universidade federal do rio grande do sul … · prof. dr. augusto nibaldo silva trivinos -...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO Carla Cristina Dutra Búrigo A FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE EDUCAÇÃO BÁSICA NOS SISTEMAS EDUCACIONAIS DA ARGENTINA, DO BRASIL E DO URUGUAI Porto Alegre 2009

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE EDUCAO

PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO

Carla Cristina Dutra Brigo

A FORMAO DE PROFESSORES DE EDUCAO BSICA NOS SISTEMAS EDUCACIONAIS DA ARGENTINA, DO BRASIL E DO

URUGUAI

Porto Alegre

2009

Carla Cristina Dutra Brigo

A FORMAO DE PROFESSORES DE EDUCAO BSICA NOS SISTEMAS EDUCACIONAIS DA ARGENTINA, DO BRASIL E DO

URUGUAI

Relatrio apresentado ao Programa de Ps-Graduao em Educao da Faculdade de Educao da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, como requisito parcial para a obteno do ttulo de Ps-Doutor em Educao.Orientador:Prof. Dr. Augusto Nibaldo Silva Trivinos.

Aprovad "

Prof. Dr. Augusto Nibaldo Silva Trivinos - Orientador

DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAO NA PUBLICAO (CIP)

B958f Brigo, Carla Cristina DutraA fo rm a o de p ro fe sso res d e ed u ca o b sica n o s s is tem a s e d u c a c io n a is da A rgen tin a ,

d o B rasil e d o U ruguai / C arla C ristin a D utra B rigo ; orientador: A u g u sto N ib a ld o S ilv a

T r iv in o s . P orto A leg re , 2 0 0 9 .

131 f. + Apndices.

Relatrio de pesquisa (Ps-doutorado) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Faculdade de Educao. Programa de Ps-Graduao em Educao, 2009, Porto Alegre, BR-RS.

1. P rofessor . 3 . F orm ao . 4 . E d u cao b sica . 5 . A rg en tin a . 6 . B rasil. 7 . U ru gu ai. I.

S ilv a T r iv in o s , A u g u sto N ib a ld o . II. T tu lo .

CDU - 371.13

Bibliotecria Roberta Moraes de Bem - CRB 1.022

RESUMO

O presente estudo tem por objetivo refletir sobre o processo de formao dos professores de educao bsica na Argentina, no Brasil e no Uruguai, almejando conhecer como se desenvolve e em que nvel do sistema educacional (bsico e superior - universitrio e no universitrio) se formam na atualidade, fundamentalmente, com referncias histricas, estes professores. A historicidade do processo educacional desses Pases situa que o fenmeno - a formao dos professores de educao bsica - no est isolado. Na mediao das suas relaes com outros fenmenos, podem os. conhecer que professores estes Pases desejam formar e como esto formando, diante da viso historicamente construda de homem, de sociedade e de mundo. Nessas relaes de mediao est a Universidade como uma instituio social que muitas vezes, vive o antagonismo do que realmente se faz e do que verdadeiramente poderia ser feito para a construo, como prtica social, da formao dos professores de educao bsica.

Palavras-chave: Formao de Professores. Relao Educao e Trabalho. Universidade.

BRIGO, Carla Cristina Dutra. A formao de professores de educao bsica nos sistemas educacionais da Argentina, do Brasil e do Uruguai. Porto Alegre 2009. 131 f. Relatrio (Ps-doutorado) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Educao, Programa de Ps-graduao em Educao, Porto Alegre, 2009.

ABSTRACT

The present study aims at reflecting on the qualification processes of basic education teachers in Argentina, Brazil and Uruguay. It wishes to perceive how these qualification processes develop, and in which level of the educational system (basic or superior - graduate or non graduate) do these teachers, fundamentally, within historical references, presently graduate. The educational process' history in these countries points out that this phenomenon - teachers graduation programs in basic education is not isolated. Through the mediation of their relations with other phenomena, we can observe that teachers from these countries wish to graduate, as they are graduating, facing constructed historical views of mankind, society and of the world. Within these mediation relations is the University, acting as a social institution, which usually experience the antagonism of what is actually done, and of what truly could be done regards the construction, as social practice, of the qualification processes of basic education teachers.

Key words: Teacher's qualification. Education and work relation. University.

BRIGO, Carla Cristina Dutra. A formao de professores de educao bsica nos sistemas educacionais da Argentina, do Brasil e do Uruguai. Porto Alegre 2009. 131 f. Relatrio (Ps-doutorado) Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Educao, Programa de Ps-graduao em Educao, Porto Alegre, 2009.

LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 - O caminho terico percorrido neste estudo............................................................. 13

FIGURA 2 - Caminho percorrido para o estudo crtico dos depoimentos das professoras-

pesquisadoras que participaram da pesquisa................................................................................. 76

LISTA DE QUADROS

QUADRO 1 - Taxa de escolarizao lquida por idade: Brasil, Argentina e Uruguai............ 15

QUADRO 2 - Categorias empricas do estudo..............................................................................72

QUADRO 3 - Identificao: categorias empricas e contedos bsicos................................... 72

QUADRO 4 - A formao dos professores de educao bsica na Argentina, no Brasil e no...................... 88Uruguai........................................................................................................

ESCLARECIMENTO

Este estudo foi concebido e desenvolvido na linha de pesquisa Trabalho,

Movimentos Sociais e Educao, dentro da temtica de um projeto mais amplo, intitulado

"A Formao de Professores no MERCOSUL - CONE SUL', que conta com o apoio do

Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq), da Fundao de Apoio Pesquisa do Estado do Rio

Grande do Sul (FAPERGS) e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), no

qual so abordados princpios, objetivos e perspectivas da formao de professores dos

diferentes nveis de ensino. O projeto mencionado tem a participao de professores-

pesquisadores do Brasil, da Argentina, do Chile, do Paraguai, da Venezuela, da Bolvia e do

Uruguai, e tem como coordenador-geral o Prof. Dr. Augusto Nibaldo Silva Trivinos, e vice-

coordenadora a Prof. Dra. Carmen Lucia Bezerra Machado, ambos da Universidade Federal

do Rio Grande do Sul.

SUMRIO

APRESENTAO.............................................................................................................................10

1 A FORMAO DO PROFESSOR DE EDUCAO BSICA NA ARGENTINA, NO

BRASIL E NO URUGUAI............................................................................................................. 13

1.1 OS LINEAMENTOS E AS DIRETRIZES CURRICULARES DA ARGENTINA, DO

BRASIL E DO URUGUAI.............................................................................................................. 14

1.1.1 Argentina: os lineamentos curriculares nacionais para a formao docente inicial

18

1.1.2 Uruguai: lineamento nacional de formao docente..................................................... 20

1.1.3 Brasil: diretrizes curriculares nacionais para o curso de pedagogia......................... 23

1.1.4 Pontos comuns entre Argentina, Brasil e Uruguai nos lineamentos e nas diretrizes

curriculares........................................................................................................................................26

1.2 AS POLTICAS PBLICAS E AS POLTICAS PBLICAS EDUCACIONAIS NO

PROCESSO DE FORMAO DOS PROFESSORES DE EDUCAO BSICA NA

ARGENTINA, NO BRASIL E NO URUGUAI........................................................................... 32

1.2.1 Brasil: Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional - Lei n 9.394/96............... 34

1.2.2 Argentina: Lei de Educao Nacional - Lei n 26.206/06.............................................37

1.2.3 Uruguai: Lei Geral de Educao - Lei n 18.437/08..................................................... 39

1.2.4 O processo de formao dos professores de educao bsica e as leis de educao

em nvel nacional na Argentina, no Brasil e no Uruguai - algumas idias gerais comuns

...............................................................................................................................................................41

1.3 O SISTEMA EDUCACIONAL (BSICO E SUPERIOR - UNIVERSITRIO E NO

UNIVERSITRIO) DE FORMAO DE PROFESSORES DE EDUCAO BSICA NA

ARGENTINA, NO BRASIL E NO URUGUAI........................................................................... 45

1.3.1 O sistema de formao docente na Argentina................................................................. 46

1.3.2 Poltica nacional de formao de profissionais do magistrio da educao bsica no

Brasil....................................................................................................................................................49

1.3.3 O sistema nico nacional de formao docente no Uruguai........................................ 52

1.3.4 A universidade como expresso social...............................................................................55

1.4.RETORNANDO AOS LINEAMENTOS E S DIRETRIZES CURRICULARES DA

ARGENTINA, DO BRASIL E DO URUGUAI........................................................................... 60

2 O CAMINHO METODOLGICO PERCORRIDO NESTE ESTUDO........................ 65

2.1 OBJETIVOS E PROBLEMA DE PESQUISA....................................................................... 65

2.1.1 Problema de pesquisa................................. ........................................................................... 65

2.1.2 Objetivos do presente estudo....................................................... ........................................65

2.2.FASES TERICO-METODOLGICAS DESENVOLVIDAS NA PRESENTE

PESQUISA.......................................................................................................................................... 66

2.2.1 O tipo e a natureza do estudo...............................................................................................66

2.2.2 A populao e a amostra............................... ........................................................................66

2.2.3 Processos de coleta e de anlise das informaes.............................................................68

2.2.3.1 A coleta de informaes....................................................................................................... 68

2.2.3.2 A anlise das informaes coletadas................................................................................... 70

3 UM ESTUDO CRTICO DOS DEPOIMENTOS DAS PROFESSORAS-

PESQUISADORAS DA ARGENTINA, DO BRASIL E DO URUGUAI QUE

PARTICIPARAM DA PESQUISA.............................................................................................. 75

3.1 AS PROFESSORAS QUE PARTICIPARAM DA PESQUISA...........................................76

3.2 O PROCESSO DE FORMAO DOS PROFESSORES DE EDUCAO BSICA

NOS PASES EM ESTUDO.............................................................................................................79

3.3 OS SISTEMAS EDUCACIONAIS E A POLTICA DE FORMAO DOCENTE DOS

PASES EM ESTUDO.............................................. ........................................................................87

3.4 RETORNANDO S PROFESSORAS: ASPECTOS REFERENTES PRTICA

DIDTICA E S CONDIES DE REALIZAO DO TRABALHO ACADMICO..... 98

4 CONSIDERAES FINAIS.................................................................................................... 110

REFERNCIAS...........................................................................................................................-114

APNDICE A - Instrumento de coleta de informaes........................................................ 123

(verso em portugus)................................................................................................................... 123

APNDICE B - Instrumento de coleta de informaes........................................................ 125

(verso em espanhol)............... ..................................................................................................... 125

APNDICE C - Relatrio sntese de viagem para.................................................................. 127

a Argentina e o Uruguai............................................................................................ ................... 127

APRESENTAO

A busca pelo ps-doutoramento fruto de uma longa caminhada que nasceu a partir da

minha dissertao de mestrado e que vem se configurando nos ltimos doze anos, tendo como

inquietao primeira a mediao da relao educao e trabalho na universidade pblica

federal1.

Na minha vivncia no mundo universitrio, h aproximadamente vinte e cinco anos,

ora como estudante, ora como servidora ocupante do cargo de pedagoga, ora como professora

substituta, ora como investigadora, sempre me instigaram a prtica acadmica e de gesto

administrativa em tomo da defesa e manuteno dos espaos pblicos da universidade federal.

A partir dessas vivncias e tambm pelo fato deste estudo estar sendo concebido e

desenvolvido na linha de pesquisa Trabalho, Movimentos Sociais e Educao, da

Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). dentro da temtica de um projeto mais

amplo, intitulado 'A Formao de Professores no MERCOSUL - CONE SUL", desejo

estudar, neste estgio de ps-doutoramento, A Formao de Professores de Educao

Bsica nos Sistemas Educacionais da Argentina, do Brasil e do Uruguai - Pases do

MERCOSUL.

A justificativa pela opo do estudo deste fenmeno material social - A Formao de

Professores de Educao Bsica nos Sistemas Educacionais da Argentina, do Brasil e do

Uruguai - Pases do MERCOSUL - , respalda-se na inquietao primeira de conhecer como se

desenvolve a formao de professores de educao bsica nos pases do MERCOSUL, em

especial, na Argentina e no Uruguai, em cujos sistemas educacionais h o nvel superior

(tercirio) no universitrio, que tambm desenvolve a formao de professores.

Esta inquietao levou-me a investigar o sistema educacional desses pases e tambm

do Brasil tendo, como questo circundante, a universidade, como uma instituio milenar, que

tem por essncia o processo de formao, por meio do ensino, da pesquisa e da extenso e

que, diante de alguns contextos histricos, se encontra distanciada do processo de formao

dos formadores de formadores.

1 Brigo (1997; 2003 ).

Como ponto de partida, realizei uma investigao detalhada sobre as publicaes

acerca do tema, em especial, as de autoria dos pesquisadores do grupo de pesquisa de

formao de professores do MERCOSUL, vinculado UFRGS. A seguir, estudei a legislao

educacional de cada Pas e realizei entrevistas com professores pesquisadores da rea de

formao de professores de educao bsica da Argentina, do Brasil e do Uruguai.

O termo educao bsica usualmente utilizado no Brasil com respaldo na Lei n

9.394/96 (BRASIL, 1996), em seu art. 21. Determina que a educao bsica seja constituda

pela educao infantil, pelo ensino fundamental e ensino mdio.3 *4A definio de educao bsica na Argentina e no Uruguai no contemplada em

Lei. Todavia, para a delimitao do campo de investigao do presente artigo, ficou definido

por educao bsica: educao infantil (educao inicial), ensino fundamental (educao

primria) e ensino mdio5 (educao secundria).

Esta investigao se fundamenta nos pressupostos do materialismo histrico e

dialtico, que busca as causas mediatas e imediatas do fenmeno investigado, com o intuito

de compreender as representaes historicamente intrnsecas no desenvolvimento do

fenmeno. Com base no estudo de caso, como tipo de pesquisa, apoio-me, nos pressupostos

da complexidade da teoria marxista para sustentar a anlise do fenmeno.

Para a sistematizao deste estudo, o presente Relatrio estruturado em trs

captulos:

No captulo 1 - A formao do professor de educao bsica na Argentina, no Brasil

e no Uruguai - , situo e contextualizo o fenmeno investigado, ou seja, a formao de

professores de educao bsica, analisando como se constitui e se constituiu historicamente e

em que condies se realiza.

Parto do estudo dos Lineamentos Curriculares (Argentina e Uruguai) e das Diretrizes

Curriculares (Brasil), destacando alguns aspectos como: a finalidade da formao prescrita em

2

2 Cabe destacar que a investigao gerou consulta a inmeras publicaes em espanhol, que foram essenciais para o desenvolvim ento da presente pesquisa. A traduo desses textos bem com o a transcrio das entrevistas realizadas so de minha total responsabilidade.3 De acordo com a Lei n 26 .206 /06 (A R G E N T IN A , 2006), art. 17, a estrutura do Sistem a Educacional N acional, com preende quatro nveis: Educao Inicial, Educao Primria, Educao Secundria e Educao Superior, e oito modalidades: Educao T cnica Profissional, Educao Artstica, Educao Especial, Educao Permanente de Jovens e Adultos, Educao Rural, Educao Intercultural B ilngue, Educao em C ontextos de Privao de Liberdade e Educao Dom iciliar.4 D e acordo com a Lei n 18.437/08 (U R U G U A I, 2009a), art. 22 , a estrutura educacional formal uruguaia corresponde aos seguintes nveis: Educao Inicial. Educao Primria, Educao M dia (bsica e superior), Educao Terciria (form ao em educao com carter universitrio e educao terciria universitria) e Educao de Ps-Graduao.5 Cabe registrar que a form ao de professores de educao mdia, diante das diversas habilitaes nas quais constituda, iria requerer um estudo mais com plexo. Todavia, irei tratar sobre este processo de formao, includa na educao bsica de uma forma genrica.

12

Lei, a carga horria expressa necessria para a formao e o modo de organizao do processo

de formao. Parto de uma anlise ainda abstrata, onde destaco pontos comuns entre os Pases

no que se refere aos aspectos estudados, respeitando, todavia, o processo de historicidade

vivenciado em cada Pas. Em um segundo momento, analiso algumas relaes que medeiam

as polticas pblicas como determinantes das polticas pblicas educacionais, em que

contextos histricos as Leis Federais de Educao foram elaboradas, como se deu a

participao da comunidade acadmica na proposta de elaborao dessas Leis e quais as

implicaes no processo de formao dos professores de educao bsica e na construo dos

sistemas educacionais vigentes. Aps, situo onde se formam, na atualidade,

fundamentalmente com referncias histricas, os professores de educao bsica, nos sistemas

educacionais da Argentina, do Brasil e do Uruguai. Ao fim do captulo, retorno aos

Lineamentos e s Diretrizes Curriculares, percorrendo um caminho inverso, analisando a

totalidade que determina a formao dos professores de educao bsica na Argentina, no

Brasil e no Uruguai.

No captulo 2 - 0 caminho metodolgico percorrido neste estudo - , apresento o

problema e os objetivos do presente estudo. Aps, descrevo as fases da abordagem

metodolgica desenvolvida na realizao da pesquisa: o tipo e a natureza do estudo, a

populao e a amostra, e o processo que empreguei na anlise das informaes.

No captulo 3 - Um estudo crtico dos depoimentos das professoras pesquisadoras da

Argentina, do Brasil e do Uruguai que participaram da pesquisa - , com base nas categorias

cientficas do materialismo histrico e dialtico, nos pressupostos tericos e nos objetivos

preliminarmente propostos, analiso como se desenvolve o processo de formao dos

professores de educao bsica nos sistemas educacionais da Argentina, do Brasil e do

Uruguai, a partir dos depoimentos das professoras pesquisadoras participantes da pesquisa.

E, finalmente, aps ter percorrido todo o desenvolvimento da fundamentao terica e

do estudo crtico dos depoimentos das professoras que participaram da pesquisa, com base na

pergunta de pesquisa e nos objetivos, apresento algumas consideraes finais e proponho

algumas reflexes e sugestes sobre o estudo realizado.

1 A FORMAO DO PROFESSOR DE EDUCAO BSICA NA ARGENTINA, NO BRASIL E NO URUGUAI

Nesta parte do trabalho, situo e contextualizo o fenmeno investigado, ou seja, a

formao de professores de educao bsica, analisando como se constitui e se constituiu

historicamente e em que condio se realiza.

Parto do concreto sensvel, ou seja, do que considerei mais prximo da realidade

investigada, construindo um caminho terico de modo que, ao final, retomo aos Lineamentos

e s Diretrizes Curriculares, possibilitando, assim, conhecer um contexto de mltiplas

determinaes que o designam. Essa caminhada terica pode ser visualizada na Figura 1.

Figura 1 - O caminho terico percorrido neste estudo

Legenda:

01. Lineamentos e Diretrizes Curriculares: constituio

02. Polticas Pblicas: constituio e perspectiva histrica

03. Sistem as e Polticas de Formao Docente: constituio e perspectiva histrica

04. Retorno aos Lineamentos e s Diretrizes Curriculares

Para o desenvolvimento dessa caminhada, embasei-me em Marx (2008. p. 256), que

prescreve que, para se realizar o estudo de um fenmeno, deve-se comear pelo concreto

sensvel, pelo singular, at chegar ao abstrato, ao geral, desvelando as mediaes que essa

caminhada propicia. Aps, retorna-se, caminhando num sentido contrrio, chegando

14

novamente ao ponto de partida, obtendo-se, assim, nas palavras do prprio Marx, [...] uma

rica totalidade de determinaes.

1.1 OS LINEAMENTOS E AS DIRETRIZES CURRICULARES DA ARGENTINA, DO BRASIL E DO URUGUAI

A Argentina, o Brasil e o Uruguai tm um sistema educacional distinto, diante do

processo de historicidade social, poltico e econmico por eles vivenciados. Porm,

analisando o processo educacional desses pases, constatei que, a partir da-dcada de 90,

apresentam um ponto comum: impulsionaram um processo de reforma educativa.

Essencialmente a partir da ltima dcada do sculo XX e incio do Sculo XXI,

gradativamente esses Pases buscam estruturar um Sistema6 (uma Poltica7)

responsabilizando-se em nvel nacional, em articulao com os Estados (Provncias) eo

Municpios, pelo processo de formao de professores de educao bsica. Cabe destacar que

essas Reformas tm um forte componente internacional, a partir da formulao de polticas

educativas em escala planetria, realizada pelos organismos internacionais de financiamento,

que produz e reproduz o atual sistema econmico.

A histria nos aponta que, na Amrica Latina, pouca ateno se deu ao processo de

formao de professores de educao bsica (TRIVINOS; BRIGO; COLAO, 2003).

Pesquisas mostram que os resultados do rendimento escolar (nmero de matrculas, nmero

de concluintes e acesso ao ensino superior) da educao bsica dos pases da Amrica Latina,

em especial dos pases do MERCOSUL, no esto compatveis com as expectativas do

desenvolvimento econmico desses pases. Esse fato requer, entre outros fatores, uma

singular ateno ao processo da formao dos formadores de professores da Educao Bsica

(BRASIL, 2005a).

6 Argentina: A cordo sobre a institucionalizao do sistem a de form ao docente na Argentina (ARG ENTINA, 2007b); Uruguai: Sistem a nico nacional de form ao docente (Uruguai, 2008c).'7 Brasil: Poltica N acional de Formao de Profissionais do M agistrio da Educao Bsica (BRASIL, 2009a).8 Os term os professor ou professores pretendem abranger igualm ente a professora ou as professoras, o gnero fem inino, que essencialm ente representativo nesta pesquisa. Porm, limitadamente, por opo redacional, ao me referir ao professor, o farei tom ando por base o gnero m asculino, na perspectiva de incluir o professor e a professora.

15

Nos pases do MERCOSUL, de acordo com os dados apresentados pelo Relatrio do

Sistema Educativo do MERCOSUL (BRASIL, 2005a), entre 2% e 14% da populao adulta

subsiste a situao de analfabetismo, e pelo menos 25% da populao de 15 a 17 anos no

esto na escola. Estes nmeros podem aumentar considerando os analfabetos funcionais, ou

seja, os que no conseguem compreender adequadamente o que lem ou realizar operaes de

simples matemtica.

O Setor Educativo do MERCOSUL, criado em 1991, tem o apoio do Banco Mundial e

vem desenvolvendo aes, junto aos pases-membros, de incremento ao acesso educao

bsica, ampliao e ao melhoramento dos programas educacionais destinados a jovens e

adultos, e formao dos professores de educao bsica. Essas aes tm o objetivo de

assegurar o aumento dos nveis dos padres de qualidade dos programas educacionais

oferecidos e incrementar o desenvolvimento econmico dos pases-membros.

De acordo com os Indicadores Estatsticos do Sistema Educativo do MERCOSUL, do

ano de 2006 (MERCOSUR EDUCATIVO, 2009), h uma diminuio gradativa do tempo de

permanncia dos alunos no sistema escolar. Os dados do Quadro 01 - Taxa de Escolarizao

lquida por idade: Brasil, Argentina e Uruguai - so provenientes das matrculas realizadas, e

com isto h possibilidades de distoro, ou seja, da realidade ser mais alarmante uma vez que

no tem por base os concluintes.

Pases 7-14 15-17 18-24Brasil 97,6 81,6 24.0

Argentina 103.9 80,8 27,5Uruguai 95,9 75,9 25,4

Quadro 01 - Taxa de escolarizao lquida por idade: Brasil, Argentina e U ruguai10 Fonte: M ER C O SU R E D U C A T IV O (2006)

A alta taxa na faixa de 7 a 14 anos pode vir a representar a obrigatoriedade respaldada

em Lei e tambm como critrio de participao nos programas sociais, como o caso do

Brasil. Porm, a diminuio gradativa das faixas etrias no sistema educacional legitima

tambm os dados levantados pela Organizao das Naes Unidas (ONU) (2007), na medida

que 80%) dos adultos so escolarizados, em nvel mdio, relegados do ensino superior que

privilgio de uma elite, na sua grande maioria, bem formada nas escolas particulares.

Todavia, historicamente, a preocupao com a formao dos professores para o ensino

fundamental chegou Amrica Latina somente em meados do sculo XIX, quando os pases

9 Taxa de Escolarizao Lquida - Indica o percentual da populao em determinada faixa etria que se encontra m atriculada no nvel de ensino adequado sua idade (M ER CO SUR E D U C A T IV O , 2006).10 Os valores superiores a 100 so devidos adequao dos nmeros das matrculas em idades escolares, ou prxim o a elas ou projeo da populao correspondente quelas idades. A faixa de 18 a 2 4 anos corresponde escolarizao em nvel superior (M ER CO SUR EDU CA TIVO , 2006).

16

conquistaram sua autonomia poltica das metrpoles (TRIVINOS; BRIGO; COLAO, 2003).

Pois, o educar poderia gerar possibilidades de pensar, desafiando o estabelecido pelas elites

dirigentes.

O saber nos d a possibilidade de sermos mais livres, pois a emancipao est

intimamente relacionada tambm com o processo de formao (MESZAROS, 2008). Ao ser

limitada a possibilidade de acesso ao saber, est sendo limitado o processo de formao, e as

pessoas esto sendo alienadas em sua forma de agir e de pensar. Este antagonismo nos d

indcios histricos das relaes que sustentaram a formao de professores de educao bsica

das escolas pblicas, que nunca foi uma das questes mais relevante da poltica educativa dos

pases da Amrica Latina.

As reformas educativas da Argentina, do Brasil e do Uruguai, implementadas pelas

leis n 26.206/06 - Lei de Educao Nacional (ARGENTINA, 2006) - , n. 9394/96 - Lei de

Diretrizes e Bases da Educao Nacional (BRASIL, 1996) - , e n. 18.437/08 - Lei Geral da

Educao (URUGUAI, 2009a) - , respectivamente, at o momento de efetivao desta

pesquisa, ainda no haviam conseguido romper com este antagonismo.

As reformas permanecem atendendo e sustentando os preceitos do capital, quando

imprimem uma formao de professores de educao bsica generalista, utpica, distante da

realidade concreta. Porm, no se pode negar a importncia de um Sistema e de uma Poltica

de formao docente em nvel nacional. O que venho a questionar em que bases concretas se

sustentaro esses Sistemas e a Poltica diante da realidade educativa dos Pases eni comento.

Os Lineamentos e as Diretrizes Curriculares da Argentina, do Brasil e do Uruguai

atuam como marco regulatrio do Sistema e da Poltica educacional desses pases. A forte

centralizao nos processos das definies dos currculos, por meio dos Lineamentos

Curriculares (no caso da Argentina11 e do Uruguai12) e das Diretrizes Curriculares (no caso do

Brasil13), possibilita conhecer que professores se deseja formar e como se deseja formar, por

meio de uma poltica que delimita parmetros e aes para o processo de formao de

professores de educao bsica.

O currculo o produto final dos lineamentos e das diretrizes curriculares; todavia,

diante da limitao de tempo e da complexidade do estudo do sistema educacional,

envolvendo trs pases, no foi possvel estud-lo. Entretanto, os lineamentos e as diretrizes

apresentam o marco regulatrio que possibilita conhecer, prioritariamente, como se organiza o

11 Argentina (2007c).12 Uruguai (2008c).13 Brasil (2006).

17

processo de formao de professores de educao bsica no sistema educacional dos pases

em estudo.

Neste estudo, por meio do estudo dos lineamentos e das diretrizes curriculares, destaco

alguns aspectos: a finalidade da formao prescrita em Lei, a carga horria expressa

necessria para a formao e a forma de organizao do processo de formao. Parto de uma

anlise ainda abstrata, onde destaco pontos comuns entre os Pases dos aspectos estudados,

respeitando o processo de historicidade, vivenciado em cada Pas. Para auxiliar o

desenvolvimento deste estudo, partirei de pesquisas sobre os documentos em tela j realizadas

e s quais tive acesso.

O ensino superior da Argentina, do Brasil e do Uruguai, caracteriza-se por ser binrio,

ou seja, universitrio e no universitrio. Historicamente, na Argentina, a formao de

professores de educao bsica realiza-se quase que exclusivamente nos institutos de

formao docente, de nvel superior, no universitrio e em algumas poucas universidades

espalhadas pelo Pas.

No Uruguai, a formao dos professores, ocorre exclusivamente nos institutos

superiores de formao docente, de nvel tercirio (superior) no universitrio, vinculados

Direo de Formao e Aperfeioamento Docente/Administrao Nacional de Educao

Pblica (ANEP).

J no Brasil, a formao de professores de educao bsica pode ocorrer, na modalidade

Normal (ensino mdio - curso de magistrio), ou em nvel superior: em curso de licenciatura, de

graduao, nos institutos superiores de educao (podendo estar vinculados ou no

universidade) e nas universidades.

Com o sistema binrio, no que tange a formao de professores de educao bsica, h

uma tendncia fragmentao de ofertas curriculares. No Uruguai, por exemplo, h uma

excessiva fragmentao de oferta curricular nos trinta e um institutos superiores de formao

docente, espalhados pelo Pas. H diferentes propostas curriculares superpostas e dificuldades

dos estudantes em transitar de uma modalidade para outra. Diante deste cenrio, sentiu-se a

necessidade de uma reforma educacional de modo a criar um Sistema nico Nacional de

Formao Docente.

Na Argentina, de acordo com Vior e Misuraca (2006), tambm ocorre essa

fragmentao no conjunto do sistema, com superposio de ttulos e desarticulao entre as

instituies das distintas Provncias. No Brasil, esse descompasso no processo de formao

tambm est presente uma vez que h professores que atuam na educao bsica com

formao em nvel mdio e h os que possuem formao em nvel superior, obtida ou nos

institutos superiores de educao, ou nas universidades.

Os Lineamentos e as Diretrizes Curriculares em nvel nacional trazem uma

centralidade no processo de formao dos professores de educao bsica, colocando o ensino

superior como eixo central deste processo de formao. Essa centralidade parte de uma

homogeneidade do processo de formao em nvel nacional, porm, no necessariamente em

ambiente universitrio.

1.1.1 Argentina: os lineamentos curriculares nacionais para a formao docente inicial

Na Argentina, a Lei n 26.206/06 (ARGENTINA, 2006), do Ministrio de Educao,

Cincia e Tecnologia, no seu art. 76, cria o Instituto Nacional de Formao Docente que, entre

outras funes, destaca a de promover polticas nacionais e formular os lineamentos bsicos

curriculares para a formao inicial e continuada dos docentes.

Por meio da Resoluo n 24/07, do Conselho Federal de Educao (ARGENTINA,

2007a), aprovado o novo lineamento curricular, que revoga, no art. 6o, o anterior. O

lineamento, de acordo com publicao do Ministrio da Educao (ARGENTINA, 2007c), foi14fruto de um trabalho de diretores e responsveis pela educao superior de cada jurisdio e

integrantes do Conselho Consultivo do Instituto Nacional de Formao Docente.

Este Lineamento tem o propsito de integrar o Sistema, assegurando nveis de

formao equivalente nas distintas Provncias, possibilitando maior articulao para facilitar a

mobilidade dos estudantes durante o processo de formao e assegurar o reconhecimento

nacional dos ttulos dos egressos (ARGENTINA, 2007c).

A Lei n 26.206/0615 (ARGENTINA, 2006), no seu art. 71, define que a formao

docente inicial tem a finalidade de:

preparar profissionais capazes de ensinar, gerar e transmitir conhecim entos e valores necessrios para a form ao integral das pessoas, o desenvolvim ento nacional e a construo de uma sociedade mais justa, e de prom over a construo de uma

14 A Argentina constitui-se, atualmente, de 23 Provncias (Estados) e da Cidade Autnom a de Buenos Aires, totalizando 24 Provncias, tam bm conhecidas com o jurisdies.15 [ . . .] preparar profesionales capaces de ensenar, generar y transmitir los conocim ientos y valores necesarios para la form acin integral de las personas, el desarrollo nacional y la construccin de una sociedad ms justa. Promover la construccin de una identidad docente basada en la autonom ia profesional, el vnculo con la cultura y la sociedad contem pornea, el trabajo en equipo, el com prom iso con la igualdad y la confianza en las posibilidades de aprendizaje de los/as alum nos/as (A R G E N T IN A , 2006 , p.28).

19

identidade docente baseada na autonomia profissional, o vnculo com as culturas e as sociedades contem porneas, o trabalho em equipe, o com prom isso com a igualdade e a confiana nas possibilidades de aprendizagem dos alunos.

A complexa finalidade da formao do professor proposta em Lei retomada nos

lineamentos que constituem um marco regulatrio dos currculos de formao docente para as

sries iniciais dos distintos nveis e modalidades do sistema educacional, alcanando as

Provncias por meio dos Institutos Superiores de Formao Docente e das Universidades que

realizam este tipo de formao.

H uma continuidade no delineamento da poltica educativa, embasada na valorizao

por competncia, que perpassa por nveis at a elaborao final do currculo. Os Lineamentos

estabelecem trs nveis: 1) regulamentao nacional, que define marcos, princpios, critrios e

formas de organizao dos currculos; 2) definio jurisdicional, por meio do

desenvolvimento de planos de formao nas Provncias a partir dos Lineamentos Curriculares

Nacionais; e, 3) definio institucional, elaborada pelos Institutos Superiores de Formao

Docente, que permite a definio de propostas e aes concretas locais (currculos).

A durao do curso de formao de professores de educao bsica alcana um

mnimo de 2.600 horas, durante quatro anos. Os distintos planos de estudo, de qualquer que

seja a especialidade ou modalidade, devero organizar-se em trs campos bsicos do

conhecimento:

a) Formao Geral: compreende entre 25% e 35% da carga horria total e

orienta-se em assegurar a compreenso dos fundamentos da profisso

(com uma slida formao humanstica), dotados de validez conceituai

e da necessria transferncia para a atuao profissional em contextos

socioculturais diferentes;

b) Formao Especfica: ocupa entre 50% e 60% da carga horria total.

Dever atender a anlise, a formulao e o desenvolvimento de

conhecimentos e estratgias de ao profissional para o nvel escolar

e/ou nas disciplinas de ensino para as que se forma; e

c) Formao em Prtica Profissional: compreende entre 15% e 25% e

integra conhecimento de outros campos, com nfase nos contedos de

formao especfica. orientada para a aprendizagem das capacidades

de atuao docente nas instituies educativas, por meio da

participao e incorporao progressiva desde o incio do processo de

formao, em distintos contextos socioeducativos.

20

De acordo com pesquisa realizada por Insaurralde (2008), comparando as reformas

educativas antes e depois dos 90, destacando os aspectos da finalidade da formao prescrita

em Lei, da carga horria expressa necessria para a formao e a forma de organizao do

processo de formao, se mantm: a formao por competncias, a concepo fragmentada

dos contedos, a viso personalista da formao dos professores e os campos de formao.

Por outro lado, houve um aumento da carga horria de 800 horas, na carga horria da

formao dos professores de educao primria. Na legislao que antecede o atual

Lineamento Curricular (ARGENTINA, 2007c). havia uma projeo de 1800 horas para a

formao de professores de educao primria e de 2800 horas para a educao secundria.

Havia uma diferena de 1000 horas, o que refletia a concepo que se tem do processo de

educao, ou seja, os professores de educao primria deveriam ter menos horas de formao

em comparao com os de educao secundria, destacando, assim, o baixo nvel de

valorizao da preparao dos professores e da prpria educao inicial bsica. Todavia, em

certo sentido, isso foi superado com o aumento da carga horria de acordo com o atual

Lineamento Curricular.

1.1.2 Uruguai: lineamento nacional de formao docente

No Uruguai a construo do Sistema nico Nacional de Formao Docente e do

Lineamento Curricular (URUGUAI, 2008) iniciou em 2005 e se consolidou em 2007, com a

participao de representantes da comunidade acadmica (professores, especialistas e

egressos). Metodologicamente o trabalho se efetivou por meio de comisses temticas: tronco

comum (ncleo de formao profissional comum); formao para o magistrio; formao

tcnico-tecnolgica; formao de professores; departamentalizao, investigao,

coordenao e extenso; e ps-graduao. Havia tambm a Comisso Central (Comisso

Zero), que atuou como ponte articuladora entre as diferentes comisses e subcomisses.

O grande desafio se constitua em pensar um Plano de Formao Inicial de Professores

no marco de um Sistema nico, que assegurasse uma mesma exigncia acadmica a todos os

21

que ingressassem na formao docente como veculo de consolidao da identidade

profissional16.

O Sistema nico Nacional de Formao Docente (URUGUAI, 2008) integra toda a

formao de educao bsica. O lineamento curricular se sustenta em um tronco comum

(ncleo de formao profissional comum), situando que a docncia uma profisso que em si

mesma tem um alto grau de especificidade, que integra uma complexidade de campos em seu

exerccio: a) saber o que ensinar (conhecimento especfico); b) saber como ensinar

(conhecimentos terico-prticos, pedaggicos e didticos); c) saber a quem ensinar (conhecer

a realidade dos alunos); e; d) saber para que se ensina (saber qual o projeto de homem e

cidado que a sociedade espera que a educao deve ajudar a desenvolver e preservar diante

do objetivo supremo da autonomia do sujeito).

O Ncleo de Formao Profissional Comum se desenvolve durante os quatro anos de

formao e busca a construo de uma identidade profissional - do "maestro", do professor e

do maestro tcnico - articulada com a formao disciplinar (especfica) e a didtica-prtica

docente.

Esta proposta de formao docente objetiva produzir rupturas dos esquemas que

mantm a concepo da formao em uma matriz normalista e avanar para uma matriz

crtica. Para tanto, estrutura-se por meio de trs dimenses que vo dar sustentao ao

processo de formao do professor:

a) dimenso socioprofissional: a projeo social da ao docente deve

repousar sobre um conhecimento profundo da realidade em que o

professor vive e das condies socioeconmicas e culturais do Pas. O

docente deve ser um observador atento do seu tempo e do seu espao;

b) dimenso acadmica: os institutos desenvolvero o ensino e a

investigao no mbito das prticas profissionais, de modo que a

formao pedaggica e didtica ocorra por meio da leitura crtica da

realidade educativa; e,

c) dimenso tica: formao de sujeitos autnomos, capazes de deliberar,

decidir e atuar; seres livres e, portanto, responsveis.

A distribuio da carga horria em horas-aula17 de docncia direta assim se estrutura:

16 N o sistem a educacional uruguaio h o maestro (que atua na educao primria), o professor (que atua na educao secundria) e o maestro tcnico ou professor (que atua na educao tcnica profissional) (U R U G U A I, 2008a).17 A s cargas horrias so com postas por horas sem anais m ensais de 45 minutos e distribudas em cursos anuais (U R U G U A I, 2008c).

22

a) ncleo profissional de formao comum - 48 horas/aula;

b) formao especfica do magistrio - 69 horas/aula; e,

c) formao especfica de professorado e tcnico tecnolgico (professor e

maestro tcnico) - em mdia de 78 horas/aula.

A prtica docente da formao de maestro de 1240 horas, distribudas nos quatro

anos de formao: primeiro - ano 40 horas/anuais; segundo e terceiro ano - 360 horas/anuais;

e quarto ano - 480 horas/anuais. O professor e o maestro tcnico, no primeiro ano, tm uma

prtica de observao e anlise da instituio educativa. No segundo, terceiro e quarto ano, a

prtica corresponde unidade didtica da prtica docente de cada especialidade.

De acordo com o tipo de formao, especialidade e ano que cursa o estudante, a carga

horria da prtica pode variar. Em mdia, a carga horria de trs horas semanais mensais,

durante 32 semanas por ano, implicaria em mdia 288 horas semanais mensais, ao longo de

todo curso.

Neste novo Lineamento, h avanos, destacando a possibilidade de integrao

sistemtica das diversas prticas presentes no Pas, a incluso da investigao e da extenso

na prtica docente, a possibilidade de formao em nvel de ps-graduao e a criao de

departamentos, caracterstica da estrutura universitria (URUGUAI, 2007).

Por outro lado, os professores destacam alguns pontos a considerar referentes ao novo

Lineamento Curricular: as diferenas sociais, econmicas e culturais presentes no Pas,

impedem a formulao de um programa nico de formao docente; o plano nico reduz os

tempos pedaggicos de 4500 horas/relgio distribudas em quatros anos a 2880 horas/relgio;

o ensino de ingls reduzido de 200 horas/relgio para 45 horas/relgio; e a carga horria das

aulas de informtica reduzida. Os professores tambm questionam a participao efetiva da

comunidade acadmica na elaborao do Lineamento Curricular, bem como a falta de

avaliao dos planos anteriores que impede colocar em marcha este novo plano de formao

docente (URUGUAI, 2007).

Outro ponto a destacar que a pesquisa, a investigao, vem com uma proposta

integradora ao processo de formao do professor. Todavia, por outro lado, o sistema de

contratao dos docentes, passa com este novo Plano da modalidade de cargos modalidade

de contratao por horas. Com isso h uma tendncia na viso dos professores, de limitar a

possibilidade concreta da realizao da investigao e da extenso diante da reduo da carga

horria (URUGUAI, 2007).

23

De acordo com o Plano de Formao Docente18 (URUGUAI. 2008, p.04), a finalidade

da formao do professor de educao bsica no Uruguai:

no deixa de lado o conhecim ento e a experincia acumulada do professor. Busca construir com os docentes, e seus saberes, e no sobre eles; no v a formao docente com o isolada das condies de trabalho dos maestros e professores em todoo sistem a educativo; no se em basa em uma concepo instrumental da formao docente pelo que no pontual e assistem tico, bem com o no se insere em uma estratgia a longo prazo; recupera a prtica com o um ncleo central da formao, com o espao privilegiado de aprendizagem; e. abandona o verticalism o nas propostas para horizontalizar a discusso.

Como na Argentina, a formao docente no Uruguai pode ocorrer tambm por meio

da educao distncia. Porm, h a possibilidade de esta formao ser semipresencial (o

ncleo comum presencial, as disciplinas especficas so a distncia e a prtica se realiza em

instituies de ensino mdio) ou semilivre (o ncleo comum presencial, e o estudante livre

para realizar as disciplinas especficas, na modalidade presencial ou semipresencial, em outro

Instituto).

A educao a distncia ocorre exclusivamente na lormao de proessores de

educao mdia, com a finalidade de assegurar a equidade de oportunidade aos que residem

no interior do Pas, com vistas a educar a populao no local onde vive e trabalha, com

possibilidades de diminuir a emigrao do campo para a cidade.

1.1.3 Brasil: diretrizes curriculares nacionais para o curso de pedagogia

Por meio do Decreto n 6.755, de 29 de janeiro de 2009, institui-se a primeira Poltica

Nacional de Formao de Professores da Educao Bsica, destinado aos professores de

escola pblica (BRASIL, 2009a). A meta para os cinco anos, a contar da promulgao do

Decreto, formar 330 mil professores que atuam na educao bsica e ainda no possuem a

graduao ou atuam em reas diferentes daquelas nas quais se formaram. Essa Poltica prev

18 no deja de lado el conocim iento y la experiencia acum ulados, busca construir con los docentes y sus saberes y no sobre ellos; no ve a la form acin docente com o aislada de las condiciones de trabajo de los maestros y profesores en todo el sistem a educativo; no se basa en una concepcin instrumental de la form acin docente porlo que no es puntual y asistem tica , sino que se inserta en una estrategia de largo plazo, recupera la prctica com o un ncleo central de la form acin, com o espacio privilegiado de aprendizaje; abandona el verticalism o enlas propuestas para horizontalizar la discusin (U R U G U A I, 2008c, p.04).19 H possibilidades da Poltica ora instituda de form ao docente, a partir de 2010, por m eio da Conferncia N acional de Educao, vir a ser um Sistem a N acional de Formao Docente, com o j ocorre no Uruguai e na

Argentina.

24

um regime de colaborao entre Unio, Estados e Municpios, com vistas elaborao de um

plano estratgico de formao inicial para os professores das escolas pblicas. A ao faz

parte do Plano de Desenvolvimento da Educao (PDE), em vigor no Brasil, desde abril de

2007 (BRASIL, 2007b).

Com a definio dessa Poltica, a formao dos professores de educao bsica em

nvel superior tornou-se uma meta nacional20. Em 2006, por meio da Resoluo CNE/CP n 1,

de 15 de maio de 2006 (BRASIL, 2006), foram institudas as Diretrizes Curriculares para os

Cursos de Graduao em Pedagogia, licenciatura, que definem os princpios, as condies de

ensino e de aprendizagem, os procedimentos a serem observados em seu planejamento e sua

avaliao, pelos rgos dos sistemas de ensino e pelas instituies de educao superior do

Pas.

Os trabalhos para a elaborao da citada Resoluo iniciaram em 2003, quando o

Conselho Nacional de Educao designou uma comisso bicameral, formada por conselheiros

da Cmara de Educao Superior e da Cmara de Educao Bsica. As Diretrizes se

originaram dos estudos da legislao pertinente ao assunto e de consultas s associaes

acadmico-cientficas, aos sindicatos e aos grupos de estudos que tm como objeto de

investigao a educao bsica e a formao dos profissionais que nela atuam.

A citada Resoluo prev uma adequao, no perodo de um ano, por meio da

elaborao de um projeto pedaggico, das instituies de ensino superior que mantm cursos

autorizados como Normal Superior e que pretendam transform-los em Cursos de Pedagogia.

No Brasil, ainda permanecem muitas escolas de ensino mdio que oerecem cursos normais,

bem como curso normal superior, constituindo um sistema binrio no processo de formao

dos professores de educao bsica: universitrio e no universitrio.

O professor formado segundo prescreve a citada Resoluo poder atuar na educao

infantil, nos anos iniciais do ensino fundamental, no curso de ensino mdio na modalidade

normal, ministrando as disciplinas pedaggicas, na educao profissional, na rea de servios

e apoio escolar, na gesto educacional e na produo e difuso do conhecimento cientfico e

tecnolgico do campo educacional.

A organizao do Curso de Pedagogia, de acordo com o Parecer CNE/CP n 5/05

(BRASIL, 2005b), deve constar de um ncleo de estudos bsicos, um de aprofundamento e

diversificao de estudos e outro de estudos integradores com vistas a propiciar, ao mesmo

20 N este artigo me aterei ao estudo das Diretrizes Curriculares para os Cursos de Graduao em Pedagogia (B R A SIL , 2006), em consonncia com a Poltica N acional de Formao D ocente, ciente de que cada m odalidade de ensino requer de Diretrizes Curriculares especficas.

25

tempo, a amplitude e a identidade institucional relativa formao do licenciado. Deve

compreender, alm das aulas e dos estudos individuais e coletivos, prticas de trabalho

pedaggico, atividades de monitoria, de estgio curricular, de pesquisa, de extenso, de

participao em eventos e em outras atividades acadmico-cientficas, que ampliem as

experincias dos alunos e consolidem a sua formao.

O Curso estruturado, conforme a Resoluo CNE/CP n 1/06 (BRASIL, 2006), em

seu art. 7o, com uma carga horria mnima de 3.200 horas de efetivo trabalho acadmico,

assim distribudas:

I - 2 .800 horas dedicadas s atividades form ativas com o assistncia a aulas, realizao de sem inrios, participao na realizao de pesquisas, consultas a bibliotecas e centros de docum entao, visitas a instituies educacionais e culturais, atividades prticas de diferente natureza, participao em grupos cooperativos de estudos;II - 300 horas dedicadas ao Estgio Supervisionado prioritariamente em Educao Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, contem plando tambm outras reas especficas, se for o caso, conform e o projeto pedaggico da instituio; e,III - 100 horas de atividades terico-prticas de aprofundamento em reas especficas de interesse dos alunos, por m eio da iniciao cientfica, da extenso e da m onitoria.

A finalidade da formao do professor de educao bsica sustenta-se em habilidades

e princpios com vistas profissionalizao do pedagogo (BRASIL, 2006, p.01),

Art. 3 o -T- O estudante de Pedagogia trabalhar com um repertrio de informaes e habilidades com posto por pluralidade de conhecim entos tericos e prticos, cuja consolidao ser proporcionada no exerccio da profisso, fundamentando-se em princpios de interdisciplinaridade, contextuaiizao, dem ocratizao, pertinncia e relevncia social, tica e sensibilidade afetiva e esttica.

Estudos realizados por Oyarzabal, Orth e Carrara (2008) e Trivinos (2008), sobre a

Resoluo CNE/CP n 1/06 (BRASIL, 2006), constatam que h uma tendncia aligeirada da

formao docente e generalista. Por outro lado, a complexidade proposta no processo de

formao, como a assimilao de conhecimentos expressos como os filosficos, por exemplo,

oriundos de cincias que exigem quatro ou cinco anos de estudo, traz a possibilidade concreta

de assimilao de conhecimentos fragmentados deste campo do conhecimento, como uma

iluso pedaggica, nas palavras de Trivinos. Adverte, tambm, que continuamos caindo em

um vazio social, quando fugimos da nossa realidade educacional para formular normas e

princpios pedaggicos (TRIVINOS, 2008).

26

1.1.4 Pontos comuns entre Argentina, Brasil e Uruguai nos lineamentos e nas diretrizes curriculares

A histria nos aponta que a Argentina, o Brasil e o Uruguai, na dcada de 90

incentivaram um processo de descentralizao da educao, desincumbindo o Estado, como

Nao, da responsabilidade da educao bsica, restando-lhe apenas o ensino superior, em

parceira com a iniciativa privada.

Essa descentralizao imposta na dcada de 90 contribui para a fragilidade21 das

escolas, em especial, as de educao bsica.

Esta retomada do Estado, como elo central ou integrador das aes referentes ao

processo de formao dos professores de educao bsica entre Estados, (Provncias) e

Municpios vem se materializando em trs constituintes: na criao dos Sistemas de Formao

Docente, na Argentina (2007), no Uruguai (2008c), e da Poltica Nacional para a Formao

Docente, no Brasil (2009a), e nos Lineamentos e nas Diretrizes Curriculares.

Esses Sistemas e a Poltica de Formao Docente apresentam alguns aspectos

positivos, na concepo de que o processo educacional responsabilidade do Estado, como

Nao. Todavia, mediante o estudo dos lineamentos e das diretrizes, concebo que h a iluso

de um processo democrtico, de insero social e de reforma.

Resgato o estudo de Mszros (2008, p.27) quando nos diz que [...] necessrio

romper com a lgica do capital se quisermos contemplar a criao de uma alternativa

significativamente diferente. E a lgica do capital, ainda permanece reproduzida como

quadro de referncias orientador dos citados Sistemas e Poltica, e, consequentemente, dos

Lineamentos e das Diretrizes em estudo, quando fortalece as desigualdades sociais.

Wood (2003, p.7) adverte que vivemos no embate da democracia contra o capitalismo.

Argumenta a autora que a democracia incompatvel com o capitalismo:

[...] incom patvel no apenas no carter bvio que o capitalism o representa o governo de classe pelo capital, mas tambm no sentido de que o capitalism o limita o poder do p ovo entendido no estrito significado poltico. N o existe um capitalism o governado pelo poder popular, no h capitalism o em que a vontade do povo tenha precedncia sobre os imperativos do lucro e da acum ulao, no h capitalism o em que as exigncias de m axim izao dos lucros no definam as condies m ais bsicas da vida.

Neste contexto, na sociedade capitalista que se manifesta pelas aes do Estado, h

mecanismos implcitos da democracia, que tendem a fazer desaparecer o entendimento da

21 Esta fragilidade nos dados do Relatrio do M ERCOSUL Educativo (M ERCO SUR E D U C A T IV O , 2006).

27

relao de explorao e de dominao, que irredutivelmente constitui a sociedade, no como

um defeito corrigvel, mas como uma dada situao natural. E esses mecanismos implcitos

da democracia" visivelmente se materializam nos documentos analisados na presente

pesquisa.

Para romper com esta lgica, seria necessrio ir essncia do fenmeno e no s

estabelecer aes apenas no formal, no aparente. Por exemplo, nos documentos analisados

constatei que o modo de conceber a formao docente e seu processo de organizao esto

distantes de uma realidade concreta. H um hiato, um vazio social que necessita ser

preenchido. H uma aparente mudana distante de uma realidade social concreta.

Conhecer esta realidade na totalidade no significa conhecer todos os fatos ou o

conjunto de fatos, de forma isolada. Essa realidade est sempre em movimento, no algo

petrificado. Ela faz parte de um contexto histrico. A concreticidade a totalidade de todos os

fatos. Neste contexto, a realidade na sua concreticidade essencialmente incognoscvel

(KOSIK, 1976).

Com base em Kosik (1976, p.40), o princpio metodolgico da investigao dialtica

da realidade social significa que cada fenmeno pode ser compreendido como momento do

todo. sob o ponto de vista da totalidade concreta. Isto :um fenm eno social um fato histrico na medida em que (SIC) exam inado com o m om ento de um determ inado todo; desem penha, portanto, uma funo dupla, a nica capaz de dele fazer efetivam ente um fato histrico: de um lado, definir a si m esm o, e de outro, definir o todo; ser ao m esm o tempo produtor e produto; ser revelador e ao m esm o tem po determinado; ser revelador e ao m esm o tem po decifrar a si m esm o; conquistar o prprio significado autntico e ao m esm o tem po conferir um sentido a algo mais! Esta recproca conexo e mediao da parte e do tdo significam um s tempo: os fatos isolados so abstraes, so mom entos artificiosam ente separados do todo, os quais s quando inseridos no todo correspondente adquirem verdade e concreticidade. D o m esm o modo, o todo de que no foram diferenciados e determ inados os m om entos um todo abstrato e vazio.

A realidade manifesta-se nos documentos analisados como momentos isolados,

tomando-se verdadeiras utopias pedaggicas em tomo da concepo e da forma de

organizao do processo de formao do professor, sem ao menos dar indcios sobre que

bases concretas estas podem se desenvolver. Esses documentos deixam transparecer o

desconhecimento das reais condies de trabalho do professor, da realidade escolar, do nvel

de formao bsica dos alunos que ingressam neste processo de formao, da fragmentao

deste processo, e das reais condies da sua realizao.

Esses documentos apresentam possibilidades que at podem ser transformadas em

realidade, porm necessitam de determinadas condies, que perpassam por um conjunto de

fatores imprescindveis realizao destas possibilidades.

28

Outro ponto comum geral nos Lineamentos e nas Diretrizes em estudo, tanto no

aspecto da finalidade expressa sobre o processo de formao, como no modo de organizao,

um alto nvel de homogeneidade nas aes e nos pressupostos do processo de formao dos

professores de educao bsica o que revela o desconhecimento da constituio de uma

sociedade estruturada por classes hegemnicas. Ou seja, prope-se uma formao homognea

para uma sociedade heterognica, constituda por classes sociais.

Por outro lado, tais documentos parecem desconhecer a realidade dos alunos que se

propem a realizar este processo de formao. Tero, esses alunos, as condies necessrias

de tempo e de formao bsica para realizarem este curso? Pois, preparar profissionais

capazes de ensinar, gerar e transmitir conhecimentos e valores necessrios para a formao

integral das pessoas como almeja a Argentina (2007c); ou situar a docncia como uma

profisso com alto grau de especificidade e complexidade, por meio do domnio de saberes e

dimenses como pressupe o Uruguai (2008); e, mesmo o Brasil (2006) que fundamenta o

exerccio da profisso nos princpios da interdisciplinaridade, da contextuaizao, da

democratizao, da pertinncia e da relevncia social, da tica e da sensibilidade afetiva e da

esttica, requer necessariamente que se conheam as relaes que medeiam a realidade

educacional, caso contrrio, nega-se a possibilidade de realizao do processo. Passam a ser

apenas palavras ao vento, diante de uma crua realidade.

De acordo com Cheptulin (2004, p.337), do ponto de vista do materialismo dialtico,

a realidade o que existe realmente e a possibilidade o [que se pode produzir] quando as

condies so propcias.

Isto , a possibilidade um momento da realidade, a realidade em potencial, porm

diante de determinadas condies. Resgatando os estudos j realizados dos documentos em

anlise, notrio que estes, no seu processo de elaborao, no partiram de uma realidade

concreta. No partiram da realidade dos professores, das escolas. Por exemplo, no Brasil a

formao dos professores de educao bsica das escolas pblicas vem ocorrendo quase que

exclusivamente por meio da educao distncia . Como formar este profissional, sendo que

muitos dos professores atuantes na educao bsica tm srios problemas de formao, que se

refletem na escrita e na formulao de problemas bsicos matemticos, por exemplo? Como

formar por meio de contedos se ainda no dominam as disciplinas mais bsicas.

22 V ide item 1.1.1 - Argentina: os lineam entos curriculares nacionais para a form ao docente inicial, 1.1.2 Uruguai: lineam ento nacional de form ao docente; e, 1.1.3 - Brasil: diretrizes curriculares nacionais para o

curso de pedagogia.22 V ide Plataforma Freire (2009).

29

Na Argentina, a situao no diferente. Os formadores de formadores, que atuam nos

Institutos de Formao Docentes, so conhecidos como "professores txis . Correm de um

Instituto a outro, de uma escola a outra, pois no possuem um plano de carreira e condies

dignas de trabalho. Suas condies de trabalho so similares s dos docentes de escolas

secundrias. Suas designaes e remuneraes so por horas de trabalho e no por cargos, o

que os obriga ao desempenho de condies de sub-emprego e a falta de especializao

(MISURACA, 2008).

No Uruguai, a contratao tambm por horas de trabalho. A grande maioria dos

professores tem o mximo da carga horria permitida, a fim de garantir um salrio que lhes

assegure condies mnimas de sobrevivncia. Na formulao desses documentos, h

ausncia de diagnstico da realidade, de forma a realmente superar o processo formativo do

professor.Alm de estes documentos deixarem transparecer uma ausncia de conhecimento da

realidade, pode-se destacar a busca de um profissionalismo como uma meta comum. Por um

lado h um notrio distanciamento da realidade educacional e, de outro, se situa a necessidade

de formar um profissional que vai interagir nesta mesma realidade.

Contreras (2002) desenvolveu um estudo sobre a autonomia dos professores no qual

situa que a autonomia do professor, entre outros fatores, passa pelo processo de

profissionalizao que, historicamente, vem sendo delineado em sintonia com os propsitos

do Estado delimitando aes norteadoras que professores querem propor sociedade.

De acordo com os estudos em comento, a intencionalidade da profissionalizao

docente nas reformas educacionais tem sido utilizada para introduzir sistemas de

racionalizao no ensino, homogeneizando a prtica docente, como a perda da autonomia dos

professores e o banimento da efetiva participao social na educao cada vez mais

justificado como de decises de profissionais.

Esses profissionais so pedagogos, especialistas que, no processo de formao,

diferenciam-se dos professores que no tm uma formao especializada, geralmente

realizada em universidade. Diferenciando-se das demais profisses, a especializao, a

qualificao dos professores possibilita uma hierarquizao dentro do mesmo campo

profissional.' Ou seja, os profissionais formados em universidade, por exemplo, ou os

especialistas, possuem diferentes prestgios e influncia social, e diferenciam-se dos

professores no universitrios, ou daqueles que no so formados em universidades. Estes

ltimos ocupam uma posio socialmente subordinada na comunidade acadmica.

30

Segundo Contreras (2002, p.63), em princpio, isso est em consonncia com a prpria

histria de desenvolvimento dos sistemas educacionais:

conform e foram sendo desenvolvidas as prticas institucionalizadas da educao, surgiam, corpos administrativos de controle sobre a atuao dos professores e se institucionalizou sua form ao para controlar as caractersticas sob as quais desenvolveriam seu trabalho. Portanto, a formao dos docentes no surge com o um processo de controle interno estabelecido pelo prprio grupo, mas controle estabelecido pelo Estado.

Os professores, geralmente de escolas bsicas, efetivamente pouco participam da

elaborao, por exemplo, dos lineamentos e das diretrizes curriculares. Esto alheios a este

processo, hierarquicamente. Os especialistas so a voz destes professores, mais, muitas vezes,

desconhecem a realidade educacional que envolve os professores de escolas de educao

bsica. Em conjunto com as polticas do Estado, os especialistas definem o mbito curricular,

fixam os procedimentos de colaborao, organizam a sequncia de aes e prestao de

contas a fim de os professores desenvolverem profissionalmente o seu trabalho. Esta

profissionalizao uma orma de garantir uma maior qualificao, sem discutir os limites de

atuao do professor. Traduz-se em um bem social, na sutil obteno da fidelidade do

professor a sua funo social.

Mas tudo isto ocorre em um clima aparentemente democrtico, onde as estruturas de

racionalizao no podem ser abandonadas e tm sistemas de controle de resultados

delineados e definidos, como forma de dar alento ao trabalho de colaborao nas escolas que

incorporam o professor e sua lealdade, considerando apenas relevantes aquelas necessidades

de desenvolvimento profissional que se encaixam nas metas nacionais. O dito

profissionalismo vai ao encontro dos propsitos do Estado.

De acordo com Contreras (2002), a escola representa um espao que projeta, de forma

contraditria e conflituosa, diferentes pretenses e aspiraes, tanto culturais como

econmicas e sociais. Por tanto, neste contexto, o trabalho do professor no pode ser

compreendido margem das condies sociopolticas que do credibilidade prpria

instituio escolar.

Isto posto, a formao do professor de educao bsica produto e produtora dos

princpios legitimadores do Estado. Em todos os documentos analisados h registro da

participao de representantes da comunidade acadmica, mas contraditoriamente h um

distanciamento da realidade educacional. Este fato indica que a participao dos professores

no efetiva, e se perpetua uma sustentabilidade do sistema, distanciando o professor de um

real processo de slida formao, que efetivamente possa mudar esta sua realidade.

Antagnica' nente, h, nos documentos analisados, uma convergncia em conceber a

formao do professor como uma prtica social mediada por relaes sociais. Se a formao

uma prtica social mediada por relaes sociais, ela no pode estar eetivamente dissociada de

uma realidade social concreta, que lhe possibilite condies de realiz-la. Nega-se a

possibilidade concreta da formao quando ela est dissociada das condies concretas de

realizao, diante, por exemplo, da jornada de trabalho destes professores, da ausncia de um

plano de carreira com condies dignas de formao. Ao mesmo tempo em que se conclama

uma formao como prtica social, nega-se esta prtica diante das condies de acesso ao

processo de formao concebido e de permanncia nesse mesmo processo.

Os Lineamentos e as Diretrizes apontam para a exigncia da formao em nvel

superior para todos os professores que trabalham na formao em todas as etapas do ensino,

com caractersticas tpicas da universidade, como por exemplo, as atividades de ensino, de

pesquisa e de extenso. Porm, os trs Pases sustentam um sistema binrio superior:

universitrio e no universitrio, em atendimento as manifestaes sociais, polticas e

econmicas do processo histrico da formao dos professores de educao bsica,

distanciando-a da universidade.

Alm da formao presencial, tambm fomentam a formao a distncia como uma

possibilidade de formao de professores. Diante dos documentos analisados, apenas o

Uruguai (URUGUAI, 2008c) apresenta uma proposta mais concreta de formao distncia.

Situo a educao a distncia como uma ferramenta metodolgica, se acompanhada de uma

slida e freqente assessoria presencial. Caso contrrio, um claro processo de agilidade de

titulaes distante do real processo de formao docente.

inegvel que as Diretrizes e os Lineamentos, por meio dos Sistemas e da Poltica,

apresentam uma linguagem crtica, respaldada em teorias crticas clssicas, apontadas pela

literatura, at por que os atuais governos dos pases em estudo manifestam-se verbalmente

contra o neoliberalismo. Prticas de insero social so notoriamente difundidas nesses pases,

porm, como salienta Insaurralde (2008), h uma mscara que encobre a lgica perversa de

sustentabilidade do atual modo de produo.

Enfim, inegvel a relevncia de polticas em nvel nacional de desenvolvimento da

formao dos professores de educao bsica. Para tanto, faz-se necessrio que o fundamento

que sustenta seus princpios possa ser alcanvel e realizvel; que o professor efetivamente

tenha o direito de acesso a um bom nvel de formao, com slidos elementos na construo

do seu saber, para que efetivamente possa romper com o simplesmente transmitir, reproduzir.

32

No interior do processo de formao, as mesmas diretrizes (lineamentos) que o

sustentam negam esta formao quando ignoram as condies reais de sua realizao. Ao

passo que ao mesmo tempo em que o Estado conclama um sistema nacional ou define uma

poltica nacional e no propicia condies concretas de acesso e de permanncias dos

professores neste processo de formao, ele nega a materializao destes Sistemas, desta

Poltica. Neste contexto, no h um avano e sim uma sustentabilidade e perpetuao da

precria situao da formao dos professores de educao bsica, nos pases em comento,

por meio de uma reforma gradual e distante de uma realidade concreta.

Os Lineamentos e as Diretrizes em estudo esto sustentados, como j mencionei, por

legislaes resultantes de um processo de reforma educacional que iniciou na Argentina, no

Brasil e no Uruguai, a partir dos anos 90 e incio do sculo XXI.

Na prxima seo: 1.2 - As polticas pblicas e as polticas pblicas educacionais no

processo de formao dos professores de educao bsica na Argentina, no Brasil e no

Uruguai - analisarei as relaes mediadas entre o Estado e a sociedade diante do processo

historicamente constitudo das Leis que sustentam a formao dos professores de educao

bsica nos pases em estudo.

1.2 AS POLTICAS PBLICAS E AS POLTICAS PBLICAS EDUCACIONAIS NO

PROCESSO DE FORMAO DOS PROFESSORES DE EDUCAO BSICA NA

ARGENTINA, NO BRASIL E NO URUGUAI

Nesta parte do Relatrio, analiso algumas relaes que medeiam as polticas pblicas

como determinantes das polticas pblicas educacionais. Destaco, a partir deste contexto, as

relaes mediadas entre o Estado e a Sociedade, a Educao e o Trabalho no processo de

desenvolvimento da formao do professor de educao bsica. Para a anlise dessas relaes,

parto do que disponho de mais concreto, ou seja, as Leis Educacionais em esfera nacional que

do sustentao aos Lineamentos Curriculares, no caso da Argentina (2007c) e do Uruguai

(2008c) e s Diretrizes Curriculares, no caso do Brasil (2006). Analiso em que contextos

histricos estas Leis foram elaboradas, como se deu a participao da comunidade acadmica

na proposta de elaborao das Leis e quais as implicaes no processo de formao dos

professores de educao bsica e na construo dos sistemas educacionais vigente.

'1 +

34

A histria no seno a sucesso das diversas geraes, cada uma das quais explora os materiais, capitais, foras de produo que lhe so legados por todas as que a precederam, e que por isso continua, portanto, por um lado, em circunstncias com pletam ente mudadas, a atividade transmitida, e por outro lado m odifica as velhas circunstncias com uma atividade com pletam ente mudada, o que permite a distoro especulativa de fazer da histria posterior o objetivo da anterior [...].

A inquietao primeira deste estudo compreender historicamente por que a formao

dos professores de educao bsica est situada essencialmente em nvel superior, porm

distante da universidade, como no caso da Argentina, do Brasil e do Uruguai.

1.2.1 Brasil: Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional - Lei n 9.394/96

Dentre os pases em estudo, no processo histrico da formao dos professores de

educao bsica, o Brasil esteve mais prximo das universidades. Porm, a grande maioria

dos professores que atuam como professores de educao bsica, tiveram sua formao

inicial, e alguns casos ainda persiste, em nvel mdio, nas Escolas Normais.

A atual Lei n 9.394/96 (BRASIL, 1996) foi gestada no Brasil na dcada da

desertificao social e poltica neoliberaf, como aponta Antunes (2005). No que tange

formao de professores de educao bsica, nos art. 62 e 63 da citada Lei, reside a criao

dos Institutos Superiores de Educao (ISE), como uma alternativa s universidades.

A criao de tais Institutos tem claras perspectivas e finalidades lucrativas. De acordo

com Saviani (2003), a administrao do Ministrio da Educao e Cultura (MEC) poca, em

consonncia com a avaliao dos organismos internacionais, desacreditava na universidade,

essencialmente na universidade pblica, alegando que contribua muito pouco com os

sistemas estaduais e municipais de ensino essencialmente no que se refere formao de

professores.

Esta avaliao historicamente se elucida nos anos 90, com o auge das polticas

pblicas neoliberais, fortemente apoiadas pelo Governo poca24, que determinavam, e ainda

delimitam, as polticas pblicas educacionais. Concretamente, a partir dessa dcada, houve

um comprometimento da subsistncia do espao pblico da universidade federal em favor da

ampliao do espao privado, a subsistncia da sua identidade como instituio social, bem

24 O neoliberalism o foi iniciado no Brasil, por m eio do governo de Fernando Collor de M ello (eleito em 1989 e em possado em 1990) e depois sedim entado no governo de Fernando Flenrique Cardoso (1994 a 2002) (A N T U N E S , 2005 ).

35

como, o incremento do processo de mercantilizao do trabalho acadmico e da

potencializao do processo de proletarizao acadmica do professor universitrio.

A poltica pblica governamental brasileira estava, desde aquela poca, em uma clara

sintonia com organismos internacionais como o Banco Mundial (BM), que gradativamente

restringiam os espaos pblicos, no s no campo educacional, mas tambm em outras reas,

como, por exemplo, na rea previdenciria, tributria e social em geral, legitimando a

ampliao dos espaos privados, que perpassam pelos princpios fundamentais do

neoliberalismo.

Como um forte divulgador das ideologias do sistema poltico neoliberal,

essencialmente na dcada de 90, o Banco Mundial orientava os pases do Terceiro N4undo a

investirem na educao bsica, como requisito necessrio ao mercado de trabalho, relegando

o ensino superior iniciativa privada. Com isso, gradativamente o acesso ao ensino superior

vai se tomando mais elitizado, pois os alunos de educao bsica da escola pblica, quando

conseguem ir at o final desse ciclo, no dispem, na sua grande maioria, de condies para

enfrentar o vestibular de uma universidade pblica, no esto destinados a ela. A maioria dos

alunos so excludos da seleo de ingresso na universidade pblica e buscam a formao

universitria em instituies particulares que oferecem um acesso mais democrtico , no

sentido de rpida insero.

Esse acesso, com critrios muitas vezes acrticos, legitima as instituies de ensino

superior particulares, na sociedade neoliberal, reservando a universidade pblica aos filhos da

alta classe mdia e da burguesia, formados nas boas escolas particulares, que se tomam os

principais usurios da universidade pblica federal, deformada e distorcida em seu sentido de

instituio social23 (CHAU, 2001).

Em contrapartida, o Banco Mundial considera a instituio universidade importante

para o desenvolvimento econmico e social, porm avalia que as universidades pblicas do

Terceiro Mundo so ineficientes e dispendiosas, com retomo financeiro muito baixo, se

comparado aos investimentos realizados, fato este que estimula a privatizao (DIAS

SOBRINHO, 2000).

A Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura (UNESCO),

que at a dcada de 80 auxiliava no processo de orientao do plano internacional de

educao, hoje tem sua interferncia em um ambiente limitadssimo diante das intervenes

25 Corroboro com Chau (2009 ) ao conceber que a universidade uma instituio social, essencialm ente pela sua autonom ia intelectual, podendo relacionar-se com a sociedade e com o Estado de maneira contraditria, ou seja: ao m esm o tem po conflituosa e harmnica; legitimadora e opositora; questionadora e redentora.

36

do Banco Mundial. Em 1995, ela lanou um documento que contribui em linhas gerais para o

ensino superior, mas tem pouca abrangncia diante da supremacia econmica que incide sobre

a poltica educacional.

De acordo com Dias Sobrinho (2000), nesse documento a UNESCO aponta as

dificuldades e deficincias da educao superior, porm, ao contrrio do Banco Mundial, suas

orientaes so construdas sobre o princpio da importncia do ensino superior como parte

essencial do amplo processo de constituio e transformao da sociedade contempornea.

Este caminhar das polticas pblicas educacionais acompanhou o movimento

reformista presente na Amrica Latina, estimuladas e orientadas tambm pelos organismos

internacionais. Com um diagnstico pautado em estudos locais, em um caminho nico de

causa e efeito, difundidos como universais, essas reformas massificavam, por meio de

orientaes homogeneizantes, os problemas e as respostas para o que situam como a crise da

educao". Dentre as causas destaca-se a inadequada formao dos professores.

H um desmonte do papel do Estado como Nao, com forte incidncia sobre sua

descentralizao, fazendo prevalecer a supremacia do mercado. A relao educao e

trabalho, a partir da dcada de 90, deixa de ser uma questo social e passa a ser tratada como

bem de mercado (BRIGO, 2003).

Como adverte Bazzo (2006), os princpios da competncia, da profissionalizao, da

racionalidade tcnica, da eficincia e da eficcia, sob a influncia do pragmatismo,

transformam-se nas justificativas centrais das reformas apregoadas pelas polticas pblicas

para a educao nessa dcada. Todavia, ressalvadas as particularidades de cada contexto

socioeconmico, poltico e cultural, dos pases, as reformas educacionais apresentam entre si

muitas semelhanas e importantes convergncias, recebendo, dessa forma, um carter global.

No se pode deixar de mencionar que a tramitao do projeto da Lei n 9.394/96

(BRASIL, 1996) no foi tranqila e tampouco esteve imune s inmeras disputas polticas e

aos distintos interesses dos setores ligados educao. Foram oito longos anos at que a Lei

fosse aprovada de forma controversa e conturbada.

De acordo com estudos realizados sobre a elaborao e tramitao da Lei (SAVIANI,

2003), houve um notrio atropelamento do processo democrtico, desconsiderando toda uma

sequncia d debates que vinham sendo conduzidos de forma indita no Pas, que contava

com ampla participao da comunidade acadmica.

H, por outro lado, alguns avanos com a promulgao da Lei, no contexto

educacional brasileiro (SAVIANI, 2003). Pode-se situ-los contextuaiizando o objeto deste

estudo, a integrao da educao infantil e do ensino mdio como etapas da educao bsica.

37

Porm, com a criao dos Institutos Superiores de Educao, transparece a no importncia da

formao do professor de educao bsica na poltica pblica educacional brasileira,

constituindo a prpria formao do professor num mercado aberto iniciativa privada como

mercadoria e espao de produo.

A formao do professor, delegada aos Institutos Superiores de Educao, alm de

potencializar o processo de privatizao da educao superior, priva o professor do acesso

pesquisa e extenso, atividades tpicas da universidade.

Na nova Poltica Nacional de Formao de Profissionais do Magistrio da Educao

Bsica (BRASIL, 2009a) e em muitos momentos nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o

Curso de Graduao em Pedagogia (BRASIL, 2006), h a presena clara da intencionalidade

que na formao dos professores de educao bsica, estejam presentes a indissociabilidade

do ensino, da pesquisa e da extenso, atividades tpicas da universidade. Por outro lado, ao

mesmo tempo, h uma generalidade na referncia ao local onde deve ser realizada esta

formao, distanciando, assim, as possibilidades concretas de incrementar aes para que esta

ocorra efetivamente na universidade.

Mais uma vez a universidade, essencialmente a universidade pblica, distancia-se da

responsabilidade da formao dos professores de educao bsica, sendo possibilitada esta

formao s demais instituies de ensino superior, que no tm a obrigatoriedade legal de

desenvolver o ensino, a pesquisa e a extenso, atividades tpicas da universidade. No processo

brasileiro de formao de professores de educao bsica, a histria sucede, sem rupturas,

sem um salto real qualitativo.

1.2.2 Argentina: Lei de Educao Nacional - Lei n 26.206/06

O discurso da transformao educativa, na dcada de 90, na Argentina, igualmente

como no Brasil, no campo da formao de professores, foi sustentado por aes norteadas

pelos princpios da racionalidade, da qualidade, da eficincia, da eficcia, do individualismo e

da competitividade.

Na dcada de 90, a minimizao do papel do Estado, como Nao, no processo de

desenvolvimento da educao, essencialmente no processo da formao dos professores

respaldada pela Lei n 24.049/92 (ARGENTINA, 1992), que estabelece as transferncias das

Escolas Nacionai:-'as Provncias, pela Lei n 24.195/93 (ARGENTINA, 1993) - Lei Federal

de Educao - e pela Lei n 24.521/94 (ARGENTINA, 1994) - Lei da Educao Superior.

Neste perodo houve um movimento antagnico de descentralizao e centralizao

das aes do Estado no processo de formao dos professores. De acordo com pesquisas

realizadas por Misuraca (2008), a descentralizao foi caracterizada pela transferncia da

responsabilidade financeira e acadmica da Nao s Provncias - Lei n 24.049/92

(ARGENTINA, 1992). E a busca da centralizao foi acompanhada por mecanismos de

controle por parte do Estado, avaliando e credenciando os institutos de formao docente

espalhados pelo Pas - Lei n n 24.195/93 (ARGENTINA, 1993) - Lei Federal de Educao.

Com prazo e metas estabelecidas, imbudos no princpio da racionalidade, os institutos

de formao docente elaboravam projetos educativos institucionais, cujos resultados estavam

sujeitos ao controle e ao processo de avaliao centralizadora e disciplinadora pelo Estado

como requisito bsico para o credenciamento, restando trs possibilidades objetivas aos

institutos: o credenciamento, o fechamento ou a reconverso dessas instituies em outras

carreiras da docncia, colocando em risco o emprego do professor.

Neste contexto, os institutos de formao docente ficaram responsveis pela sua

prpria sobrevivncia, sendo compelidos a atender s determinaes nacionais de

credenciamento para sua atuao. Das exigncias que necessitavam cumprir, sem condies

reais concretas para tal, destaco: a incluso, em suas aes, alm do ensino, (tendo como eixo

norteador os Contedos Bsicos Comuns) (ARGENTINA, 1996), do desenvolvimento da

pesquisa (por meio dos Projetos Educativos Institucionais com o estabelecimento de convnio

com outras instituies em busca de financiamento) e da extenso (que se caracterizava pela

capacitao dos professores).

A complexidade das relaes de mediaes do processo de credenciamento, sustentada

pela poltica neoliberal de aplicabilidade de um mtodo nico, sem considerar as condies

pr-existentes, manifestava-se pela racionalizao da oferta de formao, pela mercantilizao

da capacitao docente e pela incluso obrigatria e controlada dos Contedos Bsicos

Comuns (ARGENTINA, 1996) nos currculos (MISURACA, 2003).

O continusmo da concepo normativa de resgatar o papel do Estado no contexto

educacional, com ausncia de diagnstico da realidade, e a negativa de debater propostas que

venham a superar a realidade formativa dos docentes, de acordo com Vior (2008),

possibilitam afirmar que a Lei n 26.206/06 (ARGENTINA, 2006) se constitui em uma

reforma administrativa de segunda gerao.

39

Essa Lei apresenta um discurso renovado da retrica neoliberal da dcada de 90, com

referncia ao pluralismo, transversalidade e autonomia profissional. Todavia, o papel

centralizador do Estado se mantm por meio de acordos polticos e financeiros com as

Provncias, e tambm por meio da criao do Instituto Nacional de Formao Docente. Este

rgo responsvel pelo desenvolvimento das polticas educacionais do Estado, em

articulao com as Provncias, para a formao docente, situado como unidade oficial do

credenciamento dos Institutos de Formao Docente.

De acordo com Vior (2008), a citada Lei foi sancionada com notria ausncia de um

diagnstico das condies reais em que vive o sistema educacional argentino. No foram

considerados os vrios projetos apresentados ao Parlamento entre 2003 e 2006, com o

objetivo de efetuar um diagnstico do sistema para posterior elaborao de um projeto de lei,

e propor modificaes a aspectos essenciais da Lei Federal de Educao da dcada de 90

(ARGENTINA, 1993).

Por meio da atual Lei de Educao Nacional (ARGENTINA, 2006), reedita-se a

submisso do processo de formao do professor ao poder ideolgico do Estado, debilitado

pelos mecanismos de participao, que constituem um dos obstculos para efetivamente

superar o processo formativo dos professores sem um espao real de dilogo com a

comunidade acadmica.

1.2.3 Uruguai: Lei Geral de Educao - Lei n 18.437/08

O Uruguai, diferentemente do Brasil e da Argentina, destaca-se pela organizao e

conduo do sistema educacional que se estrutura por rgos autnomos com forte

participao de conselhos e comisses integradas. Esses rgos so ouvidos e participam da

dinmica educacional do Pas, porm em esferas distintas26.

A nova Lei Geral da Educao do Uruguai - Lei n 18.437/08 (URUGUAI, 2009a) ,

foi sancionada em dezembro de 2008, aps seis meses apenas de trmite no Parlamento. De

acordo com o Projeto Geral da citada Lei (URUGUAI, 2008b), o governo se comprometeu

que esta fosse fruto de um amplo debate promovido pelos trs rgos autnomos que do

26 V ide Titulo 111 - Sistem a N acional de Educao Pblica - Lei n 18.437/08 (U R U G U A I, 2009a).27 D e acordo com N orbis (2009), na ordem poltica ideolgica, a nova Lei produto do primeiro governo de esquerda na histria do Uruguai.

40

sustentao ao sistema educacional uruguaio: o Ministrio de Educao e Cultura (MEC), a

Administrao Nacional de Educao Pblica (ANEP) e a Universidad de la Repblica

(UdelaR). Alm de representantes desses rgos, participaram do deba