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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE INSTITUTO DE ESTUDOS DE SAÚDE COLETIVA DEPARTAMENTO DE MEDICINA PREVENTIVA UMA REFLEXÃO CRÍTICA SOBRE AS EDIÇÕES DO MANUAL DE DIAGNÓSTICO E ESTATÍSTICA DAS PERTURBAÇÕES MENTAIS – DSM THAATY DA SILVA BURKLE Orientador PROF. DR. ANDRÉ MARTINS Rio de Janeiro 2009

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIROCENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

INSTITUTO DE ESTUDOS DE SAÚDE COLETIVADEPARTAMENTO DE MEDICINA PREVENTIVA

UMA REFLEXÃO CRÍTICA SOBRE AS EDIÇÕES DO MANUAL DE DIAGNÓSTICO E ESTATÍSTICA DAS PERTURBAÇÕES MENTAIS – DSM

THAATY DA SILVA BURKLE

Orientador

PROF. DR. ANDRÉ MARTINS

Rio de Janeiro2009

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIROCENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

INSTITUTOS DE ESTUDOS DE SAÚDE COLETIVADEPARTAMENTO DE MEDICINA PREVENTIVA

UMA REFLEXÃO CRÍTICA SOBRE AS EDIÇÕES DO MANUAL DE DIAGNÓSTICO E ESTATÍSTICA DAS PERTURBAÇÕES MENTAIS – DSM

THAATY DA SILVA BURKLE

Orientador

PROF. DR. ANDRÉ MARTINS

Dissertação de mestrado apresentada ao Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial para a obtenção do título de mestra em Saúde Coletiva.

Rio de Janeiro2009

THAATY DA SILVA BURKLE

UMA REFLEXÃO CRÍTICA SOBRE AS EDIÇÕES DO MANUAL DE DIAGNÓSTICO E ESTATÍSTICA DAS PERTURBAÇÕES MENTAIS – DSM

Dissertação de mestrado em Saúde Coletiva desenvolvida no Instituto de Estudos de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro, área de concentração Ciências Humanas e Saúde.

Aprovado em Rio de Janeiro, 11 de maio de 2009.

Banca examinadora

_______________________________________________________________Prof. Dr. André Martins Vilar de Carvalho (UFRJ/ Orientador)

________________________________________________________________Prof. Dr. Arthur Arruda Leal (UFRJ)

_________________________________________________________________Profª. Drª. Cristina Rauter (UFF)

Aos meus queridos avós Manoel e Thereza por terem feito mais colorida e feliz a minha vida.

AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus pais pelo amor, cuidado, carinho, apoio, compreensão e entusiasmo de estar ao meu lado durante toda a nossa caminhada.

A minha irmã pela ajuda incondicional, a parceria perfeita, a sintonia inexplicável. Pelas suas horas de sono perdidas lendo e relendo os capítulos desse texto.

Ao meu orientador André Martins pelo seu afeto, pelos seus ensinamento, pela sua generosidade e pela confiança.

Ao professor Arthur Leal pelas discussões inspiradoras em aula e pelas inúmeras contribuições a esta pesquisa desde a época da qualificação.

Aos meus amigos de sempre Luciano e Rodrigo por fazerem parte de todos os momentos, estando por perto mesmo quando estão longe.

Aos amigos Ana Paula, Catarina e Luiz Henrique que me acompanharam na aventura do mestrado. Aos meus queridos amigos Alessandra, Carla, Gustavo, Adriana e Aline, pela alegria que é cada um dos nossos encontros.

A todos aqueles que contribuíram para a elaboração dessa pesquisa, em especial os meus pacientes, que me motivam a continuar todos os dias.

Ao Igor, meu marido, pelo amor, presença, paciência e carinho. Por fazer todos os meus dias mais felizes.

“Eu jamais iria para a fogueira por uma opinião minha, afinal, não tenho certeza alguma. Porém, eu iria pelo direito de ter e mudar de opinião, quantas vezes eu quisesse.” Friedrich Nietzsche

RESUMO

O diagnóstico dos transtornos mentais é um dos principais aspectos da psicopatologia. Diversas foram as formas criadas ao longo dos anos para diagnosticar a doença mental. Em 1952 foi criado pelo Comitê de Nomenclatura e Estatística, da American Psychiatric Association, o Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais - DSM. Desde sua criação o Manual já teve quatro edições e duas revisões. Atualmente a quinta edição está em fase de elaboração. Observamos que a criação do Manual reflete o momento histórico da medicina, e o seu conteúdo interfere diretamente na formação e por conseguinte na conduta do psiquiatra. Não se trata, portanto, jamais uma simples descrição de uma suposta natureza orgânica ou biológica da doença mental, ou um diagnóstico neutro. Este trabalho teve como objetivos: descrever como surgiu o DSM, quais as mudanças que ocorreram entre as suas edições, situando-as na história da psiquiatria como um reflexo desta; analisar quais os processos que estão em curso, quais as forças atuantes em cada nova edição do Manual desde o seu lançamento e quais agora determinarão as mudanças que ocorrerão na passagem para o DSM-V; e promover uma reflexão sobre o diagnóstico psiquiátrico em termos de sua finalidade, ou de que forma o diagnóstico orienta o médico em sua conduta. Enquanto as duas primeiras edições do DSM foram elaboradas dentro de uma perspectiva psicanalítica, as duas seguintes refletem a psiquiatria biológica. Para o DSM-V espera-se maior atenção as questões subjetivas, relacionais e que ocorra uma ampliação da fronteira do que é ou não transtorno mental, porém observa-se que estas mudanças se dão ainda dentro da lógica da psiquiatria biológica. Em conclusão entendemos que se adotarmos uma concepção de saúde como algo vivencial, que não pode ser reduzida a diagnósticos e tão pouco medida (tal como a proposta por Martins, 2003), necessariamente a própria ideia de diagnóstico ganha uma outra dimensão, uma função mais instrumental, auxiliar a uma compreensão da complexidade real da saúde mental.

Palavras-chave: DSM, diagnóstico, saúde mental, psicanálise, psiquiatria biológica.

ABSTRACT

The diagnostic of mental disorders is one of the main aspects of psychopathology. Many ways have been found to diagnose the mental disease throughout the years. In 1952 the Nomenclature and Statistics Committee, from the American Psychiatric Association, created the manual of Diagnostics and Statistics of Mental Disorders - DSM. Since its creation it has had four editions and two revisions. Now, the fifth edition is being prepared. We observed that the creation of the Manual reflects a historical moment of the medicine, and its content interferes directly with the formation and, consequently, with the attitude of the psychiatrist. It is not, therefore, a simple description of a so-called organic or biological nature of the mental disorder, or a neutral diagnostic. The goals of this work were: to describe the way DSM appeared, what changes occurred edition to edition, situating them in the history of psychiatry as a reflection of it; to analyze what processes are going on, what aspects have influenced each new edition of the Manual since its release and which ones will now determine the changes that will occur on the way to DSM-V; and to propose a reflection on o psychiatric diagnostic concerning its goal, or in what ways it orients the doctor in his or her attitude. While the first two editions of the DSM were elaborated within a psychoanalytic prespective, the following ones reflect a biological psychiatry. For the DSM-V, more attention is expected to the relational, subjective questions, and that an enlargement of the limit of what is a mental disorder or not occur, however, we observe that these changes still happen within the logic of biological psychiatry. As a conclusion, we understand that if we adopt a health conception as something vivential, which cannot be reduced to diagnostics nor can it be measured (such as the one proposed by Martins, 2003), necessarily the idea of the diagnostic itself comes to another dimension, a more instrumental function, helping towards comprehension of the real complexity of mental health.

Key words: DSM, diagnostic, mental health, psychoanalyses, biological psychiatry.

SUMÁRIO

Introdução ...............................................................................................................................11

Capítulo 1 - Contextualização histórica e a criação do DSM .............................................29

Capítulo 2 - As mudanças ocorridas nos textos dosDSMs .................................................57

Capítulo 3 - O lançamento do DSM -V ................................................................................73

Conclusão ................................................................................................................................87

Referências Bibliográficas .....................................................................................................98

11

INTRODUÇÃO

Embora faça parte das especialidades da medicina, a psiquiatria tem história e

características particulares. Sua história e suas características já foram e ainda são

amplamente estudados e discutidos. Um dos textos de referência sobre a história da

psiquiatria é A História da Loucura, de Michel Foucault (1972), onde é abordada a forma do

homem lidar com o que considerou como sendo loucura desde o renascimento até a

modernidade. Há um consenso sobre o marco inicial da história da psiquiatria quando, na

França, Pinel separou o louco dos outros indivíduos que também eram excluídos da vida

social, propondo então tratá-lo. Desde a sua fundação, essa especialidade foi considerada uma

ciência médica responsável por descrever, classificar e tratar as “enfermidades mentais”

(Silveira, 2003: 17). Pinel usou parte da terminologia usada na medicina hipocrática para

nomear e diagnosticar algumas das formas de alienação1 tais como mania, melancolia e

demência (Serpa, 1996).

O diagnóstico dos transtornos mentais é um dos principais aspectos da psicopatologia.

A tarefa de diagnosticar, especialmente em psiquiatria, tem se mostrado um dos grandes

desafios na área da saúde. A palavra diagnóstico significa, segundo o dicionário,

“conhecimento ou determinação duma doença pelos seus sintomas, sinais e/ou exames

diversos” (Ferreira, 2001). Por mais que exista uma única definição para o termo, o ato de

diagnosticar não é sempre igual. Foucault (2003), em O nascimento da clínica, afirma que o

diagnóstico em psiquiatria não acompanha exatamente da mesma forma o percurso do

diagnóstico nas demais áreas da medicina. Pois, na medicina existem sinais funcionais,

físicos, biológicos, objetivos, referidos ou não a uma etiologia conhecida, que permitem

1 Loucura

12

referenciar a doença a uma categoria específica. Enquanto no que diz respeito à psiquiatria

não encontramos o mesmo quadro, pois apesar de lidar com sinais funcionais e físicos, estes

nem sempre são objetivos, e não há agente etiológico evidente (Paoliello, 2000).

Muito antes mesmo de Pinel, a origem da preocupação com a elaboração de

diagnósticos pode ser remetida a cinco séculos a.C., tal como observaremos no capítulo um

desta pesquisa, e desde a antigüidade, diversas linguagens foram utilizadas para descrever os

mais variados quadros psicopatológicos. Foi dentro desta evolução de critérios usados para

nomear tais fenômenos que em 1952 foi criado pelo Comitê de Nomenclatura e Estatística da

American Psychiatric Assiciation, o Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações

Mentais (DSM), objeto sobre o qual nos debruçamos nesta pesquisa.

Desde sua criação, o DSM tornou-se um importante instrumento, utilizado

inicialmente nos Estados Unidos e posteriormente em diversos países no mundo, com a

finalidade de uniformizar a linguagem utilizada para a classificação das perturbações mentais.

A primeira edição, o DSM-I, foi lançada com 132 páginas a apresentando a descrição de 106

categorias de transtornos mentais. Em 1968 foi criado o DSM-II, que apresentou algumas

reformulações e mudanças em relação à primeira edição do Manual. Foram listados 182

transtornos mentais em 134 páginas. Quase quinze anos depois, em 1980, foi lançado o DSM-

III, com 494 páginas listando 265 categorias diagnósticas. Esta edição apresentou grandes

mudanças em relação às propostas e aos textos anteriores, os termos usados para descrever os

transtornos mudaram e esta foi a primeira classificação baseada em critérios diagnósticos

considerados explícitos (onde a causalidade foi deixada de lado), além de ser o primeiro

sistema multi axial2 adotado oficialmente. Logo em seguida, em 1989, houve uma revisão do

2 Um sistema que contempla a descrição e o registro de cinco eixos, que são: Eixo 1: Síndromes clínicas, Eixo 2: Transtornos da personalidade e do desenvolvimento, Eixo 3: Condições e transtornos físicos, Eixo 4: Gravidade dos estressores psicossociais e o Eixo 5: Avaliação global do desenvolvimento.

13

texto da terceira edição e foi lançado o DSM-III-R, apresentando 292 categorias diagnósticas

em suas 597 páginas. Em 1994 foi criada uma nova edição, o DSM-IV, que listou 374

categorias diagnósticas em 886 páginas, e que, em 2000 sofreu uma revisão e algumas

mudanças e foi lançado como DSM-IV-TR. Este é o Manual usado atualmente, e uma quinta

edição já se encontra em elaboração.

Pretendemos nesta dissertação, ao retomar a criação e desenvolvimento desse

instrumento de classificação diagnóstica, efetuar uma reflexão a respeito da evolução do

diagnóstico na psiquiatria, partindo das hipóteses de que a forma como ele é elaborado reflete

o momento histórico da medicina e seu conteúdo, assim elaborado, interfere diretamente na

formação e por conseguinte na postura e na conduta do psiquiatra. Tomamos como fio

condutor deste processo reflexivo a forma de conceber o diagnostico e as próprias categorias

diagnósticas apresentadas no DSM em todas as suas edições.

Os objetivos específicos da presente pesquisa são:

− Descrever como surgiram os DSM, quais as mudanças que ocorreram entre as suas

edições, situando-as na história da psiquiatria como um reflexo desta.

− Analisar quais os processos que estão em curso, quais as forças atuantes, refletidas em

cada nova edição do Manual desde o seu lançamento e quais agora determinarão as

mudanças que ocorrerão na passagem do DSM-IV para o DSM-V.

− Promover uma reflexão sobre o diagnóstico psiquiátrico em termos de sua finalidade, ou

seja, de que forma o diagnóstico orienta o médico em relação a sua conduta.

Para alcançar tal objetivo, iniciamos o primeiro capítulo retomando brevemente a

história das classificações médicas e especialmente psiquiátricas, ressaltando que cada época

é marcada por um conjunto de fatores, que quando explicitados, nos ajudam a verificar os

14

diversos modos de compreender e classificar as doenças mentais. Nesta parte situaremos a

criação e lançamento de cada uma das edições do Manual historicamente, especialmente os

fatores que influenciaram na criação de cada uma delas.

No segundo capítulo, analisaremos as mudanças no texto de cada uma das edições

que demonstram sua dupla importância - além do fato de que o Manual reflete a psiquiatria,

ele também a cria. Tais mudanças se referem aos termos usados e às categorias diagnósticas

que foram criadas, modificadas e excluídas dos textos dos Manuais.

No terceiro capítulo abordaremos o material que já foi lançado até o momento sobre o

DSM-V. A partir dos artigos publicados observaremos quais as forças atuantes, quais as

prováveis características da quinta edição do Manual.

A repercussão e utilização recorrente do DSM justificou a proposta do

desenvolvimento desta pesquisa. Os manuais de critérios de diagnóstico são amplamente

usados no Brasil, tanto o CID-103 (10ª Classificação Estatística Internacional de Doenças e

Problemas Relacionados com a Saúde) quanto o DSM-IV. Banzato et al (2007), realizaram

uma pesquisa com psiquiatras brasileiros sobre o uso, a utilidade clínica e também as

expectativas para as próximas edições dos manuais de critérios diagnósticos. Em seus

resultados, perceberam que o CID-10 é o sistema mais utilizado, mas que o DSM-IV também

é amplamente empregado. Enfim, ambos os manuais desempenham um importante papel na

prática dos psiquiatras que participaram da pesquisa. As duas classificações têm muito em

comum e em seus textos é clara a influência recíproca; segundo Pereira (2000) diversas

categorias descritas nas versões do DSM foram incorporadas à última versão do CID,

publicado em 1992, tal fato ressalta a enorme influência daquele Manual na adoção das

concepções contemporâneas da psicopatologia. Maser et al (1991) realizaram uma pesquisa

3 Publicado pela OMS.

15

internacional, investigando as atitudes de diversos profissionais ligados à área de saúde

mental fora dos Estados Unidos, e chegaram à conclusão que “o DSM-III e o DSM-III-R são

mais amplamente utilizados no mundo do que a Classificação Internacional das Doenças, no

ensino, na pesquisa e também na prática clínica” (Maser et al, 1991: 271). Concluímos que se

são usados desta forma predominante na clínica, é porque fazem parte da construção desta

prática, assim como são construídos por ela.

Inúmeras são as vantagens apresentadas por diversos autores a respeito do DSM. Um

dos pontos ressaltados por alguns são a “fidedignidade do diagnóstico e o desenvolvimento de

uma linguagem comum” (Cheniaux, 2005) e o fato de alguns quadros psicopatológicos

passaram a ser reconhecidos pelos médicos, tais como a histeria e os ataques de pânico, além

de fazer parte do crescimento do número de pesquisas na área da saúde mental (Matos, 2005).

Algumas desvantagens também são apontadas, tais como: o fato de não haver uma

preocupação em definir “precisamente quais os sinais e sintomas nem em se explicar como é

que eles devem ser reconhecidos na prática” (Cheniaux, 2005); a produção de uma excessiva

fragmentação dos quadros clínicos sem que a lista dos sintomas contemplem todas as queixas

apresentadas pelos pacientes na clínica; e necessidade da formação do profissional que vai

usar o Manual, pois em mãos inexperientes, seu uso pode ser “desastroso” (Matos, 2005).

Apesar de o Manual ser amplamente utilizado, encontramos poucas informações sobre

o DSM. Ao fazer uma pesquisa de artigos na base de dados Scielo Brasil (www.scielo.br) que

tivesse em todos os índices a sigla “DSM”, foram encontrados 203 textos, dos quais 189 não

tratavam exatamente da questão diagnóstica e sim usavam o DSM como referência

diagnóstica para a sua temática propriamente dita. Dos outros 14, 8 tratavam sobre aspectos

de uma categoria diagnóstica, tais como Rocha et al. (2005) que compararam a prevalência da

16

fobia social na sociedade empregando o CID-10 e o DSM-III-R, Gigliotti e Bessa (2004)que

pesquisaram os critérios diagnósticos para a síndrome de dependência do álcool ou ainda Dias

et al. (2007) que trataram do diagnóstico TDAH na prática clínica. Nos outros seis artigos

encontramos discussões mais próximas ao tema desta pesquisa, abordando o DSM em si.

Del-Ben et al. (2001) analisaram a confiabilidade da “Entrevista Clínica Estruturada

para o DSM-IV – Desordens do Eixo1 – Versão Clínica (SCID-CV)”4 traduzida para o

português, através de entrevista com pacientes psiquiátricos internados no Hospital das

Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo.

Segundo os autores, esta entrevista tem sido amplamente utilizada, desde a década de 1980, o

que ressalta a sua importância enquanto ferramenta diagnóstica, tal como já foi apontado por

outros autores, como, Willian Jr. et al. (1992), Arntz et al. (1992) e Skre et al. (1991). Além

de ressaltar a importância do uso da entrevista, os autores destacam a necessidade de um

cuidadoso treinamento clínico para o profissional que for fazer uso desta ferramenta, pois

“embora as perguntas da entrevista sejam estruturadas, a pontuação se refere ao julgamento

clínico do entrevistador, com relação à presença ou não de determinado critério, e não à

resposta dada pelo paciente” (Del-Ben et al.,2001: 158). Ressaltamos, a partir deste artigo, a

influência exercida pelo próprio Manual na orientação clínica dos médicos psiquiatras. Uma

vez que a escolha desta entrevista, feita pelos autores, entre tantas outras existentes foi

orientada pela preferência dada neste instrumento, ao uso dos critérios usados no DSM e no

CID.

Ventura e Botino (2001), por sua vez, estudaram a confiabilidade da versão em

português de uma entrevista clínica estruturada para o diagnóstico de demência de acordo

com os critérios diagnósticos do DSM-III-R e CID-10. No caso a ENEDAM (Entrevista

4 SCID é uma entrevista clínica não estruturada que é usada para a elaboração do diagnóstico.

17

Estruturada para o Diagnóstico de Demência do Tipo Alzheimer, Demência por Múltiplos

Infartos e Demências de Outras Etiologias). Segundo os autores, um dos motivos de terem

escolhido esta entrevista foi porque ela apresenta uma estreita correlação com os diagnósticos

do DSM-III-R e CID-10.Após aplicarem a entrevista em 20 pacientes idosos com diagnóstico

de demência, concluíram que tal entrevista pode ser considerada um instrumento confiável a

ser aplicado em pacientes brasileiros com este diagnóstico presumido. Esse estudo demonstra

a importância dada aos critérios diagnósticos do DSM e do CID, pois foi a correlação estreita

entre a entrevista e os Manuais que fizeram com que essa entrevista fosse a eleita pelos

autores do estudo.

O que nos chama a atenção é o fato de que um instrumento que não esteja em

consonância com os Manuais citados certamente não teria a mesma confiabilidade para a

elaboração de um diagnóstico, o que talvez indique que de algum modo estes Manuais são

não somente “eficazes”, mas considerados eficazes por refletir e formar um certo modo de

abordagem dos distúrbios psíquicos.

Um outro artigo tratou da importância do treinamento clínico para a elaboração de um

diagnóstico de depressão (Valentini et al., 2004). Nesta pesquisa, médicos clínicos gerais da

cidade de Campinas, em São Paulo, receberam um treinamento de um dia, e um mês depois

seus conhecimentos, suas atitudes e o atendimento por eles prestado aos pacientes foram

avaliados. Os autores concluíram que o treinamento não mostrou aumento no conhecimento

sobre a depressão e nem mudou a atitude dos médicos em relação ao transtorno. Para fazer o

estudo , foram usados no treinamento os critérios do DSM-IV e do CID-10 para o diagnóstico

de depressão. Consideramos importante ressaltar que apesar dos critérios encontrados nos

Manuais, pesquisas como esta destacam a importância do treinamento, do profissional, em si,

18

para além da aplicação desses critérios.

Estes três artigos apresentados têm em comum o fato de ressaltarem o quanto o

treinamento clínico é importante para a elaboração de um diagnóstico, mas também

demonstram que mesmo um profissional inexperiente ou sem treinamento apropriado poderia

efetuar um diagnóstico a partir do Manual, ainda que equivocado. Apontam também a

importância de que os instrumentos (neste caso entrevistas clínicas e treinamento) sejam

fidedignos aos critérios diagnósticos do DSM e do CID.

Dentre os seis artigos, dois discutiam especificamente alguns aspectos a respeito do

uso do DSM. Matos et al.(2005) abordaram a importância e as limitações do DSM-IV dentro

da prática clínica. Os autores fizeram uma revisão bibliográfica do tema abordando

brevemente a história do diagnóstico na psiquiatria e se detiveram a tratar do DSM e

especificamente do DSM-IV. Apontaram algumas das vantagens do uso do Manual, tais como

maior atenção voltada para o diagnóstico e a possibilidade de comunicação entre os

profissionais; e também algumas desvantagens, sendo a mais importante delas “que o sistema

produziu uma excessiva fragmentação dos quadros clínicos dos transtornos mentais”. Nossa

hipótese ao dar início a essa pesquisa coincidia exatamente com essa desvantagem apontada

por Matos et al. Ao constatar que no decorrer das edições do Manual o número de transtornos

diagnosticados é crescente, questionamos aqui o por quê deste crescimento, uma vez que se

comparamos com as outras especialidades da medicina, o crescimento no número de

categorias diagnósticas é expressivamente menor. Outra desvantagem apontada pelos autores

diz respeito ao profissional que vai usar o Manual e, tal como encontramos em outros artigos,

para eles é de fundamental importância uma boa formação para que o DSM não seja usado

como se fosse uma lista infalível.

19

Banzato et al. (2007) também abordam o uso do DSM em seu artigo “O que os

psiquiatras brasileiros esperam das classificações diagnósticas?”, onde discutem o uso tanto o

DSM, quanto do CID. Tal artigo nos pareceu especialmente importante porque os autores

fizeram uma pesquisa com alguns psiquiatras sobre a utilidade percebida por eles dos

Manuais usados para a elaboração diagnóstica, além de suas expectativas sobre os futuros

sistemas diagnósticos - tema que nos é de especial interesse nesta dissertação. A conclusão

dos autores foi de que além de amplamente usado na clínica, a maior parte dos psiquiatras

pesquisados acharam que essa ferramenta diagnóstica é importante por permitir uma confiável

comunicação entre os clínicos (Banzato et al.,2007). Grande parte dos psiquiatras disseram

também considerar favoravelmente os Manuais atuais, mas, por outro lado, uma parte opinou

que são ferramentas de difícil aplicação. Como maior parte dos respondentes considerou que

um sistema diagnóstico deve ter uma quantidade limitada de opções diagnósticas, pensamos

se os que os consideram de difícil aplicação não estariam se referindo à crescente quantidade

de categorias diagnósticas a cada nova edição do Manual.

Guarido (2007) propôs uma discussão sobre o discurso psiquiátrico e seus efeitos na

educação. A autora analisou os seguintes fatores que influenciaram as mudanças no

tratamento do sofrimento psíquico: “a padronização dos sintomas trazida pelas sucessivas

edições da série DSM, os resultados de pesquisas na neurociência e o grande desenvolvimento

dos psicofármacos” (Guarido, 2007). Ao contextualizar a criação do DSM-III a autora ressalta

as grandes mudanças que proporcionou à psiquiatria, tendo seu surgimento sido efeito da

presença de grandes corporações privadas no campo da psiquiatria, como as seguradoras de

saúde e a indústria farmacêutica. Para Guarido, a linguagem do DSM globalizou a influência

da psiquiatria norte-americana e construiu, através do uso do Manual na formação dos

20

médicos, uma leitura única do sofrimento psíquico, o que indicaria, tal como em nossas

hipóteses, que assim como o Manual reflete a psiquiatria norte-americana para o mundo, ele

também constrói esta psiquiatria atual, pois é parte da formação dos médicos. Em seguida

Guarido aborda a medicalização da criança e o uso do paradigma da clínica psiquiátrica do

adulto para a clínica psiquiátrica com as crianças.

Guarido retoma a história dos cuidados à criança e aponta que até o início do século

XX a criança era objeto de atenção da pedagogia e que foi em parceria com esta que os

médicos começaram a cuidar dos problemas do desenvolvimento infantil. A autora relaciona

então o tratamento médico à educação da criança, dizendo que neste período são usadas

formas de tratamento descritas como médico-pedagógicas em lugares anexos aos asilos que

cuidavam dos loucos adultos. Originando daí o saber que posteriormente foi nomeado como

psiquiatria infantil. Este novo ramo da psiquiatria recorria aos conceitos usados na psiquiatria

com adultos.

Depois de 1930 a psiquiatria infantil sofreu uma grande influência da psicanálise e

essa influência se manteve até os anos 80 - tal como observamos a mesma influência na

clínica com adultos. Posteriormente a psiquiatria da criança e do adulto se desenvolveu da

mesma forma e sofreu as mesmas influências. Para Guarido, no paradigma da psiquiatria

biológica a diferença entre as crianças e os adultos desaparece, pois no campo orgânico, a

dimensão histórica está ausente. A única forma de tratamento aceita como válida pelo saber

médico é o da terapia cognitivo-comportamental.

Em seguida Guarido discute a cientificização dos discursos sobre a criança, com a

invasão dos discursos técnicos e especialistas falando a respeito dela. Diz que assim como a

psicologia e a psiquiatria invadiram as escolas, os professores encaminham crianças para

21

avaliação de psicólogos, psiquiatras e até mesmo neurologistas, caso se deparem com um

comportamento inadequado da criança. Além disso, perguntam aos pais se o aluno está sendo

atendido pelo especialista e está tomando as medicações corretamente. Para a autora, deve-se

encontrar na educação uma forma de não atuar assujeitado ao discurso psiquiátrico.

Para Guarido, a codificação atual do sofrimento psíquico reflete uma estratégia de

biopoder, pois quando a psiquiatria biológica recorre aos estudos estatísticos e

epidemiológicos, ela cumpre um papel disciplinar sobre a população. Com a socialização do

uso do DSM, há ainda o problema que médicos de outras especialidades fazem diagnósticos

psiquiátricos e prescrevem medicações a esses pacientes diagnosticados.

O artigo de Guarido em diversos aspectos se aproxima do tema pesquisado nessa

dissertação. A autora contextualiza a criação e o crescimento no uso do DSM e sua

importância na clínica psiquiátrica e até fora dela. Porém essa contextualização serve para

abordar o tema específico da medicalização e psiquiatrização da criança e o papel da

educação nesse contexto.

Pesquisamos também por artigos que tivessem o título do Manual em português

“Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais”, e em inglês “Diagnostic and

Statistical Manual of Mental Disorders ”, e não encontramos nenhum artigo em nenhum dos

dois casos. Não encontramos também, nada que tratasse a respeito da próxima edição que

surgirá nos próximos anos.

Foi realizada igualmente revisão bibliográfica na base de dados Lilacs, onde buscamos

“palavras do título” e nas “palavras chave” a sigla “DSM” , o título do Manual em português

“Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais” e em inglês “Diagnostic and

Statistical Manual of Mental Disorders”. Em relação ao título do Manual, tanto em português

22

como em inglês, não encontramos nenhuma ocorrência na base de dados. Foram encontradas

61 ocorrências para a sigla “DSM”, das quais, 14 apresentavam temas referentes a discussão

sobre o DSM e os outros 47 apenas o citavam em relação a algum outro tema. Dois desses

artigos foram os mesmos encontrados no Scielo, a saber, de Matos et al. (2005) e Del-Ben

(1998).

Dentre os outros 12 artigos encontrados, em “Classificando pessoas e suas

perturbações: a revolução terminológica do DSM-III” Russo e Venâncio (2006) discutem a

mudança de paradigma que o DSM-III implicou e expõem a nova arquitetura do Manual em

relação às edições anteriores e a sua lógica classificatória (Russo & Venâncio, 2006):

retomando a história das classificações psiquiátricas desde meados do século XX, apontando

que nesta época as vertentes hegemônicas da psiquiatria eram a psicanálise e o movimento

antipsiquiátrico, a que se seguisse a criação dos psicofármacos durante o pós-guerra e

afirmam que estes iriam “mudar a face da psiquiatria”.

Descrevem em seguida a criação do DSM e sua evolução e apontam características de

cada uma das edições, tais como uma compreensão “psicossocial” da doença acompanhada da

linguagem psicanalítica usada no DSM-I e o fato do DSM-II apresentar ainda de forma mais

evidente um modo psicanalítico de compreender a doença mental.

Situam em seguida a criação do DSM-III e apontam que esta edição do Manual causou

uma ruptura em três níveis: no nível da estrutura conceitual, porque propôs uma única lógica

classificatória; no nível da hegemonia dos campos de saberes concorrentes, pois rompeu com

a abordagem psicanalítica que era dominante e no nível das representações sociais relativas ao

indivíduo moderno, pois criou novas concepções entre o normal e o patológico. Enquanto o

DSM-I e o DSM-II usavam o chamado diagnóstico dimensional, onde não haviam fronteiras

23

claramente demarcadas entre as doenças, o DSM-III demarcava nitidamente tais fronteiras, o

que levou a uma especificação das categorias diagnósticas.

Afirmam também que a pretensa descrição ateórica do DSM-III, tem afinidade

evidente com a visão fisicalista da perturbação mental e que a difusão da nomenclatura

presente no DSM-III correspondeu à ascensão da psiquiatria biológica no mundo. Essa visão

fisicalista interessou a industria farmacêutica, que começou então a financiar pesquisas para a

criação de novos medicamentos para serem lançados no mercado.

Em seguida as autoras abordam as mudanças que ocorreram no uso do termo neurose,

que no DSM-II apareceu apenas entre parênteses e desapareceu completamente no DSM-III-

R, e também as mudanças em relação às categorias “desvios sexuais”. Nos dois casos, das

“neuroses” e dos “desvios sexuais”, a quantidade de categorias diagnósticas que surgiram para

substituir as antigas categorias, correspondentes a esses dois distúrbios, cresceu. Abordaremos

no capítulo dois dessa pesquisa as mudanças nas categorias diagnósticas em cada uma das

edições do Manual.

Este artigo teve grande relevância para nossa pesquisa, pois em parte seus objetivos

coincidem com os nossos. Ao tratarem da ruptura causada pelo DSM-III as autoras mostraram

algumas conseqüências em relação à concepção da doença mental e mais ainda em relação à

forma de tratá-la. Este também é um dos nossos objetivos, porém não abordamos apenas as

mudanças ocasionadas pelo DSM-III, mas tratamos das mudanças ocasionadas em cada um

dos DSM.

Henriques (2003) também aborda o impacto do DSM-III, pelo viés de uma reflexão

crítica de sua revolução nosológica. O autor traça um histórico do fisicalismo na psiquiatria,

desde a psiquiatria organicista do fim do século XIX, até a psiquiatria hegemônica

24

contemporânea também chamada de psiquiatria biológica.

Ele retoma os três movimentos que se sucederam cronologicamente na história da

psiquiatria, que são: a “medicalização” operacionalizada pela psiquiatria biológica, em

seguida a “desmedicalização” feita pela psiquiatria dinâmica e também pelos movimentos da

reforma psiquiátrica (na época do pós guerra), até a “remedicalização” proporcionada pela

psiquiatria biológica.

Discute também a nosologia psiquiátrica norte-americana tomando como fio condutor

da discussão, o DSM, situando ainda o papel do complexo industrial farmacêutico na difusão

da nosologia proposta pelo DSM-III. Em sua discussão descreve de forma breve a história do

diagnóstico usado na psiquiatria até a criação do DSM-I e o DSM-II – que também são

descritos em seu texto de forma abreviada. O autor se detém na contextualização histórica da

criação do DSM-III e do DSM-III-R, além da descrição dos dois Manuais. Em seguida

aborda, também abreviadamente, o DSM-IV e o DSM-IV-TR.

Na conclusão de seu texto, Henriques (2003) aponta como uma das principais

conseqüências da hegemonia do paradigma biológico na psiquiatria atual, o fenômeno que

chama de “medicalização do normal”, que corresponde à prescrição de medicamentos para os

comportamentos humanos. Justifica seu argumento apontando para o aumento de prescrições

de “ritalina”5 para crianças e para o fato de o diagnóstico de depressão ter se tornado o mais

comum da prática psiquiátrica, além de outros exemplos também descritos pelo autor.

Widmar (1988) também refletiu sobre o DSM-III e suas contribuições à clínica

psiquiátrica, através de uma revisão histórica das classificações psiquiátricas e das

características das classificações no DSM-III. Em seu artigo descreve todo o Manual,

5 Medicamente usado como estimulante do sistema nervoso central, prescrito por médicos para crianças que são diagnosticadas com “Transtorno de déficit de atenção - hiperatividade”

25

especialmente a proposta da avaliação multi axial, abordando cada um dos 5 eixos (as

síndromes clínicas, os transtornos de personalidade e do desenvolvimento, as condições e

transtornos físicos, os estressores psicossociais e a avaliação global do desenvolvimento).

Aponta quais são os objetivos do DSM-III: ser clinicamente aceito, ser aceito por

profissionais de orientações teóricas distintas, ser compatível com a CID-9, ter validade e ter

confiabilidade (Widmar, 1988). Para a autora, uma conseqüência importante da formulação de

critérios diagnósticos, que foram a base do DSM-III, é o fato de que há pacientes que não se

incluem em nenhuma das categorias diagnósticas, indicando assim a necessidade da criação

de novas categorias diagnósticas para suprir esta deficiência.

Dentro da discussão destes autores, de especial importância para este trabalho estão as

mudanças no diagnóstico psiquiátrico apresentadas pelo DSM-III, além da observação do

papel da indústria farmacêutica na propagação da nosologia proposta pelo DSM-III.

Graças as radicais mudanças apresentadas na terceira edição do Manual, diversos

autores, conforme descrevemos nos parágrafos acima, já abordaram o DSM-III, traçaram as

diferenças desde em relação às edições anteriores e refletiram criticamente a seu respeito.

Nosso trabalho se diferencia porque vai além desta edição, abordamos além do DSM-I, DSM-

II e DSM-III, o DSM-III-R, o DSM-IV, o DSM-IV-TR e por fim o DSM-V que em breve será

lançado.

Alarcón (1991) em seu texto “Hacia el DSM-IV: historia reciente, estado atual y

opciones futuras” tratou da criação do DSM-IV, abordando sua história, desde o lançamento

do DSM-III. Revisou os passos que levaram à publicação do DSM-III e posteriormente do

DSM-III-R. Para o autor, a nomeação do grupo de trabalho responsável pela elaboração do

DSM-IV representou uma tentativa de reinserir a psiquiatria norte-americana no cenário

26

internacional, baseando o texto do Manual em resultados de pesquisa clínica. Essa tentativa de

reinserção se deu em três aspectos: enfatizando no modelo de diagnóstico operativo, buscando

a redução dos eixos usados no Manual e ampliando sua utilização para diversos profissionais

e não profissionais. O artigo de Alarcón foi escrito 3 anos antes do lançamento do DSM-IV e

notamos que o autor pretendeu através da história, prever as mudanças da terceira para a

quarta edição do Manual.

A revista argentina, Questiones de infância, em seu volume 11 publicado em 2007,

apresentou o tema “Uso e abuso do diagnóstico em crianças e adolescentes: a ética

psicanalítica frente ao DSM-IV”. Nela, Osmer (2007) fez uma discussão sobre o uso do DSM,

apresentando o caso de um menino de doze anos, levado para tratamento com a autora, que

após diagnosticado com encoprese (código F98.1 do DSM-IV) aos cinco anos, ficou sete anos

sem receber nenhum tipo de tratamento. A autora toma este caso como exemplo de que,

quando apenas é levado em consideração um diagnóstico ou as letras e números que o

representam, a dimensão histórica do paciente desaparece, assim como suas determinações

intra e intersubjetivas. No caso descrito, o Manual teria virado um instrumento para o

afastamento de qualquer outra dimensão da doença, ou mesmo do doente, que não a dimensão

observável.

Nesta mesma revista, Mantilaro (2000) aborda o tema do DSM-IV e a clínica da

subjetividade se questionando se os enunciados diagnósticos neurológicos e psíquicos, como

por exemplo a impulsividade e a desatenção, quando considerados apenas como sinais

indicadores, encerram alguma dimensão de um ser desejante ou deixam um espaço para a

dimensão histórico-vivencial de um sujeito. O autor apresenta o caso de um menino que,

segundo o DSM-IV, se enquadra no diagnóstico de Transtorno de Déficit de Atenção e

27

Hiperatividade, e que foi tratado por ele através da psicanálise. Mantilaro questiona se para

cada doença corresponde uma cura específica.

Os dois textos publicados na revista Questiones de infância, apesar de abordarem o

diagnóstico feito a partir do DSM, o fazem apenas como ponto de partida para uma discussão

da clínica da psicanálise. O foco dos autores foi a descrição dos casos clínicos. Em relação a

nossa pesquisa, a maior contribuição destes artigos foi a crítica feita pelos autores ao

diagnóstico como um fim em si mesmo e não apenas como um meio de orientação para uma

prática clínica.

Para Uribe (2000) o DSM-IV tem um propósito explícito de se tornar uma

classificação nosológica universal de doenças mentais, o que inclui um postulado sobre a

aplicação empírica transcultural do Manual e um postulado sobre a existência de “síndromes

psiquiátricas culturais” (Culture-Bound Síndromes). O artigo teve como fio condutor da

discussão o diagnóstico de esquizofrenia e de outros transtornos psicóticos, com a finalidade

de discutir a natureza da doença mental. A conclusão do autor foi a de que a discussão entre os

biomédicos, por um lado, e a posição da construção cultural e social da doença, por outro

lado, está longe de ser terminada.

Nos acervos on line da Fiocruz e da Universidade de São Paulo, fizemos a pesquisa

das dissertações e teses que tivessem a sigla DSM (DSM-I. II, III, IV e V) no título, e nada foi

encontrado.

Nossa proposta se refere a realizar uma pesquisa teórica sobre o diagnóstico usado na

psiquiatria, através daqueles propostos pelo DSM, buscando um olhar sobre o paciente como

um todo e não como uma doença especifica ou um problema cerebral. Para tal, partimos de

uma visão crítica da prática de muitos psiquiatras atualmente, a escolha do DSM como fio

28

condutor dessa pesquisa tendo se dado porque o Manual é usado diariamente na prática

clínica.

Para realizar essa proposta, optamos por um caráter genealógico, baseado nos métodos

genealógico e filosófico-conceitual (Martins, 2004). Inicialmente, abordaremos dentro da

perspectiva genealógica a criação e o texto do DSM, o que implica em não fazer apenas uma

pesquisa de revisão bibliográfica de cada uma das edições do texto, mas sim, uma

reconstrução de como teria se dado a própria construção deste objeto, de como

contingencialmente este objeto se fez, se cristalizou. Esta forma de abordar o problema já

indica algumas afinidades teóricas. Nossa inspiração vem da genealogia nietzschiana e

foucaultina. Pretendemos, então, investigar e analisar o diagnóstico na psiquiatria.

CAPÍTULO I

Contextualização histórica e a criação do DSM

Diversas são as mudanças em relação ao diagnóstico na psiquiatria. Cada momento

29

histórico tem uma forma de compreender e também de classificar as doenças mentais. O que é

considerado normal em uma época pode ser considerado patológico em outra, ou vice-versa.

Como exemplos, a homossexualidade, que até 1994 fez parte da lista de transtornos mentais

do DSM e depois foi excluída; assim como a neurose que era um diagnóstico corriqueiro até o

final da década de setenta e depois se desdobrou em outros diagnósticos diferentes, fazendo

com que o termo neurose desaparecesse. O DSM constrói e é construído por essas mudanças,

uma vez que cada uma das edições do Manual considera ou desconsidera fatores no momento

de descrever as categorias diagnósticas que o compõem.

Cada uma das edições reflete o momento da psiquiatria na época do seu lançamento.

Por exemplo, enquanto no DSM-I nos deparamos com a linguagem da psicanálise em seu

texto – que era a teoria adotada pela maior parte dos psiquiatras americanos na época da sua

criação, no DSM-III e IV encontramos a linguagem descritiva, chamada de ateórica pela APA,

mas que reflete a psiquiatria biológica, que começou a crescer na época da criação do DSM-

III, e que é considerada a maior vertente da psiquiatria atualmente, especialmente nos EUA.

Essa mesma descrição ateórica pretende conseguir alcançar quase todo e qualquer

comportamento humano como uma categoria diagnóstica, o que gerou um aumento no

número de categorias existentes e seu desmembramento, tal como veremos no capítulo dois.

Para contextualizar historicamente a criação e o desenvolvimento do DSM neste

capítulo, vamos retomar de forma breve a história da psiquiatria e em paralelo, a história das

classificações psiquiátricas.

A origem dos vários sistemas de classificação usados na psiquiatria data de muito

antes do nascimento desta especialidade da medicina em si. No século V a.C., Hipócrates,

considerado o pai da medicina, foi quem introduziu termos como “mania, histeria e

30

melancolia” para nomear algumas formas de loucura.

Com o decorrer dos séculos, diversos outros termos foram incorporados ao

vocabulário médico, tais como paranóia, hebefrenia, loucura circular e catatonia (Matos et al.,

2005).

No final do século XVIII que os hospitais passaram a ser locais de atuação contínua do

médico, tal como Foucault (2003) aponta em seu livro O nascimento da clínica. Antes dessa

época os hospitais eram habitados pelos pobres e por aqueles que ofereciam riscos à

sociedade, tais como os loucos, e os responsáveis pelo cuidado eram os religiosos. Para

Foucault foi no final do século XVIII, que o Estado (na Alemanha, França e Inglaterra)

começou a se preocupar mais com a saúde das populações visando diminuir o número de

mortes do povo e conseguir então um aumento no número de pessoas trabalhando e

produzindo. Conseqüentemente o Estado voltou sua atenção às epidemias (que assolavam a

Europa neste final de século, tais como a varíola, a rubéola, a escarlatina, dentre outras), que

matavam muitas pessoas e começou a mapear os fatores históricos e geográficos da sua

incidência. Foi após a Revolução Francesa, no final do século XVIII, para Foucault, que o

hospital mudou de função, passando a ser uma instituição com preocupação terapêutica, e

lugar da prática médica.

Concomitantemente, no final do século XVIII, o olhar médico começou a se voltar

para o fenômeno da loucura, e foi ainda neste século que ela passou a ser objeto do saber

médico. Neste período alguns médicos já escreviam sobre o tema, tais como Daquim (1987) e

Reil (1803). Como marco deste fato podemos destacar quando na França, em 1792, o médico

Philippe Pinel separou os loucos dos outros excluídos da vida em sociedade6. Costuma-se

6 Para maiores desdobramentos dessa questão, vide Swain (1987) e Gauchet e Swain (1980).

31

apontar que neste momento foi fundada a psiquiatria, como uma ciência médica responsável

por descrever, classificar e tratar as “enfermidades mentais” (Silveira, 2003: 17). Segundo

Swain (1987), não foi exatamente a retirada das correntes que prendiam os loucos que marcou

o ato de nascimento da psiquiatria, mas sim, a transferência do tratamento dos alienados do

Hôtel-Dieu para Salpêtrière, que significou a transferência do hospital médico comum para o

hospício. Pinel usou parte da terminologia usada na medicina hipocrática para nomear

algumas das formas de alienação – tais como mania, melancolia, demência (Serpa, 1996). Ele

concebia a insanidade como um distúrbio de autocontrole e da identidade, que chamava de

“alienação” (Nunes, 1996), que deveria ser submetida a um 'tratamento moral'. A proposta do

tratamento moral era a de deixar o louco reagir naturalmente à loucura, apenas controlando e

monitorando suas manifestações. Para obter tal controle e monitoramento, passou-se a

necessitar de um espaço específico para isso, um ambiente onde o louco ficasse isolado e

submetido a um cotidiano disciplinado e rígido (Ricciardi, 2002). É apenas com Pinel que a

internação passou a ter um caráter médico.

No século XIX surgiram as classificações feitas por Esquirol, discípulo de Pinel, que

eram mais precisas e delimitadas do que aquelas apresentadas por Pinel. Esquirol propôs

dividir a nosografia da alienação em quatro grandes grupos: demência, idiotia, mania e

monomanias (Pereira, 2000). As monomanias eram de três tipos, a intelectual, que afetava as

faculdades do “entendimento” (inteligência); a afetiva, que comprometia as faculdades do

“sentimento” e a instintiva, que afetava a “vontade” (Carrara, 1998: 73). No final do século

XIX, Sigmund Freud (1895) nomeou a neurose de angústia que passou a ser classificada junto

a outras neuroses, tal como a hipocondríaca, a histérica, a fóbica e a obsessivo-compulsiva.

O século XIX, teve como um dos mais importantes psiquiatras, Emil Kraepelin, que

32

descreveu minuciosamente quadros mentais, através da observação de fatos clínicos, e

separou as psicoses em dois grandes grupos: a loucura maníaco-depressiva e a demência

precoce, no texto da sexta edição de 1899 do seu livro Tratado de Psiquiatria (Nunes, 1996).

Em pouco tempo o modelo proposto por Kraepelin teve grande aceitação e contribuiu para

uma relativa uniformização conceitual da psiquiatria européia (Goodwin e Jamison, 1990).

Em 1840 foi criada, pelo governo americano, a primeira classificação psiquiátrica

oficial dos Estados Unidos, que discriminava duas categorias diagnósticas, o idiotismo e a

insanidade (Aguiar, 2004; Henriques, 2003). Posteriormente, em 1869, foi publicada a

primeira classificação de transtornos mentais norte-americana no encontro anual da American

Medico-Psychological Association, que era o nome da atual American Psychiatric

Association. (Kaplan, 1997). Em 1880 as categorias mania, melancolia, monomania, paresia,

demência, dipsomania e epilepsia, também entraram para o sistema classificatório.

Durante o século XIX considerava-se que a causa das doenças mentais eram, tal como

o proposto por Pinel, as alterações morais, e conseqüentemente, seu tratamento era o

tratamento moral. Em 1857, foi publicado por Bénédict Augustin Morel, um psiquiatra

franco-austríaco, um livro chamado Traité des Dégénérescences Physiques, onde o autor

propôs uma nova interpretação para as causas da doença mental, a teoria das

degenerescências. Para Morel, a degenerescências são “desvios doentios do tipo normal da

humanidade, transmitidos hereditariamente” (Protocarrero, 2002). Ele atribuía a degeneração

das células do sistema nervoso à intoxicação, e esta era a causa da doença mental. Com essa

teoria, ele buscava uma relação da doença mental com a medicina em geral; em suas palavras,

“persegui minha idéia dominante, que era ligar, mais fortemente do que havia sido feito até

então, a alienação mental à medicina geral” (Morel apud Portocarrero, 2002).

33

A teoria proposta por Morel resultou em uma transformação na concepção de doença

mental da época, pois ao atribuir sua existência a uma causa orgânica, o autor se afastou de

uma racionalidade social da loucura, aproximando-se da abordagem usada pela medicina em

geral. Posteriormente, no final do século XIX, Kraepelin criou uma classificação das doenças

psiquiátricas empregando uma metodologia semelhante a usada na medicina (Campos, 2000).

Foi ainda no final do século XIX que a neurologia e a psiquiatria tomaram rumos

diferentes e se separaram. Freud pode ser considerado um dos responsáveis por essa

separação. Ele criou a psicanálise e, em seus primórdios, demonstrou que a histérica se

comportava como se a anatomia não existisse, inaugurando assim um novo campo de

conhecimento, o conhecimento do psiquismo, diferenciando-se da abordagem da loucura de

até então como resultado de uma lesão cerebral.

Como se sabe, na psicanálise o tratamento do paciente se dá através da fala deste.

Inicialmente Freud tratou sintomas histéricos apresentados por seus pacientes através do

método da hipnose, e posteriormente abandonou este método passando a tratá-los através do

que chamou de 'associação livre', onde o paciente deveria falar livremente o que lhe viesse em

mente. Em seu estudo A interpretação das afasias, Freud (1891), ao distinguir as afasias

neurológicas das afasias histéricas, aponta que a causa do sintoma das afasias histéricas não é

uma disfunção no sistema nervoso e sim “nos pensamentos do paciente”. Ele criou assim uma

teoria sobre um conflito psíquico entre as forças do 'consciente, pré-consciente e inconsciente'

e posteriormente, 'isso, eu e supereu' (Freud, 1915; 1923). Freud não busca a causa do sintoma

no corpo do paciente, ele busca no seu psiquismo, em sua subjetividade.

Tal como Ehrenberg descreve (como aquilo que denominou sujeito cerebral), a partir

de Freud, enquanto o homem falante era objeto da psicopatologia, o homem cerebral passou a

34

ser o objeto da neurologia (Ehrenberg, 2004). Ehrenberg ressaltou que esse período foi

particularmente marcante porque graças aos estudos de alguns médicos (Charcot, Bernheim,

Babinski e Freud) sobre a histeria, revelou-se o psiquismo. Essa revelação se deu, pois não era

na base orgânica da paciente histérica que estava o mal e sim “em uma outra objetividade”.

Durante grande parte do século XX, a psicopatologia e a neurologia permaneceram com

rumos distintos. Porque enquanto na neurologia o paciente tem uma doença em seu sistema

nervoso que justifica o sintoma que o paciente apresenta, na psicopatologia o paciente se

encontra doente “de si mesmo, de sua intencionalidade” (Ehrenberg, 2004).

Em 1913 foi criado, nos Estados Unidos, o Comitê de Estatísticas da Associação

Médico-Psicológica Americana, que publicou o Statistical Manual for the Use of Institutions

for the Insanes, em colaboração com o Comitê Nacional pela Saúde Mental. O manual teve

dez edições entre 1918 e 1942. Foi então na década de 20 que se iniciou uma mudança na

forma de elaborar diagnósticos nos Estados Unidos, pois antes dessa data, cada centro de

estudos tinha suas próprias nomenclaturas, de modo que um médico formado em uma

instituição conhecia os termos ali usados, que não eram necessariamente iguais aos utilizados

em outros centros do país (APA, 1952). Em 1933, o Statistical Manual for the Use of

Institutions for the Insanes foi incorporado à primeira edição do Standart Classied

Nomenclature of Disease da Associação Médica Americana (Kirk e Kutchins, 1998). Sua

finalidade foi atender à demanda de um censo estatístico uniforme dos hospitais psiquiátricos,

dos sistemas de categorização do serviço militar, pois tais dados não existiam de forma

sistematizada até então. Para tal, promoveu uma pesquisa com uma amostra de médicos

psiquiatras atuantes, que correspondeu a 10% dos membros da associação psiquiátrica

americana (Gonçalves, 2007).

35

Em 1934 a Administração de Veteranos e a Marinha desenvolveram, a partir da

influência do psiquiatra e psicanalista norte americano William Meninnger, um sistema de

classificação diagnóstica contendo 24 grupos com 84 subdivisões. Esta classificação foi

criada devido à necessidade classificatória surgida durante a II Guerra.

Em 1948 existiam, então, três tipos de nomenclatura usadas nos Estados Unidos, uma

da Associação Médica, outra usada pelas Forças Armadas e uma terceira usada pela

Administração dos Veteranos (que se assemelhava com a usada pelas Forças Armadas) (APA,

1952). Neste ano foi publicada a sexta Classificação Internacional das Doenças – CID-6

(OMS, 1948), esta foi a primeira edição da CID a contar com uma sessão para os transtornos

mentais. Na CID-6 faltavam informações sobre as síndromes cerebrais crônicas, os distúrbios

de personalidade e as reações situacionais (Henriques, 2003). E foi graças ao fato dessa

edição da CID ser incompleta em relação aos transtornos mentais, que a associação médico-

psicológica americana (que posteriormente foi denominada associação psiquiátrica americana

- APA), criou uma classificação própria, alternativa à CID-6, o DSM-I (Gonçalves, 2007).

Foi no início do século XIX que a psicanálise chegou nos EUA. O marco desse fato

histórico foram as cinco conferências pronunciadas por Freud em 1909, na Clarck University,

em Massachussets. Desde a sua chegada, a psicanálise foi bem recebida e logo começou a

interessar a diversos estudiosos (Freud, 1910; Freud, 1914). Até grande parte do século XX, a

maior parte dos psiquiatras americanos eram psicanalistas (Serpa, 1998; Russo e Venâncio,

2003).

A psiquiatria da primeira metade do século XX, além de sofrer influência da

psicanálise, começou a sofrer diversas outras mudanças. Parte destas mudanças deveu-se ao

surgimento de diversos tratamentos biológicos para a doença mental, dentre eles a

36

malarioterapia, a lobotomia, a introdução da clopromazina e do citrato de lítio, culminando na

criação dos psicofármacos, em 1952. Porém grande parte delas foi provocada pelo fim da

segunda guerra mundial, em 1945.

Nesta época, os Estados Unidos e o mundo sofriam as conseqüências da guerra.

Encontramos diversos relatos sobre a grande quantidade de quadros agudos de traumatismo

psíquico nos soldados que participaram da guerra. Por causa deste fenômeno a psiquiatria

começou a sair dos asilos e aparecer em serviços comunitários. Uma das conseqüências

resultantes do fim da segunda guerra foi a criação na Inglaterra do “National Health Service”,

em 1944 e a criação da Segurança Social, na França em 1945. Surgia, assim, uma nova

organização da saúde, para atuar na reconstrução dos países no pós guerra. O pós guerra foi

marcado por duas vertentes “morais” da psiquiatria, por um lado a psicanálise e por outro, o

movimento antipsiquiátrico (Russo & Venâncio, 2003). A psicanálise se constituiu como um

movimento e instituição hegemônica nos Estados Unidos e também se mostrou como discurso

teórico predominante na Europa, especialmente na França (Luiz, 2005).

Graças às mudanças referentes ao espaço hospitalar e a nova organização da saúde,

surgiram alguns movimentos que levaram a psiquiatria para fora dos hospitais e as pessoas

não internadas para dentro dos hospitais. Alguns desses movimentos foram: a psiquiatria

comunitária nos EUA (Reinaldo, 2008), as comunidades terapêuticas, que surgiram na

Inglaterra no pós-guerra, protagonizada por Maxwell Jones, com a proposta de participação

ativa dos pacientes na sua terapia e na sociedade; a psiquiatria de setor, na França, que levou a

psiquiatria para fora do hospital, possibilitando ao paciente um tratamento na sua comunidade

(Amarante, 1995); a psiquiatria institucional, também na França; e a antipsiquiatria, no início

da década de sessenta, na Inglaterra, que teve como principais representantes David Cooper e

37

Ronald Laing (Serpa, 1998).

Foi neste contexto histórico que, em 1952, foi lançada a primeira edição do Manual de

Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais (DSM-I), que forneceu critérios

diagnósticos das perturbações mentais. O Manual foi amplamente utilizado por profissionais

da área de saúde mental, em diversos países do mundo, especialmente para auxiliar no

diagnóstico. Esta edição do Manual foi utilizada por quinze anos.

Na época em que foi lançado o DSM-I, o diagnóstico das doenças mentais era feito

através do CID-6 produzido pela OMS. Segundo Luiz (2005), os psiquiatras achavam o CID-

6 “limitado e inadequado a prática clínica”, e por esse motivo resolveram criar o DSM, como

uma alternativa ao CID. Mesmo quando houve a revisão do CID-6 e foi lançado o CID-7, em

1955, a parte relativa aos transtornos mentais não sofreu nenhuma alteração, continuando

exatamente igual à sexta revisão (APA, 1968).

Apesar de ter sido muito utilizado, uma parte dos psiquiatras americanos e de

instituições que cuidavam de doentes mentais se recusou a adotar o DSM-I como referência

para a prática clínica (Young, 1997).

Em 1968 foi lançada a segunda edição do Manual (DSM-II), utilizada por catorze

anos. Ou seja, quando refletimos sobre o período de uso dos dois Manuais, estamos pensando

sobre um período de trinta anos, que corresponde às décadas de cinqüenta, sessenta e setenta.

O DSM-II permitia a elaboração de múltiplos diagnósticos, sendo que para isso havia

dois critérios que deveriam ser seguidos; a saber, a condição que necessitar tratamento mais

urgente deveria ser considerada primeiro, e, em situações onde não havia hierarquia em

relação à urgência de tratamento, a condição mais grave deveria ser listada em primeiro lugar.

O tipo de diagnóstico utilizado no DSM-II era o “diagnóstico dimensional” (Young, 1995),

38

onde a classificação é feita de forma contínua, não havendo uma demarcação nítida de

fronteiras entre doenças. Provavelmente por esse motivo, encontravam-se excessos de pessoas

diagnosticadas, e diversos casos onde um mesmo indivíduo tinha diagnósticos diferentes,

produzidos por profissionais diferentes, a partir da inferência clínica de cada um. O que gerou

uma crítica referente a uma suposta baixa confiabilidade dos diagnósticos produzidos a partir

das duas primeiras edições do DSM, e foi o argumento usado pelos autores da terceira edição

para promover uma reformulação da nomenclatura utilizada.

No texto do Manual eram utilizados diversos termos e conceitos da psicanálise.

Podemos verificar que o uso contínuo desta linguagem e a forma de compreender a doença

mental na elaboração da primeira e da segunda edição reflete a orientação de uma grande

parte dos profissionais da psiquiatria americana, através de uma abordagem psicodinâmica da

doença mental.

Era considerado natural naquela época diagnosticar uma neurose, fazer referência a

um mecanismo de defesa ou a um conflito neurótico. O DSM-I sofreu também uma grande

influência da compreensão psicanalítica de Adolf Meyer da doença mental. Meyer fazia uma

leitura específica da psicanálise na qual a doença mental era “concebida como uma reação a

problemas da vida e situações de dificuldade impingidas individualmente” (Russo e Venâncio,

2003). Essa concepção se reflete no uso contínuo do termo reação durante quase todo o texto

do manual.

No DSM-II o termo reação foi usado em menor proporção, se afastando assim da idéia

da doença mental como uma reação transitória a uma situação da vida. Enquanto termos

psicanalíticos como neurose histérica, neurose fóbica, neurose de ansiedade, dentre outros,

continuaram fazendo parte de todo o texto do Manual. Ao publicar o DSM-II, a Associação

39

Psiquiátrica Americana propôs que o Manual constituísse uma nomenclatura para ser usada

em hospitais e clínicas psiquiátricas e também no consultório (APA, 1968). Ernest Gruenberg,

autor do prefácio do DSM-II diz que o uso mais amplo da segunda edição do Manual se deu

devido ao crescimento do trabalho psiquiátrico em hospitais gerais e em centros comunitários

de saúde mental. O comitê organizador do DSM-II propôs o que considerou ser um consenso

entre os psiquiatras bem informados daquela época, com o objetivo de facilitar a comunicação

entre os profissionais e evitar a ambigüidade do diagnóstico. Para tanto, segundo o comitê,

evitou-se usar termos que carregassem conotações relacionadas à natureza da doença,

recorrendo a explicações causais apenas quando essas fossem fundamentais ao conceito

diagnóstico. Para exemplificar, Gruenberg cita o caso do que no DSM-I recebia a nomeação

de “reação esquizofrênica”, e que no DSM-II passou a ser nomeado “esquizofrenia”, sem que

essa mudança de nomenclatura alterasse a natureza do transtorno (APA, 1968: ix). Esta

decisão sem dúvida desencorajou um debate contínuo sobre a sua natureza ou causa.

Apesar do argumento da mudança de termos para o afastamento do debate sobre as

causas das doenças, ao nos depararmos com a neurose como a maior das classes de

perturbações, observamos que a abordagem psicanalítica ainda é explícita, aliás, não somente

neste caso, como em todo o DSM-II. Ou seja, havia uma tentativa de não recorrer a uma

abordagem teórica que desse conta da causa dos distúrbios, na elaboração do Manual, porém

esta se presentificou em todo o seu texto, tal como observamos, por exemplo, na descrição da

neurose depressiva:

“Este distúrbio é manifesto por uma reação depressiva excessiva, causada por um conflito interno ou por um evento identificável, tal como a perda de um objeto amado. Deve ser diferenciado da melancolia involutiva e da doença maníaca depressiva. Depressões reativas e reações depressivas devem ser

40

classificadas aqui.” (APA, 1968, p.40, grifo meu)

Outros autores já abordaram este tema, da influência da psicanálise na elaboração do

DSM-II. Aguiar (2004) discutiu a importância de, na década de sessenta, os clínicos gerais

atuarem no tratamento da depressão, mas apontou a dificuldade destes com os conceitos da

psiquiatria marcada pela teoria psicanalítica. Healey (2002) discutiu o fato de depois da

década de cinqüenta, grande parte dos psiquiatras militares americanos passarem a se dedicar

à prática do consultório motivados pela psicanálise. Gonçalves (2007), ao pesquisar sobre as

edições do DSM e o diagnóstico de depressão, retomou o DSM-II e a importância explícita e

implícita da psicanálise na sua concepção de doença. Gaines (1992) diz que o DSM-II era

uma “coleção de sistemas classificatórios diferentes”. Pois além de explicitar as idéias de

Freud e Meyer, havia também no Manual uma variedade de itens considerados desconexos,

incluindo comportamentos e pensamentos específicos, reações a toxinas e síndromes

cerebrais, na ausência de bases que justificassem uma classificação integrada.

Percebe-se, assim, que não houve grandes mudanças ou rupturas em relação às

concepções dominantes na elaboração do DSM-I e do DSM-II. Nos dois casos, ainda sob a

influência da psicanálise, a doença mental sendo considerada expressão simbólica de

realidades psicológicas (tal como observa Luiz, 2005; Russo & Venâncio, 2003; Gonçalves,

2007; Henriques, 2003). A primeira ruptura aconteceu posteriormente, quando foi lançado o

DSM-III, o que veremos depois.

Cabe ainda ressaltar que foi durante o uso do DSM-I e do DSM-II, que foram escritos

importantes livros relacionados a psiquiatria, tais como A História da Loucura de Michel

Foucault (1972) que citamos na introdução dessa dissertação, onde o autor aborda a história

da loucura; Manicômios, Prisões e Conventos de Erving Goffman (1975) que analisou as

41

instituições totais e as barreiras entre o interior e o exterior destas; e O Mito da Doença

Mental, de Thomas Szazs (1979), que discute a existência da doença mental e quais seriam os

critérios para a sua definição. Esses textos representaram marcos na história da psiquiatria

pois abordaram a loucura dentro de perspectivas diferentes incluindo diferentes formas de

lidar com este fenômeno.

Depois da década de sessenta, a psiquiatria sofreu uma contestação em relação a sua

legitimidade epistemológica, enfrentando então dificuldades para ser reconhecida como uma

parte da medicina (Pereira, 2000). Um dos motivos que revelava sua fragilidade científica, era

a falta de concordância entre diagnósticos feitos para um mesmo caso, por psiquiatras

diferentes. Graças a esse fato, durante a década de setenta houve um grande interesse em

melhorar e uniformizar a classificação psiquiátrica em todo o mundo (Nunes, 1996).

Atravessando a história do desenvolvimento do DSM, retomamos neste estudo

também uma parte do desenvolvimento da indústria dos psicofármacos, pois percebemos uma

conexão entre mudanças no Manual e processos sociopolíticos e econômicos.

Os primeiros psicofármacos estavam sendo criados em meados do século XX. Na

década de quarenta foram introduzidos os primeiros fármacos com a finalidade de tratar

transtornos psiquiátricos (Gorestein, 1999). Em 1949, o médico americano John Cade

descobriu que o lítio poderia ser utilizado no tratamento da mania (Scavone, 1991). Sua

descoberta se popularizou em 1952 quando Mogens Shou fez um experimento dividindo dois

grupos de pacientes maníacos, no Hospital Universitário de Aahus, e oferecendo a um grupo o

lítio e ao outro um placebo7. Shou observou que o lítio amenizava os sintomas da mania

(Healy, 2002). Em 1970 aconteceu a regulamentação do uso do lítio em psiquiatria nos EUA.

7 Healy (2002) aponta que os primeiros estudos duplo-cegos, realizados a fim de avaliar a eficácia terapêutica de um medicamento, foram realizados por psiquiatras ingleses.

42

Ainda em 1952, surgiu a clorpromazina que foi usada, por Paul Charpentier, em

pacientes cirúrgicos de um hospital militar, em Paris, com a finalidade de analgesia. Porém,

ele observou que os pacientes apresentaram um desinteresse pelo meio, pelas suas atividades,

quando estavam sob efeito da droga (Henriques, 2003). Em seguida a droga foi testada, em

pacientes com diagnóstico de psicose, por psiquiatras do mesmo hospital. Os resultados

positivos dos testes surpreenderam os médicos., e por volta de 1954 a substância se firmou no

cenário mundial.

Em 1954 e 1957, surgiram os primeiros ansiolíticos, o meprobamato e o

clordiazepóxido, respectivamente. Logo o meprobamato teve grande repercussão nos EUA e

ficou conhecido como um “tranqüilizante” (Henriques, 2003). Em 1958 foi feita a síntese do

haloperidol e em 1959 do diazepam. Em 1958 foram criados também os primeiros

antidepressivos. A iproniazida, um “inibidor da monoaminoxidase” (IMAOs), foi introduzida

no tratamento de pacientes internados com depressão, seguido pela imipramina que foi o

primeiro antidepressivo tricíclico criado (Scavone & Gorestein, 1991). No final da década de

cinqüenta não havia muitos pacientes com o diagnóstico de depressão, os casos assim

diagnosticados eram apenas os mais graves. O tratamento administrado até então nesses

pacientes era feito através de sessões de eletrochoque. Em 1961 foi lançada a amitriptilina

pelo laboratório Merck. Enquanto a imipramina era usada em casos de depressão endógena ou

vital, a amitriptilina (apesar de ser muito similar à imipramina) era usada no tratamento da

depressão não-vital (reativa ou neurótica).

Um fato que nos despertou atenção foi que o laboratório Merck comprou 50.000 livros

produzidos pelo psiquiatra Frank Aid intitulado Reconhecendo o Paciente Depressivo e os

distribuiu em vários países, objetivando popularizar o trastorno (Henriques, 2003) - e

43

conseqüentemente, vender o medicamento indicado para combatê-lo.

Observamos que até o final da década de cinqüenta já existiam cinco grupos de drogas

capazes de promover efeitos clínicos em transtornos psiquiátricos: antipsicóticos

(clorpromazina, haloperidol), antidepressivos tricíclicos (imipramina), antidepressivos

inibidor da monoaminoxidase (iproniazida), ansiolíticos (meprobamato e clordiazepóxido) e

anti mania (lítio) (Gorestein & Scavone, 1999).

O “Librium” foi o primeiro dos benzodiazepínicos criados e durante a década de 60 foi

o psicotrópico mais vendido nos EUA. Em 1963 o laboratório Roche lançou o diazepam com

o nome comercial “Valium”. Em 1969 o “Valium” ultrapassou em número de vendas o

“Librium” nos EUA. Em 1966 foi feito o primeiro relato do uso de valproato em pacientes

com transtorno de humor bipolar. Em 1967 foi descrito o uso de clomipramina em casos de

transtorno obsessivo-compulsivo. Em 1971 foi feito o primeiro relato do uso de

carbamazepina em pacientes com transtorno bipolar.

Em 1987 a fluoxetina foi aprovada, pela FDA8, para uso em pacientes com diagnóstico

de depressão. A substância começou então a ser comercializada com o nome “Prozac” nos

EUA pela indústria farmacêutica Eli Lilly.

Segundo Anderson (1997) o Prozac, nome comercial da fluoxetina, passou a ser

receitado pelos médicos para diversos problemas, tais como bulimia, ansiedade, transtorno

obsessivo-compulsivo, dentre outros. Sobretudo, o autor destaca que graças a promessas feitas

pela mídia, os efeitos promovidos pela substância prometiam transformar seus usuários em

“novas pessoas” pois podiam obter perda de peso ou mesmo melhora no desempenho sexual.

O livro Listening to Prozac, do psiquiatra norte-americano Peter Kramer (1993), colaborou

8 A FDA é uma agência estatal, criada pelo governo norte-americano, em 1938. Seu objetivo é controlar a comercialização de alimentos e remédios nos Estados Unidos.

44

para a popularização da droga e seus efeitos de “obtenção de felicidade”. Kramer descreveu

casos de pacientes tratados por ele com o medicamento e relata que o Prozac revelou a um de

seus pacientes “sua verdade mais interna”, fez do paciente alguém “bem-sucedido” como não

havia sido até então. O livro virou um best-seller, amplamente divulgado pela mídia. Em

1994 o Prozac se tornou a droga mais vendida no mundo (Shorter, 1997).

A criação dos psicofármacos provocou, a partir da década de cinqüenta, uma ampla

reformulação nas práticas vigentes na psiquiatria. Neste período, a indústria farmacêutica

estava em expansão e nas décadas seguintes observamos um crescimento no consumo desses

medicamentos (Nascimento, 2003). Nos EUA a clorpromazina foi introduzida pelo

laboratório farmaceutico “Smith, Kline & French”, que criou uma força tarefa para fazer com

que instituições percebessem os efeitos terapêuticos obtidos com o uso da substância. Existem

estimativas de que este laboratório ganhou mais de 75 milhões de dólares no ano de 1955 com

a patente da droga (Valenstein apud Henrisques, 2003).

Segundo Healy (2002) durante a década de sessenta e setenta as indústrias

farmacêuticas produtoras de antidepressivos IMAOs (inibidores da monoaminoxidase)

bancaram campanhas publicitárias com a finalidade de convencer médicos que os

antidepressivos IMAOs eram eficazes no combate a “depressões atípicas”, diagnóstico

proposto por psiquiatras daquela época. Assim criavam um novo mercado consumidor,

diferente daquele já atingido pela imipramina.

O governo norte americano também investiu nos laboratórios farmacêuticos durante o

século XX. Graças aos efeitos obtidos pelos medicamentos, uma nova concepção de

tratamento da doença mental apareceu, diferente do olhar da psicanálise. Começava a surgir

um olhar próprio a perspectiva biológica.

45

O marco desta nova concepção de tratamento para a doença mental pode ser

considerado a criação da clorpromazina, em 1952, pois a partir daí desordens psiquiátricas

que eram antes tratadas através de contenção mecânica, intervenções cirúrgicas e práticas de

expurgo do sintoma (eletrochoque, malarioterapia, sangria e etc.), passaram a ser 'tratadas'

através de medicamentos. Dando início à pesquisa e produção de cada vez mais substâncias

químicas de ação psicoativa.

Segundo Ehrenberg (2004), até a década de setenta a prescrição de medicamentos era

usada na clínica como potencializador da psicoterapia, principal forma de tratamento usada

até então.

A divulgação dos efeitos dos medicamentos criados popularizou a psiquiatria. Em

torno de 10 milhões de prescrições de antidepressivos eram feitas nos EUA em 1980 (Shorter,

1997). O vocabulário da psiquiatria se difundiu na sociedade especialmente após o

lançamento do Prozac, em 1988 (Aguiar, 2003)

Enquanto por um lado temos a psicanálise e as vertentes da psiquiatria consideradas

como sociais (psiquiatria comunitária, psiquiatria de setor, comunidades terapêuticas), por

outro lado temos o advento dos psicofármacos. Segundo Serpa Jr. (1998) alguns fatores

externos ao campo das teorias e práticas da psiquiatria interferiram na maneira de tratar a

doença mental, de modo que até o final da década de sessenta chegou-se ao período que ele

chama de “remedicalização” da doença mental, a compreensão propriamente médica dos

fenômenos psiquiátricos. Tais fatores seriam:

“- Mudanças no sistema de reembolso dos tratamentos médicos, que tornaram menos admissíveis uma certa vagueza nas definições diagnósticas e na duração dos tratamentos em psiquiatria.- Do ponto de vista da pesquisa, os financiamentos começaram

46

a dirigir-se mais e mais para pesquisas em psiquiatria biológica.− Familiares de doentes mentais, reunidos na National Aliance for the Mentally III, talvez por sentirem-se atacados por conceitos psico ou sócio-terapêuticos, aderem à psiquiatria biológica” (Serpa, 1998: 240).

Em suma:

“A necessidade de uma maior objetivação e quantificação no domínio da psiquiatria começa a impor-se dessa forma. A necessidade de conseguir créditos de pesquisa e contratos com seguradoras fala mais alto” (Serpa, 1998: 240).

Feighner, Robins e Guze (apud Perereira, 2000) publicaram, em 1972, um artigo

intitulado “Diagnostic criteria for use in psychiatry research”, onde propuseram uma

operacionalização para a pesquisa em psiquiatria. Os autores discorriam sobre a necessidade

de critérios que deveriam ser especificados de forma explícita para a elaboração da

classificação psiquiátrica. Essa proposta influenciou a elaboração de classificações

psiquiátricas, tais como Research Diagnostic Criteria (RDC), nos Estados Unidos, e o

Present State Examination (PSE), na Inglaterra.

Planos e seguradoras de saúde passaram a exigir, também nessa época, maior precisão

na elaboração de diagnósticos nos casos de transtornos mentais, visando minimizar os altos

custos que vinham tendo até então com os tratamentos psicoterápicos, considerados muito

longos (Henriques, 2003). Outro fato marcante aconteceu no início da década de 70, quando a

APA sofreu pressão de grupos homossexuais organizados para que a categoria

homossexualismo deixasse de ser considerado um 'desvio sexual'. Ativistas homossexuais

freqüentavam reuniões da APA durante esta década e conseguiram o que queriam em 1974, tal

como veremos no capítulo 2 dessa dissertação.

47

Em 1980 foi lançada a terceira edição do Manual. O DSM-III representou um marco

na história da psiquiatria, pois foi a primeira classificação baseada em critérios diagnósticos

considerados explícitos (onde mais uma vez, assim como no DSM-II, foi dito que a

causalidade do transtorno mental foi deixada de lado), no qual eram descritos sinais e

sintomas das perturbações mentais. Foi também o primeiro sistema multiaxial adotado

oficialmente (Banzato, 2004). Tais sinais e sintomas são descritos através dos

comportamentos do paciente. Esta edição foi considerada um divisor de águas, uma mudança

de paradigmas (se com Kuhn [2006], pensarmos em paradigma no sentido de se criar modelos

dos quais nascem tradições correntes e específicas da pesquisa científica) na psiquiatria,

propondo-se um sistema classificatório a-teórico e operacional das síndromes psiquiátricas

(Pereira, 2000). Ao descrever as mudanças, Russo e Venâncio (2006) apontam três níveis de

ruptura provocada pelo DSM-III:

“A ruptura se deu em três níveis, que se articulam entre si, como veremos a seguir: no nível da estrutura conceitual rompeu com o ecleticismo das classificações anteriores presentes nos livros-texto clássicos majoritariamente utilizados na clínica psiquiátrica, propondo não apenas uma nomenclatura única, mas, sobretudo, uma única lógica classificatória; no nível da hegemonia dos campos de saberes concorrentes, representou uma ruptura com a abordagem psicanalítica dominante no âmbito da psiquiatria norte americana; e, por fim, no nível das representações sociais relativas ao indivíduo moderno, forjou não apenas novas concepções sobre o normal e o patológico, mas também participou do engendramento de grupos identitários” (Russo e Venâncio, 2006: 465).

Os termos usados para descrever as perturbações mentais mudaram, a categoria

neurose (que era a maior categoria do DSM-II) praticamente desapareceu – foi mantido

48

apenas entre parênteses em alguns casos e desapareceu efetivamente a partir do DSM-III-R

lançado em 1989 - e em seu lugar surgiram em muito maior quantidade, outros transtornos.

Segundo o comitê liderado por Robert Spitzer9 (APA, 1980), quando a etiologia ou o

processo de adoecimento fossem desconhecidos, a classificação do transtorno mental deveria

ser baseada apenas em fenômenos observáveis clinicamente e estes seriam descritos sem fazer

referência a nenhuma teoria específica. Em suas palavras, o DSM-III representava “um

grande compromisso dentro do campo da psiquiatria: o de apoiar-se unicamente em dados

fiáveis para entender os transtornos mentais” (Spitzer, in APA, 1980)

Para Cunha (2003), o fato mais importante, que auxiliou o crescimento da área de

psicodiagnóstico em saúde mental foi “a filosofia de classificação dos transtornos mentais do

DSM-III”, com a adoção de uma linguagem descritiva, fenomenológica, claramente anti-

psicanalítica. Outras contribuições desse sistema se referem ao fato da utilização de uma

linguagem descritiva na formulação dos critérios diagnósticos e do agrupamento de

transtornos mentais por classes (APA, 1980, 1987).

Provavelmente um dos aspectos mais importantes do DSM-III foi a hierarquização dos

diagnósticos. Diferente do DSM-II, no DSM-III um paciente não podia mais ter dois

diagnósticos de igual gravidade, a patologia considerada mais grave passou a ser situada

hierarquicamente acima da patologia considerada menos grave.

Neste período que foi lançado o DSM-III, a medicina em geral passava por algumas

transformações. Após a segunda guerra mundial, começou a revolução da psicofarmacologia,

que teve como marco inicial o teste da clopromazina, o primeiro antipsicótico, conforme

apontamos, em 1952. Para alguns autores (Russo e Henning, 1999; Aguiar, 2003), o

9 Psiquiatra e psicanalista norte americano que largou a psicanálise e passou a atuar como nosologista na Universidade de Colúmbia.

49

surgimento e a difusão da nova nomenclatura presente no DSM-III corresponde à paulatina

ascensão da psiquiatria biológica como vertente dominante no panorama psiquiátrico mundial.

O vocabulário usado no DSM-III se difundiu ainda mais em grande parte da sociedade após o

lançamento do antidepressivo Prozac, em 1988 (Aguiar, 2003).

Enquanto as duas primeiras edições do Manual eram usadas como “códigos

administrativos sem grandes pretensões científicas” (Russo e Venâncio, 2006), a terceira

edição logo se tornou uma referência mundial, que promoveu a globalização da psiquiatria

norte-americana (de modo que houve, inclusive, uma reformulação no CID-10, do capítulo

referente às doenças mentais, que retomou, praticamente na íntegra, a nomenclatura do DSM-

III).

Para Pigarre (2001) O DSM possibilitou que ocorresse na psiquiatria o mesmo

processo de abstração que permite à medicina em geral classificar e tratar as doenças como

entidades universais, transcendentes ao organismo vivo individual dos pacientes. A década de

90 foi declarada pelo governo de George Bush como a “década do cérebro”. Enquanto a

abordagem psicanalítica tratava os casos singulares, difíceis de serem generalizados, com a

linguagem descritiva do DSM-III passou a ser possível generalizar, e tratar, casos com

apresentação de sintomas semelhantes. Para demonstrar o quanto os termos do DSM

passaram a influenciar a psiquiatria no mundo, relembramos o sugestivo título do décimo

congresso da Associação Mundial de Psiquiatria realizado em Madri em 1996: “One World,

One Language”.

Os idealizadores do DSM-III escreveram, no texto do Manual, que tentavam se afastar

de qualquer debate da teoria explicativa do transtorno mental. O que representou para Gaines

(1992) uma aproximação dos modelos etiológicos e biológico do transtorno mental. A

50

elaboração do diagnóstico mudou: “a identificação dos sintomas é transformada de uma

interpretação dos símbolos do sofrimento numa leitura dos sinais da doença” (Gaines, 1992).

Para Aguiar (2003), o DSM opera uma mudança radical na clínica psiquiátrica; um

deslocamento da ênfase, que era na análise do sujeito, para o tratamento de casos de

transtornos universais (tal como o resto da medicina). Para Healy (2000), o que incentivou a

grande adesão ao uso de DSM-III, foi a afinidade entre o formato do diagnóstico ali

apresentado, e os ensaios clínicos randomizados. Nesta época, a indústria farmacêutica passou

a financiar muito mais esse tipo de pesquisa (Russo e Venâncio, 2006).

“O DSM-III promoveu uma reviravolta no campo psiquiátrico, que se apresentou como uma salvação da profissão. Não se tratava apenas de disputas teóricas internas ou de progresso científico. Ele surge como efeito da presença cada vez maior de grandes corporações privadas no campo da psiquiatria, como a indústria farmacêutica e as grandes seguradoras de saúde. O Congresso americano, que desacreditava o National Institute of Mental Health (NIMH) no começo dos anos 1970, justamente devido à baixa confiabilidade dos diagnósticos psiquiátricos, passou a aumentar os recursos financeiros destinados à pesquisa após o DSM-III. Em 1994, os fundos de pesquisa do NIMH chegaram a US$ 600 milhões, bem mais que os US$ 90 milhões de 1976, e, sob a influência do instituto, o congresso foi persuadido a declarar os anos 1990 como 'a década do cérebro'. (Aguiar, 2004, p. 42)

Após verificar as mudanças que ocorreram no DSM-III, que tiveram como o maior de

seus argumentos, a objetividade, verificamos que a lógica implícita neste caso é a de que se

considerou que, quanto mais descritivo, quanto mais fisiológico e universal, mais objetivo

seria o diagnóstico, afastando-se assim quaisquer considerações subjetivas, que não poderiam

ser objetivamente definidas. Teria conseguido o DSM alcançar essa objetividade? Uma

51

reflexão sobre os Manuais lançados depois do DSM-III pode ajudar a responder a esta

questão.

Em 1989 foi lançada a revisão do DSM-III, o DSM-III-R, que manteve a mesma

racionalidade do seu antecessor. Entretanto a noção de hierarquia foi abandonada, sendo

retomado o conceito de comorbidade - descrito por Feinsteis (1970) como “qualquer entidade

clínica adicional que tivesse existido ou que pudesse ocorrer durante o curso clínico de um

paciente, que tivesse a doença índice em estudo”. O manual passou a incentivar que mais de

um diagnóstico fosse feito para um paciente (Matos, 2005). Porém, sua principal mudança foi

o abandono definitivo do termo neurose.

No início dos anos 1990, o DSM-III e o DSM-III-R já haviam sido traduzidos em mais

de 20 idiomas, o que demonstra sua influência em todo o mundo. Porém, Hill & Fortenberry

(1992) afirmam que uma parte dos psiquiatras americanos não usa nenhuma das duas versões

do Manual pois o consideram “uma extensão não empírica do modelo médico, não universal,

possuído pela psiquiatria e impulsionado pelo reembolso de seguradoras de saúde” (Hill &

Fortenberry, 1992).

Dois anos antes do lançamento do DSM-IV, foi criado e distribuído pelo grupo de

trabalho elaborador do Manual, um livro chamado DSM-IV Options Book no qual foram

colocadas as propostas que os membros do comitê elaborador pretendiam introduzir na nova

edição do Manual. Pediu-se, então, opiniões e dados a respeito destas propostas aos

psiquiatras americanos que o receberam. Tais opiniões e dados coletados serviram

posteriormente para a elaboração do texto do Manual.

A quarta edição, DSM-IV, foi publicada em 1994, contendo 397 categorias

diagnósticas, descritas em 886 páginas. Posteriormente, em 2000 a quarta edição sofreu uma

52

revisão, e foi lançado o DSM-IV-TR. O DSM-IV e o DSM-IV-TR mantiveram a mesma

perspectiva aberta pelo DSM-III e continuada no DSM-III-R (Henning, 1998).

Na introdução da quarta edição do Manual, encontramos que este pretende ser um guia

para os clínicos e adicionalmente facilitar a pesquisa e melhorar a comunicação entre os

clínicos e os pesquisadores, além de ser uma ferramenta de ensino da psicopatologia e um

instrumento visando melhorar a coleta de dados de informações clínicas. Nas palavras do

texto: “Mais do que qualquer outra nomenclatura de transtornos mentais, o DSM-IV está

baseado na observação empírica” (APA, 2000: xv). Tal observação empírica foi feita, segundo

a APA (2000), de três formas: revisão sistemática da literatura publicada até então, reanálise

de dados já recolhidos e estudos de campo.

Enquanto as duas primeiras edições do DSM discutiam a causalidade do transtorno

mental (apesar de no DSM-II os autores afirmarem que não discutiam), desde a virada

ocasionada pelo DSM-III e continuada pelos seus sucessores, passou-se a discutir a descrição

dos sintomas de cada transtorno. Assim, apesar de se afirmarem ateóricos e descritivos, ao

retomar seus textos na íntegra, observamos que a objetividade muda em cada uma das

edições: o que era uma descrição objetiva em uma época não é mais alguns poucos anos

depois, quando uma nova edição do Manual é lançada.

Críticas a respeito da falta de objetividade dos DSM-I e DSM-II ocasionaram a criação

do DSM-III. Não seria a mesma busca por uma suposta objetividade que estaria ocasionando

um desmembramento e conseqüentemente um aumento excessivo das categorias diagnósticas

em cada nova edição do manual? Descrever um sintoma significa abordá-lo de forma

objetiva? Não é o que nos parece.

Os pacientes ao falarem para o médico quais os seus sintomas, os estão interpretando.

53

Quando um paciente descreve, por exemplo, a 'agonia' e o medo de perder o controle que

sente ao mesmo tempo em que seu coração dispara, que suas mãos ficam geladas e ele sua

frio, tenta nomear sensações que parecem não fazer sentido. Além do paciente, o médico ao

ouvi-lo o interpreta também para situá-lo em uma categoria diagnóstica presente no Manual

Diagnóstico que usa como referência. Ainda que o sintoma apresentado seja um

comportamento que o médico observa no paciente, o profissional ainda assim interpreta o fato

para então, a partir de um determinado conjunto de comportamentos (observados e

interpretados por ele), diagnosticar. No caso do Transtorno de Déficit de Atenção /

Hiperatividade, por exemplo, os seguintes critérios são usados para que seja feito um

diagnóstico desse transtorno:

A. Ou (1) ou (2):1) seis (ou mais) dos seguintes sintomas de desatenção persistiram por pelo menos 6 meses, em grau mal-adaptativo e inconsistente com o nível de desenvolvimento:Desatenção:(a) freqüentemente deixa de prestar atenção a detalhes ou comete erros por descuido em atividades escolares, de trabalho ou outras(b) com freqüência tem dificuldades para manter a atenção em tarefas ou atividades lúdicas(c) com freqüência parece não escutar quando lhe dirigem a palavra(d) com freqüência não segue instruções e não termina seus deveres escolares, tarefas domésticas ou deveres profissionais (não devido a comportamento de oposição ou incapacidade de compreender instruções)(e) com freqüência tem dificuldade para organizar tarefas e atividades(f) com freqüência evita, antipatiza ou reluta a envolver-se em tarefas que exijam esforço mental constante (como tarefas escolares ou deveres de casa)(g) com freqüência perde coisas necessárias para tarefas ou atividades (por ex., brinquedos, tarefas escolares, lápis, livros ou outros materiais)(h) é facilmente distraído por estímulos alheios à tarefa(i) com freqüência apresenta esquecimento em atividades diárias

54

(2) seis (ou mais) dos seguintes sintomas de hiperatividade persistiram por pelo menos 6 meses, em grau mal-adaptativo e inconsistente com o nível de desenvolvimento: Hiperatividade:(a) freqüentemente agita as mãos ou os pés ou se remexe na cadeira(b) freqüentemente abandona sua cadeira em sala de aula ou outras situações nas quais se espera que permaneça sentado(c) freqüentemente corre ou escala em demasia, em situações nas quais isto é inapropriado (em adolescentes e adultos, pode estar limitado a sensações subjetivas de inquietação)(d) com freqüência tem dificuldade para brincar ou se envolver silenciosamente em atividades de lazer(e) está freqüentemente "a mil" ou muitas vezes age como se estivesse "a todo vapor"(f) freqüentemente fala em demasia Impulsividade:(g) freqüentemente dá respostas precipitadas antes de as perguntas terem sido completadas(h) com freqüência tem dificuldade para aguardar sua vez(i) freqüentemente interrompe ou se mete em assuntos de outros (por ex., intromete-se em conversas ou brincadeiras) B. Alguns sintomas de hiperatividade-impulsividade ou desatenção que causaram prejuízo estavam presentes antes dos 7 anos de idade. C. Algum prejuízo causado pelos sintomas está presente em dois ou mais contextos (por ex., na escola [ou trabalho] e em casa). D. Deve haver claras evidências de prejuízo clinicamente significativo no funcionamento social, acadêmico ou ocupacional. E. Os sintomas não ocorrem exclusivamente durante o curso de um Transtorno Invasivo do Desenvolvimento, Esquizofrenia ou outro Transtorno Psicótico e não são mais bem explicados por outro transtorno mental (por ex., Transtorno do Humor, Transtorno de Ansiedade, Transtorno Dissociativo ou um Transtorno da Personalidade).

Como concluir que uma criança que apresenta alguns desses comportamentos deve

receber o diagnóstico de TDAH sem refletir que é preciso interpretar esse conjunto de

comportamentos para fazer o diagnóstico? Tanto cabe interpretação que a quantidade de

55

crianças assim diagnosticadas é crescente e diversas vezes quando avaliadas por outro médico

o diagnóstico não é confirmado. Estamos diante de casos de diagnósticos objetivos? Segundo

Degrandpre (2000), 7% da população mundial foi diagnosticada com o transtorno. Gordon e

Keiser (1998) afirmaram que as controvérsias sobre o diagnóstico do TDAH nascem já na

face interna do transtorno. Pois os sintomas que são usados como critério para o diagnóstico

(impulsividade, desatenção e hiperatividade) são comuns na maior parte das pessoas. No caso

do diagnóstico de um adulto a questão fica ainda mais complicada. Além de informações

coletadas junto à família e pessoas próximas ao paciente, o paciente precisa avaliar toda a sua

história de vida, desde a infância, para verificar se encontra os traços do TDAH nos

comportamentos guardados pela sua memória.

O que confere objetividade à impulsividade ou à desatenção? Existe alguma forma de

quantificá-las? Ser ou não impulsivo ou hiperativo não seria muito mais um parâmetro social

ou moral, em relação a um comportamento considerado normal?

Caliman (2008), Segatto, Padilla & Frutuoso (2006) apontam a importância de

diferenciar o tratamento do déficit de atenção e a busca da otimização das habilidades da

atenção. Os autores se questionam até onde se trata uma patologia e até onde ao usar um

medicamento se procura por uma melhora de desempenho.

Este exemplo do TDAH serve para pensarmos o quanto a descrição de sintomas não é

sempre objetiva durante a elaboração de um diagnóstico psiquiátrico.

No capítulo seguinte verificaremos quais as mudanças que permearam as cinco

edições do DSM no seu texto. Quais os termos usados, quais foram abandonados no decorrer

das edições, quais transtornos de desmembraram etc.

56

CAPÍTULO II

As mudanças ocorridas nos textos dos DSMs

Neste capítulo apontaremos a partir do texto do DSM quais os termos usados, as

mudanças nas definições, a criação e o desaparecimento de categorias diagnósticas entre as

57

edições do Manual que, em nossa concepção, refletem fatos históricos. A eleição das

categorias aqui expostas foi feita a partir da leitura integral de todos os Manuais. Não

pretendemos aqui encerrar todas as mudanças, e sim, apenas descrever àquelas que nos

despertaram mais atenção.

O DSM-I foi criado em 1952, contendo 132 páginas e 106 categorias diagnósticas. O

termo reação foi usado durante quase todo o seu texto. Das 106 categorias que compunham o

Manual, 44 continham o termo, ou seja, mais de 40% das categorias. Por exemplo nas

seguintes categorias: 000-x20 Reações Esquizofrênicas; 000-796 Reação psicótica

involucional; 000-x10 Reações afetivas; o termo está presente em todos os quadros de

distúrbio psicofisiológico autônomo e visceral, tais como 001-580 Reação Psicofisiológica

Cutânea e 006-580 Reação Psicofisiológica Gastrointestinal, dentre outras.

Por definição a palavra reação significa “ato ou efeito de reagir; resposta a uma ação

por meio de outra que tende a anulá-la; modo de agir em face de ameaça; resistência,

oposição” (Ferreira, 2001). Gaines (1992) observa que o uso desta palavra reflete a visão da

psiquiatria daquela época (de Adolf Meyer), que considerava a doença mental como “uma

reação aos problemas da vida e as dificuldades situacionais impingidas aos indivíduos”.

Observamos ainda que, enquanto uma reação, a doença mental não existia desde sempre na

vida do indivíduo diagnosticado, não era algo biológico, mas algo que surgiu durante a sua

vida e que poderia ter um caráter passageiro.

A outra influência nitidamente presente no DSM-I, é a da psicanálise de Freud,

indicada sobretudo pelo uso dos conceitos tais como “mecanismo de defesa”10 e “neurose”11.

10 Que pode ser definido como “Conjunto de sentimentos, representação e tendências comportamentais que sobrevêm, automaticamente, quando um indivíduo percebe uma ameaça psíquica, o que o protege da angústia, de uma tomada de consciência dos conflitos e perigos internos e externos, ou lhe permitem acomodar-se de uma forma mais fácil, sem necessariamente consciencializar-se deles nem atingir de facto uma nova adaptação ou um domínio da situação” (Houaiss, 2001 p.2430).

11 Laplanche e Pontalis (1998, p.296) definem a neurose como uma “afecção psicogênica em que os sintomas

58

Os distúrbios psiconeuróticos formavam um grupo de oito categorias, dentre as quais, 000-

x00 Reação psiconeurótica, 000-x03 Reação de conversão e 000-x0y Outra reação

psiconeurótica. O termo “mecanismo de defesa” aparece na descrição dos distúrbios

psiconeuróticos, como um meio de controlar a ansiedade que é característica destas

desordens. Nos termos da APA:

“A característica principal desse transtorno é a “ansiedade”que pode ser sentida diretamente e expressada ou pode ser inconsciente e automaticamente controlada através da utilização de vários mecanismos de defesa psicológicos (depressão, conversão, deslocamento e etc.). Contrastando estes com as psicoses, pacientes com desordens psiconeuróticas não demonstram distorções graves ou falsificação da realidade externa (desilusões, alucinações, ilusões) e eles não apresentam grave desorganização de personalidade. Estudos longitudinais (ao longo da vida) de indivíduos com tais desordens normalmente apresentam evidências de “mal ajustamento” periódicos ou constantes desde cedo na vida. Especialmente estresses trazem a tona sintomas de expressão agudo dessas desordens”12(APA, 1952: 31).

Observamos aí não só o uso do termo, mas do conceito mesmo psicanalítico. O termo

aparece também na descrição da categoria 000-x01 Reação de Ansiedade.

Em 1968 foi publicado o DSM-II, contendo 182 transtornos mentais em 134 páginas.

Em comparação à primeira edição do Manual houve na segunda edição um aumento de 76

categorias diagnósticas, o que representa um aumento de 70% na quantidade de categorias

diagnósticas.

são a expressão de um conflito psíquico que tem raízes na história infantil do sujeito e constitui compromissos entre o desejo e a defesa”. Em 1924, Freud estabeleceu a nosografia psicanalítica distinguindo neuroses atuais, neuroses, neuroses narcísicas e psicoses.

12 “The chief characteristic of these disorders is "anxiety" which may be directly felt and expressed or which may be unconsciously and automatically controlled by the utilization of various psychological defense mechanisms (depression, conversion, displacement, etc.). In contrast to those with psychoses, patients with psychoneurotic disorders do not exhibit gross distortion or falsification of external reality (delusions, hallucinations, illusions) and they do not present gross disorganization of the personality. Longitudinal (lifelong) studies of individuals with such disorders usually present evidence of periodic or constant maladjustment of varying degree from early life. Special stress may bring about acute symptomatic expression of such disorders”.

59

O termo reação, que havia sido muito usado no DSM-I, foi praticamente abandonado,

aparecendo apenas nas categorias dos distúrbios transitórios ou situacionais e dos distúrbios

de comportamento da infância e da adolescência. As categorias que apresentavam o termo

deixaram de apresentá-lo como, por exemplo, 000-x20 Reações Esquizofrênicas, 000-796,

000-x10 Reações afetivas do DSM-I passaram a corresponder no DSM-II às categorias: 295

Esquizofrenia e 296 Transtorno afetivo maior. Segundo Gaines (1992) o DSM-II, ao reduzir o

uso do termo reação se afastou da idéia dos transtornos mentais como reações transitórias às

situações adversas da vida cotidiana.

Russo e Venâncio (2006) entendem que a doença mental passou a ser considerada

como expressão visível de uma realidade psicológica oculta que deveria ser interpretada

durante o curso do diagnóstico ou do tratamento. Essa forma de abordar a doença mental

reflete uma influência da psicanálise ainda maior do que no DSM-I.

Já em relação aos termos psicanalíticos, seu uso aumentou. O grupo dos transtornos

caracterizados como Neurose passou a 12 categorias - enquanto no DSM-I havia apenas 8, -

sendo a principal categoria utilizada nesse Manual. Muito mais do que descrever uma doença

mental, tal como anuncia Gruenberg na introdução do DSM-II, o uso do termo neurose se

refere a um mecanismo, uma estrutura. Seis entre os dez membros do comitê da APA

responsáveis pela elaboração do Manual eram psicanalistas ou simpatizantes da psicanálise

(Shorter apud Henriques, 2003).

No DSM-II houve um aumento de diagnósticos dentro de categorias diagnósticas e

também um aumento do número de diagnósticos em geral. No DSM-I os desvios sexuais

(000-x63) estavam dentro da subcategoria transtorno de personalidade sociopática, que por

sua vez fazia parte da classificação do grupo transtorno de personalidade. Enquanto que no

60

DSM-II esta categoria 302 Desvios Sexuais, que continuou classificada dentro do grupo

distúrbios da personalidade e outros distúrbios mentais não psicóticos, foi desmembrada em

nove categorias específicas, cada uma com a sua própria descrição. Quais sejam: 0

Homossexualidade, 1 Fetichismo, 2 Pedofilia, 3 Travestismo, 4 Exibicionismo, 5 Vouyerismo,

6 Sadismo, 7 Masoquismo, 8 Outros desvios sexuais e 9 Desvio Sexual não especificado. A

descrição dos desvios sexuais no DSM-I era:

“O diagnóstico irá especificar o tipo de comportamento patológico, como a homossexualidade, travestismo, edofilia, fetichismo e sadismo sexual (incluindo estupros, ataques sexuais e mutilações)”13(APA, 1952)

Observamos que enquanto no DSM-I a homossexualidade era considerada um

comportamento patológico tal como o fetichismo ou o sadismo dentro de uma mesma

categoria diagnóstica (desvio sexual), no DSM-II cada um dos comportamentos passa a ser

um transtorno específico, à parte.

A outra categoria diagnóstica que também cresceu significativamente no DSM-II foi a

do Retardo Mental. Enquanto no DSM-I a categoria Deficiência Mental se dividia em dois

tipos, a saber, 000-x90 Deficiência Mental (familiar ou hereditária) e 000-y90 Deficiência

Mental (idiopática); no DSM-II, a categoria passou a se chamar Retardo Mental, apresentando

seis subtipos: 310 Retardo Mental Borderline, 311 Retardo Mental Leve, 312 Retardo Mental

Moderado, 313 Retardo Mental Grave, 314 Retardo Mental Profundo e 315 Retardo Mental

não Especificado. Devendo ainda ser utilizado um quarto dígito após essas categorias para

13 “The diagnosis will specify the type of the pathologic behavior, such as homosexuality, transvestism, edophilia, fetishism, and sexual sadism (including rape, sexual assault, mutilation)”

61

complementar o diagnóstico, são dez diferentes complementações. Por exemplo, o dígito .2

significa que o retardo está associado com desordem do metabolismo, crescimento ou

nutrição; o dígito .5 significa que é um retardo mental com anomalia cromossômica.

As críticas sofridas tanto no DSM-I quanto no DSM-II se referiam ao fato dos

sintomas dos transtornos mentais não serem especificados detalhadamente, justamente por

serem descritos como reações mal adequadas a situações e problemas da vida. Considerava-se

que, assim, não havia um limiar bem demarcado entre o que era considerado normal e o que

era considerado patológico. Como exemplo, podemos destacar, nos termos do DSM-I, a

descrição da categoria Reação Maníaco Depressiva:

“Estes grupos apresentam reações psicóticas que fundamentalmente são marcadas por severa alteração de humor e tendência a remissão e recorrência. Vários sintomas estão associados tais como ilusões, desilusões e alucinações e podem ser adicionados a alteração afetiva fundamental. A reação maníaco depressiva é sinônimo do termo psicose maníaco-depressiva. A reação será posteriormente classificada apropriadamente em um dos seguintes termos: maníaco, depressivo ou outro”14 (APA, 1952).

Ou mesmo na descrição da Neurose Depressiva no DSM-II:

“Este distúrbio é manifestado por uma reação excessiva de depressão devido a um conflito interno ou a um evento identificável, tal como a perda de algo que ama ou de grande valor. Este será distinguido por melancolia involucional e doença maníaco depressiva. Depressão reativa ou reações depressivas serão classificadas aqui ”15

14 “These groups comprise the psychotic reactions which fundamentally are marked by severe mood swings, and a tendency to remission and recurrence. Various accessory symptoms such as illusions, delusions, and hallucinations may be added to the fundamental affective alteration. Manic depressive reaction is synonymous with the term manic depressive psychosis. The reaction will be further classified into the appropriate one of the following types: manic, depressed, or other”.

15 “This disorder is manifested by an excessive reaction of depression due to an internal conflict or to an

62

(APA, 1968).

Além de deixar a impressão de que essas duas categorias podem ser temporárias, pois

utilizam a expressão reação, observamos também uma tentativa de descrever o que causa o

transtorno, aquilo que estaria por trás da reação. Nitidamente percebe-se que esta forma de

descrever os transtornos é influenciada pela psicanálise.

Em 1973 a APA instituiu uma força tarefa com a função de revisar o DSM-II e

posteriormente publicar uma nova edição do Manual. Em 1974 Robert Spitzer foi nomeado

coordenador dessa força tarefa. Spitzer era psiquiatra e psicanalista, porém durante sua vida

profissional abandonou a psicanálise e foi fazer parte de um grupo de psiquiatras que eram

denominados de 'neo-kraepelinianos'16 que tinham o objetivo de fazer da psiquiatria uma

medicina em seu sentido mais estrito. Sua intenção no DSM-III foi, em suas próprias

palavras, “apoiar-se unicamente em dados fiáveis para entender os transtornos mentais” (APA,

1980). Para tal Spitzer montou um grupo de 18 membros, dentre eles Donald Klein que era

psiquiatra e psicofarmacologista, e Robert Woodruff e Paula Clayton que também faziam

parte do grupo dos 'neo-kraepelinianos'.

Em 1980 foi publicado o DSM-III, contendo 265 transtornos mentais em 494 páginas.

Observamos então um aumento de aproximadamente 30% no número de categorias

diagnósticas. Suas páginas continham listas longas e detalhadas de critérios observáveis que

deveriam ser encontrados nos pacientes no ato do diagnóstico. Young (1995), observa que o

DSM-III foi a primeira nosologia psiquiátrica padronizada, desvinculada de qualquer

abordagem teórica, baseando-se apenas nos fenômenos observáveis (“evidências”) para a

identifiable event such as the loss of a love object or cherished possession. It is to be distinguished from Involutional melancholia (q.v.) and Manic-depressive illness (q.v.). Reactive depressions or Depressive reactions are to be classified here”.

16 Em referência a Emil Kraepelin, psiquiatra do final do século XIX que defendia a teoria organicista dos transtornos mentais.

63

elaboração do diagnóstico.

Na introdução do Manual os autores descrevem a metodologia usada como a-teórica

em relação aos processos etiológicos, exceto em casos onde esses processos estão

estabelecidos e são incluídos na própria definição do transtorno. Chamam ali essa abordagem

de descritiva uma vez que a definição do transtorno é feita a partir da descrição de seus

aspectos clínicos. Para demonstrar a mudança na descrição dos transtornos, descrevemos

abaixo nos termos da APA a descrição da categoria Retardo Mental. Enquanto no DSM-II:

“O retardamento mental refere-se ao funcionamento intelectual geral abaixo do normal durante o período do desenvolvimento e está associado à falha da aprendizado, ajuste social ou ambos. (Estas desordens foram classificadas como "síndrome cerebral crônica com deficiência mental" e "deficiência mental" no DSM-I) A classificação diagnóstica de retardo mental se relaciona ao QI”17 (APA, 1968).

No DSM-III:

“As características essenciais a este distúrbio são:(1) funcionamento intelectual global significativamente inferior à média, acompanhado de (2) déficits significativos ou incapacidades no funcionamento adaptativo, com(3) início anterior aos dezoito anos.O diagnóstico é feito independente de se verificar ou não a coexistência de um distúrbio físico ou outro distúrbio mental” (APA, 1980).

Talvez a mais significativa modificação no DSM-III foi a que diz respeito ao abandono

17 “Mental retardation refers to subnormal general intellectual functioning which originates during the developmental period and is associated with impairment of either learning and social adjustment or maturation, or both. (These disorders were classified under "Chronic brain syndrome with mental deficiency" and "Mental deficiency" in DSM-I.) The diagnostic classification of mental retardation relates to IQ”.

64

da rígida distinção até então utilizada entre os transtornos mentais orgânicos e os não

orgânicos, considerados todos, a partir do DSM-III, fundamentalmente orgânicos. Enquanto

no DSM-I:

“A divisão básica nessa nomenclatura está nestas desordens mentais associadas com perturbação cerebral orgânica, e aquelas ocorridas sem tal perturbação primária de funcionamento cerebral, e não em psicoses, psiconeuroses e desordens de personalidade”18 (APA, 1952).

No DSM-III essa distinção deixa de ser considerada fundamental:

“Diferenciação das Desordens Mentais Orgânicas enquanto classe separada não implica que desordens mentais não-orgânicas (funcionais) sejam de alguma maneira independentes dos processos cerebrais. Pelo contrário, é suposto que todos os processos psicológicos, normais e anormais, dependem da função cerebral”19

(APA, 1980).

Outra importante mudança que se iniciou no DSM-III foi o uso da abordagem

multiaxial para a elaboração do diagnóstico. Esta se refere a um sistema que contempla a

descrição e o registro de cinco eixos, que são: Eixo 1: Síndromes clínicas (Clinical

Syndromes), Eixo 2: Transtornos da personalidade e do desenvolvimento (Developmental

Disorders, Personality Disorders), Eixo 3: Condições e transtornos físicos (Physical Disorders

and Conditions), Eixo 4: Gravidade dos estressores psicossociais (Severity of Psychosocial

18 "The basic division in this nomenclature is into those mental disorders associated with organic brain disturbance, and those occuring without such primary disturbance of brain functioning, and not into psychoses, psychoneuroses and personality disorders"

19 "Differenciation of Organic Mental Disorders as a separate class does not imply that nonorganic (“functional”) mental disorders are somehow independent of brain processes. On the contrary, it is assumed that all psychological processes, normal and abnormal, depend on brain function"

65

Stressors) e o Eixo 5: Avaliação global do desenvolvimento (Global Assessment of

Functioning). Nesta abordagem todos os casos devem ser avaliados nos 5 eixos. Os três

primeiros se referem à avaliação formal do diagnóstico e os dois últimos fornecem

informações para complementar o diagnóstico, podendo ser usados também no planejamento

do tratamento do paciente.

Em relação ao termo neurose, seu uso ficou bastante restrito no DSM-III, aparecendo

apenas entre parênteses após a descrição de alguns transtornos. E mais, seu uso passou a se

referir apenas ao “sentido descritivo” do transtorno e não ao “processo neurótico” em si. A

categoria em si desapareceu e em seu lugar surgiram três agrupamentos, com um total de 18

transtornos. As seguintes mudanças ocorreram entre o DSM-II e o DSM-III: a categoria 300.0

neurose de Angústia se desdobrou nas categorias 300.01 Crise de Angústia e 300.02

Transtorno de Ansiedade Generalizada. As categorias 300.1 Neurose Histérica e 300.5

Neurose Neurastênica desapareceram no DSM-III. Segundo a APA, evitou-se o conceito e o

termo histeria, incluindo-se os múltiplos significados do termo em novas categorias como os

transtornos somatoformes e os transtornos dissociativos. A categoria 300.13 Neurose

Histérica, tipo conversão, se transformou nas categorias 300.11 Transtorno de Conversão e

307.80 Dor psicogênica. A categoria 300.14 Neurose histérica, tipo dissociativo, se desdobrou

em quatro categorias, que são, 300.12 Amnésia Psicogênica, 300.13 Fuga Psicogênica, 300.14

Múltipla Personalidade e 307.46 Sonambulismo. A categoria 300.2 Neurose Fóbica foi a que

teve maior desdobramento, corresponde a cinco categorias, 300.21 Agorafobia com Crise de

Angústia, 300.22 Agorafobia sem Crise de Angústia, 300.23 Fobia Social, 300.29 Fobia

Simples e 309.21 Transtornos por Angústia de Separação. A categoria 300.30 Neurose

Obsessivo-Compulsiva tornou-se 300.30 Transtornos Obsessivos-Compulsivos. Já a categoria

66

300.4 Neurose depressiva, se desdobrou nas categorias 296.22 Depressão Maior primeiro

episódio, sem melancolia; 296.32 Depressão Maior recorrente, sem melancolia; 300.40

Transtorno Distímico e 309.00 Transtorno Adaptativo com Ânimo Depressivo. Quanto às

categorias 300.6 Neurose de Despersonalização e 300.7 Neurose Hipocondríaca, seus códigos

foram mantidos passando às categorias 300.6 Transtorno de Despersonalização e 300.7

Hipocondría, respectivamente.

Deixou-se de usar o termo do DSM-II desvios sexuais que faziam parte do grupo

Transtornos de Personalidade, para um novo grupo chamado Transtornos psicossexuais.

Divididos em 22 tipos, subdivididos em quatro categorias: distúrbios de identidade sexual,

parafilias, disfunções psicossexuais e outros transtornos psicossexuais. Além das categorias já

listadas na segunda edição do Manual, surgiram na terceira edição mais 10 categorias, a saber,

302.10 Zoofilia; Transtornos da Identidade Sexual (302.5x Transsexualismo e 302.60

Transtornos da Identidade Sexual na Infância) e as Disfunções Psicossexuais (302.71 Desejo

Sexual Inibido, 302.72 Excitação Sexual Inibida, 302.73 Orgasmo Feminino Inibido, 302.74

Orgasmo Masculino Inibido, 302.75 Ejaculação Precoce, 302.76 Dispareunia Funcional e

306.51 Vaginismo Funcional).

Russo (2003) considera que a categoria parafilias do DSM-III recobre a categoria

desvios sexuais do DSM-II. A autora aponta ainda que o termo travestismo cedeu lugar aos

chamados distúrbios da identidade sexual, o que seria uma modernização da nomenclatura

(Russo, 2003).

Durante a elaboração do DSM-III houve uma grande pressão exercida por grupos

homossexuais para que a homossexualidade deixasse de figurar como um transtorno mental,

especialmente após o protesto de manifestantes ativistas homossexuais durante a convenção

67

anual da APA, no início da década de 70. Ainda assim a categoria se manteve. Enquanto no

DSM-II estava presente a categoria 302.0 Homossexualidade, que foi substituída nas edições

posteriores ao ano de 197320 por 302.0 Transtornos na Orientação Sexual, no DSM-III a

categoria apareceu como 302.00 Homossexualidade egodistônica, dentro de Outros

Transtornos Psicossexuais. Segundo a APA (1980), enquanto os transtornos na orientação

sexual se referem aos homossexuais “perturbados por, em conflito com, ou com o desejo de

trocar sua orientação sexual”, a categoria homossexualidade egodistônica se refere aos

“indivíduos com um padrão de excitação sexual homossexual, de forma que saliente o déficit

no funcionamento heterossexual”. Se a homossexualidade não podia mais constar entre os

transtornos mentais, como o travestismo seria aceito? A troca nos termos usados, nos dois

casos, resolve a questão.

Outra categoria que nos chamaram atenção foi a dos 306.1 Transtornos de

Aprendizagem, que sofreu cinco desdobramentos no DSM-II: 315.00 Transtornos do

desenvolvimento da leitura, 315.10 Transtornos do desenvolvimento na aritmética, 315.31

Transtornos do desenvolvimento da linguagem, 315.39 Transtornos do desenvolvimento da

articulação e 315.50 Transtornos específicos do desenvolvimento, mistos. Além da categoria

306.5 Transtornos da Conduta Alimentar, que sofreu quatro desdobramentos: 307.10 Anorexia

Nervosa, 307.51 Bulimia, 307.52 Pica e 307.53 Transtornos por ruminação na infância.

Diversas foram às categorias diagnósticas que surgiram no DSM-III, entre elas estão

os Transtornos por Estresse Pós-Traumático (308.3 Agudos e 309.81 Crônicos) que segundo

Henriques (2003) foi inserido no Manual graças a pressões feitas por psiquiatras defensores

das causas dos veteranos da guerra do Vietnã, para que essa inclusão explicasse as

dificuldades de readaptação social pela qual os veteranos estavam sofrendo. Notemos que este

20 Apareceu na sétima edição do DSM-II e se manteve nas reedições posteriores.

68

dado marca bem a relação do diagnóstico com o contexto social e não puramente biológico.

Em 1989 foi publicado o DSM-III-R, contendo 292 transtornos mentais em 597

páginas. O aumento no número de categorias diagnósticas em relação ao DSM-III foi de 27

categorias. Representando um crescimento de quase 10% nos transtornos mentais listados na

edição de 1980. Nesta edição do Manual o termo 'neurose' deixou de ser usado

definitivamente, não aparecendo nem mesmo entre parênteses, tal como acontecia no DSM-

III.

Foi criado um novo apêndice ao DSM-III-R intitulado “Apêndice A: Categorias

Diagnósticas Propostas Necessitando Estudos Adicionais”. Gaines (1992) destacou que este

apêndice apresenta verbetes controversos, tais como os usados nas categorias Transtorno

Auto-destrutivo da Personalidade, que se refere a “pessoas que têm um comportamento auto-

destrutivo que começa na fase adulta e se apresenta em uma variedade de contextos. A pessoa

pode evitar ou arruinar experiências prazerosas, afogar-se em situações ou relacionamentos

nos quais sofrerá e impedir que os outros a ajudem” (APA, 1989). Ou mesmo Transtorno

Sádico da Personalidade que se refere a pessoas que têm um “padrão global de

comportamento cruel, humilhante e agressivo dirigido a outras pessoas, com início na fase

adulta. Pode ser dirigido a familiares ou pessoas do trabalho” (APA, 1989). A criação deste

apêndice reforça nitidamente a nossa hipótese, a de que o DSM constrói e é construído

historicamente, pois notamos que os transtornos que ai apareceram estavam em processo de

construção mesmo, uma vez que “necessitavam de estudos adicionais”.

Em 1979 a APA em conjunto com os organizadores do CID editaram uma versão com

algumas modificações em relação ao CID-9, que recebeu o nome ICD-9 Clinical

Modification, onde foram incluídos os resultados de pesquisas desenvolvidos para o DSM-III.

69

Em 1994 foi publicado o DSM-IV, contendo 374 transtornos mentais em 886 páginas.

Surgiram então 82 novas categorias de desordens mentais. Em sua quarta edição, este DSM se

parece muito com suas duas versões anteriores. Surgiram alguns novos transtornos, outros

foram excluídos e alguns foram colocados em categorias diferentes. No DSM-IV os três

agrupamentos que surgiram no DSM-III e que se referiam a categoria 'neurose', se

mantiveram. Porém, o número de transtornos desses agrupamentos aumentou, passando de 18

no DSM-III, para 24 no DSM-IV. Com as mudanças entre as edições do Manual, reconhecer

alguns transtornos fica muito difícil.

A categoria dos transtornos sexuais, que já tinham sofrido diversas modificações nas

versões anteriores do DSM, passou por novos desdobramentos. Nesta edição eles são

chamados de Transtornos sexuais e de identidade sexual divididos em 27 desordens (algumas

delas ainda com subdivisões):

“Distúrbios sexuais:

As seguintes especificações se aplicam a todas as disfunções sexuais: por toda a vida, adquirida, tipo generalizado, situacional, devido a fatores psicológicos e devido a fatores combinados.

• Distúrbios do desejo sexual302.71 Trastorno do desejo sexual hipoativo302.79 Transtorno de aversão sexual

• Transtornos da excitação sexual302.72 Transtorno da excitação sexual feminina302.72 Transtorno erétil no homem

• Distúrbios orgasmáticos302.73 Transtorno do orgasmo feminino302.74 Transtorno do orgasmo masculino302.75 Ejaculação precoce

• Transtornos sexuais de dor302.76 Dispareunia (Não devido a condição médica geral)306.51 Vaginismo (Não devido a condição médica geral)

70

• Disfunção sexual devido a condição médica geral625.8 Desejo sexual hipoativo na mulher devido a ...608.89 Desejo sexual hipoativo no homem devido a...607.84 Distúrbio erétil no homem devido a ...625.0 Dispareunia na mulher devido a ...626.0 Dispareunia no homem devido a ...625.8 Outra disfunção sexual feminina (masculina) devido a ...

___._ Distúrbio sexual induzido por substânciaEspecificar se: com prejuízo no desejo/ com prejuízo do estímulo sexual/ com prejuízo do orgasmo/ com dor sexualEspecificar se: Iniciado durante a intoxicação302.70 Distúrbio sexual SOE (não especificado)

Parafilias:

• Exibicionismo:302.81 Fetichismo302.89 Froterismo302.2 Pedofilia

Especificar se: sexualmente atraído por homens / sexualmente atraído por mulheres;

Especificar se: limitada a incesto;Especificar tipo: tipo exclusiva / tipo irrestrita.

302.83 Masoquismo sexual302.84 Sadismo sexual302.3 Transvestismo fetichista

Especificar se: sexo com disforia302.82 Voyeurismo302.9 Parafilia SOE

Distúrbios da identidade sexual:302.xx Distúrbio da identidade de gênero

.6 em crianças

.85 em adolescentes ou adultosEspecificar se:sexualmente atraído por homens /

sexualmente atraído por mulheres / sexualmente atraído por ambos / sexualmente atraído por nenhum.302.6 Distúrbio da identidade de gênero SOE302.9 Distúrbio sexual SOE” (APA, 1994).

Graças a tamanho desdobramento, observamos que muitos comportamentos sexuais

são considerados como anormais (por serem nomeados como disfunção ou distúrbio).

Segundo Russo (2003), foi o desmantelamento da categoria neurose, a partir do DSM-III, que

71

levou à delimitação de uma série de transtornos de aquilo que a autora chama de sexualidade

“normal”. Observemos as definições de dois transtornos, Transtorno do desejo sexual hipoativo e

Transtorno de aversão sexual, que se caracterizam por “deficiência ou ausência de fantasias sexuais e

desejo de ter atividade sexual” e “aversão e esquiva ativa do contato sexual genital com um parceiro

sexual” (APA, 1994). Segundo análise de Russo (2003) é difícil uma definição objetiva de “deficiência

de fantasias” ou mesmo de “baixo desejo”. Haveria um nível normal de fantasias ou desejo? Voltamos

à discussão iniciada na revisão do DSM-I a respeito dos limites entre o normal e o patológico.

Em 1994 foi publicado o DSM-IV-TR (DSM-IV – Texto Revisado) que sofreu poucas

modificações em relação a sua versão anterior. Segundo a APA (1994) não foram feitas

grandes alterações nos conjuntos dos critérios, não foram contempladas propostas de novos

transtornos, novos subtipos ou mesmo mudanças de condição das categorias presentes no

DSM-IV (APA, 2000).

“A maioria das alterações dizem respeito às seções Características e Transtornos Associados (que inclui os Achados Laboratoriais Associados), Características Específicas de Cultura, Idade e Gênero, Prevalência, Curso e Padrão Familiar. Para uma série de transtornos, a seção Diagnóstico diferencial também foi ampliada de modo a oferecer diagnósticos mais abrangentes” (APA, 2000)

O DSM-IV-TR foi criado para diminuir a lacuna entre o DSM-IV e o futuro DSM-V.

A proposta foi corrigir a defasagem de mais de 12 anos entre uma publicação e a outra (APA,

2000). No próximo capítulo apresentaremos o que vem sendo produzido sobre o lançamento

do DSM-V.

72

73

Capítulo III

O lançamento do DSM-V21

O trabalho de revisão do DSM-IV começou em 1999 a partir de uma discussão entre

Steven Hyman, diretor do Instituto Nacional de Saúde Mental dos EUA, Steven M. Mirin,

diretor da Associação Psiquiátrica Americana e David J. Kupfer, presidente da Associação

Psiquiátrica Americana e do Comité de Diagnóstico Psiquiátrico e Avaliação. Ainda neste

mesmo ano aconteceu a Conferência de Pesquisa e Planejamento do DSM-V, onde foram

criados grupos de trabalho para começar a pesquisa para elaboração do Manual.

Em 2002 o American Psychiatric Institute for Research and Education (APIRE),

através de seu diretor executivo Darrel A. Regier promoveu uma série de eventos para

pesquisa e planejamento dos temas que deveriam sofrer revisão no DSM-IV. Entre 2004 e

2008 foram realizados 13 eventos. O primeiro evento aconteceu em fevereiro de 2004 e

abordou o tema do lançamento do DSM-V e dos métodos usados para a elaboração do

Manual. Dentre as questões metodológicas que foram tratadas, podemos destacar: 1. a

controvérsia entre a abordagem categorial versus a abordagem dimensional22 dos transtornos

mentais - concluiu-se que ambas são necessárias e podem ser desenvolvidas; 2. a

comorbidade em casos de transtornos psiquiátricos é regra e não exceção; 3. identificar as

doenças representa um desafio metodológico, pois não existe um padrão absoluto a partir dos

quais os critérios diagnósticos podem ser avaliados; 4. várias abordagens podem ser

21 Informações coletadas a partir do website do DSM-V: www.dsm5.org.22 Este modelo ganhou força a partir dos estudos de Kretschmer e Akiskal, que descrevem a doença mental

como sendo uma dimensão única, que se expressa de forma variada. A depressão e a ansiedade, por exemplo, são consideradas expressões extremas e um continuum de uma mesma e única patologia (Matos, 2005).

74

utilizadas, em termos estatísticos, para o estudo de um determinado diagnóstico; e 5. como

várias abordagens estatísticas podem ser utilizadas, é importante a criação de um modelo

conceitual para dar conta da questão da nosologia.

Em dezembro de 2004 aconteceu o segundo evento que teve como tema os transtornos

de personalidade. Ressaltou-se a dificuldade de usar uma abordagem categorial no

diagnóstico de transtornos de personalidade. O objetivo do evento foi estimular a investigação

para o desenvolvimento de um modelo dimensional dos transtornos de personalidade.

Em 2005 foram realizados três eventos. O primeiro aconteceu em fevereiro e teve

como tema os transtornos relacionados ao uso de substâncias. O segundo foi em junho e

abordou os transtornos de estresse induzido e as desordens do circuito do medo. A última

aconteceu em setembro e teve como tema as demências.

Em 2006 foram realizados quatro eventos, que aconteceram em fevereiro, junho, julho

e setembro. Os temas abordados foram: a desconstrução das psicoses, os transtornos do

espectro obsessivo-compulsivo, os aspectos do diagnóstico dimensional em psiquiatria e as

doenças da infância, respectivamente.

Em 2006 o presidente da APA, Steven Sharfstein, anunciou David J. Kupfer como

presidente e Darrel A. Regier como vice-presidente da força tarefa criada para supervisionar o

desenvolvimento do DSM-V. Kupfer e Regier definiram os participantes para a sua

elaboração.

Em 2007 foram realizadas duas conferências, uma em junho e a outra em setembro. Os

temas abordados foram a comorbidade da depressão e do transtorno de ansiedade

generalizado e, as implicações para a saúde pública das alterações na classificação

psiquiátrica.

75

Em fevereiro de 2008 foi realizada uma conferência, que teve como tema o autismo e

os outros transtornos invasivos do desenvolvimento.

O lançamento do DSM-V está previsto para maio de 2012. Porém, alguns autores já

escreveram comentários sobre algumas propostas para o DSM-V (em sua maioria frutos dos

eventos que citamos nos parágrafos acima). Abordaremos agora estes artigos.

Widiger (2000) afirma que autores como Francisca (1990), Pincus (1990), Widiger

(1990), Davis (1990), First (1990), Spitzer (1982), Williams (1982) e Skodol (1987), ao

comentarem o DSM-IV, admitem falhas na classificação diagnóstica do Manual e que

algumas questões aponta que fazem parte de diferentes categorias diagnósticas deveriam

receber maior atenção na elaboração do DSM-V. Quais sejam:

“(a) o processo pelo qual é desenvolvido o manual de diagnóstico, (b) a diferenciação do funcionamento psicológico normal, (c) a diferenciação entre as categorias diagnósticas, (d) diagnóstico cross-sectional versus longitudinal, e (e) o papel dos instrumentos de laboratório” (Widiger, 2000).

O objetivo do autor é apontar a importância dessas questões deixando-as em aberto,

para que surjam novas discussões. Em relação ao desenvolvimento do Manual, em

concordância com o já considerado por outros autores23, o autor afirma que enquanto

“linguagem comum para a comunicação entre médicos e pesquisadores, uma nomenclatura

não deveria favorecer uma perspectiva teórica sobre outras” (Widiger, 2000). Ainda assim,

para ele, algum desacordo em relação aos termos usados em uma nomenclatura seria

inevitável devido à diversidade de orientações teóricas entre os pesquisadores e clínicos que a

utilizam. Tanto na criação do DSM-I e II, quanto na criação do DSM-III, nenhuma pesquisa 23 Frances et al., 1990; Spitzer & Williams, 1985, 1987; Spitzer et al., 1980.

76

sistemática sobre os critérios diagnósticos ali apresentados foi feita. Já o DSM-III-R foi criado

para fazer correções e esclarecimentos relativos aos critérios apresentados no DSM-III. Para

isso foram feitos ensaios clínicos “para analisar a viabilidade de critérios propostos para os

transtornos” (Spitzer & Williams, 1988). Já o DSM-IV foi produzido a partir de alguns

ensaios clínicos conduzidos no campo, com a finalidade de “proporcionar confiabilidade e

validade ao Manual” (Nathan & Langenbucher, 1999). Porém Widiger ressalta que estes

ensaios ainda não foram muito abrangentes, pois em sua maior parte, as categorias que fazem

parte do Manual são definidas apenas por um pequeno grupo que elabora o Manual.

Para o autor observa-se então que é crescente a preocupação com a documentação e a

observação empírica na elaboração do DSM. Ainda assim, a postura daqueles que elaboram o

Manual deveria ser neutra, baseada em estudos e experimentos. Se não o são, não seria

possível uma interpretação suficientemente neutra dos dados obtidos. Widiger ressalta a

importância de estudos-piloto adequados, e aponta que em muitos casos não foi feito nenhum

ensaio clínico para vários critérios diagnósticos que foram incluídos no Manual. Fala sobre a

dificuldade de diagnosticar as parafilias e também sobre o grande número de pessoas

diagnosticadas com ansiedade e depressão e do quanto um transtorno mental pode, de acordo

com os critérios do DSM-IV, ser confundido com problemas de vida.

O autor aponta que situar as diferenças entre o normal e o anormal, será um dos

grandes desafios para os autores que estão preparando o DSM-V. Ressaltando que esse tem

sido um problema em todas as nomenclaturas usadas atualmente. Caplan (1995), Follette &

Houts (1996), Rogler (1997) e Widger (2000) apontam que o tamanho do Manual aumenta a

cada uma das edições lançadas e que esse aumento se dá devido a um avanço do diagnóstico

psiquiátrico sobre os problemas normais da vida. Ou seja, o Manual a cada edição está

77

considerando psicopatologia, transtorno ou desordem mental mais problemas da vida

cotidiana.

Para Widiger (2000), tão difícil quanto delimitar as fronteiras entre o normal e o

patológico, é delimitar as fronteiras entre os transtornos mentais. Ele usa o termo co-

ocorrência para comentar quantas vezes transtornos mentais aparecem simultaneamente e

ressalta a importância de se levar em conta fatores ambientais durante a elaboração do DSM-

V. Levar em conta os fatores ambientais demonstra que estes têm importância durante o

desenvolvimento do transtorno mental, o que afasta esta perspectiva de uma idéia apenas

fisicalista dos transtornos.

Banzato (2004) também escreveu sobre a transição para o DSM-V. O autor fez uma

revisão de questões conceituais que considera importantes no desenvolvimento da quinta

edição do Manual. Para ele uma grande dificuldade no diagnóstico dos transtornos mentais se

refere ao fato dos sintomas psiquiátricos serem inespecíficos. Quando alguns “marcadores

biológicos” foram encontrados no século XIX, acreditou-se na possibilidade de uma

classificação etiológica dos transtornos mentais. Porém, como esses “marcadores biológicos”

são evasivos até hoje, observa o autor, é provável que eles nunca esclareçam tudo sobre os

transtornos mentais. Banzato afirma que é importante reconhecer que a cultura e a

intersubjetividade são intrínsecas à psiquiatria. Atualmente o reducionismo deve ser

combatido, para que seja construída uma classificação diagnóstica mais útil e válida para os

psiquiatras. Para que isso ocorra depende-se de uma combinação de um sofisticado quadro

conceitual e metodológico, do pluralismo e de sólidas evidências empíricas (Banzato, 2004).

Em resenha para o Journal of the American Psychiatric Association, produzido pela

APA, Mayou et al. (2005) abordaram o tema dos transtornos somatoformes, propondo uma

78

nova abordagem no DSM-V. Os transtornos somatoformes foram introduzidos no DSM-III,

mantidos e ampliados no DSM-III-R e no DSM-IV. Os autores propõem que esta categoria

desapareça no DSM-V. Afirmam que poucos pacientes chegam à psiquiatria com queixas

somáticas e que a maior parte desses pacientes são atendidos por outros tipos de médicos. Sua

classificação, mesmo dos sintomas, já reflete uma confusão clínica: enquanto na psiquiatria

são classificados como Transtornos Somatoformes, no DSM-IV, na medicina são classificados

como Síndromes Somáticas Funcionais. Entendem que foi graças à abolição do termo neurose

do DSM que os transtornos somatoformes viraram uma categoria, que incluiu as síndromes

somáticas que não foram explicadas por uma condição médica geral e nem associadas a

depressão ou ansiedade. Os autores apresentam diversos argumentos para demonstrar que a

categoria Transtornos Somatoformes seria falha. Para o DSM-V os autores propõem (1) que

os transtornos somatoformes sejam abolidos enquanto categoria; (2) a adoção de novos

termos para os sintomas e síndromes somáticas; (3) a redistribuição dos atuais transtornos

somatoformes em outras classificações.

Dentro do tema dos transtornos somatoformes, Favan & Wise (2007) também fazem

algumas propostas para o DSM-V. Para os autores o que caracteriza estes transtornos são a

presença de uma condição médica geral e de fatores psicológicos que afetam negativamente

essa condição médica. Assim como Banzato (2004), Fava & Wise (2007) também propõem

que seja eliminada a sessão dos transtornos somatoformes. Porém sugerem que estes

poderiam passar a uma sessão intitulada “fatores psicológicos que afetam condições

médicas”. Para os autores, esta pode ser uma solução para a “insuficiente” classificação atual

dos transtornos sem ignorá-los.

Nunes & Rounsaville (2006) abordaram o tema das comorbidades do uso de

79

substâncias com depressão e outros quadros de transtornos mentais. O DSM-III introduziu a

idéia de que um diagnóstico de uma síndrome psiquiátrica deve incluir observação de se

houve ou não uso de substâncias. No caso da síndrome surgir posteriormente ao uso de

substâncias, um transtorno orgânico deve ser diagnosticado, sendo lançada assim a idéia de

transtorno primário e transtorno secundário, esse critério devendo ser definido inteiramente

pelo julgamento clínico do médico. Já o DSM-IV trouxe a noção de transtorno primário bem

definido. Porém segundo os autores há problemas em relação aos termos utilizados, pois estes

podem causar erros de interpretações e também em relação aos critérios usados24.

Para o DSM-V os autores propõem que sejam usados termos mais “neutros” em

relação à causalidade do transtorno. Propõem ainda que haja uma maior precisão quanto aos

critérios diagnósticos, além de maior especificidade em relação à definição dos sintomas que

excedem os efeitos habituais das substâncias. Este tema também vem sendo discutido por

outros autores como Hasim et al. (1996), Breslau et al. (1998), Kendler et al. (2003) e Hasim

et al. (2006).

Em outro artigo Rounsaville (2007) abordou a temática da comorbidade do abuso de

substâncias e da psicose. Inicialmente o autor aponta que o DSM-IV distingue claramente os

transtornos psicóticos (tais como o transtorno bipolar e a esquizofrenia) e as síndromes

induzidas por substâncias (tais como o delirium e algumas demências). Porém afirma que é

um desafio para os clínicos diagnosticar a partir dos critérios do DSM-IV, pois estes muitas

vezes não são claros o suficiente.

As síndromes induzidas por substâncias apresentam sintomas psicóticos de curta

duração, que desaparecem com a abstinência da substância indutora. Na prática, dificuldades

podem ocorrer na distinção entre os transtornos psicóticos e as síndromes induzidas por

24 Por exemplo, o termo “substance-induced” que parece implicar-se na causalidade do transtorno.

80

substâncias, pois os sinais e sintomas se parecem e seria necessário um estudo longitudinal da

vida do paciente para que se pudesse diferenciar exatamente um transtorno do outro.

Frist et al (2002) explicam que distúrbios relacionais são “persistentes e dolorosos

padrões de sentimentos, comportamentos e percepções que envolvam dois ou mais parceiros

de uma relação pessoal importante”. No editorial do Journal of the American Psychiatric

Association, de agosto de 2007, Wayne Denton considera que o diagnóstico relacional é um

componente da avaliação biopsicossocial. O autor acredita que o DSM-V pode ser usado para

corrigir a deficiência da consideração do papel dos processos relacionais no desenvolvimento

dos transtornos mentais, presente nas edições do DSM de até agora. Alguns estudos25 apontam

a importância desse tipo de distúrbio no desenvolvimento de transtornos mentais. O grupo de

trabalho que está produzindo o DSM-V apontou que a falta de uma descrição destes distúrbios

é uma das lacunas mais importantes do DSM-IV, pois não facilita a comunicação entre os

clínicos, que é um dos objetivos do DSM. (Denton, 2008).

Frist (2006) aponta que o motivo pelo qual os transtornos relacionais não fazem parte

do DSM é porque eles não podem ser considerados exatamente um “transtorno mental”.

Porém, é provável que apareçam no DSM-V. Beach et al (2006) vêm desenvolvendo estudos

nesse sentido, elaborando critérios para o diagnóstico dos distúrbios relacionais de forma a

aumentar sua fiabilidade, para que estes possam entrar na nomenclatura oficial. O distúrbio

relacional mostra a insuficiência de uma explicação orgânica ou ao menos exclusivamente

orgânica da doença mental. Embora os critérios de avaliação da fiabilidade destes distúrbios

ainda estejam calcados em uma psiquiatria biológica.

No Schizophrenia Bulletin, Regier (2007) se propôs a repensar a psicose para o DSM-

25 Butzlaff & Hooley (1998), Wanboldt & Wanboldt (2000), Whisman (2001), Wynne et al (2006), Whisman & Uebelacker (2006).

81

V através da apresentação de documentos elaborados após a conferência “Desconstruindo as

psicoses”. O processo de revisão do DSM-IV começou em 2006 com a nomeação de David J.

Kupfer como presidente da força tarefa. Foram formados 10 grupos de trabalho, cada um

centrado em um diagnóstico específico ou uma categoria. Além de 2 grupos extras, focados na

metodologia (Regier, 2007).

A série de eventos atuais é feita por diversos motivos: para promover a colaboração

internacional entre os membros da comunidade científica; para estimular pesquisas empíricas

para identificar deficiências no DSM-IV; e para facilitar o desenvolvimento de critérios que

pesquisadores de todo o mundo possam utilizar no planejamento e na condução de futuras

pesquisas que explorem a etiologia e a fisiopatologia dos transtornos mentais. A conferência

“Desconstruindo as psicoses” teve o objetivo de analisar os transtornos em que há fenômenos

psicóticos, a saber: esquizofrenia, transtornos esquizoafetivo, transtorno bipolar, depressão

maior com características psicóticas e psicose induzida por substâncias (Regier, 2007).

Pensando no futuro das classificações, os participantes da conferência levantaram questões

que envolvem diversas categorias diagnósticas, a partir de uma perspectiva focada no

desenvolvimento das psicopatologias: a noção de transtorno espectro; o reconhecimento da

importância dos outros órgãos corporais além do cérebro na compreensão dos distúrbios

mentais; e por fim, a atenção sobre o gênero e a cultura no desenvolvimento dos transtornos

mentais (Regier, 2007).

Ao observarmos o tipo de questões que foram levantadas nessa conferência,

percebemos que está havendo um alargamento nas preocupações que dizem respeito às

psicopatologias. Pensar em seu desenvolvimento já extrapola a idéia de psicose apenas como

resultado de uma alteração cerebral; o reconhecimento da importância dos outros orgão

82

corporais já demonstra a noção de complexidade dos transtornos, que afetam pessoas e não

órgãos em separados; o reconhecimento da implicação do gênero e da cultura no

desenvolvimento dos transtornos mentais.

No mesmo número do Schizophrenia Bulletin, Vieta & Phillips (2007) abordaram o

tema da desconstrução do transtorno bipolar, fazendo uma revisão crítica da validade do seu

diagnóstico e uma proposta para o DSM-V e CID-11. Para os autores a próxima edição do

DSM deveria conter além de uma classificação categorial do transtorno bipolar, uma

classificação dimensional da desordem. Apontam os seguintes problemas no uso das

classificações categoriais:

“(1) dificuldade de encaixar os pacientes nas categorias (devido a limites artificiais e lacunas entre elas);(2) a existência de muitos pacientes que não apresentam gravidade ou duração dos sintomas suficientes para qualificar o diagnóstico, apesar de sofrerem conseqüências semelhantes a dos pacientes que apresentam todos os critérios para serem diagnosticados; (3) muitos pacientes preencherem os critérios de vários transtornos devido a sobreposição de sintomas (casos de comorbidades)” (Vieta & Phillips, 2007).

O uso da classificação categorial pode facilitar a comunicação entre os clínicos e

pesquisadores, porém suscita questionamento sobre a validade diagnóstica e também sobre os

limites entre as entidades mórbidas (Vieta & Phillips, 2007). Segundo os autores entre os

transtornos difíceis de serem observados sob a ótica categorial estão a psicose e o transtorno

bipolar. Defendem, contudo, a busca de marcadores biológicos na psiquiatria, pois assim, “é

possível melhorar a validade das classificações psiquiátricas” além de clarificar qual o

tratamento deve ser prescrito. Assim, propõem para o DSM-V e o CID-11 que sejam usadas

83

as duas formas de classificação diagnóstica simultaneamente, o modelo categorial e o modelo

dimensional. Sugerem uma abordagem modular, onde o módulo I corresponderia basicamente

ao eixo I do DSM-IV, havendo apenas a inclusão de algumas categorias que fazem parte do

atual eixo II. O módulo II incluiria a abordagem dimensional. O módulo III seria formado

pelos exames laboratoriais que aumentam a eficácia diagnóstica. O módulo IV corresponderia

ao eixo III do DSM-IV. O módulo V corresponde aos aspectos psicológicos do paciente,

incluindo informações sobre os comportamentos e a personalidade que podem ser importantes

para a elaboração do diagnóstico. E por fim o módulo VI contaria com os itens dos eixos IV e

V do DSM-IV (fatores ambientais e funções sociais). Os autores acreditam que caso não

sejam incluídos dados como os propostos por eles neste artigo, o DSM-V e o CID-11 não

representarão um verdadeiro passo à frente das atuais classificações diagnósticas.

O transtorno bipolar tem uma alta taxa de prevalência mundial, cerca de 1%. É

caracterizado pela instabilidade do humor, com a presença de episódios de mania e de

depressão. Para os autores o meio de determinar os marcadores biológicos, desse transtorno, é

através de exames de neuroimagem:

“(1) identificação do início de estados emocionais em resposta a fatos marcantes emocionalmente, e2) processos cognitivos encobertos e manifestos que possam estar relacionados com a regulação destes estados emocionais” (Phillips & Vieta, 2007).

Uma outra categoria que também já foi abordada para que sofra modificações na nova

edição do Manual, foram as disfunções sexuais. Balon et al. (2007) se propõem a repensar os

critérios para o diagnósticos das disfunções sexuais no DSM-V. São grandes as estimativas de

prevalência de distúrbios sexuais nos EUA (Laumamn et al., 1999; Bancroft et al., 2003;

84

Balon et al., 2007).

De acordo com os autores, é fundamental na elaboração do DSM-V a obtenção de um

novo sistema de classificação psiquiátrica a partir de resultados da investigação clínicas e das

pesquisas em neurociências. Ou seja, dar continuidade a forma como foram elaboradas as

últimas versões do Manual. Para os autores três questões devem ser repensadas na elaboração

da próxima edição do Manual: quando um problema sexual deve ser considerado uma

disfunção sexual; se deve considerar uma duração específica para a avaliação de um

determinado critério para a disfunção sexual; e se a angústia deve ser usada como critério

diagnóstico dos distúrbios sexuais.

No editorial do Psychiatric Annals de fevereiro de 2007, Fawcett também tratou sobre

o diagnóstico categorial versus o diagnóstico dimensional, no caso, em relação aos transtornos

da personalidade. Considera que existem problemas em uma abordagem puramente categórica

dos transtornos da personalidade, pois nesta só é levado em consideração a presença ou

ausência de um determinado sintoma, tendendo-se assim a ignorar a gravidade do sintoma

para cada paciente.

No editorial do Journal of the American Psychiatric Association, Flanagan et al.

(2007) consideram que um dos desafios para o DSM-V é a inclusão da experiência subjetiva

dos pacientes. Apontam que no DSM-III, para que a descrição dos sintomas dos pacientes se

tornassem mais objetivas e confiáveis, as questões subjetivas dos pacientes foram excluídas,

mas ressaltam que estas podem ser retomadas como valiosas para as próximas edições, pois

“podem indicar os processos subjacentes e diferir das características do transtorno

objetivamente percebidas pelo médico” (Flanagan et al., 2007). Também para Horvarth &

Symonds (1991), a inclusão das questões subjetivas ajudaria os clínicos a compreender

85

melhor a experiência dos seus pacientes, aumentando a “empatia entre eles, importante nos

resultados positivos dos tratamentos” (Horvarth & Symonds,1991). Para atingir o objetivo dos

DSMs, aumentar sua validade e utilidade clínica, um maior foco nas questões subjetivas dos

pacientes é considerado para os autores um terreno fértil, embora ainda inexplorado, no

alcance destes objetivos.

Kraemer et al. (2007) abordam o papel da estatística no DSM-V. A estatística usada na

primeira e segunda edições do Manual teve como objetivo estimar a prevalência e a

incidência dos casos de transtornos mentais. Já o DSM-III e o DSM-III-R deram maior ênfase

na avaliação estatística da confiabilidade do diagnóstico. No DSM-IV a estatística apareceu

de forma mais limitada (Kraemer et al., 2007). Para o DSM-V esperam maior participação da

estatística na sua elaboração. Para os autores é importante uma parceria entre os estatísticos

envolvidos na elaboração do Manual e as equipes de investigação, para que possam evitar

resultados equivocados devido a pressupostos psiquiátricos que venham a se mostrar

inválidos.

Também preocupados com a questão dos pressupostos psiquiátricos, Kendler et al.

(2008), afirmaram que a elaboração do DSM-V deve incluir um grupo de trabalho para

abordar questões conceituais. Os autores se questionam sobre o que definiria um transtorno

mental; quais os critérios que devem ser levados em consideração na revisão dos critérios

diagnósticos do DSM-IV; se os testes laboratoriais vão fazer parte do DSM-V e quais serão os

critérios para a sua inclusão. Segundo os autores a falta de um grupo de trabalho para as

questões conceituais fez com que as edições anteriores do Manual apresentassem uma

abordagem confusa do tema, resultando em inconsistências.

De acordo com as propostas dos autores que aqui abordamos, acreditamos que a

86

próxima edição do Manual se diferenciará das últimas, apresentando uma perspectiva que

levará em consideração aspectos mais complexos da psicopatologia, porém ainda dentro da

lógica que psiquiatria biológica. Pois tal como o DSM-III e o DSM-IV, ainda pode-se

perceber a busca de marcadores biológicos para a doença mental.

87

CONCLUSÃO

No capítulo 1 contextualizamos historicamente a criação de cada uma das edições do

Manual já existentes, em que décadas foram lançadas, quais os eventos que aconteciam

concomitantemente a sua criação e que se refletiam em cada um dos textos.

No capítulo 2, a partir da leitura de todas as edições do DSM, mapeamos as mudanças

entre as edições e as descrevemos, pois foram estas que nos levaram a criar a hipótese dessa

pesquisa, de que a que forma como o DSM é elaborado reflete o momento histórico da

medicina e seu conteúdo, interfere diretamente na formação e, por conseguinte na postura e na

conduta do psiquiatra, não sendo, portanto, jamais uma simples discussão de uma “natureza”

orgânica ou biológica, ou um diagnóstico neutro. Outros autores (Russo e Venâncio, 2006,

Gonçalves, 2007) já haviam mapeado mudanças em relação a algumas categorias diagnósticas

entre os Manuais. Partimos de seus artigos e buscamos abordar as mudanças que observamos

nas categorias diagnósticas em geral em todas as edições do Manual.

No capítulo 3 coletamos algumas informações sobre o lançamento do DSM-V. Essas

informações ainda são muito limitadas, pois o processo de desenvolvimento do manual está

em andamento. Mesmo assim, tal como apontamos no capítulo, pudemos perceber que

algumas diferenças já surgem em relação ao DSM-IV e ao DSM-IV-TR.

Percebemos que o espaço de tempo entre o lançamento dos Manuais foi se encurtando

no decorrer da criação dos manuais. Foram 16 anos entre a primeira e a segunda edição, 12

anos entre a segunda e a terceira, 9 anos entre a terceira e a sua revisão (o DSM-III-R), 5 anos

entre o DSM-III-R e a quarta edição e por fim 6 anos entre a quarta edição e a sua revisão. Já

para o lançamento do DSM-V o espaço de tempo é bem maior, prováveis 12 anos. Porém é

88

curioso observar que seu processo de elaboração começou praticamente junto ao lançamento

do DSM-IV-TR. Concordamos com Kutchins e Kirk (1997) quando afirmam que não havia

tempo para que as mudanças entre as edições fossem respaldadas por pesquisas cuidadosas.

Parece que agora, para o lançamento do DSM-V a postura está um pouco diferente, um

espaço de tempo maior até o seu lançamento está possibilitando que sejam feitos eventos e

pesquisas para a elaboração do seu conteúdo. Talvez essa abertura só tenha ocorrido agora

pelo fato da proposta de uma psiquiatria puramente biológica ter se apresentado insuficiente –

o que por sua vez talvez reflita o próprio momento histórico contemporâneo posterior à crise

da razão e da ciência do final do século XX.

Nossa pesquisa demonstrou o quanto é evidente que os textos dos DSMs refletem as

perspectivas teóricas da psiquiatria do tempo em que cada uma das edições foi lançada.

Enquanto o DSM-I e o DSM-II explicitam a linguagem e os conceitos usados na psicanálise,

o DSM-III, o DSM-III-R e o DSM-IV utilizam uma linguagem supostamente ateórica,

fornecem uma descrição de sinais e sintomas, que quando analisados de forma mais

cuidadosa, refletem os pontos de vista da psiquiatria biológica. Este aspecto está claro

inclusive quando comparamos dois trechos de duas edições do Manual. Na introdução do

DSM-I:

“A divisão básica desta nomenclatura é para aquelas desordens mentais associadas com distúrbios cerebrais e aquelas que ocorrem sem esse distúrbio primário do funcionamento cerebral, psicoses, psiconeuroses e distúrbios de personalidade”26 (APA, 1952: 24).

26 “The basic division in this nomenclature is into those mental disorders associated with organic braindisturbance, and those occuring without such primary disturbance of brain functioning, and not into psychoses, psychoneuroses and personality disorders”.

89

Já no DSM-III, como vimos:

“A diferenciação de desordens mentais orgânicas como uma classe separada não implica que desordens mentais não-orgânicas (funcionais) são independentes de processos cerebrais. Pelo contrário, é considerado que todos os processos psicológicos, normais ou anormais, dependem das funções cerebrais”27 (APA, 1980: 101)

Os autores se preocupam em afirmar, no DSM-III, a dependência de processos

cerebrais para todo transtorno mental, fato que provavelmente provocou que o DSM-IV não

apresentasse mais o grupo “Transtornos mentais orgânicos”. Saiu-se de um extremo, onde a

doença mental era explicada como “conflitos internos”, “reação ao meio”; para o outro

extremo onde o transtorno mental nada mais é do que uma alteração em uma função cerebral.

A partir do material produzido sobre o lançamento do DSM-V, incluindo os eventos

feitos para tal, novas preocupações estão surgindo e talvez um Manual menos extremo (em

relação a teoria que o norteia) esteja a caminho. Questiona-se a abordagem categorial para o

diagnóstico, pois categorias implicam em limites claramente estabelecidos em que os

transtornos mentais muitas vezes não podem ser nitidamente definidos. São demonstradas

algumas vantagens do diagnóstico dimensional onde a rigidez das categorias desaparece. Se

por um lado a busca pelo marcador biológico de alguns transtornos continua (como por

exemplo, no caso do transtorno bipolar), por outro lado ao menos autores como Denton

(2007), First et al. (2002), Beach et al. (2006) dentre outros, ressaltam a importância do que

chamam de distúrbios relacionais - enquanto “persistentes e dolorosos padrões de

sentimentos, comportamentos e percepções que envolvam dois ou mais parceiros de uma

27 “Differenciation of Organic Mental Disorders as a separate class does not imply that nonorganic (“functional”) mental disorders are somehow independent of brain processes. On the contrary, it is assumed that all psychological processes, normal and abnormal, depend on brain function”.

90

relação pessoal importante”, não podem ser localizados no cérebro, e portanto não podem ter

um marcador biológico - e Flanagan et al. (2007) ressaltou a importância de se levar em conta

a experiência subjetiva do paciente no desenvolvimento de transtornos mentais.

Os dois parâmetros que surgem na discussão sobre o futuro do manual são: validade e

utilidade (Kendell e Jablensky, 2003; First et al., 2004). Percebemos então preocupações

científicas e clínicas. Não perece ter muito sentido elaborar um Manual que não possa ser

manuseado pelos clínicos. A expectativa dos médicos que participaram da pesquisa feita por

Banzato (2007), por exemplo, demonstrou que os psiquiatras pesquisados preferem sistemas

de classificação diagnósticas que tenham um número “limitado e manipulável” de opções.

A mudança recorrente entre as categorias diagnósticas do Manual mostra que aquilo

que pode ser considerado doença em uma determinada época e cultura, pode não ser em outra.

Não há, especialmente em psiquiatria, um agente causador que confira objetividade absoluta a

um diagnóstico das diversas doenças mentais. Mesmo os pesquisadores que trabalham em

busca dos marcadores biológicos de alguns transtornos mentais para a elaboração do DSM-V,

ainda não obtiveram muitos resultados significativos em suas pesquisas. O que nos reaviva a

afirmação de que o que se considera como loucura, como doença mental, não é algo natural

ou com existência natural que legitimaria um marcador biológico, e sim que se trata de algo

construído de acordo com um momento histórico, com um modelo epistemológico (Foucault,

1972).

Remetemos-nos aqui à noção de solo epistêmico do Foucault (1966), no sentido de

condições históricas de emergência de um dado conhecimento ou prática. Para Foucault, cada

época se caracteriza por uma configuração do saber, que determina o que pode ser pensado,

dentro de quais critérios. Enquanto nas décadas de cinqüenta e sessenta não fazia sentido, para

91

a maioria de psiquiatras, pensar as psicopatologias fora da teoria psicanalítica, depois do

DSM-III houve domínio da psiquiatria biológica e essa abordagem teórica ganhou espaço e

passou a ser usada pela maioria dos psiquiatras. Tal como apontamos no capítulo 1 dessa

dissertação, vários foram os fatos que colaboraram para a emergência da psiquiatria biológica,

tais como a criação e o desenvolvimento dos psicofármacos e a crescente influência da

indústria farmacêutica na sociedade, por exemplo.

Afirmar que o DSM é apenas uma nomenclatura ateórica não reflete a realidade. Tal

como afirma Corim, “a observação dos fenômenos clínicos não é jamais neutra nem

tampouco as pesquisas sistematizadas dentro deste domínio” (Corim apud Paoliello, 2001).

Não por acaso para alguns autores (Serpa Jr., 1996; Russo e Venâncio, 2006; Aguiar,

2003) a década de 1980 pode ser considerada como o marco a partir do qual o discurso da

psiquiatria biológica se tornou hegemônico. Em 1980 foi lançado o DSM-III, Manual que foi

declarado como ateórico, mas que sua ampla utilização coincide com, ou impulsionou, a

emergência da psiquiatria biológica nos Estados Unidos e também com a globalização do

modelo americano.

Houve uma considerável ampliação de drogas disponíveis se considerarmos desde a

sua criação em meados do século XX, tanto com o crescimento do número de compostos

dentro do mesmo grupo farmacológico, como com o surgimento de medicamentos com perfil

de ação diferente das iniciais. Já quanto à eficácia, parece que os compostos mais recentes

muito pouco acrescentaram aos originais, embora há de se reconhecer que muitos deles são

realmente mais específicos, levando à maior tolerabilidade e aderência ao tratamento

(Gorestein & Scavone, 1999).

A criação de alguns medicamentos, como o Prozac, fez com que a psiquiatria se

92

popularizasse e seu vocabulário se difundisse. Palavras como depressão e hiperatividade

passaram a fazer parte do cotidiano. Revistas e jornais populares trazem em suas capas as

mais diversas 'descobertas científicas', corroborando para o aumento da popularidade de

termos e diagnósticos psiquiátricos28.

Para Aguiar (2003) foi o advento dos medicamentos psicotrópicos um dos

dispositivos que fez com que a psiquiatria biológica passasse a aparecer como um modo de

funcionamento da psiquiatria. A década de 1990 foi declarada, nos Estados Unidos, a década

do cérebro. Inclusive textualmente pelo presidente George W. Bush com o seguinte discurso:

“Para aumentar a consciência pública dos benefícios provenientes de pesquisas sobre o funcionamento do cérebro, o Congresso, por meio da Resolução 174 [...], designou a década que se inicia em 1º de janeiro de 1990 de a ‘Década do Cérebro’, autorizando e requerendo do Presidente que ele decrete que essa ocasião seja amplamente comemorada. Portanto, eu, George Bush, Presidente dos Estados Unidos da América, proclamo a década começando em 1º de janeiro de 1990, como Década do Cérebro. Eu solicito a todos os funcionários públicos e o povo dos Estados Unidos da América que celebrem essa década com programas, com cerimônias e atividades condizentes”

Um dos livros que discute a psiquiatria biológica é Mal-estar na natureza: estudo

crítico sobre o reducionismo biológico em psiquiatria, de Serpa Jr. (1996). Nesse livro o autor

28 Por exemplo: jornal O Globo de 31/03/02 traz uma reportagem que teve como título “As pílulas anticonsumo”. Tratando a respeito de uma 'doença', a compra compulsiva, que atinge pelo menos 8% da população mundial e sobre um antidepressivo que poderia curá-la. Para explicar o efeito do medicamento o autor faz uma breve explicação sobre a causa da doença “uma queda na produção de serotonina”; revista Veja, de 05/05/04 traz uma reportagem de capa sobre o Transtorno Obssessivo-compulsivo (TOC) finalizada com a seguinte frase: "Ninguém está mais condenado a viver refém da própria mente" (p. 139.); revista Veja de 12/05/04: "Uma nova droga congestiona ainda mais o concorrido mercado mundial de antidepressivos: a duloxetina (Cymbalta). Um comprimido do remédio por dia seria suficiente para melhorar sintomas como ansiedade, pessimismo, sentimentos de culpa, pensamentos suicidas e choro fácil" (p. 65); revista Época, de 10/05/04 em reportagem de capa: "Os herdeiros do Prozac: depois de um ano, 89% dos pacientes apresentaram alguma resposta à duloxetina e 82% ficaram livres de todos os sintomas da depressão" (p. 78). "Os médicos estão receitando antidepressivos para tratar ansiedade, obesidade e dores em geral" (p. 81).

93

faz uma análise das teorias que sustentam a psiquiatria biológica, a saber, a genética e as

neurociências. Aponta que os resultados das pesquisas desenvolvidas nesses dois campos são

fragmentários e que não existe nenhuma teoria biológica consistente e unificada sobre os

transtornos mentais. (Serpa Jr., 1996).

A OMS propôs no Relatório sobre a saúde no mundo 2001. Saúde mental: nova

concepção, nova esperança que os transtornos mentais sejam diagnosticados e tratados por

clínicos gerais. Para isso os clínicos recebem treinamentos e aprendem os critérios

diagnósticos supostamente objetivos do DSM, para em seguida começarem a diagnosticar e

tratar pacientes, isto é, a prescrever medicamentos. Zarifian (apud Aguiar, 2003) indica que

países como a França, onde já existe há mais tempo uma campanha para que clínicos gerais

atendam casos de transtorno mental, 80% dos diagnósticos e prescrições de psicotrópicos são

feitos por generalistas. Em 2003 apenas 15% dos pacientes com diagnóstico de depressão se

dirigiam a um psiquiatra, enquanto os outros 85% eram tratados por clínicos gerais (Pignarre

apud Aguiar, 2003).

Uma das conseqüências da abordagem usada pela psiquiatria, nos últimos anos, foi o

aumento do número de pessoas diagnosticadas com transtornos mentais. As palavras do

psiquiatra Jorge Alberto da Costa e Silva29 refletem este fato e também a ligação destes

diagnósticos, com os interesses da indústria farmacêutica:

“Há uma psiquiatrização ocorrendo na sociedade. Já existem quase 500 tipos descritos de transtorno mental e do comportamento. Com tantas descrições, quase ninguém escaparia a um diagnóstico de problemas mentais. Se o sujeito é tímido e você forçar um pouquinho, ele pode ser enquadrado na categoria de fobia social. Se ele tem mania, leva um diagnóstico de

29 Psiquiatra brasileiro foi presidente da Associação Mundial de Psiquiatria e diretor da divisão de saúde mental da Organização Mundial de Saúde.

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transtorno obsessivo-compulsivo. Se a criança está agitada na escola, podem achar que está tendo um transtorno de atenção e hiperatividade. Coisas normais da vida estão sendo encaradas como patologias. Hoje em dia, se um indivíduo não tomar cuidado e passar desavisado pela porta de um psiquiatra pode entrar numa categoria dessas e sair de lá com um diagnóstico e um tratamento na mão” (Costa e Silva, 2001).

As psicopatologias diagnosticadas a partir dos Manuais de classificação estão quase se

confundindo com problemas da vida cotidiana, tal como foi apontados por Widiger (2000) ao

analisar os desafios para os autores do DSM-V. É preciso repensar o que é considerado

normal e anormal. O rumo que tomou o diagnóstico das disfunções sexuais, por exemplo, nos

mostra que a delimitação dessa fronteira está confusa.

A discussão sobre o normal e o patológico nos remete ao livro de Georges Canguilhem

(1995), que discutiu a diferença entre os fenômenos da saúde e da patologia. Para o autor a

diferença entre o normal e o patológico é qualitativa, no sentido de que são fenômenos

diferentes:

“Não existe fato que seja normal ou patológico em si. A anomalia e a mutação não são, em si mesmas, patológicas. Elas exprimem outras normas de vida possíveis. Se essas normas forem inferiores – quanto à estabilidade, à fecundidade e à variabilidade da vida – às normas específicas anteriores, serão chamadas patológicas. Se eventualmente, se revelarem equivalentes – no mesmo meio – ou superiores – em outro meio – serão chamadas normais. Sua normalidade advirá de sua normatividade. O patológico não é a ausência de norma biológica, é uma norma diferente, mas comparativamente repelida pela vida” (Canguilhem, 1995).

Canguilhem propõe o conceito de normatividade, pois, para ele, não há indiferença

biológica. Ser normativo significa ser flexível diante das exigências do meio, produzir novas

95

normas de vida.

A discussão de Canguilhem foi feita em relação à clínica médica, mas podemos

também tomá-la para a psiquiatria e os fenômenos psicopatológicos. Diante de um

comportamento, como verificar se sua manifestação está dentro de limites “normais”? Existe

um cérebro doente ou um cérebro são? Martins (2005) ao analisar a crítica de Canguilhem à

tese de Claude Bernard (que era dominante na época, na primeira metade do século XX e

afirmava que entre o normal e o patológico havia uma diferença de grau de uma mesma

constituição fisiológica), esclarece que:

“Aos olhos de Canguilhem, é falso afirmar que entre o normal e o patológico existe uma diferença de grau de uma mesma constituição fisiológica. Não é falso que a doença não vem de fora da natureza, não é falso que entre tecidos normais e tecidos alterados há uma diferença quantitativa, o que é falso é concluir que existe uma correspondência entre uma certa normalidade e um estado saudável. Resumindo, não existe, nos quer mostrar Canguilhem, tecido doente ou tecido são, senão metaforicamente, mas esta metáfora é perigosa porque pode conduzir a pensar que a saúde e a doença se referem a um estado de um órgão ou função e não ao estado do indivíduo, na complexidade de sua experiência efetiva. A experiência de saúde, poderíamos dizer, a capacidade ou a potência de agir, pode bem coexistir com as alterações ou graus fisiológicos fora da normalidade, estes presos ao sentido de média ou de um tipo ideal” (Martins, 2005).

Tomar um comportamento diferente e compará-lo com outra determinada forma de se

comportar cria um ideal. “Quando é considerado como normal uma média ou um tipo ideal,

isso significa em uma última análise fazer uma moral do corpo ou uma verdade do corpo”

(Canguilhem, 1990). Podemos inclusive estender a frase de Canguilhem para: quando é

considerado como normal uma média ou um tipo ideal, significa em última análise fazer uma

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moral da vida, uma verdade do comportamento humano, da forma de ser.

Na ciência há uma busca da universalização, do conhecimento capaz de ser

universalizado. O mesmo acontece com os Manuais diagnósticos que objetivam a validade e a

confiabilidade, para que possam ser utilizados de forma universal. Porém como afirma

Martins (2003), o conhecimento científico precisa ser extensível a um universo relativo,

aquele que apresenta aproximadamente as mesmas condições do caso que foi estudado para a

obtenção do conhecimento, mas para isso necessariamente está implicada uma redução do

objeto estudado, que é complexo, a sistemas formais. O mesmo acontece quando procura-se

descrever através de sinais e sintomas um conjunto de comportamentos que corresponde a

uma categoria de transtorno mental. O transtorno extrapola os sinais e sintomas através dos

quais podemos descrevê-lo, pois ele se dá em uma pessoa única, singular, que o experimenta.

Depois da criação do DSM-III, buscou-se descrever objetivamente os sinais e sintomas

dos transtornos mentais, pois essa descrição objetiva tornou o DSM um instrumento mais

confiável. Porém quanto mais objetividade se buscou, mais categorias diagnósticas foram

sendo descritas, mais os “problemas da vida” se aproximaram do diagnóstico de transtorno

mental; ficou mais difícil encontrar alguém que não seja enquadrado em algum dos

transtornos porque tem uma saúde que mais parece ideal do que real. Ideal porque tal como

apontou Martins (2003), “qualquer sinal de dor é vista como ultrajante, e portanto, devendo

ser aniquilado; qualquer diferença em relação a um ideal é vista como um desvio, um

distanciamento maior, e insuportável, da perfeição colimada, devendo ser 'corrigida'”, e para

isso, devendo ser diagnosticada.

Na psiquiatria, o diagnóstico é muito útil enquanto instrumento, porém quando se

extrapola os limites da patologia e o diagnóstico passa a ter como meta abordar todos os tipos

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de comportamento humano considerados anormais ou desviantes, a quantidade do que se

considera transtornos aumenta muito e talvez nunca tenha fim. Podemos pensar então em uma

normalização, quando aquilo que foge a uma regra não tão bem estabelecida é nomeado e

considerado uma patologia, afastando-se assim da idéia de saúde enquanto normatividade

proposta por Canguilhem. Houve uma multiplicação dos diagnósticos para explicar os

sintomas entre o DSM-I e o DSM-IV. Talvez essa multiplicidade de diagnósticos por um lado

ajude o clínico a diagnosticar, mas por outro lado o distancia da compreensão do paciente,

forçando o surgimento de um número cada vez maior de diagnósticos. Quando os

diagnósticos são abrangentes, eles podem ser usados para muitos pacientes, se são muito

específicos, não podem ser usados com muitos pacientes, o que gera a necessidade da criação

de cada vez mais diagnósticos. É talvez essa proliferação sem fim um fator importante que

indica a insuficiência do ideal descritivo inicial da psiquiatria biológica, provocando o

surgimento de diagnósticos dimensionais, de transtornos relacionais, de um retorno ao

subjetivo etc.

Se adotamos uma concepção de saúde como algo vivencial, que não pode ser reduzida

e tão pouco medida (tal como a proposta por Martins, 2003), necessariamente o diagnóstico

ganha uma outra dimensão, uma função mais instrumental, auxiliar a uma compreensão da

complexidade real da saúde mental, e talvez o número de categorias diagnósticas pudesse ser

reduzido. Pois se a saúde é relativa e singular, a psicopatologia também o é.

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