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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE DIREITO DEPARTAMENTO DE DIREITO PRIVADO LÍVIA CRISTINA SILVA VIEIRA DA ROCHA INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ECONOMIA: O PAPEL DA CVM NA REGULAÇÃO DO MERCADO DE CAPITAIS Niterói 2015

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

FACULDADE DE DIREITO

DEPARTAMENTO DE DIREITO PRIVADO

LÍVIA CRISTINA SILVA VIEIRA DA ROCHA

INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ECONOMIA:

O PAPEL DA CVM NA REGULAÇÃO DO MERCADO DE CAPITAIS

Niterói

2015

LÍVIA CRISTINA SILVA VIEIRA DA ROCHA

INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ECONOMIA:

O PAPEL DA CVM NA REGULAÇÃO DO MERCADO DE CAPITAIS

Trabalho de conclusão de curso apresentado à

Faculdade de Direito da Universidade Federal

Fluminense como requisito parcial para a

defesa do trabalho de conclusão de curso e

obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientadora:

Prof.ª Dr.ª Rachel Bruno Pessanha

Niterói

2015

Universidade Federal Fluminense

Superintendência de Documentação

Biblioteca da Faculdade de Direto

R672

Rocha, Lívia Cristina Silva Vieira da

Intervenção do Estado na economia: O papel da CVM na regulação do

mercado de capitais/ Lívia Cristina Silva Vieira da Rocha– Niterói, 2015.

95 f.

Trabalho de Conclusão de Curso (Curso de Graduação em Direito) -

Universidade Federal Fluminense, 2015.

1. Direito empresarial. 2. Comissão de Valores Mobiliários. 3. Sistema

Financeiro Nacional. 4. Mercado de capitais. 5. Regulação do mercado I.

Universidade Federal Fluminense, Instituição responsável. II. Título.

CDD 342.2

LÍVIA CRISTINA SILVA VIEIRA DA ROCHA

INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ECONOMIA:

O PAPEL DA CVM NA REGULAÇÃO DO MERCADO DE CAPITAIS

Trabalho de conclusão de curso apresentado à

Faculdade de Direito da Universidade Federal

Fluminense como requisito parcial para a

defesa do trabalho de conclusão de curso e

obtenção do título de bacharel em Direito.

Aprovada em julho de 2015.

BANCA EXAMINADORA

Prof.ª Dr.ª Rachel Bruno Pessanha – UFF

Orientadora

Prof. Dr. Vinícius Figueiredo Chaves

Prof.ª Dr.ª Priscilla Menezes

Niterói

2015

RESUMO

A experiência demonstrou que somente os instrumentos de mercado não são suficientes para

assegurar o regular funcionamento do sistema financeiro, exigindo a tutela do Estado. É fácil

verificar que a intervenção estatal no domínio econômico permeia a evolução histórica da

relação entre o Estado e a economia, apresentando-se em intensidades diferentes, contudo,

sempre presente. Vale ressaltar que a concepção do modelo estatal pós-moderno consagra o

Estado como agente normativo e regulador, competindo a entidades reguladoras a consecução

dessa atribuição. É nesse cenário que surge a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) como

autarquia federal responsável pelo mercado de capitais. Tal regulação afigura-se necessária

por se tratar de um segmento do sistema financeiro em que ocorre um fluxo maior de recursos

econômicos, representando um papel importante no desenvolvimento do país. A propósito,

importa destacar que a Constituição de 1988 situa a ordem econômica como instrumento da

ordem social ao preconizar que o sistema financeiro nacional deve promover o

desenvolvimento equilibrado do país e servir aos interesses da coletividade. Por esta razão, os

instrumentos regulatórios da CVM têm como finalidade garantir a higidez das relações

econômicas, protegendo os investidores e a sociedade como um todo.

Palavras-chave: Comissão de Valores Mobiliários. Sistema financeiro. Mercado de capitais.

Regulação.

ABSTRACT

Experience has shown that only market-based instruments are not sufficient to ensure the

smooth functioning of the financial system, requiring the state's tutelage. It is easy to see that

state intervention in the economic domain permeates the historical evolution of the

relationship between the state and the economy, performing at different intensities, however,

always present. It is noteworthy that the design of the postmodern state model establishes the

state as normative and regulating agent, incumbent upon regulators to achieve this award. It is

in this scenario that Comissão de Valores Mobiliários (CVM) as a federal agency responsible

for the capital market. Such regulation seems necessary because it is a financial system

segment in which there is a greater flow of financial resources, an important role in

developing the country. Incidentally, it is worth mentioning that the 1988 Constitution places

the economic order as an instrument of social order by advocating that the national financial

system should promote balanced development of the country and serve the collective

interests. For this reason, the regulatory instruments of the CVM are intended to ensure the

soundness of economic relations, protecting investors and society as a whole.

Keywords: Comissão de Valores Mobiliários. Financial system. Capital markets. Regulation.

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

BB Banco do Brasil

BCB/ BACEN Banco Central do Brasil

CCP Coordenação de Controle de Processo Administrativo

CF Constituição Federal

CMN Conselho Monetário Nacional

CVM Comissão de Valores Mobiliários

MPF Ministério Público Federal

SUMOC Superintendência da Moeda e do Crédito

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 7

1 BREVE ESCORÇO HISTÓRICO DOS MODELOS DE INTERVENÇÃO DO

ESTADO NA ECONOMIA ..................................................................................................... 9

2 O PODER NORMATIVO DAS AGÊNCIAS REGULADORAS ................................... 12

3 SISTEMA FINANCEIRO E SUAS RELAÇÕES COM O DESENVOLVIMENTO DO

PAÍS ......................................................................................................................................... 18

3.1 SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL ............................................................................ 23

3.2 FUNDAMENTOS, OBJETIVOS CONSTITUCIONAIS E FUNÇÕES ........................... 26

3.3 ESTRUTURA, ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO .............................................. 30

4 O PAPEL DA CVM NA REGULAÇÃO DO MERCADO DE CAPITAIS ................... 36

4.1 COMPETÊNCIA ................................................................................................................ 42

4.2 FUNÇÕES DA COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS ........................................ 45

4.2.1 Função normativa .......................................................................................................... 46

4.2.2 Função consultiva .......................................................................................................... 49

4.2.3 Função fiscalizatória...................................................................................................... 50

4.2.4 Função sancionatória .................................................................................................... 51

CONCLUSÃO ......................................................................................................................... 58

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 60

ANEXOS ................................................................................................................................. 63

ANEXO I – EXTRATO DE SESSÃO DE JULGAMENTO DO PROCESSO

ADMINISTRATIVO SANCIONADOR CVM Nº RJ2013/10909 .......................................... 63

ANEXO II – EMENTA DO PROCESSO SANCIONADOR CVM Nº RJ2014/0578 ............ 85

ANEXO III – PEÇA DE DENÚNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ................. 86

7

INTRODUÇÃO

O presente estudo tem como escopo a análise da intervenção indireta do Estado na

economia, exercida por meio das agências reguladoras, com enfoque na atuação da Comissão

de Valores Mobiliários (CVM) como autarquia federal responsável pelo mercado de capitais.

De início, será realizado um breve estudo dos modelos de intervenção do Estado na

economia, a fim de demonstrar que essa função sempre esteve presente na evolução da

relação entre o Estado e a economia, apresentando-se em intensidades diferentes.

Trazendo a discussão para uma realidade mais próxima, será evidenciado que o

paradigma estatal, hodiernamente, manifesta-se por meio da atividade regulatória.

Vale referir que a Constituição Federal em seu art. 1741 atribuiu ao Estado o papel de

agente normativo e regulador da ordem econômica e financeira, com vistas à proteção do

desenvolvimento econômico como instrumento da justiça social.

Com isso, será abordado o instituto das agências reguladoras, que são entes

administrativos, aos quais foram delegadas certas funções estatais, atinentes ao poder

regulatório. Tal questão faz-se necessária, uma vez que suscita discussões doutrinárias a

respeito dos limites do desempenho das funções reguladoras exercidas pelas agências,

mormente no que tange ao poder normativo.

A presente exposição passará também pelo tema do Sistema Financeiro e suas relações

com o desenvolvimento nacional, uma vez que, a teor do que dispõe o art. 1922 da Carta

Maior, é incumbência do Estado brasileiro o funcionamento eficiente dos mercados,

sobretudo o mercado de capitais que desempenha papel de grande importância no

desenvolvimento do país, por ser um segmento do Sistema Financeiro Nacional que cria

condições favoráveis ao fluxo de recursos econômicos. Além disso, a seção versará sobre os

fundamentos, objetivos constitucionais e funções do aludido sistema, bem como a sua

estrutura, organização e funcionamento.

Em seguida, o presente estudo centrar-se-á no exame dos instrumentos regulatórios

exercidos pela CVM, tendo em vista a sua maior especialidade nas atividades exercidas no

1 BRASIL, Constituição Federal, Art. 174 - Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o

Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante

para o setor público e indicativo para o setor privado. 2 Ibid., Art. 192 - O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado

do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas

de crédito, será regulado por leis complementares que disporão, inclusive, sobre a participação do capital

estrangeiro nas instituições que o integram.

8

âmbito financeiro, sendo, portanto, a entidade mais capaz de normatizar, regular e disciplinar

o funcionamento do mercado, assegurando eficiência e confiabilidade.

É mister frisar, que a credibilidade do sistema financeiro está diretamente ligada ao

bom desempenho da regulação exercida pela entidade responsável pelo mercado de valores

mobiliários, o que evidencia a importância da análise dos principais instrumentos regulatórios

da CVM.

Dessa forma, propõe-se, ao fim, mediante a análise de caso concreto, demonstrar a

relevância da intervenção indireta do Estado brasileiro nas questões econômicas, buscando

obter conclusões concernentes aos limites a serem respeitados, tendo em vista a interpretação

teleológica das normas que regem a matéria, uma vez que determinadas condutas podem

causar grandes impactos na economia e, por via de consequência, na sociedade como um

todo.

9

1 BREVE ESCORÇO HISTÓRICO DOS MODELOS DE INTERVENÇÃO DO

ESTADO NA ECONOMIA

Neste primeiro momento, cabe fazer uma exposição concisa dos modelos estatais

historicamente reconhecidos, a fim de que se compreenda a base do aparato jurídico

concernente às relações econômicas.

Segundo Guilherme Peña de Morais, o Estado tem como origem o desenvolvimento da

sociedade humana, a garantia da propriedade, a dominação de grupos, a fixação no território,

a organização de norma ou acordo de vontades, razão pela qual foi objeto de diversas

alterações no decurso do processo histórico3.

As transformações econômica, política e social que ocorreram, ao longo dos séculos,

deram origem a diversos paradigmas de Estado, dentre os quais merece ser destacado: o

liberal, o social e o pós-social.

As ideologias que formam os pilares de cada modelo buscam justificar a relação entre

o Estado e a economia, de modo que pode ser observado o surgimento de diferentes tipos de

intervenção estatal no domínio econômico. Nessa diretriz, ao examinar a atuação do ente

público, Luís Roberto Barroso apresenta a ordem econômica em três períodos: pré-

modernidade, modernidade e pós-modernidade.4

A pré-modernidade ou Estado Liberal é caracterizado pela mínima intervenção estatal.

Adam Smith, em sua obra A riqueza das nações, prega a livre concorrência, com o

favorecimento da lei natural da oferta e da procura. Nessa concepção, cabia ao Estado tão

somente zelar pela propriedade e pela ordem, deixando que a “mão invisível” do mercado

regulasse a economia, o que levaria ao bem-estar coletivo.

A despeito de o estado liberal clássico ter primado pela plena garantia das liberdades

individuais, na prática revelou-se falho, ante as sucessivas depressões econômicas e expansão

das desigualdades sociais, inclusive em nível mundial. Conforme leciona Leonardo Vizeu

Figueiredo, isso ocorreu porque o funcionamento desse modelo estatal pressupunha uma certa

igualdade e um ambiente concorrencial perfeito, para que, através da competição equilibrada

entre os agentes, se alcançasse os interesses coletivos. Como tais pressupostos nunca foram

efetivados, houve a crise do liberalismo.5

3 MORAES, Guilherme Peña de. Curso de Direito Constitucional. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 304.

4 BARROSO, Luis Roberto. Constituição, Ordem Econômica e Agências Reguladoras. Revista Eletrônica de

Direito Administrativo Econômico. Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, nº 1, fevereiro, 2005, p.1. 5 FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Lições de Direito Econômico. 7 ed., Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 34.

10

Importa observar que, neste contexto, na América do Norte, no século XIX, surgiram

as primeiras leis de intervenção no mercado, conhecidas como leis antitruste.6

Em contraposição a esse modelo, surgiu o período da modernidade ou Estado Social

(Welfare state), possuindo como principal marco jurídico internacional a Constituição do

México de 1917 e a Constituição alemã de 1919, assim como a conquista dos direitos tidos

como de terceira geração, que possuem como titulares a coletividade. Esse modelo possui

como característica a máxima atuação do Estado nas relações econômicas, adotando políticas

assistencialistas. Na economia, essa fase se caracteriza pelo forte caráter intervencionista, com

a adoção de medidas regulatórias.

Na terceira fase, a pós-modernidade, representada pelo Estado pós-social, o Estado é

identificado com a ideia de ineficiência, burocracia, morosidade, desperdício de recursos.

Esse contexto gera a reformulação do Estado, marcado pela desregulamentação,

desestatização e das organizações não governamentais7. A economia apresenta-se sob a

concepção do neoliberalismo e o Estado como democrático ou democrático constitucional,

sendo obrigado a regular a atividade econômica de forma a evitar o colapso do sistema ou, ao

menos, minimizar significativas crises financeiras8.

Portanto, a experiência advinda dos diversos cenários econômicos apresentados ao

longo da história demonstrou a necessidade da intervenção regulatória estatal no domínio

econômico, com vistas à defesa do regular funcionamento do mercado.

Conforme observa Carlos Arthur Newlands Jr.:

Garantir a solidez e a credibilidade do sistema financeiro é uma tarefa tão

importante que não pode ser cumprida apenas pelos instrumentos de

mercado - são necessárias forte regulação e fiscalização por parte do

Estado para que este objetivo seja alcançado.9 (grifo do autor)

Assim, nota-se, nesse último período, a decadência do estado empresário e a ascensão

do estado regulador, o qual tenta conciliar a iniciativa privada com a intervenção regulatória

do Estado no domínio econômico. Em outras palavras, deve assegurar o interesse público,

sem criar óbice à livre iniciativa. Tal paradigma estatal apresenta-se como uma alternativa de

6 FIGUEIREDO, op. cit., p. 35.

7 BARROSO, op. cit., p. 02

8 RIGHI, Ana; LIMA, Gabriel; SANTI, Ricardo. Do liberalismo ao intervencionismo: O estado como

protagonista da (des)regulação econômica. Constituição, Economia e Desenvolvimento: Revista da Academia

Brasileira de Direito Constitucional. Curitiba, 2011, n. 4, Jan-Jun. p. 91. 9 NEWLANDS JR, Carlos Arthur. Sistema financeiro e bancário: teoria e questões. Rio de janeiro: Elsevier,

2011, p. 07.

11

reestruturação da máquina estatal, em virtude do fracasso do estado liberal e da experiência

malsucedida do estado social, marcado pelo superdimensionamento e ineficiência.

A propósito, afigura-se oportuno recorrer mais uma vez ao magistério de Leonardo

Vizeu Figueiredo que sintetiza o pensamento pós-moderno:

Destarte, busca-se com este modelo um retorno comedido aos ideais do

liberalismo, sem, contudo, abandonar a necessidade de sociabilidade dos

bens essenciais, a fim de se garantir a dignidade da pessoa humana bem

como os ditames da justiça social, permeados e aliados, agora à livre

iniciativa e à defesa do mercado.

Caracteriza-se uma nova concepção para a presença do Estado na economia,

como ente garantidor e regulador da atividade econômica, que volta a se

basear na livre-iniciativa e na liberdade de mercado, bem como na

desestatização das atividades econômicas e redução sistemática dos encargos

sociais. Tem, por fim, garantir equilíbrio nas contas públicas, sem, todavia,

desviar o Poder Público da contextualização social, garantindo-se, ainda, que

este possa focar esforços nas atividades coletivas sociais.10

Nesse sentido, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 preceitua em

seu art. 17411

que o Estado tem a incumbência de normatizar e regular a atividade econômica,

tendo como atribuição a fiscalização, incentivo e planejamento. Desta feita, ocorre o

afastamento da presença do Poder Público das relações econômicas, retornando à iniciativa

particular os setores afetos à esfera de domínio privado, retornando apenas para o papel de

agente regulador e fiscalizador, podendo, inclusive, delegar a entidades administrativas essa

função.

Ante o exposto, depreende-se que é na pós-modernidade que se observa o surgimento

das agências reguladoras, em especial da CVM. Entretanto, insta salientar que a aludida

autarquia originariamente não possuía as características atualmente atribuídas às entidades

reguladoras, tendo conquistado esse status após as reformas operadas pelas Leis nº 9.457/97,

10.303/01 e 10.411/02.

10

FIGUEIREDO, op. cit., p. 36. 11

BRASIL, op. cit., Art. 174 - “Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá,

na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor

público e indicativo para o setor privado”.

12

2 O PODER NORMATIVO DAS AGÊNCIAS REGULADORAS

A intervenção do Estado no domínio econômico, na modalidade regulatória, ocorre de

forma subsidiária, com o fito de sanar as falhas de mercado. Conforme arremata Armando

Castelar Pinheiro e Jairo Saddi, “pode-se afirmar que o impulso racional e proclamado da

regulação deve ter bases voltadas para o objetivo de maximizar a eficiência econômica ou

defender o interesse público quando o mercado não funcionar a contento”. 12

Acrescentam, ainda, que:

A justificativa microeconômica para regular o mercado financeiro é dual:

por um lado busca-se a eficiência, a equidade do sistema; por outro lado,

evitar crises, ou seja, atingir certo equilíbrio. Para tanto, são estabelecidas

normas indicativas, baseadas em três objetivos de política legislativa:

estabilidade, eficiência e equidade. Assim, todo sistema financeiro é afetado

de forma igual por esses três objetivos. 13

Por essa razão, no âmbito do sistema financeiro brasileiro, desde os anos 60, já

existiam órgãos que desempenhavam as funções regulatórias, de forma semelhante às

instituições atualmente denominadas de agências reguladoras. Importa destacar que tais entes

eram figuras muito comuns no direito estadunidense, que despontaram no período de

implementação da política do New Deal. A título de exemplo, pode se mencionar a Security

and Exchange Comission (SEC), que é o órgão regulador do mercado de capitais norte-

americano.

No Brasil, nesse contexto, foi criada a CVM como entidade reguladora influenciada

pelo exemplo americano, mediante a Lei nº 6.385/1976. Repise-se, ainda desprovida dos

atributos inerentes às entidades administrativas atuais.

Contudo, na seara do direito administrativo, as agências reguladoras propriamente

ditas, enquanto integrantes da administração pública indireta, são institutos recentes, frutos do

processo de desestatização, ocorrido na década de 1990, em virtude da necessidade de uma

maior especialidade das funções administrativas estatais.

De fato, o aumento da complexidade frente ao desenvolvimento natural da sociedade

fez com que o Estado, prezando pela eficiência e economicidade, adotasse a descentralização

de suas funções, a serem exercidas pelas autarquias. Hely Lopes Meirelles apresenta o

conceito referente a esses entes:

12

PINHEIRO, Armando Castelar; SADDI, Jairo. Direito, economia e mercados. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005,

p. 458. 13

Ibid., p. 450.

13

Autarquias são entes administrativos autônomos, criados por lei específica,

com personalidade jurídica de Direito Público interno, patrimônio próprio e

atribuições estatais específicas. São entes autônomos, mas não são

autonomias. Inconfundível é autonomia com autarquia: aquela legisla para

si; esta administra-se a si própria, segundo as leis editadas pela entidade que

as criou.14

Cabe mencionar que a Lei nº 8.031/1990 criou o Programa Nacional de Desestatização

(PND), determinando qual o novo papel a ser desempenhado pelo Estado no âmbito da

Administração Federal, a qual foi revogada pela Lei nº 9.491/97 e, posteriormente, sofreu

alterações operadas pelas Leis nº 9.635/98 e nº 9.700/98. Em função disso, conforme

esclarece Gustavo Barchet, “O serviço, até então prestado diretamente por entidades estatais,

passou a ser desempenhado por pessoas do setor privado, e o Estado, em contrapartida,

fortaleceu sua atuação regulatória sobre o mesmo, para tanto se valendo das agências

reguladoras.”15

Nesse sentido, Maria Sylvia Zanella Di Pietro, por sua vez, ensina que:

Elas estão sendo criadas como autarquias de regime especial. Sendo

autarquias, sujeitam-se às normas constitucionais que disciplinam esse tipo

de entidade; o regime especial vem definido nas respectivas leis

instituidoras, dizendo respeito, em regra, à maior autonomia em relação à

Administração Direta; à estabilidade de seus dirigentes, garantida pelo

exercício do mandato fixo, que eles somente podem perder nas hipóteses

expressamente previstas, afastada a possibilidade de exoneração ad nutum;

ao caráter final das suas decisões, que não são passíveis de apreciação por

outros órgãos ou entidades da Administração Pública.16

Quanto ao regime especial supramencionado, Hely Lopes Meirelles complementa que

“autarquia em regime especial é toda aquela a que a lei instituidora conferir privilégios

específicos e aumentar a sua autonomia comparativamente com as autarquias comuns”.17

Por

decorrência lógica, para o exercício das funções delegadas às agências reguladoras foram

concedidos certos poderes, entre eles o da fiscalização, resolução de conflitos e edição de

normas.

Desde então, muito se tem discutido a respeito dos limites do desempenho das

atividades regulatórias exercida pelas referidas agências, mormente no que tange ao poder

normativo.

14

MEIRELLES, Hely Lopes; ALEIXO, Délcio Balestro; FILHO, José Emmanuel Burle. Direito Administrativo

Brasileiro, 39. ed., São Paulo: Malheiros, 2013, p. 396. 15

BARCHET, Gustavo. Direito Administrativo: teoria e questões, Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, P. 135. 16

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 26. ed., São Paulo: Atlas, 2013, p. 531. 17

MEIRELLES, op. cit., p.404.

14

Com efeito, ao analisarem essa questão controvertida, os doutrinadores

contemporâneos comumente defendem suas teses utilizando como elemento central do debate

um dos princípios fundamentais da democracia moderna: a separação dos poderes.

Os princípios da tripartição dos poderes, fundamentada por John Locke, teve como

pano de fundo um Estado absolutista, circunstância que deu azo à necessidade de limitação do

poder, que antes concentrava as funções executiva, legislativa e jurisdicional na figura do

soberano. A solução encontrada foi a delegação de cada função do Estado a um poder.

Posteriormente, essa estrutura foi aperfeiçoada pelo mecanismo de freios e contrapesos,

concebido por Montesquieu, a fim de evitar que houvesse abusos por quem detivesse o poder,

uma vez que todo homem que o detém é tentado a dele abusar.

De acordo com esse pensamento, não se permite que o legislador delegue

integralmente o poder legiferante que foi constitucionalmente outorgado a ele, uma vez que o

ato de legislar, por meio do qual se inova na ordem jurídica, tem como fundamento a

soberania do Estado.

É mister frisar, que a nossa Magna Carta, apesar de dividir as funções estatais, não

outorga a certo poder a exclusividade de exercício de certa função. Tal entendimento

encontra-se em consonância com o princípio da separação dos poderes que preconiza pelo

equilíbrio do poder, de modo que um poder não precisa ser único titular de uma função, mas

sim que tenha uma atividade preponderante, podendo exercer as demais de forma atípica.

A esse respeito, cabe destacar as considerações de Alexandre dos Santos Aragão:

O princípio da Separação dos Poderes não pode levar à assertiva de que cada

um dos respectivos órgãos exercerá necessariamente apenas uma das três

funções tradicionalmente consideradas – legislativa, executiva e judicial. E

mais, dele também não se pode inferir que todas as funções do Estado devam

sempre se subsumir a uma destas espécies classificatórias.18

Nesse ponto, é de grande valia a contribuição apresentada por Alexandre Pinheiro dos

Santos, Julya Sotto Mayor Wellisch e José Eduardo Guimarães Barros ao exporem que:

Resta claro, portanto, que a função legislativa, ou normativa, do Poder

Executivo é mera decorrência da evolução natural do Estado, não sendo

necessariamente incompatível com a separação dos poderes e com a

democracia.

18

ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico, 2.

ed., Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 372.

15

Cumpre lembrar que Montesquieu criou para a sua época um sistema de

equilíbrio do poder, oferecendo as bases para a constituição de um governo

misto, moderado pela ação das forças dinamizadoras do tecido societário.

Entretanto, o princípio rígido da separação dos poderes tal como

inicialmente formulado, ou tal como radicalmente interpretado, não

consegue sobreviver atualmente. A missão do jurista é adaptar a ideia de

Montesquieu à realidade jurídico-constitucional atual. Nesse sentido, é

possível aparelhar plenamente o Executivo para que possa, afinal, responder

às exigências das demandas econômicas e sociais. [...] Um dos principais aspectos da concepção contemporânea da separação dos

poderes é o aparecimento de novos órgãos auxiliadores dos poderes

supremos, dotados de independência funcional no exercício de suas

funções.19

Sob esse prisma, Alexandre dos Santos Aragão conclui:

Acreditamos ter demonstrado que, se retirado o caráter mítico e absoluto da

ideia “clássica” da separação dos poderes, a complexidade e a autonomia das

competências conferidas às agências reguladoras em nada contraria a divisão

de funções estabelecida pelas constituições contemporâneas e os valores do

Estado de Direito, que, afinal, constituem o principal parâmetro da

admissibilidade ou não do exercício de distintas funções pelo mesmo órgão

ou entidade pública.

Podemos afirmar que as competências complexas das quais as agências

reguladoras independentes são dotadas fortalecem o Estado de Direito,

vez que, ao retirar do emaranhado das lutas políticas a regulação de

importantes atividades sociais e econômicas, atenuando a concentração

de poderes na Administração Pública central, alcançam, com melhor

proveito, o escopo maior – não meramente formal - da separação dos

poderes, qual seja, o de garantir eficazmente a segurança jurídica, a proteção

da coletividade e dos indivíduos empreendedores de tais atividades ou por

ela atingidos, mantendo-se sempre a possibilidade de interferência do

Legislador, seja para alterar o regime jurídico da agência reguladora, ou

mesmo para extingui-la. (grifo do autor)20

É importante enfatizar que a função exercida pelo Poder Legislativo não se confunde

com o exercício da função de regulação. Segundo preciosa lição de José dos Santos Carvalho

Filho:

O primeiro é primário, porque se origina diretamente da Constituição na

escala hierárquica dos atos normativos; o segundo é secundário, porque tem

como fonte os atos derivativos do poder legiferante. Portanto, como regra,

afirma-se que o primeiro gera a lei (ou ato análogo com outra denominação)

e o segundo o regulamento – caracterizado como ato administrativo e,

19

SANTOS, Alexandre Pinheiro dos; WELLISCH, Julya Sotto Mayor; BARROS, José Eduardo Guimarães.

Notas sobre o poder normativo da Comissão de Valores Mobiliários – CVM na atualidade, p. 6. 20

ARAGÃO, op. cit., p. 375-376.

16

frequentemente, revestido de denominações diversas (decretos, resoluções,

portarias etc.)

Sendo ato administrativo, o ato regulamentar é subjacente à lei e deve

pautar-se pelos limites desta.21

Desse modo, o poder regulamentar confere às agências reguladoras tão somente o

poder de produção jurídica complementar, ou seja, permite a criação de normas técnicas, o

que decorre naturalmente ante a especificidade de seu campo de atuação. Não obstante, se

impõe às agências o dever de observância aos parâmetros previstos em lei.

Essa orientação encontra-se traçada na doutrina de Hely Lopes Meirelles, que enfatiza:

Tem-se debatido sobre o poder normativo conferido às agências. Esse poder

normativo há de se cingir aos termos de suas leis instituidoras, aos preceitos

legais e decretos regulamentares expedidos pelo Executivo. Suas funções

normativas estão absolutamente subordinadas a lei formal e aos referidos

decretos regulamentares. Assim, o poder outorgado às agências, neste

campo, visa a atender à necessidade de uma normatividade essencialmente

técnica, com um mínimo de influência política.22

Deve ser levado em conta também, conforme destacado por Fabiano Del Masso, que:

A Constituição Federal como Lei fundamental de um país deve consagrar as

regras para a sistematização da atividade econômica e, para tanto, deve

determinar por intermédio de seus dispositivos quais serão os instrumentos

disponíveis ao Estado para a regulação e intervenção no domínio econômico,

prevendo, inclusive, os limites dessa intervenção.23

Assim, entende-se que as agências reguladoras não podem versar sobre matéria que

não esteja previamente estabelecida em lei. Portanto, releva acentuar que o poder normativo

das referidas agências devem submeter-se às normas constitucionais e aos limites

estabelecidos nas leis que as instituíram.

Note-se, a esse respeito, que a CVM se adequa ao conceito de agência reguladora,

sendo responsável pela regulação do mercado de capitais, com o precípuo escopo de

preservação e manutenção da lisura da atividade financeira no âmbito da sua área de atuação.

Como se pode inferir, a CVM é uma entidade autárquica em regime especial,

vinculada ao Ministério da Fazenda, criada pela Lei nº 6.385/76. Mais recentemente, tal lei

sofreu reforma, operada pela Lei nº 10.303/01, a qual ampliou os poderes da CVM.

21

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Agências Reguladoras e Poder Normativo. In: ARAGÃO, Alexandre

Santos de et al. O Poder Normativo das Agências Reguladoras. 2. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 60. 22

MEIRELLES, op. cit., p. 408. 23

DEL MASSO, Fabiano. Direito econômico. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007, p. 36.

17

No derradeiro processo de reforma, a teor do disposto no art. 5º da Lei nº 6.385/76,

com redação determinada pela Lei nº 10.411/02, a CVM alcança a posição de agência

autônoma, sendo dotada de personalidade jurídica e patrimônio próprios, autoridade

administrativa independente, ausência de subordinação hierárquica, mandato fixo e

estabilidade de seus dirigentes, além de ter autonomia financeira e orçamentária.24

A ela incumbe, nos termos do art. 8º, inciso I, do referido diploma legal,

“regulamentar com observância da política definida pelo Conselho Monetário Nacional, as

matérias expressamente previstas nesta Lei e na Lei de Sociedades por Ações”. E mais, das

suas decisões sancionatórias, cabe recurso administrativo externo para o Conselho de

Recursos do Sistema Financeiro Nacional, órgão integrante da estrutura do Ministério da

Fazenda25

, conforme estabelecido no art. 11, §4º da Lei 6.385/76.26

Dessa premissa, é possível concluir que a CVM tem o seu poder normativo limitado

em observância a todos os parâmetros previstos constitucionalmente, na lei que a instituiu,

bem como pelas diretrizes fixadas pelo Conselho Monetário Nacional.

24

CVM – Comissão de Valores Mobiliários. O mercado de valores mobiliários brasileiro. 3ª ed. Rio de Janeiro:

Comissão de Valores Mobiliários, 2014a, p. 60 25

ARAGÃO, op. cit., p.304 26

BRASIL. Lei 6385/76. Art. 11 – A Comissão de Valores Mobiliários poderá impor aos infratores desta Lei, da

Lei de Sociedades por Ações, das suas resoluções, bem como de outras normas legais cujo cumprimento lhe

incumba fiscalizar, as seguintes penalidades: [...] § 4º As penalidades somente serão impostas com observância

do procedimento previsto no § 2° desta Lei, cabendo recurso para o Conselho de Recursos do Sistema Financeiro

Nacional.

18

3 SISTEMA FINANCEIRO E SUAS RELAÇÕES COM O DESENVOLVIMENTO DO

PAÍS

A evolução histórica aponta que para suprir as necessidades básicas, os agentes

econômicos, em virtude das suas demandas de consumo, começaram a realizar trocas,

inicialmente na forma de escambo, que é a simples troca de mercadoria por mercadoria.

Posteriormente, tornou-se evidente o processo de especialização. Isto é, houve a

concentração de fabricação ou cultivo nas atividades mais produtivas, e, por via de

consequência, a geração de excedentes, aumentando, assim, a propagação das trocas.

Com o aumento dessa prática, houve a necessidade de transportar esse excedente com

a devida conservação, o que acarretava inúmeras dificuldades quanto à manutenção do estado

natural das mercadorias e à variação da medida de valor. Em vista disso, visando eliminar os

problemas dessa atividade, ocorreu o favorecimento da ideia de um bem comum capaz de

servir como padrão de valor. O desenvolvimento desse conceito deu origem ao sistema

monetário, pois “a utilização da moeda como recurso financeiro deve-se a sua possibilidade

de troca por qualquer outro bem que se tenha necessidade.” 27

Diante disto, Leo Huberman sintetiza que:

[...] Negociar em dinheiro levou a consequências tão grandes que passou a

constituir uma profissão separada.

Esse fator é importante porque demonstra como o desenvolvimento do

comércio trouxe consigo a reforma da antiga economia natural, na qual a

vida econômica se processava praticamente sem a utilização do dinheiro.

Havia desvantagens na permuta de gêneros, nos primórdios da Idade Média.

Parece simples trocar cinco galões de vinho por um casaco, mas não era

nada fácil. Era necessário procurar quem tivesse o produto desejado e

quisesse trocá-lo. Introduza-se, porém, o dinheiro como meio de

intercâmbio, e o que acontecerá? Dinheiro é aceitável por todos, não importa

o que necessitem na ocasião, porque pode ser trocado por qualquer coisa.

Quando o dinheiro é largamente empregado, não é necessário carregar cinco

galões de vinho pela redondeza, até encontrar alguém que queira vinho e

tenha um casaco para trocar. Não; basta vender o vinho por dinheiro, e

então, com esse dinheiro comprar um casaco. Embora a transação de troca

simples se transformasse com isso em numa transação dupla, com a

introdução do dinheiro, na realidade poupavam-se tempo e energia. Assim, o

uso do dinheiro torna o intercâmbio de mercadorias mais fácil e, dessa

forma, incentiva o comércio. A intensificação do comércio, em troca, reage

na extensão das transações financeiras. Depois do século XII, a economia de

ausência de mercados se modificou para uma economia de muitos mercados;

[...].28

27

DEL MASSO, op. cit., p. 64. 28

HUBERMAN, Leo. História da riqueza do homem. 21. ed. rev. Rio de Janeiro: Guanabara, 1986, p. 25.

19

Dessa forma, a complexidade oriunda do progresso natural do aludido sistema, exigiu

a criação de uma estrutura que viabilizasse a circulação da moeda em proporções cada vez

maiores. Conforme leciona Armando Castelar Pinheiro e Jairo Saddi:

O sistema financeiro é a extensão natural do sistema monetário, cabendo-lhe

viabilizar o uso eficiente da moeda enquanto instrumento que permite o

desenvolvimento da atividade econômica baseada na especialização e na

troca.29

Por esse prisma, “o sistema financeiro é parte integrante e importante de qualquer

sociedade econômica moderna”.30

Importa registrar que a ciência econômica estuda a eficiente alocação de recursos na

economia, uma vez que os indivíduos têm necessidades e desejos ilimitados, enquanto os

recursos disponíveis são escassos.31

Nessa linha, a CVM ensina que:

[...] as decisões dos agentes econômicos (famílias, empresas e governo) que

compõe esse sistema econômico moderno, embora individuais, estão

interligados e impactam o todo. De um lado, as famílias oferecem os

insumos necessários para a produção das empresas como o trabalho, o

capital e os imóveis, em troca dos rendimentos do salário, juros, lucros e

aluguéis, o que em conjunto formam a renda dessas famílias. Com essa

renda, as famílias adquirem produtos e serviços ofertados pelas empresas. O

governo, por sua vez, recolhe impostos e taxas dessas famílias e empresas, e

devolve para a sociedade em forma de projetos sociais ou serviços básicos

não ofertados pelas empresas.32

Assim sendo, em relação à disponibilidade de recursos, pode haver duas situações. Na

primeira, há um consumo menor do que a renda, de forma a acumular capital, formando a

poupança. Esses agentes econômicos são chamados no mercado financeiro de poupadores,

doadores ou superavitários. Por outro lado, pode haver um consumo maior, de forma a

demandar mais recursos para financiar os planos, são os agentes tomadores ou deficitários.

Nesse tocante, pode se extrair dois conceitos importantes: a poupança e o

investimento. Fabiano Del Masso esclarece que:

A relação envolverá necessariamente um agente econômico que possui sobra

de recursos financeiros e deseja investi-los, enquanto, do outro lado da

relação, deverá existir um agente econômico que, por algum motivo não

29

PINHEIRO, op. cit., p. 433. 30

CVM, op. cit., 2014a, p. 28. 31

Ibid. 32

Ibid.

20

produziu recursos suficientes para cumprir as suas necessidades, de forma

que emprestará tais recursos no mercado.33

Desse modo, “para que um agente deficitário possa utilizar os recursos disponíveis

para realizar suas decisões de consumo ou investimento, é preciso que esse fluxo de recursos

entre eles seja viabilizado”.34

Em princípio, a relação financeira pode acontecer mediante a

troca direta de recursos ou, como ocorre mais comumente, essa função é desempenhada pelas

instituições financeiras que buscam favorecer essa relação, recebendo os recursos dos

poupadores (captação) e disponibilizando para os tomadores (operações de crédito).

Como pondera a CVM:

Foi para suprir essa demanda do mercado que surgiram e desenvolveram-se

instituições especializadas em intermediar essas operações. Inicialmente, sua

função básica era pegar emprestado daqueles que poupam, pagando uma

remuneração representada pelos juros, e emprestar para os demais,

naturalmente a uma taxa mais alta, ganhando com a diferença. Essas

concentram a poupança e a distribuem aos tomadores de recursos,

atendendo, ao mesmo tempo, as necessidades de volume financeiro e prazo

de cada um. Com o passar do tempo, essas instituições foram se

especializando e oferecendo outros serviços, como veremos mais adiante. Da

mesma forma desenvolveram-se novos instrumentos, sistemas e produtos

para organizar, controlar e desenvolver esse mercado. Chamamos esse

sistema, como um todo, de Sistema Financeiro.35

Na doutrina de Carlos Arthur Newlands Jr.:

O papel dos intermediários financeiros é exatamente promover o

“encontro” entre os poupadores e os tomadores, ou melhor, conjugar a

satisfação das necessidades de ambos. Por meio dos intermediários

financeiros, os tomadores têm acesso aos recursos de que necessitam para

viabilizar seus projetos ou atividades; de outro lado, os poupadores obtêm

uma forma de guardar e/ou aplicar seus recursos com segurança.36

Portanto, conforme sintetiza Carlos Arthur Newlands Jr.: “O Sistema Financeiro

Nacional é composto por um conjunto de instituições financeiras que, como veremos a seguir,

tem como função manter o fluxo de recursos entre poupadores e tomadores, constituindo

assim o mercado financeiro”37

(grifo do autor)

33

DEL MASSO, op. cit., p. 65. 34

CVM, op. cit., 2014a, p. 30. 35

Ibid. 36

NEWLANDS JR, op. cit., p. 4. 37

Ibid., p. 3.

21

É evidente a necessidade da existência da atividade financeira, tendo em vista que “a

transferência dos recursos em moeda representa o principal mercado hoje existente, sendo

responsável por uma série de consequências que podem determinar o crescimento econômico,

pois os recursos financeiros é que o nutrirão.”38

Nesse trilhar, a CVM, destaca que:

Não é difícil perceber a importância desse sistema para o adequado

funcionamento e crescimento econômico de uma nação. Se, por exemplo,

determinada empresa, que necessita de recursos para a realização de

investimentos para a produção, não conseguir captá-los de forma eficiente,

provavelmente ela não realizará o investimento, deixando de empregar e

gerar renda. Com o papel desempenhado pelas instituições financeiras, esse

problema se reduz.39

Para melhor compreensão, faz-se mister trazer à colação, mais uma vez, a doutrina de

Fabiano Del Masso:

A atividade econômica devidamente organizada gera o desenvolvimento,

pois cumpre a sua finalidade de satisfação das necessidades. Em outras

palavras, a atividade econômica eficiente tem por finalidade desencadear o

desenvolvimento. Dessa maneira, o desenvolvimento representa o sucesso na

organização da produção e na satisfação das necessidades. A noção de

desenvolvimento indica a mudança do estado estrutural de algo que se torna

mais útil, justo e equilibrado. O desenvolvimento econômico provoca uma

melhora do nível e da qualidade de vida das pessoas, o que significa que a

satisfação de necessidades tornou-se maior. Para exemplificar, pode-se

tomar por base a forma de produção extrativista e a forma de produção

industrial; diante de tal mudança na produção de bens, a maior eficiência da

produção industrial gerou uma satisfação das necessidades humanas de

forma considerável, de modo que a população envolvida suportou os

benefícios decorrentes de tal estado de desenvolvimento.40

E, ainda, nas palavras de Fabiano Del Masso:

A principal característica de um sistema financeiro é a sua estabilidade, pois

quanto maior o grau de estabilidade maior a sua eficiência. Assim, o

subdesenvolvimento de uma nação pode ser medido pelo sofrível

desenvolvimento do seu sistema financeiro, ou seja, por intermédio da

frequente mudança das regras, da concentração das operações de

intermediação nas instituições financeiras bancárias, da pequena quantidade

de investidores nacionais etc.41

38

DEL MASSO, op. cit., p. 64. 39

CVM, op. cit., 2014a, p. 30. 40

DEL MASSO, op. cit., p. 103. 41

Ibid., p. 70.

22

O que se conclui, é que o sistema financeiro é um conjunto de órgãos e instituições

destinados principalmente a promover a canalização de recursos dos agentes detentores de

capital, chamados de superavitários, para os agentes tomadores de capital, conhecidos como

deficitários. Esse fluxo importa no direcionamento da poupança para o investimento,

contribuindo, dessa forma, para o desenvolvimento da sociedade como um todo. Em outras

palavras, “a relação financeira é uma forma de equilibrar poupanças e investimentos, sendo

sua organização essencial para o desenvolvimento econômico do país”42

Assim sendo, conforme observa Armando Castelar Pinheiro e Jairo Saddi, a

prosperidade da economia popular, “vincula-se diretamente com a necessidade de uma

mobilização da poupança nacional adequada, que direcione o financiamento para aqueles

carentes de capital”43.

Ao possibilitar essa transferência de recursos financeiros, proporciona a alocação

eficiente destes na economia, alcançando o objetivo estatuído constitucionalmente de um

sistema financeiro estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do país e

a servir os interesses da coletividade, nos termos do art. 19244

da Carta Política.

Nessa linha, Fabiano Del Masso destaca que:

O título I da Constituição Federal de 1988, que trata dos princípios

fundamentais, prevê como um dos objetivos fundamentais do Estado

Brasileiro garantir o desenvolvimento nacional (art. 3º, II, da CF). O estado

deve funcionar como um estimulador, planejador, coordenador e condutor do

desenvolvimento econômico. A política econômica tem por missão balizar

as reformas estruturais para desencadear o desenvolvimento econômico

pretendido.45

Em suma, conforme o ensinamento de Armando Castelar Pinheiro e Jairo Saddi: “Não

há um país desenvolvido sem um bom sistema financeiro, o que implica que também não há

país nessa situação sem um bom sistema legal e judicial, pois a intermediação financeira não

pode se desenvolver sem uma base jurídica adequada”46

42

DEL MASSO, op. cit., p. 65. 43

PINHEIRO, op. cit., p. 264. 44

BRASIL, Constituição Federal, Art. 192: O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o

desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o

compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que disporão, inclusive,

sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram. 45

DEL MASSO, op. cit., p. 108. 46

PINHEIRO, op. cit., p.449.

23

3.1 SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL

O desenvolvimento das bases jurídicas do sistema financeiro brasileiro é decorrente do

processo político e ambiente econômico, pelos quais o país passou, formando um conjunto de

determinantes da estrutura organizacional.

De acordo com Otávio Yazbeck:

Embora seja comum afirmar que o Sistema Financeiro Nacional apenas

nasce em 1964, com a promulgação da Lei nº 4.595/1964 e de outros

diplomas [...] deve-se [...] buscar raízes mais distantes, até porque o novo

regime surge, em parte para romper com tais origens. É bem verdade que,

como não pode deixar de ser, muito daquele legado não foi simplesmente

deixado para trás, havendo continuado a determinar padrões de

comportamento e de relacionamento entre os agentes de mercado e entre

estes e os reguladores.47

Nesse campo, cabe destacar alguns pontos relevantes. De início, cumpre mencionar a

vinda da família real portuguesa para o Brasil, com a qual se desenvolve as estruturas

financeiras locais.48

A título de exemplo, em 1845, surgiu o Banco do Brasil. No período

compreendido até a Proclamação da República houve a formação de diversas instituições,

surgindo o primeiro arcabouço legal para as atividades bancárias.49

Com a Proclamação da República, a Constituição de 1934, “foi a primeira a destinar

um capítulo à denominada ‘Ordem Econômica e Social’, denominação mantida até a

Constituição de 1988”50

. Entretanto, tinha limitações. Como bem observa Marcelo F.

Trindade:

A Constituição de 1934 limitou-se a uma referência à competência

legislativa da União quanto às operações bancárias, de seguro e das

instituições de crédito e à referência genérica, no capítulo destinado à Ordem

Econômica e social, ao desenvolvimento, às características e às limitações

do crédito.51

47

YAZBEK, Otavio. Regulação do Mercado Financeiro e de Capitais. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007, p. 255 48

Ibid. 49

Ibid., p. 256. 50

TRINDADE, Marcelo F. O papel da CVM e o Mercado de Capitais no Brasil. In: JAIRO SADDI (org.),

Fusões e aquisições: aspectos jurídicos e econômicos, São Paulo: IOB, 2002, p.297 51

Ibid.

24

Já as Constituições de 1937 e de 1946 incluíram, entre outras coisas, competências

legislativas relativas à União, “além das questões de moeda, de banco e de seguro, às de

bolsa”.52

(grifo do autor)

É importante destacar que a segunda guerra foi o marco histórico da reestruturação do

sistema financeiro, sendo criado o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE)

na segunda década de 1940 e a Superintendência da Moeda e do Crédito (SUMOC), em 1945,

que repartia funções com o Tesouro Nacional e o Banco do Brasil.53

Na década de 1960, foi criado o Banco Central do Brasil (BCB) e o Conselho

Monetário Nacional (CMN), com a promulgação da Lei nº 4.595/1964, formando a base legal

para o processo de desenvolvimento financeiro.54

Nesse período, foi dado grande estímulo ao

mercado de capitais, sendo o Banco Central do Brasil a entidade, até então, responsável por

esse segmento do sistema financeiro nacional.

Nesse período, as Constituições de 1967 e 1969, mantiveram a Competência da União

dispostas anteriormente e trataram de cláusulas gerais no que diz respeito à intervenção no

domínio econômico.

Todavia, no âmbito do mercado de capitais o governo criou políticas de fomento

como, por exemplo, incentivos fiscais à abertura do capital das empresas. O que culminou

com a promulgação da Lei nº 6.404/76 (Lei das Sociedades Anônimas) e a Lei nº 6.385/76,

que criou o órgão regulatório do mercado de valores mobiliários.

Portanto, algumas constituições anteriores buscaram prever normas que regulassem a

atividade financeira. Contudo, somente com a Constituição de 1988 que foi dado mais atenção

ao Sistema Financeiro Nacional, tema que, inclusive, foi tratado em um capítulo próprio,

contemplando a Ordem Econômico e Financeira e a Ordem Social.

Como observa Marcelo F. Trindade:

A Constituição Federal de 1988 modificou substancialmente esse quadro,

dedicando especial atenção ao Sistema Financeiro Nacional, cuja disciplina,

constante do art. 192, está incluída no Título da ‘Ordem Econômica e

Financeira’. O referido artigo (com a redação que vigora desde a Emenda

Constitucional nº 13, de 21.08.96) determina a edição de lei complementar

que deverá dispor sobre a autorização para o funcionamento das instituições

financeiras, a autorização e o funcionamento dos estabelecimentos de

seguro, resseguro, previdência e capitalização, e do órgão fiscalizador, as

condições para a participação do capital estrangeiro naquelas instituições e

estabelecimentos, a organização, o funcionamento e as atribuições do Banco

52

TRINDADE, op. cit., p. 297. 53

YAZBEK, op. cit., p. 257. 54

Ibid., p. 260.

25

Central e demais instituições financeiras públicas e privadas, os requisitos

para a designação de membros da diretoria do Banco Central e demais

instituições financeiras, bem como seus impedimentos após o exercício do

cargo, a criação de fundo ou seguro, com o objetivo de proteger a economia

popular, garantindo créditos, aplicações e depósitos até determinado valor,

vedada a participação de recursos da União, sobre os critérios restritivos da

transferência de poupança de regiões com renda inferior à média nacional

para outras de maior desenvolvimento e ainda sobre o funcionamento das

cooperativas de crédito e os requisitos para que possam ter condições de

operacionalidade e estruturação das próprias instituições financeiras.55

José Afonso da Silva destaca que:

Há dois sistemas financeiros regulados na Constituição: o público, que

envolve os problemas das finanças públicas e os orçamentos públicos,

constantes dos arts. 163 a 169; e o parapúblico, que ela denomina de sistema

financeiro nacional, que cuida das instituições financeiras creditícias,

públicas ou privadas, de seguro, previdência (privada) e capitalização, todas

sob estrito controle do Poder Público (art. 192). O Banco Central, que é

instituição financeira, constitui, em verdade, um elo entre duas ordens

financeiras (arts. 164 e 192).56

Dessa forma, a Magna Carta consagrou em seu art. 192 o primeiro artigo atinente ao

tema, composto originariamente por oito incisos e três parágrafos.57 Contudo, após a alteração

55

TRINDADE, op. cit., p. 298. 56

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional. 36º ed., São Paulo: Malheiros, 2013, p. 831. 57

BRASIL, Supremo Tribunal Federal, Art. 192 - O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a

promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, será regulado em lei

complementar, que disporá sobre: I – a autorização para o funcionamento das instituições financeiras,

assegurado às instituições bancárias oficiais e privadas acesso a todos os instrumentos do mercado financeiro

bancário, sendo vedada a essas instituições a participação em atividades não previstas na autorização de que trata

este inciso; II – autorização e funcionamento dos estabelecimentos de seguro, previdência e capitalização, bem

como do órgão oficial fiscalizador e do órgão oficial ressegurador; III – as condições para a participação no

capital estrangeiro nas instituições a que se referem os incisos anteriores, tendo em vista, especialmente: a) os

interesses nacionais; b) os acordos internacionais; IV – a organização, o funcionamento e as atribuições do

banco central e demais instituições financeiras públicas e privadas; V – os requisitos para a designação de

membros da diretoria do banco central e demais instituições financeiras, bem como os seus impedimentos após o

exercício do cargo; VI – a criação de fundo ou seguro, com o objetivo de proteger a economia popular,

garantindo créditos, aplicações e depósitos até determinado valor, vedada a participação de recursos da União;

VII – os critérios restritivos da transferência de poupança de regiões com renda inferior à média nacional para

outras de maior desenvolvimento; VIII – o funcionamento das cooperativas de crédito e os requisitos para que

possam ter condições de operacionalidade e estruturação próprias das instituições financeiras; § 1º A autorização

a que se referem os incisos I e II será inegociável e intransferível, permitida a transmissão do controle da pessoa

jurídica titular, e concedida sem ônus, na forma da lei do sistema financeiro nacional, a pessoa jurídica cujos

diretores tenham capacidade técnica e reputação ilibada, e que comprove capacidade econômica compatível com

o empreendimento. § 2º Os recursos financeiros relativos a programas e projetos de caráter regional, de

responsabilidade da União, serão depositados em suas instituições regionais de crédito e por elas aplicados. § 3º

As taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente

referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores a doze por cento ao ano; a cobrança acima deste

limite será conceituada como crime de usura, punido, em todas as suas modalidades, nos termos que a lei

determinar. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/artigobd.asp?item=%201777>.

26

operada pela Emenda Constitucional nº 40/2003, o art. 192, revogou todos os incisos e

parágrafos, além de modificar o caput.

É mister frisar, que tal dispositivo estabelece que o Sistema Financeiro Nacional será

regulado por leis complementares, diferentemente do anterior que indicava a expressão no

singular. Por esta razão, ocorreram diversos debates doutrinários sobre a matéria. Não

obstante, José Afonso da Silva sustenta que:

Nas edições anteriores, admitimos que o singular, no tocante à lei

complementar, não significava uma lei só – o singular tinha sentido, não de

único, mas de generalidade -, e, portanto, o sistema poderia ser regulado por

mais de uma lei complementar. A Emenda suprime as dúvidas.58

Sendo assim, a Constituição da República de 1988 recepcionou a lei que disciplina o

Sistema Financeiro Nacional, Lei nº 4.595/64, bem como a Lei nº 6.404/76, que juntamente

com a Lei nº 6.385/76 regulam o mercado de valores mobiliários.

3.2 FUNDAMENTOS, OBJETIVOS CONSTITUCIONAIS E FUNÇÕES

O fundamento da sistematização da atividade financeira não se restringe ao capítulo da

ordem econômica disposto na Constituição Federal, manifestando-se em toda a sua extensão.

A Constituição brasileira, em seu art. 1º, qualifica o Estado como Democrático de

Direito, que é uma forma que condensa dois modelos de estado: liberal e social. É fácil

vislumbrar essa ideia central da Constituição em virtude da existência de duas ordens

expressamente citadas, qual seja, “Da Ordem Econômica e Financeira” (Título VII) e “Da

Ordem Social” (Título VIII e art. 6º do Título II)

Tal acepção é um reflexo das disposições acerca dos fundamentos e dos objetivos

estabelecidos no texto constitucional tratados, antes de tudo, nos arts. 1º, que preceitua, entre

outros fundamentos, os valores sociais do trabalho e da livre inciativa, e no art. 3º, que

preconiza pela construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Significa dizer, que são

princípios fundamentais da República Federativa do Brasil.

Releva acentuar que o estado liberal em comento, não é o clássico, mas sim um estado

liberal contemporâneo. O conjunto normativo para estruturar o aludido paradigma estatal se

evidencia nos termos do art. 170.

Conforme explica Fabiano Del Masso:

58

SILVA, op. cit., p. 831.

27

A Constituição de 1988 é qualificada como dirigente ou diretiva, o que

significa que se dispõe constitucionalmente de uma programação para a

realização de objetivos. O caput do art. 170 comprova tal condição quando

dispõe: “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho e na livre

inciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os

ditames da justiça social [...]”.59

Como bem observa José Afonso da Silva:

Esta expressão, na verdade, equivale a dizer princípios constitucionais da

ordem econômica. A Constituição os relaciona no art. 170, onde está dito

que a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na

livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os

ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

(1) soberania nacional;

(2) propriedade privada;

(3) função social da propriedade;

(4) livre concorrência;

(5) defesa do consumidor;

(6) defesa do meio ambiente;

(7) redução das desigualdades regionais e sociais;

(8) busca do pleno emprego;

(9) tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas

sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.60

Dessa forma, o referido dispositivo legal exprime o conjunto de princípios a ser

seguido. Nesse sentido é o entendimento de Fabiano Del Masso:

A ordem econômica é uma representação estrutural cuja finalidade é

organizar a realização da atividade econômica em determinada comunidade.

Para tal finalidade, a ordem contempla alguns princípios que a informam e

que deverá circunscrever os limites da legislação a ser criada. A

interpretação de qualquer norma que compõe a ordem econômica induzirá a

um dos vários princípios nela previstos. Da mesma maneira, a ordem

econômica existe devido aos seus fins, que nela deverão constar

expressamente. A ordem econômica, na verdade, corresponde também à

coerência do regime de regras criadas para regular determinados aspectos da

atividade econômica.61

Entendimento também seguido por Eugênio Araújo:

[...] a ordem econômica constitui-se de um conjunto de regras

constitucionais reguladoras da atividade econômica. A interpretação,

59

DEL MASSO, op. cit., p. 43. 60

SILVA, op. cit., p. 797-798. 61

DEL MASSO, op. cit., p. 15.

28

aplicação e execução dos preceitos que a compõem reclamam o diálogo

permanente com as demais partes da Constituição, posto que a ordem

econômico-financeira é indissociável dos princípios fundamentais da

República Federativa e do Estado Democrático de Direito. [...]

Considera-se, então, ordem econômica o conjunto de normas de intervenção

protetora ou restritiva a atividades econômicas, em busca de certas

finalidades e por intermédio de certos meios.62

Em uma análise detida do texto constitucional, podem-se evidenciar quatro princípios

relevantes para a interpretação axiológica: a liberdade de iniciativa, a valorização o trabalho, a

existência digna e a justiça social. Tais elementos, nas palavras de Fabiano Del Masso:

[...] são denominados constitucionalmente como fundamentos (os dois

primeiros) e finalidades ou objetivos (os dois segundos) da ordem

econômica. O que indica uma possível diferença semântica com os

princípios da ordem econômica, que em nossa opinião não ocorre, pois a

natureza dos fundamentos e das finalidades é de caráter principiológico.63

Para uma melhor compreensão, merece trazer à colação a doutrina de Afonso da Silva:

A Constituição declara que a ordem econômica é fundada na valorização do

trabalho humano e na iniciativa privada. Que significa isso? Em primeiro

lugar quer dizer precisamente que a Constituição consagra uma economia de

mercado, de natureza capitalista, pois a iniciativa privada é um princípio

básico da ordem capitalista. Em segundo lugar significa que, embora

capitalista, a ordem econômica dá prioridade aos valores do trabalho humano

sobre todos os demais valores da economia de mercado. Conquanto se trate

de declaração de princípio, essa prioridade tem o sentido de orientar a

intervenção do Estado, na economia, a fim de fazer valer os valores sociais

do trabalho que, ao lado da iniciativa privada, constituem o fundamento não

só da ordem econômica, mas da própria República Federativa do Brasil (art.

1º, IV).64

Portanto, como adverte Hely Lopes Meirelles, “os estados sociais liberais, como o

nosso, conquanto reconheçam e assegurem a propriedade privada e a livre empresa,

condicionam o uso dessa mesma propriedade e o exercício das atividades econômicas ao bem-

estar social (CF, art. 170)”65

.

José Afonso da Silva discorre sobre o tema afirmando que:

62

ARAÚJO, Eugênio. Resumo de direito econômico. 3. ed., Rio de Janeiro: Impetus, 2008, p. 43 63

DEL MASSO, op. cit., p. 43. 64

SILVA, op. cit., p.794. 65

MEIRELLES, op. cit., p. 670.

29

A Constituição de 1988 é ainda mais incisiva ao conceber a ordem

econômica sujeita aos ditames da justiça social para o fim de assegurar a

todos a existência digna. Dá à justiça social um conteúdo preciso. Preordena

alguns princípios da ordem econômica – a defesa do consumidor, a defesa do

meio ambiente, a redução das desigualdades regionais e pessoais e a busca

do pleno emprego – que possibilitam a compreensão de que o capitalismo

concebido há de humanizar-se (se é que isso é possível). Traz, por outro

lado, mecanismos na ordem social voltados à sua efetivação. Tudo depende

da aplicação das normas sociais que contém essas determinantes, esses

princípios e esses mecanismos.66

(grifos do autor)

Como efeito, “esta é realmente uma determinante essencial que impõe e obriga que

todas as demais regras da constituição econômica sejam entendidas e operadas em função

dela.”67

.

De fato, o princípio da justiça social é mencionado no caput do art. 170, que está

inserido no título que trata da ordem social, bem como no art. 19368

, incluído no título da

ordem social, razão pela qual deve ser considerado como um princípio da ordem econômica e

da social e como epicentro axiológico constitucional atinente ao tema da intervenção do

estado nas atividades econômicas. Nesse sentido, José Afonso da Silva sintetiza:

A Constituição declara que a ordem social tem como base o primado do

trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça social. Neste particular, a

ordem social se harmoniza com a ordem econômica, já que esta se funda

também na valorização do trabalho e tem como fim (objetivo) assegurar a

todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, que já mereceu

nossa consideração.69

Hely Lopes Meirelles conclui o pensamento:

O bem-estar social é o escopo da justiça social a que se refere nossa

Constituição (art.170) e só pode ser alcançado através do desenvolvimento

nacional.70

Assim, a Constituição Federal de 1988 apresenta um conjunto de princípios que

determinam as finalidades da ordem econômica, conduzindo à promoção da justiça social, de

forma a refletir o bem-estar dos indivíduos e, por decorrência, atingir o desenvolvimento

nacional.

66

SILVA, op. cit., p. 796. 67

Ibid., p.795. 68

BRASIL. Constituição Federal. Art. 193 - A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como

objetivo o bem-estar e a justiça sociais. 69

SILVA, op. cit., p. 835. 70

MEIRELLES, op. cit., p. 674.

30

3.3 ESTRUTURA, ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO

No estudo do sistema financeiro com foco na sua função principal de alocação de

recursos na economia deve-se levar em conta a atividade financeira segmentada em mercados.

Conforme adverte a CVM:

É importante compreender, porém, que o modelo tradicional de

intermediação financeira não foi capaz de suprir todas as demandas

existentes no mercado. Esse processo foi sendo aprimorado ao longo da

história. Desenvolveram-se novos ativos financeiros e características

operacionais específicas para cada tipo de demanda. Essas características

podem diferir em razão do prazo, tipo de instrumento utilizado para

formalizar a operação, assunção de riscos, entre outros aspectos que

delimitam o que se convencionou de chamar de mercados financeiros.

Atualmente, essa diferente classificação ajuda a compreender um pouco

mais desses mercados, suas peculiaridades, riscos e vantagens. De forma

geral, [...] o sistema financeiro segmentou-se em quatro grandes mercados:

mercado monetário, mercado de crédito, mercado de câmbio e mercado de

capitais.71

Assim sendo, nas lições de Fabiano Del Masso:

De forma bem simples e objetiva o mercado consiste em um espaço no qual

são realizadas as trocas de bens. Com a especialização das trocas os

mercados passaram a ser classificados de acordo com alguns critérios, como,

por exemplo: o mercado cuja troca envolve moeda, compõe o mercado

financeiro.72

Carlos Arthur Newlands Jr., por seu turno, acrescenta que:

O termo mercado é usualmente empregado na designação desses segmentos.

Esta designação resulta da própria essência da intermediação financeira: os

intermediários financeiros estão entre os tomadores de recursos, aqueles que

exercem a procura por ativos financeiros, e os poupadores, que detêm

recursos excedentes e exercem a oferta destes excedentes de ativos

financeiros. Temos, portanto, a situação típica de um mercado constituído

pelas forças da oferta e da procura. Assim, os quatro segmentos do setor

financeiro correspondem a quatro mercados:

• mercado monetário;

• mercado de crédito;

• mercado de capitais;

71

CVM, op. cit., 2014a, p. 31. 72

DEL MASSO, op. cit., p. 15.

31

• mercado de câmbio.73

Em síntese, o mercado monetário estabelece a liquidez da economia, em virtude da

análise do suprimento de moeda. Nas palavras da CVM:

As transferências de recursos a curtíssimo prazo, em geral com prazo de um

dia, como aquelas realizadas entre as próprias instituições financeiras ou

entre elas e o Banco Central, são realizadas no chamado mercado monetário.

Trata-se de um mercado utilizado basicamente para controle da liquidez da

economia, no qual o Banco Central intervém para condução da Política

Monetária. Resumidamente, se o volume de dinheiro estiver maior do que o

desejado pela política governamental, o Banco central intervém vendendo

títulos e retirando moeda do mercado, reduzindo, assim, liquidez da

economia. Ao contrário, caso observe que a quantidade de recursos está

inferior à desejada, o Banco Central intervém comprando títulos e injetando

moeda no mercado, restaurando a liquidez desejada.74

O mercado de câmbio cinge-se nas trocas de moeda estrangeira por nacional ou vice-

versa. A CVM define:

É o mercado em que são negociadas as trocas de moedas estrangeiras por

moeda nacional. Participam desse mercado todos os agentes econômicos que

realizam transações com o exterior, ou seja, têm recebimentos ou

pagamentos a realizar em moeda estrangeira. Esse mercado é regulado e

fiscalizado pelo Banco Central do Brasil, que dele também participa para a

política cambial.75

Já o mercado de crédito é caraterizado pelas operações de crédito ofertadas em curto,

médio ou longo prazo para a satisfação da necessidade de consumo. Nas palavras da CVM:

É o segmento do mercado financeiro em que as instituições financeiras

captam recursos dos agentes superavitários e os emprestam às famílias ou

empresas, sendo remuneradas pela diferença do seu custo de captação e o

que cobram dos tomadores. Essa diferença é conhecida como spread. Assim,

as instituições financeiras nesse mercado têm como atividade principal a

intermediação financeira propriamente dita.

Em geral, são operações de curto, médio e longo prazo, destinadas ao

consumo ou capital de giro das empresas. As operações são usualmente

formalizadas por contratos, como por exemplo, cheque especial, conta

garantida e crédito direto ao consumidor, e as instituições financeiras

assumem o risco de crédito da operação. São exemplos de instituições

participantes desse mercado os bancos comerciais e as sociedades de crédito,

73

NEWLANDS JR, op. cit., p. 74. 74

CVM, op. cit., 2014a, p. 32. 75

Ibid.

32

financiamento e investimento, conhecidas como financeiras. O Banco

Central do Brasil é o principal órgão responsável pelo controle,

normatização e fiscalização desse mercado.76

Em suma, o mercado de crédito tem a função de financiar as necessidades de consumo

dos agentes deficitários, tendo grande atuação das instituições financeiras responsáveis pela

intermediação dessas operações.

A CVM assinala, ainda, que:

O mercado de crédito é fundamental para o bom funcionamento da

economia, na medida em que as instituições financeiras assumem dois papéis

decisivos. De um lado, atuam como centralizadoras de riscos, reduzindo a

exposição dos aplicadores a perdas e otimizando as análises de crédito. De

outro, elas funcionam como um elo entre milhões de agentes com

expectativas muito distintas em relação a prazos e volumes de recursos.

Quando o sistema inexiste ou existe de forma ineficiente, muitas das

necessidades de aplicações e empréstimos de recursos ficariam represadas,

ou seja, não circulariam no mercado, o que inevitavelmente causaria uma

freada brusca na economia.

Entretanto, em alguns casos, o mercado de crédito é insuficiente para suprir

as necessidades de financiamento dos agentes. Isso pode ocorrer, por

exemplo, quando determinada empresa necessita de um volume de recursos

muito superior ao que uma instituição poderia, sozinha, emprestar. Além

disso, pode acontecer de os custos dos empréstimos no mercado de crédito,

em virtude dos riscos assumidos pelas instituições nas operações, serem

demasiadamente altos, de forma a inviabilizar os investimentos pretendidos.

Isso ocorre, em geral, nos investimentos produtivos de duração mais longa,

de valores mais altos e, que, portanto, envolvem riscos maiores. Porém, esse

tipo de investimento é fundamental para o crescimento econômico.

Desenvolveu-se, assim o Mercado de Capitais, ou Mercado de Valores

Mobiliários. 77

(Grifo nosso)

Por derradeiro, o mercado de capitais, que será tratado com maior particularidade no

próximo capítulo, é definido por Carlos Arthur Newlands Jr. como

[...] um sistema de distribuição de valores mobiliários, que tem o propósito

de proporcionar liquidez aos títulos de emissão de empresas e viabilizar seu

processo de capitalização. É constituído pelas bolsas de valores, sociedades

corretoras e outras instituições financeiras autorizadas.78

Nesse passo, convém ressaltar que a estrutura do sistema financeiro nacional possui

órgãos criados especificamente com o objetivo de fiscalizar e regular as condutas das

76

CVM, op. cit., 2014a, p. 32-33. 77

Ibid. 78

NEWLANDS JR, op. cit., p. 75.

33

instituições da área de atuação representada por cada segmento do mercado. Fabiano Del

Masso explica:

A realização de toda a dinâmica econômico financeira, cujo objeto principal

é a movimentação de ativos financeiros, depende, sobretudo, dos

investidores e tomadores de capital que compõem um verdadeiro sistema de

circulação de recursos. Entretanto, para que o sistema funcione, é necessário

que alguns órgãos o controlem e o organizem. A identificação do interesse

público que demanda a organização de um sistema financeiro parece

cristalina quando se imagina a quantidade de benefícios que a movimentação

de recursos financeiros produz em um país.79

Seguindo esse entendimento, o Banco Central do Brasil apresenta a subdivisão do

sistema financeiro nacional em entidades normativas, supervisoras e operacionais, assim

exposto pela CVM:

Os órgãos normativos são os responsáveis pela definição das políticas e

diretrizes gerais do sistema financeiro, sem funções executivas. São

entidades governamentais colegiadas, criadas por lei, com atribuições

específicas. Em geral, apoiam-se em estruturas técnicas de apoio para a

tomada das decisões, que são regulamentadas e fiscalizadas pelas entidades

supervisoras. Atualmente, no Brasil, funcionam como órgãos normativos: o

Conselho Monetário Nacional – CMN, o Conselho Nacional de Seguros

Privados - CNSP e o Conselho Nacional de Previdência Complementar –

CNPC.

As entidades supervisoras assumem diversas funções executivas, como a

fiscalização das instituições sob sua responsabilidade, assim como funções

normativas, com o intuito de regulamentar dispositivos legais ou normas

editadas pelos órgãos normativos.

As entidades supervisoras do Sistema Financeiro Nacional são: O Banco

Central do Brasil – BCB, a Comissão de Valores Mobiliários – CVM, a

Superintendência de Seguros Privados – SUSEP e a Superintendência

Nacional de Previdência Complementar – PREVIC são as entidades

supervisoras do nosso Sistema Financeiro.

Os operadores, por outro lado, incluem as demais instituições, públicas ou

privadas, envolvidas diretamente, ou como instituições auxiliares, nas

atividades de captação, intermediação e aplicação de recursos no sistema

financeiro nacional. É comum, didaticamente, subdividi-los em instituições

financeiras monetárias, órgãos oficiais, demais instituições financeiras,

outros intermediários financeiros, instituições auxiliares e instituições dos

segmentos de seguro e previdência.80

Cumpre realizar uma breve descrição das principais atribuições de algumas

instituições predominantes para o presente estudo.

79

DEL MASSO, op. cit., p. 71. 80

Ibid., p. 38.

34

Do conjunto de órgãos normativos, merece referência o Conselho Monetário Nacional,

criado pela Lei nº 4.595/64, que tem como finalidade precípua a formulação de política de

moeda e de crédito, para promover o progresso econômico e social do país. É o órgão

deliberativo máximo do Sistema Financeiro Nacional.81

Dentre as suas funções, releva

destacar as seguintes: adaptar o volume dos meios de pagamento às reais necessidades da

economia; regular o valor interno e externo da moeda e o equilíbrio do balanço de

pagamentos; orientar a aplicação dos recursos das instituições financeiras; propiciar o

aperfeiçoamento das instituições e dos instrumentos financeiros; zelar pela liquidez e

solvência das instituições financeiras; coordenar as políticas monetária, creditícia,

orçamentária e da dívida pública interna e externa.

Entre as entidades supervisoras, enquadra-se o Banco Central do Brasil, criado pela

Lei nº 4.595/64. É uma autarquia federal que visa garantir a estabilidade do poder de compra

da moeda nacional e um sistema financeiro sólido e eficiente. A ele incumbe: assegurar a

estabilidade do poder de compra da moeda nacional e a solidez do Sistema Financeiro

Nacional; executar a política monetária mediante utilização de títulos do Tesouro Nacional;

fixar a taxa de referência para as operações compromissadas de um dia, conhecida como taxa

SELIC; controlar as operações de crédito das instituições que compõem o Sistema Financeiro

Nacional; formular, executar e acompanhar a política cambial e de relações financeiras com o

exterior; fiscalizar as instituições financeiras e as clearings (câmaras de compensação); emitir

papel-moeda (a partir da Constituição de 1988, a emissão de moeda ficou a cargo exclusivo

do BCB); executar os serviços do meio circulante para atender à demanda de dinheiro

necessária às atividades econômicas; manter o nível de preços (inflação) sob controle; manter

sob controle a expansão da moeda e do crédito e a taxa de juros; operar no mercado aberto, de

recolhimento compulsório e de redesconto; executar o sistema de metas para a inflação;

divulgar as decisões do Conselho Monetário Nacional; manter ativos de ouro e de moedas

estrangeiras para atuação nos mercados de câmbio; administrar as reservas internacionais

brasileiras; zelar pela liquidez e solvência das instituições financeiras nacionais; conceder

autorização para o funcionamento das instituições financeiras.82

Outra importante instituição dessa divisão é a CVM, que será abordada

pormenorizadamente em capítulo próprio, uma vez que constitui o objeto central do presente

estudo. Em síntese, a CVM é responsável pela regulação, desenvolvimento e fiscalização do

mercado acionário.

81

DEL MASSO, op. cit., p. 39. 82

Ibid., p. 41

35

Por fim, no rol das instituições operadoras incluem-se, entre outros, o Banco do Brasil

(BB), o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social e a Caixa Econômica

Federal que possuem missões institucionais de grande importância para sistema financeiro

nacional.

36

4 O PAPEL DA CVM NA REGULAÇÃO DO MERCADO DE CAPITAIS

Como já destacado, o termo mercado tem várias acepções e caracteriza quatro

segmentos do sistema financeiro nacional. Examinando o tema em detalhe, Fabiano Del

Masso afirma que:

Mercado financeiro em sentido amplo compreende as operações de

fornecimento ou de captação de recursos financeiros pelos agentes

econômicos. Dependendo da forma de intermediação realizada na

transferência dos recursos, o mercado financeiro em sentido amplo pode ser

chamado de: a) mercado financeiro em sentido estrito ou b) mercado de

capitais. De forma bem simples, o mercado financeiro é o local que

compreende uma série de trocas de ativos financeiros (negociação) e por

consequência forma o preço de tais ativos.

Mercado financeiro em sentido estrito considera a especialização das trocas

de ordem financeira, por exemplo: o tipo de moeda negociada (nacional e

externo), o grau de intervenção do Estado (livres e regulados), o grau de

formalização das negociações (organizados e não organizados), o objeto

financeiro específico (crédito, capitais, cambial etc.)

Em razão da sua crescente importância um dos mercados financeiros em

sentido estrito é o chamado mercado de capitais, que envolve um espaço de

negociação de valores mobiliários, principalmente ações, e que funciona

como um eficiente fornecedor de recursos financeiros para as sociedades

anônimas.83

Em termos semelhantes, a CVM esclarece que:

É o segmento do sistema financeiro que viabiliza a transferência de recursos de

maneira direta entre os agentes econômicos. Ou seja, é um mercado em que

poupadores, que possuem recursos disponíveis, emprestam diretamente para os

tomadores, que precisam de dinheiro para viabilizar os seus negócios.

As empresas, por exemplo, necessitam de recursos financeiros para realizar

investimentos produtivos, como construção de novas fábricas, aquisição de outras

empresas ou o alongamento do prazo de suas dívidas. Os investidores, por outro

lado, possuem recursos financeiros excedentes que desejam aplicar de maneira

rentável.

Porém, as necessidades financeiras são muito variadas. Existem companhias de

diversos portes e investidores com diferentes objetivos, tanto em relação ao prazo de

investimento quanto à tolerância do risco.84

Diante disso, vale referir à lição de Fabiano Del Masso:

A realização da transferência de recursos entre os agentes econômicos que os

buscam e os que os fornecem não acontece, em regra, diretamente;

geralmente tais recursos são investidos ou captados de intermediários que

83

DEL MASSO, op. cit., p. 17. 84

CVM – Comissão de Valores Mobiliários. O que é a CVM? 1. ed. Rio de Janeiro: Comissão de Valores

Mobiliários, 2014b, p. 8

37

exercem importante função na realização da atividade financeira. No caso,

como já se advertiu, os países em desenvolvimento concentram a

intermediação nas instituições bancárias, ou seja, quem precisa de dinheiro

toma emprestado do Banco e quem tem sobra de dinheiro empresta para o

Banco.

No mercado de capitais, a aproximação dos investidores e tomadores de

recursos é realizada de forma direta, uma vez que o resultado da variação do

preço das ações, o valor dos dividendos distribuídos ou a remuneração

convencionada em outros títulos se converterá direta e integralmente a favor

do investidor.85

Por fim, a CVM assim o define:

Conceitua-se o mercado de capitais, portanto, como o segmento do mercado

financeiro em que são criadas as condições para que as empresas captem

recursos diretamente dos investidores, através da emissão de instrumentos

financeiros, com o objetivo principal de financiar suas atividades ou

viabilizar projetos de investimentos.86

Ainda, a CVM assinala que “nas relações que se estabelece nos mercados de capitais,

os investidores, ao emprestarem seus recursos diretamente para as empresas, adquirem títulos,

que representam as condições estabelecidas no negócio, chamados de valores mobiliários.”87

Nesse contexto, Arthur Newlands faz uma importante observação:

No mercado de capitais, os principais títulos negociados são os

representativos do capital de empresas – as ações – ou de empréstimos

tomados, via mercado, por empresas – debêntures (conversíveis ou não em

ações) e commercial papers – que permitem a circulação de capital para

custear o desenvolvimento econômico. O mercado de capitais abrange,

ainda, as negociações com direitos e recibos de subscrição de valores

mobiliários, certificados de depósitos de ações e demais derivativos

autorizados à negociação.

Pelo próprio conceito econômico de capital, não se transacionam neste

mercado direitos e obrigações financeiras. Transacionam-se “pedaços” das

empresas, representados por quotas de participação no capital, ou adquire-se

títulos representativos de direito de crédito contra a empresa. Neste mercado

não se empresta dinheiro: compra-se participação no empreendimento,

através da aquisição de títulos e valores mobiliários (ações, debêntures etc.).

Desta forma, a participação no mercado de capitais pressupõe risco. As

operações neste mercado são de prazos curto, médio, longo e indefinido.

Como em qualquer mercado de títulos, temos no mercado de capitais dois

segmentos: mercado primário e mercado secundário.

Mercado primário – é nele que ocorre a colocação de ações ou outros

títulos, provenientes de novas emissões. As empresas recorrem ao mercado

primário para completar os recursos de que necessitam, visando ao

85

DEL MASSO, op. cit., p. 71. 86

CVM – op. cit., 2014a, p. 35. 87

Ibid.

38

financiamento de seus projetos de expansão ou seu emprego em outras

atividades. Se pretender adquirir ações de emissão nova, ou seja, no mercado

primário, o investidor deverá procurar um banco, uma corretora ou uma dis-

tribuidora de valores mobiliários, que participem do lançamento das ações

pretendidas.

Mercado secundário – no qual ocorre a negociação dos títulos adquiridos

no mercado primário; ou seja: onde o investidor que adquiriu novos títulos

lançados no mercado primário os revende a outro investidor, que os

revenderá posteriormente a outrem, e assim por diante. Para operar no

mercado secundário de ações, é necessário que o investidor se dirija a uma

sociedade corretora ou a uma distribuidora de títulos e valores mobiliários.88

(grifos do autor)

Desse modo, a CVM destaca que “O mercado de capitais tem uma grande importância

no desenvolvimento do país, pois estimula a poupança e o investimento produtivo, o que é

essencial para o crescimento de qualquer sociedade econômica moderna.” 89

Por essa razão, impõe registrar a configuração histórica que demonstra a relevância do

papel desempenhado pelos instrumentos regulatórios da CVM no âmbito do mercado de

valores mobiliários, com a finalidade de garantir o regular funcionamento desse segmento do

sistema financeiro que possui grande influência econômica e social no país. Na década de

1960, o mercado de capitais brasileiro, como já dito anteriormente, recebeu um forte estímulo

por parte do governo, ocasionando uma grande procura por investimento em ações.

Nessa linha, a CVM acrescenta que:

Para regular o mercado de valores mobiliários, função hoje exercida pela

CVM, foi criada a Diretoria de Mercado de Capitais dentro de uma estrutura

do Banco Central. Iniciou-se então uma estruturação desse mercado: a

reformulação da legislação sobre a bolsa, a transformação dos corretores de

fundos públicos em sociedades corretoras, profissionalizando a atividade, e a

criação dos bancos de investimento, a quem foi atribuída a tarefa de

desenvolver a indústria dos fundos de investimento.90

Ocorre que, o mercado de valores mobiliários, ainda incipiente, não foi capaz de

suportar essa exacerbada quantidade de investimentos, formando uma “bolha” na bolsa de

valores, que teve o seu ápice em 1971, acarretando em uma crise avassaladora na bolsa de

valores do Rio de Janeiro, que na época era a maior do país.

Nesse contexto, a CVM destaca que:

88

NEWLANDS JR, op. cit., p. 75-76. 89

CVM, op. cit., 2014a, p. 37. 90

Ibid., 2014a, p. 10-11.

39

Os prejuízos foram grandes: muitos investidores perderam dinheiro,

corretoras fecharam suas portas e a reputação do mercado de ações ficou

manchada por muitos anos.

O quadro de estagnação gerado por essa crise e a tentativa de recuperação do

mercado de capitais acelerou a publicação da lei que criou a CVM e da Lei

das Sociedades por Ações, ambas em 1976.91

Diante disso, é notório que a CVM possui grande importância para a fiscalização,

lisura e regulamentação das relações econômicas exercidas no âmbito do mercado de capitais.

Cumpre mencionar que, na regulação financeira, existem três espécies regulatórias: a

regulação de condutas, a sistêmica e a prudencial. A regulação de condutas centra-se na

atuação dos agentes no mercado em suas relações negociais, criando normas que autorizem ou

proíbam determinadas práticas, operações e estruturas de mercado. Quanto à regulação

sistêmica, esta estabelece uma proteção externa aos riscos, mormente quando se trata de

instituições com elevado grau de integração, como, por exemplo, é o caso das instituições

bancárias. Já a regulação prudencial diz respeito à preservação da estabilidade sistêmica.

Enfrentando a questão, Otávio Yazbeck analisa que:

A CVM vem, cada vez mais, se afirmando como um regulador geral de

condutas nos mercados de instrumentos negociáveis (ou seja, de proteção ao

consumidor), enquanto o BCB, por sua vez, vem se afirmando como um

regulador prudencial e sistêmico (até por ser regulador bancário).92

Portanto, a CVM pauta a sua atividade na disciplina eficaz do mercado de forma a

garantir a proteção do público investidor, assegurando o equilíbrio da atividade financeira

realizada na esfera de sua atuação. Assim, Nelson Eizirik, didaticamente, ensina:

Os objetivos da regulação, orientados pelo interesse público, são os

seguintes: proteção aos investidores; eficiência do mercado; criação e

manutenção de instituições confiáveis e competitivas; evitar a concentração

de poder econômico; impedir a criação de situações de conflito de interesse.

O objetivo mais apontado como fundamental na regulação do mercado de

capitais é o da proteção aos investidores. Com efeito, em praticamente todas

as legislações, o objetivo essencial da regulação do mercado de capitais

consiste na tutela dos investidores, aqueles que aplicam os seus recursos

financeiros nos valores mobiliários emitidos publicamente e negociados no

mercado.

Nesse sentido, a regulação deve promover a confiança dos investidores nas

entidades que emitem publicamente seus valores mobiliários, assim como

naquelas que os intermedeiam ou propiciam os locais ou mecanismos de

negociações, de custódia, compensação e liquidação das operações. Ou seja,

91

CVM, op. cit., 2014a, p. 11. 92

YAZBEK, op. cit., p. 251.

40

os investidores devem poder acreditar que seus retornos em aplicações no

mercado estarão razoavelmente relacionados aos riscos dos investimentos;

que as instituições atuantes apresentam integridade financeira; e que as

informações providas pelas emissoras de valores mobiliários são verazes e

fidedignas.93

Contudo, convém destacar que, apesar de a CVM, no exercício de seu mister, ser

incumbida de manter o funcionamento adequado do sistema, esta não pode suprimir os riscos

por completo, uma vez que tal característica é inerente à atividade financeira. Como

observado a respeito por Nelson Eizirik:

Assim, a regulação pode reduzir os riscos dos investidores, na medida em

que obriga os emissores dos valores mobiliários a divulgar todas as

informações relevantes, assim como veda a utilização de informações

privilegiadas e quaisquer outras práticas fraudulentas ou de manipulação do

mercado.

Tal não significa, porém, que a regulação elimine os riscos, que são da

essência do mercado de capitais; o que ela pode prover é uma redução de

determinados riscos, não dos riscos dos investimentos, mas daqueles

derivados de comportamentos ilícitos.94

Além disso, avulta a importância da proteção ao público investidor, em virtude da

assimetria de informações que é uma característica típica da relação entre os credores ou os

acionistas minoritários e as instituições intermediárias ou os controladores das empresas.

Nesse sentido, Nelson Eizirik assim leciona:

A proteção aos investidores é basicamente provida mediante normas que

regulam a conduta dos emissores de valores mobiliários e dos intermediários

financeiros. Com relação aos emissores, as normas visam especialmente a

exigir a prestação plena e acurada das informações necessárias à avaliação

dos valores mobiliários ofertados e coibir comportamentos ilegais ou

abusivos dos administradores e acionistas controladores. Já com relação aos

intermediários financeiros, objetivam as normas, principalmente: coibir

práticas de manipulação do mercado; eliminar conflitos de interesses;

impedir a discriminação entre seus clientes; e promover tratamento adequado

às necessidades financeiras dos clientes.

Outro objetivo fundamental da regulação é o de fazer com que o mercado

funcione com eficiência. Nesse sentido, vários estudos vêm demonstrando

que a regulação demanda a prestação de um volume maior de informações

do que os emissores de títulos apresentariam em um mercado não regulado.

O aumento na quantidade e qualidade das informações resulta num processo

93

EIZIRIK, Nelson et al. Mercado de Capitais: Regime Jurídico. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 18 94

Ibid., p. 18-19.

41

de formação de preços mais eficiente, bem como na tomada de decisões mais

racionais, com resultados benéficos para a economia.95

Nesse ponto, Alexandre Pinheiro dos Santos, Julya Sotto Mayor Wellisch e José

Eduardo Guimarães Barros ressaltam que:

A confiabilidade e a eficiência são, portanto, requisitos fundamentais para a

existência e para o pleno e regular desenvolvimento do mercado de valores

mobiliários. Aliás, é inclusive em razão disso que o princípio fundamental

que informa a atuação da CVM é o do full and fair disclosure, de inspiração,

como se sabe, norte-americana, e que foi adotado quando da instituição da

nossa inspiradora Securities and Exchange Commission - SEC.96

Ademais, a análise regulatória também se preocupa com a credibilidade das

instituições atuantes no mercado. De acordo com Nelson Eizirik:

O terceiro objetivo da regulação é o de criar e manter instituições não só

financeiramente sólidas, mas também competitivas. Nesse sentido, são

crescentemente utilizadas regras “prudenciais”, que estabelecem,

particularmente para as instituições financeiras, limites mínimos de capital

para que possam operar no mercado, assim como disciplinam os requisitos

de qualificação para os profissionais atuantes no mercado, como é o caso dos

analistas financeiros, por exemplo. A regulação, ao estipular as regras de

funcionamento das instituições, torna-as financeiramente mais hígidas,

levando o mercado a funcionar com uma maior estabilidade institucional.97

As falhas de mercado também podem atingir as posições de poder, gerando distorções.

Nelson Eizirik explica:

Deve ainda a regulação evitar a concentração de poder econômico, capaz de

causar imperfeições ao mercado pela diminuição na competição que

acarreta. Tal concentração pode existir não só entre as entidades emissoras

de valores mobiliários, quando o mercado – particularmente o secundário –

apresenta-se muito centrado em poucos títulos, como também entre os

intermediários financeiros, principalmente quando organizados em poucos

conglomerados financeiros.

Finalmente, também constitui objetivo essencial da regulação evitar os

conflitos de interesse, ou seja, a ocorrência de situações em que os

intermediários financeiros e os acionistas controladores e administradores de

emissoras tenham, em determinadas situações, interesses potencialmente

contrários aos de seus clientes ou acionistas minoritários. [...] Os conflitos de

interesses podem ser evitados mediante: a proibição de quaisquer vendas

“casadas” e a imposição da segregação de atividades nas instituições

95

EIZIRIK, op. cit., p. 19-20. 96

SANTOS, op. cit., p. 15. 97

EIZIRIK, op. cit., p. 21.

42

financeiras (o chamado Chinese wall); a vedação de negócios em que

acionistas controladores ou administradores tenham interesses

potencialmente conflitantes com os da emissora; ou mediante a revelação

(disclousure) da existência de situação de conflito de interesses para o

potencial prejudicado, em cada caso concreto.98

Finalmente, Alexandre Pinheiro dos Santos, Julya Sotto Mayor Wellisch, José

Eduardo Guimarães Barros concluem o pensamento:

Por todo o acima exposto, nota-se que o dinâmico e peculiar setor

econômico regulado pela CVM não pode prescindir de uma regulação ágil e

próxima dos eventos que nele ocorrem. Os acontecimentos deste mercado,

certamente, não poderiam ser adequada e prontamente atendidos apenas por

meio de procedimentos legislativos ordinários e tradicionais.

A importante função reguladora da CVM, desde que exercida

ponderadamente e com fiel observância dos princípios, valores e standards

constitucional e legalmente fixados, entre os quais estão os princípios da

razoabilidade e da proporcionalidade, de modo a atingir resultados eficientes

(para o que, inclusive, concorre positivamente a auto-regulação

propriamente dita), apresenta-se legal, legítima e essencial para o pleno e

regular desenvolvimento do mercado de valores mobiliários, com todas as

óbvias e positivas repercussões não apenas para os seus diversos

participantes, mas também para a economia do país como um todo. 99

Diante disso, resta clara a ampla importância da CVM como agente regulador da

atividade financeira exercida no domínio do mercado de capitais, sobretudo por se mostrar

como uma entidade dotada de competência especializada em matéria empresarial e, portanto,

sendo a mais capaz de disciplinar, regular e fiscalizar o mercado de valores mobiliários.

4.1 COMPETÊNCIA

Nos termos da Lei nº 6.385/76, é competência da CVM disciplinar, fiscalizar e

sancionar as relações instituídas no âmbito do mercado de valores mobiliários, o que inclui as

atividades dos intermediários, das bolsas e das companhias abertas, conforme estabelecido no

art. 1º do aludido diploma legal.

Nesse sentido, Nelson Eizirik ensina que:

O conceito de valor mobiliário é, portanto, o balizador de sua competência,

daí decorrendo que as operações envolvendo esses tipos de títulos ou

contratos serão reguladas e fiscalizadas por essa autarquia. Tal âmbito de

98

EIZIRIK, op. cit., p. 21-22. 99

SANTOS, op. cit., p. 16-17.

43

atuação já foi ampliado em três oportunidades distintas, com a edição as Leis

nº 9.457/1997, 10.198/2001 e 10.303/2001.100

Assim, a Lei 6.385/76, traz em seu art. 2º o rol de valores mobiliários sujeitos ao seu

regime. A esse respeito, Nelson Eizirik, sinteticamente, ressalta que

[...] dentre as reformulações introduzidas, destacam-se: a ampliação do

mercado de valores mobiliários mediante a inclusão de novos títulos e

contratos no conceito de valores mobiliários; a extensão da competência da

CVM; a alteração nos procedimentos administrativos por ela instaurados; e a

modificação de sua estrutura. 101

Seguindo esse entendimento, Otávio Yazbeck acrescenta que:

O campo de atuação desta nova autarquia era delimitado pela definição de

valor mobiliário, constante do art. 2º da Lei nº 6385/76, que àquela época

englobava “as ações, partes beneficiárias, e debêntures, os cupões desses

títulos e os bônus de subscrição” (inciso I), “os certificados de depósitos de

valores mobiliários” (inciso II) e “outros títulos criados ou emitidos pelas

sociedades anônimas, a critério do Conselho Monetário Nacional” (inciso

III). A relação aos poucos foi alargada, por ato do CMN ou por força de lei

(sempre que, por qualquer motivo, não se tratava de um daqueles títulos que

o CMN poderia pura e simplesmente declarar como valores mobiliários),

abrangendo novos títulos.102

A par disso, a CVM apresenta o conceito de valores mobiliários:

São valores mobiliários, quando ofertados publicamente, quaisquer títulos ou

contratos de investimentos coletivos que gerem direito de participação de

parceria ou remuneração, inclusive resultante da prestação de serviços, cujos

rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros.103

Do cotejo da Lei nº 6.385/76, a atuação da CVM abrange, nos termos do art. 8º, a

regulamentação das matérias expressamente previstas nesta Lei e na Lei de sociedades por

ações, a administração dos registros instituídos por esta Lei, a fiscalização permanentemente

das atividades e dos serviços do mercado de valores mobiliários, bem como a veiculação de

informações relativas ao mercado, às pessoas que dele participem, e aos valores nele

100

EIZIRIK, op. cit., p. 245. 101

Ibid., p. 242. 102

YAZBEK, op. cit., p. 263. 103

CVM, op. cit., 2014a, p. 70.

44

negociados, entre outros. Em suma, os agentes que exercem atividades que se enquadram no

rol do art. 8º e operam com valores mobiliários serão regulados e fiscalizados pela CVM.104

Como a CVM didaticamente explica:

Portanto, para garantir o funcionamento adequado do mercado, as

instituições e pessoas que negociam, emitem, guardam e avaliam os valores

mobiliários, os chamados “Participantes do Mercado”, também fazem parte

do sistema regulado.

Entre os principais participantes que têm suas atividades disciplinadas pelas

bolsas de valores, as corretoras e distribuidoras, as centrais depositárias, os

agentes de custódia, os bancos de investimento, os administradores e

gestores de fundos, os auditores independentes que atuam nessa área, os

analistas e consultores de valores mobiliários e os agentes autônomos de

investimento. 105

Dessa forma, conforme estabelece o art. 4º da Lei nº 6.385/76, a CVM tem como

principais competências:

Regulamentar as matérias expressamente previstas nas Leis 6.385/76

(Lei da Sociedade por Ações).

Realizar atividades de credenciamento, registro e fiscalização de

auditores independentes, administradores de carteiras, analistas e consultores

de valores mobiliários, agentes autônomos, entre outros;

Fiscalizar e inspecionar as companhias abertas, os fundos de

investimento e demais atividades e serviços do mercado de valores

mobiliários;

Apurar, mediante inquérito administrativo, atos ilegais e práticas não-

equitativas de administradores de companhias abertas e de quaisquer

participantes do mercado de valores mobiliários, aplicando as penalidades

previstas em lei;106

Impende destacar, ainda, no que diz respeito à estrutura da CVM, a competência

material e técnica. Quanto à primeira, em virtude de ser um órgão colegiado, não há

hierarquia entre os diretores e o presidente da CVM no cômputo dos votos concernentes às

deliberações levadas à sua apreciação, salvo em caso de empate, momento em que o voto do

presidente torna-se decisivo. Já a competência técnica define a área de atuação de cada

superintendência especializada. Nesse tocante, vale referir a citação de Nelson Eizirik que

minudencia:

104

EIZIRIK, op. cit., p. 246. 105

CVM, op. cit., 2014b, p. 10. 106

CVM, op. cit., 2014a, p. 61.

45

O corpo técnico da CVM está dividido nas seguintes superintendências

especializadas: Superintendência Geral (SGE); Superintendência de

Relações com Empresas (SEP); Superintendência de Relações Internacionais

(SRI); Superintendência de Fiscalização Externa (SFI); Superintendência de

Normas Contábeis e Auditoria (SNC); Superintendência de Relações com

Investidores Institucionais (SIN); Superintendência de Desenvolvimento de

Mercado (SDM); Superintendência Administrativo-Financeira (SAD);

Superintendência de Informática (SSI); Superintendência de Relações com o

Mercado e Intermediários (SMI); Superintendência de Registros de Valores

Mobiliários (SER); Superintendência de Proteção e orientação aos

Investidores (SOI); Superintendência de Planejamento (SPL);

Superintendência Regional de Brasília (SRB) e Superintendência Regional

de São Paulo (SRS). Além desses órgãos, a CVM possui também Ouvidoria

(OUV)), Assessoria de Comunicação Social (ASC), Assessoria Econômica

(ASE) e Auditoria Interna (AUD).107

Por fim, cumpre dizer, que a as regras de competências encontram-se insertas em

dispositivos esparsos, além dos mencionados nessa seção, que serão abordados no próximo

subcapítulo.

4.2 FUNÇÕES DA COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS

De início, importa observar que a CVM atua de forma preventiva e repressiva,

podendo evitar a prática de um ilícito por meio da adoção de instrumentos regulatórios que

coíbem determinadas condutas, bem como pode agir de forma a punir os agentes que

infringirem as normas estabelecidas.

A esse respeito, Otavio Yazbeck complementa:

A expressão regulação engloba atividades estatais que vão da criação de

normas, passando pela sua implementação por meio de determinados atos

administrativos e pela fiscalização do seu cumprimento, até e a punição dos

infratores. O regulador exerce um poder normativo, um poder executivo e

um poder “parajudicial”.108

De acordo com a CVM, essas são algumas de suas atribuições:

Estimular a formação de poupança e a sua aplicação em valores

mobiliários;

Promover a expansão e o funcionamento eficiente e regular do

mercado de ações e estimular as aplicações permanentes em ações do capital

social de companhias abertas sob controle de capitais privados nacionais;

107

EIZIRIK, op. cit., p. 244. 108

YAZBEK, op. cit., p. 180.

46

Assegurar o funcionamento eficiente e regular dos mercados de bolsa

e de balcão;

Proteger os titulares de valores mobiliários e os investidores do

mercado contra emissões irregulares de valores mobiliários, contra atos

ilegais de administradores e acionistas de companhias abertas, ou de

administradores de carteira de valores mobiliários e contra o uso de

informação relevante não divulgada no mercado de valores mobiliários; Evitar ou coibir modalidades de fraude ou manipulação destinadas a criar

condições artificiais de demanda, oferta ou preço dos valores mobiliários negociados

no mercado;

Assegurar o acesso do público a informações sobre os valores mobiliários

negociados e as companhias que os tenham emitido;

Assegurar a observância de práticas comerciais equitativas no mercado de

valores mobiliários; e

Assegurar a observância no mercado, das condições de utilização de crédito

fixadas pelo Conselho Monetário Nacional.109

Por esta razão, a CVM emite os seguintes atos normativos:

Instrução: regulamenta matérias expressamente previstas nas Leis nº

6.385/76 e 6.404/76;

Deliberação: consubstancia todos os atos de competência do

Colegiado;

Parecer: responde à consulta específica formulada por agentes do

mercado, investidores ou por componentes integrantes da própria CVM;

Parecer de Orientação: corporifica o entendimento da CVM sobre

matéria regulatória, fornecendo orientação sobre o assunto;

Nota explicativa: torna públicos os motivos que levaram a CVM a

baixar a norma ou fornece explicações sobre a utilização dos atos por ela

emitidos;

Portaria: envolve aspectos da administração interna da CVM;

Ato Declaratório: documento através do qual a CVM credencia ou

autoriza o exercício de atividades no mercado de valores mobiliários.110

Em vista disso, será abordado de forma pormenorizada os principais instrumentos

regulatórios utilizados pela CVM.

4.2.1 Função normativa

Conforme bem observa Nelson Eizirik “a regulação de determinada atividade importa

o estabelecimento de limites à atuação dos agentes econômicos, que inexistem quando o

mercado é inteiramente livre.”111

109

CVM, op. cit., 2014a, p. 60-61. 110

CVM, op. cit., 2014b, p. 28-29. 111

EIZIRIK, op. cit., p. 13.

47

Portanto, nota-se que, para alcançar os fins previstos, a CVM se utiliza de mecanismos

de mercado. Conforme Leonardo Vizeu Figueiredo ensina que:

Mecanismos de mercado são todos os atos de cunho empresarial e societário,

dos quais podem se valer os agentes econômicos para garantir a sua

permanência saudável em seus respectivos nichos econômicos, em respeito

ao devido processo competitivo e às regras e normas do direito

concorrencial.112

Nesse sentido, Nelson Eizirik complementa que

[...] as normas poderão ser tidas como reguladoras na medida em que

limitem a liberdade dos participantes do mercado, quer quanto à conduta,

quer quanto aos bens negociados. A regulação pode ocorrer de modo

voluntário ou contratual, quando é usualmente denominada “auto-

regulação”, uma vez que estabelecida pelos próprios agentes econômicos; ou

de modo jurídico, quando contida em normas legais ou regulatórias, que

caracterizam uma intervenção do Estado na economia, não como empresário,

mas como agente regulador113

Com efeito, releva acentuar que, no âmbito do mercado de capitais, a CVM, em

algumas atividades, adota a autorregulação com o fito de descentralizar o poder normativo e

fiscalizatório. Tais normas são produzidas por meio de uma maior contribuição do mercado

na sua elaboração, gerando, por via de consequência, um aumento da sua observância e a

diminuição da atuação do órgão regulador, que passa a atuar de forma residual, além de

reduzir os custos dessa atividade regulatória.

Nesse campo, a CVM ressalta que:

A autorregulação está fundamentada nos seguintes pressupostos:

A ação eficaz do órgão regulador sobre os participantes do mercado

de valores mobiliários implica em custos excessivamente altos

quando se busca aumentar a eficiência e abrangência dessa ação.

Uma entidade reguladora, pela sua proximidade das atividades do

mercado e melhor conhecimento das mesmas, dispõe de maior

sensibilidade para avalia-las e normatizá-las, podendo agir com

maior celeridade e a custos moderados.

A elaboração e o estabelecimento, pela própria comunidade, das

normas que disciplinam suas atividades fazem com que a aceitação

dessas normas aumente e a comunidade se sinta mais responsável no

seu cumprimento, diminuindo a necessidade de intervenção do órgão

regulador. 114

112

FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Lições de Direito Econômico. 7. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 134. 113

EIZIRIK, op. cit., p. 13-14. 114

CVM, op. cit., 2014a, p. 65.

48

Dessa forma, no que se refere ao exercício do poder regulamentar, este “se dá com

vistas à efetividade e à qualidade da informação. O art. 22 da nº Lei 6.385/76 e o art. 157 da

Lei 6.404/76 são, possivelmente, as regras legais mais destacadas nesse campo.” 115

O

primeiro art. mencionado estabelece, entre outras coisas, que a CVM regule as companhias

abertas no tocante à natureza das informações que devam divulgar e a periodicidade da

informação. Por outro lado, o art. 157 impõe o dever de informação aos administradores das

companhias abertas, que deverão comunicar as deliberações da assembleia-geral ou dos

órgãos de administração da companhia, bem como sobre fato relevante ocorrido nos negócios

da empresa, que possa influir, de modo ponderável, na decisão dos investidores do mercado

de vender ou comprar valores mobiliários de emissão da companhia.

Cumpre mencionar, a título de exemplo, que a Instrução da CVM nº 202/93 cuida das

informações periódicas e eventuais que as companhias abertas devem prestar, conforme

disposto, respectivamente, nos arts. 16 e 17116

. Vale trazer à colação também a Instrução nº

358/2002, que entre outras disposições, nos termos do art. 1º, trata da divulgação e uso de

informações sobre ato ou fato relevante, a divulgação de informações na negociação de

valores mobiliários de emissão de companhias abertas por acionistas controladores, diretores,

membros do conselho de administração, do conselho fiscal e de quaisquer órgãos com

funções técnicas ou consultivas, criados por disposição estatutária, e, ainda, na aquisição de

lote significativo de ações de emissão de companhia aberta, e a negociação de ações de

companhia aberta na pendência de fato relevante não divulgado ao mercado.

Em suma, a função regulatória da CVM tem como fundamentos basilares:

Interesse Público – A transferência direta de recursos entre os

investidores e os agentes econômicos é indispensável à contínua formação

de capital, estimulando o processo produtivo e contribuindo positivamente

para o crescimento do país. Com uma posição central no sistema, impactando inclusive naqueles que dele não

participam diretamente, o mercado de valores mobiliários e os fundamentos e

princípios que o regem devem ser sempre norteados pelo interesse público.

Confiabilidade- A existência e o desenvolvimento do mercado

dependem da confiança que seus diversos protagonistas depositam no

sistema. Um funcionamento impessoal e justo, com uma atuação idônea dos

agentes sem a existência de privilégios que sejam contra o interesse geral,

115

RINDADE, Marcelo F. O papel da CVM e o Mercado de Capitais no Brasil. In: JAIRO SADDI (org.).

Fusões e aquisições: aspectos jurídicos e econômicos. São Paulo: IOB, 2002, p. 311. 116

Instrução CVM nº. 202/93- Art. 16. A companhia deverá prestar, na forma do artigo 13, desta Instrução, as

seguintes informações periódicas, nos prazos especificados. [...]

Art. 17. A companhia deverá prestar, na forma do artigo 13 desta Instrução, as seguintes informações eventuais,

nos prazos especificados. [...].

49

permite a atração e permanência dos investidores, garantindo um crescente

volume de recursos direcionados a esse mercado.

Mercado Eficiente- É a característica de um mercado livre a sua

capacidade de atuar como mecanismo apto a direcionar a poupança da

sociedade aos projetos econômicos mais adequados a suas expectativas, com

a maior eficiência possível.

Ou seja, um mercado em que os investidores possam encontrar as

oportunidades com as melhores rentabilidades, considerando os mesmos

níveis de riscos, e que as transferências dos recursos sejam realizadas com o

menor custo possível.

Competitividade- A eficiência do mercado depende do grau de

competição que se estabeleça entre os seus participantes. A competição

saudável, que estimula a criatividade dos participantes e influencia

positivamente o desenvolvimento do mercado deve ser preservada pela

regulação.

Mercado Livre- A liberdade de atuação no mercado e de acesso a seus

mecanismos é pré-condição de existência de um mercado capaz de

desempenhar adequadamente o seu papel. No processo de regulação e

desenvolvimento do mercado de valores mobiliários, deve estar sempre

presente o respeito à livre atuação das forças de mercado, de forma a

promover a competitividade e um ambiente eficiente e confiável.

Proteção ao investidor- Mais do que manter um mercado equitativo,

transparente e confiável, é preciso dar atenção especial ao investidor

individual, que demanda proteção especial em razão de seu menor poder

econômico, resguardando seus interesses no relacionamento com as

instituições e companhias. Essa proteção, entretanto, não deve distorcer as

características de risco inerente às aplicações em valores mobiliários.117

Nas palavras da CVM, “esses cuidados são indispensáveis à eficiência do processo

normativo”.118

Portanto, a regulação da CVM é composta por um conjunto de fundamentos e

princípios que direcionam a atividade regulatória.

4.2.2 Função consultiva

Com fulcro no art. 13 da Lei nº 6.385/1976, a CVM possui competência para

manifestar o seu entendimento, podendo “exercer atividade consultiva ou de orientação junto

aos agentes do mercado de valores mobiliários ou a qualquer investidor.”

Como Paulo Cesar Aragão bem observa:

[...] agiganta-se o papel da CVM, especialmente em função de algumas

características muito peculiares da Lei no. 6.385, que a instituiu:

reconhecendo o grande desconhecimento prevalecente há 30 anos acerca do

mercado de valores mobiliários, foi atribuída à CVM uma “atividade

consultiva ou de orientação” que não é inerente aos órgãos reguladores.

117

CVM, op. cit., 2014b, p. 12-13 118

CVM, op. cit., 2014a, p. 63.

50

Recentemente, a reforma da lei societária tornou esta função ainda mais

clara, permitindo que a CVM analise propostas de deliberação societária e

comunique à companhia, antecipadamente, as “razões pelas quais entende

que a deliberação proposta à assembléia viola dispositivos legais ou

regulamentares”. (Lei no. 6.404/76, art. 124, § 5º, com a redação da Lei no.

10.303/01.)

Esta atividade consultiva tem sido exercida com grande competência pela

autarquia, mas gera um curioso paradoxo: a reclamação do investidor junto à

CVM (ao contrário do que sucede com o socorro do Poder Judiciário) não

exige defesa técnica, não envolve tampouco encargos de sucumbência, é

extremamente rápida, altamente especializada e – por isto mesmo – tem

inconteste autoridade.

Isto tudo leva a um entendimento generalizado no mercado de que é melhor

e mais eficiente postular perante a CVM do que junto ao Poder Judiciário: a

decisão da CVM, expressando o que às vezes é identificado como a

“manifestação de entendimento” da autarquia, poderá ser conhecida em

poucas semanas, no máximo, e não em anos, com todas as outras vantagens

acima referidas. 119

Assim, o requerimento de manifestação de entendimento da CVM apresentado por

qualquer participante confere segurança ao mercado, bem como contribui com a melhor

prestação jurisdicional, mormente nas complexas questões de cunho empresarial levadas ao

Poder Judiciário, posto que as manifestações são proferidas por áreas técnicas especializadas

da CVM.

4.2.3 Função fiscalizatória

A função da CVM que visa fiscalizar as condutas praticadas no âmbito do mercado de

valores mobiliários tem como fundamento o exercício do poder de polícia a ela outorgado,

atuando de forma a limitar a liberdade individual em detrimento do interesse público.

Conforme disposto no art. 9º da Lei nº 6.385/1976, a CVM poderá, entre outros

encargos, examinar e extrair cópias de registros contábeis, livros ou documentos; intimar a

prestar informações, ou esclarecimentos, sob cominação de multa, sem prejuízo da aplicação

das penalidades previstas no art. 11; requisitar informações de qualquer órgão público,

autarquia ou empresa pública; determinar às companhias abertas que republiquem, com

correções ou aditamentos, demonstrações financeiras, relatórios ou informações divulgadas;

aplicar aos autores das infrações indicadas no inciso anterior as penalidades previstas no art.

11, sem prejuízo da responsabilidade civil ou penal.

Por sua vez, Nelson Eizirik destaca que:

119

ARAGÃO, Paulo Cezar. A CVM em juízo: Limites e possibilidades. Rio de Janeiro, 3. Mar. 2006, p. 5-6.

51

No exercício do poder fiscalizatório da CVM, a Superintendência de

Fiscalização Externa (SFI) exerce papel preponderante, realizando inspeções

nas entidades integrantes do mercado de valores mobiliários e instruindo os

inquéritos administrativos.120

Portanto, o poder fiscalizatório da CVM possibilita “averiguar fatos, investigando-os,

e impor condutas com o objetivo de prevenir ou reprimir danos aos investidores.”121

4.2.4 Função sancionatória

O poder sancionador da CVM tem como fundamento o art. 11 da Lei nº 6.385/76122

,

que lhe confere a competência de aplicar penalidades aos infratores desta Lei e da Lei de

Sociedade por ações.

De acordo com o Parecer de Orientação CVM nº 6 de 28 de abril de 1980, o processo

sancionador tem dois momentos distintos, a saber: inquérito e contraditório. Assim inserto:

A CVM adotou, segundo ficou claro em diversas ocasiões, o reconhecimento

da existência de uma fase de investigação, denominada inquérito, e de uma

fase contraditória, que se inicia pela intimação daquelas pessoas físicas ou

jurídicas cuja responsabilidade pelos atos ilegais ou práticas não eqüitativas

efetivamente apurados se vier a verificar, para apresentação da defesa.

Além disso, o processo administrativo no âmbito da CVM pode se desenvolver sob o

rito ordinário ou sumário. O primeiro regido pela Resolução do CMN nº 454/1977 e pela

Deliberação nº 457/2002 – com as alterações das Deliberações CVM nº 470/2004, 486/2005,

490/2005, 504/2006, 514/2006 e 523/2007. Já o segundo é regulamentado pela Resolução

CMN nº1.657/1989, com as alterações introduzidas pela Resolução CMN nº 2.785/200, e pela

Instrução CVM nº 251/1996, com as modificações introduzidas pela Instrução CVM nº

335/2000.123

No que diz respeito ao rito ordinário, em um primeiro momento, as áreas técnicas da

CVM apuram indícios de autoria e materialidade dos atos reputados ilegais. Haverá

instauração de inquérito caso haja a necessidade de investigação de elementos suficientes para

120

EIZIRIK, op. cit., p. 260. 121

Ibid., p. 259. 122

BRASIL. Lei 6385/76 - Art. 11. A Comissão de Valores Mobiliários poderá impor aos infratores das normas

desta Lei, da lei de sociedades por ações, das suas resoluções, bem como de outras normas legais cujo

cumprimento lhe incumba fiscalizar, as seguintes penalidades. 123

EIZIRIK, op. cit., p. 272.

52

ensejar a elaboração do termo de acusação, sendo designada uma Comissão de Inquérito. Tal

Comissão deverá elaborar um relatório, do qual deverão constar, nos termos do art. 3º, da

Deliberação nº 457/2002:

I – nome e qualificação dos acusados; II – narrativa dos fatos investigados

que demonstre a materialidade das infrações apuradas; III – análise de

autoria das infrações apuradas, contendo a individualização da conduta dos

acusados, fazendo-se remissão expressa às provas que demonstrem sua

participação nas infrações apuradas; e IV – os dispositivos legais ou

regulamentares infringidos.

Nos termos do art. 7º da Deliberação nº 457/2002, “a Comissão de Inquérito proporá

ao Superintendente Geral o arquivamento do inquérito sempre que não obtiver provas

suficientes para formular a acusação, ou se convencer da inexistência de infração”.

Na hipótese de os elementos de autoria e materialidade da infração serem suficientes

para o oferecimento de termo de acusação por um Superintendente, será dispensada a

constituição de Comissão de Inquérito, conforme previsto no art. 4º da Deliberação nº

457/2002.

Nesse ponto, Nelson Eizirik esclarece que “a peça acusatória deve apresentar todos os

requisitos considerados indispensáveis à caracterização do ilícito, aplicando-se

analogicamente o disposto no art. 41 do Código de Processo Penal.”124

Isto é, deverá conter a

exposição minuciosa do fato, com todas as circunstâncias, assim como a classificação do

crime.

Em sequência, a Procuradoria Federal Especializada (PFE) emitirá parecer sobre o

Termo de Acusação. Se a procuradoria verificar a ausência de um dos requisitos necessários à

formulação do termo de acusação, previsto no supramencionado art. 3º, o Superintendente

poderá arquivar o processo.

Posteriormente, os autos serão encaminhados para a Coordenação de Controle de

Processo Administrativo (CCP), que providenciará a intimação dos acusados para

apresentação de defesa, devendo conter a advertência de que o acusado poderá propor a

celebração de termo de compromisso conforme disposto no art. 9º, caput e §1º da Deliberação

nº 457/2002.

Nesse tocante, o art. 8º da Deliberação nº 390/2001, com as alterações introduzidas

pelas Deliberações nº 486/05 e 657/11, estabelece que:

124

EIZIRIK, op. cit., p. 274.

53

Art. 8º - Após ouvida a Procuradoria Federal Especializada, o

Superintendente-Geral submeterá a proposta de termo de compromisso ao

Comitê de Termo de Compromisso, que deverá apresentar parecer sobre a

oportunidade e a conveniência na celebração do compromisso, e a adequação

da proposta formulada pelo acusado, propondo ao Colegiado sua aceitação

ou rejeição, tendo em vista os critérios estabelecidos no art. 9º

De acordo com os arts 24 e 25 da Deliberação nº 457/2002, o processo será julgado

pelo Colegiado, em sessão pública, podendo ser restringido o acesso de terceiros em função

do interesse público envolvido. A sessão será presidida pelo Presidente da CVM ou, na sua

ausência ou impedimento, por qualquer Diretor, e somente realizar-se-á com a presença de no

mínimo três membros do Colegiado.

Nelson Eizirik acrescenta que:

A decisão proferida será publicada no Diário Oficial da União, na forma de

ementa, contendo seus fundamentos, a identificação das partes e as

penalidades aplicadas. Ao acusado será dado conhecimento por escrito, da

decisão para, querendo, em petição encaminhada à CVM, recorrer no prazo

de 30 (trinta) dias a contar da ciência da decisão, ao Conselho de Recursos

do Sistema Financeiro Nacional.125

Por fim, nos termos do art. 11 da Lei nº 6.385/76, a CVM poderá impor aos infratores

as seguintes penalidades:

I - advertência;

II - multa;

III - suspensão do exercício do cargo de administrador ou de conselheiro

fiscal de companhia aberta, de entidade do sistema de distribuição ou de

outras entidades que dependam de autorização ou registro na Comissão de

Valores Mobiliários;

IV - inabilitação temporária, até o máximo de vinte anos, para o exercício

dos cargos referidos no inciso anterior;

V - suspensão da autorização ou registro para o exercício das atividades de

que trata esta Lei;

VI - cassação da autorização ou registro indicados no inciso anterior.

VI - cassação de autorização ou registro, para o exercício das atividades de

que trata esta Lei;

VII - proibição temporária, até o máximo de vinte anos, de praticar

determinadas atividades ou operações, para os integrantes do sistema de

distribuição ou de outras entidades que dependam de autorização ou registro

na Comissão de Valores Mobiliários;

VIII - proibição temporária, até o máximo de dez anos, de atuar, direta ou

indiretamente, em uma ou mais modalidades de operação no mercado de

valores mobiliários.

125

EIZIRIK, op. cit., p. 277.

54

Por derradeiro, vale consignar que a Lei nº 6.385/76 prevê como crime contra o

mercado de capitais: a manipulação do mercado, o uso de informações privilegiadas e o

exercício irregular de cargo, profissão, atividade ou função, determinados pelos arts. 27-C,

27-D, 27-E.126

No caso da utilização de informação privilegiada, Leonardo Vizeu ensina que:

A Lei de Sociedades Anônimas, ao tratar dos deveres de lealdade e de

prestar informações, por parte dos administradores e pessoas a eles

equiparados, implicitamente emitiu o conceito de insider. Da mesma forma

procedeu a Lei nº 6.385/1976, quando estabeleceu que a CVM expedirá

normas, aplicáveis à companhia aberta, sobre informações que devem ser

prestadas por administradores e acionistas controladores.

Com efeito, do texto de tais dispositivos pode-se concluir, sem qualquer

dúvida que o legislador brasileiro admitiu como insider, nos termos da

definição doutrinária de início enunciada, as seguintes pessoas que, em razão

de sua posição, têm acesso a informações capazes de influir de modo

ponderável na cotação dos valores mobiliários de emissão da companhia:

a) Administradores, conselheiros e diretores da companhia;

b) Membros de quaisquer órgãos, criados pelo estatuto da companhia,

com funções técnicas ou destinadas a aconselhar os administradores;

c) Membros do Conselho Fiscal;

d) Subordinados das pessoas acima referidas;

e) Terceiros de confiança dessas pessoas; e

f) Por acionistas controladores.

Por sua vez, são estabelecidas, via de regra, as seguintes condutas para

regulação do insider: a) proibição do uso de informação privilegiada [...], b)

divulgação das informações referentes atos e fatos relevantes [...]; c) vedação

à prática de determinadas operações do mercado [...]; d) obrigatoriedade da

apresentação periódica de relatórios [...].127

Do ponto de vista específico desse estudo, convém salientar o caso amplamente

divulgado nos veículos midiáticos, abordado outra vez mais recentemente, sobre o empresário

Eike Batista. De início, releva destacar que a CVM possui processos administrativos em face

do empresário, para fins de investigação de ilícitos praticados nas empresas “X”. Para a

126

BRASIL. Lei 6385/76- 27-C- Realizar operações simuladas ou executar outras manobras fraudulentas, com a

finalidade de alterar artificialmente o regular funcionamento dos mercados de valores mobiliários em bolsa de

valores, de mercadorias e de futuros, no mercado de balcão ou no mercado de balcão organizado, com o fim de

obter vantagem indevida ou lucro, para si ou para outrem, ou causar dano a terceiros;

27- D- Utilizar informação relevante ainda não divulgada ao mercado, de que tenha conhecimento e da qual deva

manter sigilo, capaz de propiciar, para si ou para outrem, vantagem indevida, mediante negociação, em nome

próprio ou de terceiro, com valores mobiliários:

Art. 27-E. Atuar, ainda que a título gratuito, no mercado de valores mobiliários, como instituição integrante do

sistema de distribuição, administrador de carteira coletiva ou individual, agente autônomo de investimento,

auditor independente, analista de valores mobiliários, agente fiduciário ou exercer qualquer cargo, profissão,

atividade ou função, sem estar, para esse fim, autorizado ou registrado junto à autoridade administrativa

competente, quando exigido por lei ou regulamento. 127

FIGUEIREDO, op. cit., p. 274-275.

55

análise feita nesse estudo serão abordados apenas dois destes, a saber: o que trata da MPX

(empresa da área de energia) e a OGX (empresa no ramo de petróleo).

No processo administrativo sancionatório nº RJ 2013/10909128

, apurou-se a

responsabilidade de Eike Batista, na qualidade de acionista controlador da empresa MPX,

pela não divulgação de fato relevante, com fundamento no art. 6º, parágrafo único, da

Instrução da CVM nº 358/2002, que se encontra em consonância com o art. 157, § 5º da Lei

nº 6.404/76, ao estabelecer que “os atos ou fatos relevantes podem, excepcionalmente, deixar

de ser divulgados se os acionistas controladores ou os administradores entenderem que a sua

revelação porá em risco interesse legítimo da companhia”. Em recente sessão de julgamento,

em 18 de março de 2015, foi proferida a decisão no sentido de aplicar ao acusado a

penalidade de multa pecuniária no valor de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais). O voto da

Diretora-relatora foi acompanhado pelos membros do colegiado, sendo decidida a aplicação

da sanção por unanimidade, com fundamento no art. 11 da Lei nº 6.385/76 e por infração ao

parágrafo único do art. 6º, da Instrução CVM nº 358/2002. O entendimento foi de que as

exceções previstas no parágrafo único do art. 6º da referida instrução, oscilação atípica na

cotação e volume das ações e vazamento de informação, não foram demonstrados de forma

contundente pelo acusado, conforme destacado no anexo I, o que viola o dever de informação

ao mercado, uma vez que:

[...] No entanto, diante de um vazamento (ou oscilação atípica), o interesse

do mercado de obter informações verdadeiras, claras e precisas se sobrepõe

aos interesses da companhia de manter certas informações em sigilo. Só

desta maneira se assegura o adequado funcionamento do mercado de valores

mobiliários e a simetria informacional entre os diversos agentes.129

Com efeito, no que tange a sanção cominada, a Lei nº 6.385/76, dispôs em seu

parágrafo 1º do art. 11, que a multa não pode exceder o valor de R$ 500.000,00 (quinhentos

mil reais), o que foi observado pela CVM na decisão da aplicação dessa forma de penalidade.

O processo sancionatório nº RJ 2014/0578130

, foi instaurado com o fito de apurar a

responsabilidade de Eike Batista, na qualidade de acionista controlador e presidente do

Conselho de Administração da OGX Petróleo e Gás Participações S.A., pelo descumprimento

do dever de lealdade à companhia e manutenção de reserva sobre os seus negócios, bem como

pela prática de manipulação de preços, com fundamento, respectivamente, no art. 155, §1º, da

128

Anexo I. 129

Anexo I, parágrafo 22 do voto. 130

Anexo II. Disponível em: <http://sistemas.cvm.gov.br/?PAS>.

56

Lei nº 6.404/76, combinado com o art. 13, caput, da Instrução CVM nº 358/02 e, pelo inciso

II, "b", e vedada pelo inciso I, ambos da Instrução CVM nº 08/79 conforme ementa do

referido processo. Contudo, este ainda se encontra em trâmite perante a CVM.

Além disso, acerca da empresa supramencionada, o Ministério Público Federal

também ofereceu denúncia em face do empresário Eike Batista pelos crimes contra o mercado

de capitais, especificamente: os de manipulação de mercado e uso privilegiado de

informações, consubstanciados, respectivamente, no art. 27-C e 27-D da Lei 6.385/76131

. No

que diz respeito ao crime previsto no art. 27-C, o Parquet argumenta ter havido divulgação de

informações inverídicas acerca do comprometimento do empresário em cumprir uma cláusula

contratual, denominada de cláusula “put”, que importaria na aplicação de vultosos recursos na

empresa OGX, uma vez que havia a previsão contratual de inviabilidade de execução da

cláusula “put” em face do acionista controlador na hipótese de alteração do plano de negócios

referentes à exploração dos campos de petróleo, conforme salientado à fl.4, nota 8 da peça de

denúncia, ressaltando que o denunciado já tinha conhecimento sobre a inexistência da

prospecção anunciada nos campos de exploração de petróleo de Tubarão Tigre, Tubarão Gato

e Tubarão Areia.

Quanto à conduta delituosa prevista no art. 27-D, insider trading, a qual os

Procuradores Gerais da República, em sua peça de denúncia, tiveram o cuidado de explicar o

significado do termo à fl. 5, nota de rodapé nº 12, do anexo III, esta teria ocorrido em duas

ocasiões distintas, sendo a primeira configurada quando da omissão do denunciado a

informações referentes às conclusões técnicas e financeiras da empresa contratada e as

análises proferidas pela própria empresa, os quais demonstravam inviabilidade para

exploração dos campos petrolíferos. O segundo momento teria ocorrido quando o denunciado

promoveu a venda de um volume acentuado de ações, o que lhe gerou lucro indevido.

Como bem destaca o MPF:

De fato, os delitos que lhe são imputados – artigos 27-C e 27-D, ambos da

Lei 6.385/76, têm por bem jurídico tutelado, precipuamente, a estabilidade,

integridade, transparência e confiabilidade do mercado de capitais, interesse

indisponível, impregnado de inquestionável relevância social.132

Portanto, como se infere dos casos concretos acima expostos, a tutela da informação

no mercado de capitais é de extrema relevância, demandando ampla vigilância por parte da

131

Anexo III. 132

Ministério Público Federal. Petição de requerimento de arresto. fls. 1 e 2.

57

CVM. Requer, ainda, maior atenção a figura do insider trading133

, que utiliza informações

relevantes, para negociar seus valores mobiliários, antes desta se tornar de conhecimento

público, haja vista ser uma conduta criminosa, que gera grande prejuízo a ser suportado pelo

mercado de ações.

133

“Em termos puramente doutrinários, ignorando-se, portanto, a legislação vigente em cada país, insider, em

relação à determinada companhia, é toda pessoa que, em virtude de fatos circunstanciais, tem acesso a

“informações relevantes” relativas aos negócios e situação da companhia. Informações relevantes,

doutrinariamente, são aquelas que podem influir de modo ponderável na cotação dos valores mobiliários de

emissão da companhia, afetando a decisão dos investidores de vender, comprar ou reter esses valores.”

(FIGUEIREDO, 2014, p.724)

58

CONCLUSÃO

A evolução da forma como o Estado tem se relacionado com o dinamismo da

atividade econômica reflete a necessidade da tutela estatal a fim de garantir o funcionamento

regular do mercado e, por via de consequência, a proteção da sociedade, posto que o objetivo

fundamental da intervenção estatal, na modalidade regulatória, se volta para assegurar e

manter credibilidade e eficiência do mercado de capitais, bem como a defesa do interesse

público.

A titularidade do Estado como agente normativo e regulador da economia é conferido

pela Constituição Federal de 1988, com fulcro no art. 174, determinando que a ordem

econômica seja um instrumento da ordem social, em razão deste ter a capacidade de promover

o desenvolvimento equilibrado do país e a servir aos interesses da coletividade.

Dentro desse contexto, ganha importância o exame dos institutos das agências

reguladoras, surgidos mais recentemente na seara do direito administrativo, com a

prerrogativa do poder regulamentar, que lhe confere a competência para editar atos para

complementar as leis, ante a especificidade do seu campo de atuação. Ressalte-se, que a elas

se impõe o dever de observância aos limites previstos na Magna Carta, nas leis que as

instituíram e, de forma específica para a CVM, nas diretrizes proferidas pelo Conselho

Monetário Nacional.

Examinando o caso particular da CVM, esta foi criada para regular o setor do mercado

de capitais, tendo em vista a necessidade da criação de um órgão especializado, diante da crise

histórica que perpassou o mercado de capitais, possuindo como atribuições principais a

atividade consultiva, normativa, fiscalizatória e sancionatória.

O exercício do poder regulamentar da CVM se fundamenta na regulação prévia, de

modo que os participantes do mercado avaliem e se manifestem durante o processo de

elaboração normativo. Diante disso, os destinatários das normas se submetem ao seu

cumprimento, diminuindo a atuação do órgão fiscalizatório. Ademais, restou demonstrado que

o poder regulamentar visa precipuamente a tutela da qualidade das informações prestadas no

âmbito do mercado de capitais.

A função consultiva consubstancia-se na prática de manifestação de entendimento da

referida autarquia. Tal orientação tem vantagens face à prestação do poder judiciário,

conforme apresentado ao longo do trabalho, podendo citar como exemplo, a celeridade e o

grau de especialização dos pareceres emitidos pela CVM.

59

No que diz respeito à fiscalização realizada pela CVM, esta é exercida mediante a de

inspeções nas entidades, com base no poder de polícia que lhe foi conferido.

Ainda, quanto à função sancionatória, restou demonstrado que a CVM é o órgão mais

recomendado para investigar e aplicar penalidade no âmbito do mercado de capitais. Pois, a

dificuldade de compreensão de questões complexas de direito societário e da definição de

configuração de práticas consideradas ilícitas, como a constatação da manipulação do

mercado ou uso de informação privilegiada, apontam que a CVM é a entidade mais capaz de

apurar tais atos, com inconteste autoridade.

Com efeito, é inegável a importância da CVM no exercício do seu mister, por ser a

entidade mais especializada em matéria empresarial, sendo a mais indicada, dessa forma, a

evitar as distorções e abusos a que está sujeito o mercado de capitais.

Assim, o caso analisado evidencia de forma clara a significativa necessidade da

intervenção estatal, por meio da regulação, a fim de garantir a preservação do mercado, bem

como assegurar que sejam alcançados os fins previstos constitucionalmente, conduzindo à

promoção da justiça social, de forma a refletir o bem estar dos indivíduos.

60

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63

ANEXOS

ANEXO I – EXTRATO DE SESSÃO DE JULGAMENTO DO PROCESSO

ADMINISTRATIVO SANCIONADOR CVM Nº RJ2013/10909

EXTRATO DA SESSÃO DE JULGAMENTO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO

SANCIONADOR CVM nº RJ2013/10909

Acusado: Eike Fuhrken Batista.

Ementa:

Não divulgação de fato relevante. Multa.

Decisão:

Vistos, relatados e discutidos os autos, o Colegiado da Comissão de Valores

Mobiliários, com base na prova dos autos e na legislação aplicável, por

unanimidade de votos, decidiu:

1. Aplicar ao acusado Eike Fuhrken Batista, na qualidade de Acionista

Controlador da MPX Energia S.A., a penalidade de multa pecuniária no

valor de R$ 300.000,00, pela não divulgação de fato relevante, em infração

ao art. 6º, parágrafo único, da Instrução CVM n° 358/ 2002.

O acusado punido terá um prazo de 30 dias, a contar do recebimento de

comunicação da CVM, para interpor recurso, com efeito suspensivo, ao Conselho de Recursos

do Sistema Financeiro Nacional, nos termos dos arts 37 e 38 da Deliberação CVM nº 538, de

05 de março de 2008, prazo esse, ao qual, de acordo com a orientação fixada pelo Conselho

de Recursos do Sistema Financeiro Nacional, poderá ser aplicado o disposto no art. 191 do

Código de Processo Civil, que concede prazo em dobro para recorrer quando os

litisconsórcios tiverem diferentes procuradores.

Proferiu defesa oral o advogado Marcelo Tourinho, representante do acusado

Eike Fuhrken Batista.

Presente a Procuradora-federal Luciana Silva Alves, representante da

Procuradoria Federal Especializada da CVM.

Participaram da Sessão de Julgamento os Diretores Luciana Dias, Relatora,

Roberto Tadeu Antunes Fernandes, Pablo Renteria, e o Presidente da CVM, Leonardo P.

Gomes Pereira, que presidiu a Sessão.

64

Rio de Janeiro, 18 de março de 2015.

Luciana Dias

Diretora-Relatora

Leonardo P. Gomes Pereira

Presidente da Sessão de Julgamento

PROCESSO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR CVM nº RJ2013/10909

Acusado: Eike Fuhrken Batista

Assunto: Não divulgação tempestiva de fato relevante

Relatora: Diretora Luciana Dias

RELATÓRIO

Objeto

1. Trata-se de processo administrativo sancionador instaurado pela Superintendência de

Relações com Empresas (“SEP”, ou “Acusação”) em face de Eike Fuhrken Batista (“Eike

Batista”, ou “Acusado”), na qualidade de acionista controlador da MPX Energia S.A., atual

Eneva S.A. (“MPX”, ou “Companhia”) para apurar sua responsabilidade pela não divulgação

de fato relevante, em infração ao art. 6º, parágrafo único, da Instrução CVM n° 358, de 20021.

Fatos

2. Em 27.2.2013, foi divulgada notícia no jornal “Valor Econômico” sob o título “E.ON está

mais perto de comprar MPX” (fl. 2). Dentre as informações constantes desta reportagem,

estavam:

i) a E.ON SE (“E.ON”) não teria fôlego financeiro para adquirir o controle da MPX

sozinha, motivo pelo qual compartilharia o controle com mais algum acionista,

provavelmente a BNDES Participações S.A. – BNDESPar, que naquele momento teria

participação de 10,34% na MPX;

ii) a operação deveria disparar o tag along;

65

iii) “a alemã compraria ações até uma fatia que não lhe configurasse o controle,

tornando-se a principal acionista. Eike Batista colocaria quase toda a sua fatia, de

53,47%, à venda e ficaria com perto de 5% apenas. A E.ON subiria sua fatia de

11,7% para um percentual próximo de 34%, desembolsando cerca de R$

1,2 bilhão” (fl. 2);

iv) E.K., presidente da MPX à época, poderia permanecer como principal executivo da

companhia, “mas toda área técnica e operacional passa[ria] a ser controlada pela

E.ON” (fl. 2); e

v) “depois de concretizada a venda da participação de Eike Batista, es[taria] previsto um

aumento de capital também bilionário na empresa” (fl. 2).

3. Em resposta ao pedido de esclarecimentos da BM&FBOVESPA S.A. – Bolsa de

Valores, Mercadorias e Futuros (“BM&FBovespa”) (fl. 3) no que concerne à notícia

veiculada, a MPX divulgou comunicado ao mercado (fl. 6) às 18h11 do dia 27.2.2013

informando que “Eike Fuhrken Batista (...) mantém permanente contato com vários

investidores sobre diferentes oportunidades de negócio, sempre em prol do interesse da

Companhia e com vistas a maximizar o valor para os seus acionistas” e que, naquele

momento, não haveria qualquer tratativa conclusiva a ser divulgada ao mercado.

4. Após a divulgação deste comunicado ao mercado, a SEP encaminhou ofício (fl. 7)

para a MPX esclarecendo que na hipótese de vazamento de informação ou de oscilação

atípica dos papéis de emissão da companhia, deveria haver divulgação imediata de fato

relevante, ainda que a informação se referisse a operação em negociação ou até mesmo a

mera intenção de realização do negócio2.

5. Novamente, no dia 18.3.2013 foi divulgada notícia no jornal “Valor Econômico” sob o

título “Eike negocia MPX e inicia nova fase em seus negócios” (fls. 9/10). Nesta notícia

constava que:

i) Eike Batista teria fechado, no dia 15.3.2013, as bases do acordo com a E.ON e o valor

da operação seria de R$1,87 bilhão;

ii) “no primeiro momento, a E.ON, que já t[inha] 11,7%, [iria] comprar mais 27% das

ações em mão de Batista e fundos controlados por ele, que somam 53,9%. O preço

estabelecido para cada ação de Batista [teria sido] de R$ 12,00” (fl. 9);

iii) “o movimento seguinte da operação [seria] um aumento de capital na MPX por meio

de uma oferta primária de ações para permitir a entrada do BTG Pactual (...) e do

BNDES” (fl. 9), de forma que a participação da E.ON na MPX seria diluída; e

iv) a operação não dispararia o tag along.

6. Aproximadamente às 18h15 do dia 19.3.2013 e após ser inquirida pela BM&FBovespa

(fl. 11), a MPX divulgou fato relevante (fls. 12/13) e comunicado ao mercado (fls. 14-

16) informando que Eike Batista estaria em “tratativas sobre a potencial alienação de

66

determinado número de ações de emissão da MPX de sua titularidade”, mas que até

aquele momento não havia nenhum documento assinado.

7. No dia seguinte, a SEP encaminhou ofício à Companhia (fls. 17/18) sustentando que,

não obstante a divulgação da informação relativa à existência de tratativas envolvendo

as ações de titularidade de Eike Batista, a Companhia não teria confirmado ou

desmentido a veracidade de diversas informações constantes da reportagem divulgada

em 18.3.2013. Neste sentido, a SEP determinou o aditamento do fato relevante com

base no do art. 3º, § 6º, da Instrução CVM n° 358, de 20023.

8. Assim, no dia 21.3.2013, a MPX publicou novo fato relevante (fls. 20/21), informando

ao mercado que Eike Batista teria confirmado que as negociações envolvendo a venda

de ações da MPX teriam evoluído e que estaria mantendo discussões avançadas com a

E.ON para aquisição de parte das ações da MPX por ele detidas, mas que ele não

deixaria o controle da sociedade. Além disso, o fato relevante informou que existiriam

negociações em curso sobre eventual aumento de capital da MPX e que até aquele

momento nenhum documento havia sido assinado pelas partes.

9. Em 28.3.2013, a MPX divulgou fato relevante do qual constava o que segue:

i) Eike Batista teria celebrado acordo definitivo de investimento com a E.ON, por meio

do qual a E.ON adquiriria 24,5% das ações de emissão da MPX detidas por Eike

Batista, passando a deter 36,2% do capital social da MPX, e o preço de aquisição seria

de R$ 10,00 por ação, podendo ser ajustando para até R$ 11,00;

ii) seria celebrado, na data de aquisição das ações, acordo de acionistas entre a E.ON e

Eike Batista, regulando o exercício dos direitos de voto e restrições à transferência de

ações por eles detidas;

iii) a Companhia teria seu capital aumentado em, no mínimo, R$1,2 bilhão; a captação de

recursos se daria por meio de oferta pública primária de ações, a ser realizada pelo

Banco BTG Pactual S.A em regime de garantia firme de colocação no valor de R$

10,00 por ação; e

iv) a MPX E.ON Participações S.A., joint venture formada entre a MPX e a E.ON, seria

incorporada à Companhia por seu valor patrimonial.

10. Em 29.5.2013, a Companhia informou o mercado (fls. 41/42) acerca da conclusão da

aquisição pela E.ON de ações detidas por Eike Batista representativas de 24,5% do capital

social da MPX, com o que a E.ON teria passado a deter 36,2% do capital social da

Companhia. O valor transacionado teria sido de R$ 1,4 bilhão, ainda sujeito a ajuste posterior

para até R$ 1,6 bilhão.

11. Em 10.6.2013, a SEP elaborou o Relatório de Análise CVM/SEP/GEA-1/Nº 77/13

(fls. 43-52), no qual concluiu pela existência dos seguintes indícios de vazamento de

informações a respeito da negociação do Acusado com a E.ON e de oscilações atípicas das

ações da Companhia relacionadas à divulgação das notícias mencionadas:

67

i) o aumento do volume diário negociado com as ações de emissão da MPX (“MPXE3”)

nos dias 26.2.2013 e 27.2.2013, respectivamente véspera e dia de divulgação da

primeira notícia a respeito da negociação com a E.ON – o volume financeiro

aumentou de pouco mais de R$ 8 milhões em 25.2.2013 para mais de R$ 30 milhões

em 26.2.2013 e mais de R$ 36 milhões em 27.2.2013;

ii) o aumento do volume diário negociado com a ação MPXE3 no dia 15.3.2013 – de 8,8

milhões, no dia 14.3.2013, para 33 milhões, no dia 15.3.2013 –, véspera da divulgação

da segunda notícia na imprensa, e forte oscilação no preço da ação durante o pregão

desse dia – as ações da MPX chegaram a subir 5,14% no dia 15.3.2013 e no final do

pregão caíram para a cotação mínima, com desvalorização de 2,11%;

iii) a queda expressiva da ação MPXE3 nos dias 19 e 28.3.2013, ambas ocorridas antes da

divulgação dos fatos relevantes após o encerramento dos pregões desses dias – no

pregão do dia 19.3.2013, a cotação da ação MPXE3 teria tido queda de até 4,31% e no

pregão do dia 28.3.2013 de 5,15%;

iv) a compatibilidade entre as datas em que teriam acontecido as negociações entre as

partes informadas na reportagem de 18.3.2013 e aquelas informadas pela Companhia –

de acordo com a MPX (fls. 37-40), Eike Fuhrken Batista e S.D., membro do conselho

de administração da Companhia eleito por indicação da E.ON, teriam tido

conhecimento das tratativas em 14.3.2013 e as demais pessoas envolvidas teriam tido

conhecimento da operação apenas em 19.3.2013, quando Eike Batista teria informado

a diretoria da MPX acerca da existência de tratativas para a potencial alienação de

certo número de ações por ele detidas; e

v) a notória semelhança dos detalhes da operação antecipados pelo jornal Valor

Econômico nas matérias dos dias 27.2.2013 e, principalmente, do dia

18.3.2013, e os detalhes divulgados nos fatos relevantes dos dias 19, 21 e

28.3.2013, tais como: (a) a venda de ações da MPX por parte de Eike Batista para a

E.ON; (b) a formação de novo bloco de controle com a presença do atual controlador;

(c) o não disparo de tag along; e (iv) o aumento de capital na MPX por meio de oferta

pública primária de ações.

12. Em resposta ao ofício encaminhado pela SEP (fls. 53-56) solicitando a cronologia dos

eventos relacionados à decisão de Eike Batista em realizar a referida operação, a E.ON (fls.

57-63) e a MPX (fls. 64-71) informaram, em síntese, que:

i) a E.ON manteria discussões com Eike Batista sobre diferentes oportunidades de

negócio envolvendo a MPX desde dezembro de 2012;

ii) as primeiras discussões sobre uma possível transação envolvendo aumento na

participação da E.ON na MPX datariam de 1.2.2013; nesta data teriam sido discutidas

diferentes estruturas para a operação;

68

iii) as negociações diretas com representantes de Eike Batista com o objetivo de concluir

uma operação prevendo um aumento em aproximadamente 25% na participação da

E.ON na MPX combinada a uma estrutura de controle compartilhado da MPX teriam

se iniciado por volta de 14.3.2013; e

iv) os contratos teriam sido assinados pelas partes em 27.3.2013.

13. Em respeito ao art. 11 da Deliberação CVM n° 538, de 20084, a SEP solicitou a

manifestação dos administradores da MPX (fls. 72/73) sobre a divulgação intempestiva de

fato relevante, os quais esclareceram (fls. 81-110), em conjunto, que:

i) não teria havido nenhuma oscilação abrupta no preço das ações ordinárias da

Companhia antes da divulgação das notícias, uma vez que (a) entre os dias 28.1.2013 e

26.2.2013, data anterior à veiculação da notícia na mídia, teria havido uma variação

ínfima no valor das ações da MPX, com preços, respectivamente, de R$10,92 e

R$10,34; e (b) de 4.11.2012 a 18.3.2013 a cotação das ações ordinárias da Companhia

teria se mantido estável, sofrendo variação de apenas 6,2% entre estes dois pregões5;

ii) o comportamento do volume de negociações das ações ordinárias da MPX em bolsa de

valores teria como característica a presença de oscilações importantes, o que poderia

ser verificado pelo gráfico apresentado à fl. 84 dos autos, que representaria o volume

negociado com ações MPXE3 de 3.6.2012 a

8.7.2013;

iii) no que se refere ao suposto vazamento da negociação entre Eike Batista e a E.ON, a

MPX “[teria] como premissa divulgar ao mercado eventos e fatos concretos que de

alguma forma exerçam algum impacto na Companhia, suas subsidiárias e suas

atividades, evitando, assim, especulações descabidas” (fl. 84) e, até o dia 19.3.2013, a

MPX não teria tido conhecimento de nenhuma informação concreta;

iv) “após tal data, houve tratativas e negociações preliminares entre a E.ON e o Sr. Eike

Fuhrken Batista sem que tivesse sido celebrado qualquer acordo ou documento,

vinculante ou não, (...) o que não geraria a obrigação de divulgar fato relevante” (fl.

84); e

v) celebrado o acordo de investimento, a MPX teria dado publicidade imediata a tal

evento com a divulgação do fato relevante de 28.3.2013.

14. Em respeito ao art. 11 da Deliberação CVM n° 538, de 2008, a SEP encaminhou ofício

(fls. 121/122) à Eike Batista solicitando que se manifestasse sobre as medidas eventualmente

adotadas para providenciar a divulgação tempestiva e completa dos fatos relevantes. Em

resposta (fls. 123-129), o Controlador alegou que:

i) as afirmações contidas na notícia divulgada em 27.2.2013 pouco se coadunariam com

a operação contemplada no acordo de investimento, notadamente nos seguintes

69

pontos: (a) Eike Batista permaneceu como controlador da MPX e não reduziu sua

participação acionária a 5%; e (b) a área técnica e operacional não passou a ser

controlada pela E.ON;

ii) constariam da notícia divulgada em 18.3.2013 fatos e suposições que não

corresponderiam àqueles firmados no acordo de investimento, pois (a) Eike Batista

permaneceu como acionista controlador da MPX conjuntamente com a E.ON; (b) o

preço por ação inicial foi de R$10,00; e (c) a E.ON passou a deter 36,2% do capital

social da MPX;

iii) a MPX teria divulgado o fato relevante de 21.3.2013 logo que as negociações

avançaram e a estrutura da operação ganhou contornos semelhantes aos acordados no

acordo de investimento;

iv) no que concerne à suposta oscilação de preço das ações da MPX, Eike Batista afirmou

que, de 29.10.2012 a 18.3.2013, (a) a cotação das ações ordinárias da MPX teria se

mantido estável, com cotação mínima de R$9,63 e máxima de R$11,67, o que

representaria uma variação em relação à média (R$10,63) de aproximadamente 9%; e

(b) o valor das ações da MPX teria acompanhado as oscilações apresentadas no

mercado de uma maneira geral (IBOVESPA) e das empresas do setor de energia

elétrica (IEE); e

v) não obstante ter havido uma variação de 4,2% das ações da MPX entre os dias

28.2.2013 e 1.3.20136 e uma variação de -3,9% entre os dias 18 e 19.3.2013

7, as

variações expressivas na cotação das ações de emissão da MPX seriam fatos normais

em seu comportamento8.

Acusação e Parecer da PFE

15. No dia 21.11.2013 a SEP apresentou Termo de Acusação em face de Eike Batista (fls.

157-175), alegando, em resumo, que:

i) apesar da divulgação da notícia de 27.2.2013 ter ocorrido antes da abertura do pregão,

a MPX não teria tomado a iniciativa de se manifestar sobre seu conteúdo, tendo

divulgado comunicado ao mercado somente às 18h11 daquele dia, após ser provocada

pela BM&FBovespa;

ii) a notícia traria as seguintes informações ainda desconhecidas pelo mercado: (a) venda

de participação acionária do controlador Eike Batista à E.ON; (b) aumento da

participação da E.ON na Companhia; (c) realização de aumento de capital

significativo; e (d) eventual disparo de tag along;

iii) no dia da veiculação da notícia, 27.2.2013, o volume negociado teria sido 1,42 vezes

superior ao volume médio dos últimos 30 dias e a ação teria oscilado, no intraday, até

5,84% acima do preço de fechamento do dia anterior;

iv) apesar do preço de fechamento da ação no dia 27.2.2013 não ter sido superior ao

fechamento do dia anterior, em 26.2.2013 já teria havido, aparentemente, vazamento

70

de informação, já que o volume negociado teria sido 3,77 vezes superior ao negociado

no dia 25.2.2013 e 1,24 vezes superior à média dos 30 dias anteriores, além do preço

ter subido 4,95%;

v) no que se refere à notícia veiculada pelo jornal Valor Econômico no dia

18.3.2003, “apesar de ter sido inquirida pela Bolsa por meio do Ofício (...), de

18.03.2013 às 9h15 (fl. 11), a MPX divulgou fato relevante somente em 19.03.2013,

após o fechamento do mercado, às 18h08 (fls. 12 a 16), privando o mercado por dois

dias de negociação sobre as novas informações vazadas pela imprensa” (fl. 170);

vi) no dia 18.3.2013, apesar de o volume negociado ter sido inferior ao volume médio dos

últimos 30 pregões, teria havido oscilação no preço da ação no intraday de até 4,66%

em relação ao fechamento do dia anterior;

vii) tanto no comunicado ao mercado divulgado pela MPX em 27.2.2013, quanto no fato

relevante divulgado em 19.3.2013, a Companhia teria sido “evasiva a respeito das

notícias veiculadas, contrariando a orientação da CVM” (fl. 171) de que na hipótese

de vazamento de informação ou de oscilação atípica dos papéis, o fato relevante deve

ser divulgado imediatamente; e

viii) alguns dos detalhes divulgados em “ambas as notícias s[eriam] muito similares aos da

operação que foi finalizada”, como a empresa em negociação, o valor da operação, o

percentual de participação final da compradora e o aumento de capital9.

16. Com base nos argumentos expostos acima e no fato de que Eike Batista teria prestado

informações incompletas e evasivas ao diretor de relações com investidores (“DRI”) da MPX

sobre a operação em questão, apesar de dispor de informações concretas e passíveis de

divulgação ao mercado (como a empresa com a qual mantinha negociações e a necessidade de

aumento de capital subsequente à venda de suas ações), a SEP propôs a responsabilização de

Eike Batista, na qualidade de controlador da MPX, por infração ao art. 6º, parágrafo único, da

Instrução CVM n° 358, de 2002.

17. Segundo a SEP, a infração cometida por Eike Batista teria ocorrido pela não

divulgação de fato relevante, pelo menos a partir de 27.2.2013, quando houve vazamento de

informações na imprensa a respeito da aquisição de parte de sua participação acionária na

MPX pela E.ON e após a oscilação no volume e no preço das ações MPXE3 no dia

26.2.2013. Tal infração teria sido agravada pelo fato de Eike Batista ter prestado ao DRI da

MPX informações incompletas e imprecisas sobre o assunto. Ainda de acordo com a SEP, a

notícia veiculada em 27.2.2013 teria sido mais impactante do que a subsequente (de

18.03.2013), uma vez que divulgou informações inéditas ao mercado.

18. Por fim, a SEP ressaltou que não caberia responsabilizar o DRI da MPX por atraso na

divulgação dos fatos relevantes ou por imprecisão no conteúdo destes fatos porque ele teria

questionado Eike Batista a respeito das duas notícias veiculadas e teria divulgado ao mercado

informações muito similares às recebidas, o que poderia ser comprovado pelas cartas enviadas

por Eike Batista ao DRI e juntadas aos autos às fls. 118 e 120.

71

19. Ao analisar a tese acusatória, a Procuradoria Federal Especializada – CVM (“PFE”)

entendeu (fls. 151-155) estarem preenchidos os requisitos dos artigos 6º e 11 da Deliberação

CVM n° 538, de 2008. No entanto, a PFE sugeriu à área técnica que a acusação direcionada à

Eike Batista se desse unicamente com fundamento no art. 6º, parágrafo único, da Instrução

CVM n° 358, de 2002 – e não por sua combinação com o art. 157, §4º, da Lei nº 6.404, de

1976 –, o que foi observado pela SEP.

IV. Defesa.

20. Eike Batista apresentou defesa em 17.1.2014 (fls. 190-207). Inicialmente, o Acusado

procurou demonstrar que o fato de as empresas do chamado “Grupo X” e de ele próprio

estarem passando por um período de dificuldades financeiras, de existir um cenário de

incerteza a respeito do futuro da MPX e de tais temas serem de grande interesse por parte do

mercado teria como consequência uma maior volatilidade na cotação das ações negociadas

em bolsa desta empresa. De acordo com o Acusado, em situações como esta, a imprensa

tentaria antecipar informações e detalhes de uma possível operação, por vezes apresentando

suposições que não guardariam conexão com a realidade.

21. Eike Batista afirmou, ainda, que nesses casos há uma tendência em se ressaltar as

semelhanças entre as informações divulgadas pela imprensa e a operação ocorrida, em

detrimento àquelas informações que nunca vieram a se concretizar.

22. Com base neste contexto, o Acusado sustentou que, se por um lado é verdade que este

cenário requereria atenção especial na divulgação de informações, também seria certo que

“exigia cautela redobrada para que negócios de interesse da Companhia e de seus acionistas

não viessem a ser prejudicados (...) em decorrência da divulgação prematura de

negociações” (fl. 193).

23. Ainda neste sentido, Eike Batista sustentou que, em razão da grande responsabilidade

que detinha como acionista controlador da Companhia, não poderia, “ainda que sem intenção,

confundir investidores, criando falsas percepções com base em possibilidades” (fl. 194). De

acordo com o Acusado, o momento de divulgação do fato relevante seria de tamanha

dificuldade que “o próprio Termo de Acusação simplesmente não o fa[ria]” (fl. 194).

24. De forma a aprofundar esse argumento, o Acusado alegou que não seria possível

divulgar um fato relevante mais detalhado do que aquele que fora disponibilizado logo após a

notícia de 27.2.2013 porque:

i) o mercado estaria ciente das informações disponíveis à época porque dois

comunicados ao mercado teriam sido divulgados com informações fornecidas

por ele, respectivamente em 1º e em 7.3.201310

, noticiando o mercado da situação de

incerteza e variedade de potenciais investidores;

ii) seriam falsas as informações disponibilizadas nesta notícia e “as ‘semelhanças’

apontadas (...) [no] Termo de Acusação não [teriam] relação com os entendimentos

havidos até então entre o Defendente e a E.ON, e mesmo que tivessem – o que se

72

admit[ria] aqui apenas para fins de argumentação – não se pode[ria] admitir que tal

fato, por si só, representa indicativo firme de vazamento de informação” (fl. 196);

iii) a menção genérica à possibilidade de um aumento de capital bilionário diria muito

pouco sobre os detalhes de um eventual aporte de recursos financeiros, além do que

“considerando o contexto que a Companhia se encontrava, não é difícil imaginar que

qualquer tipo de reestruturação, especialmente envolvendo a venda de participação,

fosse demandar a injeção significativa de recursos na Companhia via aumento de

capital” (fl. 196);

iv) “o mesmo pode[ria] se dizer com relação à E.ON. Não é demais supor que, em um

contexto de necessidade de obtenção de recursos, a E.ON – que à época detinha

participação acionária relevante na Companhia – viesse a ser um dos potenciais

investidores a serem sondados para um negócio” (fl. 196);

v) naquele momento não haveria sequer uma estrutura preliminar acordada sobre o que

veio a resultar nos termos finais da operação e, portanto, a operação não teria

relevância11

e não seria possível cogitar a caracterização de fato relevante;

vi) “àquela altura, não hav[eria] qualquer motivo para que se concluísse pela existência

de uma negociação exclusiva com a E.ON, e divulgação de informações neste sentido

somente teria o condão de criar

expectativas equivocadas nos investidores” (grifos no original) (fl. 196); e

vii) a divulgação de fato relevante naquele momento teria o alto potencial de deflagrar uma

gama de especulações sobre a MPX, trazendo a falsa impressão de que a operação

estaria em vias de ser concluída, o que não era possível saber àquela altura.

25. Já no que diz respeito à divulgação dos fatos relevantes nos dias posteriores a 14.3.2013,

data em que teriam se iniciado as tratativas preliminares com a E.ON, o Acusado sustentou

que:

i) “somente a partir desse momento, as negociações poderiam começar a adquirir

concretude e certezas mínimas para a divulgação de um aviso de fato

relevante. Trata[r]-se[-ia], contudo, de uma CONSTITUIÇÃO GRADATIVA”

(grifos no original) (fl. 198);

ii) tanto a lei, como doutrina e a própria CVM12

convergiriam no sentido de que o

conceito de fato relevante é amplo e que cabe à administração de cada companhia

determinar o momento em que a informação relevante deveria ser divulgada;

iii) apesar de tal margem de decisão conferida a uma companhia não implicar

impedimento para que a CVM revise se o fato relevante foi divulgado de forma

adequada, não há dúvida de que esta revisão é bastante subjetiva13

, que deve recair

sobre situação excepcional e ser analisada de forma ponderada pelo regulador14

;

73

iv) a notícia divulgada no dia 18.3.2013 informava que Eike Batista teria fechado no dia

15.3.2013 as bases do acordo com a E.ON, mas neste dia as bases da operação ainda

estavam em discussão e pontos comerciais sensíveis ainda permaneciam em aberto, de

forma de que a própria concretização da operação era ainda uma possibilidade;

v) neste sentido, a não divulgação de informações no dia 18.3.2013 teria ocorrido porque

não era possível detalhar informações que ainda estavam em fase de negociação;

vi) “não se ignora a jurisprudência administrativa dessa d. CVM (...), no sentido de que,

em certas hipóteses, é necessária a divulgação da negociação de uma operação antes

mesmo da formalização de sua estrutura jurídica” (fl. 201); contudo, nas situações em

que se encontrava a MPX, a divulgação de meras expectativas sobre uma operação

poderia trazer consequências irreversíveis caso a E.ON desistisse do negócio, assim

como levaria à interpretação por investidores de que a situação econômico-financeira

da MPX era preocupante e de que haveria dificuldade na captação de recursos pela

Companhia;

vii) “a Companhia se manifestou sobre a notícia dentro do prazo estipulado pela

BM&FBOVESPA”15

(grifos no original) (fl. 201);

viii) não seria adequado exigir a divulgação de fato relevante no próprio dia 18.3.2013,

uma vez que a divulgação de fato relevante requer uma logística interna e o art. 5º,

caput, da Instrução CVM nº 358, de 2002, prevê que tal divulgação “deverá ocorrer,

sempre que possível, antes do início ou após o encerramento dos negócios”16

(fl. 202).

Assim, o mercado teria ficado privado de informação apenas por um dia e não dois,

como afirmaria o termo de acusação;

ix) apesar das tratativas estarem mais concretas no dia da divulgação do fato relevante de

21.3.2013, ainda não seria possível divulgar os detalhes da operação, uma vez que esta

somente foi formalizada no dia 27.3.2013 e naquele momento “as referidas

informações eram ainda somente uma expectativa” (fl. 203);

x) “as informações apresentadas na Segunda Notícia estavam equivocadas, sendo que o

único detalhe novo era a participação do Banco BTG Pactual” (fl. 203) e mesmo este

detalhe seria mera especulação, uma vez que o próprio aumento de capital ainda era

uma incerteza sob vários aspectos, dentre eles o valor da emissão, o preço por ação, a

participação ou não de terceiros e a realização de oferta pública subsequente; e

xi) “supor que o BTG Pactual viesse a ser o parceiro da Companhia em um eventual

aumento de capital também não era um grande feito”, já que a

parceria entre o referido banco e as companhias do Grupo X não era nova e já

havia sido objeto de comunicado ao mercado divulgado pela MPX em 7.3.20131347

.

134

“Art. 6º Ressalvado o disposto no parágrafo único, os atos ou fatos relevantes podem, excepcionalmente,

deixar de ser divulgados se os acionistas controladores ou os administradores entenderem que sua revelação porá

em risco interesse legítimo da companhia.

74

26. A defesa afirmou que também seria equivocada a relação feita pela Acusação entre o

vazamento de informações e a suposta oscilação atípica das ações da MPX, uma vez que (fls.

204/205):

i) a MPX encontrar-se-ia inserida em contexto altamente conturbado, o que se refletiria

diretamente na cotação das ações de sua emissão;

ii) o período relativo à divulgação das notícias (fevereiro e março de 2013) não

apresentaria quaisquer diferenças, em termos de volatilidade, em relação ao

comportamento da cotação do ativo desde outubro de 2012 porque, em outras

ocasiões, a cotação das ações de emissão da Companhia já teriam sofrido variações

expressivas18

;

iii) a variação intraday de 4,66% identificada pelo termo de acusação no dia 18.3.2013

não poderia ser considerada atípica, pois a oscilação verificada está diretamente

relacionada ao baixo volume de negociações ocorrido naquele dia, inferior à média

dos últimos 30 pregões; e

iv) “o Termo de Acusação fa[ria] uma análise excessivamente restrita no comportamento

da cotação das ações de emissão da Companhia, além de utilizar diferentes critérios

de comparação” (grifos no original) (fl. 205), uma vez que a oscilação atípica com

relação à notícia divulgada em 27.2.2013 seria atribuída ao aumento do volume e

cotação das ações, enquanto que, com relação à notícia divulgada em 18.3.2013, o

critério utilizado pela Acusação teria sido o da variação intraday na cotação das

ações.

27. Subsidiariamente, no caso de a CVM concluir pela responsabilização do Acusado, a

defesa requereu que fosse considerado que (i) o Acusado atuou nos estritos limites do

princípio da boa-fé, já que não divulgou qualquer informação falsa ou tendenciosa e não se

verificou qualquer negociação de posse das informações por ele conhecidas; (ii) o Acusado

jamais foi condenado pela CVM; (iii) não foi noticiada reclamação formal de eventual

prejudicado; e (iv) o Acusado prontamente apresentou respostas e aditou seus

pronunciamentos diante das provocações da BM&FBovespa e da CVM.

Rio de Janeiro, 18 de março de 2015.

Luciana Dias

DIRETORA

Parágrafo único. As pessoas mencionadas no caput ficam obrigadas a, diretamente ou através do Diretor de

Relações com Investidores, divulgar imediatamente o ato ou fato relevante, na hipótese da informação escapar

ao controle ou se ocorrer oscilação atípica na cotação, preço ou quantidade negociada dos valores mobiliários de

emissão da companhia aberta ou a eles referenciados”.

75

--------------------------

2 A SEP citou os Processos Administrativos Sancionadores CVM n° 2006/5928 e n° 24/05, julgados,

respectivamente, em 17.4.2007 e 7.10.2008.

3 “Art. 3º. §6º A CVM poderá determinar a divulgação, correção, aditamento ou republicação de informação

sobre ato ou fato relevante”.

4 “Art. 11. Para formular a acusação, as Superintendências e a PFE deverão ter diligenciado no sentido de obter

do investigado esclarecimentos sobre os fatos descritos no relatório ou no termo de acusação, conforme o

caso”.

5 A cotação de fechamento da ação no dia 4.11.2012 foi de R$11,18 e no dia 18.3.2013 de R$10,48.

6 As cotações de fechamento das ações nos dias 27.2.2013, 28.2.2013 e 1.3.2013 teriam sido, respectivamente,

R$10,05; R$10,25 e R$10,47.

7 As cotações de fechamento das ações nos dias 18.3.2013 e 19.3.2013 teriam sido, respectivamente, R$10,48 e

R$10,07.

8 A título de exemplo, Eike Batista citou que entre os dias 30.10.2012 e 1.11.2012; 4.1.2013 e 8.1.2013; e

29.1.2013 e 31.1.2013 houve oscilações de 9,2%; -10,7% e -11,2%, respectivamente, na cotação das ações.

9 Isto porque (i) constava de todas as notícias que a E.ON seria a empresa compradora; (ii) o valor da operação

divulgado na primeira notícia foi de R$ 1,2 bilhão, na segunda de R$1,87 bilhão e o valor final negociado foi

entre R$1,4 e 1,54 bilhão; (iii) a primeira notícia previu um percentual de participação da E.ON na MPX de

aproximadamente 34%, a segunda notícia de 38,65% e o percentual final negociado foi de 36,2%; e (iv) a

primeira notícia previu que o aumento de capital seria bilionário, enquanto que a segunda previu que tal

aumento seria realizado por oferta primária, com participação do Banco BTG e na negociação final constou

que o aumento de capital seria por oferta primária no valor de R$1,2 bilhão, coordenada pelo Banco BTG.

10 De acordo com o Acusado, a seguinte informação teria sido oferecida por ele para divulgação no comunicado

ao mercado de 1º.3.2013: “confirmo que, no presente momento, não existe fato, estudo ou decisão

minimamente completa, suficiente e adequada com relação a qualquer operação societária envolvendo a

Companhia, bem como a participação societária que nela detenho. Ressalvo, no entanto, que continuo

buscando oportunidades de negócios no melhor interesse social da Companhia e que o eventual rearranjo de

participações societárias entre acionistas da MPX é uma hipótese que considero, dentre as outras mais” (fl.

197). Já no comunicado ao mercado de 7.3.2013 teria sido divulgado que a MPX desconheceria a origem da

reportagem veiculada no jornal Valor Econômico de 7.3.2013, sob o título “Esteves levará fundos soberanos a

Eike” e que não teria tido conhecimento ou participação sobre a negociação nela citada.

11 O Acusado trouxe posicionamento de Nelson Eizirik, para quem deve ser considerada privilegiada a

informação que “(a) tem um caráter razoavelmente preciso, isto é, refere-se a um fato, não a meros rumores,

apresentando um mínimo de materialidade ou objetividade, ou seja, uma consistência mínima capaz de

permitir sua utilização por um investidor médio; (b) não está disponível para o público, encontrando-se

reservada a um círculo restrito de pessoas; (c) é price-sensitive, isto é, poderia, caso fosse divulgada,

influenciar o preço dos valores mobiliários no mercado; (d) é relativa a valores mobiliários ou aos seus

emissores” (EIZIRIK, Nelson; GAAL, Ariádna B.; PARENTE, Flávia; Henriques, Marcus de Freitas.

Mercado de capitais – regime jurídico. 3ª Ed. Revista e ampliada, Rio de Janeiro: Renovar, 2011. pp.

560561).

12 O Acusado citou (i) o art. 157, § 4º da Lei n° 6.404, de 1976; (ii) o art. 2º, incisos I, II e III da Instrução

CVM n° 358, de 2002; (iii) manifestação da doutrina de que “não há, evidentemente, fórmula genérica e segura,

particularmente nas operações de aquisição de controle ou de reorganização societária, nas quais as

negociações são muitas vezes longas e complexas, para se determinar o momento em que as informações

passam a referir-se a fatos relevantes” (EIZIRIK, Nelson; GAAL, Ariádna B.; PARENTE, Flávia; Henriques,

Marcus de Freitas. Mercado de capitais – regime jurídico. 3ª Ed. Revista e ampliada, Rio de Janeiro: Renovar,

76

2011. PP. 560-561); e (iv) o Ofício-Circular CVM/SEP/N° 01/2013 em que a SEP se manifestou no sentido de

que “a decisão quanto à divulgação de atos ou fatos relevantes é da competência da própria administração da

companhia” (fl. 199).

13 A defesa citou o Parecer CVM/SJU/n° 24, de 28.2.1984 que consignou que “essa avaliação é extremamente

subjetiva, vez que não existe na Lei qualquer parâmetro de ordem temporal que se possa seguir, a fim de se

fixar, fora de dúvida, o momento em que a informação relevante passa a existir do ponto de vista legal” (fl.

200).

14 A defesa trouxe trecho do voto proferido pelo diretor da CVM Marcelo Fernandez Trindade no âmbito do

Inquérito Administrativo n° 22/99, julgado em 16.8.2001, em que o relator afirmou que: “não se quer nem de

longe negar que a CVM possa e deva julgar a qualidade da informação prestada, e o acerto ou o erro de sua

retenção indevida ou divulgação açodada. Mas, quando o fizer, deve a CVM ter em conta que estará realizando

um post mortem. Dessa maneira, e em não havendo insider trading, o rigor da análise fria e posterior dos fatos

deve ser temperado pela lembrança de que as decisões foram tomadas no calor dos acontecimentos, sob a

tensão do momento” (fl. 200).

15 Com o objetivo de argumentar que o regulador não poderia estipular um prazo limite e, posteriormente,

condenar a tempestividade da manifestação realizada dentro de tal prazo, a defesa citou voto vencedor de

Pedro Marcílio de Sousa nos autos do Processo Administrativo Sancionador CVM n° RJ2003/5058, julgado

em 20.6.2005, em que restou consignado que “o Poder Público não [pode] frustrar, deliberadamente, a justa

expectativa que tenha criado no agente econômico” e que “a mais típica consequência da proteção à boa-fé

objetiva é a proibição de venire contra factum proprium” (fl. 202).

16 A respeito da divulgação de fato relevante no decorrer do pregão, a defesa citou o seguinte trecho do voto

proferido pela então presidente da CVM Maria Helena Santana no âmbito do Processo Administrativo

Sancionador CVM n° RJ2008/9022, julgado em 9.2.2010: “finalmente, acompanho o voto do Diretor Relator

Eli Loria e do Diretor Marcos Pinto no sentido da improcedência da acusação pela divulgação de fato

relevante no decorrer do pregão. Em minha opinião, apenas em casos muito excepcionais se poderia

imaginar uma punição por esse tipo de conduta, na medida em que o artigo 5º da Instrução CVM n° 358

estabelece uma obrigação de realização de melhores esforços e não já uma vedação absoluta” (fl. 203).

17 No comunicado ao mercado de 7.3.2013 teria sido divulgado que “com o intuito de cumprir integralmente

seus deveres e responsabilidade e zelar pela adequada comunicação ao mercado, [a Companhia] indagou seu

acionista controlador a respeito do noticiado, tendo sido informada pelo mesmo sobre a celebração de

parceria de cooperação estratégia de negócios, conforme já divulgado pela EBX (holding privada detida pelo

Sr. Eike Batista), nos termos constantes em anexo. Trata-se de um acordo de consultoria e prestação de

serviços com o BTG Pacutal, do qual a Companhia não é parte” (fl. 204).

18 Como exemplo, cita as variações ocorridas entre os dias 30.10.2012 e 1.11.2012

PROCESSO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR CVM nº RJ2013/10909

Acusado: Eike Fuhrken Batista

Assunto: Não divulgação tempestiva de fato relevante

Relatora: Diretora Luciana Dias

77

VOTO

1. O presente processo trata da não divulgação tempestiva de fato relevante por Eike

Fuhrken Batista (“Eike Batista”, “Controlador” ou “Acusado”), na qualidade de

acionista controlador da MPX Energia S.A., atual Eneva S.A. (“MPX” ou

“Companhia”), em infração ao art. 6º, parágrafo único, da Instrução CVM n° 358, de

20021.

2. Conforme informações prestadas pela E.ON SE (“E.ON”) (fls. 57-63) e pela MPX (fls.

64-71), desde dezembro de 2012 a E.ON mantinha discussões com o Acusado a

respeito de diferentes oportunidades de negócios envolvendo a MPX. A partir de

1.2.2013, diferentes estruturas para uma possível transação envolvendo aumento da

participação da E.ON na MPX teriam sido discutidas. Em 14.3.2013, iniciaram-se

negociações diretas sobre a compra, pela E.ON, de participação detida pelo Acusado

na MPX, com o consequente compartilhamento do controle da Companhia por ambos.

3. Segundo a Superintendência de Relações com Empresas (“SEP” ou

“Acusação”), evidências sobre o fato de que as informações a respeito da negociação desta

operação escaparam ao controle da Companhia teriam sido verificadas pela primeira vez em

27.2.2013, quando foi divulgada notícia no jornal Valor Econômico sob o título “E.ON está

mais perto de comprar MPX”. Em 18.3.2013, foi publicada nova notícia no mesmo jornal sob

o título “Eike negocia MPX e inicia nova fase em seus negócios”.

4. Além da perda de controle de informações sobre as negociações dos rearranjos que se

dariam no controle da Companhia, a SEP argumentou que teriam ocorrido oscilações

atípicas no preço, cotação e volume das ações da MPX negociadas em bolsa em

26.2.2013, dia anterior à divulgação da primeira notícia, e em 18.03.2013, data de

divulgação da segunda notícia. Para a SEP, a oscilação atípica em 26.2.2013 indicaria

a ocorrência de vazamento de informação antes mesmo de sua divulgação pela

imprensa.

5. Em face de tais acontecimentos, e após provocações da BM&FBovespa S.A. – Bolsa

de Valores, Mercadorias e Futuros (“BM&FBovespa”) e da CVM, a MPX divulgou

comunicados ao mercado nos dias 27.2.2013 (fl. 06) e 01.03.2013 (fl. 197) e fato

relevante no dia 19.3.2013 (fl. 13), tendo anunciado, em todas as oportunidades, a

existência de negociações entre o Acusado e diferentes investidores para “eventual

rearranjo de participações societárias entre acionistas da MPX”, e informando que

até então não haveria qualquer documento assinado. Em nenhum desses documentos a

Companhia confirmou ou desmentiu os detalhes da operação já divulgados pela

imprensa.

6. Apesar da grande repercussão, este é um processo sancionador muito simples. De um

lado, não há controvérsias em relação aos fatos. De outro, as matérias de direito

pertinentes para sua solução são reguladas de maneira clara e, sobretudo, há inúmeros

e consolidados precedentes desta Casa a respeito da interpretação desses comandos

legais e regulamentares.

78

7. Já em 2007, o diretor Pedro Marcílio, no âmbito do Processo Administrativo

Sancionador CVM nº RJ2006/59282, fez um apanhado detalhado do regime legal ao

qual estão sujeitos os fatos relevantes3, bem como dos precedentes até então

pertinentes à interpretação da matéria. Nem as regras relevantes, nem os

entendimentos desta casa para compreensão do tema mudaram desde então, por isso,

remeto-me ao voto mencionado para uma descrição mais detalhada do tratamento

legal e jurisprudencial da matéria.

8. Em resumo, o então diretor afirmou que a regra geral é que todas as informações

relevantes para tomada de decisão de investimento devem ser divulgadas ao mercado

imediatamente (art. 3º da Instrução CVM nº 358, de 2002).

9. No entanto, a Instrução CVM nº 358, de 2002, em linha com o previsto no art. 157,

§5° da Lei 6.404, de 19764, estabeleceu, em seu art. 6º, que "os atos ou fatos

relevantes podem, excepcionalmente, deixar de ser divulgados se os acionistas

controladores ou os administradores entenderem que sua revelação porá em risco

interesse legítimo da companhia".

10. As operações não concluídas, ainda em negociação, são os casos mais típicos em que a

divulgação pode gerar prejuízos à companhia. Nesse sentido, as negociações sobre

novos contratos ou reorganizações societárias podem e devem ser mantidas em sigilo

se a divulgação das tratativas puder por em risco o fechamento dos contratos ou

mesmo prejudicar a negociação dos seus termos.

11. Essa exceção à divulgação, no entanto, deixa de existir se a "informação escapar ao

controle ou se ocorrer oscilação atípica na cotação, preço ou quantidade negociada

dos valores mobiliários de emissão da companhia aberta ou a eles referenciados" (art.

6º, parágrafo único da Instrução CVM nº 358, de 2002).

12. No presente caso, a Acusação tentou demonstrar a ocorrência de ambas as condições

que impediriam a Companhia, seu controlador e seus administradores de se utilizar da

possibilidade de guardar sigilo prevista no art. 6º da Instrução CVM nº 358, de 2002,

ou seja, a Acusação argumenta ter havido tanto oscilação atípica quanto vazamento da

informação.

13. A meu ver, os indícios de oscilação atípica no preço e no volume das ações da MPX

nos dias 26.2.2013 e 18.3.2013 são menos conclusivos do que sugere a Acusação. De

acordo com a SEP, teria havido oscilação atípica na cotação e no volume das ações da

MPX:

i) no dia 26.2.2013, porque o volume negociado foi 3,77 vezes superior ao negociado no

dia 25.2.2013 e o preço subiu 4,95%, mas se comparado à média dos 30 dias

anteriores, tal volume foi somente 1,24 vezes superior; e

ii) no dia 18.3.2013, por ter havido uma oscilação do preço da ação no intraday de até

4,66% em relação ao fechamento do dia anterior, embora o volume negociado tenha

sido inferior ao volume médio dos últimos 30 pregões.

79

14. Acredito que, comparativamente com outros casos julgados pelo Colegiado, e levando

em consideração que a cotação das ações de companhias em dificuldades financeiras são mais

voláteis, os indícios acerca da efetiva ocorrência de oscilação atípica não são tão robustos.

Em precedentes que deram causa a condenações com base em oscilações atípicas as variações

eram bem mais significativas que as descritas acima.

15. Por exemplo, no PAS CVM n.º RJ2011/8224 o volume de negócios nos dias dos

eventos questionados no processo foi mais de 29 vezes superior à média dos três meses

anteriores aos respectivos eventos. Já no PAS CVM n.º RJ2008/5752, a oscilação de preço

considerada atípica levou o valor das ações da companhia da casa dos R$4,00 para valor

superior a R$16,00.

16. Talvez esses casos sejam realmente extremos e variações bastante inferiores já sejam

suficientes para comprovar a oscilação atípica. Mas, quando os números que representam as

oscilações de preço ou volume, por si só, não forem tão significativos, é preciso outros dados

para fortalecer o corpo probatório. Por exemplo, a análise do comportamento dos papéis da

Companhia em relação a outros ativos do setor e a índices de mercado – tais como o Índice

Bovespa (Ibovespa) ou o Índice de Energia Elétrica (IEE)5, segmento do qual a MPX fazia

parte –, ou a análise de como o preço do ativo se comportou em períodos mais prolongados

talvez pudessem fortalecer a tese da Acusação6.

Mas, da forma como foram apresentados, não

acredito que esses números sejam conclusivos.

17. Contudo, não tenho qualquer dúvida sobre o vazamento de informações a respeito da

operação que estava sendo negociada pelo Acusado. E, conforme já se manifestou o

Colegiado da CVM em diversas oportunidades7, para que surja a obrigação de divulgar fato

relevante que era mantido sob sigilo pela companhia basta que ocorra uma das duas hipóteses

previstas no art. 6º, § único, da Instrução CVM n° 358, de 2002.

18. É indiscutível que, a partir de 27.2.2013, data da veiculação da primeira notícia no

jornal Valor Econômico, houve vazamento de informações a respeito de detalhes das

negociações que culminariam (i) na aquisição, por parte da E.ON, de ações detidas pelo

Acusado representativas de aproximadamente 24,5% do capital social da MPX; (ii) na

celebração de acordo de acionistas entre a E.ON e o Acusado; e (iii) no aumento de capital da

Companhia em pelo menos R$1,2 bilhão8.

19. Naquela data, o mercado foi surpreendido com informações, até então inéditas, a

respeito de eventual (i) alienação de participação societária do Controlador para a também

acionista da Companhia, E.ON; (ii) realização de aumento de capital bilionário, com potencial

de diluição de mais de 20% à época9; e (iii) rearranjo do controle da Companhia com

incertezas sobre o disparo do mecanismo de tag along

(fl. 2).

20. Primeiro, não há dúvidas de que, caso fossem em alguma medida confirmadas, estas

seriam informações relevantes.

21. Nem o próprio Acusado nega a relevância dessas informações. Seus dois principais

argumentos de defesa são que:

80

i) naquele momento não haveria qualquer concretude nas negociações e divulga-las

poderia causar expectativas equivocadas no mercado; nesse sentido, para a defesa, a

operação sequer poderia ser considerada relevante porque não existiria ainda uma

estrutura acordada sobre o que veio a ser a operação final; e

ii) a divulgação de informações poderia colocar em risco o próprio fechamento da

operação, o que agravaria a situação econômico-financeira da Companhia, que já não

era boa10

.

22. Acredito que ambos os argumentos seriam justificativas válidas para manter a

operação em sigilo caso não tivesse havido vazamento de informações. No entanto, diante de

um vazamento (ou de oscilação atípica), o interesse do mercado de obter informações

verdadeiras, claras e precisas se sobrepõe aos interesses da companhia de manter certas

informações em sigilo. Só desta maneira se assegura o adequado funcionamento do mercado

de valores mobiliários e a simetria informacional entre os diversos agentes.

23. A companhia, seus administradores e seu controlador devem impedir que informações

incorretas sejam tidas como verdadeiras, mesmo quando divulgadas por terceiros. Assim,

diante da divulgação de informações, em especial pela imprensa, que possam ser entendidas

pelo mercado como relevantes, ainda que a fonte não tenha sido a companhia, é preciso que

ela, por meio de seu diretor de relações com investidores, de maneira franca e célere,

confirme as informações corretas, corrija as incorretas e complete aquelas incompletas.

24. O então Diretor Pedro Marcílio, no processo sancionador mencionado acima, afirmou

que “[u]ma informação escapa ao controle, quando ela é divulgada pela imprensa ou quando

ela é objeto de boatos ou rumores de mercado. Nesses [casos], a companhia deverá dar uma

declaração franca e clara sobre o assunto, seja para negar ou confirmar a notícia. Caso os

boatos ou rumores sejam indicadores de vazamento de informação relativa a ato ou fato

relevante, a única forma de corrigir a situação é através de seu rápido esclarecimento”.

25. Quanto ao fato de as negociações ainda estarem em curso e de não haver contratos

assinados em 27.2.2013, é importante lembrar o entendimento pacífico do Colegiado da CVM

de que não é necessário que a informação que dá causa ao fato relevante seja definitiva ou já

esteja formalizada11

, cabendo aos administradores e controladores da Companhia a

divulgação de informações conhecidas até o momento e suficientes para restabelecer a

simetria informacional no mercado12

.

26. Caso a operação envolva longos processos de negociação e tratativas, como faz crer a

defesa, a divulgação deve ser feita gradativamente, de forma a divulgar novos fatos relevantes

na medida em que a operação ganhe mais concretude, com o objetivo de colocar todos os

participantes do mercado no mesmo nível informacional13

.

27. Assim, o Acusado, diante da constatação do vazamento em 27.2.2013, deveria ter-se

comunicado com o DRI da Companhia para, de maneira franca e clara, confirmar, negar ou

complementar os detalhes mencionados na notícia do jornal Valor Econômico, de modo a

supri-lo com as informações necessárias para divulgação de fato relevante, esclarecendo o

81

conteúdo do artigo do jornal e mitigando, dessa forma, a assimetria informacional no

mercado.

28. Contudo, o Acusado, após inquisição do DRI da Companhia14

, restringiu-se a informá-

lo que “(...) o Grupo EBX mantém permanente contato com vários investidores sobre

diferentes oportunidades de negócios, sempre em prol do interesse da Companhia e com

vistas a maximizar o valor para os seus acionistas(...)” (fl. 118).

29. Essa resposta foi replicada no comunicado ao mercado divulgado na mesma data.

Entretanto, a Acusação corretamente entendeu que as “informações evasivas e incompletas

sobre o assunto” (fl. 174) não foram suficientes para esclarecer o mercado sobre a veracidade

ou não do que fora veiculado pelo jornal Valor Econômico.

30. A manifestação do Controlador deveria ter sido completa, informando o DRI a

respeito do estágio das negociações e desmentindo, se fosse o caso, aquelas informações que

o Controlador julgasse incorretas ou especulativas. Mais especificamente, Eike Batista

deveria ter enfrentado as seguintes afirmações contidas na notícia de jornal: (i) se a E.ON era

um potencial adquirente do controle da MPX; (ii) se a operação dispararia tag along; (iii) se a

área operacional da MPX passaria a ser controlada pela E.ON; e (iv) se ocorreria um aumento

de capital bilionário na Companhia.

31. Acredito que a conduta evasiva do Acusado foi ainda mais grave na divulgação do fato

relevante de 19.3.2013, ocasião em que ele já havia começado a negociar os contornos

específicos da operação com a E.ON, com o aumento de 25% da sua participação na MPX e o

controle compartilhado com este acionista, conforme confirmado pela E.ON em resposta a

questionamentos da CVM (fl. 58). No entanto, o Acusado comunicou à Companhia apenas

que estava “em tratativas com potencial interessado em determinado número de ações de

[minha] [sua] titularidade” (fl. 120).

32. Novamente, com o objetivo de mitigar a assimetria informacional, o Controlador

deveria ter transmitido informações acerca da veracidade ou não das informações de que (i)

teria fechado o acordo com E.ON em 15.3.2013; (ii) o valor da operação seria de R$ 1,87

bilhão; (iii) o preço por cada ação seria de R$12,00; (iv) o Banco BTG Pactual S.A. e a

BNDESPar participariam do aumento de capital na MPX; (v) este aumento seria realizado por

meio de uma oferta primária de ações; e (vi) a operação não geraria tag along (fl. 09).

33. Com isso, enfrento o argumento da defesa de que o conteúdo das notícias divulgadas

não seria totalmente condizente com os entendimentos que o Controlador e a E.ON estavam

mantendo à época. Para a defesa, as imprecisões da matéria de jornal seriam motivo suficiente

para eximir o Controlador de sua obrigação de divulgar as negociações em curso. Como

explicado acima, o fato de haver informações inverídicas ou especulativas circulando no

mercado, ainda que sejam meros rumores, é razão suficiente para exigir da companhia e, por

consequência, do seu controlador, a prestação de esclarecimentos por meio de fato relevante.

34. Por essas razões, voto, com fundamento no art. 11 da Lei nº 6.385, de 1976, pela

condenação de Eike Fuhrken Batista à pena de multa, no valor de R$ 300.000,00 (trezentos

mil reais), por infração ao art. 6º, parágrafo único, da Instrução CVM n° 358, de 2002.

82

Rio de Janeiro, 18 de março de 2015.

Luciana Dias DIRETORA

--------------------------

1 “Art. 6º Ressalvado o disposto no parágrafo único, os atos ou fatos relevantes podem, excepcionalmente,

deixar de ser divulgados se os acionistas controladores ou os administradores entenderem que sua revelação

porá em risco interesse legítimo da companhia.

Parágrafo único. As pessoas mencionadas no caput ficam obrigadas a, diretamente ou através do Diretor de

Relações com Investidores, divulgar imediatamente o ato ou fato relevante, na hipótese da informação escapar ao

controle ou se ocorrer oscilação atípica na cotação, preço ou quantidade negociada dos valores mobiliários de

emissão da companhia aberta ou a eles referenciados”.

2 Julgado em 17.04.2007.

3 Art. 2º, da Instrução CVM nº 358, de 2002: “Considera-se relevante, para os efeitos desta Instrução, qualquer

decisão de acionista controlador, deliberação da assembleia geral ou dos órgãos de administração da companhia

aberta, ou qualquer outro ato ou fato de caráter político-administrativo, técnico, negocial ou econômico-

financeiro ocorrido ou relacionado aos seus negócios que possa influir de modo ponderável:

I - na cotação dos valores mobiliários de emissão da companhia aberta ou a eles referenciados;

II - na decisão dos investidores de comprar, vender ou manter aqueles valores mobiliários;

III - na decisão dos investidores de exercer quaisquer direitos inerentes à condição de titular de valores

mobiliários emitidos pela companhia ou a eles referenciados”.

De acordo com o voto do ex-diretor Pedro Oliva Marcílio de Souza, no âmbito do Processo Administrativo

Sancionador RJ2006/5928, julgado em 17.4.2007, “Conceito de Fato Relevante. Fato relevante é o fato que tem

o poder de alterar uma decisão de investimento de um investidor racional. A relevância de um fato não é

afetada mesmo que, após sua divulgação, constate-se que não houve mudança na cotação das ações ou no

volume negociado” (grifos meus).

4 “§5º Os administradores poderão recusar-se a prestar a informação (§ 1º, alínea e), ou deixar de divulgá-la (§

4º), se entenderem que sua revelação porá em risco interesse legítimo da companhia, cabendo à Comissão de

Valores Mobiliários, a pedido dos administradores, de qualquer acionista, ou por iniciativa própria, decidir

sobre a prestação de informação e responsabilizar os administradores, se for o caso.”

5 Esse tipo de comparação é usual para demonstrar oscilações atípicas nas cotações de ações negociadas em

bolsa, vide Processos Administrativos Sancionadores CVM nos

RJ2011/8224; e 29/2000, julgados,

respectivamente, em 3.12.2013 e 17.12.2013; e Processos Administrativos Sancionadores CVM nos

RJ2013/5640, RJ2010/4953, RJ2010/4246 e RJ2009/5978, todos encerrados por meio de Termos de

Compromisso.

6 A respeito dos indícios já considerados expressivos o suficiente pelo Colegiado para detectar oscilação

atípica, vide os Processos Administrativos Sancionadores CVM n° RJ2011/8224; 16/09; RJ2008/9511 e

RJ2008/5752 julgados, respectivamente, em 5.12.2013; 6.12.2011; 20.5.2009 e em 27.1.2009.

7 A esse respeito, já se pronunciaram o ex-diretor da CVM Marcos Barbosa Pinto no âmbito do Processo

Administrativo Sancionador CVM n° RJ2008/5752, julgado em 27.1.2009; o ex-diretor Otavio Yazbek, no

âmbito do Processo Administrativo Sancionador CVM n° RJ2011/8224, julgado em 5.12.2013; e o diretor

Roberto Tadeu Antunes Fernandes, no âmbito do Processo Administrativo Sancionador CVM nº

RJ2012/3168, julgado em 13.11.2012.

8 Conforme anunciado no fato relevante divulgado em 28.3.2013 (fls. 24-27).

9 De acordo com o Formulário de Referência 2013-V1, divulgado pela Companhia em 25.2.2013, o Capital

83

Social da MPX, em 31.12.2012 era de R$3.736.354.722,02. Portanto, para um aumento de capital de R$1 bilhão,

o potencial de diluição dos acionistas naquela data seria igual a [R$1 bilhão/(R$1 bilhão + R$3,74 bilhão)] =

21,10%.

10 Conforme Eike Batista, “na situação em que se encontrava a Companhia, a divulgação de informações

(...) poderia ter consequências irreversíveis caso a E.ON desistisse do negócio” como a dificuldade de “atração

de outros interessados, o que, em última instância, refletir-se-ia na própria possibilidade de captação de novos

recursos pela Companhia” (fl. 201).

11 Voto do diretor Marcelo Fernandez Trindade no âmbito do Processo Administrativo Sancionador CVM nº

22/99, julgado em 16/08/2001: "(...) esta sucessão de eventos revela claramente, no meu entendimento, que as

companhias envolvidas, a CVM e a Bovespa agiram todas, naquele momento, da forma como deveriam: as

empresas divulgaram as informações à medida que se tornaram disponíveis e minimamente concretas, mas

sem aguardar o desfecho detalhado do assunto, evitando assim que se perdesse o controle sobre a

informação” (grifos meus).

Voto do Diretor Pedro Oliva Marcílio de Souza no âmbito do Processo Administrativo Sancionador CVM nº

RJ2006/5928, julgado em 17/04/2007: "não se exige que a informação seja definitiva ou esteja formalizada

para que se considere um fato relevante e, portanto, sujeito ao dever de divulgação. Basta que a informação

não seja meramente especulativa, mera intenção, não baseada em fatos concretos. Informações sobre atos

bilaterais (contratos, reestruturações societárias, etc.) podem ser divulgáveis, independentemente de consenso

entre as partes, desde que uma delas já tenha tomado a decisão de realizar o negócio, fazer uma oferta de

compra ou tenha a intenção de prosseguir uma negociação ou concluir uma negociação em andamento.

Nesses casos, divulga-se a intenção, mas não a conclusão do negócio" (grifos meus).

12 A esse respeito, o ex-diretor da CVM Pedro Oliva Marcilio de Sousa pronunciou-se, no âmbito do

Processo Administrativo Sancionador n° CVM Nº RJ2006/5928, julgado em 17.4.2007, no sentido de que “a

diferenciação de regime entre as duas situações parece-me justificada. A função da divulgação em caso de

perda do controle sobre a informação, como já disse, tem por objetivo colocar todos os participantes no mesmo

nível. Já a obrigação de divulgar em caso de oscilação atípica tem outra função. Nesse caso, nivelar o nível de

conhecimento entre os investidores não é a finalidade, mas o meio (não se sabe, ainda, se alguns investidores

tenham conhecimento da informação, mas a legislação presume que isso possa ocorrer). O fim é evitar eventual

negociação com informação privilegiada. A divulgação é, portanto, preventiva. Assim, em caso de oscilação

atípica, o ônus de comprovar a falta de ligação entre a informação não revelada e a oscilação atípica é do

diretor de relação com investidores e não da CVM ou do investidor prejudicado, conforme o caso”.

Voto do diretor Otavio Yazbek no âmbito do Processo Administrativo Sancionador CVM n° RJ2011/8224,

julgado em 5.12.2013: “Além disso, é importante lembrar que – e aqui já passo para a terceira observação que

gostaria de fazer – nos casos em que há a veiculação de notícias sobre fatos relevantes até então mantidos em

sigilo, a divulgação do diretor de relações com investidores precisa procurar afastar todo o possível

desequilíbrio que se instaurou com a divulgação da notícia, devendo, portanto, abordar todos os elementos

que foram veiculados na imprensa.

Nesse caso, se o Acusado se restringisse a afirmar que o controlador estava em negociação com a Caixa não me

parece que isso seria suficiente para afastar o desequilíbrio instaurado, pois, como relatado, as notícias deram

uma série de informações sobre as características da operação que estava sendo negociada pela Caixa” (grifos

meus).

13 Voto do diretor Marcelo Fernandez Trindade no âmbito do Processo Administrativo Sancionador n° 04/04,

julgado em 28.6.2006: “estudos mais aprofundados em finanças, notadamente nos Estados Unidos,

confirmam que o momento do fato relevante, na maior parte das vezes, não é representado por um evento

objetivo localizado no tempo, que de forma clara e definitiva simbolize a ocorrência relevante nos negócios

da companhia. Verificou-se naqueles estudos que, frequentemente, o fato isolado (a assinatura de um

contrato, por exemplo) não é suficiente para capturar, de uma só vez, o impacto de uma informação

relevante. Além disso, cada vez mais o mercado tenta se antecipar à divulgação de informações, ao invés de

84

aguardá-las passivamente, fazendo apostas quanto aos eventos que serão anunciados, independentemente da

importância do anúncio em si, o que também dificulta a identificação de eventos relevantes no tempo”.

14 A Acusação entendeu que o DRI cumpriu suas obrigações ao inquirir o acionista controlador após as

divulgações das notícias e ao divulgar suas respostas ao mercado.

Manifestação de voto do Diretor Roberto Tadeu Antunes Fernandes na

Sessão de Julgamento do Processo Administrativo Sancionador CVM nº RJ2013/10909,

realizada no dia 18 de março de 2015.

Senhor Presidente, eu acompanho o voto da Relatora.

Roberto Tadeu Antunes Fernandes

DIRETOR

Manifestação de voto do Diretor Pablo Renteria na Sessão de Julgamento

do Processo Administrativo Sancionador CVM nº RJ2013/10909 realizada no dia 18 de

março de 2015.

Eu acompanho o voto da Relatora, Senhor Presidente.

Pablo Renteria

DIRETOR

Manifestação de voto do Presidente da CVM, Leonardo P. Gomes

Pereira, na Sessão de Julgamento do Processo Administrativo Sancionador CVM nº

RJ2013/10909 realizada no dia 18 de março de 2015.

Eu também acompanho o voto da Relatora e proclamo o resultado do

julgamento, em que o Colegiado desta Comissão, por unanimidade de votos, decidiu pela

aplicação da penalidade de multa pecuniária para o acusado, nos termos do voto da Diretora-

relatora.

Encerro a Sessão, informando que o acusado punido poderá interpor

recurso voluntário, no prazo legal, ao Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional.

Leonardo P. Gomes Pereira

PRESIDENTE

85

ANEXO II – EMENTA DO PROCESSO SANCIONADOR CVM Nº RJ2014/0578

86

ANEXO III – PEÇA DE DENÚNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

EXMO(A). SR(A). DR(A). JUIZ(A) FEDERAL DA 3ª VARA FEDERAL CRIMINAL

DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO.

Ref.: IPL nº. 0025/2014-11 DELEFIN/SR/DPF/RJ (Distribuição por dependência ao Processo nº 0022054-97.2014.4.02.51.01)

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, presentado pelos Procuradores da República no exercício de suas atribuições constitucionais e legais, vem oferecer

DENÚNCIA

em face de

EIKE FUHRKEN BATISTA , brasileiro, empresário,

pela prática das condutas delituosas que passa a expor.

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO RIO DE

JANEIRO

87

I – DO DELITO DE MANIPULAÇÃO DO MERCADO135

PREVISTO NO ART. 27-C

DA LEI 6.385/76

O denunciado EIKE, visando alterar o regular funcionamento da BM&F

BOVESPA, simulou a contratação de cláusula “put” em que se obrigaria a aportar recursos

vultosos na OGX, na ordem de 1 bilhão de dólares americanos, divulgando em 24/10/2012 a

informação inverídica ao público investidor diretamente lesado, causando dano difuso ao

público investidor na medida de US$ 1.000.000.000,00 (1 bilhão de dólares americanos) que

não foram aportados na OGX.

Dessa forma, com a perpetração da conduta delitiva em comento, odenunciado

EIKE, ao não realizar o pagamento da cláusula “put” inserida no referido contrato, evitou a

diminuição de seu patrimônio pessoal em cerca de 1,5 bilhão de reais136

..

A má-fé e fraude na divulgação de contrato com cláusula que jamais seria

adimplida resta comprovada uma vez que muito antes de sua divulgação era de conhecimento

do denunciado EIKE que os campos de exploração Tubarão Tigre, Tubarão Gato e Tubarão

Areia não ensejavam a prospecção anunciada e que justificava os altos preços das ações137

.

135

Conforme o entendimento de doutrina abalizada sobre o tema, “um dos objetivos essenciais da regulação do

mercado de capitais é o de propiciar eficiência na determinação do valor dos títulos nele negociados. Em

princípio, quanto mais rápida for a reação das cotações dos papéis as novas informações, mais eficiente será o

mercado. Assim, o ideal é que a cotação de determinado valor mobiliário reflita unicamente todas as

informações publicamente disponíveis; em tal hipótese, pode-se falar em cotação real e verdadeira dos ativos

financeiros negociados no mercado de capitais.

A ocorrência da manipulação caracteriza um processo de formação de preços artificial, um 'falso

mercado', agredido, consequentemente, o funcionamento regular do mercado de capitais”. EIZIRIK, Nelson;

GAAL, Ariádna B.; PARENTE, Flávia; HENRIQUES, Marcus de Freitas. Mercado de capitais – regime

jurídico. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 522. 136

Como se infere da leitura do Ofício nº. 27/2014/GJU-4/PFE-CVM/PGF/AGU (fls. 2/6 do Apenso

II). 137

A sociedade empresária OGX PETRÓLEO E GÁS PARTICIPAÇÕES S.A. e, particularmente, o denunciado

EIKE, a partir de 2/10/2009, começou a realizar diversas divulgações sobre os indícios de hidrocarbonetos

existentes nos poços exploratórios que estavam sendo perfurados. Nesse sentido, o termo de acusação acostado

ao Apenso IV relatou que “entre 02/10/2009 e 26/04/2012, a OGX divulgou exatos 82 fatos relevantes, sendo

que, em 54 deles, informou ao mercado a presença de indícios de hidrocarbonetos, ou seja, em um período de 31

meses, esse assunto representou aproximadamente 65% dos fatos relevantes da Companhia” (fls. 5 do Apenso

IV).

Note-se que as mensagens contidas nos fatos relevantes publicados a respeito da atuação da referida

empresa na Bacia de Campos era sempre veiculada em tom otimista, sendo que não houve qualquer informação

acerca dos “desafios da Companhia até que a descoberta de hidrocarbonetos se tornasse, de fato, algo relevante

para a OGX” (fls. 10/13 do Apenso IV).

Esse cenário de otimismo comercial assumiu novos contornos a partir do momento em que Luiz

Eduardo Guimarães Carneiro ingressou como CEO da OGX. Uma das primeiras medidas adotadas pelo diretor

executivo foi a constituição de um grupo de trabalho, formado por integrantes da própria empresa (fls. 23 do

Apenso II), cuja finalidade seria a avaliação da viabilidade econômica para o desenvolvimento dos campos

petrolíferos (fls. 87/95).

88

Ressalte-se ainda que a despeito do contexto completamente desfavorável à

exploração de recursos minerais nos campos de Tubarão Tigre, Tubarão Gato e Tubarão

Areia, o que era de inteiro conhecimento do acusado 138

, este celebrou, em 24/10/2012, um

contrato139

com a OGX em que se comprometia a aportar uma quantia vultosa – que poderia

chegar a 1 bilhão de dólares – em sua própria companhia, o que demonstrava a confiança que

tinha no sucesso de seus empreendimentos140

.

Com a conclusão das análises técnicas e financeiras elaboradas pela empresa Schlumberger Serviços de

Petróleo Ltda – contratada pela OGX para a realização de consultoria –, o grupo de trabalho constituído no

âmbito interno da sociedade empresária pertencente ao grupo econômico EBX apresentou, em 24/9/2012, um

relatório final à Diretoria Executiva da OGX em que “foram divulgadas estimativas de volume in situ e de óleo

recuperável para as acumulações, estando estas abaixo do inicialmente esperado. Ressaltou-se que tanto no

cenário pessimista quanto no otimista o VPL calculado para o projeto era negativo, o que redundava em

sua inviabilidade econômica” (fls. 39/40 do Apenso I). 138

De acordo com os depoimentos de ROBERTO BERNARDES MONTEIRO (diretor financeiro e de relação

com investidores entre maio/2012 e outubro/2013), LUIZ EDUARDO GUIMARÃES CARNEIRO (CEO da

OGX entre 28/6/2012 e outubro/2013), PAULO DE TARSO MARTINS GUIMARÃES (gerente de exploração

de novas áreas de dezembro/2010 a setembro/2012, sendo posteriormente diretor de exploração – setembro/2012

a junho/2013 – e diretor técnico – junho/2013 a outubro/2013), JOSÉ ROBERTO PENNA CHAVES FAVERET

CAVALCANTI (diretor jurídico da OGX desde março/2008 a outubro/2013), PAULO MANUEL MENDES DE

MENDONÇA (diretor geral da OGX entre 2010 e 2012, tendo ocupado o cargo de CEO nos meses de abril e

junho/2012), MARCELO FABER TORRES (diretor financeiro e de relação com os investidores da companhia

entre junho/2008 a fevereiro/2012), o acusado se envolvia intensamente com os assuntos tratados na OGX, sendo

informado com certa antecedência acerca dos fatos relevantes e das informações que seriam publicadas no nome

de sua empresa (fls. 78/128) 139

O referido instrumento contratual encontra-se previsto na mídia digital acostada às fls. 21 do Apenso 2. 140

Acerca da confiança que os investidores tinham sobre o exercício da cláusula "put", o que diminuiria a

posição de caixa da OGX, o Termo de Acusação da CVM (fls. 54-56 do Apenso 1) esclarece que: "Diante desses

dados, sabe-se que a Companhia estava com a sua posição de caixa sendo diminuída ao longo do tempo. Por este

motivo, é razoável entender que os investidores, que só tinham acesso às informações oficialmente divulgadas

pela OGX, vislumbravam a Put como sendo uma solução, ao menos temporária, para o caixa da Companhia.

Com a finalidade de reforçar esse argumento, cumpre destacar que, após o exercício da Put pela

Companhia em 06.09.13 e posterior notificação de conflito pelo acionista controlador em mesma data, o

problema de caixa da Companhia foi evidenciado com o pedido de recuperação judicial da OGX, informado pelo

fato relevante de 31.10.2013 (fl. 474).

Nesse sentido, para comprovar que os investidores efetivamente acreditavam no exercício e

posterior pagamento da Put, cabe destacar que (fls. 475-481):

a) em 17.10.2012, foi divulgado fato relevante que informou que a OSX exerceu uma put semelhante

concedida pelo Sr. Eike Batista, sendo que a OSX receberia US$ 500 milhões até março de 2013 e outros

US$ 500 milhões até março de 2014;

b) em 17.05.2013, foi divulgado fato relevante que informou (i) um novo plano de negócios da

OSX, e (ii) o exercício de US$ 120 milhões remanescentes da put; e

c) em 27.08.2013, foi divulgado um terceiro fato relevante que informou, após a alteração do plano de

negócios da OSX, o exercício adicional de US$ 50 milhões de dólares da put da OSX.

Dessa forma, além dos investidores terem esperança de que a Put da OGX também seria exercida

para aliviar a pressão sobre o caixa da Companhia, eles precisavam ter conhecimento da integralidade dos

termos do contrato da Put, já que foram aportados recursos na OSX (em 27.08.2013) mesmo após ela

divulgar a alteração do seu plano de negócios (em 17.05.2013). [...]

É importante salientar, conforme já informado na seção II, retro, a interconexão entre a Companhia e a

OSX. No caso concreto, sabe-se que a não injeção de US$ 1 bilhão na OGX impactaria direta e negativamente

na OSX.

Esse impacto pode ser evidenciado pela inclusão da OSX entre os credores que fecharam acordo com a

Companhia – divulgado em fato relevante de 24.12.2013 – para a reestruturação da OGX (fls. 421-443)". (grifo

nosso)

89

A divulgação141

do contrato com cláusula “put”142

se deu maliciosamente143

, de

forma a iludir o público investidor, mediante a sua ocultação por ocasião da publicação de

fato relevante na mesma data da celebração do instrumento particular, o que possibilitou ao

acusado suscitar a sua isenção de cumprir a obrigação de investir recursos de seu patrimônio

pessoal na empresa OGX através da compra de ações.

Por fim, cumpre ressaltar que a CVM apontou que a alteração do plano de

negócios da sociedade comercial OGX já vinha sendo tratada no âmbito interno da empresa

desde setembro/2012144

, sendo que o próprio denunciado, em 29/5/2013, por intermédio de

sua conta pessoal na rede social twitter, enviou mensagem a seus seguidores no sentido de que

141

Do Termo de Acusação da CVM: “Em 24.10.2012, a Companhia divulgou fato relevante que informou que

(fl. 404): “seu acionista controlador Eike Batista outorgou à Companhia o direito de exigir que subscreva novas

ações ordinárias de emissão da Companhia, ao prelo de exercício de R$ 6,30 por ação, até o limite máximo do

valor equivalente a Us$ 1,0 bilhão. A opção poderá ser exercida a qualquer momento até 30 de abril de 2014 e

está condicionada à necessidade de capital social adicional da Companhia e a ausência de alternativas mais

favoráveis, condições estas que serão determinada pela maioria dos membros independentes do Conselho de

Administração da Companhia. “Ao conceder essa opção, enfatizo a minha confiança na qualidade do corpo

técnico e ativos da Companhia, bem como nas novas oportunidade que o setor de óleo e gás oferece à OGX,

comentou Eike Batista, acionista controlador e presidente do Conselho de Administração da OGX.” 142

É mister salientar ainda que a referida cláusula previa a inviabilidade da execução da cláusula “put” em face

do acionista controlador da OGX caso houvesse alteração do plano de negócios referentes à exploração dos

campos de petróleo.

Essa modificação do plano de negócios, como anteriormente ressaltado, podia ser constatada desde

24/9/2012, data em que o grupo de trabalhado constituído no âmbito interno da OGX concluiu pela inviabilidade

econômica da exploração dos campos cujos direitos de concessão foram adquiridos pela sociedade anônima em

que o acusado figurava como acionista controlador.

De igual forma, mesmo sem uma alteração formal do referido plano – o que somente ocorreu em

27/8/2013 –, EIKE BATISTA, em 29/5/2013, se manifestou publicamente, através de sua conta pessoal no

twitter, no sentido de que um novo plano de negócios seria publicado pela OGX (fls. 75 do Apenso 2), o que

sinaliza claramente que o acusado tinha ciência do contexto fático vivenciado por sua empresa no tocante aos

empreendimentos localizados na Bacia de Campos e, ao mesmo tempo, demonstra a sua intenção inequívoca de

obter vantagem econômica em detrimento dos pretensos adquirentes das ações de sua companhia mediante a

alteração do regular funcionamento do mercado de valores mobiliários. 143

Parecer da AGU sobre o Termo de Acusação da CVM: “Como bem notado pela SEP, a divulgação do Fato

Relevante de 13.03.2013 trouxe apenas informações acerca do volume in situ, não havendo qualquer menção

sobre o volume de óleo recuperável – informação esta disponível para a Companhia a partir da entrega do

relatório da Schlumberger, em 21.09.2012, e utilizado na apresentação do Grupo de Trabalho, em 24.09.2012. A

importância dessa informação decorre da possibilidade de obtenção do valor presente líquido do projeto com

suporte nesses números, razão pela qual, de acordo com a SEP, deveriam estes ter sido objeto de divulgação

quando da publicação do fato relevante de 13.03.2013.” (…) “Ressaltou a SEP que Eike Batista havia realizado

contrato com a Companhia com previsão de exercício de Put em 24.10.2012, efetivamente exercida pela OGX

em 06.09.2013. Importante notar que o inteiro teor do contrato de Put não era de conhecimento público, mas sim

restrito à Administração da OGX e Eike Batista, já que o Fato Relevante publicado na mesma data em que foi

celebrado o contrato não trazia na íntegra os detalhes do que havia sido pactuado.” 144

Como já ressaltado, o Grupo de Trabalho constituído no âmbito da OGX concluiu, baseado nas análises

econômicas e financeiras da empresa Schlumberger Serviços de Petróleo Ltda, que as estimativas de volume in

situ e de óleo recuperável para as acumulações localizadas na Bacia de Campos estavam abaixo do inicialmente

esperado. Ademais, o valor presente líquido (VPL) calculado para o projeto era negativo, o que redundava na

inviabilidade econômica da exploração dos referidos campos (fls. 39/40 do Apenso 1).

90

apresentaria, em breve, um novo plano de negócios145

, o que somente veio à tona mediante a

publicação de fato relevante em 27/8/2013.

III – DOS DELITOS DE INSIDER TRADING146

PREVISTO NO ART. 27-D DA LEI

6.385/76

O denunciado EIKE, agindo consciente e voluntariamente, utilizou, por 2

(duas) vezes, informações relevantes, ainda não divulgadas ao mercado, de que tinha

conhecimento, propiciando para si vantagem indevida mediante a negociação, em nome

próprio, com valores mobiliários.

A utilização das informações relevantes pelo denunciado EIKE ocorreu em

dois períodos distintos.

III.1 – DA CONDUTA DELITIVA DE INSIDER TRADING OCORRIDA NO

PERÍODO DE 24.5.2013 A 10.6.2013

145

Fls. 78 do Apenso 1 e fls. 75 do Apenso II. 146

Segundo os escólios de doutrina abalizada, “ o insider trading consiste na utilização de informações

relevantes sobre valores mobiliários, por parte de pessoas que, por força de sua atividade profissional, estão 'por

dentro' dos negócios da emissora, para transacionar com os valores mobiliários antes que tais informações sejam

de conhecimento do público. Assim agindo, o insider compra ou vende valores mobiliários a preços que ainda

não estão refletindo o impacto de determinadas informações, que são de seu conhecimento exclusivo.

Há razões de ordem econômica e de ordem ética que justificam a repressão ao uso privilegiado de

informações por parte dos insiders.

As razões econômicas estão relacionadas ao conceito de eficiência na determinação da cotação dos

valores mobiliários negociados no mercado de capitais. Considera-se que o mercado é eficiente quando os preços

das ações refletem todas as informações sobre as emissoras e os títulos negociados; quanto mais rápida for a

reação dos títulos às novas informações, em princípio, mais eficiente será o mercado. O ideal, pois, é que a

cotação dos títulos reflita apenas todas as informações publicamente disponíveis, o que se busca alcançar

mediante normas que estabeleçam a obrigação de divulgar todas as informações relevantes. A ampla divulgação

de informações completa-se com um segundo princípio, dela decorrente: as informações devem estar disponíveis

a todos ao mesmo tempo, sem que os insiders possam utilizá-las antes de sua divulgação.

As razões de ordem ética derivam do princípio da igualdade de acesso às informações, o denominado

market egalitarinism. Com efeito, há um total desequilíbrio entre a posição do insider e a dos demais

participantes do mercado, sendo eticamente condenável a obtenção de lucros unicamente em função da

utilização de informações confidenciais que o insider sabe que não estão disponíveis para o público. Assim, a

legislação, nos diferentes países, busca impedir que os insiders obtenham vantagens decorrentes da inevitável

'assimetria' de informações, uma vez que eles sempre terão acesso a elas antes dos investidores do mercado”.

EIZIRIK, Nelson; GAAL, Ariádna B.; PARENTE, Flávia; HENRIQUES, Marcus de Freitas. Mercado de

capitais – regime jurídico. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 536-537.

91

Em um primeiro intervalo temporal, compreendido entre 24/5/2013 a

10/6/2013, o denunciado EIKE, através de fundo financeiro de sua propriedade147

Centennial Asset Mining Fund LLC –, alienou 126.650.500 (cento e vinte e seis milhões,

seiscentos e cinquenta mil e quinhentas) ações de emissão da empresa OGX, tendo, como

contrapartida, recebido o montante de R$ 197.247.497,00 (cento e noventa e sete milhões,

duzentos e quarenta e sete mil, quatrocentos e noventa e sete reais)148

, gerando um lucro

indevido para si no montante compreendido entre R$ 123.790.497,00 e R$ 126.323.497,00149

.

A venda das referidas ações ocorreu em uma conjuntura favorável aos negócios

realizados pelo denunciado, em desigualdade de condições com os demais investidores, uma

vez que a OGX PETRÓLEO E GÁS PARTICIPAÇÕES S.A havia noticiado, em 13/3/2013, a

comercialidade das acumulações Pipeline, Fuji e Ilimani150

, informando ainda que os campos

teriam entre 521 e 1.339 milhões de volume de óleo in situ151152

.

O denunciado EIKE omitiu, de forma livre e consciente, as conclusões técnicas

e financeiras da empresa Schlumberger Serviços de Petróleo Ltda – contratada pela OGX para

a realização de consultoria153

– e as análises empreendidas pelo Grupo de Trabalho

constituído no âmbito interno da própria empresa154

, os quais afirmaram que o volume de óleo

recuperável variava entre 49,4 e 77,8 milhões de barris, sendo que o VPL dos projetos a serem

realizados para exploração dos campos eram negativos155156

.

147

De acordo com o termo de declarações do denunciado acostado às fls. 64. 148

Fls. 38/39 do Apenso I. 149

Fls. 5/6 do Apenso II. 150

De acordo com fl. 62 do Apenso 1, a acumulação de “Pipeline” formava o campo de “Tubarão Gato”,

enquanto que as acumulações “Fuji” e “Ilimani” formavam o campo de “Tubarão Areia”. 151

Fls. 130/131 do Apenso III. 152

Note-se que o diretor jurídico da OGX à época dos fatos – JOSÉ ROBERTO PENNA CHAVES FAVERETT

CAVALCANTI –, ao prestar depoimento em sede policial, afirmou que “a declaração de comercialidade era

necessária na época, uma vez que ainda havia a dúvida sobre a viabilidade e se não houvesse declaração da

comercialidade as áreas teriam que ser devolvidas à União e o prejuízo que seria causado seria muito grande à

companhia” (fls. 108). 153

O estudo realizado pela prestadora de serviços foi entregue à OGX em 21/9/2012, segundo fls. 49 do Apenso

IV. 154

Tais fatos foram divulgados à Diretoria da OGX em 24/9/2012, conforme fls. 49 do Apenso IV. 155

Fls. 46/49 do apenso IV. 156

Ressalta-se que as conclusões emitidas pela referida empresa de consultoria e pelo grupo de trabalho formado

no âmbito da OGX satisfazem o elemento normativo “informação relevante” contido no tipo penal previsto no

art. 27-D da Lei 6.385/76, na medida em que cumprem os requisitos elencados no art. 2º da Instrução CVM

358/2002, o qual dispõe:

“Art. 2º. Considera-se relevante, para os efeitos desta Instrução, qualquer decisão de acionista controlador,

deliberação da assembleia geral ou dos órgãos de administração da companhia aberta, ou qualquer outro ato ou

fato de caráter político-administrativo, técnico, negocial ou econômicofinanceiro ocorrido ou relacionado aos

seus negócios que possa influir de modo ponderável: I – na cotação dos valores mobiliários de emissão da

companhia aberta ou a eles referenciados;

92

III.2 – DA CONDUTA DELITIVA DE INSIDER TRADING OCORRIDA NO

PERÍODO DE 28.8.2013 A 3.9.2013 E DE 27/8/2013 A 2/9/2013

No período de 28/8/2013 a 3/9/2013, o denunciado EIKE, através do fundo

Centennial Asset Mining Fund LLC157

, promoveu a venda de 227 milhões de ações de

emissão da sociedade anônima OGX, o que lhe rendeu, como contrapartida, a quantia de R$

111.183.328,00 (cento e onze milhões, cento e oitenta e três mil e trezentos e vinte e oito

reais).

Em contexto fático idêntico, porém em lapso temporal diverso – entre

27/8/2013 e 2/9/2013 –, o acionista controlador do grupo econômico EBX, através do referido

fundo financeiro, alienou 29.054.100 (vinte e nove milhões, cinquenta e quatro mil e cem)

ações de emissão da OSX, cuja celebração do referido negócio jurídico lhe rendeu R$

24.759.473,00 (vinte e quatro mil, setecentos e cinquenta e nove mil, quatrocentos e setenta e

três reais).

As alienações mencionadas, responsáveis por propiciar ao denunciado EIKE o

lucro indevido que varia entre R$ 12.528.980,00 e R$ 27.601.685,00158

, foram efetivadas

após a publicação de fato relevante – ocorrido em 1/7/2013 – em que se noticiou a

inviabilidade econômica do desenvolvimento dos campos de “Tubarão Tigre”, “Tubarão

Gato” e “Tubarão Areia” com a tecnologia existente à época, o que resultou, inclusive, em

uma queda de 25% (vinte e cinco por cento) da cotação da ação da OGX159

.

Mesmo com a aparente conjuntura econômica e financeira desfavorável, a

credibilidade das sociedades empresárias que compunham o grupo econômico da EBX se

sustentava em razão da divulgação, em 24/10/2012160

, da celebração de contrato161

entre o

II – na decisão dos investidores de comprar, vender ou manter aqueles valores mobiliários; III – na decisão dos

investidores de exercer quaisquer direitos inerentes à condição de titular de valores mobiliários emitidos pela

companhia ou a eles referenciados.” 157

O referido fundo financeiro era titularizado pelo próprio denunciado, de acordo com o seu termo de

declarações acostado fls. 64. 158

Fls. 6 do Apenso II. 159

De acordo com fls. 73 do Apenso 1, “ao realizar a divulgação do fato relevante de 01.07.2013, a cotação de

abertura da ação da Companhia nesse dia foi de R$ 0,58 (cinquenta e oito centavos), quando havia fechado o dia

anterior cotada a R$ 0,77 (setenta e sete centavos), em uma queda de aproximadamente 25% (vinte e cinco por

cento) com a sua divulgação”. 160

Fls. 132 do Apenso III. 161

Instrumento Particular de Outorga de Opção de Subscrição de Ações e Outras Avenças, previsto na mídia

digital acostada às fls. 21 do Apenso 2.

93

acionista controlador da OGX e a própria empresa em que aquele se comprometia a aportar 1

bilhão de dólares para a continuidade da consecução do plano de negócios da referida

companhia, sendo certo, contudo, que nunca houve de fato a intenção de adimplir o pacto.

A CVM, portanto, constatou que o denunciado EIKE omitiu do público

investidor a informação de que o exercício da cláusula “put” pela Diretoria da OGX em face

de si pressupunha a manutenção do plano de negócios vigente na data da assinatura do

contrato162163

, o que restaria alterado em razão da publicação do fato relevante de 1/7/2013,

eximindo, assim, o acusado de aplicar a quantia de 1 bilhão de dólares em sua própria

companhia164165

.

IV – DA CAPITULAÇÃO DELITIVA

Diante do exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL denuncia EIKE

FUHRKEN BATISTA como incurso nas sanções do art. 27-C da Lei nº 6.385/76 e do art.

27-D da Lei nº 6.385/76, por 2 (duas) vezes, todos na forma do art. 69 do CP.

V – DO PEDIDO

Com o recebimento da denúncia, requer o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

seja o réu citado para responder aos termos da ação penal ora proposta; e pede, de acordo com

162

Salienta-se que a OGX somente divulgou a cópia integral do contrato da Put em 10/9/2013, mediante

comunicação ao mercado financeiro (fls. 82 do Apenso 1). 163

Ademais, como bem asseverado pela CVM no OFÍCIO/CVM/SEP/GEA-3/Nº 887/13, encaminhado ao

acusado em 19/12/2013, o fato relevante de 24/10/2012 não noticiava a possibilidade do acionista controlador da

OGX contestar o exercício da cláusula “put” pela diretoria da referida empresa, demonstrando, assim, a intenção

de ocultar informação contratual relevante do mercado financeiro (fls. 102/103 do Apenso II). 164

De acordo com o Termo de Acusação presente no Apenso 1, a Diretoria da OGX, em 6/9/2013, informou ao

mercado de capitais que havia exercido, naquela data, “a Put concedida por seu acionista controlador, com o

imediato desembolso de 100 milhões de dólares e o saldo de forma modulada diante da necessidade de caixa

adicional pela Companhia, conforme determinação de sua administração”.

Todavia, “em resposta divulgada através de fato relevante de 09.09.2013, o Sr. Eike Batista notificou,

ainda em 06/09/2013, a Companhia de conflito, nos termos da cláusula 6.10 da Put, com a intenção de discutir a

validade do seu exercício (fls. 406-411).

Em resposta ao OFÍCIO/CVM/SEP/GEA-1/Nº 502/2013, a Companhia divulgou, através de

comunicado ao mercado de 10.09.2013, cópia integral do contrato da Put (fls. 412-419).

Em 11.11.2013, a Companhia informou, por meio de comunicado ao mercado, que a OGX 'e o acionista

controlador resolveram submeter a juristas independentes os termos da disputa, estimando-se um prazo adicional

de 60 dias para que seja obtido um posicionamento, o qual será informado ao mercado e aos seus acionistas [fls.

92 do Apenso II]”. 165

Nesse ponto, é mister salientar que a informação mencionada – bem como o inteiro teor do contrato de

outorga de opção de subscrição de ações e outras avenças – satisfaz o elemento normativo “informação

relevante” contido no tipo penal previsto no art. 27-D da Lei 6.385/76, cujas razões foram expostas na nota de

rodapé nº 15.

94

o desfecho da instrução criminal, seja condenado na medida de sua culpabilidade bem como

seja fixado um valor mínimo de indenização a ser paga pelo denunciado.

Requer, por fim, sejam notificadas para depor sobre os fatos narrados as

testemunhas ora arroladas.

Rio de Janeiro, 11 de setembro de 2014.

RODRIGO RAMOS POERSON ORLANDO MONTEIRO E. DA CUNHA

PROCURADORES DA REPÚBLICA