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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE BIOCIÊNCIAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS
PRISCILLA SABINO AMORIM DE ARAÚJO
PREVALÊNCIA E SAZONALIDADE DE HEMOSPORÍDEOS EM AVES NA
ESTAÇÃO ECOLÓGICA DO SERIDÓ
NATAL/ RN
2017
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PRISCILLA SABINO AMORIM DE ARAÚJO
PREVALÊNCIA E SAZONALIDADE DE HEMOSPORÍDEOS EM AVES NA
ESTAÇÃO ECOLÓGICA DO SERIDÓ
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Ciências Biológicas da
Universidade Federal de Rio Grande do
Norte, como requisito para obtenção do
título de Mestre em Ciências Biológicas.
Orientador: Prof. Dr. Mauro Pichorim
Co-orientadora: Prof. Dr. Patrícia de Abreu
Moreira
Natal/RN 2017
3
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial Prof. Leopoldo Nelson -
Centro de Biociências - CB
Araújo, Priscilla Sabino Amorim de.
Prevalência e sazonalidade de hemosporídeos em aves na Estação
Ecológica do Seridó / Priscilla Sabino Amorim de Araújo. - Natal, 2017.
33 f.: il.
Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Centro de Biociências. Programa de Pós-Graduação em Ciências Biológicas. Orientador: Prof. Dr. Mauro Pichorim.
Coorientadora: Profa. Dra. Patrícia de Abreu Moreira.
1. Hemosporídeos - Dissertação. 2. Caatinga - Dissertação. 3. Aves -
Dissertação. I. Pichorim, Mauro. II. Moreira, Patrícia de Abreu. III.
Universidade Federal do Rio Grande do Norte. IV. Título.
RN/UF/BSE-CB CDU 561.24
4
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar quero agradecer a minha família, principalmente aos meus pais,
Cristina e Geraldo, que em todo momento me apoiou, tanto financeiramente quanto
emocionalmente. Agradeço a Deus por tê-los em minha vida, por serem meu forte e minha
inspiração de vida, sempre me apoiando nos momentos bons e principalmente nos
momentos ruins.
Agradeço aos meus irmãos, Daniel, Diego e Patrícia pelo apoio e disposição em me
ajudar nas dificuldades, por me fazerem rir e me sentir bem; a reunião entre nós se tornou
difícil, pois cada um tomou seu destino, como tinha que ser, mas os poucos momentos
juntos são sempre reconfortantes. Aos meus sogros, Maria de Sales e Zé Maria, que foram
sempre atenciosos, preocupados com o que eu estava fazendo e rezando para que tudo
desse certo.
Agradeço ao meu amor, Victor, por acreditar em mim, me encorajar a seguir meus
sonhos e me aguentar nos momentos de desespero. Te amo.
Quero agradecer à colaboração e participação de toda equipe do LABORNITO
(Elaine Bandeira, Ismael de Queiroz, Israel, Guilherme, Goiamir Segurado, Honara, João
Paulo Tavares, João Lucas de Sousa, Julia Albuquerque, Juliana Araujo, Lidiane
Medeiros, Marcelo Câmara, Nicolás, Pedro Vitor, Pedro Pierote, Phoeve Macário,
Priscila de Castro, Ricardo Duarte, Shirley Nascimento, Thanyria, Tonny de Oliveira)
que estiveram sempre dispostos a irem a campo e dedicarem tempo e esforços das suas
vidas. A experiência de campo é muito importante, cansativa, interessante e gratificante.
Foi no campo que conquistei amigos que vão ficar marcados e guardados com carinho,
talvez nem sempre presente, na minha vida.
Agradeço aos meus orientadores, Mauro Pichorim e Patrícia de Abreu Moreira, por
me guiarem e terem paciência com minha inexperiência. No início e no fim do mestrado
fiquei perdida, sem saber para onde ir, no entanto vocês me ajudaram e conduziram ao
caminho certo. Vocês não foram apenas orientadores do meu mestrado, mas se tornaram
amigos.
Agradeço a UFOP e UFMG por me darem suporte para terminar as análises em
laboratório, não teria conseguido terminar sem o apoio. Agradeço aos companheiros de
laboratório, tanto da UFOP quanto da UFMG, principalmente ao Asmat, Graziela, Raquel
e Poliana por me ajudarem nos protocolos de laboratório, vocês foram muito legais.
Agradeço também a UFRN e a CAPES por me oferecerem a oportunidade de cursar este
mestrado.
Agradeço a minha filha de quatro patas, Brisa, que esteve comigo em todos os
momentos. Agradeço por me fazer feliz e por sempre me entender.
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SUMÁRIO
LISTA DE FIGURAS ............................................................................................... 6
LISTA DE TABELAS .................................................................................................7
RESUMO .....................................................................................................................8
ABSTRACT..................................................................................................................9
1.INTRODUÇÃO ......................................................................................................10
2. OBJETIVO .............................................................................................................13
2.1. OBJETIVOS GERAL..........................................................................................13
2.2. OBJETIVOS ESPECÍFICOS...............................................................................13
3. MÉTODOS..............................................................................................................14
3.1. ÁREA DE ESTUDO E AMOSTRAGEM...........................................................14
3.2. ANÁLISES MOLECULARES ...........................................................................17
3.3. DETECÇÃO DE INFECÇÃO POR HEMOSPORÍDEOS .................................18
3.4.ANÁLISES DOS DADOS ...................................................................................19
4.RESULTADOS .......................................................................................................20
5.DISCUSSÃO............................................................................................................26
6.REFERÊNCIAS ......................................................................................................29
6
LISTA DE FIGURAS
Figura 1. Área de estudo: ESEC- Seridó..................................................................... 14
Figura 2. Delineamento da área de coleta, 350 m x 250 m, com os 48 pontos de amostragem. .................................................................................................................15
Figura 3. Representação da coleta de amostras sangue nas aves e materiais usados,
extração e diagnóstico do resultado............................................................................. 16
Figura 4. Representação dos indivíduos positivos e negativos, referentes a
hemosporidioses, no gel de poliacrilamida................................................................. 18
Figura 5. Relação entre a infecção de hemoparasitos e ectoparasitos dos indivíduos
coletados na ESEC-Seridó ......................................................................................... 26
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LISTA DE TABELAS
Tabela 1. Prevalência de infecção por hemosporídeos em aves da ESEC-Seridó em cada época de amostragem e as quantidades de indivíduos não infectados e
infectados....................................................................................................................20
Tabela 2. Espécies de aves infectadas e não infectadas por ectoparasitos (micuins, ácaros e piolhos) na ESEC-Seridó. ...........................................................................22
Tabela 3. Prevalência de hemosporídeos e a relação com Dieta das aves, Habitat e Frequência relativa da posição filogenética...............................................................25
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RESUMO
A infecção por hemosporídeos tem sido estudada em várias partes do mundo, pois é
considerada um fator importante em relação ao declínio de populações de várias espécies
de aves. O presente trabalho foi realizado na ESEC- Seridó, localizado no sertão do Rio
Grande do Norte. As coletas foram realizadas em duas estações climáticas, seca e chuvosa
durante os anos de 2013 e 2014. Foram utilizadas redes de neblina para captura das aves
e coleta de sangue e posteriormente técnicas de laboratório para extração e amplificação
de DNA e diagnóstico de presença de hemosporídeos. Foram amostradas 779 aves,
compreendendo 9 famílias e 20 espécies. A prevalência total obtida nos dois anos de
amostragem foi de 54%, não apresentando diferença entre as estações seca e chuvosa. As
condições ambientais da ESEC-Seridó nos anos da coleta estiveram favoráveis para o
desenvolvimento de alguns dos vetores de hemosporidioses. O habitat das aves influenc ia
muito em sua história de vida. Por isso tanto a guilda trófica quando o ambiente que as
aves frequentam apresentaram relação com a infecção por hemosporídeos. Desta forma,
o presente trabalho tem por objetivo principal avaliar a prevalência de hemosporídeos em
aves da Caatinga presente na Estação Ecológica do Seridó.
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ABSTRACT
Infection with hemosporids has been studied in several parts of the world, as this is
considered an important factor in the decline of populations of several species of birds.
The present work was carried out at ESEC-Seridó, located in the hinterland of Rio Grande
do Norte. Fieldwork was carried out in two seasons, dry and rainy during the years of
2013 and 2014. Mist nets were used to capture birds and blood collection and later
laboratory techniques for extraction and amplification of DNA and diagnosis of presence
of hemosporids. A total of 779 birds were sampled, comprising nine families and 20
species. A total prevalence of 54% was obtained for the two sampled, with no difference
between dry and rainy seasons. Environmental conditions of ESEC-Seridó in the sampled
years were favorable for the development of some of the vectors of hemosporidioses .
Therefore, both the trophic guild and the environment that the birds frequented had a
relation with the infection by hemosporids. In this way, the main objective of this study
was to evaluate the prevalence of hemosporids in Caatinga birds present in the Estação
Ecológica do Seridó.
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1. INTRODUÇÃO
Os hemoparasitos causadores da malária pertencem ao filo Alveolata (protista),
sendo parasitos heteroxenos obrigatórios, ou seja, possuem um hospedeiro invertebrado
pertencente à Classe Insecta e um hospedeiro vertebrado geralmente pertencente às
Classes Amphibia, Reptilia, Aves ou Mammalia (Garnham, 1966). Apresentam
distribuição cosmopolita e os quatro gêneros que parasitam aves são: Plasmodium,
Haemoproteus, Leucocytozoon e Falisia (Valkiunas, 2005). Em regiões tropicais, como
na América do Sul, há mais ocorrência dos gêneros Haemoproteus e Plasmodium (Clark
et al. 2009).
Nos últimos anos, a infecção por protozoários hemosporídeos tem sido bastante
estudada por pesquisadores em várias partes do mundo (Levin et al 2009; Marzal, et al
2011), pois a ampla distribuição dos hemosporídeos permite estudos em várias escalas
ecológicas. Como um caso de extinção de espécies de aves devido a infecção por
hemosporídeos. No qual aves migratórias infectadas por malária aviária (Plasmodium
relictum) que visitavam o Havaí não representavam ameaça às aves endêmicas devido à
ausência do vetor na ilha (Warner, 1968). Após a introdução acidental do mosquito Culex
quinquefasciatus, principal vetor da malária aviária, o patógeno foi disseminado entres as
populações de aves locais, com grande consequência sobre as populações endêmicas,
inclusive algumas espécies chegaram a extinção (Warner, 1968). Estes protozoários estão
presentes em muitas comunidades de aves no Brasil e no mundo (Leite et al. 2013, Clark
et al. 2009) e configuram uma oportunidade para entendermos a relação ecológica entre
parasito-hospedeiro (Marzal, 2005).
A epidemiologia dos hemosporídeos é bastante complexa, pois está diretamente ligada
à dependência tanto ao hospedeiro invertebrado quanto ao vertebrado, sendo que cada um
apresenta condições e desafios distintos. O gênero Plasmodium é veiculado por mosquitos
Culicidae, sobretudo Culex (Segura, 2007). O gênero Haemoproteus é dividido em dois
subgêneros, Haemoproteus e Parahaemoproteus. O haemoproteus prefere aves da ordem
Columbiformes e espécies silvestres, são transmitidos por moscas da família
Hippoboscidae, como a Pseudolynchia canariensis, um díptero hematófago (Bequaert,
1953). Este está presente em todo território brasileiro e atua como potencial transmissor
do Haemoproteus columbae (Gredilha et. al., 2008; Valkiūnas, 2005). Já o grupo
Parahaemoproteus prefere uma vasta diversidade de ordem de aves, no entanto não infecta
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a ordem Columbiformes. Os vetores pertencem aos dípteros da família Ceratopogonidae,
(Valkiūnas, 2005; Martinsen et al., 2008).
Alguns fatores podem limitar o desenvolvimento do hospedeiro invertebrado. A
temperatura e a umidade são alguns destes fatores limitantes. Em baixas temperaturas,
alguns insetos hospedeiros apresentam dificuldade para sobreviver e reproduzir, já em
altas temperaturas, o desenvolvimento de alguns dos vetores são mais eficientes.
Enquanto que para o hospedeiro vertebrado, os fatores limitantes podem ser tanto a
resposta imunológica da ave como sua história de vida. O habitat, a alimentação, a
reprodução são partes da história de vida. Para a reposta imunológica a intensidade de
infecção por hemosporídeos depende da fase em que se encontra na ave, pois na fase
primária a intensidade é mais severa do que na fase crônica (Asghar et al. 2012). Contudo
a infecção por hemosporídeos pode ficar latente por longos períodos e reincidir após
respostas a estímulos hormonais (corticoides), modificações de fotoperíodos ou
condições de estresse ou desafios imunológicos (Cranfield et al., 1994; Benning et al.,
2002; Atkinson, 1991). Enquanto que a história de vida de uma espécie pode trazer
importantes descobertas sobre a influência da infecção por hemosporídeos na população
das aves (Lutz, 2015). A guilda trófica é um dos fatores da história de vida das aves e
apresenta grande variedade; ela pode ser granívora, insetívora, onívora ou frutívora. As
aves granívoras, na qual se alimentam de grãos, tende a ficarem próximas ao solo, como
a família Columbidae (Sick, 1993). As aves insetívoras, que se alimentam de insetos,
tendem a permanecer em uma área arbustiva ou copa, deslocando-se entre árvores, como
os Tyrannidae (Sick, 1993). A espécie Limatus durhamii, um Culicidae, atacam animais
preferencialmente junto ao solo (Forattini, 1965). Portanto a posição de forrageamento
das aves pode estar relacionada com a ocorrência de infecção da hemosporidiose.
O Brasil junto com a Colômbia são os países da América do Sul com a avifauna mais
rica em espécies (Remsen et al., 2015). O Comitê Brasileiro de Registros Ornitológicos
reconhece, no Brasil, 1919 espécies (CBRO, 2016). As espécies de aves brasileiras estão
distribuídas principalmente nos biomas Amazônia, Floresta Atlântica, Cerrado, Pantanal
e Caatinga (Silva et al., 2005). A Caatinga, maior bioma da região Nordeste brasileira,
ocupa 844.453 km2 ou 54,5% da região (IBGE, 2005). Possui significativa importânc ia
socioeconômica e ecológica. Este bioma é o mais negligenciado do Brasil, em diferentes
aspectos, e ameaçado devido ao uso insustentável de seus recursos naturais (Velloso et
al., 2002). Este bioma é caracterizado por um déficit hídrico acentuado, altas taxas de
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insolação e evapotranspiração, além de reduzida precipitação anual. Juntamente com os
parâmetros climáticos, a vegetação assume papel preponderante na caracterização do
bioma. Apresentando, desta forma, uma sazonalidade muito acentuada durante o ano.
A Caatinga apresenta 510 espécies de aves (Silva et al., 2005), enquanto na Caatinga
do Rio Grande do Norte foram catalogadas 262 espécies (Silva et.al., 2012). Na Estação
Ecológica do Seridó foram registradas 202 espécies, representadas em 52 famílias. As
famílias comumente encontradas na Caatinga do Rio Grande do Norte são: Tinamidae,
Anatidae, Ardeidae, Accipitridae, Rallidae, Columbidae, Cuculidae, Strigidae,
Caprimulgidae, Picidae, Falconidae, Thamnophilidae, Furnariidae, Tyrannidae, Icteridae,
Thraupidae (Pichorim et. al., 2016).
Portanto o estudo sobre hemosporidioses em aves na Caatinga é importante para
entender o equilíbrio entre vetor-hospedeiro e como a hemosporidiose se comporta dentro
das comunidades de aves neste bioma. Além disto, é possível analisar como o habitat,
hábito alimentar e sazonalidade afeta a hemosporidiose nas aves.
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2. OBJETIVOS
2.1. OBJETIVO GERAL
Avaliar a prevalência de hemosporídiose em aves da Caatinga presentes na Estação
Ecológica do Seridó.
2.2.OBJETIVOS ESPECÍFICOS
Avaliar o nível de infecção por hemosporídeos nos espécimes em função da
sazonalidade.
Verificar a relação entre a infecção por hemosporídeos nas aves e a presença de
ectoparasitos.
Analisar a relação entre infecção por hemosporídeos nas aves com o seu habitat
(arbustivo, arbóreo e herbáceo).
Avaliar a relação entre a infecção por hemosporídeos e a guilda trófica das aves.
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3. MÉTODOS
3.1 ÁREA DE ESTUDO E AMOSTRAGEM
O estudo foi realizado na Estação Ecológica do Seridó – ESEC Seridó - (06° 34’
36,2 S e 37° 15’20,7 W), município de Serra Negra do Norte, Rio Grande do Norte. A
ESEC Seridó possui 1.163 ha de caatinga com clima semiárido, quente e seco com
distribuição irregular de chuvas durante o ano, apresentando características ambienta is
distintas entre o período de seca e chuva (Figura 1). Nessa região o período de chuvas
ocorre entre janeiro e junho, com pluviosidade acumulada variando entre 350 e 800 mm
anuais (Amorim et al., 2005).
Figura 1. Local de coleta, assim como as duas estações, seca e chuva, na ESEC- Seridó. A- Estação seca; B- Estação chuvosa; C- Açude completamente seco; D- Açude cheio, em período de chuva.
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A captura das aves ocorreu em um quadrante de 350 m por 250 m, composto por
oito colunas e seis linhas intervaladas a cada 50 m. Os pontos de captura foram os
cruzamentos entre as linhas e colunas, totalizando 48 pontos (Figura 2). Em cada ponto
foram colocadas as redes ornitológicas ECOTONE (18 x 3 m, 5 bolsas e malha de 19
mm), sustentadas por estacas de alumínio e cordas de polipropileno. As redes foram
abertas antes do amanhecer (entre 4h30min e 5h00min) e revisadas a cada 60 min e foram
fechadas antes das altas temperaturas do dia (entre 9h30min e 10h00min), somando um
esforço de 6.750 h.m² de rede (cálculo do esforço baseado em Straube e Bianconi, 2002).
Figura 2. Área de amostragem de aves de 350 m x 250 m em que estão representados as
trilhas e os pontos de captura e marcação, posicionados no cruzamento entre as “linhas” e as “colunas”, totalizando 48 pontos de amostragem.
As aves capturadas foram retiradas das redes, colocadas em sacos de pano e
levadas ao local de triagem. Neste local as aves foram identificadas, anilhadas, pesadas e
verificadas as presenças de carrapatos (Ixodoidea), micuins (Trombiculidae) e piolhos
(Mallophaga), estes ectoparasitos foram observados no campo, sem realização de coleta
para a análise posterior.
Para a análise da infecção por hemosporídeos coletamos uma amostra de sangue
da veia braquial das aves capturadas. Esta coleta foi feita por meio de uma pequena
incisão com agulha descartável de seringa (tamanho 8 x 3 mm), após a qual se aguardava
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o acúmulo de uma gota de sangue que era transferida para um papel filtro circular de 5
cm de diâmetro. Após este procedimento o sangramento era estancado com a aplicação
de algodão com antisséptico por no mínimo 2 min, não foram feitos esfregaços
sanguíneos. Por fim, as aves foram soltas no mesmo ponto onde foram capturadas (Figura
3).
Figura 3. Representação da coleta de amostras sangue nas aves e materiais usados, extração e diagnóstico do resultado. A e B – Demonstração da técnica de retirada de sangue na veia braquial da ave. C- técnica em laboratório para diagnóstico do resultado e
D- materiais utilizados em laboratório.
As coletas das amostras foram feitas em quatro períodos, com duração de sete dias
cada, para o período chuvoso (junho/2013 e junho/2014) e o período seco (janeiro e
dezembro/2014).
3.2 ANÁLISES MOLECULARES
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A detecção da infecção por hemosporídeos nas amostras foi realizada por meio de
diagnóstico molecular utilizando reações em cadeia da polimerase (PCR). Esta técnica
utiliza a amplificação de uma região bastante conservada do gene mitocondrial dos
parasitos. Os iniciadores utilizandos foram iniciadores (primers) específicos descritos por
Fallon e colaboradores (2003). Esta técnica apresentou três etapas. A extração do DNA,
a PCR e o diagnóstico por meio de eletroforese em gel de poliacrilamida.
A extração do DNA genômico do sangue das amostras ocorreu pela técnica de
fenol-clorofórmio seguida por precipitação com isopropanol (Sambrook, 2001). Para
iniciar, foi adicionado ao papel absorvente com sangue 250 μL de tampão de lise (50mM
de NaCl; 50mM de Tris-HCl pH = 7,4; 10mM de EDTA; 1% (v/v) de Triton X-100;
200μg/mL de Proteinase-K). Em seguida, as amostras foram agitadas e armazenadas a
55°C em banho-maria por 18-24 h. O próximo passo foi adicionar 125 μL de fenol
tamponado e 125 μL de clorofórmio puro ao material e, com agitação manual, os tubos
foram centrifugados a 14000 rpm por 5 min. A fase superior da mistura foi coletada com
micropipeta e adicionadas em novos microtubos de 1,5 mL. Logo, foram adicionados 300
μL de solução de clorofórmio-álcool isoamílico na proporção de 24:1, sendo o material
agitado manualmente e centrifugado a 14000 rpm por 5 min. A fase inferior da mistura
foi cuidadosamente coletada e descartada em local apropriado. Ao líquido restante foram
adicionados 300 μL de clorofórmio puro e foi centrifugado a 14000 rpm por 5 min. A
fase inferior foi descartada e foram adicionados aos microtubos 600 μL de isopropanol
puro a -20°C. Os microtubos foram delicadamente agitados até a observação do
precipitado e posteriormente centrifugados a 14000 rpm por 20 min. Para o descarte do
líquido os microtubos foram invertidos e foi acrescentado 600 μL de etanol 70% a -20°C.
O material foi novamente centrifugado a 14000 rpm por 20 min, o álcool foi descartado
e o material precipitado foi mantido em estufa seca a 37°C para que fiquem
completamente secos. O DNA foi diluído em solução TE 1X (10 mM Tris-HCl, pH 7,4;
1 mM EDTA, pH 8,0) à temperatura ambiente por 18 h ou na estufa com temperatura de
55°C por uma hora e finalmente estocado a -20°C.
3.3 DETECÇÃO DE INFECÇÃO DAS AVES POR HEMOSPORÍDEOS
Para o diagnóstico da infecção por hemosporídeos foram utilizados um controle
positivo, com amostras de DNA genômico de Plasmodium gallinaceum retirados de
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animais infectados experimentalmente, e um controle negativo, que foram amostras de
DNA obtidas de filhotes de Gallus gallus domesticus mantidos livres de infecção. Estas
amostras foram usadas em cada PCR diagnóstico.
Na reação de amplificação foi utilizado cerca de 100 ng do DNA-molde obtido
das aves em 15 μL de reação contendo 1X de solução tampão I0 (Phoneutria®); 2,5 mM
de MgCl2; 0,16 μM dNTP; 1 U Taq DNA polimerase (Phoneutria®); 0,2mM de cada
iniciador e água ultra pura estéril qsp.
O programa da amplificação em termociclador (PT100, MJ Research®, Estados
Unidos) consistiu em 30 ciclos de desnaturação a 94°C por 1 min, seguida de anelamento
a 62°C por 1 min e extensão a 72°C por 1 min e 10 s. A desnaturação inicial ocorreu a
94°C por 2 min e a extensão final a 72°C por 3 min., finalizando a temperatura de 4°C.
Os produtos das reações foram submetidos à eletroforese em gel de poliacrilamida
6% (Figura 4), não desnaturante, em tampão TBE 1X. O gel foi fixado em solução de
álcool etílico 10% e ácido acético 0,5%, corado em solução de nitrato de prata e os
fragmentos de DNA evidenciados em solução reveladora de hidróxido de sódio e
formaldeído (Sanguinetti et al., 1994).
Figura 4. Representação do diagnóstico referente a hemosporídeos. No gel de
poliacrilamida, os traços escuros são os positivos e os espaços vazios os negativos.
3.4 ANÁLISES DOS DADOS
Para avaliar a infecção da malária nas aves da Caatinga foi calculada a prevalênc ia
por meio da razão entre o número de indivíduos infectados e o total de indivíduos
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amostrados. Para avaliarmos se existe diferença na prevalência de hemosporídeos entre
as estações seca e chuvosa foi realizado um teste de qui-quadrado. O teste de qui-
quadrado foi utilizado ainda para verificarmos se existe diferença na prevalência de
hemosporídeos entre as aves com e sem ectoparasitos. Este mesmo teste foi feito entre
aves Columbiformes e não-Columbiformes, para verificar se existe relação com a
prevalência de hemosporídeos.
Foi feito uma análise para verificar a influência do habitat das aves e as
frequências de indivíduos infectados por hemosporídeos. O habitat foi definido em três
categorias: arbóreo, que representam aves que habitam copas de árvores; arbustivo para
as aves que deslocam de arbustos para arbustos e os herbáceo para as aves que
permanecem no solo parte de sua atividade diária. Para fazer esta análise foi utlizado o
qui-quadrado.
Foi feito um teste qui-quadrado para verificar a relação entre as frequências de
ocorrências de indivíduos positivos e negativos para hemosporidiose e a dieta das aves.
Para a dieta ou guilda trófica foram considerados as aves granívoras, para os que se
alimentam de grãos ou sementes, insetívoras para os que se alimentam de insetos,
frugívoras para frutos e onívoras sem dieta restrita. Todos os testes foram realizados no
programa JMP 10.0.0 SAS Institute Inc.
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4. RESULTADOS
Durante as quatro fases de captura amostramos um total de 779 aves,
compreendendo 9 famílias e 20 espécies. A prevalência total de hemosporídeos nas aves
foi de 54% (421/779). As famílias das aves frequentemente infectadas por hemoparasitos,
dispostas em ordem decrescente, são: Tityridae com 70% (7/10), Columbidae com 61%
(271/439), Thraupidae com 61% (55/90), Picidae com 53% (7/13), Bucconidae com 50%
(5/10), Passerellidae com 47% (8/17), Polioptilidae com 40% (4/10), Tyrannidae com
36% (61/165) e Rhynchocyclidae com 13% (2/15). A família Tyrannidae apresentou
maior número de espécies, oito espécies, enquanto que as outras famílias apresentaram,
na maioria, apenas uma ou no máximo três espécies (Tabela 1).
Tabela 1. Prevalências de hemosporídeos em aves da ESEC-Seridó distribuídas em cada
período sazonal (n = não infectados e p = infectados).
Família/Espécie Chuva Seca Total
Buconnidae
Nystalus maculatus 0,66 0,25 0,50
(2n,4p) (3n,1p) (5n,5p)
Columbidae
Columbina minuta 0,60 0,80 0,62
(122n,185p) (27n,114p) (149n,299p)
Columbina picui 0,58 0,40 0,56
(13n,18p) (3n,2p) (16n,20p)
Zenaida auriculata 1 0,62
(3n,5p)
0,70
(0n,2p) (3n,7p) Cuculidae
Coccyzus melacoryphus 0 0 0
(9n,0p) (1n,0p) (10n, 0p) Passarelidae
Ammodramus humeralis 0,60 0,28 0,47
(4n,6p) (5n,2p) (9n, 8p) Picidae
Veniliornis passerinus 0,40 0,62 0,54
(3n,2p) (3n,5p) (6n,7p)
Polioptilidae
Polioptila plumbea 0,50 0,50 0,50
(2n,2p) (3n,3p) (5n,5p)
Rhynchocyclidae
Hemitriccus margaritaceiventer 0,25 0 0,13
(6n,2p) (7n,0p) (13p,2p) Thraupidae
Lanio pileatus 0,50 0,63 0,49
(12n,12p) (17n,29p) (29n,41p)
21
Volatina jacarina 1 0,60 0,68
(0n,4p) (6n,9p) (6n,13p) Tityridae
Pachyramphus polychopterus 0,66 0,75 0,7
(2n,4p) (1n,3p) (3n,7p)
Tyrannidae
Elaenia chilensis 0,57 0
0,57
(6n,8p) (6n,8p)
Empidonamus varius 0,33 0,14 0,23
(4n,2p) (6n,1p) (10n,3p)
Myiarchus swainsoni 0,36 0,62 0,47
(7n,4p) (3n,5p) (10n,9p)
Myiarchus tyrannulus 0,14 0,36 0,32
(6n,1p) (19n,11p) (25n,12p)
Myiodynastes maculatus 0,23 0,40 0,3
(10n,3p) (6n,4p) (16n,7p)
Phaeomyias murina 0,55 0,45 0,5
(9n,11p) (11n,9p) (20n,20p)
Tyrannus melancholicus 0,42 0,25 0,36
(4n,3p) (5n,1p) (9n,4p)
Casiornis fuscus 0,50 0,11 0,23
(2n, 2p) (8n,1p) (10n,3p)
Dentre as espécies de aves capturadas algumas se destacam com maior e menor
prevalênvia de hemosporídeos. As maiores prevalências foram: Pachyramphus
polychopterus com 70%, Zenaida auriculata com 70%, enquanto Hemitriccus
margaritaceiventer com 13% apresentou a menor taxa e apenas a espécie Coccyzus
melacoryphus não apresentou infecção. A ordem Columbiforme representou 56% de
todas as aves amostradas, e houve diferenças nas frequências de infestação entre aves
Columbiformes e não-Columbiformes (χ² = 23,9, gl = 1, p < 0,0001).
Os ectoparasitos encontrados nas aves amostradas pertenceram a um conjunto de
ordens. Foram encontrados piolhos das subordens Amblycera e Ischnocera, e também
ácaros de pena, como os Astigmata, podendo ocorrer espécies da família Analgoidae e/ou
Pterolichoidae. Assim, ao observar os valores de infestação de alguns ectoparasitos,
foram identificadas as espécies das aves com maiores taxas de infestação, começando por
22
Veniliornis passerinus com 81% (9/11), Myiarchus tyrannulus com 78% (25/32) e
Ammodramus humeralis com 71% (10/14) e as menores taxas foram nas espécies
Empidonomus varius com 20% (2/10) e Columbina picui com 11% (1/10) (Tabela 2).
Tabela 2. Espécies de aves infectadas e não infectadas por ectoparasitos (Amblycera e Ischnocera (malophaga) e Astigmata (ácaros)) na ESEC-Seridó durante o período de
estudo.
Família/ Espécie Ectoparasitos T.I. Prevalência
M.O. A.P.
Buconnidae
Nystalus maculatus 0 2 8 0,25
Columbidae
Columbina minuta 3 39 173 0,24
Columbina picui 0 2 9 0,11
Zenaida auriculata 0 2 8 0,25
Cuculidae
Coccyzus melacoryphus 3 7 10 0,70
Passarelidae
Ammodramus humeralis 1 9 14 0,71
Picidae
Veniliornis passerinus 0 9 11 0,81
Polioptilidae
Polioptila plumbea 0 4 6 0,33
Rhynchocyclidae
Hemitriccus margaritaceiventer 0 6 11 0,54
Thraupidae
Lanio pileatus 2 30 53 0,60
Volatina jacarina 4 1 9 0,55
Tityridae
Pachyramphus polychopterus 1 3 10 0,40
Tyrannidae
23
Elaenia chilensis 0 7 11 0,63
Empidonomus varius 1 1 10 0,20
Myiarchus swainsoni 2 2 10 0,40
Myiarchus tyrannulus 12 13 32 0,78
Myiodynastes maculatus 1 9 22 0,45
Phaeomyias murina 2 8 31 0,32
Tyrannus melancholicus 0 5 8 0,62
Casiornis fuscus 1 7 12 0,58
As siglas referente a M.O. diz respeito a malófaga e ovo de malófaga juntos, A.P. Ácaros de pena e T.I. total de indivíduos por espécie de aves.
Quando a presença de ectoparasitos foi comparada entre aves infectadas por
hemosporidioses e não infectadas, identificou-se que aves com ectoparasitos foram
menos infectadas por hemosporidioses (χ² = 5,41; gl = 1; p = 0,02) (Figura 5).
Figura 5. Relação entre a infecção de hemoparasitos e infestação de ectoparasitos
das aves coletadas na ESEC-Seridó. No eixo “x”, N é ausência de hemoparasito e P a presença. Na legenda, A é ausência de ectoparasitos e P é a presença.
Em relação a sazonalidade foi observado que entre as estações seca e chuvosa as
prevalências de hemoparasitos foram semelhantes (χ²= 0,76, gl = 1, p = 0,373), com a
24
estação seca contendo 51% (145/280) de prevalência e a estação de chuva com 55%
(276/499). A prevalência de hemosporídeos entre as estações foi avaliada ainda entre as
aves Columbiformes e não-Columbiformes, visto que a ordem Columbiforme foi a mais
amostrada durante o período de estudo. Entretanto, não houve diferenças na frequência
de ocorrência de infestação entre as estações seca e chuvosa tanto para os Columbiformes
(χ² = 1.318, gl = 1, p = 0.251), como para os não-Columbiformes (χ² = 0.034, gl = 1, p =
0.851).
Os habitats em que as aves vivem, sendo eles definidos como arbóreo, arbustivo
ou herbáceo (Tabela 3), apresentaram relação com a ocorrência de infecção por
hemosporídeos (χ²= 25,9; df = 2; p < 0,001). Os habitats herbáceo e arbustivo tiveram as
maiores frequências (respectivamente 63/107 = 0,59 e 309/531 = 0,58) e o habitat arbóreo
a menor (49/141= 0,35).
Os hábitos alimentares das aves, sendo eles: insetívoro, granívoro, onívoro e
frugívoros, demonstraram que há interação com a ocorrência de hemosporidiose (χ² =
24,3; df = 3; p < 0,001). As maiores ocorrências foram para granívoros e frugívoros, 59%
e 57% respectivamente. A frequência de onívoro foi intermediária com 50% e os
insetívoros apresentaram a mais baixa, com 38% (Tabela 3).
Tabela 3. Prevalência (Pv) de hemosporídeos em relação à dieta (D) das aves, habitat (Hb). Com relação a dieta; I = insetívoro, Gr = Granívoro, O = onívoro, Fr = Frugívoro,
A = arbustivo, Arb = Arbóreo, H = herbáceo, TI = total de indivíduos amostrados.
25
Espécies D Hb Pv TI
Columbina minuta Gr A 0.62 393
Columbina picui Gr A 0.56 36
Zenaida auriculata Gr Arb 0.7 10
Coccyzus melacoryphus I Arb 0 10
Nystalus maculatus O A 0.5 10
Veniliornis passerinus I Arb 0.54 13
Pachyramphus polychopterus I Arb 0.7 10
Hemitriccus margaritaceiventer I A 0.13 15
Elaenia chilensis Fr A 0.57 14
Phaeomyias murina I A 0.5 40
Myiarchus swainsoni I Arb 0.29 14
Myiarchus tyrannulus I Arb 0.32 37
Casiornis fuscus I Arb 0.23 13
Myiodynastes maculatus I Arb 0.3 23
Empidonomus varius I A 0.23 13
Tyrannus melancholicus I Arb 0.36 11
Polioptila plumbea I A 0.5 10
Ammodramus humeralis Gr H 0.47 17
Lanio pileatus Gr H 0.59 70
Volatinia jacarina Gr A 0.7 20
Total 779
26
5. DISCUSSÃO
A taxa de prevalência de hemosporídeos, nas aves da ESEC-Seridó, foi de 54%.
Esta prevalência pode ser considerada alta quando comparada a outros trabalhos
realizados no Brasil. A exemplo disto, um trabalho realizado no Cerrado do Brasil central
apresentou 6,8% de infecção por hemoparasitos (Fecchio et al., 2007). No entanto, este
trabalho utilizou apenas a microscopia e não um método molecular como o presente
trabalho. Na Estação Ecológica de Águas Emendadas (ESECAE), em Brasília, foram
amostradas 790 aves com prevalência de 21% (Fecchio et al., 2013). Este estudo tem uma
amostragem muito próxima ao estudo aqui apresentado. Enquanto isso, outro estudo feito
na Mata Atlântica apresentou prevalência de 12,4% (Sebaio et al., 2010) e ainda um
trabalho realizado em três localidades do estado do Tocantins, na região Norte do Brasil,
apresentou uma prevalência de 23,7% (Leite et al., 2013). Estes estudos feitos em biomas
e locais distintos tiveram prevalência bastante baixas quando comparadas ao presente
trabalho. Por outro lado, um estudo feito no Parque Estadual da Mata Seca em Minas
Gerais apresentou prevalência de 41,9 % (Ferreira, 2016). A Mata seca apresenta
características ambientais semelhantes a Caatinga.
A ordem Columbiforme apresentou maior número de indivíduos amostrados e
algumas espécies de Hippoboscidae apresentam especificidade com esta ordem, como a
Microlynchia pusilla. No Brasil, esta mosca, foi encontrada parasitando apenas espécies
de aves da ordem Columbiforme (Lutz et al., 1915; Maa, 1969; Arzua, 2010). No Rio
Grande do Norte foi encontrado o primeiro registro de Microlynchia pusilla, que estava
parasitando a espécie Leptotila verreauxi. Apesar desta espécie de mosca infectar a ordem
Columbiforme, não há muitos estudos que apresentem dados sobre quais espécies de aves
são parasitadas por esta mosca (Silva, 2013).
Os vetores de hemoparasitos precisam de condições mínimas para se
desenvolverem e sobreviverem, alguns requerem padrões de temperatura e umidade para
que seus ciclos de vida se completem. Em baixas temperaturas, alguns insetos
hospedeiros apresentam dificuldades para sobreviver e reproduzir, já em temperaturas em
torno de 25ºC, alguns insetos atingem sua temperatura ótima para reprodução (Benning
et al., 2002). Um estudo feito por Leite et al (2013) mostra que há uma diferença de
infecção de hemosporídeos aviários entre a estação chuvosa e seca no Cerrado da região
norte do Brasil, no qual a prevalência é maior na chuva do que na seca. Contudo, nosso
trabalho não apresentou diferença entre as estações seca e chuvosa. A sazonalidade é um
27
fator importante a ser analisado, pois modifica de forma brusca a disponibilidade e
abundância de recursos, como alimento e abrigo, para as aves, deixando-as mais
vulneráveis todo o ano e, assim, apresentando alta prevalência nas duas estações. Poucos
estudos foram feitos para descobrir o efeito da sazonalidade sobre os hemosporídeos em
ambientes tropicais. Enquanto que, em regiões temperadas estudos já foram realizados
(Wilkinson et al., 2016) e as diferenças sazonais na prevalência de hemoparasitos ocorrem
com maior frequência (Hatchwell et al., 2000, Schrader et al.,2003), pois a sazonalidade
climática é mais acentuada. No trabalho de Ferreira (2016) o subgênero Haemoproteus
foi detectado ao logo de todo o ano, não apresentando diferença entre as estações seca e
chuvosa. Os dípteros Hippoboscidae passam quase toda a fase adulta no corpo do
hospedeiro (Levin et al., 2012). Assim, o parasita permanece nas aves durante as duas
estações.
Os parasitos, tanto os hemoparasitos como os ectoparasitos, podem causar danos
graves à saúde das aves. No trabalho de Bergstrom et al. (1999) colônias de albatrozes
tiveram alta taxa de mortalidade correlacionadas com altas taxas de ectoparasitos. Além
de que, os ectoparasitos, podem enfraquecer o hospedeiro, causar perda de plumagem,
irritação da pele e letargia (Mullen, 2002). Assim, a presença destes dois parasitos em um
indivíduo, tanto os ectoparasitos quanto os hemoparasitos, poderiam causar a morte
rápida da ave. Além disso, a presença de hemosporídeos no indivíduo pode causar
relapsos em respostas a estímulos hormonais, como a presença de corticoides, afetando a
resposta imunológica do indivíduo (Granfield et al., 1994). Enquanto que, quando há uma
resposta do organismo com a presença de corticoide alguns tipos de ácaros não se
prolifera nas penas das aves. (Suzuk et. al., 2014).
A incidência de Hippobocidae está relacionada ao habitat em que uma
determinada espécie de ave ocorre. Em aves que estão mais próximas ao solo ou estrato
médio, apresentam maior infestação por Haemoproteus spp. e as aves dos estratos
superiores eram mais propensas a serem infectados com Plasmodium (Astudillo et al.,
2013). Além disto, algumas espécies de Culicidae, como o Limatus durhamii, tem o
hábito de atacar os animais que permanecem junto ao solo (Forattini, 1965). As aves deste
habitat podem serem infectados pela espécie Plasmodium spp. As espécies de aves com
hábitos alimentares granívoras tende a ficar junto ao solo, pois as plantas produtoras de
grão, como algumas gramíneas da família Poaceae, tem porte baixo (Amorim et al.,
2005). Assim, estas aves, como os da família Columbidae, terão mais chances de serem
28
atacadas por estes insetos vetores. Enquanto que 59% da amostra do presente trabalho
obteve maior infecção por hemosporidiose em aves granívoras. Por outro lado, Ribeiro et
al. (2005) encontraram um aumento da taxa de hemoparasitos em aves de dieta insetívora,
sugerindo que pode ocorrer infecção através das glândulas salivares infectadas dos
mosquitos ingeridos.
Por fim, conclui-se que a ESEC- Seridó apresenta alta taxa de hemosporidio ses,
no entanto a presença deste parasito na comunidade de aves não tem influência em relação
à sazonalidade do local. A prevalência de hemosporídeos nas aves interage com seus
modos de vida, como o habitat e o hábito alimentar. A Caatinga é um local pouco
estudado, mas com muita informação a ser conhecida; até o momento não houve relatos
sobre a ocorrência de hemosporídeos neste bioma. Por isso é importante a continuidade
de pesquisas para verificar como a hemosporidiose afeta a comunidade de aves em seu
habitat.
29
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