é renovada na figura do “combate as drogas”. Mais

especificamente, a política de Tolerância Zero mostrava que mesmo os delitos tidos

como pequenos deveriam ser reprimidos. O policiamento de áreas populares foi

intensificado, visto que se acreditava que estes lugares eram focos de desordem e local

dos pequenos delitos.

Direitos individuais são retirados de pessoas que moram nas favelas, nos guetos

do mundo, em escalada impressionante. O clima de suspeição generalizada é instalado

nestes locais e abusos de autoridade passam a ser corriqueiros. Auxilia-nos na análise

do caso brasileiro o estudioso das questões criminalistas, Orlando Zaccone:

“O ‘traficante’, a partir dos anos 80, passa a ser

utilizado como termo estigmatizante capaz de reduzir a

compreensão acerca de um indivíduo. Se nos anos 70 o

‘comunista’ era o responsável por ‘degustar criancinhas’ em

nosso país, hoje o ‘traficante’ é responsável até por

estimular o surgimento de favelas. Não é exagero (meu), mas

foi assim que o editorial de um dos jornais de maior

circulação do país analisou o processo de favelização na

cidade do Rio de Janeiro, ao se referir à invasão de um

terreno federal no bairro de Benfica com o título ‘Tráfico

pode estar estimulando surgimento de favelas’: ‘(...) a

rapidez com que o tráfico dominou essa pequena comunidade

gera a suspeita de que toda a invasão-relâmpago tenha sido

51

uma operação, senão comandada, pelo menos instigada pelo

crime organizado’

Não é preciso se aprofundar na carga

estigmatizante que o termo ‘traficante’ revela, mas é bom

lembrar que os chamados ‘autos de resistência’, inquéritos

instaurados a partir da morte de pessoas em conflito com a

polícia, são muitas vezes arquivados quando se descobre que

as vítimas têm em suas fichas criminais alguma ‘passagem’

ou condenação no tráfico de drogas. O traficante

estigmatizado, ou seja, aquele que apresenta uma relação

entre o atributo presente na venda de substância

entorpecente e o estereótipo do criminoso (preto, pobre,

favelado) é um verdadeiro passe livre para as ações policiais

genocidas.”79

É importante compreender que o receituário neoliberal tem suas particularidades

quando aplicado na América Latina, sobretudo no Brasil. A herança de mais 300 anos

de um passado escravocrata imprime em nosso país marcas de um racismo bastante

acentuado e indissoluvelmente ligado às questões de classe. Em sua obra, Zaccone

consegue colocar a questão que tratamos especificamente no nosso trabalho.

Continuando no tema “dos discursos de lei e ordem disseminados pelo pânico”, temos:

“O estereótipo do bandido vai-se consumando na

figura de um jovem negro, funkeiro, morador de favela,

próximo do tráfico de drogas vestido com tênis, boné,

cordões, portador de algum sinal de orgulho ou de poder e

de nenhum sinal de resignação ao desolador cenário de

miséria e fome que o circunda.”80

Aqui está nosso elo. Não se pode compreender a criminalização do funk sem que

se compreenda o fenômeno maior da criminalização da pobreza. Quem é criminalizado

é o sujeito que canta, compõe, vende, ouve, enfim, faz o funk. Curiosamente, o perfil

deste sujeito é majoritariamente o mesmo perfil daqueles que estão sofrendo com o

encarceramento em massa, que são parados cotidianamente nas portas giratórias de

bancos, que são seguidos em lojas de shoppings, etc.

79 “Acionistas do nada: quem são os traficantes de drogas” (p.58) 80 Acionistas do nada: Quem são os traficantes de drogas (p. 21)

52

O funkeiro sofre as agruras que o racismo inflige à sociedade. Os embargos à

manifestação cultural não se dão pela mensagem que ela canta ou por qualquer outro

caráter estético, mas sim por sua origem de classe e raça. A história do ritmo mostrou

que diversas foram as nuances em que ele navegou, e em todas elas houve uma tentativa

de silenciamento e criminalização.

Ter “sinal de orgulho e poder” significa ameaçar setores da elite, trabalhador

não resignado é trabalhador rebelado, e isto causa ojeriza. Falar de rebeldia não equivale

a falar de uma emancipação econômica nos moldes de uma luta de classes idealizada

por alguns movimentos de esquerda hoje no Brasil e isso causa grande confusão nos

fóruns em que o funk é tema. Movimentos de esquerda e direita buscam no funk papel

ressocializador que a cultura não deve necessariamente ter, papel educador não é

obrigação de qualquer movimento cultural e não deve ser cobrança para o funk.

Como afirma a professora Adriana Facina:

“essa criminalização, que resulta no fechamento da

maioria dos bailes dos clubes no final da década, gerando

dificuldades econômicas para seus artistas e o

desaparecimento de grande parte das centenas de equipes de

som que balançavam os funkeiros em todos os cantos da

cidade, é parte de um processo histórico mais amplo. É o

período de imposição da devastação neoliberal, que tem

como uma de suas faces mais perversas a substituição do

Estado de Bem- Estar Social pelo Estado Penal, destinado

aos pobres a força policial ou a cadeia. Abandonados os

sonhos de uma incorporação à sociedade de consumo via

emprego, restou à classe trabalhadora o lugar de

humanidade supérflua e, portanto, menos humana do que

aqueles que são considerados a ‘boa sociedade’. Quanto

maior a desigualdade social, mais perigo para a ordem essa

humanidade supérflua representa. A criminalização da

pobreza e o Estado Penal são respostas a isso. Mas

criminalizar a pobreza requer que se convença a sociedade

como um todo de que o pobre é ameaça, revivendo o mito de

classes perigosas que caracterizou os primórdios do

capitalismo. E isso envolve não somente legitimar o envio de

caveirões para deixar corpos no chão das favelas, mas

53

também criminalizar seus modos de vida, seus valores, sua

cultura. O funk está no centro desse processo”81

Em entrevista com Dinei, já citado nos capítulos anteriores, ele me disse em sua

reflexão sobre o fim do baile e a relação entre Leme e Chapéu Mangueira:

“Eles reclamam que foram roubados, mas eles não

querem saber o que acontece a 100m deles, que é na favela.

Não somos nós que temos que defender ninguém, a gente não

tem nada a ver com a segurança pública. (...) Hoje tu vê,

sábado e domingo não tem nada e tem arrastão. Não tá

seguro, entendeu? Porque segurança não é com polícia,

segurança tem a ver com a rua iluminada, a rua

movimentada, o encontro das pessoas. A memória do bairro

tem que conversar com o Chapéu Mangueira e a Babilônia.

Quem mora no bairro do Leme tem que conversar com tudo

isso. Um lugar que não se discute memória é um bairro

morto.”

A fala reforça a noção de que um baile, “espaço de troca privilegiado” do funk,

acaba não pelo que canta ou, pelo menos não exclusivamente, pelos decibéis que

alcança, mas sim pela carga simbólica da festa. (...) o controle social exercido pela

polícia sobre os guetos urbanos, seja restringindo o direito de reunião, locomoção,

lazer ou o da inviolabilidade domiciliar, sob a chancela discursiva do direito penal na

‘guerra contra as drogas’”82 vê nos bailes funk uma ameaça. E esta se dá não por conta

da suposta clara associação entre a atividade do varejo das drogas e o baile, mas pelo

poder que a festa tem de agregar e fazer as mazelas serem gritadas.

O ponto mais difícil de todo este processo de entrevistas que realizei foi ouvir de

um dos idealizadores do baile, Ivan, a seguinte afirmação:

“O desafio era convencer a Segurança Pública e os

moradores do Leme de que aquilo era importante para a

juventude da época, tanto a daqui, quanto a de lá. Aquilo era

importante. Eles falavam: - ‘Ah, mas tem consumo de

drogas’. Mas na praia tem, no sambadrómo tem, no ‘Rio

Parada Funk’ tem. Não é o morro. Convencer a autoridade

disso era o complicado, porque eles não conseguiam mudar

o olhar. Esse foi o maior desafio e eu perdi.”

81 “Que batida é essa?” (p 27) 82 Acionistas do nada: Quem são os traficantes de drogas (p. 129)

54

Ouvir de uma liderança comunitária já tão experiente a sentença “eu perdi” me

causou tremendo incomodo. Como entrevistadora eu não pude deixar de retrucar e falar

que não concordava. No entanto, Ivan manteve-se firme em sua convicção e explicou

que considera ter perdido porque o baile realmente foi interditado em 1995. A passagem

me fez recordar o que diz Pablo Laignier em sua tese, ao falar das políticas que visam

dar fim aos bailes funk na cidade:

“(...) participar deste tipo de elemento cultural é,

para muitos moradores de comunidades/favelas e subúrbios

uma espécie de manutenção de seu pertencimento

comunitário em meio à vida societária de relações efêmeras

e atomizadas do Rio de Janeiro do início do século XXI.

Quando se discute a importância de não reprimir os bailes

funk no Rio de Janeiro, o que ocorreu nos anos 1990 e voltou

a ocorrer recentemente por conta das UPPs, é porque os

bailes são lugares de manutenção da ordem simbólica de

grupos excluídos socialmente de outras possibilidades

culturais/entretenimento. O campo de possibilidades é muito

restrito em determinadas áreas da cidade (vide o número de

aparelhos culturais e sua distribuição desigual pela cidade).

O baile funk constitui, portanto, mais do que um

entretenimento sem importância e de fácil substituição:

constitui um espaço onde se desenrolam atividades

importantes de sociabilidade de muitos jovens cujo

pertencimento a áreas de baixo IDH e com poucas opções de

lazer organizado podem usufruir de momentos de lazer e

diversão.”83

CONSIDERAÇÕES FINAIS

83 Do funk fluminense ao funk nacional (pp. 141 – 142)

55

Muitos foram os momentos em que me peguei pensando nos sentidos deste

trabalho. A cada vitória do movimento funk, a cada aceitação e manifestação de

reconhecimento mais eu me questionava sobre meu tema. No entanto, projetos de lei

tentando criminalizar o funk existem e conseguem colher mais de 20.000 assinaturas84,

ainda que se mostrem inconstitucionais. O funk resiste, a cada ataque que sofre, potente

camaleão. Marca de sua característica de cultura popular, sobreviver é sua maior faceta.

Em entrevista ao jornal Nexo, MC Carol afirma:

“Não tem mais bailes nas comunidades do

Rio de Janeiro. A UPP acabou com os bailes. Só

com eles, porque droga e arma ainda tem, o tráfico

ainda existe, não mudou. Não tem mais baile funk há

uns 3 anos. Se tivesse um baile organizado, estaria

gerando mais empregos. Se o baile rolasse numa

quadra, com horário para começar e terminar, tudo

certinho, seria uma parada legal. Mas dá mais

dinheiro colocar na porta de uma boate ‘baile de

favela’: vão cobrar entrada, vão cobrar bebida.

Baile na comunidade não interessa para eles.”85

Em poucas linhas a cantora consegue expressar importantes aspectos deste

trabalho. Em tempos de renovadas perseguições ao carnaval, entender que a perseguição

ao funk é perniciosa a nossa sociedade é preciso. Tais perseguições revelam que os mais

velhos preconceitos de classe e raça ainda são os mesmos, estão direcionados aos

trabalhadores e se reinventam com o passar do tempo.

Ainda na década de 1990, os funkeiros Marcio e Goró, cantavam na música

“Liberdade dos funkeiros”: “A nossa juventude hoje chora/ porque o funk está preso na

gaiola/ se a nossa justiça for fiel/ dê liberdade pra ele voar pro céu.” Colocar estes dois

trechos de música em perspectiva pode parecer um exercício de pessimismo e um

condicionamento ao leitor para que entenda que não tivemos ganhos na luta por

reconhecimento. A ideia realmente não é essa, os diversos trabalhos acadêmicos que

abordam o funk têm mostrado incansavelmente os avanços que tivemos. O final desse

84Disponível em https://www.nexojornal.com.br/expresso/2017/06/03/Um-projeto-de-lei-quer-

criminalizar-o-funk.-De-onde-vem-essa-vontade Acessado em: 04/07/2017

85 Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/entrevista/2017/03/17/MC-Carol-%E2%80%98A-UPP-

acabou-com-o-baile-funk-mas-ainda-tem-tr%C3%A1fico-e-arma%E2%80%99 Acessado em 04/07/2017

56

trabalho deseja mostrar que seguimos, no Chapéu Mangueira e em outras infindas

favelas, a lutar pelo funk, a lutar pelo direito de cantar, a lutar pela vida plena e vivida.

Como foi levantado no trabalho, o funk é uma cultura de sobrevivência. Todos

os dias ele se reinventa e permanece vivo em nosso cenário cultural. As duas próximas

afirmações nos auxiliam no sentido de compreender esta tese. Pablo Laignier afirma:

“Se o funk parece simples em sua forma, a maneira

como esta música periférica foi tomando e ocupando espaços

para além das favelas, principalmente nos últimos anos, tem

muito a ver com estratégias racionais elaboradas por seus

produtores, compositores e intérpretes. O funk, como

movimento que engloba um gênero específico de música e

determinados eventos (bailes) ligados a este gênero, foi

extremamente perspicaz em sobreviver e desenvolver-se

como gênero musical, como elemento cultural e como

‘mercado’ próprio com grande grau de independência com

relação à grande mídia e às grandes gravadoras devido a

estas estratégias de sobrevivência e de adaptação. O funk é

camaleônico e democrático, plural e muito mais inteligente

do que os setores médios pensam a seu respeito. Trata-se de

uma inteligência popular, não culta ou erudita de um modo

geral, nem tampouco arrogante.”86

No mesmo caminho está a colaboração da estudiosa Mylene Mizrahi:

“Se o processo de institucionalização objetificou

uma noção de cultura que fez coincidir reivindicações de

identidade coletiva com demandas governamentais e suas

políticas públicas, a própria dinâmica da cultura

transformou o funk ao englobar a noção oficial de cultura,

desestabilizando-a ao invés de reificá-la. As ambiguidades

que derivam da seleção de significados e da ressignificação

de sentidos foram incorporadas ao próprio processo de

invenção da cultura a partir da criatividade do sujeito funk e

de sua dinâmica inventiva. O funk não se deixa aprisionar e

para se legitimar não abre mão de seus ideais estéticos e

cosmológicos”87

86 Do funk fluminense ao funk nacional (p. 229) 87 A institucionalização do funk carioca e a invenção criativa da cultura (p. 877)

57

Os dois autores nos ensinam que o funk usa de estratégias para sobreviver e que

isso é parte da prática de vida das favelas cariocas. Resistir às tentativas de

domesticação é marca deste movimento cultural e de outros já anteriormente

perseguidos. Olhar para a história do baile do Chapéu Mangueira é fazer o exercício de

perceber como o funk se reinventa dentro de suas possibilidades. Neste sentido é

importante lembrar que na:

“(...) interdição, em junho de 1995, do baile do

Chapéu Mangueira, frequentado por mais de cinco mil

pessoas à época, devido a reclamações sobre o volume do

som partidas de moradores do Leme e Copacabana – o

asfalto – e sobre o tráfico de drogas. A então senadora

Benedita da Silva assim se manifestou a respeito: ‘O tráfico

na Vieira Souto não é diferente do que se vê no Chapéu

Mangueira. (...) Todo mundo sabe onde funciona a boca-de-

fumo. É uma desfaçatez do Poder Público, que não dá jeito

no tráfico’ (...) O projeto de isolamento acústico do baile só

se tornou realidade em dezembro, quando o fechamento

prolongado e a saída de evidência do ‘baile da paz’ haviam

sufocado em definitivo o baile como fora conhecido: a

coqueluche do verão de 1994, para onde todas as classes

sociais confluíam harmonicamente.”88

O histórico de repressão a este baile, em específico, nos mostra que o fator

decisivo para sua interdição foi a suposta associação do evento com o tráfico de drogas.

As negociações a respeito da criação de uma concha acústica, a sua não execução e

ainda assim, a proibição do baile, enfim nos mostram que este processo criminalizante

pautou-se no debate da “guerra as drogas” e encontrou nele seu maior aliado na

empreitada da criminalização dos bailes funk.

Hoje, tampouco temos horizontes de ampliação do entendimento, por parte das

autoridades, da importância dos bailes funk continuarem acontecendo nas favelas. O

argumento de que o baile é uma festa de promoção do tráfico e fomento das vendas de

drogas ilícitas ainda é extremamente presente no ideário do Estado brasileiro. O

processo de pacificação tem mostrado que, se for preciso acabar com o divertimento de

jovens cariocas infindos a fim de manter-se nessa luta “pela paz”, continuará a fazê-lo.

Como afirma a professora Adriana Facina:

88 Direito e cultura popular: o batidão do funk carioca no ordenamento jurídico (p. 72)

58

“O baile é o espaço mais visível do acirramento dos

conflitos durante o processo de legitimação das UPPs. A

justificativa da proibição de realização das festas por

alegação de associação entre baile e tráfico não se sustenta.

Em trabalho de campo, eram comuns os relatos de

comandantes que diziam ‘faça um forró, um pagode, porque

funk eu não gosto e não vou liberar’. O que é combatido

pelos órgãos de Segurança Pública não é o funk como

fenômeno social, pois este continua a ser consumido nas

mais diversas formas de mídia, festas de Ano Novo em

Copacabana, reuniões familiares em salões de festa. O que é

combatido é o funk como exercício de sociabilidade na

favela.”89

A guerra contra a população jovem, negra e favelada da cidade do Rio de Janeiro

mantém-se, a militarização é mais presente que nunca e os bailes encontram-se cada vez

mais esvaziados de uma rotina de locais e horários fixos para acontecer. Quando a festa

acontece, se dá em momento esporádico, em locais não costumeiros. O funk é meio de

comunicação e cultura de resistência, na medida em que é marca da presença indesejada

de sujeitos que tecem suas vidas mesmo em meio a cenários conturbados.

A UPP fez surgir uma espécie de “baile nômade” e este acaba minando com a

vinculação que o funkeiro tem com o seu baile, com o baile mais próximo de sua casa.

Discutir a proibição dos bailes funk em áreas de UPP é compreender que o espaço da

festa é o espaço da criação de identidades, de formação de sujeitos e de luta pela

manutenção de discursos contra-hegemônicos. A defesa do encontro, numa sociedade

que mata a depender da raça e do CEP, é a defesa da vida. Enquanto a cultura continuar

figurando como apêndice da pauta dos direitos propagaremos não a vida, mas a

sobrevida.

Como se diz por aqui, nas mais adversas situações, “segue o baile!”

89 Agora abaixe o som (pp.16-17)

59

FONTES

1.Fontes orais

Entrevistas realizadas pela autora:

Entrevista com Leonardo (MC Leonardo) – 11/10/2016 – no Centro do Rio de Janeiro.

Entrevista com Dinei (atual organizador do baile) – 21/10/2016 – no Leme.

Entrevista com Eduardo (dono da equipe de som Duda’s’) – 01/11/2016 – no bairro

Barreto, em Niterói

Entrevista com Luis Alberto de Jesus (atual presidente da associação de moradores) –

07/11/2016 – Chapéu Mangueira

Entrevista com Ivan de Jesus (idealizador do baile na década de 1990) – 12/11/2016 –

Chapéu Mangueira

Entrevistas consultadas:

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O Globo, 10/10/1995, Matutina, Rio, p 17

O Globo, 14/12/1995, Matutina, Jornais de Bairro, p 4

O Globo, 20/12/1995, Matutina, Rio, p 28

O Globo, 04/03/1996, Matutina, Rio, p 8

O Globo, 18/05/1995, Matutina, Rio, p 10

61

Disponível em https://www.nexojornal.com.br/expresso/2017/06/03/Um-projeto-de-lei-

quer-criminalizar-o-funk.-De-onde-vem-essa-vontade Acessado em: 04/07/2017

Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/entrevista/2017/03/17/MC-Carol-

%E2%80%98A-UPP-acabou-com-o-baile-funk-mas-ainda-tem-tr%C3%A1fico-e-

arma%E2%80%99 Acessado em 04/07/2017

3.Cartazes e folders

Cartaz de divulgação do Baile do Chapéu Mangueira (12/11/2016), realizado pela

equipe Furacão 2000

4.Produções audiovisuais

Acervo audiovisual do NECC/ FACHA referente ao projeto “Versão do Passado”

Filme “Orfeu Negro”, de Marcel Camus

Documentário “Babilônia 2000”, de Eduardo Coutinho

Canção “Baile de Favela 3 (Versão Rio de Janeiro)”, produzida por Dennis DJ

Canção “Endereço dos bailes”, de autoria de MC Junior e MC Leonardo

5.Relatos em redes sociais

Aplicativo DEFEZAP (postagem do dia 08/05/2017)

Relatos de DJ’s em redes sociais, conforme anexo

6.Fotografias

“Menino colaborando no mutirão de construção do galpão de artes, em 1982” (Arquivo

NECC – Faculdades Integradas Hélio Alonso).

“Moradores em mutirão para a construção da creche, em 1985” (Arquivo NECC –

Faculdades Integradas Hélio Alonso).

“Exposição Macabra” (Leonardo Dias Correa).

“Morte em exposição na rua” (Leonardo Dias Correa).

Fotos do baile (12/11/2016), registradas por Dinei Medina, atual produtor do baile, e

divulgadas em rede social.

Foto do baile (2015), disponível em rede social.

62

ANEXO

Figura I “Menino colaborando no mutirão de construção do galpão de artes, em 1982” (Arquivo NECC –

Faculdades Integradas Hélio Alonso)

Figura II

“Moradores

em mutirão

para a

construção da

creche, em

1985”

(Arquivo

NECC –

Faculdades

Integradas

Hélio Alonso

63

Figura III “Exposição Macabra” (Leonardo Dias Correa)

Figura IV “Morte em exposição na rua” (Leonardo Dias Correa)

64

Figura V – Cartaz de divulgação do baile (12/11/2016), realizado pela equipe Furacão

2000

Figura VI Foto do baile (12/11/2016), registrada por Dinei Medina

65

Figura VII - Foto do baile (12/11/2016), registrada por Dinei Medina

66

Figura VIII - Foto do baile (12/11/2016), registrada por Dinei Medina

Figura IX – Foto de um dos bailes ocorridos no ano de 2015, disponível em rede social

67

Figura X – Relato de DJ em rede social

Figura XI – Relato de DJ em rede social

68

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