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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSTITUTO DE CIÊNCIAS DA SOCIEDADE DE MACAÉ DEPARTAMENTO DO CURSO DE DIREITO EDERSON JOSÉ DE JESUS JUNIOR PRECARIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO NA ERA DIGITAL: UMA ANÁLISE DA CONDIÇÃO DE MOTORISTA DE UBER NO BRASIL Macaé 2019

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

INSTITUTO DE CIÊNCIAS DA SOCIEDADE DE MACAÉ

DEPARTAMENTO DO CURSO DE DIREITO

EDERSON JOSÉ DE JESUS JUNIOR

PRECARIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO NA ERA DIGITAL:

UMA ANÁLISE DA CONDIÇÃO DE MOTORISTA DE UBER NO BRASIL

Macaé

2019

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EDERSON JOSÉ DE JESUS JUNIOR

PRECARIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO NA ERA DIGITAL:

UMA ANÁLISE DA CONDIÇÃO DE MOTORISTA DE UBER NO BRASIL

Trabalho de Conclusão de Curso

apresentado ao curso de graduação em

Direito do Instituto de Ciências da

Sociedade de Macaé, pertencente à

Universidade Federal Fluminense, como

requisito parcial para obtenção do grau de

Bacharel em Direito.

Orientadora:

Prof.a Dra. Clarisse Inês de Oliveira.

Macaé

2019

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Ficha catalográfica automática - SDC/BMAC

Gerada com informações fornecidas pelo autor

Bibliotecária responsável: Fernanda Nascimento Silva - CRB7/6459

J95p Junior, Ederson José de Jesus Precarização das Relações de Trabalho na Era Digital :

Uma Análise da Condição de Motorista de Uber no Brasil /

Ederson José de Jesus Junior ; Clarisse Inês de

Oliveira, orientadora. Macaé, 2019.

83 f. : il.

Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito)-

Universidade Federal Fluminense, Instituto de Ciências

da Sociedade, Macaé, 2019.

1. Uberização. 2. Precarização do Trabalho na Era

Digital. 3. Reformas e Flexibilizações. 4. Exploração

da Força de Trabalho. 5. Produção intelectual. I.

Oliveira, Clarisse Inês de, orientadora. II.

Universidade Federal

Fluminense. Instituto de Ciências da Sociedade. III. Título.

CDD -

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EDERSON JOSÉ DE JESUS JUNIOR

PRECARIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO NA ERA DIGITAL:

UMA ANÁLISE DA CONDIÇÃO DE MOTORISTA DE UBER NO BRASIL

Trabalho de Conclusão de Curso

apresentado ao curso de graduação em

Direito do Instituto de Ciências da

Sociedade de Macaé, pertencente à

Universidade Federal Fluminense, como

requisito parcial para obtenção do grau de

Bacharel em Direito.

Aprovado em 04 de dezembro de 2019.

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________________________________________

Prof.a Doutora Clarisse Inês de Oliveira (Orientadora)

Universidade Federal Fluminense

___________________________________________________________________________

Prof.ª Doutora Priscila Petereit de Paola Gonçalves

Universidade Federal Fluminense

___________________________________________________________________________

Prof. Doutorando Julio Cesar Gonçalves Campos Filho

Universidade Nacional de Rosário

Macaé

2019

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.

À todas as minorias que lutam por um mundo melhor.

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AGRADECIMENTOS

À minha mãe e minha irmã, por lutarem desde que nasci para que esta jornada se tornasse

realidade.

Ao meu companheiro e grande amor, David, por estar sempre ao meu lado, apoiar nas horas

mais difíceis e fazer cada pequeno momento da vida se tornar único, afetuoso e especial.

Aos meus gatos Darth Vader e Luke Skywalker, que trazem doçura e carinho nas horas mais

inusitadas possíveis.

Aos meus avós de coração Martins e Roci, que entraram na minha vida e trouxeram a ternura e

o aconchego de um português batalhador e de uma cearense guerreira.

À minha nova família: Andressa, Juliana, Narrimãn e Natália – apresentadas em ordem

alfabética pra não ter ciúmes – que essa faculdade me presenteou e que levarei para toda a vida,

compartilhando as alegrias, as dificuldades e as vitórias ao longo dessa jornada.

Aos meus amigos André e Yan, por demonstrarem o verdadeiro significado da palavra amizade

em fases delicadas e vulneráveis que surgiram nas ocasiões mais inesperadas.

Às inspiradoras amigas Lorena, Samara, Thaís, Thamires e Raysa Beiro, por sempre torcerem

juntas para o sucesso desta conquista.

Ao grande chefe Fabio Jogaib, por todo o apoio, incentivo e compreensão dedicados ao longo

da experiência única de estágio, que levarei para toda a vida.

À prof.ª Fabianne Manhães e ao servidor Wallace, que sempre se empenharam ao máximo pelos

alunos na coordenação do curso.

Aos professores Júlio Cesar e Priscila Petereit, por aceitarem fazer parte desta banca.

À Lady Gaga, por me fazer sentir orgulho da maneira com que nasci.

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Quanto mais poderoso o trabalho, mais impotente o trabalhador se torna.

Karl Marx

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RESUMO

A popularização das tecnologias de informação e comunicação, em especial, a internet – cujo

alcance é potencializado com a amplo acesso aos dispositivos móveis inteligentes, os

smartphones e tablets –– impactou significativamente na maneira pela qual os serviços são

ofertados na sociedade moderna, através de aplicativos disponíveis a qualquer indivíduo

conectado à rede, provocando, consequentemente, inúmeras implicações nas relações de

trabalho. Conjuntamente aos avanços tecnológicos na sociedade, desenvolvem-se novas formas

de alienação e exploração da mão de obra do trabalhador moderno, criando o fenômeno de

precarização das relações de trabalho na era digital. Desta forma, o presente trabalho tem por

objetivo analisar a condição de motorista da plataforma Uber no Brasil e a sua consequente

exploração pelo mercado econômico capitalista. A pesquisa apresentada neste trabalho se deu

através de revisão histórico-literária sobre as reformas e flexibilizações na legislação trabalhista

por meio dos governos Fernando Henrique Cardoso e Michel Temer desde a conquista da

Consolidação das Leis do Trabalho na Era Vargas; da investigação sobre as formas de

operacionalização da plataforma, a análise crítica em torno da exploração pela uberização da

força de trabalho dos denominados motoristas parceiros e, por fim, análise jurisprudencial sobre

o reconhecimento de vínculo empregatício nos Tribunais Regionais do Trabalho dos estados do

Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, assim como o recente entendimento do STJ – Superior

Tribunal de Justiça sobre a temática.

Palavras-chave: Uberização. Precarização do Trabalho na Era Digital. Reformas e

Flexibilizações.

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ABSTRACT

The popularization of information and communication technologies, in particular, the Internet

- whose reach is enhanced through broad access to mobile devices, smartphones and tablets -

has impacted the way services are offered in modern society through applications available

anywhere. individual connected to the network, consequently causing several implications on

work relationships. In conjunction with technological advances in society, develop new forms

of alienation and exploitation of the modern workforce, creating the precarious track record of

working relationships in the digital age. Thus, this paper aims to analyze the condition of the

Uber platform driver in Brazil and its consequent exploitation by the capitalist economic

market. The research presented in this paper brings the historical literary review on reforms and

flexibilization in labor legislation through governments Fernando Henrique Cardoso and

Michel Temer since the conquest of the Consolidation of Labor Laws in the Vargas Era; the

investigation of the ways of operation of the platform, a critical analysis on the exploitation of

the workforce of drivers called partners and, finally, a jurisprudential analysis on the

recognition of employment in the regional labor courts of the states of Rio de Janeiro, São

Paulo, Minas Gerais, as well as the most recent understanding of the Supreme Court of Justice

on the subject.

Keywords: Uberization. Precariousness of Labor in the Digital Age. Reforms and Flexibilities.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Quadro 01 – Comparativo entre as reformas do art. 59, §2º da CLT ....................... 18

Gráfico 01 – Participação de Mercado dos Sistemas Operacionais no Mundo ........ 29

Gráfico 02 – Comparativo entre plataformas no mercado mundial ......................... 29

Figura 01 – Evolução visual da Uber entre 2009 e 2011 ........................................ 32

Quadro 02 – Comparativo de preços entre Uber e o serviço de táxi comum

no Rio de Janeiro em 2015 .................................................................. 33

Figura 02 – Interface inicial do aplicativo Uber ...................................................... 35

Figura 03 – Solicitação da corrida no aplicativo ............................................................... 37

Figura 04 – Opção de Cancelamento de Viagem ..................................................... 37

Figura 05 – Avaliação da Corrida ............................................................................ 38

Quadro 03 – Requerimentos exigidos para cada categoria ........................................ 40

Figura 06 – Interface do aplicativo Uber Driver ao iniciar uma corrida .................. 41

Figura 07 – Opções de contato com o passageiro e cancelamento da viagem .......... 42

Figura 08 – Área 01 – Regiões do subúrbio do Rio de Janeiro e cidades adjacentes. 46

Figura 09 – Área 02 – Regiões nobres da Zona Sul e Zona Oeste do Rio de Janeiro. 46

Quadro 04 – Comparativo entre os valores das tarifas dos motoristas conforme a

área e a modalidade do serviço ............................................................. 47

Figura 10 – Publicidade do aplicativo Uber na rede social Facebook ...................... 55

Figura 11 – Publicidade da empresa Uber ............................................................... 58

Quadro 05 – Resultados da busca pelo termo uber .................................................... 64

Quadro 06 – Resultados pós-refinamento das buscas ............................................... 65

Quadro 07 – Filtragem por eixo temático pós-refinamento das buscas ..................... 65

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

art. artigo

CF Constituição Federal

CLT Consolidação das Leis do Trabalho

CNPJ Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas

FHC Fernando Henrique Cardoso

GPS Global Position System

MP Medida Provisória

OIT Organização Internacional do Trabalho

PLR Participação sobre lucros e resultados da empresa

SMS Short Messaging Service

STJ Superior Tribunal de Justiça

TICs Tecnologias de informação e comunicação

TJRJ Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro

TRT Tribunal Regional do Trabalho

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................. 11

1 MODERNIZAÇÃO OU PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO? AS

REFORMAS TRABALHISTAS NOS GOVERNOS FHC E TEMER ..... 13

1.1 As Reformas Trabalhistas no governo FHC ............................................... 14

1.2 Novas formas de trabalho introduzidas pela Reforma Trabalhista no

governo Temer ...............................................................................................

20

2 UBERIZAÇÃO E O NOVO PROLETARIADO DA ERA DIGITAL ....... 25

2.1 Crise e Desemprego enquanto ferramentas do Capitalismo ..................... 25

2.2 Novas Tecnologias e a Plataforma Uber ..................................................... 28

2.3 “Motorista parceiro-colaborador” ............................................................. 48

3 ANÁLISE JURISPRUDENCIAL DA CONDIÇÃO DE MOTORISTA

DE UBER NO BRASIL ................................................................................

59

3.1 Requisitos Legais para formalização do vínculo empregatício ................. 60

3.2 Acórdãos nos Tribunais Regionais do Trabalho dos Estados do Rio de

Janeiro, São Paulo e Minas Gerais .............................................................. 63

3.2.1 Decisões Favoráveis ao vínculo empregatício ................................................ 66

3.2.2 Decisões Desfavoráveis ao vínculo empregatício ........................................... 69

3.3 Posicionamento do STJ ................................................................................. 71

CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................ 73

REFERÊNCIAS ........................................................................................... 75

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11

INTRODUÇÃO

As relações de trabalho estabelecidas pelo homem, ao longo do tempo, passaram por

mudanças que refletiam o estado da sociedade de cada época: feudalismo, servidão, o trabalho

nos campos, a revolução industrial e o trabalho nas grandes corporações.

Em meados do século XX, o matemático e cientista britânico Alan Turing inventara um

artefato que causaria grande impacto na história da humanidade, afetando diretamente a forma

com que os indivíduos se comunicam, se integram e se relacionam: o computador, cuja

inspiração surge através da evolução de uma máquina decifradora de códigos criada em pleno

contexto de segunda guerra mundial.

A ferramenta de estratégia bélica de Turing se tornaria, em tempos posteriores, um dos

principais veículos para o surgimento da maior tecnologia de informação e comunicação da

atualidade: a internet, capaz de conectar máquinas, indivíduos, serviços e organizações por todo

o globo em frações de segundo.

Através desta tecnologia, o mercado econômico capitalista mundial pode se desenvolver

a níveis nunca antes imaginados, onde o fenômeno da globalização potencializou o surgimento

de novos setores da indústria.

O fim da década de 1970 é marcado pela criação de um novo conceito de utilização

desta tecnologia que, até então, possuía o como único mercado as grandes indústrias,

corporações e órgãos governamentais: o computador pessoal, amplamente difundido pelo

magnata Steve Jobs, que aproximou o público geral de ferramentas primariamente técnicas que,

sob uma repaginação e conceitualização de novas funcionalidades, passaram a integrar o

cotidiano de cada indivíduo na sociedade.

A popularização do acesso à conexão de internet e dos produtos tecnológicos no século

XXI, introduziu um novo ambiente virtual acompanhado de novas formas de interação social,

como o sucesso da criação das redes sociais, tornando os indivíduos cada vez mais dependentes

das relações estabelecidas pelo meio virtual.

Esta nova era digital é marcada pela mobilidade, transformando aparelhos celulares,

antes utilizados exclusivamente para comunicação através de chamadas telefônicas, em

dispositivos móveis inteligentes, como os smartphones, tablets e smatwatches.

Os novos aparelhos inteligentes possibilitaram a criação da indústria dos aplicativos,

capazes de oferecer novas formas de contratação de serviços, desde a compra e aquisição de

produtos até serviços de limpeza e cuidado animal.

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Nesse novo cenário, os serviços de transporte individual de pessoas sofreram grande

transformação, onde o corriqueiro ato de aguardar um táxi em um ponto foi substituído por

alguns toques na tela de um aplicativo de smartphone. Essa nova proposta de serviço de

mobilidade urbana foi popularmente introduzida pela empresa Uber em 2010, conquistando

milhões de usuários e motoristas ao redor de diversos países do mundo.

Desta forma, o presente trabalho tem por objetivo analisar os impactos das

transformações das relações de trabalho da plataforma Uber no Brasil, apresentando o

controverso ambiente de trabalho criado para os chamados motoristas parceiros.

O primeiro capítulo deste trabalho é dedicado a realizar uma breve revisão histórica

sobre as reformas do direito do trabalho introduzidas pelos governos de Fernando Henrique

Cardoso e Michel Temer em combate às conquistas instrumentalizadas pela CLT –

Consolidação das Leis do Trabalho, criada na era Vargas em 1943, demonstrando as práticas

de flexibilização das garantias trabalhistas promovidas pela Constituição Federal de 1988.

A partir de uma abordagem crítica, a primeira parte do segundo capítulo introduz os

mecanismos de utilização da crise econômica e, consequentemente do desemprego, como

ferramentas para a precarização dos direitos trabalhistas, gerando um falso estado de

necessidade-possibilidade, submetendo os trabalhadores a qualquer relação de emprego.

A segunda parte do referido capítulo traz um extenso material sobre o funcionamento

prático da plataforma Uber, expondo detalhadamente o modo de operacionalidade da

ferramenta, viabilizada por meio da pesquisa exploratória dos aplicativos para passageiros e

motoristas, apresentação de interfaces destes aplicativos, exposição das particulares das funções

disponibilizadas aos condutores e usuários e demonstração dos métodos obscuros de

remuneração dos “motoristas parceiros” na empresa.

Sob a leitura fundamentada nos conceitos desenvolvidos pelo filósofo Karl Marx e

aprofundados pelos sociólogos Giovanni Alves e Ricardo Antunes, a terceira parte do segundo

capítulo consiste na análise crítica da terminologia de “motorista parceiro” da plataforma e suas

implicações exploratórias e denegatórias de direitos trabalhistas, revelando as técnicas

sofisticadas neoliberais de uso da ideologia da independência e empreendedorismo pessoal para

afastar os motoristas da ideia de trabalhadores.

Por fim, o terceiro e último capítulo do trabalho traz a visão do Poder Judiciário em face

a demanda pelo reconhecimento do vínculo trabalhista dos motoristas, a partir da análise dos

acórdãos proferidos pelos tribunais regionais do trabalho de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas

Gerais, bem como o recente entendimento do STJ sobre a matéria.

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1 MODERNIZAÇÃO OU PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO? AS REFORMAS

TRABALHISTAS NOS GOVERNOS FHC E TEMER

O movimento operário nacional, já nas primeiras décadas do Século XX, reivindicava

por uma legislação que fosse capaz de garantir os direitos mínimos do trabalho, como férias e

redução da jornada de trabalho, liderando a notória Greve Geral de 1917, cujo efeito por parte

da República Velha – também chamada de República Café com Leite, se deu através da brutal

repressão aos trabalhadores pelo até então governo liderado pelo agronegócio mineiro e

paulistano (ANTUNES, 2006, p. 85).

A denominada Era Vargas, iniciada em 1930 pelo ex-presidente Getúlio Vargas no

Brasil, impactou significativamente as relações de trabalho no cenário nacional através da

regulamentação e formalização de direitos, garantias e obrigações para trabalhadores e

empregadoras (ABU-EL-HAJ, 2005, p. 35).

O modelo político nacionalista de Getúlio, responsável por protagonizar, dentre outras

conquistas, o desenvolvimento e a consequente potencialização da indústria no Brasil,

necessitava de uma nova maneira de se relacionar com a classe trabalhadora nacional, até então

marginalizada e distante da agenda do Estado, para efetivar a transformação do universo

nacional agrário-exportador (centrado nas oligarquias cafeeiras) ao novo ecossistema urbano-

industrial (ANTUNES, op. cit., p. 84-85).

O instrumento normativo materializador da proposta de regulamentação do trabalho no

governo getulista foi a CLT – Consolidação das Leis do Trabalho, promulgada em primeiro de

maio de 1943 por meio do Decreto-Lei n. 5243, atendendo algumas das principais

reinvindicações dos trabalhadores urbanos, como direitos individuais e coletivos,

estabelecendo-se como um instrumento de compromisso do Estado com a nova faixa

trabalhadora emergente na sociedade brasileira, o proletariado urbano (FRAGA et al, 2013, p.

232-233).

Contudo, desde a promulgação da legislação trabalhista brasileira pioneira, inúmeras

foram as políticas dos governos sucessores que visaram a redução dos direitos fundamentais

trazidos pela CLT, utilizando como principal motivação a suposta necessidade de adaptação da

legislação ao cenário mundial de globalização econômica.

O discurso da modernização das leis de trabalho, portanto, é por diversas vezes utilizado

como véu para obscurecer as práticas de precarização dos direitos trabalhistas que permeiam os

governos cujas defesas se pautam, necessariamente, nas medidas de enfrentamento de crise e

ampliação dos postos de trabalho.

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Os reflexos demonstram que tais práticas de flexibilização de direitos funcionam,

portanto, como mecanismos de redução dos direitos sociais e trabalhistas conquistados, ambos

alvos de combate incessável por meio de políticas neoliberais, sob a justificativa do Estado

mínimo e livre mercado (GALVÃO, 2007, p. 2).

1.1 As Reformas Trabalhistas no governo FHC

O governo do ex-presidente do Brasil Fernando Henrique Cardoso – popularmente

conhecido pela sigla FHC, cuja extensão se deu em dois mandatos legislativos quadrienais entre

os anos de 1995 a 2002, marcou um intenso período nacional de reformas na legislação

trabalhista e, consequentemente, prejuízos nas conquistas da Era Vargas.

O compromisso do governo de Fernando Henrique Cardoso, filiado ao Partido da Social

Democracia Brasileira – PSDB, um dos representantes da direita liberal no cenário brasileiro,

consistia na narrativa de modernização da economia brasileira, sendo necessário, para tal

objetivo, adequações nas legislações trabalhistas, principalmente na CLT.

Este movimento governamental de adequação das normas trabalhistas deve ser

cuidadosamente analisado, tendo em vista que as conquistas ora garantidas na Era Vargas

estiveram sob ameaça por parte da flexibilização da legislação do trabalho em prol de um anseio

de modernização e globalização da economia nacional, especialmente em face dos direitos

individuais dos trabalhadores.

Ainda na condição de candidato, o então ex-chefe do Poder Executivo – através de seu

Plano de Governo – assumiu compromissos com uma suposta compatibilização do “princípio

da livre negociação com a garantia dos direitos fundamentais dos trabalhadores” (CARDOSO,

1994, p. 135-136), visando promover uma reforma nos direitos individuais em, principalmente,

coletivos de trabalho, como modificações na estrutura sindical, visando tornar possível o que

chamou de Contrato Coletivo de Trabalho.

No entanto, durante o exercício dos dois mandatos, o governo colocou em segundo

plano as pautas dos direitos coletivos e atuou diretamente no desmonte aos direitos individuais

trabalhistas, conferindo-os o rótulo de privilégios para certas categorias, sob a justificativa que

estas garantias dificultavam o desenvolvimento e o aquecimento da economia nacional

(GALVÃO, 2003, p. 227).

Nos três primeiros anos de governo, Fernando Henrique Cardoso direcionou esforços

voltados a outras áreas, como reformas administrativas e previdenciárias, tendo em vista dois

grandes aspectos: a) a urgência de mudanças nestes setores para atender as diretrizes ordenadas

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pelas grandes corporações; b) as facilidades que o empresariado encontrava em violar os

direitos trabalhistas sem que sofresse grandes consequências ou punições, reduzindo a

necessidade de priorização das reformas no âmbito do trabalho.

Desta forma, as reformas trabalhistas produzidas por FHC ocorreram de forma gradual,

inicialmente através da proposição de Medidas Provisórias, que podem ser definidas como

instrumentos jurídicos com força de lei que o Presidente da República pode utilizar para

solucionar questões que possuam urgência e relevância (LENZA, 2011, p. 2), conforme dispõe

o art. 62 da Constituição Federal de 1988.

A justificativa de privilégios não configura-se como as única estratégia da lógica

neoliberal para a retirada de direitos postos e a consequente precarização do trabalho: o aumento

do cenário de desemprego e a deterioração dos indicadores socioeconômicos, contribuem

diretamente como ferramentas que legitimam as ações de desmonte de direitos por parte do

governo, sob a ótica de que os direitos trabalhistas impedem a geração de empregos (GALVÃO,

2003, p. 233).

Portanto, visando promover uma resposta às elevadas taxas de ausência de trabalhadores

empregados no Brasil, o governo FHC implementa uma espécie de “pacote antidesemprego”

como espécie de resposta ao cenário de amplo desemprego nacional, ampliando o número de

reformas na legislação trabalhista.

Ao verificar as ações de flexibilização e precarização dos direitos trabalhistas efetuadas

no período FHC, é possível destacar três grandes eixos centrais na ruptura das conquistas da

Era Vargas: as reformas no salário, na jornada de trabalho e no direito coletivo dos

trabalhadores.

Sob a promessa de fomentar os diversos setores da indústria e ampliar as contratações,

o governo de Fernando Henrique Cardoso comprometeu-se com uma política de desvalorização

salarial (KREIN, 2004, p. 282-287), onde o Estado se abdicaria do seu dever de garantir o

regular reajuste dos salários dos trabalhadores, essencial para a garantia da subsistência das

famílias que dependem exclusivamente desta remuneração, visando estabelecer uma

descentralização e autonomização para que as partes integrantes da relação trabalhista,

empregados e empregadores, negociassem os aumentos sem a tutela estatal.

A concretização desta política governamental se deu através do aproveitamento de um

instrumento jurídico que havia sido criado no final do governo de Itamar Franco, em dezembro

de 1994, por meio da Medida Provisória de nº 794, reeditada por FHC em janeiro de 1995 na

MP 860: a chamada PLR – participação sobre lucros e resultados da empresa.

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Essencialmente, a PLR era explicada pelo governo como uma forma de trazer aos

empregados uma espécie de bonificação pecuniária, para que estes pudessem obter uma parte

dos lucros obtidos pelas empregadoras.

Contudo, tal verba, além de ser livremente negociada entre as partes, esta não se

incorpora ao salário do empregado, ou seja, não gera reflexos para fins de férias e décimo

terceiro salário, sendo utilizada, portanto, como ferramenta para desmantelar a política de

valorização salarial, substituindo o dever do Estado em garantir que haja efetivo aumento e

reajuste no salário dos trabalhadores por uma bonificação que não se incorporaria ao salário

dos empregados, trazendo prejuízos à curto, médio e longo prazo nos principais direitos

constitucionais trabalhistas de férias e décimo terceiro salário, onde o trabalhador certamente

seria desfalcado pela ausência da PLR ou de reflexos de um salário digno.

Como mecanismo de apoio ao fim da política de reajuste salarial por meio do Estado, a

Medida Provisória nº 1.053 de 30 de junho de 1995, popularmente conhecida como Plano Real,

estabeleceu a desindexação do salário, estabelecendo que o reajuste seria efetuado por meio de

livre negociação coletiva, conforme dispõe o art. 10 do texto legal (DAL MOLIN, 2011, p.

164), sendo tal condição alarmante para as condições de vida dos trabalhadores, tendo em vista

que o instrumento normativo retirou a vinculação do salário a qualquer índice de reposição da

inflação, proibindo cláusulas que estabelecessem o reajuste automático de salários (KREIN,

2004, p. 283).

A progressividade das reformas trabalhistas no governo FHC também obteve como um

dos seus marcos iniciais os conflitos sobre a Convenção de nº 158 da OIT, cuja eficácia no

território nacional se deu a partir da promulgação do Decreto n. 1.855, de 10 de abril de 1996,

oficializando a sua ratificação.

Durante o final do ano de 1996, a Convenção – que dentre várias cláusulas, possuía

como destaque a restrição do poder de dispensa dos trabalhadores pelas empresas, exigindo que

a empregadora justificasse a razão pela qual efetuará a rescisão do contrato, apresentando ainda

recursos aos trabalhadores para possível reversão da dispensa caso esta não fosse devidamente

fundamentada – fora denunciada pelo Presidente da República através da promulgação do

Decreto n. 2.100, perdendo efeitos após somente oito meses da vigência, removendo este

instrumento que possibilitaria a redução da rotatividade dos trabalhadores nas empresas e

aumento da manutenção do emprego, indispensável para a subsistência.

CONVENÇÃO 158 DA OIT – ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO

TRABALHO

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17

[...]

Art. 4 - Não se dará término à relação de trabalho de um trabalhador a

menos

que exista para isso uma causa justificada relacionada com sua capacidade

ou seu comportamento ou baseada nas necessidades de funcionamento da

empresa, estabelecimento ou serviço.

Art. 5 - Entre os motivos que não constituirão causa justificada para o

término da relação de trabalho constam os seguintes:

a) a filiação a um sindicato ou a participação em atividades sindicais fora das

horas de trabalho ou, com o consentimento do empregador, durante as horas

de trabalho;

b) ser candidato a representante dos trabalhadores ou atuar ou ter atuado

nessa qualidade;

c) apresentar uma queixa ou participar de um procedimento estabelecido

contra um empregador por supostas violações de leis ou regulamentos, ou

recorrer perante as autoridades administrativas competentes;

d) a raça, a cor, o sexo, o estado civil, as responsabilidades familiares, a

gravidez, a religião, as opiniões políticas, ascendência nacional ou a

origem

social;

e) a ausência do trabalho durante a licença-maternidade. [...]

(OIT, 1982, p. 3-4) grifo nosso.

O segundo grande eixo de reformas na legislação trabalhista trata sobre as alterações na

jornada de trabalho, onde a remuneração pelo tempo do empregado à disposição da empresa

constitui-se como um gasto que precisa ser otimizado para que se obtenha mais lucro, sempre

com a roupagem governamental de “política de fomento” da indústria.

As empresas em ritmo acelerado de crescimento anseiam, cada vez mais, por maior

extração da mão de obra do trabalhador a fim de que este seja maximamente aproveitado pelo

capital ao menor custo possível, desejo este que é freado na legislação nacional através de

garantias constitucionais, como o estabelecimento da jornada de trabalho de oito horas diárias

e quarenta e quatro horas semanais, prevista na Constituição Federal de 1988.

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que

visem à melhoria de sua condição social:

[...]

XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e

quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a

redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho.

(BRASIL, 1988) grifo nosso.

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Prevendo a possível ocorrência de momentos onde o trabalhador seria demandado a

ultrapassar esta jornada de oito horas diárias na empresa, a Consolidação das Leis do Trabalho,

em seu artigo 59, o trabalho extraordinário, onde a duração do trabalho poderia ser

excepcionalmente ampliada, mediante contraprestação pecuniária por parte da empresa, através

da remuneração das horas excedentes trabalhadas.

A redação original do parágrafo segundo do referido artigo 59 da CLT previa uma

espécie de compensação de horas extras efetuadas sem que houvesse o acréscimo no salário,

desde que tais horas fossem abatidas em outro dia de trabalho durante a mesma semana, de

maneira a limitar que o funcionário não excedesse a carga horária semanal de quarenta e quatro

horas.

Contudo, através da Lei 9.601/98, dentre outras disposições, o governo efetuou a criação

de banco de horas, alterando a redação do art. 59, parágrafo segundo da CLT e adicionando o

parágrafo terceiro, para que as horas além da jornada principal de trabalho pudessem ser

compensadas com folgas ou redução de jornada em até cento e vinte dias após serem

trabalhadas, tornando possível que trabalhadores ultrapassassem a jornada semanal

constitucional de quarenta e quatro horas, diminuindo principalmente o gasto do empresariado

com horas extras e, consequentemente, ampliando a possibilidade da utilização de jornada

extraordinária dos trabalhadores pelas empresas sem quaisquer preocupações, fazendo com que

o proletariado permaneça ainda mais tempo no trabalho.

Consequentemente, por intermédio da Medida Provisória nº 1.709/98, o período para a

compensação das horas acumuladas no banco de horas aumentou de cento e vinte dias para um

ano, fazendo com que o trabalhador, além de não receber em dinheiro o trabalho excepcional

desempenhado, permaneça trabalhando por mais tempo em regime de jornada extraordinária

sem que possa repousar por meio horas extras acumuladas.

Quadro 01. Comparativo entre as reformas do art. 59, §2º da CLT

Texto Original Lei 9.601/98 MP 1.709/98

Compensação

das Horas Extras

Durante a semana

da realização

Até 120 (cento e vinte)

dias após a realização

Até 01 (um) ano

após a realização

Permite

ultrapassar 44

horas semanais

Não Sim Sim

Fonte: Elaboração do Autor, 2019.

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Desta forma, a criação do banco de horas traz para a intensa realidade dos trabalhadores

um novo mecanismo que serve prioritariamente aos anseios das empresas, tendo em vista que

o fator principal que limitaria o desejo do empresariado pela utilização da força de trabalho

excepcional, o dinheiro, seria substituído por uma alternativa muito menos custosa, aumentando

a frequência do uso da excepcionalidade e, consequentemente, fazendo com que as horas

extraordinárias se tornassem comuns, transformando a exceção em regra.

Os reflexos do aumento da jornada de trabalho são potencialmente danosos à saúde do

trabalhador, provocando não só o relevante risco a sofrerem acidentes do trabalho devido ao

cansaço pelo labor exaustivo, bem como a propensão a sofrerem complicações através de

doenças cardiovasculares, podendo levar à morte (MEDEIROS, 2018, p. 177).

Por fim, o terceiro eixo temático das alterações do FHC se deu através dos direitos

coletivos do trabalho, ou seja, dos direitos provenientes das relações de negociação coletiva e

conflitos dos trabalhadores com empregadores, historicamente mediado e representado pelas

organizações sindicais (LEITE, 2018, p. 646).

No triênio inicial do governo, verificou-se a presença de instrumentos que reduzissem

o poder de atuação do Ministério do Trabalho, órgão fundamental para a fiscalização dos

direitos trabalhistas no setor da fiscalização, impedindo com que fossem operacionalizadas

ações contra empresas que violassem dispositivos da CLT caso tais ilegalidades estivessem

validadas em cláusulas contratuais obtidas pela empresa por meio de negociação coletiva

sindical – através da Portaria 865/95, abrindo a precedência para o chamado negociado sobre

legislado1.

Port. MTE 865/95

Portaria MINISTRO DE ESTADO DO TRABALHO E EMPREGO nº 865 de

14.09.1995

[...]

Resolve:

1 O conceito de negociado sobre legislado consiste em prevalecer as condições ajustadas entre trabalhadores e

empregadores, por intermédio (ou não) da força sindical, sobre a legislação. Desta forma, as cláusulas

negociadas entre as partes produziriam maior força sobre a própria Lei.

Para mais, ver: SOUTO, Valdete Severo. O negociado sobre o legislado. ANAMATRA – Associação Nacional

dos Magistrados da Justiça do Trabalho, 2015. Disponível em: < https://www.anamatra.org.br/artigos/1107-o-

negociado-sobre-o-legislado>. Acesso em: 20 out. 2019.

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Art. 1º - As Convenções e Acordos Coletivos de Trabalho, bem como seus

respectivos aditamentos, nos termos dos arts. 614 e 615 da Consolidação das

Leis do Trabalho, serão recebidos pelo Ministério do Trabalho, através de

suas unidades competentes, para fins exclusivamente de depósito, vedada a

apreciação do mérito e dispensada sua publicação no Diário Oficial.

(BRASIL, 1995) grifo nosso.

A referida portaria visa utilizar a chancela da negociação entre as partes como

instrumento de importante superioridade, tendo em vista o estabelecimento de norma que a

autoriza a violação de dispositivos de uma Lei Federal, como é o caso da Consolidação das Leis

do Trabalho, em favor do respeito à livre negociação entre as partes, mesmo que o fruto desta

liberdade implique em detrimento de direitos constitucionais trabalhistas.

Ademais, a limitação da atuação do Ministério do Trabalho consistiu em ferramenta

clara de perpetuação da violação dos direitos trabalhistas, tendo em vista que uma das maiores

vertentes de atuação do órgão ocorria na fiscalização do cumprimento das leis trabalhistas,

autorizando, portanto, com que a ilegalidades fossem permitidas em prol de uma suposta

valorização da autonomia da vontade das partes, que encontrava somente restrição por meio

da Medida Provisória de nº 1.620 de 1998, reeditada sucessivamente, impedindo que tais

acordos pudessem ter validade superior ao estabelecido, mesmo que as partes se encontrem em

período de negociação, revogando a Lei 8.542/92 (DAL MOLIN, 2011, p. 166).

1.2 Novas formas de trabalho introduzidas pela Reforma Trabalhista do governo Temer

O ex-presidente interino2 Michel Miguel Elias Temer Lulia, popularmente conhecido

como Michel Temer, exerceu o cargo de Presidente da República durante o breve período de

31 de agosto de 2016 à 01 de janeiro de 2019, assumindo a chefia do Poder Executivo logo

após ao conturbado processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff,

democraticamente reeleita pela maioria dos brasileiros em 2014, ao qual era vice-presidente.

Em meio ao caos provocado pelo afastamento da ex-presidente, o governo Temer

estabelece no Brasil uma forte agenda neoliberal com objetivos de contornos definidos: a

2 O termo presidente interino é utilizado para categorizar indivíduo que ocupa temporariamente o cargo de

Presidente da República, condição esta originária de fato proveniente da transição de poder do presidente

primariamente eleito, que ocupava anteriormente a chefia do Poder Executivo.

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privatização das estatais, a preservação da elite burguesa brasileira e finalmente, a degradação

dos direitos trabalhistas (ANTUNES, 2018, p. 299), sendo responsável pela maior precarização

trabalhista já produzida desde a Era Vargas e a CLT, em 1943.

A Lei 13.467, de 13 de julho de 2017, nomeada de Reforma Trabalhista, iniciou sua

tramitação na Câmara dos Deputados em 23 de dezembro de 2016 pelo Poder Executivo,

tramitou em tempo notoriamente acelerado, obtendo aprovação em meados do ano seguinte no

Senado Federal somente após 07 (sete) meses de tramitação entre as casas do Congresso.

As informações detalhadas sobre a velocidade e o contexto histórico de ascensão do

neoliberalismo brasileiro por meio do contraditório governo interino de Temer consistem em

fundamentos necessários para compreender a voracidade da nova legislação, que anulou

conquistas significativas dos direitos dos trabalhadores, promovendo uma drástica ruptura cujo

lema era a modernização das relações de trabalho.

Assim como no governo de Fernando Henrique Cardoso, a reforma ocorreu sob cenário

político conturbado – ainda que FHC não tenha vivo um golpe na democracia como se

vivenciou em tempos recentes – sob a justificativa máxima de que o avanço socioeconômico

nacional necessário para o enfrentamento da crise geradora de altos níveis de desemprego

depende necessariamente da “modernização” (vulgo precarização) da legislação do trabalho.

Através desta ótica de modernizar as relações de trabalho, a Reforma Trabalhista

introduziu novas formas de trabalho dissociadas do tradicional contrato de trabalho por tempo

indeterminado3: o teletrabalho e o contrato de trabalho intermitente.

O teletrabalho consiste em um novo regime de trabalho, onde o local de prestação de

serviços não ocorre no estabelecimento físico de uma tradicional empresa, mas de forma externa

e conectada ao empregador através de tecnologias de comunicação, como a internet.

É necessário destacar que o teletrabalho não se limita ao ambiente domiciliar, tendo em

vista que não há exigência de determinação de local para o exercício do trabalho, podendo este

ser qualquer lugar externo às dependências da empresa, observando que estes trabalhos serão

prestados em ambiente virtual (LEITE, 2018, p. 198).

A redação do art. 75 da Consolidação das Leis do Trabalho passou a ter uma nova seção

A, tratando das particularidades do contrato de teletrabalho.

3 Em regra geral, os contratos de trabalho regidos pela CLT – Consolidação das Leis do Trabalho são por tempo

indeterminado, ou seja, ele inicia entre trabalhador e empresa em uma determinada data, mas não possui prazo

pré-estabelecido para que se encerre.

Sobre o tema, ver: LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito do Trabalho. 9. ed. São Paulo: Saraiva

Educação, 2018, p. 381.

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Art. 75-A. A prestação de serviços pelo empregado em regime de teletrabalho

observará o disposto neste Capítulo.

Art. 75-B. Considera-se teletrabalho a prestação de serviços

preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização

de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se

constituam como trabalho externo.

Parágrafo único. O comparecimento às dependências do empregador para a

realização de atividades específicas que exijam a presença do empregado no

estabelecimento não descaracteriza o regime de teletrabalho.’

Art. 75-C. A prestação de serviços na modalidade de teletrabalho deverá

constar expressamente do contrato individual de trabalho, que especificará as

atividades que serão realizadas pelo empregado.

§ 1º Poderá ser realizada a alteração entre regime presencial e de teletrabalho

desde que haja mútuo acordo entre as partes, registrado em aditivo contratual.

§ 2º Poderá ser realizada a alteração do regime de teletrabalho para o

presencial por determinação do empregador, garantido prazo de transição

mínimo de quinze dias, com correspondente registro em aditivo contratual.’

Art. 75-D. As disposições relativas à responsabilidade pela aquisição,

manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da

infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem

como ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado, serão previstas em

contrato escrito.

Parágrafo único. As utilidades mencionadas no caput deste artigo não

integram a remuneração do empregado.’

Art. 75-E. O empregador deverá instruir os empregados, de maneira expressa

e ostensiva, quanto às precauções a tomar a fim de evitar doenças e acidentes

de trabalho.

Parágrafo único. O empregado deverá assinar termo de responsabilidade

comprometendo-se a seguir as instruções fornecidas pelo empregador.

(BRASIL, 2017)

A presença dominante de tecnologia nesta forma de trabalho traz consigo novas

possibilidade para o exercício da subordinação jurídica por parte das empresas: o controle dos

trabalhadores pode ser efetuado através de câmeras, sistemas onde são registradas a entrada

(login) e saída (logoff) de usuários, chamadas telefônicas por meio da internet,

videoconferências online e diversos outros recursos adaptados para garantir o controle das

atividades prestadas pelos trabalhadores virtualmente (LEITE, 2018, p. 198).

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Sob o mesmo cenário de inovações trazidas pela Lei 13.467/2017, surge no

ordenamento jurídico brasileiro o contrato de trabalho intermitente, introduzido através da

alteração da redação do art. 443, bem como da inserção do novo artigo 452-A.

Art. 452-A. O contrato de trabalho intermitente deve ser celebrado por escrito

e deve conter especificamente o valor da hora de trabalho, que não pode ser

inferior ao valor horário do salário mínimo ou àquele devido aos demais

empregados do estabelecimento que exerçam a mesma função em contrato

intermitente ou não.

§ 1º O empregador convocará, por qualquer meio de comunicação eficaz, para

a prestação de serviços, informando qual será a jornada, com, pelo menos, três

dias corridos de antecedência.

§ 2º Recebida a convocação, o empregado terá o prazo de um dia útil para

responder ao chamado, presumindo-se, no silêncio, a recusa.

§ 3º A recusa da oferta não descaracteriza a subordinação para fins do contrato

de trabalho intermitente.

§ 4º Aceita a oferta para o comparecimento ao trabalho, a parte que

descumprir, sem justo motivo, pagará à outra parte, no prazo de trinta dias,

multa de 50% (cinquenta por cento) da remuneração que seria devida,

permitida a compensação em igual prazo.

§ 5º O período de inatividade não será considerado tempo à disposição do

empregador, podendo o trabalhador prestar serviços a outros contratantes.

§ 6º Ao final de cada período de prestação de serviço, o empregado receberá

o pagamento imediato das seguintes parcelas:

I - remuneração;

II - férias proporcionais com acréscimo de um terço;

III - décimo terceiro salário proporcional;

IV - repouso semanal remunerado; e

V - adicionais legais.

§ 7º O recibo de pagamento deverá conter a discriminação dos valores pagos

relativos a cada uma das parcelas referidas no § 6º deste artigo.

§ 8º O empregador efetuará o recolhimento da contribuição previdenciária e o

depósito do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, na forma da lei, com

base nos valores pagos no período mensal e fornecerá ao empregado

comprovante do cumprimento dessas obrigações.

§ 9º A cada doze meses, o empregado adquire direito a usufruir, nos doze

meses subsequentes, um mês de férias, período no qual não poderá ser

convocado para prestar serviços pelo mesmo empregador.

(BRASIL, 2017)

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Este novo tipo de contrato de trabalho consiste na prestação de serviços pelo trabalhador

através de períodos de alternância de atividade e inatividade, onde este será proporcionalmente

remunerado pelo serviço que prestar a uma empresa, seja através do pagamento dos meses, dias

e/ou até das horas trabalhadas, condicionando o trabalhador à um período de espera onde este

poderá permanecer sem efetivamente trabalhar durante horas, dias e até meses, conforme

acordarem as partes (LEITE, 2018, p. 395).

A ideia central neste contrato de trabalho é que a força de trabalho de um indivíduo seja

unicamente extraída quando for cômodo para o empregador, observando que as empresas que

estabelecerem contratos serão responsáveis pela convocação destes trabalhadores quando lhe

houver conveniência, não havendo estipulação de prazo para que este seja rescindido.

A verificação da chamada modernização das relações de trabalho podem ser claramente

observada neste novo tipo de contrato: os direitos conquistados cedem lugar ao mundo moderno

precarizado, que se utiliza da falácia de ter uma legislação defasada da década de quarenta,

como a CLT, para inserir a legalização de novas formas de exploração do trabalhador,

deixando-o à mercê da conveniência do mercado capitalista.

Sob tal ótica, portanto, as empresas se utilizam nada mais do que a apropriação do bico,

termo popular que define trabalhos esporádicos sem qualquer garantia de frequência ou

habitualidade, trazendo para a realidade empresarial um excelente negócio de demandas

específicas, onde o mero compromisso formal do contrato não onera minimamente as empresas,

mas deixa o trabalhador ao relento sem saber quando obterá trabalho novamente.

Pensar na relação de obtenção do salário no trabalhador intermitente significa dizer que

um indivíduo que for submetido à versão brasileira do britânico zero-hour contract poderá se

encontrar em cenários onde necessitará exercer suas atividades em diversas empresas, sem

estabelecer vínculos com nenhum dos trabalhadores, possuir múltiplos contratos de trabalho

em sua carteira, para que desta forma, ao final do mês, possa concretizar o salário mínimo, caso

consiga ter sorte de conseguir trabalhar durante todos os dias da semana alternando entre

diversas empresas.

A formalização deste instituto traz consigo a coisificação do trabalhador, que nada mais

servirá do que um mero produto com capacidade de executar determinadas tarefas sempre que

for necessário e conveniente para o empresariado, podendo ser descartado a qualquer momento

sem que haja impacto para a empresa, violando diretamente os princípios constitucionais da

dignidade da pessoa humana, da função social da empresa e do valor do trabalho, como elucida

Leite (2018, p. 397).

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2 UBERIZAÇÃO E O NOVO PROLETARIADO DA ERA DIGITAL

O surgimento de novas tecnologias de comunicação, como a telefonia e, recentemente,

a internet, modifica diariamente a maneira com que os diferentes setores da sociedade se

relacionam, permitindo com que pessoas se conectem em frações de segundo mesmo estando a

milhares de quilômetros de distância umas das outras.

Desta forma, ilógico seria pensar que tais tecnologias de informação e comunicação,

conhecidas pelo termo TICs, não influenciaram nas novas formas de organização do capital em

meio a nova era digital e o consequente impacto no mundo do trabalho, construindo modernas

e precarizadas relações de exploração do trabalhador moderno.

Contraditoriamente, os mitos criados em torno do avanço tecnológico apresentavam

uma esperançosa narrativa, onde as novas descobertas científicas, as novas formas de

comunicação e as inovações tecnológicas refletiriam em excelentes e confortáveis novos tipos

de trabalho, por meio digital, on-line, trazendo benesses aos trabalhadores (ANTUNES, 2018,

p. 24).

No entanto, a fantasia de que o novo mundo digital das grandes produções de ficção

científica traria esperança e felicidade aos trabalhadores, encontra em sua tentativa de

realização a maior das frustrações: o capitalismo global.

A voracidade do capital nas relações de economia e trabalho encontrara na tecnologia o

seu novo combustível para a sofisticação da exploração da mão de obra no mundo globalizado,

a ferramenta ideal para potencializar a obtenção máxima de lucro.

As tecnologias do imaginário de felicidade são transformadas em avançadas ferramentas

de obtenção de lucro, extração maximizada da força de trabalho e aumento exponencial da

mais-valia e, consequentemente, a marginalização dos trabalhadores com finalidade de baratear

a mão de obra cada vez mais, criando o novo proletariado da era digital.

2.1 Crise e Desemprego enquanto ferramentas do Capitalismo

A lógica de organização capitalista em tempos de globalização, onde o avanço em prol

da maximização da obtenção do lucro colide com as crises mundiais econômicas, produz na

sociedade uma massa de proletários supérfluos, classificados como excedentes às necessidades

de aproveitamento de acumulação do capital (ALVES, 2009, p. 158).

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Com a finalidade de reduzir custos e aproveitar de forma potencializada a mão de obra

dos trabalhadores restantes, as grandes empresas realizam uma técnica de racionalização da

produção, chamada de downsizing4, um conceito da Administração Empresarial que consiste

em efetuar cortes com o objetivo de eliminar a burocracia-coorporativa desnecessária, atingindo

principalmente os setores de funcionamento presentes no centro da pirâmide hierárquica das

empresas, como gerentes de médio escalão e técnicos com qualificação avançada (ALVES,

2009, p. 158).

Através desta política de cortes que torna mais “enxuto” o quadro de funcionários das

empresas, o empresariado busca não somente reduzir gastos na produção, mas também

demonstrar aos grandes investidores do mercado financeiro, que estes buscam o

aperfeiçoamento da gestão, a fim de buscar mais lucros e melhores resultados líquidos.

Após um intenso período de utilização exacerbada de práticas de downsizing na década

de 1990, especialmente na economia norte-americana, observa-se que a técnica que incialmente

poderia ser vista como um recurso para contornar períodos de recessão se tornou uma atividade

recorrente e incorporada pelo capitalismo moderno.

O abuso na utilização destas práticas de cortes viabiliza o chamado desemprego

estrutural, onde o proletariado – inclusive aqueles que possuem cargos de maior prestígio na

escala hierárquica das empresas – é forçado a buscar formas alternativas para garantir sua

subsistência, sendo alvos de uma mercantilização exacerbada, que aproveita e descarta as forças

de trabalho quando bem entenderem.

Em meio ao modelo altamente exploratório do capitalismo do século XXI, já não é mais

possível comportar neste sistema socioeconômico a quantidade expressiva de indivíduos na

cadeia de produção e acumulação de valor. Consequentemente, a agenda de desinteresse desta

mão de obra, que torna supérfluos e dispensáveis inúmeros trabalhadores, atinge não somente

àqueles pertencentes aos tradicionais extratos do proletariado, mas também inutiliza os

4 As práticas de corte de custo, chamadas de downsizing, possuem particularidades como a adoção de frases

motivacionais, técnicas de eufemismo para efetivar a rescisão dos contratos de trabalho e outras estratégias que

omitem o real processo de demissão, se tornando uma prática tão comum pelos profissionais do setor de recursos

humanos que torna-se questionável a mecânica da crueldade velada.

Para mais sobre o tema, ver: PILOPAS, Ana Luisa Vieira Pilopas; TONELLI, Maria José. Doces práticas para

matar: demissão e downsizing na perspectiva de demissores e profissionais de recursos humanos. Revista

Organização e Sociedade, v. 14, n. 42. Salvador, 2011. Disponível em:

<http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1984-92302007000300007&script=sci_arttext#back>. Acesso em: 24

out. 2019.

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profissionais com carreiras e cargos de gerência, os chamados “proletários de classe média”,

como classificou Alves (2009, p. 159).

Fundamentalmente, o capital possui como essência a criação de valor, atribuindo valores

a todos os tipos de coisas e seres, mercantilizando os indivíduos como produtos e coisas, com

o propósito de extrair ao máximo a força de trabalho pelo menor valor disponível, como

conceitua Marx na obra O Capital (2013, p. 382).

O capital é trabalho morto, que, como um vampiro, vive apenas da sucção de

trabalho vivo, e vive tanto mais quanto mais trabalho vivo suga.

O tempo durante o qual o trabalhador trabalha é o tempo durante o qual o

capitalista consome a força de trabalho que comprou do trabalhador. Se este

consome seu tempo disponível para si mesmo, ele furta o capitalista.

O capitalista se apoia, portanto, na lei da troca de mercadorias. Como qualquer

outro comprador, ele busca tirar o maior proveito possível do valor de uso de

sua mercadoria. (MARX, 2013, p. 382).

Sobre a lógica do aperfeiçoamento das práticas do capitalismo, Marx conceitua que s

mecanismos de acúmulo de capital, a medida com que se tornam cada vez mais desenvolvidos,

tendem a substituir do chamado trabalho vivo – a força de trabalho de cada operário – por

trabalho morto, sendo este o próprio capital, podendo ser representados nas relações práticas de

trabalho como o maquinário, assim como novas técnicas ideológicas que projetam no

proletariado o dever de trabalhar ainda mais por cada vez menos, de ter capacidades de realizar

multitarefas, sob pena de desemprego (MARX, 2013, p. 835-958).

Este movimento de substituição da força de trabalho vivo ao trabalho morto do capital,

como identificado por Marx, seja ele através das máquinas ou por meio dos cortes de gastos,

produz uma grande massa de uma população alheia ao mercado de trabalho, indivíduos

excedentes ao funcionalismo, uma “superpopulação relativa” produzida através da precarização

do trabalho, que demite trabalhadores para desqualificar a mão de obra, explorar intensamente

os trabalhadores restantes e criar uma espécie de exército industrial de reserva (ALVES, 2009,

p. 161).

Desta forma, esta superpopulação relativa, que é compreendida pelos trabalhadores

renegados ao sistema de produção capitalista, que não mais os utiliza enquanto indivíduos que

vendem sua mão de obra e os torna excedentes ao mercado de trabalho, atende a uma função

sistêmica: desvalorizar a força de trabalho, ou seja, o trabalho vivo, através da propagação da

política-cultural do desemprego, que gera essa massa excedente e marginalizada, cujo olhar da

sociedade é refletido em medo e desprezo.

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A força de trabalho, enquanto objeto mercantilizado e precificado, é alvo de constante

esforço do capital para que se deprecie exponencialmente, aumentando consequentemente o

lucro por parte da sua exploração. Significa dizer, portanto, que desvalorizar a mão de obra

representará em menor gasto com esta mercadoria, ampliando a margem de acúmulo de capital

extraído pela dominante burguesia.

A produção do medo pelo desemprego reflete diretamente nos trabalhadores,

especialmente nos desempregados e integrantes da superpopulação relativa, na necessidade de

trabalhar por mais tempo ganhando muito menos, sendo cada vez mais suscetíveis sob qualquer

forma de emprego, a qualquer salário, a qualquer condição que consiga garantir o sustento

pessoal e de suas famílias, sendo reféns da livre escolha do capitalismo.

2.2 Novas Tecnologias e a Plataforma Uber

As novas formas de tecnologia e comunicação impactaram diretamente nas formas de

organização social, trazendo novas criações que modificam a forma com que a população se

expressa, seja de forma verbal, escrita ou audiovisual, assim como a maneira com que se

relaciona com os seus afetos e desafetos, se manifesta perante aos acontecimentos diários, se

informa sobre as transformações da sociedade e, consequentemente, como produz.

A popularização de um dos meios de comunicação predominantes no Brasil e no mundo,

a internet, possibilitou a criação de novas ferramentas de integração social, permitindo com que

indivíduos pudessem se conectar e desenvolver novas formas de conviver na sociedade

moderna.

Os dispositivos de consumo criados pelas grandes empresas de tecnologia mundial, que

estão em sua maioria concentradas em sedes na famosa região do Vale do Silício na Califórnia

- EUA, como a gigante de cupertino Apple Inc. – responsável pela criação do iPhone, um dos

primeiros celulares com o conceito de smartphone , um aparelho celular inteligente que

conseguiu a atenção do mercado mundial e se tornou febre em diferentes regiões do planeta

(SILVA, 2019), sendo um dos mais vendidos até a atualidade – tornaram-se parte do cotidiano

de uma expressiva faixa dos brasileiros.

A criação deste dispositivo móvel inteligente, capaz de executar tarefas como navegar

na internet sem a necessidade de utilizar um computador, tirar fotografias e ainda reunir todas

as funções básicas de um celular – como calculadora e calendário, despertou a atenção de uma

das maiores empresas do ramo tecnológico mundial, a Google LLC, que realizou a criação do

sistema operacional móvel mais utilizado no mundo, o Android, que foi o único capaz de

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ultrapassar a marca da Microsoft Corporation – criadora do Windows, o sistema mais utilizado

em computadores e notebooks – como sistema operacional mais utilizado globalmente.

Gráfico 01: Participação de Mercado dos Sistemas Operacionais no Mundo

Fonte: GLOBALSTATS, 2019. Elaboração e tradução do autor.

Gráfico 02: Comparativo entre plataformas no mercado mundial

Fonte: GLOBALSTATS, 2019. Elaboração e tradução do autor.

Android

Windows

iOS

OS X

Outros

Google LLC

38,13 %

Microsoft

Corporation

36,34 %

Apple Inc.

13,80 %

Apple Inc.

6,36 %

5,37 %

Período: Outubro de 2018 à Outubro de 2019

Sis

te

ma

s O

pe

ra

cio

na

is

PARTICIPAÇÃO DE MERCADO DOS

SISTEMAS OPERACIONAIS NO MUNDO

Dispositivos móveis

Desktop

Outros

Smartphones e

Tablets

52,97 %

Computadores e

notebooks

46,92 %

0,11 %

Período: Outubro de 2018 à Outubro de 2019

COMPARATIVO ENTRE PLATAFORMAS

NO MERCADO MUNDIAL

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30

Os dados estatísticos apontam o domínio do uso das plataformas em dispositivos

móveis, ou seja, através de smartphones e tablets, sobre os computadores e notebooks,

demonstrando que mundialmente a população tende a optar por utilizar celulares e tablets, seja

pela praticidade de mobilidade, pela multifuncionalidade de entretenimento ou pelos recursos

digitais disponíveis, como jogos, aplicativos e redes sociais.

O fenômeno da globalização gerou que tecnologias, como os smartphones, se tornassem

cada vez mais populares e acessíveis, fazendo com que uma grande parte da população mundial

possa ter acesso a esses dispositivos e se integrar com as ferramentas presentes neles.

A facilidade do transporte destes produtos, que em sua grande maioria possuem

tamanhos que cabem no bolso, fazem com que os indivíduos na sociedade moderna possam se

conectar à internet e usufruir de suas tecnologias a qualquer momento e em qualquer lugar, seja

em casa, no trabalho, nas ruas, nas escolas, nos bancos, nas universidades: basta que haja um

smartphone e uma conexão de internet para adentrar ao meio digital.

Desenvolveu-se no mundo inteiro a espetacularização para a grande venda em massa

destes aparelhos tecnológicos, seja através da hipervalorização destes dispositivos por meio de

exuberantes propagandas de recursos atraentes, como câmeras com qualidade de fotografia

profissional, desbloqueio através de leitura de impressão digital na própria tela, como pela

cultura de dependência do uso de redes sociais para sentir-se indivíduo no mundo, para estar

dentro e conectado com ele, refletindo em cenários consumistas exacerbados como no Brasil,

onde existem mais smartphones do que habitantes no país, cuja estimativa projeta ultrapassar

420 milhões de aparelhos até o final do ano (MEIRELLES, 2019, p. 23).

Numericamente, verifica-se que o cenário de adoção destas tecnologias por parte da

população brasileira é de um fenômeno de grande sucesso, no país que possui não somente mais

aparelhos digitais do que indivíduos, mas também é dotado da quinta população que mais utiliza

celulares diariamente no mundo inteiro (VALENTE, 2019).

A partir desta nova tecnologia de smartphones, os telefones inteligentes que realizam

multitarefas e possuem capacidade de processamento que pode ser equiparada até a

computadores avançados, surgem novas ferramentas que utilizam os diversos componentes e

sensores dos dispositivos móveis para criar produtos digitais com inovadores, desde

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plataformas que disponibilizam mais de 35 milhões de músicas5 (FERNANDES, 2019), até

serviços de aluguel de patinetes elétricos (SOUSA, 2019): instaura-se a era dos aplicativos.

Desta forma, visando desfrutar deste novo universo digital viabilizado através destes

pequenos aparelhos formados por fragmentos de plástico, vidro, alumínio e diversos outros

componentes, responsável por atrair inúmeros indivíduos a embarcarem nesta nova camada

criada dentro de um local virtual, jovens empresas no mercado econômico, conhecidas como

startups, iniciam projetos visando a produção de conteúdo e serviços para uso e consumo

através de meios digitais, criando instrumentos do mundo moderno que modificam

drasticamente as relações na sociedade.

Por meio desta febre atrativa tecnológica, surge a empresa Uber Technologies Inc.,

fundada no ano de 2009 pelos executivos Garrett Camp e Travis Kalanick, cuja ideia de criação

surgiu em dezembro de 2008, quando os criadores não conseguiram encontrar um táxi em uma

noite de inverno na cidade de Paris e acabaram por gastar 800 dólares com serviço de transporte

particular (SHONTELL, 2014).

O aplicativo consiste, essencialmente, em uma plataforma digital, que opera por meio

de aplicativo para dispositivos móveis, como smartphones e tablets, responsável por interligar

indivíduos que desejam se locomover para determinados lugares, chamados de usuários, a

motoristas que dirigem carros particulares e recebem as demandas das corridas através de um

aplicativo, recebendo por cada corrida efetuada.

Inicialmente, os empresários desenvolveram no ano de 2010 um aplicativo chamado de

UberCab, cujo público alvo se concentrava em empresários e executivos do alto escalão da

cidade de São Francisco - EUA, que solicitavam as viagens por meio do aplicativo e eram

atendidos por motoristas que dirigiam automóveis de alto padrão, como modelos de luxo das

empresas Mercedes-Benz e Lincoln Motor Company (RAO, 2011).

Os resultados iniciais do aplicativo, que custava em torno de 50% (cinquenta por cento)

mais caro do que os táxis tradicionais, atraiu o público geral e o mercado financeiro pela

facilidade de uso que proporcionava aos interessados em fazer viagens, sendo necessário

poucos toques para solicitar um veículo, o que possibilitando a expansão para outras cidades

dos Estados Unidos, como Nova Iorque e Chicago (HARTMANS, LESKIN, 2019).

5 Criado em 2008, o serviço de reprodução musical por meio da internet Spotify tornou-se um dos mais populares

mundialmente, disponibilizando mais de 35 milhões de músicas, podcasts e audiolivros que podem ser acessados

pelos usuários por meio de aplicativos para Android, iOS, Windows, Mac OSX e também pelo website online.

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Poucos meses após a estreia de sucesso do aplicativo UberCab, em outubro de 2010 a

empresa estabelece uma parceria com os investidores Jason Calacanis, Chris Sacca e Shawn

Fanning, arrecadando mais de 1 (um) milhão de dólares, levando a empresa a alterar o conceito

visual e adotar somente o nome de Uber nos meios digitais.

Em fevereiro de 2011, após fechar um novo acordo de financiamento de 11 (onze)

milhões de dólares, que trouxe para a direção da companhia o empresário Bill Gurley, a Uber

atinge o valor de mercado de 60 milhões de dólares, representando o início de uma série de

expansões internacionais da empresa, que no final do mesmo ano iniciara na cidade de Paris,

na França, logo após uma nova rodada de investimentos de 32 milhões de dólares, financiada

por líderes de grandes empresas, como o fundador e presidente da multinacional Amazon Inc.,

Jeff Bezos (TSOTSIS, 2011).

Após identificar um grande potencial que a popularização do serviço poderia trazer, em

julho de 2012 a empresa inaugura o novo projeto chamado “UberX”, cujo alvo seria na oferta

de corridas por preços mais acessíveis – chegando a custar até 35% (trinta e cinco por cento)

mais barato do que as viagens com os veículos de luxo, instaurando uma nova fase da empresa,

marcada pela chegada não somente nos segmentos mais populares de usuários na sociedade,

assim como atraindo motoristas que possuem veículos de baixo custo. Neste período, a

plataforma marcou o novo projeto através de uma mudança visual, trazendo os elementos mais

sólidos e removendo as características originais, como a fonte e a cor vermelha.

Figura 01: Evolução visual da Uber entre 2009 e 2011

Fonte: FERREIRA, 2016. Adaptado pelo Autor.

Com o ritmo acelerado de expansão, a empresa inicia suas atividades na Índia e nos

países do continente africano em agosto de 2013, juntamente à uma nova rodada de

investimentos – a maior já recebida pela empresa até então – no valor de 258 (duzentos e

cinquenta e oito) milhões de dólares através do departamento de investimentos da Google

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Ventures, atualmente chamada de GV, refletindo na valorização da Uber no mercado

econômico, atingindo a avaliação de $3,76 bilhões de dólares.

A chegada da empresa no Brasil ocorreu em maio de 2014, período que antecedeu ao

grande investimento do mercado chinês na companhia, injetando mais de 1,2 bilhões de dólares

na empresa, tornando-a expressivamente valiosa no mercado financeiro, ultrapassando outras

eminentes empresas do cenário tecnológico, como a chinesa Xiaomi Corporation e a americana

Dropbox Inc., alcançando a avaliação econômica de 17 (dezessete) bilhões de dólares

(LAWLER, 2014).

Iniciando na cidade do Rio de Janeiro em 15 de maio de 2014 e, posteriormente, em São

Paulo em 26 de junho de 2014, a estreia do aplicativo Uber no Brasil foi marcada, em estágio

primário, com um número pequeno de motoristas que utilizavam carros do seguimento de luxo,

sendo a modelo Alessandra Ambrósio a primeira passageira a utilizar os serviços da plataforma

em solo brasileiro (G1, 2014).

Inevitavelmente, em um curto período de tempo, iniciaram as comparações entre os

preços do quilômetro rodado utilizando o aplicativo Uber e o tradicional serviço particular de

táxi, trazendo dados onde o valor cobrado pela nova plataforma online era consideravelmente

inferior aos serviços dos taxistas em grandes cidades como o Rio de Janeiro, conforme

demonstrado no artigo de Higa (2015) para o site especializado em tecnologia Tecnoblog.

Quadro 02: Comparativo de preços entre Uber e o serviço de táxi comum

no Rio de Janeiro em 2015

Fonte: HIGA, 2015.

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Através de sua autodefinição presente em seu portal online, a Uber se conceitua como

empresa que “oferece uma plataforma tecnológica para que motoristas parceiros se conectem

de forma fácil e descomplicada a usuários que buscam viagens acessíveis e confiáveis”,

trazendo a definição de que não é uma empresa de transporte, mas sim de tecnologia (UBER,

2019), conforme destaca em sua seção no website:

O que não fazemos

• A Uber não é uma empresa de transporte. A Uber é uma empresa de

tecnologia. Nós desenvolvemos um aplicativo que conecta motoristas

parceiros a usuários que desejam se movimentar pelas cidades.

• A Uber não é um aplicativo de táxi. Nós conectamos usuários e motoristas

parceiros, que prestam o serviço de transporte individual privado, por meio de

nosso aplicativo.

• A Uber não é um serviço de carona paga ou remunerada. A Uber é uma

empresa de tecnologia que possibilita, por meio de seu aplicativo, que

motoristas parceiros encontrem pessoas que precisam de viagens acessíveis e

confiáveis. O usuário chama um motorista parceiro, que o leva para o destino

que ele deseja.

• A Uber não emprega nenhum motorista e não é dona de nenhum carro.

Nós oferecemos uma plataforma tecnológica para que motoristas parceiros

aumentem seus rendimentos e para que usuários encontrem motoristas

confiáveis e desfrutem de viagens confortáveis.

(UBER, 2019).

A plataforma, que apresenta mais de 22 (vinte e dois milhões) de usuários somente no

Brasil, contabilizando mais de 93 (noventa e três) milhões ao redor do globo (Ibidem),

disponibiliza duas variantes de aplicativos do setor de transporte de pessoas: o Uber, destinado

aos usuários que desejam realizar viagens; Uber Driver, para os motoristas terem acesso as

ferramentas e efetuarem as corridas.

Os aplicativos Uber e Uber Driver, atualmente, estão disponíveis para serem baixados6

gratuitamente nos dispositivos móveis através da loja de aplicativos7 nativa do sistema

6 “Baixar”, “transferir” e fazer “download” são três expressões comumente utilizadas na área da tecnologia da

informação para representar a transferência de um, ou mais arquivos, de um servidor remoto para determinado

dispositivo, seja ele um computador, notebook, smartphone, tablet e outros aparelhos eletrônicos com acesso à

internet.

Para mais informações sobre o tema, ler: BRITO, Edivaldo. O que é download?. TechTudo, 2012. Disponível

em: <https://www.techtudo.com.br/artigos/noticia/2012/05/o-que-e-download.html>. Acesso em: 10 nov. 2019.

7 As lojas de aplicativos funcionam como repositórios que disponibilizam aos usuários de sistemas operacionais

os programas que poderão ser instalados em seus dispositivos móveis. Assim como em uma tradicional loja, os

utilizadores podem escolher, ou não, instalar determinados aplicativos, que podem ser gratuitos ou possuir preço

para que um determinado usuário possa ter acesso a ele.

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operacional Android, a chamada Play Store, bem como nos aparelhos que utilizem o sistema

iOS, da Apple, sendo possível efetuar o download dos aplicativos na denominada App Store.

No aplicativo Uber, destinado aos passageiros, após a instalação no dispositivo, é

exibida uma tela inicial onde o usuário deverá inserir o número do telefone para entrar na

plataforma, enviando um código de confirmação via SMS para o número inserido anteriormente,

como método de segurança para que seja efetuada a entrada do usuário, conforme demonstrado

abaixo em Figura 02.

Figura 02: Interface inicial do aplicativo Uber

Fonte: Elaboração do autor, 2019.8

Logo após a entrada na plataforma, para dar início ao processo de conseguir um

motorista para efetuar a corrida, o usuário deverá digitar no campo “Para onde?” o endereço

destinatário, quando será exibido no mapa os locais de partida e destino, o tempo estimado para

que um motorista chegue – calculado através da tecnologia do GPS – além de dados sobre o

local e os preços da corrida.

8 As imagens exibidas foram obtidas dtravés da técnica de captura de tela denominada printscreen, onde foram

transformadas em fotografia as interfaces iniciais do aplicativo Uber versão 4.289.100003, instalado em um

dispositivo móvel do tipo smartphone com sistema operacional Android 9.0 – Pie.

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A precificação de cada viagem é efetuada automaticamente pelo aplicativo por meio de

um algoritmo9, que verifica diversos fatores para realizar o cálculo de cada uma das corridas,

considerando diversas variáveis apresentadas no momento da solicitação de viagem, como: a

distância entre o ponto de partida e o destino final, o horário da solicitação da corrida, o dia da

semana, a ocorrência de feriados nacionais e regionais, a demanda da região, as condições de

trânsito, a oferta dos motoristas naquela área, a ocorrência de fenômenos climáticos como

chuvas e até mesmo eventos de grande porte, como o Rock in Rio – parceiro da plataforma

Uber – e campeonatos esportivos.

A partir destas variáveis, o aplicativo exibirá a projeção10 dos valores para cada uma das

categorias disponíveis na plataforma, que deverão ser selecionadas pelo passageiro antes do

início da corrida, sendo elas: UberX, Comfort, Juntos e Black.

As quatro modalidades apresentadas ao usuário, disponíveis somente em algumas

cidades, apresentam características diferentes, como o automóvel utilizado na viagem e a

pontuação do motorista que dirigirá o veículo, dispondo de tarifas crescentes conforme

aumentam as variáveis de conforto na viagem: os serviços mais populares, como o UberX

(viagens privadas) e Juntos (viagens compartilhadas); os seguimento intermediário Comfort –

anteriormente chamado de Select,; e Black, produto mais caro da plataforma, com carros de

valor acima da linha popular, como Toyota Corolla e Ford Fusion (UBER, 2019).

Após escolher a categoria desejada, o usuário deverá selecionar a forma de pagamento

desejada e então será possível agendar a corrida para outro horário de preferência ou, caso

deseje viajar naquele momento, pressionar a opção de confirmar, fazendo com que o aplicativo

busque o motorista mais próximo que atenda à categoria de viagem escolhida.

O motorista, então, se dirigirá até o local informado pelo usuário previamente, onde

então será exibido na tela do passageiro os dados da foto do motorista, seu nome, nota de

avaliação na plataforma, a placa do carro, o modelo do automóvel, a ilustração (quando

disponível) do veículo, assim como um mapa contendo a atualização, em tempo real, da

distância do motorista até o ponto de partida da corrida, conforme exibido em Figura 03.

9 O termo algoritmo, na computação, refere-se à uma “sequência finita de ações executáveis que visam obter

uma solução para um determinado tipo de problema”, conforme conceitua Zivani (2011, p. 1).

Em termos práticos, os algoritmos funcionam como uma série de comandos que serão executados por um

dispositivo, como computador ou smartphone, sendo uma ferramenta presente nos programas e aplicativos

para efetuar determinadas tarefas, como cálculos e estimativas.

10 Fatores como a alteração na rota ou a duração acima do calculado pelo aplicativo poderão levar ao reajuste

do valor final da corrida (UBER, 2019).

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Figura 03: Solicitação da corrida no aplicativo

Fonte: Elaboração do Autor, 2019.

Caso não esteja de acordo com alguma condição da viagem apresentada após a seleção

do motorista, seja a longa distância entre o veículo e o ponto de partida atual, a baixa avaliação

do “parceiro” na plataforma, o automóvel que não corresponde às expectativas, bem como casos

mais graves, como carros com placas diferentes e condutor diferente ao informado na foto, o

usuário poderá cancelar a viagem, sendo cobrado uma taxa somente em casos onde ultrapasse

o período de 05 (cinco) minutos até o cancelamento da viagem, conforme exibido em figura 04.

Figura 04: Opção de Cancelamento da Viagem

Fonte: Elaboração do Autor, 2019.

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Ao final da viagem, o usuário terá a opção de avaliar a corrida e o motorista, atribuindo

uma nota medida em graus de estrelas: entre 01 (uma) à 05 (cinco) estrelas, onde quanto maior

o número de estrelas, maior a satisfação com a viagem.

Além de atribuir uma nota, caso esteja satisfeito com a qualidade da viagem e pontue o

motorista com a nota máxima de 05 (cinco) estrelas, o passageiro poderá selecionar opções que

representam qualidades no atendimento ou até mesmo escrever comentários na avaliação do

“parceiro”, para elogiar fatores como boa direção, atendimento excelente, sendo opcional

adicionar uma gorjeta, chamada de “valor extra” no valor desejado, sugerindo a empresa um

dos três valores inicias por meio de botões na interface do aplicativo: R$ 1 (um), R$ 3 (três) e

R$ 5 (cinco) reais, como apresenta a Figura 05.

Figura 05: Avaliação da Corrida

Fonte: Elaboração do Autor, 2019.

Contudo, caso o usuário não esteja satisfeito com o serviço oferecido, também é possível

avaliar negativamente a corrida, atribuindo qualquer nota inferior à 05 (cinco estrelas),

dispostas na seguinte escala:

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a) 04 (quatro) estrelas: “Boa, mas poderia melhorar”;

b) 03 (três) estrelas: “Ruim”;

c) 02 (duas) estrelas: “Muito ruim”;

d) 01 (uma) estrela: “Péssimo”.

Em cada uma destas notas, o aplicativo também exibe opções selecionáveis

complementares com os possíveis problemas que originaram a avaliação negativa, sendo eles:

temperatura do carro, desembarque inadequado, carro sem manutenção, preço, falta de respeito,

assédio ou discriminação, direção insegura, trânsito, espera maior que a prevista, entre outros.

A partir das opções complementares, que auxiliam a descrever os transtornos

enfrentados pelo passageiro no curso da viagem, o aplicativo pode efetuar o filtro entre as

ocorrências negativas provocadas pelo mau atendimento do motorista, as originadas por falhas

no funcionamento da própria plataforma, como reclamações sobre o preço, assim como aos

infortúnios do cotidiano, como alto trânsito, que estão além de qualquer vontade dos motoristas

em conseguir resolver.

Apesar da empresa Uber não declarar expressamente os efeitos causados em cada tipo

de avaliação negativa, ou seja, os graus de cada pontuação e suas consequências no cadastro

“parceiro” na plataforma, diversos registros demonstram que notas ruins podem trazer impactos

significativos na continuidade da prestação de serviços, seja através de efeitos imediatos

temporários – como suspensão da conta por um período de horas e/ou dias – até o bloqueio

definitivo do cadastro do motorista na plataforma, sendo esta a rescisão do contrato entre

motorista-parceiro e a Uber (POVO, 2017).

A segunda variante do aplicativo de transporte de pessoas da Uber acontece através do

Uber Driver, ferramenta exclusivamente direcionada aos motoristas que desejam efetuar

corridas através da plataforma que, assim como no app da Uber para passageiros, pode ser

baixada nas lojas de aplicativo Play Store, do Android e App Store, do iOS.

Para fazer parte da plataforma e se tornar um “motorista parceiro”, inicialmente o

indivíduo interessado deverá possuir um carro próprio ou alugar um automóvel particular de

locadoras, como a Localiza Hertz, parceira da empresa Uber e que oferece descontos para

interessados na plataforma.

Assim como nos usuários, a empresa oferece aos motoristas três tipos de categorias para

efetuar corridas na plataforma, cada uma disponibilizando viagens com diferentes tarifas,

definidas de acordo com o veículo que o condutor dispor ao trabalho: quanto mais caro e mais

atual for o automóvel, maior será a categoria que o motorista poderá atuar e, consequentemente,

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mais caras serão as corridas que o aplicativo viabilizará para o “parceiro”, propiciando-o

atender os clientes que pagam tarifas consideravelmente mais elevadas ao aplicativo para

obterem mais conforto.

Desta forma, as categorias UberX, Uber Comfort e Uber Black, apresentam,

respectivamente, seguimentos para viagens mais baratas, intermediárias e até serviços mais

luxuosos, requerendo ao motorista a exigência de automóveis mais novos e sofisticados,

conforme exposto no Quadro 03.

Quadro 03: Requerimentos exigidos para cada categoria

REQUISITOS UberX Uber Comfort Uber Black

Ano modelo

2008 ou mais recente,

com exceção do Rio

de Janeiro, que aceita

somente carros a

partir de 2011

Variável conforme a

cidade

Variável conforme o

modelo, iniciando a

partir de 2012

Portas e lugares 04 portas e 05 lugares 04 portas e 05 lugares 04 portas e 05 lugares

Ar-

condicionado Exigido Exigido Exigido

Mínimo de 100

viagens

completas

Não exigido Exigido Não exigido

Média de

avaliações

mínimas pelos

usuários

Não exigido Exigido; variável em

cada cidade Não exigido

Cor Qualquer cor Qualquer cor Apenas veículos na

cor preta

Modelo Qualquer modelo Variável conforme a

cidade

Apenas veículos

SEDAN e SUV

Tarifa das

corridas

dirigidas $ $$ $$$

Fonte: UBER, 2019. Elaboração do Autor, 2019.

Inicialmente, é necessário realizar um cadastro contendo as informações básicas - como

telefone, nome completo, e-mail, criação de senha - assim como o envio posterior dos

documentos pessoais e do veículo, como: CNH – Carteira Nacional de Habilitação, que deve

conter a observação de exercício de atividade remunerada, assim como o CLRV – Certificado

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de Registro e Licenciamento do Veículo, referente ao carro a ser cadastrado na plataforma

(UBER, 2019).

As informações serão analisadas pela plataforma que, dentre outros aspectos, avaliará a

qualidade dos documentos enviados, a presença da observação de atividade remunerada na

CNH, o enquadramento do veículo nas exigências mínimas determinadas pela plataforma,

assim como os dados sobre o próprio motorista, como a checagem de antecedentes criminais

(AUTRAN, 2018), medida polêmica que já foi ratificada pelo TJRJ (JURÍDICO, 2018).

Logo após a aprovação do cadastro, o motorista já está habilitado a iniciar as corridas

quando desejar, bastando com que inicie o aplicativo e pressione a opção “Iniciar”, para que

fique online, pronto para receber viagens a qualquer momento.

A partir deste instante, o aplicativo considerará aquele motorista cadastrado como um

condutor ativo, direcionando a ele solicitações de corrida que aparecerão na tela do aplicativo,

exibindo as seguintes informações: a categoria da corrida (como UberX), a pontuação do

usuário que solicitou a viagem, a distância aproximada em minutos e em quilômetros do local

atual do motorista até o endereço de onde partiu a requisição do passageiro, segundo

exemplifica a Figura 06, extraída a partir do vídeo publicado no Youtube com a gravação de

tela durante o uso do aplicativo Uber Drive por parte de um motorista da plataforma.

Figura 06: Interface do aplicativo Uber Driver ao iniciar uma corrida

Fonte: UBER, 2018.

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Após aceitar a corrida, o motorista é direcionado ao endereço do passageiro solicitante

da viagem através do mapa disponibilizado pela própria plataforma, que utiliza a tecnologia do

GPS11 dos dispositivos – ambos do motorista e do passageiro – para atualizar em tempo real a

distância entre o veículo dirigido pelo condutor e o local informado pelo usuário no momento

da solicitação da viagem.

Caso o condutor tenha dúvidas de como fazer para chegar até o endereço do passageiro,

é possível utilizar as opções de troca de mensagens escritas ou até mesmo ligar para o usuário

solicitante da viagem, cujo número telefone de ambos (motorista e passageiro) é preservado

pela plataforma através de um redirecionamento de ligação: o motorista seleciona a opção de

ligar para o cliente, a Uber recebe a solicitação e redireciona a chamada para o usuário, que

recebe em seu dispositivo móvel uma chamada com números da própria empresa. São exibidas

também opções de cancelamento da viagem, caso ocorra algum problema ou a desistência

voluntária do motorista, onde não cobrada taxa até o quinto minuto após aceitar o chamado,

conforme exibido em Figura 07.

Figura 07: Opções de contato com o passageiro e cancelamento da viagem

Fonte: UBER, 2017.

11 A sigla GPS, originária do inglês global position system, ou em português sistema de posicionamento global, é

uma tecnologia de radionavegação por satélite, desenvolvida nos Estados Unidos, que possibilita determinar a

velocidade, a posição atual e o fuso horário dos utilizadores, seja em terra, mar ou via aérea, atuando como um

localizador em tempo real de qualquer objeto rastreável, como smartphones e tablets (MACHADO, 2012).

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Finalizando a corrida, o motorista poderá avaliar o passageiro, com nota entre 01 (uma)

à 05 (cinco) estrelas – aplicada a mesma regra para os viajantes: quanto menor o número de

estrelas, pior o passageiro – sendo atualizado no centro-superior da interface do aplicativo o

valor total arrecadado em corridas até o momento, como demonstrado em Figura 06.

Assim como no aplicativo para passageiros, o Uber Driver calcula automaticamente,

através de um algoritmo privado da plataforma, a comissão que o motorista receberá ao final

de cada corrida. Não é possível visualizar o valor cobrado ao consumidor viajante, nem o

percentual da comissão da viagem em relação à quantia paga pelo usuário da corrida: o

aplicativo somente exibe a cifra exata que o motorista terá direito a receber, não havendo

possibilidade de o “parceiro” ter acesso ao valor que originou o pagamento da comissão.

Inicialmente, até meados do ano de 2018, o cálculo do valor destinado ao motorista era

estabelecido a partir de um percentual fixo de 25% (vinte e cinco por cento) sobre o total da

corrida cobrado dos passageiros na categoria UberX, Juntos e Uber Select, bem como 20%

(vinte por cento) para as viagens na modalidade UberBlack. Desta forma, os motoristas da

plataforma obtinham a clareza sobre o percentual que receberiam por cada corrida efetuada pela

empresa (LAVADO, 2018).

Contudo, em junho do mesmo ano, a empresa anuncia uma nova forma de taxa dos

motoristas, onde o modelo fixo de 25% (vinte e cinco por cento) e 20% (vinte por cento) seria

substituído por um sistema de cálculo volátil que considera as seguintes variáveis para compor

o valor destinado ao motorista: preço inicial da viagem; valor cobrado a cada minuto; preço

por distância; preço dinâmico; pedágio e outras taxas (UBER, 2018).

Como é feito o cálculo dos seus ganhos?

O cálculo do ‘Total de ganhos‘ mostrado ao final de uma viagem considera

os seguintes fatores:

• Preço Base: o preço inicial de uma viagem

• Preço por Tempo: valor cobrado por cada minuto do tempo entre o

começo e fim da viagem

• Preço por Distância: valor por Km (ou fração) da distância total entre

o começo e fim da viagem

• Preço dinâmico (quando aplicável)

• Pedágios e outras taxas (quando aplicável)

O ‘total de ganhos’ é calculado da seguinte forma: (preço base + preço por

tempo + preço por distância) x multiplicador de preço dinâmico +

pedágios e outras taxas.

(UBER, 2018) grifo nosso.

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As alterações sobre o novo método para o cálculo da parte destinada ao motorista

obtiveram como justificativa dois fatores centrais na campanha publicitária efetuada pela

empresa: a promoção de repasses sobre as corridas de forma mais justa, que considera as

diferentes condições que podem surgir no cotidiano de trabalho; a simplificação da forma de

pagamento dos valores destinados aos motoristas em cada corrida, onde o motorista “não

precisará mais fazer contas”, bastando visualizar o ganho líquido ditado pela plataforma na tela

do aplicativo (UBER, 2018).

Sua tela de ganhos vai ficar mais fácil de entender

Você não precisa mais fazer contas para saber quanto ganhou no dia. Deixa

que a Uber faz isso para você.

No novo resumo diário, vai aparecer o ganho líquido, já descontada a taxa da

Uber. Ou seja, o valor que você vê na tela, é o valor que você vê no seu

bolso.

Além disso, você também consegue acessar as informações de todas as

viagens realizadas em um dia específico. É clicar e pesquisar.

(UBER, 2018).

Embora afirme que o motorista conseguirá ter acesso as informações das corridas

realizadas em uma determinada data, a plataforma não disponibiliza os dados com as

composições discriminadas de cada uma das possíveis variáveis que supostamente compõem o

valor de cada corrida, ou seja, a incidência disposta em números sobre o valor de cada viagem.

Desta forma, o motorista encontra-se incapacitado de conferir se a empresa está repassando a

quantia correta, ou não, sobre o trabalho prestado.

Peculiarmente, através de um site cujo acesso é permitido somente aos motoristas

cadastrados na plataforma, a empresa disponibiliza uma espécie de tabela padrão com os

valores-base que servirão para o cálculo dos ganhos recebidos em cada viagem, sendo estes,

conforme dispõe a Uber, “baseados na sua data de ativação da Uber” (UBER, 2019).

Destaca-se que o link para chegar até o referido portal foi obtido na seção “Perguntas e

Dúvidas Frequentes”, subseção “Essa mudança altera os valores do preço inicial, por minuto e

por quilômetro?” através de uma navegação detalhada e minuciosa no website “A Uber tem

novidade para você. E para seus ganhos.” (UBER, 2018), não sendo apresentado, portanto, de

forma clara e com os devidos destaques que tal informação importante – e até então misteriosa

– deveria possuir.

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No presente caso, para conseguir obter o acesso aos dados, fora realizado um cadastro

inicial na plataforma como motorista utilizando como base territorial a cidade do Rio de

Janeiro/RJ, tendo em vista que a empresa não disponibiliza as informações publicamente a

todos os interessados sobre os cálculos efetuados pela empresa, nem mesmo os passageiros

usuários da própria plataforma.

Ao efetuar o primeiro acesso ao website, fora exibido uma mensagem de aviso da

empresa, transcrita abaixo, onde a plataforma Uber relata não se comprometer com as

informações ali dispostas, tendo em vista que determinados fatores poderiam alterar os valores

ora exibidos e que estes são poderiam ser utilizados para contestar os ganhos obtidos nas

corridas, exibidos na seção de Resumo de Ganhos da empresa.

Ganhos mais fáceis de entender

Você vai ver os valores que ganhou por cada minuto e por cada

quilômetro que dirigiu. Não precisa mais subtrair a taxa de serviço da Uber

para saber quanto você ganhou. Os preços são baseados na sua data de

ativação na Uber. Às vezes, pode haver diferença entre os valores mostrados

aqui e os valores que você ganha (mostrados no resumo de ganhos). Isso pode

acontecer por diferenças de tempo, atrasos em atualizações, problemas

técnicos ou outros motivos. Não garantimos que os valores exibidos nesta

página sejam os mesmos que você vai ganhar. Caso note diferenças, os

valores que você ganhar devem prevalecer. Ao usar este portal, você confirma

que está ciente de que os valores que você ganha, de acordo com seu resumo

de ganhos, prevalecem sobre os valores mostrados aqui.

(UBER, 2019) grifo nosso.

Logo após a mensagem exibida, o portal apresenta um mapa da cidade escolhida, neste

caso, Rio de Janeiro/RJ, dividida em duas regiões para o serviço UberX:

a) Área 01, mostrada no mapa em azul, conforme Figura 08, apresenta tarifas mais

baratas por quilômetro percorrido, compreendendo as regiões do subúrbio da cidade, como os

bairros de Madureira, Penha, Engenho da Rainha, Ramos, Bonsucesso, Del Castilho, Rocha

Miranda, Realengo, Bangu e Méier, além de cidades adjacentes, como Campo Grande,

Nilópolis, Nova Iguaçu, Queimados, Seropédica, São Gonçalo, Niterói, Itaboraí e Maricá;

b) Área 02, exibida no mapa em uma faixa verde, demonstrada em Figura 09,

compreendendo os bairros de custo de vida mais alto da cidade do Rio, localizados desde a

Zona Sul até a Zona Oeste, como Botafogo, Ipanema, Leblon, Flamengo, Glória, Barra da

Tijuca e Recreio dos Bandeirantes, apresentando valor de quilometragem superior a Área

anterior, conforme demonstra Quadro 04 comparativo a seguir.

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Figura 08: Área 01 – Regiões do subúrbio do Rio de Janeiro e cidades adjacentes

Fonte: UBER, 2019.

Figura 09: Área 02 – Regiões nobres da Zona Sul e Zona Oeste do Rio de Janeiro

Fonte: UBER, 2019.

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Quadro 04: Comparativo entre os valores das tarifas dos motoristas conforme a área e a

modalidade do serviço

ÁREA Tarifas UberX Juntos Uber Comfort Uber Black

Área 01

Bairros do

subúrbio do

Rio de

Janeiro e

cidades

adjacentes

Preço Base R$ 1,50 R$ 1,50 R$ 1,87 R$ 3,20

Por quilômetro R$ 1,05 R$ 1,05 R$ 1,2749 R$ 1,84

Por minuto de

viagem R$ 0,1125 R$ 0,1125 R$ 0,135 R$ 0,184

Tempo de

espera por

minuto

R$ 0,1125 ---------- ---------------- R$ 0,184

Mínimo de

ganhos de

viagem

R$ 6,18 R$ 6,18 R$ 6,18 R$ 7,80

Área 02

Bairros

nobres da

cidade do

Rio de

Janeiro,

localizados

nas Zonas

Sul e Oeste.

Preço Base R$ 1,50 R$ 1,50

Não há subdivisão entre Área

01 e Área 02 nos serviços

Confort e Black: os bairros da

do Rio de Janeiro e cidades

adjacentes se unem em uma

única região.

Por quilômetro R$ 1,20 R$ 1,20

Por minuto de

viagem R$ 0,1125 R$ 0,1125

Tempo de

espera por

minuto

R$ 0,1125 ----------

Mínimo de

ganhos de

viagem

R$ 6,18 R$ 6,18

Descrição:

• Preço base: valor do início da viagem

• Por quilômetro: valor variável conforme a quilometragem percorrida

• Por minuto de viagem: valor baseado no tempo dirigido na viagem

• Tempo de espera por minuto: valor cobrado após 02 minutos da chegada no local de embarque

• Mínimo de ganhos de viagem: valor mínimo garantido para as viagens

Fonte: UBER, 2019. Elaboração do Autor, 2019.

Algumas localidades, em determinados momentos do dia, são taxadas com o preço

dinâmico: nesta modalidade, o valor-base utilizado para o cálculo das corridas é multiplicado

por numeral definido pelo algoritmo do aplicativo.

A precificação dinâmica acontece devido a desbalanceamentos entre a oferta e a

demanda de motoristas em determinados locais, ocorrido por fatores de diferentes naturezas,

como a preferência de atuação dos condutores em determinadas áreas, desfavorecendo outras

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regiões; a ocorrência de eventos que impactem o número de solicitações de viagens dos

usuários, como ocorre nas datas do festival de música Rock in Rio e campeonatos de futebol; e

a incidência de fenômenos naturais, como chuvas, que aumentam a procura por serviços de

transporte particular.

Para demonstrar para os motoristas os locais cuja viagem será cobrada na tarifa

dinâmica, o aplicativo destaca no mapa da tela inicial, em cores vibrantes, as regiões

participantes desta precificação, assim como informa a taxa de multiplicação da corrida

aplicável para determinada área (UBER, 2017).

Apesar de exibir o valor devido ao motorista logo após o encerramento de uma corrida,

a plataforma processará todas as comissões das viagens de uma semana somente na segunda-

feira posterior ao encerramento desta, às 04h (quatro horas) da manhã, disponibilizando o valor

numa conta virtual criada pela própria empresa, onde é possível transferir o total arrecadado

para uma conta corrente bancária em nome do titular do cadastro (UBER, 2017).

Caso deseje antecipar o valor e não aguardar o prazo de uma semana, preenchidos

determinados requisitos da plataforma12, o motorista poderá utilizar o serviço chamado Flex

Pay, onde será possível realizar a antecipação dos valores arrecadados nas corridas até

determinado momento para a conta virtual da plataforma, sendo então possível a transferência

destes valores da conta virtual para a conta bancária do “parceiro”.

2.3 “Motorista parceiro-colaborador”

A definição utilizada pela empresa Uber, ao se posicionar no mercado econômico

mundial, traz controvérsias cuja necessidade de análise é fundamental para que seja possível

compreender que o discurso gerado pela companhia é incompatível com suas práticas

demonstradas em sentido totalmente diverso.

Autodenominada empresa de tecnologia, a plataforma possui como meio principal o

transporte particular de passageiros por meio de aplicativos em dispositivos móveis, renegando,

contudo, veementemente o rótulo de companhia deste ramo (UBER, 2019).

12 Para solicitar o recurso de antecipação de valores das corridas da plataforma chamado Flex Pay, o motorista

deverá: a) ter no mínimo 25 viagens realizadas; b) estar a mais de duas semanas ativo na plataforma; c) possuir

saldo positivo; d) ter passado por uma verificação de risco de segurança; e) respeitar o valor mínimo de R$ 1

(um real) para transferência e o limite de uma solicitação por dia. Os repasses serão efetuados para a conta

virtual entre 01 a 02 dias, conforme informado pela empresa. Nesta modalidade de adiantamento, não há a

cobrança de taxa para transferência (UBER, 2017).

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Negar a identidade principal como serviço destinado ao transporte de pessoas é uma das

tarefas mais desempenhadas pela empresa, utilizando como subterfúgio o discurso de pertencer

ao ramo principal da tecnologia, a fim de mascarar a real atividade exercida pela companhia e

evitar os possíveis desdobramentos onerosos que uma empresa de transportes demanda.

O que não fazemos

• A Uber não é uma empresa de transporte. A Uber é uma empresa de

tecnologia. Nós desenvolvemos um aplicativo que conecta motoristas

parceiros a usuários que desejam se movimentar pelas cidades.

• A Uber não é um aplicativo de táxi. Nós conectamos usuários e motoristas

parceiros, que prestam o serviço de transporte individual privado, por meio de

nosso aplicativo.

• A Uber não é um serviço de carona paga ou remunerada. A Uber é uma

empresa de tecnologia que possibilita, por meio de seu aplicativo, que

motoristas parceiros encontrem pessoas que precisam de viagens acessíveis e

confiáveis. O usuário chama um motorista parceiro, que o leva para o destino

que ele deseja.

• A Uber não emprega nenhum motorista e não é dona de nenhum carro.

Nós oferecemos uma plataforma tecnológica para que motoristas parceiros

aumentem seus rendimentos e para que usuários encontrem motoristas

confiáveis e desfrutem de viagens confortáveis.

(UBER, 2019)

A tecnologia utilizada pela plataforma Uber é, no entanto, uma ferramenta para que

possa ser concretizada a modalidade de transportes por aplicativo, por meio digital, ao qual a

empresa exerce sua atividade-fim: os recursos tecnológicos empregados são meramente a

atividade-meio, ou seja, consistem como necessidades para que a plataforma seja capaz de

viabilizar o funcionamento de sua plataforma, de seus aplicativos para dispositivos móveis,

tendo em vista que a empresa Uber não se dedica a realizar a venda de criação de novas

descobertas e soluções de tecnologia para a indústria do meio digital, mas sim lucrar através de

setor de transporte por aplicativo.

Neste mesmo cenário de pós-verdades, a plataforma se certifica de atribuir aos

indivíduos que conduzem passageiros por meio de aplicativos a titulação de “motoristas

parceiros”, isto é, classificando-os como profissionais livres e independentes que efetuam

“colaborações” com a empresa-não-pertencente-ao-setor-de-transportes a fim de complementar

sua renda pessoal, assim como se tornarem livre de patrões, fazendo o seu próprio horário, da

sua própria maneira, prestando serviços quando bem quiserem.

Em suas peças e campanhas publicitárias, a empresa Uber certifica-se de utilizar

terminologias que afastem qualquer condição que aproxime seus motoristas a possíveis

trabalhadores: emprega-se, então, o discurso falacioso de independência, empreendedorismo, e

liberdade financeira para camuflar a realidade presente na relação motorista-empresa.

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Contraditoriamente, os motoristas presentes nesta plataforma enfrentam realidades que

não se compatibilizam com a ótica independente, empreendedora e parceirista da plataforma,

fazendo com que sejam submetidos ao arcabouço criado pela plataforma em meio ao cenário

de crise econômica e níveis históricos de desemprego no país (OLIVEIRA, 2019).

O cotidiano do trabalho dito como livre da plataforma, exige com que o motorista se

despende de inúmeros recursos por conta própria, onde o “parceiro” deverá ter:

a) o seu próprio automóvel pessoal, devendo ser um modelo recente para ser aceito na

plataforma, ou arcar sozinho com o aluguel de um carro;

b) contratar seguro pessoal e também para o veículo utilizado – tendo em vista a iminente

possibilidade de ocorrência de acidentes de trânsito, assim como furtos e assaltos

durante o curso das corridas;

c) ter um dispositivo móvel próprio, como smartphone ou tablet, para que consiga ter

acesso à plataforma por meio de aplicativo;

d) ter um plano ou pacote de internet móvel para que seja possível se conectar à rede e

receber os chamados das corridas no aplicativo;

e) arcar com as despesas inerentes ao uso de um automóvel por sua conta própria, como

combustível necessário para dirigir – ressaltando que os veículos alugados não possuem

sistema de gás natural veicular, aumentando o valor final gasto por quilômetro com o

uso de álcool e gasolina;

f) arcar com a manutenção mecânica do veículo, que certamente constituirá como um novo

gasto devido à longa utilização necessária para conseguir transportar os passageiros;

g) suportar os custos para a limpeza e higienização do carro, tendo em vista ser requisito

que o veículo apresente boas condições para atender os viajantes da plataforma;

h) incumbir-se de se alimentar durante o trabalho com meios próprios, sem que haja a

concessão de qualquer auxílio ou verba por parte da empresa;

i) oferecer aos passageiros brindes por conta própria para que consigam manter uma boa

avaliação, indispensável para a manutenção do cadastro na plataforma, como água

mineral, balas e doces.

Os “motoristas parceiros” operam no cenário limitado trazido pela plataforma, onde não

é possível realizar escolhas inerentes a qualquer atividade que se auto intitule livre: a Uber

realiza o monopólio de todos os instrumentos decorrentes da relação instituída entre motorista-

empresa, tendo em vista que os trabalhadores não decidem os clientes que serão transportados,

não conseguem negociar o valor que será recebido por cada viagem – gerado automaticamente

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pela plataforma, assim como estão incapazes de acordar o percentual da comissão estabelecido

pela cessão da sua mão de obra, que é determinado por um algoritmo obscuro ao qual os

motoristas não possuem acesso detalhado e que também não é transparecido pela plataforma,

gerando uma constrição de qualquer liberdade no curso desta prestação de serviços.

Desta forma, a empresa traz ao trabalhador todos os ônus necessários para desempenhar

as atividades na plataforma, estabelece formas obscuras de repasse do valor das corridas e

determina exatamente a quem o serviço será prestado durante o curso do trabalho, transferindo

aos “parceiros” todo o risco possível da atividade empresária exercida, configurando em

transgressão direta ao art. 2º da Consolidação das Leis do Trabalho.

Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que,

assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a

prestação pessoal de serviço.

(BRASIL, 1943) grifo nosso.

Em suma, os motoristas suportam todo o ônus decorrente desta relação, empregando os

meios próprios para satisfazer inúmeras exigências da companhia em troca de ganhos cuja

natureza é velada, restando à empresa a ferramenta da manipulação exata entre o que deseja

receber e até quanto e de que forma pretende remunerar os trabalhadores.

Enquanto empresa construída nos moldes do neoliberalismo, a plataforma Uber

emprega recursos estruturais que objetivam a maximização do acúmulo de valor através da

desvalorização da força de trabalho e a sua consequente substituição pelo o que Marx conceitua

como trabalho-morto, conforme elucida o sociólogo Ricardo Antunes.

O crescente processo de eliminação de trabalho vivo pelo trabalho morto,

de substituição de trabalhadores por tecnologia maquínica, foi outro traço

central na sujeição que a máquina ferramenta – na verdade, a lógica movida

pelo sistema do capital – impôs ao trabalho, reduzindo e até eliminando sua

destreza oriunda da fase artesanal e mesmo manufatureira, consolidando o

processo de desumanização do trabalho ou, mais rigorosamente, a

“desantropomorfização do trabalho”, para usar uma concepção de Lukács

presente em sua obra de maturidade, Para uma ontologia do ser social.

(ANTUES, 2018, p. 117) grifo nosso.

A força de trabalho ou o trabalho-vivo, para o capital, se estabelece como um infortuno

gasto a ser superada através de técnicas e ferramentas que possam substituir, progressivamente,

a utilização desta força viva de trabalho por instrumentos criados pelo próprio capital, que

possui histórico desde o maquinário presente na grande industrialização, onde novas máquinas

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foram criadas com a capacidade de substituir a mão de obra de centenas de trabalhadores, até a

fase atual da Era Digital, com a criação de ferramentas tecnológicas capazes de trocar o trabalho

humano por programações, algoritmos e códigos.

No entanto, o caso Uber traz uma realidade peculiar em relação aos meios de

substituição tradicionais da força de trabalho: utilizando ação humana não-remunerada, a

plataforma pode ser valer de mecanismos de gerenciamento e dominação do trabalho efetuado

pelos motoristas no curso de suas atividades por meio dos passageiros.

Estes usuários exercem, portanto, trabalho para a própria plataforma, atuando como

gerentes que avaliam a performance dos motoristas e as classifica através de estrelas (de cinco,

para excelente e até 0, quando o serviço é péssimo), informando quando ocorrem problemas na

viagem e quais são as suas naturezas: desde restrições de períodos de suspensão da atividade

do motorista, impedindo-o de trabalhar durante horas e dias, até mesmo o desligamento do

motorista da plataforma, como forma de punição.

A avaliação negativa por parte dos passageiros nem sempre parte de uma evidência,

podendo gerar percepções equivocadas sobre incidentes que não dependem da vontade de quem

está dirigindo, neste caso, o motorista.

Para exemplificar a questão, um usuário da plataforma, insatisfeito com o trajeto

utilizado pelo motorista durante a viagem, poderá avaliá-lo com 02 (duas) estrelas, cujo

significado é de serviço de qualidade ruim. Contudo, o trabalhador é orientado a seguir as

instruções de rota exibidas pelo GPS do aplicativo, controlando o trajeto a ser seguido durante

a viagem. Desta forma, o motorista acabará sendo punido pela má avaliação do usuário por

conta de um inconveniente que o trabalhador, direcionado pela rota definida na tela do

aplicativo, não possui qualquer responsabilidade.

Este mecanismo permite com que o aplicativo possa efetivamente gerenciar o trabalho

dos motoristas sem necessitar, contudo, de uma figura clássica da subordinação do trabalho,

como os gerentes e administradores que comandam equipes.

A sofisticação da dominação, por meio desta nova forma de subordinação

operacionalizada pelos clientes e aplicada pela plataforma através de sanções, como o

desligamento do motorista da plataforma de forma definitiva, por meio do cancelamento do

cadastro, assim como suspensões temporárias que o impedem de trabalhar durante um

específico período, apresenta os elementos principais de observação, controle e técnica presente

nas relações tradicionais do trabalho sob uma nova roupagem atual, moderna e fragmentalizada,

onde os próprios passageiros são, ao mesmo, consumidores, trabalhadores, alimentadores e

gerentes das funções sutilmente encarregadas pela plataforma.

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Para compreender o tratamento dispensado a estes trabalhadores modernos uberizados,

é preciso retornar aos conceitos da teoria da alienação e estranhamento de Karl Marx, elucidada

pelo professor Giovanni Alves:

A Alienação é o ato/processo histórico de perda/despossessão dos

meios de produção/controle de vida social que constitui a condição sócio-

existencial de estranhamento

Se objetivação/exteriorização da atividade do homem como ser

genérico possui um sentido de positividade, por outro lado,

alienação/estranhamento possui um claro sentido de negatividade. Estamos

tratando, portanto, com pares dialético-reflexivos.

É a partir do trabalho alienado como despossessão dos meios de

produção da vida social que se constitui o complexo social da vida estranhada

(sistema social do estranhamento), caracterizado por relações sociais,

processos e estruturas que obstaculizam o desenvolvimento do ser genérico

do homem.

[...] A relação-capital é caracterizada pelo trabalho alienado, onde homens e

mulheres estão despossuídos da propriedade/controle dos meios de produção

da vida social. Nesse caso, o sujeito produz objetos-produtos/objetivações

sociais como exteriorização/externalização “se volta contra” ele. Nesse caso,

o objeto se tornou coisal, como diria Marx. Isto é, tornou-se um fetiche – uma

objetivação intransparente e recalcitrante ao controle social. O modo de

aprovação destes meios e conjuntos de meios socialmente produzidos é um

modo de apropriação estranhado. É o “retorno regressivo” ou externalização

estranhada que caracteriza o trabalho alienado, constituindo, deste modo, o

sistema social do estranhamento.

(ALVES, 2011, p. 17-18)

Neste sentido, a relação entre o homem e o seu papel desempenhado no trabalho passa

por um processo de estranhamento, onde ele, mercantilizado pelo capital e sem a posse dos

meios de produção, além de não se identificar com o trabalho e nem a coisa produzida, ainda

produz objetificações de autosabotagem, causando um efeito de estranhamento.

Este estranhamento é, portanto, a não identificação da coisa viva sobre a coisa morta,

ou seja, sobre a disruptiva relação entre o trabalho-vivo, na figura do operário coisificado e

mercantilizado pelo capital, sobre o trabalho-morto, instrumento este criado pelo capital que,

de forma nefasta, é forçado a ser mantido pelos próprios trabalhadores, a medida com que estes

vendem a sua força de trabalho e, consequentemente, são submetidos ao seu fomento.

Trata-se do olhar do operário sobre a sua própria condição em face do trabalho que

exerce e não se reconhecer nele, de produzir a coisa com suas próprias mãos mas não se conectar

com ela e com seus métodos para fazê-lo, não se enxergar enquanto ser que efetivamente integra

aquela relação, mas que ali o foi posto sem o seu desejo, por necessidade de sobrevivência.

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Sob esta ótica de trabalho por obrigação, refletido pela exteriorização do trabalho,

manifesta em acertada análise o filósofo Karl Marx:

Primeiro, que o trabalho é externo é externo (äusserlich) ao trabalhador, isto

é, não pertence ao seu ser, que ele não se afirma, portanto, em seu trabalho,

mas nega-se nele, que não se sente bem, mas infeliz, que não desenvolve

nenhuma energia física e espiritual livre, mas mortifica sua physis e arruína o

seu espírito.

Do que se depreende que o trabalhador só se sente, por conseguinte e em

primeiro lugar, junto a si [quando] fora do trabalho e fora de si [quando] no

trabalho. Está em casa quando não trabalha e, quando trabalha, não está em

casa. O seu trabalho não é portanto voluntário, mas forçado, trabalho

obrigatório.

(MARX, 2004, p. 82-83).

As transformações efetuadas após o cenário de crise nas economias capitalistas nos anos

1970 trouxeram um novo conceito que modifica diretamente a subjetividade social dos

trabalhadores, afetando a forma com que estes são identificados e, consequentemente, a maneira

com que se percebem no meio do trabalho: a partir da personificação do trabalho como

personificação do capital, novas terminologias que afastam a tradicional hierarquização e

polarização entre o conceito clássico de patrão-empregado são utilizadas para tornar os

trabalhadores fictamente parte das empresas.

Neste sentido, surgem os novos termos “colaboradores”, “parceiros” em detrimento das

nomenclaturas de “trabalhadores” e “operários”, sendo estas novas formas de alienação do

trabalho que causam, consequentemente, causando um novo estranhamento sobre a forma com

que estes trabalhadores se percebem e se fazem percebidos (ANTUNES, 2009, p. 130).

Esta técnica utiliza este novo distanciamento entre a figura do ser trabalhador,

imputando aos motoristas da plataforma a titulação de “parceiros”, “colaboradores”, a fim de

produzir, ideologicamente, uma estrutura que afaste qualquer conexão entre estes indivíduos

com a persona de um trabalhador: em tempos de pós-verdade, subverte-se a realidade por meios

nefastos para que se possa efetivar a precarização do trabalho.

A partir desta ótica, portanto, a empresa passa a se valer da premissa que a relação

motorista-Uber não é uma relação empregatícia, condicionando-os a relações de violação de

direitos básicos, como o respeito à jornada de trabalho e a não transparência sobre as

remunerações, já que não há qualquer compromisso com a figura de trabalhador – apesar destes

motoristas pertencerem à esta categoria.

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Os reflexos desta prática oferecem o cenário de alta exploração por parte da empresa,

que além de lucrar com a negação de direitos a estes trabalhadores, provoca a danosa subversão

da subjetividade dos trabalhadores, que passam a não se reconhecer como operários.

Desta forma, a alienação destes indivíduos os torna dóceis e suscetíveis à exploração; o

novo estranhamento causado coloca estes motoristas sobre um conflito interno, onde o

diagnóstico de liberdade, independência e cooperação da empresa causam estranhamento em

relação aos sintomas de exploração sentidos pelos trabalhadores, afinal, como é possível ter

liberdade de escolha quando se é preciso trabalhar cada vez mais, em jornadas que ultrapassam

as 12 (doze) horas diárias13, para conseguir alcançar o mínimo para a sobrevivência? Resta

alguma alternativa?

Este cenário onde sintoma e diagnóstico são incoadunáveis, provoca nos trabalhadores

a culpabilização por uma possível incapacidade pessoal de atingir o desempenho necessário

para se obter sucesso, já que nesta ótica de liberdade, o fracasso torna-se mera escolha de quem

não se dispõe a se esforçar.

Figura 10: Publicidade do aplicativo Uber na rede social Facebook

Fonte: UBER, 2016. Retirada da rede social Facebook.

13 O Jornal Diário do Nordeste, em matéria publicada em 05 de junho de 2019, ouviu trabalhadores que afirmam

trabalhar, em média, 12 (doze) horas por dia, existindo casos onde tal jornada é extrapolada até 15 (quinze) horas

de trabalho diário (NORDESTE, 2019); em São Paulo, motorista “acampa” por 12 (doze horas) para conseguir

uma única corrida no Aeroporto Internacional de Guarulhos (MACHADO, 2017).

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A constante agonia provocada por tal responsabilização individual pelo fracasso passa

a ser potencializada pelo contato entre os próprios trabalhadores da plataforma, que reproduzem

e perpetuam entre si a individualização do trabalho e a condicionante do esforço pessoal como

única limitação para atingir os ganhos necessários: a transmissão entre os capilares os tornam

objetos repressores de seus iguais, fazendo-os parte do trabalho-morto.

Não somente como ferramenta denegatória de direitos – cuja rentabilidade ao não

assumir as responsabilidades de cumprir com os deveres dos empregadores, como garantia de

jornada de trabalho, salário e alimentação, é notória – a transferência do sucesso (vide

sobrevivência mínima) para os trabalhadores faz com que a empresa possa se valer de um

sistema de ganhos e recompensas: quanto mais trabalhar, mais viagens concluir, mais horas

estiver conectado na plataforma, melhores são as possíveis recompensas.

Como funcionam as promoções para os motoristas parceiros?

Muitos tipos de promoção são oferecidos aos motoristas parceiros. Para

receber uma promoção, você precisa cumprir os requisitos específicos da

mesma. Veja aqui uma descrição de requisitos que algumas promoções

podem incluir.

VIAGENS CONCLUÍDAS

Algumas promoções exigem que você conclua um determinado número de

viagens. Conta-se uma viagem quando você leva um usuário do local de

partida ao destino com sucesso. Toda viagem cancelada por você ou pelo

usuário não será contada.

HORAS ONLINE

A quantidade total de horas que você esteve online é calculada ao minuto.

Você pode estar em viagens, no trajeto para os locais de partida ou disponível

para receber solicitações de viagens.

Observe que algumas promoções podem ter exigências de horários ou dias da

semana específicos. Por exemplo, se o período de uma promoção for das 13h

às 14h e você estiver online das 13h às 15h, isto será calculado como uma hora

online para fins da promoção.

VIAGENS POR HORA (VPH)

Este requisito é calculado como o seu número total de viagens concluídas

durante um período de promoção, dividido pela duração do seu tempo online

nesse período. Por exemplo, se você estiver online por 3 horas e concluir 6

viagens, isto será calculado como 2 VPH. As viagens canceladas não contam

para VPH.

TAXA DE ACEITAÇÃO

Este requisito é calculado como o número total de viagens que você aceitou,

dividido pelo número de solicitações de viagens enviadas para o seu telefone.

As solicitações de viagens recebidas durante uma viagem são contadas. [...]

(UBER, 2019).

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Contudo, como já conceituava Marx em 1844, o crescimento da produtividade do

trabalhador no sistema econômico capitalista mercantilizador e objetificador, cria, de forma

inversamente proporcional, a desvalorização de sua mão de obra.

O trabalhador se torna tanto mais pobre quando mais riqueza produz, quanto

mais a sua produção aumenta em poder e extensão. O trabalhador se torna

uma mercadoria tão mais barata quanto mais mercadorias cria. Com a

valorização do mundo das coisas (Sachenwelt) aumenta em proporção

direta a desvalorização do mundo dos homens (Menshenwelt). O trabalho

não produz somente mercadorias; ele produz a si mesmo e ao trabalhador

como uma mercadoria, e isto na medida em que produz, de fato, mercadorias

em geral.

[...]

A efetivação do trabalho tanto aparece como desefetivação que o trabalhador

é desefetivado até morrer de fome. A objetivação tanto aparece como perda

do objeto que o trabalhador é despojado dos objetos mais necessários não

somente à vida, mas também dos objetos do trabalho. Sim, o trabalho mesmo

se torna um objeto, do qual o trabalhador só pode se apossar com os maiores

esforços e com as mais extraordinárias interrupções. A apropriação do objeto

tanto aparece como estranhamento (Entfremdung) que, quanto mais objetos o

trabalhador produz, tanto menos pode possuir e tanto mais fica sob o domínio

do seu produto, do capital.

(MARX, 2004, p. 81-82) grifo nosso.

Desta forma, quanto mais se trabalha, quanto mais se produz, mais é possível explorar

novos limites de precarização, onde o que anteriormente era tido como sobretrabalho torna-se

a nova regra, o novo ponto de partida.

Tal cenário é verificado pelas extensas jornadas de trabalho efetuadas pelos motoristas,

que percebem cada vez menos “ganhos” pelo dobro ou mais de horas trabalhadas: o tempo

deprecia da mão de obra, torna a jornada para garantir o mínimo existencial cada vez mais longa

e cria uma corrida regressa, onde quanto mais se trabalha, menos se ganha.

Além de toda essa dificuldade, os motoristas são avaliados por tudo que

fazem na direção. Francisco* tem 7 meses de Uber e conta que se deu bem

no início.

Diretor de comunicação em uma grande construtora, foi demitido por conta

da crise. “Essa Operação Lava Jato acabou com milhares de postos de

trabalho, mas ninguém fala muito nisso”.

Em novembro de 2016, Francisco respondeu a um anúncio que pedia

motoristas Uber. "Comecei a trabalhar às 8h30 da manhã, parei meia

hora para almoçar e só desliguei o carro às 20h30 da noite". As corridas

somaram 180 reais no total, hoje Francisco trabalha no mesmo horário

e não consegue faturar mais do que R$ 80 reais.

E ao fim das 12 horas de trabalho, terá de fazer o desconto de 25% da Uber e

do combustível gasto. “Já cheguei a dirigir 16 horas seguidas, tenho

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consciência que é perigoso para as pessoas que transporto. Mas pela

minha idade eu não tenho grande chance de voltar a ter um emprego como

tive no passado. Não tenho escolha”.

(PASCHOAL, 2017) grifo nosso.

Os relatos dos motoristas da plataforma, cuja jornada não é controlada pela plataforma,

revelam cenários onde um trabalhador precisa enfrentar mais de 12 (doze) horas de trabalho

para conseguir atingir ganhos mínimos (PASCHOAL, 2017), apesar da plataforma veicular, até

mesmo em horário nobre em grandes canais da rede televisiva, como ocorreu durante o

intervalo comercial da exibição do programa Fantástico, na Rede Globo, publicidades que

abordam o caráter de escolha do tempo de trabalho, conforme demonstra Figura 11.

Figura 11: Publicidade da empresa Uber

Fonte: SACCHITIELLO, PACETE, 2017.

O arcabouço da plataforma Uber em face das relações de trabalho revela, portanto, as

principais características do novo fenômeno compreendido em tempos de avanço tecnológico

e exploração da força de trabalho na sociedade moderna, o proletariado da era digital:;

o uso da tecnologia como ferramenta de exploração e de substituição do trabalho-vivo por

trabalho-morto; a precarização das relações de trabalho através da transferência de todo o ônus

da atividade empresária aos trabalhadores, sem que haja a divisão do bônus; o uso da pós-

verdade para ressignificar e subverter a subjetividade do trabalhador, capturando-a e

transformando em discursos sobre empreendedorismo individual, ser “o seu próprio chefe”;

o estado de negação de todo e qualquer direito social.

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3 ANÁLISE JURISPRUDENCIAL DA CONDIÇÃO DE MOTORISTA DE UBER NO

BRASIL

As conturbadas relações de trabalho envolvendo os “motoristas parceiros” e a empresa

de transporte por aplicativo Uber refletiram na busca de indivíduos cadastrados, assim como os

suspensos e desligados, na plataforma, pelo reconhecimento de vínculo empregatício regido

pela Consolidação das Leis do Trabalho através do Poder Judiciário Brasileiro.

Categoricamente, a plataforma digital de transporte de passageiros por meio de

aplicativos afirma que os motoristas que fazem parte desta relação são parceiros, colaboradores,

terminologias utilizadas para negar a condição de trabalhador e, desta maneira, não reconhecer

o vínculo trabalhista presente na CLT e os seus direitos garantidos pela legislação.

Contudo, inconformados com a diferença entre a ideologia de liberdade,

empreendedorismo e independência efetuada pela plataforma em detrimento às precárias

condições fáticas presentes nesta relação de trabalho, motoristas ativos e inativos do aplicativo

recorrem aos Tribunais Trabalhistas Brasileiros para que lhes seja concedido o reconhecimento

do vínculo e a reparação de direitos trabalhistas protelados.

Esta demanda recente trouxe novos desafios aos operadores do Direito, como advogados

e magistrados trabalhistas, que se depararam com um cenário diferente da imagem

tradicionalista de relação de trabalho baseada na clássica figura do patrão-empregado e seus

desdobramentos fáticos, tendo em vista as inúmeras peculiaridades provenientes pela utilização

da tecnologia como instrumento de fragmentação do trabalho e das novas formas de

organização do trablaho em meio à era digital da popularização da internet, dos smartphones,

dos tablets e das tecnologias de comunicação e informação.

Desta forma, neste terceiro e último capítulo do presente trabalho, será analisado como

o judiciário brasileiro trabalhista, especificamente neste trabalho, os Tribunais Regionais dos

estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, respectivamente, assim como o STJ -

Superior Tribunal de Justiça, trata a condição de motorista da plataforma Uber no país, através

da pesquisa jurisprudencial efetuada sobre os julgados envolvendo demandas sobre o

reconhecimento de vínculo empregatício celetista entre a os motoristas e a empresa.

Inicialmente, serão introduzidos os aspectos formais e normativos presentes na CLT –

Consolidação das Leis do Trabalho para que seja configurado o vínculo empregatício nas

relações de trabalho estabelecidas entre empregados e empregadoras, apresentando o texto

legal, o entendimento doutrinário sobre os conceitos norteadores celetistas, para que então

possam ser analisadas as decisões efetuadas pelo Poder Judiciário no Brasil.

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3.1 Requisitos Legais para formalização do vínculo empregatício

A Consolidação das Leis do Trabalho traz, na redação do art. 3º exposto a seguir, os 05

(cinco) requisitos para que haja a caracterização do vínculo empregatício celetista, isto é, o

reconhecimento de que determinado sujeito é empregado regido pelas regras da CLT, prestando

serviços para uma empresa específica, possuindo ambos direitos, garantias e obrigações

presentes na referida norma.

Art. 3º, CLT - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar

serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste

e mediante salário.

(BRASIL, 1943) grifo nosso.

Através da análise do dispositivo legal mencionado (art. 3º), são extraídos os

cinco requisitos para a consideração de determinado indivíduo como empregado celetista: ser

pessoa física; pessoalidade; habitualidade; subordinação jurídica e onerosidade,

explanados na listagem a seguir.

1) Pessoa Física

Para que seja verificada a presença do vínculo trabalhista, o sujeito objeto de análise

deverá ser, necessariamente pessoa física, ou seja, cidadão brasileiro ou estrangeiro,

comprovada para que seja considerado empregado, vedando a possibilidade de contratação

celetista de pessoa jurídica (LEITE, 2018, p. 150).

2) Pessoalidade

Em regra geral, o contrato de trabalho é de natureza intuito personae, ou seja,

personalíssimo por parte do trabalhador, impossibilitando que terceiro exterior, ou não, ao

ambiente de trabalho, o substitua em suas obrigações trabalhistas, salvo em situações especiais

em que próprio empregador se manifesta, expressa ou tacitamente, pela referida substituição do

prestador do trabalho (LEITE, 2018, p. 150). A partir de exemplificação a doutrinadora Vólia

Bonfim Cassar, é possível perceber a aplicação deste instituto da pessoalidade de forma prática:

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Ex.: Universidade contrata um professor para ministrar aulas de Direito. No

dia da prova, o professor manda em seu lugar, a seu bel-prazer, seu pai,

também professor, para substituí-lo em seu trabalho. Ora, o trabalho deve ser

desenvolvido pelo professor contratado, não podendo fazer-se substituir por

estranho à relação de emprego, salvo quando indicado pelo empregador ou

quando este concordar com a substituição sugerida pelo trabalhador. Não foi

o serviço (ministrar aulas) o contratado pela universidade e sim a pessoa do

empregado.

(CASSAR, 2017, p. 287) grifo nosso.

3) Habitualidade, também conhecida como não eventualidade ou ineventualidade

Este requisito dispõe que o contrato de trabalho gera a expectativa de haja sempre o

retorno por parte do trabalhador àquela atividade desempenhada, ou seja, a criação de um

vínculo de habitualidade naquele trabalho, afastando o caráter de eventualidade presente aos

trabalhadores que atuam de forma autônoma, como conceitua Carlos Henrique Bezerra Leite.

O contrato de trabalho exige uma prestação de serviço de forma habitual,

constante e regular, levando-se em conta um espaço de tempo ou uma tarefa a

ser cumprida. Assim, o trabalho eventual, esporádico, a princípio, não tipifica

uma relação empregatícia. Geralmente, o critério da não eventualidade é

extraído a partir da identificação do trabalho realizado pelo trabalhador e

atividade econômica desenvolvida pela empresa. (LEITE, 2018, p. 150)

A habitualidade refere-se ao vínculo criado que gera a expectativa de retorno do

trabalhador à empresa e/ou de suas atividades laborais. Contudo, alguns profissionais, como os

professores, exercerão o seu trabalho em dias e horários alternados de acordo com as

necessidades e demandas de cada período letivo, como os horários que se alteram durante os

semestres nas universidades: este exemplo demonstra a continuidade, fator este que não

descaracteriza a habitualidade.

A continuidade, portanto, exige como pré-requisito um padrão e/ou frequência temporal

específica ao exercer uma determinada atividade trabalhista, não sendo ela necessária para que

se configure a relação de trabalho. Significaria afirmar, portanto, que os trabalhadores

necessitariam de trabalhar em um número específico de vezes na semana durante um número

mínimo de horas para que se fosse possível verificar a relação de emprego.

Como exceção, à título exemplificativo de relação dependente da continuidade para a

sua caracterização, o contrato de trabalho doméstico exige que o empregado trabalhe por mais

de três dias por semana, conforme preceitua o art. 1º da L.C. nº 150 (LEITE, 2018, p. 188).

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4) Subordinação jurídica

Ao prestar os serviços através de sua mão de obra, o empregado se dispõe a realizar suas

atividades laborais de forma a se subordinar às regras de trabalho de determinada empresa,

assim como acatar as ordens dos profissionais hierarquicamente superiores a ele, como os

gerentes e supervisores de um determinado setor, estando o trabalhador presente num estado de

sujeição de poder, conforme conceitua o ilustre doutrinador Carros Henrique Bezerra Leite:

Há quem sustente que a subordinação decorre da situação de “dependência”

(CLT, art. 3º) do empregado em relação ao empregador.

Todavia, parece-nos que o empregado não é “dependente” do empregador, e

sim, a sua atividade laboral (física, mental ou intelectual) é que fica num

estado de sujeição ao poder (diretivo, regulamentar e disciplinar) do

empregador, sendo que este critério é, para a maioria dos doutrinadores, o

mais relevante para caracterizar a relação empregatícia. [...]

(LEITE, 2018, p. 150)

Ademais, a oposição às normas regularmente estabelecidas pelo empregador por meio

da insubordinação poderá trazer ao empregado consequências como a configuração de falta

grave, podendo gerar a rescisão do contrato de trabalho por justa causa, como dispõe a redação

do artigo 482, “h”, da Consolidação das Leis do Trabalho.

Art. 482 - Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo

empregador:

[...]

h) ato de indisciplina ou de insubordinação;

(BRASIL, 1943) grifo nosso.

5) Onerosidade

No contrato de trabalho, o trabalhador se obriga a exercer a prestação de serviços e,

como contraprestação pela cessão da mão de obra; a empresa, de realizar o pagamento de

remuneração em pecúnia, utilizando a moeda nacional vigente, como elucida a doutrina.

Não há contrato de trabalho a título gratuito, ou seja, sem encargos e vantagens

recíprocas. O contrato de trabalho é bilateral e oneroso, isto é, o

empregado, ao prestar os serviços, tem direito aos salários. Representa o

ganho periódico e habitual percebido pelo trabalhador que presta serviços

continuados e subordinados a outrem.

(NETO, CAVALCANTE, 2019, p. 389) grifo nosso.

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3.2 Acórdãos nos Tribunais Regionais do Trabalho dos Estados do Rio de Janeiro, São

Paulo e Minas Gerais

Para construir a análise do posicionamento do Poder Judiciário da seara trabalhista foi,

inicialmente, necessário delimitar o objeto da pesquisa jurisprudencial, através da escolha dos

Tribunais Regionais do Trabalho que seriam colocados em tela.

Tendo em vista que a progressiva chegada da plataforma Uber no Brasil, em maio 2014,

iniciou-se nas cidades do Rio de Janeiro, São Paulo e, logo em seguida, nos municípios de

Minas Gerais, foram escolhidos os TRTs responsáveis pelo julgamento das ações provenientes

dos estados aos quais as referidas cidades fazem parte, observando que o fator cronológico é

fundamental para que os conflitos possam ser vivenciados pelas partes e, futuramente, sejam

ajuizados através de demandas no Poder Judiciário.

Em um segundo plano, surge a necessidade de definição sobre os possíveis tipos de

decisões a serem analisadas, observando que o avanço do julgamento dos processos judiciais

os coloca em distintas fases, demonstradas através das instâncias do primeiro, segundo e

terceiro grau, refletindo diretamente nas suas respectivas peças, como Sentenças em primeira

instância e os Acórdãos em fases posteriores

Observando que todos os portais oficiais dos Tribunais Regionais do Trabalho, ora

escolhidos, disponibilizam ferramentas de busca sobre decisões judiciais efetuadas em

colegiado em segunda instância, cuja motivação de ascendência do processo para a instância de

julgamento superior acontece por meio de Recursos impetrados pelas partes, foram escolhidos

os Acórdãos como instrumentos jurídicos a serem objeto da presente análise, observando que

nos portais do TRT da 1ª Região – Rio de Janeiro, não havia ferramenta para a pesquisa de

Sentenças por meio de palavras-chaves, inviabilizando a pesquisa.

Em terceiro plano, a fim de promover a compatibilidade temática proposta ao longo

deste trabalho, foram delimitados como Acórdãos passíveis de análise somente os que tratavam

sobre o reconhecimento do vínculo trabalhista entre os “motoristas parceiros” da plataforma

Uber com a referida empresa, que atua no território brasileiro utilizando o nome empresarial de

Uber do Brasil Tecnologia Ltda, atrelado ao Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas - CNPJ

sob n. 17.895.646/0001-87 (UBER, 2017).

O procedimento de extração dos Acórdãos de processos judiciais nos sites dos Tribunais

Regionais do Trabalho da 1ª (primeira), 2ª (segunda) e 3ª (terceira) Região ocorreu

gradativamente no mês de novembro de 2019, onde foram realizados testes para aumentar a

efetividade na coleta dos processos para futura análise.

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Para alcançar as decisões em segunda instância que tratavam da análise onde a empresa

Uber figurava como parte do processo, foram necessários refinamentos nos termos de pesquisa,

tendo em vista que a Resolução nº 121 de 05 de outubro de 2010, do Conselho Nacional de

Justiça – CNJ, estabeleceu a restrição de pesquisa na Justiça do Trabalho por meio do nome das

partes do processo, sejam elas empresas ou trabalhadores.

Art. 4.º As consultas públicas dos sistemas de tramitação e acompanhamento

processual dos Tribunais e Conselhos, disponíveis na rede mundial de

computadores, devem permitir a localização e identificação dos dados básicos

de processo judicial segundo os seguintes critérios: (Redação dada pela

Resolução nº 143, de 30.11.2011)

I – número atual ou anteriores, inclusive em outro juízo ou instâncias;

II – nomes das partes;

III – número de cadastro das partes no cadastro de contribuintes do Ministério

da Fazenda;

IV – nomes dos advogados;

V – registro junto à Ordem dos Advogados do Brasil.

§ 1º. A consulta ficará restrita às seguintes situações: (Redação dada pela

Resolução nº 143, de 30.11.2011)

[...]

II - aos incisos I, IV e V da cabeça deste artigo, nos processo sujeitos à

apreciação da Justiça do Trabalho. (Redação dada pela Resolução nº 143, de

30.11.2011)

(BRASIL, 2011) grifo nosso.

Em primeira tentativa, foi utilizada a palavra-chave uber nos campos de pesquisa

jurisprudencial dos portais dos TRTs para que fosse possível encontrar os Acórdãos sobre a

empresa. Contudo, a utilização deste termo genérico se mostrou ineficaz, gerando altos

resultados de consulta onde inúmeros processos listados não faziam qualquer correlação com o

objeto da pesquisa, como a presença de ações trabalhistas de diversas naturezas distintas da

cidade de Uberlândia, assim como as partes que possuíam o termo Uber no nome.

Quadro 05: Resultados da busca pelo termo uber

TRT 1ª Região

Rio de Janeiro

TRT 2ª Região

São Paulo

TRT 3ª Região

Minas Gerais Total

Nº de

resultados 2.000

resultados 502 resultados 207 resultados 2.714 resultados

Fonte: Elaboração do Autor, 2019.

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Criou-se então a necessidade de efetuar o refinamento do mecanismo de busca, através

da utilização de termos específicos que retornassem na consulta os processos judicias desejados;

fora empregado o termo uber do brasil - redução do nome empresarial presente no CNPJ da

plataforma em solo brasileiro (Uber do Brasil Tecnologia Ltda), assim como as variações uber

do brasil vínculo e uber do brasil motorista, utilizando conjuntamente as opções de pesquisa

estritas à este termo, seja por meio da seleção de opção de refinamento, por exemplo, “buscar

somente com a expressão x”, ou pela inclusão das aspas ao início e final do termo pesquisado,

garantindo novos resultados satisfatórios demonstrados em Quadro 06.

Quadro 06: Resultados pós-refinamento das buscas

TRT 1ª Região

Rio de Janeiro

TRT 2ª Região

São Paulo

TRT 3ª Região

Minas Gerais Total

Nº de

resultados 04 resultados 20 resultados 40 resultados 64 resultados

Fonte: Elaboração do Autor, 2019.

Após a extração dos 64 (sessenta e quatro) Acórdãos através das ferramentas de buscas,

procedeu-se então uma nova filtragem com a finalidade de verificar se todos os acórdãos

extraídos pertenciam ao eixo temático do reconhecimento de vínculo celetista entre motoristas

e a empresa Uber, onde foram localizados 29 (vinte e nove) decisões em colegiado que não

adentravam especificamente à matéria ou pertenciam a categoria profissional diversa, como os

processos judiciais trabalhistas de funcionários do setor de telemarketing, restando 35 (trinta e

cinco) Acórdãos cuja análise material será exposta a seguir.

Quadro 07: Filtragem por eixo temático pós-refinamento das buscas

TRT 1ª Região

Rio de Janeiro

TRT 2ª Região

São Paulo

TRT 3ª Região

Minas Gerais Total

Total de

processos 04 20 40 64 Acórdãos

Acórdãos

filtrados 01 15 13 29 Filtrados

Acórdãos

Restantes 03 5 27

35 Acórdãos

restantes

Fonte: Elaboração do Autor, 2019.

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3.2.1 Decisões Favoráveis ao vínculo empregatício

Os resultados da análise do conteúdo material detalhado de cada Acórdão demonstram

que somente 02 (duas) das 35 (trinta e cinco) decisões proferidas em segunda instância pelos

TRTs do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, deferiram o reconhecimento do vínculo

trabalhista entre motorista e plataforma Uber, representando somente 5,7% do total de Acórdãos

proferidos, revelando o caráter minoritário desta vertente.

Destaca-se que o Tribunal Regional do Trabalho do Rio de Janeiro não apresentou

nenhuma decisão favorável ao vínculo, sendo o resultado minoritário composto por somente

um Acórdão do TRT da 2ª Região – São Paulo (BRASIL, 2019), assim como um único

(Acórdão) do Tribunal de Minas Gerais – 3ª Região (BRASIL, 2019).

Adentrando o mérito das decisões favoráveis, verifica-se os requisitos de pessoa física

e pessoalidade decorrem da natureza individualizada na empresa, iniciada através do cadastro

exclusivo e pessoal do motorista por meio do aplicativo como requisição obrigatória para que

se possa fazer parte da plataforma (BRASIL, 2019, p. 5).

Ademais, a forma de pagamento semanal dos denominados “ganhos” da plataforma, ou

seja, da parte destinada ao motorista em cada viagem, evidenciam o caráter de trabalho

remunerado, não gratuito e oneroso.

Trata-se de trabalho remunerado, na medida em que o autor recebia

semanalmente pela produção, descontados a participação da UBER e os

valores recebidos em moeda corrente dos usuários. E nem se diga que o autor

"pagava" à UBER. O contrato de adesão firmado entre a UBER e o motorista

deixa claro que a UBER define os valores a serem pagos pelos clientes e

gerencia o pagamento ao motorista, como se depreende do item 4 do Contrato

de Prestação de Serviços, intitulado "Termos Financeiros" e seus subitens 4.1

("Cálculo do Preço e Pagamento"), 4.2 ("Custo Fixo"), 4.3 ("Viagens pagas

em dinheiro"), 4.4 ("Pagamento"), 4.5 ("Alterações no Cálculo do Preço"), 4.6

("Ajuste de Preço"), 4.7 ("Taxas de Serviços") e 4.8 ("Taxas de

Cancelamento") [...].

(BRASIL, 2019, p. 6) grifo nosso.

Nas referidas decisões, em particular, ao Acórdão do Tribunal Regional do Trabalho de

São Paulo, o requisito da habitualidade foi apurado através da comprovação trazida aos autos

pelo trabalhador, a fim de demonstrar que, durante todo os meses em que possuiu o cadastro

ativo na empresa, exerceu sua atividade de trabalho, evidenciando a recorrência e o estado de

retorno às suas funções (BRASIL, 2019, p. 2).

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Por fim, o emblemático debate nas referidas decisões é iniciado ao tratar do tema mais

controverso que permeia a relação analisada: a verificação do instituto da subordinação jurídica

em meio aos artifícios da ideologia libertária de “motorista colaborador”.

Sobre tal aspecto, a juíza convocada Ana Maria Espi Cavalcanti introduz as discussões

através da perspectiva histórico-sociológica dos desdobramentos tecnológicos da prestação de

serviço por meio virtual, apresentada nos estudos do professor Adrián Todolí Signes:

Diante da evolução do modelo produtivo, a exemplo do que acontece na

UBER, o Prof. Adrián Todolí Signes segue em sua explanação apontando as

razões que justificam a proteção aos trabalhadores que prestam serviços por

meio das plataformas virtuais, dentre as quais destaco as duas seguintes:

1) salário mínimo: a normatização sobre salários mínimos não protege apenas

os trabalhadores, mas, também, o mercado em geral. Nas plataformas

virtuais, "os ofertantes de trabalho podem contratar, não mais por dias,

mas por minutos ou segundos, adaptando totalmente a mão de obra às

necessidades de cada momento. Isso deixa totalmente desprotegido o

trabalhador que desconhece a forma de funcionamento ou mesmo se terá

trabalho no minuto seguinte";

2) Jornada máxima de trabalho: até a imposição da jornada de 8 horas diárias,

as jornadas dos trabalhadores eram muito superiores. Atualmente, é sabido

que grande parte dos participantes desse tipo de plataformas digitais tem outro

emprego de tempo integral, e necessitam trabalhar mais para obter renda

suficiente; e, há ainda aqueles que trabalham exclusivamente em

plataformas virtuais e precisam laborar muitas horas por dia, para

garantir um salário mínimo livre no final do mês. ((BRASIL, 2019, p. 7-8) grifo nosso.

As análises compreendidas pela magistrada, inspiradas no artigo do Juiz do

Trabalho Buno Alves são, portanto, capazes de demonstrar que as novas formas de organização

das sociedades da era digital utilizam-se da tecnologia desenvolvida como forma de criar uma

barreira de interposição entre o trabalhador e a própria empresa, camuflando as relações de

exploração da mão de obra por meio de ferramentas, como os algoritmos que ela própria produz,

onde a tecnologia passa a ser instrumento de alienação do trabalho.

[...] Com empresas como a UBER "surge um novo modelo de organização

capitalista, fundado na busca do lucro a partir da exploração do trabalho

alheio, por meio do uso de tecnologia eletrônica para a gestão de mão de obra,

gerenciada por tecnocratas que, apesar de refratários às suas responsabilidades

trabalhistas, figuram como intermediadores de mão de obra, processando

algoritmos que definem o preço do serviço alheio, a forma de pagamento desse

serviço, o padrão de atendimento do usuário e a forma de acionamento do

colaborador.

(BRASIL, 2019, p. 8)

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Desta forma, diante do desafio de compreensão do cenário recente de novas formas de

se desenvolver o trabalho e, consequentemente, sua exploração, os magistrados responsáveis

pelo voto principal dos referidos Acórdãos buscaram em outros campos da inteligência e

compreensão da sociedade os recursos necessários para compreender esta nova realidade que

transcende a concepção restrita das clássicas relações de trabalho, interpretando os institutos da

norma federal da CLT em tempo presente, sendo possível, desta forma, a visualização da

subordinação jurídica fragmentada da plataforma Uber.

[...] Não há dúvidas de que a reclamada controla e desenvolve o negócio,

estabelecendo os critérios de remuneração de seus motoristas. Em

contraposição, está o motorista, que se sujeita às regras estabelecidas pela

UBER e ao seu poder disciplinário, como por exemplo, a desativação do

trabalhador, com baixa/má reputação. A própria reclamada admite em sua

defesa que, caso seja reconhecido o vínculo, deverá ser considerado que a

dispensa do obreiro se deu por mau procedimento, em virtude de seguidos

cancelamentos de viagens.

[...]

Todo o raciocínio que vem se delineando, no sentido que, na hipótese dos

autos, o autor não pode ser considerado trabalhador autônomo e tampouco

microempresário ou parceiro da UBER. Não se olvide que o motorista arca

com todas as despesas relacionadas ao veículo, tais como, combustível,

depreciação do veículo, seguro, dentre outros, o que consome boa parte de

seus ganhos. Mais uma vez, menciono notícia veiculada na internet, em

março/18 e atualizada em setembro/18, relativa a estudo feito nos EUA que

mostra que 30% dos motoristas do UBER estão perdendo dinheiro quando os

gastos com o carro são levados em conta, eis que, consideradas tais despesas

três quartos dos motoristas de UBER nos EUA recebem menos do que um

salário mínimo

[...]

No caso, não há falar que o reclamante exercia as atividades por sua iniciativa

e conveniência, auto-organizando-se, sem se submeter ao poder de controle

da empregadora. Isso porque, a UBER seleciona os motoristas; estabelece as

regras, inclusive quanto aos carros que deverão ser utilizados na prestação de

serviços; recebe reclamações de usuários e decide sobre elas; pode reduzir o

valor da corrida, o que impacta diretamente na remuneração do motorista;

enfim, domina todo o sistema. Assim, e uma vez presentes os pressupostos da

pessoalidade, não eventualidade, subordinação jurídica, salário e prestação de

serviços inerentes à atividade-fim da empresa (art. 2º e 3º da CLT),

configurada ficou a relação de emprego entre as partes, no período

compreendido entre 10/06/2016 e 02/02/2017, observados os limites da

inicial, na função de motorista.

(BRASIL, 2019, p. 9, 10, 16)

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69

3.2.2 Decisões Desfavoráveis ao vínculo empregatício

Estabelecendo-se de forma expressivamente majoritária entre os Tribunais Regionais

do Trabalho ora analisados, o não reconhecimento do vínculo empregatício dos motoristas da

plataforma Uber refletiu o posicionamento de 94,3% de todos os Acórdãos analisados durante

a pesquisa, onde 33 (trinta e três) das 35 (trinta e duas) decisões totais analisadas mantiveram

como posicionamento principal de indeferimento do pleito a ausência de subordinação jurídica,

ante a figura de “motorista colaborador” que afasta o vínculo deste indivíduo como empregado.

Como se vê, além da total autonomia usufruída pelo autor relativamente a

horários, freqüências ao trabalho, assumindo os riscos do negócio, ficou

patente a ausência de exclusividade, pois nada o impedia de prestar o mesmo

trabalho para outras empresas do mesmo ramo de negócio. Comungo do

entendimento do d. juiz de primeiro grau de que a ´´ atividade do autor se

amolda naquela prevista no artigo 966 do Código Civil, uma vez que o

reclamante exercia, profissionalmente, atividade econômica de prestação de

serviço autônomo. Destarte, a autonomia na organização do trabalho,

pertinente ao local de prestação de serviço, quantidade de horas e chefia, faz

concluir que a contratação entre o autor e a ré tem cunho comercial, se

assemelhando a relação de parceria.”

(BRASIL, 2019, p. 2-3)

O posicionamento defendido pelos magistrados é consubstanciado nos desdobramentos

da retórica do motorista colaborador, onde a empresa propõe a existência do cenário de

liberdade, independência e empreendedorismo, já que o trabalhador, em tese, possui a livre

escolha de trabalhar quando lhe for conveniente.

A condição do trabalhador de realizar, por ato mecanicamente exclusivo, a conexão e

desconexão da plataforma para que efetue ou deixe de realizar as corridas, configura como gesto

de expressão de ausência de subordinação com a plataforma e sua respectiva afirmação

enquanto indivíduo autônomo, empreendedor de si mesmo, sob a ótica da figura do trabalhador

lida por um único viés clássico de patrão-empregado.

O elemento fático-jurídico mais importante para diferenciar o trabalhador

autônomo do trabalhador empregado é a subordinação jurídica, uma vez que

é tênue a diferenciação entre eles, pois os demais elementos podem ser

comuns a variados tipos de contrato de trabalho. Quanto ao trabalhador

autônomo, este é independente no ajuste e execução dos serviços, situação

caracterizada quando ocorre a liberdade de ação, atuando, desse modo, com

livre disposição do seu tempo, com organização própria e livre iniciativa.

[...]

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70

No caso dos autos, ficou demonstrado que o reclamante tinha liberdade

para trabalhar em qualquer dia ou horário, que o obreiro poderia ficar por

meses sem prestar serviços à reclamada sem que fosse excluído do aplicativo

da ré, que o reclamante poderia recusar viagens e que o autor poderia prestar

serviços para outras empresas de transporte de passageiros similares à

reclamada. Além disso, ficou comprovado que o autor não estava subordinado

a qualquer empregado da reclamada, apenas se sujeitando às regras definidas

pela ré quando de sua contratação civil.

(BRASIL, 2019, p. 9-10) grifo nosso.

Assim como ocorre em sua controversa autodefinição como uma “empresa de

tecnologia” que conecta pessoas, os magistrados defensores da ausência de vínculo celetista

classificaram as práticas de adotadas pela empresa como mero gerenciamento da qualidade de

serviços de natureza civilista, afastando a conexão entre motorista e a condição de trabalhador

através da utilização dos próprios regulamentos criados pela plataforma, subtraindo, portanto,

a utilização do princípio da primazia da realidade como norteador das relações trabalhistas para

privilegiar o contrato em si como coisa absoluta.

Infere-se também dos autos que a reclamada não é empresa de serviços de

transportes de passageiros, mas atua apenas como plataforma de que conecta

motoristas e passageiros que buscam o transporte privado, que são inclusive

quem avaliam os primeiros. É o motorista que, interessado em prestar os

serviços aos usuários do aplicativo, adere às diretrizes da plataforma por julgá-

las vantajosas. As recomendações direcionadas aos motoristas como forma de

assegurar ao usuário do aplicativo um nível mínimo de qualidade não

caracteriza subordinação, sendo inerentes a diversas outras relações

contratuais.

(BRASIL, 2018, p. 10-11).

Com efeito, depreende-se da cláusula 4ª do Contrato Social de f. 463/479 que

o objeto social da reclamada não está relacionado ao fornecimento de

transporte de passageiros, mas, no que se refere especificamente o caso em

exame, à "intermediação de serviço sob demanda, por meio de plataforma

tecnológica digital", visto que o aplicativo desenvolvido pela reclamada e

utilizado pelos motoristas, entre eles o reclamante, tem por finalidade conectar

o usuário do transporte com o seu fornecedor (motorista ou cliente

cadastrado), este que, a seu exclusivo critério, pode aceitar ou não a conexão,

sem intervenção da reclamada. Nesse sentido, aliás, também o documento

intitulado "Termos e Condições Gerais dos Serviços de Intermediação

Digital" (f. 549/571), deixando claro que os prestadores de serviços de

transporte (que tanto podem ser pessoas físicas - caso do autor - quanto

jurídicas) tratam-se de "clientes" que contratam os serviços de tecnologia

fornecidos pela Uber, estando nesta, portanto, cadastrados.

(BRASIL, 2019, p. 21)

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3.3 Posicionamento do STJ

A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, em julgamento de um conflito de

competência, decidiu que as questões relativas à relação entre Uber e seus motoristas devem

ser processadas pela Justiça Comum Estadual, pois considera que inexiste relação de emprego

entre os motoristas e a empresa Uber. Para o tribunal, trata-se de relação de trabalho autônoma,

não configurando qualquer vínculo trabalhista entre a empresa e os trabalhadores.

O caso chegou à Corte após um motorista ingressar no Juizado Especial Cível de Poços

de Caldas, do estado de Minas Gerais, em face do aplicativo Uber, requerendo indenização por

danos morais e materiais e a reativação de sua conta que, segundo ele, foi desativada

indevidamente. Vejamos:

Na hipótese sob análise, o pedido formulado pelo autor na inicial é a

reativação de sua conta UBER para que possa voltar a fazer uso do

aplicativo e realizar seus serviços. A causa de pedir é o contrato de

intermediação digital para a prestação de serviços firmado entre as partes. Os

fundamentos de fato e de direito da causa não dizem respeito a eventual

relação de emprego havida entre as partes, tampouco veiculam a pretensão de

recebimento de verbas de natureza trabalhista. O pedido decorre do contrato

firmado com empresa detentora de aplicativo de celular, de cunho

eminentemente civil. A relação de emprego exige os pressupostos da

pessoalidade, habitualidade, subordinação e onerosidade. Inexistente algum

desses pressupostos, o trabalho caracteriza-se como autônomo ou eventual. A

empresa UBER atua no mercado através de um aplicativo de celular

responsável por fazer a aproximação entre os motoristas parceiros e seus

clientes, os passageiros.

[...]

As ferramentas tecnológicas disponíveis atualmente permitiram criar uma

nova modalidade de interação econômica, fazendo surgir a economia

compartilhada (sharing economy), em que a prestação de serviços por

detentores de veículos particulares é intermediada por aplicativos geridos por

empresas de tecnologia. Nesse processo, os motoristas, executores da

atividade, atuam como empreendedores individuais, sem vínculo de emprego

com a empresa proprietária da plataforma. Em suma, tratando-se de demanda

em que a causa de pedir e o pedido deduzidos na inicial não se referem à

existência de relação de trabalho entre as partes, configurando-se em litígio

que deriva de relação jurídica de cunho eminentemente civil, é o caso de se

declarar a competência da Justiça Estadual.

(BRASIL, 2019) grifo nosso.

Incialmente, é preciso destacar que a causa de pedir, evidenciada no corpo introdutório

do Acórdão, demonstra claramente a motivação para que o indivíduo em tela recorresse ao

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Poder Judiciário: era desejada a sua reativação na plataforma. Tal demanda não envolve

nenhuma provocação de debate sobre a possibilidade de existirem, ou não, os Direitos

Trabalhistas decorrentes da relação de uberização, mas uma mera requisição de ativação na

plataforma sem que fosse discutida qualquer relação de emprego: a fuga ao tema principal

marca a decisão do Superior Tribunal de Justiça, como demonstra Carelli (2019).

Ocorre que esse erro fica pequeno perto da sequência da decisão, que passa,

de forma inacreditável, a analisar a existência (ou não) do vínculo de emprego

para decidir sobre a competência para julgamento do caso, mesmo tendo

afirmado expressamente no início da sua decisão que o pedido e a causa de

pedir da petição inicial não se relacionavam com a condição de empregado.

Qual a razão de se ter adentrado nesse ponto se não constava da petição

inicial? Parece evidente que o pronunciamento sobre esse ponto foi fora de

contexto e gratuito.

(CARELLI, 2019)

Da leitura da decisão, é possível constatar a afirmação dos magistrados em dizer que a

competência em razão da matéria decorre da natureza da pretensão. Para Carelli (Ibidem), essa

afirmação não é cabível na Justiça do Trabalho, visto que a Constituição Federal ampliou o

âmbito de sua competência com a edição da Emenda nº 45, passando a considerar que a Justiça

do Trabalho tem competência para julgar as relações de trabalho em sentido amplo, e não

somente as relações de emprego.

Art. 114, CF. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

I - as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito

público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos

Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

(BRASIL, 1988).

Em suma, ao julgar o conflito de competência a Corte, apresentou um posicionamento

inconstitucional, que fere diretamente a atribuição da competência da Justiça Trabalhista ao

tratar sobre as matérias decorrentes de sua relação, onde a usurpação gratuita da competência

trabalhista revela o caráter nefasto de usurpação de poder por meio da ruptura do texto

constitucional em prevalência à inexplicável definição de trabalho na modernidade.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A popularização das tecnologias de comunicação e informação sob o sistema capitalista

moderno, possibilitou a criação de um novo precariado da era digital, cuja fragmentação é a

essência para que cada trabalhador não se reconheça enquanto proletário.

A conflituosa relação patrão-empregado é substituída por um modelo muito mais

sofisticado, onde os trabalhadores são transformados em empreendedores, em colaboradores,

em parceiros: sem direitos, sem garantias, mas unicamente responsáveis por promover todo o

seu sucesso pessoal por meio das ferramentas de livre servidão e exploração que o próprio

capitalismo gentilmente oferece.

O novo operário da modernidade construído pelo capital é, na verdade, um

empreendedor da sua própria falência, um indivíduo possuidor da total e completa liberdade de

se precarizar, de ser dono de si mesmo e de sua jornada de trabalho sem limites e sem ganhos,

de ser colaborador para a sua própria desvalorização.

Contudo, para que seja possível enxergar este trabalhador escondido atrás do disfarce

do empreendedorismo pessoal e da falsa ideia de independência, será necessário analisar

cautelosamente a maneira pela qual as novas técnicas de precarização subvertem a ideia de

trabalho e a transforma em mercadoria barata.

A realidade dos motoristas da Uber no Brasil demonstra claramente a subversão da

figura do empreendedor a fim de que estes trabalhadores possam sustentar com seus próprios

meios todo o arcabouço da plataforma.

Ser um motorista colaborador significa custear o próprio carro, sua própria manutenção,

seu seguro, seu combustível, ser responsável pela própria alimentação, pelo seu próprio

smartphone, pelo próprio plano de internet, enfim, significa custear todo o trabalho da

plataforma, que oferece, em contrapartida, subpagamentos cuja composição é gerada por um

algoritmo de diretrizes, até então, puramente retóricas.

O mistério por trás do funcionamento do cálculo do valor devido por cada corrida é

brutalmente intensificado por um cenário onde o trabalhador passa a não saber minimamente o

quanto vale a sua força de trabalho. Contudo, é possível perceber a depreciação do seu valor

conforme o tempo, já que os motoristas precisam trabalhar cada vez mais para conseguir

garantir o salário do mínimo existencial.

Pensar na plataforma significa correlacionar a intensa substituição de trabalho vivo da

força de trabalho – da qual o capitalismo exerce uma tórrida relação de dependência e

exploração – pelo trabalho-morto, maquinificado, não remunerado, de substituição de gente por

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coisa ou pela coisificação da gente, para que então possam servir de maneira barata (e até

mesmo sem valor algum) ao deleite do acúmulo de capital. Afinal, o que mais seriam os

passageiros que fiscalizam, avaliam, criticam e testam, diariamente, o desempenho de cada

motorista, se não fiscais, que alimentam a plataforma e criam uma nova forma de panóptico

itinerante, que vigia e promove a coibição por meio das avaliações?

Repensar estas relações no contexto brasileiro significa automaticamente conectar-se à

prevalência da precarização, já que os incessáveis esforços para combater os direitos

trabalhistas conquistados na Era Vargas são visualizados na propagação da flexibilização das

garantias à velocidades absurdas, como ocorreu na Reforma Trabalhista do governo Termer,

que em apenas 05 (cinco) meses promoveu mais de 54 alterações e 9 revogações na

Consolidação das Leis do Trabalho.

Cabe ao Poder Judiciário o dever de garantir a aplicação do princípio da primazia da

realidade, onde as perigosas romantizações são afastas para que se possa enxergar a realidade

como ela é, garantindo aos trabalhadores uberizados o direito mínimo, assegurado pela

Constituição Federal e pela CLT, de serem reconhecidos e protegidos.

A análise dos dispositivos necessita de ser efetuada sobre o tempo presente, de uma

sociedade altamente exploratória e tecnológica, que encontrou no desenvolvimento das

ferramentas digitais uma nova forma de servidão.

Através do olhar crítico por além do alto mundo das togas, faz-se urgente e imediato

refletir sobre como as relações foram fragmentadas, dispersas e desconexas da clássica figura

tradicionalista do patrão-empregado, sobre como a pessoalidade não mais significa ver com

olhos humanos, mas com lentes de um smartphone; de como a subordinação jurídica sofreu

drásticas mutações, de receber ordens de um chefe à ser dominado pela tela de um celular; de

como a habitualidade intimamente conectada com a necessidade de se fazer presente para

garantir o mínimo para a sobrevivência.

Seguir a lógica estrita do reconhecimento do vínculo à época em que a norma trabalhista

foi promulgada, no ano de 1943, provocará um estado onde, em uma faixa não tão longa no

tempo, nada mais poderá ser considerado como trabalho, já que a fragmentação das relações

trabalhistas é uma intensa corrente do futuro, onde as conexões entre trabalhador e empresa

estarão cada vez mais descaracterizadas e descontruídas da clássica visão de operário industrial

submisso ao patrão em prol do enriquecimento das grandes corporações da modernidade.

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