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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS: QUÍMICA DA VIDA E SAÚDE NÍVEL MESTRADO Aline Machado Dorneles A RODA DOS BORDADOS DA FORMAÇÃO: O QUE BORDAM AS PROFESSORAS DE QUÍMICA NAS HISTÓRIAS DE SALA DE AULA? Rio Grande - RS 2011

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS: QUÍMICA

DA VIDA E SAÚDE

NÍVEL MESTRADO

Aline Machado Dorneles

A RODA DOS BORDADOS DA FORMAÇÃO: O QUE BORDAM AS

PROFESSORAS DE QUÍMICA NAS HISTÓRIAS DE SALA DE AULA?

Rio Grande - RS

2011

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Aline Machado Dorneles

A RODA DOS BORDADOS DA FORMAÇÃO: O QUE BORDAM AS

PROFESSORAS DE QUÍMICA NAS HISTÓRIAS DE SALA DE AULA?

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências: Química da Vida e Saúde, da Universidade Federal do Rio Grande, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Educação em Ciências.

Orientadora: Profª. Drª. Maria do Carmo Galiazzi

Rio Grande - RS

2011

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Aline Machado Dorneles

A RODA DOS BORDADOS DA FORMAÇÃO: O QUE BORDAM AS

PROFESSORAS DE QUÍMICA NAS HISTÓRIAS DE SALA DE AULA?

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências: Química da Vida e Saúde, da Universidade Federal do Rio Grande, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Educação em Ciências.

BANCA EXAMINADORA

Profa. Dra. Maria do Carmo Galiazzi – FURG

Prof. Dr. Daniel Suárez – UBA

Profa. Dra. Renata Hernandez Lindemann – FURG

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Dedico esta pesquisa a minha mãe, que foi uma educadora

apaixonada por sua profissão, um exemplo de vida e

dedicação. Que me ensinou com todo seu amor e apoio a

continuar e a persistir nos meus sonhos.

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AGRADECIMENTOS

À minha orientadora, Maria do Carmo Galiazzi, por me ensinar a compreender o

sentido da pesquisa na formação de professores e por me sentir uma formadora que aprende a

ser professora e a formar-se com o outro. Obrigado por me desafiar a constituir a Roda de

Bordadeiras e por aprendermos juntas a bordar os pontos da formação de professores nas

histórias de sala de aula.

À professora Renata, que sempre esteve presente. Muito obrigada pela dedicação e

pelas conversas que tivemos sobre a pesquisa.

Ao professor Daniel, por aceitar vivenciar esta pesquisa e pela oportunidade de

conversarmos sobre a documentação narrativa na formação de professores.

As professoras Márcia, Rosá, Fernanda, Claudia, Itamara e Patrícia, que, na bordadura

das suas histórias de sala de aula, me ensinaram a bordar os pontos da minha formação.

À professora Paula e à Nirta, que fazem do PPGEC um programa organizado e

compromissado com a Educação em Ciências.

A CAPES, por financiar e fomentar esta pesquisa.

Ao PIBID, política pública de formação de professores, que possibilitou a realização

desta pesquisa.

À Comunidade Aprendente: professor Roque, Jackson, Edi, Diana, Renata, Maria,

Cleiva e Moacir, pela acolhida e por acreditarem que estamos sempre aprendendo a ser

comunidade com o outro.

Ao grupo de Pesquisa Reescritura: professora Bethi, Vanise, Maria, Claudia, Marco,

Jackson, Márcia, Nani, Alessandra, Dani e Tânia, muito obrigada pelas problematizações e

contribuições nesta pesquisa.

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Ao meu noivo Charles, meu amigo e companheiro, que sempre me apoiou com muito

amor e dedicação.

Aos meus irmãos Laise e Thierry, pelo amor, carinho e paciência.

Ao meu pai, por todo o amor e apoio e por sempre acreditar em mim.

À Cambada, amigos queridos, que sempre estiveram presentes com muita alegria.

E a todos àqueles que, com seu apoio, contribuíram para a concretização deste trabalho.

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RESUMO

Esta pesquisa apresenta os Bordados da Formação que emergiram das histórias bordadas da sala de aula por seis professoras experientes do ensino básico de Química. As professoras bordaram suas histórias de sala de aula durante a participação num processo de formação permanente, o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), desenvolvido na Universidade Federal do Rio Grande. A análise de cada bordado foi realizada a partir do quinteto dramatístico de Burke, que possibilitou olhar nas 48 histórias de sala de aula a cena (quando e onde ocorreu a história), o agente (quem são os personagens), o ato (o que foi narrado), o propósito (por que foi narrada esta história) e o instrumento (como foi narrada esta história). O exercício de análise permitiu perceber que algumas professoras, ao bordar sua formação, tinham o mesmo motivo

1, diferenciando-os pelas tonalidades das cores, pelo traçar dos pontos que, ao relacionar com o quinteto dramatístico de Burke, são as diferentes cenas, agentes e ato, que configuraram os Bordados da Formação. Dessa forma, realizou-se um exercício de aproximar as histórias que tinham o mesmo motivo. Os Bordados da Formação que emergiram da análise foram: ponto de elos: bordando as primeiras histórias na Roda;

ponto triangular: o bordado da situação-problema com enfoque CTS; ponto trançado: o

processo formativo do professor com o licenciando; ponto de entremeio: que tempo tenho para

fazer atividades experimentais; ponto cruz: os dilemas e os questionamentos das professoras;

ponto cruz duplo: bordando a si mesmo num outro professor; ponto entrelaçado: a sala de

aula bordada na ação de planejar e avaliar2. Os sete Bordados da Formação permitiram a

construção de argumentos para defender a escrita de histórias em Rodas de Formação como dispositiva para formação permanente de professores. Borda-se com os sete Bordados da Formação o Bordado da Roda, a importância dos processos de formação permanente de professores, nos quais o exercício da escrita de histórias de sala de aula possibilitou ao professor narrar sua constituição na profissão, seus dilemas com a avaliação, a parceira com o licenciando que proporcionou as seguintes aprendizagens: o sentir-se formador nesse processo, o planejamento coletivo, a possibilidade de desenvolver atividades experimentais. As histórias mostram temas que precisam ser problematizados nas Rodas de Formação, como a inclusão de alunos com necessidades especiais na sala de aula de Química, a professora que atua como substituta dos professores que estão de folga ou faltaram à escola por algum motivo e a importância do silêncio na sala de aula e nos espaços de formação. Nesse sentido, argumenta-se sobre a importância da escrita narrativa nas Rodas de Formação, entendendo ser preciso que as histórias retornem à Roda, para serem problematizadas, lidas, conversadas e reescritas. Sendo assim, configura um dispositivo de formação que possibilita ao professor perceber-se na Roda, dela fazendo parte, escrevendo e significando sua experiência nas histórias, e que estas possam ser publicizadas, possibilitando a evocação de outras histórias e de outros Bordados da Formação. Palavras-chave: Formação de professores; Histórias de sala de aula; Rodas de Formação.

1 Os motivos representam os desenhos para bordar, que podem ser criados no próprio tecido ou ilustrados em gráficos (Anexo A). 2 Imagens ilustrativas dos pontos (Anexo C).

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ABSTRACT

This study introduces the Education Embroideries which resulted from the stories collected in the classes of six experienced Chemistry teachers in Elementary School. These teachers embroidered their class stories while they were taking part in a teacher education program, the Programa Institucional de Bolsa Iniciação à Docência (PIBID), which has been carried out at the Universidade Federal do Rio Grande, in Rio Grande, RS, Brazil. The analysis of each embroidery piece was based on Burke’s dramatism quintet which enabled me to look at the scene (when and where the story happened), the cast (who the characters are), the act (what was narrated), the purpose (why this story was narrated) and the tool (how this story was narrated) of forty eight class stories. The analysis also enabled me to perceive that some teachers had the same reason

3 when they were embroidering their education, even though their color shades and stitches were different. According to Burke’s dramatism quintet, these are the different scenes, the cast and the act that shape the Education Embroideries. Therefore, I developed an exercise in which I put together the stories which had the same reason. The Education Embroideries that emerged from the analysis were: chain stitch: embroidering the

first stories in the Education Wheel; tent stitch: the embroidery of a situation-problem in the

light of STS; plaited stitch: the teacher’s education process and the student-teacher; hem

stitch: time I have to carry out experimental activities; cross stitch: the teachers’ dilemmas and

questioning; double cross stitch: embroidering oneself on another teacher; interwoven stitch:

the class embroidered on planning and evaluating4. These seven Education Embroideries

enabled me to construct arguments to defend writing stories in Education Wheels as a tool for continuing teacher education. The Education Embroideries embroider the Wheel Embroidery, the importance of continuing teacher education programs (in which writing class stories enabled the teacher to narrate her constitution in her profession), dilemmas regarding evaluation, and the partnership with student-teachers who triggered the following learning experiences: what it means to be an advisor, collective planning and the possibility of developing experimental activities. The stories show themes that need to be problematized in the Education Wheels, such as disabled students in Chemistry classes, the substitute teacher that replaces teachers who do not show up at school or are taking some days off and the importance of silence in class and in study areas. Therefore, I have defended the importance of written narrative in Education Wheels; stories must be problematized, read, talked about and rewritten in the Wheel. Narrative is an educational tool which enables teachers to perceive they are part of the Wheel by writing and giving meaning to their experiences in their stories; thus, these stories may become public and trigger other stories and other Education Embroideries. Key words: Teacher Education; Class Stories; Education Wheels.

3 The reasons represent the drawings used for embroidering; they may be created on the cloth itself or illustrated in graphs (Appendix A). 4 Pictures of the stitches (Appendix C).

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ....................................................................................................................... 09

1 BORDANDO AS MINHAS HISTÓRIAS DA DOCÊNCIA ............................................ 13

1.1 O caminho da docência: o começo do bordado .................................................................. 14

1.2 O Mestrado e as aprendizagens dessa formação ................................................................. 18

1.3 O encontro com a metáfora do bordado .............................................................................. 20

2 OS BORDADOS NAS RODAS DE FORMAÇÃO ........................................................... 22

2.1 A bordadura das histórias: como ocorreu? .......................................................................... 23

2.2 A Roda de Bordadeiras ....................................................................................................... 25

3 NARRATIVAS E FORMAÇÃO PERMANENTE: as linhas e os pontos do

bordado..................................................................................................................................... 29

3.1 A experiência docente e a pesquisa narrativa ..................................................................... 30

3.2 A escritura de histórias nas Rodas de Formação ................................................................ 33

3.3 A ação de narrar histórias ................................................................................................... 34

4 OS BORDADOS DAS HISTÓRIAS DAS PROFESSORAS: conversas de sala de

aula............................................................................................................................................ 39

4.1 Ponto de Elos: bordando as primeiras histórias na Roda .................................................... 43

4.2 Ponto Triangular: o bordado da situação-problema com enfoque CTS .............................. 50

4.3 Ponto Trançado: o processo formativo do professor com o licenciando ............................ 57

4.4 Ponto de Entremeio: que tempo tenho para fazer atividades experimentais? ..................... 62

4.5 Ponto Cruz: os dilemas e os questionamentos das professoras ........................................... 66

4.6 Ponto Cruz Duplo: bordando a si mesmo em um outro professor ...................................... 75

4.7 Ponto Entrelaçado: a sala de aula bordada nas ações de planejar e avaliar ........................ 79

5 O BORDADO DA RODA: os pontos finais ....................................................................... 92

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 99

ANEXO A .............................................................................................................................. 102

ANEXO B .............................................................................................................................. 103

ANEXO C .............................................................................................................................. 105

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INTRODUÇÃO

Os espaços de formação permanente de professores do ensino básico são, em geral,

raros nas escolas que se conhece e, quando existem tais espaços onde os docentes se reúnem,

torna-se mais um encontro para resolver as atividades burocráticas, como fechamento de

notas, cadernos de chamada e conselhos de classe do que para a formação do professor.

Existe, na maioria das escolas, um esvaziamento das discussões e dos estudos da formação do

professor. Aposto numa política pública em que as escolas conquistem tempo e professores

capacitados para nelas desenvolverem a formação permanente dos docentes. Espaços que

promovam a reflexão, a leitura, a escrita e as conversas a respeito da atuação profissional, da

prática pedagógica e dos dilemas da sala de aula, entre tantos aspectos elencados como

fundamentais na docência.

No sentido de promover a formação permanente de professores do ensino básico,

programas de incentivo à docência estão sendo desenvolvido nas universidades federais,

como o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), possibilitando que

professores do ensino básico, licenciandos e professores da universidade aprendam juntos os

saberes do ser professor formador e pesquisador, com atividades na escola e com encontros

formativos na universidade. Essa política pública possibilita a realização da presente

pesquisa, pois atende uma necessidade de intensificação de processos de formação

permanente de forma bastante inovadora, contribuindo, assim, para a articulação dos

diferentes níveis de formação em rede.

Esta pesquisa tem como objetivo geral compreender a formação permanente de

seis professoras experientes de Química do ensino básico, participantes do PIBID a

partir das histórias de sala de aula narradas mensalmente no ambiente virtual de

aprendizagem, a plataforma Moodle. Nesse espaço, as professoras experientes, licenciandos e

professores da universidade narraram suas histórias de sala de aula e dialogaram com a

história do outro. O processo de formação desenvolvia, além das histórias dialogadas,

atividades presenciais na universidade e na escola, constituindo, assim, Rodas de Formação

nas quais os professores partilharam saberes e experiências sobre ser professor

(WARSCHAUER, 2001; SOUZA, 2010).

Os objetivos específicos da pesquisa ora apresentada são:

� Perceber as características das histórias de sala de aula narradas no PIBID-

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Química;

� Investigar, nas histórias, a sala de aula desenvolvida na articulação entre o

professor supervisor e o licenciando;

� Perceber, nas histórias, os dilemas e os questionamentos das professoras sobre a

sala de aula de Química;

� Perceber, nas histórias, o planejamento e a avaliação do professor.

Entendo ser pertinente a escrita narrativa na formação permanente, pois possibilita que

professores narrem a sala de aula, o ambiente escolar e sua vida profissional. E, ao narrar,

configuram uma realidade a ser contada, figuram a realidade ao escrevê-la e a história, ao ser

lida, reconfigura a realidade do leitor (RICOEUR, 1997). As histórias são modos de promover

a formação não só das professoras, mas também do texto em ação, a ser discutido em

diferentes espaços da formação de professores.

Os docentes, quando envolvidos em um processo de formação, narram suas histórias

sobre a sala de aula, o que deriva na possibilidade de investigar e refletir a respeito do ser

professor. E possibilita a quem lê sua história questionar-se: em que esta história me faz

pensar? Concordando com Souza e Galiazzi (2008, p.279), “assim fazemos um exercício em

que a narrativa de um vai implicando a narrativa do outro, dialogando a respeito das nossas

histórias que, enquanto sujeitos inseridos no processo de formação em rede, entrecruzam-se

com as de outros”. Com isso, narrar as histórias sobre a sala de aula na formação permanente

de professores de Química possibilita evocar vivências e pensar a respeito delas,

transformando-as em experiências formadoras.

Faço da presente pesquisa um trabalho artesanal, em que aprendo em cada capítulo a

bordar a minha formação como professora e pesquisadora de Química. Aprendo também a

compreender a formação permanente de professores por meio de outros bordados, que

representam a experiência das professoras. Para tanto, os capítulos que constituem os

bordados desta pesquisa, são um convite para entrarmos na Roda de Bordadeiras e nela

aprendermos, juntos, a partilhar os pontos e as linhas que representam os saberes e as

experiências da docência.

Inicio bordando as minhas histórias da docência, no capítulo 1, em que bordo os

pontos que me constituem professora de Química. Escolho no bordado diferentes cores de

linhas, representando as minhas histórias da graduação, as experiências nos cinco estágios

supervisionados, as aprendizagens com os professores formadores e com a professora tutora

da escola. Apresento no mesmo capítulo os bordados que fazia nos estágios, através das

minhas reflexões registradas em um portifólio. O começo do estágio 1, em que aprendi a

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11 manusear a agulha e a contar os pontos, ainda estava nervosa. Depois vieram os estágios 2 e

3, nos quais já fui me desafiando a bordar alguns motivos em parceria com a professora da

escola. E, por fim, os estágios 4 e 5, em que planejei e bordei minhas primeiras aulas e atuei

como professora de uma turma por um semestre.

Neste capítulo, continuo bordando minha formação, com outros pontos que surgiram,

na medida em que me envolvia com a formação de professores, no grupo MIRAR5, ainda na

graduação, o qual permitiu bordar pontos com linhas que representavam a rede de saberes de

uma Roda de Formação. Logo depois o Mestrado, que possibilitou, dentre muitos saberes, o

de me constituir nesta pesquisa, em que escrevo e aprendo a pesquisar em Roda. Finalizo o

capítulo com a história da metáfora, pois, afinal, por que bordo os Bordados da Formação?

No capítulo 2, apresento o contexto em que os bordados da sala de aula foram

produzidos, o processo de formação permanente, o PIBID. A seguir, apresento as professoras

que constituem a Roda de Bordadeiras, narro as histórias da formação de cada uma, a partir

do meu envolvimento na mesma Roda, o tempo de profissão, as escolas em que atuam e como

chegaram ao PIBID-Química.

No capítulo 3, intitulado “Narrativas e Formação Permanente: as linhas e pontos do

bordado”, indico o referencial teórico desta pesquisa. O capítulo está organizado em três

momentos. Inicialmente procuro fazer uma Roda de Conversa acerca da escrita narrativa da

experiência docente. Para isso, dialogo com Lima (2005) e sua discussão relativa à formação

continuada do professor de Química, os sentidos de ser e estar na profissão e a lida diária do

professor, expressa nas narrativas do vivido. Apoio-me também nas contribuições de Suárez

(2008, 2010), ao abordar a pesquisa narrativa na formação de professores como forma de

documentar, reconstruir, questionar e tornar críticos os sentidos e as compreensões dos

docentes em relação às práticas educativas. Em um segundo momento, discuto a importância

da escrita de histórias de sala de aula nas Rodas de Formação (SOUZA, 2010). Finalizo o

terceiro capítulo, compreendendo a ação de narrar histórias a partir de Bruner (2001), que

percebe a narrativa como um modo de pensamento e de produção de significados, e também

por meio da ação simbólica de Burke (1969), representada por seu quinteto dramatístico, o

qual permitiu interpretar e analisar as histórias de sala de aula e o processo de formação

permanente de professores.

“Os Bordados das Histórias das Professoras: conversas de sala de aula” constitui o

quarto capítulo desta dissertação. Nele, dedico-me à análise das histórias de sala de aula

5 Mirar: Mediar, Integrar, Refletir, Aprender e Renovar.

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12 narradas pelas seis professoras experientes de Química. Inicialmente esclareço a metodologia

de análise usada para responder a seguinte questão de pesquisa: o que narram as histórias

das professoras experientes de Química nas Rodas de Formação sobre a sala de aula?

Dessa questão central, emergiram as seguintes subquestões:

� Quais são as características das primeiras histórias narradas no PIBID-

Química?

� O que narram as professoras sobre a situação-problema com enfoque CTS

na sala de aula?

� Como as professoras narram a parceria com o licenciando no PIBID?

� Que experiências são narradas no desenvolvimento das atividades

experimentais na sala de aula?

� Que dilemas e questionamentos são narrados pelas professoras nas

histórias de sala de aula?

� O que narram as professoras nas histórias em que apresentam uma outra

professora?

� O que narram as professoras, nas histórias, a respeito da ação de planejar

e avaliar a sala de aula de Química?

No capítulo 4, apresento os sete Bordados da Formação que emergiram dos bordados

de cada professora, a metodologia de análise realizada a partir do quinteto dramatístico de

Burke (1969), as minhas interpretações e compreensões a respeito das histórias de sala de aula

e também os argumentos que assumo em cada um dos sete Bordados da Formação.

No capítulo 5, bordo os pontos finais da pesquisa. Desafio-me a fazer dos sete

Bordados da Formação, o Bordado da Roda. Apresento o argumento central desta pesquisa,

que permitiu unir os bordados. Entendendo que os pontos, a qualquer momento, podem ser

desfeitos e diferentes bordados podem surgir em outras Rodas, articulando novas

aprendizagens.

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BORDANDO AS MINHAS HISTÓRIAS DA DOCÊNCIA

No convívio com a família, também tive o interesse em aprender algum trabalho artesanal. Lembro que tinha 11 anos quando minha mãe me ensinou a bordar com lã. Depois aprendi com minha tia a bordar com linha. Os dois trabalhos

eram lindos, ficava horas entrelaçando os pontos e as lindas cores de linhas, até que um lindo bordado surgia. Hoje, tenho guardado comigo um pouquinho

dessa história: são bordados que contam as aprendizagens de uma professora pesquisadora, a qual aprende novos pontos, em outras Rodas de Bordadeiras.

Diário de Pesquisa (dezembro/2010)

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Na presente pesquisa, aposto na narrativa como modo de nos constituirmos

professores em processos de formação permanente em Roda. Neste capítulo, apresento as

histórias que me constituem em uma professora de Química em início de carreira. Logo

depois, procuro narrar a decisão pela pesquisa na formação de professores e pela escrita

narrativa.

Quando penso em narrar minha constituição como professora, pretendo relatar

lembranças da Graduação e do Mestrado, pois acredito que nesses diferentes momentos o

enredo dessa história esteja sendo construído. A partir daí, pergunto-me: por que fazemos

certas escolhas, como a minha de ser professora de Química? A relação que me constitui em

uma professora, em uma mestranda, permite que eu conte minhas lembranças e momentos que

possibilitaram fazer tal escolha.

1.1 O caminho da docência: o começo do bordado

Quando ingressei, no ano de 2005, no curso de Química Licenciatura da Universidade

Federal do Rio Grande, estava decidida a exercer a carreira de professora, decisão pouco

presente entre os mais de vinte colegas de turma. No curso, desde o início, embora goste de

Química, nunca me chamaram atenção os laboratórios e suas vidrarias que, para muitos de

meus colegas, foram a razão de ingressar no curso de Química. O meu encanto se deu mais

forte com os estágios. Na medida em que fui entrando na escola, ficou fortalecida ainda mais

minha vontade de exercer a profissão escolhida.

No curso, há cinco estágios supervisionados, desenvolvidos em proposta articulada

com as escolas de ensino médio da rede estadual de ensino, a partir do segundo ano do curso

até o final do quarto. Em cada estágio realizado, fui adquirindo experiências e me

constituindo professora, por meio de um trabalho desenvolvido em parceria com o professor

da rede pública, denominado tutor, e com os professores formadores da universidade. Os

estágios tiveram temáticas claras: a imersão na escola no primeiro; a experimentação na

escola no segundo; a análise da Política Nacional do Livro Didático no terceiro; o

planejamento da sala de aula no quarto e, no último, a sala de aula e seus desafios para quem

nela entra pela primeira vez como professora.

Realizei meus estágios em turmas de Ensino de Jovens e Adultos – EJA, na Escola

Estadual Silva Gama, onde tive a oportunidade de desenvolver um trabalho coletivo com a

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15 escola, podendo articular as diferentes atividades desenvolvidas nos cinco estágios

supervisionados do curso.

Dessa forma, irei narrar, a seguir, as lembranças e as experiências que tornam

significativa na minha trajetória no processo de formação inicial. Enquanto narro minhas

lembranças, procurarei relacionar com fragmentos do meu portifólio reflexivo, o qual me

acompanhou durante os cinco estágios. Hoje, relendo-o, percebo meu desejo pela docência,

narrado logo no início do estágio e minha constituição como professora ao longo do curso,

que me tornou uma profissional que aposta na escrita como forma de narrar e de narrar-se.

O primeiro estágio supervisionado teve como objetivo conhecer o ambiente escolar, o

professor da escola e a sala de aula de Química do Ensino Médio. Assim, apresento um pouco

como foi esse início:

Quando fui à escola falar com a professora, fui convidada a conhecer uma das suas turmas [...]. Estava muito nervosa, lembro que falei boa noite aos alunos e não conseguia falar mais nada. Era a primeira vez que eu entrava numa sala de aula como uma professora. Mesmo estando nervosa e sem saber o que falar, ao mesmo tempo estava muito feliz, porque sonhava em entrar numa sala como uma professora (Portfólio reflexivo, 2006).

O primeiro contato com a escola possibilitou ir me percebendo como professora de

Química, a partir das escritas reflexivas sobre as aprendizagens tecidas com a observação do

fazer docente no espaço da sala de aula, as conversas com a professora tutora e os encontros

semanais dos estágios. No início, descrevia tudo o que acontecia naquela aula, mas nas

conversas com os professores formadores fui compreendendo que a escrita reflexiva era

contar o que de significativo para minha formação como professora eu havia percebido na

minha ida à escola. O que naquela aula tinha me acontecido, como os formadores gostavam

de frisar.

No segundo estágio supervisionado, o foco era a experimentação no ensino de

Química e o desenvolvimento, pelos licenciandos, de uma atividade experimental na escola.

Foram propostas pelos professores leituras e discussões a respeito da experimentação no

ensino de Química, durante os encontros da disciplina. Recordo da experimentação da

combustão da vela e encontro minha reflexão no portfólio, em que destaco:

Tivemos uma aula experimental demonstrativa. Algumas perguntas foram feitas pela professora. A maioria da turma ficou em silêncio, o motivo deve ser insegurança, se iríamos falar certo ou não. Naquele momento, um experimento que parecia ser tão simples causou várias dúvidas. Mesmo a maioria falando pouco, a professora foi perguntando nossas opiniões e ao poucos foram surgindo respostas. A experimentação pode nos servir de

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exemplo de que é preciso questionar o aluno. Não apenas fazer o experimento para motivar o aluno ou para expor teorias sem dar a oportunidade de o aluno argumentar e questionar (Portfólio reflexivo, 2007).

Paralelamente, continuei indo à escola uma vez por semana e escrevendo os relatos

semanais reflexivos no portfólio. Os desafios desse estágio foram o planejamento e o

desenvolvimento de uma atividade experimental na sala de aula em parceria com a professora

da turma. Dessa forma, percebo a importância da acolhida da escola e da professora no

primeiro estágio, para que seja estabelecido um diálogo a respeito das atividades.

Era uma sexta-feira e estava com todo o material pronto para minha aula experimental. Mas, chegando à sala de aula, não pude realizar a atividade, pois tinha apenas dois alunos. Num outro dia, realizei a aula experimental, que foi muito satisfatória, pois a turma participou e mostrou interesse sobre o tema. Mesmo estando no começo da docência, percebo o quanto se torna importante uma aula experimental na disciplina de Química, mas não estou criticando os professores que não fazem esse tipo de aula, porque sabemos que muitas vezes o professor tem vontade de realizar aulas experimentais, mas não tem tempo e a escola não materiais para esse tipo de atividade (Portfólio reflexivo, 2007).

A atividade experimental desenvolvida na escola gerou um relato de experiência que

apresentei no VII Encontro sobre Investigação na Escola6, evento que envolve professores em

serviço, formadores e licenciandos, todos narrando e compartilhando suas experiências de sala

de aula.

O livro didático no ensino de Química foi o foco dos encontros do terceiro estágio.

Inicialmente, lemos e conversamos a respeito de como era realizada a escolha dos livros pelo

Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Depois, procuramos saber como foi realizada

a escolha pelo professor na escola. Foi proposta uma pesquisa a respeito de como era

abordada a experimentação nos livros selecionados. Lembro que analisei os seguintes livros:

Química e Sociedade (SANTOS, MÓL, 2005) e Química do Cotidiano (PERUZZO, CANTO,

2002). Durante esse trabalho, tive a oportunidade de participar de uma mesa redonda com os

autores dos livros, no 27º Encontro de Debates sobre o Ensino de Química – EDEQ. A

discussão intensa sobre o livro didático na formação inicial do professor é relevante para se

construir um olhar crítico diante do uso desse recurso, de forma que possa ser usado para se

desenvolver a pesquisa na sala de aula e não como uma ferramenta única utilizada pelo

professor nas suas aulas.

6 O Encontro sobre Investigação na Escola, no ano de 2011, esteve na sua 10ª edição. O evento aposta na escrita da experiência docente, na leitura crítica entre os participantes e na Roda de Formação como forma de partilhar as experiências e os saberes do ser professor.

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17 Em 2008, no último ano do curso, vivenciei no primeiro semestre o quarto estágio

supervisionado. Encontro minha reflexão em que estou iniciando as atividades do quarto

estágio e escrevo a respeito da acolhida da turma que seria, tão logo, no estágio cinco, meus

alunos por um semestre.

Neste primeiro dia a professora propôs que eu assumisse a turma no último período, pois ela precisou assumir outra turma ao mesmo tempo. Fiquei nervosa, mas aceitei o desafio. Não estava preparada para assumir a turma naquele dia, pois não tinha planejado nada. Passei os exercícios no quadro e como já estavam reclamando que não aguentavam mais copiar, aproveitei a oportunidade para conversar e conhecer melhor os alunos (Portfólio reflexivo, 2008).

Assim, iniciou-se meu quarto estágio, no contexto da maioria das escolas públicas, em

que é prática corrente a falta de alguns professores e, em decorrência disso, é comum

“subirem aulas”, fazendo os professores assumirem duas turmas ao mesmo tempo. Nesse

estágio, a proposta foi planejar três aulas para desenvolver na turma que eu vinha

acompanhando. O conteúdo que abordei nessas aulas foi conversado com a professora da

turma e planejado durante as aulas da disciplina. Ter vivenciado a sala de aula como

professora foi importante, pois possibilitou conhecer melhor a turma, que iria assumir por um

semestre. A seguir, um recorte do meu portfólio, que representa a experiência desse processo.

Para o planejamento destas aulas, precisei da ajuda da minha tutora, porque tive dificuldades de saber quais os conteúdos sobre a tabela periódica abordaria com a turma do EJA. O que seria importante ensinar a esses alunos? Desenvolvi a escrita, a pesquisa e o trabalho em grupo no desejo de que os alunos se tornassem mais seguros para resolver suas atividades, com dedicação e vontade de aprender (Portfólio reflexivo, 2008).

Num segundo momento da disciplina do quarto estágio, planejei uma Unidade de

Aprendizagem (GALIAZZI et al, 2004; MORAES, GOMES, 2007)7 para ser aplicada no

quinto estágio, durante o qual assumiria a turma. O tema abordado na Unidade de

Aprendizagem em questão emergiu das conversas com estudantes. Dessa forma, planejei

atividades que expressariam os saberes dos estudantes e, a partir disso, pretendia

problematizar e aprofundar seus conhecimentos. O espaço de discussão com os colegas e

professores formadores foi importante para potencializar as aprendizagens sobre planejamento

7 As unidades de aprendizagem são modos de planejar, elaborar e organizar os trabalhos em sala de aula. Constituem excursões em discursos sociais, especialmente científicos, com intensa participação de professores e alunos (GALIAZZI et al, 2004; MORAES e GOMES, 2007).

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18 de uma aula. Como também as conversas a respeito dos conteúdos conceituais, atitudinais e

procedimentais, que seriam abordados no desenvolvimento da Unidade de Aprendizagem.

Foi percebendo as características da escola, dos estudantes e no diálogo com a

professora da turma, que assumi uma turma do EJA no quinto estágio supervisionado. Penso

que, mesmo insegura em algumas situações, os estágios anteriores foram importantes para

minha constituição como professora, pois, quando iniciei o quinto estágio, estava acostumada

com a escola, com a professora da turma e com os estudantes, o que facilitou o assumir a sala

de aula como professora pela primeira vez.

Nesse mesmo ano de 2008, fui convidada para participar do grupo MIRAR. Trata-se

de um grupo de formação permanente de professores, constituído por professores da rede de

ensino, licenciandos, professores formadores, mestrandos e doutorandos do programa de Pós-

Graduação em Educação Ambiental e Educação em Ciências: Química da Vida e Saúde, da

FURG. O grupo aposta na articulação entre a formação permanente e o desenvolvimento

curricular. A partir de tais vivências, compreendi meu papel enquanto professora e formadora

e a importância da formação permanente de professores. Nesse processo, percebi estar sendo

permanentemente desafiada a pensar sobre o meu fazer profissional.

Eis algumas lembranças na minha decisão pela docência; acredito que muitas histórias

ainda serão contadas, pois me entendo em constante processo de formação.

1.2 O Mestrado e as aprendizagens dessa formação

No ano de 2009, ingressei no Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências:

Química da Vida e Saúde, da FURG, com intuito de desenvolver uma pesquisa que foi se

delineando ao longo do curso e cujo objetivo principal é compreender o processo de formação

de professores de Química, por meio do registro das histórias de sala de aula narradas e

dialogadas em grupo de formação permanente, o PIBID. O envolvimento intenso com o

PIBID-Química, nas Rodas de Formação, nas conversas com os licenciandos, professores

experientes do ensino básico e com os professores da universidade, motivou-me a querer

compreender o processo de formação em Roda e, assim, percebo-me nessa Roda e nela venho

também me constituindo professora pesquisadora. Nesse sentido, é que acredito na escrita

narrativa como forma de constituição do professor de Química. Nas histórias, percebo a sala

de aula dos professores narradores, as suas teorias, a reflexão e o aprendizado diante das

situações vivenciadas na escola e nas Rodas de Formação.

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19

O estágio docência na disciplina de Projetos de Monografia no curso de Química

Licenciatura, realizado no período de abril a outubro de 2009, também proporcionou outras

aprendizagens que refletem na minha constituição como professora e pesquisadora. A

disciplina foi ministrada em conjunto com os professores formadores. Rodas de leitura

coletiva foram constituídas, com o objetivo de contribuir no processo de formação de

professores de Química, por meio da produção da monografia. Vivenciar o estágio docência

durante o Mestrado possibilitou a aprendizagem de trabalhar no coletivo, de compreender que

a escrita da monografia precisa ser conversada e lida nas Rodas de Formação.

A escrita de artigos durante os dois anos do Mestrado também foram importantes na

pesquisa. Procurava, em cada trabalho, compreender a escrita narrativa e interpretar as

histórias de sala de aula. Os dois primeiros artigos foram desenvolvidos nas seguintes

disciplinas: Educação Estética e Neurociência aplicada à Educação. Procurei relacionar, em

cada um, a proposta da disciplina com a escrita narrativa e a formação de professores. Os

artigos foram apresentados no Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino (ENDIPE),

no ano de 2010.

O primeiro, que apresenta um incipiente exercício de análise das histórias de sala de

aula, foi apresentado no V Encontro Internacional de Pesquisa (Auto)Biográfica – CIPA. A

escrita do mesmo possibilitou um envolvimento com a metodologia de análise; assim, fui

percebendo que a análise das histórias de sala de aula era um trabalho lento e prazeroso; que a

cada reescrita e releitura, novas interpretações surgiam. Outros dois artigos emergiram nesse

início de análise: um, enviando para o Livro da PROGRAD-FURG8 e o outro, para a Revista

Brasileira de Pós-Graduação.

Destaco também a importância do Seminário de Pesquisa Qualitativa, do qual

participei no ano de 2009, apresentando em uma Roda de Conversa meu projeto de pesquisa.

O evento, promovido na FURG, aposta que os alunos de pós-graduação, participantes ou não

da disciplina de Metodologia de Pesquisa, partilhem na Roda suas intenções de pesquisa.

Foram dois anos de escrita e participações em eventos que me proporcionaram

aprender, nas diferentes Rodas, a escutar o outro e a compreender o significado de pesquisar,

que se encontra além de mostrar “resultados”; trata-se de um processo que aprendo a cada

momento, na partilha de ideias, na leitura crítica do outro e na construção de meus

argumentos durante a escrita da dissertação.

8 Este livro tem como objetivo publicar as pesquisas e os relatos de experiências realizados nos três projetos envolvidos com a formação de professores na FURG: PIBID, PRODOCÊNCIA e Observatório da Educação.

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O Mestrado me proporcionou muitas aprendizagens e o sentimento de ser formadora

que aprende em Rodas, que forma ao ser formada nesse processo. Foram as disciplinas, os

eventos, a escrita de artigos, os seminários gerais do programa, os encontros do PIBID-

Química, a experiência como professora tutora no Curso de Especialização Lato Sensu em

Gestão de Polos em EaD na Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e o grupo de pesquisa

que contribuíram para minha formação docente. Nas diferentes Rodas de que participei,

partilhei saberes, leituras e experiências que me constituem hoje uma professora pesquisadora,

que se entende em constante processo de formação.

1. 3 O encontro com a metáfora do bordado O pesquisador não escolhe a metáfora da sua pesquisa; ao contrário, em algum

momento, ela pode emergir durante a pesquisa. Pode também não surgir. Narro uma história

que escrevi no início do Mestrado e que irá contar o encontro com a metáfora da minha

dissertação. O primeiro momento é o encontro; depois, vem o desafio de envolver a metáfora

na pesquisa.

Numa manhã, indo para Pelotas, peguei o texto Rodas em Redes para ir lendo. No começo do texto me deparei com o título “Teias, Tecidos e Cestos”, fiquei pensando no sentido do título com as redes. E nisso, lembrei de quando tinha em torno de 11 anos, em que aprendi com minha mãe e minha tia a borda. A vontade de aprender surgiu quando olhava as mesmas com lãs e linhas de várias cores e tecidos a fazer os pontos com tanta perfeição. Depois de algum tempo, o trabalho pronto e belo. Assim, aprendendo com elas, também comecei a bordar. O trabalho era demorado e delicado. Precisava unir as cores entre os pontos. Os fios se entrelaçavam, formando uma rede belíssima de pontos que delineava os motivos bordados. Mas como estamos sempre aprendendo, em alguns momentos, essa rede de pontos não se formava com perfeição porque um ponto estava no lugar errado; nisso precisava começar novamente. A aprendizagem foi se dando em conjunto com minha mãe e minha tia. Assim, se constituiu uma Roda de Bordadeiras, mas o interessante é que cada uma tinha um estilo para fazer seu bordado. Minha mãe bordava com lãs. Fazia almofadas e tapetes. Minha tia tinha um bordado mais delicado, bordava, com linhas, flores e rosas em toalhas. Eu, como estava aprendendo, bordava motivos mais fáceis. Foi aí que percebi que as histórias são como bordados, em que narramos nossa sala de aula formando uma rede de pontos onde as cores são as diferenças que se complementam formando belíssimos bordados (Diário de pesquisa, junho 2009).

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21 Essa história possibilita que o bordado se inicie, com o cuidado para que seja um

trabalho artesanal, delicado e que expresse, em cada capítulo, a sensibilidade de alinhavar

cada ponto. Um trabalho que exige tempo e paciência, pois bordar uma pesquisa é aprender

com o outro, reescrever em muitos momentos, perceber o antes não percebido. E assim vai se

bordando a presente pesquisa, esse motivo que vai tomando forma, com as cores que se usa;

mas, como todo bom bordado, terá que ter sua beleza nos dois lados. É na beleza do avesso

que se conhece a bordadeira!

O refazer e o recomeçar podem surgir a qualquer momento, processos caracterizadores

das aprendizagens de uma Bordadeira, de uma pesquisadora iniciante que, nas Rodas de

Bordadeiras mais experientes, aprende e dialoga com a sala de aula de Química, narrada nas

histórias que constituem esta pesquisa.

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OS BORDADOS NAS RODAS DE FORMAÇÃO

Odito. Faz

OS BORDADOS NAS RODAS DE FORMAÇÃO

O professor vai se constituindo nas relações sociais, mas não se diz, nem é dito. Faz-se, vai sendo feito com/pelo outro: direito e avesso, avesso e direito

de um só e mesmo bordado

OS BORDADOS NAS RODAS DE FORMAÇÃO

vai se constituindo nas relações sociais, mas não se diz, nem é se, vai sendo feito com/pelo outro: direito e avesso, avesso e direito

de um só e mesmo bordado – a vida compartilhada. Nilma Lacerda

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Neste momento, apresento o processo formativo que possibilitou a realização dos

bordados das seis professoras; o modo como ocorreu o referido processo de formação, a

escrita das histórias de sala de aula, as professoras bordadeiras, a sua formação, o tempo da

docência e a(s) escola(s) em que atuam. No presente capítulo, inicia-se o meu envolvimento

com as professoras que fazem parte desta pesquisa. Narro como se deu o encontro com cada

uma das seis bordadeiras e com seus bordados e histórias nas Rodas de Formação.

2.1 A bordadura das histórias: como ocorreu? Para entender como ocorreu o processo de formação permanente em que as histórias

de sala de aula foram narradas, apresento o PIBID, desenvolvido na FURG desde 2009.

Assim, destaco o contexto sócio-histórico em que o objeto de pesquisa foi se configurando. A

seguir, apresento a proposta de formação permanente promovida pelo PIBID, os objetivos e as

atividades desenvolvidas no projeto, enfatizando a bordadura das histórias de sala de aula, que

ocorre nas Rodas de Formação do Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA), utilizando-se

da plataforma Moodle9, disponibilizada pela universidade.

O PIBID é executado no âmbito da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de

Nível Superior (CAPES) e tem por finalidade fomentar a iniciação à docência; além disso,

proporciona a formação permanente de professores experientes atuantes no ensino básico e de

professores da universidade, contribuindo para a melhoria da educação básica. O decreto nº

7.219, de 24 de junho de 201010, que institucionaliza essa política pública de formação de

professores, considera como objetivos do PIBID os seguintes:

I - incentivar a formação de docentes em nível superior para a educação básica; II - contribuir para a valorização do magistério; III - elevar a qualidade da formação inicial de professores nos cursos de licenciatura, promovendo a integração entre educação superior e educação básica; IV - inserir os licenciandos no cotidiano de escolas da rede pública de educação, proporcionando-lhes oportunidades de criação e participação em experiências metodológicas, tecnológicas e práticas docentes de caráter inovador e interdisciplinar que busquem a superação de problemas identificados no processo de ensino-aprendizagem; V - incentivar escolas públicas de educação básica, mobilizando seus professores como coformadores dos futuros docentes e tornando-as protagonistas nos processos de formação inicial para o magistério; e

9 O Moodle é um software livre, usado para produzir e gerenciar atividades educacionais, possibilitando a interação de professores e estudantes da graduação. 10 Disponível em: http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/823578/decreto-7219-10 (Anexo B)

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VI - contribuir para a articulação entre teoria e prática, necessárias à formação dos docentes, elevando a qualidade das ações acadêmicas nos cursos de licenciatura.

Os objetivos delineados acima embasam o projeto que constitui o PIBID-FURG, tendo

o mesmo suas especificidades nas atividades que desenvolve, apostando na formação docente

por meio das Rodas de Formação (SOUZA, 2010) e no educar pela pesquisa (GALIAZZI,

2003). As atividades que articulam o projeto institucional com os subprojetos configuram-se

pela escrita reflexiva, envolvendo as seguintes produções: as histórias de sala de aula no

ambiente virtual de aprendizagem, os relatos de experiências para Encontro sobre

Investigação na Escola e os portfólios formativos (escrita coletiva do professor experiente do

ensino básico com os licenciandos). Em cada subprojeto são desenvolvidas ações

específicas da área/licenciatura correspondente, devidamente detalhadas, destacando-se o fato

de que todos eles propõem atividades semanais na escola, proporcionando aos licenciandos a

oportunidade de maior participação em ações docentes, na realização de experiências

metodológicas supervisionadas e na partilha de saberes com os professores em exercício.

No ano de 2009, o PIBID-FURG envolvia quatro licenciaturas, as quais compuseram

os subprojetos da Química, Física, Biologia e Matemática, foco do edital, dada a falta de

professores para atuar nessas disciplinas e o elevado índice de desistência de graduandos nas

quatro áreas de ensino em questão (BRASIL, 2007). O projeto pretendeu intensificar e

qualificar um conjunto de ações na formação de professores, em que o incentivo à docência é

inextricavelmente ligado à formação do professor em exercício.

Essa política pública de formação de professores ampliou-se e a FURG, no ano de

2010, envolveu dez cursos de licenciaturas, consolidando a relevância do projeto, que propõe:

o incentivo à docência, a parceria da universidade com o ensino básico (escolas públicas), a

oportunidade de formação continuada para professores em exercício e a melhoria do ensino e

da aprendizagem dos alunos.

A pesquisa ora apresentada teve como foco as Rodas de Formação do PIBID-Química,

na ação de narrar histórias de sala de aula, a qual, no ano de 2009, ocorria no “Álbum de

Histórias de Sala de Aula”, no ambiente virtual de aprendizagem (Figura 2), plataforma

Moodle, espaço organizado e utilizado para as atividades desse subprojeto.

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No “Álbum de Histórias de Sala de Aula”, os professores experientes do ensino

básico, licenciandos e professores da universidade narravam uma história por mês, relativa a

algum acontecimento ou aspecto da sala de aula que considerassem significativo. Além disso,

dialogavam com a história de outro participante, num exercício de escrever o que a história do

outro me faz pensar.

A Roda do PIBID-Química era formada por seis professoras supervisoras, atuantes no

ensino básico; dezenove licenciados; um professor coordenador da área/licenciatura, um

mestrando e dois doutorandos do Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências, do

qual faço parte.

O envolvimento intenso com o projeto possibilitou a realização da presente pesquisa,

que busca compreender a formação permanente nas Rodas de Formação, a partir das histórias

de sala de aula narradas pelas seis professores supervisoras, atuantes no ensino básico das

escolas públicas. Entendo-me presente nas Rodas de Histórias; nelas aprendo e constituo-me

professora pesquisadora nas leituras e na análise das histórias de cada sala de aula.

2.2 A Roda de Bordadeiras

Depois de apresentar o PIBID e as atividades desenvolvidas nas Rodas de Formação,

apresento agora as seis professoras experientes de Química do ensino básico, participantes

Figura 1: Álbum de histórias de sala de aula produzido no ambiente virtual de aprendizagem do PIBID-Química.

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26 desse processo de formação permanente. A identidade das professoras foi preservada e, por

isso, foi dado a elas outro nome e, assim, a Roda de Bordadeiras é constituída pelas

professoras: Ana, Andréia, Carmem, Édina, Inês e Carla. Apresento a seguir a formação, o

tempo da docência e a(s) escola(s) em que atuam.

Existem semelhanças no processo de formação das professoras: cinco realizaram a

graduação em Química Licenciatura – habilitação em Ciências na mesma universidade, na

FURG; algumas inclusive foram colegas de turma. Elas contam lembranças que se entrelaçam

em histórias configuradoras do curso de Química Licenciatura. A professora Édina chegou ao

curso depois, pois já possuía formação em Engenharia Química e decidiu fazer as disciplinas

da Licenciatura em Química, já que pretendia ser professora do ensino médio em uma escola

federal de Rio Grande. Vivenciou o período de mudança da grade curricular, em que foi

extinta a habilitação em Ciências.

O envolvimento com a formação permanente fazia parte de quatro das seis professoras

por mais tempo. Elas haviam participado em diferentes momentos do grupo MIRAR, o qual

se reuniu entre 1997 e 2008, sendo que suas reuniões foram substituídas pelas reuniões

semanais do PIBID-FURG, realizadas no Centro de Educação Ambiental em Ciências e

Matemática (CEAMECIM) da FURG. Nesse espaço de formação permanente, planejavam

atividades no coletivo, como por exemplo, Unidades de Aprendizagem. Escreviam relatos de

experiências para os Encontros sobre Investigação na Escola e partilhavam seus saberes e

experiências com o grupo.

A professora Andréia foi a primeira a chegar ao grupo. Depois veio a professora Inês e

a professora Carmem, que narra numa história de sala de aula o seu início no grupo.

[...] no mês de setembro de 2008, comecei a participar das reuniões do grupo MIRAR. Entre muitos assuntos interessantes, foi ressaltada por uma professora, a importância de planejar com antecedência cada aula a ser dada. Diante do exposto, ao iniciar o ano letivo de 2009, decidi voltar a planejar minhas aulas [...] (Abril/2009).

A professora Édina começou no grupo na mesma época em que a professora Carmem.

Ela termina sua graduação e é convidada a vir participar do grupo.

Também participei do MIRAR com as quatro professoras, o que possibilitou conhecê-

las e aprender com as experiências que contavam; cheguei ao grupo em 2008, no último ano

da graduação. Na época, tinha um trabalho intenso com a professora Andréia, pois realizava

meu estágio na sua sala de aula. Nesse sentido, tínhamos a oportunidade de planejar com o

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27 grupo a Unidade de Aprendizagem sobre Resíduos da Construção Civil (DORNELES, 2008),

que desenvolvi no estágio final e que também possibilitou a escrita da minha monografia.

O grupo MIRAR, no ano de 2009, articulou suas atividades com as Rodas do PIBID-

Química, possibilitando que as quatro professoras fizessem parte do projeto de formação

permanente em parceria com as professoras Ana e Carla.

Com relação às escolas em que atuam e o tempo da docência das seis professoras, a

professora Ana trabalha em uma escola cuja iniciativa é a valorização do lugar e da

comunidade. São alunos oriundos de famílias de agricultores e pescadores. A professora atua

nesta escola há mais ou menos sete anos, em turmas de ensino médio e com Ensino de Jovens

e Adultos.

A professora Andréia iniciou a docência antes de finalizar a graduação, por meio de

um contrato emergencial, no ano de 1996, com turmas de ensino médio. Logo depois prestou

concurso e, com a aprovação, continuou trabalhando na mesma escola. Em 2000, teve a

oportunidade de começar a atuar no ensino fundamental, na sala de aula de Ciências.

Desenvolve seu trabalho com turmas do ensino médio do EJA e no ensino fundamental, com

turmas de quinta e sexta série.

A professora Carla atua em duas escolas de ensino médio, uma localizada no centro

da cidade, a qual recebe um grande número de alunos de diferentes bairros e outra localizada

num bairro. Esta segunda escola, alguns anos atrás, era um Centro Integrado de Educação

Pública (CIEP), onde os alunos recebiam educação formal e informal em tempo integral.

Atualmente, a escola funciona exclusivamente com a educação formal de ensino fundamental

e ensino médio, e a professora Carla atua nas turmas do ensino médio, nas disciplinas de

Química e Física.

A professora Carmem, em uma história, narra sua decisão pelo curso de Química

Licenciatura, afirmando que: [...] estava terminando o curso técnico em contabilidade pensei

em fazer o vestibular para Ciências Contábeis, mas devido à falta de base em algumas

disciplinas, acabei me inscrevendo para Química, somente para ver como era o vestibular.

Acabei passando e me apaixonando pelo curso; hoje leciono Química e não me vejo fazendo

outra coisa (dezembro/2010). A professora leciona desde 1995 em duas escolas de ensino

médio, sendo que em uma delas, trabalha em turmas do curso normal (magistério).

A professora Édina é engenheira química de formação e mestre em Química

Analítica. Encantou-se pela docência ao ser professora substituta na FURG. Posteriormente, a

docência se intensifica no Instituto Federal Sul-Rio-Grandense, como professora do ensino

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28 médio profissionalizante e nas turmas de PROEJA. Como professora nessa escola, toma a

decisão de fazer a licenciatura em Química na FURG.

A professora Inês trabalha na mesma escola da professora Ana, em turmas de ensino

médio. Trabalhava também com ensino de Ciências, com turmas de quinta a oitava série. No

ano de 2009, foi convidada a atuar no CEAMECIM na FURG, no qual realiza atividades para

ensino de Ciências e organiza oficinas para serem desenvolvidas nas escolas com professores

e alunos.

A Roda de Bordadeiras é constituída por diferentes histórias, contextos escolares e por

muitas experiências para serem bordadas. Mas, antes de apresentar os bordados de cada

professora, desenvolvo, no próximo capítulo, uma Roda de Conversa com alguns teóricos que

me possibilitaram compreender a escrita narrativa, a formação permanente de professores, a

Roda de Formação e a ação de narrar histórias de sala de aula.

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NARRATIVAS E FORMAÇÃO PERMANENTE:

as linhas e os pontos do bordado

Contar histórias sempre foi a arte de contá-las de novo, e ela se perde quando as histórias não são mais conservadas. Ela se perde porque ninguém mais fia

ou tece enquanto ouve uma história. Walter Benjamin

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No capítulo que se inicia, apresento o referencial teórico da pesquisa, que possibilitou

compreender a formação permanente das professoras de Química por meio da escrita das

histórias de sala de aula. O capítulo está organizado em três momentos. No primeiro, discuto a

respeito da pesquisa narrativa e da possibilidade de narrar a experiência da docência nos

processos de formação permanente. No segundo, busco compreender a escrita narrativa nas

Rodas de Formação. Finalizo o capítulo, abordando a ação de narrar histórias, apresentando

quais as características presentes nesse ato.

3.1 A experiência docente e a pesquisa narrativa

O narrador retira da experiência o que ele conta: sua própria experiência ou a relatada pelos outros, incorporando as coisas

narradas à experiência de seus ouvintes. Walter Benjamin

A narrativa permeia diferentes espaços da escola: a sala de aula, as reuniões

pedagógicas, as conversas dos professores e as práticas educativas. Nesse sentido, o mundo

escolar é constituído por fragmentos narrativos, encenados em diferentes momentos, espaços

e tempos, que podem ser entendidos em termos de unidades narrativas (CLANDININ,

CONNELLY, 2000; SUÁREZ, 2008; 2010). Mas nem sempre essa narração é compreendida

como uma ação formativa para os docentes. Então, como narrar histórias e aprender com os

fatos narrados?

O engajamento dos docentes num processo de formação permanente pode ocorrer por

meio da pesquisa narrativa, pois permite que diferentes atores envolvam-se no processo,

professores do ensino básico, licenciandos e professores da universidade, constituindo, assim,

uma rede de diferentes olhares e diferentes histórias, em que as ideias e os saberes sobre ser

professor são partilhados no coletivo. A escrita narrativa é uma das ferramentas culturais

adotadas para compreender o processo de formação do professor. Além disso, é um enfoque

particular de pesquisa que procura envolver o professor, sendo ele, na maioria das vezes, o

ator do enredo a ser pesquisado (SUÁREZ, 2008).

A pesquisa narrativa possibilita o exercício de narrar a experiência da docência e os

fatos elencados como significativos na sala de aula, configurando as histórias enquanto

produtoras de conhecimento. A experiência, quando narrada, permite voltar às experiências

passadas para interpretá-las e recordá-las, mas é necessário o olhar atento no presente, o qual

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31 possibilita que as lembranças significativas de um passado distante ou breve sejam narradas e

partilhadas com o outro (BARBOSA, 2003). “Na experiência da narrativa, vive-se a

experiência do outro como se fosse genuinamente pessoal. E, nessa polifonia de histórias, é

possível continuar narrando a história que já foi do outro e configurar, então, outros sentidos”

(LIMA, 2005, p. 48). Assim, são nas diferentes histórias narradas que os docentes

compreendem-se em um processo de formação e, aprendem com o outro, nas conversas a

respeito das práticas pedagógicas. Reforço tal posicionamento apoiada em Suárez (2010 a,

p.183):

Quando os docentes se convertem em narradores de suas próprias experiências escolares, deixam de ser o que eram, se transformam, são outros. Assumem uma posição reflexiva que desafia as próprias compreensões, reconfiguram as próprias trajetórias profissionais e ressignificam as próprias ações e interpretações sobre a escola.

Os docentes, quando envolvidos na formação permanente, encontram espaços para

exercerem a autoria nas suas histórias e nelas expressam a sensibilidade e a afetividade do ser

professor, presentes nas experiências vivenciadas durante a vida profissional. Nesse sentido,

Lima (2005, p. 47) argumenta que:

A experiência narrada não coincide com o acontecimento que lhe deu origem, pois a experiência não é o que se passa ou que acontece no decurso de nossas vidas, mas o que nos acontece, o que nos constitui fortemente e, por isso, marca-nos de modo indelével. O que se passa chamo de acontecimento, enquanto que o sentido da experiência está naquilo que é narrável de um acontecimento, porque é o que nos passa (grifo da autora).

Compreender a pesquisa narrativa no processo de formação permanente de professores

experientes de Química possibilita perceber nas histórias narradas desse processo a presença

do licenciando, a experiência de vivenciar momentos de aprender e ensinar o exercício da

docência; há também dilemas, desafios e questionamentos que querem ser narrados. A

experiência, quando narrada nas histórias dos professores, expressa os lugares que ocupam, os

papéis que desempenham, as múltiplas relações sociais que estabelecem historicamente;

assim, narram suas próprias experiências e constituem-se autoras do mundo escolar e nele

tecem sua lida diária (LIMA, 2005; SUÁREZ, 2008).

Desenvolver a pesquisa narrativa na formação permanente de professores favorece que

o diálogo, a leitura e a escrita de histórias de sala de aula sejam potencializados nesse

percurso de formação, possibilitando que professores experientes narrem suas histórias de sala

de aula e nelas expressem teorias que sustentam a sua prática pedagógica. Nessa perspectiva,

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32 Galiazzi e Mello (2005), na tradução e interpretação do livro Narrative Inquiry, de Clandinin

e Connelly, ao abordar a pesquisa narrativa e a experiência na educação, afirmam que:

A pesquisa narrativa é uma ferramenta poderosa como provocadora de reflexão. [...] a experiência das pessoas se torna o ponto chave no desenvolvimento de estudo na pesquisa narrativa. Com a compreensão de que a Educação e estudos nessa área são uma forma de experiência, entendem a narrativa como a melhor forma para representá-la e compreendê-la. Ou seja, os autores estabelecem que seu objeto de estudo é a experiência, estudada de forma narrativa porque o pensamento narrativo é uma forma fundamental de experiência e também de escrever e refletir sobre ela (ibidem, 2005, p.2).

A experiência, quando escrita, favorece a reflexão a respeito do fato narrado; logo, o

desafio que se estabelece é o de escrever sobre a experiência da docência e, nesse sentido,

Marques (1997) argumenta que se escreve para pensar, e não ao contrário: pensar para

escrever.

Entendo que as histórias, ao serem narradas, são dispositivos para se pensar acerca da

formação do professor, e nessa direção, possibilita ao autor da história e ao outro que a lê

pensar sobre sua ação docente e sua formação, viabilizando que outras histórias possam ser

narradas. A escrita narrativa, desse modo, produz significados, pensamentos e sentidos da

formação, conforme destaca Suárez (2008, p. 144):

No processo de escrita, os docentes se convertem em autores de seus relatos pedagógicos e histórias escolares, ao mesmo tempo em que mostram os saberes profissionais e as compreensões sociais que colocam em jogo, cotidianamente, em suas práticas educativas, reconstruindo-as ao relatá-las. Transformam-se em narradores de suas próprias experiências pedagógicas.

No ato de investigar o espaço escolar e a atuação docente por meio da pesquisa

narrativa, os professores, no referido processo de formação, podem narrar experiências, fatos,

ações que significam sua sala de aula como problematizadora e formativa. Em outros

momentos, podem narrar situações problemáticas, para as quais não encontram respostas;

fazem perguntas, partilham com o outro, no sentido de ouvir o que ele vivencia na sua sala de

aula. A escrita narrativa tem dessas “coisas”: promove a mediação, o acolhimento e o espaço

para expressar as experiências, os sentimentos e os dilemas da vida profissional e do ser

professor.

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33

3.2 A escritura de histórias nas Rodas de Formação

Desenvolver a escrita narrativa na formação permanente de professores possibilita o

pensar, (re)pensar e refletir a respeito da sala de aula, das práticas pedagógicas e da sua vida

profissional. Nesse sentido, aposto no processo de formação permanente, o PIBID, na análise

das histórias de sala de aula narradas nas Rodas, como modo de o professor compreender-se

em formação e de tornar sua prática educativa relevante e significativa.

O processo formativo em Rodas possibilita que os professores, ao narrarem suas

histórias de sala de aula, encontrem espaço para dialogar e refletir a respeito de suas práticas

pedagógicas (WARSCHAUER, 2001; SOUZA, 2010). As Rodas de Formação apresentadas

nesta pesquisa, conforme já destacado anteriormente, são constituídas por professores

experientes do ensino básico, licenciandos, professores da universidade, mestrandos e

doutorandos envolvidos em um processo de formação permanente, proporcionado pelo

PIBID-Química.

Na busca por compreender o sentido e o significado das Rodas, dialogo inicialmente

com Warschauer (2001, p. 300), que assim as define:

Quando falo em Rodas, entretanto, não me refiro à estrutura apenas, mas à qualidade da interação, às partilhas que elas facilitam. Haver espaços e tempos definidos para o encontro das pessoas em círculo não é suficiente, mas é a qualidade das trocas estabelecidas no processo de partilha que propicia o desenvolvimento criativo individual e grupal.

Também atribuo o sentido das Rodas baseada nas contribuições de Souza (2010,

p.152), segundo as quais, “o professor, ao narrar sua experiência na Roda, partilhando-a, a re-

significa para si. Ao mesmo tempo, o outro se torna um interlocutor potencialmente

aprendente nesse processo; o próprio significado de partilha implica esse pressuposto”. Nas

Rodas de Formação, os professores contam suas histórias e, ao contarem de si, contam

também a respeito dos outros que os constituem e, ao contarem desses outros, contam de si

(SOUZA, 2010).

As Rodas de Formação que constituem as histórias de sala de aula envolvem outras

Rodas em cada história que se narra. Acredito que o sentido e o significado da escrita em

Rodas é este mesmo: o de envolver-se na história do outro, de criar Rodas de Formação em

diferentes espaços da escola e de narrar as experiências vivenciadas nas diferentes Rodas. O

ato de narrar histórias em Rodas de Formação favorece a partilha de experiências,

proporcionando ao outro que lê, pensar e refletir sobre sua formação (WARSCHAUER,

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34 2001). O diálogo com o outro e consigo mesmo intensifica o processo de formação do

professor, pois, nessa partilha de saberes e escritas, encontra-se o sentido de exercer a

profissão de educador.

Nos espaços de formação permanente de professores, é importante que se desenvolva

a escrita narrativa da prática docente, uma escrita que expresse a autoria e a sala de aula do

professor. Quando desenvolvida nas Rodas de Formação, pode proporcionar ao professor

explicitar, em cada história, cenas mais detalhadas da sua sala de aula, expressando sua

inventividade e criatividade. Ao narrar cada fato, pode também dialogar e partilhar suas

experiências. Nas Rodas, as histórias também são lidas por outros professores, permitindo que

outras histórias possam ser criadas e narradas. Nesse sentido, o professor pode “apropriar-se

das experiências vividas através da escrita, transmitindo-as a outros, evocando argumentações

e emoções (falta algo aqui) favorece, portanto, a construção da autoria, isto é, da autoridade

de si” (WARSCHAUER, 2001, p. 190).

Os docentes, quando narram suas histórias de sala de aula nas Rodas de Formação

permanente, refletem, aprendem e conversam a respeito de suas teorias, vivências da sala de

aula e práticas pedagógicas. Sendo assim, defendo o argumento de que a formação

permanente dos professores precisa ocorrer em Rodas, com a escrita de histórias de sala de

aula dos professores do ensino básico, licenciandos e professores da universidade,

configurando-se, de tal modo, uma Roda que proporciona a constituição de outras, em que são

narradas a sala de aula, o laboratório, a biblioteca e outros espaços da escola.

3.3 A ação de narrar histórias

O ato de narrar e escrever histórias faz parte da ação humana, começando na infância

quando histórias são imaginadas, contadas e ouvidas com atenção. Visto sob tal perspectiva, o

formato narrativo é, provavelmente, a forma mais natural e recorrente de expressar a

experiência e o conhecimento (BRUNER, 2001). Como as histórias constituem os sujeitos,

percebo que o exercício de narrar as lembranças por meio da narrativa torna-se agradável e

pode fomentar o desejo pela escrita.

Entendo a escrita narrativa como forma de perceber os aspectos cognitivos da

experiência, no caso analisado, da experiência docente. Sustento meu posicionamento a partir

dos estudos de Bruner (2001), que buscam compreender a narrativa por meio do seu

significado, que seria aquilo que os textos querem narrar. O autor citado entende a narrativa

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35 “como um modo de pensamento, como uma estrutura para a organização de nosso

conhecimento e como veículo no processo de educação” (BRUNER, 2001, p.117).

Seguindo a ideia defendida por Bruner (2001), as narrativas têm como característica o

fato de envolver uma sequência de eventos, em que o narrador da história escolhe o que deve

ser narrado, quais detalhes serão revelados ou não, possibilitando que a história seja

envolvente para quem lê e ainda conversa com a trama narrada. Assim, a narrativa é

justificada pelo argumento de que a sequência de eventos narrados é uma violação da

canonicidade: narra-se algo inesperado ou algo que o leitor tem motivo para duvidar. A esse

respeito, Bruner (2001, p.119) afirma que:

O “motivo” da narrativa é resolver o inesperado, eliminar a dúvida do leitor ou, de alguma forma, corrigir ou explicar o “desequilíbrio” que, antes de mais nada, fez com que a história fosse narrada. Uma história, portanto, tem dois lados: uma sequência de eventos e uma avaliação implícita dos eventos narrados.

Mas como explicar por que os docentes narradores elegem esta e não aquela sequência

de eventos? Que situações inesperadas ou não canônicas querem narrar? Que motivos querem

envolver o leitor nas histórias que contam? Tais questionamentos reforçam a necessidade de

interpretação para se entender o que narram as histórias (BRUNER, 2001).

Nesse caminho, busco compreender o ato de narrar histórias de sala de aula nas Rodas

de Formação por meio dos estudos acerca da narrativa, na perspectiva de Bruner,

relacionando-o à definição de ação simbólica de Burke (1969), sendo a mesma uma

compreensão da composição dos textos, neste caso, as histórias. Uma compreensão que

destaca não o que os textos a princípio são, mas o que acontece através desses textos para

torná-los diferentes uns dos outros (PASSOS, 1998, WERTSCH et al., 1998).

Busco compreender o pentagrama de Kennenth Burke por meio da leitura de Wertsch

et al. (1998), em que os autores relacionam as ideias de Burke como forma de pensar a ação

humana. Também encontro em Passos (1998) uma relação com Burke, quando o autor faz

uma análise do livro Macunaíma, de Mario de Andrade, a partir dos elementos do quinteto

dramatístico de Burke. Então, fui entendendo esse quinteto e o relaciono nesta pesquisa como

forma de compreender o processo de formação narrado nas histórias de sala de aula pelas seis

professoras experientes do ensino básico de Química.

O conflito, o propósito, a reflexão e a escolha, presentes nas histórias, possibilitam que

os professores, pela narrativa, façam o exercício de simbolizar sua sala de aula, pois, segundo

Bruner (2001), o que contamos nas histórias nunca é por acaso. A história é motivada por

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desejos, teorias, valores e outros estados intencionais.

do drama de Burke (1969),

dos motivos envolvidos no desenvolvimento de um largo espectro de ações humana

(WERTSCH et al., 1998).

O dramatismo engloba observações deste tipo: para haver um ato, deve haver um agente. Paralelamente, deve haver uma cena na qual o agente age. Para agir em uma cena, o agente deve empregar alguns meios, ou instrumentos, e pode ssomente se envolver um propósito (BURKE, 1969, p.445 apud WERTSCH et al.

A ação de narrar histórias envolve as características presentes no

de Burke (Figura 2). Assim, quai

de sala de aula? A resposta se dá

identidade do sujeito e se orientam

(PASSOS, 1998). Na escrita de uma história

compreensão do que está sendo narrado e a relação com o outro configura a ação narrada

como significativa e relevante.

A cena narrada deve ser envolvente, pois será o principal elemento

mesma forma que o ato e os agentes que pertencem à cena. De

destaca que:

Figura Burke ad

(quem são os personagens)

os, teorias, valores e outros estados intencionais. Nesse movimento

, que permite, por meio do “quinteto dramatístico”

dos motivos envolvidos no desenvolvimento de um largo espectro de ações humana

O dramatismo engloba observações deste tipo: para haver um ato, deve haver um agente. Paralelamente, deve haver uma cena na qual o agente age. Para agir em uma cena, o agente deve empregar alguns meios, ou instrumentos, e pode ser chamado de um ato no sentido amplo do termo somente se envolver um propósito (BURKE, 1969, p.445 apud WERTSCH et al., 1998, p.22).

A ação de narrar histórias envolve as características presentes no

de Burke (Figura 2). Assim, quais os modos de ação envolvidos nas construções das histórias

A resposta se dá que ação narrada envolve as escolhas que constituem a

identidade do sujeito e se orientam, na maioria dos casos, pela presença de outro sujeito

escrita de uma história, as características do quinteto

o que está sendo narrado e a relação com o outro configura a ação narrada

como significativa e relevante.

A cena narrada deve ser envolvente, pois será o principal elemento

mesma forma que o ato e os agentes que pertencem à cena. Dessa maneira,

Figura 2: Fluxograma representando o quinteto dramatístico de Burke adaptado para ação de narrar histórias de sala de aula.

Fonte: Burke (1969)

Cena

(quando e onde ocorreu a história)

Instrumento

(como foi feita a história)

Propósito

(porque foi narrada a história)

Ato

(o que foi narrado)

Agente

(quem são os personagens)

36

e movimento, percebe-se a ação

quinteto dramatístico”, a investigação

dos motivos envolvidos no desenvolvimento de um largo espectro de ações humanas

O dramatismo engloba observações deste tipo: para haver um ato, deve haver um agente. Paralelamente, deve haver uma cena na qual o agente age. Para agir em uma cena, o agente deve empregar alguns meios, ou

er chamado de um ato no sentido amplo do termo somente se envolver um propósito (BURKE, 1969, p.445 apud WERTSCH

A ação de narrar histórias envolve as características presentes no quinteto dramatístico

s os modos de ação envolvidos nas construções das histórias

que ação narrada envolve as escolhas que constituem a

na maioria dos casos, pela presença de outro sujeito

do quinteto facilitam a

o que está sendo narrado e a relação com o outro configura a ação narrada

A cena narrada deve ser envolvente, pois será o principal elemento da história, da

maneira, Burke (1969)

dramatístico de rrar histórias de sala de aula.

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37

Uma “cena” no sentido de conjunto, ou pano de fundo, e “ato” no sentido da ação, pode-se dizer que a “a cena contém o ato”. E usar “agentes” no sentido de “atores”, Pode-se dizer que “a cena contém os agentes”. …Ou se você preferir o cenário (ex: a cena) contém ação ambiguamente (com relação às normas da ação) – e no decorrer da peça essa ambiguidade é convertida numa articulação correspondente. A proporção seria: a cena está para o ato assim como o implícito está para o explícito (BURKE, 1969 apud WERTSCH et al., 1998, p.25).

As categorias descritas por Burke não são estáticas e formais a ponto de poderem ser

usadas para descrever a ação do sujeito como única na história que escreve. Ao contrário,

compreende-se que a ação é, muitas vezes, se não sempre, aberta a interpretações mais

profundas porque existem ambiguidades surgidas ao levar em consideração os elementos que

interagem dialeticamente (WERTSCH et al., 1998).

Acredito ser relevante relacionar a escrita narrativa com o quinteto dramatístico de

Burke, por permitir interpretar a ação narrada, perceber as características da cena, os atores e

o ato que fazem das histórias narradas envolventes e significativas no processo de formação

permanente de professores.

Contudo, em toda história existe um narrador; e no quinteto dramatístico de Burke o

narrador encontra-se nos agentes? A escrita narrativa viabiliza, para quem escreve, não

participar da cena e não ser um dos personagens, mas ser apenas o narrador. De acordo com

Soares (2010), existem diferentes maneiras de ser um narrador na escrita de uma história.

Pode ser aquele narrador que sabe tudo da história, mas não participa dela: um narrador

onisciente. Outra posição é quando o narrador se coloca dentro de uma personagem na

história: essa pessoa não existiu de verdade; é criação dele. Ou aquele narrador que dialoga

com o leitor como se os dois estivessem assistindo à narrativa apenas como observadores,

sem entrar no enredo. Outra forma é ser um narrador que vê, sente, ouve e vive de verdade o

que está sendo narrado. Então, no quinteto dramatístico de Burke, o narrador passa a ser um

agente (personagem), que participa da cena e do ato que narra.

A autora completa sua ideia, afirmando que o narrador vai descobrindo a arte de

escrever histórias ao escrevê-las (SOARES, 2010). Porém, existem elementos que precisam

estar presentes para que a narrativa seja clara e coerente. Assim, Soares (2010) destaca que o

início de uma história precisa apresentar seus personagens (sendo que outros poderão surgir

no decorrer da narração), o espaço (o lugar onde a história acontece) e o tempo (quando os

fatos aconteceram).

E no meio da história, o que se escreve? Nesse momento, o narrador explora os

detalhes da história, apresenta o conflito e o motivo que irá fazer do enredo narrado

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38 envolvente (SOARES, 2010). A ação narrada é configurada no meio da história, quando os

personagens atuam na cena e nela tentam resolver problemas e contar situações conflitantes,

cujas soluções ainda não foram encontradas. É no final que se revela o jeito encontrado para

sair dos conflitos e dos motivos que fizeram a história envolvente para o leitor e para o

narrador. Mas nem sempre se encontram respostas para os conflitos narrados; por isso

observo que o ato de escrever histórias é encantador e não apresenta passos certos para iniciar.

É narrando as experiências, os dilemas e as vivências e partilhando-os com diferentes leitores,

que se percebe o significado do processo de formação do professor.

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OS BORDADOS DAS HISTÓRIAS DAS PROFESSORAS:

conversas de sala de aula

O lado da lida, bordado com o mesmo ponto com que se borda o direito

daquilo que é exibido, é o avesso que procuram resguardar com garantia de não invasão. Por que, no entanto, esconder o avesso? Como somos/estamos

no trabalho? Olhemos, pois, o avesso. Nilma Lacerda

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40

Neste capítulo, apresento os bordados que emergiram da análise das 48 histórias de

sala de aula, narradas pelas seis professoras experientes da rede de educação básica, que

participaram de um processo de formação permanente, o PIBID-FURG. O referido processo

formativo teve como uma das suas atividades a escrita mensal de histórias de sala de aula em

ambiente virtual de aprendizagem, na plataforma Moodle. Foram nas Rodas de Formação do

PIBID que as professoras narraram e produziram cada ponto desse bordado em suas histórias

de sala de aula.

Os estudos concernentes à narrativa da sala de aula como um modo de pensamento e

de produção de significados (BRUNER, 2001) e a relação com a ação simbólica de Burke

(1969), representada no seu quinteto dramatístico, discutido no capítulo anterior, permitiram

interpretar e compreender a sala de aula e o processo de formação permanente nas histórias

bordadas pelas seis professoras. Contribuindo com essa ideia Bruner (2001, p.119), afirma

que:

Os eventos, ao serem recontados, assumem significados no contexto da história como um todo. Mas a história como um todo é algo construído a partir de suas partes. Esta relação entre as partes e todo leva o nome de “círculo hermenêutico”, ele é que faz com que as histórias fiquem sujeitas a interpretações e não a explicações. Você não pode explicar uma história; tudo que você pode fazer é dar a ela várias interpretações.

Nesta pesquisa, apresento as minhas interpretações das histórias de sala de aula

bordadas pelas professoras. Não irei explicar a ação de bordar de cada professora, mas

interagir na Roda de Bordadeiras e desafiar-me a bordar os pontos que possibilitaram

compreender a formação permanente de professores. Mas cada leitor poderá bordar as suas

interpretações, envolver-se com as histórias e compreender o sentido de bordar cada ponto nas

Rodas de Formação.

O quinteto dramatístico de Burke (1969) possibilitou olhar nas histórias a cena

(quando e onde ocorreu a história), o agente (quem são os personagens), o ato (o que foi

narrado), o propósito (por que foi narrada a história) e o instrumento (como foi narrada a

história). A análise possibilitou interpretar e perceber as características de cada história, a sala

de aula, a parceira do professor com o licenciando e as aprendizagens advindas do processo

de formação permanente. Em cada história, as professoras narraram o que de significativo

lhes aconteceu e o que precisava ser bordado e partilhado nas Rodas de Formação. Podemos

observar como se deu esse exercício de análise na história da professora Ana:

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41

"Alunos em fuga". Parece título de filme para cinema, mas não, aconteceu durante minha aula no primeiro ano do ensino médio. Como avaliação para o segundo trimestre, os alunos deveriam realizar um trabalho em grupo sobre fontes alternativas de energia. Após, cada grupo, deveria apresentar seu tema para os demais colegas, para assim, concluirmos o trabalho com uma votação sobre qual das fontes alternativas de energia substituiria o consumo do petróleo. Tudo estava acontecendo como planejado. Até que alguns componentes de um grupo "fugiram" da sala deixando apenas um integrante. Este ficou tão apavorado que não conseguiu apresentar. Mesmo assim, o trabalho foi concluído. A maioria dos alunos trabalhou com interesse e entusiasmo. Na hora da votação todos participaram e estavam muito mais à vontade. Deixaram de lado a timidez. Mas, ficaram alguns questionamentos: Como avaliar esses alunos? Como quebrar essa barreira? Será que este tipo de trabalho é válido? (Junho, 2009).

A cena da história relatada é a sala de aula da professora, um primeiro ano do ensino

médio, e ocorreu no segundo trimestre do ano letivo. A professora narra uma apresentação de

trabalho em grupo, trabalho avaliado sobre fontes alternativas de energia. Os agentes da

história são os alunos fugitivos, o aluno que ficou na sala de aula e não conseguiu apresentar o

trabalho, os demais alunos da turma e a professora. O ato narrado foi a fuga desses alunos na

hora de apresentarem o trabalho. A professora teve como propósito apresentar a dificuldade

de desenvolver atividades diferentes e de avaliar o porquê de os alunos agirem de maneira que

o professor não espera. Ela parece querer partilhar com o grupo de formação a problemática

da avaliação, a fuga dos alunos e os questionamentos para os quais não tem resposta,

mostrando certa insatisfação e dificuldade em desenvolver trabalhos desse tipo.

O exercício de análise das histórias de sala de aula possibilitou perceber que algumas

das seis professoras, ao bordarem sua formação, tinham o mesmo motivo11, diferenciando os

bordados pelas tonalidades das cores e pelo traçar dos pontos, o que, ao relacionar com o

quinteto dramatístico de Burke, seriam os diferentes atos e propósitos em cada história,

configuradores dos Bordados da Formação. Realizou-se, então, um exercício de aproximar

as histórias com o mesmo motivo. Os Bordados da Formação que emergiram da análise

foram: ponto de elos: bordando as primeiras histórias na Roda; ponto triangular: o

bordado da situação-problema com enfoque CTS; ponto trançado: o processo formativo

do professor com o licenciando; ponto de entremeio: que tempo tenho para fazer

atividades experimentais; ponto cruz: os dilemas e os questionamentos das professoras;

11 Os motivos representam os desenhos para bordar, que podem ser criados no próprio tecido ou ilustrados em gráficos, os quais contêm: (Anexo A) a) áreas delimitadas, normalmente ilustradas por um quadradinho que representam um ponto; b) quadradinhos que terão, em seu interior, um símbolo que representará uma cor; c) legenda, a qual terá todos os símbolos usados no gráfico com a cor da linha correspondente.

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42 ponto cruz duplo: bordando a si mesmo num outro professor; ponto entrelaçado: a sala

de aula bordada na ação de planejar e avaliar12.

A análise exigiu inicialmente uma imersão pela leitura intensa de todas as histórias e

de cada uma delas, repetidas vezes. Num segundo momento, fiz o exercício de perceber os

elementos do quinteto dramastístico de Burke em cada história. No começo, não conseguia

perceber nas mesmas além do que estava explicitado, mas esse começo possibilitou um

envolvimento com as histórias. Cada leitura levava-me a entrar no contexto narrado,

imaginando-me professora de Química naquela sala de aula narrada. Porém, para

compreender o que as histórias narravam, foi preciso ir além do que as palavras contavam. Foi

necessário interpretar o não narrado, tentar perceber o avesso do bordado, pois quem vê

somente o lado direito, deixa de perceber a beleza e o cuidado com o acabamento do avesso

de um bordado.

Entendo que a decisão das professoras de narrar uma história e não outra faz com que

a narrativa tenha os traços do escritor, assim como o bordado tem a mão da bordadeira. Nesse

sentido, é o narrador que pode dizer onde sua história começa e onde termina e é ele quem

decide o que será narrado – e, portanto, selecionado – de sua experiência (LIMA, 2005, p.

50). E quando disponibilizada ao leitor, possibilita perceber a experiência narrada, os fatos da

sala de aula que levam a interpretar e a compreender os diferentes bordados que cada

professora faz, fomentando que outros bordados sejam feitos, como os Bordados da

Formação, que me desafio a bordar nesta pesquisa.

Sinto-me presente nessa Roda de Bordadeiras e nela aprendo a perceber a beleza do

bordado e o cuidado com seu avesso, que refletem nas interpretações e nas experiências

narradas no desenvolvimento do presente trabalho e nas histórias da docência que ainda

poderei bordar e que assim me constituem: apostando na narrativa da sala de aula como

constitutiva da formação.

Apresento a seguir as histórias de sala de aula que constituem cada bordado. A

delicadeza de fazer cada ponto, em alguns bordados, e, em outros, a dificuldade de iniciar o

motivo que se quer bordar. Foram os diferentes motivos bordados que fizeram emergir os

Bordados da Formação, em que as cores, as tonalidades e a criatividade possibilitaram

interpretar e construir argumentos para defender as Rodas de Formação e a escrita das

histórias como possibilidade de formação permanente de professores.

12 Imagens ilustrativas dos pontos (Anexo C).

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43 4.1 – Ponto de Elos: bordando as primeiras histórias na Roda

Os fios estão e não estão na minha mão, vêm e vão, fogem, refulgem, retornam e refogem. E eu não sei bem manejar as agulhas.

Nilma Lacerda

Os primeiros bordados representam o início do processo de formação permanente; são

as primeiras histórias das seis professoras narradoras. Assim, serão diferentes cenas

apresentadas que configuram diferentes motivos, com as experiências de cada professora

partilhadas nesse espaço de formação. Como todo bom bordado, no começo os pontos podem

ficar mais apertados, os fios podem entrecruzar outros pontos, sendo que nem sempre se

percebem tais detalhes. É nas Rodas de Bordadeiras que se partilham os saberes; na conversa,

na leitura e no diálogo com as histórias é que se aprende a bordar, no caso em foco, a bordar

os Bordados da Formação.

Apresento a seguir a ação docente; a sala de aula nas diferentes histórias. Inicio com a

narrativa da professora Andréia, intitulada“Uma História do Século Passado”:

Entre os anos de 1997 e 2000 soube que a mãe de um de meus colegas, que é professora da mesma área, iria voltar a estudar, e eu com pouca experiência, tinha iniciado em 1996 com contrato emergencial, ainda não formada, mas foi o período em que fiz também meu estágio, mas isso é outra história. O que me assustava é que esse meu colega sempre pareceu saber muito de Química, e a mãe dele também! Sabia que ela sempre gostou muito de ler, então eu pensei que eu teria que estar muito preparada nos conceitos químicos para não ficar sem reação ou resposta com alguma pergunta que pudesse surgir na turma. Então, quando comecei a trabalhar sobre o assunto átomo, li tudo o que tinha sobre esse assunto, fiz resumos, que seriam escritos no quadro para que os alunos copiassem. Agora entendo que escrevia tanto no quadro por insegurança, parecia que tinha que mostrar que eu sabia o conteúdo. Voltando a minha aula sobre o átomo, contava um pouco da história e relacionava com o período e outros acontecimentos históricos da época dos modelos atômicos. Depois escrevia no quadro, e os alunos superatentos, a mãe de meu colega participava como uma aluna igual aos outros e eu com tanto receio dela. No outro ano iria repetir tudo aquilo e aí percebi o quanto exagerei na escrita e nas informações que interessavam a mim e provavelmente não aos alunos de ensino médio do noturno, mas que não reclamaram, também eu não dava espaço para isso. Mas esse receio de não saber o conteúdo me ajudou muito, pois para não estar despreparada, estudei vários aspectos e histórias relacionadas aos modelos atômicos, e a partir dessa experiência as minhas aulas de Química passaram sempre a ser associadas a fatos ocorridos na história da humanidade além de repensar o que escreveria no quadro para os alunos (Março, 2009).

A cena da narrativa em questão é a sala de aula no início da formação. Os atores são

uma professora insegura, um professor que sabe muita Química e uma aluna, mãe do colega,

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44 que também sabe muita Química. O ato narrado é o começo da profissão da professora,

momento em que ela estava temerosa por ter como aluna a mãe do colega, ambos com grande

domínio do conteúdo de Química. Assim, o propósito foi narrar a insegurança em atuar nos

primeiros anos de docência e o modo como a professora superou a insegurança, estudando e

planejando intensamente e, quando chegava à sala de aula, escrevia muito no quadro, não

dando tempo para os alunos fazerem perguntas acerca do conteúdo ou mesmo questionarem o

que estava sendo feito. Ao mesmo tempo em que borda os pontos do começo da formação,

também cruza com pontos que expressam sua experiência de quatorze anos de docência e as

aprendizagens que a possibilitaram entender-se professora que reflete a respeito da sua ação

educativa. E do quanto, nesses anos de experiência, ela pôde aprender a dialogar com os

alunos e perceber formas de planejar mais próximas deles.

Narrar as lembranças do começo da profissão torna-se relevante no processo de

formação. Logo, torna-se aqui oportuno o questionamento de Nóvoa (2000, p.16): como é que

cada um se tornou o professor que é hoje?

A professora Andréia, na história que narra, percebe que sua ação inicial da docência

deixou “marcas” na sua ação pedagógica, as quais refletem na maneira de trabalhar em sala de

aula: ela procura repensar sua atuação e relacionar o conteúdo de Química com fatos

históricos, o que permite perceber-se na professora que é hoje. A história narrada também

mostra a mudança da professora: no início, centrada em saber o conteúdo e transmiti-lo;

depois, uma professora que aprendeu a se preocupar com quem é o sujeito do conhecimento

presente em aula.

A professora Ana narra sua chegada no PIBID como primeira história:

Estou chegando ao PIBID, para mim tudo é novidade. Na primeira reunião fui apresentada para o grupo. Adorei a ideia de participar desse projeto. Para mim é uma grande oportunidade de crescer como educadora. Em uma das reuniões conversei com a Luana e ela demonstrou interesse em assistir às minhas aulas na escola no turno da manhã. Então, sugeri o terceiro ano, por ser uma das turmas de melhor rendimento e também por serem mais interessados. Nossa parceria começou ali. Estabelecemos um contato, licencianda e tutora, construindo uma grande amizade. Temos muita afinidade e dessa forma não enfrentamos nenhum obstáculo no nosso trabalho. Logo, recebi a Alice, que trocou de escola e veio estagiar no noturno. Construímos uma amizade. Ela demonstra grande interesse e responsabilidade no seu trabalho. Nosso trabalho está em andamento e tem alcançado grandes resultados. Espero que até o fim do estágio eu tenha contribuído um pouco para a formação delas, pois para mim todo esse envolvimento que o projeto do PIBID vem me proporcionando tem sido de grande valor (Março, 2009).

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45 A professora apresenta como cena sua chegada ao PIBID e suas expectativas com a

formação. Como agentes desse processo, observo uma professora entusiasmada com o grupo

e as duas licenciandas, que se integram ao trabalho na escola. O ato narrado é o envolvimento

com a formação inicial, a acolhida na escola e a amizade construída durante a formação. O

propósito é o de mostrar o quanto está compromissada com o PIBID e com a sua contribuição

para a formação inicial das duas professoras; além disso, busca também deixar claro que as

ações citadas foram de grande valor para a sua prática docente.

O narrador, quando elege um fato significativo para narrar, tem implícito um futuro

leitor; assim, escreve para si e para o outro (LIMA, 2005). Na história relatada, a professora

Ana tem a intenção de narrar ao grupo o que foi bom para ela, o que o projeto ainda poderia

proporcionar de aprendizagens, a contribuição dela no grupo e o trabalho com as licenciandas,

que possibilitou sentir-se valorizada na profissão. “Nesse sentido, não se escreve a própria

história como história só para os outros. Escreve-se também para configurar sentidos para si

mesmo” (LIMA, 2005, p. 53). Ao escrever a história, a professora Ana mostrou para si

mesma que tinha valor, que a experiência com as licenciandas configura o sentimento de

sentir-se valorizada na profissão.

Do processo formativo do professor em exercício com o licenciando, narro um fato

significativo da minha parceria com a professora Andréia durante meus estágios

supervisionados do curso de Química Licenciatura. Ao longo dos cinco estágios, construímos

uma parceria de conversas sobre a sala de aula, planejamento, provas e avaliações. No último

ano do curso, a parceria foi intensificada: precisava escrever minha monografia, pensar a

temática para a Unidade de Aprendizagem (UA) e as atividades que seriam desenvolvidas.

Assim, vivenciamos o processo de escrita e planejamento da UA, aprendemos juntas,

escrevemos relato de experiência sobre a UA para os Encontros sobre Investigação na Escola

e para o Encontro de Debates para o Ensino de Química (EDEQ).

As minhas lembranças, o motivo que bordo se assemelha ao bordado da professora

Ana, que inicia essa parceria, os primeiros pontos do motivo, sendo que nessa parceria muitos

pontos ainda serão bordados e muitas aprendizagens ainda serão partilhadas. A parceria a que

me refiro, quando consolidada nas Rodas de Formação, “desacomoda” o professor do ensino

básico e promove uma valorização da profissão, tão desvalorizada atualmente.

Já a professora Carmem começa no grupo, narrando o início do ano letivo:

O primeiro assunto abordado por mim em sala de aula, neste ano letivo, foi sobre o plástico. Após fazer um comentário sobre um texto que levei como

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base, para melhor explicar aos alunos a importância e a não degradabilidade do plástico, anotei no quadro, vários exemplos de plásticos no cotidiano, citados pelos alunos. De acordo com as colocações de cada um separei seguindo critérios de aplicação, isto é, polietileno para um lado, policloreto para outro e assim sucessivamente. Foi possível fazer vários comentários acerca da utilidade, da versatilidade e da praticidade deste produto. Comentamos também sobre a ameaça que o plástico causa ao meio ambiente. Na aula anterior, eu havia solicitado aos alunos que trouxessem objetos plásticos para sala de aula. A partir daí, os estudantes confeccionaram cartazes fixando-os pela sala. Além disso, organizei um debate, separando os grupos. O primeiro constituído pelos que acham o plástico um "bandido" o segundo os que acham o plástico um "mocinho”. Um dos assuntos discutidos entre eles foi sobre o custo na troca das sacolas de plástico nos supermercados. A aula transcorreu de uma maneira muito interessante, uma vez que todos participaram com muito entusiasmo (Março, 2009).

A cena da história em destaque é a sala de aula de Química, no início do ano letivo.

Como ato, a professora narra a proposta de uma atividade que envolveu o trabalho em grupo e

a organização de um debate sobre o uso de plásticos no cotidiano. Os agentes são a professora

e seus alunos, entusiasmados com as atividades. O propósito é narrar uma aula que deu certo,

na qual houve uma participação efetiva dos alunos. Eles conversaram sobre o tema, trouxeram

objetos de casa, elaboraram cartazes e organizaram um debate no final. A professora ficou

orgulhosa pelo envolvimento desses alunos.

Mas, qual a intenção da professora, ao escrever essa história e não outra? Narrar para

partilhar na Roda o desenvolvimento do trabalho? O bordado da sala de aula da professora

Carmem representa os pontos de um trabalho significativo que quer ser partilhado. Talvez não

tenha tido a intenção de partilhar, mas, ao escrever, permite ao leitor a partilha. Ela pode ter

narrado para si mesma, para tirar lições desse vivido (LIMA, 2005); entretanto, ao fazê-lo,

permite que um leitor aprenda modos de ser professor.

A história da professora Carla é outra. Ela narra uma experiência que teve com a

avaliação.

Apliquei uma avaliação em uma das minhas turmas e o resultado foi: 90% dos alunos aprovados com a mesma nota. (nota muito boa). Quando comecei a corrigir, no momento fiquei feliz, porém, de acordo com o perfil da turma, desconfiei que houvesse desvio de provas. O que me levou a pensar isto? Bem no dia que deveria aplicar a prova, os alunos negociaram comigo alegando que não sabiam a matéria o suficiente para realizar a mesma, então revisei os conteúdos e acrescentei: - Estudem, se for necessário faremos esta avaliação em outra data. No outro dia, perguntei para eles se estavam preparados e eles bem depressa responderam que sabiam tudo. Então apliquei a avaliação. Este episódio me entristeceu muito por dois lados, será que realmente não estavam aprendendo, ou será que até o caráter

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tem sido ameaçado com tantas facilidades que temos hoje? Ou seja, a malandragem (Março, 2009).

A cena da história é a sala de aula de Química em dia de avaliação. Como ato, narra

que grande número dos alunos teve a mesma nota; por eles terem pedido para mudar o dia da

avaliação, a professora desconfia do acontecido. Os agentes são alunos malandros e uma

professora desconfiada. O propósito é narrar um fato que a entristece: a malandragem dos

alunos que se aproveitam da sua confiança. Diante disso, a professora questiona o caráter

desses alunos.

Avaliar torna-se um dilema para muitos professores, tanto que a professora Carla

inicia bordando o fato, que parece ser complexo, pois a deixa confusa, como se a agulha

fugisse de suas mãos, e sua bordadura parecer ser um trabalho difícil, no qual os pontos

precisam ser revisados e alguns refeitos durante o processo (LACERDA, 2006). É necessário

discutir a avaliação nas Rodas de Formação. Mas de que forma? Somente a discussão dos

métodos de avaliação seria suficiente para se fazer uma boa avaliação? E o que seria uma boa

avaliação?

O bordado em questão não termina aqui: outras histórias, outros motivos serão

bordados nesta pesquisa, o que me possibilita refletir e pensar acerca dos questionamentos

para os quais não tenho resposta; durante esse trabalho, procuro intensificar a discussão,

fazendo com que o Bordado da Formação possa ser problematizado na formação de

professores.

Na história da professora Édina, o contexto narrado é outro: uma escola técnica, com

alunos que querem uma preparação para o vestibular:

Esta história ocorreu numa turma de terceiro ano do ensino médio do Colégio Técnico, na disciplina de Química III, no ano de 2008. Por conhecer os anseios destes alunos com os conteúdos conceituais, uma vez que praticamente todos visavam ao vestibular ao final do ano, e saber das reclamações de terem pouca base em Química, comecei o ano no ritmo deles[...]. Pensando que eles já estavam calmos com a enxurrada de conceitos, preparei-me para colocar em prática um pouco de como acredito que deveriam ser as aulas de Química Orgânica. Comecei a trabalhar o tema “macronutrientes”, abordando cálculos de calorias dos alimentos, identificação de grupos alimentares e solicitando que eles construíssem uma tabela contendo o cardápio semanal de cada um e um gráfico com as cores dos alimentos ali presentes. Estas atividades “tomaram” duas aulas, na terceira apresentei as fórmulas estruturais dos aminoácidos e quando comecei a falar em ligação peptídica, houve uma manifestação geral na turma: - Ah! Bom! Pensei que não teria matéria neste bimestre. - Já estava querendo saber se irias pedir que a gente colocasse na prova o que tinha comido no almoço. Foi uma decepção, não uma surpresa, pois eu já conhecia o perfil dos alunos desde o início, mas cheguei a acreditar que eles tinham

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entendido minha proposta. Continuei o trabalho, que culminou com uma palestra de uma nutricionista, ao que os alunos foram bastante participativos, mostrando que eles não eram de todo resistentes a uma abordagem diferenciada (Março, 2009).

Vivenciar o ensino técnico possibilita à professora narrar uma cena em que o aluno

está lá para escutar conceitos, estruturado nesse modelo, pois acredita que assim terá as

melhores notas no vestibular. Na história de Édina, os personagens são alunos de uma escola

técnica e uma professora com uma proposta diferente. O ato narrado é uma sala de aula na

qual a professora conhece os alunos e, por isso, inicia com o que eles querem: uma

abordagem conceitual, para depois procurar desenvolver atividades de pesquisa. A professora

quer pôr em prática aquilo em que acredita: aulas contextualizadas e participativas, mas

precisa preconizar os conceitos. Aponta a necessidade de trabalhar com conceitos; se não, é

solicitada pelos alunos. Mesmo diante do que narra, ela se desafia a promover outras

atividades, percebendo a resistência da turma no início; mas segue com a proposta e, no final,

relata o envolvimento e a participação dos alunos, que se mostraram interessados na temática

trabalhada.

A professora Édina já havia vivenciado um processo de formação anterior ao PIBID,

no grupo MIRAR, em que participávamos juntas e planejávamos no coletivo de professores

propostas metodológicas para o ensino de Química, como as UAs, que implicam a exploração

dos conceitos de Química, de forma que eles possam ser pesquisados e analisados, numa

articulação de conhecimentos científicos com saberes iniciais dos alunos (GALIAZZI et al,

2004; MORAES e GOMES, 2007).

A experiência com o grupo reflete-se no que é narrado na história: as aulas de Química

não precisam ser sobrecarregadas de conceitos, com os alunos não encontrando outra razão

além de memorizar para obter bons resultados no vestibular. Ela propõe trabalhar com a

temática “macronutrientes”, que seria sua UA, planejada em conjunto com professores da

escola, mas que efetivamente esteve mais presa aos conceitos do que ao contexto, mostrando

marcas da história da escola e da formação técnica de seus professores. De certa forma, a

professora tem o propósito de dizer que nem tudo a que o grupo se propõe pode ser feito.

Percebo que ela acredita na proposta, mas precisa envolver os alunos, de modo que eles se

entendam participantes e que seus saberes iniciais possam ser ditos e problematizados.

Outra história que se diferencia das narradas é a da professora Inês, na qual relata sua

experiência como professora substituta, nos anos inicias, sendo ela professora de Química.

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No ano passado (2008) trabalhei como professora substituta no turno da tarde com o currículo (de 1ª a 4ª séries). Para mim esta experiência foi nova e marcante, pois precisei trabalhar com os pequenos para perceber que eles não se “transformam” em adultos de uma hora para outra (da 4ª para 5ª série) e que os professores da área (5ª a 8ª) tem que perceber e saber lidar com isso. Penso que currículo e área têm que interagir mais, criar conexões pedagógicas para que o choque dos alunos na mudança de série não seja tão forte. Temos que lembrar que estas crianças (pré-adolescentes) não viram adultas da noite para o dia e temos que levar em consideração suas histórias de vida para entendermos suas atitudes diante de algumas situações dentro e fora do ambiente escolar (Março, 2009).

A cena narrada é uma sala de aula do turno da tarde, com turmas de 1ª a 4ª série. Os

atores, uma professora atuando como substituta na escola e os alunos. Como ato, narra a

experiência de vivenciar sua atuação nas turmas de anos iniciais e sua formação na área das

Ciências, o que a faz refletir sobre o processo de mudança, para os alunos, dessas séries

iniciais para o currículo. O propósito é o seguinte: pensar como os professores do currículo de

área podem dialogar com os professores dos anos iniciais.

Existe uma carência de professores nas diferentes áreas de ensino, sendo que na área

das Ciências Naturais concentra-se a maior falta (BRASIL, 2007). Diante disso, como as

escolas dão conta de organizar um quadro de professores em que os substitutos daqueles que

estão de “folga” ou dos que faltam ao trabalho, possam ser da mesma área, sem precisar que

uma professora de Química, com habilitação em Ciências, atue como substituta nos anos

iniciais? Por que uma professora com formação para atuar nos anos finais passa a ser

substituta de professores dos primeiros anos? De acordo com Martins (2007, p.16), “o espaço

escolar é constituído, de um lado, por um conjunto de regras e normas que codificam o

trabalho cotidiano (previsíveis) e, de outro, há um trabalho não codificado, permeado por

interações dos atores escolares que improvisam”. Percebo semelhante contexto na história da

professora Inês: a escola necessita de professores substitutos e, por vontade sua ou da própria

escola, ela atua na sala de aula de anos iniciais, provavelmente necessitando improvisar em

diferentes momentos para dar conta de um trabalho não codificado.

Os primeiros bordados das professoras representam o começo da Roda de Formação.

Foram diferentes bordados, diferentes motivos, nos quais percebo um tornar-se, um bordar-se,

por parte das professoras que, em processo de formação permanente, se contam em

movimento de apropriação das teorias apresentadas na universidade e levadas para a sala de

aula da escola. As histórias narram: o desafio do início da docência, em que foi preciso

compreender melhor a avaliação; a importância de o professor ter proposta pedagógica

consistente e de planejar aulas diferenciadas; a importância de estar em um grupo de

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50 formação permanente, dialogando e partilhando experiências com a formação inicial, bem

como a necessidade de se problematizar a gestão escolar.

Os bordados também têm um sentimento de frustração: os alunos que resistem à

proposta da professora, os que não correspondem à expectativa dela, no que se refere à

avaliação, a professora que desconfia dos resultados, a que foi colocada a trabalhar como

professora substituta dos que faltam ou dos que têm folga na escola. Trazem também um

processo de formação: a professora que reflete a respeito de como era no início e a

transformação agora; a preocupação exacerbada com o conteúdo para chamar a atenção do

aluno e a professora encantada com o processo de formação. Mostra também uma aula em

que a professora planeja e o conteúdo em sala de aula é discutido, escrito, problematizado, o

que a faz acreditar na sua proposta pedagógica.

Pelo exposto, argumento a respeito da importância de os professores narrarem suas

histórias, o início da profissão, os dilemas com a avaliação, a realização de atividades

diferenciadas, seus questionamentos e a sala de aula em que acreditam. É preciso que essas

histórias sejam publicizadas, reescritas, recontadas não só para o professor que narra, mas

também para o professor que a lê. Assim, a escrita de histórias torna-se um dispositivo de

formação continuada, que permite ao professor narrar seus sentimentos, frustrações e avanços

e, assim, potencializar o trabalho coletivo, a partilha de experiências nas Rodas de Formação.

4.2 – Ponto Triangular: o bordado da situação-problema com enfoque CTS

Faz-se, cada vez mais, fundamental uma compreensão crítica

sobre as interações entre Ciência, Tecnologia e Sociedade, considerando que a dinâmica social contemporânea está

fortemente marcada pela presença da Ciência e Tecnologia. Decio Auler

Esse Bordado da Formação tem como motivo a situação-problema, com enfoque na

Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS). É constituído por cinco histórias de sala de aula, que

configuram um bordar a sala de aula de Química com pontos representativos de um

planejamento coletivo, as Rodas de Bordadeiras, nas quais partilham saberes da profissão e

transformam sua ação docente.

Na Roda de Formação permanente do PIBID-Química, foram planejadas, durante o

ano de 2009, UA a respeito de temáticas locais relevantes da cidade do Rio Grande. A

proposição da Roda foi a de planejar, no coletivo, situações-problema que tivessem um

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51 enfoque CTS e uma estrutura semelhante ao Grupo Argo de Renovação Educativa

13 e

consistiu em pensar uma problemática que envolvesse diferentes atores sociais (representados

pelos alunos), possibilitando a busca de informações, a construção de argumentos e a

realização de uma audiência pública na sala de aula, na qual os diferentes atores sociais

expressaram sua tomada de decisão num plebiscito final. A proposição da atividade foi a de

criar em sala de aula cenários democráticos, onde a tomada de decisão pudesse ser exercida

frente ao problema colocado, sendo aceita a proposta defendida com os melhores argumentos.

O grupo iniciou discutindo o trabalho do Grupo Argo, o qual trabalha com temas

controversos, abarcando a problemática relacionada ao desenvolvimento científico-

tecnológico. Desenvolvem casos CTS14, como os exemplos de início de atividade descritos a

seguir:

Caso 1: Una multinacional farmacéutica quiere experimentar una posible vacuna contra el SIDA com varios miles de niños menores de tres años. Si tiene éxito, quedarán protegidos y podrá comercializarse La vacuna en todo el mundo; pero hay quienes consideran que ese ensayo entraña problemas éticos ya que consideran que los riesgos a los que se expondría a esos niños serían excesivos y que la razón para acelerar el experimento es el beneficio económico de la empresa. Caso 2: Un grupo de familias de diversos países se han asociado para pedir a los gobiernos que deroguen las leyes que obligan a la escolarización obligatoria de los niños. Consideran que con Internet ya pueden educar a sus hijos desde sus casas y que la escuela ha sido superada por las nuevas tecnologías, por lo que no tiene sentido, según ellos, el mantenimiento de la obligación legal de llevar a los niños a la escuela.

Nesse contexto, a Roda do PIBID-Química procurou ler e discutir a respeito do

enfoque CTS na sala de aula, a partir das contribuições de Auler (2007, p.02), que defende

[...] a necessidade de mudanças profundas no campo curricular. Ou seja, configurações curriculares mais sensíveis ao encontro, mais??? abertas a temas, a problemas contemporâneos marcados pela componente científico-tecnológica, enfatizando-se a necessidade de superar configurações pautadas unicamente pela lógica interna das disciplinas, passando a serem configuradas a partir de temas/problemas sociais relevantes cuja complexidade não é abarcável pelo viés unicamente disciplinar.

As leituras e as discussões acerca do enfoque CTS incentivaram a Roda de Formação

do PIBID-Química a planejar e a elaborar situações-problema. Conforme apresentada

13 http://www.grupoargo.org 14 São oito casos CTS elaborados pelo Grupo Argo, disponíveis em: http://www.grupoargo.org/cts

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52 anteriormente, a Roda foi constituída por seis professoras experientes do ensino básico,

dezenove licenciandos, dois professores universitários que estiveram envolvidos com a

proposta, nos encontros presenciais do projeto, todas as quintas-feiras. Inicialmente foram

organizados seis grupos menores, constituídos por uma professora e licenciandos, que

escreveram uma situação-problema espelhada na estrutura do Grupo Argos. Num segundo

momento, foi realizada uma aproximação das temáticas que permeavam as situações-

problema dos diferentes grupos, chegando a quatro situações-problema, as quais foram

reescritas. O processo de aproximação e reescrita foi repetido e o grupo chegou a duas

situações-problema, com as seguintes temáticas: “gripe Influenza A e automedicação” e a

“carência energética da cidade do Rio Grande”. Cada uma das seis professoras, em parceria

com os licenciandos, desenvolveu na escola uma das duas situações-problema.

Assim, esse Bordado da Formação é constituído por bordados realizados não só pelas

cinco bordadeiras que aqui apresentam suas histórias; trata-se de bordados que representam os

pontos de um trabalho coletivo, no qual o planejamento e o desenvolvimento na escola

permitiram bordar esse motivo, com as cores, o avesso e o acabamento fazendo do Bordado da

Formação um bordado em Roda.

Inicio o referido Bordado da Formação com o bordado da professora Ana:

Eu e a Luana aplicamos a situação-problema na nossa turma. A princípio, achei que as apresentações não seriam nada boas. No meu ponto de vista os alunos não estavam se esforçando muito, não havia organização e nem muito interesse. Mas, na data marcada lá estavam eles, esforçados, organizados e interessados! Mas por que não tive essa impressão antes? Claro, para eles, trabalhar em grupo é bem diferente daquilo que eu imagino. A dinâmica que eles adotam é outra. Falam ao mesmo tempo, pesquisam vários assuntos ao mesmo tempo, usam vários recursos ao mesmo tempo... E no final elaboram ótimos trabalhos. Fiquei surpresa com o que assisti, em todos os sentidos. Senti orgulho do trabalho que estamos fazendo com esses alunos (Julho, 2009).

A professora apresenta como cena o desenvolvimento da situação-problema na sala de

aula, elaborada em parceria com a licencianda. Os agentes dessa narrativa são alunos

agitados, uma professora que desacredita na proposta do grupo e a licencianda. Como ato,

apresenta o excelente trabalho desenvolvido pelos alunos, apesar da dinâmica dos mesmos,

que fazia com que a professora desacreditasse nos resultados da atividade. O resultado final

fez a professora sentir-se orgulhosa pelo trabalho desenvolvido conjuntamente com a

licencianda, o que reflete, de certa forma, o processo de formação. Um cenário de alunos

agitados e compromissados fica retratado nesse relato. A professora, por não estar acostumada

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53 a esse tipo de atividade, desacredita nela e nos seus resultados. No entanto, é surpreendida na

finalização, pelo envolvimento dos alunos.

Qual é o bordado que faço dessa história? Uma desacomodação da professora com a

atividade proposta. Então, que sala de aula a professora desejaria bordar? Uma aula em que os

alunos trabalham individualmente, ficando quietos e perturbando menos. A narrativa em foco

apresenta um fazer diferente: o desenvolvimento da situação-problema e uma professora que

desacredita na proposta, sem perceber que, para os alunos, teve como proposição “um querer

conhecer que antecede o conhecer, assim estimulou a eles assumirem o papel de sujeitos,

participantes do ato de conhecer, aguçando a curiosidade epistemológica” (AULER, 2007,

p.14).

A professora borda o motivo sem perceber-se nele, mas, ao final, sente-se orgulhosa

da atividade. Não percebo nesse bordado alguns pontos, cores e detalhes que acredito

representar o motivo bordado, tais como: a professora com a iniciativa de melhor organizar os

grupos e de orientar o trabalho. Pontos que representem o interesse dos alunos frente à

temática; ou se eles desempenharam a tomada de decisão e qual foi a construção de

argumentos. Matizes de cores do motivo que não chamaram atenção da professora e que, a

meu ver, deixariam mais bonito seu bordado, fazendo-a exercer seu papel de mediadora em

sala de aula e bordar os pontos que representam esse motivo, a situação-problema com

enfoque CTS, em que o cuidado com as cores e com seu avesso expressam a beleza e o desejo

de fazer esse Bordado da Formação.

Problematizar a história citada me leva a reforçar o argumento que defendo no

primeiro Bordado da Formação, segundo o qual as histórias precisam retornar à Roda para

serem lidas por diferentes leitores, conversadas, reescritas e melhoradas durante o processo de

formação, a fim de que, na mediação, se possam realçar detalhes para compreender a sala de

aula proposta nessa atividade da formação continuada.

Um bordado semelhante aparece na história da professora Carmem, que apresenta a

seguinte cena: [...] a aplicação da unidade em duas turmas do curso normal. Na primeira

aula apresentei o tema na sala de multimídia, dividi as turmas em setores da sociedade. Na

segunda aula, fomos para o laboratório de informática [...]. A professora continua narrando

que:

Como são turmas de futuras professoras dos anos iniciais, combinamos que cada setor deveria preparar uma apresentação criativa. O primeiro setor, que representava os cientistas, foi muito interessante. Outro grupo, representando uma ONG, fez uma pequena peça teatral. Fiquei muito empolgada! Mas

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chegou o momento dos setores que não se engajaram, não levaram a sério. Apenas baixaram a cabeça e mal leram as questões, não se posicionaram. (Julho, 2009).

Nessa história, os agentes são as alunas do curso normal e a professora empolgada

com a proposta e, ao mesmo tempo, frustrada com alguns alunos. Como ato, relata o

desenvolvimento da situação-problema, o envolvimento e a criatividade de algumas alunas, ao

apresentar o grupo e a desmotivação de outras com a proposta. O cenário é semelhante: uma

sala de aula do ensino médio, no caso, um curso de formação de professores, em que uma

atividade estruturada de forma diferente pela professora poderia ser uma fonte de motivação.

E de fato foi, mas não para todas; algumas alunas não levaram a sério o trabalho proposto. A

desmotivação delas desaponta a professora, que, no início, acreditava tratar-se de uma

atividade que envolveria toda a turma.

A professora borda uma sala de aula diferente da “tradicional” e, por isso, exige a

atenção e o engajamento de todos os alunos. Mas, numa sala de aula, o professor consegue

envolver a todos em uma atividade? Ter a participação de todos é possível? Diante disso, a

professora Carmem narra sua frustração frente a uma atividade diferenciada. Desse bordado,

faço outros pontos, envolvo outras cores nas quais percebo possibilidades de aprendizagens,

como, por exemplo, no caso dos alunos que não se engajaram: acredito que, mesmo não tendo

alcançado as expectativas da professora, tiveram a possibilidade de aprender a partir dos

outros que participaram.

A professora Carmem, no início da atividade, sente-se envolvida com o

desenvolvimento da situação-problema e organiza os alunos de acordo com os setores da

sociedade. Segundo Auler (2007), essa proposição possibilita fazer uma leitura crítica frente à

problemática colocada, promovendo, assim, uma discussão sobre conteúdos geralmente não

trabalhados em sala de aula, na busca por um ensino transformador e problematizador das

atividades científico-tecnológicas, que supere a visão reducionista da Ciência, dos modelos de

decisões tecnocráticas (o especialista/técnico soluciona os problemas, de forma competente e

neutra); da perspectiva salvacionista da C&T (que a ciência e a tecnologia conduzem ao

progresso e solucionam os problemas da humanidade) e do determinismo tecnológico

(considera que a tecnologia define os limites do que uma sociedade pode fazer) (PINHEIRO

JÚNIOR, 2010; AULER, 2007).

A professora Édina também narra o desenvolvimento da situação-problema na

seguinte história:

Aplicamos a situação-problema, eu e @s estagiári@s, na turma do PROEJA, formamos dois grupos em função das respostas contra ou a favor.

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Na aula seguinte eles deveriam trazer material para fundamentar seus argumentos para o debate, no entanto, apenas uma aluna compareceu. Trabalhamos então exercícios [...] Na semana seguinte, todos compareceram, formou-se uma roda para o debate. Eles mostraram-se bastante interessados, apresentaram argumentos fundamentados e não apenas intuitivos. Trouxeram relatos de experiências pessoais. Havia acabado o tempo e eles ainda estavam falando (Junho, 2009).

Esta cena, embora semelhante às anteriores, é de uma sala de aula de PROEJA –

Programa de Ensino Profissionalizante de Jovens e Adultos em uma escola técnica. Como ato,

narra a aula de apresentação dos argumentos pelos grupos, a que apenas uma aluna

compareceu. Então, o trabalho foi adiado. Como propósito, parece querer mostrar o

descompasso da sala de aula: o PROEJA, frequentado por alunos que trabalham durante o dia,

com uma realidade e uma experiência de vida distinta dos alunos do ensino regular. A

professora lida com a situação, adiando a continuidade do trabalho para outro momento e

organiza sua aula nesse contexto. Mostra que, apesar desses descompassos, são alunos

interessados, com experiência a compartilhar. Os atores envolvidos foram uma professora que

procura contornar a ausência dos alunos e os estagiários, que refletem e vivenciam tal

experiência e os alunos do PROEJA.

A sala de aula do PROEJA possibilita ao professor bordar a situação-problema com

diferentes tonalidades, por meio das quais a criatividade de fazer cada ponto expressa as

experiências que possibilitam que o motivo em questão seja narrado com outro olhar, o de

quem aprende enquanto vivencia o contexto dessa sala de aula. Assim, percebo as

aprendizagens da professora, que lida com a ausência dos alunos naquele dia em que eram os

atores da proposta.

O bordado da professora Édina também se constitui de pontos da atividade

desenvolvida, alunos em sala de aula que aprendem com uma proposta pedagógico-

democrática, exercitam a autonomia, a curiosidade e a liberdade de expressar sua tomada de

decisão frente a uma temática problematizadora da sociedade (FREIRE, 1996; AULER 2007).

A professora Inês borda na sua história a seguinte situação:

Quando comecei a conversar com os alunos que faríamos pesquisas, debates (audiência pública), que criaríamos para o trabalho os setores sociais onde eles seriam os atores, não consegui me expressar de forma clara, até por que parecia que nem eu estava entendendo como funcionava uma situação-problema. E assim tudo começou. Fizeram o trabalho de pesquisa durante uma semana (nas três aulas da semana e fora do horário de aula) e na semana seguinte fizemos a audiência. No início tudo muito parado, porém com o decorrer da audiência eles assumiram seus papéis e o trabalho fluiu muito bem (Julho, 2009).

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56 Percebo na história narrada uma cena em que a professora, ao escrever sobre a

história, se dá conta de que não conseguiu explicar a atividade a ser desenvolvida. Ela mesma

não tinha clareza, no momento inicial, do trabalho que estava propondo: a situação-problema.

A história finaliza com a avaliação da professora de que o trabalho terminou bem. Os agentes

da história são uma professora sem clareza da proposta e alunos sem iniciativa para o

desenvolvimento da situação-problema.

No início desse bordado, apresentei o contexto em que se deu o planejamento da

situação-problema, nas Rodas de Formação do PIBID. Nesse sentido, a professora Inês não se

envolveu tão intensamente com a atividade de formação proposta, mas, no diálogo com os

alunos, percebo que a professora aprendeu participando, durante a pesquisa, com os alunos e

no desenvolvimento da audiência pública em sala de aula.

A última história de sala de aula desse Bordado da Formação é a da professora Carla:

[...] uma quarta-feira (15/07/2009), vivenciamos a penúltima etapa da Unidade de

Aprendizagem na turma 101 [...] estava ansiosa, os setores colocaram sua opção,

justificaram e após tiveram direito a perguntas. Apresenta os agentes e o ato quando conta:

Todos os setores se organizaram e um dos alunos que também faz outro curso e falta algumas

aulas do ensino regular, foi realmente surpreendente, usando muito bem seus argumentos e

perguntas bem formuladas.

Observo na história a professora ansiosa pela atividade a ser apresentada. A cena

narrada coloca ações importantes: justificativas, perguntas, organização, argumentos. O ato

narrado destaca o desempenho de um aluno no desenvolvimento da situação-problema, mas

os demais estão organizados em torno de um propósito da atividade solicitada: produção de

argumentos.

As professoras, licenciandos e alunos buscam, com o desenvolvimento das situações-

problema, a possibilidade de criar, em sala de aula, cenários democráticos, nos quais a

avaliação e a participação possibilitem aos diferentes atores sociais exercerem sua tomada de

decisão frente ao problema colocado, aceitando a proposta defendida com os argumentos mais

consistentes (AULER, 2007; PINHEIRO et al, 2007). Isso porque o objetivo da atividade com

enfoque CTS foi o de trabalhar com os alunos a importância da tomada de decisão de cada

um, na direção de uma sociedade melhor, promovendo na sala de aula uma compreensão

crítica da interação entre Ciência, Tecnologia e Sociedade (AULER, 2007).

Nesse Bordado da Formação, o motivo que bordo é retratado por pontos que

representam o planejamento coletivo nas Rodas de Formação, quando as professoras bordam

em suas histórias os agentes envolvidos, os alunos, na busca por argumentos para a tomada de

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57 decisão em uma situação conflitante. Ainda no mesmo Bordado da Formação, também

existem outras cores que entrelaço no motivo que bordo, representando os licenciandos, que

partilham experiências no desenvolvimento das atividades na escola junto a um professor

experiente. O contrário também é bordado. Os licenciandos são impulsos para o professor

que, pela estrutura da escola, alta carga horária e elevado número de alunos, muitas vezes,

apresenta uma proposta pedagógica sem inovações.

O que emerge desse Bordado da Formação? O seguinte motivo: a situação-problema

com enfoque CTS representa uma ação de bordar diferente da usual. Nas Rodas de

Bordadeiras, elas se desafiaram a criar o motivo em foco e nele foram articulando cores de

linhas, fazendo desse Bordado da Formação uma sala de aula com alunos motivados,

licenciandos em sala de aula, professoras ansiosas de um lado e, de outro, alguns alunos

desmotivados e ausentes. No mesmo bordado, também há pontos que expressam a formação

em Roda possibilitada pelo PIBID. As histórias mostram professores do ensino básico e

licenciandos conversando a respeito de propostas para a sala de aula e seus desafios.

O planejamento coletivo das situações-problema possibilitou desenvolver na sala de

aula cenários democráticos e, além disso, o exercício da tomada de decisão pode favorecer a

aprendizagem acerca do valor da democracia e da importância de cada um no exercício

político de seu voto. A sistemática mostra ainda a possibilidade de a ciência ser

problematizada, tanto em sua suposta mas inexistente neutralidade, quanto na

responsabilidade atribuída aos técnicos para a tomada de decisão.

Por isso, sustento o argumento da importância de os processos de formação continuada

desenvolverem e planejarem aulas coletivamente. Nesse processo, o professor do ensino

básico, em parceria com os licenciandos, aprendem juntos, com os desafios e os dilemas da

sala de aula e têm a oportunidade de partilhar as experiências vivenciadas nas histórias que

narram.

4.3 – Ponto Trançado: o processo formativo do professor com o licenciando

Os estágios foram pensados enquanto espaço de formação permanente em que todos aprendem. Buscou-se favorecer o estreitamento de

relações de parceria com os professores nas escolas. Por um lado, valorizou saberes e fazeres desses professores em suas lidas; por outro, favoreceu partilhas e trocas, ampliando possibilidades de

formação. Moacir Langoni de Souza

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58

O motivo bordado agora é a parceria das professoras experientes do ensino básico com

os licenciandos, intensificada no processo formativo, nas Rodas de Formação do PIBID-

Química. Para entender o motivo apresentado a seguir, nos bordados de cada professora,

começo contando a respeito do curso de Química Licenciatura da FURG, já discutido no

Capítulo 2 deste trabalho, quando narro minha constituição como professora de Química no

referido curso, as experiências e vivências que tive durante os cinco estágios supervisionados

na escola, a partir do segundo ano do curso.

Assim planejada, a estrutura curricular possibilita ao licenciando um convívio maior

com o professor da educação básica e com as Rodas de Formação do PIBID, fazendo a

articulação da escola com a universidade ser intensificada e possibilitando que os professores

da educação básica, os licenciandos e os professores da universidade estejam juntos, em

Rodas (SOUZA, 2010), nas quais problematizam as teorias da sala de aula e tramam sua

história por meio das partilhas. Cada um, com sua história individual, suas características e

talentos singulares, contribui na construção partilhada (WARSCHAUER, 2001).

Nesse conjunto de histórias, o Bordado da Formação que realizo é a parceria entre

professor e licenciando, quando as professoras bordam nas suas histórias de sala de aula cenas

de um trabalho coletivo, em que aprendem com o outro. Assim, inicio essa bordadura com

dois bordados da professora Édina, iniciando pelo da primeira visita de dois licenciandos à

sua sala de aula.

[...] na última aula ficamos desapontados. Sim, os meninos resolveram fazer o estágio no PROEJA, mas na primeira visita ao colégio, encontraram a sala sem alunos, ninguém compareceu na primeira meia hora de aula, e apenas uma aluna chegou mais tarde. Espero que os novos licenciandos acreditem que as outras aulas serão melhores, pois é muito bom tê-los conosco (Maio, 2009).

A professora narra como cena a chegada dos licenciandos à sua sala de aula em um

momento em que os alunos do PROEJA não haviam comparecido. Os agentes envolvidos são

os licenciandos, a professora desapontada e uma aluna, a única a ir à escola, chegando

atrasada. A sala de aula configurada por essa história é a do ensino noturno, cujo primeiro

desafio é conseguir a presença dos alunos. Como fazer os alunos do PROEJA virem para a

escola? Por outro lado, como fazer para que os licenciandos aprendam e se percebam

compromissados com tal situação, que pode parecer de desmotivação?

Um problema sério é narrado na mesma história, revelando um bordado que precisa

ser problematizado nas Rodas de Formação. A professora termina a história, buscando acolher

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59 e estimular os licenciandos, dizendo que outras aulas serão melhores. É interessante perceber

o envolvimento da professora, se vendo como formadora nesse processo. Mas como lidar com

o tempo da escola, com a ausência de alunos ou mesmo de professores? Nas histórias narradas

por Souza (2010), a respeito da experiência de uma licencianda em seu último estágio, o autor

mostra um outro modo de formação do licenciando no encontro com a escola:

- Bom, era uma típica sexta-feira chuvosa! Vocês devem estar lembrados de como choveu naquele dia! Então eu pensei: acho que eles não falharão comigo, molhados ou não alguns vão aparecer. Dito e feito! Apareceram oito alunos e fiquei muito feliz! Então a professora supervisora da noite abriu a porta da sala e falou rispidamente: “Aqui vão ter aula os dois terceiros anos juntos! Se não tem ninguém vou chamar um professor para atender vocês!”, e bateu a porta. Ela não esperou nem eu me manifestar, ou seja, fui considerada um ninguém! Os alunos me olharam apavorados com o tratamento recebido. Fiquei sem saber como agir. Só pensava no que daria de aula se misturassem os terceiros anos, já que eles estão bem atrasados com o conteúdo. Tentei continuar minha aula. Depois de algum tempo fui novamente interrompida pela supervisora, avisando que já ia mandar a professora de Português! Mas desta vez, me percebendo na sala e acho que também a minha expressão, falou: “A 313 já tem professora, é a estagiária! Me desculpa...”(ibidem, 2010, p. 145).

As histórias narradas tanto pela professora Édina quanto pela licencianda, em sua

experiência com o estágio final, mostram o tempo da escola e a importância de a parceria

entre a formação continuada e a formação inicial ser promovida, a fim de que se aprenda a

lidar com os contextos escolares, os quais, nas histórias aqui apresentadas, são diferentes: uma

escola técnica em que os alunos do PROEJA faltam às aulas e uma escola pública de ensino

médio em que a licencianda presencia a professora supervisora da escola organizar as turmas,

em função da falta de professores. A escola se organiza, reúne alunos, perde tempo e dispersa

qualidade. O tempo da escola e o tempo de aprendizagem precisam ser discutidos tanto com

os alunos do PROEJA, buscando compreender as razões de suas faltas, quanto em espaços de

formação, no que se refere às razões das faltas de professores e mesmo à gestão uniformizada

dessa falta: a troca de horários.

No outro bordado, a professora Édina borda os seguintes pontos:

No início do semestre, fiquei um pouco perdida ao passar as turmas para as estagiárias, o que faço agora? Ontem duas alunas foram pedir atendimento, pois elas têm prova na sexta-feira, apareceram com a lista de exercícios que a estagiária deixou no xerox. Fiquei muito contente por elas terem ido me procurar. Ainda sou a professora delas (risos). A relação com os licenciandos do estágio V é um pouco delicada, ainda estou aprendendo, como não ser invasiva, mas ao mesmo tempo não abandonar a turma. Gostaria de saber

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como as outras tutoras se sentem, e como é para os estagiários (Outubro, 2009).

A cena narrada é o convívio da professora Édina com as estagiárias e suas

aprendizagens nesse processo de formação. Como ato, narra estar aprendendo a ser

formadora. Os agentes dessa história são a professora, as licenciandas e duas alunas. O

propósito da professora é contar que não quer ser invasiva, mas também não quer abandonar

seus alunos. Ela reforça, na história, a satisfação que teve em ser procurada pelas aulas da

estagiária, bem como seu processo de aprendizagem nessa proposição de formação.

Nos dois bordados, a professora Édina mostra estar aprendendo a tecer os pontos da

formação e, nas cores e tonalidades das linhas que usa, vai bordando nesse motivo os

obstáculos que encontra quando recepciona os licenciandos numa sala de aula sem alunos e a

relação com as estagiárias que assumem suas turmas. No processo formativo em análise,

percebo a professora envolvida com os licenciandos, com a proposta e com as outras tutoras,

o que me leva a afirmar a existência de uma relação dialógica e de parceria, intensificada ao

longo do processo de formação do PIBID (SOUZA, 2010).

A professora Ana conta duas cenas em que as licenciandas também assumiram sua

turma: [...] na segunda pela manhã, chego na sala da 310 toda alegre por rever os alunos e

eles nem me deixam falar e já me perguntam pela licencianda. Na segunda, à noite na 312, a

mesma coisa aconteceu. Como ato, relata que [...] nem quiseram assunto comigo. Ainda

falaram que tinham novas professoras! Fico muito satisfeita com a reação dos alunos com

elas. Isso quer dizer que todo o trabalho que realizamos no primeiro semestre valeu a pena.

Elas transmitem muita confiança a eles e isso é muito positivo (Julho, 2009). O ato narrado

mostra a relação da professora com as licenciandas e a confiança que elas conquistaram junto

aos alunos. A professora situa o tempo em que ocorreu a narrativa: após as férias de julho. Os

agentes da história são a professora, os alunos e as licenciandas. De certa forma, a maneira

como a professora narra, mostra um “ciúme” que quer ser contado pelo fato de as licenciandas

estarem sendo consideradas professoras, por parte dos estudantes. Porém, mostra também sua

satisfação pelo trabalho realizado, não só com os alunos, mas como formadora dessas futuras

professoras.

Os bordados da professora Édina e da professora Ana se assemelham, pois ambas

vivenciaram a experiência de entregar suas turmas para as licenciandas assumirem-nas por um

semestre. A professora Édina, na cena narrada, em que duas alunas foram tirar dúvidas com

ela. Mostra que está aprendendo e que não quer ser invasiva e nem abandonar a turma, mas

fica confusa, pela satisfação em função de as alunas a terem procurado. Na cena da

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61 professora Ana, os alunos mostram-se confiantes no trabalho das licenciandas, e a professora

destaca seu trabalho para a construção dessa relação de confiança.

O Bordado da Formação que representa a relação entre professor e licenciando

também esteve presente na história da sala de aula da professora Andréia, que apresenta o

seguinte:

Eu e os outros professores da área de ciências da escola utilizamos o novo laboratório de ciências uma vez durante a gincana dos 60 anos da escola, após isso, esse espaço foi utilizado para guardar mesas e cadeiras, livros didáticos, computadores velhos. Foram solicitados alguns reagentes e materiais para o laboratório, mas não obtivemos resposta. Mas o que quero contar é que neste semestre, três dos meus estagiários se envolveram em arrumar o laboratório, contaram com o meu apoio e do diretor, pois os outros professores não acreditavam que daria certo. Mas como eles estavam com vontade solicitaram ao diretor que desse um jeito. Os monitores, empilharam os livros, trocaram a fechadura da porta e fizeram um levantamento dos materiais que este laboratório possui e agora estão organizando algumas atividades experimentais trabalhadas nos estágios para serem desenvolvidas em aula. Percebo essa iniciativa como uma desacomodação e um envolvimento desses estagiários com a escola, alunos e professores que agora pensam em solicitar para seus estagiários que também organizem atividades nas áreas de Biologia e Física (Julho, 2009).

Na história narrada, a professora apresenta como cena a reforma do laboratório. Os

agentes são três licenciandos, a professora e o diretor da escola. O ato é o laboratório da

escola, o modo como estava sendo utilizado e a vontade dos licenciandos e da professora de

valorizar e reativar o lugar. É possível perceber, nessa história, que o ensino público muitas

vezes não prioriza o laboratório e acaba usando-o como depósito de livros, cadeiras e

monitores. Entretanto, seu final é outro, pois os licenciandos têm a iniciativa de arrumar o

laboratório da escola e contam com o apoio da professora e do diretor. Depois de organizar e

fazer o levantamento de materiais, o grupo utilizou o espaço para planejar e desenvolver suas

aulas experimentais.

Essa história me fez lembrar o meu estágio com a professora Andréia e a minha

aflição para saber do laboratório da escola, que acredito ser importante na formação inicial,

mas acabei sem conhecê-lo, pois era uma sala para depósito. Na história relatada, a iniciativa

dos licenciandos foi a de arrumar o laboratório. Eu, no meu estágio, acreditava ser uma tarefa

quase que impossível; assim, desenvolvia minhas atividades experimentais na sala de aula.

Mas o contexto promovido pelo processo de formação permanente, o PIBID, é outro: a

parceria professor-licenciando é intensificada e, com ela, veio a possibilidade de ativar o

laboratório.

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62

Questiono se o processo de formação permanente, promovido pelo PIBID, tem como

objetivo consolidar uma parceria com a escola e com os professores para que os licenciandos

tenham iniciativas como a de ativar o laboratório da escola. Caso contrário, deixamos os

laboratórios das escolas desativados e sendo usados como depósito? Acredito que a

proposição é promover espaços formativos, para que sejam investigadas a realidade da escola

e a da sala de aula e a problematizem, buscando alternativas para os problemas identificados

(RAMOS; GALIAZZI; MORAES, 2010). Será que a arrumação do laboratório irá incentivar

o professor a promover atividades experimentais? Acredito que somente a arrumação do

laboratório não será suficiente para que os professores comecem a usá-lo. A professora

Andréia considera a parceira com os licenciandos e as atividades experimentais desenvolvidas

juntos um incentivo. Por isso, acredito que as atividades experimentais precisam sim ser

desenvolvidas, mas não é o laboratório da escola que irá proporcionar a iniciativa do

professor, mas os processos de formação, professor experiente e licenciando juntos,

acreditando que é possível fazer diferente.

Nesse Bordado da Formação, as histórias de sala de aula relatadas pelas três

professoras mostram ser possível um processo formativo entre professor experiente do ensino

básico e o licenciando. Narram uma sala de aula em que partilham saberes sobre ser professor

e as experiências vivenciadas com os licenciandos ao assumirem suas turmas. Também

bordam um trabalho coletivo com a escola, no qual a professora, o diretor e os licenciandos

organizaram o laboratório da escola para desenvolverem atividades nesse espaço.

Argumento no bordado ora analisado que é preciso consolidar os processos de

formação permanente, como o PIBID, para que as parcerias entre licenciando e professor do

ensino básico sejam intensificadas. A iniciativa dos cursos de formação, de promover tal

parceria no começo da graduação, já é um começo, mas é necessária a articulação com os

processos de formação, com as Rodas de Formação, com as Rodas de Conversas sobre a sala

de aula, nas quais o professor do ensino básico, os licenciandos e o professor da universidade

bordam suas aprendizagens e partilham os saberes de ser professor.

4.4 – Ponto de Entremeio: que tempo tenho para fazer atividades experimentais?

As Rodas de Formação do PIBID-Química possibilitaram a realização desse Bordado

da Formação, pois promoveram um espaço de aprendizagem de conceitos e de elaboração de

atividades para serem desenvolvidas em diferentes salas de aula da educação básica. As

professoras, em parceria com os licenciandos, conseguiram nesse espaço promover aulas

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63 diferenciadas, que serão discutidas nos bordados de três professoras. Elas bordam pontos de

um motivo que expressa a aprendizagem dos alunos, licenciandos e do professor no

desenvolvimento das aulas experimentais.

Começo o Bordado da Formação a seguir com a história da professora Ana, que

apresenta a seguinte cena [...] uma quarta-feira do mês de setembro as licenciandas

aplicaram uma aula prática para meus alunos do primeiro ano da escola Lilia Neves. Turma

que elas já acompanham praticamente desde o início do ano. Segue narrando que:

[...] fomos todos para o laboratório da escola, elas aplicaram a prática da gasolina. Anteriormente conversamos com os alunos e sugerimos que eles trouxessem amostras de gasolina de postos diferentes para fazermos os testes. Eles, ansiosos com a aula e também muito curiosos com os resultados que iriam encontrar, atenderam ao pedido. Prestaram muita atenção e ao mesmo tempo olhavam para mim esperando que eu confirmasse os fatos. Fiquei calada e disse que a aula era de responsabilidade delas. Fizeram a prática e chegaram aos resultados. Os alunos ficaram bastante surpresos com a aula e participaram ativamente (Setembro, 2009).

Os atores envolvidos na história são os alunos ansiosos e curiosos, os licenciandos

responsáveis pela aula experimental e a professora como observadora da aula, assumindo seu

papel formador. Na referida aula, a professora conta o interesse e a curiosidade dos alunos

com a atividade experimental. Narra a história como observadora, mas, ao mesmo tempo,

mostra seu papel de professora da turma, pois os alunos a olhavam para confirmar os fatos.

Conta que fica quieta e deixa os licenciandos exercitarem o papel de professores, embora os

alunos considerem-na autoridade na sala de aula de Química.

A professora Ana borda o trabalho com os licenciandos, uma parceria que faz desse

bordado uma sala de aula diferente, na qual a professora, como observadora, acredita na

formação inicial e incentiva os licenciandos a vivenciarem a responsabilidade de ser

professor. Por estar envolvida no curso de Química Licenciatura e nele ter me constituído

professora, acredito que a história narrada pela professora Ana esteve articulada à proposta do

estágio dois, em que os licenciandos precisam desenvolver uma atividade experimental na

sala de aula.

A aposta dos professores formadores nas disciplinas do curso e nas Rodas de

Formação do PIBID-Química é de desenvolver atividades experimentais pelos pressupostos

do educar pela pesquisa (MORAES, 2004; GONÇALVES, GALIAZZI, 2004),

compreendendo ser preciso problematizar os entendimentos acerca do ensino, aprendizagem e

da natureza da Ciência nas Rodas de Formação. Nesse sentido, o PIBID possibilita um espaço

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64 de formação e discussão, em que licenciando e professor planejam e desenvolvem atividades

experimentais na Roda e nela discutem e problematizam os conceitos da Química. Assim,

constroem o entendimento de que as atividades experimentais precisam ser mediadas e se

desafiam a promover um trabalho dinâmico, permeado pelas ferramentas culturais, entre elas,

o diálogo, a leitura, a escrita e a construção de argumentos na sala de aula (ibidem, 2004).

A professora Andréia narra também uma história em que observa uma aula de seus

licenciandos.

Durante as aulas experimentais dos licenciandos, fico muito satisfeita ao perceber o entusiasmo dos alunos em observar atentos os experimentos que são realizados e questionar o que veem, comparam com outras situações vivenciadas por eles. Penso que os licenciandos também saem das aulas satisfeitos! Talvez com muitas interrogações na cabeça ou novas ideias. Após essas aulas, os alunos sempre me perguntam quando terão aula assim novamente. A maioria adora e consegue relacionar com os conceitos que já foram estudados. Eu, que gosto tanto de aula experimental praticamente não faço em minhas aulas, isso até me frustra um pouco, mas é que para dar uma aula dessas exige preparo de material, testar com antecedência e estudo sobre o que se quer abordar ou problematizar com essa aula, ou seja, também precisa um planejamento. Quando temos que atender mais de uma turma ao mesmo tempo, sair de uma aula e ir para outra fica difícil carregar o material e limpá-lo, mas mesmo assim ainda é possível (Maio, 2009).

Na história citada, a professora narra o entusiasmo dos alunos com as aulas

experimentais, explicita que também gosta delas, mas que não consegue realizá-las, pois

exigem tempo para o preparo do material, teste, estudo e planejamento. A professora fica

frustrada, mas não encontra a solução quando precisa atender duas turmas ao mesmo tempo,

como carregar materiais e limpá-los na conjuntura da escola em que está inserida. Finaliza

com a expectativa de conseguir realizar aulas experimentais, pois acredita serem importantes.

Os agentes são a professora, os licenciandos e os alunos.

A professora Andréia acredita no desenvolvimento de atividades experimentais, mas,

conforme destaca Gonçalves (2009), depara-se com uma “situação-limite”: a falta de tempo

que, no caso, não chega a ser a falta de laboratório na escola, alegação de muitos professores

para não desenvolverem atividades experimentais; Na pesquisa de Gonçalves (2009, p.40), é

compreendida como “uma visão constituinte de uma consciência real (efetiva)/consciência

ingênua acerca das atividades experimentais”. Na história em questão, a professora parece

avançar no processo de alcance de uma consciência máxima possível/consciência crítica, pois

acredita ser possível realizar atividades experimentais, mesmo quando não encontra tempo,

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65 devido ao grande número de turmas, percebe sua “situação-limite” de forma crítica e acredita

em superá-lá (ibidem).

A história da professora Édina borda suas lembranças de aluna da graduação e sua

experiência como professora e acredita que as atividades experimentais, quando

problematizadas, envolvem os alunos. Ela inicia sua história, apresentando uma cena de

quando era aluna da graduação: [...] alguns anos atrás, participei de uma aula na condição de

aluna, o professor fez uma experiência com uma balança artesanal de dois pratos, presa ao

teto da sala, e solicitou aos alunos que fizessem previsões sobre o que iria ocorrer ao

queimar diferentes tipos de materiais. Ela segue e conta que gostou tanto da atividade que

resolveu desenvolver com os alunos [...] houve grande envolvimento dos estudantes durante a

aula, que demonstraram ter gostado de como o tema fora abordado. Finaliza a história da

seguinte maneira:

Recentemente, deparei-me com uma situação em que deveria escrever sobre a experimentação no ensino de Química, foi então que percebi o quão significativa havia sido aquela experiência, e ainda o grande potencial da mesma, pois acredito que eu a havia utilizado sem uma reflexão mais detalhada, não percebendo todos os aspectos facilitadores da aprendizagem ali presentes (Agosto, 2009).

Nessa história, a professora apresenta três cenas: a aula experimental na graduação, a

aula experimental na sua sala de aula e a escrita sobre a experimentação. Os agentes

envolvidos nas mesmas foram: o professor da graduação, a professora e seus alunos e a

professora que reflete sobre ter decidido escrever a respeito daquela sala de aula onde a

experimentação foi feita. A professora, possivelmente, redige uma proposta na qual usa as

aprendizagens daquela sala de aula. Percebo que, nas cenas e atos narrados, o pano de fundo

da história era a atividade experimental vivenciada na graduação, que possibilitou narrar

outras cenas que favoreceram a aprendizagem da professora e dos seus alunos.

Na sala de aula da professora Édina, as atividades experimentais parecem estar

presente nas suas práticas pedagógicas. A aposta da professora nesse tipo de atividade deve-se

à sua formação no curso de Química Licenciatura, em que teve a oportunidade de

problematizar e dialogar sobre as atividades experimentais, compreendendo que “não basta

somente promovê-las em sala de aula, é necessário saber como e porque realizá-las”

(GONÇALVES, 2009, p.40).

Nas histórias da professora Ana e da professora Andréia, as atividades experimentais

são pouco realizadas. As razões para tanto são muitas: a falta de tempo, a inexistência de

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66 laboratório na escola, o número elevado de horas-aula e a dinâmica da escola. Já na história

da professora Édina, o contexto é outro: uma escola técnica e uma professora que acredita na

experimentação como forma de produzir conhecimento.

Para que esse Bordado da Formação possa ser discutido e repensado, torna-se

relevante que professores experientes do ensino básico estejam em processo de formação

permanente, nas Rodas de Formação, e que as atividades experimentais sejam

problematizadas e compreendidas como um processo dinâmico, permeado pelas ferramentas

culturais, entre elas o diálogo, a escrita e a leitura.

Nesse sentido, argumento no Bordado da Formação em destaque, que as atividades

experimentais, quando realizadas em parceria com os licenciandos, possibilita que as

professoras do ensino básico as desenvolvam, o que nem sempre é possível, devido a

diferentes fatores, como o de preparar, testar, carregar e limpar os materiais. Que tempo os

professores têm, quando precisam assumir duas turmas em um mesmo período e atuar em

duas ou mais escolas? Logo, é preciso promover os processos de formação permanente, pois

quando os professores estão nas Rodas de Formação, percebem que conseguem, que

encontram espaço para planejar as atividades experimentais de forma a desenvolver as

ferramentas culturais. Além disso, conversam a respeito da relação teoria e prática e narram

nas histórias as aulas experimentais que realizaram durante a formação.

4.5 – Ponto Cruz: os dilemas e os questionamentos das professoras

Em torno da mesa, redondo bastidor: a tela estendida, linhas de diversas

cores, nossas indagações, retomamos ao trabalho, aos fios. Pontos já bordados, espaços para preencher... O motivo delineado pode ser novo ou

não: o que se expressa na bordadura da sala de aula são nossas reflexões do “ser professora” no registro do seu trabalho.

Roseli Cação Fontana

O motivo delineado nesse Bordado da Formação são os dilemas e os questionamentos

narrados pelas cinco professoras experientes do ensino básico, as quais, nessa Roda de

Bordadeiras, entrelaçam as linhas e bordam na trama de sua sala de aula, a ação do ser

professor e suas reflexões. Decidem os pontos, as cores e preenchem os espaços vazios com

pontos que significam os saberes partilhados nas Rodas.

Começo esse Bordado da Formação com a história da professora Ana, na qual se

questiona a respeito do desgosto dos alunos com a disciplina de Química:

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Entrar em uma sala de aula para trabalhar com química, uma das disciplinas mais detestadas pelos alunos, não é tarefa fácil e se torna ainda mais difícil quando temos que competir com celulares, MP3 e muitos outros atrativos que os alunos utilizam como gênero de primeira necessidade. Onde está o segredo para motivar um aluno que trabalha o dia todo e chega à sala de aula para tirar um sono? O que fazer com aqueles que repetem inúmeras vezes o mesmo ano? Devemos pedir socorro ou nos odiar por ter escolhido esta profissão? Colegas compartilhem comigo sobre estes temas. Gostaria de saber qual seria seu ponto de vista sobre estas questões (Março, 2009).

A primeira história apresentada tem como cena do enredo a sala de aula de Química

do noturno, uma disciplina detestada pelos alunos, em que o professor compete com aparelhos

eletrônicos para chamar a atenção dos mesmos. Percebe-se como agente da narrativa a

professora Ana, cujo propósito na história é dialogar sobre os desafios que encontra na sala de

aula. O ato que caracteriza essa história são os questionamentos que a professora faz diante

dos desafios encontrados na sala de aula. Ela elabora essa história, apresentando a sala de aula

como um cenário pouco motivante para o professor, questionando a respeito de alguns

aspectos da sala de aula e chamando os colegas do PIBID a dialogar sobre seus dilemas. Nos

instrumentos de que se apropria para contar sua sala de aula, observa-se que ela não encontra

solução para as situações apresentadas no relato.

Na segunda história, a professora Ana borda a seguinte situação:

Neste trimestre trabalhei com meus alunos os temas aquecimento global e efeito estufa. Neste trabalho, eles deveriam responder sobre várias perguntas sobre estes temas, e entre elas questões políticas. Fiquei surpresa, quando percebi que o interesse maior dos alunos estava justamente na discussão das questões políticas. Confesso que eu não estava muito preparada para essas questões. Pedi socorro a um colega de geografia. Que sufoco! Mas são nessas situações que percebemos a importância da interdisciplinaridade e que nunca devemos "duvidar" do potencial dos alunos. Eu estava preparada para ensinar química e acabei aprendendo muito sobre política. Valeu a experiência (Maio, 2009).

Como cena, apresenta a sala de aula do primeiro trimestre do ano de 2009 e o

desenvolvimento de um trabalho solicitado aos alunos. Os agentes da história são a professora

surpresa com a atuação dos alunos frente à proposta de trabalho, os estudantes interessados e

a professora de Geografia. Teve como ato solicitar a ajuda da professora de Geografia diante

do interesse dos alunos sobre questões políticas. Quanto ao propósito, mostra uma aula

diferente em que a professora é surpreendida pelos alunos, por terem interesses no que ela não

sabia e, diante desse dilema, toma a decisão de pedir ajuda à professora de Geografia.

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68 Acredita que, com tal iniciativa, conseguiu desenvolver uma atividade interdisciplinar na

escola.

São dois distintos bordados de uma mesma ação docente, que configuram um motivo:

os dilemas e os questionamentos da professora Ana. Suas especificidades revelam-se nas

intensidades das cores e no movimento das linhas, que fazem os pontos mais apertados em

alguns momentos, nos quais a professora, diante das dificuldades, tem dúvidas relativas à

profissão escolhida e, em outros espaços, borda a sala de aula com a autonomia de encontrar

respostas para os dilemas surgidos.

A professora Édina apresenta nas duas histórias que narra seus dilemas com as turmas

do PROEJA. Em uma delas, borda suas “Inquietações”.

Mais um mês passou, e foi muito rápido, teve vários acontecimentos interessantes, e na dúvida sobre qual deles escolher para narrar, novamente acabei deixando para escrever a história no último dia. Escolhi a que está me inquietando mais, e o faço na esperança de que o grupo possa me ajudar. Quero compartilhar a dificuldade que estou tendo com uma das turmas do PROEJA, os alunos são muito participativos, mas parece que a comunicação entre nós não está sendo efetiva. Eles estão apresentando muita dificuldade em compreender os conceitos químicos e principalmente em realizar os cálculos; estamos falando de concentrações, diluições, densidade, etc. Percebendo o problema, trouxe, na aula passada, exemplos mais conhecidos, como o preparo de suco, mas quando achei que eles haviam compreendido, suas falas mostraram que ainda não está clara a diferença entre massa, volume e concentração. Hoje tentarei trabalhar estes conceitos a partir das bulas de medicamentos, talvez uma nova abordagem ajude. Este problema me fez refletir, que talvez esta situação não seja única desta turma, mas por eles serem tão interessados e comunicativos, estou conseguindo perceber (Setembro, 2009).

Percebo como cena da história as dificuldades dos alunos do PROEJA em relação aos

conceitos de Química e Matemática. Como ato, a professora narra as estratégias que procura

desenvolver na sala de aula para facilitar a compreensão dos conceitos. Ela narra, pedindo a

ajuda do grupo para o dilema que está encontrando com as turmas do PROEJA. Parece querer

mostrar que o problema reside na forma como está desenvolvendo as aulas; então, procura

outras formas de ensinar, mas não consegue que eles tenham o domínio dos conceitos

trabalhados. Os agentes da história são uma professora inquieta, que valoriza a aprendizagem

de conceitos de química, e alunos interessados e comunicativos, mas que não conseguem

alcançar a expectativa da professora, no que diz respeito às aulas que desenvolve.

A professora procura solução para o dilema bordado nessa história: a dificuldade de

aprendizagem dos conhecimentos científicos por parte dos alunos. Apresenta alguns pontos

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69 deste bordado, ao procurar planejar atividades que facilitem a compreensão dos conceitos,

mas não tem o retorno esperado. Segue na busca de outras cores de linhas para fazer do

motivo bordado uma sala de aula em que os alunos percebam o significado dos conceitos de

Química e problematizem a partir dos seus conhecimentos iniciais.

A participação dos alunos na sala de aula possibilitou à professora perceber o que eles

não tinham entendido, e se dar conta do valor do diálogo, da escuta atenta e do espaço de

confiança conquistado na sala de aula. Ela borda suas aprendizagens quando tece os pontos

através dos quais dialoga e escuta seus alunos. Nesse sentido, Moraes (2008, p.25) afirma que

“o professor quando atento ao que os alunos falam, compreende os limites de seus

conhecimentos e de seus modos de pensar e, assim, pode desafiá-los no sentido de ampliar

seus conhecimentos e capacidades, tornando-os mais complexos”.

Em uma outra história, narra também as dificuldades de compreensão observadas nos

alunos do PROEJA.

Estou trabalhando com uma turma do PROEJA, curso de Refrigeração e Ar Condicionado, que é de modo geral, bastante participativa e interessada, mas que apresenta grande dificuldade de compreensão dos conceitos de Química. Tenho conversado com uma das pedagogas do colégio, buscando auxílio, pois acho que não está havendo uma boa comunicação, que não estou me fazendo ser compreendida. Quando numa turma de quase 20 alunos, apenas um responde satisfatoriamente as questões propostas numa avaliação, e sei que os outros estudaram e tentaram responder, o que fazer? Sei que eles apresentam dificuldade também em outras disciplinas e ainda quando eles mesmos fazem uma pesquisa. Foi o que ocorreu num seminário sobre fluidos refrigerantes, conversamos um pouco em aula sobre o que são esses fluidos e sua importância para o curso deles, tem um dos alunos que já trabalha na área, e trouxe várias informações sobre aplicação e manuseio da amônia. Esse estudante ficou no grupo que deveria pesquisar os hidrocarbonetos, durante a apresentação ele relatou que foi importante fazer essa pesquisa, pois ele só conhecia a amônia, não sabia que havia outras alternativas. Mas uma outra integrante desse grupo, que apesar de ter demonstrado em sua fala que estudou e se preparou para a apresentação, fez o seguinte comentário: - Entre os hidrocarbonetos que são usados como refrigerantes, está o butano que é o mesmo usado nos botijões de cozinha. Vejam só, a gente bebe tanta coisa que nem sabe, eu nunca tinha imaginado que o mesmo gás do botijão era o que fazia as bolinhas no refrigerante. Deixei-a prosseguir, na esperança que alguém do grupo a corrigisse, como não ocorreu, expliquei no final que o gás presente no refrigerante não é o butano e que os refrigerantes que haviam sido pesquisados, não eram as bebidas e sim aqueles presentes nos sistemas de refrigeração doméstico, comercial e industrial (Novembro, 2009).

A cena nessa história é semelhante à anterior: as dificuldades de compreensão dos

conceitos de Química por parte dos alunos do PROEJA do curso de Refrigeração e Ar

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70 Condicionado, durante a apresentação em um seminário sobre fluidos refrigerantes. Os atores

envolvidos são uma professora inconformada com a dificuldade da turma, que busca auxílio

com a pedagoga da escola; um aluno que trabalha na área e que trouxe informações para o

grupo; uma aluna que demonstra ter estudado, mas que apresenta dificuldade de compreensão

do conceito e os demais alunos, também participativos e interessados na atividade. O ato

narrado é um dia de avaliação e outro de seminário na sala de aula do PROEJA. O propósito

da professora é narrar a confusão de uma aluna a respeito do gás butano, destacando a falta de

compreensão do conceito; o restante da turma não percebe a confusão da colega. A professora

diz não conseguir entender o que acontece, pois procura fazer pesquisas, mas, mesmo assim, a

turma não atende as expectativas dela, que parece querer dialogar com os alunos, procurando

problematizar seus conhecimentos iniciais.

Nesse bordado, a professora Édina também narra as dificuldades de compreensão dos

conceitos de Química pelos alunos do PROEJA. Borda um mesmo motivo, com outras cores

de linhas. Aqui procura desenvolver a pesquisa e trabalha com assuntos relacionados à

realidade do PROEJA. Ela borda pontos que deixam marcas da sua formação. Uma professora

que se constitui num curso de formação e que acredita na pesquisa na formação docente como

princípio formativo, com professores e alunos participantes, aprendendo a tomar decisões e

compreendendo o conhecimento da ciência como inacabado, precisando ser problematizado

(GALIAZZI, 2003).

Ao mesmo tempo em que borda seus dilemas com as turmas do PROEJA, também faz

desse motivo um bordado que aprende com cada ponto, que reflete nesse trabalho. Uma

professora que busca conhecer mais seus alunos, o que eles dizem e o que sabem sobre

determinado assunto, suas dúvidas e dificuldades e, por meio delas, procura aprofundar seus

saberes e compreensões sobre a Química.

A história da Professora Carla borda a seguinte situação:

Ao chegar na turma 201, cumprimentei os alunos. Enquanto falava os objetivos da aula, percebi que um dos alunos continuava conversando sem se importar muito com o que estava dizendo. Parei, e perguntei a ele o que pretendia em aula, na escola, respondeu-me que queria apenas o certificado de conclusão do Ensino Médio. Confesso que esta declaração me deixou em alerta pensando como fazer para que sua resposta seja, desculpe professora, vamos continuar com a aula, porque também quero aprender (Junho, 2009).

A cena dessa narrativa é uma professora iniciando sua aula na turma 201. Os agentes

são uma professora atenta, um aluno desatento e demais colegas. O ato narrado é esse aluno

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71 desatento, que não dá atenção à presença da professora em sala de aula e continua

conversando com seus colegas, pois seu objetivo ali é conseguir o certificado de conclusão do

ensino médio. A professora, ao presenciar a fala do aluno, fica pensando como despertar a

vontade dele de aprender. A história mostra que, em muitos casos, a escola está sendo vista,

exclusivamente, como lugar de certificação.

É preciso discutir, nas Rodas de Formação, conteúdos da formação, como o trazido

pela história da professora Carla, segundo o qual os alunos não se sentem pertencentes à

escola. Como promover a vontade de vivenciar a escola? De perceber-se presente na sala de

aula e dela participar? Cousin (2010, p.95) argumenta que:

A compreensão do lugar é fundamental para construção do sentimento de pertencimento, porque significa entender para além das suas condições naturais ou humanas o que acontece no espaço onde se vive. Muitas vezes as explicações podem estar fora, sendo necessários buscar motivos, tanto internos quanto externos, para compreender o que acontece em cada lugar, que fez com que perdesse sua autenticidade.

Com isso, percebo a importância de trabalhar, nas Rodas de Formação, o sentimento

de pertencimento à escola; para tanto, professores e licenciandos precisam conhecer o lugar, a

escola, a comunidade, as pessoas e, assim, desenvolver atividades pedagógicas que

possibilitem aos alunos sentirem-se pertencentes à escola e à comunidade em que vivem.

Na segunda história narrada pela professora Carla, borda o relato de outro dilema

vivenciado na sala de aula.

Em uma de minhas escolas, com frequência encontrava dois casais de namorados [...]. Tanto os meninos quanto as meninas, antes de se envolverem amorosamente apresentavam comportamento adequado e certo rendimento. Passaram então a não ir à aula e ficar namorando dentro da escola, sendo que duas vezes os encontrei em uma sala de aula fechados, namorando, levei-os à vice-direção e solicitei a presença dos responsáveis de cada aluno, porém nunca apareceram. A semana passada estava em aula e pareciam estar interessadas. Estava organizando o material para sair de aula, satisfeita pelo observado em relação aos namorados, quando uma boa aluna assídua, boas notas, diz: - Professora no ano que vem não vou mais estar aqui tendo aulas com a senhora. Perguntei, por quê? Ela respondeu: - Estou grávida. Ela só tem 14 anos! Fiquei surpresa! Cuidei tanto para que não acontecesse com os casais de namorado e foi acontecer com essa boa aluna. Que pena! (Outubro, 2009).

Como cena, narra o namoro na escola. Desse contexto, a professora procura chamar

atenção para as atitudes dos namorados na sala de aula e fica desapontada com a notícia da

gravidez de outra aluna. O propósito é narrar seu envolvimento afetivo com os alunos. Os

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72 agentes são uma professora que, se por um lado fica satisfeita em conseguir dialogar com seus

alunos e conseguir melhorar o trabalho em sala de aula, por outro fica desapontada ao saber

que uma “boa” aluna tenha aparecido grávida. Uma menina de quatorze anos e a professora

que não pode interferir.

As duas histórias apresentam cenas semelhantes: uma escola onde os alunos

vivenciam necessidades que precisam encontrar uma solução, como ter o certificado para

conseguir emprego e, na outra, a necessidade de se afastar dos estudos por ter ficado grávida

e, com isso, o compromisso de cuidar de um filho pequeno.

A professora Andréia narra uma história intitulada “O que diz o silêncio?” O

questionamento inicial já remete a várias interpretações do que pode ser bordado nessa

história de sala de aula. Percebo a intenção de envolver o outro na sua história, pois as

perguntas levam o outro a refletir sobre sua ação docente. Narra que:

Neste semestre após um período de afastamento, retorno às turmas que estão comigo, pois algumas estão com estagiárias. Os estudantes estão com muita expectativa, querem aprender, conversar. Participam das aulas, deixando-as mais atrativas. Também querem escrever no caderno. Participei de um seminário sobre alfabetização na EJA, no ano passado, que pesquisou sobre essa necessidade que esses estudantes possuem de copiarem do quadro para se sentirem mais seguros. Penso que também pode ser uma forma de aprenderem com a visualização do que é falado, pois para ouvir precisam estar muito atento ao que é dito e muitas vezes não há o silêncio necessário para que se possa ouvir. Falando em silêncio, será que nós, professores, fazemos o silêncio necessário para que haja uma reestruturação mental do que foi dito? O silêncio é uma palavra que me provocou muito no seminário de pesquisa que participei, pois ele também diz muitas coisas, temos que exercitar nossos outros sentidos e também trabalhar com os estudantes esses outros sentidos para nos conhecermos melhor e saber de que forma cada um aprende. Ouvi uma história de que os alunos fazem silêncio sempre que querem burlar alguma regra da escola, nas escolas que trabalho isso acontece. Será que o silêncio é repressão ou liberdade? (Setembro 2009 – grifo da autora)

A cena narrada é o retorno às aulas e as aprendizagens que a professora narra da sala

de aula da EJA. Os personagens são alunos participativos e uma professora reflexiva e

questionadora da sua sala de aula. Nessa história, a professora não apresenta um ato, e sim

dois. Narrar a expectativa dos alunos da EJA com o retorno às aulas, o interesse e a

participação. Depois, narra a respeito da importância de exercitar o silêncio na sala de aula. A

professora percebe que os alunos da EJA gostam que escreva no quadro para terem o registro

do que foi falado, devido à dificuldade de manter o silêncio para que se possa ouvir o outro.

Ela também reflete se nós, professores, fazemos silêncio para ouvir o outro. O propósito é

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73 narrar sobre um conteúdo atitudinal, que precisa estar presente na sala de aula e nos grupos de

formação permanente, como o silêncio e o respeito ao outro. A professora finaliza a história

com um questionamento acerca do silêncio, para o qual ela não encontra resposta, procurando

partilhar com o grupo a temática, este conteúdo atitudinal, que precisa ser problematizado nas

Rodas de Formação.

A história da professora Inês narra uma sala de aula diferente das apresentadas

anteriormente.

No ano passado (2008), quando substituí algumas vezes uma professora da 3ª série, tive problemas de disciplina com um aluno. Ele era bagunceiro, falava palavrões, batia nos colegas... Enfim eu me perguntava o que aquele menino estava fazendo ali. Tive vontade de tirar ele da sala de aula no tapa, mas é claro que como “boa professora” tive um exercício de paciência e encaminhei o menino para a secretaria para conversar com a orientadora. Ao retornar a sala de aula pedi a ele que fizesse as tarefas, mas ele no início até colaborou, mas depois voltou ao “seu normal”. No término do turno fui conversar com as colegas sobre este menino e fiquei sabendo um pouco de sua história de vida. Ele tinha uma vida bem difícil. Acho importante levar sempre em consideração as histórias de vida dos alunos e saber como lidar com estas situações e, acima de tudo, me certificar que a instituição escola não é a responsável por tudo e nem sempre se tem varinha mágica para resolver algumas situações. Mas isto é outra história (Abril, 2009).

A professora narra uma cena diferente: uma sala de aula dos anos iniciais, 3ª série. O

ato é representado por sua ação como professora substituta na escola e o desafio de lidar com

as atitudes de um aluno indisciplinado. Os agentes na história são uma professora substituta

que busca resolver o problema e pede ajuda à orientadora educacional da escola e um aluno

bagunceiro. Como propósito, quer narrar a importância de se conhecer os alunos para

aprender a lidar com a situação enfrentada. Ela fica mais aliviada ao perceber que nem todos

os problemas são da escola ou por ela resolvidos e, assim, procura retirar a responsabilidade

do professor de ter soluções para os mais diferentes e complexos problemas que surgem,

sejam familiares ou escolares.

Os dilemas bordados pelas professoras envolvem a resolução de questões que não

sabem resolver, mas para as quais tomam a iniciativa de buscar uma solução, como a

professora que, diante da dificuldade de compreensão dos conteúdos por parte dos alunos,

procura conversar e pedir ajuda à pedagoga da escola. Elas narram o dilema de vivenciar a

dificuldade de fazer com que os alunos compreendam os conteúdos de Química e também o

dilema de uma escola onde os alunos precisam deixar os estudos ou a frequentam apenas para

terem o certificado.

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Esse bordado também apresenta a professora que percebe a importância do silêncio na

sala de aula para que se aprenda a ouvir o outro e a que vivencia a experiência de ser

professora substituta nos anos iniciais e percebe a importância de conhecer as histórias de

vida dos alunos, procurando retirar da escola a responsabilidade de envolver-se com os

problemas pessoais dos alunos.

Os dois diferentes dilemas significam, para o professor, um narrar-se e ter a

oportunidade de partilhar histórias que se assemelham com outras salas de aula; assim,

procuram aprender com o outro: com os alunos, os licenciandos e com os outros professores.

Por isso, a importância de as histórias serem lidas, respondidas, reescritas e conversadas.

Contribuindo com essa idéia, Nóvoa (2009, p. 41) aponta que:

Não há respostas feitas para o conjunto de dilemas que os professores são chamados a resolver numa escola marcada pela diferença cultural e pelo conflito de valores. Por isso, é tão importante assumir uma ética profissional que se constrói no diálogo com os outros colegas. É urgente reforçar as comunidades de prática, isto é, um espaço conceptual construído por grupos de educadores comprometidos. Através das comunidades de prática, reforça-se um sentimento de pertença e de identidade profissional que é essencial para que os professores se apropriem dos processos de mudança e os transformem em práticas concretas de intervenção. É esta reflexão colectiva que dá sentido ao desenvolvimento profissional dos professores.

A carga horária de trabalho do professor no ensino básico não possibilita que a escola

proponha comunidades de práticas (NÓVOA, 2009), Rodas de Formação (SOUZA, 2010),

momentos de conversas sobre sua prática docente, dilemas, dificuldades e questionamentos

com que se depara nas diferentes salas de aula onde atua durante sua ação docente.

Corroborando com tal idéia, Freitas (2010), em sua dissertação, defende as comunidades

aprendentes, a partir da análise de um grupo de formação continuada de professores, o

MIRAR. A autora argumenta que a “comunidade aprendente é aquela que aprende a ser

comunidade enquanto aprende a fazer o que faz. Isso porque, uma comunidade aprendente

está sempre aprendendo a ser comunidade” (FREITAS, 2010, p.86).

Torna-se importante conquistar esses espaços de formação nas escolas, nas

universidades e que, na continuidade do processo, possam participar professores em exercício

e aqueles em formação inicial, aprendendo e partilhando saberes da docência. Acredito que os

espaços de formação são potencializados quando mediados pela escrita, que pode ser

narrativa, pois, quando narram sua sala de aula, os professores estão construindo o sentido de

pertencer ao espaço escolar, valorizando-se enquanto profissionais da educação. Dessa forma,

Suárez (2008, p. 114) sustenta que os professores,

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[...] quando conseguem se posicionar como “antropólogos” de sua própria prática, quando conseguem distanciar-se dela para torná-la objeto de pensamento e podem documentar alguns dos seus aspectos e dimensões “não documentados” percebem o que sabem e o que não conhecem ou não sabem nomear.

Defendo, no Bordado da Formação citado, o argumento de que é preciso constituir

espaços de formação continuada em que professores experientes do ensino básico estejam nas

Rodas, partilhando dilemas e questionamentos com a formação inicial e com os professores

da universidade e, nesse coletivo, possam refletir, aprender, reaprender e ressignificar sua

prática docente. Logo, é preciso que as histórias narradas retornem para a Roda, a fim de que

sejam lidas, conversadas, interpretadas e reescritas. O exercício da escrita narrativa torna-se

um trabalho colaborativo e prazeroso, no qual os docentes partilham suas histórias e percebem

o que pode ser melhorado e detalhado em cada narrativa.

4.6 – Ponto Cruz Duplo: bordando a si mesmo em um outro professor

Os espaços e os fios podem ser os mesmos, até os pontos e o jeito de pegar a

agulha, o porquê do bordado faz a diferença... Roseli Cação Fontana

Os pontos que configuram o motivo desse Bordado da Formação é a sala de aula

narrada na ação de outro professor, mostrando a criatividade de duas professoras ao bordar e

criar os traços de um motivo que expressa uma sala de aula, na qual as cenas, os atos e os

agentes puderam ser inventados ou não. Tais bordados permitem embelezar ainda mais o

processo de formação continuada, a Roda de Formação, com a ousadia de narrar a si mesma

em um outro professor e bordar essas histórias com outras linhas e cores.

Inicio com o bordado da professora Carmem, que tece os seguintes pontos:

Uma aluna por motivo de doença faltou à primeira semana de aula. Ao chegar à segunda semana, ela se sentiu um pouco perdida e não conhecia os novos professores. Deparou-se com uma professora que nunca havia visto, caminhando pela sala e olhando caderno por caderno. Quando ela chegou perto da aluna, a mesma tentou questionar o que ela queria ver, mas a professora, com voz alta, rude e grosseira foi logo dizendo que não suportava alunos sem responsabilidade, incompetentes e descarados. A aluna ainda quis explicar a sua situação, mas a professora balançou os cabelos e virou de costas, dando continuidade à verificação dos demais cadernos. Mais tarde, com um nó na garganta, a estudante ficou sabendo que a turma

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deveria apresentar um trabalho na próxima aula, que valeria a metade da nota do bimestre. A princípio a estudante ficou muito nervosa, mas logo se encaixou num grupo que reunia muitos colegas já conhecidos, no mesmo momento ela demonstrou interesse pelo assunto. No dia da apresentação, a professora chamou todos os grupos para apresentarem-se, deixando o da aluna que considerava irresponsável por último. Algo muito bom tomou conta da aluna, diferentemente dos colegas ela foi para frente e com um domínio do assunto, escreveu no quadro, explicou, questionou e debateu com os colegas. A professora sentou-se no grande grupo e ficou olhando por cima dos óculos. A estudante parou de falar apenas quando o sinal tocou. Toda turma levantou e aplaudiu. E a professora dirigiu-se a ela e lhe deu um forte abraço e sorrindo disse que em tantos anos de magistério, nunca tinha visto uma apresentação tão incrível (Junho, 2009).

Os personagens da história relatada são uma professora rude e uma aluna considerada

irresponsável por ter faltado às primeiras aulas. A cena é uma sala de aula no início do ano

letivo. O ato narrado foi uma aluna que falta a primeira semana de aula e, quando retorna,

depara-se com uma professora rude e extremamente exigente em relação à presença dos

alunos nas suas aulas; mas, ao apresentar uma atividade, encanta os olhos da professora, que

reconhece a dedicação e a determinação da aluna. O propósito é mostrar a necessidade de se

exercer a afetividade e a escuta na sala de aula e possibilitar que seus alunos expressem o que

sabem e o que não sabem. A professora borda, como propósito, pontos que possibilitam a nós,

professores, percebermos que nem sempre temos razão nas interpretações sobre os alunos.

Nesse bordado, a professora Carmem vivencia a experiência de ser uma narradora que

se coloca dentro de um personagem, uma aluna. Borda pontos que possibilitam ao leitor pôr-

se também dentro de um personagem. Entre os pontos e as linhas que escolhe, expressa nessa

história a inventividade do narrador, despertando a curiosidade de quem a lê. Segundo Bruner

(2001, p. 134), o contador de histórias inovador parte de cânones narrativos convencionais e

faz com que vejamos algo que não havíamos “percebido” antes. Então, por meio da

linguagem e da invenção, a narrativa busca cativar o leitor, fazendo com que o corriqueiro

pareça estranho novamente. A inventividade narrativa permite ao professor narrar o que

parece ser “comum” na sala de aula, porém com outro olhar, o de quem aprende, estranha-se e

conversa com o motivo que inventa.

Percebo que a professora Carmem gosta de criar outras maneiras de narrar sua sala de

aula: nessa outra história, ela configura-se numa narradora que dialoga com o leitor, como se

ambos estivessem assistindo à narrativa apenas como observadores, sem entrar no enredo.

Tendo por base o que ocorreu na sala de aula no ano de 2005, onde uma aluna com paralisia cerebral frequentava o segundo ano do ensino médio noturno, acompanhada por sua mãe que executava as tarefas para ela,

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inclusive provas. Acredito que este caso não pode ser considerado inclusão. Não havia entre a professora e a aluna interação, pois as mesmas não estavam preparadas. A aluna não se comunicava com a professora nem com os colegas; a professora não entendia a forma de expressão da aluna. Desta maneira, a condição de igualdade acabava não existindo. Avaliando a situação percebo que, para haver uma real inclusão, deva ocorrer, inicialmente, uma preparação deste profissional que irá receber o educando, seja qual for a sua limitação: visual, auditiva ou tantas outras que poderemos encontrar em nossos bancos escolares. Esta preparação está intimamente ligada a capacitações, cursos e, principalmente, recursos didáticos específicos para as áreas das Ciências Exatas eis que a maioria dos cursos não oferece alternativas para os profissionais (Outubro, 2009).

Nessa história, a cena é uma sala de aula de Química no ano 2005. Narra como ato

uma professora que vivencia o fato de ter uma aluna com necessidades educacionais especiais

e sua mãe, que acompanha as aulas e a auxilia nas atividades escolares. Os atores são uma

professora insegura, uma aluna e sua mãe. O propósito é narrar uma realidade encontrada nas

diferentes salas de aula e a posição do professor que se sente inseguro, sem recursos didáticos

e sem a formação que possa problematizar e criar maneiras de romper com tal barreira,

conseguindo desenvolver atividades que propiciem o envolvimento e a inclusão de alunos.

A história em pauta aborda um tema que precisa e deve ser trabalhado na formação de

professores: a inclusão. Mas o desafio é: como trabalhar? Temos alguns trabalhos sendo

desenvolvidos no ensino de Química, como é o caso do projeto “Desenvolvimento de

Estratégias para o Ensino de Química a Alunos com Deficiência Visual”, promovido na

Universidade de Brasília (RAPOSO, MÓL, 2010). Nele, o grupo desenvolve estratégias para

envolver o ensino da Química em seus três níveis de abordagem: o macroscópico, o

microscópico e o representacional. Consideram os três níveis importantes para o ensino e a

aprendizagem de conceitos científicos, sendo o desafio no desenvolvimento em nível

macroscópico e representacional, como são as atividades experimentais, em que é comum

observar precipitados, mudanças de cor, liberação de gás. Assim, contornaram a dificuldade

desenvolvendo atividades com o uso de braile, modelos, maquetes, gráficos, relevos e

experimentos que exploravam o tato, a audição, o olfato e a gustação (ibidem, 2010). Acredito

que a experiência relatada pelo grupo torna-se um material didático interessante para ser

discutido no PIBID-Química, possibilitando que a Roda promova estratégias de formação a

partir das histórias e das experiências narradas, como foi a história da professora Carmem.

A professora Inês também narra uma história em que ela é uma narradora que dialoga

com o leitor, porém sem participar do enredo.

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Era uma vez uma linda menina que adorava a disciplina de ciências. Sempre muito dedicada e participativa chegava em casa contando aos pais o quanto eram interessantes suas aulas de ciências e como gostava de sua professora Flávia. Ela era legal. O ano letivo terminou e a menina mudou de série e com isso mudou também a professora. O ano foi passando e os pais começaram a perceber que a filha que adorava ciências passou a detestá-la, e dizia assim:. – Que aula bem chata. “Aquela Mulher” (professora), sempre faz a mesma coisa. Passa matéria, exercícios e corrige. Que saudade da professora Flávia, ela é que era legal, fazia nós gostarmos de Ciências e respeitava o que pensávamos sem ficar julgando. Assim pergunto: A figura do professor faz ou não o aluno gostar da matéria?

Os personagens da narrativa são a professora Flávia, que respeitava e não julgava os

alunos, a professora denominada de “Aquela Mulher”, pelas aulas repetitivas e cansativas,

aluna que gostava de Ciências e seus pais. Como cena, narra a sala de aula de Ciências e o

papel do professor no processo de ensino aprendizagem. O ato é o envolvimento de uma aluna

com as aulas de Ciências, desmotivada pela troca de professora de um ano para o outro. Como

propósito, faz um questionamento ao leitor (grupo de formação), procurando debater acerca

da atuação do professor de Ciências na sala de aula.

Esse Bordado da Formação se diferencia dos anteriores, nos quais as professoras são

narradoras da sua própria sala de aula; narram, portanto, em primeira pessoa, o que sentem e o

que querem partilhar com o grupo. Aqui, o motivo bordado é outro: um espaço em que o

professor coloca-se dentro de outro personagem e narra os anseios de como lidar com a falta

de alunos, de aprender a escutar o outro, a insegurança de atuar na docência, de ser um bom

professor e os conflitos da sala de aula. Também pode ser um narrador que dialoga com o

leitor, relatando fatos que precisam ser problematizados na formação, como a inclusão nas

aulas de Ciências.

Compreendo que a escrita narrativa tem a propriedade da liberdade de expressão e da

inventividade no modo como narrar fatos significativos da sala de aula. Nesse sentido, o

argumento que defendo no bordado em foco é que só se inicia a escrever uma história,

escrevendo-a e só se aprende a ser um narrador num processo formativo, ou seja, nas Rodas

de Formação, em que um lê a narrativa do outro e, assim, ressignifica e transforma sua sala de

aula.

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4.7 – Ponto entrelaçado: a sala de aula bordada nas ações de planejar e avaliar

Com este Bordado da Formação, a Roda de Bordadeiras está completa: as seis

professoras estão presentes com suas histórias, que compõem seus bordados. Bordam pontos

do planejamento e também pontos que representam dilemas e desafios que vivenciam com a

avaliação na sala de aula. Diante do exposto, questiono-me: que planejamento é apresentado

nas histórias? Que características estão presentes no ato de planejar? As aulas narradas são

planejadas ou não? Há clareza na proposta pedagógica na sala de aula? Como avaliar? Tais

questionamentos surgem e possibilitam problematizar a sala de aula narrada nas histórias que

cada professora borda, a respeito de sua ação de planejar e a de avaliar.

Inicio com o bordado da professora Ana, cujo título é “Dificuldades na escrita”.

Nesse trimestre estou desenvolvendo com meus alunos, do primeiro ano do noturno, trabalhos que exigem o exercício da escrita. O foco desse trabalho está na leitura de textos sobre diversos assuntos relacionados com Química que podem ser retirados do livro didático, de revistas, jornais, internet, e posteriormente uma escrita sobre o tema escolhido. A primeira etapa do trabalho foi realizada com muito interesse. Fomos para a biblioteca da escola e lá eles tiveram total liberdade para trabalhar. O interessante é que eles tiveram a oportunidade de ter contato com recursos que não haviam utilizado ainda em sala de aula, e que a escola dispõe. A segunda etapa seria a escolha e leitura individual do tema. Nesse momento eles demonstraram muita concentração na atividade proposta, por um milagre não escutei nenhuma conversa. Após a leitura cada aluno relatou para os demais o assunto que havia escolhido e o que mais chamou atenção sobre o que leu. Todos participaram comentando e contribuindo com seus conhecimentos sobre os assuntos. Nesse momento questionei se eles haviam gostado do trabalho realizado. Todos responderam que sim e que gostariam de realizar mais trabalhos com essa metodologia. Então, sugeri para o encerramento da atividade um exercício de escrita sobre o tema que cada aluno havia escolhido. Recebi um balde de água fria. Ninguém estava disposto a realizar essa etapa do trabalho. Confesso que não estava esperando essa reação dos alunos. Por um momento pensei que toda a atividade estaria perdida, pois contava com a escrita para a conclusão do mesmo. Percebi a grande dificuldade que eles possuem em passar tudo aquilo que foi comentado durante a aula para o papel. Conversei com a professora de Português e tivemos a idéia de trabalhar a conclusão desse trabalho em conjunto, pois ela também enfrenta essa problemática em suas aulas. Com essa atividade realizada em aula tive a oportunidade de perceber que todos possuem limitações e que essas devem ser trabalhadas com o objetivo de serem superadas. Dessa forma, estou apostando no trabalho conjunto que irei realizar com a professora de Português e espero estar oferecendo aos meus alunos subsídios para a superação desse obstáculo (Outubro, 2009).

A cena da história apresentada ocorre na biblioteca da escola, com alunos do primeiro

ano do ensino médio noturno. Como ato, a professora narra um trabalho onde desenvolve a

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80 pesquisa, a leitura e para finalizar propõe a escrita, mas percebe a dificuldade da turma. O

propósito é narrar o envolvimento dos alunos com a escolha do tema e com a leitura e, ao

mesmo tempo, narrar a dificuldade na escrita. A professora parece igualmente encontrar

dificuldade na sua ação de mediadora, no momento da proposição da escrita; assim, busca

auxílio de outra professora. Isso mostra a importância de as histórias retornarem para a Roda,

a fim de que os dilemas sejam trazidos e discutidos. Com isso, possibilita que o professor se

assuma em Roda e aprenda a lidar com seus desafios, problematizando-os nesse espaço de

formação, como maneira de compreender e resolver os problemas da sala de aula.

O planejamento da professora na atividade em questão aproxima-se da ideia dos

Projetos de Aprendizagens, que se constituem de investigações surgidas do desejo dos alunos

e realizadas no coletivo de investigação. Os projetos são realizados a partir de questões e

vivências dos estudantes (LAURINO et al, 2008).

Ao mesmo tempo em que problematizo a sala de aula da professora Ana, também

percebo o processo de formação acontecendo, pois ela procura desenvolver atividades

diferenciadas: leva os alunos para biblioteca, dialoga com outro professor na escola, percebe

as dificuldades da turma e busca solucioná-las.

A professora Ana borda outra história, na qual propõe também desenvolver uma

atividade na biblioteca; sua narrativa intitula-se “Queremos aulas diferentes”.

Certo dia, ao entrar em uma turma de primeiro ano noturno, os alunos estavam todos sentados me aguardando. Fiz a chamada, conversei um pouco e levantei para começar a aula. Naquele dia, eu iria trabalhar com a tabela periódica, principalmente a sua utilização. Quando eu ia começar a aula, uma aluna um pouco tímida me disse que estava muito cansada e que queria uma aula diferente, pois a semana tinha sido muito puxada, muitas provas e trabalhos. Perguntei se o resto da turma concordava com a colega, a maioria disse que sim. Então questionei o que seria uma aula diferente. Todos ficaram calados. Questionei a respeito da atividade que iríamos desenvolver. Continuaram calados. Então, eu sugeri que todos nós fossemos para a biblioteca da escola e lá juntos decidiríamos qual seria nossa proposta de trabalho. Começamos a mexer nas estantes de revistas, cada aluno pegou um bolinho e sentou para olhar. Percebi que eles estavam interessados nos artigos sobre transgênicos, agricultura orgânica, anorexia, dietas, cosméticos, poluição. Entre outros. Foi aí, que juntos decidimos que a atividade seria ler um artigo sobre algum tema relacionado com a química, escrever uma história, passar para um colega ler e depois fazer uma conclusão. A proposta foi muito bem aceita. Pensei que na hora de participar no grande grupo expondo suas opiniões, que eles iriam ficar envergonhados. Mas não, todos fizeram questão de participar. O trabalho foi bem dinâmico, envolveu toda a turma. Foi ótimo. Este acontecimento me fez pensar como é fácil querer mudanças e como é difícil participar delas. O que acham sobre isso? (Novembro, 2009).

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A história narrada tem como cena a biblioteca da escola. Os agentes são uma aluna

tímida, seus colegas do primeiro ano do ensino médio e a professora. O ato que se apresenta é

o desejo de uma aluna de ter uma aula diferente e a decisão da professora de realizar a

atividade na biblioteca. O propósito é narrar o inesperado, pois a professora tem uma aula

planejada sobre tabela periódica e precisa tomar uma decisão com a turma, que pede uma aula

diferente. A partir do diálogo com a turma, a professora desenvolveu uma atividade em que os

alunos ficaram interessados, exercitaram a escrita, a leitura e a oralidade. Ela termina a

narrativa, fazendo uma reflexão a respeito de como é fácil querer o diferente e, ao mesmo

tempo, a dificuldade de participar dessas mudanças; a professora parece querer partilhar tais

imprevistos da sala de aula com o grupo, parece insegura com a ideia de ter que mudar o que

já foi planejado.

Nos dois bordados da professora Ana, há uma iniciativa de desenvolver atividades na

biblioteca da escola, o que caracteriza o motivo bordado; o planejamento da professora, na

primeira história, mostra uma aula em que propõe a atividade e, na segunda, os alunos

solicitam uma aula diferente; como já havia realizado uma ida à biblioteca com outra turma,

propõe tal atividade como maneira de diferenciar a aula. As tonalidades das cores das linhas

se aproximam nos dois bordados. A professora Ana poderia ter expressado mais detalhes nos

bordados que representam o seu planejamento. Nos dois, existe uma sala de aula que quer ser

narrada, em que a professora se desafia a desenvolver a leitura e a escrita nas aulas de

Química, mas que precisa ser problematizada, possibilitando pensar como desenvolver

propostas nas quais alunos e professores participem e percebam-se no processo como

produtores de conhecimento.

A professora Édina, no seu bordado, questiona-se: “O que ensinar?”

Esta história tem como base o texto que está sendo construído para participação no IX Encontro sobre Investigação na Escola, e refere-se a uma experiência que está ocorrendo na turma do Módulo III de Química do curso Técnico de Refrigeração e Ar Condicionado – Modalidade PROEJA. As aulas são ministradas por uma estagiária e por mim. Logo no início do ano, percebemos que os educandos demonstravam uma expectativa com relação às aulas de Química, de que elas deveriam ser expositivas e recheadas de conteúdos conceituais. Nas primeiras aulas, procurou-se atender esta ansiedade dos alunos por conceitos, porém observamos que não estávamos obtendo muito resultado. Os alunos chegavam atrasados, em parte pelo fato de muitos trabalharem e das nossas aulas serem as primeiras da noite. Sentindo-nos desafiadas, propomos uma abordagem diferente na tentativa de aumentar o interesse deles e nosso pelas aulas. Como primeira

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etapa, procuramos identificar qual foco do conteúdo conceitual que estava sendo trabalhado (metais, números de oxidação, potenciais padrão de redução) poderia interessar mais aos alunos. Nossa experiência pessoal tem demonstrado que temas relacionado à saúde chamam bastante a atenção de alunos do PROEJA, e por isso fizemos uma aposta na abordagem do tema através de textos sobre características dos metais, doenças causadas pela carência ou excesso dos mesmos no organismo humano, fontes do metal, formas de contaminação, etc. Na busca por este foco, surgiu em nós o questionamento do porquê estes conteúdos estavam sendo trabalhados. Propomos aos alunos a leitura de um texto, cada aluno ficou encarregado do estudo de um metal dentre alguns sugeridos; responder algumas perguntas gerais e elaborar outras que surgissem da leitura; realizar pesquisa para responder as perguntas elaboradas por eles próprios e as gerais que não conseguissem com o texto inicial; preparar e apresentar um seminário. Ao entregarmos os textos, percebemos que os alunos gostaram, ficaram muito interessados em pesquisar algumas questões e fizeram várias perguntas que deixamos que eles buscassem as respostas. Na aula seguinte, alguns alunos estavam com o seminário organizado, faltando apenas a digitação. Analisamos este retorno como positivo, pois acreditamos que exigiu um pouco mais de dedicação do que os exercícios que estavam sendo propostos inicialmente, mas desta vez houve envolvimento por parte dos alunos. O trabalho ainda está em andamento, mas já está claro que precisamos estar sempre alertas com relação às nossas práticas, sobre o que pretendemos ensinar e porque este e não outro conteúdo. Se realmente julgamos importante para a formação do aluno; se apenas gostamos do assunto ou estamos agindo de forma submissa às sequências apresentadas nos livros (Abril, 2009).

Nessa história, a cena é uma sala de aula do noturno de um curso técnico na

modalidade do PROEJA. O ato narrado pela professora assemelha-se ao da professora Ana,

mas aqui se refere a um trabalho em parceria com a licencianda, em uma sala de aula na qual

se precisa mudar o planejamento, pois os alunos não estão acompanhando o andamento dos

conteúdos, chegam atrasados devido ao trabalho e apresentam muitas dificuldades com os

conceitos de Química. A professora e a licencianda sentiram-se desafiadas e, a partir daí,

realizaram um trabalho em que os alunos pesquisaram, questionaram e foram em busca das

respostas para, no final, apresentarem um seminário. Como propósito, a professora quer narrar

o trabalho com a licencianda, o qual possibilitou refletir sobre os conteúdos que estavam

sendo ensinados, o que as levou a planejarem atividades para as quais os alunos se dedicaram

e se interessaram. Deseja narrar a importância do processo de formação permanente, que

possibilitou a escrita de um relato de experiência para ser enviado ao IX Encontro sobre

Investigação na Escola, evento que tem como propósito o relato de experiências da sala de

aula. Os agentes da história são uma professora, uma licencianda, ambas reflexivas e

desafiadas, e os alunos do PROEJA.

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Na história analisada, a professora borda aspectos que precisam ser ressaltados,

referentes ao processo de formação permanente, como a escrita de relatos de experiências

para os Encontros sobre Investigação na Escola, sendo uma das atividades promovidas no

projeto institucional do PIBID-FURG. Nas Rodas do PIBID-Química, realizamos a escrita

dos relatos de experiência em grupo (professor experiente e licenciando) ou individual e, num

segundo momento, fizemos uma Roda de Leitura crítica do trabalho do outro. As

contribuições, advindas do olhar crítico do outro, possibilitam a quem escreve repensar,

refletir e reescrever seu relato. “É um momento em que se “fixa” textualmente a experiência,

e ela começa a alcançar seu grau de objetividade, até chegar o momento de ser publicizada”

(SUÁREZ, 2008, p.118). Percebo que o trabalho de leitura crítica precisa ser intensificado nas

Rodas, possibilitando que as histórias de sala de aula retornem à Roda e sejam lidas, reescritas

em diferentes versões e que se tornem um relato de experiência a ser publicado nos Encontros

sobre Investigação na Escola.

A professora Carmem borda na sua história “A Química no cotidiano escolar”, os

seguintes pontos:

Para terminar o conteúdo programado para o ano passado, organizei um seminário, em sala de aula, para que fosse apresentado pelas alunas do curso Normal. Trabalhei com textos como embasamento, tais como: a escassez da água potável no futuro; a agricultura e o efeito estufa; álcool: excelente no tanque do carro e na limpeza; alimentação inadequada; cuidados com as dietas. E muitos outros assuntos, alguns retirados do livro didático. Os trabalhos em geral foram bem elaborados, elas procuraram sempre que possível, lançar mão de exemplos concretos, fizeram observações e até mesmo ilustrações de diversos itens presentes no cotidiano. Pude ao final do seminário não me limitar em apenas relatar fatos, mas sim tornar mais fácil, eficiente e agradável o aprendizado de Química, pois tentei fazer com que as alunas sentissem os reflexos das mais diversas maneiras que a Química interfere em nossa vida diária. Assim, torna-se notável que quando se fala em sala de aula sobre coisas que o aluno vive no dia a dia, o interesse e a disposição para trabalhar é maior e melhor (Maio, 2009).

A cena dessa narrativa é uma sala de aula de Química do curso de Magistério. Os

agentes participantes do enredo são uma professora e as alunas dispostas e interessadas na

atividade. Na referida história, a professora narra como ato um seminário que possibilitou

finalizar o conteúdo programático da disciplina de Química; nele, são propostos diferentes

temas, alguns retirados do livro didático. Como propósito, narra uma atividade planejada para

terminar o conteúdo do ano e mostra que utiliza o livro didático no sentido de explorar as

temáticas para o seminário. A professora quer narrar o envolvimento das alunas, que

participaram e perceberam a relevância da disciplina de Química no contexto do curso de

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84 Magistério. Do seu bordado, destaco o uso do livro didático pela professora, como um

material didático que pode ser pesquisado e investigado pelos alunos.

A professora Andréia, no mesmo Bordado da Formação, borda a seguinte história:

Em uma turma de Ensino Médio da EJA, estávamos falando sobre misturas e aí gerou uma discussão sobre a pureza da água que bebemos, então questionei sobre a origem desta água, muitos não sabiam e aí alguém falou e então começamos a falar sobre o percurso da água até chegar a Rio Grande e as nossas casas. Então resolvi comentar que comecei a beber água tratada sempre depois de tantas vezes trabalhar este assunto com os alunos de 5ª série de outra escola, e que a água mineral nem sempre era tão confiável assim, apesar de ter fiscalização. Falando sobre água mineral, comentei que nesse tipo de água havia uma concentração relativamente alta de cloreto de sódio e que talvez esse tipo de água não fosse muito recomendável para pessoas que sofrem de hipertensão e então uma aluna falou: Por que os médicos não nos alertam sobre isso? Aí eu pensei e respondi que talvez não causasse tanto mal assim ou também não tinham parado para pensar sobre isso, entrar em outra área assim me deixou muito receosa. Então pedi para que todos e inclusive eu procurássemos alguma legislação sobre a concentração desse sal permitida. Alguns alunos encontraram alguma coisa e nós também então comparamos com as concentrações dos rótulos e estavam de acordo com o permitido, nisso foram surgindo outras dúvidas e então solicitei que escrevessem num papel e me entregassem, digitei todas as questões e procuramos as respostas durante duas semanas, algumas entre eles mesmos e outras nos livros e internet. Pareceu que o fato de eu pesquisar junto e ficar encantada com as respostas encontradas deixou esses alunos muito satisfeitos. Fiquei muito satisfeita também com essa aula, mas receosa de entrar em detalhes e falei para eles que havia especialistas que trabalhavam em pesquisas sobre esse assunto. Sei que a partir dessa aula a turma sempre estava cheia e com muito interesse, também me estimularam muito a continuar a estudar, até hoje, os alunos que restaram dessa turma tem uma vontade de aprender e sabem que o professor pode não saber, mas se mostrar vontade de procurar, já é um passo bem dado, penso eu (Abril, 2009).

A cena da história mencionada é uma sala de aula da EJA, em que a atividade narrada

pela professora promoveu a discussão com os alunos sobre a temática água. Os agentes dessa

narrativa são uma professora questionadora e alunos satisfeitos com a atividade realizada.

Como ato, a professora narra uma atividade em que promoveu a discussão, a pesquisa e a

escrita das dúvidas dos alunos e, logo em seguida, a busca das respostas pela turma e pela

professora, na internet e nos livros didáticos. O propósito da professora com a narrativa é

apresentar uma sala de aula em que ela questiona a turma e conta seus saberes, o que

possibilitou o envolvimento dos alunos. Pretende narrar também que pesquisou e participou

com os alunos das atividades, o que acredita ter proporcionado uma satisfação para eles, já

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85 que, a partir disso, estão mais interessados. Termina narrando o estímulo para continuar

estudando e propondo atividades em que ela, em parceria com os alunos, aprendam juntos.

Dos bordados apresentados pelas três professoras até o momento, está presente uma

semelhança nas cores que constituem o motivo; elas planejam atividades em que a escrita, a

pesquisa e a leitura integram as aulas de Química. Na busca por escutar seus alunos,

desenvolveram atividades em grupo, propiciando que a autonomia fosse se construindo na

sala de aula. Quando bordam seu planejamento, nele refletem o processo de formação em que

estão inseridas. Os professores formadores envolvidos nessa Roda acreditam que:

O aprender e ensinar precisa ser construído no coletivo, por meio da pergunta, pois não basta saber o que se conhece. É necessário também que o sujeito tenha consciência do que não sabe. Na medida em que percebe que não conhece, e tem a vontade de conhecer, o caminho está aberto para busca desse conhecimento. Também é função do questionamento por parte do professor o desafio a provocação aos alunos no processo de discussão e de construção de conhecimento (MORAES; GALIAZZI; RAMOS, 2004, p. 98).

O desafio é posto quando propõem uma aula em que precisam ser desenvolvidas a

escrita, a pesquisa e a leitura; é essencial conhecer o aluno, escutá-lo, explorar os

conhecimentos iniciais e encaminhá-los para os científicos, que têm de ser ensinados; assim, é

preciso cuidado e atenção no que ensinar, para não cair no esvaziamento do conteúdo

conceitual de Química. Segundo Veiga (2008), o planejamento e a organização da aula

envolvem uma série de indagações, que dão origem aos elementos estruturantes. Nesse

sentido, os professores e os alunos desenvolvem uma ação colaborativa quando começam a

levantar uma séria de perguntas, entre elas: O que vai ensinar? Para quem vai ensinar? Por

que vai ensinar? Como vai ensinar?

A autora diz que a indagação é uma decorrência do inacabamento humano. “Perguntar,

indagar, questionar são formas de manifestar o ato curioso na busca de compreensão e

desvelamento do mundo: no caso, o mundo e a vida da aula” (VEIGA, 2008, p.274). Assim, é

preciso despertar a curiosidade de vivenciar a vida da aula; para tanto, é necessário estar nas

Rodas de Formação, onde o exercício de indagar e compreender o planejamento e a

organização da aula são realizados no coletivo de professores. As professoras, bordadeiras da

sala de aula, vivenciaram o processo de formação continuada e nele aprenderam e se

desafiaram a narrar seu planejamento e suas práticas pedagógicas.

A professora Andréia, na segunda história, intitulada “Passeios contribuem para a

aprendizagem?”, narra uma sala de aula de Ciências, na seguinte situação:

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Na semana passada participei de uma excursão com a turma de 8ª série para visitar o Museu de Ciência e Tecnologia da PUC, durante o passeio observei o encantamento dos estudantes, que na sua maioria, nunca haviam saído de Rio Grande, ficaram todo o tempo observando e fotografando as paisagens do caminho. Essa viagem me fez lembrar a infância quando minha professora de 1ª a 4ª série a cada ano fazia excursões para conhecermos lugares diferentes e durante o percurso contava histórias sobre as cidades que passávamos, mostrava as paisagens e até hoje me lembro dessas histórias e desses lugares, depois eu procurava no mapa. Quando íamos ao zoológico ver cada animal que só víamos em livros era fantástico, observávamos as cores, como estavam, os tamanhos e líamos as informações contidas nas placas, inclusive as de trânsito, cuidávamos tudo. Na SBQ observei um pôster que tratava de uma pesquisa sobre a aprendizagem que ocorria em visitas a indústrias para estudantes do curso de Química Industrial, os resultados da pesquisa mostraram que as visitas eram eficazes na aprendizagem dos estudantes. Entendo que os passeios propiciam experiências ou vivências variadas que contribui na aprendizagem de qualquer pessoa. Vocês concordam? (Novembro, 2009)

Na segunda história relatada, a professora apresenta como cena uma viagem com os

alunos da 8º série para visitarem o Museu de Ciências e Tecnologia. Como ato, ela narra seu

encantamento com a turma, que estava atenta, observando cada detalhe da viagem. Acredito

que o propósito dessa história não foi narrar as experiências de uma aula de Ciências durante

a visita ao museu, em que a mediação do professor torna-se importante para instigar a

curiosidade e o interesse dos alunos. O propósito da professora foi, na realidade, o de narrar

suas lembranças de infância, suas aprendizagens. Ela compreende serem importantes os

passeios para a aprendizagem dos alunos; narra até um trabalho a que assistiu, reforçando tal

eficácia. A professora narra o encantamento da turma e acredita que o passeio tenha

proporcionado experiências e vivências significativas para a aprendizagem dos alunos.

Finaliza perguntando para a Roda se os participantes concordam.

Nas duas histórias de sala de aula bordadas pela professora Andréia, ela valoriza seus

saberes e procura expressá-los na escrita, pois, assim, acredita estar desenvolvendo o diálogo

e a participação dos alunos na sala de aula. Na primeira narrativa, observo o posicionamento

adotado, quando apresenta seus saberes a respeito da água e promove a discussão com a

turma, narrando que, dessa forma, aprende junto com os alunos. Com a iniciativa, a professora

conseguiu desenvolver um trabalho coletivo na sua sala de aula. Na outra história, ela

preconiza suas lembranças da infância, os passeios da escola e suas aprendizagens. Então,

nela, a professora narra o que aprendeu e, assim, traz as memórias do passado, que se tornam

relevantes no processo formativo, pois o ato de relembrar possibilitou ressignificar o presente;

neste caso, o passeio ao museu, que teve um sentido próprio para cada um, na visão da

professora, é expresso pelo encantamento dos alunos.

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Bordar o planejamento, os imprevistos da sala de aula quando uma aluna pede uma

aula diferente, a dificuldade de aprendizagem dos estudantes do PROEJA, o planejar com o

licenciando, os seminários na sala de aula do curso de Magistério e os passeios com os alunos

faz deste Bordado da Formação as teorias das professoras, a sala de aula de cada uma delas.

Quando estão nas Rodas de Histórias, encontram um espaço para bordar os motivos ainda não

bordados da experiência escolar, ativam sua memória pedagógica, recriam as imagens e as

interpretações do mundo escolar (SUÁREZ, 2010b) e, quando colocam na Roda de

Bordadeiras, possibilitam que outras histórias possam ser bordadas, escritas e contadas. Nesse

sentido, é preciso problematizar o planejamento narrado nas histórias; é preciso teorizar na

Roda a compreensão do que seja planejar.

Esse Bordado da Formação é representado também por histórias em que o motivo

bordado é a avaliação na sala de aula de Química. A professora Carla borda seus dilemas com

a avaliação em duas histórias de sala de aula. Na primeira, escreve que:

Em maio para fechar a avaliação da turma 104 da escola, uma das avaliações parciais, houve a entrega de um dos trabalhos, também com ata de entrega. Uma das alunas não entregou naquele momento. Ao devolver os trabalhos, o da aluna em questão não foi entregue. Logo lhe falei não te preocupes, pois como entregastes quando estava em outra turma é certo que esteja no material dessa outra turma. No dia seguinte a aluna entrou na sala que eu estava e grosseiramente dizia perdeste meu trabalho eu não quero rodar. Quando devolvi o trabalho à aluna não falou nada (Maio, 2009).

A cena da história destacada é a sala de aula da turma 104, dia de entrega dos

trabalhos dos alunos. Os agentes dessa narrativa são a professora e uma aluna preocupada em

ser reprovada porque a professora não tinha seu trabalho na hora da entrega. Como ato, a

professora narra que fez a entrega dos trabalhos avaliados, mas faltou o trabalho de uma

aluna, que o entregou fora da data. Mas a aluna mostra-se preocupada e acusa a professora de

ter perdido o seu trabalho. A professora, ainda na mesma história, mostra que tem várias

turmas e procura ajudar os alunos na entrega de trabalhos fora de data. Ao conversar com a

aluna, mostra certa desorganização com os trabalhos, que levou a aluna a pensar que seu

trabalho teria se perdido. O propósito da professora é narrar seu envolvimento com as

avaliações parciais, cujo objetivo era melhorar a nota dos alunos. Percebo que aceitar a

entrega do trabalho em data posterior, fato positivo para a aluna, gerou uma desorganização

na vida cotidiana da professora, que misturou os trabalhos, gerando a insatisfação da aluna,

que se dirige à professora de modo “grosseiro”. A entrega do trabalho silencia a aluna. Isso

me leva a pensar na clareza dos critérios das atividades solicitadas, articuladas com as

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88 possibilidades de organização do professor. O fato mostra à aluna que é possível entregar o

trabalho fora da data; ela, por sua vez, quer que sua irresponsabilidade seja diluída, sem, no

entanto, tolerar a falha do professor.

Em outra história, a professora Carla narra a experiência de avaliar a turma em

parceria com a estagiária. Apresenta a seguinte situação:

Não costumo trabalhar com os alunos avaliação em dupla. Quando aplicamos a UA, a estagiária e eu, os setores foram sorteados, mesmo com alguma resistência, pensei então em aplicar uma das avaliações parciais em dupla. As duplas foram formadas através de sorteio na hora da prova, pois assim todos estudariam. Isso foi negociado com os alunos antes. Um pouco preocupada com a ideia e com vontade realmente de aplicar a avaliação individual, seguimos com a proposta, isso porque tive a ajuda da estagiária que fez o sorteio, o qual transcorreu tranquilo e até acredito que teve bastante aceitação, pois a cada dupla formada havia um comentário até com gracejo. Observamos o comportamento das duplas na resolução das questões propostas. Todos trabalharam de forma a contemplar os critérios adotados nessa avaliação (Setembro, 2009).

A cena da história é a organização da sala de aula para uma avaliação parcial em

dupla. Os agentes são a professora preocupada com a maneira de avaliar, a licencianda que

tem a iniciativa de organizar a sala de aula e os alunos. Como ato, a professora narra um dia

de avaliação em que a licencianda participou ativamente. A professora, mesmo descrente na

proposta da licencianda, de fazer a avaliação em dupla, narra que aceita o desafio. O propósito

da narrativa é mostrar o processo de formação permanente, em parceria com a licencianda,

que possibilita à professora desafiar-se a avaliar de maneira diferente.

Também relacionada à avaliação, a professora Carmem borda a seguinte história:

Tenho uma turma de 1º ano, daquelas que parece que escolheram os mais desinteressados para formá-la. Devido a grande conversa, agitação, acabo ficando muitas vezes desmotivada ao entrar lá. Noto que nada agrada, ditar, escrever no quadro, fazer experimentos. Já não tenho mais argumentos. Nesta semana, foi a aplicação da prova geral, marcada há um mês. Ao chegar à aula, até uns 20 minutos depois do sinal de entrada, não tinha a metade da turma. Solicitei que se organizassem, para fazer a avaliação. Foi uma gritaria, muitos diziam: “não podes fazer prova sem avisar". Disse que, se eles anotassem as datas, saberiam da prova. Alguns pegaram os seus cadernos e verificaram que a data estava correta. Ninguém da turma tinha estudado, e queriam a transferência da mesma. Devido à falta de atenção, participação e educação, resolvi aplicá-la assim mesmo, pois não é uma turma que apresenta dificuldade e sim malandragem (Novembro, 2009).

Nessa história, a cena é formada por uma turma de 1º ano, sala de aula de Química. Os

agentes são os alunos malandros e desinteressados e uma professora desmotivada para entrar

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89 na sala de aula em questão. Como ato, a professora narra um dia de prova, do qual os alunos

tinham esquecido a data e não haviam estudado. Tentam retificar a situação, dizendo que a

prova não pode ser aplicada sem aviso prévio. A professora, desafiada, comprova que a data

foi marcada anteriormente e aplica a avaliação sem mais conversas. Seu propósito com a

história é de narrar suas angústias e desmotivação com essa sala de aula. Ela não encontra

argumentos, não sabe mais o que fazer, parece querer partilhar com outras professoras os

dilemas encontrados.

A professora Inês também borda uma história sobre avaliação:

Não foi fácil o retorno as aulas após a licença, fiquei com 1º ano do médio, que fazia em torno de cinco anos que não trabalhava, não lembrava mais dos conteúdos conceituais. E o que mais me preocupava era dar continuidade ao trabalho de outra colega sem ter tido contato prévio com ela nem com a turma e com uma carga horária de duas aulas semanais. O retorno da licença culminou com o final do 1º trimestre e ainda tive de aplicar uma avaliação que não elaborei e corrigi-la para fechar e entregar as notas à secretaria da escola. Penso que dentro deste contexto contornei a bem situação, porém não gostaria de ter esta vivência novamente (Junho, 2009).

A professora apresenta como cena uma sala de aula de Química do 1º ano do ensino

médio. Como ato, narra que precisou assumir a turma de outra colega e aplicar a avaliação

elaborada por ela e também fechar as notas do trimestre. Assim, os agentes são a professora

Inês, incomodada com a situação de assumir uma turma em andamento e a colega da escola.

Como propósito, a professora quer narrar o desconforto de assumir uma turma de 1º ano do

ensino médio sem lembrar os conceitos de Química. A narrativa pode mostrar diferentes

aspectos da formação: a falta da possibilidade de diálogo entre as professoras e o desafio de

vivenciar outra sala de aula.

Desse Bordado da Formação, noto o emergente da sala de aula das seis professoras;

são histórias que constituem a ação docente de cada uma. Narram o ser e o fazer da profissão

quando propõem a escrita na sala de aula de Química, ao perceberem a dificuldade dos alunos

e, como caminho para a solução, buscam a ajuda da professora de Português; e no modo como

lidam com o imprevisto de chegar à sala de aula e os alunos solicitarem uma aula diferente; a

espontaneidade com que tal desafio é assumido. Narram também um ser e fazer em parceria

com o licenciando; um planejar e organizar juntos, em que propõem atividades para a sala de

aula do PROEJA, dentre elas, um modo de avaliar inesperado – a avaliação em dupla. Há

ainda uma sala de aula da EJA em que a professora promove o interesse dos alunos quando

partilha com eles seus saberes e vivencia a troca de ideias e informações acerca do uso da

água potável. Em suas propostas pedagógicas, narram a forma como lidam com a avaliação,

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90 com os prazos de entrega de trabalhos, com a organização da sala de aula para um dia de

avaliação e com o dilema de assumir outra turma e ter que aplicar a prova e dar continuidade

ao processo de avaliação da outra professora. As professoras narram o que de significativo

lhes aconteceu nas suas salas de aula de Química. Mostram suas atitudes, fragilidades e

avanços.

Nesse sentido, as teorias da sala de aula, narradas nas histórias, e o trabalho docente

precisam ser compreendidos numa dimensão política, ética e estética (RIOS, 2008).

Compreender a aula e o fazer pedagógico nas mencionadas dimensões é pensar no coletivo,

na escola, na estrutura, de modo a articular uma gestão capacitada para estabelecer normas,

espaços de formação de professores, em que possam planejar e discutir suas práticas

pedagógicas. Entendo ser preciso teorizar e compreender a ação pedagógica; nessa direção,

forma Rios (2008, p.83) argumenta que:

O trabalho pedagógico se realiza num espaço e tempo político, no qual transita o poder, configuram-se acordos, estabelecem-se hierarquias, assumem-se compromissos. Daí sua articulação com a moral – e a necessidade de sua articulação com a ética. Falar numa dimensão ética da docência, mais particularmente da aula, é, portanto, pensar na necessidade da presença dos princípios éticos na sua construção – no seu planejamento, no desenvolvimento do processo, na revisão e no reencaminhamento do trabalho.

As professoras encontram nas Rodas dos Bordados da Formação o significado do seu

fazer profissional, enquanto bordam, partilham seus saberes com o outro, transformam-se e

percebem o sentido do ser professor. Assim, o argumento que defendo neste Bordado da

Formação é o de que a organização, o planejamento e a avaliação do professor precisam ser

discutidos, repensados, teorizados nas Rodas de Formação, em parceira com a formação

inicial e com os professores da universidade, entendendo a ação docente e a sala de aula,

numa dimensão política, ética e estética. Para tanto, as histórias, sendo escritas e discutidas

pelos participantes da Roda, mostram-se potencialmente produtivas.

Foram muitas as cores de linhas que constituíram os pontos que bordaram os motivos

dos sete Bordados da Formação, nos quais percebi a potencialidade das Rodas de Formação e

da escrita de histórias nesse processo. Retomo, com isso, minha afirmativa de que as histórias

precisam voltar para a Roda, a fim de que sejam lidas, relidas, conversadas, teorizadas e

reescritas a partir das contribuições de Suárez (2008), no que se refere ao desenvolvimento da

documentação narrativa nas Rodas de Formação, sendo esta uma proposição que emerge da

presente análise.

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O autor encaminha o percurso da documentação narrativa, que implica identificar e

selecionar as práticas pedagógicas e experiências escolares a serem relatas e documentadas;

escrever e reescrever diferentes tipos de texto e versões sucessivas de relatos de experiências

pedagógica a documentar, até chegar a uma versão publicável; publicar e fazer circular os

documentos narrativos de experiências pedagógicas em diferentes espaços de formação.

Salienta que esse caminho, na maioria das vezes, é recursivo. Complementa a idéia,

afirmando que:

Como podemos observar, o processo integral da documentação narrativa ultrapassa em muito a escrita individual e solitária dos docentes. Supõe-se sempre a construção do coletivo de docentes autores de relatos pedagógicos e, fundamentalmente, o exercício reflexivo da leitura, da conversação e da interpretação pedagógica junto com os outros colegas, com objetivo de reconstruir narrativamente o saber pedagógico. Mas ao tomar caráter público os documentos narrativos poderão também ser utilizados como “materiais empíricos” ou “fontes” para pesquisa (SUÁREZ, 2008, p. 119- grifo do

autor).

Acredito que a Roda de Formação do PIBID-Química já percorre por caminhos

semelhantes aos da documentação narrativa, quando propõe aos professores que narrem suas

experiências e saberes pedagógicos, colocando em xeque as experiências educativas na escrita

das histórias de sala de aula. Nesse sentido, a proposição da documentação narrativa nas

Rodas encaminha para um melhoramento das histórias, possibilitando que, a sala de aula

possa ser bordada com outros pontos e linhas, expressando detalhes ainda não percebidos nos

motivos bordados anteriormente, embelezando ainda mais o processo de formação permanente

de professores.

Para agregar ao processo de formação, destaco também o diálogo com as teorias que

possibilitam problematizar os pontos bordados nas histórias de sala de aula. A importância de

teorizar, de envolver linhas de outras cores em cada bordado significa compreender melhor,

por exemplo, a experimentação no ensino de Química, o planejamento, a avaliação do

professor, entre outros. Para que, assim, os motivos bordados pelas professoras nas Rodas de

Histórias se tornem mais complexos, possibilitando a compreensão, a transformação e a

ressignificação do ser professor de Química.

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O BORDADO DA RODA: OS PONTOS FINAIS

No final de um bordado os últimos arremates precisam ser realizados. O que fazer com os setes Bordados da Formação? Uma Rede de Bordados, de

Histórias de Professoras que constituem o Bordado da Roda? Estes são os pontos finais que, ao serem revistos, num outro momento, poderão formar

outro Bordado, outras aprendizagens... Diário de Pesquisa (dezembro, 2010)

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Neste capítulo final, dedico-me a bordar os últimos pontos da pesquisa, a fazer os

arremates finais. No final de um bordado, o cuidado com ponto final é importante, pois não

posso fazer dele um ponto tão apertado que gere dificuldade para desfazê-lo, na suposta

pretensão de dar continuidade ao bordado, pois, quando retornar a ele, em outro momento,

poderei ter a intenção de finalizar com pontos de outras cores, ou mesmo pensar em desfazê-

lo para, assim, fazer outro.

Na pesquisa aqui apresentada, bordei sete Bordados da Formação constituídos, a sua

vez, por motivos bordados pelas seis professoras experientes, na Roda de Bordadeiras.

Desafio-me agora a unir os Bordados da Formação. Para isso, retomo o argumento central

desta pesquisa, que é o da potencialidade das Rodas de Histórias como espaço formativo que

permite ao professor investigar sua sala de aula, narrar fatos significativos, problemas e

questionamentos para os quais não encontra resposta. Nesse sentido é que defendo a Roda de

Histórias como constitutiva dos Bordados da Formação, pois é na conversa, na discussão, na

teorização das histórias que se aprende a ser professor.

Compreendo que os sete Bordados da Formação sustentam meu argumento central.

Então, é com esse conjunto de bordados que faço o Bordado da Roda. Para bordar os pontos

do bordado final apresento, a seguir, as questões de pesquisa que proporcionaram

compreender cada Bordado da Formação e os pontos bordados, que respondem as questões e

os argumentos defendidos.

Quais são as características dos primeiros bordados das professoras no PIBID-

Química?

Nos primeiros bordados, as professoras bordam diferentes motivos; neles percebo um

tornar-se, um bordar-se em processo de formação permanente. Bordaram nas histórias o

desafio do início da docência, em que foi preciso compreender melhor a avaliação; a

importância de ter uma proposta pedagógica consistente, de planejar aulas diferenciadas; a

importância de integrar um grupo de formação permanente, dialogando e partilhando

experiências com a formação inicial, entre outros.

Os bordados também traduzem um sentimento de frustração: os alunos que resistem à

proposta da professora, a professora que foi colocada a trabalhar como substituta dos que

faltam ou dos que estão de folga.

Trazem também um processo de formação: a professora que reflete sobre como era no

início da profissão e sua transformação no que é agora ou ainda uma professora que dialoga

com os alunos e desenvolve atividades nas quais valoriza outros aspectos do ensino de

Química, como o contexto histórico no ensino dos modelos atômicos, por exemplo.

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94 Ainda nos primeiros bordados, percebo o potencial formativo que as histórias de sala

de aula têm nos espaços de formação permanente de professores. Destaco como

características dessas narrativas os sentimentos de atuar na docência e as frustrações e os

avanços de vivenciar e experenciar a sala de aula. Argumento que as histórias precisam estar

nas Rodas de Formação, possibilitando o diálogo, a problematização e a partilha de saberes e

experiências da docência entre os professores experientes do ensino básico, licenciandos e

professores da universidade.

O que narram as professoras sobre a situação-problema com enfoque CTS na

sala de aula?

No Bordado da Formação em que o motivo bordado é a situação-problema com

enfoque CTS, as professoras articularam cores de linhas que fazem do mesmo uma sala de

aula com as seguintes características: alunos motivados com a proposta; licenciandos em sala

de aula atuando junto com o professor; alunos desmotivados e ausentes que fazem a

professora desacreditar na atividade e a professora que não tem clareza da proposta.

Nas histórias, é preciso compreender e problematizar o desenvolvimento da situação-

problema com enfoque CTS, a neutralidade da ciência e promover a tomada de decisão, sem

delegar a responsabilidade somente aos técnicos. Isso possibilita ao professor uma

compreensão mais crítica da sala de aula e, consequentemente, faz com que perceba a

relevância de trabalhar temáticas que envolvam uma problemática social.

As histórias também mostram um trabalho com o licenciando, uma parceria na sala de

aula. Mas, nesse processo formativo, a presença do formador não foi expressa nas histórias

bordadas. Interpreto o silêncio como se as professoras experientes do ensino básico, ao

narrarem as aprendizagens dessa atividade, se sentissem ausentes do planejamento coletivo,

da Roda.

Assim, reforço o argumento da importância dos processos de formação permanente,

como o PIBID, de desenvolver e planejar aulas coletivamente, nas Rodas de Formação.

Entendo ser preciso mediar um trabalho em que o professor do ensino básico sinta-se presente

na Roda, aprendendo em parceria com os licenciandos e com o professor da universidade. Por

isso, é importante que as histórias que narraram o desenvolvimento e a aplicação da situação-

problema retornem para a Roda, a fim de que sejam problematizadas durante o planejamento

coletivo de outras situações-problemas.

Como as professoras narram a parceria com o licenciando no PIBID?

Nesta pesquisa, articulei pontos de bordados que expressam uma parceria entre

professor experiente do ensino básico e o licenciando, num processo de formação. As

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95 professoras bordam uma sala de aula em que partilham saberes sobre ser professor; sentem-se

formadoras nessa parceria e expressam as experiências vivenciadas com os licenciandos ao

assumirem suas turmas. Também bordam um trabalho coletivo com a escola onde a

professora, o diretor e os licenciandos organizaram o laboratório da escola e desenvolveram

atividades no espaço recuperado.

As histórias mostram que o licenciando torna-se um incentivo para o professor do

ensino básico, que se sente valorizado na profissão, voltando a acreditar que é possível estar

num processo de formação, de escrever trabalhos para eventos e deles participar,

apresentando as aprendizagens da parceria firmada. Ao mesmo tempo, o licenciando vai se

constituindo professor no processo.

Por isso, argumento que é preciso consolidar os processos de formação permanente,

como o PIBID, para que a parceria entre licenciando e professor do ensino básico seja

intensificada. A iniciativa dos cursos de formação, de promover a referida parceria no início

da graduação, é um começo; mas é preciso articular com os processos de formação, com as

Rodas de Formação, nas quais o educador do ensino básico, os licenciandos e o professor

formador bordam suas aprendizagens e partilham os saberes de ser professor.

Que experiências são narradas no desenvolvimento das atividades experimentais

na sala de aula?

No Bordado da Formação em que as histórias das professoras expressam as

experiências com as atividades experimentais, bordaram contextos em que o licenciando teve

a iniciativa de desenvolver a experimentação, pontos que fazem a professora acreditar nas

atividades experimentais em parceria com o licenciando, o tempo da escola, professor

assumindo duas turmas ao mesmo tempo e uma carga horária exaustiva. Todos fatores que

contribuem para que o professor não encontre espaços para desenvolver atividades

experimentais na educação básica.

Diante do exposto, argumento a necessidade de o professor estar em uma única escola

e envolvido na formação permanente. Pois, que tempo os professores possuem quando

precisam assumir duas turmas simultaneamente? Que tipo de dedicação é possível ter, quando

o professor atua em duas ou mais escolas? É preciso “criar tempo” para a formação

continuada dentro da escola ou da universidade, pois quando os professores estão nas Rodas

de Formação, no PIBID, percebem que conseguem e encontram espaço para desenvolver suas

práticas pedagógicas diferenciadas, como é o caso das atividades experimentais.

Que dilemas e questionamentos são narrados pelas professoras nas histórias de

sala de aula?

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Na presente pesquisa, bordei pontos que representam, nas cores das linhas, os dilemas

e questionamentos das professoras quando narram questões que não sabem resolver como, por

exemplo, quando os alunos querem discutir a respeito de política e a professora toma a

iniciativa de pedir ajuda a outro professor; a dificuldade de fazer com que os alunos

compreendam os conteúdos de Química; a professora que, diante da dificuldade de

compreensão dos conteúdos por parte dos alunos, conversa e pede ajuda à pedagoga da

escola; o dilema de vivenciar uma escola em que os alunos precisam deixar os estudos ou

frequentam-na apenas pelo certificado e a professora que percebe a importância do silêncio na

sala de aula para que se aprenda a ouvir o outro.

É preciso constituir espaços de formação continuada, Rodas de Bordadeiras, nas quais

as professoras experientes possam bordar seus dilemas e questionamentos e partilhá-los com

os licenciandos e professores da universidade. Nesse sentido, reforço o argumento de que as

histórias narradas precisam retornar para a Roda, serem lidas, conversadas, interpretadas e

reescritas. Assim, acredito que o exercício da escrita narrativa torne-se um trabalho

colaborativo e prazeroso, por meio de que os docentes partilham suas histórias e percebem o

que pode ser melhorado e detalhado em cada narrativa. É nesse movimento recursivo da

escrita que as compreensões a respeito da prática docente são explicitadas e problematizadas.

O que narram as professoras nas histórias em que apresentam uma outra

professora?

Durante a bordadura desta pesquisa, houve um motivo que se diferenciou dos demais:

as professoras, nas histórias narradas, colocaram-se dentro de outro personagem e relataram

os seus dilemas de como lidar com a falta de alunos, de aprender a escutar o outro, da

insegurança de atuar na docência, de ser um bom professor e de como lidar com os conflitos

da sala de aula. Em outra história, o narrador (a professora) procura dialogar com o leitor,

narrando fatos que precisam ser problematizados na formação, como a inclusão dos

estudantes com necessidades educacionais especiais nas aulas de Ciências.

O narrador pode participar da história, sendo um dos agentes; a escrita narrativa

oportuniza a liberdade de expressão e de invenção para narrar fatos significativos da sala de

aula. Como exemplo, a experiência de vivenciar uma sala de aula na qual havia uma aluna

com necessidades educacionais especiais, que fez com que a professora, diante do desafio, se

constituísse em uma narradora que procura problematizar o tema com a Roda de Formação.

As professoras expressam sua inventividade na bordadura do motivo, revelando a

criatividade de escrever histórias e de se desafiar a bordar outros pontos da formação. A

capacidade de inventar histórias precisa ser explorada na Roda de Formação. Para tanto, é

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97 interessante que essas histórias possam ser lidas na Roda, possibilitando a evocação da

inventividade no narrador, ao bordar sua sala de aula.

Assim, só se inicia a escrever uma história, escrevendo-a. É importante explorar a

criatividade na escrita narrativa e, para isso, as histórias precisam ser lidas, conversadas nas

Rodas e compreendidas como uma escrita para a qual não são impostas regras de formatação,

permitindo que professores do ensino básico, licenciandos e professores da universidade

aprendam juntos a serem narradores, contadores de histórias da docência e formadores.

O que narram as professoras, nas histórias, sobre as ações de planejar e de

avaliar a sala de aula de Química?

As ações de planejar e de avaliar estão presentes quando as professoras bordam o ser e

o fazer da profissão, nos seguintes pontos: no desafio de desenvolver a escrita na sala de aula

de Química, na dificuldade dos alunos, no imprevisto de chegar à sala de aula e os alunos

solicitarem uma aula diferente e a espontaneidade com que esse desafio é assumido. Bordam

também um ser e fazer em parceria com o licenciando; planejam e organizam juntos;

propõem atividades para a sala de aula do PROEJA, e ainda organizam a sala de aula para um

dia de avaliação. Em suas propostas pedagógicas, narram também o modo como lidam com a

avaliação e com os prazos de entrega de trabalhos.

Deste bordado, destaco o professor entendendo-se em formação, quando se desafia a

promover a escrita, a planejar, a avaliar em parceria com o licenciando e a narrar seus dilemas

com a avaliação. Nesse sentindo, reforço meu argumento de que a organização, o

planejamento e a avaliação do professor precisam ser discutidos, repensados, recriados nas

Rodas de Formação. É preciso também transformar as ações formativas, como as

proporcionadas pelo PIBID, em ações permanentes, especialmente para os professores que

buscam desenvolver práticas pedagógicas diferenciadas.

Em síntese, o que aprendi bordando os Bordados da Formação?

O envolvimento na Roda de Bordadeiras, com os bordados de cada professora,

permitiram-me imergir nas cenas, nos atos, como se outro personagem estivesse presente,

porém silencioso e que, ao observar as características da sala de aula, compreende e

problematiza a formação do professor, suas aprendizagens e seus desafios. Acredito que os

pontos aqui bordados mostram a minha constituição: uma professora pesquisadora que

aprende nessa Roda a bordar os pontos da formação, o início da carreira, as angústias da sala

de aula que fazem o professor desacreditar na sua profissão, os desafios de propor atividades

diferenciadas, de escutar e aprender com os alunos. Bordo também outros pontos com linhas

de diferentes tonalidades, que expressam meus argumentos retomados no bordado final.

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Assim, o Bordado da Roda mostra a potencialidade da escrita narrativa nos processos

de formação permanente de professores: um dispositivo que precisa ser explorado para que o

professor narre fatos ainda não percebidos da sala de aula, explore sua ação pedagógica, as

dificuldades e as iniciativas de ser um professor que se compreende na Roda e nela aprende e

partilha saberes.

Mesmo tendo bordado os pontos finais desta pesquisa, fica espaço para outros pontos,

pois entendo que o Bordado da Roda está sempre em construção. Assim, fica como ponto para

ser bordado em outro momento a mediação no processo de escrita das histórias de sala de aula

nas Rodas do PIBID, possibilitando um processo de leitura crítica no coletivo, em que as

histórias poderão ser lidas no ambiente virtual, com a proposta de dialogar, indagar e

estranhar-se com as ideias do narrador. As histórias poderão ser reescritas num processo de

diferentes versões, até o momento em que possam ser publicizadas, considerando, no referido

processo, a importância da teorização durante a escrita e a formação permanente de

professores.

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Itinerários e Alternativas de Formação. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2010a. SUÁREZ, D. Documentación Narrativa, Relatos de Experiência y Formación-Indagación-Acción

entre docentes . In: XV Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino. Cd Room dos Anais do XV Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino. Belo Horizonte, 2010b. WARSCHAUER, C. Rodas em Rede: oportunidades formativas na escola e fora dela. Rio de Janeiro: Ed. Paz e Terra, 2001. WERTSCH, J.; DEL RÍO, P. ALVAREZ, P. Estudos socioculturais: história, ação e mediação. In: WERTSCH, J.; DEL RÍO, P.; ALVAREZ, P. (org.). Estudos Socioculturais da mente. Porto Alegre: ARTMED, 1998. VEIGA, I. P. Organização Didática da Aula: um projeto colaborativo de ação imediata. In: VEIGA, I. P. Aula: Gênese, Dimensões, Princípios e Práticas. Campinas: Papirus, 2008. Cap. 10, p. 267-298. 100 Pontos de Bordados. Disponível em: http://www.coatscrafts.com.br/manual_bordado.pdf. Acessado em 20 de jan. de 2011.

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ANEXO A GRÁFICOS PARA BORDAR

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ANEXO B Diário Oficial REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL Imprensa Nacional BRASÍLIA - DF

.Nº 120 – DOU de 25/06/10 – p. 4 DECRETO No- 7.219, DE 24 DE JUNHO DE 2010 Dispõe sobre o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência - PIBID e dá outras providências. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso das atribuições que lhe confere o art. 84, inciso IV, da Constituição, e tendo em vista o disposto no art. 2o, § 2o, da Lei no 8.405, de 9 de janeiro de 1992, D E C R E T A: Art. 1o O Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência - PIBID, executado no âmbito da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES, tem por finalidade fomentar a iniciação à docência, contribuindo para o aperfeiçoamento da formação de docentes em nível superior e para a melhoria de qualidade da educação básica pública brasileira. Art. 2o Para fins deste Decreto, considera-se: I - bolsista estudante de licenciatura: o aluno regularmente matriculado em curso de licenciatura que integra o projeto institucional da instituição de educação superior, com dedicação de carga horária mínima de trinta horas mensais ao PIBID; II - coordenador institucional: o professor de instituição de educação superior responsável perante a CAPES por garantir e acompanhar o planejamento, a organização e a execução das atividades de iniciação à docência previstas no projeto de sua instituição, zelando por sua unidade e qualidade; III - coordenador de área: o professor da instituição de educação superior responsável pelas seguintes atividades: a) planejamento, organização e execução das atividades de iniciação à docência em sua área de atuação acadêmica; b) acompanhamento, orientação e avaliação dos bolsistas estudantes de licenciatura; e c) articulação e diálogo com as escolas públicas nas quais os bolsistas exerçam suas atividades; IV - professor supervisor: o docente da escola de educação básica das redes públicas de ensino que integra o projeto institucional, responsável por acompanhar e supervisionar as atividades dos bolsistas de iniciação à docência; e V - projeto institucional: projeto a ser submetido à CAPES pela instituição de educação superior interessada em participar do PIBID, que contenha, no mínimo, os objetivos e metas a serem alcançados, as estratégias de desenvolvimento, os referenciais para seleção de participantes, acompanhamento e avaliação das atividades. Art. 3o São objetivos do PIBID: I - incentivar a formação de docentes em nível superior para a educação básica; II - contribuir para a valorização do magistério; III - elevar a qualidade da formação inicial de professores nos cursos de licenciatura, promovendo a integração entre educação superior e educação básica; IV - inserir os licenciandos no cotidiano de escolas da rede pública de educação, proporcionando-lhes oportunidades de criação e participação em experiências metodológicas, tecnológicas e práticas docentes de caráter inovador e interdisciplinar que busquem a superação de problemas identificados no processo de ensino-aprendizagem; V - incentivar escolas públicas de educação básica, mobilizando seus professores como conformadores dos futuros docentes e tornando-as protagonistas nos processos de formação inicial para o magistério; e VI - contribuir para a articulação entre teoria e prática necessárias à formação dos docentes, elevando a qualidade das ações acadêmicas nos cursos de licenciatura. Art. 4o O PIBID cumprirá seus objetivos mediante a concessão de bolsa de iniciação à docência a alunos de cursos de licenciatura que exerçam atividades pedagógicas em escolas públicas de educação básica, bem como aos professores responsáveis pela coordenação e supervisão destas atividades. Parágrafo único. Serão concedidas as seguintes modalidades de bolsa no âmbito do PIBID: I - bolsa para estudante de licenciatura; II - bolsa para professor coordenador institucional; III - bolsa para professor coordenador de área; e

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104 IV - bolsa para professor supervisor. Art. 5o Poderão participar do PIBID, as instituições de educação superior previstas nos arts. 19 e 20 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que: I - possuam cursos de licenciatura legalmente constituídos e que tenham sua sede e administração no País; II - participem de programas de valorização do magistério definidos como estratégicos pelo Ministério da Educação; e III - mantenham as condições de qualificação, habilitação e idoneidade necessárias ao cumprimento e execução do projeto, no caso de sua aprovação. § 1o A CAPES promoverá chamadas públicas de projetos para o PIBID, por meio da publicação de edital, cabendo às instituições referidas no caput encaminhar suas propostas, contendo o projeto institucional de iniciação à docência para análise e seleção por comissão de especialistas constituída especialmente para esse fim. § 2o A cada edição do PIBID, a CAPES publicará edital contendo, no mínimo, as seguintes informações: I - requisitos e condições para a participação no Programa; II - atribuições de cada integrante do projeto: coordenador institucional, coordenador de área, professor supervisor e bolsista estudante de licenciatura; III - procedimentos de seleção de projetos institucionais; IV - critérios para aprovação dos projetos apresentados; V - valor correspondente a cada uma das modalidades de bolsa previstas no art. 4o; e VI - perfil das escolas em que as atividades do Programa serão desenvolvidas, utilizando, entre outros, critérios referentes ao Índice de Desenvolvimento da Educação - IDEB, de que trata o Decreto no 6.094, de 24 de abril de 2007, e às experiências de ensino aprendizagem bem sucedidas, de modo a permitir aos bolsistas a compreensão e atuação em diferentes realidades. § 3o As instituições selecionadas deverão organizar seminários de iniciação à docência, prevendo a participação de estudantes bolsistas, coordenadores e supervisores, para apresentar resultados alcançados, dar visibilidade a boas práticas, propiciar adequado acompanhamento e avaliação do projeto institucional e analisar seu impacto na rede pública de educação básica e nos cursos de formação de professores da própria instituição. Art. 6o O PIBID atenderá à formação em nível superior de docentes para atuar nos níveis infantil, fundamental e médio da educação básica, bem como na educação de pessoas com deficiência, jovens e adultos, comunidades quilombolas, indígenas e educação no campo. Parágrafo único. A CAPES definirá as áreas do conhecimento e níveis de ensino que serão abrangidas pelo PIBID, a partir de necessidades educacionais detectadas, observado o Decreto no 6.755, de 29 de janeiro de 2009. Art. 7o O PIBID deverá ser executado exclusivamente em escolas de educação básica das redes públicas de ensino, vedada a alocação de estudantes bolsistas em atividades de suporte administrativo ou operacional. Parágrafo único. A atuação dos estudantes bolsistas deverá ser planejada, acompanhada e avaliada pelos professores coordenadores e supervisores, em atendimento às disposições do projeto institucional. Art. 8o A CAPES coordenará a implantação, o acompanhamento, a supervisão e a avaliação dos projetos institucionais do PIBID, buscando o aprimoramento de processos e tecnologias de ensino e aprendizagem das instituições participantes e escolas públicas envolvidas. Art. 9o Serão repassados no âmbito do PIBID recursos destinados exclusivamente ao pagamento de despesas essenciais à execução do projeto institucional, de acordo com a disponibilidade orçamentária, com a legislação vigente e com a regulamentação da CAPES. Art. 10. As despesas do PIBID correrão à conta das dotações orçamentárias anualmente consignadas à CAPES, devendo o Poder Executivo compatibilizar a quantidade de projetos a serem aprovados com as dotações orçamentárias existentes, observados os limites estipulados pelo Poder Executivo, na forma da legislação orçamentária e financeira vigente. Art. 11. O inciso II do art. 9º do Decreto nº 6.755, de 2009, passa a vigorar com a seguinte redação: "II - apoio financeiro aos Estados, Distrito Federal, Municípios e às instituições de educação superior previstas nos arts. 19 e 20 da Lei no 9.394, de 1996, selecionadas para participar da implementação de programas, projetos e cursos de formação inicial e continuada, nos termos do art. 2o da Lei no 8.405, de 9 de janeiro de 1992." (NR) Art. 12. Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação. Brasília, 24 de junho de 2010; 189o da Independência e 122º da República. LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA Fernando Haddad

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ANEXO C

A) PONTO DE ELOS

B) PONTO TRIANGULAR

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C) PONTO TRANÇADO

D) PONTO DE ENTREMEIO

E) PONTO CRUZ DUPLO

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F) PONTO ENTRELAÇADO