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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO COPPEAD DE ADMINISTRAÇÃO PROGRAMA DE DOUTORADO EM ADMINISTRAÇÃO MARCUS WILCOX HEMAIS CONSUMIDORES DE BAIXA RENDA E SUAS RECLAMAÇÕES: ESTUDO EM UM NÚCLEO DE DEFESA DO CONSUMIDOR RIO DE JANEIRO 2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO COPPEAD DE ADMINISTRAÇÃO

PROGRAMA DE DOUTORADO EM ADMINISTRAÇÃO

MARCUS WILCOX HEMAIS

CONSUMIDORES DE BAIXA RENDA E SUAS RECLAMAÇÕES:

ESTUDO EM UM NÚCLEO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

RIO DE JANEIRO

2013

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MARCUS WILCOX HEMAIS

CONSUMIDORES DE BAIXA RENDA E SUAS RECLAMAÇÕES:

ESTUDO EM UM NÚCLEO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

Tese de Doutorado apresentada ao Instituto Coppead de Administração, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Administração.

Orientadora: Prof. Leticia Moreira Casotti

RIO DE JANEIRO

2013

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"CONSUMIDORES DE BAIXA RENDA E SUAS RECLAMAÇÕES: ESTUDO EM UM

NÚCLEO DE DEFESA DO CONSUMIDOR".

MARCUS WILCOX HEMAIS

Tese de Doutorado submetida à Banca Examinadora do Instituto COPPEAD de Administração,

da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à

obtenção do grau de Doutor em Administração.

Aprovada por:

_____________________________________________ (Presidente da Banca)

Profª Letícia Moreira Casotti, D.Sc. - Orientadora (COPPEAD/UFRJ)

____________________________________________ Profª Angela Maria Cavalcanti da Rocha, Ph.D.

(PUC-RJ)

____________________________________________ Prof. Alexandre de Almeida Faria, Ph.D.

(FGV)

____________________________________________ Prof. Victor Manoel Cunha de Almeida, D.Sc.

(COPPEAD/UFRJ)

____________________________________________ Profª Rosangela Lunardelli Cavallazzi, D.Sc.

(UFRJ e PUC-RJ)

Rio de Janeiro 2013

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Dedicatória

Aos meus amores, Helena and Mom, por me guiarem dia após dia.

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AGRADECIMENTOS

Durante os quatro anos que realizei meu doutorado e desenvolvi minha tese, recebi

conselhos, apoio, carinho e amor, expressos de inúmeras formas. Àqueles que me ajudaram

durante esse período, gostaria de agradecê-los.

Primeiramente, à minha orientadora, professora Leticia Casotti, por me acolher quando

ingressei no Coppead, por sua orientação segura, motivadora, e sempre otimista, por me

oferecer incentivo e liberdade para crescer profissionalmente, por seu carinho e amizade,

especialmente nos momentos de maior dificuldade. Espero que algum dia eu possa ser a

alguém o modelo que você é para mim. Serei sempre grato por tudo o que você me

proporcionou.

Aos professores e funcionários do Coppead, pelos ensinamentos e apoio fundamentais

para a realização do meu doutorado. Em especial, gostaria de agradecer a Lucianita Barbosa,

pela enorme dedicação, atenção e carinho. Sua ajuda foi fundamental para eu conseguir cursar

o doutorado. Agradeço também às profissionais da biblioteca, por sua competência em

atender aos meus pedidos de artigos “impossíveis” de serem achados;

Às professoras Maribel Suarez e Roberta Campos, por seus sábios conselhos, apoio,

dedicarem tempo para me auxiliarem, e incentivos.

À Capes, por me proporcionar uma bolsa de estudos, que me permitiu ter maior

tranquilidade para desenvolver minha tese.

Aos meus colegas de doutorado, da turma de 2009, e outros que conheci durante os anos

que frequentei o Coppead. Em especial, a Fernanda Borelli e Pedro Ivo Rogedo, pela

amizade, incentivo, coautoria de artigos e dividir comigo as aflições de ser um doutorando.

Aos amigos que estiveram comigo durante esses quatro anos. Em especial, a Marina

Faria e Zeca Carvalho, por seu carinho, incentivo e atenção.

À Doutora Larissa Davidovich e os funcionários do Núcleo de Defesa do Consumidor,

por proporcionarem local e estrutura para eu realizar minhas entrevistas. Em especial,

agradeço a Ingrid Comti e Nádia Câmara por toda a atenção e auxílio durante a pesquisa de

campo. Sem sua ajuda, dificilmente eu teria conseguido entrevistar os assistidos do Núcleo.

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À professora Rosangela Cavallazzi, por sua cordialidade em aceitar participar da minha

banca de defesa de tese.

Ao professor Victor Almeida, por seus ensinamentos, seriedade, paciência, dedicação e

amizade, por servir de modelo a um jovem aspirante a acadêmico, por seu interesse em

escrever um artigo comigo e o (longo) tempo investido neste projeto, por seus conselhos

sobre a minha tese e a profissão acadêmica, e por sua gentileza em aceitar fazer parte de

minha banca de defesa de tese. Por você, tenho enorme respeito e estima.

À professora Angela da Rocha, por seu carinho, atenção e amizade, por ser uma

profissional inspiradora a um jovem aspirante a acadêmico, por seu incentivo ao meu ingresso

na vida acadêmica e no doutorado, por seus preciosos conselhos sobre a minha profissão e

tese, e por sua gentileza em aceitar fazer parte de minha banca de defesa de tese. Por você,

meus pensamentos são sempre de enorme carinho.

Ao professor Alexandre Faria, por sua interminável ajuda, especialmente no início de

minha carreira acadêmica, por servir de modelo a um jovem aspirante a acadêmico, por seu

incentivo para eu começar a dar aulas e ingressar no doutorado, por seus conselhos sobre a

profissão e a vida, por sua atenção, amizade e carinho, e por sua gentileza em aceitar fazer

parte de minha banca de defesa de tese. A você, sempre serei grato. ‘Tamo’ junto e vamo’ pro

abafa!

A Calvin, Valentina, Zé e Juliano, por terem ficado (literalmente) sempre ao meu lado.

A meus familiares friburguenses, por todo o seu carinho, apoio e palavras de incentivo.

To my beloved family in the US, for their kindness, love and affection that helped me

through these years.

À minha família carioca, que me dá base para eu seguir com meus sonhos. A Dinda e

Caio (in memoriam), a Dindo e Abu (in memoriam), aos Madi, aos Bulcão e aos França

Hemais. Minhas vitórias são reflexos do amor que vocês me dão.

A meu pai (in memoriam), o maior modelo que eu tive em minha vida. Não há

momento em que eu pense em você sem sentir orgulho e alegria. Agradeço a Deus todos os

dias por ter você em meu coração, comigo para sempre, com amor.

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E, por último, às mulheres que me guiam dia após dia, minha mãe e minha esposa.

To Mom, for the ear to hear my sorrows, the mind to guide my actions and the heart to

love me always and always. My life is made easier knowing I have you with me. You are the

one who brings me peace. I love you.

A Helena, o amor da minha vida, pela inesgotável força que me deu nessa trajetória tão

longa e tão difícil. Nada veio fácil, mas superei todos os percalços, porque você esteve

presente, a cada passo, de mão em mão. Encontrei luz nos momentos mais escuros, pois sabia

que era a você que eu caminhava ao final de todos os dias. Agora que termino esse capítulo

em minha vida, vejo o quanto essa vitória é nossa. Mais uma, de muitas que teremos.

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“Não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que esperamos nosso jantar, mas da preocupação deles com seus próprios interesses. Dirigimo-nos não à sua humanidade, mas ao amor deles por si mesmos, e nunca lhes falamos de nossas necessidades, mas de suas vantagens. Ninguém, salvo o mendigo, resolve viver principalmente da benevolência de seus concidadãos” (Adam Smith).

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RESUMO

HEMAIS, Marcus Wilcox. Consumidores de baixa renda e suas reclamações: estudo em um núcleo de defesa do consumidor. Tese (Doutorado em Administração). Instituto COPPEAD de Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013.

Este estudo buscou compreender como se desenvolve todo o processo de reclamação de

consumidores de baixa renda até chegarem ao Núcleo de Defesa do Consumidor, a fim de

resolverem problemas de consumo com prestadoras de serviços. Para tanto, foi adotado uma

metodologia qualitativa, com técnica de coleta de dados por entrevistas em profundidade com

27 consumidores. Os resultados são apresentados em sete itens, que versam sobre: a vida dos

entrevistados e a relação com suas reclamações; como se iniciou o processo de reclamação

dos entrevistados e os problemas de consumo com prestadoras de serviços; a forma como os

entrevistados lidam com os problemas de consumo; as reclamações feitas às prestadoras de

serviços; as reações dos consumidores após empresas negarem-lhes uma solução a seus casos;

as reclamações ao Núcleo de Defesa do Consumidor; e, por fim, a visão dos entrevistados

quanto à relação entre consumidores, empresas e governo. Os achados contribuem para trazer

luz às lacunas existentes na área de conhecimento ao mostrar que há aspectos relacionados à

insatisfação e a reclamações que são pouco abordados pela literatura dominante em

marketing. Além disso, apresenta informações sobre um segmento de mercado, o de

consumidores de baixa renda, que tem sido alvo de interesse acadêmico e empresarial, nos

últimos anos.

Palavras chave: Consumerismo. Insatisfação de consumo. Comportamento de reclamação do

consumidor. Consumidor de baixa renda. Agência defesa do consumidor.

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ABSTRACT

HEMAIS, Marcus Wilcox. Low income consumers and their complaints: a study in a consumer defense agency. Tese (Doutorado em Administração). Instituto COPPEAD de Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013.

This study focuses on understanding the development of the whole complaint process of low

income consumers that reach the Consumer Defense Nucleus, a third party agency, aimed at

resolving consumption problems with service providers. For this, a qualitative methodology

was adopted, using in-depth interviews to collect data from 27 consumers. The results are

presented in seven categories, related to: the lives of the interviewees and its relationship with

their complaints; how the complaint process started and the problems faced with the service

providers; the way the interviewees dealt with the consumption problems; the complaints to

the service providers; the reactions of the consumers after the companies neglected them a

solution to their problems; the complaints to the Consumer Defense Nucleus; and, lastly, the

interviewees opinion about the relationship between consumers, companies and governments.

The findings contribute to bring light to the literature by showing aspects related to consumer

dissatisfaction and complaint behavior that are seldom discussed. Also, presents information

on a market segment, of the low income consumer, that has been the focus of interest of

academics and companies, in the last years.

Keywords: Consumerism. Consumer dissatisfaction. Consumer complaint behavior. Low

income consumer. Consumer protection agency.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Modelo Conceitual do Processo de Reclamação a uma Third Party Agency ........... 81

Figura 2: Gráfico de Novos Códigos Criados por Entrevista ................................................. 124

Figura 3: Mapa de Bairros do Município do Rio de Janeiro Onde os Entrevistados Residem

................................................................................................................................................ 227

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Estágio da Resolução do Problema de Consumo no Momento das Entrevistas ..... 113

Tabela 2: Tipos de Problemas de Consumo Relatados pelos Entrevistados .......................... 142

Tabela 3: Consumidores do grupo “Eu sou o problema” ....................................................... 143

Tabela 4: Consumidores do grupo “A empresa é o problema” .............................................. 147

Tabela 5: Consumidores do grupo “Um terceiro é o problema” ............................................ 149

Tabela 6: Desdobramentos da Intermediação do Nudecon na Resolução do Problema de

Consumo ................................................................................................................................. 175

Tabela 7: Fatores que incentivam e desincentivam a reclamação ao Nudecon ...................... 177

Tabela 8: Controle da Codificação ......................................................................................... 229

Tabela 9: Perfil dos Entrevistados .......................................................................................... 231

Tabela 10: Problemas Relatados pelos Entrevistados ............................................................ 234

Tabela 11: Consequências da Reclamação ao Nudecon ......................................................... 236

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SIGLAS

BBB Better Business Bureaus

CAP Consumers’ Association of Penang

CDC Código de Defesa do Consumidor

CI Consumers International

CNDC Conselho Nacional de Defesa do Consumidor

CPA Consumer Protection Agency

CR Consumers’ Research

CU Consumers Union

FTC Federal Trade Comission

HUAC House Committee on Un-American Activities

ICC Interstate Commerce Commission

IDEC Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor

IOCU International Organization of Consumers Union

ITT International Telephone and Telegraph

NRA National Recovery Administration

NUDECON Núcleo de Defesa do Consumidor

PROCON Sistema de Proteção e Defesa do Consumidor

SAC Serviços de Atendimento ao Consumidor

SINDEC Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor

SPC Sistema de Proteção ao Crédito

TPA Third Party Agency

UPA Unidades de Pronto Atendimento

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 18

1.1 CONTEXTUALIZAÇÃO DO ESTUDO ....................................................................... 18

1.1.1 Discussão inicial sobre insatisfação de consumo e comportamento de reclamação

do consumidor .................................................................................................................. 19

1.1.2 Discussão inicial sobre consumidores de baixa renda ............................................. 21

1.1.3 Discussão inicial sobre a insatisfação de consumidores de baixa renda ................. 23

1.2 OBJETIVOS DO ESTUDO ........................................................................................... 25

1.3 DELIMITAÇÃO DO ESTUDO ..................................................................................... 26

1.4 ORGANIZAÇÃO DO ESTUDO ................................................................................... 27

2 REFERENCIAL TEÓRICO .................................................................................................. 29

2.1 CONSUMERISMO ........................................................................................................ 29

2.1.1 História do Movimento Consumerista nos EUA ..................................................... 31

2.1.1.1 Primeira Era (1887 a 1914) .............................................................................. 32

2.1.1.2 Segunda Era (1927 a 1939) .............................................................................. 34

2.1.1.3 Terceira Era (1962 a 1978) ............................................................................... 36

2.1.2 A Expansão do Consumerismo: uma breve história ................................................ 45

2.1.2.1 Consumers Union ............................................................................................. 45

2.1.2.2 IOCU e a expansão internacional do Consumerismo ....................................... 48

2.1.2.3 Consumerismo no Brasil .................................................................................. 52

2.1.3 Consumerismo: proteção para consumidores? Críticas ao movimento de defesa do

consumidor ....................................................................................................................... 55

2.2 INSATISFAÇÃO DE CONSUMO E COMPORTAMENTO DE RECLAMAÇÃO DO

CONSUMIDOR ................................................................................................................... 59

2.2.1 Formação da insatisfação de consumo .................................................................... 59

2.2.2 Influências sobre a insatisfação de consumo ........................................................... 61

2.2.3 Reações à insatisfação de consumo ......................................................................... 62

2.2.4 Comportamento de reclamação do consumidor ...................................................... 65

2.2.5 Influências sobre a reclamação do consumidor à empresa ...................................... 69

2.2.6 Comportamento pós-reclamação do consumidor .................................................... 74

2.2.7 Reclamação a Third Party Agencies ........................................................................ 76

2.2.8 Etapas do processo de reclamação do consumidor a uma Third Party Agency ...... 80

2.3 CONSUMIDORES DE BAIXA RENDA ...................................................................... 82

2.3.1 A perspectiva inicial de marketing sobre o consumidor de baixa renda ................. 82

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2.3.2 A perspectiva atual de marketing sobre a base da pirâmide .................................... 86

2.3.3 Criticas à proposta de Prahalad sobre a base da pirâmide ....................................... 94

2.3.4 Reações de consumidores de baixa renda a problemas com empresas ................... 98

3 METODOLOGIA ................................................................................................................ 103

3.1 TIPO DE PESQUISA ................................................................................................... 103

3.2 SELEÇÃO DA ORGANIZAÇÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR ...................... 106

3.2.1 O Núcleo de Defesa do Consumidor ......................................................................... 107

3.2.1.1 Processo de reclamação no Nudecon.............................................................. 110

3.3 SELEÇÃO DOS ENTREVISTADOS .......................................................................... 111

3.4 PERFIL DOS CONSUMIDORES ENTREVISTADOS .............................................. 114

3.5 COLETA DE DADOS ................................................................................................. 115

3.5.1 Entrevista em profundidade ................................................................................... 115

3.5.2 O instrumento de coleta de dados .......................................................................... 117

3.5.3 Local de realização das entrevistas ........................................................................ 118

3.5.4 Entrevistas com os consumidores assistidos pelo Nudecon .................................. 119

3.6 ANÁLISE DOS DADOS ............................................................................................. 121

3.7 LIMITAÇÕES DO MÉTODO ..................................................................................... 125

4 DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS ......................................................................... 127

4.1 A VIDA E AS RECLAMAÇÕES ................................................................................ 128

4.2 INÍCIO DO PROCESSO DE RECLAMAÇÃO .......................................................... 134

4.2.1 Antes dos problemas de consumo: relação positiva com empresas ...................... 134

4.2.2 Problemas de consumo “aceitáveis” e o aprendizado sobre como reclamar ......... 135

4.2.3 Descoberta dos problemas de consumo que levaram consumidores ao Nudecon . 138

4.3 FORMAS COMO CONSUMIDORES LIDAM COM PROBLEMAS DE CONSUMO

142

4.3.1 “Eu sou o problema” ............................................................................................. 143

4.3.2 “A empresa é o problema” .................................................................................... 147

4.3.3 “Um terceiro é o problema” .................................................................................. 149

4.4 RECLAMAÇÕES A PARTIR DO PROBLEMA DE CONSUMO ............................ 152

4.4.1 Desestímulo à reclamação de consumidores ......................................................... 152

4.4.2 “Todas as empresas são iguais” ............................................................................. 155

4.4.3 “Todos os consumidores são iguais” ..................................................................... 156

4.5 DEPOIS DO “NÃO” DA EMPRESA .......................................................................... 157

4.5.1 Insatisfação com associações a “malandragem” e possuir um “nome sujo” ......... 158

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4.5.2 Diferentes fins para a adoção de boca a boca negativo ......................................... 161

4.5.3 Busca de alternativas frente à inflexibilidade da empresa ..................................... 163

4.6 RECLAMAÇÕES AO NÚCLEO DE DEFESA DO CONSUMIDOR ....................... 166

4.6.1 “Eu nunca ouvi falar do Nudecon” ........................................................................ 167

4.6.2 Aproximação do Nudecon com consumidores ...................................................... 169

4.6.3 Expectativas quanto ao Nudecon ........................................................................... 171

4.6.4 Poder do Nudecon frente a empresas .................................................................... 173

4.6.5 Após a experiência no Nudecon: consumidores mais conscientes de seus direitos

........................................................................................................................................ 174

4.6.6 Incentivos e desincentivos à reclamação ao Nudecon ........................................... 177

4.7 EMPRESAS EM PRIMEIRO, GOVERNO EM SEGUNDO, CONSUMIDORES EM

ÚLTIMO ............................................................................................................................. 178

4.7.1 A relação assimétrica entre empresas e consumidores .......................................... 178

4.7.2 A relação assimétrica entre Governo e Consumidores .......................................... 183

4.7.3 A relação de interesses entre Empresas e Governo ............................................... 185

5.1 IMPLICAÇÕES TEÓRICAS DO ESTUDO ............................................................... 188

5.1.1 Implicações teóricas sobre insatisfação de consumo e comportamento de

reclamação do consumidor ............................................................................................. 188

5.1.2 Implicações teóricas sobre a relação entre indivíduos de baixa renda e o consumo

........................................................................................................................................ 192

5.1.3 Implicações teóricas sobre consumerismo ............................................................ 194

5.2 IMPLICAÇÕES METODOLÓGICAS DO ESTUDO................................................. 195

5.3 IMPLICAÇÕES PARA AS EMPRESAS E O NUDECON ........................................ 197

5.4 SUGESTÕES DE FUTUROS ESTUDOS ................................................................... 199

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 202

APÊNDICE A – Roteiro de Entrevistas com os Consumidores ............................................ 223

APÊNDICE B – Mapa de Bairros do Município do Rio de Janeiro Onde os Entrevistados

Residem .................................................................................................................................. 227

APÊNDICE C – Controle da Codificação .............................................................................. 228

APÊNDICE D – Perfil dos Entrevistados .............................................................................. 230

APÊNDICE E – Problemas relatados pelos entrevistados ..................................................... 232

APÊNDICE F – Consequências da Reclamação ao Nudecon ................................................ 235

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1. INTRODUÇÃO

O capítulo a seguir, dividido em quatro itens, inicia a discussão sobre a presente

pesquisa. Apresenta, em um primeiro momento, a contextualização do estudo, e as

linhas teóricas que serão debatidas nele. Em seguida, discute os objetivos do estudo. No

terceiro item, as delimitações do estudo são definidas. O último item mostra como

foram organizados os demais capítulos que formam o estudo.

1.1 CONTEXTUALIZAÇÃO DO ESTUDO

A assimetria de poder entre empresas e consumidores foi um dos principais

motivadores para o surgimento do movimento consumerista nos Estados Unidos, no

final do século XIX (COHEN, 2003; MAYER, 1989). Ativistas do movimento

alertavam para a concentração de poder de empresas frente a consumidores, defendendo

que governos deveriam agir em resposta a abusos empresariais, diminuindo, assim, a

assimetria no mercado (ROTFELD, 2010). A forma como isso foi possível se deu por

meio de regulações e ações antitruste, implementadas ao longo das eras (TIEMSTRA,

1992).

As bases do consumerismo formado nos EUA serviram de modelo para diversos

movimentos consumeristas ao redor do mundo, sendo difundidas por meio da

International Organization of Consumers Union (IOCU), a partir da década de 1950

(HILTON, 2009). Em função disto, pensamentos consumeristas passaram a ser

debatidos em diversos países, mesmo os menos desenvolvidos, tais como o Brasil.

Embora iniciativas consumeristas tenham surgido no país no começo dos anos

1970, considera-se como o primeiro marco para a defesa do consumidor brasileiro a

criação do Procon de São Paulo (VOLPI, 2007), em 1976, a primeira organização desta

natureza no país. A partir de seu modelo, surgiram diversas outras similares, em demais

regiões do Brasil.

Foi durante os anos 1960, nos Estados Unidos, que marketing elevou os debates

sobre o movimento consumerista dentro da área (BUSKIRK; ROTHE, 1970; KOTLER,

1972). Pesquisadores perceberam que havia preocupações da sociedade ignoradas por

marketing, que mereciam ser mais bem entendidas. Em razão disso, duas novas linhas

de estudos surgiram dentro da área; uma preocupada em entender a insatisfação e o

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comportamento de reclamação de consumidores, e a outra voltada para estudar o

consumo de indivíduos de baixa renda e como se relacionam com empresas.

1.1.1 Discussão inicial sobre insatisfação de consumo e comportamento de

reclamação do consumidor

A existência do movimento consumerista nos EUA era vista por pesquisadores de

marketing como uma falha da disciplina, pois o conceito de soberania do consumidor

não estava sendo adotado corretamente (BUSKIRK; ROTHE, 1970). A satisfação do

consumidor, um dos principais objetivos da disciplina (CARDOZO, 1965), deu lugar à

insatisfação.

Estudos sobre insatisfação e comportamento de reclamação de consumidores eram

escassos na literatura de marketing antes dos anos 1970 (DAY; PERKINS, 1992;

FERNANDES; SANTOS, 2006). A constatação de que o movimento consumerista

apontava para a existência de diversos consumidores insatisfeitos com a forma como

empresas os tratavam fez com que a área buscasse entendimento sobre como a

insatisfação e seus desdobramentos ocorriam (ANDREASEN, 1983; BITNER,

BOOMS; TETREAULT, 1990; FORNELL, 2007).

Segundo Day e Perkins (1992), desde seu início, estudos sobre insatisfação se

preocuparam em modelar o comportamento de consumidores insatisfeitos, e como

reagiam frente a problemas de consumo. Para isso, adotaram abordagens quantitativas,

que lhes permitiram generalizar seus achados. Inicialmente, empresas não

demonstraram interesse em tais estudos, pois, quaisquer que fossem os resultados,

demonstrariam falhas na forma como atendiam seus consumidores. Somente após

organizações governamentais investirem em estudos nesta linha, a fim de avaliar o grau

de (in)satisfação da sociedade com políticas públicas, seu avanço foi possível.

Com a evolução desses estudos, diferentes autores constataram que, em situações

de insatisfação de consumo, consumidores adotam distintas reações (SINGH, 1990a;

CRIÉ, 2003), entre elas: fazer nada e aceitar a insatisfação (VOORHEES; BRASY;

HOROWITZ, 2006), mudar de marca ou fornecedor, devido à perda de confiança na

empresa (BITNER et al., 1990), reclamar aos revendedores e/ou fabricantes

(MATTILA; WIRTZ, 2004), comunicar a experiência negativa a parentes, amigos e

outros consumidores (RICHINS, 1983a), ou, até, recorrer a ações legais ou agências de

defesa ao consumidor (SINGH, 1989).

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Consumidores que recorrem a agências especializadas em defendê-los comumente

já passaram por diferentes situações insatisfatórias, antes de buscarem ajuda no âmbito

legal. Em geral, o processo que seguem se inicia quando constatam um problema de

consumo e, em função disso, sentem insatisfação. Como resposta, reclamam com

empresas. Porém, ao não terem seus pedidos atendidos, sofrem novamente insatisfação

(OLIVER, 2010). Buscam, então, um meio legal para resolverem seus casos, pois

acreditam que, somente com esse tipo de auxílio, conseguirão reverter tamanha

insatisfação (SINGH, 1989).

Singh (1988) aponta que, em função de consumidores percorrerem diversas

etapas, na tentativa de reverter sua insatisfação, reclamações a órgão de defesa do

consumidor são uma forma extrema de reação a problemas de consumo. Entretanto,

estudos sobre insatisfação e comportamento de reclamação pouco se preocupam em

mostrar como o consumidor foi levado a tal extremidade. Ao invés, concentram-se em

analisar separadamente as etapas do processo que levam um consumidor a buscar ajuda

no âmbito legal, criando modelos para explicar, por exemplo, a formação da

insatisfação (OLIVER, 2010), as reações de consumidores a problemas de consumo

(DAY; LANDON, 1977) ou comportamentos de reclamação a agências especializadas

em proteger consumidores (SINGH, 1989).

No Brasil, esse cenário de desconhecimento sobre o conjunto de etapas que levam

um consumidor a buscar a ajuda de órgãos especializados em defendê-los parece não ser

diferente, embora cada vez mais cresçam as reclamações a tais órgãos. Dados do

Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor (SINDEC)1 mostram que

aumentou o número de reclamações de consumidores, entre 2003 e 2010 (BALANÇO

SOCIAL DO SISTEMA NACIONAL DE INFORMAÇÃO DE DEFESA DO

CONSUMIDOR 2003-2010). Somente em 2011, foram registradas mais de 1,5 milhões

de atendimento aos Procons do país, um aumento de 8,24% em relação ao ano anterior.

Entre as dez empresas com mais reclamações de consumidores, em 2011, oito foram

dos setores de telecomunicações e financeiro (SINDEC, 2011).

Similarmente, o Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC) também aponta que,

em 2011, entre os setores que apresentaram os maiores índices de reclamações estão os

1 O SINDEC é um programa do Ministério da Justiça, criado em 2003, que integra informações de 170 PROCONs de 24 Estados brasileiros, de forma a criar um cadastro de reclamações do consumidor (SINDEC, 2011).

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de telecomunicações e financeiro, além do de planos de saúde2. Juntos, os três setores

representaram 45,59% das reclamações feitas ao IDEC, no ano apontado (INSTITUTO

BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, 2011).

Uma explicação para justificar o pouco conhecimento no Brasil a respeito dos

motivos que levam consumidores a buscarem órgãos que se especializam em defendê-

los é encontrada em Fernandes e Santos (2007). Os autores apontam que há escassos

estudos sobre insatisfação de consumo no país, e a literatura existente é em grande parte

americana ou europeia, regiões cujas características política, econômica e social são

diferentes das brasileiras, resultando em pesquisas orientadas para esses contextos mais

desenvolvidos. Desta forma, os autores defendem que maiores esforços sejam feitos

para trazer luz sobre a insatisfação de consumo e o comportamento de reclamação de

consumidores no contexto brasileiro.

1.1.2 Discussão inicial sobre consumidores de baixa renda

Outra linha de estudos em marketing, surgida nos Estados Unidos a partir da

terceira era do movimento consumerista, concentrou-se em entender o comportamento

de consumidores de baixa renda. As primeiras pesquisas descreviam esses indivíduos

como marginalizados, desconhecedores de seus direitos de consumo, financeiramente

restritos (porém, irracionais quanto a seus gastos), e consumidores, primariamente, de

produtos essenciais (RATNER, 1968; RICHARDS, 1967).

Tais estudos apontavam que, por conta de suas fragilidades, consumidores de

baixa renda estariam mais propensos a serem explorados por empresas, em função da

assimetria de poder ainda maior entre as partes. A fim de protegê-los, ações

governamentais eram consideradas a melhor forma para ajudar estes indivíduos a

evitarem quaisquer formas de discriminação (ANDREASEN, 1975).

À medida que o movimento consumerista perdeu força nos Estados Unidos, no

final dos anos 1970, discussões sobre consumidores de baixa renda na literatura de

marketing foram deixadas de lado (ANDREASEN, 1978). Alguns autores continuaram

a realizar pesquisas sobre esse grupo de consumidores (ANDREASEN, 1993;

MORGAN; SCHULER; STOLTMAN, 1995), mas a literatura que emergira durante a

terceira era do consumerismo se fez escassa nas décadas seguintes.

2 Entre os anos de 2000 e 2010, o setor de planos de saúde liderou o ranking de reclamações do IDEC.

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Estudos relacionados ao consumo de indivíduos de baixa renda somente voltaram

a ganhar espaço na literatura de marketing no início dos anos 2000, após Prahalad

escrever dois artigos que trouxeram uma nova perspectiva sobre o assunto

(PRAHALAD; HAMMOND, 2002; PRAHALAD; HART, 2002). Em sua visão, a

“base da pirâmide” (nome dado ao segmento inferior da pirâmide econômico-social,

onde estariam os consumidores de baixa renda) no mundo é composta por quatro

bilhões de indivíduos, com potencial e desejo de consumir bens de natureza diversa, não

se restringindo somente aos essenciais.

Em vista desta oportunidade, empresas deveriam adaptar suas ofertas para

satisfazer as necessidades deste segmento de mercado, ainda pouco explorado

(PRAHALAD, 2006a). Com isso, estariam ajudando estes consumidores a saírem da

pobreza, e, ao mesmo tempo, ganhariam lucros significativos, já que existe uma

“fortuna” a ser feita vendendo para a base da pirâmide (PRAHALAD; HART, 2002).

A visão de Prahalad foi criticada por uma linha de pesquisadores (DAVIDSON,

2009; JAISWAL, 2008; KARNANI, 2011) que argumentava contra a ideia de que o

incentivo ao consumo na base da pirâmide poderia ser lucrativo ou a forma ideal para

empresas ajudarem a diminuir os níveis de pobreza. Para estes autores, somente contar

com princípios de “livre mercado” não seria suficiente para este fim.

Diferentemente do que ocorreu nas décadas de 1960 e 1970, quando estudos sobre

consumidores de baixa renda se restringiram aos Estados Unidos, centros de estudo

sobre o consumo na base da pirâmide começaram a surgir em diversos países, tais como

México (Monterrey TEC), Argentina (Instituto de Estudos para a Sustentabilidade

Corporativa), Brasil (EAESP - Fundação Getúlio Vargas), África do Sul (University of

Stellenbosch Business School) e Índia (Indian School of Business). O foco das

pesquisas realizadas nestes locais era elaborar maneiras para atenuar a pobreza por meio

da comercialização de bens e serviços entre grandes empresas e consumidores deste

segmento de mercado (GARDETTI, 2007).

Estudos relacionados ao comportamento de consumidores de baixa renda no

Brasil ainda são recentes na literatura de marketing (BARROS, 2006a; ROCHA;

SILVA, 2009). Isso pode ser explicado porque, até a implantação do Plano Real, em

1994, quando se falava em consumo, remetia-se mais às camadas abastadas da

sociedade, notadamente as classes A e B3, com a justificativa de que somente estas

3 Neri (2010) adapta a classificação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre níveis de renda da população brasileira para definir classes socioeconômicas da seguinte forma: classe A –

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possuíam condições financeiras necessárias para consumir produtos e serviços.

Indivíduos de baixa renda, inseridos nas classes C, D e E, sequer eram vistos como

consumidores, pois a percepção que se tinha era de que consumiam somente o

necessário para sobreviver (ROCHA, 2009).

A partir do Plano Real, mas especialmente durante o governo de Luiz Inácio Lula

da Silva, milhares de brasileiros ascenderam de classe social. Estudo da Secretaria de

Assuntos Estratégicos (2012) aponta que entre os anos de 2002 e 2012, 37 milhões de

brasileiros saíram das classes D e E, e foram inseridos na classe C, que, em 2012,

representava 53% da população brasileira, um total de 104 milhões de indivíduos. Em

termos de consumo, o poder de compra da classe C chegou a 1,03 trilhões de reais em

2012.

Por sua vez, as classes D e E contavam com 55 milhões de brasileiros, em 2012,

representando 27% da população do país. Desde 2003, o consumo destas classes

aumenta a uma taxa de 3% ao ano; sendo a média para o conjunto das famílias

brasileiras de 2,4% (SECRETARIA DE ASSUNTOS ESTRATÉGICOS, 2012).

Após o crescimento do poder de compra de consumidores de baixa renda,

interesse acadêmico e empresarial passou ser direcionado para melhor entender esses

indivíduos. Empresas começaram a adaptar produtos e serviços para atender ao

segmento (NASCIMENTO; YU; SOBRAL, 2008), enquanto pesquisadores passaram a

estudar seu comportamento (CASTILHOS; ROSSI, 2009; PONCHIO; ARANHA,

2007).

1.1.3 Discussão inicial sobre a insatisfação de consumidores de baixa renda

Diante do interesse em entender a relação de consumo daqueles com baixa renda,

alguns pesquisadores (HALSTEAD; JONES; COX, 2007) passaram a debater como

consumidores deste segmento se relacionam com empresas e reagem diante de situações

de insatisfação de consumo. As poucas pesquisas, no Brasil, que se debruçam sobre o

tema apontam achados distintos (CHAUVEL, 2000; HEMAIS; CASOTTI, 2010).

O estudo de Chauvel (2000) pode ser considerado um dos primeiros em

marketing, no Brasil, a tratar do tema, embora não se restrinja a somente analisar a

insatisfação de consumidores de baixa renda. A autora aponta a passividade desses

acima de R$6.329; classe B – de R$4.854 até R$6.329; classe C – de R$1.126 até R$4.854; classe D – de R$705 até R$1.126; classe E – abaixo de R$705. Limeira (2008) considera que consumidores de baixa renda são aqueles pertencentes às classes C, D e E.

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indivíduos em reclamar e seus receios em enfrentar empresas, quando se deparam com

situações problemáticas de consumo.

Chauvel (2000) descreve que consumidores de baixa renda percebem como difícil

a decisão de reclamar a empresas, quando se deparam com problemas de consumo.

Acreditam que, devido ao descaso empresarial a eles, expor sua insatisfação seria em

vão. Preferem, então, não se queixar, e assumir as perdas. Para que não precisem entrar

em conflito com empresas, acabam por adotar uma postura passiva quanto a

reclamações sobre problemas de consumo.

Os achados de Chauvel (2000) também são apontados por autores estrangeiros,

que veem como característica de consumidores de baixa renda a passividade quanto à

reclamação, quando se deparam com problemas de consumo (HALSTEAD; JONES;

COX, 2007; WALSH, 2009), o que os diferenciaria de consumidores de níveis de renda

mais elevados (ANDREASEN, 1993; FOX, 2008).

Hemais e Casotti (2010), por outro lado, mostram uma realidade diferente do

consumidor de baixa renda, no Brasil. Distintamente de descrevê-los com visões

passivas quanto à reclamação, os autores apontam haver um grupo deste segmento que

acredita ser seu direito reclamar a empresas. Esses indivíduos falam com maior

confiança sobre seus direitos e, até mesmo, veem positivamente a adoção de medidas

legais, para não ficarem em desvantagem.

Outros estudos também corroboram os achados de Hemais e Casotti (2010).

Nunesmaia e Pereira (2012), por exemplo, mostram que, em um grupo de consumidores

que registraram reclamações em juizados especiais e no Procon de João Pessoa, na

Paraíba, mais de 90 por cento são de classes sociais com rendimentos menores do que

quatro mil reais. Cunha, Bueno, Oliveira e Terceros (2010) descrevem que, entre

consumidores de distintas classes sociais, é semelhante o nível de conhecimento sobre

meios legais para reclamarem sobre empresas. Aqueles com mais baixa renda elevaram

seus conhecimentos, em anos recentes, assemelhando-se com aqueles de mais alta

renda.

Os estudos de Hemais e Casotti (2010), Nunesmaia e Pereira (2012) e Cunha, et

al. (2010) sugerem haver consumidores de baixa renda, no Brasil, que conhecem e

buscam meios legais para reclamarem quando em situações insatisfatórias de consumo.

A reclamação a órgãos de defesa do consumidor, para estes indivíduos, aparece como

uma alternativa plausível para reestabelecerem equilíbrio em suas relações assimétricas

com empresas.

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Estes estudos, entretanto, pouco discutem o processo que leva consumidores de

baixa renda a reclamarem a órgãos de defesa do consumidor, desde o surgimento do

problema de consumo, até sua resolução por intermédio de órgãos dessa natureza.

Tampouco esclarecem o que ocorre enquanto esses consumidores estão envolvidos com

tais órgãos, durante a resolução de seus problemas de consumo.

1.2 OBJETIVOS DO ESTUDO

A falta de pesquisas em marketing que tragam luz sobre a insatisfação e o

comportamento de reclamação de consumidores, especialmente os de baixa renda,

permite que diferentes caminhos possam ser percorridos para entender este fenômeno.

Quando insatisfeitos, consumidores que decidem reclamar possuem diversos meios para

expor seus problemas, que abrangem desde as próprias empresas até os órgãos que se

especializam em defendê-los.

Para a presente pesquisa, escolheu-se como objetivo principal compreender como

se desenvolve todo o processo de reclamação de consumidores de baixa renda até

chegarem ao Núcleo de Defesa do Consumidor, a fim de resolverem problemas de

consumo com prestadoras de serviços.

Refere-se, aqui, ao processo de reclamação, o caminho que o consumidor percorre

até buscar ajuda de um órgão que se especializa em defendê-lo, que inclui: o problema

de consumo; a insatisfação com o problema; as reações à insatisfação de consumo,

sendo, nesse caso, dada maior ênfase à reclamação a empresas; as reações após a

reclamação a empresas, e, por fim, a reclamação a um órgão de defesa do consumidor.

No capítulo 2, quando é apresentada a literatura sobre insatisfação de consumo e

comportamento de reclamação de consumidores, um modelo conceitual desenvolvido a

partir desta literatura é apresentado (Figura 1, na página 80), de maneira a facilitar o

entendimento do processo discutido.

O Núcleo de Defesa do Consumidor (Nudecon), organização escolhida para focar

o estudo, é um órgão que foi criado em 1989, com o objetivo de defender os direitos de

consumidores fluminenses considerados hipossuficientes. Por ser um serviço da

defensoria pública do Rio de Janeiro, oferece ajuda gratuitamente a indivíduos que não

possuem recursos para pagarem, por conta própria, advogados particulares. O Nudecon

especializa-se em atender somente consumidores de baixa renda, pois entende que as

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limitações orçamentárias desses indivíduos restringem seu acesso a outros meios legais

para se defenderem quando vivenciam problemas de consumo.

A fim de apoiar o objetivo principal, a presente pesquisa também contou com

objetivos intermediários, a saber:

• Analisar as situações insatisfatórias de consumo com prestadoras de

serviços que levaram consumidores de baixa renda a reclamarem ao

Nudecon;

• Identificar fatores relacionados ao contexto de vida de consumidores de

baixa renda e como influenciaram seu comportamento em todo o processo

de reclamação;

• Compreender a experiência de consumidores de baixa renda com o

Nudecon, enquanto organização especializada em defendê-los.

• Analisar as experiências de consumidores de baixa renda com diferentes

empresas e o governo.

Para atingir os objetivos propostos, decidiu-se realizar uma pesquisa de cunho

qualitativo, com coleta de dados por meio de entrevistas em profundidade com 27

consumidores reclamantes ao Nudecon.

1.3 DELIMITAÇÃO DO ESTUDO

A resolução da insatisfação de consumo por meio da intermediação de órgãos de

defesa do consumidor é apenas um momento dentro de um processo que se inicia

quando surge um problema de consumo. Há diferentes etapas nesse processo que, em

conjunto, leva o consumidor a reclamar a um órgão desta natureza. O presente trabalho,

portanto, delimita-se a entender o fenômeno estudado a partir desse processo.

Consumidores que reclamam o fazem, em muitos casos, pois percebem alguma

falha e, por isso, buscam recompensas pelo problema de consumo. É comum, portanto,

que empresas possuam mecanismos para recuperar a satisfação de seus reclamantes.

Entretanto, em vista do foco adotado para o estudo, não faz parte do escopo da pesquisa

analisar os diferentes mecanismos empresariais de recuperação de falhas com

consumidores.

Embora problemas de consumo ocorram tanto com produtos quanto com serviços,

optou-se por delimitar a análise do presente trabalho somente a problemas com

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prestadoras de serviços, tais como: operadoras de telecomunicações, operadoras de

planos de saúde, instituições financeiras, concessionárias públicas de gás, energia

elétrica e água e esgoto, e varejistas. Tal escolha foi feita por a maioria das reclamações

feitas, em anos recentes, a órgãos de defesa do consumidor, tais como o IDEC e o

SINDEC, serem relativas a empresas desses setores.

No Brasil, existem diferentes órgãos que se dedicam a defender consumidores,

tais como o Procon e o IDEC. Para a presente pesquisa, optou-se por realizar o estudo

com consumidores que buscaram auxílio do Núcleo de Defesa do Consumidor. Esta

escolha é explicada em maior detalhe no capítulo de metodologia, mas, para

conhecimento inicial, pode-se apontar três principais motivos para a pesquisa ter sido

realizada neste órgão: o núcleo atende consumidores que, em sua maior, são de baixa

renda (um recorte que se desejava para a pesquisa), a facilidade de acesso ao núcleo e a

estrutura oferecida ao pesquisador dentro do núcleo.

Mesmo a reclamação sendo um fenômeno realizado por consumidores de todas as

classes sociais, o foco no presente caso será somente naqueles de baixa renda, no Brasil.

Segundo Limeira (2008), estes seriam aqueles pertencentes às classes C, D e E, baseado

na classificação por rendimentos mensais familiares estipulada pela Fundação Getúlio

Vargas (NERI, 2010), com base nos critérios de renda do IBGE. Um dos motivos para

tal escolha é o fato de o Nudecon atender primordialmente indivíduos hipossuficientes,

que se caracterizam em sua maioria por serem de classes sociais mais baixas.

1.4 ORGANIZAÇÃO DO ESTUDO

A presente pesquisa será organizada em mais quatro capítulos, além deste

primeiro. O segundo capítulo revisa a literatura de três temas. Inicialmente, debate-se o

movimento consumerista e como este influenciou questões relativas à proteção do

consumidor. Em seguida, discutem-se conceitos e teorias de insatisfação de consumo e

comportamento de reclamação do consumidor. Por fim, o terceiro tópico explora a

literatura sobre a relação entre indivíduos de baixa renda e o consumo.

O terceiro capítulo apresenta a metodologia adotada para o estudo. Nesse, serão

definidos o tipo de pesquisa realizada, a forma de seleção da organização de defesa do

consumidor e dos sujeitos entrevistados, o perfil dos entrevistados, os procedimentos

para a coleta de dados, a maneira como a análise dos dados foi realizada, e, por fim, as

limitações da metodologia empregada.

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O quarto capítulo apresenta a descrição e a análise dos dados coletados, e está

dividido em sete itens, que versam sobre: a vida dos entrevistados e a relação com suas

reclamações; como se iniciou o processo de reclamação dos entrevistados e os

problemas de consumo com prestadoras de serviços; a forma como os entrevistados

lidam com os problemas de consumo; as reclamações feitas às prestadoras de serviços;

as reações dos consumidores após empresas negarem-lhes uma solução a seus casos, as

reclamações ao Núcleo de Defesa do Consumidor; e, por fim, a visão dos entrevistados

quanto à relação entre consumidores, empresas e governo.

O quinto capítulo traz as conclusões da presente pesquisa, discutindo as

contribuições dos achados em âmbitos teórico e gerencial, além de sugestões para

futuros estudos.

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2 REFERENCIAL TEÓRICO

O capítulo a seguir apresenta a discussão teórica do presente trabalho. A partir de

conceitos e teorias sobre consumerismo, comportamento de reclamação de

consumidores e consumo de indivíduos de baixa renda, busca entender melhor o

fenômeno estudado.

Em um primeiro momento, no item 2.1, é discutido consumerismo, inicialmente a

partir de uma abordagem histórica, mostrando suas origens nos Estados Unidos, e sua

expansão para o resto do mundo. Discutem-se também críticas à questão central do

consumerismo, que é a proteção ao consumidor.

No item 2.2, discute-se como é formada a insatisfação de consumo, fatores de

influência sobre a insatisfação de consumo, reações à insatisfação de consumo,

comportamento de reclamação do consumidor, antecedentes ao comportamento de

reclamação do consumidor, comportamento pós-reclamação do consumidor, e

reclamação a Third Party Agencies (TPAs).

Por fim, no item 2.3, é discutido o consumo de indivíduos de baixa renda,

mostrando como esse público era retratado nos primeiros estudos de marketing sobre o

tema e na perspectiva atual sobre a “base da pirâmide”. Criticas à perspectiva atual de

marketing sobre a “base da pirâmide” são apresentadas. Por fim, são apresentados

estudos sobre como consumidores de baixa renda reagem diante de problemas de

consumo.

2.1 CONSUMERISMO

A assimetria entre empresas e consumidores foi crucial para a constituição do

movimento consumerista nos EUA, no final do século retrasado (TIEMSTRA, 1992).

Embora estudiosos de outras áreas dividam o movimento em três diferentes eras nos

EUA, a área de marketing pouco discute sobre as duas primeiras, concentrando-se no

terceiro momento, a partir dos anos 1960, quando o movimento atinge seu auge (DAY;

AAKER, 1970; HERRMANN, 1970).

Além da assimetria entre consumidores e empresas, dimensões políticas

importantes nos EUA contribuíram para o surgimento e evolução do consumerismo,

especialmente na terceira era. A dimensão política do movimento consumerista ajuda a

explicar por que o governo federal americano, em conjunto com as grandes corporações

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e a academia de marketing, privilegiou a regulação do mercado por meio do consumo

ao invés da produção (STERN, 1971).

Opositores ao movimento consumerista, nos EUA, acreditavam que as exigências

dos ativistas apontavam em direção ao socialismo ou comunismo (SWAGLER, 1994).

Para atenuar o eventual avanço de movimentos sindicais e da esquerda nos EUA, e

também para bloquear o avanço do império soviético no Terceiro Mundo, a regulação

política do mercado foi feita por meio da celebração do consumo (WOLFF, 2005). Ao

celebrar o consumo, a área de marketing nos EUA ofuscou a dimensão da produção e da

política, criando uma visão parcial da disciplina sobre consumerismo.

Essa ótica disciplinar nos EUA sobre proteção ao consumidor foi exportada para

diversas regiões do mundo - Europa, Ásia, África, Oceania e Américas do Sul e Central

-, inclusive aquelas sob regime comunista, onde a dimensão do consumo era ofuscada

pela de produção (MAZUREK; HILTON, 2007). Isso foi possível com suporte do

governo federal dos EUA e por meio da International Organization of Consumers

Unions (IOCU), organização que tampouco foi discutida pela área de marketing. Esta

organização foi criada nos moldes da Consumers Union (CU), uma das mais influentes

e longevas organizações de defesa do consumidor nos EUA, para internacionalizar e

celebrar o conceito de proteção ao consumidor durante o período da Guerra Fria

(HILTON, 2009).

Os debates sobre consumerismo são também escassos na literatura de marketing

no Brasil. Isso pode ser explicado pela adoção de conhecimento importado,

especialmente dos EUA, que não apenas limita o espectro de assuntos debatidos pela

área (ALCADIPANI; BERTERO, 2012; VIEIRA, 2003), mas também contribui para

dar pouca atenção a dimensões importantes, que foram colocadas em segundo plano

pela disciplina nos EUA.

Formar uma visão pluralista em marketing, por meio do reconhecimento e da

representação de “outras vozes e outros mundos traz problemas”, pode gerar “uma série

de novas questões” (CASOTTI, 1998, p.7), que confrontam a história da disciplina.

Entretanto, para que o pensamento de marketing evolua, a área deve “assumir os erros

do passado e ter menos ilusões em relação à realidade presente” (CASOTTI, 1998, p.

11).

O resgate de parte da história do movimento consumerista, que foi omitida pela

área de marketing nos EUA, e os debates produzidos por outras áreas são importantes

para a melhor compreensão e teorização das relações entre empresa, governo e

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sociedade, e suas implicações para empresas, governos e consumidores no Brasil e em

outras partes do mundo.

2.1.1 História do Movimento Consumerista nos EUA

Debates sobre consumerismo vêm sendo conduzidos nos EUA por autores de

diferentes áreas, tais como História, Economia e Ciência Política, além de sub-áreas do

âmbito de estudos de consumo (por exemplo, consumer policy). Esses estudos são

pouco reconhecidos pela disciplina de marketing, tanto nos EUA quanto em outras

partes do mundo, onde a influência estadunidense na área se faz presente. Suas

perspectivas resultam em descrições e análises avaliadas como “críticas” ou “políticas”

pela área de marketing. Essa perspectiva contrasta com a visão de Kotler (1982a),

quando argumentou que “se radicais em marketing não existem, [eles] deveriam ser

criados” (p.77). Kotler criticava a tendência na área a desenvolver visões estreitas, que

ignoravam debates “controversos” produzidos fora de seus limites disciplinares.

Tais dificuldades são superadas por autores de diferentes áreas que, em seus

estudos, indicam outros pontos de vista para a história do consumerismo, que diferem

daqueles propagados pela área de marketing. Segundo esses autores, a história do

consumerismo nos EUA divide-se em três eras (COHEN, 2003; MARKIN, 1971): a

primeira, durante a era Progressista, de 1887 a 1914, a segunda, na era do New Deal, de

1927 a 1939, e a terceira, na era denominada de New Frontier, de 1962 a 1978.

Em comum a essas três eras está o fato de surgirem em épocas de aumentos na

atividade de fusões empresariais (TIEMSTRA, 1992), de diminuição do poder relativo

de consumidores individuais (HERRMANN, 1982), e de intensa mobilização política

dentro e fora dos EUA (NADEL, 1971). Em resposta à concentração de poder pelas

empresas e às crises econômicas nesses períodos, ações organizadas de consumidores

acabaram se ampliando por meio do consumerismo, para reduzir as assimetrias de

mercado (ROTFELD, 2010).

As duas primeiras eras do consumerismo foram pouco debatidas pela disciplina de

marketing. A área se concentrou em discutir com maior atenção a terceira era do

consumerismo, mas pouco atentou às “outras” dimensões relacionadas ao movimento,

que não à de consumo, ou mesmo como essas influenciaram na formação da própria

disciplina de marketing.

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2.1.1.1 Primeira Era (1887 a 1914)

Na década de 1890, nos EUA, diversas fusões entre empresas levaram à criação

de grandes corporações com atuação nacional. Isso foi possível e economicamente

viável em função de alguns fatores, dentre os quais se destacam a construção de

transporte ferroviário e de comunicação com alcance nacional e o desenvolvimento de

tecnologias de produção em massa. Tais avanços permitiram que as grandes

corporações passassem a ter ganhos de escala, pois, nesse momento, seus mercados

deixaram de ser regionais para se tornarem nacionais (HERRMAN, 1982). O poder

econômico das corporações que, em épocas passadas, restringia-se ao âmbito local,

consequentemente, ganhou amplitude nacional (TIEMSTRA, 1992).

O nível de renda da população dos EUA elevou-se, durante décadas até a virada

do século, em função da diminuição ou estabilização de preços de mercadorias. A perda

de investimentos estrangeiros e a quebra de diversas empresas, entretanto,

sobrecarregaram os bancos, fragilizando a economia local (MARKIN, 1971). Em 1897,

os níveis de preços começaram a subir, gerando desconfiança por parte de consumidores

em relação a empresas, seus produtos e estratégias. Com o objetivo de tentar controlar

os avanços das grandes empresas, e sob a alegação de que estavam protegendo o

consumidor individual, novas restrições governamentais, na forma de regulações e

ações antitruste, tais como a Federal Trade Commission Act, de 1914, passam a ser

empregadas (COHEN, 2003).

As primeiras organizações de defesa de consumidores também surgiram nessa

época, como, por exemplo, a National Consumers’ League (a primeira organização

dessa natureza nos EUA), criada em 1898. Ativistas defendiam que os avanços

econômicos não fossem controlados pela rica oligarquia dos EUA, mas, sim,

contribuíssem para o benefício da maioria (COHEN, 2010). Tais apelos captaram a

atenção de políticos, que abraçaram as causas defendidas pelos consumeristas, com o

objetivo de construir poder e legitimidade junto à sociedade em geral, e, em particular,

junto aos eleitores (TIEMSTRA, 1992).

Embora a proteção do consumidor fosse o discurso que sustentava a criação de

regulações e agências de defesa do consumidor, esses movimentos, na verdade,

serviram em grande parte para favorecer elites políticas e econômicas locais que

buscaram conservar seus poderes e privilégios. Estas defendiam o retorno de uma

organização econômica mais tradicional, de âmbito regional (TIEMSTRA, 1992). Ao

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invés de promoverem uma solução de natureza mercadológica, essas elites estavam, de

fato, mobilizando uma abordagem política.

Outra interpretação, apresentada por Kolko (1963), é que líderes das novas

corporações nacionais incentivaram a criação de regulações, usando o governo para

acelerar o crescimento de suas empresas, elevando, dessa forma, sua legitimidade

social. A imagem que tentavam passar era de que operavam em favor de consumidores.

Por meio de ganhos de produtividade, baseados em relações de trabalho assimétricas,

conseguiriam economias de escala, diminuindo, assim, os preços de mercadorias, e

possibilitando ao público (incluindo os próprios trabalhadores) o acesso a um estilo de

vida moderno por meio do consumo.

Um exemplo é o caso da Pure Food and Drug Act, uma lei criada em 1906, que,

entre outras atribuições, regularia a indústria de carnes. Seu objetivo era garantir a

qualidade do produto por meio de inspeções às empresas do setor. Após duas tentativas

frustradas de aprovar a lei, um fator que ajudou a concretizar sua aprovação foi a

publicação do livro The Jungle, de Upton Sinclair, no qual o autor descrevia em

detalhes as condições de trabalho anti-higiênicas mantidas por empresas embaladoras de

carnes (FINCH, 1985; FORBES, 1987). A própria indústria incentivou a criação da lei,

para que pudesse manter sua posição competitiva no exterior (KOLKO, 1963). Naquela

época, as vendas de carne e produtos derivados haviam caído pela metade, e havia

especulações de que importantes mercados europeus também seriam perdidos. A

indústria percebeu, diante desse cenário, que um sistema regulatório seria o caminho

mais efetivo para garantir seu poder no mercado (HERRMANN, 1982).

A aproximação entre empresas e agências de proteção ao consumidor também é

vista no caso da Interstate Commerce Commission (ICC), a primeira agência reguladora

americana de proteção ao consumidor, criada em 1887. Nadel (1971) conta que em seus

primeiros anos, a atuação da ICC foi de constante e rigorosa vigilância da indústria de

transporte ferroviário. Seu papel era o de assegurar que empresas do setor mudassem

suas condutas, e não mais praticassem abusos ou discriminação de preços. Com o

tempo, entretanto, a ICC perdeu poder político, à medida que o fervor regulatório no

país declinou. Para se manter atuante, voltou-se para a indústria de transporte

ferroviário, que passou a “reverenciar a comissão, defendendo sua independência, e

apoiando a expansão do poder da agência” (p.23-24). Tal apoio foi motivado por

diversas políticas da ICC, que se mostraram benéficas para as empresas do setor, tais

como: permissões frequentes de aumento de tarifas para as ferrovias, ajuda para evitar

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ações antitruste contra a indústria, e criação de regulações que davam às ferrovias

vantagens competitivas sobre o transporte rodoviário e aquaviário.

Em esferas não-governamentais, a influência empresarial sobre a atividade de

agências de defesa do consumidor também se faz presente. Nesse caso, entretanto, não

se tratam de organizações governamentais, mas, em diversos casos, de iniciativas

privadas, criadas para auto-regular atividades empresariais. Esse é o caso dos Better

Business Bureaus (BBB), que surgiram durante a era Progressiva nos Estados Unidos,

quando empresários de diversos setores se juntaram para criar tais bureaus em diversas

cidades americanas. O objetivo inicial dos BBBs era encorajar padrões de qualidade

mais elevados de varejistas, em um contexto de crescentes níveis de insatisfação de

consumidores. Ao restringir tais práticas de comunicação, as BBBs evitavam potenciais

intromissões políticas em atividades empresariais, e criavam mecanismos de defesa

contra demandas de ativistas do consumerismo por medidas regulatórias

governamentais adicionais (PANNELL, 2002).

Na perspectiva das cúpulas das grandes empresas nacionais, as regulações

governamentais do mercado eram um recurso importante para a construção e

manutenção de poder econômico, político e simbólico. Mais do que uma preocupação

com lucros, a prioridade dos líderes das grandes empresas era a de “moldar a sociedade”

(TIEMSTRA, 1992, p.8).

Alguns autores de outras áreas, que não de marketing, comentam que, diante

desse cenário, o foco do movimento consumerista da época não era o de proteger

consumidores em si, mas o de proteger um sistema de capitalismo de mercado liderado

por grandes empresas nos EUA. Leis e agências reguladoras que surgiram nesse

período, portanto, foram desenhadas e estabelecidas para proteger o mercado, e não as

pessoas (NADEL, 1971; ROTFELD, 2010).

Somente no começo dos anos 1930, após a Primeira Guerra Mundial e já na

segunda era do movimento consumerista, o foco na proteção ao consumidor entrou na

agenda. Nesta época, foram criadas organizações específicas voltadas para esse

propósito (GLICKMAN, 2001).

2.1.1.2 Segunda Era (1927 a 1939)

Segundo Tiemstra (1992), as fusões empresariais ocorridas nos anos 1920 foram

um dos motivos para o surgimento da segunda era de consumerismo. Dessa vez, o

incentivo para as fusões se deu pelas oportunidades oferecidas pelo mercado de ações

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que foi então criado, além da consolidação de oligopólios industriais, que aproveitaram

falhas em leis antitrustes para se estabelecerem. A quebra da bolsa americana em 1929

marca o início de mudanças regulatórias nos anos 1930. A perda de legitimidade das

grandes empresas frente ao período de depressão econômica facilitou o processo

subsequente de reformas (CREIGHTON, 1976).

Durante a segunda era do movimento consumerista, o ideal de mercado livre

ainda era aceito como a melhor forma de política econômica, mas defendia-se uma

maior assistência de governos na proteção de consumidores contra produtos

“problemáticos” ou informações erradas fornecidas por fabricantes (ROTFELD, 2010).

Ênfase passou a ser, então, na educação de consumidores. Foi com esse pensamento que

Stuart Chase e F. J. Schlink publicaram, em 1927, o livro Your Money´s Worth,

considerado um marco do consumerismo dessa época (FINCH, 1985; FORBES, 1987).

Os autores mostraram irregularidades de grandes empresas, defendendo que a sociedade

tinha direito a informações corretas sobre as mercadorias adquiridas. Como a única

fonte de tais informações eram as próprias empresas, e essas nem sempre informavam

tudo que o consumidor precisava conhecer, organizações especializadas em testar

produtos deveriam se encarregar dessa tarefa (GLICKMAN, 2001).

É nesse contexto que Chase e Schlink fundam a Consumers’ Research (CR), em

1929, uma organização que tinha como objetivo suprir consumidores com informações

sobre produtos, gerando consciência pública a respeito da qualidade das mercadorias

disponíveis. Seis anos após ser criada, a CR contava com mais de cinquenta mil

assinantes de sua revista, a Consumer Bulletin (DONOHUE, 2010).

Em 1935, após divergências sobre o caminho que a CR deveria seguir, durante

vigência do New Deal e em um contexto de muitas desconfianças quanto ao papel das

grandes corporações, quarenta e um funcionários da CR entraram em greve. Esses

dissidentes, então, fundaram sua própria organização, a Consumers Union, em 1936

(HILTON, 2009).

Mantendo o foco em teste de produtos, a CU também deu atenção a assuntos

relacionados a condições de trabalhos e alianças políticas (MAYER, 1989), a fim de

aumentar seu poder de negociação com governos e grandes empresas. Esse processo de

politização do consumerismo facilitou a expansão de seus ideais para outros países, a

partir da década de 1950, especialmente após a criação da International Organization of

Consumers Unions, em 1960, cuja lógica de proteção ao consumidor se inspirou na CU

(HILTON, 2009).

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Outro marco durante a segunda era do movimento consumerista foi a tentativa de

criar instituições que representassem o consumidor no governo federal americano.

Como exemplos, Creighton (1976) cita a Consumer Advisory Board, dentro do National

Recovery Administration (NRA), e o Consumers’ Council, integrante do Departamento

de Agricultura. Suas criações ocorreram, pois ações que seriam implantadas pelo New

Deal previam amplo controle do governo sobre a economia. Para evitar que seu

planejamento fosse dominado por interesses de empresas e trabalhadores, representantes

específicos de consumidores foram solicitados (MAYER, 1989).

Os esforços de representação de consumidores no governo federal americano,

entretanto, não foram bem sucedidos. Creighton (1976) aponta dois motivos para isso.

Os encarregados de defender o ponto de vista do consumidor não possuíam

contribuições adequadas para ajudar na recuperação da economia. Segundo, a cúpula da

NRA resistia a aceitar a visão do consumidor na resolução de problemas econômicos do

país. Acreditava-se que consumidores seriam mais bem atendidos se os esforços

governamentais fossem empreendidos no sentido de tornar lucrativo para a indústria

aumentar a produção. Em vista de tais fatores, as revisões das políticas da época

acabaram por ficar “inteiramente de acordo com os termos de empresas e trabalhadores”

(p.25).

Embora a representação de consumidores no governo federal tenha gerado poucas

conquistas (COHEN, 2003), esse foi um passo importante para o movimento

consumerista. Consumidores nunca haviam tido representação no governo, e essa

experiência serviu como um exemplo para os esforços consumeristas da terceira era se

espelharem (CREIGHTON, 1976).

Assim como a primeira era do movimento, à medida que uma nova guerra

mundial emergia, o poder de ativistas defensores de consumidores se dissipou, e suas

solicitações foram deixadas em segundo plano. Somente nos anos 1960, surgiu nos

EUA uma nova onda de ações em defesa do consumidor.

2.1.1.3 Terceira Era (1962 a 1978)

Oficialmente, a palavra “consumerismo” passou a ser associada a proteção de

consumidores nessa época (SWAGLER, 1994), no período pós-Segunda Guerra

Mundial. Sua concepção surgiu de opositores ao movimento que tentaram associar esse

tipo de ativismo a outras temidas formas de “ismo”, tais como comunismo e fascismo

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(MAYER, 1989), em um contexto ainda dominado por ideais do Macarthismo

(TADAJEWSKI, 2006).

Diferentes autores (COHEN, 2010; TIEMSTRA, 1992) concordam que o início da

terceira era é marcado pelo discurso do Presidente Kennedy ao congresso

estadunidense, em 1962, no qual defende quatro direitos fundamentais do consumidor:

1) o direito a informações corretas e completas sobre produtos; 2) o direito a produtos

que são seguros em seu uso comum; 3) o direito de escolher entre produtos de diferentes

especificações; e 4) o direito de consumidores serem ouvidos por órgãos de regulação

do governo federal.

As preocupações levantadas pelo Presidente Kennedy em seu discurso não eram

pioneiras. Havia demandas por mudanças favoráveis ao consumidor antes daquele

famoso ato, tanto em artigos publicados na revista da Consumers Union, quanto nas

ações de alguns políticos para a criação de novas legislações (COHEN, 2003).

Mais do que proclamar a defesa do consumidor, o discurso refletia

acontecimentos históricos da época, fundamentais na relação entre comunismo e

capitalismo, no auge da Guerra Fria: enquanto Kennedy se dirigia ao congresso, Fidel

Castro liderava a Revolução Cubana, implantando uma filosofia comunista no país.

A geopolítica da disputa entre capitalismo e comunismo ficou mais complicada

para o governo dos EUA quando, logo após a crise dos mísseis soviéticos em Cuba,

Ernesto Che Guevara conclamou os revolucionários a criarem “dois, três Vietnams”

para confrontar e enfraquecer os EUA e seus aliados. Para desespero do Governo

Kennedy, Cuba acabou se transformando no mais importante aliado da política externa

da União Soviética (DOMÍNGUEZ, 1997).

A preocupação do Governo dos EUA com as atividades políticas da União

Soviética e sua influência mundo afora desde o final da II Guerra mundial levou o

Departamento de Estado e o Central Intelligence Group (organização que deu lugar ao

que veio a ser a Central Intelligence Agency – CIA), com apoio financeiro da

Corporação Carnegie - cuja Fundação é uma das três principais entidades de filantropia

dos EUA - a criarem o Centro de Pesquisas Russas na universidade de Harvard.

Segundo um de seus fundadores, o principal objetivo do Centro era estudar instituições

russas, tais como o Partido Comunista, a fim de determinar as ações e políticas

internacionais da União Soviética (KLUCKHOHN, 1949).

A importância do Centro para os propósitos de conter os avanços comunistas era

tamanha, que suas linhas de estudo passaram a ser determinadas por Washington, em

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consonância com as estratégias de política externa que o governo adotara

(OPPENHEIMER, 1997). Dessa forma, estudos que objetivavam descobrir alvos civis

para possíveis bombardeios na União Soviética, por exemplo, eram realizados pelo

Centro, a pedido da Força Aérea Americana.

A ameaça soviética para o governo dos EUA representava mais do que somente

uma mudança de poder e dominância. Significava uma mudança de ideologia, contrária

àquela defendida pelos americanos (SPECTOR, 2006). Nesse contexto, a universidade

de Harvard desempenhou papel fundamental para legitimar as grandes empresas como

principais defensoras dos ideais capitalistas de livre mercado contra o comunismo.

Liderado pelo Reitor de sua escola de negócios, Donald K David, e com apoio de outros

acadêmicos de Harvard, cujas opiniões eram publicadas na importante revista Harvard

Business Review, surgiu um movimento em defesa da expansão das responsabilidades

sociais de empresas como forma de alinhar os interesses das mesmas com os do

governo dos EUA. Caberia às grandes empresas garantir “o bem de todos”

desempenhando suas atividades da melhor forma possível, conseguindo, assim,

resultados financeiros expressivos. Na visão do Reitor David e outros defensores desse

movimento, o “American way of life” somente seria alcançado se grandes empresas

fossem livres de Estados para liderar o mercado, fazendo frente, assim, ao totalitarismo

comunista (SPECTOR, 2008).

Essa visão não se restringia somente ao mercado nos EUA; grandes empresas

americanas deveriam expandir suas “responsabilidades” para outras regiões do mundo.

Um exemplo disso ocorreu no golpe militar do Chile, contra o governo de Salvador

Allende, cujos ideais marxistas eram vistos como uma ameaça para os EUA. Esse

quadro se agravou quando o governo de Allende decidiu nacionalizar o sistema de

telecomunicações, que, até então, estava em monopólio da International Telephone and

Telegraph (ITT), uma das maiores empresas americanas do mundo do setor. A empresa

já havia sofrido perda similar em Cuba, após a tomada de poder por Fidel Castro.

Portanto, tentou impedir a eleição de Allende ao apoiar (inclusive financeiramente) a

campanha de seu rival, o então presidente Eduardo Frei. Durante o curto período em que

Allende governou o Chile, a cúpula da ITT esteve envolvida com a CIA para elaborar

formas de impedir os avanços das reformas propostas pelo presidente, e impor um

estado de caos ao país (KUNZLE, 1978).

Após o Golpe Militar, foi exposto o envolvimento de diretores e executivos da

ITT na derrubada do presidente, juntos com a CIA e a Embaixada Americana no Chile.

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Respondendo à pressão da sociedade, que desejava a repreensão dos atos da ITT (e

outras centenas de casos de corrupção em que empresas americanas estiveram

envolvidas no exterior), o Congresso dos EUA criou o Foreign Corrupt Practices Act,

em 1977 (JENKINS, 2005).

Cohen (2003) aponta que, após assumir a presidência dos EUA, o governo do

Presidente Kennedy adotou uma política econômica inspirada em teorias Keynesianas,

que promovia uma maior participação do governo no mercado. Para responder ao

avanço do comunismo, as relações entre governo e grandes corporações se estreitaram

ainda mais no contexto da Guerra Fria. Essa visão foi reforçada quando a prestigiada

revista americana Time elegeu Keynes o economista do século, em 1965.

Diante desse cenário, as questões relacionadas ao consumidor nos EUA tornaram-

se prioritárias. O estímulo ao consumo em massa pelo governo tornou-se “o centro de

uma economia próspera” (COHEN, 2003, p.351). O conceito de consumidor, nesse

contexto, foi ampliado, englobando não somente aqueles mais afluentes, mas também

os menos afortunados (ANDREASEN, 1975).

A principal razão para isso era a preocupação de que o alastramento da pobreza

poderia facilitar uma invasão comunista nos EUA e no mundo. Após a 2ª Guerra

Mundial, o Plano Marshall serviu para conter o avanço da pobreza e do comunismo na

Europa Ocidental (KUNZ, 1997). Durante o auge da Guerra Fria, entretanto, a

preocupação do governo dos EUA era evitar que a pobreza no país servisse como meio

para aumentarem as atividades comunistas em solo americano. Coube, então, ao

presidente Kennedy, inicialmente, e seu sucessor Lyndon Johnson declararem “guerra à

pobreza” (BRAUER, 1982), incentivando programas assistencialistas voltados a esse

propósito.

A “nova” preocupação com os pobres foi incorporada às discussões sobre

consumerismo nos EUA e em outras regiões do mundo (HILTON, 2009). Diversos

ativistas do movimento passaram a defender a proteção desses indivíduos por meio de

regulações governamentais contra práticas abusivas de empresas, que se aproveitavam

de sua falta de informação ou conhecimento sobre como se defender (ANDREASEN,

1975; STURDIVANT; WILHELM, 1969).

Andreasen (1976), entretanto, oferece uma perspectiva pessimista sobre os

benefícios que o consumerismo traria a consumidores em desvantagem. Para o autor, o

movimento não resultaria em melhoras para esses indivíduos por três razões. Primeiro,

porque o consumerismo é um movimento que foca, essencialmente, em questões

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preocupantes para brancos, de classe média. Segundo, os problemas que consumidores

em desvantagem enfrentam são diferentes daqueles que seus pares mais afluentes

vivenciam. Terceiro, devido a essas diferenças, o impacto que o movimento teria na

vida desses indivíduos seria limitada. Andreasen conclui que, somente por meio de

ações sociais mais amplas, que fogem à proposta defendida pelo consumerismo, é que

consumidores em desvantagem seriam beneficiados por mudanças no mercado.

A adoção do governo Kennedy de políticas nas quais o Estado aumentava sua

presença no mercado, garantindo, assim, a proteção de todos os consumidores resultou

no crescimento de importância sócio-política do marketing, tanto no meio empresarial

quanto acadêmico. Em resposta a legislações vigentes na época, grandes empresas

criaram seus departamentos de marketing, pois perceberam a necessidade de possuir

uma área específica para lidar com questões de mercado, promovendo assim uma

complexa combinação de modelos de auto-regulação e de regulação governamental com

ativa participação das lideranças empresariais nos EUA (FARIA, 2006).

Em resposta ao movimento empresarial, o meio acadêmico também se voltou a

essa questão. Wilkie e Moore (2003) descrevem o período que abrange os anos 1950 a

1980 como de “dominância massiva de marketing” e franco “crescimento do sistema de

marketing nos EUA” (p.123). Novas linhas teóricas surgiram dentro da disciplina, entre

elas a preocupação de marketing com questões sociais (KOTLER; ZALTMAN, 1971),

que ajudaram a aumentar tanto a exposição da área a assuntos antes pouco discutidos

quanto a transformação do consumerismo em um tabu.

Temas relacionados ao movimento consumerista passaram a ser debatidos por

pesquisadores de marketing, apoiados por programas específicos da Association to

Advance Collegiate Schools of Business e da Sears-Roebuck Foundation. Por meio

dessas organizações, professores de escolas de negócios foram incentivados a se

inserirem em agências governamentais por período de um ano, realizando consultorias,

trabalho e estudos específicos. Uma das agências que recebeu pesquisadores foi a

Federal Trade Comission (FTC), em um contexto de grande ceticismo nos EUA a

respeito de a quem servem as agências de regulação (POSNER, 1974). Em função de a

FTC ser responsável por questões relacionadas à proteção do consumidor, o

consumerismo se transformou em foco de alguns trabalhos publicados em periódicos e

apresentados em congressos de marketing (WILKIE; MOORE, 2003).

A relação da FTC com as escolas de negócios também levou a uma crescente

influência de acadêmicos de marketing às ações da agência. Dentre outras

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contribuições, pesquisadores participaram na preparação e análise de evidências e

testemunhos de casos, consultorias sobre remediações de problemas, e investigações

sobre o desenvolvimento de regras de regulação. Ao final dos anos 1970, a FTC estava

gastando um milhão de dólares por ano em pesquisa de marketing, sob a orientação do

acadêmico Kenneth Bernhardt (WILKIE; MOORE, 2003).

Durante esse período dominado pela Guerra Fria, a disciplina de marketing se

transformou em um recurso importante para a gestão do consumerismo nos EUA. Em

uma época de intervenções políticas do Governo Kennedy no mercado, em que

consumo e consumidores ganhavam especial privilégio pelas instituições

governamentais dos EUA, marketing ainda era visto com desconfiança pela sociedade.

Ativistas do movimento consumerista sinalizavam que marketing não estava

conseguindo fazer com que grandes empresas seguissem o princípio de satisfação de

clientes (DAY; AAKER, 1970). Enquanto alguns autores da área afirmavam que as

criticas ao marketing pelo movimento eram infundadas (SHAPIRO, 1973), outros

concordavam, pois, a seu ver, “marketing não funcionou”, devido à “prostituição” do

conceito pelas próprias empresas (BUSKIRK; ROTHE, 1970, p.62).

Segundo essa linha de pensamento, o problema central de marketing é que o

conceito de soberania do consumidor ainda não havia se traduzido em realidade. A

satisfação do consumidor, defendida por marketing, era o objetivo que as empresas e a

economia deveriam buscar, e que somente pelo fortalecimento e efetiva adoção de

marketing pelas grandes empresas a democracia de mercado seria alcançada

(ROTHENBERG, 1972).

A área de marketing ajudou a difundir o pensamento de que as grandes empresas

deveriam responder positivamente às demandas do movimento consumerista para evitar

imposições governamentais, já que estas seriam prejudiciais não somente às empresas,

mas também à sociedade (BUSKIRK; ROTHE, 1970). No auge da Guerra Fria, essa

visão de marketing sobre o consumerismo pouco discutia as dimensões políticas do

movimento (HOLLANDER, 1972-1973; MCGUIRE, 1982). Os debates e análises

produzidas por outras áreas foram ignoradas por marketing, inclusive por historiadores

da disciplina (BARTELS, 1976; BROWN, 1995; SHETH; GARDNER; GARRET,

1988).

Nessa época, questões referentes ao consumerismo se ampliaram e obtiveram

maior reconhecimento pela população dos EUA. Até então, consumidores possuíam

pouco conhecimento sobre a existência e as funções exercidas por agências de proteção

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ao consumidor (HAEFNER; LECKENBY, 1975), ou seus direitos comerciais

(CUNNINGHAM; CUNNINGHAM, 1982), pois o movimento ficara restrito a

discussões entre organizações de defesa do consumidor, o governo e as empresas.

Entre as diferentes esferas que passaram a discutir questões relacionadas ao

consumerismo está a dos Escoteiros. Essa tradicional organização americana criou um

distintivo de honra, entregue a seus integrantes que estudassem três leis do consumidor,

escrevessem a um legislador ou um jornal suas opiniões a respeito de uma lei,

criticassem o serviço de atendimento de uma empresa, analisassem três problemas para

ambos consumidores e comerciante de áreas de baixa renda, e examinassem se

informações contidas em uma propaganda eram úteis ou enganosas (COHEN, 2003).

Diferentemente das anteriores, o movimento consumerista da terceira era ampliou

seu escopo de atuação, expandindo seu conceito de o que seria considerada uma

preocupação do consumidor (DAY; AAKER, 1970). Foram incorporadas questões

relacionadas a, por exemplo, meio ambiente, condições de saúde e segurança no

trabalho, impostos sobre indústrias, responsabilidades administrativas do governo

federal, e atividades empresariais globais (MAYER, 1981).

A ampliação do escopo de questões defendidas pelo consumerismo resultou em

novas alianças, com outros movimentos, entre eles os de direitos civis, de trabalhadores,

de fazendeiros e de idosos (CLINTON, 1973; MAYER, 1981, 1989). Tamanha agenda,

entretanto, resultou em críticas, de que não havia coesão em suas propostas, suas

alianças eram superficiais, seus líderes intelectuais eram incapazes de criar um

programa de ação, e suas prioridades eram desconhecidas (HERRMAN, 1970; NADEL,

1975a).

A publicação do livro Unsafe at any Speed, de Ralph Nader, em 1965, foi

importante para mudar a ignorância dos americanos quanto ao consumerismo (FINCH,

1985; MAYER, 1989). Nader (1972) mostrou que as causas de mortes por acidentes

automobilísticos eram derivadas da falta de segurança dos próprios automóveis, e que,

mesmo conhecedoras do fato, as grandes montadoras – em especial a toda-poderosa

General Motors (GM) – nada fizeram para mudá-lo. Para reverter tal quadro, e tendo em

vista o crescente ceticismo nos EUA quanto a quem as agências de regulação realmente

servem, Nader argumentou que seriam necessárias intervenções governamentais que

condenassem a negligência das empresas.

Inspirado pela leitura da obra de Sinclair, The Jungle, quando tinha 12 anos, a luta

pela defesa do consumidor transformou Nader no principal líder do movimento

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consumerista da terceira era, responsável por conscientizar a sociedade de seus direitos,

e pressionar o governo por legislações favoráveis ao consumidor (CREIGHTON, 1976).

Com o volume de US$ 425 milhões que a GM foi forçada a pagar na época a Nader por

invasão de privacidade, ele construiu em Washington (DC) o Center for Study of

Responsive Law. Ralph Nader tornou-se conhecido nos EUA como um reformador

radical, que objetivava não derrubar o capitalismo, mas sim “produzir uma revolução

democrática em que cidadãos são empoderados e as corporações transformadas em suas

ferramentas, ao invés de ao contrário” (DeLEON, 1994, p. 332).

Durante esse período, as relações entre ativistas defensores de consumidores e

políticos se estressaram; ao invés de parceiros, passaram a se considerar opositores. Um

motivo para isso foi o descontentamento dos primeiros com as políticas de

desregulamentação que os segundos defendiam e exigiam implementação (TIEMSTRA,

1992).

Glickman (2009) argumenta que a principal razão para o afastamento entre

ativistas defensores de consumidores e políticos foi a mal sucedida tentativa de

implementar a Consumer Protection Agency (CPA). A criação dessa agência, que

desafiaria a influência do Congresso Americano sobre a FTC, serviria para representar o

consumidor americano no governo. Por meio da CPA, todas as decisões federais dos

âmbitos legislativo, executivo e judiciário garantiriam os interesses dos consumidores e

cidadãos.

Dirigindo-se tanto ao Congresso americano quanto aos consumidores, por meio de

propagandas e relações públicas, grandes empresas do país gastaram milhões de dólares

para convencer o público que seria equivocada a criação da CPA. Seus argumentos

giravam em torno de três principais pontos: 1) a competição em mercados livres oferece

a melhor proteção ao consumidor; 2) a CPA seria mais um entrave burocrático, em um

governo já demasiadamente regulador; e 3) mais burocracia governamental significaria

mais gastos, que seriam repassados aos contribuintes em forma de impostos, e que

elevariam os preços de mercadorias (COHEN, 2010).

Em diversos momentos, durante os anos entre 1970 e 1975, a CPA quase obteve

aprovação do Congresso, porém sempre esbarrava em oposição presidencial,

especificamente dos presidentes Richard Nixon e Gerald Ford, e também de lobistas que

representavam as grandes empresas americanas. A última tentativa para a criação da

CPA ocorreu no mandato de Jimmy Carter, cuja campanha presidencial continha temas

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pró-consumidor. Embora as intenções do presidente fossem favoráveis à criação da

agência, não houve apoio político suficiente, na época, para aprová-la (COHEN, 2010).

O fraco desempenho econômico do país pouco contribuiu para a criação da CPA.

Ao invés de atribuir os problemas da economia americana aos parcos resultados das

grandes empresas, a culpa foi direcionada a fatores internacionais, mais

especificamente, à elevação do preço do petróleo por países árabes, e à expansão

econômica das empresas japonesas. Os americanos passaram a acreditar que somente

fariam frente às ameaças internacionais se suas empresas estivessem livres de amarras

governamentais (TIEMSTRA, 1992).

Foi nesse contexto que Ronald Reagan assumiu a presidência do país, colocando

em segundo plano as questões levantadas por ativistas defensores de consumidores, e

reforçando a necessidade de reduzir a regulação de mercado pelo governo (COHEN,

2010). Regulações antigas foram desfeitas sob a alegação de que, ao invés de proteger

consumidores, na verdade, somente serviam aos propósitos de grandes empresas, pois

mantinham afastados concorrentes de seus mercados (ROTFELD, 2010).

Essa visão foi reforçada pelo meio acadêmico, a partir do momento em que

economistas da Escola de Chicago passaram a argumentar que agências reguladoras

prestavam um “desserviço” à sociedade, pois protegiam “cartéis” em nome do bem

público (PERTSCHUK, 1982).

Fazia pouco sentido discutir consumerismo neste contexto nos EUA. Aos poucos,

o tema deixou de ser debatido nos meios acadêmico e empresarial. Os ativistas do

movimento passaram a ser criticados por um novo grupo, que se autointitulava de new

consumerists, e que defendia a ideia de que consumidores não estavam preocupados

com sua proteção por acreditarem que estariam seguros desde que a eles fossem

oferecida livre escolha, ao invés de regulações (GLICKMAN, 2009).

Glickman (2009) explica que, em paralelo às mudanças do contexto em que

ativistas defendiam consumidores, o significado da palavra “consumerismo” foi sendo

modificado. No contexto da globalização neoliberal e já no contexto pós-Guerra Fria,

empresários decidiram se “apropriar do termo” (p.296) e “privatizaram” o conceito de

proteção ao consumidor, evitando que a população o percebesse como uma preocupação

exclusiva do Estado e de organizações não lucrativas.

Segundo a perspectiva empresarial que foi construída a partir do governo de

Ronald Reagan e reforçada pela disciplina de marketing, insatisfações e reclamações de

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consumidores seriam tratados por “departamentos” voltados unicamente para tais

questões (BEST, 1981).

À medida que ativistas defensores de consumidores perdiam forças, em um país

cada vez mais preocupado em minimizar regulação, a palavra “consumerismo” foi

sendo gradativamente associada à ideologia de livre mercado. Materialismo, acúmulo de

bens e indulgências passaram a constituir seu novo significado, fugindo do conceito de

proteção ao consumidor, suprimindo, assim, “a reemergência do movimento”

(SWAGLER, 1994, p.356) tanto nos EUA quanto no resto do mundo.

2.1.2 A Expansão do Consumerismo: uma breve história

O item a seguir pretende fazer uma breve discussão sobre como os conceitos de

consumerismo, inicialmente desenvolvidos nos Estados Unidos, expandiram-se para

demais regiões do mundo. O objetivo aqui é mostrar como a defesa do consumidor se

tornou uma questão fundamental para governos, sociedade e empresas globalmente, não

se prendendo a adentrar em detalhes de como esse processo ocorreu nas diferentes

regiões.

Além disso, essa discussão serve de pano de fundo para debater como ideais de

consumerismo se desenvolveram no Brasil, seguindo um movimento que englobou

diversos países, não somente na América Latina, mas também no restante do mundo.

Para entender como se iniciou esse processo de expansão do consumerismo, é

importante conhecer a história da Consumers Union, uma das mais importantes e

longevas organizações de defesa de consumidores, e da International Organization of

Consumers Unions, cuja participação na “internacionalização” dos ideais do movimento

foi fundamental.

2.1.2.1 Consumers Union

A história da Consumers Union inicia-se em 1935, a partir da greve de quarenta e

um funcionários da Consumers’ Research. Segundo Glickman (2001), pouco tempo

após sua criação, a CR era aclamada como o símbolo do movimento consumerista, por

sua integridade e destemor em mostrar irregularidades cometidas por empresas. Além

da sociedade, a organização também agradava políticos, tanto liberais quanto radicais,

que passaram a creditar os triunfos da CR como se fossem seus. Dessa forma,

associavam o bem de consumidores ao bem de trabalhadores, em uma busca por ganhar

poder com as massas.

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Os líderes da CR não concordavam com tal posição política, e buscavam dissociá-

la de qualquer iniciativa nesse sentido. Essa, inclusive, foi uma das críticas que a CR

recebeu na época de outras organizações de consumidores, pois acreditavam que,

devido à sua importância, deveria ter uma atuação política mais ativa. A greve de 1935,

portanto, ganhou destaque, pois, mais do que uma discordância trabalhista, demonstrava

haver uma divisão dentro do movimento consumerista, gerando dúvidas quanto a suas

reais forças e alianças (GLICKMAN, 2009).

Em 1936, os dissidentes da CR formaram outra organização, a Consumers Union,

tendo Arthur Kallet e Colston E. Warne nos cargos de diretor e presidente,

respectivamente. Mesmo mantendo o foco em teste de produtos, o novo

empreendimento também daria atenção a assuntos relacionados a condições de trabalhos

e alianças políticas, algo ignorado pela CR (MAYER, 1989; SHAINWALD, 1978).

Dessa forma, passou a contar com o apoio de sindicatos de trabalhadores, cujos líderes

participavam de um comitê da CU sobre assuntos trabalhistas. Em um ano, a

organização já contava com quarenta mil assinantes de sua revista, a Consumer Reports

(HILTON, 2005), que até hoje é distribuída nos EUA.

Com o estabelecimento do Macarthismo, movimentos sociais, tais como o

consumerismo, perderam força, e diversas organizações foram fechadas. Qualquer

crítica feita a práticas de empresas americanas era interpretada como de cunho

comunista, e o responsável por expressá-la sujeito a ter “sua vida arruinada” (MAYER,

1989, p.25).

Durante essa época, a CU foi perseguida, por ser considerada fortemente

influenciada por ideais comunistas, o que resultou em diversos funcionários se

afastarem das atividades políticas exercidas pela organização ou pedirem demissão. Por

imposição do próprio McCarthy, escritórios locais do Better Business Bureau, uma

organização de defesa do consumidor, baniram a Consumer Reports de quatro escolas

públicas (GLICKMAN, 2009).

Nesse contexto, executivos da CR passaram a integrar grupos de extrema direita,

tais como a House Committee on Un-American Activities (HUAC), com o objetivo de

perseguir indivíduos “subversivos” em organizações de consumidores (DONOHUE,

2010). Em seu ponto de vista, a greve dos funcionários da CR havia sido um golpe para

derrubá-los. Para eles, após 1935, comunistas passaram a se infiltrar em organizações de

defesa de consumidores, com o objetivo de minar o sistema capitalista, e a melhor

forma de fazê-lo seria desqualificando empresas americanas (STORRS, 2006). A CU,

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portanto, seria um exemplo disso, o que a levou a ter seu nome inserido pela HUAC em

uma lista de organizações desleais, durante a Guerra Fria (HILTON, 2009).

Glickman (2009) discute que, em resposta às acusações da HUAC, Kallet

removeu os membros com inclinações esquerdistas do conselho da CU, e mudou seu

foco de atuação, enfatizando o teste de produtos em detrimento do ativismo social. Tais

modificações criaram conflitos entre Kallet e Warne, que defendia uma atuação mais

política para a organização. Após pressões de seu presidente, o conselho da CU demitiu

Kallet, em 1957.

O posicionamento em ser uma organização socialmente ativa, aliado à sua base de

teste de produtos, mostrou-se positivo para a CU. Entre 1966 e 1972, a organização

dobrou a publicação de sua revista, passando a dois milhões de assinantes, expandindo

suas vendas por todo território americano, aumentando, assim, sua influência na

sociedade (GLICKMAN, 2009).

Durante o restante do século XX, a CU teve papel proeminente em atividades de

defesa de consumidores, com atuação nacional e internacional. A participação da

organização nos Estados Unidos foi no sentido de desenvolver agências de proteção ao

consumidor, fundando, também, a Consumer Federation of America, uma organização

do tipo guarda-chuva que incentiva ações de consumidores localmente (GLICKMAN,

2001). Sua influência no país é marcante, estando a Consumer Reports entre as dez

maiores revistas nos Estados Unidos em número de assinantes

(http://www.consumersunion.org/about/, recuperado em 21, fevereiro, 2012).

Além de auxiliar no fomento de agência de defesa do consumidor, a CU aliou-se a

ativistas socialmente conscientes, subsidiando a publicação, por exemplo, do livro de

David Caplovitz, The Poor Pay More, em 1963 (HERRMANN, 1970), considerado um

marco em estudos sobre a relação entre indivíduos de baixa renda e consumo, e que

influenciou diversos outros trabalhos nessa linha. Além desse, ajudou a publicar o livro

Hungry for Profits, de Robert Ledogar, que expunha os males causados por corporações

americanas de alimentos e medicamentos a consumidores e economias da América

Latina (HILTON, 2009).

Internacionalmente, a CU serviu de modelo para diversas outras organizações

interessadas em seguir seu padrão de defesa do consumidor, em países na Europa, Ásia,

África e América Latina e Central, e ajudou a fundar a International Organization of

Consumers Unions, em 1960 (WARNE, 1972).

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2.1.2.2 IOCU e a expansão internacional do Consumerismo

Durante a década de 1950, empreendedores europeus contataram Colston Warne,

desejando ajuda para estabelecer suas próprias organizações de teste de produtos,

espelhadas no modelo da Consumers Union. Inicialmente, a CU enviou informações e

cópias da Consumer Reports aos interessados. Mas, à medida que suas atividades se

desenvolviam, Warne convenceu o conselho da CU a oferecer auxílio financeiro para

algumas dessas organizações, firmando a relação da primeira com as segundas

(HILTON, 2009).

A ajuda oferecida pela CU resultou na criação de organizações de teste de

produtos em diversos países do continente europeu, tais como a Union Fédérale des

Consommateurs, na França, em 1951, a Consumentenbond, na Holanda, em 1953, a

Union Belge dês Consommateurs, na Bélgica, em 1957, e a Consumers’ Association, na

Grã Bretanha, em 1956, todas com suas próprias revistas (HILTON, 2005).

Ao fim da II Guerra Mundial, a influência americana sobre a Europa Ocidental

cresceu, especialmente após iniciativas de recuperação econômica prometida pelo Plano

Marshall. Nesse contexto, a criação de organizações de teste de produtos modeladas a

partir da CU seria mais uma forma de apresentar a governos locais a noção de

democracia do consumidor, um contraponto positivo aos considerados falhos projetos

de cidadania defendidos pelo fascismo e o comunismo (HILTON, 2009). Esse

movimento ocorreu mais fortemente após a criação da IOCU, fundada em 1960,

composta por organizações consumeristas de Bélgica, Grã Bretanha e Holanda, a

Consumers’ Association da Austrália, além da própria CU (WARNE, 1972).

Quando foi criada, a IOCU estabeleceu como três principais objetivos: apoiar seus

membros, expandir o movimento consumerista e representar o interesse do consumidor

internacionalmente. Para isso, passou a promover informações a seus membros, a fim de

que pudessem usá-las com o propósito de se “organizar, fazer lobby e mudar políticas e

regulações governamentais” (THE INTERNATIONAL ORGANIZATION OF

CONSUMERS UNIONS (IOCU), 1991, p.152).

Hilton (2009) explica que, à medida que as principais organizações de testes de

produtos se solidificaram e suas influências na “mudança de políticas e regulações

governamentais” locais eram mais presentes, decidiram expandir suas

responsabilidades. Os líderes da IOCU perceberam que somente o foco em teste de

produtos seria inadequado para defender os interesses do consumidor globalmente. Em

um mundo cada vez mais dividido pela Guerra Fria, uma atuação política mais presente

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em países com menor poder para se defender das ameaças comunistas se fazia

necessária para defender o consumidor.

Diferentemente do que ocorreu nos Estados Unidos, Europa Ocidental e Austrália,

o movimento consumerista em países comunistas nasceu a partir de iniciativas

governamentais. Seu poder, entretanto, era limitado, pois se encontrava em países com

governos centralizadores, cujas políticas eram fortemente baseadas no estímulo à

produção, e o consumo considerado uma consequência disso. Na China e em Cuba, por

exemplo, organizações de consumidores foram criadas pelo Estado para administrar as

vontades da população, em economias de poucas escolhas materiais (HILTON, 2009).

O papel da IOCU em avançar o modelo de proteção ao consumidor a partir da

perspectiva dos EUA nesses países foi fundamental. Mazurek e Hilton (2007)

descrevem como na Polônia o modelo de proteção ao consumidor inspirava-se naqueles

ocidentais. A organização local, a Federacja Konsumentów (FK), fundada em 1981,

diferentemente de suas equivalentes em outros países comunistas, foi criada

independente do governo, somente com integrantes civis. Sua base de proteção ao

consumidor era adaptada a partir das ideologias difundidas pela IOCU4. Por estar em

uma economia regulada pelo Estado, marcada pela falta de bens de consumo, seus

objetivos eram voltados para o atendimento de necessidades básicas da população. Ao

invés de se opor a práticas de empresas privadas, buscava proteção ao consumidor de

“abusos de organizações e instituições administradas pelo Estado” (p.333). Nesse caso,

um Estado comunista.

Com o enfraquecimento do comunismo e o avanço dos ideais de democracia, no

final dos anos 1980, diversas organizações de defesa do consumidor surgiram em países

da Europa Oriental, auxiliadas pela FK e a IOCU. Hilton (2009) contabiliza que, entre o

final de 1989 e o começo de 1990, doze novos grupos de defesa consumidores foram

fundados nessa região. Em 1992, organizações de defesa de consumidores eram

encontradas em todas as ex-repúblicas soviéticas.

Hilton (2007a) descreve que, além de países comunistas, os ideais do

consumerismo exportado dos EUA também avançaram para países em

desenvolvimento, especialmente na Ásia, durante os anos 1960 e 1970. Isso foi

estratégico para o governo dos EUA, como tentativa de conter o avanço comunista

4 Desde 1981, a FK mostrou-se interessada em fazer parte da IOCU. Em 1987, obteve o status de membro associada, e se tornou membro permanente dois anos depois. A seu favor estavam o reconhecimento da assistência que a FK ofereceu ao movimento internacional em obter um ponto de apoio na Europa Oriental durante o período da Perestróica (MAZUREK; HILTON, 2007).

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nessa região do mundo, em um período crítico da Guerra Fria (SHUIB; KELING; AJIS,

2009).

As preocupações dos movimentos dessas regiões englobavam mais do que

somente discussões sobre problemas de consumidores. Seus interesses estavam em

garantir os direitos básicos de cidadãos, em razão da falha dos governos locais em

provê-los. Essa mudança de perspectiva impactou a própria IOCU, que, a partir de

então, passou a ver sua função como maior do que somente a de garantir o bem estar do

consumidor. De crucial importância para essa mudança, segundo Hilton (2007a), foram

os avanços ocorridos na Malásia, em função do ativismo da Consumers’ Association of

Penang (CAP).

A CAP foi criada em 1969, tendo como objetivo defender questões relacionadas a

consumidores, tais como educação do consumidor, exposição de abusos de mercado,

administração de reclamações e pressão por proteções legislativas. Inicialmente, suas

preocupações eram aquelas da classe média do país, o que fazia sua atuação se

assemelhar à de organizações equivalente nos Estados Unidos e na Europa Ocidental.

Pouco tempo depois, entretanto, a CAP passou a incluir em suas ações a defesa de

consumidores de baixa renda, tais como pescadores, pequenos fazendeiros e indígenas,

cujos interesses diferenciavam-se de seus pares mais afluentes (HILTON, 2007b).

Hilton (2007a) explica que, como na Malásia não havia organizações de

movimentos sociais, nos anos 1970, a CAP passou a englobar questões em sua agenda

que extrapolavam os limites do consumo. Sua política de consumerismo não distinguia

direitos de consumidores com os de cidadãos, pois os tratava como iguais. A

organização passou a debater, por exemplo, o modelo de desenvolvimento adotado pelo

governo malaio, os efeitos da modernização no meio ambiente, e os excessos dos gastos

públicos em empreendimentos de poucos benefícios para a população. Essa ampla

agenda diferenciou a atuação da CAP de organizações similares em outros países,

tornando-a um modelo a ser seguido.

Entendendo a importância de firmar o consumerismo na Ásia e na Oceania, a

IOCU abriu, em 1974, seu primeiro escritório fora da Europa, na cidade malaia de

Penang, aproveitando-se da força do movimento local já existente para expandir seus

ideais. Seu primeiro diretor regional foi Anwar Fazal, um dos fundadores da CAP, cujo

papel de ativista de proteção ao consumidor gerou comparações entre ele e o americano

Ralph Nader (HILTON, 2009).

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O escritório regional proveria assistência técnica, seminários de treinamento, além

de facilitar a troca de informações entre organizações de consumidores da região. Em

pouco tempo, mais organizações se tornaram membros da IOCU, oriundas de Indonésia,

Sri Lanka, Coréia do Sul, Tailândia, Vietnã e Hong Kong. A crescente influência que o

escritório asiático obteve nas políticas do movimento internacional de defesa de

consumidores resultou em Fazal se tornar presidente da IOCU, em 1974 (HILTON,

2007a).

Após se estabelecer na Ásia, a IOCU voltou suas atenções a África e Américas

(Central e do Sul). Hilton (2009) descreve que, no continente africano, a organização

criou uma força tarefa para auxiliar o movimento consumerista já existente em alguns

países. Em seguida, formou um comitê consultivo, que organizou congressos regionais

em Senegal e Quênia.

Os problemas experimentados por consumidores africanos eram específicos, pois,

em sua maioria, viviam em condições de pobreza extrema, com pouco acesso a bens e

serviços básicos. Para lidar com tais questões, a IOCU precisou, inicialmente, voltar

suas atenções à construção de infraestrutura básica, tais como telecomunicações, em

vista de investimentos dessa natureza serem escassos no continente. Para qualquer tipo

de movimento consumerista ser organizado em escala continental, essa iniciativa era

necessária, antes de se voltar aos problemas de consumidores.

Tamanhas dificuldades resultaram no lento crescimento do movimento

consumerista africano, em seu começo. Somente em meados da década de 1990, a

IOCU conseguiu estabelecer uma rede de organizações de consumidores em toda

África. Para continuar alimentando o movimento, foi criado, em 1994, um escritório

regional, em Harare, no Zimbábue.

A incursão da IOCU às Américas iniciou-se em 1977, quando começou a publicar

sua revista em espanhol. Pouco depois, passou a colaborar com o movimento

consumerista mexicano em sua publicação. Mais contatos foram firmados com ativistas

latinos americanos, em decorrência de um encontro realizado no sul do Brasil, em

Curitiba, em 1984.

Em 1987, a IOCU abriu um escritório em Montevidéu, Uruguai, para apoiar os

movimentos de defesa de consumidores da América Latina e Caribe (HILTON, 2009).

Assim como seu equivalente asiático, o escritório uruguaio promoveu uma versão do

consumerismo em linha com questões de desenvolvimento socioeconômico.

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Não adiantava defender os direitos dos consumidores contra abusos de empresas

se eram os governos locais que regiam os mercados. Os problemas enfrentados na

região demandavam uma postura mais ativa do movimento consumerista, no sentido de

intervir a favor de consumidores em questões políticas e econômicas (HILTON, 2009).

Buitelaar (1991) defende que a atuação da IOCU seria benéfica para América Latina e

Caribe, devido à sua ampla experiência em proteção ao consumidor. A organização,

portanto, poderia: evitar que empresas estrangeiras tentassem se aproveitar dos baixos

níveis de exigência dos consumidores para oferecerem produtos com qualidade inferior;

proteger consumidores de falhas das forças de mercado; e criar consciência nos

consumidores, para que demandassem melhores produtos, o que, em consequência,

tornaria as empresas locais mais competitivas internacionalmente. Tais ações, aponta o

autor, adequar-se-iam melhor a países com algum grau de desenvolvimento

socioeconômico, onde consumidores possuíssem poder para consumir.

Ações da IOCU direcionadas para países da região com menores níveis de

desenvolvimento, segundo Buitelaar (1991), seguiriam dois caminhos. A organização

poderia criar mecanismos de apoio a consumidores de baixa renda, tais como seguro

desemprego, a fim de que, mesmo desempregados, possuíssem condições de continuar

consumindo. Isso, em contrapartida, geraria maior solidez à economia e

desenvolvimento do país. Além disso, a IOCU poderia se envolver em projetos que

melhorassem educação, sistemas financeiros e mercados de trabalho, e criassem acesso

a meios de produção e infraestrutura.

Rapidamente, organizações de consumidores se associaram à IOCU, que, em

1991, já contava com mais de vinte membros latino americanos. A América Latina,

assim como a Ásia, tornou-se um importante centro influenciador de políticas

internacionais de consumerismo da IOCU. A influência da região sobre os caminhos do

movimento internacional de defesa do consumidor resultou na posse da brasileira

Marilena Lazzarini, vinda originalmente do Instituto Brasileiro de Defesa do

Consumidor, à presidência da IOCU, entre 2003 e 2007 (HILTON, 2007b).

2.1.2.3 Consumerismo no Brasil

No Brasil, ações pontuais em defesa do consumidor são documentadas desde o

século IXX, mas somente no início dos anos 1970 é que um movimento estruturado

começa a tomar forma. Stanton, Chandran e Lowenhar (1981) acreditam que as

condições socioeconômicas em que os brasileiros se encontravam na época eram

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propícias para o surgimento de um movimento consumerista. Segundo os autores, a

insatisfação com os elevados índices de inflação e o aparente desdém dos militares com

os rumos do país criou tensão entre a população e o governo, expondo pessimismo

quanto aos méritos das políticas econômicas adotadas. Aos poucos, foi difundida a

crença de que o mercado possuía falhas, e quem mais sofria com esse problema eram os

consumidores.

Surgiram, nessa época, importantes movimentos de defesa do consumidor, tais

como o Movimento do Custo de Vida e o Movimento das Donas de Casa e

Consumidores de Minas Gerais, criados nas décadas de 1970 e 1980, respectivamente,

que se organizaram para reivindicar melhores condições de consumo. Seu papel foi no

sentido de instruir consumidores de seus direitos, por meio de protestos, palestras,

passeatas e educação para o consumo, em uma época marcada pela ditadura militar, que

mais se preocupava em estimular a indústria do que o consumo (SANTOS, 2010).

A proteção do consumidor passou a ser debatida em âmbito legislativo no início

dos anos 1970, quando projetos para a criação de um órgão de defesa do consumidor

foram apresentados. Todos, entretanto, foram rejeitados (ZÜLZKE, 1991). Destacam-

se, durante esse período, os esforços do então Deputado Federal Nina Ribeiro,

considerado um dos primeiros políticos brasileiros a mostrar interesse nos problemas de

consumidores. O mesmo utilizava seu programa televisivo para defender causas

relacionadas a consumo, e foi responsável pela elaboração de dois projetos (em 1971 e

1976), nos quais defendia o estabelecimento de normas de proteção ao consumidor. Em

ambos os casos, não obteve sucesso (STANTON; CHANDRAN; LOWENHAR, 1981).

Volpi (2007) descreve que, em meados dos anos 1970, uma equipe da Secretaria

de Assuntos Metropolitanos (municipal) e da Secretaria de Planejamento (estadual) do

Governo de São Paulo realizou um estudo sobre as reclamações feitas a jornais, a fim de

diagnosticar o grau de insatisfação de consumidores paulistas. Seu objetivo era

implantar um sistema de defesa do consumidor inspirado naquele dos Estados Unidos.

A partir das informações coletadas, foi proposta a criação de um Sistema Estadual de

Proteção ao Consumidor, que veio a se tornar, em 1976, o primeiro órgão público dessa

natureza do Brasil, o Procon. Após sua criação, diversos outros surgiram em estados

brasileiros, espelhando-se no de São Paulo.

Ao fim da ditadura militar e o início da “nova República”, em 1985, foi criado o

Conselho Nacional de Defesa do Consumidor (CNDC), que torna o consumidor assunto

de pauta na agenda do governo federal. Foi natural, portanto, que fosse incluída na

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Constituição Federal de 1988 a elaboração de um Código de Defesa do Consumidor

(CDC). Um esboço foi desenvolvido, inicialmente, pelo CNDC, que serviu de base para

a versão final, aprovada pelo Congresso em setembro de 1990, e posta em vigor em

março de 1991 (ZÜLZKE, 1991).

Embora a relação entre empresas e consumidores tenha se tornado menos desigual

após a criação do CDC, Cesca e Cesca (2000) analisam que ambas as partes “sempre

tiveram consciência de que a força da empresa é maior que a do consumidor” (p.48).

Evidência disso, para os autores, está no fato de que diversos consumidores

participantes de sua pesquisa relataram que, quando se sentiram lesados e reclamaram

com empresas, não tiveram seus pedidos atendidos. Somente após procurar um órgão de

defesa do consumidor é que seus direitos foram atendidos.

Além desse fato, Cesca e Cesca discutem sobre a assimetria entre consumidores e

empresas quando colocam em dúvida as reais finalidades dos Serviços de Atendimento

ao Consumidor (SAC), criados depois que o CDC surgiu. Para os autores, tais formas de

atendimento mais servem para evitar que consumidores busquem ajuda de órgãos de

defesa do consumidor quando se deparam com problemas de consumo do que melhorar

a relação de empresas com seus clientes.

Diferentemente do que ocorreu nos Estados Unidos, no Brasil as primeiras

organizações de defesa do consumidor, tais como os Procons, surgiram por iniciativas

do governo, e não de iniciativas privadas. Mesmo assim, possivelmente por falta de

experiência, buscaram inspiração no modelo americano. Atualmente, quatro importantes

organizações brasileiras de defesa do consumidor são membros da IOCU: IDEC, Pro

teste - Associação Brasileira de Defesa do Consumidor, Fórum Nacional das Entidades

Civis de Defesa do Consumidor, e Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor do

Estado de São Paulo (http://www.consumersinternational.org/our-members/member-

directory?search=&region=0&type=0&country=2484&campaigns=#resultsAnchor,

recuperado em 3, janeiro, 2012).

Em 1996, a IOCU mudou seu nome para Consumers International (CI). Seu

objetivo com isso foi remover qualquer associação simbólica com sua antiga prática de

teste de produtos. Atualmente, seu trabalho é mais amplo, pois engloba questões de

padrões de qualidade e segurança de alimentos, saúde do consumidor, regulação do

comércio global, consumo sustentável, e representação e proteção do consumidor

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(HILTON, 2003). A CI, hoje, conta com 220 organizações membros em 115 países

(http://www.consumersinternational.org/who-we-are, recuperado em 3, janeiro, 2012).

2.1.3 Consumerismo: proteção para consumidores? Críticas ao movimento de

defesa do consumidor

Mais de trinta anos após a última onda do movimento consumerista nos Estados

Unidos, Cohen (2010) percebe o momento americano atual como a quarta era de

consumerismo. Para a autora, desde que Barak Obama assumiu a presidência do país,

em 2009, questões relacionadas à proteção do consumidor voltaram à agenda política da

nação. Tal como no passado, o movimento atual de defesa de consumidores tem sido

em função do descontentamento da sociedade americana com o fraco cenário

econômico e os escândalos empresariais.

Rotfeld (2010), por outro lado, analisa o contexto atual americano com outra

visão. Para o autor, mesmo com o frágil cenário econômico e político do país, é difícil

afirmar que mudanças em favor de consumidores venham a ocorrer. Sua perspectiva

parte da premissa de que, apesar dos males que grandes bancos e investidores de Wall

Street cometeram, sua influência política continua forte, a ponto de limitar ou prevenir

novas regulações de mercado.

Para Rotfeld, tudo o que foi alcançado até a terceira onda de consumerismo foi

desfeito nos trinta anos seguintes, quando políticas americanas deixaram em segundo

plano questões relacionadas a consumidores. Independentemente do governo no poder,

condutas problemáticas de grandes empresas contra consumidores foram

frequentemente ignoradas. Consumidores passaram a ter menos proteção

governamental, à medida que mercados foram desregulamentados, com o aval de Alan

Greenspan, presidente do Federal Reserve System, entre 1987 e 2006. Prometia-se que

mecanismos de autorregulação e forças de mercado seriam responsáveis, nesse

contexto, por proteger o consumidor.

O ceticismo demonstrado por Rotfeld quanto às formas de proteção ao

consumidor, sejam elas por meio de autorregulações e forças de mercado ou regulações

governamentais e organizações de defesa do consumidor, também é compartilhado por

outros (ELLISON, 2008; NADEL, 1971). Pela perspectiva desses autores, a defesa de

consumidores por meio de imposições regulatórias governamentais não garante que

falhas de mercado deixem de ocorrer. O caso recente do banco de investimentos

Lehman Brothers serve de exemplo, nesse caso, pois mesmo atuando em um mercado

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regulado, tanto nos Estados Unidos quanto no Reino Unido, mascarou sua

contabilidade, para não expor a situação financeira delicada da empresa (ELLISON,

2008).

Regulações que forcem mudanças empresariais, na verdade, servem ao propósito

das próprias empresas, pois oferecem a consumidores uma sensação de que o sistema

econômico os está protegendo (TIEMSTRA, 1992). Grandes empresas aceitam tais

restrições, para que não sofram consequências piores. Garantem, dessa forma, a

contínua influência sobre as atividades da economia, porém mantendo sua legitimidade

(KOLKO, 1963).

O papel de defender consumidores de ações empresariais atribuído a regulações

governamentais é interpretado por alguns autores como um equívoco. Em uma

indústria, regulações tomam distintos efeitos, pois podem, ao mesmo tempo, restringir a

atuação de um grupo de empresas e criar uma vantagem competitiva para outro

(PERTSCHUK, 1982). É comum, diante de situações desse tipo, organizações

empresariais se interessarem em apoiar políticas de proteção a consumidores, já que sua

implementação somente as trará benefícios (MAYER, 1988). A partir dessa visão,

Vogel e Nadel (1976) especulam que legislações favoráveis a consumidores somente

são promulgadas quando uma configuração de interesses existe: empresas de uma

indústria divididas e organizações de defesa de consumidores unidas.

O poder que empresas possuem para influenciar decisões governamentais

relativas aos interesses de consumidores é vista por diferentes autores como prática

comum (BYKERK; MANEY, 2010-11; NADEL, 1975b). Pertschuk (1982), por

exemplo, defende que diversos projetos de leis de proteção ao consumidor foram

“inspiradas e moldadas por indústrias” (p.8), com o objetivo de uma indústria ou

segmento industrial eliminar competição. Isso foi possível, em parte, pelo apoio

oferecido por empresas à eleição de candidatos simpatizantes a suas demandas e a

“deseleição” daqueles em oposição a elas, facilitando assuntos de interesse empresarial

serem aprovados no governo.

O contato entre políticos e empresas permite que empresários possuam uma

posição privilegiada para influenciar decisões públicas - mesmo que não se envolvam

diretamente com política -, pois governos entendem que empregos e prosperidade

dependem do sucesso econômico de empresas. Demandas de empresários, portanto, são

tratadas com atenção por políticos, pois creditam suas reeleições a manutenção ou busca

por economias saudáveis (LINDBLOOM, 1977; MARTIM, 2003).

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Bykerk e Maney (2010-11) descrevem que, historicamente, durante audiências no

Congresso americano, relativas a assuntos de proteção do consumidor, diferentes grupos

de interesse participaram dos debates, tais como organizações de defesa de

consumidores, associações de trabalhadores, especialistas, lobistas e organizações de

produtores. Nos últimos vinte anos, o número de organizações de produtores presentes

em tais audiências foi expressivamente maior do que o equivalente de consumidores.

Para os autores, a dominância empresarial é um motivo de “preocupação para aqueles

procurando evidências de poder compensatório” (p.652), pois sua força para influenciar

ações a seu favor, ou que, ao menos, não restrinjam suas atividades, é maior do que a de

outros grupos.

A criação de regulações que demandem mudanças substanciais em atividades

empresariais, dessa forma, é inibida. Mesmo quando escândalos corporativos contra o

consumidor são noticiados, a resposta de políticos ou agências reguladoras responsáveis

por garantir a proteção desses indivíduos é criar projetos de leis “minimamente

adequados”, mas que servem para “amenizar o ultraje público” (PERTSCHUK, 1982,

p.22).

Além das próprias regulações governamentais, as agências reguladoras

encarregadas de garantir que leis sejam respeitadas também são criticadas, pois não

cumprem, na verdade, a função de defender consumidores (NADER, 1982; SHETH;

MAMMANA, 1974; STERN, 1971). Na visão de Sheth e Mammana (1974), tais

agências possuem “pouco conhecimento sobre as realidades dos mercados que regulam”

(p.66) e orçamentos irrisórios para monitorar atividades de grandes empresas. Além

disso, suas ações reguladoras são determinadas a partir de reclamações feitas por

empresas concorrentes, o que, em consequência, não beneficia o consumidor, pois

somente favorece uma empresa em detrimento de outra.

Para Stern (1971), à medida que governos delegam mais atribuições a agências

reguladoras, menor é sua eficiência. Ao assumirem mais responsabilidades, tais

organizações perdem capacidade de investigação, pois não possuem funcionários

suficientes para acompanhar novas demandas. Dessa forma, falham em detectar abusos

contra consumidores. Mesmo quando são detectadas atividades irregulares de empresas,

ações para reprimi-las demoram a ser implementadas ou são aplicadas após a

irregularidade já não mais existir. Segundo o autor, isso se deve, em parte, pois agências

reguladoras priorizam interesses de empresas e lobistas.

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Nader (1982) compartilha essa visão ao afirmar que a noção de que empresas

desempenham suas atividades “honoravelmente” é um mito sustentado por “as

chamadas agências de proteção ao consumidor além das Better Business Bureaus

dominadas por empresas” (p.34). Segundo o autor, estas agências reguladoras sofrem

com orçamentos limitados, clientelismo político e lobby de empresas, e seus

funcionários com frequência pedem demissão para ocupar cargos em empresas que,

anteriormente, regulavam. Sua fragilidade diante do poder corporativo é tamanha, que

pouco podem fazer para combatê-lo. Acabam, assim, tornando-se “parceiras” das

mesmas.

Por serem organizações criadas a partir de iniciativas privadas, as BBBs recebem

recursos financeiros de doações de empresas membros que, voluntariamente, associam-

se aos bureaus. Tal fato gera críticas à sua imparcialidade, com alegações de que

relutam em sancionar empresas, por receios de que sua saúde financeira seja

comprometida. Como resultado, relatórios elaborados por BBBs são pouco úteis a

consumidores, pois suas informações são tendenciosas em suas orientações,

favorecendo um grupo de empresas em detrimento de outro (MUNNS, 1978).

A imparcialidade dos BBBs também é questionada com relação a suas cúpulas

serem compostas, em sua maioria, por executivos de empresas com fins lucrativos.

Garrett (2007) explica que isso ocorre pois esses indivíduos utilizam sua rede de

contatos com outros executivos para convencê-los a tornarem suas empresas membros

de BBBs. O aumento de associados, em consequência, resulta em aumento de recursos

para os bureaus.

Garrett (2006) resalta, entretanto, que tal circunstância não influencia a

neutralidade dos BBBs, em vista de as indústrias com os maiores índices de

reclamações serem as mesmas de onde seus membros são oriundos. Todavia, o autor

defende que a cúpula desses bureaus deveria contar com mais do que somente 5% de

seus membros vindos de contextos não empresariais, para que conflitos de interesse não

evidenciem uma aproximação (tão criticada) de BBBs com empresas (GARRETT,

2007).

A aparente falta de neutralidade de BBBs é evidenciada por Best (1981) quando

descreve casos em que tais bureaus pouco ou nada ajudaram reclamantes na resolução

de seus problemas. Inclusive, cita o exemplo de um BBB que inverteu seu papel ao

oferecer serviços de assistência a empresas interessadas em registrar reclamações contra

consumidores. Para o autor, third party agencies ignoram ou pouco atentam para

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aspectos considerados fundamentais para a resolução das reclamações feitas por

consumidores. Isso implica que, durante negociações com empresas, possuem

argumentos limitados em seu favor, acarretando em aceitarem propostas para encerrar a

disputa que pouco beneficiam consumidores. O quanto esse comportamento ocorre

propositalmente, é questionado.

Em função das diferentes críticas ao sistema de proteção a consumidores, seja por

regulações e agências reguladoras ou third party agencies, tais como o BBB, Tiemstra

(1992) defende que o êxito do consumerismo somente ocorreu devido à sua habilidade

em identificar meios pelos quais empresas poderiam restaurar sua legitimidade e

estabelecer uma agenda política para regular a economia. Em momento de baixa

legitimidade de empresas, os ideais do movimento tornam-se populares. De maneira

contrária, quando a legitimidade de empresas está em alta, e regulações são dispensadas

para controlar o mercado, a agenda de consumerismo passa a ser ignorada pela

sociedade.

2.2 INSATISFAÇÃO DE CONSUMO E COMPORTAMENTO DE RECLAMAÇÃO

DO CONSUMIDOR

Antes dos anos 1970, publicações na literatura de marketing sobre a insatisfação

de consumo e comportamento de reclamações de consumidores eram escassas

(FERNANDES; SANTOS, 2006). Pesquisadores concentravam-se mais em entender

fatores relacionados à satisfação de consumo (CARDOZO, 1965), em vista de sua

importância como um dos principais objetivos de marketing.

A partir da evidência de que consumidores estavam insatisfeitos com a assimetria

entre eles e empresas, fato exposto durante o movimento consumerista em sua terceira

era (KOTLER, 1972), a área de marketing passou a dedicar mais atenção a estudar a

insatisfação de consumo e suas correspondentes reações (ANDREASEN, 1983;

BITNER et al., 1990; FORNELL, 2007).

2.2.1 Formação da insatisfação de consumo

Frequentemente, estudos sobre insatisfação de consumo partem do paradigma da

desconfirmação de expectativas para explicar como ocorre esse fenômeno

(FITZPATRICK; FRIEND; COSTLEY, 2004). O modelo de Oliver (1980) pode ser

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considerado um dos primeiros a incluir a desconfirmação de expectativas como

antecedente da satisfação/insatisfação do cliente.

Oliver (2010) postula que o desempenho de produtos ou serviços é comparado a

expectativas formadas antes de seu uso, e é esse processo de comparação que determina

a desconfirmação. O quanto mais alto (baixo) o nível de expectativa com um produto ou

serviço, maior a probabilidade de ocorrer desconfirmação negativa (positiva). Entre as

fontes que podem gerar expectativas em consumidores, Oliver (2010) aponta os

benefícios comunicados do produto, o boca-a-boca e as informações de third parties,

entre outros.

Segundo Oliver (2010), expectativa e desempenho, em conjunto, formam a

desconfirmação objetiva, que, por sua vez, serve de base para uma interpretação

subjetiva da diferença entre expectativa e desempenho. A percepção de satisfação ou

insatisfação do consumidor é antecedida diretamente pela desconfirmação subjetiva,

pois sua avaliação tem maior influencia nesses construtos do que a desconfirmação

objetiva.

Oliver (2010) argumenta, ainda, que o desprazer de algo não realizar aquilo

desejado pode gerar a insatisfação. Mesmo quando um consumidor se depara com uma

situação em que reconhece haver qualidade no produto ou no serviço que está

consumindo, pode ficar insatisfeito, em função da ocorrência de algum evento isolado

que lhe deixe frustrado ou negativamente impressionado. Da mesma forma, algo que vai

além daquilo que deve realizar também resulta em tal sentimento, assim como ocorre

quando um funcionário é demasiadamente dedicado a atender um consumidor, ao ponto

de irritá-lo.

A confirmação de que o consumidor percebeu uma desconfirmação negativa de

suas expectativas traz consequências desagradáveis para empresas. Darke, Ashworth e

Main (2010) argumentam que, quando esse fenômeno ocorre, consumidores tendem a

apresentar desconfiança generalizada à marca e a outros produtos da empresa. O efeito

contrário, todavia, não ocorre quando há desconfirmação positiva, pois o consumidor

não demonstra possuir confiança generalizada à marca ou a outros produtos da empresa.

Evidências mostram, ainda, que esse sentimento pode se estender além da própria

empresa, afetando, inclusive, seus concorrentes diretos (KUMAR, 2005).

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2.2.2 Influências sobre a insatisfação de consumo

Bitner et al. (1990) descrevem os principais fatores que resultam em insatisfação

de consumidores, no contexto de empresas de serviços. O evento insatisfatório mais

apontado por seus entrevistados foi a incapacidade ou a falta de vontade de funcionários

de resolverem falhas de serviços. O problema em si não é descrito como a principal

causa da insatisfação, mas, sim, a inadequada resposta diante dele. O consumidor, nesse

caso, pode sentir que a culpa pela falha é dele, já que não houve uma reação da empresa

(representada pelo funcionário) para ajudá-lo.

Outro fator descrito por Bitner et al. (1990) diz respeito às reações negativas do

consumidor a comportamentos inertes ou não solicitados do funcionário.

Independentemente da qualidade do serviço ou da falha em atender a uma necessidade

específica do cliente, o que mais deixa o consumidor insatisfeito é a atitude negativa do

funcionário diante da falha, que se reflete de forma verbal (afirmações grosseiras ou

fora de contexto) ou não verbal (ignorar o cliente ou oferecer atendimento ruim por não

considerá-lo pertencente ao público-alvo da empresa).

O terceiro fator apontado por Bitner et al. (1990) é a falha em atender às

necessidades de consumidores por personalização de serviços. Incidentes dessa natureza

refletem a percepção do consumidor de que o serviço prestado a ele deve ser

personalizado. Do ponto de vista do funcionário, tais pedidos são considerados mais

fáceis de serem atendidos, em sua maioria, diminuindo, assim, o número de episódios

insatisfatórios.

Gawande et al. (1998) mostram que a falta de opção é outro fator determinante

para a insatisfação de consumidores. Em sua pesquisa, respondentes que não puderam

escolher seus planos de saúde, pois estes os eram impostos por empresas em que

trabalhavam, apresentavam maiores níveis de insatisfação com o desempenho do plano

em comparação àqueles que dispunham de alternativas. Isso se refletia também nas

opiniões negativas de consumidores sem escolha sobre as seguradoras de seus planos,

pois alegavam que essas instituições dificultavam o agendamento de horários com

médicos, diminuíam o tempo de consulta dos médicos e ofereciam serviços, em geral,

de qualidade inferior.

FitzPatrick et al. (2004) identificaram a desconfiança como determinante da

insatisfação. As autoras perceberam que, em todos os casos relatados por suas

entrevistadas, a desconfiança de funcionários de empresas era um catalisador de

experiências insatisfatórias. Por sua vez, as consumidoras eram afetadas por essa visão,

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apresentando sentimentos negativos, tais como humilhação, vergonha, raiva,

indignação, frustração, ansiedade e medo. Em consequência, preferiam extinguir a

relação com a empresa do que tentar remediar a situação ocasionadora do problema.

Mesmo sendo a desconfiança expressa pelo funcionário, a insatisfação do consumidor é

direcionada à empresa, já que essa é representada por ele.

Fornell (2007) aponta que as causas para a insatisfação de consumo podem variar

de acordo com diferentes fatores. Sua origem pode estar em expectativas

demasiadamente altas, derivadas de informações inadequadas; mudanças de gostos de

consumidores; deterioração de um produto; dificuldades em obter informações pré-

compra ou encontrar o produto desejado; não ser atendido ou ser mal atendido por um

funcionário.

O fato de o consumidor sentir insatisfação com determinado produto ou serviço

não é certeza de que ele trocará de marca ou fornecedor. Panther e Farquhar (2004)

mostram que, mesmo insatisfeitos, diversos consumidores dificilmente trocam de

instituições financeiras por acreditar que os custos associados a isso não compensam os

benefícios. Entende-se por custos, o tempo, o esforço e a incerteza se a instituição

concorrente será melhor do que a atual.

Fornell (2007) defende que a maior parte de consumidores insatisfeitos preferirem

trocar de marca ou cessar a relação com a empresa, e que, por isso, reclamações devem

ser incentivadas, especialmente se o produto comercializado não oferecer laços

emocionais ou financeiros, e o mercado apresentar diversos concorrentes. Segundo o

autor, é mais barato lidar com as reclamações do que atrair novos clientes, o que, em

consequência, aumenta as chances de recuperar o consumidor insatisfeito. É possível,

dessa forma, evitar perdas em vendas, desde que a empresa corrija os problemas que

geraram a insatisfação de consumo.

2.2.3 Reações à insatisfação de consumo

Apesar de evidências de que a insatisfação possui uma relação positiva com a

reclamação (ONYEASO, 2007), essa é apenas uma das diferentes formas de reação que

um consumidor adota quando está insatisfeito (SINGH, 1990a; CRIÉ, 2003). Day et al.

(1981) apontam até nove diferentes comportamentos que podem ocorrer após eventos

insatisfatórios, desde reclamações a empresas à nenhuma ação. A frequência com que

tais comportamentos são adotados varia, mas, de maneira geral, são poucos aqueles que

preferem não tomar ação alguma quando insatisfeitos (PHAU; BAIRD, 2008). O mais

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comum é que consumidores expressem alguma reação, e, em diversos casos, a adoção

de mais (BEBER; ROSSI, 2006).

Diferentes estudos mostram que frequentemente o consumidor insatisfeito não

reclama a empresas (ANDREASEN, 1983; RICHINS, 1983a). Alguns motivos

encontrados na literatura que justificam esse comportamento são a resignação

(CHEBAT; DAVIDOW; CODJOVI, 2005), e o tempo e o esforço empreendidos em

reclamar (VOORHEES et al, 2006). Embora consumidores apresentem aversão a

reclamações, são poucos os que deixam de reclamar por terem sentimentos desse tipo

(VOORHEES et al, 2006).

White e Yanamandram (2004) mostram que os motivos de insatisfação de

consumidores de serviços financeiros são o número e o valor das taxas cobradas.

Diversos clientes, entretanto, não expressam sua insatisfação, porque acreditam que, em

outras instituições financeiras, as taxas são similares. Mesmo insatisfeitos, são inertes

em mudar para um concorrente, já que percebem ser complexo, custoso e demandar

muito tempo para fazê-lo.

Stephens e Gwinner (1998) apontam outro determinante para a não reclamação.

Quando o consumidor percebe que sua reclamação não será devidamente atenta pela

empresa, acredita que é mais fácil terminar a relação comercial do que buscar

remediações. Ainda, segundos os autores, a dificuldade imposta pela empresa em

receber reclamações e a necessidade do consumidor em provar ou justificar o motivo de

sua insatisfação são fatores que o frustram e favorecem o seu silêncio.

Voorhees et al (2006) mostram que consumidores que não reclamam possuem

maior probabilidade de recompra e são menos negativos do que consumidores que

reclamam mas não obtém respostas ou recebem resoluções insatisfatórias. Por outro

lado, consumidores que não reclamam possuem menor probabilidade de recompra do

que consumidores que reclamam e recebem resoluções satisfatórias.

Diversos consumidores que não reclamam a empresas acabam expressando sua

insatisfação por meio de boca-a-boca negativo. Essa também é uma reação comum até

para consumidores que decidem reclamar com empresas. Ações desse tipo consistem de

“comunicação interpessoal entre consumidores a respeito de uma empresa ou produto,

que denigre o objeto da comunicação” (RICHINS, 1984, p.697). O quanto (1) maior o

grau de insatisfação do consumidor, (2) maior a atribuição de culpa à empresa, e (3)

mais negativa for a percepção de que a resposta da empresa é inadequada, maior a

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probabilidade de o consumidor adotar ações dessa natureza (BLODGETT;

GRANBOIS; WALTERS, 1993; LACZNIACK; DeCARLO; RAMASWAMI, 2001).

Evidências comprovam que a adoção de ações de boca-a-boca negativo são, em

muitos casos, utilizadas em complemento a outras formas de comportamento de

reclamação, ao invés de substituí-las. Diferentes estudos mostram que ações dessa

natureza são maiores entre consumidores que também reclamam com a empresa

responsável pela falha (HALSTEAD, 2002; RICHINS, 1983a).

Wetzer, Zeelenberg e Pieters (2007) argumentam que consumidores objetivam

diferentes propósitos quando se engajam em boca-a-boca negativo, a depender do tipo

de sentimento que experimentam. Aqueles que sentem raiva adotam esse

comportamento como forma de expressar suas frustrações e se vingar da empresa que

lhes causou o problema. Por outro lado, consumidores desapontados adotam boca-a-

boca negativo para alertar outros indivíduos, e consumidores que sentem remorso

comunicam sua insatisfação com o objetivo de reforçar laços sociais e, também, alertar

outros indivíduos. Os autores concluem, portanto, que ações de boca-a-boca negativo

não devem ser tratadas como um fenômeno uniforme, em vista dos diferentes motivos

para sua adoção, que se baseiam em distintas emoções.

Sentimentos negativos são percebidos por consumidores quando acreditam estar

em contextos em que possuem pouco ou nenhum poder (powerlessness) para reverter a

insatisfação causada pela empresa. Bunker e Bradley (2007) mostram que, em situações

desse tipo, consumidores relatam sentirem-se subordinados às empresas, devido à forma

como são tratados por funcionários, que os tratam como crianças, animais ou cidadãos

de terceira classe. Essa percepção é reforçada quando suas múltiplas tentativas de

reverterem o problema não são atendidas, em muitos casos, pela falta de iniciativa de

funcionários. O resultado é que consumidores não somente extinguem o relacionamento

com a empresa, mas, também, passam a nutrir raiva, podendo, até, buscar retaliação

como compensação.

De acordo com Bougie, Pieters e Zeelenberg (2003), a raiva é um sentimento

comumente associado à insatisfação, mas que não devem ser considerados iguais. A

raiva faz o consumidor ser tomado por sentimentos de agressividade e violência, que o

incitam a buscar vingança tanto contra a empresa quanto seus funcionários, na

esperança de compensar suas frustrações. A insatisfação, por sua vez, resulta em uma

sensação de necessidade não atendida, levando o consumidor a tomar decisões racionais

para saber quem ou o que a ocasionou. Enquanto que na raiva o consumidor sabe (ou

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pensa que sabe) quem a causou e externaliza sua opinião, na insatisfação, ele ainda

busca essa resposta e não necessariamente a anuncia.

Huefner e Hunt (2000) argumentam que a escolha do consumidor por

comportamentos de retaliação ocorre pois o indivíduo não acredita que reclamar com a

empresa lhe traz benefícios. Segundo os autores, há seis diferentes formas de retaliação

que consumidores insatisfeitos podem adotar: criar perdas monetárias para a empresa,

vandalizar lojas e produtos da empresa, sujar lojas e produtos da empresa, roubar da

empresa, realizar boca-a-boca negativo, agredir verbalmente ou fisicamente

funcionários da empresa.

Para Huefner e Hunt (2000), essas formas de retaliação distinguem-se pela

resposta emocional do consumidor no momento em que retalia. Indivíduos que realizam

boca-a-boca negativo, por exemplo, acreditam que estão sendo mais éticos do que

outros que se dedicam a vandalizar ou sujar lojas e produtos da empresa. Entretanto,

sentem menos satisfação do que consumidores que preferem as ações “menos” éticas.

Cabe destacar que as demais formas de retaliação, em muitos casos, são consideradas

ilegais, podendo trazer consequências ainda piores para o consumidor insatisfeito.

Para a empresa, a escolha do consumidor em retaliar somente resulta em

prejuízos, pois é afetada negativamente, mas dificilmente conhece como remediar o

problema. Huefner e Hunt (2000) mostram que consumidores que retaliam não retornam

à empresa para explicar o motivo de tal ação, impossibilitando uma solução para a falha.

Para os autores, consumidores precisam reconhecer que a retaliação não lhes traz

benefícios. Somente reclamando com empresas é que uma possibilidade de mudanças

positivas pode vir a existir.

2.2.4 Comportamento de reclamação do consumidor

O estudo de Hirschman (1970) é considerado um ponto de partida para o

entendimento do comportamento de reclamação do consumidor. O autor propõe em seu

ensaio que indivíduos reagem de três formas quando estão diante de uma situação de

consumo abaixo de suas expectativas: exit (deixar de comprar da empresa), voice

(reclamar à empresa) e loyalty (continuar a comprar da empresa, mesmo que

insatisfeito).

A possibilidade de exit depende da resposta que o consumidor acredita que a

empresa irá lhe fornecer. Em alguns casos, pode-se reclamar antes de extinguir a relação

comercial ou, simplesmente, nunca mais voltar a comprar da empresa. No segundo caso,

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há uma crença de que as forças do mercado irão, naturalmente, excluir as empresas que

não se preocupam em atender as expectativas do consumidor. Somente aqueles que

oferecem produtos e serviços de qualidade, portanto, conseguirão se manter na

competição. Hirschman afirma que esta visão parte de um pressuposto defendido por

economistas, de que existe uma invisible hand regulando o mercado.

Quando o consumidor opta por expressar sua insatisfação à empresa, ocorre a

reação de voice. Essa possui graduações, que vão desde um resmungo até protestos

violentos. Independente da forma como será externalizada a insatisfação, o envolvido

precisa articular suas opiniões, ao invés de guardá-las. Segundo Hirschman, esta visão

diferencia-se daquela defendida por economistas, pois adota uma ação política, com o

objetivo de buscar uma melhora da situação adversa.

Embora ideologicamente exit e voice possam ser considerados opostos,

Hirschman aponta que, na prática, o outro extremo de exit é loyalty. Essa reação ocorre

quando o consumidor escolhe continuar sua relação comercial com a empresa que

falhou em atendê-lo. Suas expectativas são de que a falha é um evento extraordinário,

que será solucionado internamente pela empresa, sem necessidade de intervenção por

meio de voice. O autor aponta, entretanto, que a escolha por loyalty pode ser

influenciada por barreiras que dificultam a extinção do relacionamento com a empresa.

Nesses casos, o grau de lealdade do consumidor não é pleno, e, assim que conseguir

superar as barreiras, deixará a relação.

Segundo Hirschman (1970), o tipo de reação adotada pelo consumidor depende da

visão que possui da empresa e da indústria em que está inserida. No caso de mercados

dominados por monopólios, a opção de exit não é uma possibilidade, visto que não há

outras empresas às quais o consumidor pode recorrer. Resta-lhe, portanto, a lealdade.

Mas, mesmo em mercados concorridos, nem sempre a primeira reação do consumidor

será a de exit, pois pode preferir expressar sua insatisfação (voice), com a esperança de

que a falha seja corrigida.

Além de características da indústria, Hirschman aponta que traços pessoais

também influenciam na escolha por uma forma ou outra de reação. O grau de lealdade a

uma empresa e a preferência por determinados tipos de qualidade variam de um

consumidor a outro. A habilidade em detectar diferenças de qualidade é outro aspecto a

ser considerado. Além disso, a percepção dos custos e benefícios em adotar uma das três

reações será diferente entre consumidores. Por último, influências pessoais podem

direcionar o comportamento do indivíduo a uma reação, ao invés de outra.

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Em anos subsequentes, a teorização de Hirschman (1970) foi testada em

diferentes estudos (ANDREASEN, 1985; SINGH, 1990b), cuja importância foi para

corroborar a teoria de Hirschman, visto que o mesmo não testou empiricamente seu

modelo.

Andreasen (1985), por exemplo, pesquisou a reação de consumidores insatisfeitos

com serviços médicos, atestando a validade do modelo de Hirschman (1970). Os

achados do autor mostraram que consumidores mais jovens, com boas condições

socioeconômicas, com menor propensão a ser influenciados por médicos, com maior

frequência de uso do serviço, e com acesso a informações sobre o mercado conseguem

perceber mais facilmente eventos insatisfatórios de prestação de serviço e reagir a eles.

Esses consumidores “sofisticados”, conforme Andreasen os denomina, têm maior

propensão a mudar de médico quando insatisfeitos.

Singh (1990b) também utilizou o modelo de Hirschman (1970) como base para

propor um framework, substituindo o construto de loyalty por o de boca-a-boca negativo

(negative word of mouth). O objetivo do autor foi criar um modelo que explicasse o que

leva o consumidor a reagir de determinada forma (deixar de comprar da empresa ou

reclamar para a empresa, por exemplo) quando em situações de insatisfação. Para isso,

sugere que três fatores antecedentes afetam a escolha por ações de exit, voice e negative

word of mouth, sendo eles: probabilidade de sucesso com a reclamação; avaliação de

custos e benefícios da reclamação; e a sofisticação do consumidor, ou seja, seu

conhecimento das alternativas existentes no mercado e dos seus direitos de consumidor,

preocupação com qualidade e satisfação, e conhecimento dos mecanismos de

reclamação.

Em seus resultados, Singh (1990b) verifica que a probabilidade de sucesso com a

reclamação afeta negativamente exit e negative word of mouth, porém pouco influencia

voice. Em contraste, a avaliação de custos e benefícios da reclamação influencia voice,

mas não afeta exit e negative word of mouth. Tais achados levam o autor a sugerir que,

para um consumidor incorrer em uma ação de voice, deve perceber que será benéfico

reclamar. Mesmo que tenha alta probabilidade de sucesso, somente expressará sua

insatisfação se acreditar que isso lhe trará resultados positivos. Além disso, Singh

aponta que a sofisticação do consumidor apresentou efeitos isolados e inconsistentes,

levando-o a defender que esse construto pouco agrega ao entendimento do

comportamento de reclamação do consumidor.

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Andreasen (1977) continuou a linha de pensamento de Hirschman (1970), e

propôs um modelo em que a insatisfação de consumo resulta em duas reações, a de

reclamar ou a de não reclamar com a empresa. A escolha pela primeira se desdobra em

duas respostas, a de satisfação ou a insatisfação com a resolução da empresa.

Warland, Herrman e Willits (1975) também estudaram os diferentes tipos de

reações de consumidores insatisfeitos, com resultados similares aos de Andreasen

(1977). Sua pesquisa mostrou comportamentos distintos adotados por consumidores em

situações insatisfatórias de consumo. Enquanto um grupo reclama com empresas,

familiares e amigos, outro faz nada. Em parte, isso pode ser explicado pelas diferenças

dos perfis dos integrantes dos grupos. Os que reclamam tendem a possuir melhores

condições sócio-econômicas em relação aos que fazem nada.

Day e Landon (1977) aprofundaram a discussão levantada por Warland, Herrman

e Willits (1975), mostrando que há dois níveis de respostas a partir da situação de

insatisfação de consumo. O primeiro nível, similar ao de Warland, Herrman e Willits,

aponta dois comportamentos iniciais, o da reação e o da não reação. O segundo nível é

um desdobramento do comportamento de reação, sendo dividido em dois tipos de

reclamação: as que levam a ações públicas e as que levam a ações privadas. Englobam-

se nas ações públicas a reclamação direta com a empresa com o objetivo de remediar a

situação, a resolução por meios legais e a reclamação para agências de proteção ao

consumidor. Por sua vez, as ações privadas delimitam-se a boicotar a empresa ou o

fabricante e a reclamar para amigos e familiares.

Segundo Day e Landon (1977), a natureza e a importância dada a determinado

produto determinam qual tipo de comportamento o consumidor insatisfeito adota.

Imagina-se que produtos mais caros e complexos e de alto envolvimento levem

consumidores insatisfeitos a escolherem ações públicas. Um bem de baixo valor

monetário ou apreço, portanto, resultaria na escolha de ações privadas.

Bearden e Oliver (1985) propõem um modelo baseado no de Day e Landon

(1977) com o objetivo de examinar o papel da reclamação na satisfação do consumidor

com a resolução do problema. Em seus achados, os autores apontam que o quanto maior

o custo do problema, maior a propensão à adoção de ações públicas e privadas. Além

disso, mostram que o grau de reclamações privadas está inversamente relacionado à

satisfação com a resposta da empresa. Por último, sugerem que reclamações públicas

estão relacionadas à satisfação com a resolução do problema. Segundo os autores, seus

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resultados levam a crer que a escolha por reclamar publicamente é uma etapa necessária

para reverter situações insatisfatórias de consumo.

Singh (1988) avança na discussão sobre a taxonomia dos comportamentos de

reclamação do consumidor proposta por Day e Landon (1977), defendendo outra visão.

O autor acredita que uma situação insatisfatória de consumo leva o consumidor a reagir

de três formas distintas: reclama para a empresa, a fim de reverter a situação

insatisfatória (voice responses); busca ajuda legal, seja por meio de agências de

proteção ao consumidor ou advogados (third party responses) e realiza boca-a-boca

negativo ao reclamar a amigos e familiares (private responses).

Para Singh (1988), estas três reações são fatores independentes. Desta forma,

ações de voice responses e third party responses não podem ser consideradas sob uma

mesma classificação - a de reclamação pública - conforme Day e Landon (1977)

propõem. Uma justificativa para isso, segundo o autor, é que “as várias dimensões do

comportamento de reclamação do consumidor podem possuir diferentes antecedentes”

(p.104).

2.2.5 Influências sobre a reclamação do consumidor à empresa

Em linha com Singh (1988), Velázquez, Contrí, Saura e Blasco (2006) apontam

que grande parte da literatura sobre o comportamento de reclamação do consumidor

sustenta a existência de três principais fatores que influenciam e determinam a escolha

por reclamar à empresa em situações de insatisfação: a atitude em relação à reclamação,

a importância da situação de insatisfação e a probabilidade de sucesso com a

reclamação.

A atitude em relação à reclamação pode ser entendida como uma tendência

pessoal de consumidores insatisfeitos buscarem algum tipo de reparo para seu problema

(RICHINS, 1983b). À medida que tomam mais conhecimento sobre aspectos

importantes relacionados à reclamação (canais para reclamação, direitos do consumidor

e práticas desleais de vendas, por exemplo), consumidores formam atitudes mais

positivas em relação ao ato de reclamar com empresas (BEARDEN; TEEL, 1980; DAY,

1984; FERNANDES; SANTOS, 2007; KIM; KIM; IM; SHIN, 2003).

Quando o problema relacionado à situação insatisfatória de consumo envolve um

produto ou serviço cujo valor monetário é baixo, e não há danos ou sérias

inconveniências para o indivíduo, é pouco provável que o consumidor empenhe tempo,

dinheiro e esforço para reclamar o ocorrido. Ao invés disso, pode preferir boicotar a

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empresa, realizando boca-a-boca negativo com parentes e amigos. Por outro lado, se

houve altos investimentos financeiros, grandes inconveniências ou danos ao indivíduo

ou o bem, há expressiva probabilidade de se reclamar com a empresa ou tomar outras

medidas - tais como ações legais -, para remediar a situação (BEARDEN; OLIVER,

1985; BROWN; BELTRAMINI, 1989; DAY et al., 1981; SINGH, 1990b).

Consumidores com uma percepção positiva a respeito da possível resposta dada

por empresas possuem maior probabilidade de expor suas reclamações a elas. Em

consequência, a propensão por escolher deixar de comprar da empresa, ações privadas

ou third party actions se torna menor, permitindo que falhas sejam mais facilmente

resolvidas (BLODGETT; WAKEFIELD; BARNES, 1995; FOX, 2008; SINGH;

HOWELL, 1985).

Outros fatores também são considerados influenciadores da reclamação do

consumidor a empresas. Diferentes autores (KRISHNAN; VALLE, 1979; RICHINS,

1983a; SINGH; WILKES, 1996) apontam a atribuição de culpa como um fator que afeta

a reação pós-insatisfação. De forma geral, defendem que a percepção de que a culpa

pelo problema foi da empresa (e não do indivíduo), a crença de que o evento

insatisfatório ocorrerá novamente, e o entendimento de que o problema poderia ter sido

evitado, levam a uma maior propensão do consumidor a reclamar à empresa (FOLKES,

1984) e fazer boca-a-boca negativo (RICHINS, 1983a).

Segundo Oliver (2010), a atribuição de culpa é determinada a partir de três

dimensões: lócus de causalidade (locus of causality), controle (controllability) e

estabilidade (stability). A primeira diz respeito à interpretação do consumidor a quem

recai a responsabilidade pelo problema de consumo. Caso a empresa seja a maior

culpada, nessa avaliação, maior será a probabilidade de o consumidor reclamar sobre o

problema.

A dimensão de controle está relacionada à percepção do consumidor sobre a

possibilidade de a situação insatisfatória estar ou não controlada. Quando falhas são

vistas como controláveis, a culpa é direcionada ao agente (o próprio consumidor ou a

empresa) responsável por controlar a situação. Há, portanto, uma relação significativa

entre essa dimensão e a de lócus de controle, pois não é possível conhecer a extensão de

controle se não estiver definido um responsável.

Por último, a estabilidade assinala se um problema é contínuo, que

frequentemente ocorre, ou um evento isolado, que provavelmente não voltará a se

repetir. Quando consumidores percebem que o evento insatisfatório é comum à

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realidade de uma empresa, tendem a adotar o comportamento de exit, pois sabem que,

no curto prazo, dificilmente haverá resolução do problema. Por outro lado, se a falha for

atribuída a uma causa instável, o consumidor pode tanto reclamar com a empresa

(voice) quanto fazer nada e esperar que o ocorrido não se repita (loyalty).

Teorias sobre atribuições de culpa, entretanto, não devem ser consideradas

universais, segundo Laufer (2002). Há diversos fatores culturais, tais como

individualismo e coletivismo, distância do poder, grau de tolerância a incertezas, e lócus

de controle, que impedem uma teorização universal sobre o assunto. Para o autor,

teorias de atribuição são enviesadas para a realidade de sociedades individualistas, pois

defendem que fatores disposicionais (relacionadas ao indivíduo) são mais importantes

que fatores situacionais, para explicar o comportamento de reclamação de

consumidores. De acordo com Laufer (2002), em sociedades coletivistas, tais como a

asiática, é mais provável que um consumidor atribua uma falha a fatores situacionais

não relacionados à empresa do que a fatores disposicionais.

Laufer (2002) também aponta que a avaliação de equidade é considerada outro

antecedente do comportamento de reclamação do consumidor. A teoria da equidade diz

que, quando um indivíduo percebe uma situação de desigualdade, ele sente insatisfação,

e busca maneiras para restabelecer a igualdade. No contexto de consumo, ele pode, por

exemplo, mudar de marca, reclamar com a empresa ou fazer boca-a-boca negativo. O

autor salienta, todavia, que diferenças culturais podem afetar a percepção de equidade,

pois nem sempre o consumidor busca restabelecer a igualdade.

Esse parece ser o caso no Brasil, segundo os achados do estudo de Chauvel

(2000), pois diferenças de poder entre empresas e clientes são percebidas como

significativas, tornando a busca pela equidade apenas um desejo difícil de ser alcançado.

A autora aponta que, no país, “o fato de a transação ser justa ainda é visto mais como

exceção do que como regra” (p.177). Há uma crença de que a troca com empresas é

mais vantajosa para essas do que para quem paga pelo produto, que temem, inclusive,

serem “pura e simplesmente enganados”.

Essa visão é compartilhada por Rocha (2000, p.183), quando argumenta que ser

cliente no Brasil significa estar em posição de inferioridade em um universo

hierárquico, em que “o poder encontra-se em mãos de “outro”, do vendedor, do

fornecedor, do varejista e da loja”, sendo difícil lutar contra esse sistema, especialmente

quando se é de grupos de baixa renda.

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Outro fator influente da reclamação do consumidor à empresa, segundo Yan e

Lotz (2009), é a presença (física ou mentalizada) de outros consumidores, sejam eles

conhecidos ou não, no momento em que uma situação insatisfatória de consumo ocorre.

Essa presença afeta a escolha por um ou outro tipo de reação. O apoio comunicado por

outros (especificamente, encorajando e dando confiança) ao indivíduo lesado, exerce

significativa influência em sua adoção pela reclamação à empresa. Esse apoio também

está associado a sentimentos de liderança, refletidos na percepção de haver uma

responsabilidade em reclamar, em nome próprio e por outros menos propensos a adotar

tal comportamento.

Alternativamente, Yan e Lotz (2009) apontam que a ausência de outros

consumidores desencoraja o ato de voice. O conhecimento de que a insatisfação de

consumo não é individual, pois também é compartilhada por outros, leva a uma menor

propensão a reclamar. Além disso, a presença física de indivíduos que, de alguma

maneira, aparentam não apoiar reclamações induz ao silêncio, a fim de evitar a

vergonha e possuir uma imagem negativa por ter reclamado.

Goodwin e Spiggle (1989) complementam essa visão ao sugerir que o

comportamento de reclamação e a própria palavra “reclamação” possuem conotações

negativas. Os respondentes de sua pesquisa veem o ato de reclamar como uma falta de

habilidade social, e tentam não ser associados a tal característica quando descrevem

suas experiências de reclamação. É importante, para eles, justificar que este tipo de

reação não é comum em suas vidas.

A religião é mais um fator que exerce influência sobre a reclamação do

consumidor à empresa. Swimberghe, Sharma e Flurry (2009) realizaram uma pesquisa

exploratória, para entender o quanto a crença religiosa de consumidores afeta suas

decisões de reclamar quando insatisfeitos com alguma política adotada por uma

empresa, que pouco atenta ou contraria suas normas religiosas (no caso, associações

com religião somente em datas comemorativas, e apoio a movimento homosexuais).

Segundo os autores, a religião influencia positivamente as intenções de voice e de

reclamações a third parties, além de diminuir o grau de lealdade com essas empresas.

Fatores demográficos, tais como idade, nível de educação, gênero e renda,

também são apontados como determinantes do tipo de comportamento que o

consumidor insatisfeito adota (JACOBY; JACCARD, 1981; HEUNG; LAM, 2003).

Segundo Fox (2008), o quanto mais avançada for a idade do consumidor, maior a

tendência em incorrer em reclamações públicas. O autor também aponta que o quanto

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menor for o nível de renda, maior a probabilidade de escolher reclamações privadas.

Similar a esses achados, a pesquisa de Keng, Richmond e Han (1995) mostra que

aqueles com maior propensão a adotar reclamações públicas são mais velhos, com

melhores níveis de educação e maior renda. Esses indivíduos demonstram maior

assertividade e auto-confiança quanto a seus direitos de reclamar. Por outro lado,

consumidores que não reclamam são mais conservadores e possuem uma atitude

negativa em relação à reclamação.

Jacoby e Jaccard (1981) e Morganosky e Buckley (1986) também defendem que o

nível de educação de um consumidor é determinante em sua propensão à reclamação: os

que possuem maiores níveis tendem a reclamar mais do que aqueles com menores

níveis.

Entre os gêneros, o estudo de Heung e Lam (2003) mostra que são as mulheres

que possuem maior inclinação a reclamar e contar a outros suas situações insatisfatórias

de consumo. Ainda, os autores apontam que as mais jovens e aqueles com níveis de

educação mais elevados tendem a reclamar mais. Tais resultados diferem dos achados

de Manikas e Shea (1997), que defendem serem consumidores do sexo masculino os

que mais reclamam.

Day e Landon (1977) afirmam que consumidores mais jovens e com maiores

níveis educacionais tendem a ser os que mais reclamam publicamente. Bearden e Mason

(1984) encontraram resultados similares, e reforçam que o comportamento de

reclamação é inversamente relacionado à idade, mas positivamente, a renda e a nível de

educação. Phau e Baird (2008), entretanto, encontraram uma relação positiva entre

idades mais avançadas e reclamação - consumidores acima de 40 anos tendem a

reclamar mais, pois possuem expectativas mais altas e menos vergonha em reclamar.

Day (1984) e Oliver (1987) defendem que a intensidade da insatisfação com um

problema de consumo é um fator de pouca influência na determinação do tipo de

comportamento de reclamação do consumidor. Em situações dessa natureza, pode-se

tanto reclamar com a empresa quanto tomar nenhuma ação. Para Day, antecedentes, tais

como características pessoais e situacionais, são fatores mais importantes do que a

intensidade da insatisfação para entender a reação adotada pelo consumidor, quando o

desempenho de um produto não alcança suas expectativas.

Diferentemente do que afirmam Day (1984) e Oliver (1987), Singh e Pandya

(1991) mostram que a intensidade da insatisfação possui uma relação mista com o

comportamento de reclamação do consumidor. Segundo os resultados da pesquisa dos

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autores, enquanto a reação de voice tende a se relacionar linearmente com a intensidade

da insatisfação, exit e boca-a-boca negativo apresentam relações não-lineares - somente

após um patamar elevado de intensidade de insatisfação é que a adoção de ambas essas

reações se torna mais frequente.

Normalmente, estudos que buscam entender as influências sobre a reclamação de

consumidores entendem que tal ação é legítima por parte do reclamante. Todavia,

algumas pesquisas mostram que nem sempre esse é o caso, pois a percepção de ganhos

fáceis também pode ser considerada um fator atraente para consumidores fazerem

reclamações, mesmo que não estejam insatisfeitos com um produto ou serviço

(BAKER; MAGNINI; PERDUE, 2012; REYNOLDS; HARRIS, 2005; WIRTZ; KUM,

2004). Tais consumidores são classificados por Correa, Pereira e Almeida (2005) de

“clientes problemáticos”, que contribuem para a causa de falhas de empresas, por

apresentarem comportamentos desviantes dos demais.

2.2.6 Comportamento pós-reclamação do consumidor

O consumidor que reclama publicamente após um incidente insatisfatório de

consumo o faz, em muitos casos, pois busca remediar seu problema. Diferentes estudos

(BLODGETT; HILL; TAX, 1997; HALSTEAD; PAGE, 1992) buscaram entender

como são formadas a satisfação ou a insatisfação do consumidor, após reclamar para

empresas.

Oliver (2010), por exemplo, propôs um modelo baseado nas teorias de

desconfirmação de expectativas, no qual o consumidor faz uma comparação entre suas

expectativas com a reclamação e a resposta dada pela empresa, formando, assim, a

desconfirmação da reclamação. A depender se houve desconfirmação positiva ou

negativa da reclamação, seu resultado pode gerar a satisfação com a resolução do

problema ou a insatisfação secundária (já que a primária foi a que gerou a reclamação

inicial).

Além das influências da desconfirmação da reclamação, Oliver (2010) defende

que a satisfação com a resolução do problema ou a insatisfação secundária podem ser

influenciadas diretamente por outros três fatores. As expectativas com a reclamação

podem afetar a percepção de satisfação, pois o consumidor cria um viés a partir da

reputação que a empresa em questão possui em resolver os problemas de seus clientes.

Outra influência direta pode surgir se a resposta dada pela empresa for agressivamente

antagonista às expectativas do consumidor, enfurecendo-o, não havendo necessidade de

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avaliar se há desconfirmação da reclamação. Ainda, a extensão de insatisfação primária

pode exercer influência sobre a percepção de satisfação - episódios muito insatisfatórios

dificilmente poderão ser remediados, à medida que aqueles em que houve pouca

insatisfação podem ser facilmente resolvidos.

Outro modelo foi proposto por Singh e Widing (1991), com o objetivo de

entender o que ocorre após a reclamação do consumidor. Os autores, assim como Oliver

(2010), baseiam-se no paradigma da desconfirmação de expectativas como determinante

da satisfação ou insatisfação do consumidor com a resposta da empresa. Todavia,

sugerem que a desconfirmação, nesse caso, seja formada com base na comparação entre

a percepção a respeito da resposta da empresa e as normas de respostas de empresas

(percepções do consumidor sobre como empresas deveriam agir diante de reclamações).

A expectativa com a resposta da empresa - da mesma forma que a atitude em relação à

reclamação - é um fator que influencia ambos os construtos comparados.

Gilly e Gelb (1982) apontam que expectativas com a resposta da empresa são

formadas a partir dos diferentes objetivos que levam o consumidor a reclamar. Quando

uma falha gera perdas financeiras, cria-se expectativa de que a reclamação resultará em

ressarcimento monetário ao reclamante. Diante desse contexto, a devolução do dinheiro

é suficiente para alcançar as expectativas e, assim, gerar satisfação no consumidor com

a resposta da empresa.

Por outro lado, quando a reclamação é feita com o objetivo de informar sobre um

problema que deixou o consumidor insatisfeito, porém, que não lhe trouxe perdas

financeiras (tal como mau atendimento), é difícil para uma empresa saber qual é a

expectativa do reclamante quanto à resposta oferecida. Gilly e Gelb (1982) argumentam

que, nesse contexto, o consumidor não reclama com o intuito de obter ressarcimento

monetário. Ele o faz, pois está altamente insatisfeito com algum aspecto da negociação,

e não necessariamente conhece a finalidade para a qual está reclamando. Nesses casos,

os autores defendem que empresas precisam oferecer respostas “criativas”, a fim de

reverter o ocorrido.

Gilly (1987) também propõe um modelo para avaliar como ocorre o processo pós-

reclamação de consumidores insatisfeitos. O início desse processo ocorre quando a

empresa responde a uma reclamação, que consiste na forma de reverter a falha e na

rapidez com que a resolução é executada. O próximo passo é a percepção do

consumidor a respeito da resposta da empresa, avaliando se esta é coerente com suas

expectativas. Em seguida, o reclamante forma o sentimento de satisfação ou

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insatisfação, com base na resolução oferecida a ele. A depender do resultado dessa

etapa, o consumidor pode desenvolver uma intenção de recompra, o que, por sua vez, o

levaria para a recompra em si.

Uma explicação para tal comportamento pode ser encontrado em Blodgett et al.

(1997). Os autores defendem que reclamantes que voltam a comprar de empresas que

lhes causaram insatisfação são aqueles que percebam que houve justiça distributiva e

justiça interacional durante o processo de resolução do seu problema. Em outras

palavras, quando consumidores percebem que a compensação oferecida pela empresa

(ressarcimento monetário, desconto ou troca do produto) e o atendimento à sua

reclamação foram adequados, eles tendem a buscar recompra.

Halstead e Page (1992) alertam, entretanto, que a satisfação com a resposta da

empresa à reclamação do consumidor não gera, necessariamente, uma intenção de

recompra. Na verdade, os autores descobriram que a intenção de recompra do grupo

denominado de “consumidores satisfeitos com sua reclamação e satisfeitos com a

resposta da empresa” não era significativamente diferente dos grupos “não-reclamantes

satisfeitos” e “consumidores satisfeitos com sua reclamação, mas insatisfeitos com a

resposta da empresa”.

2.2.7 Reclamação a Third Party Agencies

Consumidores que fazem reclamações a third party agencies percebem a

desconfirmação de suas expectativas de forma mais aguda do que aqueles que

conseguem obter resolução de seus problemas diretamente com empresas que lhes

causaram a insatisfação (MATTILA; WIRTZ, 2004). Desta forma, a reclamação feita a

instituições dessa natureza é considerada uma forma extrema de reação, pois demanda

mais esforço do consumidor insatisfeito em reclamar e, tipicamente, diz respeito a

algum problema de elevada seriedade (SINGH, 1988). Apesar dessas características, a

literatura sobre reclamações feitas a TPAs é escassa, de forma que pouco se conhece

sobre o que leva um reclamante a tal ação ou os tipos de reclamações que são feitas a

tais instituições (RUSSELL-BENNETT; HÄRTEL; DRENNAN, 2010).

Entre as pesquisas que se dedicaram ao tema, destaca-se a de Singh (1989), que

propôs um modelo específico para o entendimento de reclamações dirigidas a

advogados, agências de defesa do consumidor, jornais ou qualquer outra instituição que

não está diretamente envolvida na relação de troca comercial, mas voltada para defender

o consumidor.

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Para Singh (1989), o indivíduo que busca resolver seus problemas por meio de

TPAs tem diversas alternativas a adotar. Ele pode, por exemplo, escolher denunciar a

empresa em algum jornal e, ao mesmo tempo, procurar a ajuda de um advogado. É

comum a escolha de mais de um tipo de TPA quando se busca reclamar sobre uma falha

de consumo.

Segundo Singh (1989), a intenção de buscar a ajuda de TPAs pode representar

uma predisposição em se engajar em uma ou mais ações desta natureza. Em seu modelo,

o autor sugere que há três construtos que se relacionam diretamente com a intenção de

buscar TPAs: a atitude em relação à reclamação (se é favorável ou desfavorável ao ato

de reclamar); o julgamento subjetivo da probabilidade de sucesso do consumidor em

reclamar; a avaliação dos custos e benefícios de reclamar.

Singh (1989) aponta outros dois construtos antecedentes à intenção de buscar a

ajuda de TPAs, que a influenciam indiretamente por meio das relações que possuem

com as atitudes, o julgamento de probabilidade de sucesso e a avaliação dos custos e

benefícios do consumidor em reclamar. São esses: sentimentos (positivos ou negativos)

em relação à empresa e o mercado em que essa se insere; e experiências prévias (de

sucesso ou insucesso) com reclamações dirigidas a TPAs.

Por último, Singh (1989) argumenta que os antecedentes da intenção de buscar

TPAs são influenciados por quatro características exógenas de consumidores: idade,

sexo, educação e renda. Por não serem relacionadas diretamente a algum episódio de

insatisfação de consumo, essas variáveis servem apenas para prever se um indivíduo

terá maior ou menor intenção de buscar a ajuda de TPAs. Para Singh (1989), o perfil de

consumidor com maior probabilidade de usar os serviços de alguma TPA é do sexo

masculino, mais jovem, com menor grau de educação, e nível de renda mais elevado.

Os achados de Garrett e Toumanoff (2010) assemelham-se em parte aos de Singh

(1989). Os autores argumentam que o principal determinante para consumidores

buscarem a ajuda do Better Business Bureau é o seu nível de renda, sendo que há menor

tendência de consumidores com baixa renda a utilizarem o BBB do que aqueles com

rendimentos maiores. Embora o grau de educação (indivíduos com menos educação têm

menor probabilidade de reclamarem), raça (minorias tendem a não incorrer em

reclamações) e idade (mais velhos pouco reclamam quando insatisfeitos) sejam

importantes variáveis para determinar reclamações ao BBB, são consideradas de

segunda prioridade.

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Fisher, Garrett, Arnold e Ferris (1999) apresentam uma pesquisa com

consumidores que registraram reclamações a um BBB, a fim de entender as

discrepâncias entre o que estes indivíduos acreditam que empresas deveriam ter feito

para remediarem seus problemas e o que efetivamente foi feito. Os autores descobriram

que, na maioria dos casos, empresas sequer oferecem algum tipo de resolução para o

problema. Mesmo quando há iniciativa para reparar o equivoco, o que é ofertado fica

aquém daquilo desejado pelo consumidor.

Segundo Russell-Bennett, Härtel e Drennan (2010), a maneira mais fácil de

garantir a satisfação de consumidores que buscam TPAs para reclamarem de falhas de

empresas é oferecendo-lhes compensações financeiras, tais como ressarcimentos

monetários. Ainda que o valor ressarcido seja abaixo daquele inicialmente imaginado

pelo reclamante, o fato de receber alguma quantia monetária parece satisfazê-lo, pois

imagina que houve uma compensação pelo esforço empreendido. Segundo os autores,

mais do que uma meta econômica, o que o consumidor insatisfeito que reclama busca é

que seus princípios de justiça sejam reforçados.

Os resultados da pesquisa de Fisher et al. (1999) evidenciam que, a partir do

momento em que consumidores precisam usar os serviços do BBB para resolverem seus

problemas (pois suas reclamações às empresas não surtiram efeitos satisfatórios),

dificilmente voltam a comprar com a empresa responsável por sua insatisfação. Esses

indivíduos engajam-se em intensa atividade de boca-a-boca negativo, contando seu caso

para mais de 40 outros potenciais consumidores.

Há autores que defendem que empresas devem incentivar seus consumidores a

fazerem reclamações, para, assim, terem chances de remediar o problema e evitar perder

o cliente (BLODGETT; ANDERSON, 2000; FORNELL, 2007) e os lucros advindos

dele (BLODGETT; LI, 2007). Estudos como os de Fisher et al. (1999), Naylor (2003) e

Andreasen e Best (1977) mostram, entretanto, que empresas pouco sabem tirar proveito

da reclamação de seus clientes, já que muitas sequer buscam remediar a insatisfação e,

mesmo as que tentam, são lentas ou não sabem como agir para contornar tal situação.

Desta forma, cabe a consumidores insatisfeitos buscarem ajuda de TPAs, a fim de

reverterem seus problemas de consumo.

Garrett (2004) estudou as reclamações feitas a um BBB, durante um período de

cinco anos, e percebeu que houve significativa variação na frequência de registros uma

indústria para outra. O número de queixas referentes ao setor de construção civil, por

exemplo, foi maior do que o de revendedoras de automóveis. Segundo o autor, não é

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equitativa a distribuição das reclamações entre as empresas desses setores, pois a maior

parte dos registros se concentra em uma minoria (chamadas pelo autor de bad apples,

em função de seu poder de “contaminar” o resultado geral das demais). Em geral, as

empresas possuíam pouca ou nenhuma reclamação registrada contra si.

O fato de uma empresa possuir algum registro de reclamação em TPAs é motivo

de preocupação, pois reflete negativamente tanto em desempenho macro -

desvalorização de suas ações na bolsa de valores (LUO, 2007) - quanto em aspectos

micro - em atividades de nível operacional, tais como propagandas, conforme apontam

Cronin e Fox (2010). Esses autores argumentam que reclamações a TPAs afetam a

eficiência e a eficácia de propagandas, pois aumentam os gastos que a empresa precisa

incorrer com esse tipo de comunicação (a fim de reverter danos de imagem causados

pela reclamação), e diminuem a habilidade das propagandas em gerarem vendas. Diante

de tais evidências, Cronin e Fox defendem que empresas devem evitar deixar que

reclamações escalem até o ponto de levar o consumidor a buscar ajuda de TPAs,

preferencialmente resolvendo qualquer problema assim que ele surgir.

No Brasil, poucos pesquisadores em marketing se debruçaram sobre questões

relacionadas a reclamações a TPAs. Entre eles, Chauvel (2000) aponta que

consumidores reclamantes em órgão de defesa do consumidor tendem a se orgulhar de

sua iniciativa, embora reconheçam ser um ato trabalhoso e penoso. Diferentemente do

que ocorre durante reclamações a empresas, quando temem a reação à queixa,

indivíduos que buscam tais órgãos não receiam constrangimento, somente reticência

diante da incerteza de que tal esforço pode não ser recompensado. Acreditam,

entretanto, que se estão indo às últimas instâncias para reverter sua insatisfação, ao

buscar um órgão de defesa do consumidor, é porque suas reclamações são legítimas.

Ademais, imaginam que essa é a única forma de pressionar empresas a mudarem, já que

iniciativas de reclamação do consumidor de pouco adiantam para isso, devido à

assimetria de poder entre as partes.

Mendonça (2007), por sua vez, aponta que consumidores insatisfeitos que buscam

ajuda legal para resolver problemas de consumo não são, em geral, fiéis às empresas

reclamadas por eles. Entretanto, entre aqueles que demonstram traços de fidelidade, é

comum deixarem de se relacionar com empresas após ingressar com uma ação judicial,

a fim de reparar conflitos de consumo entre as partes. Pensam dessa forma porque se

decepcionam com a postura das empresas frente a suas reclamações. Preferem, assim,

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consumir da concorrência, pois se viram forçados a chegar ao âmbito legal para reverter

algo que imaginavam ser fácil às empresas resolverem.

2.2.8 Etapas do processo de reclamação do consumidor a uma Third Party Agency

De forma a organizar as informações apresentadas no item 2.2 da revisão de

literatura, e estabelecer um processo de reclamação do consumidor a uma third party

agency, foi elaborado um modelo conceitual (Figura 1), com as etapas que um

consumidor percorre desde o surgimento do problema de consumo até a reclamação a

alguma dessas agências.

Inicialmente nesse processo, o consumidor sofre um problema de consumo, que o

leva a insatisfação com aquilo adquirido por ele. Diferentes reações podem ser adotadas,

nesse caso, sendo a reclamação a empresas uma delas. Após reclamar a empresas, o

consumidor apresenta satisfação ou insatisfação com a resposta obtida. Caso acredite

que foi insatisfatória, busca a ajuda de uma TPA para tentar reverter a situação. Em

cada uma das etapas do proposto modelo, uma breve explicação a seu respeito é

apontada, baseada em alguma referência citada na revisão de literatura.

Carson, Gilmore, Perry e Gronhaug (2005) acreditam que modelos conceituais são

úteis em pesquisas qualitativas, pois permitem que o pesquisador crie uma delimitação a

partir da qual irá realizar sua pesquisa. Segundo os autores, tais modelos devem ser

criados com base na revisão de literatura, descrevendo importantes componentes do

fenômeno estudado.

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Figura 1: Modelo Conceitual do Processo de Reclamação a uma Third Party Agency Fonte: Elaborado pelo autor

Reações à Insatisfação de Consumo

Comportamento Pós-Reclamação à Empresa

Reclamação a Third Party

Agency

• Reclamações dirigidas a instituições voltadas para defenderem consumidores, tais como advogados, agências de defesa do consumidor, jornais etc. (SINGH, 1989).

Insatisfação com a Resposta da

Empresa

• Desconfirmação negativa da resposta dada pela empresa (OLIVER, 2010).

Satisfação com a Resposta da

Empresa

• Desconfirmação positiva da resposta dada pela empresa (OLIVER, 2010).

• Passividade a reclamar com empresa (STEPHENS; GUINNER, 1998);

• Boca a boca negativo (RICHINS, 1984);

• Sentimentos de subordinação à empresa (BUNKER; BRADLEY, 2007);

• Retaliação contra a empresa (HUEFNER; HUNT, 2000);

• Raiva contra a empresa (BOUGIE; PIETERS; ZEELENBERG, 2003).

Reclamação à Empresa

• Reclamação direta do consumidor à empresa com o objetivo de remediar a situação adversa de consumo (DAY; LANDON, 1977).

Influências sobre a reclamação à

empresa • Atitude positiva à

reclamação (RICHINS, 1983b);

• Altos/grandes investimentos, inconveniências ou danos (DAY, 1984);

• Percepção positiva à possível resposta (HIRSCHMAN, 1970).

• Atribuição de culpa à empresa (FOLKES, 1984).

Insatisfação de Consumo

• Desconfirmação negativa de expectativas (OLIVER, 2010).

Influências sobre a Insatisfação de

Consumo • Falta de vontade do

funcionário de resolver o problema (BITNER et al., 1990);

• Atitude negativa do funcionário quanto à falha ((BITNER et al., 1990);

• Desconfiança de funcionários a consumidores (FITZPATRICK et al., 2004);

• Expectativas muito altas (FORNELL, 2007);

• Dificuldade para obter informações pré-compras (FORNELL, 2007).

Problema de

Consumo

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2.3 CONSUMIDORES DE BAIXA RENDA

A visão atual sobre o segmento de baixa renda é derivada, em grande parte, dos

trabalhos de Prahalad (PRAHALAD; HART, 2002; PRAHALAD; HAMMOND, 2002). O

autor foi um dos primeiros pesquisadores a atentar para o fato de a “base da pirâmide” ser

formada por consumidores, que, mesmo com baixos níveis de renda, possuem necessidades e

desejos por bens materiais. Em sua visão, empresas, e não governos, são as responsáveis por

atender a esses indivíduos, incentivando-os a consumirem. Dessa forma, podem criar

condições para ajudar esses consumidores a melhorarem suas vidas, e, consequentemente, a

combater a pobreza.

A visão de Prahalad pode ser considerada recente em marketing, já que os primeiros

estudos de pesquisadores da área sobre estes consumidores de baixa renda os descreviam

diferentemente. Autores da época descreviam estes indivíduos como marginalizados, com

restrições financeiras, porém irracionais quanto a seus gastos, e consumidores quase que

exclusivamente de produtos essenciais (RATNER, 1968; RICHARDS, 1967; STURDIVANT;

WILHELM, 1969). Pode-se supor que, por conta disso, a área priorizou entender o

comportamento de indivíduos de níveis de renda mais elevados, em função de suas condições

financeiras mais propícias para o consumo, em detrimento daqueles de baixa renda, cujos

rendimentos lhes impunham barreiras sobre o que comprar (BARROS, 2006a).

Este item da revisão de literatura do presente trabalho apresenta as diferentes

perspectivas em marketing a respeito do indivíduo de baixa renda, passando pelos primeiros

estudos da área sobre o tema, até a visão atual, baseada nos trabalhos de Prahalad. Além

disso, apresenta as críticas que surgiram à visão de Prahalad sobre a base da pirâmide.

Os autores citados nesse item apresentam visões que, em diversos casos, são

influenciadas por outras áreas, tais como antropologia e economia. Ao invés de excluir suas

perspectivas, por não serem da área de marketing, foi preferido agregá-las à discussão sobre

consumidores de baixa renda, de forma a complementar o que marketing discute sobre esse

segmento.

2.3.1 A perspectiva inicial de marketing sobre o consumidor de baixa renda

Inicialmente, a perspectiva predominante adotada por pesquisadores em marketing nos

primeiros estudos sobre o consumidor de baixa renda os descrevia como descriminados,

vítimas de sua própria pobreza e dependente da sociedade e dos governos (BARNHILL,

1972; RATNER, 1968; RICHARDS, 1967). Conforme Sturdivant (1969, p.2) aponta:

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Se a sociedade pudesse assegurar a cada cidadão (de baixa renda) um trabalho com um bom salário, uma oportunidade para obter uma educação que o preparasse para lidar com um mundo cada vez mais complexo, a oferta de medicamentos excelentes, porém a preços módicos, e moradia adequada, a guerra contra a pobreza seria vencida.

Em função de sua condição de baixa renda, Waxman (1977) descreve que indivíduos

desse segmento são estigmatizados, pois a sociedade os vê como tendo nenhuma moralidade

(pois roubam, furtam e são promíscuos sexualmente), preguiçosos, sem desejos de adquirir

educação, para melhorarem suas vidas, e, de modo geral, pessoas desagradáveis de se

conviver.

Indivíduos de baixa renda são vistos dessa forma, segundo Barnhill (1972), porque sua

falta de renda (um dos piores tipos de desvantagens que uma pessoa pode possuir, de acordo

com o autor) restringe-os na busca por formas de melhorar sua condição de vida. Por conta

disso, sofrem com falta de educação formal adequada, o que, consequentemente, resulta em

desconhecimento sobre como consumir. Acabam, assim, à mercê de vendedores

inescrupulosos, que exploram tais indivíduos, e os comercializam produtos que, em diversos

casos, não necessitam.

O retrato dos indivíduos de baixa renda como ser inferior aparece, por exemplo, quando

Richards (1968) compara as práticas de consumo de indivíduos de baixa renda com as

práticas consideradas “financeiramente corretas”. A autora chega à conclusão que estes

consumidores são “irracionais”, pois não conseguem gerenciar adequadamente suas finanças.

Richards aponta como indícios de sua afirmação o fato de a maioria destes indivíduos não

guardar dinheiro e não possuir seguro de vida ou de saúde, além de comprometer seriamente

seus orçamentos na compra de bens materiais supérfluos. Ela oferece como explicação para

esse comportamento o baixo nível de educação formal, o que dificulta seu acesso a

conhecimentos sobre o mercado, a economia, e as melhores formas de planejar e decidir o que

comprar.

Block (1972) se alinha com a visão de Richards (1968) quando aponta que indivíduos

de baixa renda possuem pouco acesso a informações que os auxiliem em suas escolhas de

consumo. Embora vejam televisão e escutem rádio, leem com baixa frequência, o que lhes

restringe o tipo de conhecimento que acessam. O autor mostra que, entre esses indivíduos,

aqueles com maior grau de educação buscam mais informações, o que lhes permite melhor

planejar como consumir.

Diferentemente de Richards (1968), Andreasen (1975) acredita que indivíduos de baixa

renda são racionais, porém não conseguem se planejar financeiramente, pois sua renda é baixa

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e volúvel, por conta da instabilidade de seus empregos. Aliado a isso, são vítimas da

exploração de vendedores, que praticam preços discriminatórios em mercados

predominantemente de indivíduos de baixa renda (STURDIVANT; WILHELM, 1969).

A falta de conhecimento do consumidor de baixa renda sobre as melhores práticas de

consumo levou Ratner (1968) a sugerir que este indivíduo deveria ser educado quanto a tais

questões, de forma a se proteger das injustiças do mercado e conseguir, assim, mais benefícios

pelo seu dinheiro. Para a autora, esta ação seria necessária, já que este consumidor:

Sequer sabe que informações sobre consumo existem. Na verdade, ele não possui consciência de consumo exceto a noção de que a vida é cara. Ele não pensa conscientemente sobre as escolhas que pode fazer, seja no consumo ou em qualquer outra faceta de sua vida (p.107).

Berry (1972) concorda que uma forma de evitar a exploração de consumidores de baixa

renda é educando estes indivíduos sobre os melhores hábitos de compra, as práticas abusivas

de comerciantes e os meios para recorrer em caso de descriminação. Mesmo que ações desta

natureza sejam difíceis de implementar, podem contribuir “significativamente para aliviar o

esforço de um comprador pouco educado” (p.58).

Toyer (1968), todavia, sugere que métodos tradicionais de educação de consumo,

legislações existentes e as formas utilizadas para implementar leis não são eficientes. Segundo

a autora, os pobres têm consciência de seus problemas de consumo, e possuem desejos de

obter mais bens com seus parcos rendimentos. Entretanto, sabem, por experiências passadas,

que formas de educação convencional sobre gerenciamento de rendimentos não os ajuda,

pois, em diversos casos, suas dificuldades financeiras estão relacionadas a ações de

comerciantes aproveitadores.

Toyer (1968) relata que vendedores em bairros habitados por consumidores de baixa

renda elevam o preço de suas mercadorias nos dias em que os clientes recebem seus

rendimentos (check days). Consequentemente, estes consumidores perdem poder de compra, o

que afeta a quantidade de produtos que podem adquirir. Mesmo se tentassem comprar

produtos fora das épocas de preços elevados, dificilmente conseguiriam, pois aquilo que

adquirem nos check days mal os sustenta até o próximo recebimento.

Diferentes estudos sobre a discriminação de preços de produtos vendidos a

consumidores de baixa renda foram realizados nesta época (BERRY; SOLOMON, 1971;

MARCUS, 1969). Enquanto alguns autores (DIXON; McLAUGHLIN, 1971) defendem que

não há diferenças significativas de preços entre estabelecimentos em que estes indivíduos

fazem compras, outros apontam que há. Sturdivant e Wilhelm (1969), por exemplo, mostram

que produtos comprados através de parcelamento, prática comum entre consumidores de

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baixa renda, produzem grandes variações de preços. Desta forma, estes indivíduos acabam

pagando mais por um produto que, em lojas fora de seus bairros, pagariam menos.

De acordo com Jones (1969), tais práticas abusivas contra consumidores de baixa renda

foram a justificativa para o governo americano, por intermédio da Federal Trade Commission

(FTC), criar um departamento específico para proteger os pobres daqueles que os

“vitimizam”. Seu papel é detectar práticas abusivas que se aproveitam dos “medos e falta de

sofisticação” destes indivíduos, já que, por conta própria, não possuem meios ou confiança

para apelar a recursos legais. De todas as responsabilidades da FTC, esta é a de maior

importância, pois enfrenta:

As práticas dos vigaristas que se especializam em todo tipo de artimanha para induzir o pobre a suas portas, e coagi-los a fazerem compras indesejadas, que os deixam para sempre a mercê de seus devedores, com poucas esperanças de se desprender dos tentáculos da dívida em que se encontram (JONES, 1969, p.248).

A responsabilidade governamental perante a fragilidade dos pobres também é discutida

por Andreasen (1975), quando sugere que, para solucionar a exploração de consumidores de

baixa renda por parte de vendedores inescrupulosos, é necessária a imposição mais rigorosa

de leis municipais, estaduais e federais. Para isso, propõe mudanças nas legislações vigentes,

permitindo que este segmento tenha melhores condições de se defender, e a criação de uma

agência reguladora, para atender exclusivamente estes indivíduos.

Pesquisas de outras áreas contribuíram para a visão predominante de marketing de que o

consumidor de baixa renda precisa de ajuda, pois não possui condições próprias para se

manter. Referenciada como um dos primeiros autores a estudar a relação entre indivíduos de

baixa renda e consumo, Caplovitz (1967) descreve como consumidores de baixa renda estão

em desvantagem perante empresas, que frequentemente os cobram preços exorbitantes, a altas

taxas de juros, por produtos desnecessários e de baixa qualidade. Por precisarem pagar mais, e

obter menos valor em suas compras, recorrem a empréstimos bancários, que, por sua vez,

aumentam suas despesas. Ao não conseguirem pagar seus empréstimos, acabam incorrendo

em problemas legais, o que os leva, muitas vezes, a perderem seus empregos. Por não

possuírem fonte de renda, adquirem novos empréstimos, que os aprofunda cada vez mais na

pobreza. Para Caplovitz (1967), o consumidor de baixa renda está, portanto, preso em um

ciclo vicioso, do qual dificilmente possui condições de sair.

Ireland e Besner (1968) também contribuíram para esta perspectiva de marketing, ao

retratarem consumidores de baixa renda como inseguros, impotentes, sem controle sobre suas

vidas e letárgicos em melhorá-las. Segundo os autores, quaisquer iniciativas que ajudem estes

indivíduos a mudarem tais comportamentos devem ter um foco no longo prazo. Isso se dá,

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pois tanto os adultos pobres quanto seus filhos dificilmente mostrariam sinais de significativas

mudanças de comportamento. Resultados efetivos somente seriam percebidos com os netos,

ao apresentarem comportamentos menos “alienados”.

Embora tenha ganhado reconhecimento enquanto durou, o ciclo de discussões na

literatura de marketing sobre consumidores de baixa renda foi curto: ao final dos anos 1970,

foram deixadas de lado (ANDREASEN, 1978). Mesmo que Kotler (1982b) tenha alertado, no

início dos anos 1980, que a maturidade de marketing somente seria alcançada se mercados

negligenciados, tais como os de indivíduos de baixa renda, fossem atentados pela área, poucos

estudos seguiram nessa linha.

Alguns autores continuaram a pesquisar o comportamento de indivíduos de baixa renda

(ALWITT; DONLEY, 1996; ANDREASEN, 1993; MORGAN; SCHULER; STOLTMAN,

1995), mas em sua maioria estudos dessa natureza se tornaram raros. Somente no início dos

anos 2000 é que o tema voltou a ganhar destaque no meio acadêmico, a partir de uma nova

ótica sobre esses indivíduos, baseada na visão de Prahalad (2006).

2.3.2 A perspectiva atual de marketing sobre a base da pirâmide

No início dos anos 2000, Prahalad escreveu dois artigos (PRAHALAD; HART, 2002;

PRAHALAD; HAMMOND, 2002) que apresentavam uma perspectiva distinta sobre o

segmento inferior da pirâmide social. Ao invés de indivíduos deste segmento serem excluídos

da sociedade e dependentes de governos para sobreviverem, deveriam ser vistos como

consumidores.

A visão de Prahalad a respeito de consumidores de baixa renda, inicialmente, foi

considerada radical. Seu primeiro artigo sobre o tema foi rejeitado em todos os journals aos

qual foi submetido. Segundo Prahalad (2006a): “os revisores acreditavam que (sua visão) não

seguia o trabalho de economistas do desenvolvimento” (p.XV). Somente após executivos de

grandes empresas multinacionais, tais como Hewlett-Packard, Dupont e Monsanto, lerem seu

trabalho, é que maiores interesses começaram a emergir.

Prahalad solidificou sua visão com o livro Fortune at the Bottom of the Pyramid:

Eradicating Poverty Through Profits, que se tornou um best seller, listado entre os mais

vendidos em rankings de importantes revistas e livrarias, tais como Amazon.com, Fast

Company, The Economist e Barnes & Noble (LANDRUM, 2007).

Um dos argumentos de Prahalad é que, mesmo sendo seu poder de compra individual

baixo, estes “novos” consumidores representam um mercado estimado em quatro bilhões de

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pessoas - dois terços da população mundial (PRAHALAD, 2006a; PRAHALAD;

HAMMOND, 2002). Em conjunto, formam uma “fortuna na base da pirâmide”

(PRAHALAD; HART, 2002).

Prahalad urge empresas a aproveitarem esta oportunidade ainda não explorada de

mercado (PRAHALAD; LIEBERTHAL, 2003). Ao investirem na base da pirâmide, tais

empresas aumentam sua lucratividade e, ao mesmo tempo, ajudam bilhões de pessoas a

saírem de “pobreza e desespero, evitando a decadência da sociedade, caos político,

terrorismo, e a destruição do meio ambiente, que certamente continuarão se a lacuna entre

países ricos e pobres aumentar” (PRAHALAD; HART, 2002, p.2).

Na visão de Prahalad (2006), a base da pirâmide é formada por consumidores que

buscam valor em suas compras. Assim como seus pares em classes mais afluentes, indivíduos

de baixa renda também desejam produtos de qualidade, que sejam úteis, por preços

condizentes com o que podem pagar (HABIB; ZURAMICKI, 2010). Racionalizam se aquilo

que desejam comprar vale a quantia a ser despendida para adquiri-lo (GBADAMOSI, 2009).

Valorizam marcas famosas, pois veem nessas aspirações a uma vida melhor, e estão

dispostos, inclusive, a pagar mais por elas (PRAHALAD, 2006).

Kempen (2004) e Hamilton e Catterall (2006) se alinham a Prahalad quando descrevem

indivíduos de baixa renda com desejos por consumir produtos de marcas famosas, pois veem

nesses um símbolo de diferenciação de seus pares, aproximando-os daqueles em situação mais

favorável. Para isso, aceitam pagar preços elevados por tais produtos, mesmo que se

comprometam financeiramente. Quando não possuem recursos para comprarem produtos

originais, adquirem falsificações desses, em uma tentativa de esconder sua real posição social

(KEMPEN, 2003).

Mesmo sendo descritos como conscientes de suas compras, Prahalad (2006) acredita

que indivíduos de baixa renda devem ser educados quanto ao consumo. Sua abordagem

defende que essas pessoas desconhecem os benefícios que determinados produtos e serviços

podem trazer a eles, resultando, inclusive, na melhora de sua saúde e bem estar. Por

possuírem limitado acesso a informações, pouco sabem sobre novos e mais avançados

produtos, deixando de comprá-los ou comprando os de costume, com qualidade inferior. Na

visão do autor, para haver desenvolvimento de mercado, seu pré-requisito é a educação desses

consumidores.

Prahalad (2006) também comenta que indivíduos de baixa renda buscam estar

conectados, ou seja, possuir acesso a informações e meios para se comunicar “com um ao

outro, empresas das quais desejam comprar bens e serviços, e políticos que os representam”

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(p.14, tradução nossa). Em função de serem bilhões nessa condição, acabam formando

grandes mercados compradores, por exemplo, de celulares e computadores. Em posse de tais

produtos, passam a ter maior poder de comunicação, engajando-se em ações de boca a boca

mais facilmente, influenciando, assim, suas compras e opiniões sobre empresas.

Outra característica que indivíduos de baixa renda possuem, segundo Prahalad (2006), é

a fácil aceitação a avanços tecnológicos. Dessa forma, utilizam a internet para, entre outras

coisas, comprar e vender produtos em diversos mercados, e não somente aqueles próximos às

regiões onde residem. Servon e Kaestner (2008) reforçam essa visão quando apontam que

indivíduos de baixa renda estão abertos a conhecer novas tecnologias bancárias na internet

que os permitam mais facilmente ter acesso a e melhor entender serviços financeiros.

Subrahmanyan e Gomez-Arias (2008) defendem que, apesar de seus recursos serem

restritos, indivíduos de baixa renda são “sofisticados e criativos” (p.410). Isso se reflete na

forma como consomem, pois suas motivações não são movidas unicamente por necessidades

de sobrevivência. Também usam o consumo para suprir necessidades de ordens mais

elevadas, com o objetivo de melhorar laços sociais e culturais, além de compensarem por

deficiências em outras áreas de suas vidas. Os autores mostram que, nos últimos anos, os

gastos com maior aumento entre indivíduos de baixa renda são aqueles dedicados a produtos

de comunicação e tecnologia, por permitir nutrir laços sociais, obter mais conhecimento e

elevar autoestima.

Prahalad (2006a) alerta que iniciativas para incentivar o consumo na base da pirâmide

não devem ser encaradas como ações de responsabilidade social corporativa, mas, sim, como

transações comerciais. Esta perspectiva difere de outras, que defendem uma visão mais social

de marketing, para, entre outras coisas, ajudar a sanar problemas relacionados à pobreza

(LAZER, 1969). Michael Porter, outro proeminente autor da área de Estratégia, acredita que a

forma como grandes empresas podem ajudar a sociedade a lidar com problemas desta

natureza é por meio de uma postura mais socialmente ativa (PORTER; KRAMER, 2006).

Para Prahalad, as camadas mais pobres da sociedade não devem ser vistas pela lente da

caridade (ALTMAN; REGO; ROSS, 2009).

A perspectiva de Porter e Kramer sugere que os pobres dificilmente seriam capazes de

saírem da miséria, por esforços próprios, e, por isso, precisam de assistência pública e

caridades para tal. A de Prahalad, entretanto, parte de uma visão de livre mercado, em que ser

pobre não significa ser incapaz de se sustentar individualmente, já que todos nessa situação

trocam dinheiro ou trabalho por bens de consumo (PITTA; GUESALAGA; MARSHALL,

2008).

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Embora a literatura apresente a base da pirâmide como uma oportunidade de mercado,

Wood, Pitta e Franzak (2008) defendem que o resultado mais importante que uma empresa

voltada para a base da pirâmide pode obter são os “bons sentimentos que tais ações podem

trazer” (p.428). Segundo os autores, se esforços dessas empresas resultarem em ações sociais

benéficas à sociedade, a visão que seus consumidores terão a seu respeito será tão positiva

que tal fato pesará mais a seu favor do que as pequenas margens de lucro que venham a ter no

curto prazo. Esforços bem executados, que beneficiem consumidores desse segmento, podem

fazer um mercado predominantemente pobre crescer e se transformar em um de classe média

ou alta.

A partir da perspectiva de Prahalad (2006a) sobre a base da pirâmide, a área de

marketing voltou suas atenções a este segmento de mercado, documentando casos de sucesso

de empresas que foram bem sucedidas ao se voltarem a este segmento, tais como Banco

Graamen, Cemex, Nestlé e Unilever (KOTLER; ROBERTO; LEISNER, 2007; SEELOS;

MAIR, 2007; SUAREZ; CASOTTI; ALMEIDA, 2008).

Subrahmanyan e Gomez-Arias (2008), por exemplo, mostram como empresas

contribuem para melhorarem a vida de consumidores de baixa renda. Os autores defendem

que, por meio de inovações, a qualidade de vida desses indivíduos tem melhorado. No campo

dos alimentos, estas têm sido no sentido de educar os consumidores quanto à nutrição, ao

oferecer alimentos baratos, nutritivos e em quantidades menores. No campo de água e

saneamento, as inovações têm refletido na melhora das técnicas de purificação e distribuição,

porém ainda seriam necessários novos artifícios para conservar e reciclar esses bens. Os

autores ressaltam, todavia, que mesmo com tais melhoras, há diversas áreas que ainda podem

e devem ser exploradas.

Hammond e Prahalad (2004), por sua vez, citam o caso da Hindustan Lever e da Procter

& Gamble, na Índia. Ambas as empresas aumentaram suas vendas de xampus quando

passaram a vendê-los para consumidores de baixa renda. As embalagens dos produtos foram

adaptadas, tornando-as menores, o que resultou na diminuição de seu preço, possibilitando,

assim, sua aquisição por indivíduos desse segmento de mercado. De acordo com os autores,

além de proporcionar a “quase todos os indianos a possibilidade de desfrutar de acesso a

xampu” (p.35), essas empresas ajudaram a expandir o mercado e gerar maior acesso a bens e

serviços, que melhoraram a qualidade de vida desses consumidores.

O interesse pelo tema tomou proporções globais (GARDETTI, 2007), o que pode ser

explicado pelo crescimento econômico de países menos desenvolvidos. Mercados mais

estáveis e índices de inflação mais controlados permitiram o consumo na base da pirâmide

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crescer. No Brasil, por exemplo, o advento do Plano Real, em 1994, marcou o aumento do

consumo dessa camada da população (BARROS; ROCHA, 2009), impulsionado pelo poder

de compra que a nova moeda lhe proporcionava. Outros fatores também contribuíram para

esse crescimento no país, entre eles: facilidade de acesso ao crédito (BARONE; SADER,

2008), aumento do emprego formal (TAFNER, 2006), aumento real do salário mínimo

(ROCHA, 2006) e programas assistencialistas governamentais (FREITAS, 2007).

A base da pirâmide, que era uma incógnita para o meio acadêmico e para empresas no

Brasil, passou, então, a ser vista como a ‘nova galinha dos ovos de ouro’ (BARROS, 2006a).

Todavia, pouco se sabia a respeito desses indivíduos e a forma como se relacionavam com o

consumo (ROCHA; SILVA, 2008). Por conta disso, um crescente número de pesquisas em

marketing viu como importante buscar tal entendimento (CASTILHOS; ROSSI, 2009;

PONCHIO; ARANHA, 2007; SILVA; PARENTE, 2007).

Estudos sobre indivíduos de baixa renda no contexto brasileiro mostram que o consumo

é percebido por este grupo tanto como um momento de prazer quanto um de frustração

(CHAUVEL; MATTOS, 2008). Ao mesmo tempo em que o ato de comprar se tornou um

lazer, uma gratificação, no qual sentimentos como felicidade, alegria, alívio, tranquilidade,

poder e beleza comumente se associam, também acarreta sentimentos negativos relacionados

à impossibilidade de adquirir um produto desejado por falta de recursos suficientes

(PARENTE; BARKI; KATO, 2005).

Para indivíduos de baixa renda, o ato de comprar também é marcado por outro

sentimento, o de preocupação em provar sua honestidade. Barki e Parente (2010) argumentam

que essas pessoas consideram-se cidadãos de “segunda classe”, mas, quando consomem,

desejam ser tratados com dignidade e respeito, sem precisar provar que são consumidores

íntegros, capazes de honrar suas dívidas. Talvez, por esse motivo, demonstrem admiração por

empresas que se especializem em comercializar produtos para eles. O atendimento que

recebem no ponto de vendas, portanto, acaba sendo fundamental para determinar a satisfação

destes indivíduos (PARENTE; BARKI, 2008).

Uma empresa que se destaca entre consumidores de baixa renda por seu atendimento é a

Casas Bahia. Trechos de entrevistas do trabalho de Barros e Rocha (2009) reforçam essa

ideia, ilustrando os pensamentos de consumidores a respeito da varejsita: “se dedicam mesmo,

abrem o coração”, “são como uma mãe, facilita pra gente”, “só falta dar as coisas”, e “sou

sempre bem atendida lá” (p.41).

Outro fator que contribui para o sucesso comercial da Casas Bahia com consumidores

de baixa renda se deve à oferta de venda por meio de crediário: 90% de todas as vendas da

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varejista são feitas dessa maneira (PRAHALAD, 2006a). Esta forma de pagamento possibilita

indivíduos da base da pirâmide adquirirem diversos bens, pagando-os em prestações

acessíveis a seu orçamento. Estes consumidores percebem o parcelamento de compras como

uma opção “atraente por permitir à pessoa adquirir vários bens ao mesmo tempo ou, ainda,

por colocar em prática estratégias que permitam a realização de alguns desejos de consumo”

(BARROS; ROCHA, 2009, p.37).

Barone e Sader (2008) mostram que uma das políticas do governo de Luiz Inácio “Lula”

da Silva foi a de incentivar o consumo na base da pirâmide. Para isso, facilitou o acesso ao

crédito para indivíduos nesse segmento. No governo anterior, de Fernando Henrique Cardoso,

o microcrédito era dado como um crédito produtivo, cuja função era alavancar a renda. No de

Lula, o conceito de microcrédito foi expandido, e passou-se a considerar o crédito de pequeno

valor, produtivo ou não, que deveria ser capaz de gerar renda. Uma medida significativa desse

governo foi o “pacote do microcrédito”, criado em 2003, cujo objetivo foi ampliar a oferta de

serviços financeiros à população de baixa renda. A política de acesso ao crédito se modificou;

de uma voltada para crédito produtivo passou a ser uma de crédito popular. De acordo com os

autores, entre janeiro de 2004 e dezembro de 2007, a oferta de microcrédito para consumo foi

significativamente maior do que para produção.

Ponchio e Aranha (2007) observam que as compras a crédito, tais como as oferecidas

pela Casas Bahia, permitem que consumidores de baixa renda tenham acesso a diversos tipos

de bens e serviços que, em épocas anteriores, dificilmente os teriam. Em seu estudo, os

autores mostram que os mais procurados por estes indivíduos são: eletrodomésticos e

eletroeletrônicos, móveis em geral, utensílios domésticos, vestuário, calçados em geral e

aparelhos de telefone celular.

A possibilidade de possuir um aparelho celular, por exemplo, exerce duas funções

importantes para consumidores de baixa renda, segundo Barbosa, Hor-Meyll e Motta (2009).

Além de permitir o contato com familiares em qualquer situação de emergência, facilita a

comunicação com clientes, a fim de conseguirem trabalhos extras, que complementem sua

renda familiar. Mesmo que não tenham dinheiro suficiente para comprarem créditos para seus

celulares, isso não parece ser um problema para estes consumidores, pois, assim, conseguem

controlar seus gastos.

A falta de conhecimento sobre o consumo daqueles com baixa renda não permite que se

perceba “a grande ênfase que colocam na cultura material”: por meio da posse, estes

indivíduos podem se distinguir dos “mais pobres ainda” e imaginar que estão em vias de

pertencer ao “mundo dos ricos” (BARROS, 2006b, p.9).

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A importância que consumidores de baixa renda dão à compra de bens é vista como

uma forma de “consumo de pertencimento” (CASTILHOS; ROSSI, 2009; BARROS;

ROCHA, 2009). A posse permite a eles acesso à “sociedade de consumo”, e, ao mesmo

tempo, a troca da identidade de “pobre” por a de “consumidor”. O prazer dos consumidores

de baixa renda em consumir pode também ser entendido como um desejo de participar dos

benefícios que a sociedade de consumo pode lhes proporcionar (BARROS, 2006b).

Este desejo pode levar consumidores de baixa renda a pagar um preço premium por

produtos de marcas conhecidas, devido ao alto valor simbólico que possuem (BARROS;

ROCHA, 2009). Mais do que a conquista de status, tais produtos são percebidos como

garantia de bom desempenho, uma proteção contra possíveis riscos de serem enganados, ou

de adquirirem produtos com desempenho aquém de suas expectativas (BARROS, 2006b;

CHAUVEL; SUAREZ, 2009).

McCracken (2005) ressalta que bens de consumo são dotados de propriedades que vão

além do status. Possuem a habilidade de carregar e comunicar significados culturais. Por

conta disto, bens materiais permitem a autodefinição dos indivíduos através da apropriação

sistemática de suas propriedades simbólicas, ou seja, o seu consumo auxilia na construção da

identidade que se deseja comunicar aos outros. Em alguns casos, a simbologia associada ao

produto é tamanha que redefine a identidade de seu detentor.

Esta relação entre bens e identidade também é vista na base da pirâmide. Mattoso e

Rocha (2008) mostram que, para consumidores moradores da Rocinha - uma das maiores

favelas do Rio de Janeiro -, ter acesso a crédito diferencia aqueles que o possuem: passam a

ser consideradas pessoas de destaque, importantes. Sendo o acesso a crédito uma das formas

mais utilizadas por consumidores de baixa renda para obter produtos “mais caros”

(PONCHIO; ARANHA, 2007), a impossibilidade de obtê-lo, porque seu nome está “sujo” no

mercado, é percebido como semelhante a perder sua identidade, pois limita suas

possibilidades de consumo (MATTOSO; ROCHA, 2008).

Barros e Rocha (2009) mostram um comportamento similar quanto à relação entre

consumidores de baixa renda e aparelhos de celular. Os autores constatam que a posse de

modelos antigos ou baratos é motivo de vergonha entre seus entrevistados, pois reflete na

forma como são vistos pelos outros. Isso pode ser explicado pelo fato de o celular ser um

produto que consumidores de baixa renda incorporam às suas identidades, como se fossem

uma parte deles (BACHA; SANTOS; STEHLAU, 2009).

O reflexo do consumo na identidade de consumidores na base da pirâmide também é

encontrado em Hemais e Casotti (2010). Os autores percebem que, para estes indivíduos, o

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consumo só é possível porque há sacrifício e esforço - sentimentos comumente associados a

trabalho. Dessa forma, o discurso sobre consumo mistura-se com o de trabalho, já que o

primeiro é derivado do segundo. Além disso, o trabalho, na visão destes indivíduos, relaciona-

se também a honestidade. A identidade do consumidor na base da pirâmide é, então, associada

a uma pessoa íntegra, que faz jus ao que consome porque trabalha.

Castilhos e Rossi (2009) argumentam, entretanto, que é por meio do consumo, e não do

trabalho, que indivíduos na base da pirâmide buscam melhorar suas vidas. Os autores

apontam que a quantidade de produtos, tais como automóveis, propriedades, computadores

pessoais, aparelhos de DVD e televisores de 29 polegadas, em posse de moradores de uma

determinada favela em Porto Alegre determina a sua qualidade de vida.

Cunha (2009) também discute a relação entre consumo e trabalho na formação da

identidade de catadores de lixo. O trabalho desses indivíduos consiste em coletar bens que

foram descartados por seus antigos donos, por não mais servirem para consumo. Entretanto,

para os catadores, o que é descartado ainda pode ser aproveitado para seu uso, pois, para eles,

“possuir um objeto, mesmo que retirado no lixo, é uma tentativa de inclusão na sociedade de

consumo” (p.191). Todavia, por terem suas identidades associadas a esse tipo de trabalho e de

consumo, são discriminados pela sociedade.

Em função de se sentirem isolados pela sociedade, indivíduos de baixa renda

apresentam baixos níveis de autoestima, e tendem a acreditar que, por isso, são tratados com

menos respeito por empresas. Aguiar, Torres e Meirelles (2008, p.28) explicam que a baixa

autoestima desse segmento é em grande parte derivada das “barreiras simbólicas ao acesso

dos bens e serviços que deseja”.

Estas colocações também foram encontradas em Suarez, Motta e Barros (2009), quando

estudam textos culturais de uma série televisiva brasileira. Os autores analisam que a

personagem, uma doméstica, é constantemente castigada quando “ousa” consumir algo que é

costumeiramente encontrada na realidade dos “ricos”. Para ela, o consumo deve ser restrito,

sem excesso, enquanto, para seus patrões, os “ricos”, repleto de fartura e desperdício. Dessa

forma, desenvolve baixa autoestima, imaginando que não merece algo melhor do que possui.

As ideias defendidas inicialmente por Prahalad e difundidas em marketing ao redor do

mundo começaram a sofrer críticas de uma linha de pensamento que não acredita que o

incentivo ao consumo na base da pirâmide possa ser lucrativo ou a forma ideal para grandes

empresas ajudarem a diminuir os níveis de pobreza. Autores que defendem essa visão sobre o

consumo, tais como Karnani (2011), questionam os estudos de Prahalad e propõem outra

solução para melhorar a qualidade de vida dos pobres na base da pirâmide.

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2.3.3 Criticas à proposta de Prahalad sobre a base da pirâmide

As ideias defendidas inicialmente por Prahalad começaram a sofrer críticas de uma

linha de pensamento que não acredita que o incentivo ao consumo na base da pirâmide possa

ser lucrativo ou a forma ideal para grandes empresas ajudarem a diminuir os níveis de

pobreza. Tais críticas surgiram fora da área de marketing, defendidas por pesquisadores tais

como Karnani (2011), Banerjee e Duflo (2011) e Jaiswal (2008). Seus preceitos questionam

os estudos de Prahalad e propõem outras soluções para melhorar a qualidade de vida dos

indivíduos pertencentes à base da pirâmide.

As críticas feitas por Karnani (2007a) à visão de Prahalad sobre a base da pirâmide

geraram um debate entre os autores sobre a validade da proposta. Durante esse debate,

Prahalad diz que:

Estou surpreso que você (Karnani) tenha caído na mesma armadilha que a maioria cai. O consumo pode aumentar a renda... O tempo dirá se a base da pirâmide é um mercado ou não. Eu acredito que é... O debate não é mais sobre quantos indivíduos são realmente pobres; é sobre como trazer os benefícios dos padrões globais a preços acessíveis, de forma a aumentar o acesso (PRAHALAD, 2006b).

e Karnani alega que:

Uma crítica à proposta da base da pirâmide é que tratar o pobre como um consumidor pode levar esses a fazerem más escolhas de consumo, que não são de seu interesse próprio. Assim, empresas poderiam acabar explorando esses pobres. Os proponentes da base da pirâmide desconsideram tais argumentos, por considerá-los arrogantes e condescendentes, e afirmam que os pobres são consumidores conscientes (KARNANI, 2007b).

Karnani (2011) discorda dos dados apresentados por Prahalad (2006a), de que existem

quatro bilhões de consumidores na base da pirâmide, com rendimentos de $2 por dia, pois

acredita que, na verdade, os mercados na base da pirâmide são pequenos e pouco lucrativos.

O autor salienta que gastos de comercialização para esses consumidores são altos, devido à

sua grande dispersão geográfica, e economias de escala, impossível de se obter, devido à sua

diversidade cultural. Além disso, 80% dos gastos de consumidores na base da pirâmide são

com bens essenciais, tais como alimentos, vestuário e combustível, restando-lhes pouco

dinheiro para ser gasto com outros produtos, de natureza hedônica. Para Karnani (2007a), a

fortuna e a glória na base da pirâmide, defendida por Prahalad e seus seguidores, nada mais é

do que uma “miragem” (p.108).

O incentivo ao consumo na base da pirâmide é visto por Ger (1992) como uma forma de

empresas usarem ações de marketing para influenciar os hábitos desses consumidores, com o

objetivo de gastarem mais com produtos hedônicos. As consequências disso, quando os

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consumidores em questão possuem baixa renda, podem ser desastrosas, pois o dinheiro gasto

em produtos supérfluos reduz os recursos destinados a produtos essenciais (DAVIDSON,

2009; JAISWAL, 2008).

Empresas interessadas em vender para consumidores na base da pirâmide não devem,

segundo Davidson (2009), praticar altas margens de lucro, baseando-se em rendimentos

similares aos que recebem quando vendem para consumidores no topo da pirâmide. O autor

defende que o preço de bens oferecidos a esse segmento deve possibilitar que consumidores

tenham condições de comprá-los, assim, melhorando sua qualidade de vida. Bell e Burlin

(1993), entretanto, sugerem que isso não ocorre, na realidade, já que, em bairros de

consumidores de baixa renda, o preço de um produto pode chegar a ser 41% maior do que em

bairros de consumidores com maiores rendas.

A relação de mercado entre empresas e consumidores de baixa renda é desbalanceada,

favorecendo as primeiras, em detrimento dos segundos. Uma explicação para isso é porque há

poucas opções nos locais onde realizam suas compras. Por não terem automóveis próprios,

dificilmente conseguem se deslocar para locais mais afastados, onde possivelmente

conseguiriam comparar mais e gastar menos (HILL, 2008).

Davidson (2009) observa que empresas que vendem para consumidores na base da

pirâmide têm uma vantagem sobre eles, por causa do baixo grau de educação formal que esses

indivíduos possuem. Táticas empresariais consideradas éticas em países desenvolvidos não

podem simplesmente ser transferidas para mercados subdesenvolvidos ou emergentes, onde

grande parte dos consumidores possui baixa renda. Ainda que Prahalad (2006a) defenda que

consumidores nesses países têm o direito de determinar como devem gastar seus escassos

rendimentos, já que são conscientes de suas escolhas, Bonsu e Polsa (2011) coloca-se contra

essa proposta de livre mercado, pois a aplicação desses princípios em tais países pode trazer

implicações perigosas.

Essa preocupação é ilustrada no caso da Coca-Cola, descrito por Jaiswal (2008), quando

a empresa instalou uma planta industrial para engarrafar água, no sul da Índia. Após a planta

começar a operar, os habitantes da região começaram a reclamar que a água de seus poços

estava acabando. Além desse problema, a empresa também foi acusada de não conseguir

distribuir satisfatoriamente água potável para os residentes locais. Em 2005, a empresa foi

obrigada a cessar suas atividades, pois não tratava seus dejetos e, assim, estava contaminando

a água dos moradores. Jaiswal salienta que esse caso é um exemplo do “mal que pode ocorrer

quando indivíduos na base da pirâmide são vistos como somente consumidores, fontes

potenciais de lucros, e não como indivíduos participativos de suas comunidades” (p12).

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Segundo Jaiswal (2008), casos de insucesso de empresas que tentaram comercializar

para a base da pirâmide dificilmente são encontrados na literatura. Comumente, o que se

retrata são as iniciativas bem sucedidas. O autor argumenta, entretanto, que mesmo os casos

de sucesso não refletem uma realidade universal sobre os mercados da base da pirâmide, já

que são relatos de empresas que atuam em economias cujos crescimentos nos últimos tempos

têm sido acelerados, tais como Índia, Brasil e México. Casos de empresas que tiveram sucesso

em países com pouco desenvolvimento são difíceis de encontrar (JAISWAL, 2008). Fica

difícil, dessa forma, comparar e contrastar casos, a fim de identificar os fatores críticos

necessários para se obter real sucesso na proposta de incentivo ao consumo na base da

pirâmide (WALSH, J.; KRESS; BEYERCHEN, 2005).

Prahalad (2006a) defende que empresas interessadas em aproveitar as oportunidades do

mercado de baixa renda devem inovar, e criar novos produtos e serviços voltados para esse

segmento. Ao menos no Brasil, isso parece não ser o caso. Zilber e Silva (2010) mostram que

as grandes corporações multinacionais operando no mercado brasileiro não estão promovendo

inovações nesse sentido. Seus achados apontam que empresas não consideram atrativos

esforços para investir no desenvolvimento de produtos voltados para as classes “D” e “E”,

preferindo focar seus esforços na classe “C”. Mesmo assim, não criam inovações para esse

segmento; somente utilizam pequenas modificações em produtos e distribuição.

Quando Prahalad (2006a) refere-se à base da pirâmide, coloca seus integrantes em um

mesmo grupo de quatro bilhões, cujo elo comum é a pobreza. Chatterjee (2009) argumenta,

entretanto, que essa condição sócio-econômica varia de acordo com contextos históricos,

culturais e políticos. Um entendimento descontextualizado sobre a pobreza “esvazia a vida

dos “pobres” de suas ricas histórias de dificuldades e sobrevivência” (p.6), reforçando uma

imagem estereotipada desses indivíduos.

O estudo de Silva e Parente (2007) complementa essa visão ao mostrar que o segmento

de baixa renda, no Brasil, não pode ser considerado homogêneo. Os autores identificaram,

entre 338 famílias de baixa renda de São Paulo, cinco perfis de gastos familiares, cujos

padrões de consumo são distintos. Enquanto um segmento, por exemplo, os “Sofredores de

Aluguel”, tende a gastar uma parcela maior do seu orçamento em despesas com habitação,

outro, o denominado “Investidores”, destina boa parte de sua renda para o aumento de seu

patrimônio, seja em reformas, construção ou investimentos. Silva e Parente concluem que a

restrição orçamentária gera diferentes reflexos sobre o comportamento de consumo de cada

família.

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Segundo Arora e Romijn (2011), a proposta sobre a base da pirâmide criada por

Prahalad exclui discussões políticas importantes nesse contexto, omitindo o papel de governos

na resolução dos problemas dos menos favorecidos. Ao “romantizar” sobre o consumidor de

baixa renda, Prahalad confia nas soluções advindas dos mercados para resolverem os

problemas desse segmento, ignorando o fato de que tais indivíduos enfrentam realidades

sociais, psicológicas, físicas e econômicas diferentes daqueles com condições mais abastadas.

(KARNANI, 2011).

Em uma entrevista concedida à revista americana Time, Prahalad (2005) questiona: “se

as pessoas não têm esgotos ou água potável, nós deveríamos privá-los também de televisões e

aparelhos celulares?”. Na percepção de Prahalad e Hammond (2002), consumidores de baixa

renda são conformados com o fato de que o acesso a serviços dessa natureza não é uma opção

real, e, como compensação, compram bens que estão ao seu alcance, na busca por melhorar

sua qualidade de vida. Karnani (2011) critica essa visão e defende que, mesmo se

consumidores de baixa renda não acreditam que serviços básicos sejam uma possibilidade

próxima em suas vidas, a sociedade não deve aceitar essa situação. Caberia a ela buscar

formas de corrigir tais problemas, já que os governos falharam em fazê-lo.

A forma como consumidores de baixa renda lidam com a escolha entre consumir bens

ou pagar serviços básicos foi observada por Barros e Rocha (2009). Os autores relatam que a

vontade de “estar dentro” da sociedade de consumo levou uma informante a preferir comprar

um aparelho de DVD a pagar suas contas atrasadas de luz. Esse comportamento não era

exclusivo dessa entrevistada, visto que alguns de seus vizinhos encontravam-se na mesma

situação, e rasgavam as contas quando chegavam a suas residências.

O discurso crítico sobre a proposta de estimular o consumo na base da pirâmide retrata

o consumidor como refém das grandes empresas, sem controle sobre seus impulsos, e

facilmente tentado a gastar com o intuito de impressionarem seus vizinhos. Essas

características de consumo também podem ser vistas em consumidores com mais recursos

financeiros, porém, as consequências de escolhas ruins podem ser mais severas para os pobres

(BANERJEE; DUFLO, 2007).

O pessimismo quanto ao incentivo ao consumo na base da pirâmide como solução para

a pobreza levou Karnani (2011) e Jaiswal (2008) a defenderem uma solução alternativa para

esse problema. Em sua visão, consumidores de baixa renda não têm recursos para se

comprometerem com mais gastos, logo, a única maneira para melhorar sua qualidade de vida

seria aumentando seus rendimentos. Para conseguir tal feito, seria necessário incluí-los no

sistema produtivo de bens e serviços, e, assim, comprar o que for fabricado por eles. Esses

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indivíduos, portanto, passariam a ser vistos como investidores, empreendedores e produtores,

e não como consumidores.

A proposta de incentivar a inserção dos indivíduos na base da pirâmide no processo

produtivo somente será viável, segundo Jaiswal (2008), se houver mecanismos para

transportar a produção desses indivíduos aos mercados. O autor cita os exemplos de duas

empresas, Amul e Shri Mahila Griha Udyog Lijjat Pappad, que ajudaram pequenos produtores

na Índia a venderem seus produtos, no caso, leite e papad (alimento típico indiano feito de

farinha e especiarias). O incentivo a esses produtores trouxe resultados positivos tanto para

eles quanto para as empresas. Sobre a Shri Mahila Griha Udyog Lijjat Pappad, Jaiswal diz que

a organização tem permitido mulheres a ganharem independência econômica, e melhorarem o

padrão de vida de suas famílias, por meio do engajamento em um trabalho digno.

O incentivo à inserção do pobre no processo produtivo é visto por autores como

Karnani e Jaiswal como uma ação necessária para ajudar esse segmento a ascender

economicamente. O papel do governo, de acordo com eles, é fundamental para que isso seja

possível. Por essa visão, incentivar consumidores de baixa renda a adquirirem mais bens e

serviços não lhes traria benefícios, porque o aumento da posse de bens não significa aumento

de renda. O incentivo ao consumo na base da pirâmide, visto pela perspectiva de Prahalad,

não pode ser considerado uma solução sustentável (LANDRUM, 2007).

2.3.4 Reações de consumidores de baixa renda a problemas com empresas

Em maioria, a literatura sobre a base da pirâmide parte da perspectiva empresarial,

mostrando quais são os caminhos que devem ser adotados para se garantir resultados

positivos na comercialização para consumidores de baixa renda (ANDERSON; BILLOU,

2007; KOTLER; LEE, 2009; LODGE; WILSON, 2006). Poucos estudos, entretanto, são

voltados para entender o comportamento de consumidores de baixa renda.

Especificamente, em relação ao tema do presente trabalho, pouco se sabe sobre como

ocorre o processo de reclamação de consumidores de baixa renda quando em situações

adversas de consumo. Autores que se dedicam ao tema (ANDREASEN, 1993; FOX, 2008)

argumentam que esses indivíduos tendem a reagir a suas insatisfações de consumo de forma

diferente do que consumidores de classes com níveis de renda mais elevados.

No estudo de Chauvel (2000), por exemplo, é constatado que consumidores de baixa

renda no Brasil tendem a ter uma perspectiva passiva quanto a reclamar. Diversos fatores

explicam esse motivo. Segundo as autoras, seus entrevistados julgavam ser difícil a decisão de

se dirigir às empresas, com a intenção de expor sua insatisfação, e sentiam ansiedade por ter

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que fazê-lo. Embora tal sensação também seja constatada em consumidores de outras classes

sociais, são nas mais baixas que se percebe mais presente (CHAUVEL, 2000).

Outro motivo para tal passividade destes consumidores é a falta de entendimento de que

podem ou têm direito de reclamarem, e o pouco conhecimento sobre o procedimento correto

para fazê-lo. A falta de educação formal desses indivíduos dificulta seu acesso a informações

e gera vergonha em reclamarem, pois possuem baixa capacidade de se comunicarem

adequadamente (HALSTEAD; et al., 2007).

Tais dificuldades fazem com que consumidores de baixa renda valorizem vendedores

que lhes respeitem e expliquem claramente o que está sendo vendido a eles (PARENTE;

BARKI, 2008). Nem sempre, entretanto, há verdade em tudo o que o vendedor oferece ao

consumidor. Patwardhan, Noble e Nishihara (2009) mostram que há empresas que treinam

funcionários para enganarem consumidores, de forma a obterem sua colaboração e confiança.

Knights, Sturdy e Morgan (1994) corroboram essa informação ao apontar que vendedores

tendem a oferecer produtos e serviços que possuam maiores margens de lucros para as

empresas, mesmo que esses não sejam os melhores para os clientes.

Em situações como essas, em que o consumidor se sente lesado, ele pode reclamar à

empresa, a fim de obter alguma compensação por sua “perda”. Entretanto, no caso de

consumidores de baixa renda, a perspectiva de um possível conflito ser iniciado, a partir da

reclamação, intimida-os, a ponto de optarem por não criar tais situações (CHAUVEL;

SUAREZ, 2009). Esse receio é tamanho que diversos entrevistados das autoras citadas

alegam não se queixar às empresas, mesmo que tenham sentimentos de perda bastante agudos,

e assumem o prejuízo pela perda do bem comprado.

O silêncio de consumidores de baixa renda pode ser atribuído, em parte, à preocupação

em sofrerem discriminação social. Walsh (2009) mostra que seus entrevistados acreditam ser

tratados com menos respeito por causa de suas condições menos privilegiadas, o que afeta

negativamente seus níveis de satisfação, em geral. Tal ponto de vista também foi relatado por

Chauvel (2000) e Halstead, Jones e Cox (2007).

A sensação de que a reclamação não resultará em ganhos, e, por isso, reclamar seria em

vão, também pode ser explicada pelo receio de consumidores de baixa renda em serem

considerados “malandros”, conforme explica Chauvel (2000). Esses indivíduos temem que

suas queixas sejam interpretadas como uma tentativa de “tirar vantagem” de alguma situação,

pondo em questionamento a sua honestidade. A autora analisa que os consumidores de classes

mais elevadas também se preocupam com a legitimidade de suas queixas, mas atribuem o

problema a uma falha do produto, e não do usuário. Os consumidores de classes mais baixas

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tendem a pensar de forma contrária, imaginando que eles podem ter cometido algum erro, o

que, consequentemente, teria resultado na quebra do produto.

O sentimento de inferioridade que consumidores de baixa renda têm em relação a

empresas, constatado no estudo de Chauvel (2000), resulta em pensamentos céticos e de

desconfiança. Há crenças de que empresas só querem vender e lucrar, não importando se seus

clientes estão satisfeitos ou insatisfeitos. Tais pensamentos podem ser um forte indicador de

insatisfação, mas dificilmente se transformam em atos de reclamação (HALSTEAD; et al.,

2007).

FitzPatrick et al. (2004) seguem essa linha de raciocínio, pois acreditam que a

insatisfação dos consumidores está relacionada à forma como as organizações os enxergam.

Qualquer indivíduo que fuja a um padrão de “normalidade” - que pode ser considerado um

arquétipo de um consumidor de classes mais elevada renda - é visto com desconfiança.

Embora a literatura sobre insatisfação de consumidores de baixa renda retrate este

indivíduo como alguém passivo, que dificilmente irá se dirigir a uma empresa para reclamar,

Hemais e Casotti (2010) descrevem um comportamento diferente desse público. Os autores

apontam que existem duas reações adotadas por esses consumidores ema episódios de

insatisfação. A primeira, ilustra uma atitude passiva sobre as ações que devem adotar para a

resolução de problemas de consumo. Esses indivíduos evitam o conflito direto com empresas

e mostram-se conformados com a situação, de forma que continuem prejudicados. A segunda,

diferentemente, ilustra um comportamento de reação, na forma de reclamação, contra a

situação de insatisfação. Reclamações, para esse grupo, são para empresas e, até, a órgãos de

defesa do consumidor, a fim de garantirem seus direitos.

Mesmo sendo um grupo de classe de baixa renda, mostra maior confiança em suas

sugestões sobre como consumidores devem lidar com insatisfações geradas por empresas.

Relatos de passividade ou sentimentos de inferioridade são substituídos por relatos

conscientes do que acreditam precisar ser feito para que o problema seja resolvido, o que

inclui reclamar diretamente com a empresa (HEMAIS; CASOTTI, 2010).

Embora alguns entrevistados de Hemais e Casotti (2010) demonstrem acreditar que

estão apoiadas em seus direitos legais, parecem confusos sobre como devem agir quando

reclamam. Em vez de buscarem seus direitos para enfrentarem as empresas, alguns

entrevistados sugerem apelar para a “camaradagem” do vendedor ou atendente, a fim de

resolver o problema. Ainda, alegam que o consumidor deveria “implorar”, “tentar dar um

jeito”, explicar o que ocorreu; qualquer coisa, desde que consiga uma solução. Essa prática foi

definida por Barbosa (1992) como “jeitinho brasileiro”; um comportamento criativo para

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superar situações adversas, sem contestar ou recusar a lei, que dependem da habilidade do

interlocutor de envolver emocionalmente aquele que o ouve.

Hemais e Casotti (2010) sugerem, entretanto, que seus entrevistados parecem sugerir o

uso do “jeitinho” para resolver um problema que não necessariamente precisaria ser resolvido

dessa forma. Todavia, a falta de conhecimento quanto ao que podem e não podem fazer, e

também das possibilidades de canais de comunicação com as empresas, leva alguns

entrevistados a defenderem um caminho para que o consumidor tente resolver o problema na

base do improviso, sujeito à bondade de quem o atender.

Em alguns depoimentos dos entrevistados de Hemais e Casotti (2010) que defendem um

consumidor mais proativo em suas reclamações com as empresas, os problemas são atribuídos

a detalhes da parte tangível do serviço, e não devido a uma falha no processo do serviço

oferecido pela empresa. Isso pode ser explicado pelo fato de consumidores de baixa renda não

conseguirem fazer uma avaliação global de satisfação. O julgamento que fazem do

desempenho de um produto ou serviço é formado a partir de detalhes, que determinam se suas

necessidades foram ou não atendidas. Assim, se algum incidente insatisfatório com o

desempenho de algum produto ou serviço ocorrer, mesmo que seja pela primeira vez, é a

lembrança recente que forma a insatisfação (HALSTEAD; et al., 2007).

Hemais e Casotti (2010) também relatam que seus entrevistados buscam o apoio de

outra pessoa no momento em que vão reclamar. Em diversos casos, essa “outra pessoa” seria

alguém de uma classe mais elevada que a deles. Por desconhecerem a maneira e os meios

corretos para se reclamar (HALSTEAD; et al., 2007), essa “ajuda” parece reconhecer a classe

mais alta possivelmente sendo mais capacitada ou com acesso mais facilitado para buscar a

resolução do problema. Além disso, é vista como uma legitimação da reclamação do

consumidor de baixa renda.

Hemais e Casotti (2010) mostram, ainda, que alguns entrevistados falaram da busca de

ajuda legal, para ter seu direito atendido. Eles são favoráveis ao uso de instituições de defesa

do consumidor, tais como o Procon, o que demonstra duas possíveis situações: ou possuem

consciência sobre como usar meios públicos para garantir o respaldo dos direitos do

consumidor ou simplesmente dizem que se deve “processar a empresa”, pois acreditam que

tal ação seja fácil de se fazer.

Os achados do estudo de Hemais e Casotti (2010) diferem de outras pesquisas, pois

mostram consumidores de baixa renda mais conscientes de seus direitos e, por isso, com

“coragem” para reclamarem quando insatisfeitos com alguma falha de empresas. Embora a

passividade ainda seja uma característica comum a estes indivíduos, pode-se sugerir que há

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uma mudança no comportamento de um grupo, o que justifica mais atenção ser dada pelos

meios acadêmico e empresarial a esse novo fenômeno.

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3 METODOLOGIA

O capítulo a seguir descreve a metodologia adotada no presente trabalho. Pretende-se

discutir o tipo de pesquisa realizada, a seleção da organização de defesa do consumidor onde

os entrevistados realizaram suas reclamações, o processo de seleção dos sujeitos participantes

das entrevistas, os procedimentos para a coleta e análise de dados, e, por último, as limitações

do método empregado.

De maneira a facilitar o entendimento da argumentação em defesa da metodologia

adotada, faz-se necessário, nesse momento, relembrar o objetivo do presente estudo:

“Compreender como se desenvolve todo o processo de reclamação de consumidores de

baixa renda até chegarem ao Núcleo de Defesa do Consumidor, a fim de resolverem

problemas de consumo com prestadoras de serviços.”

3.1 TIPO DE PESQUISA

Dentre os tipos de pesquisa comumente adotados em estudos nas áreas de marketing e

comportamento do consumidor, encontram-se os de cunho quantitativo e qualitativo, cujas

filosofias epistemológicas são, em grande parte, distintas. Em função desta concepção sobre

ambas as abordagens, Bryman (2006) aponta que durante anos discussões conhecidas como

“Guerras de Paradigmas” colocavam em posição de competição paradigmas quantitativos e

qualitativos.

A “guerra”, segundo Bryman (2006), foi “pacificada”, à medida que preocupações

metodológicas migraram de discussões sobre princípios filosóficos para decisões técnicas

relativas ao uso apropriado de diferentes métodos de pesquisa. O autor aponta que, cada vez

mais, o que guia as escolhas de métodos são suas perguntas de pesquisa e a relevância de

determinadas abordagens em responder a estas perguntas, ao invés de compromissos com

princípios filosóficos, que possuem “pouca ou nenhuma relevância” (p.114) para a resolução

de problemas de pesquisa.

A base metodológica predominante na área de marketing, em seu início, foi a de

técnicas quantitativas, devido ao interesse da área em entender conceitos de lucratividade,

minimização de custos e retorno de investimentos, estudados tradicionalmente por

economistas, cujas crenças se apoiavam em uma visão positivista do mundo (HIRSCHMAN,

1986). Mesmo hoje, continua sendo a abordagem predominante em marketing (HANSON;

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GRIMMER, 2007), inclusive no Brasil (MAZZON; HERNANDEZ, 2013; PINTO; LARA,

2008).

Uma explicação que ajuda a entender o motivo de tal desproporção pode ser encontrada

nas escolhas metodológicas adotadas no início da história de marketing. Segundo Jones e

Monieson (1990), duas das principais universidades americanas responsáveis por difundir os

pensamentos de marketing em seus primórdios, a Universidade de Wisconsin e a Business

School da Universidade de Harvard, fundaram suas filosofias com base na escola historicista

alemã de economia. Esta linha de estudos desenvolveu uma versão particular de filosofia

positivista de ciência, na qual o uso de estatística indutiva era elemento central para a

resolução de problemas e entendimento de fenômenos. A partir dela, os cursos lecionados e a

literatura escrita por diversos acadêmicos de marketing em ambas as universidades refletiam

os ensinamentos que adquiriram da escola alemã.

Levy (2005) aponta que a adoção de pesquisas qualitativas em marketing somente

começou a ocorrer na década de 1930, quando surgiram insatisfações na literatura da área

com a maneira descritiva, mecanicista e não explicativa que métodos quantitativos, tais como

o survey, analisavam dados. Em função de as informações coletadas por questionários

estruturados serem considerados insuficientes, pesquisadores de marketing da época passaram

a utilizar, cada vez mais, entrevistas com estilos conversacionais. Estas entrevistas, com o

tempo, passaram a ser nomeadas de “em profundidade”, devido a sua semelhança com sessões

de terapia psicanalíticas, na qual entrevistados (ou, no caso, pacientes) falam livremente sobre

diferentes assuntos, explorando sentimentos e pensamentos relacionados.

Ainda hoje, o valor de pesquisas qualitativas é discutido por pesquisadores que

acreditam que estudos quantitativos são realizados com maior rigor e “neutralidade”. Para

estes autores, a “outra” abordagem “não possui o mesmo rigor de coleta e análise de dados da

pesquisa quantitativa, bem como a força da generalização dos resultados encontrados”

(OLIVEIRA; PICCININI, 2009, p.89). É comum que pesquisadores adotantes de métodos

qualitativos precisem “justificar” suas escolhas, mais como forma de defender a validade e

confiabilidade de tais métodos do que discutir sua adequação ao objetivo da pesquisa

(GUMMESSON, 2005; PAIVA; LEÃO; MELLO, 2011).

Estudos com abordagens qualitativas buscam compreender ações humanas, explorando

os significados que constituem tais ações (SCHWANDT, 2006). Oferecem, assim, descrições

mais ricas a respeito de diferentes fenômenos (MILES; HUBERMAN, 1994), e buscam

analisar o homem mais profundamente, desvendando um objeto subjetivo do pensamento

humano (VIEIRA; TIBOLA, 2005). Seu uso se faz mais apropriado quando a ênfase da

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pesquisa é no profundo entendimento sobre como, por que e em qual contexto determinado

fenômeno ocorre (CARSON et al., 2005).

Em estudos sobre insatisfação e comportamento de reclamação de consumidores, a

disparidade entre pesquisas de natureza quantitativa e qualitativa também são percebidas.

Segundo Day e Perkins (1992), desde seu início, pesquisadores interessados no tema têm

adotado abordagens do primeiro tipo, com objetivos de medir e modelar comportamentos

diante de problemas de consumo. Por meio desta escolha metodológica, podem,

supostamente, generalizar seus achados, de maneira a explicar as reações predominantes de

consumidores em situações insatisfatórias com empresas.

No Brasil, esse padrão de preferência metodológica parece também não ser diferente,

havendo diversos estudos quantitativos dedicados a modelar o comportamento de

consumidores insatisfeitos e suas reclamações quando defrontados com problemas de

consumo (MATOS; VIEIRA, 2007; SANTOS; FERNANDES; MELLER, 2008; SANTOS;

ROSSI, 2002).

Chauvel (2000), entretanto, foge a este padrão, e, por meio de uma pesquisa qualitativa,

traz um novo olhar sobre o tema, analisando a insatisfação de consumo no Brasil a partir de

dimensões socioculturais. Os achados da autora diferem de outros estudos ao mostram, por

exemplo, que consumidores percebem uma assimetria de poder entre empresas e eles, que se

acirra quando ocorrem problemas de consumo. Em função disso, receiam reclamar, pois

preferem evitar um enfrentamento com a outra parte.

A insatisfação de consumo, pela ótica de Chauvel, é mais do que um fenômeno cuja

análise se limita às reações de consumidores. Envolve a interação entre empresas e clientes,

em uma disputa de poder, que somente é reequilibrada quando agências de defesa do

consumidor interveem. Segundo a autora, somente por meio de sua escolha metodológica foi

possível entender os significados atribuídos por consumidores à forma como constroem suas

relações com empresas em situações de insatisfação de consumo.

Diversos dos apontamentos de Chauvel (2000) dizem respeito à forma como

consumidores de baixa renda reagem diante de situações de insatisfação de consumo e

pensam sobre sua relação com empresas. Em função do pouco conhecimento sobre o

comportamento de consumidores de baixa renda no Brasil (BARROS, 2006a), estudos em

marketing voltados para entender esse segmento vêm sendo desenvolvidos com finalidades

exploratórias. Acabam, portanto, por utilizar métodos qualitativos em sua coleta de dados

(ARAUJO; CHAUVEL; SCHULZE, 2011; CASTILHOS; ROSSI, 2009; MATTOSO;

ROCHA, 2008).

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Chikweche e Fletcher (2012) defendem que pesquisas qualitativas em estudos sobre

consumidores de baixa renda possuem vantagens sobre suas versões quantitativas. Para os

autores, abordagens qualitativas são interativas, diferentemente das quantitativas, que não dão

a respondentes oportunidades para discutirem assuntos que julgam importantes, fora aqueles

especificamente tratados em um survey, por exemplo. Chikweche e Fletcher apontam que os

entrevistados de sua pesquisa, inclusive, alegaram achar mais interessante participar das

entrevistas em profundidade realizadas pelos autores do que de surveys que participaram no

passado. Sua justificativa para isso se devia à possibilidade de poder expressar seus

pensamentos sobre questões do seu cotidiano, que eram diferentes daquelas vividas por

consumidores em condições mais afluentes.

Com base na argumentação apresentada aqui, o tipo de pesquisa que o presente estudo

pretende realizar é de natureza qualitativa. Quatro principais fatores levaram o pesquisador a

tal escolha:

1. O estudo busca responder uma pergunta do tipo “como”, portanto, uma

abordagem qualitativa se faz mais apropriada (CARSON et al., 2005);

2. Devido ao estudo buscar entender significados atribuídos por consumidores à

forma como se relacionam com empresas em situações de insatisfação de

consumo, pesquisas qualitativas são mais apropriadas (CHAUVEL, 2000);

3. Em vista de haver escasso conhecimento sobre o comportamento de

consumidores de baixa renda no Brasil, uma pesquisa de cunho qualitativo é a

opção mais coerente de metodologia, a fim de explorar o fenômeno em questão

(SCHWANDT, 2006);

4. Pesquisas qualitativas permitem a consumidores discutirem assuntos que julgam

importantes, dentro do tema estudado, o que nem sempre ocorre com pesquisas

quantitativas (CHIKWECHE; FLETCHER, 2012).

3.2 SELEÇÃO DA ORGANIZAÇÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

A fim de alcançar o objetivo da presente pesquisa, o pesquisador precisou escolher uma

organização de defesa do consumidor a partir da qual a pesquisa de campo seria desenvolvida.

A literatura consultada chamou a atenção para a existência de diversos tipos de organizações

dessa natureza (GARRETT; TOUMANOFF, 2010; ZÜLZKE, 1991), de forma que não são

todas que funcionam como intermediárias para resolver problemas de consumo entre

consumidores e empresas. Algumas somente realizam testes de produtos, com a finalidade de

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oferecer informações sobre estes. Diante deste contexto, uma organização do primeiro tipo

precisava ser encontrada.

Antes de contatar o Nudecon, o pesquisador buscou o Procon do Rio de Janeiro, com o

objetivo de tentar realizar a pesquisa de campo neste órgão. Contatos iniciais foram realizados

com o Presidente do Procon, que se mostrou solícito aos pedidos do pesquisador. Entrevistas

com coordenadores de departamentos do órgão foram realizadas, todavia, a realização de

entrevistas com consumidores que buscam seus serviços mostrou-se uma barreira.

Em paralelo ao Procon, o pesquisador estabeleceu contato com o Nudecon, também

obtendo aprovação para realizar a pesquisa de campo com os consumidores do núcleo. Por

verificar que seria mais viável realizar as entrevistas neste, em função da estrutura oferecida

ao pesquisador, decidiu-se focar o estudo somente em um local.

3.2.1 O Núcleo de Defesa do Consumidor

A organização de defesa do consumidor escolhida para a pesquisa de campo do presente

estudo foi o Núcleo de Defesa do Consumidor. O Nudecon é o órgão da defensoria pública do

Estado do Rio de Janeiro especializado em defender os direitos de consumidores fluminenses

considerados hipossuficientes, ou seja, que não possuem condições de buscar advogados

particulares para defendê-los. O órgão completa, em 2013, 24 anos de existência, sendo criado

antes mesmo do que o Código de Defesa do Consumidor (que entrou em vigor em 1991).

O Nudecon é gerido por uma defensora pública, que há seis anos atua no cargo de

Coordenadora Geral do Núcleo. Além dela, sete outros defensores públicos dividem as

responsabilidades por ações de Tutela Coletiva, ações de Tutela Individual e a Comissão de

Proteção e Defesa do Consumidor Superendividado. Assessores e estagiários auxiliam os

defensores públicos em suas ações. Ao todo, o Nudecon possui oito defensores públicos, nove

assessores e vinte e quatro estagiários, além de um funcionário responsável pela manutenção

da informática do órgão e uma telefonista.

Por dia, o Nudecon atende entre 80 e 100 consumidores, chamados pelo órgão de

“assistidos”, com os mais variados problemas, desde reclamações sobre cobranças indevidas

por operadoras de telecomunicações ou concessionárias públicas, até pessoas

superendividadas, com dívidas em diferentes instituições financeiras. O consumidor

considerado superendividado é aquele cujos valores das parcelas mensais de empréstimos

contraídos por ele excedem 50% dos seus rendimentos. A coordenadora do núcleo cita de

exemplo extremo de um indivíduo com superendividamento o caso de uma senhora assistida

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pelo Nudecon que chegou a ter quatorze empréstimos em distintas instituições financeiras,

comprometendo mais do que seus próprios rendimentos.

O horário de atendimento no núcleo é dividido em dois turnos, o da manhã, de nove

horas às treze horas, e o da tarde, das treze horas às dezessete horas, de segundas a quintas-

feiras. Embora o atendimento ocorra somente a partir destes horários, é necessário que

consumidores cheguem com até pelo menos duas horas de antecedência, para garantir que

serão atendidos, em função de haver um limite de atendimentos por turno. Esperas longas

(mais de duas horas) são comuns até que o consumidor consiga ser atendido, em função da

grande demanda pelos serviços do núcleo.

Sextas-feiras não há atendimento público, a não ser em casos emergenciais. Para atender

consumidores em situações desta natureza, há uma equipe do Nudecon de plantão.

Consideram-se emergências situações em que necessidades básicas do consumidor são

negadas a ele, oriundos de, por exemplo, cortes de água ou luz, ou problemas que coloquem

em risco a saúde de uma pessoa, tais como negação de tratamentos médicos por operadoras de

planos de saúde.

O Nudecon organiza as reclamações feitas por consumidores em quatro tipos, a

depender do setor de onde a empresa reclamada se origina, sendo eles: serviços financeiros,

telecomunicações, concessionárias públicas e outros. Neste último grupo estão incluídas

empresas de naturezas diversas, desde pequenas lojas varejistas de bairro a montadoras de

carros. Tal forma de organização reflete o número elevado de reclamações registradas contra

instituições financeiras, operadoras de telecomunicação e concessionárias públicas, que

representam a maioria das queixas ao núcleo, segundo estimativas da coordenadora do

Nudecon.

Por ser um órgão estatal, e oferecer serviços gratuitos, o Nudecon restringe-se a atender

somente indivíduos que não possuem condições financeiras para arcar com as despesas deste

serviço com advogados particulares. Não existe um critério objetivo para definir quais

consumidores estão em tal situação. Cada caso é analisado separadamente. Mas, de uma

forma geral, estipula-se o rendimento líquido individual mensal de até três mil reais como

limite para que o consumidor possa utilizar os serviços do Nudecon.

Este limite é praticado pela defensoria pública da capital fluminense, porém varia para

atendimentos oferecidos em outras cidades, de menor custo de vida, onde a renda líquida de

três mil reais pode representar um padrão de vida mais elevado. O Nudecon entende que, se o

critério de rendimento individual mensal de até três mil reais for diminuído na capital do Rio

de Janeiro, a fim de tentar estabelecer um critério para todo o Estado, haverá uma parcela

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grande da população carioca sem auxílio jurídico. Além de não qualificar para ser atendida

pelo Estado, esta parcela não possuiria condições financeiras para buscar serviços jurídicos

particulares.

A regra quanto ao limite de renda para atendimento no Nudecon é uma orientação

aplicada a quase todos os consumidores que buscam o núcleo. As exceções são os casos de

indivíduos com superendividamento. Se os ganhos do consumidor forem acima do limite

estabelecido, porém suas dívidas ultrapassarem 50% de seus rendimentos, atendimento pode

ser oferecido a este indivíduo pela Comissão de Proteção e Defesa do Consumidor

Superendividado.

De forma a integrar os principais órgãos de defesa do consumidor do Estado, o Nudecon

firmou um termo de cooperação técnica com o Procon, em março de 2012. Por meio deste,

consumidores que buscam o Procon, mas não conseguem resolver administrativamente seus

problemas, são encaminhados ao Nudecon, que se encarrega de dar sequência ao atendimento.

Os casos priorizados pelo acordo são de consumidores com problemas de superendividamento

e reclamações com bancos, empresas de planos de saúde e telecomunicações, além de

serviços públicos.

A escolha do pesquisador por realizar seu estudo no Nudecon ocorreu devido a

diferentes fatores. O núcleo é um dos três meios públicos (além do Procon e o Tribunal de

Justiça) no Rio de Janeiro que auxiliam consumidores na resolução de problemas com

empresas de diversos setores. Embora existam outras instituições públicas às quais

consumidores podem fazer reclamações, tais como as agências reguladoras, estas somente se

especializam em um setor.

Além disso, o Nudecon atende, em maioria, indivíduos de classes de baixa renda,

devido ao limite de rendimentos imposto pelo órgão para assistir consumidores. Isto facilitaria

a seleção dos entrevistados, já que, em princípio, seriam de classes C, D e E, o recorte

desejado para a pesquisa. O Procon, por exemplo, não restringe seu atendimento a somente

consumidores de baixa renda; oferece-o a qualquer consumidor, independentemente de seu

nível de renda.

Dois outros fatores contribuíram para a escolha do Nudecon como foco do estudo:

facilidade de acesso e auxílio oferecido pelo núcleo à pesquisa. Por meio de uma conhecida

em comum, o pesquisador conseguiu contato com a Coordenadora do órgão, e, a partir dela,

obteve autorização para realizar o estudo no núcleo. O segundo motivo para a escolha deste

órgão é descrito no item 3.5.3, sobre o local de realização das entrevistas.

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3.2.1.1 Processo de reclamação no Nudecon

A primeira etapa do processo de reclamação no Nudecon ocorre quando o consumidor

registra uma queixa no órgão. Para isso, devem ser apresentados documentos de identidade e

de cadastro de pessoa física , comprovante de residência (para garantir que o consumidor

reside no município do Rio de Janeiro), comprovante de rendimentos, tais como contracheque

ou declaração de imposto de renda (para demonstrar sua hipossuficiência, dando-lhe direito ao

atendido pelo núcleo), e recibos ou outros documentos que comprovem a compra do produto

ou serviço com a empresa reclamada.

Normalmente, neste primeiro momento, o consumidor é atendido por um estagiário,

estudante de Direito, que registra o seu problema. O estagiário pode avaliar a validade legal

da reclamação do consumidor, mas é instruído a sempre buscar a opinião de defensores

público quanto ao procedimento que deve ser adotado.

A partir da reclamação, há mecanismos que o Nudecon adota para resolver o problema

do consumidor. O núcleo pode elaborar um ofício, a fim de notificar a empresa que houve

uma reclamação contra ela, convidando-a a enviar representantes ao órgão, em determinada

data, para uma audiência de conciliação com o assistido. É comum que, depois de recebido o

ofício, empresas contatem diretamente o consumidor, antes da data da audiência, para tentar

remediar a situação. Havendo uma resolução, o processo é encerrado.

De forma a solucionar o problema do consumidor mais agilmente, evitando processos

de longa duração, comuns em ações judiciais, é dada preferência por audiências conciliatórias,

nas quais o órgão media negociações entre seus assistidos e empresas, buscando soluções

satisfatórias para os envolvidos. Embora não exista uma estatística oficial do órgão, estima-se

que entre 80 e 90 por cento das reclamações dos consumidores sejam resolvidas por meio das

audiências conciliatórias. A depender do caso, mais de uma audiência pode ser necessária

para resolver problemas de consumo.

Diversas empresas já possuem “parcerias” com o Nudecon, tais como Banco Itaú,

Banco Santander, Banco do Brasil, Oi, Claro, Light, CEG e CEDAE, para participar das

audiências de conciliação. Por serem empresas com elevados índices de reclamações ao

órgão, agendam um ou mais dias por mês para que todas as queixas contra a empresa sejam

negociadas entre seus representantes e os assistidos do Nudecon.

Quando não se chega a um acordo por meio de audiências conciliatórias, o próximo

passo do Nudecon é gerar uma ação judicial, que pode ser tanto individual quanto coletiva.

Nestes casos, o órgão elabora a ação do consumidor e a encaminha a outro departamento do

sistema judiciário, tal como alguma Vara Cível, para dar prosseguimento ao atendimento.

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Em caso de a reclamação do consumidor ser emergencial, audiências de conciliação são

inviáveis, devido ao tempo que demorariam a serem resolvidas. Nestes casos, o Nudecon

entra em contato por telefone com a empresa, a fim de buscar uma resolução mais

rapidamente para o problema. Não havendo acordo para a situação vigente, o órgão gera uma

ação judicial, e encaminha o consumidor ao local onde seu processo terá prosseguimento.

3.3 SELEÇÃO DOS ENTREVISTADOS

Segundo McCracken (1988), os entrevistados em uma pesquisa qualitativa não devem

ser considerados uma amostra. Tampouco, sua escolha seguir regras de amostragem

tradicionais, pois seu objetivo não é o de quantificar opiniões ou pessoas, mas explorar as

diferentes opiniões e representações de um fenômeno. Mais importante do que o número de

entrevistados, portanto, é a qualidade das informações trazidas pelas entrevistas. A adequação

dos entrevistados à pesquisa qualitativa é descrita por Bowen (2008) como sendo relacionada

à demonstração de a mesma ter atingido saturação. Isso significa que tanto profundidade

quanto abrangência dos dados foram alcançadas.

Os sujeitos entrevistados para a presente pesquisa foram consumidores que buscaram o

Nudecon a fim de reclamar e solucionar problemas com empresas de telecomunicações,

planos de saúde, concessionárias públicas, varejistas e serviços financeiros. A escolha destes

serviços se deu pelo elevado número de reclamações que apresentam ao núcleo, segundo

aponta a Coordenadora Geral do Núcleo, além do SINDEC e do IDEC.

É importante ressaltar que a maior parte dos setores das empresas em questão possuem

agências e organizações reguladoras5 que, supostamente, controlam suas operações, a fim de

garantir ao consumidor serviços adequados. O que se percebe, entretanto, é que, mesmo

regulados, estes setores apresentam elevados índices de insatisfação de seus clientes

(INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, 2011; SINDEC, 2011).

O processo de seleção dos entrevistados do presente estudo iniciou-se quando o

pesquisador averiguou com a coordenadora do Nudecon a possibilidade de o órgão indicar

consumidores que haviam buscado seus serviços para resolverem problemas com empresas

dos setores citados anteriormente. Esta solicitação foi aceita pela coordenadora, que colocou

5 As agências e organizações reguladoras em questão são: Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel); Agência Nacional de Saúde (ANS); Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel; Agência Reguladora de Energia e Saneamento Básico do Estado do Rio de Janeiro (Agenersa); e Federação Brasileira de Bancos (Febraban).

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suas assistentes em contato com o pesquisador, para dar prosseguimento à seleção dos

entrevistados.

Após o pesquisador explicar às assistentes qual seria o perfil desejado para os

entrevistados da pesquisa, foi feito um levantamento de consumidores assistidos pelo núcleo.

As assistentes realizaram uma triagem inicial daqueles interessados em participar da pesquisa,

repassando seus nomes e telefones ao pesquisador que, em seguida, entrou em contato com os

mesmos, a fim de marcar uma data para as entrevistas.

Por determinação do próprio Nudecon, o pesquisador não poderia ligar para os

consumidores assistidos pelo órgão ou abordá-los diretamente enquanto aguardavam

atendimento no órgão. Esta medida foi necessária para preservar a relação entre o núcleo e os

consumidores, caso os segundos não desejassem ser contatados/abordados por alguém não

relacionado ao Nudecon. Tal fato acabou por simplificar o trabalho de seleção dos

entrevistados para o pesquisador, que somente precisou ligar para consumidores que

desejavam participar da pesquisa. Mas, ao mesmo tempo, significou que o pesquisador

dependia dos esforços das assistentes para marcar suas entrevistas.

Este arranjo funcionou bem ao longo da pesquisa de campo. Em determinado momento,

mais ao final da coleta de informações, as assistentes tiveram dificuldades para continuar o

levantamento de assistidos para serem entrevistados, pois estavam demasiadamente ocupadas

com suas obrigações de trabalho. Para contornar este problema, uma empresa de recrutamento

foi contratada. O uso de empresas para recrutar consumidores interessados em serem

entrevistados também foi adotado por Campos (2010), com resultados satisfatórios na seleção

de seus entrevistados.

A empresa de recrutamento esbarrou em dificuldades para encontrar consumidores para

participar da pesquisa, devido à especificidade do perfil dos entrevistados. Ao todo, somente

dois entrevistados foram indicados pela empresa. Alguns outros consumidores que haviam

feito reclamações ao Nudecon foram encontrados, porém não se encaixavam no perfil

desejado para a pesquisa.

A data em que os entrevistados realizaram suas reclamações ao Nudecon foi uma

preocupação na seleção dos entrevistados. Imaginava-se que consumidores cujas reclamações

haviam sido feitas e resolvidas há mais de um ano tenderiam a esquecer de detalhes do

processo (OLIVER, 2010). Para evitar tal problema, somente consumidores que realizaram

reclamações ao Nudecon em 2012 foram considerados para a pesquisa. Os meses quando os

entrevistados reclamaram ao núcleo são indicados na Tabela 10, no Apêndice E.

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Alguns dos entrevistados, em função desta determinação da pesquisa, ainda não haviam

tido resoluções de seus processos no momento em que foram entrevistados. Nestes casos, o

pesquisador ligou posteriormente para os consumidores, a fim de conhecer o desfecho de seus

problemas. Ao todo, foi necessário ligar para oito entrevistados. A Tabela 1 indica em que

estágio da resolução de seus problemas de consumo estavam os processos dos entrevistados

assistidos pelo Nudecon quando participaram da pesquisa.

Estágio da resolução do problema de consumo Entrevistados

Problema de consumo resolvido Ana Luiza, Anderson, Denis, Flavia, Gabriela, Irene, Jandira, José Carlos, Jucineide, Laurita, Luciana, Monica, Pedro Carlos, Pedro Roberto, Rafaela, Roberta, Romilda, Rosileide e Rubia

Aguardando desdobramento de ação judicial Angelina, Maria Alessandra, José Roberto e Valéria

Aguardando segunda audiência de conciliação Marcia, Isadora

Aguardando primeira audiência de conciliação Josefina, Rosália

Tabela 1: Estágio da Resolução do Problema de Consumo no Momento das Entrevistas

As assistentes, no final, conseguiram levantar mais consumidores assistidos pelo

Nudecon, para participarem das entrevistas, permitindo o pesquisador encerrar a pesquisa de

campo por ter atingido seus objetivos.

Embora o foco da presente pesquisa seja analisar o fenômeno estudado pela ótica de

consumidores, também foram entrevistados cinco advogados especializados em defesa do

consumidor, tanto do Nudecon quanto do Procon. Estas entrevistas foram realizadas com o

objetivo de o pesquisador obter a visão destes profissionais a respeito da relação entre

empresas e consumidores.

Além dos advogados, um funcionário de uma operadora de telecomunicações e outro de

uma instituição financeira também foram entrevistados. Ambos trabalham no atendimento de

consumidores que buscam órgãos de defesa do consumidor para reclamarem sobre problemas

com os serviços de ambas as empresas. O acesso a eles foi intermediado pelos advogados

entrevistados, tanto do Procon quanto do Nudecon. O objetivo destas entrevistas foi entender

como as reclamações dos consumidores são tratadas por empresas.

O propósito de realizar entrevistas com advogados e funcionários de empresas, além dos

próprios consumidores, foi trazer novas perspectivas a respeito do objeto estudado, de

maneira a triangular dados (CARSON et al., 2005). Como o estudo envolve estes três agentes,

sejam na figura de reclamante, defensor ou reclamado, acreditou-se que dar ouvidos a todos

seria benéfico para melhor detalhar e analisar o fenômeno em questão.

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3.4 PERFIL DOS CONSUMIDORES ENTREVISTADOS

Ao todo, foram entrevistados 27 consumidores que registraram reclamações no

Nudecon, selecionados a partir de indicação do próprio órgão. Destes, 17 pertencem à classe

C, 7 à classe D e 3 à classe E, segundo classificação de Neri (2010), baseada no IBGE, que

define cinco classes sociais brasileiras a partir de suas faixas de rendas familiares mensais:

• Classe A: acima de R$6.329;

• Classe B: de R$4.854 até R$6.329;

• Classe C: de R$1.126 até R$4.854;

• Classe D: de R$705 até R$1.126;

• Classe E: abaixo de R$705.

As idades dos consumidores entrevistados variam entre 31 e 71 anos. Diferentes autores

apontam que a idade é um fator de influência sobre o ato de reclamar em relação a problemas

de consumo. Alguns estudos (KENG; RICHMOND; HAN, 1995; PHAU; BAIRD, 2008)

encontraram uma relação positiva entre idade e reclamação: o quanto maior a idade, mais

elevada é a probabilidade de um consumidor incorrer em uma reclamação, o que coincide

com a informação fornecida pela coordenadora do núcleo de que os consumidores que

buscam o Nudecon são “mais velhos”.

O fator idade talvez seja uma indicação para o total de entrevistados que são

aposentados. Ao todo, nove estão nesta situação. Este número pode ser atribuído também à

maior disponibilidade que estes possuíam para participar da pesquisa em relação a outros

consumidores com ocupação integral.

Entre os entrevistados que trabalham, suas profissões variam, sendo elas: administrador,

contadora, professora, artesão, expositora, técnica de enfermagem, mediadora, secretária,

nutricionista, farmacêutica, recrutadora de recursos humanos (RH), manicure e caixa de

farmácia. Há também entrevistados que são donas de casa ou estão desempregados. No caso

destes últimos, alguns relataram que, enquanto não possuem um emprego fixo, buscam

“bicos” para se sustentar. Ana Luiza, por exemplo, é fiscal em provas de concursos públicos.

Seus ganhos com esta atividade são pontuais, pois somente exerce a função poucas vezes ao

ano.

Além da diversidade de profissões, os entrevistados apresentam diferentes estados civis,

grau de instrução e de locais de moradia. Os bairros onde moram os entrevistados são, em sua

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115

maioria, na Zona Norte e na Baixada Fluminense, do município do Rio de Janeiro, regiões

onde a renda per capta é menor do que a da Zona Sul, segundo dados do Censo de 2010

(http://www.armazemdedados.rio.rj.gov.br/, recuperado em 21, junho, 2012). Embora Isadora

seja moradora de Ipanema, na Zona Sul carioca, sua casa é na favela do Cantagalo, um local

menos nobre do bairro. A Figura 2, no Apêndice B, apresenta um mapa dos bairros do

município do Rio de Janeiro onde os entrevistados moram.

O perfil de cada um dos entrevistados, com base em dados demográficos, é resumido na

Tabela 9, no Apêndice D. Nomes fictícios foram dados aos participantes da pesquisa, para

garantir sua privacidade, conforme acordado com todos antes do início de cada entrevista.

3.5 COLETA DE DADOS

O começo do processo de coleta de dados primários da pesquisa durou o período de

março a novembro de 2012. Inicialmente, foi considerada a técnica de incidentes críticos para

essa etapa da pesquisa, que parecia coerente com os objetivos propostos do estudo, pois,

segundo Rocha e Silva (2009, p.248), esta técnica “pode ser útil para entender de que forma

os consumidores pobres reagem a situações positivas ou negativas no cenário de serviços”.

Uma análise mais detalhada sobre o método, no entanto, mostrou que, para a presente

pesquisa, este não seria o mais adequado, pois não traria dados sobre o processo todo da

reclamação, já que seus resultados somente ilustram fatores críticos que influem positiva ou

negativamente em determinado fenômeno (BITNER et al., 1990).

Em vista disto, o pesquisador optou por coletar os dados por meio da técnica de

entrevista em profundidade.

3.5.1 Entrevista em profundidade

A entrevista em profundidade é considerada a principal e mais importante forma de

coleta de dados qualitativos (CARSON et al., 2005). Esta técnica permite que o entrevistador

“entre na mente de outra pessoa, para ver e vivenciar o mundo como ela a vê”

(McCRACKEN, 1988, p.9).

Entrevistas em profundidade buscam entender os pensamentos do respondente

(SILVERMAN, 2009), que são demonstrados na escolha de palavras e frases, na forma como

o entrevistado se expressa (BERENT, 1966), ou, inclusive, no que não é dito (ROSENBLUM,

1987). O tipo de conhecimento adquirido e a validade da análise dos dados coletados são

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baseados em um entendimento “profundo” que se obtém durante as entrevistas

(SILVERMAN, 2009).

Há diversos méritos proporcionados por este tipo de entrevistas, sendo um deles a

obtenção de resultados únicos, devido à profundidade e compreensão das informações

coletada (STOKES; BERGIN, 1996). Berent (1966) explica que tais resultados únicos são

derivados de dois fatores. Primeiro, o informante, ao responder a pesquisa, depara-se com a

oportunidade de refletir sobre os motivos de suas ações, já que, no passado, agiu de

determinada forma, pois o fez automaticamente. Segundo, esta técnica de coleta de dados

permite que o entrevistado seja verdadeiramente ouvido, algo que pode ser raro em suas

vidas. Em função disso, expressam sentimentos que, em situações cotidianas, dificilmente

expressariam.

A entrevista em profundidade é vista por Rosenblum (1987) como um momento de

extremos. Ao mesmo tempo em que é um evento impessoal, profissional, que reúne duas

pessoas por um fim específico, é social, pois é demandado do entrevistado que divida suas

intimidades e sentimentos com o entrevistador, que precisa interagir, mesmo que

minimamente, com o locutor. A autora alerta, entretanto, que o pesquisador não deve deixar

que a socialização seja a tônica da entrevista, sugerindo que formatos mais estruturados ou

semiestruturados de entrevistas sejam utilizados, com o objetivo de evitar tais desvios.

Vieira e Tibola (2005) e Silverman (2009) apontam que entrevistas em profundidade

variam em forma, sendo três suas principais configurações: entrevistas não estruturadas,

entrevistas semiestruturadas e entrevistas estruturadas. Pode-se imaginar que todas fazem

parte de um continuo, sendo a primeira quase uma conversa informal, cujo objetivo é explorar

a percepção de um indivíduo a respeito de determinado fenômeno, e a última mais estruturada

e direcionada, que busca percepções coletivas de realidades externas (CARSON et al., 2005).

Entre estas configurações estão as entrevistas semiestruturadas. Segundo Flick (2009),

essa técnica de coleta de dados tem atraído amplo interesse do meio acadêmico, pois permite

que entrevistados expressem mais facilmente suas opiniões do que em outros tipos de

entrevistas, especialmente as mais padronizadas ou, mesmo, em um questionário. Chikweche

e Fletcher (2012) também chegam a esta conclusão quando entrevistaram consumidores de

baixa renda.

A presente pesquisa utilizou uma configuração de entrevistas semiestruturadas, de

forma a permitir que os entrevistados tivessem maior liberdade para detalhar todo o processo

de reclamação até chegarem ao Nudecon. Além disso, esta técnica permitiu ao pesquisador

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buscar mais aprofundamento em questões que julgou adequadas, à medida que surgiam

durante as entrevistas.

3.5.2 O instrumento de coleta de dados

A coleta de dados foi auxiliada por um roteiro de entrevistas (Apêndice A), composto

de perguntas abertas, que abrangeram temas relacionados ao objetivo da presente pesquisa.

Seguindo orientações de McCracken (1988), o roteiro de entrevistas foi desenvolvido com

perguntas biográficas e relacionadas ao tema específico da pesquisa.

Em função de a pesquisa seguir a configuração de entrevistas do tipo semi-estruturadas,

o roteiro de entrevistas foi utilizado como um guia durante a coleta de dados. Ou seja, quando

necessário, o pesquisador elaborava outras perguntas durante as entrevistas, para obter mais

detalhes dos entrevistados sobre algo que julgou interessante explorar, mas que, de antemão,

não havia como saber que surgiria.

Diversas versões do roteiro de entrevistas foram elaboradas antes de se chegar a uma

apta para ser utilizada na coleta de dados. A fim de averiguar se havia problemas de

entendimento de entrevistados a esta versão do roteiro, pré-testes foram realizados com dois

consumidores assistidos pelo Nudecon.

É comum que instrumentos de coleta de dados sejam testados antes de se obter uma

versão final do mesmo. Quando os entrevistados são consumidores de baixa renda, este

processo pode demandar ainda mais cuidados. O uso de palavras formais ou complicadas

pode criar dificuldades no momento de entrevistar consumidores desse segmento, em vista de

serem incompreensíveis ou inadequadas (CASOTTI; SUAREZ; DELIZA, 2009). Artoni et al.

(2010), por exemplo, necessitaram de cinco pré-testes de seu roteiro de pesquisa antes de

chegarem a uma versão que fosse considerada adequada, devido às dificuldades de

compreensão de seus entrevistados a determinados termos.

A partir das entrevistas de pré-teste, modificações foram feitas no roteiro de entrevistas.

Uma alteração foi a inserção da pergunta “E qual a sua opinião a respeito da relação entre o

Governo e as empresas?”, no bloco “Considerações sobre a Proteção do Consumidor”.

Imaginou-se que isto fosse relevante porque ambos os respondentes do pré-teste comentaram

esta relação, após serem questionados sobre como governo e consumidores se relacionam no

Brasil.

Além desta, foi inserida no mesmo bloco a pergunta “Qual foi a empresa que você

comprou o serviço que deu problema? Já havia comprado antes ou foi a primeira vez?”, tirada

do bloco “Episódio de Insatisfação”. Percebeu-se como relevante esta alteração porque o

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entrevistador acabava por fazer este questionamento, antes do segundo bloco de perguntas,

quando perguntava sobre o conhecimento do entrevistado a respeito da agência reguladora do

setor da empresa reclamada por ele.

No bloco sobre “Reclamação ao Nudecon”, foi inserida a pergunta “Antes de reclamar

com o Nudecon, você procurou outro meio para resolver o seu problema? Procurou o Procon?

Procurou um Advogado?”. Um dos entrevistados do pré-teste, antes de buscar o Nudecon, foi

ao Procon, a fim de buscar auxílio para o seu problema de consumo com uma concessionária

pública. No órgão, informaram-lhe que o melhor seria ele buscar o núcleo, para que chegasse

a uma solução mais rapidamente. Diante desta situação, o pesquisado imaginou que outros

casos similares pudessem vir a ocorrer, o que se confirmou em diversas entrevistas.

A última alteração feita foi a inserção da pergunta “O que você achava que o Nudecon

poderia fazer para resolver o seu problema?”, no bloco “Reclamação ao Nudecon”. A

informação que se desejava coletar com essa pergunta dizia respeito à visão dos entrevistados

sobre o auxílio que o núcleo poderia oferecê-los na resolução de seus problemas de consumo.

Após as alterações originadas pelo pré-teste, a nova versão do roteiro de entrevistas não

apresentou dificuldades de entendimento por parte dos entrevistados seguintes, sendo

considerada, então, apta para servir de base para a coleta de dados das demais entrevistas. O

Apêndice A apresenta a última versão do roteiro de entrevistas utilizada durante a pesquisa de

campo.

3.5.3 Local de realização das entrevistas

As entrevistas com os consumidores foram realizadas nas instalações do Nudecon. Este

Núcleo localiza-se no 13º andar de um prédio localizado na Rua São José (mais conhecido por

ser um edifício-garagem), no bairro do Centro do Rio de Janeiro, onde se encontra a

Defensoria Pública do Rio de Janeiro. Além do Nudecon, outros núcleos realizam

atendimento ao público nesse local, tais como o Núcleo de Fazenda Pública, e diversas Varas

da justiça, tais como as de Órfãos e Sucessões, de Família, de Execução Penal, de Fazenda

Pública e Cíveis.

Antes de iniciar a pesquisa de campo, o pesquisador idealizava realizar as entrevistas

em uma sala privada, a fim de proporcionar aos entrevistados um ambiente onde eles se

sentissem mais confortáveis. A coordenadora do Nudecon determinou que as entrevistas

fossem realizadas nas instalações do núcleo e permitiu que o pesquisador utilizasse uma sala

onde eram realizadas audiências de conciliação. Uma listagem dos dias e horários quando a

sala estaria vaga foi enviada ao pesquisador, para que as entrevistas pudessem ser marcadas.

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Além do espaço para a realização das entrevistas, considerou-se adequada a localização

no Centro do Rio de Janeiro, já que os entrevistados precisariam se deslocar de diferentes

regiões da cidade. Uma ajuda de custo de trinta reais foi oferecida aos entrevistados pelo seu

deslocamento, de forma a minimizar os gastos de locomoção dos mesmos. Em função de os

participantes da pesquisa serem indivíduos com rendimentos limitados, possivelmente

possuiriam dificuldades para arcar com tais despesas, o que poderia inviabilizar sua

participação na pesquisa (CASOTTI et al., 2009). Uma das dificuldades que as assistentes da

coordenadora do Nudecon relataram para convencerem consumidores assistidos pelo órgão a

participarem da pesquisa, enquanto realizavam a triagem, foi justamente o gasto que os

mesmos alegavam que teriam para ir até o Centro.

Ao concentrar as entrevistas em um local, o pesquisador era favorecido em alguns

aspectos. Ao não precisar se deslocar a diferentes regiões do município do Rio de Janeiro,

menos tempo era investido na realização de cada entrevista. Assim, foi possível marcar, em

diversas ocasiões, mais de uma entrevista por dia.

Possivelmente, o fator mais importante para a escolha do Nudecon como local para a

realização das entrevistas foi a credibilidade que o órgão oferecia à pesquisa. Como os

entrevistados eram usuários do serviço, criavam associações mais positivas a respeito da

pesquisa, por ser algo que o órgão “apoiava”. Alguns entrevistados, inclusive, relataram

aceitar participar da pesquisa como forma de agradecer ao Nudecon pela ajuda oferecida na

resolução de seus problemas. Também, por já terem ido ao órgão no passado, conheciam o

local aonde precisariam se deslocar para serem entrevistados.

3.5.4 Entrevistas com os consumidores assistidos pelo Nudecon

No momento em que o pesquisador marcava, por telefone, as entrevistas com os

consumidores assistidos pelo Nudecon, orientava os mesmos sobre o que fazer quando

chegassem à Defensoria Pública. Em sua entrada, deveriam se identificar na recepção, que,

por sua vez, contatava o núcleo. Enquanto o pesquisador ou um funcionário do órgão se

dirigia para buscar o entrevistado, o mesmo aguardava em um local chamado “faixa marrom”,

onde todos os consumidores que desejam registrar reclamações com o núcleo esperam para

serem atendidos. O entrevistado, então, era conduzido à sala da entrevista, para que a

entrevista pudesse ser iniciada.

De forma a permitir o registro da entrevista e o pesquisador dar mais atenção ao

entrevistado durante seu relato, facilitando, assim, o andamento da conversa, o áudio das

entrevistas foi gravado. Nenhum consumidor, ao ser informado que a entrevista seria gravada,

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opôs-se ao fato. Ao todo, 22 horas e 47 minutos de entrevistas foram gravadas, cuja duração

média foi de 50 minutos. As gravações de áudio foram, posteriormente, transcritas em 455

páginas.

Antes de iniciar as entrevistas, o pesquisador explicava brevemente ao entrevistado

sobre o que se tratava a entrevista, sem expor detalhes quanto ao seu objetivo, evitando,

assim, influenciar as respostas dos participantes. Era explicado ao entrevistado que o

pesquisador não trabalhava no Nudecon, e que, em função disso, a entrevista não afetaria o

processo que o mesmo passou ou estava passando pelo núcleo. Ademais, deixava-se claro que

a pesquisa era de cunho acadêmico, e que os dados coletados nas entrevistas seriam utilizados

somente para esse fim.

Mesmo com as explicações, alguns entrevistados pediam auxílio do pesquisador quanto

a dúvidas que possuíam relacionadas a seus processos no Nudecon. Nestes casos, era

explicado novamente ao entrevistado que o pesquisador não era do órgão, e que, portanto, não

seria indicado para oferecer ajuda. Além disso, era apontado ao entrevistado que o

pesquisador sequer era um advogado ou defensor público, embora fosse comum, durante as

entrevistas, os entrevistados chamarem-no de “doutor”, em referência ao título que um

profissional formado em Direito possui.

Ao início das entrevistas, o pesquisador explicava para o entrevistado que ele poderia

interromper a conversa em qualquer momento, porém, em nenhuma ocasião isto foi

necessário. Como as entrevistas eram realizadas em uma sala privada, dificilmente havia

distrações que pudessem tirar a atenção do entrevistado ou do pesquisador.

Durante as entrevistas, alguns dos entrevistados se emocionaram ao contar seus casos,

sugerindo espontaneidade para relatar seus problemas de consumo. Relembrar das

dificuldades que passaram com empresas levava alguns às lágrimas. Choraram também ao

falar sobre sua inocência no caso, que não são “caloteiros”, apesar de seus nomes estarem

inseridos no Sistema de Proteção ao Crédito (SPC).

Ao final das entrevistas, o pesquisador agradecia o entrevistado por ter cedido seu

tempo para participar da pesquisa, e o presenteava com um envelope contendo a ajuda de

custo e seu cartão de apresentação, para futuros contatos. Além da ajuda de custo, uma caixa

de bombom, no valor de aproximadamente vinte reais, foi dada aos entrevistados.

Alguns entrevistados, ao receber o envelope e os bombons, resistiam em aceitá-los,

alegando que fizeram a entrevista por outros motivos, não para obter algo em troca. Isto

ocorria especialmente quando recebiam o dinheiro, pois lhes parecia ser uma espécie de

pagamento pela entrevista. Nestes casos, o pesquisador explicava aos entrevistados que o

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121

dinheiro era somente para cobrir os custos de seu translado até o local. Alguns entrevistados

idosos, entretanto, argumentavam que não pagavam para usar transportes públicos, e que, por

isto, não deveriam receber o dinheiro. Somente após insistência do pesquisador é que estes

entrevistados aceitavam receber o dinheiro, mas deixando claro que não buscavam por isso

quando aceitaram participar da pesquisa.

Em um caso, após ter realizado uma entrevista, o pesquisador recebeu uma ligação do

marido de uma entrevistada, que havia acompanhado sua esposa até o Nudecon no dia. O

marido explicou que um envelope de dinheiro havia sido deixado dentro da sacola plástica em

que estava a caixa de bombons, e que ele gostaria de devolvê-lo, já que imaginava ser do

pesquisador. Após ser explicado que o dinheiro era para cobrir custos de deslocamento até o

local da entrevista, o marido agradeceu pela “ajuda”, alegando que, como ele e sua esposa já

haviam gasto o dinheiro com as passagens de ônibus, ele o usaria para comprar um “lanche”

para os dois.

De uma forma geral, ao receber o envelope e os bombons, os entrevistados

demonstravam felicidade, agradecendo, em alguns momentos, efusivamente o pesquisador.

Mesmo um dos participantes da pesquisa, que é diabético, não se importou por ter recebido

algo que, supostamente, não deveria comer. Segundo ele, sua esposa o faria de bom grado

pelos dois.

Por fim, após se despedir dos entrevistados, o pesquisador tomava notas de aspectos que

julgou importante no decorreram das entrevistas, e que poderiam, durante a análise dos dados,

servir de caminhos a serem explorados.

3.6 ANÁLISE DOS DADOS

Os dados coletados na pesquisa de campo foram analisados em duas etapas. Na

primeira, as transcrições do áudio das entrevistas foram codificadas, utilizando programa

apropriado para tal atividade. Na segunda, os códigos foram comparados (ANFARA;

BROWN; MANGIONE, 2002; GUMMESSON, 2005), de forma a encontrar as categorias de

análise do estudo.

Para realizar a primeira etapa, o pesquisador seguiu recomendações de Rubin e Rubin

(2005) e Guest, Bunce e Johnson (2006) sobre como realizar a codificação dos dados.

Inicialmente, foi feita uma leitura das transcrições das entrevistas, a fim de encontrar

conceitos, temas e eventos nos relatos dos entrevistados, que facilitassem, posteriormente,

codificar os dados (RUBIN; RUBIN, 2005).

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122

Entende-se como codificação a ação de organizar em padrões a massa de informações

coletadas durante a pesquisa de campo (CARSON et al., 2005). O processo de codificação da

presente pesquisa envolveu a atribuição de nomes para conceitos, temas e eventos surgidos

nos relatos dos entrevistados. Isto possibilitou recuperar e examinar todos os dados referentes

a diferentes assuntos (RUBIN; RUBIN, 2005). A atribuição de um código a determinado

trecho do relato dos entrevistados foi baseada nos principais conceitos descritos na revisão de

literatura (CARSON et al., 2005) ou a partir de particularidades encontradas durante as

entrevistas (RUBIN; RUBIN, 2005).

O processo de codificação foi importante para a pesquisa, entre outros fatores, por

possibilitar o estabelecimento da saturação dos dados. Para garantir de forma mais objetiva a

saturação, foi seguido o procedimento elaborado por Guest, Bunce e Johnson (2006). Os

autores realizaram uma pesquisa com 60 entrevistas qualitativas. Inicialmente, entrevistaram

seis pessoas e, ao final, codificaram os dados destas entrevistas. Em total, geraram 80 códigos

na primeira etapa. Novamente, realizaram mais seis entrevistas, e codificaram seus dados.

Desta vez, somente criaram 20 novos códigos. Os autores continuaram com esse processo até

alcançarem as 60 entrevistas, mas percebiam que, a cada nova rodada de análise, menos

códigos eram criados. Apesar de um número elevado de entrevistas, Guest, Bunce e Johnson

argumentam que atingiram saturação de dados após a segunda rodada de análise, quando doze

entrevistas haviam sido analisadas. Em sua defesa, argumentam que, nesse momento, 88 por

cento dos códigos totais de sua pesquisa haviam sido criados. As demais rodadas de análise

somente traziam pontuais novas informações, que pouco acrescentavam insights para o

estudo.

À medida que as entrevistas da presente pesquisa eram transcritas, o pesquisador

realizava uma leitura inicial do conteúdo destes textos, para, em seguida, iniciar o processo de

codificação. Cabe lembrar que estas atividades foram realizas em paralelo à coleta de dados

da pesquisa de campo, de forma que o pesquisador não sabia de antemão quantas entrevistas

precisariam ser feitas até que a saturação de dados fosse alcançada. Mesmo quando tal

patamar foi atingido, o pesquisador ainda precisou realizar entrevistas, pois já haviam sido

agendadas anteriormente com os assistidos do Nudecon.

Para desenvolver a codificação dos dados, o programa Atlas/ti 7.0 (student license

version) foi utilizado. Segundo Muhr (1991), este programa foi criado com o objetivo de

auxiliar a análise de textos em pesquisas qualitativas. Sua função primária é a de codificar os

achados da pesquisa de campo, para que seu usuário possa analisá-los de forma mais

organizada.

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123

De maneira a monitorar quantos novos códigos eram criados durante o processo de

codificação, o pesquisador mantinha controle em uma planilha (Apêndice C) do total de

códigos e novos códigos de cada transcrição de entrevista analisada. A ordem com que as

entrevistas foram codificadas seguiu a ordem da data quando foram realizadas.

Similarmente a Guest, Bunce e Johnson (2006), o procedimento para atestar a saturação

de dados se deu por rodadas de análise da quantidade de novos códigos que eram criados a

cada três transcrições analisadas. Este número difere daquele utilizados pelos autores citados

por uma questão de razão prática. De forma a não sobrecarregar as assistentes da

coordenadora do Nudecon a recrutarem seis novos assistidos por vez, algo que as demandava

considerável tempo, preferiu-se pedir somente três, diminuindo, assim, seu esforço.

A cada rodada de análise, os códigos criados eram revistos, para garantir que não

houvesse dois ou mais com significados similares. Caso fosse percebido que havia tais

incongruências, os relatos referentes a um dos códigos eram reclassificados, agrupando-os em

outro código, criado anteriormente em outra entrevista, conforme Guest, Bunce e Johnson

(2006) também fizeram. O código extinto era, então, subtraído da contagem de novos códigos,

mantendo coerente o número total de códigos criados.

Ao todo, foram criados 123 códigos de análise durante o processo de codificação das 27

entrevistas. Na quarta rodada de análise (após 12 entrevistas codificadas), o processo de

codificação já estava com 94,31 por cento do total de códigos de análise. Na oitava rodada de

análise (após 24 entrevistas codificadas), 100 por cento dos códigos haviam sido criados. A

Figura 2 ilustra a diminuição de novos códigos criados ao longo do processo de codificação.

A porcentagem de novos códigos criados por rodada de análise também é apontada.

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124

Figura 2: Gráfico de Novos Códigos Criados por Entrevista Fonte: Elaborado pelo autor

No segundo momento da análise, as informações codificadas na primeira etapa foram

refinadas, compondo o que vieram a ser as categorias de análise do estudo. Este refinamento

se deu por um processo de comparação dos códigos, agrupando-os em categorias de análise.

Para Spiggle (1994), realizar tais comparações é importante, pois permite ao pesquisador

explorar diferenças e semelhanças nos incidentes relatados durante a coleta de dados,

auxiliando, assim, na criação de categorias de análise.

Diferentes autores descrevem como o processo de comparação dos dados de uma

pesquisa pode ser realizado (ANFARA; BROWN; MANGIONE, 2002; CARSON et al.,

2005). Gummesson (2005), por exemplo, discute que as informações coletadas devem ser

comparados com “dados, teorias existentes, e resultados de pesquisas passadas” (p.312). Para

o autor, a comparação contínua entre diferentes fontes de informação faz parte de um

processo de criação de entendimento, pois padrões são formados e transformados em

conceitos, categorias e, eventualmente, teorias.

Rubin e Rubin (2005) também apontam que a constante comparação entre dados leva à

criação de teorias. Para isso ocorrer, deve-se, inicialmente, fazer uma análise descritiva de

uma categoria, detalhando o que ocorre dentro do fenômeno estudado. Os autores destacam

que tais descrições são um importante caminho para se atingir o objetivo do estudo. Em um

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125

segundo momento, explicações para as descrições devem ser feitas, de forma a se construir a

teorização proposta pelo estudo.

O processo de comparação de dados na presente pesquisa analisou informações

coletadas nas entrevistas com consumidores assistidos pelo Nudecon, advogados do Nudecon

e do Procon, funcionários de duas empresas com altos índices de reclamação, além da revisão

de literatura. Foi possível, dessa forma, chegar a sete categorias de análise, apresentadas no

Capítulo 4.

3.7 LIMITAÇÕES DO MÉTODO

A escolha do método de uma pesquisa traz consigo a reflexão sobre quais limites o

mesmo possui. Em relação à metodologia adotada no presente estudo, algumas limitações são

evidentes.

Entrevistas em profundidade dificilmente são realizadas com amostras representativas

de uma população. Seus resultados, portanto, não buscam a generalização. Embora Berent

(1966, p.39) chegue ao ponto de dizer que, devido a esta característica, pesquisas que

empregam esta metodologia “provam muito pouco”, McCracken (1988) justifica tal limitação

ao defender que, em pesquisas qualitativas, a principal preocupação não é a de gerar

generalizações. Seu objetivo é o de obter acesso a categorias e pressupostos culturais que

determinam a forma como o mundo é construído. Quantas ou quais pessoas assumem estas

categorias não é o mais importante.

Em função de as entrevistas realizadas no presente estudo terem sido com consumidores

que buscaram os serviços do Nudecon, seus achados podem diferir de demais pesquisas que

foquem em indivíduos que buscaram ajuda de outros órgãos de defesa do consumidor, tais

como o Procon ou os tribunais de pequenas causas.

O fato de as entrevistas serem realizadas no Nudecon poderia influenciar as respostas

dos entrevistados quanto a suas opiniões sobre o órgão, quando questionados a respeito deste.

De forma a diminuir este efeito, o pesquisador, ao iniciar a entrevista, reforçava ao

entrevistado que as informações relatadas durante as entrevistas somente serviriam para fins

acadêmicos, e que não gerariam interferências em sua relação com o Nudecon.

Por fim, outro fator limitador da metodologia escolhida foi o recrutamento feito pelas

assistentes da coordenadora do Nudecon, pois o pesquisador dependia delas para obter contato

com os consumidores. Caso o pesquisador tivesse acesso direto aos assistidos do núcleo, uma

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melhor seleção dos entrevistados possivelmente poderia ter sido feita, evitando, por exemplo,

o número total de entrevistados aposentados que acabaram por participar da pesquisa.

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4 DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS

Analisar a reclamação a partir de uma metodologia qualitativa traz diferentes lógicas de

consumidores de baixa renda, em sua busca por resolução de problemas de consumo, que os

levou até a uma agência especializada em defendê-los. Essa pesquisa procura dar voz a esse

grupo, que somente recentemente passou a ser ouvido por marketing.

Para chegar à reclamação, no entanto, buscaram-se antecedentes que explicassem a luta

desses consumidores por serem ouvidos. As histórias de suas vidas na busca por soluções a

seus problemas são variadas, curiosas e, até, absurdas para visões de alguém fora de suas

realidades, mas que parecem cotidianas pela perspectiva de quem as vive.

As vozes pouco ouvidas aproveitam a oportunidade da entrevista, que busca maior

entendimento sobre o processo de reclamações, para trazer um pacote de adversidades

presentes em suas vidas. Falam sobre perdas materiais e sentimentais, doenças e, até, mortes

violentas, mas demonstram naturalidade ao relatar tais fatos. Os problemas de consumo, em

vários momentos das entrevistas, quase desaparecem diante de realidades tão duras.

Por outro lado, resolver o problema de consumo, ainda que seja menor diante da

realidade de suas vidas, parece dar a esses consumidores mais força diante dessa mesma vida.

Em suas narrativas, é possível observar que, após reclamarem ao Núcleo de Defesa do

Consumidor, demonstram mais confiança quanto à resolução de seus casos de consumo,

quando comparados ao momento em que iniciaram sua trajetória de reclamação.

Saem dessas experiências de consumo imaginando estarem mais preparados para lidar

com as adversidades impostas a eles pelo mercado, em função de sua condição

socioeconômica menos favorecida. A vivência de serem defendidos por defensores públicos,

algo dificilmente imaginado em suas histórias de vida, oferece-lhes uma nova educação, não

apenas sobre como lidar com problemas de consumo, mas também de cidadania, pois relatam

com orgulho suas experiências, que serão guardadas e sempre recontadas.

O presente capítulo descreve e analisa como os consumidores entrevistados percorreram

o processo de reclamação que os levou até o Nudecon. Sua organização é em sete partes. Na

primeira, são descritos aspectos sobre a vida dos entrevistados, e como esses se relacionam

com os problemas de consumo. Na segunda, discutem-se a relação dos entrevistados com

empresas antes da situação insatisfatória, e a maneira como descobriram seus problemas de

consumo. Na terceira, debatem-se as diferentes formas como os entrevistados lidam com os

problemas de consumo. Na quarta, apresentam-se as reclamações dos entrevistados às

prestadoras de serviços. Na quinta, apontam-se como os entrevistados reagiram ao ouvirem

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uma negativa da empresa à resolução dos problemas de consumo. Na sexta, é analisada a

reclamação dos entrevistados ao Nudecon. Por último, as visões dos entrevistados sobre a

relação entre consumidores, empresas e governo são debatidas.

4.1 A VIDA E AS RECLAMAÇÕES

Aspectos sobre as vidas dos entrevistados, tais como fatos do seu passado, otimismo e

preocupações com segurança, misturam-se com os relatos sobre os problemas de consumo

que são o foco desse estudo. Ao falarem de suas ações a partir de uma situação que os deixou

insatisfeitos, espontaneamente trazem outros momentos, que auxiliam a construir e a explicar

como chegaram ao Núcleo de Defesa do Consumidor.

Os entrevistados caracterizam-se por serem das classes C, D e E, segundo critério de

Neri (2010), baseado no IBGE. Embora esta classificação demonstre a classe social que esses

indivíduos declararam no momento da pesquisa, alguns relatos sugerem que, em outras

épocas da vida, uma parte deles pertencia a estratos sociais diferentes, que podiam ser acima

ou abaixo daquele identificado. As modificações de status são atribuídas a diferentes fatores:

mudanças no estado civil, tais como casamento ou divórcio, que repercutem nos rendimentos

familiares; mudanças profissionais, na forma de novos empregos ou demissões, que tornaram

os entrevistados desempregados temporariamente; a aposentadoria, que em alguns casos

também resultou na diminuição de rendimentos; ou, ainda, casos imprevistos de doenças, que

comprometiam suas finanças.

Em comum ao grupo de entrevistados da pesquisa está o fato de serem consumidores

que fizeram reclamações ao Nudecon. Ao mesmo tempo em que apresentam características

individuais que podem colocá-los em posição de similaridade, também possuem histórias de

vida e de reclamação próprias, que os diferenciam.

Medos, Criminalidade e Perdas

As narrativas dos problemas de consumo trazem em seu entorno problemas de

dimensões maiores e dramáticas, relacionadas à vida dos entrevistados. Grande parte dos

participantes da pesquisa mora em bairros mais populares do município do Rio de Janeiro e

alguns, ainda que não perguntados sobre essas questões, discorrem sobre preocupações com a

falta de segurança e criminalidade presentes em suas rotinas. Os relatos trazem histórias que

descrevem como é viver em “área de risco”, “perto da favela”, e a proximidade com tráfico de

drogas, assaltos, furtos, tiroteios e, até, homicídios.

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Com esse ambiente adverso, foram relatadas também descrições sobre como eles

procuram se proteger da falta de segurança. Anderson conta que sempre ao sair de casa passa

“um cadeado na televisão”. Faz isso para se precaver contra ladrões que possam entrar em sua

residência e furtar sua TV, e explica que em seu bairro: “a bandidagem ‘tá muito grande”. Ao

relatar esse fato, o entrevistado retira um telefone de sua bolsa, pivô de sua reclamação no

Nudecon, e o mostra ao pesquisador. O aparelho é um telefone fixo sem fio, que Anderson

leva consigo para evitar que alguém possa furtá-lo enquanto ele não está em casa. Ele fala do

telefone como se fosse essencial para sua vida, “um remédio”; sem ele “você pode morrer...

Você tendo esse telefone, é a tua alma.” E parece, assim, justificar a importância de sua

reclamação ao Nudecon.

Anderson comenta, ainda, que sua preocupação vai além do aparelho celular, pois se

preocupa também com a segurança de sua linha telefônica. Descreve que “malandros” podem

fazer um “gato” em sua linha, ou seja, usar o seu número de telefone por meio de ligações

clandestinas. Sua preocupação é na “chateação” que tal ação lhe traria, já que é difícil provar

sua inocência.

Outros “gatos” ou furtos são lembrados pelos entrevistados. Isadora, que mora em uma

favela, fala dos “gatos de luz”, quando moradores roubam energia diretamente dos postes de

eletricidade, levando luz a suas casas, sem pagar pelo uso do serviço. Embora tenha buscado o

Nudecon para que uma defensora pública “brigue” por seus direitos, Isadora conta que não

tem coragem de denunciar os “gatos”, mesmo reconhecendo sua ilegalidade, pois sabe que

isso poderia resultar em “brigar com alguém”. A entrevistada sugere assim que roubar a

energia de uma concessionária pública pode ser visto com mais tolerância se comparado a

outros problemas de criminalidade vivenciados por ela.

Jucineide, no entanto, ao relatar o seu “gato” de água, disse não considerar o caso ilegal,

pois usava a cisterna do pai, que fornecia água o suficiente para o consumo de sua casa e o de

sua filha. A criminalidade relativa aos “gatos” com linhas telefônicas, energia elétrica e água,

parece se situar em um nível “aceitável” de ilegalidade, capaz de ser inclusive narrado como

se não fosse uma prática contrária à lei.

Yaccoub (2011), em seu estudo, oferece uma explicação para o motivo de consumidores

de baixa renda fazerem uso de ligações clandestinas e manipulação de registros de consumo

de energia elétrica. A autora aponta que tais práticas são formas de adequação a um novo

estilo de vida, surgido a partir da posse de bens de consumo que, anteriormente, dificilmente

eram vistos na realidade desse grupo. A obtenção de eletrodomésticos e eletroeletrônicos,

possibilitada pela facilidade de acesso a crédito, fez com que esse segmento passasse a

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comprar e a usar mais produtos que consomem energia elétrica. Em consequência, seus gastos

se elevaram, sem que os rendimentos tenham acompanhado tal crescimento.

Além dos furtos, os entrevistados também contam sobre o convívio com a violência de

seus cotidianos. Em alguns casos, precisaram se proteger, escondendo-se, por exemplo, “atrás

da geladeira”, para “fugir de tiroteio”. A proximidade com essa realidade abre espaço para

que relatem dramas trágicos, quando falam sobre viciados em crack e a morte de um bebê

asfixiado por mãe drogada. Também, lamentam perdas pessoais, ao detalhar a perda de filhos,

de maneiras trágicas.

Passado, Presente e Futuro

Os relatos mostram que existem visões distintas sobre a forma como os entrevistados

interpretam seus passados e avaliam suas vidas presentes e futuras. Aqueles atualmente

inseridos na economia informal tendem a avaliar de maneira pessimista seu presente e futuro,

em função de não possuírem um fluxo de renda estável. Falam sobre um passado melhor,

quando eram economicamente mais abastados. Por outro lado, alguns entrevistados que

relatam receberem renda fixa, seja por empregos formais ou aposentadorias, percebem com

otimismo sua situação atual e futura, pois acreditam que conquistaram vidas melhores do que

possuíam no passado, época lembrada por eles como mais difícil.

Rosileide, por exemplo, descreve seus rendimentos mensais como baixos, e

equivalentes aos da classe E, mas procura esclarecer que sua situação atual é temporária, já

que sua posição na classificação econômica normalmente seria na classe C. Sua história de

dificuldades financeiras começa quando seu nome “fica sujo”, ou seja, seu nome é inserido no

Sistema de Proteção ao Crédito, o que a impossibilita de pegar empréstimos bancários. Conta

que todo o dinheiro que obtém com sua profissão, descrita por ela como expositora

(vendedora de rua), acaba destinado a pagar seus “financiadores”, amigos que a emprestam

dinheiro.

Rosália também descreve um passado mais afortunado financeiramente, quando era

ainda casada. Conta que a sua profissão de artesã não lhe traz rendimentos suficientes para se

manter, sendo necessária a ajuda de amigos para cobrir gastos: “uma prima me ajuda a pagar

o aluguel... eu vivo assim, de ajuda dos amigos. ‘Ah, preciso disso’, um (amigo) dá... vivo

meio que acolhida”.

Assim como Rosália e Rosileide, o passado financeiro de Romilda é descrito como

melhor, pois foi “empresária de sucesso”. Sua história é também de dívidas não saldadas e de

dependência de outros para seguir vivendo. Conta que precisou vender um apartamento e

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mudar para um bairro “pior”, e que necessita da ajuda financeira das duas filhas, já que se

encontra desempregada.

Se nos exemplos descritos, o passado financeiro das três entrevistadas foi melhor, o

otimismo de José Carlos parece ser um contraponto a esses casos, ainda que se encontre na

categoria de um superendividado. Ele parece acreditar em um futuro melhor, mesmo com a

situação de dívidas que está enfrentando. Morando em apartamento alugado com sua mãe,

consegue controlar seus rendimentos mais adequadamente. Admite que exagerou em suas

compras supérfluas de bens e serviços, mas acredita que vai resolver sua situação no futuro.

O otimismo de José Carlos parece encontrar explicação em um passado recente

comparativamente mais difícil, ou seja, ainda que superendividado, acredita que está melhor

agora. Pedro Roberto também faz comparações que o levam a achar que o presente é melhor.

Conta que é o mais “rico” da família, com rendimentos de cerca de 1.400 reais, e que possui

um apartamento próprio. Explica que não gosta do “campo”, onde ficaram seus irmãos, pois

possuem vidas mais difíceis, “sem regalias”. Em busca de “uma vida melhor”, Pedro Roberto

se lembra de sua experiência enquanto jovem, quando trabalhou de pintor nos Estados

Unidos, durante seis meses, ganhando oito dólares por hora:

Eu comecei a aprender rapidinho. Com um mês e pouco, eu já aprendi a fazer muita coisa... Me passaram para nove dólares... Eu ia me dar bem se eu tivesse ficado por lá... Mas lá, você rala. Não tem esse negocio de ficar comento churrasquinho. É só no final de semana, e olhe lá. Não tem esse negócio de todo dia ficar em porta de botequim bebendo cachaça, cerveja, vendo futebol. Lá, tem que ralar, trabalhar se tu quiser melhorar a vida, se tu quiser ficar rico. Porque dá para ficar rico com o salário de lá.

Outros entrevistados também falaram de seus movimentos no passado, em busca de

vidas melhores. Flavia e Gabriela vieram de estados do nordeste do Brasil para o Rio de

Janeiro, ainda jovens, a fim de encontrar melhores oportunidades de trabalho. Ambas

conseguiram não somente trabalhar, mas também estudar mais. Gabriela, de mãe lavadeira,

lembra-se da pobreza no Maranhão e de suas conquistas no Rio de Janeiro, onde conseguiu

comprar casa e carro. Em função de doenças, precisou vender seus bens, para arcar com os

custos do seu tratamento.

Família, Vida e Nudecon: “fazer muito, para obter pouco”

Foram encontrados vários exemplos em que se percebe a presença da família na vida

dos entrevistados e identificadas ações em prol do coletivo, em detrimento de questões

individuais. Comumente, familiares são referidos pelos entrevistados como pessoas

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importantes e marcantes, tanto em decorrência de influências e comportamentos positivos

quanto negativos.

A educação, por exemplo, parece ser um valor trazido da família. Alguns entrevistados

relatam como foram influenciados por familiares a seguir estudando, como uma forma de

melhorarem suas vidas. Marcia, por exemplo, estava terminando uma pós-graduação, e com

pensamentos de ingressar no Mestrado. Atribui aos pais esta oportunidade, pois, sem seu

apoio, dificilmente conseguiria pagar por tal educação.

Entretanto, mesmo com desejos de seguir estudando, alguns entrevistados falam da

impossibilidade de continuarem o ensino superior, pois “estava ficando muito pesado”,

referindo-se à impossibilidade de arcarem com as mensalidades de suas faculdades. O

dinheiro investido no estudo precisou ser desviado, em algum momento, para ajudarem suas

famílias, em momentos de dificuldades.

Os testemunhos também trouxeram relatos que falam de doenças, sejam elas do próprio

entrevistado ou de familiares, e que se relacionam com o motivo de terem buscado ajuda do

Nudecon. Ana Luiza conta que é responsável pela mãe, que sofre com uma doença

degenerativa, e precisou se endividou para arcar com todos os gastos do tratamento, que

superavam seus rendimentos: “O meu padrão caiu muito, muito. Me endividei, sujei o meu

nome... ‘pra’ bancar minha mãe.”

Não somente situações adversas, como as de doenças, foram lembradas quando os

entrevistados se referiam ao envolvimento de famílias em suas vidas. Rosália destaca que sua

vocação em ser “ativista” é atribuída às influências que sofreu de figuras políticas passadas,

descritas pela entrevistada como sendo familiares:

Eu venho de uma família de políticos. Eu venho de uma família de tentativa de revolução na época entre a segunda Guerra Mundial, no final da segunda Guerra Mundial, entendeu? Eu venho da família Maurício Fiúza, de Olga Benário, Carlos Prestes. ‘Tá no sangue, ‘tá na veia.

A “ativista” narra, com certo orgulho, um episódio na Câmara de Vereadores do Rio de

Janeiro, em que quase foi presa por protestar em favor dos “sem teto”. Somente “escapou”,

pois mostrou que sabe lutar em favor de seus direitos de cidadã, ao recorrer ao Ministério

Público para libertá-la.

Todavia, não foi somente a influência da família que levou os entrevistados a buscarem

a ajuda de órgãos de defesa do consumidor, quando surgiram problemas de consumo. Os

relatos sugerem que foi “a vida” que lhes obrigou a lutar, para superar obstáculos, trazendo

aprendizados, maturidade e capacidade de lidar melhor com insatisfações:

Eu aprendi a ter a minha maturidade na vivência da minha vida (Pedro Carlos).

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Isso aí, a gente aprende pela gente mesmo, com a vida. Essas coisas assim, não é ninguém que ensina. A gente aprende pela gente. As necessidades, as observações, tudo o que a gente escuta, tudo o que a gente vê (Pedro Roberto).

As restrições financeiras, presentes na falta de recursos para “comprarem” soluções para

problemas de diversas naturezas, parece instigar esse grupo a “lutar”, “brigar”, “correr atrás”.

Usam de tais expressões para descrever como lidam com situações indesejadas e as

dificuldades financeiras vividas por eles. Acostumam-se a ter que “fazer muito, para obter

pouco”. Aceitam que, enquanto estiverem nessa condição social desfavorável, precisarão agir

dessa forma para não serem “engolidos”. Agem assim pois é a forma que encontram para se

sentirem cidadãos e obter respeito. “É de dentro de mim que vem isso, da vida. Não foi

ninguém que me ensinou, eu mesmo tomei a iniciativa, ‘pra’ ‘nego’ me respeitar com outros

olhos. Sou um cidadão brasileiro, como outro qualquer.”, afirma Anderson.

No contexto de vários dramas pessoais, os problemas de consumo que levaram essas

pessoas ao Nudecon acabam tendo sua gravidade diluída. Cabe observar, no entanto, que

quando falam dos dramas maiores da vida, a solução a tais casos é percebida por eles como

distante, pois não podem ser solucionados através de uma ação em seu controle. Por outro

lado, os problemas de consumo são vistos como passíveis de serem revertidos, já que o

consumidor possui meios para isso: reclamar com a empresa responsável por sua insatisfação

ou buscar órgãos de defesa do consumidor, tais como o Procon ou o Nudecon.

As barreiras impostas por problemas de consumo são interpretadas pelos entrevistados

como mais transponíveis, enquanto os “outros” diversos problemas, mais graves e dramáticos,

são colocados em um plano mais abstrato, do destino, algo que se impõem ao indivíduo sem

que ele os tenha buscado: “Se Deus quis assim, o que eu posso fazer?”. Pedro Roberto

confirma essa visão quando faz uma comparação direta de seu problema de consumo com

uma operadora de telecomunicações com um drama vivido com a morte da filha: “É mole.

Difícil é ver sua filhinha morta, estrangulada ‘num’ beco. Isso sim é que é um problema,

porque ela, agora, não volta”.

Exemplos como os de Pedro Roberto sugerem que ao mesmo tempo em que os

entrevistados reconhecem os problemas de consumo como menos graves e passíveis de serem

resolvidos por meio de reclamações, eles também reconhecem que são um importante

aprendizado na busca por valer seus direitos. Aprendem a ter “coragem” e a “correr atrás”

como explica Flavia:

Tem muito consumidor cheio desses problemas (com operadoras de telecomunicações), mas não tem coragem de correr atrás, não tem coragem de falar, porque acha que vai se aborrecer, que não vai adiantar... Já teve gente que veio me agradecer por eu ter ensinado (a reclamar com empresas), porque eles têm medo, eles não acreditam. Eu falo: “Gente, vocês têm que acreditar, nós temos direito.”.

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Estes entrevistados devem ser vistos como um grupo de consumidores com uma

experiência diferenciada em reclamações, já que percorreram diversas etapas antes de

buscarem o Nudecon para resolverem seus problemas de consumo. Fazem parte, assim, de um

grupo seleto, já que somente cinco por cento dos casos de consumidores que possuem

problemas de consumo com empresas chegam a reclamar com algum órgão de defesa do

consumidor, segundo relata a coordenadora do Nudecon.

Dessa forma, deve-se ter cuidado ao analisar as visões dos entrevistados, pois, ainda que

possam colocar em posição inferior os problemas de consumo, quando comparados aos

“outros” problemas, não se sabe se aqueles que não tiveram acesso a algum órgão de defesa

do consumidor pensariam da mesma maneira.

Mesmo reconhecendo a importância dos “outros” problemas vividos pelos

entrevistados, destaca-se que o foco da presente pesquisa será naqueles que envolvem trocas

entre empresas e consumidores; mais especificamente, os problemas de consumo que deram

origem à busca por ajuda do Nudecon.

4.2 INÍCIO DO PROCESSO DE RECLAMAÇÃO

O item a seguir descreve como se iniciou o processo de reclamação dos entrevistados,

quando tomaram conhecimento de que estavam vivenciando um problema de consumo, que,

em última instância, levou-os a buscarem o Nudecon. O primeiro item aborda como os

entrevistados viam sua relação com as empresas prestadoras de serviços antes do problema.

Em seguida, discorre-se sobre outros problemas de consumo que os entrevistados relatam

como “aceitáveis”, ao mesmo tempo em que falam sobre como aprenderam a reclamar. Por

fim, discute-se como os entrevistados tomaram conhecimento dos problemas de consumo.

4.2.1 Antes dos problemas de consumo: relação positiva com empresas

Ainda que as entrevistas tenham sido realizadas quando os entrevistados já haviam

iniciado e, em alguns casos, até concluído seu processo de reclamação ao Nudecon, eles

foram capazes de lembrar-se de relações positivas com as prestadoras de serviços antes da

situação insatisfatória ocorrida. Descrevem essa relação como “boa” e “tranquila”, e que se

sentiam satisfeitos com seus serviços, conforme exemplifica Maria Alessandra: “Tudo que eu

precisei do plano (de saúde) durante esses seis anos (antes do problema de consumo ocorrer)

foi correspondido. Fiquei internada várias vezes, e tive toda assistência, tudo direitinho.”.

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Anderson vai além, demonstrando que sua relação com uma operadora de

telecomunicações era “mais do que boa”. O entrevistado relata que, antes de ter problemas

com sua linha telefônica, falava bem e indicava a empresa para amigos e familiares:

Sempre gostei da (nome da operadora de telecomunicações)... Sempre dava nota dez a eles. Nunca deixei de dar nota dez... Mandei meu pai comprar, meu irmão comprar, comprei um ‘pra’ mulher. Os amigos, eu falei: “bota tudo (nome da operadora de telecomunicações)”... Eu sempre fiz propaganda da (nome da operadora de telecomunicações), e agora o pessoal ‘tá até me sacaneando.

Além de entender como “boa” a relação com as empresas no passado, os consumidores

contam que depositavam certo grau de confiança nas prestadoras de serviços. Josefina

comenta a dificuldade em imaginar que a culpa por seu problema de consumo pudesse ser de

sua concessionária pública de energia elétrica, preferindo atribuí-la a um eletricista que havia

feito um serviço para ela em sua residência.

Josefina conta que sua decepção estava baseada na crença de que, se uma empresa é a

única prestadora de um serviço básico na região onde reside, deve ser porque a concessão

pública foi obtida por méritos. Achava difícil imaginar, portanto, que a concessionária fosse

cometer um erro “básico”, conforme ela se refere à falha que resultou no seu problema de

consumo, e, mais ainda, demorar tanto tempo (três dias) para solucioná-lo.

Os relatos sugerem que os sentimentos positivos que os entrevistados passam a nutrir

por empresas advêm do entendimento de que suas vidas ficaram melhores por possuírem

acesso a tais serviços ou, em alguns casos, por terem acesso a alternativas de consumo.

Mesmo sendo a telefonia móvel uma inovação da tecnologia da comunicação, Anderson fala

da telefonia fixa como a mais recente “novidade” no seu bairro, onde não havia operadoras

oferecendo este serviço. O entrevistado explica que a obtenção do novo serviço trouxe uma

boa alternativa para quem somente possuía a telecomunicação móvel, “que vive falhando” e

“ainda é mais cara”.

A visão relatada pelos entrevistados aqui vai ao encontro dos argumentos de Prahalad

(2006) de que o aumento do consumo por parte de consumidores de baixa renda eleva seus

padrões de vida. Ao perceberem os benefícios que a posse de bens e serviços traz,

consumidores desse segmento passam a admirar empresas que vendem para eles

(PRAHALAD, 2006a; BARROS; ROCHA, 2009).

4.2.2 Problemas de consumo “aceitáveis” e o aprendizado sobre como reclamar

Os relatos dos problemas de consumo que deram origem à reclamação no Nudecon

foram entremeados de forma espontânea por outras histórias de problemas de consumo,

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considerados em geral menos relevantes, ocorridos no passado. Alguns entrevistados

caracterizam este tipo de problema como “normal”, não sendo suficientemente importante

para levá-los a reclamar com empresas ou órgãos de defesa do consumidor, conforme relata

Josefina: “Tinha estes problemas normais, de faltar luz, pico, ‘né’? Este final de semana

mesmo faltou, depois voltou... Quer dizer, o básico, ‘né’?... Aqui tem luz, do outro lado não

tem. É assim, mas isso é o normal.”.

O que determina esta postura dos entrevistados em não reclamar parece ser a forma

como percebem a gravidade da falha. Em alguns casos, falam de falhas que não consideram

graves o suficiente para que ocorra uma reclamação com a empresa, como se o consumidor

pudesse suportar o problema, sem se sentir demasiadamente insatisfeito. Alguns relatos

sugerem que as situações em que o consumidor “aceita” melhor as falhas são quando ele

percebe o problema como coletivo, por períodos não longos, e com prejuízos que não lhe

causam danos físicos ou monetários. Este comportamento de não reclamar diante de falhas

pode estar relacionado ao comportamento passivo característico da baixa renda já apontado

em estudos como os de Chauvel (2000) e Halstead, Jones e Cox (2007).

A presente pesquisa, no entanto, sugere outra interpretação para este comportamento.

Ao deixar de reclamar, os entrevistados adotam uma postura que não é passiva, pois

acreditam que escolheram não fazer o esforço da reclamação. Eles justificam que tal esforço

“não vale a pena” diante de falhas que consideram “aceitáveis”. Todavia, mudam sua postura

“passiva” quando se deparam com problemas “inaceitáveis”, tais como aqueles que os

levaram ao Nudecon.

Cabe lembrar que os entrevistados são um segmento particular, pois chegaram ao

Nudecon para reclamar de empresas. Nesse sentido, pouco se assemelham aos consumidores

passivos de baixa renda do estudo de Chauvel (2000). Um fator que pode explicar a diferença

de comportamentos entre ambos os grupos de entrevistados é que os da presente pesquisa

falam de seu aprendizado sobre como reclamar.

Alguns entrevistados argumentam que, no passado, não sabiam o que fazer quando se

deparavam com produtos defeituosos ou falhas de serviços que afetavam suas vidas. Todavia,

avaliam que mudaram, pois passaram a ter conhecimento sobre como agir em situações

insatisfatórias de consumo.

Quando falam de tal aprendizado, os entrevistados referem-se mais a um

comportamento proativo de reclamação do que algum conhecimento técnico sobre, por

exemplo, direitos do consumidor. Relatam uma “coragem ‘pra’ reclamar”, que adquiriram por

experiências próprias ou de familiares e amigos. Ao vivenciarem situações passadas de

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reclamações que trouxeram benefícios a si próprios ou para outros, passaram a sentir mais

confiança para enfrentar empresas. Desenvolveram, assim, visões positivas quanto à

reclamação, não temendo, inclusive, buscar algum tipo de ajuda legal.

Diferentes autores apontam que, se um consumidor vivencia, por experiência própria ou

de outros, episódios antecedentes de reclamação que resultaram em soluções satisfatórias, ele

desenvolve atitudes positivas em relação ao ato de reclamar. Em função disso, cada vez mais,

o consumidor se sente à vontade para fazer reclamações, quando se encontra em situações

adversas de consumo (BEARDEN; MASON, 1984; HIRSCHMAN, 1970; SINGH;

HOWELL, 1985).

Anderson, por exemplo, relata diversos casos de problemas de consumo, que somente

foram resolvidas quando reclamou ou tomou ações legais contra empresas. Entre elas,

destaca-se uma que ocorreu em um banco, quando o entrevistado não conseguiu sacar seu

dinheiro. Segundo Anderson:

Um dia, eu fui pegar a minha aposentadoria no banco. Eu sou aposentado. Eu botei o cartão na máquina, digitei a senha e esperei ‘pra’ sair o dinheiro. De repente, a máquina apagou. Aí, fiquei esperando, e nada. Aí, cheguei ‘pra’ garota que faz atendimento ali do lado de fora do banco (em referência à funcionária do banco) e disse: ‘Vem cá, minha filha, a máquina aqui apagou, e eu estou esperando o dinheiro’. Ela falou: ‘Vai naquela ali do lado’. Aí, quando eu entrei na conta, o dinheiro já ‘tava sacado. Eram mil reais. Eu falei: ‘O dinheiro sumiu’. Ela falou: ‘Sumiu? Vai lá falar com o gerente’... Aí, eu fui falar com o gerente. Aí, ele falou: ‘Calma, senhor, eu vou lá ver a fita’. Quando ele voltou, ele disse: ‘O senhor já sacou o dinheiro’. Eu disse: ‘Não saquei, meu irmão’. Ele disse: ‘O senhor sacou’. Aí, sabe o que eu fiz? Tirei a roupa. Tirei a roupa na frente dele, a camisa e a calça. Fiquei só de cueca. Aí, ele disse: ‘Não posso fazer nada’. Se o senhor quiser, vai ‘pra’ delegacia’. Eu fui. Aí, fiz a ocorrência. Depois, eu botei um processo contra eles. Levou um tempo, é assim mesmo. O advogado pediu a filmagem, a fita, e eles não forneceram. Falaram que já tinham queimado tudo. Aí, fui receber agora; três anos depois, mas recebi, graças a Deus. O juiz pediu a filmagem, pediu a fita, e eles não forneceram.

Luciana e José Roberto, por sua vez, falam que seus aprendizados sobre a reclamação

ocorreram a partir de experiências de diferentes pessoas, entre elas marido, esposa, sogra,

cunhado e irmã. Os entrevistados relatam como estes consumidores serviram de “modelos” e

orientadores sobre o que fazer diante de seus próprios problemas de consumo com prestadoras

de serviços, incentivando-os, inclusive, a buscar ajuda legal.

Os “modelos” de reclamação de Luciana e José Roberto são pessoas cujas realidades

socioeconômicas assemelham-se às deles. Josefina, entretanto, relata que “tomou coragem”

para reclamar sobre problemas de consumo a partir daquilo que via em sua patroa, “mais

velha” e “com dinheiro”, fazer:

Eu trabalho com uma senhora. Ela já é idosa, mas reclama de tudo. E, eu aprendi com isso. Eu dizia: “Por que quê ela, que tem dinheiro, reclama de tudo? Ela ‘tá

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certa, eu é que tenho que aprender a reclamar os meus direitos”... Eu aprendi com essa pessoa o seguinte: se ela tem direito, eu também tenho o meu!

Estudos anteriores (CHAUVEL, 2000; HEMAIS; CASOTTI, 2010) já haviam mostrado

que consumidores de baixa renda costumam se espelhar em pessoas de classes sociais mais

elevadas, reconhecidas por terem mais informação, na busca de soluções para problemas de

consumo. Sua justificativa para isto é porque desconhecem seus direitos ou as formas para

reclamar, o que dificulta sua articulação junto a empresas ou outros órgãos competentes

(HALSTEAD; JONES; COX, 2007).

O aprendizado relatado pelos entrevistados permite supor que seu maior conhecimento

sobre como reclamar tenha ocorrido em função de maior vivência de consumidores de baixa

renda em situações de consumo, se comparados ao grupo do estudo de Chauvel (2000). Na

época deste outro estudo, o segmento em questão ainda usufruía dos recém adquiridos

benefícios do Plano Real, podendo-se supor que, assim, possuía poucas experiências de

consumo (BARROS, 2006a; ROCHA, 2009).

Embora o aprendizado e a confiança relatados pelos entrevistados possam não

representar um comportamento adotado pela maioria dentro do segmento de baixa renda,

indica um avanço do conhecimento do consumidor sobre seus direitos. Entendendo a

importância disto, e desejando que tais avanços continuem, os entrevistados relatam como

compartilham o que aprenderam com outros, pois: “No Brasil, muitos não sabem seus

direitos”.

4.2.3 Descoberta dos problemas de consumo que levaram consumidores ao Nudecon

Em alguns casos, são os consumidores que descobrem a existência de um problema de

consumo, e, assim, iniciam sua história de reclamação com as empresas. Em outros, a própria

empresa ou empresas terceirizadas é que procuram o consumidor para alertá-lo sobre os

problemas.

Comunicação iniciada pelo consumidor

A situação mais comum encontrada nos relatos é a constatação do problema de

consumo pelo consumidor, seguida pela busca do contato com a empresa, a fim de entender o

ocorrido. Em alguns casos, o consumidor somente entende que está envolvido em um

problema de consumo quando se comunica com a empresa.

Ao contatar prestadoras de serviços, alguns entrevistados contam que descobriram que

os serviços contratados por eles foram descontinuados, sem que as empresas tenham se

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preocupado em informar sobre a interrupção. Isso acontece mesmo em casos em que o serviço

possui características específicas, tais como os serviços de saúde. Diferentemente do

fornecimento de luz ou água, cujo abastecimento é contínuo, e sua falta é facilmente

percebida, o rompimento de planos de saúde somente é percebida quando o consumidor

precisa usar o serviço, geralmente em situações delicadas de sua saúde, conforme Maria

Alessandra relata:

Uma colega precisou fazer um exame por causa de um problema no pescoço. Chegou lá (na clínica onde iria realizar o exame), e foi avisada que o plano de saúde ‘tá cancelado... A (nome da operadora do plano de saúde) não liberou, já estava cortado... Quando ela chegou lá (no local onde trabalha), chegou muito nervosa, aí ela falou ‘pra’ mim.

O pensamento de buscar conhecimento sobre necessidades e desejos a partir do contato

com o consumidor é coerente com os mais básicos conceitos de marketing (KOTLER;

KELLER, 2006). Em uma situação de insatisfação de consumo, entretanto, não é lógica essa

aplicação, pois a postura proativa, que deseja obter informações, é do consumidor, e não da

empresa.

Comunicação iniciada pela empresa

Essa forma de descoberta ocorreu com consumidores cujos problemas de consumo

ocorreram com operadoras de planos de saúde e instituições financeiras. As primeiras

negavam atendimento de seus serviços ou cortavam seus planos, comunicando seus usuários

sobre o ocorrido. As segundas, por sua vez, tomavam a iniciativa de informar sobre os

problemas de consumo ou interrupções na prestação de serviços, em geral, quando

constatavam perdas financeiras.

Quando souberam da interrupção dos serviços de suas operadoras de planos de saúde,

os entrevistados demonstram “choque” diante de uma situação vista por eles como de “vida

ou morte”. Diego conta de seu “desespero” quando soube que o seu plano de saúde e de sua

esposa - grávida - seriam cortados. Ana Luiza lembra que se sentiu “muito mal” após seu

pedido para a continuação do serviço de home care de sua mãe ter sido negado. Rafaela fala

sobre a sua “decepção” ao ser informada que o sobrinho não poderia realizar um importante

exame.

Para esses entrevistados, o rompimento do plano de saúde por parte da empresa os deixa

sem alternativa viável para a resolução de seu problema, e desamparado para enfrentar

situações que podem até colocar sua integridade física em risco. A alternativa de recorrer ao

sistema público de saúde é relatada como uma última medida, pois o atendimento prestado em

hospitais, clínicas ou unidades de pronto atendimento (UPA), oferecido gratuitamente, é visto

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como uma ameaça à vida. Denis acredita que sua esposa e filho (ainda por nascer) poderiam

estar mortos se dependessem desse serviço: “a saúde nos hospitais públicos é um caos... no

(hospital) público, você morre numa maca no corredor.”.

Os consumidores explicam que buscam uma solução particular, ao pagar por um serviço

que é alternativamente oferecido gratuito, pois acreditam que irão obter algo melhor, com

menos falhas. Todavia, percebem que, mesmo pagando, também estão sujeitos a vivenciar

problemas com operadoras de planos de saúde, quando avisam que não mais lhes oferecerão

atendimento. O não uso do serviço público foi uma escolha do consumidor. O não uso do

serviço privado, entretanto, é relatado como um rompimento da operadora. Enquanto os

entrevistados rejeitaram serviços públicos, foram rejeitados por serviços privados.

Ainda que serviços financeiros não sejam considerados de “vida ou morte”,

diferentemente de planos de saúde, os testemunhos daqueles que falam terem sido contatados

por instituições financeiras estão envoltos de experiências desagradáveis com as formas

agressivas que as empresas adotam para cobrar o pagamento de suas dívidas. Os entrevistados

descrevem como seus nomes foram postos em listagens de mal pagadores, tais como o SPC, e

falam sobre insistentes telefonemas e cartas.

Essas situações descritas possuem em comum a frustração daqueles que representam a

parte com menos poder para mudar os problemas de consumo, e a pouca mobilidade das

empresas em negociar ou propor alternativas que possam atenuar a gravidade das situações

ocorridas. Tais sentimentos parecem ser ainda mais agudos quando a descoberta do problema

é recebida pelo consumidor a partir de uma empresa terceirizada.

Comunicação terceirizada pela empresa

A terceirização de serviços é um fenômeno comum globalmente e também entre

empresas no Brasil, sendo sua prática adotada mais intensamente no país a partir dos anos

1990, após o mercado nacional se abrir (GIRARDI, 1999). Em sua defesa, autores apontam

que permite a empresas concentrarem esforços em competências centrais, aumentando, assim,

sua força competitiva (PRAHALAD; HAMEL, 1990). Entre os serviços terceirizados, alguns

são de natureza relacional com o consumidor, tais como os de atendimento ao cliente

(BARBOSA; MINCIOTTI, 2007) e cobranças (MEDEIROS; BRITO; ARAUJO, 2008).

Segundos os relatos, algumas prestadoras de serviços escolhem se comunicar com

consumidores sobre problemas de consumo a partir de empresas terceirizadas, especializadas

em cobranças. No caso de Pedro Carlos, seu conhecimento de que supostamente estava em

dívida com uma empresa varejista ocorreu quando recebeu um terceiro título protestado, pelo

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correio, de uma empresa de cobranças contratada pela rede varejista. José Roberto também

somente soube que seu plano de saúde seria suspenso quando recebeu uma carta de uma

corretora de seguros que representava a empresa. Rosália, por sua vez, conta como foi

desagradável receber ligações em seu celular de um escritório de advocacia, cobrando uma

dívida que o antigo dono da linha havia contraído.

Alguns relatos de consumidores que vivenciaram experiências desse tipo expressam um

sentimento de rejeição, já que as empresas, ao terceirizarem a sua relação ou o atendimento a

seus clientes, sinalizam que querem distancia deles ou de seus problemas de consumo. Além

disso, as empresas terceirizadas parecem ter menos autonomia para negociar uma alternativa

ou solução para os problemas.

Os entrevistados contam que, ao tentar negociar com empresas terceirizadas, encontram

dificuldades, pois os limites dentro dos quais é possível propor algum tipo de solução para o

problema de consumo são costumeiramente pré-determinados pela empresa prestadora de

serviços. Mesmo que o consumidor queira propor algum tipo de alternativa para resolver o

problema, a empresa intermediária não possui margem para negociar.

Ainda que a proposta feita a ele fosse considerada inaceitável, José Roberto parece,

mesmo assim, justificar essa estratégia empresarial de terceirização quando fala que, ao

colocar um intermediário entre ela e o consumidor, a prestadora de serviços se preserva em

um momento em que a relação entre ambas as partes está fragilizada. O isolamento do

“cliente problemático”, todavia, é visto por outros entrevistados como uma ação que somente

favorece a prestadora de serviço, pois ela não precisa lidar com o problema.

O princípio de que marketing busca fomentar relacionamentos de longo prazo com

clientes (LEVITT, 1960; KOTLER, 1972b) estaria, portanto, sendo deixado de lado para uma

visão de que o mais importante é a empresa atingir metas de vendas, e cada vez mais lucrar.

Dessa forma, o potencial consumidor, que sequer se relaciona com a empresa, é mais bem

visto do que o atual consumidor, que já possui uma relação comercial, e paga por seus

serviços.

Knights, Sturdy e Morgan (1994) explicam que é natural esforços de pós-vendas

possuírem menor relevância em empresas. Segundo os autores, existe uma tensão entre

funcionários para aumentarem lucratividade, ao mesmo tempo em que devem satisfazer

consumidores. Enquanto o aumento de lucros é alcançado quando a base de compradores é

elevada e custos são reduzidos, atingir a satisfação de consumidores exige aumento de gastos,

para que diferentes necessidades e desejos possam ser atendidos. Na visão dos autores,

empresas acabam priorizando, então, investir recursos em atividades que alavanquem vendas

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e melhorem processos produtivos, ao invés de ações de marketing desenvolvidas para estreitar

relacionamentos com clientes.

Síntese dos problemas de consumo que levaram consumidores ao Nudecon

Embora não tenha sido intencional na seleção dos entrevistados, os relatos trazem uma

diversidade de problemas de consumo com prestadoras de serviços, que abrangem desde

cobranças de dívidas indevidas e cortes de planos de saúde ou de linha telefônica, até falta de

fornecimento de energia elétrica, e superendividamento, como ilustra a Tabela 2. Uma

descrição mais detalhada sobre os problemas de consumo de cada entrevistado pode ser

encontrada no Apêndice E.

Tipos de Problemas de Consumo

Setor(es) das Empresas Envolvidas nos Problemas

Entrevistados Afetados

Cobrança de dívidas não contraídas pelo consumidor

Telecomunicações, Energia Elétrica e Águas e Esgotos

Angelina, Isadora, Jucineide, Laurita, Monica, Pedro Carlos,

Rosália e Rosileide

Superendividamento Financeiro Gabriela, Irene, Jandira, José

Carlos, Luciana, Roberta, Romilda e Rubia

Suspensão parcial ou total de uso do serviço

Telecomunicações, Planos de Saúde, Energia Elétrica

Anderson, Ana Luiza, Denis, José Roberto, Josefina, Maria

Alessandra e Rafaela

Cobrança de valores indevidos Telecomunicações e Gás Flavia, Marcia, Pedro Roberto e

Valéria

Tabela 2: Tipos de Problemas de Consumo Relatados pelos Entrevistados

Diante desses tipos de problemas de consumo, os entrevistados relatam diferentes

formas como lidaram com a situação. Culparam tanto a si quanto as prestadoras de serviços.

Em alguns casos, ainda, perceberam a culpa de terceiros em suas histórias.

4.3 FORMAS COMO CONSUMIDORES LIDAM COM PROBLEMAS DE CONSUMO

Ao longo das entrevistas, foi possível observar diferentes formas como os entrevistados

lidavam com os problemas de consumo. Um grupo de consumidores, denominado aqui de “eu

sou o problema”, era mais condescendente com a participação das empresas, pois se colocava

como a origem do problema de consumo. Um segundo grupo acredita que “a empresa é o

problema”, não colocando em dúvida quem é o culpado pelo problema de consumo, alvo da

reclamação ao Nudecon. Um terceiro grupo, ainda, acredita que “um terceiro é o problema”,

atribuindo a outras partes, que não somente consumidores e prestadoras de serviços, sua

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situação insatisfatória. Esse item constrói as lógicas percorridas por estes três tipos de

consumidores em suas reclamações.

4.3.1 “Eu sou o problema”

Nesse grupo, os consumidores descrevem a si próprios como os catalisadores dos

problemas de consumo que deram origem a suas histórias de reclamação. Mesmo que estejam

no Nudecon para reclamar de empresas, por acreditarem que elas são responsáveis, ao menos

em parte, pela situação problemática em que se encontram, os entrevistados parecem colocar

as prestadoras de serviços em um nível hierárquico superior ao deles, encontrando

justificativas que diminuem a culpa empresarial pelo ocorrido.

Os consumidores que se enquadram no grupo “eu sou o problema” são apresentados a

seguir, na Tabela 3.

Consumidores Setor da Empresa Reclamada

Gabriela, Irene, Luciana, José Carlos, Rubia, Roberta, Jandira e

Romilda Financeiro

Maria Alessandra, José Roberto, Ana Luiza e Rafaela Plano de Saúde

Laurita e Monica Águas e esgotos

Tabela 3: Consumidores do grupo “Eu sou o problema”

Mesmo apresentando uma visão de culpa por seus problemas de consumo, esse grupo é

caracterizado por três diferentes comportamentos, práticas e visões, apresentados a seguir.

Culpa e castigo

Os entrevistados que apresentam culpa e castigo em seus relatos são consumidores que

tiveram planos de saúde suspensos por inteiro ou parcialmente por operadoras. Maria

Alessandra é um desses casos, conforme visto em seu relato sobre o problema de consumo

que vivenciou:

Eu tenho um plano de saúde da (nome da operadora de plano de saúde), que era um plano empresa, para ser um plano mais barato e que abrangesse tudo... Cada funcionário paga o seu plano total. Nós pagamos esse plano durante seis anos, e agora, nós tivemos uma surpresa.

Eu sou sobrepeso, eu preciso de uma cirurgia bariátrica, sou hipertensa e cardíaca. Dessa relação de funcionários, só eu usava muito esse plano de saúde por causa dessas doenças pré-existentes que eu tenho. Eles (em referência à operadora do plano de saúde) disseram ‘pra’ gente que não querem mais a gente como cliente... Eu perguntei se era porque a gente estava gastando muito, e eles disseram: “Ah, não tem o quê dizer ‘pra’ senhora; simplesmente, consta aqui que o contrato está rescindido”. Com seis meses de uso do plano, tanto a gente (empresa em que a

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entrevistada trabalha) poderia cancelar esse plano, quanto eles (operadora do plano de saúde) poderiam cancelar.

O relato de Maria Alessandra não possui tom de revolta, mas, sim, de culpa, e ilustra

bem a lógica que busca encontrar justificativas ou perdão na empresa que cancelou

repentinamente o plano de saúde. Ela apresenta uma lista de seus graves problemas de saúde

(“sou sobrepeso... hipertensão e cardíaca”) que consequentemente a fazem usar em demasia o

serviço. Ao buscar uma explicação para o cancelamento, ela antecipa sua culpa ao alegar estar

“gastando muito”.

A culpa assumida por Maria Alessandra é também encontrada em outra história, a de

Rafaela, que representa seu sobrinho, “que sofreu um AVC”, no Nudecon, para reclamar de

um plano de saúde. O motivo de sua ida ao Núcleo foi por causa de uma operadora que negou

a seu sobrinho a realização de um “exame caro”. No passado, ele já havia sofrido problemas

com outra operadora, que suspendeu seu contrato, pois, segundo a entrevistada, “ele usou tudo

o que tinha direito”, não era mais “interessante”, reforçando à entrevistada a ideia de que seu

sobrinho é um custo que nenhuma empresa deseja se responsabilizar.

Já a situação relatada por Ana Luiza sugere mais do que a parcela de culpa pelo

problema de consumo. Além de justificar a ação de uma operadora de planos de saúde de

suspender um serviço de home care pelo fato de sua mãe idosa representar altos gastos, a

entrevistada também demonstra receio pelo “castigo” de estar recebendo benefícios “demais”,

depois que ganhou uma ação intermediada pelo Nudecon contra a operadora. Ana Luiza

parece não ver que possui direito aos diversos benefícios oferecidos à sua mãe, e demonstra

preocupação com o aumento dos gastos para a prestadora de serviços, como se estivesse

ultrapassando um limite, e não apenas obtendo o que havia contratado da empresa.

Dúvida e ressentimento

Outro tipo de relato, que pode ser incluído no grupo “eu sou o problema”, não fala de

serviços de saúde, mas de problemas de consumo com concessionárias de serviço públicas.

Essas histórias, no entanto, sinalizam que, mesmo assumindo a culpa por condições

irregulares no uso dos serviços, há dúvidas não somente práticas, mas também morais, em

relação ao que ocorreu.

Laurita conta sobre seu problema de consumo relacionado a fornecimento de água. Há

tempo ela abastecia sua residência por meios irregulares. Todavia, quando decidiu regularizar

sua situação, colocando um hidrômetro para registrar seus gastos de água, passou a ser

cobrada elevados valores, maiores do que deveria pagar. A entrevistada lamenta que, caso

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tivesse regularizado seu fornecimento mais cedo, quando a concessionária pública estava

mudando a forma de abastecimento de água na região onde mora, acredita que não teria

passado por tais problemas.

No entanto, alguns aspectos do ambiente social em que vivem os entrevistados põem

em dúvida a moralidade da decisão de consumidores como Laurita. O primeiro aspecto diz

respeito ao grupo social ao qual pertencem, onde a prática do “gato” se instalou em meio à

ausência das mesmas empresas concessionárias. Há também a crença de ser incoerente o

relacionamento com as empresas, pois, ao buscarem assumir que “eu sou o problema”, não

encontram qualquer tipo de reconhecimento por parte das empresas a tais iniciativas.

Por vezes, sentem-se penalizados por terem procurado agir com correção. Durante o

tempo em que utilizavam serviços de maneira irregular, em alguns casos durante anos,

pareciam invisíveis para essas empresas, e não receberam qualquer tipo de punição ou

cobrança. Porém, a ação de buscar regularizar a situação com os prestadores de serviços, algo

que poderia diferenciá-las como cidadãs e consumidoras cumpridoras de suas obrigações, não

recebe reconhecimento por parte das empresas. Acaba sendo, na verdade, a origem de seus

processos de reclamação ao Nudecon, pois passaram a conviver com problemas causados por

essa iniciativa. Assim, o que era para ser visto como algo moralmente nobre, de

reconhecimento, parece se inverter.

O relato de Laurita traz lamentos de que “de nada adiantou” tentar agir corretamente,

pois empresas não reconhecem que “a gente quer agir na honestidade, mas olha só no que

deu... Melhor seria ficar como antes”. A prática correta, portanto, pode não ser a melhor

opção para esse grupo de consumidores, já que seus “gatos” são ignorados, mas a tentativa de

agir corretamente é punida.

Descontrole e abusos

Além de consumidores de planos de saúde e de concessionárias públicas, consumidores

com problemas de superendividamento que foram entrevistados também assumem culpa pela

origem do problema de consumo que os levou até o Nudecon. Reconhecem que tudo começou

por “descontrole financeiro”, e assumem que a decisão de contrair os empréstimos foi deles.

No entanto, nesse grupo de endividados, pode ser feita uma distinção entre a origem do

descontrole em duas perspectivas. A primeira atribui o excesso de dívidas a desejos por um

tipo de consumo considerado supérfluo. Nesses casos, foram anotadas explicações como: “eu

me excedi”, “não resisti à tentação” “queria ter coisas boas em casa”, “queria fazer coisas”.

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Por se tratar de um tipo de consumo que foge às necessidades essenciais de qualquer

pessoa, os entrevistados falam de suas “fraquezas” por não resistirem a impulsos consumistas,

e justificam que empresas estavam em seu “direito” cobrá-los por dívidas não pagas: “Eles

tinham que fazer pressão, porque é o papel deles cobrar”, diz José Carlos. O entrevistado traz,

assim, para si, uma lógica que acredita ser pouco presente em empresas. Ele procura ver o

lado delas, colocar-se no lugar delas, e até compreender que elas devem “perseguir” aqueles

consumidores que não estão pagando.

Os relatos de outros entrevistados, por sua vez, apontam para endividamentos que foram

contraídos a partir de situações emergenciais, relacionadas a problemas de saúde. Estes

consumidores falavam sobre pagar stents (dispositivo para dilatar vasos ou dutos sanguíneos)

para a realização de uma operação cerebral, tratamento dentário, remédios para problemas

cardíacos e de depressão, ou, mesmo, despesas do dia a dia, como ocorreu no caso de Rubia,

pois estava sem receber salário do hospital onde trabalhava, que estava em um processo de

falência.

Os dois grupos, mesmo diferentes na forma como se superendividaram, são semelhantes

quando atribuem parte da culpa por sua situação às empresas financeiras e suas políticas de

obtenção de crédito, mas a altos juros. Gabriela, por exemplo, conta que chegou a contrair

sete empréstimos com uma instituição financeira. Em nenhum momento, segundo a

entrevistada, a empresa lhe negou o serviço. Ela diz que sua sobrevivência estava em risco,

mas acredita que foi levada a esse comportamento por falta de orientação da instituição,

conforme relata a seguir:

Não tive uma pessoa ‘pra’ na hora me frear... Achei que eu fui além do que eu tinha que receber... No momento que você ‘tá precisando do dinheiro, você não pensa, você quer pegar, você quer fazer as coisas... Eles (em referência à instituição financeira reclamada) deixavam um real na minha conta, dois reais. De 1.400 reais, era o que me sobrava todo mês. E cadê dinheiro ‘pra’ pagar meu remédio?... Meu plano de saúde até hoje ‘tá atrasado.

Além da falta de orientação sobre como controlar suas finanças, estes entrevistados

falam das facilidades para obter crédito: “Tudo a um click. Você abre o computador, a

internet, ‘tem disponível, então, vou pegar’.”, comenta José Carlos. Pensam que é proposital

instituições financeiras oferecerem empréstimos quase sem restrições, pois seu interesse

maior é atrair consumidores, justamente quando estão fragilizados, necessitando, por um

motivo ou outro, de recursos financeiros.

Cabe observar que o Nudecon não trata esse grupo de superendividados como casos

emergenciais em sua defesa junto às instituições financeiras. Em entrevistas feitas com

defensores públicos, esses profissionais sugerem que outros consumidores possuem situações

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mais delicadas, complexas ou desfavoráveis. Este grupo de entrevistados também parece

entender essa lógica, já que assume de forma mais transparente sua importância na geração de

seus problemas de consumo.

Alguns entrevistados sugerem que gostariam de ter evitado a intermediação de seus

problemas pelo Nudecon, como se a necessidade de recorrer à defensoria pública

representasse ainda mais culpa pelo problema de consumo. Irene, por exemplo, diz que

preferia que a instituição financeira com quem estava endividada renegociasse suas parcelas

para que pudesse “seguir em frente”, sem parecer se importar com os juros abusivos ou outras

práticas inadequadas. Esta forma de pensamento mostra que a ida ao Nudecon não possui

apenas o lado positivo da luta pelos direitos ou pelo que é justo. Para esses consumidores, a

experiência traz junto mais uma comprovação de que “falharam” em não conseguir “honrar”

seus compromissos financeiros.

4.3.2 “A empresa é o problema”

Diferentemente do grupo anterior, estes consumidores acreditam que não possuem culpa

pela existência da situação insatisfatória, apontando as prestadoras de serviços como as

principais responsáveis pelos problemas de consumo vivenciados por eles. Os entrevistados

que se enquadram nessa tipologia de comportamento são apresentados a seguir, na Tabela 4:

Consumidores Setor da Empresa Reclamada

Anderson, Flavia, Marcia e Pedro Roberto Telecomunicações

Isadora e Josefina Energia Elétrica

Valéria Gás

Pedro Carlos Varejista

Tabela 4: Consumidores do grupo “A empresa é o problema”

Esses consumidores isentam-se de culpa pelo ocorrido pois acreditam que não

participam do contexto empresarial, ou seja, das decisões que ocorrem dentro de empresas.

Esse tipo de comportamento também foi observado no estudo de Chauvel (2000), porém

somente encontrado entre consumidores de alta renda; os de baixa renda tendiam a assumir a

culpa pelo ocorrido.

Os achados apresentados aqui, portanto, mostram mudanças de comportamento de

consumidores de baixa renda. Mesmo sendo de segmentos de baixa renda, os entrevistados da

presente pesquisa responsabilizam as prestadoras de serviços por vivenciarem situações

insatisfatórias, comportando-se de forma semelhante aos consumidores de alta renda do

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estudo de Chauvel. Tais apontamentos sugerem que outras características individuais, que não

somente o nível de renda, também parecem contribuir para que esses consumidores assumam

mais a culpa por um problema de consumo ou atribuam-no mais a empresas prestadoras de

serviços.

Em seus relatos, os entrevistados justificam a culpa das empresas de diversas formas.

Falam que são enganados quando elas vendem uma coisa, mas, na prática, “não é nada disso”

ou quando são atraídos a consumir de determinada prestadora de serviços, porém somente

“caem na real” quando surgem problemas. Em seus testemunhos, foi possível identificar

níveis diferentes de atribuição da culpa das empresas, sendo esses relacionados a fatores dos

mercados em que elas atuam e de seus funcionários.

O mercado das empresas é o problema

Alguns entrevistados que se isentam de culpa explicam o problema das empresas em

falhar em atendê-los a partir de aspectos relacionados às condições de mercado em que elas

atuam. Esses consumidores falam, por exemplo, que as prestadoras de serviços adotam

estratégias para crescer e fazer frente a seus concorrentes, porém sem considerar como tais

estratégias impactam no seu relacionamento com clientes:

Eu acho que eles estão perdidos. A empresa está crescendo, eles estão ganhando muitos clientes, mas não estão sabendo administrar isso (Marcia).

Depois de se juntar à outra instituição financeira, a operadora começou a bagunçar o meu coreto (Roberta).

Em função desse contexto, a explicação que predomina entre os entrevistados é de que

empresas preferem obter ganhos financeiros a promover a satisfação de seus consumidores.

Conforme aponta uma entrevistada, em tom irônico: “eles (empresas) não são culpados, é uma

instituição. Você sabe como é com dinheiro... quanto mais tem, mais eles querem”. Parecem

culpar, assim, um sistema capitalista de mercado, mais preocupado em pensar sobre meios

para aumentar os lucros de empresas do que gerar uma melhora para a sociedade.

O funcionário da empresa é o problema

Outros relatos, no entanto, situam as prestadoras de serviços em um contexto que parece

ser grande demais ou distante demais de suas realidades, e, como consequência, tendem a

justificar o problema de consumo pela “má fé” de “alguém” que trabalha na empresa, um

elemento mais próximo e mais fácil de imaginar, como conta Pedro Roberto:

Pelo o que eu estou entendendo, tem alguém que está a fim de prejudicar a (nome da operadora telefônica). Eu estou achando que tem gente a fim de fazer festinha com a (nome da operadora telefônica). De repente, um funcionário, que não está satisfeito

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com o salário ou não está satisfeito com a (nome da operadora telefônica), e quer ser mandado embora... Aí, começa a prejudicar a gente... Quem é prejudicado somos nós, mais do que a (nome da operadora telefônica).

Por personificarem as falhas das prestadoras de serviços, funcionários passam a ser

descritos pelos entrevistados como: “despreparados”, “não são sérios” e “não sabem nada”,

como se fossem separados da instituição empresa. Em função disso, são vistos como

responsáveis pelos problemas de consumo vividos por estes consumidores, tal como relata

Josefina, que perdeu diversos aparelhos eletrodomésticos, porque funcionários de uma

concessionária pública equivocadamente inverterem a voltagem elétrica que entra em sua

casa, de 110 para 220 volts: “Queimou geladeira, queimou micro-ondas, queimou chuveiro,

queimou ventilador. Queimou tudo!”.

4.3.3 “Um terceiro é o problema”

Alguns consumidores também englobam em seus relatos sobre problemas de consumo

com prestadoras de serviços outros agentes que, a seu ver, também seriam responsáveis por as

situações insatisfatórias vividas por eles. Os entrevistados que se enquadram nessa tipologia

de comportamento são apresentados a seguir, na Tabela 5:

Consumidores Setor da Empresa Reclamada

Angelina e Jucineide Águas e esgotos

Rosália Financeiro

Rosileide Telecomunicações

Denis Plano de Saúde

Tabela 5: Consumidores do grupo “Um terceiro é o problema”

Esses consumidores falam sobre vizinhos, outros consumidores que sequer conhecem e,

até, as empresas para quem trabalhavam, como se uma ação (ou falta de ação) desses terceiros

colaborasse para gerar o caso, conforme é apresentado a seguir.

Um vizinho é o problema

Ao discorrer sobre vizinhos “envolvidos” em seus casos, os entrevistados referem-se a

eles como “indiferentes” ao fato de haver uma situação insatisfatória, da qual esses terceiros

fazem parte. Isto ocorre porque, embora o problema de consumo seja coletivo, normalmente

somente um dos envolvidos é culpado pela empresa. Como não são afetados, os vizinhos

acabam por continuar “irregulares”, ao invés de corrigir o problema também causado por eles.

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As justificativas dos entrevistados para os motivos de os vizinhos agirem dessa forma se

baseia na crença de que eles não querem gastar seus recursos, seja de tempo ou dinheiro, para

regularizar o equívoco. Além disso, a ajuda aos entrevistados significaria que alguns desses

terceiros precisariam apaziguar disputas e desavenças passadas, muitas vezes violentas. Os

relatos falam de “brigas”, que chegaram a ser “de soco” e, até, cercadas de ameaças com

armas de fogo em mãos. Dificilmente, portanto, seria possível alcançar “uma paz”. Pelo

contrário, os entrevistados acreditam que é justamente por causa de eventos passados que os

vizinhos preferem ficar irregulares a adotarem quaisquer ações que possam beneficiar seus

“inimigos”.

Para os entrevistados, a única forma de resolver o problema de consumo, havendo

ambiente violento entre vizinhos, seria empresas se envolverem, a fim de apoiar uma solução

para o caso. Todavia, o que os relatos sugerem é que, além das dificuldades para resolver

individualmente um problema coletivo, os entrevistados percebem que empresas apenas se

preocupam em saber “quem vai pagar a conta”. Não importa a elas a quantidade de pessoas

responsáveis pela situação; atribuem o problema “ao primeiro que se apresenta”, sem oferecer

alternativas para ele resolver um problema coletivo.

Um consumidor desconhecido é o problema

Embora os casos de “um vizinho é o problema” apresentem dificuldades de resolução,

ao menos há uma ou mais pessoas conhecidas a quem se pode apontar a culpa. Rosália,

entretanto, fala sobre outro consumidor, “um tal de Luciano”, que desconhece, mas que

supostamente seria o responsável por uma dívida com uma instituição financeira, que agora é

cobrada a ela. A entrevistada não sabe de quem se trata, portanto, não sabe como chegar a ele

e pedir que assuma seu erro. Em função dessa situação, imagina que a ela somente resta

delegar a tarefa de encontrar o “Luciano” à empresa. Porém, o que percebe é que o problema

continua sendo atribuído a ela, mesmo depois de informar que desconhece o endividado.

Em algumas situações, os entrevistados falam sobre tentativas de contatar esses outros

consumidores “desconhecidos”, em busca de uma solução aos problemas de consumo.

Rosileide afirma que ligou para os números de telefone que constantemente apareciam em sua

conta telefônica, com altos valores cobrados por ligações, mas que ela não sabiam de quem

eram. A entrevistada justifica sua iniciativa por acreditar que, se conseguisse contato com

alguém “do outro lado” da linha telefônica, poderia “conversar com a pessoa”, a fim de

entender o ocorrido e explicar para o desconhecido o que estava acontecendo: “De repente,

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essa pessoa nem sabe o que ‘tá acontecendo com o número dela... De repente, nem foi ela que

ligou.”.

Esse movimento espontâneo de “encontrar” tais consumidores desconhecidos tem como

finalidade mostrar às empresas que os problemas de consumo não são culpa dos entrevistados.

Se dependessem das prestadoras de serviços para “caçar os verdadeiros” culpados, eles sabem

que iriam esperar “sentados”, pois, uma empresa reconhecer que um terceiro é a causa do

problema significa admitir estar errada em culpar os entrevistados. Aguardar que isso ocorra,

portanto, “é pedir demais” das prestadoras, segundos os entrevistados, já que elas são

“arrogantes”, e dificilmente reconheceriam seus erros.

Outra empresa é o problema

Denis fala que seu problema de consumo surgiu após ser demitido (“sem justa causa”,

enfatiza o entrevistado), resultando em seu plano de saúde ser cortado. Embora a “briga” de

Denis seja com a operadora, pois desejava manter o serviço para sua esposa, dependente, que

passava por uma gravidez de risco, refere-se à empresa que o demitiu como “inconsciente”,

em função de seu desinteresse em ajudá-lo com a situação vigente. Segundo o entrevistado,

quando ligava para a antiga empresa, em busca de informações sobre como agir para resolver

seu caso, ouvia: “O senhor já foi desligado, a gente não tem nada a declarar. Se você quiser,

liga ‘pro’ plano’.”.

Para Denis, a culpa por seu plano de saúde ter sido cortado é mais de sua antiga empresa

do que dele, pois foi ela quem o demitiu, sem considerar a situação delicada pela qual ele e

sua esposa estavam passando. Segundo o entrevistado, a antiga empresa teria condições de

ajudá-lo, intervindo em seu favor com a operadora do plano, evitando que precisasse buscar

ajuda do Nudecon.

Ao encontrar um terceiro a quem culpam por seus problemas de consumo, os

entrevistados diluem ainda mais sua possibilidade de culpa pelo evento insatisfatório. Não

somente a prestadora de serviços, mas também outra parte é vista como responsável. O

consumidor, nessas situações, é a vítima de ações que ele não controla. Sofre, por um lado,

em função de algo que um terceiro fez, e, por outro, pela reação que empresas adotam quando

imaginam estar sendo prejudicadas. Ele não se vê merecedor de tamanhos “castigos”, mas

dificilmente conhece como fugir deles. Se a empresa não muda sua postura, e o terceiro de

pouco ajuda, cabe ao entrevistado “carregar o fardo”.

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4.4 RECLAMAÇÕES A PARTIR DO PROBLEMA DE CONSUMO

Embora os consumidores apresentem distintas formas de lidar com os problemas de

consumo, atribuindo culpa a si, às empresas ou a terceiros, suas reações à situação em que

vivem seguem um mesmo comportamento a partir do momento que decidem reclamar às

prestadoras de serviços, com o objetivo de resolverem seus casos.

É nesse momento que os indivíduos dos grupos “eu sou o problema” e “um terceiro é o

problema” passam a ver nas prestadoras de serviços maior participação na culpa por suas

situações insatisfatórias. Não chegam ao ponto de pensar como o grupo “a empresa é o

problema”, mas passam a reconhecer que tais empresas representam importante parte de suas

experiências negativas.

O item a seguir discute como os entrevistados acreditam que empresas dificultam o

acesso a uma resolução de um problema de consumo quando consumidores reclamam a elas.

Também, discorre sobre as opiniões sobre como todas as empresas são iguais na forma como

tratam seus clientes e suas reclamações. Por fim, debate a visão dos entrevistados a respeito

da maneira como as prestadoras de serviços igualam consumidores e suas reclamações, sem

diferenciá-los em função do tempo que são usuários de seus serviços.

4.4.1 Desestímulo à reclamação de consumidores

Os relatos mostram que, quando reclamaram, os consumidores estavam abertos a

negociar soluções a seus casos, mas que não encontraram empresas que compartilhassem

dessa mesma intenção. Na verdade, acreditam que a outra parte cria dificuldades, a fim de

irritar e desestimulá-los a continuar perseguindo uma solução a seus problemas de consumo.

Tais dificuldades se apresentaram aos entrevistados de diferentes formas. Eles falam de

deslocamentos a diferentes e distantes escritórios da empresa, ligações bruscamente

interrompidas, impossibilidade de registrar reclamações, em função de “sistemas fora do ar”,

e esperas longas para serem atendidos. Isadora, por exemplo, conta que esperou por “quatro

horas” para ser atendida, mas desistiu de aguardar, e foi embora se sentido “super frustrada”.

O caminho das reclamações deste grupo de consumidores até chegar ao Nudecon passa

pela busca de um canal de comunicação oferecido pelas prestadoras de serviços, para expor

sua situação insatisfatória. O telefone aparece como o primeiro e principal meio para os

entrevistados encontrarem alguém da empresa que lhes “dê ouvidos”. Porém, acabam por

serem “inúteis” frente às “difíceis” condições oferecidas pelas prestadoras de serviços.

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Comumente, os entrevistados que fizeram reclamações por telefone relatam que um dos

fatores que mais os desagradavam era ficar ouvindo “aquela musiquinha horrorosa”, enquanto

aguardavam ser atendidos. Ao invés de servir como uma distração, a “musiquinha” é

associada a eventos negativos durante a reclamação, tais como esperas longas e transferência

de atendimento a outro departamento, forçando o consumidor a contar novamente seu

problema a outro funcionário.

Mas, não são as músicas que mais decepcionam os entrevistados. O principal fator que

os levam a pensamentos de que empresas criam dificuldades para desestimular reclamações

de consumidores é a forma como são tratados por funcionários. Alguns falam que, enquanto

faziam reclamações, sentiam que estavam sendo “julgados”, como se estivessem errados em

reclamar sobre o ocorrido, e que não deveriam prosseguir com suas queixas, pois dificilmente

encontrariam soluções para elas:

Eu sentei com a gerente e falei: “Poxa, já tem seis meses que eu ‘tô’ tentando negociar com vocês, e vocês não me deram resposta. Vocês não ligam ‘pro’ cliente ‘pra’ saber se tem uma proposta de negociação?” Aí, a gerente falou assim: “Aqui no (nome de uma instituição financeira) a gente não trabalha com esta política de correr atrás do cliente.” (Rubia).

Eu pedi para abrirem (em referência à operadora de telecomunicações reclamada) uma solicitação ‘pra’ consertar o erro (em referência a cobranças incorretas de valores na conta da entrevistada). Aí, falaram ‘pra’ mim o seguinte: “A senhora vai perder o seu tempo, porque não vai adiantar nada.” (Marcia).

Além do tratamento ruim dos funcionários, os relatos também mostram que os

entrevistados precisaram lidar com o despreparo dos funcionários, que deveriam auxiliá-los a

resolver seus problemas de consumo. Flávia relata que três funcionários de uma operadora de

telecomunicações foram à sua casa, em momentos diferentes, para tentar resolver um

problema com o serviço de internet. Não achando solução, diziam à entrevistada que iriam

verificar se a falha era originada na própria empresa, e que dariam retorno a ela sobre o caso.

Em nenhuma vez, Flávia obteve explicações posteriores à visita.

Um agravante relatado pelos entrevistados para a percepção negativa que possuem de

empresas e as condições que criam para desestimular reclamações é o fato de informações

passadas ao consumidor não serem claras. Os reclamantes falam como não conseguiram obter

explicações sobre o que ocorreu, e quais procedimentos seriam tomados para a situação se

extinguir. Desejavam conhecer o plano de ação a ser implementado, pois, assim, manteriam

esperanças de que seus casos seriam solucionados. Entretanto, contam que, a cada vez que

contataram as empresas, ouviram de diferentes funcionários distintas informações,

confundindo-os sobre o que seria feito para solucionar seus problemas de consumo.

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Os diferentes tipos e níveis de dificuldades que os entrevistados relatam terem

enfrentado durante o processo de reclamação com as empresas indicam que esses têm como

consequência não o conforto de solucionar o problema, mas, sim, o aumento de sua

insatisfação. Todos os entrevistados relatam diversos contatos com as prestadoras de serviços

(“mais de vinte vezes”, relata Pedro Carlos), em busca de uma solução, acreditando que,

assim, estariam criando oportunidades para o quadro de insatisfação ser revertido. Contudo,

nada aconteceu por parte das reclamadas.

Em função disso, os relatos sugerem certo “desespero” dos reclamantes, na tentativa de

usar os canais de comunicação disponibilizados pelas empresas, para reclamarem seus

problemas de consumo. Tal sentimento se relaciona ao fato de começarem a perceber que as

prestadoras de serviços estavam dificultando a resolução de seus casos e nada poderem fazer a

respeito para mudar a situação. No que contam, abaixo, chama a atenção a inexistência de

retorno da empresa para seus clientes, quando as tradicionais cartas, os atuais e-mails ou

mesmo o popular telefone ficam sem resposta:

Liguei primeiro para o escritório (de cobrança), e falei que o número ‘tava errado, que eles deveriam verificar o número. Depois, fui numa agência do (nome da instituição financeira reclamada) e falei com a gerente. Depois, escrevi uma carta, e deixei na agência uma cópia. Nada foi feito, continuou a cobrança (Rosália).

Ninguém fala comigo. Eu que tenho que ir a eles (em referência à operadora de telecomunicações reclamada). Eles não ligaram pra mim ou passaram mensagem. Eu entrei no site da (nome da operadora de telecomunicações reclamada), me cadastrei lá, passei e-mail, contei tudinho, ‘pra’ poder resolver o mais rápido possível, e ninguém manda e-mail de volta, entendeu? (Rosileide).

Eu liguei seis vezes, em dias diferentes, em horários diferentes, falei com pessoas diferentes. Eu tenho protocolos, mas não consegui nada. Não consegui resolver nada (Maria Alessandra).

Uma explicação para o motivo de empresas agirem desta forma é encontrada em

Ryngelblum, Vianna e Rimoli (2013). Os autores sugerem que empresas desenvolvem

estratégias para lidar com reclamações de consumidores, que consistem em não atender ou

somente parcialmente atender a tais demandas, de forma que os reclamantes desistam de

reverter seus problemas de consumo, com o tempo.

Harris e Ogbonna (2010) também contribuem para esta discussão quando apontam em

seu estudo que é comum funcionários de diversos níveis hierárquicos (tanto operacional

quanto gerencial) de empresas de serviços esconderem reclamações de consumidores.

Segundo os autores, estes profissionais fazem isto como forma de evitarem consequências

negativas para si, que possam surgir a partir das queixas de clientes.

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4.4.2 “Todas as empresas são iguais”

Os relatos sugerem que os entrevistados sabem, a partir de boca a boca negativo ou de

informações divulgadas em mídias de massa, que concessionárias públicas e empresas dos

setores financeiro, de telecomunicações, de planos de saúde e varejista são frequentemente

alvo de reclamações de consumidores. Acabam, em função disto, formando um pensamento

de que todas as empresas são iguais na forma como maltratam seus consumidores e lidam

com suas reclamações.

Assim, ao relatarem sobre as épocas quando adquiriram os serviços de tais empresas, os

entrevistados falam de baixas expectativas quanto ao seu desempenho, como se já previssem

que teriam insatisfações futuras. Entretanto, mesmo sendo nesse nível, relatam que suas

expectativas sequer foram igualadas, pois o atendimento pós-venda foi “pior do que”

achavam. Mesmo imaginando que poderiam sofrer problemas com o serviço e dificuldades

para resolvê-los, não pensavam que suas solicitações seriam negadas.

Marcia, quando fala sobre uma cobrança de conta indevida de sua operadora de

telecomunicações, conta que não ficou surpresa com o problema. Segundo a entrevistada,

mesmo antes de se tornar cliente da empresa, ela havia ouvido de seu marido e de outras

pessoas que era uma prática da operadora atribuir valores não acordados com consumidores a

suas faturas. Portanto, quando seu problema ocorreu, sabia que era “mais uma” a sofrer do

mesmo caso.

Marcia explica que “queria aquele plano da promoção da empresa” e decidiu “correr o

risco”. Quando questionada sobre o seu arrependimento quanto a ter ignorado o aviso dos

outros, diz que não pensa dessa forma. Argumenta que correria o mesmo risco com todas as

operadoras de telecomunicações, generalizando assim a imagem ruim das empresas do setor.

A imagem negativa de setores em que as prestadoras de serviços atuam é também

compartilhada por Gabriela, ao sugerir que os bancos são todos ruins em sua relação com os

clientes, e que não sabem diferenciar aqueles “melhores” ou “mais antigos”:

Todos os bancos são iguais. Na hora que você sucumbi, como eu sucumbi, eles agem da mesma maneira. Eles não querem saber se você ‘tá embaixo, se você ‘tá em cima, se você teve 15, 20, 30 anos com eles. Todos são iguais.

Os relatos de Marcia e Gabriela sugerem que elas sabem que suas experiências

negativas não são exceções, considerando-se a “fama” ruim das prestadoras de serviços

envolvidas em seus casos. Acreditam não haver diferenças na estrutura competitiva das

empresas de um mesmo setor, e que, por isso, são todas iguais, especialmente na forma como

recebem reclamações de seus clientes.

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Darke, Ashworth e Main (2010) observam que consumidores tendem a apresentar

desconfiança e imagem negativa generalizada à marca e a outros produtos de uma empresa,

depois que tiveram algum problema de consumo com ela. Kumar (2005) observa, ainda, que a

força desse sentimento pode ser tamanha, que se estende além da própria empresa, afetando,

inclusive, seus concorrentes, algo que também foi constatado nos relatos dos consumidores

aqui entrevistados.

Da mesma forma que igualam negativamente o desempenho de empresas de um mesmo

setor, os entrevistados acreditam que são igualados pelas prestadoras de serviços no momento

em que apresentam reclamações a elas. Não há considerações para o tempo de clientela e os

benefícios que trouxeram às empresas quando um problema de consumo surge.

4.4.3 “Todos os consumidores são iguais”

Os entrevistados falam de tempos diferentes entre a compra do serviço e o momento

quando o problema de consumo ocorreu. Em alguns casos, tais como os de Valéria e Marcia,

o problema aconteceu pouco tempo após a contratação do serviço, um ou dois meses depois.

Em outros casos, tais como o de José Roberto, Gabriela e Anderson, o problema surgiu após

anos de relacionamento com a empresa prestadora de serviços. A definição de que esse tempo

de uso dos serviços é longo se deu nos próprios relatos dos entrevistados, que fazem

inferências quanto a ser um prazo suficiente para a construção de um relacionamento com

suas prestadoras de serviços.

Apesar de imaginarem ser longo o tempo de relacionamento com empresas, os

entrevistados acreditam que, para as prestadoras de serviços, este tempo não faz diferença,

quando ocorre o problema de consumo, pois a forma como tratam consumidores que

reclamam a elas é democratizada, ou seja, “todos são iguais”.

Luciana discorre sobre sua decepção com uma instituição financeira, que ignorou o fato

de ela ser, há anos, consumidora do serviço, e que sequer buscou algum tipo de negociação ou

acordo quando ela reclamou sobre seu problema de consumo:

Eles mandavam cartinha dizendo que eu era uma excelente cliente. Eles nunca davam desconto de nada, eles só elogiavam com cartinha, com cartãozinho. Quando eu mais precisei, não fui atendida. Eu não queria que eles pagassem a minha divida, que eles deixassem passar. Eu queria pagar a divida... Foi quebra de confiança... Foram nove anos que eu tinha esse cartão, e sempre paguei direitinho.

Alguns testemunhos mostram que falhas de serviços que conseguem ser resolvidas são

aceitas como menos graves, quando não interferem na relação entre o consumidor e a

empresa, pois não trazem consequências para os usuários do serviço. Somente a partir do

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momento em que problemas graves acontecem ou persistem, em função de a empresa não

solucioná-los após a reclamação, é que o consumidor passa a questionar sua escolha e a

considerar alternativas possíveis.

A oportunidade de as empresas se diferenciarem ou estreitarem o relacionamento com

seus consumidores, a partir de uma reclamação, é, então, perdida. Transforma-se, em função

disso, em um ingrediente negativo na relação com consumidores, conforme observa José

Carlos: “Você liga, e o sistema de atendimento ao cliente parece uma... fôrma de bolo, tudo

muito pasteurizado... Cada cliente é um cliente, entendeu? Não é para você tratar todo mundo

de forma igual”.

José Carlos está colocando em questão o próprio conceito de marketing, cuja essência

está em entender as diferenças dos consumidores para assim atendê-los melhor (KOTLER;

ROBERTO; LEISNER, 2006). Esta perspectiva de marketing se contrapõe à dos

entrevistados, quando falam da igualdade de tratamento adotada por empresas diante de

problemas de consumo. A visão de longo prazo na relação com os consumidores, presente na

definição “mais clássica” de marketing (BROWN, 1995), fica esquecida ou é negada nos

relatos de alguns entrevistados, tais como o de Luciana: “Nós somos enganados o tempo todo,

passado ‘pra’ traz o tempo todo”. A imagem sobre a prática não ética das empresas, relatada

nos testemunhos aqui coletados, parece lembrar a visão de orientação para vendas percebida

por entrevistados no estudo de Chauvel (2000 p. 122): “Elas (as empresas) só querem vender

pra gente”.

Diante desse cenário de dificuldades, os entrevistados relatam pensamentos e ações que

adotaram após entenderem que as prestadoras de serviços pouco fariam para reverter seus

problemas de consumo.

4.5 DEPOIS DO “NÃO” DA EMPRESA

O item a seguir analisa a experiência do grupo de entrevistados pouco depois que foram

negados uma solução a seus problema de consumo com as prestadoras de serviços. Relatam a

insatisfação com a associação a “malandragem” e possuir um “nome sujo”, a adoção de boca

a boca negativo, e as alternativas que buscaram para tentar resolver seus problemas de

consumo, mas que de pouco adiantaram para este fim.

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4.5.1 Insatisfação com associações a “malandragem” e possuir um “nome sujo”

Os caminhos descritos pelos entrevistados a partir do problema de consumo são no

sentido de reestabelecer a normalidade do serviço prestado. Isso é importante, na visão desse

grupo, pois qualquer dissonância dessa relação é encarada como um erro que é mais

facilmente atribuído ao consumidor do que à empresa. Os relatos trazem explicações para esse

pensamento, tais como as que consideram empresas instituições que possuem credibilidade,

pois estão associadas a funções hierarquicamente mais nobres, como produção de bens e

serviços e criação de empregos, o que contribui para o desenvolvimento da sociedade. Por

outro lado, associações feitas a consumidores são, por exemplo, de “egoísmo”, como se, ao

receberem os benefícios dos produtos e serviços, não oferecessem nada em contrapartida.

Tais visões sobre a relação entre a produção/emprego e o consumo/consumidor também

são encontradas em outros estudos, tais como o de Rocha (2005). O autor argumenta que

existe uma corrente de pensamento sobre o consumo que vê tal atividade como algo amoral.

Enquanto o conceito de produção é visto como positivo, associado a construir e trabalhar, atos

que engrandecem o ser humano, o conceito de consumir é enxergado como negativo, uma

“praga” que deve ser repelida, por remeter a “excessos” e “banalidades”.

Dessa forma, os relatos desse grupo de entrevistados indicam que, quando problemas de

consumo ocorrem, eles veem o lado dos consumidores como em desvantagem, e contam

como a honestidade do indivíduo é colocada em questão na relação cliente-empresa. Essa

constatação dá origem a uma preocupação entre os entrevistados em explicar que são pessoas

corretas e responsáveis, sendo expressa espontaneamente por eles, sem estímulos que a

provocasse:

Eu gosto das minhas coisas direitas, quero deixar isso bem claro. Eu não ‘to’ aqui ‘pra’ dar calote em ninguém (Denis).

Eu não ‘tava correndo da minha responsabilidade em pagar a minha parte (Marcia).

Eu sempre cumpri com as minhas obrigações (Anderson).

Chauvel e Suarez (2009) observam que essa preocupação do consumidor de baixa renda

em afirmar sua honestidade está relacionada à sua aversão em ser associado a “malandro”,

indivíduo que usa de artifícios pessoais para tirar proveito de uma situação. As observações

feitas por Chauvel e Suarez (2009) sobre a insatisfação dos consumidores de baixa renda

mostra como eles se diferem do comportamento das classes mais altas, também apontado por

Da Matta (1986). Segundo o autor, consumidores que ocupam um status superior na

sociedade brasileira não costumam explicar ou justificar seu comportamento quando

questionado. Ao invés de responder por seus atos, usam da pergunta “Você sabe com quem

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está falando?”, para se defenderem. Esse questionamento, feito sem a intenção de se buscar

uma resposta, inibe o interlocutor, e sugere superioridade e poder na hierarquia social de seu

emissor.

O grupo de entrevistados, no entanto, parece temer que as reclamações sobre os

problemas de consumo possam ser interpretadas como tentativa de obtenção de ganhos fáceis

em cima de empresas. Alguns chegam a admitir que existem pessoas que exploram tais

possibilidades, mas não se incluem nesse grupo, conforme relata Luciana:

Quando a pessoa tem má intenção, ela compra e não paga. Ela já está com aquela intenção, e não quer nem saber. Mas, a gente não. Eu queria pagar, não queria ficar devendo nada. Comprei, tenho que pagar. Porque é a lei que nós vivemos: a gente compra, a gente tem que pagar.

Além de temer a associação com a malandragem, alguns consumidores lembram que

buscam a empresa para resolver seu problema de consumo com o objetivo de evitar que seu

nome fique “sujo”, de forma a não ser inserido no Sistema de Proteção ao Crédito, por ter

deixado de pagar algum compromisso assumido. O comportamento do consumidor de baixa

renda em relação ao seu nome “sujo” já foi observado em outros estudos (CHAUVEL, 2000;

MATTOSO; ROCHA, 2008), que apontam para as dificuldades de esses indivíduos em

lidarem com um fato que expõe ressalvas em sua honestidade.

Os relatos desse grupo que chegou ao Nudecon sugerem que ter o “nome sujo” é um

acontecimento “humilhante”, “constrangedor”, próximo de um atestado de “malandro”, que

provocam indignação entre os entrevistados: “Eu não queria meu nome sujo. Eu quero morrer

com meu nome limpo. Não quero meu nome no SPC, gente, não quero!”, aponta Gabriela.

Além da associação com a malandragem, o consumidor inserido no SPC pode ser

duplamente penalizado, pois é impedido de obter crédito (por cinco anos ou até pagar sua

dívida) a fim de comprar bens. Mattoso e Rocha (2008) explicam que, para consumidores de

baixa renda, não ter acesso a crédito é como perder sua identidade, ser inferior a seus pares,

pensamento também encontrado nos relatos aqui colhidos. O trecho destacado da entrevista de

Roberta, por exemplo, mostra o temor de ter o nome sujo e a importância que o nome tem

para as relações de consumo:

O consumidor tem um medo tremendo. Quando a pessoa não tem restrição no SPC, o consumidor pensa assim: “Eu posso comprar. Se eu estou precisando, eu tenho condições, eu posso comprar”. A pessoa que está com restrição no SPC olha lá uma coisa e fala: “Eu ‘to’ precisando disso para minha casa, mas não posso, porque estou com problemas no SPC”.

A decisão de quem deve ter seu nome inserido no SPC é determinada por empresas, a

partir do momento que consumidores deixam de pagá-las. A possibilidade de inserir o nome

de alguém no SPC acaba sendo utilizada, então, como uma forma de chantagem ou ameaça,

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segundo os entrevistados. “Eles ficavam me ligando, dizendo que iam botar o meu nome no

SPC, se eu não pagasse”, relata Rosileide. Diante de tais ameaças, somente duas alternativas

são possíveis a consumidores: aceitar as condições da empresa para resolver o problema de

consumo ou deixar o nome ficar “sujo”.

Embora reconheçam ser uma medida extrema, alguns entrevistados explicam que

deixaram seus nomes ficarem sujos, pois não enxergavam outra saída a seus problemas, já que

todas as tentativas de negociação com a empresa haviam se esgotado. Relatam, então, do

gerenciamento desse nome sujo por cinco anos:

Meu marido ficava falando: “Seu nome vai para o SPC, e eu não tenho dinheiro para poder te ajudar a pagar”.... Aí, teve um dia que eu peguei e falei: “Quer saber de uma coisa, eu não vou pagar porcaria nenhuma. Eu não trabalho, eu não preciso de nome limpo” (Luciana).

Eu vou deixar dar cinco anos, que aí eles (em referência à operadora de telecomunicações reclamada) vão e limpam o meu nome. Eu deixo, fazer o quê? Eu vou pagar uma dívida que eu não fiz? Nem sonhando! (Rosileide).

Mesmo com medo das consequências que o nome sujo poderia lhes trazer, alguns

entrevistados reconhecem que não é somente o consumidor que sai perdendo. A

inadimplência também é um problema para a empresa, pois deixa de ganhar. Acreditam,

portanto, que há uma incongruência no pensamento empresarial, pois parece preferir não

receber o pagamento de suas dívidas do que negociar com os endividados.

Em entrevista feita com uma defensora pública, ela sugere que uma das principais

motivações para empresas limparem o nome sujo de um cliente é reverter uma dívida

“perdida”. Como empresas sabem que o período máximo para uma pessoa ter seu nome

“sujo” é de cinco anos, é de seu interesse que o consumidor pague sua dívida antes que esse

prazo expire. Novos acordos, portanto, são oferecidos, em diversos casos com cobranças de

valores abaixo daqueles oferecidos anteriormente, de forma que as empresas minimizem

prejuízos financeiros, pois sabem que não poderão cobrar dívidas passadas do consumidor

após seu nome ser excluído do SPC.

A defensora pública lembra ainda que há outra razão para empresas “limparem” o nome

de consumidores devedores inseridos no SPC. Ao fazê-lo, oferecem a esses indivíduos uma

espécie de “perdão”, devolvendo-lhes um status de merecer de crédito, permitindo que

possam voltar a comprar a prazo. Mais do que isso, estabelecem uma ligação moral com o

consumidor, que fica “devendo um favor”, reforçando sua subserviência à empresa.

Por lei, o consumidor que está inserido no SPC, mas consegue pagar sua dívida, deve

ter seu nome retirado do sistema. Nesses casos, prevalece o esforço do indivíduo frente às

dificuldades impostas a ele para “limpar” o seu nome. Mas, quando a empresa oferece uma

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solução para que esse processo ocorra, o consumidor é tomado por gratidão. Os sentimentos

de insatisfação que tinha são substituídos por alívio, cuja responsabilidade em proporcionar é

da empresa.

4.5.2 Diferentes fins para a adoção de boca a boca negativo

Os entrevistados relataram que uma forma de externalizar seu desgosto com a forma

como seus casos estavam sendo tratados pelas prestadoras de serviços foi por meio de boca a

boca negativo. O que eles contam da experiência com as empresas parece ficar distante das

pesquisas (BLODGETT; GRANBOIS; WALTERS, 1993; LACZNIACK; DeCARLO;

RAMASWAMI, 2001) que buscam chamar atenção para o impacto dessa ação, a partir de

uma insatisfação do consumidor.

A exposição da empresa reclamada a escrutínio de outros (RICHINS, 1983a) parece não

fazer parte das preocupações das prestadoras de serviços, pois, quando questionados, alguns

entrevistados relatam rigidez na negociação com essas ou empresas terceirizadas, a fim de

achar uma solução para seus problemas. Colocam isso, portanto, como um estímulo para “sair

falando mal” das empresas, resultante dos sentimentos negativos que alimentam.

Wetzer, Zeelenberg e Pieters (2007) identificaram em seu estudo três sentimentos, que

originam diferentes tipos de boca a boca negativo: os de remorso, que levam o consumidor a

expressar sua insatisfação como forma de reforçar laços sociais; os de desapontamento, que

resultam em o consumidor adotar boca a boca negativo para alertar outros sobre o ocorrido e a

forma como estão sendo tratados; e os de raiva, cujas consequências são consumidores

falarem mal de empresas, a fim de expressar suas frustrações e se vingar, criando uma

imagem negativa da parte reclamada. Os autores apontam que os sentimentos e seus

comportamentos resultantes não são excludentes um do outro.

No presente estudo, também foi possível identificar esses sentimentos e

comportamentos já apontados na pesquisa de Wetzer, Zeelenberg e Pieters (2007), como será

exemplificado a seguir.

Reforço de laços sociais

Alguns entrevistados relatam que, ao contar seus problemas de consumo a outros

indivíduos, receberam solidariedade a suas inquietações. Maria Alessandra, por exemplo,

indica que, após postar em redes sociais virtuais sua situação, começou a receber “muitos e-

mails de pessoas solidárias”, em alguns casos, que ela sequer conhecia.

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Os entrevistados falam da sensação de “alívio”, ao poder “desabafar” seus casos, como

explica Gabriela: “Eu precisava falar ‘pros’ outros”. Em resposta a seus relatos, contam que

recebem incentivos para continuar na busca pela resolução de seus problemas. Alguns dos

entrevistados justificam a existência do sentimento de solidariedade entre consumidores em

função de um sentimento comum de que empresas se aproveitam da fragilidade de

consumidores para obter ganhos. Imaginam que, somente unindo-se, terão condições de

enfrentá-las.

Alerta sobre o ocorrido

O boca a boca negativo, em outros casos, é relatado com o objetivo de divulgar a forma

equivocada como empresas trataram reclamações de consumidores. Enquanto alguns

entrevistados contam que se limitaram a compartilhar seus casos com o grupo de familiares,

outros tentaram amplificar a quantidade de conhecedores de seus problemas de consumo.

Marcia, por exemplo, contou para “todo mundo do trabalho”. Maria Alessandra, por sua vez,

conta que iniciou o seu boca a boca na família, mas que, depois, usou suas redes sociais

virtuais para “gritar” sua insatisfação:

Em primeiro lugar, contei (o problema de consumo) para o meu marido. Depois ‘pra’ minha mãe, ‘pro’ meu pai, ‘pros’ meus irmãos. E, aí, botei no Facebook, botei no Orkut, sabe? Foi muito forte ‘pra’ mim. Eu quis botar minha boca no mundo... ‘pra’ tentar gritar, sei lá, ‘pra’ todo mundo ver o que a (nome da operadora de plano de saúde) ‘tava fazendo comigo.

Embora não tenha usado redes sociais virtuais, o mesmo efeito viral ocorreu com o caso

de Isadora. Por morar em uma favela, ela conta que lá as notícias se espalham rapidamente,

dadas a proximidade física das moradias e do senso de união da população. Apesar de

somente ter relatado seu problema de consumo a familiares e amigos, em um primeiro

instante, a replicação de seu infortúnio fez com que “a comunidade toda” ficasse sabendo,

para a surpresa de Isadora.

Expressar frustrações e se vingar

Outro grupo de entrevistados vê no boca a boca negativo mais do que um meio para

comunicar seus problemas a outros indivíduos. Acreditam que a adoção de tal prática serve

como forma de vingança, que pode manchar a imagem da empresa, ou mesmo gerar prejuízos

a ela. Querem, assim, que a outra parte envolvida na situação insatisfatória também tenha

algum tipo de perda, e não somente eles.

Esta visão é aparente no relato de Rosália, quando defende o uso de ações de boca a

boca negativo como forma de vingança contra empresas. Ela se define como ativista, mas

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acha que somente falar mal de empresas a seu grupo de colegas é insuficiente para que

mudanças ocorram. Para a entrevistada, problemas de consumo precisam ser contados para o

maior número de pessoas possível. Ao tornar esses problemas públicos, gera-se maior

indignação da população, que, por consequência, torna mais fácil a exigência de mudanças em

esferas políticas, que beneficiem a sociedade contra más práticas empresariais.

4.5.3 Busca de alternativas frente à inflexibilidade da empresa

Ao perceberem que suas reclamações com empresas não estavam caminhando para um

desfecho em seu favor, os entrevistados relatam tentativas de solucionar seus problemas de

consumo por conta própria, buscando alternativas. Nesse momento, ainda não consideram a

busca por uma agência de proteção ao consumidor como uma opção, pois têm esperança de

que não precisarão ir a tamanhos esforços para resolver seus problemas de consumo.

Conforme Roberta declara, esta seria “a última instância”.

A busca de alternativas por parte dos entrevistados apareceu em seus relatos de três

formas: tentando outras opções de serviços com as prestadoras reclamadas, procura de

serviços concorrentes, ou perseguindo outros meios, menos comuns, de resolução de seus

problemas.

Alternativas de serviços com as próprias prestadoras reclamadas

Inicialmente, os entrevistados relatam que tentaram contornar a situação insatisfatória

pesquisando alternativas oferecidas por as mesmas empresas que lhes colocaram nessa

situação. Mesmo insatisfeitos com a falha na prestação do serviço, conformaram-se em

“tentar mais uma vez”, pois não desejavam ficar sem os benefícios que possuíam.

Imaginavam que, se conseguissem outro serviço para substituir aquele que usufruíam, o

problema poderia ser resolvido, sem maiores desgastes. Entretanto, perceberam que as opções

oferecidas pelas prestadoras de serviços somente lhes trariam benefícios se aceitassem pagar

valores significativamente mais elevados, que dificilmente poderiam ser arcados pelos

entrevistados.

Denis, por exemplo, tentou negociar com sua operadora de plano de saúde a

continuidade do pagamento da mensalidade do plano de sua esposa, associado ao dele, depois

de ter sido demitido. A única solução oferecida a ele seria pagar 760 reais pelo seu plano e

mais 760 reais por o de sua esposa. Para o entrevistado: “Duas pessoas com trinta anos de

idade pagar isso tudo ‘num’ plano de saúde não é normal. Minha avó, com quase oitenta e três

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anos de idade, pagava 700 reais”. Anteriormente, os valores pagos pelo serviço eram de 62 e

140 reais, respectivamente, para os planos de Denis e sua esposa.

Outros entrevistados também falam de valores “absurdos” oferecidos por suas

prestadoras de serviços, quando negociavam opções para substituir o serviço antigo. Pensam

que, ao fazerem isso, empresas estão sinalizando a seus clientes que pouco se importam se

eles continuarão usuários; por serem consumidores de baixa renda, somente uma pequena

parcela desse grupo teria condições de arcar com tamanhos aumentos de custos.

Ao buscarem outros serviços oferecidos pelas prestadoras de serviços, os entrevistados

relatam que, por sua parte, a relação entre eles e as empresas não precisaria se extinguir.

Imaginavam que, mesmo insatisfeitos, mudar de fornecedor nesse momento ainda seria uma

alternativa secundária. Preferiram insistir com a prestadora atual a conhecer uma nova. O

pensamento de que não haveria tantos benefícios em mudar de uma prestadora de serviços a

outra, já que todas as empresas de setores com altos índices de reclamação são “iguais”, ajuda

a explicar esse raciocínio por parte dos entrevistados. Tais achados também são apontados em

Stewart (1998), quando diz que consumidores somente mudam de fornecedores quando

percebem como superiores os produtos ou serviços dos concorrentes. Enquanto imaginam que

não há demasiada diferenciação na oferta da outra empresa, tendem a resistir mudar.

Em vista das dificuldades para encontrarem outras opções de serviços juntos às

prestadoras, outro plano adotado por alguns entrevistados é encontrar a solução de seu

problema de consumo com empresas concorrentes. Em alguns casos, entrevistados sequer

tentaram buscar uma solução com as prestadoras atuais, foram direto a seus concorrentes.

Alternativas de serviços concorrentes

Alguns entrevistados relatam que buscaram serviços alternativos com empresas

concorrentes, quando se depararam com a impossibilidade de continuarem a usufruir das

ofertas de suas antigas prestadoras. No caso dos entrevistados com problemas de consumo

com operadoras de planos de saúde, por exemplo, os serviços concorrentes eram a única

solução percebida por eles, naquele momento, para se protegerem contra eventuais doenças

ou males que lhes ocorressem, conforme relata José Roberto:

Eu tive vendo uns planozinhos aí, tudo na faixa de 400 ou 500 reais... Mas tem um plano aí que é quase a mesma coisa que eu pagava, de 170 a 180 reais... É um plano ambulatorial. É um plano que se você tiver um infarto, você pode ser atendido. Tem exames que também podem ser feitos. Mas, se você depender de uma internação, que é o risco maior que a gente tem, aí, você ‘tá ferrado, não tem. A internação é só de 12 horas. Só ‘pra’ você, se tiver algum problema grave, ficar ali aquelas 12 horas, até você arranjar algum lugar pra você ir, nem que seja para o SUS.

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A falta de um plano de saúde leva esses entrevistados a cogitar adquirir alternativas que

reconhecem ser de qualidade inferior. Sem maiores recursos financeiros para bancar algo à

altura dos serviços que possuíam, enxergam nestas uma saída à dependência do sistema

público de saúde.

Os relatos mostram que, após usar planos de saúde, em alguns casos por anos, os

entrevistados possuem dificuldades em aceitar que talvez precisem usar serviços públicos de

saúde, na falta de uma opção privada que o substitua. Parecem considerar que qualquer plano,

mesmo “limitado”, “básico”, é melhor do que depender de serviços públicos. Para eles, esses

planos mais baratos, de qualidade inferior, ainda são considerados uma alternativa para

substituir seus antigos. Serviços públicos, por outro lado, não.

Um grupo de entrevistados, ainda, relata que procurou alternativas por outros meios,

que não as próprias prestadoras de serviços ou suas concorrentes, para resolverem seus

problemas de consumo.

Alternativas por outros meios

Consumidores cuja insatisfação é fruto de serviços de concessionárias públicas não

possuem a alternativa de encontrar soluções com empresas concorrentes. Em vista disso, esses

entrevistados procuram outros meios para resolver seus problemas.

Diante da inércia da concessionária pública em atender suas solicitações para a

resolução de um problema de consumo, alguns entrevistados relatam improvisações na busca

por um fim a seus casos. Mostram que não sabiam ao certo como proceder, e que, em alguns

casos, suas iniciativas resultaram em poucas mudanças ao quadro que vivenciavam. Mas, ao

menos, sentiam que estavam fazendo algo para tentar reverter sua insatisfação.

Por não conseguirem pelos canais de comunicação disponibilizados pela empresa uma

resolução a seu problema de consumo, alguns entrevistados relataram que precisaram apelar a

meios informais, o jeitinho, para tentar solucionar seus casos. Estavam dispostos a pagar “do

próprio bolso”, para que seus problemas chegassem a um término. Não se importavam em

contornar a empresa, e oferecer a seus funcionários dinheiro para resolverem a situação.

Chauvel (2000) também aponta casos de consumidores que creditam ao jeitinho a

solução para seus problemas de consumo. Todavia, a autora destaca que o uso de tais ações

sociais não foi percebido entre consumidores de baixa renda, que viam na transgressão de

regras uma solução que poderia se virar contra eles. Preferiam, então, ou desistir da

reclamação ou continuar esperando uma manifestação da empresa.

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Uma explicação para o motivo de os consumidores de baixa renda da presente pesquisa

adotarem essa forma de comportamento pode ser pelo tipo de problema que estavam

enfrentando. O problema de Josefina, por exemplo, é emergencial, já que ela estava sem

acesso a energia elétrica em sua residência. Angelina, por sua vez, precisava da instalação de

hidrômetros para que sua conta passasse a ser cobrada com valores corretos, e ela poder tirar

seu nome do SPC. Diferentemente, os entrevistados de Chauvel (2000) enfrentavam

problemas com produtos, de maneira geral supérfluos, não havendo necessidades imediatas de

resolução.

Em todos os casos relatados, a busca por uma alternativa para reverter a situação

problemática de consumo, seja ela com a própria empresa, as concorrentes, ou por outros

meios, não trouxe uma resposta satisfatória aos entrevistados. Diante dessa realidade, os

entrevistados relatam que procuraram auxílio na esfera legal para resolver seus problemas, por

meio de agências de proteção ao consumidor, em especial, o Núcleo de Defesa do

Consumidor.

4.6 RECLAMAÇÕES AO NÚCLEO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

Antes de fazerem reclamações ao Nudecon, alguns entrevistados buscaram auxílio legal

de outras third party agencies, na forma de advogados particulares, o Procon ou juizados

especiais. Para esse grupo de consumidores, o uso desses distintos meios de reclamação foi a

primeira tentativa de resolução de seus problemas com as prestadoras de serviços.

Maria Alessandra, por exemplo, relata que buscou o Procon e um advogado particular

para tentar solucionar seu problema com uma operadora de planos de saúde:

No Procon, ‘houveram’ duas audiências, mas eles (em referência à operadora de plano de saúde reclamada) não compareceram... Eu fiquei muito frustrada, porque eu achei que o Procon ia resolver o meu problema... Eu fiquei mais desiludida ainda porque, em duas audiências, eles (em referência à empresa reclamada) não compareceram, e o Procon não fez nada, ficou por isso mesmo... Quando eu não consegui resolver no Procon, eu tentei um advogado particular. De cara, ele me cobrou dois mil e quatrocentos reais ‘pra’ pedir um mandado de segurança. Aí, eu me vi louca, não tinha esse dinheiro, não tenho esse dinheiro.

O sentimento de frustração que tomou Maria Alessandra também foi encontrado em

relatos de outros entrevistados, quando buscaram auxílio de meios legais, mas não

conseguiram soluções positivas para seus problemas. Tais sentimentos se derivam do fato de

imaginarem que essas agências “lutariam” por/com eles, a fim de achar uma solução a seus

casos. Sentiam “alívio” ao pensar que, finalmente, “alguém” estaria ao seu lado. Porém,

quando perceberam que não houve esforços das agências em “lutar” por eles, ficaram

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“desorientados”, “indignados”, conforme indica Rosália, ao relatar sua experiência negativa

com o Procon:

Eu saí xingando o Procon, brigando, falando: “Vocês estão aqui ‘pra’ me defender ou apaziguar uma coisa que não tem saída?”... Eu acho que eles (em referência ao Procon) deveriam ser incisivos em cima deles (em referência à instituição financeira reclamada), deveriam ter cobrado deles alguma coisa, e o Procon ficou lá parado, olhando a cena, entendeu? Que Procon é esse?! Foi o que eu falei com eles: “Vocês estão aqui ‘pra’ me defender ou para ficar olhando ‘pra’ minha cara, eu brigando com o (nome da instituição financeira reclamada)?”.

Cabe observar, no entanto, que, embora esses entrevistados não tenham tido suas

expectativas atendidas quando buscaram outras agências de defesa do consumidor, tais como

o Procon, isso não significa que demais consumidores não tenha tido apoio de tais agências.

A escolha dos entrevistados por buscar determinadas agências de defesa do consumidor

para auxiliá-los com problemas de consumo se deve, em diversos casos, ao seu

desconhecimento sobre o Nudecon. Caso soubessem de sua existência, alegam que teriam se

dirigido ao Núcleo sem passar antes por outras agências ou advogados.

O item a seguir discute fatores relacionados à reclamação dos entrevistados ao Núcleo

de Defesa do Consumidor, descrevendo o distanciamento do Núcleo a consumidores, os

esforços feitos pelo Nudecon para se aproximar de consumidores, as expectativas dos

entrevistados quanto ao serviço, o poder do Nudecon frente a empresas, e como os

consumidores se sentem mais consciente de seus direitos, após reclamarem ao Núcleo.

4.6.1 “Eu nunca ouvi falar do Nudecon”

A decisão de buscar ajuda legal para a resolução de um problema de consumo parece

ser, para alguns entrevistados, mais fácil na teoria do que na prática. A partir do momento que

decidiram trilhar o caminho da reclamação a uma agência de defesa do consumidor, foi

preciso descobrir como fazê-lo, algo que se tornou mais uma barreira dentro do processo de

reclamação.

Antes de terem contato, alguns entrevistados relatam que desconheciam o Nudecon.

Gabriela, inclusive, afirma que sequer sabia que havia uma Defensoria Pública, muito menos

um Núcleo especializado em defender o consumidor. Rosileide reforça essa visão quando

afirma: “Já ouvi falar do Procon, pequenas causas, juizados especiais, mas o Nudecon eu

nunca ouvi falar.”.

Os testemunhos sugerem um distanciamento do Nudecon com consumidores. Por ser

um entre diversos serviços oferecidos pela defensoria pública, questões relativas ao consumo

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parecem ficar à sombra desta instituição maior, mesmo que esta característica não seja

intencional, conforme discutido no item 4.6.2, relativo às ações proativas do Nudecon.

O desconhecimento sobre o Nudecon, e até mesmo a Defensoria Pública, leva os

entrevistados a interpretações equivocadas. Na visão de alguns entrevistados, a estrutura

hierarquizada da sociedade brasileira não oferece espaço para que pessoas de baixa renda

tenham algum tipo de defesa, pois ter seus direitos defendidos é “só pra gente rica”, como

explica Maria Alessandra:

Eu não conhecia o Nudecon. Eu achei que defensoria pública era coisa só de gente rica, que pode pagar. Eu não tinha a noção de que um defensor público é grátis... Eu pensava: defensor público, cara que estuda tanto, deve cobrar muito caro. Era essa a minha mentalidade: ele deve cobrar muito caro. Então, vou procurar um advogadozinho, que vai cobrar mais barato ‘pra’ mim.

Outro fator que contribui para o distanciamento dos entrevistados sobre o Nudecon é a

localização do núcleo, e a comparação dos locais onde o Procon se encontra. O Nudecon

possui apenas uma sede que fica no topo de um edifício mais conhecido por ser um terminal

rodoviário e um estacionamento, serviços que ocupam o subsolo e os doze primeiros andares

do prédio, respectivamente. Conforme aponta José Roberto: “Eu tinha uma ideia que esse

prédio era exclusivamente de garagem; não sabia que a defensoria estaria ‘num’ dos andares

aqui.”. Enquanto isso, o Procon está localizado em diversos bairros do Rio de Janeiro, o que o

torna mais presente para ajudar aqueles que necessitam de amparo legal. “É mais fácil

lembrar” do Procon, portanto, do que o Nudecon.

A associação entre o Procon e o Nudecon foi feita em diversos relatos, em alguns casos

sugerindo que ambas as agências fossem uma mesma instituição, conforme ilustra Jandira:

“Eu pensava que era assim: o Procon seria uma filial... e o Nudecon seria a central dos

Procons, e o Procon seria mais a sucursal para atender determinados bairros”. Em algumas

entrevistas, inclusive, os entrevistados recorrentemente trocavam o nome Nudecon por

Procon.

A confusão sobre as duas organizações é explicada nas entrevistas pelo fato de ambos o

Nudecon e o Procon serem gratuitos, e focados em intermediar a resolução de problemas de

consumo entre empresas e consumidores. A diferença para os entrevistados é que o nome

Procon é mais conhecido, como se fosse “uma marca”, facilmente associado a ações

consumeristas, defesa do consumidor.

Por outro lado, o nome Nudecon não possui o mesmo reconhecimento na visão dos

entrevistados. Alguns, inclusive, apresentaram dificuldades para lembrar como se referir ao

Núcleo, chamando-o de “Nucon” ou “Decon”. Acabavam por fazer referência ao nome

“Defensoria Pública”, associado a outras finalidades de defesa por pessoas de baixa renda.

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4.6.2 Aproximação do Nudecon com consumidores

Os entrevistados tomaram conhecimento do Nudecon de quatro maneiras: indicações de

outros órgãos de defesa do consumidor, por meio de palestras de defensores públicos,

programas televisivos, e boca a boca de outros consumidores, o que sugere esforços do

Núcleo para diminuir a distância entre ele e consumidores, pois, das quatro formas relatadas,

três são suas iniciativas.

Indicação de outros órgãos de defesa do consumidor

Antes de serem atendidos pelo núcleo, alguns entrevistados dirigiram-se ao Procon ou o

juizado de pequenas causas, a fim de buscar auxílio para seus casos. Fizeram isso pois esses

órgãos são localizados em bairros próximos de onde moram, mas em razão do tipo de

problema que estavam enfrentando, foram encaminhados ao Nudecon.

Jucineice relata que ficou sabendo do Nudecon por meio da Defensoria Pública

localizada no bairro da Ilha do Governador. Diferentemente de outros entrevistados, quem a

indicou a buscar a Defensoria foi um funcionário da concessionária pública com quem ela

estava tendo problemas de consumo, apontando que tentativas de negociação com a empresa

seriam infrutíferas, e que somente por meio de ajuda legal seu caso seria resolvido.

As indicações de outros órgãos para que consumidores busquem o Nudecon é

estimulada pelo Núcleo, em função de sua especialidade ser a de lidar com problemas de

consumo. Um exemplo disto é o termo de cooperação que o Nudecon firmou com o Procon,

para que atendimentos iniciados pelo segundo, mas sem resolução, sejam encaminhados ao

primeiro, na tentativa de se alcançar algum fim.

Conhecimento por meio de palestras de defensores públicos

O segundo grupo ficou ciente da existência do Nudecon após assistir palestras

ministradas por defensores públicos do Núcleo. Além de apresentarem o Nudecon, os

palestrantes também falavam sobre direitos do consumidor e questões relacionadas a

superendividamento, conscientizando os espectadores sobre a Comissão de Proteção e Defesa

do Consumidor Superendividado.

Alguns entrevistados relatam terem assistido a tais palestras em universidades. Irene,

entretanto, conta que, após se endividar, ficou sabendo de uma amiga sobre a Escola de

Educação Financeira. Esta escola foi formada através de uma parceria entre o Governo do

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Estado do Rio de Janeiro, o Fundo Único de Previdência Social do Estado do Rio de Janeiro

(Rioprevidência) e a Comissão de Valores Mobiliários, com o objetivo de orientar

principalmente consumidores superendividados sobre administração de suas finanças.

Conhecimento por meio de programas na televisão

Um terceiro grupo de entrevistados relatou que tomou conhecimento do Nudecon por

meio de programas televisivos que tratavam de temas sobre defesa do consumidor, em que a

Coordenadora ou outros defensores públicos do Núcleo eram entrevistados.

Luciana acredita que sua descoberta sobre o Nudecon por meio de um programa de

televisão foi “obra de Deus”, pois, ao invés de ir à igreja, conforme sempre faz aos domingos

à noite, a entrevistada ficou em casa e, por isso, assistiu a um programa televisivo em que a

Coordenadora do Núcleo falava sobre o Nudecon e os problemas de endividamento de

consumidores.

Conhecimento por meio de boca a boca de outros consumidores

O quarto grupo passou a conhecer o Nudecon por meio de boca a boca de outros

consumidores, que sabiam da existência do Núcleo. Josefina e José Roberto foram alertados

sobre o Núcleo, respectivamente, por um pipoqueiro e um porteiro. José Roberto mostrou-se

surpreso por receber tal informação de seu porteiro, por considera-lo alguém com nível de

conhecimento inferior ao seu. Não imaginava que esse informante pudesse conhecer o

Nudecon, por ser uma agência tão específica, que o próprio entrevistado desconhecia.

Em alguns casos, a indicação de outro consumidor sobre o Nudecon não é acompanhada

por dados completos, havendo alguns entrevistados que precisaram buscar por conta próprio o

endereço do Núcleo, pois o que lhes foi passado estava desatualizado. José Roberto comenta

que, embora seu porteiro soubesse sobre o Nudecon, não sabia onde se localizava. Dessa

forma, o entrevistado relata que foi a três locais antes de chegar ao Núcleo:

O primeiro lugar que fui, foi na UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), e eles disseram que não estavam atendendo mais ali, e me mandaram para a (rua) 28 de setembro. Ali, tem também, acho que ali já é a defensoria pública... Depois me indicaram para ir na UVA (Universidade Veiga de Almeida), que ali tinha um atendimento também. E, ali da UVA, me indicaram justamente aqui (em referência ao Nudecon).

Alguns entrevistados destacam ainda que o Nudecon apareceu “por acaso” ou “por

sorte” em suas vidas. Falam de coincidências que fizerem com que se sentissem afortunados

por estarem “no local certo, na hora certa”. Os entrevistados acreditam que outros

consumidores não tiveram essa mesma “sorte”, e continuam a não saber como se defender

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quando problemas de consumo emergem. Mesmo que o Núcleo esteja investindo esforços

para se aproximar de consumidores, os entrevistados acreditam que uma maior divulgação do

órgão deve ser feita.

Ao relatarem seu atendimento no Nudecon, após (“finalmente”) encontrarem-no, os

entrevistados falam de suas expectativas em relação ao serviço.

4.6.3 Expectativas quanto ao Nudecon

Em função de grande parte dos entrevistados desconhecerem o Nudecon, não sabiam o

que esperar quando foram em sua primeira vez ao Núcleo. Imaginavam que, por ser um

serviço público, governamental, seria “burocrático”, “com atendimento ruim” e “lento”.

Diante de tal pensamento, questionavam se lhes traria benefícios, conforme aponta José

Carlos: “A gente vem como uma imagem, assim, ruim, e se questiona se vai funcionar”.

Por possuírem visões negativas de órgãos públicos, antes de conhecerem o Nudecon, os

entrevistados relatam baixas expectativas com os serviços do Núcleo, mesmo considerando

ser essa a última tentativa para reverter seus problemas de consumo, já que haviam acumulado

frustrações em tentativas anteriores.

Além de associações negativas com instituições do governo, os entrevistados relatam

que suas baixas expectativas quanto ao Nudecon foram reforçadas quando viram um “mar de

gente” aguardando atendimento. Imaginavam que, se havia tantos consumidores esperando

para serem atendidos, era porque o processo seria ineficiente e demorado.

Entretanto, quando são atendidos, os entrevistados relatam “surpresa” com a boa

qualidade do serviço oferecido. “Cheguei lá, e achei até de primeiro mundo”, afirma Ana

Luiza. Usam expressões positivas para qualificar o atendimento, tais como: “excelente”,

“muito bom”, “boa impressão”, “gostei” e “fiquei bem impressionada”, sugerindo que suas

baixas expectativas iniciais foram superadas.

Fatores relacionados ao Nudecon que superam as expectativas dos consumidores

Os entrevistados elogiam o atendimento cordial dos funcionários do Núcleo, que

escutam pacientemente os relatos de seus problemas, levando-os a ter esperanças de

solucioná-los. Conforme aponta Jandira: “Eles (funcionários do Nudecon) não tratam você

com descaso... Não garantem nada, mas te dão uma esperança.”.

Acostumados com outros órgãos públicos, onde funcionários “te tratam mal”, pois “não

querem ter trabalho”, o Nudecon é descrito como diferente. Em parte, isso é explicado por

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eles pela atenção que recebem, em um momento quando desejam “desabafar” sobre seus

problemas de consumo. Anderson, inclusive, compara seu desabafo a uma confissão a padres,

cuja forma de ajudar os fiéis é escutando seus relatos e orientando-os como agir.

A comparação com outras instancias anteriores de reclamação também fazem do

Nudecon uma experiência melhor, pois, de fato, encontram um ambiente onde existe uma

tentativa real de se resolver o caso. Enquanto vivenciaram experiências em que não tinham

esclarecimento nem de suas dúvidas, eles relatam que, no Nudecon, informações são

detalhadas sobre os procedimentos a serem adotados e sobre os direitos de consumidores. Este

fato parece estar em consonância com os achados de Reiboldt (2003), quando aponta que um

dos principais aspectos que traz satisfação com o serviço prestado por agências especializadas

em proteger consumidores é a clareza com que informações e procedimentos adotados na

resolução de problemas de consumo são informados a reclamantes.

Um terceiro fator positivo apontado pelos entrevistados é a “rapidez” com que o

Nudecon conseguiu uma solução a seus problemas. Monica, por exemplo, relata que teve sua

conciliação com uma concessionária pública marcada uma semana após ser atendida pela

primeira vez no Núcleo: “Fiquei impactada, na verdade, porque eu não sabia que eles (em

referência ao Nudecon) iam resolver tão rápido uma coisa que me falaram, que eu só ouvia

que era complexo.”. O tempo para resolver problemas de consumo no Nudecon é considerado

rápido pelos entrevistados, pois o comparam com suas histórias anteriores de tentativas de

obter uma solução com empresas. Em alguns casos, a situação insatisfatória durou meses

antes que os consumidores fossem ao Núcleo fazer suas reclamações.

Após conseguirem uma solução para seus problemas de consumo, os entrevistados de

fato declaram que obtiveram um serviço eficiente. “A gente vê que funciona... Acho que está

dentro das poucas coisas que funciona nesse país.”, afirma José Carlos. Entretanto, tal

avaliação parece estar condicionada ao fato de haver alguma resolução para os problemas de

consumo. Alguns consumidores, quando foram entrevistados, ainda não haviam solucionado

seus casos, e estavam aguardando a data para a conciliação com empresas ou o

desdobramento de seus processos, uma vez que se tornaram ações judiciais. Esses

entrevistados comentam sua satisfação com o atendimento recebido, mas ainda mostram-se

desconfiados em relação a um desfecho positivo:

Até agora, o atendimento está bom... Vamos ver depois da audiência. Só depois da audiência é que eu vou dizer qual foi a função do Nudecon nessa minha história... Se acabar em pizza, eu vou ficar muito danada da vida (Rosália).

Assim como quando reclamaram com empresas, a não resolução de seus problemas com

o Nudecon também seria vista por eles como uma decepção, uma expectativa não superada.

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Os consumidores entrevistados acreditam que um dos principais motivos para o

Nudecon conseguir reverter problemas de consumo é porque possui poder, ou seja, meios para

fazer empresas colaborarem, no sentido de chegar a uma solução às situações insatisfatórias.

4.6.4 Poder do Nudecon frente a empresas

Pesquisadores em marketing, tais como Kotler (1972a) e Aaker e Day (1970), já na

década de 1970, discutiam sobre consumerismo e reconheciam a assimetria de poder entre

empresas e consumidores como um dos temas centrais do movimento. Para estes autores, um

equilíbrio entre as partes somente pode ser alcançado se houver intervenção governamental no

mercado, regulando ações empresariais. Essa visão defende que governos encontram-se em

um patamar de poder elevado o suficiente para fazer frente a empresas, de maneira que estas

acatem decisões que favoreçam consumidores.

Essa visão parece ser semelhante à que os entrevistados imaginam a respeito do

Nudecon. Acreditam que, quando a solicitação para resolução de seus problemas de consumo

é apoiada pelo Núcleo, a maneira como a reclamação é tratada pelas prestadoras de serviços

muda, pois a assimetria de poder entre empresas e consumidores passa a não mais ser tão

aguda, conforme apontam os relatos a seguir:

Quando eles (em referência a empresas) sabem que você está negociando com o Nudecon, eles sabem que você foi a fundo, que aquilo ali realmente vai gerar um processo, e ele vai ter um prejuízo. Então, ele é obrigado a botar o advogado dele, ele é obrigado a ter um custo. Então, ele te olha com outros olhos (Rafaela).

Quando você vai pedir uma ajuda para a defensoria pública, aí já muda de figura, entendeu? Eles (em referência ao Nudecon) vão marcar data, e eles (em referência a empresas) vão ter que comparecer, ‘pra’ resolver. Aí, eles (em referência ao Nudecon) vão resolver o que você como uma cliente, como uma cidadã, você não pode resolver (Isadora).

Quando a reclamação é apoiada pelo Nudecon, parece, aos entrevistados, que ganha

legitimidade. Se a agência se coloca “ao seu lado” nesta disputa, imaginam que é porque o

consumidor está em consonância com as leis, o que, por consequência, faz das prestadoras de

serviços a parte que as descumpre. Desta forma, acreditam que as empresas lamentam quando

recebem uma notificação do Núcleo sobre uma reclamação de consumidor, “ficam com medo,

porque eles têm que dar uma resposta imediata para o consumidor”, afirma Luciana.

Um dos aspectos mais enaltecido pelos entrevistados em relação ao poder do Nudecon

sobre empresas é a atuação dos defensores públicos. Ao falar sobre esses profissionais,

descrevem-nos com poderes e conhecimentos superiores e que indivíduos comuns não

possuem:

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O defensor é o seguinte: ele é o responsável, ele é o chefe de todos aqui (em referência ao Nudecon)... Eu achei errado eles mandarem eu, um simples cliente, para um defensor. ‘Pra’ discutir coisas da (nome da operadora de telecomunicações reclamada), eu poderia falar com um estagiário!... Eu acredito que o defensor é só ‘pra’ coisas de muita importância mesmo... O defensor tem que ficar lá, no cantinho dele, não ficar atendendo cliente comum, igual a mim... O defensor é como se fosse um mestre, que fica no cantinho dele, só atendendo as necessidades que ninguém resolve mesmo (Pedro Roberto).

Os entrevistados encaram a intervenção de defensores públicos como um favor pessoal,

pois acreditam que eles “compraram a briga”, envolvendo-se em seus casos, assim como

fariam se fossem seus próprios problemas de consumo. Diante disso, imaginam que estão em

dívida, já que estes profissionais ajudaram-nos, revertendo a situação insatisfatória, sem

pedirem por algo em troca.

Assim, os entrevistados falam de uma situação que parece inusitada para pessoas de

baixa renda, já que se sentem a margem de direitos construídos pela sociedade em que vivem.

Eles parecem ter dificuldade de entender que defensores públicos estão preparados para

ajudá-los, acreditando que esses profissionais agem por “bondade”, e não por obrigação.

Alguns acreditam que são afortunados por receberem ajuda legal dessa forma,

agradecendo “a Deus” por ter colocado em suas vidas os profissionais do Nudecon: “Eu

agradeço muito a Deus por isso, ‘dela’ ter me atendido pessoalmente... Deus botou as pessoas

certas na minha vida, e a doutora (nome da defensora pública citada anteriormente) foi uma

delas (Denis).”.

Após suas experiências no Nudecon, os entrevistados falam de mudanças em sua

postura quanto a problemas de consumo. Acreditam que, agora, estão mais conscientes de

seus direitos, algo aprendido “a duras penas”, e chegam a expressar sentimentos de

superioridade em relação às empresas.

4.6.5 Após a experiência no Nudecon: consumidores mais conscientes de seus direitos

Após interceder em favor dos consumidores, o Nudecon conseguiu reverter os

problemas de consumo com prestadoras de serviços de diversos entrevistados. A Tabela 6,

apresentada a seguir, agrupa os tipos de desdobramento a tais problemas. Uma relação mais

detalhada desses desdobramentos experimentados por cada entrevistado é apresentada na

Tabela 11, no Apêndice F.

Desdobramentos do processo no Nudecon Entrevistados afetados

Renegociação de dívida com a instituição financeira, com valores de parcelas adequadas às realidades

Gabriela, Irene, Jandira, José Carlos, Luciana, Roberta, Romilda e Rubia

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financeiras do entrevistado

Extinção de dívida cobrada, pois a empresa reconheceu que era equivocada

Flavia, Isadora, Marcia, Monica, Pedro Carlos, Pedro Roberto e Rosileide

Abertura de ação judicial contra a empresa, porém ainda em andamento

José Roberto, Josefina, Maria Alessandra e Valéria

Continuidade do atendimento ao entrevistado, após suspensão total ou parcial do serviço

Ana Luiza, Anderson, Denis e Rafaela

Parcelamento da dívida, com valores ajustados, refletindo somente o montante do entrevistado, e não de outros envolvidos no problema de consumo

Angelina, Jucineide, e Laurita

Pedido de desculpas formal da empresa por reconhecer o equívoco em cobrar uma dívida não contraída pelo entrevistado.

Rosália

Tabela 6: Desdobramentos da Intermediação do Nudecon na Resolução do Problema de Consumo

Embora alguns consumidores ainda não tivessem uma resolução a seus problemas de

consumo, no momento quando foram entrevistados, todos relatam que a experiência no

Nudecon mudou sua postura quanto ao ato de reclamar. Reconhecem que teriam lidado de

forma diferente com empresas se já conhecessem o Nudecon: “Se eu soubesse disso aqui (em

referência ao Nudecon), eu já tinha corrido atrás antes. Mas, eu não sabia, então eu ficava

indo lá (em referência à concessionária pública reclamada)”.

Um caso que ilustra esta visão é o de Ana Luiza, que obteve vários ganhos a partir de

negociação do Nudecon com uma operadora de plano de saúde. Ela comenta que, se a

empresa a tivesse oferecido os mesmos serviços usados por sua mãe no passado, ela não teria

buscado o Nudecon. Segundo Ana Luiza, se dependesse de seus parcos conhecimento sobre

direitos de consumidor, a prestadora de serviços continuaria a não oferecer aquilo que ela teve

direito com a ajuda do Núcleo.

Diferentemente dos sentimentos trazidos por suas dificuldades passadas, os

entrevistados contam de seus processos de aprendizagem e de como se tornaram mais

conhecedores sobre como agir diante de problemas de consumo. Alguns acreditam que

negociar com empresas ainda é um caminho inicial, mas falam que não vão insistir em

negociar soluções se o processo for dificultado por elas. Alguns entrevistados, por sua vez,

falam que sequer tentarão resolver seus problemas com empresas, e que irão diretamente ao

Nudecon.

Entendendo que o Nudecon lhes ajudou a se tornarem consumidores mais conscientes

de seus direitos, alguns entrevistados relatam que passaram a indicar o Núcleo a familiares,

amigos e conhecidos. Fazem isto porque desejam compartilhar seu mais novo conhecimento

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sobre como se defender de empresas a todos que estão enfrentando situações similares.

Segundo aponta Josefina:

Eu já indiquei umas três pessoas (para o Nudecon)... É só alguém reclamar, que eu falo: “Defensoria Púbica”. É até engraçado. Minha irmã falou que eu estou virando a Justiceira. Mas, não é isso. É porque eu não sabia de nada, e eu vejo essas pessoas que não conhecem. Então, o que eu aprendi aqui, eu vou passando ‘pra’ aquelas pessoas que eram ‘igual’ a mim. Eu não sabia, não conhecia.

Os entrevistados que conseguiram uma resolução a seus problemas de consumo,

discutem a necessidade de terem passado por todas as dificuldades que vivenciaram.

Apresentam visões mais críticas quanto a ações de empresas, quando, por exemplo,

desconfiam de promoções que lhes pareçam “boas demais ‘pra’ ser verdade”. Questionam o

motivo de as prestadoras de serviços somente darem atenção às suas reclamações depois de o

Nudecon interceder em seu favor. Discutem que, se empresas estavam dispostas a fazer

acordos com eles, quando o Núcleo intermediou a negociação, por qual razão não o fizeram

antes, em uma das inúmeras vezes que contataram funcionários para relatarem seus casos.

Rubia, por exemplo, lamenta que ela, como consumidora de uma instituição financeira

“há tanto tempo”, não tenha conseguido influenciar a empresa a mudar sua conduta em

relação ao problema de consumo vivenciado por ela, da mesma forma que o Nudecon

conseguiu: “Eu não sei por que a gente não consegue uma coisa dessas, e aqui (em referência

ao Nudecon) eles conseguem”.

Ryngelblum, Vianna e Rimoli (2013) explicam que empresas dificultam negociações

com consumidores quando esses buscam resolução de seus problemas de consumo

diretamente com elas, como forma de desestimular a continuação de reclamações. Todavia,

quando os reclamantes chegam a uma agência especializada em defendê-los, os autores

apontam que empresas lidam melhor com as reclamações, propondo acordos, mesmo que não

concordem com as reivindicações feitas. Fazem isso para que sejam vistas como

colaboradoras de tais agências, pois resolvem grande parte dos casos que chega até essa

instância.

Após tantos problemas de consumo com prestadoras de serviços, alguns entrevistados

falam sobre a suspensão de seus relacionamentos com tais empresas e uma possível migração

a concorrentes. A seu ver, dificilmente conseguirão voltar a se relacionar com as antigas

prestadoras, pois não sentem mais confiança nelas.

Os entrevistados acreditam que recompensas materiais não seriam suficientes para

reverter seus pensamentos de não mais se relacionarem com as prestadoras de serviços que

lhes causaram problemas de consumo, algo que Fisher, Garrett, Arnold e Ferris (1999)

apontam como comum entre consumidores que buscam a ajuda de agências especializadas em

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defendê-los. Por sofrerem de fortes sentimentos negativos direcionados a empresas

(MATTILA; WIRTZ, 2004), guardam distância delas, mesmo quando seus casos são

resolvidos favoravelmente.

4.6.6 Incentivos e desincentivos à reclamação ao Nudecon

Os relatos mostram que há diversos fatores que influenciam na escolha do consumidor

em perseguir uma solução a seu problema de consumo, que podem ser tanto incentivadores

quanto desincentivadores. A fim de dar um fechamento para as discussões relacionadas ao

processo de reclamação que leva consumidores a uma third party agency (conforme

apresentado na Figura 1), uma síntese sobre esses fatores que levam um consumidor ao

Nudecon é apresentada na Tabela 7.

Estágio do Processo de Reclamação

Incentivos à Reclamação ao Nudecon

Desincentivos à Reclamação ao Nudecon

Início do processo de reclamação

• Problemas de consumo são mais fáceis de resolver do que problemas “da vida”;

• Posse de serviços que melhoram a qualidade de vida.

• Dificuldades para negociar com empresas terceirizadas.

Formas de lidar com os problemas de consumo

• Crença de que a culpa é da empresa.

• Crença de que a culpa é própria ou de um terceiro.

Reclamações a partir dos problemas de consumo

• Aprendizado sobre como reclamar;

• Incentivo de familiares e amigos à reclamação.

• Dificuldades para reclamar à empresa (funcionários desqualificados, longa espera, “musiquinha”);

• Desincentivo de familiares e amigos à reclamação.

Depois do Não da empresa • Incentivo de outros consumidores que passam a conhecer o caso;

• Desejo de não ser associado a “malandro” ou ter um “nome sujo”;

• Falta de alternativas para substituir o serviço.

• Todas as empresas oferecem serviços ruins;

• Todas as empresas tratam consumidores da mesma forma, quando surgem problemas de consumo.

Reclamação ao Nudecon • Poder do Nudecon frente a empresas;

• Rapidez na resolução de problemas de consumo;

• Atendimento cortês dos funcionários;

• Crença de que o serviço é eficiente;

• Maior conhecimento sobre direitos do consumidor.

• Desconhecimento do Nudecon; • Longas esperas para ser

atendido no Nudecon; • Baixa expectativa quanto ao

serviço.

Tabela 7: Fatores que incentivam e desincentivam a reclamação ao Nudecon

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4.7 EMPRESAS EM PRIMEIRO, GOVERNO EM SEGUNDO, CONSUMIDORES EM

ÚLTIMO

O item a seguir descreve como os entrevistados percebem as relações entre empresas,

consumidores e governo, e a assimetria de poder entre as partes.

4.7.1 A relação assimétrica entre empresas e consumidores

A relação entre empresas e consumidores é marcada por dúvidas, ceticismo e

frustrações, na visão dos entrevistados. Levando-se em consideração que todos os

consumidores participantes da pesquisa vivenciaram pelo menos um problema de consumo

mais grave, que os levou a reclamarem ao Nudecon, é compreensível que tenham tais

opiniões a respeito de como empresas tratam seus clientes.

Quando falam sobre empresas, todavia, não se referem especificamente àquela que

causou o problema de consumo, mas sim a um conjunto, como se todas apresentassem um

mesmo comportamento. O consumidor, diante disso, sente-se preso em um sistema que pouco

atenta à sua satisfação. “É como se fosse uma máquina, vai massacrando”, descreve Rosália.

Comumente, utilizam expressões, tais como “enganar”, “prepotência”, “arrogância”, “poder”,

“força”, “pisar” e “lixo”, para descrever sua relação com empresas.

Tal forma de pensamento é derivada de uma opinião dos entrevistados de que a relação

entre empresas e consumidores é marcada por uma assimetria de poder, que os distancia,

especialmente quando problemas de consumo surgem. Nesse momento, os entrevistados

relatam que, em função de tal poder, empresas “fazem o que bem querem”, sem sofrer

consequências.

O consumidor, diante de tal situação, “se sujeita a eles”, “tem que engolir seco”. Os

entrevistados pensam dessa forma pois, em seus relatos, o poder que possuem para mudar a

situação não se equipara com o da outra parte:

A empresa procura sempre enganar, porque eles, lá em cima, não vão ser afetados. Quem é afetado somos nós, os consumidores (Denis).

É muita prepotência, é muita arrogância, é muito poder (de empresas). Você se sente uma formiguinha (Rosália).

Eles (em referência a empresas) determinam, e tem que ser assim. Muito difícil para conciliar as coisas. Eles estão sempre certos, e a gente, como consumidor, tem que fazer aquilo que eles acham que tem que fazer (Valéria).

O estudo de Chauvel (2000) também aponta para a percepção de consumidores de que

há uma assimetria de poder entre eles e empresas. Atribuem culpa por tal diferença à falta de

punição a ações empresariais, de forma que abusos são comumente praticados no mercado.

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Ao perceber que existe uma desigualdade de poder, os entrevistados acreditam que são

empresas que definem as regras da relação comercial, e que negociações entre as partes

dificilmente favorecerão consumidores. Afinal, conforme relata José Roberto, em referência a

operadoras de planos de saúde: “a gente sabe que plano de saúde tem uma força muito

grande”.

O poder de operadoras de planos de saúde não se restringe somente ao relacionamento

que desenvolvem com consumidores. Parece estar presente em outras relações, com outros

públicos, que, por sua vez, estão dentro do ciclo de influências de consumidores. Rafaela

relata como um médico ficou receoso em dar a ela um documento atestando a necessidade de

seu sobrinho realizar um exame, para acompanhar seu tratamento, após ter sofrido um AVC.

Segundo a entrevistada, o profissional a disse que “tinha um bom relacionamento” com a

operadora de saúde em questão, e que precisaria ter cuidado ao escrever o laudo, porque

“amanhã ou depois, poderia vir um problema ‘pra’ ele”.

Denis descreve outra situação que ajuda a ilustrar como a assimetria de poder e o

distanciamento entre empresas e consumidores se desenvolvem, ao relatar como sua

operadora de plano de saúde se relaciona com clientes:

Denis: Eles (em referência à operadora de plano de saúde) têm um patamar totalmente diferente... Meu plano de saúde nem fala comigo, porque ele diz que é um plano empresarial. Pesquisador: Mas como eles se comunicam com você? Denis: Ou você manda alguma coisa por e-mail, ou você faz a pergunta e eles te mandam a resposta por e-mail. Pesquisador: A empresa aceita perguntas por telefone? Denis: É, abre um chamado com a numeração, e mandam a resposta para o seu e-mail. A comunicação é assim, não é uma comunicação com diálogo, não tem isso. Pesquisador: Você sabe onde é o endereço desse plano? Denis: Aqui no Rio (de Janeiro), eu estou totalmente por fora. Pesquisador: Você sabe se eles têm algum escritório? Denis: Eu já ouvi falar que tem sim. Pesquisador: Não é divulgado? Denis: Não é divulgado. Tanto que não tem nem na carteirinha. Você não tem nem um livro, não tem nada. Você não sabe onde é o endereço deles aqui no Rio (de Janeiro). Pesquisador: Você não tem um livro ‘pra’ saber quais médicos eles oferecem? Denis: Eles pedem ‘pra’ você entrar na internet e consultar pela internet ou então pelo SAC, que é o “0800” deles. Mas eles não dão o endereço. Quando eu liguei para resolver o meu problema, eles me disseram que eu tinha que resolver direto com o RH (recursos humanos) da minha empresa, que eles não falariam comigo.

Para Denis, sua operadora de plano de saúde usa os canais de comunicação

disponibilizados ao consumidor para reforçar sua posição de poder, mantendo-se distante.

Consegue, assim, controlar a relação com esse indivíduo, ao escolher qual tipo de informação

irá oferecê-lo. O entrevistado relata que, por causa dessa forma de comunicação, fica a mercê

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da “boa vontade” da operadora em ajudá-lo, algo que acredita não ser do interesse da

empresa.

Pensamentos como os de Denis também são encontrados em Rocha (2000, p.182, grifo

do autor), quando a autora descreve que ser consumidor no Brasil é: “encontrar-se a priori em

posição de inferioridade, poder ser mal tratado, humilhado, constrangido, abusado,

esculhambado mesmo”.

A relação ainda mais desigual entre empresas e consumidores de baixa renda

Este quadro descrito por Rocha (2000) parece ser mais grave quando o consumidor em

questão é de baixa renda. Os entrevistados acreditam que há ainda maiores diferenças de

poder quando consumidores são de estratos sociais menos abastados. Em função disso,

empresas “pisam” e causam “sofrimento” maior a estes indivíduos, pois, como expressa

Denis: “a pessoa só vale o quanto tem no bolso”. Outros estudos corroboram esse pensamento

dos entrevistados ao apontarem que há tratamento diferenciado de empresas a consumidores

de estratos sociais menos privilegiados (CHAUVEL, 2000; HALSTEAD; JONES; COX,

2007; WALSH, 2009).

Por serem consumidores que buscam seus direitos no Nudecon, é coerente que alguns

entrevistados relatem indignação à diferença de tratamento que empresas os oferecem. Não

aceitam que seu nível de renda seja motivo para receberem pior atendimento. “Não é porque a

gente é pobre, que a gente é lixo!”, relata Flavia. O testemunho destacado ilustra uma visão

dos entrevistados de que empresas tratam consumidores de baixa renda como um descarte,

algo que mais ninguém deseja. Esta crença pode ser explicada pela lógica, defendida por

Chauvel (2000), de que consumidores de baixa renda suspeitam de empresas, e esperam ser

explorados por elas. Por isso, quando um problema de consumo ocorre, atribuem a falha a

uma falta de visão de empresas de que eles também são consumidores.

A visão de Flavia lembra a forma como marketing tratava esse segmento antes do

advento do Plano Real e o crescimento do poder econômicos das classes mais baixas da

sociedade, quando a área os considerava “invisíveis”, por não constituírem um mercado

comprador de bens supérfluos (BARROS, 2006a). Mesmo após quase vinte anos da

implantação da nova moeda e o desenvolvimento de conceitos que reforçam a necessidade de

empresas empreenderem esforços para melhor atender o mercado (NARVER; SLATER,

1990), a opinião de consumidores de baixa renda é de que empresas ainda priorizam o

segmento de alta renda, tratando a parte inferior da pirâmide social da mesma forma que no

passado.

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Tamanha desconfiança pelos entrevistados não deve ser imaginada como infundada.

Diversos estudos apontam que a exploração de consumidores de baixa renda por empresas é

um fenômeno frequente e histórico (BERRY; SOLOMON, 1971; MADELEY, 2008;

MARCUS, 1969). Sua fragilidade, por possuírem poucos meios para se defenderem, é o

principal motivo para sofrerem tais discriminações (BARNHILL, 1972; RATNER, 1968;

RICHARDS, 1968).

Os entrevistados reconhecem que não são todas as empresas que abusam de seus

poderes frente à fragilidade do consumidor de baixa renda. Há exceções à regra. Uma delas,

também apontada em outros estudos, é a Casas Bahia (BARROS; ROCHA, 2009;

PRAHALAD, 2006). Um dos entrevistados, Pedro Carlos, descreve como a varejista é solícita

a negociar com seus clientes quando estes se encontram em dificuldades para pagar suas

dívidas com a empresa:

Na Casas Bahia, eu já tive vários problemas, mas sempre consegui contornar a situação... Quando estou com problemas, que é, às vezes, de atraso de pagamento, eu entro em negociação com a Casas Bahia, e a Casa Bahia, então, me dá aquela atenção, fazendo a negociação, e eu acabo sendo sempre bem assistido.

Os entrevistados questionam até que ponto a postura da Casas Bahia é destacada em

atender o consumidor de baixa renda ou se, simplesmente, são as demais empresas que pouco

(ou nada) adotam tal perspectiva, tornando a varejista uma exceção positiva no mercado. De

acordo com a visão dos entrevistados, a segunda análise parece explicar melhor o

comportamento empresarial predominante.

Essa forma de pensar dos entrevistados surge da ideia de que, mesmo hoje, empresas

abusam da falta de conhecimento de consumidores de baixa renda quanto a seus direitos de

consumo ou os meios para se defenderem contra práticas empresariais desleais. Conforme

analisam dois entrevistados:

A gente é semianalfabeto, a realidade é essa. A gente não sabe muito bem os nossos direitos (Josefina).

Você há de convir que existem pessoas que não sabem nem que esses órgãos existem. Então, evidentemente que elas não sabem nem como se defender (José Roberto).

Assim, as mesmas práticas que, no passado, levaram autores a defenderem maior

proteção governamental a indivíduos de baixa renda (ANDREASEN, 1975) e a expressarem

que marketing não conseguiu implementar corretamente o conceito de soberania do

consumidor (BUSKIRK; ROTHE, 1970) ainda são encontradas na relação entre empresas e

consumidores, como sugerem alguns entrevistados. A recorrência de tais problemas de

consumo em marketing é entendida por diferentes autores como uma repetição da história

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dentro da área, que usa conceitos de soberania do consumidor mais como uma retórica do que

uma legitimidade (BREI; ROSSI; EVRARD, 2007; FIRAT, 2010).

A visão de funcionários sobre a relação entre empresas e consumidores

A partir de entrevistas com funcionários de uma operadora de telecomunicações e uma

instituição financeira, foi possível entender alguns aspectos da ótica empresarial sobre como

empresas lidam com consumidores. Embora o discurso relacionado à importância de um bom

atendimento seja recorrente em seus relatos, os funcionários sabem que o consumidor nem

sempre consegue obter esse tratamento.

A entrevistada da operadora de telecomunicações, por exemplo, conta que é comum

consumidores não serem informados por vendedores ou a central de atendimento sobre como

funcionam os planos adquiridos por eles:

Muitas vezes, o cliente vai até a loja, ou faz a compra pelo televendas, compra um aparelho, mas não obtém informações corretas sobre o produto, não sabe como funciona. O vendedor, muitas vezes, quer vender o produto, quer bater sua meta, mas não explica ‘pro’ cliente como funciona o plano, como ele pode utilizar... Aí, (os consumidores) ligam ‘pra’ central de atendimento, e a central de atendimento não explica direito como é o funcionamento, e acaba onerando muito a conta do cliente.

A negligência em passar informações completas também é vista quando consumidores

ligam para o SAC da operadora de telecomunicações, a fim de reclamarem de serviços. Os

teleoperadores que atendem a tais chamadas são instruídos, segundo a entrevistada, a não

divulgarem ao reclamante que a empresa oferece um canal de reclamação dentro de alguns

órgãos de defesa do consumidor, onde representantes da empresa atendem pessoalmente e

tentam resolver problemas de consumidores insatisfeitos.

Em função desse tipo de visão, comumente encontrada em empresas, Cesca e Cesca

(2000, p.66) analisam que, mais do que um serviço para estimular relacionamentos com

consumidores, o SAC serve para mantê-los “longe dos serviços oficiais de defesa do

consumidor, que podem gerar prejuízos de imagem/conceito e até financeiros e jurídicos”.

A oferta de canais de reclamação em órgãos de defesa do consumidor não é um serviço

de responsabilidade da área de marketing, segundos os funcionários de ambas as empresas. É

o departamento jurídico quem o administra. Assim, quando questionados sobre os motivos

das empresas em oferecerem tal serviço, os funcionários entrevistados responderam que seu

objetivo era evitar que as reclamações se transformassem em processos legais, já que esses

demandam mais tempo e recursos para serem resolvidos. Entre 80 e 85 por cento dos casos de

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reclamação feitas em órgãos de defesa do consumidor são solucionados por meio desse

serviço, segundo os representantes.

Embora os funcionários aleguem que o consumidor também é beneficiado pela rapidez

com que seus problemas são resolvidos por meio desse canal, tal fato parece ser secundário

aos ganhos para a empresa, que deixa de responder a diversos processos legais. Mais do que

um serviço oferecido para melhorar o relacionamento entre empresa e consumidor, em um

momento quando sua relação se encontra estremecida, seu principal propósito parece ser

evitar prolongar o problema de consumo, para que maiores investimentos de recursos

empresariais não sejam necessários.

A relação entre empresas e consumidores não é a única relatada pelos entrevistados. Há

outra que também é vista como desigual, quando as partes envolvidas são consumidores e

governo.

4.7.2 A relação assimétrica entre Governo e Consumidores

“Governo não ‘tá nem aí ‘pra’ pobre. Não ‘tá mesmo!”, aponta Josefina. Esta parece ser

a visão comum para esse grupo de entrevistados a respeito da relação entre governo e

consumidores de baixa renda. Pensam dessa forma pois acreditam que, ao invés de o governo

ajudar, oferecendo adequados serviços básicos, prefere mantê-los marginais a qualquer

melhora de qualidade de vida, pois, dessa forma, cria mecanismos facilitadores para governar,

conforme aponta Valéria:

Não há interesse do governo que o povo tenha instrução, que tenha condições boas de escola, de informação, nada. É mais fácil governar assim... A gente luta inclusive para que melhore a educação do povo, que o povo melhore, para saber de seus próprios direitos. Mas, o governo não tem interesse que o povo tenha sabedoria sobre isso. Que é mais fácil de governar, ‘né’? Eles não querem que o povo tenha instrução, que melhore sua qualidade de vida, entendeu?

Pela visão dos entrevistados, governos, assim como empresas, estão em oposição de

poder a consumidores. Usam de sua força, portanto, como forma de intimidação àqueles que

dependem dele. Resta aos menos favorecidos aceitar que sua “soberania” é ignorada, pois,

quando se trata de buscar serviços do governo: “as pessoas tratam você mal, não olham pra

você, são indiferente. Você fala com as paredes, e você tem que ser simpática e educada” para

não sofrer represálias, analisa Josefina.

Embora os entrevistados sejam de contextos de baixa renda, o que poderia significar

menor conhecimento político, já que são menos informados e educados (BARKI; PARENTE,

2010), isto não parece ser o caso aqui. Reconhecem que governos são representações do povo,

entretanto, pouco se identificam com políticos. Uma entrevistada, inclusive, lamenta a

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situação política atual do país, defendendo que o Brasil era mais bem administrado durante a

ditadura militar, entre as décadas de 1960 e 1980:

Eu tenho saudade da ditadura. Era mais verdadeiro... Na ditadura, você tinha ordem... O salário mínimo dava ‘pra’ você viver. Não dava ‘pra’ você comer caviar, mas dava ‘pra’ você ter uma vida digna. Na ditadura, eles se preocupavam em construir estradas, em construir escolas, em construir casas, entendeu?... Se eles roubavam, podiam até roubar, mas não deixavam faltar. Você tinha saúde, você tinha postos de saúde (Rosália).

A descrença quanto ao papel do governo em ajudar consumidores, especialmente os de

baixa renda, leva os entrevistados a desejarem mudanças políticas no Brasil. No caso de

Rosália, essa foi manifestada pelo desejo de volta à ditadura, uma época conturbada da

história do país. Sua justifica por tal escolha se deve à “saudade” por um período quando o

consumidor sentia-se amparado pelo governo. A assimetria de poder, para a entrevistada, era

percebida como menos aguda, pois havia preocupação do governo em oferecer condições a

consumidores de baixa renda terem “uma vida digna”.

A assimetria de poder entre governo e consumidores é percebida pelos entrevistados

como mais aguda, hoje em dia, pois acreditam que a corrupção é disseminada em maior

escala. Por essa visão, são poucos os políticos que não estão envolvidos em atos corruptos.

Gabriela, inclusive, cita como exemplo o caso envolvendo o contraventor Carlinhos

Cachoeira, que, em 2012, foi preso sob a acusação de crime organizado e corrupção

envolvendo políticos.

O comportamento “fora da lei” por parte de figuras públicas reforça a opinião dos

entrevistados de que o governo mais serve para favorecer desejos individuais, “gananciosos”,

do que os das massas. Conforme aponta Pedro Roberto: “O governo lança um monte de taxas.

Ele lança essas taxas ‘pra’ quê? ‘Pra’ comer dinheiro, ganhar dinheiro!”. A visão desse

entrevistado também é compartilhada por outros, especialmente quando falam sobre a

igualdade de propósitos governamentais e empresariais de obter ganhos financeiros à custa do

consumidor, que fica à margem da distribuição de riqueza, e, ainda, sustenta-a ao pagar

impostos e comprar produtos supervalorizados.

Essa opinião leva os entrevistados a acreditar que suas preocupações não são as mesmas

que as de políticos, mesmo que esses sejam seus representantes. Entretanto, sabem que a

autoridade para resolver seus problemas jaz, justamente, com o governo. Sentem-se, então,

dependentes dessa instituição, e acreditam que suas demandas não são prioridade a ela. Por

perceberem elevada a distância de poder entre as partes, pensam que nada podem fazer para

mudar tal quadro.

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Dessa forma, quando se referem a governo, consumidores fazem associações com

diversos fatores negativos, tais como: “roubalheira”, “burocracia”, “desorganização” e

“lentidão”. Essa “regra”, entretanto, não se aplica ao caso específico do Núcleo de Defesa do

Consumidor. Os entrevistados, em diversos casos, sequer sabem que esse órgão é

governamental. “Um núcleo de defensoria pública é uma coisa do governo?”, pergunta Marta

sem certeza. Mesmo quando sabem, afirmam que o Núcleo é “diferente”.

Por ser um órgão que existe para defender gratuitamente consumidores, em sua maioria

de baixa renda, em situações problemáticas de consumo, possui credibilidade com os

entrevistados. Estes consumidores acreditam que, mesmo possuindo mais poder do que eles, o

Nudecon não usa deste para ganhos próprios, diferentemente do governo. “A única coisa de

bom que o governo fez foi criar o Nudecon”, afirma Luciana.

Além do Nudecon, alguns consumidores acreditam que, em um mercado repleto de

empresas que os tratam mal, há determinadas organizações governamentais que são “menos

ruins” do que seus pares privados. Pensam dessa forma ao se referir ao menor distanciamento

dessas com seus clientes, pois não abusam de seu poder para se aproveitar das fragilidades de

consumidores de baixa renda.

Além das suas relações com empresas e governo, os entrevistados também comentam

como empresas e governos se relacionam. O item a seguir discute essa relação.

4.7.3 A relação de interesses entre Empresas e Governo

Na visão dos entrevistados, a relação entre empresas e governo é marcada pelo

distanciamento de ambas do consumidor, como se estivessem juntas, dividindo os mesmos

interesses. Por ele ser o elemento mais “fraco” da “tríade”, acaba por ficar isolado, sem forças

para enfrentar tamanha desigualdade. Acaba sendo, em função disso, quem mais sofre quando

eventos infortúnios ocorrem no mercado, já que os demais envolvidos não são prejudicados.

“Eles lá (em referência a empresas e governo), eles não pagam nada do bolso deles. Quem

paga somos nós.”, aponta Pedro Roberto.

Embora empresas e governo estejam próximos permanece uma visão, entre os

entrevistados, de que as primeiras “aceitam” a presença do segundo. Falam assim ao afirmar

que empresas pouco se submetem a imposições governamentais, pois seus poderes para

influenciar como atuarão no mercado são maiores.

Os relatos apontam para um limite da força governamental em relação ao controle

exercido sobre empresas, pois os instrumentos públicos criados para garantir ordem pouco

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surtem efeito. Leis e agências reguladoras, nesse caso, são vistas somente como artifícios

teóricos, “fachadas”, restritas em suas ações, já que, na prática, são pouco obedecidas por

empresas. Mesmo que o consumidor se disponha a “brigar” por seus direitos, não o faz,

“acaba levando na valsa”. Acredita que seus esforços serão em vão, pois “é tudo à moda

Bangu (em referência a algo desordenado).”.

Embora leis sejam determinações a serem seguidas por todos, para o bem de todos, os

entrevistados creem que empresas se colocam em um patamar acima delas. Em sua visão,

quando as prestadoras de serviços cometem erros, não estão agindo dessa forma porque

desconhecem a lei. Fazem isso, na verdade, pois adotam uma postura de soberania sobre tais

determinações, como se pudessem agir sem limitações. Mesmo quando cometem infrações, o

poder de empresas sobre a lei é tamanha, que pouco ou nada sofrem como consequências,

conforme aponta Valéria:

O gás da minha casa está cortado. Mas não pode cortar, porque está sobre liminar. Quer dizer, eles (em referência à concessionária pública reclamada) estão infringindo a própria cláusula do processo (em referência ao processo judicial aberto contra a concessionária). Eles não obedecem. Eles se acham majoritários, como se eles fossem os donos da situação... Como ela (em referência à concessionária pública reclamada) determina o que ela vai fazer, então ela não dá muito valor à justiça.

Pedro Roberto desconfia da validade das leis em restringir ações empresariais, pois

aponta que a superioridade de poder de empresas faz com que formem “panelinhas” com

Juízes. Dessa forma, quando consumidores buscam seus direitos para resolver algum

problema de consumo, dificilmente conseguem vitórias judiciais, já que não é de interesse

conjunto de empresas e governo que isso ocorra. Outros entrevistados, tais como Jandira,

também comentam sobre a cumplicidade de governo a empresas, que não pune atividades

empresariais irregulares: “O governo dá mais proteção e ajuda mais as empresas do que

auxilia o consumidor... Eles (em referência ao governo) têm um protecionismo para eles (em

referência a empresas).”.

Diferentes autores também apontam para essa visão dos entrevistados (LINDBLOOM,

1977; NADEL, 1975b; ROTFELD, 2010), pois acreditam que, independentemente da época

ou do governo no poder, os males que empresas cometem contra consumidores e sociedade

dificilmente são punidos por lei. A explicação para isso é a forte influência política de

empresas, que abafa sanções contra seus comportamentos danosos (MARTIN, 2003;

PERTSCHUK, 1982).

Os entrevistados demonstram pouco conhecimento sobre o papel de agências

reguladoras no mercado. Entendem, entretanto, que são instituições responsáveis por

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“intervir” no mercado, quando algum problema de consumo existe entre empresas e

consumidores. Pedro Roberto, por exemplo, descreve a Agência Nacional de

Telecomunicações (Anatel) como: “encarregada de pesquisar, ficar acompanhando as

operadoras em geral, todo esse negócio. Eles (em referência à Anatel) que são a cabeça, ‘né’?

São os controladores dessas operadoras.”.

A intervenção de agências reguladoras no mercado é possível, na visão dos

entrevistados, porque possuem meios para agir dessa forma, já que estão amparadas por leis.

Por isso, poderiam restringir quaisquer atividades que prejudicassem consumidores, pois,

segundo Rosália: “A única empresa que eles (em referência a operadoras de

telecomunicações) respeitam é a Anatel”.

Apesar de reconhecerem o poder que agências reguladoras possuem sobre os diferentes

setores que regulam, os entrevistados relatam opiniões descrentes quanto à responsabilidade

dessas instituições em defendê-los: “A gente pede qualquer coisa para eles (em referência a

agências reguladoras), e a gente não vê bons resultados.”, aponta Valéria. Atribuem culpa por

parte desse problema à falta de coerência entre as esferas públicas de poder: “Parece que fica

umas argolas entrelaçadas, e que ninguém faz nada” (Rosália). Assim, igualam os mesmo

defeitos de governos (“incompetência”, “desorganização” e “lentidão”) a tais agências.

A visão negativa em relação a agências reguladoras apresentada pelos consumidores

entrevistados encontra respaldo em literatura que critica a atuação dessas organizações

(ELLISON, 2008; SHETH; MAMMANA, 1974; STERN, 1971). Para autores que seguem

essa linha de pensamento, imposições regulatórias governamentais não garantem que falhas

de mercado deixem de ocorrer, pois agências reguladoras são pouco preparadas para controlar

a atuação de grandes empresas. O papel de tais agências de diminuir a assimetria de poder

existente entre empresas e consumidores, portanto, acaba sendo pouco efetivo.

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5 CONCLUSÕES

A discussão trazida pela presente pesquisa teve em seu objetivo compreender como se

desenvolve todo o processo de reclamação de consumidores de baixa renda até chegarem ao

Núcleo de Defesa do Consumidor, a fim de resolverem problemas de consumo com

prestadoras de serviços. Para isso, foram coletados dados primários, de entrevistas em

profundidade com 27 assistidos pelo Núcleo, e secundários, de estudos relacionados aos

temas de consumerismo, insatisfação de consumo e comportamento de reclamação do

consumidor, e a relação que indivíduos de baixa renda possuem com o consumo. Por meio de

tais dados, foi possível desenvolver a análise do estudo.

O capítulo a seguir apresenta as conclusões alcançadas a partir da análise do estudo,

dividido em quatro tópicos, a saber: implicações teóricas do estudo, implicações

metodológicas do estudo, implicações práticas do estudo e sugestões de futuros estudos.

5.1 IMPLICAÇÕES TEÓRICAS DO ESTUDO

As contribuições que o presente estudo trouxe para as linhas teóricas discutidas dentro

dele são apresentadas em três instâncias. Inicialmente, discutem-se as implicações para o

estudo de insatisfação de consumo e comportamento de reclamação de consumidores. Em

seguida, são abordadas as contribuições para estudos sobre a relação entre indivíduos de baixa

renda e o consumo. Por fim, são apresentadas visões sobre consumerismo no Brasil.

5.1.1 Implicações teóricas sobre insatisfação de consumo e comportamento de

reclamação do consumidor

Os relatos dos entrevistados mostram como os diversos elementos que compuseram

suas histórias de reclamação ocorreram sequencialmente, iniciando-se no problema de

consumo e terminando, em geral, no Nudecon. Essa construção ocorria à medida que os

consumidores reagiam a acontecimentos negativos, a fim de encontrar novas e positivas

informações que lhes apontassem um caminho para o fim de seus casos. Enquanto não

encontravam esse alento, continuavam a percorrer o processo de reclamação, com a esperança

de que seus esforços não seriam em vão.

Dificilmente seria possível entender essas histórias e os elementos que estão nela

inseridos se o olhar da pesquisa fosse limitado a um dos momentos do processo de

reclamação. Analisar os sentimentos de insatisfação e o comportamento de reclamação como

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um todo, olhando seu começo, meio e fim, permitiu encontrar achados que contribuem para

um campo de conhecimento cujos estudos se limitam a focar em partes do caminho percorrido

por consumidores que buscam soluções a problemas de consumo.

O levantamento da literatura sobre insatisfação de consumo e comportamento de

reclamação de consumidores permitiu perceber que a principal preocupação de tais estudos é

modelar as reações de consumidores, quando em determinados momentos do processo de

reclamação. Comumente, seus achados são modelos das reações ao problema de consumo, das

diferentes ações adotadas perante a insatisfação, e, até, das circunstâncias que levam alguém a

buscar uma third party agency. Olhar esses fenômenos de maneira distinta, que não fosse com

a preocupação de se desenvolver modelos, portanto, teve a intenção de propor uma renovação

nos estudos desse campo de conhecimento.

Embora a literatura seja predominantemente dominada por modelos de comportamentos

de consumidores, foram encontrados estudos que fugiam a esse padrão, sendo um dos

principais o de Chauvel (2000), cuja ótica foi inspiradora no início da presente pesquisa. Ao

seguir uma linha inicialmente desenvolvida por essa autora, foi possível levantar aspectos do

processo de reclamação de consumidores insatisfeitos que são pouco discutidos pela literatura

dominante. Alguns dos principais achados desse estudo estão sintetizados a seguir:

Culpa de terceiros na relação conflituosa entre empresas e consumidores

A literatura de insatisfação de consumo discute questões relacionadas à atribuição de

culpa, apontando que o consumidor é mais ou menos propenso a reclamar se ele percebe a

culpa pela situação insatisfatória sendo dele ou de uma empresa. Os achados da pesquisa

também demonstram que enquanto um grupo de consumidores justifica o problema de

consumo a partir de ações próprias, outro responsabiliza exclusivamente as prestadoras de

serviços.

Além desses dois, mais um grupo também foi identificado, que se caracteriza por culpar

terceiros por seus problemas de consumo. Não foram encontrados, na literatura, outros

estudos que apontem para esse tipo de atribuição de culpa, embora a relação entre consumidor

e empresa pareça ser afetada por esse elemento externo.

A pouca utilidade em reclamar com empresas

Para aqueles que precisaram levar seus casos até uma agência especializada em

defendê-los, a reclamação a empresas é considerada uma ação pouco útil, especialmente

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porque acreditam que as prestadoras de serviços criaram dificuldades, a fim de irritar e

desestimulá-los a continuarem a reclamar.

Embora as prestadoras de serviços, em geral, tenham aceitado negociar uma solução aos

problemas de consumo dos entrevistados, suas intenções em fazê-lo são interpretadas por

esses consumidores como não genuínas. Somente agiram assim porque sofreram pressão, sob

pena de uma ação legal, mais onerosa e demorada para resolver. Assim, a decisão de tais

empresas em oferecer melhores acordos parece aos entrevistados mais como uma escolha,

com o objetivo de colaborar com o Nudecon e encerrar o problema, do que uma mudança de

comportamento quanto a consumidores e suas reclamações.

Reclamações igualadas de todos os consumidores

Um fato que pode ajudar a entender o motivo de haver ceticismo quanto aos benefícios

de se reclamar a uma empresa quando surgem problemas de consumo é a indiferença de

tratamento que elas dão à reclamação, desconsiderando quem é o reclamante. Sendo ele um

consumidor fiel à empresa ou um recém-usuário de seus serviços, todos parecem receber o

mesmo tratamento.

A importância de se segmentar mercados e, a cada público, oferecer produtos e serviços

que atendam às suas particularidades é um conceito consolidado em marketing. No entanto,

na prática, parece restrito somente a momentos de vendas, pois, pelo que se percebe nos

achados da pesquisa, no pós-venda não houve diferenciação na forma como os entrevistados

perceberam o tratamento das prestadoras de serviços a suas reclamações.

Frustrações acumuladas no processo de reclamação

Ao relatarem como percorreram as diferentes etapas do processo de reclamação, foi

possível perceber como os entrevistados acumularam frustrações durante esse caminho.

Inicialmente, frustram-se com o surgimento do problema de consumo, e vão acumulando tal

sentimento à medida que passam por dificuldades para reclamarem a empresas. Esse excesso

de tentativas frustradas de resolução da situação insatisfatória mostra o motivo de

reclamações a uma agência de defesa do consumidor ser um ato extremo.

Ao longo das diferentes etapas do processo de reclamação, os sentimentos de

insatisfação dos consumidores foram continuamente alimentados, pois, em todos os

momentos que antecederam a reclamação ao Nudecon, não conseguiram reverter seus

problemas de consumo. Somente na última etapa do processo de reclamação, após levarem

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seus problemas ao Nudecon, é que esse quadro foi modificado, e os entrevistados voltaram a

obter satisfação.

O poder de consumidores contra empresas por meio do Nudecon

A função principal pela qual os entrevistados buscaram o Nudecon foi para resolver

seus problemas de consumo. Como não conseguiram sucesso com as prestadoras de serviços,

quando reclamaram a elas, tinham esperanças de que fossem obter êxito com a ajuda do

Núcleo. Esse fato parece ser coerente com outros estudos, que apontam third party agencies

como instrumental para auxiliar soluções entre empresas e consumidores.

Outro motivo, pouco discutido pela literatura, pelo qual consumidores buscam ajuda de

tais agências é a tentativa de estabelecerem um equilíbrio de poder com empresas. Em função

de haver uma assimetria entre eles e empresas, consumidores acumulam frustrações com as

infrutíferas tentativas de negociar soluções a seus problemas de consumo, quando reclamam

diretamente à outra parte. Todavia, quando são apoiados por agências especializadas em

protegê-los, usam o poder legal que tais organizações possuem com o objetivo de mostrar que

sabem se defender contra forças maiores do que as deles.

Um olhar mais crítico pode até considerar simples esses principais achados da pesquisa.

No entanto, desde o seu início, o estudo não buscou uma grande construção teórica, mas, sim,

contribuir com suas descrições e achados para diminuir a lacuna teórica identificada no campo

das reclamações de consumidores insatisfeitos e no grupo escolhido de consumidores de baixa

renda.

Uma explicação para a falta de atenção da literatura a esses aspectos simples

relacionados à insatisfação e a reclamação pode ser justamente a sua preocupação em somente

modelar comportamentos de consumidores. Apenas explorando os motivos por trás das ações

e reações desses indivíduos é possível compreender a complexidade das experiências e os

significados construídos internamente por eles. Dessa forma, o que os achados mostram é que

não se pode identificar uma única realidade quando se fala em insatisfação e reclamação de

consumidores, pois, na verdade, existem muitos elementos que compõem esses fenômenos.

Em um nível mais macro, pode-se considerar também que as discussões trazidas aqui

sobre insatisfação de consumo e comportamento de reclamação de consumidores sejam

secundárias dentro de marketing. É verdade que, mais recentemente, a área tem preterido

discussões sobre esses temas, demonstrando mais preocupações com questões relacionadas a

marketing de relacionamento, marketing de experiências e marketing de co-criação (COVA;

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COVA, 2012). Mesmo dentro da área de comportamento do consumidor, esforços têm sido

em gerar conhecimento sobre escolhas, atitudes e satisfação de consumidores, significados de

consumo e a relação entre consumidores e marcas (MACINNIS; FOLKES, 2009).

Insatisfação e reclamação, apesar de sua importância, parecem ter pouco espaço na academia

de marketing.

Entretanto, é possível falar de marketing de relacionamento sem considerar os

problemas de consumo que não são solucionados por empresas a partir de reclamações de

consumidores? É possível falar em marketing de experiências sem discutir que uma das

experiências sofridas por consumidores com problemas de consumo é a de insatisfação? É

possível falar de marketing de co-criação sem debater que problemas de consumo são co-

criados por empresas e consumidores? É possível falar em comportamento do consumidor

sem reconhecer que escolhas, atitudes, satisfação, significados de consumo e a relação entre

consumidores e marcas muda quando surge um problema de consumo?

Tais questionamentos trazem uma reflexão sobre o motivo de marketing ter preterido

estudos sobre insatisfação de consumo e comportamento de reclamação de consumidores se

esses são temas de tamanha influência (ou que, ao menos, deveriam ter) dentro da área. Uma

explicação pode ser a de que a área ainda prefira valorizar conceitos que mostrem as virtudes

de marketing, e que coloquem consumidores como importante elemento dessa prática.

Insatisfação e reclamação representam falhas na forma como a disciplina vem sendo

praticada, algo não tão nobre dentro da academia.

Fechar os olhos a essa questão, entretanto, é continuar a levar marketing a um caminho

que se afasta da realidade de empresas e consumidores. Reconhecer que a disciplina precisa

lidar tanto com a satisfação quanto com a insatisfação é a direção proposta aqui, e que se

supõe ser a mais adequada para contribuir na melhora do relacionamento de longo prazo com

clientes e proporcionar a eles uma melhor experiência de consumo.

5.1.2 Implicações teóricas sobre a relação entre indivíduos de baixa renda e o consumo

O fato de os entrevistados valorizarem os serviços adquiridos por eles a ponto de

buscarem ajuda legal para resolver seus problemas de consumo pode ser considerado um

indicativo de que assumem o consumo como central em suas vidas. Tal fato pode servir de

reforço à ideia de autores, inspirados em Prahalad (2006a), que acreditam na melhoria da

qualidade de vida de indivíduos de baixa renda a partir do maior acesso a bens e serviços.

Para que isso seja possível, empresas passam a ser destacadas como as principais responsáveis

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por ajudá-los, pois são elas que oferecerem a esse segmento os meios materiais que o permite

contornar as muitas deficiências que fazem parte de sua realidade.

Todavia, a ideia de que empresas são capazes de ajudar indivíduos de baixa renda

apenas oferecendo mais oportunidades para consumir parece não olhar para a gravidade de

outros problemas que permeiam suas vidas. Sabe-se que, dificilmente, a violência e a falta de

acesso a serviços básicos, tais como saúde, educação e saneamento, podem ser solucionadas

por ações empresariais. Além disso, o fato de indivíduos de baixa renda precisarem usar

meios legais para resolver problemas de consumo mostra que somente encontraram uma

solução quando buscaram ajuda na esfera pública.

Dessa forma, a interpretação dos resultados da pesquisa sugere que, mais do que

entender necessidades e desejos dos entrevistados, é preciso compreender os sistemas que

constroem o cotidiano das vidas de consumidores insatisfeitos. Esse estudo pode, portanto, ser

um ponto de partida para se refletir o quanto é possível atribuir a empresas a responsabilidade

de elevar a qualidade de vida desse segmento de baixa renda (PRAHALAD, 2006a) ou se essa

responsabilidade cabe ao governo (KARNANI, 2011).

Assim como os pensamentos de Prahalad, a linha teórica que defende maior intervenção

do governo nas políticas relativas aos indivíduos de baixa renda também pode encontrar

problemas. A partir dos achados da pesquisa é possível perceber uma visão crítica quanto a

governos, em função de sua relação de proximidade e de privilégios com empresas, o que

acaba por marginalizar consumidores, deixando-os desprotegidos contra abusos empresariais.

Como exceção, está o Nudecon, que, mesmo sendo uma instituição pública, é descrito pelo

grupo de entrevistados como imparcial e capaz de negociar de forma justa com empresas

resultados que trazem ganhos para indivíduos de baixa renda.

Ao buscar o Nudecon, esses consumidores estão fugindo dos padrões sócio-históricos

da sociedade brasileira de marginalizá-los a uma posição hierárquica inferior. Eles invertem

essa lógica, quando recebem o apoio de defensores públicos na mediação de sua relação

desigual com empresas, pois não aceitam serem inferiorizados. Seu desejo é de sair da

invisibilidade, e ter empresas finalmente falando com eles e os respeitando.

Conforme aponta a literatura (ROCHA, 2009), somente após 1994, com o advento do

Plano Real, é que indivíduos de baixa renda passam a ser vistos como potenciais

compradores. Foram a primeira geração de suas famílias dentro dessa nova realidade no

Brasil, portanto, precisaram aprender a ser consumidores. Isso inclui, além de comprar,

também saber reclamar, algo que, inicialmente, pouco faziam (CHAUVEL, 2000). A busca

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pela ajuda do Nudecon, portanto, demonstra o quanto o grupo de consumidores entrevistados

amadureceu em seu processo de transformação em consumidores.

Espera-se que os achados trazidos por esse estudo sobre indivíduos de baixa renda e seu

comportamento em situações de insatisfação possam acrescentar novos ingredientes para

discussões sobre a relação entre esse segmento e o consumo. Dentro do contexto da academia

brasileira, o tema tem recebido incentivo para ser explorado (HEMAIS; CASOTTI, ROCHA,

2013; MAZZON; HERNANDEZ, 2013). Entretanto, para que se possa verdadeiramente

avançar nas discussões sobre o tema, é necessário reconhecer que existem críticas aos

argumentos tanto de Prahalad quanto de seus opositores.

5.1.3 Implicações teóricas sobre consumerismo

Debates na literatura de marketing sobre consumerismo tendem a apresentar uma visão

favorável às argumentações desse movimento de que maior controle governamental sobre

empresas é necessário, com a justificativa de que somente assim a soberania do consumidor

pode ser respeitada, ou mesmo, implementada. Um olhar mais crítico, oriundo de autores de

outras áreas, todavia, mostra que o aumento de ações regulatórias contra práticas empresariais

pouco resultou na diminuição da assimetria de poder existente no mercado, ao longo das três

eras do consumerismo. Em consequência, consumidores obtiveram parcos benefícios em sua

luta contra abusos empresariais.

Esse segundo olhar parece ser a realidade predominante no mercado, ao menos pela

perspectiva dos entrevistados. Para eles, as prestadoras de serviços com quem tiveram

problemas de consumo pouco pensam em “soberania do consumidor”, pois estão mais

preocupadas em orientar seus esforços para vendas ou os momentos de pré-compras. A

adoção de uma perspectiva de marketing, que fomenta a construção de relacionamentos com

clientes no longo prazo, é deixada de lado no contexto de sua prática nas empresas.

Inicialmente, a literatura de marketing trouxe uma preocupação com os abusos de

empresas em relação ao consumo de indivíduos de baixa renda, defendendo que ações

governamentais seriam a melhor forma de proteger esses consumidores mais frágeis. Em

estudos recentes, entretanto, esta questão parece ser ignorada, já que a preocupação da área

está mais em enaltecer as empresas que se dedicam a vender ao segmento em questão do que

criticar condutas empresariais abusivas. Em consequência, há uma exaltação do consumo, em

detrimento da proteção ao consumidor.

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As alegações de alguns teóricos de marketing, no início dos anos 1970, de que a área

falhou em incorporar na prática seus conceitos a respeito de consumidores, parece permanecer

atualmente. As ações de marketing adotadas pelas prestadoras de serviços são interpretadas, a

partir da visão de alguns entrevistados, como restritas a somente atingir metas na captação de

novos clientes e na obtenção de resultados de vendas, sem preocupações com suas estruturas

para lidar com reclamações de consumo. Dessa forma, essas empresas parecem praticar

marketing pela metade, um tipo de “meio marketing”, se considerado o conceito clássico que

coloca a importância de se olhar o longo prazo.

Embora aspectos legais e instituições públicas e da sociedade civil tenham construído

avanços recentes no Brasil na proteção ao consumidor, o mesmo não parece ter acontecido

com as empresas. Mesmo com o desenvolvimento de tecnologias de comunicação e

informação que poderiam ter trazido diferenciais na relação consumidor-empresa, a realidade

de valorizar consumidores, atender suas necessidades e desejos, e orientar esforços para

satisfazê-los ainda parece distante.

5.2 IMPLICAÇÕES METODOLÓGICAS DO ESTUDO

Por haver diferenças entre o entrevistador e os consumidores de baixa renda

entrevistados, sendo o primeiro de uma classe socioeconômica mais elevada do que os

segundos, temia-se, antes de as entrevistas iniciarem, que pudesse haver desconfiança desse

grupo em expor seus problemas. Havia questionamentos especialmente quanto aos

consumidores com problemas de superendividamento, se esses se sentiriam a vontade para

falar sobre seus dramas. Mas, à medida que as entrevistas se desenvolviam, o que se percebeu

foi uma realidade diferente daquela imaginada. Atribuem-se os bons resultados das entrevistas

às escolhas metodológicas realizadas.

Em diversos casos, os entrevistados relatavam longos testemunhos de seus problemas

de consumo e de vida, mostrando tranquilidade para discutir diferentes assuntos com o

entrevistador. Em função de o tema da presente pesquisa ser sobre insatisfação de consumo e

reclamações com empresas, é possível que pensamentos e sentimentos associados a esses

sejam mais facilmente expostos pelos entrevistados, especialmente quando se sentem

injustiçados. Ao relatarem seus casos, deixam um registro daquilo que, em sua visão, são as

reais interpretações para as situações vividas por eles contra empresas. Usam as entrevistas

como chance de expressarem seus casos, em uma tentativa de, mais uma vez, tentar provar

que estão certos em suas demandas, e que empresas são as equivocadas. Parecem querer

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convencer o entrevistador de que são vítimas, e fazer com que ele lhes dê razão em suas

decisões de buscar o Nudecon para reclamar sobre seus problemas de consumo.

Isso trouxe alguns aprendizados sobre como o entrevistador deveria se proteger quando

estava escutando os testemunhos. Diante de diversos relatos tristes, seria fácil ser levado a

querer apoiar os consumidores, fazendo perguntas que somente reforçassem a visão defendida

por eles. Para evitar que isso acontecesse, era pedido que os entrevistados contassem o mesmo

fato mais de uma vez, de forma a repetirem a história, permitindo, assim, que o entrevistador

verificasse a veracidade dos relatos ou mesmo obter novos elementos.

A recapitulação também servia a outro propósito para o pesquisador. Alguns dos

entrevistados, ao relatarem seus casos, não possuíam um pensamento linear, começando pelo

início do seu problema de consumo e chegando ao fim, quando reclamaram ao Nudecon. Não

seguiam a lógica de pensar sequencialmente em cada uma das etapas do processo de

reclamação. Somente ao recapitular a ocorrência dos fatos foi possível ao pesquisador

entender como se desenvolveram os principais acontecimentos da situação contada. Pedir para

os entrevistados lembrarem-se de datas daquilo que relatavam também diminuía a dificuldade

de entendimento sobre o que haviam vivenciado.

Algumas escolhas associadas ao método adotado mostraram-se adequadas para que o

pesquisador pudesse obter os resultados alcançados. O fato de as entrevistas terem sido

realizadas no Nudecon, em uma sala privada, é creditado como um importante no sentido de

dar maior confiança aos entrevistados para relatarem seus casos. Além disso, o uso de um

roteiro de entrevistas com perguntas semiestruturadas também contribuiu para a pesquisa, por

permitir liberdade ao pesquisador explorar em maior profundidade determinados aspectos

relatados pelos entrevistados.

Outro aspecto que merece atenção é a forma como agradecer entrevistados por

participarem em pesquisas. A oferta do dinheiro e da caixa de bombons após o término das

entrevistas realizadas no presente estudo trouxe consequências inesperadas. Por terem

voluntariamente aceitado participar da pesquisa, recebem bem a oferta da caixa de bombons,

por pensarem nela como um agradecimento. Todavia, o recebimento de dinheiro é percebido

como um pagamento, algo que não era sua intenção inicial quando aceitaram ser

entrevistados. Não querem parecer estar se aproveitando de uma situação para lucrarem sobre

ela, pois isso seria indigno deles, um ato de malandragem, algo que repudiam.

Defende-se aqui, portanto, o uso de metodologias qualitativas em estudos sobre

insatisfação de consumo e comportamento de reclamação de consumidores, em função dos

resultados obtidos apresentarem novas óticas para o fenômeno estudado. No passado, o

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consumidor insatisfeito e reclamante estava confinado a se expressar por meio de escalas,

números. Mas, o que as entrevistas em profundidade mostraram é que os entrevistados

constroem múltiplas realidades de suas experiências, e que essas realidades somente podem

ser compreendidas se forem vistas de uma forma ampla, que lhes ofereça mais espaço para

contarem seus relatos. Apenas dessa forma é possível compreender a complexidade das

experiências e os significados construídos internamente por esse grupo de consumidores.

5.3 IMPLICAÇÕES PARA AS EMPRESAS E O NUDECON

A partir dos resultados encontrados na presente pesquisa, é possível identificar

implicações tanto para empresas quanto para o Nudecon; importantes agentes no processo de

reclamação de problemas de consumo.

Para as empresas

Mesmo em se tratando de uma pesquisa com um foco limitado a um grupo de

consumidores insatisfeitos que chegaram ao Nudecon, é possível trazer uma reflexão crítica a

respeito dos achados, que contribua para um olhar mais estratégico para as empresas em geral

e as prestadoras de serviços em específico.

A partir do entendimento de que consumidores estão assumindo diferentes perspectivas

em suas relações com empresas (COVA; COVA, 2012), marketing tem respondido a esse

fenômeno por meio de três caminhos: marketing de relacionamento, marketing de

experiências e marketing colaborativo.

Segundo Cova e Cova (2012), enquanto o marketing de relacionamento traz a

preocupação com relações no longo prazo com os clientes e com um aparato tecnológico

capaz de apoiar o diálogo entre empresas e consumidores, o marketing de experiências

estimula a face hedônica do consumo, estimulando o prazer de consumidores com

experiências únicas em serviços. Por sua vez, a terceira perspectiva fala como marketing tem

incentivado a participação de consumidores na criação de novos produtos e serviços, como

forma de gerar maior envolvimento desses com marcas.

Nessas diferentes abordagens de marketing, consumidores são mais participantes,

protagonistas e parceiros na relação com as empresas. Chama a atenção, no entanto, que

nesses exemplos de caminhos práticos recentes em marketing não exista uma preocupação

com o processo de reclamação dos consumidores, ainda que no Brasil exista uma lei, há

décadas, reconhecidamente avançada, para proteger os direitos dos consumidores.

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O gerenciamento positivo e proativo da reclamação do consumidor pode oferecer uma

janela para a construção de um relacionamento duradouro com a empresa e a possibilidade de

uma experiência diferenciada. A reclamação é, em geral, um sinal de que o reclamante busca

um diálogo com a empresa, que não significa somente relatar seu problema de consumo. É,

também, um momento em que oferece informações e sugestões, a fim de contribuir para uma

melhoria na prática empresarial.

Os relatos colhidos sugerem que em vários instantes do processo de reclamação houve

espaço para que as prestadoras de serviços pudessem contornar a situação problemática. No

entanto, a prática empresarial identificada parece ser a de postergar ou negar soluções, sem

considerar que, em alguns casos, consumidores estão dispostos a negociar, e, até, pagar mais,

a fim de continuarem a usufruir do serviço. Havia um desejo dos entrevistados de manterem

suas relações com as empresas, apesar dos problemas de consumo. Mas, o que lhes parece é

que o mesmo pensamento não era compartilhado pelas empresas.

Cabe observar, ainda, que é recente a atenção empresarial dada ao mercado da baixa

renda, e que esse estudo contribui para o melhor entendimento das lógicas do consumidor

desse segmento. As reclamações de consumo, por exemplo, estão envoltas em complexos

contextos de vida, que influenciam na geração tanto de reações passivas quanto revoltadas

desses consumidores. Saber lidar com essa dicotomia parece ser um desafio que empresas

precisam atentar se seu interesse for focado nesse público.

Para o Nudecon

Embora o Nudecon dificilmente possa influenciar os fatores incentivadores ou

desincentivadores que surjam antes da reclamação ao Núcleo, pode atentar àqueles que dizem

respeito ao seu serviço, especialmente os relatados pelos entrevistados que pesam contra a ida

de consumidores ao Núcleo.

Os relatos mostram que há desconhecimento de consumidores quanto à existência do

Nudecon, mesmo havendo um esforço dos defensores públicos, especialmente da

Coordenadora, em comunicar o serviço. Assim, o Núcleo acaba por depender de ações de

boca a boca de seus assistidos como uma das principais fontes de divulgação do serviço.

Embora ofereça credibilidade ao órgão, já que consumidores são recomendados por outros, é

uma maneira informal de se comunicar com o público.

Outros meios de divulgação do serviço, portanto, fazem-se necessários. Entende-se que

há restrições para o quanto o Nudecon pode investir com uma atividade como essa. O próprio

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site do Núcleo é desatualizado, porque o processo burocrático para mudá-lo é

demasiadamente complicado dentro da defensoria pública, como explica sua Coordenadora.

O aumento da divulgação do Nudecon traria, como consequência, maior conhecimento

de consumidores sobre o Núcleo, visto como algo necessário pelos entrevistados. Porém,

também resultaria em mais pessoas buscarem seus serviços, o que poderia gerar mais demora

no atendimento, outro fator apontado como a desejar. Segundo uma defensora pública

entrevistada, mesmo se o Nudecon aumentasse o número de advogados e funcionários, para

tentar diminuir o longo tempo de espera de consumidores, dificilmente conseguiria alcançar

tal feito. Em seu pensamento, se a oferta do serviço for ampliada, a demanda também

aumentará, sempre a segunda sendo maior do que a primeira.

A maior divulgação do Nudecon pode servir para diminuir o distanciamento que os

entrevistados descrevem haver entre eles e o Núcleo. No entanto, também pode trazer

insatisfação de consumidores que venham a buscar o Núcleo, porém sem conseguir

atendimento no mesmo dia, em função do excesso de pessoas tentando resolver seus

problemas de consumo. Um dos fatores desincentivadores à reclamação ao Nudecon,

portanto, pode ser agravado em função da melhora de outro.

A maior divulgação do Nudecon também pode servir ao propósito de elevar as

expectativas de consumidores. O fato de desconhecerem o Núcleo e associarem-no ao

Governo (“burocrático”, “com atendimento ruim” e “lento”) fez com que diversos

entrevistados relatassem baixas expectativas em relação ao serviço, mas que foram superadas

após serem atendidos. Todavia, é possível imaginar que outros consumidores, que não tenham

experimentado o serviço do Núcleo, mantenham baixas expectativas e, justamente por isso,

deixem de perseguir seus direitos. Ao aumentar a divulgação sobre o Nudecon, o objetivo

seria influenciar positivamente a visão desses indivíduos, para que suas reclamações tenham

apoio contra empresas.

5.4 SUGESTÕES DE FUTUROS ESTUDOS

Em função das delimitações da presente pesquisa, os achados apresentados se limitaram

a trazer contribuições que permitissem os objetivos estabelecidos serem alcançados. Mas, à

medida que o trabalho foi se desenvolvendo, o pesquisador percebeu que esse estudo

representa apenas um entre diversos caminhos de pesquisa a serem trilhados. Há muitas

lacunas a serem exploradas, tanto no que diz respeito ao comportamento do consumidor,

quanto na atuação de agências de proteção ao consumidor e de empresas.

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Uma linha de estudos que queira aprofundar discussões sobre o consumidor de baixa

renda que se envolve em uma reclamação a um órgão de defesa do consumidor poderia focar

especificamente em um tipo de serviço, diferentemente do que foi feito na presente pesquisa.

Uma sugestão é aprofundar conhecimento sobre consumidores insatisfeitos e que reclamaram

de operadoras de planos de saúde. Ao longo das entrevistas, o pesquisador percebeu que

problemas de consumo com esse serviço tendiam a ser vistos como mais graves pelos

entrevistados, pois acreditavam que suas vidas estavam em risco, já que não mais possuíam

uma “proteção” contra crises de saúde. Os relatos desses entrevistados eram repletos de

sentimentos negativos e questionamentos quanto ao futuro, porque não queriam utilizar UPAs

ou hospitais públicos, mas não tinham acesso aos serviços oferecidos por operadoras de

planos de saúde.

Outro caminho sugerido é melhor entender consumidores de baixa renda insatisfeitos

com concessionárias públicas, cuja prestação de serviços é em caráter de monopólio. Isso

significa que, mesmo apresentando insatisfação quanto a elas, consumidores precisam

continuar sua relação com tais empresas, pois não possuem alternativas concorrentes (com a

exceção de opções ilegais, tais como “gatos”) para supri-los, por exemplo, de gás, água ou

energia elétrica. Durante as entrevistas, o pesquisador percebeu que a impossibilidade de

trocar de fornecedor era um fator que bastante incomodava os entrevistados cujos problemas

de consumo se deram com concessionárias públicas. Ao olhar desse grupo, é difícil que a

relação com tais empresas volte a ser como antes, pois, agora, é repleta de desconfiança e

sentimentos negativos.

Ainda, um terceiro tema a ser pesquisado diz respeito a um pensamento que alguns

entrevistados apresentaram quanto à relação entre seus problemas de vida e os de consumo.

Segundo eles, os do primeiro tipo são mais importantes do que os do segundo. Todavia, deve-

se considerar que esta afirmação é feita por consumidores que conhecem o caminho para a

reclamação a um órgão como o Nudecon, que ajudou diversos deles a resolverem seus casos

com empresas. Assim, cabe investigar o quanto problemas de vida são realmente mais

importantes a indivíduos de baixa renda do que os de consumo, pois, em grupos de

consumidores que desconhecem meios legais para se defenderem, é possível que essa

diferença não seja tão nítida.

Se por um lado há caminhos para futuros estudos entenderem melhor consumidores

insatisfeitos e que reclamam, por outro também existem trilhas que devem ser exploradas em

relação às demais partes envolvidas em episódios insatisfatórios de consumo, tais como

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agências reguladoras, outros órgãos de defesa do consumidor e, mesmo, empresas com altos

índices de reclamação.

O papel de agências reguladoras em monitorar as atividades de empresas foi posto em

questão por diversos entrevistados, pois acreditavam que tais agências pouco os ajudavam.

Esta perspectiva, é claro, parte de um consumidor que chegou ao extremo do processo de

reclamação para tentar solucionar seu problema de consumo. É natural, portanto, que

apresente receios quanto a uma instituição que, a princípio, deveria evitar que ele precisasse

passar por tamanhas dificuldades. Poucos estudos em marketing no Brasil se debruçam sobre

tal questão, apesar de regulações serem artifícios que, ao menos em teoria, afetariam a forma

como a disciplina se desenvolve. Entender melhor como agências reguladoras se relacionam

com empresas e consumidores, então, faz-se um importante exercício de reflexão.

Além do Nudecon, outros órgãos de defesa do consumidor podem ser alvo de futuros

estudos, tais como o Procon, citado pelos entrevistados em diversos momentos, e que parece

possuir reconhecimento por suas atividades consumeristas. Embora sejam menos conhecidos,

cabe pesquisar, também, a forma como o IDEC e o Proteste atuam, já que não intermediam

reclamações entre consumidores e empresas. Sua prática consiste em testar produtos e

serviços, a fim de expor quais cumprem ou estão aquém de normas legais. Todavia, como esta

forma de proteção tem ajudado na melhora do relacionamento de empresas com seus clientes

ainda é pouco entendido em marketing.

Por último, pode-se sugerir como caminho para futuros estudos o entendimento das

formas como empresas, especialmente aquelas de setores com altos níveis de reclamação,

lidam com reclamações de consumidores. Por meio de entrevistas com dois funcionários (de

prestadoras de serviços dos setores de telecomunicações e financeiros), foi possível fazer

alguns apontamentos sobre essa questão, que mostram como empresas pouco atentam aos

interesses de seus consumidores. Ao menos em ambas essas empresas, reclamações são de

responsabilidade de departamentos jurídicos, e não de marketing, diferentemente do que a

disciplina leva a crer.

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223

APÊNDICE A – Roteiro de Entrevistas com os Consumidores

Bom dia/ tarde. Eu sou pesquisador da UFRJ e o objetivo dessa entrevista hoje é nós

termos uma conversa sobre suas experiências como consumidor. Não pense que existem

respostas certas ou erradas às perguntas que vou fazer, o importante é o que você pensa.

Em nenhum momento da pesquisa você será identificado. Eu não vou citar o seu nome

na pesquisa; somente vou te identificar por um número. Então, fique a vontade para falar o

que quiser. As informações que você relatar para mim hoje serão usadas somente para fins

acadêmicos, e não vão interferir na sua relação com o Nudecon.

Para facilitar o meu trabalho, eu vou gravar a nossa conversa. Assim, não preciso ficar

tomando notas e posso lhe dar mais atenção. Eu garanto que essa gravação vai ser utilizada

somente para a análise do que conversamos aqui, hoje, e nada mais. Tudo bem?

Se você precisar me fazer alguma pergunta durante a entrevista, pode interromper nossa

conversa a qualquer momento.

Considerações sobre a Proteção do Consumidor

• Como você vê o relacionamento das empresas, no Brasil, com seus consumidores?

• E o Governo? Qual a sua opinião a respeito do papel do Governo brasileiro em proteger

consumidores de problemas causados por empresas?

• E qual a sua opinião a respeito da relação entre o Governo e as empresas?

• Você acha que os brasileiros conhecem seus direitos como consumidores?

• Qual foi a empresa que você comprou o serviço que deu problema? Já havia comprado

antes ou foi a primeira vez?

• Você já ouviu falar da (escolher a Agência que regula o mercado da empresa reclamada

pelo entrevistado) Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) / a Agência Nacional

de Saúde (ANS) / a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) / a Agência

Reguladora de Energia e Saneamento Básico do Estado do Rio de Janeiro (Agenersa) / a

Federação Brasileira de Bancos (Febraban)?

o Caso SIM – O que você conhece a respeito dessa agência?

o Caso NÃO – seguir para a seção “Episódio de Insatisfação”

Episódio de Insatisfação

Agora, eu gostaria que você contasse a sua história de reclamação desde o início,

quando surgiu o problema com o serviço, até como você veio parar no Nudecon.

• Por qual motivo você comprou o serviço dessa empresa?

• Há quanto tempo você possui esse serviço?

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• Qual foi o problema que o serviço apresentou?

• Por quanto tempo você utilizou o serviço antes que ele apresentasse o problema?

• Como você se sentiu quando ocorreu o problema?

• Você contou para alguém da sua família ou amigos sobre o seu problema? O que eles

falaram?

• Em algum momento, você achou que o problema poderia ter sido causado por um erro

seu?

• Você reclamou com a empresa sobre o problema?

o Caso SIM, seguir para a seção “Reclamação à Empresa”.

o Caso NÃO, seguir para a seção “Reclamação ao Nudecon”).

Reclamação à Empresa

• Antes da reclamação com a empresa (citar nome da empresa), você já tinha tido outras

experiências de reclamar com empresas? Como foram?

• Como foi a sua reclamação com a (citar nome da empresa)? Você reclamou mais de uma

vez? Para quantas pessoas/setores diferentes você teve que reclamar?

• Por que você pensou em reclamar com a empresa? (Queria trocar o produto? Queria o seu

dinheiro de volta? Queria um pedido de desculpas?).

• O que você achava que a empresa deveria fazer para resolver o seu problema?

• A empresa ofereceu alguma solução para o seu problema, quando você fez a reclamação?

• Por que você acha que a empresa não quis resolver o seu problema?

• Você acha que o que a empresa fez com você ela faria com qualquer outra pessoa? Por

quê?

Reclamação ao Nudecon

• Antes de reclamar com o Nudecon, você procurou outro meio para resolver o seu

problema? Procurou o Procon? Procurou um Advogado?

• Quanto tempo depois de ter tido o problema com a empresa você fez sua reclamação para

o Nudecon?

• Você já conhecia o Nudecon? Como tomou conhecimento? O que você conhecia? (Você

conhecia alguém que já havia feito alguma reclamação ao Nudecon?).

• O que você achava que o Nudecon poderia fazer para resolver o seu problema?

• Por que você foi ao Nudecon ao invés de outro órgão de defesa do consumidor?

• Como foi feita a reclamação ao Nudecon? Quantas vezes você precisou ir até o Nudecon?

• Alguém te acompanhou quando veio fazer a reclamação ao Nudecon? Quem? Por quê?

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• Houve alguma dificuldade (gastos, tempo investido etc.) que você enfrentou para fazer a

reclamação? Qual?

• Qual é a sua opinião sobre o serviço oferecido pelo Nudecon? Você acha que os

benefícios foram maiores do que os seus custos (monetário, esforço etc.)?

• O seu caso já teve algum acordo? Qual? Como você se sentiu após o acordo?

• Você usou o serviço da (citar o nome da empresa) depois do problema? Acha que ainda

vai continuar usando o serviço da empresa?

Considerações sobre Reclamações

• Quem te ensinou a reclamar quando você tem algum problema com empresas? Alguém

da sua família? Você tem alguma pessoa que serve de exemplo quando o assunto é

reclamação?

• O que você diria das outras pessoas da sua família quando o assunto é reclamar? (Se for

casado, tentar separar as duas famílias – a dos pais e a atual).

• Se você encontrasse um amigo com um problema parecido com o seu, o que você diria a

ele?

Perfil do Entrevistado

Por último, eu gostaria de fazer algumas perguntas sobre o seu perfil.

• Qual é a sua data de nascimento (ou qual é a sua idade)?

• Qual é o seu estado civil?

• Qual é o seu grau de instrução?

1 Analfabeto / Primário incompleto Analfabeto / Até 3ª Série Fundamental

2 Primário completo / Ginasial

incompleto

Até 4ª Série Fundamental

3 Ginasial completo / Colegial

incompleto

Fundamental completo

4 Colegial completo / Superior

incompleto

Médio completo

5 Superior completo Superior completo

• Qual é a sua profissão?

• Em qual bairro você mora?

• Gostaria que o(a) Sr(a) me indicasse, dentre as opções abaixo, qual delas que corresponde

à renda média mensal da sua família:

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1 Até R$705

2 de R$705 até R$1.126

3 de R$1.126 até R$4.854

4 de R$4.854 até R$6.329

5 acima de R$6.329

Por fim, gostaria de saber por que você aceitou fazer essa entrevista?

Chegamos ao fim da entrevista. Há alguma coisa a mais que você gostaria de

acrescentar?

Eu gostaria de agradecê-lo por ter participado. A sua contribuição foi muito importante

para o desenvolvimento do meu trabalho. Obrigado.

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APÊNDICE B – Mapa de Bairros do Município do Rio de Janeiro Onde os Entrevistados Residem

Figura 3: Mapa de Bairros do Município do Rio de Janeiro Onde os Entrevistados Residem Fonte: Adaptado de Anuário Estatístico da Cidade do Rio de Janeiro, disponível em http://www.armazemdedados.rio.rj.gov.br/arquivos/3201_limite%20de%20ap_ra_bairro_2012.JPG, recuperado em 27, dezembro, 2012

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APÊNDICE C – Controle da Codificação

Entrevistado Total de Códigos por Entrevista

Novos Códigos por Entrevista

Códigos Acumulados por Entrevista

Novos Códigos por Grupo de Três Entrevistados

% de Novos Códigos por Grupo de Três Entrevistas / Total de Códigos

Rosália 66 44 44

85 69,11 Pedro Carlos 42 17 61

Maria Alessandra 72 24 85

Anderson 55 7 92

11 78,05 José Roberto 43 2 94

Isadora 44 2 96

Josefina 47 6 102

11 86,99 Dennis 51 1 103

Flavia 30 4 107

Marcia 36 0 107

9 94,31 Gabriela 45 5 112

Valéria 49 4 116

Roberta 32 3 119

4 97,56 Irene 24 0 119

Monica 39 1 120

Pedro Roberto 59 1 121

1 98,37 Luciana 55 0 121

Rosileide 40 0 121

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José Carlos 35 0 121

0 98,37 Rubia 42 0 121

Jandira 39 0 121

Ana Luiza 36 0 121

2 100,00 Rafaela 44 2 123

Laurita 43 0 123

Jucineide 44 0 123

0 100,00 Angelina 39 0 123

Romilda 38 0 123

Tabela 8: Controle da Codificação

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APÊNDICE D – Perfil dos Entrevistados

Entrevistado Idade

(em anos)

Bairro Onde Reside (número

equivalente no Apêndice B) Grau de Instrução Estado Civil Profissão Classe Social

1 Ana Luiza 59 Glória (016) Médio completo Divorciada Aposentada C

2 Anderson 54 Piedade (069) Fundamental completo Casado Aposentado D

3 Angelina 36 Benfica (012) Médio completo Casada Manicure C

4 Dennis 31 Anchieta (107) Médio completo Solteiro Desempregado C

5 Flavia 62 Tijuca (033) Médio completo Solteira Aposentada C

6 Gabriela 71 Méier (063) Até 3ª Série Fundamental Solteira Aposentada

7 Irene 67 Madureira (083) Superior completo Solteira Contadora C

8 Isadora 51 Ipanema – Favela do Cantagalo(025) Médio completo Solteira Desempregada D

9 Jandira 37 Tijuca (033) Superior completo Casada Farmacêutica C

10 José Carlos 47 Centro (005) Superior completo Solteiro Administrador C

11 José Roberto 69 Jacarepaguá (115) Superior completo Casado Aposentado D

12 Josefina 45 São Cristóvão (010) Até 3ª Série Fundamental Casada Dona de Casa D

13 Jucineide 25 Cocotá (096) Médio completo Casada Caixa de Farmácia D

14 Laurita 74 Parque Anchieta (108) Até 3ª Série Fundamental Divorciada Aposentada D

15 Luciana 41 Madureira (083) Médio completo Casada Dona de Casa C

16 Marcia 34 Jacarepaguá (115) Superior completo Casada Nutricionista C

17 Maria Alessandra 43 Pedra de Guaratiba (153) Médio completo Casada Secretária D

18 Monica 40 Gamboa (002) Médio completo Casada Mediadora C

19 Pedro Carlos 67 Centro (005) Médio completo Casado Aposentado C

20 Pedro Roberto 61 Centro (005) Médio completo Solteiro Aposentado C

21 Rafaela 50 São Cristóvão (010) Médio completo Casada Recrutadora de RH C

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22 Roberta 58 Gardênia Azul (117) Até 3ª Série Fundamental Casado Dona de Casa C

23 Rosália 49 São Cristóvão (010) Médio completo Solteira Artesã E

24 Rosileide 51 Pavuna (114) Médio completo Divorciada Expositora C

25 Romilda 58 Tijuca (033) Médio completo Divorciada Desempregada E

26 Rubia 34 Campo Grande (144) Médio completo Casada Técnica de

Enfermagem C

27 Valéria 66 Tijuca (033) Superior completo Viúva Professora E

Tabela 9: Perfil dos Entrevistados

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APÊNDICE E – Problemas relatados pelos entrevistados

Entrevistado Setor da Empresa

Reclamada Mês da Reclamação ao

Nudecon Problema de Consumo

Ana Luiza Plano de saúde fevereiro de 2012 Após três anos fornecendo o serviço de home care para a mãe de Ana Luiza (uma senhora com doença degenerativa avançada), a operadora de plano de saúde negou continuar o serviço quando a mãe obteve alta do hospital onde esteve internada por um mês.

Anderson Telecomunicações maio de 2012

A empresa de telecomunicações cortou duas vezes a linha do telefone fixo do entrevistado, em um período de seis meses. Na primeira, religaram a linha, reconhecendo o erro. O entrevistado, que na época fez uma reclamação ao Nudecon, encerrou o processo após ter seu problema resolvido. Na segunda vez que a empresa cortou sua linha telefônica, alegou que o fez pois Anderson não mantinha o saldo mínimo de créditos da linha.

Angelina Águas e esgotos agosto de 2012

A concessionária pública cobrou de Angelina uma conta de aproximadamente 600 reais pelo consumo de água medido no hidrômetro registrado em seu nome. A entrevistada não pagou a conta (e teve seu nome inserido no SPC), pois os moradores dos outros dois apartamentos de seu prédio, que utilizam o mesmo hidrômetro, negam-se a pagar suas parcelas do valor.

Denis Plano de saúde abril de 2012

Ao ser demitido da empresa onde trabalhava, o entrevistado perdeu seu plano de saúde. Como sua esposa (que, na época, estava grávida) era sua dependente, também ficou sem plano. O entrevistado pediu para a operadora do plano de saúde continuar com o plano da esposa até o nascimento de seu filho, porém seu pedido foi negado.

Flavia Telecomunicações abril de 2012 A empresa de telecomunicações cobrou da entrevistada um valor do serviço de internet banda larga acima daquele que ela havia contratado. Além disso, cobra da entrevistada um serviço de telefonia móvel, que ela defendia não possuir.

Gabriela Financeiro maio de 2012 Gabriela contraiu sete empréstimos com um banco, e não conseguiu pagá-los, sendo seu nome colocado no SPC. O banco, por sua vez, autorizou todos os empréstimos, sem alertar a consumidora de sua situação de superendividamento.

Irene Financeiro janeiro de 2012 Após contrair diversas dívidas, Irene pegou empréstimos em um banco para saldá-las. Entretanto, o acúmulo de empréstimos a elevadas taxas de juros acabou por superendividar a entrevistada.

Isadora Energia elétrica maio de 2012 A concessionária pública cobrou uma dívida de consumo de luz de três mil reais, após a entrevistada solicitar a instalação de um novo relógio de luz, para a casa que ela ainda vai construir.

Jandira Financeiro janeiro de 2012

Jandira possuía um cartão de crédito com uma instituição financeira há cinco anos, mas, desde novembro de 2011, não conseguiu pagar o valor das faturas integralmente. Em consequência, acabou com uma dívida elevada demais para saldar, em função dos altos juros (de quase 20%) cobrados pela instituição financeira.

José Carlos Financeiro abril de 2012 Após contrair empréstimos monetários com um banco, o entrevistado não conseguiu pagar o valor das prestações mensais devido aos elevados juros cobrados pela instituição financeira, acumulando,

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assim, uma dívida de aproximadamente 50 mil reais.

José Roberto Plano de saúde maio de 2012 A operadora do plano de saúde extinguiu unilateralmente o contrato que possuía com a empresa por onde o entrevistado era aposentado, oferecendo-o um novo plano de serviços no valor de 599 reais. Anteriormente, ele pagava aproximadamente 170 reais.

Josefina Energia elétrica abril de 2012 Após realizar um serviço de aumento de carga elétrica para a residências da entrevistada, a concessionária pública inverteu a voltagem (de 110w para 220w) de eletricidade que entra na residência, resultando na queima de diversos aparelhos domésticos.

Jucineide Águas e esgotos setembro de 2012

Após a concessionária pública realizar obras próximas à residência de Jucineide, a entrevistada passou a ser cobrada pelo abastecimento de água de sua casa e de mais duas outras. Como havia somente um hidrômetro para as três casas, a empresa acumulou os valores referentes ao uso do serviço. Ao se negar a pagar, a dívida acumulou em mais de seis mil reais.

Laurita Águas e esgotos julho de 2012 Após regularizar seu abastecimento de água, antes irregular, Laurita foi cobrada uma dívida que chegava a cem mil reais pelo consumo medido no hidrômetro registrado em seu nome. A entrevistada contestou o valor, pois seu uso dificilmente chegaria a acumular tal valor.

Luciana Financeiro março de 2012

Luciana possuía um cartão de crédito e fez um adicional para sua irmã. Essa, por sua vez, emprestou-o para terceiros fazerem compras que, posteriormente, não foram pagas. Com isso, a dívida se tornou alta demais (dezessete mil reais) para ser paga integralmente. A elevada taxa de juros cobrada pela instituição financeira sobre o valor não pago tornou inviável a quitação da dívida.

Marcia Telecomunicações abril de 2012

A entrevistada contratou um plano de ligações interurbanas sem limite de minutos com a operadora de telecomunicações, que custava 134 reais. Todavia, após a segunda fatura, a empresa passou a lhe cobrar um valor de aproximadamente 500 reais pelo serviço, alegando que o plano contratado por ela não era de ligações interurbanas sem limite de minutos.

Maria Alessandra

Plano de saúde março de 2012 A operadora do plano de saúde extinguiu unilateralmente o contrato que possuía com a empresa onde a entrevistada trabalha, enquanto ela se preparava para realizar uma cirurgia bariátrica, necessária devido ao seu sobrepeso e frágil condição cardíaca.

Monica Águas e esgotos junho de 2012 Após a concessionária pública instalar novos hidrômetros no prédio onde Monica reside, a entrevistada foi cobrada uma conta indevida no valor de 10 mil reais.

Pedro Carlos Varejista março de 2012 A empresa varejista colocou o nome do entrevistado no Serasa, sem avisá-lo, por uma compra que ele supostamente fez (e não pagou) há 15 anos.

Pedro Roberto Telecomunicações junho de 2012 O entrevistado possuía os serviços de internet e telefone fixo da empresa. Após dez meses pagando mensalidades em torno de 130 reais, a empresa começou a cobrá-lo valores de até mil e quatrocentos reais pelo serviço, sem que o consumidor aumentasse seu uso da internet ou o telefone fixo.

Rafaela Plano de saúde março de 2012 A operadora de plano de saúde negou autorização para o sobrinho de Rafaela (que sofreu um AVC há dois anos) realizar um exame médico, necessário para o acompanhamento de seu estado clínico.

Roberta Financeiro abril de 2012 Após Roberta deixar de pagar uma fatura de seu cartão de crédito, o valor da dívida se tornou inviável para a entrevistada quitar, devido aos juros cobrados pela instituição financeira sobre o valor

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não pago.

Romilda Financeiro abril de 2012

Quatro meses após contratar um cartão de crédito, as cobranças de Romilda, que até então eram entregues em sua residência, começaram a ser enviadas a outro endereço, cuja entrevistada desconhecia. Inúmeras vezes, ela tentou ligar para a empresa, a fim de solucionar o problema, mas as cobranças continuavam a não chegar. Em protesto, parou de pagar as cobranças. Consequentemente, seu nome acabou sendo inserido no SPC.

Rosália Financeiro março de 2012 Após comprar uma nova linha celular, a entrevistada passou a ser cobrada por uma instituição financeira uma dívida do antigo proprietário da linha.

Rosileide Telecomunicações janeiro de 2012 Na conta do serviço de telefonia móvel da entrevistada são cobrados valores de ligações que ela alega não ter efetuado. Quando se negou a pagar a conta, a empresa de telecomunicações colocou seu nome no SPC.

Rubia Financeiro maio de 2012

Após contrair empréstimos monetários com um banco, para poder se sustentar enquanto não recebia salário (já que o hospital onde trabalhava não pagava seus funcionários, pois estava falindo), Rubia não conseguiu pagar o valor das prestações mensais devido aos elevados juros cobrados pela instituição financeira, levando seu nome a ser inserido no SPC.

Valéria Gás janeiro de 2012 A concessionária pública cobrou da entrevistada valores referentes ao consumo de gás em sua residência acima daqueles que eram cobrados no passado, sem que houvesse mudanças na residência ou na rotina da entrevistada que justificassem tal aumento.

Tabela 10: Problemas Relatados pelos Entrevistados

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APÊNDICE F – Consequências da Reclamação ao Nudecon

Entrevistado Setor da Empresa Reclamada Consequências da reclamação ao Nudecon

Ana Luiza Plano de saúde O Nudecon abriu uma ação judicial, vencida pela entrevistada, forçando a operadora de plano de saúde a manter o serviço de home care à mãe da entrevistada, além de provê-la com diversos outros serviços que, anteriormente, não oferecia.

Anderson Telecomunicações Em uma conciliação, a operadora de telecomunicações aceitou religar a linha telefônica de Anderson, além de oferecê-lo um novo plano de ligações, com valores similares ao antigo plano.

Angelina Águas e esgotos Não chegando a um acordo com a concessionária pública, o Nudecon abriu uma ação judicial, ganha por Angelina, para que ela somente pagasse a parte que lhe cabia da dívida cobrada.

Denis Plano de saúde O Nudecon abriu uma ação judicial, ganha por Denis, resultando em a operadora do plano de saúde manter o atendimento à esposa do entrevistado até 30 dias após o parto.

Flavia Telecomunicações Em uma conciliação, a empresa extinguiu as dívidas cobradas a Flavia, e, ainda, ofereceu-a um novo serviço de internet, com valor abaixo daquele que a entrevistada pagava.

Gabriela Financeiro Em uma conciliação, a instituição financeira aceitou renegociar a dívida da entrevistada, diminuindo seu valor, a ser pago em 60 meses, em parcelas de 448 reais.

Irene Financeiro Em uma conciliação, a instituição financeira aceitou renegociar a dívida de Irene, diminuindo seu valor, e permitindo a entrevistada pagá-la em parcelas que não prejudicassem seus gastos básicos.

Isadora Energia elétrica Somente após uma segunda conciliação, a empresa retirou a cobrança de três mil reais de Isadora, após perceber que, no endereço informado pela entrevistada, uma casa ainda está sendo construída e, portanto, não há gasto de energia elétrica.

Jandira Financeiro Em uma conciliação, a instituição financeira ofereceu a Jandira que ela pagasse aproximadamente 1.300 reais referentes à sua dívida. Esse valor equivalia ao total de gastos que a entrevistada havia feito no cartão de crédito, sem o acréscimo dos juros cobrados pela instituição.

José Carlos Financeiro Em uma conciliação, a instituição financeira renegociou a dívida de José Carlos, baixando-a de 50 mil reais para 17 mil reais, a ser pago em 36 meses.

José Roberto Plano de saúde Após não haver acordo entre as partes em uma conciliação, o Nudecon abriu uma ação judicial, ainda em andamento, contra a operadora de plano de saúde.

Josefina Energia elétrica Após não haver acordo entre as partes em uma conciliação, o Nudecon abriu uma ação judicial, ainda em andamento, para a empresa ressarcir a entrevistada pelos eletrodomésticos queimados com o curto elétrico ocorrido em sua casa.

Jucineide Águas e esgotos Em uma conciliação, a concessionária pública ofereceu instalar um hidrômetro individual na residência de Jucineide, além de dividir o valor da divida cobrada, para que a entrevistada pagasse somente a parte que lhe cabia.

Laurita Águas e esgotos Após duas audiências de conciliação, a concessionária pública ofereceu a Laurita instalar um novo hidrômetro

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gratuitamente em sua residência, além de extinguir a divida cobrada.

Luciana Financeiro Em uma conciliação, a instituição financeira e Luciana chegaram a um acordo de que a dívida da entrevistada seria paga em 36 parcelas de 450 reais.

Marcia Telecomunicações Somente após uma segunda conciliação, a empresa reconheceu o equívoco nas cobranças que havia feito a Marcia, extinguindo sua dívida.

Maria Alessandra Plano de saúde

O Nudecon abriu uma ação judicial, ainda em andamento, pois o juiz do processo pediu que exames mais atualizados fossem feitos, já que os apresentados são de 2009. Maria Alessandra recorre ao serviço de saúde público para realizar seus exames, mas está com dificuldades para marcá-los, pois a fila de espera é longa e não há datas próximas para que sejam feitos.

Monica Águas e esgotos Em uma conciliação, a empresa extinguiu a dívida de 10 mil reais que havia cobrado a Monica, e, ainda, ofereceu colocar um hidrômetro gratuitamente na residência da entrevistada.

Pedro Carlos Varejista O Nudecon abriu uma ação judicial, ganha por Pedro Carlos, extinguindo sua dívida e, ainda, forçando a varejista a pagá-lo danos morais.

Pedro Roberto Telecomunicações Após duas conciliações, a empresa reconheceu que havia uma falha em seu serviço, extinguindo a dívida que cobrava de Pedro Roberto.

Rafaela Plano de saúde Após uma tentativa sem sucesso de conciliação com a empresa, o Nudecon abriu uma ação judicial, vencida pela entrevistada, dando direito a seu sobrinho realizar o exame médico.

Roberta Financeiro Em uma conciliação, a instituição financeira aceitou renegociar a dívida de Roberta, que antes era de quase 12 mil reais. No novo acordo, ficou acertado que a entrevistada pagaria 236 reais por parcela, em 36 meses.

Romilda Financeiro Em uma conciliação, a instituição financeira ofereceu a Romilda que pagasse 810 reais, de uma dívida que já chegava a dois mil reais. Esse valor equivalia ao total de gastos que a entrevistada havia feito no cartão de crédito, sem o acréscimo dos juros cobrados pela instituição.

Rosália Financeiro Em uma conciliação, a instituição financeira desculpou-se a Rosália, mas não a ressarciu pela compra de outra linha celular, que a entrevistada alega ter adquirido para não mais receber ligações do escritório de cobranças.

Rosileide Telecomunicações Em uma conciliação, a empresa reconheceu o equívoco das cobranças que fazia a Rosileide, retirando as ligações não feitas por ela de sua conta. Após pagar as contas atrasadas, a entrevistada teve seu nome retirado do SPC.

Rubia Financeiro Em uma conciliação, a instituição financeira ofereceu a Rubia um desconto de 95 por cento sobre sua dívida. A entrevistada devia 14 mil reais à empresa, mas, com o acordo, esse valor desceu para 700 reais, pago em uma parcela. Assim que fizesse o pagamento, teria seu nome retirado do SPC.

Valéria Gás O Nudecon abriu uma ação judicial, ainda em andamento, para extinguir a dívida que a empresa cobra da entrevistada.

Tabela 11: Consequências da Reclamação ao Nudecon

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