universidade federal do rio grande do norte … · trabalho de conclusão de curso apresentado à...
TRANSCRIPT
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO SERIDÓ
CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO
MARA REJANE DA SILVA FREIRE
O CARTEL E A DIFICULDADE DE COMPROVAÇÃO DE SUA EXISTÊNCIA: POR
UMA ANÁLISE DA CONJUNTURA ECONÔMICA COMO MEIO PROBATÓRIO
CAICÓ – RN
2016
MARA REJANE DA SILVA FREIRE
O CARTEL E A DIFICULDADE DE COMPROVAÇÃO DE SUA EXISTÊNCIA: POR
UMA ANÁLISE DA CONJUNTURA ECONÔMICA COMO MEIO PROBATÓRIO
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
como requisito para obtenção do título de
bacharel no curso de Direito.
Orientador: Prof. Me. Thomas Kefas de Souza
Dantas.
CAICÓ – RN
2016
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO SERIDÓ
CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO
O presente trabalho de conclusão de curso " O CARTEL E A DIFICULDADE DE
COMPROVAÇÃO DE SUA EXISTÊNCIA: POR UMA ANÁLISE DA CONJUNTURA
ECONÔMICA COMO MEIO PROBATÓRIO", de autoria da graduanda Mara Rejane
da Silva Freire, foi avaliado e aprovada pela Comissão Examinadora formada pelos
professores:
COMISSÃO EXAMINADORA
___________________________________________________________________________
Prof. M.Sc. Thomas Kefas de Souza Dantas
Presidente
__________________________________________________________________________________
Profª. Esp. Ana Marília Dutra Ferreira da Silva
Membro
__________________________________________________________________________________
Profª. Esp. Luísa Medeiros de Brito
Membro
Caicó/RN, ______ de _______________ de 2016.
FREIRE, Mara Rejane da Silva. O cartel e a dificuldade de comprovação de sua
existência: por uma análise da conjuntura econômica como meio probatório. 2016. 25 fls.
Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) - Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, Caicó, 2016.
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo provar a existência da prática de cartel. É sabido que a
caracterização da prática do crime de cartel é de difícil comprovação. Destaca-se que tal delito
é de grande ofensa aos princípios norteadores da Ordem Econômica previstos na atual
Constituição Federal. Como fonte de pesquisa foi realizada uma análise bibliográfica do
direito econômico pátrio e das leis de proteção à Ordem Econômica, fazendo uso do método
hipotético - dedutivo na busca de outras formas de provar a configuração do crime de cartel
distintas das previstas em tais leis. Atualmente, existe o Acordo de Leniência que, além de
servir como prova para a existência da prática do cartel, serve também para comprovação de
práticas de outros delitos. Constatou-se que a obtenção de lucros abusivos na fixação de
preços de determinados produtos ou serviços, configura lesão a um público específico ou a
toda coletividade. Assim sendo, percebeu-se que a prática de determinados grupos de
empresários, na busca de lucros abusivos, é um indicador da existência da prática do crime de
cartel.
PALAVRAS CHAVE: Cartel; Lucros Abusivos; Ordem Econômica.
FREIRE, Mara Rejane da Silva Freire. O cartel e a dificuldade de comprovação de sua
existência: por uma análise da conjuntura econômica como meio probatório. 2016. 25 fls.
Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) - Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, Caicó, 2016.
ABSTRACT
This study aims to prove the existence of cartel conduct. It is known that the characterization
of the cartel crime practice is difficult to prove. It is noteworthy that such an offense is a great
offense to the guiding principles of economic order provided for in the Federal Constitution.
As a source of research was carried out a literature review of paternal economic law and
protection laws Economic Order, using the hypothetical method - deductive in the search for
other ways to prove the crime configuration distinct cartel provided in such laws. Currently,
there is a leniency agreement that, in addition to serving as evidence for the existence of the
cartel's practice also serves to prove practices of other crimes. It was found that getting
profiteering in pricing of certain products or services, configure injury to a specific public or
the whole community. Therefore, it was realized that the practice of certain groups of
entrepreneurs in search of profiteering, is an indicator of the existence of the cartel crime
practice.
KEYWORDS: cartel; profiteering; economic order.
A minha amada mãe – Zeuda Freire-, razão do meu esforço.
A minha querida – Édla Maria-, por me incentivar nos momentos mais difíceis.
Ao meu orientador – Thomas Kefas – por ter acreditado na realização desse trabalho.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO 8
2 CONCEITO DE ORDEM ECONÔMICA 9
2.1 PODER SOBERANO COMO JUSTIFICATIVA PARA A REGULAÇÃO
ECONÔMICA 10
2.2 A NECESSIDADE DE UM ESTADO INTERVENTOR 11
2.3 PODER ECONÔMICO E SEU EXERCÍCIO ABUSIVO 12
3 CRIME CONTRA A ORDEM ECONÔMICA 12
3.1 AS FORMAS DE CONDUTAS ABUSIVAS 14
3.2 MONOPÓLIO E O LIVRE MERCADO 15
3.3 LUCRO ABUSIVO E O LIVRE MERCADO 16
4 CARTEL: CRIME CONTRA A ORDEM ECONÔMICA 16
4.1 ORIGEM HISTÓRICA 16
4.2 CONCEITO 18
4.3 COMO PROVAR A EXISTÊNCIA DO CARTEL 19
5 O LUCRO ABUSIVO COMO INDICADOR DA EXISTÊNCIA DO CARTEL 22
6 CONCLUSÃO 23
REFERÊNCIAS 23
1 INTRODUÇÃO
Em tempos de crise na economia nacional, em meio à necessidade real de se
empreender mais para que sejam criados novos postos de trabalho, o estudo da ordem
econômica nacional pelo direito econômico, em especial da proteção à liberdade de iniciativa
e concorrência, mostra-se de extrema importância para verificar-se o motivo pelo qual
enfrenta-se tanta dificuldade em se empreender em alguns setores da economia nacional.
A liberdade é um fator de essencial existência para o desenvolvimento da economia do
país, de forma que ao se garantir a liberdade de iniciativa e de concorrência, há um real
incentivo para que novas e melhores empresas surjam no mercado, elevando o grau de
competitividade e melhorando a oferta de produtos e serviços nos mais diversos setores.
Contudo, apesar de que tais princípios estejam previstos na Constituição Federal, nem
sempre observa-se o desenvolvimento de setores produtivos com o surgimento de novas
empresas, ou sequer há uma melhoria na oferta ou condições em produtos ou serviços em
setores da economia do país, mesmo quando os atuais entres desses determinados setores
econômicos ostentam sabidamente lucros elevados.
Tais observações apontam para o que determinou-se como o problema da presente
pesquisa, com vista em determinar o motivo pelo qual o direito econômico pode explicar tais
distorções existentes em alguns setores do mercado brasileiro a partir da observância ou não
dos princípios corolários da liberdade na ordem econômica nacional e de que forma o
ordenamento jurídico brasileiro poderia interferir para que as atuais afrontas à livre iniciativa
e livre concorrência sejam efetivamente afastadas da realidade do mercado brasileiro.
Para se debruçar sobre tal problema foi estabelecida um recorte epistemológico a partir
da não observância das normas de repressão aos crimes contra a ordem econômica, em
especial ao crime de carterização do mercado, tendo como hipótese a dificuldade de
comprovação de sua existência como causa da inexistência de competitividade e
desenvolvimento dos setores produtivos no Brasil.
Busca-se, com o presente trabalho, a partir da análise das normas de proteção à
concorrência em geral, e nas normas de proteção ao desenvolvimento de monopólios
artificiais no mercado, estabelecer de que forma é trabalhado hoje no direito brasileiro as
formas comprobatórias da existência do cartel e determinar meios mais eficazes para tal
comprovação.
Para tanto, far-se-á uma análise bibliográfica do direito econômico nacional, das leis
de proteção à ordem econômica, das formas de constituição de provas previstos nessas leis,
em comparação com conceitos da economia, para a partir do uso do método hipotético-
dedutivo estabelecer formas outras que possam colaborar com a caracterização do crime de
cartel.
2 A ORDEM ECONÔMICA E O ABUSO PRIVADO DO PODER ECONÔMICO
De forma simples, a Ordem Econômica é entendida como um meio apto a conduzir a
vida econômica de uma determinada nação. Sendo que tal condução é limitada e delineada
pela própria Constituição na intenção de legitimar a intervenção do Estado no domínio
privado econômico.
Impende registrar alguns conceitos de Ordem Econômica por Jose Afonso da Silva e
por André Ramos Tavares. O primeiro entende que a Ordem Econômica seria a responsável
na garantia sustentável de uma determinada nação. Enquanto que para o segundo, além de
orientar os diversos ramos do ordenamento jurídico no ciclo econômico, seria um conjunto de
normas jurídicas que visam disciplinar as relações originarias do exercício da atividade
econômica1.
No nosso ordenamento jurídico, os princípios que regem o tema da Ordem Econômica
se encontram disciplinados no art. 170 na nossa Constituição de 19882. Fica fácil perceber,
que de acordo com o que disciplina o artigo mencionado, que o nosso ordenamento jurídico
com relação à Ordem Econômica tem como principais alicerces a livre iniciativa e
principalmente a valorização do trabalho humano.
O caput do artigo, trata de forma clara que a Ordem Econômica visa garantir uma
existência digna para todos. Tem-se que, em tese, o Estado busca através da atividade
econômica, erradicar a pobreza que assola o povo brasileiro.
Tal entendimento tem fundamento no principio que norteia todo o nosso ordenamento
constitucional, qual seja, o principio da dignidade da pessoa humana. Com relação ao
principio da livre iniciativa, tem-se uma limitação imposta ao Estado com relação ao exercício
da atividade econômica, pois o mesmo apenas poderá intervir quando for necessário, ou seja,
quando se tratar, por exemplo, da proteção do consumidor e de toda sociedade3.
1 FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Lições de direito econômico. 7. ed. – Rio de Janeiro : Forense, 2014.
2 ―Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim
assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I -
soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da propriedade; IV - livre concorrência; V -
defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o
impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII - redução das
desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego; IX - tratamento favorecido para as empresas
de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. Parágrafo
único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de
autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.‖ 3 FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Lições de direito econômico. 7. ed. – Rio de Janeiro : Forense, 2014.
Válido apontar, que de acordo com o art. 173, da CF/88, o Estado, quando vitais a
segurança nacional ou de relevante interesse coletivo, pode avocar para si o exercício de
determinadas atividades econômicas4.
Destaca-se que, o principio da livre concorrência, que se encontra previsto no art. 170,
IV, da CF/88. Tem-se que tal princípio decorre do principio da livre iniciativa, pois, não
existindo a livre concorrência, fatalmente não se terá também a livre iniciativa. Na verdade, a
livre concorrência busca um aprimoramento das empresas com o intuito de conquistar o
consumidor, sendo este, na maioria das vezes, o principal beneficiado de tal competição.
Nota-se que a concorrência entre as empresas no exercício da atividade econômica ocorre de
forma livre.
O Estado deve intervir para garantir que tal concorrência ocorra de forma legal, ou
seja, de forma justa e sem abuso, evitando assim, a existência, por exemplo, de monopólio,
oligopólio, cartel etc. O Estado atua para garantir um equilíbrio entre a oferta e a procura,
como também na defesa na eficiência da economia5 o que justifica a fiscalização do exercício
da concorrência no sistema econômico pátrio, através do Sistema Brasileiro de Defesa da
Concorrência, no qual o mesmo se encontra composto pelo Conselho Administrativo de
Defesa Econômica – CADE e pela Secretaria de Acompanhamento Econômico – SEAE. Em
fim, a nossa Carta Magna de 1988, garante que lei reprimirá o abuso do poder econômico que
vise à dominação dos mercados, como também a eliminação da concorrência e ao aumento
arbitrário dos lucros6.
Diante de todo o exposto, fácil perceber que a Ordem Econômica prevista na
Constituição de 1988, constitui um conjunto de normas jurídicas em que o Estado busca
alcançar para o fortalecimento de toda a atividade econômica, visando garantir o equilíbrio
econômico e principalmente o respeito ao principio da dignidade da pessoa humana. Impende
registrar, que o principio da livre concorrência terá uma importância impar no
desenvolvimento deste artigo.
2.1 PODER SOBERANO COMO JUSTIFICATIVA PARA A REGULAÇÃO
ECONÔMICA
De início, faz-se alguns apontamentos sobre o instituto da soberania. O instituto da
soberania teve sua origem no século XVI, sendo pressuposto primordial para a existência de
4 Ibidem.
5 Ibidem.
6 Art. 173, § 4º, da CF/88: ‖A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à
eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.‖
um determinado Estado. Com relação ao conceito de soberania, importante ressaltar o
pensamento do filósofo Jean Bodin e de Jean-Jacques Rousseau.
O primeiro, Jean Bodin, entendia que o poder do Estado pertenceria ao Rei e que não
poderia ser dividido com os demais estamentos sociais. No entanto, para Rousseau, a
soberania é transferida da própria pessoa do governante para o povo como todo7.
Entende-se que, juridicamente, a soberania institui uma qualidade na forma específica
de seu exercício, ou seja, assinala um grau de poder supremo em que não admite outro acima
e nem em concorrência com o mesmo8. A soberania política apenas será garantida se o Estado
gozar e desfrutar de uma soberania econômica, ou seja, apenas existirá um determinado
Estado Soberano se o mesmo apresentar uma independência econômica9.
Devido ao malogro dos modelos intervencionistas, tanto social como socialista, houve
necessidade do ente Estatal reanalisar as formas pelas quais interfere no processo de geração
de riquezas. A interferência do Estado na economia surge como ente regulador e garantidor da
atividade econômica, baseando-se na liberdade de mercado e na livre iniciativa, visando com
isso, assegurar o equilíbrio nas contas públicas. A presença de um Estado regulador justifica-
se por reservar ao Poder Público um papel subsidiário na Ordem Econômica10
.
2.2 A NECESSIDADE DE UM ESTADO INTERVENTOR
O nascimento do instituto da intervenção deveu-se a falência do modelo liberal. O
movimento liberal se funda na liberdade individual, no livre mercado e na livre empresa, em
que impõe ausência total do ente Estatal na economia. Tinha-se a ausência de qualquer órgão
na intervenção para regular e impor limites nas relações privadas. Tal instituto trouxe sérios
problemas para a sociedade, pois se verificava a transformação da força de trabalho em
mercadoria, motivo pelo qual a população passou a clamar por soluções no combate a tais
práticas.
Foi a partir daí que a sociedade como toda passou a ter consciência da necessidade da
existência de um órgão politico, munido de poder e superioridade, no intuito de conter o
liberalismo que não era capaz de proporcionar o bem-estar da coletividade. As guerras
impulsionaram mais ainda a transição do Estado liberal para o Estado intervencionista, devido
à necessidade da proteção da dignidade da pessoa humana.
7 FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Lições de direito econômico. 7. ed. – Rio de Janeiro : Forense, 2014.
8 DANTAS, Thomas Kefas de Souza. Os limites constitucionais ao exercício de direito de patente e seus
reflexos na indústria do petróleo, gás natural e biocombustíveis. 2014. 166 fls. Dissertação (Mestrado em
Direito Constitucional) — Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2014. p. 18. 9 FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Lições de direito econômico. 7. ed. – Rio de Janeiro : Forense, 2014.
10 Ibidem.
Feita tais considerações, tem-se que o intervencionismo estatal firma-se como instituto
mais adequado para a concretização do bem-estar da sociedade como toda. Tal modelo é
adotado, nos dias de hoje, pela maioria dos Estados, incluindo o Estado brasileiro, e tem como
finalidade assegurar o exercício dos direitos sociais e garantir o bem comum.
2.3 PODER ECONÔMICO E SEU EXERCÍCIO ABUSIVO
Tem-se que o poder econômico pode ser conceituado de diversas maneiras, seja na
perspectiva jurídica ou econômica. Será tratado aqui o conceito do poder econômico sob o
enfoque jurídico. De acordo com o pensamento de Sérgio Varella Bruna, o poder econômico
seria ―a capacidade de determinar comportamentos econômicos alheios, se nele vigorasse um
sistema concorrencial puro, e que terá de forma fundamental o controle dos preços‖11
.
Interessante anotar que apenas existirá abuso se houver o poder econômico12
. A
Constituição Federal vigente trata de forma expressa em seu art. 173, §4º, a reprimenda ao
abuso do poder econômico que vise à eliminação da concorrência, à dominação dos mercados
como também ao aumento arbitrário dos lucros13
. Verifica-se o abuso do poder econômico,
por exemplo, quando determinado ato diminuir ou suprimir a liberdade da oferta e da procura,
impedindo, assim, o acesso de novos empresários no mercado.
Fácil perceber que o poder econômico é elemento pertencente à Ordem Econômica,
pois seu exercício apenas é reprimido quando se trata de sua forma abusiva, ou seja, não há
nenhum problema quando o seu exercício é desenvolvido de forma regular.
3 CRIME CONTRA A ORDEM ECONÔMICA
A lei reprimirá a prática do poder econômico que tenha a intenção de dominação dos
mercados, noutros termos, sua prática abusiva, como também a eliminação da concorrência e
ao aumento arbitrário dos lucros14
. Quando os agentes econômicos abusam da liberdade
assegurada pelos princípios da livre iniciativa como também da livre concorrência, tem-se que
os mesmos extrapolam os limites de tal liberdade. Válido ressaltar que, a liberdade para a
concorrência como também em relação à iniciativa é a regra, pois o que se restringe é somente
11 BRUNA, Sérgio Varella. O poder econômico e a conceituação do abuso de seu exercício. São Paulo: RT,
2001, págs. 104 e 105. 12
Ibidem. p.129. 13
Art. 173, § 4º, da CF/88: A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à
eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros. 14
Art. 173, § 4º, da CF/88: ‖A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à
eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.‖.
o abuso do seu exercício15
. Dessa forma, não se admite que o exercício do poder econômico
represente qualquer percalço no desenvolvimento social, pois, tem-se como objetivo a
consecução dos ideais de justiça social16
.
Importante apontar alguns dos vários crimes praticados em face da Ordem Econômica.
Tem-se como praticas abusas as figuras do cartel, dumping, monopólio, oligopólio, dentre
outras.
A figura do cartel é conceituada como um acordo ou prática ajustada entre empresas
concorrentes para fixar preços, dividir mercados, como também estabelecer cotas ou restringir
produção, podendo também adotar posturas pré-combinadas em licitação pública17
.
Por dumping, tal instituto se caracteriza quando um produto é posto a venda por um
preço bem menor que o de mercado e de custo, tendo com tal prática a eliminação da
concorrência. Já a figura do monopólio se caracteriza quando há existência de um único
fornecedor ou comprador de bem ou serviço num determinado mercado, gerando, assim, um
aumento dos preços e redução da produção.
Por fim, por oligopólio entende-se, que tal instituto se caracteriza pela junção de
alguns produtores que tem a percepção de que é mais lucrativo agir de maneira
interdependente do que de forma solidária. Não restam dúvidas que a prática de tais ilícitos,
ocasiona de forma ampla um imenso atraso no desenvolvimento econômico pátrio. É evidente
que qualquer dano contra a Ordem Econômica representa um grande prejuízo para toda a
sociedade.
De acordo com o art. 4º, da Lei nº 8.137/1990, a constituição da prática criminosa no
âmbito da Ordem Econômica, se caracteriza no abuso do poder econômico na dominação do
mercado ou eliminando, total ou parcialmente, a concorrência mediante qualquer forma de
ajuste ou acordo de empresas, como também na formação de acordo, convênio, ajuste ou
aliança entre ofertantes18
.
15 BRUNA, Sérgio Varella. O poder econômico e a conceituação do abuso em seu exercício. 1º ed. 2 tir. - São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 137. 16
Ibidem, p. 137. 17
BRASIL. CADE. Perguntas sobre infrações à ordem econômica. 2016. Disponível em:
<http://www.cade.gov.br/servicos/perguntas-frequentes/perguntas- sobre- infracoes-a- ordem-economica>.
Acesso em: 04de outubro de 2015. 18
Art. 4° Constitui crime contra a ordem econômica: I - abusar do poder econômico, dominando o mercado ou
eliminando, total ou parcialmente, a concorrência mediante qualquer forma de ajuste ou acordo de
empresas; (Redação dada pela Lei nº 12.529, de 2011); II - formar acordo, convênio, ajuste ou aliança entre
ofertantes, visando: (Redação dada pela Lei nº 12.529, de 2011). a) à fixação artificial de preços ou quantidades
vendidas ou produzidas; (Redação dada pela Lei nº 12.529, de 2011); b) ao controle regionalizado do mercado
por empresa ou grupo de empresas; (Redação dada pela Lei nº 12.529, de 2011); c) ao controle, em detrimento
da concorrência, de rede de distribuição ou de fornecedores. (Redação dada pela Lei nº 12.529, de 2011).
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos e multa.
Destaca-se a Lei nº 12.529/2011, que trata da Defesa da Concorrência. O art. 36, § 3º,
da referida lei, trata de infração administrativa de tipificação aberta, em que tem-se um rol
exemplificativo de condutas que poderão caracterizar-se como infração a Ordem Econômica,
independentemente de outras19
.
Diante do cenário exposto, fácil perceber que o mercado é movido pela livre
concorrência como também pela livre iniciativa, que o Estado tem a incumbência de regular,
utilizando-se de políticas econômicas, com o intuito de evitar abuso e prejuízos a Ordem
Econômica. O Estado Brasileiro se vale do Conselho Administrativo de Defesa Econômica
(CADE) e da Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE), que juntos formam o
Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC), na busca da proteção da concorrência
do mercado econômico nacional.
Por fim, válido apontar, que o principal objetivo do Sistema de Proteção à
Concorrência é a promoção de uma economia competitiva por meio da precaução e da
contenção de ações que possam limitar ou prejudicar a disputa saudável e transparente por
parcela de mercado relevante, com base na atual legislação20
.
3.1 AS FORMAS DE CONDUTAS ABUSIVAS
A prática abusiva do poder econômico não é de fácil constatação, pois exige, para ser
configurada e diagnosticada, conhecimentos técnicos, como também especialização e prática
profissional21
.
As condutas que ferem a Ordem Econômica são diversas, satisfazendo para a sua
caracterização, a existência de dano, efetivo ou potencial, ao mercado. Tais condutas, além de
atingir a Ordem Econômica, alcançam os consumidores.
A Lei de Proteção à Concorrência – Lei nº 12.529/2011 – tipifica em seu art.36, quatro
condutas básicas que ocasionam infrações a Ordem Econômica: ―I- limitar, falsear ou de
qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa; II- dominar mercado
relevante de bens ou serviços; III- aumentar arbitrariamente os lucros; e IV- exercer de forma
abusiva posição dominante‖ 22
. Lembrando que tal rol de condutas é exemplificativo, ou seja,
admitem-se outros tipos de condutas.
Por fim, em sentido estrito, tem-se como condutas tipificadas como infrações ao
mercado a formação de cartel, venda casada, sistemas seletivos de distribuição, preços
19 FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Lições de direito econômico. 7. ed. – Rio de Janeiro : Forense, 2014.
20 Ibidem.
21 Ibidem.
22 Art. 36 da Lei nº 12.529/2011.
predatórios23
etc. A prática da formação de cartel será mais bem desenvolvida no decorrer do
presente artigo.
3.2 MONOPÓLIO E O LIVRE MERCADO
Entende-se por monopólio a concentração de uma determinada atividade econômica,
explorada por um único agente, impedindo, assim, a entrada de novos concorrentes. O
instituto do monopólio pode ser classificado em: monopólio natural, convencional e legal24
. O
presente tópico se detém a conceituar o que vem a ser o monopólio convencional e o legal.
O monopólio convencional é defeso pelo Estado brasileiro, pois decorre de práticas
abusivas por meio de agentes econômicos, com a finalidade de eliminar novos concorrentes25
.
Tal prática é proibida no ordenamento jurídico brasileiro, pois é garantido, pela Ordem
Econômica, o princípio da defesa da concorrência. Com relação ao monopólio legal, tem-se
que se configura como atividade econômica explorada exclusivamente pelo Poder Público
para si ou para terceiros, por meio de atos normativos26
. A Constituição vigente veda que o
Estado crie monopólio para terceiros.
Impende registrar que a Carta Magna traz de forma taxativa em seu art. 177, as
hipóteses previstas de monopólio estatal. Somente o poder constituinte derivado reformador
poderá ampliar os casos de monopólio estatal, pois a Ordem Econômica brasileira
fundamenta-se na livre iniciativa27
.
Verifica-se no livre mercado uma ausência ou quase nenhuma intervenção do Estado
nas relações econômicas. Tem-se aqui uma economia de mercado em que vendedores e
compradores fazem acordos mútuos sem a interferência do ente Estatal na forma de aplicação
de taxas, subsídios ou regularizações.
De certa forma, o livre mercado fundamenta-se com o princípio da livre iniciativa,
pois qualquer cidadão tem o direito de exercer atividade econômica livre de qualquer
restrição, condicionamento ou imposição descabida por parte do governo28
.
Como ressalta o tópico 2.2 do presente trabalho, o livre mercado trouxe diversos
prejuízos para a sociedade. Atualmente, verifica-se na maioria dos Estados, a presença de um
ente Estatal intervencionista, no intuito de garantir direitos sociais e o bem-estar da
coletividade.
23 FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Lições de direito econômico. 7. ed. – Rio de Janeiro : Forense, 2014.
24 Ibidem.
25 Ibidem.
26 Ibidem.
27 Ibidem.
28 FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Lições de direito econômico. 7. ed. – Rio de Janeiro : Forense, 2014.
3.3 LUCRO ABUSIVO E O LIVRE MERCADO
Como já abordado anteriormente, a Constituição Federal vigente reprime o abuso de
poder econômico que vise à dominação de mercados, à eliminação da concorrência e ao
aumento arbitrário dos lucros.
Verifica-se que um dos pilares para a vedação de lucros abusivos encontra respaldo
no princípio da dignidade da pessoa humana. As limitações impostas aos lucros abusivos
buscam justamente a proteção da pessoa humana, de modo que não seja ofendida em seu bem
mais precioso que é a sua dignidade29
.
Percebe-se que o instituto do lucro abusivo se insere no livre mercado. Como visto no
tópico anterior, o livre mercado trouxe vários prejuízos à sociedade. Como exemplo de
prejuízo, tem a transformação da força de trabalho em mercadoria.
Como já apontado, no tópico anterior, o livre mercado fundamenta-se no principio
constitucional da livre iniciativa.
É sabido que nenhum princípio é absoluto, e o princípio da livre iniciativa, como os
demais princípios constitucionais, deve ser ponderado. Como forma de neutralizar ou reduzir
o abuso da liberdade de iniciativa, tal princípio se sujeita a fiscalização do ente Estatal30
.
4 CARTEL: CRIME CONTRA A ORDEM ECONÔMICA
Como visto anteriormente, o cartel se configura como um crime praticado contra a
Ordem Econômica. Doravante, adentra-se no estudo da figura do cartel. Ressaltando-se que
tal conduta ilícita é de difícil identificação, como também, é uma grande ofensa aos princípios
norteadores da Ordem Econômica previstos na Constituição Federal de 1988. Os
consumidores e o mercado financeiro são os principais prejudicados na prática do crime de
cartel.
4.1 ORIGEM HISTÓRICA
Foi em meados do século XIX, que países como a Inglaterra, França e Alemanha
tiveram uma imensa aceleração na industrialização. Foi com a aceleração na industrialização,
que tais países obtiveram uma grande concentração de capital. Fácil perceber que foi nesse
período que surgiram os grandes monopólios. Com o surgimento dos monopólios, a
29 SCAFF, Fernando Facury. Ensaio sobre o conteúdo jurídico do princípio da lucratividade. Revista de Direito
Administrativo, [s.l.], v. 224, p.323-347, 24 mar. 2015. Fundacao Getulio Vargas.
http://dx.doi.org/10.12660/rda.v224.2001.47773.. 30
BARROSO, Luís Roberto. A ordem econômica constitucional e os limites à atuação estatal no controle de
preços. Revista de Direito Administrativo, [s.l.], v. 226, p.187-212, 9 mar. 2015. Fundacao Getulio Vargas.
http://dx.doi.org/10.12660/rda.v226.2001.47240.
concorrência entre as empresas deixou de existir. As concorrências entre as empresas foram
perdendo espaço para a formação dos grandes grupos econômicos, conhecidos por cartéis,
trustes e holdings.31
Desta forma, foi com a Segunda Revolução Industrial que se originou o
instituto do cartel.
Figura 1: Charge mostrando grandes empresários controlando ou de olho em pequenos
empresários.
Fonte: www.jurassico.com.br
A imagem acima retrata o controle exercido por grupos de grandes empresários em
face de pequenos empresários.
Válido registrar, neste trabalho, o Decreto-Lei nº 869 de 18 de novembro de 1938, pois
foi o primeiro diploma nacional de combate aos crimes praticados contra a Ordem
Econômica. O art. 2º, III, do Decreto-Lei nº 869, trata da configuração do crime de cartel.32
.
Importante fazer alguns apontamentos com relação ao momento histórico que o Brasil vivia
na época da criação do Decreto-Lei nº 869/1938. Foi na década de 30, no Brasil, sob a égide
do governo de Getúlio Vargas, que surgiram os primeiros dispositivos legais em matéria
econômica com nítido caráter intervencionista.
Foi nesse cenário intervencionista que surgiu o Decreto-Lei nº 869/193833
, norma de
caráter econômico-penal, criada na época para regulamentar o art. 141 da Constituição
Federal de 193734
. É de grande relevância destacar o Decreto-Lei nº 7.666/1945, que dispõe
31 CARVALHO, Leandro. Cartéis, Trustes e Holdings. 2015. Disponível em:
<http://historiadomundo.uol.com.br/idade-contemporanea/carteis-trustes-e-holdings.htm>. Acesso em: 26 out.
2015. 32
―Art. 2º São crimes dessa natureza: (...) III - promover ou participar de consórcio, convênio, ajuste, aliança ou
fusão de capitais, com o fim de impedir ou dificultar, para o efeito de aumento arbitrário de lucros, a
concorrência em matéria de produção, transporte ou comércio (...)‖. Decreto-Lei nº 869 de 18 de novembro de
1938. Disponível em:<www2.camara.leg.br>. Acesso em: 19 de outubro de 2015. 33
GUZZO, Fabiano C. Rebuzzi. O paradoxo da defesa do consumidor como finalidade das políticas de
concorrência no brasil: ii - égide dos decretos-lei n. 869/1938 e 7.666/1945. Athenas: Revista de Direito,
Política e Filosofia, Conselheiro Lafaeite, p.77-106, dez. 2013. 34
―Art 141 - A lei fomentará a economia popular, assegurando-lhe garantias especiais. Os crimes contra a
economia popular são equiparados aos crimes contra o Estado, devendo a lei cominar-lhes penas graves e
sobre os atos contrários a Ordem Econômica, pois, tem-se que o mesmo representa um grande
avanço do ordenamento atual35
.
Destaca-se que o Decreto-Lei nº 7.666/1945, conhecido por ―Lei Malaia‖, representa
um grande avanço na atualidade por sistematizar de forma coerente a repressão do abuso ao
poder econômico.
Feito as devidas considerações a respeito de tais decretos-lei, por fim, impende
ressaltar, que o primeiro cartel punido pelo Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência
(SBDC) pós o ano de 1994, foi o chamado ―cartel de aço‖, sob a égide da Lei nº 8.884/199436
.
Feita tais considerações de forma sucinta a respeito da origem histórica do instituto do
cartel, o próximo ponto desse trabalho abordará o conceito de tal instituto.
4.2 CONCEITO
Como visto, nos pontos anteriores desenvolvidos neste trabalho, o instituto do cartel
pode ser conceituado como um acordo ou prática ajustada entre empresas concorrentes para
fixar preços, dividir mercados, como também estabelecer cotas ou restringir produção,
podendo também adotar posturas pré-combinadas em licitação pública37
.
Válido ressaltar que para o economista Paulo Nunes, além da existência de carteis
entre empresas, há formação de carteis entre países, em que tais países procuram ter o
controle sobre determinado bem. Para tal economista, o cartel mais conhecido entre países
seria o da OPEP (Organização dos Países Produtores de Petróleo), em que tal cartel é formado
pela grande maioria dos maiores países produtores de petróleo38
.
Válido registrar que a prática de um cartel pode envolver várias condutas, como por
exemplo, fixação de preços; estabelecimento de restrições ou quotas na produção; adoção de
prática concertada com concorrente em licitação pública; e divisão ou alocação de mercados
por áreas ou grupos de consumidores39
.
prescrever-lhes processos e julgamentos adequados à sua pronta e segura punição‖. Constituição Federal de
1937. Disponível em: www.planalto.gov.br>. Acesso em: 20 de outubro de 2015. 35
GUZZO, Fabiano C. Rebuzzi. O paradoxo da defesa do consumidor como finalidade das políticas de
concorrência no brasil: ii - égide dos decretos-lei n. 869/1938 e 7.666/1945. Athenas: Revista de Direito,
Política e Filosofia, Conselheiro Lafaeite, p.77-106, dez. 2013. 36
BRASIL. CADE. Perguntas sobre infrações à ordem econômica. 2016. Disponível em:
<http://www.cade.gov.br/servicos/perguntas-frequentes/perguntas- sobre- infracoes-a- ordem-economica>.
Acesso em: 04de outubro de 2015. 37
Ibidem. 38
PAULO NUNES (Lisboa). Knoow.net. Cartel: Conceito de cartel. 2015. Disponível em:
<http://knoow.net/cienceconempr/gestao/cartel/>. Acesso em: 01 nov. 2015.. 39
BRASÍLIA. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Secretaria de Direito Econômico. Combate a
cartéis e programa de leniência. 3. ed. Brasilia: Publicação Oficial, 2009.
Perpetrada tais considerações do que vem a ser a prática do instituto do cartel, o
próximo ponto deste trabalho, abordará a tamanha dificuldade de se provar a conduta da
prática de tal instituto.
4.3 COMO PROVAR A EXISTÊNCIA DO CARTEL
A Lei de Defesa da Concorrência – Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994 – disciplina a
política pátria de defesa da concorrência, em que pessoas físicas, empresas públicas como
também as privadas, associações de classe e sindicatos, independentemente do setor de
atuação, estão sujeitos aos dispositivos de tal ordenamento jurídico.
Com relação à lei supracitada, tem-se que para a sua aplicação no âmbito
administrativo, à mesma será efetivada pelos órgãos que fazem parte do Sistema Brasileiro de
Defesa da Concorrência (SBDC), tais órgãos já foram mencionados anteriormente.
Válido ressaltar que o CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) é um
órgão colegiado que tem a incumbência de realizar o julgamento final, em âmbito
administrativo, dos processos que investigam violações à ordem econômica e dos atos de
concentração, sendo que após a análise dos pareceres proferidos pela SDE e SEAE. Pois bem,
a SBDC conta com o apoio tanto das policias como também do Ministério Público, na esfera
federal e estadual, na persecução criminal a cartéis.
A prática do cartel é considerada a lesão mais grave dentre as infrações contra a ordem
econômica, sendo também, uma infração de difícil constatação e caracterização. Por tais
razões, o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência tem como prioridade a sua repressão.
No intuito de facilitar a obtenção de provas para condenar tais práticas, o SBDC vem
firmando vários acordos de cooperação com autoridades concorrenciais de outros países, com
o Ministério Público como também com as Agências Reguladoras40
.
Como exposto, anteriormente, a comprovação da prática de cartel é muito difícil.
Tem-se que a configuração de tal prática requer a demonstração do acordo expresso entre os
concorrentes. Neste caso, a prova direta da existência do conluio seria através das atas de
reuniões, interceptações telefônicas, depoimentos de testemunhas etc.
No entanto, esse tipo de prova é muito difícil de conseguir, pois os envolvidos em tal
prática têm consciência que estão praticando um ilícito contra a ordem econômica, dessa
forma, evitando deixar vestígios de tal prática41
.
40 FONSECA JÚNIOR, Marco Antônio. A prova do cartel. 2011. 59 f. TCC (Graduação) - Curso de Direito,
Faculdade de Direito, Centro Universitário de Brasília, Brasília, 2011. 41
Ibidem.
Válido registrar, que a partir do ano de 2003, a SDE (Secretaria de Direito Econômico)
passou a realizar operações de busca e apreensão e a celebrar acordos de leniência (espécie de
―delação premiada‖) com o intuito de investigar e combater a prática de cartel42
.
Os carteis, no território brasileiro, além de serem combatidos administrativamente pelo
SBDC, são alvos de investigações e punições nas esferas criminal e civil. Pois bem, no
mesmo ano de 2003, foi consolidado o primeiro acordo de leniência. Tem-se que o instituto
da Leniência é de grande valia, pois é fundamental para garantir a condenação da prática de
carteis no território brasileiro.
Como analisado em todo desenvolvimento do presente trabalho, a prática de cartel é
de difícil constatação e investigação sem a colaboração dos envolvidos em tal conduta, pois se
caracteriza por ser de caráter fraudulento e sigiloso. Diante de tais dificuldades em detectar
como também com relação a investigação de tal crime, surge o importante Programa de
Leniência.
O Programa de Leniência é de suma importância para a Ordem Econômica, pois é
através de acordo de Leniência que se desvenda não apenas a prática do crime de cartel como
também outras condutas tipificadas como práticas ilegais no âmbito concorrencial.
Tal Programa concede benefícios (imunidade administrativa total ou parcial) para o
participante, por exemplo, da prática de cartel que queira pôr um fim em tal conduta e
colaborar de forma eficaz com as autoridades de defesa da concorrência permitindo assim, a
condenação dos demais envolvidos na prática do cartel43
. O beneficiário poderá ter imunidade
administrativa total se a SDE não tinha prévio conhecimento sobre a existência do cartel.
Válido registrar que para a habilitação ao Programa de Leniência é preciso observar
alguns requisitos: é necessário que a empresa ou pessoa física (proponente) seja a primeira a
se apresentar à SDE (Secretaria de Direito Econômico) e a admitir sua participação na prática
delatada; o proponente deve cessar seu envolvimento na prática denunciada; o proponente não
pode ser o líder da prática denunciada; o proponente deve concordar em cooperar plenamente
com a investigação; tem-se que a cooperação deve resultar na identificação dos outros
membros do cartel e na obtenção de provas que demonstrem a prática delatada e, por fim,
tem-se que no momento da propositura do Acordo, a SDE não pode dispor de provas
suficientes para assegurar a condenação do proponente44
.
42 BRASÍLIA. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Secretaria de Direito Econômico. Combate a
cartéis e programa de leniência. 3. ed. Brasilia: Publicação Oficial, 2009. 43
ibidem.. 44
BRASÍLIA. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Secretaria de Direito Econômico. Combate a
cartéis e programa de leniência. 3. ed. Brasilia: Publicação Oficial, 2009.
Fonte: www.institutoidea.net.br
Segundo os dados, fica evidente a grande importância do Programa de Leniência no
combate a prática de cartel. Tem sido um vetor determinante na economia brasileira. Em
consonância ao gráfico abaixo tem-se que no ano de 2003 até 2014 foram assinados quarenta
Acordos de Leniência e nove aditivos a tais Acordos. Atualmente, tem-se que outros acordos
estão sendo negociados referentes à carteis nacionais como também internacionais45
.
Diante de tais explanações acima, não resta dúvida que o Acordo de Leniência é um
meio muito eficiente de obtenção de informações como também de documentos
disponibilizados de maneira direta pelos envolvidos na prática de cartel. Impende registrar
que tanto no procedimento de negociação como em eventual celebração de um Acordo de
Leniência dar-se-á de modo confidencial.
Caso o Acordo não seja celebrado, os documentos fornecidos pelo participante do
Programa de Leniência, estes serão devolvidos, e a SDE não ficará com qualquer cópia de tais
documentos.
Como visto em linhas atrás, o primeiro Acordo de Leniência foi firmado no ano de
2003, por um dos envolvidos de um cartel organizado por empresas do setor de serviços de
vigilância do Estado do Rio Grande do Sul com o intuito de burlar licitações públicas. Foi a
partir do ano de 2003 que o combate a prática de cartel passou a ser prioridade da SDE
(Secretaria de Direito Econômico)46
.
45 IDEA (São Paulo). Instituto de Direito Econômico Aplicado. O que é o Programa de Leniência? 2016.
Disponível em: <http://www.institutoidea.net.br/o-que-e-o-programa-de-leniencia/>. Acesso em: 13 fev. 2016.. 46
PEREIRA, Guilherme Teixeira. Política de Combate a Cartel no Brasil: análise jurídica do acordo de
leniência e do termo de compromisso de cessação de prática. 2011. 156 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de
Direito e Desenvolvimento Econômico, Escola de Direito, Fgv, São Paulo, 2011.
5 O LUCRO ABUSIVO COMO INDICADOR DA EXISTÊNCIA DO CARTEL
Como visto, no desenvolvimento deste trabalho, a comprovação da prática do crime de
cartel é de difícil constatação. Tem-se que uma das formas encontradas para se provar a
existência de tal delito, se estabelece com o Acordo de Leniência, como analisado em linhas
anteriores.
Doravante, será analisado o instituto do lucro abusivo como indicador da existência do
cartel.
Destaca-se o principio da lucratividade autoriza aos agentes econômicos que ajam em
busca de lucros no intuito de desenvolver suas atividades47
. No entanto, o conteúdo jurídico
de tal princípio não estabelece uma busca desenfreada pelo lucro capitalista, e sim uma busca
pelo equilíbrio entre a impossibilidade de alcançar margens de lucro mínimas que permitam o
desenvolvimento dos negócios sociais e a imoralidade da perseguição pela obtenção de uma
maior quantidade de mais valia que for possível48
.
Tem-se que um dos principais objetivos do princípio da lucratividade é justamente
impedir a manifestação de lucros abusivos. Tal prática deve ser combatida levando em
consideração o principio da dignidade da pessoa humana49
.
Como conceituado anteriormente, o cartel é um acordo ou prática ajustada entre
determinadas empresas concorrentes no intuito de fixar preços, dividir mercados, como
também, estabelecer cotas ou restringir produção.
Fácil perceber que nada impede que determinado grupo de empresas se reúnam
visando, justamente, a obtenção de lucros abusivos na fixação dos preços dos produtos,
ocasionando, neste caso, lesão a uma determinada parte ou a toda coletividade.
Diante do exposto, não restam dúvidas de que o instituto do lucro abusivo pode ser
utilizado como indicador na constatação da prática do crime de cartel.
Por fim, interessante citar a ementa de um julgado do Tribunal de Justiça do Estado do
Maranhão:
PROCESSO CIVIL. CONSUMIDOR. AGRAVO DE INSTRUMENTO.
REAJUSTE DE COMBUSTÍVEL. PONDERAÇÃO DE PRINCÍPIOS.
LIVRE CONCORRÊNCIA VS PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR.
DESRESPEITO AOS COMANDOS PREVISTOS NO DECRETO N.º
8.395/2015. AUMENTO ABUSIVO. PERICULUM IN MORA INVERSO.
IMPROVIMENTO. I - Não assisti razão ao Recorrente, porquanto, as
determinações do Juízo a quo foram devidamente fundamentadas, inclusive
com a ponderação dos interesses constitucionais em conflito (livre
47 SCAFF, Fernando Facury. Ensaio sobre o conteúdo jurídico do princípio da lucratividade. Revista de Direito
Administrativo, [s.l.], v. 224, p.323-347, 24 mar. 2015. Fundacao Getulio Vargas.
http://dx.doi.org/10.12660/rda.v224.2001.47773. p. 339. 48
Ibidem. p. 340 – 341. 49
Ibidem. p. 341.
concorrência x proteção do consumidor), e possuem claro escopo de coibir
práticas abusivas de formação de cartel e aumento arbitrário de lucro; II - As
determinações em tela, estão respaldadas pelos artigos 273 e 461, § 5º do
CPC, que permitem ao julgador, de ofício, a adoção das medidas necessárias
aptas a garantir o efeito prático da tutela específica buscada; III - Valores
aplicados encontram-se muito acima do reajuste determinado pelo Governo
Federal através do Decreto nº 8.395/15, que determinou aumento de R$ 0,22
(vinte e dois centavos) por litro de gasolina, R$ 0,15 (quinze centavos) por
litro de diesel e nenhuma previsão de aumento para o etanol; IV - Dano
maior poderá haver, caso sejam sustados os efeitos do decisum combatido,
do que o contrário, pois a decisão visa tão somente evitar a formação de
cartel e aumento arbitrário de lucros, que prejudicam toda a coletividade
ludovicense; Recurso improvido.(TJ-MA - AI: 0303142015 MA 0005272-
97.2015.8.10.0000, Relator: JOSÉ DE RIBAMAR CASTRO, Data de
Julgamento: 22/09/2015, SEGUNDA CÂMARA CÍVEL, Data de
Publicação: 23/09/2015)
6 CONCLUSÃO
O trabalho desenvolvido teve como objetivo principal a analise de como provar a
existência da prática de cartel. Como já visto, tal prática é de difícil constatação e é
considerada a lesão mais grave dentre as infrações cometidas em face da ordem econômica.
Diante das dificuldades de se provar a existência da prática de cartel, surgiu o
Programa de Leniência que é de grande relevância para a Ordem Econômica. Verificou-se
que é com o acordo de leniência que se desvenda a prática do delito de cartel.
Tem-se que tal acordo não se limita em provar apenas a existência de cartel, pois é
utilizado também nas condutas tipificadas como práticas ilegais no âmbito concorrencial.
O presente trabalho trouxe como inovação na busca de como provar a existência do
cartel no mercado consumidor, o instituto dos lucros abusivos como indicador de tal delito.
Como visto, a coletividade pode sofrer lesão, por exemplo, quando determinado grupo de
empresas se reúnem visando à obtenção de lucros abusivos na fixação dos preços de
determinados produtos ou serviços.
Diante da importância da livre e justa concorrência, espera-se que possam surgir novas
pesquisas no intuito de combater práticas que lesam o mercado consumidor, pois um mercado
competitivo é de grande valia para a economia de todo o país.
REFERÊNCIAS
BARROSO, Luís Roberto. A ordem econômica constitucional e os limites à atuação estatal
no controle de preços. Revista de Direito Administrativo, [s.l.], v. 226, p.187-212, 9 mar.
2015. Fundacao Getulio Vargas. http://dx.doi.org/10.12660/rda.v226.2001.47240.
BRASIL. CADE. Perguntas sobre infrações à ordem econômica. 2016. Disponível em:
<http://www.cade.gov.br/servicos/perguntas-frequentes/perguntas- sobre- infracoes-a- ordem-
economica>. Acesso em: 04de outubro de 2015.
BRASIL. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Secretaria de Direito Econômico.
Combate a cartéis e programa de leniência. 3. ed. Brasilia: Publicação Oficial, 2009.
BRUNA, Sérgio Varella. O poder econômico e a conceituação do abuso em seu exercício.
1º ed. 2 tir. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001.
CARVALHO, Leandro. Cartéis, Trustes e Holdings. 2015. Disponível em:
<http://historiadomundo.uol.com.br/idade-contemporanea/carteis-trustes-e-holdings.htm>.
Acesso em: 26 out. 2015.
DANTAS, Thomas Kefas de Souza. Os limites constitucionais ao exercício de direito de
patente e seus reflexos na indústria do petróleo, gás natural e biocombustíveis. 2014. 166
fls. Dissertação (Mestrado em Direito Constitucional) — Universidade Federal do Rio Grande
do Norte, Natal, 2014.
FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Lições de direito econômico. 7. ed. – Rio de Janeiro :
Forense, 2014.
FONSECA JÚNIOR, Marco Antônio. A prova do cartel. 2011. 59 f. TCC (Graduação) -
Curso de Direito, Faculdade de Direito, Centro Universitário de Brasília, Brasília, 2011.
GUZZO, Fabiano C. Rebuzzi. O paradoxo da defesa do consumidor como finalidade das
políticas de concorrência no brasil: ii - égide dos decretos-lei n. 869/1938 e 7.666/1945.
Athenas: Revista de Direito, Política e Filosofia, Conselheiro Lafaeite, p.77-106, dez. 2013.
IDEA (São Paulo). Instituto de Direito Econômico Aplicado. O que é o Programa de
Leniência? 2016. Disponível em: <http://www.institutoidea.net.br/o-que-e-o-programa-de-
leniencia/>. Acesso em: 13 fev. 2016..
PAULO NUNES (Lisboa). Knoow.net. Cartel: Conceito de cartel. 2015. Disponível em:
<http://knoow.net/cienceconempr/gestao/cartel/>. Acesso em: 01 nov. 2015..
PEREIRA, Guilherme Teixeira. Política de Combate a Cartel no Brasil: análise jurídica do
acordo de leniência e do termo de compromisso de cessação de prática. 2011. 156 f.
Dissertação (Mestrado) - Curso de Direito e Desenvolvimento Econômico, Escola de Direito,
Fgv, São Paulo, 2011.
SCAFF, Fernando Facury. Ensaio sobre o conteúdo jurídico do princípio da lucratividade.
Revista de Direito Administrativo, [s.l.], v. 224, p.323-347, 24 mar. 2015. Fundacao Getulio
Vargas. http://dx.doi.org/10.12660/rda.v224.2001.47773.