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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL FORJANDO PATRIA: MANUEL GAMIO E DIEGO RIVERA NAS TRILHAS DA CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE NACIONAL E CULTURAL DO MÉXICO NOS ANOS DE 1910 A 1940 Rodrigo Gonçalves Beauclair Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História Social, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor. ORIENTADOR: Professora Doutora Francisca Lúcia Nogueira de Azevedo Rio de Janeiro Julho de 2009

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL

FORJANDO PATRIA: MANUEL GAMIO E DIEGO RIVERA NAS TRILHAS

DA CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE NACIONAL E CULTURAL DO

MÉXICO NOS ANOS DE 1910 A 1940

Rodrigo Gonçalves Beauclair

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História Social, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor.

ORIENTADOR: Professora Doutora Francisca Lúcia Nogueira de Azevedo

Rio de Janeiro

Julho de 2009

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Forjando patria: Manuel Gamio e Diego Rivera nas trilhas da construção da identidade nacional e cultural do México nos anos de 1910 a 1940

Rodrigo Gonçalves Beauclair

Orientador: Professora Doutora Francisca Lúcia Nogueira de Azevedo

Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em História Social , do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor.

Aprovada por:

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Rio de Janeiro

Julho de 2009

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Beauclair, Rodrigo Gonçalves

Forjando patria: Manuel Gamio e Diego Rivera nas trilhas da construção da identidade nacional e

cultural do México nos anos de 1910 a 1940/ Rodrigo Gonçalves Beauclair. – Rio de Janeiro: UFRJ/

IFCS, 2009.

xi, 250f.: il., 31cm.

Orientador: Francisca Lúcia Nogueira de Azevedo

Tese (doutorado) – UFRJ/ Instituto de Filosofia e Ciências Humanas/ Programa de Pós-Graduação em

História Social, 2009.

Referências Bibliográficas: f. 224-241.

1. História. 2. América Latina. 3. México contemporâneo. 4. Questão Nacional. 5. Historiografia

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RESUMO

Forjando patria: Manuel Gamio e Diego Rivera nas trilhas da construção da identidade nacional e cultural do México nos anos de 1910 a 1940.

Rodrigo Gonçalves Beauclair

Orientador: Professora Doutora Francisca Lúcia Nogueira de Azevedo

Resumo da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em História Social, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor.

A presente tese analisa a atuação e papel desempenhado por Manuel Gamio e Diego Rivera no México nas quatro primeiras décadas do século XX. Sob a atmosfera do período revolucionário (1910-1920), no ambiente intelectual e artístico mexicano são apresentados e discutidos os meios para a consolidação de uma nova ordem nacional, cujo elemento inovador, a integração das populações indígenas, era ressaltado nos variados discursos e sintetizado nas políticas indigenistas. Historiograficamente, a atuação de nossos protagonistas- Gamio e Rivera- é notória no período pós-revolucionário (1920-1940), quando cada um em seu lugar apresenta e defende a constituição de um novo parâmetro social e cultural da nacionalidade mexicana respaldado no passado indígena pré-hispânico.

O que objetiva esta tese é a observação dos pontos comuns entre Gamio e Rivera, assentada numa revisão historiográfica da historiografia mexicana ao largo da segunda metade do século XIX até a mais contemporânea, para o conhecimento do contexto e idéias que fundamentam os princípios antropológicos e arte mural, de Gamio e Rivera, respectivamente.

Palavras-chave: México, Revolução Mexicana, Historiografia, Intelectuais, Arte

Moderna

Rio de Janeiro

Julho de 2009

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ABSTRACT

Forging the Nation: Manuel Gamio and Diego Rivera on the trails of constructing national and cultural identity in Mexico from 1910 to 1940.

Rodrigo Gonçalves Beauclair

Orientador: Professora Doutora Francisca Lúcia Nogueira de Azevedo

Abstract da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em História Social, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor.

This thesis analyses contributions by Manuel Gamio e Diego Rivera in Mexico

during the first four decades of the XX century. During the Revolution period (1910-1920) the means for consolidating a new national order were presented and discussed in the intellectual and artistic milieux. Its innovating element, the integration of Indian populations, was highlighted in various forma of speech and synthesized the indigenist politics. In terms of Historiography, the roles played out by Manuel Gamio and Diego Rivera are notorious in the post-revoutionary phase (!920-1940), when each in his own way and place presents and defends the constitution of new social and cultural parameters for Mexican nationality based on the indigenist past os the pre-hispanic period. The goal of this thesis is the analysis of common ground between Gamio and Rivera, based upon a historiographic revision of Mexican historiography throughout the second half of the nineteenth century encompassing even more contemporary periods, to acknowledge the context and ideas that laid the foundations for Gamio’s anthropological principles and Rivera’s mural painting.

Key words: Mexico, Mexican Revolution, Historiography, Intelectuals, Modern Art.

Rio de Janeiro

Julho de 2009

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AGRADECIMENTOS

Ao final deste trabalho expresso a minha profunda gratidão, respeito e

admiração aos meus pais, Gastão Armando Beauclair e Ana Gonçalves Beauclair e aos

meus irmãos, Rodney Gonçalves Beauclair e Isabela Gonçalves Ferro, pelo

incondicional apoio que dispensaram no período da pesquisa e redação. Período

marcado por um longo tempo de ausência e muita saudade.

Não poderia deixar de registrar a valiosa força e compreensão dos amigos e

colegas da Seção de Manuscrito da Biblioteca Nacional, que por vezes acompanharam e

incentivaram dia a dia para que eu pudesse finalizar este trabalho.

Sou imensamente grato aos companheiros de estrada e aqueles que felizmente

tive a oportunidade de conhecer e começar a conviver após o ingresso nesta, que em

muitos momentos, parece uma longa e árdua jornada.

Este trabalho, sem dúvida, é o resultado da força e perseverança demonstrada

por minha orientadora que muito me impulsionou, Francisca Lúcia Nogueira de

Azevedo e aquela que desde o início de minha vida acadêmica e posso dizer adulta está

como um exemplo e porto seguro, a professora Eliane Garcindo de Sá. E por último,

não poderia deixar de destacar o que , além de todas as coisas boas que aconteceram

durante o percurso, ter a oportunidade de conhecer a professora Maria Beatriz, que até o

último minuto mostrou-se incansável e solicita para a finalização deste trabalho.

A todos aqueles que direta ou indiretamente participaram eu deixo meus

agradecimentos.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 01

1: OS CONTEXTOS HISTORIOGRÁFICOS DA REVOLUÇÃO 13

1.1. A Revolução e os Estudos de História Regional 30

1.2. O Liberalismo e a Revolução 37

1.3. Os Centenários da Independência Mexicana (1910-1921): caminhos

para forjar a História e Memória nacional 44

1.4. Os códices pré-hispânicos: registros das memórias coletivas do passado

mexicano 47

1.5. O passado como forma de forjar a nação: contexto socio-histórico dos

códices 50

1.6. Os Centenários da Independência Mexicana 58

2. A MEMÓRIA HISTÓRICA: MANUEL GAMIO E DIEGO RIVERA NAS

VEREDAS DA REVOLUÇÃO PARA FORJAR UMA NAÇÃO 68

2.1. A questão nacional como problema histórico e historiográfico 69

2.2. A noção de intelectual na tradição historiográfica mexicana 89

2.3. Cultura nacional e a discussão da formação do campo intelectual no

México 98

2.4. A síntese do pensamento de Manuel Gamio: Forjando patria e La

población del Valle de Teotihuacán 114

2.4.1. Forjando patria: a Antropologia como instrumento de compreensão

do passado e conhecimento do presente 117

2.4.2. La población del Valle de Teotihuacán: aplicação da concepção de

história de Manuel Gamio 126

2.4.3. Manuel Gamio e o saber estético-etnológico 132

2.5. Diego Rivera e o ideal de modernidade cultural da sociedade

mexicana 145

2.5.1. Mito e história: os murais como representação estética discursiva da

arte pré-hispânica 153

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3. O INDIGENISMO E O MOVIMENTO MURALISTA: O PENSAME NTO E

ATUAÇÃO DE MANUEL GAMIO E DIEGO RIVERA 173

3.1. A tradição indigenista na historiografia mexicana 174

3.1.1. O pensamento indigenista e as políticas institucionais mexicanas 181

3.2. O muralismo e os caminhos e descaminhos do modernismo e da estética

na definição de uma arte de caráter nacional 186

3.2.1. Modernismo e modernidade: manifestações do ideal de expressão da

arte latino-americana 187

3.2.2. México: Revolução e o modernismo no pensamento de Diego

Rivera 191

3.3. A idéia de patrimônio cultural da nação mexicana 201

3.3.1. Patrimônio cultural e a sua natureza social 209

3.3.2. Perspectivas da categoria de patrimônio cultural na atualidade da

nação mexicana 216

CONCLUSÃO 219

BIBLIOGRAFIA CITADA E DE REFERÊNCIA 224

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9

“México, México

México es un cohetel al aire, irradia luz. Nadie en Europa permanece

indiferente a las nuevas culturas escondidas dentro de la jungla americana. Los

arqueólogos no pueden creer que, bajo los árboles, las pirámides se multipliquen.

Mesoamérica podría ser la Grecia del nuevo continente. El arte maya agazapado como

un tigre entre los pantanos hace que los arqueólogos reciban la mayor impresión de su

vida. Jacques Soustelle no volverá a ser el mismo después de Teotihuacán y monte

Albán, tampoco Sylvannus J. Morley o Eric Thompson, Edward Seler, Alfonso Caso,

Alberto Ruz Lhuillier. Súbitamente, los mexicanos se vuelven admirables, la gran

civilización maya los prestigia, les da un atractivo que antes no tenían. De seguro los

heredeiros de semejantes maestros son los artistas que el mundo espera. El muralismo

mexicano deslumbra muchos y, cuando surgen los Tres Grandes, su movimiento es

aclamado y los críticos proclaman el nuevo Renacimiento de las artes universales en

México, o sea en el ombligo de la luna. Los artistas europeos y estadounidenses quieren

pintar al lado del maestro Rivera. Jean Charlot y Pablo O’ Higgins son sus modestos

ayudantes. Las hermanas Grace y Marion Greenwood son las primeras mujeres en

subirse a un andamio a pintar y lo hacen precisamente en un mercado. Los escritores

D. H. Lawrence, Hart Crane, los fotógrafos Henri Cartier-Bresson, Paul Strand,

Edward Weston y su discípula Tina Madotti, Sergei Eisenstein y Tissé, su camarógrafo,

se extasían y Tormenta sobre México es el paraíso terrenal. La Revolución Mexicana

de 1910 no sólo precedió a la rusa, sino que José Vasconcelos habla del surgimiento en

nuestro país de una nueva raza: la raza cósmica. En México se forja el nuevo hombre,

el futuro del mundo se gesta en nuestro continente, el cruce de sangres de dos culturas

será invencible, la energía concentrada en nuestro paisaje es la misma de las neuronas

en el cerebro mesoamericano: volcánia. El Ulises criollo de José Vasconcelos lo

asemeja a los griegos, aunque Juan Soriano diga que para leer a Ulises mejor el de

Homero. La euforia es interminable. Ningún visitante podrá dejar de reconocer nuestra

grandeza que no sólo es la del pasado sino que estalla en todas las manifestaciones de

la cultura popular. México es un gran mercado que junto a los rábanos y las

zanahorias ofrece colores y sensaciones que enloquecen a los extranjeros.”1

1 PONIATOWSKA, Elena. Las siete cabritas. México: Editorial Txalaparta, 2000. pp. 70-71.

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INTRODUÇÃO

As quatro primeiras décadas do século XX no México foram decisivas para a

cristalização de um imaginário da “revolução acabada” que se consolidaria no ideal dos

governos pós-revolucionários.2 Difundindo o ideal de progresso e modernização da

sociedade e instituições mexicanas, a partir do reconhecimento dos valores

revolucionários, tentam implementar institucionalmente tentativas que fizessem

legitimar a constituição de uma nova ordem social e econômica.

A Revolução, considerada marco desse limiar de mudanças e soluções para os

ditos “problemas nacionais”, define e sustenta discursos e projetos de afirmação da

identidade mexicana. Essa interpretação generalizada e corrente do processo

revolucionário tem como principal característica a afirmação da necessidade de

incorporação do setor “popular”.

As narrativas, em geral, descrevem os anos de permanência das lutas armadas e

dos conflitos sociais e políticos advindos com a Revolução, que suscitam e consolidam

interpretações que a caracterizam como um movimento de caráter popular. A

complexidade de sua natureza e sua duração engendrou valores, que repercutiram e

delinearam durante as décadas de 1910 a 1940, diretrizes para as tentativas de

efetivação de projetos que incluíssem o setor agrário rural, majoritariamente indígena e

o proletariado urbano. As interpretações que por décadas, principalmente, até a primeira

metade do século XX, fixa a sua natureza caracterizada como um movimento

mobilizador de massas.

O esforço empreendido para a compreensão da Revolução busca abarcar a

complexidade e as idéias que predominam no cerne do processo histórico, delimitando

seus limites e questões centrais de sua dimensão ideológica. As narrativas

historiográficas3 intentam apresentar um caráter crítico na confrontação com seus

2 O período dos governos pós-revolucionários considerados é: Plutarco Calles (1924-1933), conhecido pela política de reforma agrária que alcançou alguns progressos com a distribuição de novas quantidades de terras e implementação do crédito agrícola; Lázaro Cárdenas (1934-1940), ao qual se atribui a “institucionalização” do processo revolucionário pela realização de uma efetiva política de reforma agrária, originalmente planejada por Emiliano Zapata, através das cooperativas de terras e pela nacionalização dos recursos do subsolo, especialmente o petróleo. 3 Como será discutido na primeira parte do trabalho, onde será realizada uma revisão historiográfica sobre a Revolução e historiografia mexicana dedicada ao estudo da mesma, é possível o estabelecimento de períodos de seu desenvolvimento, que leva em conta as mudanças conjunturais política, social e econômica, internas e externas ao México. Assim, de forma geral, dois períodos se destacam: os anos de 1910 a 1940 e os de 1950 a 1970.

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significados apropriados para a legitimação de uma ordem intrinsecamente vinculada à

questão do desenvolvimento social e econômico da sociedade mexicana. Duas questões

são relevantes nesse sentido: 1) o radicalismo reivindicatório promovido pelos setores

populares aliados aos grupos políticos e intelectuais; 2) os projetos que vislumbravam a

modernização social, via a reforma agrária, e econômica. Ao destacar as questões

acima, vale ressaltar as dissensões políticas existentes no cerne da sociedade mexicana

no período.

O reconhecimento da necessidade de construção de uma nova ordem nacional e

cultural pós-revolucionária leva à constituição de caminhos que abrem para a definição

e representação do perfil de sociedade que se pretendia. A idéia de ruptura com o

passado da ditadura de Porfírio Díaz (1876-1911)4 sustenta o discurso “fundacional” da

Revolução que agregaria e levaria à promoção de mudanças, principalmente, no que se

referia à reforma agrária e à inserção social e cultural das populações indígenas.

O breve panorama acima descrito sustenta o argumento central desse trabalho

que é o esforço de reconhecer na historiografia mexicana contemporânea o revisionismo

sobre a questão da Revolução relacionada a temas como: a constituição de memória,

seja coletiva, histórica ou cívica, o nacionalismo, o papel do intelectual e o indigenismo,

que no âmbito mais amplo estão vinculados à construção da identidade nacional e

cultural mexicana nas primeiras décadas do século XX.

O presente trabalho, partindo da consideração do argumento apresentado,

pretende a partir do protagonismo de Manuel Gamio (1883-1960) e de Diego Rivera

(1886-1957), traçar o panorama de suas atuações no período revolucionário (1910-

1920) e pós-revolucionário (1920-1930) para a constituição de elementos, seja de ordem

material e discursiva ou artística, para a definição dos caminhos viáveis de

concretização do ideal revolucionário. Esse ideal representado historicamente pela

Revolução leva à discussões sobre a compreensão e interpretação do passado da

sociedade mexicana.

Manuel Gamio de regresso à cidade do México, após anos no Vale Nacional,

localizado nos limites entre os estados de Vera Cruz, Puebla e Oaxaca, inicia os seus

estudos de arqueologia no Museo Nacional (1906-1908) com Nicolas Leon. Ao final de

4 O período apresentado abarca os três mandatos presidenciais exercidos por Porfírio Díaz que são: o primeiro de novembro a dezembro de 1876; o segundo de 1877 a 1880; e o terceiro de 1884 a 1911. O último é designado pela historiografia mexicana como porfiriato referente aos 31 anos que Porfírio Díaz ocupou a presidência do México até 1911, ano que já eclodira a revolução. Este período foi de estabilidade e muito progresso econômico no México junto a severas desigualdades sociais.

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seus estudos, realiza trabalhos arqueológicos durante três meses na região de

Chalchihuites, município pertencente ao estado de Zacatecas.

Os trabalhos arqueológicos de estudo regional foram suspensos por ordem de

Leopoldo Batres, então diretor do Museo Nacional, por Gamio está atuando sem a

devida autorização. Posteriormente a suspensão vai para a Universidade de Columbia,

Nova York (1909-1911) estudar com Franz Boas.

A escola boasiana desarticulou os argumentos que promoviam as idéias de

superioridade racial fomentando a tese do particularismo histórico. Rechaça o

determinismo social e biológico e aponta explicações, de corte cultural mais amplo, a

partir dos processos investigativos interdisciplinares que permitiam a compreensão da

variedade de grupos culturais.

Durante a sua estadia em Columbia, recebe forte influência da efervescência

intelectual da Universidade de Chicago, liderada por Fay Cooper Cole e Robert Park,

que propunham a análise dos processos sociais e de transformação como resultado da

entrada do capitalismo industrial e do fenômeno da expansão das áreas urbanas. Tanto o

método antropológico boasiano quanto da Universidade de Chicago foram duas

influências fundamentais para a formação de Gamio como antropólogo.

Regressa ao México em 1912, inscrito na Inspección General de Monumentos

Arqueológicos, onde tem a possibilidade de realizar trabalhos de escavação no Templo

Mayor e em Azcapotzalco. Os trabalhos estratigráficos concluídos nessa época

contribuíram com grande relevância para o desenvolvimento da arqueologia mexicana.

Um ano após a publicação de Forjando patria, em 1916, Gamio a frente da

Inspección General de Monumentos, que nessa ocosião passa a ser a Dirección de

Antropologia, intensifica o programa, cujo fim era o estudo integral das populações

regionais atuais e antigas do México e a expansão da investigação dos meios práticos

para fomentar seu desenvolvimento e promover, assim, o que denominava de uma

“nacionalidad coherente”.

Essa “nacionalidad coherente” sintetizava o pensamento de Gamio sobre a

Revolução e a sociedade mexicana. Afirma que o problema básico para que o México se

transforme em um país moderno era considerar o fato de que havia um enorme

contingente da população formado por indígenas, alijados social, econômica e

culturalmente da sociedade mexicana. Era necessário que o Estado pós-revolucionário

elaborasse e implementasse uma abrangente política de incorporação social, econômica,

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13

política e cultural. A realização de tal empreendimento seria o passo certo rumo à

modernização de suas estruturas social e econômica.

A incorporação das populações indígenas defendidas como políticas

institucionais eram as bases de seu projeto de integração nacional com base na

mestiçagem. Pela forte influência da antropologia boasiana e da Universidade de

Chicago, postulava que era necessário partir de investigações multidisciplinares de cada

grupo social no México, para o conhecimento e compreensão da sua história, cultura,

organização social e econômica. Essas medidas tornariam viáveis as condições de

elaboração das ações que possibilitariam uma intervenção para a integração.

Apostava na investigação para a aplicação, aporte da antropologia aplicada,

como proposta para o progresso nacional. Aguirre Beltrán, outro ideólogo do

indigenismo no México, tece um comentário a respeito da dita proposta: “no es fácil

realizar en la práctica la distinción entre la aplicación de la antropologia social y la

política indigenista (...) que resulta de la combinación propuesta por Gamio entre la

investigación social y la aplicación inmediata.”5

A política indigenista, fundada em uma importante investigação do índio,

pretendia alcançar a integração nacional não através da reivindicação indígena, mas

através de sua intervenção e branqueamento6, como claramente afirma Guillermo Bonfil

Batallas: “el ideal de redención del indio se traduce, en Gamio, en la negación del

indio.”7 Portanto, poderia haver a pretensão de conhecer o mundo indígena, mais a

intenção fundamental estava precisamente em sua modificação para uma concreta

integração.

Na defesa da antroplogia como um importante instrumento para a efetivação do

projeto de integração, Gamio defende os conhecimentos científicos que deviam estar

destinados a resolver os problemas sociais. A investigação da população devia ser

integral, baixo todos os aspectos e em todas as épocas. Essas idéias foram aplicadas em

Teotihuacán durante os anos de 1917 a 1919, cujo resultado foi uma de suas mais

conhecidas obras La población del Valle de Teotihuacán. 5 AGUIRRE BELTRÁN, Gonzalo. Obra antropológica XV. Crítica antropológica. México: Universidad Veracruzana/ Instituto Nacional Indigenista/ Gobierno del Estado de Veracruz/ Fondo de Cultura Económica, 1990. pp. 270-271. 6 Como parte de sua proposta prescritiva, Gamio incentivará a emigração do México para os Estados Unidos, por sua vez a imigração de europeus. 7 BONFIL BATALLAS, Guillermo. Del indigenismo de la revolución a la antropologia crítica. In: WARMAN, Arturo (coord.). De eso que llaman antropologia mexicana. México: Escuela Nacional de Antropologia e Historia, 2002. p. 36.

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Durante os anos de 1926 e 1927 realiza o primeiro estudo etnográfico sobre

migração mexicana nos Estados Unidos intitulado El inmigrante mexicano: la historia

de su vida: Entrevistas completas, 1926-1927, onde demonstra como viviam os

imigrantes e como haviam transformado sua forma de ser devido à imigração, que

considerava o caminho para o progresso nacional. Esta suposição era justificada da

seguinte forma: “ya que la gente mexicana más pobre que era la que migraba así como

los indígenas, se transformarían gracias a la migración, adoptarían rasgos culturales

de un país más “desarrollado”, e inclusive de auqellos mexicanos que ya eran parte de

la sociedad estadounidense, lo cual sin duda impulsaría a la transformación de

México.”8

Apresentado Gamio e seu pensamento a respeito da antropologia como

instrumento para o conhecimento e meio viável para o desenvolvimento e integração da

sociedade mexicana, passaremos agora para seu contemporâneo, Diego Rivera- pintor,

desenhista, ilustrador e escritor- ícone do movimento artístico muralista, que se forma

no México nos anos de 1920.

Diego Rivera, além de sua identificação como artista, a sua biografia é

conhecida pela sua militância política que não se restringia as fronteiras do México,

mais que também reverberava nos Estados Unidos e na União Soviética. É descrito

como um artista engajado politicamente por sua adesão à causa socialista.

Rivera foi bolsita na Academia de Bellas Artes de San Carlos até 1902, onde

estudou os estilos artísticos tradicionais europeus. As influências artísticas recebidas

durante a sua estadia na cidade do México foram muito variadas. A principal e mais

forte, ressaltada nos mais diversos estudos sobre o dito pintor, foi a do artista popular

Guadalupe Posada (1852-1913)9, gravurista e cartunista, sendo considerado por Rivera

como um exemplo autêntico de artista popular.

Durante quinze anos (1907-1922) Rivera passou viajando pela Europa onde foi

despertado o interesse pela arte de vanguarda, o que levara a abandonar o

academicismo. No ano de 1907, viaja à Espanha para estudar as obras de Goya, El

Grieco e Brueghel no Museu do Prado, em Madri. Após esse período se transfere para

Paris e passa integrar o movimento de vanguarda cubista, fundado por Pablo Picasso.

8 GAMIO, Manuel. El inmigrante mexicano: la historia de su vida: entrevistas completas, 1926-1927. México: Universidad Autónoma del México, 1969. p. 34. 9 José Guadalupe Posadas é considerado o precursor do movimento nacionalista mexicano das artes plásticas.

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Retorna da Itália ao México no ano de 1922 junto com David Alfaro Siqueiros,

(1896-1974) dedicando-se, desde então, ao estudo da arte maia e asteca, que

inluenciariam de forma significativa a sua obra posteriormente. Reunidos com outros

destacados artistas do momento, como o próprio Siqueiros e José Clemente Orozco,

(1883-1949) funda o Sindicato de Trabalhadores, Técnicos, Pintores e Escultores, lugar

em que surgiria as raízes do movimento muralista, sendo mais tarde substituído, no

contexto político e artístico pela Liga de Escritores e Artistas Revolucionários

(LEAR)10. Participa também do movimento estridentista11.

Nos anos de 1920, com a direção da Secretaría de Educación Pública (SEP) nas

mãos de José Vasconcelos (1882-1959), integra junto com outros muralistas o projeto

cultural empreendido pelo governo de Álvaro Obregón (1920-1924), recebendo

numerosos encargos do governo para realizar grandes composições murais em prédios

públicos, como: o Palácio de Cortés, em Cuernavaca, Palácio Nacional e Palácio de las

Bellas Artes, na Cidade do México e na Escuela Nacional de Agricultura, em Chapingo.

Os murais elaborados e pintados por Rivera durante esse período, que abarca,

principalmente, os anos de 1920, segundo a corrente historiográfica e historiográfica da

arte aponta para a criação de um estilo nacional que reflete a história do povo mexicano.

A temporalidade impressa em seus murais começa no passado pré-hispânico, tendo

como principal tema as populações indígenas até a representação da realidade social e

dos atores principais da luta armada revolucionária.

Entre os anos de 1929 e 1935, Rivera viaja para os Estados Unidos onde já havia

pintado sete murais. Em 1940 regressa a São Francisco para criar o mural da Unidad

Panamericana, que seria exibido na exposição Internacional de Golden Gate.

Os breves esboços biográficos acima discorridos de Gamio e Rivera objetiva

demonstrar as suas atuações num período em que no México abriam-se possibilidades

10 A Liga de Escritores e Artistas Revolucionários (LEAR) foi criada em fevereiro de 1934 auto-designando-se como a seção mexicana da União Internacional de Escritores Revolucionários, fundada em 1930, em Charkov (então União Soviética) e dissolvida em 1935, ocasião da celebração do Sétimo Congresso Mundial da Internacional Comunista. O LEAR que teve projeção internacional, tinha como propósito contribuir com os meios da arte até a promoção da unidade classe operária. A sua ação estendia-se a lutar contra o imperialismo, o fascismo e a guerra. Ao longo do ano de 1937 foi acabando paulatinamente. Entre os artistas mais destacados que participaram de sua criação estão Leopoldo Méndez, Angel Bracho e Ignácio Aguirre. Posteriormente, se associaram Manuel Alvarez Bravo, Luis Arenal, Ricardo X. Arias, Santos Balmori, Carlos Orozco Romero, Feliciano Pena, Julio Castellanos, Rufino Tamoyo e Gabriel Fernández Lesdema, entre outros. 11 O estridentismo foi um movimento artístico multidisciplinar que foi criado no México no ano de 1921 com o lançamento do manifesto Actual Nº 1 pelo poeta Manuel Maples Arce. O movimento conjugava o aspecto moderno do futurismo com a irreverência Dada. Teve uma aproximação estreita com as vanguardas artísticas da época e é conhecido pelo seu grande trabalho editorial, cultural e educativo.

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de discussão sobre a identidade do “mexicano” e sua natureza nacional.

Historiograficamente, não é conhecida nenhuma vinculação entre os dois, apesar de

compartilharem o tema central de seus trabalhos: as populações indígenas. Porém, no

que diz respeito à arte, existe uma proximidade muito grande na concepção da

representação do passado pré-hispânico no presente pós-revolucionário.

Essa constatação é sustentada a partir dos trabalhos arqueológicos realizados por

Gamio em áreas distintas do território mexicano. Na realização desses trabalhos foram

encontradas esculturas, classificadas como sendo do período pré-hispânico que eram

caracterizadas como parte do patrimônio cultural da nação mexicana. Quanto a Rivera,

as populações indígenas pré-hispânicas, em sua organização social, econômica e

cultural representavam o exemplo mais claro da identidade nacional e cultural

mexicana.

A delimitação do corte cronológico do estudo proposto baseou-se no momento

de atuação dos protagonistas apresentados- Gamio e Rivera- e os antecedentes, que

compreendem a segunda metade do século XIX até os dias atuais. A justificativa para a

escolha desse largo período da história do México é a compreensão na evolução da

historiografia dos novos estudos dos momentos chaves e seus contextos socio-

históricos. Aqui podemos exemplificar com a historiografia que considera “mitos

políticos” da história do México, o Liberalismo e a Revolução ou aquela sobre as

comemorações dos dois centenários da Independência mexicana (1910-1921).

O substrato da pesquisa e da reflexão empreendida é uma revisão historiográfica

em duas vias analíticas: a primeira da Revolução e a segunda da própria historiografia

mexicana. Dois pontos são destaques para a observação crítica e metodológicanesse

contexto:

1º) a discussão historiográfica da Revolução na evolução teórico-metodológica

da historiografia mexicana, considerando categorias de análise, como a definição de

intelectual e sua aplicação no contexto mexicano revolucionário e pós-revolucionário. O

reconhecimento da complexidade e heterogeneidade do campo intelectual no México

nos período revolucionário e pós-revolucionário é precípuo para a desconstrução da sua

idéia de homogeneidade e unidade;

2º) o pensamento de Gamio e os murais de Rivera na afirmação da construção de

uma idéia de patrimônio nacional baseado no reconhecimento das obras de artes pré-

hispânicas como ponto inicial da nacionalidade mexicana.

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Nesse contexto social e político complexo podem ser observado o protagonismo

de intelectuais e artistas na interseccção de campos que apresentaremos com mais

clareza nos capítulos seguintes, fundamentam e representam o ideal da nova ordem

nacional.

Esses espaços de disputas e atuações comuns, cujo ideal revolucionário parecia

significar um consenso, concentravam divergências de propostas e projetos acerca da

genealogia da História mexicana. Assim para a definição de uma nova ordem nacional,

a Revolução torna-se o tema central da supracitada História e um divisor de águas na

compreensão e interpretação do passado da sociedade mexicana.

A presente investigação pretende partir desse ponto e analisar os pontos de

similaridade nos papéis desempenhados por Manuel Gamio e Diego Rivera na definição

e representação do ideal revolucionário e pós-revolucionário da cultura e identidade

nacional mexicana, levando em conta os espaços de suas atuações: a Antropologia e a

arte mural, principais elementos na fundação de um dos principais mitos políticos, a

Revolução.

A justificativa para a compreensão e reconhecimento da importância desses dois

atores baseia-se em suas concepções de resgate da História e passado mexicano. Partem

da cultura material e representação pictórica das sociedades pré-colombianas como

elementos imprescindíveis para a compreensão do presente e diretrizes para a resolução

dos “problemas nacionais” no futuro. Convergem para o ideal de progresso e

modernização da sociedade mexicana.

No conjunto da produção historiográfica pós-revolucionária é possível perceber

a singularidade de Gamio e Rivera na profissionalização e institucionalização do

conhecimento e difusão de um novo viés da História e identidade mexicana. Forjando

patria La Población del Valle de Teotihuaacán, publicados em 1916 e 1922,

respectivamente e os murais de Rivera dos anos de 1920 e 1930 pintados em alguns

prédios públicos no México caracterizam e agregam interesses do já dito contexto

complexo da sociedade mexicana deste período.

Gamio, considerado fundador da moderna Antropologia mexicana, alia os

métodos de investigação material das culturas pré-colombianas as suas histórias. O seu

trabalho propôs obter um conhecimento diacrônico e até onde foi possível integral da

realidade do México.

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No método utilizado os seus estudos delinearam “zonas” de acordo com as

correspondentes características geográficas, sociais e culturais. A região central do

México foi o epicentro da sua operação antropológica, concentrando-se, principalmente

no Vale de Teotihuacan. Ali, empreendeu investigações arqueológicas sobre os

múltiplos aspectos do passado pré-colombiano até chegar às épocas modernas e

contemporâneas, reunindo conhecimentos, resultado do trabalho multidisciplinar.

A obra publicada, La Población del valle de Teotihuacan, em três

volumes, constitui a síntese dos métodos da antropologia e história em torno das quais

também aparecem disciplinas como a geografia, ecologia, sociologia e economia. No

contexto pós-revolucionário a sua Antropologia implicou para a profissionalização da

disciplina, assim como o reconhecimento da pluralidade e riqueza cultural do México.

Diego Rivera, um dos representantes do emergente movimento muralista no

período do governo de Obregón, sintetiza em sua pintura duas tendências: 1) das

vanguardas artísticas latino-americanas modernistas no que se refere a busca de uma

experiência estética que rompa com o classicismo europeu e inaugure uma arte popular;

2) uma arte de caráter nacional patrocinada pelo Estado para a realização de um projeto

de reconhecimento e difusão de uma nova identidade estética e cultural mexicana.

No que se refere ao movimento muralista na tradição historiográfica iniciada no

período pós-revolucionário a utilização dos elementos indígenas e o passado mexicano

determinam a construção estética e cultural da nação. Historiograficamente, é abordado

pela sua natureza política e artística no campo das iniciativas do projeto vasconcelista.

Nas narrativas correntes, a pintura mural desenvolveu-se mais pela autonomia de

seus principais artistas, Diego Rivera, David Alfaro Siqueiros e José Clemente Orozco e

seus posicionamentos políticos na proposta de uma arte pública e política. Porém, o

reconhecimento na tradição historiográfica mexicana desde o século XIX até os anos de

1940, demonstra que as propostas estéticas difundidas e defendidas pelo movimento

inseriam-se num debate intelectual e político no qual o seu caráter público vinculava-se

diretamente à idéia de indigenismo de Manuel Gamio, ou seja, no reconhecimento do

passado indígena visando à criação de estruturais sociais para a incorporação dos

mesmos na dita sociedade mexicana.

O ideal que sustentava o discurso político dominante no período pós-

revolucionário, momento de formação do que é conhecido como movimento muralista

mexicano, revela a forte influência dos ideais e discursos dos reconhecidos intelectuais

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na definição dos elementos políticos e sociais para a composição dos murais. É

interessante ressaltar que a pintura mural fazia parte de um movimento de valorização

das artes visuais para manifestações do presente e passado.

Sua obra não modificou os processos históricos delineados por Justo Sierra na

Evolución política del pueblo mexicano. Porém, teve a obsessão, como advertiu Octavio

Paz, de ser didático, discursivo e prolixo. Suas lições históricas difundiram uma visão

maniqueísta do passado, conformada por um enfrentamento pertinaz entre os

camponeses e trabalhadores pobres contra os latifundiários, empresários, militares,

políticos, sacerdotes e intelectuais exploradores. E também mostrou, em suas

extraordinárias reproduções da antiga Tenochtitlán ou dos labores camponeses, o poder

“encantatório” que adquire a imagem quando se une com a reconstrução do passado.

As críticas ao trabalho de Rivera como também o movimento muralista como

um movimento homogêneo, não distinguindo o posicionamento e as propostas estéticas

de Siqueiros e Orozco, corroboram a oposição ao “nacionalismo revolucionário”.

Afirmam que os murais contribuem e são instrumentos na construção de “mitos” que

conformam parâmetros para a discussão e escrita da História do México, como é o caso

do liberalismo, da Revolução e do indigenismo.

A consideração historiográfica sobre Gamio e Rivera traça e alimenta um

complexo conjunto de interpretações acerca da História do México a partir da

Revolução, onde são destacados o papel do pensamento social e político, a construção

de uma memória coletiva e histórica na arquitetura de sustentação do discurso

dominante.

O propósito de compreensão historiográfica do período delimitado para essa

investigação, os anos de 1910 a 1930, não pretende narrar os seus distintos momentos,

mas observar a tentativa de uma “operação histórica” na construção de uma história e

memória mexicana, sem a qual Gamio e Rivera não seria possível. A dita intersecção

dos campos intelectual e artístico amalgamados e caracterizados por sua diversidade e

divergências ideológicas compõe um mosaico complexo no cerne da História do

México, sendo necessário recuar ao século XIX para a compreensão de seus

desdobramentos.

Partindo dessas questões, o presente trabalho visa inicialmente demonstrar um

panorama dos contextos historiográficos sobre a Revolução, ressaltando que estes estão

intrinsecamente relacionados ao movimento das conjunturas sociais, políticas ve

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culturais mexicanas ao londo do século XX. O reconhecimento deste contexto

possibilita demarcar o papel de Gamio e Rivera não só durante as décadas de 1910 a

1940, mas a sua perenidade na discussão referente à constituição da nação moderna

mexicana.

Outro ponto destacado é o debate sobre a formação de uma memória coletiva e

histórica que perpassa à idéia de nacionalidade e fundamenta, por outro lado, os

discursos institucionais até o dia de hoje.

A documentação que servirá de base para o desenvolvimento deste trabalho e para a

análise do problema compreende o amplo espectro de questões abordadas pela

historiografia, principalmente a mexicana produzida nas décadas de 1970 e 1980 e os

próprios murais reproduzidos em publicações comemorativas e/ou catálogos da vida e

obra dos muralistas.

Os apontamentos assinalados nos textos constituem a referência para a

observação dos murais como fontes que expressam o movimento diacrônico de

transformação social da sociedade mexicana nas décadas de 1920 e 1930.

As fontes possíveis para a percepção e corroboração da proposta de pesquisa

apresentada são os murais de Diogo Rivera e a produção intelectual, além de Gamio, de

Ricardo Flores Magón, Moisés Sáenz Garza, Rafael Ramírez Castañeda, Vicente

Lombardo Toledano, Manuel Gomes Morín e José Vasconcelos. Cabe também ressaltar

a falta de estudos sobre o muralismo como um movimento inserido ao projeto de

modernização cultural e econômica do México. Grande parte da produção existente

enfatiza a sua dimensão política e ideológica e principalmente seu papel na definição do

perfil da arte latino-americana.

Partindo desses pressupostos, a documentação selecionada apresenta como

principal característica a demonstração do legado artístico do muralismo para as artes

contemporâneas e a importância pessoal de Rivera e os postulados de Gamio para a

definição de projetos, no âmbito institucional.

O contato com as várias obras especializadas e, principalmente, os sites

existentes sobre esses pintores e as suas obras, fornecem elementos importantes para a

observação da narrativa que se construiu sobre o muralismo. Destacamos como obras

que orientam a pesquisa dois trabalhos que datam de 1975 e 1999, respectivamente, La

Pintura Mural de la Revolución Mexicana e Congreso Internacional de Muralismo.

La Pintura Mural de la Revolución Mexicana contém todos os murais pintados

por Rivera, Clemente e Siqueiros no México. As reproduções dos murais, onde se

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percebe a pujança das imagens na caracterização imaginária do pretendido projeto

nacional, é marcado predominantemente pela estética que representaria o halo da

identidade mexicana.

Os murais são acompanhados por textos que ressaltam a sua importância na

consolidação dos valores revolucionários na construção da atual identidade nacional

mexicana. Subsidiada pelo governo mexicano presidido por Luis Echeverria Alvarez, o

livro representa a reprodução do imaginário criado a partir da Revolução, no qual se

destaca a comemoração do renascimento da identidade nacional mexicana.

Congreso Internacional de Muralismo, fruto de um colóquio que se realizou no

Colégio San Idelfonso em 1998 sobre o muralismo, apresenta a variedade de estudos

existentes e o início de uma revisão acadêmica que tem como escopo atualizar as

discussões, mas baseando-se em fatos e características já exaustivamente discutidos na

literatura. Porém o objetivo do colóquio foi redimensionar a importância política do

muralismo no imaginário social e cultural do México.

As conferências apresentadas tinham como ponto comum a necessidade de

preservação dos murais e o caráter crítico e combativo do muralismo na defesa da

formação da identidade mexicana e atual apatia política e cultural do México. As

reflexões sobre o material compilado no livro referem-se ao ideal contido no muralismo

como um movimento artístico politicamente engajado no momento em que se pretendia

a instauração da modernidade mexicana. A descaracterização do objetivo dos murais,

como é chamada a atenção por alguns conferencistas, que se justificam pela elitização

dos prédios onde foram pintados os murais torna-se o ponto chave da publicação.

A análise das obras citadas como fontes, mais as publicações Diego Rivera: a

retrospective e Diego Rivera ilustrador, publicadas pelo Founder Society Detroit

Institute of Arts e a Secretaria de Educación Pública do México, servem como aporte

para a investigação crítica da apropriação dos murais na construção de uma narrativa

que sustente a existência de uma identidade nacional mexicana.

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PARTE 1: OS CONTEXTOS HISTORIOGRÁFICOS DA REVOLUÇÃO

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“La Revolución es una súbita inmersión de México en su propio ser. De su fondo y entraña extrae, casi a ciegas, los fundamentos del nuevo Estado. Vuelta a la tradición, reanudación de los lazos con el pasado, rotos por la Reforma y la Dictadura, la Revolución es una búsqueda de nosotros mismo y un regreso a la madre. Y, por eso, también es una fiesta: la fiesta de las balas, para emplear la expresión de Martín Luis Guzmán. Como las fiestas populares, la Revolución es un exceso y un gasto, un llegar a los extremos, un estallido de alegria y desamparo, un grito de orfandad y de júbilo, de suicidio y de vida, todo mezclado. Nuestra Revolución es la outra cara de México, ignorada por la Reforma y humillada por la Dictadura. No la cara de la cortesia, el disimulo, la forma lograda a fuerza de mutilaciones y mentiras, sino el rostro brutal y resplandeciente de la fiesta y la muerte, del mitote y el balazo, de la feria y el amor, que es rapto y tiroteo. La Revolución apenas si tiene ideas. Es un estallido de la realidad: una revuelta y una comunión, un trasegar viejas sustâncias dormidas, un salir al aire muchas ferocidades, muchas ternuras y muchas finuras ocultas por el miedo a ser. ¿Y con quién comulga México em esta sangrienta fiesta? Consigo mismo, con su próprio ser. México se atreve a ser. La explosión revolucionaria es una portentosa fiesta en la que el mexicano, borracho de si mismo, conoce al fin, en abrazo mortal, al outro mexicano.”12

Nas décadas de 1910 a 1940 instaura-se no México um período de luta

armada, mudanças políticas, debates e configurações de projetos institucionais voltados

para a construção de uma nova ordem nacional. Há sucessivas tentativas de

implementação e efetivação dos ditos projetos que agregam os valores revolucionários -

assentados na organização de uma nova ordem política e social - como escopo dos

discursos, seja no âmbito político, intelectual e artístico.

Prevalece o ideal de superação dos “problemas nacionais” que são debatidos e

apresentados, principalmente, por grupos de intelectuais da época. O conhecimento

desses “problemas nacionais” configura um conjunto de idéias que embasam a

legitimidade da Revolução como um movimento social e político de rompimento com

as estruturas sociais, políticas e econômicas do porfiriato e a construção dos pilares para

a constituição da moderna nação mexicana.

12 PAZ, Octavio. El laberinto de la soledad. Madrid: Ediciones Cátedra, 1993. pp. 293-294.

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Na complexidade desse cenário, o papel exercido pelos intelectuais, artistas

urbanos e pequenos proprietários passa a ter importância na condução do processo

revolucionário. O problema da concentração fundiária coloca-se como a principal causa

das lutas armadas que acontecem pelo território mexicano e representa uma das

principais bandeiras das reivindicações, que em relação à questão se reportavam aos

princípios da Constituição Liberal de 185713. Nesse contexto, difundia-se a idéia de

“povo” relacionada, em grande parte, à defesa da integração social e cultural das

populações indígenas, feita pelos políticos e intelectuais participantes das fileiras

revolucionárias.

O pensamento e atuação, principalmente, dos intelectuais, aliados à diversidade

de suas visões sobre a identidade cultural mexicana, assevera a idéia que a Revolução é

o momento oportuno para a construção de uma nova ordem nacional. A injustiça social,

a exploração e analfabetismo das populações indígenas rurais e urbanas, caracterizam e

justificam ações e projetos que nos anos pós-revolucionários (1920-1940) ainda são

discutidos e pensados como elementos caracterizadores da identidade nacional

mexicana.

É tomado como ponto de partida, as breves considerações acima, de caráter

geral, para a realização de uma revisão historiográfica sobre a historiografia mexicana

da Revolução. O seu objeto de estudo predominante gera um amplo e variado conjunto

de estudos, de natureza interdisciplinar – contribuem para tal empreendimento

disciplinas como a sociologia, a antropologia e a economia – que discutem,

principalmente, a sua natureza política e ideológica.

A relação historiografia (no período de 1910 a 1940) ao tema Revolução no

perído assinalado tem como uma de suas características a construção da hegemonia no

campo da cultura que obedece uma linha cronológica em torno do passado como

validade de tipos de juízo ou “condições de realidade” para os tipos de enunciados

históricos pretendidos. A tarefa principal consistia em enriquecer o discurso dominante

e ampliá-lo com novas positividades e novas e maiores informações.

A história moderna do México revolucionária, semelhante ao período do regime

de Porfírio Díaz, por natureza, apresenta a necessidade de sua consolidação do

13 A Constituição Federal dos Estados Unidos do México de 1857 foi uma constituição liberal redigida durante a presidência de Ignácio Comofort (1856-1858). Foi promulgada em 5 de fevereiro de 1857 e estabeleceu os princípios da política liberal. Esta declarava a liberdade de ensino, de imprensa, de indústria, de comércio, de trabalho e de associação. Entre os seus 128 capítulos, icluia um dedicado às garantias individuais.

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imaginário assentado no passado. As urgências e contingências do presente

revolucionário impõem o exercício de reescrita do passado na memória dos indivíduos a

partir de um ponto zero, com a criação de um novo calendário, renomeação de espaços

públicos, novos erguimentos e destruição da estatuaria, etc..

Este processo de refiguração do passado propiciado pela Revolução leva a

historiografia mexicana à questão do retorno (em seu duplo sentido de encontro y

criação) às origens, que visa dotar de densidade temporal o presente revolucionário.

Esse é o momento quando “nasce” a história moderna e suas práticas observadas até

hoje nas distintas correntes historiográficas.

O retorno às origens é uma questão que a Revolução traz ao centro da

historiografia mexicana nas quatro primeiras décadas do século XX. Observa-se uma

disputa em torno da questão nacional para determinação de sua origem hispânica ou

indígena. Esta última foi abandonada ao longo do século XIX pelos grupos liberais e

conservadores. Entretanto, por outro lado, a Revolução não romperá radicalmente com a

história corrente, pois desde o momento da ruptura da Nova Espanha com a Coroa, a

nova nação se vê na necessidade de construir um passado singular. Por isso, uma das

reações (liberais) será de apagar ou ridicularizar o passado colonial ou ao contrário,

tratar de mediar com esse passado para dar continuidade ao presente. Obviamente nesse

momento a história é eminentemente política: trata-se de dar a um espaço um nome

original e unitário.

Nas décadas de 1910 a 1940, na historiografia se conhece a institucionalização

da Revolução, que corresponde ao crescente deslocamento do mundo rural frente ao

urbano-industrial concomitante a criação de um partido único, Partido Revolucionário

Institucional (PRI) para dirimir as dissensões entre os diversos chefes da Revolução os

caudilhos regionais. Também são criadas diversas instituições dedicadas à investigação

histórica: a Casa de Espana em 1939, que será futuramente o Colégio de México, o

Instituto Mexicano de Geografia e Historia em 1930.

O longo e vigoroso debate historiográfico da historiografia mexicana no século

XX sobre a Revolução destaca-se pelo reconhecimento de suas conseqüências à

sociedade mexicana. O discurso oficial sustentado em “mitos políticos” (essa

denominação refere-se à própria Revolução e ao Liberalismo), constitui um material

crítico para o trabalho de entendimento da discussão, a partir da segunda metade do

século, dos problemas sociais, econômicos e políticos da sociedade mexicana.

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Na tendência geral que vigora até o ano de 1940, a historiografia mexicana

caracteriza-se pelo abandono da filosofia da história em função da investigação histórica

pura, motivo da emergência da problemática teórica em relação à questão do empírico

na história. O que se pretendia era fazer uma história total, não de natureza filosófica,

mas empírica para se obter ao final um quadro geral da história do México ou da

constituição das civilizações ibero-americanas. Este projeto é abandonado nos anos de

1950, quando é estabelecido como parâmetro para a investigação histórica o princípio

empírico, que pressupõe a sua impossibilidade material por falta da consideração de

documentação. Em seu lugar, há um regresso ao trabalho monográfico dominante ainda

hoje na historiografia.

No que concerne à historiografia no período delimitado, estes seriam algumas de

suas características principais da “nova” historiografia revolucionária, que perpassa

tanto o antigo como o novo regime, nos anos pós-revolucionários. Essa historiografia

valoriza o trabalho de recompilação de fontes para ilustrar “cientificamente” o processo

“verdadeiro” da nação mexicana, cujo auge é o presente revolucionário, ainda que desde

os anos de 1940 já se delineiam as correntes revisionistas que ocuparão lugar de

projeção da etapa seguinte. Também é o momento em que se inicia um questionamento

de maior alcance sobre a origem e ser do mexicano em seu tempo.

Esse novo perfil teórico-metodológico é observado partir da década de 195014,

quando ocorre em larga escala a reedição de autores e obras que compunham o cerne da

tradição intelectual mexicana como também o retorno de temas considerados centrais a

discussão concernente à questão nacional mexicana: o indigenismo, a questão

14 Enumeraremos algumas das obras publicadas e reeditadas que demonstram a permanência da discussão da natureza da cultura mexicana e sua intrínseca relação com a questão nacional: AGUIRRE BELTRAN, G.. Obra polémica. México: INAH, 1976; CASO, Alfonso. Indigenismo. México: INI, 1958; CASO, Alfonso. La política indigenista en México. Métodos y resultados (1954). México: INI, 1973. 2 Vol.; CASO, Antonio. Obras Completas- IX. Discursos a la nación mexicana. El problema de la ideología nacional (1923). México: UNAM, 1976; LOMBARDO TOLEDANO, Vicente. El problema del indio. México: SEP, 1973; CASTELLANOS, A.. Discursos a la nación mexicana sobre la educación nacional (1913). Oaxaca: Sección 22 del SNTE, 1990; FLORES OLEA, V.. Socialismo y política en América Latina. Buenos Aires: Jorge Alvarez, 1966; GAMIO, Manuel. Forjando patria (1916). México: Porrúa, 1960; GONZALEZ CASANOVA, P.. La democracia en México. México: Era, 1965; ITURRIAGA, J. E.. La estructura social y cultural de México. México: FCE, 1951; MOLINA ENRIQUEZ, A.. Los grandes problemas nacionales (1909). In: Problemas agrícolas e industriales de México. Vol. 1, 1953; RAMOS, S.. El perfil del homble y la cultura en México (1934). Obras Completas I. México: UNAM, 1975; RAMOS, S.. Historia de la filosofía mexicana. México: UNAM, 1943; SILVA HERZOG, J.. Meditaciones sobre México, ensayos y notas. México: Cuadernos Americanos, 1947; URANGA, Emilio. Análisis del ser del mexicano. México: Porrúa y Obregón, 1952; VILLEGAS, A.. La filosofía de lo mexicano. México: UNAM, 1960; ZEA, Leopoldo. Conciencia y possibilidad del mexicano. México: Porrúa y Obregón, 1952.

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educacional e agrária, considerados ainda como problemas nacionais. Neste cenário,

obras de intelectuais como Alfonso Caso, Vicente Lombardo Toledano, A Molina

Enriquez, Justo Sierra, C Trejo de Tejada, Antonio Caso, Samuel Ramos, Manuel

Gamio entre outros, demonstram a perenidade do debate que acontece em torno da

definição e limites do homem, da cultura e nação mexicana.

Essas obras suscitam debates no cenário historiográfico da época e,

posteriormente, na década de 1990, ocasião da derrota política do Partido Institucional

Revolucionário (PRI) e com ele o fim do governo da Revolução Mexicana , sobre os

limites de compreensão da história mexicana impostos pela ideologia do nacionalismo

revolucionário.

Este modelo de história sofre o impacto do movimento estudantil da crise

cultural dos anos de 1960. No campo historiográfico mexicano uma nova geração

emerge. Essa geração, em sua maioria urbana, possui uma maior escolaridade que se

reflete no quadro de perguntas sobre o passado para entendimento de seu presente. O

entendimento histórico dá-se sob uma espécie de repolitização que tensionara as

instituições acadêmicas.

O contexto intelectual mexicano nos anos de 1950 e 1960 é bastante agitado, o

que provoca não só mudanças no âmbito historiográfico como no literário. A profusão

de reedições de obras historiográficas importantes sobre a história contemporânea,

como já fora mencionada, ocorre concomitante à promoção de atividades culturais que

uniram a cultura mexicana e a ocidental moderna, fato observado nos editoriais durante

a época. Em, 1948, por exemplo, Arnaldo Orfila Reynal, de nacionalidade argentina, foi

nomeado diretor do Fondo de Cultura Económica. Iniciou de imediato o

desenvolvimento de estratégias para aumentar o mercado de literatura mexicana para

disseminar obras de outras nações hispano-americanas na região e para levar a literatura

hispano-americana aos leitores europeus.

Parte deste programa, realizado em 1952, é iniciado com a série “Letras

Mexicanas”, que reeditou numerosos clássicos, além de promover a carreira de toda

uma geração nova de autores mexicanos. Esta série trouxe ao público leitor os textos

que logo seriam considerados os mais canônicos da nação: El llano em llamas y Pedro

Páramo, de Juan Rulfo; Balún Canán, de Rosário Castellano; La región más

transparente, de Carlos Fuentes; e El laberinto de la soledad, de Octavio Paz.

Paralelamente, Juan José Arreola promoveu a edição da série “los Presentes”, que

publicava obras de autores estabelecidos e desconhecidos no México e em outros países.

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A duas séries (“Letras Mexicanas” e “Los Presentes”) tornaram conhecidas muitas

obras inovadoras que empregava aspectos do modernismo anglo-saxão e do

surrealismo, cultivando uma aproximação cosmopolita da literatura mexicana

contemporânea.

Neste mesmo momento, outros centros culturais e grupos partidários do discurso

internacionalista se consolidam. Em 1951, se fundou o Centro Mexicano de Escritores.

A lista de bolsistas do Centro tem nomes como o de Juan José Arreola, Emmanuel

Carballo, Rosário Castellano, Carlos Fuentes, Elena Poniatowska e outros. Neste espaço

se estreitam os vínculos formados durante suas colaborações na UNAM, seja em

revistas ou em outros meios culturais mexicanos. São formados assim, paradigmas

literários e idéias acerca da canonicidade e também se reforça a orientação

ocidentalizante do grupo dominante.

No mesmo contexto de fomento à produção literária, com enorme repercussão

para a consolidação da infra-estrutura intelectual, é fundado por Fernando Benítez o

suplemento cultural semanal México en la cultura, editado em Novedades de 1949 até

1961. Benítez contrata como redatores os expoentes da vanguarda, intelectuais exilados

e membros da geração de jovens escritores e críticos cosmopolitas que começavam

então a consolidar a sua carreira literária.

México en la cultura ainda que se reportava sobre qualquer tema cultural que

fosse publicado na Europa ou nos Estados Unidos, a sua matéria principal era a

literatura e a atividade cultural mexicana: informava regularmente sobre o que e quem

havia sido publicado e sobre os avatares da indústria editorial mexicana, com freqüentes

análises, fragmentos e resenhas de obras novas, e entrevistas com escritores.15 O estudo

de Kristine Vanden Berghe mostra que os escritores que contribuíram com mais

freqüência para o suplemento recebiam mais promoção e publicidade do que os que não

possuíam nenhuma filiação16. Além disso, as resenhas de revistas mexicanas que

apareciam publicadas se dedicavam, principalmente, às revistas, cujos colaboradores

também contribuíam com uma freqüência regular17. Pela mesma razão, até 1965, o

15 Cf. VANDEN BERGHE, Kristine. La cultura en México (1959-1972) en dos suplementos: “México en la Cultura”, de Novedades y “La cultura en México”, de Siempre!. Dissertação de Mestrado defendida na UNAM. p. 23. 16 Ibid., p. 42. 17 Ibid., p. 51.

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Fondo de Cultura Económica recebia mais publicidade, direta ou indireta, que outros

editoriais mexicanos.18

As reportagens sobre a cultura mexicana oferecidas pelo suplemento destacavam

os desenvolvimentos cosmopolitas e vanguardistas. Isto é visto nos ensaios de Caballo,

um dos redatores mais regulares, cujas avaliações das obras, recentemente publicadas,

exemplificavam o paradigma crítico internacionalizante mencionado antes. Os seus

comentários são típicos de sua postura frente ao realismo, apesar de sempre elogiar com

entusiasmo as obras que tratavam temas mexicanos e que iniciavam um estilo inovador.

A Dirección de Difusión Cultural (DDC) da UNAM, além do México em la

cultura, se converteu em outro pólo chave do campo de produção cultural da Cidade do

México. Tal e como demonstra Vanden Berghe, muitos dos colaboradores da DDC

também escreviam artigos nos suplementos de Benítez. As atividades e publicações da

DDC se anunciavam regulares, o que representava uma forma de propaganda mútua que

concedia a UNAM mais publicidade do que qualquer outra universidade mexicana.19

A DDC pretendia levar a cultura e as artes ao público em geral20. Sob a direção

de Jaime García Terrés, entre 1953 a 1965, encontrava-se em seu apogeu, igual à revista

mensal da DDC, La Revista de la Universidad de México, onde colaboravam os

escritores mais conhecidos do México e da América hispânica da época. A filosofia

cosmopolita de García Terrés guiava a DDC e a Revista, mesmo após sua saída da

direção. Talvez se caracteriza melhor pelas suas seguintes palavras:

“Quienes determinan el ambiente literario mexicano no suelen ver con buenos ojos que alguien experimente valores crecidos en los recintos de las literaturas extranjeras. Alegan la importancia de la tradición, como si la tradición fuera un huerto cerrado, incontaminado (...). Ignoran nuestros nacionalistas que la única tradición importante es la que cada uno recrea, revive, de entre la totalidad del acervo humano (...). Hay que defender y reafirmar lo nacional, pero no en tanto que nacional, sino em tanto que humano.”21

A conjunção de uma orientação cosmopolita, de um interesse pelo mexicano e o

desejo de consolidar uma identidade transnacional foi típica de muitas revistas literárias

que surgiram nessa época. De todas elas, a Revista Mexicana de Literatura, fundada por

Fuentes e Carballo em 1955, e patrocinada por Alfonso Reyes e por Paz, foi a mais

18 Ibid. pp. 52-56. 19 Ibid., pp. 56-57. 20 Um dos projetos mais conhecidos foi a Casa del Lago, um centro cultural inaugurado em 1959 no bosque de Chapultepec.. Ver: VEJA, Ana Luisa. Casa del Lago: Un anhelo colectivo. México: Coordenación de Difusión Cultural/Dirección de Literatura (UNAM), 1988. 21 GARCÍA TERRÉS, Jaime. Nacionalismo. In: Nuestra década. La cultura contemporánea a través de mil textos I. México: Universidad Nacional Autônoma de México. Pp. 21-22.

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influente e representativa do clima de abertura cultural e de experimentação literária.

Promoveu escritores mexicanos, latino-americanos, norte-americanos e europeus de

forma igual. O rechaço do nacionalismo fechado e o tradicionalismo estético por parte

da revista são perceptíveis em seu título, uma reformulação da Revista de literatura

mexicana de Castro Leal.

Fatores externos também contribuíram para o clima propício ao cosmopolitismo.

A industrialização seguia em desenvolvimento e o presidente Adolfo López Mateos

(1958-1964) prosseguia uma agenda de comércio e de políticas internacionais. De fato,

o projeto mexicano e o movimento hispano-americano (Boom)22 tinham várias coisas

em comum:23 Fuentes foi uma figura destacada em ambos, e foi reconhecido ao mesmo

tempo no México e no exterior; José Donoso e Gabriel García Márquez viveram no

México durante os anos de 1960 e colaboraram na imprensa mexicana; as obras de

Boom foram analisadas, resenhadas promovidas pela imprensa mexicana, muitas vezes

pelos críticos literários mais conhecidos do movimento; autores do Boom foram

entrevistados nos suplementos e revistas em que colaboravam24; e editoriais mexicanos

como o Fondo de Cultura Económica e Joaquín Mortiz solicitavam e publicavam suas

obras. De fato, em 1956, os editores da Revista Mexicana de Literatura solicitaram ao

Fondo de Cultura Económica que lançasse uma série organizada para o novo campo da

literatura hispano-americana semelhante ao que “Letras Mexicanas” foi para a literatura

mexicana.

No correr dos anos de 1960, entretanto, o Estado mexicano investiu em políticas

de fomento para a difusão do nacionalismo cultural. Talvez, o aspecto mais importante

dos 50 anos de aniversário da Revolução Mexicana foi que desencadeou um forte

22 O Boom latino-americano refere-se à literatura hispano-americana publicada a partir dos anos 60 do século XX, que resultou com a difusão na Europa de autores latino-americanos. Os romances de Boom se distinguem pelas inovações técnicas na narrativa latino-americana, no desenvolvimento do realismo mágico e o real maravilhoso e introdução de inovações técnicas vanguardistas. Escritores como Gabriel García Márquez (1927-), Mario Vargas Llosa (1936-), Guillermo Cabrera Infante (1929-2005), Alejo Carpentier (1904-1980), Julio Cortazar (1914-1984), José Donoso (1924-1996) e Carlos Fuentes (1928-) são alguns representantes dessa corrente. Foi dado preferência pela “meta-literatura”, isso quer dizer, criar e discutir novas formas de escrever ficção. Esta transformação contribuiu de igual forma para o desenvolvimento da originalidade e a criatividade dos escritores, já que a invariabilidade das narrativas da época e as rígidas regras que estavam estabelecidas sobrepujaram a imaginação. O Boom é considerado um movimento já superado “supostamente”. O fenômeno do Boom explode na Espanha e projeta nomes de escritores, como é o caso de Jorge Luis Borges (1889-1996), Juan Rulfo (1917-1986), Alejo Carpentier e Miguel Ángel Astúrias (1899-1974). O outro momento que emerge depois do Boom tem sido considerado pós-boom, no qual se destacam nomes como Isabel Allende (1942-), Tomás Eloy Martinez (1934-), Laura Equivel (1950-), Luis Sepúlveda (1949-), entre outros. 23 Cf. BENEDETTI, Mario. El escritor latinoamericano y la revolución posible. Buenos Aires: Editorial Alfa, 1974. pp. 133-143. 24 VANDEN BERGHE, 1989. p. 63.

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movimento de “introspecção” nacional: “Quem somos agora?”, se perguntavam e

“como contribuiu a Revolução para as circunstâncias atuais? Por conseguinte, durante

esses anos numerosas obras de autoria de nacionalistas e cosmopolitas foram

publicadas. Elas dedicavam-se à análise do passado mexicano com o objetivo de

entender o presente.

As obras deste período apareceram como estudos acadêmicos inovadores sobre

as culturas pré-hispânicas e a própria Revolução. Outras, entretanto, contribuíram para a

criação de uma visão monolítica de nação. Enquanto os meios culturais questionavam a

“herança” da Revolução, o governo, por outro lado, a celebrava e fomentava

interpretações tradicionalistas de suas conquistas: por exemplo, o Fondo de Cultura

Económica (patrocinado pelo governo) publicou México. Cincuentas años de

Revolución (1960-1962), com um prólogo do presidente López Mateos, e em 1964, o

ex-presidente Emilio Portes Gil (1928-1930) publicou sua Autobiografia de la

Revolución Mexicana. Também em 1964 é fundado o Museo Nacional de Antropologia,

monumento oficial dedicado a uma visão tradicionalista da nação.25

No cenário acima descrito, ocorreu paralelo um desenvolvimento no âmbito

político, que se caracterizava pouco a pouco mais opressivo: os intentos para

democratizar o sistema de partido único do México, iniciados por López Mateos foi

combatido quando Gustavo Díaz Ordaz assumiu a presidência em 1964 e anulou as

eleições para prefeito em duas cidades em que haviam sido eleitos candidatos da

oposição.

O nacionalismo cada vez mais insistente do governo se traduziu em restrições à

liberdade de expressão, fato que provocou numerosos conflitos com os intelectuais. Até

esse momento, como assinala Roderic Camp26, existia muitos vínculos entre os grupos.

Os intelectuais e políticos estabeleciam amizades duradouras entre si e com seus

professores na UNAM e no Colégio de México27. Além disso, o Estado patrocinava

muitas publicações e outros projetos culturais. Em vários desses casos, o patrocínio

vinha diretamente do presidente. Também uma grande quantidade de intelectuais

renomados ocupou cargos políticos através dos anos: José Vasconcelos, Jaime Torres

25 Em relação ao Museo Nacional de Antropologia ver as seguintes obras: PAZ, Octavio. Posdata. México: Siglo XXI, 1970. pp. 150-155; CANCLINI, Nestor Garcia. Culturas híbridas: Estrategia para entrar y salir de la modernidad. México: Grijalbo, 1990. pp. 164-177. 26 CAMP, Roderic. Los intelectuales y el Estado en el México del siglo XX. México: Fondo de Cultura Económica, 1995. 27 Ibid., pp. 148-155.

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Bodet y Yáñez foram Secretários de Educação, enquanto que Reyes, Paz, García Terrés

e mais adiante Castellanos e Fuentes foram embaixadores do México.

A princípio dos anos de 1960, entretanto, esta associação começou a deteriorar-

se. O Estado passa a exercer seu poder de forma mais direta nos assuntos culturais.

Alguns limites foram impostos à autonomia dos intelectuais. Segundo analisa Robert

Pierce, os jornais e as revistas recebiam subvenções indiretas do governo por meio de

uma empresa, Productora e Importadora de Papel S.A. (PIPSA), que pertencia ao

governo e vendia papel a preços inferiores ao valor de mercado.28 Em várias ocasiões

durante os anos de 1960, a PIPSA se negou a distribuir papel para os jornais e revistas,

censurando dessa maneira a dissidência.29

O primeiro conflito aberto entre o Estado e os cosmopolitas ocorreu em

novembro de 1965, quando Díaz Ordaz Mandou exonerou Orfila Reynal da direção do

Fondo de Cultura Económica. A razão oficial alegada para a sua exoneração foi que o

mesmo era argentino e que a instituição, como símbolo das conquistas mexicanas,

deveria ser dirigida por um mexicano. O escolhido para substituir Orfila Reynal foi

Salvador Azuela, conhecido por sua filiação com os valores tradicionais mexicanos.30

Na realidade, a mudança havia sido provocada por um motivo que muitos consideravam

mais preocupante. O Fondo de Cultura Económica apoiava notoriamente a Revolução

Cubana e outros movimentos revolucionários- uma atitude que minou a sua

popularidade entre os membros do governo. Também, em 1961, o Fondo publicou

Escucha, yanqui, que defendia a Revolução Cubana de C. Wright Mills, que se

converteu em um best-seller da época.

A exonoração de Orfila Reynal e a reestruturação do Fondo iniciaram-se em

1964, quando este publicou a obra de Oscar Lewis, Los hijos de Sánchez. A obra ilustra

o sofrimento que provoca o que chama de “a cultura da pobreza”. A sua repercussão foi

grande nos círculos acadêmicos e intelectuais cosmopolitas, porém, causou indignação

entre os nacionalistas culturais. Até então pouco conhecida, a Sociedad Mexicana de

Geografia y Estadística denunciou o livro por danos à nação e à reputação internacional

desta. O motivo era que não se queria que nada pudesse comprometer a imagem do

México no momento em que este havia sido escolhido como sede das Olimpíadas de

28 PIERCE, Robert N.. Keeping the Flame: Media and Government in Latin America. New York: Hastings House, 1979. p. 109. 29 CAMP, 1995. p. 272. 30 Ver DÍAZ ARCINIEGA, Victor. Historia de la casa: Fondo de Cultura Económica (1934-1996). 2ª ed.. México: Fondo de Cultura Económica, 1994. pp. 157-158.

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1968. Não era permitido falar da miséria no México e tampouco questionar a atitude do

governo que acabara de promover um “milagre” econômico.

O Estado, até esse momento, havia tolerado as críticas publicadas durante anos

nos jornais e revistas. Porém, a publicação de Los hijos de Sánchez foi como a gota

d’água. Dado o prestígio internacional do Fondo e os seus vínculos diretos com o

governo, a sua orientação política resultou em incômoda.31 Com Azuela na direção, a

política cada vez mais se voltava para os interesses do nacionalismo tradicional. Tanto a

exoneração de Orfila Reynal quanto à mudança de orientação do Fondo foram

duramente criticadas pelos intelectuais, o que levaram muitos a abandoná-lo. Como

ocorrera antes com Benítez em México en la cultura, um grupo fiel seguiu Orfila

Reynal à casa editorial que funda no ano seguinte chamada de Siglo XX.

O golpe final, não só para os intelectuais como para a sociedade mexicana como

um todo, aconteceu em 1968 com o embate travado entre estudantes, policiais e o

exército na Plaza de Tlatelolco. O Estado louvado durante anos como a encarnação da

Revolução e agente de suas promessas,revela-se como um instrumento de opressão e

repressão. Como resultado do embate, muitos deixaram de acreditar que o Estado fosse

capaz de resolver os problemas da nação. Também ficou claro que qualquer oposição à

autoridade do regime só encontraria mais violência.

As esperanças de democratização do sistema político depois da saída de Díaz

Ordaz da presidência se desbarataram novamente com o massacre de estudantes por

grupos para-militares em 1971, no período do governo de Luis Echeverría (1970-1976).

O episódio deixou a comunidade intelectual dividida, já que Echeverría promovera

certas reformas no México e investira uma grande soma de recursos nas atividades

culturais e intelectuais. Essa política visava à reconciliação do governo com a

comunidade intelectual, relação estremecida desde os acontecimentos de 1968.

A polêmica que se instaura, alguns intelectuais se posicionam a favor do

presidente enquanto outros continuam buscando saídas independentes para o exercício

da criatividade e da crítica. Esta fissura foi o presságio do desmembramento da

comunidade intelectual em vários grupos antagônicos. A partir de 1968, o debate sobre

o nacionalismo versus cosmopolitismo e sobre a questão da mexicanidade ficou em

segundo plano. No cenário político, emerge a questão do socialismo, da revolução ou da

democracia e o papel do intelectual e sua relação com o Estado. O que permaneceu

31 Ibid., p. 141.

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constante, entretanto, foi o fato de que o debate restringiu-se a certos grupos de

intelectuais bem definidos, apesar da enorme descentralização cultural que se observa

desde então para impor sua autoridade na batalha pela hegemonia.

No campo historiográfico, especificamente, é visto durante esse período- os anos

de 1960, o regresso à história política que segue vários modelos, porém há dois autores

de destaque nesse contexto: Daniel Cosío Villegas (1898-1976) e Pablo González

Casanova (1922). Estes autores buscam reativar a crítica da história e da historiografia

no México. Também nesse momento a Revolução Mexicana se converte em um campo

central de estudo quando a história contemporânea ocupa um lugar secundário.

A Revolução alimentará o revisionismo historiográfico em detrimento do

interesse pelos estudos coloniais. Talvez isso explique que as principais contribuições

para seu esclarecimento venham de mexicanistas estrangeiros ou provenientes de outras

disciplinas contíguas como a sociologia ou a ciência política. Marca o período também

o desenvolvimento de estudos regionais e de história oral.

O tema Revolução passa a ser considerado por um viés crítico que buscou a sua

compreensão a partir da desconstrução de uma visão oficial e institucional. As leituras e

as interpretações, neste momento, baseavam-se na descrição dos meios produtivos e do

desenvolvimento econômico da sociedade mexicana. A história do México a partir de

meados do século XIX passa a ser revisitada para a corroboração das conjunturas

favoráveis ao desenvolvimento do capitalismo e sua influência no irromper da

Revolução.

Arnaldo Córdova e Adolfo Gilly aparecem como autores centrais no

encaminhamento da discussão e interpretações historiográficas a respeito da Revolução

no contexto referido, utilizando o arcabouço teórico-metodológico do marxismo em

suas investigações.

A compreensão do processo revolucionário passa ser observada pelas

contradições políticas, sociais e econômicas nas quais se desenvolvia o capitalismo.

Partindo de óticas distintas, os autores supracitados iniciam na historiografia mexicana

um movimento de revisão do processo revolucionário, que nas décadas posteriores

alcança um rigor crítico cujo alvo é desconstruir social e politicamente o “mito” do

nacionalismo revolucionário e enfatizar o resgate da tradição liberal para a sua

justificação.

Arnaldo Córdova destaca-se no cenário acadêmico por uma produção importante

para a compreensão do sistema político mexicano. Investigou nas diversas fontes

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escritas as transformações ocorridas do período porfirista e sua vinculação ao

desenvolvimento do capitalismo no México. Com esse objetivo, iniciou o estudo de

obras e reflexões de escritores do período como Andrés Molina Enríquez, Wistano Luis

Orozco, Justo Sierra, Emilio Rabasa e outros.

No conjunto de sua obra que inclui trabalhos a respeito da formação do poder

político no México, da conjuntura econômica e política e da situação do proletariado

nos anos entre 1928 a 1934, do maximato e o cardenismo, destacamos La ideologia de

la Revolución Mexicama- la formación del nuevo régimem.

La ideologia de la Revolución Mexicana é o resultado de uma ampla e

minuciosa investigação, onde mapeia as idéias liberais e o positivismo que se

instauraram no pensamento e na política do regime porfirista. Realiza um exame do

liberalismo ao populismo. Há uma defesa do passado, porém, não do passado porfirista,

senão da tradição liberal que surgiu desde a independência, as idéias democráticas, o

redescobrimento do povo, etc..

A obra La ideologia de la Revolución Mexicana é também um estudo da

ideologia do desenvolvimento nas sociedades dependentes através da composição de

um quadro de análise de três temáticas principais: desenvolvimento, dependência e

mobilidade social. As três temáticas enunciadas pautam os estudos voltados para a

observação crítica da incidência das ideologias de desenvolvimento na constituição das

relações de dependência, no papel e atuação das classes sociais e na relação campo-

cidade, espaços contrastantes no panorama político, econômico, social e cultural das

sociedades em questão.

A epígrafe da obra demonstra o contexto social e político do México na década

de 1920, expondo com notoriedade a efervescência da tensão existente nas tentativas de

afirmação e participação de grupos que margeiam a elite que domina o Estado

mexicano: os camponeses e os proletariados urbanos.

“O Estado mexicano acepta la división de la sociedad en oprimidos y opresores; pero no quiere considerarse incluído en ningún grupo. Considera necesario elevar y proteger las condiciones actuales del proletariado, hasta colocarle en situación semejante a la del capital, en la lucha de clases; pero quiere manterner intacta su libertad de accoón y su poder, sin sumarse a ninguna de la clases contendientes, para seguir siendo el fiel de la balanza, el mediador y el juez de la vida social.” (Vicente Lombardo Toledano, La libertad sindical em México, Taller Linotipográficos “La lucha”, México, 1926, pp. 84-85).

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A conjuntura social e econômica denunciada no trecho de autoria de Toledano e

o desdobramento de um processo iniciado no governo porfirista, a partir de 1870,

fomentam o desenvolvimento dos processos econômicos de ampliação da produção de

matérias-primas e a inversão de capital estrangeiro.

No México, sobre as bases construídas desde a metade do século XIX, surge a

moderna hacienda porfiriana, produtora de açúcar, algodão, ganado, henequén e café; a

economia de plantação; o desenvolvimento industrial nos setores têxteis, ferroviário,

elétrico e dá-se o auge da indústria de mineração. Em contrapartida, ocorre a crescente

proletarização e pauperização das massas.

A realidade paradoxal do Estado mexicano sob o governo porfirista e um dos

pontos centrais da análise de Córdova a respeito do processo revolucionário. Assinala a

existência de um desenvolvimento do capitalismo nitidamente sustentado pela herança

rural e pelas conseqüências na determinação dos contingentes nos espaços de produção.

Asseverando a perspectiva da realidade socio-histórica mexicana no período do governo

porfirista aos anos da Revolução, Córdova demonstra que a última significou a

resistência ao sistema de privilégios estabelecidos, por um lado, mas por outro, o

alargamento dos abismos no tecido social no momento de tentativas de implantação de

um projeto nacional da elite dominante que era indiferente à sociedade mexicana.

O problema da concentração fundiária colocava-se na primeira pauta de

reivindicações e tornava-se o que eles consideravam como um dos grandes problemas

nacionais, solapando os princípios estabelecidos pela Constituição liberal de 1857. No

cenário político, significava mais que a resistência à concentração fundiária, mas a

tentativa de abertura de espaços de atuação e reconhecimento de direitos no hermético

sistema de privilégios do porfiriato.

O autor efetua uma síntese das idéias de Francisco Madero, W. L. Orozco e

Molina Enríquez e Cabrera. Por outro lado, investiga a “outra revolução”, descrevendo

a etapa precursora da guerra civil de 1910 e descreve as principais idéias e os

movimentos do período armado. Analisa o que denomina de “revolução campesina” ,

abordando os seguintes temas: Zapata, Villa, zapatistas , villista e a perspectiva

magonista.

O trabalho de Córdova detém-se na análise da ideologia capitalista como vetor

central da Revolução. Os processos abertos pela Revolução e as tentativas das elites

políticas e econômicas direcionava-se para a efetivação de uma ordem que favorece o

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desenvolvimento capitalista e propicia a formação da organização de novas forças

políticas, cujo regime decorrente justifica-se nos ideais sociais da Revolução. Afirma:

“Por lo visto hasta aqui, resulta claro que la Revolución Mexicana estuvo lejos de ser una revolución social. Una revolución social no se limita a abolir los privilegios de un sistema dado de relaciones de propiedad y tanto menos a la sustitución de un poder político por otro. Una verdadera revolución social comienza con la toma de poder político y se realiza como tal aboliendo el sistema de propiedad preexistente e instaurando uno nuevo. Es verdad que la Revolución Mexicana trajo como consecuencia la expropriacón de algunos de los exponentes del antiguo régimem político y que con el tiempo los viejos latifundistas desaparecieron como sector de clase dominante; pero estos cambios estuvieron ligados a aspectos particulares de la lucha política y de ningún modo se dieron como propósito general da la Revolución; (...) Tal y como sucedió, la Revolución podría ser caracterizada simplemente como una revolución política que, como ocurre en el caso de todas las revoluciones políticas, tuvo efectos reformistas sobre la estructura social ( la tierra para los campesinos y derechos económicos para los trabajadores urbanos, aparte, naturalmente, pero como consecuencia de ello, de la abolición del privilegio de los grandes proprietarios ); pero esto a condición de que la Revolución hubiese instaurado un régimen político democrático, en el cual las masas trabajadoras hubieran tenido oportunidad de organizarse por su cuenta, independientemente.”32

Córdova investigando a ideologia que perpassou o processo revolucionário

mexicano refuta a retórica de um movimento majoritariamente de naturaza agrária e

democrática para um movimento das elites para a viabilização da ideologia do

desenvolvimento capitalista.

A atuação dos grupos formados concomitantemente ao processo político que

gestava-se no correr da Revolução e a permanência da idéia de atraso na consolidação

das bases concretas para o desenvolvimento capitalista fica patente na década de 1940.

O princípio da livre empresa persegue e ganha traços mais definidos na defesa da

propriedade privada, mesmo frente à necessidade de reforma agrária, tornando-se ponto

neurálgico na consolidação da política econômica dirigida pelo Estado.

O livro escolhido de Adolfo Gilly para continuação da apresentação de

abordagens críticas à temática Revolução no campo historiográfico é La revolución

interrumpida.

A edição original é de 1971 cuja reedição foi lançada em 1994 pelas Ediciones

Era no México. Esta última edição foi corrigida e ampliada e consta de dez capítulos ao

longo dos quais é discutida a história da Revolução Mexicana, suas carcterísticas e sua

dinâmica.

A versão original foi escrita durante o período de Gilly no cárcere, porém isto

não implicou em seu rigor analítico e documental. Segundo as próprias definições do

32 CÓRDOVA, Arnaldo. La ideologia de la revolución mexicana. La formación del nuevo régimen. México: Era, 1976. pp. 32-33.

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autor, o livro é um trabalho de combate político e cultural preparado fundamentalmente

para dar continuação a luta teórica do marxismo no México e na América Latina.

La revolución interrupida é sem nenhuma dúvida um importante aporte teórico e

historiográfico para poder comprender desde o marxismo à história da Revolução e suas

consequências. O potencial revolucionário dos camponeses e suas limitações de classe

aparecem ilustrados no livro, da mesma maneira que também é ilustrada a incapacidade

da burguesia para dirigir uma revolução de caráter nacional.

O esforço empreendido demonstrado nos artigos que compõem o livro visa

descontruir as idéias que predominam como caracterizadoras, sejam ideológicas e/ou

históricas. Busca estabelecer os limites e questões centrais, encarando a sua dimensão

ideológica de dominação do imaginário político, social e cultural mexicano, criador de

um fetiche aglutinador de significados e retóricas.

As narrativas que desenham, delimitam e fundam a nação, justificam,

propugnam e institucionalizam o sentido histórico dos processos pertinentes à invenção

do perfil nacional. No caso da Revolução Mexicana, as abordagens crítcas confrontam-

se com o seu significado ou significados apropriados para a legitimação de uma ordem e

vincula-se intimamente à questão do desenvolvimento capitalista.

Os ensaios em conjunto destacam dois pólos aglutinadores de interesses na

conjuntura dos processos constituintes da Revolução: os projetos políticos e econômicos

das elites regionais e locais, desenhados a partir da negociação e conciliação de

interesses internos e externos; os radicalismos reivindicatórios que representavam à

satisfação e luta para conquista dos interesses dos setores populares, que demonstravam

o distanciamento e as multiplicidades dos lugares que ocupavam.

Héctor Aguilar Carmín na apresentação da reedição trilha o caminho do

desenvolvimento de uma historiografia crítica em relação à Revolução por conta do

presente político mexicano. Ressalta criticamente os pontos que prevalecem nas

discussões, destacando em linhas gerais, nas interpretações de caráter marxista a

dificuldade ou mesmo o equívoco trazido à análise historiográfica na superação do

discurso ideológico dominante a respeito da Revolução presente na sociedade mexicana.

As análises sobre o desenvolvimento capitalista mexicano ensejadas pela “ótica

atualizadora” confrontam-se com a historiografia acumulada e distancia-se da realidade

econômica da época da Revolução. Carmín chama a atenção para a distância entre o

presente e o passado na construção histórica, atentando para a apropriação e

significação dos processos na ordem que se pretende instituir.

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39

No rigor crítico usado para a apresentação da obra de Gilly busca oferecer

instrumentos analíticos que considera importantes para a análise e compreensão

histórica da Revolução. Primeiro, reconhecer a sua apropriação e uso legitimador para a

afirmação de uma estrutura ideológica dominante que consubstancia o sentido de nação;

segundo, manter a crítica na análise da historiografia acumulada; terceiro, demonstrar a

necessidade de extrapolação na observação do processo descrito e apresentado

historiograficamente, seja pelo discurso dominante ou pela militância teórica das

correntes da esquerda ortodoxa. Em suma, sugere a ampliação das perguntas necessárias

para a compreensão orgânica dos movimentos constituintes da Revolução e não a

simplificação a recortes de fatos emblemáticos para a construção de narrativas históricas

verossímeis e correntes.

No elã das mudanças políticas na esfera institucional mexicana ocorre uma

releitura das distintas produções historiográficas e culturais realizadas durantes os anos

de propagação de uma história oficial por intelectuais mais influentes do México atual,

entre os quais destacamos Roger Bartra e um dos seus mais importantes livros, La jaula

de la melancolia: Identidad y metamorfosis del mexicano..

A obra é marcada por um profundo senso crítico na discussão e questionamento

do caráter real de qualquer definição de “mexicano” e de “nacional”, construídos no

correr das décadas posteriores à Revolução, como afirmação do discurso dominante do

Partido Institucional Revolucionário (PRI). O que entende por cultura nesse contexto da

política dominante é a tecitura de um conjunto de redes imaginárias de poder que

definem as formas de subjetividade socialmente aceitas e que só são consideradas como

a expressão elaborada da cultura nacional33.

Bartra tece uma dura crítica às conseqüências históricas, políticas, sociais,

culturais e econômicas do período pós-revolucionário. A leitura de seu trabalho leva a

compreensão das limitações da ideologia que emana da Revolução de 1910, onde mitos

e heróis da história moderna do México, como Madero, Carranza, Obregón e Calles não

aparecem como tais. A Revolução, partindo deste princípio, foi a eclosão de mitos, onde

o mais importante foi a própria Revolução.

Os mitos revolucionários não foram, como em outras nações, criados a partir de

biografias de heróis e tiranos, mas de um amálgama entre a sociedade e seus diferentes

33 Cf. BARTRA, Roger. La jaula de la melancolia. Identidad y metamorfosis del mexicano. México: Grijalbo, 1996. p. 16.

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40

setores e o próprio Estado. O mito da Revolução é um imenso espaço unificado, repleto

de símbolos que na tensão das idiossincrasias se contradizem, porém são, por outro

lado, identificados pela uniformidade da cultura nacional.

Partindo desse princípio, do que considerou nacionalismo mexicano como uma

expressão institucional e política de uma cultura dominante consolidada sobre os

discursos oficiais dos ideais revolucionários, Bartra afirma que a sociedade pós-

revolucionária mexicana produz sujeitos reflexos de sua própria cultura nacional, como

criaturas mitológicas e literárias geradas no contexto de uma subjetividade

historicamente determinada34.

Considerar esses elementos socio-históricos dos desdobramentos da

historiografia mexicana da Revolução e as identidades nacional e cultural mexicana,

permite o reconhecimento de uma tradição de pensamento que se arraiga nos discursos

intelectuais e institucionais sobre o processo de construção da narrativa historiográfica

do nacionalismo mexicano. Outro ponto da perspectiva crítica que justifica o ponto

central asseverado por Bartra é o reconhecimento na historiografia das histórias

regionais e locais que ficavam latentes à história oficial.

-1.1: A REVOLUÇÃO E OS ESTUDOS DE HISTÓRIA REGIONAL

A produção historiográfica nas primeiras décadas posteriores à Revolução

juntamente com a tentativa de consolidação de um Estado construído a partir dos

princípios revolucionários cristaliza um discurso oficial. O mesmo homogeneíza as

interpretações a respeito do movimento revolucionário e a existência de muitas

“revoluções mexicanas”, quando o dito processo com a demonstração de estudos

posteriores apresentou peculiaridades regionais de seus desdobramentos.35

Nas últimas três décadas do século XX na historiografia mexicana36 ocorreram

mudanças que ampliaram o espectro de análise do processo pós-revolucionário. Emerge

34 Ibid., p. 16. 35 Ver WASSERMAN, Mark (coord). Historia regional de la Revolución Mexicana. La província entre 1910-1929. México: CNCA, 1996. p. 11. 36 Para compreensão dos modelos historiográficos vigentes no período, além do de caráter revisionista, destaco o que pretende fazer um balanço da história mexicana na longa duração do século XX, aqui exemplificado pelo trabalho de Héctor Aguilar Camín e Lorenzo Meyer. Ver: CAMÍN, Héctor

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nesse momento no contexto historiográfico a importância dada às histórias regionais e

locais, levando a um constante processo de revisão histórica. Assim, acontecimentos e

fatos da história oficial ganham interpretação baseadas nos estudos dos arquivos estatais

e locais, como também na memória coletiva e na tradição oral.37

Esse movimento também é reflexo da conjuntura política do Estado e ampliação

em direção aos Estados mexicanos de centros de ensino e investigação, onde foram

fundados licenciaturas e programas de pós-graduação nas existentes universidades

estatais. Concomitantemente, os governos regionais iniciam projetos de apoio aos

projetos de pesquisa sobre as histórias dos Estados. Por outro lado, os arquivos

governamentais dos Estados e municípios recebem investimento para sua organização.

A observação dessas mudanças conjunturais sócio-históricas tangentes ao

crítico debate que se instaura sobre a necessidade de reinterpretarão do processo

revolucionário, onde se destaca uma literatura de viés marxista considerável, fomenta

interpretações novas sobre a Revolução.

No contexto histórico de seu acontecimento, a Revolução tornou-se tema

recorrente para justificativas políticas que visavam à legitimidade de um determinado

grupo hegemônico de poder. Essa constatação é possível quando interpretações e

análises contemporâneas apontam para uma crítica do regime político mexicano

formado a partir da difusão dos ditos ideais revolucionários.

A visibilidade e o reconhecimento da importância da história regional para o

entendimento da história mexicana tem se convertido em dos principais ramos da

historiografia mexicana contemporânea.

A ampliação dos temas e objetos de estudos junto aos debates de metodologias e

de interpretação proporciona uma produção multidisciplinar e qualitativamente

essencial para o desenvolvimento das pesquisas sobre a história do México.38 A difusão

e investimento numa visão da história nacional evidenciou o centralismo historiográfico

Aguilar/MEYER, Lorenzo. À sombra da Revolução Mexicana: História Mexicana Contemporânea, 1910-1989. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2000. 37 Para o conhecimento mais abrangente do papel da historiografia regional no México atualmente indicamos, dentre outras as seguintes obras: FLORESCANO, Enrique. El nuevo pasado mexicano. México: Cal y Arena, 2 edição, 1992; ASSAD, Carlos Martinez (coord.). Balance e perspectivas de los estudios regionales en México. México: CIIH-UNAM, 1990. 38 GILDERHUS, Mark. Many Mexico’s: Tradition and Innovation in the recent Historiography. In: Latin Americam Research Review, 22: 1,1987. pp. 205-213 / NORIEGA, Sergio Ortega. Hacia la regionalización de la historia de México. In: Estúdios de Historia Moderna y Contemporânea de México. México, num. 08,1980. pp. 9-21.

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42

que perdurou durante décadas nas instituições, no trabalho dos historiadores e nas

publicações.

O reconhecimento desse “centralismo historiográfico” nos permite afirmar a sua

vinculação a estrutura do poder institucional, defensor de uma postura contra a

possibilidade de que qualquer região do território mexicano tivesse a sua própria

história. Mesmo não havendo batalhas, a história oficial era difundida e ensinada por

meio de interpretações nacionais e oficiais.

A historiografia sobre a Revolução por décadas provocou o desinteresse

pelos estudos e temas locais e regionais, principalmente, concentrando-se nas relações

de poder do centro (Cidade do México) com as regiões periféricas, com os movimentos

sociais, com as estruturas econômicas e com os aspectos culturais.

Nos anos de 1960, como já foi dito, emerge a corrente de interpretação

regionalista, cujo interesse estudos estava assentado na negação da padronização dos

enfoques nacionalistas e oficiais da existência de muitas revoluções mexicanas, ainda

quando o dito processo teve múltiplos graus de expressão nas localidades e regiões.

O centralismo historiográfico, justificado no predomínio da estrutura de poder

institucional39, na definição e difusão de uma visão oficial de história negou qualquer

possibilidade de demonstração das peculiaridades das regiões mexicanas.

A história regional passou a ser uma das principais áreas ou correntes da

historiografia mexicana, principalmente, pela diversidade dos objetos investigativos e a

ampla gama de temas. Os trabalhos de pesquisa nos arquivos regionais e locais

significaram certo avanço na revisão de aspectos teóricos, metodológicos e de

interpretação.

O seu surgimento se dá num primeiro momento como oposição à história oficial

que exaltava heróis, batalhas e acontecimentos de caráter nacional, válidos para toda a

sociedade mexicana. A independência, a reforma, o porfiriato, a Revolução, como

efemérides da evolução histórica do país, tornaram-se momentos lineares, homogêneos

e únicos. Esse fato poderá ser observado mais adiante quando se descreve e discute o

grande empreendimento institucional para a criação de uma memória coletiva e de uma

história oficial.

39 Ver FLORESCANO, Enrique. La influência del Estado em la historiografia mexicana. In: Siempre. Suplemento la Cultura en México. México: nº. 759, 31 de agosto de 1976. pp. 4-11; ÁLVAREZ, Pablo Serrano. Por los rincones de la historia nacional de México: la historia regional y su método. In: Carlos Barros y Carlos Aguirre Rojas (coods.). Historia a debate, América Latina. Santiago de Compostela, Espanha: Historia a Debate, 1993, 241.

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43

As interpretações nacionais e oficiais da história contribuíram para a pretendida

consolidação de uma “identidade nacional” diretamente relacionada ao papel do Estado

como seu representante maior. O Estado mexicano em cada momento da história,

principalmente, a partir da segunda metade do século XIX, conduz a validade ou

negação de interpretações contrárias à realidade nacional que se pretende difundir.40

Os historiadores responsáveis pela escrita e consolidação de uma história, de

caráter oficial, estavam diretamente ligados à estrutura do Estado. Defendiam sua

postura negando qualquer possibilidade de que as regiões do território mexicano

tivessem sua própria história desvinculada dos marcos nacionalistas.

Dentre novas propostas de interpretações historiográficas emergentes

acerca da história regional destaca-se o trabalho de Luis González y González41 sobre

micro-história. Esse trabalho aliando como método a micro-história e o regional/local

tem os seguintes fatores determinantes: 1) a profissionalização dos historiadores com

novos métodos analíticos e enfoque nos centros de ensino e pesquisa mexicanos e

estrangeiros; 2) o trabalho nos arquivos nacionais, estatais e locais.42

No ano de 1968, Luiz González y González publica o livro Pueblo em vilo que

propunha como metodologia uma análise da micro-história visando romper com o cerco

das interpretações globalizantes da história mexicana. O argumento que justificava a

metodologia que apresentava em seu livro baseava-se no questionamento da maneira

única e homogênea de interpretação de todos os períodos e épocas da história mexicana.

Ressaltava a necessidade de reconhecer que a sociedade mexicana era heterogênea e

diversa; os espaços onde se constituía havia experimentado evoluções distintas e, por

isso, as histórias não estavam em concordância com a história nacional que era ensinada

nas escolas oficias ou difundidas nos livros selecionados pelo Estado.

A região, a localidade e a micro-história contava com uma ampla gama de

processos quase sempre desvinculados das interpretações globais e que não se

relacionavam com as tendências marcadas pela historiografia oficial ou nacional.

40 Cf. FLORESCANO,1976, pp. 157-158. 41 Em 1968, Luis González y González propunha uma análise, que pode ser considerada de micro-histórica, que na época rompeu metodologicamente com as interpretações vigentes no que tangia linearidade, unidade e homogeneidade da história mexicana em todos os tempos e períodos. O seu postulado principal era que a sociedade era heterogênea e diversa. Isso porque através de sua própria experiência pode observar que a história não acontecera da mesma forma em todos os lugares. A região, a localidade e o micro-histórico surgiram como um todo, de larga duração, desde quando o historiador dispusesse de uma ampla gama de processos, quase sempre desvinculado da historiografia oficial e nacional. Cf. ASSAD, 1990. 42 Op. cit., p. 159.

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44

O método da micro-história como objeto de estudo proposto para a releitura e

reinterpretação da história mexicana considerou o regional. Esta concepção representava

observar em sua totalidade o conhecimento de histórias onde era possível o

reconhecimento da formação de identidades socio-históricas, que em muitos casos não

coincidiam com as versões nacionais e oficiais. A história nacional, desse modo, era

justificada pela reunião de fragmentos diferentes entre si por sua conformação e

comportamento socio-histórico.43

Pueblo em vilo representou um divisor de águas na historiografia mexicana,

onde o discurso do regional e do local alcançou um lugar de destaque. No final dos anos

de 1960, demonstraria uma gama de acontecimentos, conjunturas, estruturas, valores e

formas de abordagem necessárias para a ampliação dos limites impostos pela

historiografia centralista e, óbvio, pelas visões gerais, nacionais e oficiais que, por outro

lado, negavam a historicidade dos espaços e sociedades micros.

Os trabalhos de Héctor Aguilar Camín44, Enrique Krause45 e outros, se

inscrevem na tendência dos estudos de Gozález y González. As suas abordagens

consideravam o regional e a forma em que as sociedades participaram ou não na luta

armada para a criação de um novo regime.

Os seus trabalhos estavam relacionados à duas circunstâncias que marcariam o

desenvolvimento da historiografia regional no México: 1) a profissionalização dos

historiadores com novos métodos analíticos e enfoques em centros de ensino e pesquisa

especializados no México ou no exterior; 2) o trabalho nos arquivos nacionais, estatais e

locais, que já nessa época recebiam apoio para sua organização.46

A descrição do processo revolucionário relacionada com a historiografia na

década de 1980 favorece a expansão da historiografia regionalista. Acontecimento que

não está desvinculado da mudança metodológica das interpretações da Revolução na

considerada historiografia oficial. Essa realidade mais uma vez é determinada pelas

seguintes circunstâncias: criação de centros de ensino e pesquisa; criação de

licenciaturas e programas de pós-graduação nas universidades do Estado; e pelo apoio

dos governos para os projetos de pesquisa sobre as histórias dos estados.

43 Ibid., pp. 168-169. 44 CAMÍN, Héctor Aguilar. La frontera nómada: Sonora y la revolución mexicana. México: Siglo XXI, 3ª ed., 1981. 45 KRAUSE, Enrique. Caudillos culturales de la revolución mexicana. México: CIEN-República de México, 1975. 46 Cf. FLORESCANO, 1976. p. 159.

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45

Os arquivos governamentais dos estados ou municípios também receberam

considerável apóio para viabilizar a organização e a abertura de seus acervos para

pesquisas. E por último, cabe destacar o avanço da metodologia histórica a partir da

interdisciplinaridade das ciências sociais, principalmente nos Estados Unidos e na

Europa. Em especial, essa questão permitiu que os historiadores mexicanos se

especializassem e aplicassem em seus objetos de estudo que fomentavam o avanço no

campo da história regional.

A característica principal da historiografia mexicana desenvolvida a partir dos

anos de 1980 foi a inserção da história regional que, sem pretensões teóricas ou de

correntes de vanguarda evidenciou que a história do México havia sido construída por

histórias, passados, identidades, baseadas na heterogeneidade e diferenciação da

expressão da sociedade.

Na periodização oficial da história foram reconhecidas as diferenças das

continuidades das sociedades regionais e a inserção de suas histórias, ainda que neste

sentido, tenha surgido uma corrente, definida como revisionista. Essa corrente valorizou

distintos períodos históricos nacionais nas regiões, estados ou localidades do país e,

cujas considerações tampouco puderam ser negadas como matéria de conhecimento ou

metodologia para a história regional. Uma de suas principais vertentes foi a

desmistificação da história que havia sido exaltada e difundida pelo Estado pós-

revolucionário, pois parte da produção historiográfica tendeu à discussão das

características que haviam assumido as temáticas da revolução e pós-revolução nas

regiões mexicanas.47

O revisionismo em relação à história regional não teve muita variação

comparada com as propostas metodológicas de Luis González y González. Os processos

regionais foram analisados e estudados à luz dos ritmos marcados pelo Estado, as

instâncias centrais e os acontecimentos nacionais. Digamos que o revisionismo

postulou, não explicitamente, que as relações centro-região representavam uma

mediação estrutural que determinava o ritmo da história regional de maneira

significativa e absoluta. Esta linha de interpretação era entendida para os estudos das

regiões nos períodos da Revolução, pós-revolução e contemporâneo, pois a influência

47Idem, p. 159.

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46

do Estado era determinante sobre todo o centralismo das histórias e processos das

regiões.48

A historiografia no correr dos anos de 1980 se converteu em uma produção

abundante e análises da evolução das pluralidades e heterogeneidades sociais, tal e

como a sociedade mexicana havia sido ao largo de sua história, desde a Colônia até o

período contemporâneo. A produção historiográfica nacional pode ser medida pelo

índice percentual de livros, artigos, fontes e compilações que tratavam de temáticas

relacionadas à história regional ou local. Essa constatação evidenciou a importância

quantitativa e qualitativa de um tipo de história que rompeu, e ao mesmo tempo,

ampliou os limites do “centralismo historiográfico” e, muito mais, preencheu lacunas e

desmistificou enfoques oficiais e nacionalistas da historiografia mexicana do século

XX.49

O que fora denominado de “centralismo historiográfico” perdurou por décadas,

concomitantemente a permanência dos governos pós-revolucionários. O “mito” da

Revolução foi incorporado à memória e a identidade nacional dominantes demonstrando

em seu cerne a contradição do ideal revolucionário: o México considerado como

“moderno” se construiu sobre a derrota dos grupos camponeses mais radicais que

participaram do processo revolucionário. Dessa forma, ocorreu a marginalização, o

afastamento e o cancelamento do projeto de nação que pudesse encarnar os mesmos

ideais dos grupos camponeses mais radicais.50

A permanência do conhecimento da Revolução visto da perspectiva dominante

reduziu os projetos alternativos ao simples “componente agrário” da mesma, o mito da

memória dominante ignora uma das causas e justificativas centrais de seu

acontecimento- a demanda da reforma agrária e o ideal de fazer justiça aos grupos de

camponeses pobres e explorados, em sua maioria formado pela população indígena.

Junto à banalização do papel da via camponesa radical do processo

revolucionário, o mito da memória nacional mexicana vigente, instaura uma versão do

movimento revolucionário de 1910-1921 onde condensa e homogeiniza todas as

diversas correntes e até mesmo os distintos e contraditórios e excludentes projetos de

48 Cf. MATUTE, Alvaro. La historiografia de la revolución, nuevos horizontes. In: La revolución en las regiones. Guadalajara/Jalisco: Universidade de Guadalajara, 1986. pp. 591-596. 49 HORCASITAS, Ricardo Pozas. De la revolución en las regiones a las regiones en revolución. In: La revolución en las regiones. Ibid.. pp. 597-605. 50 Sobre este projetos camponeses alternativos existentes no seio da Revolução, conferir as obras “La guerra secreta em México” e “Pancho Villa”, de Friederich Katz e “La revolución interrumpida”, de Adolfo Gilly.

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47

nação que estavam se propondo. Exemplo de tal realidade é o complexo e radical

projeto socialista e anarquista dos irmãos Flores Magón, considerados os simples

“precursores” do movimento de 1910.

Outro interessante exemplo é a recuperação das figuras de Francisco Villa e

Emiliano Zapata, como também as vastas comunidades camponesas, denominados de

“caudilhos agrários” e de “exércitos de camponeses”, respectivamente, de uma suposta

visão homogênea, unificada e monolítica Revolução. O discurso oficial reconhecido e

difundido sobrepõe-se às diferenças das “muitas” revoluções locais, sociais, regionais,

de classe, de objetivo e de projetos.

Na consideração do mito da memória mexicana não se deve esquecer de

assinalar que, em virtude da conjuntura geopolítica mundial do final do século XIX e

princípios do XX, o projeto de um México “civilizado” e “moderno”, imposto pelo

grupo de Sonora era o de imitar e adotar de uma maneira acrítica o modelo de

modernidade e de civilização que durante o século XX se voltou o modelo hegemônico

no Ocidente. Por outro lado, isso que dizer, a hegemonia dos Estados Unidos e seu

modelo tecnocrata.

A historiografia mexicana constitui-se como um instrumento de construção da

história e nacionalidade no México concomitante ao processo de formação institucional

que corre paralelo à consolidação ideológica do regime da Revolução. O seu

reconhecimento no século XX como uma disciplina acadêmica possibilitou uma revisão

histórica da História oficial do México e a interferência política na construção do saber

histórico junto aos intelectuais do período revolucionário que legitima o regime.

A importância da historiografia no México justifica-se no seu uso para a

corroboração da idéia da Revolução acabada, constituída como o referente imaginário

indiscutível, dado por fato, entendido e utilizado politicamente. A discussão do passado

mexicano tem um lugar central nessa historiografia e, talvez, seja um dos fatores

explicativos do porque da primazia do empírico sobre o teórico.

A Revolução como discurso tem sido completado conseguindo ligar a dispersão

de temporalidades e interpretada como ponto culminante de toda história passada e

futura. Dessa mesma maneira poderia instaura-se como uma espécie de a priori, visto

não como condição de validez de tipo de juízos, mas como condição da realidade para

um tipo de enunciados históricos.

A primeira pergunta é si com a Revolução aparece ou não um novo tipo de

historiografia. Por Revolução se entende o regime político que surge da guerra civil

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ocorrida na segunda metade do século XX, e cuja formalização em um regime político

estável- marcado pela hegemonia de um partido único que influenciou diretamente nos

modos de conformação na institucionalização da historiografia mexicana.

A Revolução como tema predominante na historiografia contemporânea

mexicana e como justificativa para a afirmação de um regime político nacionalista

imputou na formação de uma narrativa que assenta-se numa alusão ao liberalismo do

século XIX.

-1.2: O LIBERALISMO E A REVOLUÇÃO

A historiografia mexicana entre os anos de 1876 a 1940 refletiu os processos e

tentativas de constituição política, social e econômica da pretendida nação mexicana.

Abarcando distintos momentos históricos, o período é interessante para a compreensão

de uma constante tradição no México das afirmações do sentido de nacional do discurso

político dominante. Dos anos do porfiriato até a Revolução a representação oficial do

nacionalismo mexicano delineia um caminho onde dois momentos se vinculam: o

liberalismo e a própria Revolução.

Na historiografia recente são considerados como momentos fundantes que

tomaram forma durante épocas de consenso ideológico, de conflitos civis,

levantamentos sociais e heróicas resistências à intervenção estrangeira. De acordo com

o objeto de nossa investigação, dois são os momentos chaves: os anos de 1910 e de

1940, períodos de eclosão da Revolução e do desdobramento do processo

revolucionário na construção de uma ideologia dominante que prevaleceu do

nacionalismo mexicano. O recorte estabelecido não exclui um panorama do movimento

da construção da história e ideal de nacionalismo mexicano, principalmente, a partir da

segunda metade do século XIX.

As interpretações históricas destes dois momentos principais na construção da

identidade nacional mexicana apresentam divergências, mas apontam para um mesmo

ponto: a construção narrativa da história do México e a genealogia de seus fatos

políticos.

O primeiro momento é considerado a partir da derrota de Maximiliano, do

partido conservador e do exército francês para Benito Juarez que reivindicou a

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Constituição de 1857, as leis de reforma e o governo republicano. O triunfo do

liberalismo seria a segunda independência da nação mexicana. Um dos principais

objetivos políticos durante os anos seguintes as reformas foi à reconciliação política,

tanto dos antigos conservadores e defensores do império como dos grupos divergentes

dentro do partido liberal.

O presidente Juarez marcou a disposição da política conciliatória com as

propostas que levaram à ampla lei de anistia de 1870. Durante os anos que seguiram,

antigos conservadores se integraram ao grupo liberal, incluindo Manuel González, cujo

serviço como General conservador durante os três anos de guerra não o impediram de

chegar à presidência, e a Manuel Dúblan, um parente de Juarez que foi ministro das

finanças entre 1884 a 1891, apesar de ter servido ao império em Oaxaca. Concomitante

a reconciliação política surgiu o esforço de Ignácio M. Altamiro por criar uma literatura

nacional, ainda que baseada nos princípios liberais, devia aceitar escritores

anteriormente conservadores.

A reconciliação dos grupos divergentes dentro do partido liberal perdurou até a

vitória de Porfio Díaz em 1876, quando já havia o predomínio de uma literatura

nacional de caráter liberal. Em 28 de julho de 1887, ocasião do 15º aniversário de

Benito Juarez foi organizado um grande acontecimento cerimonial para celebrá-lo como

figura central da tradição liberal.

A reconciliação política se deu em um ambiente intelectual novo diretamente

influenciado pela filosofia positivista. A doutrina chave da época de Porfírio Díaz, cujos

precedentes apareceram desde 1867, foi a “política científica”, que tomava elementos

do positivismo de Comte e das experiências na França e Espanha como repúblicas

conservadoras em princípios da década de 1870.

Os defensores da política científica, dirigidos por Justo Sierra, consideravam-se

liberais “novos” ou “conservadores”, apoiando intelectualmente a contínua política de

reconciliação ideológica e grupos. No seu discurso sustentavam que o México deveria ir

mais além da negativa política revolucionária e metafísica de meados do século e

formular um programa positivo para a era moderna.

O plano da política científica era fazer a reforma constitucional para fortalecer o

governo, que por sua vez seria a base da ordem política e do progresso econômico.

Sierra e seus colegas sempre se consideraram liberais, apesar das divergências com seus

predecessores, de modo que nesta época de consenso o debate político foi predominante

no centro da instituição liberal.

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50

O segundo momento do período de consenso ideológico observado na

historiografia contemporânea é a década de 1940, considerada momento de

“institucionalização da Revolução” e lançamento de um programa de industrialização

urbana. Segundo o discurso oficial, a Revolução estava passando de sua fase agro-

índígena para a industrial. Todos seus ideais originais- a redescoberta da população

indígena como elemento central da nacionalidade mexicana, o sindicato como

instrumento de defesa do trabalhador urbano, a expropriação dos recursos do subsolo

como contrapeso do capital estrangeiro- foram subordinados às diretrizes cujas metas

eram a modernização econômica.

O variado e dominante discurso oficial da contínua revolução não omitiram seus

objetivos sociais de origem, mais somente os adaptaram ao projeto de desenvolvimento

econômico. O PRI podia conservar seus setores revolucionários básicos- agrícola,

operário e popular.

Durante os anos posteriores a 1940, semelhante ao final do século XIX, a

reconciliação tornou-se um objetivo político primordial. Villa, Zapata, Cárdenas r

Madero, Carranza e Calles foram homenageados. Inclusive depois dos acontecimentos

de outubro de 1968, o Estado revolucionário passa a incorporar, ou pelo menos, tolerar

os críticos, como Cosío Villegas e Octavio Paz, ou aqueles mais jovens da mesma

geração de Tlatelolco, como Aguilar Camín, Krause e Lorenzo Meyer. Igual o que

ocorreu durante o porfiriato, o debate político dos anos de 1940 foi vigoroso e menos

polêmico, ainda que sempre se tenha levado a cabo dentro dos amplos limites do

consenso ideológico, ou seja, no cerne da instituição “revolucionária”.

A revisão crítica que perpassa décadas e é apresentada pela historiografia, que

considera os momentos acima brevemente descritos como aqueles de consolidação dos

momentos chaves da história mexicana, também reconhece os seus pontos positivos

para a vida pública mexicana. O primeiro foi de consolidar a idéia de que em termos

sociais o México é uma nação mestiça e o segundo, a identificação política do

nacionalismo com a tradição liberal.

A concepção do México como uma nação mestiça é fruto dos anos do

porfirismo. Antes da reforma, a nacionalidade era concebida e considerada em termos

“criollos”. Entre as décadas de 1840 a1880 existia uma grande indiferença partidária em

relação à questão social e uma resistência a inquietude agrária, ainda que as guerras da

reforma obrigaram o poder dominante reconhecer o papel da mobilização popular na

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defesa do programa liberal. Dentro da exitosa campanha do Congresso para estabelecer

os princípios da educação pública obrigatória, o ponto principal foi reconhecimento que

a distinção entre as capacidades das raças em termos racionais e constitucionais seria ao

mesmo tempo alijar do âmbito nacional a raça ao que o México devia seu sangue, suas

glórias e instituições.

Outra posição similar onde é adotada uma visão positiva das raízes indígenas

nacionais é percebida no argumento que perdura a favor da colonização européia. A

evolução social do México como uma nação mestiça foi o tema central de México a

través de los siglos, de histórias de Sierras e de Los grandes problemas nacionais de

Andrés Molina Enríquez. Esta visão otimista, que basicamente assumia a assimilação da

população indígena à cultura dominante, foi inerente ao “indigenismo” de Manuel

Gamio e José Vasconcelos, perpetuada na busca do “mexicano” de Leopoldo Zea em

princípio dos anos de 1950 e proclamada oficialmente dez anos depois Praça das Tres

Culturas e no Museo de Antropología.

O segundo efeito positivo dos do liberalismo e da Revolução tem sido o de

prevenir o desenvolvimento de uma tradição política alternativa que pudesse converter-

ser em foco de nacionalismo. A política mexicana tem apresentado uma tradição

conservadora alternativa, ainda que desde a reforma não ocorresse mudanças como base

do nacionalismo.

A política mexicana tem exibido uma tradição conservadora alternativa, ainda

que desde a reforma não tem progredido como base do nacionalismo. Lucas Alamán,

um dos grandes conservadores do século XIX, segue inspirando respeito devido à sua

visão econômica, a sua habilidade política e a hostilidade sustentada a influência dos

Estados Unidos. Nos anos do porfiriato houve pouco interesse por sua figura e seus

defensores do século XX têm sido, principalmente, nomes como José Vasconcelos.

A observação do fator positivo do liberalismo e a Revolução para a consolidação

de uma tradição ideológica e política dominante, a historiografia ressalta o papel

exercido para a compreensão histórica da História oficial do México. Isso se corrobora

na forte tendência existente na tradição liberal, em menor grau fundida com a

revolucionária, de buscar os antecedentes ou justificativas para as políticas atuais. Esta

maneira de utilizar a história é comum e universal, porém no caso mexicano adquire

traços específicos.

O liberalismo do século XIX, como conjunto de idéias, tornou-se adaptável à

diversas interpretações. Esta realidade fica patente na chamada “continuidade do

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liberalismo”. Esta frase tem se destacado na moderna política mexicana graças a Jesus

Reyes Heroles, conhecido como o mais proeminente intelectual do governo nos anos de

1950 a 1970. A partir de 1954 Reyes Heroles reafirmou a validez da perpétua revolução

ao assegurar a continuidade do liberalismo. No seu entendimento, a continuidade

acontecia na herança proporcionada pelas idéias liberais à política do México

contemporâneo. Cumpre ressaltar que Reyes Heroles foi um grande estudioso das

teorias liberais do século XIX identificando em seu conjunto influências estrangeiras,

mas que eram rechaçadas pelo liberalismo mexicano por não estarem relacionadas com

a realidade mexicana.

O “liberalismo social”, um conjunto de idéias que, apesar de consideradas do

século XIX, foram finalmente inseridas na Constituição de 1917 e em outros programas

revolucionários. Para Reyes Heroles o liberalismo proporcionou a orientação ideológica

básica para a continuidade da revolução e não havia qualquer relação sua com o

profiriato. Este não representava “una continuidad [del liberalismo], sino una

sustitución y una verdadera discontinidad”51. Em sua obra de três volumes, EL

liberalismo mexicano encontra-se implícita a reafirmação da ideologia política típica

estabelecida a partir de 1910: que o profiriato foi um velho regime opressivo superado

finalmente pela Revolução.

Cosío foi outro intelectual que foi um dos defensores da idéia da continuidade do

liberalismo, porém em termos distintos de Reyes Heroles. O tema principal das histórias

de Cosío não foi predominantemente o liberalismo, mas a política do México moderno

com a qual se referia à época de 1867 a 1910.O seu trabalho apontava para a idéia de

que a história deveria cumprir um propósito público: questionar a direção da continuada

revolução oficial, não justificá-la. De fato, o que chamou “crise do México” de 1947,

afirmava que o termo “revolução” havia perdido seu sentido e que o país estava

entrando em um “neoporfiriato”. Isso significava dizer, que estava voltando a assumir as

características e muitas das prioridades da época de Díaz.

A principal preocupação de Cosío era o crescente autoritarismo dos governos

posteriores a 1940, como era representado pelo monolítico partido revolucionário. Esse

autoritarismo debilitava os poderes legislativo e judiciário. Nas suas análises era

recorrente um princípio liberal específico: a limitação da autoridade central por meio da

Constituição.

51 REYES HEROLES, Jesús. El liberalismo mexicano. México: Universidad Nacional Autônoma de México, 1957-1961, 3 vol.

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Este princípio estava presente na Constituição de 1857 e foi, de acordo com

Cosío, defendido pelos presidentes Juarez, Lerdo e Iglesias durante a República

restaurada. Apesar de derrubado no profiriato, os ideais de 1857 sobreviveram devido à

resistência da imprensa liberal e ressurgiram durante a Revolução. As idéias dos liberais

“novos” ou “conservadores” dirigidos por Sierra não eram realmente liberais, senão

simplesmente oficialistas. Assim, a continuidade do liberalismo centrava-se na tradição

constitucional e democrática de meados do século XIX, revivida em princípios da

Revolução.

O conceito de continuidade do liberalismo, tanto na apologia de Reyes Heroles

quanto na crítica de Cosío, tende a impedir a compreensão do largo intervalo entre a

heróica reforma e a heróica Revolução, época em que se forjou o mito liberal. Também

ignora ou distorce outras importantes continuidades liberais que puderam ser relevantes

para uma visão mais clara da política mexicana atual. Uma destas continuidades,

revelada através da inquisição histórica, toca no problema dos partidos políticos em

1867 e 1940.

Como é observado na historiografia, o triunfo do liberalismo em 1857 não

significou o fim dos conflitos de grupos entre os vitoriosos até que em 1877

predominou o de Díaz, e começou a reconciliação. Um dos traços do discurso político

durante o regime de Díaz foi a luta por uma “união” ou “reconstrução” do partido

liberal. Esse objetivo foi apoiado por liberais antigos e novos, pelos defensores tanto da

política científica como do liberalismo conservador ou do liberalismo clássico como

doutrinário.

O esforço despendido para a dita “união” ou “reconstrução” deu lugar a um

importante elemento retórico do programa de Sierras e seus aliados quando lançou em

1878 o jornal La Libertad. O jornal insistia em que o Partido Liberal deveria ser

convertido em um partido de governo. Defendia que como tal deveria ser capaz de

ensaiar com êxito a reorganização do país; ser profundamente conservador, mesmo

dedicado às instituições livres.

Pouco depois do regresso de Díaz à presidência em 1884, apareceu El Partido

Liberal, um jornal semi-oficial dedicado à união liberal, ocorrida com a formação da

União Liberal Nacional em 1892, para promover a terceira reeleição de Díaz. Ainda que

a União Liberal Nacional não parecesse mais que outra organização porfirista, sob a

direção de Sierra foi criado um foro para formular perguntas políticas e constitucionais

básicas. Como o indica em seu manifesto de abril de 1892, o Partido Liberal estava

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entrando em um novo período de sua história. Havia acabado a luta para defender sua

crença política frente a seus inimigos externos e internos, e por “consolidar a ordem”

frente à revoltas e revoluções. Seus “grupos diretivos” haviam se convertido em órgão

de governo. Sierra defendia, em resumo, que a partir de meados do século o Partido

Liberal por fim havia passado de um partido de revolução para um partido de governo.

O clímax do manifesto da União Liberal Nacional foi a reflexão de Sierra de que

“si la paz efectiva se há conquistado por médio de la vigorización de la autoridad, la

paz definitiva se conquistará por médio de su asimilación com la libertad”52.

Efetivamente, as palavras de Sierra foram o preâmbulo à proposta de reforma

constitucional para limitar a autoridade executiva, fazer os juízes vitalícios como

estabelecia a Constituição de 1857.

A proposta desencadeou um forte debate no Congresso e na imprensa em 1893,

onde foi chamado de “científicos”, porque estes tomavam argumentos da ciência para

justificar a reforma. Os oponentes defensores da Constituição pura foram chamados de

“jacobinos”. A posição dos “científicos” era que o Partido Liberal, como partido de

governo, deveria encontrar formas de limitar-se a si mesmo e limitar assim, a autoridade

governamental. O esforço reformista de 1893 fracassou devido, em parte, à oposição de

Díaz, ainda que os “científicos” como constitucionalistas tentassem limitar o executivo

na segunda União Liberal Nacional de 1903.

Finalmente chegamos à questão da nacionalidade, a identificação do liberalismo

do século XIX e da Revolução do século XX. Um elemento central de ambos tem sido a

defesa da nação contra a intervenção estrangeira, seja militar política ou econômica.

O nacionalismo aparece como ponto fulcral na concepção oficial da

continuidade do liberalismo, desde a insistência de Reyes Heroles. Apesar das

influências estrangeiras as ideais liberais mexicanas surgiam de sua realidade nacional

até os “dez princípios básicos do liberalismo social” do ex-presidente Salinas.

Recordemos que a lista começava com a soberania e concluía com o nacionalismo, do

qual era chamada a ideologia do PRI. Também foram demonstradas duas maneiras em

que o liberalismo e a Revolução desempenham um papel positivo na vida pública:

promovendo a idéia social e etnicamente unificante de que o México é uma nação

mestiça e constituída de um nacionalismo alternativo.

52 “Manifesta a la Nación”. Primera Convención Nacional Liberal, El Siglo XIX (26 abr. 1892).

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55

O nacionalismo no México, por outro lado, revela um problema político e quiçá

óbvio, mencionado pelo presidente Salinas em seu discurso de 1992 e cada vez mais

notório em seu período de crises econômicas e política. Salinas assegurou que o

liberalismo social mexicano definia o nacionalismo para o século XX e para o XXI,

com o qual pareceria referir-se a um tipo de nacionalismo que protegeria a soberania

mexicana à medida que o país se integra ao sistema econômico dos EUA. De modo que

o nacionalismo defendido e evocado por Salinas conserva seu sentido histórico e a

continuidade do passado, onde estaria subjacente o reforço da idéia dos “mitos

políticos” e a idéias do rápido desenvolvimento econômico. Tanto Sierra quanto Cosío

fizeram advertências que hoje deveriam ser consideradas na análise historiográfica da

tradição liberal e da Revolução.

-1.3: OS CENTENÁRIOS DA INDEPENDÊNCIA MEXICANA (191 0-1921):

CAMINHOS PARA FORJAR A HISTÓRIA E A MEMÓRIA MEXICAN A

Depois dos anos de reconstrução que seguiram a Revolução de 1910, renasceu o

projeto de fundar o Estado em suas raízes indígenas e nos valores republicanos e

nacionalistas. Com a força do Estado revolucionário observou-se um impulso de um

movimento nacionalista mais original e exitoso da América Latina, fincado na

recuperação do passado.

Inicialmente, destacamos os pontos centrais dos dois Centenários comemorados:

o primeiro pretendeu romper com o regime porfirista e todo seu ideal de nação e

história; o segundo tinha como principal objetivo, de natureza política, o

vislumbramento de novos rumos para erigir os pilares da memória coletiva do passado

no México. Desta forma, é novamente necessário redimensionar o campo de

interpretações do sentido da memória, agora destacando a sua natureza política e

cultural.

A memória pode ser considerada como registro e reconstrução, um processo que

se comunica e se herda de forma cultural e social.Quando coletiva, consolida-se a partir

de um conjunto de significados compartilhado e assumido por um grupo de pessoas. O

sociólogo Maurice Halbwachs, discípulo de Durkheim, o mais influente estudioso da

memória nas ciências sociais, defendia que a memória possuía sempre um caráter social.

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Afirma que só há uma memória, resultado da articulação social, a qual possui marcos

sociais que se podem dividir em gerais (espaço, tempo e linguagem) e específicos

(relativo a diferentes grupos sociais). Estes referentes e marcadores permitem o

estabelecimento de um sistema global de passado através do qual se pode rememorizar

de maneira individual e coletiva.

Para Halbwachs não havia uma memória que fosse individual. Como escreveu:

“(...) qualquer lembrança, por mais pessoal que seja (...) mesmo a de sentimentos que

não chegamos expressar, encontra-se relacionada com todo um conjunto de noções que

muitos de nós possuem, com pessoas, lugares, datas e formas de linguagem, com

raciocínios e idéias, quer dizer, com toda a vida material e moral das sociedades de

que fazemos parte.”53 Destacava o papel de determinados quadro sociais- como família,

o grupo profissional ou a classe social- enquanto matriz de memória.54

Para Halbwachs, a memória não era um vestígio simples do passado, algo que

resistisse à erosão da passagem do tempo, ao esquecimento.Também não constituía uma

mera reminiscência de fatos passados. Pelo contrário. Era uma construção-e uma

representação- do passado elaborada no presente.55 Pouco depois de Halbwachs ter

publicado Les Cadres Sociaux de la Mémoire, o psicólogo Frederic Bartlett defenderia

uma concepção sócio-cultural da memória com muitas afinidades à concepção deste.

Em seu entender, a recordação revelava padrões socio-culturais fundamentais de um

determinado grupo. Os costumes, instituições e tradições constituíam as tendências

persistentes de um grupo, eram o esquema social que orientava o trabalho de construção

com sucesso em matéria de recordação.56

A memória, conceito que abrange, entre outros, os significados de meio de

recordar e de mensagem (recordação), possui um caráter coletivo porque os indivíduos 53 HALBWACHS, Maurice. Les Cadres Sociaux de la Mémoire. Paris: Presses Universitaires de France, 1994. p. 38. 54 Halbwachs utilizou a expressão “memória coletiva” para se referir à memória de grupos, como a família ou a classe. Há uma discussão em torno da questão em relação ao fato de toda a memória ser social e que não significa que ela seja necessariamente coletiva. Ver: HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Centauro, 2006. 55 Op. Cit., p. 34. 56 Bartlett, que recusava ter produzido uma “teoria social da memória”, afirmava existir uma “determinação social da memória”. Criticava a noção de memória coletiva em Halbwachs, pois, segundo ele, o sociólogo francês tinha mostrado a existência de memória no grupo, isto é, que o grupo condicionava o processo de recordação- e não do grupo. Ele afirmava que isso queria dizer que o grupo tinha uma memória própria. Cf. BARTLETT, Frederic. Remembering: a Study in Experimental and Social Psychology. Cambridge: Cambridge University Press, 1932. pp. 239-314. Sobre Halbwachs especificamente nas páginas 294 a 296. Não é este o lugar para uma abordagem desenvolvida das diferenças entre ambos, que se prendem com o modo diferenciado como abordam o binômio indivíduo-sociedade, pois não estamos aqui a tratar da memória coletiva em termos gerais, mas tão só de m tipo específico de memória ligada a um tipo de identidade, no caso a nacional.

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são socializados no âmbito de conjuntos sociais, adquirindo assim, um passado inerente

à sua biografia. Para a maioria dos indivíduos, o aprendizado social inicia-se no seio da

família, para depois prosseguir em outros espaços, à medida que cresce. Como observou

Eviatar Zerubavel pertencemos a “comunidades de memória”, que podem ser de

natureza micro-social, como as famílias ou macro-social, como as nações.57

Toda memória coletiva possui dimensões discursivas e não discursivas. No que

se refere às primeiras deve-se sublinhar a importância diferenciada que tem o fato de

seu suporte ser oral ou escrito. As tradições orais constituem um sustentáculo

fundamental da transitividade mnemônica58 entre gerações, incluindo as que não

tiveram contato entre si. No entanto, a memória oral tem características próprias; não

consiste numa repetição de um conteúdo fixo, sendo este dependente do contexto e de

quem reproduz a lembrança. Não é uma memória verbatim, mas uma “reconstrução

generativa” do memorizado no âmbito de um esquema determinado.59

A escrita, pelo contrário, permite a transmissão de um “corpus”-religioso,

jurídico, literário, científico, historiográfico- formalmente inalterável. É passível de

leituras distintas, mas as suas características intrínsecas de texto colocam limites à

interpretação.

A separação entre oral e escrito, em sociedades que coexistem, pode gerar uma

disjunção extrema, nomeadamente quando o escrito público é submetido a um

monopólio por parte de um poder, que procura vela a dissidência. Nessas situações, a

construção da narrativa oficial do passado tende a impedir os registros de memórias

alternativas. No caso do México, a narrativa da história oficial construída ao longo da

segunda metade do século XIX, recorrendo à seleção de fatos históricos pertinentes aos

interesses dos grupos político e intelectual dominante, elege o liberalismo como seu

ponto central até o advento da Revolução. Nesse interregno, as narrativas da história

nacional são preenchidas de símbolos-relativos a eventos, batalhas e personagens- que

agregam valores e justificam a ordem nacional pretendida.

A circulação da narrativa nacional reveste as características de reprodução de um

discurso estruturado do passado capaz de estabelecer um fio condutor contínuo entre o

passado e o presente. As dissonâncias que possam existir em torno da valorização do

57 ZERUBAVEL, Eviatar. Time Maps: Collective Memory and the Social Shape of the Past. Chicago: The University of Chicago Press, 2003. pp. 04, 08-09. 58 Ibid., p. 06. 59 Cf. GOODY, Jack. The Interface between the Written and the Oral. Cambridge: Cambridge University Press, 1988. pp. 167-190.

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passado não se reduzem às clivagens dos grupos existentes, mas ao desenvolvimento de

uma memória pública, conformadora do confronto de elementos das visões do passado

de uma cultura oficial, ligada às autoridades, ao poder que aspira à hegemonia.

-1.4: OS CÓDICES PRÉ-HISPÂNICOS: REGISTROS DAS MEMÓRIAS

COLETIVAS DO PASSADO MEXICANO

Os códices pré-hispânicos, “exemplos de arte extraordinária” segundo Jansen60,

constituem em seu conjunto testemunhos manuscritos, pictóricos e também

pictográficos ( escritos e desenhos), cuja finalidade atribuída por muitos estudiosos e

especialistas voltava-se para o registro e comunicação.

Os desenhos supõem uma escritura pictográfica e, por nível de sistematização,

há autores que chegam a considerá-los uma escritura ideográfica. Os tlacuilos eram os

que pintavam os códices, e por isso, considerados pintores e escritores, isso devido à

idéia que pintavam desenhando. A tinta negra e roxa “es la expressión em náhualt que

signiica la sabiduría y la palabra escrita”61. Já em maia significa tanto escritura como

pintor, assim, como escrever e pintar.

A arte da pintura-escrita era ensinada nas escolas e os tlacuilos, considerados

especialistas, possuíam prestígio. Sua leitura podia ser patrimônio geral como sustenta

Galarza62 ou uma atribuição dos especialistas, tonalpouhque, aqueles que conheciam as

convenções plásticas, elaboradas a partir deles um texto e o recitavam de acordo com

sua tradição oral.

Os códices não dependiam para a sua leitura o conhecimento de uma língua

específica, o que para alguns estudiosos representava o motivo de sua produção e

difusão em uma sociedade multilíngüe. O trabalho dos tlacuilos não era considerado

somente por plasmar imagens, mais também por formar complexas mensagens com

variados significados das cenas representadas. O trabalho de compreensão e

interpretação baseava-se no reconhecimento de cada elemento- os ícones, sua posição,

tamanho e cor, que expressavam uma informação específica. Pode ser afirmado que

60 Cf. JANSEN, Marteen. Un viaje a la casa del Sol. Arqueologia Mexicana. Vol. IV, 23, 2002. 61 Cf. VALLE, Perla. Memória en imágenes de los pueblos indios. Arqueología Mexicana. Vol. VII, 38. / Códices Coloniales. Arqueologia Mexicana. Vol. IV, 23. 1999. 62 Cf. GALARZA, Joaquín. Los códices mexicanos. Arqueologia Mexicana. Vol. IV, 23, 2002.

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estes manuscritos pictóricos resguardavam um autêntico sistema de escrita e, por isso,

seria possível a sua leitura63.

Os códices registravam informação científica e cultural, crenças, ritos,

cerimônias, genealogias e história. Quando Cortés teve conhecimento deles ficou

impressionado com as informações sobre territórios inimigos e minas apresentadas por

meio de mapas pintados. Após a conquista poucos foram os códices que sobreviveram à

missão evangelizadora que os consideravam de origem diabólica64. Apesar de sua

destruição quase massiva, durante o período colonial a sua produção permaneceu, seja

reproduzindo documentos antigos ou formulados com fins particulares.

A responsabilidade pelo desaparecimento dos códices é atribuída aos

missionários, que, por outro lado, souberam valorizar a capacidade artística dos

tlacuilos, dos quais muitos se converteram em pintores de igrejas65, assimilando desta

forma as práticas européias de pintura. Também o trabalho dos tlacuilos foi utilizado

por alguns freis para a elaboração e confecção de novos códices, continuando a tradição

no que ficou conhecido como os códices vice-reinais.

Os freis, no olhar de Escalante Gonzalvo66, levaram os índios a abandonar a

monstruosidade de sua antiga arte e pintar figuras melhores e mais naturais. Essa

mudança levou o fim da linguagem pictográfica dos códices, paulatinamente,

substituída somente pela pintura, com notas escritas com caracteres latinos. Assim, os

sistemas de escrita se adaptaram às mudanças e contribuíram para a superação das

dificuldades da incorporação do castelleno.

Hoje, os especialistas e estudiosos da questão estimam a existência de mais de

500 códices coloniais67, alguns enviados para a Europa, outros guardados em arquivos

nacionais e comunidades indígenas. A maioria dos códices vice-reinais, como os pré-

hispânicos, são provenientes da área mesoamericana- Oaxaca, Guerrero, Puebla,

Tlaxcala e México, lugares onde viviam os tlacuilos.

Na colônia, a tradição dos livros pintados não se extinguiu, mas ocorreu a

mudança de materiais, objetivos e temas. Porém, não a forma de transmitir mensagens

mediantes a desenhos. Dos variados tipos de códices coloniais (calendários rituais,

63 Cf. REYES GARCÍA, Luis . Dioses y escritura pictográfica. Arqueologia Mexicana. Vol. IV, 23. 2002, pp. 25-33. 64 Op. Cit, 2002. 65 Idem, 2002. 66 ESCALANTE GONZALVO, Pablo . De la pictografia a la pintura. Arqueología Mexicana. Vol. VII, 38. 1999, p. 51. 67 VALLE, 1999, p. 1999.

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60

mapas e planos históricos e econômicos), por sua vinculação e similaridade aos murais

pré-hispânicos, diz respeito a sua consideração como meio de difusão social de

ideologias e crenças, onde podem ser destacados dois tipos: os históricos e os de

testemunho.

Os históricos foram responsáveis pelo registro das histórias locais das

comunidades indígenas ou señoríos. Os seus conteúdos remontam, quase

invariavelmente, as origens míticas e/ou os heróis fundadores; alguns códices coloniais

iniciam a história dos povos desde a sua partida dos lugares míticos e a estendiam até os

séculos XVI e XVII68.

Os testemunhos, por sua vez, correspondem ao ensino da doutrina cristã e, assim

como os murais, possui sua finalidade didática. Nos registros da época há descrições

sobre os costumes dos indígenas, principalmente os tlacuilos que conheciam o sistema

de escritura mesoamericano69, levarem os códices de testemunhos quando confessavam

com figuras e caracteres que representavam os seus pecados cometidos.

Nos estudos contemporâneos70 a aqueles que afirmam que não foram os freis

que provocaram as modificações no sentido e finalidade dos códices para atender os

objetivos da empresa colonizadora, mas os próprios tlacuilos devido ao conhecimento

dos sistemas de transcrição. As imagens dos documentos observados nos códices vice-

reinais demonstram um novo sistema misto, produto de uma evolução e de uma

concomitante degradação.

A partir do século XVI, os índios fizeram uso da escrita pictográfica como prova

legal nos tribunais espanhóis. Na colônia eles foram aceitos como provas em litígios e

trâmites. Leticia Reina71 ao estudar e descrever as rebeliões e lutas da época

independente reconhece que se seguiram o reconhecimento dos códices como prova nos

processos movidos pelas comunidades contra os despojos derivados das leis de

desarmotização, como uma das vias de apropriação das terras e reconhecimento dos

direitos comuns. Todavia, hoje são utilizados como testemunhos válidos nas disputas de

terras e seus limites.

Os códices na tradição cultural e visual mexicana representam os primeiros

meios de registros e representação do imaginário mítico da naçção. A sua utilização

68 Idem, p. 1999. 69 GALARZA, 1999. p. 35. 70 Aqui destacamos os estudos dos autores já citados como Marteen Jansen, Perlla Valle, Joaquín Galarza, Luis Reyes García e Pablo Escalante Gonzalvo. 71 REINA, Leticia. Las rebeliones campesinas en México, 1819-1909. México: Siglo XXI Editores, 1983.

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61

como instrumento de legitimação do discurso de criação da história oficial e histórica

mexicana é observada com mais nitidez a partir do século XIX.

-1.5: O PASSADO COMO FORMA DE FORJA A NAÇÃO: CONTEXTO

SOCIO-HISTÓRICO DOS CÓDICES

Iniciaremos a partir da conquista espanhola e a multiplicação das representações

do passado. A conquista territorial de México-Tenochtitlán foi seguida pela imposição

de uma concepção cristã da história, da destruição dos códices indígenas, da

implantação das formas greco-romanas, renascentistas e medievais para relatar o

passado e a aparição de novos sujeitos da história.

O tlatoani e o reino indígena foram substituídos pelo conquistador, pelas

representações da nação de Castela e pela aparição de novos atores no relato histórico-

como o cabildo, a ordem religiosa, as capitais provinciais e o reino da nova Espanha.

No que tange ao mito mesoamericano que narrava a origem do cosmo, as plantas

cultivadas, os seres humanos e o estabelecimento dos reinos, na Nova Espanha surgem

múltiplas interpretações do passado frente ao fragmentado e extenso vice-reinado.72 Em

relação à elaboração deste novo discurso Florescano comenta:

“Entre los acontecimientos que han violentado la historia mexicana, ninguno removió con tanta fuerza los fundamentos de los pueblos indígenas, ni fue tan decisivo en la formación de una nueva sociedad y de un nuevo proyecto histórico, como la conquista y la colonización españolas. Simultáneamente a esa vasta transformación de la realidad, comenzó una nueva forma de registro, selección y explicación del pasado, seguida por la intrusión de un nuevo protagonista de la acción y el relato histórico: el conquistador. La conquista eliminó al mundo indígena como sujeto de la historia e instauro un discurso histórico nuevo en casi todos los aspectos. De manera violenta y progresiva el discurso del conquistador impuso un nuevo lenguaje, le dio otro sentido al desarrollo histórico e introdujo una nueva manera de representar el pasado. El espacio americano perdió sus connotaciones indígenas tan pronto como el conquistador lo comenzó a clasificar con conceptos geográficos y cartográficos propios. Las ideas cosmológicas indígenas que ordenaban el territorio, y la organización política que permitia la explotación del espacio físico, fueron dislocadas cuando esse mismo espacio se transformo en el territorio del conquistador, vinculado a una metrópoli distante para la que representaba apenas una porción periférica, ya no el centro del mundo, como lo había sido para los indios. Desde entonces los accidentes del território, las nuevas rutas que lo cruzaban y la realción con el mundo estarían definidos por la geografia y los intereses del conquistador. Yanque la toponimia indígena logro conservarse em miles de lugares, su raiz indígena solo interesará a quienes más tarde se interroguen por el pasado, pues los mismos nombres indígenas, contaminados por la presencia

72 Cf. FLORESCANO, Enrique. Memoria Mexicana. México:Fondo de Cultura Económica, 1994, capítulo V intitulado La Conquista y la elaboración de un nuevo discurso histórico, pp. 261-320.

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del conquistador, expresaban una nueva realción con el presente. Para muchos pueblos la nueva relación con el presente se manifesto en el nombre cristiano antepuesto al indígena (...), un bautizo que transformó bruscamente sus tradiciones e identidad. Y lo mismo acurrió con la flora y la fauna; al igual que el território, fueron objeto de un proceso de descubrimiento, descripción y comparación con lo europeo que terminó en una nueva clasificación y nomenclatura que trastocó las del pensamiento nativo. (...) Los primeros cronistas oficiales de la realidad americana, y los más numerosos que escribieron sin el amparo de este título, dedicaron partes extensas de sus obras a recoger la novedad geográfica, a nombrar y clasificar mares, costas, islas, penínsulas, cordilleras, ríos, plantas y animales. Gonzalo Fernández de Oviedo, además de escribir su Sumario de la natural historia de las Indias, dedico muchos libros de su voluminosa Historia general y natural de las Indias a la descripción de la naturaleza. Lo mismo hizo Francisco López de Gómara, quien antes de tratar los temas de la conquista del Perú y de México, antepuso a su Historia general de las Indias una relación de los descubrimientos geográficos. Juan López de Velasco, el primer cosmógrafo-cronista oficial de las Indias, sistematizó esse interes por la geografia americana en un cuestionário prolijo que solicitaba informes estratégicos acerca del territorio y sus recursos. De las respuestas obtenidas con él surgió un conocimiento y una experiência que al acumularse produjeron un verdadero arsenal de datos sobre la geografia, los recursos naturales, la historia y la etnografía del Nuevo Mundo. Pero en estas obras no se encuentra una verdadera historia de la geografia o la naturaleza americanas. Con todo y el poderoso atractivo que los escenarios naturales ejercieron en los cronistas, el interés manifestado en los nuevos espacios resulto inferior al interés por la historia de los descubrimientos. En lugar de una historia de la geografia y de la naturaleza, escribieron esos escenarios espléndidos por primera vez. También se esforzaron por clasificar la pródiga naturaleza americana, con un sentido profundamente estratégico y utilitario, siguiendo los moldes científicos de la antiguidad clásica que separaban el orden natural del orden moral o social. Esta clasificación, a veces extremadamente morosa y de buena ejecución, vino a ser el inventario geográfico, la memoria y el conocimiento práctico que hicieron del conquistador y del colono europeo seres investidos de un poder real sobre el territorio. Mediante estas prácticas escriturales convirtieron lo extraño y ajeno de la naturaleza americana en una naturaleza propia, conocida.”73

O cerne desse processo de re-figuração do passado concentrava-se nas

historiografias de tradição ocidental, criadas no modelo da crônica e dominadas pelo afã

de relatar a superioridade da Espanha, as gestas de seus conquistadores e evagelizadores

e os seus logros na obra de civilização do território americano.

O número e a qualidade não garantiram a supremacia das representações

discursivas e visuais do passado elaboradas pelos cronistas oficiais da coroa espanhola

no vice-reinado.O relato que chamou a atenção dos estudiosos da reconstrução do

passado foi o que mais tarde seria chamado pelo nome de “patriotismo criollo”. Essa

denominação, uma primeira versão da historiografia nacionalista dos principais Estados

europeus do século XIX, na América foi expressa nas obras magistrais que modificaram

a interpretação do desenvolvimento histórico.74 Como demonstrou David Brading na La

crônica moralizada, del orden de San Agustín (1638) do peruano Antonio de la

73 Ibid., pp. 261-265. 74 Cf. BRADING, David. Los orígenes del nacionalismo mexicano. México: Era, 1980. /ANDRESON, Benedict. Imagined Communities. Reflections on the origin and spread of nationalism. Londres: Verso, 1991.

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Calancha e a Historia antigua de México (1780) do mexicano Xavier Clavijero,75 estas

foram as primeiras que revelaram a natureza, a história antiga e as criações culturais dos

americanos. E também promoveram entre seus leitores um sentimento de identidade e

orgulho pátrio baseado na nova interpretação do passado.

Outro elemento que pode ser considerado uma prova da existência de diferentes

representações do passado no vice-reinado é a recente interpretação dos Títulos de

Tierras produzidos pelos povos ou Repúblicas de índios da Nova Espanha entre os

séculos XVII e XVIII. Os primeiros Títulos estudados estavam na língua naua, assim

como os chamados Códices Techialoyan, copiosamente ilustrados, levantando suspeitas

de falsidade pelo caráter estereotipado de suas pinturas e por algumas alterações em

suas datas. Porém, como mostrou a análise comparada do conjunto, se tratavam de

documentos autênticos.

Os Códices Techialoyan foram produzidos pelos principais entre o povo ou

pelos representantes da comunidade ante as reiteradas exigências das autoridades que

pediam aos indígenas apresentar documentos escritos baseados nas normas legais em

exercício. Salvo as datas e os nomes de alguns personagens que figuravam como

testemunhos da fundação do povo, os dados proporcionados pelos documentos

correspondem à geografia e à circunstância histórica do lugar a que se refere.76

Agora é conhecido que estes mencionados documentos não foram produzidos no

século XVI, pois começaram a ser elaborados depois das composições de terras

iniciadas em 1643 e 1647. Além de proporcionar uma informação verídica sobre as

origens e organização de diversos povos, os Códices Techialoyan e os Títulos

primordiales apresentam-se como uma documentação imprescindível para o

conhecimento das articulações e fortalecimento da identidade dos povos e sobre os seus

modos particulares de representar o passado.77

No momento anterior ao estudo dos documentos supracitados era comum

argumentações que se baseavam na idéia que os povos indígenas haviam perdido a sua

memória histórica. Era dito que não existiam textos que mostravam sua articulação com

o passado. Entretanto, a análise cuidadosa dos Títulos nauas, purépechas, mixtecos e

mayas mostrou que os dirigentes dos povos converteram estes testemunhos em

75 Cf. BRADING, David. The first América. Cambridge: Cambridge University Press, 1991. Caps. 15 e 20 e ANDERSON, 1991. Cap. 4. 76 Cf. FLORESCANO, Enrique. Historia de las historias de la nación mexicana. México:Taurus, 2002. pp. 210-229. 77 Ibid., pp. 210-229.

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amálgama principal de sua memória histórica e referência de sua identidade. Ainda

mesmo produzidos em áreas culturais e geográficas distintas, os Títulos nauas e

purépechas, os lienzos, tiras e mapas mixtecos ou os Títulos mayas, todos se

caracterizavam pela inclusão de uma demarcação minuciosa de terras do povo, um

relato de sua origem e fundação, uma crônica dos principais sucessos ocorridos e uma

defesa de suas terras.

A existência dos chamados Títulos entre os nauas e purépecha, ou entre os

mixtecos ou mayas, provou, segundo parte dos estudos realizados, que se trata de uma

expressão cultural com raízes, conteúdo e formato comum. E a multiplicação destes

testemunhos em diferentes tradições culturais permite sustentar que estamos frente a um

artefato especialmente criado para conservar e transmitir a memória coletiva, produto da

interação entre as culturas mesoamericana e a ocidental.

A administração espanhola ao impor aos povos nativos uma nova forma de

legitimar a posse da terra, obrigou, por outro lado, estes buscarem uma gama de

dispositivos para satisfazer essa exigência. Em primeiro lugar, recorreram às suas

próprias tradições. O canto que narrava a origem dos seres humanos, a fundação do

reino, a linhagem dos governantes e os avatares dos grupos étnicos foi a pedra angular

dos povos para sustentar sua identidade e afirmar a antiguidade de suas posses

territoriais.

Uma simbiose contínua entre a tradição indígena e a ocidental é nesse momento

que forja a nova identidade dos povos. Esse novo “universo de possibilidades”

percebido pelos lienzos, mapas e Títulos das diversas regiões da Nova Espanha

ressaltou a sua capacidade para esclarecer o processo mediante aos grupos nativos para

constituírem sua nova identidade mestiça. É um processo que demonstra como

descreveram seu passado e criaram testemunhos históricos assentados em ambos os

legados, porém portadores de uma nova identidade.78

A memória registrada nos lienzos, mapas e Títulos, seja oaxaqueños, nauas ou

maya é uma memória com um fundo histórico apoiado nos remotos arquétipos da

consciência da mesoamérica, porém transformadas pela conquista e colonização

espanhola. A incorporação de elementos ocidentais foi o que levou às novas formas de

contar e transmitir o passado.79 A representação do passado que aparece nestes

78 Ibid., pp. 260-264. 79 Ibid., pp. 260-264.

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testemunhos pode ser citados como exemplos de uma comunidade comprometida como

o meio de sobreviver mediante a memória.

O período, historiograficamente considerado de maior visibilidade das tentativas

de reconstrução histórica e a representação da nação, é alcançado no século XIX quando

a formação do Estado nacional converteu a investigação e o ensino da história como

meta de seus objetivos. No livro de Josefina Vasquez80 é demonstrado que o

nacionalismo mexicano do século XIX se forjou nas aulas e se construiu ao redor das

lições de história pátria difundidas através dos livros textos. Também destacamos a obra

de Carlos Maria Bustamante81, cujo argumento analítico parte da observação da peculiar

formação do nacionalismo histórico mexicano, fundado na recuperação do antigo

passado indígena, no fervor religioso do culto à Virgem de Guadalupe e nos esforços de

construir um Estado laico, assentado nos princípios republicanos e liberais.

A obra de Bustamante mostra que a rebelião de Hildago de 1810 e a posterior

proclamação da República federal em 1824 provocaram mudança no objeto da

indagação histórica e o sentido do resgate do passado. No esforço de criar um Estado

autônomo converteu o território,o povo e as transformações da sociedade no tempo e no

centro do resgate do passado e projeto histórico. Literalmente, ficou a cargo da história

a tarefa de iluminar a origem, explicar os fundamentos e descrever os episódios da

formação da nação. A aparição deste novo sujeito, a nação, modificou o conteúdo da

narrativa histórica.

No lugar da concepção do devir histórico dominado pelos valores cristãos, a

indagação do passado começou a ser dirigida para a formação do Estado-nação. Os

antigos protagonistas do discurso histórico, o conquistador, as ordens religiosas, a Igreja

e o Estado espanhol foram substituídos pelos patriotas que combateram pela

Independência, pelos políticos que se esforçaram em dar forma ao Estado nacional,

pelos heróis da República, pelas revoluções que provocaram as mudanças políticas e

sociais e pelos mexicanos, como foi chamado adiante o conjunto diverso de indivíduos

e grupos que comporiam a população. Seguindo os passos da historiografia da

Ilustração, a mexicana se concentrou no relato da formação da nação e da identidade

80 CF. VÁSQUEZ, Josefina Zoraida. Nacionalismo y educación en México. México: El Colégio de México, 1970. 81 Cf. BUSTAMANTE, Carlos Maria de. Cuadro de la Revolución Mexicana. México: Fondo de Cultura Económica, 1985. 5 vols.

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nacional, como é descrito em México a través de los siglos82, livro coordenado por

Vicente Riva Palácio.

Justo Sierra arremata esse processo. Em Evolución política del pueblo mexicano

faz uma narração dos acontecimentos políticos que forjaram o Estado nacional. Um

relato que combina os fatos individuais com os movimentos coletivos que culminaram

com a Independência, a Reforma e a criação do Estado nacional. Neste sentido, é

preciso ressaltar que a obra de Sierra fora concebida como um romance cujo

protagonista da história, o povo mexicano em constante evolução, se enfrenta a

diferentes obstáculos.

A substituição da concepção cristã de história por uma história nacional se

realiza baixo à ação do Estado e suas instituições. O Estado é o primeiro propulsor da

história nacional, o definidor de seu perfil e o meio pelo qual se difunde nos diversos

setores sociais e nos lugares mais afastados do território nacional. Os meios que

imaginaram para alcançar estes objetivos, além do livro de história e o sistema

educativo, foram o calendário cívico e a pintura de história.

O calendário cívico que celebra as batalhas e os heróis que fundaram a nação

reconfiguram o calendário religioso que por séculos havia regido o transcurso temporal.

O livro de história substitui a Bíblia em valores, temas e personagens morais. O manual

de história se impõe como leitura obrigatória no ensino básico. Concomitante a estas

mudanças ocorreu uma revolução no âmbito das artes: o rechaçamento do tema

religioso pela valorização do laico.

Durante séculos a pintura havia sido uma expressão privilegiada da história

sagrada (a Bíblia) e dos valores morais cristãos. Uma sucessão de imagens que tinham

como propósito identificar os indivíduos com a comunidade cristã. Desde os fins do

século XVIII, a pintura dos acontecimentos que forjaram a nação alijou do cenário

público a história religiosa e divulgou uma imagem cívica, patriótica, republicana e

nacionalista.

Imediatamente depois da Independência surgiu uma iconografia dominada por

heróis, emblemas e símbolos nacionais. Entretanto, a instituição dedicada ao cultivo e a

promoção das artes plásticas, a Academia de San Carlos, fundada em 1778 pelos

Bourbons, continuava seguindo a sua origem neoclássica. Suas influentes exposições

82 RIVA PALACIO, Vicente. México a través de los siglos. México: J. Ballescá y Cia. Editores, 1884-1889. 5 vols.. Em História de las histórias de la nación mexicana, Florescano faz um estudo dos traços historiográficos que converteram a esta obra no modelo de relatos da história nacional.

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anuais, que começaram em 1849 na Cidade do México, eram uma cópia dos cânones

estabelecidos em Roma, Paris e Madri.

As exposições da segunda metade do século foram justamente criticadas por seu

conteúdo estrangeiro e a ausência de uma escola de pintura. Paradoxalmente, quem

primeiro respondeu a esta demanda nacionalista foi o arque-duque Maximiliano, quem

entre 1864 e 1867 mandou pintar os retratos dos heróis fundadores da República

(Hidalgo, Morelos, Guerrero, Iturbide...).

Logo após o triunfo de Juarez, Ignácio Manuel Altamirano, Ignácio Ramírez e

outros patriotas o interesse pela “nacionalização” das artes e das letras foi notório para a

criação de um novo espaço de reconhecimento e realização da identidade nacional.

Neste lastro de reconfiguração da esfera nacional, os esforços voltaram para o que pode

ser compreendido como o iniciar de uma “operação histórica”83 de resgate do passado.

No caso especifico do México, no momento apresentado significou: recopilar, explicar e

publicar todos os vestígios anteriores à Conquista a partir do resgate das tradições

indígenas.

A arte ampliou o seu campo de atuação na Academia de San Carlos onde era

enunciada uma escola mexicana de pintura de expressão das tradições do país e a

recordação de seus grandes momentos e personagens. Impulsionada por este intuito, a

Academia em 1869 lança uma convocatória para um concurso de pinturas históricas de

temas mexicanos. Os prêmios e o reconhecimento fariam ocorrer um conhecimento dos

principais episódios da história nacional e preservar a memória de seus homens ilustres.

As exposições promovidas pela Academia de San Carlos criaram, efetivamente,

os sedimentos de uma escola mexicana de pintura. Converteram essas exposições em

um acontecimento nacional e fizeram da obra pictórica um novo intérprete do passado.

A iniciativa de pintar quadros históricos direcionou a interpretação plástica da

antiguidade indígena, a Conquista,o vice-reinado e a história moderna.

83 A expressão utilizada tem como finalidade ressaltar o papel da historiografia contemporânea no que se refere à construção de uma narrativa historiográfica precisa dos momentos chaves da constituição de uma nova esfera política, social e cultural no México. Nesse caso nos reportamos a Michel de Certeau que em sua obra “A escrita da história”, em determinado ponto da discussão apresentada reflete sobre o papel da historiografia na legitimação do discurso de reconhecimento do passado. Para ele a historiografia leva escrita em seu nome a um paradoxo em relação de dois termos que representam uma antinomia: o real e o discurso, que por certo, não é uma condição exclusiva do ofício do historiador,mas de qualquer reconstrução do passado, seja no terreno psicoanalítico ou sociológico (p.13). Tal distinção metodológica tem um resultado importante, sobretudo quando os modos de operar da historiografia se confundem com os modos de ver, sentir,pensar do próprio historiador. A comunicação entre o passado e o presente ocorre através da mediação da linguagem, cuja historicidade determina o mundo do sentido. O que é recupera do passado determinam as condições históricas para a compreensão de uma obra histórica ou de arte.

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Nas pinturas de José Obregón (El descubrimiento del pulque, 1869) e de

Rodrigo Rodríguez ( El senado de Tlaxcala, 1875), a representação do passado pré-

hispânico experimentou uma mudança substancial. Nestas obras o indígena é o primeiro

ator da cena histórica com contornos de uma antiguidade clássica. Estas pinturas como

as esculturas de Manuel Vilar de Moctecuhzoma (1850) e Tlahuicole (1852), ou o

monumento a Cuauhtémoc (1886) de Miguel de Noreña, são as primeiras que outorgam

ao indígena um lugar de protagonista no cenário histórico e o mostra representando

valores mais altos que o de seus conquistadores.

O episódio da Conquista, o preferido na literatura e pintura do conquistador,

mudou de significado. No lugar de exaltar o poder expansivo do império espanhol ou o

gênio político de Hernán Cortés, nos lienzos de Félix Parra, Frei Bartolomeu de las

Casas (1875) e Massacre de Cholula (1877), aparece representado o caráter cruel, atroz

e sanguinário sob uma expressa e corroborada ótica determinada pelo juízo moral.

A representação do século XIX, depois da perda do território, a humilhação

militar e a guerra civil transformaram-se, através da pintura e da escultura, em um

cortejo de heróis que começava com o retrato dos libertadores, seguia com a imagem

dos homens da Reforma e era concluída com os vencedores do exército francês. A

imagem mais radiante deste desfile heróico era da pátria, transfigurada em uma mulher

mestiça, formosa e triunfal. Deste modo, a pintura histórica se afirmou como um gênero

mais viável e eloqüente que os livros.

As práticas memoriais quando vinculadas ao âmbito da questão da nacionalidade

operam por outros modos como os rituais e as comemorações. Os rituais podem ser

definidos como uma via de aprendizado e reprodução social em sociedades em que se

constitui como referente memorial. As comemorações, por outro lado, funcionam como

instrumentos para invocar o passado no presente, pontuando regularmente o calendário:

celebração dos feriados nacionais ou desempenhar o papel de fazer recordar algo, como

na estatuária ou na criação de museus.

A abordagem de um domínio tão complexo como a memória e discussão de sua

relação com a constituição de uma memória nacional leva a consideração de duas

questões: a primeira pode ser a sua consideração como corolário de experiências de vida

num espaço definido como nação;e a segunda refere-se à produção intencional de um

determinado passado como memória. No caso da questão central deste trabalho, o papel

de Manuel Gamio e Diego Rivera, na construção de parâmetros- seja de ordem

discursiva ou pictórica- para a legitimação da consolidação de uma nova ordem

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nacional, viabilizada pela Revolução, representam um dos aportes para a construção da

memória nacional e histórica.

A historiografia mexicana, principalmente, contemporânea apóia-se na discussão

da memória para interpretar a história do México tendo como principal questão a

Revolução. As discussões correntes, não apontam para uma relação de Gamio e Rivera,

porém as suas atuações compartilham o fato de contribuírem com argumentos para a

sedimentação da memória nacional. Os seus enfoques estão imbuídos pela determinação

de reconhecimento do passado como meio de interpretação do presente. Assim,

inserem-se na mecânica da escrita da história oficial do México.

Na medida em que a história se converte em um aspecto essencial da política, a

memória também é considerada como objeto da mesma, já que o domínio do futuro

passa pelo passado. Este é, em efeito, uma reserva potencial de figuras exemplares e de

prefigurações gloriosas, ainda que também é, segundo a sensibilidade histórica, uma

reação, um atraso e sobrevivência: um obstáculo na ação. É, portanto, importante

utilizá-lo seletivamente.

Partindo da discussão do conceito de memória, seja coletiva ou nacional,

exemplificaremos agora a sua importância a partir da abordagem historiográfica das

comemorações dos centenários da independência mexicana, realizadas em 1910 e 1921

para dar continuidade a nossa discussão nessa primeira parte sobre os contextos

historiográficos da Revolução e da própria historiografia mexicana.

-1.6: OS CENTENÁRIOS DA INDEPENDÊNCIA MEXICANA (191 0-1921)

No regime porfirista (1876-1910), como em outros, a memória era utilizada por

meio de comemoração política e discursos históricos, assim, como para organizar as

referências do passado em função dos imperativos do poder. A Revolução muda o

sentido do uso dessa memória autoritária cedendo lugar a uma nova que já não passaria

pelo discurso histórico, mas que abordaria o passado com os enfoques cultural,

antropológico e arqueológico.

A aparição desta nova memória coincidiu com as crises das crenças em que

repousava o projeto porfirista – capacidade de dominar e superar o passado, da

disponibilidade e previsibilidade do futuro, ou seja, a crença no progresso. Ao

abandonar o evolucionismo para adotar o relativismo cultural, a memória mexicana

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experimentou a crise da história e reencontrou, graças à antropologia e as artes

pictóricas, não só novos objetos de recordação como uma nova forma de visão histórica.

A criação desta nova história sobrepujou os prejuízos da história da pátria

forjada no século XIX – que teve seu apogeu e sua decadência no último período do

porfiriato – ao considerar o conjunto do passado mexicano por uma perspectiva nascida

do relativismo cultural. Nesse sentido, é observada uma proposta no exercício da

memória, um novo tipo de relação entre o passado e o presente, fundada já não sobre

uma temporalidade evolucionista, a priori, mas sobre dois elementos a - histórico: o

território e a população.

As duas celebrações da Independência mexicana, em 1910 e em 1921, têm

recebido a marca respectiva destes dois modelos memoriais. Constitui-se como uma

ironia da história o primeiro centenário do movimento de independência. Iniciado na

noite de 15 a 16 de setembro de 1810 com a rebelião de Hidalgo contra o poder

colonial, fora celebrado pelo velho regime autoritário e conservador de Díaz. Entretanto,

a consumação da independência, lograda graças ao acordo entre os criollos

conservadores e o último vice-rei, dá-se com a entrada do exército de as Tres Garantias

em 27 de setembro de 1821, data que fora comemorada, em 1921, pelo governo do

general Álvaro Obregón.

Em ambos os lados de confrontação entre os centenários ocorreram outras

celebrações e comemorações que foram realizadas pelo exercício da memória antes e

depois do processo revolucionário.

Em 1889, o México participou de uma exposição universal que a terceira

república francesa justapôs aos festejos do primeiro centenário do descobrimento da

América, organizada em Madri. Em 1900 esteve presente na Exposição Universal de

Paris. Em 1922, respondeu favoravelmente ao convite do Brasil para festejar o

centenário de sua independência e participou na Exposição Internacional no Rio de

Janeiro. Por último, em 1929, construiu um panteón na Exposição Ibero-Americana

realizada em Sevilha.

Agregado a série de acontecimentos, é encontrado os produtos da estatuária que

se ampliou no regime porfirista desde seu nascimento. Esta se inscreve no marco de

remodelação da cidade em torno do Paseo de la Reforma, onde estava situado a maior

parte dos monumentos comemorativos da capital. A estatuária termina com o regime

porfirista e o Estado revolucionário espera algum tempo antes de substituir a prática

monumental. O motivo não é a falta de recursos financeiros, mas justificava-se nas

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novas formas de representação da memória e da identidade mexicana, como a pintura

mural, que substitui as antigas.

As manifestações e comemorações supracitadas respondem diretamente às

circunstâncias particulares ou às novas formulações dos imperativos do poder. Estas

manifestações sucessivas do exercício da memória quase nunca constituem matérias-

primas. Pelo contrário, sua elaboração está predeterminada por modelos anteriores.

Levar em conta esta “memória dentro da memória” modifica a interpretação que o

aspecto voluntário e singular de cada uma sugere em princípio.

A longa prática de comemorar os dias 15 e 16 de setembro, cuja moda

consolidara a república restaurada e que o porfiriato canonizara, prefigura a celebração

de 1921. Sua referência implícita é a celebração do primeiro centenário da Revolução

Francesa pela Terceira República em 1889. O modelo da celebração de 1921 é a de

1910. Seus organizadores fazem de maneira oficial uma contra celebração, baseando-se

nas festas de 1910, porém com um espírito completamente novo.

Nas celebrações de 1910, variadas e faustuosas, o “desfile histórico” de 15 de

setembro se revelou como o centro de atração dos festejos públicos: assemelhava-se a

uma figuração extremamente exitosa no conjunto dos parâmetros da memória oficial.

Os festejos de 1921, improvisados por um governo novo, frágil, desprovido de

meios financeiros, resultaram pobres depois dos de 1910. O mais inusitado era a visita

do governo a Teotihuacán, onde acabava a reforma do templo de Quetzalcóatl. Também

era inusitada a organização oficial de uma exposição de artes populares, a primeira do

gênero no México.

Entre as duas celebrações surgiram novas instituições, como a Escuela

Internacional de Arqueología e Antropología, criada em 1910 e aberta em 1911 e a

Dirección de Antropología da Secretaria de Agricultura e Desarrollo, criada em 1917

por Manuel Gamio, que contribui para a renovação da memória que marcaria toda

cultura do México desde a Revolução até essa época. A atitude intelectual de Gamio se

nutria no descrédito da história para valorizar os estratos sucessivos da produção

cultural nacional desde uma perspectiva antropológica integral.

Na época do porfiriato, a história não só foi um instrumento de poder e de

construção da nação, como também a consciência histórica, ou de história,

influenciando diretamente na maneira de pensar. Não há pensamento, produção

intelectual e inspiração política que não estivessem governados pelo topoi da

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consciência do temporal na Ilustração: a crença na novidade dos tempos, na aceleração

do tempo e na disponibilidade da história.

A história era reforçada pelo evolucionismo spenceriano ou pelo darwinismo

social, que concebe os mais aptos, em virtude das leis da seleção natural, como os

vencedores da história. Dentro deste pensamento dominado pela história, as

comemorações e manifestações de identidade estavam animadas por uma tensão

permanente entre os desejos de utilizar o passado e a aspiração de ser moderno, e

colocar o México no caminho do progresso universal.

O passado, em efeito, guarda o material para forjar o patriotismo dos cidadãos,

alimenta o orgulho nacional, cultiva o espírito de sacrifício e esforço pela pátria e gera a

consciência de que a época presente é o feliz desenlace de uma evolução histórica. Dois

procedimentos historiográficos têm permitido esta utilização do passado no México

nesse período: a conversão de determinados personagens históricos em heróis e a

elaboração da história pátria para alunos das escolas primárias e secundárias.

O trabalho de criação da história pátria mexicana traduz-se em um projeto de

difusão e conhecimento de uma história monumental que tem como instrumento não só

os escritos, mais também a arquitetura pública, os monumentos, a pintura histórica e as

estátuas. Prefere à narração à outra perspectiva sobre o passado abaixo das grandes

formas: por uma parte, a cronologia e por outra, o estabelecimento de retratos

edificantes e de descrições verossímeis.

A história pátria, tal como se escreve nas obras mais elaboradas, em livros e

textos e, inclusive nos catecismos das escolas primárias, é o exemplo mais acabado de

uma história monumental, significando a existência de grandes fatos e coisas do

passado.

A história pátria limita-se neste contexto, a apresentação do passado nacional

pela sucessão de episódios de rupturas com os quais se intercalam períodos

cronológicos que se presta a descrição. Assim, o período colonial não tem autonomia

alguma a respeito do relato da conquista e das guerras de independência.

A Evolución política del pueblo mexicano, de Justo Sierra é um exemplo de

história monumental. A limitação não é menos tangente no que se refere à seleção de

heróis nacionais: necessariamente pertencem ao período colonial; são recrutados entre

os chefes indígenas que lutam contra Cortés, os da Reforma e os da Guerra de

Intervenção. Dentre os heróis valorizados pelo regime, Cuauhtémoc, o último imperador

dos astecas, executados pelos espanhóis, é o exemplo insuperável de abnegação

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histórica. Só um ano depois de sua chegada ao poder, Díaz ordenou a realização de um

monumento que constituiria um dos símbolos da decoração comemorativa do Paseo de

la Reforma.

O governo também encomendou a Antonio Peñafiel84, historiador das

antiguidades nacionais, a tarefa de inspirar os trabalhos do arquiteto que desenhou o

pavilhão mexicano da Exposição Universal de 1889, colocado baixo ao duplo signo da

história e do progresso técnico. Desta colaboração nasceu um edifício construído com

base no estilo asteca. Uma construção de estilo nacional, em cuja decoração exterior

foram colocadas seis grandes figuras para personificar os acontecimentos fundamentais

da história mexicana antiga: o começo e o fim da nacionalidade e da autonomia das

tribos astecas; o começo de sua existência e o fim de seu período histórico com a

conquista de Cortés.

O texto explicativo do edifício é uma narração da história asteca com edificantes

retratos das grandes figuras da tribo. Entre eles, o rei Itzcóatl é objeto de atenção. Está

representado como um caudilho providencial, no qual se reconhece sem dificuldade o

modelo contemporâneo que cita em seu relato de Peñafiel. Este descrevia as tribos

mexicanas como afastadas, porém oprimidas pelos pueblos e reinos vizinhos que

pagavam um tributo para salvar a tribo . Para salvar a tribo se recorria a um político ou

militar que enfrentava os inimigos que ameaçavam as bases da nacionalidade.

O rei Itzcóalt é quem faz do povo uma legião poderosa, pois representa treze

anos de um governo paternal, sábio e provisor. Também é reconhecido pelos 30 anos

como general do exército e ano como libertador de seu povo. É difícil não observar

nesta conduta laudatória a conversão em herói do mesmo Díaz, general vitorioso das

forças contra a intervenção francesa e artífice do restabelecimento da paz civil e do

crédito mexicano no exterior. Sob uma outra forma, a criação de heróis ou da história

pátria, a história no período porfirista destina-se, em princípio, incentivar o patriotismo,

cujo objetivo voltava-se para a glorificação do próprio regime personificado por Díaz.

No sentido de consolidação de uma memória histórica e nacional, não é casual a

prática da celebração dos heróis que no final do século XIX passam a ser representados

pelas estátuas dos caudilhos regionais enviadas para cada estado para serem colocadas

no Paseo de la Reforma.

84 Ver PEÑAFIEL, Antonio. Cidades coloniales y capitales de la Republica Mexicana. México: Secretaría de Fomento, 1909. e idem., Princípios de la epoca colonial: de strucción del templos mayor de México antiguo y los monumentos encontrados en la ciudad, en las escavaciones de 1897 y 1902. México: Secretaría de Fomento, 1910.

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Junto a uma simbologia nacional começa a construção de monumentos que

exaltam indivíduos que se destacaram tanto no plano militar quanto político. O nacional

e o patriótico encontram seu melhor símbolo nas figuras dos caudilhos. O processo de

sacralização em benefício do poder pessoal de Díaz culmina com a construção em 1910

do Hemiciclo a Benito Juárez. Homenagem com duplo sentido: a comemoração do

nome Juárez como forma de exaltar o nome de Díaz.

A figura de Juárez foi com o tempo convertida em o herói da Reforma e do

México moderno. O que o regime de Díaz cada vez mais buscava era criar meios para

tornar verossímil a identificação e ser considerando como seu legítimo sucessor. Assim,

a inauguração das festas do Centenário fundiu os nomes gloriosos do grande Reformista

e do ilustre caudilho.

Neste contexto, em que os grandes heróis nacionais servem tanto para a

edificação dos cidadãos como para a glorificação, por analogia do caudilho, os destinos

reservados aos primeiros insurgentes, Hidalgo, Morelos e seus companheiros de armas

mantém um lugar a parte. Não é desprezado o seu valor no combate, servindo ao

primeiro objetivo e seus fracassos finais e o peso do caráter extremamente destruidor e

anárquico de sua ação histórica não permitiu identificação alguma com Díaz. Também a

sua lembrança era honrada muito marginalmente pelo regime. Em 1888, o único

monumento em memória de Hidalgo era um velho busto esquecido em uma pequena

praça da capital.

Nos festejos anuais de 15 e 16 de setembro, quando o Presidente da República

clama a independência, era evitado cuidadosamente, na época porfirista, evocar

diretamente a lembrança dos insurgentes. O esquecimento não era total, porém, a

recordação era feita a partir de uma série de objetos que denotavam e representavam à

qualidade dos heróis.

Em 1895, ano do 85º aniversário da independência, os heróis de Hidalgo,

Morelos e muitos outros insurgentes se transferiram da cripta da catedral do México,

onde estavam desde 1823, para uma de cristal construída na capela de São José.

No ano seguinte a campanha do povo de Dolores, a que Hidalgo utilizou para

lançar seu grito de reunião foi transportada com grande custo para o México. A sua

instalação provocou a organização de uma grande procissão cívica de apego ao regime.

No Centenário de 1910, a memória dos insurgentes já não seria lembrada de maneira

diferente. Foi depositado no Museo Nacional, lugar de memória antiquária por

excelência, as fontes batismais de Hidalgo, reunidas com as vestimentas de Morelos

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devolvidas pela Espanha. Não foi consagrado nenhum monumento aos insurgentes

quando o governo inaugurou, sobre o Paseo de la Reforma, a coluna da independência.

A única cerimônia dedicada a sua memória foi realizada em 06 de outubro, após o final

das grandes festas.

Hegemônica na época porfiriana, o que se chamou de história monumental, está

ao lado de outras formas de história, sobretudo a antiquária. Eruditos como Orozco y

Berra García Icazbalceta, Del Paso y Troncoso y González Obregón, dado que

cultivavam as antiguidades pré-hispânicas aos costumes coloniais no sentido de criação

de uma tradição.

A história antiquária progredia como forma de erudição concomitante ao

nascimento de uma arqueologia tradicional que se voltava para a criação de

monumentos.85 A sua utilidade justificava-se, por outro lado, pela valorização da

produção artística dos povos pré-hispânicos, conferindo a esta a qualidade de

“civilizado”. A Junta Colombina do México, composta de historiadores, se encarregaria

de formar uma importante coleção de antiguidades para a ocasião do IV Centenário do

Descobrimento, cujo objetivo era a representação das principais raças e nacionalidades

antigas.

A Junta realizou uma verdadeira reunião de objetos antigos em todas as regiões

da República e publicou um grande livro com reproduções dos códices e comentários

evocando a questão da erudição e patriotismo. No lastro das comemorações, o governo

manda edificar, sobre a Reforma, o monumento a Colombo. Deste modo, procurava-se

evitar o juramento de fidelidade à antiga potência colonial e se revalorizava, pelo

contrário, a boa recordação das antiguidades nacionais.

O outro extremo da memória historiográfica era a história crítica praticada por

certos científicos, como Francisco Bulnes. O trabalho de Bulnes baseava-se na

validação conservadora do sistema político porfirista. Em sua obra El verdadero Juárez

critica a obra política e as virtudes patrióticas do herói da Reforma, o que gerou

polêmica e ocasionou uma resposta da história monumental: a biografia de Juárez por

Sierra, científico de razão ainda que liberal de coração.

À exceção dos historiadores antiquários, os profissionais da memória porfirista,

acreditavam que o tempo atual, momento legítimo da história posterior à Reforma,

significava a abertura de novos tempos. O discurso que afirmava que o tempo está

85 Cf. BERNAL, Ignácio. La arqueologia de México: historiadores y viajeros entre 1825 y 1880. pp. 88-108.

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disponível e a nova história nacional está por ser escrita, justificava o ideal de progresso

defendido pelo regime e também demonstrava os signos da ambigüidade que a

identidade nacional se definia pelo domínio da modernidade.

A evolução dos festejos de 15 e 16 de setembro refletia o mesmo desejo de

modernidade. Cada celebração anual era ocasião de introduzir alguma novidade. Um

exemplo foi a importância da eletricidade para a iluminação do Zócalo e das ruas que

conduziam ao mesmo; no final do século XIX foram aprovados contratos para a criação

de um sistema permanente de iluminação do palácio municipal e da catedral. O que o

regime fomentava a cada ano era a participação dos alunos na procissão cívica do

desfile da tarde de 15 de setembro e os festejos particulares organizados. O que

corroborava esse discurso era a crença que nos países cultos a infância desfrutava de

cuidados e privilégios próprios, onde se mirava na geração do futuro.

A constatada na dicotomia existente entre a presença do passado no presente e

sua importância para sua perenidade no futuro foram o fulcro da celebração do

Centenário de 1910, mesmo recebendo forte influência do modelo de 1889. A

associação da comemoração histórica e da celebração do progresso, já observada na

prática das festas cívicas mexicanas anteriores a 1910, se tornou um dos êxitos do

Centenário de 1889 na França.

A imitação era demonstrada e identificada facilmente na concepção do conjunto

das celebrações de 1910, e por outro motivo de importância política- o interesse do

governo dar uma visibilidade internacional aos festejos a partir de uma operação

diplomática das suas embaixadas nas grandes potências da época.

O que ficava patente no interesse existente na celebração de 1910 era o desejo de

deixar uma recordação da comemoração na inauguração de monumentos e edifícios que

transformariam a paisagem urbana. Também, por outro lado, a iniciativa de reafirmar a

relação da educação com os festejos, como ocorrera em 1889 na França, onde os futuros

cidadãos, com um excepcional exercício de memória nacional, deveriam reconhecer a

celebração como ponto central da tentativa de recordar a liberdade conquistada e os

esforços do regime para o desenvolvimento do progresso do saber e da ciência.

Isso fica evidente no Congresso Nacional de Educação Primária e nos

numerosos congressos realizados em setembro e na reconstituição da Universidad

Nacional, por Sierra, e na construção de um novo anfiteatro da Escuela Nacional

Preparatoria, o que para muitos foi um eco da influência da inauguração dos edifícios

da Sorbone. Tampouco, faltou em 1910 a organização do Primeiro Congresso Nacional

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de Estudantes, modesta réplica do Congresso Internacional realizado em Paris em 1889.

Em relação com o original, as distorções e inovações foram evidentemente numerosas: a

celebração comemorativa não foi uma estrutura vazia indiferente aos princípios

universais e às festividades realizadas. O seu lastro era a memória nacional posta em dia

nas décadas precedentes.

A celebração de 1910 leva à afirmação da história monumental como forma de

memória do passado auxiliada pela história antiquária. O Centenário não abriu o debate

sobre a independência e como se sabe, não voltou o foco das celebrações para Hidalgo y

Morelos. Encarregado por Díaz de publicar para a comemoração uma coleção de fontes

sobre a época da independência, Genaro García, diretor do Museo Nacional, selecionou

os documentos indistintamente entre os mais importantes que diziam respeito então aos

insurretos e realistas., o que gerou discussão. Tratavam-se unicamente, segundo Garcia,

de indagar a verdade e dize-la serenamente, já que é assim como a História, longe de

divulgar o engano, render culto a falsos ídolos e se habituar a injustiça, institui

sanamente, demoli funestos altares e fará amavelmente a equidade.

A reorganização do Museo Nacional de Arqueología, Historia e Etnologia,

planejada para o Centenário, é um dos principais exemplos do modelo da história

monumental: possui uma grande sala de monólitos arqueológicos, onde se

concentrariam os achados efetuados desde o final do século XVIII.

Entre os grandes momentos da comemoração, o desfile histórico de 15 de

setembro é o que melhor pode ser exemplificado como elemento representante das

memórias histórias e políticas desejadas para a perpetuação do regime. De acordo com a

opinião dos organizadores, as festividades demandaram uma maior preparação devido

ao ideal que se apresentava: a escolha das melhores cenas históricas. A seleção final não

deixa de ser surpreendente. Foram construídos três cenários, onde centenas de atores

vestidos de acordo com os seus papéis, representavam momentos da história nacional: a

conquista, o vice-reinado e independência.

A primeira cena, representava o encontro do imperador Montezuma, rodeado de

membros da nobreza asteca, seus guerreiros e sacerdotes com Hernán Cortés,

acompanhado de soldados espanhóis, guerreiros tlaxcaltecas e sacerdotes. Na segunda,

era reproduzida a procissão do estandarte real do vice-reinado e na terceira, o que

despertou a atenção, foi a não representação da insurreição de 1810, mas a entrada no

México do exército das Tres Garantias dirigido pelo general Iturbide, rodeado dos

insurgentes incorporados no Plano de Iguala.

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O preferido, em lugar das hordas andrajosas conduzidas por Hidalgo, foram os

soldados de um exército profissional marchando de uniforme, ainda que a intenção do

Centenário era comemorar a rebelião. Diante disso ocorre uma falha na concepção do

espetáculo: os organizadores associaram uma mensagem política, de caráter notório, em

uma figura muito realista que excluía a alegoria.

A eleição dos momentos históricos foi deliberada de forma diretamente

relacionada, levando em conta os imperativos da festividade, com o objetivo de

apresentar a animação desfile por desfile. A erudição dos antiquários contribuiu para a

reprodução verossímil das vestimentas e da etiqueta da época. Porém, as cenas eleitas,

onde o realismo excluía a representação dos princípios abstratos, revelou muito mais

que o gosto antiquário pela reconstituição histórica.

O que se pretendia era representar cruamente, imutável apesar das mudanças de

época, o poder em torno da figura de um chefe: o poder militar vencedor, seja o de

Iturbide e de Cortés; o poder civil santificado do imperador indígena e o do rei da

Espanha. Dessa forma, não havia espaço nem para os primeiros insurgentes, Hidalgo e

Morelos- que não exerceram o poder e também para representações da liberdade, da

República e da nação.

Em 1910, a memória histórica do governo de Díaz demonstrou um poder

piramidal e corporativo encarnado num caudilho, enquanto que a memória propriamente

política, fundada nos princípios teóricos do regime, república e liberdade, se

expressaram na apreciação das elites regionais.

As festas cívicas do Centenário ilustram o mesmo modelo corporativo. As

procissões, as homenagens aos heróis, o juramento à bandeira (único símbolo da

liberdade nacional nas celebrações, e também o único mantido para impedir o

estabelecimento de uma relação mais direta entre os cidadãos e o caudilho),

organizavam a participação dos cidadãos segundo sua pertinência às sociedades

mutualistas, associações de empregados, escolas, etc.

O centenário de 1889 da França, que foi sem dúvida uma potente fonte de

inspiração manifesta do regime porfirista, proporciona um valioso elemento de

comparação para analisar qual foi a especificidade da celebração mexicana.

A diferença dos republicanos franceses, que conseguiram com a comemoração

revolucionária, dar a seu regime um verdadeiro lugar de memória sob a forma de uma

tradição republicana moderada e consensual que integra Estado, sociedade e nação em

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uma síntese patriótica86, os porfiristas descuidaram na celebração dos princípios em

proveito de dar aos homens e aos acontecimentos que simbolizaram uma forte poder

pessoal.

Essa realidade é evidenciada e corroborada na exclusão da comemoração de uma

parte de autores da independência nacional, onde se privilegiou a celebração de uma

tradição nacional do poder que não tem nada de republicano e universal.

A loucura que se apoderou do regime porfirista nos anos anteriores ao

Centenário ilustrou a contribuição específica do México no imperativo da celebração do

modernismo. O destino dos novos edifícios públicos indicava o desejo de uma

modernidade de prestígio (construção do Palacio de Bellas Artes ou da Secretaría de

Comunicaciones), dentre outras, um utilitarismo pragmático e autoritário que se situava

na abertura da prisão de Lecumberri, no princípio do século.

O primeiro dia das comemorações foi marcado pela inauguração de uma das

grandes realizações do regime, o Asilo Geral, que colocava o México, em matéria de

alienação, a altura dos países mais avançados: os 24 edifícios do asilo organizavam o

mundo da loucura a imagem de uma sociedade vigiada onde cada um ocupava um lugar

segundo sua patologia e sua classe.

Os trabalhos de ampliação da penitenciária do Distrito Federal destinavam-se a

garantia de conter o avanço da criminalidade e a colocação da primeira pedra de uma

“prisão geral” manifestavam, tanto como nas procissões corporativas, a obsessão pela

ordem e a regulamentação dos cidadãos desviados. Tudo isso representava a contradição

ao que era demonstrado na sacralização da educação e do saber, celebrada também

como portadora do futuro, ilustrada pela inauguração de novas escolas no Distrito

Federal durante todo mês de setembro.

O que aqui se pretende apresentar e discutir relaciona-se com a importância da

preservação da memória, seja coletiva e/ou compartilhada, como demonstrada no tópico

anterior para a esfera pública na realização de comemorações e reformulação do espaço

urbano. A interpretação das duas comemorações da independência, celebradas no início

do século XX, no correr dos anos de lutas revolucionárias, são importantes para uma

compreensão maior do que depois é expressa na Antropologia Cultural e na pintura

mural.

86 NORA, Pierre. Les lieux de mémoire. I- La Republique. Commémorations. Paris: Gallimard, 1984. p. 654.

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PARTE 2: A MEMÓRIA HISTÓRICA: MANUEL GAMIO E DIEGO RIVERA

NAS VEREDAS DA REVOLUÇÃO PARA FORJAR UMA NAÇÃO

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Nesta parte do trabalho discutiremos a constituição da memória histórica da

história contemporânea do México ressaltando a sua eficácia na constituição da nação

moderna mexicana. A abordagem da questão enunciada leva à consideração de temas

que são imprescindíveis para a observação do protagonismo de Manuel Gamio e Diego

Rivera na definição de parâmetros histórico-culturais dos projetos nacionais do período

pós-revolucionário, como: a definição de campo intelectual a partir da observação dos

papéis e atuações da intelectualidade na discussão das questões nacionais; a influência

dos trabalhos de Gamio e Rivera e seus contextos socio-culturais e a formação da idéia

de patrimônio cultural da nação mexicana.

Demonstrado na parte anterior o longo e diversificado debate historiográfico

sobre a Revolução e a trajetória da consolidação de uma memória e história nacional do

México, partiremos agora para o desdobramento de algumas questões inerentes ao

processo descrito.

No panorama da historiografia mexicana do século XX, a questão nacional é

recorrentemente mencionada como um dos pontos relacionados à Revolução. Porém,

não é aprofundado o debate sobre a sua natureza conceitual que, pelo que parece, está

intrinsecamente presente na questão da memória. Numa tentativa de desvincular os dois

conceitos para uma maior compreensão do processo de constituição da nação e da

nacionalidade, faremos uma breve apresentação da literatura clássica sobre o assunto e

de seus autores, para posteriormente, observar a sua relação na construção de uma

memória histórica no México e na historiografia mexicana contemporânea.

-2.1: A QUESTÃO NACIONAL COMO PROBLEMA HISTÓRICO E

HISTORIOGRÁFICO

O primeiro aspecto a ser destacado para uma revisão do conceito da questão

nacional pode ser o exposto por Benedict Anderson em seu livro Comunidades

Imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo, cujo subtítulo nos

remete ao estudo da origem e difusão do nacionalismo.

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Para Anderson “a nacionalidade é o valor mais universalmente legítimo na vida

política de nosso tempo”.87 Essa afirmação se opõe a corrente que, por outro lado, nega

a existência de uma teoria científica da nação, ainda que considerado que este fenômeno

tenha existido e existe como tal. Para o marxismo, a corrente de pensamento que mais

tem se dedicado ao estudo do tema, se trata praticamente de um fracasso na elaboração

de uma teoria do nacionalismo. Por outro lado, é encontrada suficiente evidência

empírica de que a partir da 2ª Guerra Mundial “toda revolução triunfante é definida em

termos nacionais. E ao fazê-lo assim, se tem arraigado em um espaço territorial e

social herdado do passado pré-revolucionário.”88 Nação e nacionalismo seguem sendo,

em conseqüência, atores fundamentais do acontecimento político contemporâneo.

Eric Hobsbawm em seu livro Nação e nacionalismo desde 1780: programa,

mito e realidade destaca quatro características a respeito da questão nacional. Na

primeira afirma que se trata de um fenômeno recente. “No sentido moderno da palavra,

em princípio, nos reporta não mais além do século XVII, com algumas exceções

precisas. Se trata de uma entidade social ligada a certo tipo de Estado territorial, o

Estado-nação.”89

Na segunda destaca o problema das definições, que estabelecem um conjunto de

critérios que pretendem distinguir, a priori, uma nação de outra entidade, o que leva ao

reconhecimento dos critérios objetivos e subjetivos do problema. Em conseqüência,

para Hobsbawm, “todo grupo suficientemente importante quanto ao número de seus

membros, que se considere como parte de uma mesma nação, será considerado como

tal.”90 Nesse sentido, o mencionado autor assinala que “para nossas necessidades de

análise, o nacionalismo é anterior à nação. Não são nações que fazem o Estado e o

nacionalismo; é o inverso.”91

Na terceira ressalta que a questão nacional está situada em um ponto de

interseção entre a política, a tecnologia e a transformação social das sociedades. Para a

abordagem de seu estudo como fenômeno histórico é necessário confrontar a sua

construção pela sua compreensão, “é dizer, a partir de hipóteses, esperanças,

87 ANDERSON, BENEDICT. Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. p. 19. 88 Ibid., p. 20. 89 HOBSBAWM, Eric. Nações e nacionalismo desde 1780: programa, mito e realidade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991. pp. 12-20. 90 Ibid., p. 19. 91 Ibid., p. 20.

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necessidades, nostalgias e interesses (...) das gentes ordinárias.”92 Por fim, afirma que

é necessário os estudos comparativos. Por exemplo, a consciência nacional se

desenvolve de maneira diferente por regiões. É preciso estudar os processos de

formação e desenvolvimento dos movimentos nacionais, que passam por uma série de

etapas e fases: uma primeira fase puramente cultural, literária e folclórica; uma segunda

fase, onde aparece um grupo de “pioneiros” e militantes da “idéia nacional” e,

finalmente, a terceira, que é o momento de emergência do programa nacionalista, cujos

promotores vão em busca de apoio das massas dirigido à criação de um Estado nacional.

Ambos os autores, Anderson e Hobsbawm colocam uma perspectiva mais ampla

e complexa do fato nacional. No campo estritamente historiográfico, propõem revisar

criticamente a evolução das teorias da nação e do nacionalismo. No caso do México,

sobretudo na década de 1940, período em que a elite política, aquela que ascendeu na

Revolução, leva a cabo tudo que estava ao seu alcance para legitimar e justificar os seus

projetos nacionais, a questão da nação e da nacionalidade se funde. De fato, observa-se

uma trama basicamente simbólica e cultural que permite ao regime estabelecido manter

sua larga continuidade e legitimidade durantes décadas.

O que se convencionou chamar de nacionalismo93 mexicano teria sido definido

muito tempo atrás nos traços constantes da pretendida imagem nacional, que desde o

século XVII até o século XIX (a reivindicação do passado indígena, a mestiçagem, etc.),

e que no século XX, com a Revolução, são definidos novos traços para a concordância

dos interesses dos grupos revolucionários. A Revolução apelou para o nacionalismo,

mais que para a idéia de nação, como aporte do discurso de sua legitimidade, sendo em

determinados momentos convertido em um componente ideológico dos governos pós-

revolucionários.

Os elementos constituintes da nação foram amalgamados no ideal de

nacionalismo. Aqui ressaltamos que tal abordagem do nacionalismo no período pós-

revolucionário leva em conta, a partir dos princípios clássicos da nação, como: categoria

histórica; os seus ritmos de tempo histórico para a sua conformação e consolidação; os

elementos de longa duração (lingüísticos, psíquicos, culturais e territoriais); os

92 Ibid., p. 21. 93 Para a discussão da questão do nacionalismo no México destacamos os seguintes autores e obras: BARTRA, Roger. Anatomía del mexicano. Barcelona: Plaza y Janés, 2002; BRADING, David. Los orígenes del nacionalismo mexicano. México: Era, 1980; FLORESCANO, Enrique. Historia de las historias de la nación mexicana. México: Taurus, 2002; MEYER, Lorenzo. La marca del nacionalismo. México: El Colegio de México/Senado de la República, 2002; MONTALVO, Enrique. El nacionalismo contra la nación. México: Grijalbo, 1986.

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fenômenos de média duração, onde é necessário reconhecer o acesso e desenvolvimento

do modo de produção capitalista; e os movimentos e acontecimentos de curta duração

em que se vinculam as classes sociais, os movimentos nacionalistas na conformação de

um tipo de estado territorial, o Estado-nação.

Nos anos de reconstrução seguintes à Revolução renasce o projeto de fundar um

Estado em suas raízes indígenas e nos valores republicanos e nacionalistas. Com a força

do Estado revolucionário fortalece o impulso do movimento nacionalista, cuja

recuperação do passado e da pintura histórica são alguns de seus esforços.

O resgate histórico foi acompanhado pela exploração arqueológica e etnográfica,

áreas de atuação de Gamio, pelos estudos lingüísticos, musicais, folclóricos, artísticos,

arquitetônicos e culturais. Estas distintas manifestações do passado e estas variadas

tradições, procedentes de regiões específicas, foram projetadas como emblemas e

protótipos nacionais quando incorporadas pelos meios de comunicação modernos: a

fotografia, o rádio, o cinema, os jornais e a televisão.

A pintura mural, por exemplo, que era uma antiga tradição européia (medieval e

renascentista) e mexicana (mesoamericana e colonial), serviu como um forte

instrumento para o desenvolvimento do projeto de modernização cultural da época. O

muralismo, como disse Octavio Paz, é fruto da Revolução:

“Sin la Revolución esos artistas no se habrían expresado o sus creaciones habrían adoptados otras formas; asimismo, sin la obra de los muralistas la Revolución no habría sido lo que fue. El movimiento muralista fue ante todo un descubrimiento del presente y el pasado de México, algo que el sacudimiento revolucionario había puesto a la vista: la verdadera realidad de nuestro país no era lo que veían los liberales y los porfiristas del siglo pasado sino otra, sepultada y no obstante viva (...) Todos tenemos nostalgia y envidia de un momento maravilloso que no hemos podido vivir. Uno de ellos es esse momento en el que, recién llegado de Europa, Diego Rivera vuelve a ver, como si nunca la hubiese visto antes, la realidad mexicana.”94

O muralismo se converteu em uma expressão da épica nacionalista

revolucionária. Pintou de maneira exagerada e inédita seus heróis e resumiu em cores

atrativas e num discurso didático os muitos séculos da nação mexicana. Rivera, Orozco,

Siqueiros e outros muralistas estamparam nas paredes dos principais edifícios públicos

da Cidade do México como de outros estados mexicanos cenas e personagens com tal

força, que essas imagens acabaram por representar os momentos decisivos da história

mexicana. Rivera, principalmente, se destaca por almejar que seus murais sintetizassem

94 Citado por MONSIVÁIS, Carlos. Notas sobre la cultura mexicana. In: Historia general de México. México: El Colegio de México, 2000. pp. 989-990.

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o longo período da história e cultura do “povo” mexicano. “Tenía- dice- la ambición de

reflejar la expresión esencial, auténtica de la tierra. Queria que mis obras fueran el

espejo social de México (...) Me propuse ser (...) un condensador de las luchas y

aspiraciones de las masas y a la vez transmitir e esas mismas masas una síntesis de sus

deseos que les sirviera para organizar su conciencia y ayudar a su organización

social.” 95

A sua obra não modificou os processos históricos delineados por Sierra na

Evolución política del pueblo mexicano. Essa obra se caracteriza pela narração dos

acontecimentos políticos que forjaram o Estado nacional mexicano; um relato que

combina fatos individuais com os movimentos coletivos que culminaram com a

Independência, a Reforma e a criação do Estado Nacional.96 Nesse sentido, como

adverte Álvaro Matute, a Evolución política del pueblo mexicano “(...) se há concebido

como un romance; es decir, el protagonista de la historia, el pueblo mexicano en

constante evolución, se enfrenta a diferentes obstáculos (...) Sin embargo, el pueblo

avanza y logra el fin supremo propuesto (...)” “Si se toma en conjunto al pueblo

mexicano, se trata de una gran metáfora en la que el pueblo es el verdadero héroe de la

historia.”97

Ainda em relação a Rivera, Paz afirma que este teve a obsessão de ser didático,

discursivo e prolixo. Os seus murais difundiram, continua Paz, uma visão maniqueísta

do passado, conformada por um enfrentamento entre os camponeses e trabalhadores

pobres contra os latifundiários, empresários, militares, políticos, sacerdotes e

intelectuais. E também mostrou, em suas extraordinárias reproduções da antiga

Tenochtitlán ou no cotidiano dos trabalhos dos camponeses, o poder “encantatório” que

adquire a imagem quando se une com a reconstrução do passado.98

Na continuidade de perpetuar um espaço de exercício da nacionalidade no

reconhecimento da história da nação, as representações do passado conjugaram-se com

o resgate arqueológico, a Antropologia e a imagem, nos museus fundados no século

XX. Já no Museo Nacional de Historia, inaugurado em 1911, existia uma coleção de

peças históricas seletas com o intuito de atrair e instruir o espectador. Porém,

95 Ibid., p. 990. 96 SIERRA, Justo. Evolución política del pueblo mexicano. Estúdio introductorio de Álvaro Matute. México: Consejo Nacional para la Cultura y las Artes, 1993. 97 Ibid., pp. 21 e 25. 98 Cf. MONSIVÁIS, 2000. p. 990.

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correspondeu ao Museo de Antropología, inaugurado em 1964, o privilégio de ser o

espaço público onde a riqueza e a qualidade dos objetos exibidos com sua “exata”

localização histórica. È considerado como um marco devido à apresentação das peças, a

iluminação e o entorno museográfico contribuíram para o conjunto proporcionando uma

projeção inusitada e cativadora.

Os arqueólogos, historiadores e antropólogos transformaram a idéia que existia

sobre os museus. Em lugar de ser uma espécie de armazém de curiosidades, se

converteu em uma instituição científica dedicada à guarda e à classificação de suas

coleções; um centro de investigação e um poderoso meio de difusão cultural. A união

entre conhecimento histórico e a imagem transformou o museu em um espaço de

“reflexo” do passado, símbolo de identidade e arca preciosa onde se guarda o

patrimônio nacional.99

Outro estudioso do tema é Ernest Gellner, para quem o nacionalismo é uma

força político-ideológica responsável pela criação da nação. Para ele, o estudo deve

estar dirigido ao reconhecimento dos mecanismos que fazem que uma cultura se assuma

como nação, ou seja, como cultura particular, diferente, fechada e homogênea, graças ao

impacto de um discurso nacionalista. Gellner em sua obra mais difundida Naciones e

Nacionalismo, publicada pela primeira vez em 1983, diz: “La visión de las naciones

como una forma natural, dada por Dios, de clasificar a los hombres, como destino

político inherente aunque largamente aplazado, es un mito; para bien o para mal, el

nacionalismo, esse nacionalismo que en ocasiones toma culturas preexistentes y las

convierte en naciones, que en otras las inventa, y que a menudo las elimina, es la

realidad, y por lo general uma realidad ineludible.”100

Neste sentido, o problema do nacionalismo como princípio político que sustenta

que deva haver convergência entre a unidade nacional e a política, e como teoria de

legitimidade política que prescreve que os limites étnicos não devem contrapor-se aos

políticos, determina o estudo do fato nacional como um produto cultural, porém, não

como uma necessidade. “De hecho, las naciones al igual que los estados son una

contingência, no una necesidad. Ni las naciones ni los estados existen en toda época

universal. Por outra parte, naciones y estados son una misma contingencia.”101

99 FLORESCANO, Enrique (comp.). El patrimonio nacional de México. México: Fondo de Cultura Económica, 1997. pp. 163-170. 100 GELLNER, Ernest. Naciones y nacionalismo. Madrid: Alianza Editorial S.A., 1988. p. 70. 101 Ibid., p. 19.

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Em conseqüência, como abordar historicamente este problema? Para Gellner, é

necessário observar o desenvolvimento histórico de uma cultura, em especial, em sua

passagem do mundo agrário para a sociedade industrial. Não se trata de um único

caminho, senão de uma variante, que responde a determinadas condições sociais. Se

trata de diferenciar essas condições sociais objetivas, separando o que ocorre do que

pretende o discurso nacionalista. Isso seria um exemplo desse processo:

“El engano y autoengaño básicos que lleva a cabo el nacionalismo consisten en lo siguiente: el nacionalismo es casí siempre una imposición de una cultura desarrollada a una sociedad en que hasta entonces la mayoría, y en algunos casos la totalidad de la población se había regido por culturas primarias. Esto implica la difusión generalizada de un idioma mediatizado por la escuela (...) y el establecimiento de una sociedad anônima y impersonal com indivíduos atomizados intercambiables que mantiene unidos por encima de todo una cultura común del tipo descrito (...).”102

Entre os que assumem o nacionalismo como um fenômeno universal e

permanente, inerente à natureza das coisas, da psique dos homens e da própria

sociedade, e a tendência oposta que o aprecia como algo contingente, como invenção

acidental de um grupo de pensadores em circunstâncias particulares, Gellner trata de

elaborar uma teoria do nacionalismo a partir do seguinte postulado apresentado em sua

obra póstuma El Nacionalismo: “Ni el nacionalismo es universal y necesario, ni es

contingente y accidental, fruto de escritores ociosos y crédulos lectores. Es más bien, la

consecuencia necesaria, o el correlato, de determinadas condiciones sociales, que

además son las nuestras y están muy extendidas, son profundas y generalizadas.”103

Estas condições não são outras que as da mudança de uma sociedade agrária para a

industrialização e modernidade.

Este processo longe de ser homogêneo e simultâneo para todas as sociedades

agrárias, é bem mais diverso e contraditório. Ao contrário da criação de uma cultura

universal homogênea em condições de industrialização e, a permanência de um único

crisol, o que se aprecia historicamente é que a modernização “se há extendido a lo largo

del tiempo, y sus beneficiarios y victimas se enfrentaron a ella em fechas distintas.”104

Para Gellner, em conseqüência, o problema de fundo e o da organização e

desenvolvimento de uma cultura que denomina superior pelo uso generalizado da

escrita. Isso possibilita a idéia de codificar a cultura e transmiti-la através da

102 Ibid., p. 82. 103 GELLNER, 1998. pp. 31-32. 104 Ibid., p. 69.

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combinação da educação com o Estado. “De este modo fue posible, hablando

conceptualmente, ser nacionalista.”105

Partindo desta definição, passa abordar os mecanismos de invenção e de

construção da nação. Assinala que o mecanismo de posicionamento e identidade nas

sociedades tradicionais passa pela noção de “raízes” em uma sociedade que define a

unidade política como associação voluntária. Como conseqüência, o nacionalismo

necessita organizar um discurso histórico acerca das origens da nação. Será possível

reconstruir objetivamente a história nacional de um povo e reconstituir o papel julgado

pela idéia de nação que promove o nacionalismo, sem cair na justificação ou no rechaço

do discurso mitológico do nacionalismo? A este respeito, Gellner nos recorda: “Hay que

repetir que el nacionalismo es un fenômeno de Gesellschaft que utiliza el idioma de la

Gemeinschaft: una sociedad anónima móvil que simula ser una acogedora comunidad

cerrada.”106

Neste discurso é fundamental, portanto, o mito das origens e a busca das raízes

compartilhadas por uma sociedade, já que na realidade só se compartilha um destino

político contingente e voluntário, (a nação como comunidade política moderna). Porém,

o nacionalismo busca transformar com auxílio da história em comunicação permanente,

(a nação como comunidade de cultura). Sendo o nacionalismo, criador de nações, um

fenômeno inerentemente moderno, o problema seria estabelecer até onde se pode

rastrear a origem de uma determinada nação.

O que sugere Hobsbawm a este respeito em seu livro A invenção das tradições

editado conjuntamente com Terence Ranger? Que a tradição inventada, vem a ser um

processo de formalização e ritualização caracterizada por sua referência no passado e

que se impõem através de um conjunto de práticas de natureza simbólica, destinadas a

incluir certos valores ou normas de conduta, graças à repetição que implica

automaticamente uma continuidade com o passado.107 Assim, todas as tradições

inventadas recorrem, na medida de suas possibilidades, à história para legitimar sua

ação e garantir a coesão do grupo.

No caso aqui discutido, a invenção da nação, Hobsbawm assinala como a

invenção tem sido importante, na medida em que a história que se faz parte constitutiva

da ideologia da nação, do Estado ou do movimento nacional, não é a que preserva a

105 Ibid., p. 39. 106 Ibid., p. 134. 107 HOBSBAWM, Eric/RANGER, Terence. A invenção das tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997. p. 09.

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memória popular, senão aquela que foi selecionada, escrita, ilustrada, popularizada e

institucionalizada pelos que cumprem essa função ideológica.

Convém destacar a este respeito, que para Hobsbawm as tradições inventadas

estão intimamente relacionadas com a nação e os fenômenos a ela associados: o

nacionalismo, o Estado-nação, os símbolos nacionais e os discursos históricos. Isso

porque as nações modernas, relativamente jovens como fenômeno histórico, rechaçam o

epíteto de “novas” e “construídas”, pretendendo prolongar suas raízes na antiguidade,

construindo uma continuidade histórica inventada como tradição através de uma

“história nacional” que surge como instrumento de auto-afirmação.

Esta situação faz do historiador partícipe, consciente ou inconsciente, de um

processo de criação, desmantelamento ou reconstrução de imagens do passado, que não

só pertencem ao âmbito da investigação especializada, como também faz parte da vida

pública do homem como ser político. O historiador, com sua obra, contribui socialmente

para a invenção ou desmantelamento das tradições, ao inventar com seu discurso uma

idéia de nação.

Em similar postura, Etienne Balibar ao estudar a nação como uma representação

que constrói a sua própria “ilusão retrospectiva”, onde está como sujeito, aparece como

a emergência de um “proyecto secular jalonado por etapas y tomas de conciencia.”108

Contextualizando a nação como uma unidade política que se forma a partir da estrutura

global da economia do mundo capitalista, em função do papel que julga como centro e

periferia, o problema exposto em sua construção como comunidade imaginária. Para

Balibar “toda comunidad social, reproducida mediante el funcionamiento de

instituciones, es imaginaria, es decír, reposa sobre la proyección de la existencia

individual en la trama de un relato colectivo, en el reconocimiento de un nombre común

y en las tradiciones vividas como restos de un pasado inmemorial.”109

Nesse processo, o fundamental é produzir o povo ou, melhor ainda, que o povo

se produza a si mesmo em forma permanente como uma comunidade nacional. Aqui é o

lugar onde entra o jogo da ideologia nacional em todas as suas formas e expressões: o

patriotismo, o nacionalismo e sua transformação em uma espécie de religião laica da

modernidade.

108 BALIBAR, Etienne/WALLERSTEIN, Enmanuel. Raza, Nación y Clase. Madrid: Iepala Editorial, 1991. p. 134. 109 Ibid., p. 145.

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Nesse contexto, a ideologia nacional constrói a nação como uma comunidade

imaginária até chegar a ser um Estado-nação através de um processo que Balibar

denomina de “etnicidade fictícia”, partindo da diferenciação entre comunidade étnica e

nação. Diz Balibar: “Ninguna nación posee naturalmente una base étnica, pero a

medida que las formaciones sociales se nacionalizan, las poblaciones que incluyen, que

se reparten o que dominan quedan “etnificadas”, es decir, quedan representadas en el

pasado o en el futuro como si formaran una comunidad natural, que posee por si misma

una entidad de origen, de cultura, de intereses, que trasciende a los individuos y las

condiciones sociales.”

Como pode ser produzida esta “etnicidade fictícia”? Balibar afirma que é por

duas vias diferentes: a língua e a raça. Na primeira via se explica que a existência de

uma língua escrita e inculcada através de um processo de escolarização generalizado,

pode dar lugar a uma língua nacional, como base de uma comunidade lingüística. A

outra é a ficção de uma identidade racial que permite simular diferenças naturais e

hereditárias entre os grupos sociais. Esta idéia de comunidade de raça “(...) hace su

aparición cuando las fronteras del parentesco se disuelven al menos, de clase social,

para desplazarse imaginariamente al umbral de la nacionalidad.”110

Entre ambas, a etnicidade e a lingüística junto com a raça, a primeira se

apresenta como aberta, entretanto, a segunda é fechada, fundada no princípio da

exclusão. Para Balibar, o grande eixo do nacionalismo no mundo das comunicações

transnacionalizadas é que cada povo, produto de um processo nacional de etnificação,

está obrigado a encontrar sua própria via de superação na era da globalização.

As considerações de Gellner, Hobsbawm e Balibar a respeito da questão

nacional no que se refere à invenção, tradição e criação, desmantelamento e

reconstrução do passado são centrais para a discussão do assunto no caso mexicano.

Como já fora comentado e demonstrado, a idéia de nação no México durante o século

XX, principalmente, nos anos pós-revolucionários, liga-se diretamente à constituição de

uma memória coletiva e histórica. Historiograficamente, é observado um esforço para a

definição de ideal de nacionalidade vinculado a criação de uma história nacional.

A constante presença do passado na cultura nacional mexicana nutriu ao longo

da história a criação de memórias, de caráter nacional, que foram se sucedendo com as

vicissitudes socio-históricas da sociedade mexicana.

110 Ibid., p. 155.

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Trilhando o caminho delineado para o desenvolvimento das considerações dos

autores supracitados- Gellner, Hobsbawm e Balibar- discutiremos a questão da nação e

nacionalidade a partir das construções historiográficas. Para esse empreendimento

analisaremos, de forma breve, duas obras do historiador mexicano Enrique Florescano.

São elas Memorias Mexicana e Historia de las historias de la nación mexicana

publicadas e, 1987 e 2002, respectivamente.

A primeira apresenta uma interpretação positiva da construção historiográfica da

nação mexicana. Florescano ratifica as teses e as idéias expostas, corroborando

incondicionalmente as idéias de outros autores (algumas delas autênticas inovações

teóricas), destacando seus próprios prejuízos argumentativos, estéticos e ideológicos.

Memoria Mexicana representa um rico levantamento bibliográfico, um

compêndio bem construído,de algumas novas idéias que, em forma particular, a

historiografia norte-americana vem desenvolvendo de maneira sistemática há algumas

décadas. Deste ponto de vista é observado na supracitada obra um esforço de síntese

sobre a produção historiográfica mais recente, cujo objeto de estudo consiste na

reconstrução de uma suposta “memória mexicana”. Em último caso, a aportação mais

original de Florescano é o levantamento de produções historiográficas e antropológicas

muito díspares entre si frente à concepção institucional completamente linear da

historiografia nacional.

A obra pertence às tradições ilustrada crioula e liberal conservadora que, desde

fins do século XVIII e, especialmente, durante o porfiriato tem construído uma estrutura

simbólica onde a narrativa histórica, em efeito, não reproduz os acontecimentos que

descreve; só indica a direção para pensá-los. Essa direção consiste em imagens da nação

como uma metáfora do poder constituído, tanto na lógica cultural borbônica quanto no

nacionalismo revolucionário.

O sentido do relato de Florescano sobre as inumeráveis memórias do passado

criadas por distintos grupos e povos que habitaram o território mexicano, implica em

uma aceitação tácita do mito historiográfico liberal de uma memória unificada. Desde o

princípio, o título da obra conduz à perguntas iniciais as que o autor se propõe a

responder: Qual é o sentido da reconstrução da memória no âmbito da questão nacional?

De que maneira a dita “memória” se auto-compreende como mexicana?

Memoria Mexicana encerra, portanto, uma primeira tensão conceitual já

manifesta na adoção tácita de uma periodização histórica linear vigente desde o final do

século passado. Ao estilo de Manuel Orozco y Berra começa com uma descrição das

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cosmogonias mesoamericanas e termina como o movimento insurgente e aparição de

uma história nacional.

Expõe exaustivamente como a reconstrução e desconstrução permanente de uma

idéia do passado histórico está medida por relações de poder, conflitos e sucessivas

crises de identidade. Desde o poder, essa permanente trama fictícia da identidade é

oferecida ao povo ou a nação de maneira incompleta como ideologias, mitos ou saberes

justapostos, projetados na imagem de um espelho resplandecente. Um espelho que

sendo só um fragmento se oferece como totalidade.

O trabalho investigativo realizado por Florescano não leva até suas últimas

consequências a identificação que faz do vínculo entre a historiografia, o poder e a

nacionalidade. Daí a conclusão que o resultado apresentado no livro seja uma

mediatização da antinomia entre história e historiografia e, por suposto, uma

incongruência com a pretensão crítica enunciada em seu prólogo.

“En Memoria mexicana he reunido um conjunto de ensayos que persiguen las innumerables memorias del pasado creadas por distintos grupos y pueblos que habitaron el territorio que hoy llamamos México. Em estos registros del pasado se advierten las más variadas motivaciones. Los grupos y los pueblos acuden al pasado para exorcizar el fluir corrosivo del tiempo sobre las creaciones humanas; para tejer solidaridades fundadas en orígenes comunes; para demarcar la posesión de un territorio; para afirmar identidades nacidas de tradiciones remotas; para sancionar el poder establecido; para respaldar, con el prestigio del pasado, vindicaciones del presente; para construir una patria o una nación fundadas en el basamento de un pasado compartido; o para darle sustento a proyectos disparados hacia la incertidumbre del futuro. Cualquiera que sea el motivo que suscita la recuperación del pasado, ésta siempre se manifesta como una compulsión irreprimible, cuyos fin último es afirmar la existencia histórica del grupo, el pueblo, la patria o la nación. Con esos testimonios, a veces finamente presentados, a veces oscuros y fragmentarios, trate de reconstruir las imágenes míticas que elaboraron los pueblos mesoamericanos de su pasado; las concepciones providencialistas, míticas y profanas que produjeron los conquistadores y los frailes al examinar su acción en el mundo americano; los símbolos patrióticos que crearon los criollos para cohesionar a una población escindida por todas las desigualdades; las extraordinarias recuperaciones del pasado imaginadas por los pueblos indígenas, y las ideas de los hombres modernos que contemplaron el pasado y avizoraron el futuro bajo la influencia del pensamiento ilustrado. La recuperación del pasado es una tarea colectiva y un proceso cambiante, productor de sucesivas y renovadas imágenes del pasado. Huyendo del reduccionismo y de ortodoxias acadêmicas estériles, en lugar de tomar a las obras producidas por los cronistas e historiadores como única expresión de la memoria histórica, este libro también trata de las múltiples formas populares y tradicionales de recoger el pasado: el mito, la leyenda, el ritual, el prodigioso lenguaje de los símbolos, el mensaje mesiánico, las utopias que arrastraron a diversos movimientos colectivos y, desde luego, las crônicas y las obras históricas que se proponen reconstruir el pasado.”111

Porém, este sintoma só demonstra a verdade de uma representação, a plena

legitimidade de um modo de fazer história, ou seja, aquele modo que postula que a raiz

111 FLORESCANO, 1994. pp. 09-10.

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da independência política da Espanha contribui para o surgimento de um novo sujeito

da narração histórica: a nação mexicana e o Estado nacional. Se a denominada

“memória mexicana” tenha sido reconfigurada desde as cosmogonias e mitos de origem

mesoamericanos, como justifica a “aparição” de uma “história nacional” a partir de

1821?

A conclusão do livro aponta, involuntariamente, para uma intencionalidade

patriótica e delimitada pela natureza do problema de investigar: a tese da memória

mexicana é uma preocupação legítima dos mitos de origem do liberalismo

historiográfico. O que Florescano propõe como conclusão resulta da premissa de que

deveria reconhecer os atos falidos das suas próprias omissões conceituais.

“(...) La revolución de independência y el pensamiento político que surgió de ella afirmaron las “características subjetivas” que, según los teóricos, subyacen la formación de una nación: la aspiración de la población a constituir una nación autónoma, la lealtad a la nación por sobre cualquier outro interes y la voluntad de mantenerla unida e independiente. Al mismo tiempo, la revolución de independencia consolido y le dio una dimensión política moderna a las “características objetivas” que definen (aunque no explican) a la nación: una organización política refrendada por el consenso popular, una identidad territorial, una historia compartida y uma lengua común. Por primera vez en la historia de México, los sentimientos patrióticos tradicionales (la identidad en torno a un territorio, una religión, un pasado y una légua compartidos), se integraron al proyecto político moderno de constituir una nación independiente, autónoma y dedicada a la persecución del bien común de sus pobladores. Así, apoyada en la movilización armada de la población y en un pensamiento político moderno y nacionalista, la nación se asumió libre, independiente y creó un porvenir para realizar en él un proyecto histórico próprio, centrado en el Estado nacional y en la nación autónoma. A su vez, la transformación radical del presente y la creación de un horizonte abierto hacia el futuro modificaron sustantivamente la concepción que se tênia de la historia del país del rescate del pasado y de la memoria histórica de la nación. (...) A su vez, el surgimiento de una concepción del desarrollo histórico en la nación, provocó el nacimiento de una historia para si, de una escritura de la historia hecha para la nación e elaborada por mexicano. Súbitamente, con la luz deslumbrante de la libertad, el país cobro conciencia, en el momento mismo de empezar a ejercer su independência, de que la mayor parte de su memoria estaba hecha por el conquistador, que carecia de una interpretación propia de su desarrollo histórico, y que las fuentes para escribir su historia estaban fuera de sus fronteras o habían sido hechas por sus antiguos dominadores. Este descubrimiento explica que la elaboración de una história propia, realizada por mexicanos, corriera inextricablemente unida a la realización del proyecto político del Estado nacional.”112

Para Florescano, a idéia de nação adquire seu pleno sentido em um relato

romântico e com uma fachada anacronicamente antihispanista. A nação é um princípio

espiritual e duas coisas parecem constituí-lo: passado e presente. A primeira é o resgate

em comum de um rico legado de memórias enquanto que e outra é a vontade crioula de

perpetuar o valor da herança ideológica recebida em forma integral. Memoria Mexicana

112.Ibid., pp. 520-522.

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compartilha esse ponto de vista da concepção ocidental da fundação das nações. Estas,

mesmo narrativas, perderam suas origens nos mitos. Em efeito, tal percepção pode ser

considerada como republicana e excessivamente metafórica.

Entre a publicação de Memoria Mexicana e Historia de las historias de la

nación mexicana, Florescano publica em 1996 a obra Etnia, Estado y Nación, onde seu

intento principal é tentar perceber ao longo da história mexicana quais são os obstáculos

que impediram a inclusão das populações indígenas à nação mexicana. Aqui reportamos

ao conceito de Balibar referente à “etnicidad ficticia” assentado no reconhecimento das

bases étnicas que formam uma nação.

Florescano em Etnia, Estado y nación realiza um amplo levantamento da

questão que abarca o período da mesoamérica até a Revolução, assinalado e

demarcando as condições e realidades das populações indígenas mexicanas e os projetos

de constituição da nação que passam ao largo dessas. Mais uma vez, o prólogo da obra é

suma importância para o conhecimento das diretrizes investigativas e metodológicas nas

quais se funda o trabalho. Essa obra como coloca inicialmente é fruto de um

questionamento que nasce com o lançamento do manifesto zapatista de 1994, que

rompe as fronteiras do México e ganha o mundo expondo o mudo a realidade das

populações indígenas e a perene questão de terras.113

Florescano assim, decide revisar as relações desde as origens da história do

México que a relaciona com as populações indígenas, partindo da discussão de autores

da literatura clássica sobre as questões de etnia e nação. Partindo da definição desses

conceitos, anteriormente expostos nesse trabalho, passa a revisar os processos inerentes

à constituição da nação no México.

“(...) La ambición de crear una nación de ciudadanos regidos por leyes iguales, unidos por valores

comunes y animados por el propósito de crear un Estado soberano, fue una aspiración obsesiva de los políticos mexicanos a lo largo del siglo XIX. La lucha contra el domínio colonial en las postrimerías del siglo XVIII y durante la guerra de Independencia, y más tarde los sentimientos de frustación que provoco la guerra con los Estados Unidos de América, redoblaron el anhelo de constituir a la nación. Bajo esa compulsión nació lo que Benedict Anderson há llamado uma “comunidad imaginada”, un tejido de símbolos, emblemas, imágenes, discursos, princípios, memorias, valores y sentimientos patrióticos que enunciaban que los pobladores del país, con todas sus disparidades, eataban unidos por ideales semejantes, compartían un territorio, tenían un pasado común y veneraban emblemas y símbolos que los identificaban como mexicanos.

Em el siglo XX persistió el atractivo de las políticas que contribuyeron a formar el Estado nacional, de suerte que los estudiosos del nacionalismo sólo repararon en sus aspectos positivos. Sin embargo, desde la segunda mitad del siglo XIX el nacionalismo proclamado es las esferas del gobierno y en las instituciones del Estado adquirió un cariz intolerante y represivo. Las clases dirigentes, al hacer

113 FLORESCANO, Enrique. Etnia, Estado y Nación. México: Taurus, 1996. p. 13.

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suyo el modelo europeo de nación, demandaron que las etnias, las comunidades y los grupos tradicionales que coexistían en el país se ajustaran a esse arquetipo. Así, cuando los indígenas a los campesinos no se avinieron a esas demandas, el gobierno descargó todo el peso del Estado sobre ellos y llegó al extremo de aniquilar a los pueblos que opusieron resistencia al proyecto centralista. Esta política intolerante escindió más a la nación.

La perspectiva histórica muestra que la tensión entre las etnias, el Estado y la nación es antigua y há sido persistente en México. Cada una de esas entidades reclamo autonomía e identidad propias, y gênero así una relación antagônica con las otras. Al no ser superadas por una organización política compresiva, las controvérsias dieron paso al enfrentamiento y a la intolerancia mutuas, que a su vez desembocaron en violentas conflagraciones sociales. En algunos casos esas relaciones conflictivas fueron distendidas por momentos de intensa participación colectiva, por estallidos súbitos de fraternidad, o por esperanzados anhelos de concordia, como se registra en la fiesta de la consumación de la Independencia em 1821, el reestabelecimiento de la soberanía de la nación por Benito Juarez en 1867, o la apoteosis popular que celebro el triunfo de Francisco I. Madero en las elecciones democráticas de 1911. Desafortunadamente, esos remansos de concordia no fueron seguidos por una política efectiva de integración nacional, que unificara a los distintos componentes del cuerpo social y al mismo tiempo respetara sus tradiciones, particularmente la trayectoria de las comunidades indígenas, las únicas con una tradición americana singular.

¿No es una paradoja que antropólogos, historiadores y ciudadanos disputen, acerca de si los indios formam parte de la nación? Si algún grupo merece el nombre de mexicano, en su acepción de grupo nativo y civilización originaria, es el integrado por los descendientes de las etnias que llamamos mexicas, mayas, zapotecas, totonacas, yaquis, tarahumaras, purépechas, etc. ¿Y no es una contradicción mayúscula que en los libros donde se enseña la historia pátria se diga que esas etnias fueron las creadoras de la civilización masoamericana, una de las más altas de la antiguidad, y afuera de la escuela los indígenas sean considerados seres inferiores y no representativos del verdadero México? Por último, ¿no es un mistério que de la formación de una biblioteca dilatada acerca de estos asuntos, no podamos explicar hoy dia las causas de esse rechazo y la vastedad de sus consecuencias negativas?

La revisión de la literatura sobre las identidades colectivas permite advertir que uno de los mayores obstáculos para explicarlas há sido la presunción falaz de que hay una sola identidad mexicana. Contra esta concepción, el proceso histórico muestra la presencia de diversas identidades, en conflicto constante unas com otras. Asimismo, outra tesis que nubla la comprensión de las identidades colectivas es la que las considera construcciones inmutables, cristalizadas en el tiempo para siempre. Contra esa idea, el análisis histórico revela que las identidades son fenomenos cambiantes, sujetos a flujos y reflujos internos, y maleables por las influencias que provienen del exterior.

Em contraste con las tesis esencialistas este libro quiere mostrar que los mexicanos han asumido diversas identidades en el transcurso de su desenvolvimiento histórico. El recorrido por los tiempos de la historia indica que en cada uno de ellos una determinada concepción de la nación há buscado imponerse sobre las demás, desplegando las artes a su alcance para desplazar los símbolos de identidad enarbolados por otros grupos. Esto há ocurrido siempre y es inevitable. Sin embargo, México ejemplifica además el caso de los países que vivieron la trágica experiencia colonial, y posteriormente padecieron un proceso de dominación, interacciones mutuas y búsqueda irrefrnable de nuevas identidades.”114

As considerações expostas brevemente por Florescano acima, indagando a

relação entre nação e etnia no Caso do México, onde ficam evidente os obstáculos à

formação de uma “etnicidad ficticia” nacional, abre a perspectiva para a análise das

histórias nacionais mexicanas que são escritas em cada período da história nacional.

No livro Historia de las historias de la nación mexicana Florescano tem como

principal foco o conhecimento da trajetória de escrita do passado mexicano. Essa obra

representa o amadurecimento do trabalho de reflexão sobre a escrita da história no

México.

114 Ibid., pp. 14-18.

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O trabalho de historicização da trajetória dos momentos de escrita da história do

México baseia-se no estudo dos cânones historiográficos que predominam durante as

diferentes épocas. Segundo Florescano, um cânone historiográfico é uma interpretação

sobre o passado que se prolonga por muito tempo, às vezes por muitos anos e que

usualmente termina absorvendo às demais interpretações. Estas “macronarrativas”

dotam “os povos de identidade”, unindo o passado com o presente115.

A idéia de cânone, definida por Florescano, quando aplicada ao caso do México

permite perceber que desde a Independência há um impulso para um singular

nacionalismo mexicano. Porém, o que parecia ser uma apreciação otimista e positiva foi

desmentida pelas seqüelas da Independência, momento que se chegou a questionar se o

México poderia existir como uma nação116.

Esta incerteza incidiu na historiografia acirrando os debates a respeito dos

significados dos diversos passados mexicanos e os temas que abarcavam, como: as

sociedades mesoamericanas e o Vice-reinado. Eles sintetizavam as interpretações

indigenista e hispanista da história mexicana, que no horizonte político e cultural da

época pareciam ser totalmente inconciliáveis. Por isso, nessa época foi suscitada uma

disputa sobre o passado ideal impedindo a formação de um consenso do cânone

historiográfico.

Partindo desta concepção, inicia seu périplo pelas memórias mexicanas,

começando com o cânone mesoamericano, que adquiriu a sua “versão clássica” entre os

anos de 200-650 d.C.,originando-se com o surgimento do Estado na Mesoamérica, e

que narrava “a criação do cosmo, dos seres humanos e a fundação do reino”. Deste

cânone fundamental derivaram os relatos posteriores dedicados a narrar à história dos

antigos povos da Mesoamérica.117 Ainda que como modificações, este mito foi adotado

pelos diversos grupos étnicos que habitaram a Mesoamérica durante o período pós-

clássico (1100-1521). Como em todo relato mítico, nestas narrações prevaleciam “la

repetición del arquetipo inicial”.118

O predomínio desta estrutura mítico-narrativa chegou a seu fim com a Conquista

quando o “cânone mesoamericano” foi substituído pelo “cânone ocidental”, cuja

expressão inicial foi a concepção judaico-cristã da história. Expressada de forma mais

acabada na obra dos freis evangelizadores, esta concepção de história se inscreveu na

115 FLORESCANO, 2002. p. 16. 116 Ibid., p. 339. 117 Ibid., p. 19. 118 Ibid, pp. 87-89.

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tradição do “discurso de salvação”. Compreendia as sociedades indoamericanas à luz da

noção cristã dos fins dos tempos. Em tais relatos da Igreja católica julgava um papel

como propagadora da palavra sagrada.

A Conquista também gerou vertentes mais terrenas do “cânone ocidental”,

produzidas em sua maioria pelos cronistas e historiadores a serviço da Coroa espanhola.

Estes elaboravam uma história oficial na qual o Estado castelhano aparecia como ator

fundamental.

Relatos profanos foram também os dos títulos primordiais, documentos de

origem colonial confeccionados pelas comunidades camponesas com a intenção de

salvaguardar suas terras e que terminaram sendo inseridos na memória histórica dos

povos indígenas.119 Entre eles, destacam-se os relatos orais sobre a época da Conquista,

os códices precortesianos e os documentos oficiais da época colonial- os títulos

primordiais tiveram fins eminentemente utilitários, pelo que compreenderam um

amálgama de fatos históricos.

O século XIX é decisivo para a determinação de um cânone historiográfico que

lograsse entre a reconstrução histórica e a representação da nação, cuja razão é a

formação de um Estado nacional que se converte para a investigação e ensino da

história. Em lugar da concepção de um devir histórico dominado pelos valores cristãos,

a indagação do passado começou a ser dirigida pela formação do Estado-nação.

Os antigos protagonistas do discurso histórico, o conquistador, as ordens

religiosas, a Igreja e o Estado espanhol foram substituídos pelos patriotas que

combateram pela Independência; pelos políticos que se esforçaram em dar forma o

Estado nacional; pelos heróis que ofereceram as suas vidas pela República; pelas

revoluções que impulsionaram as mudanças políticas e sociais e pelos mexicanos, como

se chamou adiante a diversidade de indivíduos e grupos que compunham a população.

A reconciliação política aconteceu em um ambiente intelectual novo,

influenciado pela filosofia positivista. Ainda que a partir de 1867 todos aqueles com

ambições intelectuais deviam necessariamente ser “liberais”. O liberalismo era

entendido como um conjunto de idéias que interagia com o positivismo, que era a

doutrina chave da época de Díaz, cujos precedentes apareceram desde 1867. Nesse

período a política ficou conhecida como “política científica”, que tomava elementos do

119 Ibid., p.210.

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positivismo de Comte e das experiências históricas da França e Espanha como

repúblicas conservadoras em princípios da década de 1870.

Os defensores da política científica, dirigidos Sierra, nomeavam-se liberais

“novos” ou “conservadores”, proporcionando assim apoio a contínua política de

reconciliação ideológica e de grupos. Sustentavam que o México deveria ir mais além

da negativa política revolucionária e “metafísica” de meados do século e formular um

programa positivo para a era moderna.

O plano da política científica era fazer a reforma constitucional para fortalecer o

governo, que por sua vez, seria a base da ordem política e do progresso econômico.

Sierra e seus colegas sempre se consideram liberais, de modo que nesta época de

consenso, o debate político se ampliou dentro da instituição liberal, que incluía figuras,

além de Sierra, como José Maria Vigil, Ignácio M. Altamiro e Francisco Bulnes.

A obra que logrou tal síntese das contradições foi México a través de los siglos,

que pela primeira vez apresentava um ponto conciliador entre o conflitivo presente e os

vários passados do país, superando até então o antagonismo entre indigenismo e

hispanismo120.

A mudança ao cânon inaugurado em meados do século XIX ocorre com o

advento da Revolução em 1910, com o esboroamento da idéia de um consenso entre os

diversos componentes da sociedade mexicana. A massiva participação do campesinato

na revolução, o confronto de projetos políticos e sociais, levaram os grupos que

chegaram ao poder se empenharem em construir uma história nacional na qual se

fundiram as posições representadas pelos distintos setores.

Este trabalho de gerir ou impor um novo consenso nacional canalizou através de

várias vias, que iam desde os programas educativos implementados pelo Estado até as

obras dos muralistas. De maneira interessante esta ingerente tarefa de difusão reproduz

o “cânon historiográfico” de México a través de los siglos e as obras de Sierra, autor

que se destaca na divulgação das interpretações da obra canônica dirigida por Riva

Palácio.

A característica central e peculiar do movimento de recriação do cânon

historiográfico iniciado com a Revolução está na refundação da história nacional. O

fator de relevância foi a incorporação das grandes massas do país, sobretudo indígenas,

camponeses e proletariados, às narrativas do período pós-revolucionário. Assim, se

120 Cf., Ibid, p. 353.

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pretendia que o consenso discursivo abarcasse os distintos atores e seus papéis na

sociedade mexicana e se construísse um relato oficial baseado nos “traços arquétipicos”

da ideologia da Revolução Mexicama: revolução popular, nacionalista e democrática”.

A transformação da visão histórica e a insurgência de novos estilos de memória,

cultural e antropológica, anteciparam o irromper das guerras civis. A queda do regime

porfirista acelerou a evolução de uma nova visão, que teria aparecido de qualquer

forma. Esse regime havia fundado a sua memória política a partir de uma história pátria

que, escrava da cronologia e governada pela idéia de progresso e pelo evolucionismo,

fez desaparecer seções completas da realidade nacional, como a numerosa população

indígena apegada a seus antigos modos de vida. Consumada a Independência, seus

relatos ignoravam deliberadamente a existência dos indígenas na história do século

XIX.

As variadas dimensões da construção histórica da nação e da nacionalidade

vinculam-se diretamente à fabricação de uma memória histórica sobre suas origens,

evolução, trajetória, suas festas e comemorações, seus lugares de culto cotidiano121,

como também aos símbolos de sua identidade. A memória histórica que se estabelece

conforme a dita nação que se afirma e se consolida historicamente, está sujeita,

permanentemente, aos processos de atualização e de redefinição, podendo rechaçá-la ou

reinterpretá-la todo o tempo em função das circunstâncias e necessidades de cada

presente histórico.

Nesse complexo processo, as classes e os grupos que dominam em cada nova

conjuntura histórica, fabricam/constroem determinada memória histórica, entre outros

meios de legitimidade de poder, através do esforço de criar em cada caso certo consenso

ideológico. Um dos vários mecanismos para criar tal consenso seja a manipulação e a

reatualização da memória histórica dominante. A memória histórica, portanto, pode ser

considerado corolário das conformações e mudanças das classes e dos grupos

dominantes, agregando ao seu sentido geral, lento, porém continuadamente, novos

elementos, matizes, sinais ou dimensões nascidas de cada um desses presentes

históricos específicos.122

121 Cf. LE GOFF, Jacques. História e memória. 5ª ed. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2003. 122 Cf. HALBWACHS, 1994. Ver também: BLOCH, Marc. Memória colectiva, tradição e costume. A propósito de um livro recente. In: História e historiadores. Lisboa: Teorema, 1998; D’ALESSIO, Márcia Mansor.Memória: leituras de M. Halbwachs e P. Nora. In: Revista Brasileira de História, v.13, nº 25, São Paulo, 1993.

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No que se refere aos aspectos constituintes da formação de uma nação, a

memória histórica coexiste a outras memórias alternativas, não hegemônicas, porém

igualmente presentes e atuantes dentro da cultura e imaginário coletivo das sociedades.

Estas memórias alternativas, de alcance mais local, de existência mais fragmentada,

expressam e resgatam as tradições e as lembranças dos grupos subalternos, para

conformar, por exemplo, uma memória popular.

No conflito, seja manifesto ou latente, entre uma memória histórica dominante e

as memórias alternativas, está o fato de que as últimas são umas das tantas dimensões

da cultura em que se moldura e, mais em geral, do processo de história global da nação

ou do espaço social de suas manifestações.Isso implica então, que para compreender

adequadamente a estrutura geral de certa memória histórica nacional, junto com as

sucessivas readaptações e transformações de cada presente específico, é necessário

revisitar essas memórias- a hegemônica e as memórias alternativas-, dentro do contexto

da dita história geral, que explica tanto a sua permanência e vigência de longa duração

quanto às suas transformações e modificações em cada nova conjuntura histórica vivida.

As considerações acima sobre a memória histórica, apresentadas de forma geral,

contribuem para a contextualização de nosso trabalho no que se refere ao papel de

Gamio e de Rivera, ambos contemporâneos e atuantes no período pós-revolucionário,

para a constituição de memórias históricas da história nacional mexicana. O mote de

seus pensamentos e atuações é a Revolução, que ao mesmo tempo referenda e reatualiza

a independência e a soberania do México como uma nação, frente às pressões e

influências das potências e dos capitais estrangeiros. Na memória histórica criada,

permite ao México dar um grande passo rumo à sua modernização econômica, social,

política e cultural e implementar sua transformação em um país, de pleno direito e de

suposta igualdade de condições.

A memória histórica da Revolução agrega, às vezes de maneira mais harmônica

e sensível ou mais conflitiva e difícil, a gesta de guerras e leis da Reforma juarista,

como a obra de alguns presidentes do século XX, no caso aqui se destaca Lázaro

Cárdenas. Assim, gravitando sobre essas idéias da Revolução, são constituídas épocas,

lugares, tradições, ritos, que na Antropologia defendida por Gamio e nos murais

pintados por Rivera, o objetivo principal é um resgate do passado, principalmente, pré-

hispânico para a construção de um discurso integrador e de representação da nova nação

mexicana.

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Os projetos de integração forjados e defendidos, seja por Gamio por meio do

conhecimento material do passado das populações indígenas ou seja em Rivera pelas

representações pictóricas de seu passado e presente, a recordação da longa história

mexicana tem um tema comum: a conquista e dominação espanhola.

Uma vez dado o reconhecimento da independência, ocorreu um movimento ao

longo do século XX de reivindicações para a restituição da matriz indígena, socialmente

majoritária e mais antiga, dentro do conjunto da população mexicana. Porém, como

lembra Florescano, o movimento neozapatista em 1994, levanta dúvidas quanto os

conflitos ainda existentes entre a questão étnica e nacional, no que diz respeito às

reivindicações de terras feitas pelas populações indígenas do território mexicano. As

mesmas reivindicações, são levadas a cabo pelas populações mestiças frente à genérica

e imprecisa definição do “mexicano”, concebida como aqueles nascidos no território

nacional.123

No que concerne à relação entre a memória histórica mexicana e a Revolução, é

ressaltado que a última incorpora a idéia de uma memória hegemônica e de uma

identidade nacional dominante e imposta. È importante salientar a existência de

interpretações que vão de encontro ao estabelecimento da memória histórica da

Revolução, afirmando que a mesma foi construída sobre a derrota geral dos grupos

camponeses mais radicais- os villistas e zapatistas- e portanto, assim, não se pode falar

de um projeto de nação que encarnasse os ideais desses mesmos grupos.124

A banalização da via camponesa radical da Revolução junto á memória nacional

e histórica constituída, instaura uma versão desse movimento revolucionário, em que de

maneira “anti-histórica” se nivela e homogeneiza as correntes diversas e

distintas,contraditórias e excludentes de nação que se enfrentaram na mesma revolução.

123 Deste modo, mais uma vez chamamos a atenção para Gamio e Rivera no que diz respeito à incorporação de elementos da matriz indígena na realidade social, política e cultural da sociedade mexicana pós-revolucionário, efetivamente recuperados e integrados dentro de uma dita memória hegemônica da Revolução, expressa no denso pensamento e discursos dos intelectuais da época. Como exemplo, da tradição na qual Gamio e Rivera estão inseridos e seus trabalhos refletem esta tendência, de resgate do passado pré-hispânico, é a presença de elementos de origem indígena no escudo da bandeira nacional mexicana ou a representação da figura de Cuauhtémoc como mártir, significando muito mais que um herói rebelde contra a Conquistas. Dessa maneira, se dá a criação da memória histórica e da identidade nacional de um México “moderno”, quase totalmente na recuperação das memórias indígenas. O que, por outro lado, não é um obstáculo para que os ditos elementos desempenhem um papel muito mais essencial e importante dentro das diversas memórias alternativas dos diferentes grupos populares. Para melhor compreensão da questão, mais uma vez referenciamos às obras Memoria Mexicana e Etnia, Estado y Nación, de Enrique Florescano, já citadas nesse trabalho. 124 Sobre estes projetos camponeses alternativos existentes dentro do movimento revolucionário destacamos os seguintes livros: KATZ, Friederich. La guerra secreta en México. México: Ed. Era, 1982; GILLY, Adolfo . La revolución interrumpida. México: Ed. El Caballito, 1976.

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Por exemplo, podemos destacar o complexo e radical projeto socialista e anarquista dos

irmãos Flores Magón ou os antecedentes da luta armada de 1910, que recupera Villa e

Zapata e as vastas massas camponesas, mas que deforma e limita às suas caracterizações

como “caudilhos agrários” e “exércitos camponeses”, respectivamente. Isso expõe a

suposta homogeneidade e unidade da Revolução, que assim, é declarada triunfante.

As interpretações, representações e discursos constituintes da memória histórica

e nacional mexicana contemporânea devem ser analisados com um olhar criterioso para

o conhecimento da complexidade dos processos históricos nos quais se assenta a idéia

de Revolução. Desta forma partiremos para um segundo ponto da discussão que diz

respeito à diversidade do campo intelectual mexicano.

-2.2: A NOÇÃO DE INTELECTUAL NA TRADIÇÃO HISTORIOGR ÁFICA

MEXICANA

“Incurriría en una grosera simplificación quien afirmase que la cultura mexicana es em reflejo de los câmbios históricos operados por el movimiento revolucionario. Más exacto será decir que esos câmbios, tanto como la cultura mexicana, expresan de alguna manera las tentativas y tendencias , a veces contradictorias, de la nación, esto es, de esa parte de México que ha asumido la responsabilidad y el goce de la mexicanidad. En este sentido si se puede decir que la historia de nuestra cultura no es muy diversa a la de nuestro pueblo, aunque esta relación no sea siempre estricta. Yno es estricta ni fatal porque muchas veces la cultura se adelanta a la historia y la profetiza. O deja de expresaría y la traiciona, según se observa en ciertos momentos de la dictadura de Díaz. Por outra parte, la poesía, en virtud de su misma naturaleza y de la naturaleza de su instrumento, las palabras, tiende siempre a la abolición de la historia, no porque la desdeñe sino porque la trasciende. Reducir la poesía a sus significados históricos sería tanto como reducir las palabras del poeta a sus connotaciones lógicas o gramaticales. La poesía se escapa de historia y lenguaje aunque ambos sean su necesario alimento. Lo mismo puede decirse, con las naturales salvedades, de la pintura, la música, la novela, el teatro y el resto de las artes. Pero las páginas que sieguen no tienen por tema

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las obras de creación sino que se limitan a describir ciertas actitudes de la “inteligencia” mexicana, es decir, de esse sector que ha hecho del pensamiento crítico su actividad vital. Su obra, por lo demás, no está tanto en libros y escritos como en su influencia pública y en su acción política.”125 “¿Los intelectuales, son un grupo social autónomo e independiente, o por el contrario cada grupo social tiene sus propias categorias especializadas de intelectuales.”126

Nas citações acima observamos primeiro o uso das palavras cultura e

nacionalismo, no âmbito intelectual e artístico do período revolucionário e pós-

revolucionário, e segundo o questionamento em relação à definição de intelectual. O

binômio cultura-intelectual forma o substrato da historiografia mexicana no século XX,

onde aparecem como categorias de análise, principalmente a segunda, onde se busca a

partir da sua historicidade traçar a trajetória dos principais intelectuais no campo

intelectual mexicano.

A pergunta feita por Gramsci inicia uma longa exploração crítica para

compreender a formação das diversas categorias de intelectuais e sua relevância direta

no devir histórico. A partir de uma minuciosa reflexão, este autor marxista, afirma que

todos os seres humanos são intelectuais, “puesto que no hay actividad humana de la

cual se pueda excluir algún tipo de intervención intelectual”127, o que leva a concluir

que todos cumprem dentro da sociedade a função de intelectual.128 Esta funcionalidade,

dirá Gramsci, tem estado historicamente determinada pela conexão que os intelectuais

vêm estabelecendo com os grupos dominantes.

Os grupos dominantes para manter sua hegemonia no campo econômico, social

e, sobretudo, político e cultural, é essencial valerem-se de um discurso ideológico para

tomar decisões e atuar, função essa que só os intelectuais podem cumprir. Se o objetivo

e a “asimilación y la conquista ideológica”129 dentro da organização social, os

intelectuais serão quem facilitarão esse caminho às elites dominantes.Através destes

postulados gramscinianos de desvela uma relação intrínseca entre a produção de idéias-

função específica da intelectualidade- e o poder, de tal forma, que analisar as idéias que

125 PAZ, 1994. p. 295-296. 126 GRAMSCI, A.. Los intelectuales y la organización de la cultura. México: Juan Pablo Editor, 1975. p. 12. 127 Ibid., p. 17. 128 Ibid., p. 14. 129 Ibid., p. 14.

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marcaram o curso de um determinado momento histórico implica necessariamente em

investigar as classes dirigentes e o poder dominante. Dentro desta relação de idéias e

poder, existem evidências de algo mais complexo: as idéias produzidas pela

intelectualidade por meio dos diversos mecanismos.

Estas idéias permeiam a sociedade, as relações sociais concretamente,

determinando novos valores e novas formas de relação na vida cotidiana, por um lado, e

por outro, legitimando e perpetuando uma forma de poder determinada. Este é o ponto

nodal da relação entre idéias e poder:sua profunda imbricação na conformação social e

na configuração cultural de cada sociedade.

A função que os intelectuais cumprem é muito mais complexa e determinante, já

que com sua produção de idéias marca o funcionamento dos grupos dominantes, a sua

forma de inter-relação e inclusão do devir histórico e político de uma sociedade

particular.

Na tentativa de delimitação dos campos e suas relações de força no México nos

anos de 1910 a 1940, é patente a tensão entre a relação de idéias e poder. Entre os

diferentes grupos, seja por formação ou postura ideológica, o papel dos intelectuais é

imprescindível para a constituição de uma nova ordem nacional. Dado a ser ressaltado

nos principais estudos historiográficos mexicanos contemporâneos, cuja revisão crítica

sobre o período da Revolução leva a uma longa descrição da importância dos principais

intelectuais do período. Assim, a priori, o nosso interesse nesta etapa desse trabalho não

é estabelecer o que é um intelectual, mas observar a evolução do conceito e sua relação

com o contexto histórico-social delimitado, em nosso caso o México.

A relação entre intelectuais e poder tem sido abordada exaustivamente em

trabalhos da História das Idéias, Política, Social e Cultural na América Latina. Nesses

campos de saberes diversas e distintas discussões são apresentadas, principalmente no

que se refere ao papel do intelectual no espaço de criação dos parâmetros de definições

da cultura e poder.

No que concerne ao intelectual, estas definições incluem a descrição de sua

trajetória e pensamento, sendo elas mesmas enunciações à justificação de seu próprio

perfil e carreira. Certamente, quando relacionados ao poder há a pressuposição de uma

contradição que leva ao questionamento de sua credibilidade ante a suposta liberdade de

criação e crítica. De igual maneira, a inserção do intelectual no espaço institucional do

Estado se justifica na base do compromisso que aparece em determinados momentos

históricos pelo próprio porvir em dois sentidos: a justificação do estado atual de poder

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ou, pelo contrário, a contribuição para a criação de uma contra-proposta frente ao

regime vigente.

Relacionado ao tema da Revolução, o conceito de intelectual mexicano130-

ideólogos131 ou “caudilhos culturais”132-, seja abordado por estudos biográficos ou

sociológicos assenta-se no papel social deste em um contexto histórico específico. Não

diretamente refere-se ao século XIX, principalmente durante o período do porfiriato,

momento principal da apropriação das idéias e conceitos de história e nação dos

principais “homens de letras”133 do período.

Seguindo a história do vocábulo intelectual pode observa-se alguns traços da

filosofia da Ilustração. A sua evolução obedece a um período em que na sociedade

industrial européia ocorreu uma expansão continental, como a do ultramar. Também é

130 Para o estudo sobre a intelectualidademexicana destacamos os seguintes: o de Enrique Krause, já citados nesse trabalho; COCKCROFT, James. Los precursores intelectuales de la revolución mexicana. México: Siglo XXI, 1971; GARCÍA CANTÚ, Gaston/CAREAGA, Gabriel. Los intelectuales y el poder. México: Mortíz, 1993; LÓPEZ MIJARES, Antonio. Intelectuales y política en México: Reflexiones a partir de una revisión bibliográfica. Debate, nº15. In:http://debate.iteso.mx/Numero15/Articulos/INTELECTUALES.htm. 131 Usamos ideólogo no sentido descrito por Aguirre Gonzalo Béltran em seu livro “Obra Antropológica XV- Crítica Antropológica: Contribuciones al Estudio del Pensamiento Social en México”, onde no capítulo II, intitulado “Afluentes ideológicos de la Revolución Mexicana”, seleciona os nomes de determinados intelectuais que atuaram, seja no âmbito acadêmico, político ou institucional para discutir os “problemas nacionais” e as suas principais idéias para o progresso social, cultural e econômico mexicano. Estes são os seguintes: Ricardo Flores Magón (1872-1922), Moisés Sáenz (1888-1941), Rafael Ramírez (1884-1959), Vicente Lombardo Toledano (1884-1968) e Lázaro Cárdenas. 132 Cabe ressaltar que posteriormente neste tópico de discussão do trabalho será apresentado o termo com mais clareza na análise do livro Caudillos culturales en la Revolución Mexicana, de Enrique Krauser. 133 Utilizamos o termo “homens de letras” para os reconhecidos intelectuais do porfiriato- Pablo Macedo, Rosendo Pineda, Justo Sierra, Ramón Corral, Olegário Molina e Vicente Riba Palácio- em contraponto ao artigo Adrián Gurza Lavalle, intitulado Hombres de Letras: el pensamiento político social del México posrevolucionario”, publicado na Revista de História, nº 137 (1997), páginas 25-42. Gurza Lavalle classifica os intelectuais mais importantes do pensamento político-social do México pós-revolucionário: literatos, ensaístas, nacionalistas de diversos nacionalismos e revolucionários como “Homens de Letras”. A definição do mencionado termo é descrita assim: “(...) una antigua expresión que distingue a su portador del común de los mortales, envolviéndolo en un halo metropolitano y cosmopolita, en una cierta abiduría y agudeza en el mirar que desborda y hasta desprecia las clasificaciones de los pensamientos y saberes especializados; el hombre de letras anima una reflexión fuera de la academia o de la política, que no es ni aspira a ser antiacadémica o antipolítica, sino que se endereza más bien hacia una poligrafia comprometida con el universalismo y se reconece y desenvuelve confortablemente en la literatura como um reino privilegiado de la herencia cultural con la que dialoga y a la que cultiva”. Reconhecendo que o corte cronológico do artigo não abarca o século XIX, destacamos os nomes supra-citados de intelectuais do período e consideramos “homens de letras”, pois formam a geração dos “Científicos”. Geração esta que adotaram como política o positivismo evolucionista de Comte e Spencer e na economia a teoria de Adam Smith. Constituíram a hegemonia e superioridade da classe como fundamento da construção do modelo ditatorial de Porfírio Díaz e que marcaria a história do México no século XX.

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certo como indica Gumbrecht134 que o fenômeno da Ilustração e seu significado

histórico são perceptíveis se for considerado o estudo histórico dos termos philosophe y

philosophie. De maneira análoga, podemos dizer que quando emerge o termo

intelectual, no final do século XIX, os termos philosophe e philosophie próprios da

Ilustração não mais correspondem ao seu sentido original.

Novas configurações socio-políticas influenciam para a emergência dentro da

filosofia positivista do que se denominou dos savants (Comte), entendida como um

espaço de intermediação ou enlace cultural entre a indústria e a ciência, por um lado, e

entre a ciência e a política, por outro lado. Igualmente, pouco depois o temo intelectual

deixa de significar “sábio” e passa a ter uma multiplicidade de sentidos: criadores,

inventores, artistas e científicos.135

No contexto socio-político do porfiriato, a geração chamada de positivista

representa um grupo, cujo sentido está diretamente relacionado ao papel que estes

homens passam a desempenhar na política de governo que visa à construção de uma

história nacional e a escolha do perfil dos cidadãos da “nova” nação que se pretende

consolidar.

O vocábulo intelectual, especificamente no caso do México, pode ser utilizado

como predicado assim, como para tipificar um grupo ou classe. Este uso indiferenciado

se apresenta tanto nos âmbitos cultos ou letrados quanto nos acadêmicos. Na variação, o

conceito intelectual contém um grau maior de abstração referente aos processos sociais

em que um determinado inventário de saber coletivo foi transformado.136.

134 Cf. GUMBRECHT, Hans Ulrich. ¿Quiénes fueron los philosophes?. In: SEPTIÉN, Valentina Torres (Coord.). Producciones de sentido. El uso de las fuentes en la historia cultural. México: Universidad Iberoamericana, 2002. pp. 229-234. 135 Ibid., pp. 229-234. 136.Cf., Idem. No México durante o século XIX dois momentos se diferem: o que abarca os anos entre 1821 a 1867,período da Independência à República Restaurada e o porfiriato quanto à questão da noção de intelectual, influenciada pelos contextos socio-políticos dos respectivos momentos. O primeiro momento, a intelectualidade se definiu em dois grupos genéricos: os conservadores e os liberais. No primeiro, Lucas Alamán personalizou a idéia da preservação específica dos valores que foram herdados do colonialismo ressaltando a noção política da eleição divina dos dirigentes das nações. Por outro lado, os denominados liberais adotavam o liberalismo progressista inspirado na Revolução Francesa e modelado pelos norte-americanos. Essa concepção implicava no estabelecimento de um modelo de república proclamada pela Ilustração e a redistribuição econômica dos bens capitais. Ambas concepções foram retomadas em sua essência pelas Constituições de 1857 e, posteriormente, a de 1917. Os liberais da Reforma que promulgariam a Constituição de 1857 pertenciam a uma elite intelectual que defendia a desamortização dos poderes econômicos e civis do clero por um mercado de livre circulação. A isso, soma-se a radicalização das posições originada pela perda do território norte-americano na guerra de 1847, cujo desdobramento foi a guerra civil chamada de “Reforma” e, posteriormente, o oferecimento por uma delegação dirigida por José Maria Gutiérrez Estrada da Coroa do México a Maximiliano. Este último evento, culminaria depois do abandono da França à aventura austríaca, com o fusilamento de Maximiliano e o advento do regime de Porfírio Díaz. Como foi destacado, no caso mexicano, é necessário

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Durante o século XX no México ocorrem contrastantes mudanças sociais,

políticas e econômicas. Nesta época é possível distinguir a totalidade dos diversos

períodos de mudança política, próprios dos esquemas de governo contemporâneos, a

partir do processo revolucionário desencadeado contra o regime do porfiriato e até o

processo republicano e democrático de finais do século. Esse processo caracteriza-se

por um conjunto de mudanças que incluem a concepção, refinamento e fim de um

sistema político uni partidário e hereditário.

Tomando por paradigma a filosofia positivista de Comte, o século XX

representava a última etapa que as sociedades humanas deveriam percorrer para atuar

conforme os postulados da razão científica. Este era o estado positivo em que a

sociedade se converteria em seu próprio Deus chegando ao fim a história humana. A

doutrina positivista fortalecia a posição dos grupos dominantes da economia e do

governo na medida em que procurava a manutenção do status quo prevalecente. Esta

postura data do ano de 1869, quando Gabino Barreda introduziu a doutrina positivista

no México, a raiz da reforma educacional impulsionada pelo presidente Benito Juárez.

A oposição ao porfiriato em princípios do século XX era formada por um grupo

de estudantes que iniciaram um exercício crítico do positivismo. Esse grupo chamado

de Ateneo de la Juventud chegou a contar com mais de 60 membros, entre os quais se

destacavam o grupo de José Vasconcelos, Antônio Caso (1883-1946), Pedro Henríquez

Urena (1884-1946) e Alfonso Reyes (1889-1959); também como outros, como Martín

Luiz Guzmán (1887-1976), Julio Torri (1889-1970), Ricardo Gómez Robledo, Jesús T

Acevedo Enrique González Martinez (1871-1952) e Diego Rivera.

Destaca-se o trabalho de Enrique Krause sobre o grupo de estudantes que se

forma no Ateneo de la Juventud denominados de Los Siete Sábios ou geração de 1915,

constituído por Antonio Caso .Leal, Alberto Vasquez del Mercado (1893-1980),

Vicente Lombardo Toledano, Teófilo Olea y Leyva, Alfonso Caso, Manuel Gomes

Morín e Jénes Moreno Baça e José Vasconcelos.

Krause cunha o termo “caudilho cultural” para caracterizar o papel do

intelectual. A idéia de caudilho compreende a relação estreita entre o saber e o poder na

América espanhola e alude a persistência de um alto grau de autoritarismo e

personalismo nas relações políticas. Sobretudo, evoca o elemento de carisma associado

ressaltar o século XIX para a discussão desta questão que será tratada mais adiante quando será discutida a criação dos “mitos” políticos e as comemorações realizadas durante o porfiriato para festejar os centenários de 1910 e 1921.

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ao valor quase mítico da representação do intelectual mais ou menos comum a países

com atrasos nos serviços públicos de saúde e educação. Dentro desta visão, o intelectual

é um ser carismático que anuncia uma sociedade de cidadãos.

De acordo com este enfoque, o intelectual adquire o caráter de um novo

especialista, porém, que tem a seu favor o domínio da escrita e da eloqüência do

comunicador. Por essa razão, o intelectual não necessariamente corresponde ao escritor,

ao acadêmico ou ao sábio.

O trabalho de Krause compõe uma bibliografia sociológica e histórica sobre

intelectuais hispano-americanos, estudos que começam a ganhar notoriedade a partir da

década de 1960. A sua característica principal é a conversão do intelectual em um

objeto de estudo e de análise histórica ou sociológica considerando o termo (intelectual)

como fenômeno socio-cultural. Assim, duas questões são dominantes: 1) a questão

acerca do impacto e papel social do intelectual e 2) seu grau de autonomia política com

respeito ao Estado e a Igreja. Em torno destes temas têm coincidido basicamente dois

enfoques: o liberal, que enfatiza os traços e a capacidade individual para gerar idéias e

influir socialmente ( Caudilhos e empresários culturais) e o socialista ,de tendência

gramsciana que leva o ponto de observação dos intelectuais das elites ao das massas ou

cultura popular.137

Ampliando o âmbito de análise do trabalho de Krause para uma maior

compreensão da idéia de intelectual que se forma na primeira década do século XX no

México, assinalamos o protagonismo de José Vasconcelos e Luis Cabrera, dois

ateneístas, para mais adiante demonstrarmos as divergências e heterogeneidade do

campo intelectual do México nos anos iniciais do século XX.

Pouco antes da participação dos ateneístas na celebração do Centenário da

Independência138, o discurso de José Vasconcelos é o ponto de partida para entender a

fusão do intelectual mexicano com o processo revolucionário. Entre os meses de 1910 e

junho de 1911 os ateneístas “porfiristas” se transformaram em “revolucionários”. Este

deslocamento não respondia a um mero ato de oportunismo político. Nem tampouco, a

uma quebra radical entre o “antigo regime” e o novo 139. Nessa ocasião Vasconcelos

dissertou sobre a juventude intelectual mexicana e o atual momento histórico de país.

137 No que concerne ao chamado método de análise que prioriza o estudo de gerações destacamos o já mencionado trabalho de Krauser e os de Roderic A. Camp, intitulados Los intelectuales y el Estado en el México del siglo XX e Los intelectuales y el poder en México, editados em 1988 e 1991, respectivamente. 138 Por convite de Justo Sierra y Ezequial Chávez, funcionários culturais do regime porfirista e futuros “próceres” da nova intelectualidade mexicana. 139 Cf. GUERRA, François-Xavier. México: del antiguo régimen a la Revolución. México: FCE, 1988.

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Nesta mesma época, em 20 de junho, outro intelectual ligado ao meio político, Luis

Cabrera (1876-1954), dissertou afirmando que a Revolução é a Revolução. Poderia até

falar de discursos paralelos no tempo, porém com alcances e projeções diferentes.

Os dois momentos são inaugurais para a definição dos espaços das futuras

polêmicas em torno do intelectual e sua função social no México. É evidente, por

exemplo, a consciência do grupo emergente e seus dilemas em 1914: “La elite juvenil

há criticado, para singularizarse, la rigidez del positivismo. Para algunos de ellos la

política es el mal. Para otros es el impulso lírico, la grandielocuencia cuyo centro es la

palabra “Espiritu”. Y el proceso no se interrumpe con la revolución”140.

Por essa razão, convém esclarecer que o termo Revolução não tem o mesmo

significado para Vasconcelos e para Cabrera. Sua semântica define em boa medida as

margens em que podem ser concebidas as ações dos intelectuais. Vasconcelos entende a

Revolução como o fim do regime porfirista originada na sublevação maderista. Já

Cabrera, por outro lado, entende o termo dentro de uma teoria sociológica que faz da

violência um fato irreversível da transformação social. Esta teoria será o mote para a sua

expulsão do regime revolucionário na década cadernista.

A perspectiva de Vasconcelos será suficiente para elaborar e desenvolver a

consciência do “intelectual” como uma classe inexistente no México. O ano de 1911

assinala o início da construção do mito dos ateneístas como visionários e apóstolos da

Revolução. A criação de uma consciência de si mesmo como “clérigos”141 ou guias

espirituais da sociedade terá efeitos em muitos campos do saber e da cultura durante o

regime da Revolução, pelo menos, até sua cisão interna quando se enfrentam de novo

em 1929, as vias armada e civilista para suprimir o poder político. Cabrera ainda

permanecerá no cenário intelectual e político até sofrer os embates da aparição de uma

nova figura hegemônica: a do intelectual que domina o período cardenista.

A ambigüidade do termo intelectual desenvolvido no México na década de 1910

se evidencia e torna-se patente quando Cabrera é enviado duas vezes pelo grupo

carrancista como “intelectual” oficial para explicar a situação mexicana à comunidade

intelectual e científica dos Estados Unidos.

140 MONSIVÁIS, Carlos. Notas sobre la cultura mexicana en el siglo XX. In: Historia General de México. México: El Colégio de México, 2002. pp. 957-1076. 141 Cf. LEMPÉRIERE, Annick. Intellectuels, Etats et Societé au Mexique. Les Clecrs de la nation (1910-1968). Paris: L’Harmattan, 1992.

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A primeira vez foi em 1913 na Universidade de Cornell onde falou da “La

situación mexicana desde o punto de vista mexicano”142. A segunda ocasião foi em

1916 quando como “intelectual” falou sobre o “México y los mexicanos” na Academia

Americana de Ciencias Políticas e Sociais na Filadélfia.

Anterior ao termo intelectual que é disseminado no México na década de 1910 é

anunciado uma rachadura ou caminho cruzado entre a figura do intelectual “humanista”,

representante de uma cruzada moral similar às dos antigos frades e a do intelectual

“pragmático”, que sabe das leis inexoráveis da história. Enquanto no primeiro caso se

pode observar uma consciência trágica ou cínica ante a inevitabilidade dos

acontecimentos, no segundo pode prevalecer um olhar irônico e até melancólico.

A partir de 1920 a identificação do intelectual com a revolução é positiva. Trata-

se de um período denominado como de “reconstrução nacional” de acordo com as

pautas sociológicas estabelecidas por Cabrera anos atrás. Enquanto alguns intelectuais

ocupam as tribunas públicas, outros o fazem frente às novas instituições de cultura.

Antonio Caso e Vasconcelos, também outros como Alfonso Reyes e Daniel Cosío,

representam e se encarregam de levar adiante o projeto de reconstrução social

vislumbrado.

Um dos sintomas mais eloqüentes do auto elogio de uma geração que chega a

fazer cargo das responsabilidades culturais e morais da nação é o escrito de Manuel

Gómez Morín, de 1915143. O tema das gerações ligadas à aparição da figura do

intelectual encontra síntese no texto. Chega a ser parte de um grupo cujos membros

possuem menos de 40 anos e com características próprias de heroísmo clássico

evocadas em a Ilíada e Ulisses, figura arrogada a si por Vasconcelos, denominando-se o

“Ulises Criollo”144.

A noção de intelectual invocado por Vasconcelos designa diferentes ofícios:

mestres, escritores, poetas e artistas. O convite se dirige, especialmente, às gerações

mais jovens, menores de 30 anos, habituados ao solo escuro da cidade, repartidos “entre

una oficina donde se simula el trabajo...”. “Se trata de ir salvar hombres: no de apagar

la vida sino de hacerla más luminosa”. Los jóvenes tienen la ocasión de “imitar a Las 142 CABRERA, Luis. La situación mexicana desde un punto de vista mexicano. Discurso en la Universidad de Cornell. In: MEYER, Eugenia. Obra política de Luis Cabrera. UNAM, 1992. pp. 465-477. 143 MORÍN, Manuel Gómez. México. Editorial Cultura, 1927. 144 Cf. VASCONCELOS, José. Memórias: Ulises Criollo y La tormenta. Vol. I. México: Fondo de Cultura Económica, 1983. Este volume faz parte de uma edição composta de 2 volumes sobre as memórias de José Vasconcelos, contada a partir de quatro títulos: Ulises Criollo, La tormenta, El desastre e El proconsulado.

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Casas, el creador, al revés del tantas generaciones nuestras que no han hecho otra

cosa más que imitar a Cortés el destructor”145. Estes discursos conformam um

imaginário que será ampliado nos relatos documentários da década de 1940. Um caso

emblemático é o filme Rio Escondico, de 1948. Nesta convocação de ilustrar as massas

provêm da iniciativa do Estado e tem deixado de ser a expressão de um grupo ou

associação organizada de maneira autônoma.

Três tipos de intelectuais coexistem na década de 1920: o intelectual

comprometido com as causas populares que surgiu das lutas revolucionárias; o

intelectual tradicional que adquire um novo estatuto, porém não goza de apoio estatal; e

as novas camarilhas que “revoletean en derredor del Estado”146. É a geração de 1915

descrita por Gómez Morín. Desintegradas praticamente das antigas camarilhas, no exílio

e sem função social, a disputa pelo campo se suprime no interior do mesmo campo.

O advento da geração do Ateneo de la Juventud, o fim do positivismo encarnado

pelos Científicos e a queda do liberalismo frente à inconformidade social, são

concomitantes à emergência das condições para a conformação entre os sistemas

econômicos de uma lei fundamental para o país. Estes baseavam-se num balanço entre

os sistemas econômicos provenientes do século XIX com a noção de redistribuição da

riqueza- um dos motes da bandeira popular da luta de 1910. Os caudilhos militares da

Revolução, com a exceção de Venustiano Carranza e Luis Cabrera, que pertenciam à

burguesia, geraram suas ideologia e princípios de luta influenciados pela

intelectualidade revolucionária.

No caso dos movimentos revolucionários de caráter mais popular, o villismo e o

zapatismo, podem assinalar a concepção de suas doutrinas por parte de seus principais

“caudilhos”. Indiretamente, Antonio Soto y Gama, Ricardo Flores Magón, entre outros,

tiveram presença no zapatismo. Da mesma forma que Martín Luis Guzmán e

Vasconcelos tiveram na conformação ideológica do villismo. Venustiano Carranza

contou com o aporte da ideologia agrária de Luis Cabrera.

Após morte de Carranza, a dupla formada por Plutarco E. Calles e Álvaro

Obregón significou um acerto das políticas de esquerda, iniciando uma inclinação para

o corporativismo sindicalista e a repressão religiosa. Entretanto, antes do assassinato de

Obregón, Calles optará por institucionalizar a “caudillaje”, estabelecendo em 1929 o

145 VASCONCELOS, José. Invitación a los intelectuales y mestros para que se inscriban como misioneros. El Heraldo, 1922. 146 NARANJO, Nemesio García. Literatua de corte. Monterrey: El Porvenir, 1925.

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112

sistema de partido de Estado que prevaleceria por sete décadas. Assim, tanto

Vasconcelos como Martín Luis Guzmán exemplificam em seu destino o cruel processo

histórico do período pós-revolucionário: Vasconcelos valendo-se do seu cargo de reitor

da Universidade e como ex-Ministro da Educação Pública candidata-se à campanha

presidencial, sendo derrotado pela máquina institucional criada por Calles. Luis

Guzmán, pelo contrário, reprovará o caudilhismo e se tornará aliado dos priístas.

Na tradição historiográfica mexicana pode-se afirmar que o termo “intelectual”

forma já parte do seu léxico desde as décadas finais do século XIX. Entretanto, a sua

transformação em um conceito generalizado torna-se evidente e institucionalizada a

partir da década de 1920. A partir de enfoques sociológicos, ideográficos ou histórico-

biográficos e por diversos motivos, o conceito de intelectual, principalmente, desde a

Revolução, é um tema de estudo crescente.

-2.3: CULTURA NACIONAL E A DISCUSSÃO DA FORMAÇÃO DE CAMPO

INTELECTUAL NO MÉXICO

A Revolução constitui um tema central na historiografia mexicana como já ficou

evidenciado. A longa e, às vezes, controversa discussão historiográfica realizada para o

conhecimento deste processo socio-histórico demandou ao longo de décadas inúmeros

trabalhos sobre a sua natureza política, social, econômica e cultural.

Nas discussões sobre o que é considerada “cultura nacional” e, em particular,

cultura intelectual no México durante o período revolucionário, é peremptória a

afirmação da homogeneidade em torno da efetivação de um projeto nacional. Partindo

deste ponto, seguindo a trilha da historiografia que se evidencia a partir da década de

1960, uma questão se delineia: a heterogeneidade do campo intelectual nos períodos

revolucionários e pós-revolucionários.

Nesse contexto, o que se definia por “cultura nacional” e campo intelectual passa

a ser observados pelo prisma e reconhecimento da heterogeneidade e contradição que

caracterizaram as suas diversas manifestações, correntes e tendências: filosóficas,

estilísticas (na pintura, poesia e novela) e ideológicas. Esta constatação sobre a realidade

social e política mexicana refuta a possibilidade de conformação ideológica e de uma

hegemonia no âmbito cultural.

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113

No que se refere à “cultura nacional” observa-se a pujança da retórica

nacionalista, parte da criação de uma tradição para a oficialização de uma história

nacional do México iniciada no porfiriato, cujo lastro permanece até a década de 1940.

Neste período delimitado, emerge e torna-se perceptível nos setores institucional,

político, intelectual e artístico a idéia de “mexicanidade”. Também no complexo jogo

instaurado, tentativas e táticas de efetivação de um projeto nacional são elaboradas e

discutidas para a minimização das diferenças sociais e culturais no sentido de

consolidação de perfis nacionais.

O que se pretendia consolidar como “cultura nacional” traduz-se no esforço para

a representação do que se pretendia identificar como tipicamente mexicano. A

“mexicanidade” no período revolucionário é pensada a partir das referências do passado

pré-hispânico e indígena que fundamentam uma prolífica manifestação de conceitos,

representações e modelos para a construção do Estado nacional.

Na definição da “cultura nacional” relacionada à representação do tipo do

“mexicano”, valorizou-se a educação como instrumento principal e imprescindível para

tal empreendimento, alcançando um importante lugar nesse contexto de redefinição de

uma determinada ordem nacional.

O ideal pedagógico, observado desde os anos do porfiriato, incluindo o ostensivo

incentivo à representação iconográfica, constituía o escopo das tentativas da

concretização do ideal revolucionário a partir das décadas de 1920 a 1940. O projeto

defendido de incorporação do setor popular aparece no período pós-revolucionário

como recurso fundamental para justificar a necessidade de implementação de um

projeto educacional que reduzisse a distância entre os setores urbanos e rurais.

As calorosas discussões acerca do nacionalismo, de caráter revolucionário, em

termos gerias, impunham a construção de uma nova forma de identificação e

valorização do que seria peculiar da “mexicanidade”. O universo de soluções desejadas

representado pelos projetos institucionais, via Estado e a intervenção direta dos

intelectuais na discussão e definição dos problemas sociais, culturais e políticos da

sociedade mexicana, delineava uma zona de tensão no que se referia a idéia de “povo

mexicano”. A sua pluralidade e complexidade levam imediatamente à necessidade de

uma atuação rigorosa na efetivação do projeto nacional.

Estreitamente vinculada a certas idéias gerais do “popular”, a

identificação e simultaneamente, do ideal de “mexicanidade” fazia-se, às vezes, na

justificativa de um projeto nacional, fosse oficial ou de oposição, político ou cultural.

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114

No de 1920 ocorre uma aproximação entre as elites políticas e culturais aos grupos

populares até sua clara separação durante os anos de 1940. Nessa conjuntura de

conciliação e construção de um espaço nacional comum e representativa da

nacionalidade mexicana e/ou “mexicanidade” é tecida uma tradição historiográfica, cujo

fulcro é a discussão de seus limites e as possibilidades frente aos problemas sociais e

políticos para a sua efetivação.

O papel da educação e sua importância na manutenção da estabilidade nacional

mexicana são, indubitavelmente, observados na significativa produção acadêmica e

editorial. Livros e artigos escritos por diversos investigadores de diferentes formações

acadêmicas, como Max Miñano, Francisco Larroyo, Paula Alegría, José Luis Becerra,

Josefina Vásquez, Guadalupe Monroy, Guillermo de las Peña e Luz Elena Galván,

apresentam nos variados aspectos da questão constituindo uma prolífica historiografia.

No estado da arte, essa produção limita-se a descrição dos grandes projetos educativos

nacionais e seu desenvolvimento após a Revolução.

O ano de 1921 apresenta-se como marco para esses estudos que baseados na

análise majoritária das legislações do Estado buscam perceber os avanços e retrocessos

no desenvolvimento da sociedade mexicana. A necessária definição da originalidade do

projeto de Vasconcelos na construção do nacionalismo mexicano, mesclando as

heranças culturais indígena e hispânica, na visão que se estabelece sobre as discussões

dos projetos educacionais tem como ponto comum: o acordo das condições sociais,

econômicas, culturais e políticas e sua congruência com a definição de uma cultura

nacional, baseada na experiência humana e profissional.

O projeto educacional elaborado não foi copiado ou adaptado de nenhum

sistema educacional europeu e sim, das condições socio-econômicas, culturais e

políticas do país. Vasconcelos inicia e implementa a sua idéia educativa durante o

governo interino de Adolfo de la Huerta, em 1920, com a criação da Secretaría de

Educación Pública (SEP).

A criação da Secretaría de Educación Pública representou no imaginário

nacional, observado pelo prisma do valor dado a educação, como instrumento de

manutenção da ordem nacional mexicana Foi um modelo pioneiro na reformulação do

papel do Estado e de seus agentes na condução da consolidação nacional. Como

organismo federal responsável pela política educacional nacional, não interferiu na

jurisdição que os estados e municípios tinham em seus próprios sistemas escolares. Isto

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115

porque conseguiu através de campanhas que os governos dos estados e as legislaturas

locais apoiassem a reforma da Constituição Política dos Estados Unidos Mexicanos.

O modelo educacional nacionalista deste período (1921-1924) partia de um

conceito de educação humanista integral, que visava promover o desenvolvimento das

diferentes faculdades do indivíduo, integrando a educação com a cultura, com o trabalho

prático e produtivo, com a filosofia e estética, com a organização social e a política, e

com as crenças, tradições e costumes do povo. O projeto educacional seria viável por

meio da formação de uma ampla base de participação social, que se consolidaria quando

estados e municípios contassem com recursos financeiros próprios. Esta integração no

desenvolvimento do processo educativo é a idéia fundamental e relevante do

mencionado projeto.

A operacionalização do projeto nacionalista idealizado por Vasconcelos deveria

contar com uma adequada estrutura orgânica, integrando as seguintes áreas:

• DEPARTAMENTO ESCOLAR: responsável para que as prioridades da política

educativa tivessem como propósitos fundamentais: orientar a formação da

consciência da nação, consolidar a unidade e o sentido nacionalista dos

mexicanos.

Este Departamento controlava as tarefas básicas de todos os níveis e tipos de

educação (pré-escolar à técnica e universitária). Para levar a cabo o que se denominou

de “cruzada educativa” foi tomado como modelo a mística do serviço dos missionários

do século XVI, organizando uma grande cruzada nacional de professores voluntários,

formados por equipes de professores itinerantes;

• DEPARTAMENTOS DE BIBLIOTECAS E BELAS ARTES: estas instâncias

representavam os instrumentos estratégicos para fomentar o desenvolvimento da

criação artística e da cultura. Destaca-se como principal atividade o fomento

para a criação de bibliotecas e o trabalho do Departamento Editorial na

publicação de edições baratas de autores clássicos da literatura universal, de

evangelhos, de histórias, livros para mulheres e clássicos infantis;

• DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO INDÍGENA: a educação indígena foi de

grande interesse para Vasconcelos já que considerava os indígenas como a fonte

de riqueza histórica nacional e, por isso, deveria lhe serem dados os elementos

necessários para sua integração à vida nacional. Este Departamento seria

encarregado de atender as necessidades de cobertura e de materiais didáticos,

assim, como a capacitação de pessoal;

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116

• DEPARTAMENTO DE ALFABETIZAÇÃO: as suas atividades principais eram

a organização e desenvolvimento da primeira campanha contra o analfabetismo.

A orientação dada ao processo de alfabetização por Vasconcelos se

caracterizaria em sua democratização, na superação de prejuízos raciais e de

classe social, a comunicação e a colaboração entre os distintos estratos sociais,

econômicos e culturais.

As idéias defendidas e implementadas por Vasconcelos durante o período que

ocupa o cargo de Ministro da Educação Pública (1921-1924) basearam-se em

estratégias para consolidação do projeto nacionalista, cujo reflexo pode ser observado

em projetos subseqüentes, como o Projeto de Educação Rural e Indígena (1924-1942) e

o Projeto de Educação Socialista (1934-1942).

A mudança ocorrida durante a gestão de Vasconcelos é um claro testemunho de

como o projeto cultural de raízes modernista e espiritualista se transforma. Como bem

demonstra Nicola Coleby147, até 1923 adquire um tom diferente. Aparece o que poder

ser considerado como parte de um discurso dominante que influenciará sobre o campo

da cultura no México por mais de 30 anos.

A educação, nesse caso, é uma face imprescindível da definição de um projeto

nacionalista e de justificativas de projetos e posições políticas e culturais, suscitando

uma gama de matizes ideológica entre os grupos conservadores e os liberais. A imensa

carga popular que traz o movimento revolucionário delimita o papel que o povo

desempenharia nos projetos de nação surgidos durante os anos de 1910-1920 e nos anos

subseqüentes.

O discurso dos governos pós-revolucionários e a atuação política identificaram

o povo como o protagonista da Revolução e destinatário dos principais benefícios do

dito movimento. Tanto nos âmbito intelectual como no artístico, no elitista e nos mais

comuns e correntes, essa concepção tão genérica do popular esteve intimamente ligada

ao nacionalismo pós-revolucionário. Desde os discursos acadêmicos, os expedientes

parlamentares, a preocupação pela definição de “povo mexicano” foi uma constante no

âmbito da “cultura nacional”. Indubitavelmente, definir com certa exatidão o

substantivo “povo” apresentava-se como um problema bastante severo. O mesmo

acontecia com o adjetivo “mexicano”.

147 COLEBY, Nicola. La construcción de una estética. El Ateneo de la Juventud, Vasconcelos y la primera etapa de la pintura mural posrevolucionaria, 1921-1924. Dissertação em História da Arte defendida na Universidad Nacional Autónoma de México em 1985.

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117

O nacionalismo, em termos mais gerais, impunha a construção de uma nova

forma de identificação e valorização do que seria peculiar da formação nacional

mexicana. A pluralidade e complexidade do “povo mexicano” levam imediatamente à

necessidade de uma atuação rigorosa na efetivação do projeto nacional que valorizava

primeiramente, o papel da educação no processo de conciliação das diferenças e

pluralidade dos símbolos do “povo mexicano” e a sua própria representação

iconográfica.

A preocupação na construção de um projeto nacional abarcou desde filósofos da

geração do século XIX aos grupos intelectuais e artísticos do século XX, cristalizando

uma tradição que permanece até os dias atuais em relação à educação como cerne da

“cultura nacional”.

Nessa conjuntura de conciliação e construção de um espaço nacional comum e

representativo da nacionalidade mexicana, a educação tomada como espectro da utopia

social, é o meio viável de conquista da hegemonia de um projeto de formatação do

povo na “mexicanidade” e a “mexicanidade” no povo. Torna-se pauta constante nas

discussões parlamentares, como fica notório na redação da Constituição de 1917 e nos

anos subseqüentes, para a legitimação da luta pela concretização dos ideais

revolucionários e de uma tradição nacional mexicana.

Tomada como problema e solução ao mesmo tempo, a educação constituiu-se

num projeto geracional nos anos pós-revolucionários da prolífica produção literária no

âmbito político e cultural.

O Estado arroga a responsabilidade de subsidiar e fomentar os pilares de

consolidação da tradição da educação como meio de fortalecimento de uma autêntica

“cultura nacional” mexicana. Essa política é expressa na Constituição de 1917, onde se

resgata o imperativo de uma educação laica, já defendida em 1857 pelos liberais,

imprimindo a importância da incorporação indígena como face popular da Revolução e

do próprio processo de construção da mexicanização para a mexicanidade. Reação

direta à aproximação do setor eclesiástico nos anos da Revolução ao grupo político

dirigente do profiriato, no artigo 3º revoga:

“La enseñanza es libre, pero será laica la que se de en los estabelecimientos oficiales de educación, lo mismo que la enseñanza primaria, elemental y superior que se imparta en los estabelecimientos particulares. Ninguna corporación religiosa ni ministro de algun culto, podián estabelecer o dirigir escuelas de instrución primaria. Las escuelas primarias particulares sólo

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podián estabelecerse sujeitandose a la vigilancia oficial. En los estabelecimientos oficiales se impartirá gratuitamente la enseñanza primaria.”148

Essa política responde a primeira lei que no correr da Revolução se dita em

matéria de educação. A observação é que os núcleos indígenas permanecem isolados

geográfica, política, social e culturalmente da fronteira da vislumbrada nação mexicana.

Avaliza o projeto e atuação de uma geração que a partir de 1915 amplia sua participação

no desenho e condução da ordem pós-revolucionária. O fato de se incorporarem à elite

política dirigente da Revolução, primeiro durante o governo de Adolfo de la Huerta em

1920 e depois com a nomeação Vasconcelos, demarca o momento da justaposição da

educação e da estética na construção nacional mexicana.

“José Vasconcelos- escribe Cosío Villegas- personificaba en 1921 las aspiraciones educativas de la Revolución como ningún hombre llegó a encarnar, digamos, la reforma agraria o el movimiento obrero. En primer término, Vasconcelos era lo que se llama un intelectual, es decir, hombre de libros y de preocupaciones inteligentes; en segundo, había alcanzado la madurez necesaria para advertir las faltas del porfirismo, y lo bastante joven no sólo para rebelarse contra él, sino para tener fe en el poder transformador de la educación; en tercero, Vasconcelos fue el único intelectual de primera fila en quien confió el régimen revolucionario, tanto que a él solamente se le dieron autoridad y medios de trabajar. Esa conjución de tan insólitas circunstancias produjo también resultados inesperados: apareció ante el México de entoces una deslumbrante aurora que anunciaba el nuevo día. La educación no se entendió ya como una educación para la clase media urbana, sino en la única forma que en México puede entenderse: como una misión religiosa, apostólica, que se lanza a todos los rincones del país llevando la buena nueva de que la nación se levanta de su letargo y camina”.

Falar da importância da educação neste período no México e sua vasta discussão

política, institucional e cultural também remetem à consideração da estética, questão

que discutiremos mais adiante, como um campo prolífico na manifestação e idealização

do universo dos símbolos, alegorias e proposições concernente à construção de um

espaço comum de relações e comportamentos.

Reconhecer a importância pioneira do projeto de Vasconcelos forjando um

modelo ideal de construção de um determinado tipo de nacionalidade que passava pela

necessidade do momento de incorporação do indígena e sua cultura, dominante no

processo histórico, favoreceu o aparecimento de um referencial analítico de

consideração da educação no México.

Considerar o papel da educação na construção de uma ordem nacional e

conseqüentemente, à estética nesse sentido como um espaço de interação pública e

fornecedora dos instrumentos básicos de reconhecimento de determinados valores 148 Constitución Política de los Estados Unidos Mexicanos. Edición oficial. México: Imprenta de la Secretaría de Gobernación, 1917.

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nacionais, remete à investigação histórica dessa estreita relação. Relação que perpassa

os distintos processos de formação nacional, mas que no caso mexicano apresenta um

forte viés observado nas ações dos grupos culturais e artísticos filiados ao ideal

revolucionário. A educação se opera através da associação entre os instrumentos

tradicionais educativos e os novos canais abertos pela atuação dos setores literários e

artísticos.

A síntese do pensamento de Vasconcelos sobre a idéia de meztizaje cultural está

postulada no livro La raza cósmica. Nesta obra constrói um aporte teórico que

fundamenta a mescla dos elementos diversificados da identidade ibero/latino-americana.

Exacerba a superação de seus conteúdos negativos para a incorporação e garantia da

homogeneidade político-física através de um predomínio de uma raça identificada a um

povo, a uma nação. A tese proposta pela raza cósmica baseia-se na fusão das distintas

raças até formar um novo tipo humano composto com a seleção de cada um dos seus

povos existentes. Como demonstra Eliane Garcindo de Sá em seu trabalho Mestiço:

entre o mito, a utopia e a história,

“Vasconcelos propõe uma mestiçagem seletiva, positiva, decorrência entre outros da experimentação estética, uma construção que corrija todos os vícios de uma mestiçagem real, concreta, toda a fealdade que o circunda, quando se trata da mestiçagem entre distintos, ou seja, entre brancos e índios ou negros. O mestiço concreto, historicamente próximo é elemento a ser eliminado ou superado. A raça cósmica não deve ser senão a superação do contingente étnico existente, eliminados os baixos, os feios, negativos, identificados com as sociedades mestiças, coloridas. Esta mestiçagem ultrapassa a etnia e alcança a cultura, a civilização. (...) para Vasconcelos a mestiçagem constitui o enfrentamento da questão racial-indígena, sobretudo, enquanto superação da ameaça consubstanciada por todos os elementos negativos no contingente étnico índio e/ou negro.149

. Seu projeto da construção de um novo e moderno homem mexicano, imbuídos

de valores universais é apropriado pelo movimento muralista como um caminho que

leva ao passado para o reconhecimento da raiz dos problemas mexicanos, mas também é

lugar onde está resguardada a grandeza e beleza da identidade social, cultural e estética

da “cultura nacional” mexicana.

Na complexidade do processo de conformação de idéias, ideais e projetos no

espaço de configuração da “cultura nacional” no México nos anos de 1920 a 1940,

como foi demonstrada a partir do papel dado à educação, uma questão torna-se

relevante: a definição do campo intelectual e artístico.

149 Cf. SÁ, Eliane Garcindo de . Mestiço: entre o mito, a utopia e a história. Texto inédito, Rio de Janeiro, 2001. p. 129.

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120

A dinâmica social, política e cultural do período supracitado, ambiente de

mudanças constantes nas diretrizes políticas, corrobora o que Pierre Bourdieu apresenta

em sua definição de campo: os campos operam como um sistema de forças baseado nas

relações de dominação e conflito, onde se busca a conquista de posições e lugares

legítimos. Em conseqüência, os conflitos devem ser legítimos e os ocupantes de um

dado campo obedecem a essas regras constituídas. Para que determinados agentes

ganhem posição mais importante na disputa a respeito da representação legítima dentro

do campo em que transitam, eles acionam recursos em um outro campo.

As obras culturais mais destacadas do período (1920-1940) demonstram a

característica destacada por Bourdieu na idéia de campo, pois são polivalentes e

suscetíveis às interpretações variadas e encontradas. Não possuem, quando analisadas a

partir dos preceitos e posturas dos seus autores e artistas de um sentido único, mas

demonstram as idiossincrasias suscitadas pelo momento revolucionário.

Um dos exemplos que podem ser citadas nesse sentido são as obras produzidas

pelo movimento muralista. Como no primeiro momento, extensão do projeto cultural de

Vasconcelos, assevera pontos de divergências em relação ao mesmo.

Nos primeiros números do periódico El Machete, são publicadas críticas à

condução da política cultural de Vasconcelos, considerada como um meio de buscar

uma produção artística dirigida. El Machete, com uma orientação política ligada ao

Partido Comunista Mexicano e dirigido por Xavier Guerrero, Diego Rivera e David

Alfaro Siqueiros, expõe desde o seu primeiro número para quem se direciona e contra

quem está: “Este periódico es del pueblo y para el pueblo, está dedicado a los changos

de la hipocondria europea, distinguidos como falsos críticos e intelectuales de mala

clase, que no conformes con su esterilidad son los enemigos más irreconciliables del

pueblo de México”150. El Machete se dedicou sistematicamente a atacar aos ateneístas e

os modernistas, poetas, escritores, pintores, arquitetos e músicos151, e rechaçaram o

cosmopolitismo em prol da arte que tinha como prioridade os povos indígenas.

O indigenismo verbal e visual se converteu em um grande paradoxo da arte

mexicana e da nação; “representar” o índio formará parte da construção de uma

imagética em que surge uma noção utópica do passado, principalmente com Rivera,

uma invenção da história em imagens e um laboratório de categorias para acercar-se aos

150 COLEBY, 1985. p. 167. 151 Entre eles, destacam-se Antonio Caso, José Juan Tablada, Jaime Torres Bodet, Dr. Atl, Alfredo Ramos Martinez, Germán Gedovius, Frederico Mariscal, Manuel M. Ponce e todo aquele associado a Vasconcelos.

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habitantes originários do território mexicano que está entre os tipos ideais, o espírito da

raça e a classe social.

Os problemas e as tendências de um nacionalismo cultural restritivo emergem

desde meados dos anos de 1920, porém se consolidaram na década de 1930. Guilhermo

Sheridan tem definido os conceitos que foram nutrindo o nacionalismo cultural, suas

relações com o Estado e os intelectuais, um Estado que em 1932 se declara o único

autorizado para falar, o único educador do país.152

No reconhecimento do muralismo como um movimento artístico, cujo caráter

estético afirmava a defesa de uma arte popular, de perfil nacionalista, fato observado

nos murais pintados por Rivera, nos anos de 1920 na cidade do México, consolida-se a

visão de arte revolucionária. A construção dessa tradição artística que se nutre em si

mesma, em especial, de uma visão peculiar de seu próprio passado, legitima o

muralismo como um movimento moderno na medida em que revoluciona a maneira de

definição em termos culturais.

Este processo, que pode ser entendido como uma nova forma de conceituar o

artístico em uma sociedade pós-colonial, abrigaria em seu interior o contrário, onde

ficam perceptível as redes de exclusão que se manifestariam na articulação de um novo

cânon mais ideológico que formal sobre o que é nacional em termos artísticos. Destaca-

se também a formação de uma retórica que legitima o papel do muralismo como uma

arte revolucionária e popular.

A obra La Pintura Mural de la Revolución Mexicana pode ser considerada como

um exemplo. Publicada pela primeira vez na década de 1960 e, cuja 2ª edição, em 1975,

pelo Fondo Editorial de la Plástica Mexicana, sob os auspícios do governo de Luis

Echeverría Alvarez (1970-1976), aludiu o imaginário criado pela Revolução, no qual se

destaca a comemoração do renascimento da identidade mexicana.

Na obra, o texto privilegia a história, grandeza e importância da arte, em

especial, a mural para a formação e reconhecimento da identidade mexicana. Em suas

386 páginas é possível à observação da construção de um discurso em torno da

“glorificação” da Revolução, assentado no renascimento da pintura mural. Destaca-se a

reprodução dos murais de Rivera, Orozco Siqueiros, acompanhados de descrições que

buscam ressaltar a pujança das imagens e o destaque do resgate do indígena como figura

principal.

152Cf. SHERIDAN, Guilhermo. México en 1932, la polémica nacionalista. México: Fondo de Cultura Económica, 1999. p.38.

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A epígrafe da obra, de autoria do próprio presidente Luis Echeverría Alvarez,

pode ser considerado o mote central para o esforço do Estado na manutenção de um

ideal de unidade da “cultura nacional” revolucionária, de amplo caráter didático. Assim,

discorre sobre a pintura mural:

“La segunda edición de La Pintura Mural de la Revolución Mexicana, aspira a difundir, aún más, la obra e con ella el mensaje que expresaran sus autores. Los muralistas vivieron, actuaron y crearon, comprometidos con el movimiento social que sacudió a la nación y la fijado las bases para nuestro desarrollo. Nutridos por la experiência directa de este trascendental acontecimiento, hombres como Diego Rivera, José Clemente Orozco, David Alfaro Siqueiros y muchó más, plasmaron vigorosamente su idea de la historia u de la sociedad. Su obra constituye un serio intento para hacer del arte un acto revolucionário colectivo y es por ello una impostante contribución de nuestro pueblo al arte universal. Han pasado ya la geraciones que vivieron aquellas horas determinantes para nuestro país. Han variado también las condiciones que dieron lugar a los hechos motores de su inspiración. Sin embargo, permanecen en los muros en que ellos trabajaron, los temas centrales que animan a todos los pueblos en la búsqueda de formas sociales que hagan posible la justicia en la libertad. La pintura mural de la Revolución es testimonio de la fuerza creadora y de la vocación democrática de los mexicanos.”153

A continuação da evocação do “nacionalismo cultural” permanece na

Introdução, agora em linhas que ressaltam a natureza mítica e libertadora da arte em seu

sentido universal. A obra de arte passa a ser analisada pelo viés de sua grandeza,

principalmente, no que se refere às manifestações artísticas no México.

“El arte en México,así como en todas as partes, se há manifestado como consecuencia de la energia espiritual del hombre. En la guerra o en la paz, en la noche o en dia, el ser humano condensador de circunstancias únicas, realiza por médio del arte la sorpredente operación de dar permanência a lo fugaz, de hacer presente lo que yá pasó, de aprisionar tiempo sensaciones y emociones, gracias a la memoria, que recibe y conserva- para bien o para mal- lo que vemos y escuchamos, lo que nuestras manos tocan y saborea nuestro paladar. La obra de arte es el tiempo concretado en emociones y sensaciones, aisladas así por una necesidad aparentemente inexplicable. El artista nos comunica ‘algo’ que nos hace falta. De ahí el valor social de la obra de arte su fuerza acompañante y su indeclinable solidaridad con todos los valores espirituales. Da forma a algo es la finalidad de la conducta humana. (...) El valor de la obra de arte es irremplazable dentro de las normas del trato humano. Nos entrega la realidad suprema de las cosas a través de diferentes versiones, de acuerdo con la capacidad del artista. El mundo es arquitectónico y escultório, tiene color, es musical y poemático. Nosotros lo sabemos cuando el artista nos lo declara. Y a través del arte, nuestras percepciones se verifican tan valiosamente que, al entrar en juego con la realidad poética, el sentimiento de admiración aflora en nosotros espontaneamente. Hemos hecho un descubrimiento. (...) En el área geográfica que llamamos México, el hombre há demonstrado su capacidad artística como en ninguna outra parte de las Américas. De norte a sur, desde Zacatecas hasta Chiapas, así en la altiplanicie como en las tierras bajas, y ambas comprendidas dentro de la zona tropical, una gigantesca actividad artística, admirable por su riqueza y variedad, por todas partes acumula ejemplos del gênio creador de nuestro mundo indígena, dotado soberanamente para la

153 La Pintura Mural de la Revolución Mexicana. México: Fondo Editorial de Plástica Mexicana, 1975.

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inteligência y la imaginación. Esa gente antigua nuestra organizó vastos ciclos culturales que relatan en piedra, en barro y en esterco, en paredes pintadas o en papel, las aventuras del cuerpo y del espíritu consideradas como experiência religiosa o doméstica, lo mismo cuadrangulado una pirâmide que tallando en jade los adornos rituales para un semidiós.”154

Traçando uma linha da história e do desenvolvimento da arte no México nas

páginas posteriores a Introdução, assevera a importância do acontecimento da

Revolução para o resgate da pintura mural, prática artística já presente durante séculos

na tradição da arte mexicana.

“(...) La gran pintura mural vênia gestándose na atividad artística de México desde os princípios de siglo, pero fue la Revolución Mexicana, en el momento de su victoria, al convertirse en régimen de gobierno, la que hizo posible el surgimiento y el esplendor de esa expresión artística. El pueblo mexicano- con su historia, sus luchas, sus ideales- es inspirador principal y protagonista de esa pintura, que en otro tiempo, en otro país, en distintas condiciones, jamás se hubiera producido y que es realmente un fenômeno peculiar de la historia y la evolución cultural de México. (...) Y es que el elemento primordial del nuevo arte plástico de México estaba precisamente en México. En su historia, en su pueblo, en su paisaje y en su cultura. Así, uma característica de la pintura mural mexicana de este siglo es la fusión orgânica, armoniosa, de lo mexicano y lo universal. Esta fusión pudo realizarse em condiciones magníficas, merced a las circunstancias propicias de la realidad nacional y a las notables capacidades de que estaban dotados los iniciadores de esse movimiento artístico. La Revolución Mexicana, al destruir al viejo régimen y sentar las bases de un nuevo orden democrático, hubo de dar también un impulso resuelto ao desarrollo cultural. La cultura tenía que reconstituirse, remozarse, asumir una nueva orientación, acorde con los princípios y los objetivos revolucionários. Ante esta necesidad histórica, se inició con mayor intensidad que en el pasado un proceso de nacionalización de la cultura.” 155

Nas diversas interpretações a respeito do muralismo na historiografia mexicana e

na história da arte, é comumente considerado como um movimento estritamente

vinculado à causa revolucionária, imbuído ideologicamente do socialismo soviético. As

considerações sobre estes aspectos são os pontos de partida para a compreensão de sua

natureza e objetivos, mas não constituem a questão principal. O muralismo é também

uma decorrência socio-histórica das vanguardas artísticas e estéticas dos anos de 1920,

que aparecem em diferentes países da América Latina.

Na atuação dos artistas, principalmente, das artes gráficas e pictóricas, destaca-

se como expoente o movimento muralista, formado por um grupo diversificado e até

divergente, mas com uma diretriz comum de afirmação e constituição de uma arte

pública e política. Essa nova arte opor-se-ia frontalmente aos cânones clássicos e

estéticos da arte ocidental, de origem européia.

154 Ibid. 155.Ibid., pp. 47-48.

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124

Os muralistas- aqui nos referimos a Diego Rivera, David Alfaro Siqueiros-

utilizaram a temática indígena e européia para recriar uma nova síntese histórica e

estética americana. Neste sentido, foram além dos limites da narrativa tradicional.

Idealizam um momento de (re) fundação histórica que contém em si mesmo diferentes

abordagens e visões da representação da sociedade mexicana

O engajamento político e ideológico de seus artistas, já mencionados, e o papel

que assume o Estado mexicano neste momento, lançam luz na problemática social e

propunham por meio de uma renovação estética da arte, o que de certo modo, distinguia

o trabalho de representação do presente e do passado mexicano; e em segundo lugar, a

criação de um movimento artístico original para alcançar e educar a numerosa

população mexicana.

No geral, no que concerne ao caráter político, como movimento, o substrato do

projeto muralista é a natureza pedagógica de construção e reconhecimento da identidade

nacional mexicana, agora resgatando o lugar do indígena e sua inserção social, política e

cultural na sociedade moderna mexicana.

A busca pela originalidade técnica e estética, definiu a sua monumentalidade na

utilização dos espaços públicos para a representação pictórica e a retratação do presente

da história mexicana a partir de parâmetros no passado que evocavam desde a

organização social, política e ritualística das sociedades mexicanas pré–coloniais,

passando pelos séculos de conquista e colonização espanhola até os anos de repressão e

injustiça social do porfiriato. A consideração dos pontos assinalados acima marca a

principal descrição a respeito do movimento, o que por outro lado, sobrepuja a

diversidade dos outros usos da pintura mural.

As características atribuídas ao seu forte apelo político e ideológico e⁄ ou sua

vinculação aos valores que permearam o imaginário revolucionário, o singularizaram

como uma experiência de institucionalização e afirmação de uma realidade nacional,

instrumento na tentativa de equilíbrio e conciliação de forças sociais e culturais. A

crítica ao colonialismo e seu compromisso com a exposição da exploração das classes

populares mexicanas, em particular a população rural e o proletariado, de maioria

indígena, conduz ao passado.

O muralismo, de maneira geral, enquanto projeto institucional, na seleção de

símbolos e alegorias para suas representações, concentra-se numa releitura do passado

pré-hispânico e colonial, principalmente, no reconhecimento da cultura indígena como

terreno cultural da identidade nacional mexicana.

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125

O vigor dessa atuação na construção de significado e definição do nacionalismo,

é registrado e propalado por uma vasta literatura contemporânea, ressaltando sua

contribuição para o reconhecimento do caráter universal da arte latino-americana.

O muralismo e as aspirações e ideologias que representava origina-se no lastro

das idéias defendidas e postuladas pelo setor intelectual e artístico mexicano. Tal fato é

desconsiderado pela vasta literatura sobre esse movimento artístico, cultural e político.

A sua contribuição para o processo de legitimação figurativa de um Estado

projetado nos valores revolucionários é indubitável, porém, a sua trajetória está marcada

por divergências de ordem ideológica e estética, e em ocasiões inclusive, para a

disposição de um espaço de expressão no sentido mais literal.

Figuram no quadro da cultura da revolução aportes que provém de filiações

contrapostas e discrepantes. Basta recordar a oposição existente entre a vertente

nacionalista e cosmopolita; entre o espiritualismo filosófico de Antonio Caso e o

materialismo histórico de Lombardo Toledano; entre a concepção neoromântica de

Vasconcelos e o pragmatismo de Manuel Gamio e Moiséz Saenz; entre a vanguarda

estridentista e o classicismo dos contemporâneos; entre os intelectuais do LEAR (Liga

de Escritores Revolucionários) e os partidários do comunismo soviético.

Todo este contexto dá conta de um panorama que é contrário a uma unidade e

homogeneidade difundida pelo “nacionalismo revolucionário”. As contradições que se

expressam se apresentam a partir de manifestos em todos os terrenos e, de modo

estratégico no educativo.

A revolução aparece como um depósito de significados diversos em que se

afirmam valores de uma reapropriação do nacional visando à consolidação da idéia de

uma ruptura com o profiriato. Porém, se trata, no âmbito intelectual e artístico, em uma

instância de campos de disputas no estabelecimento de relações de forças e direitos de

legitimidade. No campo da cultura como no campo da política, é projeto e prefiguração,

onde a intelectualidade participa para a tentativa de aberturas nas formas históricas

consideradas como inéditas.

A Revolução Mexicana pode ser pensada a partir deste prisma crítico, em

contraponto à idéia de um processo de hegemonia e homogeneidade ideológica, como

uma construção positivista dos ateneístas. Esta afirmação corrobora-se na postulação e

interpretação dos períodos revolucionário e pós-revolucionário no ideal de uma

conformação ideológica e cultural que sustenta a idéia da existência de uma unidade.

Por outro lado, nos estudos e análises das novelas da Revolução, que demonstram

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testemunhos, pretendendo ter um caráter realista; ou mesmo, os registros visuais, entre

os quais demonstram atitudes igualmente díspares nos variados lugares de seus atores

durante o processo revolucionário. No campo político essa realidade onde as

dissidências estão presentes há tentativa de criação de uma organicidade com respeito

ao estado aparente ou real frente aos governos do período revolucionário e pós-

revolucionário.

A característica dominante da cultura intelectual no México tem sido- não só a

nível de autores, senão de correntes- a ambivalência, a dualidade e a contradição. É

mais que um reflexo de uma necessidade da atividade econômica ou a política nacional.

No caso da historiografia corrente, essa realidade expressa a transmissão de ideologias

eventualmente contrapostas e discrepantes. Intermedia tendências diversas já

conciliadas ou justapostas. Em especial, refuta diretamente em momentos distintos, o

surgimento de tendências aglutinadoras, sincréticas e sintetizadoras, cuja propriedade

sui generis é a sua capacidade de recuperar ideologias particulares; elementos, correntes

e movimentos sociais antagônicos, cujos objetivos e soluções apontam para valores

conservadores.

No caso mexicano são inúmeros os exemplos de um setor da intelectualidade

que se incorporou ao Estado desde a Revolução até os anos posteriores, atuando em

todos os campos das políticas institucionais estabelecendo uma relação entre “saber” e

“poder”. Nesse sentido, diversos intelectuais atuaram, ou melhor, responderam aos

requerimentos do tipo de Estado que estava por se conformar. A criação destes

“quadros” resultou do que pode ser considerada de uma realidade problemática e

apresentou sérias contradições através de um processo de improvisações de todas as

índoles e articulações e descontinuidades nos projetos institucionais.

A possibilidade de imaginar a unidade dos componentes de consenso e

centralidade que requer a constituição de uma hegemonia nacional, principalmente

política, com o ideal de formular um modelo coerente e pertinente de participação

identitária em uma totalidade social tem seu correlato na criação de uma certa “filosofia

nacional”. Observa-se a aceitação no meio intelectual, nas distintas correntes de

pensamento e ideológica, da eventual tentativa de formular uma filosofia sistemática e

geral, particularmente, no momento crucial da polêmica contra o positivismo,

identificado como a ideologia do porfiriato.

No México a confrontação ocorreu entre duas vertentes: a sistemática e a

doutrinária. No signo do evolucionismo de Lombardo Toledano aos herdeiros da

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sistematicidade positivista como Molina Enríquez ou os autores da legislação nacional

mexicana na Constituinte de Querétero e a cristã dos filósofos e literatos,

principalmente, que encontraram com a oportunidade de dar o golpe graças ao

positivismo- caso de Alfonso Caso e Vasconcelos.

Esta contraposição apareceu como uma polêmica entre o materialismo dialético

e o espiritualismo. Ambas são tributárias, respectivamente, dos espiritualistas e

positivistas, assim, como refletem uma posição distinta frente ao Estado em sua forma

prevalecente. Os espiritualistas, como Caso e Vasconcelos, não eram menos “estatistas”

(como no caso de Lombardo Toledano), por pregar uma filosofia idealista de origem

cristã para a Revolução; a idealização de uma mítica social, com a imagem de uma

sublimação espiritual da nação, presidida pela idéia da cultura como missão, julga ter

um papel mais efetivo e determinante para sustentar as ingerências culturais de uma

nova hegemonia que as certezas do idealismo finalista, do humanismo socialista de

Lombardo Toledano.

De fato, é que as diferenças de concepção e atitude dividem a intelectualidade

entre aqueles que se inclinam por uma orientação mais especulativa e os que se decidem

por uma mais pragmática. Aqui podemos citar o caso de Antonio Caso, não obstante ao

seu desempenho administrativo ou diplomático; Vasconcelos, que transita entre o que se

considera um “homem de letras” para outro ( como ministro, reitor, político), porém, é

um pensador de generalidades, antes de tudo, de utopias filosóficas e sociais.

Por outro lado, Molina Enríquez, Gamio, entre outros, são representantes de uma

corrente caracterizada pelo imperativo prático de suas idéias, projetos e concepções.

Não só são homens de ação, como também de realizações efetivas com fins realistas,

ainda mesmo que seus objetivos sejam a longo prazo. Lombardo Toledano parece

unificar estas duas inclinações e junto com Gómez Morín chega a mostrar uma

afinidade paradoxal entre ambos: os dois possuem um sentido pragmático que não

impede de serem especialista e político (economista ou advogado) e político e

intelectual. Ambos provêm de uma mesma formação e geração. No plano político,

atuaram para organização do regime pós-revolucionário no sindicalismo e na

institucionalização econômica do país.

Nos seus perfis e atuação, principalmente no período revolucionário, ambas as

vertentes dessa intelectualidade que constituía um grupo de projeção no México, ainda

que de maneiras distintas, contribuíram para a criação de condições que geraram

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128

práticas institucionais novas ou concepções e princípios que presidem sua criação e

funcionamento.

Resulta de maneira significativa que a insistência de alguns intelectuais como

Gamio, ressaltando a necessidade que os governantes mexicanos contaram com

sociólogos e economistas mais que com filósofos, o início de um processo de

especialização dos intelectuais obrigados a multilateralidade de suas disposições e

habilidades, inspiradas em muitos casos em uma concepção fortemente positivista,

ainda mesmo no período revolucionário.

A herança positivista da Revolução, demonstra que a idéia de ruptura com o

profiriato, baseada em grande medida pelo pragmatismo ideológico e político existente

no meio institucional, em particular no governo de Carranza até o de Elías Calles,

justifica o reconhecimento de uma continuidade. Assim, como a necessidade de contar

com critérios e orientações definidas para a legitimação das vias de ações institucionais.

Cabe ressaltar que tal aspecto é visível nas elaborações de muitos autores que

formularam planos, programas e iniciativas de lei; análises e diagnósticos de situações,

assim, como de crítica sobre pontos específicos das supracitadas iniciativas (jurídicas e

institucionais), intervindo sobre a base de orientações e concepções de tipo positivista

(como Gamio) e na organização agrária e financeira (como Gómez Morín).

De fato, por outro lado, o espiritualismo teve uma influência maior. O já

mencionado e destacado exemplo de Vasconcelos ilustra cabalmente esta situação.

Mesmo a sua carreira política institucional e política sendo fugaz, conseguiu adesões

dos setores médios da população. Pode-se dizer que não foi um intelectual orgânico só

no sentido partidário, mais foi atuante em um período e em uma sociedade que a

existência de alternativas institucionais atuava fora da esfera do Estado com um grupo

restrito de poder que exercitava a crítica com distância de sua função.

A persistência do modelo positivista de representação da sociedade facilitou,

todavia, como foi em alguns casos, uma concepção de realidade nacional em termos

mais concretos para propor a realização de diagnósticos, medir, contar, legislar com

propósitos definidos, hierarquizando em ordem prioritária as necessidades do povo

mexicano, como fez Gamio, ao destacar em primeiro lugar, a solução da necessidade de

alimentos. Como antropólogo, Gamio estabelece o papel da Antropologia para o

desenvolvimento nacional. Seu pragmatismo não impede de ter uma visão continental

do indigenismo, como manifesta no posto ocupado no Instituto Indigenista

Interamericano.

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O positivismo e a Antropologia permitem a Gamio saltar o abismo entre uma

concepção abstrata geral sobre o que pensa e o que deve ser o país, a indicação das vias

efetivas para a realização de um certo projeto nacional.

-2.4: A SÍNTESE DO PENSAMENTO DE MANUEL GAMIO: FORJANDO

PATRIA E LA POBLACIÓN DEL VALLE DE TEOTIHUACÁN

A demonstração da complexidade social e ideológica do campo intelectual

mexicano nos anos iniciais do século XX desmistifica o discurso oficial de uma

memória histórica hegemônica e homogênea. Os debates e discussões intelectuais como

as idiossincrasias das distintas correntes, seja filosóficas ou ideológicas, atuantes “à

sombra da Revolução Mexicana”156 definem e viabilizam o papel exercido por Gamio

na exposição e prática de seu pensamento. Aguirre Beltrán na conferência proferida no

Museo Nacional de Antropologia, da cidade do México, em 5 de setembro de 1968,

perfila o intelectual Gamio e apresenta de forma clara os princípios de seu pensamento e

o ambiente social que estava inserido.

“(...) Quién pudo hacerlo desde muy temprana edad fue el filósofo anárquico Ricardo Flores Magón, a quien mucho debe la antropología social mexicana en sus enfoques del problema agrario. Como es bien sabido de todos nosotros, para Flores Magón el hombre es esencialmente bueno, la estructura social en que se halla aprisionado lo vuelve malo. Para él la propiedad territorial tiene su base en el crimen y es un instrumento inmoral frente de los males que afligen al ser humano. En la naturaleza, el agente creador es el conflicto; acciones y reacciones en la materia orgánica e inorgánica lo ponen de manifiesto. La vida es lucha, crítica, desacuerdo y no el orden conservador que proponían los científicos positivistas. El progreso no es una evolución gradual ni un dejar hacer, es un salto revolucionario de etapas. El anarquismo de Flores Magón y su slogan “tierra y Libertad” tomado de los narodniki rusos de mediados del siglo anterior, cristalizaron en el movimiento encabezado por Zapata, en la Constitución de 1917 en la legislación agraria. La redistribución de la tierra, cuando fue llevada a sus últimas consecuencias durante el régimen del presidente Cárdenas, por si sola logro la incorporación de grandes masas indígenas a la vida nacional, enriqueciendo con ello el acervo cultural y humano del país. De aqui la importancia que para la antropologia social y la política indigenista tiene el pensamiento de los precursores mencionados y el de otros más que no lo han sido. Em este clima mental, que ponía las condiciones sociales y culturales sobre las biológicas, y que daba gran énfasis a los problemas derivados de la tenencia de la tierra, apareció la obra de Manuel Gamio, Forjando patria, que señalaba el comienzo real de la antropologia social contemporánea en México. Gamio vivió largos y fecundos años y llegó a formular un cuerpo consistente de doctrinas en libros, folletos y artículos publicados en diversas revistas y en varios idiomas. Tuvo, (...) ideas germinales que desbrozaron el campo de la acción y de la

156 Expressão que intitula o livro de Héctor Aguilar Camín e Lorenzo Meyer, já citado neste trabalho.

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investigación; pero, como bien lo advirtió Julio de la Fuente, nunca profundizó sus teorias ni tuvo la virtud de revisarlas a medida que avanzaban los conocimientos antropológicos. Gamio es bien conocido, no sólo entre nosotros sino en todos el mundo académico, por su insistencia en darle a la antropología una aplicación en los menesteres de gobierno. No es necesario repetir aqui las palabras que escribió en los primeros capítulos de Forjando patria, en donde francamente, sin titubeo alguno, da una función aplicativa a la antropología y rechaza por estériles los estúdios de investigación especulativa que se conservan en los archivos de las universidades sólo para ser consultados por unos cuantos elegidos. Semejante crítica no implica negación de utilidad a la investigación sino precisamente lo contrario: la necesidad que tienen los países de conocer científicamente las características y la condiciones de las poblaciones que habitan dentro de sus fronteras. En lo que se refiere particularmente a México, la necesidad de esta investigación y este conocimiento parecían evidentes y necesarios para la conducción de un buen gobierno. Los métodos que propuso Gamio para la antropologia, fueron fundamentalmente: el histórico, el etnográfico y el estadístico. El primero comprendía la arqueologia como un requisito para descubrir las formas antiguas de cultura y seguirlas en su evolución hasta nuestro dias, de modo que estos antecedentes sirvieran para promulgar las leyes o normas que más conviniesen al país y que tuvieran en cuenta los distintos grados evolutivos de los grupos étnicos. El método de la etnografia lo concebia como el de la observación participante en que el investigador debía contemplar a la población, materia de estúdio, con empatia, esto es, forjándose temporalmente un alma indígena. La introducción del método estadístico en la investigación social permitió a Gamio la utilización e interpretación de materiales cuantitativos que influyeron considerablemente en su obra. Para Gamio el fin eminente de la antropología social es la construcción de la idea de nacionalidad. El señalamiento de este propósito no fue ciertamente suyo original sino el residuo de las ideas de los científicos sociales que los antecedieron y cuyas obras de manera ostensible estuvieron destinadas a poner los cimientos del edificio que Gamio habría de coronar. Muy bien puede decirse que todo el pensamiento antropológico mexicano, a partir del abate Clavijero, se ha encaminado a formar esta idea, clave en países como México que surgieron del colonialismo europeo con status independiente, pero sin haber consolidado um espíritu nacional. Al contemplar Gamio la situación del país en los años en que se iniciaba la Revolución, no pudo menos de advertir que México no constituía una verdadera nación, ya que estaba integrada por un Estado, políticamente definido, que comprendía dentro de su régimen y ordenamiento a la minoría moderna civilizada y a un número grande de pequeñas patrias- pequeñas nacionalidades diríamos hoy día-con un nacionalismo bien definido, constituidas por los múltiples grupos indígenas dispersos en toda la extensión superficial del país. Mientras existiera este Estado multinacional con su heterogeneidad manifesta, difícilmente podia hablarse de México como de una verdadera nación. Esta preocupación lo llevó a estudiar las características que configuran las nacionalidades para que, conociéndolas, se pusiesen los remedios adecuados.”157

Em 1916, as considerações políticas e não só a aplicação de novos métodos

arqueológicos influenciou nas concepções de Gamio sobre o passado, o presente e o

futuro do país. O mesmo admite que os acontecimentos revolucionários confirmaram a

sua vocação de antropólogo: “la dislocación del edifício social, la movilidad horizontal

y vertical, la tempestad humana que se presenta en los pueblos indígenas formando un

mosaico viviente de distintos rasgos culturales y diversos idiomas nativos”158. O general

Álvaro Obregón leu o seu livro e encontro um profundo estudo científico da verdadeira

origem dos grandes males da nação mexicana.

157 AGUIRRE BELTRÁN, 1990. pp. 274-276. 158 Rascunho de carta datilografada de Gamio ao presidente da Universidade de Columbia, sem data. Arquivo de Manuel Gamio, Instituto Nacional de Antropologia e História, Vol. 12.

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O cenário revolucionário ofereceu a Gamio à oportunidade de inserir a nova

memória cultural e histórica que se engendrava nas diretrizes políticas. A promulgação

da Constituição de 1917 exemplifica esse esforço, quando cria institucionalmente

programas que visam à integração e a educação indígena. Por outro lado, a inauguração

da Dirección de Estudios Arqueológicos y Etnográficos, rebatizada em 1919, como

Dirección de Antropología, com o apoio do secretário de Agricultura e

Desenvolvimento, Pastor Rouaix concretiza a proposta de valorização da arqueologia no

conhecimento e resgate do passado mexicano. Em uma Secretaria de Estado

encarregada de promover a reforma agrária e o desenvolvimento de infra-estrutura do

país, Gamio teve a possibilidade de levar à prática uma investigação integral no Vale de

Teotihuacán.

Forjando patria é um livro que em mais de um sentido resultou programático e

fundacional para o saber e o conhecimento antropológico no México, sobretudo, no que

se refere ao vínculo que uniu o dito saber com a ação do Estado. Este vínculo era

proveniente da percepção, já bem enraizada entre as elites intelectuais, de que o

problema social do México seria superado mediante a integração nacional. Essa

integração baseava e justificava-se na conformação de um conglomerado social e

cultural frente à dispersão das culturas que até então constituíam o país.

No caso de Gamio, essa busca apresentava múltiplas frentes, pois precisamente a

sua prática antropológica reivindicava uma metodologia integral, cuja natureza se

demonstrava no importante projeto que dirigiu e viabilizou a obtenção de seu título de

Doutor pela Universidade de Columbia, publicado com o título de La Población del

Valle de Teotihuacán.

A pretensão da Antropologia de Gamio resulta de forma importante na medida

em que imprime um significado diferente à ação educativa que o Estado havia

empreendido desde o século XIX. Pois, seguia atribuindo à instrução obrigatória a

função de formar o “povo mexicano”, fato que também é patente no projeto educacional

de Vasconcelos, já apresentado e descrito nesse trabalho. Para Gamio, a prática

educativa teria adiante que estar guiada por e assentada sobre o instrumental da

etnologia.

Na realidade, a metodologia etnológica era concebida por Gamio como um

instrumento para transcender a barreira que representava a multiplicidade racial,

lingüística e cultural do México em princípios do século XX. Junto a ela deveria ter

como fim a educação integral, cujo modelo era o “sistema educativo integral impuesto

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[en Francia y Alemania] a principíos del siglo XIX por ilustres pensadores como

Napoleón y Von Humboldt”159.

A proposta de Gamio sobre este viés é integracionista antes de ser integral.

Acerca desse ponto específico a respeito da educação integral uma observação deve ser

feita: a sua concretização só poderia ser realizada caso a população mexicana fosse

racialmente homogênea, possuísse um idioma comum e iguais tendências e aspirações,

o que contribuiria para adotar e adaptar um plano educativo análogo aos da França e da

Alemanha. Por outro lado, a heterogeneidade da população, a multiplicidade de idiomas

e a divergência nas modalidades de pensamento tornam-se obstáculos para a sua

implementação. Contudo, no conjunto, o trabalho de Gamio é de suma importância para

a compreensão do desenvolvimento no México, nas primeiras décadas do século XX, de

discussões e correntes a respeito do estabelecimento de uma ordem nacional, agora

considerando as populações indígenas.

-2.4.1: FORJANDO PATRIA: A ANTROPOLOGIA COMO INSTRUMENTO DE

COMPREENSÃO DO PASSADO E CONHECIMENTO DO PRESENTE

Gamio em 1916 reuniu uma série de ensaios e artigos em sua obra Forjando

patria, que pode ser considerada como reflexo de sua compreensão do processo

revolucionário em curso. O seu intuito com a publicação da obra era contribuir para a

constituição da unificação da pátria que se anunciava e a defesa das populações

indígenas.

Na análise de Forjando patria é possível perceber que a sua reflexão e

compreensão do contexto revolucionário geraram idéias contraditórias com o seu

tempo.Gamio afirma que o problema básico para que o México se transformasse em um

país moderno era considerar o fato que havia um enorme contingente da população

formada por indígenas, que não estava inserido na sociedade mexicana. Era necessário

que o Estado que estava saindo da Revolução elaborasse uma política de incorporação

desse contingente. A sua posição de nada mais era que um reflexo do dilema que

159. GAMIO, Manuel . Forjando patria. 3ª ed.. México:Porrúa, 1982. p. 159.

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reverberava nos meios políticos, intelectual e artístico diretamente relacionado ao

desenvolvimento e incorporação da população indígena.

Inicia seu trabalho com um chamado: “Toca hoy a los revolucionários de

México empuñar el mazo y ceñir el mandil del forjador para hacer que surja del yunque

milagroso la nueva patria hecha de hierro [de origen europeo] y de bronce [lo

indígena] confundidos. Ahí está el hierro...Ahí está el bronce...”160

Já denuncia desde o início como o mundo latino-americano esqueceu a raça

indígena. Exemplifica a sua afirmação com o acontecimento ocorrido no XIX Congreso

de Americanistas, realizado em Washington, onde os participantes representavam por

sua cultura e seus idiomas espanhol e português 25% da população da América Latina

que em sua grande maioria

“(...) apenas se les mencionó con criterio etnológico, como objeto de especulaciones científicas de escaso número de investigadores, pudiéndose decir que para el llamado mundo civilizado en geral, pasa inadvertida la existencia de esos sesenta y cinco milliones de americanos, ya que se desconocen los idiomas que hablan, se ignoran las características de su naturaleza física y no se sabe cuáles son sus ideas éticas, estéticas y religiosas, sus hábitos e costumbres. Ahora bie, ¿ pueden considerarse como patrias y naciones países en los que los dos grandes elementos que constituyen a la población difieren fundamentalmente en todos sus aspectos y se ignoran entre si?”161

Essa primeira advertência de Gamio tenta contrapor o México a outras nações

como à França e à Alemanha e compará-lo com a situação da colonização da África e a

dizimação realizada pelo colonizador europeu no contingente indígena junto com a sua

cultura. Em relação à colonização da África ressalta que o “hombre europeo, la

civilización europea, sofocan y acabarán por extinguir a la vida indígena y a sus

manifestaciones”162. Depois de uma breve exposição da oposição europeu-indígena

desde a Conquista até o presente, conclui:

“A primera vista la situación se antoja pavorosa según la hemos expuesto y los enfermos de “miopía sociológica” trasluzcan, tal vez entre líneas, el vaticinio de una espantosa guerra de castas en la que probablemente no tocaría la mejor parte a la población de origen europeo. Tales temores serían injustificados, pues bien sabido es que la población indígena se presenta hoy como lo estaba en la Conquista, dividida en agrupaciones (...) pequeñas patrias (...) El problema no está pues en evitar una ilusoria agresividad conjunta de tales agrupaciones indígenas, sino en encauzar sus poderosas energías hoy dispersas, atrayendo a sus individuos hacia el outro grupo

160 Ibid., p.06. 161 Ibid., p. 07. 162 Ibid, p. 09.

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social (...) fundiéndolos con él, tendiendo, en fin, a hacer coherente y homogénea la raza nacional, unificando el idioma y convergente la cultura.”163

Desde a introdução do livro pode ser percebida a maior contradição do

pensamento de Gamio, que postula a assimilação das culturas indígenas a uma utópica

unidade nacional ao mesmo tempo em que defende o seu desaparecimento. Fato que

justifica a contradição assinalada é que durante esse período, tanto nos Estados Unidos

quanto no México, as populações de cultura ocidental não mais temiam, como outrora,

um suposto ataque das populações indígenas. Nos Estados Unidos foi memorável o

massacre da população sioux em Wounded Knee em 31 de dezembro de 1889. Em

Mazocoba, México, 10 anos depois, ocorreu o assassinato de yaquis. Após esses dois

acontecimentos o dito perigo indígena perdeu a força para aqueles que se consideravam

os defensores da civilização.

Ambos os acontecimentos marcam em ambos os países uma aproximação de

antropólogos, estreitamente relacionados entre si, na participação de uma política de

assimilação cultural. A postura adotada por Gamio quanto à desejada política de

assimilação contrasta com as suas idéias quando ao revisar o que chama “pequeñas

patrias”. Exemplo disso é sua observação sobre Yucatán onde a considera como

avançada e feliz fusão de raças, e cita que “todos los yucatecos, desde el encumbrado

henequenero hasta el humilde cortador de esta fibra, visten el mismo traje blanco y el

mismo sombrero de paja, prendas que sólo se diferencian por su calidad”164. Ao fazer

este breve comentário não leva em conta a guerra de castas yucateca que ocorria no

momento.

No militar, Gamio ignora a realidade política, porém, no econômico expressa

um entusiasmo elevado pelos ideais revolucionário:

“Si, como siempre sucedió en México, unas cuantas familias vivieron en la abundancia y otras, las más, sufrían el tormento del hambre, de la desnudez, del abandono intelectual, claro es que de esa unión artificial no pudo resultar un conjunto armónico, no pudo surgir una nacionalidad, pues en todos tiempos y en todos los países, por encima de toda idea de patria y de nacionalidad, ha estado la de la propia conservación (...) No hay en la comarca [el Valle de Teotihuacán] verdadero problema racial, como sucede en otras partes del país. En efecto, no existe repugnancia por el indio, sino que como éste casi siempre es pobre, se le desdeña por su situación humilde, mas no por el indivíduo mismo (...) Si hoy la población mestiza forma la tercera parte de la población [de Teotihuacán], es indudable que cuando la situación económica del grupo indígena mejore – cosa que no tardará en suceder, dada la urgencia que hay para ello –

163 Ibid, p. 10. 164 Ibid., p. 13.

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el mestizaje aumentará hasta generalizarse en toda la población, que entonces habrá dado un gran paso en su evolución con el solo hecho de ser racialmente homogénea.”165

Quanto essa postulação de Gamio sobre a necessidade de uma homogeidade

econômica como um dos vetores principais para uniformidade nacional, Aguirre Beltrán

faz o seguinte comentário:

“Uma nación requiere contener cierta homogeneidad étnica, territorial, lingüística, cultural y económica. Gamio definió las características que conforman la nación en 1916, curiosamente, por los mismos anõs en que un revolucionario georgiano, José Stalin, se encontraba también preocupado en descubrir los rasgos significativos que componían la nacionalidad. Ambos coincidieron en determinar la importancia de las características arriba mencionadas con excepción de una, la étnica, que el mexicano puso en primer lugar y el georgiano elimino de su esquema, ya que en la Rusia pré y posrevolucionaria esta característica carecía de trascendencia. Tal vez lo más original en la enumeración de partes realizada por Gamio es el acento que pone en la necesidad de una cierta uniformidad económica. Su simple mención otorga una sin igual magnitud a la intromisión de este factor em la configuración de una idea que, aparentemente, nada tiene que ver con las relaciones de producción. Es indudable que Gamio tuvo en cuenta al incluir esta característica las representaciones propaladas por Flores Magón que tanto insistió en negar a los científicos porfiristas, que componían la burguesía mexicana, el derecho a considerar que su grupo económico constituía la patria.”166

As ações sociais que Gamio realizou no Vale de Teotihuacán e nos campos de

recuperação das águas de rio para as comunidades, de educação, de fomento ao

artesanato ou de assistência médica, comprova o seu esforço para transformar a

Antropologia em uma ciência aplicada que participasse efetiva e ativamente na solução

do problema econômico que assolava a maioria da população. Expõe a relação da

Antropologia com o exercício de poder:

“Es axiomático que la antropología en su verdadero, amplio concepto, debe ser el conocimiento básico para el desempeño del buen gobierno, ya que por medio de ella se conoce a la población, que es la materia prima con que se gobierna. Por medio de la antropología se caracterizan la naturaleza abstracta y la física de los hombres y de los pueblos y se deducen los medios apropiados para facilitarles un desarrollo evolutivo normal.”167

Gamio coloca que a Antropologia não se trata de uma ciência que se aplicaria a

toda população, mas a minoria governante dos países latino-americanos de origem

européia deveria aplicar para governar as maiorias indígenas:

“Ese sensible desconocimiento se debe a que la población indígena no ha sido estudiada sensatamente, pues apenas hay roce con ella por motivos de comercio o servimdumbre; se desconocen el alma, la cultura y los ideales indígenas. La única manera de llegar a conocer a las

165 Ibid., p. 16. 166 AGUIRRE BELTRÁN, 1990. p. 276. 167 Op. cit., p. 15.

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familias indígenas en su tipo físico, su civilización y su idioma consiste en investigar con criterio antropológico sus antecedentes precoloniales y coloniales y sus características contemporáneas. (...) Cuando, de acuerdo con el procedimiento integral hasta aquí delineado, hayan sido incorporadas a la vida nacional nuestras familias indígenas, las fuerzas que hoy oculta el país en estado latente y pasivo se transformarán en energias dinâmicas inmediatamente productivas y comenzarán a fortalecer el verdadero sentimiento de nacionalidad, que hoy apenas existe disgregado entre grupos sociales que difieren en tipo étnico y en idioma y divergen en cuanto a concepto y tendencias culturales.”168 A política indigenista postulada por Gamio apresenta um caráter

paternalista onde dois pontos estão presentes: as decisões políticas sempre são tomadas

fora da comunidade e a sua persistente preocupação de utilização da ciência para

“redimir” o indígena. Até os anos de 1970 prevalece esse tipo de pensamento em

relação ao indigenismo.

A criação do Instituto Nacional Indigenista, 1948, demonstra de forma clara essa

realidade. Nas discussões para a composição de seu conselho chega-se até admitir a

presença de representantes de algumas comunidades, porém, tendo mais um papel

figurativo do que atuante junto às deliberações do órgão.

Nos anos de 1970, o supracitado Instituto inicia reformas internas que

viabilizam uma participação maior dos indígenas, que na realidade, restringiam a uma

gestão mais política e econômica do que uma participação efetiva na política nacional

relativa ao assunto.

O indianismo de Gamio se expressa com nitidez na última parte de Forjando

patria, dedicada a uma “Urgente obra nacionalista”:

“Tres problemas nacionalistas merecen especial mención por su importancia actual y su transcendencia futura, no obstante que para el vulgo pasan desapercibidos. Nos referimos a los pobladores de tres regiones de la República: 1. Quintana Roo; 2. región yaqui; 3. Morelos; representantes típicos de una gran mayoría de la población.

Los mayas de Quintana Roo, llamados indios salvajes Los mayas de Quintana Roo, como los lacandones de Chiapas, los mayas del Petén y algunas otras agrupaciones, llamadas salvajes, son representativos de los indígenas que se conservan casi en el mismo estado en que se hallaban sus antecesores cuando los sorprendió la Conquista, ya que siempre han ignorado el español(...). (...) se dirigieron al gobierno de la Revolución triunfante y declararon lo que han repetido durante cuatro siglos: que ellos no desean perjudicar a los blancos, pero quieren que éstos no los perjudiquen, que les dejen vivir si vida propia en las comarcas que legítimamente les pertencen (...) La Revolución, con hechos más que con palabras, abrió su corazón a esas justísimas peticiones y ordenó a sus soldados que les respetaran solemnemente y no intervinieran en la libre existencia de tales tribus (...) ¿Esa libertad, esse aislamento, que se concede a aquellos indígenas, es temporal o definitivo? (...) Vamos a permitirnos exponer lo que creemos hará la Revolución a este respecto (...) Hoy, que la Revolución procura resolver problemas de alta urgencia, debe dejarse, como se há hecho, que las agrupaciones indígenas de la que es típica la maya de Quintano Roo existian libremente.

168 Ibid., pp. 16-18.

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Luego, será necesario conocer a esos indios, investigar sus necesidades y establecer las condiciones en que puede iniciarse su incorporación, llevando siempre como mira invariable que el acuerdo que se verifique sea proporcionalmente benéfico a las partes contratantes y no sólo a los elementos de raza blanca, como ha sucedido hasta hoy. Es por supuesto indispensable que, para abordar y estudiar a esos indios, no se comisione a militares, comerciantes, agricultores, etc., según se hizo erróneamente en tiempos coloniales y durante el siglo XIX, sino a especialistas que conozcan el idioma regional y sean aptos para investigar la mentalidad indígena (...) La población indígena representada por las agrupaciones que hemos discutido suma, como término medio, un 10% de la población total de la República.

Índios yaquis, llamadossemicivilizados Estos indígenas de raza pura, representantes de numerosas agrupaciones similares: tepehuanes, tarahumaras, huicholes, etc., han estado en más amplio contacto con el hombre blanco y por lo tanto conocen más bien que los indios salvajes los perjuicios y ventajas que há traído consigo ese contacto, el cual debe haber sido fatal para ellos (...) (...) ¿Por qué medios puede impulsarse la incorporación de estos indios, que indudablemente presentan menos resistencia que los del grupo anterior? Hay que comenzar por asegurarles la posesión de las tierras que actualmente ocupan y la devolución de las que les fueron arrancadas con anterioridad, tarea que ha iniciado la Revolución. Al mismo tiempo, debe procurarse que su desarrollo físico, económico e intelectual se efectúe en las mismas condiciones favorables en que exclusivamente se ha verificado desde hace siglos el de los elementos de la raza invasora, sin que esto, naturalmente, signifique que su cultura original sea aniquilada a cambio de la brusca imposición de otras ideas culturales que ni sería posible, ni justo, ni sensato hacerles adoptar (...) En México, triste contraste, la población indígena constituye la mayoría de la total y, sin embargo, los elementos de raza blanca, que han sido siempre los dirigentes, miraron de continuo al indio con desconfianza, temor o lástima (...) (...) nos atrevemos a estimar en un 20% de la población total.

La población de Morelos ¿Representa exclusivamente el zapatismo morelense bandería de crimen y pillaje o entraña también anhelos tenaces de bienestar y de vida libre? (...) Para el bandidaje zapatista o de cualquiera otra denominación, há resuelto emplear la Revolución el medio de que en todos tiempos y en todos países se hizo uso en casos análogos: extermínio sin cuartel. Em cuanto a los elementos reaccionarios del zapatismo, la Revolución los combate a título de correctivo, pues bien sabe que son simples instrumentos mecánicos, impulsionados y dirigidos por la reacción de otras regiones del país y por la que se refugia en el extranjero. Cuando esta reacción dirigente sea aniquilada, desaparecerá automáticamente el zapatimos reaccionário.” Resta por analizar el zapatismo legítimo o indianismo según lo titulamos antes. La población de Morelos es representativa de las agrupaciones indígenas de raza pura mezclada, cuyos indivíduos, a causa de la continua e íntima coexistência con los blancos, están ya incorporados a la vida de éstos, sólo que no han asimilado muchas de sus manifestaciones culturales, las que sustituyen por las de su civilización original, haciéndose así una mezcla que, si en [algunos] casos es fusión evolutiva, en otros resulta artificial, híbrida y nociva yuxtaposición.169

Após exemplificar como se passou da fusión cultural evolutiva à segunda- que

chama de artificial- com leis de Reforma, que resultaram nocivas para as comunidades

indígenas, conclui o livro da seguinte forma:

“Estas agrupaciones, típicamente representadas por la población de la región zapatista, suman a no dudar un 30 o 40% de la población total, y como atraviesan hoy una etapa por la que forzoamente habrán de pasar las agrupaciones típicamente representadas por los mayas y los yaquis que ya discutimos, resalta la urgente necesidad de estudiar y resolver hábilmente tan serio

169 Ibid., p. 171-181.

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problema, pues está relacionado con la porción de cerca de las tres cuartas partes de la población. Expuesto la anterior, sólo nos queda por decir que entre las gestiones revolucionarias que más sensatamente han comprendido el problema zapatista e ideado los medios adecuados para resolverlos, debe mencionarse la del general Pablo González, nacionalista intuitivo y clarividente.”170

Esse parágrafo encerra a obra como fundadora do indianismo revolucionário.

Também demonstra que Gamio conhecia bem as idéias do general Pablo González e

concordava com elas, fato que pode ser justificado pela escolha da data de

comemoração de seus 50 anos para publicar Forjando patria. Na ocasião, o general teve

que mandar um representante ao evento por estar em campanha militar contra os

zapatistas. Três anos depois ordena a morte de Zapata. Entretanto, em concordância

com as reivindicações zapatistas, os estudos dirigidos por Gamio na região de

Teotihuacán, o convenceram de que o ponto de partida de qualquer solução para a

situação socio-política da mencionada região era uma reforma agrária para as

comunidades regressar às suas terras.

Parte da obra Forjando patria transcrita e discutida aqui, demonstrou o forte

apelo feito em relação aos indígenas e a necessidade de conhecimento de seu passado.

Ressalta e assevera, de forma peremptória, a situação social e econômica dos indígenas

como questão central dos governos pós-revolucionários para o estabelecimento de

condições para a constituição de uma nação.

A valorização da Antropologia como disciplina principal no programa político

que subjaz ao tema do livro, Gamio afirma a necessidade de conhecimento da realidade

mexicana, ou seja, ir de encontro ao seu passado para historicizar o papel e a situação

dos indígenas. Ficam patentes as idéias que circulavam e eram debatidas durante o

processo revolucionário, principalmente, no estabelecimento de um programa eficaz de

incorporação, via educação dos indígenas, concretizado, como já mencionamos, na

Constituição de 1917. O livro abarca, aponta e descreve os principais problemas do

México indo além da questão da reforma agrária e postula qual é o melhor programa

para a superação e viabilização da modernização social, econômica e política da

sociedade mexicana.

Forjando pátria sintetiza a formulação de um pensamento que se baseia na

transposição de postulados e de métodos analíticos científicos dos estudos etnográficos

para a realidade social mexicana contemporânea de Gamio. O contexto revolucionário e

170 Ibid., p. 181.

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a evidência do imbróglio em torno da questão da integração das populações indígenas.

Contudo, Aguirre Beltrán resume o percurso das principais idéias do pensamento de

Gamio exposto em Forjando patria:

“Gamio, sin embargo, no se constriñe a seguir al pie de la letra esta teoría axiológica [grado evolutivo de los grupos étnicos] y en uno de los capítulos de su obra primigenia, que dedica al análisis de la creación artística, evalúa a ésta conforme al criterio convencional, lo que le permite elevar el arte indígena a la altura de las manifestaciones intelectuales de los países más ilustrados. Aunque no es posible negar la inspiración que Gamio obtuvo en las lecciones sobre arte primitivo de su maestro Boas, es indudable que la aplicación que de ellas hizo para valorar uno de los aspectos más visibles de las culturas índias, tanto en expresiones arqueológicas cuanto en sus actuales manifestaciones populares, represento un paso de transcendencia en un momento en que la influencia extranjera en México hacia despreciables las formas nativas de creación. Tanto en la investigación, cuanto en la aplicación, debe seguirse un enfoque integral que comprenda los aspectos todos de una cultura, ya que éstos son interdependentes e interfuncionales. En la investigación, una táctica útil es la del censo integral que no sólo recoge datos de estadística vital sino las características de la cultura material e intelectual de cada una de las familias censadas. En la aplicación, la educación integral abarca, tal y como lo propuso Kropotkin, no sólo la instrucción en materias académicas, sino en los oficios y labores manuales que desarrolen la economía del indivíduo y el pueblo; no sólo la escolarización sino la educación de la comunidad entera. Los planes de mejoramiento son integrales si comprenden todos los aspecto de la vida del grupo y no uno solo de ellos; el desarrollo armónico de la nación es el único que conduce a un nacionalismo integral como consecuencia del carácter interdependiente e interfuncional de los aspectos de la cultura hasta 1945, pero ya desde 1916, al insitir en la necesidad de la acción y de la investigación integrales, estaba concediéndole, implícitamente, esa condición.”171

Gamio apresentou também os problemas dos limites temporais da história

nacional e desarmou a rígida cronologia do século XIX. A seu modo de ver, a história

da nação não começa em 1521 com a Conquista, mas em distintas épocas anteriores e

posteriores a de tal acontecimento, segundo os grupos humanos de que se trate: os

lancadones não eram conhecidos até o século XIX, entretanto, o conhecimento dessa

dinastia asteca remonta a história nacional no século XV172. Assim mesmo, apresentou e

ressaltou o problema do conteúdo da história tal como foi escrita em sua época.

O passado foi modulado e construído com um relato abstrato de fontes

puramente livrescas. Agora se trata de devolvê-lo, o pitoresco e o seu colorido:

“Si, en cambio [lo] reconstruímos por todos los medios – fotografia, pintura arquitetura, objetos auténticos, etcétera – (...) nuestro conocimiento será completo, el concepto legítimo y las emociones que la belleza de esse período histórico despierta en nosotros, vigorosas y naturalmente originadas y no artificiales y débiles como sucederia si sólo conociéramos el aspecto teórico y abstrato”173

171 AGUIRRE BELTRÁN, 1990. pp. 279-280. 172 Op. cit., pp. 62-63. 173 Ibid., pp. 69-70.

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A proposta trata de tangenciar o passado para provocar no leitor de história

emoções e que o mesmo se identifique com ele e, além do mais, se converta em um

espectador a quem se fará ver o passado. Recomendou o desenvolvimento e a criação de

museus, guias, catálogos, livros de história ilustrados e relatos objetivos que concordam

com as obras e os objetos existentes nas coleções acessíveis.174

Estas recomendações tomariam sentido com o conceito global de Forjando

patria; superaria o abandono das formas políticas e culturais de inspiração

exclusivamente européia que prevaleciam até a sua época, mutilando a identidade

nacional. É enfatizada a necessidade de uma Antropologia que fizesse do conhecimento

dos governantes as características distintivas dos diferentes estratos da população,

assim, como as necessidades reais.

Nesse sentido, expõe no correr de Forjando patria, precisamente entre as

páginas 107 a 123, a sua concepção de história que fundamenta o seu método para

validar os parâmetros científicos. Assim, define a relação entre história e a questão do

passado:

“En nuestro parecer la historia posee dos valores: el especulativo y el trascendente. En efecto, la historia es, en general, el conjunto de informaciones relativas a la naturaleza, origen, carácter, evolución y tendencias de las civilizaciones del pasado. Cuando estas informaciones existen en las bibliotecas o en la mente de los hombres estática y pasivamente, el valor de la historia es especulativo. En cambio, la historia ofrece valor trascendente si la consideramos como un copioso índice, como fuente inagotable de experiencias por medio de las cuales la humanidad ha alcanzado sus diversas etapas de florecimiento y decadencia y sobre todo, si utilizamos esas experiencias para acrecentar el bienestar de las civilizaciones contemporáneas. En efecto, la atinada observación y progresiva aplicación de esas experiencias, perfecciona e imprime continuada marcha ascendente a las manifestaciones y conocimientos humanos, como sucede con el conocimiento científico, que cada día es más extenso y mejor fundado. Naturalmente, no puede generalizarse a este respecto, pues hay manifestaciones en las que la evolución no ha sido exclusivamente ascendente, no obstante la influencia de las respectivas experiencias históricas, por ejemplo: el arte y la moral de los pueblos, florecen y decaen sucesivamente, no bastando a impedirlo toda la experiencia del pasado.”175 Partindo da definição dos valores que possuem a história, o especulativo e o

transcendente, discorre sobre os pontos metodológicos que devem ser aplicados para a

compreensão da história do México, propondo a consideração do que chama de limites,

que são os seguintes: cronológicos, geográficos e específicos:

174 Desde 1912, Gamio ajudou Boas na publicação do Álbum de collections archéologiques (1921) onde 69 figuras reproduzem e classificam os três tipos de cerâmica do vale do México. Mais tarde, ampliaram a publicação com os seus trabalhos científicos, obras pedagógicas, escrevendo um guia do sítio de Teotihuacan. Também escreveu guias para filmes documentais sobre o México rural. 175 Cf. citação no endereço eletrônico http://ocw.udem.ed.mx/cursos-de-profesional/historia-de mexico-sigloxx/07manuelgamio.pdf.

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“Límites cronológicos. La historia de México presenta en sus orígenes, puntos de partida más o menos alejados del presente, según sea anterior o posterior la adquisición que hayamos hecho de conocimientos relativos a los antecedentes de las agrupaciones sociales que han integrado e integran nuestro país. flay puntos de partida de nuestra historia que se remontan a decenas de siglos y hay otros que sólo están alejados algunos lustros o que aún no aparecen en la perspectiva histórica. Por ejemplo, la cronografía maya ha llegado a ser en la actualidad un conocimiento de estricto carácter histórico cuyo punto de partida se remonta a muchas centurias. Los antecedentes de la familia azteca de Tenochtitlan comienzan a tener carácter histórico durante el siglo XIV, según lo atestiguan los manuscritos jeroglíficos, la arquitectura, la escultura y las explicaciones que a raíz de la Conquista suministraron sobre estos monumentos, indígenas contemporáneos. En cambio, hay agrupaciones indígenas como los lacandones de Chiapas y los huicholes de Tepic y Jalisco que hasta el siglo pasado empezaron a ser conocidos históricamente; por último, existen todavía agrupaciones mayas en el Petén mexicano que son desconocidas desde cualquier punto de vista, no sólo desde el histórico. No comienza pues nuestra historia desde que los conquistadores hispanos aparecieron en playas mexicanas, según se ha proclamado hasta hoy, sino en distintas épocas anteriores y posteriores a la fecha de tal acontecimiento.

Límites geográficos. La historia de México debe comprender directamente el estudio de los antecedentes de las agrupaciones sociales que constituyen y constituyeron a la población del territorio mexicano e indirectamente el de los pueblos extraños que han influido en nuestro modo de ser o han sido influenciados por nosotros. Directamente hay que considerar a la población de nuestro actual territorio; a la de Centro América hasta Panamá (Chiriqui) que es a donde legó nuestra influencia precolombina, y la del territorio norteamericano que antes fue mexicano. Indirectamente debe tenerse en cuenta el pasado histórico de España, Repúblicas Sudamericanas, Estados Unidos y Francia, pues son naciones que ejercieron importante influencia en nuestra vida pretérita. Habrá además que conocer la historia de los demás países en general, pues remota o cercanamente todos los pueblos se han influenciado entre sí.

Límites específicos. Muchos tomos en gran folio se han escrito; sendas discusiones bizantinas se emprendieron; se desgranó la elocuencia de brillantes discursos y ... aún no se consigue determinar satisfactoriamente el puesto que corresponde a la historia en las clasificaciones científicas, ni por lo tanto qué conocimientos están dentro de su concepto, ni cuáles excluye. No contribuiremos con una línea a esa pugna de sutilezas. Por nuestra parte creemos que todo lo que ha existido, tangible o intangible, en el mundo material o en el intelectual es "historiable". Lo importante es elegir, en el mundo ilimitado de lo historiable, lo que nos conviene para determinado fin e historiarlo sensatamente. Si, por ejemplo, somos comerciantes en cereales, alcanzaremos mejor éxito si historiamos lo referente a esa actividad, pues entonces podremos conocer el porqué del éxito o el desastre de quienes nos han precedido en esa ocupación. Este ejemplo, que parece que está fuera de lugar, está muy dentro de 61, bastando saber, para convencerse de ello, que varios de los notables éxitos agrícolas, industriales, etc., etc., de la Alemania moderna y de otras naciones, se deben en buena parte al extenso o intenso acopio de antecedentes históricos hechos sobre cada una de esas actividades.”176

-2.4.2: LA POBLACIÓN DEL VALLE DE TEOTIHUACÁN- APLICAÇÃO DA

CONCEPÇÃO DE HISTÓRIA DE MANUEL GAMIO

Definindo os princípios básicos de sua concepção de história no livro Forjando

patria, a partir dos três limites: cronológicos, geográficos e específicos. Na obra La

población del Valle de Teotihuacán, publicado em 1922, realiza a sua aplicação prática.

176 Ibid.

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O objetivo do estudo era conhecer as condições de propriedade, produção e

habitação do território, como também os seus antecedentes históricos, seu estado físico

e seus distintos aspectos culturais.

Explorou o sítio de Teotihuacan, onde descobriu e restaurou o templo de

Quetzlcóatl. Os resultados de seu trabalho foi publicado em três volumes sob o título La

población del valle de Teotihuacan. El médio em que se há desarrollado. Su evolución

étnica y racial. Iniciativas para procurar su mejoramiento. Paralelamente a esses

trabalhos, Gamio criou e dirigiu a revista Ethnos, cujo objetivo era decididamente

pedagógico. Ele a explica assim:

“(...) consiste en despertar el interes público hacia el hecho de que existe una enorme mayoría de mexicano ignorados, que no obstante tienen derecho a ser estidiados para ser conocidos y conscientemente impulsionados en su evolución social, pues sólo así se logrará incorporalos en la vida nacional.”177

Os artigos publicados na Ethnos e a síntese redigida por Gamio para o primeiro

volume de La Población del Valle de Teotihuacán terminaram por destruir as certeza

acumuladas até o século XIX e estruturam uma nova forma de memória apoiada em

dois parâmetros completamente inovadores:

1. o reconhecimento e a aceitação da existência, em um mesmo território e em

uma mesma época, de temporalidades, níveis culturais e origens étnicas

diferentes, cuja fusão está confirmada;

2. Em segundo lugar, a convicção de que a história nacional aprendida a partir da

condição contemporânea dos indígenas é o resultado de uma larga decadência

que sublinha o contraste entre a grandeza das ruínas de Teotihuacán e a

deterioração das vivendas contemporâneas.

Gamio na direção do Dirección de Antropologia, criado em 1917, pode por em

prática em Teotihuacán muitas das idéias expostas em Forjando patria. Deve ser

ressaltado que a obra La población del Valle de Teotihuacán apresenta um conjunto de

informações, resultado do trabalho de uma equipe multidisciplinar, composta por

engenheiros, geólogos,, hidrólogos, geógrafos, biólogos, sociólogos, arquitetos,

arqueólogos, historiadores, etnólogos, educadores, etc..

O estudo abarca desde a formação geológica do vale até as primeiras décadas do

século XX. Cada um de seus colaboradores participou na publicação, e o próprio Gamio

177 GAMIO. Ethnos. Revista mensal de estúdios antropológicos sobre México e Centroamérica. (abr.), pp. 1-2.

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apresenta uma ampla Introdução, que pode ser considerada síntese e conclusões sobre o

desenvolvimento, evolução étnica e social e iniciativas para o seu melhoramento.

Decidimos para uma breve análise da obra separar a parte de ações práticas dos estudos

propriamente ditos. Como já foi ressaltado, o objetivo do estudo concentrava-se,

principalmente, nas condições de vida da população do vale.

O programa de pesquisa idealizado mostrava-se mais ambicioso, pois pretendia

abarcar todo território mexicano. Em efeito, o Vale Teotihuacán foi escolhido como

representativo das regiões rurais do Distrito Federal e os estados de Hidalgo, Puebla,

México e Traxcala, como demonstra o título da publicação. No total, Gamio havia

proposto dividir o país em 10 regiões, porém depois da experiência em Teotihuacán, os

compromissos assumidos na vida política o afastaram dos objetivos do programa.

Também o exílio político e o abandono do estudo do passado pré-hispânico foram

responsáveis por tal afastamento.

Como Gamio mesmo constata, o Vale de Teotihuacán, apesar da proximidade da

capital, a cidade do México, havia sido colocado à margem da Revolução:

“La Revolución de 1910-1920 aún no há producido a la población del valle las ventajas que en otras regiones del país trajo consigo, y, en cambio, produjo grandes perjuicios (...) impunemente despojados por distintos bandos (...) En cambio, todavia no se hacen dotaciones de tierras (...) todavia no se devuelven definitivamente las águas a algunos pueblos (...) la impartición de justicia es defectuosa (...) las funciones electorales son objeto de fraudes imposiciones (...) En resumen, la población actual está, en lo referente al gobierno que la rige, en condiciones tan desfavorables como en el pasado, pues las leyes todavia no son adecuadas a los antecedentes y a las características de la mayoría social.”178

Entretanto, segue conservando a sua fé na ciência para resolver os problemas

políticos e sociais. Neste caso, assunto que reconhece como central para a melhoria das

condições da população: a concentração de 90% das terras de cultivo:

“A solicitud de los pueblos, se les ayudó a la formación de censos agrários y a formular peticiones de tierras, pues ellos no podían hacerlos por falta deinstrucción. Desgraciadamente, vários motivos, entre otros la oposición tenaz de los hacendados, la acción retrógrada de autoridades del Estado de México y, en seguida, la inexplicable lenidad de la Gran Comisión Agrária y de la Comisión Local Agrária de Toluca entorpecieron siempre las no interrumpidas gestiones de la Dirección de Antropologia (...). Confiamos en que el desapasionamiento y la buena fé que presiden esta obra, así como las investigaciones absolutamente verídicas y honradas que contiene muevan la voluntad y el critério oficiales a dotar inmediatamente de tierras a los pobladores del Valle de Teotihuacán.”179

178 GAMIO, Manuel. La Población del Valle de Teotihuacán. México: Talleres Gráficos, 1922. p. LIV. 179 Ibid., pp. LXXXVII-LXXXVIII.

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Quanto aos problemas sociais, centro de suas preocupações, Gamio não faz

alusão alguma a continuação das lutas armadas, a epidemia de gripe que assolou o país

em 1917 (salvo uma referência muito discreta em relação à mortalidade infantil) e ao

assassinato de Zapata, em 1919. Entretanto, não pode deixar de expor as suas diferenças

com que chamou de novos temores da época: o bolchevismo e a Revolução Russa. Ao

mesmo tempo, classifica sua própria obra como fruto da Revolução em uma visão

profundamente evolucionista. Seguindo afirma que somente uma minoria esclarecida,

moderna, permitiria o país superar seu atraso e facilitar o passo da sociedade pela

trajetória das etapas segundo as leis indeclináveis da evolução:

“En la capital, o socialismo há hecho tan grandes y positivas conquistas con en cualquier outro país del mundo, exceptuando Rusia, y hasta un seudobolchevismo, teórico, embrionário y exótico, manifesta, de cuando en cuando, su presencia. En cambio, entre los habitantes del valle se desconece aún el socialismo, o no se le comprende, y menos aún se practica, no obstante que el malestar económico de aquéllos es y há sido siempre exagerado (...) La mente colectiva metropolitana agrupa en complejo y bizarro mosaico el pensamiento inconsistente y brumoso de representantes de familias indígenas que aún vegetan con vida casi neolítica, como los seris y papagos de Norte, los mayas de Quintana Roo y otras agrupaciones que suman decenas de almas; las ideas prehispánicas, legeramente influenciadas por la Conquista, que abrigan los representativos milliones de indígenas y mestizos, cuya existência estancada, silenciosa y retraída encierra el más profuso variado e interesante acervo folklórico que brinda el continente; (...) el espíritu moderno y sensato de las muy reducidas minorias que marchan sincrónicamente con la civilización contemporâneas, y el critério ultramoderno pero desorientado de quienes, olvidando la heterogeneidad y diversidad de los elementos sociales que hemos señalado, pretenden que México desdeñe las leyes indeclinables de la evolución (...). (...) En cambio, consideramos que, hoy por hoy, [el “sovietismo”] es utópico, inútil y hondamente perjudicial para el país (...) nuestros líderes seudobolchevistas pertenecen a clases sociales urbanas (...) desconecen absolutamente las características, las necesidades y las aspiraciones de las grandes mayorías indígenas rurales (...).”180

As obras sociais empreendidas pela Dirección de Antropologia no Vale de

Teotihuacán abarcaram os mais diversos campos, como por exemplo, a educação de

crianças e adultos, o incentivo do artesanato, o turismo e os meios de comunicação, o

aprimoramento das técnicas agrícolas, a recuperação das águas para as comunidades.

Ao logo da Introdução um paradoxo é observado nas afirmações de Gamio: ao

mesmo tempo em que expressa um tom paternalista é também reconhecido certo

desprezo pelas populações que estuda e pretende ajudar. Essa atitude fica mais notória

quando chegar a propor uma intervenção externa nos usos das vestimentas, no culto das

imagens religiosas e em outras manifestações culturais que considera floclóricas.

180 Ibid., pp. LXXXI-LXXXII.

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“Hay que educar estas manifestaciones coreográficas profano-religiosas [las danzas de los alchileos o de moros y cristianos], procurando despojarlas gradualmente de su carácter ritual, a fin de que se desarrollen en un sentido exclusivamente artístico. No existe en el valle concepto sensato- pues cuando lo hay es folklórico- de lo que significan el universo, el mundo terrestre, los países extranjeros, la República y ni siquiera patria. Se vive dentro del horizonte que recortan las montañas azuladas.”181

Tal pensamento e atitude estão diretamente em concordância com as convicções

evolucionistas que marcam suas idéias e ações e segue arraigadas na Antropologia da

época, em particular, a arqueologia. Porém, a idéia de que os diversos componentes da

sociedade mexicana têm que passar por uma série de etapas até alcançar a civilização

moderna parece haver restringido, consideravelmente, seu interesse pelo passado pré-

hispânico. No caso, em particular, da religião antiga de Teotihuacán, afirma:

“Los primeros pobladores de Teotihuacan fueron otomíes (...) En esta etapa, las ideas religiosas habían comenzado ya a ejercer cierta influencia moralizadora (...). Al llegar los emigrantes del Norte, nuevos conceptos se fundieron con los de los aborígenes pedregalenses, elaborando-se lentamente las bases de la religión tolteca o teotuhuacana, que evoluciono hasta adquirir un carácter politeísta más definido. La importancia del culto y de la organización sacerdotal puede comprenderse examinando en Teotihuacán los templos grandiosos y los millares de deidades grandes y pequenas, así como las múltiples representaciones de sacerdotes y implementos rituales. Esta religión presentaba ya tendencias moralizadoras más claramente estabelecidas (...). Tras un largo período se presentaron nuevos inmigrantes del Norte, de filiación azteca (...). Esta religión ejerció en los habitantes de la región una influencia moralizadora más intensa que las de anteriores periodos, pues había alcanzado más alto grado evolutivo”182 Enquanto o evolucionismo é uma corrente de pensamento forte em sua época,

Gamio não deixa de ser contraditório.Isso porque rechaça a idéia de um progresso moral

e considera a história, em particular do México, desviada de uma linha contínua de

progresso por uma larga etapa de decadência. Essa observação é justificada na

cronologia da história do México, quando o mencionado desvio se inicia com a

Conquista espanhola e perdura durante a época da Independência.

O principal papel da Revolução é alavancar o país de tal decadência. Referindo

ao caso de Teotihuacán, essa decadência no campo artístico se iniciou ainda antes:

depois do apogeu marcado pelo templo de Quetzalcóatl. No que concerne às expressões

artísticas parece estar mais interessado na ação do que no estudo. Promoveu uma série

de ações efetivas para o registro e a conservação do patrimônio artístico pré-hispânico e

colonial do vale, assim, como para fomentar novas criações que incorporaram antigos

motivos teotihuacanos:

181 Ibid., p. LVI. 182 Ibid., p. XLI-XLIII.

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“Con fin de mostrar la riqueza de motivos decorativos que existen en el valle, tanto prehispánico como coloniales, así como la conveniencia de aplicarlos en las bellas artes contemporâneas, se seleccionaron algunos de ellos para dibujar las cornisas, capiteles y remates que aparecen en esta obra, así como para componer los frisos que decoran los muros del Museo Regional. Se reprodujeron la letra y el texto de música y cantos de la región a fin de que compositores nacionales puedan aprovechar sus temas fundamentales, modernizándolos convenientemente (...). (...) se inició la educación gráfica por medio de exhibiciones cinematográficas gratuitas.”183

Os trabalhos arqueológicos realizados pela equipe da Dirección de Antropologia

foram considerados exemplares por deu caráter integral e a sistematização de sua

organização. A obra e o seu texto são ricos em ilustrações de planos, desenhos,

fotografias e pinturas. Entre a participação dos colaboradores de Gamio na parte relativa

à época pré-hispânica, destaca a importância dada às obras de arte, seja na arquitetura,

escultura, pintura mural e nas chamadas artes menores. Nos textos, os autores escapam,

em grande medida, do jugo do evolucionismo, que por outro lado, restringe o olhar de

seu diretor.

O primeiro, através do estudo das fontes de abastecimento das matérias-primas

para a escultura e a decoração arquitetônica e do experimento direto do trabalho em

pedra, observa-se a técnica não se limitando a qualificá-las segundo uma escala

preestabelecida de valores. Destacam-se também outras participações científicas

relativas à flora e à fauna e sua representação nas obras de arte.

La Población del Valle de Teotihuacán expande o trabalho de pesquisa de

Gamio iniciado no Forjando patria no sentido que alia ao debate dos problemas sociais,

econômicos e políticos de Teotihuacán à riqueza cultural, mesmo às vezes qualificando-

as a partir de padrões de valores do que considera “civilizado”. Ainda assim, assevera a

necessidade da preocupação com o conhecimento do passado pré-hispânico e suas

manifestações artísticas para o desenvolvimento e/ou modernização da sociedade

mexicana de seu tempo, imbuída do ideal revolucionário de constituição de uma “nova

nação”.

A visão do passado pré-hispânico, já então renovada pelo método de registros

estratigráficos, se agregou a um estudo da população, também concebido e estruturado

com base nos modelos de “estratos”.

O censo, que levou em conta os critérios não somente étnicos e lingüísticos,

mais os culturais (vivendas, alimentação, ferramentas, hábitos de leitura, práticas

183 Ibid., p. XCIV.

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religiosas, noções de medicina e percepção do espaço político), revelou a imagem de

um mosaico social que eliminou a outra, demasiada simples , da mestiçagem biológica e

cultural sonhada pelos evolucionistas do porfiriato.

No plano político, Gamio propôs novas tarefas aos governantes. A primeira era

conhecer os antecedentes históricos e os estados cultural, econômico da população:

“(...) Procediendo de outra manera, los gobiernos van al fracaso, pues no pueden gobernar lógicamente a pueblos cuya naturaleza y condiciones de vida desconocen; éstos, por su parte, no pudiendo desarrollarse bajo los empíricos sistemas gubernamentales que forzosamente se les imponem, vegetan degenerados y débiles, o bien hacen estallar sus justificadas protestas por medio de continuas revoluciones.”184

Neste sentido, convencido de que a ação política, dirigida cientificamente, era o

motor da história e poderia conduzir o país pelas vias do progresso. Entretanto, a

consideração do estado da população e do território em que se justapunham níveis muito

diferentes de evolução econômica e cultural, o levou a codificar um novo tipo de

relação entre o presente e o passado. Por uma parte o passado, presente no presente, não

deveria negar-se, sem conhecer em sua totalidade para ser superado. Por outra, se a

história se concebe como decadência e o presente como produto degradado dos tempos

antigos, o passado se reabilita imediatamente.

Já não significa “resgate” ou “reação”, senão uma reserva de experiências que

convém reavaliar positivamente – é o caso da legislação indigenista colonial, que aos

seus olhos tem o mérito, a diferença das leis liberais do século XIX, de humanizar a

dominação espanhola, pois outorga aos indígenas direitos sobre a terra e os meios de

defesa. A tradição, as vestimentas, os produtos culturais – dança, música, artesanatos –

dos estratos não europeus da população já não eram considerados como estigmas

vergonhosos de uma modernidade não consumada, mas como elementos

imprescindíveis à identidade nacional.

O ideal de modernidade foi revitalizado com a Revolução. Um novo horizonte

de expectativas da elite modernizante foi renovado e o campo de experiência da nova

visão histórica se expandiu, enriquecida pela aproximação relativista da Antropologia,

que restituiu ao passado a sua disponibilidade. A memória encontrou possíveis

trajetórias baseadas nos múltiplos itinerários e, sobretudo, agrupações e estratificações

que permitia ao passado acumulado assim, escapar a simples cronologia. A nova

184 Ibid., p. IX.

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percepção do passado produziu uma liberdade de memória que substituiria a autoritária

sem invalidar o projeto de modernização.

-2.4.3: MANUEL GAMIO E O SABER ESTÉTICO-ETNOLÓGICO

Nas obras Forjando patria e La Población del Valle de Teotihuacán aparecem

propostas que remetem ao estudo da arte pré-hispânica. Os objetos de arte pré-

hispânicos, pertencentes às “culturas exóticas”, no arcabouço de seu método de análise,

não podem ser considerados e contextualizados apenas em museus e exposições. È

necessário contextualizá-los com o conhecimento de seus criadores e com as suas

culturas ancestrais. Adverte que quando se trata de estudar a arte de algumas culturas

pretéritas, denominadas exóticas, não pode ser esquecido sua posição quanto os

prejuízos raciais.

Apóia-se nas colocações de Franz Boas para afirmar que não existe a pretendida

inferioridade inata, a não se a que é produzida por causas de ordem histórica, biológica,

geográfica, etc., ou seja, as causas de educação e meio, que variam e podem fazem

desaparecer a inferioridade. Rechaça o que considera duas posições extremas:

“Los que conceptúan al agregado social indígena como una rêmora para la marcha del conjunto [y] los que predican y hacen obra indigenista, enaltecen ilimitadamente las facultades de indio, y lo consideran superior al europeo por sus aptitudes intelectuales e físicas. Naturalmente que ni unos ni otros están en lo justo. El indio tiene iguales aptitudes para el progreso que el blanco; no es superior ni inferior a él. Sucede que determinados antecedentes históricos, y especialísimas condiciones sociales, biológicas, geográficas, etc., del medio en que vive lo han hecho harto inepto para recibir y asimilar la cultura de origen europeo (...) Cuando el indio no recuerde ya los tres siglos de vejaciones coloniales y los cien años de vejaciones “independentistas” que gravitan sobre él; si deja de considerarse, como hoy lo hace, biológicamente inferior al blanco, si mejora su alimentación, su indumentaria, su educación y sus esparciamientos, el indio abrazará la cultura contemporánea al igual que el indivíduo de cualquier otra raza (...). La civilización europea contemporánea no ha podido infiltrarse en nuestra población indígena por dos grandes causas: primeiro, por la resistencia natural que opone esa población al cambio de cultura; segundo, porque desconocemos los motivos de dicha resistencia (...) deberíamos compenetrarnos del suyo para comprenderlo y hacer que nos comprenda. Hay que forjarse – ya sea temporalmente – un alma indígena. Esta tarea no es del gobernante, ni del pedagogo, ni del sociólogo; está exclusivamente destinada al antropologista.”185

185 GAMIO, 1982. pp. 23-25.

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149

Nas formulações que faz sobre o combate aos prejuízos raciais, Gamio defende a

assimilação cultural unilateral e, ao mesmo tempo, o papel do antropólogo nessa

questão. Fala de “forjar uma alma indígena”, porém, não para receber influência de uma

outra cultura, mais para melhor ser entendida a assimilação.

Considerava que a tarefa principal da Revolução era “redimir” a população

indígena, que segundo os seus cálculos representava 70% da população do país;

classificar segundo a uma escala evolucionista sui generis entre selvagens, semi-

selvagens e de “Morelos” ou zapatista. Esse empreendimento deveria ser promovido

pela ciência, na qual o antropólogo teria papel de liderança e os estudos

interdisciplinares para abordar todos os aspectos do passado e do presente, para poder

preparar adequadamente o futuro de uma pátria. Entre os campos de estudo para

explorar, o de valores estéticos passados e presentes não eram excluídos de seu

pensamento.

Em Forjando patria a época pré-hispânica e sua arte são objetos de estudo.

Gamio considera que as manifestações artísticas mais interessantes são a arquitetura, a

arte plumário, a arte lapidário, a metalurgia artística e a cerâmica. Com o fim de

promover a desejada fusão cultural nacional afirma que o principal é a respeito do

critério estético do índio que fazia a arte européia e impulsionar a classe média para

conhecer arte indígena. Descarta a chamada “classe aristocrática” porque para ela a arte

é o europeu puro. A história da arte chega, pois, a ser indispensável para a empresa

nacionalista: “Cuando a clase media y la indígena tengan el mismo critério en materia

de arte, estaremos culturalmente redimidos, existirá el arte nacional, que es una de las

grandes bases do nacionalismo.”186

Coloca perguntas sobre a questão do artístico no arqueológico, partindo da

premissa que não a povo excluído nem predileto frente à Arte, por outro lado, reconhece

a dificuldade existente para o conhecimento da arte pré-hispânica, que depende da

cultura própria do observador:

“Los estado mentales que presiden a la produción de una obra artística o que se originan en su contemplación, en buena parte resultan del ambiente físico-biológico social contemporáneo a la aparición de dicha obra, así como de los antecedentes históricos relativos a los pueblos que son antecesores artísticos de aquel que la produjo (...) ¿Se puede experimentar emoción artística ante un arte, como el prehispánico, cuyas manifestaciones aparecen por primeira vez ante nuestra vista? Esto es lógicamente imposible porque no se puede calificar en ningún sentido aquello de que no se teine conocimiento, y lo que por primeira vez se contempla no puede ser apreciado ni

186 Ibid., p. 40.

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estimado suficientemente para calificarlo. Psicológicamente es también imposible, porque las conexiones de estados mentales producidas por la presencia de manifestaciones artísticas son el fruto de la experiência, no espontáneas.”187

Para corroborar o seu pensamento, descreve brevemente uma experiência

realizada com observadores de reconhecido conhecimento sobre arte ocidentais e leigos

no que se referia às artes das civilizações pré-colombianas. Algumas foram

consideradas como “artísticas”, outras indiferentes ou repulsivas. As que não foram do

agrado dos observadores são as que Gamio estimou que não correspondiam aos critérios

da arte ocidental, como a cabeça de Coyolxauhqui, uma “palma” veracruzana e uma

escultura mexica da serpente emplumada enroscada.

O interesse de Gamio não era fazer uma análise das obras, mas explicar o

rechaço de seus contemporâneos às peças mexicas mediante as considerações sobre a

criação artística entre os mexicas que se baseavam em um determinismo geográfico e

histórico bastante ingênuo:

“Parece, por las informaciones relativas a esa civilización, que los individuos que la constituían presentaban como principales características su fanatismo religioso, su actividad, su espíritu guerrero y su nomadismo, todo lo cual despertó el odio y provocó las persecusiones de las familias con quienes tropezaban en su marcha. Las altas mesas que atravesaron en sus milenarias peregrinaciones (...) Pues bien, ese ambiente físico-biológico social se expresa en relieves muy vivos en su mitologia y en su arte; así se explica que sus dioses mayores hayan sido los del Água y de la Guerra, símbolos antitéticos de sus dos eternos enemigos: los pobladores y la esterilidad de las regiones que recorrían. Por eso sus ritos eran sangrientos y fúnebres; por eso las líneas, los colores, las superficies y las masas de su decoración, de su escultura y de su arquitectura no expresan la placidez del ánimo, el bienestar, la holgura que, por ejemplo, se nota en el arte teotihuacano, sino la vida azarosa y difícil de quienes, no encontrando subsistencia fácil en las abruptas y estériles regiones que recorrían, tuvieron que conquistarla arrebatándola por fuerza a otros hombres.”188

No discorrer sobre o caráter intrínseco das reações perante as obras como as que

suscitaram “la producción arqueológica que parece artística ante el citerio occidental”:

uma cabeça de um homem morto, o Cavalero Aguilar e três esculturas mexicanas. A

respeito, matiza sua posição à emoção estética sentida pelos observadores. Reconhece

que pela semelhança morfológica com as obras da arte ocidental, familiares para os

observadores, estas podem ter sido vistas como belas. Porém, ressalta como essa reação,

essa emoção “es un fraude psicológico, es híbrida, puesto que la originan la

contemplación de formas americanas y la evocación de ideas europeas (...) puesto que

[la cabeza del Caballero Águila] no fue esculpida bajo el cielo de la Argólida ni de la

187 Ibid., pp. 42-43. 188 Ibid., pp. 43-44.

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Campina Romana, sino en las altas mesas mexicanas y no la inspiraron el alma giega o

la romana, sino la azteca.”189

Conclui ressaltando o que considera como

“(...) el verdadero punto de vista: para que el Caballero Águila despierte en nosotros la honda, la legítima, la única emoción estética que la contemplación del arte hace sentir, es necesario, indispensable, que armonicen, que se integren, la belleza de la forma material y la comprensión de la idea que ésta expresa. El término Caballero Águila es indeterminado e inexpresivo. Debemos saber dónde y cuándo vivió y el como y el por qué de su vida. El Caballero Águila no es un discóbolo ni un gladiador romano. Representa el hieratismo, la fiereza, la serenidad del guerrero azteca de las clases nobles. El escultor que lo hizo estaba connaturalizado con la época de su florecimiento, fue espectador de sus combates (...) y de todas esas visiones épicas surgió em su mente, embellecido y palpitante, el tipo de la raza: se mira en él la inmutabilidad, el reposo, en que parecen dormir ante el dolor y el placer los rostros indígenas (...). Sólo así, conociendo sus antecedentes, podemos sentir el arte prehispánico. De otras maneras continuará sucediendo como hasta ahora: que los juicios emitidos sobre dicho arte serán desconcertantes hasta llegar a lo incomprensible y que las producciones contemporáneas hechas con motivos artísticos prehispánicos adolecerán de un hibridismo desolador.”190

Proposição precisa e sólida que exige compreender a arte pré-hispânica desde

uma síntese de sua forma com seu conteúdo e que busca libertar-se definitivamente dos

critérios estéticos ocidentais. Porém, para Gamio, isso ficou comprovado na experiência

cujo fim justificou o caráter nacionalista de seu empreendimento.

Afirma categoricamente que é de imprescindível necessidade a criação de uma

arte nova que superará as profundas divisões do país emanadas da Conquista. Sua

convicção de que o saber antropológico deveria intervir diretamente na criação de uma

pátria renovada, e em particular em sua arte, o leva a centrar o seu interesse no

problema da recepção e em diferenciar a percepção apegada aos ideais de beleza alheios

ao mundo indígena da legítima “emoção estética”.

Estabelece assim, os três campos indivisíveis e complementares do estudo da

arte: a recepção, a análise das formas e a compreensão de seus significados no contexto

próprio. Entretanto, como homem de ação e político que estabeleceu uma tarefa colossal

e multifacetada na criação desse novo mundo pós-revolucionário, não realizou nenhum

trabalho nesses campos de estudo. Não explorou o campo de análise das formas como

postulava suas justas observações sobre os prejuízos estéticos do observador

contemporâneo. Por outro lado, suas indagações sobre o conteúdo não foram mais além 189 Ibid., p. 45. 190 Ibid., pp. 45-46.

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de uma imagem estereotipada e mítica do mexica nômade sofrendo em suas milenares

peregrinações. Finalmente, parece negar à obra a sua própria potencialidade, posto que

condiciona a “legítima emoção estética” ao conhecimento prévio da dita sociedade.

Assinalar os pontos acima do interessante pensamento Gamio é tentar

demonstrar a criação em torno do seu trabalho de uma referência para a definição de

padrões para a representação da sociedade mexicana. A questão estética discutida por

ele, na qual a sua natureza é específica à sociedade e não vinculada a uma tradição

cultural hegemônica, se distingue radicalmente dos cânones da ocidental. Ao falar da

necessidade de critérios que possam fazer reconhecer a arte mexica estabelece diretrizes

que podem ser notoriamente observadas no programa do muralismo na defesa de uma

arte nativa.

As suas apreciações sobre a arte e a questão estética, inseridas dentro de um

programa nacionalista, ressalta que é, indubitavelmente, essencial o conhecimento das

sociedades para o conseqüentemente conhecimento de sua arte. Assim, o muralismo em

sua diversificada produção, que se estende sob os auspícios do Estado até a década de

1960191, e principalmente, com a sua primeira geração, utiliza largamente essas idéias e

estabelece um vigoroso programa de representação visual da sociedade mexicana a

partir da representação da realidade das populações indígenas. Como já fora longamente

discorrido sobre as diretrizes estéticas e políticas do movimento, ressaltamos que é

necessária à afirmação da influência intelectual de Gamio e não somente a de

Vasconcelos.

Historiograficamente não há nenhuma menção a influência de Gamio nas obras

dos muralistas, principalmente, de Rivera. Esta afirmação baseia-se, não na influência

direta, mas nas idéias e ideais que constituem a atmosfera intelectual e cultural do

México nos anos de 1920, quando estes- Gamio e Rivera - atuavam ostensivamente.

O ideal da Antropologia como instrumento primordial para o desenvolvimento

social, econômico e cultural do México tem um dos aspectos que não pode ser

esquecido: a estética. A dimensão estética é fundamental, como Gamio ressalta nas

obras supracitadas, para o antropólogo enfrentar a problemática inerente à conformação 191 Não se pode falar do desaparecimento do movimento muralista até os anos de 1960, quando ainda vigorava os postulados estéticos e o apoio do Estado para as suas produções. Nesta ocasião ocorreu uma contração da demanda da pintura mural por parte do Estado. Fato marcante dessa realidade é que O Museo de Arte Moderno, inaugurado em 1964, não incorporasse em sua arquitetura nenhum mural, enquanto o Museo de Antropología, inaugurado no mesmo ano, apresentava uma grande quantidade de murais. Esta divisão que se inicia no tratamento dos espaços museológicos públicos reflete, em certa maneira, a paulatina desaparição do movimento muralista, outrora epíteto da arte moderna na América Latina e sua importância para o discurso pós-revolucionário institucional nos anos de 1920.

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de uma estética nacional unificada, tanto do ponto de vista da percepção quanto da

produção artística.192

A problemática referente à estética nacional unificada resulta para Gamio como

um dos principais pontos a ser destacado, pois representa o substrato de uma

“investigação integral”. Esta é empreendida com o mapeamento do desenvolvimento de

um contexto geral da exploração do “patrimônio” arqueológico nacional, a raiz da qual

se irrompe a necessidade de levar a cabo uma revalorização da produção artística

indígena, no caso do México. Assim, Gamio intenta estabelecer o conceito de “arte pré-

hispânica” a partir da seguinte pergunta: “¿Dónde está el arte en lo arqueológico?

¿Deja de ser artístico un ejemplar arqueológico por el solo hecho de no despertar en

nosotros igual emoción estética que una producción de arte clásico o moderno.”193

Para responder a pergunta que propõe realiza uma outra experiência: submete

um grupo à contemplação de uma série de esculturas pré-hispânicas, solicitando que

emitam comentários sobre quais dentre elas parecem estéticas e quais não. O resultado

demonstrou que a maioria dos participantes do grupo apontou como estéticas as obras

que apresentavam uma maior similaridade morfológica com outros objetos provenientes

da tradição artística ocidental. A conclusão a que chegou foi que a apreciação estética

depende do conhecimento e familiaridade prévios que o sujeito tem das formas e da

medida nas quais estas se ajustam aos modelos predominantes na própria tradição.

Esta conclusão- porém, que no momento em que foi postulada, Justino Fernádez

chegou a considerar como a liquidação do problema da arte indígena antiga194- justifica

a idéia de Gamio da necessidade de “se forjar uma alma indígena”. Necessidade que

percebemos como o mote para o desenvolvimento de um saber estético-antropológico

emergente, que pretende dar um sentido às manifestações artísticas de um grupo ou

cultura percebida pelo viés de uma alteridade radical que deve ser incorporada.

A pergunta elaborada por Gamio a respeito da possibilidade de “experimentar

emoción artística ante un arte, como el prehispánico, cuyas manifestaciones aparecen

por primeira vez ante nuestra vista”195 é uma prova do caráter emergente de um saber

estético antropológico. Em efeito, ainda que a sociedade mexicana da época estivesse

menos familiarizada com imaginário da arte indígena antiga do que a atual, é notável a

192 Op. cit., pp. 37-52. 193 Ibid., p. 41. 194 FERNÁNDEZ, Justino. Coatlicue. Estética del arte indígena antiguo. México: Centro de Estudios Filosóficos, 1954. p. 74. 195 Op. Cit., p. 42.

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afirmação, segunda a qual as manifestações da arte pré-hispânica “aparecem pela

primeira vez”, em princípios do século XX, apesar de que desde o século XIX, faz parte

do imaginário das classes dirigentes, como mostra por exemplo, o pavilhão mexicano da

Exposição Universal de 1889.

O texto de Gamio não é o único vestígio da emergência deste saber relativo à

estética de uma alteridade radical. Existem outros escritos, quase contemporâneos de

Forjando patria, que pareceram recorrer a Gamio, pelo menos no que se refere à

necessidade de construir um saber específico para o conhecimento da polaridade socio-

cultural existente na divergência estética. Como assinala Jean Charlot em seu livro

Renacimiento del muralismo mexicano, comentando o momento da publicação de

Forjando patria:

“El desbordamiento de la estética hacia el campo de la sociologia, sería, en muchos países, una cuestión de gusto más que de emergencia. En México, sociólogos indiferentes al arte llegaron a la conclusión de que sólo a este se le podría confiar la realización de ciertas tareas sociales urgentes, aun antes de que los mismos artistas lo hubieran percibido claramente.”196

No caso da citação acima, o termo “emergência” se refere à urgência de conjurar

uma ameaça social e não compreendê-la no sentido de advento. Não deixa de ser

notável a importância que se concede a dimensão estética e a necessidade de mudar a

natureza do vínculo com o “outro” mediante a arte, em geral; e mediante um saber

estético etnológico, em particular. Assim, não parece ter sido um prejuízo o fato de que

a primeira edição de Las artes populares en México, de Gerardo Murillo, cuja alcunha

era Dr. Atl, editada em 1921, por ocasião da exposição “Las Artes Populares en

México”, se esgotasse rapidamente, antes da nova edição de 1922.

A referência à obra de Dr. Atl é pertinente, não só por seu caráter claramente

fundacional, como também pela função que nela se outorga ao saber estético-

etnológico, como ferramenta para conhecer “as almas do indígena e do povo”. No

México, a consolidação deste saber assentou as bases para um discurso acerca da

“identidade nacional”, que se estruturava em torno da percepção de uma bipolaridade

essencial, claramente expressada nas seguintes linhas:

“Aún sin tener en consideración la extraordinária perfección técnica o artística de las artes autóctonas de un país, ellas constituyen invariablemente una de las manifestaciones de la idiosincrasia de los pueblos. Estudiándolas se pueden valorizar con grande precisión ciertas cualidades de una raza (...) Cuando se observa a los silenciosos y hábiles tejedores de sarapes de

196 CHARLOT, Jean. El renacimiento del muralismo mexicano. 1920-1925. México: Dornés, 1985. p. 91.

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Traxcala, o a los fabricantes de vasijas en el estado de México, dedicados con grande amor a su trabajo; cuando se les contempla en el recogimiento de sus labores, ordenados y atentos, humildes y risueños, se les creria incapaces de abandonar sus pequeños talleres, y pareceria imposible que aquellos hombres, modestos y tranquilos, pudiesen lanzarse a los más violentos excesos engendrados por pasiones políticas, por deseos de venganza o por ambiciones de mejoramiento.”197

O contraste, que na realidade é uma ambivalência, sugerido neste fragmento, se

estende como uma raiz profunda com várias bifurcações que mais tarde alimentaria

muitos discursos. Nesse caso, trata-se da fascinante e suposta “incongruência”

encontrada na percepção dos grupos produtores do discurso e do saber a respeito: da

alternância entre uma alma indígena-popular serena, de paciência e destreza seculares,

artista inata e um espírito turbulento, que sacode periodicamente o conjunto da

sociedade com a sua participação em todo tipo de revoltas e revoluções, como fruto da

violência atávica.

O Dr. Atl continua com seu esboço de psicologia social baseado no

temperamento artístico e, comparado os mexicanos com os povos itálicos, afirma que:

“Ambos tipos de hombres poseen esse extraño quietismo que inmoviliza a los sensuales, a los pasionales, alos artistas durante la ejecución de una obra de arte, y el dinamismo animal que los empuja a la venganza y a la lucha. Ambos llevan un ardimiento sin el cual no es posible la obra de arte. Temperamento esencialmente artista el del pueblo de México, sus manifestaciones son potentes e multiformes (...) Entre las manifestaciones exclusivas del sentimiento, la poesía religiosa y la música constituyen demonstraciones elocuentes del idolatrismo y de la melancolia de este pueblo revoltoso y soñador, confiado y violento.”198

Além da bipolaridade já aludida, nessa descrição psico-sociológica, destaca a

permanência da consideração da idolatria como traço distintivo do índio-povo e a

persistente utilização de resíduos conceituais da teoria dos humores. Apesar de que,

anos anteriores a Dr. Atl escrever o seu tratado, já haviam elaborados descrições

psicológicas do mexicano, pretendidamente modernas e científicas (positivistas). Essas

continham traços da dita teoria, como prova o texto que Ezequiel A. Chávez apresentou

na Sociedade Positiva, em 1901, e que Roger Bartra considera “como el punto de

partida de los estudios sobre el carácter del mexicano en el siglo XX”199.

Bartra dedica à melancolia vários estudos de diferentes matizes: no primeiro, La

jaula de la melancolia. Identidad y metamorfosis del mexicano, intenta precisamente

descrever a utilização dessa noção no discurso acerca da “identidade nacional” do 197 MURILLO, Gerardo. Las artes populares en México. México: Instituto Nacional Indigenista, 1980. p. 16. 198 Ibid., p. 17. 199 BARTRA, Roger. Anatomia del mexicano. México: Plaza & Janés, 2002. p. 25.

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século XX, no qual faz uma crítica ao texto El laberinto de la soledad, de Paz. Nos

restantes, que pareciam ser um aprofundamento das investigações fundamentais do

primeiro, estuda diretamente a melancolia, desde o ponto de vista da teoria dos humores

nos âmbitos espanhol e hispano-americano do século de ouro.

Justino Fernández mesmo atribuindo a Gamio o mérito de ter “liquidado el

conflicto del arte indígena antiguo”, concede a Historia del arte en México, livro de

José Juan Tablada, publicado 10 anos depois de Forjando patria, a virtude de ser o

primeiro dessa disciplina em conceder “verdadera importancia al arte indígena

antiguo”, também de apresentar “un critério por lo general más correspondiente al

gusto, concepto e interes de nuestro tiempo”200.

É precisamente em História del arte en México que Tablada afirma que “la

simple asociación de las dos palabras, arte y azteca, crean un conflicto mental”201,

reavivando assim, o conflito que, segundo Fernández, Gamio havia liquidado

previamente.

O fato de que as críticas de Tablada se dirijam especificamente à arte “mexica” e

não à arte pré-hispânica, em geral, merece um comentário particular que fará mais

adiante. De qualquer maneira, a posição de Tablada se insere dentro da problemática

geral da percepção da arte indígena, como confirma, precisamente, o processo crítico

realizado por Fernández em Coatlicue. Estética del arte indígena antiguo, de onde

extrai as citações relativas a Gamio e ao próprio Tablada. Nesta obra, Fernádez discorre

longamente sobre as opiniões produzidas ao largo do século em torno de Coatlicue

mayor, mostrando como esta escultura termina por ser representativa, não só da arte

asteca, como da arte indígena em geral.

200 FERNÁNDEZ, Justino, 1954. p. 81. 201 TABLADA, José Juan. Historia del arte en México. México: Compañia Editora Águilas, 1927. p. 47.

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Deusa Asteca da Terra e da Fertilidade Estátua, 375 x 500, 129K.202 Para conhecer a longitude da fala discursiva que Fernández criou justificada

pelos escritos de Gamio, é pertinente a citação do fragmento de Octavio Paz, escrito no

catálogo da exposição de arte mexicana, realizada em Madri em 1977, quando qualifica

a estátua de Coatlicue de “Diosa, demonia, obra maestra”:

La carrera de la Coatlicue- de diosa a demonio, dedemonio a monstruo y de monstruo a obra maestra- ilustra los cambios de sensibilidad que hemos experimentado durante los últimos cuatrocientos años. Esos cambios reflejan la progresiva secularización que distingue la modernidad (...) A pesar de todos estos cambios Coatlicue siegue siendo la misma. No há dejado de ser el bloque de piedra de forma vagamente humana y cubierta de atributos aterradores que untaban con sangre y sahumaban con incienso de copal en el Templo Mayor de Tenochtitlán. Pero no pienso únicamente en su aspecto material sino en su irradiación psíquica: como hace cuatrocientos años, la estatua en un objeto que, simultáneamente, nos atrae y nos repele, nos seduce y horroriza. Conserva intactos sus poderes, aunque hayan cambiado de lugar y el modo de su manifestación.”203

Por um lado, adotando uma postura próxima dos postulados de Gamio, Paz

atribui a esta escultura a capacidade de converte-se em um receptáculo; em um espelho

que reflete múltiplas e variantes projeções, que diz mais acerca de quem se aproxima do

que da própria escultura; mais acerca da localização cultural e histórica do observador

do que da cultura que a a obra é fruto. Porém, por outro lado, atribui a Coatlicue um

poder específico que denomina de “irradiación psíquica”. Termina por reduzir sua

primeira qualidade, de tipo historicista e perspectivista, a repetição de uma “experiencia

202 Ver imagem no site:http://flickr.com/photos/edifica/79111898/. 203 PAZ, Octavio. El arte de México: materia y sentido. In: Los privilegios de la vista II. México: FCE, 1993a. p. 76.

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de la otredad”, marcada por supostos atributos aterradores, como o aroma de sangue,

ouseja, de sacrifício:

“Imposible no detenerse ante [Coatlicue], así sea por un minuto. Suspensión del ánimo: la masa de piedra, enigma labrado, paraliza nuestra mirada (...) Lo que llamamos obra de arte- designación equívoca sobre todo aplicada a las obras de las culturas antiguas- no es tal vez sino una configuración de signos. Cada espectador combina esos signos de una manera distinta y cada combinación emite un significado diferente. Sin embargo, la pluralidad de significados se resuelve en un sentido único, siempre el mismo (...) El desenterramiento de Coatlicue repite, en el modo menor, lo que debió haber experimentado la conciencia europea ante el Descubrimiento de América.”204

É possível observar em outro texto de Paz sobre a arte mesoamericana, incluindo

o catálogo de outra exposição- esta realizada em Nova York, em 1989- para aclarar qual

é esse sentido único e recorrente em que, para ele, se resolve na contemplação de

Coatlicue. Este está claramente exposto na citação abaixo, referente à arte indígena em

seu conjunto:

“Las obras de las antiguas culturas de México invariablemente siscitan una impresión de extrañeza (...) La extrañeza comienza en sorpresa y termina en interrogación (...) Estas preguntas no sólo expresan curiosidad sino una inquietud indefinida, un malestar que en ciertos casos puede transformarse en zozobra y aun en horror. Se trata de un sentimiento ambiguo, hecho de atracción y repulsíon: lo extraño es, simultáneamente, maravilloso y horrible (...) Las esculturas y monumentos de los antiguos mexicanos son obras a un tiempo maravillosas e horribles: quiero decir, obras que están impregnadas del sentimiento confuso y sublime de lo sagrado. Un sentimiento que brota de creencias e imágenes que vienen de profundidades psíquicas muy antiguas y, además, radicalmente otras. No obstante, a pesar de su extrañeza, de una manera obscura y casi nunca racional nos reconocemos en ellas.”205

O esquema se complementa com a idéia de que essa estranheza constitutiva

provém do afastamento em que esteve submergido o continente americano em relação

ao resto do mundo até o momento da Conquista. Agora bem, o ambíguo esquema

hermenêutico sobre o qual repousa esta apreciação da arte indígena, oscila entre uma

explicação historicista e uma postura que poderíamos qualificar como arquetípica. No

entanto, o que assina as obras é uma potência inerente, ahistórica, que nos termos de

Paz, se expressa por meio da “irradiación psíquica”.

Além da polêmica, nos interessa observar como o discurso de Paz tende a

neutralizar o caráter dialético do processo histórico-crítico da arte indígena antiga, que

iniciado por Gamio com a relação a percepção-obra de arte. Cabe também ressaltar e

204 Ibid., pp. 76-77. 205 PAZ, Octavio. El águila, el jaguar y la virgen. Introducción a la historia del arte de México. In: Los privilegios de la vsita II. México: FCE, 1993 b. pp. 26-27.

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explicar como na “crítica da pirámide”, esse texto alegórico-histórico, político-moral,

que Paz inseriu em El Laberinto de la soledad, depois do massacre de Tlatelolco, o seu

discurso. Esse reabilita, em termos psicológicos, o modelo atávico demoníaco, e faz na

base explicativa desse acontecimento que, segundo Paz, foi o ressurgimento da

cosmovisão sacrificial e teocrática dos astecas.206

A compreensão do pensamento de Paz em relação à questão da arte indígena

antiga insere-se num contexto histórico mais amplo. Desde meados dos anos de 1940

até fins dos anos de 1960, época que para alguns estudiosos corresponde o auge do

debate sobre a mexicanidade, o campo de produção foi dominado por um grupo

compacto de intelectuais que pretendiam legitimar uma definição cosmopolita da

cultura mexicana.

Os trabalhos e as discussões realizadas por esse grupo compacto de intelectuais,

denominada “generación de Médio Siglo”207 ou a “generación de la Casa del Lago” e

liderados por Fernando Benítez (1912-2000), Jaime García Terrés (1924-1996) e Paz,

que lideraram a produção literária mexicana, advogaram pelo internacionalismo na

literatura, na cultura e na política, fixando assim, as pautas para a canonização literária e

determinando o curso da cultura mexicana.

Este grupo de intelectuais repercutiu em diversos planos, como: 1) a auto-

promoção de seus membros, suas obras e a disseminação de seus próprios valores e

estilos; 2) uma elucidação da relação entre o campo da produção cultural e o campo de

poder na cidade do México, já que durante grande parte do século XX, a atividade

intelectual foi patrocinada pelo Estado; 3) uma redefinição da internacionalização

contemporânea da literatura hispano-americana.

Os debates sobre a identidade chegaram ao seu auge nas décadas de 1940 e

1950, quando o México atravessava um período de desenvolvimento da infra-estrutura,

de estabilidade econômica e maior estabilidade política desde o porfiriato. Isto se

traduzia em uma confiança nacional que se refletia na efervescência cultural do período:

a proliferação de revistas literárias que representavam tanto os interesses dos

nacionalistas quanto dos cosmopolitas.

206 PAZ, Octavio, 1993. p. 339. 207 Essa denominação só pode ser empregada para referir-se ao grupo de escritores jovens afiliados a revista Medio Siglo (1951-1957). Designa aqueles escritores que nasceram no final dos anos de 1920 ou princípios dos anos de 1930, que contribuíram em suplementos literários e revistas dos anos de 1950 e 1960; também foram contemplados com bolsas do Centro Mexicano de Escritores e participaram da Dirección de Difusión Cultural da UNAM.

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A emblemática obra de Paz, El labirinto de la soledad, publicada pela primeira

vez em 1950, foi um marco na consagração do discurso cosmopolita sobre a identidade

e cultura mexicanas.

Nessa obra Paz expõe uma visão do mexicano que celebra tanto a herança

autóctone da nação como as influências ocidentais. Em particular, identificou a

“soledad” como um dos traços essenciais do caráter mexicano, que surge das

experiências históricas da nação, tanto como da dinâmica social e política da época

posterior à 2ª Guerra Mundial. Ainda que a “soledad”, por definição, o afastava de seus

contemporâneos, servia, ao mesmo tempo, de ponte que unia os mexicanos com o

mundo. A declaração de Paz de que “somos, por primera vez en nuestra historia,

contemporáneos de todos os hombres”208.

Paradoxalmente, a desintegração das relações tradicionais de poder no Ocidente

não acarretou nenhum questionamento do papel proeminente que se concedia à cultura

ocidental. Ao contrário, Paz considerava que esse era o momento indicado para o

México e outras nações em vias de desenvolvimento entrarem de “cheio” na cultura

dominante ocidental (a que se referia como a cultura e história universais). A descrição

dada a seu próprio projeto em El laberinto de la soledad responde precisamente a este

objetivo: “sostenía que el ensayo era “un esfuerzo por desentrañar el sentido de

nuestra relación con el mundo y por situarnos dentro de la corriente histórica mundial.

Afirmo expresamente que la historia de México- o sea: nuestra vida concreta-

desemboca en la Historia Universal.”209

Em concordância com o El laberinto de la soledad em seu conjunto, a “crítica

de la pirâmide” está estruturada segundo um esquema psicológico-fenomenológico, que

se apóia na dialética de si e do outro. Porém, esse texto se fundamenta na atualização de

uma distinção realizada já por Tablada em Historia del arte en México, entre a arte e a

cultura pré-hispânicas, em geral, e a arte e a cultura asteca, consideradas em particular

como uma usurpação e um desvio sanguinário do legado artístico e civilizatório Tolteca.

Este esquema é visível em Vasconcelos e está diretamente relacionado com um

certo maniqueísmo que dá fundamento à novela de Tablada. Nessa novela se contrapõe

“Cristo-Quetzalcóatl, o deus tolteca civilizado, pacífico, inimigo de sacrifícios humanos

e Tezcatlipoca, deidade escura, guerrera, cuja entronização pelos astecas, encarnaria a

208 PAZ, 1993. p. 340. 209 PAZ, Octavio. Posdata. México: Siglo XXI, 1970. p. 54.

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instauração do reino sanguinário y demoníaco que aos olhos dos espanhóis prevalecia

no território em sua chegada.

“La misma voz “tolteca” que a la vez significa una nacionalidad y el ejercicio del arte, permite creer que los vencidos de esse pueblo eran aprovechados como artistas por sus dominadores [aztecas], aptos sólo para la guerra. De ahí la excelencia plástica de muchos monumentos etnológicamente aztecas, aunque estéticamente ajenos a su rudeza belicosa (...) El arte mexicano, el que no preconizaba el culto a Quetzalcóatl, sino quizás el del Mago Negro, Tetzcatlipoca, créo plásticamente el terror y el espanto, con truculência y naturalismo que son únicamente suyos y no se encuentran en ningún outro arte. La excelência sombria de esos artistas consistió en dar forma tan singularmente poderosa y expresiva al dictado teocrático, pues nadie como los escultores indios contribuyó tanto para mantener sobre el pueblo el prestigio de aquel gobierno militar y sacerdotal, fundado en el terror armipotente de los guerreros y en el terror sobrenatural de los dioses implacables y vindicativos.”210

Nesse sentido, pode-se dizer que a “crítica de la pirámide” feito por Paz já

estava prefigurada no discurso de Tablada, e que na realidade se trata da crítica e não da

pirâmide, e sim do Palácio Asteca. Também significa dizer, do pavilhão montado em

1889 com a idéia de representação do México na Exposição Universal de Paris.

De Gamio a Paz, é possível identificar a perenidade de um discurso em torno da

questão da arte indígena antiga, que não é restringido ao seu resgate no passado, mais

sua significação e resignificação no universo cultural da identidade nacional mexicana.

Fica corroborada na historiografia sobre o assunto a necessidade cosmopolita de

formular a imagem de uma tradição e origem da nação, passando do reconhecimento à

legitimidade da arte como instrumento de manifestação e expressão da nacionalidade.

-2.5: DIEGO RIVERA E O IDEAL DE MODERNIDADE CULTURA L DA

SOCIEDADE MEXICANA

No caso de Diego Rivera a sua primeira referência historiográfica corrente é a

sua vinculação ao movimento muralista. Apesar de todas as divergências ideológicas e

estilísticas, os muralistas cumpriram um papel de importância para divulgação do

propósito revolucionário: a defesa e constituição de princípios de uma arte, de caráter

público e voltada para os valores das populações nativas.

210 TABLADA, 1927. p. 41.

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No lastro da Revolução, o muralismo se propôs ser um dos meios de

transformação da sociedade. Tal sociedade que padecia de enormes atrasos e dependia

de outros países devido às profundas diferenças sociais e a sua fragmentação em

numerosos grupos étnicos. Ultrapassar esses obstáculos representaria em transformar o

México em uma nação moderna, soberana e unificada tomando como pontos de

referência a igualdade social e o desenvolvimento coletivo.

Embalados nos ideais modernistas, convencidos do poder milagroso da ciência e

da técnica e utilizando novas técnicas pictóricas converteram os postulados clássicos da

arte renascentista em um moderno instrumento destinado a despertar a consciência. No

México, essa inovação ficou em parte com os muralistas.

Em 1921, recém chegado da Europa, Rivera acompanha um grupo de artistas e

escritores, comandados por Vasconcelos a Chichén Itza e Uxmal em Yucatán, antes de

ser cativado pela vida e cultura da população indígena em Tehuantepec. Impressionado

pelas imagens mais de Carlos Mérida, Rivera junto com Jean Charlot, é considerado o

primeiro a enobrecer e idealizar o passado pré-colombiano e suas civilizações

mexicanas. Não só colecionou um grande número de artefatos pré-colombianos, como

também se dedicou a estudar a monumental escultura tolteca e asteca, e ainda as cópias

dos manuscritos pictográficos astecas do tempo de meados do século XVI.

Essa visão e reconhecimento da importância do passado das populações

indígenas mexicanas aproximaram Rivera da política nacionalista e cultural do Estado.

O intuito era procurar elevar por meio das artes, a idéia de incorporação de uma nova

visão de nação, agora etnicamente composta. Um novo mito junto à Revolução estava

aparecendo, o mito étnico- nacional, integrando num projeto maior de modernização da

nação mexicana, que fica evidente no pensamento e política etnográfica defendidos por

Gamio.

No ano de 1934, Rivera sintetiza e expressa no mural intitulado “El Hombre

Controlador del Universo” ou “El Hombre em la Máquina del Tiempo” o propósito e

ideal de um novo momento do período pós-revolucionário.

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Fresco, 4,85 x 11,45 m 2º andar do átrio da escadaria Palacio de Bellas Artes, Cidade do México Fotografia: Rafael Doniz211

O mural “El Hombre Controlador del Universo” ou “El Hombre en la Máquina

del Tiempo” demonstra no conjunto dos murais elaborados e pintados por Rivera nos

anos de 1920 e 1930212 uma mudança intestina da conjuntura social e política dos

primeiros governos pós-revolucionários: a preocupação na efetivação da garantia do

progresso econômico da sociedade mexicana.

No mural pintado no ano de 1934 é observada uma mescla de elementos

figurativos, cujo sentido está diretamente relacionado à universalidade, conseqüência do

progresso e a modernidade.

No centro da imagem aparece a figura de um jovem homem segurando o

comando de uma hélice gigante, que, por sua vez, aciona a engrenagem e bombeia

energia em um depósito de grandes dimensões.

O jovem lembra Prometeu ou o super-homem nietzscheniano, porque dá a

impressão de que dele depende todo destino da humanidade. Rivera com este mural

tenta encenar a apoteose da técnica. A natureza não é esquecida. Pinta sob a máquina

um campo coberto de trigo, ananais e várias árvores carregadas de frutas. Podemos

livremente interpretar como o estrato mais baixo desde o ponto de vista da história da

211 Reproduzido em: KETTENMANN, Andréa. Diego Rivera (1886-1957): Um Espírito Revolucionário na Arte Moderna. Lisboa: Paisagem, 2006. pp. 54-55. 212 Quando nos referimos ao conjunto de murais pintados nos anos iniciais do período pós-revolucionário é patente a sua vinculação ao projeto do Estado de imprimir nas paredes dos prédios públicos a considerada nova realidade social e cultural da sociedade mexicana, ou melhor, o novo sentido da “mexicanidade”.

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evolução ou como o símbolo da subordinação a partir de uma perspectiva da

importância, o que equivale a dizer o domínio da natureza sobre o homem.

Outro elemento característico da simbiose entre a natureza e a ciência é a

disposição das hélices, que evocam a aparência de uma libélula onde aparecem

diferentes reflexos dos microcosmos e macrocosmos. Essa máquina gigante que domina

a natureza simboliza em cruz a convergência dos mundos, cada um dos quais é o lado

da mesma: o capitalista caracterizado pela derrota, a guerra e a exploração; o socialista

que representados pela figura de Lênin, se associa com a reconciliação, aprendizagem e

paz.

A referência de técnica a qual Rivera está apontando é a classe operária,

encerrada em uma grave contradição: por um lado, a ciência e a técnica modernas

proclamadas pelo socialismo; e por outro, o atraso que já sofria o socialismo real nos

anos de 1960 neste campo. A dupla liberação tão desejada, a liberação do homem da

exploração capitalista e a liberação da ciência e da técnica de sua instrumentalização

como máquina multiplicadora de benefícios e devoradora de seres humanos a serviço do

capitalismo, realidade que não foi possível na sociedade mexicana. A desigualdade

social, a corrupção política e o atraso tecnológico seguiram sendo características

determinantes da sociedade mexicana.

Agora já em relação à sua vinculação à revolução, marca de seus murais pintado

nos anos de 1920, Andréa Kettenmann expõe de forma clara este primeiro momento da

produção artística no contexto dos interesses institucionais dos governos pós-

revolucionários:

“Em março de 1922, Vasconcelos encomenda murais para as paredes dos dois pátios interiores da Secretaría de Educación Pública (SEP), do Ministério da Educação, cujo novo edifício tinha sido inaugurado em meados do ano anterior. Diego Rivera é encarregado da chefia deste maior projecto da primeira década do movimento da pintura de murais. O artista pintará ao todo 117 frescos com uma área total de 1.600 metros [quadrados] nas arcadas dos dois pátios interiores do edifício de três andares situados um atrás do outro. Rivera trabalha neste projecto quatro anos, até 1928. Pretende desenvolver uma iconografia revolucionária para o México, a qual não existia até aí. O programa temático patente no rés-no-chão dos dois pátios, onde se vêem imagens construídas de forma simples com uma força de expressão concentrada e num estilo clássico e figurativo, é composto por motivos que remetem para os ideais revolucionários e que homenageiam a herança índia da cultura mexicana. No pátio que Rivera chamou Pátio do Trabalho, o mais pequeno dos pátios, vêem-se representações retiradas da vida quotidiana do povo mexicano: Cenas de trabalho no campo, trabalho industrial e artesanal das diferentes regiões do país, a luta pelo melhoramento das condições de vida, assim como cenas de festas tradicionais mexicanas, patentes no Pátio das Festas, o maior de todos.”213

213Op. cit., pp. 26-27.

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Esta afirmação fica evidente na composição temática e ilustrativa dos murais:

Do ciclo: Visión Política del Pueblo Mexicano (Pátio das Festas) El Arsenal – Frida Kahlo Repartindo Armas, 1928 Fresco, 2,03 x 3,98 m. 2º andar parede sul Secretaría de Educación Pública, Cidade do México Fotografia: Rafafel Doniz.214

214 Ibid., p. 34. Este afresco compõe o ciclo Visión Política del Pueblo Mexica (1923-128), pintado no novo prédio da Secretaría de Educación Pública (SEP), inaugurado em 1922. É composto de 235 murais, com uma área total pintada de 1585,14 m.

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Do ciclo: Visión Política del Pueblo Mexicano (Pátio das Festas) La Ofrenda – Día de Muertos, 1923-1924 Fresco, 4,15 x 2,37 m. Rés-do chão parede sul Secretaría de Educación Pública (SEP), cidade do México Fotografia: Rafael Doniz215

215 Ibid. p. 31.

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Do ciclo: Visión Política del Pueblo Mexicano (Pátio das Festas) La Fiesta del Maíz, 1923-1924 Fresco, 4,38 x 2,39 m. Rés-dochão parede sul Fotografia: Rafael Doniz.216

No pátio que Rivera chamou Pátio do Trabalho, o menor dos dois pátios, vê-se

representações retiradas da vida cotidiana do povo mexicano: cenas de trabalho no

campo, trabalho industrial e artesanal das diferentes regiões do país, a luta pelo

melhoramento das condições de vida, assim, como cenas de festas tradicionais

mexicanas, representadas no Pátio das Festas, o maior dos dois.

216 Ibid. p. 30.

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Do ciclo: Visón Política del Pueblo Mexicano (Pátio do Trabalho) Mujeres Tehuanas, 1923 Fresco 4,76 x 2,14 m. Rés-do-chão Fotografia: Rafael Doniz

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Do ciclo: Visión Política del Pueblo Mexicano (Pátio do Trabalho) Entrada a la Mina, 1923 Fresco, 4,74 x 3,50 . Rés-do chão parede oriental Fotografia: Rafael Doniz217

217 Ibid. p. 28.

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Do ciclo: Visión Política del Pueblo Mexicano (Pátio do Trabalho) El trapiche, 1923 Fresco 4,82 x 3,66 m. Rés-do-chão parede norte Fotografia: Rafael Doniz218

-MITO E HISTÓRIA: OS MURAIS COMO REPRESENTAÇÃO ESTÉ TICA

DISCURSIVA DA ARTE PRÉ-HISPÂNICA

O movimento muralista caracteriza o México no terreno das artes plásticas

internacionais. Na continuação da discussão sobre a questão do conhecimento,

percepção e interpretação da arte mexicana, o muralismo não será analisado pelo seu

aporte estético, mas pela sua incidência na formação da consciência coletiva ao difundir

e reproduzir uma visão da história mitificada.

218 Ibid. p. 29.

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171

Seguindo a trajetória de análise do tópico anterior, onde foi demonstrada a

emergência de um saber estético-etnológico que de Gamio, nos anos de 1910 até

Octavio Paz, seis décadas depois, um longo debate sobre a natureza estética das obras

de arte pré-hispânicas ocupou um lugar de destaque no cerne da questão da identidade

nacional mexicana.

As interpretações baseavam-se na construção de sentidos e significados partindo

do olhar do observador e dos símbolos inerentes à natureza estético-histórica ou mítica

da obra. Seguindo esta trilha, agora analisaremos essa questão pelo viés do muralismo,

ponderando as diferenças histórico-ideológicas. Assim, não analisaremos o seu aporte

estético, mas a sua incidência na formação da consciência coletiva ao difundir e

reproduzir uma visão de história mitificada.

Na perspectiva apresentada o muralismo é considerado a partir de duas questões:

como mito de origem fundacional e discurso de identidade. Ao assinalarmos as questões

anteriores, reconhecidas por seus críticos, a afirmação de Paz sobre o muralismo é

pertinente para encetar a discussão:

“Sin la Revolución esos artistas no se habrían expresado o sus creaciones habrían adoptado otras formas; asimismo, sin la obra de los muralistas la Revolución no habrían sido lo que fue. El movimiento muralista fue ante todo un descubrimiento del presente y el pasado de México, algo que el sacudimiento revolucionário había puesto a la vista: la verdadera realidad de nuestro país no era lo que veían los liberales y los porfiristas del siglo pasado sino otra, sepultada y no obstante viva... Todos tenemos nostalgia y envidia de un momento maravilloso que no hemos podido vivir. Uno de ellos es ese momento en al que, recién llegado de Europa, Diego Rivera vuelve a ver, como si nunca hubiese visto antes, la realidad mexicana”219.

Após o arrefecimento do empreendimento do projeto cultural revolucionário,

nas décadas de 1930 e 1940, quando o Estado mexicano deixa de ser o grande

incentivador do muralismo, este segue como uma corrente das artes pictóricas. Persiste

tanto como obra pública quanto também como forma expressiva. Retomado por novos

muralistas que continuam pintando em prédios públicos, como escolas, palácios

municipais e outros espaços públicos em todo o país, os murais permanecem como um

meio de forma artística expressiva, como também discursiva.

Na tradição cultural mexicana, a pintura ao longo dos séculos, desde o período

pré-hispânico, além de seu apelo visual e estético, exerceu o papel de transmissão de

narrativas, fato que se remonta aos códices e as pinturas murais pré-hispânicas,

retomadas nos métodos de catequização por meio de pinturas da época colonial.

219 MONSIVÁIS, 2000. pp. 989-990.

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172

Os murais pintados no período pós-revolucionário por Rivera, Siqueiros e

Orozco, principalmente, podem ser traduzidos como textos a ser lidos pelos que

observam decodificando os seus símbolos pictóricos. Os seus significados voltavam-se

para interpretações da realidade da sociedade mexicana revolucionária ou para a

caracterização temática dos prédios onde eram pintados.

O processo de decodificação dos murais como narrativas está diretamente

relacionado ao contexto socio-histórico que está inserido, onde os seus elementos

gráficos e sua tradução para conceitos pressupõem significados que são criados e

negociados dentro de uma realidade social e cultural. No geral, como fala Paz, a leitura

de uma arte pública deve pelo menos ter duas condições: “la primera una comunidad de

creencias, sentimientos en imágenes; la segunda, una visión del hombre y de su lugar y

misión en el mundo.”220

Como texto, os murais compartilham as características de um livro, carregados

de possibilidades de leituras e interpretações. O que está escrito- o pintado- tem caráter,

num primeiro momento de ser verdadeiro, mas constituem um discurso ambíguo, que

compartilha a condição polissêmica da imagem gráfica e da representação. Entretanto, a

ambigüidade do discurso e a polissemia das imagens são destituídas de seus sentidos na

seguinte situação: atualmente os murais possuem seus modernos “exegetas”, os guias de

turismo, que explicam e traduzem os conteúdos de acordo com um guia oficial

elaborado e aprovado pela Secretaria de Turismo da cidade do México e o INAH

(Instituto Nacional de Antropologia e História).

As palavras e os conceitos, semelhante aos símbolos incluídos em um texto

gráfico não possui um significado unívoco, mas agrega um conjunto de significados que

se integra a um campo semântico. Constituem nesta perspectiva, metáforas para

organizar significados culturais.

Os murais como textos contêm uma profusão de elementos simbólicos para

narrar uma história inteligível. Porém, quem conta é um indivíduo. No caso dos murais

da Revolução, a narrativa, aparentemente, conta a mesma história e recorre a

argumentos visuais similares, mais que por outro lado, os símbolos selecionados

pertencem em última instância ao universo das experiências pessoais de seus artistas.

Alguns dos símbolos selecionados e utilizados pelos muralistas podem ser considerados

um aporte pessoal do artista e outros pertencerem à tradição cultural ocidental.

220 PAZ, Octavio. México en la obra de Octavio Paz. Los privilegios de la vista. México: Fondo de Cultura Económica, 1987. p. 51.

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173

Entretanto, outros estão vinculados ao imaginário nativo que não é necessariamente pré-

hispânico, e sim uma resignificação das heranças espanhola e indígena no universo

cultural dos mexicanos dos setores populares em suas diferentes versões locais.

A suposta ordenação dos símbolos- universais, pessoais ou locais- resulta

insuficiente, pois mais significativo que estabelecer a origem dos símbolos que o artista

usa, é necessário compreender o contexto de sua criação, ou seja, a sua função em um

contexto histórico e situacional. No caso dos murais da Revolução, o próprio contexto

da Revolução que logrou contagiar e captar os ânimos dos diversos setores da sociedade

mexicana, a reiteração de símbolos reforça o seu caráter histórico e cultural num espaço

compartilhado.

Os murais, exemplo de arte pública, podem ser considerados como uma

configuração de símbolos que podem ser lidos e interpretados no binômio de uma dupla

tradição: a ocidental e a indígena. No bojo dessa dupla tradição, as referências

constituem elementos formadores do discurso histórico e de criação de identidade.

Exemplificando a discussão enredada acima, destacaremos alguns murais de

Rivera como forma de constituição de um saber estético e histórico da nação.

Primeiramente, é notório o resgate do indígena em seu habitat, a descrição de seu

cotidiano, a sua cultura e os seus ritos, sob um discurso dominante de representação da

identidade cultural mexicana nos moldes do ideal revolucionário. O conhecimento do

contexto histórico e social de seus murais aliado ao reconhecimento da recorrência do

elemento indígena, como símbolo principal de sua representação pictórica, denota

características de sua visão e interpretação do contexto revolucionário.

O ciclo Epopeya del Pueblo Mexicano (1929-1935), pintado do Palacio

Nacional, na cidade do México, fica evidente a interpretação de Rivera sobre a história

mexicana que deveria prevalecer e ser conhecida. Nos três murais, cujas temáticas são

interligadas, relata por ordem cronológica e em episódios a história do México. Inicia a

pintura do mencionado projeto, em 1929, com o mural intitulado México prehispánico –

El Antiguo Mundo Indígena, representando os primórdios indígenas paradisíacos.

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Do ciclo: Epopeya del pueblo mexicano, 1929-1935 México prehispánico – El Antiguo Mundo Indígena, 1929 Fresco, 7,49 x 8,85 m Fotografia: Rafael Doniz.221

221 KETTENMANN, 2006. p. 58.

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Na parede central pinta a Historia de México: de la Conquista a 1930 (pintado

entre 1929 e 1931, tem 8,59 x 12,87 m.) demonstrando a crueldade da conquista

espanhola e da cristianização e evidencia da ditadura de Porfírio Díaz até o advento da

Revolução.222

222 Ibid. pp. 60-61.

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De 1934 a 1935, na parede sul, sintetiza o seu ideal marxista em México de Hoy

y de Manana.

Do ciclo: Epopeya del Pueblo Mexicano, 1929-1935 México de hoy y de Manana, 1934-1935 Fresco, 7,49 x 8,85 m. Parede sul. Fotografia: Rafael Doniz.

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Demonstrada a interpretação e representação de Rivera, por alguns de seus

murais pintados no Palacio Nacional, compondo um dos ciclos pictóricos realizados

pelo pintor em prédios institucionais da cidade do México, passamos a continuação da

discussão da questão para um próximo ponto. Está em questão a leitura dos murais,

levando em conta a permanência de símbolos que os caracterizem como meios

narrativos da realidade histórica, social e cultural mexicana. Como já foi assinalado, o

contexto era o revolucionário e seus desdobramentos nos anos pós-revolucionários.

As possibilidades e leituras de narrativas não se restringem só ao observador,

mais em outra ordem, o lugar e o papel do artista na criação dos murais. Assim, é

interessante cortejar os murais de Rivera e Orozco, protagonistas dessa tentativa de

conformação de um consenso estético frente a polissemia de significados, no que se

refere à história nacional do México.

Concretamente, o período pré-hispânico, a Conquista e a Revolução determinam

o vetor a ser seguido na construção de uma cronologia histórica para a representação da

história do México. Analisaremos através dos ciclos de murais que tentam a

representação da dita cronologia para o entendimento da questão. O paralelo entre o

mural de Orozco pintado no Datmouth College (1932-1934) e o “Epopeya del pueblo

mexicano” (1929-1930, 1934-1935), já apresentado, demonstram a diferença na leitura e

interpretação dos ideais propagados pela Revolução na constituição de uma nova

história e ordem nacional mexicana.

Quanto aos murais assinalados, cabe ressaltar que apresentam em seu conteúdo

uma aparente semelhança no que se refere às visões da história do México. Isso, porque

ambos os pintores já haviam alcançados uma maturidade artística e estética. Porém, não

deve ser esquecido que as suas composições representam as tendências ideológicas dos

mesmos pintores que, por outro lado, é corolário de suas respectivas formações,

experiências, filosofias e personalidades.

Para compreender melhor essas obras destacadas do conjunto de murais criados

por Rivera e Orozco, discorremos uma breve biografia e descrição dos contextos desses

pintores, que começaram na Academia de San Carlos, uma escola financiada pelo

Estado mexicano, oriundos de famílias de intelectuais e de esquerda. Ë notória a

influência da Academia, que fomentava, por sua vez, através do exercício da arte a

independência do México, e onde apareceram as primeiras manifestações do

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nacionalismo artístico no país.223 De fato, os alunos da Academia nos anos precedentes

a eclosão da Revolução já demonstravam um descontentamento social justificado na

repressiva ditadura de Porfírio Díaz.

O que também é importante salientar em relação à Academia de San Carlos era o

conflito interno existente devido à sua insistência no ensino dos métodos clássicos,

exclusivamente europeus. Essa tendência didática não agradava aos jovens artistas que

desejavam uma formação voltada para as raízes indígenas das populações mexicanas. O

que se aspirava, não como um consenso entre todos os alunos, era a idéia de uma arte de

caráter mexicano, ou seja, voltada para a própria história e realidade do país. Rivera e

Orozco, “dos rebeldes”224, se situavam na vanguarda deste movimento até 1910, quando

ambos abandonam a Academia.

No ano de 1910, momento de eclosão das lutas revolucionárias, Orozco se auto-

expulsa com outros dez estudantes em oposição à postura que considerava controvertida

do professor António Fabrés. Rivera, por sua vez, havia perdido a sua bolsa, mas

conseguindo outra dada pelo governador de Vera Cruz, Teodoro A. Dehesa, podendo

assim continuar seus estudos na Europa.

Como foi dito, Rivera, graças à bolsa concedida viajou para a Europa, vivendo a

maior parte do tempo em Paris, mas também em Madri, Toledo, Londres e Itália.

Chegou a conhecer os artistas mais relevantes daquele tempo, como Pablo Picasso, Paul

Cézanne e Amadeo Modigliani, cujas influências, junto com seus estudos clássicos na

Itália, contribuíram para sua formação como artista. Assim mesmo, o conhecimento e

aproximação das teorias marxistas e sua amizade com o futuro líder da revolução russa,

Lênin, o proporcionou um aprofundamento na ideologia nacionalista que, apesar de seus

desentendimentos no futuro com o Partido Comunista, levaria até a sua morte. Ademais,

em 1917, depois de conhecer o médico e crítico de arte Elie Faure surgiu a idéia da

pintura mural como modo de contribuir com a Revolução no México.

“É também Faure quem desperta em Rivera o interesse pela arte da Renascença italiana. Enquanto ainda discute com este a necessidade de uma arte de importância a nível social e pensa em utilizar a pintura mural como uma forma de representação, é-lhe oferecida a hipótese de viajar para a Itália. O embaixador do México em França, Alberto J. Pani, que lhe tinha encomendado um retrato seu e da mulher e que lhe tinha comprado vários quadros pós-cubistas, consegue convencer o novo reitor da Universidade da Cidade do México, José Vasconcelos, a pagar ao pintor uma viagem de estudos a Itália. Graças a essa bolsa, Rivera viaja para Itália em

223 PATTERSON, Robert H.. Art in Revolution: antecedents of Mexican mural painting. Journal of Inter-Amarican Studies, (jul., 1964), p. 377. 224 MARÍN, Guadalupe Rivera. Un río, dos Rivera: Vida de Diego Rivera, 1886-1929. Alianza Editorial Mexicana, 1989. p. 56.

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Fevereiro de 1920. Nos dezessete meses que se seguem estuda a História da arte italiana com base em obras de arte etruscas, bizantinas e renascentistas. Faz mais de trezentos esboços e desenhos de paisagens italianas, da arquitectura e das pessoas, mas também de obras de mestres italianos em livros de esboço que traz habitualmente consigo, espalhados por diversos bolsos do casaco. A maioria destes desenhos desapareceu. As pinturas murais dos pintores italianos do Trecento e do Quatrocento, principalmente os frescos de Giotto, abrem-lhe os olhos para as possibilidades de pintura monumental, que, mais tarde, depois do seu regresso à sua terra natal, lhe servirá de estímulo para uma arte nova, revolucionária e pública.”225

A sua participação no movimento revolucionário nos anos correntes da luta

armada não aconteceu diretamente, mesmo voltando uma vez ao México no ano de

1910 e permanecendo até o seguinte para atender assuntos econômicos, familiares e

artísticos, quando a Revolução ainda estava muito incipiente.

Orozco, por sua vez, permaneceu no México durante a maior parte da

Revolução. Trabalhou entre os anos de 1911 e 1912 como caricaturista para o jornal El

hijo del Ahuizote, que se oponha ao regime de Madero e, mais tarde, em 1915 com seu

antigo professor da Academia, Doctor Atl, em Orizaba, onde criou a revista de crítica

La vanguardia. No correr desses anos, ilustrou e desenhou caricaturas para a

publicação, ainda que nunca, devido ao seu temperamento crítico, acreditava nos

partidos políticos.

A sua temporada em Orizaba, que não sofreu a destruição causada pela luta

revolucionária, o colocou de frente para a realidade trazida pela Revolução através dos

trens que transportavam os feridos e os prisioneiros, mortos, em menor número, pelas

péssimas condições sanitárias ou de atendimentos médico, ou também pelos pelotões de

execução.226 Estes acontecimentos, junto à observação do caos da cidade do México

depois de seu regresso, provocaram uma sensação amarga quanto à Revolução, como

explica em sua Autobiografia:

“Se acostumbraba la gente a la matanza, al egísmo más despiadado, al hartazgo de los sentidos, a la animalidad pura y sin tapujos. Las poblaciones pequenas eran asaltadas y se cometia toda clase de excesos. Los trenes que venían de campos de batalla vaciaban en la estación de Orizaba su cargamento de heridos y de tropas cansadas, agotadas, hechas padazos, sudorosas, deshilachadas.”227

Desde Orizaba ao México, porém depois do fracasso da exposição de 1916

causado pelas suas críticas contra o governo de Carranza, viaja para os Estados Unidos,

onde trabalha como artista gráfico. Não chegou a trabalhar como pintor até 1921,

225 KETTENMANN, 2006. p. 20. 226 Vide PATTERSON, p. 384. 227 OROZCO, José Clemente. Autobiografia. México: Ediciones Era, 1970. p. 46.

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quando se junta com Vasconcelos, Rivera e outros artistas para formar o movimento

muralista.

O programa financiado pela Secretaría de Educación Pública (SEP), propicia e

incentiva o desenvolvimento de suas habilidades na arte mural, não só quanto ao seu

estilo e técnica, mais também no reconhecimento de seu conteúdo e temas principais.

Finalmente, junto com Rivera manifestam suas ambições de estabelecer uma arte

mexicana que, ao mesmo tempo, serviria de catalizador para o progresso social. Em seu

texto “Nuevo mundo, nuevas raíces y nuevo arte”, Orozco articula sua postura quanto à

sua obra:

“El arte del Nuevo Mundo no puede enraizarse en las viejas tradiciones del Viejo Mundo, ni de las tradiciones aborígenes representadas por las ruinas de nuestros antiguos pueblos indígenas (...) Dirigirse solícitamente a Europa, inclinarse hurgando entre sus ruínas para importalas e copiarlas servilmente, no es mayor error que el saqueo de los restos indígenas del Nuevo Mundo con el objeto de copiar con el mismo servilismo sus ruínas o su actual folklore.”228

Ainda que postulasse e defendesse uma “arte para o povo e para todos”, Rivera

não apresentava esse caráter de preocupação em evitar a imitação dos estilos indígenas,

porém, concordava com Orozco no que se referia a arte para todo ser humano:

“El arte no es ni los postres en el banquete de la civilización, ni el esplendor de la verdad, ni la naturaleza vista a través de un temperamento, ni alguma de esas cosas que los filósofos han pretendido establecer (...) El arte es una necesidad que realiza el sumo fin de la espécie. Su continuación esencial. Conduce el hombre contra todo aquello que lo explota y oprime em el libre ejercicio de la imaginación y la razón.”229

Segundo essa concepção, a arte não deve servir somente para o artista e nem

para uma parte da sociedade, e nem deve estar desprovida de sentido. A arte é

concebida como uma ferramenta para que o povo se liberte e eduque.

No ano de 1924, com a saída de Vasconcelos da Secretaría de Educación Pública

(SEP), não significou o fim do movimento muralista e, o início de um outro

momento.230 Rivera permaneceu no seu posto como pintor do governo e continuava

228 OROZCO, José Clemente. Textos de Orozco; studio y apêndice Justino Fernández. México: Universidad Nacional Autônoma de México, 1983. p. 43. 229 MARÍN, 1989. p. 82 230 Tabela comparativa das formas que as linguagens visuais, os processos produtivos e sua inserção no espaço urbano arquitetônico e no espaço mediático-virtual influenciaram as 4 visões da arte pública a partir dos anos de 1970 modificaram o sentido e concepção propostas pelo movimento muralista do período de 1920 a 1970. Muralismo

(1920-1970) Arte Mural (1970-1980)

Arte Urbana (1980-2000)

Arte Mediática

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executando murais na Secretaria de Educación Pública, na Escuela Nacional de

Agricultura de Chapingo, e 1929 começa o projeto no Palácio Nacional. Ainda, é

enviado à União Soviética para assistir aos festejos do aniversário da Revolução de

1917. Já Orozco, em 1927 viaja para os Estados Unidos onde permanece até 1934.

Esse período de estadia de Orozco nos Estados Unidos a sua obra não chamava a

atenção, fato atribuído ao modo de vida americano e a sua apreciação pela arte

européia.231 Porém, a mudança ocorreu quando o mesmo conheceu Alma Reed, quem o

colocou em contato com o Círculo Delfíco, um grupo de intelectuais. Paradoxalmente,

no momento da crise de 1929 obrigava os norte-americanos se enfrentar “con una nueva

realidad de pobreza e injusticia”232, o que levou a apreciação o trabalho de Orozco e

proporcionou que o mesmo pintasse murais em Pomona College, The New School for

Social Research e, finalmente, em 1932, na biblioteca Baker de Dartmouth College.

Estabelecido o contexto dos dois artistas e a diferenciação das trajetórias,

posturas e influências de Rivera e Orozco, iniciaremos uma breve análise dos murais já

mencionados para demarcamos a diferenciação estética e estilística que demonstram

interpretações e visões que, por vezes, se confrontam no cerne da dita homogeneidade

do grupo artístico mexicano nas décadas de 1910 a 1940.

Começaremos com o tratamento dos períodos pré-colombianos em ambos ciclos

de afrescos um tema freqüente na obra de Rivera e Orozco. Em México prehispánico-

El Antiguo Mundo Indígena, Rivera retrata um mundo brilhante, cheio de mitos antigos

junto aos acontecimentos cotidianos. Na parte superior, é retratado o lendário volcán,

popocapeptl, o deus principal, Quetzacoalt e o sol, um elemento muito celebrado pelos

Meio estratégico Pintura

Fotografia Montagem cinematográfica

Pintura Escultura Arquitetura Fotografia

Instalação Ambientação Grafiti

Projeção multimídia Vídeo

Ideal político Arte pública para o povo e a nação.

Arte para as massas, para as coletividades.

Crítica de arte estabelecida em museu.

Crítica ao objeto artístico, ao consumo.

Temporalidade Transcendente, passado, presente e futuro.

Atualidade, presente, passado e futuro imediato.

Efêmero- o momento e a circunstância.

Instantâneo, mutável.

Paradigma de atração

História e mito, a utopia.

História e testemunho.

Linguagens e histórias locais.

Linguagem pessoal, o mundo global.

Filosofia O ideológico-dogmático.

O ideológico-político.

O lingüístico. O iconológico.

231 AZUELA, Alicia. Presencia de Orozco en la sociedad y el arte anglosajones. In: Orozco: una relectura. México: Universidad Autônoma de México, 1983. p. 153. 232 Idem, p. 179.

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indígenas mexicanos. Abaixo, a reprodução de várias cenas onde aparecem operários,

guerreiros, mulheres, crianças e sábios. As cores dominantes, o branco, marrom,

amarelo; todos iluminados, como se a luz do sol fosse real. A maior parte do afresco

trata das atividades diárias e sagradas com apenas uma cena de guerra na parte esquerda

inferior.

Rivera conta assim, a sua interpretação e visão pré-colonial utilizando para

apoiar esta sensação a forma de narrativa dos pictogramas antigos dos toltecas, mixtecas

e astecas.233 No conjunto, este afresco, com seu mundo mítico paralelo à vida cotidiana

apresenta “uma linguagem unitária”, uma estética que, como veremos, é totalmente

distinta do mundo criado por Orozco.234

Os afrescos de Orozco em Dartmouth College: Pré-Columbian Age, Aztec

Warriors e Ancient Human Sacrifice , representam a visão de um mundo diferente,

ainda que apresentem imagens semelhantes.235 Por exemplo, em Pré-Columbian Age

vemos a direita uma cena do cotidiano de um indígena cultivando o maíz236, um

astrônomo e a esquerda, outra figura ainda mais misteriosa levantando o braço de olhos

fechados.

233 Ver a obra Genios del Arte: Diego Rivera, patrocinada pelo Banco do México. 234 Ver mural em KETTENMANN, 2006. p. 58. 235 Consultar os afrescos em http://www.dartmouth.edu/~library/Orozco/panelx.html. 236 O maíz, elote,choclo ou Zea Mays (nome científico em latim) é uma “gramínea” anual originária das Américas introduzida na Europa no século XVI. Atualmente, é um cereal com o maior volume de produção no mundo, chegando a superar o trigo e o arroz. Na maior parte dos países da América, o maíz constitui a base histórica da alimentação regional e um dos aspectos centrais da cultura mesoamericana. Fonte: http://es.wikipedia.org/wiki/Choclo. (Tradução livre).

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Pré-Columbian Age (Painel 6)

A continuação em Aztec Warriors, é observado quatro homens sombrios com

gorros de plumas olhando sagazmente no lado direito do painel.

Aztec Warriors( Painel 4)

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Finalmente, é visto um cenário gráfico do Ancient Human Sacrifice formado por

cinco homens. Do qual um representa o sacrifício, que está mantido pelos demais. O

executor do sacrifício está no ato de apunhalá-lo e se nota, no sacrifício, sua agonia, sua

dor e sua vulnerabilidade entre os outros que apresentam semblantes concentrados.

Ancient Human Sacrifice (Painel 3)

As cores dos três painéis de Orozco, contrárias à claridade dos registros de

Rivera, são mais sombrias e limitadas. O negro predomina no fundo, porém é possível

ver a presença do roxo e do cinza. Cabe assinalar que enquanto a sua obra (Orozco), o

cinza é muitas vezes “el color de la impotência y la derrota”237. O roxo tem mais

significado para o pintor, simbolizando a esquerda política e, por outro lado, pertencente

237 EDER, Rita. De heroes y máquinas. In: Orozco: uma relectura, 1983. p. 153.

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ao fogo e ao sangue. Contraditório a unidade de Rivera, os painéis estão fragmentados.

Isso quer dizer, que cada painel, devido à sua representação gráfica e cromática, está

independente do outro, e entre eles, as figuras não se relacionam. Em efeito, a

constatação é feita pelo próprio Orozco: “una IDEA, nunca una anédocta”.238

Seguindo a sua postura crítica, a cultura pré-colombiana é apresentada sem ser

idealizada, com a expressão dos seus aspectos positivos e negativos, um método,

segundo os críticos, oposto ao modo de representação do mundo pré-hispânico de

Rivera. De fato afirmava: “(...) con desprecio (...) del culto de indio”239. Como já fora

ressaltado, a sua proposta de representação e interpretação não era copiar a estética do

folclore dos mexicanos pré-hispânicos, mas desenvolver uma arte que abarcasse a

mestiçagem entre o europeu e o mexicano.

Agora seguiremos a análise tratando do segundo tema: a Conquista do México.

De muitas formas, ambos artistas estavam de acordo quanto à questões relativas à

destruição, a brutalidade e a barbárie geral cometidas pelos espanhóis contra as

populações indígenas mexicanas.

Em Historia de México: de la Conquista a 1930, Rivera, na parte inferior do

afresco demonstra cenas de Cortés e seus soldados que levam armaduras com espadas

em punho em pleno extermínio dos índios. O sol está coberto com índios feridos e

mortos, porém, é possível observar que na representação, é mantida a dignidade deles

através dos numerosos símbolos da cultura pré-hispânica: a concha, o deus

Quetzalcoalt, os disfarces e máscaras sagradas. Abaixo, vemos a cristianização do

México: os aspectos mais repressivos colocados à esquerda e na direita, a benevolência

do defensor dos indígenas, Bartolomé de Las Casas.

Outra vez, Rivera na representação por meio de sua pintura, cria uma narrativa

inter-relacionada da Conquista e suas “crueldades”. O destaque maior aparece nas

figuras, pela sua claridade e humanidade oriunda da luz solar, parecida com o afresco do

Palacio Nacional.

Na concepção de Orozco, como já pode ser percebido em sua representação

deste período da história pré-hispânica mexicana, a Conquista foi um processo de

horror. A prova disso são os painéis The Coming of Quetzacoalt, The Prophecy e Cortez

and the Cross.240

238 OROZCO, 1983. p. 51. 239 Op. cit. p. 152. 240 Consultar os afrescos em http://www.dartmouth.edu/~library/Orozco/panelx.html.

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Em The Coming of Quetzacoalt, o deus asteca não é um pássaro com plumas,

mas o próprio Hernán Cortez que se destaca dos outros deuses. A continuação em The

Prophecy retrata a realidade fria e militarista da cristandade espanhola. Um mundo

desprovido de ornamentação natural. No painel observam-se soldados com armaduras e

levando uma cruz. Entretanto, no fundo há marchando mais soldados em cavalos

armados. Finalmente, em Cortez and the Cross, o destaque é uma figura alta e robótica

de Cortez, onde parece que sua espada é uma extensão natural de seu braço. Atrás, está

um mundo falido e caótico, com um céu sangrento.

The Coming of Quetzacoalt (Painel 5)

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The Prophecy (Painel 8)

Cortez and the Cross (Painel 13)

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Novamente as cores roxa e cinza predominam em The Prophecy e Cortez and

the Cross. Efetivamente, é óbvio sua predileção por pintar um só conceito no lugar de

tentar construir uma narrativa épica. Mais uma vez, não ocorre a glorificação, na forma

estética, do período pré-hispânico, onde segue o fio condutor de sua argumentação:

“(...) problema histórico (...) hay que tratar [lo] con espírito crítico”241.

O que tange o ponto de intersecção entre a grande preocupação de Rivera e

Orozco, peremptoriamente, é a Revolução, tema que aparece recorrente em suas obras,

mas representada de forma distinta.

Rivera em Historia de México utiliza um estilo narrativo que se torna visível a

sua descrição na observação do afresco da esquerda para a direita na perspectiva de três

arcos. Abaixo do primeiro arco, está representada a rebelião camponesa contra a

oligarquia branca, destacando cada figura importante da Revolução abaixo dos arcos

seguintes: os generais Carranza e Obregón e os revolucionários Villa e Zapata ante um

conjunto de homens, mulheres e crianças, pobres e descalços. Não há ação, como por

exemplo, uma batalha e sua destruição posterior. Porém, marca com documentos e

bandeiras ( Plan de San Luís de Potosí, Plan de Ayala, Tierra e Libertad), os

acontecimentos dos dez anos de lutas e rebeliões.

Rivera não julga explicitamente a Revolução, mas paradoxalmente, se considera

um pintor revolucionário, o que é justificado em sua simpatia pelo povo mexicano e

seus heróis: Villa e Zapata. Assim, assevera o seu objetivo para esse projeto. “A visão

que Rivera tem do passado caracteriza-se por um materialismo histórico-dialéctico, que

se aproxima mais do idealismo de Hegel do que do marxismo. Em nenhuma outra obra

a percepção da História pelo artista é expressa de forma tão clara como neste ciclo

monumental.”242 Em suas palavras: “El derecho de la revolución se funda em que las

obras de arte, que en el pasado eran auxiliares de la libertad y de la moral.”243

Assim mesmo, Orozco se considerava como um artista revolucionário ao largo

de sua vida. Não obstante, devido à sua experiência em Orizaba e seu gênio crítico, por

outro lado, não mostra uma Revolução radicalmente diferente da de Rivera. Esta

afirmação apóia-se no seguinte argumento: a Revolução tem o seu próprio painel

separado do resto.

241 OROZCO, 1983. p. 19. 242 KETTENMANN, 2006. p. 58. 243 MARÍN, 1989. p. 82.

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O fundo é puro negro e sombra. No primeiro plano aparece a figura de Zapata, o

lendário herói da distribuição de terra no sul do México. No segundo plano e a direita,

nas costas de Zapata vemos o general Carranza com sua mão levantada esperando para

apunhalá-lo. Nesse caso, tenciona demonstrar as múltiplas traições de então. A

esquerda, observamos um grupo de generais em cima de uma pilha de ouro. Em efeito,

o painel é uma crítica à Revolução e a capacidade do homem de causar dano e

destruição. Comenta que a luta foi: “(...) el más alegre y divertido de los carnavales.”244

Assim, não queria dizer que não acreditava na Revolução, mas pelo contrário, como

Rivera apoiava sempre o camponês sem ignorar, por outro lado, ignorar as promessas

que não foram cumpridas pelos líderes nos 10 anos pós-revolucionários.

A breve exposição em forma de comparação entre dois dos principais artistas do

movimento muralista corrobora a diversidade de visões e interpretações existentes da

Revolução e suas conseqüências históricas para o entendimento da própria história

mexicana. Como vimos no decorrer do trabalho, a consolidação de uma historiografia

oficial, ou como muitos a denomina, dominante leva a necessidade de um olhar crítico,

principalmente, no que se refere à questão do sentido e papel da intelectualidade no

processo. Esse voltado diretamente para a construção de uma cultura nacional.

244 OROZCO, 1970. p. 40.

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PARTE 3: O INDIGENISMO E O MOVIMENTO MURALISTA: O

PENSAMENTO E A ATUAÇÃO DE MANUEL GAMIO E DIEGO RIVE RA.

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191

-3.1: A TRADIÇÃO INDIGENISTA NA HISTORIOGRAFIA MEXI CANA

O problema da modernização apontado por Gamio sintetiza o que considerava o

maior obstáculo do desenvolvimento social,cultural, econômico e político mexicano: o

problema da exclusão da população, que no momento da Revolução era a maioria, que

não considerada mexicana não fazia parte da dita sociedade.

Alertava que era importante o Estado que estava saindo da Revolução desenhar e

investir numa política de incorporação. Assim, o índio, o tema índio nesse momento,

não foi um tema discutido com o viés da assistência social, mas levando-se em conta a

sua importância para o processo de modernização do país.

O tema ressaltado por Gamio está inscrito numa longa tradição de pensamento e

na historiografia mexicana, sintetizada pelo indigenismo. Esse é um tema central no

pensamento latino-americano por três razões pelo menos:

1ª) em torno dessa temática se gera uma reflexão de bastante autonomia, onde o

pensamento, ao não ter suficientes antecedentes extra latino-americanos- força a usar a

criatividade;

2ª) converge um conjunto de autores de importância configurando um núcleo de

discussão das idéias importantes que se projetam posteriormente até outros temas:

caráter nacional ou continental, nacionalismo, etc.;

3ª) se interconecta com um movimento cultural que transcende o nível das

idéias, incide nos debates sociológicos, antropológicos e históricos e também nas

manifestações culturais – pintura e música, principalmente, assim, como nas atividades

políticas.

O indigenismo, em seu sentido amplo, abarca vários séculos de pensamento

como de produção cultural e atividade política. Na América Latina, no período de 1915

a 1930, é formulado por meio de um conjunto de proposições relativas ao caráter

mestiço (ou não branco) do continente. Reuni aqui distintos vieses de pensamentos: o

indigenismo radical, o afro-americanismo, o antilhanismo, o nativismo ou criollismo. È

consolidado um tipo de trabalho intelectual em que três gêneros são observados: o

ensaio, o estudo antropológico e o discurso político. Os três gêneros nem sempre podem

ser delimitados, mas apresentam como característica comum um conjunto de

proposições e propostas que diagnosticam a situação do indígena e propõem uma série

de medidas para a sua melhora.

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No caso mexicano, a sua discussão engendra-se com mais ênfase e notoriedade

no segundo meados do século XIX, quando há uma luta entre os grupos dominantes

para formular e impor um novo modelo de pais. Em nenhuma das alternativas que eram

formuladas pelas elites criollas havia lugar para os grupos indígenas como tais: seu

destino manifesto era a extinção. O índio foi reconhecido como personagem do passado.

Os pensadores e políticos liberais, como José Maria Luís Mora, manifestaram

repetidamente seu desapreço pelo passado colonial indígena. O rompimento com o

passado e com o presente que o representava era considerado como uma necessidade,

um pré-requisito para construir um país moderno e liberal, representados por indivíduos

cultos, livres e soberanos, sujeitos evidentes do progresso e da democracia. Para seus

oponentes, os conservadores, o futuro do país estava arraigado no passado, na tradição

católica hispânica da época colonial. Segundo Lucas Alamán, representante dessa

corrente, o modelo de país requereria um Estado forte, autocrático e intervencionista,

capaz de arrastar o resto da sociedade pelo caminho da industrialização245.

A mesma idéia comum para liberais e conservadores era que os índios formavam

uma categoria ampla, pobremente definida, porém, óbvia, que incluía a maior parte da

população do México. O conteúdo mais freqüente da definição de índio era o racial,

baseado na cor da pele, na distribuição e textura dos pêlos e nos traços puramente

culturais definidos pelos contrastes.

O problema do índio era o problema do país e sua prioridade não se discutia

tanto como a sua maneira de enfrentá-lo. O programa liberal se impôs finalmente ao

longo do século XIX e foi elevado a mandato constitucional em 1857. Por ele, as

corporações foram privadas do direito à propriedade territorial que devia converte-se em

privada. De fato, não só era expropriada a terra como também toda forma de

organização política estruturada a partir da comunidade como possuidora da mesma.

Isso originou a revolta dos indígenas em defesa das comunidades que significavam a

terra e a representação política246.

Muitas rebeliões foram derrotadas e reprimidas; outras mais foram incorporadas

por distintos bandos nos dez dias de guerra que se seguiram a promulgação das leis da

reforma. Outras persistiram de maneira intermitente durante o porfiriato, confusa síntese

245 Cf. LAMÁN, Lucas. História de México. México: José Mariano de Lara, 1849-1852. 246 Cf. MEYER, Jean. Problemas campesinos y revueltas agrárias (1821-1910). México: Sep-Setentas, 1973.

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entre os modelos em pugna já era perfeitamente liberal em sua política econômica e

autocrático e ditatorial no político.

No correr desse período, em que o problema indígena era considerado como

resolvido pelo ponto de vista do Estado, o pensamento indigenista se separa em duas

vertentes: o ativismo e o exercício acadêmico, com poucos pontos de contato entre si.

No terreno do ativismo político, o problema do índio deixou de ser um

substantivo para converte-se em um adjetivo mais dramático de outros temas de

discussão: propriedade sobre a terra, a pobreza, os salário, a violência das autoridades e

a falta de liberdade. Para os críticos e opositores do porfiriato, o problema do índio

aparecia sempre como parte da problemática nacional ou como expressão mais clara e

dolorosa. Pelos demais, esta tendência a incorporar os problemas do índio aos

problemas do país, que muito teria que ver como ampla e indecisa definição de índio,

observada claramente desde a primeira metade do século XIX.

Quando se discutia a constituição liberal, seus partidários, entre eles Ponciano

Arriaga, expressava o seu desacordo com a desamortização das comunidades indígenas

em função de sua real situação. Sua advertência não foi atendida. Paradoxalmente, o

regime do imperador Maximiliano expediu uma lei que não só suspendia a

desamortização e ordenava restituições a favor das comunidades. A sua aplicação não

foi levada a efeito. Esta reação dos conservadores deve muito a Francisco Pimentel,

quem não só colocou o índio no contexto dos problemas sociais do país como

transformou em seu sinônimo. A ele se deve uma das poucas obras escritas na segunda

metade do século XIX dedicadas ao problema indígena de seu tempo e que oferece um

projeto para o país a partir dessa perspectiva247.

A vertente acadêmica se distanciou do presente e focou seu interesse no índio do

passado em um esforço de lograr uma imagem real de um problema morto, segunda a

expressão de Luis Viloro. Orozco y Berra, em sua Historia antigua y dela conquista de

México (1880), é considerado o mais conhecido da corrente e a quem poderíamos juntar

nomes como de José Fernando Ramírez, Joaquín García Icazbalceta, Alfredo Chavero e

Francisco del Paso y Troncoso.

A obra de Orozco y Berra caracterizada pela de recopilação e ordenamento das

fontes e documentos escritos foi monumental e constitui um dos trabalhos acadêmicos

mais importantes sobre o passado do México. Entretanto, não traz nenhuma

247 Cf. PIMENTEL, Francisco. Memória sobre las causas que han originado la situación actual de la raza indígena en México y medios para remediarlas. México, 1864.

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interpretação ou projeto novo para o país. Pelo contrário, de maneira implícita ou

explícita contribui para legitimar pela história e leis universais e fatais da evolução, o

projeto porfirista dominante.

Na primeira década do século XX, Nicolas Leon, por intermédio do Museu

Nacional, iniciou a elaboração e ensino de uma etnografia científica presididos pelos

critérios rigorosos porém, sem desprender-se do enfoque de que o índio constituía uma

sobrevivência do passado.

Em 1910 esta visão se consagrou institucionalmente ao estabelecer-se no

México a Escola de Arqueologia. Também na mesma época, Andrés Molina Enriquez

realiza o esforço para integrar as correntes acadêmicas e políticas do indigenismo

mexicano do século XIX. Em sua obra Los grande problema nacionales, combinou

dentro de um mesmo esquema as contradições entre as raças e as classes sociais. De

fato, identificou os grupos raciais como classes: os índios como a mais baixa; os

estrangeiros e criollos como a mais alta e os mestiços como o setor intermediário.

Em outros termos, nem raça e nem classe são conceitos rigorosos da obra de

Molina Enriquez, porém, a intenção de aplicação tem a pretensão científica. E o livro

busca também convencer, agitar e criticar. A combinação representou a aparição de um

modelo de país derivado do indigenismo para substituir o programa caduco do

porfirismo. Também foi um sintoma da crise do sistema que pouco depois expressariam

as armas na Revolução.

A Revolução reabriu o debate nacional sobre o modelo de pais possível e o

indigenismo participou dele. Os índios foram perdendo importância e prioridade entre

os problemas do país. De maneira gradual, a definição do índio foi radicalmente

modificada pelos indigenistas no século XX. Todavia, nos primeiros anos posteriores à

Revolução, a idéias de índio como raça biológica estava vigente e foi central no projeto

de país de José Vasconcelos, que apostava na fusão racial, na integração da “raza

cósmica”.

A formulação de Vasconcelos tem sido a mais reconhecida em torno da questão

da mestiçagem. Porém, o mexicano, é de certa forma, a síntese de uma trajetória que

vem se desenvolvendo tanto em seu próprio país como em outras latitudes.

Agustín Basave Benítez, em sua obra México mestizo248, estabelece que é

Molina Enriquez quem alcança já na primeira década do século uma formulação madura

248 BASAVE BENÍTEZ, Augustín. México mestizo. Análisis del nacionalismo mexicano en torno a la mestizofilia de Andrés Molina Enriquez. México: F.C.E, 1992.

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do projeto de mestiçagem, como idéia de um fenômeno de mescla das raças /ou

culturas.249 Antes mesmo de Molina Enriquez, pode ser encontrado antecedentes em

Justo Sierra, Francisco Pimentel ou Vicente Riva palácio, mas é na obra Los grandes

problemas nacionales que se completa a formulação de um diagnóstico e de um projeto,

articulando a questão da mestiçagem com a da terra, de irrigação e reforma agrária,

articulação esta última que o faz ser considerado como o principal teórico da Revolução.

Gamio considerou a raça, a herança biológica, como um dos elementos definidor

do índio, porem, a integrou em um conceito maior: o de cultura, definido pela

antropologia como a soma global das crenças e práticas de um grupo humano. Em sua

obra Población del valle de Teotihuacan, realizou um esforço para estabelecer

quantitativamente quem eram os índios pela prática de traços diagnósticos da cultura.

Desde a publicação de Forjando patria, Gamio propõe a “indigenização” do não

indígena para assim ser transmitido ao indígena certos traços culturais de que necessita.

Destaca a igualdade de nível dos elementos artísticos e a inferioridade da ciência

autóctone em relação à européia. Neste sentido, esboça um projeto de mestiçagem que

deve se realizar por meio da cultura. Sustenta que o transcurso do tempo e o

melhoramento econômico da classe indígena contribuiriam para a fusão étnica da

população e assim, teria como corolário o surgimento da verdadeira pátria mexicana.

Para Gamio a colônia e a república tem significado uma progressiva deterioração

para o indígena. A Constituição de 1857 resultou inapropriada para os indígenas ainda

que a cultura católica do período colonial tampouco foi positiva. Os indígenas foram

destituídos do próprio sentido do seu ser e tornando-se dessa forma incapazes de

assimilar o que lhes eram alheios.

Em 1922 sustenta que é curiosa, atrativa e original a vida arcaica que se desliza

entre as miragens e superstições; mas em todos os sentidos seria preferível para os

habitantes estar incorporados à civilização contemporânea de avançadas idéias morais

que ainda quando desprovida de fantasia e de sugestiva roupagem tradicional, contribui

para conquistar de maneira positiva o bem-estar material e intelectual que aspira parar a

humanidade.250

Nas suas postulações Gamio propõe uma nacionalidade mestiça. Suas idéias e

seu trabalho no Instituto de Antropología contribuíam para a aproximação racial, a

fusão cultural, a unificação lingüística e o equilíbrio econômico, questão que só

249 Ibid., p. 13. 250 GAMIO, 1922. p. 52.

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permitirá formar uma nacionalidade coerente e definida assim, como uma verdadeira

pátria.251

Nacionalidade para Gamio é mescla e convergência, na afirmação de Luis

Villoro.252 Gamio assinala que presta sua humilde contribuição ao ressurgimento

nacional que se prepara. Deste modo, é revelada a chave e o objetivo de sua

preocupação, que é a de constituição de uma nacionalidade que percebe como

inexistente ou semi-acabada pela excessiva diferença cultural, a incomunicabilidade ou

o defeito de muitos que não querem ou não podem participar cabalmente nesta. O seu

indigenismo tornasse sinônimo de nacionalismo.

Villoro tem insistido nisto ao assinalar que em Forjando patria está expresso,

melhor que em outra obra da época, o ideal do movimento posterior a Madero: o

nacionalismo social, a busca de uma cultura própria, a melhoria das condições da massa

pela ação consciente de um novo Estado popular, a redenção do campesinato indígena e

a construção de uma sociedade mais igualitária.

O momento em questão, a década de 1940, foi marcado pelo lançamento de um

programa de industrialização urbana. Segundo o discurso oficial, a Revolução estava

passando de uma fase agro-indígena para a sua fase industrial. Todos os ideais

originários da Revolução- a redescoberta das populações indígenas como baluarte da

nacionalidade mexicana, o sindicato como defensor do trabalhador urbano, a

expropriação dos recursos minerais como contrapeso do capital estrangeiro – se

subordinaram à metas da modernização através da indústria e da tecnologia agrícola.

O eclético discurso oficial de continuação da Revolução não omitiu os objetivos

sociais clássicos dos “anos heróicos”, mais ressaltou a nova prioridade do rápido

desenvolvimento econômico. O PRI poderia conservar seus setores revolucionários

básicos – agrícola, operário e popular – sem impedir que o governo abrisse as portas às

organizações representativas dos novos industriais capitalistas.

O indigenismo mantém certas características genéricas (tutelagem,

assistencialismo, corporativismo e não só o tratamento diferenciado para o

desenvolvimento das zonas rurais e das comunidades indígenas). Através do tempo tem

evoluído, expandindo e contraindo as suas ações ao ritmo marcado pelas intenções

institucionais. Este mecanismo de intervenção se mantém vivo demonstrando o seu

251Cf. GAMIO, 1982. p. 325. 252 CF. VILLORO, Luis. Los grandes momentos del indigenismo en México. México: F.C.E., 1996. p. 253.

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dinamismo e suas características particulares, tanto no âmbito nacional como no

regional, como é o caso de períodos de campanhas políticas e eleitorais.

Conceitualizado para a ação de campo, o indigenismo ditava em suas primeiras

etapas, que a administração das áreas indígenas deveria ser responsabilidade dos

antropólogos, considerados como uma composição de missionário e educador, cientista

social e burocrata comprometido. Este mesmo fenômeno de controle territorial perdurou

através de funcionários federais e estaduais (alguns indígenas) como um instrumento de

penetração do Estado na vida social, econômica e política das comunidades e se

inscreve em um federalismo executivo e normativo.

A década de 1940 é sem dúvida o momento de mudança na concepção do

indigenismo conhecida desde os últimos anos do século XIX até seus postulados sociais

e políticos dos anos revolucionários. Época em que se celebrou o primeiro Congresso

Indigenista Interamericano em Pátzcuaro, demonstrou uma definição de índio que fora

imposta.

A idéia de raça como constitutiva da cultura não estava descartada, porém não

era dada mais a importância a outros aspectos como a língua, costumes, instituições e

formas de organização social. Evidentemente, entre os critérios era dissolvida como

problema geral do país. Os verdadeiros índios eram poucos e concentravam-se nas

regiões mais inóspitas, pobres e isoladas, perdendo a importância no programa de

industrialização e modernização, considerado pelo Estado como prioritário.

A atenção ao índio adquiriu dimensões morais e um novo grupo de especialistas

arrogou a tarefa como apóstolos a serviço do Estado. Indigenismo e Antropologia

tornam-se sinônimos e ambos passam a ocupar um lugar secundário do centro de poder.

Contribui para avalizar essa situação a aceitação de que, conforme a definição

culturalista, não existia um índio, mas muitas variedades de tipos distintos entre si. O

trabalho de investigação empírica dos indigenistas caminhava na busca de descobrir

grupos particulares e pequenos, em função do que teriam de original e diferentes. Nesta

orientação exerceu uma influência decisiva o particularismo a-teórico da antropologia

norte-americana da época.

O alijamento do índio das pautas e programas sociais e políticos direcionados à

resolução do problema nacional na década de 1914 podem ser, por outro lado, visto de

outra forma. A partir da reforma agrária, da consolidação do Estado nacional, da

estabilidade política, da exploração do petróleo, em fim, dos logros revolucionários,

condições foram criadas para que um grupo da sociedade alcançasse a coesão necessária

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para empreender um programa de industrialização dependente e capaz de proporcionar a

acumulação acelerada de capital. Desde um ponto de vista funcional, a nação estava

constituída: entre 1940 e 1964, o programa de crescimento acelerava-se e o capitalismo

progredia rompendo barreiras.

O indigenismo, paralelamente, decrescia. Desapareceu o Departamento de

Assuntos Indígenas, similar ao de Assuntos Agrários e Colonização, com estatuto

equivalente a deu ma Secretaria de Estado e foi substituído por uma direção na

Secretaría de Educación Pública e pelo Instituto Nacional Indigenista. Este por sua vez,

em 22 anos de existência, apenas conseguir estabeleceu 11 centros coordenadores.

Ocorria uma decadência material das instituições representantes do pensamento e das

políticas revolucionárias do papel que o indigenismo ocupava na consolidação das bases

para uma ordem nacional moderna como também na reflexão teórica.

O ditado se cumpriu e dos censos desapareceram e escassearam os falantes das

línguas indígenas, que constituíam o único critério prático para mostrar os avanços do

processo de incorporação. A lingüística prática e descritiva, realizada basicamente por

missionários do Instituto Lingüístico Verano, se somou com entusiasmo à atomização

conceitual do índio, mostrando que as línguas indígenas estavam fragmentadas em

múltiplos dialetos ininteligíveis entre si.

-3.1.1- O PENSAMENTO INDIGENISTA E AS POLÍTICAS INS TITUCIONAIS

MEXICANAS

Neste ponto da discussão é possível demonstrar a partir do pensamento e atuação

de Manuel Gamio e Rivera a expressão e a concepção da idéia de moderno que

embasavam e perpassavam os seus trabalhos, cujo ponto de intersecção era a

constituição de uma sociedade moderna, tanto social quanto culturalmente. Esta

concepção, ou melhor interpretação, vai de encontro a uma ideologia presente na

historiografia dominante sobre a Revolução, onde a idéia de moderno significava uma

transformação social e cultural e/ou estética na forma de reconhecimento e

representação da sociedade mexicana.

O exemplo de Gamio é dado em seu livro Forjando patria onde discute e

assevera o problema da incorporação indígena como o enclave para a construção dos

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pilares de uma sociedade moderna. Em sua opinião, o período pós-revolucionário é o

momento histórico ideal para a implementação de uma política de incorporação das

populações indígenas. Nesse momento o tema índio não significa a definição de um

conjunto de políticas assistencialistas, mas um tema central para o avanço no caminho

da modernidade do México. Assim, o dilema do México para alcançar o

desenvolvimento nesse momento estava dado no sentido da integração.

No livro La Población del Valle de Teootihuacán, realiza um esforço para

estabelecer quantitativamente quem eram os índios pela prática dos traços

característicos de cada cultura. Os traços quantificados foram poucos e haviam sido

selecionados com arbitrariedade, mas despertou o interesse pela definição da cultura a

partir dos mesmos. A idéia de definir o índio pela sua cultura foi ganhando adeptos,

sobretudo àqueles ligados à Antropologia.

A nova definição do índio não mudou o programa geral de incorporação à nação.

Para Gamio, a tarefa prioritária era a construção de uma nação moderna e homogênea,

porém, ao conceber o índio de maneira complexa levou a acreditar que a ação destinada

a transformá-lo fosse considerada múltipla, gradual, educativa e não coercitiva.253

Desde a época de Gamio, o indigenismo foi concebido como uma tarefa de Estado em

função das necessidades e interesses nacionais. Os índios, por seu baixo nível evolutivo,

eram matérias inertes, objeto de manipulação infinita conforme os padrões superiores.

Na década de 1930 foi proposta uma alternativa distinta que implicava em uma

mudança importante no modelo do país. Está proposta era baseada na análise marxista e

na teoria das nacionalidades formuladas por Stalin, na crença que o desenvolvimento

evolutivo dos povos poderia se acelerar mediante ao fortalecimento de suas tendências a

constituir nacionalidades próprias.254

A necessidade de colocar o indígena no centro da problemática era ao mesmo

tempo como um tema principal, mais a efetivação do projeto só ocorreria se o mesmo

fosse colocado como um assunto de Estado. Nos anos de 1920 uma série de políticas

são idealizadas e implementadas e quando Cárdenas chega à presidência, nos anos 1940,

o processo de institucionalização da Revolução se concretiza. Deve-se considerar a

existência de muitas interpretações da Revolução, sobressaindo no contexto político e

social, as de caráter dominante.

253 Cf. GAMIO, 1982. p. 33. 254 Cf. AGUIRRE BELTRÁN, Gonzalo. El problema del indio. México: Sep-setentas, 1974. p. 114.

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Há a versão do grupo vencedor, o grupo carrancista, afirmando que a Revolução

foi um movimento ocorrido entre os anos de 1910 a 1917, ano da promulgação da

Constituição. E aquela onde o corte cronológico do processo revolucionário se estende

até a década de 1940. Nesse caso, após a finalização da luta armada começa nos anos de

1920 a etapa considerada da cruzada cultural e política. A concretização social dos

ideais revolucionários, como projeto se concretiza somente nos anos de 1940.

A consideração do ano de 1940, data observada na maioria da historiografia

oficial, se justifica pelo momento de criação das instituições, cujo objetivo era cumprir a

política de incorporação das populações indígenas à sociedade nacional. Dentre as

instituições criadas, destacam-se: o Instituto Nacional Indigenista, O Instituto Nacional

de Antropología e Historia e a Escuela Nacional de Antropología e Historia. O índio

passa a ser o tema principal das políticas institucionais com o empenho do Estado para a

resolução do problema central na tentativa de forjar uma nação como colocara Gamio- o

reconhecimento do índio como um mexicano.

O ano de 1940 não foi importante somente pelas iniciativas do Estado na criação

de instituições voltadas para a questão das populações indígenas. Neste ano era

realizado o 1º Congresso Indigenista Interamericano, em Pátzcuaro, onde a definição

cultural do índio aparecia de forma clara. A idéia de raça como elemento central da

cultura não estava descartada, porém, não foi dada importância a outros aspectos como

a língua, o vestuário, os costumes e algumas instituições e formas de organização social.

No consenso geral, os verdadeiros índios eram poucos e se concentravam nas

regiões mais inóspitas, pobres e afastadas da “civilização”, e sua influência sobre o

programa de industrialização e modernização, prioritário para o Estado neste momento,

não poderia ser definitivo. Neste contexto, a atenção se volta para o índio e adquire

dimensões morais. Formam-se um grupo de especialistas que se consideravam como os

novos apóstolos a serviço do Estado. O indigenismo e a antropologia se convertiam em

sinônimos e ambos passariam a ocupar um lugar secundário e alijado dos centros de

poder e da discussão do modelo de país.

O fator que contribuía para o alijamento do indigenismo, por outro lado, era a

aceitação de que, conforme a definição culturalista, não havia uma população indígena,

e sim, uma diversidade diferente entre si. O trabalho de investigação empírica dos

indigenistas resultou na descoberta e descrição de grupos particulares e pequenos. Esta

orientação foi decisiva na oposição ao particularismo ateórico da Antropologia norte-

americana desse tempo, sobretudo porque os estudos etnográficos mais profundos e

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rigorosos sobre o México foram e continuavam sendo realizados por antropólogos

norte-americanos e também estavam formando professores no país.

O tema índio deixou de ser prioritário nas discussões como um problema

nacional na década de 1940 pode ser visto de outra forma. A partir da reforma agrária,

da consolidação do Estado nacional, da estabilidade política, da exploração do petróleo,

por fim, dos logros revolucionários, foram criadas as condições para que um grupo da

sociedade alcançasse a magnitude e a coesão necessárias para empreender um programa

de industrialização dependente e capaz de propiciar a acumulação acelerada de capital.

Do ponto de vista funcional, a nação estava constituída: entre 1940 e 1964, o programa

de crescimento acelerado progrediu e rompeu todas as barreiras. O indigenismo,

paralelamente, decresceu. O Departamento de Assuntos Indígenas foi extinto, de forma

similar ao Assuntos Agrários e Colonização, órgão com categoria equivalente a uma

Secretaria de Estado e foi substituído pela Secretaría de Educación Pública e pelo

Instituto Nacional Indigenista.

A redefinição da categoria índio feita por Alfonso Caso, figura proeminente do

indigenismo na época, viabilizou a base técnica da incorporação. O critério cultural foi

reduzido a uma nova definição, cuja utilidade teórica era servir como um mero

instrumento classificatório dos traços culturais selecionados conforme a sua origem

histórica.

O critério baseado nos costumes, no método postulado por Caso não bastava

para classificar o índio, sendo incorporado à avaliação três novos: as características

somáticas raciais, a linguagem, agora separado da cultura, e o que era considerado o

mais importante, o psicológico. No que se refere ao último, a sua valorização era

justificada no sentido de possibilitar a identificação subjetiva dos valores de uma

comunidade indígena.

O índio, para Caso, estava peremptoriamente condenando a extinção pelas leis

da história.255 A transformação da cultura comunitária dos índios era o caminho mais

adequado, econômico, científico e até humanista para o cumprimento do que se

propunha.

Na época do crescimento estável e acelerado do capitalismo industrial

independente surgiu no indigenismo uma corrente teórica e vigorosa que não se

conformou com uma técnica, mas buscou uma metodologia arraigada em uma

255 Cf. CASO, Alfonso. La comunidad indígena. México: Sep-setentas, 1971. p. 08.

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202

concepção ampla da sociedade. Julio de la Fuente e, sobretudo, Gonzalo Aguirre

Beltrán, formularam um caminho alternativo à incorporação individual ou comunitária

através da teoria da integração regional que sustentou a doutrina e a ação dos centros

coordenadores.

Quanto a Arturo Aguirre Beltrán cabe algumas considerações que são

necessárias para o entendimento de seu pensamento e postulados teóricos e

metodológicos em relação à questão do indigenismo. Primeiramente, Aguirre abriu

novos campos para o conhecimento a partir de conceitos básicos apresentados no

conjunto de sua obra, como: zona de refúgio e região intercultural, entre eles. Destaca-

se também o seu conceito de aculturação.

Os critérios econômicos e sociais que Caso minimizava adquirem grande

importância na concepção do problema do índio e se combinam com uma concepção

ampla da cultura na obra de Aguirre. Para ele, o desenvolvimento das culturas indígenas

só será possível na medida em que as regiões índias se transformem integralmente,

incluindo os ladinos ou mestiços assentados nelas.

A região inter-cultural é concebida como um sistema ligado por relações de

domínio entre ladinos e índios; a contradição simbiótica entre eles só pode ser superada

em conjunto. A desintegração do índio é conseqüência das condições reais, razão pela

qual não podem simplesmente integrar-se a uma sociedade diferente que já tenha

destruído as instituições feudais herdadas da colônia e adotada as relações modernas de

tipo capitalista.

A integração gradual do índio, nos termos de Aguirre, é um programa para a

transformação das áreas menos evoluídas do país para consolidar o México como nação

moderna e progressista. Para Aguirre, o trabalho indígena consiste em generalizar a

etapa superior representada pelo México industrial, urbano, racional e moderno, o

verdadeiro crisol da nacionalidade. Não formula um projeto para o país mas trata de

resgatar e de atualizar o dos pioneiros, os pensadores da Revolução Mexicana, para

reestruturar os segmentos retirados da sociedade e construir assim uma nacionalidade.

A partir de 1965, o programa de crescimento acelerado do setor capitalista

esbarra com limites severos. O crescimento acelerado do setor “moderno” da economia

não só não havia absorvido os setores “atrasados” como os multiplicou e empobreceu.

O sacrifício das maiorias para aportar o capital que se acumulara e reproduzira em

benefício das minorias dominantes permaneceu cada vez mais rigoroso.

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203

O indigenismo desenvolvimentista, uma derivação secundária do projeto

nacional, também fracassou e seus fundamentos, já para então dogmatizados, soaram

como falsos. O isolamento dos índios se contradizia com a observação empírica de sua

participação no mercado e sua exploração em benefício do sistema dominante. Sua

cultura não havia permanecido estática como no passado e não se nacionalizou. As

tecnologias não puderam ser substituídas com vantagens pelas técnicas “modernas”.

O resultado desta configuração dada pela nova ordem econômica e política da

ideologia do capitalismo, demonstro que os índios tampouco eram diferentes entre si, só

que as semelhanças não apareciam com os traços culturais isolados, mas no fato de

compartilharem uma mesmo posição social e relações semelhantes com outros grupos

da sociedade.

Esta realidade projetou o problema do índio sob uma nova ótica. Sua posição

não se derivava de seu atraso evolutivo, mas de sua opressão pelos setores dominantes;

não era um resquício da barbárie pré-hispânica nem do feudalismo colonial. Constituía

o resultado complexo da modernização dependente. Tratava-se de definir o índio a

partir de sua posição social e não de sua raça e cultura.

-3.2: O MURALISMO E OS CAMINHOS E DESCAMINHOS DO

MODERNISMO E DA ESTÉTICA NA DEFINIÇÃO DE UMA ARTE D E

CARÁTER NACIONAL

“El movimiento mexicano de los años 20 tiene un gran proyecto: el de analizar las características precisas de éstas masas y definir su participación en el proyecto de un arte mexicano nuevo, y que tiene como fundamento la firme creencia de los artistas en la sensibilidad y capacidad extraordinárias de su pueblo. De esta manera, el arte mexicano plantea el deseo manifiesto de integrar lo culto, lo popular y el arte del pasado nacional.”256

A epígrafe sintetiza os objetivos subjacentes que buscava o que ficou conhecido

como movimento muralista, formado nos anos de 1920 no México. O seu

256 EDER, Rita. Muralismo Mexicano: modernidad e identidad cultural. In: BELLUZZO, Ana Maria de Moraes (Org.). Modernidade: vanguardas artísticas na América Latina. São Paulo: Memorial: UNESP, 1990.

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reconhecimento a partir de sua identificação com o popular e a um projeto de

nacionalismo cultural de expressão de uma nova arte mexicana definiu na historiografia

e na historiografia da arte no México à sua vinculação direta e estrita a um primeiro

momento dos anos pós-revolucionários.

Essa abordagem e caracterização do movimento, oriunda de uma tradição crítica

da Revolução, restringiu a análise do muralismo, aqui não entendido como um

movimento coeso de diretriz estético-cultural única, a descrições e interpretações

afirmadoras de sua origem no desdobramento do projeto cultural de José Vasconcelos e

na atuação de um dos seus principais artistas, Rivera. Porém, levando em consideração

estes elementos, a sua abordagem pode ultrapassar esses fatos e tentar perceber a sua

natureza extrínseca e intrínseca ao que se refere às suas propostas estéticas, culturais e

políticas.

O presente capítulo é um esforço para romper esses limites e apresentar e

discutir argumentos de natureza histórica e teórica sobre a questão do muralismo como

um movimento plural nas concepções estéticas ao modernismo que florescia na

América Latina nos anos de 1920; como também demonstrar a forte influência de uma

tradição intelectual que se gesta no México, desde o porfiriato e ganha espaço com a

Revolução, atenta ao que se colocava como “os problemas nacionais” e a questão da

nacionalidade mexicana.

Descrito na primeira parte deste trabalho um breve panorama da historiografia,

cujo tema Revolução é entendido como uma tradição e mito político da História

Contemporânea do México e a discussão da questão do nacionalismo que se atrela à

herança revolucionária, demonstraremos que o mesmo acontece com o muralismo. O

interesse de nossa investigação é confrontar o que consideramos como abordagens

dominantes sobre o movimento.

Essas abordagens enfocam a questão da modernidade, assunto atual do debate de

estudiosos da historiografia da arte no México e do modernismo ocorrente na América

Latina. Nesse elã também está presente às narrativas sobre o muralismo que o vincula,

como já comentamos, ao projeto de José Vasconcelos e a um interessante debate sobre a

o papel da estética na definição de projetos nacionais, em particular o caso latino-

americano.

Considerando os dois pontos acima pretendemos demonstrar a coerência de

nossa hipótese: a influência da tradição intelectual, ou mais especificamente, de Manuel

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205

Gamio na definição dos elementos estéticos e culturais do movimento em sua produção

artística dos murais nos anos de 1920 e 1930 Rivera.

-.3.2.1: MODERNISMO E MODERNIDADE: MANIFESTAÇÕES DO IDEAL DE

EXPRESSÃO DA ARTE LATINO-AMERICANA

A América Latina e os movimentos artísticos modernos e contemporâneos são

temáticas recorrentes nos estudos contemporâneos, abrangendo um largo campo do

saber, num variado prisma de interpretações histórica, sociológica, antropológica,

econômica e estética. Iniciar uma investigação de caráter histórico sobre as duas

temáticas mencionadas exige uma seleção muito clara dos caminhos metodológicos e

conceituais que guiarão na definição dos objetivos e hipóteses pertinentes a tal empresa.

Falar assim da América Latina e da manifestação de movimentos e expressões

artísticos modernos e contemporâneos nas nações que a compõe pode parecer à primeira

vista um estudo que pretende descrever os contextos sociais, políticos e ideológicos que

os proporcionaram; compreender suas origens, influências e conseqüências. No que se

refere às manifestações e expressões artísticas o universo das interpretações restringe-se

ao apontamento em seu processo de criação de caracteres e influências externas, seja a

incorporação por grupos nacionais e/ou colonização cultural. A unilateridade oriunda

desse aspecto de interpretações compromete o reconhecimento do valor estético da

produção artística latino-americana e sua originalidade. O imperativo da estética

tradicional européia prevalece na definição de sua natureza social, política e cultural.

A égide do parâmetro metodológico, conceitual e teórico europeu determinou

inúmeras descrições, interpretações e explicações das realidades latino-americanas e de

suas manifestações e expressões artísticas, produzindo um estado da arte que contempla

a América Latina e suas relações com a arte, asseverando o aspecto da colonização

cultural. Constituindo uma face da moeda, não deve prevalecer como fator

predominante, mas deve agir dialeticamente na abertura de novos caminhos de

investigação que levem a uma visão apurada dessa relação e revele fatos nublados por

imposições históricas, sociais, políticas, ideológicas e culturais.

Os esforços empreendidos na construção de caminhos analíticos e teóricos sobre

a realidade latino-americana, quanto a sua constituição nacional e social, a sua

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instabilidade econômica e política, a pluralidade de fatores endógenos e exógenos que

incidiram na definição de seu caráter mestiço, marcam uma vasta produção

historiográfica. Nesse labirinto questões se cristalizam e passam a definir parâmetros

para a observação das realidades sociais, econômicas, políticas, culturais e estéticas

latino-americanas, criando uma realidade aparente homogênea que parte da questão

territorial e avança peremptoriamente a outras searas de suas diversificadas realidades.

A consideração da idéia de América Latina que hoje é conhecida e estudada

parte de princípios definidos a partir do processo europeu de constituição nacional, que

abarca um sistema de construção de valores históricos agregados à transformação

provocada pela emergência do capitalismo e suas conseqüentes mudanças na

organização social, político e cultural. O amadurecimento das instituições políticas,

conforme a experiência sócio-histórica de cada nação européia sobrepuja a

complexidade de seus processos internos, de sua diversidade social e cultural.

Nesse sentido, na América Latina engendram-se deficiências que obliteram o seu

progressivo amadurecimento econômico, social e político conforme as experiências

sociais e políticas européias. Na tentativa de aproximação e equivalência às construções

históricas européias ocorre a síntese de diversos temas, das distintas perspectivas

explicativas e das diferentes visões de história, delineando um perfil que em

determinados casos afasta-se das realidades latino-americanas analisadas ou mesmo na

consideração de seu todo como uma extensão territorial.

Os movimentos modernistas dos anos de 1920 conhecidos em alguns países da

América Latina, formados por intelectuais e artistas, apresentam como característica

comum o delineamento dos traços sociais e culturais que formam o elemento

representativo de suas identidades culturais.

Dawn Ades em seu livro Arte na América Latina: a era moderna, 1820-1980,

material elaborado para acompanhar a exposição organizada pelo South Bank Centre, de

Londres, por ocasião, da comemoração da criação do mercado comum europeu como

dos 500 anos da primeira fase da expansão européia: a chegada de Colombo a América.

Exposição cujo objetivo era apresentar a arte latino-americana à Europa, abarca o

período pós-independência das nações latino-americanas.

Na apresentação da obra é discutida a questão da arte na América Latina,

considerada claramente como “uma designação de sentido político e cultural” que se

opõe “à de cunho geográfico, que tem caráter neutro”, evidencia a natureza e o caráter

imanente da arte latino-americana:

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“(...) No entanto, a amplidão da perspectiva, tanto do ponto de vista histórico como do geográfico, permitiu a descoberta de temas e preocupações que se vinculam e são comuns a todos; por exemplo: a tortuosa e fascinante relação com a arte européia, ao tempo da independência, quando a liberdade política se fazia acompanhar de uma dependência oficial ao modelo acadêmico neoclássico europeu, através de uma ambígua interação com o modernismo; as discussões entre aqueles que se punham a favor de uma arte tendenciosa e política e aqueles que afirmavam a autonomia da arte; o nativismo, o nacionalismo e a arte popular; o papel das artes visuais na construção da história; e principalmente os conflitos e tensões inerentes à busca de uma identidade cultural.”257

No trecho descrito fica patente a concepção de arte que se pretendia na América

Latina nos idos dos anos de 1920 com a chegada do modernismo europeu através de

suas vanguardas no continente. Idéias como nativismo, nacionalismo e arte popular

caracterizavam as ideologias de intelectuais e artistas, muitos retornando da Europa para

seus países de origem. Mais adiante na continuidade da Apresentação é perfilado o

artista que atua nesse momento, sublinha a especificidade do artista latino-americano

com o exercício da arte:

“A crença de que o artista tem uma finalidade social e uma responsabilidade – algo que certamente não causa surpresa em vista dos vastos e inevitáveis problemas sociais e econômicos da América Latina – tem sido um fator predominante que vem influenciando o remanejamento das tradições européias como o desenvolvimento de uma linguagem artística acessível e receptiva. Esse sentido de responsabilidade social, que opera em vários níveis e não apenas em termos de uma arte manifestamente “ comprometida”, é, no entanto, mais evidente na obra dos muralistas mexicanos que se haviam agrupado no princípio dos anos de 1920, depois dos grandes levantes sociais da revolução mexicana, e continuaram a pintar em nome desta. Eles, provavelmente, mais do que qualquer outro grupo artístico latino-americano, foram os que conseguiram causar maior impacto e repercussão. Embora sua obra – ainda que diversa – costume ser chamada de “realista social”, esta, de fato, não é a maneira adequada para descreve-la, já que além de incorporar a observação social, ela traz em seu bojo uma complexa alegoria e uma narrativa histórica”258

Apesar de mencionar e evidenciar o movimento muralista como principal

representante da manifestação do modernismo na América Latina nos anos de 1920,

como continua a discorrer na supracitada Apresentação, nos ateremos a sua narrativa da

manifestação do modernismo no continente apresentada no capítulo “Modernismo e a

busca de raízes”. O título do capítulo é por si só interessante para compreendermos a

especificidade socio-histórica do modernismo na América Latina comparado ao

europeu.

257 ADES, Dawn. Arte na América Latina: a era moderna, 1820-1980. São Paulo: Cosac & Naify Edições, 1997. p. 01. 258 Ibid., pp. 03-04.

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Seguindo uma tradição já colocada no capítulo, o parâmetro é o europeu, cuja

conjuntura histórica no início do século XX era de grande idealismo em todas as áreas

da vida: os valores do progresso já impregnavam o ambiente, a tecnologia começava a

desenvolverem-se com força, novos protestos políticos e na arte, os movimentos de

vanguarda rompiam com a tradição academicista que sobrepujava a criatividade a

imutáveis valores durante algum tempo. Era tempo da revolução tecnológica,

econômica, política e artística.

O clima de renovação nas artes era colorário da Primeira Guerra, o que levou

artistas e intelectuais a buscarem novos meios de expressarem suas idéias e sentimentos.

No texto “Modernismo latino-americano e construções de identidades através da

pintura”259, de autoria de Maria Helena Rolim Capelato, é ressaltado esse ambiente,

onde imbuídas da atmosfera de renovação que se constituía favorecia o surgimento das

vanguardas e os ideais de seus artistas:

“(...) E embora as vanguardas artísticas tivessem por denominador comum a oposição aos valores do passado e aos cânones artísticos estabelecidos pela burguesia do século XIX e início do século XX, elas se distinguiam entre si, não apenas pelas diferenças formais e pelas regras de composição, mas por seu posicionamento frente às questões sociais.”260 “(...) O artista do final do século expressava uma tensão e uma incerteza frente às mudanças que redefiniram as relações sociais e produziram novas concepções de mundo. O período se caracterizou por uma mescla de euforia e desespero, esperança no futuro e niilismo, revolucionarismo e conservadorismo, louvor e desprezo à tecnologia. Ou seja, as reações frente às mudanças não eram as mesmas e variavam do extremo otimismo ao extremo pessimismo nostálgico.”261

O contexto histórico europeu distinguia-se do da América Latina onde em alguns

países artistas e intelectuais retornavam da Europa consciente dos ideais das vanguardas

e se deparavam com as realidades de seus países, formando segundo Ades diferentes

grupos representantes da avant-garde, difundindo as suas idéias por meio de manifestos,

revistas, exposições e conferências. Foi o que ocorreu em São Paulo, no México, em

Buenos Aires e no Peru, com o aparecimento das revistas Klaxon (1922) e a Revista de

Antropofagia (1928); Actual e El Manchete (1924); Martín Fierro (1924); Amauta,

(1924)262, respectivamente. Ades coloca:

259 Artigo publicado na Revista de História nº 153 (2º - 2005), pp. 251-282. 260 Idem, p. 256. Observação feita pela autora a partir da obra “Vanguardas latino-americanas. Polêmicas, manifestos e textos críticos”, de autoria de Jorge Schwartz, publicada pela EDUSP/FAPESP em 1995. 261 Ibid., p. 255. Observação feita pela autora a partir da obra “Modernismo. Guia Geral”, de autoria conjunta de Malcolm Bradbury e James Mcfarlane, publicada pela Companhia das Letras em 1989. 262 Cf. ADES, 1997. p. 125.

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As opiniões, (...) variavam bastante, e também variavam no debates sobre outras questões básicas do ponto de vista sociocultural, artístico e literário. A ruptura com o passado, embora poucas vezes expressada tão brutalmente quanto no futurismo ou no dadaísmo, era, em geral, de alguma maneira, afirmada; às vezes, na forma de um elogio mais ou menos direto à modernidade, mas o mais freqüente era ver a tradição sendo reavaliada e rejeitados o período colonial e a cultura europeizada do século XIX, em troca de uma tradição cultural indígena de mais fortes raízes. (...) O nacionalismo àquilo que é central e cosmopolita foram também questões primordiais, especialmente no Brasil.”263

Esse retrato do ambiente em que se instauram as idéias que florescem nos países

latino-americanos enredadas no lastro do movimento modernista, possibilita, por outro

lado, reconhecer as já ditas especificidades nacionais, onde o sentido de arte reconhece

como primordial a sua realidade socio-histórica. Assim, no México, devido à

Revolução, a renovação dá-se no sentido de difusão de uma arte radical e política

inserida no campo socio-político pós-revolucionário e representativa no engajamento

ideológico e atuação de seus principais artistas.

-3.2.2: MÉXICO: REVOLUÇÃO E O MODERNISMO NO PENSAME NTO DE

DIEGO RIVERA

Os anos de 1920 como nas duas décadas posteriores, o cenário político e cultural

demonstram a peculiaridade do México em relação a outros países cujos movimentos

denominados modernistas difundem-se. No caso do México, a Revolução expõe, além

do conflito entre a reforma agrária e a necessidade da modernização capitalista, a

questão da definição da identidade nacional.

Momento particularmente significativo em confrontações e polêmicas,

definições e discursos, proposições artísticas e culturais, projetos econômicos e

políticos. A pujança da retórica nacionalista, parte da enorme bagagem cultural da

Revolução herdado do conflituoso século XIX, provocou um forte impulso

introspectivo, com certos ares inovadores. Esse impulso continuou até os primeiros anos

da década de 1940, época do governo de Lázaro Cárdenas e chamado pela historiografia

como o período da institucionalização da Revolução.

A herança dos ideais disseminados pela Revolução fica mais nítida após a

promulgação da Constituição em 1917. Ocorre um movimento das elites políticas e

263 Ibid., pp. 125-126.

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econômicas provocadas pelo fim do porfiriato e seu rearranjo político e a ascensão de

idéias que asseveravam a premente definição de uma cultura nacional. O nacional nesse

contexto estaria intimamente ligado ao projeto de valorização do popular e inclusão da

figura indígena como forma de acomodação e conciliação de interesses dos grupos,

ligados direta ou indiretamente ao processo político e social no decorrer da Revolução.

A viabilização de um projeto nacional, que traz para as diretrizes das políticas

do Estado mexicano, a realidade social caracterizada por um vasto setor popular

formado por uma larga faixa da população de maioria indígena. Homogeneiza uma

complexa realidade conturbada pelo radicalismo dos setores rurais nos anos da

Revolução. Na definição desse contexto político sobressaem as condições e

possibilidades da construção de um Estado num espaço em que a heterogeneidade de

projetos nacionais ultrapassa as possibilidades históricas de uniformização dos

interesses, numa estrutura arraigada aos valores da herança colonial, com a evidente

particularidade dos regionalismos.

A atmosfera revolucionária reverbera entre as elites políticas e culturais

mexicanas na tentativa de construção de uma tradição nacional incorporadora. Nesse

contexto, a Revolução emerge como o momento ideal para a efetivação de um projeto

de consolidação de uma identidade nacional que sobrepujasse as abissais diferenças

sociais, econômicas e culturais existentes no México.

A luta a partir daí deflagrada assenta-se sobre a necessidade de promover a

reforma agrária e melhores condições para o proletariado urbano, sendo que a primeira

torna-se a principal bandeira do movimento. O problema da concentração de terra nas

mãos da oligarquia, com a larga expropriação do campesinato no tempo do porfiriato,

conduz o processo de reivindicação de reformas políticas e sociais. O reconhecimento

da causa que perturbava a ordem social e política criava um paradoxo: a resolução da

desigualdade social e econômica versus a implantação de mecanismos políticos que

garantissem a manutenção dos privilégios da elite proprietária intimamente ligada ao

capital estrangeiro.

O movimento denominado pela historiografia e historiografia da arte como

muralista constituiu-se nesse contexto. Todavia, no lastro das novas propostas estéticas

e da renovação da postura frente aos cânones da arte ocidental, emulada pelas

vanguardas européias, o muralismo coloca-se frontalmente à tradição. Essa

consideração o faz ganhar homogeneidade e validar o conceito de arte popular e

revolucionária.

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Em definitivo, as discussões originadas e trocadas nos debates sobre a definição

do modernismo têm deixado um espaço aberto que dá lugar a uma base teórica ampla

que acolhe o muralismo mexicano, já que este foi criativo, original, inovador e

firmemente enraizado na sociedade que se originou. Os muralistas, como herdeiros do

Renascimento, foram sem dúvida modernista.

A afirmação do que no livro de Dawn Ades e na literatura existente sobre o

modernismo a manifestação artística predominante no México nos anos de 1920 foi o

muralismo justifica os estudos e a interpretações que prevalecem sobre o referido

movimento. Contudo, é necessário para uma compreensão mais lúcida questionar as

duas naturezas constituintes do movimento, a extrínseca e a intrínseca para ser possível

observar o papel da tradição na consolidação de um movimento homogêneo, embora

conhecida as divergências políticas e estéticas daqueles que são considerados seus

integrantes.

A natureza que denominamos de extrínseca pode ser vista no posicionamento de

Siqueiros frente à proposta de criação e produção estética autônoma do classicismo

europeu. Em 1921, em Barcelona, publica na Revista Vida Americana, que só tem

publicado um único número, um interessante manifesto intitulado “Três observações

acerca da orientação moderna endereçadas à nova geração de pintores e escultores

americanos”, onde postula os princípios norteadores da nova arte que deveria ser

difundida na América Latina. A seguir transcreveremos trechos do manifesto que é de

imprescindível importância para a compreensão dos ideais e interesses dos pintores que

participam do muralismo. Assim, Siqueiros descreve os três princípios:

“1. Influências prejudiciais e novas tendências: Nosso trabalho, em sua maior parte, é extemporâneo. Desenvolve incoerentemente e quase nada produz de duradouro que corresponda ao vigor das novas tendências que estão fundamentadas em bases sólidas – aquelas que preconceituosamente recebemos com hostilidade -, para adotar da Europa apenas as influências decadentes que envenenam nossa juventude e nos ocultam valores primordiais. (...) Guiados pela racionalidade, acolhemos todas as inquietações espirituais nascidas a partir de Paul Cézanne: o revigoramento substancial do impressionismo, o reducionismo purificador do cubismo em suas diferentes ramificações, o futurismo com seus novos apelos à emotividade (não o que ingenuamente tenta esmagar o invulnerável processo anterior), o novíssimo e renovador trabalho de “vozes clássicas” ( o dada ainda está em gestação ), enfim, verdades que afluem ao grande caudal, cujos múltiplos aspectos psíquicos encontraremos facilmente dentro de nós mesmos; teorias preparatórias, mais ou menos abundantes em elementos fundamentais, que devolveram à pintura e à escultura sua natural finalidade plástica, enriquecendo-a com novos fatores admiráveis. Como princípio básico na cimentação de nossa arte, reintegremos à pintura e à escultura seus valores desaparecidos, dotando-a, por sua vez, de novos valores! Como faziam os clássicos, realizemos nossa obra segundo as invioláveis leis do equilíbrio estético! Como eles, sejamos operários engenhosos; voltemos aos antigos em sua base construtiva, em sua grande sinceridade,

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mas não busquemos “motivos” arcaicos – para nós, exóticos -, vivamos nossa maravilhosa época dinâmica. 2. Preponderância do espírito construtivo sobre o espírito decorativo ou analítico: Desenhamos silhuetas com bonitas cores e, quando modelamos, nos interessamos por arabescos epidérmicos, esquecidos das grandes massa primárias: cubos, cones, esferas, cilindros, pirâmides, que deveriam constituir o esqueleto de toda e qualquer arquitetura plástica. Deixemos que os pintores sobreponham o espírito construtivo ao espírito unicamente decorativo; a cor e a linha são elementos expressivos de segunda ordem, o fundamental, a base da obra de arte, é a magnífica estrutura geométrica da forma – a concepção, a engrenagem, a materialização arquitetônica dos volumes e a perspectiva – que, impondo “limites”, cria a profundidade do “ambiente”, “cria volumes no espaço”. (...) A compreensão dos admiráveis recursos da “arte negra”, ou mais genericamente da “arte primitiva”, forneceu uma orientação clara e profunda das artes plásticas perdidas quatro séculos atrás ao longo de uma nebulosa senda de desacertos; examinemos, por nossa parte, as obras dos antigos habitantes de nossos vales, os pintores e escultores indígenas (mais, astecas, incas, etc.). A proximidade climatológica com eles nos ajudará assimilar o vigor construtivo de suas obras. Elas demonstram um fundamental conhecimento da natureza que nos pode servir de ponto de partida. Adotemos sua energia sintética, sem chegar, naturalmente, às lamentáveis reconstruções arqueológicas (“indianismo”, “primitivismo”, “americanismo”), que, apesar muito em moda entre nós, estão levando-nos a estilizações de vida efêmera. 3. Abandonemos os motivos literários, façamos arte pura!: Renunciemos às teorias que se fundamentam na relatividade de uma arte nacional. Universalizemo-nos! Nossa natural fisionomia racial e local inevitavelmente aparecerá na obra que produzimos. Nossas escolas livres são academias ao ar livre (perigosas como as academias oficiais, onde pelo menos aprendemos sobre os clássicos), coletividades onde há professores comerciantes e critérios caducos que matam a personalidade do artista iniciante. Fechemos nosso ouvido aos ditames críticos dos poetas. Eles produzem belíssimas peças inteiramente distanciadas do valor real de nossas obras.”264

Os trechos acima evidenciam o caráter renovador que pretende Siqueiros para a

arte moderna que emerge concomitante ao novo ambiente econômico, cultural e

tecnológico das primeiras décadas do século. O manifesto é publicado um ano antes de

Siqueiros retornar ao México a convite de José Vasconcelos, então Secretário de

Educação Pública do Governo Obregón, para participar do programa de pintura de

murais nos edifícios públicos.

Siqueiros refere-se criticamente à arte clássica e tradicional européia, a que

chama de decadente, e apela para a autonomia do artista frente à arte. Assevera a

constituição de valores artísticos que valorem a forma, mais que também supere as

estilizações como acontece com a arte latino-americana. Não aparecem explícito os

princípios de estabelecimento de uma arte pública e política observada durante a sua

atuação no México em defesa dessa renovação estética e ideológica da arte.

O manifesto de Siqueiros sintetiza a atmosfera cultural e social do modernismo

que ocorria na Europa em redefinição e postulação de princípios para a renovação

estética e artística. Com o seu retorno ao México e a aproximação aos diversos grupos

264 ADES, 1997. pp. 323-324.

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213

de artistas e intelectuais ligados direta ou indiretamente ao programa cultural e

educacional elaborado e implementado por José Vasconcelos, é formalizado e difundido

a natureza estética e política daquela que no México concretizaria o ideal de uma arte

pública e política: a pintura mural, expressão da monumentalidade.

Representa uma das últimas evidências da integração de todas as artes no século

XX, é também uma forma de consciência plástica. Assim, sintetiza como um

movimento a favor da arte pública, que deu vida pela primeira vez em vários séculos a

um novo tipo de artista civil, a um novo artista cidadão. E continua: “o novo tipo de

artista social que forçosamente deveria corresponder a uma nova maneira de produção

artística, de função pública e de caráter público.”

Siqueiros define o muralismo mexicano como “o primeiro impulso artístico

latino-americano de caráter não colonial, não dependente, que não é um reflexo

mecânico profissional da arte francesa em voga”. Esta é uma definição modernista em

que se auto-define um agente criador, quem entende o que está acontecendo a sua volta,

absorvendo e modificando para criar um ou mais elementos originais que logo

formaram, a sua vez, parte do vocabulário estético internacional, ou seja, que mescla

certos elementos tradicionais com elementos formais em voga para criar um novo

produto.

A iniciativa que dá lugar à arte social nasce como parte da interação entre alguns

artistas, a comunidade e o Estado, atuando como o auspiciante oficial. Esta dinâmica

consolidou as bases do ideal da criação de uma arte pública como se conhece na

atualidade, face mais inovadora e criativa do muralismo. Se nos basearmos nos escritos

dos muralistas podemos dizer que estes reviveram e inseriram a arte pública na era

moderna depois de séculos permanecendo restrita ao proselitismo dos gêneros e estilos

artísticos ou no domínio das elites culturais, políticas e econômicas.

Os temas que motivaram foi também uma proposta ontológica. Nos escritos

sobre arte mexicana, ao referir-se aos pintores mais destacados do muralismo é dito:

"[Siqueiros] encontró la cosa de que tantos se habían olvidado: la utilidad y la

finalidad del arte, pues en un país donde se lee poco, como en México, la pintura

conserva su antigua función de propagar ideas... Pensó que una pintura, como una

frase, era buena si expresaba clara y sobriamente una idea... Es pintura bella de seria

simplicidad, bella de humildad voluntaria, fuerte de la sana disciplina que se puso el

pintor que quiso ser hombre antes que ser hombre ilustre" (Charlot, 1926).

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Ao demonstrar o que no trabalho a natureza extrínseca do muralismo ao que se

definia e difundia-se como arte moderna a partir de Siqueiros, fica evidente e notório os

princípios balizadores da proposta que se assentam as bases da arte pregada no

muralismo. O político, o público e o popular amalgamavam-se sob a ideologia de

difusão da arte de forma pedagógica.

Os princípios e os valores modernos legitimavam a proposta estética e artística

junto à conjuntura social, política e cultural dos anos de 1920 no México pós-

revolucionário. O entendimento desse contexto favorece o entendimento da natureza

intrínseca do muralismo, cuja dimensão abarca a constituição de um movimento

artístico e cultural no primeiro momento auspiciado e inserido no projeto institucional

do Governo de Obregón e a defesa de sua autonomia artística frente aos cânones

clássicos.

A natureza intrínseca, ou seja, o conhecimento da definição do movimento

muralista como um movimento artístico e comprometido com as causas revolucionárias

é o cerne de nossa investigação. Os esforços institucionais e intelectuais desde meados

do século XIX até as primeiras décadas do século XX para a consolidação de uma

história nacional, a seleção dos símbolos da nação e o reconhecimento e debate dos

ditos problemas nacionais, entre eles a inclusão social e cultural dos contingentes

indígenas reforçam o que na historiografia atual que faz da Revolução uma marco da

história contemporânea.

Iniciaremos a nossa abordagem do muralismo, assim, como é apresentado pela

historiografia e historiografia da arte, apresentando as suas principais características

para perceber que a sua proposta estética e cultural voltada para o popular e resgate da

história pré-hispânica do México, cujo ator principal é o indígena está calcada numa

tradição já existente do qual José Vasconcelos e Manuel Gamio podem ser considerados

os principais representantes. Isso porque o primeiro pertence à geração de 1915 do

Ateneo de la Juventud265 e o segundo inaugura a Antropologia Cultural mexicana

265 Jose Vasconcelos pertencia à geração de 1915 que compôs a fileira revolucionária e é herdeira do legado do pensamento social e político mexicano do século XIX. Enrique Krauser em seu livro Caudillos culturais en la Revolución Mexicana, empreende um estudo biográfico dos principais nomes da geração de 1915, traçando um panorama da atmosfera política e intelectual dos anos de 1920. Ao resgatar o pensamento e atuação de Antonio Castro Leal, Alberto Vasquéz del Mercado, Vicente Lombardo Toledano, Teófilo Olea y Leyva, Alfonso Caso, Manuel Gómez Morín e Jénes Moreno Baca, além da direta influência do pensamento universal sobre a nacionalidade mexicana de José Vasconcelos, retrata a densidade de suas visões sobre a identidade cultural mexicana, principalmente a partir da Revolução. Momento propício e oportuno para a efetivação de suas idéias e ideais. Enredando perfis e papéis desses homens no contexto da sociedade mexicana, Krause constata o projeto de tornarem o México uma nação tradutora de suas idéias.

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215

enfatizando a necessidade de reconhecimento do passado para a compreensão dos meios

que são imprescindíveis para a modernização social e cultural do México, ou melhor,

para se forjar uma pátria.

Começamos a observar sua tradição dentro do modernismo pelo manifesto,

datado de 1923, intitulado “Declaração dos Princípios Sociais e Políticos e Estáticos”,

do recente Sindicato dos Trabalhadores, assinados por Rivera e Siqueiros, onde

proclama a bandeira de uma arte popular e pública e caracteriza o ideal do movimento

muralista.

“À raça indígena humilhada durante séculos; aos soldados transformados em verdugos pelos pretorianos; aos trabalhadores e camponeses açoitados pela avareza dos ricos; aos intelectuais que não se deixaram aviltar pela burguesia. (...) Não é só nosso povo (especialmente os índios) é a fonte de todo trabalho nobre, de todas as virtudes, como também é dele que brota a menor manifestação da existência física e espiritual de nossa raça como força étnica, e é nele que encontramos a faculdade de criar o belo, a mais admirável e peculiar de suas características. A arte do povo mexicano é a manifestação espiritual mais importante e vital do mundo de hoje e sua tradição indígena a melhor de todas. E ela é grande precisamente porque sendo, popular, é coletiva, e é por essa razão que nosso principal objetivo estético consiste em socializar as manifestações artísticas que contribuirão para o total desaparecimento do individualismo burguês. Repudiamos, por ser aristocrática, a pintura dita de cavalete e toda arte ultra-intelectualizada de salão; em contrapartida, enaltecemos as manifestações da arte monumental por ser ela de utilidade pública. Proclamamos que toda manifestação estética estranha ou contrária ao sentimento popular é burguesa e deve desaparecer porque contribui para corromper o gosto de nossa raça, já quase totalmente corrompido nas cidades. Proclamamos que, por vivermos um momento social de transição entre o aniquilamento de uma ordem caduca e a implantação de uma nova ordem, os criadores da beleza devem esforçar-se para que sua obra apresente um sentido claro de propaganda ideológica em benefício do povo, fazendo com que a arte, que atualmente não passa de uma masturbação individualista, tenha, aos olhos de todos, uma finalidade de beleza, educação e espírito de luta. (...) Por sabermos perfeitamente bem que a implantação no México de um governo burguês provocaria um natural declínio da estética popular indígena de nossa raça – atualmente encontrada apenas nas classes mais baixas, mas que estava começando a purificar os meios intelectuais em que penetrava – e, que lutaremos para que isso não aconteça, pois sabemos muito bem que o triunfo das classes populares trará consigo um florescimento harmonioso da arte étnica, cosmogônica e historicamente transcendental à vida de nossa raça, comparável às nossas admiráveis civilizações autóctones; não descansaremos em nossa luta, enquanto não conseguirmos isso. Fazemos um apelo geral aos intelectuais revolucionários do México para que esquecidos de seu sentimentalismo e seu proverbial e secular parasitismo, venham unir-se a nós na luta social e estético-educativa que empreendemos. Em nome de todo sangue derramado pelo povo em dez anos de luta, sob a ameaça de quarteladas reacionárias, fazemos um apelo urgente a todos os camponeses, trabalhadores e soldados revolucionários do México para que, compreendendo a importância vital da luta que se avizinha, e esquecendo as diferenças de tática, formem uma frente única para combater o inimigo comum. Apelamos aos soldados rasos que, enganados por seus chefes traidores e desconhecendo os acontecimentos, estão a ponto de derramar o sangue de seus irmãos de raça e classe. Lembrem-

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se que os mistificadores usarão as mesmas armas com as quais a Revolução havia garantido a seus irmãos a terra e o bem-estar que agora querem tirar-lhes.”266 O manifesto acima, parcialmente descrito, publicado no terceiro ano do Governo

de Obregón e no correr dos trabalhos de pintura dos murais em diversos prédios

públicos no México não difunde estritamente o ideal do muralismo, mas a opinião e

proposta de um grupo de artistas e intelectuais, ideológica e politicamente vinculados à

causa da difusão dos ideais pós-revolucionários.

O primeiro ponto para o conhecimento do muralismo tal como é descrito e

exaustivamente estudado em uma vasta literatura nas áreas de história e história da arte,

é confrontar o manifesto com a principal diretriz política do início dos anos de 1920: o

projeto cultural de José Vasconcelos.

A proposta que vigora no período revolucionário como um projeto estético

moderno e universal, é corroborada na intenção de seus artistas-ideólogos de

preservação da autenticidade histórica na recuperação da figura indígena. Essa proposta

articulava-se ao pensamento Vasconcelos, que dentre os outros intelectuais de um grupo

de profícuo saber e postulador da identidade mexicana, notabiliza-se pelo seu

pensamento distante do indigenismo.

O que perpassa seu pensamento é a idéia de ibero-americanismo, sentido mais

amplo e universal da identidade mexicana. Seu projeto de formação de um novo homem

mexicano, arraigados de valores universais, concretizar-se-ia por meio de uma maciça

operação educacional, ou melhor, uma “cruzada” que não só privilegiaria a

popularização da alfabetização das populações indígenas e o conhecimento da literatura

clássica, mais também enfatizaria o caráter estético como forma eficaz de representação

e reconhecimento da inclusão da cultura mexicana à ordem universal.

O pensamento Vasconcelos e a sua atuação institucional nos anos de 1920 a

1924 definem o programa cultural e viabiliza a formação do muralismo como um

movimento engajado na construção de parâmetros para o reconhecimento de um ideal

de nacionalidade e identidade cultural, definindo um campo artístico-cultural

representado pelo muralismo.

O projeto é gestado com uma orientação humanista. No notável trabalho de

Claude Fell267 sobre José Vasconcelos, podemos entender o seu projeto cultural como

266 Ibid., pp. 324-325. 267 FELL, Claude. José Vasconcelos, los años del águila, 1920-1925. México: UNAM: Instituto de Investigaciones Históricas, 1989. p. 529.

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um projeto de Estado que, como tal, traça a missão dos artistas a serviço do povo. Como

disse Fell, “Vasconcelos ve en el acercamiento del escritor al pueblo una oportunidad

para el fin de una incómoda dicotomia y que el intelectual entre en contacto con la vida

y los paisajes del país real.” A incômoda dicotomia se refere à discussão do papel do

artista e tem relação com o debate iniciado no século XIX entre a arte pela arte e a arte

social.

Guillermo Sheridan será mais incisivo e verá na atuação de Vasconcelos no

Congresso de Artistas e Escritores de maio de 1923, o lugar onde o Ministro desenvolve

a primeira tentativa de criar uma política cultural como instrumento da Revolução. No

discurso proferido na solenidade, as equivalencias entre arte e realidade nacional e entre

revolução política e revolução estética ficam mais estreitas e se confundem.268

Por outro lado, nos mesmos anos e de outra origem, das esquerdas que

expressam seu ponto de vista nos primeiros números do jornal El Machete, há um fraco

ataque à condução cultural vasconcelistas, sem advertir que as suas posições tinham em

comum a visão de uma produção artística dirigida.

El Machete, com uma orientação política ligada ao Partido Comunista Mexicano

e dirigido por Xavier Guerrero, Rivera e Siqueiros, ressaltam desde o primeiro número a

quem esse periódico é dedicado: o povo. É dedicado sistemáticamente a atacar os

ateneístas e os modernistas, poetas, escritores, pintores, arquitetos e músicos269 e

rechaçou, por outro lado, toda arte que não tivesse como prioridade o povo, identificado

com o elemento indígena.

O indigenismo verbal e visual se converteu no grande paradoxo da arte

mexicana e da nação; “representar” o índio formará parte da construção de um

imaginário em que surge uma noção utópica de passado, uma invenção da história em

imagens e um laboratorio de categorías para qualificar os habitantes de um México

encantado, que flutua entre os tipos ideais, o espírito da raça e da classe social.

Ao afirma a formação de um campo artístico-cultural e sua importância para a

compreensão do muralismo como um movimento autônomo quanto ao pensamento

social mexicano desenvolvido desde o século XIX, do qual José Vasconcelos é

herdeiro, é ressaltar a complexidade e os distintos lugares dentro da sociedade

268 GUILLERMO, Sheridan. México en 1932, la polémica nacionalista. México: Fondo de Cultura Económica, 1999. p. 33. 269 Entre eles Antonio Caso, José Juan Tablada, James Torres Bodet, Dr. Atl, Alfredo Ramos Martinez, Germán Gedovius, Federico Mariscal, Manuel M. Ponce e todos os associados a Vasconcelos.

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mexicanas do período onde atuaram os principais atores do processo e seu principal

lugar de busca de referências identitárias e culturais: o passado pré-colonial.

O resgate do passado nos anos pós-revolucionário justifica-se na tentativa de

implementação de um projeto nacional baseado na definição e construção de uma nova

ordem social, política e cultural mexicana, onde a Revolução seria o seu ponto zero a

partir do qual emergiriam sob seus ideais: a correção e superação da injustiça social, da

exploração e do analfabetismo das populações rurais e urbanas, de maioria indígena,

decorrentes dos anos do porfiriato, cuja longa duração data do passado da colonização

espanhola.

Reconhecer o papel que o passado pré-colonial e colonial mexicano representa

no presente pós-revolucionário é compreender um complexo processo de atuação de

distintos agentes sociais. De um lado, os intelectuais que configuram as idéias

embasadoras dos discursos legitimadores da Revolução, cujo lugar de atuação era

cargos institucionais, em sua maioria ligada à área educacional ou os sindicatos

operários mexicanos; de outro, os artistas, sejam escritores, pintores e outros que se

mobilizando social e politicamente, discutiam e procuravam definir um novo conceito

de arte e estética que expressasse as mudanças ocorrentes.

O programa do muralismo, exposto no manifesto de 1923, é um exemplo para o

conhecimento de um campo atuante no período pós-revolucionário, que após a saída

Vasconcelos da Secretaria de Educação Pública em 1924 e com a subida de Plutarco

Calles à Presidência, dispersa e novas diretrizes são implementadas. Contudo, o projeto

da pintura mural é mantido tendo Rivera como principal representante. Destarte, o que

ficou conhecido do muralismo não leva em conta esse ponto.

A próxima parte da discussão é a descrição corrente do muralismo e suas

diretrizes na produção de uma arte política e pública inserindo a questão do popular e o

patrocínio do Estado para a consolidação de uma tradição nacionalista das artes visuais

na difusão da identidade cultural mexicana. Também é ressaltada a importância da

educação como um instrumento eficaz para a superação das desigualdades e

incorporação dos contingentes indígenas. A descrição do papel da educação visa

justificar o caráter pedagógico, inserido numa tradição, tanto observado no pensamento

e projetos Vasconcelos quanto no discurso estético do muralismo.

Na historiografia mexicana o binômio intelectual e Revolução representam

questões centrais nos debates a respeito da definição de cultura nacional. Nos principais

trabalhos sobre a questão da influência da intelectualidade nas discussões e

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apontamentos dos problemas e questões que emergem nos cenários político e social do

México nas primeiras décadas do século XX a sua importância e ressaltada. Por isso, é

necessária a discussão da diversidade de agentes que formavam os diferentes grupos que

compunham essa intelectualidade, afim do conhecimento das divergências ocorrentes

em seu cerne.

Como no primeiro momento da discussão foi apresentada a definição teórica de

intelectual e por sua vez aqueles que são reconhecidos como os principais nomes que se

destacaram no cenário político e cultural do México, agora é preciso aprofundar a

discussão em torno do que se considerava a formação de uma cultura nacional.

A distinção de cultura nacional e, em particular, a cultura intelectual no México

durante os anos da revolução, possui uma característica principal: a heterogeneidade e

contradição presente nas diversas manifestações, correntes e tendências, seja de

natureza filosófica, artística (pintura e literatura) e ideológica. O reconhecimento da

complexidade do que se compreende como cultura intelectual nesse momento, leva a

desconstrução no campo historiográfico de uma tendência a afirmação da existência de

uma hegemonia. Hegemonia essa, cujo correlato no âmbito cultural, demonstra as

idiossincrasias existentes nos projetos que visavam à construção de parâmetros da

nacionalidade e nação mexicana.

No âmbito precisamente das práticas artísticas, como um exemplo, é observado

uma diversidade de propostas que no momento eram suscetíveis às interpretações

variadas, mas também conformadoras de consenso dominante. Aqui pode ser citado o

caso do movimento muralista.

-3.3: A IDÉIA DE PATRIMÔNIO CULTURAL DA NAÇÃO MEXIC ANA

A discussão da natureza conceitual da memória e seus usos e atribuições na

formação da identidade e nacionalidade mexicana ao longo do século XIX até as

primeiras décadas do século XX traçou uma trajetória de debates e definições para a

legitimação de um determinado modelo político e cultural hegemônico. Partindo da

criação de uma cronologia cívica até construção de bases para a afirmação de um perfil

nacional da sociedade mexicana, a memória, seja coletiva, compartilhada e/ou histórica,

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220

amalgamou ideais e projetos para a edificação do que se considera o Estado nacional

mexicano.

A polissemia do conceito memória na historiografia mexicana, partindo sempre

da construção de uma cronologia linear de história, como é possível observar na análise

Florescano e a idéia da formação dos cânones historiográficos, distintos em diferentes

momentos, demonstra os limites de análise necessários para a compreensão do processo

de formação nacional mexicano. Este percebido com mais nitidez ao longo do século

XIX constitui nosso parâmetro para o delineamento de uma genealogia da importância

do passado na criação dos meios de representação política e cultural da nação mexicana.

A sua observação nos âmbitos político e cultural justifica o papel desempenhado por

Gamio e Rivera na criação dos meios para se forjar a nação mexicana.

A partir da consideração dos elementos acima descritos passaremos a discussão

da idéia de patrimônio cultural com o objetivo de demonstrar a sua natureza para

compreensão do trabalho, seja arqueológico ou artístico de nossos protagonistas, na

contribuição dada para se forjar uma nação.

O conceito de nação, já apresentado e discutido, baseado nos vínculos de

fraternidade, remete a uma representação primordial que por sua vez denota certas

formas simbólicas: gênese e irmandade. De fato, a consciência nacional que se constrói

tende a fazer sua origem ou concepção em uma espécie de mecanismo que está presente

sobre a sociedade, definido a partir da idéia de um “mito de origem”. Este fundamento

mítico-histórico da identidade nacional determinará a natureza do nacionalismo e a

ideologia de um determinado Estado.

A referência a um fundamento primordial cuja origem se justifica na “terra e no

sangue” tem dado lugar a uma certa conceitualização do discutido fenômeno cultural.

Um antecedente nítido desta tendência encontra resposta no romantismo alemão,

inspirador do relativismo cultural, observado, por exemplo em J. G. Herder270. O

relativismo cultural tem como característica a de reivindicar a peculiaridade irredutível

e única de cada cultura. Representa uma reação e postura contrária à tradição

universalista que é proveniente da filosofia das Luzes271. Estas duas formações e

tradições ideológicas bifurcam e uma delas dá lugar a formas mais específicas de

nacionalismo.

270 Cf. HERDER, J. G.. J. H. Herder on social and political culture. Organizado por F. M. Barnard. Cambridge: Cambridge University Press, 1969. 271 Cf. FINKIELKRAUT, Alain. A derrota do pensamento. 2 ed..São Paulo: Paz e Terra, 1989.

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A concepção fomentada por Herder, de forma contraditória, se desdobra por sua

vez em duas vertentes: uma outorga a cultura de origem um caráter absoluto e

irredutível por sua unidade. Esta se encontra na base dos nacionalismos. A segunda,

como relativismo cultural (com forte influência na antropologia) se refere à aceitação

das “outras” como válidas e legítimas em sua particularidade respectiva, não sendo

possível antepor nada sobre esse caráter de excepcionalidade. Todavia, estas variantes

podem ser complementares na medida em que possuem a mesma origem, se

distinguindo não obstante, pelo fato de que a primeira é excludente e assevera o valor

absoluto da cultura própria; enquanto que a segunda valoriza a inclusão ao estabelecer o

valor relativo de cada cultura.

No que concerne à conceituação e interpretação do nacionalismo se

desenvolveram processos de diferenciação similares. Na década de 30 um deles foi

observado na manifestação de um fenômeno de viés protofascista e xenófobo. No

próprio movimento da “mexicanidade” do mesmo período, organizado em confrarias

cerimoniais, pode ser identificado traços de um integrismo paradoxal, pois a idéia de

uma pureza (indígena) de origem contrasta com a realidade da mestiçagem e elementos

de uma cultura de procedência hispânica.

A análise histórica demonstra que o nacionalismo, em todos os países, tendeu a

aglutinar a sociedade em torno de um projeto de um grupo específico e particular da

elite política ascendente. Esse processo concretiza-se na busca do reconhecimento de

um referente e representante político dessa identidade e a tentativa de coesão no

processo de conformação da nação moderna. Por sua natureza, o consenso que

determina o nacionalismo, se projeta além da identificação com um grupo. Esta

representatividade do ideal do nacionalismo deu motivo para ser usada como argumento

de um discurso conciliador, que por outro lado, faz escamotear as diferenças sociais

existentes nos regimes políticos em nome da unidade nacional.

O reconhecimento dos meandros tácitos que conformam a natureza do

nacionalismo, não se pode desconsiderar as distintas representações sociais que o

mesmo coaduna e o transforma num fenômeno tão representativo da unidade nacional.

Assim, por exemplo, o conceito de nacionalismo popular e o nacionalismo conservador,

se diferem em distintos aspectos e correspondem a interesses e aspirações divergentes,

seja dos grupos dominantes ou dos grupos populares. Essa tensão alude às formas de um

imaginário social da nação que supõe formas divergentes de codificar e processar essa

mesma representação.

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Na segunda metade do século XX, o nacionalismo, como demonstra alguns

estudiosos, deixa de ser o vetor principal na representação da unidade nacional devido

uma mudança na relação entre economia e política. O Estado deixa de ser o eixo e o

organizador central do processo de acumulação. Sua função simbólica já não tem a

mesma importância de autonomia relativa, ao passo que sua função passa a ser de apoio

à lógica e funcionamento do capital financeiro. A sua integração (jurídica e

institucional) se metaboliza em termos da dinâmica das forças econômicas.

No caso mexicano, a esfera cultura tem sofrido uma forma de heteronomia com

respeito do Estado a partir do triunfo da Revolução. Em correspondência, a produção

cultural passa a contribuir para a hegemonia do grupo dominante emergente das lutas

populares. A atmosfera generalizada que parece configurar o tipo de consciência social

do momento revela o alcance e o limite de certas representações sociais, especialmente

no âmbito cultural, formado pelos setores artístico e intelectual.

Na interpretação que advém do caráter geral do nacionalismo, os habitantes de

uma nação exercem uma forma de apropriação- ideológica, simbólica, afetiva e até

física- com os bens mais representativos da própria cultura como atributos de uma

determinada identidade. Esse processo implica uma disposição ao conhecimento de si

que se pretende a partir desta espécie de circunscrição cognitiva e afetiva, mais ou

menos narcisista. Nesse caso, poderia ser aplicado uma derivação do conceito de Michel

Foucault272 no sentido de que esta mentalidade ou horizonte cognitivo e afetivo

conforma uma episteme nacionalista que influi nos motivos subjacentes na abundante e

imaginativa produção artística de certo período.

Partindo desse princípio, pode-se dizer que uma grande parte dos artistas e

criadores que atuaram dentro do marco histórico emergente com a Revolução,

contribuíram para a construção de uma forma de hegemonia que desembocou na

consolidação de uma formação nacional moderna. Seu alcance era tal que se podia ser

discrepante dos governos. Porém, não seria da nação e da legitimidade de um processo

que, ao mesmo tempo, havia levado as elites políticas ao poder. Por sua vez, as

expectativas que gerou a Revolução, cercearam a oportunidade do desenvolvimento de

variados projetos culturais de caráter progressista.

272 Cf. FOUCAULT, Michel. Nietzsche, Freud e Marx: theatrum philosoficum. São Paulo: Princípio, 1987.

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223

As novas condições proporcionaram a abertura de espaços para a produção

artística e cultural, sendo mais uma vez utilizada como instrumento eficaz na

representação e difusão dos interesses do Estado.

Um exemplo disso é o movimento muralista e a necessidade manifestada por

artistas como Rivera, Siqueiros e Orozco, cuja atuação é concentrada no ideal de

renovação e modernização da pintura mexicana. As suas produções pictóricas, os

murais, plasmam, ilustram e deixam incorporados- na arquitetura do monumento- a

representação diversificada dos avatares nacionais.

Os murais trazem ao público e difundem momentos da história da nacionalidade

mexicana junto à materialidade do monumento no qual se estabelecia a

institucionalização e reconhecimento do Estado, com a intenção de divulgar o panorama

e a visão heróica dos ideais revolucionários.

Estes agentes culturais produziram sob os auspícios do Estado como portadores

das tendências do projeto político dominante. De fato, vários artistas e intelectuais da

oposição socialista transformaram-se nesse momento em intelectuais orgânicos, já que

era atribuído e disponibilizado a estes os meios de forjar certa imagem nacionalista,

considerada como o referencial da própria identidade. O correlato político das atuações,

seja institucionais ou artísticas, era a aliança política entre o Estado pós-revolucionário

nascente e as camadas médias e populares. O nacionalismo pode então figurar como

centro agregador dos consensos.

A abundante original produção artística do período pós-revolucionário agora

passa a ser reconhecida como patrimônio cultural da nação. Todavia, a própria noção de

patrimônio nacional revela uma tensão a qual é manifestada nos variados setores da

sociedade.

A solução “simbólica” destas tensões pode ser minimizada de forma estética e

filosófica do mesmo modo como o reconhecimento social e a representatividade

histórica que lograram algumas destas expressões artísticas e culturais. Por outro lado,

este legado, adotado como parte do patrimônio cultural, será preservado na memória

histórica dos atores sociais ou como forma de manutenção da hegemonia política do

Estado.

O consenso em relação ao movimento de produção artística não foi geral. Certos

grupos de classe média e dominante repudiaram no momento a pintura muralista. Não

obstante, a postura do Estado de financiar as artes foi reconhecida como sendo legítima

e necessária para a estabilidade social e política do novo momento da história da nação

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224

mexicana. Isso demonstra que a idéia de patrimônio cultural não constitui um elemento

de signo positivo ou neutro. Significa que não está sobre as idiossincrasias ou posições

dos setores ou grupos da sociedade. Também demonstra que uma obra ao chegar a ser

considerada e elevada à representatividade de patrimônio cultural vincula-se às

circunstâncias do momento em foi produzida.

O trabalho dos agentes culturais mais conspícuos nas décadas de 1920 e 1930

voltava-se para a manifestação de valores e ideais que não se restringiam às políticas do

Estado. Na esfera institucional, a produção pictórica, concretizada na profícua e

incentivada, no caso o muralismo, tinha o ideal de criar a partir do discurso

iconográfico, a imagem pretendida para a legitimação do poder do Estado, no que tange

a reafirmação da memória histórica, da própria história e seus personagens. Por isso,

que décadas mais tarde e, especialmente hoje, estas iniciativas do período pós-

revolucionário são criticadas como uma mitificação e a expressão do poder dominante

do Estado.

A produção cultural de todo um período contribuiu, em seu próprio campo, para

a construção dessa hegemonia. Contudo, o consenso formado em torno do

reconhecimento dos princípios e conquistas sociais da Revolução tiveram o que se pode

chamar de um efeito contrário ao assegurar o prestígio por décadas de governos

baseados nesta ideologia. O marco de legitimação dos sucessivos regimes pós-

revolucionários era a própria Revolução. Neste sentido, era aceitável um artista

comunista como Diego Rivera ou um ferrenho crítico da mesma, como Jorge Cuesta.

O Estado mexicano contou com uma ideologia nacionalista que enraizou na vida

cultural do país e permeou todos os espaços da cultura e da arte durante 40 anos após o

período de lutas revolucionárias. É necessário ressaltar que essa tenha sido a única

expressão cultural vigente no México nas décadas após Revolução. Uma boa parte do

pensamento conservador de diversos filósofos e literatos, como Antonio Caso e

Vasconcelos, considerados como “caudilhos culturais”, foi paradoxalmente reconhecido

como representativo do período e em ocasiões da própria Revolução, onde para muitos

pertenciam ao grupo dos seus “ideólogos”.

Deve-se perceber que não há contrariedade no fato que uma determinada

representação do patrimônio cultural, como acontece com a preservação da história das

culturas pré-hispânicas, surgisse como correlato simbólico privilegiado da formação

estatal nacionalista. Destarte, o patrimônio cultural nesse contexto pode ser visto como

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225

um dispositivo ideológico, cuja organização e semântica em torno de um passado

grandioso corroboram a sua natureza mítica frente à realidade nacional.

A hegemonia construída pelos grupos envolvidos no processo revolucionário

teria seu complemento e/ou o seu objetivo principal: a função simbólica e mediadora

correspondente à cultura. O Estado podia se legitimar por meio dos elementos

fornecidos pela cultura. Também no lastro da questão, cabe levantar a hipótese de que a

hegemonia desta formação estatal foi alcançada, em seu aspecto mais duradouro por

outros meios: em base da legitimação da ordem estética e simbólica. Esta caracterizada

por sua vez, pela representação histórica, estética de um passado mitificado, inclusive

em sua tragédia, assim, como em virtude das criações culturais do presente que

tomaram o impulso inspiradas nesse passado como novo ponto de partida.

A Revolução não foi a causa direta das transformações da visão histórica e da

aparição de uma nova memória cultural e antropológica. Ainda que seja considerada

como uma série de acontecimentos políticos e sociais, não foi, enquanto a história

cultural, a fonte primária das mudanças que ocorreram antes da celebração do Segundo

Centenário.

A exposição mexicana, apresentada em setembro de 1910, pela Associação de

Pintores e Escultores, composta pelos recentes ingressados da Academia de San Carlos,

foi uma revelação inclusive para os organizadores do Centenário, pois abandonou a

pintura histórica e os retratos clássicos para representar o final do academicismo e o

advento de uma pintura de inspiração mais pessoal: “El arte nuevo, el congregado en la

exposición mexicana, ostentaba, con intensidad palpable y conmovedora, una alma”273.

Tampouco o pessimismo a respeito dos êxitos do modernismo aguardou o

começo da Revolução para se manifestar. Provindo de homens formados inteiramente

na ideologia porfirista e que se mantiveram leais ao regime político. É o caso de Molina

Enríquez, cujo livro, Los grandes problemas nacionales, foi publicado um ano antes do

Centenário. Desde 1906, em seu ensaio La Reforma y Juarez, havia entrado em guerra

com o conformismo da história pátria. Segundo ele, a história não é “el arte (...) de

reproducir los movimientos de los grandes hombres en cuadros conmovedores capaces

de despertar sensaciones estéticas”, senão “la ciência, verdaderamente tal, de estudiar

273 GÉNARO, Garcia. Crônica oficial de las fiestas del primer centenário de la independência de México. México: Museo Nacional. 1911, p. 248. Entre os expositores, alguns como os jovens pintores Jorge Enciso, Roberto Montenegro, Saturnino Hernán, Joaquín Clausell e José Clemente Orozco tiveram parte importante na renovação artística que marcou o fim da Revolução.

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226

los impulsos sociales que en la evolución universal y en el proceso de la selección

colectiva han determinado los movimientos de esos grandes hombres.”

Tanto do interior como do exterior do positivismo se sentia a necessidade de

revisar a história. A análise das “causas sociológicas” do conjunto da história mexicana

desde a conquista conduziu Molina Enríquez reavaliar a época colonial, durante a qual

um governo forte logrou manter a ordem em uma sociedade composta de elementos

raciais heterogêneos, e situar o principal mérito histórico de Juárez em fazer saber

identificar a nacionalidade com o mestiço, “o verdadeiro partido liberal”.

Molina Enríquez, todavia, se definia de acordo com as concepções

evolucionistas. Retirou delas conclusões pouco ortodoxas em relação ao projeto

porfirista; já não acreditava na capacidade da educação para por fim aos 200 e 300 anos

de atraso da população indígena.274 Em outras palavras, como a visão do passado deixa

de recatar-se ao conformismo da história pátria, também a concepção do futuro deixa de

obedecer à crença otimista no progresso indefinido.

A história pátria se elaborou a partir de uma visão centralista da realidade

nacional, determinada pelo fato de que as sociedades indígenas do altiplano central

haviam sido aniquiladas pela desamortização das terras coletivas e expansão das

fazendas. De qualquer forma, a idéia de tradição e de presença do passado não foi

atingida pela consciência histórica das elites locais quando estas se encontravam no

coração das regiões que continuavam sendo de propriedade indígena.

Aparecia, então, no cerne do regime, uma consciência histórica mais sensível ao

peso do passado e sua influência sobre o curso da vida nacional. Neste sentido, a

fundação da Escuela Internacional de Arqueologia e Etnologia Americana constitui um

momento crucial. Tratava-se, novamente, de uma obra porfirista, já que desde 1906 o

secretário da Fazenda, Limantour, havia dado a conhecer a aprovação do governo

mexicano do projeto proposto por Murray Gutler, professor da Universidade da

Colômbia. Sua aprovação foi confirmada em 1908 por Justo Sierra.

A escola foi vislumbrada na ocasião que se reuniu no México, durante o

Centenário, o XVII Congresso Internacional de Americanistas. Seus estatutos se

firmaram em 14 de setembro de 1910 e foi inaugurada em janeiro de 1911. Reuniu as

colaborações das universidades norte-americanas de Columbia, Harvard, Yale e

Pensilvânia, do Governo da Prússia e do México.

274 MOLINA ENRÍQUEZ, Andrés. La Reforma y Juarez. Estudio histórico-sociológico. México: F. Díaz de Leon, 1906, p. 25.

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227

O acordo estabelecia o envio anual de um professor de cada uma das

universidades para promover o ensino e a pesquisa no campo da arqueologia americana,

assim, como a recepção de alunos bolsistas pelos governos em questão. Um dos

professores, estrangeiro ou mexicano, dirigiria a escola, renovando-se a cada ano. O

primeiro Diretor foi Eduard Seler e o segundo, Franz Boas, professor de Columbia e

antropólogo já célebre.

A escola existiu oficialmente até 1922, ainda que suas atividades foram

interrompidas em 1914 por falta de financiamento e pelas causas dos acontecimentos

revolucionários. Em quatro anos, os trabalhos dirigidos pela escola mudaram a visão do

passado mexicano.

Desde a sua fundação foi notória a contradição entre o discurso de seus

promotores porfiristas e o projeto dos antropólogos estrangeiros. Sierra, em seu discurso

inaugural do Congresso Americanista, não mencionou as populações indígenas

contemporâneas, sublinhando que o país buscava o

“apego religioso a su historia al estar poseído de la fiebre del povenir. Todo esse mundo anterior a Cortés, cuyos archivos monumentales venís a estudiar es nuestro, es nuestro pasado, nos los hemos incorporado como un preâmbulo que cimenta y explica nuestra verdadera historia nacional. Se trata de analizar y classificar los restos de esas civilizaciones y traerlos no solo a la luz del dia, sino a la luz de la ciência.275

O subsecretário de Instrução Pública, Ezequiel A. Chávez, desenvolveu uma

visão mais pragmática, pois foi sensível a possível utilização dos resultados dos

trabalhos sobre civilizações antigas “para entender las condiciones presentes de las

razas y apresurar su evolución”.276 Porém, o discurso do programa pronunciado por

Eduard Seler demoliu esta percepção evolucionista e utilitária do estudo do passado.

O conhecimento da atual repartição geográfica das línguas indígenas será

preciso para o historiador da antiguidade, pois estas sofreram poucas mudanças desde a

época da conquista; tampouco se pode ignorar o estudo de “tradiciones, creencias y

cuentos, adulterados o no, del tiempo de su gentilidad. El folklore de las tribus

indígenas del país será otra tarea muy importante de nuestra escuela”.277

275 Discurso de Inauguração de Justo Sierra. Reseña de la segunda sesión del XVII Congreso Internacional de Americanistas. México, setembro de 1910. Museu Nacional, 1912. pp. 17-18. 276 CHÁVEZ, Ezequiel Adeodato. Escuela Internacional de Arqueologia e Etnologia americanas, año escolar de 1910-1911, informe del Presidente de la junta directiva. México: Tipografia y Litografia de Muller, 1912. p. 13. 277 Ibid., p. 24.

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228

Eduard Seler anunciou por último o emprego de métodos arqueológicos

modernos que deviam mudar completamente o conhecimento das civilizações antigas: a

escola “(...) tendrá particular cuidado en estudiar la estratificación de las capas de

cultura, con el fin de ver si hay en algunos lugares modo de llegar a uma classificación

o al orden cronológico em el que se siguieron unas a otras las distintas civilizaciones lo

que hasta hoy no há sido posible hacer.” 278.

Os registros estratigráficos por si só permitem estabelecer uma forma rigorosa da

sucessão de culturas em um sítio determinado. Os resultados obtidos em Azcapotzalco

põem em evidência a superposição de três culturas distintas e sucessivas no vale do

México: a dos “cerros” ou arcaica, a de Teotihuacan e a dos astecas. Com a desaparição

da arqueologia exclusivamente monumental do século XIX e com a datação de objetos

cotidianos ou culturais que podiam adiante ser vinculado com a civilização correta em

seu tempo, surgiu outro passado pré-hispânico, dotado de uma bagagem histórica

própria, estratificado e de uma densidade cultural muito superior.

-3.3.1: PATRIMÔNIO CULTURAL E A SUA NATUREZA SOCIAL

O patrimônio cultural é definido em abordagens e conceituações gerais e no

olhar de muitos estudiosos como uma construção social. No cerne do debate derivado

desta constatação também está presente, de forma explícita e/ou implícita, as

concepções que o mesmo criado a partir do Estado, segundo o seu reconhecimento e

identificação comum entre os membros de uma nação, é a expressão de sua identidade,

sua cultura, sua história.

A dita concepção para muitos dos seus críticos, oculta as diferenças sociais e

culturais da sociedade e, por outro lado, omite o conflito e mecanismos institucionais

através dos quais os grupos hegemônicos selecionam os bens culturais que formam o

patrimônio cultural de uma nação e constroem os discursos políticos de unidade e

homogeneidade cultural.

A diferença do discurso estatal para eles não existem bens culturais que a priori

contenham um valor patrimonial,senão que esse valor se agrega somente a certos bens

278 Ibid., p. 25-26.

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229

em contextos políticos, institucionais e ideológicos determinados. O patrimônio

cultural, em conseqüência, é uma construção social.

Aqui cabe ressaltar o papel da memória na construção da idéia de nação em

distintos momentos da história do México. Nos anos de governo porfirista fica patente o

empreendimento na criação da história pátria na seleção de momentos que figuravam

como elementos principais das comemorações e celebrações cívicas. No período

revolucionário e pós-revolucionário a atuação comum de intelectuais e artistas,

passando pelas práticas institucionais como o principal motivador, visa à montagem de

estruturas que agregam à história e à memória coletiva significantes representativos, de

caráter estético e culturais, sentido para a legitimação de uma nova ordem.

No complexo quadro, que frente à memória histórica nacional pretendida nos

dois momentos mencionados,é percebido de forma geral e dominante na esfera social,

apesar de suas mudanças, manipulações e reconstruções sucessivas no contexto de

outras memórias alternativas, dominadas e não hegemônicas, porém igualmente

presentes e atuantes na sociedade. No sentido de construção social, o patrimônio

cultural sobrepõe-se a memórias de alcance mais local, de existência mais acidentada ou

de presença social mais restrita, ainda que uma vez possam resgatar as tradições e

lembranças. O papel hegemônico da memória oficial ou nacional, ou supostamente

agregadora de um país, se mantém viva e atuante nas tradições, que só no discurso pode

ser unitária e homogênea.

Neste contexto, por outro lado, referente ao patrimônio cultural como construção

social, mais além do conflito, às vezes latente ou manifesto, entre a memória histórica

dominante e as dominadas e alternativas presentes em sua identificação, seja no valor

arqueológico atribuído à arte pré-hispânica por Gamio ou na representação pictórica do

passado mexicano dos murais de Rivera, está o fato de que a dita memória não é mais

uma das tantas dimensões da cultura. Assim, a sua implicação está diretamente

vinculada a um entendimento de certo aspecto da memória histórica, junto com suas

sucessivas readaptações e transformações no presente.

A bifurcação a qual nos referimos relaciona-se também à confrontação da

memória histórica em respeito a geral, que em seu contexto real, permite distinguir os

elementos constituintes do patrimônio cultural. Dessa forma, o patrimônio cultural

alude a certas datas, personagens, lugares, acontecimentos, fatos e fenômenos

históricos. No momento do dito reconhecimento e identificação destes elementos

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230

ocorrem a sua conversão simbólica, que só é possível na medida da conformação dos

recém dados históricos mencionados.

O mesmo sucede com os elementos novos que o presente agrega ao patrimônio,

as configurações distintas sempre adotadas; elementos e configurações da conjuntura

histórica quando reconstruída nas vicissitudes e itinerários, que ao longo do tempo,

ocorrem. Uma vez caracterizadas a imbricação da memória ao patrimônio cultural em

sua concepção de construção social, torna-se necessário à compreensão conflitiva de

toda realidade cultura como espaço de disputa e de combate ideológico entre os grupos.

Na obra “El Patrimônio Cultural de México”279, obra compilada por Enrique

Florescano, com a reflexão de intelectuais como Nestor García Canclíni, Enrique Nalda,

Sonia Lombardo de Ruiz e Augusto Urteaga, esta característica do patrimônio cultural é

discutida.

Florescano inicia a discussão ressaltando os pontos que considera precípuos para

a compreensão das concepções e políticas relacionadas com o patrimônio:

1. a maneira em que cada época resgata e seleciona os bens que identifica

como seu patrimônio;

2. os grupos sociais dominantes que realizam a seleção sobre os critérios

restritivos e exclusivos, tomando em conta que em caso das nações é o

Estado que seleciona os bens culturais de acordo com seu projeto

histórico;

3. a oposição entre patrimônio cultural universal e patrimônio cultural

nacional: processo necessário no surgimento tanto dos estados nacionais,

como de seu projeto histórico, o nascimento de sua identidade e a

consolidação de patrimônio próprio;

4. o patrimônio cultural como resultado do choque e a interação entre

distintos interesses sociais e políticos que conformam a nação. Isto que

dizer, uma visão do uso do patrimônio cultural em função das diferenças

sociais que concorrem na sociedade nacional.

A abordagem de Florescano além de identificar as novidades sociais e política

que emergem no cenário cultural mexicano, propõe mudanças nas práticas e nas

políticas culturais que respondam a essas novas demandas sociais de participação

279 Obra editada pelo Consejo Nacional para la Cultura y las Artes y el Fondo de Cultura Económica. México, 1993.

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231

democrática. Demonstra a importância da conciliação dos interesses gerais da

conservação do patrimônio cultural com as suas novas formas de uso, administração.

Os pontos acima descritos balizam a nossa reflexão do papel da Gamio e Rivera

na definição de parâmetros de elementos constituintes da memória, tradição que pode

ser observada na própria historiografia e a recorrência do termo

O patrimônio cultural em muitas sociedades tem sido monopolizado pelo poder.

Em virtude dele- a partir de certo momento- tem sido extraído da circulação para

desempenhar em seus elementos mais representativos o papel de um significante.

Diversos projetos culturais elaborados e realizados institucionalmente em torno

do patrimônio podem ser considerados como um trabalho voltado diretamente para a

imagem estatal no seguinte sentido: o que se faz pelo patrimônio contribui ao mesmo

tempo para a imagem do Estado.

No México durante as décadas de governo do PRI essa prerrogativa se

confirmava. Apesar do discurso propagado de rompimento com o regime porfirista, os

governos revolucionários não abandonaram os seus meios de legitimação de seu regime:

levar a cabo a recapitulação da história nacional e seus heróis, com os quais se remonta

as origens da nação que se baseiam e justificam nos mitos pré-hispânicos. A observação

da perenidade desta prática demonstra a fragilidade e o possível prejuízo institucional

para a mudança da forma de preservação do patrimônio cultural.

Entre Estado e nação é estabelecida uma relação de representatividade. Nesse

processo, o Estado aparece como a expressão substancializada da sociedade civil. Esta

dupla função, representativa-substantiva, implica uma apropriação das qualidades

daquele que é representado: a nação, o povo ou sociedade civil, porém também o

patrimônio cultural. Este outorga ao Estado o prestígio histórico e simbólico, cuja

historicidade é também, por sua vez, fonte de criação de uma memória cívica.

A noção original de patrimônio cultural, como uma forma de riqueza não é só

algo simbólico ou literal. É, por outro lado, como discorremos discutindo o caso

mexicano, uma expressão de trabalho político, social e cultural acumulado.Constitui um

respaldo tanto simbólico como material do poder. De acordo com Igor Kopitoff280, em

toda sociedade existem coisas que são publicamente protegidas contra a mercantilização

e implicam em sua exclusão da esfera mercantil usual. Isto se aplica a boa parte do que

280 Cf. KOPITOFF, Igor. La biografia cultural de las cosas: la mercantilización como proceso. In: APPADURAI, Arjun. La vida social de las cosas: perspectiva cultural de las mercancias. México: Grijalbo/CONACULTA, 1991.

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232

se considera como o “inventário” simbólico de uma sociedade. Kopitoff continua

afirmando que o poder se auto-afirma de modo simbólico precisamente ao insistir em

seu direito de singularizar um objeto ou um conjunto deles.

A noção atual de patrimônio cultural já não se refere unicamente ao conjunto

materializado de bens monumentais, arqueológicos e museológicos mais representativos

de um país. O patrimônio é concebido também, antes tudo, como uma construção social

que implica uma disposição seletiva da história. Não só se constitui pelo legado

histórico das gerações anteriores, como pelas diversas elaborações discursivas que dão

lugar a uma forma renovada dos seus elementos significativos.

O patrimônio cultural pode ser considerado como uma produção de sentido que

tradicionalmente se refere no contexto do Estado à identidade nacional. Entretanto,

atualmente esta identidade se plasma na diversidade e na própria idéia de patrimônio

cultural e nas suas variadas formas de percepção. Não cabe dúvida de que o patrimônio

cultural segue sendo a base de uma forma de conceber e construir um tipo de

representação determinada para a nacionalidade. Porém essa representação ocorre no

processo de diferenciação e fragmentação.

A noção de patrimônio da nação tem servido para dotar de um sentido de

profundidade os mais diversos programas e ações realizadas dentro e fora da esfera

institucional inspiradas e criadas para sua preservação e fomento.

A noção de patrimônio cultural tem sofrido também mudanças conotativas

importantes. Elas ocorrem na medida em que se transforma o Estado. A depuração de

seu componente ideológico-formal e a redução de seu predomínio institucional vincula-

se diretamente a atual gama de perspectivas que dependem dos interesses que se

pretendem destacar. Assim, há o patrimônio nacional e aquele que é considerado como

da humanidade. Tudo isto vem a ser parte de um processo de diversificação do elemento

patrimonial que reflete a própria diversificação e fragmentação das sociedades

contemporâneas. A partir do caso mexicano e dos trabalhos de Gamio e Rivera,

podemos constatar que a idéia de patrimônio cultural pode ser considerada nos

seguintes sentidos:

1)como meio de reflexão da realidade social quando se materializa nas obras

significados que determinam a sua forma e seu sentido em um contexto de auto-

representação da sociedade. Desse modo, a sociedade pode pensar acerca de si mesma e

adquirir consciência histórica por meio do patrimônio utilizado como elemento

agregador da interpretação, seja da história, passado ou presente da nação;

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233

2)como elaboração simbólica, o patrimônio adquire seu lugar e significado.

Define o processo de resignificação que em determinados períodos as nações podem

fazer de sua história e passado. Neste sentido, o patrimônio cultural pode ser entendido

como um acervo criativo da nação se referindo a uma determinada episteme281. Isso que

dizer, um marco cognoscitivo sobre o qual se define uma forma de representação do

mundo, assim, como de decodificação.

Neste contexto, o paradigma da cultura relaciona-se a noção de patrimônio que

prevaleceu durante o nacionalismo levando a absorção das belas artes e a cultura

elitizada que se fomentava entre certas camadas ilustradas da sociedade. A cultura como

matéria de Estado, pelo contrário, se traduz em políticas culturais e serve como um

dispositivo gerador do discurso e produtor de sentido nesse preciso contexto.

O patrimônio cultural é apresentado frequentemente como uma representação

homogênea da nação, da história e da cultura nacional, que coincide no aspecto

temporal com a justificação do presente. Entretanto, a trajetória que segue o patrimônio

para ter o seu valor reconhecido como tal supõe em determinadas ocasiões um processo

conflitivo e complexo. Esse mesmo processo é considerado resultado não só das

diversas interpretações e posições ideológicas encontradas na sociedade como também

entre os seus indivíduos. Assim, o seu reconhecimento como produto histórico e social é

corolário de um processo concomitante de formação de uma forma de consenso como

elemento aglutinador comum.

A exaltação dos valores históricos e culturais representa a aspiração e ideal do

próprio Estado. Por isso, o reconhecimento de um patrimônio como nacional é

indicativo de um grau de hegemonia alcançado. O patrimônio cultural se constrói a

partir das distintas interpretações que são debatidas sobre o passado e o presente

nacional, principalmente, as suas implicações que lhe garante um significado no espaço

social. Isto representa um processo de depuração das vicissitudes que conduziram à sua

consagração. No processo de representação do passado e da história nacional pode-se

dizer que o patrimônio cultural é o elemento de sedimentação e decantação que ele

supõe. Nesse contexto, cabe se perguntar sobre a pertinência de falar de patrimônio

cultural quando se refere às manifestações culturais do presente imediato.

No âmbito da nacionalidade não deixa de ser emblemático o momento a partir

do qual determinada produção artística e cultural se converte em obra memorável e de

281Cf. FOUCAULT, 1990.

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234

reconhecimento geral, especialmente, quando estas ocorrem em contextos onde a

sociedade se encontra dividida em uma polaridade ideológica como é o caso do México

na metade do século XX.

O legado pré-hispânico não apresenta esta dificuldade, ainda que assim, tem sido

abordado segundo enfoques historicamente diferenciados, inclusive em seus cortes

cronológicos. O interesse histórico no patrimônio como meio científico incipiente já era

notório nos séculos XVII e XVIII. Entretanto, por outro lado, não deixam de ser

considerados como registros ou ruínas de um passado desaparecido.

No século XX, alguns intelectuais “ideólogos” da nacionalidade mexicana nos

anos revolucionários, como Gamio manifesta o interesse estético ante as obras pré-

hispânicas. Para outros, como Samuel Ramos em sua obra “El Perfil del Hombre y la

Cultura” e Vasconcelos as mesmas são desprezíveis e monstruosas, respectivamente.

À representatividade e o reconhecimento social de uma obra cultural supõe certa

imunidade de seu componente estético. Em determinadas ocasiões, a obra e o seu valor

relaciona-se diretamente ao momento histórico de sua produção, não sendo levados em

conta o seu caráter de abstração e as suas particularidades. Não existe um indicador

histórico-temporal que assinale quando certas manifestações e elaborações culturais do

presente podem ser consideradas como patrimônio. É de ressaltar que o processo sócio-

cultural que conduz o reconhecimento de uma obra ou monumento como patrimônio

cultural é complexo. Entre o passado e o presente das expressões culturais há um fluxo e

uma corrente contínua que validam e legitimam o caráter da natureza do patrimônio

cultural em seu momento do presente das realidades política, social e cultural da nação.

Segundo a concepção tradicional, o patrimônio se compõe de produções

conspícuas memoráveis envoltas pelo ideal e perfil da representação nacional desejada.

Na atualidade, entretanto, no México, por exemplo, é encontrada uma barreira que

marca a distância entre o que foi a construção da idéia de patrimônio durante o governo

porfirista e mais tarde nos pós-revolucionários.

Nos momentos mencionados, abarcando os anos finais do século XIX e,

principalmente, as quatro primeiras décadas do XX, a concepção de patrimônio possui a

natureza inclusiva da produção social da cultura nacional. Destarte, o que se pretendia

não era a aspiração da “imortalidade” das obras e monumentos e a visão de um futuro

baseado no passado, mas a intenção de reconhecimento e representatividade centrados

no presente.

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235

-3.3.2: PERSPECTICAS DA CATEGORIA DE PATRIMÔNIO CUL TURAL NA

ATUALIDADE DA NAÇÃO MEXICANA.

Para George Yúdice “el concepto mismo de patrimônio, há pasado a ser una

categoria cuestionable cuando diversos grupos luchan por arrebatar el control de los

medios de simbolización a las instituciones estatales que afirman dus derechos de

propriedad en lo referente a los usos, costumbres, objetos rituales, et.”282 Em nossa

opinião, partindo da observação do caso mexicano, ocorre o contrário: o patrimônio se

converte de modo mais definido em um objeto de disputa precisamente ao adquirir um

valor particular para os novos atores sociais com reivindicações específicas que estão

presentes na cena nacional.

O questionamento e a crítica a concepção de patrimônio cultural quando

submetido aos propósitos do Estado, apresenta a possibilidade de entrada em crise da

cadeia significante que está ligado o mesmo: a cultura já não se concebe como algo

organizado desde o Estado e nem este pode se reconhecer nas expressões, manifestações

e inquietudes que o transcende. Essa realidade coincide com o momento em que o

Estado depõe uma parte de suas funções ocasionando a fratura de uma formação

histórico-social e um bloqueio histórico que abarca a relação do Estado com a sociedade

e seu sistema de alianças: a base de seu consenso social.

No que se refere ao México, atualmente o que se observa é a consumação de

uma forma de hegemonia política e cultural que prevaleceu décadas levada à “sombra

da Revolução”. Em seu lugar, de maneira inicial, quase sub-reptícia, o que vem ocupado

o lugar é a cultura tecnológica e de consumo da globalização. Isso que dizer, a ideologia

dominante é do capital global e não mais do Estado-nação.

Anteriormente, os monumentos emblemáticos do patrimônio cultural foram

absorvidos pelo processo de institucionalização e suas formas de controle mediante a

formação de inventários e catálogos nacionais. Assim, como exclusão das formas de

participação social na proteção e conservação do mesmo, que não fossem as

oficialmente estipuladas de forma paternalista na Lei de Monumentos Históricos e

Arqueológicos. A experiência tem mostrado no México que os elementos significantes

282 YÚDICE, George. El recurso de la cultura: usos de la cultura en la era global. Barcelona: Gedisa, 2002. p. 23.

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236

não se conservam inalterados, tanto frente à deterioração que resulta dos processos de

urbanização quanto aos impactos da mercantilização.

O contexto parece indicar um processo de desmontagem de um tipo de forma

institucional e aparato estatal a que Zigmunt Bauman denomina como próprio da

modernidade pesada283, cuja privatização crescente acaba de assinalar ao mesmo tempo

uma mudança estrutural em seu interior. Esta reestruturação consiste na adaptação de

maneira mais discreta, funcional e unilateral às necessidades do capital como força

econômica do caráter global. Isso que dizer, os programas econômicos estandarizados

do neoliberalismo regidos por um modelo único que se ajusta a cada país.

Atualmente o conceito de patrimônio cultural passa por uma revisão que está

diretamente relacionada ‘a idéia da globalização. No México com o fim do chamado

“nacionalismo revolucionário” dado com a derrota política do PRI uma questão emerge:

qual o significado e valor do legado pós-revolucionário.

Para Gilles Lipovetsky o efeito do patrimônio no qual se produziu antes da

“reconversão centrífuga do Estado”284 e o esvaziamento de seu poder frente ao capital

enuncia uma falta de compromisso, onde são constatados elementos que levam a um

retorno do ideal de preservação: o fortalecimento das políticas regionais culturais; o

reconhecimento das particularidades e identidades regionais; a reterritorialização, assim,

como uma política de patrimônio no mesmo patamar da descentralização no sentido de

atrelar o seu sentido, ou melhor, o sentido do passado numa perspectiva histórica.

Esta atitude, em busca da identidade e da comunicação aponta para um

afastamento da perspectiva de reconhecimento do futuro histórico. Nessa conjuntura um

novo marco se perfila sobre a concepção de patrimônio. A sua natureza é de sentido

mais extenso, que permeia e conecta à idéia de uma ética de preservação. Essa mudança

significa no plano da função normativa institucional de difusão e reconhecimento do

patrimônio na ordem da esfera cultural e agora na do civilizatório. O seu resultado é

paradoxal quando em parte, de certo modo, ocorre um desencanto a respeito das

promessas formuladas em termos de um futuro cuja distância é reduzida ao máximo e o

presente é caracterizado pela aceleração.

283 Cf. BAUMAN, Zigmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000. pp. 33-34. 284Cf. LIPOVETSKY, Gilles. La era del vacío ( ensayos sobre el individualismo contemporáneo). Barcelona: Anagrama, 1993. pp. 26-27.

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237

Os fatores que contribuem para uma reconfiguração do panorama da cultura e

sua relação com o Estado na época atual devem ser considerados a partir de diferentes

prismas de análise.

Nas sociedades contemporâneas é perceptível uma série de transformações pelas

quais se originaram na base produtiva e no desenvolvimento técnico-científico uma

alteração da relação espaço-tempo. Com efeito, essas mesmas mudanças interviram

diretamente nas condições de abordagem e concepção da idéia de cultura. Entre elas,

figura a importância que adquire o caráter intangível dos produtos culturais,porém, entre

as condições que acentuam este caráter,pode ser mencionada: o papel da idéia de

desmaterialização crescente do trabalho e da produção no que tange aos sistemas de

signos e imagens; a desvinculação entre cultura e território; a fragmentação associada ‘a

hibridização multicultural e a diversidade da produção cultural; a perda da

originalidade, da autenticidade e importância dos bens culturais, etc..

No lastro das mudanças descritas, que dentre outras fazem parte desse processo,

ao que se refere à idéia de patrimônio cultural, são identificadas: a substituição de seu

valor simbólico pelo econômico; a acentuação do processo de deterioração e destruição,

resultante da poluição da urbanização, do crescimento demográfico; a patrimonialização

individual e a deterioração na sua relação com a idéia de cultura, seja cultural ou

artística.

O patrimônio cultural no contexto das questões enumeradas perde os

significados atribuídos que o deu centralidade durante o período nacionalista como

resultado da privatização neoliberal e da globalização. Entretanto, em contrapartida, é

objeto de novas atribuições, conferidas pelos sujeitos sociais, comprometidos em

construir novas identidades e cuja manifestação adquire as características de um

processo de cidadania. Destarte, patrimônio cultural torna-se um fator e motivo para a

recomposição das identidades.

As possíveis análises do conceito e da materialidade de patrimônio cultural na

atualidade devem levar em conta um fenômeno de suas vertentes: o que representa a sua

desestruturação como uma re-significação complexa e diversificada na condição de

significante histórico e social e aquele que desdobra a sua função na diversidade cultural

do país. Nesse caso,não representa uma mera redução a um elemento comum, mas

responde às especificidades e necessidades da afirmação regional e pluricultural de

grupos e comunidades indígenas.

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A hegemonia do Estado mexicano, especialmente a partir da segunda metade do

século XX, empreendeu para a constituição da Revolução como um fato histórico

singular para a emergência do nacionalismo cultural. Consistente em uma reivindicação

do passado pré-hispânico no qual são patentes as diversas manifestações de uma intensa

produção cultural, seja na valorização da arqueologia ou na produção artística. A

relação entre Estado e cultura implicou na triangulação ideológica em virtude na

identidade nacional, onde os protagonismos de Gamio e Rivera aproximaram ideais

concretos e bases para a criação em torno da arte mexicana como ponto central da idéia

de patrimônio cultural da nação mexicana.

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239

-CONCLUSÃO

A justificativa para a escolha de Manuel Gamio e Diego Rivera como os

principais nomes para a discussão da relação existente entre questões como nação e

identidade nacional justifica-se na tentativa de observação dos seguintes objetivos: a

compreensão das obras de Forjando patria e La población del Valle de Teotihuacán

como fontes para a criação de um saber estético-etnológico; os murais como expressão

de um projeto cultural de modernização aliado ao pensamento social e político

mexicano nas primeiras quatro décadas do século XX; a busca de uma originalidade

estética nas obras pré-hispânicas que perpassa um ideal de construção nacional.

Os trabalhos de Gamio e Rivera agregam e atualizam de certo modo os

principais temas debatidos pela intelectualidade nos períodos revolucionário e pós-

revolucionário trazendo à tona a questão da superação dos ditos “problemas nacional”,

os meios para a modernização social, econômica e cultural do México. Assim,

destacamos três pontos que conduziram o trabalho:

1º) a discussão historiográfica sobre a Revolução levou a uma análise do

próprio desenvolvimento da historiografia mexicana no século XX. Numa abordagem

tradicional, destacam-se os grupos de intelectuais cujas atuações e protagonismos são

considerados a partir do princípio da unidade e consenso político e ideológico.

Também, por outro lado, a consideração da modernidade artística presente nas obras de

artes pré-hispânicas;

2º) os vieses de abordagem do trabalho de Gamio e Rivera possibilitam a

corroboração da importância dos papéis desempenhados para a formação de argumentos

justificadores de uma memória coletiva e histórica, embasadoras da nação mexicana

moderna que se pretende constituir. É notória a contribuição de ambos para o resgate e

investimento na consolidação de uma cultura visual, onde passado pré-hispânico ocupa

lugar central;

3º)o reconhecimento na produção historiográfica contemporânea de uma visão

crítica da Revolução e da idéia de memória histórica constituída, ressaltando o seu

caráter político hegemônico e dominante, mais que se traduz no conceito de patrimônio

cultural da nação mexicana. Contudo, os esforços de Gamio e os murais de Rivera

caracterizam uma dimensão temporal e estética da nação e nacionalidade mexicana.

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240

A essência do discurso ideológico, criado em torno da Revolução no âmbito

institucional, difundido pelo regime pós-revolucionário durante décadas incidiu

diretamente no caráter crítico que se consolida na historiografia. Esta por sus vez,

ressalta a diferença de outros discursos legitimadores do poder político mais elaborado e

articulado em seus conteúdos, como pode ser observados nas experiências históricas e

nacionais do comunismo ou do fascismo.

O que se pode afirma é que o nacionalismo, cuja raiz é o ideal revolucionário,

foi um discurso assentado nas idéias de modernidade, modernização social, cultural e

econômica, no indigenismo, etc..Demonstrou-se como a fórmula perfeita para unificar a

nação e sustentar as bases para um regime hegemônico, não só legitimando a sua

coerência, mas corroborando a sua bandeira de paz social na conciliação das

contradições entre os grupos para a difusão de um consenso político nacional.

A mecânica de seu discurso é complexa e, ao mesmo tempo, agregadora de um

sentido: a integração necessária que deveria ocorrer das populações indígenas à

sociedade mexicana, seja social, histórica, cultural e econômica. Essa realidade associa-

se a um sentimento de identidade nacional traduzida no trabalho social e

desenvolvimentista do Estado; e por outra parte, na estratégia política que permite

desqualificar e neutralizar qualquer outro projeto que não coincida com o Estado

nacional. Assim, desde o Estado se difundiu uma determinada concepção que

caracterizava o próprio Estado, nacionalista e revolucionário.

O momento culminante desse nacionalismo, como é demonstrando ao longo

deste trabalho, acontece nos anos de 1940, quando é defendida uma estrutura

corporativa do partido oficial com a sua política de nacionalização, sobretudo no setor

econômico. Desde então, há um forte empreendimento institucional, apoiado por grupos

intelectuais e artísticos, para a ampliação do espaço cultural nacional e a popularização

do mesmo.

É observada a tentativa de unificação e unidade com o fim de alavancar a cultura

mexicana em suas diferentes manifestações artísticas e intelectuais: a fase da época de

ouro do cinema, com suas alusões ao popular e as raízes nacionais mexicanas; a

continuação do muralismo como uma expressão cultural da modernidade das artes

mexicanas; a apreciação da música vernácula com a exaltação do mexicano, de seu

folclore e história; e a distribuição contínua dos livros, que terminam por reforçar o mito

nacionalista.

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241

Existe um consenso entre os estudiosos da identidade nacional mexicana que

assinala e questiona o motivo da longa permanência do sistema político mexicano que

se formou “à sombra da Revolução” e que dominou até o ano 2000. A primeira resposta

leva em conta a complexa trama de aspectos simbólicos e culturais que se formou em

torno do poder constituído. A segunda e mais coerente com a realidade socio-histórica,

ressalta os mecanismos de mediação política e simbólica que faziam do Estado o lugar

comprometido com as causas populares, como promotor do desenvolvimento social e

econômico.

Historiograficamente, como foi demonstrado, no período acima mencionado, a

versão oficial o considera como o momento de institucionalização da Revolução,

surgindo embates que dificultam a integração de uma memória oficial hegemônica. Isso,

por outro lado, não significou rechaçar o que realmente estava ocorrendo na época e o

que representava o projeto de Lázaro Cárdenas. Esse se destacava pelo objetivo de

impulsionar a expansão da educação socialista junto à atuação mais presente no cenário

social e político mexicano das classes camponesas rurais e a classe operária urbana.

Igualmente ocorre, por exemplo, com o movimento estudantil popular de 1968 e

as mudanças que promoveu nos círculos intelectuais e artísticos e, em grande medida,

no questionamento da memória oficial e hegemônica dominante. Além de ser lembrado

e, por vez, reduzido a um episódio trágico da história mexicana, rompia as fronteiras

nacionais e se coadunava às mudanças em curso em todo mundo. Representou uma

profunda e radical revolução cultural de grandes dimensões. Suas consequências

levaram à criação de um novo cenário social e cultural, distinto do anterior, no que se

referia à cultura política vigente e à cultura de todos os grupos. Incita a transformação

das múltiplas práticas da vida cotidiana no âmbito acadêmico, social, cultural e dos

novos movimentos sociais.

A complexidade histórica do período abarcado por este trabalho, pode ser

claramente observada nos protagonismo de Gamio e Rivera. Apesar de

historiograficamente, as suas atuações estarem restrita aos anos de 1920 e 1930, a

perenidade de seus pensamentos reverberam nas décadas posteriores, seja na

conformação da política indigenista ou nos padrões estéticos representativos da arte

mexicana, não estrita ao resgate e a presentificação do passado pré-hispânico.

Falar do “saber estético –etnológico” das artes mexicanas e, por outro lado, é

reconhecer a dificuldade de circunscrever os limites que dão conta de uma realidade

complexa e singular como a mexicana. De fato, as escolas pictóricas, literárias e

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musicais são influenciadas diretamente pelas escolas européias, como o

impressionismo, para não falar das escolas mais tradicionais.

Esse caminho que começou no século XIX alcança no século XX uma força

arrebatadora. O muralismo mexicano assume nessa perspectiva um lugar privilegiado

dado à sua projeção como manifestação artística em outros países latino-americanos e

na inovação de técnicas que influenciaram a arte mural européia.

Constatar a dimensão da necessidade de construção e a natureza imaginativa dos

movimentos e expressões artísticos latino-americanos é demarcar o lugar contemplado

pelos grupos responsáveis pela condução desses processos, demonstrando mais uma vez

que seu raio de atuação e influência limita-se às elites econômicas e culturais do México

pós-revolucionário, mas a sua consonância com as realidades latino-americanas.

Os compêndios de arte moderna até as primeiras décadas do século XX não

incluíam em suas páginas a produção artística latino-americana, seja por sua natureza

restrita e/ou engajamento em processos nacionais. Também as compilações de história

da arte na América Latina tratavam a questão do ponto de vista da estética européia,

sem questionar a sua expressão num contexto mais amplo. Como conseqüência dessas

categorizações vagas e parciais, como o conceito de vanguarda, a arte latino-americana

é deixada num estado de carência teórica.

Alguns autores lançaram-se na empresa de descrever e analisar o estado da arte

latino-americana nas décadas iniciais do século XX, investigando as raízes do

modernismo, contrapondo-se a uma tendência dominante que se limitava à enumeração

de movimentos artísticos, seu desenvolvimento e conseqüência no continente,

sublinhando as suas características culturais.

O imperativo estético que subjaz todo arranjo do programa nacional ao qual o

muralismo se vincula, oferece um interessante aporte para a análise da estética na

construção e definição do ideal nacional. Trazer a estética à superfície da investigação

histórica, dilatada em distintas concepções, metodologias e conceitos é procurar rever

sua matriz teórica tradicional.

Essa operação parte da necessidade de destituí-la dos conceitos e métodos

atribuídos como uma disciplina, e construir a partir daí uma categoria de análise capaz

de demonstrar a sua eficácia como uma ferramenta intrínseca no processo de formação

nacional. As considerações de Gamio a respeito do caráter estético da arte pré-hispânica

apresentam-se como um exemplo para a compreensão dessa questão.

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No que diz respeito à América Latina e sua constituição como sociedades

oriundas de um processo de confrontação, afirmação e assimilação recíproca de valores

sociais, políticos e culturais de “mundos” distintos, exige maior rigor na análise de seus

distintos momentos de constituição e formação de sua organização socio-política: a

colonização e o ideal de conquista material e simbólica; a independência, afirmação de

valores das elites locais na formação de um espaço de atuação e legitimação das

estratégias fora do jugo dos “colonizadores”; e os variados momentos de (re) afirmação

e (re) fundação da nação, corolários do radical movimento de seus atores impingidos

por “ideologias” externas.

A necessidade de constituição de uma ordem nacional, estabelecendo os limites

territoriais, uma língua e valores culturais correspondem a priori a delimitação de uma

esfera socio-política, denominada Estado, nação, etc. Neste processo ocorre a seleção de

elementos que representarão o perfil da nação que o constituirá, delimitando um espaço

de relações sociais, econômicas e políticas, perpassada por uma esfera imaginária

constituída por valores, seja de natureza moral, religiosa e cultural.

No caso do muralismo é perceptível a tentativa de estabelecer relações entre o

presente, passado e o futuro, apropriando-se da realidade mexicana, entendida naquele

momento como objeto de agregação e conciliação. A margem de atuação do muralismo

coaduna o projeto estético pretendido pelo Estado no momento revolucionário.

A popularização da arte como instrumento pedagógico gravado nas paredes dos

prédios públicos mexicanos tendia a gerar uma relação com um passado desterrado pela

colonização, um presente exposto nas condições da classe proletariada e na inclusão da

figura indígena como objeto estético num definido perfil de nação.

O comportamento esperado dessa relação com a representação estética

propriamente dita observadas nos murais e como instrumento dos postulados

antropológicos de Gamio propiciaram a formação de um conhecimento não só do

passado pré-hispânico, mais a constituição de parâmetros que embasaram e justificaram

os discursos da identidade nacional mexicana.

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