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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES CURSO DE LICENCIATURA EM ARTES VISUAIS DEPARTAMENTO DE ARTES GILVAN LIRA DE MEDEIROS O GRUPEHQ E A REVISTA MATURI: SUA IMPORTÂNCIA PARA AS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS NO RIO GRANDE DO NORTE Natal-RN 2015

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

CURSO DE LICENCIATURA EM ARTES VISUAIS

DEPARTAMENTO DE ARTES

GILVAN LIRA DE MEDEIROS

O GRUPEHQ E A REVISTA MATURI:

SUA IMPORTÂNCIA PARA AS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS NO RIO GRANDE DO

NORTE

Natal-RN

2015

2

GILVAN LIRA DE MEDEIROS

O GRUPEHQ E A REVISTA MATURI:

SUA IMPORTÂNCIA PARA AS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS NO RIO GRANDE DO

NORTE

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao

Departamento de Artes da Universidade Federal do Rio

Grande do Norte como requisito parcial para a obtenção

do título de Licenciado em Artes Visuais.

Orientador: Prof. Dr. Vicente Vitoriano Marques

Carvalho

Natal-RN

2015

3

GILVAN LIRA DE MEDEIROS

O GRUPEHQ E A REVISTA MATURI:

SUA IMPORTÂNCIA PARA AS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS NO RIO GRANDE DO

NORTE

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao

Departamento de Artes da Universidade Federal do Rio

Grande do Norte como requisito parcial para a obtenção

do título de Licenciado em Artes Visuais.

APROVADO em: ______ de ___________ de _______

BANCA EXAMINADORA:

___________________________________________________

Prof. Dr. Vicente Vitoriano Marques Carvalho

Orientador - Universidade Federal do Rio Grande do Norte

____________________________________________________

Jornalista Emanoel Cândido do Amaral

Convidado

____________________________________________________

Prof. Dr. Rogério Júnior Correia Tavares

Examinador - Universidade Federal do Rio Grande do Norte

4

DEDICATÓRIA

Aos meus pais Francisco Lira e Terezinha Ferreira,

ao meu filho Pablo B. Lira,

à minha esposa Vannessa Duarte.

5

AGRADECIMENTOS

Ao meu orientador, professor Dr. Vicente Vitoriano Marques Carvalho, pela atenção e

motivação constantes, por instigar minha curiosidade e pelas valiosas orientações durante

todo o processo de produção do trabalho.

A Emanoel Cândido do Amaral, pelo apoio, disponibilizando-me o vasto material do seu

acervo pessoal e pelas entrevistas que enriqueceram, e muito, a minha pesquisa.

A Walker Ferreira pelo apoio e vasto acervo bibliográfico colocado a meu dispor, o que

contribuiu significativamente com este estudo.

A Marcio José Coelho Monteiro, pelo apoio, entrevista e os livros que muito contribuíram na

realização deste trabalho.

A Adrovando Claro de Oliveira que muito contribuiu com sua entrevista, com o Vídeo

documentário 25 Anos do GRUPEHQ e fornecendo-me alguns exemplares da revistas Maturi.

Luis Elson Dantas, Aucides Bezerra Sales que enriqueceram a pesquisa com seus relatos e

fornecendo material impresso.

Ao professor Dr. Rogério Júnior Correia Tavares, pelas contribuições dadas na banca do TCC

I.

Ao professor Me. José Veríssimo de Souza, pelas observações e sugestões feitas na banca do

TCC I e em outras ocasiões.

A todas as pessoas que contribuíram diretamente ou indiretamente com a conclusão do meu

curso.

A Vannessa Duarte Mendes pelo carinho e apoio constante e irrestrito.

6

RESUMO

Esta monografia tem como principal objetivo historiar a produção de histórias em quadrinhos

no Rio Grande do Norte pelo Grupo de Pesquisa e Histórias em Quadrinhos, GRUPEHQ, com

ênfase na criação e desenvolvimento da Revista Maturi. A pesquisa foi feita a partir da

revisão da literatura sobre o assunto, em consulta a livros, jornais, vídeos, revistas e textos

disponíveis na internet, assim como em entrevistas não estruturadas com alguns dos

componentes do GRUPEHQ e com os editores da revista Maturi em sua atual fase. Este

estudo reafirma a importância do GRUPEHQ e da revista Maturi para as histórias em

quadrinhos no Estado.

Palavras-chave: Histórias em quadrinhos, GRUPEHQ, Revista Maturi.

7

LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 – Página de The Yellow Kid..................................................................................15

FIGURA 2 – Capa revista Vida Fluminense nº 57...................................................................16

FIGURA 3 – Página da HQ ―Zé Caipora‖................................................................................17

FIGURA 4 – Página da HQ ―As aventuras de ―Nhô-Quim‖....................................................18

FIGURA 5 – José Potiguar Pinheiro (Poti)...............................................................................19

FIGURA 6 – História em Quadrinhos produzida por Poti........................................................20

FIGURA 7 – Trabalho de Falves Silva (poema processo) .......................................................23

FIGURA 8 – Catálogo da 1ª Exposição Norteriograndense de Histórias em Quadrinhos.......24

FIGURA 9 – Apresentação do catálogo da 1ª Exposição.........................................................25

FIGURA 10 – Página do catálogo da 1ª Exposição..................................................................26

FIGURA 11 – Cartaz convocando os artistas...........................................................................27

FIGURA 12 – Dom Lucas Brasil..............................................................................................28

FIGURA 13 – Membros do GRUPEHQ...................................................................................28

FIGURA 14 – Capa da revista Tim Relâmpago.......................................................................29

FIGURA 15 – Matéria sobre o GRUPEHQ..............................................................................30

FIGURA 16 – Tira de quadrinho de autoria de Aucides Sales.................................................31

FIGURA 17 – Carimbo da polícia federal na tira de Aucides Sales.........................................31

FIGURA 18 – História em quadrinho de Aucides Sales..........................................................32

FIGURA 19 – Capa da revista Estamos aqui por vocação.......................................................33

FIGURA 20 – Quarta capa da revista Estamos aqui por vocação............................................34

FIGURA 21 – Capa da revista Veja edição 249 13 de Junho de 1973.....................................34

FIGURA 22 – Tira de Super-Cupim.........................................................................................35

FIGURA 23 – O coveiro, de Reinaldo Azevedo......................................................................35

FIGURA 24 – Tira do Tenente Wilson, de Luís Pinheiro........................................................36

8

FIGURA 25 – Tira Trombstone City, de Aucides Sales...........................................................36

FIGURA 26 – Capas da revista Cabramacho...........................................................................37

FIGURA 27 – Anúncio da 2ª Exposição Norteriograndesense de quadrinhos.........................38

FIGURA 28 – Foto da 2ª Exposição Norteriograndense de quadrinhos...................................38

FIGURA 29 – Capa da Revista Maturi número A....................................................................40

FIGURA 30 – Capa de ―Fritz the cat‖, de Robert Crumb........................................................40

FIGURA 31 – Capa da revista francesa Metal Hurlant............................................................41

FIGURA 32 – Capa da Revista Maturi número D....................................................................42

FIGURA 33 – Capa da revista Igapó número 1........................................................................43

FIGURA 34 – Capa da Revista Maturi número L....................................................................44

FIGURA 35 – Capa da Revista Maturi Mirim número 2.........................................................45

FIGURA 36 – Capa da Revista Maturi número O....................................................................45

FIGURA 37 – Anúncio da 3ª Exposição de quadrinhos potiguares.........................................46

FIGURA 38 – Capa da Revista Maturi Edição Especial..........................................................48

FIGURA 39 – Reunião com Edmar Viana...............................................................................49

FIGURA 40 – Reunião do GRUPEHQ.....................................................................................50

FIGURA 41 – Tipologia do título da Revista Maturi...............................................................51

FIGURA 42 – Nova tipologia do titulo Revista da Maturi.......................................................51

FIGURA 43 – Capa da Revista Maturi número 1.....................................................................51

FIGURA 44 – Escultura do Lobisomem...................................................................................52

FIGURA 45 – Lançamento da Revista Maturi número 1.........................................................52

FIGURA 46 – Estandes com biografia dos autores..................................................................53

FIGURA 47 – Capa da Revista Maturi número 2.....................................................................53

FIGURA 48 – Capa da Revista Maturi número 3.....................................................................54

FIGURA 49 – Capa da Revista Maturi número 4.....................................................................55

FIGURA 50 – Capa da Revista Maturi número 5.....................................................................55

FIGURA 51 – Capa da Revista Maturi número 6.....................................................................56

9

FIGURA 52 – Capas das revistas Tabefe e Acunha.................................................................57

FIGURA 53 – Capas das revistas Cafuné e Tapuru..................................................................57

FIGURA 54 – Capas das revistas Epopéia Potiguar e Bio 47..................................................58

FIGURA 55 – Capa da revista Caos nas Tetas.........................................................................58

FIGURA 56 – Ação Pedagógica I.............................................................................................71

FIGURA 57 – Ação Pedagógica I.............................................................................................71

FIGURA 58 – Ação Pedagógica I.............................................................................................72

FIGURA 59 – Ação Pedagógica II...........................................................................................74

FIGURA 60 – Ação Pedagógica II...........................................................................................74

FIGURA 61 – Ação Pedagógica II...........................................................................................75

FIGURA 62 – Ação Pedagógica II...........................................................................................75

FIGURA 63 – Ação Pedagógica II...........................................................................................76

FIGURA 64 – Ação Pedagógica II...........................................................................................76

FIGURA 65 – Ação Pedagógica II...........................................................................................77

FIGURA 66 – Ação Pedagógica II...........................................................................................77

FIGURA 67 – Página de HQ - Ação Pedagógica II.................................................................78

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SUMÁRIO

1 – INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 11

2 – AS PRIMEIRAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS ........................................................ 14

AS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS NO BRASIL .......................................................... 15

AS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS NO RIO GRANDE DO NORTE ............................ 19

3. GRUPEHQ – O INÍCIO. .................................................................................................... 21

A CRIAÇÃO DO GRUPEHQ.............................................................................................27

4. A REVISTA MATURI ......................................................................................................... 39

A NOVA REVISTA MATURI............................................................................................47

5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 59

REFERÊNCIAS: ...................................................................................................................... 61

APÊNDICE...............................................................................................................................64

11

1 – INTRODUÇÃO

As histórias em quadrinhos (HQ) aos poucos vêm conseguindo romper o preconceito e

a discriminação, conquistando cada vez mais espaço nas livrarias e também no ambiente

acadêmico. Estudiosos como Moacy Cirne (1970, 1975), Álvaro de Moya (1972), Paulo

Ramos (2009), Angela Rama e Waldomiro Vergueiro (2004), Sônia M. Bibe-Luyten (1985,

1987), Flávio Calazans (1997), dentre outros, têm reafirmado a importância dessa linguagem,

ressaltando seu valor como forma de expressão e veículo de comunicação de massa, assim

como sua importância pedagógica. Elevada à categoria de Literatura Gráfica, não obstante, as

histórias em quadrinhos ainda são pouco utilizadas em sala de aula, desprezando-se assim seu

valor como instrumento de aprendizagem e muitos leitores veem essa linguagem apenas como

leitura para crianças, com pouca ou nenhuma profundidade.

Apesar da crescente produção de HQ no Rio Grande do Norte (RN), o material

produzido continua pouco conhecido para a maioria dos leitores, tanto no Estado como fora

dele. O presente trabalho de pesquisa foi desenvolvido com a intenção de fazer um registro

histórico desta modalidade artística no RN, tendo como objeto de estudo o mais antigo grupo

em atividade no estado, o Grupo de Pesquisa e Histórias em Quadrinhos, GRUPEHQ,

focando na produção do Grupo no período de 1971 a 2012, com interesse particular na

Revista Maturi.

A ideia deste estudo, que é uma pesquisa histórica sobre arte, surgiu quando eu

cursava a disciplina Pesquisa em Artes, ministrada pelo professor Dr. Vicente Vitoriano

Marques Carvalho. Como membro do GRUPEHQ e integrante da revista Maturi, sentia a falta

de uma pesquisa que abordasse desde a fundação do GRUPEHQ à criação da Maturi,

descrevendo suas fases. Em razão disso, decidi pela realização deste estudo, cujo objetivo é

fazer um registro histórico do GRUPEHQ e da revista Maturi, uma das mais importantes

publicações do Grupo, que permanece em atividade até hoje. Pretendo, então, com esta

pesquisa, demonstrar a importância do GRUPEHQ e da revista Maturi para os quadrinhos no

RN, o alcance da publicação e sua repercussão além das fronteiras do Estado.

Para a realização desta monografia, foi muito importante o material iconográfico ao

qual tive acesso. Emanoel Cândido do Amaral, membro fundador do GRUPEHQ, me

disponibilizou seu vasto acervo que incluía fotografias, desenhos originais, revistas, recortes

de jornais com matérias sobre o Grupo, dois exemplares da revista Cabramacho, um exemplar

12

da revista Gibi Notícias e páginas do suplemento Quadrinhos do jornal Diário de Natal, que

foi de enorme importância para a pesquisa. Alguns itens do acervo de Emanoel Amaral

estavam bastante deteriorados, exigindo o máximo de cuidado no manuseio. A pesquisa

acabou contribuindo para a preservação, pelo menos no formato digital, deste material que é

um importante registro da história do GRUPEHQ. Outras fontes de igual importância a que

tive acesso fazem parte do acervo do GRUPEHQ e incluem grande quantidade de fotos,

imagens digitais e impressas que registram as várias produções do Grupo. Parte desse acervo

é digitalizada e vários membros do Grupo possuem cópia. A guarda da parte física do acervo

está distribuída entre Aucides Bezerra de Sales, Luis Elson Dantas, Emanoel Cândido do

Amaral e Anchieta Fernandes.

Na primeira etapa da pesquisa, foi feito um levantamento da literatura sobre o

GRUPEHQ e a Revista Maturi. Consultei livros como ―A linguagem dos quadrinhos‖, ―Bum!

A explosão criativa dos quadrinhos‖, ambos de Moacy Cirne (1970, 1975), ―Ler quadrinhos,

reler quadrinhos RN‖, de Anchieta Fernandes (2011), além de revistas, jornais e textos

disponíveis na internet.

Na segunda etapa, fiz o cruzamento de informações para corrigir possíveis distorções.

Ao final, pude realmente verificar que alguns textos publicados divergiam da versão

apresentada por alguns dos entrevistados. Para decidir por uma ou outra informação, recorri a

mais de uma fonte, confrontando os dados e consultando alguns dos entrevistados.

O vídeo documentário ―25 Anos do GRUPEHQ ―(1996), produzido pelo professor de

arte Adrovando Claro de Oliveira, foi de grande relevância para este estudo. Através desse

vídeo foi possível ter acesso a vários depoimentos de grande importância para esta pesquisa,

entre eles o de Dom Lucas Brasil, um dos principais responsáveis pela fundação do

GRUPEHQ e falecido em 2010.

Além dos depoimentos em vídeos, foram feitas entrevistas não estruturadas com o

artista Emanoel Amaral e o jornalista Anchieta Fernandes, membros fundadores do

GRUPEHQ e com o artista Aucides Sales, criador da revista Maturi. Entrevistei ainda os

artistas e professores de artes visuais, Marcio Jose Coelho e Luis Elson Dantas e o chargista

Ivan Cabral. A pesquisa também se baseou na memória de minha própria experiência como

membro do GRUPEHQ e como editor e coordenador artístico do projeto Revista Maturi, além

de consulta a exemplares da própria Revista.

13

No início do trabalho, havia a pretensão de analisar o processo criativo de alguns dos

principais artistas da revista Maturi (aqueles que participaram de várias das fases da Revista).

Contudo, no decorrer da pesquisa ficou evidente que tal tarefa demandaria mais tempo do que

se dispunha para a conclusão do trabalho no prazo estabelecido. Assim, a avaliação do

processo criativo ficará para uma nova etapa do trabalho.

Na academia, outros trabalhos sobre HQ têm se fundamentado em autores como Will

Eisner (2008, 2010) e Scott McCloud (2005, 2006, 2008), como é o caso de ―No palco, os

quadrinhos: a influência do teatro judaico no desenvolvimento das histórias em quadrinhos

modernas‖ de José Veríssimo de Sousa (2012), ―A construção de modelos situacionais no

padrão discursivo narrativa em quadrinhos‖, de Ada Lima Ferreira de Sousa (2012) e

―Processo criativo do quadrinho: O Evangelho Segundo o Sangue‖ de Leandro Gomes de

Moura (2011), mas para este estudo me restringi a utilizar parâmetros que tirei das pessoas

entrevistadas, já citadas anteriormente.

A estrutura do trabalho está dividida em cinco partes, sendo a primeira esta

introdução.

Na segunda parte, intitulada As primeiras Histórias em Quadrinhos, é traçado um

panorama do surgimento das primeiras histórias em quadrinhos no mundo e no Brasil e o

início da produção dessa linguagem no RN.

Na terceira parte, nomeada de GRUPEHQ, o início, é abordada a trajetória de

Emanoel Amaral, culminando com a realização da 1ª Exposição Norterigrandense de

Histórias em quadrinhos e, em seguida, a criação do GRUPEHQ (Grupo de Pesquisa e

Histórias em Quadrinhos) e sua repercussão.

A quarta parte, denominada A revista Maturi, trata da criação da Revista por Aucides

Sales e Enoch Domingos, descrevendo suas diferentes fases até a publicação da última edição

em 2012. Para estruturar a narrativa, a história da Maturi foi divida em fases, caracterizadas

principalmente pela mudança em seu formato.

Na quinta parte são feitas as considerações finais, reafirmando o pioneirismo e

contribuições do GRUPEHQ e da revista Maturi para o desenvolvimento das histórias em

quadrinhos no RN.

14

2 – AS PRIMEIRAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS

A origem das histórias em quadrinhos está intimamente ligada ao desenvolvimento das

técnicas de reprodução gráfica na Europa e ao crescimento da indústria editorial. O avanço no

processo de impressão ampliou as possibilidades da união do texto com a imagem. As

ilustrações estilizadas e de cunho humorístico, como as caricaturas, e as ilustrações dos contos

de fadas (com figuras de animais humanizados), veiculadas em jornais e livros, tiveram papel

importante na formação das atuais histórias em quadrinhos.

Em 7 de maio de 1890 , foi publicada em Londres a Comic Cuts primeira revista com

histórias desenhadas. Ela continha mais textos que desenhos e seu conteúdo era satírico-

humorístico. Em poucos dias a publicação atingiu a tiragem de 300 mil exemplares, superior à

dos grandes jornais da época.

Em 1895, as HQs do personagem ―The Yellow Kid‖ (O garoto amarelo), criação de

Richard Fenton Outcault, começaram a ser publicadas regularmente no suplemento dominical

colorido do New York World, jornal sensacionalista de propriedade de Joseph Pulitzer,

tornando-se sua principal atração (MOYA, 1993). Os quadrinhos passaram a ser usados por

grandes empresas jornalísticas norte-americanas como atrativo para a venda de jornais. A

primeira história em quadrinhos colorida foi o ―The Yellow Kid‖. A cor amarela estava sendo

usada pela primeira vez na impressão de jornais, e como teste, o camisolão do garoto tinha

essa cor. Por isso, o público passou a chamá-lo de ―The Yelow Kid‖, ainda que o autor nunca

o tenha nomeado, conforme Álvaro Moya (1993) que o aponta como o verdadeiro criador das

modernas HQs. Ele sintetizou o que tinha sido feito até então e introduziu em suas histórias

do ―Yellow Kid‖ um elemento novo: o balão com as falas. Moya afirma ainda que a

publicação do ―Yellow Kid‖ acabou dando origem ao termo ―jornalismo amarelo‖ (por causa

do camisolão amarelo do garoto), para designar a imprensa sensacionalista (1993).

A criação de Outcault fez tanto sucesso que os grandes jornais de Nova Iorque

entraram em pé de guerra para ter o The Yellow Kid em suas páginas. Assim, em meados de

1896, o personagem passou a ser publicado no New York Journal, de propriedade de William

Randolph Hearst, arquiinimigo de Pulitzer. No New York Journal, Outcault criou seu

segundo personagem de sucesso, o garoto Buster Brown (BIBE-LUYTEN, 1987).

15

Figura 1 - Página de ―The Yellow Kid‖ publicada no New York World.

Fonte:< http://pressinamerica.pbworks.com/w/page/18360274/Yellow%20Journalism>.

Acesso em 25 de maio 2015

Mas o uso de imagens seqüenciadas como narrativa vem desde os tempos pré-

históricos, nas pinturas rupestres, relatando as aventuras das caçadas do homem primitivo,

muito antes da invenção da escrita. Outros povos, como os egípcios, pintavam grandes murais

com imagens sequenciadas, narrando fatos e acontecimentos.

Ainda que se possam identificar elementos do passado que mostram o uso de

narrativas através de imagens e traçar prováveis relações com as atuais HQs, não há consenso

entre os estudiosos quanto à autoria da primeira HQ impressa, uma vez que vários autores

publicaram histórias em quadrinhos em datas próximas como, Rodolphe Töpffer na Europa,

Rakuten Kitazawa, no Japão e Richard Felton Outcault na América (GARCIA, 2012).

AS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS NO BRASIL

A gênese das histórias em quadrinhos no Brasil remonta ao final do século XIX, com o

ítalo-brasileiro Angelo Agostini e seus personagens Nhô-Quim e Zé Caipora. Em 30 de

janeiro se comemora o Dia do Quadrinho Nacional, pois foi neste dia, no ano de 1869, que

Ângelo Agostini publicou a primeira HQ brasileira, no jornal Vida Fluminense. Dividida em

16

dois capítulos, a HQ se chamava ―As aventuras de Nhô-Quim‖ e tinha como personagem

principal o Nhô-Quim, um jovem caipira que visita a corte do Rio de Janeiro. ―As aventuras

de Nhô-Quim‖ foi a primeira história em quadrinhos brasileira de longa duração e uma das

primeiras no âmbito mundial (CARDOSO, 2013)

As Aventuras do Zé Caipora foram publicadas em 1883 na Revista Vida Fluminense,

da qual Agostini era proprietário, editor e desenhista. Depois, a série foi reeditada na revista

Don Quixote, em 1901. Na revista O Malho (em 1905), Agostini desenha mais 40 capítulos

das Aventuras de Zé Caipora (BELLEY, 2014).

Figura 2 - Capa Revista Vida Fluminense nº 57. Fonte:<http://www.sobrelivros.com.br/sobre-quadrinhos-9-

angelo-agostini-e-primeira-historia-em-quadrinhos-brasil/>. Acesso em 18 maio 2015.

17

Figura 3 - Página da HQ ―Zé Caipora‖, publicada na revista Vida Fluminense.

Fonte:<http://www.sobrelivros.com.br/sobre-quadrinhos-9-angelo-agostini-e-primeira-historia-em-quadrinhos-

brasil/>. Acesso em 18 maio 2015.

18

Figura 4 - Página da HQ ―As aventuras de ―Nhô-Quim‖ na revista Vida Fluminense.

Fonte:<http://www.sobrelivros.com.br/sobre-quadrinhos-9-angelo-agostini-e-primeira-historia-em-

quadrinhos-brasil/>. Acesso em 18 maio 2015.

Em 1905, a editora O Malho publicou a revista ―O Tico-tico‖, considerada a primeira

revista de quadrinhos do Brasil. Era uma publicação destinada ao público infantil, que trazia

poucas páginas de quadrinhos e textos com curiosidades, fábulas e fatos sobre a história do

Brasil. Chiquinho, o personagem principal da Revista, era na realidade uma cópia de Buster

Brown, criado por R. Outcault. Mas pelas páginas de Tico-Tico circularam vários

personagens criados por artista brasileiros como Reco Reco, Bolão e Azeitona, de Luís Sá,

Jujuba, Carrapicho e Lamparina, de J. Carlos. Foi uma das revistas mais duradouras do

segmento, de 1905 até sua extinção nos anos 60 (BIBE-LUYTEN, 1987).

Em 1939 foi lançada a revista O Gibi, impressa em papel-jornal meio tablóide, com

trinta e duas páginas. O nome Gibi se tornaria sinônimo de revista em quadrinhos no Brasil

(MOYA, 1993).

19

AS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS NO RIO GRANDE DO NORTE

A produção de histórias em quadrinhos no Rio Grande do Norte tem início em 1959,

quando o jornal O Diário de Natal começou a publicar, às terças-feiras, uma página semanal

de diversões, dedicada às crianças, com contos infantis, passatempos, poesias, curiosidades e

até uma ―Enciclopédia Mirim‖. O título desta página era ―Recreio‖, organizada por Serquiz

Farkatt, diretor do Diário Oficial do RN, de 1959 a 1961, e com ilustrações de José Potiguar

Pinheiro (1928), mais conhecido como Poti. E foi nesta página que o mesmo Poti começou a

publicar uma História em Quadrinhos intitulada ―A conquista do fogo através dos tempos‖

(Figura 6), narrando em episódios (tiras) a história da conquista do fogo pelo homem. Era a

primeira HQ feita por um artista potiguar para um jornal local. Para Anchieta Fernandes

(2005), essa é a primeira HQ genuinamente potiguar, publicada no RN. Em suas palavras (25

ANOS... 1996.):

Essa é a que considero a primeira História em Quadrinhos de norteriograndense

publicada no Rio Grande do Norte. Antes não teve. O jornal A República e outros

jornais publicaram quadrinhos a partir da década de 1930, mas quadrinhos vindos de

agências do Rio de Janeiro e de agências internacionais.

Figura 5 - José Potiguar Pinheiro (Poti). Fonte: Acervo do GRUPEHQ.

20

Figura 6 - História em quadrinhos produzida por Poti e publicada em 1959 no jornal Diário de Natal.

Fonte: Fernandes, 2011.

Mas os quadrinhos produzidos no RN começaram a ter projeção, de fato, a partir da 1ª

Exposição Norte-Rio-Grandense de Histórias em Quadrinhos, idealizada e organizada por

Emanoel Amaral, em maio de 1971, na Biblioteca Pública Câmara Cascudo, em Natal. Na

época, o artista natalense voltava a morar na cidade, vindo do Rio de Janeiro.

21

3. GRUPEHQ, O INÍCIO

Emanoel Cândido do Amaral nasceu em 25 de dezembro de 1951 na cidade do Natal.

Aos cinco anos de idade seu pai mudou-se com a família para o Rio de Janeiro, pois

acreditava que ali os filhos teriam melhores possibilidades de continuar os estudos e trabalhar

(AMARAL, 2015).

Quando estava com 16 anos, Amaral conheceu no Rio de Janeiro o desenhista Evaldo

Oliveira (1939-2007), natural de Areia Branca (RN), que trabalhava na Rio Gráfica Editora

(RGE), hoje Editora Globo, onde desenhava o personagem de histórias em quadrinhos Flecha

Ligeira, do qual Amaral era fã. Dias depois, a convite de Evaldo, ele visitou a RGE, onde

conheceu vários desenhistas, entre eles Walmir Amaral de Oliveira (1939), Milton Sardella

(1931-1986), Primágio Montovi, criador do palhaço Sacarrolha, personagem de HQ, e José

Menezes, que era o diretor de arte da RGE e também desenhava o Jim das Selvas,

personagem criado pelo desenhista americano Alex Raymond.

Empolgado, Amaral se mostrou interessado em trabalhar na RGE. Os artistas lhe

falaram como era o processo de produção dos desenhos e ele disse que gostaria de aprender.

Walmir, que segundo Amaral era o mais duro deles, disse como ele deveria proceder, caso

quisesse mesmo aprender: ―A gente aprende assim: vá pra casa e faça um desenho, o melhor

que puder e traga para a gente ver. A gente vai analisar seu trabalho e dizer se está bom e

apontar suas falhas. É assim que a gente ensina, não tem esse negócio de ensinar passo a

passo não‖ (AMARAL, 2015).

Depois de passar duas semanas produzindo alguns desenhos, Amaral os levou para

mostrar a Walmir que, apesar de ter gostado, apontou algumas falhas. Assim, ele voltou para

casa e pintou uma ilustração com o personagem Tarzan, (cópia a guache da capa de uma

revista do personagem). Apesar de ser uma cópia, a arte causou admiração entre os artistas da

RGE e Walmir lhe disse que se quisesse ele já poderia trabalhar com eles, fazendo

complementação de desenhos. Ele só precisaria trazer a documentação necessária, como

certificado de reservista e carteira de trabalho (AMARAL, 2015). Como Amaral era menor de

idade, Walmir sugeriu que ele fosse servir o exército e depois disso poderia voltar à RGE que

lhe conseguiriam um emprego lá.

Amaral conta que voltou algumas vezes à RGE, mas nunca chegou a trabalhar na

editora. Pouco tempo depois, aos 17 anos, decidiu voltar para Natal para fazer um movimento

22

de desenhistas na cidade. Evaldo tentou convencer o amigo a desistir da ideia por acreditar

que em Natal não havia mercado para quadrinhos e que o Rio de Janeiro era o lugar onde ele

poderia desenvolver uma carreira como desenhista. Mas Amaral estava convicto do que

queria e no dia 21 de janeiro de 1970 chegou a Natal, onde passou a morar com uma prima.

Sem emprego, resolveu fazer alguns cartões natalinos de teor humorístico e vender no

centro da cidade. ―Eu desenhei com nanquim, fiz umas aguadas com guache e levei na livraria

Universitária, onde consegui deixar os cartões consignados. Em poucos dias eles já haviam

vendido vários (AMARAL, 2015).

Segundo Amaral (2015), ele ia de vez em quando à livraria levar mais cartões e, certo

dia, havia um jornalista fazendo uma matéria para o Diário de Natal. Era Alexis Fernandes

Gurgel (1945-1979), que havia visto seus cartões e decidiu entrevistá-lo. Através de Alexis,

Amaral veio a conhecer seu primo Anchieta Fernandes e o desenhista Falves Silva.

Em janeiro de 1971, Amaral começou a trabalhar no jornal. Eterno inquieto, ele teve a

ideia de fazer a exposição de Histórias em Quadrinhos e começou a se articular com outros

desenhistas (alguns que ele só conheceu durante a organização da exposição, como

Lindenberg Rivoredo, Reinaldo Azevedo e Luiz Pinheiro). Os artistas de histórias em

quadrinhos brasileiros se empenhavam em mostrar à sociedade o potencial da chamada nona

arte e, ao mesmo tempo, conquistar uma parcela do mercado quase totalmente dominado por

publicações com quadrinhos importados (CIRNE, 1975). Foi seguindo esta tendência que

Emanoel Amaral, na época com 19 anos de idade, resolveu promover a exposição.

Assim, no dia 15 de maio de 1971, foi inaugurada na Biblioteca Pública Câmara

Cascudo, em Natal, a 1ª Exposição Norteriograndense de Histórias em Quadrinhos, a primeira

exposição do gênero das regiões Norte e Nordeste (25 ANOS..., 1996). Fernandes relata que a

exposição ocupava todo o salão de mostras da Biblioteca Câmara Cascudo e dividia-se em

duas seções, uma com Histórias em Quadrinhos e a outra com Poemas/Processo, esta última

apresentando poemas com elementos da linguagem dos quadrinhos (com o uso de imagens

sequenciadas em quadros, balões e onomatopéias). Os poemas processos estavam expostos

em ordem dinâmica destacando sua espacialidade, tendo uma face virada para a parede e a

outra solta ao sabor do vento e da manipulação do público, (FERNANDES, 2005).

A razão de a Exposição trazer Histórias em Quadrinhos e Poemas/Processo se deu

pelo fato de Anchieta Fernandes e Falves Silva, praticantes desta modalidade literária,

23

estarem envolvidos com o tema, e o próprio Falves também desenhava quadrinhos

(AMARAL, 2014). A apresentação do catálogo (figura 9), conforme se refere Fernandes, foi

feita por Moacy Cirne (1943-2014), que era amigo de Anchieta Fernandes e autor do livro

―Bum! A Explosão Criativa dos Quadrinhos‖, o primeiro sobre o assunto a ser publicado no

Brasil, em 1970.

O evento contou com a participação de artistas potiguares e do circuito Rio de

Janeiro/São Paulo. Da seção de quadrinhos participaram, com originais, os potiguares

Emanoel Amaral, Evaldo Oliveira, Ademar Chagas, Falves Silva, Reinaldo Azevedo,

Lindberg Revoredo, os cariocas Walmir Amaral, Dorival, M. Sardella, Primaggio Montovi e

os paulistas Vanderlei Pinto, Gomes e a dupla Fabiano & Crispim. A outra seção continha

poemas/processo de Bosco Lopes, Dailor Varela, Falves Silva, do carioca Álvaro de Sá e do

paulistano Hugo Mund (FERNANDES, 2005).

Figura 7 - Trabalho de Falves Silva (Poema Processo). Fonte: Silva, Pinheiro, 2013.

24

Figura 8 - Capa do catálogo da 1ª Exposição Norteriograndense de Histórias em Quadrinhos. Fonte: Acervo de

Emanoel Amaral.

25

Figura 9 - Apresentação da 1ª Exposição Norteriograndense de Histórias em Quadrinhos. Fonte: Acervo de

Emanoel Amaral.

O texto da apresentação do catálogo da exposição, escrito por Moacy Cirne, poderia

fazer supor que os artistas participantes fossem consonantes com as idéias deste, mas de

26

acordo com Amaral (2015), os artistas não eram influenciados pelo pensamento de Cirne, que

morava no Rio e apenas Anchieta mantinha contato com ele.

Figura 10 - Página do catálogo da 1ª Exposição Norteriograndense de Histórias em Quadrinhos. Fonte: Acervo

de Emanoel Amaral.

27

A CRIAÇÃO DO GRUPEHQ

À abertura da exposição compareceram muitas pessoas interessadas em Quadrinhos,

tanto leitores, quanto desenhistas. Entre elas, o professor Walfredo Brasil (1928-2010),

conhecido também como Dom Lucas Brasil por seu passado como sacerdote católico, que há

muito tempo estudava Histórias em Quadrinhos e dava aulas sobre o assunto em colégios

religiosos da cidade, como os colégios Nossa Senhora de Fátima e Imaculada Conceição. No

mesmo dia da abertura foi marcada uma reunião para dali a sete dias, data do encerramento da

exposição, a fim de debater a possibilidade de criar o 1º Clube de Histórias em Quadrinhos do

Rio Grande do Norte. Segundo Dom Lucas, ―clube de Quadrinhos era moda naquela época.

No Brasil existiam clubes e mais clubes de quadrinhos‖ (25 ANOS..., 1996). A reunião

resultou na fundação do Clube que mais tarde passaria a ser conhecido como GRUPEHQ e

era aberto a quem tivesse interesse por Quadrinhos.

Figura 11- Cartaz convocando os artistas para a criação do 1º Clube de Quadrinhos do RN. O cartaz mede

aproximadamente 24 cm por 35 cm. Fonte: Acervo de Emanoel Amaral.

28

Figura 12 - Dom Lucas Brasil. Fonte: Acervo GRUPEHQ.

Os membros do Clube passaram a se reunir semanalmente para discutir suas atividades

e falar sobre as novidades no mundo dos Quadrinhos. D. Lucas apresentou o regulamento do

Clube, mas, ainda faltava um nome para o grupo. Depois de várias sugestões, optaram pelo

nome sugerido por Anchieta Fernandes: o Grupo se chamaria Grupo de Pesquisa e Histórias

em Quadrinhos, representado pela sigla GRUPEHQ (25 ANOS..., 1986.).

Na sua primeira formação, o GRUPEHQ contou com a participação de Emanoel

Amaral, Luiz Pinheiro Filho, Ademar Chagas, Lindberg Revoredo, Anchieta Fernandes,

Falves Silva, Walfredo Brasil (Dom Lucas Brasil) e Reinaldo Azevedo (HAMMER, 2007, p.

18).

Figura 13 - Membros do GRUPEHQ: da esquerda para a direita: Lindberg Rivoredo, Emanoel Amaral, Reinaldo

Azevedo, Luís Pinheiro e Anchieta Fernandes, em 1971. Fonte: Acervo do GRUPEHQ.

29

Em agosto de 1971, o Grupo conseguiu publicar a revista ―Gibi-Notícias‖, que era

editado por Dom Lucas, impresso em mimeografo e tinha como característica a inclusão de

alguns desenhos originais no interior da revista (como uma espécie de brinde) e o suplemento

―Quadrinhos‖, que vinha encartado no jornal O Poti aos domingos. A partir do número 32 (18

de abril de 1972) o suplemento passou a ser publicado diariamente pelo Diário de Natal até o

número 53, deixando de circular em 28 de novembro de 1972 (FERNANDES, 2011).

Ainda em 1972, Emanoel Amaral e Lindenberg Rivoredo viajaram ao Rio de Janeiro

com intuito de divulgar o Grupo na capital fluminense. No Rio, a dupla visitou a RGE e a

Editora Brasil América (EBAL). A visita rendeu uma matéria sobre o GRUPEHQ, publicada

na revista Tim Relâmpago número 5.

Figura 14 - Capa da revista Tim Relâmpago número 5 da Editora EBAL. Fonte: Acervo de Emanoel

Amaral.

30

Figura 15 - Matéria sobre o GRUPEHQ, publicada na revista Tim Relâmpago número 5 da Editora EBAL, em

fevereiro de 1972. Fonte: Acervo de Emanoel Amaral.

31

O início da história do GRUPEHQ foi marcado por muito idealismo e, de certo modo,

amadorismo por parte dos desenhistas, que não se preocupavam em ser remunerados pelos

seus trabalhos. O material publicado nos jornais O Poti e Diário de Natal não era pago.

Era o período do governo do general Garrastazu Médici, considerado o mais duro e

repressivo da ditadura militar, com uma severa política de censura. Os artistas viviam sob

ferrenha vigilância da Censura Federal e o material produzido pelo Grupo tinha que passar

pela avaliação dos Censores antes de ser publicado, ainda que estes dessem pouca ou

nenhuma atenção aos quadrinhos. De acordo com Emanoel, ―os Censores eram mais atentos

com charges, por conta do jornal O Pasquim. Quadrinho era considerado coisa de criança‖.

(AMARAL, 2014).

Figura 16 - Tira de quadrinho de autoria de Aucides Sales e publicada na revista Cabramacho n´º2, em 1974.

Fonte: Acervo do GRUPEHQ.

Figura 17 - Carimbo da Polícia Federal, no verso da página de Aucides Sales da figura 16. Fonte: Acervo do

GRUPEHQ.

A respeito dessa tira de quadrinhos com o carimbo da Censura Federal, Aucides Sales

(2015) esclarece que até então ele não apresentava o material que produzia à Polícia Federal.

―Lindberg é que, receoso, teve a iniciativa de levar algumas tiras para a aprovação da Polícia

32

Federal, antes de publicar na revista Cabramacho. Essa é a razão da tira ter recebido o

carimbo do Censor. Sales relata ainda que o único problema que teve com a Polícia Federal

por causa de quadrinhos foi em Recife (PE), quando ele e outros artistas do GRUPEHQ

tinham ido à capital pernambucana participar de um evento de arte postal. Além do

movimento de quadrinhos, havia também naquela época um movimento de arte postal (arte

produzida em cartões postais). O Grupo estava com uma mala cheia de cartões postais e

exemplares da Revista Maturi nº A. Foram levados para a delegacia e lá os policiais

inspecionaram todo o material da mala e resolveram implicar com uma HQ de Aucides Sales

(figura 18), publicado na Maturi, exigindo que ele explicasse o propósito daquela HQ. Depois

de seis horas de interrogatório, o Grupo foi finalmente liberado.

Figura 18 - HQ humorística de Aucides Sales publicada na Revista Maturi nº A. Fonte: Acervo do GRUPEHQ.

A história do GRUPEHQ é marcada por períodos de boa produtividade, seguidos por

outros quando o Grupo se desarticulava, diminuindo ou mesmo cessando suas atividades. O

GRUPEHQ se desfez e se refez com novos participantes várias vezes, por razões diversas,

entre elas a financeira, da qual dependia muito para continuar produzindo, somada à

desorganização interna do próprio Grupo (HAMMER, 2007).

33

Em 1973, o GRUPEHQ configura sua segunda formação, que foi marcada pela

participação de Aucides Sales, Adler Pereira, Cícero Correia, Enoch Domingos, João Antônio

Fernandes, Edmar Viana (1955-2008), Francisco Alves e Tarcísio Motta. Ainda nesse ano,

segundo Fernandes (2005, p. 4), empresas e entidades culturais do estado começaram a se

interessar pela edição de revistas e folhetos em quadrinhos, principalmente devido à

divulgação que o GRUPEHQ fazia, contribuindo para valorizar a linguagem dos Quadrinhos.

A BBC de Londres registrou em noticiário a existência do GRUPEHQ, o que chamou ainda

mais a atenção para o Grupo.

O GRUPEHQ passou a adotar uma postura mais profissional. Os desenhistas

publicaram cadernos especiais comemorativos em quadrinhos como, por exemplo, o de 30 de

setembro de 1973, no jornal "Diário de Natal", contando a história da abolição da escravatura

em Mossoró. Publicaram também a revista "Estamos Aqui Por Vocação", patrocinada pelo

governo estadual e pelas indústrias de confecções de roupas do RN, onde se contou a história

das indústrias têxteis no Estado, como Confecções Soriedem S/A, Guararapes Confecções

S/A e Confecções Reis Magos S/A. A revista em quadrinhos, produzida por Anchieta

Fernandes e Emanoel Amaral, foi distribuída na 16ª FENIT – Feira Nacional da Indústria

Têxtil, realizada em São Paulo, de 02 a 10 de junho de 1973 – e encartada na revista "Veja".

Figura 19 - Capa da revista ―Estamos aqui por vocação‖. Fonte: Acervo de Emanoel Amaral.

34

Figura 20 - Quarta capa da revista ―Estamos aqui por vocação‖. Fonte: Acervo de Emanoel Amaral.

Figura 21 - Capa da revista Veja edição 249, 13 de Junho de 1973 onde veio encartada a revista "Estamos Aqui

Por Vocação". Fonte: <http://veja.abril.com.br/acervodigital/home.aspx> Acesso em 12 mar. 2015.

35

Nesse período, os quadrinhos produzidos pelo Grupo se enquadravam em três gêneros:

o humorístico, com o personagem Super-Cupim de Emanoel Amaral, que usava a

metalinguagem; aventura sertaneja, com o Coveiro de Reinaldo Azevedo, e o de ficção

científica, com Luiz Pinheiro e seu personagens Tenente Wilson. ―Foi preciso demonstrar um

caráter mais sério, até para que as instituições acreditassem que o quadrinho não fazia mal à

formação da criança, de que não era uma leitura prejudicial‖, menciona Anchieta Fernandes

(apud HAMMER, 2007, pag. 21).

Figura 22 - Tira do Super-Cupim de Emanoel Amara, publicada no jornal O Poti, 06/02/1972. Dimensão da tira

impressa no jornal: 36 cm por 23 cm. Fonte: Acervo de Emanoel Amaral.

Figura 23 - O Coveiro, de Reinaldo Azevedo, publicada no jornal O Poti, 06/02/1972. Dimensão da tira impressa

no jornal: 26 cm por 17 cm. Fonte: Acervo de Emanoel Amaral.

36

Figura 24 - Tira do Tenente Wilson, de Luiz Pinheiro, publicada no jornal O Poti, 00/10/1971. Dimensão da tira

impressa no jornal: 26 cm por 36,5 cm. Fonte: Acervo de Emanoel Amaral.

Em 1973 Aucides Sales publicou a tira Trombstone City na Tribuna do Norte durante

cerca de um ano.

Figura 25 - Tira Trombstone City, de Aucides Sales, publicada no jornal A Tribuna do Norte. Não foi possível

levantar as dimensões da tira impressa no jornal nem a data exata da publicação: Acervo do GRUPEHQ.

Mais tarde, em 1974 Lindenberg Revoredo e Aucides Sales montaram uma pequena

gráfica na esquina da Rua Princesa Isabel com a Rua João Pessoa e, em março do mesmo ano,

eles publicaram a revista Cabramacho, de cunho humorístico, com as tiras do Dom Inácio e

cartuns de Aucides Sales, Edmar Viana, Emanoel Amaral, Enoch Domingos e Adler Pereira,

37

além de textos de Anchieta Fernandes. A revista media 16 cm por 23 cm, com capa colorida e

miolo em preto e branco. O primeiro número da revista tinha 16 páginas e o segundo, 28

páginas.

Figura 26 - Capas da revista Cabramacho números 1 e 2. Fonte: Acervo de Emanoel Amaral.

A revista, que chegou a circular em todo o Nordeste, durou somente três números.

Com o fim da parceria entre Revoredo e Sales, acabou também a Cabramacho (SALES,

2015).

Nesse mesmo ano passaram a ser publicadas tiras do GRUPEHQ no suplemento ―TN

– Revista‖, do jornal Tribuna do Norte e, a essa altura, alguns artistas do Grupo passaram

também a publicar no jornal O Pasquim (FERNANDES, 2005).

Ainda em 1974, por iniciativa de Dom Lucas Brasil, foi realizada também a 2ª

Exposição Norte-Riograndense de Histórias em Quadrinhos, na Biblioteca Pública Câmara

Cascudo, com a participação dos artistas Emanoel Amaral, Aucides Sales, Adler Pereira,

Cícero Gomes, Edmar Viana, Enoch Domingos, João Antônio Fernandes, Luis Pinheiro,

Reinaldo Azevedo e Tarcísio Motta (figura 26).

38

Figura 27 - Anúncio da 2ª exposição Norte-Riograndense de Quadrinhos. Acervo do GRUPEHQ.

Figura 28 - Foto da 2ª exposição Norte-Riograndense de Quadrinhos. Fonte: Acervo do GRUPEHQ.

39

4-A REVISTA MATURI

A Revista Maturi, criada por Aucides Sales e Enoch Domingos, começou a ser

publicada pelo GRUPEHQ em 1976. O Grupo estava quase totalmente disperso, já que

Emanoel Amaral e Lindberg Revoredo, seus principais articuladores, estavam envolvidos com

outras atividades profissionais, e afastados dos quadrinhos. A Maturi foi uma tentativa, bem

sucedida, de reagrupar os antigos membros. A trajetória da Maturi, desde a criação até o

último número publicado em outubro de 2012, pode ser dividida em fases, caracterizadas

principalmente pelo formato da revista.

Editada por Enoch Domingos em formato 8 cm. por 12 cm., a Maturi em sua primeira

fase era menor do que as tradicionais revistas em quadrinhos, os chamados Gibis, que mediam

em média 13,5cm por 21,5cm. O nome Maturi foi escolhido exatamente pelo tamanho

pequeno da revista, em alusão à castanha, ainda verde, do caju. Sales (2015) relata que

quando teve a ideia de fazer a revista Maturi, ele e Enoch trabalhavam na Gráfica Manibu da

Fundação José Augusto que, na época, já dispunha de máquina para impressão no processo de

offset. Era a segunda máquina do tipo no Estado. A primeira pertencia ao Diário de Natal.

Ao calcular os custos para a impressão da revista que tinha em mente (os preços das

chapas de fotolitos e do papel), Sales percebeu que, para conseguir manter a publicação, os

custos teriam que ser mínimos. Enoch Domingos havia feito algumas publicações usando uma

folha de formato A4, resultando em edições de quatro páginas. Sales pensou em adotar o

mesmo formato – ―dobrado no meio, dava quatro páginas como Enoch fazia, mas era muito

luxo. Vamos fazer menor, formato folheto‖ (SALES, 2015).

Sales (2015) conta que, dias depois, estava vendo umas revistas na casa de Enoch

Domingos, quando se deparou com uma revista de Robert Crumb, no formato da Maturi, com

apenas três quadros por página, publicada por um sindicato na França (não foi possível

determinar título e data da publicação nem o nome do sindicato). ―Tai! O segredo é colocar só

três quadros por página‖ (2015).

E assim surgiu a Maturi, nesse modelo econômico. Além de reduzir os custos de

impressão, o formato da revista criava um diferencial com relação às revistas publicadas pelas

grandes editoras, o que lhe conferia um caráter marginal, interessante para os criadores da

revista. Fernandes (apud HAMMER, 2007, p. 23) comenta a respeito do formato da Revista:

40

―de tão pequena, a pessoa pegava e botava no bolso, escondia‖. A Revista continuou sendo

publicada nesse formato (8 cm por 12 cm) até maio de 1984. A Maturi trazia letras no lugar

de números para identificar suas edições e era toda impressa em preto e branco. Algumas

edições foram impressas em papel colorido.

Figura 29 - Capa da Revista Maturi número A, publicada em 1976. Fonte: Arquivo GRUPEHQ.

Apesar do formato pequeno, a revista chamava a atenção pelo conteúdo com

características do quadrinho underground norte americano, cujo maior expoente era o artista

Robert Crumb e de publicações como a revista européia Metal Hurlant. As HQs da Maturi em

sua maioria eram humorísticas, de tom contestador, com críticas sociais, culturais e políticas.

Figura 30 - Capas de ―Fritz the cat‖ de Robert Crumb.

Fonte:<http://www.crumbproducts.com/pages/about/time.html> Acesso em 21 de nov. 2014.

41

.

Figura 31 - Capa da revista francesa Metal Hurlant, publicada em 1975 e que servia de modelo para os artistas do

GRUPEHQ. Fonte:<https://www.mycomicshop.com/search?TID=576091>. Acesso em 26 de set. 2014.

A distribuição da Maturi em outros estados, de acordo com Sales (2015), se dava por

intermédio dos contatos feitos com outros grupos que produziam quadrinhos de forma

independente.

Ainda de acordo com Sales (2015):

na época existia um movimento nacional de quadrinhos. Do Rio Grande do Sul ao

Piauí, o pessoal fazia revistas de quadrinhos, igualzinhas à nossa. Algumas dessas

revistas, as edições eram de cinco exemplares. A gente enviava a Maturi para esse

pessoal e eles em troca enviavam suas edições para a gente divulgar aqui.

Como já lembrado, o Brasil vivia o período de Ditadura Militar. Então, como forma de

crítica àquela realidade, alguns desenhistas da Maturi, como Emanoel Amaral, Cláudio

Oliveira e Aucides Sales, davam um tom político às HQs. Outros optavam pela conotação

sexual e faziam uso de palavrões, sem qualquer problema com a censura, já que os Censores

não davam importância aos quadrinhos. O Grupo ainda contava com Edmar Viana que

publicava charges diárias na coluna ―Cartão Amarelo‖, até então uma coluna de comentários

esportivos no jornal Diário de Natal (FERNANDES, 2005).

Em 1977, o cartunista Henfil, cujo nome verdadeiro era Henrique de Sousa Filho

(1944-1988), veio morar em Natal e passou a colaborar com a Maturi, fazendo o GRUPEHQ

ganhar projeção no Pasquim. Sales relata que Henfil começou a mandar a Revista para o

42

Pasquim, e ele próprio começou a vender suas charges para o Jornal (SALES, 2015). Com a

força do Pasquim, a revista produzida pelo Grupo ganhou maior visibilidade, chegando até

mesmo aos Estados Unidos e à Europa.

Figura 32 - Capa da Revista Maturi número D em 1976, com capa de Henfil. Fonte: Arquivo do GRUPEHQ.

Quando o violonista Egberto Gismonti passou por Natal, também em 1977, a chance

de levar a revista Maturi a outros estados animou o Grupo. Presenteado por Enoch Domingos

com alguns exemplares, Gismonti teve a idéia de fazer menção à Maturi em um dos números

do independente Jornal Caipira, fundado e editado por ele no Rio de Janeiro. Entre os

colaboradores do Jornal estavam Ferreira Gullar, Marilda Pedroso, Ana Maria Bahiana,

Marília Pera, José Carlos Oliveira, Bráulio Pedroso, Orlando e Cláudio Villas-Boas, Carlos

Drummond de Andrade e Rubens Gerchman.

Sem periodicidade regular, a revista Maturi chegou a ser interrompida por vários anos

devido a dificuldades financeiras. Como a Maturi não dava lucro, o Grupo parou sua

publicação e passou a se dedicar a outros projetos com os quais poderiam ter algum retorno

financeiro. Em 1981, Emanoel Amaral e Aucides Sales criaram a revista Igapó com a

proposta de publicar fatos da história do Rio Grande do Norte. Em seu primeiro número foi

contado o episódio do ataque de Lampião à Mossoró e teve edição considerada a de maior

sucesso e tiragem do GRUPEHQ até hoje (AMARAL, 2014).

43

Figura 33 - Capa da revista Igapó número 1. Fonte: Arquivo do GRUPEHQ.

A terceira formação do GRUPEHQ ocorreu a partir de 1982, quando o Grupo decide

retomar a publicação da Maturi, tendo à frente Aucides Sales como presidente. A Revista

voltou a ser publicada, inicialmente em seu antigo formato (8 cm por 12 cm), mas em

dezembro de 1983, foi lançada a Maturi nº L, em novo formato, 10,5 cm por 15 cm (figura

34), chamada pelos membros do Grupo, de Maturi Açu (Maturi grande). Era o início da

segunda fase da Maturi, que tinha agora Francisco Alves como editor e contava com a

participação de novos desenhistas como Adrovando Claro, Cláudio de Oliveira, Carlos

Alberto, Luis Elson, Marcio Coelho, e João Antônio (homônimo do João Antônio da primeira

formação) que entraram para o Grupo em 1983. O Ateliê Central, órgão da Secretaria de

Estado da Educação e da Cultura (SEEC), era usado como sede do Grupo.

A mudança do formato da Revista atendia ao pedido de inúmeros leitores que,

segundo texto no editorial da própria Maturi nº L, queriam ver a revista se tornar uma revista-

açu (revista grande). O formato maior ia de encontro também ao desejo dos novos membros

44

do GRUPEHQ, jovens desenhistas, ansiosos para mostrar sua arte e para os quais o formato

original da Maturi não permitia uma boa visualização de seus desenhos.

Figura 34 - Capa da Revista Maturi número L, em formato 10,5 cm por 15 cm, publicada em 1983.

Fonte: Acervo do GRUPEHQ.

Ivan Cabral e eu passamos a fazer parte do GRUPEHQ e da Maturi a partir de 1984,

na edição nº O, quando a revista adotou o formato: 15,5 cm por 21 cm. A partir dessa edição,

a Maturi passa a ter capa impressa em duas cores, entrando assim em sua terceira fase. A

partir de 1986 o Grupo passa a publicar paralelamente outra revista Maturi no seu formato

original, tendo como diferencial o uso de números para identificar suas edições e que era

distribuída gratuitamente. A Revista em formato maior continuou usando letras ao invés de

números, como nas edições anteriores. Entre os membros do Grupo essa Maturi pequena

passou a ser chamada carinhosamente de Maturi Mirim (Maturi pequena).

45

Figura 35 - Capa da Revista Maturi Mirim número 2, no formato 8 cm por 12 cm publicada em 1986.

Fonte: Acervo do GRUPEHQ.

Figura 36 - Capa da Revista Maturi número O, publicada em 1984, no formato 15,5 cm por 21 cm. Fonte:

Acervo do GRUPEHQ.

A Maturi nº P publica uma HQ produzida pelo artista pernambucano Watson Portela,

um dos quadrinhistas mais importantes do Brasil, na época. A Maturi nº S tem a capa

46

desenhada por Mozart Couto e uma HQ de Rodval Matias, dois grandes nomes dos

quadrinhos nacionais.

O material publicado na Maturi não passava por um crivo editorial e seus

colaboradores não eram remunerados. Os desenhistas apresentavam suas HQs já prontas ou

um rascunho e o provável número de páginas. A partir daí, se planejava a Revista, definindo

que histórias entrariam e já se discutiam a capa e outros aspectos da Publicação. A Maturi

funcionava como laboratório, onde os artistas mais experientes compartilhavam

conhecimentos com os iniciantes e estava aberta a quem quisesse participar como desenhista

ou roteirista.

Em 19 de outubro de 1985 foi realizada a 3ª Exposição de Quadrinhos Potiguares, na

Galeria de Arte Valter Pereira da Livraria Universitária.

Figura 37 - Anúncio da 3ª Exposição de Histórias em Quadrinhos Potiguares. Fonte: Acervo GRUPEHQ.

Em 1986, a Associação Brasileira de Desenhistas de Mangá e Ilustrações –

ABRADEMI1, segundo Fernandes (2005), adquiriu 100 exemplares da revista Maturi, dos

quais dois foram enviados para o Museu da Saúde, em Tóquio, no Japão.

1 Entidade sem fins lucrativos, cujo objetivo é a divulgação da cultura popular japonesa, principalmente o

mangá.

47

A revista Maturi ganhou notoriedade na cidade do Natal, a ponto do GRUPEHQ

passar a ser conhecido como Grupo Maturi. A esse respeito, Adrovando Claro, que entrou

para o GRUPEHQ em 1985, comenta que muito tempo depois de entrar para o Grupo, em

uma das reuniões para definir o material que seria publicado na Revista é que ele ficou

sabendo que na verdade fazia parte do GRUPEHQ e não do grupo Maturi (OLIVEIRA,

2015).

Apesar da boa aceitação pelo público, o sucesso da Maturi incomodava aos

distribuidores locais das revistas publicadas no Sudeste do país, que pressionavam os donos

de bancas de jornal, ameaçando retirar as publicações das grandes editoras, da banca que

vendesse a Revista Maturi (OLIVEIRA, 2015). Alguns vendedores não se intimidavam e

continuavam a vender a Maturi, mas outros cediam à pressão e se recusavam a expor a

Revista em seus estabelecimentos. Além das bancas de jornais, a Maturi também era vendida

de mão em mão e pelos correios.

A publicação da Revista Maturi é novamente interrompida em 1987, na edição nº U,

sendo retomada somente vinte anos depois, em 2007, com a incorporação de novos

desenhistas e roteiristas e uma nova proposta gráfica.

A NOVA REVISTA MATURI

Em 2005, alguns membros do GRUPEHQ se reuniram com o intuito de retomarem a

publicação da Maturi. Decidiram mudar o formato da Revista, de 15,5 cm por 21 cm para 21

cm por 28 cm, com capa em policromia (4 cores) e o miolo em preto e branco. É a quarta fase

da Maturi e a quarta formação do GRUPEHQ, com inclusão de novos membros.

Para custear a impressão, o Grupo estipulou uma cota de contribuição mensal.

Enquanto não completavam os valores necessários para publicação, se reuniam semanalmente

para acompanhar a produção e discutir alguns aspectos das histórias em quadrinhos que

deveriam compor a nova revista. Para essa fase da Maturi, foi adotada a numeração ao invés

de letras, para registrar a sequência da publicação.

A Maturi – Edição Especial foi lançada durante a IV Bienal do Livro de Natal, em

2007. A publicação serviu como laboratório para a retomada definitiva das atividades da

revista e do Grupo. A edição incluiu histórias e tiras de Márcio Coelho, Aucides Sales,

48

Emanoel Amaral, Luiz Elson, Ivan Cabral, Gilvan Lira, Cláudio Oliveira e de Williandi

Albuquerque, uma revelação do quadrinho potiguar, por sua grande qualidade artística.

Figura 38 - Capa da Revista Maturi Edição Especial, 2007, com desenho de Williandi e cor de Gilvan

Lira.Fonte: Arquivo GRUPEHQ.

Ainda em 2007, o Grupo teve o projeto Revista Maturi aprovado pela Lei Câmara

Cascudo de Incentivo à Cultura e recebeu o patrocínio da COSERN, com previsão de

publicação de seis edições, com periodicidade bimestral, no mesmo padrão Maturi Edição

Especial, com inclusão de 16 páginas coloridas (MONTEIRO, 2014).

Com a captação da verba do patrocínio, foi criado um conselho editorial

formado por cinco componentes do GRUPEHQ, cuja finalidade era a seleção do material a ser

publicado. O conselho editorial também dava orientações e sugestões, visando melhorar a

qualidade das HQs apresentadas. A cada semana os colaboradores da revista se reuniam para

apresentar roteiros, ideias e esboços para HQs e sugestões de capas. Havia valores

diferenciados para pagamento de roteiros, páginas de desenho em preto e branco, páginas de

desenho em cores e capas. Uma vez que tivessem suas HQs aprovadas, os autores deveriam

retirar uma nota fiscal na prefeitura no valor do seu trabalho e em seguida eram pagos pelo

GRUPEHQ. Todos os colaboradores da revistas foram remunerados (desenhistas, roteiristas,

revisores, diagramadores, etc.).

49

A Revista Maturi evoluiu artística e tecnicamente. O material impresso nessa fase

difere do publicado nas fases anteriores da Revista, principalmente na qualidade gráfica dos

artistas, agora bem mais maduros tecnicamente, e pelo processo de impressão, totalmente em

offset, com capa e l6 páginas em cores e 32 em preto e branco, além do novo formato, 21 cm

por 28 cm. O conteúdo das HQs também não tem a mesma abordagem crítica da fase inicial

da publicação. O enfoque agora é a cultura norte-riograndense, por exigência do patrocinador.

Edmar Viana (1955-2008) que era o Diretor de Comunicação da COSERN, a empresa

patrocinadora do Projeto Revista Maturi, em reunião com membros do GRUPEHQ, fez

algumas exigências com relação ao conteúdo e qualidade da revista, que ele desejava que

tivesse o mesmo nível das melhores publicações editadas no Sudeste do país. O sucesso do

Grupo poderia garantir futuros patrocínios e a continuidade do Projeto Revista Maturi. Era um

enorme desafio para os artistas, acostumados a produzir suas HQs com total liberdade

criativa, mas o desafio foi aceito (MONTEIRO, 2014).

Figura 39 - Reunião de Edmar Viana com os membros do GRUPEHQ, onde ele comenta como gostaria

que fosse a revista. Fonte: Acervo do GRUPEHQ.

Apesar de fazer parte do GRUPEHQ, Edmar Viana não quis ser listado como membro

do projeto Maturi, pelo fato de ser funcionário do patrocinador. Ele achava antiético ter

qualquer envolvimento direto com a Revista, assim, nas reuniões com o Grupo procurava dar

orientações visando o sucesso do Projeto Revista Maturi. A última reunião de Edmar Viana

foi com Marcio Coelho Monteiro e eu, membros do conselho editorial da Maturi.

Conversamos longamente com Edmar que nos deu sugestões e encaminhamentos que foram

seguidos à risca pelo conselho editorial da Revista. Monteiro relata que o projeto inicial

50

previa oito páginas coloridas, mas Edmar insistiu em colocar dezesseis. ―Na verdade, ele

queria mesmo era que metade da revista fosse colorida‖ (MONTEIRO, 2014).

Monteiro (2014) relata que nos meses seguintes a essa reunião, os artistas se

empenharam em produzir roteiros e rascunhos das histórias que poderiam compor o primeiro

número da nova revista Maturi. As histórias foram apresentadas para a avaliação do conselho

editorial e, uma vez aprovadas, foram levadas para a apreciação de Edmar, que ficou muito

empolgado com o trabalho que estava sendo feito pelos artistas. Ele fez alguns comentários a

respeito de uma HQ minha e outra de Monteiro e sugeriu pequenas mudanças, que achamos

pertinentes, como por exemplo, a mudança de uma fala do personagem principal em minha

HQ. Depois disso, as HQs passaram a ser trabalhadas de forma definitiva pelos autores.

O Grupo deu continuidade aos trabalhos de produção da revista. Faltava definir a

identidade visual e a capa da revista. Muitas sugestões de capa foram apresentadas e por fim

se optou por uma capa apresentada por mim (Figura 43), que fazia alusão a quatro histórias

que seriam publicadas na Maturi número 1.

Figura 40 - Reunião do GRUPEHQ para avaliação de roteiros e desenhos das HQs que deveriam ser

publicadas na Revista Maturi. Fonte: Acervo do GRUPEHQ.

Escolher a identidade visual da revista não foi tarefa fácil. Alguns artistas queriam

manter a mesma tipografia usada nas edições anteriores da Maturi, outros achavam que era

necessário atualizar/modernizar, ainda que se mantivessem alguns aspectos do antigo título,

como as letras ―T‖, ―U‖ e ―R‖ unidas (Figura 41).

51

Figura 41 - Tipologia da revista Maturi até 1987. Fonte: Revista Maturi nº R. Fonte: Revista Maturi.

Depois de acirrado debate, foi aprovada a total reformulação da tipologia do título

Maturi (Figura 42).

Figura 42 - Nova tipologia do título da revista Maturi. Fonte: Revista Maturi nº1.

A conclusão do material que seria publicado demorou alguns meses, em virtude do

extremo cuidado para que a revista saísse o melhor possível. Finalmente, depois de longa

espera, a revista foi impressa. Alguns dos artistas participantes não sabiam nem que a Revista

já estava em gráfica e tiveram enorme surpresa ao receberem um exemplar da mesma. Os

preparativos do lançamento já estavam em andamento, quando o Grupo recebeu a notícia do

falecimento de Edmar Viana no dia 25 de março de 2008, vítima de insuficiência cardíaca.

Todos lamentaram a perda do amigo e incentivador, que não chegou a ver pronta a revista que

ele ajudou a realizar. Mesmo abalados com o fato, os artistas continuaram a organizar o

lançamento da Revista Maturi número 1, que aconteceu no dia 24 de abril de 2008, no Natal

Shopping.

52

Figura 43 - Capa da Maturi número 1. Fonte: Revista Maturi.

No salão de eventos do Natal Shopping foi montada uma exposição com estandes e

uma instalação representando a Revista Maturi, medindo 2,50 x 3,60 m, com um enorme

lobisomem esculpido em esponja saindo das páginas da publicação, além de outros

personagens de HQs publicadas nessa edição. A escultura, produzida pelo artista plástico

Assis Costa, se tornou a grande atração, já que o evento contou com ampla divulgação na

imprensa local, atraindo um grande número de visitantes que faziam questão de se fotografar

ao lado da escultura.

A exposição deveria permanecer de 24 de abril a 4 de maio de 2008. No entanto,

devido ao enorme número de visitante e a pedido da direção do Shopping, permaneceu mais

uma semana.

Figura 44 - Escultura de lobisomem, criada pelo artista plástico Assis Costa, exposta no lançamento da

Revista Maturi número 1, se tornou a principal atração do evento. Fonte: Acervo do GRUPEHQ.

Figura 45 - Lançamento da Revista Maturi número 1. Fonte: Acervo do GRUPEHQ.

53

.

Figura 46 - Estandes com biografia dos autores no lançamento da Revista Maturi número 1. Fonte:

Acervo do GRUPEHQ.

O Grupo continuou produzindo as HQs com o mesmo esmero dedicado ao número

anterior, sempre buscando fazer uma revista com histórias em quadrinhos bem elaboradas,

que abordassem de alguma maneira a cultura potiguar. A produção da revista seguinte

demorou dois anos. Na Maturi número 2, os artistas decidiram homenagear Luiz da Câmara

Cascudo e cada autor produziu uma HQ que fazia alusão ao pesquisador ou à sua obra,

fazendo releituras ou adaptações.

No dia 8 de agosto de 2010, a Maturi número 2 foi lançada na Livraria Siciliano, no

Shopping Midway Mall.

Figura 47 - Capa da Maturi número 2. Fonte: Revista Maturi.

54

Ainda em 2010, a publicação conquistou o prêmio de Melhor Revista de Quadrinhos

Independentes, oferecido por Eloyr Pacheco e Marcio Baraldi, organizadores do site Bigorna

(BERALDI, 2010). Com sede em São Paulo, o site especializado em HQ tinha como

finalidade contemplar anualmente artistas, editores, jornalistas e mestres das histórias em

quadrinhos brasileiras.

A Maturi 3 foi lançada no ano seguinte, em 27 de Setembro de 2011, também na

Livraria Siciliano no Shopping Midway Mall.

Figura 48 - Capa da Maturi número 3. Fonte: Revista Maturi.

A quarta edição da Maturi saiu em outubro de 2011, um mês depois do lançamento da

terceira edição da Revista. O prazo para a execução do projeto havia expirado e os membros

do GRUPEHQ tentavam cumprir a meta estabelecida que seria de quatro edições. O Projeto

Revista Maturi previa a publicação de 6 edições, mas em virtude do valor do patrocínio ter

sido cerca de 30% inferior ao previsto no projeto, só seria possível publicar quatro números

da Revista. No entanto, no decorrer do processo de produção, ao longo dos quatro anos, os

serviços gráficos tiveram seus preços reduzidos e foi possível com o mesmo valor publicar

mais dois números, totalizando as 6 edições, como estava no projeto. A redução dos custos de

impressão se deu em razão da valorização do Real em relação ao dólar, moeda utilizada para a

compra de materiais gráficos, principalmente o papel.

55

Figura 49 - Capa da Maturi número 4. Fonte: Revista Maturi.

A Maturi número 5 foi lançada em 10 de novembro 2011, também na Livraria

Siciliano no Shopping Midway Mall.

Figura 50 - Capa da Maturi número 5. Fonte: Revista Maturi.

A produção das HQs era demorada em virtude da maioria dos artistas envolvidos não

terem dedicação exclusiva à revista, além de que muitas HQs exigiam pesquisas. Somadas a

isso, muitas reuniões eram feitas com o intuito de se fazerem ajustes nas HQs. A intenção

inicial do GRUPEHQ era editar os seis números da Maturi previstos no projeto, em no

máximo dois anos, mas só foi possível fazê-lo no dobro do tempo e o projeto Revista Maturi

só foi concluído em 2012 (quatro anos depois do seu início, sendo publicados seis números da

revista durante esse tempo).

56

A Maturi número 6 foi lançada no dia 17 de outubro de 2012, na Livraria Nobel, na

Av. Salgado Filho. Com essa edição, se concluiu o Projeto Revista Maturi.

Desde então, o GRUPEHQ cresceu e consolidou a ligação com antigos colaboradores

e reafirmou-se disposto a continuar na linha de frente dos quadrinhos potiguares. Em 2013, o

projeto Revista Maturi foi aprovado pela segunda vez pela Lei Câmara Cascudo de Incentivo

à Cultura, mas não conseguiu patrocínio. O GRUPEHQ pretende, no entanto, retomar a

publicação da revista brevemente. No momento em que encerro esse relato, em novembro de

2015, o Projeto Revista Maturi continua sem patrocínio.

Figura 51 - Capa da Maturi número 6. Fonte: Revista Maturi.

O GRUPEHQ acabou contribuindo para despertar a produção de quadrinhos no RN.

Em várias cidades do estado, artistas ligados às HQs, seguindo o exemplo do GRUPEHQ e da

Maturi, lançaram revistas com temáticas regionais como: Tabefe (1983) e Acunha (1986) em

Mossoró; Cafuné (1984) em Assu; O Jornalheto (1984), em Parnamirim; Epopéia Potiguar

(1984) em Natal; Tapuru (1986), distribuída simultaneamente em São Gonçalo e Santo

Antônio (FERNANDES, 2005). Em 1998 surgiu em Natal o Estúdio Reverbo, liderado por

Luiz Antonio e Miguel Everaldo, que produziu a revista Bio 47, que chegou a ser distribuído

em vários estados brasileiros. A Bio 47 publicava quadrinhos de super-heróis criados pelos

artistas do Reverbo como Luiz Antonio, Miguel Everaldo, Wendell Cavalcanti, Wasington

Fontes, Wanderline Freitas, entre outros.

57

Atualmente, além do GRUPEHQ, existem diversos grupos envolvidos com a produção

de histórias em quadrinhos no RN, entre eles os representados pelos selos ―K-Ótica‖, ―Milena

e Brum Produções‖ (MBP), em Natal, as revistas ―Quadrinhos Avoante‖ e ―Kan Kão‖

publicadas pela Associação Avoante de Cultura, em Currais Novos, além de grande número

de artistas que têm publicado quadrinhos no Estado, como Beto Potyguara, Wagner Michael,

Carlos Alberto, José Veríssimo, Francinildo Sena, Ana Lu Medeiros, Wanderline Freitas,

entre outros.

Figura 52 - Revistas Tabefe e Acunha, publicadas em Mossoró. Fonte: Acervo GRUPEHQ.

Figura 53 - Capas da revistas Cafuné e Tapuru. Fonte: Acervo GRUPEHQ.

58

Figura 54 - Capas da revistas Epopéia Potiguar editada por Carlos Alberto e Bio 47, publicado pelo Estúdio

Reverbo. Fonte: Acervo GRUPEHQ.

Figura 55 - Capa da revista Caos nas tetas, editada pelo Grupo Pau a Pique-HQ, de Currais Novos.

59

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como dito anteriormente, as histórias em quadrinhos têm conquistado

reconhecimento como forma de expressão e vem ganhando cada vez mais espaço nas

livrarias. Inúmeros livros sobre HQs foram publicados no Brasil. Nas 3ªs Jornadas

Internacionais de Histórias em Quadrinhos, congresso acadêmico ocorrido em agosto deste

ano de 2015, na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP),

foram lançados 22 livros teóricos sobre HQ, entre eles O Sistema dos Quadrinhos, de Thierry

Groensteen.

O aumento do número de eventos envolvendo quadrinhos que tem surgido pelo País, a

exemplo do FIQ (Festival Internacional de Quadrinhos), em Belo Horizonte, o Comic-Com

Experience, em São Paulo e a FLIQ (Feira de Livros e Quadrinhos) em Natal, mostra o

crescimento do público interessado nesse tipo leitura e, a julgar pela grande quantidade de

Novelas Gráficas (termo em moda hoje em dia para designar quadrinhos voltados para o

público adulto) publicadas atualmente no país, se pode deduzir que ficou para trás a ideia de

que HQ é leitura de criança. É cada dia mais evidente a importância das histórias em

quadrinhos como forma de linguagem e de expressão artística.

A importância do GRUPEHQ nesse contexto é relevante não só pelo pioneirismo no

desenvolvimento dessa linguagem no RN, como também pela criação de publicações, a

exemplo da Revista Maturi que, além de divulgar a produção de quadrinhos potiguares Brasil

afora, tem funcionado também como laboratório para novos quadrinhistas (desenhistas e

roteiristas), onde a troca de experiência entre artistas novatos e veteranos resulta em

crescimento mútuo.

Através da Revista Maturi, gerações de desenhistas e roteiristas puderam publicar suas

HQs, mesmo os mais amadores, que foram descobrindo, no contato com os artistas mais

experientes, como produzir uma história em quadrinhos, desde o roteiro à página finalizada,

com os balões e letras, feitos à mão. Outra contribuição importante da Maturi, além do

aprimoramento dos artistas, foi a divulgação destes para além das fronteiras do Estado.

Muitos artistas foram revelados nas páginas da Maturi, visto que ela estava aberta a qualquer

pessoa que quisesse colaborar com a Revista. Reafirma-se, então, a sua importância para o

quadrinho do RN e como influência ou referência para outros grupos que surgiram depois do

GRUPEHQ.

60

Como já foi dito, no início deste estudo, eu pretendia fazer uma análise do processo

criativo dos principais artistas da Maturi, descrevendo a produção de uma HQ, desde o roteiro

à página desenhada e os materiais e técnicas utilizadas. Contudo, em razão do pouco tempo

disponível, isso não foi possível. Assim, essa análise ficará para a próxima etapa desta

pesquisa, que pretendo dar continuidade no Mestrado.

Considero, no entanto, que esta etapa da minha pesquisa está concluída e por acreditar

na relevância das informações sobre o GRUPEHQ e a Maturi para a história dos quadrinhos

no RN, pretendo publicá-la em forma de livro.

61

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62

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Disponível em:

<http://www.sobrelivros.com.br/sobre-quadrinhos-9-angelo-agostini-e-primeira-historia-em-

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SOUZA, José Veríssimo de. No palco, os quadrinhos: a influência do teatro judaico no

desenvolvimento das histórias em quadrinhos modernas. Natal. 2012. 105 f.: il.

64

APÊNDICE

65

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

CURSO DE LICENCIATURA EM ARTES VISUAIS

DEPARTAMENTO DE ARTES

GILVAN LIRA DE MEDEIROS

OFICINA DE HISTÓRIAS EM QUADRINHOS

RELATÓRIO DE AÇÃO PEDAGÓGICA

Natal-RN

2015

66

GILVAN LIRA DE MEDEIROS

OFICINA DE HISTÓRIAS EM QUADRINHOS

RELATÓRIO DE AÇÃO PEDAGÓGICA

Relatório de Ação Pedagógica referente ao Trabalho de

Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de

Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte

como requisito parcial para a obtenção do título de

Licenciado em Artes Visuais.

Natal-RN

2015

67

ATESTADO

Atesto que as informações contidas no presente documento estão corretas e são válidas

para a efetivação da ação pedagógica requerida pelo Curso de Licenciatura em Artes Visuais

da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito para a graduação do autor.

Natal, 04 de dezembro de 2015.

_________________________________________ Prof. Dr. Vicente Vitoriano Marques Carvalho

68

RESUMO

Este documento é o relatório da ação pedagógica relacionada ao trabalho de conclusão de

curso. A ação consistiu em uma Oficina de histórias em quadrinhos, dividida em duas etapas,

sendo a primeira um relato histórico sobre o início da produção de histórias em quadrinhos no

Rio Grande do Norte, relacionado com o Trabalho de Conclusão de Curso que é uma pesquisa

histórica sobre a criação do GRUPEHQ e da revista Maturi e sua importância para os

quadrinhos no RN. Na segunda etapa foi realizada uma Oficina de histórias em quadrinhos,

com demonstração de como é produzida uma página de quadrinhos, desde a concepção do

roteiro à página finalizada. A oficina foi aberta ao público em geral, direcionada a pessoas que

tivessem interesse em aprender como é o processo de produção de uma história em

quadrinhos, principalmente aos estudantes de Artes Visuais.

Palavras-chave: Ação pedagógica; GRUPEHQ; Revista Maturi; histórias em quadrinhos.

69

OFICINA DE HISTÓRIAS EM QUADRINHOS

RELATÓRIO DE AÇÃO PEDAGÓGICA

1. CARACTERIZAÇÃO

Ações: Relato sobre a história do Grupo de Pesquisa e História em Quadrinhos (GRUPEHQ)

e da revista Maturi. Exposição prática de processo de feitura de uma história em quadrinhos.

Objeto: Produção de uma página de história em quadrinhos, pintada em aquarela. Público:

crianças, adolescentes e adultos.

2. JUSTIFICATIVA

Essa ação, relacionada com o trabalho de conclusão de curso, visa apresentar ao público, a

história do GRUPEHQ e da revista Maturi, além de demonstrar como é feita uma história em

quadrinhos, desde o roteiro à página finalizada.

.

3. OBJETIVO GERAL:

Demonstrar as pessoas algumas técnicas necessárias a realização de uma história em

quadrinhos, assim como os materiais, suportes (papéis), desenvolvendo uma ação pedagógica

relacionada ao Trabalho de Conclusão de Curso: O GRUPEHQ e a revista Maturi: sua

importância para as histórias em quadrinhos no Rio Grande do Norte.

3.1. OBJETIVOS ESPECÍFICOS:

Apresentar materiais para produção de uma história em quadrinhos;

Fazer a mediação entre o objeto de estudo do TCC e o passo a passo na produção de uma

página de quadrinhos.

70

4. METODOLOGIA

A ação pedagogia consistiu em um relato histórico do surgimento do GRUPEHQ e da Revista

Maturi, além da descrição do processo da produção de uma história em quadrinhos, com

demonstração prática da execução de uma página de história em quadrinhos, arte-finalizada e

pintada com a técnica de aquarela sobre papel.

O objetivo foi demonstrar com exemplos práticos, a produção de uma página de histórias em

quadrinhos.

Material utilizado

Papel canson para aquarela;

Lápis grafite 6B;

Borracha;

pincel;

Canetas descartáveis para arte-final;

Tintas aquarelas.

5. DESENVOLVIMENTO

Os participantes das oficinas foram, em sua maioria, alunos dos cursos de Artes

Visuais e Arquitetura da UFRN, além de integrantes do GUAPE. A Oficina foi realizada em

dois dias: no dia 25 de novembro e 4 de dezembro de 2015.

No dia 25 de novembro, a Oficina foi executada na sala 27 do DEART, no horário da

aula da disciplina História da Arte no RN, ministrada pelo professor Dr. Vicente Vitoriano

Marques. Essa oficina teve duração de 02h30min, com início às 9:00 h e término às 12h30min

e contou com 6 (seis) participantes. Essa oficina consistiu em um relato histórico do início da

produção de histórias em quadrinhos no RN com a criação do Grupo de Pesquisa e Histórias

em Quadrinhos, o GRUPEHQ e da Revista Maturi.

Em seguida falei sobre a produção atual de quadrinhos no RN e sobre as etapas de

produção de uma HQ. Durante a oficina eu respondi aos questionamentos dos participantes,

que se mostraram bastante interessados.

71

Figura 56 - Ação pedagógica I. Arquivo pessoal. Natal, 2015.

Figura 57 - Ação pedagógica I. Arquivo pessoal. Natal, 2015.

72

Figura 58 - Ação pedagógica I. Arquivo pessoal. Natal, 2015.

A oficina ministrada no dia 4 de dezembro de 2015, foi realizada no Atelier do NAC

(Núcleo de Arte e Cultura) da UFRN e teve a participação de 12 (doze) pessoas e durou cerca

de 04h30min, iniciando às 14 h e terminando às 18h30min. Novamente fiz um breve relato

sobre as primeiras histórias em quadrinhos, da criação do GRUPEHQ e da Revista Maturi e

em seguida descrevi a estrutura de uma HQ. Falei ainda da importância do roteiro em uma

HQ, explicando e exemplificando os vários aspectos da sua estrutura. Foi apresentado o

seguinte conteúdo:

A criação de história em quadrinhos

Como despertar e manter o interesse do leitor:

Fatores de conteúdo:

1) Ritmo ou interesse narrativo;

2) Movimento determinado pela narrativa;

3) Dramatização literária;

4) Ação e suspense na narrativa;

73

Fatores de forma

Criação e manutenção do interesse por meio de:

a) Tipologia e expressão

b) Composição

c) Iluminação

d) Diversificação e dramatização gráfica.

1- Ritmo ou interesse narrativo:

Capacidade de resumir ou ampliar a ação em menor ou maior número de quadros sem

prejudicar a clareza.

2 - Movimento determinado pela narrativa:

Movimento e ação são os principais fatores de que pode se valer o roteirista para

manter o interesse e fazer a história interessante.

3 – Dramatização literária:

O texto dramático instiga a curiosidade do leitor, acentuando a tensão, o suspense, prendendo

a atenção e conduzindo o leitor ao clímax da trama.

4-Ação e suspense na narrativa:

É necessário que na narrativa tenha sempre suspense, tensão, que leve o leitor a querer

saber como serão resolvidos os conflitos e como será o desfecho da trama.

Em seguida iniciei a produção de uma página de HQ, partindo de um esboço básico.

Os participantes interagiam, fazendo perguntas relacionadas ao modo com eu produzia

minhas histórias em quadrinhos.

Depois de desenhar a página com lápis grafite, expliquei as diferentes maneiras de se

fazer a arte-final, ou seja, o processo de cobrir o desenho com tinta nanquim preta e os

materiais utilizados no processo.

Na etapa seguinte, depois do desenho finalizado, expliquei sobre as diferentes

maneiras de se colorir uma página de HQ. Depois de responder a várias perguntas iniciei a

colorização da página, utilizando tinta aquarela e pincel.

74

Figura 59 - Ação pedagógica II. Arquivo pessoal. Natal, 2015.

Figura 60 - Ação pedagógica II. Arquivo pessoal. Natal, 2015.

75

Figura 61 - Ação pedagógica II. Arquivo pessoal. Natal, 2015.

Figura 62 - Ação pedagógica II. Arquivo pessoal. Natal, 2015.

Depois que conclui a colorização da página, alguns participantes fizeram alguns

exercícios livres, afim de fixarem melhor o conteúdo apresentado.

76

Figura 63 - Ação pedagógica II. Arquivo pessoal. Natal, 2015.

Figura 64 - Ação pedagógica II. Arquivo pessoal. Natal, 2015.

77

Figura 65 - Ação pedagógica II. Arquivo pessoal. Natal, 2015.

As pessoas presentes foram bastante participativas fazendo perguntas sobre técnicas de

desenhos e outros aspectos da produção de um HQ.

O resultado das oficinas foi bastante satisfatório, uma vez que os presentes puderam

conhecer um pouco da história das HQs no RN e compreender o processo de produção de

uma HQ.

Figura 66 - Ação pedagógica II. Arquivo pessoal. Natal, 2015.

78

Figura 67 – Página de HQ produzida durante a Ação pedagógica II. Arquivo pessoal. Natal, 2015.