universidade federal do rio grande do norte … · o reconhecimento da arquitetura moderna...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO MESTRADO EM ARQUITETURA E URBANISMO ALEXANDRA CONSULIN SEABRA DE MELO YES, NÓS TEMOS ARQUITETURA MODERNA: RECONSTITUIÇÃO E ANÁLISE DA ARQUITETURA RESIDENCIAL MODERNA EM NATAL DAS DÉCADAS DE 50 E 60 NATAL/RN 2004

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ARQUITETURA E URBANISMO

    MESTRADO EM ARQUITETURA E URBANISMO

    ALEXANDRA CONSULIN SEABRA DE MELO

    YES, NS TEMOS ARQUITETURA MODERNA: RECONSTITUIO E ANLISE DA ARQUITETURA RESIDENCIAL MODERNA

    EM NATAL DAS DCADAS DE 50 E 60

    NATAL/RN 2004

  • ALEXANDRA CONSULIN SEABRA DE MELO

    YES, NS TEMOS ARQUITETURA MODERNA! RECONSTITUIO E ANLISE DA ARQUITETURA RESIDENCIAL MODERNA

    EM NATAL DAS DCADAS DE 50 E 60

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps Graduao em Arquitetura da Universidade Federal do Rio Grande do Norte para obteno do ttulo de Mestre em Arquitetura e Urbanismo. Orientadora: Prof. Dr. Snia Marques.

    NATAL/RN 2004

  • Ficha catalogrfica

    M528y Melo, Alexandra Consulin Seabra de. Yes, ns temos arquitetura moderna! Reconstituio e anlise da arquitetura residencial moderna em Natal das dcadas de 50 e 60. / Alexandra Consulin Seabra de Melo. Natal, 2004. 149f.

    Orientadora: Prof. Dr. Snia Marques

    Dissertao (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo). Programa de Ps-Graduao em Arquitetura e Urbanismo Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Natal, 2004.

    1. Arquitetura de residncias - moderna. 2. Cultura norte-riograndense. 3. Histria do Brasil. I. Ttulo.

    CDU 728(81)

  • ALEXANDRA CONSULIN SEABRA DE MELO

    YES, NS TEMOS ARQUITETURA MODERNA! RECONSTITUIO E ANLISE DA ARQUITETURA RESIDENCIAL MODERNA

    EM NATAL DAS DCADAS DE 50 E 60

    Aprovada em: ____/____/____.

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps Graduao em Arquitetura da Universidade Federal do Rio Grande do Norte para obteno do ttulo de Mestre em Arquitetura e Urbanismo.

    BANCA EXAMINADORA

    __________________________________________________________________ Prof. Dr. Snia Marques Orientadora

    Universidade Federal do Rio Grande do Norte

    __________________________________________________________________ Prof. Dr. Edja Trigueiro Convidada

    Universidade Federal do Rio Grande do Norte

    __________________________________________________________________ Prof. Dr. Nelci Tinem Convidada

    Universidade Federal da Paraba

    NATAL/RN 2004

  • minha famlia, de perto e de longe, pelo amor, incentivo, apoio e, principalmente, pelos princpios que me mantm na luta pelo meu crescimento.

  • AGRADECIMENTOS

    Aos meus pais (anjos enviados por Deus), pelo amor, cuidado, dedicao e confiana

    durante toda a minha vida;

    A minha irm Mariana Consulin que, assim como na graduao, me fez companhia

    quando eu me sentia sozinha no computador;

    A minha irm Tassia Consulin, uma aliada especial num momento muito difcil da

    minha vida;

    A minha famlia de longe (Tirda, Tia Da, Alexandre,...), pelas oraes, torcida e

    incentivo para que eu chegasse at o fim;

    A Kert Cavalcanti, por me inspirar com a sua determinao e paixo pela profisso

    escolhida;

    orientadora Snia Marques, minha me intelectual (mainha), pelo acompanhamento

    e confiana na minha capacidade de concluir este trabalho, mesmo quando todas as

    esperanas estavam perdidas;

    Sabrina Dias, pela ajuda no levantamento fotogrfico nas ruas de Tirol e Petrpolis;

    Rachel Lucena pelo suporte tcnico ao scannear as fotos das casas levantadas;

    A Paulo Laguardia, pela reviso ortogrfica e gramatical do texto;

    A Eugnio Medeiros e Nilberto Gomes de Souza, colegas de mestrado e grandes

    amigos, por me mostrarem a luz no fim do tnel quando tudo estava muito escuro;

    A Batista e Nilda, fiis escudeiros na alegria e na tristeza, na sade e na doena;

    A Roberto Bousquet, pelo apoio logstico nas questes relativas informtica;

    A todos do Arquivo Municipal de Natal, em especial a Carol, pela confiana em me

    deixar manusear os processos guardados por ela com muito zelo;

    A Marco Bacco, pela pacincia, cuidado e bom humor ao tirar xerox dos 246 projetos

    levantados no Arquivo Municipal de Natal;

    Aos proprietrios das residncias - Denise Gaspar, Neide S, Cromwell Tinoco,

    Heriberto Bezerra, Janete Mesquita, entre outros - pelos depoimentos e informaes que me

    fizeram entender uma poca que no pude viver;

    Aos arquitetos entrevistados, em especial a Moacyr Gomes da Costa que, com sua

    memria apurada, foi um dos grandes responsveis pela reconstituio da histria

    arquitetnica contida neste trabalho;

  • Edja Trigueiro, pelas informaes de ordem prtica - nenm e au au! - que me

    fizeram fincar os ps no cho quando as teorias me faziam voar;

    Marinha do Brasil, representada pelo Comandante do 3o Distrito Naval, por

    contribuir para a constituio do acervo estudado;

    A Elias Salem (in memoriam), por continuar a me ensinar verdadeira essncia da

    arquitetura;

    A todos no mencionados, no por desconsiderao, mas pela memria falha do atual

    momento;

    Muito obrigada!

  • RESUMO

    O reconhecimento da arquitetura moderna brasileira ocorreu atravs da consagrao de cones das Escolas Carioca e Paulista, representados nacional e internacionalmente por nomes como Niemeyer, Lcio Costa, Vilanova Artigas, entre outros. Dessa forma, os estudos mais clssicos dedicados ao caso brasileiro recorrem em atribuir regio Sudeste o ttulo de celeiro da modernidade no Brasil, ao custo da subjugao de diversas outras modernidades, ditas perifricas, cujos valores so desconhecidos ou esquecidos. Na contramo dessa tendncia, tem havido um esforo no sentido de registrar e analisar essas produes regionais da arquitetura moderna brasileira, tarefa em que o DOCOMOMO Brasil participa firmemente atravs de iniciativas como a criao de sua Biblioteca, que auxilia na documentao e registro da modernidade no Brasil. Dentro desse contexto de insero de todas as modernidades no cenrio modernista nacional, este trabalho tem por objetivo apresentar a arquitetura moderna potiguar atravs dos seus exemplares residenciais, investigando especificidades dos seus aspectos formais, construtivos e espaciais que, em conjunto, demonstram mais um sotaque da arquitetura moderna brasileira: o potiguar. Dessa maneira, contribuindo para o trabalho de registro e documentao do Movimento Moderno e atribuindo arquitetura moderna de Natal o seu real valor, poderemos dizer: Yes, ns temos arquitetura moderna!

    Palavras-chave: Arquitetura moderna. Produo regional. Aspectos formais. Movimento moderno. Histria do Brasil.

  • ABSTRACT

    Brazilian architecture was recognized because of the consecration of the icons of the Carioca and Paulista schools which are represented nationally and internationally by names like Niemeyer, Lucio Costa and Vilanova Artigas, among others. Because of this, classic studies dedicated to the Brazilian case look to present the Southeastern region with the title of father of modern Brazil, at the cost of subjugating various other modern movements and peripheral sayings, whether their values are known or forgotten. On the other hand, there has been an effort, in the sense of registering and analyzing these regional productions of modern Brazilian architecture, an assignment that DOCOMOMO Brasil participates firmly through initiatives like the creation of a Library to aid in the documentation and registration of modernity in Brazil. Inside this context of insertions of the National-Modern scheme, this work has as its objective to present modern potiguar (northern Brazil) architecture through its contemporary residential examples, investigating specifically its constructive, formal aspects, that together that together demonstrate one more architectural emphasis of modern Brazilian architecture: the potiguar. This way, by contributing to the work of the register and the documentation of the Modern Movement and attributing to the modern architecture of Natal its real worth, we can say: Yes, we have modern architecture!

    Keywords: Modern architecture. Regional Production. Formal aspects. Modern Movement. Brazils History.

  • LISTA DE ILUSTRAES

    Figura 1 - Mapa Parcial de Natal/RN, Localizao dos Bairros de Tirol e Petrpolis...................21

    Figura 2 - Casa Modernista da Rua Santa Cruz, Gregori Warchavchick (1928) ...........................27

    Figura 3 - Ville Savoye, Le Corbusier (1929-1931).......................................................................28

    Figura 4 - Casa da Cascata, Frank Lloyd Wright (1936)................................................................29

    Figura 5 - Plano de Cidade Nova ou Plano Polidrelli (1901-1904) ...............................................36

    Figura 6 - Plano de Sistematizao ou Plano Palumbo (1929) ......................................................38

    Figura 7 - Plano Geral de Obras do Escritrio Saturnino de Brito, dcada 30...............................40

    Figura 8 - Plano Geral de Obras Estao, projeto da Estao Ferroviria, anos 30 .......................41

    Figura 9 - Plano Geral de Obras, projeto do Aeroporto, dcada de 30 ..........................................41

    Figura 10 - Presidente Roosevelt na Rampa...................................................................................42

    Figura 11 - Base americana em Parnamirim ..................................................................................46

    Figura 12 - Edifcio Sede da Comisso de Saneamento, projeto do Escritrio Saturnino de Brito, 1937 ......................................................................................................................................48

    Figura 13 - Edifcio Presidente Caf Filho ou do IPASE, de Raphael Galvo Jnior (1955)........48

    Figura 14 - Casas da Vila Ferroviria do IPASE (1953)................................................................48

    Figura 15 - Rdio/ Cine Nordeste, de Agnaldo Muniz (1958) .......................................................48

    Figura 16 - Sede do ABC Futebol Clube, de Agnaldo Muniz (1959) ............................................48

    Figura 17 - Terminal Rodovirio, de Raymundo Costa Gomes (1956) .........................................48

    Figura 18 - Sede da ASSEN, de Raymundo Costa Gomes (1963).................................................48

    Figura 19 - Sede da AABB, de Moacyr Gomes da Costa (1964)...................................................49

    Figura 20 - Sede do Amrica Futebol Clube (1959) ......................................................................50

    Figura 21 - Hotel Reis Magos (1962).............................................................................................50

    Figura 22 - Chal Rua Mossor...................................................................................................52

    Figura 23 - Chal Rua Potengi.....................................................................................................52

    Figura 24 - Primeira casa modernista de Natal, Rua Serid, 454 (1938) .......................................53

    Figura 25 - Painel com mosaico de azulejos (pesca), Rua Joaquim Manoel com Dionzio Filgueira..........................................................................................................................................55

    Figura 26 - Painel com mosaico de azulejos (salinas), Rua Afonso Pena com Au ......................55

    Figura 27 - Arquitetura de papel, de Moacyr Gomes da Costa, dcada 50 ................................56

    Figura 28 - Arquitetura de papel, de Moacyr Gomes da Costa, dcada 50 ................................56

    Figura 29 - Arquitetura de papel, de Moacyr Gomes da Costa, dcada 50 ................................56

    Figura 30 - Arquitetura de papel, de Moacyr Gomes da Costa, dcada 50 ................................56

    Figura 31 - Arquitetura de papel, de Moacyr Gomes da Costa, dcada 50 ................................56

  • Figura 32 - Arquitetura de papel, de Moacyr Gomes da Costa, dcada 50 ................................56

    Figura 33 - Vista area de Petrpolis e Tirol, dcada 60................................................................70

    Figura 34 - Mapa Petrpolis/ Tirol, Limites dos Bairros ...............................................................71

    Figura 35 - Mapa Petrpolis/ Tirol, rea Pesquisada no Arquivo Municipal de Natal .................73

    Figura 36 - Projeto do Arquivo Municipal de Natal, dcada 50.....................................................76

    Figura 37 - Projeto do Arquivo Municipal de Natal, dcada 50.....................................................76

    Figura 38 Mapa Petrpolis/ Tirol, Mapeamento das Residncias Modernistas Dcadas de 50 e 60 .........................................................................................................................................77

    Figura 39 - Recuos-jardins de Rino Levi .......................................................................................84

    Figura 40 - Casa de Argemiro Hungria Machardo, de Lcio Costa (1942) ...................................85

    Figura 41 - Casa Norchild, de Gregori Warchavchick (1931) .......................................................86

    Figura 42 - Casa de Lina Bo Bardi (1951) .....................................................................................86

    Figura 43 - Casa de Canoas, de Oscar Niemeyer (1953) ...............................................................87

    Figura 44 - Avenida Getlio Vargas, 554 (1962)...........................................................................87

    Figura 45 - Rua Dionzio Filgueira, 763 (1963).............................................................................87

    Figura 46 - Rua Cordeiro de Farias, s/n (1963)..............................................................................88

    Figura 47 - Avenida Hermes da Fonseca, 1214 (1968)..................................................................88

    Figura 48 - Implantao em lote irregular (exemplar 08, Quadro 2) .............................................89

    Figura 49 - Implantao longitudinal e lateral do lote (exemplar 06, Quadro 2) ...........................89

    Figura 50 - Implantao assimtrica/ irregular, colada nos limites do lote (exemplar 14, Quadro 3)........................................................................................................................................89

    Figura 51 - Implantao em lote de esquina (exemplar 01, Quadro 2) ..........................................89

    Figura 52 - Implantao longitudinal no centro e fundos do lote (exemplar 63, Quadro 3) ..........90

    Figura 53 - Implantao longitudinal no centro do lote (exemplar 105, Quadro 3).......................90

    Figura 54 - Casa de Juscelino Kubitschek, de Oscar Niemeyer (1943) .........................................91

    Figura 55 - Casa de Jadir de Souza, de Srgio Bernardes (1951) ..................................................91

    Figura 56 - Avenida Hermes da Fonseca com Teotnio de Carvalho (1961) ................................92

    Figura 57 - Casa de Joo Vilanova Artigas (1949) ........................................................................95

    Figura 58 - Casa de Carmen Portinho, de Affonso Reidy (1950-1952) .........................................95

    Figura 59 - Casa do Conde Raul de Crespi, de Gregori Warchavchick (1943) .............................95

    Figura 60 - Casa de campo de Geraldo Baptista, de Olavo Redig de Campos (1954)...................95

    Figura 61 - Prisma sobre prisma retangular, com platibanda sem beiral .......................................96

    Figura 62 - Prisma sobre prisma trapezoidal com uso do telhado-borboleta .................................96

    Figura 63 - Prisma sobre prisma retangular, Avenida Deodoro da Fonseca, 744 (exemplar 03, Quadro 2)........................................................................................................................................96

  • Figura 64 - Prisma sobre prisma retangular, Rua ngelo Varela com Costa Pinheiro (exemplar 47, Quadro 3).................................................................................................................96

    Figura 65 - Prisma sobre prisma com empena ...............................................................................97

    Figura 66 - Empena, Rua Au, 560 (exemplar 02, Quadro 2)........................................................97

    Figura 67 - Platibanda sem beiral, Rua Afonso Pena, s/n (exemplar 41, Quadro 3)......................97

    Figura 68 - Rua Afonso Pena com Jundia (1963) .........................................................................97

    Figura 69 - Volume retangular horizontal. Presena da platibanda com ou sem beiral .................98

    Figura 70 - Volume retangular horizontal com cobertura plana aparente e bloco da caixa dgua em destaque ........................................................................................................................98

    Figura 71 - Volume suspenso com base recuada............................................................................98

    Figura 72 - Fachada plana, Avenida Hermes da Fonseca, 744 (exemplar 22, Quadro 3) ..............98

    Figura 73 - Fachada inclinada, Avenida Hermes da Fonseca, 1174 (exemplar 01, Quadro 2) ......99

    Figura 74 - Frisos rebaixados e desenho em relevo, Rua Joaquim Manoel, 801 (exemplar 11, Quadro 3)........................................................................................................................................99

    Figura 75 - Pastilhas destacando vigas e pilares, Avenida Hermes da Fonseca, 448 (1962) .........99

    Figura 76 - Laje em balano e estrutura livre em moldura, Rua Au, 507 (1956).........................99

    Figura 77 - Casa de Walther Moreira Salles, de Olavo Redig de Campos (1951).........................102

    Figura 78 - Casa de Canoas, de Oscar Niemeyer (1953) ...............................................................102

    Figura 79 - Casa de Oswaldo Arthur Bratke (1953).......................................................................103

    Figura 80 - Casa de Paulo Mendes da Rocha (1964) .....................................................................103

    Figura 81 - Casa de Cunha Lima, de Joaquim Guedes (1958-1963)..............................................103

    Figura 82 - A estrutura e os jogos de espaos internos, Casa de Cunha Lima de Joaquim Guedes ............................................................................................................................................103

    Figura 83 - Marquise de entrada em concreto armado, Avenida Hermes da Fonseca com Teotnio de Carvalho (1961)..........................................................................................................104

    Figura 84 - Uso de esquadrias metlicas, Rua Campos Sales, 638 (1963) ....................................106

    Figura 85 - Janelas pivotantes em madeira e vidro, Avenida prudente de Morais, 637.................106

    Figura 86 - Casa de Roberto Marinho, de Lcio Costa (1937) ......................................................106

    Figura 87 - Casa de Paulo Candiota, de Lcio Costa (1950) .........................................................106

    Figura 88 - Croqui da janela tipo painel contnuo unindo dois ou mais ambientes .......................107

    Figura 89 - Cobertura inclinada com colcho de ar ventilado atravs de brises na empena, Rua Miguel Barra, 764 (1959)........................................................................................................109

    Figura 90 - Laje inclinada sob cobertura em telha cermica, Rua Maxaranguape, 690 (1964) .....109

    Figura 91 - Cobertura inclinada, empena e aberturas esfricas nas empenas para ventilao do colcho de ar, Avenida Deodoro, 611 (1958)............................................................................109

    Figura 92 - Cobertura plana com platibanda, Rua Jundia, 481 (1962)..........................................110

    Figura 93 - Cobertura plana com platibanda sem beiral, Rua Almeida Castro com Oliveira Galvo (1965) .................................................................................................................................110

  • Figura 94 - Casa de Lotta de Macedo Sares, de Srgio Bernardes (1953) .....................................110

    Figura 95 - Casa de Srgio Bernardes (1961) ................................................................................110

    Figura 96 - Cobertura plana sem platibanda, com sistema de cobertura aparente apoiado sobre pilares metlicos, Avenida Hermes da Fonseca, 1010 (exemplar 54, Quadro 3) .................111

    Figura 97 - Cobertura plana sem platibanda, com sistema de cobertura aparente apoiado sobre pilares de alvenaria, Rua Au, s/n (exemplar 63, Quadro 3) ................................................111

    Figura 98 - Coberturas planas, ventilao do colcho de ar atravs de rasgo na alvenaria, Avenida Hermes da Fonseca, 448 (1962).......................................................................................111

    Figura 99 - Brises protegendo o terrao de entrada da casa de Osmar Gonalves, de Oswaldo Corra Gonalves (1951) (exemplar 31, Quadro 1) .......................................................................112

    Figura 100 - Brises mveis para proteo da galeria voltada para o poente, Avenida Hermes da Fonseca, 533 (1955)...................................................................................................................113

    Figura 101 - Brises tipo ripado em madeira, Avenida Hermes da Fonseca, 448 (1962)................113

    Figura 102 - Painis de cobogs da casa de Oswaldo Arthur Bratke (1953) (exemplar 39, Quadro 1)........................................................................................................................................113

    Figura 103 - Cobogs no terrao da casa de Walter Moreira Salles, de Olavo Redig de Campos (1951) (exemplar 32, Quadro 1).......................................................................................113

    Figura 104 - Painel de trelias em madeira, casa de Oscar Niemeyer em Mendes RJ (1949) (exemplar 26, Quadro 1).................................................................................................................113

    Figura 105 - Cobogs em cermica vitrificada, Avenida Deodoro, 611 (1958) ............................114

    Figura 106 - Cobog e trelia em madeira, Avenida Deodoro, 611 (1958) ...................................114

    Figura 107 - Prgolas na galeria interna da casa de Milton Guper, de Rino Levi e Roberto Cerqueira Csar (1953)...................................................................................................................114

    Figura 108 - Prgolas em concreto armado na garagem da casa da Avenida Hermes da Fonseca, 448 (1962) .......................................................................................................................114

    Figura 109 - Casa de Roberto Lacase, de Vilanova Artigas (1939) ...............................................115

    Figura 110 - Fachada revestida em pedra rosada, Municpio de Parelhas .....................................115

    Figura 111 - Revestimento tipo Pedra de Parelhas em residncia modernista de Natal .............115

    Figura 112 - Revestimento em tijolo aparente, Rua Ana Nri, s/n (exemplar 56, Quadro 3) ........116

    Figura 113 - Revestimento externo em azulejo, projeto de Delfim Amorim.................................117

    Figura 114 - Revestimento em azulejo e pedra, Rua Miguel Barra, 766 (exemplar 51, Quadro 3).....................................................................................................................................................117

    Figura 115 - Mrmore rosado nas salas de estar e jantar, Avenida Hermes da Fonseca, 1076 (exemplar 04, Quadro 2).................................................................................................................118

    Figura 116 - Revestimento de reas molhadas em azulejos, Avenida Deodoro, 744 (exemplar 03, Quadro 2)..................................................................................................................................118

    Figura 117 - Aplicao do parquet no piso, forro e paredes, Avenida Hermes da Fonseca, 448 (exemplar 20, Quadro 3).................................................................................................................118

    Figura 118 - Desenhos para o primeiro projeto de decorao realizado por Joaquim Tenreiro.....120

  • Figura 119 - Residncia de Nanzita Ladeira Salgado, Cataguases-MG. Joaquim Tenreiro ..........120

    Figura 120 - Avenida Hermes da Fonseca, 1076, projeto arquitetnico e do mobilirio moderno do arquiteto Augusto Reinaldo Maia Neto (1955) (exemplar 04, Quadro 2)..................120

    Figura 121 - Mobilirio moderno, projeto da Casa Hollanda, Recife PE, Avenida Deodoro, 611 (1958) ......................................................................................................................................121

    Figura 122 - Mobilirio moderno, projeto da Casa Hollanda, Recife PE, Avenida Deodoro, 611 (1958) ......................................................................................................................................121

    Figura 123 - Mobilirio moderno, projeto da Casa Hollanda, Recife PE, Avenida Deodoro, 611 (1958) ......................................................................................................................................121

    Figura 124 - Mobilirio moderno, projeto da Casa Hollanda, Recife PE, Avenida Deodoro, 611 (1958) ......................................................................................................................................121

    Figura 125 - Moblia divisria, casa de Oswaldo Arthur Bratke (1953) (exemplar 39, Quadro 1).....................................................................................................................................................122

    Figura 126 - Estante divisria entre estar e bar, Avenida Hermes da Fonseca, 448 (exemplar 20, Quadro 3)..................................................................................................................................122

    Figura 127 - Painel de azulejos pintados por Marlene Galvo, Avenida Hermes da Fonseca, 448 (exemplar 20, Quadro 3)..........................................................................................................122

    Figura 128 - Painel abstrato em pedra, autor desconhecido, Avenida Deodoro, 611 (exemplar 08, Quadro 2)..................................................................................................................................123

    Figura 129 - Painel em ferro, autor desconhecido, Rua Joaquim Manoel, 801 (exemplar 11, Quadro 3)........................................................................................................................................123

    Figura 130 - Distino dos setores social, ntimo e de servio, Rua Jundia com Afonso Pena (1963) (exemplar 29, Quadro 3) .....................................................................................................126

    Figura 131 - Antes Caractersticas originais da residncia modernista Rua Afonso Pena....136 Figura 132 - Depois Mudana de uso e descaracterizao da residncia modernista Rua Afonso Pena....................................................................................................................................136

    Figura 133 - Abandono do Hotel Reis Magos, projeto de 1962.....................................................137

    Figura 134 - Abandono do Hotel Reis Magos, projeto de 1962.....................................................137

    Figura 135 - Antes - Residncia Rua Afonso Pena com Jundia.............................................137 Figura 136 - Depois Demolio em novembro de 2003 da Residncia Rua Afonso Pena com Jundia ............................................................................................................................137

    Figura 137 - Abandono da residncia modernista Rua Nilo Peanha .........................................137

  • SUMRIO

    1 INTRODUO ....................................................................................................................... 14 2 BRAZIL BUILD(ING)S: O PARADIGMA RESIDENCIAL MODERNISTA BRASILEIRO ............................................................................................................................. 24 2.1 PARTICULARIDADES BRASILEIRAS.............................................................................. 24

    2.1.1 Sobre a casa modernista brasileira .................................................................................. 28 3 NATAL BUILD(ING)S: O SOTAQUE MODERNISTA POTIGUAR .............................. 35 3.1 PARTICULARIDADES POTIGUARES .............................................................................. 35

    3.1.1 Da cidade dorminhoquenta Natal moderna............................................................. 35 3.1.2 O Processo de urbanizao tardio.................................................................................... 35 3.1.3 Segunda Guerra Mundial: Trampolim da Vitria e da Modernidade......................... 42 3.1.4 Concretizando um iderio................................................................................................. 453.1.5 Sobre a casa modernista potiguar.................................................................................... 51 4 ANLISE DO ACERVO RESIDENCIAL MODERNISTA POTIGUAR A PARTIR DO PARADIGMA RESIDENCIAL MODERNISTA BRASILEIRO .................................. 62 4.1 ANLISE DO PARADIGMA RESIDENCIAL MODERNISTA BRASILEIRO ................ 62

    4.2 SOBRE O ACERVO INVESTIGADO.................................................................................. 70

    4.2.1 Casas da dcada de 50 ....................................................................................................... 76 4.2.2 Casas da dcada de 60 ....................................................................................................... 78 4.3 ANLISE DO ACERVO RESIDENCIAL MODERNISTA POTIGUAR ........................... 82

    5 CONSIDERAES FINAIS.................................................................................................. 129 REFERNCIAS ......................................................................................................................... 138 ANEXOS

  • 14

    1 INTRODUO

    A arquitetura moderna brasileira reconhecida internacionalmente atravs,

    principalmente, de seus cones cariocas e paulistas, ainda mais especificamente, das obras de

    Niemeyer do Ministrio da Educao e Sade at Braslia, os smbolos da modernidade

    brasileira, vm sendo consagrados tanto pelos clssicos da historiografia geral - Goodwin

    (1943), Frampton (1997), Benvolo (1976), Curtis (1996) - quanto por estudos de

    pesquisadores internacionais mais recentes. Na bibliografia dedicada especificamente

    arquitetura brasileira - Mindlin (2000), Lemos (1979), Segawa (2002) e Cavalcanti (2001) - os

    Brazil Build(ing)s so, sobretudo obras de arquitetos do eixo Rio - So Paulo que representam

    o paradigma modernista nacional havendo, por vezes referncias regionais, como o caso da

    escola de Recife (BRUAND, 2002) 1.

    Mais recentemente, no entanto, tem havido no Brasil um esforo no sentido de

    documentar e analisar as diversas produes regionais da arquitetura moderna do pas, o que

    devido em grande parte s atividades do DOCOMOMO Documentao e Conservao do

    Movimento Moderno, como evidenciam as pesquisas reunidas em sua Biblioteca - Arruda

    (1999), Canez (1998), Silva (1991), Weimer (1998),... e nos Arquitextos de Vitruvius -

    Luccas (2000), Amorim (2001), Derenji (2001). Geralmente, estes trazem tona os [...]

    acrscimos locais: o surgimento de novos atores, estrangeiros e nativos e a homogeneidade

    ou heterogeneidade da produo nacional; as similitudes e afastamentos dos padres

    hegemnicos nacionais.(MARQUES; NASLAVSKY, 2001)2

    No caso da produo potiguar, essa tarefa ainda est por ser feita, j que at o

    momento foram realizados apenas estudos pontuais - como, por exemplo, em trabalhos

    acadmicos para disciplinas de Teoria e Histria da Arquitetura ou monografias da graduao.

    A maioria destas monografias objetiva uma documentao das obras tentando contribuir para

    um futuro inventrio como o caso dos trabalhos realizados sob a orientao da Prof. Dr.

    Edja Trigueiro3.

    1 Em sua reviso historiogrfica da arquitetura moderna brasileira, Tinem (2002) reafirma o reconhecimento da produo do Sudeste como paradigma nacional, salvo a verso cannica de Bruand (2002) que prope uma sntese ampliada dos trabalhos anteriores, estendendo sua anlise para algumas regies perifricas, como Salvador e Recife. 2 MARQUES, Snia; NASLAVSKY, Guilah. Estilo ou causa? Como, quando e onde? (Os conceitos e limites da historiografia nacional sobre o movimento moderno). Disponvel em: . Acesso em 16 de abril de 2001.3 O trabalho de registro e documentao do acervo modernista natalense coordenado pela Profa. Dra. Edja Trigueiro j atingiu, dentre outras pontos, os bairros de Cidade Alta, Petrpolis e Tirol, bem como cidades do interior do Rio Grande do Norte, como Caic, na regio do Serid.

  • 15

    Por outro lado, outros estudos de carter mais avaliativo no escapam da tendncia de

    minimizar a produo local face quelas emblemticas do Sudeste brasileiro. Este , por

    exemplo, o tom de uma publicao recente, na qual j no Prefcio, escrito pelo Prof. Dr.

    Carlos Newton Jnior, pode-se ler:

    [...] a Arquitetura produzida em Natal, ainda hoje [...], deixa a desejar em relao, de capitais vizinhas, como Fortaleza ou Paraba (sic). Isso para no falar numa cidade como Recife, de maior tradio arquitetnica e cultural (NEWTON JNIOR , 1998 apud SANTOS, 2002a, p. 10).

    Seguindo o mesmo julgamento de valor, o autor do livro, Prof. Dr. Pedro Antnio de

    Lima Santos, faz o seguinte comentrio sobre a arquitetura norte-riograndense na nota:

    [...] o que se tem so verses reduzidas nas suas dimenses ou nas solues estticas em relao aos modelos existentes em outras localidades do pas e que, eventualmente, lhes serviram de referncia (SANTOS, 2002a, p. 14). Em algumas situaes, tambm se poderia creditar defasagem e situao perifrica a ausncia de uma concepo erudita do projeto, alm da utilizao de elementos arquitetnicos de outros estilos (SANTOS, 2002b, p. 99).

    Diante desses apontamentos surgem as seguintes questes: teriam os autores

    submetidos os exemplares da arquitetura moderna potiguar a uma anlise acurada que

    permitisse assumir um tal tom de humildade? Ou esse julgamento no tem sido assumido a

    priori na esteira de uma tendncia dominante dos estudos?

    De nossa parte, no pretendemos responder a essas questes no presente estudo. Dado

    o seu pioneirismo, esta pesquisa tem, acima de tudo, o objetivo (1) de apresentar e divulgar

    a Arquitetura Moderna Potiguar. Interessa-nos, sobretudo dizer: Yes, ns temos

    arquitetura moderna!...4 para que o material reunido e analisado possa contribuir para a

    insero da Arquitetura Moderna Potiguar no cenrio arquitetnico nacional, ocupando um

    lugar at agora negado tanto pelo desconhecimento da sua existncia, como pelo no

    reconhecimento do seu valor.

    Sendo dada a natureza de um trabalho de dissertao, bem como a especificidade do

    processo de modernizao potiguar, optamos por reconstituir a evoluo da modernidade em

    4 Durante os anos 30 e 40, o bordo Yes, ns temos bananas! tornou-se smbolo da divulgao e do reconhecimento internacional da msica popular brasileira e dos cones tropicais atravs da figura de Carmen Miranda. O ttulo Yes, ns temos arquitetura moderna! soa como uma aluso proposital e possui o mesmo valor simblico de valorizao e divulgao do produto local, alm de fazer referncia presena americana em Natal durante a II Guerra Mundial.

  • 16

    Natal atravs dos seus exemplares residenciais. Resultados preliminares desta pesquisa foram

    apresentados no IV Seminrio DOCOMOMO Brasil5 e no III Seminrio Internacional

    Patrimnio e Cidade Contempornea6.

    Este estudo se faz necessrio no somente como divulgador da arquitetura moderna

    em Natal e de sua contribuio para o quadro da arquitetura nacional, mas como oportunidade

    de analisar e registrar um acervo que, diante das transformaes urbanas, pode desaparecer

    em muito pouco tempo, deixando para trs a memria, em nossa opinio, de um dos perodos

    mais frteis da produo arquitetnica local.

    De fato, no decorrer do levantamento do acervo pudemos constatar com mais rigor a

    crescente ameaa que pesa no somente sobre as residncias modernistas de grande valor,

    mas sobre o patrimnio modernista em geral desta cidade.

    Ao contrrio do que pensvamos quando do incio da pesquisa, boa parte do acervo

    modernista produzido na dcada de 50 desapareceu antes mesmo das transformaes urbanas

    que se intensificaram nas dcadas de 80 e 90. Em alguns casos, observamos a substituio das

    casas modernas por exemplares tambm modernistas, fato que contraria o comum processo de

    renovao arquitetnica baseado na sucesso peridica de estilos e modelos que seguem a

    moda arquitetnica do momento. As reformas que tenderiam a sugerir estilos diferentes do

    moderno repetiam as linhas modernizantes das residncias demolidas. Em um segundo

    momento do processo de desmonte, verifica-se a fora das novas demandas urbanas como

    pea-chave para o desmantelamento do acervo moderno.

    Atualmente, cones da modernidade potiguar - como o Hotel Reis Magos, de autoria

    de Waldecy Fernandes Pinto, Antnio Pedro Pina Didier e Renato Gonalves Torres,

    arquitetos do Recife, assim como uma edificao de lvaro Vital Brasil - encontra-se em

    estado de franca deteriorao, ao mesmo tempo em que outras edificaes vm sendo

    demolidas ou desfiguradas por reformas fatais, incluindo residncias pertencentes ao universo

    de estudo da nossa pesquisa.

    Diante do exposto, a documentao do acervo moderno de Natal ajudar tanto na

    divulgao do modernismo e desenvolvimento de outros estudos como tambm poder

    fundamentar aes preservacionistas, j que, o problema da preservao do legado modernista

    5 MELO, Alexandra Consulin Seabra de. Arquitetura Residencial Moderna Potiguar: Reflexo de uma Realidade, Formao de uma Identidade. In: SEMINRIO DA DOCUMENTAO E CONSERVAO DO MOVIMENTO MODERNO, 4., 2001, Viosa. Caderno de Resumos... Viosa e Cataguases, 2001. 6 MELO, Alexandra Consulin Seabra de; MARQUES, Snia. Aqui Jaz uma Modernidade... O Processo de Desmonte da Modernidade (Residencial) em Natal. In: SEMINRIO INTERNACIONAL PATRIMNIO E CIDADE CONTEMPORNEA, 2., 2002, Salvador. Caderno de Resumos... Salvador, 2002.

  • 17

    atinge todo o territrio nacional, e demonstra que a questo da preservao do moderno uma

    causa urgente.

    Referencial terico-metodolgico

    A tarefa de registro e divulgao da arquitetura residencial moderna potiguar tem por

    objetivo (2) investigar como foi a resposta natalense s influncias do modelo moderno

    difundido pelas Escolas do Sudeste, destaque para a Escola Carioca - fontes invariveis de

    referncia para as outras modernidades7 - atravs da avaliao de caractersticas que, no

    raramente, tornaram-se fundamentais para a concepo dos exemplares mais representativos

    das casas modernas brasileiras.

    A pesquisa parte da hiptese de que as caractersticas formais, construtivas e

    espaciais das casas modernas de Natal correspondem a (mais) uma traduo do

    repertrio modernista brasileiro, tendo como resultado uma modernidade mpar, com

    sotaque potiguar.

    A construo desta hiptese foi fundamentada a partir das definies, observaes e

    crticas8 apresentadas pela bibliografia especializada, seja ela sobre a historiografia geral ou

    dedicada ao modernismo brasileiro, onde o movimento obteve uma de suas tradues mais

    representativas e diferenciadas, reafirmando o seu carter heterogneo diante dos

    condicionantes locais, inicialmente desconsiderados pelos racionalistas mais doutrinrios e

    somente revistos a partir do revisionismo dos anos 60.

    A hiptese aponta trs pontos de partida para a anlise em questo: forma, tcnica e

    funo. Tais elementos de decomposio da arquitetura relembram a doutrina vitruviana

    venustas, firmitas e utilitas que, nesse estudo ser acrescida da relao com o entorno, visto

    que a arquitetura est inserida em um cenrio que muito condiciona a implantao da trade

    mencionada. Tinem (2002) enfatiza a preocupao dos modernistas brasileiros em retratar o

    lugar, movendo-se entre a tradio e a modernidade, assim como preconizou Le Corbusier.

    Sendo assim, a investigao do paralelo entre as casas brasileiras e os exemplares

    potiguares ser feita com base nos seguintes critrios de anlise:

    A relao entre implantao e lote, que inclui a posio da edificao no lote,

    recuos, orientao, topografia;

    7 O termo outras modernidades foi tomado de emprstimo de Hugo Segawa. 8 No caso deste estudo, a conceituao do moderno estar atrelada abordagem da definio da casa moderna que se construiu atravs do forte vnculo com as idias revolucionrias que entraram em ebulio no incio do sculo XX, na Europa, e se expandiram pelo mundo dando origem ao Movimento Moderno.

  • 18

    Aspectos estticos e formais, que englobam a composio dos volumes e das

    fachadas;

    Aspectos construtivos, relacionados s solues e materiais utilizados, estrutura,

    dando nfase adaptao ao clima tropical e sntese entre o tradicional e o moderno;

    Aspectos espaciais, que envolvem, alm dos aspectos programticos, a posio e

    organizao dos espaos considerando questes de conforto ambiental (controle da insolao,

    ventilao e chuvas) e a tendncia ao zoneamento, uma caracterstica da casa brasileira.

    Alm de serem aplicados na avaliao do repertrio modernista brasileiro, esses

    mesmos itens sero utilizados para a avaliao das casas da amostra local com o intuito de

    formar matrizes de anlise capazes de sistematizar as informaes obtidas auxiliando as

    concluses finais.

    Em uma avaliao breve a partir desses aspectos, a conceitualizao do repertrio

    modernista brasileiro - que ir direcionar o paralelo entre as casas brasileiras e os

    exemplares locais - resume-se em quatro caractersticas recorrentes:

    Carter nacionalista: arquitetura como smbolo e identidade nacional;

    Linguagem diferenciada: plasticidade da forma;

    Vnculo com o passado: tradio;

    Vnculo com o lugar: adaptao ao clima.

    Nessa caracterizao prvia, ressalta-se que as diferenas de contexto, clientes e

    ideologias resultaram numa modernidade caracterizada por uma linguagem mais livre,

    marcada pela sntese entre os preceitos racionalistas e os elementos da tradio colonial, entre

    as caractersticas formais nativas (incluindo os estilos historicizantes), as novas tcnicas

    construtivas e a necessidade de adequao da arquitetura europia ao clima tropical. Uma

    arquitetura de carter nacional que se tornou o diferencial brasileiro no cenrio modernista

    internacional, como resume Tinem (2002):

    A arquitetura brasileira obtm visibilidade pela liberdade com que adota esses pressupostos [do movimento moderno], ao mesmo tempo em que se mantm absolutamente fiel a eles. Frente s crticas dirigidas ao carter internacional do movimento, fala desde um lugar especfico sem perder a sua contemporaneidade. Olha o passado, mas se revela eminentemente moderna. formalista e ao mesmo tempo eminentemente racional. Advoga uma funo social, mas , em sua essncia, elitista (TINEM, 2002, p. 22).

  • 19

    Considerar a modernidade natalense como algo mpar constitui-se uma conseqncia

    do carter heterogneo da arquitetura moderna brasileira. O enriquecimento atravs dos

    acrscimos regionais trouxe tona especificidades e nuances diferenciadas, consideradas

    por Cavalcanti (2001) como formadoras de um sotaque, tanto pelo afastamento da linguagem

    nacional dos cnones europeus, em que "[...] os arquitetos brasileiros tiveram participao

    fundamental no surgimento de um sotaque das Amricas na linguagem do modernismo

    internacional (CAVALCANTI, 2001, p. 21), quanto pela regionalizao do modelo nacional

    atravs da formao de [...] uma linguagem prpria, com sotaques diferenciados e

    individualizados nas mais diversas regies (CAVALCANTI, 2001, p. 90).

    Definimos o termo sotaque, de acordo com Mattoso Cmara, como um conjunto de traos fonolgicos especficos que caracterizam a pronncia numa modalidade regional de lngua. [...] O significado social atribudo s variedades de sotaque e dialeto determinado, na maioria das vezes, pelo que chamamos de esteretipos (MELO, 2000)9.

    Mesmo sendo constituda de uma linguagem que no pode ser ouvida, a arquitetura

    desenvolve sotaques no momento em que se observam desvios da linguagem erudita.

    Detalhes, muitas vezes imperceptveis, que diferenciam pronncias caractersticas de uma

    determinada regio.

    Diante do exposto, e considerando que seja comprovada a singularidade da

    modernidade local em relao ao repertrio paradigmtico brasileiro, definiremos a

    linguagem resultante da articulao dos sons arquitetnicos (forma, tcnica e funo) como

    sotaque potiguar, tomando de emprstimo o termo utilizado por Cavalcanti (2001).

    Aps o embasamento terico e a formulao do quadro conceitual - leia-se o que o

    repertorio modernista paradigmtico no Brasil: o cnone sudeste maravilha? Quais os

    critrios para avaliar? Quem segue, quem se afasta e como? - a pesquisa se encaminhou para a

    seleo do universo de estudo que, posteriormente, viria a ser a fonte para a definio da

    amostra de anlise. A constituio desse acervo maior se deu, inicialmente, atravs de um

    recorte cronolgico e espacial que definiu a rea e o perodo escolhidos para a abordagem.

    A seleo considerou os bairros de Tirol e Petrpolis ento bairro Cidade Nova

    porque dados fotogrficos e documentais registram essa rea como sendo o celeiro dos

    9 MELO, Djalma Cavalcante. Braslia j tem seu dialeto: o dialeto de Braslia caracteriza-se por no possuir traos marcantes esteriotipados. Disponvel em: . Acesso em 20 de maio de 2003.

  • 20

    projetos de linhas modernas nas dcadas de 50 e 60, perodo de disseminao do novo estilo

    na cidade10 (ver figura 1).

    Ao falar em projetos de linhas modernas subentende-se que para o levantamento

    inicial foram utilizados critrios - fundamentados nos conceitos arquetpicos de moderno -

    para a definio do partido arquitetnico moderno. Obviamente, trata-se de uma

    caracterizao superficial, baseada em elementos recorrentes, e que, num primeiro instante,

    possibilitaria a escolha dos exemplares mais prximos das matrizes brasileiras. Sendo assim, a

    seleo obedeceu a priori os seguintes itens: forma, volumetria11 e o acesso ao material

    grfico (fotos, desenhos,...).

    Determinados os recortes e as caracterizaes, do partido arquitetnico moderno,

    partiu-se para a coleta de dados (levantamentos fotogrfico e documental, depoimentos,...) e

    definio do universo de estudo, ou seja, do acervo residencial modernista de Natal.

    Como resultado do levantamento dos exemplares nos dois bairros, foi identificado um

    universo de estudo constitudo por 473 exemplares, dentre eles 270 exemplares

    remanescentes e fotografados e 246 projetos do Arquivo Municipal de Natal.

    Para a seleo da amostra diante de um acervo to numeroso, foram utilizados os

    mesmos critrios iniciais de partido, no entanto, a avaliao foi mais rgida com relao ao

    conceito das linhas modernizantes determinadas anteriormente. A triagem ser direcionada

    a partir de trs importantes pontos que definiram o quadro da arquitetura residencial moderna

    brasileira: a forma e volumetria; a sntese entre o tradicional e o moderno; e a dimenso

    dos exemplares12.

    10 A tarefa de coleta de dados foi realizada com base em dois inventrios, Ramos (2000) e Correia; Cerqueira et al (1999), relativos aos bairros de Petrpolis e Tirol, respectivamente. 11 Nesse trabalho, forma e volumetria possuem definies distintas, embora complementares. O conceito de forma engloba os planos, fachadas e superfcies, enquanto a volumetria refere-se ao aspecto do volume slido, da caixa em si. 12 Esses trs pontos sero apresentados mais detalhadamente no Captulo 4, quando haver uma abordagem mais ampla sobre o acervo utilizado na anlise.

  • 21

    FIGURA 1

  • 22

    Avaliando os exemplares atravs desses trs pontos, obteve-se como resultado uma

    amostra para anlise constituda dos 68 exemplares que melhor representam aspectos

    tipicamente modernizantes como: a valorizao dos volumes geomtricos e das linhas puras e

    simples; a predominncia dos vazios sobre os cheios; a ausncia de elementos decorativos; o

    uso de elementos vazados, cobogs e releituras dos brises-soleils; a utilizao de novos

    materiais e solues construtivas - o concreto armado e as lajes e pilares, combinados com os

    tradicionais - os beirais, a estrutura de madeira, etc.; a adequao da planta e da ocupao do

    lote diante da nova rotina domstica e da presena do automvel.

    Essa amostragem representar o que era tido como arquitetura residencial moderna

    potiguar das dcadas de 50 e 60 pelos profissionais atuantes na cidade. O seu estudo engloba

    divergncias entre conceitos e interpretaes que advm tanto de diferentes pontos de vista e

    variveis relativas ao ato de projetar - pensamento arquitetnico corrente, ideologias e

    individualidade ao projetar -, como tambm dos condicionantes climticos, sociais,

    tecnolgicos e econmicos especficos a uma determinada localidade.

    Como mencionado anteriormente, a caracterizao feita a respeito das residncias

    escolhidas em Natal seguir os mesmos critrios de anlise utilizados para avaliao do

    modelo brasileiro. A sistematizao de tais informaes tambm resultar em uma matriz de

    anlise que representar o modelo residencial modernista potiguar.

    As matrizes nacional e local tero uma funo redutora que possibilitar a

    sistematizao das informaes, tanto dos exemplares de referncia quanto dos locais,

    fundamentando o confronto entre as duas produes arquitetnicas. Para melhor compreenso

    do tema abordado neste estudo, o texto foi dividido em trs captulos que sero apresentados a

    seguir.

    No segundo captulo, Brazil Build(ing)s: O Paradigma Residencial Modernista

    Brasileiro13, com base nos conceitos do modernismo brasileiro contidos nos textos de autores

    consagrados - Mindlin (2000), Bruand (2002), Cavalcanti (2001) - sero expostas as

    caractersticas do paradigma modernista brasileiro e suas referncias internacionais, sempre

    fazendo a ponte com a definio da casa modernista brasileira.

    O terceiro captulo, Natal Build(ing)s: O Sotaque Modernista Potiguar, traz

    inicialmente a reconstituio do processo de modernizao da cidade do Natal a partir da

    13 Os Captulos 02 e 03, que apresentam a produo modernista nacional e local, respectivamente, possuem ttulos alusivos ao Brazil Builds, livro de Phillip Goodwin lanado em 1943 durante a mostra no Museu de Arte Moderna de Nova Iork, e o primeiro a apresentar os primrdios da arquitetura moderna do Brasil, destacando a sua originalidade diante das adaptaes do modernismo europeu realidade local e, principalmente, levando essa produo ao reconhecimento mundial. A denominao Natal Build(ing)s possui a inteno de divulgar os cones modernistas potiguares, tornando-os conhecidos e reconhecidos pelo seu valor arquitetnico no cenrio nacional.

  • 23

    urbanizao tardia ocorrida no incio do sculo XX com a implantao dos Planos de

    Urbanizao e as transformaes promovidas pela presena americana em funo da II Guerra

    Mundial. Nesse discurso estaro includas abordagens sobre a insero e concretizao do

    iderio modernista na cidade considerando a defasagem tecnolgica, representada por uma

    incipiente e despreparada indstria da construo, que contribuiu para a criao de mais um

    vis da esttica moderna desde a sua primeira modernidade. Isso ocorreu no bairro da Ribeira,

    com a construo de prdios pblicos, at a segunda modernidade, a das residncias que

    ocuparam os bairros de Petrpolis e Tirol. Em seguida, sero estudados os reflexos do

    manuseio do lxico modernista, com as suas devidas adaptaes e particularidades locais,

    sobre a definio de uma casa moderna com sotaque potiguar.

    Por fim, o quarto captulo, Anlise do Acervo Modernista Residencial Potiguar a

    partir do Paradigma Residencial Modernista Brasileiro, apresenta a anlise das

    caractersticas e peculiaridades da arquitetura residencial moderna no Brasil e em Natal, alm

    de um paralelo entre as amostras nacional e local consideradas na pesquisa. Nessa tarefa,

    tornou-se fundamental a definio do partido arquitetnico moderno segundo elementos

    formais, espaciais e construtivos recorrentes tanto no paradigma nacional quanto na traduo

    local, resultante das adequaes e ajustes em decorrncia das imposies dos condicionantes

    locais (cultura, clima e tectnica). A sistematizao, resultado do trabalho a partir das

    matrizes de anlise, trabalha com a hiptese da classificao das obras em categorias ou

    modelos arquetpicos, permitindo a avaliao final e os comentrios conclusivos.

  • 24

    2 BRAZIL BUIL(ING)S: O PARADIGMA RESIDENCIAL MODERNISTA

    BRASILEIRO

    2.1 PARTICULARIDADES BRASILEIRAS

    Os textos sobre modernidade brasileira, desde os clssicos at os mais recentes,

    mesmo os que tentam ser mais abrangentes e fugir dos cones cariocas e paulistas, como

    Segawa (2002) e outras modernidades , tendem a consagrar ou re-consagrar esses cones,

    ignorar as produes locais e regionais ou considerar essas expresses como modernidades

    provincianas ou mesmo inferiores. Isso tem influenciado inclusive os julgamentos de valor

    das prprias pesquisas locais sobre o modernismo que vem se desenvolvendo no pas14,

    acompanhado pelo DOCOMOMO, do Oiapoque ao Chu, de Teresina at Cuiab, Porto

    Alegre, Pelotas, etc.

    Por outro lado, nos ltimos anos, quase todos os textos sobre modernidade esbarram

    em um mesmo dilema: definir o conceito de moderno. Avaliaes e pesquisas ainda no

    conseguiram denominar precisamente no que consiste a modernidade arquitetnica; no

    entanto, se apiam em interpretaes consensuais e em caractersticas marcantes e

    reincidentes que permitem construir tendncias para a caracterizao do estilo capazes de

    fundamentar alguns estudos.

    Neste trabalho, seguiremos a atual tendncia da bibliografia especializada15 em julgar

    o modernismo em termos de um processo heterogneo, com particularidades nacionais, mas

    tambm disseminadas no interior de cada pas.

    Exemplificando essas especificidades, no formato de releituras dos paradigmas

    modernistas internacionais, est a Modernidade Brasileira, que ganhou representatividade

    atravs do seu modo particular de traduzir o ideal moderno diante dos condicionantes locais.

    Como resposta a esse processo de adequao desenvolveu-se um sub-cdigo representado por

    uma linguagem mais livre e potica.

    Sou a favor de uma liberdade plstica quase ilimitada, liberdade que no se subordine servilmente s razes de determinadas tcnicas ou do funcionalismo, mas que continua, em primeiro lugar, um convite imaginao, s coisas belas, capazes de surpreender e emocionar pelo que representam de novo, criador; liberdade que possibilite quando desejvel as atmosferas de xtase, de sonho, poesia. (NIEMEYER, Oscar. Forma e

    14 Estudos reunidos na Biblioteca DOCOMOMO. 15 Bruand (2002), Cavalcanti (2001); Segawa (1999); Mindlin (2000), Benvolo (1976); Frampton (1997), etc.,

  • 25

    Funo na Arquitetura. Arte em Revista, So Paulo, ano II, n. 4, p. 57, ago, 1980).

    De acordo com a historiografia geral16, na Europa, a Revoluo Industrial e o ps-

    guerra determinaram todas as diretrizes para a consolidao do Movimento Moderno,

    incluindo a idealizao da casa paradigmtica que deveria atender s principais demandas da

    sociedade europia do incio do sculo: [...] o aperfeioamento do aparelho produtivo, das

    residncias e dos servios [...] (BENVOLO, 1976, p. 426). Essa realidade fez com que a

    arquitetura moderna tivesse como tema central habitao popular, uma preocupao que

    abrangia no somente a proviso de moradias, mas tambm a qualidade de vida englobando o

    crescimento da cidade industrial17.

    No Brasil da virada do sculo, a discusso sobre a moradia popular desenvolveu-se a

    partir da vertente higienista que buscava contornar o caos conseqente do acelerado e

    desordenado processo de urbanizao que caracterizou os primeiros anos do sculo XX.

    Somente na dcada de 20 que o Estado, representado por Getlio Vargas, apresenta a

    arquitetura moderna ao Brasil. Da Era Vargas at Braslia, a modernidade arquitetnica

    brasileira dissemina-se inicialmente como a linguagem ideal capaz de traduzir o nacional-

    desenvolvimentismo do governo de Getlio Vargas - que culminou com a construo de

    Braslia e somente aps a Segunda Guerra, segundo Bonduki (1998), constitui-se como uma

    cartilha eficaz para a implantao de uma poltica habitacional estatal de construo em massa

    de casas para a classe trabalhadora18.

    A renovao da arquitetura brasileira, ante o neocolonialismo vigente, se deu com uma

    modernidade muito particular, no somente no que diz respeito a sua causa, mas tambm

    como resposta integrao de valores tradicionais que se refletiu tanto na representao

    esttica quanto na organizao espacial. Neste caso, essa unio entre a tradio e os preceitos

    modernistas resultaram em uma linguagem arquitetnica diferenciada, em que elementos e

    solues passadistas compem concepes inovadoras sem comprometer a essncia

    revolucionria da nova arquitetura. A modernidade brasileira, caracterizada pela sua

    linguagem mais livre, surgiu a partir da mescla entre os preceitos racionalistas e os elementos

    da tradio colonial, entre as caractersticas formais nativas incluindo os estilos

    16 Benvolo (1976), De Fusco (1981), Framptom (1997), etc. 17 Conceitos como universalidade, racionalidade, funcionalismo, padronizao e existenzminimum, bem como a participao dos CIAMs, as diretrizes da Carta de Atenas e a fundao da Bauhaus, influenciaram e determinaram a reconstruo da Europa, propondo um novo modelo de casa, de cidade, um novo modo de vida. Do ponto de vista esttico, a cultura mimtica e historicista seria substituda pela vanguarda figurativa. 18 Os exemplares que marcaram essa poca foram o Complexo Habitacional do Pedregulho e o da Gvea, ambos de Affonso Eduardo Reidy, que seguiu a linha de Le Corbusier para a Unidade de Habitao.

  • 26

    historicizantes, as novas tcnicas construtivas e as necessidades de adequao da nova

    arquitetura ao clima local.

    Essa integrao resultou em uma linguagem potica que impressionou at os

    modernistas mais conservadores. A arquitetura foi alm da rigidez erudita para dar espao

    intuio e ao talento de nossos arquitetos. Formou-se uma linguagem prpria, com sotaques

    diferenciados e individualizados nas mais diversas regies (CAVALCANTI, 2001, p. 90),

    reinterpretaes do legado paradigmtico modernista que traduziram os contextos nos quais

    foram inseridos. Aqui, alm das peculiaridades programticas, observamos as singularidades

    formais, resultantes das condies climticas e da disponibilidade de materiais. Como

    menciona Cavalcanti (2001), esse foi um momento singular de assimilaes transformadoras

    apesar da forte inspirao racionalista corbusieriana.

    Paralelamente, a singularidade da linguagem moderna brasileira feita atravs de

    diferentes interpretaes da cartilha modernista tambm se fez com o surgimento de duas

    importantes Escolas de referncia nacional e a presena dessas duas vertentes se refletiu tanto

    na arquitetura pblica quanto na privada, como mencionam os estudos de Lemos (1979),

    Segawa (2002), Bruand (2002), Cavalcanti (2001) e Mindlin (2000)19.

    O surgimento das Escolas Carioca e Paulista foi um dos resultados das diferentes

    interpretaes da cartilha modernista no contexto nacional e a produo dessas duas correntes

    se refletiu tanto na arquitetura pblica quanto na privada, inclusive nas residncias, como

    mencionam os estudos clssicos sobre a histria do modernismo brasileiro.

    A Escola Carioca, ou seja, a dos arquitetos formados pela ENBA - Escola Nacional de

    Belas Artes do Rio de Janeiro (mais tarde, Faculdade Nacional de Arquitetura da

    Universidade do Brasil - RJ), teve Lcio Costa como um dos protagonistas mais importantes

    no momento de transio entre o neocolonialismo e a linguagem que refletia o modelo

    moderno corbusieriano. A partir de 1936, com o projeto do Ministrio da Educao e Sade,

    a Escola Carioca garante a insero de um novo estilo e o destaque de protagonistas como

    Affonso Eduardo Reidy, os irmos Roberto e Oscar Niemeyer, o disseminador das formas

    poticas. Iniciava-se um novo momento arquitetnico, cujo pice ocorreu com a inaugurao,

    em 1960, de Braslia, representante maior da linguagem modernista clssica brasileira.

    A Escola Paulista, representada pela Escola Politcnica de So Paulo, surgiu para

    complementar o racionalismo difundido no Rio de Janeiro diante da influncia organicista de

    19 Os trs ltimos autores esto entre os que mais detalham as caractersticas da casa brasileira, portanto, a conceitualizao utilizada como referncia no presente trabalho foi construda a partir das residncias citadas e comentadas nesses estudos.

  • 27

    Frank Lloyd Wright. Indo mais alm, Joo Villanova Artigas, um de seus maiores difusores,

    atribuiu arquitetura moderna um carter tcnico, poltico e social, subliminando a linguagem

    formal. Um momento muito representativo desse perodo de desenvolvimento de padres

    prprios ocorreu em 1928, com a casa modernista do arquiteto Gregori Warchavchick (figura

    2).

    Aqui, a referncia ao desenvolvimento de caractersticas especificamente brasileiras

    est vinculada aos resultados das restries impostas pelas limitaes da indstria da

    construo que se refletiram em um afastamento da cartilha modernista europia diante de

    reinterpretaes e adaptaes.

    A casa da Rua Santa Cruz,

    mesmo que no to fiel aos preceitos

    da tcnica e esttica moderna, marca

    o incio do manuseio do lxico

    modernista para paulistas (e

    brasileiros) e, principalmente, abre o

    captulo sobre a histria da casa

    modernista no Brasil. Mais tarde, o

    geometrismo desnudo adotado por Warchavchick impressionaria o prprio Wright. De acordo

    com Santos (1981), Bruand (2002), etc., o balco prismtico branco, observado na casa

    carioca da Rua dos Toneleros (1931), influencia o arquiteto americano na concepo da Casa

    da Cascata, residncia que se tornou o referencial paradigmtico de organicistas como

    Vilanova Artigas, Rino Levi e Oswaldo Bratke.

    Com relao a essa tnue diferena de conceitos entre Rio de Janeiro e So Paulo,

    percebe-se que no ps-guerra a ento capital do Brasil exerceu grande influncia cultural em

    vrias partes do pas. Sobre a difuso dessa linguagem, Segawa (2002) comenta que arquitetos

    de vrias regies que se formaram na ENBA (Escola Nacional de Belas Artes), arquitetos de

    outras cidades e at mesmo os paulistas desenvolveram uma arquitetura com referncias

    vertente carioca.

    Um arquiteto que fez franca oposio ideolgica ao trabalho de Le Corbusier, Joo Batista Vilanova Artigas, abraou a linguagem carioca em obras como o Edifcio Louveira, em So Paulo, ou seus projetos para a cidade de Londrina, interior do Estado do Paran, como o Edifcio Autolon e a estao rodoviria, do final da dcada de 40 (SEGAWA, 2002, p. 143).

    FIGURA 2 Casa Modernista da Rua Santa Cruz, Gregori Warchavchick (1928) Fonte: BRUAND, 2002.

  • 28

    2.1.1 Sobre a casa modernista brasileira

    No mbito da arquitetura residencial, a vertente corbusieriana adotada pelos cariocas

    reflete uma de suas mais referidas mquinas de morar: a Ville Savoye (figura 3). Se

    Corbusier era a traduo do racionalismo, a Ville Savoye (1929-1931) tornou-se um dos

    cones paradigmtico dessa cartilha modernista.

    Nela esto registrados os princpios terico-normativos defendidos pelo seu autor20: a

    casa a concretizao na ntegra dos cinco pontos; a decomposio cubista resulta na

    dinmica e variedade perspectiva; ao mesmo tempo em que h uma relao com o entorno, a

    obra tida como um objeto a ser destacado pela paisagem; a planta resulta da funo,

    determinada a princpio pela presena do automvel e, depois, pelo zoneamento; por fim, a

    liberdade geomtrica representada pela combinao da linha reta (presente no volume cbico

    principal) e a da linha curva (indicada pela rampa e algumas paredes) que se tornou uma

    linguagem tpica de Le Corbusier.

    Muito embora por aqui tenha ocorrido uma assimilao e manuseio diferenciados

    desse paradigma, ou at mesmo, adequaes realidade local, as caractersticas do

    racionalismo explcito da Savoye aparecem em muitas das residncias brasileiras.

    Por outro lado, a Casa Kaufmann ou Casa da Cascata, concluda em 1936 (figura 4),

    resume a teoria orgnica por representar a relao entre o artificial e a natureza atravs de um

    novo modo de trabalhar a vanguarda figurativa utilizando a estereometria assimtrica

    (desordem natural); da mescla entre o interior e a paisagem fazendo uso de ambientes

    contnuos e da esttica dos materiais. Para a concretizao da potica orgnica, observa-se a

    20 Antes mesmo da Ville Savoye, as casas Domin (1914), Citrohan (1919) e Cook (1926) j demonstravam o pensamento racionalista de Le Corbusier. No entanto, a residncia em Poissy tornou-se uma das obras racionalistas mais referidas do sculo XX e alou o seu autor ao plano dos grandes mestres da arquitetura moderna.

    FIGURA 3 Ville Savoye, Le Corbusier (1929-1931) Fonte: www.greatbuildings.com

  • 29

    contribuio das tcnicas construtivas modernas representadas no somente pelos novos

    materiais, como o vidro e o concreto armado, mas por uma nova maneira de empreg-los,

    juntamente aos materiais naturais em sua forma

    bruta. No mais, fazer uma arquitetura com

    referncia nos princpios da natureza seria a

    forma mais econmica de concretizar a forma e

    o espao construdo; alm disso, a obra reflete a

    maior inteno da obra orgnica de Wright: unir

    o ambiente construdo natureza, formando um

    s organismo.

    Independentemente de Escolas, vertentes

    ou tendncias, para precursores como Lcio

    Costa, Warchavchick e outros que os seguiram,

    a insero dos preceitos modernistas europeus

    no contexto local construdo a partir da

    cultura, hbitos e clima foi um fator determinante para a diferenciao da modernidade

    brasileira, principalmente, aquela representada pela morada, pois a casa modernista brasileira

    herdou diversas caractersticas formais e espaciais da casa tradicional, como refere Lemos

    (1989). Atrela-se a tudo isso a resistncia da clientela local em aceitar as inovaes estticas e

    as transformaes dos hbitos de morar, como tambm as dificuldades da indstria da

    construo em atender s exigncias das novas solues (e materiais) adotadas. Diante disso,

    percebe-se ao longo dos anos um crescente domnio sobre a cartilha moderna, o

    aprimoramento da tcnica moderna, bem como o surgimento de interpretaes que denunciam

    a adequao realidade brasileira.

    Na dcada de 30, os primeiros ensaios residenciais dos modernistas brasileiros

    denunciam as falhas da disseminao do modelo racionalista europeu. Baseadas na teoria

    corbusieriana da casa, mquina de morar, as primeiras casas modernas brasileiras

    representavam o paradoxo do antifuncionalismo e o anti-racionalismo:

    Basculantes de ferro com vidros estreitos e translcidos mas no transparentes, barravam a visibilidade dos jardins e transformavam as casas em prises; janelas de canto convencionais; culos inspirados nas vigias dos navios e pilotis encaixados no martelo, no tinham outro propsito a no ser o de parecer modernos; com a ausncia de beiral, os revestimentos ( base de cal) enegreciam depressa; terraos mal isolados e mal impermeabilizados

    FIGURA 4 Casa da Cascata, Frank Lloyd Wright (1936) Fonte: www.greatbuildings.com

  • 30

    deixavam-se atravessar pelo calor e pela gua e tornavam escaldantes os compartimentos (SANTOS, 1981, p. 106).

    Mais tarde, aps sucessivas revises, o racionalismo europeu foi sendo aprimorado

    para se adequar realidade local. Durante esse processo, a incipiente indstria da construo

    nacional possuiu um papel determinante na adaptao da tcnica moderna:

    A mo-de-obra [...] sofreu bastante com a transio, aps a primeira Guerra Mundial, de uma economia predominantemente agrria para uma crescente industrializao provocada pelas dificuldades de importao impostas pela guerra. Essa transio exigiu igualmente a adaptao a novos mtodos construtivos e a tcnicas industriais, que no princpio era penosamente reiniciada cada vez que se abria um novo canteiro de obras (MINDLIN, 2000, p. 31).

    Depois, houve uma tendncia ao aperfeioamento da indstria da construo,

    incrementada, principalmente, pela padronizao dos produtos. Mesmo assim, de incio, os

    cannicos cinco pontos de Le Corbusier foram implantados com restries e inventividade

    na arquitetura moderna brasileira. Por outro lado, as caractersticas tropicais do meio-

    ambiente brasileiro (clima, topografia, flora) tornaram-se um dos principais determinantes do

    modelo modernista nacional.

    Sendo assim, aps as experincias com as residncias constituintes da chamada

    arquitetura de caixas dgua21, as primeiras mudanas comearam a ser implantadas, umas

    casas [...] receberiam o tradicional telhado com os beirais protetores; outras tiveram os

    basculantes substitudos por janelas de venezianas (SANTOS, 1981, p. 107).

    Seguindo o processo de melhorias, diversas outras solues foram empregadas para

    garantir o conforto, diante da incidncia excessiva de sol, chuva, e demais intempries que

    ameaavam o uso e a conservao das edificaes. As adaptaes realizadas na casa

    portuguesa diante do clima tropical se repetiriam na adequao do modelo modernista

    europeu s condies locais. Primeiro foi presena de beirais e alpendres que garantiram a

    formao de um micro-clima e a proteo das casas coloniais e que se prolongaram at as

    casas modernistas.

    Depois vieram muitas outras transformaes, adaptaes e releituras que traaram uma

    das mais marcantes caractersticas do modernismo brasileiro: a sntese entre o tradicional e o

    moderno. Alm disso, Bruand (2002) afirma que a arquitetura residencial foi o setor que mais

    facilmente absorveu a mescla entre o passado e o contemporneo, e que Lcio Costa foi quem

    21 A definio do modelo de arquitetura tipo caixa dgua apontada por Santos (1981).

  • 31

    melhor props essa integrao, embora muitos outros profissionais tenham aberto mo de

    solues tradicionais para garantir a funcionalidade, o baixo custo e a praticidade das suas

    casas modernistas sem considerar essa uma atitude comprometedora essncia racionalista da

    arquitetura moderna.

    Bruand (2002) cita os elementos essenciais que caracterizam essa tendncia: os

    telhados coloniais com grandes beirais, substitutos muitas vezes da laje de cobertura (terrao-

    jardim); as venezianas e muxarabis, controladores tanto da incidncia solar quanto da

    privacidade (brises-soleils); varandas e galerias de circulao externas, formadoras do micro-

    clima; e os revestimentos de azulejos, eficazes contra a deteriorao dos revestimentos de

    fachada. Dentre reminiscncias do passado e inovaes, o que se observa a constituio de

    um vocabulrio arquitetnico formalmente novo e, por vezes, contraditrio, resultante de

    exigncias e circunstncias no ato de projetar.

    Dentro da variedade do lxico formal e tectnico brasileiro, contamos com a

    disponibilidade de diversos sistemas estruturais, alm daqueles em concreto armado, material

    que tornou possvel a consolidao da nova linguagem formal e tcnica. Estruturas em ao, ou

    mesmo as tradicionais em madeira, tornaram-se alternativas prticas, funcionais e econmicas

    com resultados estticos significativos. O brise-soleil, quebra-sol corbusieriano, cuja funo

    era garantir o controle da insolao, difundiu o uso de outros sistemas filtrantes, como o

    cobog, divulgado por Lus Nunes no Recife, as trelias, prgolas e persianas. Na cobertura,

    alm da telha ondulada de fibrocimento, o telhado colonial, agora sobre a laje e criando um

    espao para a circulao de ar, propunha o resfriamento da mesma. Ainda contamos com o

    jogo de materiais artificiais (concreto, vidro, metal) e naturais (pedra, madeira)

    complementando essa simbiose.

    No mais, temos elementos arquitetnicos caractersticos como os panos de vidro, as

    rampas, marquises, pilares em V, alm da flexibilidade dos volumes, do uso da curva, das

    formas livres e das estruturas com inteno plstica. Alis, como menciona Cavalcanti (2001),

    o domnio da tecnologia do concreto armado foi muito positivo para a consagrao da

    Arquitetura Moderna do Brasil. As formas so indissolveis da tcnica: uma vez resolvida a

    estrutura, o prdio estava pronto (CAVALCANTI, 2001, p. 24).

    Ainda assim, havia o estilo caracterstico de cada profissional, o compromisso com

    vertentes e influncias e, principalmente, a maneira peculiar de manusear o legado

    modernista, criando diferentes formas, espaos e atmosferas. Uma brilhante gerao, como

    se refere Cavalcanti (2001).

  • 32

    O surgimento de um novo vocabulrio formal e tectnico marcou a consagrao da

    Arquitetura Moderna Brasileira; no entanto, outra mudana constituiu-se muito mais radical:

    as transformaes dos espaos. A experincia positiva com os projetos estatais influenciou a

    aceitao da arquitetura moderna nos projetos privados, mesmo assim, a aceitao das formas

    inovadoras, assim como a adaptao aos novos espaos foi gradativa22. A conquista de um

    mercado estatal era absolutamente fundamental em um pas no qual as elites e empresas

    privadas apenas adotavam um estilo depois que tivesse sido experimentado e aprovado em

    obras pblicas. (CAVALCANTI, 2001, p. 13). Muitas vezes, os clientes importantes, os

    empreendedores de obras de vulto, eram levados sem muita convico a tolerar projetos

    modernistas e solues ainda no testadas, no sabendo, inclusive, julg-las ou usufru-las.

    (LEMOS, 1979, p. 139).

    Nas residncias, por exemplo, as transformaes do espao domstico significaram

    muito mais do que alteraes fsicas, exigiram mudanas nos hbitos de morar. Diante disso,

    o caminho da arquitetura residencial moderna brasileira foi traado principalmente pelas

    encomendas de projetos feitas por uma clientela diferenciada, julgada capaz de melhor

    compreender e usufruir a casa moderna. Da o fato de que as residncias modernas brasileiras

    mais representativas foram, em regra, destinadas a famlias abastadas, pois, tanto o apuro

    intelectual e o acesso a informaes quanto disponibilidade de recursos dessa elite,

    possibilitaram uma melhor aceitao e realizao das inovaes estticas e sociais associadas

    modernidade. Sendo assim, a prtica moderna de muitos arquitetos foi determinada por tal

    condio, como demonstram os textos a seguir sobre Lcio Costa no Rio de Janeiro e

    Vilanova Artigas em So Paulo, respectivamente:

    Lcio Costa encontrou-se sem clientes dispostos a construir prdios modernos. [...] o arquiteto era contatado por uma clientela particular que desejava casas em estilo, [...] que, segundo suas prprias palavras no conseguia fazer (CAVALCANTI, 2001, p. 183). A aceitao de sua obra, que fazia uma renovao formal e propunha novos hbitos, foi dependente de uma clientela especial. Constituiu-se de famlias de intelectuais paulistas preparadas para compreender a necessidade de reorganizao social associada a um novo espao social (SANVITTO, 1994, p. 5).

    No processo de conquista de clientes provvel que a repercusso de textos de

    divulgao da arquitetura moderna brasileira - Goodwin (1943), por exemplo - tenha sido de

    grande valia para a transformao do pensamento corrente e para a mudana dos valores

    22 Muitas vezes, plantas tradicionais eclticas ou neocoloniais eram mascaradas atravs de fachadas modernas.

  • 33

    scio-culturais. Com isso, acredita-se que a clientela, antes resistente ao novo estilo, passasse

    a encomendar projetos de empreendimentos imobilirios e casas aos arquitetos modernos.

    Na esteira das inovaes scio-espaciais, caractersticas como a hierarquia scio-

    espacial e o zoneamento interno tornaram diferenciada a organizao dos ambientes das

    residncias brasileiras, principalmente, daqueles inclusos na rea de servio. Por outro lado,

    os princpios eruditos europeus que defendiam a planta livre refletiram-se na arquitetura

    moderna brasileira atravs da implantao da continuidade espacial, preceito da

    funcionalidade racionalista.

    Se no mbito formal a arquitetura moderna pegou de emprstimo diversos elementos

    da tradio nacional, do ponto de vista espacial autores como Lemos (1979) afirmam que as

    reminiscncias passadistas foram determinantes na constituio do espao residencial

    moderno. Segundo o autor, nos anos 30 as alteraes de programas sugeriam novos modos de

    morar, mas a tradio escravagista ainda tinha seus reflexos e, diferentemente dos

    agenciamentos franceses, os nossos propunham a separao entre acessos e entre os setores de

    servio e sociais. Essa hierarquia scio-espacial de carter discriminatrio enfatizada atravs

    do zoneamento interno, uma particularidade das plantas brasileiras.

    Do outro lado, a presena dos equipamentos modernos contribuiu para as alteraes

    nos programas de necessidades. Nesse caso, a reduo de componentes do programa colonial

    ocorreu em paralelo introduo de ambientes que atendiam s necessidades do morar

    moderno. Exemplificando tais alteraes, tanto Verssimo; quanto Segawa (2002) afirmam

    que nos anos 50, com a valorizao do automvel como representante do progresso e status, a

    garagem conquista um lugar de destaque na residncia moderna, deixando de ter uma posio

    discreta e submissa nos projetos.

    Passando da tradio para a erudio, o conceito de continuidade espacial adotado

    pelos arquitetos modernistas brasileiros denuncia o comprometimento com os dogmas

    europeus, principalmente queles referentes aos cinco pontos de Le Corbusier exibidos na

    Ville Savoye, como a planta livre com estrutura independente.

    A planta livre, alm de verstil, por ser capaz de acomodar diversos arranjos, promove

    a indistino entre interior e exterior, soluo que parece ter sido onipresente na arquitetura

    moderna brasileira, incluindo a residencial.

    Segundo Lemos (1979), a continuidade espacial implantada nas casas modernas gerou

    superposies j que as paredes tornaram-se apenas selecionadoras de ambientes. Essa

    tendncia, que se valeu das vantagens das modernas estruturas, tentava sugerir um novo modo

    de vida e novos hbitos atravs de uma maneira mais flexvel de dispor espaos.

  • 34

    Diante do exposto, observa-se que o carter da arquitetura moderna brasileira

    representa a quo esta arte esteve condicionada a fatores exgenos, sejam estes relativos

    forte tradio nacional, s especificidades do clima ou s interpretaes prprias do

    paradigma modernista europeu.

    Os traos dessa singularidade so percebidos com certa veemncia nos projetos de

    edifcios privados, sobretudo nas residncias que [...] expressam as peculiaridades culturais,

    sobretudo aquelas que emanam da organizao familiar (MARQUES, 1994, p. 7) e das

    relaes interpessoais especficas. No entanto, a linguagem utilizada na arquitetura residencial

    se confunde com o surgimento do vocabulrio modernista no Brasil ocorrido atravs dos

    edifcios pblicos [...] muitos dos quais permanecem at hoje como cones da modernidade e

    demonstram uma enorme contemporaneidade em relao aos edifcios congneres da Europa,

    quando so at em certos casos mais modernos (MARQUES, 1994). Portanto, ao

    mostrarmos esses breves comentrios sobre o paradigma residencial modernista brasileiro23,

    apresentamos um captulo de um dos momentos mais sublimes e representativos da expresso

    arquitetnica do pas. Atravs dos Brazil Build(ing)s, os modernistas brasileiros deram uma

    importante contribuio para o legado arquitetnico mundial desenvolvendo, a partir dos

    condicionantes locais, uma linguagem original e representativa que obteve significativa

    aprovao no cenrio internacional, levando o modernismo brasileiro a fazer o caminho de

    volta s origens europias, ou seja, a complementar os preceitos eruditos.

    23 Uma anlise mais detalhada sobre a casa modernista brasileira ser apresentada no Captulo 03: Anlise do Acervo Residencial Modernista Potiguar a partir do Paradigma Residencial Modernista Brasileiro, como fundamento para o paralelo entre os modelos brasileiro e potiguar.

  • 35

    3 NATAL BUILD(ING)S: O SOTAQUE MODERNISTA POTIGUAR

    3.1 PARTICULARIDADES POTIGUARES

    3.1.1 Da cidade dorminhoquenta24 Natal moderna

    Para falar da arquitetura moderna em Natal preciso retroceder algumas dcadas da

    histria e iniciar a anlise pelos primeiros anos do sculo XX, quando, junto aos novos ares da

    Repblica, surgiram as primeiras idias modernizadoras que comeariam a transformar a

    paisagem urbana da cidade25 e prepar-la para a renovao arquitetnica que tomaria fora na

    dcada de 50, com a insero definitiva da arquitetura moderna no cenrio local.

    No processo de formao da modernidade potiguar contamos inicialmente com um

    processo de urbanizao tardio e lento que foi impulsionado, principalmente, pela presena

    americana no perodo da II Guerra Mundial que, por outro lado, viria a ser um transformador

    das relaes sociais, modernizando costumes e alterando a atmosfera provinciana da cidade

    do incio do sculo.

    3.1.2 O Processo de urbanizao tardio

    A Cidade Nova, com suas avenidas e seus parques sombreados, o bairro da

    aristocracia, a cidade artstica, onde a riqueza impressiona pelo luxo e o bom gosto das

    construes (DANTAS, 1998, apud SANTOS, 2000b, p. 111).

    At o incio do sculo XX o poder pblico no chegou a realizar intervenes

    expressivas de carter modernizador na cidade do Natal, no entanto, tanto o governo quanto

    elite natalense j manifestavam o desejo de construir uma imagem moderna da cidade,

    baseada em exemplos europeus e americanos, inserindo-a no cenrio urbano nacional, assim

    como uma capital deveria ser.

    Dantas (1998) aponta trs momentos chaves nas intervenes urbansticas para a

    formao do espao de Natal: o Plano de Cidade Nova ou Plano Polidrelli (1901 1904), o

    Plano Geral de Sistematizao ou PlanoPalumbo (1929 1930) e o Plano Geral de Obras

    do Escritrio Saturnino de Brito, fomentado nos anos 30 e especializado em obras de

    24 O termo dorminhoquenta uma denominao utilizada por Lus da Cmara Cascudo para caracterizar o ritmo da cidade de Natal no incio do sculo XX. 25 Principalmente dos bairros de Petrpolis e Tirol, onde se encontra o principal acervo arquitetnico modernista da cidade do Natal.

  • 36

    saneamento. Esse conjunto de intervenes foi responsvel por tirar Natal de uma estagnao

    observada desde a sua fundao em 1599 e, como relata Cmara Cascudo, transformou

    Natal, livrando-a do colonialismo teimoso em que vivia (CASCUDO, 1980, p. 422). Essas

    aes urbanas transformaram a dinmica urbana e a paisagem, mas tambm passaram, a partir

    da dcada de 20, a modificar o cotidiano das pessoas, fazendo-se estabelecer uma nova forma

    de relao com a cidade pela incorporao de hbitos, usos e valores mais condizentes com a

    nova realidade.

    O Plano de Cidade Nova ou Plano Polidrelli (figura 5), por ser de autoria do

    agrimensor italiano de mesmo nome, constituiu-se o primeiro passo de um movimento

    renovador e modernizador que apontava para uma Natal em sintonia com os novos tempos da

    Repblica.

    Marcados pelo iderio progressista e futurista que contagiou o governo de Pedro

    Velho de Albuquerque Maranho e a elite intelectual da capital. Tratava-se de um plano

    regulador de expanso, de carter nitidamente contemporneo as grids ortogonais norte-

    americanas e com dimenses generosas, que previa a construo de uma cidade com traado

    FIGURA 5 - Plano de Cidade Nova ou Plano Polidrelli (1901-1904). Fonte: MIRANDA, 1981

  • 37

    em xadrez26, diferenciando ruas e avenidas, bem diferente daquela que se encontrava entre os

    limites dos bairros de Cidade Alta e da Ribeira27 e que era smbolo da antiga cidade colonial,

    com ruas desalinhadas e com ambiente propcio s epidemias.

    O bairro novo seguia o exemplo de cidades como o Rio de Janeiro e So Paulo, onde

    beleza, limpeza, ruas alinhadas e saneadas eram o smbolo de uma cidade moderna28. Cidade

    Nova caracterizou-se como [...] promotor da modernizao, na medida em que ampliou os

    limites da cidade e estabeleceu as bases para uma ocupao mais ordenada (SOARES, 1999,

    p. 39), por outro lado foi responsvel por transformar a sociedade, pois [...] os modos de

    vida, comportamentos e hbitos da elite local foram recobertos por um verniz civilizatrio

    (OLIVEIRA, 1997, p. 159), o que contribua para formar uma imagem moderna e, segundo

    Soares (1999) e Santos (1998), para enaltecer o carter elitista e segregacionista atribudo ao

    bairro.

    Na segunda gesto do governador Alberto Maranho (1908 1913), e com suas ruas e

    quadras demarcadas desde 1904, Cidade Nova manteve um lento processo de ocupao,

    mesmo com a criao do bairro de Petrpolis, a abertura de mais ruas e avenidas, incluindo a

    avenida Oitava (atual Hermes da Fonseca), e a inaugurao de novas linhas de bondes

    comunicando Cidade Alta, Ribeira e Cidade Nova, na altura do Aero Clube, no bairro do

    Tirol. No entanto, desde esse perodo, o novo bairro j se caract