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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS NEOLATINAS ANTONIO APARECIDO GIOCONDI
UFRJ
A CONTÍSTICA DE GUILLERMO MENESES NA VENEZUELA DOS ANOS 1950
RIO DE JANEIRO 2011
UFRJ
A CONTÍSTICA DE GUILLERMO MENESES NA VENEZUELA DOS ANOS 50
ANTONIO APARECIDO GIOCONDI
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de Mestre em Letras Neolatinas. Orientadora: Profª. Doutora Mariluci da Cunha Guberman
Rio de Janeiro Dezembro de 2011
RESUMO
A CONTÍSTICA DE GUILLERMO MENESES NA VENEZUELA DOS ANOS 50.
GIOCONDI, Antonio Aparecido.
Orientadora: Professora Doutora Mariluci da Cunha Guberman
Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de Mestre em Letras Neolatinas.
Com o intuito de conhecer o perfil de Guillermo Meneses, os seus primeiros ensaios
literários, as características de suas obras e se os seus contos consagrados,
principalmente La mano junto al muro desenvolve-se uma proposta nova para os
estudos da narrativa hispano-americana. Foi necessário recorrer às fontes
bibliográficas para se aproximar da realidade histórica e literária venezuelana a fim
de perceber a importância da contística de Guillermo Meneses. Dividimos a
pesquisa em duas partes: a primeira parte, “O escritor Guillermo Meneses e sua
época, apoiou-se em Cuento de Venezuela, do próprio Meneses, no livro de François Delprat, na obra de José Luís Silva Luongo, e na de Luís Linares Barrera. Para a segunda parte, “O processo narrativo de Guillermo Meneses”,
verificamos a interação entre passado e presente da Venezuela e sua representação
literária em La mano junto al muro (1951), para isso recorremos às obras de Adauto Novaes, Justo Villafañe e Eduardo Grüner. Observamos que no conto La mano
junto al muro, Meneses rompe com sua narrativa linear e repetitiva que perdurou até
1945, propondo uma nova narrativa, voltada mais para a incerteza, para a dúvida e
para um recomeçar constante, que se faz presente na trama do conto La mano junto
al muro, logrando um metaconto cíclico e desafiador para o leitor.
Rio de Janeiro
Dezembro de 2011
RESUMEN
A CONTÍSTICA DE GUILLERMO MENESES NA VENEZUELA DOS ANOS 50.
GIOCONDI, Antonio Aparecido.
Orientadora: Professora Doutora Mariluci da Cunha Guberman
Resumen da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de Mestre em Letras Neolatinas.
Con el interés de conocer el perfíl de Guillermo Meneses, sus primeros ensayos
literarios, las características de sus obras y de sus cuentos consagrados,
principalmente La mano junto al muro se desarrolló en esta investigación una
nueva respuesta para los estudios de la narrativa hispanoamericana. Fue necesario
recoger a las fuentes bibliográficas para acercarse de la realidad histórica y la
literatura venezolana con la finalidad de buscar la importancia de la cuentística de
Guillermo Meneses. Se dividió la investigación en dos partes: la primera parte el
escritor Guillermo Meneses y su época, se apoyó en el Cuento de Venezuela del
propio Meneses, en las obras de François Delprat, José Luís Silva Luongo y en la de Luís Linares Barrera. Para a segunda parte, “El proceso narrativo de
Guillermo Meneses”, se verificó la interacción entre el pasado y el presente de
Venezuela y su representación literaria en La mano junto al muro (1951), para esto
se recogió a las obras de Adauto Novaes, Justo Villfañe y Eduardo Grüner. Se
observó que en el cuento La mano junto al muro ,Meneses rompió con su narrativa
linear y repetitiva, que perduró hasta 1945 y proponiendo una nueva narrativa, vuelta
más para la inseguridad, para la duda y para un empezar constante, que se hace
presente en la trama del cuento La mano junto al muro logrando un meta – cuento
cíclico y desafiador para el lector.
Rio de Janeiro
Dezembro de 2011
AGRADECIMENTOS
Agradeço à CAPES- Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior, por apoiar a capacitação dos que acreditam na educação do Brasil.
Agradeço ao Magnífico Reitor da Universidade Federal de Roraima, Prof. Dr.
Roberto Ramos e ao Magnífico Reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Prof. Dr. Aloísio Teixeira, que por intermédio da Profª. Dr.ª Márcia Atálla
Pietroluongo, permitiram a parceria entre a UFRR/UFRJ.
Agradeço à Prof.ª Dr.ª Angela Mª da Silva Correa, Diretora dos Cursos de
Pós-Graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Agradeço à Profª. Dr.ª Mariluci da Cunha Guberman, pela orientação da
minha dissertação, apontando para uma parte teórico-crítica pertinente, uma
bibliografia valiosa e uma metodologia precisa, que foram fundamentais para a
realização da minha pesquisa.
Agradeço aos professores doutores que cooperaram com o meu saber:
Letícia Rebollo Couto, Sônia Cristina Reis, Maria Mercedes Riveiro Quintanas
Sebold, Pedro Paulo Ferreira Catharina, Pierre François Georges Guisan, Thomas
Daniel Finbow, Alcmeno Bastos da UFRJ e Maria Helena Valentim da UFRR.
Agradeço a Deus por tudo que sou e a minha família por essa minha
conquista.
O sábio não é aquele que se acha e nem aquele que se diz ser, mas aquele que é pela essência do seu próprio ser. (Giocondi). Só vencem os que batalham, só batalham os que acreditam, só acreditam aqueles que têm coragem de lutar. (Giocondi). O amanhã nunca chegará, senão viver o hoje como se fosse o amanhã. (Giocondi)
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 10 1ª PARTE - O ESCRITOR GUILLERMO MENESES E SUA ÉPOCA ........................ 12
I. O CONTEXTO HISTÓRICO E CUENTO DE VENEZUELA .................................. 13
II. O CONTEXTO CULTURAL E LITERÁRIO DA VENEZUELA E O PERFIL DE GUILLERMO MENESES.............................................................................................. 16
2ª PARTE - O PROCESSO NARRATIVO DE GUILLERMO MENESES ................... 28
III. A NARRATIVA DE GUILLERMO MENESES ...................................................... 29
IV. ALGUNS ASPECTOS DO CONTO DE MENESES ............................................ 32
V. A CONTÍSTICA DE GUILLERMO MENESES ...................................................... 36
1. La mano junto al muro e a fugacidade da vida ............................................. 38
1.1 A estratégia narrativa de Guillermo Meneses ......................................... 40 1.2 Os personagens a as máscaras em La Mano Junto al Muro...............41
1.3 Os gestos, o grito e a fugacidade da vida ................................................ 45
2. Elementos significativos na construção de La mano junto al muro ........ 47
2.1 O muro: limite e identificação..................................................................... 47
2.2 A moeda e a busca de momentos de prazer ........................................... 49 2.3 O espelho: retrato de imagens retorcidas.............................................50 CONCLUSÃO............................................................................................................54 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................... 56 ANEXOS ............................................................................................................................ 59
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INTRODUÇÃO
Nem sempre a aproximação geográfica entre dois países pode propiciar uma
integração da cultura e do conhecimento de escritores e suas obras literárias. É o
que ocorre com cidades do Brasil (Boa Vista) e da Venezuela (Santa Elena de
Uairén). Pela Rodovia BR 174, apenas 216 km separam esses dois países, essas
duas cidades. Parecem bem próximos, mas na prática milhares de quilômetros de
distância separam conhecimentos, culturas, mitos, lendas, tradições, escritores e
obras. O desconhecimento dessas realidades vem repercutindo diretamente no
Curso de Licenciatura Plena em Letras com habilitação em Espanhol da
Universidade Federal de Roraima. Os professores que ministram a disciplina de
Literatura Hispano-Americana sentem dificuldades em citar obras e escritores
venezuelanos, por desconhecerem o universo histórico e literário da Venezuela, o
que pode comprometer, em parte, a formação de futuros professores, já que esse
distanciamento político e cultural pode prejudicar as relações entre os dois países.
Para uma maior aproximação entre Brasil e Venezuela, faz-se necessário
pesquisar, no que tange ao conhecimento cultural, o papel do escritor venezuelano
na narrativa hispânica das últimas décadas e sua contribuição no mundo das Letras.
Vários escritores da América de língua espanhola, como Juan Rulfo, Carlos Fuentes,
Alejo Carpentier, Mario Vargas Llosa, Jorge Luis Borges, Julio Cortázar, Gabriel
García Márquez e outros cooperaram e até interferiram na narrativa latino-americana
dos anos 50 e 60; entretanto, pouco se sabe a respeito de escritores como Pedro-
Emilio Coll, Julio Gardenia, Arturo Uslar Pietri, Teresa de la Parra, Guillermo
Meneses e outros, que integram o rol de escritores venezuelanos e são pouco
conhecidos no Brasil. Diante do exposto, selecionamos, inicialmente, o conto La
Mano Junto al Muro de Guillermo Meneses que integra a literatura venezuelana e
retrata sua época.
Ao longo da pesquisa pretendemos mostrar o perfil do escritor Guillermo
Meneses e as características de seu conto, desde os confrontos com as
autoridades, os envolvimentos políticos e os primeiros ensaios literários, até o ápice
de sua narrativa, as duas obras que o consagraram definitivamente, La mano junto
al muro e El falso cuaderno de Narciso espejo . Neste sentido, os comentários sobre
Meneses feitos por Delprat e Balza foram de grande valia para tomarmos a decisão
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de investigar a respeito da contística de Meneses. Outro objetivo deste estudo foi
verificar se os contos meneseanos consagrados representam uma proposta nova
para a narrativa hispano-americana. A partir da trama desses contos detectamos a
ruptura com a tradicional narrativa linear e em que medida os relatos de Meneses
inovam a contística venezuelana e hispano-americana.
Para cumprir com essas propostas, foi necessário recorrer às fontes
bibliográficas para podermos nos aproximar da realidade histórica e literária
venezuelana a fim de definir a contística de Guillermo Meneses. De antemão, as
dificuldades foram inúmeras para encontrar essas fontes que nos propiciaram os
elementos básicos da história da Venezuela e do escritor, além da fortuna crítica de
seu Conto.
Na intenção de lograr o cumprimento dos objetivos propostos no projeto de
pesquisa, dividimos este trabalho em duas partes. A primeira trata de “O escritor
Guillermo Meneses e sua época” (o contexto histórico, cultural e literário da
Venezuela e o perfil de Meneses). A segunda parte, “O processo narrativo de
Guillermo Meneses”, aborda alguns aspectos do conto do autor venezuelano e sua
contística, analisando criticamente La mano junto al muro, obra que marcou a
produção de Meneses na década de 50.
Para a primeira parte, “O escritor Guillermo Meneses e sua época”, nos
apoiamos em Cuento de Venezuela de autoria de Meneses, o livro de François
Delprat, o livro de José Luís Silva Luongo, a obra de Luís Barrera Linares. Para a
segunda parte, “O processo narrativo de Guillermo Meneses”, estudamos o olhar
(Adauto Novaes), que observa o momento histórico, e as imagens literárias (Justo
Villafañe e Eduardo Grüner), que registram simbolicamente esse momento e
compõem a obra de Meneses. Também analisamos criticamente a interação entre
passado e presente da Venezuela e sua representação literária em La mano junto al
muro. Ainda nessa parte, pesquisamos o tema da identidade, para o qual lançamos
mão do livro Comunidades Imaginadas (Benedict Anderson). Cabe ressaltar que
além dos teóricos citados, analisamos criticamente Cuento de Venezuela,
verificando as estratégias e o artifício empregados por Guillermo Meneses.
Temos consciência de que a investigação jamais se esgota aqui, por falta de
tempo e de espaço. Pretendemos seguir, em outro momento, com uma abordagem
mais detalhada da obra de Guillermo Meneses.
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I. O CONTEXTO HISTÓRICO E CUENTO DE VENEZUELA
Para podermos entender melhor como se deu o processo literário
venezuelano, faz-se necessário conhecer fatos históricos que marcaram a política
da Venezuela e que, direta ou indiretamente, interferiram nas obras literárias
venezuelanas ao longo de sua história. Após longos anos de ditadura militar, a
Venezuela começa a se transformar, em 1936, com a morte do então presidente
Juan Vicente Gómez, depois de haver passado 27 anos no poder. Podemos dizer
que foi este ano que deu início ao projeto de modernização histórica da Venezuela,
conforme afirma Mariana Libertad Suárez, (2005:11): “As mudanças atribuídas
depois da morte do ditador, se destacam no intercâmbio comercial e cultural. Isso
sucede não apenas dentro da Venezuela, mas, sobretudo com as nações mais
modernas e desenvolvidas”. A partir desse momento surge uma série de
manifestações literárias na qual se debate, uma vez mais, o tema da identidade
venezuelana que, durante muitos, anos ficou afetada devido aos constantes conflitos
internos no país. Suárez (2005:12) cita alguns escritores que, com suas obras,
colaboram para essas manifestações:
[...] Autores como Rómulo Gallegos, Enrique Bernardo, Teresa de la Parra, José Rafael Pocaterra e outros dirigiram seus escritos a um processo de redefinição do Eu-bem como individual, como coletivo ou nação. Sentiram a urgência de um discurso de coesão nacional que desse estrutura narrativa as mudanças que estavam acontecendo na Venezuela- individuais e nacionais.
A ousadia por parte desses escritores em retratarem, em suas obras, uma
sociedade nascente produziu uma gama de obras clássicas, como Doña Bárbara,
Pobre Negro e Canaima de Rómulo Gallegos. José Rafael Pocaterra (In: Pacheco,
1993: 488), que em seus textos, afirma em desabafo:
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Meus personagens pensam em venezuelano, falam em venezuelano, operam em venezuelano, e como tenho a desgraça de não ter sido neto de Barbey d'Aurevilly 1 ou filho do cisne lascivo, é justo que me considere, e lhe desejo ao extremo, fora da literatura.
Esses textos e obras mencionadas acima marcaram a busca incansável de
um discurso de coesão nacional que propiciasse uma narrativa convincente com a
realidade venezuelana, marcada por duros anos de ditadura militar e pela
exploração desenfreada de petróleo por parte dos EUA. Consequentemente, a
Venezuela aos poucos vai perdendo sua autonomia como Nação. Por essa razão,
Suárez menciona a busca da identidade venezuelana na narrativa dos anos 1930,
pois os escritores sentem a necessidade de propiciar uma narrativa mais coesa, que
ressalte o nacionalismo, resgatando o prestígio venezuelano na comunidade
nacional e internacional.
Se por um lado a narrativa nacionalista busca recuperar o prestígio
venezuelano no cenário político, por outro, essa narrativa se distancia da narrativa
latino-americana, que busca a universalização para se projetar no cenário literário
mundial. Barrera Linares faz uma observação bastante pertinente ao afirmar que
(1997: 37): “[...] Não havia escritores venezuelanos capazes de transcender as
fronteiras com suas obras, porque os meios de difusão da literatura na Venezuela
sempre foram condicionados por estranhos interesses dos escritos”. Aos poucos, a
presença marcante do nacionalismo nas obras literárias da Venezuela foi mudando,
como afirma Barrera Linares (1997: 37): “com o início de internacionalização de
escritores como Guillermo Meneses, Julio Garmendia e outros mais”.
A Venezuela começa a se projetar no contexto latino-americano. A
concretização dessa projeção se daria com a publicação dos contos El falso
cuaderno de Narciso espejo e La mano junto al muro, de Guillermo Meneses, que
marcam definitivamente uma nova narrativa venezuelana a partir das décadas
de1950 e 1960.
Se na literatura, a Venezuela se projeta no cenário hispânico, o mesmo não
acontece no cenário político. Em 1953, o então presidente da República, general
1BARBEY D'AUREVILLY, Jules (1808-1889), escritor francês, autor de novelas e romances; se destaca por sua aparência de dândi e por seus artigos impiedosos, de um catolicismo venenoso e provocador -Le Petit Larousse Ilustré, Larousse- Bordas, Paris, 1997.
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Marcos Pérez Jiménez, tem um mandato tumultuado e catastrófico como afirma Luis
José Silva Luongo (2000: 266):
Calculista, frio, sem considerações para com os fins que pretende conseguir a sua maneira, Pérez Jiménez passa a ser o homem que desde os tempos de Juan Vicente Gómez concentra em suas mãos a maior soma de poder já vista em Venezuela. O novo ideal nacional desejava a qualquer custo, inclusive o de carácter humano.
Consequentemente, ao término de seu mandato, houve várias
manifestações no meio intelectual contra seu governo, como ainda afirma Luongo
(2000: 283): “[...] A capital da República se comove com as fortes manifestações de
estudantes da Universidade Central, dos Colégios caraquenhos”. Os protestos eram
contra Pérez Jiménez que tinham como objetivo inviabilizar a realização de uma
consulta sobre sua possível reeleição, e os manifestantes queriam eleições diretas,
sem a sua participação.
O escritor uruguaio Eduardo Galeano (2010: 240) também se refere a
Jiménez, enfatizando a contradição entre a riqueza e a ditadura: “Quando o ditador
Marcos Pérez Jiménez foi derrubado em 1958, Venezuela era um vasto poço de
petróleo rodeado de cárceres e câmaras de tortura que importava tudo dos Estados
Unidos”.
Depois desse período tumultuado para os venezuelanos, Rómulo Betancourt
foi proclamado oficialmente presidente eleito da República Venezuelana para o
período de 1959 a 1964 e como seu assessor, foi oficializado o nome do escritor
venezuelano Rómulo Gallegos. Nos primeiros meses de seu mandato, Betancourt
parece cumprir o que propunha, dirigindo-se aos venezuelanos do interior do país,
com maior atenção. Não deixava de falar e de ouvir as pessoas mais representativas
das regiões. As estratégias que utilizava não eram mais aquelas do candidato que
pede votos, mas sim daquele que, eleito, queria conhecer os problemas regionais, e
desejava ouvir os protestos e as solicitações que poderiam ser de grande
importância para a sua gestão governamental. Como afirma Luongo (2000: 368):
[...] escuta com atenção os representantes de todos os seguimentos da sociedade. Assim escuta os líderes políticos, sindicalistas e as agremiações ligadas a distintos partidos políticos do país, os empresários e os banqueiros. Mantém boa relação com os militares e se aproxima da Igreja Católica.
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II. O CONTEXTO CULTURAL E LITERÁRIO DA VENEZUELA E O PERFIL DE
GUILLERMO MENESES
Para compreender melhor como sucedeu a interferência da narrativa
meneseana na narrativa venezuelana, é necessário conhecermos alguns tópicos
discursivos de Guillermo Meneses. Não há como negar que ele, para chegar aonde
chegou com sua ficção, teve que lapidar seus textos até que suas obras viessem a
surpreender alguns críticos, como veremos nesta pesquisa. Ao falar de si mesmo e
do seu trabalho, Meneses considera que, (2005: 33):
He retardo durante muchos años la iniciación de este trabajo autobiográfico. Desde hace tiempo sentía la necesidad de escribir y, probablemente, ese sentimiento de necesidad me presentaba la tarea de tal manera importante que me parecía exigir la mayor preparación. Podría decir que quiero – con voluntad orgánica, de huesos, de nervios, de víceras – confesarme: dejar en el papel la marca de mis experiencias como si el momento actual de mi vida tuviese la certeza de que mis actos tienen una intención, cuya exacta inteligencia significa mucho, tanto para mí como para los demás hombres.
Nesse depoimento, percebemos o quanto Meneses se entusiasmava com
sua obra e, ao mesmo tempo, como era exigente consigo mesmo em busca da
perfeição, o que verificamos em suas próprias palavras, (1993: 412): “[...] Sea cual
fuere la calidad del hilo con el cual se hiló la tela de la historia, ésta ha de ser
maravillosa. Entendemos por ello que la narración será en sí misma la demostración
de un enigma[...]”. Essas palavras de Meneses asseguram o que Delprat enfatiza
em seu comentário sobre o escritor venezuelano em questão (1996: 278):
Ainda que Meneses escreveu cinco novelas e uma dezenas de contos , além de seus famosos ensaios de 'Espejo y disfraces', tem sido seu conto 'La mano junto al muro'(1951) e sua novela 'El falso cuaderno de Narciso espejo' (1952), as obras que o tem convertido no centro de atração dos nossos escritos atuais, (1960).
Corroborando com Delprat, Balzar também tece elogios a Meneses expondo
(1981: IX):
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Guillermo Meneses, nome que faz parte do amadurecimento da nossa novela. Que fácil resulta agora compreender a lucidez, o prazer com que se predispôs para conseguir transpor os labirintos de 'la mano junto al muro' ou às determinações com que organiza 'El falso cuaderno de Narciso espejo'.
Para uma melhor apreciação da produção de Meneses, é necessário
retrocedermos na história de sua carreira literária e averiguar as primeiras
expressões desse caraquenho publicadas nos anos1930. Nesse período, muitos
foram os personagens que marcaram suas obras, porém quase todos seus contos
possuem uma característica linear, sempre atento à evolução fática dos seus
relatos. Já com o conto La mano junto al muro, surge uma nova narrativa e isso
pode ter ocorrido devido a um trabalho jornalístico realizado pelo autor, conforme o
que depreendemos da declaração de Balzar (1981: XII):
[...] Meneses havia assistido nessa época (1950) a um bordel de La Guayara (cidade venezuelana) para fazer um trabalho jornalístico, acompanhado por Alfredo Boulton- a partir de então, muda seu próprio destino como narrador, escritor e contista, deixando para trás a narrativa linear para inserir uma nova narrativa que se faz presente no conto 'La mano junto al muro'.
Em nenhum momento Balzar menciona o que Meneses assistiu no bordel,
no entanto, o que constatamos é que, a partir dessa visita, a trama de seus contos
se modifica, seus personagens são mais densos e misteriosos, a estrutura de seus
contos revela-se cíclica. O movimento verbal do texto se cumpre ao redor de um
eixo temporal temático aparentemente simples, mas que, na realidade, se trata de
um enigma, de uma complexidade desafiadora, presente no conto La mano junto al
muro. Sofía Imber, ao tratar do comprometimento de Meneses com seus relatos
abordando o compromisso estético do autor e sua preocupação com a perfeição da
escrita, (1995: 9):
É esse talvez o principal ponto que devemos abordar de Meneses- um permanente caminho de perfeição, um caminho construído com o emprego de palavra, com a força comunicadora de seu discurso, sua capacidade de percorrer livremente todas as instâncias da palavra e do escrito que transita em diferentes âmbitos com a única e certeira convicção do seu compromisso com a Arte e com o verbo, desde o discurso popular, a frase universal, do estritamente urbano ao folclore, do conto ao teatro, da narrativa a rádio.
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Verificamos com isso a perspicácia e, ao mesmo tempo, a ousadia do
escritor em querer inovar, propiciando uma nova narrativa para a literatura
venezuelana. Por isso, Guillermo Meneses é considerado, juntamente com Julio
Garmendia, um dos melhores escritores que a Venezuela teve nos últimos tempos
(1930-1960).
Outro aspecto relevante do envolvimento de Meneses é o fato de, durante
vários anos, ter demonstrado preocupação com os venezuelanos, com a realidade
da cidade buscava atingir as camadas populares através do rádio e da televisão.
Ele desenvolveu um programa pioneiro intitulado El hombre y su cultura, em que,
mostrava como deve ser a cultura transmitida pela televisão. Entendemos com isso
que Meneses, através de seus escritos, sempre buscou interagir com a sociedade
de sua época, proporcionando obras que viessem a contribuir com a formação
intelectual do povo venezuelano e tornando Caracas mais conhecida tanto para os
caraquenhos, como para os visitantes que buscavam seu país. Dessa forma, falar
de Meneses é falar das belezas da Venezuela e de Caracas. Revelou-se como um
escritor que se identificou com seu país, sua cidade e seu povo, desde jovem,
quando ainda participava dos movimentos estudantis contra o regime ditatorial
imposto por militares e que tirava a liberdade do povo e o torturava, como veremos
ao longo da pesquisa.
Nesse cenário político e cultural venezuelano do período presidencial de
Rómulo Betancourt, Guillermo Meneses escreve, em 1960, Cuento de Venezuela
com o intuito de relatar os acontecimentos históricos pela ótica de um narrador que
pretende registrar a verdadeira história venezuelana. Meneses faz um percurso no
qual reconstrói a chegada dos primeiros espanhóis e o encontro com os indígenas,
bem como a obsessão pelo “Eldorado” por parte dos espanhóis e dos banqueiros.
Meneses apresenta o espaço geográfico invadido pelos espanhóis como um espaço
muito próspero para onde a ganância europeia trouxe muitos conflitos étnicos,
culturais e religiosos. O autor também acentua os encontros e desencontros que
marcaram a modernidade da Venezuela na década de 1960, enfatizando os conflitos
em torno do ideal de liberdade suscitado por Simón Bolívar, homem que até hoje é
homenageado, reverenciado. Como afirma o próprio Meneses, (1960:33-34): “[...]
Simón Bolívar, o homem de Caracas, o Pai de Caracas, o Deus leigo dos
venezuelanos. Isto é assim. Simón Bolívar é o Libertador, o Pai da Pátria, o homem
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de Caracas, o Deus leigo”. O fato de Meneses destacar a cidade de Caracas deve-
se a seu amor por ela, como afirma Rafael Di Prisco (1995: 7):
Durante o ano de 1948, Meneses escreve para a rádio uma série de SKETCHES, de uns dez minutos de duração cada um, dedicados a explicar a origem do nome das esquinas de Caracas. A capital venezuelana está fortemente presente, tanto na sua vida cotidiana, como em suas obras de ficção e na sua atividade de jornalista.
O mergulho em busca do real caraquenho com todas as suas contradições
sinaliza a preocupação do escritor em colaborar para que o leitor se identifique com
a cidade. Nesse sentido Di Prisco afirma, (1995: 9): “[...] Guillermo amou Caracas,
nos ensinou a amá-la, a entender esta cidade tão complexa, tão contraditória como
bonita e única”.
No período em que foi escrito o conto, a Venezuela vivia no auge da
exploração do petróleo, mas com grandes conflitos políticos, a riqueza do mar de
petróleo era caracterizada pela tirania e a consequente tortura intelectual. Barrera
Linares enfatiza a violência desse período, (1997: 185):
Estamos em pleno começo da chamada 'década violenta'. Os anos presentes têm sido bastante turbulentos diante dos enfrentamentos entre governo e guerrilha. O país anda confuso ainda, mas começa a ver a decadência de um projeto político que se frustrou na suas próprias entranhas.
Ao escrever Cuento de Venezuela, Meneses certamente encontrou uma
maneira de enaltecer o prestígio venezuelano que até então tinha sido abalado pela
forma de governar dos vários presidentes ditatoriais.
Em outro momento, Meneses (1960: 35), além de enfatizar a capital
Caracas, descreve a Venezuela com muito orgulho de ser venezuelano: “[...] a
Venezuela é montanha, é planícies, costas e rios, unida pelas histórias e pelos
homens que lutaram e lutam e dão sentido às coisas e à vida”. Essa atitude de
Meneses, imprimindo ênfase a Venezuela, reafirma o que havíamos dito
anteriormente sobre o fato dele querer enaltecer seu país e, ao mesmo tempo
querer destacar a narrativa da terra. O intuito nacionalista de prestigiar a Venezuela
e revelar ao mundo, suas belezas, suas conquistas, suas lutas para ser uma
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Venezuela moderna cheia de sonhos e de esperanças, recuperando os momentos
de baixa-estima decorrente da ditadura.
Um fato interessante com relação à publicação de “Cuento de Venezuela”
diz respeito ao número de exemplares e a sua política de divulgação. Foi publicado
na gráfica do famoso Hotel Tamanoco e foram impressos 3.500 exemplares em
castelhano e sua tradução em inglês chegou a 8.500 exemplares Desses números,
pela situação política vivenciada pela Venezuela nesse período e por Meneses ser
um representante de Venezuela no exterior, depreendemos que a tiragem maior em
inglês pode ter sido uma maneira de tornar a Venezuela mais conhecida fora de seu
país, já que, à época, a língua inglesa era a mais viável, enquanto a língua
espanhola ficava restrita ao mundo Hispânico.
No prefácio de Cuento de Venezuela, o escritor venezuelano Arturo Uslar
Pietri, faz uma apresentação da obra e do escritor Guillermo Meneses que nos ajuda
a compreender melhor a importância dessa obra e de seu autor para o cenário
político/ literário venezuelano, (1960: II-III):
Este hermoso objeto de Poesía, que tan finamente ha compuesto, con su don de artista Guillermo Meneses, es como precioso juego de imágenes en el que combinan las visiones del pasado , con los datos del presente para evocar el auto maravilloso y verdaderamente sacramental del encuentro del hombre y de la tierra en un país que se llamó o se llama Macarapana, Costa Firme, Tierra de gracia, lugar de los Cambali ó Venezuela, Venezuela es, ha sido y será todo lo que este jugoso compendio dice y deja adivinar. Todo lo que no cabe ni en las estatísticas, ni en los mapas.
Podemos afirmar, então, que essa obra é uma narração inspirada em temas
que retratam a realidade da vida venezuelana, revelando que se outrora a
Venezuela foi explorada, cobiçada pelos espanhóis, devido ao ouro que existia, na
década de 1960 ela era explorada pelas refinarias norte-americanas sedentas pelo
ouro negro que a Venezuela possuía.
A narrativa da Venezuela, de acordo com François Delprat (1996: 273),
divide-se claramente em dois períodos, que são diferenciados:
[...] no primeiro destacamos os tempos remotos de origem indígenas [oral, mítico, lendário, poético] e a estreia do idioma espanhol, com sua cultura literária. Tudo nesse lapso talvez não seja narrativa, mas já convoca nos
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seus temas e expressões a dar os primeiros passos a uma narrativa literária.
Seriam os primeiros intentos de manifestações literárias, embora nem
sempre escritas por autores venezuelanos e caracterizadas pelo olhar romântico
ainda europeu, conforme afirma Oscar Sambrano Urdanete (1994: 109):
[...] nos anos de 1820 a 1830, começam a conhecer na América Hispânica, as obras de grandes românticos da França, Inglaterra eSimón Rodríguez foi quem fez a primeira tradução castelhana do romance de Chataubriand.
Entretanto, Urdanete assinala a importância de Bolívar e de Andrés Bello
como figuras marcantes para as letras venezuelanas, no século XIX, (1994: 110):
[...] Andrés Bello e Simón Bolívar são duas figuras que melhor reúnem em sua obra e em sua ação, tudo quanto de maior importância ocorreu no período de 1830. A antiga capitania Geral da Venezuela, hoje República de Venezuela, (e nos dias atuais, República Bolivariana) deu à América Espanhola, simultaneamente, seu melhor homem de armas e seu melhor homem de letras: Simón Bolívar e Andrés Bello.
A partir de Andrés Bello, a Venezuela deixa para trás a interferência
espanhola e começa a se preocupar com a voz de seus escritores, ou seja, Bello
teria sido um divisor de águas da literatura venezuelana, conforme a acepção de
Delprat (1994: 274),
[...] Isto desde logo começa a mudar, porque pela primeira vez os escritores adquirem autonomia. Já não é necessário ser ministro, exilado, guerrilheiro, gente de poder, deputado ou jornalista, o escritor assume sua decisão que era a de escrever.
Este período, foi marcado por temas relacionados ao campo, à natureza, em
uma tentativa de marcar a identidade venezuelana, o que perdurou muito tempo, até
que Julio Garmendia publicou pela primeira vez, em 1927, o conto La Tienda de
Muñecos, onde a ficção de Julio Garmendia se faz presente e dessa forma anuncia
obras e criadores do futuro, como Felisberto Hernádez, Julio Cortázar, Jorge Luis
Borges e outros. No período de 1920 a 1930, a narrativa venezuelana, de um modo
geral, centralizava-se na questão da injustiça, da política e da crueldade; em parte,
22
devido às crises e aos conflitos internos, à rebelião estudantil, militar e à
desvalorização do café, do cacau, conforme afirma Luis José Silva Luongo, (2000:
13): “A forma que se enfrenta a rebelião estudantil e militar no ano de 1928 é própria
de um regime para o qual a paz e a ordem pública estão acima de qualquer outra
prioridade”. Loungo, (2000: 13): “[...] A Venezuela não teria ficado imune à crise
econômica provocada pela queda da bolsa de Nova York, pelo contrário, o país,
como inúmeros outros produtores de café, também teria passado por uma crise de
recessão. Segundo Silva Luongo, “[...] A queda da bolsa de Nova York, em outubro
de 1929, estremeceu os mercados de valores do mundo ocidental e deu início a
mais longa, complexa e dura recessão econômica”. Esses transtornos históricos e
econômicos venezuelanos propiciaram uma narrativa voltada para a realidade do
país. Com isso, aos poucos, a narrativa venezuelana foi adquirindo voz própria e
alcançando seu auge através de ilustres escritores como: Pedro-Emilio Coll, Julio
Garmendia, Teresa de la Parra, Rómulo Gallegos, Arturo Uslar Pietri e Guillermo
Meneses.
Em relação a Meneses, podemos afirmar que a partir dele nasce o segundo
período literário venezuelano, como afirma Delprat (1996: 278): “O segundo período
da literatura venezuelana é marcado com precisão a partir de 1950, com a
publicação do romance El Falso Cuaderno de Narciso espejo e do conto 'La mano
junto al muro' de Guillermo Meneses”. Este pensamento é compartilhado por José
Balza, (1981: IX) ratifica as palavras de Delprat: “[...] Essas duas obras de relação
tão diferentes, são o centro dessa personalidade criadora e da narrativa
venezuelana até hoje (1981)”.
Ressaltamos alguns aspectos relevantes da biografia de Meneses. Ele
nasceu em Caracas, Venezuela, no dia 15 de dezembro de 1911, e morreu em
Porlamar, em 29 de dezembro de 1978. Ainda estudante secundarista, em 1928, ele
enfrentou o regime ditatorial do então presidente Juan Vicente Gómez, que o enviou
como prisioneiro para um antigo Castelo de Puerto Cabello, em San Felipe, onde
permaneceu preso durante um ano. Mais tarde, Meneses cita, em suas obras, esses
momentos em que viveu nesse castelo/prisão. O Castelo acaba sendo abandonado,
transformando-se em centro de prostituição e se tornou cenário do conto La mano
junto al muro, que iremos detalhar mais adiante. Meneses doutorou-se em Ciências
Políticas, prestou serviços junto ao Ministério de Relações Exteriores, foi jornalista,
23
romancista, novelista e contista. Em 1951, sua novela La Balandra Isabel llegó esta
tarde foi premiada no Festival Internacional de Cannes.
Javier Lasarte enfatiza o amadurecimento da narrativa de Meneses. Para o
autor, é perceptível nos contos Borrachera, Luna, Adolescencia e outros, um
primeiro Meneses, preocupado com diferentes tipos humanos sociais, conforme
Javier Lasarte (1968: XIII):
[...] A censura moral desse primeiro Meneses diante de certas formas e atitudes diminuídas no novo estilo de narrar- esse adolescente fanfarrão, abre as portas a um outro tipo de relato e sobretudo a um outro tipo de personagens, os marginalizados sociais, os negros ou mestiços.
Já na década de 1940, ainda segundo Lasarte (1968: XIX): “Os contos que
publica Meneses a partir de 1946 mostram um rosto muito diferente ao dos anos
trinta”. Porém, como o autor assinalou o conto El falso cuaderno de Narciso espejo
inova o estilo de romance de Meneses e abre as portas ao mais complexo de seus
contos, La mano junto al muro, quando Meneses ganha o concurso de contos
promovido pelo jornal El Nacional. Este conto teria as características da renovação
estilística de Meneses, como pensa Lasarte, (1968: XXVII): “[...] 'La mano junto al
muro', um bom exemplo de mudança que deu a narrativa de Meneses em
comparação a outros contos escritos por ele anteriormente”.
O conto La mano junto al muro é nosso objeto de investigação, para o qual
nos propomos a analisar criticamente e verificar seus mistérios, suas dúvidas e seus
enigmas. Reforçando o que Lasarte afirma sobre Meneses, Balzar destaca, (1981:
IX):
[...] Esse personagem caraquenho que era Meneses, somente pode chegar a escrever 'El Falso Cuaderno de Narciso espejo' e 'La manojunto al muro' depois de muito copiar-se a si mesmo, através de contos e novelas, publicados a partir de 1950.
Durante várias décadas os nomes de Garmendia, de Gallegos e Uslar Pietri
representaram a literatura venezuelana. Porém, a partir da década de 1950,
Meneses inova a narrativa literária, chegando a surpreender a crítica. Como afirma
Barrera Linares (1997: 129): “De modo que o peso de Meneses na narrativa
24
venezuelana contemporânea é mais importante do que se possa acreditar [...]”.
Segundo esse crítico, a obra meneseana segue um processo (1997: 113): “[...]
encontramos na obra meneseana um processo evolutivo que avança desde formas
muito tradicionais (lineares, transparentes) aos textos mais elaborados e inovadores,
mas sem essa espécie de ruptura em etapas”. Assim, postulamos que a obra
meneseana torna-se importante referência na literatura venezuelana
contemporânea. Como o propósito é investigar como Meneses fez esse avanço
narrativo e se ele interferiu na narrativa venezuelana na década de1950, depois do
que acabamos de averiguar sobre Meneses, não nos resta mais dúvidas de que as
obras que citamos anteriormente têm propiciado mudanças significativas na
narrativa venezuelana, o que se respalda na afirmação de Balzar (1981: X ):
A presença de um narrador dentro da narração, como aconteceu em Cervantes (ou no teatro de Shakespeare), é a característica de Meneses. Meneses, nome da nossa novela amadurecida. Ele viveu em um tempo que exigia a ficção ser como ele mesmo. O seu olhar rápido e cortante detinha a realidade. O olhar cínico e humorístico ao mesmo tempo, introduzia na aventura formal de suas ficções, um perfil que caracteriza a ausência do 'completo', do 'terminado', e do 'apto'. Seus textos estão apoiados na dualidade de um protagonista que é, ao mesmo tempo, testemunha, codificador, noções ocultas, descreve, interpreta, conjura e desfaz o contato.
Todas essas características se fazem presentes nas duas obras de Meneses
que marcaram a década de 1950. Sabemos que nessa década e, mais
especificamente, na de 1960 a América Hispânica foi contemplada por uma série de
escritores já mencionados anteriormente, que contribuíram com a narrativa do
“boom”, como afirma Delprat (1996: 307), ao citar Octavio Paz:
[...] se a literatura russa havia coberto o cenário Ocidental na primeira metade desse século, [refere-se ao século XX], agora é a nossa vez- esquecidos e periféricos- acrescentar nossas forças imaginativas ao patrimônio mítico do Ocidente no que restava ainda desse século.
Como dito anteriormente, as duas grandes obras na década de1950, o
romance El Falso Cuaderno de Narciso espejo e o conto La Mano Junto Al Muro,
marcaram uma nova etapa na narrativa de Meneses. A partir desse último conto,
como afirma Delprat, (1996: 278), “[...] o autor caraquenho não só dá uma reviravolta
na sua narrativa, como muda a história literária da Venezuela”. Este fato contribuiria
25
para a mudança de paradigma no favor literário da Venezuela, Delprat acrescenta,
(1996: 281): “Depois de Meneses- autor estritamente literário- nossos criadores
maiores e menores começam a escrever com outras perspectivas”.
A narrativa de Meneses torna-se, portanto, referência para outros escritores
venezuelanos. Entretanto, pode-se perguntar sobre o reconhecimento de Meneses
no continente. Se Meneses é referência para outros escritores venezuelanos, por
que seria pouco conhecido no cenário latino-americano? É fundamental que se
conheçam as razões pelas quais ele é pouco divulgado no continente.
Para Saúl Sosnowski, no seu comentário sobre a “Nova Novela Hispano-
Americana”, aborda vários aspectos que levam alguns escritores hispânicos a se
unirem para buscar um novo estilo literário para a América de língua espanhola: os
acontecimentos políticos, a Revolução cubana, a presença do regime ditatorial em
vários países, a própria situação de crises vivenciadas pelos países hispânicos
foram, segundo o autor, elementos inspiradores para essa nova maneira de
escrever. Com muita frequência, os escritores que viviam na Europa, se
encontravam para debater sobre a responsabilidade da palavra escrita, da leitura
particularmente polêmica que ainda não havia surgido efeitos no meio dos leitores.
Havia uma intenção de capacitar o leitor para que ele transformasse o seu hábito de
ler, de um simples prazer diante do tradicional, para uma leitura de maior
compreensão e comprometedora da “Nova” narrativa proposta pelos escritores.
Sosnowski, (1995: 397):
[...] as obras de um seleto grupo de autores tem sido aglutinadas aparentemente imprecisas, mas ao mesmo tempo rotuladas pela Nova narrativa hispano-americana. Suas obras maiores têm questionado o lugar que o ser ocupa no mundo submetido a drásticas transformações, sem deixar de responder, a própria configuração das suas respectivas camadas culturais.
Diante do exposto notamos, embora não se possa afirmar categoricamente,
é que já havia entre os escritores hispânicos uma predisposição, certa afinidade
entre eles para discutir temas que seriam inseridos na nova trama literária e que, por
conseguinte, os escritores que não fizessem parte desse seleto grupo acabavam
ficando de fora, como afirma José Donoso sobre a origem do “Boom” (1972: 13-14):
26
[…] Ninguém, nem crítico, nem público, nem escritores, se puseram de acordo sobre que novelistas e que novelas pertencem ao “Boom”. Quais são os prêmios, os editoriais, os agentes literários, os críticos e as revistas aceitas, e durante quanto tempo e sob que condições se estendem essa aceitação. Tiraram o “Boom” do mundo da literatura e o introduziram no mundo da publicidade […].
Em outro momento Donoso alerta que as literaturas nacionais, antes do
“Boom” eram reconhecidas em âmbito local, como ele mesmo enfatiza, (1972: 19):
[…] Antes de 1960 era muito raro ouvir falar da novela hispânica contemporânea. Existiam novelas uruguaias, equatorianas, mexicanas, e venezuelanas. As novelas de cada país ficavam confinadas dentro de suas fronteiras e sua fama, sua propriedade permanecia, na maior parte dos casos, como assunto local.
Podemos dizer que de certo modo os escritores hispânicos viviam isolados
na realidade de seu país. Um dos pontos polêmicos que Donoso levanta no seu
texto nos faz pensar que, nas décadas de 1950 e 1960, muitos escritores e obras
Hispânicas deixaram de ser mencionados no cenário da América de língua
espanhola por simples interesses caprichosos de críticos, de editoriais ou do próprio
grupo seleto (1972: 24-26):
[…] a qualidade literária, então, ficava supeditada a um critério mimético e regional. Os problemas sociais, as raças, as paisagens , que se transformaram em vara para medir a qualidade literária . A qualidade de uma obra só podia ser apreciada pelos habitantes do país ou da região descrita.
Muito temos que descobrir, mas o que observamos é que os escritores
venezuelanos, principalmente Meneses, não são mencionados dentre os hispânicos
porque seus escritos não faziam parte dos interesses dos críticos deste continente.
Delplat assinala que os escritores que não lançavam mão do modernismo
internacional ficavam no âmbito local, sem reconhecimento, uma vez que, como
afirma o autor, (1996: 377):
[…] Carpentier, mais especificamente Carlos Fuentes, sente a necessidade de se distanciar de Rómulo Gallegos para criar suas obras, para estabelecer a diferença e a originalidade delas. Gallegos será arcaico e pré-moderno na medida em que Fuentes esteja em dia e seja moderno e com
27
ele toda narrativa do “Boom”. Fuentes e seus colegas do “Boom” decidem pelas obras do modernismo internacional, e não da vergonhosa visão local, “Sul Americana.
Sabemos que as obras do “Boom” são obras de circulação internacional,
enquanto que as obras de Gallegos e as de Meneses eram consideradas fenômenos
regionais, pouco conhecidas no cenário mundial. Mesmo quando Meneses rompe
com o tradicional, deixando para trás a narrativa regionalista, como ocorre no conto
La mano junto al muro ou El falso cuaderno de Narciso espejo, ele permanece
esquecido no cenário literário Hispânico. Acreditamos que foram esses motivos
mencionados acima, além da possibilidade de interesses particulares, como
mencionado anteriormente, foram alguns dos fatores que contribuíram para que
Meneses não fosse mencionado na lista dos grandes nomes de escritores
Hispânicos de língua espanhola. Entretanto, embora não sendo citado, afirmamos
que ele não deixou de contribuir com a narrativa da América espanhola, através de
seus escritos que contribuíram com a narrativa venezuelana nas décadas de 50 e
60.
29
III. A NARRATIVA DE GUILLERMO MENESES
Guillermo Meneses fez parte da Geração literária venezuelana de 1928,
juntamente com outros estudantes dessa época, que resolveram enfrentar as
autoridades para protestar contra o poder norte-americano. Esta data é significativa
para o continente, uma vez que no continente latino-americano, as manifestações
culturais contra os Estados Unidos foram intensificadas. Sobre esse ponto, tal qual
afirma Douglas Bohórquez, (2007: 169-170):
[…] O termo 'Geração de 1928', era para designar ao grupo de estudantes que em fevereiro desse ano protestam contra o ditador Juan Vicente Gómes. Em 1927 esse grupo de estudantes da velha Universidade de Caracas, planeja reconstruir a Federação de estudantes de Venezuela e organizar a semana do estudante durante as próximas festas de Carnaval, previstas para os dias 6 a 12 de fevereiro de 1928. Eles recebem apoio dos poetas Miguel Otero Silva, Fernando Paz Castillo, Jacinto Fombona Pachano, Pío Tamoyo e outros, que em determinado momento da celebração da semana do estudante alguns deles gritavam palavras de ordem contra a ditadura e contra a presença Norte-americana em território Venezuelano.
Dentre esses jovens estudantes se encontrava Meneses, que já se
destacava no cenário literário, como Antonio Arráiz e Miguel Otoro Silva, de acordo
com Bohórquez (2007: 173):
[…] alguns dos jovens que participaram dos atos de celebração e de subversão da semana do estudante de 1928 já são escritores iniciantes que começam se destacar no ambiente literário, dentre esses destacam-se Antonio Arráiz, Miguel Otoro Silva e Guillermo Meneses.
Esses escritores, que marcaram sua presença na semana do estudante,
posteriormente inspirados nesse momento histórico vivenciado por eles, deixaram
seus escritos como registro desse acontecimento, como é o caso de três obras
citadas por Bohórquez (2007:174): “[…] As novelas Todos íbamos desorientados de
30
Arráiz, (1951), Fiebre de Otero Silva (1939), e El falso cuaderno de Narciso espejo,
de Meneses (1953), [...]” elas são desde diferentes perspectivas estáticas, a
revelação e testemunho das comemorações políticas e literárias do ano 1927.
Em El cuaderno de Narciso espejo, Meneses mostra o gesto da rebelião que
o transformou em fato novelesco. No conto La mano junto al muro, ele descreve
como cenário, um antigo castelo abandonado que se transformou em prostíbulo,
como veremos nos próximos capítulos. O mais curioso é que Meneses, não era um
universitário nesse período de 1927, tinha apenas 16 anos e terminara os estudos
de bacharelado, no entanto, já frequentava movimentos estudantis universitários
dando sua contribuição como cidadão inconformado e observando a situação
política de seu país, que em um futuro próximo, serviu para inovar a narrativa
venezuelana. O pensamento do pequeno Meneses vai sendo construído ao longo da
história da Venezuela. A preocupação desse jovem escritor em estar inserido no
contexto social, político de seu país, desde os primeiros momentos de sua vida
estudantil, mostra o grande amor que ele tinha pela Venezuela e pelas Letras. Isso é
demonstrado nos seus primeiros exercícios literários onde ele busca retratar a
realidade venezuelana ao publicar, em 1934, seu romance Canción de Negros e seu
conto La balandra Isabel llegó esta tarde, que marcaram o seu estilo narrativo até
1945. Nesse período a literatura venezuelana tinha como eixo temático o Crioulismo,
movimento literário que toma a palavra crioulo, definida por Urdaneta da seguinte
forma, (1994:379):
[…] Crioulismo provém do Latim Creare, dando origem aos verbos em castelhano Crear e Criar. Um dos derivados de Criar é Crío. De Crío provem o crioulo, que na época colonial, se usava para designar o filho de espanhóis nascidos na América. Ampliando o seu significado, o termo crioulo passa a ser designado a todas aquelas manifestações materiais, ou espirituais, as características típicas dos povos hispano- americanos.
Ao termo “crioulo” se associa a ideia e o sentimento nacional, como também
em “música crioula”, “baile crioulo”, “bebida crioula”. Alguns escritores venezuelanos,
colombianos, peruanos ressaltaram as características do crioulo ou suas
manifestações populares como uma ação para destacar o sentimento nacional. Por
isso, na obra Campeones, Meneses busca expressar o espírito de reconstrução
nacional que se viveu depois da queda do general Vicente Gómez, empregando a
31
ideia de literatura como instrumento de educação e mudança social. A atitude
reformista perante o popular na narrativa de Meneses, pode encontrar o ponto mais
alto de desgosto para o leitor no conto Borrachera,como descreve Lasarte
(1968:XVI):
[...] Borrachera, conto publicado inicialmente na revista Cubagua, onde Meneses era diretor, o suposto desaparecimento dessa revista se deu depois que os assinantes retiraram sua contribuição por considerar o conto demasiado sujo e de mal gosto.
A problemática desse conto gira em torno da exploração do mundo marginal
do bar, da bebedeira, do vício, da perversão, da prostituição. A prostituta era
considerada uma mulher grotesca e repugnante, uma pessoa moralmente
pervertida. Nesse sentido não existe semelhança entre essa personagem do conto
Borrachera com a personagem Bull Shit do conto La mano junto al muro, onde “Ella
nunca recuerda nada. Nada sabe. Aquí llegó. Había un perro en sus juegos de niña.
Él diría que eres igual a una virgen flamenca. Te quiero más que a mi vida. Pareces
una virgen flamenca. Bull Shit” (1968:186,194 e 195). Para a Venezuela nesse
período de 1936, os temas tratados nesses dois contos (Borrachera) e 1968 (La
mano junto al muro), eram motivo de censura e forte moralidade, pois o país passara
por um longo período de ditadura e, por conseguinte, tramas dessa natureza eram
proibidas pelo regime militar.
Ao retomar o tema do crioulo, mencionado anteriormente, Urdaneta explica,
como a partir dele, surge o crioulismo (1994: 379):
[…] do crioulo surge o crioulismo, que no final do século XIX dá-se o nome a uma corrente literária, que se basearia exclusivamente em termos próprios e características de um país ou de uma região. São relacionados particularmente com os aspectos da vida popular e os ambientes rurais, por entender-se que uns e outros representam o mais genuínas e autêntica alma de uma nação.
Se a narrativa de Meneses até 1945 foi marcada pelo crioulismo, observa-se
que a partir de 1950 há um corte nessas relações, como descreve Lasarte (1969: X):
32
[…] Textos como ' Adolescencia', 'La balandra Isabel llegó esta tarde', 'La mano junto al muro', o 'El falso cuaderno de Narciso espejo', são obras centrais de uma hipotética coluna sobre a qual se edificou o edifício dos signos resgatáveis da nossa narrativa contemporânea e, ao mesmo tempo, através dessas obras citadas, a partir dos anos 50, Meneses buscou cortar as relações com o modelo crioulismo.
As obras mencionadas acima têm certa relação entre si, como descreve
Lasarte, (1968:X): “[...] dessa maneira, 'Juan del Cine' e 'Adolescencia' prefiguram a
'El Duque' e 'El falso cuaderno de Narciso espejo'”. La balandra Isabel llegó esta
tarde culminará em La mano junto al muro, obra essa que será objeto de nossa
pesquisa.
IV. ALGUNS ASPECTOS DO CONTO DE MENESES
Mencionamos anteriormente que o nosso propósito é de analisar
criticamente a contística de Guillermo Meneses. Com esse intuito, lemos os contos
do autor venezuelano e selecionamos La mano junto al muro, por inovar o tempo
narrativo, a ciclicidade e a abertura da obra antecipando Umberto Eco e Julio
Cortázar. A respeito do referido conto, Barrera Linares afirma (1997: 125):
Pode ser uma ousadia afirmar que um só conto seja suficiente para encontrar um lugar paradigmático na história da narrativa latino-americana, mas esse parece ser o caso de Meneses com 'La mano junto al muro'. Pode-se ler tantas vezes como se deseja e esse relato resiste fortemente à apreensão definitiva. Aceita cada leitura como se fosse a primeira e se sustenta sobre uma ambiguidade que quase esbarra no doentio.
Em outro momento, Barrera Linares continua, (1997:128): “Como se pode
notar, a história jamais termina, cada vez que termina, seu final indica uma volta ao
início, se esclarece dentro do próprio texto mesmo quando aparece a frase' Hay en
esta pared un camino de historias que se enrolla sobre sí mismo”. A presença do
mistério e do enigma é bem marcante na obra de Meneses. A história inicia com
uma dúvida: quem matou a única personagem feminina? No local estiveram dois ou
três marinheiros? E termina sem uma aparente solução. Isso demonstra o quanto
33
Meneses como contista perpassa a comparação que Julio Cortázar descreve ao
comparar o fotógrafo e o contista (1993:385):
[…] O fotógrafo e o contista se vêm necessitados a escolher e limitar uma imagem ou uma coisa que acontece que seja significativa, que não valha por si mesma, mas que seja capaz de atuar no espectador ou no leitor como uma espécie de abertura, de fermento que projeta a inteligência da sensibilidade que vai mais além do visual vislumbrante ou um sucesso literário contido na foto ou no conto.
Percebemos nitidamente no conto La mano junto al muro no desenrolar da
trama que o autor/narrador surpreende o leitor deixando-o perplexo com as
surpresas que aparecem ao longo da obra, quando tudo se encaminha para o
desfecho final mas, num passe de mágica, retoma a trama. Esta estratégia
demonstra o quanto o contista é astuto e perspicaz ao surpreender o leitor.
Cortázar, em Algunos Aspecto del Cuento, refere-se ao bom contista,
destacando alguns aspectos pertinentes ao que estamos afirmando sobre Meneses,
(1993: 385): “[…] O bom contista é um boxeador muito astuto e muitos de seus
golpes iniciais podem parecer pouco eficazes quando, na realidade, já estão
minando as resistências mais sólidas do adversário”.
Essa definição que Cortázar faz do contista, respalda o que já detectamos
na obra de Meneses, quando ele surpreende ao leitor ao retomar a trama no
momento em que esta parecia estar terminando, como dissemos acima.
Cortázar acrescenta outras características ao afirmar que, (1993:390): “[...] o
conto tem que nascer ponte, tem que nascer passagem, tem que dar salto que
projete o sentido inicial descoberto pelo autor […]. Para o autor, não basta querer
ser contista, pelo contrário, as técnicas de escrita devem ser seguidas com
criatividade, ou seja, para ser contista não basta ter apenas “boa intenção”.
Enrique Anderson Imbert, em Teoría y Técnica del Cuento (1992), também
faz alusão relevante a cerca do conto. Para o autor o mais importante é o uso da
imaginação onde o narrador dá conta do real, mas articula este real com o
imaginário: “O conto vem a ser uma narração breve em prosa que, por muito que se
apoie em um suceder real, revela sempre a imaginação de um narrador individual”.
34
Nesse sentido, o conto La mano junto al muro segue essas técnicas,
envolvendo o leitor. Não por acaso, esse conto foi reconhecido como a obra prima
de Meneses e supera todas as demais escritas por ele, tanto na trama quanto na
complexidade dos personagens. Vale ressaltar que essa obra foi escrita antes que
Cortázar dissera a respeito do bom contista e do bom conto. Por isso, podemos
afirmar que Meneses, no conto La mano junto al muro, antecipa a narrativa do real,
do ficcional proposta posteriormente por Borges.
O conto apresenta uma narrativa formal escrita, embora tenha
características de oralidade como, por exemplo, as constantes repetições de falas:
“Hay aquí un camino de historias enrollado sobre sí mismo como una serpiente que
se muerde la cola”. A imagem da serpente que morde a própria cauda poderia ser
considerada como oroboros, mito de origem egípcia, druida, indiana ou hebraica, já
que ob significa serpente. Como afirma Chevalier (1990: 716): ”Simboliza o ciclo da
evolução voltando-se sobre si mesmo. O símbolo contém ideias de movimento,
continuidade, autofecundação, e em consequência, eterno retorno”. Poderia também
ser considerado símbolo da ressurreição.
Barrera Linares, embora com outras palavras, também afirma a ideia de
movimento que o conto apresenta, (1997: 127): “Seu eixo fundamental gira em torno
da predominância de um conjunto de histórias múltiplas, que se entrecruzam, se
mesclam e se influenciam para finalizar em uma significativa atmosfera de
ambiguidade”. Este caminho de histórias, enrolado sobre si mesmo, leva a
conceituar o conto como um metatexto2, um texto que se volta sobre si mesmo.
Quando se pensa que vai acabar, o conto reinicia desde o ponto de origem dando a
ideia de “um beco sem saída”. Se por um lado, o texto se volta sobre si mesmo; por
outro lado, a cada momento em que o narrador repete “Hay aquí un camino...” é
como se a história recomeçasse, à semelhança de As mil e uma noites, uma
narrativa milenar que foi registrada a partir da literatura oral.
Em As mil e uma noites, a personagem Sherazade conta a seu marido
histórias para afastá-lo da terrível ideia de matá-la. Para seguir vivendo, ela deveria
continuar a história sem que houvesse um final e, assim, sua existência não teria o
2metatexto] “serie de condiciones que preconstituyen la producción y la lectura de un texto, dentro de una estructura social dada. Ese medio para la transmisión y reactualización de ciertas reglas o principios”. In: BERISTÁIN (1992) pp.327-328.
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fim trágico a ela destinado. Em La mano junto al muro também não há um fim, no
entanto, a trama é distinta porque, no conto de Meneses, não é a personagem que
dá continuidade à história, mas sim o próprio autor que, por meio do narrador,
recomeça a história impossibilitando o desfecho, embora não se saiba ao certo
quem a matou, e se eram dois ou três os marinheiros suspeitos.
A narrativa cíclica dá a ideia de ser uma história infinita, enrolada em si
mesma e em um espaço limitado, em um ambiente fechado, a fortaleza. Como se
fosse um círculo, apresentando um movimento constante de pessoas entrando e
saindo, o que indica também a narrativa cíclica. O narrador conta a história em um
tempo muito curto, como se a trama estivesse acontecendo em uma só noite e que
essa noite fosse interminável.
Gaspar de Márquez cita o próprio Meneses, abordando o conto La mano
junto al muro, ao afirmar (1992, 506): “Uma ação curta, fechada sobre si mesma,
nela se oferece uma circunstância e seu término, um problema e sua solução”. No
entanto, essa definição que Meneses propõe poderia se dizer que enquanto uma
ação curta, fechada sobre si mesma procede, não se poderia dizer o mesmo do
problema ora levantado pelo narrador no conto, porque não há uma solução no
desfecho da trama, ou melhor dito, não há desfecho, somente trama. O leitor
permanece sem saber quantos são os marinheiros e se o narrador era também um
deles.
O mistério faz parte dessa narrativa do início ao fim. As dúvidas, as
incertezas, são situações marcantes nesse conto. Como afirma José Balza
(1955:13): “...considerar mentira a realidade e inventar mentiras como quem inventa
realidade era um jogo, considerando que era um jogo no qual se jogava a vida
mesma”. A vida estava em jogo e ao mesmo tempo era o próprio jogo. Esse é o
grande enigma do conto La mano junto al muro. De uma maneira muito sutil, o
narrador descreve o lugar onde ocorreu a trama, uma noite portenha, já que
transcorre na região portuária, em um forte de frente para o mar, que no passado
tinha sido uma fortaleza e que agora se transformara em centro de prostituição. O
mar que pode ser abertura, saída, possibilidade, mas ao mesmo tempo também,
pode ser porta de entrada de sujeiras, de piratas, de marinheiros sedentos de
prazeres e de aventuras amorosas, que acabavam misturando-se ao ambiente de
prostíbulo, tornando-o mais imundo. A descrição do local feita pelo narrador que,
36
aparentemente, pode ser uma ficção, torna-se real quando se sabe que o próprio
Meneses passou alguns meses ali, como afirma Javier Lasarte (1968: VIII-IX):
Meneses vai de encontro à ditadura de Gómez. Muda então as salas de aulas do colégio Santo Inácio, pela prisão nos campos de concentração de Las Colinas e Palenque, para onde é transferido por vários meses ao Castelo de Puerto Cabello, próximo ao mar do Caribe. Depois aproveitaria intensamente, nos seus contos e novelas, essa experiência vivenciada.
Ao se referir a essa mesma prisão de Meneses, Douglas Bohórquez (2007:
125) corrobora com essa afirmação, porém não se detém nos detalhes como
Lasarte, citado anteriormente. Para Bohórquez (2007: 125), “Guillermo Meneses é
outro dos jovens narradores que depois de participar dos atos de rebelião contra o
governo ditatorial de Juan Vicente Gómez, em 1928, é encarcerado durante um
ano”.
O que se sabe a respeito do Castelo de Puerto Cabello – Castillo de San
Felipe – é que foi construído entre os anos 1732 e 1741 e seria uma fortaleza para
guardar mercadorias dos ataques dos piratas que circulavam no mar do Caribe.
Após a Guerra da Independência da Venezuela, em 1821, essa fortaleza tornou-se o
último ponto desse país a ser libertado e isso aconteceu somente em 1823. Já no
início do século XX passou a ser uma prisão para onde o General Juan Vicente
Gómez enviava seus inimigos políticos. Se pensarmos na história da Venezuela,
poderíamos verificar em La mano junto al muro, fontes geográficas e históricas
pontilhadas no espaço ficcional. Entretanto, Meneses extrapola este espaço e
avança em direção ao imaginário 3.
V. A CONTÍSTICA DE GUILLERMO MENESES
Ao abordar a narrativa de Meneses e sua criatividade, Sofía Imber, chega a
afirmar (1995:9): “[...] um permanente caminho de perfeição que cada um assume 3 O imaginário, de acordo com o teórico francês Gilbert Durand, é um “museu [...] de todas as imagens passadas, possíveis, produzidas e a serem produzidas”. In: DURAND (1998) p. 6. Para o professor e crítico espanhol Justo Villafañe, “[...] las imágenes que surgen del nivel de lo imaginario, mantienen con la realidad nexos, que a veces son más sólidos de lo que una primera lectura hiciera suponer”. In: VILLAFAÑE (2002) p.30.
37
através da realização da sua obra, uma via de melhora construída com emprego de
palavra, com a força comunicadora de seu discurso [...]”. Ao se referir a Meneses,
Barrera não hesita em afirmar (1997: 112):
Não tenho mais desculpa a não ser confessar a minha mudança de posição no sentido de aceitar os dois fatos que já não se admitem dúvidas, um, que toda a homenagem prestada ao contista Meneses por 'La mano junto al muro' é, na realidade, muito mais que justa, dadas as dimensões assombrosas de um conto que bifurcou a história da narrativa venezuelana. Dois, que verdadeiramente devemos acreditar na palavra de José Balza quando, algumas vezes afirmou 'que a nova literatura venezuelana tem início com a obra “La mano junto al muro”
Dessa maneira podemos afirmar que Meneses se converte em um dos
contistas mais importantes da narrativa venezuelana nas décadas de 50 e 60. Antes
porém, na época de estudante, o próprio Meneses conta como eram as orientações
que ele recebia no colégio, (2005: 56-57):
[...] una de las normas más tranquilizadoras y gratas que me dieron en el colegio fue el consejo del padre Iturriaga, conforme el cual podía limitar el territorio de los pensamientos. Este límite- el que daba o negaba a un pensamiento condición de pecado – era el consentimiento. Los pensamientos podían estar moviéndose en la imprecisa lejanía del alma (o del cuerpo).
Em outro momento porém, Meneses já havia dito (2005: 55) :
[…] Lo oculto es sospechoso. La gente que siente la necesidad de esconderse atiende a la angustiosa llamada de la sombra y debe saber que los deseos que lo impulsan a actuar de manera encubierta permanecen a la oscura religión del pecado.
Entende-se o quanto foi difícil para Meneses se adequar a uma nova
narrativa literária e propor uma trama que condissesse com a realidade. Ele desafia
tudo e a todos que pudessem impedir a concretização de sua arte de escrever. Ele
mesmo fez questão de mencionar que ao longo de sua vida de escritor havia duas
tendência de escritas proposta por ele, (1998: 15-16):
38
[…] Es posible que haya dos tendencias en lo he escrito; una por la cual se tiende a realizar lo que podría llamarse 'realismo mágico', para usar frases muy del gusto de los años de mis comienzos literarios. Luego permanece, a lo largo de la vida entera, ese gusto por los supuestos valores de la duda, por la inseguridad del propio testimonio, por lo que puede deducirse características comunes a la generación a la que pertenezco.
Meneses teve que despojar do seu preconceito de moralista para tratar de
temas mais ousados e até certo ponto pecaminosos e proibidos dentro da narrativa
venezuelana nesse período (1951). E foi graças a sua ousadia que podemos
contemplar a obra La mano junto al muro, como uma resposta de libertação aos
seus antigos conceitos de pecado.
1. La mano junto al muro e a fugacidade da vida
O conto La mano junto al muro publicado em 1951, rendeu a Meneses o
prêmio do concurso promovido pelo jornal El Nacional, em que fazia parte do jurado
o escritor venezuelano Arturo Uslar Pietri. Trata-se de uma nova forma de narrar
meneseana. Como já já comentamos anteriormente, a partir desse conto, como
afirma Delprat (1996:278): “o autor caraquenho não só dá uma reviravolta na sua
narrativa, mas também muda a história literária da Venezuela”. Em outro momento
Delprat acrescenta (1996: 281): “Depois de Meneses – autor estritamente literário –
nossos criadores maiores e menores começaram a escrever com outras
perspectivas”.
O contista venezuelano deixou para trás a narrativa linear, repetitiva,
“apegada a uma velha tradição latino-americana que repousava em mitificação cega
dos heróis nacionais com discurso repetitivo, adulador, buscador de retribuições e
até grupos de interesses”, que contemplassem os caprichos políticos e econômicos
do regime ditatorial que se fazia presente em alguns países da América Latina nas
décadas de 1950 e 1960. Para Luis Barrera Linares (1997: 14), Meneses passa a
inserir em seus textos uma narrativa que “apela para recurso da ironia, da introdução
do jogo da narração, ainda que não encontremos aqui as falsas referências nem as
advertências sobre o caráter literário do narrador ...”(Delprat, 1996: 294). E isso
ocorre no momento em que Meneses percebeu que não era mais possível seguir
escrevendo obras com o mesmo estilo de narrativa que não contemplasse mais as
39
exigências dos leitores, que até então, ao iniciar a leitura de uma obra, já sabia de
antemão como seria o final da trama proposta pelo autor/narrador.
Com esse intuito, prossegue (Delprat, 1996: 281). “[...] o ingrediente dos
intervalos penumbrosos e uma alta dose de consciência de escrito, vindo de Julio
Garmendia e Meneses, cruzam a ficção venezuelana com toda naturalidade”, o que
permitirá nessa combinação o desembocar no mais realismo fantástico. Ao
mencionarmos Julio Garmendia se faz necessário dizer que ele foi referência
literária para Venezuela na década de 20 como afirma Urdanete, (1994: 296-297):
O livro 'La tienda de muñecos', (publicado em 1927), significou uma verdadeira sacudida na arte de narrar em Venezuela. No livro nem a linguagem, nem a técnica, nem a temática estão submetidas às orientações literárias em moda na Venezuela dos anos 20. Sua atitude de escritor literário ia ligada a uma firme vontade de retornar ao mundo maravilhoso.
Em outro momento de seus escritos, Urdanete acrescenta (1994: 300): “Julio
Garmendia se coloca, pois, desde muito cedo, na primeira fila dos narradores
fantásticos do nosso continente. E ainda mais, Garmendia, mais que um dos
iniciantes, é o iniciador continental da narrativa fantástica Hispano-americana”. Para
sacramentar ainda mais a importância que Garmendia teve para a narrativa
venezuelana, vejamos o que nos diz também Delprat, (1996:274): “Julio Garmendia
é, em si mesmo, autor na metade dos anos 20 de um dos raros contos de ficção,
nele desde o imaginário anuncia obras e criadores do futuro como Felisberto
Hernández, Cortázar, Borges...”. Podemos dizer que Garmendia antecipa a estes,
que somente na década de 60, irão revolucionar a narrativa Hispano-americana. O
fato que nos levou a mencionar a Garmendia é de suma importância, porque ele e
Meneses inovaram a história da narrativa venezuelana ao longo da sua existência
em distintas épocas e, por conseguinte, seus escritos interferiram no senário literário
da Venezuela sem sombra de dúvida. Argumentamos que Garmendia foi referência
para seus contemporâneos nas décadas de 1920 e 1930 como Meneses foi nas
décadas de 1950 e 1960. Esses dois escritores venezuelanos são os ícones da
narrativa Venezuelana ao longo da sua existência.
Sabe-se que uma nova proposta de narrativa não nasce da noite para o dia,
“nenhum texto literário acabado, definitivo surge do nada, como resultado de
estudos milagrosos e descontextualizados” (Barrera, 1997: 112). Meneses foi
40
influenciado por outros escritores de prestígio, como: “Oswaldo Trejo, Salvador
Garmendia, Carlos Noguera, Laura Antillano e outros mais” (Barrera, 1997: 113).
Tanto esses influenciaram nos seus escritos, quanto ele se predispôs a propiciar
uma nova escritura que desse vida à literatura venezuelana, que até então havia
ficado submissa a uma estreita aliança que havia entre o poder e os escritores que
se manteve por muito tempo pelos interesses dos envolvidos. A mudança ocorreu
quando os escritores venezuelanos, dentre estes, Meneses, adquiriram autonomia.
A dependência e a submissão impediram os escritores de manifestarem seus
pensamentos e escreverem obras que contemplassem o seu próprio sentimento
durante muitos anos. E isso marcou profundamente a falta de uma narrativa que
viesse a se destacar nas Letras e, consequentemente, prejudicando a presença da
Venezuela no cenário literário latino-americano da Língua espanhola durante muitos
anos.
1.1 A estratégia narrativa de Guillermo Meneses
A nova estratégia de Meneses, em La mano junto al muro, ao apresentar o
narrador, cria a incerteza, a dúvida: eram dois ou três marinheiros? Inclusive
lançando o próprio narrador como um dos possíveis suspeitos. Meneses leva o leitor
a iniciar o ato, voltar a ler e a questionar; deixa que o texto faça parte da vida do
leitor para tentar descobrir aonde a história pode chegar. No entanto, a presença do
real, do imaginário e da metáfora é muito marcante na obra de Meneses,
principalmente quando o narrador afirma, (1968 :186):
[...] Ella nunca recuerda de nada. Nada sabe. Aquí llegó. Había un perro en sus juegos de niña. Juntos, el perro y ella ladraban su hambre por las noches, cuando llegaban en las bocanadas del aire caliente las músicas y las risas y las maldiciones […]
.
Gaspar de Márquez, em seu texto “Teoría y Práctica del Cuento” (In:
Barrera Linares, 1992: 503), chega a comentar: ”Literatura como ação construtora de
mudanças, experiência verbal que inventa a realidade na medida em que se constrói
a si mesma e inventa o fazer poético”. Percebemos que essa afirmação é cabível no
conto de Meneses, porque existe um diálogo da própria obra consigo mesma
41
quando a história não avança entre “muro”, “mano”, “castillo”, “camino de
historia” e “en el espejo”. Também não avança com o mundo, aqui representado
pelo mar, que poderia ser a abertura para novas perspectivas de vida; entretanto, o
espaço em que a história se desenvolve, uma fortaleza, se situa entre o mar e a
cidade, um espaço muito limitado.
Logo na primeira frase do conto o narrador emprega dois vocábulos
determinantes, que chamam a atenção do leitor: “relâmpagos” e “fogonazos”. De
acordo com Chevalier (2009: 776-777), o relâmpago é comparado à ejaculação
masculina, e simboliza o ato viril de Deus na criação. A associação simbólica do
relâmpago e da fecundidade é frequente no pensamento oriental e pré-colombiano;
esse elemento poderoso da natureza, assim como o raio, abre a nuvem para
transformá-la em água, podendo também provocar o parto na mulher grávida. O
vocábulo “fogonazos” em espanhol pode ser traduzido por “chamas”, que se
entende, conforme Chevalier (2009: 232), ”No sentido pejorativo e noturno, chama
pervertida, ela é o pendão da discórdia, o sopro da inveja, a brasa calcinante da
luxúria, o clarão mortífero da granada”.
Acreditamos que o narrador se expressasse a respeito do lugar onde as
pessoas iam para passar algum tempo de prazer pelo fato do castelo ter-se
transformado em centro de prostituição. A mulher que o narrador descreve é a que
“[...] ascedía el escándalo sobre el cielo del trópico.”(1968: 177). É a mesma que ele
inocentou ao afirmar (1968: 180): “Cuando ella llegó, el comercio de los labios, de
las sonrisas, de los vientres, de las cadenas, de las vaginas, tenía ya sentido
tradicional”.
Em outro momento o narrador chega até a afirmar que o próprio bairro já era
centro de práticas sexuais (1968: 180) “Se nombra al barrio como al centro
comercial de los coitos en el puerto. Cuando ella llegó ya esto era entre las gruesas
paredes de lo que fue fortaleza”. O porto, o bairro, o Castelo, se transformaram em
locais marginalizados e cruéis.
1.2 Os personagens e as máscaras em La mano junto al muro
Quanto aos personagens, destacam-se alguns, como os marinheiros, que,
desde o início, o leitor não sabe ao certo quantos são, dois ou três marinheiros.
42
Inclusive o narrador poderia ser um deles. O que ocorre no conto é um jogo do
tempo. Se por um lado, os dois gorros indicam que a narrativa se encontra no
passado, o que Bull Shit viveu; por outro lado, os três gorros sugerem o presente,
quando ocorre o crime. Essa incerteza, gerada pelo jogo temporal permite ao leitor
interagir com a narrativa breve, porque logra uma expectativa por parte do receptor
em querer saber o motivo ora dois ora três gorros reais de marinheiros, e se o
narrador também estaria entre eles.
A presença de uma mulher, a principal personagem, intensifica o mistério do
conto. Essa mulher, que compartilha o espaço com outras, não é identificada pelo
nome, a não ser por Bull Shit, um suposto nome como o de qualquer prostituta,
porém pejorativo que (1968:186):
[...] desde ninã, en aquello oscuro, decidida a arrancar las monedas. Ella, en la entraña del monstruo en la oscura entraña aunque afuera hubiese viento de sol y de sal. Ella, mojada por sucias resacas junto al perro. Como después, junto a los otros grandes perros que ladran sobre ella su angustia y los nombres de sus sueños [...].
A personagem feminina do conto de Meneses não se sente segura em sua
vida à margem da sociedade. Esse sentimento de insegurança e fragilidade dos
vínculos humanos e dos desejos conflitantes de apertar os laços e, ao mesmo
tempo, mantê-los frouxos, é o que Zygmunt Bauman identifica como o medo 4.
A consistente crítica histórico-política e sua penetração no seio das
ideologias dominantes e dos mecanismos de controle social, tratada por Michel
Foucault (1985), iniciam com as confissões da Igreja Católica no século XVII para
demonstrar um dos “mecanismos de poder”, que principia no lar, passa pela
comunidade e atinge a sociedade. Para Bauman (2001), na modernidade, o trato da
intimidade é determinado pela lógica da individualização, que torna cada vez mais
viáveis a apresentação pública e a devastação da privacidade.
Ressaltamos também os estudos de Francisco Ortega (2000) que condiz
com a lógica da intimidade que tenta operar com o princípio de que todos os males
se devem ao anonimato e à alienação, oriundos das falhas comunicativas. Em La
4 [medo] Para Chevalier, monstro é o guardião de um tesouro. Ele está presente para provocar ao esforço, a dominação do medo, ao heroísmo. Já para Diel Paul, monstro simboliza uma função psíquica, a imaginação exaltada e errônea, fonte de desordens de infelicidades.
43
mano junto al muro, isso torna-se evidente quando a personagem Bull Shit não
interage com os marinheiros e “ella nada sabía” (1968: 181).
É muito marcante no conto a ausência de comunicação entre os
personagens. Por isso que a filosofia da sociedade de que fala Ortega, seria, então,
aquela calcada nas teorias da comunicação, segundo as quais todos os problemas
se reduzem a falhas de compreensão, causadas pela ineficiência comunicativa ou
pela função e disfunção do ato de comunicação. A força da palavra em
contraposição ao silêncio pode provocar ambiguidades. A palavra foi empregada
para dizer a verdade, e o silêncio para calar perante as forças repressivas, a serviço
dos tabus ou da covardia. No entanto, nem sempre ocorre desta maneira. Às vezes
a palavra não é suficiente para expressar o que vem na alma do personagem ou dos
que a cercam, e o silêncio torna-se eficaz, como o anonimato da personagem no
conto de Meneses e a aceitação por esta de um nome falso. O que leva Bull Shit a
calar-se e rir, concordando com o nome que lhe foi atribuído? Certamente o medo
de ser identificada. E como todos eram identificáveis por não possuírem nomes,
certos gestos como o riso, era uma maneira de todos expressarem as suas atitudes,
como vemos no conto: “Cuando él decía Bull Shit en un grupo de rubios marineros
extranjeros, todos reían. Ella metía su risa en la risa de todos...” (1968:183). A
presença do riso como atitude comportamental de Bull Shit e do grupo são
determinadas reações dela e do grupo diante da situação que viviam naquele
prostíbulo. Rafael Fauquié no seu texto, Llenos y vacíos comenta as possíveis
situações que o riso pode representar (2004: 10):
[…] O riso é muito eficaz para enfrentar o inaceitável ou para encarar o absurdo. É o gesto que nos distancia do desagradável. É sempre inovador. Sorrimos com os sorrisos dos outros e nosso sorriso repete, como um eco. Pela risada os dogmas se desfiguram e as razões se transformam. A risada nos distancia do brilho, da celebração. A risada pode ser a mais destruidora resposta contra a festividade, sobretudo, quando ela for desnecessária ou excessiva.
Dessa maneira, é possível entender melhor a razão pela qual a risada era
para os personagens um subterfúgio para continuarem no anonimato e esconderem
suas histórias nesse prostíbulo. Não ocorre o mesmo quando Jorge Luis Borges
(1992: 441), ao buscar um personagem para o seu conto El Zahir, comenta em seu
ensaio o modelo de mulher pensado por “[...] Edgar Allan Poe quando escreveu seu
44
famoso poema El Cuervo, na morte de uma maravilhosa mulher”. Borges (1992:
441) segue citando a Poe: “[...] a quem podia impressionar a morte dessa mulher, e
deduziu que tinha que impressionar alguém que estivesse apaixonado por ela”. A
mulher que Poe descreve por intermédio de Borges se chama “Leonor”. Borges
(1992: 441), por sua vez, chega à “[...] ideia de uma mulher, de quem estou
apaixonado, que morre, e eu estou desesperado”. Mas Borges (1992: 441-442), ao
apresentá-la como personagem do seu conto, afirma: “mas não decidi mostrar essa
mulher de um modo satírico, mostrar o amor de quem não esquecerá; todos os
amores o são para quem os vêem desde fora”. Por fim Borges (1992: 442) acaba
apresentado a personagem: “[...] uma mulher bastante trivial, um pouco ridícula e
não muito bonita. O homem que se apaixonado por uma mulher, não sabe viver sem
ela e, ao mesmo tempo, ela é a única para ele”, e isso é o que se pode observar no
conto El Zahir de Borges. No entanto, no conto de Meneses não sucede o mesmo
com a mulher “Bull Shit” . Os homens se aproximavam dela apenas para prática de
sexo e não lhe queriam como se fosse a única mulher de sua vida.
De uma maneira ainda mais surpreendente, em se tratando de mulher como
personagem, Mario Vargas Llosa (2003: 11-12), em sua obra Pantaleón e as
Visitadoras, apresenta as mulheres em uma missão-piloto para satisfazer as
necessidades sexuais dos soldados, que permaneciam isolados durante muito
tempo no meio da selva: “[...] a tropa da floresta anda traçando as 'cholas' (mestiças
de índio com branco), violações por todo o lado e os tribunais não estão dando conta
de julgar tanto safado. A Amazônia está que é uma falatória só”. Diante dessa
confusão o capitão Pantaleón Pantoja, um dos personagens da obra de Vargas
Llosa, envia o seguinte ofício ao General (2003: 29): “O abaixo assinado, capitão EP
(Intendência) Pantaleón Pantoja, encarregado de organizar e pôr em funcionamento
um serviço de Visitadoras para Guarnições, postos de Fronteiras e Afins (SVGPFA)
em toda a região amazônica [...]”. A partir desse momento ficou oficializado o serviço
das Visitadoras junto às tropas.
Podemos dizer que tanto na obra de Vargas Llosa, quanto na de Meneses, a
figura da mulher está representada pela prostituta. A diferença consiste no que
tange ao comportamento. Enquanto a personagem em Vargas Llosa vai ao encontro
das tropas, em Meneses ela fica esperando, recepcionando os que chegam, e
sempre em atitude de prontidão, embora tivesse que buscar apoio no muro.
45
Ao retomar o conto La mano junto al muro, além da personagem feminina
não possuir nome, os demais personagens também não possuem, exceto Dutch e
um homem citado no conto. Ao ficarem no anonimato, não queriam revelar suas
histórias. Inclusive, não davam valor a suas vidas, por serem desconhecidos,
marginalizados e por frequentarem um ambiente considerado desprezível. Em
alguns momentos, eles mesmos não se reconheciam como alguém. “Todo era igual.
Alrededor de todos, junto a todos, sobre todos -llamáranse Dutch, Bull Shit o Juan
de Dios” (1968: 183), como se fosse um “João ninguém”.
1.3 Os gestos, o grito e a fugacidade da vida
No conto La mano junto al muro, Bull Shit olhava para o marinheiro e se
detinha no cigarro que ele trazia entre os dedos: “[...] la mujer miraba cómo entre los
dedos del marinero brillaba el cigarrillo: un cigarrillo de metal, envenenado con
veneno de luna, brillante de muerte” (1968: 194). Afirmamos que não se tratava de
um cigarro, mas sim de um metal envenenado pelo veneno da lua, símbolo, entre
outros, da morte. A lua tem uma influência importante, porque ela pode exercer o
papel de transformadora, como no caso das lendas, quando a lua cheia “transforma”
o homem em lobisomem. No conto, a mudança de comportamento do marinheiro em
atitude ameaçadora. Bull Shit percebia essa ameaça: “[...] los dedos de ella
repiquetearon sobre el muro 'no, no, no'” (1968: 194). Como um gesto desesperado
pedia clemência, porque sabia que se tratava de um momento muito delicado e ao
mesmo tempo perigoso. O marinheiro por sua vez busca incansavelmente ficar com
ela, “[...] él le propuso matrimonio, cuando la comparó con una virgen flamenca
(1968: 194).
Existem dois fatos no momento da proposta de casamento que merecem ser
considerados: o primeiro se refere à proposta de casamento pelo marinheiro, o que
justifica a insatisfação dele, embora passasse momentos prazerosos no prostíbulo,
queria tê-la exclusivamente para ele sem que outros viessem a possuí-la. No
segundo, o narrador fala da comparação da mulher com a virgem flamenca. Na
cultura cigana, quando uma mulher e um homem vão se casar os dois não mantêm
relações sexuais antes do casamento. No conto isso não ocorre e, ainda mais, o
personagem leva a mulher a um colecionador de antiguidade: “Te llevaré a la casa
46
de un amigo que colecciona antigüedades“ (1968: 194). Esse colecionar
antiguidades é uma volta no tempo para poder resgatar a pessoa que outrora fora
virgem. Porém, o marinheiro percebe que, “pero no es posible, porque ese amigo
soy yo y hemos peleado por una mujer que vive en esta casa y que.eres tú”, ou seja,
ele a conhece desde os primeiros momentos que ela chegara nesse prostíbulo.
(1968: 194). É o momento de conflito dele consigo mesmo em querer sair desse
impasse em não tê-la somente por alguns momentos, mas para sempre, embora
sabendo quem ela era realmente. “[...] El gesto del marinero con el envenenado
metal del cigarrillo —o del puñal— era tan lento como si estuviese hecho de humo
[...]” ( 1968: 195). Por sua vez, a mulher “[...] movía los dedos sobre el muro;
tamborileaba palabras: ‘no, no, cuidado, aquí, aquí, adiós, adiós, adiós’” (1968:
195), como alguém que previa o fim dos seus dias. E o marinheiro tentando jogar a
última cartada repete: “Te quiero más que a mi vida. Pareces una virgen flamenca.
Bull Shit” (1968: 195). Foi quando ela viu a chama que o marinheiro abaixava: “...lo
vio. Gritó. La noche se cortó de relámpagos, de fogonazos. (Tiros o estrellas).”
(1968: 195). No decorrer da história, não se tem certeza de quem foi o assassino,
entretanto, o mistério volta a surgir após o grito de Bull Shit e a referência do
narrador aos “tiros” e “revólver” (1968: 195):
El del sombrero ladeado lanzaba chispazos con su revólver. Alguien salió hacia la noche. Hubo gritos. Una mujer corrió hasta la que se apoyaba en el muro; chilló: ‘¡Naciste hoy!’ el hombre repetía: Bull shit, virgen, te quiero’.
Algumas palavras e frases do conto são repetidas do início ao final,
destacamos a seguinte frase: “Esta es una historia que se enrolla sobre sí misma
como una serpiente que se muerde la cola. Falta saber si fueron dos los marineros.”
(1968: 195). Essa repetição reforça a ideia de que, no conto La mano junto al muro,
o enigma é marcante e sugere a intenção do autor de apresentar uma narrativa
cíclica, mantendo o mistério sempre presente.
O narrador assinala, logo nas primeiras páginas do conto (1968: 177-178),
para a mão de Bull Shit, apoiada sobre o muro, e o diálogo que ela mantém com um
homem a respeito da pedra fria desse muro. Por sua vez o narrador apresenta
algumas características da mão da mulher ao longo do conto: “[...] mano de uñas
pintadas...”. “[...] una mano pequeña, ancha, vulgar, chata, gruesa...”. “[...] sus dedos
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extendidos...”. “[...] Las uñas pintadas tamborillaron en movimiento...”. “[...] la mano
de una mujer angustiada...”. O homem estabelece um paralelo entre a mão e a
pedra, abordando a fugacidade da vida: “La piedra y tu mano forman el equilibrio
entre lo deleznable y lo duradero, entre la apresurada fuga de los instantes y el lento
desaparecer de lo que pretende resistir el paso del tiempo”. A mão, mais firme que
uma flor, é também efêmera. E a pedra seria duradoura, eterna? Embora não tão
perecível como a mão, a pedra está sujeita à ação do tempo (Meneses, 1968: 194):
“...el lento desmoronamiento de lo que fue hecho para que resistiese el paso del
tiempo [...]”.
2. Elementos significativos na construção de La mano junto al muro
Além dos personagens que integram o conto de Guillermo Meneses, temos
elementos significativos nessa construção, como: o muro, a moeda e o espelho. Ao
desviar o foco dos personagens, Meneses amplia, estrategicamente, a dúvida de
quem matou Bull Shit e o enigma se dilui em La mano junto al muro. Se por um lado,
o escritor venezuelano esvazia as suspeitas sobre o narrador ou outro personagem;
por outro lado, Meneses intensifica o suspense criado desde as primeiras linhas do
conto.
2.1 O muro: limite e identificação
Bull Shit fiscaliza os que entram e saem do centro de prostituição. A imagem
dessa mulher é um enigma como a mão colocada junto ao muro. Que mão é essa
que afaga os corpos e, simultaneamente, identifica-se com a força das pedras que
compõem o muro? O narrador menciona as grossas paredes onde a mulher se
apoiava como alguém que buscava forças para poder continuar vivendo, embora
sem saber aonde iria chegar: “La mano de la mujer se apoyaba en la vieja pared”
(1968:177). Essa velha parede, às vezes, era denominada pelo sujeito da
enunciação como muro, podendo ser compreendido como “[...] a comunicação
cortada, com a sua dupla incidência psicológica, segurança, sufocação; defesa, mas
prisão” (Chevalier, 2009: 626-627). O muro, nesse conto, aproxima-se,
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simbolicamente, ao elemento feminino. A mulher, em alguns momentos, apoiando-
se no muro, parece recepcionar os frequentadores do prostíbulo quando convoca:
“aquí, aquí” ou talvez “adiós, adiós, adiós” (1968: 178), logrando com isso a
indicação do lugar e, ao mesmo tempo, despedindo as pessoas para que outras
possam entrar para praticar o coito.
O narrador (1968: 179) destaca essa atividade e compara a personagem
principal a uma borboleta: “Si una mariposa detuviera su aletear en un segundo de
descanso sobre la rugosa pared, sus patas podrían moverse en gesto semejante al
de tu mano, diciendo aquí, aquí, o, acaso, adiós, adiós, adiós”. Na realidade não são
só os gestos, mas também o que ela representa, pois se considera esse inseto
como símbolo de ligeireza e de inconstância, portanto, símbolo da metamorfose. A
mulher também havia se transformado a partir do momento que chegou àquele
centro de prostituição. A sua vida era uma metamorfose constante. Vivia
aprisionada, dentro de um túnel sem saída, como descreve o narrador (1968: 182):
Luego era una sombra entre muchas. Una sombra en el oscuro túnel cruzado por fogonazos que era la existencia. Una sombra en la negra trampa cruzada por fogonazos, por estallidos relampagueantes, por cohetes y estrellas de encendidos color, por las luces del cabaret, por una frase encontrada de improviso, te quiero más que a mi vida. Pero todo era brillo inútil, como la historia enrollada sobre sí misma y ella nada sabía de la piedra ni de las historias ni de las luces que rompían la sombra del túnel.
O túnel é “via de comunicação aberta e escura. Símbolo de angústia pelo
medo da morte. O túnel é o símbolo de todas as travessias obscuras, inquietas,
dolorosas, que podem desembocar em outra vida” (Chevalier, 2009: 915-916). Era
realmente o que acontecia com aquela mulher: obscuridade, dúvida, inquietação,
angústia, incerteza, insegurança a cada momento da sua existência. Porém, o túnel
em que vivia a protagonista do conto não indica qualquer saída, como se costuma
dizer, “sempre há uma luz no fim do túnel”; portanto, em La mano junto al muro, o
túnel não tem saída.
Em determinado momento da narrativa (1968: 194), o marinheiro esclarece a
Bull Shit que aquele muro encerra destinos falsos:
Hay en esta pared un camino de historias que se muerde la cola. Trajeron estas piedras desde el mar, las apretaron en argamasa duradera para fabricar el muro de un castillo definitivo; ahora, los elementos que formaban
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la pared regresando hacia sus formas primitivas: reciedumbre corroída por la angustia de un destino falseado.
O marinheiro ao afirmar que trouxe as pedras do mar, símbolo de liberdade,
e as apertaram com argamassa, refere-se poeticamente às pedras “livres”,
entendidas como as personagens que compõem essa história e foram
enclausuradas na fortaleza, assim perdendo a liberdade primeira. Esse episódio traz
de novo o discurso metalinguístico, já que a fala do marinheiro se manifesta pela voz
do narrador. O autor, ao elaborar o conto, tornou possível a aproximação entre
personagem e pedra, entre palavra e texto. Enquanto a pedra forma o muro, a
palavra forma o conto.
2.2 A moeda e a busca de momentos de prazer
Em outro momento do conto La mano junto al muro, Bull Shit esbarra com
um homem adormecido, que não era marinheiro e nem aquele que lhe dissera que a
amava mais que sua própria vida, conforme afirma o narrador (1968: 192): “No , no
soy Dutch; tampoco soy el que te dijo te quiero más que a mi vida ni el que te habló
de otras mujeres a quienes quiero mucho. Soy otro corazón y otra moneda”. A
moeda pode ser entendida aqui como forma de pagamento pelo serviço que as
mulheres prestam aos homens ao se prostituirem. A personagem, desde quando
chegou a esse ambiente, “[...] inició su lucha a rastras, decidida y aprovechadora,
segura de ir recogiendo las migajas que abandona alguien, ansiosa de moedas”
(1968: 180-181). Essa ânsia por moeda de Bull Shit que aparece no conto, em uma
primeira vista nos parece uma atitude imoral e gananciosa. No entanto, aos poucos
vamos percebendo que é uma necessidade de sobrevivência, como o narrador
menciona no conto, (1968:186): “[...] Ella, desde niña, en aquel oscuro, decidida a
arrancar las monedas”. Em um outro momento do conto o narrador tece uma série
de comparações quando diz, (1968: 179) :
[…] Aquí está la lenta decadencia del muro y de la vida que el muro limitaba. Tu mano dice a qué sucede cuando un castillo frente al mar cambia su destino y se hace casa de mercadores; cuando, entre las paredes de una fortaleza definitiva, se confunde el metal de las armas con el de las monedas.
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Continua o narrador, (1968: 182): “[…] Ya. Adiós. Tú ahora. Ya. Adiós. Ya.
Adiós. Tú ahora. Las monedas tenían sentido de reloj”. Não ocorre o mesmo com
Borges quando esse, (1992: 441) em seu conto El Zahir, ao se referir à moeda,
pensa em “[...] algo comum, pensei, creio que imediatamente, em uma moeda, já
que se imprimem milhares e milhares de moedas todas exatamente iguais”. Mas
como Borges queria buscar algo que fosse inesquecível “[...] que estranho se entre
milhões, literalmente, de moedas impressas pelo Estado, houvesse uma que fosse
inesquecível, uma inesquecível moeda de vinte centavos”. Essa moeda a que se
refere Borges seria uma espécie de, como afirma Chevalier (2006: 613), ao citar São
Clemente de Alexandria: “[...] Angelus Silesius usa diversas vezes o símbolo da
moeda como imagem da alma, pois a alma traz impressa a marca de Deus, como a
moeda traz a do soberano”. Esta não condiz com a moeda do conto de Meneses,
por isso a insistência dos marinheiros, ao ver a mulher com o homem que acabava
de encontrar, que não era Dutch, mas outro homem que se encontrava no
prostíbulo. Os marinheiros sabendo do afã que Bull Shit tinha por moedas,
imediatamente ordenaram que ela subisse com o homem.
O desconhecido, ao olhar os gorros dos marinheiros, “dijo a la mujer, en ese
espejo se podría pescar tu vida — igual pudo decir —, tu muerte” (1968: 193). Não
foi por acaso que o autor/narrador destaca na fala que os “ marinheiros sabendo do
afã que Bull Shit tinha por moedas, mas sim por questão econômica que eles
ordenam que ela subisse com o homem, porque esse podia pagar mais pelo serviço
prestado pela prostituta, enquanto os marinheiros que não tinham tantas condições,
ficavam por último. Por isso que no conto o autor/narrador faz questão de destacar
essa particularidade . Não se trata da generosidade dos marinheiros em permitir que
o homem fosse primeiro realizar o programa com Bull Shit, mas sim por questão
econômica.
2.3. O espelho: retrato de imagens retorcidas
O espelho se faz presente na obra de Meneses: “Ella miraba todo, como
desde el fondo del espejo del cielo. Acaso como desde el fondo del espejo de su
cuarto, tembloroso como el aletear de una mariposa, como el golpear de sus dedos
sobre la rugosa pared” (1968: 187). O próprio Meneses chega a mencionar a
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vocação da personagem pelo espelho. Esse olhar de Bull Shit no fundo do espelho
de certo modo parece buscar uma saída para sua vida, entretanto, ela seguia
mantendo encontros, frequentemente, com os marinheiros sem saber ao certo
quantos seriam.
O espelho era o reflexo da triste vida que a mulher levava. Uma existência
conturbada, de encontros e desencontros entre homens e mulheres, e também dela
consigo mesma. A presença do espelho é determinante, como afirma Chevalier
(2009:396):
O espelho não tem como única função refletir uma imagem; tornando-se a alma um espelho, perfeito, ela participa da imagem e, através dessa participação, passa por uma transformação. Existe, portanto, uma configuração entre o sujeito contemplado e o espelho que o contempla.
O espelho podia refletir o que estava ocorrendo e o que poderia passar na
vida de Bull Shit. A presença do espelho ao longo do conto vem determinar a busca
incansável da mulher por seu próprio destino: como havia chegado a esse lugar de
prostituição e qual seria o seu porvir? O olhar direcionado para o céu parece buscar
em outro espelho, o espelho do firmamento, um apoio que pudesse ajudá-la a
compreender melhor sua vida. O que estava acontecendo com ela? Porque a cada
instante que se passava, mais difícil ficava para ela sair do contexto em que vivia.
Do mesmo modo que Bull Shit vive uma constante incerteza, os demais
personagens também. “Él fue hasta ella; se quedó mirándola, como un conocedor
que mira un cuadro antiguo”; (1968: 194). O verbo “mirar” é constante no conto. No
texto Olhar e Memória, que integra a obra de Adauto Novaes, intitulada de José
Moura Gonçalves Filho, presente na obra de Adalto Novaes, intitulado O Olhar,
Gonçalves apresenta algumas características que se moldam ao olhar de Bull Shit
mencionado na obra de Meneses (1988: 95-97):
[…] O olhar que se desperta em direção ao passado, divertindo-se e compenetrando-se nas imagens de um outro tempo, suscitadas nos materiais e nas obras que a memória impregnou, longe de constituir-se num impedimento nostálgico à história, instaura um desequilíbrio na relação com o presente, presente vivido e representado como progresso. O olhar em direção ao passado, olhar desgastado com que, ás vezes, os velhos olham sem ver, buscando amparo em coisas distantes e ausentes.
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Esse olhar no quadro, olhar na pessoa e olhar no espelho, às vezes,
propicia, um reflexo invertido, conforme o Dicionário de Símbolos (2009: 394-395):
“seria o símbolo do raio refletindo-se na superfície das águas, que, às vezes, é
utilizado para a adivinhação, para interrogar os espíritos”.
Ao abordarmos o espelho, não podemos ignorar o mito de Narciso, que aqui
se relembra pelas palavras de P. Commelin (132):
Um dia em que Narciso passeava nos bosques, parou à margem de uma fonte, em cujas águas percebeu a sua imagem. Apaixonou-se pela sua semelhança, e não se cansando de contemplar o rosto na água límpida, consumiu-se de amor à beira da fonte. Contam outros que ele se deixou morrer, recusando comida e bebida, e que depois de morto, o seu louco amor acompanhou-o até os infernos, onde ainda se contempla nas águas do Estige 5
Podemos dizer que a fonte a que se refere o mito de Narciso é a “fonte da
vida, da imortalidade, da juventude ou do ensinamento” (Chevalier, 2009: 444). A
fonte reflete a imagem de Narciso e este ao vê-la se enamora de si próprio.
Ao comentar a própria obra de Narciso, Meneses afirma (1998: 151):
Olhar em si mesmo e olhar o mundo no lago de cristal que sustenta entre as mãos. Saber que no vidro temperado existem manchas, sombras, misteriosos jardins que não pertencem à realidade refletida; que são – acaso- espelho do espelho.
O mesmo ocorre com Bull Shit ao se olhar no espelho; este ora reflete os
mistérios vivenciados por ela, ora os gorros dos marinheiros que poderiam
representar as imagens dos que se deitaram com ela ou que vinham para se deitar,
ou ainda reflete o mar, que representa a liberdade em contraste com sua própria
vida repleta de conflitos interno e externo: “Vivía en el piso alto. Sobre el salón de
baile estaba el cuarto del tembloroso espejo donde se podía mirar el mar o las
gorras de los marineros o la vida de la mujer” (1968: 190).
5 Estige. Podemos dizer que há várias versões sobre o significado dessa palavra. Segundo a Mitologia Grega, Estige juntamente com seus filhos apoiou Zeus na luta contra os gigantes. Dava-se o nome de Estige a uma Fonte da Arcádia, Fonte do saber, do conhecimento, que nascia em um rochedo e se perdia nas entranhas da terra, http: //www.mitologiagriega.templodeapolo.net/_livindade.as
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Existe uma diferença significativa entre o espelho que aparece em La mano
junto al muro e o espelhismo na fonte de Narciso. No conto, a imagem não reflete o
real, somente sugere, mostra a angústia, a incerteza, “...podía mirar los círculos
blancos de las gorras en el espejo de su cuarto” (1968: 188); no reflexo na fonte,
Narciso vê sua imagem, o real se faz presente.
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CONCLUSÃO
Sabemos que com essa pesquisa não se esgotam todas as informações de
que necessitamos para poder conhecer melhor a cultura, as tradições, os escritores
e as obras literárias venezuelanas. E nem compreenderemos o quanto Guillermo
Meneses foi importante para a literatura venezuelana e para América de língua
espanhola. No entanto, conseguimos dar os primeiros passos na busca pelo
conhecimento de escritores e obras literárias venezuelanas que até então eram
desconhecidos no contexto brasileiro. Dessa forma, podemos dizer que a pesquisa
poderá contribuir para o Curso de Licenciatura em Letras com Habilitação em
Espanhol da Universidade Federal de Roraima, depois de ter sido constatado que o
pensamento de Meneses vai sendo construído ao longo da História da Venezuela e
que nos seus primeiros escritos, Meneses busca retratar a realidade venezuelana ao
publicar obras que marcaram o seu estilo narrativo (o crioulismo) até 1945. Nesse
período a literatura venezuelana tinha como eixo temático o crioulismo, movimento
literário que ressaltava as características do crioulo ou suas manifestações
populares como gesto de enfatizar o sentimento nacional.
A partir de 1950 há uma ruptura com os modelos crioulistas, quando
Meneses deixa para trás a narrativa linear e repetitiva, presente em alguns cenários
literários da América Latina, e passa a inserir em seus textos recursos como: ironia,
enigma e mistério, propiciando com isso uma nova narrativa venezuelana, servindo
de referência para outros escritores nas décadas de 50 e 60. Percebemos que o
amadurecimento da narrativa de Meneses se concretiza com a publicação do conto
La mano junto al muro (1951), por inovar o tempo narrativo, a ciclicidade e a
abertura da obra, possibilitando a coparticipação do leitor na construção da trama,
quando essa se renova a cada instante dando a ideia de que jamais terminará.
A presença do mistério e da incerteza, se eram dois ou três os marinheiros,
se faz presente no conto La mano junto al muro e por isso, entre demais
características, esse conto se diferencia de outros de Meneses, escritos antes da
década de 50. Esse novo estilo de narrar de Meneses estabeleceu uma nova era
para a narrativa meneseana e venezuelana. Sem sombra de dúvida, Meneses
propicia um novo ciclo para a literatura venezuelana e hispânica. Pode-se afirmar
que, depois dessa pesquisa, diminuiu simbolicamente a distância entre Roraima e
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Venezuela, porque pouco se sabia sobre o contexto cultural, político e literário da
Venezuela no Curso de Letras da UFRR.
Em 2011 celebramos o centenário do nascimento de Guillermo Meneses.
Rever o que ele escreveu e tornar conhecidos os seus escritos é uma maneira de
reverenciar àquele que incansavelmente inovou e deu vida à literatura venezuelana
nos últimos tempos, o escritor caraquenho, Guillermo Meneses.
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61
ANEXO 02 - FOTOS DE ESTUDANTES QUE FIZERAM PARTE DA GERAÇÃO DE 1928 E QUE PROTESTARAM CONTRA O DITADOR JUAN VICENTE GÓMES.
Fonte: <www.venezuelatuya.com>
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ANEXO 03 - FOTO DO PORTAL DO CASTELO DE SAN FELIPE - PUERTO CABELLO - (em ruina) CENÁRIO QUE SERVIU DE INSPIRAÇÃO PARA MENESES ESCREVER O CONTO “LA MANO JUNTO AL MURO”.
Fonte: <www.venezuelatuya.com>