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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
FACULDADE DE DIREITO
DEPARTAMENTO DE DIREITO PRIVADO
LÍVIA CRISTINA SILVA VIEIRA DA ROCHA
INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ECONOMIA:
O PAPEL DA CVM NA REGULAÇÃO DO MERCADO DE CAPITAIS
Niterói
2015
LÍVIA CRISTINA SILVA VIEIRA DA ROCHA
INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ECONOMIA:
O PAPEL DA CVM NA REGULAÇÃO DO MERCADO DE CAPITAIS
Trabalho de conclusão de curso apresentado à
Faculdade de Direito da Universidade Federal
Fluminense como requisito parcial para a
defesa do trabalho de conclusão de curso e
obtenção do título de Bacharel em Direito.
Orientadora:
Prof.ª Dr.ª Rachel Bruno Pessanha
Niterói
2015
Universidade Federal Fluminense
Superintendência de Documentação
Biblioteca da Faculdade de Direto
R672
Rocha, Lívia Cristina Silva Vieira da
Intervenção do Estado na economia: O papel da CVM na regulação do
mercado de capitais/ Lívia Cristina Silva Vieira da Rocha– Niterói, 2015.
95 f.
Trabalho de Conclusão de Curso (Curso de Graduação em Direito) -
Universidade Federal Fluminense, 2015.
1. Direito empresarial. 2. Comissão de Valores Mobiliários. 3. Sistema
Financeiro Nacional. 4. Mercado de capitais. 5. Regulação do mercado I.
Universidade Federal Fluminense, Instituição responsável. II. Título.
CDD 342.2
LÍVIA CRISTINA SILVA VIEIRA DA ROCHA
INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ECONOMIA:
O PAPEL DA CVM NA REGULAÇÃO DO MERCADO DE CAPITAIS
Trabalho de conclusão de curso apresentado à
Faculdade de Direito da Universidade Federal
Fluminense como requisito parcial para a
defesa do trabalho de conclusão de curso e
obtenção do título de bacharel em Direito.
Aprovada em julho de 2015.
BANCA EXAMINADORA
Prof.ª Dr.ª Rachel Bruno Pessanha – UFF
Orientadora
Prof. Dr. Vinícius Figueiredo Chaves
Prof.ª Dr.ª Priscilla Menezes
Niterói
2015
RESUMO
A experiência demonstrou que somente os instrumentos de mercado não são suficientes para
assegurar o regular funcionamento do sistema financeiro, exigindo a tutela do Estado. É fácil
verificar que a intervenção estatal no domínio econômico permeia a evolução histórica da
relação entre o Estado e a economia, apresentando-se em intensidades diferentes, contudo,
sempre presente. Vale ressaltar que a concepção do modelo estatal pós-moderno consagra o
Estado como agente normativo e regulador, competindo a entidades reguladoras a consecução
dessa atribuição. É nesse cenário que surge a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) como
autarquia federal responsável pelo mercado de capitais. Tal regulação afigura-se necessária
por se tratar de um segmento do sistema financeiro em que ocorre um fluxo maior de recursos
econômicos, representando um papel importante no desenvolvimento do país. A propósito,
importa destacar que a Constituição de 1988 situa a ordem econômica como instrumento da
ordem social ao preconizar que o sistema financeiro nacional deve promover o
desenvolvimento equilibrado do país e servir aos interesses da coletividade. Por esta razão, os
instrumentos regulatórios da CVM têm como finalidade garantir a higidez das relações
econômicas, protegendo os investidores e a sociedade como um todo.
Palavras-chave: Comissão de Valores Mobiliários. Sistema financeiro. Mercado de capitais.
Regulação.
ABSTRACT
Experience has shown that only market-based instruments are not sufficient to ensure the
smooth functioning of the financial system, requiring the state's tutelage. It is easy to see that
state intervention in the economic domain permeates the historical evolution of the
relationship between the state and the economy, performing at different intensities, however,
always present. It is noteworthy that the design of the postmodern state model establishes the
state as normative and regulating agent, incumbent upon regulators to achieve this award. It is
in this scenario that Comissão de Valores Mobiliários (CVM) as a federal agency responsible
for the capital market. Such regulation seems necessary because it is a financial system
segment in which there is a greater flow of financial resources, an important role in
developing the country. Incidentally, it is worth mentioning that the 1988 Constitution places
the economic order as an instrument of social order by advocating that the national financial
system should promote balanced development of the country and serve the collective
interests. For this reason, the regulatory instruments of the CVM are intended to ensure the
soundness of economic relations, protecting investors and society as a whole.
Keywords: Comissão de Valores Mobiliários. Financial system. Capital markets. Regulation.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
BB Banco do Brasil
BCB/ BACEN Banco Central do Brasil
CCP Coordenação de Controle de Processo Administrativo
CF Constituição Federal
CMN Conselho Monetário Nacional
CVM Comissão de Valores Mobiliários
MPF Ministério Público Federal
SUMOC Superintendência da Moeda e do Crédito
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 7
1 BREVE ESCORÇO HISTÓRICO DOS MODELOS DE INTERVENÇÃO DO
ESTADO NA ECONOMIA ..................................................................................................... 9
2 O PODER NORMATIVO DAS AGÊNCIAS REGULADORAS ................................... 12
3 SISTEMA FINANCEIRO E SUAS RELAÇÕES COM O DESENVOLVIMENTO DO
PAÍS ......................................................................................................................................... 18
3.1 SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL ............................................................................ 23
3.2 FUNDAMENTOS, OBJETIVOS CONSTITUCIONAIS E FUNÇÕES ........................... 26
3.3 ESTRUTURA, ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO .............................................. 30
4 O PAPEL DA CVM NA REGULAÇÃO DO MERCADO DE CAPITAIS ................... 36
4.1 COMPETÊNCIA ................................................................................................................ 42
4.2 FUNÇÕES DA COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS ........................................ 45
4.2.1 Função normativa .......................................................................................................... 46
4.2.2 Função consultiva .......................................................................................................... 49
4.2.3 Função fiscalizatória...................................................................................................... 50
4.2.4 Função sancionatória .................................................................................................... 51
CONCLUSÃO ......................................................................................................................... 58
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 60
ANEXOS ................................................................................................................................. 63
ANEXO I – EXTRATO DE SESSÃO DE JULGAMENTO DO PROCESSO
ADMINISTRATIVO SANCIONADOR CVM Nº RJ2013/10909 .......................................... 63
ANEXO II – EMENTA DO PROCESSO SANCIONADOR CVM Nº RJ2014/0578 ............ 85
ANEXO III – PEÇA DE DENÚNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ................. 86
7
INTRODUÇÃO
O presente estudo tem como escopo a análise da intervenção indireta do Estado na
economia, exercida por meio das agências reguladoras, com enfoque na atuação da Comissão
de Valores Mobiliários (CVM) como autarquia federal responsável pelo mercado de capitais.
De início, será realizado um breve estudo dos modelos de intervenção do Estado na
economia, a fim de demonstrar que essa função sempre esteve presente na evolução da
relação entre o Estado e a economia, apresentando-se em intensidades diferentes.
Trazendo a discussão para uma realidade mais próxima, será evidenciado que o
paradigma estatal, hodiernamente, manifesta-se por meio da atividade regulatória.
Vale referir que a Constituição Federal em seu art. 1741 atribuiu ao Estado o papel de
agente normativo e regulador da ordem econômica e financeira, com vistas à proteção do
desenvolvimento econômico como instrumento da justiça social.
Com isso, será abordado o instituto das agências reguladoras, que são entes
administrativos, aos quais foram delegadas certas funções estatais, atinentes ao poder
regulatório. Tal questão faz-se necessária, uma vez que suscita discussões doutrinárias a
respeito dos limites do desempenho das funções reguladoras exercidas pelas agências,
mormente no que tange ao poder normativo.
A presente exposição passará também pelo tema do Sistema Financeiro e suas relações
com o desenvolvimento nacional, uma vez que, a teor do que dispõe o art. 1922 da Carta
Maior, é incumbência do Estado brasileiro o funcionamento eficiente dos mercados,
sobretudo o mercado de capitais que desempenha papel de grande importância no
desenvolvimento do país, por ser um segmento do Sistema Financeiro Nacional que cria
condições favoráveis ao fluxo de recursos econômicos. Além disso, a seção versará sobre os
fundamentos, objetivos constitucionais e funções do aludido sistema, bem como a sua
estrutura, organização e funcionamento.
Em seguida, o presente estudo centrar-se-á no exame dos instrumentos regulatórios
exercidos pela CVM, tendo em vista a sua maior especialidade nas atividades exercidas no
1 BRASIL, Constituição Federal, Art. 174 - Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o
Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante
para o setor público e indicativo para o setor privado. 2 Ibid., Art. 192 - O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado
do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas
de crédito, será regulado por leis complementares que disporão, inclusive, sobre a participação do capital
estrangeiro nas instituições que o integram.
8
âmbito financeiro, sendo, portanto, a entidade mais capaz de normatizar, regular e disciplinar
o funcionamento do mercado, assegurando eficiência e confiabilidade.
É mister frisar, que a credibilidade do sistema financeiro está diretamente ligada ao
bom desempenho da regulação exercida pela entidade responsável pelo mercado de valores
mobiliários, o que evidencia a importância da análise dos principais instrumentos regulatórios
da CVM.
Dessa forma, propõe-se, ao fim, mediante a análise de caso concreto, demonstrar a
relevância da intervenção indireta do Estado brasileiro nas questões econômicas, buscando
obter conclusões concernentes aos limites a serem respeitados, tendo em vista a interpretação
teleológica das normas que regem a matéria, uma vez que determinadas condutas podem
causar grandes impactos na economia e, por via de consequência, na sociedade como um
todo.
9
1 BREVE ESCORÇO HISTÓRICO DOS MODELOS DE INTERVENÇÃO DO
ESTADO NA ECONOMIA
Neste primeiro momento, cabe fazer uma exposição concisa dos modelos estatais
historicamente reconhecidos, a fim de que se compreenda a base do aparato jurídico
concernente às relações econômicas.
Segundo Guilherme Peña de Morais, o Estado tem como origem o desenvolvimento da
sociedade humana, a garantia da propriedade, a dominação de grupos, a fixação no território,
a organização de norma ou acordo de vontades, razão pela qual foi objeto de diversas
alterações no decurso do processo histórico3.
As transformações econômica, política e social que ocorreram, ao longo dos séculos,
deram origem a diversos paradigmas de Estado, dentre os quais merece ser destacado: o
liberal, o social e o pós-social.
As ideologias que formam os pilares de cada modelo buscam justificar a relação entre
o Estado e a economia, de modo que pode ser observado o surgimento de diferentes tipos de
intervenção estatal no domínio econômico. Nessa diretriz, ao examinar a atuação do ente
público, Luís Roberto Barroso apresenta a ordem econômica em três períodos: pré-
modernidade, modernidade e pós-modernidade.4
A pré-modernidade ou Estado Liberal é caracterizado pela mínima intervenção estatal.
Adam Smith, em sua obra A riqueza das nações, prega a livre concorrência, com o
favorecimento da lei natural da oferta e da procura. Nessa concepção, cabia ao Estado tão
somente zelar pela propriedade e pela ordem, deixando que a “mão invisível” do mercado
regulasse a economia, o que levaria ao bem-estar coletivo.
A despeito de o estado liberal clássico ter primado pela plena garantia das liberdades
individuais, na prática revelou-se falho, ante as sucessivas depressões econômicas e expansão
das desigualdades sociais, inclusive em nível mundial. Conforme leciona Leonardo Vizeu
Figueiredo, isso ocorreu porque o funcionamento desse modelo estatal pressupunha uma certa
igualdade e um ambiente concorrencial perfeito, para que, através da competição equilibrada
entre os agentes, se alcançasse os interesses coletivos. Como tais pressupostos nunca foram
efetivados, houve a crise do liberalismo.5
3 MORAES, Guilherme Peña de. Curso de Direito Constitucional. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 304.
4 BARROSO, Luis Roberto. Constituição, Ordem Econômica e Agências Reguladoras. Revista Eletrônica de
Direito Administrativo Econômico. Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, nº 1, fevereiro, 2005, p.1. 5 FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Lições de Direito Econômico. 7 ed., Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 34.
10
Importa observar que, neste contexto, na América do Norte, no século XIX, surgiram
as primeiras leis de intervenção no mercado, conhecidas como leis antitruste.6
Em contraposição a esse modelo, surgiu o período da modernidade ou Estado Social
(Welfare state), possuindo como principal marco jurídico internacional a Constituição do
México de 1917 e a Constituição alemã de 1919, assim como a conquista dos direitos tidos
como de terceira geração, que possuem como titulares a coletividade. Esse modelo possui
como característica a máxima atuação do Estado nas relações econômicas, adotando políticas
assistencialistas. Na economia, essa fase se caracteriza pelo forte caráter intervencionista, com
a adoção de medidas regulatórias.
Na terceira fase, a pós-modernidade, representada pelo Estado pós-social, o Estado é
identificado com a ideia de ineficiência, burocracia, morosidade, desperdício de recursos.
Esse contexto gera a reformulação do Estado, marcado pela desregulamentação,
desestatização e das organizações não governamentais7. A economia apresenta-se sob a
concepção do neoliberalismo e o Estado como democrático ou democrático constitucional,
sendo obrigado a regular a atividade econômica de forma a evitar o colapso do sistema ou, ao
menos, minimizar significativas crises financeiras8.
Portanto, a experiência advinda dos diversos cenários econômicos apresentados ao
longo da história demonstrou a necessidade da intervenção regulatória estatal no domínio
econômico, com vistas à defesa do regular funcionamento do mercado.
Conforme observa Carlos Arthur Newlands Jr.:
Garantir a solidez e a credibilidade do sistema financeiro é uma tarefa tão
importante que não pode ser cumprida apenas pelos instrumentos de
mercado - são necessárias forte regulação e fiscalização por parte do
Estado para que este objetivo seja alcançado.9 (grifo do autor)
Assim, nota-se, nesse último período, a decadência do estado empresário e a ascensão
do estado regulador, o qual tenta conciliar a iniciativa privada com a intervenção regulatória
do Estado no domínio econômico. Em outras palavras, deve assegurar o interesse público,
sem criar óbice à livre iniciativa. Tal paradigma estatal apresenta-se como uma alternativa de
6 FIGUEIREDO, op. cit., p. 35.
7 BARROSO, op. cit., p. 02
8 RIGHI, Ana; LIMA, Gabriel; SANTI, Ricardo. Do liberalismo ao intervencionismo: O estado como
protagonista da (des)regulação econômica. Constituição, Economia e Desenvolvimento: Revista da Academia
Brasileira de Direito Constitucional. Curitiba, 2011, n. 4, Jan-Jun. p. 91. 9 NEWLANDS JR, Carlos Arthur. Sistema financeiro e bancário: teoria e questões. Rio de janeiro: Elsevier,
2011, p. 07.
11
reestruturação da máquina estatal, em virtude do fracasso do estado liberal e da experiência
malsucedida do estado social, marcado pelo superdimensionamento e ineficiência.
A propósito, afigura-se oportuno recorrer mais uma vez ao magistério de Leonardo
Vizeu Figueiredo que sintetiza o pensamento pós-moderno:
Destarte, busca-se com este modelo um retorno comedido aos ideais do
liberalismo, sem, contudo, abandonar a necessidade de sociabilidade dos
bens essenciais, a fim de se garantir a dignidade da pessoa humana bem
como os ditames da justiça social, permeados e aliados, agora à livre
iniciativa e à defesa do mercado.
Caracteriza-se uma nova concepção para a presença do Estado na economia,
como ente garantidor e regulador da atividade econômica, que volta a se
basear na livre-iniciativa e na liberdade de mercado, bem como na
desestatização das atividades econômicas e redução sistemática dos encargos
sociais. Tem, por fim, garantir equilíbrio nas contas públicas, sem, todavia,
desviar o Poder Público da contextualização social, garantindo-se, ainda, que
este possa focar esforços nas atividades coletivas sociais.10
Nesse sentido, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 preceitua em
seu art. 17411
que o Estado tem a incumbência de normatizar e regular a atividade econômica,
tendo como atribuição a fiscalização, incentivo e planejamento. Desta feita, ocorre o
afastamento da presença do Poder Público das relações econômicas, retornando à iniciativa
particular os setores afetos à esfera de domínio privado, retornando apenas para o papel de
agente regulador e fiscalizador, podendo, inclusive, delegar a entidades administrativas essa
função.
Ante o exposto, depreende-se que é na pós-modernidade que se observa o surgimento
das agências reguladoras, em especial da CVM. Entretanto, insta salientar que a aludida
autarquia originariamente não possuía as características atualmente atribuídas às entidades
reguladoras, tendo conquistado esse status após as reformas operadas pelas Leis nº 9.457/97,
10.303/01 e 10.411/02.
10
FIGUEIREDO, op. cit., p. 36. 11
BRASIL, op. cit., Art. 174 - “Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá,
na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor
público e indicativo para o setor privado”.
12
2 O PODER NORMATIVO DAS AGÊNCIAS REGULADORAS
A intervenção do Estado no domínio econômico, na modalidade regulatória, ocorre de
forma subsidiária, com o fito de sanar as falhas de mercado. Conforme arremata Armando
Castelar Pinheiro e Jairo Saddi, “pode-se afirmar que o impulso racional e proclamado da
regulação deve ter bases voltadas para o objetivo de maximizar a eficiência econômica ou
defender o interesse público quando o mercado não funcionar a contento”. 12
Acrescentam, ainda, que:
A justificativa microeconômica para regular o mercado financeiro é dual:
por um lado busca-se a eficiência, a equidade do sistema; por outro lado,
evitar crises, ou seja, atingir certo equilíbrio. Para tanto, são estabelecidas
normas indicativas, baseadas em três objetivos de política legislativa:
estabilidade, eficiência e equidade. Assim, todo sistema financeiro é afetado
de forma igual por esses três objetivos. 13
Por essa razão, no âmbito do sistema financeiro brasileiro, desde os anos 60, já
existiam órgãos que desempenhavam as funções regulatórias, de forma semelhante às
instituições atualmente denominadas de agências reguladoras. Importa destacar que tais entes
eram figuras muito comuns no direito estadunidense, que despontaram no período de
implementação da política do New Deal. A título de exemplo, pode se mencionar a Security
and Exchange Comission (SEC), que é o órgão regulador do mercado de capitais norte-
americano.
No Brasil, nesse contexto, foi criada a CVM como entidade reguladora influenciada
pelo exemplo americano, mediante a Lei nº 6.385/1976. Repise-se, ainda desprovida dos
atributos inerentes às entidades administrativas atuais.
Contudo, na seara do direito administrativo, as agências reguladoras propriamente
ditas, enquanto integrantes da administração pública indireta, são institutos recentes, frutos do
processo de desestatização, ocorrido na década de 1990, em virtude da necessidade de uma
maior especialidade das funções administrativas estatais.
De fato, o aumento da complexidade frente ao desenvolvimento natural da sociedade
fez com que o Estado, prezando pela eficiência e economicidade, adotasse a descentralização
de suas funções, a serem exercidas pelas autarquias. Hely Lopes Meirelles apresenta o
conceito referente a esses entes:
12
PINHEIRO, Armando Castelar; SADDI, Jairo. Direito, economia e mercados. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005,
p. 458. 13
Ibid., p. 450.
13
Autarquias são entes administrativos autônomos, criados por lei específica,
com personalidade jurídica de Direito Público interno, patrimônio próprio e
atribuições estatais específicas. São entes autônomos, mas não são
autonomias. Inconfundível é autonomia com autarquia: aquela legisla para
si; esta administra-se a si própria, segundo as leis editadas pela entidade que
as criou.14
Cabe mencionar que a Lei nº 8.031/1990 criou o Programa Nacional de Desestatização
(PND), determinando qual o novo papel a ser desempenhado pelo Estado no âmbito da
Administração Federal, a qual foi revogada pela Lei nº 9.491/97 e, posteriormente, sofreu
alterações operadas pelas Leis nº 9.635/98 e nº 9.700/98. Em função disso, conforme
esclarece Gustavo Barchet, “O serviço, até então prestado diretamente por entidades estatais,
passou a ser desempenhado por pessoas do setor privado, e o Estado, em contrapartida,
fortaleceu sua atuação regulatória sobre o mesmo, para tanto se valendo das agências
reguladoras.”15
Nesse sentido, Maria Sylvia Zanella Di Pietro, por sua vez, ensina que:
Elas estão sendo criadas como autarquias de regime especial. Sendo
autarquias, sujeitam-se às normas constitucionais que disciplinam esse tipo
de entidade; o regime especial vem definido nas respectivas leis
instituidoras, dizendo respeito, em regra, à maior autonomia em relação à
Administração Direta; à estabilidade de seus dirigentes, garantida pelo
exercício do mandato fixo, que eles somente podem perder nas hipóteses
expressamente previstas, afastada a possibilidade de exoneração ad nutum;
ao caráter final das suas decisões, que não são passíveis de apreciação por
outros órgãos ou entidades da Administração Pública.16
Quanto ao regime especial supramencionado, Hely Lopes Meirelles complementa que
“autarquia em regime especial é toda aquela a que a lei instituidora conferir privilégios
específicos e aumentar a sua autonomia comparativamente com as autarquias comuns”.17
Por
decorrência lógica, para o exercício das funções delegadas às agências reguladoras foram
concedidos certos poderes, entre eles o da fiscalização, resolução de conflitos e edição de
normas.
Desde então, muito se tem discutido a respeito dos limites do desempenho das
atividades regulatórias exercida pelas referidas agências, mormente no que tange ao poder
normativo.
14
MEIRELLES, Hely Lopes; ALEIXO, Délcio Balestro; FILHO, José Emmanuel Burle. Direito Administrativo
Brasileiro, 39. ed., São Paulo: Malheiros, 2013, p. 396. 15
BARCHET, Gustavo. Direito Administrativo: teoria e questões, Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, P. 135. 16
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 26. ed., São Paulo: Atlas, 2013, p. 531. 17
MEIRELLES, op. cit., p.404.
14
Com efeito, ao analisarem essa questão controvertida, os doutrinadores
contemporâneos comumente defendem suas teses utilizando como elemento central do debate
um dos princípios fundamentais da democracia moderna: a separação dos poderes.
Os princípios da tripartição dos poderes, fundamentada por John Locke, teve como
pano de fundo um Estado absolutista, circunstância que deu azo à necessidade de limitação do
poder, que antes concentrava as funções executiva, legislativa e jurisdicional na figura do
soberano. A solução encontrada foi a delegação de cada função do Estado a um poder.
Posteriormente, essa estrutura foi aperfeiçoada pelo mecanismo de freios e contrapesos,
concebido por Montesquieu, a fim de evitar que houvesse abusos por quem detivesse o poder,
uma vez que todo homem que o detém é tentado a dele abusar.
De acordo com esse pensamento, não se permite que o legislador delegue
integralmente o poder legiferante que foi constitucionalmente outorgado a ele, uma vez que o
ato de legislar, por meio do qual se inova na ordem jurídica, tem como fundamento a
soberania do Estado.
É mister frisar, que a nossa Magna Carta, apesar de dividir as funções estatais, não
outorga a certo poder a exclusividade de exercício de certa função. Tal entendimento
encontra-se em consonância com o princípio da separação dos poderes que preconiza pelo
equilíbrio do poder, de modo que um poder não precisa ser único titular de uma função, mas
sim que tenha uma atividade preponderante, podendo exercer as demais de forma atípica.
A esse respeito, cabe destacar as considerações de Alexandre dos Santos Aragão:
O princípio da Separação dos Poderes não pode levar à assertiva de que cada
um dos respectivos órgãos exercerá necessariamente apenas uma das três
funções tradicionalmente consideradas – legislativa, executiva e judicial. E
mais, dele também não se pode inferir que todas as funções do Estado devam
sempre se subsumir a uma destas espécies classificatórias.18
Nesse ponto, é de grande valia a contribuição apresentada por Alexandre Pinheiro dos
Santos, Julya Sotto Mayor Wellisch e José Eduardo Guimarães Barros ao exporem que:
Resta claro, portanto, que a função legislativa, ou normativa, do Poder
Executivo é mera decorrência da evolução natural do Estado, não sendo
necessariamente incompatível com a separação dos poderes e com a
democracia.
18
ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico, 2.
ed., Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 372.
15
Cumpre lembrar que Montesquieu criou para a sua época um sistema de
equilíbrio do poder, oferecendo as bases para a constituição de um governo
misto, moderado pela ação das forças dinamizadoras do tecido societário.
Entretanto, o princípio rígido da separação dos poderes tal como
inicialmente formulado, ou tal como radicalmente interpretado, não
consegue sobreviver atualmente. A missão do jurista é adaptar a ideia de
Montesquieu à realidade jurídico-constitucional atual. Nesse sentido, é
possível aparelhar plenamente o Executivo para que possa, afinal, responder
às exigências das demandas econômicas e sociais. [...] Um dos principais aspectos da concepção contemporânea da separação dos
poderes é o aparecimento de novos órgãos auxiliadores dos poderes
supremos, dotados de independência funcional no exercício de suas
funções.19
Sob esse prisma, Alexandre dos Santos Aragão conclui:
Acreditamos ter demonstrado que, se retirado o caráter mítico e absoluto da
ideia “clássica” da separação dos poderes, a complexidade e a autonomia das
competências conferidas às agências reguladoras em nada contraria a divisão
de funções estabelecida pelas constituições contemporâneas e os valores do
Estado de Direito, que, afinal, constituem o principal parâmetro da
admissibilidade ou não do exercício de distintas funções pelo mesmo órgão
ou entidade pública.
Podemos afirmar que as competências complexas das quais as agências
reguladoras independentes são dotadas fortalecem o Estado de Direito,
vez que, ao retirar do emaranhado das lutas políticas a regulação de
importantes atividades sociais e econômicas, atenuando a concentração
de poderes na Administração Pública central, alcançam, com melhor
proveito, o escopo maior – não meramente formal - da separação dos
poderes, qual seja, o de garantir eficazmente a segurança jurídica, a proteção
da coletividade e dos indivíduos empreendedores de tais atividades ou por
ela atingidos, mantendo-se sempre a possibilidade de interferência do
Legislador, seja para alterar o regime jurídico da agência reguladora, ou
mesmo para extingui-la. (grifo do autor)20
É importante enfatizar que a função exercida pelo Poder Legislativo não se confunde
com o exercício da função de regulação. Segundo preciosa lição de José dos Santos Carvalho
Filho:
O primeiro é primário, porque se origina diretamente da Constituição na
escala hierárquica dos atos normativos; o segundo é secundário, porque tem
como fonte os atos derivativos do poder legiferante. Portanto, como regra,
afirma-se que o primeiro gera a lei (ou ato análogo com outra denominação)
e o segundo o regulamento – caracterizado como ato administrativo e,
19
SANTOS, Alexandre Pinheiro dos; WELLISCH, Julya Sotto Mayor; BARROS, José Eduardo Guimarães.
Notas sobre o poder normativo da Comissão de Valores Mobiliários – CVM na atualidade, p. 6. 20
ARAGÃO, op. cit., p. 375-376.
16
frequentemente, revestido de denominações diversas (decretos, resoluções,
portarias etc.)
Sendo ato administrativo, o ato regulamentar é subjacente à lei e deve
pautar-se pelos limites desta.21
Desse modo, o poder regulamentar confere às agências reguladoras tão somente o
poder de produção jurídica complementar, ou seja, permite a criação de normas técnicas, o
que decorre naturalmente ante a especificidade de seu campo de atuação. Não obstante, se
impõe às agências o dever de observância aos parâmetros previstos em lei.
Essa orientação encontra-se traçada na doutrina de Hely Lopes Meirelles, que enfatiza:
Tem-se debatido sobre o poder normativo conferido às agências. Esse poder
normativo há de se cingir aos termos de suas leis instituidoras, aos preceitos
legais e decretos regulamentares expedidos pelo Executivo. Suas funções
normativas estão absolutamente subordinadas a lei formal e aos referidos
decretos regulamentares. Assim, o poder outorgado às agências, neste
campo, visa a atender à necessidade de uma normatividade essencialmente
técnica, com um mínimo de influência política.22
Deve ser levado em conta também, conforme destacado por Fabiano Del Masso, que:
A Constituição Federal como Lei fundamental de um país deve consagrar as
regras para a sistematização da atividade econômica e, para tanto, deve
determinar por intermédio de seus dispositivos quais serão os instrumentos
disponíveis ao Estado para a regulação e intervenção no domínio econômico,
prevendo, inclusive, os limites dessa intervenção.23
Assim, entende-se que as agências reguladoras não podem versar sobre matéria que
não esteja previamente estabelecida em lei. Portanto, releva acentuar que o poder normativo
das referidas agências devem submeter-se às normas constitucionais e aos limites
estabelecidos nas leis que as instituíram.
Note-se, a esse respeito, que a CVM se adequa ao conceito de agência reguladora,
sendo responsável pela regulação do mercado de capitais, com o precípuo escopo de
preservação e manutenção da lisura da atividade financeira no âmbito da sua área de atuação.
Como se pode inferir, a CVM é uma entidade autárquica em regime especial,
vinculada ao Ministério da Fazenda, criada pela Lei nº 6.385/76. Mais recentemente, tal lei
sofreu reforma, operada pela Lei nº 10.303/01, a qual ampliou os poderes da CVM.
21
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Agências Reguladoras e Poder Normativo. In: ARAGÃO, Alexandre
Santos de et al. O Poder Normativo das Agências Reguladoras. 2. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 60. 22
MEIRELLES, op. cit., p. 408. 23
DEL MASSO, Fabiano. Direito econômico. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007, p. 36.
17
No derradeiro processo de reforma, a teor do disposto no art. 5º da Lei nº 6.385/76,
com redação determinada pela Lei nº 10.411/02, a CVM alcança a posição de agência
autônoma, sendo dotada de personalidade jurídica e patrimônio próprios, autoridade
administrativa independente, ausência de subordinação hierárquica, mandato fixo e
estabilidade de seus dirigentes, além de ter autonomia financeira e orçamentária.24
A ela incumbe, nos termos do art. 8º, inciso I, do referido diploma legal,
“regulamentar com observância da política definida pelo Conselho Monetário Nacional, as
matérias expressamente previstas nesta Lei e na Lei de Sociedades por Ações”. E mais, das
suas decisões sancionatórias, cabe recurso administrativo externo para o Conselho de
Recursos do Sistema Financeiro Nacional, órgão integrante da estrutura do Ministério da
Fazenda25
, conforme estabelecido no art. 11, §4º da Lei 6.385/76.26
Dessa premissa, é possível concluir que a CVM tem o seu poder normativo limitado
em observância a todos os parâmetros previstos constitucionalmente, na lei que a instituiu,
bem como pelas diretrizes fixadas pelo Conselho Monetário Nacional.
24
CVM – Comissão de Valores Mobiliários. O mercado de valores mobiliários brasileiro. 3ª ed. Rio de Janeiro:
Comissão de Valores Mobiliários, 2014a, p. 60 25
ARAGÃO, op. cit., p.304 26
BRASIL. Lei 6385/76. Art. 11 – A Comissão de Valores Mobiliários poderá impor aos infratores desta Lei, da
Lei de Sociedades por Ações, das suas resoluções, bem como de outras normas legais cujo cumprimento lhe
incumba fiscalizar, as seguintes penalidades: [...] § 4º As penalidades somente serão impostas com observância
do procedimento previsto no § 2° desta Lei, cabendo recurso para o Conselho de Recursos do Sistema Financeiro
Nacional.
18
3 SISTEMA FINANCEIRO E SUAS RELAÇÕES COM O DESENVOLVIMENTO DO
PAÍS
A evolução histórica aponta que para suprir as necessidades básicas, os agentes
econômicos, em virtude das suas demandas de consumo, começaram a realizar trocas,
inicialmente na forma de escambo, que é a simples troca de mercadoria por mercadoria.
Posteriormente, tornou-se evidente o processo de especialização. Isto é, houve a
concentração de fabricação ou cultivo nas atividades mais produtivas, e, por via de
consequência, a geração de excedentes, aumentando, assim, a propagação das trocas.
Com o aumento dessa prática, houve a necessidade de transportar esse excedente com
a devida conservação, o que acarretava inúmeras dificuldades quanto à manutenção do estado
natural das mercadorias e à variação da medida de valor. Em vista disso, visando eliminar os
problemas dessa atividade, ocorreu o favorecimento da ideia de um bem comum capaz de
servir como padrão de valor. O desenvolvimento desse conceito deu origem ao sistema
monetário, pois “a utilização da moeda como recurso financeiro deve-se a sua possibilidade
de troca por qualquer outro bem que se tenha necessidade.” 27
Diante disto, Leo Huberman sintetiza que:
[...] Negociar em dinheiro levou a consequências tão grandes que passou a
constituir uma profissão separada.
Esse fator é importante porque demonstra como o desenvolvimento do
comércio trouxe consigo a reforma da antiga economia natural, na qual a
vida econômica se processava praticamente sem a utilização do dinheiro.
Havia desvantagens na permuta de gêneros, nos primórdios da Idade Média.
Parece simples trocar cinco galões de vinho por um casaco, mas não era
nada fácil. Era necessário procurar quem tivesse o produto desejado e
quisesse trocá-lo. Introduza-se, porém, o dinheiro como meio de
intercâmbio, e o que acontecerá? Dinheiro é aceitável por todos, não importa
o que necessitem na ocasião, porque pode ser trocado por qualquer coisa.
Quando o dinheiro é largamente empregado, não é necessário carregar cinco
galões de vinho pela redondeza, até encontrar alguém que queira vinho e
tenha um casaco para trocar. Não; basta vender o vinho por dinheiro, e
então, com esse dinheiro comprar um casaco. Embora a transação de troca
simples se transformasse com isso em numa transação dupla, com a
introdução do dinheiro, na realidade poupavam-se tempo e energia. Assim, o
uso do dinheiro torna o intercâmbio de mercadorias mais fácil e, dessa
forma, incentiva o comércio. A intensificação do comércio, em troca, reage
na extensão das transações financeiras. Depois do século XII, a economia de
ausência de mercados se modificou para uma economia de muitos mercados;
[...].28
27
DEL MASSO, op. cit., p. 64. 28
HUBERMAN, Leo. História da riqueza do homem. 21. ed. rev. Rio de Janeiro: Guanabara, 1986, p. 25.
19
Dessa forma, a complexidade oriunda do progresso natural do aludido sistema, exigiu
a criação de uma estrutura que viabilizasse a circulação da moeda em proporções cada vez
maiores. Conforme leciona Armando Castelar Pinheiro e Jairo Saddi:
O sistema financeiro é a extensão natural do sistema monetário, cabendo-lhe
viabilizar o uso eficiente da moeda enquanto instrumento que permite o
desenvolvimento da atividade econômica baseada na especialização e na
troca.29
Por esse prisma, “o sistema financeiro é parte integrante e importante de qualquer
sociedade econômica moderna”.30
Importa registrar que a ciência econômica estuda a eficiente alocação de recursos na
economia, uma vez que os indivíduos têm necessidades e desejos ilimitados, enquanto os
recursos disponíveis são escassos.31
Nessa linha, a CVM ensina que:
[...] as decisões dos agentes econômicos (famílias, empresas e governo) que
compõe esse sistema econômico moderno, embora individuais, estão
interligados e impactam o todo. De um lado, as famílias oferecem os
insumos necessários para a produção das empresas como o trabalho, o
capital e os imóveis, em troca dos rendimentos do salário, juros, lucros e
aluguéis, o que em conjunto formam a renda dessas famílias. Com essa
renda, as famílias adquirem produtos e serviços ofertados pelas empresas. O
governo, por sua vez, recolhe impostos e taxas dessas famílias e empresas, e
devolve para a sociedade em forma de projetos sociais ou serviços básicos
não ofertados pelas empresas.32
Assim sendo, em relação à disponibilidade de recursos, pode haver duas situações. Na
primeira, há um consumo menor do que a renda, de forma a acumular capital, formando a
poupança. Esses agentes econômicos são chamados no mercado financeiro de poupadores,
doadores ou superavitários. Por outro lado, pode haver um consumo maior, de forma a
demandar mais recursos para financiar os planos, são os agentes tomadores ou deficitários.
Nesse tocante, pode se extrair dois conceitos importantes: a poupança e o
investimento. Fabiano Del Masso esclarece que:
A relação envolverá necessariamente um agente econômico que possui sobra
de recursos financeiros e deseja investi-los, enquanto, do outro lado da
relação, deverá existir um agente econômico que, por algum motivo não
29
PINHEIRO, op. cit., p. 433. 30
CVM, op. cit., 2014a, p. 28. 31
Ibid. 32
Ibid.
20
produziu recursos suficientes para cumprir as suas necessidades, de forma
que emprestará tais recursos no mercado.33
Desse modo, “para que um agente deficitário possa utilizar os recursos disponíveis
para realizar suas decisões de consumo ou investimento, é preciso que esse fluxo de recursos
entre eles seja viabilizado”.34
Em princípio, a relação financeira pode acontecer mediante a
troca direta de recursos ou, como ocorre mais comumente, essa função é desempenhada pelas
instituições financeiras que buscam favorecer essa relação, recebendo os recursos dos
poupadores (captação) e disponibilizando para os tomadores (operações de crédito).
Como pondera a CVM:
Foi para suprir essa demanda do mercado que surgiram e desenvolveram-se
instituições especializadas em intermediar essas operações. Inicialmente, sua
função básica era pegar emprestado daqueles que poupam, pagando uma
remuneração representada pelos juros, e emprestar para os demais,
naturalmente a uma taxa mais alta, ganhando com a diferença. Essas
concentram a poupança e a distribuem aos tomadores de recursos,
atendendo, ao mesmo tempo, as necessidades de volume financeiro e prazo
de cada um. Com o passar do tempo, essas instituições foram se
especializando e oferecendo outros serviços, como veremos mais adiante. Da
mesma forma desenvolveram-se novos instrumentos, sistemas e produtos
para organizar, controlar e desenvolver esse mercado. Chamamos esse
sistema, como um todo, de Sistema Financeiro.35
Na doutrina de Carlos Arthur Newlands Jr.:
O papel dos intermediários financeiros é exatamente promover o
“encontro” entre os poupadores e os tomadores, ou melhor, conjugar a
satisfação das necessidades de ambos. Por meio dos intermediários
financeiros, os tomadores têm acesso aos recursos de que necessitam para
viabilizar seus projetos ou atividades; de outro lado, os poupadores obtêm
uma forma de guardar e/ou aplicar seus recursos com segurança.36
Portanto, conforme sintetiza Carlos Arthur Newlands Jr.: “O Sistema Financeiro
Nacional é composto por um conjunto de instituições financeiras que, como veremos a seguir,
tem como função manter o fluxo de recursos entre poupadores e tomadores, constituindo
assim o mercado financeiro”37
(grifo do autor)
33
DEL MASSO, op. cit., p. 65. 34
CVM, op. cit., 2014a, p. 30. 35
Ibid. 36
NEWLANDS JR, op. cit., p. 4. 37
Ibid., p. 3.
21
É evidente a necessidade da existência da atividade financeira, tendo em vista que “a
transferência dos recursos em moeda representa o principal mercado hoje existente, sendo
responsável por uma série de consequências que podem determinar o crescimento econômico,
pois os recursos financeiros é que o nutrirão.”38
Nesse trilhar, a CVM, destaca que:
Não é difícil perceber a importância desse sistema para o adequado
funcionamento e crescimento econômico de uma nação. Se, por exemplo,
determinada empresa, que necessita de recursos para a realização de
investimentos para a produção, não conseguir captá-los de forma eficiente,
provavelmente ela não realizará o investimento, deixando de empregar e
gerar renda. Com o papel desempenhado pelas instituições financeiras, esse
problema se reduz.39
Para melhor compreensão, faz-se mister trazer à colação, mais uma vez, a doutrina de
Fabiano Del Masso:
A atividade econômica devidamente organizada gera o desenvolvimento,
pois cumpre a sua finalidade de satisfação das necessidades. Em outras
palavras, a atividade econômica eficiente tem por finalidade desencadear o
desenvolvimento. Dessa maneira, o desenvolvimento representa o sucesso na
organização da produção e na satisfação das necessidades. A noção de
desenvolvimento indica a mudança do estado estrutural de algo que se torna
mais útil, justo e equilibrado. O desenvolvimento econômico provoca uma
melhora do nível e da qualidade de vida das pessoas, o que significa que a
satisfação de necessidades tornou-se maior. Para exemplificar, pode-se
tomar por base a forma de produção extrativista e a forma de produção
industrial; diante de tal mudança na produção de bens, a maior eficiência da
produção industrial gerou uma satisfação das necessidades humanas de
forma considerável, de modo que a população envolvida suportou os
benefícios decorrentes de tal estado de desenvolvimento.40
E, ainda, nas palavras de Fabiano Del Masso:
A principal característica de um sistema financeiro é a sua estabilidade, pois
quanto maior o grau de estabilidade maior a sua eficiência. Assim, o
subdesenvolvimento de uma nação pode ser medido pelo sofrível
desenvolvimento do seu sistema financeiro, ou seja, por intermédio da
frequente mudança das regras, da concentração das operações de
intermediação nas instituições financeiras bancárias, da pequena quantidade
de investidores nacionais etc.41
38
DEL MASSO, op. cit., p. 64. 39
CVM, op. cit., 2014a, p. 30. 40
DEL MASSO, op. cit., p. 103. 41
Ibid., p. 70.
22
O que se conclui, é que o sistema financeiro é um conjunto de órgãos e instituições
destinados principalmente a promover a canalização de recursos dos agentes detentores de
capital, chamados de superavitários, para os agentes tomadores de capital, conhecidos como
deficitários. Esse fluxo importa no direcionamento da poupança para o investimento,
contribuindo, dessa forma, para o desenvolvimento da sociedade como um todo. Em outras
palavras, “a relação financeira é uma forma de equilibrar poupanças e investimentos, sendo
sua organização essencial para o desenvolvimento econômico do país”42
Assim sendo, conforme observa Armando Castelar Pinheiro e Jairo Saddi, a
prosperidade da economia popular, “vincula-se diretamente com a necessidade de uma
mobilização da poupança nacional adequada, que direcione o financiamento para aqueles
carentes de capital”43.
Ao possibilitar essa transferência de recursos financeiros, proporciona a alocação
eficiente destes na economia, alcançando o objetivo estatuído constitucionalmente de um
sistema financeiro estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do país e
a servir os interesses da coletividade, nos termos do art. 19244
da Carta Política.
Nessa linha, Fabiano Del Masso destaca que:
O título I da Constituição Federal de 1988, que trata dos princípios
fundamentais, prevê como um dos objetivos fundamentais do Estado
Brasileiro garantir o desenvolvimento nacional (art. 3º, II, da CF). O estado
deve funcionar como um estimulador, planejador, coordenador e condutor do
desenvolvimento econômico. A política econômica tem por missão balizar
as reformas estruturais para desencadear o desenvolvimento econômico
pretendido.45
Em suma, conforme o ensinamento de Armando Castelar Pinheiro e Jairo Saddi: “Não
há um país desenvolvido sem um bom sistema financeiro, o que implica que também não há
país nessa situação sem um bom sistema legal e judicial, pois a intermediação financeira não
pode se desenvolver sem uma base jurídica adequada”46
42
DEL MASSO, op. cit., p. 65. 43
PINHEIRO, op. cit., p. 264. 44
BRASIL, Constituição Federal, Art. 192: O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o
desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o
compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que disporão, inclusive,
sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram. 45
DEL MASSO, op. cit., p. 108. 46
PINHEIRO, op. cit., p.449.
23
3.1 SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL
O desenvolvimento das bases jurídicas do sistema financeiro brasileiro é decorrente do
processo político e ambiente econômico, pelos quais o país passou, formando um conjunto de
determinantes da estrutura organizacional.
De acordo com Otávio Yazbeck:
Embora seja comum afirmar que o Sistema Financeiro Nacional apenas
nasce em 1964, com a promulgação da Lei nº 4.595/1964 e de outros
diplomas [...] deve-se [...] buscar raízes mais distantes, até porque o novo
regime surge, em parte para romper com tais origens. É bem verdade que,
como não pode deixar de ser, muito daquele legado não foi simplesmente
deixado para trás, havendo continuado a determinar padrões de
comportamento e de relacionamento entre os agentes de mercado e entre
estes e os reguladores.47
Nesse campo, cabe destacar alguns pontos relevantes. De início, cumpre mencionar a
vinda da família real portuguesa para o Brasil, com a qual se desenvolve as estruturas
financeiras locais.48
A título de exemplo, em 1845, surgiu o Banco do Brasil. No período
compreendido até a Proclamação da República houve a formação de diversas instituições,
surgindo o primeiro arcabouço legal para as atividades bancárias.49
Com a Proclamação da República, a Constituição de 1934, “foi a primeira a destinar
um capítulo à denominada ‘Ordem Econômica e Social’, denominação mantida até a
Constituição de 1988”50
. Entretanto, tinha limitações. Como bem observa Marcelo F.
Trindade:
A Constituição de 1934 limitou-se a uma referência à competência
legislativa da União quanto às operações bancárias, de seguro e das
instituições de crédito e à referência genérica, no capítulo destinado à Ordem
Econômica e social, ao desenvolvimento, às características e às limitações
do crédito.51
47
YAZBEK, Otavio. Regulação do Mercado Financeiro e de Capitais. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007, p. 255 48
Ibid. 49
Ibid., p. 256. 50
TRINDADE, Marcelo F. O papel da CVM e o Mercado de Capitais no Brasil. In: JAIRO SADDI (org.),
Fusões e aquisições: aspectos jurídicos e econômicos, São Paulo: IOB, 2002, p.297 51
Ibid.
24
Já as Constituições de 1937 e de 1946 incluíram, entre outras coisas, competências
legislativas relativas à União, “além das questões de moeda, de banco e de seguro, às de
bolsa”.52
(grifo do autor)
É importante destacar que a segunda guerra foi o marco histórico da reestruturação do
sistema financeiro, sendo criado o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE)
na segunda década de 1940 e a Superintendência da Moeda e do Crédito (SUMOC), em 1945,
que repartia funções com o Tesouro Nacional e o Banco do Brasil.53
Na década de 1960, foi criado o Banco Central do Brasil (BCB) e o Conselho
Monetário Nacional (CMN), com a promulgação da Lei nº 4.595/1964, formando a base legal
para o processo de desenvolvimento financeiro.54
Nesse período, foi dado grande estímulo ao
mercado de capitais, sendo o Banco Central do Brasil a entidade, até então, responsável por
esse segmento do sistema financeiro nacional.
Nesse período, as Constituições de 1967 e 1969, mantiveram a Competência da União
dispostas anteriormente e trataram de cláusulas gerais no que diz respeito à intervenção no
domínio econômico.
Todavia, no âmbito do mercado de capitais o governo criou políticas de fomento
como, por exemplo, incentivos fiscais à abertura do capital das empresas. O que culminou
com a promulgação da Lei nº 6.404/76 (Lei das Sociedades Anônimas) e a Lei nº 6.385/76,
que criou o órgão regulatório do mercado de valores mobiliários.
Portanto, algumas constituições anteriores buscaram prever normas que regulassem a
atividade financeira. Contudo, somente com a Constituição de 1988 que foi dado mais atenção
ao Sistema Financeiro Nacional, tema que, inclusive, foi tratado em um capítulo próprio,
contemplando a Ordem Econômico e Financeira e a Ordem Social.
Como observa Marcelo F. Trindade:
A Constituição Federal de 1988 modificou substancialmente esse quadro,
dedicando especial atenção ao Sistema Financeiro Nacional, cuja disciplina,
constante do art. 192, está incluída no Título da ‘Ordem Econômica e
Financeira’. O referido artigo (com a redação que vigora desde a Emenda
Constitucional nº 13, de 21.08.96) determina a edição de lei complementar
que deverá dispor sobre a autorização para o funcionamento das instituições
financeiras, a autorização e o funcionamento dos estabelecimentos de
seguro, resseguro, previdência e capitalização, e do órgão fiscalizador, as
condições para a participação do capital estrangeiro naquelas instituições e
estabelecimentos, a organização, o funcionamento e as atribuições do Banco
52
TRINDADE, op. cit., p. 297. 53
YAZBEK, op. cit., p. 257. 54
Ibid., p. 260.
25
Central e demais instituições financeiras públicas e privadas, os requisitos
para a designação de membros da diretoria do Banco Central e demais
instituições financeiras, bem como seus impedimentos após o exercício do
cargo, a criação de fundo ou seguro, com o objetivo de proteger a economia
popular, garantindo créditos, aplicações e depósitos até determinado valor,
vedada a participação de recursos da União, sobre os critérios restritivos da
transferência de poupança de regiões com renda inferior à média nacional
para outras de maior desenvolvimento e ainda sobre o funcionamento das
cooperativas de crédito e os requisitos para que possam ter condições de
operacionalidade e estruturação das próprias instituições financeiras.55
José Afonso da Silva destaca que:
Há dois sistemas financeiros regulados na Constituição: o público, que
envolve os problemas das finanças públicas e os orçamentos públicos,
constantes dos arts. 163 a 169; e o parapúblico, que ela denomina de sistema
financeiro nacional, que cuida das instituições financeiras creditícias,
públicas ou privadas, de seguro, previdência (privada) e capitalização, todas
sob estrito controle do Poder Público (art. 192). O Banco Central, que é
instituição financeira, constitui, em verdade, um elo entre duas ordens
financeiras (arts. 164 e 192).56
Dessa forma, a Magna Carta consagrou em seu art. 192 o primeiro artigo atinente ao
tema, composto originariamente por oito incisos e três parágrafos.57 Contudo, após a alteração
55
TRINDADE, op. cit., p. 298. 56
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional. 36º ed., São Paulo: Malheiros, 2013, p. 831. 57
BRASIL, Supremo Tribunal Federal, Art. 192 - O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a
promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, será regulado em lei
complementar, que disporá sobre: I – a autorização para o funcionamento das instituições financeiras,
assegurado às instituições bancárias oficiais e privadas acesso a todos os instrumentos do mercado financeiro
bancário, sendo vedada a essas instituições a participação em atividades não previstas na autorização de que trata
este inciso; II – autorização e funcionamento dos estabelecimentos de seguro, previdência e capitalização, bem
como do órgão oficial fiscalizador e do órgão oficial ressegurador; III – as condições para a participação no
capital estrangeiro nas instituições a que se referem os incisos anteriores, tendo em vista, especialmente: a) os
interesses nacionais; b) os acordos internacionais; IV – a organização, o funcionamento e as atribuições do
banco central e demais instituições financeiras públicas e privadas; V – os requisitos para a designação de
membros da diretoria do banco central e demais instituições financeiras, bem como os seus impedimentos após o
exercício do cargo; VI – a criação de fundo ou seguro, com o objetivo de proteger a economia popular,
garantindo créditos, aplicações e depósitos até determinado valor, vedada a participação de recursos da União;
VII – os critérios restritivos da transferência de poupança de regiões com renda inferior à média nacional para
outras de maior desenvolvimento; VIII – o funcionamento das cooperativas de crédito e os requisitos para que
possam ter condições de operacionalidade e estruturação próprias das instituições financeiras; § 1º A autorização
a que se referem os incisos I e II será inegociável e intransferível, permitida a transmissão do controle da pessoa
jurídica titular, e concedida sem ônus, na forma da lei do sistema financeiro nacional, a pessoa jurídica cujos
diretores tenham capacidade técnica e reputação ilibada, e que comprove capacidade econômica compatível com
o empreendimento. § 2º Os recursos financeiros relativos a programas e projetos de caráter regional, de
responsabilidade da União, serão depositados em suas instituições regionais de crédito e por elas aplicados. § 3º
As taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente
referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores a doze por cento ao ano; a cobrança acima deste
limite será conceituada como crime de usura, punido, em todas as suas modalidades, nos termos que a lei
determinar. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/artigobd.asp?item=%201777>.
26
operada pela Emenda Constitucional nº 40/2003, o art. 192, revogou todos os incisos e
parágrafos, além de modificar o caput.
É mister frisar, que tal dispositivo estabelece que o Sistema Financeiro Nacional será
regulado por leis complementares, diferentemente do anterior que indicava a expressão no
singular. Por esta razão, ocorreram diversos debates doutrinários sobre a matéria. Não
obstante, José Afonso da Silva sustenta que:
Nas edições anteriores, admitimos que o singular, no tocante à lei
complementar, não significava uma lei só – o singular tinha sentido, não de
único, mas de generalidade -, e, portanto, o sistema poderia ser regulado por
mais de uma lei complementar. A Emenda suprime as dúvidas.58
Sendo assim, a Constituição da República de 1988 recepcionou a lei que disciplina o
Sistema Financeiro Nacional, Lei nº 4.595/64, bem como a Lei nº 6.404/76, que juntamente
com a Lei nº 6.385/76 regulam o mercado de valores mobiliários.
3.2 FUNDAMENTOS, OBJETIVOS CONSTITUCIONAIS E FUNÇÕES
O fundamento da sistematização da atividade financeira não se restringe ao capítulo da
ordem econômica disposto na Constituição Federal, manifestando-se em toda a sua extensão.
A Constituição brasileira, em seu art. 1º, qualifica o Estado como Democrático de
Direito, que é uma forma que condensa dois modelos de estado: liberal e social. É fácil
vislumbrar essa ideia central da Constituição em virtude da existência de duas ordens
expressamente citadas, qual seja, “Da Ordem Econômica e Financeira” (Título VII) e “Da
Ordem Social” (Título VIII e art. 6º do Título II)
Tal acepção é um reflexo das disposições acerca dos fundamentos e dos objetivos
estabelecidos no texto constitucional tratados, antes de tudo, nos arts. 1º, que preceitua, entre
outros fundamentos, os valores sociais do trabalho e da livre inciativa, e no art. 3º, que
preconiza pela construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Significa dizer, que são
princípios fundamentais da República Federativa do Brasil.
Releva acentuar que o estado liberal em comento, não é o clássico, mas sim um estado
liberal contemporâneo. O conjunto normativo para estruturar o aludido paradigma estatal se
evidencia nos termos do art. 170.
Conforme explica Fabiano Del Masso:
58
SILVA, op. cit., p. 831.
27
A Constituição de 1988 é qualificada como dirigente ou diretiva, o que
significa que se dispõe constitucionalmente de uma programação para a
realização de objetivos. O caput do art. 170 comprova tal condição quando
dispõe: “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho e na livre
inciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os
ditames da justiça social [...]”.59
Como bem observa José Afonso da Silva:
Esta expressão, na verdade, equivale a dizer princípios constitucionais da
ordem econômica. A Constituição os relaciona no art. 170, onde está dito
que a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na
livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os
ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
(1) soberania nacional;
(2) propriedade privada;
(3) função social da propriedade;
(4) livre concorrência;
(5) defesa do consumidor;
(6) defesa do meio ambiente;
(7) redução das desigualdades regionais e sociais;
(8) busca do pleno emprego;
(9) tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas
sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.60
Dessa forma, o referido dispositivo legal exprime o conjunto de princípios a ser
seguido. Nesse sentido é o entendimento de Fabiano Del Masso:
A ordem econômica é uma representação estrutural cuja finalidade é
organizar a realização da atividade econômica em determinada comunidade.
Para tal finalidade, a ordem contempla alguns princípios que a informam e
que deverá circunscrever os limites da legislação a ser criada. A
interpretação de qualquer norma que compõe a ordem econômica induzirá a
um dos vários princípios nela previstos. Da mesma maneira, a ordem
econômica existe devido aos seus fins, que nela deverão constar
expressamente. A ordem econômica, na verdade, corresponde também à
coerência do regime de regras criadas para regular determinados aspectos da
atividade econômica.61
Entendimento também seguido por Eugênio Araújo:
[...] a ordem econômica constitui-se de um conjunto de regras
constitucionais reguladoras da atividade econômica. A interpretação,
59
DEL MASSO, op. cit., p. 43. 60
SILVA, op. cit., p. 797-798. 61
DEL MASSO, op. cit., p. 15.
28
aplicação e execução dos preceitos que a compõem reclamam o diálogo
permanente com as demais partes da Constituição, posto que a ordem
econômico-financeira é indissociável dos princípios fundamentais da
República Federativa e do Estado Democrático de Direito. [...]
Considera-se, então, ordem econômica o conjunto de normas de intervenção
protetora ou restritiva a atividades econômicas, em busca de certas
finalidades e por intermédio de certos meios.62
Em uma análise detida do texto constitucional, podem-se evidenciar quatro princípios
relevantes para a interpretação axiológica: a liberdade de iniciativa, a valorização o trabalho, a
existência digna e a justiça social. Tais elementos, nas palavras de Fabiano Del Masso:
[...] são denominados constitucionalmente como fundamentos (os dois
primeiros) e finalidades ou objetivos (os dois segundos) da ordem
econômica. O que indica uma possível diferença semântica com os
princípios da ordem econômica, que em nossa opinião não ocorre, pois a
natureza dos fundamentos e das finalidades é de caráter principiológico.63
Para uma melhor compreensão, merece trazer à colação a doutrina de Afonso da Silva:
A Constituição declara que a ordem econômica é fundada na valorização do
trabalho humano e na iniciativa privada. Que significa isso? Em primeiro
lugar quer dizer precisamente que a Constituição consagra uma economia de
mercado, de natureza capitalista, pois a iniciativa privada é um princípio
básico da ordem capitalista. Em segundo lugar significa que, embora
capitalista, a ordem econômica dá prioridade aos valores do trabalho humano
sobre todos os demais valores da economia de mercado. Conquanto se trate
de declaração de princípio, essa prioridade tem o sentido de orientar a
intervenção do Estado, na economia, a fim de fazer valer os valores sociais
do trabalho que, ao lado da iniciativa privada, constituem o fundamento não
só da ordem econômica, mas da própria República Federativa do Brasil (art.
1º, IV).64
Portanto, como adverte Hely Lopes Meirelles, “os estados sociais liberais, como o
nosso, conquanto reconheçam e assegurem a propriedade privada e a livre empresa,
condicionam o uso dessa mesma propriedade e o exercício das atividades econômicas ao bem-
estar social (CF, art. 170)”65
.
José Afonso da Silva discorre sobre o tema afirmando que:
62
ARAÚJO, Eugênio. Resumo de direito econômico. 3. ed., Rio de Janeiro: Impetus, 2008, p. 43 63
DEL MASSO, op. cit., p. 43. 64
SILVA, op. cit., p.794. 65
MEIRELLES, op. cit., p. 670.
29
A Constituição de 1988 é ainda mais incisiva ao conceber a ordem
econômica sujeita aos ditames da justiça social para o fim de assegurar a
todos a existência digna. Dá à justiça social um conteúdo preciso. Preordena
alguns princípios da ordem econômica – a defesa do consumidor, a defesa do
meio ambiente, a redução das desigualdades regionais e pessoais e a busca
do pleno emprego – que possibilitam a compreensão de que o capitalismo
concebido há de humanizar-se (se é que isso é possível). Traz, por outro
lado, mecanismos na ordem social voltados à sua efetivação. Tudo depende
da aplicação das normas sociais que contém essas determinantes, esses
princípios e esses mecanismos.66
(grifos do autor)
Como efeito, “esta é realmente uma determinante essencial que impõe e obriga que
todas as demais regras da constituição econômica sejam entendidas e operadas em função
dela.”67
.
De fato, o princípio da justiça social é mencionado no caput do art. 170, que está
inserido no título que trata da ordem social, bem como no art. 19368
, incluído no título da
ordem social, razão pela qual deve ser considerado como um princípio da ordem econômica e
da social e como epicentro axiológico constitucional atinente ao tema da intervenção do
estado nas atividades econômicas. Nesse sentido, José Afonso da Silva sintetiza:
A Constituição declara que a ordem social tem como base o primado do
trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça social. Neste particular, a
ordem social se harmoniza com a ordem econômica, já que esta se funda
também na valorização do trabalho e tem como fim (objetivo) assegurar a
todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, que já mereceu
nossa consideração.69
Hely Lopes Meirelles conclui o pensamento:
O bem-estar social é o escopo da justiça social a que se refere nossa
Constituição (art.170) e só pode ser alcançado através do desenvolvimento
nacional.70
Assim, a Constituição Federal de 1988 apresenta um conjunto de princípios que
determinam as finalidades da ordem econômica, conduzindo à promoção da justiça social, de
forma a refletir o bem-estar dos indivíduos e, por decorrência, atingir o desenvolvimento
nacional.
66
SILVA, op. cit., p. 796. 67
Ibid., p.795. 68
BRASIL. Constituição Federal. Art. 193 - A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como
objetivo o bem-estar e a justiça sociais. 69
SILVA, op. cit., p. 835. 70
MEIRELLES, op. cit., p. 674.
30
3.3 ESTRUTURA, ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO
No estudo do sistema financeiro com foco na sua função principal de alocação de
recursos na economia deve-se levar em conta a atividade financeira segmentada em mercados.
Conforme adverte a CVM:
É importante compreender, porém, que o modelo tradicional de
intermediação financeira não foi capaz de suprir todas as demandas
existentes no mercado. Esse processo foi sendo aprimorado ao longo da
história. Desenvolveram-se novos ativos financeiros e características
operacionais específicas para cada tipo de demanda. Essas características
podem diferir em razão do prazo, tipo de instrumento utilizado para
formalizar a operação, assunção de riscos, entre outros aspectos que
delimitam o que se convencionou de chamar de mercados financeiros.
Atualmente, essa diferente classificação ajuda a compreender um pouco
mais desses mercados, suas peculiaridades, riscos e vantagens. De forma
geral, [...] o sistema financeiro segmentou-se em quatro grandes mercados:
mercado monetário, mercado de crédito, mercado de câmbio e mercado de
capitais.71
Assim sendo, nas lições de Fabiano Del Masso:
De forma bem simples e objetiva o mercado consiste em um espaço no qual
são realizadas as trocas de bens. Com a especialização das trocas os
mercados passaram a ser classificados de acordo com alguns critérios, como,
por exemplo: o mercado cuja troca envolve moeda, compõe o mercado
financeiro.72
Carlos Arthur Newlands Jr., por seu turno, acrescenta que:
O termo mercado é usualmente empregado na designação desses segmentos.
Esta designação resulta da própria essência da intermediação financeira: os
intermediários financeiros estão entre os tomadores de recursos, aqueles que
exercem a procura por ativos financeiros, e os poupadores, que detêm
recursos excedentes e exercem a oferta destes excedentes de ativos
financeiros. Temos, portanto, a situação típica de um mercado constituído
pelas forças da oferta e da procura. Assim, os quatro segmentos do setor
financeiro correspondem a quatro mercados:
• mercado monetário;
• mercado de crédito;
• mercado de capitais;
71
CVM, op. cit., 2014a, p. 31. 72
DEL MASSO, op. cit., p. 15.
31
• mercado de câmbio.73
Em síntese, o mercado monetário estabelece a liquidez da economia, em virtude da
análise do suprimento de moeda. Nas palavras da CVM:
As transferências de recursos a curtíssimo prazo, em geral com prazo de um
dia, como aquelas realizadas entre as próprias instituições financeiras ou
entre elas e o Banco Central, são realizadas no chamado mercado monetário.
Trata-se de um mercado utilizado basicamente para controle da liquidez da
economia, no qual o Banco Central intervém para condução da Política
Monetária. Resumidamente, se o volume de dinheiro estiver maior do que o
desejado pela política governamental, o Banco central intervém vendendo
títulos e retirando moeda do mercado, reduzindo, assim, liquidez da
economia. Ao contrário, caso observe que a quantidade de recursos está
inferior à desejada, o Banco Central intervém comprando títulos e injetando
moeda no mercado, restaurando a liquidez desejada.74
O mercado de câmbio cinge-se nas trocas de moeda estrangeira por nacional ou vice-
versa. A CVM define:
É o mercado em que são negociadas as trocas de moedas estrangeiras por
moeda nacional. Participam desse mercado todos os agentes econômicos que
realizam transações com o exterior, ou seja, têm recebimentos ou
pagamentos a realizar em moeda estrangeira. Esse mercado é regulado e
fiscalizado pelo Banco Central do Brasil, que dele também participa para a
política cambial.75
Já o mercado de crédito é caraterizado pelas operações de crédito ofertadas em curto,
médio ou longo prazo para a satisfação da necessidade de consumo. Nas palavras da CVM:
É o segmento do mercado financeiro em que as instituições financeiras
captam recursos dos agentes superavitários e os emprestam às famílias ou
empresas, sendo remuneradas pela diferença do seu custo de captação e o
que cobram dos tomadores. Essa diferença é conhecida como spread. Assim,
as instituições financeiras nesse mercado têm como atividade principal a
intermediação financeira propriamente dita.
Em geral, são operações de curto, médio e longo prazo, destinadas ao
consumo ou capital de giro das empresas. As operações são usualmente
formalizadas por contratos, como por exemplo, cheque especial, conta
garantida e crédito direto ao consumidor, e as instituições financeiras
assumem o risco de crédito da operação. São exemplos de instituições
participantes desse mercado os bancos comerciais e as sociedades de crédito,
73
NEWLANDS JR, op. cit., p. 74. 74
CVM, op. cit., 2014a, p. 32. 75
Ibid.
32
financiamento e investimento, conhecidas como financeiras. O Banco
Central do Brasil é o principal órgão responsável pelo controle,
normatização e fiscalização desse mercado.76
Em suma, o mercado de crédito tem a função de financiar as necessidades de consumo
dos agentes deficitários, tendo grande atuação das instituições financeiras responsáveis pela
intermediação dessas operações.
A CVM assinala, ainda, que:
O mercado de crédito é fundamental para o bom funcionamento da
economia, na medida em que as instituições financeiras assumem dois papéis
decisivos. De um lado, atuam como centralizadoras de riscos, reduzindo a
exposição dos aplicadores a perdas e otimizando as análises de crédito. De
outro, elas funcionam como um elo entre milhões de agentes com
expectativas muito distintas em relação a prazos e volumes de recursos.
Quando o sistema inexiste ou existe de forma ineficiente, muitas das
necessidades de aplicações e empréstimos de recursos ficariam represadas,
ou seja, não circulariam no mercado, o que inevitavelmente causaria uma
freada brusca na economia.
Entretanto, em alguns casos, o mercado de crédito é insuficiente para suprir
as necessidades de financiamento dos agentes. Isso pode ocorrer, por
exemplo, quando determinada empresa necessita de um volume de recursos
muito superior ao que uma instituição poderia, sozinha, emprestar. Além
disso, pode acontecer de os custos dos empréstimos no mercado de crédito,
em virtude dos riscos assumidos pelas instituições nas operações, serem
demasiadamente altos, de forma a inviabilizar os investimentos pretendidos.
Isso ocorre, em geral, nos investimentos produtivos de duração mais longa,
de valores mais altos e, que, portanto, envolvem riscos maiores. Porém, esse
tipo de investimento é fundamental para o crescimento econômico.
Desenvolveu-se, assim o Mercado de Capitais, ou Mercado de Valores
Mobiliários. 77
(Grifo nosso)
Por derradeiro, o mercado de capitais, que será tratado com maior particularidade no
próximo capítulo, é definido por Carlos Arthur Newlands Jr. como
[...] um sistema de distribuição de valores mobiliários, que tem o propósito
de proporcionar liquidez aos títulos de emissão de empresas e viabilizar seu
processo de capitalização. É constituído pelas bolsas de valores, sociedades
corretoras e outras instituições financeiras autorizadas.78
Nesse passo, convém ressaltar que a estrutura do sistema financeiro nacional possui
órgãos criados especificamente com o objetivo de fiscalizar e regular as condutas das
76
CVM, op. cit., 2014a, p. 32-33. 77
Ibid. 78
NEWLANDS JR, op. cit., p. 75.
33
instituições da área de atuação representada por cada segmento do mercado. Fabiano Del
Masso explica:
A realização de toda a dinâmica econômico financeira, cujo objeto principal
é a movimentação de ativos financeiros, depende, sobretudo, dos
investidores e tomadores de capital que compõem um verdadeiro sistema de
circulação de recursos. Entretanto, para que o sistema funcione, é necessário
que alguns órgãos o controlem e o organizem. A identificação do interesse
público que demanda a organização de um sistema financeiro parece
cristalina quando se imagina a quantidade de benefícios que a movimentação
de recursos financeiros produz em um país.79
Seguindo esse entendimento, o Banco Central do Brasil apresenta a subdivisão do
sistema financeiro nacional em entidades normativas, supervisoras e operacionais, assim
exposto pela CVM:
Os órgãos normativos são os responsáveis pela definição das políticas e
diretrizes gerais do sistema financeiro, sem funções executivas. São
entidades governamentais colegiadas, criadas por lei, com atribuições
específicas. Em geral, apoiam-se em estruturas técnicas de apoio para a
tomada das decisões, que são regulamentadas e fiscalizadas pelas entidades
supervisoras. Atualmente, no Brasil, funcionam como órgãos normativos: o
Conselho Monetário Nacional – CMN, o Conselho Nacional de Seguros
Privados - CNSP e o Conselho Nacional de Previdência Complementar –
CNPC.
As entidades supervisoras assumem diversas funções executivas, como a
fiscalização das instituições sob sua responsabilidade, assim como funções
normativas, com o intuito de regulamentar dispositivos legais ou normas
editadas pelos órgãos normativos.
As entidades supervisoras do Sistema Financeiro Nacional são: O Banco
Central do Brasil – BCB, a Comissão de Valores Mobiliários – CVM, a
Superintendência de Seguros Privados – SUSEP e a Superintendência
Nacional de Previdência Complementar – PREVIC são as entidades
supervisoras do nosso Sistema Financeiro.
Os operadores, por outro lado, incluem as demais instituições, públicas ou
privadas, envolvidas diretamente, ou como instituições auxiliares, nas
atividades de captação, intermediação e aplicação de recursos no sistema
financeiro nacional. É comum, didaticamente, subdividi-los em instituições
financeiras monetárias, órgãos oficiais, demais instituições financeiras,
outros intermediários financeiros, instituições auxiliares e instituições dos
segmentos de seguro e previdência.80
Cumpre realizar uma breve descrição das principais atribuições de algumas
instituições predominantes para o presente estudo.
79
DEL MASSO, op. cit., p. 71. 80
Ibid., p. 38.
34
Do conjunto de órgãos normativos, merece referência o Conselho Monetário Nacional,
criado pela Lei nº 4.595/64, que tem como finalidade precípua a formulação de política de
moeda e de crédito, para promover o progresso econômico e social do país. É o órgão
deliberativo máximo do Sistema Financeiro Nacional.81
Dentre as suas funções, releva
destacar as seguintes: adaptar o volume dos meios de pagamento às reais necessidades da
economia; regular o valor interno e externo da moeda e o equilíbrio do balanço de
pagamentos; orientar a aplicação dos recursos das instituições financeiras; propiciar o
aperfeiçoamento das instituições e dos instrumentos financeiros; zelar pela liquidez e
solvência das instituições financeiras; coordenar as políticas monetária, creditícia,
orçamentária e da dívida pública interna e externa.
Entre as entidades supervisoras, enquadra-se o Banco Central do Brasil, criado pela
Lei nº 4.595/64. É uma autarquia federal que visa garantir a estabilidade do poder de compra
da moeda nacional e um sistema financeiro sólido e eficiente. A ele incumbe: assegurar a
estabilidade do poder de compra da moeda nacional e a solidez do Sistema Financeiro
Nacional; executar a política monetária mediante utilização de títulos do Tesouro Nacional;
fixar a taxa de referência para as operações compromissadas de um dia, conhecida como taxa
SELIC; controlar as operações de crédito das instituições que compõem o Sistema Financeiro
Nacional; formular, executar e acompanhar a política cambial e de relações financeiras com o
exterior; fiscalizar as instituições financeiras e as clearings (câmaras de compensação); emitir
papel-moeda (a partir da Constituição de 1988, a emissão de moeda ficou a cargo exclusivo
do BCB); executar os serviços do meio circulante para atender à demanda de dinheiro
necessária às atividades econômicas; manter o nível de preços (inflação) sob controle; manter
sob controle a expansão da moeda e do crédito e a taxa de juros; operar no mercado aberto, de
recolhimento compulsório e de redesconto; executar o sistema de metas para a inflação;
divulgar as decisões do Conselho Monetário Nacional; manter ativos de ouro e de moedas
estrangeiras para atuação nos mercados de câmbio; administrar as reservas internacionais
brasileiras; zelar pela liquidez e solvência das instituições financeiras nacionais; conceder
autorização para o funcionamento das instituições financeiras.82
Outra importante instituição dessa divisão é a CVM, que será abordada
pormenorizadamente em capítulo próprio, uma vez que constitui o objeto central do presente
estudo. Em síntese, a CVM é responsável pela regulação, desenvolvimento e fiscalização do
mercado acionário.
81
DEL MASSO, op. cit., p. 39. 82
Ibid., p. 41
35
Por fim, no rol das instituições operadoras incluem-se, entre outros, o Banco do Brasil
(BB), o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social e a Caixa Econômica
Federal que possuem missões institucionais de grande importância para sistema financeiro
nacional.
36
4 O PAPEL DA CVM NA REGULAÇÃO DO MERCADO DE CAPITAIS
Como já destacado, o termo mercado tem várias acepções e caracteriza quatro
segmentos do sistema financeiro nacional. Examinando o tema em detalhe, Fabiano Del
Masso afirma que:
Mercado financeiro em sentido amplo compreende as operações de
fornecimento ou de captação de recursos financeiros pelos agentes
econômicos. Dependendo da forma de intermediação realizada na
transferência dos recursos, o mercado financeiro em sentido amplo pode ser
chamado de: a) mercado financeiro em sentido estrito ou b) mercado de
capitais. De forma bem simples, o mercado financeiro é o local que
compreende uma série de trocas de ativos financeiros (negociação) e por
consequência forma o preço de tais ativos.
Mercado financeiro em sentido estrito considera a especialização das trocas
de ordem financeira, por exemplo: o tipo de moeda negociada (nacional e
externo), o grau de intervenção do Estado (livres e regulados), o grau de
formalização das negociações (organizados e não organizados), o objeto
financeiro específico (crédito, capitais, cambial etc.)
Em razão da sua crescente importância um dos mercados financeiros em
sentido estrito é o chamado mercado de capitais, que envolve um espaço de
negociação de valores mobiliários, principalmente ações, e que funciona
como um eficiente fornecedor de recursos financeiros para as sociedades
anônimas.83
Em termos semelhantes, a CVM esclarece que:
É o segmento do sistema financeiro que viabiliza a transferência de recursos de
maneira direta entre os agentes econômicos. Ou seja, é um mercado em que
poupadores, que possuem recursos disponíveis, emprestam diretamente para os
tomadores, que precisam de dinheiro para viabilizar os seus negócios.
As empresas, por exemplo, necessitam de recursos financeiros para realizar
investimentos produtivos, como construção de novas fábricas, aquisição de outras
empresas ou o alongamento do prazo de suas dívidas. Os investidores, por outro
lado, possuem recursos financeiros excedentes que desejam aplicar de maneira
rentável.
Porém, as necessidades financeiras são muito variadas. Existem companhias de
diversos portes e investidores com diferentes objetivos, tanto em relação ao prazo de
investimento quanto à tolerância do risco.84
Diante disso, vale referir à lição de Fabiano Del Masso:
A realização da transferência de recursos entre os agentes econômicos que os
buscam e os que os fornecem não acontece, em regra, diretamente;
geralmente tais recursos são investidos ou captados de intermediários que
83
DEL MASSO, op. cit., p. 17. 84
CVM – Comissão de Valores Mobiliários. O que é a CVM? 1. ed. Rio de Janeiro: Comissão de Valores
Mobiliários, 2014b, p. 8
37
exercem importante função na realização da atividade financeira. No caso,
como já se advertiu, os países em desenvolvimento concentram a
intermediação nas instituições bancárias, ou seja, quem precisa de dinheiro
toma emprestado do Banco e quem tem sobra de dinheiro empresta para o
Banco.
No mercado de capitais, a aproximação dos investidores e tomadores de
recursos é realizada de forma direta, uma vez que o resultado da variação do
preço das ações, o valor dos dividendos distribuídos ou a remuneração
convencionada em outros títulos se converterá direta e integralmente a favor
do investidor.85
Por fim, a CVM assim o define:
Conceitua-se o mercado de capitais, portanto, como o segmento do mercado
financeiro em que são criadas as condições para que as empresas captem
recursos diretamente dos investidores, através da emissão de instrumentos
financeiros, com o objetivo principal de financiar suas atividades ou
viabilizar projetos de investimentos.86
Ainda, a CVM assinala que “nas relações que se estabelece nos mercados de capitais,
os investidores, ao emprestarem seus recursos diretamente para as empresas, adquirem títulos,
que representam as condições estabelecidas no negócio, chamados de valores mobiliários.”87
Nesse contexto, Arthur Newlands faz uma importante observação:
No mercado de capitais, os principais títulos negociados são os
representativos do capital de empresas – as ações – ou de empréstimos
tomados, via mercado, por empresas – debêntures (conversíveis ou não em
ações) e commercial papers – que permitem a circulação de capital para
custear o desenvolvimento econômico. O mercado de capitais abrange,
ainda, as negociações com direitos e recibos de subscrição de valores
mobiliários, certificados de depósitos de ações e demais derivativos
autorizados à negociação.
Pelo próprio conceito econômico de capital, não se transacionam neste
mercado direitos e obrigações financeiras. Transacionam-se “pedaços” das
empresas, representados por quotas de participação no capital, ou adquire-se
títulos representativos de direito de crédito contra a empresa. Neste mercado
não se empresta dinheiro: compra-se participação no empreendimento,
através da aquisição de títulos e valores mobiliários (ações, debêntures etc.).
Desta forma, a participação no mercado de capitais pressupõe risco. As
operações neste mercado são de prazos curto, médio, longo e indefinido.
Como em qualquer mercado de títulos, temos no mercado de capitais dois
segmentos: mercado primário e mercado secundário.
Mercado primário – é nele que ocorre a colocação de ações ou outros
títulos, provenientes de novas emissões. As empresas recorrem ao mercado
primário para completar os recursos de que necessitam, visando ao
85
DEL MASSO, op. cit., p. 71. 86
CVM – op. cit., 2014a, p. 35. 87
Ibid.
38
financiamento de seus projetos de expansão ou seu emprego em outras
atividades. Se pretender adquirir ações de emissão nova, ou seja, no mercado
primário, o investidor deverá procurar um banco, uma corretora ou uma dis-
tribuidora de valores mobiliários, que participem do lançamento das ações
pretendidas.
Mercado secundário – no qual ocorre a negociação dos títulos adquiridos
no mercado primário; ou seja: onde o investidor que adquiriu novos títulos
lançados no mercado primário os revende a outro investidor, que os
revenderá posteriormente a outrem, e assim por diante. Para operar no
mercado secundário de ações, é necessário que o investidor se dirija a uma
sociedade corretora ou a uma distribuidora de títulos e valores mobiliários.88
(grifos do autor)
Desse modo, a CVM destaca que “O mercado de capitais tem uma grande importância
no desenvolvimento do país, pois estimula a poupança e o investimento produtivo, o que é
essencial para o crescimento de qualquer sociedade econômica moderna.” 89
Por essa razão, impõe registrar a configuração histórica que demonstra a relevância do
papel desempenhado pelos instrumentos regulatórios da CVM no âmbito do mercado de
valores mobiliários, com a finalidade de garantir o regular funcionamento desse segmento do
sistema financeiro que possui grande influência econômica e social no país. Na década de
1960, o mercado de capitais brasileiro, como já dito anteriormente, recebeu um forte estímulo
por parte do governo, ocasionando uma grande procura por investimento em ações.
Nessa linha, a CVM acrescenta que:
Para regular o mercado de valores mobiliários, função hoje exercida pela
CVM, foi criada a Diretoria de Mercado de Capitais dentro de uma estrutura
do Banco Central. Iniciou-se então uma estruturação desse mercado: a
reformulação da legislação sobre a bolsa, a transformação dos corretores de
fundos públicos em sociedades corretoras, profissionalizando a atividade, e a
criação dos bancos de investimento, a quem foi atribuída a tarefa de
desenvolver a indústria dos fundos de investimento.90
Ocorre que, o mercado de valores mobiliários, ainda incipiente, não foi capaz de
suportar essa exacerbada quantidade de investimentos, formando uma “bolha” na bolsa de
valores, que teve o seu ápice em 1971, acarretando em uma crise avassaladora na bolsa de
valores do Rio de Janeiro, que na época era a maior do país.
Nesse contexto, a CVM destaca que:
88
NEWLANDS JR, op. cit., p. 75-76. 89
CVM, op. cit., 2014a, p. 37. 90
Ibid., 2014a, p. 10-11.
39
Os prejuízos foram grandes: muitos investidores perderam dinheiro,
corretoras fecharam suas portas e a reputação do mercado de ações ficou
manchada por muitos anos.
O quadro de estagnação gerado por essa crise e a tentativa de recuperação do
mercado de capitais acelerou a publicação da lei que criou a CVM e da Lei
das Sociedades por Ações, ambas em 1976.91
Diante disso, é notório que a CVM possui grande importância para a fiscalização,
lisura e regulamentação das relações econômicas exercidas no âmbito do mercado de capitais.
Cumpre mencionar que, na regulação financeira, existem três espécies regulatórias: a
regulação de condutas, a sistêmica e a prudencial. A regulação de condutas centra-se na
atuação dos agentes no mercado em suas relações negociais, criando normas que autorizem ou
proíbam determinadas práticas, operações e estruturas de mercado. Quanto à regulação
sistêmica, esta estabelece uma proteção externa aos riscos, mormente quando se trata de
instituições com elevado grau de integração, como, por exemplo, é o caso das instituições
bancárias. Já a regulação prudencial diz respeito à preservação da estabilidade sistêmica.
Enfrentando a questão, Otávio Yazbeck analisa que:
A CVM vem, cada vez mais, se afirmando como um regulador geral de
condutas nos mercados de instrumentos negociáveis (ou seja, de proteção ao
consumidor), enquanto o BCB, por sua vez, vem se afirmando como um
regulador prudencial e sistêmico (até por ser regulador bancário).92
Portanto, a CVM pauta a sua atividade na disciplina eficaz do mercado de forma a
garantir a proteção do público investidor, assegurando o equilíbrio da atividade financeira
realizada na esfera de sua atuação. Assim, Nelson Eizirik, didaticamente, ensina:
Os objetivos da regulação, orientados pelo interesse público, são os
seguintes: proteção aos investidores; eficiência do mercado; criação e
manutenção de instituições confiáveis e competitivas; evitar a concentração
de poder econômico; impedir a criação de situações de conflito de interesse.
O objetivo mais apontado como fundamental na regulação do mercado de
capitais é o da proteção aos investidores. Com efeito, em praticamente todas
as legislações, o objetivo essencial da regulação do mercado de capitais
consiste na tutela dos investidores, aqueles que aplicam os seus recursos
financeiros nos valores mobiliários emitidos publicamente e negociados no
mercado.
Nesse sentido, a regulação deve promover a confiança dos investidores nas
entidades que emitem publicamente seus valores mobiliários, assim como
naquelas que os intermedeiam ou propiciam os locais ou mecanismos de
negociações, de custódia, compensação e liquidação das operações. Ou seja,
91
CVM, op. cit., 2014a, p. 11. 92
YAZBEK, op. cit., p. 251.
40
os investidores devem poder acreditar que seus retornos em aplicações no
mercado estarão razoavelmente relacionados aos riscos dos investimentos;
que as instituições atuantes apresentam integridade financeira; e que as
informações providas pelas emissoras de valores mobiliários são verazes e
fidedignas.93
Contudo, convém destacar que, apesar de a CVM, no exercício de seu mister, ser
incumbida de manter o funcionamento adequado do sistema, esta não pode suprimir os riscos
por completo, uma vez que tal característica é inerente à atividade financeira. Como
observado a respeito por Nelson Eizirik:
Assim, a regulação pode reduzir os riscos dos investidores, na medida em
que obriga os emissores dos valores mobiliários a divulgar todas as
informações relevantes, assim como veda a utilização de informações
privilegiadas e quaisquer outras práticas fraudulentas ou de manipulação do
mercado.
Tal não significa, porém, que a regulação elimine os riscos, que são da
essência do mercado de capitais; o que ela pode prover é uma redução de
determinados riscos, não dos riscos dos investimentos, mas daqueles
derivados de comportamentos ilícitos.94
Além disso, avulta a importância da proteção ao público investidor, em virtude da
assimetria de informações que é uma característica típica da relação entre os credores ou os
acionistas minoritários e as instituições intermediárias ou os controladores das empresas.
Nesse sentido, Nelson Eizirik assim leciona:
A proteção aos investidores é basicamente provida mediante normas que
regulam a conduta dos emissores de valores mobiliários e dos intermediários
financeiros. Com relação aos emissores, as normas visam especialmente a
exigir a prestação plena e acurada das informações necessárias à avaliação
dos valores mobiliários ofertados e coibir comportamentos ilegais ou
abusivos dos administradores e acionistas controladores. Já com relação aos
intermediários financeiros, objetivam as normas, principalmente: coibir
práticas de manipulação do mercado; eliminar conflitos de interesses;
impedir a discriminação entre seus clientes; e promover tratamento adequado
às necessidades financeiras dos clientes.
Outro objetivo fundamental da regulação é o de fazer com que o mercado
funcione com eficiência. Nesse sentido, vários estudos vêm demonstrando
que a regulação demanda a prestação de um volume maior de informações
do que os emissores de títulos apresentariam em um mercado não regulado.
O aumento na quantidade e qualidade das informações resulta num processo
93
EIZIRIK, Nelson et al. Mercado de Capitais: Regime Jurídico. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 18 94
Ibid., p. 18-19.
41
de formação de preços mais eficiente, bem como na tomada de decisões mais
racionais, com resultados benéficos para a economia.95
Nesse ponto, Alexandre Pinheiro dos Santos, Julya Sotto Mayor Wellisch e José
Eduardo Guimarães Barros ressaltam que:
A confiabilidade e a eficiência são, portanto, requisitos fundamentais para a
existência e para o pleno e regular desenvolvimento do mercado de valores
mobiliários. Aliás, é inclusive em razão disso que o princípio fundamental
que informa a atuação da CVM é o do full and fair disclosure, de inspiração,
como se sabe, norte-americana, e que foi adotado quando da instituição da
nossa inspiradora Securities and Exchange Commission - SEC.96
Ademais, a análise regulatória também se preocupa com a credibilidade das
instituições atuantes no mercado. De acordo com Nelson Eizirik:
O terceiro objetivo da regulação é o de criar e manter instituições não só
financeiramente sólidas, mas também competitivas. Nesse sentido, são
crescentemente utilizadas regras “prudenciais”, que estabelecem,
particularmente para as instituições financeiras, limites mínimos de capital
para que possam operar no mercado, assim como disciplinam os requisitos
de qualificação para os profissionais atuantes no mercado, como é o caso dos
analistas financeiros, por exemplo. A regulação, ao estipular as regras de
funcionamento das instituições, torna-as financeiramente mais hígidas,
levando o mercado a funcionar com uma maior estabilidade institucional.97
As falhas de mercado também podem atingir as posições de poder, gerando distorções.
Nelson Eizirik explica:
Deve ainda a regulação evitar a concentração de poder econômico, capaz de
causar imperfeições ao mercado pela diminuição na competição que
acarreta. Tal concentração pode existir não só entre as entidades emissoras
de valores mobiliários, quando o mercado – particularmente o secundário –
apresenta-se muito centrado em poucos títulos, como também entre os
intermediários financeiros, principalmente quando organizados em poucos
conglomerados financeiros.
Finalmente, também constitui objetivo essencial da regulação evitar os
conflitos de interesse, ou seja, a ocorrência de situações em que os
intermediários financeiros e os acionistas controladores e administradores de
emissoras tenham, em determinadas situações, interesses potencialmente
contrários aos de seus clientes ou acionistas minoritários. [...] Os conflitos de
interesses podem ser evitados mediante: a proibição de quaisquer vendas
“casadas” e a imposição da segregação de atividades nas instituições
95
EIZIRIK, op. cit., p. 19-20. 96
SANTOS, op. cit., p. 15. 97
EIZIRIK, op. cit., p. 21.
42
financeiras (o chamado Chinese wall); a vedação de negócios em que
acionistas controladores ou administradores tenham interesses
potencialmente conflitantes com os da emissora; ou mediante a revelação
(disclousure) da existência de situação de conflito de interesses para o
potencial prejudicado, em cada caso concreto.98
Finalmente, Alexandre Pinheiro dos Santos, Julya Sotto Mayor Wellisch, José
Eduardo Guimarães Barros concluem o pensamento:
Por todo o acima exposto, nota-se que o dinâmico e peculiar setor
econômico regulado pela CVM não pode prescindir de uma regulação ágil e
próxima dos eventos que nele ocorrem. Os acontecimentos deste mercado,
certamente, não poderiam ser adequada e prontamente atendidos apenas por
meio de procedimentos legislativos ordinários e tradicionais.
A importante função reguladora da CVM, desde que exercida
ponderadamente e com fiel observância dos princípios, valores e standards
constitucional e legalmente fixados, entre os quais estão os princípios da
razoabilidade e da proporcionalidade, de modo a atingir resultados eficientes
(para o que, inclusive, concorre positivamente a auto-regulação
propriamente dita), apresenta-se legal, legítima e essencial para o pleno e
regular desenvolvimento do mercado de valores mobiliários, com todas as
óbvias e positivas repercussões não apenas para os seus diversos
participantes, mas também para a economia do país como um todo. 99
Diante disso, resta clara a ampla importância da CVM como agente regulador da
atividade financeira exercida no domínio do mercado de capitais, sobretudo por se mostrar
como uma entidade dotada de competência especializada em matéria empresarial e, portanto,
sendo a mais capaz de disciplinar, regular e fiscalizar o mercado de valores mobiliários.
4.1 COMPETÊNCIA
Nos termos da Lei nº 6.385/76, é competência da CVM disciplinar, fiscalizar e
sancionar as relações instituídas no âmbito do mercado de valores mobiliários, o que inclui as
atividades dos intermediários, das bolsas e das companhias abertas, conforme estabelecido no
art. 1º do aludido diploma legal.
Nesse sentido, Nelson Eizirik ensina que:
O conceito de valor mobiliário é, portanto, o balizador de sua competência,
daí decorrendo que as operações envolvendo esses tipos de títulos ou
contratos serão reguladas e fiscalizadas por essa autarquia. Tal âmbito de
98
EIZIRIK, op. cit., p. 21-22. 99
SANTOS, op. cit., p. 16-17.
43
atuação já foi ampliado em três oportunidades distintas, com a edição as Leis
nº 9.457/1997, 10.198/2001 e 10.303/2001.100
Assim, a Lei 6.385/76, traz em seu art. 2º o rol de valores mobiliários sujeitos ao seu
regime. A esse respeito, Nelson Eizirik, sinteticamente, ressalta que
[...] dentre as reformulações introduzidas, destacam-se: a ampliação do
mercado de valores mobiliários mediante a inclusão de novos títulos e
contratos no conceito de valores mobiliários; a extensão da competência da
CVM; a alteração nos procedimentos administrativos por ela instaurados; e a
modificação de sua estrutura. 101
Seguindo esse entendimento, Otávio Yazbeck acrescenta que:
O campo de atuação desta nova autarquia era delimitado pela definição de
valor mobiliário, constante do art. 2º da Lei nº 6385/76, que àquela época
englobava “as ações, partes beneficiárias, e debêntures, os cupões desses
títulos e os bônus de subscrição” (inciso I), “os certificados de depósitos de
valores mobiliários” (inciso II) e “outros títulos criados ou emitidos pelas
sociedades anônimas, a critério do Conselho Monetário Nacional” (inciso
III). A relação aos poucos foi alargada, por ato do CMN ou por força de lei
(sempre que, por qualquer motivo, não se tratava de um daqueles títulos que
o CMN poderia pura e simplesmente declarar como valores mobiliários),
abrangendo novos títulos.102
A par disso, a CVM apresenta o conceito de valores mobiliários:
São valores mobiliários, quando ofertados publicamente, quaisquer títulos ou
contratos de investimentos coletivos que gerem direito de participação de
parceria ou remuneração, inclusive resultante da prestação de serviços, cujos
rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros.103
Do cotejo da Lei nº 6.385/76, a atuação da CVM abrange, nos termos do art. 8º, a
regulamentação das matérias expressamente previstas nesta Lei e na Lei de sociedades por
ações, a administração dos registros instituídos por esta Lei, a fiscalização permanentemente
das atividades e dos serviços do mercado de valores mobiliários, bem como a veiculação de
informações relativas ao mercado, às pessoas que dele participem, e aos valores nele
100
EIZIRIK, op. cit., p. 245. 101
Ibid., p. 242. 102
YAZBEK, op. cit., p. 263. 103
CVM, op. cit., 2014a, p. 70.
44
negociados, entre outros. Em suma, os agentes que exercem atividades que se enquadram no
rol do art. 8º e operam com valores mobiliários serão regulados e fiscalizados pela CVM.104
Como a CVM didaticamente explica:
Portanto, para garantir o funcionamento adequado do mercado, as
instituições e pessoas que negociam, emitem, guardam e avaliam os valores
mobiliários, os chamados “Participantes do Mercado”, também fazem parte
do sistema regulado.
Entre os principais participantes que têm suas atividades disciplinadas pelas
bolsas de valores, as corretoras e distribuidoras, as centrais depositárias, os
agentes de custódia, os bancos de investimento, os administradores e
gestores de fundos, os auditores independentes que atuam nessa área, os
analistas e consultores de valores mobiliários e os agentes autônomos de
investimento. 105
Dessa forma, conforme estabelece o art. 4º da Lei nº 6.385/76, a CVM tem como
principais competências:
Regulamentar as matérias expressamente previstas nas Leis 6.385/76
(Lei da Sociedade por Ações).
Realizar atividades de credenciamento, registro e fiscalização de
auditores independentes, administradores de carteiras, analistas e consultores
de valores mobiliários, agentes autônomos, entre outros;
Fiscalizar e inspecionar as companhias abertas, os fundos de
investimento e demais atividades e serviços do mercado de valores
mobiliários;
Apurar, mediante inquérito administrativo, atos ilegais e práticas não-
equitativas de administradores de companhias abertas e de quaisquer
participantes do mercado de valores mobiliários, aplicando as penalidades
previstas em lei;106
Impende destacar, ainda, no que diz respeito à estrutura da CVM, a competência
material e técnica. Quanto à primeira, em virtude de ser um órgão colegiado, não há
hierarquia entre os diretores e o presidente da CVM no cômputo dos votos concernentes às
deliberações levadas à sua apreciação, salvo em caso de empate, momento em que o voto do
presidente torna-se decisivo. Já a competência técnica define a área de atuação de cada
superintendência especializada. Nesse tocante, vale referir a citação de Nelson Eizirik que
minudencia:
104
EIZIRIK, op. cit., p. 246. 105
CVM, op. cit., 2014b, p. 10. 106
CVM, op. cit., 2014a, p. 61.
45
O corpo técnico da CVM está dividido nas seguintes superintendências
especializadas: Superintendência Geral (SGE); Superintendência de
Relações com Empresas (SEP); Superintendência de Relações Internacionais
(SRI); Superintendência de Fiscalização Externa (SFI); Superintendência de
Normas Contábeis e Auditoria (SNC); Superintendência de Relações com
Investidores Institucionais (SIN); Superintendência de Desenvolvimento de
Mercado (SDM); Superintendência Administrativo-Financeira (SAD);
Superintendência de Informática (SSI); Superintendência de Relações com o
Mercado e Intermediários (SMI); Superintendência de Registros de Valores
Mobiliários (SER); Superintendência de Proteção e orientação aos
Investidores (SOI); Superintendência de Planejamento (SPL);
Superintendência Regional de Brasília (SRB) e Superintendência Regional
de São Paulo (SRS). Além desses órgãos, a CVM possui também Ouvidoria
(OUV)), Assessoria de Comunicação Social (ASC), Assessoria Econômica
(ASE) e Auditoria Interna (AUD).107
Por fim, cumpre dizer, que a as regras de competências encontram-se insertas em
dispositivos esparsos, além dos mencionados nessa seção, que serão abordados no próximo
subcapítulo.
4.2 FUNÇÕES DA COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS
De início, importa observar que a CVM atua de forma preventiva e repressiva,
podendo evitar a prática de um ilícito por meio da adoção de instrumentos regulatórios que
coíbem determinadas condutas, bem como pode agir de forma a punir os agentes que
infringirem as normas estabelecidas.
A esse respeito, Otavio Yazbeck complementa:
A expressão regulação engloba atividades estatais que vão da criação de
normas, passando pela sua implementação por meio de determinados atos
administrativos e pela fiscalização do seu cumprimento, até e a punição dos
infratores. O regulador exerce um poder normativo, um poder executivo e
um poder “parajudicial”.108
De acordo com a CVM, essas são algumas de suas atribuições:
Estimular a formação de poupança e a sua aplicação em valores
mobiliários;
Promover a expansão e o funcionamento eficiente e regular do
mercado de ações e estimular as aplicações permanentes em ações do capital
social de companhias abertas sob controle de capitais privados nacionais;
107
EIZIRIK, op. cit., p. 244. 108
YAZBEK, op. cit., p. 180.
46
Assegurar o funcionamento eficiente e regular dos mercados de bolsa
e de balcão;
Proteger os titulares de valores mobiliários e os investidores do
mercado contra emissões irregulares de valores mobiliários, contra atos
ilegais de administradores e acionistas de companhias abertas, ou de
administradores de carteira de valores mobiliários e contra o uso de
informação relevante não divulgada no mercado de valores mobiliários; Evitar ou coibir modalidades de fraude ou manipulação destinadas a criar
condições artificiais de demanda, oferta ou preço dos valores mobiliários negociados
no mercado;
Assegurar o acesso do público a informações sobre os valores mobiliários
negociados e as companhias que os tenham emitido;
Assegurar a observância de práticas comerciais equitativas no mercado de
valores mobiliários; e
Assegurar a observância no mercado, das condições de utilização de crédito
fixadas pelo Conselho Monetário Nacional.109
Por esta razão, a CVM emite os seguintes atos normativos:
Instrução: regulamenta matérias expressamente previstas nas Leis nº
6.385/76 e 6.404/76;
Deliberação: consubstancia todos os atos de competência do
Colegiado;
Parecer: responde à consulta específica formulada por agentes do
mercado, investidores ou por componentes integrantes da própria CVM;
Parecer de Orientação: corporifica o entendimento da CVM sobre
matéria regulatória, fornecendo orientação sobre o assunto;
Nota explicativa: torna públicos os motivos que levaram a CVM a
baixar a norma ou fornece explicações sobre a utilização dos atos por ela
emitidos;
Portaria: envolve aspectos da administração interna da CVM;
Ato Declaratório: documento através do qual a CVM credencia ou
autoriza o exercício de atividades no mercado de valores mobiliários.110
Em vista disso, será abordado de forma pormenorizada os principais instrumentos
regulatórios utilizados pela CVM.
4.2.1 Função normativa
Conforme bem observa Nelson Eizirik “a regulação de determinada atividade importa
o estabelecimento de limites à atuação dos agentes econômicos, que inexistem quando o
mercado é inteiramente livre.”111
109
CVM, op. cit., 2014a, p. 60-61. 110
CVM, op. cit., 2014b, p. 28-29. 111
EIZIRIK, op. cit., p. 13.
47
Portanto, nota-se que, para alcançar os fins previstos, a CVM se utiliza de mecanismos
de mercado. Conforme Leonardo Vizeu Figueiredo ensina que:
Mecanismos de mercado são todos os atos de cunho empresarial e societário,
dos quais podem se valer os agentes econômicos para garantir a sua
permanência saudável em seus respectivos nichos econômicos, em respeito
ao devido processo competitivo e às regras e normas do direito
concorrencial.112
Nesse sentido, Nelson Eizirik complementa que
[...] as normas poderão ser tidas como reguladoras na medida em que
limitem a liberdade dos participantes do mercado, quer quanto à conduta,
quer quanto aos bens negociados. A regulação pode ocorrer de modo
voluntário ou contratual, quando é usualmente denominada “auto-
regulação”, uma vez que estabelecida pelos próprios agentes econômicos; ou
de modo jurídico, quando contida em normas legais ou regulatórias, que
caracterizam uma intervenção do Estado na economia, não como empresário,
mas como agente regulador113
Com efeito, releva acentuar que, no âmbito do mercado de capitais, a CVM, em
algumas atividades, adota a autorregulação com o fito de descentralizar o poder normativo e
fiscalizatório. Tais normas são produzidas por meio de uma maior contribuição do mercado
na sua elaboração, gerando, por via de consequência, um aumento da sua observância e a
diminuição da atuação do órgão regulador, que passa a atuar de forma residual, além de
reduzir os custos dessa atividade regulatória.
Nesse campo, a CVM ressalta que:
A autorregulação está fundamentada nos seguintes pressupostos:
A ação eficaz do órgão regulador sobre os participantes do mercado
de valores mobiliários implica em custos excessivamente altos
quando se busca aumentar a eficiência e abrangência dessa ação.
Uma entidade reguladora, pela sua proximidade das atividades do
mercado e melhor conhecimento das mesmas, dispõe de maior
sensibilidade para avalia-las e normatizá-las, podendo agir com
maior celeridade e a custos moderados.
A elaboração e o estabelecimento, pela própria comunidade, das
normas que disciplinam suas atividades fazem com que a aceitação
dessas normas aumente e a comunidade se sinta mais responsável no
seu cumprimento, diminuindo a necessidade de intervenção do órgão
regulador. 114
112
FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Lições de Direito Econômico. 7. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 134. 113
EIZIRIK, op. cit., p. 13-14. 114
CVM, op. cit., 2014a, p. 65.
48
Dessa forma, no que se refere ao exercício do poder regulamentar, este “se dá com
vistas à efetividade e à qualidade da informação. O art. 22 da nº Lei 6.385/76 e o art. 157 da
Lei 6.404/76 são, possivelmente, as regras legais mais destacadas nesse campo.” 115
O
primeiro art. mencionado estabelece, entre outras coisas, que a CVM regule as companhias
abertas no tocante à natureza das informações que devam divulgar e a periodicidade da
informação. Por outro lado, o art. 157 impõe o dever de informação aos administradores das
companhias abertas, que deverão comunicar as deliberações da assembleia-geral ou dos
órgãos de administração da companhia, bem como sobre fato relevante ocorrido nos negócios
da empresa, que possa influir, de modo ponderável, na decisão dos investidores do mercado
de vender ou comprar valores mobiliários de emissão da companhia.
Cumpre mencionar, a título de exemplo, que a Instrução da CVM nº 202/93 cuida das
informações periódicas e eventuais que as companhias abertas devem prestar, conforme
disposto, respectivamente, nos arts. 16 e 17116
. Vale trazer à colação também a Instrução nº
358/2002, que entre outras disposições, nos termos do art. 1º, trata da divulgação e uso de
informações sobre ato ou fato relevante, a divulgação de informações na negociação de
valores mobiliários de emissão de companhias abertas por acionistas controladores, diretores,
membros do conselho de administração, do conselho fiscal e de quaisquer órgãos com
funções técnicas ou consultivas, criados por disposição estatutária, e, ainda, na aquisição de
lote significativo de ações de emissão de companhia aberta, e a negociação de ações de
companhia aberta na pendência de fato relevante não divulgado ao mercado.
Em suma, a função regulatória da CVM tem como fundamentos basilares:
Interesse Público – A transferência direta de recursos entre os
investidores e os agentes econômicos é indispensável à contínua formação
de capital, estimulando o processo produtivo e contribuindo positivamente
para o crescimento do país. Com uma posição central no sistema, impactando inclusive naqueles que dele não
participam diretamente, o mercado de valores mobiliários e os fundamentos e
princípios que o regem devem ser sempre norteados pelo interesse público.
Confiabilidade- A existência e o desenvolvimento do mercado
dependem da confiança que seus diversos protagonistas depositam no
sistema. Um funcionamento impessoal e justo, com uma atuação idônea dos
agentes sem a existência de privilégios que sejam contra o interesse geral,
115
RINDADE, Marcelo F. O papel da CVM e o Mercado de Capitais no Brasil. In: JAIRO SADDI (org.).
Fusões e aquisições: aspectos jurídicos e econômicos. São Paulo: IOB, 2002, p. 311. 116
Instrução CVM nº. 202/93- Art. 16. A companhia deverá prestar, na forma do artigo 13, desta Instrução, as
seguintes informações periódicas, nos prazos especificados. [...]
Art. 17. A companhia deverá prestar, na forma do artigo 13 desta Instrução, as seguintes informações eventuais,
nos prazos especificados. [...].
49
permite a atração e permanência dos investidores, garantindo um crescente
volume de recursos direcionados a esse mercado.
Mercado Eficiente- É a característica de um mercado livre a sua
capacidade de atuar como mecanismo apto a direcionar a poupança da
sociedade aos projetos econômicos mais adequados a suas expectativas, com
a maior eficiência possível.
Ou seja, um mercado em que os investidores possam encontrar as
oportunidades com as melhores rentabilidades, considerando os mesmos
níveis de riscos, e que as transferências dos recursos sejam realizadas com o
menor custo possível.
Competitividade- A eficiência do mercado depende do grau de
competição que se estabeleça entre os seus participantes. A competição
saudável, que estimula a criatividade dos participantes e influencia
positivamente o desenvolvimento do mercado deve ser preservada pela
regulação.
Mercado Livre- A liberdade de atuação no mercado e de acesso a seus
mecanismos é pré-condição de existência de um mercado capaz de
desempenhar adequadamente o seu papel. No processo de regulação e
desenvolvimento do mercado de valores mobiliários, deve estar sempre
presente o respeito à livre atuação das forças de mercado, de forma a
promover a competitividade e um ambiente eficiente e confiável.
Proteção ao investidor- Mais do que manter um mercado equitativo,
transparente e confiável, é preciso dar atenção especial ao investidor
individual, que demanda proteção especial em razão de seu menor poder
econômico, resguardando seus interesses no relacionamento com as
instituições e companhias. Essa proteção, entretanto, não deve distorcer as
características de risco inerente às aplicações em valores mobiliários.117
Nas palavras da CVM, “esses cuidados são indispensáveis à eficiência do processo
normativo”.118
Portanto, a regulação da CVM é composta por um conjunto de fundamentos e
princípios que direcionam a atividade regulatória.
4.2.2 Função consultiva
Com fulcro no art. 13 da Lei nº 6.385/1976, a CVM possui competência para
manifestar o seu entendimento, podendo “exercer atividade consultiva ou de orientação junto
aos agentes do mercado de valores mobiliários ou a qualquer investidor.”
Como Paulo Cesar Aragão bem observa:
[...] agiganta-se o papel da CVM, especialmente em função de algumas
características muito peculiares da Lei no. 6.385, que a instituiu:
reconhecendo o grande desconhecimento prevalecente há 30 anos acerca do
mercado de valores mobiliários, foi atribuída à CVM uma “atividade
consultiva ou de orientação” que não é inerente aos órgãos reguladores.
117
CVM, op. cit., 2014b, p. 12-13 118
CVM, op. cit., 2014a, p. 63.
50
Recentemente, a reforma da lei societária tornou esta função ainda mais
clara, permitindo que a CVM analise propostas de deliberação societária e
comunique à companhia, antecipadamente, as “razões pelas quais entende
que a deliberação proposta à assembléia viola dispositivos legais ou
regulamentares”. (Lei no. 6.404/76, art. 124, § 5º, com a redação da Lei no.
10.303/01.)
Esta atividade consultiva tem sido exercida com grande competência pela
autarquia, mas gera um curioso paradoxo: a reclamação do investidor junto à
CVM (ao contrário do que sucede com o socorro do Poder Judiciário) não
exige defesa técnica, não envolve tampouco encargos de sucumbência, é
extremamente rápida, altamente especializada e – por isto mesmo – tem
inconteste autoridade.
Isto tudo leva a um entendimento generalizado no mercado de que é melhor
e mais eficiente postular perante a CVM do que junto ao Poder Judiciário: a
decisão da CVM, expressando o que às vezes é identificado como a
“manifestação de entendimento” da autarquia, poderá ser conhecida em
poucas semanas, no máximo, e não em anos, com todas as outras vantagens
acima referidas. 119
Assim, o requerimento de manifestação de entendimento da CVM apresentado por
qualquer participante confere segurança ao mercado, bem como contribui com a melhor
prestação jurisdicional, mormente nas complexas questões de cunho empresarial levadas ao
Poder Judiciário, posto que as manifestações são proferidas por áreas técnicas especializadas
da CVM.
4.2.3 Função fiscalizatória
A função da CVM que visa fiscalizar as condutas praticadas no âmbito do mercado de
valores mobiliários tem como fundamento o exercício do poder de polícia a ela outorgado,
atuando de forma a limitar a liberdade individual em detrimento do interesse público.
Conforme disposto no art. 9º da Lei nº 6.385/1976, a CVM poderá, entre outros
encargos, examinar e extrair cópias de registros contábeis, livros ou documentos; intimar a
prestar informações, ou esclarecimentos, sob cominação de multa, sem prejuízo da aplicação
das penalidades previstas no art. 11; requisitar informações de qualquer órgão público,
autarquia ou empresa pública; determinar às companhias abertas que republiquem, com
correções ou aditamentos, demonstrações financeiras, relatórios ou informações divulgadas;
aplicar aos autores das infrações indicadas no inciso anterior as penalidades previstas no art.
11, sem prejuízo da responsabilidade civil ou penal.
Por sua vez, Nelson Eizirik destaca que:
119
ARAGÃO, Paulo Cezar. A CVM em juízo: Limites e possibilidades. Rio de Janeiro, 3. Mar. 2006, p. 5-6.
51
No exercício do poder fiscalizatório da CVM, a Superintendência de
Fiscalização Externa (SFI) exerce papel preponderante, realizando inspeções
nas entidades integrantes do mercado de valores mobiliários e instruindo os
inquéritos administrativos.120
Portanto, o poder fiscalizatório da CVM possibilita “averiguar fatos, investigando-os,
e impor condutas com o objetivo de prevenir ou reprimir danos aos investidores.”121
4.2.4 Função sancionatória
O poder sancionador da CVM tem como fundamento o art. 11 da Lei nº 6.385/76122
,
que lhe confere a competência de aplicar penalidades aos infratores desta Lei e da Lei de
Sociedade por ações.
De acordo com o Parecer de Orientação CVM nº 6 de 28 de abril de 1980, o processo
sancionador tem dois momentos distintos, a saber: inquérito e contraditório. Assim inserto:
A CVM adotou, segundo ficou claro em diversas ocasiões, o reconhecimento
da existência de uma fase de investigação, denominada inquérito, e de uma
fase contraditória, que se inicia pela intimação daquelas pessoas físicas ou
jurídicas cuja responsabilidade pelos atos ilegais ou práticas não eqüitativas
efetivamente apurados se vier a verificar, para apresentação da defesa.
Além disso, o processo administrativo no âmbito da CVM pode se desenvolver sob o
rito ordinário ou sumário. O primeiro regido pela Resolução do CMN nº 454/1977 e pela
Deliberação nº 457/2002 – com as alterações das Deliberações CVM nº 470/2004, 486/2005,
490/2005, 504/2006, 514/2006 e 523/2007. Já o segundo é regulamentado pela Resolução
CMN nº1.657/1989, com as alterações introduzidas pela Resolução CMN nº 2.785/200, e pela
Instrução CVM nº 251/1996, com as modificações introduzidas pela Instrução CVM nº
335/2000.123
No que diz respeito ao rito ordinário, em um primeiro momento, as áreas técnicas da
CVM apuram indícios de autoria e materialidade dos atos reputados ilegais. Haverá
instauração de inquérito caso haja a necessidade de investigação de elementos suficientes para
120
EIZIRIK, op. cit., p. 260. 121
Ibid., p. 259. 122
BRASIL. Lei 6385/76 - Art. 11. A Comissão de Valores Mobiliários poderá impor aos infratores das normas
desta Lei, da lei de sociedades por ações, das suas resoluções, bem como de outras normas legais cujo
cumprimento lhe incumba fiscalizar, as seguintes penalidades. 123
EIZIRIK, op. cit., p. 272.
52
ensejar a elaboração do termo de acusação, sendo designada uma Comissão de Inquérito. Tal
Comissão deverá elaborar um relatório, do qual deverão constar, nos termos do art. 3º, da
Deliberação nº 457/2002:
I – nome e qualificação dos acusados; II – narrativa dos fatos investigados
que demonstre a materialidade das infrações apuradas; III – análise de
autoria das infrações apuradas, contendo a individualização da conduta dos
acusados, fazendo-se remissão expressa às provas que demonstrem sua
participação nas infrações apuradas; e IV – os dispositivos legais ou
regulamentares infringidos.
Nos termos do art. 7º da Deliberação nº 457/2002, “a Comissão de Inquérito proporá
ao Superintendente Geral o arquivamento do inquérito sempre que não obtiver provas
suficientes para formular a acusação, ou se convencer da inexistência de infração”.
Na hipótese de os elementos de autoria e materialidade da infração serem suficientes
para o oferecimento de termo de acusação por um Superintendente, será dispensada a
constituição de Comissão de Inquérito, conforme previsto no art. 4º da Deliberação nº
457/2002.
Nesse ponto, Nelson Eizirik esclarece que “a peça acusatória deve apresentar todos os
requisitos considerados indispensáveis à caracterização do ilícito, aplicando-se
analogicamente o disposto no art. 41 do Código de Processo Penal.”124
Isto é, deverá conter a
exposição minuciosa do fato, com todas as circunstâncias, assim como a classificação do
crime.
Em sequência, a Procuradoria Federal Especializada (PFE) emitirá parecer sobre o
Termo de Acusação. Se a procuradoria verificar a ausência de um dos requisitos necessários à
formulação do termo de acusação, previsto no supramencionado art. 3º, o Superintendente
poderá arquivar o processo.
Posteriormente, os autos serão encaminhados para a Coordenação de Controle de
Processo Administrativo (CCP), que providenciará a intimação dos acusados para
apresentação de defesa, devendo conter a advertência de que o acusado poderá propor a
celebração de termo de compromisso conforme disposto no art. 9º, caput e §1º da Deliberação
nº 457/2002.
Nesse tocante, o art. 8º da Deliberação nº 390/2001, com as alterações introduzidas
pelas Deliberações nº 486/05 e 657/11, estabelece que:
124
EIZIRIK, op. cit., p. 274.
53
Art. 8º - Após ouvida a Procuradoria Federal Especializada, o
Superintendente-Geral submeterá a proposta de termo de compromisso ao
Comitê de Termo de Compromisso, que deverá apresentar parecer sobre a
oportunidade e a conveniência na celebração do compromisso, e a adequação
da proposta formulada pelo acusado, propondo ao Colegiado sua aceitação
ou rejeição, tendo em vista os critérios estabelecidos no art. 9º
De acordo com os arts 24 e 25 da Deliberação nº 457/2002, o processo será julgado
pelo Colegiado, em sessão pública, podendo ser restringido o acesso de terceiros em função
do interesse público envolvido. A sessão será presidida pelo Presidente da CVM ou, na sua
ausência ou impedimento, por qualquer Diretor, e somente realizar-se-á com a presença de no
mínimo três membros do Colegiado.
Nelson Eizirik acrescenta que:
A decisão proferida será publicada no Diário Oficial da União, na forma de
ementa, contendo seus fundamentos, a identificação das partes e as
penalidades aplicadas. Ao acusado será dado conhecimento por escrito, da
decisão para, querendo, em petição encaminhada à CVM, recorrer no prazo
de 30 (trinta) dias a contar da ciência da decisão, ao Conselho de Recursos
do Sistema Financeiro Nacional.125
Por fim, nos termos do art. 11 da Lei nº 6.385/76, a CVM poderá impor aos infratores
as seguintes penalidades:
I - advertência;
II - multa;
III - suspensão do exercício do cargo de administrador ou de conselheiro
fiscal de companhia aberta, de entidade do sistema de distribuição ou de
outras entidades que dependam de autorização ou registro na Comissão de
Valores Mobiliários;
IV - inabilitação temporária, até o máximo de vinte anos, para o exercício
dos cargos referidos no inciso anterior;
V - suspensão da autorização ou registro para o exercício das atividades de
que trata esta Lei;
VI - cassação da autorização ou registro indicados no inciso anterior.
VI - cassação de autorização ou registro, para o exercício das atividades de
que trata esta Lei;
VII - proibição temporária, até o máximo de vinte anos, de praticar
determinadas atividades ou operações, para os integrantes do sistema de
distribuição ou de outras entidades que dependam de autorização ou registro
na Comissão de Valores Mobiliários;
VIII - proibição temporária, até o máximo de dez anos, de atuar, direta ou
indiretamente, em uma ou mais modalidades de operação no mercado de
valores mobiliários.
125
EIZIRIK, op. cit., p. 277.
54
Por derradeiro, vale consignar que a Lei nº 6.385/76 prevê como crime contra o
mercado de capitais: a manipulação do mercado, o uso de informações privilegiadas e o
exercício irregular de cargo, profissão, atividade ou função, determinados pelos arts. 27-C,
27-D, 27-E.126
No caso da utilização de informação privilegiada, Leonardo Vizeu ensina que:
A Lei de Sociedades Anônimas, ao tratar dos deveres de lealdade e de
prestar informações, por parte dos administradores e pessoas a eles
equiparados, implicitamente emitiu o conceito de insider. Da mesma forma
procedeu a Lei nº 6.385/1976, quando estabeleceu que a CVM expedirá
normas, aplicáveis à companhia aberta, sobre informações que devem ser
prestadas por administradores e acionistas controladores.
Com efeito, do texto de tais dispositivos pode-se concluir, sem qualquer
dúvida que o legislador brasileiro admitiu como insider, nos termos da
definição doutrinária de início enunciada, as seguintes pessoas que, em razão
de sua posição, têm acesso a informações capazes de influir de modo
ponderável na cotação dos valores mobiliários de emissão da companhia:
a) Administradores, conselheiros e diretores da companhia;
b) Membros de quaisquer órgãos, criados pelo estatuto da companhia,
com funções técnicas ou destinadas a aconselhar os administradores;
c) Membros do Conselho Fiscal;
d) Subordinados das pessoas acima referidas;
e) Terceiros de confiança dessas pessoas; e
f) Por acionistas controladores.
Por sua vez, são estabelecidas, via de regra, as seguintes condutas para
regulação do insider: a) proibição do uso de informação privilegiada [...], b)
divulgação das informações referentes atos e fatos relevantes [...]; c) vedação
à prática de determinadas operações do mercado [...]; d) obrigatoriedade da
apresentação periódica de relatórios [...].127
Do ponto de vista específico desse estudo, convém salientar o caso amplamente
divulgado nos veículos midiáticos, abordado outra vez mais recentemente, sobre o empresário
Eike Batista. De início, releva destacar que a CVM possui processos administrativos em face
do empresário, para fins de investigação de ilícitos praticados nas empresas “X”. Para a
126
BRASIL. Lei 6385/76- 27-C- Realizar operações simuladas ou executar outras manobras fraudulentas, com a
finalidade de alterar artificialmente o regular funcionamento dos mercados de valores mobiliários em bolsa de
valores, de mercadorias e de futuros, no mercado de balcão ou no mercado de balcão organizado, com o fim de
obter vantagem indevida ou lucro, para si ou para outrem, ou causar dano a terceiros;
27- D- Utilizar informação relevante ainda não divulgada ao mercado, de que tenha conhecimento e da qual deva
manter sigilo, capaz de propiciar, para si ou para outrem, vantagem indevida, mediante negociação, em nome
próprio ou de terceiro, com valores mobiliários:
Art. 27-E. Atuar, ainda que a título gratuito, no mercado de valores mobiliários, como instituição integrante do
sistema de distribuição, administrador de carteira coletiva ou individual, agente autônomo de investimento,
auditor independente, analista de valores mobiliários, agente fiduciário ou exercer qualquer cargo, profissão,
atividade ou função, sem estar, para esse fim, autorizado ou registrado junto à autoridade administrativa
competente, quando exigido por lei ou regulamento. 127
FIGUEIREDO, op. cit., p. 274-275.
55
análise feita nesse estudo serão abordados apenas dois destes, a saber: o que trata da MPX
(empresa da área de energia) e a OGX (empresa no ramo de petróleo).
No processo administrativo sancionatório nº RJ 2013/10909128
, apurou-se a
responsabilidade de Eike Batista, na qualidade de acionista controlador da empresa MPX,
pela não divulgação de fato relevante, com fundamento no art. 6º, parágrafo único, da
Instrução da CVM nº 358/2002, que se encontra em consonância com o art. 157, § 5º da Lei
nº 6.404/76, ao estabelecer que “os atos ou fatos relevantes podem, excepcionalmente, deixar
de ser divulgados se os acionistas controladores ou os administradores entenderem que a sua
revelação porá em risco interesse legítimo da companhia”. Em recente sessão de julgamento,
em 18 de março de 2015, foi proferida a decisão no sentido de aplicar ao acusado a
penalidade de multa pecuniária no valor de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais). O voto da
Diretora-relatora foi acompanhado pelos membros do colegiado, sendo decidida a aplicação
da sanção por unanimidade, com fundamento no art. 11 da Lei nº 6.385/76 e por infração ao
parágrafo único do art. 6º, da Instrução CVM nº 358/2002. O entendimento foi de que as
exceções previstas no parágrafo único do art. 6º da referida instrução, oscilação atípica na
cotação e volume das ações e vazamento de informação, não foram demonstrados de forma
contundente pelo acusado, conforme destacado no anexo I, o que viola o dever de informação
ao mercado, uma vez que:
[...] No entanto, diante de um vazamento (ou oscilação atípica), o interesse
do mercado de obter informações verdadeiras, claras e precisas se sobrepõe
aos interesses da companhia de manter certas informações em sigilo. Só
desta maneira se assegura o adequado funcionamento do mercado de valores
mobiliários e a simetria informacional entre os diversos agentes.129
Com efeito, no que tange a sanção cominada, a Lei nº 6.385/76, dispôs em seu
parágrafo 1º do art. 11, que a multa não pode exceder o valor de R$ 500.000,00 (quinhentos
mil reais), o que foi observado pela CVM na decisão da aplicação dessa forma de penalidade.
O processo sancionatório nº RJ 2014/0578130
, foi instaurado com o fito de apurar a
responsabilidade de Eike Batista, na qualidade de acionista controlador e presidente do
Conselho de Administração da OGX Petróleo e Gás Participações S.A., pelo descumprimento
do dever de lealdade à companhia e manutenção de reserva sobre os seus negócios, bem como
pela prática de manipulação de preços, com fundamento, respectivamente, no art. 155, §1º, da
128
Anexo I. 129
Anexo I, parágrafo 22 do voto. 130
Anexo II. Disponível em: <http://sistemas.cvm.gov.br/?PAS>.
56
Lei nº 6.404/76, combinado com o art. 13, caput, da Instrução CVM nº 358/02 e, pelo inciso
II, "b", e vedada pelo inciso I, ambos da Instrução CVM nº 08/79 conforme ementa do
referido processo. Contudo, este ainda se encontra em trâmite perante a CVM.
Além disso, acerca da empresa supramencionada, o Ministério Público Federal
também ofereceu denúncia em face do empresário Eike Batista pelos crimes contra o mercado
de capitais, especificamente: os de manipulação de mercado e uso privilegiado de
informações, consubstanciados, respectivamente, no art. 27-C e 27-D da Lei 6.385/76131
. No
que diz respeito ao crime previsto no art. 27-C, o Parquet argumenta ter havido divulgação de
informações inverídicas acerca do comprometimento do empresário em cumprir uma cláusula
contratual, denominada de cláusula “put”, que importaria na aplicação de vultosos recursos na
empresa OGX, uma vez que havia a previsão contratual de inviabilidade de execução da
cláusula “put” em face do acionista controlador na hipótese de alteração do plano de negócios
referentes à exploração dos campos de petróleo, conforme salientado à fl.4, nota 8 da peça de
denúncia, ressaltando que o denunciado já tinha conhecimento sobre a inexistência da
prospecção anunciada nos campos de exploração de petróleo de Tubarão Tigre, Tubarão Gato
e Tubarão Areia.
Quanto à conduta delituosa prevista no art. 27-D, insider trading, a qual os
Procuradores Gerais da República, em sua peça de denúncia, tiveram o cuidado de explicar o
significado do termo à fl. 5, nota de rodapé nº 12, do anexo III, esta teria ocorrido em duas
ocasiões distintas, sendo a primeira configurada quando da omissão do denunciado a
informações referentes às conclusões técnicas e financeiras da empresa contratada e as
análises proferidas pela própria empresa, os quais demonstravam inviabilidade para
exploração dos campos petrolíferos. O segundo momento teria ocorrido quando o denunciado
promoveu a venda de um volume acentuado de ações, o que lhe gerou lucro indevido.
Como bem destaca o MPF:
De fato, os delitos que lhe são imputados – artigos 27-C e 27-D, ambos da
Lei 6.385/76, têm por bem jurídico tutelado, precipuamente, a estabilidade,
integridade, transparência e confiabilidade do mercado de capitais, interesse
indisponível, impregnado de inquestionável relevância social.132
Portanto, como se infere dos casos concretos acima expostos, a tutela da informação
no mercado de capitais é de extrema relevância, demandando ampla vigilância por parte da
131
Anexo III. 132
Ministério Público Federal. Petição de requerimento de arresto. fls. 1 e 2.
57
CVM. Requer, ainda, maior atenção a figura do insider trading133
, que utiliza informações
relevantes, para negociar seus valores mobiliários, antes desta se tornar de conhecimento
público, haja vista ser uma conduta criminosa, que gera grande prejuízo a ser suportado pelo
mercado de ações.
133
“Em termos puramente doutrinários, ignorando-se, portanto, a legislação vigente em cada país, insider, em
relação à determinada companhia, é toda pessoa que, em virtude de fatos circunstanciais, tem acesso a
“informações relevantes” relativas aos negócios e situação da companhia. Informações relevantes,
doutrinariamente, são aquelas que podem influir de modo ponderável na cotação dos valores mobiliários de
emissão da companhia, afetando a decisão dos investidores de vender, comprar ou reter esses valores.”
(FIGUEIREDO, 2014, p.724)
58
CONCLUSÃO
A evolução da forma como o Estado tem se relacionado com o dinamismo da
atividade econômica reflete a necessidade da tutela estatal a fim de garantir o funcionamento
regular do mercado e, por via de consequência, a proteção da sociedade, posto que o objetivo
fundamental da intervenção estatal, na modalidade regulatória, se volta para assegurar e
manter credibilidade e eficiência do mercado de capitais, bem como a defesa do interesse
público.
A titularidade do Estado como agente normativo e regulador da economia é conferido
pela Constituição Federal de 1988, com fulcro no art. 174, determinando que a ordem
econômica seja um instrumento da ordem social, em razão deste ter a capacidade de promover
o desenvolvimento equilibrado do país e a servir aos interesses da coletividade.
Dentro desse contexto, ganha importância o exame dos institutos das agências
reguladoras, surgidos mais recentemente na seara do direito administrativo, com a
prerrogativa do poder regulamentar, que lhe confere a competência para editar atos para
complementar as leis, ante a especificidade do seu campo de atuação. Ressalte-se, que a elas
se impõe o dever de observância aos limites previstos na Magna Carta, nas leis que as
instituíram e, de forma específica para a CVM, nas diretrizes proferidas pelo Conselho
Monetário Nacional.
Examinando o caso particular da CVM, esta foi criada para regular o setor do mercado
de capitais, tendo em vista a necessidade da criação de um órgão especializado, diante da crise
histórica que perpassou o mercado de capitais, possuindo como atribuições principais a
atividade consultiva, normativa, fiscalizatória e sancionatória.
O exercício do poder regulamentar da CVM se fundamenta na regulação prévia, de
modo que os participantes do mercado avaliem e se manifestem durante o processo de
elaboração normativo. Diante disso, os destinatários das normas se submetem ao seu
cumprimento, diminuindo a atuação do órgão fiscalizatório. Ademais, restou demonstrado que
o poder regulamentar visa precipuamente a tutela da qualidade das informações prestadas no
âmbito do mercado de capitais.
A função consultiva consubstancia-se na prática de manifestação de entendimento da
referida autarquia. Tal orientação tem vantagens face à prestação do poder judiciário,
conforme apresentado ao longo do trabalho, podendo citar como exemplo, a celeridade e o
grau de especialização dos pareceres emitidos pela CVM.
59
No que diz respeito à fiscalização realizada pela CVM, esta é exercida mediante a de
inspeções nas entidades, com base no poder de polícia que lhe foi conferido.
Ainda, quanto à função sancionatória, restou demonstrado que a CVM é o órgão mais
recomendado para investigar e aplicar penalidade no âmbito do mercado de capitais. Pois, a
dificuldade de compreensão de questões complexas de direito societário e da definição de
configuração de práticas consideradas ilícitas, como a constatação da manipulação do
mercado ou uso de informação privilegiada, apontam que a CVM é a entidade mais capaz de
apurar tais atos, com inconteste autoridade.
Com efeito, é inegável a importância da CVM no exercício do seu mister, por ser a
entidade mais especializada em matéria empresarial, sendo a mais indicada, dessa forma, a
evitar as distorções e abusos a que está sujeito o mercado de capitais.
Assim, o caso analisado evidencia de forma clara a significativa necessidade da
intervenção estatal, por meio da regulação, a fim de garantir a preservação do mercado, bem
como assegurar que sejam alcançados os fins previstos constitucionalmente, conduzindo à
promoção da justiça social, de forma a refletir o bem estar dos indivíduos.
60
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63
ANEXOS
ANEXO I – EXTRATO DE SESSÃO DE JULGAMENTO DO PROCESSO
ADMINISTRATIVO SANCIONADOR CVM Nº RJ2013/10909
EXTRATO DA SESSÃO DE JULGAMENTO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO
SANCIONADOR CVM nº RJ2013/10909
Acusado: Eike Fuhrken Batista.
Ementa:
Não divulgação de fato relevante. Multa.
Decisão:
Vistos, relatados e discutidos os autos, o Colegiado da Comissão de Valores
Mobiliários, com base na prova dos autos e na legislação aplicável, por
unanimidade de votos, decidiu:
1. Aplicar ao acusado Eike Fuhrken Batista, na qualidade de Acionista
Controlador da MPX Energia S.A., a penalidade de multa pecuniária no
valor de R$ 300.000,00, pela não divulgação de fato relevante, em infração
ao art. 6º, parágrafo único, da Instrução CVM n° 358/ 2002.
O acusado punido terá um prazo de 30 dias, a contar do recebimento de
comunicação da CVM, para interpor recurso, com efeito suspensivo, ao Conselho de Recursos
do Sistema Financeiro Nacional, nos termos dos arts 37 e 38 da Deliberação CVM nº 538, de
05 de março de 2008, prazo esse, ao qual, de acordo com a orientação fixada pelo Conselho
de Recursos do Sistema Financeiro Nacional, poderá ser aplicado o disposto no art. 191 do
Código de Processo Civil, que concede prazo em dobro para recorrer quando os
litisconsórcios tiverem diferentes procuradores.
Proferiu defesa oral o advogado Marcelo Tourinho, representante do acusado
Eike Fuhrken Batista.
Presente a Procuradora-federal Luciana Silva Alves, representante da
Procuradoria Federal Especializada da CVM.
Participaram da Sessão de Julgamento os Diretores Luciana Dias, Relatora,
Roberto Tadeu Antunes Fernandes, Pablo Renteria, e o Presidente da CVM, Leonardo P.
Gomes Pereira, que presidiu a Sessão.
64
Rio de Janeiro, 18 de março de 2015.
Luciana Dias
Diretora-Relatora
Leonardo P. Gomes Pereira
Presidente da Sessão de Julgamento
PROCESSO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR CVM nº RJ2013/10909
Acusado: Eike Fuhrken Batista
Assunto: Não divulgação tempestiva de fato relevante
Relatora: Diretora Luciana Dias
RELATÓRIO
Objeto
1. Trata-se de processo administrativo sancionador instaurado pela Superintendência de
Relações com Empresas (“SEP”, ou “Acusação”) em face de Eike Fuhrken Batista (“Eike
Batista”, ou “Acusado”), na qualidade de acionista controlador da MPX Energia S.A., atual
Eneva S.A. (“MPX”, ou “Companhia”) para apurar sua responsabilidade pela não divulgação
de fato relevante, em infração ao art. 6º, parágrafo único, da Instrução CVM n° 358, de 20021.
Fatos
2. Em 27.2.2013, foi divulgada notícia no jornal “Valor Econômico” sob o título “E.ON está
mais perto de comprar MPX” (fl. 2). Dentre as informações constantes desta reportagem,
estavam:
i) a E.ON SE (“E.ON”) não teria fôlego financeiro para adquirir o controle da MPX
sozinha, motivo pelo qual compartilharia o controle com mais algum acionista,
provavelmente a BNDES Participações S.A. – BNDESPar, que naquele momento teria
participação de 10,34% na MPX;
ii) a operação deveria disparar o tag along;
65
iii) “a alemã compraria ações até uma fatia que não lhe configurasse o controle,
tornando-se a principal acionista. Eike Batista colocaria quase toda a sua fatia, de
53,47%, à venda e ficaria com perto de 5% apenas. A E.ON subiria sua fatia de
11,7% para um percentual próximo de 34%, desembolsando cerca de R$
1,2 bilhão” (fl. 2);
iv) E.K., presidente da MPX à época, poderia permanecer como principal executivo da
companhia, “mas toda área técnica e operacional passa[ria] a ser controlada pela
E.ON” (fl. 2); e
v) “depois de concretizada a venda da participação de Eike Batista, es[taria] previsto um
aumento de capital também bilionário na empresa” (fl. 2).
3. Em resposta ao pedido de esclarecimentos da BM&FBOVESPA S.A. – Bolsa de
Valores, Mercadorias e Futuros (“BM&FBovespa”) (fl. 3) no que concerne à notícia
veiculada, a MPX divulgou comunicado ao mercado (fl. 6) às 18h11 do dia 27.2.2013
informando que “Eike Fuhrken Batista (...) mantém permanente contato com vários
investidores sobre diferentes oportunidades de negócio, sempre em prol do interesse da
Companhia e com vistas a maximizar o valor para os seus acionistas” e que, naquele
momento, não haveria qualquer tratativa conclusiva a ser divulgada ao mercado.
4. Após a divulgação deste comunicado ao mercado, a SEP encaminhou ofício (fl. 7)
para a MPX esclarecendo que na hipótese de vazamento de informação ou de oscilação
atípica dos papéis de emissão da companhia, deveria haver divulgação imediata de fato
relevante, ainda que a informação se referisse a operação em negociação ou até mesmo a
mera intenção de realização do negócio2.
5. Novamente, no dia 18.3.2013 foi divulgada notícia no jornal “Valor Econômico” sob o
título “Eike negocia MPX e inicia nova fase em seus negócios” (fls. 9/10). Nesta notícia
constava que:
i) Eike Batista teria fechado, no dia 15.3.2013, as bases do acordo com a E.ON e o valor
da operação seria de R$1,87 bilhão;
ii) “no primeiro momento, a E.ON, que já t[inha] 11,7%, [iria] comprar mais 27% das
ações em mão de Batista e fundos controlados por ele, que somam 53,9%. O preço
estabelecido para cada ação de Batista [teria sido] de R$ 12,00” (fl. 9);
iii) “o movimento seguinte da operação [seria] um aumento de capital na MPX por meio
de uma oferta primária de ações para permitir a entrada do BTG Pactual (...) e do
BNDES” (fl. 9), de forma que a participação da E.ON na MPX seria diluída; e
iv) a operação não dispararia o tag along.
6. Aproximadamente às 18h15 do dia 19.3.2013 e após ser inquirida pela BM&FBovespa
(fl. 11), a MPX divulgou fato relevante (fls. 12/13) e comunicado ao mercado (fls. 14-
16) informando que Eike Batista estaria em “tratativas sobre a potencial alienação de
66
determinado número de ações de emissão da MPX de sua titularidade”, mas que até
aquele momento não havia nenhum documento assinado.
7. No dia seguinte, a SEP encaminhou ofício à Companhia (fls. 17/18) sustentando que,
não obstante a divulgação da informação relativa à existência de tratativas envolvendo
as ações de titularidade de Eike Batista, a Companhia não teria confirmado ou
desmentido a veracidade de diversas informações constantes da reportagem divulgada
em 18.3.2013. Neste sentido, a SEP determinou o aditamento do fato relevante com
base no do art. 3º, § 6º, da Instrução CVM n° 358, de 20023.
8. Assim, no dia 21.3.2013, a MPX publicou novo fato relevante (fls. 20/21), informando
ao mercado que Eike Batista teria confirmado que as negociações envolvendo a venda
de ações da MPX teriam evoluído e que estaria mantendo discussões avançadas com a
E.ON para aquisição de parte das ações da MPX por ele detidas, mas que ele não
deixaria o controle da sociedade. Além disso, o fato relevante informou que existiriam
negociações em curso sobre eventual aumento de capital da MPX e que até aquele
momento nenhum documento havia sido assinado pelas partes.
9. Em 28.3.2013, a MPX divulgou fato relevante do qual constava o que segue:
i) Eike Batista teria celebrado acordo definitivo de investimento com a E.ON, por meio
do qual a E.ON adquiriria 24,5% das ações de emissão da MPX detidas por Eike
Batista, passando a deter 36,2% do capital social da MPX, e o preço de aquisição seria
de R$ 10,00 por ação, podendo ser ajustando para até R$ 11,00;
ii) seria celebrado, na data de aquisição das ações, acordo de acionistas entre a E.ON e
Eike Batista, regulando o exercício dos direitos de voto e restrições à transferência de
ações por eles detidas;
iii) a Companhia teria seu capital aumentado em, no mínimo, R$1,2 bilhão; a captação de
recursos se daria por meio de oferta pública primária de ações, a ser realizada pelo
Banco BTG Pactual S.A em regime de garantia firme de colocação no valor de R$
10,00 por ação; e
iv) a MPX E.ON Participações S.A., joint venture formada entre a MPX e a E.ON, seria
incorporada à Companhia por seu valor patrimonial.
10. Em 29.5.2013, a Companhia informou o mercado (fls. 41/42) acerca da conclusão da
aquisição pela E.ON de ações detidas por Eike Batista representativas de 24,5% do capital
social da MPX, com o que a E.ON teria passado a deter 36,2% do capital social da
Companhia. O valor transacionado teria sido de R$ 1,4 bilhão, ainda sujeito a ajuste posterior
para até R$ 1,6 bilhão.
11. Em 10.6.2013, a SEP elaborou o Relatório de Análise CVM/SEP/GEA-1/Nº 77/13
(fls. 43-52), no qual concluiu pela existência dos seguintes indícios de vazamento de
informações a respeito da negociação do Acusado com a E.ON e de oscilações atípicas das
ações da Companhia relacionadas à divulgação das notícias mencionadas:
67
i) o aumento do volume diário negociado com as ações de emissão da MPX (“MPXE3”)
nos dias 26.2.2013 e 27.2.2013, respectivamente véspera e dia de divulgação da
primeira notícia a respeito da negociação com a E.ON – o volume financeiro
aumentou de pouco mais de R$ 8 milhões em 25.2.2013 para mais de R$ 30 milhões
em 26.2.2013 e mais de R$ 36 milhões em 27.2.2013;
ii) o aumento do volume diário negociado com a ação MPXE3 no dia 15.3.2013 – de 8,8
milhões, no dia 14.3.2013, para 33 milhões, no dia 15.3.2013 –, véspera da divulgação
da segunda notícia na imprensa, e forte oscilação no preço da ação durante o pregão
desse dia – as ações da MPX chegaram a subir 5,14% no dia 15.3.2013 e no final do
pregão caíram para a cotação mínima, com desvalorização de 2,11%;
iii) a queda expressiva da ação MPXE3 nos dias 19 e 28.3.2013, ambas ocorridas antes da
divulgação dos fatos relevantes após o encerramento dos pregões desses dias – no
pregão do dia 19.3.2013, a cotação da ação MPXE3 teria tido queda de até 4,31% e no
pregão do dia 28.3.2013 de 5,15%;
iv) a compatibilidade entre as datas em que teriam acontecido as negociações entre as
partes informadas na reportagem de 18.3.2013 e aquelas informadas pela Companhia –
de acordo com a MPX (fls. 37-40), Eike Fuhrken Batista e S.D., membro do conselho
de administração da Companhia eleito por indicação da E.ON, teriam tido
conhecimento das tratativas em 14.3.2013 e as demais pessoas envolvidas teriam tido
conhecimento da operação apenas em 19.3.2013, quando Eike Batista teria informado
a diretoria da MPX acerca da existência de tratativas para a potencial alienação de
certo número de ações por ele detidas; e
v) a notória semelhança dos detalhes da operação antecipados pelo jornal Valor
Econômico nas matérias dos dias 27.2.2013 e, principalmente, do dia
18.3.2013, e os detalhes divulgados nos fatos relevantes dos dias 19, 21 e
28.3.2013, tais como: (a) a venda de ações da MPX por parte de Eike Batista para a
E.ON; (b) a formação de novo bloco de controle com a presença do atual controlador;
(c) o não disparo de tag along; e (iv) o aumento de capital na MPX por meio de oferta
pública primária de ações.
12. Em resposta ao ofício encaminhado pela SEP (fls. 53-56) solicitando a cronologia dos
eventos relacionados à decisão de Eike Batista em realizar a referida operação, a E.ON (fls.
57-63) e a MPX (fls. 64-71) informaram, em síntese, que:
i) a E.ON manteria discussões com Eike Batista sobre diferentes oportunidades de
negócio envolvendo a MPX desde dezembro de 2012;
ii) as primeiras discussões sobre uma possível transação envolvendo aumento na
participação da E.ON na MPX datariam de 1.2.2013; nesta data teriam sido discutidas
diferentes estruturas para a operação;
68
iii) as negociações diretas com representantes de Eike Batista com o objetivo de concluir
uma operação prevendo um aumento em aproximadamente 25% na participação da
E.ON na MPX combinada a uma estrutura de controle compartilhado da MPX teriam
se iniciado por volta de 14.3.2013; e
iv) os contratos teriam sido assinados pelas partes em 27.3.2013.
13. Em respeito ao art. 11 da Deliberação CVM n° 538, de 20084, a SEP solicitou a
manifestação dos administradores da MPX (fls. 72/73) sobre a divulgação intempestiva de
fato relevante, os quais esclareceram (fls. 81-110), em conjunto, que:
i) não teria havido nenhuma oscilação abrupta no preço das ações ordinárias da
Companhia antes da divulgação das notícias, uma vez que (a) entre os dias 28.1.2013 e
26.2.2013, data anterior à veiculação da notícia na mídia, teria havido uma variação
ínfima no valor das ações da MPX, com preços, respectivamente, de R$10,92 e
R$10,34; e (b) de 4.11.2012 a 18.3.2013 a cotação das ações ordinárias da Companhia
teria se mantido estável, sofrendo variação de apenas 6,2% entre estes dois pregões5;
ii) o comportamento do volume de negociações das ações ordinárias da MPX em bolsa de
valores teria como característica a presença de oscilações importantes, o que poderia
ser verificado pelo gráfico apresentado à fl. 84 dos autos, que representaria o volume
negociado com ações MPXE3 de 3.6.2012 a
8.7.2013;
iii) no que se refere ao suposto vazamento da negociação entre Eike Batista e a E.ON, a
MPX “[teria] como premissa divulgar ao mercado eventos e fatos concretos que de
alguma forma exerçam algum impacto na Companhia, suas subsidiárias e suas
atividades, evitando, assim, especulações descabidas” (fl. 84) e, até o dia 19.3.2013, a
MPX não teria tido conhecimento de nenhuma informação concreta;
iv) “após tal data, houve tratativas e negociações preliminares entre a E.ON e o Sr. Eike
Fuhrken Batista sem que tivesse sido celebrado qualquer acordo ou documento,
vinculante ou não, (...) o que não geraria a obrigação de divulgar fato relevante” (fl.
84); e
v) celebrado o acordo de investimento, a MPX teria dado publicidade imediata a tal
evento com a divulgação do fato relevante de 28.3.2013.
14. Em respeito ao art. 11 da Deliberação CVM n° 538, de 2008, a SEP encaminhou ofício
(fls. 121/122) à Eike Batista solicitando que se manifestasse sobre as medidas eventualmente
adotadas para providenciar a divulgação tempestiva e completa dos fatos relevantes. Em
resposta (fls. 123-129), o Controlador alegou que:
i) as afirmações contidas na notícia divulgada em 27.2.2013 pouco se coadunariam com
a operação contemplada no acordo de investimento, notadamente nos seguintes
69
pontos: (a) Eike Batista permaneceu como controlador da MPX e não reduziu sua
participação acionária a 5%; e (b) a área técnica e operacional não passou a ser
controlada pela E.ON;
ii) constariam da notícia divulgada em 18.3.2013 fatos e suposições que não
corresponderiam àqueles firmados no acordo de investimento, pois (a) Eike Batista
permaneceu como acionista controlador da MPX conjuntamente com a E.ON; (b) o
preço por ação inicial foi de R$10,00; e (c) a E.ON passou a deter 36,2% do capital
social da MPX;
iii) a MPX teria divulgado o fato relevante de 21.3.2013 logo que as negociações
avançaram e a estrutura da operação ganhou contornos semelhantes aos acordados no
acordo de investimento;
iv) no que concerne à suposta oscilação de preço das ações da MPX, Eike Batista afirmou
que, de 29.10.2012 a 18.3.2013, (a) a cotação das ações ordinárias da MPX teria se
mantido estável, com cotação mínima de R$9,63 e máxima de R$11,67, o que
representaria uma variação em relação à média (R$10,63) de aproximadamente 9%; e
(b) o valor das ações da MPX teria acompanhado as oscilações apresentadas no
mercado de uma maneira geral (IBOVESPA) e das empresas do setor de energia
elétrica (IEE); e
v) não obstante ter havido uma variação de 4,2% das ações da MPX entre os dias
28.2.2013 e 1.3.20136 e uma variação de -3,9% entre os dias 18 e 19.3.2013
7, as
variações expressivas na cotação das ações de emissão da MPX seriam fatos normais
em seu comportamento8.
Acusação e Parecer da PFE
15. No dia 21.11.2013 a SEP apresentou Termo de Acusação em face de Eike Batista (fls.
157-175), alegando, em resumo, que:
i) apesar da divulgação da notícia de 27.2.2013 ter ocorrido antes da abertura do pregão,
a MPX não teria tomado a iniciativa de se manifestar sobre seu conteúdo, tendo
divulgado comunicado ao mercado somente às 18h11 daquele dia, após ser provocada
pela BM&FBovespa;
ii) a notícia traria as seguintes informações ainda desconhecidas pelo mercado: (a) venda
de participação acionária do controlador Eike Batista à E.ON; (b) aumento da
participação da E.ON na Companhia; (c) realização de aumento de capital
significativo; e (d) eventual disparo de tag along;
iii) no dia da veiculação da notícia, 27.2.2013, o volume negociado teria sido 1,42 vezes
superior ao volume médio dos últimos 30 dias e a ação teria oscilado, no intraday, até
5,84% acima do preço de fechamento do dia anterior;
iv) apesar do preço de fechamento da ação no dia 27.2.2013 não ter sido superior ao
fechamento do dia anterior, em 26.2.2013 já teria havido, aparentemente, vazamento
70
de informação, já que o volume negociado teria sido 3,77 vezes superior ao negociado
no dia 25.2.2013 e 1,24 vezes superior à média dos 30 dias anteriores, além do preço
ter subido 4,95%;
v) no que se refere à notícia veiculada pelo jornal Valor Econômico no dia
18.3.2003, “apesar de ter sido inquirida pela Bolsa por meio do Ofício (...), de
18.03.2013 às 9h15 (fl. 11), a MPX divulgou fato relevante somente em 19.03.2013,
após o fechamento do mercado, às 18h08 (fls. 12 a 16), privando o mercado por dois
dias de negociação sobre as novas informações vazadas pela imprensa” (fl. 170);
vi) no dia 18.3.2013, apesar de o volume negociado ter sido inferior ao volume médio dos
últimos 30 pregões, teria havido oscilação no preço da ação no intraday de até 4,66%
em relação ao fechamento do dia anterior;
vii) tanto no comunicado ao mercado divulgado pela MPX em 27.2.2013, quanto no fato
relevante divulgado em 19.3.2013, a Companhia teria sido “evasiva a respeito das
notícias veiculadas, contrariando a orientação da CVM” (fl. 171) de que na hipótese
de vazamento de informação ou de oscilação atípica dos papéis, o fato relevante deve
ser divulgado imediatamente; e
viii) alguns dos detalhes divulgados em “ambas as notícias s[eriam] muito similares aos da
operação que foi finalizada”, como a empresa em negociação, o valor da operação, o
percentual de participação final da compradora e o aumento de capital9.
16. Com base nos argumentos expostos acima e no fato de que Eike Batista teria prestado
informações incompletas e evasivas ao diretor de relações com investidores (“DRI”) da MPX
sobre a operação em questão, apesar de dispor de informações concretas e passíveis de
divulgação ao mercado (como a empresa com a qual mantinha negociações e a necessidade de
aumento de capital subsequente à venda de suas ações), a SEP propôs a responsabilização de
Eike Batista, na qualidade de controlador da MPX, por infração ao art. 6º, parágrafo único, da
Instrução CVM n° 358, de 2002.
17. Segundo a SEP, a infração cometida por Eike Batista teria ocorrido pela não
divulgação de fato relevante, pelo menos a partir de 27.2.2013, quando houve vazamento de
informações na imprensa a respeito da aquisição de parte de sua participação acionária na
MPX pela E.ON e após a oscilação no volume e no preço das ações MPXE3 no dia
26.2.2013. Tal infração teria sido agravada pelo fato de Eike Batista ter prestado ao DRI da
MPX informações incompletas e imprecisas sobre o assunto. Ainda de acordo com a SEP, a
notícia veiculada em 27.2.2013 teria sido mais impactante do que a subsequente (de
18.03.2013), uma vez que divulgou informações inéditas ao mercado.
18. Por fim, a SEP ressaltou que não caberia responsabilizar o DRI da MPX por atraso na
divulgação dos fatos relevantes ou por imprecisão no conteúdo destes fatos porque ele teria
questionado Eike Batista a respeito das duas notícias veiculadas e teria divulgado ao mercado
informações muito similares às recebidas, o que poderia ser comprovado pelas cartas enviadas
por Eike Batista ao DRI e juntadas aos autos às fls. 118 e 120.
71
19. Ao analisar a tese acusatória, a Procuradoria Federal Especializada – CVM (“PFE”)
entendeu (fls. 151-155) estarem preenchidos os requisitos dos artigos 6º e 11 da Deliberação
CVM n° 538, de 2008. No entanto, a PFE sugeriu à área técnica que a acusação direcionada à
Eike Batista se desse unicamente com fundamento no art. 6º, parágrafo único, da Instrução
CVM n° 358, de 2002 – e não por sua combinação com o art. 157, §4º, da Lei nº 6.404, de
1976 –, o que foi observado pela SEP.
IV. Defesa.
20. Eike Batista apresentou defesa em 17.1.2014 (fls. 190-207). Inicialmente, o Acusado
procurou demonstrar que o fato de as empresas do chamado “Grupo X” e de ele próprio
estarem passando por um período de dificuldades financeiras, de existir um cenário de
incerteza a respeito do futuro da MPX e de tais temas serem de grande interesse por parte do
mercado teria como consequência uma maior volatilidade na cotação das ações negociadas
em bolsa desta empresa. De acordo com o Acusado, em situações como esta, a imprensa
tentaria antecipar informações e detalhes de uma possível operação, por vezes apresentando
suposições que não guardariam conexão com a realidade.
21. Eike Batista afirmou, ainda, que nesses casos há uma tendência em se ressaltar as
semelhanças entre as informações divulgadas pela imprensa e a operação ocorrida, em
detrimento àquelas informações que nunca vieram a se concretizar.
22. Com base neste contexto, o Acusado sustentou que, se por um lado é verdade que este
cenário requereria atenção especial na divulgação de informações, também seria certo que
“exigia cautela redobrada para que negócios de interesse da Companhia e de seus acionistas
não viessem a ser prejudicados (...) em decorrência da divulgação prematura de
negociações” (fl. 193).
23. Ainda neste sentido, Eike Batista sustentou que, em razão da grande responsabilidade
que detinha como acionista controlador da Companhia, não poderia, “ainda que sem intenção,
confundir investidores, criando falsas percepções com base em possibilidades” (fl. 194). De
acordo com o Acusado, o momento de divulgação do fato relevante seria de tamanha
dificuldade que “o próprio Termo de Acusação simplesmente não o fa[ria]” (fl. 194).
24. De forma a aprofundar esse argumento, o Acusado alegou que não seria possível
divulgar um fato relevante mais detalhado do que aquele que fora disponibilizado logo após a
notícia de 27.2.2013 porque:
i) o mercado estaria ciente das informações disponíveis à época porque dois
comunicados ao mercado teriam sido divulgados com informações fornecidas
por ele, respectivamente em 1º e em 7.3.201310
, noticiando o mercado da situação de
incerteza e variedade de potenciais investidores;
ii) seriam falsas as informações disponibilizadas nesta notícia e “as ‘semelhanças’
apontadas (...) [no] Termo de Acusação não [teriam] relação com os entendimentos
havidos até então entre o Defendente e a E.ON, e mesmo que tivessem – o que se
72
admit[ria] aqui apenas para fins de argumentação – não se pode[ria] admitir que tal
fato, por si só, representa indicativo firme de vazamento de informação” (fl. 196);
iii) a menção genérica à possibilidade de um aumento de capital bilionário diria muito
pouco sobre os detalhes de um eventual aporte de recursos financeiros, além do que
“considerando o contexto que a Companhia se encontrava, não é difícil imaginar que
qualquer tipo de reestruturação, especialmente envolvendo a venda de participação,
fosse demandar a injeção significativa de recursos na Companhia via aumento de
capital” (fl. 196);
iv) “o mesmo pode[ria] se dizer com relação à E.ON. Não é demais supor que, em um
contexto de necessidade de obtenção de recursos, a E.ON – que à época detinha
participação acionária relevante na Companhia – viesse a ser um dos potenciais
investidores a serem sondados para um negócio” (fl. 196);
v) naquele momento não haveria sequer uma estrutura preliminar acordada sobre o que
veio a resultar nos termos finais da operação e, portanto, a operação não teria
relevância11
e não seria possível cogitar a caracterização de fato relevante;
vi) “àquela altura, não hav[eria] qualquer motivo para que se concluísse pela existência
de uma negociação exclusiva com a E.ON, e divulgação de informações neste sentido
somente teria o condão de criar
expectativas equivocadas nos investidores” (grifos no original) (fl. 196); e
vii) a divulgação de fato relevante naquele momento teria o alto potencial de deflagrar uma
gama de especulações sobre a MPX, trazendo a falsa impressão de que a operação
estaria em vias de ser concluída, o que não era possível saber àquela altura.
25. Já no que diz respeito à divulgação dos fatos relevantes nos dias posteriores a 14.3.2013,
data em que teriam se iniciado as tratativas preliminares com a E.ON, o Acusado sustentou
que:
i) “somente a partir desse momento, as negociações poderiam começar a adquirir
concretude e certezas mínimas para a divulgação de um aviso de fato
relevante. Trata[r]-se[-ia], contudo, de uma CONSTITUIÇÃO GRADATIVA”
(grifos no original) (fl. 198);
ii) tanto a lei, como doutrina e a própria CVM12
convergiriam no sentido de que o
conceito de fato relevante é amplo e que cabe à administração de cada companhia
determinar o momento em que a informação relevante deveria ser divulgada;
iii) apesar de tal margem de decisão conferida a uma companhia não implicar
impedimento para que a CVM revise se o fato relevante foi divulgado de forma
adequada, não há dúvida de que esta revisão é bastante subjetiva13
, que deve recair
sobre situação excepcional e ser analisada de forma ponderada pelo regulador14
;
73
iv) a notícia divulgada no dia 18.3.2013 informava que Eike Batista teria fechado no dia
15.3.2013 as bases do acordo com a E.ON, mas neste dia as bases da operação ainda
estavam em discussão e pontos comerciais sensíveis ainda permaneciam em aberto, de
forma de que a própria concretização da operação era ainda uma possibilidade;
v) neste sentido, a não divulgação de informações no dia 18.3.2013 teria ocorrido porque
não era possível detalhar informações que ainda estavam em fase de negociação;
vi) “não se ignora a jurisprudência administrativa dessa d. CVM (...), no sentido de que,
em certas hipóteses, é necessária a divulgação da negociação de uma operação antes
mesmo da formalização de sua estrutura jurídica” (fl. 201); contudo, nas situações em
que se encontrava a MPX, a divulgação de meras expectativas sobre uma operação
poderia trazer consequências irreversíveis caso a E.ON desistisse do negócio, assim
como levaria à interpretação por investidores de que a situação econômico-financeira
da MPX era preocupante e de que haveria dificuldade na captação de recursos pela
Companhia;
vii) “a Companhia se manifestou sobre a notícia dentro do prazo estipulado pela
BM&FBOVESPA”15
(grifos no original) (fl. 201);
viii) não seria adequado exigir a divulgação de fato relevante no próprio dia 18.3.2013,
uma vez que a divulgação de fato relevante requer uma logística interna e o art. 5º,
caput, da Instrução CVM nº 358, de 2002, prevê que tal divulgação “deverá ocorrer,
sempre que possível, antes do início ou após o encerramento dos negócios”16
(fl. 202).
Assim, o mercado teria ficado privado de informação apenas por um dia e não dois,
como afirmaria o termo de acusação;
ix) apesar das tratativas estarem mais concretas no dia da divulgação do fato relevante de
21.3.2013, ainda não seria possível divulgar os detalhes da operação, uma vez que esta
somente foi formalizada no dia 27.3.2013 e naquele momento “as referidas
informações eram ainda somente uma expectativa” (fl. 203);
x) “as informações apresentadas na Segunda Notícia estavam equivocadas, sendo que o
único detalhe novo era a participação do Banco BTG Pactual” (fl. 203) e mesmo este
detalhe seria mera especulação, uma vez que o próprio aumento de capital ainda era
uma incerteza sob vários aspectos, dentre eles o valor da emissão, o preço por ação, a
participação ou não de terceiros e a realização de oferta pública subsequente; e
xi) “supor que o BTG Pactual viesse a ser o parceiro da Companhia em um eventual
aumento de capital também não era um grande feito”, já que a
parceria entre o referido banco e as companhias do Grupo X não era nova e já
havia sido objeto de comunicado ao mercado divulgado pela MPX em 7.3.20131347
.
134
“Art. 6º Ressalvado o disposto no parágrafo único, os atos ou fatos relevantes podem, excepcionalmente,
deixar de ser divulgados se os acionistas controladores ou os administradores entenderem que sua revelação porá
em risco interesse legítimo da companhia.
74
26. A defesa afirmou que também seria equivocada a relação feita pela Acusação entre o
vazamento de informações e a suposta oscilação atípica das ações da MPX, uma vez que (fls.
204/205):
i) a MPX encontrar-se-ia inserida em contexto altamente conturbado, o que se refletiria
diretamente na cotação das ações de sua emissão;
ii) o período relativo à divulgação das notícias (fevereiro e março de 2013) não
apresentaria quaisquer diferenças, em termos de volatilidade, em relação ao
comportamento da cotação do ativo desde outubro de 2012 porque, em outras
ocasiões, a cotação das ações de emissão da Companhia já teriam sofrido variações
expressivas18
;
iii) a variação intraday de 4,66% identificada pelo termo de acusação no dia 18.3.2013
não poderia ser considerada atípica, pois a oscilação verificada está diretamente
relacionada ao baixo volume de negociações ocorrido naquele dia, inferior à média
dos últimos 30 pregões; e
iv) “o Termo de Acusação fa[ria] uma análise excessivamente restrita no comportamento
da cotação das ações de emissão da Companhia, além de utilizar diferentes critérios
de comparação” (grifos no original) (fl. 205), uma vez que a oscilação atípica com
relação à notícia divulgada em 27.2.2013 seria atribuída ao aumento do volume e
cotação das ações, enquanto que, com relação à notícia divulgada em 18.3.2013, o
critério utilizado pela Acusação teria sido o da variação intraday na cotação das
ações.
27. Subsidiariamente, no caso de a CVM concluir pela responsabilização do Acusado, a
defesa requereu que fosse considerado que (i) o Acusado atuou nos estritos limites do
princípio da boa-fé, já que não divulgou qualquer informação falsa ou tendenciosa e não se
verificou qualquer negociação de posse das informações por ele conhecidas; (ii) o Acusado
jamais foi condenado pela CVM; (iii) não foi noticiada reclamação formal de eventual
prejudicado; e (iv) o Acusado prontamente apresentou respostas e aditou seus
pronunciamentos diante das provocações da BM&FBovespa e da CVM.
Rio de Janeiro, 18 de março de 2015.
Luciana Dias
DIRETORA
Parágrafo único. As pessoas mencionadas no caput ficam obrigadas a, diretamente ou através do Diretor de
Relações com Investidores, divulgar imediatamente o ato ou fato relevante, na hipótese da informação escapar
ao controle ou se ocorrer oscilação atípica na cotação, preço ou quantidade negociada dos valores mobiliários de
emissão da companhia aberta ou a eles referenciados”.
75
--------------------------
2 A SEP citou os Processos Administrativos Sancionadores CVM n° 2006/5928 e n° 24/05, julgados,
respectivamente, em 17.4.2007 e 7.10.2008.
3 “Art. 3º. §6º A CVM poderá determinar a divulgação, correção, aditamento ou republicação de informação
sobre ato ou fato relevante”.
4 “Art. 11. Para formular a acusação, as Superintendências e a PFE deverão ter diligenciado no sentido de obter
do investigado esclarecimentos sobre os fatos descritos no relatório ou no termo de acusação, conforme o
caso”.
5 A cotação de fechamento da ação no dia 4.11.2012 foi de R$11,18 e no dia 18.3.2013 de R$10,48.
6 As cotações de fechamento das ações nos dias 27.2.2013, 28.2.2013 e 1.3.2013 teriam sido, respectivamente,
R$10,05; R$10,25 e R$10,47.
7 As cotações de fechamento das ações nos dias 18.3.2013 e 19.3.2013 teriam sido, respectivamente, R$10,48 e
R$10,07.
8 A título de exemplo, Eike Batista citou que entre os dias 30.10.2012 e 1.11.2012; 4.1.2013 e 8.1.2013; e
29.1.2013 e 31.1.2013 houve oscilações de 9,2%; -10,7% e -11,2%, respectivamente, na cotação das ações.
9 Isto porque (i) constava de todas as notícias que a E.ON seria a empresa compradora; (ii) o valor da operação
divulgado na primeira notícia foi de R$ 1,2 bilhão, na segunda de R$1,87 bilhão e o valor final negociado foi
entre R$1,4 e 1,54 bilhão; (iii) a primeira notícia previu um percentual de participação da E.ON na MPX de
aproximadamente 34%, a segunda notícia de 38,65% e o percentual final negociado foi de 36,2%; e (iv) a
primeira notícia previu que o aumento de capital seria bilionário, enquanto que a segunda previu que tal
aumento seria realizado por oferta primária, com participação do Banco BTG e na negociação final constou
que o aumento de capital seria por oferta primária no valor de R$1,2 bilhão, coordenada pelo Banco BTG.
10 De acordo com o Acusado, a seguinte informação teria sido oferecida por ele para divulgação no comunicado
ao mercado de 1º.3.2013: “confirmo que, no presente momento, não existe fato, estudo ou decisão
minimamente completa, suficiente e adequada com relação a qualquer operação societária envolvendo a
Companhia, bem como a participação societária que nela detenho. Ressalvo, no entanto, que continuo
buscando oportunidades de negócios no melhor interesse social da Companhia e que o eventual rearranjo de
participações societárias entre acionistas da MPX é uma hipótese que considero, dentre as outras mais” (fl.
197). Já no comunicado ao mercado de 7.3.2013 teria sido divulgado que a MPX desconheceria a origem da
reportagem veiculada no jornal Valor Econômico de 7.3.2013, sob o título “Esteves levará fundos soberanos a
Eike” e que não teria tido conhecimento ou participação sobre a negociação nela citada.
11 O Acusado trouxe posicionamento de Nelson Eizirik, para quem deve ser considerada privilegiada a
informação que “(a) tem um caráter razoavelmente preciso, isto é, refere-se a um fato, não a meros rumores,
apresentando um mínimo de materialidade ou objetividade, ou seja, uma consistência mínima capaz de
permitir sua utilização por um investidor médio; (b) não está disponível para o público, encontrando-se
reservada a um círculo restrito de pessoas; (c) é price-sensitive, isto é, poderia, caso fosse divulgada,
influenciar o preço dos valores mobiliários no mercado; (d) é relativa a valores mobiliários ou aos seus
emissores” (EIZIRIK, Nelson; GAAL, Ariádna B.; PARENTE, Flávia; Henriques, Marcus de Freitas.
Mercado de capitais – regime jurídico. 3ª Ed. Revista e ampliada, Rio de Janeiro: Renovar, 2011. pp.
560561).
12 O Acusado citou (i) o art. 157, § 4º da Lei n° 6.404, de 1976; (ii) o art. 2º, incisos I, II e III da Instrução
CVM n° 358, de 2002; (iii) manifestação da doutrina de que “não há, evidentemente, fórmula genérica e segura,
particularmente nas operações de aquisição de controle ou de reorganização societária, nas quais as
negociações são muitas vezes longas e complexas, para se determinar o momento em que as informações
passam a referir-se a fatos relevantes” (EIZIRIK, Nelson; GAAL, Ariádna B.; PARENTE, Flávia; Henriques,
Marcus de Freitas. Mercado de capitais – regime jurídico. 3ª Ed. Revista e ampliada, Rio de Janeiro: Renovar,
76
2011. PP. 560-561); e (iv) o Ofício-Circular CVM/SEP/N° 01/2013 em que a SEP se manifestou no sentido de
que “a decisão quanto à divulgação de atos ou fatos relevantes é da competência da própria administração da
companhia” (fl. 199).
13 A defesa citou o Parecer CVM/SJU/n° 24, de 28.2.1984 que consignou que “essa avaliação é extremamente
subjetiva, vez que não existe na Lei qualquer parâmetro de ordem temporal que se possa seguir, a fim de se
fixar, fora de dúvida, o momento em que a informação relevante passa a existir do ponto de vista legal” (fl.
200).
14 A defesa trouxe trecho do voto proferido pelo diretor da CVM Marcelo Fernandez Trindade no âmbito do
Inquérito Administrativo n° 22/99, julgado em 16.8.2001, em que o relator afirmou que: “não se quer nem de
longe negar que a CVM possa e deva julgar a qualidade da informação prestada, e o acerto ou o erro de sua
retenção indevida ou divulgação açodada. Mas, quando o fizer, deve a CVM ter em conta que estará realizando
um post mortem. Dessa maneira, e em não havendo insider trading, o rigor da análise fria e posterior dos fatos
deve ser temperado pela lembrança de que as decisões foram tomadas no calor dos acontecimentos, sob a
tensão do momento” (fl. 200).
15 Com o objetivo de argumentar que o regulador não poderia estipular um prazo limite e, posteriormente,
condenar a tempestividade da manifestação realizada dentro de tal prazo, a defesa citou voto vencedor de
Pedro Marcílio de Sousa nos autos do Processo Administrativo Sancionador CVM n° RJ2003/5058, julgado
em 20.6.2005, em que restou consignado que “o Poder Público não [pode] frustrar, deliberadamente, a justa
expectativa que tenha criado no agente econômico” e que “a mais típica consequência da proteção à boa-fé
objetiva é a proibição de venire contra factum proprium” (fl. 202).
16 A respeito da divulgação de fato relevante no decorrer do pregão, a defesa citou o seguinte trecho do voto
proferido pela então presidente da CVM Maria Helena Santana no âmbito do Processo Administrativo
Sancionador CVM n° RJ2008/9022, julgado em 9.2.2010: “finalmente, acompanho o voto do Diretor Relator
Eli Loria e do Diretor Marcos Pinto no sentido da improcedência da acusação pela divulgação de fato
relevante no decorrer do pregão. Em minha opinião, apenas em casos muito excepcionais se poderia
imaginar uma punição por esse tipo de conduta, na medida em que o artigo 5º da Instrução CVM n° 358
estabelece uma obrigação de realização de melhores esforços e não já uma vedação absoluta” (fl. 203).
17 No comunicado ao mercado de 7.3.2013 teria sido divulgado que “com o intuito de cumprir integralmente
seus deveres e responsabilidade e zelar pela adequada comunicação ao mercado, [a Companhia] indagou seu
acionista controlador a respeito do noticiado, tendo sido informada pelo mesmo sobre a celebração de
parceria de cooperação estratégia de negócios, conforme já divulgado pela EBX (holding privada detida pelo
Sr. Eike Batista), nos termos constantes em anexo. Trata-se de um acordo de consultoria e prestação de
serviços com o BTG Pacutal, do qual a Companhia não é parte” (fl. 204).
18 Como exemplo, cita as variações ocorridas entre os dias 30.10.2012 e 1.11.2012
PROCESSO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR CVM nº RJ2013/10909
Acusado: Eike Fuhrken Batista
Assunto: Não divulgação tempestiva de fato relevante
Relatora: Diretora Luciana Dias
77
VOTO
1. O presente processo trata da não divulgação tempestiva de fato relevante por Eike
Fuhrken Batista (“Eike Batista”, “Controlador” ou “Acusado”), na qualidade de
acionista controlador da MPX Energia S.A., atual Eneva S.A. (“MPX” ou
“Companhia”), em infração ao art. 6º, parágrafo único, da Instrução CVM n° 358, de
20021.
2. Conforme informações prestadas pela E.ON SE (“E.ON”) (fls. 57-63) e pela MPX (fls.
64-71), desde dezembro de 2012 a E.ON mantinha discussões com o Acusado a
respeito de diferentes oportunidades de negócios envolvendo a MPX. A partir de
1.2.2013, diferentes estruturas para uma possível transação envolvendo aumento da
participação da E.ON na MPX teriam sido discutidas. Em 14.3.2013, iniciaram-se
negociações diretas sobre a compra, pela E.ON, de participação detida pelo Acusado
na MPX, com o consequente compartilhamento do controle da Companhia por ambos.
3. Segundo a Superintendência de Relações com Empresas (“SEP” ou
“Acusação”), evidências sobre o fato de que as informações a respeito da negociação desta
operação escaparam ao controle da Companhia teriam sido verificadas pela primeira vez em
27.2.2013, quando foi divulgada notícia no jornal Valor Econômico sob o título “E.ON está
mais perto de comprar MPX”. Em 18.3.2013, foi publicada nova notícia no mesmo jornal sob
o título “Eike negocia MPX e inicia nova fase em seus negócios”.
4. Além da perda de controle de informações sobre as negociações dos rearranjos que se
dariam no controle da Companhia, a SEP argumentou que teriam ocorrido oscilações
atípicas no preço, cotação e volume das ações da MPX negociadas em bolsa em
26.2.2013, dia anterior à divulgação da primeira notícia, e em 18.03.2013, data de
divulgação da segunda notícia. Para a SEP, a oscilação atípica em 26.2.2013 indicaria
a ocorrência de vazamento de informação antes mesmo de sua divulgação pela
imprensa.
5. Em face de tais acontecimentos, e após provocações da BM&FBovespa S.A. – Bolsa
de Valores, Mercadorias e Futuros (“BM&FBovespa”) e da CVM, a MPX divulgou
comunicados ao mercado nos dias 27.2.2013 (fl. 06) e 01.03.2013 (fl. 197) e fato
relevante no dia 19.3.2013 (fl. 13), tendo anunciado, em todas as oportunidades, a
existência de negociações entre o Acusado e diferentes investidores para “eventual
rearranjo de participações societárias entre acionistas da MPX”, e informando que
até então não haveria qualquer documento assinado. Em nenhum desses documentos a
Companhia confirmou ou desmentiu os detalhes da operação já divulgados pela
imprensa.
6. Apesar da grande repercussão, este é um processo sancionador muito simples. De um
lado, não há controvérsias em relação aos fatos. De outro, as matérias de direito
pertinentes para sua solução são reguladas de maneira clara e, sobretudo, há inúmeros
e consolidados precedentes desta Casa a respeito da interpretação desses comandos
legais e regulamentares.
78
7. Já em 2007, o diretor Pedro Marcílio, no âmbito do Processo Administrativo
Sancionador CVM nº RJ2006/59282, fez um apanhado detalhado do regime legal ao
qual estão sujeitos os fatos relevantes3, bem como dos precedentes até então
pertinentes à interpretação da matéria. Nem as regras relevantes, nem os
entendimentos desta casa para compreensão do tema mudaram desde então, por isso,
remeto-me ao voto mencionado para uma descrição mais detalhada do tratamento
legal e jurisprudencial da matéria.
8. Em resumo, o então diretor afirmou que a regra geral é que todas as informações
relevantes para tomada de decisão de investimento devem ser divulgadas ao mercado
imediatamente (art. 3º da Instrução CVM nº 358, de 2002).
9. No entanto, a Instrução CVM nº 358, de 2002, em linha com o previsto no art. 157,
§5° da Lei 6.404, de 19764, estabeleceu, em seu art. 6º, que "os atos ou fatos
relevantes podem, excepcionalmente, deixar de ser divulgados se os acionistas
controladores ou os administradores entenderem que sua revelação porá em risco
interesse legítimo da companhia".
10. As operações não concluídas, ainda em negociação, são os casos mais típicos em que a
divulgação pode gerar prejuízos à companhia. Nesse sentido, as negociações sobre
novos contratos ou reorganizações societárias podem e devem ser mantidas em sigilo
se a divulgação das tratativas puder por em risco o fechamento dos contratos ou
mesmo prejudicar a negociação dos seus termos.
11. Essa exceção à divulgação, no entanto, deixa de existir se a "informação escapar ao
controle ou se ocorrer oscilação atípica na cotação, preço ou quantidade negociada
dos valores mobiliários de emissão da companhia aberta ou a eles referenciados" (art.
6º, parágrafo único da Instrução CVM nº 358, de 2002).
12. No presente caso, a Acusação tentou demonstrar a ocorrência de ambas as condições
que impediriam a Companhia, seu controlador e seus administradores de se utilizar da
possibilidade de guardar sigilo prevista no art. 6º da Instrução CVM nº 358, de 2002,
ou seja, a Acusação argumenta ter havido tanto oscilação atípica quanto vazamento da
informação.
13. A meu ver, os indícios de oscilação atípica no preço e no volume das ações da MPX
nos dias 26.2.2013 e 18.3.2013 são menos conclusivos do que sugere a Acusação. De
acordo com a SEP, teria havido oscilação atípica na cotação e no volume das ações da
MPX:
i) no dia 26.2.2013, porque o volume negociado foi 3,77 vezes superior ao negociado no
dia 25.2.2013 e o preço subiu 4,95%, mas se comparado à média dos 30 dias
anteriores, tal volume foi somente 1,24 vezes superior; e
ii) no dia 18.3.2013, por ter havido uma oscilação do preço da ação no intraday de até
4,66% em relação ao fechamento do dia anterior, embora o volume negociado tenha
sido inferior ao volume médio dos últimos 30 pregões.
79
14. Acredito que, comparativamente com outros casos julgados pelo Colegiado, e levando
em consideração que a cotação das ações de companhias em dificuldades financeiras são mais
voláteis, os indícios acerca da efetiva ocorrência de oscilação atípica não são tão robustos.
Em precedentes que deram causa a condenações com base em oscilações atípicas as variações
eram bem mais significativas que as descritas acima.
15. Por exemplo, no PAS CVM n.º RJ2011/8224 o volume de negócios nos dias dos
eventos questionados no processo foi mais de 29 vezes superior à média dos três meses
anteriores aos respectivos eventos. Já no PAS CVM n.º RJ2008/5752, a oscilação de preço
considerada atípica levou o valor das ações da companhia da casa dos R$4,00 para valor
superior a R$16,00.
16. Talvez esses casos sejam realmente extremos e variações bastante inferiores já sejam
suficientes para comprovar a oscilação atípica. Mas, quando os números que representam as
oscilações de preço ou volume, por si só, não forem tão significativos, é preciso outros dados
para fortalecer o corpo probatório. Por exemplo, a análise do comportamento dos papéis da
Companhia em relação a outros ativos do setor e a índices de mercado – tais como o Índice
Bovespa (Ibovespa) ou o Índice de Energia Elétrica (IEE)5, segmento do qual a MPX fazia
parte –, ou a análise de como o preço do ativo se comportou em períodos mais prolongados
talvez pudessem fortalecer a tese da Acusação6.
Mas, da forma como foram apresentados, não
acredito que esses números sejam conclusivos.
17. Contudo, não tenho qualquer dúvida sobre o vazamento de informações a respeito da
operação que estava sendo negociada pelo Acusado. E, conforme já se manifestou o
Colegiado da CVM em diversas oportunidades7, para que surja a obrigação de divulgar fato
relevante que era mantido sob sigilo pela companhia basta que ocorra uma das duas hipóteses
previstas no art. 6º, § único, da Instrução CVM n° 358, de 2002.
18. É indiscutível que, a partir de 27.2.2013, data da veiculação da primeira notícia no
jornal Valor Econômico, houve vazamento de informações a respeito de detalhes das
negociações que culminariam (i) na aquisição, por parte da E.ON, de ações detidas pelo
Acusado representativas de aproximadamente 24,5% do capital social da MPX; (ii) na
celebração de acordo de acionistas entre a E.ON e o Acusado; e (iii) no aumento de capital da
Companhia em pelo menos R$1,2 bilhão8.
19. Naquela data, o mercado foi surpreendido com informações, até então inéditas, a
respeito de eventual (i) alienação de participação societária do Controlador para a também
acionista da Companhia, E.ON; (ii) realização de aumento de capital bilionário, com potencial
de diluição de mais de 20% à época9; e (iii) rearranjo do controle da Companhia com
incertezas sobre o disparo do mecanismo de tag along
(fl. 2).
20. Primeiro, não há dúvidas de que, caso fossem em alguma medida confirmadas, estas
seriam informações relevantes.
21. Nem o próprio Acusado nega a relevância dessas informações. Seus dois principais
argumentos de defesa são que:
80
i) naquele momento não haveria qualquer concretude nas negociações e divulga-las
poderia causar expectativas equivocadas no mercado; nesse sentido, para a defesa, a
operação sequer poderia ser considerada relevante porque não existiria ainda uma
estrutura acordada sobre o que veio a ser a operação final; e
ii) a divulgação de informações poderia colocar em risco o próprio fechamento da
operação, o que agravaria a situação econômico-financeira da Companhia, que já não
era boa10
.
22. Acredito que ambos os argumentos seriam justificativas válidas para manter a
operação em sigilo caso não tivesse havido vazamento de informações. No entanto, diante de
um vazamento (ou de oscilação atípica), o interesse do mercado de obter informações
verdadeiras, claras e precisas se sobrepõe aos interesses da companhia de manter certas
informações em sigilo. Só desta maneira se assegura o adequado funcionamento do mercado
de valores mobiliários e a simetria informacional entre os diversos agentes.
23. A companhia, seus administradores e seu controlador devem impedir que informações
incorretas sejam tidas como verdadeiras, mesmo quando divulgadas por terceiros. Assim,
diante da divulgação de informações, em especial pela imprensa, que possam ser entendidas
pelo mercado como relevantes, ainda que a fonte não tenha sido a companhia, é preciso que
ela, por meio de seu diretor de relações com investidores, de maneira franca e célere,
confirme as informações corretas, corrija as incorretas e complete aquelas incompletas.
24. O então Diretor Pedro Marcílio, no processo sancionador mencionado acima, afirmou
que “[u]ma informação escapa ao controle, quando ela é divulgada pela imprensa ou quando
ela é objeto de boatos ou rumores de mercado. Nesses [casos], a companhia deverá dar uma
declaração franca e clara sobre o assunto, seja para negar ou confirmar a notícia. Caso os
boatos ou rumores sejam indicadores de vazamento de informação relativa a ato ou fato
relevante, a única forma de corrigir a situação é através de seu rápido esclarecimento”.
25. Quanto ao fato de as negociações ainda estarem em curso e de não haver contratos
assinados em 27.2.2013, é importante lembrar o entendimento pacífico do Colegiado da CVM
de que não é necessário que a informação que dá causa ao fato relevante seja definitiva ou já
esteja formalizada11
, cabendo aos administradores e controladores da Companhia a
divulgação de informações conhecidas até o momento e suficientes para restabelecer a
simetria informacional no mercado12
.
26. Caso a operação envolva longos processos de negociação e tratativas, como faz crer a
defesa, a divulgação deve ser feita gradativamente, de forma a divulgar novos fatos relevantes
na medida em que a operação ganhe mais concretude, com o objetivo de colocar todos os
participantes do mercado no mesmo nível informacional13
.
27. Assim, o Acusado, diante da constatação do vazamento em 27.2.2013, deveria ter-se
comunicado com o DRI da Companhia para, de maneira franca e clara, confirmar, negar ou
complementar os detalhes mencionados na notícia do jornal Valor Econômico, de modo a
supri-lo com as informações necessárias para divulgação de fato relevante, esclarecendo o
81
conteúdo do artigo do jornal e mitigando, dessa forma, a assimetria informacional no
mercado.
28. Contudo, o Acusado, após inquisição do DRI da Companhia14
, restringiu-se a informá-
lo que “(...) o Grupo EBX mantém permanente contato com vários investidores sobre
diferentes oportunidades de negócios, sempre em prol do interesse da Companhia e com
vistas a maximizar o valor para os seus acionistas(...)” (fl. 118).
29. Essa resposta foi replicada no comunicado ao mercado divulgado na mesma data.
Entretanto, a Acusação corretamente entendeu que as “informações evasivas e incompletas
sobre o assunto” (fl. 174) não foram suficientes para esclarecer o mercado sobre a veracidade
ou não do que fora veiculado pelo jornal Valor Econômico.
30. A manifestação do Controlador deveria ter sido completa, informando o DRI a
respeito do estágio das negociações e desmentindo, se fosse o caso, aquelas informações que
o Controlador julgasse incorretas ou especulativas. Mais especificamente, Eike Batista
deveria ter enfrentado as seguintes afirmações contidas na notícia de jornal: (i) se a E.ON era
um potencial adquirente do controle da MPX; (ii) se a operação dispararia tag along; (iii) se a
área operacional da MPX passaria a ser controlada pela E.ON; e (iv) se ocorreria um aumento
de capital bilionário na Companhia.
31. Acredito que a conduta evasiva do Acusado foi ainda mais grave na divulgação do fato
relevante de 19.3.2013, ocasião em que ele já havia começado a negociar os contornos
específicos da operação com a E.ON, com o aumento de 25% da sua participação na MPX e o
controle compartilhado com este acionista, conforme confirmado pela E.ON em resposta a
questionamentos da CVM (fl. 58). No entanto, o Acusado comunicou à Companhia apenas
que estava “em tratativas com potencial interessado em determinado número de ações de
[minha] [sua] titularidade” (fl. 120).
32. Novamente, com o objetivo de mitigar a assimetria informacional, o Controlador
deveria ter transmitido informações acerca da veracidade ou não das informações de que (i)
teria fechado o acordo com E.ON em 15.3.2013; (ii) o valor da operação seria de R$ 1,87
bilhão; (iii) o preço por cada ação seria de R$12,00; (iv) o Banco BTG Pactual S.A. e a
BNDESPar participariam do aumento de capital na MPX; (v) este aumento seria realizado por
meio de uma oferta primária de ações; e (vi) a operação não geraria tag along (fl. 09).
33. Com isso, enfrento o argumento da defesa de que o conteúdo das notícias divulgadas
não seria totalmente condizente com os entendimentos que o Controlador e a E.ON estavam
mantendo à época. Para a defesa, as imprecisões da matéria de jornal seriam motivo suficiente
para eximir o Controlador de sua obrigação de divulgar as negociações em curso. Como
explicado acima, o fato de haver informações inverídicas ou especulativas circulando no
mercado, ainda que sejam meros rumores, é razão suficiente para exigir da companhia e, por
consequência, do seu controlador, a prestação de esclarecimentos por meio de fato relevante.
34. Por essas razões, voto, com fundamento no art. 11 da Lei nº 6.385, de 1976, pela
condenação de Eike Fuhrken Batista à pena de multa, no valor de R$ 300.000,00 (trezentos
mil reais), por infração ao art. 6º, parágrafo único, da Instrução CVM n° 358, de 2002.
82
Rio de Janeiro, 18 de março de 2015.
Luciana Dias DIRETORA
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1 “Art. 6º Ressalvado o disposto no parágrafo único, os atos ou fatos relevantes podem, excepcionalmente,
deixar de ser divulgados se os acionistas controladores ou os administradores entenderem que sua revelação
porá em risco interesse legítimo da companhia.
Parágrafo único. As pessoas mencionadas no caput ficam obrigadas a, diretamente ou através do Diretor de
Relações com Investidores, divulgar imediatamente o ato ou fato relevante, na hipótese da informação escapar ao
controle ou se ocorrer oscilação atípica na cotação, preço ou quantidade negociada dos valores mobiliários de
emissão da companhia aberta ou a eles referenciados”.
2 Julgado em 17.04.2007.
3 Art. 2º, da Instrução CVM nº 358, de 2002: “Considera-se relevante, para os efeitos desta Instrução, qualquer
decisão de acionista controlador, deliberação da assembleia geral ou dos órgãos de administração da companhia
aberta, ou qualquer outro ato ou fato de caráter político-administrativo, técnico, negocial ou econômico-
financeiro ocorrido ou relacionado aos seus negócios que possa influir de modo ponderável:
I - na cotação dos valores mobiliários de emissão da companhia aberta ou a eles referenciados;
II - na decisão dos investidores de comprar, vender ou manter aqueles valores mobiliários;
III - na decisão dos investidores de exercer quaisquer direitos inerentes à condição de titular de valores
mobiliários emitidos pela companhia ou a eles referenciados”.
De acordo com o voto do ex-diretor Pedro Oliva Marcílio de Souza, no âmbito do Processo Administrativo
Sancionador RJ2006/5928, julgado em 17.4.2007, “Conceito de Fato Relevante. Fato relevante é o fato que tem
o poder de alterar uma decisão de investimento de um investidor racional. A relevância de um fato não é
afetada mesmo que, após sua divulgação, constate-se que não houve mudança na cotação das ações ou no
volume negociado” (grifos meus).
4 “§5º Os administradores poderão recusar-se a prestar a informação (§ 1º, alínea e), ou deixar de divulgá-la (§
4º), se entenderem que sua revelação porá em risco interesse legítimo da companhia, cabendo à Comissão de
Valores Mobiliários, a pedido dos administradores, de qualquer acionista, ou por iniciativa própria, decidir
sobre a prestação de informação e responsabilizar os administradores, se for o caso.”
5 Esse tipo de comparação é usual para demonstrar oscilações atípicas nas cotações de ações negociadas em
bolsa, vide Processos Administrativos Sancionadores CVM nos
RJ2011/8224; e 29/2000, julgados,
respectivamente, em 3.12.2013 e 17.12.2013; e Processos Administrativos Sancionadores CVM nos
RJ2013/5640, RJ2010/4953, RJ2010/4246 e RJ2009/5978, todos encerrados por meio de Termos de
Compromisso.
6 A respeito dos indícios já considerados expressivos o suficiente pelo Colegiado para detectar oscilação
atípica, vide os Processos Administrativos Sancionadores CVM n° RJ2011/8224; 16/09; RJ2008/9511 e
RJ2008/5752 julgados, respectivamente, em 5.12.2013; 6.12.2011; 20.5.2009 e em 27.1.2009.
7 A esse respeito, já se pronunciaram o ex-diretor da CVM Marcos Barbosa Pinto no âmbito do Processo
Administrativo Sancionador CVM n° RJ2008/5752, julgado em 27.1.2009; o ex-diretor Otavio Yazbek, no
âmbito do Processo Administrativo Sancionador CVM n° RJ2011/8224, julgado em 5.12.2013; e o diretor
Roberto Tadeu Antunes Fernandes, no âmbito do Processo Administrativo Sancionador CVM nº
RJ2012/3168, julgado em 13.11.2012.
8 Conforme anunciado no fato relevante divulgado em 28.3.2013 (fls. 24-27).
9 De acordo com o Formulário de Referência 2013-V1, divulgado pela Companhia em 25.2.2013, o Capital
83
Social da MPX, em 31.12.2012 era de R$3.736.354.722,02. Portanto, para um aumento de capital de R$1 bilhão,
o potencial de diluição dos acionistas naquela data seria igual a [R$1 bilhão/(R$1 bilhão + R$3,74 bilhão)] =
21,10%.
10 Conforme Eike Batista, “na situação em que se encontrava a Companhia, a divulgação de informações
(...) poderia ter consequências irreversíveis caso a E.ON desistisse do negócio” como a dificuldade de “atração
de outros interessados, o que, em última instância, refletir-se-ia na própria possibilidade de captação de novos
recursos pela Companhia” (fl. 201).
11 Voto do diretor Marcelo Fernandez Trindade no âmbito do Processo Administrativo Sancionador CVM nº
22/99, julgado em 16/08/2001: "(...) esta sucessão de eventos revela claramente, no meu entendimento, que as
companhias envolvidas, a CVM e a Bovespa agiram todas, naquele momento, da forma como deveriam: as
empresas divulgaram as informações à medida que se tornaram disponíveis e minimamente concretas, mas
sem aguardar o desfecho detalhado do assunto, evitando assim que se perdesse o controle sobre a
informação” (grifos meus).
Voto do Diretor Pedro Oliva Marcílio de Souza no âmbito do Processo Administrativo Sancionador CVM nº
RJ2006/5928, julgado em 17/04/2007: "não se exige que a informação seja definitiva ou esteja formalizada
para que se considere um fato relevante e, portanto, sujeito ao dever de divulgação. Basta que a informação
não seja meramente especulativa, mera intenção, não baseada em fatos concretos. Informações sobre atos
bilaterais (contratos, reestruturações societárias, etc.) podem ser divulgáveis, independentemente de consenso
entre as partes, desde que uma delas já tenha tomado a decisão de realizar o negócio, fazer uma oferta de
compra ou tenha a intenção de prosseguir uma negociação ou concluir uma negociação em andamento.
Nesses casos, divulga-se a intenção, mas não a conclusão do negócio" (grifos meus).
12 A esse respeito, o ex-diretor da CVM Pedro Oliva Marcilio de Sousa pronunciou-se, no âmbito do
Processo Administrativo Sancionador n° CVM Nº RJ2006/5928, julgado em 17.4.2007, no sentido de que “a
diferenciação de regime entre as duas situações parece-me justificada. A função da divulgação em caso de
perda do controle sobre a informação, como já disse, tem por objetivo colocar todos os participantes no mesmo
nível. Já a obrigação de divulgar em caso de oscilação atípica tem outra função. Nesse caso, nivelar o nível de
conhecimento entre os investidores não é a finalidade, mas o meio (não se sabe, ainda, se alguns investidores
tenham conhecimento da informação, mas a legislação presume que isso possa ocorrer). O fim é evitar eventual
negociação com informação privilegiada. A divulgação é, portanto, preventiva. Assim, em caso de oscilação
atípica, o ônus de comprovar a falta de ligação entre a informação não revelada e a oscilação atípica é do
diretor de relação com investidores e não da CVM ou do investidor prejudicado, conforme o caso”.
Voto do diretor Otavio Yazbek no âmbito do Processo Administrativo Sancionador CVM n° RJ2011/8224,
julgado em 5.12.2013: “Além disso, é importante lembrar que – e aqui já passo para a terceira observação que
gostaria de fazer – nos casos em que há a veiculação de notícias sobre fatos relevantes até então mantidos em
sigilo, a divulgação do diretor de relações com investidores precisa procurar afastar todo o possível
desequilíbrio que se instaurou com a divulgação da notícia, devendo, portanto, abordar todos os elementos
que foram veiculados na imprensa.
Nesse caso, se o Acusado se restringisse a afirmar que o controlador estava em negociação com a Caixa não me
parece que isso seria suficiente para afastar o desequilíbrio instaurado, pois, como relatado, as notícias deram
uma série de informações sobre as características da operação que estava sendo negociada pela Caixa” (grifos
meus).
13 Voto do diretor Marcelo Fernandez Trindade no âmbito do Processo Administrativo Sancionador n° 04/04,
julgado em 28.6.2006: “estudos mais aprofundados em finanças, notadamente nos Estados Unidos,
confirmam que o momento do fato relevante, na maior parte das vezes, não é representado por um evento
objetivo localizado no tempo, que de forma clara e definitiva simbolize a ocorrência relevante nos negócios
da companhia. Verificou-se naqueles estudos que, frequentemente, o fato isolado (a assinatura de um
contrato, por exemplo) não é suficiente para capturar, de uma só vez, o impacto de uma informação
relevante. Além disso, cada vez mais o mercado tenta se antecipar à divulgação de informações, ao invés de
84
aguardá-las passivamente, fazendo apostas quanto aos eventos que serão anunciados, independentemente da
importância do anúncio em si, o que também dificulta a identificação de eventos relevantes no tempo”.
14 A Acusação entendeu que o DRI cumpriu suas obrigações ao inquirir o acionista controlador após as
divulgações das notícias e ao divulgar suas respostas ao mercado.
Manifestação de voto do Diretor Roberto Tadeu Antunes Fernandes na
Sessão de Julgamento do Processo Administrativo Sancionador CVM nº RJ2013/10909,
realizada no dia 18 de março de 2015.
Senhor Presidente, eu acompanho o voto da Relatora.
Roberto Tadeu Antunes Fernandes
DIRETOR
Manifestação de voto do Diretor Pablo Renteria na Sessão de Julgamento
do Processo Administrativo Sancionador CVM nº RJ2013/10909 realizada no dia 18 de
março de 2015.
Eu acompanho o voto da Relatora, Senhor Presidente.
Pablo Renteria
DIRETOR
Manifestação de voto do Presidente da CVM, Leonardo P. Gomes
Pereira, na Sessão de Julgamento do Processo Administrativo Sancionador CVM nº
RJ2013/10909 realizada no dia 18 de março de 2015.
Eu também acompanho o voto da Relatora e proclamo o resultado do
julgamento, em que o Colegiado desta Comissão, por unanimidade de votos, decidiu pela
aplicação da penalidade de multa pecuniária para o acusado, nos termos do voto da Diretora-
relatora.
Encerro a Sessão, informando que o acusado punido poderá interpor
recurso voluntário, no prazo legal, ao Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional.
Leonardo P. Gomes Pereira
PRESIDENTE
86
ANEXO III – PEÇA DE DENÚNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
EXMO(A). SR(A). DR(A). JUIZ(A) FEDERAL DA 3ª VARA FEDERAL CRIMINAL
DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO.
Ref.: IPL nº. 0025/2014-11 DELEFIN/SR/DPF/RJ (Distribuição por dependência ao Processo nº 0022054-97.2014.4.02.51.01)
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, presentado pelos Procuradores da República no exercício de suas atribuições constitucionais e legais, vem oferecer
DENÚNCIA
em face de
EIKE FUHRKEN BATISTA , brasileiro, empresário,
pela prática das condutas delituosas que passa a expor.
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO RIO DE
JANEIRO
87
I – DO DELITO DE MANIPULAÇÃO DO MERCADO135
PREVISTO NO ART. 27-C
DA LEI 6.385/76
O denunciado EIKE, visando alterar o regular funcionamento da BM&F
BOVESPA, simulou a contratação de cláusula “put” em que se obrigaria a aportar recursos
vultosos na OGX, na ordem de 1 bilhão de dólares americanos, divulgando em 24/10/2012 a
informação inverídica ao público investidor diretamente lesado, causando dano difuso ao
público investidor na medida de US$ 1.000.000.000,00 (1 bilhão de dólares americanos) que
não foram aportados na OGX.
Dessa forma, com a perpetração da conduta delitiva em comento, odenunciado
EIKE, ao não realizar o pagamento da cláusula “put” inserida no referido contrato, evitou a
diminuição de seu patrimônio pessoal em cerca de 1,5 bilhão de reais136
..
A má-fé e fraude na divulgação de contrato com cláusula que jamais seria
adimplida resta comprovada uma vez que muito antes de sua divulgação era de conhecimento
do denunciado EIKE que os campos de exploração Tubarão Tigre, Tubarão Gato e Tubarão
Areia não ensejavam a prospecção anunciada e que justificava os altos preços das ações137
.
135
Conforme o entendimento de doutrina abalizada sobre o tema, “um dos objetivos essenciais da regulação do
mercado de capitais é o de propiciar eficiência na determinação do valor dos títulos nele negociados. Em
princípio, quanto mais rápida for a reação das cotações dos papéis as novas informações, mais eficiente será o
mercado. Assim, o ideal é que a cotação de determinado valor mobiliário reflita unicamente todas as
informações publicamente disponíveis; em tal hipótese, pode-se falar em cotação real e verdadeira dos ativos
financeiros negociados no mercado de capitais.
A ocorrência da manipulação caracteriza um processo de formação de preços artificial, um 'falso
mercado', agredido, consequentemente, o funcionamento regular do mercado de capitais”. EIZIRIK, Nelson;
GAAL, Ariádna B.; PARENTE, Flávia; HENRIQUES, Marcus de Freitas. Mercado de capitais – regime
jurídico. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 522. 136
Como se infere da leitura do Ofício nº. 27/2014/GJU-4/PFE-CVM/PGF/AGU (fls. 2/6 do Apenso
II). 137
A sociedade empresária OGX PETRÓLEO E GÁS PARTICIPAÇÕES S.A. e, particularmente, o denunciado
EIKE, a partir de 2/10/2009, começou a realizar diversas divulgações sobre os indícios de hidrocarbonetos
existentes nos poços exploratórios que estavam sendo perfurados. Nesse sentido, o termo de acusação acostado
ao Apenso IV relatou que “entre 02/10/2009 e 26/04/2012, a OGX divulgou exatos 82 fatos relevantes, sendo
que, em 54 deles, informou ao mercado a presença de indícios de hidrocarbonetos, ou seja, em um período de 31
meses, esse assunto representou aproximadamente 65% dos fatos relevantes da Companhia” (fls. 5 do Apenso
IV).
Note-se que as mensagens contidas nos fatos relevantes publicados a respeito da atuação da referida
empresa na Bacia de Campos era sempre veiculada em tom otimista, sendo que não houve qualquer informação
acerca dos “desafios da Companhia até que a descoberta de hidrocarbonetos se tornasse, de fato, algo relevante
para a OGX” (fls. 10/13 do Apenso IV).
Esse cenário de otimismo comercial assumiu novos contornos a partir do momento em que Luiz
Eduardo Guimarães Carneiro ingressou como CEO da OGX. Uma das primeiras medidas adotadas pelo diretor
executivo foi a constituição de um grupo de trabalho, formado por integrantes da própria empresa (fls. 23 do
Apenso II), cuja finalidade seria a avaliação da viabilidade econômica para o desenvolvimento dos campos
petrolíferos (fls. 87/95).
88
Ressalte-se ainda que a despeito do contexto completamente desfavorável à
exploração de recursos minerais nos campos de Tubarão Tigre, Tubarão Gato e Tubarão
Areia, o que era de inteiro conhecimento do acusado 138
, este celebrou, em 24/10/2012, um
contrato139
com a OGX em que se comprometia a aportar uma quantia vultosa – que poderia
chegar a 1 bilhão de dólares – em sua própria companhia, o que demonstrava a confiança que
tinha no sucesso de seus empreendimentos140
.
Com a conclusão das análises técnicas e financeiras elaboradas pela empresa Schlumberger Serviços de
Petróleo Ltda – contratada pela OGX para a realização de consultoria –, o grupo de trabalho constituído no
âmbito interno da sociedade empresária pertencente ao grupo econômico EBX apresentou, em 24/9/2012, um
relatório final à Diretoria Executiva da OGX em que “foram divulgadas estimativas de volume in situ e de óleo
recuperável para as acumulações, estando estas abaixo do inicialmente esperado. Ressaltou-se que tanto no
cenário pessimista quanto no otimista o VPL calculado para o projeto era negativo, o que redundava em
sua inviabilidade econômica” (fls. 39/40 do Apenso I). 138
De acordo com os depoimentos de ROBERTO BERNARDES MONTEIRO (diretor financeiro e de relação
com investidores entre maio/2012 e outubro/2013), LUIZ EDUARDO GUIMARÃES CARNEIRO (CEO da
OGX entre 28/6/2012 e outubro/2013), PAULO DE TARSO MARTINS GUIMARÃES (gerente de exploração
de novas áreas de dezembro/2010 a setembro/2012, sendo posteriormente diretor de exploração – setembro/2012
a junho/2013 – e diretor técnico – junho/2013 a outubro/2013), JOSÉ ROBERTO PENNA CHAVES FAVERET
CAVALCANTI (diretor jurídico da OGX desde março/2008 a outubro/2013), PAULO MANUEL MENDES DE
MENDONÇA (diretor geral da OGX entre 2010 e 2012, tendo ocupado o cargo de CEO nos meses de abril e
junho/2012), MARCELO FABER TORRES (diretor financeiro e de relação com os investidores da companhia
entre junho/2008 a fevereiro/2012), o acusado se envolvia intensamente com os assuntos tratados na OGX, sendo
informado com certa antecedência acerca dos fatos relevantes e das informações que seriam publicadas no nome
de sua empresa (fls. 78/128) 139
O referido instrumento contratual encontra-se previsto na mídia digital acostada às fls. 21 do Apenso 2. 140
Acerca da confiança que os investidores tinham sobre o exercício da cláusula "put", o que diminuiria a
posição de caixa da OGX, o Termo de Acusação da CVM (fls. 54-56 do Apenso 1) esclarece que: "Diante desses
dados, sabe-se que a Companhia estava com a sua posição de caixa sendo diminuída ao longo do tempo. Por este
motivo, é razoável entender que os investidores, que só tinham acesso às informações oficialmente divulgadas
pela OGX, vislumbravam a Put como sendo uma solução, ao menos temporária, para o caixa da Companhia.
Com a finalidade de reforçar esse argumento, cumpre destacar que, após o exercício da Put pela
Companhia em 06.09.13 e posterior notificação de conflito pelo acionista controlador em mesma data, o
problema de caixa da Companhia foi evidenciado com o pedido de recuperação judicial da OGX, informado pelo
fato relevante de 31.10.2013 (fl. 474).
Nesse sentido, para comprovar que os investidores efetivamente acreditavam no exercício e
posterior pagamento da Put, cabe destacar que (fls. 475-481):
a) em 17.10.2012, foi divulgado fato relevante que informou que a OSX exerceu uma put semelhante
concedida pelo Sr. Eike Batista, sendo que a OSX receberia US$ 500 milhões até março de 2013 e outros
US$ 500 milhões até março de 2014;
b) em 17.05.2013, foi divulgado fato relevante que informou (i) um novo plano de negócios da
OSX, e (ii) o exercício de US$ 120 milhões remanescentes da put; e
c) em 27.08.2013, foi divulgado um terceiro fato relevante que informou, após a alteração do plano de
negócios da OSX, o exercício adicional de US$ 50 milhões de dólares da put da OSX.
Dessa forma, além dos investidores terem esperança de que a Put da OGX também seria exercida
para aliviar a pressão sobre o caixa da Companhia, eles precisavam ter conhecimento da integralidade dos
termos do contrato da Put, já que foram aportados recursos na OSX (em 27.08.2013) mesmo após ela
divulgar a alteração do seu plano de negócios (em 17.05.2013). [...]
É importante salientar, conforme já informado na seção II, retro, a interconexão entre a Companhia e a
OSX. No caso concreto, sabe-se que a não injeção de US$ 1 bilhão na OGX impactaria direta e negativamente
na OSX.
Esse impacto pode ser evidenciado pela inclusão da OSX entre os credores que fecharam acordo com a
Companhia – divulgado em fato relevante de 24.12.2013 – para a reestruturação da OGX (fls. 421-443)". (grifo
nosso)
89
A divulgação141
do contrato com cláusula “put”142
se deu maliciosamente143
, de
forma a iludir o público investidor, mediante a sua ocultação por ocasião da publicação de
fato relevante na mesma data da celebração do instrumento particular, o que possibilitou ao
acusado suscitar a sua isenção de cumprir a obrigação de investir recursos de seu patrimônio
pessoal na empresa OGX através da compra de ações.
Por fim, cumpre ressaltar que a CVM apontou que a alteração do plano de
negócios da sociedade comercial OGX já vinha sendo tratada no âmbito interno da empresa
desde setembro/2012144
, sendo que o próprio denunciado, em 29/5/2013, por intermédio de
sua conta pessoal na rede social twitter, enviou mensagem a seus seguidores no sentido de que
141
Do Termo de Acusação da CVM: “Em 24.10.2012, a Companhia divulgou fato relevante que informou que
(fl. 404): “seu acionista controlador Eike Batista outorgou à Companhia o direito de exigir que subscreva novas
ações ordinárias de emissão da Companhia, ao prelo de exercício de R$ 6,30 por ação, até o limite máximo do
valor equivalente a Us$ 1,0 bilhão. A opção poderá ser exercida a qualquer momento até 30 de abril de 2014 e
está condicionada à necessidade de capital social adicional da Companhia e a ausência de alternativas mais
favoráveis, condições estas que serão determinada pela maioria dos membros independentes do Conselho de
Administração da Companhia. “Ao conceder essa opção, enfatizo a minha confiança na qualidade do corpo
técnico e ativos da Companhia, bem como nas novas oportunidade que o setor de óleo e gás oferece à OGX,
comentou Eike Batista, acionista controlador e presidente do Conselho de Administração da OGX.” 142
É mister salientar ainda que a referida cláusula previa a inviabilidade da execução da cláusula “put” em face
do acionista controlador da OGX caso houvesse alteração do plano de negócios referentes à exploração dos
campos de petróleo.
Essa modificação do plano de negócios, como anteriormente ressaltado, podia ser constatada desde
24/9/2012, data em que o grupo de trabalhado constituído no âmbito interno da OGX concluiu pela inviabilidade
econômica da exploração dos campos cujos direitos de concessão foram adquiridos pela sociedade anônima em
que o acusado figurava como acionista controlador.
De igual forma, mesmo sem uma alteração formal do referido plano – o que somente ocorreu em
27/8/2013 –, EIKE BATISTA, em 29/5/2013, se manifestou publicamente, através de sua conta pessoal no
twitter, no sentido de que um novo plano de negócios seria publicado pela OGX (fls. 75 do Apenso 2), o que
sinaliza claramente que o acusado tinha ciência do contexto fático vivenciado por sua empresa no tocante aos
empreendimentos localizados na Bacia de Campos e, ao mesmo tempo, demonstra a sua intenção inequívoca de
obter vantagem econômica em detrimento dos pretensos adquirentes das ações de sua companhia mediante a
alteração do regular funcionamento do mercado de valores mobiliários. 143
Parecer da AGU sobre o Termo de Acusação da CVM: “Como bem notado pela SEP, a divulgação do Fato
Relevante de 13.03.2013 trouxe apenas informações acerca do volume in situ, não havendo qualquer menção
sobre o volume de óleo recuperável – informação esta disponível para a Companhia a partir da entrega do
relatório da Schlumberger, em 21.09.2012, e utilizado na apresentação do Grupo de Trabalho, em 24.09.2012. A
importância dessa informação decorre da possibilidade de obtenção do valor presente líquido do projeto com
suporte nesses números, razão pela qual, de acordo com a SEP, deveriam estes ter sido objeto de divulgação
quando da publicação do fato relevante de 13.03.2013.” (…) “Ressaltou a SEP que Eike Batista havia realizado
contrato com a Companhia com previsão de exercício de Put em 24.10.2012, efetivamente exercida pela OGX
em 06.09.2013. Importante notar que o inteiro teor do contrato de Put não era de conhecimento público, mas sim
restrito à Administração da OGX e Eike Batista, já que o Fato Relevante publicado na mesma data em que foi
celebrado o contrato não trazia na íntegra os detalhes do que havia sido pactuado.” 144
Como já ressaltado, o Grupo de Trabalho constituído no âmbito da OGX concluiu, baseado nas análises
econômicas e financeiras da empresa Schlumberger Serviços de Petróleo Ltda, que as estimativas de volume in
situ e de óleo recuperável para as acumulações localizadas na Bacia de Campos estavam abaixo do inicialmente
esperado. Ademais, o valor presente líquido (VPL) calculado para o projeto era negativo, o que redundava na
inviabilidade econômica da exploração dos referidos campos (fls. 39/40 do Apenso 1).
90
apresentaria, em breve, um novo plano de negócios145
, o que somente veio à tona mediante a
publicação de fato relevante em 27/8/2013.
III – DOS DELITOS DE INSIDER TRADING146
PREVISTO NO ART. 27-D DA LEI
6.385/76
O denunciado EIKE, agindo consciente e voluntariamente, utilizou, por 2
(duas) vezes, informações relevantes, ainda não divulgadas ao mercado, de que tinha
conhecimento, propiciando para si vantagem indevida mediante a negociação, em nome
próprio, com valores mobiliários.
A utilização das informações relevantes pelo denunciado EIKE ocorreu em
dois períodos distintos.
III.1 – DA CONDUTA DELITIVA DE INSIDER TRADING OCORRIDA NO
PERÍODO DE 24.5.2013 A 10.6.2013
145
Fls. 78 do Apenso 1 e fls. 75 do Apenso II. 146
Segundo os escólios de doutrina abalizada, “ o insider trading consiste na utilização de informações
relevantes sobre valores mobiliários, por parte de pessoas que, por força de sua atividade profissional, estão 'por
dentro' dos negócios da emissora, para transacionar com os valores mobiliários antes que tais informações sejam
de conhecimento do público. Assim agindo, o insider compra ou vende valores mobiliários a preços que ainda
não estão refletindo o impacto de determinadas informações, que são de seu conhecimento exclusivo.
Há razões de ordem econômica e de ordem ética que justificam a repressão ao uso privilegiado de
informações por parte dos insiders.
As razões econômicas estão relacionadas ao conceito de eficiência na determinação da cotação dos
valores mobiliários negociados no mercado de capitais. Considera-se que o mercado é eficiente quando os preços
das ações refletem todas as informações sobre as emissoras e os títulos negociados; quanto mais rápida for a
reação dos títulos às novas informações, em princípio, mais eficiente será o mercado. O ideal, pois, é que a
cotação dos títulos reflita apenas todas as informações publicamente disponíveis, o que se busca alcançar
mediante normas que estabeleçam a obrigação de divulgar todas as informações relevantes. A ampla divulgação
de informações completa-se com um segundo princípio, dela decorrente: as informações devem estar disponíveis
a todos ao mesmo tempo, sem que os insiders possam utilizá-las antes de sua divulgação.
As razões de ordem ética derivam do princípio da igualdade de acesso às informações, o denominado
market egalitarinism. Com efeito, há um total desequilíbrio entre a posição do insider e a dos demais
participantes do mercado, sendo eticamente condenável a obtenção de lucros unicamente em função da
utilização de informações confidenciais que o insider sabe que não estão disponíveis para o público. Assim, a
legislação, nos diferentes países, busca impedir que os insiders obtenham vantagens decorrentes da inevitável
'assimetria' de informações, uma vez que eles sempre terão acesso a elas antes dos investidores do mercado”.
EIZIRIK, Nelson; GAAL, Ariádna B.; PARENTE, Flávia; HENRIQUES, Marcus de Freitas. Mercado de
capitais – regime jurídico. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 536-537.
91
Em um primeiro intervalo temporal, compreendido entre 24/5/2013 a
10/6/2013, o denunciado EIKE, através de fundo financeiro de sua propriedade147
–
Centennial Asset Mining Fund LLC –, alienou 126.650.500 (cento e vinte e seis milhões,
seiscentos e cinquenta mil e quinhentas) ações de emissão da empresa OGX, tendo, como
contrapartida, recebido o montante de R$ 197.247.497,00 (cento e noventa e sete milhões,
duzentos e quarenta e sete mil, quatrocentos e noventa e sete reais)148
, gerando um lucro
indevido para si no montante compreendido entre R$ 123.790.497,00 e R$ 126.323.497,00149
.
A venda das referidas ações ocorreu em uma conjuntura favorável aos negócios
realizados pelo denunciado, em desigualdade de condições com os demais investidores, uma
vez que a OGX PETRÓLEO E GÁS PARTICIPAÇÕES S.A havia noticiado, em 13/3/2013, a
comercialidade das acumulações Pipeline, Fuji e Ilimani150
, informando ainda que os campos
teriam entre 521 e 1.339 milhões de volume de óleo in situ151152
.
O denunciado EIKE omitiu, de forma livre e consciente, as conclusões técnicas
e financeiras da empresa Schlumberger Serviços de Petróleo Ltda – contratada pela OGX para
a realização de consultoria153
– e as análises empreendidas pelo Grupo de Trabalho
constituído no âmbito interno da própria empresa154
, os quais afirmaram que o volume de óleo
recuperável variava entre 49,4 e 77,8 milhões de barris, sendo que o VPL dos projetos a serem
realizados para exploração dos campos eram negativos155156
.
147
De acordo com o termo de declarações do denunciado acostado às fls. 64. 148
Fls. 38/39 do Apenso I. 149
Fls. 5/6 do Apenso II. 150
De acordo com fl. 62 do Apenso 1, a acumulação de “Pipeline” formava o campo de “Tubarão Gato”,
enquanto que as acumulações “Fuji” e “Ilimani” formavam o campo de “Tubarão Areia”. 151
Fls. 130/131 do Apenso III. 152
Note-se que o diretor jurídico da OGX à época dos fatos – JOSÉ ROBERTO PENNA CHAVES FAVERETT
CAVALCANTI –, ao prestar depoimento em sede policial, afirmou que “a declaração de comercialidade era
necessária na época, uma vez que ainda havia a dúvida sobre a viabilidade e se não houvesse declaração da
comercialidade as áreas teriam que ser devolvidas à União e o prejuízo que seria causado seria muito grande à
companhia” (fls. 108). 153
O estudo realizado pela prestadora de serviços foi entregue à OGX em 21/9/2012, segundo fls. 49 do Apenso
IV. 154
Tais fatos foram divulgados à Diretoria da OGX em 24/9/2012, conforme fls. 49 do Apenso IV. 155
Fls. 46/49 do apenso IV. 156
Ressalta-se que as conclusões emitidas pela referida empresa de consultoria e pelo grupo de trabalho formado
no âmbito da OGX satisfazem o elemento normativo “informação relevante” contido no tipo penal previsto no
art. 27-D da Lei 6.385/76, na medida em que cumprem os requisitos elencados no art. 2º da Instrução CVM
358/2002, o qual dispõe:
“Art. 2º. Considera-se relevante, para os efeitos desta Instrução, qualquer decisão de acionista controlador,
deliberação da assembleia geral ou dos órgãos de administração da companhia aberta, ou qualquer outro ato ou
fato de caráter político-administrativo, técnico, negocial ou econômicofinanceiro ocorrido ou relacionado aos
seus negócios que possa influir de modo ponderável: I – na cotação dos valores mobiliários de emissão da
companhia aberta ou a eles referenciados;
92
III.2 – DA CONDUTA DELITIVA DE INSIDER TRADING OCORRIDA NO
PERÍODO DE 28.8.2013 A 3.9.2013 E DE 27/8/2013 A 2/9/2013
No período de 28/8/2013 a 3/9/2013, o denunciado EIKE, através do fundo
Centennial Asset Mining Fund LLC157
, promoveu a venda de 227 milhões de ações de
emissão da sociedade anônima OGX, o que lhe rendeu, como contrapartida, a quantia de R$
111.183.328,00 (cento e onze milhões, cento e oitenta e três mil e trezentos e vinte e oito
reais).
Em contexto fático idêntico, porém em lapso temporal diverso – entre
27/8/2013 e 2/9/2013 –, o acionista controlador do grupo econômico EBX, através do referido
fundo financeiro, alienou 29.054.100 (vinte e nove milhões, cinquenta e quatro mil e cem)
ações de emissão da OSX, cuja celebração do referido negócio jurídico lhe rendeu R$
24.759.473,00 (vinte e quatro mil, setecentos e cinquenta e nove mil, quatrocentos e setenta e
três reais).
As alienações mencionadas, responsáveis por propiciar ao denunciado EIKE o
lucro indevido que varia entre R$ 12.528.980,00 e R$ 27.601.685,00158
, foram efetivadas
após a publicação de fato relevante – ocorrido em 1/7/2013 – em que se noticiou a
inviabilidade econômica do desenvolvimento dos campos de “Tubarão Tigre”, “Tubarão
Gato” e “Tubarão Areia” com a tecnologia existente à época, o que resultou, inclusive, em
uma queda de 25% (vinte e cinco por cento) da cotação da ação da OGX159
.
Mesmo com a aparente conjuntura econômica e financeira desfavorável, a
credibilidade das sociedades empresárias que compunham o grupo econômico da EBX se
sustentava em razão da divulgação, em 24/10/2012160
, da celebração de contrato161
entre o
II – na decisão dos investidores de comprar, vender ou manter aqueles valores mobiliários; III – na decisão dos
investidores de exercer quaisquer direitos inerentes à condição de titular de valores mobiliários emitidos pela
companhia ou a eles referenciados.” 157
O referido fundo financeiro era titularizado pelo próprio denunciado, de acordo com o seu termo de
declarações acostado fls. 64. 158
Fls. 6 do Apenso II. 159
De acordo com fls. 73 do Apenso 1, “ao realizar a divulgação do fato relevante de 01.07.2013, a cotação de
abertura da ação da Companhia nesse dia foi de R$ 0,58 (cinquenta e oito centavos), quando havia fechado o dia
anterior cotada a R$ 0,77 (setenta e sete centavos), em uma queda de aproximadamente 25% (vinte e cinco por
cento) com a sua divulgação”. 160
Fls. 132 do Apenso III. 161
Instrumento Particular de Outorga de Opção de Subscrição de Ações e Outras Avenças, previsto na mídia
digital acostada às fls. 21 do Apenso 2.
93
acionista controlador da OGX e a própria empresa em que aquele se comprometia a aportar 1
bilhão de dólares para a continuidade da consecução do plano de negócios da referida
companhia, sendo certo, contudo, que nunca houve de fato a intenção de adimplir o pacto.
A CVM, portanto, constatou que o denunciado EIKE omitiu do público
investidor a informação de que o exercício da cláusula “put” pela Diretoria da OGX em face
de si pressupunha a manutenção do plano de negócios vigente na data da assinatura do
contrato162163
, o que restaria alterado em razão da publicação do fato relevante de 1/7/2013,
eximindo, assim, o acusado de aplicar a quantia de 1 bilhão de dólares em sua própria
companhia164165
.
IV – DA CAPITULAÇÃO DELITIVA
Diante do exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL denuncia EIKE
FUHRKEN BATISTA como incurso nas sanções do art. 27-C da Lei nº 6.385/76 e do art.
27-D da Lei nº 6.385/76, por 2 (duas) vezes, todos na forma do art. 69 do CP.
V – DO PEDIDO
Com o recebimento da denúncia, requer o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
seja o réu citado para responder aos termos da ação penal ora proposta; e pede, de acordo com
162
Salienta-se que a OGX somente divulgou a cópia integral do contrato da Put em 10/9/2013, mediante
comunicação ao mercado financeiro (fls. 82 do Apenso 1). 163
Ademais, como bem asseverado pela CVM no OFÍCIO/CVM/SEP/GEA-3/Nº 887/13, encaminhado ao
acusado em 19/12/2013, o fato relevante de 24/10/2012 não noticiava a possibilidade do acionista controlador da
OGX contestar o exercício da cláusula “put” pela diretoria da referida empresa, demonstrando, assim, a intenção
de ocultar informação contratual relevante do mercado financeiro (fls. 102/103 do Apenso II). 164
De acordo com o Termo de Acusação presente no Apenso 1, a Diretoria da OGX, em 6/9/2013, informou ao
mercado de capitais que havia exercido, naquela data, “a Put concedida por seu acionista controlador, com o
imediato desembolso de 100 milhões de dólares e o saldo de forma modulada diante da necessidade de caixa
adicional pela Companhia, conforme determinação de sua administração”.
Todavia, “em resposta divulgada através de fato relevante de 09.09.2013, o Sr. Eike Batista notificou,
ainda em 06/09/2013, a Companhia de conflito, nos termos da cláusula 6.10 da Put, com a intenção de discutir a
validade do seu exercício (fls. 406-411).
Em resposta ao OFÍCIO/CVM/SEP/GEA-1/Nº 502/2013, a Companhia divulgou, através de
comunicado ao mercado de 10.09.2013, cópia integral do contrato da Put (fls. 412-419).
Em 11.11.2013, a Companhia informou, por meio de comunicado ao mercado, que a OGX 'e o acionista
controlador resolveram submeter a juristas independentes os termos da disputa, estimando-se um prazo adicional
de 60 dias para que seja obtido um posicionamento, o qual será informado ao mercado e aos seus acionistas [fls.
92 do Apenso II]”. 165
Nesse ponto, é mister salientar que a informação mencionada – bem como o inteiro teor do contrato de
outorga de opção de subscrição de ações e outras avenças – satisfaz o elemento normativo “informação
relevante” contido no tipo penal previsto no art. 27-D da Lei 6.385/76, cujas razões foram expostas na nota de
rodapé nº 15.
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o desfecho da instrução criminal, seja condenado na medida de sua culpabilidade bem como
seja fixado um valor mínimo de indenização a ser paga pelo denunciado.
Requer, por fim, sejam notificadas para depor sobre os fatos narrados as
testemunhas ora arroladas.
Rio de Janeiro, 11 de setembro de 2014.
RODRIGO RAMOS POERSON ORLANDO MONTEIRO E. DA CUNHA
PROCURADORES DA REPÚBLICA