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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO - UFRJ PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS VERNÁCULAS DEPARTAMENTO DE LETRAS VERNÁCULAS - LÍNGUA PORTUGUESA "EXPOSIÇÃO DE MOVEIS | A QUAL SE FECHARÁ BREVEMENTE": ESTUDO DE CLÁUSULAS RELATIVAS APOSITIVAS "DESGARRADAS" EM TEXTOS JORNALÍSTICOS KAREN PEREIRA FERNANDES DE SOUZA RIO DE JANEIRO 2016

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO - UFRJ

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS VERNÁCULAS

DEPARTAMENTO DE LETRAS VERNÁCULAS - LÍNGUA PORTUGUESA

"EXPOSIÇÃO DE MOVEIS | A QUAL SE FECHARÁ BREVEMENTE": ESTUDO DE CLÁUSULAS RELATIVAS APOSITIVAS "DESGARRADAS" EM

TEXTOS JORNALÍSTICOS

KAREN PEREIRA FERNANDES DE SOUZA

RIO DE JANEIRO

2016

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO - UFRJ

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS VERNÁCULAS

DEPARTAMENTO DE LETRAS VERNÁCULAS - LÍNGUA PORTUGUESA

"EXPOSIÇÃO DE MOVEIS | A QUAL SE FECHARÁ BREVEMENTE": ESTUDO DE CLÁUSULAS RELATIVAS APOSITIVAS "DESGARRADAS" EM

TEXTOS JORNALÍSTICOS

KAREN PEREIRA FERNANDES DE SOUZA

Dissertação de Mestrado submetida ao Programa

de Pós-Graduação em Letras Vernáculas do

Departamento de Letras Vernáculas, Setor Língua

Portuguesa, da Universidade Federal do Rio de

Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos

necessários para a obtenção do título de Mestre

em Letras Vernáculas em Língua Portuguesa.

Orientador: Prof. Dra. Violeta Virginia Rodrigues.

RIO DE JANEIRO

2016

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FICHA CATALOGRÁFICA

SOUZA, Karen Pereira Fernandes de

"Exposição de moveis | A qual se fechará brevemente": Estudo de cláusulas relativas apositivas "desgarradas" em textos jornalísticos / Karen Pereira Fernandes de Souza. – Rio de Janeiro: UFRJ/FL, 2016.

xvii; 138f.; il.; 30 cm.

Inclui CD-ROM

Orientador: Prof. Dra. Violeta Virginia Rodrigues

Dissertação (mestrado) – UFRJ / Faculdade de Letras / Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas / Departamento de Letras Vernáculas Setor Língua Portuguesa, 2016.

Bibliografia: f. 155-160

1. Cláusulas relativas apositivas "desgarradas". 2. Análise Funcionalista. 3. Hipotaxe. 4. Domínio jornalístico. 5. Gênero Textual. I. Rodrigues, Violeta Virginia. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, Programa de Pós-Graduação em Letras, Departamento de Letras Vernáculas em Língua Portuguesa. III. Exposição de moveis A qual se fechará brevemente: estudo de cláusulas relativas apositivas "desgarradas" em textos jornalísticos.

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"EXPOSIÇÃO DE MOVEIS | A QUAL SE FECHARÁ BREVEMENTE": ESTUDO DE CLÁUSULAS RELATIVAS APOSITIVAS "DESGARRADAS" EM

TEXTOS JORNALÍSTICOS

KAREN PEREIRA FERNANDES DE SOUZA

Orientadora: Prof. Dra. Violeta Virginia Rodrigues

Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em

Letras Vernáculas do Departamento de Vernáculas, Setor Língua Portuguesa,

da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos

necessários para a obtenção do título de Mestre em Letras Vernáculas em

Língua Portuguesa.

Em 17 de Fevereiro de 2016.

Aprovada por: ___________________________________________________________ Presidente, Prof. Dra. Violeta Virginia Rodrigues (UFRJ) ___________________________________________________________ Prof. Dra. Nilza Barrozo Dias (UFF) ___________________________________________________________ Prof. Dra. Vera Lucia Paredes Pereira da Silva, Linguística (UFRJ) ___________________________________________________________ Prof. Dra. Mônica Maria Rio Nobre (UFRJ) - Suplente ___________________________________________________________ Prof. Dr. Marcos Luiz Wiedemer (UERJ) - Suplente

RIO DE JANEIRO FEV/2016

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A minha querida mãe e

vó Alzira (in memoriam )

que sempre me incentivaram a

estudar e tanto desejaram mais

esta consolidação de meus

estudos.

Ao meu querido Leonardo, pela

paciência demonstrada e por todo

seu carinho e apoio.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, por me dar mais um grande desafio e, principalmente, por ter me dado

forças, saúde e sabedoria para alcançar todo o conhecimento que me foi

disponibilizado ao longo desses anos nesta extraordinária instituição que é a

UFRJ.

A minha querida mãe, Regina Maria, que sempre esteve ao meu lado com seu

apoio incondicional. Por todo o seu carinho e sua compreensão. Por se

preocupar com o momento inicial, os cursos da pós-graduação, e o

desenvolvimento da dissertação. Fez de tudo para me ajudar em todas as

minhas viagens aos congressos e eventos, tão necessários para o meu

crescimento. Esforçou-se de todos os modos para aliviar a minha preocupação

e tensão tanto nos estudos quanto no trabalho. Sei que a minha realização

também é a sua, e, certamente, eu não chegaria até aqui sem você. A ti, mãe,

tudo!

A minha vó, Alzira Pereira (in memoriam ), que, mesmo sem ter tido muitas

oportunidades de estudo, sempre me apoiou a estudar e sempre confiou que

longe eu podia chegar. Esta etapa foi alcançada graças a sua dedicação e

incentivo, pois sem uma base sólida, não se alcança o topo. Obrigada, vó!

Ao meu querido namorado, Leonardo Carneiro, pois sempre esteve ao meu

lado nas pequenas e nas grandes conquistas. Nesta etapa difícil, sempre

demonstrou muita alegria por estar perto de mim; paciência, quando eu

precisava ler e escrever; amor, em todos os momentos de angústia.

Desdobrou-se em mil para estar comigo, mesmo quando o tempo estava

escasso. Obrigada por ter confiado em mim e por todas as vezes que você

disse que tudo daria certo. Deu certo! A você, todo o meu amor!

A minha irmã, Monike Pereira, que muito se alegrou e me incentivou com esta

fase na minha vida.

A minha tia, Ana Paula, pois sempre se esforçou para me cobrir em momentos

de ausências no trabalho, além de muito se alegrar e me apoiar com mais esta

etapa de estudos.

A minha querida orientadora, Violeta Rodrigues, que me acolheu em um

momento de angústia e medo; e que me recebeu de braços abertos como

orientanda, mesmo já compromissada com tantos orientandos e turmas.

Agradeço o voto de confiança depositado em mim no início de 2015 e por sua

maravilhosa orientação durante um ano de trabalho. Você foi a luz que eu

precisava para iluminar o meu caminho, quando eu já não tinha mais

esperanças. Não tenho palavras para expressar a minha eterna gratidão por

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sua mão estendida e por seus valiosos ensinamentos transmitidos com tanta

doçura, paciência e carinho! Você é realmente incrível!

A minha querida professora Silvia Cavalcante, que me acompanhou em PORT

V; me orientou durante a Iniciação Científica; que me apoiou quando decidi

participar do exame de seleção do mestrado; que me preparou para a prova

específica; e que me direcionou no primeiro semestre de 2014. Se não fosse

você naquele início tão conturbado e crucial, talvez eu não estivesse chegado

aqui. Muito obrigada por tudo!

Aos Professores titulares e suplentes que compõem a banca avaliadora desta

dissertação, por gentilmente aceitarem o meu convite e pela disponibilidade de

avaliar meu trabalho. Muito obrigada!

A todos os meus Professores de Graduação e Pós-Graduação da Universidade

Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com os quais pude aprender muito, não só

sobre a Língua Portuguesa, mas também como ser professora.

A minha querida professora Silvia Vieira, que me aceitou de pronto quando

pedi para ser sua Aluna Especial em 2014.1 (pois ainda não tinha ingressado

no mestrado) no curso de O ensino do Português, ministrado de forma singular

e de que jamais me esquecerei de sua preocupação em relacionar a pesquisa

acadêmica e o ensino. Foi realmente incrível!

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)

pelo auxílio financeiro (bolsa de mestrado) concedido, sem o qual não seria

possível adquirir a bibliografia necessária aos meus estudos bem como

apresentação de trabalhos e participação em eventos.

Aos meus colegas de ingresso da Pós-Graduação e aos meus colegas do

grupo de estudos da sala D-15, pelas ideias e ricas experiências trocadas ao

longo desses dois anos de convivência.

As minhas queridas amigas Patrícia Ferreira, Dayane Porto Velho, Daiana

Santos e Michele Moraes, por serem as primeiras a me incentivarem a

participar do exame de seleção do mestrado e pelo carinho comigo desde a

Graduação, quando nos tornamos amigas.

Muito Obrigada!

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SOUZA, Karen Pereira Fernandes de. "Exposição de moveis | A qual se fechará brevemente": Estudo de cláusulas relativas apositivas "desgarradas" em textos jornalísticos. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: Faculdade de Letras/UFRJ, 2016.

RESUMO

Este estudo tem como objetivo investigar o uso das orações relativas apositivas

"desgarradas" em textos de domínio jornalístico (notícia, editorial de jornal,

artigo de opinião e anúncios) que foram publicados durante os séculos XIX, XX

e XXI, disponíveis online na página eletrônica dos Projetos VARPORT, PEUL e

PHPB.

Levando-se em conta a abordagem tradicional, tais orações são caracterizadas

como "erro", por não se encaixarem em nenhum título classificatório para

orações no âmbito do período composto. Entretanto, como pesquisadores,

devemos analisar a estrutura original construída pelo usuário da língua

(perfeitamente compreendida pela comunidade de fala) e não ignorá-la por

essa não se adequar aos rótulos da Gramática Tradicional.

Este trabalho está calcado nos preceitos do Funcionalismo Linguístico (que

incluiu o nível pragmático na análise das orações) e do funcionalismo norte-

americano (que rompeu com a dicotomia entre a Subordinação-Coordenação,

propondo o contínuo Subordinação-Hipotaxe-Parataxe). Além disso, contou

com pesquisas, cujo tema era o "desgarramento", além de trabalhos que

analisaram as orações adjetivas como um todo, pontuação e orações

substantivas apositivas. Para localização e contagem de dados, utilizamos o

programa AntConc e Word.

Os objetivos que pretendemos alcançar com esta dissertação são: (a)

comprovar que existem cláusulas relativas apositivas "desgarradas" pelo

quantitativo das ocorrências no domínio jornalístico do PB escrito dos séculos

XIX, XX e XXI no Rio de Janeiro e comparar a frequência de uso dessas

cláusulas ao comparar os séculos; (b) mostrar a relação forma-função

semântica dessas estruturas; (c) mostrar a relação sintático-pragmática dessas

cláusulas, graças à carga argumentativa presente nestes gêneros textuais; (d)

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mostrar a relação uso-monitoramento linguístico com a finalidade de observar

se há estigma para o uso do "desgarramento" em textos de médio e alto grau

de monitoramento linguístico.

As cláusulas ora analisadas eram e são empregadas na modalidade escrita,

pois, dos 1.883 textos, obtiveram-se trinta e oito dados, comprovando a

existência do fenômeno na língua escrita. Além disso, verificou-se que gêneros

não argumentativos também podem promover o uso dessas estruturas; que

essas cláusulas são importantes no processo de argumentação ao focalizar

ideias e partes do texto; que o "desgarramento" não sofre estigma, uma vez

que só apareceu em textos de monitoramento linguístico elevado.

Palavras-chaves: cláusulas relativas apositivas "desgarradas"; funcionalismo; hipotaxe; domínio jornalístico; gênero textual.

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SOUZA, Karen Pereira Fernandes de. "Exposição de moveis | A qual se fechará brevemente": Estudo de cláusulas relativas apositivas "desgarradas" em textos jornalísticos. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: Faculdade de Letras/UFRJ, 2016.

RESUMÉ

Ce travail vise à étudier l'utilisation de propositions relatives appositives

«séparées» en textes de domaine journalistique (des annonces, des articles

d’oppinion, des cartes de lecteurs, des editorial de journaux et des nouvelles)

qui ont été publiés au cours des XIXe, XXe et XXIe siècles. Ils sont disponibles

en ligne sur le site du Projet VARPORT, du Projet PHPB et du Projet PEUL.

En tenant compte de certaines littératures traditionnelles, telles propositions

sont configurées comme «erreur» car elles ne cadrent pas avec les étiquettes

de période composé. Pourtant, comme des chercheurs, nous devons analyser

la structure originale construite par les utilisateur de la langue (langue qui est

parfaitement comprise par la communauté de la parole) et pas l’ignorer cette

structure pour elle ne correspond pas les étiquettes de la Grammaire

Tradicionelle.

Ce travail est sous-tendu au Fonctionnalisme Linguistique (qui a inseré le

niveau pragmatique dans l'analyse des propositions) et au fonctionnalisme

américain (qui a rompu avec la dichotomie entre Subordinaion-Coordination,

proposant le continuum Subordination-Hypotaxe-Parataxe). Ce travail a utilisé

des recherches, dont le thème était «séparée», des œuvres qui ont étudié les

clauses relatives dans son ensemble, des travaux sur las ponctuation et sur les

clauses appositives. Pour cette raison, nous utilisons les programmes AntConc

et Word pour chercher et pour compter les données.

Ainsi, les objectifs à atteindre sont les suivants: (a) prouver qu'il y a des clauses

relatives appositives «séparée» a partir des données recueillies dans le PB écrit

du XIXe, XXe et XXIe siècles à Rio de Janeiro, par des textes de domaine

journalistique et comparer la fréquence d'utilisation de ces clauses pendant les

siècles; (b) montrer la relation entre forme et la fonction sémantique de ces

structures relation; (c) montrer la relation entre la forma et la fonction de ces

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structures; (c) montrer l’intégration syntaxique-pragmatique de ces propositions

grâce à la charge argumentative presente dans les genres textuels choisis; (d)

montrer la relation entre l’usage et la surveillance linguistique afin d'observer si

il y a la stigmatisation pour l'utilisation des ces clauses «séparées» dans les

textes de moyen et de élevé degrés de surveillance linguistique.

Par les chiffres obtenus, on s’est révélé par cette recherque que les clauses

analysées étaient et sont utilisés dans le mode écrit, parce que, de 1.883

textes, nous avons obtenus trente-huit cas, ce que marque l'existence de ce

fenomène dans la langue écrite. On a verifié aussi que les genres pas

argumentatifs peuvent également promouvoir l'utilisation de ces structures; que

ces propositions sont importants dans le processus d'argumentation pour

relever des idées et les parties du texte; que le phénomène de «séparée» ne

souffre pas la stigmatisation, car il n’a apparu que dans le textes de moyen et

de haute degrés de surveillance linguistique.

Mots-clés: clauses relatives appositives "séparées"; fonctionnalisme; hipotaxe; domaine journalistique; genre textuel.

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SINOPSE

Estudo sobre as cláusulas relativas

apositivas "desgarradas" em textos de

jornais dos séculos XIX, XX e XXI, à luz

da teoria funcionalista, após uma

análise prioritariamente qualitativa.

Observação da relação forma-função

em dados do Rio de Janeiro; da

relação sintaxe-pragmática dessas

estruturas por meio dos gêneros

textuais; da relação uso-monitoramento

linguístico.

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ANJ – Associação Nacional de Jornais

cf. – conforme, confira

D – Determinante

Esp – Especificador

G1 – Grupo 1: Avaliação

G2 – Grupo 2: Retomada

G3 – Grupo 3: Adendo

GT – Gramática Tradicional

i.e. – isto é

N – Nome

NGB – Nomenclatura Gramatical Brasileira

OR – Oração Relativa

PB – Português Brasileiro

p.e. – por exemplo

PE – Português Europeu

PEUL – Projeto de Estudo sobre o Uso da Língua

PHPB – Para uma História do Português Brasileiro

-Q – Morfema -Q

SA – Sintagma adjetivo

SAdv – Sintagma adverbial

SC– Sintagma complementizador

SD – Sintagma determinante

SN – Sintagma nominal

SO – Sintagma oracional

SP ou SPrep – Sintagma preposicionado

UI – Unidade Informacional

VARPORT – Análise Contrastiva de Variedades do Português

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LISTA DE FIGURAS, GRÁFICOS, QUADROS E TABELAS

Figura 1 - Gradiência de combinação de cláusula (HOPPER & TRAUGOTT:

1993, p. 170) .................................................................................................... 71

Figura 2 - Gradiência das estruturas sintáticas do período composto da língua

portuguesa, segundo a visão funcionalista na tríade da classificação de

orações. ........................................................................................................... 71

Figura 3 - Localização e frequência no texto do articulador indicado no

programa AntConc (2011) .............................................................................. 104

Figura 4 - Articulador dentro de seu contexto resumido no programa AntConc

(2011) ............................................................................................................. 105

Figura 5 - Articulador dentro de seu contexto expandido no programa AntConc

(2011) ............................................................................................................. 106

Figura 6 - Localização no texto de parte do articulador no programa Word

(2007) ............................................................................................................. 107

Gráfico 1 - Frequência de dados ao longo dos Séculos XIX, XX e XXI ......... 115

Gráfico 2 - Distribuição dos dados quanto ao formato das orações

"desgarradas" ................................................................................................. 120

Quadro 1 - Conceito das Orações Subordinadas Adjetivas, segundo as

Gramáticas Tradicionais. .................................................................................. 30

Quadro 2 - Conceito das Orações Relativas, segundo as Gramáticas não

Tradicionais. ..................................................................................................... 30

Quadro 3 - Oração Adjetiva Restritiva e Explicativa no âmbito da Gramática

Tradicional. ....................................................................................................... 33

Quadro 4 - Oração Relativa Restritiva e Apositiva no âmbito da Gramática não

Tradicional. ....................................................................................................... 34

Quadro 5 - Períodos compostos por coordenação e subordinação ................. 59

Quadro 6 - Corpus de língua escrita do PB distribuídos por gênero e jornal

(PEUL) ............................................................................................................. 90

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Quadro 7 - Corpus de língua escrita do PB distribuídos por gênero e períodos

históricos (PHPB) ............................................................................................. 91

Quadro 8 - Corpus de língua escrita do PB distribuído por gênero textual e

períodos históricos (VARPORT) ....................................................................... 92

Quadro 9 - Comparação entre anúncios dos séculos XIX e XX do corpus

VARPORT ........................................................................................................ 95

Quadro 10 - Exemplo de artigo de opinião do século XXI do corpus PEUL .... 97

Quadro 11 - Comparação entre carta de leitores dos séculos XIX e XX dos

corpora PHPB e PEUL ..................................................................................... 99

Quadro 12 - Exemplo de editorial de jornal do século XX do corpus PHPB .. 101

Quadro 13 - Exemplo de notícias do século XXI do corpus PEUL ................ 102

Quadro 14 - Corpora reunidos por Gênero Textual e Século ........................ 103

Quadro 15 - Formato das orações relativas apositivas "desgarradas" e

exemplos, segundo o corpus .......................................................................... 117

Quadro 16 - Classificação de monitoramento linguístico para os jornais do

corpus. ........................................................................................................... 143

Tabela 1 - Resultado geral de dados por amostra, por século e por gênero

textual ............................................................................................................. 113

Tabela 2 - Distribuição dos dados por gênero textual e intenção pragmática 127

Tabela 3 - Distribuição dos dados por amostra, século, gênero e intenção

pragmática...................................................................................................... 130

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................. 17

1. ORAÇÕES ADJETIVAS ............................................................................... 27

1.1 Definição ............................................................................................... 28

1.2 Valores discursivos e prosódicos .......................................................... 32

1.3 Etapas de transformação e posição sintática ........................................ 36

1.4 Estratégias de relativização .................................................................. 39

2. ORAÇÕES ADJETIVAS EXPLICATIVAS..................................................... 42

2.1 Na Tradição Gramatical ........................................................................ 43

2.1.1 Os pronomes relativos ..................................................................... 43

2.2 Em Mateus et alli (2003) ....................................................................... 47

2.2.1 Os pronomes relativos ..................................................................... 48

2.3 Em Raposo et alli (2013) ....................................................................... 51

2.3.1 Os pronomes relativos ..................................................................... 53

2.4 Em Neves (2011) .................................................................................. 55

2.4.1 Os pronomes relativos ..................................................................... 56

2.5 Delimitação e objetivos ......................................................................... 58

3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA .................................................................... 62

3.1 Pressupostos Teóricos Gerais .............................................................. 63

3.2 O Funcionalismo ................................................................................... 65

3.3 A contribuição de Decat (2011) ............................................................. 74

3.4 Outras contribuições ............................................................................. 81

4. METODOLOGIA ........................................................................................... 88

4.1 Descrição dos corpora .......................................................................... 89

4.1.1 Amostra PEUL .................................................................................. 89

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4.1.2 Amostra PHPB .................................................................................. 90

4.1.3 Amostra VARPORT .......................................................................... 91

4.2 Gêneros textuais selecionados ............................................................. 93

4.3 Metodologia de recolha dos dados ..................................................... 103

5. ANÁLISE DOS DADOS .............................................................................. 109

5.1 Resultados Gerais ............................................................................... 110

5.2 A relação forma-função ....................................................................... 116

5.3 A relação sintaxe-pragmática .............................................................. 123

5.4 A relação uso-monitoramento linguístico ............................................ 138

CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 148

BIBLIOGRAFIA .............................................................................................. 155

ANEXOS ........................................................................................................ 161

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INTRODUÇÃO

Este capítulo introdutório tem como objetivo

apresentar as questões básicas para a construção

desta dissertação: (a) aquilo que será estudado,

isto é, o tema da pesquisa; (b) quais são as

motivações que levaram a estudar este tema; (c) a

justificativa de se fazer tal investigação e as suas

possíveis contribuições científicas; (d) o método

escolhido para ser empregado na recolha de dados

e a especificação do corpus; (e) a fundamentação

teórica que norteia o trabalho; (f) aquilo que se

espera encontrar; (g) os objetivos gerais e

específicos que se esperam alcançar.

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Esta dissertação é fruto de minha inquietação quanto ao funcionamento

do fenômeno do “desgarramento” das orações em português, tema examinado

com atenção em uma das disciplinas cursadas na Pós-graduação em Letras

Vernáculas da UFRJ no segundo semestre de 2014. Chamou a minha atenção

neste curso o quão este fenômeno vem se mostrando cada vez mais produtivo

na modalidade escrita do Português Brasileiro (PB) de diversos domínios

discursivos, tais como o jornalístico, o literário, o escolar, dentre outros.

O “desgarramento” é um recurso que não é explicado pelos manuais

normativos e didáticos; entretanto, inserido em um contexto, faz todo o sentido

para o autor/falante e para o leitor/ouvinte. A descrição deste fenômeno

linguístico permite-nos questionar o que já estava estabelecido e investigar e

aprofundar os conhecimentos sobre as orações subordinadas adjetivas

explicativas.

Sendo assim, o tema dessa dissertação é o estudo das orações

adjetivas explicativas “desgarradas” que, embora guardem as marcas formais

prototípicas das adjetivas (p.e. serem encabeçadas por um pronome relativo) e

semânticas (p. e. veicularem um sentido de adendo, um caráter parentético,

explicativo), típicas das orações adjetivas explicativas, diferenciam-se

sintaticamente das adjetivas restritivas, pois não se encaixam ao nome dentro

da oração principal, como acontece no período composto por subordinação

canônico. Pelo contrário, as orações adjetivas explicativas “desgarradas”

acontecem desvinculadas sintaticamente do nome da oração principal e, por

esta razão, se manifestam de forma isolada no texto por meio da pontuação

terminativa (ponto final), acarretando um efeito pragmático de ênfase, tal qual

podemos observar no exemplo a seguir:

(1) Enquanto, é claro, não ferir seus interesses estratégicos. [Que não são, obviamente, os de seu eleitorado consciente].

(PEUL, artigo de opinião, século XXI, Jornal do Brasil, 31/08/2004)

No exemplo (1), o trecho destacado em negrito foi retirado de um artigo

de opinião de um importante jornal do Rio de Janeiro (subentende-se desta

maneira que os jornalistas possuem maior grau de monitoramento linguístico,

por conhecer a norma linguística de prestígio, a norma padrão), Jornal do

Brasil, em 2004. A oração em evidência “que não são, obviamente, os de seu

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eleitorado consciente” é o tipo de oração que nos preocupamos em investigar.

Vê-se que ela não é um sintagma adjetival modificador do sintagma nominal

“interesses estratégicos”. Mesmo isolada sintaticamente e separada deste SN

pelo ponto final, ela funciona como um aposto deste SN, fazendo, portanto, um

comentário que incide sobre este SN.

Para a Gramática Tradicional (GT), tais orações se configuram como

“erro”, pois elas possuem propriedades que não se enquadram em nenhum dos

rótulos para orações do período composto, tendo em vista que o referente não

aparece expresso imediatamente anterior ao articulador introdutor da cláusula

“desgarrada”.

A fim de solucionar o "problema" detectado, a GT propõe alterações na

estrutura composta de forma "errônea" pelo usuário da língua (todavia,

produzida de forma natural pelo falante), com a substituição do ponto final (.)

pelo uso da vírgula (,) ou ponto e vírgula (;) ou travessão (–), de forma a

desfazer o “desgarramento” e integralizar a cláusula1 ao seu referente, para

que a mesma se adéque às propriedades de suas categorias sintáticas já

instituídas. Assim, teríamos a seguinte reescritura em (1'):

(1') Enquanto, é claro, não ferir seus interesses estratégicos, que não são, obviamente, os de seu eleitorado consciente.

Além disso, o articulador “o que” (não variável quanto a gênero e

número, i.e., invariável) não é considerado como tal pela tradição (BECHARA,

2004; CUNHA & CINTRA, 2001; ROCHA LIMA, 2004), entretanto, é o

articulador preferido pelos falantes quando o referente é oracional (RAPOSO

ET ALLI, 2013). Dessa forma, a tradição recomenda a substituição por um

outro articulador “válido” como “que”, “o qual”. Por outro lado, fazer esses

ajustes nas cláusulas "desgarradas" implica alterar a configuração de uma

estrutura legítima e perfeitamente compreendida pela comunidade de fala, por

outra, gerando alterações sintáticas, fonológicas, pragmáticas etc.

1 Conforme veremos mais a frente na seção 3.2, p. 69, entende-se como "cláusula" uma estrutura com autonomia sintática (do ponto de vista comunicativo) que veicula em si mesma uma informação, isto é "um bloco de informação". Sendo assim, o termo "cláusula", quando contiver um núcleo oracional, neste trabalho, poderá ser empregado como sinônimo de "oração". Entende-se como "período" uma estrutura que contenha mais de um núcleo verbal.

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Por este motivo, levantam-se as seguintes questões com relação a

esse tema: (a) ao invés de tratar as orações "desgarradas" como "erro", algo

que acontece de forma natural pelos falantes – tanto na fala quanto na escrita –

e proposital, devido aos fins pragmáticos durante a interação entre os

interlocutores, por que não tratar o fenômeno como uma nova forma de

articulação de orações? (b) Mesmo que a GT considere como "erro" tal

estrutura – licenciando esse uso para autores de renome como uma questão

de “estilo”2 – será que essa construção pode ser observada em textos de

domínio jornalístico veiculados nos séculos XIX, XX e XXI no Rio de Janeiro?

(c) Se encontradas, caracterizam-se como um fenômeno novo ou velho na

língua? Por meio de gráficos, pode-se verificar se o uso deste fenômeno

linguístico aumenta, fica estagnado ou decresce ao longo do tempo? (d) Se o

emprego das cláusulas “desgarradas” é visto pela GT como uma ideia

fragmentada do produtor do texto, isso pode estar relacionado a textos com

baixo monitoramento linguístico? Mesmo que a GT desaconselhe tal uso, este

pode ser encontrado em textos de médio e alto monitoramento linguístico? (e)

Será que há uma relação entre o gênero textual e o uso deste fenômeno?

Neste sentido, o interesse por este tema vai além de buscar respostas

para os questionamentos que movem e direcionam esta dissertação, mas

também se justifica pela necessidade de contribuir para uma melhor descrição

da complexa língua portuguesa, tendo em vista o uso do fenômeno do

“desgarramento” pelos seus usuários. Em específico, olhar para as orações

subordinadas adjetivas explicativas “desgarradas”, que não estão incluídas no

rol de articulação de orações, pois a GT não dá conta de explicá-las,

classificando-as como "erro".

Além disso, se a tradição não se propõe a analisar tal uso, então, não

se dispensa o estudo dessas orações no sentido de compreender mais a fundo

como funcionam e os objetivos comunicativos que levam ao seu emprego

durante o processo de produção textual (na modalidade escrita), nunca

esquecendo que a produção dessas orações ocorre de forma natural pelos

usuários.

2 BASTOS (2014, p. 16).

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Como metodologia para recolha de dados, utilizar-se-á o programa

computacional AntConc (2011), pois este se mostrou uma excelente ferramenta

desenvolvida para estudos linguísticos. Ao realizar a busca por palavras e/ou

fragmentos de palavras neste programa, os resultados aparecem enfileirados

verticalmente e destacados em azul, além de exibir o contexto anterior e

posterior de cada caso. Também será utilizada a ferramenta de busca do

programa Word (2007), apenas como forma de revisão para o trabalho

realizado pelo AntConc (2011). Em seguida, passa-se a uma análise

quantitativa, inicialmente, e depois qualitativa de todas as ocorrências.

O corpus escolhido para este trabalho é constituído por três grandes

amostras de Língua Portuguesa e têm em comum recortes de textos

publicados em mídia escrita carioca e no mesmo domínio discursivo, no caso, o

jornalístico. Foram analisados 1.883 textos. Sendo assim, da primeira amostra,

foram recolhidos 713 textos compreendendo os gêneros textuais anúncios,

notícias e editorias de jornais publicados no Rio de Janeiro, compreendendo os

anos de 1808 a 2000, cobrindo todo o século XIX e XX, disponíveis em formato

digital na página eletrônica do projeto de estudo linguístico VAPORT – Análise

Contrastiva de Variedades do Português3 (http://www.letras.ufrj.br/varport/). Da

segunda amostra, foram recolhidos 795 textos compreendendo os gêneros

anúncios, carta de leitores e editoriais de jornais publicados nos jornais do Rio

de Janeiro, compreendendo os anos de 1801 a 2000, cobrindo todo o século

XIX e XX, disponíveis em formato digital na página eletrônica

(https://sites.google.com/site/corporaphpb/home) do projeto PHPB – Para a

História do Português Brasileiro4. Da terceira amostra, foram recolhidos 375

textos compreendendo os gêneros artigo de opinião, carta de leitores, notícias

e editoriais de jornais5 no Rio de Janeiro, compreendendo os anos de 2002 a

2004, cobrindo o início do século XXI, disponíveis em formato digital na página

3 Brandão & Mota (2000). 4 Barbosa (2010). 5 Procuramos manter um contraste entre os gêneros das amostras e os períodos, mas nem sempre foi possível e algumas células ficaram vazias (cf. Quadro 14, página 103), porque dependida dos gêneros veiculados nos jornais de cada época e da metodologia de recolha de cada Amostra.

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eletrônica (http://www.letras.ufrj.br/peul/index.html) do projeto PEUL –

Programa de Estudos sobre o Uso da Língua6.

Nas amostras selecionadas, os autores dos textos publicados deveriam

evidenciar um alto domínio da modalidade escrita, pois seus textos seriam

publicados em larga escala. Os jornais do século XIX tinham como público alvo

famílias aristocratas, pois eram estas que tinham poder aquisitivo para comprar

o jornal e, sobretudo, ler as informações por ele veiculadas. Os jornais do

século XX, inicialmente, ainda mantinham essa característica, mas pouco a

pouco, o público alvo foi se modificando até que, no final do século XX, surgem

jornais direcionados à classe econômica de menor poder aquisitivo, com uma

linguagem mais "fácil", de estruturas sintáticas menos elaboradas.

Assim, através dos recortes de jornais das três amostras selecionadas,

vemos a mudança na produção textual em que o autor vai se aproximando

cada vez mais da realidade linguística de seu leitor (público alvo). Por isso, fez-

se a escolha pelas amostras PHPB, PEUL e VARPORT, pois tal fato

sociocultural pode auxiliar na compreensão do fenômeno do "desgarramento".

A fundamentação teórica que norteia esta dissertação está centrada na

Linguística Funcionalista, representada pelos estudos de Matthiessen &

Thompson (1988) e Hopper & Traugott (1993), pois estes autores acreditam

que a análise da língua estaria incompleta se levasse apenas em consideração

a estrutura formal e sintática, deixando de lado a semântica e a pragmática. No

estudo do período composto, esses autores acreditam que os dois únicos

procedimentos de classificação sintática 'coordenação' versus 'subordinação',

licenciados pela GT, são insuficientes para classificar as orações e a

combinação de cláusulas.

A própria GT não deixa claro o critério de classificação das orações

(morfológico? sintático? semântico?), quando se refere a "orações

independentes" para a coordenação e a "orações dependentes" para a

subordinação; então, o funcionalismo vem para suprir essa "deficiência"

conceitual no momento em que os autores desconstroem esta dicotomia entre

coordenação x subordinação e propõem, em seu lugar, a tríade Subordinação-

6 Naro; Roncarati & Abreu (1979).

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Hipotaxe-Parataxe em um continuum de acordo com o grau de [encaixamento]

sintático e [dependência] semântico entre orações e entre combinação de

cláusulas.

Somados a estes estudos, os trabalhos realizados por Decat (1993,

1999, 2001, 2004, 2008, 2009a, 2009b, 2011, 2014) se tornam alicerces

seguros para o entendimento do fenômeno das cláusulas "desgarradas", pois a

autora se dedicou ao "desgarramento" por mais de dez anos e ainda se dedica

pesquisando e orientando alunos de pós-graduação nesse tema.

Decat (1999) estuda este fenômeno em cláusulas relativas apositivas

"desgarradas" e em cláusulas circunstanciais "desgarradas" também se

utilizando da teoria funcionalista, pois, para a autora, as relações semânticas e

pragmáticas que emergem dessas estruturas, inseridas em seus contextos

comunicativos, são fundamentais para o entendimento dessas cláusulas, não

sendo possível apenas analisá-las no nível sintático.

Embasada na ideia de "unidade informacional" de Chafe (1980, apud

DECAT, 1999), Decat (1999, 2001, 2004, 2014) acredita que em seu efetivo

uso, as orações adjetivas explicativas "desgarradas" recebem pressões

linguísticas e discursivas. Para a autora, essas cláusulas estão a serviço do

discurso argumentativo, pois, pragmaticamente, o uso "desgarrado" dessas

estruturas serve para atender à estratégia de focalização de uma informação,

buscando alcançar maior força argumentativa.

Neste sentido, com base nessas informações, levantam-se as

seguintes hipóteses para este trabalho:

(a) alguns pesquisadores têm se dedicado ao estudo do

"desgarramento" das cláusulas adjetivas e circunstanciais em

textos produzidos no final do século XX e início do século XXI.

Para um fenômeno linguístico característico da língua oral

aparecer na língua escrita levam-se muito anos, décadas e às

vezes séculos. Sendo assim, o "desgarramento" não pode ser

tratado como um fenômeno atual na língua, pois já se encontrava

presente na língua oral há muitos anos atrás. É nessa linha de

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raciocínio que se espera encontrar evidências de "desgarramento"

em textos escritos também no século XIX e XX no corpus

selecionado.

(b) Espera-se verificar um número crescente de dados ao longo do

tempo, porque, se o "desgarramento" surge em textos escritos de

alto grau de monitoramento linguístico, fica evidenciado que este

fenômeno não recebe estigma, i.e., não é estereótipo de uma

variedade de uso popular da língua. Desta forma, mais chances o

fenômeno tem de se fixar no sistema linguístico ao logo dos anos,

pois tende a não ser rejeitado pela variedade de uso culto da

língua. Sendo assim, além de verificar um uso crescente, espera-

se encontrar dados tanto em textos com baixo monitoramento

linguístico como em médio e alto monitoramento linguístico.

(c) Como as cláusulas "desgarradas" mostram-se como uma

importante ferramenta para a argumentação, parece que o gênero

textual de cunho argumentativo tem maior propensão a trazer à

superfície essas orações "desgarradas". Desta forma, espera-se

encontrar com alto grau de produtividade as orações relativas

apositivas "desgarradas" nos gêneros artigo de opinião, carta de

leitores, editoriais e em anúncios, por estarem intimamente

ligados à argumentação, no sentido de enfatizar, avaliar,

convencer o leitor de uma perspectiva/ponto de vista do autor do

texto. Espera-se, então, não encontrar dados no gênero notícia,

pois este gênero é mais informativo e não opinativo.

Deve-se salientar que esta dissertação não tem o intuito de apresentar

uma tese ou mesmo um estudo inteiramente novo e original. Decat (1999,

2001, 2004, 2014), durante os mais de dez anos de estudo, já se preocupou

em defender a existência do fenômeno do “desgarramento” em um corpus não

sistemático e sincrônico (textos datados entre 1990 a 2005).

Sendo assim, nesta dissertação, o objetivo principal é reafirmar a

existência desse fenômeno em um corpus, em que houve a preocupação de se

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unir três grandes amostras de períodos históricos diferentes e do mesmo

domínio discursivo (jornalístico), além de se trabalhar com uma ferramenta de

busca própria para os estudos linguísticos. Pretendemos fazer uma análise

qualitativa em nosso corpus muito próxima da análise feita por Decat (2001,

2004, 2014) em sua amostra e ainda abordaremos outros aspectos ainda não

explorados pela autora, como a verificação do fenômeno do "desgarramento"

em sincronias passadas e averiguar a questão do estigma/preconceito no uso

dessas estruturas.

Para tanto, os objetivos específicos que se pretende alcançar nesta

dissertação são:

i. comprovar que já existiam essas orações adjetivas explicativas

desconectadas de seu referente na modalidade escrita do

Português Brasileiro (PB) nos séculos XIX e XX; mostrar o uso

dessas cláusulas verificando se diminuiu, se este uso se mantém

estável ou se aumenta ao se compararem os séculos XIX, XX e

XXI.

ii. Mostrar a relação forma-função, pois se pretende estudar a forma

como essas estruturas aparecem nos textos, bem como a função

de focalização de ideias e porções de texto ao se mostrarem

desconectadas de seu referente/núcleo.

iii. Mostrar a integração sintático-pragmática dessas estruturas

devido à força argumentativa contida nessas cláusulas, que

servem para organizar o fluxo de informação, como avaliação,

detalhamento, comentário, reafirmação etc. através dos gêneros

selecionados essencialmente argumentativos.

iv. Mostrar a relação existente entre o uso e as amostras de menor,

médio e alto grau de monitoramento linguístico com o intuito de se

verificar se há ou não estigma no emprego do "desgarramento".

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Assim, esta dissertação encontra-se estruturada da seguinte forma:

além deste capítulo introdutório, destinado à apresentação do tema a ser

estudado, tem-se no capítulo 1, uma revisão da literatura linguística sobre as

orações adjetivas, em que se propõe definir, apresentar os valores discursivos

e prosódicos, além das etapas de transformação e posição sintática, e

estratégias de relativização. O capítulo 2 também é uma revisão da literatura

linguística, mas aborda em específico as orações adjetivas explicativas sob o

olhar da Tradição Gramatical e de linguistas.

O capítulo 3 está reservado para as questões teóricas da linguística

Funcionalista e também reserva espaço para as importantes contribuições da

pesquisadora Decat (1993, 1999, 2001, 2004, 2008, 2009a, 2009b, 2011, 2014)

acerca do "desgarramento" e de outros pesquisadores de outras linhas teóricas

que também contribuiriam para o entendimento deste fenômeno. O capítulo 4

apresenta a metodologia empregada para a obtenção de dados, além de uma

caracterização do corpus selecionado e dos gêneros que constituem os

recortes de jornais. No capítulo 5, temos a análise dos resultados obtidos em

quatro seções.

Encerra-se a dissertação com as Considerações Finais e a Bibliografia

utilizada. Também apresentamos os dados obtidos inseridos em seu contexto

integral no capítulo de Anexos.

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1. ORAÇÕES ADJETIVAS

Um dos recursos sintáticos mais utilizados

pelo usuário da língua durante uma conversação

espontânea ou mesmo na produção de um texto

escrito (principalmente no modo textual descritivo)

é o uso das orações adjetivas, pois estas

expandem, por elaboração, um termo anterior que

pode estar ou não inserido dentro de uma oração

principal. Neste capítulo, procura-se revisitar a

Gramática Tradicional e comparar sua descrição

com as descrições de outras obras linguísticas

consideradas não Tradicionais com o intuito de

situar e definir as chamadas orações adjetivas;

analisar suas propriedades e seus valores

semânticos; compreender as etapas de

transformações pelas quais passam e sua posição

sintática; apresentar as estratégias de relativização.

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1.1 Definição

Dentre os dois grandes grupos de articulação das orações previstos

pela Gramática Tradicional e também por Gramáticas não Tradicionais, isto é,

a Coordenação e a Subordinação, as orações adjetivas fazem parte da

subordinação juntamente com as orações substantivas e as orações

adverbiais. Estes três grupos de orações têm em comum, segundo a GT, a

propriedade de ocuparem o lugar de uma proforma e de estarem vinculadas a

um termo da oração principal ou a ela como um todo, por isso, o nome de

subordinadas. Deste modo, uma oração substantiva ocupará a posição de uma

proforma que possui o comportamento de um substantivo; a oração adjetiva, a

de um adjetivo, e a adverbial substituirá o lugar de um advérbio. Vejam-se os

exemplos7 em (1)8 de orações subordinadas contidas dentro de um sintagma

nominal:

(1) a. O receio [de que Ana estivesse no avião que caiu] deixou o marido transtornado. b. A esposa não estava no avião [que caiu]. c. [Antes que a Torre de Controle recebesse o pedido de ajuda] o avião caiu.

Em (1a), a oração em destaque entre colchetes é argumento do nome

receio equivalendo ao complemento nominal e ocupa o lugar de uma proforma

de valor substantivo, a saber disto. Em (1b), a oração destacada é adjunto do

nome avião, equivalendo a um adjunto adnominal e assumindo o lugar de uma

proforma de valor adjetivo. Em (1c), a oração em destaque é adjunto do verbo

cair, equivalendo a um advérbio e ocupando o lugar de uma proforma de valor

adverbial. Sendo assim, observa-se que todas as orações destacadas estão

em relação de dependência a um termo da oração (seja este termo contido na

oração principal ou não) ou a uma oração inteira, e, por consequência, estas

orações destacadas fazem parte do grupo de orações subordinadas.

A principal propriedade que distingue a oração adjetiva das outras

subordinadas anteriormente e brevemente mostradas é a modificação de

qualquer substantivo ou vocábulo de comportamento semelhante, isto é, o

pronome, tendo em vista que quase todos aceitam o sintagma adjetival e, por

7 Por uma opção metodológica e organizacional, decidiu-se por reiniciar a contagem dos exemplos a cada início de capítulo.

8 Exemplos criados pela autora da dissertação.

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isso, fazem parte do sintagma nominal em um nível hierárquico inferior com o

termo o qual se relaciona. Já as outras orações substituem o termo por

completo estando em relação direta com o predicador, seja ele nominal ou

verbal.

Há outras propriedades formais que fazem com que as orações

adjetivas sejam distintas das demais orações de seu grupo. Desta forma,

voltamos a nossa atenção, a partir de agora, apenas ao estudo das orações

adjetivas. Para isso, tomamos por base a análise de três gramáticas de linha

tradicional, a saber: Bechara (2004), Cunha & Cintra (2001) e Rocha Lima

(2004). A escolha destas obras se deve pela alta procura e/ou recomendação

bibliográfica destas em qualquer área que envolva a língua portuguesa, como

escola, concurso público, ENEM etc. A fim de comparar a abordagem

tradicional com a não tradicional, também foram escolhidas mais três

gramáticas: Mateus et alli (2003), Neves (2011) e Raposo et alli (2013). A

escolha por estas obras se deve por serem materiais recomendados na área

de língua portuguesa e linguística nos cursos de nível superior. Assim,

traçaremos uma visão de estudos utilizados em níveis de ensino diferentes e

que abarcam propostas teóricas também diferentes, embora sejam todas

gramáticas de língua portuguesa.

As orações subordinadas adjetivas equivalem a classe de palavra

adjetivo e exercem a função sintática de um adjunto adnominal de um

substantivo (ou de um termo equivalente a um substantivo, ou seja, pronome)

antecedente, além de serem introduzidas por um pronome relativo. O Quadro

1, a seguir, apresenta os conceitos de orações subordinadas adjetivas contidos

em cada gramática de linha tradicional antes mencionada:

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Gramático Conceituação

Bechara (2004, p. 465)

"O adjunto adnominal representado pelo adjetivo [...] pode também ser representado por uma oração que, pela equivalência semântica e sintática [...], se chama adjetiva."

Cunha & Cintra (2001, p. 601)

"As orações subordinadas adjetivas vêm normalmente introduzidas por um pronome relativo, e exercem a função de adjunto adnominal de um substantivo ou pronome antecedente."

Rocha Lima (2004, p. 271)

"Estas orações, que valem por adjetivos, funcionam como adjunto adnominal. Na trama do período, subordinam-se, portanto, a qualquer termo da oração anterior cujo núcleo seja substantivo, ou equivalente de substantivo."

Quadro 1 - Conceito das Orações Subordinadas Adjetivas, segundo as Gramáticas Tradicionais.

Como se verá a seguir, não é muito diferente a conceituação das

orações adjetivas em gramáticas não tradicionais como as de Mateus et alli

(2003), Neves (2011) e Raposo et alli (2013). Estes autores utilizam um outro

rótulo para catalogar, classificar, esse grupo de orações, denominando-o de

"oração relativa". Tal denominação dá-se graças ao introdutor desse tipo de

oração - pronome relativo. Vejam o Quadro 2 a seguir:

Gramático Conceituação

Mateus et alli (2003, p. 655)

"As orações relativas são orações subordinadas iniciadas pelos tradicionalmente designados "pronomes", "advérbios" ou "adjectivos relativos". Na sua modalidade mais típica, as relativas são formas de modificação de uma expressão nominal antecedente; mas podem ser igualmente uma forma de modificação de uma outra oração".

Neves (2011, p. 365)

"Os pronomes relativos introduzem uma oração de função adnominal, isto é, uma oração adjetiva".

Raposo et alli (2013, p. 2061)

"As orações relativas mais típicas modificam um nome ou grupo nominal dentro de um sintagma nominal complexo".

Quadro 2 - Conceito das Orações Relativas, segundo as Gramáticas não Tradicionais.

Com relação à forma, as orações adjetivas podem se apresentar como

(a) orações desenvolvidas, em que o verbo se encontra flexionado no modo

indicativo ou subjuntivo e são introduzidas por um pronome relativo, como em

"ele foi o primeiro [que se apresentou]", ou como (b) orações reduzidas, em

que o verbo se encontra em sua forma nominal (infinitivo, gerúndio ou

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particípio) e não são introduzidas por um pronome relativo, como em "ele foi o

primeiro [a se apresentar]".

Estas orações adjetivas subordinam-se a sintagmas nominais, SN,

desde que o núcleo seja um substantivo. Para tanto, estes sintagmas

antecedentes às orações relativas podem exercer as funções sintáticas de:

Sujeito, Predicativo, Objeto Direto, Objeto Indireto, Complemento Nominal,

Agente da Passiva, Adjunto Adnominal e Adjunto Adverbial. Como ilustração do

que foi dito antes, seguem a seguir alguns exemplos em (2)9:

(2) a. Oração adjetiva funcionando como adjunto adnominal do sintagma antecedente cujo pronome relativo exerce a função de SUJEITO: O aluno [que estuda] aprende. b. Oração adjetiva funcionando como adjunto adnominal do sintagma antecedente cujo pronome relativo exerce a função de PREDICATIVO: Deixe-me viver como solitário, [que sou]. c. Oração adjetiva funcionando como adjunto adnominal do sintagma antecedente cujo pronome relativo exerce a função de OBJETO DIRETO: A gramática [que adotamos] é excelente. d. Oração adjetiva funcionando como adjunto adnominal do sintagma antecedente cujo pronome relativo exerce a função de OBJETO INDIRETO: Joana, [a quem comuniquei o resultado do concurso], não pareceu lembrar-se de mim. e. Oração adjetiva funcionando como adjunto adnominal do sintagma antecedente cujo pronome relativo exerce a função COMPLEMENTO NOMINAL: Os prodígios, [de que este rapaz é capaz], são incalculáveis. f. Oração adjetiva funcionando como adjunto adnominal do sintagma antecedente cujo pronome relativo exerce a função de AGENTE DA PASSIVA: Desconfia sempre das pessoas [por quem é bem tratado.] g. Oração adjetiva funcionando como adjunto adnominal do sintagma antecedente cujo pronome relativo exerce a função de ADJUNTO ADNOMINAL: A torta de creme [cuja validade estava vencida] ficou azeda. h. Oração adjetiva funcionando como adjunto adnominal do sintagma antecedente cujo pronome relativo exerce a função de ADJUNTO ADVERBIAL: Naquele momento, [no qual me surpreendi], senti a maior emoção de minha vida.

9 Exemplos criados pela autora da dissertação.

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Após termos caracterizado as orações adjetivas nas gramáticas

tradicionais e não tradicionais, agora mostraremos os valores semânticos

atribuídos a essas orações e comentaremos as questões prosódicas que são

comumente associadas às adjetivas na modalidade escrita.

1.2 Valores discursivos e prosódicos

Pelo critério semântico, as orações adjetivas subdividem-se em duas

categorias: (a) as restritivas e (b) as explicativas. A característica principal das

restritivas reside na delimitação do seu referente, já que o vocábulo "restringir",

segundo Houaiss (2009)10, significa "reduzir(-se) a limites mais estreitos";

"limitar(-se)", "delimitar(-se)"; enquanto a particularidade das explicativas se

encontra em um esclarecimento ou em um comentário do que está em foco,

tendo em vista que "explicar", segundo o mesmo dicionário Houaiss (2009),

significa "tornar claro", "fazer entender sobre".

O Quadro 3, a seguir, exemplifica as caracterizações desses dois tipos

de orações adjetivas, que se podem encontrar nos três gramáticos tradicionais

revisitados:

10 O dicionário utilizado para esta pesquisa é de versão eletrônica.

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Gramático Conceituação

Bechara

(2004, p. 466-467)

Oração Restritiva: "restringe uma realidade que se

opõe a outras."

Oração Explicativa: "alude a uma particularidade

que não modifica a referência do antecedente e que,

por ser mero apêndice, pode ser dispensada sem

prejuízo total da mensagem."

Cunha e Cintra

(2001, p. 604)

Oração Restritiva: "como o nome indica,

restringem, limitam, precisam a significação do

substantivo (ou pronome) antecedente. São, por

conseguinte, indispensáveis ao sentido da frase [...]."

Oração Explicativa: "acrescentam ao antecedente

uma qualidade acessória, isto é, esclarecem melhor

a sua significação, à semelhança de um aposto.

Mas, por isso mesmo, não são indispensáveis ao

sentido essencial da frase."

Rocha Lima

(2004, p. 271)

Oração Restritiva: "tem por ofício delimitar o

antecedente, com o qual forma um todo significativo;

em razão disso, não pode ser suprimida, sob pena

de a oração principal ficar prejudicada em sua

compreensão."

Oração Explicativa: "é o termo adicional, que

encerra simples esclarecimento ou pormenor do

antecedente - não indispensável para a

compreensão do conjunto." Quadro 3 - Oração Adjetiva Restritiva e Explicativa no âmbito da Gramática Tradicional.

Como se pode perceber pelo Quadro 3, em todos os gramáticos

tradicionais, a oração adjetiva restritiva é fundamental para a compreensão do

sentido do todo oracional ao restringir e especificar o seu antecedente, além

disso, semanticamente, sua presença faz oposição a outras realidades; já a

oração adjetiva explicativa, por ser um adendo, de caráter parentético, é

perfeitamente dispensável, sintaticamente, sem prejuízo do todo oracional,

mas, semanticamente, não pode ser removida do período, pois o autor a

pronunciou com um propósito informacional. Vejam a seguir, no Quadro 4, os

conceitos das relativas restritivas e das relativas apositivas em gramáticas de

linha não tradicional como forma de comparação:

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34

Gramático Conceituação

Mateus et alli (2003, p. 655; 671)

Relativa Restritiva: "as relativas restritivas ou determinativas contribuem para a construção do valor referencial da expressão nominal".

Relativa Apositiva: "as relativas apositivas exprimem um comentário do locutor acerca duma entidade denotada por um SN, o antecedente da relativa. Ao contrário das relativas restritivas, não contribuem para a construção do valor referencial da expressão nominal que as antecedem; tem um carácter parentético, que é dado na oralidade por pausas e na escrita por vírgulas ou traços".

Neves (2011, p. 375)

Relativa Restritiva: "a informação introduzida serve para identificar um subconjunto dentro do conjunto".

Relativa Apositiva: “a informação introduzida é suplementar, não servindo para identificar nenhum subconjunto dentro do conjunto".

Raposo et alli (2013, p. 2067)

Relativa Restritiva: "podem estar integradas em construções relativas que constituem um só grupo sintático e prosódico. Nestes casos, não existe qualquer rutura, sintática ou melódica, entre o antecedente e a oração relativa. Ou seja, neste tipo de estrutura, as orações relativas pertencem ao mesmo sintagma nominal que o nome modificado e são modificadores desse nome".

Relativa Apositiva: "podem formar um grupo sintático e prosódico autónomo, que se destaca do restante material (precedente) do sintagma nominal complexo. Essa independência prosódica e sintática é convencionalmente representada na escrita através do ladeamento por vírgulas, travessões ou parênteses."

Quadro 4 - Oração Relativa Restritiva e Apositiva no âmbito da Gramática não Tradicional.

Vê-se nestas gramáticas não tradicionais que há um conceito muito

mais amplo contemplando não só o valor semântico, como faz a tradição, mas

também o prosódico de ambas as estruturas, com exceção de Neves (2011).

Não se usam nestes gramáticos termos como "acessórios" ou "dispensáveis"

para definir as orações explicativas/apositivas e sim como complementar e/ou

parentético. Os autores também situam as orações relativas dentro do

sintagma ao qual pertencem e como se comportam dentro dele, além de

levantar as questões gráficas no âmbito da escrita.

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Para representar as diferenças conceituais anteriormente mostradas,

seguem alguns exemplos em (3) e (4)11:

(3) a. Enviei um presente para meu primo [que mora em Portugal]. b. Os idosos [que gostam de dançar] se divertiram muito na pista de dança ontem. (4) a. Enviei um presente para meu primo, [que mora em Portugal]. b. Os idosos, [que gostam de dançar], se divertiram muito na pista de dança ontem.

Examinando o exemplo (3), letra (a), pode-se afirmar pelo cotexto que

a pessoa que fala/escreve tem no mínimo dois primos, mas o que foi

presenteado foi aquele que mora em Portugal. Desta maneira, o sintagma

preposicionado (SPrep) [para meu primo] foi individualizado, apontado pela

oração relativa restritiva. Ainda em (3), agora na letra (b), pode-se afirmar com

base no cotexto que havia mais de dois idosos na festa e apenas se divertiram

na pista de dança aqueles que gostam de dançar. Assim, o sintagma nominal

(SN) [os idosos] foi delimitado, caracterizado pela oração relativa restritiva.

Explorando o exemplo (4), letra (a), pode-se afirmar que o autor da

oração tem apenas um único primo, e a oração relativa apositiva adiciona uma

informação, um adendo, um comentário sobre este primo que mora em

Portugal. Ainda em (4), observando a letra (b), todos os idosos que

participaram da festa se divertiram muito na pista de dança, porque todos

gostam de dançar. Sendo assim, a oração relativa apositiva traz uma

observação, um comentário, um adendo sobre o sintagma nominal [os idosos].

Também pode ser visto nos exemplos em (3) que as orações restritivas

são caracterizadas pela ausência de sinais de pontuação entre a oração matriz

e a subordinada, revelando uma maior integração entre a relativa e o termo ao

qual se liga, já que se encontra dentro do sintagma nominal, seguindo uma

mesma cadência entonacional, produzida sem pausa. Em contrapartida,

observando os exemplos em (4), as orações apositivas ainda são

caracterizadas quanto aos aspectos prosódicos, pois embora a oração relativa

pertença ao mesmo sintagma nominal, ela possui uma certa autonomia

característica dos apostos, que, ao transpor uma oração composta na fala para

a escrita, são marcadas pela presença das vírgulas correspondendo a pausa(s)

11 Exemplos (3) e (4) criados pela autora da dissertação.

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iniciais e finais, como no exemplo em (4). Também são aceitos os parênteses,

como em (5)12, e os travessões, como em (6)13:

(5) "Seus embaixadores em todo o mundo foram instruídos a propor aos governos locais um acordo bilateral, pelo qual os países se comprometeriam a não indicar por crimes de guerra, perante o recém-criado Tribunal Penal Internacional (do qual os EUA não quiseram fazer parte), qualquer soldado americano que tenha combatido em seu território."

(GARCIA, L. A falta que faz o general. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 12/09/2002)

(6) "Uma noite estranha, cheia de mistérios, pois assim são as noites - em que se escancaram as janelas, em busca de alguma brisa."

(FALABELLA, M. Um coração urbano. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 24/10/2002)

Esta questão da pontuação é melhor elucidada na seção 1.3, a seguir,

em que são esclarecidas as posições sintáticas de cada uma dessas orações.

Assim, as informações sobre as orações subordinadas adjetivas, nas três

gramáticas tradicionais, são praticamente as mesmas, diferenciando-se apenas

na forma de explicar/apresentar o conteúdo por elas veiculado; já nas

gramáticas não tradicionais, as explicações dadas às orações são mais

detalhadas e também são abolidos os conceitos "acessórios" e "dispensáveis"

para conceituar as relativas apositivas.

Na próxima seção, mostramos as etapas de transformação de duas

orações simples para se transformar em uma oração complexa adjetiva e as

determinações das posições sintáticas ocupadas pelas restritivas e pelas

apositivas de acordo com a Teoria Gerativista.

1.3 Etapas de transformação e posição sintática

Para uma melhor compreensão das orações relativas, é necessário

apresentar as etapas de transformações que sofrem as orações simples para

se tornarem em uma única oração complexa, ou seja, os processos pelos quais

passam duas orações independentes até se tornarem matriz e subordinada.

Muitas vezes em sala de aula, este procedimento de análise é utilizado, a fim

de que os alunos compreendam as operações e movimentos sintáticos

12 Exemplo (4) retirado de Souza (2010, p. 166).

13 Exemplo (5) retirado de Souza (2010, p. 166).

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envolvidos na transformação do nível mais simples para o mais complexo em

termos estruturais. Por se tratar de um método transformacional, não foi

localizada a demonstração de formação de uma oração adjetiva em nenhuma

das obras tradicionais escolhidas, mas a encontramos nas obras de Mateus et

alli (2003) e Raposo et alli (2013), que são gramáticas Formalistas. Sendo

assim, apresentam-se as transformações realizadas nas orações relativas,

segundo o olhar de Mateus et alli (2003)14. Começa-se a análise da oração

relativa restritiva e em seguida passa-se à da oração relativa apositiva.

Para que haja o encaixamento de uma relativa restritiva a um SN, as

duas orações base precisam ter dois nomes idênticos e que sejam

correferentes. A primeira etapa do processo é o encaixamento, em que a

oração relativa restritiva é encaixada no Sintagma Adjetivo (SA) (representado

por uma categoria vazia chamada Especificador) pertencente ao SN da oração

a qual se articulará, conhecida como matriz, exercendo, assim, a função de

Adjunto adnominal. A segunda etapa é o deslocamento, em que o SN idêntico

da oração relativa se move para a posição inicial da oração, ficando os dois

SNs um ao lado do outro. A última etapa é a pronominalização, momento em

que o SN da oração relativa é substituído pelo pronome relativo. Desta

maneira, a função exercida pelo SN na oração relativa passará a ser exercida

pelo pronome relativo; a referência existente entre os SN idênticos, o pronome

irá absorver; e, por fim, ele articulará as duas orações. Considerem o exemplo

em (7)15, a seguir, a representação destas etapas:

(7) A gratidão é um sentimento [Esp]. [Sempre devemos demonstrar nosso sentimento]OR. (i) A gratidão é um sentimento [sempre devemos demonstrar nosso sentimento]. (ii) A gratidão é um sentimento [nosso sentimento sempre devemos demonstrar]. (iii) A gratidão é um sentimento [que sempre devemos demonstrar].

Assim, a oração relativa exerce função de adjunto adnominal, sob a

forma de um sintagma complementizador (SC), e passa a integrar o SN,

Predicativo do Sujeito. Por esta razão, não há pausa, na fala, e nem vírgulas,

na escrita, separando a oração relativa do antecedente, pois o SC está contido

14 Julgou-se indispensável falar sobre o processo de transformação sintática nos dois tipos de oração relativa com o intuito de reforçar a função exercida por cada um desses sintagmas oracionais e como se alocam na oração matriz. Assim, através de operações estritamente sintáticas, refuta-se, mais uma vez, a classificação dos gramáticos tradicionais em adjunto adnominal para a oração restritiva e explicativa.

15 Exemplos criados pela autora da dissertação.

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em SN, participando do mesmo contorno entonacional. Observem a estrutura

em (8) e a representação arbórea do Predicativo do Sujeito-SN de (8) em (8'):

(8) [A gratidão]SN é [SDum [SNsentimento [SCque sempre devemos demonstrar]]].

(8') SD g D' wo

D SN um wo

SN SC sentimento que sempre devemos demonstrar

Passa-se, agora, à análise estrutural das orações relativas apositivas.

Segundo Mateus et alli (2003), o aposto é uma expansão do sintagma no qual

se liga, sendo assim, não seria diferente com as orações relativas apositivas,

que também expandem o SN ao qual se conectam. Desta forma, a primeira

etapa do processo é a expansão, em que a oração relativa apositiva é alocada

na expansão do SN pertencente à oração a qual se articulará, exercendo,

assim, a função de Aposto. A segunda etapa é o deslocamento, em que o SN

idêntico da oração relativa se move para a posição inicial, ficando os dois SNs

um ao lado do outro (quando o SN exerce a função de sujeito, a segunda

operação fica vazia, pois o SN não precisa ser deslocado). A última etapa é a

pronominalização, momento em que o SN da oração relativa é substituído pelo

pronome relativo. Da mesma forma como acontece com a oração relativa

restritiva, a função exercida pelo SN na oração apositiva passará a ser exercida

pelo pronome relativo; a referência existente entre os SN idênticos, o pronome

também irá absorver; e, por fim, ele articulará as duas orações. Considerem o

exemplo em (9)16, a seguir, como ilustração destas etapas:

(9) João foi ganhar a vida nos EUA. [A terra das oportunidades é o EUA]OR. (i) João foi ganhar a vida nos EUA [a terra das oportunidades é o EUA]. (ii) João foi ganhar a vida nos EUA [Os EUA é a terra das oportunidades]. (iii) João foi ganhar a vida nos EUA [que é a terra das oportunidades].

Assim, a oração relativa exerce função de aposto (e não de adjunto

adnominal, como corrobora a GT), sob a forma de um sintagma

complementizador (SC), e expande o SD [os EUA] e passa a integrar um SD

maior que pertence a um Sintagma Preposicionado-Adjunto Adverbial. Por esta

16 Exemplos criados pela autora da dissertação.

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razão, há pausa, na fala, e marcação de vírgulas, na escrita, separando a

oração relativa do antecedente, pois o SC não está contido no SD, mas

integrando um SD de nível hierárquico maior, não participando do mesmo

contorno entonacional. Comparem com (8) e (8'), a estrutura em (10) e a

representação arbórea do Adjunto Adverbial-SPrep de (10) em (10'):

(10) João foi ganhar a vida [SPn[SDos EUA], [SCque é a terra das oportunidades]]

(10') SP g P' wo

D SD em wo

SD SC os EUA que é a terra das oportunidades

Na próxima seção, apresentam-se as outras duas estratégias de

relativização não canônicas, isto é, não tratadas pela Gramática Tradicional.

Vale lembrar que estas estratégias estão intimamente relacionadas às orações

adjetivas restritivas, por esse motivo, as apresentamos brevemente, pois o

interesse dessa dissertação está nas orações adjetivas explicativas.

1.4 Estratégias de relativização

Além das seções anteriores deste capítulo que conceituam e

descrevem as orações adjetivas (ou relativas), não poderíamos deixar de tratar

dos outros usos de orações relativas, que não são analisados ou que são

considerados como marginais pela gramática tradicional. Já as gramáticas não

tradicionais costumam abrir uma seção específica só para tratar desses usos

das orações relativas.

Após análises variacionistas e funcionalistas da linguagem nesta

temática (MATTOS E SILVA, 1995; CASTILHO, 2002; SOUZA, 2009; SOUZA,

2010; DUARTE, 2011; KENEDY, 2014), verificou-se que essas estratégias

ocorrem predominantemente na fala, mas já foram introduzidas na modalidade

escrita, porque são utilizadas por diferentes grupos sociais, de níveis de

escolarização diferenciados, apresentando até no mesmo indivíduo variação

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entre as estratégias de relativização de acordo com o contexto social. São elas:

(a) relativa copiadora ou lembrete e (b) relativa cortadora. Segundo os

pesquisadores, a relativa cortadora goza de maior prestígio de uso em relação

às formas padrão e cópia, o que permite supor um quadro de mudança em

andamento.

Dentre as seis gramáticas selecionadas para essa pesquisa, apenas

três, Bechara (2004, p. 491-492), Mateus et alli (2003, p. 666) e Raposo et Alli

(2013, p. 2127) abordam as estratégias de relativização não canônicas em

suas descrições. Como já foram vistas as etapas de transformação por que

passam as orações relativas na seção 1.3, fica mais fácil de compreender

agora a formação destas duas estratégias:

(a) Relativa Copiadora - caracteriza-se pela inserção de um pronome

cópia ou lembrete com função anafórica juntamente com o pronome relativo

que. São mais frequentes em relativas complexas, mas também aparecem em

relativas simples. A relativa copiadora é iniciada apenas por “que” e por conta

disso, há o preenchimento de uma lacuna por um pronome cópia (pronomes

pessoais, demonstrativos, advérbios locativos) dentro do SC (oração

subordinada), pois se trata de um pronome correferencial ao SN da oração

matriz (concordando em número e pessoa) alocado na mesma posição/função

em que se encontrava originalmente o SN da oração relativa; por esta razão,

esta estratégia tem o nome de “copiadora”. Vejam o exemplo extraído de

Bechara (2004, p.492):

(11) "O homem que eu falei com ele."

Em (11), o pronome pessoal ele aparece como lembrete retomando o

SN homem. De acordo com a estratégia padrão, tal estrutura deveria ser "o

homem com quem eu falei".

(b) Relativa Cortadora - caracteriza-se pela eliminação/apagamento do

SPrep em posição inicial (quando deveria conter) mantendo apenas o pronome

relativo que. Esta estratégia utiliza as mesmas etapas de construção da relativa

padrão, entretanto, há uma modificação na última etapa. A relativa cortadora

apaga a preposição exigida pela regência do predicador da oração encaixada

na qual o SN correferencial é introduzido por uma preposição, utilizando um

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pronome universal "que" que já não tem mais a função de pronome relativo,

apenas de conectivo. Veja-se o exemplo retirado de Bechara (2004, p.492):

(12) "Agora sim, disse então aquela cotovia astuta, agora sim, irmãs, levantemos o vôo e mudemos a casa, que vem quem lhe dói a fazenda" [Quem lhe dói a fazenda = a quem dói a fazenda]

Em (12), a preposição a exigida pelo verbo doer foi cortada/eliminada

na construção desta oração relativa. Segundo a estratégia padrão, tal estrutura

deveria ser "(...) levantemos o vôo e mudemos a casa, que vem a quem lhe dói

a fazenda".

Sendo assim, finalizamos o capítulo de Orações Adjetivas após, de

modo geral, definir/caracterizar essas estruturas; apresentar seus valores

semânticos, prosódicos e respectivas interferências no meio escrito; as etapas

de transformações que acontecem mentalmente e as posições sintáticas que

estas estruturas ocupam na sentença e também as estratégias de relativização.

O capítulo seguinte está voltado apenas para as Orações Adjetivas

Explicativas, da Gramática Tradicional (também conhecidas como Orações

Relativas Apositivas), pois o foco dessa dissertação está voltado para essas

estruturas: o "desgarramento" dessas cláusulas em relação ao referente.

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2. ORAÇÕES ADJETIVAS EXPLICATIVAS

Um dos recursos sintáticos utilizados no

processo de argumentação é o uso das orações

adjetivas explicativas (ou relativas apositivas), pois

estas introduzem uma informação como forma de

comentário, adendo. Neste capítulo, procura-se

revisitar a Gramática Tradicional com o intuito de

averiguar se são suficientes as definições

atribuídas às orações adjetivas "explicativas" da

tradição. Também são revistas outras três

abordagens descritivas acerca das relativas

apositivas que vão além da GT, i.e., obras que não

podem ser consideradas como tradicionais (duas

seguem a linha teórica do Formalismo e uma segue

a linha do Funcionalismo). Por fim, delimita-se o

objeto de estudo desta pesquisa e se apresentam

os nossos objetivos.

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2.1 Na Tradição Gramatical

A variedade da língua contemplada nas obras tradicionais (modelos

prescritivos) é a norma padrão do português, portanto, são raras as

observações ou notas de rodapé encontradas nas gramáticas prescritivas que

descrevem e/ou comentam o padrão culto de uso. Para representar a tradição,

nesta seção da dissertação, optou-se pelas gramáticas de Bechara (2004),

Cunha & Cintra (2001) e Rocha Lima (2004), como já foi justificado

anteriormente.

As orações adjetivas explicativas não têm o mesmo status em termos

de descrição dado às orações adjetivas restritivas, na tradição. As qualificações

como "acessórios", "dispensáveis" e "apêndice" são usuais para descrevê-las

e, por consequência, as definições se tornam ineficazes ou, mesmo,

insuficientes.

Sendo assim, todas as descrições e conceitos destinados a essas

orações, segundo essa linha de análise, se encontram no capítulo anterior da

revisão de literatura (cf. seção 1.1, p. 28 e seção 1.2, p. 32).

2.1.1 Os pronomes relativos

Os pronomes relativos são os responsáveis por articular a oração

adjetiva com o termo antecedente ou com toda a oração anterior a ela, por se

referir a um termo antecedente (caráter anafórico) e por introduzir a oração

subordinada adjetiva (exercendo função sintática dentro desta). Os pronomes

relativos, segundo a GT, são: que17, qual, o qual (e suas variantes), quem, cujo

17 Para a mesma forma que, há mais outras funções previstas pela GT responsáveis por introduzir outras estruturas oracionais subordinadas: (a) a função exercida de uma conjunção integrante; e (b) a função exercida como conjunção subordinativa. A conjunção integrante, assim como a subordinativa, não exerce função sintática dentro da oração subordinada e também não tem referência anafórica, como o pronome relativo; apenas conectam as orações simples com o propósito de torná-las uma oração complexa. A conjunção integrante introduz uma oração subordinada que exerce a função de substantivo, encaixando o SO no interior de um SN pertencente à oração principal, assim, o SO passa a exercer a função que o SN já exercia. Já a conjunção subordinativa introduz uma oração subordinada que exerce função de advérbio, alocando o SO no lugar do SAdv previsto na oração principal, assim o SAdv aparece em forma de oração.

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(e suas variantes), quanto (e suas variantes), onde. A descrição dos pronomes

relativos inicia-se aqui pela forma e pelo valor referencial, e em seguida estes

são descritos pela função por eles exercida.

Que é o pronome universal e, a depender da estrutura oracional a que

se insere (regência verbal), as preposições podem surgir conjugadas com o

pronome relativo, como pode ser visto nos exemplos em (1) da seção 3.1, e o

mesmo acontece para os seus substitutos qual ou o qual (e suas variantes);

além disso, referem-se a pessoas e coisas de forma geral. Por ser universal, o

pronome relativo que é bastante utilizado na articulação das orações adjetivas,

tanto restritiva quanto explicativa.

O pronome que também pode ser substituído pelo pronome quem,

desde que a referência seja a uma pessoa ou coisa personificada. O pronome

cujo (e suas variantes) traduz a ideia de posse com o seu antecedente e pode

ser substituído por do qual (e variantes). O pronome quanto (e variantes) é

utilizado para antecedentes que tenham um valor indefinido. Através dos

exemplos de (2) a (6) do capítulo anterior (cf. seção 1.1, p. 31; seção 1.2, p. 35-

36), podem ser vistos o pronome relativo (universal) que e seus substitutos

introduzindo as orações adjetivas restritivas e explicativas.

Quanto aos advérbios onde, quando e como, o único que é aceito por

todos os gramáticos aqui estudados da tradição gramatical é onde, tratado

como advérbio relativo. Desta forma, o relativo onde funciona exclusivamente

como adjunto adverbial, pois o valor do seu antecedente é locativo e pode ser

substituído por em que, no qual. Por outro lado, segundo Souza (2009):

[...] sabemos que seu emprego é mais amplo tanto na produção

textual de estudantes, quanto em textos acadêmicos e jornalísticos,

que, em geral, são considerados modelares. A fronteira semântica

entre espaço físico e espaço nocional é tênue levando os usuários da

língua a generalizarem as duas categorias como “espaço”,

empregando o onde em construções não canônicas. (SOUZA: 2009,

p. 20)

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Sendo assim, segue no exemplo (1)18, letra (a), um caso de oração adjetiva

restritiva sendo introduzida por um advérbio relativo onde, segundo a tradição

gramatical, já que o antecedente "colégio" possui um traço semântico [+

Locativo]. Já a letra (b), é um exemplo de oração adjetiva apositiva não

canônica, pois o referente "análise de grupo" não representa um espaço físico,

mas sim, nocional. Segundo a GT, este pronome relativo "onde" de (1b)

deveria ser substituído por "que".

(1) a. O colégio [onde meu filho estuda] é excelente. b. "Com a perda dos meus pais e dos privilégios, fiquei reduzida a alguns pedaços meus e, com a nostalgia dos outros, fui fazer análise de grupo, [onde parecia finalmente pertencer a alguma coisa]."

(DAHL, Maria Lúcia. O quebra-cabeças. Jornal do Brasil, 01/09/2002.).

Os pronomes quando e como são aceitos apenas por Rocha Lima

(2004, p. 270) também como advérbio relativo, funcionando como adjunto

adverbial, respectivamente de tempo e modo. Desta forma, em (2)19, há um

exemplo de oração adjetiva iniciada por um advérbio relativo quando de

referente temporal "no sábado à noite"; e em (3)20, um exemplo de oração

adjetiva iniciada por um advérbio relativo como de referente modal "a maneira":

(2) "Entretanto, nossas palavras de cunho otimista começaram a ser desmascaradas no sábado à noite, [quando passamos por uma patrulha no Leblon que estava parando um veículo "suspeito]".

(VIEIRA, Paulo Gouvêa. O fim (de semana). O Globo, 25/10/2002)

(3) "Mas é inegável que o sistema atual já está funcionando a contento, e mais do que isso: para a revista "Time", por exemplo, [a maneira como foram conduzidas as eleições na Flórida parece, em comparação com o processo brasileiro, 'vergonhosamente antiquada']."

(Rápida e eficiente. O Globo, 19/10/03)

Há que se mencionar que, quando a oração relativa ocupa a posição

do SPrep, deve-se adicionar à estrutura uma preposição antes do pronome

relativo, pois na oração relativa há um predicador (verbal ou nominal) que

demanda uma preposição que satisfaça a sua regência. Considere-se o

exemplo (4)21, a seguir, como ilustração:

18 Em (1), letra (a), o exemplo foi criado pela autora da dissertação. O exemplo da letra (b) foi extraído de Souza (2009, p. 92).

19 Exemplo (2) extraído de Souza (2010, p. 167).

20 Exemplo (3) extraído de Souza (2010, p. 167).

21 Exemplo criado pela autora da dissertação.

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(4) Não encontrei o livro [de que preciso].

Em (4), o predicador verbal "preciso" demanda uma preposição que

satisfaça a sua regência verbal, no caso, a preposição "de". Esta, durante o

processo de relativização, é transferida para o início da oração adjetiva (antes

do pronome relativo).

A mesma observação feita com relação às preposições para as

adjetivas restritivas também se aplica às adjetivas explicativas. Serve como

modelo o exemplo (5) do capítulo anterior (cf. seção 1.2, p. 36), "do qual os

EUA não quiseram fazer parte". Neste caso, a composição verbo-nominal

"fazer parte" da estrutura adjetiva explicativa demanda uma preposição "de"; e

a mesma, após o processo de relativização, pode ser vista iniciando a oração,

antecedendo o pronome relativo.

Ainda no que tange aos pronomes relativos, segundo Bechara (2004,

p. 486), "é importante salientar que a função sintática do pronome relativo nada

tem a ver com a função do seu antecedente; ela é indicada pelo papel que

desempenha na oração subordinada a que pertence", ou seja, o SN

antecedente exerce função sintática na oração principal e o pronome relativo

(que faz referência anafórica a este SN) exerce outra função sintática na

subordinada.

Por fim, duas últimas observações a serem feitas aos articuladores

mencionados pela tradição gramatical. Em seções específicas para o pronome

relativo presentes nas gramáticas tradicionais, os únicos gramáticos que

destacam que, qual e o qual como introdutores de orações explicativas são

Cunha & Cintra (2001, p. 346-347), não fazendo qualquer menção aos demais

articuladores. Os demais gramáticos não fornecem qualquer informação desse

teor.

Além disso, como não é mencionado que uma oração ou um período

inteiro pode ser a referência para uma oração explicativa, e sim, apenas um

sintagma nominal, a tradição não aborda tais articuladores de forma mais

específica.

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47

2.2 Em Mateus et alli (2003)

Para uma abordagem não tradicional sobre o tema das orações

adjetivas, foi escolhida a gramática de Mateus et alli (2003) por se tratar de

uma obra portuguesa em que a variedade da língua contemplada é a norma

padrão do PE (embora, muitas vezes, as autoras abordem características de

outras variedades nacionais, geográficas e, também, sociais) calcadas no

Formalismo. Conforme o "Prefácio", a obra destina-se a descrições e análises

de um largo conjunto de aspectos da língua portuguesa e não a um

instrumento que regule o bom uso da língua, portanto, não é uma gramática

normativa.

Com relação à descrição do tema dessa pesquisa, esta gramática

aborda de forma diferente as orações adjetivas em relação à GT. Seguem três

pontos que merecem ser destacados, pois se diferenciam da tradição pelo

modo como as orações são analisadas.

O primeiro ponto observado é que as orações não mais são chamadas

de adjetivas, segundo um critério morfológico por se assemelharem à classe

dos adjetivos, e sim de orações relativas, graças às funções dos articuladores

próprios dessas orações, os pronomes relativos.

Como essas orações são subdivididas em dois grupos distintos

(restritivas e explicativas), outro fato interessante a ser mencionado, é que as

orações são tratadas em seções diferentes da gramática. Os autores procuram

descrever todos os aspectos relativos a cada uma dessas orações de forma

separada, e não em um único bloco como faz a GT, que acaba por privilegiar a

descrição e/ou prescrição das orações restritivas, já que as orações

explicativas são tratadas como veiculadoras de "informações acessórias".

A terceira questão refere-se ao nome de cada uma. A GT utiliza o

critério semântico para caracterizar os subgrupos de orações, em "restritiva",

por esta delimitar o sentido do SN, e em "explicativa", por esta fazer uma

explicação ou adendo do SN. Nesta gramática não tradicional selecionada, o

critério de classificação é semântico-sintático, pois as autoras relacionam a

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contribuição das orações relativas à construção do "valor referencial da

expressão nominal"22 e a função de adjunção fica reservada às adjetivas

restritivas da GT; para elas, relativas restritivas. Já a caracterização do "valor

parentético"23 e a função de aposto ficam destinados às adjetivas explicativas

da tradição. Por isso, preferem denominá-las de relativas apositivas.

Vale ainda mencionar a natureza do antecedente das orações

apositivas24. Como os antecedentes das apositivas são semanticamente

definidos (e em nota de rodapé, as autoras esclarecem que o SN deve ser

interpretado como um SD25), eles podem ser: (a) um N próprio; (b) pronome

pessoal; (c) SNs que podem conter demonstrativos e possessivos; (d) SN não

pode ser um adjetivo nominalizado; (e) não pode estar associado à expressão

idiomática. As autoras não deixam claro o que pode ocorrer de forma explícita

ou não. Por outro lado, todos os exemplos destinados às apositivas possuem

um antecedente explícito, já os antecedentes implícitos ficam reservados para

as orações relativas livres, que não são objeto de estudo desta dissertação.

2.2.1 Os pronomes relativos

A primeira novidade trazida por Mateus et alli (2003, p. 673) é que os

introdutores das orações relativas apositivas são chamados de "constituintes

relativos" e não de pronomes relativos, como faz a G.T. Entretanto, são os

mesmos articuladores indicados pela maioria dos gramáticos. Vejamos:

(...) de um modo geral, são os mesmos os constituintes relativos que

iniciam as apositivas e as restritivas: que isolado, como sujeito e

como objecto directo; que precedido de preposições, quem, o qual

(precedidos ou não de preposições), cujo, onde. (MATEUS ET ALLI:

2003, p. 673)

22 Mateus et alli (2003, p. 655).

23 Mateus et alli (2003, p. 671).

24 Mateus et alli (2003, p. 671-672).

25 Como foi mostrado na seção 1.3, p. 36, do capítulo anterior, a oração relativa apositiva (funcionando como um verdadeiro aposto) expande o sintagma já plenamente determinado, isto é, um sintagma determinante (SD) e não um sintagma nominal (SN), como as orações relativas restritivas.

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Assim, para cada constituinte relativo, as autoras indicam as funções

sintáticas exercidas dentro das orações relativas apositivas, como: que

(isolado) como sujeito ou objeto direto e que pode ser usado com referente

[+humano] ou [-humano]; que (preposicionado) com função de oblíquo; quem

(preposicionado) como objeto indireto, oblíquo ou genitivo com antecedente

exclusivamente [+humano]; o qual (precedido ou não de preposição) como

sujeito e objeto direto, e também pode ser usado com referente [+humano] ou

[-humano]; cujo + N como genitivo com antecedente [+humano] ou [-humano];

e por fim, onde unicamente como oblíquo e de valor [+locativo]. As autoras

também informam que o constituinte relativo o que, utilizado nas construções

das relativas apositivas, pode ter valor causal ou concessivo-contrastivo.

A segunda novidade trazida por Mateus et alli (2003) é que além das

orações relativas apositivas fazerem referência não só a um sintagma nominal,

como já preconizado pela tradição, as orações relativas apositivas também

podem ter como referente uma proposição anterior, isto é, um sintagma

oracional, como em (5)26 a seguir:

(5) Meu filho, [que não estudou nada o ano todo], passou em um concurso público, [o que muito me surpreendeu].

Como se vê, a constituição do período (5) é interessante, porque há

duas orações relativas apositivas: a primeira que não estudou nada o ano todo

traz uma informação sobre o SD "meu filho" em forma de adendo, de

explicação, tal como os gramáticos tradicionais conceituam e exemplificam; a

segunda o que muito me surpreendeu também é uma oração relativa apositiva,

mas seu referente é toda a proposição27 anterior "meu filho, que não estudou

nada o ano todo, passou em um concurso público", também como valor de

adendo.

Por esta razão, além dos constituintes relativos mencionados no trecho

destacado da gramática servirem como introdutores de orações relativas

apositivas com referente SN, como se verifica nos exemplos em (6)28:

26 Exemplo criado pela autora da dissertação.

27As autoras consideram "proposição" como "período", ou, dependendo de como o referente se apresenta, como uma "porção textual".

28 Exemplos criados pela autora da dissertação.

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(6) a. Júlio, que estava viajando, volta amanhã para trabalhar. b. Laura, a que deu a festa, estava de ressaca. c. O bilhete foi entregue ao destinatário, o qual já havia sido lido por um fofoqueiro. d. Heitor, a quem dei um presente, fez aniversário ontem. e. O bairro do Flamengo, onde vivi por vinte cinco anos, é muito charmoso.

precisam ser mencionadas as outras formas introdutórias das orações relativas

apositivas em que o referente é toda a proposição anterior (SO), como o

exemplo em (5). Segundo Mateus et alli (2003, p. 674-675), os articuladores

são: (a) que, (b) o que, (c) N + que, (d) N + D + que. Vejam-se a seguir em (7)

os exemplos extraídos de Mateus et alli (2003, p. 674) para tais possibilidades:

(7) a. "[...] as galerias vigarizam os pintores. De duas maneiras: ou pagam-lhes o ordenado mensal, [que é o caso de Baptista], entregando mensalmente um quadro ou coisa do género." b. "O Porto é uma cidade essencialmente barroca, [o que a aproxima de outras cidades europeias]." c. "[...] e diverti-me imenso, [coisa que é raríssima comigo], que eu não [...] acho graça nenhuma àqueles filmes um bocado pró idiota." d. "O projecto do Governo prevê duas carreiras paralelas, [situação essa que é rejeitada pelos Sindicatos]."

Em 7(a), por se tratar de um pronome relativo universal, o articulador

que não é comentado pelas autoras. Para a letra b em (7), são levantadas duas

questões: "um só morfema ou um antecedente seguido de que?". A GT postula

haver uma oração relativa dentro da estrutura apositiva, entretanto, segundo

Mateus et alli (2003, p. 675), não há nenhuma evidência de que se possa

separar o de que. Sendo assim, as autoras concluem que pode ser um único

morfema ou uma sequência de o e que em que houve necessariamente

reanálise, mas não deixam clara a escolha adotada por uma dessas duas

opções. Para o caso 7(c), as autoras acreditam se tratar de uma aposição

complexa, em que o N "coisa" retoma o conteúdo da proposição anterior e

inicia uma relativa apositiva, enquanto que inicia relativa restritiva delimitando o

N "coisa". Já 7(d), possui uma estrutura parecida com a de 7(c), a diferença é a

existência de um D "essa" com referência anafórica a N além da relativa

restritiva.

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2.3 Em Raposo et alli (2013)

Também foi escolhida uma outra obra portuguesa para compor o

quadro não tradicional sobre o tema das orações adjetivas. Publicada

recentemente, a gramática de Raposo et alli (2013) conta com dois grandes

volumes de descrição da língua portuguesa contemporânea. Por abordar todos

os níveis de análise linguística, como o fonético/fonológico, morfológico, lexical,

sintático e semântico, torna-se indispensável esta gramática para o estudo da

língua portuguesa em cursos de graduação e pós-graduação.

Conforme a "Introdução", a obra destina-se a uma combinação de duas

perspectivas distintas: (a) um estudo prescritivo da língua padrão do PE,

apresentando as características correspondentes à “maneira correta de falar”, e

(b) um estudo descritivo da língua, apresentando características

correspondentes aos demais dialetos e registros coloquiais ou menos formais,

sem preconceitos ou juízos de valor, ou seja, assim como fazem Mateus et alli

(2003), os autores têm o cuidado de descrever as características de outras

variedades geográficas, nacionais e também sociais, seguindo a linha

Formalista, com o objetivo de “contribuir para a compreensão do sistema

linguístico do português de forma tão abrangente quanto possível”29.

Com relação à descrição do tema desse estudo, esta gramática aborda

de forma diferente as orações adjetivas em relação à GT. Assim como fazem

Mateus et alli (2003), Raposo et alli (2013) não mais chamam essas orações de

“orações adjetivas”, segundo um critério morfológico, e sim, de orações

relativas, graças às características do articulador que as encabeçam; sendo

assim, o capítulo 39 é destinado à “subordinação relativa”. Com relação à

subdivisão das orações relativas, de acordo com as “diferentes características

prosódicas, sintáticas e semânticas” (RAPOSO ET ALLI: 2013, p. 2067), os

gramáticos decidem por denominá-las de “restritivas” e de “apositivas”, fugindo

do rótulo de “explicativa” da gramática tradicional. Uma outra similaridade com

a obra de Mateus et alli (2003) é que os gramáticos procuram descrever todos

29 RAPOSO ET ALLI: 2013, p. XXVII.

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os aspectos relativos a cada uma dessas orações de forma separada, e não

em um único bloco como faz a GT, privilegiando a descrição das relativas.

Uma semelhança em relação à GT, é que os autores acreditam que a

natureza do antecedente das orações relativas apositivas é sempre explícita,

assim como a das orações relativas restritivas, reservando a natureza implícita

dos antecedentes às orações relativas livres (ou sem antecedente). Além disso,

Raposo et alli (2013, p. 2115-2116) acrescentam que os referentes das

apositivas podem ser: (a) um adjetivo predicativo; (b) um pronome pessoal de

3ª pessoa, já que os pronomes pessoais são sintagmas referenciais

autônomos, diferentemente do que ocorre na relativa restritiva, que não os

aceita como referente; (c) nomes próprios, estejam no singular ou no plural; e

(d) não aceitam empilhamento30 de relativas apositivas em um mesmo

sintagma nominal, a menos que estejam coordenados, formando um único

aposto do mesmo referente.

Uma novidade em relação à GT, é que além dos antecedentes das

orações relativas apositivas serem nominais, eles também podem ser frásicos

(ou oracionais, como falam também Mateus et alli (2003, p. 674-675)). As

orações relativas de nome podem ser restritivas ou apositivas, mas as orações

relativas de frase sempre são apositivas. Os autores explicam que são sempre

apositivas, porque os sintagmas oracionais não possuem o traço

[+especificado], perdendo, assim, a possibilidade de modificação por orações

restritivas, já que restringem semanticamente o referente31.

30 Nas palavras de Raposo et alli (2013: 2118), empilhamento: "trata-se de um processo que não deve ser confundido com a possibilidade de, num mesmo sintagma nominal, haver várias orações relativas que modificam grupos nominais diferentes (e com núcleos diferentes) como em A professora [que chumbou o aluno [que entregou o trabalho [que tinha as páginas truncadas]]] tem uma péssima reputação. [...] não é possível empilhar orações relativas apositivas (ou qualquer outro tipo de aposto) num sintagma nominal, como se vê pela impossibilidade de *o Duarte, [que teve negativa], [com quem simpatizo] é muito atencioso. Para que um sintagma nominal possa conter duas orações relativas apositivas (ou, mais geralmente, dois apostos)), estas têm de ser coordenadas, formando, na realidade, uma única estrutura de aposição: cf. o Duarte [[que teve negativa] e/mas [com quem simpatizo]], é muito atencioso (neste caso, o antecedente para as duas orações relativas é igual, ao contrário do que acontece nos empilhamentos de orações relativas restritivas)."

31 Raposo et alli (2013, p. 2069).

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2.3.1 Os pronomes relativos

Diferentemente de Mateus et alli (2003), os autores fazem distinção

entre os "constituintes relativos" e os "pronomes relativos". Segundo eles, uma

oração relativa sempre será iniciada por um constituinte relativo, entretanto,

este pode ser simples (ou puro), i. e., o usuário da língua utiliza apenas o

morfema-Q32 para introduzir uma relativa; ou então pode ser complexo, ou seja,

há uma combinação de uma preposição com o pronome relativo, gerando um

SPrep. Os autores também informam que quando o constituinte relativo tem a

função de sujeito ou de objeto direto na oração relativa, o constituinte relativo e

o pronome relativo não se diferenciam33.

A série dos constituintes relativos introdutora das orações relativas

apositivas em Raposo et alli (2013) é diferente do inventário da GT, mas similar

ao de Mateus et alli (2003); os constituintes relativos, já analisados nas seções

anteriores (cf. 2.1.1, p. 43-46; 2.2.1, p. 48-50), são: que, o qual, quem, cujo, o

que.

Que, pronome invariável, segundo Raposo et alli (2013, p. 2081), não é

utilizado com muita frequência em orações relativas apositivas, mas utilizado

em registros orais e registros escritos informais (marginalmente), já que a

preferência dos usuários é o emprego de o que. Contudo, por ser

subespecificado, semanticamente, o pronome que pode se relacionar com

antecedentes que contenham traço [+humano], [-humano], [+lugar], [+tempo]

ou [+modo] e exercer função de sujeito ou de complemento direto nas orações

relativas apositivas. Também pode vir integrado a uma preposição no

constituinte relativo.

O qual, locução pronominal formada por um artigo definido e o relativo

qual, funciona como sintagma nominal e varia em gênero e número. Além

disso, o qual concorda com o seu referente nominal e não aceita um referente

oracional, porque não tem valor referencial especificado de traço [+humano], [-

humano], [+animado], [-animado], [+lugar] ou [+tempo]. Segundo Raposo et alli

(2013, p. 2091), o qual pode exercer função de sujeito ou de complemento

32 Morfema-Q é sinônimo de pronome relativo.

33 RAPOSO ET ALLI (2013, p. 2071).

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direto nas relativas apositivas, e pode ser preposicionado exercendo mais

funções como objeto indireto, complemento oblíquo, complemento nominal,

adjunto adverbial locativo e adjunto adverbial temporal34.

Quem, pronome invariável, só ocorre em orações relativas de nome,

porque exige um antecedente que tenha um valor referencial [+humano].

Segundo Raposo et alli (2013, p. 2089), quem "só é possível se estiver contido

num constituinte relativo introduzido por uma preposição", e, por consequência,

pode exercer função de objeto indireto, complemento oblíquo e complemento

nominal. Só exerce função de sujeito ou de objeto direto nas relativas

apositivas (mesmo sendo introduzido pela preposição a) se nestas o predicador

verbal for amar, louvar ou odiar.

Cujo tem necessariamente um antecedente nominal explícito, que

corresponde à entidade possuidora e funciona como especificador definido

concordando em gênero e número com o nome subsequente do constituinte

relativo. Pode exercer função de sujeito, objeto direto, complemento oblíquo e

adjunto adverbial locativo. Segundo Raposo et alli (2013, p. 2098), cujo tem

necessariamente um antecedente nominal explícito indicando posse,

concordando em gênero e número com o antecedente nominal.

O que, pronome invariável, locução pronominal formada por um artigo

definido o e o relativo que, é tratado por Raposo et alli (2013, p. 2085) como

uma unidade autônoma de estatuto próprio e não apenas uma variante de que.

Muito expressivo nas orações relativas apositivas com antecedente oracional, o

que não deve ser confundido com uma sequência idêntica, formalmente,

composta pelo demonstrativo o (que não pertence ao constituinte relativo e que

introduz uma oração relativa apositiva) e que (que retoma o antecedente

elíptico e introduz uma oração relativa restritiva). A seguir, seguem exemplos

em (8)35 extraídos de Raposo et alli (2013) e as evidências pelas quais devem

ser tratados de formas distintas:

34 Os exemplos dessas funções podem ser vistos em Raposo et alli (2013, p. 2091).

35 Raposo et alli (2013, p. 2085-2088).

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(8) a. Estava a chover, [o que nos causou muito transtorno]. b. Esse casaco é bonito, mas [SN o casaco [que tinhas ontem]] era mais moderno. c. Estava a chover, [pelo que já não saímos de casa]. d. A propósito de filmes, fui ver [SN o [de que me falaste ontem]]. e. Estava a chover, [SNsituação (essa/esta) [que nos causou muito transtorno]].

Em (8a), o que não pode ser substituído por que ou o qual, além de

seu antecedente ser oracional. Duas evidências para que as sequências não

sejam tratadas de forma igual é que, a primeira, o artigo o não sofre variação

de gênero e número como ocorre em Essas joias são bonitas, mas [SN as joias

[que tinhas ontem]] eram mais modernas (p. e. em (8b)) e nem poderia ser

substituído por um outro determinante, como "aquelas". A segunda evidência é

porque a preposição antecede o constituinte relativo como em (8c) e não entre

a sequência artigo + articulador, como em (8d). Para Raposo et alli (2013, p.

2088), o exemplo (8e) segue a mesma ideia da sequência "demonstrativo +

que", pois o demonstrativo o é substituído por um nome abstrato, no caso

"situação" (e que pode ser seguido por um determinante demonstrativo "essa"

ou "esta"), que retoma o SO e o pronome relativo que introduz uma relativa

restritiva modificando o nome abstrato. Seu contraexemplo agramatical

"*estava a chover, o facto que nos causou muito transtorno", mostra que não

pode haver um nome abstrato e determinantes demonstrativos inseridos no

pronome relativo "o que".

2.4 Em Neves (2011)

Foi selecionada uma terceira obra para compor o quadro de descrição

das relativas apositivas nesta dissertação. Ela possui uma abordagem não

tradicional e é uma das maiores referências para o ensino do PB, pois se trata

de uma obra brasileira. Sendo assim, não é uma gramática normativa, pois

aborda os usos reais da língua, bem como expressões idiomáticas tendo como

aporte teórico o Funcionalismo; e como o próprio título já diz: Gramática de

usos do português. Como objetivo, a obra pretende descrever o "uso efetivo

dos itens da língua, compondo uma gramática referencial do português"36.

36 NEVES: 2011, p. 14.

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A descrição das orações adjetivas nessa gramática é localizada dentro

da seção de pronomes relativos, mais especificamente, no momento em que a

autora aborda a função dos mesmos. Neves (2011) não dedica uma seção

específica para orações adjetivas como fazem as demais gramáticas, já que

elas são encabeçadas por tais elementos. Além do mais, assim como fazem os

gramáticos da tradição, a autora mantém a nomenclatura "oração adjetiva

explicativa".

As orações adjetivas explicativas, em Neves (2011), não têm o mesmo

status de descrição destinado às orações adjetivas restritivas, seguindo o

mesmo padrão das gramáticas tradicionais. Nesta gramática, utilizam-se as

qualificações como "suplementar" e "adicional" para a informação veiculada por

essas orações, tornando as definições imprecisas e superficiais como as da

GT. Sendo assim, todos os conceitos e descrições feitos às adjetivas

explicativas, segundo Neves (2011), se encontram no capítulo 1.

Quanto à natureza do antecedente, segundo Neves (2011, p. 375), as

orações adjetivas explicativas sempre possuem antecedente (fazendo uma

contraposição à existência ou não de um antecedente para as restritivas) e,

consequentemente, a explicativa se liga a um antecedente que formalmente

pode ser um nome ou uma oração.

2.4.1 Os pronomes relativos

Neves (2011) procura caracterizar bem os articuladores ao falar dos

pronomes que são fóricos e não fóricos; das questões das referências

semânticas dos antecedentes (adequação dos pronomes quando a referência é

uma coisa, pessoa, lugar, quantidade indefinida); da flexão e da função, assim

como Mateus et alli (2003) e Raposo et alli (2013).

Os articuladores indicados por Neves (2011) são os mesmos indicados

pela maioria dos gramáticos: que, o qual, cujo, onde, quem, quanto. Para todos

esses pronomes relativos, os exemplos trazidos são de orações adjetivas

restritivas, não se apresentando em estruturas explicativas, salvo, raras

exceções.

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Assim como as demais gramáticas tradicionais e as não tradicionais

selecionadas neste trabalho, Neves (2011, p. 378-379) acredita estar diante de

estruturas restritivas dentro de um aposto (oração adjetiva explicativa) para as

seguintes composições:

1. Aposto de um sintagma nominal

(a) N + que: o aposto é toda a estrutura selecionada dentro dos

colchetes, mas há uma oração restritiva encabeçada por que referindo-se a um

sintagma nominal que remete ao item sublinhado:

(9) "O sr. Euryalo Cannabrava publica as "Diretrizes da Enciclopédia Brasileira", [obra

QUE constitui um dos objetivos do Instituto e da qual ele é diretor]."37

2. Aposto de uma oração

(a) N + que: o aposto é toda a estrutura selecionada dentro dos

colchetes, mas há uma oração restritiva encabeçada por que referindo-se a um

sintagma nominal que remete a um sintagma oracional, formando-se uma

cadeia anafórica:

(10) "As comédias, por exemplo, raramente fazem sucesso fora de seu próprio país de

origem, [fato QUE é muito problemático]"38

(b) N + D + que: o aposto é toda a estrutura selecionada dentro dos

colchetes, mas há uma oração restritiva encabeçada por que referindo-se a um

Determinante, e este Determinante, por sua vez, se refere ao Nome, e este

Nome remete a um sintagma oracional, formando-se uma cadeia anafórica

maior:

(11) "Com 1,2%, basicamente se retorna a uma situação que existia no início do ano, [situação essa QUE sofreu uma alteração em função da conjuntura que existia ao

longo dos meses de fevereiro e março.]"39

(c) O + que: o aposto é toda a estrutura selecionada dentro dos

colchetes, mas há uma oração restritiva encabeçada por que referindo-se a um

pronome demonstrativo o que remete ao item sublinhado:

37 Neves (2011, p. 379).

38 Neves (2011, p. 379).

39 Neves (2011, p. 379).

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(12) "Foi uma ameaça concreta à integridade física e à vida das pessoas que frequentam o

local, [o QUE constitui crime.]"40

2.5 Delimitação e objetivos

Após uma descrição pormenorizada das orações adjetivas explicativas,

segundo a GT e segundo obras gramaticais não tradicionais, vejamos a seguir

o exemplo (13) copiado do capítulo de "Introdução" desta dissertação (cf. p.

18):

(13) "na realidade, o homem ainda não conseguiu descobrir um tipo de reunião que seja mais prazerosa do que aquela que acontece em torno da mesa. [O que vale também para as famílias]."41

A oração relativa apositiva destacada entre colchetes se mostra

"desgarrada" de seu referente oracional "na realidade, o homem ainda não

conseguiu descobrir um tipo de reunião que seja mais prazerosa do que aquela

que acontece em torno da mesa", revelando claramente a separação das duas

proposições pelo sinal gráfico "ponto final".

Este recurso de organização oracional não está previsto como um

procedimento sintático para articulação de orações complexas, segundo o rol

de classificações de orações da NGB42, aceita por grande parte dos gramáticos

tradicionais brasileiros, inclusive pelos três gramáticos não tradicionais

adotados nesta pesquisa. Vejam no Quadro 5, a seguir, os procedimentos

aceitos:

40 Neves (2011, p. 379).

41 Exemplo extraído de Decat (2011, p. 78).

42 A Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB) é uma iniciativa oficial do Estado brasileiro para uniformizar as nomenclaturas e terminologias para as gramáticas, publicada pelo Ministério da Educação pela Portaria Nº 36, de 28/01/1959.

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PERÍODO SIMPLES

ORAÇÃO ABSOLUTA (uma só oração)

PERÍODO COMPOSTO POR SUBORDINAÇÃO

ORAÇÃO PRINCIPAL

SUBORDINADAS 1. subjetivas

SUBSTANTIVAS 2. predicativas

3. objetivas diretas

4. objetivas indiretas

5. completivas nominais

6. apositivas

SUBORDINADAS 1. restritivas

ADJETIVAS 2. explicativas

SUBORDINADAS 1. finais

ADVERBIAIS 2. conformativas

3. comparativas

4. proporcionais

5. temporais

6. condicionais

7. concessivas

8. causais

9. consecutivas

PERÍODO COMPOSTO POR COORDENAÇÃO

COORDENADAS

ASSINDÉTICAS

COORDENADAS 1. aditivas

SINDÉTICAS 2. adversativas

3. alternativas

4. conclusivas

5. explicativas Quadro 5 - Períodos compostos por coordenação e subordinação43

Segundo o Quadro 5, a oração destacada do exemplo (14) não tem

classificação ou é considerada como um "erro" gramatical que precisa ser

"consertado". Desta forma, recomenda-se substituir o sinal gráfico “ponto final”

por uma “vírgula” (ou um travessão ou parênteses) e, assim, a oração em

destaque passa a ser classificada como uma oração subordinada adjetiva

explicativa, de acordo com a gramática tradicional, que segue a NGB. Toda

43 Quadro elaborado pela Profa. Dra. Violeta Virginia Rodrigues para as aulas no curso de Sintaxe destinado aos alunos da Graduação da Faculdade de Letras da UFRJ.

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essa transformação é justificada pelo fato de uma oração relativa

explicativa/apositiva ter, necessariamente, um antecedente explícito, seja ele

nominal ou oracional, em sua estrutura.

Desta forma, duas perguntas se revelam imprescindíveis: (a) por que

considerar as orações relativas apositivas "desgarradas" como um “erro”, se

pessoas com baixo e alto nível de escolarização produzem esse tipo de oração

na fala e na escrita? (b) Por que não considerar as orações relativas

"desgarradas" como um mecanismo sintático de organização oracional, se

esse tipo de estrutura ocorre não só nas orações relativas, como também nas

orações adverbiais (cf. BASTOS: 2014; DECAT: 1993, 2009b; RODRIGUES:

2010)?

Desta maneira, os objetivos a que se pretende alcançar com esta

investigação, e que já foram mencionados (cf. o capítulo de Introdução, p. 25),

são:

(a) comprovar que já existiam essas orações relativas apositivas

"desgarradas" de seu referente na modalidade escrita do PB nos

séculos XIX e XX, em textos de domínio jornalístico "anúncios",

"artigo de opinião", "carta de leitores" e "editoriais" graças à força

argumentativa e/ou persuasiva presente nestes gêneros textuais;

(b) mapear o uso dessas cláusulas e mostrar em um contínuo temporal

que, conforme os séculos se passam, há mais emprego de orações

relativas apositivas "desgarradas";

(c) mostrar a relação forma-função, pois se pretende estudar a forma

como essas estruturas aparecem nos textos, bem como a função de

focalização de ideias e porções de texto ao se mostrarem

desconectadas de seu referente/núcleo;44

44 É necessário ressaltar que, para a montagem do quadro de formatos introdutórios das orações relativas apositivas “desgarradas” os tipos o que (variável), o qual (variável) e o que (invariável) estão inseridos no mesmo grupo e não serão analisados individualmente.

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(d) mostrar a integração sintática-pragmática dessas estruturas devido

à finalidade comunicativa de focalização de partes do texto, que

servem para organizar o fluxo de informação, como avaliação,

detalhamento, comentário, reafirmação etc.;

(e) verificar se, dentro dos gêneros textuais a serem trabalhados de

domínio jornalístico, há um gênero específico que faz ou não surgir

as cláusulas relativas apositivas "desgarradas";

(f) verificar, através do resultado dos dados, se essas cláusulas vão

emergir em textos de baixo, médio e elevado nível de

monitoramento linguístico, com o intuito de verificar se há ou não

estigma no emprego do "desgarramento", já que se trata de uma

das estratégias de focalização da língua portuguesa e que estão

disponíveis para os usuários, mesmo que a GT desaconselhe o

uso.

Sendo assim, finalizamos o capítulo de revisão de literatura sobre as

Orações Adjetivas Explicativas após definir/caracterizar essas estruturas e os

seus articuladores de acordo com a Gramática Tradicional e com outras

abordagens descritivas da língua como Mateus et alli (2003), Raposo et alli

(2013) e Neves (2011). Além de revisar estas orações, buscávamos alguma

referência ao "desgarramento"; entretanto, conforme a seção 2.5, pudemos

constatar que nenhuma das seis gramáticas utilizadas como referência

menciona este fenômeno. Com a delimitação do objeto de pesquisa (cf. a

seção 2.5), avançaremos para o próximo capítulo, pois, agora, é necessário

trabalhar com uma teoria que dê conta desses usos de cláusulas relativas

apositivas "desgarradas". Desta forma, escolhemos o funcionalismo linguístico.

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3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Neste capítulo, procura-se definir a linha

teórica que fundamenta esta investigação, no caso,

a corrente Funcionalista. Em específico, adotam-se

os trabalhos de Matthiessen & Thompson (1988) e

Hopper & Traugott (1993), que propõem um

continuum, envolvendo três mecanismos de

articulações de orações no período composto. Faz-

se, em seguida, uma apresentação dos trabalhos

desenvolvidos por Decat (2011) acerca do

"desgarramento" das orações relativas e adverbiais

dentro de uma perspectiva funcionalista. Na seção

seguinte, são resumidas outras pesquisas que

propiciaram relevantes contribuições para o

embasamento teórico deste estudo. Por fim,

levantam-se as hipóteses a serem averiguadas.

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3.1 Pressupostos Teóricos Gerais

A premissa básica do Funcionalismo é estudar a interação existente

entre a estrutura gramatical das línguas e os seus diferentes contextos de uso.

Segundo Cunha (2013: p. 157), esta corrente linguística pretende explicar a

língua com base no contexto linguístico e na situação extralinguística. Em

outras palavras, a investigação linguística no Funcionalismo ultrapassa a

estrutura gramatical, pois se busca a motivação para os fatos da língua na

interação comunicativa, envolvendo, dessa forma, os interlocutores, os

propósitos comunicativos e o contexto discursivo.

Para um funcionalista, a língua não é constituída por um sistema

independente do meio social, pois são as funções externas a este que

influenciam a organização interna do sistema linguístico. Em outras palavras, a

língua reflete as adaptações do falante a diferentes situações comunicativas.

Neste sentido, para melhor ilustrar essa abordagem teórica, vejamos o

exemplo (1) a seguir e a análise feita por Cunha (2013: p. 157,158):

(1) a. Você é desonesto. b. Desonesto é você.

Segundo a autora, uma abordagem teórica que só leva em

consideração a análise sintática não daria conta de explicar as duas sentenças

em (1), tendo em vista que há apenas uma inversão sintática entre sujeito-

verbo-predicativo do sujeito para (1a) e predicativo do sujeito-verbo-sujeito em

(1b). Usando o Funcionalismo linguístico, como abordagem teórica, levaríamos

em consideração o contexto de uso, os propósitos comunicativos, isto é, os

fatores que são externos ao sistema da língua e, assim, poderíamos descrever

a oração (1a) como uma sentença afirmativa e a (1b) como uma sentença

típica de réplica, na qual só haveria sentido ao ser empregada pelo locutor, se

seu interlocutor tivesse utilizado o mesmo insulto para o locutor anteriormente.

Neste sentido, "esse exemplo demonstra a essência da análise funcionalista,

que amplia seu campo de visão, recorrendo ao contexto de uso o qual, por

hipótese, motiva as diferentes estruturas sintáticas." (CUNHA, 2013: p. 158)

Por esta razão, a contagem/levantamento de dados não é condição

necessária para a teoria Funcionalista provar a existência do uso de uma

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determinada forma/emprego. Se o(s) falante(s) usa(m), emprega(m)

determinadas formas linguísticas, uma vez que seja, isto já é o suficiente para

esta ser estudada, ou seja, privilegia-se o uso para explicar as regularidades e

as condições discursivas. Desta maneira, são analisados, preferencialmente,

dados reais de fala e/ou escrita retirados de contextos reais de comunicação.

A partir dessa proposta de análise, haveria três tipos de funcionalistas

diferentes: (a) os conservadores, que se opõem às abordagens que não se

interessam pelo fator extralinguístico, limitando-se a criticar e apontar as falhas

do estruturalismo e do gerativismo; (b) os moderados, que admitem haver uma

interação entre a forma e a função, de modo que fatores externos à língua

atuam simultaneamente com a estrutura linguística; (c) os radicais, que

propõem que os fatores externos definem categorias gramaticais, de modo que

não haveria o nível sintático, pois a língua teria como base apenas os

princípios comunicativos.

Diante dessas três possibilidades, essa dissertação adota o

Funcionalismo moderado, que tem como principais representantes os

pesquisadores Dik (1977, apud CUNHA, 2013) e Halliday (1985, apud CUNHA,

2013). Segundo Cunha (2013: p, 159), eles reconhecem as lacunas do

formalismo e propõem a incorporação da semântica e da pragmática à análise

sintática. Mais especificamente, seguimos os funcionalistas norte-americanos

"que advogam que uma determinada estrutura da língua não pode ser

proveitosamente estudada, descrita ou explicada sem referência a sua função

comunicativa" (CUNHA: 2013, p. 163).

Assim, adotam-se como principais suportes teóricos os trabalhos de

Matthiessen & Thompson (1988) e de Hopper & Traugott (1993), pois estes

propõem alterações no quadro de classificações das orações do período

composto, incluindo a Hipotaxe como mais um mecanismo de articulação de

orações. A revisão será complementada, em uma outra seção, apenas com

trabalhos produzidos por Decat (1993, 1999, 2001, 2004, 2008, 2009a, 2009b,

2011, 2014), por ter ido a fundo no estudo das estruturas hipotáticas

"desgarradas". Abre-se uma última seção para os autores Souza (2009), Gerk

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(2011), Bastos (2014) e Lukeman (2011), porque suas pesquisas também

influenciaram na construção dessa dissertação.

3.2 O Funcionalismo

Para compreender o porquê de se trabalhar especificamente com a

teoria Funcionalista, é necessário discorrer sobre o período composto por

subordinação no âmbito da Gramática Tradicional, mostrando ser insuficiente

seu conceito nesta perspectiva45. Consequentemente, há a necessidade de

adoção de uma nova proposta para a articulação das orações.

Segundo a Gramática Tradicional (CUNHA & CINTRA, 2001; ROCHA

LIMA, 2001; BECHARA, 2006), há dois procedimentos sintáticos para

relacionar uma oração à outra com o objetivo de formar um período composto,

são eles: a coordenação e a subordinação. Para caracterização desses dois

mecanismos, a GT utiliza o critério da autonomia e observa a questão formal

da estrutura: independência/dependência, conectivos e mobilidade posicional.

O conceito de coordenação e de subordinação está baseado

fortemente na relação sintática de independência ou de dependência,

respectivamente, exercida por uma oração em relação à outra. Desta forma,

orações coordenadas são independentes entre si, pois se relacionam com

outras orações em sua totalidade ou integridade sintática; enquanto as orações

subordinadas são dependentes de outra oração a qual estão relacionadas,

exercendo função sintática em um termo ou parte de um termo de outra oração

(a oração principal).

No âmbito da coordenação, as orações estão subdivididas por

ausência de conectores, chamadas de orações coordenadas assindéticas,

neste caso, as orações estão dispostas uma ao lado da outra, apenas

realçadas pela pronúncia (para representar esta pronúncia, usam-se as

vírgulas), como o exemplo de Rocha Lima (1994, p. 260) a seguir:

45 A descrição da GT, aqui, é necessária para explicar o porquê da adoção do Funcionalismo como opção teórica desta Dissertação.

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(2) Cheguei, vi, venci.

e também quanto à presença de conectores, conhecidas como orações

coordenadas sindéticas. Estas, por sua vez, se subdividem em cinco

subgrupos de acordo com a semântica transmitida pelos conectores que

introduzem as orações coordenadas sindéticas, como (a) as aditivas; (b) as

alternativas; (c) as adversativas; (d) as conclusivas; (e) as explicativas. Não

será feita uma problematização do tema das orações coordenadas, porque não

é o foco da pesquisa, e sim, as adjetivas explicativas que estão inseridas no

rótulo das orações subordinadas.

No âmbito da subordinação das orações as mesmas exercem funções

sintáticas em relação ao termo a que se ligam por conta do encaixamento:

sujeito; objeto direto, objeto indireto, predicativo, complemento nominal, agente

da passiva, adjunto adnominal, aposto e adjunto adverbial.

Assim, as orações subordinadas são agrupadas de acordo com a

classe de palavras e o seu funcionamento: (a) orações subordinadas

substantivas, porque exercem as funções sintáticas que um substantivo exerce

(sujeito, objeto direto, objeto indireto, predicativo, complemento nominal,

agente da passiva e aposto); são encabeçadas por articuladores que unem a

oração principal e a subordinada; não possuem mobilidade, ou seja,

conectadas a posições específicas, salvo as substantivas subjetivas.

(b) Orações subordinadas adjetivas, porque se verifica o

comportamento sintático de um adjetivo (adjunto adnominal); subdividem-se

em duas categorias, as restritivas e as explicativas; são encabeçadas por

articuladores que unem a oração principal e a subordinada, além de exercer

função sintática dentro desta última e retomada anafórica do referente; também

não possuem mobilidade, pois são inseridas em posições específicas dentro da

estrutura oracional.

(c) Orações subordinadas adverbiais, porque se igualam ao

comportamento da classe dos advérbios (adjunto adverbial) e este grupo se

divide semanticamente em causais, concessivas, condicionais, finais,

temporais, consecutivas, comparativas, conformativas e proporcionais; também

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são encabeçadas por articuladores que conectam a oração adverbial à

principal; possuem mobilidade.

A título de exemplificação dos grupos mencionados, verifica-se uma

oração subordinada substantiva no período a seguir em (3)46:

(3) O professor notou [que dois bons alunos faltaram.]

Vê-se em (3) que a oração destacada está integrada, encaixada, ao

verbo notar da oração principal, que seleciona um complemento para satisfazer

a sua predicação e que é completado pela oração em destaque, exercendo a

função sintática de objeto direto. Um outro bom exemplo de oração encaixada,

embora tenha uma relação mais frouxa com o termo a qual se liga, já que o SN

não demanda um complemento na sua predicação, está na oração

subordinada adjetiva restritiva em (4)47:

(4) Os pecadores [que se arrependem] alcançam o perdão de Deus.

Nota-se em (4) que a oração subordinada está vinculada ao

substantivo os pecadores, restringindo-o e caracterizando-o como faz um

adjetivo, exercendo, assim, a função de adjunto adnominal. É relevante para a

estrutura semanticamente, pois não são 'todos os pecadores que alcançam o

perdão de Deus', mas apenas 'aqueles que se arrependem', isto é, a oração

está restringindo os pecadores.

Já em (5)48, tem-se o exemplo de uma oração subordinada adjetiva

explicativa marcada por vírgulas e destacada entre colchetes:

(5) Tia Clara, [que era uma cozinheira de mão cheia], fez um maravilhoso bolo de festa.

Segundo Rocha Lima (2001, p. 271), a oração destacada é um termo

meramente adicional, pois aporta um simples esclarecimento ou pormenor do

referente Tia Clara ao qual a oração está vinculada, funcionando, segundo a

GT, como um adjunto adnominal. Se a oração adjetiva fosse removida, não

haveria prejuízo do sentido da oração principal Tia Clara fez um maravilhoso

bolo de festa, marcando, desta forma, uma relação ainda mais frouxa deste

46 Exemplos criados pela autora da dissertação.

47 Exemplo retirado de Rocha Lima (2001, p. 271).

48 Exemplos criados pela autora da dissertação.

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com o seu referente, se compararmos com as adjetivas restritivas. Por fim, em

(6)49, há um exemplo de uma oração subordinada adverbial:

(6) Pedro não foi trabalhar hoje, [porque seu bairro estava alagado.]

Aqui a relação entre a oração subordinada e o termo ao qual se liga é

ainda mais frouxa - se comparado com as adjetivas explicativas - funcionando

como um adjunto adverbial. A oração em questão traz para a sentença uma

circunstância de causa, e se retirada da estrutura não torna a oração principal

incompleta, do ponto de vista sintático, Pedro não foi trabalhar hoje,

mostrando-se, assim, como um termo adicional sintaticamente, i.e., acessório.

Em resumo, simplesmente as orações substantivas funcionam como as

orações mais integradas ao termo com o qual se articulam por conta da

projeção básica dos predicadores (nominais ou verbais), com exceção das

orações substantivas apositivas; em seguida, tem-se as orações adjetivas que

estabelecem uma integração mais fraca com outro constituinte, pois a relação

entre a oração adjetiva e o termo da oração principal é de adjunção apenas ao

SN, como preconiza a GT, e não de complementação.

Por fim, as orações adverbiais têm uma integração ainda mais fraca,

pois as orações adverbiais podem ser "descartadas" sintaticamente, segundo a

GT, e, à semelhança de um advérbio, podem ter escopo sobre toda a oração,

então, a oração adverbial pode não se relacionar apenas com um termo da

oração principal, mas com toda ela, como se viu no exemplo (6). Desta forma,

mesmo que não esteja explícito na GT, parece haver um continuum entre

essas estruturas, partindo das mais integradas (ou mais "sintáticas") até chegar

às mais frouxas (ou menos "integradas").

A partir dessas reflexões, algumas questões são levantadas: (a) como

pode haver relações frouxas entre a oração subordinada e o termo da oração

principal, no âmbito da Subordinação, se o conceito de Subordinação

pressupõe que a oração subordinada tenha uma relação de dependência

sintática com o termo da oração principal, conceito justamente oposto ao da

relação existente entre as coordenadas? (b) Se uma parte da oração complexa

49 Exemplos criados pela autora da dissertação.

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pode ser descartada sem haver prejuízo na sintaxe, será que realmente há

uma relação de subordinação entre a oração subordinada descartada e o termo

ao qual se liga? (c) O critério sintático sempre deve se sobrepor ao

semântico/pragmático? Portanto, se a própria tradição gramatical falha ao

apresentar os conceitos das relações existentes entre as orações complexas,

então, torna-se necessário buscar embasamento em uma teoria que de fato

seja coerente com os conceitos da classificação de orações e com a realidade

dos usos empregados pelos falantes.

Desta maneira, o Funcionalismo contribui para o entendimento das

relações existentes entre as orações no sentido de rever, ou mesmo, a

necessidade de repensar essa dicotomia existente entre coordenação e

subordinação, como recomenda a GT. De acordo com a teoria funcionalista,

sugere-se não ser possível definir "oração subordinada" apenas no nível da

sentença, observar apenas o critério sintático, sendo necessário observar

também o contexto em que estas aparecem, isto é, uma porção de texto maior.

Nesta corrente, é imprescindível ressaltar a função das orações no

discurso. Para tanto, Matthiessen & Thompson (1988) e também Hopper &

Traugott (1993) propõem um terceiro mecanismo para a compreensão das

relações sintáticas entre as orações, a hipotaxe, procedimento este que

envolve a noção de combinação50 de cláusulas51.

Com isso, rompe-se com a visão dicotômica em que as unidades

linguísticas são postas em lados extremos, de características discretas,

segundo a tradição gramatical. Adota-se uma noção de gradiência, ou cline,

(muito mais condizente para uma análise funcionalista) em que as unidades

linguísticas estão dispostas em um continuum de maior grau de dependência

sintática até chegar ao ponto "zero" de dependência sintática;

simultaneamente, é observado um continuum de maior grau de dependência

50 "Combinação", porque as orações se combinam por meios semânticos e/ou pragmáticos e não estruturais (morfossintáticos) como são interpretadas pela Tradição.

51 Entende-se como "cláusula" uma estrutura com autonomia sintática (do ponto de vista comunicativo) que veicula em si mesma uma informação, isto é "um bloco de informação, (cf. Seção 3.3, p. 75). Sendo assim, o termo "cláusula", quando contiver um núcleo oracional, pode ser empregada como sinônimo de "oração".

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semântica até chegar ao grau "zero". Assim, compõe-se a tríade: Subordinação

> Hipotaxe > Parataxe.

Para a compreensão desta proposta, é necessário estabelecer a

diferença entre subordinação e a combinação de cláusula. A subordinação, no

Funcionalismo, está vinculada à noção de constituência, de encaixamento, em

outras palavras, uma oração que funciona como constituinte, como argumento

de um termo de outra oração, tais como as orações subordinadas substantivas

e as orações subordinadas adjetivas restritivas da tradição.

A combinação de cláusulas reflete a organização do discurso, pois,

segundo os autores, qualquer texto pode ser descrito por relações hierárquicas

entre porções de texto que realizam as metas centrais do falante/escritor

(chamadas de núcleo) e outras porções que realizam metas complementares

aos objetivos centrais (chamadas de satélites).

Desta maneira, há duas formas de combinar essas orações: (a) por

meio da hipotaxe, em que não há uma relação de constituência, de

dependência sintática como nas orações encaixadas, mas há uma

interdependência semântica entre núcleo e satélite; assim, as orações

subordinadas adjetivas explicativas expandem o núcleo por elaboração, as

orações subordinadas adverbiais por realce, e as coordenadas sindéticas da

tradição por extensão; (b) por meio da parataxe, em que a relação entre as

estruturas combinadas é de independência sintática, de autonomia, já que

estas não ampliam circunstancialmente outra oração, mas a relação

estabelecida entre elas toma as vias da pragmática, i. e., dois ou mais núcleos

estão dispostos um ao lado do outro e a inferência entre eles é através da

relação semântica-pragmática, tal qual as orações coordenadas assindéticas

da tradição e a justaposição (cf. HALLIDAY: 1985 e MATTHIESSEN &

THOMPSON: 1988).

Portanto, pode-se resumir a proposta Funcionalista supramencionada

por meio de um continuum para essas três estruturas (subordinação, hipotaxe

e parataxe) através dos traços [dependência] e [encaixamento], partindo do

maior grau de dependência sintática para o menor grau de dependência.

Considere-se a Figura 01 a seguir:

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Figura 1 - Gradiência de combinação de cláusula (HOPPER & TRAUGOTT: 1993, p. 170)

Como pode ser visto na Figura (1), a Parataxe é marcada pela

independência, pois recebe os traços [-encaixado] e [-dependente]. A Hipotaxe

representa a interdependência, pois embora seja [-encaixada] à oração com a

qual se relaciona, ela possui o traço [+dependente], pois amplia o seu núcleo

semanticamente. Já a Subordinação encontra-se no outro extremo do

continuum, por ser a estrutura prototípica para o maior grau de dependência,

recebendo os traços [+dependente] e [+encaixado].

Foram levados em consideração os trabalhos de Matthiessen &

Thompson (1988), Hopper & Traugott (1993), Rodrigues (2010, p. 63, 64) e

também de Rosário & Rodrigues (2010, p. 39) na composição da Figura (2)

adiante. O objetivo desta figura é alocar todas as estruturas tradicionalmente

conhecidas do período complexo da tradição gramatical no continuum do

Funcionalismo apresentado na Figura (1) e anteriormente mostrado. Vejamos a

seguir a Figura (2):

Figura 2 - Gradiência das estruturas sintáticas do período composto da língua portuguesa, segundo a visão funcionalista na tríade da classificação de orações.

No âmbito da Parataxe, encontram-se as justapostas, pois, embora não

haja nenhuma relação sintática entre as cláusulas, elas ainda estão

relacionadas por uma subordinação psicológica, geralmente relacionada com o

fluxo temporal, segundo Ney (1955); finaliza-se o contínuo com as orações

coordenadas assindéticas como as mais próximas do protótipo. Na Figura 2,

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como estrutura prototípica da Parataxe com os traços [-dependente] e [-

encaixado], marcamos o símbolo zero, porque, na língua, ainda não se tem

estudos que possam garantir o grau zero absoluto para as relações semânticas

entre as cláusulas. Por esta razão, as coordenadas assindéticas são cláusulas

autônomas sintaticamente, pois não se encaixam sintaticamente umas às

outras; entretanto, ainda podem manter uma (fraca) relação semântica com

outra cláusula, permitindo, muitas vezes, inclusive, uma leitura hipotática.

No âmbito da Hipotaxe, têm-se cláusulas combinadas e não mais

encaixadas, marcando uma interdependência semântica entre as cláusulas: a

gradiência começa pelas orações subordinadas explicativas, por ocuparem

uma posição mais fixa na sentença, mas não mais de constituência; em

seguida, estão as orações subordinadas adverbiais, pela mobilidade sentencial

inerente a essa classe; e a gradiência é finalizada com as orações

coordenadas sindéticas, mais próximas da fronteira da parataxe, porque a

relação sintática é quase inexistente, mas as cláusulas ainda se relacionam

semanticamente.

Sendo assim, no âmbito da Subordinação, segundo a Figura (2), com

um maior grau de encaixamento, tem-se as orações subordinadas substantivas

encaixadas ao verbo ou ao nome como prototípicas do maior grau de

dependência semântica e sintática, e também as orações subordinadas

adjetivas restritivas, mas mais próximas da fronteira entre subordinação e

hipotaxe, estabelecendo um encaixamento com o sintagma nominal

imediatamente anterior.

A Figura 2 é uma representação das estruturas oracionais da tradição

encaixadas no continuum funcionalista. É necessário ainda fazer ajustes, mas

não cabe a este trabalho discutir as especificidades da Subordinação e nem as

da Parataxe, pois não influenciam no estudo das orações adjetivas explicativas

aqui empreendido.

Assim, diante das descrições anteriores, verifica-se que a cláusula

"adjetiva explicativa", para Matthiessen & Thompson (1988), Hopper & Traugott

(1993), constitui um caso de hipotaxe por elaboração, pois pode apresentar

uma leitura de avaliação, elaboração, especificação etc. sobre um sintagma

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nominal (ou sobre um sintagma oracional) imediatamente anterior com o qual

se combina.

A combinação existente entre a cláusula "adjetiva explicativa"

("satélite") e a cláusula matriz ("núcleo") ocorre graças à organização do

discurso, sem haver qualquer relação de constituência, como acontece com as

orações substantivas e com as orações adjetivas restritivas. Enquanto estas

últimas estabelecem função de "adjuntos adnominais" ao termo com qual se

relacionam, as orações adjetivas explicativas estabelecem função de "aposto"

ao termo antecedente (por isso, o nome de cláusulas relativas apositivas).

Se a própria tradição gramatical diz que as orações adjetivas

explicativas funcionam como adendo, não sendo "importantes" para a estrutura

sintática da oração "principal"52, pois a sua remoção não causa interferência

sintática, então, por que colocar sob o mesmo rótulo da Subordinação, se não

há nem relação de constituência?

Desta maneira, os trabalhos de Matthiessen & Thompson (1988) e

Hopper & Traugott (1993) são fundamentais para a revisão da classificação das

estruturas sintáticas da Gramática Tradicional. Assim, rompe-se, nesta

dissertação, com a categorização dicotômica entre subordinação e

coordenação, e se adota a proposta da tríade subordinação, hipotaxe e

parataxe como forma de categorização das orações e combinação de

cláusulas.

Nesta seção, revimos alguns estudos que nos mostraram o porquê de

tratar as orações adjetivas explicativas, da Tradição Gramatical, por cláusulas

relativas apositivas. Na próxima seção, com os estudos de Decat (2011)53,

trataremos com mais especificidade do objeto de pesquisa desse estudo: as

cláusulas relativas apositivas "desgarradas".

52 Alguns gramáticos fazem uma ressalva quanto ao sentido da oração: a remoção da oração adjetiva explicativa não causa prejuízo sintático, mas é importante para a semântica do período, pois, se o autor do período teve a intenção de incluir a informação, é porque esta era importante semanticamente.

53 O livro de Decat (2011) agrega muitos artigos desenvolvidos por ela e que foram utilizados neste trabalho. Apenas como questão metodológica, quando estivermos nos referindo apenas ao título publicado em 2011, estaremos fazendo uma referência à pesquisa como um todo. Já nas descrições dos assuntos específicos, faremos a indicação da referência segundo as regras da ABNT.

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3.3 A contribuição de Decat (2011)

Como já foi antecipada na Introdução, a contribuição da pesquisadora

Decat (2011) se configurou como a pedra angular desta pesquisa. Foram

utilizados os estudos de Decat (1993, 1999, 2001, 2004, 2008, 2009a, 2009b,

2011, 2014), desde os que tratam a articulação de cláusulas como hipotaxe

adverbial aos que tratam, especificamente, do "desgarramento" destas orações

em língua portuguesa.

Decat (1999) é precursora, no Brasil, ao investigar a fundo o fenômeno

do "desgarramento" (nome atribuído pela própria autora) nas orações relativas

apositivas e nas orações adverbiais, em língua portuguesa, em estudos que já

duram mais de dez anos. Assim, no decorrer de suas pesquisas, trabalhando

com gêneros de domínio jornalístico, literário, traduções e de domínio

acadêmico e escolar, preocupou-se em buscar explicações que atendessem

aos aspectos sintático-semânticos da língua nas estruturas "desgarradas".

Sendo assim, o artigo "Por uma abordagem da (in)dependência de

cláusulas à luz da noção de 'unidade informacional'" (cf. DECAT: 1999) se

inicia com a insatisfação da autora no que se refere à forma como a Gramática

Tradicional trata a definição de "dependência", quando descreve os modos de

articulação das orações de período composto (de modo que retoma o problema

das definições do próprio termo “dependência”: para forma, para sentido ou

para pragmática?).

Decat (1999) julgou necessário repensar a questão de "dependência",

por haver uma dificuldade muito grande de se explicarem os casos de "falsas

coordenadas" e de orações subordinadas sem sua matriz. Explica que, se os

indicadores formais forem o critério mais forte para caracterizar uma cláusula

como "dependente" de outra, então, forçosamente, a cláusula em análise será

considerada "subordinada" em relação a uma oração matriz, como fizeram os

gramáticos tradicionais. Foi então que a pesquisadora buscou uma corrente

teórica que lhe desse fundamento para seus questionamentos e embasamento

para o desenvolvimento de seus trabalhos, optando pela abordagem teórica

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funcionalista, procurando nestes parâmetros que melhor descrevessem as

relações sintáticas estabelecidas entre as cláusulas no nível discursivo.

Decat (1999) vale-se de alguns teóricos funcionalistas que já discutiram

a noção de "dependência" no inglês, como Halliday & Hasan (1976, apud

DECAT, 1999), Halliday (1985, apud DECAT, 1999), Haiman & Thompson

(1984, apud DECAT, 1999), Thompson (1984, apud DECAT, 1999),

Matthiessen & Thompson (1988), dentre muitos outros, e que postularam haver

"uma diferenciação entre cláusulas que se integram estruturalmente em outra,

por um lado, e aquelas que não estão sujeitas a essa integração sintática,

tendo a ver com o aspecto organizacional do discurso" (DECAT: 1999, p. 26).

Assim, surge a diferenciação entre cláusulas encaixadas e cláusulas

hipotáticas (assunto já explicado com mais detalhes na seção 3.2 deste

capítulo).

Graças à noção de Hipotaxe, pode-se entender melhor a relação

existente entre as cláusulas relativas apositivas e as cláusulas adverbiais em

relação à cláusula núcleo, mas ainda não se resolve o fenômeno do

"desgarramento", pois há cláusulas que constituem elas mesmas uma

informação à parte. Deste modo, a autora busca explicações para a realização

de cláusulas "desgarradas" na língua escrita através da noção de unidade

informacional (idea unit) – categoria instituída por Chafe (1980, apud DECAT,

1999) – relação existente entre consciência e linguagem54. Considerem o

trecho a seguir:

um melhor entendimento da noção de dependência e dos tipos que a

caracterizam [...] pode ser alcançado a partir da noção de idea unit,

postulada por Chafe (1980) - e traduzida aqui como 'unidade de

informação (ou 'unidade informacional'). Trata-se, segundo Chafe, de

um "jato de linguagem" que contém toda a informação que pode ser

'manipulada' pelo falante num único foco de consciousness (ou

'estado de consciência, conforme KATO 1985, p.35) (DECAT: 1999,

p. 28)

54 Em Chafe (1994, apud DECAT 2009), o autor utiliza o termo "unidade entonacional" para tratar dos seus dados na Língua Oral. Por tanto, os termos "unidade entonacional" e "unidade informacional" referem-se a "blocos de informação".

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"Unidade informacional" expressa o que está na "memória rasa" do

locutor, transmitindo toda uma informação necessária de modo que a faça

existir de forma autônoma e independente, sintaticamente, de outro bloco de

informação, isto é, se configura como atos de fala independentes. Para Chafe

(1980, apud DECAT, 1999), a chave do entendimento da unidade de

informação está na linguagem falada espontânea, porque a linguagem falada

não é produzida por um fluxo contínuo de informações, mas por blocos de

informações, no caso, unidades informacionais que existem por si mesmas.

Como forma de identificar uma idea unit, o critério mais consistente é o da

marcação da entonação (ou contorno entonacional de final de cláusula) e a

pausa. Vejamos, em (7), exemplos do que seriam unidades informacionais,

retirados de Decat (2009a: p. 117):

(7) a. [Pedro disse que comprou um carro]. = uma UI b. [Pedro gosta de carro], [embora não possa dirigir]. = duas UIs c. [Pedro joga futebol], [que é um de seus esportes favoritos]. = duas UIs d. [Pedro joga futebol]. [Que é um de seus esportes favoritos]. = duas UIs

O exemplo (7a) apresenta apenas um bloco de informação em que há

uma oração encaixada em um termo da oração matriz sendo pronunciado em

um único fôlego, sem pausa intermitente, compondo uma única mensagem. Os

demais exemplos (7b, c, d) possuem em comum dois blocos de informação,

duas mensagens intercaladas por uma pausa sendo interdependentes

semanticamente; a única diferença reside na pausa: é mais breve em (7b, c),

representada por vírgula, e mais longa em (7d), representada por ponto final.

Assim, por meio dos conceitos de "unidade de informação" e de

cláusulas hipotáticas, as orações "desgarradas" são definidas como estruturas

que existem formalmente por si mesmas como enunciados independentes, pois

funcionam como opções organizacionais do discurso, ainda que existindo um

nexo semântico entre essas estruturas e a porção textual a qual se relacionam.

Todavia, a autora ainda levanta o problema: "O que estaria levando ao uso

dessa estratégia?"

Considerem em (8) e (9), a seguir, os exemplos extraídos de Decat

(1999: p. 29/30):

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(8) Esse caso da modelo Lilian Ramos realmente foi uma tragédia. [Apesar de Itamar ser o senhor solteiro e o ambiente ter sido de Carnaval]. (Estado de Minas, 17/02/94) (9) "De posse do formulário, devidamente preenchido (detalhe muito importante), dirija-se ao Departamento da Polícia Federal portando todos os documentos exigidos. [Que não são poucos: carteira de identidade ou certidão de nascimento, prova de quitação com as [...]]" (Jornal de Casa, 9 a 15/05/93)

Veja-se que em (8), a cláusula "desgarrada", destacada em negrito,

apresenta uma relação adverbial com a oração anterior, manifestando uma

relação de concessão. Já em (9), a cláusula "desgarrada" destacada é

caracterizada como uma oração relativa apositiva referindo-se a todo o período

anterior. A autora ressalta que o uso como enunciados independentes, como

ocorrem em (8) e (9), serve para apontar as intenções comunicativas do

falante/locutor. Em outras palavras, a utilização da oração desvinculada de sua

matriz, formalmente separada por um ponto final, serve para sinalizar ao leitor

a importância da ideia ali veiculada, isto é, a parte relevante do enunciado (cf.

DECAT: 1999, p. 34).

Discutindo outro fator considerado fundamental para a compreensão do

"desgarramento", Decat (1993) estuda a posição das cláusulas. Em sua tese

de doutorado, com relação às cláusulas hipotáticas circunstanciais (cf. DECAT:

1993), já havia discutido sobre a “aparente liberdade” quanto à posição

posposta ou anteposta do satélite em relação ao núcleo. Ela chega à conclusão

de que a relação satélite-núcleo não é livre; além de depender do próprio tipo

de relação existente entre núcleo-satélite, depende também das funções

discursivas determinadas pelo gênero do discurso. Levando em consideração

os tipos textuais narrativo e dissertativo, ela observou também que:

(...) tendem a se antepor as cláusulas adverbiais que funcionam como

orientação no narrativo ou encaminhamento no dissertativo; e a

tendência à posposição está ligada à função avaliativa ou

argumentativa a que elas se prestam no narrativo e no discursivo,

respectivamente. (DECAT: 1993, p. 272)

Ainda com relação ao fator posição, Decat (1999) já tinha apontado

que as opções organizacionais refletem a decisão do falante no que diz

respeito à maneira de transmitir informações. Nesse sentido, a autora buscou

compreender como as cláusulas hipotáticas se organizavam em termos de

posição em relação ao núcleo da sentença. Em 2008, a discussão sobre o fator

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“posição” ganha mais destaque, pois, baseada no trabalho realizado por Neves

(1999)55, Decat (2008b) decide trabalhar com dois tipos de relações adverbiais:

as concessivas e as causais. A escolha se deve por serem elas as adverbiais

que mais ocorreram de forma "desgarrada" na escrita e por elas apresentarem

uma forte função argumentativa no discurso. Comparando seus dados com os

de Neves (1999, apud DECAT, 2008b), Decat (2008b) confirma que as

cláusulas adverbiais concessivas em posição posterior ao núcleo, na escrita, já

é um indício de "desgarramento", revelando uma característica de adendo

(afterthougth), trazendo em si, novos argumentos para uma porção de textos

aparentemente concluída.

Passa-se agora às considerações das materializações e às funções

das estruturas "desgarradas" investigadas por Decat (2001, 2004, 2008, 2009a,

2009b, 2014). A autora diz que as estruturas "desgarradas" são

materializações de orações tidas como subordinadas, mas que ocorrem sem a

sua matriz, como um enunciado independente. Desta forma:

na língua escrita, essas estruturas sucedem geralmente a uma

pontuação de final de enunciado; e, na língua oral, caracterizam-se

por possuírem um único contorno entonacional, à semelhança de um

enunciado completo, ou seja, possuindo uma curva entonacional de

início e fim de enunciado, ocorrendo depois de uma pausa. (DECAT:

2009b, p. 124)

Nesse sentido, iniciando pelas cláusulas adverbiais, Decat (2009b, p.

122) diz que, além das cláusulas hipotáticas adverbiais, que expressam as

circunstâncias de tempo, modo, causa/motivo, concessão, condição etc. e que

são encabeçadas por um articulador (conjunção subordinativa), há também, na

língua portuguesa, as cláusulas justapostas hipotáticas adverbiais, i.e,

cláusulas que não são iniciadas por um articulador, mas ainda assim é possível

detectar a relação hipotática circunstancial existente na combinação das

cláusulas, como nos exemplos em (10)56 a seguir, extraídos de uma amostra

oral da língua:

55 NEVES, M. H. de Moura. "As construções concessivas". In: NEVES, M. H. de Moura (org.). Gramática do português falado. v. VII (Novos Estudos). Campinas: Editora da Unicamp, 1999.

56 Exemplos extraídos de Decat (2009b, p. 122).

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(10) a. casamos... [faz quatro anos e MEIO] (NDO3M, 13, 499) b. há sempre um pressuposto...[ta/esteja ou não consciente quem está interagindo no processo... né?] (NDO6F, 9, 335-337) c. a minha impressão a respeito do trabalho é que foi bom pra mim pra minha formação [me obrigou a escrever que é uma coisa muito difícil...né? me fez ler muita coisa... me fez engolir muito sapo.] (NDO9M, 12, 429-433)

Vê-se que a cláusula destacada em (10a) mantém uma relação de

tempo com o seu núcleo; (10b) traz uma relação de condição; já em (10c),

verifica-se uma relação de motivo (causa, razão). Em comum, nenhum desses

exemplos possui um conectivo articulando as duas cláusulas.

Em Decat (2009a, p. 124), a autora também olha com cuidado para as

cláusulas que se iniciam por uma forma verbal no gerúndio, como em (11a)57 e

também as que se iniciam por uma forma verbal no particípio, como em (11b)58

adiante:

(11) a. Os textos que mandei de Nova York foram publicados pela Globo num caderno especial sobre os atentados, mas não foram distribuídos pela agência. [Levando alguns dos meus 17 leitores a suspeitarem que eu estava num processo patológico de rejeição da realidade, o que não é o caso.] Ainda. (F. Veríssimo, Fundamentalismos, Estado de Minas, Opinião, 18/09/01, p. 7) b. Agora você já sabe, para manter o seu cão de raça pequena com a energia de um grande campeão, faça como eu: dê a ele PEDIGREE Pequenos Campeões (Marina Vicari Lerario) [Desenvolvido por veterinários.] [Recomendado pelos melhores criadores.] (Revista Claudia, ano 38, nº. 6, 06/99, p. 243)

Passemos, agora, ao caso das estruturas tema desta dissertação. As

cláusulas relativas apositivas "desgarradas" estão descritas em Decat (2001,

2004, 2009a, 2014). Quanto às formas de materialização dessas orações, foi

possível estabelecer uma tipologia, ainda que provisoriamente, de seis

formatos introdutórios: (a) [. Que]; (b) [. O que/qual]; (c) [. N (prep) que]; (d) [. N

+ Esp + que]; (e) [. Onde]; e (f) [. Cujo]. Veja-se adiante, em (12)59, os

exemplos correspondentes, respectivamente, para cada uma destas

configurações:

57 Exemplos extraídos de Decat (2009a, p. 126).

58 Exemplos extraídos de Decat (2009a, p. 127).

59 Exemplos extraídos de Decat (2009a, p. 121,122)

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(12) a. Olhar, ouvir, conhecer e reagir; algo bem diferente da hipocrisia dos que têm voz, influência, poder e posições importantes [...]. [Que se divertem com nosso assombro ao ouvir que estamos chegando à perfeição em setores nos quais enxergamos ruína e decadência.] (Lya Luft, Quebrar o silêncio – Ponto de Vista, VEJA, 3/5/06) b. O que muitos temiam e outros ansiavam aconteceu: dezembro chegou. [O que significa: o ano começou a acabar.] (Affonso R. Sant’Anna, De repente, dezembro – ESTADO DE MINAS, 28/11/04) c. São pequenos passos, eu sei. [Coisas que passam quase desapercebidas aos olhos do mundo grande.] (Editorial, PAIS & FILHOS, Abril 00, nº 111) d. Um sujeito deve ser entendido a partir de uma contextualização. [Contextualização essa que prevê o correlacionamento de diversos fatores (...)] (F.C.B.C., trabalho acadêmico, UFMG, 2003) e. Para essas pessoas — para si — existe um banco especial: o Banco 7. [Onde tudo é tratado pelo telefone ou pela Internet.] [Onde a moderna tecnologia existe para servir as suas necessidades.] (VISÃO, n.343, 7 a 13 de outubro de 1999) f. Para completar este segmento e antes de voltar aos dois filmes citados, vou me permitir a fazer algumas considerações a respeito daquilo que aprendi na minha passagem pela crítica de cinema. [Cujo espectador é, normalmente, otimista, forrando-se não apenas do chamado happy end.] (Cyro Siqueira – Tiradentes, a imagem de um País – ESTADO DE MINAS, 28/04/01, Caderno CULTURA, p. 10)

Decat (2009b, p. 124) diz que a "forma" e a "função" dessas cláusulas

precisam ser vistas conjuntamente, uma vez que não só pressões internas (de

nível linguístico, como a sintaxe e a semântica) regem as estruturas da língua,

mas também as pressões externas (de nível pragmático, de ordem discursiva),

"o que decorre da postulação de que os usos é que dão forma ao sistema".

Ela reforça suas ideias afirmando que as cláusulas relativas apositivas

carregam em si a manifestação semântica de avaliação, retomada ou adendo,

enquanto as demais cláusulas manifestam a semântica de realce, propriedades

estas que conduzem para o "desgarramento" das cláusulas hipotáticas de suas

matrizes. Por esta razão, trata-se de uma estratégia sintática a serviço do

discurso argumentativo, pois, pragmaticamente, o uso "desgarrado" dessas

estruturas serve para atender à estratégia de focalização de informação, visto

que, por meio dela, busca-se alcançar maior força argumentativa, servindo,

assim, a objetivos comunicativos e interacionais.

Assim, após ter investigado as características sintáticas, formais e

pragmáticas, fundamentada nas funções textual-discursivas manifestadas

pelas cláusulas "desgarradas", a autora conclui que o "desgarramento", ao lado

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da clivagem e da topicalização, configura-se como mais um mecanismo

sintático a serviço da estratégia de focalização.

Na próxima seção, faremos um breve resumo de outras obras que

influenciaram o rumo dessa dissertação. Trabalhos que focalizaram as orações

adjetivas (prototípicas e não prototípicas), as orações substantivas apositivas, o

fenômeno do "desgarramento" em cláusulas hipotáticas circunstanciais e a

pontuação gráfica.

3.4 Outras contribuições

Souza (2009) propõe, em sua tese de doutorado, uma nova tipologia

para as orações adjetivas da tradição gramatical. Seguindo a perspectiva

teórica do Funcionalismo, sob o enfoque da Gramática Sistêmico-Funcional,

seu estudo mostra que apenas uma classificação binária entre "restritiva" e

"explicativa" não é o suficiente para cobrir todos os usos de orações relativas,

sendo necessário ultrapassar o nível da cláusula, buscando respaldo no nível

do texto e do contexto.

Ela defende que o tipo de relativa não é determinado apenas pela

sintaxe, pela gramática, mas também por fatores discursivos-textuais. Por esta

razão, após análises de textos jornalísticos escritos e entrevistas orais, a autora

chegou à conclusão de que também deve ser considerado na análise da

relativa o grau de definitude do SN antecedente. Assim, com relação à

definitude do antecedente:

(...) quando este possuir grau máximo, a relativa será não-restritiva;

quando possuir grau mínimo, ela será restritiva. Por outro lado, se o

SN antecedente possuir grau intermediário de definitude, o tipo de

relativa será determinado, na modalidade escrita, por uma correlação

entre grau de definitude e informatividade do SN antecedente; e na

modalidade oral, além desses dois fatores, aspectos prosódicos

também desempenham um papel relevante. (SOUZA: 2009, p. 221)

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Dessa forma, a autora propõe uma gradiência na classificação das

relativas que abarca quatro tipos diferentes de cláusulas: (a) não-restritivas

prototípicas; (b) não-restritivas não-prototípicas; (c) restritivas prototípicas; (d)

restritivas não-prototípicas. As duas categorias de prototipia seriam

determinadas pela gramática e as outras dependeriam da correlação de fatores

gramaticais e discursivo-textuais.

Em nome da economia e da coerência na descrição linguística, Souza

(2009, p. 221) contraria o inventário de pronomes relativos da gramática

tradicional, levando em consideração o uso de alguns vocábulos que

funcionam como pronome relativo (dependendo do contexto), como onde,

quando e como60.

Durante a sua pesquisa, Souza (2009, p. 209) também pôde observar

as orações relativas que ficam nas regiões fronteiriças entre relativa-completiva

e relativa-adverbial dentro da categoria de restritivas prototípicas. Por meio de

seus dados, a autora observou estruturas híbridas com traços de relativa e de

completiva simultaneamente assim como estruturas com traços de relativa e de

adverbial. Assim, constatou que há orações que estariam tomando novos

rumos: "umas estão indo na direção das cláusulas completivas; outras na

direção das cláusulas adverbiais; e outras ainda estariam perdendo seu status

de cláusulas, ou seja, dessentencializando-se" (SOUZA: 2009, p. 211). Então,

graças à inclusão do contexto/cotexto incluído na análise

sintática/semântica/prosódica, foi também proposto um continuum entre as

orações complexas: orações adverbiais > híbridas adverbiais/relativas >

orações relativas > híbridas relativas/completivas > orações completivas.

Além do continuum, Souza (2009, p. 217) afirma que as relativas

híbridas com traços de adverbiais possuem um quadro mais delicado de

observação, já que essas orações seriam encaixadas ao SN antecedente no

nível da cláusula, mas teriam uma leitura hipotática no nível do texto, ou seja,

se ligariam a outro constituinte por meio da hipotaxe. Esta informação tem uma

grande contribuição e relevância para a presente pesquisa, pois parece haver

60 SOUZA (2009) admite esses vocábulos adverbiais como pronomes relativos, porque funcionam como pronome relativo no contexto em que estão inseridos.

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uma questão parecida com as cláusulas relativas apositivas "desgarradas",

objeto de estudo dessa dissertação: no nível da oração, essas cláusulas não

estariam encaixadas a nenhum SN antecedente, entretanto, se ligariam a um

SN (ou SO) por meio de uma leitura hipotática.

Gerk (2011) propõe estudar as cláusulas apositivas sem conector

levando em conta o enfoque discursivo na análise de dados quanto à forma e

função em sua dissertação de mestrado. A autora julga ser necessário o critério

pragmático, pois a literatura linguística não o considera na descrição dessas

cláusulas. Por esta razão, ela escolhe como fundamento teórico o

Funcionalismo e se debruça sobre dados reais de textos jornalísticos retirados

de contextos reais de comunicação.

Embora as estruturas em questão pertençam ao grupo das orações

substantivas da tradição gramatical e sejam sem o articulador (ou conjunção

integrante), muito diferente do nosso objeto de estudo, as orações relativas

apositivas possuem um comportamento próximo ao das orações substantivas

apositivas: sintaticamente expandem o SN referente e a ele podem atribuir

significado como avaliação, argumentação, identificação.

Portanto, o trabalho de Gerk (2011) contribui para a presente

dissertação com os seguintes resultados obtidos: (a) há muitos detalhes no

estudo da aposição e a forma simplista como é tratada pela tradição está longe

de descrever todos os seus usos; (b) através dos sinais gráficos (ponto, dois

pontos e vírgula) indicam uma tendência a reforçar uma pausa entre as

estruturas apositivas e seu referente criando uma expectativa de ênfase; (c)

como o falante organiza funcionalmente o seu texto de acordo com seus

propósitos comunicacionais, por isso, o aposto pode constituir uma

confirmação do que é declarado no referente ou uma justificativa; (d) as

cláusulas apositivas também podem ocorrer "desgarradas" de seu referente,

com o intuito de enfatizar alguns aspectos textual-discursivos como a

focalização e a ênfase.

Os resultados de Gerk (2011) estão muito próximos da realidade das

cláusulas relativas apositivas, pois: (a) a tradição gramatical não as descreve

com o mesmo fôlego empregado para as relativas restritivas, tratando-as como

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meros adendos, não sendo isto suficiente para descrever todos os seus usos;

(b) verifica-se o emprego gráfico da(s) vírgula(s) na escrita representando a

pausa do discurso oral característico dessas cláusulas, e no caso das relativas

apositivas "desgarradas", o emprego do ponto final marca justamente a ênfase,

o destaque, a focalização na mensagem transmitida; (c) tais orações, por

estarem "desgarradas", veiculam não apenas a ideia de um adendo ou

comentário, mas além desses sentidos também podem transmitir

detalhamento, justificativa, avaliação, dentre outros; (d) por fim, assim como os

resultados de Gerk (2011), há no PB cláusulas relativas apositivas prototípicas

e cláusulas relativas apositivas "desgarradas" de seu referente, estas últimas

como o objeto de estudo desta dissertação.

Bastos (2014) desenvolveu a sua dissertação de mestrado voltada para

a investigação do fenômeno do "desgarramento" em cláusulas hipotáticas

circunstanciais, utilizando como base teórica o Funcionalismo Linguístico à luz

da Gramática Sistêmico-Funcional (GSF) bem como a noção de unidade

informacional postulada por Chafe (1980).

Levou em consideração todas as cláusulas que apresentassem um

conteúdo semântico circunstancial plenas ou reduzidas, encabeçadas ou não

por conectivos, e observou as pontuações terminativa (ponto final) e em alguns

casos o uso de ponto e vírgula e reticências. A própria autora elaborou o seu

corpus com textos de domínio escolar de alunos matriculados em Escola de

Jovens e Adultos (EJA) e aplicou testes de atitude com professores de Língua

Portuguesa na mesma escola.

Seus objetivos específicos eram (a) propor uma caracterização um

pouco mais ampla das cláusulas hipotáticas circunstanciais "desgarradas",

observando o tipo de relação que emerge entre as cláusulas bem como

posição, forma e a perspectiva discursiva em que estão inseridas, e também

(b) conferir o status do fenômeno "desgarramento" no âmbito escolar por meio

de avaliações de textos escritos realizadas por professores de português.

Embora trabalhe com um tipo de cláusulas hipotáticas diferente do tipo

analisado nesta dissertação (circunstanciais) e, embora tenha admitido o uso

de ponto e vírgula e reticências antecedendo às cláusulas, o trabalho de

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Bastos (2014) contribui para a presente pesquisa com as seguintes

conclusões: (a) as macrorrelações (causalidade, contrastividade, modo e

intensificação) e as microrrelações (causa acontecimento, causa verdade

universal, ilustração, expectativa de causa, expectativa de efeito, efeito lógico

ou natural, contraste-reforço, contraste-adendo, contraste auto focado, modo

prototípico, exemplificação, recorrência semântica, ampliação e agravamento),

revelam a importância do "desgarramento" para o desenvolvimento da

argumentação, "justamente porque se mostraram, ao longo da análise,

relações típicas de sequências argumentativas" (BASTOS: 2014, p. 146), pois

esta mesma relação de argumentatividade se apresenta em cláusulas relativas

apositivas e seu núcleo; e (b) o fator posição também se mostrou fundamental

para o entendimento de como as cláusulas "desgarradas" se aplicam: a

posposição de cláusulas em relação ao conteúdo com o qual se vinculam é um

fator propício para a realização do "desgarramento", o mesmo que acontece

com as cláusulas em foco nesta dissertação.

Lukeman (2011) contribui para esta dissertação ao explicar para que

serve a função terminativa do sinal gráfico ponto final <.>. A indicação do ponto

final é o momento de parar, pois é com ele que se coloca um limite ao delinear

uma única ideia. Segundo o autor, em um texto, há lugar para frases61 curtas e

frases longas.

Ele diz que as frases muito curtas podem causar um impacto que as

longas não conseguem produzir e até mesmo ressaltar, por em evidência uma

ideia que tenha passado despercebida em meio a uma frase muito longa. Em

um texto narrativo, elas também servem para manter um andamento rápido dos

eventos; também servem para demonstrar o fluxo rápido do pensamento, pois

cada ponto final serve para marcar e/ou reforçar uma conclusão.

Por outro lado, o uso excessivo de ponto final produzindo um texto

basicamente escrito por frases simples, segundo o autor, resulta em um texto

fraco e desagradável, dificultando a leitura com numerosas interrupções. Ainda

segundo o autor "é preciso estar atento para a ocorrência de frases muito

61 O autor entende "frase" como uma unidade linguística que estabelece comunicação.

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curtas que, no contexto, transmitam pouco, apresentem ideias incompletas e

sejam insatisfatórias." (LUKEMAN: 2011, p. 23).

As frases longas também têm suas aplicações e efeitos. As frases

longas conseguem mostrar o efeito do fluxo de pensamentos caóticos de um

personagem, por exemplo. Elas também podem ser usadas para capturar um

ponto de vista. Em um texto narrativo, uma frase muito longa pode ser usada

para marcar uma grande extensão de tempo de uma atividade ou de um evento

em processo. Entretanto, os escritores correm "perigo" no uso excessivo de

frases muito longas, pois estas costumam amontoar várias ideias em uma

única frase. O autor ainda adverte:

os leitores de hoje não querem exercitar o cérebro com frases do

tamanho de um parágrafo, e as ideias expressas nessas frases

provavelmente se perderão. Escrever tem a ver com simplicidade e

clareza, e o melhor modo de conseguir isso é construir uma frase

para cada ideia. (LUKEMAN: 2011, p. 29)

Com base nas ideias de Lukeman (2011) antes apresentadas, vê-se

que sua contribuição é bastante valiosa para o estudo do "desgarramento" das

cláusulas relativas apositivas, porque, indiretamente, o autor legitima a

funcionalidade do "desgarramento". Se uma cláusula compreendida entre dois

pontos finais deve delinear uma única ideia, então, não podemos desconsiderar

essas cláusulas "desgarradas", pelo contrário, devemos estudar com mais

cuidado suas implicações discursivas, já que o uso dessas orações transmite

e/ou reforça intencionalmente uma informação, uma ideia que faz todo sentido

na linearidade da argumentação e no contexto de produção.

Sendo assim, concluímos o capítulo de Fundamentação Teórica,

explicitando o Funcionalismo Linguístico como aporte teórico em Pressupostos

Teóricos Gerais. Houve também o cuidado de explicar o porquê a Gramática

Tradicional, por meio da Coordenação e da Subordinação como modos de

organização das orações, não dá conta das cláusulas relativas apositivas e o

porquê de se adotar o contínuo Subordinação-Hipotaxe-Parataxe do

Funcionalismo. Não poderíamos deixar de explicitar os estudos de Decat

(2011), linguista que se dedicou por mais de dez anos ao fenômeno do

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"desgarramento", além de expor os resultados de outros trabalhos que

auxiliaram na construção desta dissertação.

De posse de todas as informações adquiridas até aqui, passemos para

o próximo capítulo voltado para a descrição detalhada do corpus adotado, dos

gêneros textuais contemplados pelos textos e o método para recolher os dados

com o auxílio de ferramentas computacionais.

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4. METODOLOGIA

Neste capítulo, apresenta-se a descrição

dos corpora selecionados (amostra PEUL, PHPB e

VARPORT) e como estes estão organizados.

Também são definidas as funções sociais dos

gêneros textuais que compõem os jornais dos

séculos XIX, XX e XXI utilizados nesta pesquisa,

neste caso, o anúncio, o artigo de opinião, as

cartas dos leitores, o editorial de jornal e a notícia.

Por fim, explicita-se a metodologia aplicada para a

obtenção de dados por meio dos programas

AntConc (2011) e Word (2007).

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4.1 Descrição dos corpora

4.1.1 Amostra PEUL

Para a realização deste trabalho, utilizou-se o corpus PEUL - Programa

de Estudos sobre o Uso da Língua (NARO; RONCARATI & ABREU, 1979),

projeto de caráter interinstitucional, já que reuniu integrantes da UFRJ, UFF e

UFES, organizados por diversos pesquisadores e bolsistas vinculados ao

projeto e coordenados pelo Prof. Anthony Naro. Todos tinham um objetivo

comum: "o de descrever a sistematicidade da variação observada no português

brasileiro, depreender mudanças em tempo aparente e identificar os correlatos

estruturais, sociais e funcionais desses processos".62

As atividades começaram em 1979, sendo recolhidas amostras de fala

durante a década de 80, com o nome de Censo. Mais tarde, o grupo voltou-se

para o estudo da mudança em tempo real de curta duração, sendo acrescidas

as amostras Recontato (indivíduos participantes na década de 80

recontactados em 2000) e uma nova amostra de fala, com novos indivíduos,

também durante a década de 2000. Assim, foi possível aos pesquisadores a

comparação dos Estudos Painel e Tendência. Entre 2002 a 2004, foi

acrescentada ao Projeto uma amostra de língua escrita retirada de textos

jornalísticos de variados gêneros. O Projeto ainda conta com Amostra de Fala

Infantil (de 7 a 14 anos de idade), Amostra Mobral e Amostra Interacional.

Todas essas amostras estão reunidas digitalmente e disponíveis online em

http://www.letras.ufrj.br/peul/index.html.

Para este estudo, dentre tantas amostras disponíveis no Projeto, a de

maior interesse para nossos objetivos é a amostra de língua escrita de cunho

jornalístico. Esses textos foram coletados de jornais de grande circulação no

Rio de Janeiro, tais como O Globo e o Jornal do Brasil, menos populares, pois

são dedicados a um público alvo com índice de escolaridade elevado, e Extra,

para um público alvo de mediano grau de escolaridade e Povo, mais popular.

Dentre os gêneros textuais disponíveis, foram selecionados: Artigo de Opinião,

62 Trecho extraído da seção "História" do site http://www.letras.ufrj.br/peul/historia.html do programa PEUL.

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Carta de Leitor, Editorial e Notícias. Veja-se no Quadro 6 a seguir, o resumo do

número de textos distribuídos por gênero e jornal selecionado:

Século XXI

Gênero O Povo Extra Jornal do

Brasil O Globo Total

Artigo de opinião 25 25 25 25 100

Carta de leitores --- 25 25 25 75

Editoriais 25 25 25 25 100

Notícias 25 25 25 25 100

Total 375 Quadro 6 - Corpus de língua escrita do PB distribuídos por gênero e jornal (PEUL)

Como pode ser visto no Quadro 6, para cada gênero, foram coletados

25 textos de cada jornal, totalizando 100 textos por gênero, com exceção do

gênero carta de leitores do jornal O Povo, porque, segundo os organizadores, a

publicação é descontínua. Sendo assim, chega-se a um total de 375 textos.

O artigo de opinião foi escolhido pela sua carga argumentativa, assim

como o gênero editorial; entretanto, não será comparado com os séculos XIX e

XX, pois se trata de um gênero não coletado em outras amostras que abarcam

esses períodos históricos. Os outros três gêneros foram coletados, pois

preenchem as lacunas referentes ao século XXI (cf. Quadro 14 da p. 103).

4.1.2 Amostra PHPB

Para a realização deste trabalho, também foi utilizado o corpus PHPB -

Para uma História do Português Brasileiro (BARBOSA, 2010), do grupo de

pesquisa do Rio de Janeiro, integrado ao Projeto Nacional Para a História do

Português Brasileiro, que ainda se encontra em andamento. O objetivo

principal deste projeto é disponibilizar para a comunidade acadêmica textos em

formato digital de sincronias passadas e esses textos podem ser encontrados

em arquivo de texto no endereço eletrônico

https://sites.google.com/site/corporaphpb/home.

A amostra é constituída de documentos escritos no Brasil, captados

dos principais acervos do Rio de Janeiro, tais como, materiais impressos de

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jornais, manuscritos, documentos de esferas institucionais públicas ou

privadas, correspondências pessoais e textos literários compreendidos entre os

séculos XVII e XX. Como se trata de um projeto nacional, são encontrados

textos de outros estados e o mesmo projeto está vinculado ao Corpus

Diferencial (que são amostras complementares do PE para contraste com o

estudo do PB).

Para esta pesquisa, dentre tantas amostras disponíveis no Projeto, a

que se mostrou mais adequada aos nossos propósitos foi a amostra de língua

escrita de cunho jornalístico ("corpora impressos"), e de forma mais específica,

o gênero carta de leitores para preenchimento das lacunas referentes ao

século XIX e XX (cf. Quadro 14 da p. 103). Veja-se no Quadro 7 a seguir, o

resumo do número de textos distribuídos por gênero e períodos históricos:

Século XIX Século XX

Gênero Fase 1

(1801 - 1850) Fase 2

(1850 a 1900) Fase 1

(1901 - 1950) Fase 2

(1950 a 2000) Total

Anúncios 62 104 314 165 645

Carta de Leitores

18 15 11 57 101

Editoriais 12 17 9 11 49

Total : 795 Quadro 7 - Corpus de língua escrita do PB distribuídos por gênero e períodos históricos (PHPB)

Como se observa no Quadro 7, os anúncios, as cartas de redatores e

os editoriais, no corpus PHPB, estão divididos em duas fases (1801 a 1850 e

1850 a 1900) para o século XIX e mais duas fases (1901 a 1950 e 1950 a

2000) para o século XX. Juntando os séculos XIX e XX, foram coletados 645

anúncios, 101 cartas de leitores e 49 editoriais de jornal, totalizando 795 textos

para essa amostra.

4.1.3 Amostra VARPORT

Para a realização deste trabalho, utilizou-se também o corpus VARPORT

- Análise Contrastiva de Variedades do Português (BRANDÃO & MOTA, 2000),

organizado pelas professoras Silvia Figueiredo Brandão (Brasil) e Maria

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Antónia Ramos Coelho da Mota (Portugal), disponível online em

http://www.letras.ufrj.br/varport/.

A amostra selecionada é composta por apenas materiais escritos

retirados de jornais da variedade brasileira englobando os séculos XIX e XX. O

projeto VARPORT também conta com materiais contrastivos orais no século

XX (gravados em 1970, 1990 e também há uma amostra Recontato, cujos

inquéritos estão divididos por três faixas etárias) tanto para o PB quanto para o

PE, além de materiais também retirados dos jornais do século XIX e XX, que

circulavam na capital Lisboa/Portugal.

Todos os textos foram transcritos tais como os originais, além de

preservar a sua tabulação através do caractere "barra" do teclado, pois o

formato, agora, é digital. Todos tentam preencher as seguintes informações

destacadas em itálico: (a) natureza, em que tipo de texto a amostra foi

recolhida; (b) fonte, qual era o periódico; (c) periodicidade, com que frequência

o periódico era publicado; (d) data e local; (e) tipo de texto, o gênero textual; (f)

seção e página; (g) autor, quando este era identificado; (h) instituição de

registro e código, local de onde foi retirado o original para transcrição; (i)

número de palavras; e, quando necessário, (j) observações. O Quadro 8, a

seguir, mostra, resumidamente, a amostra escolhida:

Século XIX

Gênero Fase 1

(1808 - 1840) Fase 2

(1841 - 1870) Fase 3

(1871 - 1900) Total

Anúncios 113 78 88 279

Editoriais 10 10 9 29

Notícias 22 30 58 110

Total 418

Século XX

Gênero Fase 1

(1901-1924) Fase 2

(1925 - 1949) Fase 3

(1950 - 1974) Fase 4

(1975 - 2000) Total

Anúncios 54 47 37 22 160

Editoriais 4 6 6 7 23

Notícias 25 39 17 31 112

Total 295 Quadro 8 - Corpus de língua escrita do PB distribuído por gênero textual e períodos históricos (VARPORT)

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Segundo o Quadro 8, os textos estão divididos por três gêneros textuais,

são eles: (a) anúncios, com 437 amostras; (b) notícias, com um total de 222

amostras; (c) editoriais, somando 52 amostras. Justifica-se o número de

anúncios maior em quantidade, porque o número de palavras em cada um

deles é bastante pequeno, o contrário se observa nos editoriais, ou seja,

possuem um número menor de textos, porque para cada um há um número

considerável de palavras.

Este corpus pertence a variados jornais que circulavam na então capital

do país, Rio de Janeiro, estando estes divididos em três fases: para o século

XIX (a 1ª fase compreende os anos 1908 a 1840, a 2ª fase os anos 1841 a

1870 e a 3ª encerra o século com o período de 1871 a 1900) e quatro fases

para o século XX (a 1ª fase compreende os anos 1901 a 1924, a 2ª fase os

anos 1925 a 1949, a 3ª fase, de 1950 a 1974, e a 4ª fase conclui o século com

o período de 1971 a 2000).

Após o detalhamento dos corpora selecionados, passa-se à próxima

seção deste capítulo com a definição dos gêneros textuais anúncio, artigo de

opinião, carta de leitores, editorial e notícia63.

4.2 Gêneros textuais selecionados

Segundo Marcuschi (2008: p. 155), gêneros textuais são formas escritas

ou orais bastante estáveis e situadas histórica e socialmente, ou seja, são

textos que apresentam padrões sociocomunicativos característicos, definidos

pela relação entre a função do texto e a sociedade. Desta forma, Marcuschi

(2008, p. 155) defende que "é impossível não se comunicar verbalmente por

63 Deve-se ressaltar que a Amostra PEUL se mostra equilibrada, pois os organizadores tinham o intuito de recolher 25 textos para cada amostra, além de escolherem os jornais de acordo com o público alvo (O Povo para baixo monitoramento linguístico, Extra para médio monitoramento linguístico e Jornal do Brasil e O Globo para alto monitoramento linguístico), já as amostras PHPB e VARPORT trabalham com número de palavras, sendo assim, há um desequilíbrio entre a quantidade de anúncios, editorial de jornais, notícias e carta de leitores, pois, os três últimos gêneros costumam ser longos, constituídos por muitas palavras, enquanto os anúncios são curtos, com poucas palavras. Além disso, todos os textos das duas últimas amostras foram avaliados segundo o grau de monitoramento linguístico de acordo com o público alvo (cf. a seção 5.4, p. 142 e Quadro 16, p. 143).

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algum gênero, assim como é impossível não se comunicar por algum texto",

porque toda comunicação se dá através de textos com base em algum gênero.

Cada gênero tem características próprias para atender sua

intencionalidade discursiva, pois, em sociedade, utilizam-se textos para entreter

(p. ex., romance, piada), para ensinar (p. ex., receita, manual), para informar (p.

ex., carta, notícia), para convencer (p. ex., artigo de opinião, propaganda) etc.

Sendo assim, com base nessa definição geral, passemos às especificidades

dos gêneros anúncio, artigo de opinião, carta de leitores, editorial de jornal,

notícia, que integram nossos corpora.

O gênero textual anúncio tem como objetivo despertar no leitor o desejo

de comprar o produto ou serviço que está sendo anunciado; por esta razão, os

anúncios necessitam de uma linguagem persuasiva. Este gênero modificou-se

bastante ao longo dos séculos, principalmente, se levarmos em consideração o

veículo em que ele é transmitido. Em geral, o anúncio apresenta um título, o

texto do anúncio em si e a assinatura de quem anuncia. Em relação à

linguagem, segundo Abaurre; Abaurre; Pontara (2008b, p. 471), "a linguagem

dos textos publicitários admite algumas liberdades em relação às

características da norma escrita culta. Isso se explica pela necessidade de criar

uma aproximação com o leitor".

No século XIX, tornar público um serviço/produto no jornal era bastante

eficiente e havia seções destinadas apenas aos anúncios. Nos primeiros

formatos de anúncio veiculados em jornais não havia uma fórmula, um padrão

para a construção desse gênero. A propaganda era veiculada em forma de

notícia e os autores dos anúncios divulgavam escravos, aulas particulares,

remédios, propriedades e serviços profissionais como advocacia, contabilidade,

despachante etc. Eles eram feitos unicamente de texto, sem ilustrações, mas

com o tempo apareceram as primeiras logomarcas e desenhos.

Já no século XX, ganharam ainda mais espaço. Páginas inteiras estavam

ao seu dispor; ganharam cores, figuras/fotografias e uma linguagem muito mais

persuasiva com um texto bastante sedutor e atraente, com a utilização de

argumentos para convencer o público-alvo. Já no século XXI, com o avanço

tecnológico e a difusão da internet, parece que os anúncios vêm perdendo

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espaço na mídia impressa. Como é um gênero que lida com a sedução do

leitor, no ato de convencimento de compra de um determinado produto, é um

gênero que não pode ser excluído da análise. Como ilustração, segue no

Quadro (9) adiante, um anúncio do século XIX e um do final do século XX

como demonstração da mudança de forma nesse gênero:

Século XIX Século XX

No dia 17 de Fevereiro corrente pelas 10 horas da manhã, se perdeo hum Moleque na Praia do Peixe, o qual terá 15 annos de idade; chama-se Matheus, he de Nação Cabundá, com calças de Amiagem, e Camiza de pano de linho; ignora a lingoa Portugueza por ser comprado dias antes no Valongo: Quem delle souber, vá falar com João Pereira da Silva, morador na Rua da Ajuda Número 52 ao pé do Coronel Antonio Correa da Costa; e delle receberá boas alviçaras.

(VARPORT, anúncio, século XIX. Gazeta do Rio de Janeiro, 24/02/1809)

A Tijuca ganhou um hipermercado com nota máxima em evolução. Bem-vindo Extra Tijuca. A Tijuca ganhou o hipermercado mais moderno, inovador e bonito | que já se viu: o Extra. E também já pode contar com a primeira rede de hipermercados | do Brasil, que funciona 24 horas, todos os dias. Cada detalhe foi muito bem elaborado e | executado para sua comodidade e conforto. Desde os espaços e a exposição dos produtos | até a iluminação e os equipamentos utilizados. Tudo isso é a prova de que uma parceria | bem feita pode atingir nota máxima em todos os quesitos. E nós temos o maior orgulho de | entregar para você mais essa grande obra. Venha conhecer o Extra Tijuca. Você merece.

(VARPORT, anúncio, século XX. O Globo, 04/12/1998)

Quadro 9 - Comparação entre anúncios dos séculos XIX e XX do corpus VARPORT

Vê-se, no Quadro (9), um exemplo de um anúncio do início do século XIX

e um, outro datado do final do século XX. O anúncio do século XIX se

apresenta mais como uma notícia, um informe de que alguém (João Pereira da

Silva) perdeu um rapaz (Matheus, escravo) e que aquele que o encontrar

poderá receber uma recompensa (boas alviçaras). Vê-se um texto bastante

objetivo, informativo.

Já, no segundo texto, podemos ver elementos muito diferentes do

primeiro: nele, está presente a informação sobre o hipermercado Extra na

Tijuca e todos os pontos positivos sobre este estabelecimento de modo a

convencer o leitor a realizar as suas compras por lá. Adjetivos como

"moderno", "inovador", "bonito", adjetivos adverbiais como "24h", "espaço", e

substantivos como "iluminação" são usados como "argumentos" para

convencer o leitor de que o supermercado é o melhor. Um texto que procura se

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aproximar do leitor com a utilização do pronome "você" e que, ainda, interage

com o contexto do carnaval, o que pode ser comprovado pelo trecho "pode

atingir nota máxima em todos os quesitos", já que a propaganda foi anunciada

no mês de dezembro, auge dos preparativos das escolas de samba para o

carnaval.

O gênero textual artigo de opinião tem como objetivo expressar

claramente a opinião de quem assina o texto sobre alguma questão

controversa, geralmente polêmica. O caráter argumentativo fica evidenciado

por meio das justificativas, argumentos e contra-argumentos utilizados ao longo

da construção textual de forma a convencer o leitor da opinião do autor.

Segundo Abaurre; Abaurre; Pontara (2008b, p.623), "o leitor encontra,

nesses textos, um espaço de reflexão mais detalhada que, por vezes, auxilia a

compreender melhor o mundo em que vive, pode servir de base para formar

sua própria opinião, ou, ainda, confirma uma posição que já tem sobre

determinado fato ou questão". Ressalta-se que o julgamento do autor do artigo

de opinião nem sempre coincide com a opinião do jornal, já que se trata de um

espaço aberto para debates e reflexões de outros pensamentos.

O público-alvo deste gênero tem o mesmo perfil do leitor da publicação

comprada/assinada, sendo assim, é o perfil dos leitores do jornal que define o

grau de formalidade do texto. Esse gênero é bastante difundido nos jornais do

século XX e XXI, entretanto, nos corpora selecionados para esta pesquisa,

apenas a Amostra PEUL chegou a fazer a coleta desse gênero.

Mesmo que haja lacunas nas células do Quadro 6 (cf. seção 4.1.1, p. 90),

é de fundamental importância analisar este gênero, graças a sua estrutura

fortemente argumentativa. Como ilustração desse gênero textual, traz-se, no

Quadro (10) a seguir, um exemplo de artigo de opinião do século XXI do corpus

PEUL (já que as outras amostras não possuem esse gênero, não se faz, aqui,

uma comparação entre eles):

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Debandada de cérebros

Noel de Carvalho O Brasil é um dos países que menos investem em pesquisa. Não temos aqui a

tradição das fundations americanas, terminal de aplicações de milhões de dólares de milionários sexagenários que querem deixar seu nome na História. A contribuição do empresariado brasileiro para pesquisa é irrisória, continuação de uma antiga mentalidade de que essa é uma obrigação do Estado, que, por, sua vez, investe muito pouco. Na relação entre o PIB e investimentos em pesquisa e desenvolvimento, o Brasil, com apenas 1%, fica atrás da Coréia do Sul, que investe 2,5 %.

Porém, centros de excelência não nos faltam: a Embrapa, que proporcionou uma verdadeira revolução em nossa agricultura e exporta know-how para o mundo; a Fundação Oswaldo Cruz, que pela sua história e relevantes trabalhos dispensa comentários; e o próprio Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) que, através de seu sistema de concessão de bolsas para pesquisas avançadas, é nosso principal instrumento para a formação de cientistas, única salvaguarda para nossos pós-graduados que não têm condições financeiras para dar continuidade a seus estudos e pesquisas no exterior, oportunidade de que desfrutam apenas poucos privilegiados.

O nosso CNPq vem cumprindo seu papel, apesar das bolsas modestas que pode oferecer. Retrato da nossa precariedade é que apesar disso candidatos não faltam.

Se os salários dos nossos professores e doutores, comparados ao que se paga nos Estados Unidos, Inglaterra, França, Alemanha e Japão, são irrisórios, uma outra aflição atinge atualmente o mundo acadêmico. Com a pretendida reforma da Previdência, o quadro da pesquisa nacional, que há muito apresenta situação crônica de falta de recursos, mas de muito idealismo e abnegação, tende a se agravar, com a corrida à aposentadoria de cerca de 1 mil e 500 pesquisadores bolsistas de estágio mais avançado do CNPq, conforme adverte a cientista Glaci Zancan, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. O número tende a crescer se considerarmos pesquisadores na faixa de 50 anos de idade que trabalham em instituições congêneres. A debandada pode alcançar ainda até 13% dos 42 mil professores das universidades federais, levando à aposentadoria pesquisadores na faixa de 55 anos, extremamente produtivos, o que vai criar um vazio de difícil reposição.

No passado, durante a ditadura militar, tivemos uma debandada de muitos de nossos melhores cérebros para o exterior. Alguns, pela sua notoriedade e prestígio aqui e no exterior, a ditadura não teve condições de prender ou mandar para o exílio, como aconteceu com dezenas de outros professores. Simplesmente criaram-se condições absolutamente intoleráveis de trabalho e sobrevivência. O mal que então se fez ao país foi enorme e o prejuízo irreparável.

A contribuição desses cérebros privilegiados é por demais importante para a nação. Os parâmetros para sua aposentadoria não podem ser tratados burocraticamente, assim na tábua rasa da "aposentadoria, em geral", o que deve ser observado também para outras profissões específicas.

Pesquisadores e cientistas são um tipo de gente especial. O retorno que dão ao progresso científico e à sociedade não tem preço, e isso apesar dos baixos salários. Há tempo ainda de evitar o mal.

(PEUL, artigo de opinião século XXI. Jornal do Brasil, 02/06/2003) Quadro 10 - Exemplo de artigo de opinião do século XXI do corpus PEUL

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O texto do Quadro (10) de Noel de Carvalho, publicado no Jornal do

Brasil aborda um tema ainda muito atual: a perda de pesquisadores e cientistas

por falta de financiamento para suas pesquisas. O autor apresenta o assunto/ o

tema (a situação de pesquisas científicas no Brasil), a sua tese (de que o Brasil

é dos países que menos investe em pesquisa, prejudicando a nação), e expõe

os seus argumentos (a contribuição do empresário brasileiro é irrisória; salários

dos professores e cientistas são baixos; aposentadoria de pesquisadores na

faixa dos 50 anos) de modo a convencer o leitor de que esses profissionais

deveriam ser mais incentivados, pois o progresso científico e as contribuições à

sociedade são muito valiosas.

O gênero textual carta de leitores tem como principal finalidade

manifestar a opinião dos leitores sobre um determinado assunto publicado em

um jornal. É o canal aberto, proporcionado pelo jornal, para que seu público-

leitor possa fazer parte da opinião pública ao expressar sua opinião, dar

sugestões, fazer perguntas, debater e refletir sobre fatos cotidianos, além de

reclamar e/ou elogiar. Sendo assim, o gênero carta do leitor reflete

prioritariamente a opinião pública sobre os fatos noticiados, por consequência,

requer do seu autor um posicionamento.

Apesar dessas cartas serem destinadas aos editores do jornal ou a um

autor específico de algum artigo, elas podem ser publicadas e lidas por todos

os leitores que acompanham o jornal e são de fundamental importância para o

veículo de comunicação saber o que está agradando ou não. No século XIX, já

existia esse gênero nos jornais, mas apenas um grupo seleto redigia essas

cartas, majoritariamente de sexo masculino e pertencente à classe social

abastada (já que negros e membros da classe popular não sabiam nem ler e

nem escrever, salvo exceções).

Conforme os anos foram se passando, o indivíduo passou a tomar gosto

por poder se posicionar na sociedade; assim, a utilização desse gênero

aumentou bastante. Desta maneira, é um gênero em que é difícil especificar

fenômenos extralinguísticos, tais como classe social, nível de escolaridade e

faixa etária, devido a sua estrutura, geralmente, composta de título, corpo da

mensagem, assinatura e cidade; por outro lado, como também apresenta

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opiniões diversas, é um gênero que não pode ser desconsiderado para a

análise deste trabalho. Como ilustração, segue no Quadro (11) adiante, uma

comparação entre os séculos XIX e XXI do gênero carta de leitores:

Século XIX Século XXI

Senhor Redactor do Grito da Razão na corte | do Rio de Janeiro || Mostrando-me o prospecto do seo Pe- | riodico, que Vossa mercê se dedica á sustentação dos | interesses da sua Patria, a Provincia | da Bahia, e existindo em meo poder o | memorial d’ huma Bahiana, para, por via | da Imprensa, ser transmitido á Nossa Au- | gusta Imperatriz, desejara, sendo possivel, | se lhe desse lugar em sua Folha, pela | legitimidade, com que nella poderá appare- | cer á luz publica, e o muito se obsequiará o seo | Amigo e Patricio.

(PHPB, carta de leitor, século XIX.

O Grito da Razão na Corte do Rio de Janeiro,18/03/1825)

Um sebo precioso A nota sobre a possibilidade de fechamento da Livraria Brasileira, na coluna Gente Boa de domingo, encheu-me de preocupação e tristeza e, imediatamente, veio-me à cabeça o filme "Nunca te vi, sempre te amei", com Anne Bancroft e Anthony Hopkins. Aquele sebo faz parte da minha vida, assim como, tenho certeza, de inúmeros outros freqüentadores. Minha filha, hoje estudante de jornalismo, sempre me acompanhou nas minhas idas lá e aprendeu a amar aquele espaço desde pequena. Foi daquelas prateleiras que se originou uma boa parte da minha modesta biblioteca doméstica. Recorro à coluna para que incite os freqüentadores a se mobilizarem. O desaparecimento daquele sebo seria uma perda irreparável para a cultura do Rio e serviria para esvaziar ainda mais o centro da cidade. Ary Passos, Rio

(PEUL - O Globo, 18/03/2004) Quadro 11 - Comparação entre carta de leitores dos séculos XIX e XX dos corpora PHPB e PEUL

Como se vê no Quadro (11), o gênero carta de leitores é uma seção livre

para os leitores do periódico se manifestarem sobre algum assunto. Ambos

tratam de assuntos muito diferentes, mas possuem em comum o apelo, um

requerimento: no primeiro, o autor solicita ao Redator um espaço no periódico

para a publicação do memorial de uma baiana; enquanto no segundo, convida

a todos a se mobilizarem em favor da Livraria Brasileira, tentando impedir o seu

fechamento.

O gênero textual editorial de jornal tem como principal finalidade

manifestar a opinião do jornal sobre um acontecimento importante, geralmente,

de cunho polêmico e político. Possui uma sessão fixa no jornal e não leva a

assinatura de uma pessoa (perspectiva subjetiva), mas sim, de todos aqueles

que compõem o jornal, chamados de editorialistas. Revela-se como um texto

informativo-argumentativo bastante equilibrado com o intuito de convencer o

leitor sobre o julgamento daquele periódico.

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Também não há um público-alvo específico; os leitores, que buscam esta

seção, procuram opinião e análises dos fatos, pois não se contentam apenas

com as informações advindas das notícias. Sua estrutura é fixa, de tipologia

textual dissertativo-argumentativo, apresentando uma introdução, um bom

desenvolvimento e conclusão.

Segundo Abaurre; Abaurre; Pontara (2008c, p. 632), o editorial

"representa o periódico e, por esse motivo, deve garantir que a imagem que os

leitores fazem seja a melhor possível", sendo assim, com relação à linguagem,

ela é explicitamente formal, adotando-se o padrão culto da língua escrita.

Não houve, ao longo desses dois séculos na amostra analisada,

alterações perceptíveis no gênero editorial de jornal. Como ilustração desse

gênero textual, traz-se, no Quadro (12) a seguir, um exemplo de editorial de

jornal do século XX do corpus VARPORT (já que não houve grandes

mudanças neste gênero, não há a necessidade de comparar o gênero pelos

séculos):

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Orgulho Perdido

Os chamados médicos-residentes entram em greve | por aumento das bolsas,

como se de salário se tratasse. | Na verdade, não correspondem a uma cate- | goria profissional, mas a um grupo que vive às | espensas dos cofres públicos, supostamente para | estudar e não para fazer greves.

A residência médica tornou-se simples expedien- | te para retardar a entrada no mercado de metade dos | médicos que se formam anualmente. Assim, a diplo- | mação situa-se em torno de 10 mil, nos últimos | exercícios, enquanto recrutam-se 5 mil residentes. No | sistema anterior, que vigorava antes da massificação | dos anos setenta, os estudantes de medicina esco- | lhiam uma especialidade durante internato em hospi- | tais, nos últimos anos do curso ou ainda mediante a | prática médica depois da formatura. Os residentes | têm dois anos, além do curso de cinco, para adquirir | aquela especialização. Mais das vezes uma superespe- | cialização, nada tendo a ver com o mercado.

No presente o Brasil tem cerca de 125 mil | médicos, muito mais que qualquer país da Europa, | salvo a Alemanha Ocidental. O índice apurado pela | Organização Mundial de Saúde, no mundo desenvol- | vido, oscila entre 500 e 700 pessoas por médico. As | médias nacionais já estão próximas daqueles resulta- | dos, tendo sido largamente ultrapassadas nas grandes | concentrações como Rio e São Paulo. Com o agravan- | te de que o contingente desempregado alcança pro- | porções catastróficas.

A questão do ensino médico é, portanto, um | aspecto da crise de nossos cursos superiores e que | afeta sobremaneira a universidade oficial. É uma | pena que as entidades médicas, que estavam no dever | de preservar a respeitável tradição da medicina brasi- | leira, tenham permitido que a aura que cercava a | profissão fosse substituída pelo açodamento de uns | quantos indivíduos em ascender socialmente, à custa | seja do que for. Assistem ao aviltamento da categoria | como se não lhes dissesse respeito. Nesse andor, nos | aproximamos a passos largos da situação em que, no | concernente à nossa medicina, nada mais teremos de | que nos orgulhar.

(PHPB, editorial de jornal, século XX. Jornal do Brasil, 01/06/1984)

Quadro 12 - Exemplo de editorial de jornal do século XX do corpus PHPB

O texto do Quadro (12), não assinado, publicado no Jornal do Brasil

explora um tema ainda muito atual: a questão dos médicos-residentes no

Brasil. O autor apresenta o assunto/ o tema (o problema que se tornou a

residência médica ao retardar a entrada do médico no mercado de trabalho), a

sua tese (de que o ensino médico é um reflexo da crise dos cursos superiores),

e expõe os seus argumentos (apenas metade dos médicos formados são

recrutados para residência; dois anos de residência além dos anos de

graduação; médicos desempregados), de modo a convencer o leitor de como

anda a situação da categoria dos médicos, os brasileiros não terão mais de que

se orgulhar.

O gênero textual notícia é o registro de fatos, acontecimentos e/ou

eventos de interesse geral, sendo assim, segundo Abaurre; Abaurre; Pontara

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(2008a, p. 433), "sua finalidade é informar, por meio de um relato, as

circunstâncias em que ocorrem os fatos registrados", sem que haja uma

explícita opinião do autor, i.e., procura-se elaborar o texto de forma imparcial.

Por muito tempo, os jornais impressos eram a única forma de transmitir

uma notícia, graças ao advento da tipografia; para um acontecimento se tornar

'notícia', era necessário que o mesmo afetasse aspectos da vida socio-

econômico-cultural de uma região e/ou país. Com relação ao código utilizado

para a transmissão da mensagem, a linguagem utilizada obedece às regras

gramaticais da língua portuguesa em seu padrão culto e prioriza uma elocução

simples e objetiva.

No século XIX, no Brasil, o jornal circulava no setor aristocrático da

sociedade (público-alvo), pois era necessário saber ler; além disso, o índice de

analfabetismo era muito alto, pois não havia políticas públicas para alterar esta

situação. Já no século XX, com o interesse político de erradicação do

analfabetismo através do fornecimento de educação básica e com o aumento

tecnológico, o jornal passou a circular por todos os setores da sociedade, não

havendo um público-alvo específico. A título de exemplificação, segue, no

Quadro (13), uma notícia do século XXI para análise (já que não houve

grandes mudanças neste gênero, não há a necessidade de comparar o gênero

pelos séculos):

Operação da PM no Morro do Juramento termina com mortos Traficantes de áreas com UPPs estariam se refugiando na favela

Quatro supostos traficantes morreram ontem durante uma operação da Polícia

Militar no Morro do Juramento, em Vicente de Carvalho. A ação, segundo o comandante do 2o Comando de Patrulhamento de Área (CPA), coronel Aristeu Leonardo, era para reprimir o tráfico de drogas no local e prender traficantes que costumam sair do morro para roubar carros na região.

Segundo o coronel, muitos traficantes da maior facção criminosa do Rio que foram expulsos de suas comunidades com a implantação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) se esconderam nessa favela.

Na ação, foram apreendidos dois fuzis novos calibre 762, duas granadas, uma pistola 9mm, 15 máquinas caça-níqueis e grande quantidade de maconha, cocaína e crack. Três carros roubados foram recuperados no alto do morro. A polícia apreendeu ainda agendas do controle da venda de drogas na favela.

Os policiais invadiram o morro no início da manhã, sob intenso tiroteio. Três traficantes foram encontrados feridos na mata e morreram a caminho do hospital. O quarto morreu em confronto perto de uma boca de fumo.

(PEUL, notícias, século XXI.O Globo, 29/04/2011) Quadro 13 - Exemplo de notícias do século XXI do corpus PEUL

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Como se vê na notícia do Quadro (13), não há uma assinatura que

identifique o autor, já que não há uma regra em que toda notícia deve ser

assinada. O texto é objetivo e informativo e a linguagem é simples e direta em

que as estruturas das orações e dos períodos não são muito longas. Há a

caracterização dos sujeitos atuantes, onde, quando, como e porque, típicos de

uma notícia.

Após a definição dos gêneros trabalhados nesta investigação, passa-se à

próxima seção deste capítulo em que se explicita a metodologia empregada

para seleção de dados.

4.3 Metodologia de recolha dos dados

Nesta seção, apresenta-se o passo a passo utilizado para a obtenção de

dados com o auxílio do programa computacional AntConc (ANTHONY, 2011),

feito exclusivamente para estudos linguísticos, e a ferramenta de "Localizar" do

Word (2007). Primeiro, será descrita a utilização do programa AntConc (2011)

e, em seguida, a utilização do Word.

Antes de tudo, os gêneros textuais escolhidos para comparação nesta

pesquisa foram reunidos em arquivos de texto, divididos por cada gênero

textual e amostra, retirados dos links presentes em cada site dos Projetos (no

caso, PHPB, PEUL e VARPORT). Após isso, foram gerados arquivos sem

formatação ("blocos de nota"), pois somente esses arquivos são lidos pelo

programa AntConc (2011). Assim, obtiveram-se dezesseis arquivos, conforme

o Quadro (14) a seguir:

Gênero Textual Séc. XIX Séc. XX Séc. XXI

Anúncios VARPORT/PHPB VARPORT/PHPB ---

Artigo de Opinião --- --- PEUL

Carta do Leitor PHPB PHPB PEUL

Editorial de Jornal VARPORT/PHPB VARPORT/PHPB PEUL

Notícias VARPORT VARPORT PEUL Quadro 14 - Corpora reunidos por Gênero Textual e Século

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Após a criação destes arquivos gerais, os mesmos foram submetidos ao

programa AntConc (2011) para localização, no texto original, e contagem dos

dados. Assim, para fazer a coleta de dados, abriu-se o programa AntConc

(2011), importou-se apenas um arquivo sem formatação, seguindo o caminho

File > Open Files. A Figura 3, a seguir, ilustra esta primeira etapa de

localização e frequência de dados, com o articulador "cujo" servindo de

exemplo:

Figura 3 - Localização e frequência no texto do articulador indicado no programa AntConc (2011)

Após o arquivo aberto, clica-se no botão Start (botão em lilás) para o

programa contabilizar, na aba Word List, o número de vezes que todos os

vocábulos apareceram no arquivo de texto.

Na etapa posterior, seguida da listagem automática, no único campo

permitido para digitação64, indicam-se todos os articuladores que possam

encabeçar uma oração relativa apositiva "desgarrada", como "cujo", "quem",

64 Neste campo, as palavras para busca podem ser digitadas de forma integral e selecionar o item “words” no campo Search Term (acima do campo de digitação) ou um fragmento de palavra e selecionar o item “case”.

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"onde" e "que". Nesta etapa, deve-se indicar apenas um articulador por rodada,

com o item "Words" selecionado no campo SearchTerm e com o item "Sort by

Freq" selecionado no campo Sort by, e apertar o botão "Start", para iniciar a

busca. Desta maneira, localizou-se o articulador indicado no campo Word da

listagem e, ao lado, a frequência de vezes que o mesmo apareceu em todo o

arquivo de texto no campo Freq, no caso, 2 dados.

Passa-se à segunda etapa. Ao mover o mouse sobre a palavra "cujo"

destacada em preto (cf. Figura 3), o cursor do mouse altera, automaticamente,

de texto para uma "mão" de seleção, pois, ao clicar na palavra, o programa

mostra o contexto da palavra selecionada, deixando a aba Word List para a

aba Concordance. Observe-se a Figura 4:

Figura 4 - Articulador dentro de seu contexto resumido no programa AntConc (2011)

Nesta aba, o programa destaca o articulador indicado coma cor azul.

Desta maneira, pode-se verificar, pelo contexto resumido, se de fato o

articulador funciona ou não como um introdutor de oração "desgarrada". Ainda

com o exemplo do articulador "cujo", cf. meio da Figura 4, observa-se que, no

arquivo de texto de "Editoriais do século XX", nos dois únicos empregos deste

pronome, não se verificaram orações relativas apositivas "desgarradas".

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Deve-se ressaltar que este programa localiza o vocábulo inteiro, sendo

assim, além das formas "onde", "quem" e "cujo", que iniciam uma oração

relativa "desgarrada" por si só, foi indicado o pronome relativo "que", pois, além

de buscar a estrutura [. QUE], também foi possível identificar, com mais

facilidade, as estruturas [. N + QUE], [. N + D + QUE] e [. (Prep) QUE], pois o

vocábulo localizado no texto fica grifado em azul, um abaixo do outro, na

mesma posição longitudinal (cf. Figura 4).

Se ainda houver dúvida em relação ao contexto, o programa ainda

oferece o contexto estendido. Da mesma maneira que acontece na etapa 2 do

processo, ao mover o mouse sobre a palavra "cujo" destacada em azul, o

cursor do mouse altera, automaticamente, de texto para uma "mão" de seleção,

pois, ao clicar na palavra, o programa mostra o contexto maior em que a

palavra está inserida, deixando a aba Concordance para a aba File View.

Observe-se a Figura 5 a seguir:

Figura 5 - Articulador dentro de seu contexto expandido no programa AntConc (2011)

Nesta aba, o programa destaca o articulador indicado com a cor preta.

Desta maneira, tira-se a dúvida, pelo contexto completo, se de fato o

articulador funciona ou não como um introdutor de oração "desgarrada". Estes

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passos foram repetidos para cada possível articulador introdutor de uma

oração relativa apositiva "desgarrada".

Ao final de cada passo e refinamento das frequências, a partir da

observação dos contextos (ora resumido, ora expandido), obteve-se um

número de dados para cada forma, que se fez presente neste corpus

distribuído por século e gênero textual.

Ainda utilizou-se a ferramenta "Localizar", do programa Word (2007) com

o objetivo de revisar os dados encontrados no programa AntConc (2011).

Sendo assim, na aba "Início", seção "Edição", abriu-se a janela "Localizar";

nela, no único campo de digitação, é indicado o vocábulo para pesquisa e

também foi solicitado no botão "Realce de Leitura" o destaque em amarelo do

vocábulo pesquisado. Vejam a Figura 6 a seguir:

Figura 6 - Localização no texto de parte do articulador no programa Word (2007)

Desta maneira, foi indicada a forma "qua", com o objetivo de buscar os

vocábulos "o qual", "a qual", "os quais", "as quais", "os quaes", "as quaes" para

localização da estrutura [. O QUAL] e suas variantes de gênero e número.

Também foram indicadas as formas "o que", "a que", "os que" e "as que" para a

estrutura [. O QUE] e suas variantes de gênero e número. Por fim, foi indicada

a forma "é que" para a localização de estruturas pseudoclivadas invertidas de é

que.

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O resultado de toda essa coleta de dados pode ser visto no capítulo

"Anexos" desta dissertação, em que estão indicadas, por amostra, todas as

ocorrências encontradas dentro de seus respectivos textos integrais, ou seja, o

contexto e o efetivo uso. Os dados estão destacados em "itálico" e

"sublinhados", e a parte da cláusula que interessa para essa dissertação está

"negritada". O referente da oração relativa apositiva "desgarrada" está

destacado com uma "sombra cinza"

Sendo assim, concluímos o capítulo de Metodologia após

descrevermos detalhadamente os corpora PEUL, PHPB e VARPORT; também

caracterizamos os gêneros textuais "anúncios", "artigo de opinião", "carta de

leitores", "editoriais de jornal" e "notícias" escolhidos para compor o corpus,

além do passo a passo utilizado na manipulação dos programas AntConc

(2011) e Word (2007) como método para recolha dos dados.

Após a descrição da metodologia usada na coleta de dados, podemos

passar para o próximo capítulo em que se apresentam os resultados de acordo

com os quatro principais objetivos desta investigação (cf. Introdução, p. 24-25).

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5. ANÁLISE DOS DADOS

Neste capítulo, apresentam-se os

resultados obtidos na análise de dados. Eles estão

organizados da seguinte forma: (a) resultados

gerais, revelando o quantitativo das ocorrências ao

observar os três séculos; (b) a relação forma-

função das estruturas, seção em que se pretende

mostrar a sua realização formal e a função de

focalização; (c) a relação sintaxe-pragmática,

seção em que se pretende estudar como a sintaxe

está a serviço da argumentação, por meio do

gênero; (d) a relação uso-monitoramento linguístico

em que se observa se há ou não estigma para o

uso do "desgarramento" em textos de alto

monitoramento.

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5.1 Resultados Gerais

Como já foi visto no capítulo da Fundamentação Teórica (cf. capítulo

3), para identificar uma combinação de cláusulas com leitura hipotática, seja

ela uma oração circunstancial seja uma oração relativa apositiva, em língua

portuguesa, é necessário investigar o tipo de relação que emerge entre as

cláusulas, bem como sua forma e posição.

Segundo trabalhos já realizados por de Decat (1993, 1999, 2001, 2004,

2008, 2009a, 2009b, 2011, 2014) e Bastos (2014), as orações hipotáticas

"desgarradas" acontecem naturalmente, tanto na fala como na escrita, de

acordo com as necessidades de comunicação e intenção do usuário da língua.

Além disso, é uma estrutura perfeitamente compreendida pela comunidade de

fala, estabelecendo assim comunicação.

Segundo estas autoras, o fenômeno do "desgarramento" ocorre,

porque as cláusulas hipotáticas, como opção organizacional, estão mais

suscetíveis ao desligamento de seus referentes, tendo em vista as

características sintáticas semelhantes a um "adjunto', para as circunstanciais, e

a um 'aposto' para as relativas apositivas.

Além disso, deve-se levar em conta a questão da Unidade de

Informação contida nas orações "desgarradas", pois este tipo de cláusula não

está em relação de dependência sintática com outra, isto é, de constituência

com um termo (ou parte do termo) da oração ao qual está vinculado, formando

sozinha uma única sequência informacional. A cláusula relativa apositiva

"desgarrada" existe por ela mesma, isto é, transmite informação à parte em

relação ao que foi dito anteriormente, pois se configura como ato de fala

independente do ponto de vista sintático.

A ligação entre a cláusula "desgarrada" e seu referente (seja ele

nominal ou uma porção de texto) é puramente semântico-pragmático, como

uma forma de expansão por elaboração de uma sequência discursiva, no caso

desta última, geralmente apresenta a função de focalizar um assunto não dito

antes.

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Também foi possível observar, nos corpora analisados, exemplos de

"desgarramento" de cláusulas hipotáticas circunstanciais, de orações relativas

restritivas canônicas (aquelas que limitam o significado de seu referente); e de

orações relativas explicativas canônicas (aquelas que, segundo a GT, estão

conectadas ao seu referente e são introduzidas logo após uma pausa breve,

representada, na escrita, por vírgula, ponto-vírgula ou travessão).

Como ilustração de "desgarramento" de cláusula hipotática

circunstancial, vejamos o exemplo (1) a seguir:

(1) "As autoridades de San Antonio não desistiram. Têm se dado ao trabalho de

acompanhar o noticiário que chega até lá, vindo do Rio de Janeiro, e têm feito coro e

torcida para a bandidagem, aplaudindo a violência e esperando que a cidade se torne

um caos. [Esperando que a situação econômica do Brasil se complique de tal forma,

que o país não tenha os tais milhões de dólares que seriam necessários, para o investi-

mento em instalações desportivas exigidas pelos Jogos]. Torcem contra o Rio de

Janeiro da mesma forma como ainda torcem contra Santo Domingo, na República

Dominicana, onde mais proximamente serão realizados os Jogos de 2003."

(Amostra PEUL - Editorial de Jornal, século XXI. Jornal do Brasil, 21/10/2002)

Em casos como esse, não identificamos um erro, um equívoco, por

parte de quem escreveu quanto ao emprego da cláusula destacada; tampouco

há prejuízo de compreensão. Vê-se que no final do período anterior, há uma

coordenação de orações "aplaudindo a violência" e "esperando que a cidade se

torne um caos" e o período destacado em negrito "esperando que a situação

econômica do Brasil se complique de tal forma, que o país não tenha os tais

milhões de dólares que seriam necessários, para o investimento em

instalações desportivas exigidas pelos Jogos" aparece "desgarrada" da

coordenação de elementos, em um parágrafo único.

Em (2), mostra-se o emprego da oração relativa restritiva padrão,

conforme recomenda a Tradição Gramatical:

(2) "Flamengo. Em resposta à carta do leitor Flavio Leal Rodrigues (24/2), gostaríamos de

esclarecer a motivação dos recursos que a prefeitura pretende estender às entidades

esportivas do Rio de Janeiro. São instituições centenárias, formadoras de atletas [que

têm enaltecido o nome do Brasil em disputas pan-americanas e olímpicas há

quase um século]."

(Amostra PEUL - Carta de Leitores, século XXI. Jornal do Brasil, 05/03/2004)

Como visto em (2), o período em negrito que têm enaltecido o nome do

Brasil em disputas pan-americanas e olímpicas há quase um século restringe

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semanticamente o seu referente "atletas", de modo que as instituições

centenárias não formam apenas atletas, mas formam atletas que enaltecem o

nome do Brasil em disputas panamericanas e olímpicas há quase um século.

Verifica-se que não há uso de vírgula separando a oração subordinada do

sintagma nominal e há o emprego do pronome relativo que estabelecendo

relação sintática e referencial entre esses dois elementos.

Como as orações relativas apositivas "desgarradas" são oriundas da

estrutura da oração relativa explicativa padrão, segue abaixo, em (3), um

exemplo extraído do corpus:

(3) "A verdade é que o senador pelo Piauhy não só engatilhou um requerimento sobre as verbas do senado e os gastos da mesa dessa casa legislativa, como está armado de informações e documentos extremamente serios sobre as graves irregularidades de dinheiro, ocorridas na alta direcção da casa, a que pertence. E o marechal-senador não é homem de ficar no meio do caminho e por isso temos como certo que breve o recinto do Senado ouvirá uma interpeliação memoravel, [que será o maior escandalo dos nossos annaes legislativos]."

(Amostra VARPORT - Editorial de Jornal, século XX. Diário Carioca, 02/08/1928)

Conforme o exemplo em (3), a oração que será o maior escandalo dos

nossos annaes legislativos traz uma opinião, um julgamento, uma avaliação do

autor sobre o que está disposto no sintagma nominal "uma interpeliação

memoravel". Apresenta-se após uma pausa, no caso, uma vírgula, e é

introduzida pelo pronome relativo que, pois, une a cláusula relativa apositiva ao

seu núcleo (referente). Sendo assim, a partir de agora, passa-se à análise

exclusiva das cláusulas relativas apositivas "desgarradas" encontradas nos

corpora.

Conforme os Quadros 6 (cf. página 90), 7 (cf. página 91) e 8 (cf. página

92), a composição dos três corpora desta pesquisa totalizou um somatório de

1.883 textos de jornais compreendendo cinco gêneros: anúncio, artigo de

opinião, carta de leitores, editoriais e notícias. Por meio deles, foram

localizadas 38 (trinta e oito) ocorrências de "desgarramento" em cláusulas

relativas apositivas. Apresenta-se, na Tabela (1) a seguir, o resultado geral

obtido durante a recolha de dados.

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VARPORT

Gênero Século XIX Século XX Século XXI Total

Anúncios 2 3 / 5

Editoriais 0 2 / 2

Notícias 0 5 / 5

Total 2 10 / 12

PHPB

Gênero Século XIX Século XX Século XXI Total

Anúncios 0 0 / 0

Editoriais 0 3 / 3

Carta de Leitores 2 2 / 4

Total 2 5 / 7

PEUL

Gênero Século XIX Século XX Século XXI Total

Artigo de Opinião / / 11 11

Editoriais / / 5 5

Carta de Leitores / / 3 3

Notícias / / 0 0

Total / / 19 19

TOTAL: 38 Tabela 1 - Resultado geral de dados por amostra, por século e por gênero textual

Na Tabela (1), vê-se apenas o quantitativo real de dados, sem o

percentual. Decidiu-se por não trabalhar com percentual, tendo em vista um

número muito pequeno de ocorrências. Além disso, há colunas e linhas que

não são preenchidas por não ter havido dados na interseção "século" e

"gênero", o que geraria 0%.

Pode-se ver que a Tabela (1) está dividida em três partes, que são as

amostras selecionadas, VARPORT, PHPB e PEUL. Para cada corpus, os

resultados estão dispostos de acordo com o século e amostra. Sendo assim, a

amostra VARPORT contém os gêneros anúncios, editoriais e notícias

distribuídos pelos séculos XIX e XX. Não há textos para a coluna do Século

XXI, por esta razão, há uma barra para todos os gêneros (/). O mesmo

aconteceu com a amostra PHPB, pois também não há textos de jornais no

século XXI. Já para a amostra PEUL, as barras aparecem nas colunas dos

séculos XIX e XX, porque só há textos de jornais para o século XXI.

Sendo assim, na amostra VARPORT, obteve-se um total de 12 (doze)

ocorrências, das quais 5 (cinco) dados vieram do gênero "anúncios", dos quais

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2 (dois) dados são do século XIX e 3 (três) dados do século XX; 2 (dois) dados

vieram do gênero "editoriais" (registrados no século XX); e 5 (cinco) dados do

gênero "notícias" (também registrados no século XX).

Na amostra PHPB, alcançou-se um total de 7 (sete) ocorrências, das

quais 3 (três) casos foram empregados no gênero "editoriais" (coluna do século

XX); e 4 (quatro) casos vieram do gênero "carta de leitores", dos quais 2 (dois)

estão na coluna do século XIX e 2 (dois) na coluna do século XX. Não foi

detectado nenhum caso no gênero "anúncios".

Na amostra PEUL, chegou-se a um total de 19 (dezenove) ocorrências,

das quais 11 (onze) dados foram extraídos do gênero "artigo de opinião"; 5

(cinco) dados do gênero "editoriais"; e 3 (três) dados em "cartas de leitores".

Não houve nenhum caso para o gênero "notícias". Devemos ressaltar que os

textos de jornal compreendem apenas os anos iniciais do século XXI, no caso,

2002 a 2004.

É sabido que, através de pesquisas desenvolvidas por Decat (1993,

1999, 2001, 2004, 2008, 2009a, 2009b, 2011, 2014), o tipo de oração

investigada neste trabalho possui uma grande força argumentativa, e por conta

disso, tende a ser produzida com maior espontaneidade pelo usuário da língua

em textos dissertativo-argumentativos e também em textos descritivos,

expositivos (em caráter de adendo, parentético). Seria bastante raro encontrar

essas orações em textos em que o modo de organização textual fosse, por

exemplo, o injuntivo, tendo em vista que os recursos predominantes são de

imposição de uma ordem.

Desta forma, foram bastante surpreendentes os resultados obtidos na

Tabela (1), porque, conforme as hipóteses levantadas na Introdução (cf.

páginas 23 e 24), havia uma expectativa maior de encontrar mais ocorrências

no gênero textual "anúncios", pela grande força persuasiva deste gênero ao

tentar convencer o leitor a comprar algum produto ou a usar algum serviço; e

também em "artigo de opinião", "editoriais" e "carta de leitores", pela grande

força argumentativa destes gêneros ao tentar convencer o leitor de alguma

ideia ou tese, em contraposição ao gênero textual "notícias", que apenas

transmite informações sobre um determinado acontecimento ou evento, de

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forma neutra, imparcial, isto é, sem subjetividades. Entretanto, encontramos

dados em todos os gêneros textuais usados na recolha de dados, conforme a

Tabela (1). Deixaremos para a seção 5.3 a relação sintaxe-pragmática (cf.

página 123), a explicitação mais detalhada sobre este tópico.

Embora os números obtidos estejam muito abaixo do esperado,

apenas 38 (trinta e oito) dados, em um total de 1.883 textos, comprova-se que

as cláusulas relativas apositivas "desgarradas" eram empregadas em textos

públicos nos séculos XIX e XX de importante circulação na capital carioca,

possibilitando ratificar os resultados das pesquisas de Decat (2001, 2004,

2009a, 2014) no século XXI. Deste modo, com os resultados da Tabela (1), vê-

se que o "desgarramento" já se encontra no sistema linguístico da Língua

Portuguesa há mais tempo, pois já se podia observá-lo em jornais de 1800, não

sendo este uso uma novidade do século XXI.

Passemos para o segundo tópico de discussão desta seção: mostrar o

uso dessas cláusulas verificando se esta diminuiu, se se mantém estável ou se

aumenta ao compararem os séculos XIX, XX e XXI. Ao se somarem todos os

dados obtidos por século, obtém-se o seguinte Gráfico (1):

Gráfico 1 - Frequência de dados ao longo dos Séculos XIX, XX e XXI

Descrevendo o Gráfico (1) anteriormente representado, a linha grossa

verde representa o uso em que as ocorrências apareceram ao longo dos três

séculos analisados. De 1801 a 1900, juntando as amostras VARPORT e

PHPB, obtivemos um total de quatro casos; de 1901 a 2000, juntando as

amostras VARPORT e PHPB, alcançaram-se quinze ocorrências; entre 2002 e

2004, somente com a amostra PEUL, encontraram-se dezenove dados (o que

4

15 19

0

5

10

15

20

Século XIX (1801-1900)

Século XX (1901-2000) Século XXI (2002-2004)

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seriam todos os quinze dados obtidos no século anterior mais quatro dados do

século XIX, em coleta de apenas três anos).

Sendo assim, com o Gráfico (1), podemos verificar o aumento de

dados de cláusulas relativas apositivas "desgarradas" em sincronias distintas.

O Gráfico (1) indica que, conforme o tempo passa, cresce o número de

ocorrências. Se entre 2002 e 2004 foram obtidos dezenove dados (número

superior ao número de casos encontrados no século anterior), tudo leva a crer

que o século XXI, em sua totalidade, terá um número expressivo de dados.

A partir da exposição dos resultados gerais das amostras, passa-se, na

próxima seção, ao estudo da estrutura formal, i.e., de como a cláusula relativa

apositiva "desgarrada" se materializa no texto e a sua função na organização

textual.

5.2 A relação forma-função

Levando-se em conta os resultados obtidos na análise de dados que

ratificaram a existência de ocorrências de cláusulas relativas apositivas

"desgarradas" no século XXI e de que já existia a produção das mesmas em

textos públicos nos séculos XIX e XX, pode-se, agora, estudar as formas de

materialização destas orações no texto e a função de focalização de

informações ou de porções textuais no processo de construção do texto.

Primeiro, faz-se uma análise detalhada da forma e em seguida da sua função.

Segundo Decat (1999, 2001, 2004, 2008, 2009a, 2011, 2014), são seis

os formatos possíveis, a princípio, identificados em suas pesquisas e já

mencionados no capítulo de revisão de literatura (cf. capítulo 3, seção 3.3), a

saber: (a) [. Que]; (b) [. O que/qual]; (c) [. N (prep) que]; (d) [. N + Esp + que];

(e) [. Onde]; e (f) [. Cujo].

No corpus analisado, foram identificadas quatro dessas estruturas,

provavelmente, devido ao baixo número de ocorrências. Deve-se ressaltar a

importância da pontuação: todas as orações "desgarradas" são introduzidas

após uma longa pausa, representada, na escrita, por um ponto final (.). Sendo

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assim, seguem no Quadro (15) todos os formatos encontrados no corpus

seguido de exemplos:

Formato Exemplo

(a) [. Que]

"Pode não ser incomodado pelos poderosos que outrora denunciava, mas até quando terá gordura para queimar no capital político acumulado junto a suas bases históricas? Até quando se manterá no poder sem incomodar os antigos adversários? Enquanto, é claro, não ferir seus interesses estratégicos. Que não são, obviamente, os de seu eleitorado consciente.” (PEUL, Artigo de opinião, século XXI. Jornal do Brasil, 31/08/2004)

(b) [. O que/qual]

"[...] represen/tante operário, que disse falar/ em nome dos empregados em/ construção civil. Referindo-se/ ao candidato de origem militar,/ êsse cidadão construiu a segui/nte frase:/ - Lott, por pior que seja, é/ melhor que Jânio./ [O que não deixa de ser um/ consôlo para o Sr. Lott]." (VARPORT, Notícias, século XX. Jornal do Brasil, 12/06/1960)

(c) [. N (prep) + que]

"Sou grata ao médico Daniel Tabak, não só por sua notória competência mas acima de tudo pelo inigualável sentido humano na luta pela sobrevivência de meu filho [...] do Centro de Transplante de Medula Óssea (Cemo), do Instituto Nacional de Câncer-Inca [...]. [Ambiente que ajudou meu filho a resistir por tanto tempo, mesmo quando internado em estado grave, até que se consolidassem condições para sua recuperação]." (PEUL, Carta do Leitor, século XXI. Jornal do Brasil, 27/02/2004)

(d) [. N + Esp + que]

"Disso tem resultado uma coisa- a evasão de depositos bancarios. Muito capitalista, sabendo de que a Inspectoria, anda relacionando quaes os depositantes, prefere, temeroso guardar em casa os seus haveres. Só um sei eu que retem em cofres particulares para mais de quinhentos contos, assim retirados da circulação do paiz. [Esse facto que escapa á previsão intelligente do banqueiro, é de molde a perturbar-lhe todos os calculos, creando-lhe, de um momento para outro, difficuldades embaraçosas]." (VARPORT, Editorial, século XX. Diário da Noite, 10/03/1932)

Quadro 15 - Formato das orações relativas apositivas "desgarradas" e exemplos, segundo o corpus

Como pode ser visto com o Quadro (15), não foram localizadas nos

corpora nenhuma estrutura de [. Onde] e de [. Cujo] (cf. Metodologia, p. 104).

Foram localizadas as composições mais recorrentes, no caso, [. Que]; [. O

que/qual]; [. N (prep) que]; [. N + Esp + que]. Para cada formato, uma amostra

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dessas cláusulas pode ser vista na coluna de "exemplo", estando estas

destacadas em negrito.

Com relação à questão da pontuação, Lukeman (2011) diz que o ponto

final deve por limite a uma única ideia e que muitas ideias entre um ponto final

e outro acabam por dificultar a compreensão e o processo de leitura do leitor. A

Gramática Tradicional recomenda que a oração adjetiva explicativa venha

antecedida e precedida de vírgulas, travessões ou esta pode vir entre

parênteses (cf. seção 1.2, p. 36, exemplos 5 e 6), mas nunca precedida de um

ponto final.

As vírgulas, dentre tantas funções, servem para regular o fluxo, o ritmo

e a velocidade de uma frase, assim como servem para transformar duas

orações em uma só (LUKEMAN: 2011, p.37); os travessões assim como as

vírgulas são utilizados para intervenções, para destacar um assunto, para

esclarecer algum aspecto ou mesmo indicar uma reflexão, a diferença entre

esses dois sinais de pontuação consiste na pausa: o uso do travessão duplo

traz uma pausa abrupta, interrompe o fluxo da leitura, enquanto a pausa dos

parênteses é mais suave, permitindo que a leitura flua com suavidade

(LUKEMAN: 2011, p. 98).

Em todos esses três casos de pontuação, a oração adjetiva explicativa

recebe uma proeminência graças às pausas que as vírgulas, travessões ou

parênteses concedem à leitura; mas esse mesmo destaque também se verifica

com o uso do ponto final nos exemplos do Quadro (15). É um realce ainda mais

evidente por ser um ponto final, já que a mensagem compreendida entre dois

pontos finais indica ter uma única ideia. Além disso, mostra que as cláusulas

relativas apositivas "desgarradas" merecem ser analisadas e bem descritas.

Esta questão complementar interfere diretamente na forma do "desgarramento"

das cláusulas observadas. Passemos à análise dos formatos.

Sendo assim, para o formato (a), a cláusula relativa apositiva

"desgarrada" apresenta-se, majoritariamente, relacionada a um sintagma

nominal, por isso, o emprego do pronome relativo simples "que" em posição

inicial da cláusula após o ponto final. No exemplo fornecido, entretanto, temos

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um caso em que o referente do articulador é uma porção de texto (o período

anterior).

Foram reunidas no mesmo formato (b) estruturas iniciadas por [. O que]

(invariável para gênero e número, majoritariamente empregada com referentes

oracionais ou mesmo porções de texto, cf. seção 2.3.1, página 54), por [. O

que/qual] (variável quanto ao gênero e número, como [. Os que], [. As quais],

muito utilizada para referentes nominais, cf. seção 2.3.1, página 53) e por

[Aquele que] (em que o pronome "aquele" funciona tal como o pronome "o",

também utilizada para referentes nominais, cf. seção 2.3.1, página 53).

Em nenhum dos casos do formato (c), o nome (N) foi seguido de uma

preposição, i.e., em todos os casos, o formato encontrado foi [. N que]. Neste

caso, estaria agregado ao nome (N) a função referencial, retomando um

sintagma nominal anteriormente explicitado.

Para o formato (d), a única observação a ser feita, já que só

localizamos apenas uma ocorrência, é relativa à posição do especificador

(Esp.) que vem antecedido ao nome (N), como pode ser visto no exemplo do

Quadro (15). Entretanto, não pode ser visto como uma falha, pois o

especificador tem mobilidade estrutural na língua portuguesa, podendo

anteceder ou suceder o nome com o qual se relaciona.

Nos textos lidos para a revisão de literatura, Decat (2011) faz um

comparativo entre as orações adjetivas explicativas canônicas e as orações

relativas apositivas "desgarradas". Neste trabalho, não verificamos o

quantitativo de orações adjetivas explicativas tradicionais, porque não é o foco

dessa dissertação, mas acreditamos ser importante mostrar o quantitativo

desses formatos em relação ao corpus estudado. Sendo assim, para uma

maior compreensão da estrutura formal das cláusulas relativas apositivas

"desgarradas", decidiu-se por mostrar também o quantitativo65 alcançado, no

Gráfico (2) a seguir disposto em barras:

65 Cf. nota de rodapé na página 60, os tipos o que (variável), o qual (variável) e o que (invariável) estão inseridos no mesmo grupo e não serão analisados individualmente.

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Gráfico 2 - Distribuição dos dados quanto ao formato das orações "desgarradas"

Como pode ser visto no Gráfico (2), no corpus analisado, só foram

localizados 38 (trinta e oito) dados, distribuídos por quatro formatos para as

cláusulas relativas apositivas "desgarradas". As estruturas estão entre

colchetes dispostas uma ao lado da outra e para cada estrutura o seu

quantitativo em barras.

A estrutura predominante, com 27 (vinte e sete) dados, representando

70% do total de dados, é iniciada pelo formato [. O que]. O formato [. Que]

aparece com 3 (três) ocorrências, simbolizando 10%. O segundo maior

emprego de estrutura "desgarrada" é iniciada por [. N (prep) + que] com 7

(sete) ocorrências (17,5%). Por fim, o último formato, [. N + Esp + que] dispõe

apenas de 1 (um) caso representando 2,5% do total de dados.

Analisadas as estruturas formais, passemos então para a questão da

função focalizadora dessas orações. Conforme aponta Braga (1999, p. 281,

apud DECAT 2011, p. 72), a focalização está intimamente relacionada "com a

saliência ou importância do que dizemos a respeito das coisas". Segundo

Decat (2008a, p. 122), o fenômeno do "desgarramento" pode assumir a função

de avaliação, de retomada ou de adendo, aumentando, assim, a finalidade de

focar um sintagma ou uma porção textual.

Deve-se salientar a questão já mencionada na revisão de literatura: a

"unidade informacional". Com relação à "unidade informacional" (idea unit) de

Chafe 1980 (apud DECAT, 1999), ela admite que uma oração exista e funcione

por si mesma, pois veicula uma informação à parte. Neste caso, não devemos

27 - 70%

3 - 10%7 - 17,5%

1 - 2,5%0

5

10

15

20

25

30

[. O que] [. Que] [. N (prep) + que] [. N + Esp + que]

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levar em conta o julgamento dos gramáticos tradicionais às orações adjetivas

explicativas "desgarradas" como orações fragmentadas, pois, para eles, se a

oração se apresenta isolada de sua oração principal, então, ela não é capaz de

exprimir um "sentido".

Não obstante, não é o que ocorre nas cláusulas destacadas como

exemplos no Quadro (15). Embora estejam destacadas de sua oração matriz

ou mesmo sintagma nominal, isoladas como estão, elas transmitem um

sentido, uma mensagem completa, funcionando como uma "unidade

informacional" e ainda produzem um efeito no discurso. Elas se encontram

isoladas propositalmente, pois os autores dos textos escolheram deixá-las

desconectadas com o intuito de focalizar uma parte do discurso.

Neste sentido, utilizaremos para a análise da função de focalização as

mesmas cláusulas66 utilizadas como exemplo dos formatos no Quadro (15).

Vejamos a seguir, no exemplo (4) subsequente, o artigo de opinião (o texto na

íntegra em relação ao que foi fornecido para o formato (a)), de Milton Temer,

publicado no Jornal do Brasil:

(4) "Pode não ser incomodado pelos poderosos que outrora denunciava, mas até quando terá gordura para queimar no capital político acumulado junto a suas bases históricas? Até quando se manterá no poder sem incomodar os antigos adversários? Enquanto, é claro, não ferir seus interesses estratégicos. Que não são, obviamente, os de seu eleitorado consciente.”

(PEUL, Artigo de Opinião, século XXI. Jornal do Brasil, 31/08/2004)

Em Que não são, obviamente, os de seu eleitorado consciente possui

uma informação completa sobre o seu referente, sintagma nominal, "interesses

estratégicos".

Assim como as estruturas de topicalização, deslocamento à esquerda e

clivagem, o uso "desgarrado" da cláusula relativa acaba por colocar a

mensagem em relevo, em destaque. Além disso, pode ser visto nesta cláusula

negritada uma clara avaliação por parte do autor em relação ao referente.

Passemos para o próximo excerto (5):

66 Cf. seção 3.2, p. 69, entende-se como "cláusula" uma estrutura com autonomia sintática (do ponto de vista comunicativo) que veicula em si mesma uma informação, isto é "um bloco de informação, (cf. Seção 3.3, p. 75). Sendo assim, o termo "cláusula", quando contiver um núcleo oracional, neste trabalho, poderá ser empregado como sinônimo de "oração".

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(5) "Quem deu a nota séria do co/mício, porém, foi um represen/tante operário, que disse falar/ em nome dos empregados em/ construção civil. Referindo-se/ ao candidato de origem militar,/ êsse cidadão construiu a segui/nte frase:/ - Lott, por pior que seja, é/ melhor que Jânio./ [O que não deixa de serum/ consôlo para o Sr. Lott]."

(VARPORT, Notícias, século XX. Jornal do Brasil, 12/06/1960)

A cláusula O que não deixa de ser um consôlo para o Sr. Lott também

transmite uma mensagem por si só, como uma "unidade informacional"

postulada por Chafe (1980, apud DECAT, 1999; 2008a) mesmo "desgarrada"

de seu referente "- Lott, por pior que seja, é melhor que Jânio". Neste caso, a

função desta oração é focalizar um adendo, um comentário produzido pelo

autor (na última linha de seu texto) acerca de uma declaração sobre os

candidatos à presidência da república por um representante operário. Vejamos

o texto (6) a seguir:

(6) A vida acrescentou-me a dura experiência de ver um filho ameaçado de morte, dez anos seguidos, por uma leucemia, felizmente controlada de três anos para cá. Sou grata ao médico Daniel Tabak, não só por sua notória competência mas acima de tudo pelo inigualável sentido humano na luta pela sobrevivência de meu filho, até recentemente paciente, como tantos outros, do Centro de Transplante de Medula Óssea (Cemo), do Instituto Nacional de Câncer-Inca. Atento a tudo e a todos, acessível e afável, extremamente compreensivo com as aflições de mãe, ele impregnou o ambiente do Cemo com seu espírito de solidariedade e dedicação a todos, independentemente de idade, cor, condição social ou qualquer outro atributo. [Ambiente que ajudou meu filho a resistir por tanto tempo, mesmo quando internado em estado grave, até que se consolidassem condições para sua recuperação]."

(PEUL, Carta do Leitor, século XXI. Jornal do Brasil, 27/02/2004)

O texto em (6) é uma porção de texto um pouco maior do que foi

exibido no Quadro (15) para o formato (c). A autora do texto, Cidália, faz um

comentário sobre o CEMO, lugar em que se cuidou da leucemia de seu filho.

Por coincidência com o exemplo (5), na última linha de seu texto, há uma

cláusula relativa apositiva "desgarrada": Ambiente que ajudou meu filho a

resistir por tanto tempo, mesmo quando internado em estado grave, até que se

consolidassem condições para sua recuperação. Por ela se apresentar

"desgarrada" do seu referente "CEMO", acabou que a função de focalização a

pôs em destaque. Além disso, a função detectada é de retomada, pois

apresenta um comportamento anafórico (por recuperar o seu referente) e

catafórico (por dar prosseguimento com a informação) simultaneamente, como

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123

uma ponte de transição67. Levemos em consideração, também, o próximo

exemplo (7), que segue o mesmo padrão:

(7) "Disso tem resultado uma coisa- a evasão de depositos bancarios. Muito capitalista, sabendo de que a Inspectoria, anda relacionando quaes os depositantes, prefere, temeroso guardar em casa os seus haveres. Só um sei eu que retem em cofres particulares para mais de quinhentos contos, assim retirados da circulação do paiz. [Esse facto que escapa á previsão intelligente do banqueiro, é de molde a perturbar-lhe todos os calculos, creando-lhe, de um momento para outro, difficuldades embaraçosas]."

(VARPORT, Editorial, século XX. Diário da Noite, 10/03/1932)

Assim como os exemplos anteriores, em (7), também se apresenta

uma cláusula desconectada de seu referente, a saber, Esse facto que escapa à

previsão inteligente do banqueiro, é de molde a perturbar-lhe todos os cálculos,

criando-lhe, de um momento para outro, dificuldades embaraçosas. Muito

parecido com o funcionamento do exemplo (6), também apresenta um nome

genérico que faz uma recapitulação do que já foi dito anteriormente, neste

caso, uma porção de texto "(aquele) que retém em cofres particulares para

mais de quinhentos contos, assim retirados da circulação do país". Deste

modo, a função de retomada enfatiza intensamente a cláusula "desgarrada".

Após as análises da forma e da função de focalização dessas orações,

torna-se necessário falar, na próxima seção, sobre a função sintática e

pragmática, pois essas orações, durante a organização textual, apontam ser

importantes ferramentas para a argumentação no discurso.

5.3 A relação sintaxe-pragmática

Levando-se em conta a seção anterior, na qual houve a preocupação

com as descrições formais, que expõe os meios de materialização na

modalidade escrita das cláusulas relativas apositivas "desgarradas" e também

as descrições de função semântica, pois estas cláusulas podem assumir as

funções de avaliação, retomada e adendo referente à focalização de uma

informação ou de uma porção textual, pode-se, então, seguir com o estudo da

67 Decat (2008a, p. 123) explica que a ponte de transição funciona como guide post de Chafe (1988) e como recapitulação de Ono & Thompson (1994), pois esta consiste em reaver, de alguma forma, uma informação que foi dada no texto.

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124

relação sintaxe-pragmática dessas cláusulas. A seção anterior e esta estão

intimamente relacionadas, porque todos os níveis (morfológico, sintático,

semântico, fonológico e pragmático), no momento da comunicação, estão

interligados.

Conforme as contribuições de Decat (2011) na seção 3.3 (p. 74-81), as

cláusulas em questão sofrem pressões internas (de nível linguístico, como a

sintaxe e a semântica) e também pressões externas (de nível pragmático, de

ordem discursiva), pois se trata de uma estratégia sintática a serviço do

discurso argumentativo, já que, pragmaticamente, o uso "desgarrado" dessas

estruturas serve para o falante/escritor alcançar maior força argumentativa,

servindo a objetivos comunicativos e interacionais. Para compreender melhor a

questão da força argumentativa, é necessário abordar, ainda que, brevemente,

o modo de organização do discurso argumentativo.

As acepções principais para o vocábulo "argumentar", segundo

Houaiss (2009)68, são "apresentar fatos, ideias, razões lógicas, provas etc. que

comprovem uma afirmação, uma tese"; "apresentar ideias em objeção a outras

ideias; entrar em controvérsia; discutir, disputar"; "entrar em debate(s), altercar,

brigar, discutir". Em outras palavras, "argumentar" é apresentar justificativas

que convençam o locutor de um ponto de vista; é dominar estratégias visando

a atingir o locutor, de tal modo que ele acabe concordando com o ponto de

vista do emissor (ou autor do texto).

Neste sentido, para a argumentação acontecer, segundo Charaudeau

(2008)69, são necessários alguns elementos: o sujeito-argumentante (o

emissor/autor do texto), aquele que possui convicções sobre o mundo e possui

uma tese (uma opinião) sobre uma determinada proposta (o assunto em

pauta), e que, por meio de argumento(s) (estratégias linguístico-discursivas

utilizadas para dar veracidade a sua opinião), tenta conduzir o sujeito-alvo (o

locutor/leitor) a compartilhar da mesma opinião, sabendo que ele pode aceitar

(ficar a favor) ou refutar (ficar contra).

68 O dicionário utilizado para esta pesquisa é de versão eletrônica.

69 Não estamos priorizando aqui um estudo de gênero ou tipologia textuais, apenas desejamos mostrar os usos da “desgarradas” e as características da organização argumentativa dos textos em que ocorrem, por isso, Charaudeau (2008) e Gouvea (2008) foram os autores utilizados, mesmo não sendo funcionalistas.

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125

Gouvêa (2008) apresenta uma tipologia argumentativa dividida entre

microestrutural e macroestrutural, baseada nos Modos de organização do

discurso de Charaudeau (1992 apud GOUVÊA: 2008, p. 1711). Os argumentos

do ponto de vista microestrutural estão mais relacionados à Linguística textual,

pois esta abordagem teórica trabalha com operadores argumentativos, isto é, o

foco está nos mecanismos linguísticos "responsáveis pelo encadeamento dos

enunciados, estruturando-os em textos e determinando sua orientação

argumentativa" (GOUVÊA: 2008, p. 1712).

Os argumentos do ponto de vista macroestrutural são porções textuais

maiores em que se identificam premissas formando sequências

argumentativas, ou seja, o foco está no conteúdo informacional das

orações/períodos compostos. Eles podem ser subdivididos em argumentos do

tipo fatos (relacionado ao modo narrativo), dados (relacionado ao modo

descritivo) e raciocínios (relacionado ao modo argumentativo).

Interessa para essa dissertação os argumentos de tipo raciocínio, pois,

segundo Gouvêa (2008, p. 1712), eles têm como principal característica

"estabelecer laços de causalidade entre o conteúdo das asserções, cuja função

é permitir a construção de explicações sobre asserções feitas acerca do mundo

(teses), com o objetivo de atuação sobre o sujeito-alvo". Assim, as cláusulas

relativas apositivas "desgarradas" são utilizadas pelos autores do texto como

argumentos de tipo raciocínios, pois eles optam pelo uso de orações que por si

só ajudam a construir a cadeia argumentativa do texto.

Ainda na questão da argumentação, devemos ressaltar os "índices de

avaliação" postulados por Koch (2004, p. 53) para os articuladores ou

operadores argumentativos. Eles são estratégias de convencimento que o

sujeito-argumentante usa buscando chamar a atenção do sujeito-alvo com

suas marcas de subjetividade. Segundo a autora, os índices de avaliação face

aos enunciados exprime uma "avaliação ou valoração dos fatos, estados ou

qualidades atribuídas a um referente. Trata-se, em geral, de expressões

adjetivas e formais intensificadoras"(cf. KOCH: 2004, p. 53).

Nesta seção, queremos destacar o fato de que as cláusulas relativas

apositivas, "desgarradas" de seus referentes, acabam por exercer

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intencionalmente, por parte do emissor/escritor, a função de focalização de

partes ou de porções textuais maiores, colaborando diretamente na tessitura da

argumentatividade, conforme ponderações já feitas por Decat (2001, 2004,

2009a, 2014), e também pelas relações de causalidade estabelecidas com os

conteúdos dos enunciados, com o intuito de auxiliar na construção da

argumentação, conforme a análise dos argumentos de tipo raciocínio feita por

Gouvêa (2008).

Sobretudo, deve-se levar em conta os estudos de Koch (2004) para as

análises das relações sintática-pragmáticas das cláusulas relativas apositivas

"desgarradas", pois os "índices de avaliação" não aparecem apenas em

expressões adjetivas, mas também podem emergir em um sintagma oracional

ou em uma porção textual, como veremos com os casos das cláusulas em tela.

Ainda neste tópico, a estrutura sintática está ao dispor das intenções

comunicativas externas ao sistema linguístico (pragmática) em que o autor, por

meio das relativas "desgarradas", também explicita um conteúdo opinativo,

detalhamento, comentário, especificação, recapitulação, reafirmação etc. Nas

cláusulas estudadas nesta dissertação, que, segundo a Tradição Gramatical se

comportam como um adjunto adnominal, vê-se claramente as expressões

subjetivas de seus respectivos autores nos enunciados produzidos, como

veremos na análise de dados.

Passemos, então, à apreciação das ocorrências encontradas nos

corpora quanto às relações sintático-pragmáticas por gênero textual. De forma

geral, foram sete diferentes intenções pragmáticas identificadas nas cláusulas

relativas apositivas "desgarradas" para atender aos propósitos comunicativos

de seus autores.

Na Tabela (2), vê-se a distribuição das ocorrências de acordo com o

cruzamento entre os cinco gêneros textuais e as sete intenções pragmáticas

identificadas na mensagem das cláusulas, durante a recolha de dados e

análise qualitativa.

As intenções pragmáticas estão reunidas de acordo com três grupos

semânticos: G1, Avaliação; G2, Retomada; G3, Adendo. Concentrando-nos

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nos enunciados construídos e nos processos de inferências, encontramos as

seguintes relações pragmáticas: opinião, justificativa, foco, detalhamento,

reafirmação, constatação e comentário. Devemos deixar claro que

entendemos: (a) opinião, como ponto de vista adotado; (b) justificativa, como

causa; (c) foco, como destaque, evidência; (d) detalhamento, como esmiuçar,

especificar; (e) reafirmação, como confirmar; (f) constatação, como comprovar;

(g) comentário, como esclarecimentos, observações. Com base nessas ideias,

observemos a distribuição de dados na Tabela (2) a seguir:

Gêneros Textuais

Intenção Pragmática

Anúncio Artigo de Opinião

Carta de Leitor

Editorial Notícias Total

G1 Opinião 1 6 7

Justificativa 1 1

G2

Foco 3 1 4

Detalhamento 2 6 2 2 12

Reafirmação 1 1 2

G3 Constatação 1 1

Comentário 1 2 4 1 3 11

Total 5 11 7 10 5 38 Tabela 2 - Distribuição dos dados por gênero textual e intenção pragmática

Da Tabela (2), destacam-se o item "opinião", pertencente ao Grupo 1

de função semântica Avaliação, computando 8 (oito) ocorrências das quais 6

(seis) estão presentes em editoriais de jornal; o item "detalhamento",

pertencente ao Grupo 2 de função semântica Retomada, contando com 12

(doze) dados dos quais 6 (seis) estão em artigo de opinião; o item

"comentário", pertencente ao Grupo 3 de função semântica Adendo, abarca 11

(onze) casos bem distribuídos entre todos os cinco gêneros textuais. Os 7

(sete) dados restantes se distribuem entre as demais intenções pragmáticas.

Prosseguiremos com a análise dos gêneros textuais e em seguida passaremos

às relações sintático-pragmáticas.

Observando o gênero textual "anúncio", verifica-se que este sofreu

muitas transformações ao longo dos séculos, ainda mais com a inclusão das

cores e imagens; e não seria diferente com a linguagem empregada, conforme

seção 4.2, p. 94.

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Inicialmente com uma apresentação mais próxima de uma carta e

distante do público alvo, foi se aproximando cada vez mais deste último com o

intuito de seduzir, convencer o leitor a comprar o produto/serviço anunciado.

Neste sentido, há uma linguagem mais argumentativa, pois, no processo de

convencimento, o ideal é que se apresentem argumentos a favor do

produto/serviço. Assim, encontraram-se 5 (cinco) dados que auxiliam no

processo argumentativo do texto.

Ao verificar o gênero textual "artigo de opinião", não nos surpreendeu o

resultado da contagem de dados: 11 (onze) ao todo. Por se tratar de um artigo

de opinião publicado em jornal, logo imaginamos um texto dissertativo-

argumentativo, composto por um sujeito-argumentante, uma proposta, tese,

argumentos e um sujeito-alvo. Mesmo que o autor resolva mudar/inovar a sua

forma de argumentar, os elementos básicos do texto argumentativo estarão

presentes.

Para o artigo de opinião, foram 11 (onze) ocorrências das quais 3 (três)

foram marcadas como foco, 6 (seis) como detalhamento e 2 (duas) como

comentário. Interessante foi não haver nenhum enunciado que contivesse um

conteúdo explícito de uma opinião neste gênero.

Comparando o gênero "carta de leitores" com os demais, ele também

apresentou um número alto de dados, 7 (sete) ao todo. Esse resultado também

não nos surpreendeu graças à característica predominantemente

argumentativa desse gênero em expor o seu ponto de vista sobre o de outra

matéria. Afinal, quando o leitor escreve uma carta para o jornal para criticar

positivamente ou negativamente um evento político-econômico-social ou

mesmo uma matéria já publicada, o autor precisa se justificar e argumentar

acerca do seu ponto de vista.

Com relação ao gênero "editorial de jornal", era esperado um número

relativamente elevado de ocorrências e os resultados comprovam essa

hipótese com um número expressivo de 10 (dez) dados, comparado aos

demais gêneros. Em editorial de jornal, orações relativas apositivas

"desgarradas" poderiam ser encontradas com função de adendo, retomada e,

principalmente, avaliação por parte do(s) produtor(es) do texto, o que de fato

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ocorreu, pois encontramos dados em todos os grupos: 6 (seis) casos no Grupo

1, 3 (três) dados no Grupo 2 e 1 (um) caso no Grupo 3.

O gênero textual em que não era esperado ocorrer esse tipo de

estrutura, segundo as nossas expectativas nas Hipóteses da dissertação (cf.

Introdução, p. 24), eram as "notícias", por conta do caráter informativo e/ou

expositivo e da imparcialidade previstos para esse gênero. Tendo em vista os

resultados obtidos, pode-se considerar um resultado mediano, assim como o

dos "anúncios", com 5 (cinco) ocorrências.

Desta forma, a terceira hipótese desta dissertação de que as cláusulas

relativas apositivas "desgarradas" seriam empregadas apenas em textos

argumentativos não foi confirmada de acordo com os resultados obtidos na

Tabela (2), visto que também foram empregadas em um gênero que não tem

por natureza a argumentação.

Também devemos salientar que, as cláusulas relativas apositivas

"desgarradas" não apresentam uma ideia opinativa, pois, segundo a Tabela (2),

não há nenhum registro para o Grupo 1, o que faz todo o sentido, já que o

gênero em questão é "notícias".

Além do mais, os dois tipos de relação pragmática encontrados nas

cláusulas relativas apositivas "desgarradas", para o gênero "notícias", fazem

parte das características semânticas básicas das orações adjetivas explicativas

da Tradição, como o adendo e o caráter parentético (cf. a seção 1.2, p. 33-34).

Sendo assim, o que se vê na Tabela (2) são 2 (dois) dados com a pragmática

de detalhamento (já que o autor esmiúça, especifica o referente) e 3 (três)

dados para comentário (em que o autor se permite esclarecer ou fazer

observações de um fato já mencionado).

Antes de passarmos para a análise dos exemplos, vejamos ainda a

Tabela (3). Trata-se de um resumo com a distribuição dos dados por amostra e

século e os cruzamentos entre gêneros textuais e intenção pragmática:

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130

VARPORT

Intenção Pragmática / século

Opinião Justificativa

Detalhamento

Constatação

Comentário

Total

Anúncio / séc. XIX 1 1 2

Anúncio / séc. XX

2 1

3

Editorial / séc. XX 1 1 2

Notícias / séc. XX

2

3 5

Total 12

PHPB

Intenção Pragmática / século

Opinião Foco Detalhamento

Reafirmação

Comentário

Total

C. Leitor / séc. XIX

1

1 2

C. Leitor / séc. XX

1 1 2

Editorial / séc. XX 1

1 1

3

Total 7

PEUL

Intenção Pragmática / século

Opinião Foco Detalhamento

Constatação

Comentário

Total

A. Opinião / séc. XXI

3 6

2 11

C. Leitor / séc. XXI 1 2 3

Editorial / séc. XXI 4

1 5

Total 19 Tabela 3 - Distribuição dos dados por amostra, século, gênero e intenção pragmática

A Tabela (3) é um cruzamento entre as Tabelas (1) e (2) com o intuito

de apresentar os resultados obtidos na Tabela (2), de acordo com as amostras

VARPORT, PHPB e PEUL. Como vimos na distribuição dos dados nas Tabelas

(1), (2) e (3), não há um gênero textual específico que traz à superfície,

obrigatoriamente, as estruturas "desgarradas". Também se verificou que este

recurso linguístico não é usado apenas em textos essencialmente

argumentativos, verificou-se que há presença dessas estruturas em textos

predominantemente informativos/expositivos70. Tal evidência nos permite

concluir que elas só se concretizam linguisticamente quando o usuário da

língua sente necessidade de enfatizar alguma informação; vale lembrar que o

mesmo usuário pode se servir de outras duas estratégias, na língua

portuguesa, que possuem a mesma finalidade de focalização: a topicalização e

a clivagem, mas estas não serão discutidas nesta pesquisa.

70 Pode ser que as cláusulas relativas apositivas "desgarradas" também sejam encontradas em outros tipos textuais como o descritivo e o narrativo, mas esses tipos textuais não foram selecionados para o corpus dessa dissertação.

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Levando-se em conta todas as informações trazidas até aqui, passa-

se, então, ao exame qualitativo das ocorrências quanto ao conteúdo

pragmático veiculado em cada enunciado, isto é, a análise das funções textual-

discursivas das cláusulas relativas apositivas "desgarradas", revelando, assim,

a integração sintática-pragmática existente nas relações retóricas textuais.

Faremos a exposição de um exemplo para cada intenção pragmática

encontrada.

É relevante mostrar como a sintaxe está a serviço da pragmática,

porque o "desgarramento" dessas orações relativas exerce funções

pragmáticas para dar proeminência, para enfatizar o referente ou porções

textuais, conforme os objetivos comunicativos do usuário da língua, além de

organizar o fluxo de informação durante a interação.

Iniciaremos a explanação com o Grupo 1 (Avaliação), as intenções de

opinião e justificativa; em seguida virá o Grupo 2 (Retomada), foco,

detalhamento e reafirmação; e concluiremos com o Grupo 3 (Adendo),

constatação e comentário. Precisamos reforçar que tais classificações se

deram pela intenção pragmática mais evidente pelo cotexto, porque, em muitos

casos, pudemos observar uma combinação de duas intenções comunicativas:

uma para dar suporte e a outra com uma evidência pragmática mais forte na

comunicação. Vejamos o exemplo (8):

(8) "As autoridades de San Antonio não desistiram. Têm se dado ao trabalho de acompanhar o noticiário que chega até lá, vindo do Rio de Janeiro, e têm feito coro e torcida para a bandidagem, aplaudindo a violência e esperando que a cidade se torne um caos. Esperando que a situação econômica do Brasil se complique de tal forma, que o país não tenha os tais milhões de dólares que seriam necessários, para o investi- mento em instalações desportivas exigidas pelos Jogos. Torcem contra o Rio de Janeiro da mesma forma como ainda torcem contra Santo Domingo, na República Dominicana, onde mais proximamente serão realizados os Jogos de 2003. Enfim, o governo da cidade que foi derrotada. exatamente porque se julgava auto- suficiente, ainda espera o milagre de vencer a vencedora em um campo que é a última esperança de quem não sabe perder: o tapetão. Restou às autoridades de San Antonio esta única esperança. [O que é muito triste]."

(PEUL, editorial de jornal, século XXI. Jornal do Brasil, 21/10/2012)

A oração em destaque o que é muito triste, no exemplo (8), é uma

oração relativa apositiva "desgarrada", seguindo o formato (b) [. O que]

conforme a seção 5.2, p. 119, havendo um ponto final, separando,

desconectando, a cláusula-satélite da cláusula-núcleo. Vale ressaltar que,

neste exemplo, o que é invariável e por esta razão o que é muito triste não tem

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como referente um sintagma nominal, mas um sintagma oracional "Restou às

autoridades de San Antonio esta única esperança".

Neste editorial do Jornal do Brasil, o(s) autor(es) da publicação expõe

claramente o sentimento, a opinião da redação quanto aos fatos narrados:

triste é a situação a que se prestam as autoridades da cidade americana em

difamar a cidade do Rio de Janeiro. Por esta razão, este caso de

"desgarramento" não poderia estar em outro grupo a não ser o Grupo 1,

Avaliação. Observem o próximo exemplo:

(9) "Exposição de Moveis | [A qual se fechará brevemente] | Moreira, Carvalho & Companhia, proprietarios da manucfatura nacional de moveis a vapor "Moreira Santos, previnem aos seus freguezes e ao respeitável publico que sua exposição de moveis, no imperial teatro São Pedro de alcantara, estará á sua disposição todos os dias uteis das 9 da manhã ás 6, e nos santificados, das 8 ás 2 da tarde. |Desde o dia 29 de novembro até o dia 31 de Dezembro esta exposição foi visitada por 7411 pessoas."

(VARPORT, anúncios, século XXI. Diário de Notícias, 06/01/1889)

Como pode ser visto em (9), a oração em destaque a qual se fechará

brevemente é uma oração relativa apositiva "desgarrada", que está

desconectada de seu SN referente "exposição de móveis". Nela, há um

conteúdo de justificativa, já que o fato de a exposição se encerrar em breve é

motivo para que o público que ainda não viu, vá até o imperial teatro São Pedro

de Alcântara ver os móveis a vapor, nesse sentido, se mostra como um forte

argumento. Ela faz parte do Grupo 1, Avaliação, porque a justificativa dada

pelo autor para convencer o público a participar é muito subjetiva.

Observando a cláusula "desgarrada" e o referente, vê-se que o

sintagma nominal "exposição de moveis" é o título do anúncio, por isso, vem

seguida de uma barra vertical, e como se trata de um título, não tem

pontuação. A cláusula "desgarrada" se mostra de fato "desgarrada", porque

inicia-se com o "mostrativo" flexionado A, em maiúsculo, seguido do articulador

relativo qual, e se finaliza também por uma barra vertical e sem pontuação, o

que evidencia ser um subtítulo. Por consequência, vê-se que o referente e a

cláusula estão em parágrafos diferentes, tornando o "desgarramento" ainda

mais forte. Passemos para o exemplo (10):

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(10) "O enorme desafio é continuar a avançar. As conquistas da última década devem ser preservadas, o que não impede a constatação de que ainda há muito a realizar. A década de 90 registrou vitórias importantes. De acordo com o Censo 2000, realizado pelo IBGE, a mortalidade infantil caiu 38% entre 1991 e 2000. Em 1992, 18,2% das crianças entre 7 e 14 anos não freqüentavam a escola. Agora, o acesso ao ensino fundamental foi universalizado. A taxa de analfabetismo dos maiores de 15 anos caiu de 18,3% para 13,8%, e as matrículas no ensino superior tiveram acréscimo de quase 30% entre 1994 e 1998. [Os que vivem abaixo do nível de pobreza são 30% (eram 43% em 1994)]. Mais de 13 milhões ingressaram no mercado consumidor."

(PEUL, artigo de opinião, século XXI. O Globo, 28/10/2002)

Em (10), exemplo de artigo de opinião, há um outro caso de cláusulas

relativas apositivas "desgarradas": os que vivem abaixo do nível de pobreza

são 30% (eram 43% em 1994). Assim como os 2 (dois) exemplos anteriores,

este também segue o formato (b), iniciado por um ponto final, seguido de um

"mostrativo" flexionado os e por um articulador que. Neste caso, não há um

referente explícito, mas implícito "pessoas".

Esta cláusula foi classificada com função de Retomada, pertencente ao

Grupo 2, porque de fato há um retorno às conquistas da década de 90, de

acordo com o Censo 2000, e de intenção pragmática foco, pois não se falou

anteriormente sobre o assunto "pobreza" e, quando se fala (momento

catafórico), aparece com todo esse destaque, com toda essa ênfase. Assim, o

autor do artigo de opinião usa o recurso do "desgarramento" para enfatizar que

houve um decréscimo no percentual daqueles (as pessoas que participaram do

censo) que viviam abaixo do nível da pobreza. Consideremos, agora, a próxima

ocorrência:

(11) "Você já reparou como entre tantas pessoas | que fazem exatamente a mesma coisa | sempre existem aquelas que encontram | uma maneira de fazer melhor? [Gente que | se supera]. [Gente que insiste, persiste, que | acredita tanto nas suas idéias que não | descansa enquanto não consegue colocá-las | em pé]. Esse é o tipo de gente que você | reconhece de longe."

(VARPORT, anúncios, século XX. O Globo, 15/09/1988)

As orações gente que se supera e também gente que insiste, persiste,

que acredita tanto nas suas ideias que não descansa enquanto não consegue

colocá-las em pé são exemplos de cláusulas relativas apositivas "desgarradas",

porque seguem o formato (c), da seção 5.2, p. 119: ambas estão

desconectadas de seus referentes, "aquelas (pessoas)".

Percebam que, neste anúncio, o referente possui uma oração relativa

restritiva no período anterior e, depois, o autor introduz duas relativas

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apositivas "desgarradas" em forma de enumeração com o objetivo de detalhar,

de especificar, de esmiuçar melhor o referente compartilhado entre elas, com o

intuito de mostrar que "aquelas pessoas" estão sempre buscando a superação.

Além disso, por estarem desconectadas, o enfoque para essas orações

é muito maior, atribuindo maior força argumentativa para o SN "pessoas".

Estas cláusulas estão classificadas no Grupo 2, Retomada, porque o próprio N

"Gente" encabeçando as cláusulas retoma o referente. Seguiremos adiante

com o exemplo (12):

(12) "Tal tem sido o seu feitio na | historia. Feitio modelar em seus | contornos. Feitio persistente, | formando tradição que teria sido | unanime até em seus minusculos | incidentes, se a data de 1620, lhe | não houvesse quebrado a unifor- | midade o opposicionista e escan- | daloso caso da cama de Gonçalo | Pires. || Narra-lo é condemna-lo Lembra-lo é castiga-lo. || Annunciada a "visita em cor- | releção do doutor Amancio Re- | bello Coelho, ouvidor da Repar- | tição do Sul", unanimemente, | como já de praxe, votou a Cama- | ra Municipal de Piratininga | a "requisição da cama do carpin- | teiro Gonçalo Pires por ser em | circumstancias de servir a hos- | pedagem". || Surpreza, raridade, porém! | [Acontecimento que abalou a ca- | pitania toda, fazendo estremecer | de espanto não só os quasi mil | habitantes da séde do governo, | mas tambem os mil e poucos das | lavouras e aldeias circumvisi- | nhas: Gonçalo Pires recusou a | cama ao doutor ouvidor]! ||"

(PHPB, editorial de jornal, século XX. Jornal do Brasil, 25/08/1923)

O exemplo (12), anteriormente transcrito, apresenta uma estrutura

relativa apositiva "desgarrada" um pouco extensa: acontecimento que abalou a

capitania toda, fazendo estremecer de espanto não só os quase mil habitantes

da sede do governo, mas também os mil e poucos das lavouras e aldeias

circunvizinhas: Gonçalo Pires recusou a cama ao doutor ouvidor.

Formalmente, este período é semelhante à forma do exemplo (11),

porque também pertence ao formato (c): [. N + que]. Interessante ressaltar

neste exemplo, que, para mostrar o quanto este período se encontra

"desgarrado" de seu referente, entre o período que consta o sintagma nominal

"a requisição da cama" e a cláusula "desgarrada" em si, há um elemento

interveniente, a cláusula "Surpresa, raridade, porém!".

Observem que, neste editorial, a cláusula "desgarrada" traz em si uma

reafirmação, pois a cláusula retoma o seu referente com um nome genérico

"acontecimento", reafirma, confirma como o evento foi recebido com

espanto/surpresa não só pelos habitantes da sede dos governos como por

vizinhos das lavouras e aldeias próximas. Graças ao desmembramento entre a

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cláusula "desgarrada" e o seu núcleo, o destaque a esta parte textual ganhou

proeminência durante a leitura. Além disso, faz o texto progredir com a

informação de Gonçalo Pires ter se recusado a devolver a cama. São esses os

motivos para ser inserida no Grupo 2, Retomada. Voltemo-nos ao exemplo (13)

a seguir:

(13) "Cara|| feia|| Estomago|| acido|| [Os que soffrem de in- | disposições digestivas estão | muitas vezes de mal humor | ou de são de temperamento pessimista]. Estas indisposi- | ções benignas no começo, | podem degenerar em males | do estomago excessivamente | graves. As azias, os pesa- | dumes, os azedumes, os | vomitos e outros malestares | digestivos são geralmente | provocados por um excesso | de acidez, e para precaver | destes males, nada supera | á Magnesia Bisurada cujo | effeito é quase instantaneo. | Ella allivia em 5 minutos, | faz parar a fermentação dos | alimentos no estomago e | evita a flatulencia e a von- | tade de vomitar; acalma a | irritação da mucosa deli- | cada do estomago, fazendo | desaparecer qualquer traço | de inflammação. A | Magnesia Bisurada porá fim | aos seus incommodos diges- | tivos permitindo-lhe digerir | sem dôr. A primeira dóse | provará a sua efficacia.|| DIGESTÃO ASSEGURADA || COM MAGNÉSIA BISURADA || EM TODAS AS FARMACIAS, EM PÓ E EM TABLETES

(VARPORT, anúncios, século XX. Jornal do Brasil, 15/09/1940)

Logo no início do anúncio, em (13), a cláusula Os que sofrem de

indisposições digestivas estão muitas vezes de mal humor ou de são de

temperamento pessimista já "nasce" "desgarrada" de seu SN referente

"pessoas", no caso, referente exofórico, porque não dá para fazer um estudo

do referente, visto que o texto se inicia com a cláusula "desgarrada". Este caso

tem o seu formato semelhante ao majoritário formato (b) [. O que], em que o

"mostrativo" o aparece flexionado antes do articulador.

Observando a cláusula "desgarrada" e o título do anúncio, vê-se que o

autor faz uma constatação, afirmando que as pessoas que sentem dores

estomacais geralmente estão de mau humor ou com temperamento pessimista.

Classificamos esta cláusula como pertencente ao Grupo 3, Adendo, por conta

do seu caráter resumidor, parentético. Embora o autor inicie o texto com uma

cláusula relativa apositiva "desgarrada", ele faz um adendo ao título,

resumindo-o. Além disso, é por iniciar o texto com uma oração "desgarrada"

que o autor atinge o seu propósito comunicativo: chamar a atenção de quem lê

e, além disso, se identifica com o assunto logo nas primeiras linhas do texto.

Passemos ao último exemplo desta seção:

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(14) "Os delegados da 3a e 4a circums/cripções urbanas estão exigindo/ dos proprietarios das casas de/ commodos um livro para registro/ dos nomes das pessoas que nel/las forem habitar./ [...] Se a exigencia dos delegados/ daquellas duas circumcripções/ baseia-se na necessidade da poli/cia ter conhecimento do pessoal/ que nellas mora para certificarem-/se de que no meio delle existe ou/ não algum criminoso, essa exi/gencia não produzira resultado/ pratico, porquanto não é acredi/tavel que um individuo cujos/ precedentes autorisem a vigilan/cia da policia sobre a sua pessoa,/ vá escrever no livro exigido o seu/ verdadeiro nome, entregando-se/ assim á acção policial./ Demais, os gatunos, os ladrões/ e toda a casta de criminosos não/ têm por costume, como bem sabe/ a policia, hospedar-se em casa de/ commodos./ [Os que aqui se acham, residem/ em habitações proprias ou occul/tam-se em logares de ante-mão/ escolhidos e ignorados muitas/ vezes dos srs.delegados]./ [Os que vêm do estrangeiro pro/curando esta cidade para theatro/ das suas façanhas, não se abole/tam senão em hoteis caors, afim de/ parecerem pessoas de considera/ção e de importancia, para mais/ facilmente conseguirem os seus/ fins cri minosos]./ Vê-se, por estas razões, que a/ exigencia do livro de registro de/ nomes das pessoas moradoras em/ casas de commodos não tem justifi/cativa./

(VARPORT, notícias, século XX. Jornal do Brasil, 14/05/1902)

Por fim, no exemplo (14), há duas cláusulas relativas apositivas que

estão "desgarradas" de seus referentes "os gatunos, ladrões e toda a casta de

criminosos" e ambas se materializam pelo formato [. O que]: os que aqui se

acham, residem em habitações próprias ou ocultam-se em lugares de antemão

escolhidos e ignorados muitas vezes dos srs. delegados, e também, os que

vêm do estrangeiro procurando esta cidade para teatro das suas façanhas, não

se aboletam senão em hotéis caros, afim de parecerem pessoas de

consideração e de importância, para mais facilmente conseguirem os seus fins

criminosos.

Na notícia do Jornal do Brasil supramencionada, as duas cláusulas

negritadas se apresentam em forma de parágrafo, totalmente desvinculadas de

seu referente nominal, ou seja, vê-se nitidamente uma quebra entre núcleo-

satélite, além de se apresentarem como uma enumeração. Esse recurso traz

mais ênfase aos comentários, aos esclarecimentos do autor em informar sobre

os lugares onde se refugiam os ladrões brasileiros e o porquê da escolha

desses lugares, em seguida, na segunda cláusula, ele faz o mesmo para os

ladrões estrangeiros.

Estas orações pertencem ao Grupo 3, Adendo, porque as observações

feitas pelo autor se apresentam como informações adicionais e funcionam

como argumentos para não se continuar com a prática dos livros de cômodo, já

que em nada auxiliam na segurança dos estabelecimentos.

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Após a análise pragmática dos dados, pudemos ver que as orações

relativas apositivas "desgarradas" são recursos linguísticos que promovem a

função de focalização assim como as estruturas de topicalização e clivagem.

Esses três tipos de estruturas têm em comum, portanto, salientar ao

ouvinte/leitor a marcação de ênfase, de relevo, de destaque ao assunto ao SN

constituinte da cláusula núcleo.

Em outras palavras, essas cláusulas relativas apositivas "desgarradas"

funcionam como unidades informacionais à parte e são muito fortes

argumentativamente, porque ao se mostrarem desligadas sintaticamente,

ganham uma maior proeminência, uma evidência, e, por isso, servem para a

condução de um ponto de vista ou um reforço de uma informação durante a

argumentação no processo de produção textual.

As relações pragmáticas que foram extraídas das orações relativas

apositivas "desgarradas" e de seus núcleos foram muitas, tais como opinião,

justificativa, foco, detalhamento, reafirmação, constatação e comentário. Só

identificamos sete relações pragmáticas, entretanto, elas estão longe de se

esgotarem. Também pode haver uma sobreposição (uma comutação) dessas

relações semânticas na mesma mensagem da cláusula, como por exemplo,

uma relação pragmática de opinião e um comentário simultaneamente, como

tantas outras possibilidades.

Conclui-se esta seção com um pequeno trecho extraído de Decat

(2014: 176): "a oração relativa apositiva desgarrada materializa, de modo geral,

a relação retórica de elaboração, o que está de conformidade com a sua

natureza explicativa, esclarecedora, detalhadora".

Na próxima seção, abordaremos a relação existente entre o uso e o

monitoramento linguístico. Acreditamos ser importante esta verificação, porque

a gramática tradicional trata como "erro" esse tipo de oração. Vejamos, então,

o uso pelo ponto de vista do usuário da língua.

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5.4 A relação uso-monitoramento linguístico

Levando-se em conta a seção anterior em que houve a preocupação

de descrever as relações pragmáticas imbricadas nas orações relativas

apositivas "desgarradas", também pode-se verificar as implicações dos

gêneros textuais inerentemente argumentativos nos usos dessas cláusulas. De

posse de todos os resultados obtidos e análises realizadas até aqui, passemos,

então, para o estudo das avaliações linguísticas sobre o "desgarramento", em

que se busca mostrar a relação existente entre o uso e as amostras de menor,

médio e elevado grau de monitoramento linguístico, e, por consequência,

verificar se há ou não estigma no emprego do "desgarramento".

Antes de passar propriamente aos resultados obtidos, há a

necessidade de tratar da questão da Avaliação Linguística, explorada por

Labov (1996). O autor se preocupa em observar o comportamento de uma

determinada forma linguística, caracterizada como inovadora, em ascensão,

em uma comunidade de fala, frente a uma outra estrutura mais antiga no

sistema linguístico, em que ambas competem pelo mesmo espaço, o mesmo

contexto de uso.

Nesta seção, não se pretende fazer um estudo sociovariacionista sobre

o fenômeno do "desgarramento" das cláusulas relativas apositivas: primeiro,

porque essas cláusulas não estão em competição com as cláusulas de origem

(as cláusulas relativas apositivas canônicas). Além disso, já ficou evidenciado,

nas seções anteriores de resultados e na revisão de literatura, que o fenômeno

do "desgarramento" é um recurso sintático para dar ênfase, foco a um referente

nominal ou oracional bem como as estruturas de tópico e clivagem (embora

cada uma dessas três estruturas tenha as suas especificidades sintático-

pragmáticas).

Segundo, porque não é o foco desta dissertação atestar se houve ou

não de fato uma mudança na língua entre uma e outra forma linguística, já que

não se está observando a sua evolução no tempo comparado a outra estrutura.

Por meio dos resultados já obtidos na primeira seção dos resultados dessa

dissertação, constatou-se que as cláusulas relativas apositivas "desgarradas"

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já se faziam presentes no século XIX71 no PB escrito e, por consequência, já

estavam disponíveis na língua para os usuários escolherem ou não usar este

recurso sintático. Além do mais, faz-se uma análise qualitativa dos dados

obtidos e não há uma preocupação em fazer um estudo comparado entre

estruturas de cunho quantitativo e variacionista, portanto.

O intuito é aplicar apenas os conceitos de avaliação linguística de

Labov (1996) ao fenômeno do "desgarramento" das cláusulas em tela, visto

que, além de considerarmos importante para a descrição desse uso, tal

verificação ainda não foi realizada.

Posto isso, a avaliação linguística está relacionada ao que a

comunidade de fala "pensa" sobre uma determinada estrutura; em que medida

essa avaliação subjetiva dos usuários da língua pode interferir no surgimento,

na manutenção ou no desaparecimento de um uso do sistema linguístico.

Deste modo, “nos interessamos necessariamente pelo nível de consciência

social” (LABOV: 1996, p. 144).

Como vimos na seção de Delimitação e objetivos (cf. seção 2.5, p. 58),

a Gramática Tradicional e outras abordagens descritivas consultadas que

ultrapassam a GT não reconhecem o uso dessas cláusulas como procedimento

sintático do período composto, o que nos leva a questionar o que a

comunidade de fala "pensa" sobre esse uso. Assim, Labov (1996) nos auxilia

neste tópico ao caracterizar as avaliações linguísticas, subdividindo-as em três

categorias: (a) indicadores, (b) marcadores e (c) estereótipos.

Então, formas linguísticas classificadas como indicadores não são

comentadas, sequer percebidas pela comunidade de fala, pois os usuários da

língua usam essas formas sem pensar que há uma avaliação subjetiva ou

alternância estilística (uso inconsciente), segundo Monteiro (2000, p. 66).

Formas linguísticas classificadas como marcadores são percebidas

pela comunidade de fala e estão relacionadas por uma distribuição social

(classe social, sexo, idade etc.) e também por uma diferenciação estilística (uso

consciente), segundo Monteiro (2000, p. 67).

71 O século XIX é o período considerado, por muitos pesquisadores como o marco do surgimento do Português Brasileiro (PB).

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Formas linguísticas classificadas como estereótipos são percebidas

pela comunidade de fala e, por ela, são avaliadas de maneira negativa, são

rejeitadas subjetivamente, i.e., sofrem forte estigmatização.

Uma situação concreta para aplicarmos essas classificações seria um

indivíduo usar, por exemplo, a sua variante de R-caipira, no interior de Minas

Gerais por toda a sua vida, perfeitamente aceita pela sua comunidade de fala.

De repente, por algum motivo, ele sai de sua comunidade e percebe que, em

uma comunidade de fala maior, a sua variante é estigmatizada (estereótipo).

Deste modo, este indivíduo, agora, consciente que a sua variante R-caipira é a

variante estigmatizada em relação às outras, na língua portuguesa, passará a

se policiar para não produzir a sua variante natural em uma situação de

formalidade se servindo de outra variante rótica. Sendo assim, para este

indivíduo, o estatuto de sua variante passa ser de indicador para marcador,

visto que a alternância estilística é desejável e consciente.

Além de utilizarmos os estatutos de Labov (1996) para a avaliação

subjetiva das cláusulas relativas apositivas "desgarradas", também vale

salientar, minimamente, a história da imprensa, já que estamos trabalhando

com o domínio jornalístico, e a educação, já que estamos trabalhando com

texto. Toma-se o site da Associação Nacional de Jornais (ANJ)72 como base

dos fatos.

Segundo a ANJ, o primeiro jornal considerado brasileiro foi o Correio

Braziliense em junho de 1808, entretanto, a sede de sua fundação foi na cidade

de Londres por um jornalista brasileiro exilado e só passou a ser vendido

legalmente no Brasil em 1822. Em setembro de 1808, a Gazeta do Rio de

Janeiro começou a circular pela cidade, mas se tratava de um jornal oficial,

voltado para publicações de notícias da corte. Muitos dos jornais fundados no

século XIX foram descontinuados; os que se mantiveram no século XX, no

Estado do Rio de Janeiro, foram o Jornal do Brasil e O Fluminense (Niterói).

O início do século XX (1901 - 1930) foi marcado com o surgimento de

novos títulos por diversos fatores, principalmente pela inclusão da máquina de

escrever e uma imprensa operária voltada para os imigrantes. Durante este

72 Não consta nem autor e nem a data da publicação desta matéria online.

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período, surgiram novos títulos no Rio de Janeiro, a saber: O Globo, Diário

Mercantil e Monitor Mercantil. O período entre 1930-1945 foi muito conturbado

para a imprensa, porque a liberdade de imprensa praticamente desapareceu

com a Carta Constitucional que tornava a imprensa sujeita ao Estado.

Entre 1945-1964, a imprensa teve de volta a sua liberdade. O Brasil

viveu um momento de transição de agropecuário para industrializado. Nesse

período, o número de exemplares em circulação atingiu em torno de 5,75

milhões em todo o País. Durante este período são criados os títulos Diário

Comercial e O Dia. Entre 1964-1985, há uma nova censura à imprensa com o

Regime Militar. Somente a partir de 1988, a liberdade à imprensa foi

assegurada pela nova Constituição. A partir de 1995, generalizaram-se as

versões digitais, mas os jornais souberam adaptar-se e as vendas tornaram a

crescer. Durante este período, surgiram novos títulos, principalmente, os

voltados para a leitura rápida e para a linguagem do público-alvo. Tem-se:

Povo (em 1990), Extra (em 1998), Meia Hora (em 2004), Expresso (em 2006).

Como é a língua que nos interessa, vejamos, agora, o progresso da

educação. Do século XIX até o início do século XX, não se pode dizer que os

textos de jornal seguiam um padrão de norma culta73 do PB, porque, não se

tinha essa noção de "norma"; naquela época, ainda não se tinha uma norma-

gramatical do PB. Além do mais, segundo a página eletrônica da Associação

Nacional de Jornais, entre 1840 e 1889, a sociedade era essencialmente rural,

com a produção baseada na mão-de-obra escrava; mais de 90% dos cidadãos

viviam na área rural e 85% deles eram analfabetos, inclusive, grandes donos

de terras.

73 Segundo Faraco (2008), existe uma pluralidade de "normas"/variedades segundo os níveis sócio-econômico-cultural e as situações de comunicação. Isso se dá porque a "norma" está hierarquizada em dois grandes grupos: (a) a norma-padrão, (subjetiva) trata-se de um modelo idealizado, um conjunto de regras prescritivas/descritivas com o objetivo de uniformização, de padronização da língua para todos os indivíduos; e (b) as normas de uso, (objetiva) trata-se de um conjunto de variedades efetivamente praticado pelos usuários de uma língua que se divide em dois subgrupos: (b1) normas cultas (de uso), correspondendo aos usos linguísticos normais/correntes/usuais dos falantes mais escolarizados em situações mais monitoradas (fala/escrita); e (b2) normas populares (de uso), correspondendo aos usos linguísticos normais/correntes/usuais dos falantes menos escolarizados em situações menos monitoradas (fala/escrita). Entre a norma-padrão e a norma de uso (culta) encontra-se a norma-gramatical, ela é encontrada nos nossos melhores dicionários e gramáticas (a chamada Gramática Tradicional) como uma orientação para uma escrita ideal.

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Somente na década de 50, com o governo de Juscelino Kubitschek, a

educação foi incentivada por conta de uma necessária mão-de-obra técnica

para trabalhar nas novas fábricas e indústrias e, na década de 60, a Ditadura

Militar continuou o trabalho e conseguiu alfabetizar quase 40% da população.

Todo esse percurso histórico-social foi necessário para caracterizar os

jornais publicados no Rio de Janeiro e que foram utilizados na composição das

três grandes amostras selecionadas para compor o corpus desta dissertação

(cf. seções 4.1.1, 4.1.2 e 4.1.3 do capítulo de Metodologia), visto que trabalham

com jornais do período de 1800 a 2000 (VARPORT e PHPB) e o período

compreendido entre 2002 a 2004 (PEUL).

Segundo os Quadro 7 (cf. seção 4.1.2, p. 91) e Quadro 8 (cf. seção

4.1.3, p. 92), os Projetos PHPB e VARPORT apenas dividiram os textos

recolhidos por período e por gênero textual. Já o Quadro 6 (cf. seção 4.1.1, p.

90) apresenta os textos recolhidos de acordo com o Jornal e gênero textual,

porque havia uma preocupação em estudar textos destinados a um público-

alvo de diferentes estratos socioeconômicos.

Para tais amostras, classificamos os textos como baixo, médio e alto

monitoramento linguístico de acordo com as classes do público-alvo. Seria

impossível classificarmos de acordo com o autor do texto, mesmo porque há

gêneros que não possuem autoria e ainda há gêneros que possuem autoria,

mas não se pode fazer um levantamento acadêmico/escolar dos autores.

Desta forma, todos os jornais publicados no século XIX,

independentemente do gênero textual, foram classificados como alto

monitoramento linguístico, porque, segundo o resumo histórico-social, 90% da

população era analfabeta, 10% era alfabetizada, mas, indo mais fundo, menos

de 10% era letrada. Como esse quadro ainda perdurou o século XX, também

mantivemos a classificação de alto monitoramento linguístico para os textos

desse período, visto que só na década de 90 do século XX, os donos de jornais

se preocuparam em criar jornais destinados às classes B, C, D e E. Então,

seguimos as indicações dos jornais e classificamos o jornal Extra como médio

monitoramento linguístico e o jornal Povo como baixo monitoramento

linguístico. Vejamos o Quadro (16) a seguir:

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VARPORT

Gênero Textual Jornal Data da

Publicação Monitoramento

Linguístico

Anúncios Gazeta do Rio de Janeiro 26/04/1809 Alto

Anúncios Diário de Noticias 06/01/1889 Alto

Anúncios Jornal do Brasil 15/09/1940 Alto

Anúncios O Globo 15/09/1998 Alto

Editorial Diário da Noite 10/03/1932 Alto

Editorial Diário da Noite 01/05/1960 Alto

Notícias Jornal do Brasil 14/05/1902 Alto

Notícias Jornal do Brasil 12/06/1960 Alto

Notícias Jornal do Brasil 17/03/1990 Alto

PHPB

Gênero Textual Jornal Data da

Publicação Monitoramento

Linguístico

Carta de Leitor O Papagaio 22/06/1822 Alto

Carta de Leitor O Parayba 10/02/1859 Alto

Carta de Leitor Jornal do Brasil 01/07/1983 Alto

Carta de Leitor Jornal do Brasil 01/05/1992 Alto

Carta de Leitor Jornal do Brasil 01/09/1954 Alto

Editorial Jornal do Brasil 25/08/1923 Alto

Editorial Jornal do Brasil 16/12/1988 Alto

Editorial Jornal do Brasil 06/08/1996 Alto

PEUL

Gênero Textual Jornal Data da

Publicação Monitoramento

Linguístico

Artigo de Opinião Extra 05/01/2004 Médio

Artigo de Opinião Extra 07/01/2004 Médio

Artigo de Opinião Extra 16/01/2004 Médio

Artigo de Opinião Jornal do Brasil 02/06/2003 Alto

Artigo de Opinião Jornal do Brasil 03/06/2003 Alto

Artigo de Opinião Jornal do Brasil 31/08/2004 Alto

Artigo de Opinião O Globo 28/10/2002 Alto

Carta de Leitor Jornal do Brasil 27/02/2004 Alto

Carta de Leitor Jornal do Brasil 27/02/2004 Alto

Carta de Leitor O Globo 25/02/2004 Alto

Editorial Jornal do Brasil 21/10/2002 Alto

Editorial O Globo 04/10/2002 Alto

Editorial O Globo 16/01/2003 Alto

Editorial O Globo 22/01/2003 Alto

Editorial O Globo 22/10/2002 Alto Quadro 16 - Classificação de monitoramento linguístico para os jornais do corpus.

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Conforme o Quadro (16) anterior, ele está disposto por Amostra e para

cada uma delas por gênero textual, por nome do jornal, por data em que o texto

que contém o dado da cláusula relativa apositiva "desgarrada" foi publicado e

por grau de monitoramento linguístico.

O total de dados, segundo a Tabela 1 (cf. seção 5.1, p. 113) é de 38

(trinta e oito) ocorrências, mas só foram dispostos 32 (trinta e dois) jornais,

porque, às vezes, o mesmo texto apresenta mais de uma cláusula relativa

apositiva "desgarrada".

A Amostra VARPORT tem todos os seus jornais classificados como

alto monitoramento linguístico, pelo que foi disposto anteriormente sobre a

história e sobre a educação. Não havia sentido escrever um jornal com um uso

mais popular da língua para leitores de família aristocrata ou para uma

população analfabeta. Os jornais Gazeta do Rio de Janeiro e Diário de Notícias

foram jornais do século XIX que não chegaram ao século XX. O Diário da Noite

teve seus trabalhos interrompidos na década de 60. Os jornais O Globo e

Jornal do Brasil74, ativos até o presente ano, foram os que mais apresentaram

dados de "desgarramento" seja em anúncio, editorial de jornal ou notícia.

A Amostra PHPB também teve todos os seus jornais classificados

como alto monitoramento linguístico, pelo mesmo motivo da amostra

VARPORT. Os jornais O Papagaio e O Parayba pertencentes ao século XIX

também tiveram as suas edições interrompidas antes da mudança de século. O

Jornal do Brasil foi o que conteve maior número de ocorrências de cláusulas

relativas apositivas "desgarradas" em cartas de leitores e editoriais de jornal.

A Amostra PEUL, diferentemente das outras amostras em que se

coletaram os textos de forma aleatória, preocupou-se em recolher um número

de textos para cada um dos quatro jornais. Para a Amostra PEUL que obteve o

maior número de ocorrências (cf. Tabela 1, p. 113), observa-se que não houve

nenhum caso registrado de "desgarramento" de cláusula relativa apositiva em

74 Segundo Mattos (2010), "o Jornal do Brasil, que foi o primeiro a lançar o jornal online no país, foi também o primeiro a deixar de circular na versão impressa, o que ocorreu no dia 31 de agosto de 2010, quando o JB passou a ser lido apenas na versão eletrônica [...]. A partir de 1º de setembro de 2010, o JB passou a ter apenas a versão eletrônica".

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jornais classificados como baixo monitoramento linguístico, no caso, Povo. No

século XXI, verifica-se este fenômeno em textos classificados como médio e

alto monitoramento linguístico, no caso, nos jornais Extra, O Globo e Jornal do

Brasil.

Deste modo, conclui-se que o fenômeno do "desgarramento" das

cláusulas relativas apositivas deve ser classificado como indicador, já que os

autores pertencentes a jornais de médio e alto monitoramento linguístico

utilizaram esse recurso em suas matérias. Ademais, se fosse um recurso

estigmatizado pela comunidade de fala, certamente os jornalistas letrados não

utilizariam essas cláusulas em um veículo público.

Esse uso também não pode ser classificado como marcador, porque

não há uma variante competindo com as cláusulas relativas apositivas

"desgarradas" no mesmo contexto de uso, mesmo que a topicalização e a

clivagem tenham o objetivo de enfatizar uma ideia como acontece com o

"desgarramento" das cláusulas. Conforme verificou-se na seção 5.3, não é

apenas a função semântica de ênfase/foco que pertence a essas cláusulas, há

diversificadas funções pragmáticas que não ocorrem na topicalização e na

clivagem. Vejamos o exemplo (15) abaixo:

(15) "Reformas constitucionais costumam ser lentas e intrincadas. A velocidade das mudanças, contudo, é determinada pelas condições políticas vigentes. [Que podem ser mais - ou menos - favoráveis às alterações]."

(PEUL, editorial, século XXI. O Globo, 16/01/2003)

Neste exemplo, tem-se uma cláusula relativa apositiva "desgarrada"

que podem ser mais - ou menos - favoráveis às alterações, cujo referente é o

SN "condições políticas vigentes" da cláusula anterior. Este dado pertence ao

formato (a) [. Que], visto na seção 5.1 e, por estar "desgarrada", produz uma

ênfase à característica do SN referente sob forma de comentário: o autor faz

uma observação, um esclarecimento sobre as "condições políticas vigentes"

influenciarem na velocidade das reformas constitucionais, sendo as promotoras

das mudanças ou as responsáveis pela lentidão do processo de mudança.

Para comparar o efeito de proeminência dado pelo "desgarramento" à

cláusula destacada em (15) com a topicalização e com a clivagem, há a

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necessidade de desfazer o "desgarramento". Neste caso, a porção textual em

(15) é reescrita em (15'):

(15') Reformas constitucionais costumam ser lentas e intrincadas. A velocidade das mudanças, contudo, é determinada pelas condições políticas vigentes, que podem ser mais - ou menos - favoráveis às alterações.

Começando pela topicalização (também é conhecido como

deslocamento à esquerda), o sintagma inteiro a ser destacado deve ser

deslocado para o início da sentença. Como o aposto é um prolongamento do

Nome, por isso, a extensão do SD (cf. seção 1.3, p. 39), o SN e o aposto serão

deslocados para a esquerda, ficando da seguinte forma em (15''):

(15'') *Reformas constitucionais costumam ser lentas e intrincadas. [Pelas condições políticas vigentes, que podem ser mais - ou menos - favoráveis às alterações] a velocidade das mudanças, contudo, é determinada.

Como pode ser visto, o emprego da topicalização (destacada entre

colchetes) não caberia como destaque, tornando toda a cláusula agramatical;

por isso, o símbolo de asterisco (*) no início do texto. Agora vejamos como

ficaria a ênfase se fosse utilizado o procedimento da clivagem em (15'''):

(15''') Reformas constitucionais costumam ser lentas e intrincadas. É [pelas condições políticas vigentes, que podem ser mais - ou menos - favoráveis às alterações] que a velocidade das mudanças, contudo, é determinada.

A reescritura (15''') não é um caso de agramaticalidade, mas como o

aposto também acompanha o SN na clivagem, não há destaque para a

cláusula relativa. Portanto, com os exemplos (15'') e (15'''), vê-se que não se

pode dizer que as três estratégias de focalização competem no mesmo

contexto de uso, pois nem sempre o objetivo de enfatizar um determinado

trecho é alcançado. Embora as três estratégias tenham a mesma finalidade,

cada uma tem as suas especificidades e particularidades.

Sendo assim, o uso do "desgarramento" das cláusulas em todos os

gêneros textuais escolhidos para análise, durante os séculos XIX, XX e XXI,

mostrou que era empregado "livremente" pelos jornalistas em textos formais e

de monitoração linguística elevada, mesmo que as gramáticas prescritivas

desaconselhassem este emprego.

Tal conclusão nos faz confirmar a segunda hipótese desta dissertação,

pois, se o "desgarramento" surge em textos escritos de alto grau de

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monitoramento linguístico, então, evidencia-se que este fenômeno não recebe

estigma, já que não é estereótipo de uma variedade de uso popular da língua.

Também ficou evidenciado nesta seção que o fenômeno do

"desgarramento" se fixou no sistema linguístico ao longo dos anos, porque não

é rejeitado pela variedade de uso culto da língua sendo avaliado como

indicador. Com todos os objetivos alcançados para este capítulo, passemos

para as considerações finais.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Encerra-se essa dissertação com as

conclusões a que chegamos a partir de todo o

trajeto percorrido, desde a primeira linha do

capítulo da Introdução até a última linha do capítulo

anterior, Resultados.

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Toda língua natural é viva e dinâmica, visto que reflete as

necessidades de fala de seus usuários e, por consequência, sofre constantes

mudanças em todos os níveis, linguísticos (como o morfológico, fonológico,

sintático, semântico, pragmático etc.) e extralinguísticos (como a interação

entre os interlocutores, o contexto, as inferências sociais etc.).

Ao utilizar a língua como código de comunicação e/ou interação, os

falantes estruturam o seu discurso de acordo com os seus propósitos

comunicativos. Sendo assim, ao se considerar as relações semântico-

pragmáticas que emergem das estruturas linguísticas, o processo de

articulação de orações, ou mesmo de combinação de orações, constituem

mecanismos sintáticos que estão a serviço das intenções comunicativas do

falante.

Neste sentido, o interesse dessa dissertação era observar as cláusulas

relativas apositivas "desgarradas", porque, mesmo sendo utilizadas

naturalmente, principalmente, intencionalmente, pelos usuários da língua, a

Gramática Tradicional ainda considera tal estrutura como um "erro".

Então, levantamos, por isso, os seguintes objetivos que foram

investigados: (a) verificar o uso dessas cláusulas em três séculos (XIX, XX,

XXI), por meio da modalidade escrita da língua, em textos jornalísticos

publicados no Rio de Janeiro e verificar se esse fenômeno é novo ou velho na

língua por meio do uso; (b) investigar como se articula a relação forma-função

das estruturas; (c) investigar como se dá a relação sintaxe-pragmática; (d)

como se estabelece a relação uso-monitoramento linguístico, com o intuito de

se observar se há ou não estigma para o uso do "desgarramento" em textos de

alto monitoramento linguístico.

Antes de nos lançarmos aos resultados, tínhamos traçado algumas

hipóteses que poderiam ou não ser confirmadas com as análises dos dados:

(a)acreditava-se que essas estruturas não se caracterizavam por ser um

fenômeno novo na língua, pelo contrário, acreditava-se que já estava no

sistema há mais tempo do que se imaginava; (b) pelas cláusulas relativas

apositivas "desgarradas" serem uma ferramenta discursiva para enfatizar um

sintagma (seja ele nominal ou oracional) utilizadas pelos falantes naturalmente,

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e, ao mesmo tempo, tratadas como "erro" pela GT, imaginávamos encontrar

essas estruturas em textos de alto e baixo monitoramento linguístico, sem uma

avaliação negativa por parte dos usuários;(c) verificar se as cláusulas relativas

apositivas "desgarradas" estavam vinculadas a textos de tipo textual

argumentativo, por isso, selecionaram-se os gêneros textuais anúncios, artigo

de opinião, carta de leitores e editoriais para contrapor com o gênero notícias.

A investigação abarcou um corpus composto por três grandes

amostras da Língua Portuguesa da variedade Brasileira: Projeto PHPB

(BARBOSA, 2010), Projeto PEUL (NARO; RONCARATI & ABREU, 1979) e

Projeto VARPORT (BRANDÃO & MOTA, 2000). Deles, selecionamos textos

jornalísticos que pudessem ser contrastados por gênero textual (anúncios,

artigo de opinião, carta de leitores, editorial de jornal e notícias), por período de

tempo (séculos XIX, XX, XXI) e por extensão regional (Rio de Janeiro). Foram

no total 1.883 textos analisados.

A única amostra em que houve a preocupação de seus organizadores

em recolher textos de acordo com a linguagem do público alvo foi do Projeto

PEUL, no qual se inseriram textos do jornal O Globo e o Jornal do Brasil,

menos populares, pois estes são dedicados a um público alvo com elevado

grau de escolaridade; Extra, para um público alvo de mediano grau de

escolaridade; Povo, mais popular, voltado para as classes C, D e E.

Isso foi motivado pelo fato de que, só na última década do século XX,

os editores se preocuparam em lançar jornais de acordo com a classe social do

público alvo; eles perceberam que, assim, poderiam lucrar mais, já que as

matérias e a linguagem estariam mais próximas dos leitores desse novo nicho

social.

Por outro lado, não se pode ver essa diferenciação nos jornais do

século XIX e XX (Amostras dos Projetos PHPB e VARPORT), porque, até a

segunda metade do século XX, não havia sérias políticas educacionais para

toda a população (por consequência, isso resultava em um elevado índice de

analfabetismo); desta forma, as matérias eram publicadas para aqueles que

podiam adquirir e ler o jornal. Sendo assim, o público alvo era caracterizado por

alto grau de escolarização.

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Caracterizado o objeto de estudo, lançados os objetivos/hipóteses e

estabelecida a constituição do corpus, iniciamos a revisão de literatura. Como

as cláusulas relativas apositivas "desgarradas" são oriundas das orações

adjetivas explicativas da tradição, decidiu-se por verificar, inicialmente, o

funcionamento das orações adjetivas, e, posteriormente, o funcionamento das

adjetivas explicativas em três gramáticas tradicionais (BECHARA, 2004;

CUNHA & CINTRA, 2001; ROCHA LIMA, 2004) e comparar os conceitos e/ou

definições com outras três gramáticas descritivas da língua (MATEUS ET ALLI,

2003; RAPOSO ET ALLI, 2013; NEVES, 2011).

O intuito era verificar se havia alguma descrição para as cláusulas

relativas apositivas "desgarradas", mas nada foi encontrado, nem mesmo como

observação ou nota de pé de página.

Por tal motivo, a fim de promover um melhor tratamento para essas

cláusulas, buscou-se um embasamento teórico que pudesse dar conta dessas

estruturas, já que a GT e a maioria dos linguistas não as consideram como

procedimento sintático.

Desta forma, optou-se pela teoria Funcionalista, pois, com ela,

conseguiríamos um tratamento morfossintático das estruturas aliado ao

semântico-pragmático no efetivo uso da língua escrita. Então, como suporte

teórico, adotaram-se os estudos funcionalistas (MATTHIESSEN &

THOMPSON, 1988; HOPPER & TRAUGOTT, 1993), pois estes desconstroem

a dicotomia Coordenação x Subordinação e propõem a Tríade Subordinação-

Hipotaxe-Parataxe em um continuum de acordo com o grau de [encaixamento]

sintático e [dependência] semântica atribuído às orações e às combinações de

cláusulas.

Além desse suporte teórico, nos baseamos nos estudos sobre

combinação de cláusula e "desgarramento" feitos por Decat (1993, 1999, 2001,

2004, 2008, 2009a, 2009b, 2011, 2014). Neles, a pesquisadora verificou as

estruturas morfossintáticas e as funções semânticas-pragmáticas das cláusulas

relativas apositivas e circunstanciais "desgarradas"; comparou essas

variedades do PB e PE, dentre tantas outras preciosas contribuições para o

estudo do "desgarramento" na Língua Portuguesa.

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Também contribuíram para o entendimento das cláusulas

"desgarradas" em foco nessa dissertação, os trabalhos de orações adjetivas

prototípicas e não-prototípicas (SOUZA, 2009), sobre as orações substantivas

apositivas (GERK, 2011); sobre o fenômeno do "desgarramento" em cláusulas

hipotáticas circunstanciais em textos escolares (BASTOS, 2014) e sobre a

pontuação gráfica (LUKEMAN, 2011).

Com a base teórica bem fundamentada, fizemos a caracterização dos

gêneros utilizados na dissertação. Foi uma breve caracterização, pois não

queríamos discutir a teoria dos gêneros, mas mostrar minimamente como são

constituídos, porque o objetivo era observar o uso das cláusulas nos gêneros

selecionados.

A fim de coletar as ocorrências de cláusulas relativas apositivas

"desgarradas", utilizou-se o programa computacional AntConc (ANTHONY,

2011), ferramenta elaborada para finalidades linguísticas, para localização dos

dados, e a ferramenta de localização do Word para refinar as buscas. Para

tratamento dos dados, fez-se, primeiramente, uma análise quantitativa e, em

seguida, a análise qualitativa de todas as ocorrências individualmente de

acordo com o seu contexto.

Como primeiro objetivo para esta pesquisa, fez-se, inicialmente, uma

análise quantitativa nos 1.883 textos jornalísticos. Neles, foram localizados 38

(trinta e oito) empregos de "desgarramento" de cláusulas relativas apositivas,

juntando todas as amostras (PEUL, PHPB e VARPORT), os séculos (XIX, XX e

XXI) e os gêneros textuais (anúncio, artigo de opinião, carta de leitores,

editoriais e notícias). Foram 4 (quatro) ocorrências no século XIX, 16

(dezesseis) no século XX e 19 (dezenove) no século XXI.

Embora os números obtidos sejam poucos, 38 (trinta e oito) dados de

1.883 textos, ainda assim, comprova-se o uso das cláusulas relativas

apositivas "desgarradas" em textos públicos nos séculos XIX e XX, além de

ratificar os resultados das pesquisas no século XXI.

Além disso, com a comparação de sincronias distintas, pôde-se

verificar o aumento de dados de "desgarramento" das cláusulas relativas

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apositivas e se confirmou que o século XXI, em sua totalidade, tem um número

maior número de dados.

Pode-se verificar que, através dos dados iniciais analisados, o

fenômeno do "desgarramento" das cláusulas relativas apositivas surgiu com o

nascimento da variedade do PB, no século XIX, pelas mudanças sofridas

diacronicamente nos níveis morfológico, fonético-fonológico, sintático,

semântico entre o PB e PE (CASTILHO, 2002; DUARTE, 2013; VIEIRA &

BRANDÃO, 2007).

O segundo objetivo era verificar a relação entre a forma e a função

semântica. Procedeu-se a uma análise qualitativa de todos os dados e de seus

respectivos contextos, obtidos na primeira etapa de análise dos resultados.

Tivemos como resultado quatro formatos dos seis encontrados por Decat

(2004, 2011, 2014): [. Que], [. O que], [. N (prep) + que], [. N + Esp + que], em

que a cláusula relativa apositiva "desgarrada" nasce após uma pausa longa,

representada, na escrita, como ponto final.

Também obtivemos os mesmos resultados encontrados por Decat

(2004, 2011, 2014) para a função semântica dessas cláusulas: avaliação,

retomada e adendo. Entretanto, essas funções semânticas são propriedades

das tradicionais orações adjetivas explicativas e que se mantiveram nas

cláusulas apositivas "desgarradas". Assim, o "desgarramento" dessas

cláusulas pode veicular um conteúdo semântico de ajuizamento de valor

subjetivo do autor, ou um retorno a uma informação velha no discurso e, ao

mesmo tempo, apresentar uma progressão textual, ou mesmo uma informação

acrescentada a posteriori como se fosse um complemento.

No que tange ao terceiro objetivo, foi verificada a relação existente

entre a sintaxe e a pragmática para os 38 (trinta e oito) dados obtidos, por meio

de uma análise qualitativa das ocorrências. Com o auxílio teórico da tipologia

textual argumentativa (GOUVÊA, 2008; CHAREAUDEAU, 2008), verificou-se

que a estrutura sintática está, de fato, ao dispor das intenções comunicativas

do falante, externas ao sistema linguístico (pragmática). Concentrando-nos nos

enunciados construídos e nos processos de inferências, encontramos sete

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relações pragmáticas: opinião, justificativa, foco, detalhamento, reafirmação,

constatação e comentário.

Como recurso sintático de focalização de ideias (como o recurso

sintático de Topicalização e Clivagem), verificou-se que o autor é livre para

empregar as cláusulas relativas apositivas "desgarradas", quando houver

necessidade, e os resultados comprovaram que não há um gênero com maior

ou menor propensão ao surgimento dessas cláusulas. Elas foram encontradas

em gêneros textuais argumentativos (anúncio, artigo de opinião, carta de

leitores e editoriais) e também em gêneros textuais expositivos (notícias).

No que se refere ao quarto objetivo, por fim, fez-se uma análise da

avaliação dos usuários para as cláusulas em foco através das três categorias

de Avaliação Linguística de Labov (1996, p. 144-145): indicadores, marcadores

e estereótipos. Nas amostras VARPORT e PHPB, todos os jornais foram

classificados como alto monitoramento linguístico, de acordo com pesquisas

históricas sobre educação e a sociedade dos séculos XIX e XX. A amostra

PEUL, já havia realizado a coleta dos textos de acordo com o grau de

escolaridade do público alvo, o que facilitou a nossa investigação.

A análise empreendida permitiu evidenciar que o fenômeno do

"desgarramento" das cláusulas relativas apositivas deve ser classificado como

indicador, pois os textos publicados pertencem a jornais de médio e alto grau

de monitoramento linguístico. O "desgarramento" se fixou na língua porque não

recebe estigma pela comunidade de fala; se recebesse, certamente os

jornalistas letrados não utilizariam essas cláusulas em um veículo público e

escrito.

Ao concluir esta dissertação, constata-se que ela é apenas uma parte

da análise do "desgarramento" das cláusulas relativas apositivas e que ainda

há muito o que observar e explorar. O fenômeno do "desgarramento" é mais

uma estratégia de focalização da língua e não deve receber estigma algum nas

descrições linguísticas.

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BIBLIOGRAFIA

Além dos textos, artigos e livros

consultados para uma contribuição ativa nesta

dissertação, também devemos dar os devidos

créditos aos textos, artigos e livros, que, ainda que

de forma indireta, também participaram e muito

contribuíram na construção teórico-prática deste

trabalho.

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apositiva: aspectos textual-discursivos. In: Veredas (Conexão de orações). vol. 8, n. 1. Juiz de Fora: Editora UFJF, 2004. p. 137 - 151. OLIVEIRA, José César Souza de. Fragmentação do período composto na escrita contemporânea do Português Brasileiro. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro: UFRJ/Letras, 2007. RAPOSO, E. B. P. et alli. (org.) Gramática do Português. Vols. I e II. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2013. ROCHA LIMA, Carlos Henrique da. Gramática normativa da língua portuguesa. 40. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2001 [1994]. 553p. RODRIGUES, Violeta Virginia. Subordinação adverbial ou hipotaxe circunstancial. In: RODRIGUES, Violeta Virginia (org.). Articulação de orações: pesquisa e ensino. Rio de Janeiro: UFRJ, 2010. p. 49-67. _______. Correlação. In: VIEIRA, Silvia Rodrigues & BRANDÃO, Silvia Figueiredo (orgs.). Ensino de gramática: descrição e uso. São Paulo: Contexto, 2007. p. 225-235. _______. "Desgarramento" das comparativas introduzidas por 'que nem'. In: Guavira Letras: Revista Eletrônica do Programa de Pós-Graduação em Letras. v.12, n.1, (jan/jul. 2011). Três Lagoas, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, 2011. ROSÁRIO, Ivo da Costa do; RODRIGUES, Violeta Virginia. Correlação na perspectiva funcionalista. In: RODRIGUES, Violeta Virginia (org.). Articulação de orações: pesquisa e ensino. Rio de Janeiro: UFRJ, 2010. p. 31-47. SOUZA, Elenice Santos de Assis Costa de. A interpretação das cláusulas relativas no português do Brasil: um estudo funcional. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro: UFRJ/FL, 2009. _______. Como os livros didáticos abordam as cláusulas relativas?. In: RODRIGUES, Violeta Virginia (org.). Articulação de orações: pesquisa e ensino. Rio de Janeiro: UFRJ, 2010. p. 161-180. SOUZA E SILVA, M. Cecília P. & KOCH, Ingedore Villaça. As transformações em frases complexas. In: Linguística aplicada ao português: sintaxe. São Paulo: Cortez, 1986. p. 93-139. VIEIRA, Silvia Rodrigues & BRANDÃO, Silvia Figueiredo (orgs.). Ensino de gramática: descrição e uso. 2. ed., 1. reimpressão. São Paulo: Contexto, 2007. 262p. WEINREICH, U.; HERZOG M. & LABOV, W. Fundamentos empíricos para uma teoria da mudança lingüística. Trad.: Marcos Bagno. São Paulo: Parábola Editorial, 2006 [1968]. 151p.

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ANEXOS

O resultado de toda a coleta de dados pode

ser visto neste capítulo da dissertação, em que

estão indicadas, por amostra (Projetos PHPB,

PEUL e VARPORT), todas as ocorrências

encontradas com os seus respectivos contextos

integrais. Chegou-se a um total de trinta e oito

ocorrências, conforme o Capítulo 5, juntando os

séculos XIX, XX e XXI em jornais publicados no Rio

de Janeiro. Os dados estão destacados em "itálico"

e "sublinhados" e a parte da cláusula que interessa

para essa dissertação está "negritada". O referente

da oração relativa apositiva "desgarrada" está

destacado com uma "sombra cinza".

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CONTEÚDO DOS ANEXOS

AMOSTRA PHPB ........................................................................................... 163

SÉC. XIX: Carta de Leitor .......................................................................... 163

SÉC. XX: Carta de Leitor ........................................................................... 164

SÉC. XX: Editorial ...................................................................................... 165

AMOSTRA PEUL ........................................................................................... 170

SÉC. XXI: Artigo de Opinião ...................................................................... 170

SÉC. XXI: Carta do Leitor .......................................................................... 178

SÉC. XXI: Editorial de Jornal ..................................................................... 179

AMOSTRA VARPORT ................................................................................... 184

SÉC. XIX: Anúncios ................................................................................... 184

SÉC. XX: Anúncios .................................................................................... 184

SÉC. XX: Editorial de Jornal ...................................................................... 186

SÉC. XX: Notícias ...................................................................................... 187

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AMOSTRA PHPB

SÉC. XIX: Carta de Leitor

Correspondencia.||

(espaço) Senhor Redactor.||

Mais outro milagre de Minerva! Ago-|ra já não faltão sós o Papagaio, e o

Ma- | caco; também os acompanha hum Jummen- | to! Este Jumento he que

tem servido de | cavalgadura ao Leigo Franciscano que pelas | Roças esmolas

pede pelo amor de Deos | para os Religiosos de Santo Antonio. Es- | te mesmo

Leigo me faz favor de escrever | por mim o que eu vou ditando, visto que | a

minha pata não pode pegar em penna, | o que me causa grande pena! Eu

ainda [inint. microfilme] eu ainda não sou todo gen- | te, mas tal qual sou digno,

que lastime | o Brasil da desgraça em que se acha | de faltar em seu apoio hum

macaco feito| gente! Se fosse gente feita Macaco, me- | nos mao; porque teria

desculpa em mos- | trar huma das qualidades deste animal, que | he a de imitar

o que se vê fazer. Este vio | escrever, e imprimir, tem feito o mesmo, | a pezar

de dar por trancos, e barrancos! | Verdade seja, que tem boas intenções; |

porem he lastima que escreva de modo | que ninguem o entenda | O que

[inint. microfilme] inimigos do Brasil que reputão os seus | habitantes tão

instruhidos como os Macacos, á vista de tal algarviada de que es- | te usa!!!

Olhe do Papagaio não terão que | dizer, porque he animal de boa memo- | ria,

e dá bem a ver que estudou com | proveito, pois se explica como gente, e | a

natureza o dotou de lingua propria para isso: porém o Macaco só tem apren- |

dido a fazer mogigangas. Leve-me o Dia- | bo, se elle a fallar, e eu a zurrar não

| espantamos todo mundo!!

Este macaco antes de ser gente já | escrevinhava suas obras ( a fora as

de seu | officio) isto se sabe pela nota do 3 o N.º | em que se menciona

algumas que deu á luz. | E há huma, que ainda não chegou ao | prelo, a qual

he hum Poema, que tem | tido já muitos titulos, relativo á vinda de | Sua

Magestade o Sr. D. João VI para | este magnifico mundo novo: e entre outras |

cousas sublimes que já lhe vi, ha huma | que bem mostra a lição que o nosso

Ma- | caco humanisado tem de Camões. Diz el - | le, que El-Rey veio ao Brasil

= Por ma- | res nunca d’antes navegados = ! [invertido] Que tal Sr. Redactor!

não lhe parece rasgo de | mestre? nem a martello alli se encaixava | melhor

aquelle verso!

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Rogo-lhe queira ter a bondade, se | estas minhas expressões o não

enjoão, | de papaguea-las no seu Jornal, a fim de que | o Macaco saiba que eu

como Jumento | leio as suas obras sem me atordoar, e | que busco nas

meadas o costal para de- | senredar os negalhos de sua obra; porém | que

cada vez [inint.]acho mais enleiado com os seus discursos: que por tanto, lhe |

digo seja mais succinto, que se emende | [inint. – 5l.] E senão, que só hei | de

zurrar contra elle, e analysar seus es- | criptos: mas que heide dar muitos

coices no vento.

Sou do Sr. Redactor hum humilde | jumento: Jumento de Leigo isto

basta.

(Referência: PR – SOR 276 (1): O Papagaio, 22/06/1822)

CORRESPONDENCIA

E util para muitos?

Sr. Redactor. – Há dias publicámos um | protesto contra a venda das

casas ns. 115 a | 119 na rua Thereza, que pretende fazer o Sr. | Antonio

Francisco de Oliveira, em razão de | estarem sujeitas ás partilhas dos filhos do |

finado Atanazio Antolim; hoje, porém vemos | que o dito Sr. Oliveira, moço de

20 annos, | mais ou menos o que quer é arranjar o | negocio, porque, no seu

ultimo Parahyba, | repete o annuncio da venda das sete casas | e prazo,

addicionando-lhe – o preço muito | em conta; - e para salve-guarda dos direitos

| dos nossos constituintes, herdeiros daquelle | finado Antolim, rogamos-lhe, Sr.

redactor, | a publicação do seguinte artigo de lei: “As | viuvas, que casão de

cincoente ou mais anos, | tendo filhos ou outros descendentes successi- | veis,

não podem alienar por titulo algum, | em sua vida, ou por sua morte, as duas |

partes dosa bens, que tinhão ao tempo do | casamento.” Consolidação das leis

civis, art. | 161. O que se faz publico para evitar en- | ganos.

Petropolis, 7 de fevereiro de 1859. – O | procurador José Antonio da

Rocha.

(PR-SOR 2123-2126: O Parayba, 10/02/1859)

SÉC. XX: Carta de Leitor

Poetas || Oportuno e magnífico o reconhe- | cimento, por parte de João Cabral

de | Mello Neto, da grandeza poética de | Augusto Frederico Schmidt. Morto |

em 1965, um injusto silêncio pesa so- | bre o poeta. As universidades – tan- |

tas vezes voltadas a modismos efême- | ros – permanecem caladas a seu |

respeito. Nenhum estudo, nenhuma | avaliação que se saiba em todos esses |

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anos. Em qualquer país minimamente | sério, a complexa e rica personalidade |

de Schmidt – o político inspirador de | Kubitschek, o empresário pioneiro, o |

romântico renovador da dicção do ro- | mantismo – já teria merecido análises |

e biografias. Que agora a confissão de | João Cabral sirva de impulso para

o | resgate do grande lírico, autor também | de uma das mais belas prosas da

litera- | tura brasileira. (...) Carlos Eduardo Al- | ves Esteves – Petrópolis (RJ).

(Jornal do Brasil, 01º/05/1992)

Para quem apelar? Funcionários do Ministério da | Educação dirigiram-se a nós | formulando um apêlo que bem | poderia ser qualificado de dra- | mático. Para quem apelar, a | fim de que sejam cumpridas as | leis naquela Secretaria? Não se | trata de argumentos. Há fatos | que, se postos em dúvida, serão | devidamente citados. Um deles | refere-se, por exemplo, ao prazo | em que devem ser despachados | os processos. O Estatuto dos | Funcionários, visando obviar o | arbitrio dos gros bonnets da bu- | rocracia, fixou em trinta dias, | improrrogáveis, o prazo em que | tais petitórios devem ser resol-| vidos. Quem diz, porém, que a | lei é cumprida? O diretor do | Pessoal, funcionário obscuro ora | elevado a tão alta posição e, por | isso mesmo, padecendo da ver- | tigem das alturas. Julga-se supe- | rior ás leis vigentes E, por isso, | não as cumpre. Inútil reclamar. | Estribado em sua prepotência, | não dá a mínima importância ás | reclamações que lhe são presen- | tes. Daí os interessados baterem | às portas dos jornais, pois sabem | que a imprensa livre jamais | lhes negará a razão que pos- | suem. O que se torna necessá- | rio. Nesse grave momento de re- | cuperação nacional que atraves- | samos, e acabar, de uma vez por | todas, com os exageros e as tri- | cas da burocracia. O funciona- | rio público, quando investido em | cargo de chefia, não se deve jul- | gar acima dos “barnabés”. Ao | contrário. Deve ser o mais de- | dicado dos servidores. o mais | atento e o mais vigilante na de- | fesa da lei, sem postergar, entre- | tanto, os direitos liquidos e cer- | tos dos postulantes. Acima das | arbitrariedades burocráticas há | um senso de justiça que não | deve desertar na hora presente. | Mesmo porque o Judiciário esta | atento, e não será a primeira | vez que arestas dos tribunais | fulminam e condenam atos fla- | grantemente ilegais oriundos da | instancia administrativa.

(Jornal do Brasil, 01º/09/1954)

SÉC. XX: Editorial

GONÇALO PIRES

Desceu ou vai descer á sancção | presidencial a lei que fiscalisará | no Brasil o

pensamento do con- | tribuinte. Desapparece o ulti- | mo vestigio da Monarchia

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: mor- | re a liberdade de imprensa. || Afinal! Estão consolidadas as |

instituições. Completando-lhes | os trinta e quatro annos de la- | boriosa

existencia, poderá o pro- | ximo 15 de Novembro, confiante | no porvir, bradar

quantas vezes | quizer "viva a Republica!" || Indecisa a principio, rude nos |

seus embates policiaes, porfiadis- | sima em suas batalhas legislati- | vas,

termina a grande campanha | por um dos maiores triumphos | politicos a

assignalar nos nossos | fastos de nação centenaria. || Á primeira vista, o

governo | foi o vencedor em toda a linha. | Olhado, porém, o quadro em seu |

conjuncto e medida a trajectoria | do projecto á sua legislação defi- | nitiva, uma

benemerita verdade. | Impondo-se exige sentença que | faça justiça a quem

justiça me- | rece : a lei que vai matar a li- | berdade de imprensa á paulista, |

paulista de indole, paulista de | facto, essencialmente paulista. || Nasceu ella

em cerebro paulis- | ta. Foi apresentada e justificada | na tribuna por orador

paulista. | Obteve o apoio legislativo de to- | dos os parlamentares paulistas, |

estaduaes e federaes, graças ao | conhecido preceito "o silencio á | o subsidio".

Não despertou nos | duzentos e treze municipios pau- | listas, ora

representados em es- | pectaculoso congresso, meio pro- | testo sequer.

Genuflexas, as as- | sociações juridicas e as ligas na- | cionalistas do Estado

modelo dei- | xaram-na transitar no animo pu- | blico. || Morda-se, remorda-se á

vonta- | de a inveja dos outros Estados, | mas a realidade visivel, decisiva, |

demonstrada por provas robus- | tas e numerosas é que, no campo | da recente

lucta contra a palavra | escripta, mais do que aos outros | respeitaveis

combatentes, cabe ao | republicanismo paulista a gloria | de levantar tropheus.

Delle, ar- | regimentado e sincero, veio a ini- | ciativa; nelle, em animação aos |

senadores federaes hesitantes | esteve a segurança de reservas | promptas a

contrabalançar pos- | siveis derrotas ; a elle, conse- | quentemente a elle,

pertence a | maxima quota nos despojos da | concluida pugna. || Rasoavel é

que assim succeda. | A lei reformadora do direito de | escrever no Brasil mostra

um | exemplo a mais dessa interessan- | te concatenação administrativa, | que

accentuadamente caracterisa | os trezentos e noventa e um an- | nos de vida

social paulista. São | Paulo, demonstrei-o alhures sem | contestação viavel, foi

e é a or- | dem ; S. Paulo é e sempre foi o | seu governo. Na phase colonial |

não contou nucleo declaradamen- | te revoltado, e nos seus dez de- | cennios

de independencia jámais | discordou por completo, em repe- | tidos litigios

partidarios, da cha- | pa governista, fosse elle qual | fosse. || Tal tem sido o seu

feitio na | historia. Feitio modelar em seus | contornos. Feitio persistente, |

formando tradição que teria sido | unanime até em seus minusculos |

incidentes, se a datar de 1620, lhe | não houvesse quebrado a unifor- | midade

o opposicionista e escan- | daloso caso da cama de Gonçalo | Pires. || Narra-lo

é condemna-lo Lembra-lo é castiga-lo. || Annunciada a "visita em cor- | releção

do doutor Amancio Re- | bello Coelho, ouvidor da Repar- | tição do Sul",

unanimemente, | como já de praxe, votou a Cama- | ra Municipal de Piratininga

| a "requisição da cama do carpin- | teiro Gonçalo Pires por ser em |

circumstancias de servir a hos- | pedagem". || Surpreza, raridade, porém!

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|Acontecimento que abalou a ca- | pitania toda, fazendo estremecer | de

espanto não só os quasi mil | habitantes da séde do governo, | mas tambem os

mil e poucos das | lavouras e aldeias circumvisi- | nhas : Gonçalo Pires recusou

a | cama ao doutor ouvidor! || Arrepios de pasmo desvaira- | ram os

recebedores de tão estu- | penda noticia que, incrustada no | nosso passado,

ainda lavado do | assombro a intelligencia curiosa | dos patriotas que no

presente a | lêem. Não era para menos. Não | é para menos. || Quasi tudo

costuma ser nega- | vel no decurso da existencia. Ne- | gar cortezias ao

proximo signi- | ficaa indelicadeza, mas é acção | permittida conforme as

circum- | stancias. Negar restituição de de- | posito traduz habito permittido |

aos cultores do ignobil. Negar es- | clarecimentos á policia constitue | o primeiro

dever de quem conspi- | ra. Incontaveis, as negações na | crosta do planeta! Ao

servo da | pena o legislador romano nega- | va pão e agua. Negar, porém, ca- |

ma a quem tem somno é proce- | dimento insupportavel. || Assim pensou e

assim decidiu | na presença dos "homens bons | convocados por intimação

reque- | rida pelo procurador do povo", a veneranda edilidade de minha | terra

natal. Não resolveu o pro- | blema todo, porém ; complicou- | lhe a segunda

parte, até. || Desapossado de sua cama por | mandado solemnemente cumpri- |

do, sete annos pleiteou Gonçalo | Pires contra a violencia de que | se queixava.

Só lhe sendo de re- | ceber a cama limpa e pura como | lh'a haviam tomado, e

só accei- | taveis o colchão e o travesseiro | sem os estragos indicados por |

vistorias, o carpinteiro reclamou, | demandou, embargou, aggravou, | appellou,

martellando quantos | recursos lhe occorreram á imagi- | nação e á vingança. ||

Qual foi o termo de tão prolou- | gada rixa? Mudas a esse res- | peito

permanecem as actas mu- | nicipaes ; mudo o archivo intei- | ro permanece. ||

Aconteceu ao caso da cama de 1620 | o que, provavelmente, acon- | tecerá á

lei da imprensa : teve fim ignorado. || Uma affirmativa, todavia, cum- | pre

extrair desse quadrinho do | nosso passado, e offerece-la aos | directores do

nosso presente : o | carpinteiro não teve continuado- | res. Falhou-lhe a

tentativa de | fundar opposição em S. Paulo. || Nos annaes provincianos o |

typo de Gonçalo Pires é unico. | Felizmente! Do alto pyramidal | do nosso

orgulho paulista, tres se- | culos o contemplam com despre- | so. Firme na

convicção de que fi- | cará em maus lençóes quem ne- | gar cama ao governo,

nunca o | espirito publico o tomou para | modelo. || Não ha um paulista, hoje,

que | se compare ao carpinteiro Gonça- | lo Pires. Não ha mesmo. || S. Paulo -

1923. || Martim Francisco

(Jornal do Brasil, 25/08/1923)

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Canais Incompetentes A cidade que tem um dos maiores índices de | criminalidade do mundo (um assassinato a | cada duas horas) fica mais perplexa ainda quando as pessoas pagas para zelar pela sua segurança se | declaram em estado de insubordinação. É mais | do que explosiva a mistura de policiais militares e bombeiros para verbalizar reivindicações salariais | da forma como a fizeram: quebrando a disciplina. || Ninguém nega que certas reivindicações são | justas, como baixa remuneração e péssimas con- | dições de trabalho. Mas a maneira de expressá-las | foge totalmente ao bom senso. Reuniões intempestivas, marchas nas ruas, atritos entre colegas, | desobediência – tudo isto configura anarquia | intolerável. A hierarquia existe exatamente para | isto: encaminhar reivindicações através de canais | competentes. || Os canais competentes nos quais os oficiais | da PM entraram só levam à insensatez. Trinta | deles foram presos por realizar uma reunião ilegal | no Centro da cidade. Espera-se que recebam | punição adequada, principalmente porque tenta- | vam reeditar uma marcha que em 1980 sitiou o | governador no palácio Guanabara durante 15 | horas. || Nada mais extemporâneo do que esse tipo de | manifestação em que guardiães da ordem utilizam | seus instrumentos de trabalho – que deveriam | ser usados em proveito da população – para | garantir reivindicações próprias, no lugar errado, | no momento inadequado e de maneira grosseira. || Há dois meses a PM e o Corpo de Bombeiros | já tiveram um aumento de 75%, bastante supe- | rior ao do funcionalismo civil, que teve de se | contentar com minguados 17%. Mas o que eles | miram é a equiparação com oficiais das Forças | Armadas, o que abre uma questão estadual | dentro de parâmetros nacionais – complexa, | portanto, exigindo dose maior de serenidade. || A verdadeira declaração de guerra dos | oficiais exige do comando da PM uma resposta | enérgica. Em 1987, quando soldados se rebela- | ram nos quartéis pelo mesmo motivo, a PM agiu | com a necessária energia, expulsando 10 dos | responsáveis pelo movimento e recusando-se a | readmiti-los, mesmo pressionada. Agora, a dire- | ção da PM tornou a agir bem, prendendo 28 | oficiais insubordinados. || O que é bom para os soldados é bom para os | oficiais.

(Jornal do Brasil, 16/12/1988) Revolução Silenciosa Com discrição e firmeza, vai o minis- | tro da Educação, Paulo Renato

Sou- | za, dando seguimento à profunda refor- | ma da educação no Brasil. Depois da | campanha de valorização dos professores | do ensino básico, convoca ele agora os | reitores para debater a emenda constitu- | cional que redefine e qualifica a autono- | mia universitária de maneira moderna. É | questão de importância decisiva. || Pela proposta, a autonomia universi- | tária passa a ser entendida, não como | simples garantia de gestão financeira inde- | pendente – administração dos gastos do | governo na instituição – mas, como ca- | pacidade de elaboração de orçamento equilibrado e competente. Será

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preciso de- | monstrar que as universidades estão in- | vestindo em projetos importantes, que elas | têm capacidade e poder de identificar as | melhores oportunidades de investimento. || O repasse global de verbas deverá levar | em consideração o cálculo em função do | produto, a natureza da pesquisa, o número | de alunos em cada área. Não importa so- | mente o pagamento dos salários e das contas | de luz e água. O governo quer saber se a | universidade é capaz de associação fecunda com a atividade produtiva. || É o caso da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), quando | contribui para restaurar a biodiversidade | do país ou aperfeiçoar a qualidade da | produção agrícola. Ou da Coordenação | dos Programas de Pós-Graduação em En- | genharia da UFRJ (COPPE), cujas pes- | quisas tiveram como resultado aumentar a | produção de petróleo no Brasil para um | milhão de barris por dia. || Quer ainda o ministro Paulo Renato | Souza que as universidades ponham em | prática novas formas de parceria, encon- | trando patrocínios fora do orçamento (o | governo só é responsável por 40% das | verbas do COPPE). Pretende também re- | tirá-las do regime único do funcionalismo, | a fim de que possam definir de maneira | flexível o quadro do pessoal com plano de | carreira e salários. || Prevêem-se resistências numa área | marcada pelo espírito corporativo e pela | mentalidade do funcionalismo público | tradicional e acomodado. Mentalidade | que está por trás do célebre “pacto da | mediocridade” em que professores fingem | ensinar e alunos fingem aprender. || Será o mesmo tipo de grita corporativista | que a verificada quando do anúncio de um | sistema de controle de qualidade dos estabe- | lecimentos do ensino superior. Interesses | anacrônicos desejam no fundo impedir a | sociedade de conhecer as instituições dotadas | dos melhores professores e avaliar a excelên- | cia dos cursos ministrados, tornando pública | essa aferição, pelo estabelecimento de um | ranking, como existe nos Estados Unidos. Só | que a qualidade ameaça.

(Jornal do Brasil, 06/08/1996)

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AMOSTRA PEUL

SÉC. XXI: Artigo de Opinião

Batendo com arte João Areosa

Aqueles que me conhecem, principalmente os amigos e leitores de longa

data, hão de saber que nutro pelo boxe certa antipatia. Não me agrada ver dois homens a tentar esmurrar seguidamente pontos vitais do corpo em troca de ferimentos e de um desmaio, que também atende por nocaute.

Mas preciso reconhecer que esse esporte vem sendo humanizado através de regras e de comportamentos que diminuem seus riscos e que o tornam menos sanguinolento. Para tristeza, aliás, de muita gente. Gente que se borraria de medo num ringue, mas que, fora dele, entra em orgasmo ao ver um olho amassado e sangue farto a espirrar como num chafariz de jardim.

E preciso reconhecer também que, em meio a trogloditas tipo Maguila e outros mais ou outros menos votados, surgem atletas que, através de sua técnica refinada, oferecem momentos de arte em meio à brutalidade vigente.

Éder Jofre, Sugar Ray Robinson, Muhammad Ali e agora o nosso Popó são bons exemplos de boxeadores que parecem obedecer não às ordens técnicas e estratégicas dos treinadores, mas.a movimentos bem marcadas e exaustivamente ensaiados por algum talentoso coreógrafo de plantão.

Fiquei acordado até às tantas a aguardar a luta do Acelino e não me arrependo. Um show de boxe desse baiano talentoso e arretado.

Acho que vou criar uma polêmica. E tanto melhor - ou tanto pior, dependendo dos humores dos que me lêem e dos que gostam de meter o nariz no texto alheio. Pois muito bem. Vi o Éder Jofre e vejo agora o Popó. Imaginando que estão no mesmo peso e que vão se enfrentar, apostaria no Popó. Morrendo de medo de perder minha grana suada, mas apostaria.

Pegada acima do normal, uma característica comum a Éder e Popó (foto). Éder tinha um estilo mais clássico. Popó é mais criativo, mais arrojado e mais bailarino. Éder foi até onde as pernas alcançaram. Popó, pelo jeito, quer ir além. E se bobearem, acaba levando o cinturão dos pesados.

Galinha morta? Pois sim! O Grigorian é homem perigosíssimo. Aquela mão esquerda é uma pata rápida e pesada, pata de tigre. Mas Popó soube dela fugir e nem aquele "vai, meu amor", da sua bela mulher, tirou-o do sério.

(Extra, 05/01/2004)

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De boca aberta João Areosa Estou de queixo caído. Não um queixinho caído qualquer, mas daqueles

queixos caídos aterradores, que ficam pendurados precariamente na articulação e a balançar na altura do peito, causando dores e aflições.

Tudo aconteceu ontem logo após a minha leitura dos jornais do dia. Vejam os senhores que o Romário, que já estava com a vida ganha, conquista uma aposentadoria que daria para sustentar não alguns velhinhos, mas um asilo lotado. Não discuto os direitos do Baixinho, que são legítimos. Caiu-me o queixo pela quantia que Vasco e Flamengo vão desembolsar mensalmente ao longo de anos e anos a fio. Uma coisa de louco!

E de queixo caído continuei ao saber da presença do Caixa D'água e do Eurico Miranda na posse do Márcio Braga. Tem explicação?

Fato que chamou a atenção também do meu amigo Eucimar de Oliveira: "você já imaginou o Bush fumando narguilé com o Saddam, ou Brizola dividindo um acara- jé com chimarrão com o ACM ou ainda o Pelé pagando um spa para o Maradona? tudo isso é inimaginável. Mas Eurico e Caixa D'água na posse do presidente do Flamengo acabou sendo normal. Que confraria é essa, minha gente?”

Assim que puser o queixo no lugar, Eucimar, tentarei responder. E enquanto fico a pensar no Caixa e no Eurico entrando gloriosamente

pelos portões do Flamengo, começo a achar que melhor fariam todos, incluindo o Márcio Braga, se dessem um pulo na sede do Cruzeiro e lá fizessem um estágio, uma espécie de curso urgente e intensivo de como se dirigir um clube. Aliás, começo a desconfiar que o Cruzeiro vive em outro mundo.

Não, não vou ficar a comparar a contratação do Rivaldo pelo Cruzeiro com o retorno do Júnior Baiano ao Flamengo. Seria até covardia. Mas posso lhes confessar uma coisa? Nada de estresse. Mas acho que o zagueiro, agora mais adulto e maduro, pode arrebentar. No bom sentido, é claro.

De queixo caído, caí da cadeira. Ricardo Gomes (foto) anuncia ao mundo que nossa seleção vai jogar no ataque. Meu Deus! Contra a Venezuela e com um time de Robinhos e Diegos, iria se armar como? Na retranca? Chegar inteira à Olimpíada. É ouro puro.

(Extra, 07/01/2004) Copa sob suspeita João Areosa A magia, o charme, o peso e a importância que atribuímos a uma Copa

do Mundo são atributos tão fortes que nos recusamos a acreditar em tramóias e falcatruas. No que o campeão ergue a taça, abaixamos a cabeça em reverência aos novos deuses da bola, saímos todos limpos e felizes como os bebês nas propagandas de sabonete. E tudo o mais é esquecido.

Acabo de saber que um goleiro sueco resolveu botar a boca no trombone para contar ao mundo que um apostador-empresário (ou um empresário apostador) da Malásia tentou "arranjar" o jogo que decidia a

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terceira colocação na Copa de 94. Segundo Eriksson, que tem nome de telefone e que era reserva daquele chato do Thomas Ravelli, o malaio tinha apostado 300 mil dólares na vitória da Bulgária. O negócio não foi fechado.

Duas coisas me causam estranheza: 1) tentar comprar o goleiro reserva; e 2) a Bulgária, que contava com um time forte e empolgado, jogou sem nenhuma vontade ou animação, perdendo de 4 a 1 sem problemas.

Será que o cara com quem o malaio apostou foi visitar os búlgaros? Sei lá, mas que alguma coisa houve... ninguém faz denúncias tão graves à toa.

O que chateia é que ganhamos esta Copa e ganhamos a última, quando árbitros e auxiliares tiveram algumas atuações desastrosas. E suspeitas.

Não, meu caro leitor, não estou sequer levando em conta a possibilidade de o Brasil ter conquistado as duas Copas em questão graças a subornos ou à desonestidade dos árbitros. Tivemos uma ajudazinha aqui e acolá. Alguns fortes oponentes foram soprados do nosso caminho pela força do apito. Mas vencemos na bola. E acho bom o assunto ir morrendo por aqui.

Voltando ao nosso poderoso futebol carioca, leio que o Botafogo contratou o primo do Kaká. O rapaz atende por Delani, é atacante, mede 1,83m, tem 21 anos e, segundo o Levir Culpi, move-se com desenvoltura na área e cabeceia com propriedade. E daí? É primo do Kaká e isso já basta.

O sol saiu pela manhã em Juiz de Fora, o Flu treinou coletivo, mas os três veteranos ficaram de fora. Já na Gávea, tempo carregado e o Edilson (foto) a pular fora do clube. Típico de uma casa onde falta pão e onde ninguém tem razão perplexo do que já é.

(Extra, 16/01/2004) O empreendedorismo e as prefeituras Celina Amaral Peixoto Durante a República Velha, governar significava abrir estradas. Depois

da Revolução de 1930, o Estado, capitalizado, transformou-se em empresário. Além de abrir estradas, criou empresas para a produção de aço e de energia elétrica e para a exploração de petróleo e de minérios de ferro - infraestrutura necessária para o crescimento e o desenvolvimento do país.

Em tempos mais recentes, porém, a globalização passou a exigir novas e diversificadas formas de atuação para atenuar os eventuais efeitos perversos que esse movimento possa causar aos pequenos negócios. Ao fenômeno da globalização pode-se contrapor o desenvolvimento local, como uma modalidade que permite a articulação e a agregação produtiva de fatores econômicos, sociais, ambientais e culturais. Esse modelo passa a enfocar a qualidade de vida das populações, das condições de sobrevivência das gerações futuras e do próprio planeta em que vivemos. Do ponto de vista do gestor público local, exige-se uma responsabilidade maior com o território, que pode ser entendido como um estado, uma região, um município, um distrito, um bairro ou uma comunidade. Para simplificar uma longa discussão sobre o tema, seria possível dizer que o novo caminho implica “pensar global e agir localmente”.

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Preocupado com o efeito dessas mudanças na sociedade, o Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) voltou-se para as políticas públicas capazes de auxiliar as prefeituras em sua missão de promover o desenvolvimento local e sustentado. Ficou clara a necessidade de os municípios criarem um ambiente favorável para os pequenos negócios nascerem e se desenvolverem dentro da formalidade.

Anunciado em 2000, no Congresso Brasileiro de Municípios, o Prêmio Governador Mário Covas para o Prefeito Empreendedor foi criado pelo Sebrae com a finalidade de unir esforços para desbravar os novos caminhos para o desenvolvimento.

Em 2002, o processo seletivo da premiação considerou questões como inovação e criatividade, além de aspectos relacionados à boa governança. Os vencedores foram premiados em 2003, em cada uma das cinco regiões do Brasil: Xapuri, no Acre; Maracás, na Bahia; Campos Verdes, em Goiás; Santa Helena, no Paraná, e Osvaldo Cruz, em São Paulo.

O prefeito de Xapuri, Júlio Barbosa foi premiado pelo incentivo à instalação do Pólo de Indústrias Florestais de Xapuri, que investe na fabricação de móveis utilizando madeira explorada por manejo florestal, com o objetivo de gerar emprego e renda para os povos da floresta.

No interior da Bahia, em 1997, o prefeito de Maracás, Fernando Carvalho, lançou o Programa Desenvolvimento da Floricultura, para resgatar as tradições locais e criar uma alternativa econômica para a região. Iniciou seu mandato com a prefeitura deficitária. Hoje, além das contas saneadas, o município desenvolve um projeto de floricultura que garante a cada família um lote de 300m2 para plantio de flores, gerando-lhe uma renda média de um salário mínimo por mês.

Já em Campos Verdes, cidade goiana que abriga a maior reserva de esmeraldas do mundo, o prefeito Haroldo Naves transformou uma cidade fantasma em uma comunidade ativa, capaz de desenvolver vários projetos integrados, ligados à extração da pedra preciosa. Investiu no empreendedorismo e apostou na vocação natural do município - a exploração sustentável da esmeralda.

Na região Sul, em Santa Helena, no Paraná, o prefeito Lilon Schmidt investiu na criação e fortalecimento de pequenos negócios para reativar a economia e criar novos empregos. Com apoio do Banco do Brasil e do governo estadual e com a mobilização da comunidade, o prefeito criou um banco de microcrédito. Os empréstimos, entre R$ 100 e R$5 mil, possibilitaram a criação de 700 empregos na localidade.

Em Oswaldo Cruz, região de Nova Alta Paulista, o prefeito Valter Luiz Martins fez, em sete anos, a arrecadação municipal aumentar 207% em termos reais.. A cidade, que foi grande produtora de café e mantinha os velhos galpões abandonados, agora abriga três indústrias que proporcionam trabalho e renda a mais de 150 pessoas. Ele aplicou recursos em saúde, saneamento e educação. O resultado foi rápido: o orçamento do município passou de R$ 7 milhões, em 1996, para R$ 21 milhões, em 2002.

Quem é o prefeito empreendedor? Aquele que respeita a Lei de Responsabilidade Fiscal e entende ser necessário deixar a sociedade desenvolver os seus próprios negócios. O que cria o ambiente adequado para os pequenos negócios florescerem e fortalece as micro e pequenas empresas já existentes. Aquele que desburocratiza e facilita a abertura de empresas, reduzindo especialmente impostos que dificultam a produção. O

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que estimula o empreendedorismo nas escolas públicas e privadas, no corpo docente e discente. E ainda aquele que institucionaliza o microcrédito, com taxas de juros abaixo da média do mercado, e proporciona fácil acesso ao novo empreendedor.

Essas são ações básicas para qualificar prefeitos como empreendedores. No Estado do Rio de Janeiro, apenas o titular de Petrópolis, Rubens Bomtempo, ficou entre os 25 finalistas do total de 456 municípios que concorreram ao Prêmio Mário Covas em 2002.

Neste ano, seria importante contar com uma participação mais expressiva para a escolha de novos Prefeitos Empreendedores - aqueles que cuidam dos recursos públicos com ética, promovem uma gestão voltada para os interesses da população, estimulam a saúde e a educação, preocupam-se com a preservação do meio ambiente e com o futuro das novas gerações e, ainda, facilitam e promovem os pequenos negócios, fortalecendo as micro e pequenas empresas, geradoras de trabalho e renda em nosso país.

(Jornal do Brasil, 02/06/2003) Medo do melhor Nelson Hoineff Deu no Estadão, no dia 28: "Ibope do SBT coloca em xeque audiência

da Globo". A matéria é sobre a estréia de um novo sistema de medição de audiência que apontou algumas diferenças em relação ao que é aferido pelo Ibope mas logo deixou de funcionar. No mesmo dia, a Folha registrava: "A Band comemora que sua apresentadora Márcia Goldsmith venceu Wagner Montes em audiência" .

O importante da reportagem do Estado de S. Paulo não estava no lead, mas no que vinha mais abaixo, o registro da média de audiência de todas as redes abertas de televisão. As diferenças entre os dois institutos não são relevantes. No horário nobre, os patamares, em números redondos, são os seguintes: Globo, 30 pontos; SBT, 12; Record, 5; Band, 3,5; Rede TV!, 3; Cultura, 1.

À exceção de Globo e SBT, portanto, todas as redes brasileiras têm menos de 5 pontos de audiência no horário nobre. Mais cedo é bem pior. Entre sete da manhã e meio-dia, por exemplo, a Globo tem 8 pontos e o SBT, 7. Em seguida vêm a Record, com 2, Cultura, com 1, Band, com 0,5, e Rede TV, com 0,4.

Juntando o texto do Estado com a nota da Folha, é difícil entender o que existe para comemorar. O brasileiro recebe hoje uma das piores televisões do mundo no que diz respeito à qualidade. Existe a crença generalizada de que na televisão maciça, genérica, é assim mesmo que deve ser: quanto pior, melhor, para atingir o maior número de espectadores, afinados pelo mínimo denominador comum.

Mas não há nada de maciço quando se está disputando 1 ou 2% do mercado. Quando esses números são 20 vezes maiores, entende-se, ainda que não se justifique, que se relute em melhorar a qualidade da programação, com o risco de perda de 2 ou 3 pontos na audiência medida quantitativamente.

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Quem está na retaguarda, no entanto, goza da relativa vantagem de não enfrentar risco algum. Com o devido respeito, não sobram razões visíveis para que se tenha Wagner Montes ou Márcia Goldsmith como padrões de excelência. Muito menos para que se insista no imitativo, vulgar e banal, que não está sendo capaz de conquistar nem 5 % do mercado.

A razão poderia estar na falta de produto de boa qualidade disponível. E é aqui que essa relação se toma mais irônica. O Brasil tem hoje uma das maiores e melhores produções espontâneas de audiovisual do mundo. Uma produção que depende das leis de incentivo fiscal para existir - e da disposição das empresas para aplicar ali o seu imposto de renda. Da produção terceirizada, nada se sabe, porque não é acionada. O que se sabe é que um produto televisivo de qualidade não tem a menor chance de ficar abaixo das minguadas fatias de público que o mercado está reservando a quatro entre seis redes (a audiência da CNT nem é aferida em São Paulo e ficará abaixo da última, com médias inferiores a 1 % ).

Se esse produto for focado, então, sua abrangência será ainda bem maior - e com ela seu resultado comercial. Focar, nesse caso, significa adequar o produto às políticas de programação das emissoras. E, quem sabe, dar uma ajudazinha a essas políticas. Ao manter ícones como os que estamos vendo e patinar em fatias insignificantes do mercado, parece bastante claro que elas não estão dando certo. Que argumentos, enfim, poderiam clarificar isso ainda mais? Fazemos uma das piores televisões do mundo; somos comercialmente malsucedidos nisso; e temos medo de mudar para melhor. Medo de quê? A resposta é simples: medo de que a televisão fique melhor.

(Jornal do Brasil, 03/06/2003) Onde está a democracia? Milton Temer A incontestável vitória de Hugo Chávez no referendo da Venezuela

deveria gerar um grande debate sobre a questão democrática em nosso continente. A questão democrática, evidentemente, no bojo de um desenvolvimento econômico distributivo e soberano. Afinal, quantos chefes de Estado latino-americanos se habilitariam a julgamento público, em meio de mandato? E, no entanto, é a imagem do caudilho autoritário que boa parte dos meios de comunicação tenta colar no presidente venezuelano – a mesma distorção ideológica que, levianamente, qualifica palestino ou iraquiano resistente como "terrorista".

Para compreensão de Chávez, vale recorrer a José Saramago - gênio literário que não se aliena de suas responsabilidades políticas - em entrevista concedida a Érika Campelo, na Carta Maior. Saramago, para além de Fábio Konder Comparato, entrevistado por Rodrigo de Almeida no Jornal do Brasil de ontem, põe em xeque as atuais instituições, resultantes dos processos eleitorais. Define-as “bolhas” e questiona suas vantagens práticas para a vida do cidadão comum. Não obrigatoriamente pela decepção de ver seu representante trair os compromissos de campanha, ou sua história política. Mas pela constatação da impotência dos mais coerentes diante da lógica

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imposta pelo Executivo, o mais das vezes omisso, ou cúmplice, ante o poder do grande capital.

É verdade. Aqui no Brasil, por exemplo, o governo Lula já anuncia a flexibilização das leis trabalhistas, sob argumento de que isto melhoraria as condições de geração de empregos. E de onde nasce, realmente, tal formulação? Com a palavra, Saramago: “Evidentemente, (...) veio do poder econômico, a quem não convém continuar com suas fábricas instaladas em países com exigências quanto ao horário de trabalho e a salários altos”.

E em que dimensão, Congresso e Justiça podem se contrapor a tal ofensiva? Em nada. Porque serão elas as autoras e executoras da legislação permitindo que tais proteções sejam revogadas. E o farão através do voto de parlamentares “informados” e , convencidos, pelo conjunto da mídia conservadora, de que não existe outra saída, tendo em vista os “sufocantes custos previdenciários” ora compulsórios. Por isso, diz Saramago: “Há um problema fundamental: ou a democracia transcende o poder da tal bolha, tendo uma ação fora dela, ou vamos continuar a viver o drama do regime: mudar de governo não significa mudar o poder” .

E os movimentos sociais? Seriam a saída para tal desafio? “Não, os movimentos sociais não avançam todos na mesma direção, ao mesmo tempo, para reivindicar a mesma coisa. Sabemos que não é assim. Em contrapartida, o poder econômico é organizado”, conclui Saramago.

A alternativa não é apresentada na entrevista, o que deixa a questão em aberto, e permitindo ousadias. Como, por exemplo, a de discutir o verdadeiro papel do Poder Executivo nos regimes, presidencialistas que se pretendam progressistas.

E o exemplo venezuelano, na comparação com o ocorrido no Brasil após a eleição de Lula, é amplo terreno de análise. Até onde a democracia direta, aquela que não limita o poder do cidadão ao simples momento de depósito do voto na urna, tem mais condições de ser exercida? No confronto institucional permanente com o Executivo, visível e material, ou contra um Poder Legislativo difuso, fragmentado, e majoritariamente conservador?

Não foi por manipulação que Chávez venceu o plebiscito. Contra ele, na substituição dos partidos de direita e de centro-direita, estavam todos os canais de televisão privados. Chávez venceu porque escolheu lado, o que lhe garantiu sólida sustentação social. Cumpriu as promessas de campanha: deu os primeiros passos da Revolução Bolivariana, pacífica, contra as oligarquias e o grande capital internacional. Promoveu reformas institucionais e econômicas profundas.

Não é este, exatamente, o caso brasileiro. Lula preferiu o caminho da convivência com predadores da economia e os “300 picaretas” do Parlamento.

Pode não ser incomodado pelos poderosos que outrora denunciava, mas até quando terá gordura para queimar no capital político acumulado junto a suas bases históricas? Até quando se manterá no poder sem incomodar os antigos adversários? Enquanto, é claro, não ferir seus interesses estratégicos. Que não são, obviamente, os de seu eleitorado consciente.

A prosseguir no caminho atual, ao contrário de Chávez, quando deixar o palácio poderá estar entrando mal na história.

(Jornal do Brasil, 31/08/2004)

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Brasil: um novo desafio Francisco Antunes Maciel Müssnich O Brasil oferece imensa prova de maturidade política neste final de

2002. Pela primeira vez em 42 anos, um presidente eleito pelo voto direto empossará sucessor também eleito pelo voto direto. A estabilidade política é uma conquista consolidada, capaz de oferecer ao presidente eleito a oportunidade de governar um país efetivamente mais moderno e competitivo neste início de século.

O enorme desafio é continuar a avançar. As conquistas da última década devem ser preservadas, o que não impede a constatação de que ainda há muito a realizar.

A década de 90 registrou vitórias importantes. De acordo com o Censo 2000, realizado pelo IBGE, a mortalidade infantil caiu 38% entre 1991 e 2000. Em 1992, 18,2% das crianças entre 7 e 14 anos não freqüentavam a escola. Agora, o acesso ao ensino fundamental foi universalizado. A taxa de analfabetismo dos maiores de 15 anos caiu de 18,3% para 13,8%, e as matrículas no ensino superior tiveram acréscimo de quase 30% entre 1994 e 1998. Os que vivem abaixo do nível de pobreza são 30% (eram 43% em 1994). Mais de 13 milhões ingressaram no mercado consumidor.

A evolução se deu também na área econômica. O país cresceu 3,3% ao ano entre 1993 e 2000, dobro da média de 12 anos anteriores. No mesmo período, a indústria cresceu 3,1% ao ano (havia decrescido 0,1% entre 1981 e 1992). Entre junho de 1994 e junho de 2001, 1,8 milhão de novos empregos foram criados. Entre 1994 e 2000, a taxa de inflação anual foi de 11,4%. Nos cinco anos anteriores, a média era de 1.280%. Em 1994, um salário-mínimo comprava 69% da cesta básica. Em maio de 2000, este mesmo salário adquiria 115% da cesta. Os investimentos diretos no país somaram US$ 33 bilhões em 2000 e US$ 22,6 bilhões em 2001 (não passaram de US$ 1 bilhão em 1993). O arrojo do Programa Nacional de Desestatização produziu receita total, entre 1991 e 2000, de mais de US$ 100 bilhões.

O acesso a bens e serviços também apresenta índices estimulantes. Entre 1993 e 1998, 5 milhões de novos lares passaram a dispor de abasteci-mento de água. Quase 3,5 milhões de famílias viram chegar redes coletoras de esgoto a suas casas. Mais de 7 milhões de lares passaram a contar com coleta de lixo e mais de 6 milhões com iluminação elétrica.

O setor de telecomunicações, em especial, é o grande exemplo do que se pode realizar quando há vontade política, competência e ousadia. Segundo dados da Anatel, em agosto de 2002 os terminais fixos instalados somavam 49,4 milhões, contra 20,2 milhões em julho de 1998. Os telefones de uso público, 1,37 milhão contra 547 mil. Os telefones celulares, 31,6 milhões contra 5,6 milhões. A taxa de digitalização da rede elevou-se de 67,6% para 97,91 %, sempre entre julho de 1998 e agosto de 2002. Ao contrário do que se imagina, a força de trabalho empregada no setor cresceu de 86.793 para 123.026 entre 1998 e 2002. Ou seja, os avanços na telefonia geraram um aumento de quase 50% nos postos de trabalho. É a prova de que modernização e eficiência não são sinônimo de desemprego. Antes, significam mais e melhores empregos.

Não se vive hoje numa Suíça, mas é evidente que o Brasil avançou. O que está em questão é identificar o que há por realizar. As reformas cons-titucionais emergem novamente como a prioridade na agenda nacional. E as

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reformas do Judiciário e tributária têm de estar em primeiro plano. Elas são decisivas para a atividade produtiva. O país necessita de um novo sistema, capaz de acelerar os julgamentos e reduzir a incidência de impostos na produção, na contratação de mão-de-obra, nas exportações, nos investimentos, na cesta básica e na intermediação financeira. É hora de acabar com a tributação em cascata, de simplificar, modernizar e uniformizar normas tributárias.

A reforma previdenciária é outra demanda urgente, de modo a implementar finalmente um sistema de capitalização no qual o benefício de cada servidor seja proporcional às contribuições por ele efetuadas ao longo da vida profissional. Uma previdência racional é o caminho para a geração de maior poupança interna, que permita reduzir taxas de juros e dependência de recursos externos. Só assim o país poderá praticar taxas de investimento compatíveis com as necessidades de sua economia.

Os desafios que aguardam o novo presidente são imensos. A atividade produtiva também vai se deparar com eles no microcosmo de sua atuação. Poucas vezes a economia global se viu diante de circunstâncias tão complexas. Os Estados Unidos ainda não se recuperaram do desaquecimento econômico, o que impacta as economias em escala mundial. O Brasil tem feito o que está a seu alcance para enfrentar as repercussões internas do cenário de turbulência. As reformas constitucionais são o que falta para tornar o país progressivamente mais competitivo. Elas permitirão praticar juros menores, e tornarão possível crescer no ritmo que uma economia com o potencial da brasileira merece. O presidente eleito encontrará um país transformado e com uma extensa cadeia de relações jurídicas constituídas legitimamente ao longo dos últimos oito anos. Sua missão, respeitados os contratos, será liderar os avanços e transformações de que ainda necessitamos a partir de 1o de janeiro de 2003. Vamos torcer pelo seu sucesso.

(O Globo, 28/10/2002)

SÉC. XXI: Carta do Leitor

Leio sempre, e sempre com interesse a coluna de Augusto Nunes. Em O

país espera agora o desfile dos gatunos (22/2) foi uma análise perfeita. Os

fatos conflitantes da mensagem do presidente ao Congresso, em que se

posiciona a favor da regulamentação dos bingos e a medida provisória que os

coloca fora da lei. Parece cortina de fumaça. Manobra diversionária. É o custo

de José Dirceu na Casa Civil. Mais ou menos 300 mil empregos e um tipo de

diversão para parte do povo. O que ocorre mesmo é que caiu a máscara. E

justo no carnaval, o que faz parecer piada se não fosse trágico. Essa

blindagem a favor do Dirceu é triste. O raciocínio da turma do PT, a respeito de

CPI, foi abordada com propriedade. Genoino e Lula também esqueceram de

apertar bem e suas máscaras caíram.

T. Toscano

Rio de Janeiro

(Jornal do Brasil, 27/02/2004)

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Guerra ao câncer

A vida acrescentou-me a dura experiência de ver um filho ameaçado de morte, dez anos seguidos, por uma leucemia, felizmente controlada de três anos para cá. Sou grata ao médico Daniel Tabak, não só por sua notória competência mas acima de tudo pelo inigualável sentido humano na luta pela sobrevivência de meu filho, até recentemente paciente, como tantos outros, do Centro de Transplante de Medula Óssea (Cemo), do Instituto Nacional de Câncer-Inca. Atento a tudo e a todos, acessível e afável, extremamente compreensivo com as aflições de mãe, ele impregnou o ambiente do Cemo com seu espírito de solidariedade e dedicação a todos, independentemente de idade, cor, condição social ou qualquer outro atributo. Ambiente que ajudou meu filho a resistir por tanto tempo, mesmo quando internado em estado grave, até que se consolidassem condições para sua recuperação.

Cidália de Figueiredo Oliveira

Rio de Janeiro

(Jornal do Brasil, 27/02/2004)

Lúcido o artigo de Luiz Garcia sobre as vagas públicas em universidades

particulares. A universidade é para o aluno com condições reais de acesso e

de permanência nela, o que leva à melhoria da qualidade do ensino. O governo

deveria incentivar, sim, a criação de cursos técnicos de boa qualidade, que

permitiriam aos que não conseguissem ingressar na faculdade a disputa do

mercado de trabalho de acordo com sua real necessidade. O que contribuiria

também para valorizar os cursos superiores.

Ana Cristina Pereira

Rio de Janeiro

(O Globo, 25/02/2004)

SÉC. XXI: Editorial de Jornal

Choro de Derrotado Sem autor As autoridades da cidade de San Antonio, no estado americano do

Texas, ainda não conseguiram engolir a derrota que lhes foi imposta pelo Rio de Janeiro, na disputa para sediar os Jogos Pan-Americanos de 2007.

Até aí, nada de mais. Ninguém gosta de perder. Ainda mais uma cidade do Texas, onde se vive a realidade orgulhosa de um mundo superlativo, movido a muito dinheiro de petróleo e gado, em que tudo é imenso, poderoso, imbatível.

Mas o que é mais grave, e mais risível na atitude dos perdedores, é tornar pública a mesquinharia do ressentimento. É não saber reconhecer que foram derrotados simplesmente porque o adversário teve maior competência, e apresentou razões de convencimento muito mais fortes que as suas. Ou

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melhor, o adversário, no caso o Rio de Janeiro, representado pelo Comitê Olímpico Brasileiro, mostrou que o ideal desportivo, que move a tenacidade dos atletas e a paixão das torcidas, ainda preserva um tipo de sabedoria e dis-cernimento que a arrogância do dinheiro desconhece e ainda não conseguiu comprar.

As autoridades de San Antonio não desistiram. Têm se dado ao trabalho de acompanhar o noticiário que chega até lá, vindo do Rio de Janeiro, e têm feito coro e torcida para a bandidagem, aplaudindo a violência e esperando que a cidade se torne um caos. Esperando que a situação econômica do Brasil se complique de tal forma, que o país não tenha os tais milhões de dólares que seriam necessários, para o investimento em instalações desportivas exigidas pelos Jogos. Torcem contra o Rio de Janeiro da mesma forma como ainda torcem contra Santo Domingo, na República Dominicana, onde mais proximamente serão realizados os Jogos de 2003.

Enfim, o governo da cidade que foi derrotada. exatamente porque se julgava auto-suficiente, ainda espera o milagre de vencer a vencedora em um campo que é a última esperança de quem não sabe perder: o tapetão. Restou às autoridades de San Antonio esta única esperança. O que é muito triste.

Obviamente que se tudo no mundo se decidisse a favor do dinheiro, não haveria necessidade do ritual democrático da disputa para decidir que país e cidade deve sediar os Jogos. Bastaria, para tanto, escolher dentro do país mais rico do mundo a cidade que se dispusesse a gastar mais para sediá-los.

O Rio de Janeiro lamenta, mas tem o dever de informar queos Jogos Pan-Americanos de 2007 serão efetivamente realizados aqui. Os investimentos necessários serão feitos e a cidade vai estar em paz para receber atletas do mundo inteiro, porque este é o desejo de quem ainda acredita no ideal olímpico.

(Jornal do Brasil, 21/10/2002) Contra o medo Sem autor Desta vez o governo do Rio de Janeiro tomou a decisão acertada. Ao

saber que os serviços de inteligência da polícia obtiveram informações sobre supostos planos de traficantes, para tumultuar as eleições no estado, a governadora Benedita da Silva pediu ao presidente da República a ajuda de tropas federais.

O governo fluminense deve ter aprendido a lição do dia do medo - 30 de setembro, segunda-feira passada - quando a ordem dada por traficantes para que o comércio fosse fechado em certos bairros alastrou-se por toda a região metropolitana do Rio, sem que as polícias estivessem preparadas para enfrentar a situação.

As forças policiais poderiam ter atuado preventivamente de forma bem mais efetiva. Bastaria que a Secretaria de Segurança tivesse tratado com a merecida importância a gravação de uma conversa telefônica de um traficante preso em Bangu I feita pelo Ministério Público. Ao falar com algum assecla, o bandido anunciou o planejamento de uma operação de impacto para suspender as atividades em bairros da cidade.

A governadora, portanto, agiu com bom senso ao pedir o apoio federal, previsto na Constituição. A população da região metropolitana do Rio ainda

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está traumatizada com a segunda-feira do medo. E como se trata de região onde está, a terceira concentração de eleitores do país, o caso é mesmo de segurança nacional.

Tudo precisa ser feito para preservar a tranquilidade da votação no primeiro turno de uma eleição que já tem seu lugar reservado na História do Brasil. É inconcebível que o crime organizado venha a se converter em protagonista de um dia como o próximo domino.

A demonstração de força dada pelo tráfico – segunda-feira, no Rio, e quarta-feira em um bairro, de Osasco, São Paulo, onde também obrigou o comércio a cerrar as portas - serve de alerta aos governantes que começam a ser ungidos no próximo fim de semana. Será preciso tratar de forma coordenada a grave crise de segurança pública enfrentada pelas maiores cidades brasileiras. O que não implica pôr as Forças Armadas nas ruas. Nelas, os soldados só podem transitar em situações especiais. Como agora.

(O Globo, 04/10/2002) Todos iguais Sem autor Reformas constitucionais costumam ser lentas e. intrincadas. A

velocidade das mudanças, contudo, é determinada pelas condições políticas vigentes. Que podem ser mais - ou menos - favoráveis às alterações. No caso do Brasil, temos o exemplo. da reforma da previdência, retomada pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva, líder do partido que mais se bateu contra essa e outras alterações constitucionais. O fato, porém, de ter chegado ao poder com o voto de muitas categorias profissionais diretamente interessadas no assunto dá ao. governo uma credibilidade especial, e o credencia a encaminhar ao Congresso, com chances de êxito, propostas impossíveis de serem aprovados.

Mas esse trunfo político conquistado pelo governo Lula pode ser dilapidado casa haja erros graves no encaminhamento da reforma previdenciária. E um desses erros acaba de ser cometido pelo próprio presidente, ao colocar os militares fora do alcance da imprescindível revisão de benefícios concedidos aos servidores públicos inativos. Chame-se de privilégios ou não., esses benefícios, se mantidos para uma categoria que seja, tornarão politicamente inviável a reforma.

Prova disso é á reação de líderes sindicais de várias categorias - incluindo servidores públicos - diante da colocação dos militares fora do alcance do correto princípio proposto pelo governo - o de um regime de previdência comum para todos. Sejam servidores ou assalariados do setor privado. A posição assumida por Lula, sem qualquer debate e discussão - aliás, contra à tradição do PT - serviu de sinal para que representantes de setores organizados dos trabalhadores e funcionários públicos passassem a usar o anúncio feito pelo presidente como arma contra a reforma. Pois propor que benefícios sejam mantidos nessa ou naquela categoria significa inviabilizar a modernização da previdência no Brasil. Como disse Vagner Barella, professor de direito previdenciário da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo: "Se ninguém quiser perder nada, nós estaremos caminhando para um verdadeiro beco sem saída."

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Os militares alegam enfrentar condições específicas à atividade que os credenciam a uma aposentadoria especial: deslocamento da constante pelo país, trabalho em locais inóspitos, etc. Ora, como em qualquer profissão, essas questões têm de estar contempladas nos respectivos planos de carreira, e sem qualquer impacto posterior na previdência.

Ou seja, todos precisam ser iguais perante a nova previdência; o teto da seguridade oficial tem de ser comum a todos, e acima dele as complementações deverão sair de fundos de pensão constituídos para tal. O tempo passa e a cada ano o déficit previdenciário aumenta. Portanto, a reforma do sistema é urgente. Cabe, agora, ao governo recolocar o assunto no bom caminho e esclarecer de uma vez por todas que a situação não permite privilégios, nem exceções.

(O Globo, 16/01/2003) Reféns do clima Sem autor É muito cedo para qualquer previsão sobre os números trágicos das

chuvas deste verão no Sudeste. Até agora, o maior número de vítimas foi registrado em Minas: ontem, contavam-se 44 mortes, 20 casas destruídas e mais de 70 em perigo, quase dez mil pessoas desabrigadas ou provisoriamente desalojadas. Mas as condições meteorológicas ainda são instáveis.

Não é difícil - na verdade é obrigatório - concluir que há fatores comuns a todas as cenas que comoveram o país nos últimos dias. Um levantamento da Secretaria Nacional da Defesa Civil confirma: metade da população favelada do Estado do Rio, de Minas e de São Paulo vive em áreas de risco. Em qualquer ponto do país com alta concentração de população os segmentos mais pobres estarão sempre nas áreas perigosas.

E esses reféns do clima são a cada dia mais numerosos: entre 1991 e 2000, afirma o lBGE, o fenômeno da subnormalidade habitacional - nome técnico da situação de risco - cresceu cinco vezes. Isso não reflete, exclusiva ou necessariamente, aumento da pobreza. É indício também da ocupação de todos os espaços disponíveis pelas favelas das grandes e médias cidades. Não há novidade nesses dados. Infelizmente, também não existe surpresa no fato de que os diagnósticos não produziram, ainda, uma estratégia nacional à altura do problema.

Certamente se conseguirá uma casa para a família de Felipe, duas vezes encontrado antes do resgate que o país acompanhou, antes de ser chocado por sua morte no hospital. E deve ser tida como certa a punição severa do engenheiro que se recusou a inspecionar a casa de Felipe. Nada disso, no entanto, pode ser confundido com qualquer avanço na busca de solução do problema permanente.

Ele é localizado nas cidades grandes e médias; portanto, trata-se de preocupação obrigatória em todos os níveis de governo. A questão é como conter o crescimento das favelas, rnantendo-as longe de todas as áreas de risco - que quase sempre são também áreas de proteção ambiental obrigatória.

Trata-se, claro, de um alvo de longo prazo. O que não representa qualquer desculpa para não começar a agir em curtíssimo prazo.

(O Globo, 22/01/2003)

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Tudo por fazer Sem autor Alguns problemas brasileiros são tão evidentes que induzem os candi-

datos a posições muito semelhantes diante deles. No âmbito da economia, por exemplo, temos o crônico desequilíbrio externo - no momento, em vias de ser solucionado conjunturalmente - diante do qual tanto o candidato tucano José Serra quanto seu adversário petista Luiz Inácio Lula da Silva acenam para o eleitor com políticas de incentivo às exportações e à produção no país de bens importados.

Outro caso de coincidência programática é o da segurança pública. Seja quem for o vitorioso de domingo, o Executivo federal terá uma maior participa-ção na luta contra o crime organizado. O que é uma decisão acertada.

E trabalho não faltará. Um dos campos em que o governo federal poderá exercer importante função de coordenação (sem falar no necessário apoio financeiro) é o da inteligência policial. E dentro dele o da montagem de um efi-ciente sistema informatizado capaz de fornecer a ficha de suspeitos, dia e noite, a quaisquer das polícias estaduais.

Reportagem publicada domingo pelo GLOBO mostrou o quanto faz falta esse sistema, e a distância que precisa ser percorrida até o aparato de segurança pública brasileiro ter na retaguarda arquivos de impressões digitais modernos, em condições de ajudar no combate a quadrilhas cada vez mais articuladas dentro e fora do país.

O arquivo datiloscópico de São Paulo, o maior do país, guarda 2,5 milhões de registros, que precisam ser consultados manualmente. Como disse o chefe da perícia datiloscópica paulista, João Batista Scuvero, os peritos trabalham basicamente da mesma forma que na época da fundação do departamento, em 1907: de lupa na mão.

O Rio de Janeiro, informa a reportagem, é, em tese, o mais avançado nessa área. Comprou um sistema alemão sofisticado, mas ainda não testado. E mesmo que funcione, a polícia de São Paulo, por exemplo, se precisar consultar dados do arquivo, terá de usar a ponte aérea em vez de um terminal de computador.

Muito trabalho está à espera do próximo presidente da República. (O Globo, 22/10/2002)

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AMOSTRA VARPORT

SÉC. XIX: Anúncios

Francisco José de Oliveira Basto tira Patentes pelo modico preço de

6$400 reis, e cuida em todos os requerimentos, dependentes de todas as Secretarias superiores: quem se quizer servir do seu prestimo o pode procurar na sua casa rua de S. Joaquim, indo para Santa Anna ao lado direito casa número 40. Os que forem moradores fóra desta cidade, como em Lisboa, Bahia, etc., pódem corresponder-se com elle pelo correio, dirigindo-lhe as suas ordens.

(E-B-81-Ja-024: Gazeta do Rio de Janeiro, 26/04/1809) Exposição de Moveis| A qual se fechará brevemente | Moreira,

Carvalho & Companhia, proprietarios da manucfatura nacional de moveis a vapor "Moreira Santos, previnem aos seus freguezes e ao respeitavel publico que sua exposição de moveis, no imperial teatro São Pedro de alcantara, estará á sua disposição todos os dias uteis das 9 da manhã ás 6, e nos santificados, das 8 ás 2 da tarde.|Desde o dia 29 de novembro até o dia 31 de Dezembro esta posição foi visitada por 7411 pessoas.

(E-B-83-Ja-061: Diario de Noticias, 06/01/1889 )

SÉC. XX: Anúncios

Cara

feia Estomago acido

Os que soffrem de in- | disposições digestivas estão | muitas vezes

de mal humor | ou de são de temperamento pessimista. Estas indisposi- | ções benignas no começo, | podem degenerar em males | do estomago excessivamente | graves. As azias, os pesa- | dumes, os azedumes, os | vomitos e outros malestares | digestivos são geralmente | provocados por um

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excesso | de acidez, e para precaver | destes males, nada supera | á Magnesia Bisurada cujo | effeito é quase instantaneo. | Ella allivia em 5 minutos, | faz parar a fermentação dos | alimentos no estomago e | evita a flatulencia e a von- | tade de vomitar; acalma a | irritação da mucosa deli- | cada do estomago, fazendo | desaparecer qualquer traço | de inflammação. A | Magnesia Bisurada porá fim | aos seus incommodos diges- | tivos permitindo-lhe digerir | sem dôr. A primeira dóse | provará a sua efficacia.

DIGESTÃO ASSEGURADA COM

MAGNÉSIA BISURADA EM TODAS AS FARMACIAS, EM PÓ E EM TABLETES

(E-B-92-Ja-042: Jornal do Brasil, 15/09/1940) Estar à frente. Você já reparou como entre tantas pessoas | que fazem exatamente a

mesma coisa | sempre existem aquelas que encontram | uma maneira de fazer melhor? Gente que | se supera. Gente que insiste, persiste, que | acredita tanto nas suas idéias que não | descansa enquanto não consegue colocá-las | em pé. Esse é o tipo de gente que você | reconhece de longe. Porque está à frente, | servindo de exemplo, servido de referência | para todos aqueles que vêm depois. São | pessoas assim que movem o mundo | e ampliam horizontes. São pessoas assim | que fazem as coisas acontecerem.

Bradesco. Sempre à frente. Para o Bradesco, estar à frente só faz sentido se for para | servir você.

Nós sabemos que é preciso ter Coragem | para enfrentar o novo. Que a capacidade de Superação | pode vencer obstáculos todos os dias. E que cada novo | trabalho é uma oportunidade para fazer melhor.

O Bradesco é um Banco que sempre tomou a iniciativa. | Que tem orgulho em ouvir o cliente. E que desde a sua | fundação fez do pioneirismo um instrumento do seu | dia a dia. Por isso o nosso compromisso vai muito além | dos negócios. É pensando assim que o Bradesco ajuda | a promover o crescimento das comunidades onde atua. | Por isso criou uma rede com mais de 6.300 pontos de | atendimento em todo o país, sendo o primeiro Banco | a interligar on-line, real time suas Agências. Essa vocação | pioneira revolucionou o cotidiano de seus clientes.

Bradesco Sempre à frente.

Banco sempre à frente, Cliente sempre à frente.

(E-B-94-Ja-015: O Globo, 15/09/1998)

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SÉC. XX: Editorial de Jornal

Sigillo Bancário Hoje não há mais sigillo bancario. A Inspectoria, esquecida da velha legislaçãoBrasileira, entra, como se

fôra sua casa, em todos os bancos, indagando pormenorizadamente de contas particulares, como se estivera relacionando os fundos alheios para uma proxima e equitativa partilha. Não sei qual o interesse dessa repartição, ou se ella nessa devassa, só obedece ordens do governo. O que é facto é que o segredo commercial, preconizado em todas as legislações, só existe entre nós no papel. A autoridade desembaraçada não esbarra deante dessa barreira legal. A contabilidade bancaria está á sua disposição. Disso tem resultado uma coisa- a evasão de depositos bancarios. Muito capitalista, sabendo de que a Inspectoria, anda relacionando quaes os depositantes, prefere, temeroso guardar em casa os seus haveres. Só um sei eu que retem em cofres particulares para mais de quinhentos contos, assim retirados da circulação do paiz. Esse facto que escapa á previsão intelligente do banqueiro, é de molde a perturbar-lhe todos os calculos, creando-lhe, de um momento para outro, difficuldades embaraçosas. Imgine-se um banco que haja soffrido, dentro de prazo relativamente curto, o levantamento de sommas consideraveis sobre as quaes se haviam calculado as operações que fizera com a sua freguezia. Póde, em consequencia dessas continnuas retiradas, ser levado a uma situação de insolvencencia, que não poderia ser prevista pelo mais atilado homem de negocios. E isso tudo em virtude da Inspectoria, que, ao invés de ser uma repartição fiscalizadora da moralidade das operações bancarias, tornou-se um instrumento de devassa e desrespeitador do sigillo commercial.

Encontrei outro dia um banqueiro que me chamou a attenção para o que estava occorrendo em seu estabelecimento onde a Inspectoria, representada pelo seu corpo de fiscaes, a todo instante estava a indagar, para fins não confessados, qual o deposito de fulano ou se fulano possuia haveres confiados ao banco. Estou certo que o ministro da Fazenda ainda não teve a sua attenção chamada para o assumpto, que aqui estou delatando. Porque, então, seria o primeiro a mandar que a Inspectoria respeitasse as leis commerciaes, que para ella deixaram de existir.

(E-B-92-Je-004: Diário da Noite, 10/03/1932) O velho tema militar No mesmo embrulho da crise udenista, das queixas sôbre a poeira de

Brasília e dos boatos ineptos a respeito de uma suposta manobra de prorrogação, ou coisa que o valha, do mandato presidencial, têm aparecido, no noticiário político dêstes últimos, certas versões sôbre indeterminados descontentamentos de círculos militares. São versões vagas e confusas, que ora associam o fenômeno a isto, ora àquilo e do mesmo modo, a êste ou àquele grupo, sem deixar coisa alguma definida. Mas traduzem uma reincidência da velha obsessão brasileira de especular sôbre o estado de espirito, real ou imaginário, das corporações armadas e dos seus chefes.

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A reincidência se torna, neste momento, tanto mais lamentável quanto, há bastante tempo, a surrada matéria parecia ter esgotado por completo a sua tradicional faculdade de suscitar intrigas, e quanto nada justifica, ou sequer explica essa tentativa de dar-lhe atualidade, seja a título de mera conjetura. A exemplar correção dos líderes militares, hoje expressa pela conduta dessa nobre figura de soldado que o ocupa a pasta da Guerra, o marechal Odilio Denys, acabou por eliminar os pontos de atrito que acaso restassem entre os oficiais sob o seu comando.

Dado, além de tudo, que a vida pública nacional tomou direções inteiramente novas, como efeito da grandiosa obra administrativa do govêrno, e que perspectivas mais vastas e fascinantes do que nunca se abrem dos olhos de todos os brasileiros, os derradeiros acos dos velhos conflitos há muito morreram no mais distante socavão da nossa sensibilidade coletiva. tão límpido é, nesta parte como em outras, o horizonte institucional que só, na verdade, por um esforço de memória conseguimos reconstituir indecisamente os penosos episódios de tão forte repercussão, há anos. E’ um pouco como se falassemos da nossa pre-história democrática.

Qual será, pois, a vantagem para a nação em conjunto, ou para quem quer que seja, em voltar a essas explorações anacrônicas? Se admitíssemos, para argumentar, que algum ressaibo de amargura ou de ambição desapontada restasse no espírito dêste ou daquele participante nas desavenças antigas como sem dúvida resta, em doses paralisantes, no de tantos políticos, não seria mais inteligente permitir que os reajustamentos indispensáveis continuassem a operar-se em silêncio? É, de qualquer modo, intolerável que um processo indispensável à consolidação da segurança nacional possa ser afetado por interferências estranhas.

O Brasil tem sido, nas fases negativas do seu desenvolvimento político, um país sujeito, e por assim dizer condenado, à repetição cíclica dos mesmos erros, como se fossemos um povo vítima de alguma dessas psicoses que impedem o homem de aprender com a sua experiência. Nestes últimos anos, porém, o progresso técnico e industrial promovido pelo govêrno, e a conquista do nosso território interno, com a abertura de estados e a construção de Brasília, mudaram a face da realidade. Os que se empenham em voltar àquela pre-história das repetições cíclicas simplesmente perderam o contato com os fatos.

(E-B-93-Je-003: Diário da Noite, 01º/05/1960)

SÉC. XX: Notícias "CASAS DE COMMODOS/EXIGENCIAS POLICIAES" Os delegados da 3a e 4a circums/cripções urbanas estão exigindo/ dos

proprietarios das casas de/ commodos um livro para registro/ dos nomes das pessoas que nel/las forem habitar./

A pratica até hoje estabelecida/ pela policia desta cidade está em/ desaccordo com a exigencia dessas/ duas autoridades./

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Sómente os hoteis e hospeda/rias eram obrigados a ter o livro/ a que acima nos referimos, e isso/ porque essas casas são destina/das a receber hospedes de passa/gem, o que não acontece com as/ de commodos, onde os que vão/ residir o fazem com intenção de/ permanecer por certo espaço de/ tempo./

Se a exigencia dos delegados/ daquellas duas circumcripções/ baseia-se na necessidade da poli/cia ter conhecimento do pessoal/ que nellas mora para certificarem-/se de que no meio delle existe ou/ não algum criminoso, essa exi/gencia não produzira resultado/ pratico, porquanto não é acredi/tavel que um individuo cujos/ precedentes autorisem a vigilan/cia da policia sobre a sua pessoa,/ vá escrever no livro exigido o seu/ verdadeiro nome, entregando-se/ assim á acção policial./

Demais, os gatunos, os ladrões/ e toda a casta de criminosos não/ têm por costume, como bem sabe/ a policia, hospedar-se em casa de/ commodos./

Os que aqui se acham, residem/ em habitações proprias ou occul/tam-se em logares de ante-mão/ escolhidos e ignorados muitas/ vezes dos srs.delegados./

Os que vêm do estrangeiro pro/curando esta cidade para theatro/ das suas façanhas, não se abole/tam senão em hoteis caors, afim de/ parecerem pessoas de considera/ção e de importancia, para mais/ facilmente conseguirem os seus/ fins criminosos./

Vê-se, por estas razões, que a/ exigencia do livro de registro de/ nomes das pessoas moradoras em/ casas de commodos não tem justifi/cativa./

E'um luxo policial, de que re/sultam grandes dispendios para os/ proprietarios dessas casas, pois/ que são elles obrigados a pagar/ um tanto por cada rubrica do de/legado da circumscripção nas fo/lhas do alludido livro./

Esperamos que as autoridades/ policiaes da 3a e 4a delegacia ur/banas, attendendo ás razões por/ nós adduzidas, comprehendiam a/ injustiça que estão praticando./

(E-B-91-Jn-003: Jornal do Brasil, 14/05/1902) Consôlo Esperança. O Sr. Luis Carlos Prestes,/ que já foi o Cavaleiro da Es/perança de muita

gente, fêz um/ comicio na Praá Cruz de Espe/rança, em São Paulo, manifes-/tando as suas esperanças de que/ o Marechal Henrique Lott aca/be vencendo as eleições./

O chefe vermelho- que é/ como a Polícia costuma classi/ficá-lo- foi a principal figura/ dêste comício, que se realizara/ no Bairro da Casa Verde, anda pela coloração, quem devia ter/ ido era o Sr. Plinio Salgado.

Mas, como o verde é a côr/ da esperança, o Sr. Prestes com/fessou que os comunistas ainda/ estão esperançosos de eleger um/ dos seus Presidentes dentro de/ alguns anos. No entanto, tro/cando a bandeira vermelha da/ canção pelas côres verde e ama/relo da Bandeira nacional, o/ sr. Prestes disse que os comu/nistas colocam os interesses da/ Nação acima dos seus/.

Quem deu a nota séria do co/mício, porém, foi um represen/tante operário, que disse falar/ em nome dos empregados em/ construção civil.

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Referindo-se/ ao candidato de origem militar,/ êsse cidadão construiu a segui/nte frase:/

-Lott, por pior que seja, é/ melhor que Jânio./ O que não deixa de ser um/ consôlo para o Sr. Lott./

(E-B-92-Jn-039: Jornal do Brasil, 12/06/1960) REFORMA DE COLLOR FAZ TERREMOTO NA ECONOMIA Em seu primeiro dia de go- | veno, o presidente Fernando | Collor de

Mello colocou em | funcionamento, ontem, o mais | amplo, radical e audacioso | plano econômico já experi- | mentado no Brasil, cujo ele- | mento mais explosivo é um | bloqueio em contas correntes, | cadernetas de poupança, over- | night e demaisaplicações fi- | nanceiras que configura um | virtual confisco de extensa | parcela do dinheir em poder das pessoas e das empresas. | "Não temos alternativas", | disse Collor, durante a reu- | nião em que, presentes seus | ministros e líderes partidários, | anunciou as linhas gerais do | plano, às 7h da manhã. "O | Brasil não aceita mais derro- | tas. Agora é vencer ou vencer. | Que Deus nos ajude."

A moeda nacional, desde | ontem, voltou a ser o cruzeiro | - mas, ao contrário dos pla- | nos anteriores, não se corta | nenhum zero para passar de | uma moeda para outra, nem | desaparece automaticamente | o cruzado novo. Na verdade, | a troca de unidade monetária, | serve fundamentalmente para pro- | mover o monumental blo- | queio do dinheiro em poder | do público. Nas contas cor- | rentes das pessoas, só até um | limite de NCz$ 50.000,00 será | convertido em cruzeiros, que | poderão ser usados normal- | mente. O que exceder disso | continua cruzado novo – e só | 18 meses depois, engordado | com correção monetária e ju- | ros de 6% ao ano, começa a | ser resgatado em 12 parcelas | mensais iguais e não corrigi- | das.

O mesmo ocorre com a caderneta de poupança. No caso | do overnight e fundos nomi - | nativos, o mecanismo ainda é | mais draconiano; só vai virar | cruzeiro, e portanto continuar | podendo ser usado livremente | por seu dono, 20% do total | que ele tiver no banco, ou | NCz$ 25mil – das duas op- | ções, a que for maior. O res- | tante será bloqueado para | também só poder ser liberado | 18 meses depois, em 12 parcelas mensais. No total, graças a | esses artifícios, calcula-se que, | dos US$ 120 bilhões que re- | pousam, em todo o país, em | contas correntes, cadernetas, | over e assemelhados, US$ 95 | bilhões serão confiscados pelo | governo – ou, caso se prefira, | seqüestrados, uma vez que se- | rão devolvidos um ano e meio depois.

O plano de ajuste anuncia- | do por Collor mexe com vir- | tualmente tudo na vida dos | brasileiros. Os preços das | principais produtos serão ta- | belados, de acordo com listas | que serão divulgadas a partir | de hoje pela Sunab, e só pode- | rá ser alterados mediante au- | torização do governo, num es- | quema que dura até 1o de | maio. A partir daí, começara a | ser observado o índice de in- | flação prefixada a ser estabe- | lecido antes de cada mês. Os | salários, no dia 1o de abril, | serão corrigidos pela inflação | de fevereiro – 72,78%. A partir do mês seguinte, porém, | também passam a ser corrigi- | dos de acordo com a prefixa- | ção estabelecida pelo governo. | Considerado em seu todo, o | plano de Collor não tem com- | parações, em seu alcance e | profundidade, no Brasil ou em | qualquer país senão com mu - | danças

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produzidas por guer- | ras ou revoluções – e mexeu | muito mais, de uma vez só, | nas relações dos empresários | com seu dinheir, do que toda | a Constituinte em 20 meses.

Nesta edição, um suplemento com o Plano Collor e outro com as íntegras das principais medidas

Mudança dá novo perfil ao governo Tão ampla e radical quanto | plano econômico, a reforma ad- |

ministrativa do governo Collor | determinou a extinção de 11 mi- | nistérios, 5 autarquias, 8 funda- | ções, 3 empresas públicas e 8 | sociedades de economia mista, | além de dezenas de comissões, | secretarias e outros órgãos; colo- | cou à venda virtualmente a tota- | lidade dos imóveis funcionais do | Executivo e mansões, dos auto- | móveis (calcula-se que mais de | três mil) e aviões (algo em torno | de uma centena) do governo; | criou novos e fundiu vários ór- | gãos públicos; proibiu a contra- | tação e o acúmulo de cargos, | regulou a dispensa de funcionár- | rios e criou um banco de recur- | sos humanos para cuidar da si- | tuação dos funcionários | excedentes.

De acordo com cálculos da | ministra da Economia, Zélia | Cardoso de Mello, a reforma de - | verá representar uma economia | para o governo de US$ 2 bilhões, | que começam a ser contabiliza- | dos segunda-feira, quando o | funcionalismo voltar as reparti- | ções. Os que não têm estabilida- | de – contratados com nexos de | cinco anos – e trabalham nos | órgãos extintos serão demitidos. | Os que têm estabilidade vão para | casa, em disponibilidade, aguar- | dando realocação, e os que têm | duplo emprego terão que optar | por um. Na área de pessoal fo- | ram revogadas as cessões de fun- | cionários, obrigando todos os | cedidos a se reapresentarem às | repartições de origem até o dia 1o | de maio. Além disso, foi abolido | o sistema de contratação tanto | de pessoal como de veículos de | empresas particulares prestado- | ras de serviços. Novas normas | restringem grandemente as via- | gens ao exterior.

Entre as autarquias extintas | estão o Instituto Brasileiro do | Café (IBC), o Instituto do Açú- | car e do Álcool (IAA)e o De- | partamento Nacional de Obras e | Saneamento (DNOS). Das oito | fundações que acabaram, desta- | cam-se a Funarte (Fundação | Nacional de Artes), Pró-Memó- | ria

(Fundação Nacional Pró- | Memória) e Fundação para | Educação de Jovens e Adultos | (Educar). Não mais existem a | Portobrás (Empresa de Portos | do Brasil S. A.), EBTU (Empresa | Brasileirade Transportes Urba- | nos) e Embrater (Empresa Brasi | leira de Assistência Técnica e | Extensão Rural). Nas sociedades | de economia mista foram atingi- | das, entre outras, a Petrobrás | Comércio Internacional (Inter- | brás), a Siderbrás (Siderurgia | Brasileira S.A.) | e o BNCC (Banco Nacional de | Crédito Cooperativo S.A.).

A Presidência da República | cresceu, com a criação das secre- | tarias de Administração Federal, | Assuntos Estratégicos, Ciência e | Tecnologia, Cultura, Meio Am- | biente, Desenvolvimento Regio- | nal e Desportos. O Iapas (Insti- | tuto de Administração da | Previdência Social) fundiram-se, | dando origem ao novo Instituto | Nacional de Seguro Social | (INSS), subordinaod ao Minis- | tério do Trabalho e Previdência | Social. Para reduzir a interferên- | cia do Estado na vida e nas ativi- | dades do indivíduo, foi criado o | Programa Federal de Desregula- | mentação. (Páginas 6, 7 e 8)

(E-B-94-Jn-022: Jornal do Brasil, 17/03/1990)