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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ VANESSA FRONZA LEGITIMIDADE E PODER NO EGITO FARAÔNICO: A RETOMADA DO CULTO DE AMON NA ESTELA DA RESTAURAÇÃO (1336 A.C./1327 A.C.) CURITIBA 2011

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

VANESSA FRONZA

LEGITIMIDADE E PODER NO EGITO FARAÔNICO: A RETOMADA DO CULTO DE

AMON NA ESTELA DA RESTAURAÇÃO (1336 A.C./1327 A.C.)

CURITIBA 2011

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ SETOR DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

VANESSA FRONZA

LEGITIMIDADE E PODER NO EGITO FARAÔNICO: A RETOMADA DO CULTO DE AMON NA ESTELA DA RESTAURAÇÃO (1336 A.C./1327 A.C.)

CURITIBA 2011

Monografia apresentada como requisito para obtenção do diploma de graduação em História, Departamento de História, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, da Universidade Federal do Paraná.

Orientador: Prof. Dr. Renan Frighetto

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Agradecimentos

Uma monografia é fruto não só de uma disciplina semestral, mas sim de

vivências que remontam aos primeiros passos, e que se expressam nas paixões pessoais

por determinados temas da História. Por isso é essencial agradecer aqueles que, seja de

maneira acadêmica ou subjetiva, me apoiaram na realização desse trabalho.

Primeiramente, agradeço aos meus pais, desde sempre meus maiores

incentivadores, que me estimularam, através de seus valores, a me tornar uma pessoa

melhor.

À minha mãe, minha fortaleza e sem dúvida minha maior fonte de força. Sem

sua energia e dedicação, nada disso poderia ter se realizado.

Ao meu pai, que me perdoou por ter trocado a odontologia pela história e por

ser o meu melhor mestre.

Ao meu orientador, professor Renan, por ter me aceitado como sua orientanda

apesar da distância temporal entre o Egito faraônico e a Antiguidade Tardia e por ter

acreditado em meu trabalho e me auxiliado durante todo o período de pesquisa.

À professora Fátima, por nunca ter me faltado com sua preocupação quase

maternal, e juntamente com o professor Renan, por me acolherem desde o primeiro ano

como uma aluna que sonhava em estudar Egito.

Aos professores Moacir e Liliane, pelo constante apoio material e

ensinamentos. Sem eles, este trabalho certamente não seria possível.

À todos os outros professores que compartilharam comigo seus conhecimentos,

ao longo desses quatro anos, especialmente aos ditos “chefões de fase” - aqueles que

separam os meninos dos homens- que estimularam meu aperfeiçoamento.

Aos velhos amigos, que deixei em Rondônia, e aos novos, que conheci no

Paraná, especialmente aos colegas de sala, sem dúvida o melhor ano em que eu poderia

ter entrado no curso de História.

Aos veteranos mais prestativos que tive no início do curso: Otávio, Bassi e

Paulo, pelo exemplo de historiador a ser seguido. Especialmente ao Otávio, que

posteriormente se tornou o melhor amigo que fiz na faculdade; um verdadeiro irmão em

armas que me acompanhou em todas as ocasiões e decisões nesses quatro anos vividos

em Curitiba. E por ser juntamente com Gusta, Gótico e Presto meus confidentes de

“crises acadêmicas”.

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Ao Zinzo, por nunca ter deixado de acreditar no meu trabalho e por sempre ter

tido a certeza de que tudo sempre daria certo.

Ao Lulis e à Marina, irmãos que reconheci ao longo do meu caminho, o

primeiro que está comigo desde os tempos mais remotos, me direcionando e torcendo

por mim; e a última que se revelou um laço familiar quando eu estava longe de casa.

Ao Gaúcho, o irmão mais novo com o qual o curso de História me presenteou,

com quem compartilho tradições, opiniões, amores, risadas e tristezas.

À Érica, Fran e Bê, por me inspirarem através de seu amor por lecionar, afinal,

fazer História perpassa as ações de ensinar, mas sobretudo de aprender.

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Resumo: 

A história do Egito antigo é marcada pela política faraônica, cuja legitimação

era proveniente da divinização do faraó através da identificação com vários deuses do panteão egípcio. Porém, durante o governo de Akhenaton (1352 – 1336 a.C.), foi instaurado o culto a apenas um deus: Aton, o disco solar, e ao próprio faraó como seu filho e único intermediário. Passado seu período no poder, seus sucessores se empenharam em retornar aos cultos anteriores, restaurando a religião tradicional do Egito. É nesse contexto que se insere a Estela da Restauração, datada do governo de Tutankhamon (1336 – 1327 a.C.). Este trabalho tem como objetivo compreender, a partir da análise dessa fonte histórica, o sentido político contido na restauração do culto aos deuses habituais, especialmente Amon, e de que maneira os antigos mecanismos legitimadores são retomados. Como resultados parciais, percebemos que a legitimação deste faraó age em via de mão dupla, pois ao mesmo tempo em que ela o justifica na restauração dos cultos tradicionais, esse ato reforça a própria legitimidade do soberano, reafirmando Tutankhamon como um mantenedor da ordem.

Palavras-chave: Legitimação divina; Reforma amarniana; Culto de Amon;

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Sumário

Introdução ....................................................................................................................... 1

I. O contexto histórico do período amarniano.................................................................. 4

II. Estela da Restauração: características e possibilidades............................................. 19

III. A Estela da Restauração e o seu contexto: as disputas político-religiosas nos reinados de Akhenaton e Tutankhamon ......................................................................... 30

Considerações parciais ................................................................................................. 48

Referências Bibliográficas ........................................................................................... 50

Documentação ............................................................................................................ 50

Bibliografia consultada ............................................................................................... 51

Anexos............................................................................................................................ 53

Anexo 1....................................................................................................................... 53

Anexo 2....................................................................................................................... 54

Anexo 3....................................................................................................................... 55

Anexo 4....................................................................................................................... 56

 

 

 

 

 

 

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Introdução

Estudar Egito Antigo é algo pelo qual boa parte dos estudantes de graduação

dos cursos de História se interessa, no entanto, o Brasil ainda tem poucas pesquisas

acerca desse tema. Provavelmente isso se deva à falta de especialistas que possam

orientar possíveis trabalhos, ou mesmo à dificuldade de lidar com as fontes egípcias

devido à complicada leitura dos hieróglifos, ou ainda à escassa bibliografia traduzida

para o português. Apesar dos contratempos, esta monografia se dedica a problematizar o

Egito faraônico, tendo como objeto de estudo a legitimação divina em uma fonte que

surge em um momento muito conturbado da história egípcia: o período amarniano.

Como a maioria dos assuntos ligados à Antiguidade Oriental, esse tema é

comumente abordado como um contexto isolado, como se todas essas civilizações do

Oriente Próximo não apresentassem interações culturais ou relações entre si. Os povos

da Antiguidade Oriental ainda são vistos como “exóticos” ou “mitológicos”,

diferentemente da Antiguidade Clássica, tida como portadora das raízes da cultura

ocidental. Este trabalho busca se desviar dessa aura mítica do Egito Antigo e

compreender à luz da História certos aspectos imprescindíveis para a estabilidade do

poder faraônico. Primeiramente, a busca de meios legitimadores é uma preocupação que

permeia a maioria dos sistemas de governo através do tempo. Portanto, a pesquisa sobre

Egito Antigo, num plano político, pode contribuir na compreensão dos artifícios através

dos quais um pequeno grupo consegue se justificar no poder. A política faraônica tem

como principal instrumento de justificação a legitimação divina, já que no Egito, os

governantes eram considerados deuses vivos na terra. O faraonato representava uma

instituição almejada pela sociedade egípcia, visto que ela funcionava como controladora

das dualidades que formavam o mundo. Era preciso equilibrar as forças da ordem e do

caos, da vida e da morte, e assim por diante. E essa função era desempenhada pelo

faraó, cargo que abrangia obrigações administrativas, militares e ritualísticas, visto que

no Egito antigo, não havia uma separação clara entre esses aspectos, e a realidade era

interpretada com uma perspectiva integrada, na qual religião e governo se fundem e não

podem ser pensados de maneira dissociada.

A questão da legitimidade divina do faraó pode ser notada entre outros

documentos históricos egípcios, na Estela da Restauração, datada do governo de

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Tutankhamon (1336 – 1327 a.C.1), na XVIIIª dinastia, pertencente ao Reino Novo,

período da história egípcia que vai de 1550 a.C. a 1069 a.C.

Essa fonte trata do retorno dos cultos tradicionalmente praticados no Egito

antes do governo de Akhenaton (1352 – 1336 a.C.), faraó que instaurou o período

amarniano, no qual, a partir de uma reforma religiosa, artística e administrativa, os

cultos aos deuses habituais foram proibidos, e em seu lugar foi instituída a adoração

apenas de um deus, Aton, representação do disco solar, e do próprio faraó como seu

único filho e intermediário entre o deus e os homens.

O estudo do período amarniano e das mudanças na religião promovidas por

Akhenaton desperta muito interesse, porém ele é tratado como um episódio isolado e

pouco se fala sobre como se deu a retomada ao culto dos antigos deuses. Por isso o

interesse na pesquisa do principal ato do governo de Tutankhamon, faraó que sucedeu

Akhenaton e que é muito mais lembrado simplesmente por ter morrido e nos legado um

tesouro arqueológico inestimável do que pelas ações políticas e religiosas que se deram

durante seu período no trono do Egito, sendo que é sob seu poder que o culto a Amon e

aos demais deuses egípcios é restaurado.

Para estudar esse contexto, a Estela da Restauração é uma fonte através da qual

se podem notar as virtudes divinas do faraó presentes em seus diversos epítetos, as

obras realizadas por ele em prol do retorno aos antigos cultos e os benefícios materiais

conquistados pelo Egito durante seu governo, sendo que todos esses aspectos contidos

na estela referem-se ao esforço de legitimação do novo faraó no poder, após o fim do

conturbado período amarniano. A estela apresenta também uma função propagandística,

e por ter sido colocada no Templo de Amon em Karnak, era destinada aos próprios

sacerdotes, o grupo social mais estável e poderoso do antigo Egito, que teve sua

influência diminuída durante o governo de Akhenaton, devido às mudanças que ele

promoveu na religião. A Estela da Restauração foi produzida em reação a um contexto

de tensão entre os sacerdotes de Amon e o faraó, aumentado pela reforma amarniana, a

ao ascender ao trono, Tutankhamon almejava, através da recuperação do culto aos

                                                            1 A cronologia utilizada neste trabalho foi proposta por Ian Shaw e Emanuel Araújo, visto que dado o significativo recuo no tempo, as datas variam segundo o autor, podendo apresentar uma diferença de até 10 anos. ARAÚJO, Emanuel. Escrito para a eternidade - a literatura no Egito faraônico. Editora Universidade de Brasília. São Paulo. Imprensa Oficial do Estado, 2000 & SHAW, Ian. The Oxford History of Ancient Egypt. Oxford University Press, 2000.  

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antigos deuses, principalmente Amon, apaziguar esses conflitos, buscando na religião

tradicional a fonte de sua legitimidade.

A restauração do culto a Amon após o período amarniano e o seu consequente

fortalecimento como elemento legitimador do poder na XIXª dinastia caracterizam um

processo contínuo, mas frequentemente esses dois aspectos são estudados como

contextos independentes, no qual as dinastias sequer se relacionam. Pouco se estuda

sobre como após a reforma amarniana promovida por Akhenaton - que representou uma

ruptura com a estrutura político-religiosa que sustentava o poder faraônico – se deu a

retomada ao culto a Amon e aos demais deuses, daí a importância da Estela da

Restauração.

Para a realização deste trabalho com a fonte primária, escrita originalmente em

hieróglifos, utilizamos quatro traduções da fonte, sendo que duas delas apresentam

também as transliterações. Das quatro versões, três estão em inglês e uma em francês,

sendo esta última a mais completa, pois apresenta uma compilação dos hieróglifos, a

transliteração e a tradução. A partir da análise destas quatro traduções, foi feita uma

comparação a fim de traduzir a fonte para o português, versão esta que está anexada ao

trabalho e que é utilizada no decorrer do mesmo. Para otimizar a tradução, buscamos em

outros textos egípcios as transliterações de determinados termos que se repetiam, e

dessa forma empregá-los de forma padronizada. Na tradução para o português foi

mantida a contagem das linhas, assim como consta nas traduções com a transliteração.

As lacunas representam pontos em que a estela estava ilegível e a palavras entre

parênteses são inserções que os especialistas puderam fazer através da dedução do que

estaria escrito com base na gramática egípcia e na estrutura linguística.

Na bibliografia referente ao período amarniano, é muito comum encontrar a

definição de que a estela foi “usurpada” por Horemheb (1323 - 1295 a.C), último faraó

da XVIIIª dinastia. A prática de riscar um nome e talhar outro por cima era muito

difundida no Egito, e ao que parece, era aceita, visto que fazia parte da perspectiva da

própria ação faraônica. Outro conceito empregado ao caracterizar Akhenaton é

“herege”. No entanto, optamos por não reproduzir esses dois termos, visto que eles

foram formulados em contextos muito distintos do que aquele que se aplica ao Egito

antigo, e este trabalho propõe uma visão historiográfica de seu objeto de estudo.

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I. O contexto histórico do período amarniano

Datada do reinado de Tutankhamon (1336 -1327 a.C.2), a Estela da

Restauração (Anexo 1) surge como resposta à chamada reforma amarniana proposta por

Akhenaton durante seu governo (1352-1336 a.C.). Por representar um episódio único na

história do Egito Antigo, o período amarniano é objeto de diversos estudos, mas pouco

se fala sobre como se deu a retomada à religião tradicional. Um dos principais

documentos para a compreensão desse processo de recuperação dos cultos antigos é a

Estela da Restauração, que, além disso, expõe os meios de legitimação usados por

Tutankhamon para se justificar no poder enquanto restaurador da ordem proporcionada

pela adoração dos diversos deuses do panteão egípcio, especialmente Amon.

Chama-se de reforma amarniana a tentativa do faraó Akhenaton de impor no

Egito o culto a apenas um deus, Aton - representação do disco solar- e a ele mesmo,

como seu único sacerdote. O nome de tal movimento religioso deriva de Tell-el-

Amarna, atual povoado nas proximidades do sítio arqueológico de Akhetaton, a antiga

cidade construída por Akhenaton e dedicada a Aton, para onde ele transferiu a capital

egípcia no sexto ano de seu reinado (Anexo 2). Portanto, por período amarniano,

entende-se neste trabalho o tempo decorrido desde a fundação até abandono de Amarna,

durante o governo de Tutankhamon. A definição de período amarniano varia de acordo

com o pesquisador, sendo que alguns chegam a considerá-lo desde Akhenaton até o

final da XVIIIª dinastia. No livro “Akhenaten e Tutankhamun”, os autores delimitam o

período amarniano entre os reinados dos dois faraós:

Now called the Amarna Period (1353-1322 BCE), after the site of the innovative capital city that was the center of the new religion, it included the reigns of the heretic Pharaoh Akhenaten and his presumed son, the boy king Tutankhamun.3

Ao instituir a reforma amarniana, Akhenaton alterou diversos preceitos da

religião egípcia, abolindo os cultos aos outros deuses, principalmente Amon. Isso se

                                                            2 Utilizo neste trabalho a periodização proposta por Ian Shaw e Emanuel Araújo, visto que dado o significativo recuo no tempo, as datas variam segundo o autor, podendo apresentar uma diferença de até 10 anos. ARAÚJO, Emanuel. Op. Cit. & SHAW, Ian. Op. Cit. 3 SILVERMAN, David P., WEGNER, Josef W e WEGNER, Jennifer Houser. Akhenaten and Tutankhamun. University of Pennsylvania Museum of Archaeology and Anthropology, Philadelphia, 2006.

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expressa em sua troca de nome: coroado como Amenhotep IV4, mesmo nome de seu

pai, que significa “Amon está satisfeito”, o rei passa a se chamar Akhenaton: “aquele

que é útil a Aton”. O culto a Aton (o disco solar) não é uma invenção de Akhenaton, este

deus já fazia parte do panteão egípcio, mas seu culto foi incentivado pelo pai do faraó,

Amenhotep III, como afirma Ciro Flamarion Cardoso:

O próprio Aton não era uma novidade absoluta. Embora algumas das representações e textos disponíveis sejam ambíguos, talvez desde Thotmés I, na virada do século XVI para o XV a.C., já se possa notar uma associação de alguns faraós com o Aton, elemento religioso muito ampliado sob o pai de Akhenaton, Amenhotep III (1391- 1353 a.C.).5

Os cultos religiosos solares eram uma tendência no Egito, dada a fusão de

vários deuses representantes solares, entre eles o próprio Aton, fundido a Rá, como

explica Miriam Lichtheim, além de enumerar e compilar fontes anteriores à reforma de

Amarna, em que o Aton já é citado e adorado, mas não como deus único, como propõe

Akhenaton:

The worship of the Sun-disk ( Aten) as a manifestation of the Sun-god Re had been growing since the beginning of the Eighteen Dynasty and reached prominence in the reign of Amenhotep III, as shown, for example, by the hymns to the Sun of the brothers Suti and Hor. In these hymns, the Aten, merged with Re, is the supreme creator-god, supreme but not the sole god.6

Ainda em sua primeira fase de governo, Akhenaton já erigia monumentos em

honra ao Aton, até mesmo em Karnak – o principal templo egípcio, dedicado a Amon -

onde foi muito ativo, construindo um santuário para Aton na parte oriental do recinto,

localizada em direção ao sol nascente7. A edificação mais importante dessa fase do

governo de Amenhotep IV é o santuário de Gempaaten.8

                                                            4 Ou Amenófis IV, segundo a grafia grega. 5 CARDOSO, Ciro Flamarion. “De Amarna aos Ramsés”. In: Phoînix/ UFRJ. Laboratório de História Antiga. Ano VII – 2001. Rio de Janeiro: 7Letras, 2001, p. 119. 6 LICHTHEIM, Miriam. Ancient Egyptian Literature –Volume II: The New Kingdom. University of California Press, [2006 ed.], p. 89. 7 Sobre as construções de Akhenaton em Karnak, Ian Shaw indica que “The exact location of these temples is Unknown, but some, perhaps all of them, were situated to the east of the Amun precinct and orientated towards the east – that is, to the place of sunrise.” SHAW, Ian. Op. Cit., p. 275. 8 AMENTA, Alessia. Il Faraone – Uomo, Sacerdote, Dio. Salerno Editrice, Roma, 2006, p. 93.

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Quando do rompimento definitivo com a religião tradicional, Akhenaton

ordenou que todos os cultos divinos e suas classes sacerdotais fossem abolidos, os

templos fechados e suas propriedades confiscadas. O nome de Amon deveria ser riscado

de todos os monumentos, assim como a palavra “deuses”, confirmando a unicidade de

Aton.9 Provavelmente, isso gerou um conflito entre o rei e o sacerdócio de Amon, uma

vez que os sacerdotes representavam o grupo social mais rico e estável do Egito antigo,

devido aos favores que recebiam constantemente dos soberanos. Após a Vª dinastia, os

templos foram isentos de impostos e passaram a receber cada vez mais doações dos

faraós, o que proporcionou um acúmulo de terras, mão-de-obra e outros recursos

próprios, mas ainda assim, visto que os templos eram parte do aparelho da monarquia, o

faraó podia usufruir dos bens doados.10 É possível que alguns faraós tenham visto essa

influência e riqueza da classe sacerdotal como uma ameaça ou competição pelo controle

do poder.

No sexto ano de seu reinado, Akhenaton então transfere-se com sua corte para

uma nova capital dedicada a Aton, construída em lugar nunca antes habitado, e

escolhida pelo faraó através de inspiração divina11: trata-se de Akhetaton (atual

Amarna), cujo significado é “Horizonte de Aton”. Situada na margem leste do Nilo, a

cidade leva este nome devido à impressão fornecida por sua paisagem natural: quando o

sol nasce entre os penhascos do relevo, forma-se naturalmente a figura do hieróglifo

“akhet” (horizonte)12. Quando de sua fundação, a cidade foi demarcada em seus limites

por diversas estelas, denominadas Estelas de Fronteira, cujo conteúdo é o mesmo: o

faraó que dedica sua nova cidade ao deus Aton:

Now within these four stelae, from the eastern mountain to the western mountain, is Akhet-Aten itself. It belongs to my father, Re-Harakhti-who-rejoices-in-lightland In-his-name-Shu-who-is-Aten, who gives life forever, with mountains, deserts, meadows, new lands, highlands, fresh lands, fields, water, settlements, shorelands, people, cattle, trees, and all other things that the Aten my father shall let be forever.13

                                                            9 AMENTA, Alessia. Op. Cit., p. 85. 10 CARDOSO, Ciro Flamarion. Antiguidade Oriental: Política e Religião. São Paulo: Contexto, 1997. 11 ALDRED, Cyril. “El-Amarna”. In: Excavating in Egypt – The Egypt Exploration Society 1882-1982. Edited by T.G.H. James. University of Chicago Press, 1982, p. 89. 12 SILVERMAN, David P., WEGNER, Josef W e WEGNER, Jennifer Houser. Op. cit., p. 21. 13 LICHTHEIM, Miriam.Ancient Egyptian Literature –Volume II: The New Kingdom.University of California Press, [2006 ed.] Pg 50-51.

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Ainda Segundo Lichtheim, as Estelas de Fronteira são algumas das fontes mais

importantes para a compreensão da doutrina de Akhenaton:

The doctrine of Aten as taught by the king was undoubtedly recorded in many writings. But it has survived in only two forms: in the statements of the king on the boundary stelae, and in the hymns and prayers inscribed in the tombs of the courtiers.14

A ausência de fontes suficientes nos impossibilita de conhecer as reais

motivações que levaram Akhenaton a instaurar uma nova religião. Duas correntes de

estudiosos se dividem quanto ao tema: os que acreditam em um rompimento causado

por motivos políticos, de atrito entre o faraó e os sacerdotes de Amon e aqueles que

veem na reforma uma expressão genuína da espiritualidade de Akhenaton. A primeira

corrente é comumente relacionada às publicações mais antigas, como a de Jean

Vercoutter:

Que a ‘revolução’ religiosa de Amenófis IV tenha tido origem política é também possível. Não se diz que Amenófis IV não tenha sido sincero em sua atitude religiosa. Talvez tenha sido místico; não temos documentos suficientemente seguros para julgar a respeito desse aspecto do problema, mas é evidente que a primeira intenção de sua iniciativa é sacudir o jugo do clero amoniano.15

Corroborando o pensamento de que as motivações da reforma são ainda

duvidosas, Alessia Amenta16 cita diversas hipóteses que teriam levado ao estopim das

transformações promovidas por Akhenaton: poderia haver uma razão político-

econômica por trás de seus objetivos, visto que a perseguição ao deus Amon se refletiria

em seu clero, detentor de imensas riquezas e que administrava muitas propriedades, e

portanto o faraó estaria temendo a formação de um “estado dentro do estado”. Ou

Akhenaton poderia também ter sido motivado por uma causa profundamente religiosa,

ligada ao poder faraônico: como o deus Amon de Tebas estava se tornando uma

divindade cada vez mais próxima das pessoas e se manifestando frente ao povo nas

                                                            14 LICHTHEIM, Miriam. Op. cit., p. 90. 15 VERCOUTTER,Jean. O Egito Antigo. Tradução de Francisco G. Heidemann. Difusão Editoria S.A.1980, p. 81. 16 AMENTA, Alessia. Op. Cit., pp. 92-93.

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procissões, e também através dos oráculos, podendo ser invocado sem a intervenção do

soberano, isso era uma ameaça à realeza e ao seu monopólio das atividades religiosas.

Para combater essa relação sem intermediários entre deuses e homens comuns,

Akhenaton passa a se apresentar como única ligação entre as pessoas e a divindade,

idéia presente no conceito puro da realeza, mas que estava sendo distorcida através de

outras maneiras vigentes de se conectar ao deus sem a necessidade de mediação do

faraó. Citando Donald Redford, Amenta relembra outras possíveis causas para a

reforma amarniana:

Redford descrive tre cause concatenanti: la necessità di tenere sotto controllo il potente clero di Amon di Tebe, il bisogno di indebolire il gruppo influente di cortigiani fedelissimi che si era andato formando tutto intorno al sovrano durante i predecessori di Akhenaten, e infine il carattere stesso di questo sovrano, poco sicuro di sè e incapace di gestire um paese forte con i suoi relativi rapporti internazionali, tanto da rinchiudersi in uma sorte di eremo all’interno della nuova capitale.17

Apesar de permanecer desconhecida a intenção de Akhenaton ao romper com a

religião ortodoxa, podemos perceber algumas de suas conseqüências. Primeiramente, se

o faraó foi motivado por uma causa unicamente política, temendo perder seu poder para

a classe sacerdotal, a reforma foi contraproducente, pois mesmo sendo detentor do

poder absoluto, o governo de Akhenaton não teve eficiência militar ou administrativa,

visto que o faraó passava a maior parte de seu tempo distante do povo, louvando Aton

em seus domínios de Amarna e foi extremamente negligente com a política externa;

durante seu período de regência é que a extensão territorial alcançada por Tutmés III

começou a recuar e o avanço dos hititas passou a substituir a influência egípcia. Jean

Vercoutter versa sobre as relações internacionais do Egito na época de Akhenaton:

O rei de Kadesh retomou a planície síria do Norte e o rei de Amurru, outro aliado dos hititas, apoderou-se dos portos fenícios ocupados pelo Egito. Amenófis IV não reagiu, limitou-se a mandar um investigador à Fenícia; este, assaz bizarramente, confirmou o rei de Amurru nos territórios que acabara de arrebatar ao Egito e que logo abrangeria Byblos, Em suma, Amenófis IV reconhecia o fato consumado e satisfazia-se em considerar o rei de Amurru como seu vassalo. Na Palestina, por sua vez, os beduínos se sublevaram e se apoderaram

                                                            17 AMENTA, Alessia. Op. Cit., pp. 91-92.

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primeiro de Megiddo e depois de Jerusalém: os indígenas apelaram em vão para o Egito, Amenófis IV não lhes enviou auxílio algum.18

Essa ausência de socorro citada por Vercoutter pode ser constatada também

devido a um acervo de fontes encontrado na “Casa da Correspondência do Faraó”19 em

Amarna. Tratam-se de cerca de 300 tabuinhas em escrita cuneiforme, com os arquivos

diplomáticos do reinado de Akhenaton e de seu antecessor:

Nas escavações do Palácio Real em Tell-el-Amarna veio à luz um dos documentos mais emocionantes de toda a arqueologia: o arquivo completo do Ministério das Relações Exteriores (chamamo-lo assim) de Akhenaton. Trata-se de mais de trezentas tábuas de argila, escritas em babilônio (a língua diplomática daquela época) que abrangem toda a correspondência que os mitanos, os hititas, Assur, Babilônia, Chipre e quase todos os príncipes e reis do império enviaram a Amenófis III e IV.20

Infelizmente, muitas dessas fontes foram perdidas e outras estão espalhadas em

diversos museus.

Enfim, dada a facilidade com que a reforma amarniana teve fim e suas práticas

foram abandonadas, isso condiz com o desinteresse gerado por um governo ineficiente

por parte de Akhenaton, que se dedicava quase inteiramente à adoração do disco solar,

instituindo inclusive um novo modo de culto, no qual o Aton deveria ser louvado em sua

forma visível, ou seja, literalmente através da exposição ao sol em templos sem teto.

Isso é constatado através da carta EA 16, integrante do conjunto de Cartas de Amarna,

como ficaram conhecidas as tábuas de argila em língua acadiana, na qual o rei da

Assíria Ashshuruballit I escreve ao faraó reclamando de que seus mensageiros são

obrigados a passar horas sob o sol a pino.21

Além dessa inovação na forma de cultuar o deus, Akhenaton introduziu muitas

outras novidades durante o tempo transcorrido em Amarna. Alguns autores chegam a

considerar a reforma amarniana também como um movimento artístico, dadas as

mudanças na convenção egípcia de representação e na arquitetura. As figuras humanas

passam a ser representadas com crânios alongados, rostos longos com queixos

protuberantes, quadris pronunciados, olhos amendoados, ventre saliente, entre outras

                                                            18 VERCOUTTER, Jean. Op. cit., p. 83. 19 ALDRED, Cyril. Op. Cit., p. 95. 20 ARBORIO MELLA, Federico A.O Egito dos Faraós. Editora Hemus. s/d. Pg 191. 21 CARDOSO, Ciro Flamarion. De Amarna ... Op. Cit., pp.123-124.

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características. O faraó passa a ser registrado artisticamente em poses e situações não

usuais segundo a tradição egípcia, como por exemplo, as cenas íntimas familiares.

As formas exageradas da arte amarniana são explicadas por Alessia Amenta

através de duas teorias:

Alcuni preferiscono considerare questi tratti specifici di una particolare malattia che doveva affliggere il re, quale la síndrome di Fröhlich, o piuttosto l’idrocefalia, o la distrofia miotonica di Steinert. Altri invece intenderebbero queste caratteristiche legate a un processo speculativo che voleva raffigurati i tratti maschili e quelli femminili nella stessa persona del sovrano in quanto simulacro del dio unico e demiurgo.22

A hipótese do faraó como representação de deus demiurgo é atualmente mais

aceita, porém alguns autores ainda a refutam:

This unorthodox appearance caused some scholars to suggest that the king was being depicted as a male/female primordial creator deity. No inscriptional evidence accompanies these figures to support such a conclusion, and throughout Egypt’s history, only male creator gods were portrayed.23

Para além das novas formas artísticas, a reforma amarniana obviamente

promoveu modificações profundas na religião. Uma das mais notáveis foi o fato de que

apenas o faraó conhecia seu deus, e a acessibilidade a ele era impossível sem a

intermediação de Akhenaton, portanto, só se podia chegar a Aton através da adoração

do próprio rei e de sua família, uma vez que essa divindade se manifestava no céu como

o disco solar, e também na terra, como o próprio faraó, seu filho e também sua imagem

viva.

Se anteriormente a vida urbana era caracterizada pelas inúmeras procissões

divinas, onde a estátua do deus, dentro de sua barca sagrada se manifestava às pessoas, e

sua aparição representava o renascimento dos espectadores, assim como de todo o

cosmo, em Amarna, quem aparece na procissão é o soberano, como hipóstase do

próprio Aton. A procissão funcionava como ato de adoração ao faraó, filho único de

Aton, é só através dele que se poderia chegar ao deus. O próprio faraó se materializa em

Maat, viver segundo Maat era viver seguindo os ensinamentos do rei e assegurando sua

                                                            22 AMENTA, Alessia. Op. Cit., p. 96. 23 SILVERMAN, David P., WEGNER, Josef W e WEGNER, Jennifer Houser. Op. Cit., p. 17.

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vontade. A única promessa de vida futura se revela na obediência ao soberano, visto que

não havendo mais Osíris, o próprio rei é identificado como Senhor do outro Mundo, e se

pede diretamente a ele uma sepultura digna e a ascensão à vida fora da terra.24

O conceito de Maat – que engloba a ordem, harmonia, verdade e justiça – era

muito importante para os egípcios, por isso o faraó aparecia como aquele que mantém a

maat na terra. Nem mesmo Akhenaton abandonou esse conceito, porém, deixou de

deificá-lo:

Maat, cosmic order, was so important to the Egyptians that they deified it as a goddess. Akhenaten, who avoided naming other deities, retained this concept and included it in texts at Amarna, emphasizing that he lived according to its principles. The inscriptions where this word appears do not always use the hieroglyph denoting divinity after it, suggesting that while the concept of maat endured, its divine status was perhaps being phased out.25

De acordo com Amenta, além desta, Akhenaton introduziu outras inovações no

poder faraônico, de alto valor simbólico: uma procissão real ao invés da de caráter

divino, escolta de militares para o rei em desfile, aparições do faraó e seus familiares na

“Janela das Aparições”, revisão da parte do soberano de tropas e funcionários, adoração

pública de Akhenaton da parte de seus cortesãos, representações do rei na intimidade

familiar.26

Algumas dessas mudanças esvaziaram de sentido a maneira tradicional de

legitimar a monarquia divina. A figura de um faraó é perpassada por realidades

complexas: ele é homem, sacerdote – pois transita entre os homens e o mundo divino –

e herdeiro da estirpe divina, visto que é filho dos deuses, sendo ele mesmo um deus. Na

dimensão cósmica, o soberano é legitimado ao trono enquanto “Hórus vivo na terra” no

momento de sua coroação. Ele é celebrado também como filho de Rá. É essa

legitimação que provém de Hórus e de Rá que permite ao faraó transitar entre os dois

mundos e interagir com os deuses.

Akhenaton além de abandonar esse meio de legitimidade vinculado a Hórus e

Rá, ainda eleva o próprio deus Aton à condição de rei, fundindo sua figura com a dele,

como relata Ciro Flamarion Cardoso:

                                                            24 AMENTA, Alessia. Op. Cit., pp. 97-98. 25 SILVERMAN, David P., WEGNER, Josef W e WEGNER, Jennifer Houser. Op. Cit., p. 40. 26 AMENTA, Alessia. Op. Cit., p. 97.

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Anteriormente, como também depois de seu reinado, a divinização do faraó reinante levava, entre outras coisas, à sua equiparação com o deus dinástico Amon-Rá e com outras divindades importantes. Akhenaton transformou isto numa tendência de mão dupla: além de mostrar-se como único filho e ao mesmo tempo imagem na terra do Aton, deus dinástico de sua escolha, o próprio Aton passou a parecer-se a um rei, com os seus nomes inscritos em cartouches, a possibilidade de serem as datas indicadas pelos seus anos de reinado e a celebração de jubileus (coisas antes reservadas aos reis).27

Essa tendência do faraó à divinização ainda em vida é freqüente no Reino

Novo:

Do ponto de vista religioso, a tentativa efêmera de reforma liderada por Akhenaton se acha no ponto de encontro – e, por fim, de choque – de duas tendências do Reino Novo que nem começaram com o faraó de Amarna, nem terminaram em sua época: aquela a uma crescente exaltação do deus dinástico Amon- Rá de Tebas; e a que levou a uma também crescente divinização do faraó reinante enquanto ainda vivo. 28

As relações conflituosas com os sacerdotes de Amon também não são uma

particularidade do reinado de Akhenaton, outros faraós antecedentes já haviam tentado

diminuir o poder do culto e do sacerdócio de Amon, mas não contestando diretamente o

deus tebano, apenas incentivando outros cultos, inclusive a eles mesmos. Alguns faraós

da dinastia, como o próprio Amenhotep III, foram representados adorando a si

mesmos.29

Como explanado anteriormente, um faraó legitimava seu poder através da

identificação com Hórus e Rá. Sendo este último uma divindade solar que durante as

fases do dia assumia várias facetas:

Heretofore the Sun-god had appeared in three major forms: as Harakhti in the morning, as Khepri in midday, and as Atum in the evening. His daily journey across the sky had been done in the company of many gods. It had involved the ever- recurring combat against the primordial serpent Apopis. In traversing the night sky the god had been acclaimed by the multitudes of the dead who rest there;

                                                            27 CARDOSO, Ciro Flamarion. De Amarna ... Op. Cit., p. 120. 28 Idem, p. 119. 29 Idem, p. 120.

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and each hour of the night had marked a specific stage in his journey. Thus the daily circuit of the sky was a drama with a large supporting cast. In the new doctrine of the Aten as sole god all these facets were eliminated. The Aten rises and sets in lonely majesty in an empty sky. Only the earth is peopled by his creatures, and only they adore his rising and setting.30

Embora tenha perdido suas metamorfoses durante o dia para assumir apenas a

plenitude de ser Aton, esse deus solar não deixou de ser associado a Rá-Harakhty, uma

divindade tradicional da cidade de Heliópolis, no Baixo Egito.31 Logo, Rá não foi

banido, mas passa a aparecer combinado a Aton. Tanto é que no nome didático de Aton,

“Re-Harakhti-who-rejoices-in-lightland In-his-name-Shu-who-is-Aten”, aparece

também o nome de Rá-Harakhty. Ainda na própria titulatura do faraó, mantém-se o

nome do deus Rá em um de seus epítetos: “sole-one-of-Re”.

Quanto ao deus Aton, o faraó é o único capaz de conhecê-lo plenamente, como

pode ser observado em diversos hinos e orações encontradas nas tumbas de sua corte, o

único modo de adorar Aton é prestando culto ao seu filho e hipóstase, Akhenaton: “The

theme of both hymns is the close association of the Aten with King Akhenaten, as

reiterated by the king on his monuments.”32

Uma das fontes mais significativas onde se observa a relação de Aton com o rei

e com sua criação é o Grande Hino de Aton, do qual existem ao menos cinco versões,

que não variam muito em seu conteúdo: as diferenças encontradas nas tumbas dos civis,

é que em duas (de Any e Meryre) o hino foi adaptado para que eles fossem os

interlocutores e em outras três quem fala com Aton é diretamente o faraó.33 Essa é uma

obra literária de sensibilidade única do período amarniano, que versa sobre como o deus

Aton ama todas as suas criaturas e ilumina o Egito com seus raios solares e seu amor,

sendo que o único que o conhece é Akhenaton: “Estás em meu coração e nenhum outro

te conhece senão teu filho Nefer- kheperu- Rá Ua-em-Rá, (pois) tu o iniciaste em teus

desígnios e em teu poder.”34 A relação de Aton com Akhenaton fica clara no Hino:

Sendo o coração, para os egípcios, a sede do intelecto e das emoções, quando no texto o rei afirma, em relação à divindade solar, “Tua força

                                                            30 LICHTHEIM, Miriam. Op. Cit., pp. 89-90. 31 CARDOSO, Ciro Flamarion. De Amarna ... Op. Cit., pp. 116-117. 32 LICHTHEIM, Miriam. Op. Cit., p. 92 33 Idem, p. 90. 34 Trecho do Grande Hino a Aton, que se refere a Akhenaton pelo seu prenome: Neferkheperure Ua- en-á. ARAÚJO, Emanuel. Op. Cit., p. 334.

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e teu poder permanecem em meu coração”, está dizendo com isto que ele conhece – em caráter exclusivo, como fica mais claro no Grande Hino ao Aton – aquela divindade.35

A ênfase em Aton e a negação de outros deuses fazem com que alguns

estudiosos classifiquem o período amarniano como a primeira tentativa de imposição do

monoteísmo por parte do poder político no mundo antigo. Para Ciro Flamarion Cardoso,

não se pode falar em monoteísmo para o caso da reforma de Amarna, pois o faraó não

renunciou à sua própria divinização, que pelo contrário, foi exaltada.36

Refutada a teoria monoteísta, a escassez de fontes não permite que nem mesmo

a perseguição de Akhenaton aos templos de outros deuses possa ser dada como certa:

Fique bem claro que não houve nenhuma perseguição; seu fervor iconoclasta ele o realizou invariavelmente em Tebas, para contrariar Amon, onde mandou apagar não só o nome dele, mas também o de Ptah, de Rá, de Osíris e até os hieróglifos que mencionavam a palavra “deus”. Mas, afora estas destruições, que se verificavam apenas em Tebas no resto do país tudo continuou como antes: os templos de Menfis e de Heliópolis, para citar só os mais poderosos, celebravam pacificamente os seus cultos, o que permitiria supor que apoiavam o faraó, intencionalmente, contra o “forasteiro”Amon. E entre os escombros das casas de Akhetaton foram encontradas as estatuetas de todos os deuses, sem excluir Amon.37

Assim como relata o trecho acima, Cardoso afirma que não se pode ter uma

idéia do quão abrangente foi a reforma aparelhada por Akhenaton, pois não há

documentos suficientes para saber o quanto a ordem faraônica de apagar as inscrições

dos nomes de Amon e a palavra “deuses” foi levada a cabo, nem mesmo para confirmar

a afirmação da Estela da Restauração de que os templos estariam desprovidos de clero

e de culto. Não se pode alegar também por falta de fontes, que o fechamento dos

templos e a apropriação de suas riquezas por parte do soberano tenha se desenvolvido

de maneira igualitária por todo o território, é provável que devido à extensão do

território egípcio, o processo de reforma tenha apresentado variações regionais. É

possível que Akhenaton realmente tenha fechado alguns templos, pois essa prática se

ajustaria a sua nova doutrina.

                                                            35 CARDOSO, Ciro Flamarion. De Amarna ... Op. Cit., p. 118. 36 CARDOSO, Ciro Flamarion. De Amarna ... Op. Cit., p. 125. 37 ARBORIO MELLA, Federico A.Op. cit., pp. 196-197.

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Porém se isso procede, as conseqüências para o governo seriam

contraproducentes: primeiro, o acúmulo da riqueza nas mãos do faraó centralizaria a

administração, o que a nível local geraria um sistema de corrupção. Em segundo lugar, a

construção da nova capital e dos novos templos esvaziou os cofres faraônicos e

prejudicou a economia egípcia.38

Ainda são incertas as implicações da política religiosa amarniana sobre a vida

do homem comum do Egito, sendo que a nova religião fez apenas alguns adeptos,

especialmente entre a corte amarniana, pois a população geral manteve sua crença nos

antigos deuses, como explica Howard Carter, arqueólogo que descobriu a tumba de

Tutankhamon:

O populacho, intolerante à mudança, com muita gente aflita pela perda dos velhos deuses familiares e pronta para atribuir qualquer perda, privação ou infortúnio à ciumenta intervenção das deidades insultadas, mudava lentamente da perplexidade para o ressentimento ativo com o novo paraíso e a nova terra decretados para ele.39

Já entre a corte amarniana, a religião de Aton converteu mais pessoas,

provavelmente interessadas em favores junto ao faraó:

All that a courtier of Akhenaten could hope for was to be granted a tomb and that his ka would survive by virtue of his association with the King. It is no wonder that after the death of Akhenaten his followers hastily abandoned his teaching and returned to the comforting beliefs in the many gods who offered help to man in life and beyond death.40

Como mostra o trecho, após a morte de Akhenaton verificou-se uma desordem

tanto em relação a sua religião pessoal quanto à sucessão real. Esta última mantém-se

confusa até hoje, devido à natureza desconhecida de dois governantes que parecem se

encontrar entre os reinados de Akhenaton e Tutankhamon. Tratam-se de

Neferneferuaten – que alguns egiptólogos41, incluindo Zahi Hawass, acreditam ser a

                                                            38 CARDOSO, Ciro Flamarion. De Amarna ... Op. Cit., pp. 126-127. 39 CARTER, Howard e MACE, A.C. A Descoberta da Tumba de Tutankhamon. Tradução Lucia Brito. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2004. Pg 44. 40 LICHTHEIM, Miriam. Op. cit., p. 92. 41 SHAW, Ian. Op. Cit., p. 278.

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própria Nefertiti usando outro nome, e depois Smenkhare, de origem também duvidosa.

Para Carter, Smenkhare poderia ser marido de Meritaton, filha de Akhenaton.42

Já Nefertiti era muito ativa no reinado de Akhenaton, porém , a partir do 12

ano de reinado, ela sai de cena e quem passa a aparecer ao lado de Akhenaton em cenas

cerimoniais é sua filha mais velha, Meritaton.

Depois do conturbado processo de sucessão real, enfim, Tutankhamon chega

ao trono, não se tem certeza se ele era irmão ou filho de Akhenaton com uma esposa

secundária, o fato é que a fim de obter legitimação real – que era passada pelas

mulheres – Tutankhamon casa-se com Ankhsenamon, filha legítima de Akhenaton e

Nefertiti.

Um de seus primeiros atos no governo – que foi iniciado quando ele ainda era

uma criança de cerca de nove anos- foi a restauração oficial dos cultos anteriores,

decretada através da Estela de Restauração.

O retorno à religião tradicional parece ter ocorrido sem conflitos,

provavelmente porque a religião de Aton era muito ligada à figura do faraó e a sua corte

mais íntima. Nas habitações de Amarna, foram encontradas estelas e amuletos

dedicados às divindades tradicionais, especialmente às mais populares, como Bes e

Taueret, indicando que a religião de Aton não teve uma aceitação muito grande entre as

camadas mais baixas, e nem mesmo na corte, como aponta Cardoso:

A corte sem dúvida seguiu as indicações do rei e agiu de acordo com as mesmas, como se vê no que resta das capelas e tumbas privadas. Mas a facilidade e a prontidão com que se efetuou depois a volta aos padrões ordinários da instituição monárquica e a seus mitos mostra que a aceitação das inovações de Akhenaton pelos grupos dominantes havia sido bem superficial.43

Provavelmente, todas as novidades introduzidas pelo culto de Aton foram

vistas com estranhamento pelos egípcios, que não estavam acostumados a pensar o

mundo sem os mitos:

O Aton é um deus criador, benigno, que ama a sua criação e é por ela amado: mas o modo de falar a seu respeito não é a linguagem mítica

                                                            42 CARTER, Howard e MACE, A.C. Op. cit., p. 44. 43 CARDOSO, Ciro Flamarion. De Amarna ... Op. Cit., p. 124.

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tradicional do Egito, mas, sim, uma fenomenologia expressada em linguagem poética de fundo naturalista.44

Segundo Ciro Flamarion Cardoso, um aspecto que tornou a religião de

Akhenaton efêmera é a ausência de diversos elementos aos quais os egípcios estavam

habituados. Por exemplo, a ausência do pensamento mítico, da magia, de meios

religiosos para lidar com a dor e o sofrimento, da preocupação ética – visto que o

mundo de Aton é baseado em um otimismo exacerbado – e, por fim, na ausência da

religião funerária tradicional e da possibilidade de diálogo direto entre o deus e os

homens.45

O faraó sempre foi o único sacerdote do deus, como na religião tradicional,

mas Akhenaton levou isso ao exagero: as pessoas só poderiam chegar ao deus mediante

o culto do rei e de sua família, representantes terrestres do Aton, o que gerou um receio

de que as pessoas deixassem de ser assistidas na passagem para a vida além-túmulo.

Sem muita resistência, a religião tradicional foi retomada, e Akhetaton logo foi

abandonada durante o reinado de Tutankhamon.

Quanto a este jovem faraó, nascido Tutankhaton, pode-se dizer que foi criado

em Amarna seguindo a doutrina de Aton: “Named Tutankhaten – “Perfect is the Life of

Aten”- he spent his early childhood in the royal court in Amarna and undoubtedly knew

no other religion than Atenism.”46 Ao que Carter também está de acordo: “Que ele

começou como adorador de Aton e retornou à antiga religião é evidente pelo nome, que

mudou de Tutankhaton para Tutankhamon, e pelo fato de que fez pequenos acréscimos

e restaurações nos templos dos antigos deuses em Tebas.”47

A grande preocupação do breve reinado de Tutankhamon (nove anos) foi com

a reabertura dos templos e a retomada do culto aos demais deuses, principalmente o de

Amon em Tebas. Seu reinado representou uma fase de transição seja literária ou

iconográfica, como o exemplo da decoração do trono deste faraó,que ainda apresentava

características artísticas predominantemente amarnianas.

A Estela da Restauração foi produzida no início do reinado de Tutankhamon,

quando ele ainda era uma criança, jovem demais para autorizar ou idealizar a confecção

da estela, provavelmente autorizada por seus regentes, como atesta Dodson:

                                                            44 Idem, p. 120. 45 CARDOSO, Ciro Flamarion. De Amarna ... Op. Cit., pp. 120-121. 46 SILVERMAN, David P., WEGNER, Josef W e WEGNER, Jennifer Houser. Op. Cit., p. 7. 47 CARTER, Howard e MACE, A.C. Op. cit., p. 47.

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As a youth still in his early teens, none of this can have been at Tutankhamun`s own instigation; rather, it will have been the policy of those who had replaced Neferneferuaten in the direction of the state on the young king`s behalf.48

Nesta fonte, pode ser notado o retorno aos antigos meios de legitimação

divinos, através da identificação do faraó com deuses como Amon e Hórus. O mesmo se

verifica na troca de nomes do soberano e de sua esposa real de componentes “Aton”

para “Amon”. Tutankhaton passa a se chamar Tutankhamon, cujo significado “imagem

viva de Amon” liga novamente a figura do faraó a essa divindade. A mesma prática se

observa com o nome da rainha, que passou de Ankhesenpaaton para Ankhesenamon.

É nesse contexto de retorno aos antigos paradigmas religiosos e busca da

legitimidade divina tradicional que se insere a Estela da Restauração.

                                                            48 DODSON, Aidan. Amarna Sunset: Nefertiti, Tutankhamun, Ay, Horemheb, and the Egyptian Counter-Reformation. Cairo: The American University in Cairo Press, 2009, p. 65.

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II. Estela da Restauração: características e possibilidades

A Estela da Restauração trata-se de um documento produzido no início do

governo de Tutankhamon (1336 – 1327 a.C.), como atesta Cyril Aldred:

His first important decree was a proclamation, which has come to be known as the Restoration Stela, found near the Third Pylon at Karnak, together with fragmentary duplicates also from Karnak, all usurped by Haremhab.49

Essa estela foi confeccionada em um bloco de granito vermelho com as

seguintes medidas: 2,54m x 1,29m e espessura de 38 cm. Tal documento histórico foi

encontrado por Georges Legrain em 1905, no canto nordeste da Sala Hipostila do

templo de Amon em Karnak, próximo ao pilone III, construído por Amenhotep III.

Segundo Aidan Dodson, é provável que originalmente ela tenha ficado na frente do

pilone III, que posteriormente tornou-se a parede traseira da sala50. Chamam-se pilones

os portões de entrada monumentais dos templos egípcios, flanqueados por duas torres

trapezoidais mais altas, com inscrições e imagens nas paredes.

Atualmente a estela se encontra no Museu do Cairo. Em 1907, Legrain

encontrou um fragmento de uma duplicação da estela em um contexto de reutilização no

templo de Montu. Esse fragmento contem parte das linhas 15-27, e mede 50cmx 61cm.

Quando da descoberta da estela e devido ao seu estado, Legrain apontou a

hipótese de que na época copta ou mesmo árabe, foi feita uma tentativa de dividi-la em

duas partes, provavelmente para fins de construção, fazendo grandes buracos em sua

face ao longo do eixo. Posteriormente, um cilindro de uma das colunas da Sala

Hipostila caiu e rompeu a estela em cinco partes. Apesar da ação do homem e do tempo,

a estela conservou sua beleza e permaneceu praticamente legível, faltando apenas

algumas lacunas em determinadas linhas. De acordo com Bennett51, a estela apresenta

um estilo artístico que remonta ao de Amarna, mas retoma motivos comuns da XVIIIª

dinastia – à qual pertencem desde os antecessores de Akhenaton até Horemheb.

                                                            49 ALDRED, Cyril. Akhenaten – King of Egypt.Thames & Hudson Ltd, 1988, p. 294 50 DODSON, Aidan. Op. cit., p. 63. 51BENNETT, John. “The restoration inscription of Tut'ankhamun”. The Journal of Egyptian Archaeology, 25:8-15, 1939, p. 14.

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Corroborando o pensamento de Bennett, Dodson afirma que a estela apresenta heranças

da arte amarniana mas com uma tentativa de retorno às proporções anteriores.

Segundo Bennett52, a estela foi publicada pela primeira vez por Legrain em

1907, mas sua cópia do texto apresentava muitos erros e a tradução estava defasada.

Para a realização deste trabalho, utilizamos quatro traduções da fonte, sendo que duas

delas apresentam também as transliterações, visto que o texto original é escrito em

hieróglifos. A principal e clássica, é a tradução de John Bennett53, de 1939, publicada no

The Journal of Egyptian Archaeology, como uma tradução para o inglês. Outras duas

traduções para o inglês são a de Willian J Murnane, presente no livro Texts from the

Amarna Period in Egypt54, e a de Mark- Jan Nederhof55, esta apresenta além da

tradução uma transliteração dos hieróglifos. A última e mais recente tradução é de H.

Doranlo56 para o francês, sendo esta a mais completa, pois além da tradução e

transliteração, o autor faz uma cópia dos hieróglifos, facilitando a leitura. Além das

quatro traduções da fonte na íntegra, Aidan Dodson57 apresenta em seu livro extratos da

Estela da Restauração traduzidos para o inglês. Através da análise e comparação das

diferentes traduções da fonte, foi possível fazer uma tradução para o português (anexo

Y), que será utilizada no próximo capítulo a fim de destacar determinados trechos do

documento. Para a versão em português, buscamos comparar a transliteração da Estela

da Restauração com a de outros textos egípcios, buscando termos que se repetissem a

fim de traduzi-los da melhor maneira possível, assim como analisamos textos egípcios

já traduzidos para essa língua a fim de empregar os termos de forma padronizada.

Apesar de o conteúdo da fonte ser o mesmo nas quatro traduções, elas

apresentam algumas divergências em como ele aparece, como por exemplo, apesar da

transliteração de Nederhof na linha 5 conter a palavra “Maat”, ele opta por uma

tradução como “justice”. Enquanto que Doranlo, Murnane e Dodson utilizam a palavra

“Maat”, melhor inserida no contexto egípcio, uma vez que significa ordem, sendo que

sua manutenção era muito importante para os antigos egípcios. Até mesmo Bennett

traduz a palavra como “truth”.

                                                            52 BENNETT, John. Op. cit., p. 8. 53 Idem. 54 MURNANE, William J. Texts from the Amarna Period in Egypt. Edited by Edmund S. Meltzer. 1995. 55 NEDERHOF,M. Restoration Stela of Tutankhamun, 2006. Disponível em http://www.cs.st-andrews.ac.uk/~mjn/egyptian/texts/corpus/pdf/RestorationTutankhamun.pdf 56 DORANLO, H. La stèle de la Restauration de Toutânkhamon. Rennes Egyptologie, 2011. 57 DODSON, Aidan. Op. cit.

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Outras inconsistências entre os quatro tradutores dizem respeito aos números.

Logo na primeira linha, onde aparece o ano da confecção da estela, a maioria deles

traduz como [Ano 1] , datando do primeiro ano do reinado de Tutankhamon. Porém,

Bennett deixa a lacuna em branco, afirmando que não é possível saber o ano, e Dodson

afirma que se trata do ano 4. As questões acerca do ano apresentado pela fonte geram

discussões entre os estudiosos:

Some scholars have suggested that the damaged introduction in Tutankhamun’s text would originally have listed the year of its composition as the first of his reign. Given the use of the later form of his name on the stela and its location in Thebes, in a temple devoted to the god Amun, it clearly was erected later, perhaps to mark his return to the traditional religious capital. He may have wanted to indicate this time as the real beginning of his rule, and for this reason recorded the date as Year I of his reign.58

Como o documento foi escrito já com o nome de Tutankhamon, e não faz

referência ao antigo nome que ele recebeu durante a vida em Amarna e com o qual foi

coroado – Tutankhaton – pode ser que a Estela da Restauração não tenha sido

efetivamente produzida no primeiro ano de seu governo, porém, como um documento

que decreta o retorno aos antigos cultos, legitimando o apoio divino a Tutankhamon, a

estela funciona também como um plano de governo, por isso, mesmo que não se

conheça exatamente o ano em que foi feita, era importante que ela fosse datada do

primeiro ano de reinado, restabelecendo assim, desde o início, a ordem egípcia anterior

aos acontecimentos do período de Amarna.

Ainda em relação aos números apresentados na fonte, na linha 15, que descreve

quantos estandartes existiam antes para o deus Ptah; Doranlo e Nederhof deduzem

tratarem-se de sete, enquanto Bennett supõe seis e para Murnane eram nove.

Nas linhas 8 e 9, que tratam do abandono do Egito pelos deuses, a frase “Se

um exército fosse mandado a Djahy...”59 mostra o nome original da localidade ( que

teria existido entre a Síria e a Palestina) nas traduções de Murnane, Doranlo e Bennett;

enquanto Dodson, em um extrato da fonte citado em seu livro, traduz como Síria e

Nederhof como Palestina. Uma outra diferença entre Nederhof e os outros autores está

nas linhas 24 e 25. Enquanto em todas as outras traduções “as mãos dos deuses estão

                                                            58 SILVERMAN, David P., WEGNER, Josef W e WEGNER, Jennifer Houser. Op. Cit., p. 173. 59 Tradução da Autora (T.A.).

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cheias de júbilos” 60, Nederhof escreve que elas estavam cheias de “festival-sed”, um

festival religioso egípcio.

Quanto aos epítetos de Tutankhamon, Murnane e Doranlo traduzem um deles

como “Príncipe de Heliópolis do Sul”, enquanto que Bennett o substitui por

“governante de Hermonthis.” Doranlo fornece uma explicação para a existência das

duas cidades: “Heliópolis Sul significa ‘jwny-Hermonthis’(Armant), ex-capital da

província e um local de culto de Montu, 20 km ao sul de Luxor. O epíteto foi

recuperado pela cidade de Tebas, que se tornou capital do nomo [...]”61 Dessa forma,

Tutankhamon recuperou a importância de Tebas, capital religiosa do Egito, que passou

a aparecer novamente nos epítetos reais.

Entretanto, apesar das pequenas diferenças entre as traduções, a linha mais

enigmática parece ser a linha 28, sendo que cada autor a traduziu de modo um pouco

diferente e Bennett se questiona em uma nota de rodapé sobre qual seria o significado

da frase. O trecho da linha 28 em questão, que se refere ao faraó, aparece em Bennett

com a seguinte tradução: “was rejuvenated, he who seizes (?) hastened of himself.”

Já Nederhof o traduz como: “while His Majesty is young, seizing the one who

speeds upon his body”, e Murnane: “was rejuvenated, and vigor coursed through his

body”. Em francês, Doranlo escreve a frase dessa forma: “n’était qu’un jeune enfant,

C’est un (roi) qui se saisit immédiatement de son corps”. Apesar de cada autor expressar

a frase com diferentes palavras, o sentido permanece como uma dúvida.

Analisar documentos egípcios requer atenção, como aponta Ciro Flamarion

Cardoso em sua metodologia de análise dos textos do faraó Kamés62. Primeiramente, é

preciso atentar à mescla de registro objetivo - que no caso da Estela da Restauração

trata-se da narrativa das conquistas do faraó, como por exemplo: “Ele encheu suas

oficinas com escravos e escravas, trazidos como um butim de Sua Majestade” 63 - e

subjetivo, quando, por exemplo, a fonte relata o abandono no qual os deuses deixaram o

Egito durante o período de desordem: “A terra estava em aflição, os deuses estavam se

afastando desta terra” 64. É importante perceber que nem todos os feitos anunciados por

essa fonte foram realmente levados a cabo por Tutankhamon, tratando-se de um registro

                                                            60 T.A. 61 DORANLO, H. Op. Cit., p. 2. 62 CARDOSO, Ciro Flamarion. Narrativa, Sentido, História. Papirus Editora, 1997. 63 T.A. 64 T.A.

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subjetivo. Isso ocorre pois, segundo Cardoso, a linguagem empregada em alguns

trechos de textos do antigo Egito é figurativa, e as figuras desempenham função

ideológica, como por exemplo, na fonte selecionada para este trabalho, quando exultam

o faraó como “de braço poderoso como Hórus” e “Bom deus, filho de Amon”, visando

identificá-lo com as divindades que o legitimam no trono. A análise da Estela da

Restauração deve ser feita de forma contextual, levando em consideração seu momento

de produção.

Além disso, ainda há o fato de que a estela foi reapropriada por Horemheb, que

governou o Egito de 1323 a 1295 a.C,sendo o último faraó da XVIIIª dinastia. Segundo

Bennett é possível perceber em vários pontos a escrita do nome de Tutankhamon sob o

cartucho de Horemheb.65 A prática da reapropriação dos monumentos consistia em

riscar ou apagar o nome do antecessor e escrever o próprio nome por cima, citada por

Marc Gabolde66 como damnatio memoriae, era comum no Antigo Egito. Porém, o uso

de termos como damnatio memoriae e usurpação de monumentos não condizem com o

contexto do Egito antigo. Apesar de a maioria dos autores citarem que a Estela da

Restauração foi “usurpada” por Horemheb, visto que este tomou o monumento para si,

riscando o nome de Tutankhamon e substituindo pelo seu, cerca de treze anos depois da

produção do documento, isso não caracteriza uma usurpação, na qual o poder é tomado

diretamente do antecessor. Como esse processo também ocorria entre faraós muito

distantes temporalmente um do outro, com um espaço de até mesmo dinastias, o termo

mais adequado seria uma reapropriação dos monumentos, e segundo Silverman: “It was

not an innovation for a new king to take over some of the monuments of a predecessor;

it was almost a privilege of the office of kingship.”67 Isso se explica através do aspecto

imutável do faraó, no qual a instituição faraônica é perpétua, não importa quem seja a

pessoa que esteja ocupando o cargo no momento.

A substituição do nome real é uma das diferenças presentes nas quatro

traduções da fonte analisadas. Em todas elas aparece o nome de Tutankhamon, mesmo

que ele tenha sido apagado, as fontes se referem ao verdadeiro cartucho, exceto por

Nederhof, que deixa a lacuna em branco, explicando que foi substituída pelo nome de

Horemheb.

                                                            65 BENNETT, John. Op. cit., p. 15. 66 GABOLDE, Marc. “Ay, Toutankhamon et les martelages de la Stele de la Restauration de Karnak (CG 34183)”. Bulletin de la Société d’Égyptologie, Genève 11,1987. 67SILVERMAN, David P., WEGNER, Josef W e WEGNER, Jennifer Houser. Op. cit., p. 183.

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Para compreender melhor a ação de Horemheb em relação à Estela da

Restauração, é importante explicitar como esse faraó chegou ao poder, marcando o final

da XVIIIª dinastia, e a ascensão de dois personagens sem sangue real ao trono. Assim

como a sucessão de Akhenaton foi conturbada, o mesmo ocorreu após a morte

prematura de Tutankhamon, entre os 18 e os 20 anos. Como o faraó não deixou

herdeiros, o governo foi assumido primeiramente por Ay e depois por Horemheb. As

titulaturas de ambos sugerem que os dois faziam parte do comando do exército egípcio e

antes mesmo de se tornarem faraós, eles já tinham muito títulos ligados ao governo.

Como nenhum desses dois altos funcionários do governo tinha vínculos

sanguíneos com a família real, eles tiveram que se legitimar no trono usando outros

estratagemas. Por vezes os dois aparecem como regentes ou conselheiros de

Tutankhamon, que ainda era uma criança ao assumir o governo, e alguns autores

afirmam que certamente a confecção da Estela da Restauração tenha partido deles.

Já se nota a grande influência de Ay no governo de seu antecessor através das

representações na tumba de Tutankhamon, na qual é Ay quem conduz o ritual de

Abertura da Boca. Originalmente, esse ritual é feito por um herdeiro do morto, e não por

alguém mais velho que ele.68 Ao descobrir a tumba de Tutankhamon, o próprio Carter

se surpreendeu ao constatar na câmara mortuária a presença de um faraó oficiando o

ritual de outro precedente:

Sabemos também, pela presença de seu cartucho na câmara mortuária da tumba recém-encontrada, que ele se responsabilizou pelas cerimônias fúnebres de Tutankhamon, mesmo que não tenha sido ele quem de fato tenha construído a tumba. É algo sem precedentes no Vale encontrar o nome de um rei sucedâneo nas paredes do monumento mortuário do predecessor. O fato de ser assim nesse caso parece sugerir um relacionamento especial entre os dois, e provavelmente estamos certos ao presumir que Ay foi grandemente responsável pela instauração do rei-menino no trono. É muito possível que ele já estivesse de olho no trono para si mesmo, mas, não se sentindo seguro o suficiente na ocasião, tivesse preferido esperar o momento propício e utilizar s oportunidades que indubitavelmente teve de consolidar sua posição como ministro de um jovem e inexperiente soberano.69

Durante seu breve governo (1327 – 1323 a.C.), Ay tratou de dar continuidade

às obras de restauro iniciadas por Tutankhamon, e como meio de se legitimar, além de

                                                            68SILVERMAN, David P., WEGNER, Josef W e WEGNER, Jennifer Houser. Op. cit., pp. 180 – 181. 69 CARTER, Howard e MACE, A.C. Op. cit., pp. 45 – 46.

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se fazer representar na tumba de seu antecessor, ele ainda casou-se com a viúva de

Tutankhamon – Ankhsenamon - visto que no Egito a linhagem real e divina era

transmitida pelas mulheres.

Depois do governo de Ay, enfim Horemheb pôde ocupar o trono. Sem

pertencer à família real, ele se utilizou de outro método de legitimação: através do

oráculo de Amon, reforçando a retomada do culto aos deuses anteriormente banidos por

Akhenaton, e colocando-se como “escolhido” divino para governar o Egito. No seu

“Texto de Coroação”, ele não esconde sua origem não-real, mas enfatiza o fato de que

foi designado para ser faraó quando jovem pelo deus Hórus de Hutnesu, e que essa

escolha foi manifestada por Amon durante um festival de Opet.70 Então, Horemheb se

faz coroar no templo de Luxor71, buscando uma legitimação que não existia através de

laços de sangue, visto que este templo não era diretamente consagrado a nenhum deus, e

se destinava à adoração do ka real, representando a ligação entre o faraó e o mundo

divino72.

Horemheb teve um importante papel na restauração dos antigos cultos,

posteriormente, ele anunciou que a iniciativa restauradora havia partido dele, inclusive

tendo descrito como seus, feitos que já apareciam na própria Estela da Restauração.73

O faraó se preocupou em apagar registros do período amarniano, fazendo com que seu

reinado começasse após o de Amenhotep III, e extraindo os nomes de seus antecessores

da história egípcia:

Depois de ter sido favorável aos reis Tutankhamon e Ay, o reinado de Horemheb caracterizou-se pela reação contra a família de Amenófis IV. Usurpou os monumentos de Tutankhamon, dos quais deu-se ao trabalho de raspar o nome do predecessor para substituí-lo pelo seu.74

Por causa disso, para Vercoutter, Horemheb só se vincula à XVIIIª dinastia

pela obra de Manethon e dos historiadores, pois não tem relação (sanguínea ou de

alianças) nenhuma, sendo que Ramsés I (primeiro faraó da XIXª dinastia) foi

                                                            70 SHAW, Ian. Op. cit., pp. 293- 294. 71 AMENTA, Alessia. Op. cit., p. 59. 72 Idem, p. 58. 73 ALDRED, Cyril. Op. cit., p. 301. 74 VERCOUTTER, Jean. Op. cit., p. 84.

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pessoalmente escolhido por ele. Por isso, Horemheb se aproxima muito mais da idéia de

um fundador da XIXª dinastia do que de último faraó da XVIIIª.

Uma hipótese para a apropriação de Horemheb da Estela da Restauração e de

outros monumentos de Tutankhamon, é a de que talvez eles tivessem sido feitos sob sua

própria autorização, como funcionário real:

Haremhab desmantelou os templos de Amenófis IV em Carnaque e construiu ele próprio bastante nesse local. Anexou também a maior parte das inscrições de Tutankhamon, talvez por achar que registravam os seus próprios feitos.75

Como pode ser observado, a destruição dos monumentos de Akhenaton

começa já durante o governo de Horemheb, mas durante a XIXª dinastia ela é muito

mais intensificada:

Half a century later, when Akhenaten and all his works had become anathema to the kings of the next dynasty, iconoclasts were sent to the desolate site to smash statues of the king and his family, and to obliterate his features and names, and sometimes the names of his god, on the temple and tomb reliefs.76

Essa relação com o nome no Egito antigo era levada muito a sério.Um nome

escrito em pedra tinha um valor importante para os egípcios, pois é como se aquela

inscrição ganhasse vida, é o nome quem faz o indivíduo existir, e portanto aquela

inscrição é um tipo de memória que mantém eternamente vivo o portador do nome.

Assim como apagar ou riscar um nome equivale a relegar o indivíduo a não existência,

por isso, quando da posterior condenação dos ideais de Akhenaton, ele passa a ser

citado nos documentos como “o criminoso de Akhetaton”77.

É muito utilizado pelos pesquisadores o termo “heresia” para designar o

período amarniano, ou então intitular Akhenaton como “o faraó herege”. Atualmente,

essa terminologia vem sendo combatida, visto que o conceito de “heresia” para o antigo

Egito releva-se anacrônico, já que a palavra remonta ao mundo cristão.

Dado o processo de aniquilamento dos monumentos de Akhenaton, os

materiais de suas construções foram reutilizados em novas obras, e coube a Seti I o                                                             75 BAINES, John e MÁLEK, Jaromír. O Mundo Egípcio – Deuses, Templos e Faraós. Volume I. Edições del Prado, 1996. P 46. 76 ALDRED, Cyril. ElOp. cit., p. 89. 77 Idem, p. 91.

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restauro dos monumentos danificados durante o período amarniano, que continham o

nome de Amon ou de outros deuses.78 Essa recuperação e consequente elevação de

Amon como deus mais importante do panteão egípcio já começava a ser esboçada na

Estela da Restauração. À parte o próprio conteúdo escrito na fonte, que fortalece os

laços do faraó com o deus Amon, na luneta da estela encontram-se também

representações de ambos. Chama-se luneta a parte superior da pedra, com formato de

meia-lua, onde além das figuras do faraó e dos deuses, há também inscrições que

auxiliam na compreensão dessa representação.

Acima está o disco solar alado, e nos lados direito e esquerdo está o faraó,

representado em cenas de oferenda, e os deuses Amon e sua consorte Mut. No lado

esquerdo, Tutankhamon porta a coroa azul e oferece buquês de lótus e papiros a Amon-

Ra. Por sua vez, Amon- Ra apresenta às narinas do rei o cetro-was, que provê a vida,

demonstrando a proximidade entre deuses e faraó. Atrás de Amon-Ra está Mut, e acima

dela, nas duas faces da estela, encontra-se a inscrição: “Mut, Senhora de Asheru,

Senhora de Todos os Deuses.” 79 À frente da coroa de Amon-Ra, lê-se: “Amon-Ra,

Senhor dos Tronos das Duas Terras, Senhor do Céu, Rei dos Deuses. Ele dá vida, toda

vida, estabilidade e domínio.” 80 Acima da figura do faraó, está gravado: “O Rei do Alto

e Baixo Egito, Senhor das Duas Terras,[...] [...] dotado de vida para sempre.” 81 E ao seu

lado: “Toda proteção, vida , estabilidade, domínio e saúde com ele, como Ra para

sempre.” 82 As lacunas no nome do faraó referem-se à reapropriação de Horemheb,

sendo que originalmente elas são preenchidas com [Nebkheperure] [Tutankhamun,

príncipe de Heliópolis do Sul] . Do lado esquerdo, abaixo da figura do faraó oferecendo

as plantas que representam o Alto e o Baixo Egito aos dois deuses, está a inscrição:

“Oferecendo plantas para que a ele seja dada a vida.” 83

Um aspecto instigante do documento é que atrás da representação do faraó,

está uma outra figura humana, que foi apagada, provavelmente quando da modificação

da estela por Horemheb. A identidade dessa figura suscita debates entre os

historiadores, sendo que Dodson, Bennett, Murnane sustentam que se trata da rainha

Ankhsenamon. Bennett aponta que a figura não foi substituída por Horemheb pela sua

                                                            78 SHAW, Ian. The Oxford History of Ancient Egypt. Oxford University Press. 2000.p 295. 79 T.A. 80 T.A. 81 T.A. 82 T.A. 83 T.A.

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própria esposa, Mutnedjemte, sugerindo que ela teria pouca importância em seu

reinado.84 Porém não é um consenso entre os especialistas que se trata da esposa real

Ankhsenamon. Alguns sustentam tratar-se de Ay, o sucessor de Tutankhamon. Dodson

e Gabolde afirmam que Ay aparece muitas vezes junto ao faraó em outros documentos.

Porém, enquanto Dodson acreditar tratar-se da rainha85, Gabolde indica várias hipóteses

sobre quem estaria representado na estela: um vice rei, o próprio Ay, uma divindade, o

ka real, um personagem civil, entre outros personagens da família real.86

Apesar de estar raspada da pedra, percebe-se que a figura que está atrás do

faraó tem os pés juntos, o que, no cânone tradicional da arte egípcia, indica uma mulher,

e portanto, a hipótese mais plausível é de que realmente seja a rainha Ankhsenamon,

visto que ela aparece com frequência nos monumentos de Tutankhamon, como

observou Howard Carter:

Como foi por meio dela que o rei herdou o trono, Ankhsenamon era uma pessoa de considerável importância, e ele manifestava o devido reconhecimento ao fato por meio da freqüência com que o nome e a imagem dela aparecem no mobiliário de sua tumba.87

Mesmo tendo se apropriado da estela, Horemheb não se preocupou em mudar

as feições do faraó ali representado, visto que, diferente da arte amarniana, que

objetivava que aquela figura diferente dos padrões egípcios comuns fosse rapidamente

reconhecida como o soberano, tirando assim do faraonato a idealização de continuidade

independente do personagem que o exercesse; na Estela da Restauração procurou-se

retornar aos moldes anteriores.

Isso se deve também ao fato de que essa fonte apresentava uma função

propagandística na época em que foi produzida88, de adequação aos padrões e aos cultos

praticados antes da reforma de Akhenaton. Essa propaganda voltava-se principalmente

aos sacerdotes de Amon, prejudicados durante o período amarniano, por isso a estela se

encontrava dentro do templo de Karnak:

                                                            84 BENNETT, John. Op. cit., p. 15 85 DODSON, Aidan. Op. cit., p. 63. 86 GABOLDE, MarcOp. cit., p. 46. 87 CARTER, Howard e MACE, A.C. Op. cit., p. 48. 88 SHAW, Ian. Op. cit., p. 287.

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Although only a few people would have immediate access to the temple enclosure and the stele within its court, the presence of the inscription in a sacred setting was of critical importance to ensure its longevity. Literate priests could recite the contents of the inscription to a larger portion of society during festivals and thus publicize the pharaoh’s greatness among his subjects.89

Dessa forma, a função de propaganda e plano de governo da Estela da

Restauração atingia o principal grupo de sacerdotes e também poderia ser perpassada

para a população. Nas áreas internas do templo, onde apenas alguns grupos sacerdotais

podiam transitar, as representações do faraó não precisavam ser tão grandiosas, pois

dentro do templo esse personagem dual era visto em seu viés humano, que deve prestar

culto aos deuses para que seja apoiado por eles em seu governo, garantindo o poder

necessário para a manutenção do mundo ordenado. Mesmo em dimensões reduzidas se

comparadas às representações das paredes externas dos templos, nas quais os súditos

deveriam reconhecer prontamente quem era o faraó e quais eram seus deveres; as

imagens do soberano não deixam de apresentar as mesmas proporções das dos deuses90,

como acontece na Estela da Restauração, na qual Amon-Ra e Tutankhamon apresentam

a mesma estatura.

Ao considerar objetos como esse, presentes na fonte, pode-se perceber de que

forma o governo de Tutankhamon pretendia ser legitimado a partir de sua retomada dos

cultos aos deuses habituais, ampliando seu poder político e colocando-se como

restaurador da ordem no Egito, o que será mais detalhadamente explicitado no capítulo

seguinte.

                                                            89 SILVERMAN, David P., WEGNER, Josef W e WEGNER, Jennifer Houser. Op. cit., p. 175 – 177 90 GRALHA, Júlio César Mendonça. Deuses, faraós e o poder: legitimidade e imagem do deus dinástico e do monarca no antigo Egito. Rio de Janeiro. Barroso Produções Editoriais 2002. P 105 – 106.

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III. A Estela da Restauração e o seu contexto: as disputas político-religiosas nos reinados de Akhenaton e Tutankhamon

O retorno do culto ao deus Amon após o período amarniano é marcado pela

Estela da Restauração, entretanto, nem sempre Amon teve tanta influência na história

egípcia:

O principal santuário de Amon ficava em Tebas, no Alto Egito, e por isso ele não ocupa posição de destaque durante o primeiro grande período da História egípcia. Quando, entretanto, o trono passou para uma família originária de Tebas, os faraós do Médio Império, o deus local alcançou grande prestígio.91

Na XVIIIª dinastia, os faraós tebanos se lançaram pela primeira vez às

empresas de conquista em larga escala no estrangeiro, e viram em Amon, deus de Tebas,

o artífice de suas vitórias.92 O culto solar sempre teve prioridade no Egito, por isso, para

tornar Amon um deus de alcance nacional, ele foi associado ao deus sol Rá. A partir de

então, os sacerdotes de Amon eram encarregados das riquezas do templo e muitas vezes

ocupavam cargos civis importantes como o de vizir93, visto que no Egito antigo, religião

e política não se distinguiam:

A veneração de Amon conheceu então também o seu período áureo: Tebas é a capital do Egipto; o seu deus é adorado como “deus de Estado”. Artífice da expansão; a sua glória difunde-se do Eufrates à Núbia e é materializada em tributos impostos aos países submetidos. Uma parte substancial desses tributos era entregue por direito ao templo de Amon, o mesmo é dizer, a Amon, por entrepostos representantes, os seus sacerdotes. O clero de Amon adquire assim um enorme poderio econômico e político, exercendo um domínio absoluto sobre o rei e a corte.94

Entre os tributos e recursos administrados pelo sacerdócio de Amon estavam:

Vastos rebanhos de gado e um imenso corpo de oficiais, trabalhadores e camponeses eram por eles recrutados para a conservação do

                                                            91 SHORTER, M.A. Alan. Os Deuses Egípcios. Editora Cultrix, São Paulo. s/d., pp. 22 – 23. 92 Idem, p. 85. 93 Idem, pp. 86 -87. 94 SALES, José das Candeias. A Ideologia Real Acádica e Egípcia. Editorial Estampa. Lisboa, 1997, p. 156-157.

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patrimônio do templo. Ouro, prata e todo tipo de metais preciosos, a pilhagem das campanhas e a coleta anual de tributos aos povos conquistados, tudo era destinado aos templos chegando os conquistadores do império a presentear Amon com distritos inteiros, na Síria e no Sudão, anexados como fontes de renda. 95

Sendo assim, pode-se imaginar a riqueza angariada pelos sacerdotes de Amon e

o poder que eles exerciam no Egito. Por isso, apesar de Mênfis ser a capital

administrativa, Tebas tornou-se a capital e principal centro religioso. Partindo dessa

situação de poder em que se encontrava o sacerdócio de Amon, compreende-se porquê

Akhenaton tomou uma série de medidas para combatê-lo. Apesar de muitos estudiosos

apontarem motivos estritamente religiosos para a reforma amarniana, nota-se que os

passos dados por Akhenaton faziam parte de um planejamento bem orquestrado e suas

inovações estavam apoiadas em precedentes96: “Dessa maneira, pode-se entender que

seus atos conduzem a uma conclusão lógica: levar adiante mudanças iniciadas por

Tuthmósis IV e Amenhotep III na tentativa de refrear o poder de Amon-Rá.”97

O faraó Akhenaton propôs uma solução radical: proibiu o culto de Amon e

fechou seus templos, proclamando que apenas o deus Aton deveria ser adorado, através

de sua hipóstase na terra: o próprio faraó. Essa conexão entre deuses e rei era essencial

em regimes políticos que encaravam a realeza como instituição responsável pelo

equilíbrio cósmico-social.98 Contudo, Akhenaton levou- a a extremos onde apenas ele

conhecia seu deus, colocando-se como único intermediário entre o mundo divino e o

mundo terreno e diminuindo a influência de qualquer sacerdócio. Após a morte de

Akhenaton, provavelmente nenhum outro faraó conseguiria sustentar os rígidos

preceitos da reforma amarniana, visto que se tratava de uma crença muito pessoal do

faraó antecessor e estava difundida somente entre sua corte mais íntima. Sendo assim,

optou-se por retornar aos cultos anteriores, reabilitando especialmente aquele ao deus

Amon, o qual, se por um lado só havia conhecido tanto prestígio após a ascensão de

faraós tebanos, por outro, era visto no Reino Novo como o responsável pela

prosperidade do Egito, sendo seu maior protetor:

                                                            95 SHORTER, M.A. Op. cit., p. 34. 96 SHAFER, Byron E. (org.) As religiões no Egito Antigo – deuses, mitos e rituais domésticos. Tradução de Luis S. Krausz. São Paulo: Nova Alexandria, 2002. P 95. 97 DAVID, A. Rosalie. Religião e Magia no Antigo Egito. Tradução: Angela Machado. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011. P 321-322. 98 SALES, José das Candeias. Op. cit., p. 88.

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“Há uma íntima relação entre Amon e a monarquia: o deus deve a sua glória histórica à monarquia e é naturalmente como garante e auxiliar dessa mesma instituição que emerge. Mais do que qualquer outro deus egípcio, Amon foi criação dos circunstancialismos políticos. A transformação de um obscuro deus local e ctónico num deus luminoso e solar foi o resultado directo dessas mesmas circunstâncias.99

O teor da Estela da Restauração, além de restaurar o culto aos antigos deuses,

especialmente Amon – fato atestado no retorno da utilização de seu nome nos epítetos

reais – é de mostrar como o Egito se encontrava antes da elevação do novo faraó ao

trono real. A estela não cita o nome de Akhenaton ou de sua capital Akhetaton, mas

subtende-se que se trata do período imediatamente anterior à coroação de Tutankhamon,

isto é, o governo de Amarna. O texto da estela expõe a situação de abandono a qual o

Egito foi relegado, sendo esquecido pelos deuses e tomado pelo caos: “A terra estava

em aflição, os deuses estavam se afastando desta terra”100, e ainda : “Se alguém orasse

para um deus para pedir uma coisa dele, ele não viria. Similarmente, se alguém orasse

para qualquer deusa, ela não viria.” 101

Entretanto, Dodson nos adverte que a prática de depreciar o que antecede o

presente governante deve ser analisada com cuidado:

Such retrospectives are always suspect: it is the classic tactic of a new regime to paint its predecessor in the worst possible light, both to contrast its own virtue, and also to justify any repressive measures that might be necessary to put things to right. 102

A Estela da Restauração aponta também várias medidas que tiveram que ser

tomadas pelo faraó para retomar a ordem no Egito, como por exemplo, a reconstrução

de templos, a confecção de novas imagens dos deuses, a retomada dos antigos cultos e

festivais, entre outros:

The measures which Tutankhamun adopted, according to his great proclamation, were the typical Bronze Age solutions of propitiating the gods and securing their support. These included the fashioning of new statues and sanctuaries of the chief deities in gold and precious materials, the repair of shrines and the restoration of their sequestered treasure and revenues. New priesthoods were established to revive the

                                                            99 SALES, José das Candeias. Op. cit., p. 209. 100 T.A. 101 T.A. 102 DODSON, Aidan. Op. cit., p. 63.

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lapsed services; and to these were nominated the sons and daughters of notables who had the respect of the local populace. 103

Agindo dessa forma o governante pode realizar um câmbio entre o mundo

divino e o mundo terreno, efetuando uma relação de dom e contra-dom: através da ação

de oferecer monumentos, consagrar sacerdotes e garantir o culto dos deuses, o faraó faz

com que as divindades atendam seus pedidos e voltem a proteger o Egito do caos. A

capacidade de exercer o governo é uma emanação divina, graças aos deuses o faraó

obtém o potencial para salvaguardar o cosmo, e os deuses são “alimentados” pelo culto

do faraó, ou seja, os dois são interdependentes e vivem dessa troca mútua.

Além de tomar as medidas necessárias para reabilitar o culto aos deuses,

expondo a situação do Egito quando este foi abandonado pela regência divina, a Estela

da Restauração funciona também como um documento de vertente propagandística, no

qual o faraó reafirma seu poder através da realização de inúmeras benesses e da

restauração da ordem. É possível que nem tudo que consta no texto da estela tenha sido

realmente efetivado, visto que para alguns autores essa fonte tem muito mais a função

de marcar o retorno dos antigos cultos do que de registrar fatos históricos:

His words are more a reflection of his break with Atenist beliefs than a narration of historical events. He uses only his later name, Tutankhamun, and provides no reference to his earlier life at Amarna, where he called himself Tutankhaten.104

A referência a seu antigo nome, ainda com o componente do deus Aton, não

aparece na estela, mas percebemos a retomada de epítetos que glorificam o deus Amon,

destacando a retomada da influência desse deus. Os epítetos reais eram essenciais para

um faraó, representando sua ligação com os deuses, e na Estela da Restauração eles

aparecem logo após a data do decreto, na linha 1, a fim de identificar o soberano que

havia mandado erigir tal monumento:

Qual cartão de apresentação, fundamental para o reconhecimento e aceitação do seu portador como rei sobre todo o Egipto, a altissonante titulatura egípcia constitui um elemento essencial na propaganda faraônica. Comportando-se como uma fórmula retórica, o conjunto de títulos do faraó invocava uma estreita relação com as divindades –

                                                            103 ALDRED, Cyril. Op. cit., p. 295. 104SILVERMAN, David P., WEGNER, Josef W e WEGNER, Jennifer Houser. Op. cit., p. 161.

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designadamente Hórus, Rá, Uadjit e Nekhbet – e, dessa forma, funcionava como legitimação do exercício do poder pelo faraó.105

A titulatura do faraó é composta por cinco nomes: o primeiro é o nome de

Hórus, que identifica o soberano como “Hórus vivo na terra”, herdeiro de Osíris. Esse

nome aparece escrito dentro do serekh, representação do palácio real. O segundo nome

é o nome das Duas Senhoras, que é concebido como o soberano que unifica as Duas

Terras sob uma coroa, e aparece com os hieróglifos que representam as deusas do Alto e

Baixo Egito, sendo a primeira o abutre Nekhbet e a segunda a deusa serpente Uadjit. O

terceiro componente da titulatura real é o nome de Hórus de Ouro, ligado à natureza de

falcão real e ao ouro como material de que são feitos os deuses e suas imagens. Os dois

últimos títulos do faraó aparecem já escritos dentro de cartuchos, sendo que o quarto é o

nome de Trono ou Prenome, que se relaciona ao poder político administrativo do rei do

Alto e Baixo Egito, e sempre aparece antecedido por essa expressão; e o último é o

nome de nascimento do faraó, ligado ao título de Filho de Rá, e geralmente é o mais

conhecido.

Como partes fundamentais dos epítetos reais aparecem o nome de Hórus, que

celebra o faraó em seu aspecto divino, e o nome do Trono, que faz referência ao mundo

terreno.

Na titulatura de Tutankhamon exposta na Estela da Restauração, seus cinco

epítetos principais são: “Hórus: Touro Poderoso, Perfeito de Nascimentos; Duas

Senhoras: Belo de [leis, que pacifica] as Duas Terras; Hórus de Ouro: quem veste a

coroa, quem apazigua os deuses; o Rei do Alto e Baixo Egito: [ Nebkheperure] , Filho

de Rá [ Tutankhamon, príncipe de Heliópolis do Sul].” 106 O significado das palavras

egípcias Nebkheperure e Tutankhamon é respectivamente: “Senhor das manifestações

de Rá” e “Imagem viva de Amon”.

No nome de Hórus, Tutankhamon é chamado de “Touro Poderoso”, uma vez

que a identificação do faraó com animais que são símbolos de poder, como o touro e o

falcão, é comum na titulatura egípcia: “No Egipto, o touro representa não apenas a

                                                            105 SALES, José das Candeias. Op. cit., pp. 193 – 194. 106 T.A.

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fertilidade, mas sobretudo a soberania; daí a definição de Osíris como “touro do

Ocidente”, e de outras divindades como “touro do céu”.107

Já em seus nomes de Duas Senhoras e de Hórus de Ouro, Tutankhamon

aparece como pacificador do Egito, que segue as leis e apazigua os deuses. Essas ações

estão inseridas na titulatura real provavelmente para expressar uma necessidade que

aquele governo deveria suprir, visto que o de seu antecessor havia deixado o Egito em

estado caótico, era importante que com a coroação de um novo soberano, este pudesse

trazer a ordem novamente às Duas Terras, legitimando-se no trono egípcio através da

pacificação dos deuses. Segundo Hornung, os epítetos de um faraó variavam conforme a

época e acentuavam a concepção de realeza daquele momento108, e em alguns casos

poderiam exprimir também um programa de governo109, ou seja, o que era esperado

daquele faraó, como parece ser o caso de Tutankhamon: “Os títulos oficiais são

testemunhos históricos do que se esperava da função real, nada mencionando da

personalidade individual do soberano que os assume – a não ser, talvez, a sua intenção

de os justificar.”110

Em seus dois últimos títulos, envolvidos por cartuchos, aparecem os nomes de

Tutankhamon, que são escritos junto as suas representações. O elemento da titulatura

“Rei do Alto e Baixo Egito” apesar de ser menos conhecido que o nome de nascimento,

é normalmente empregado em decretos legais, administrativos, econômicos, nos

templos e nas inscrições funerárias111. Já “Tutankhamon, príncipe de Heliópolis do Sul”

se relaciona à retomada da importância da cidade de Tebas (a Heliópolis do Sul112)

como principal centro religioso, visto que durante o reinado de Akhenaton ela foi

destituída desta função quando a capital foi transferida para Akhetaton. Até mesmo com

a mudança de nome Akhenaton abandonou as referências à Tebas, pois quando ele

ainda se chamava Amenhotep IV, seu nome de Duas Senhoras era “Grande de realeza

em Karnak” e o de Hórus de Ouro era “Que eleva as coroas em Heliópolis do Sul”.

                                                            107 HORNUNG, Erik. “O Rei”. In: DONADONI, Sergio (org.) O Homem Egípcio. Editorial Presença. Lisboa, 1994. P 254. 108 HORNUNG, Erik. Op. cit., p.241. 109 “Com base na crença egípcia de que desenhando ou escrevendo uma dada situação ela poderia acontecer, a titulatura e os epítetos do faraó poderiam mostrar as características do futuro monarca, seu “programa de governo”, e reafirmar a natureza dual do rei e sua relação com o deus.” GRALHA, Júlio César Mendonça. Op. cit., p. 91. 110 Idem, p. 204 111 Idem, p. 92 112 DORANLO, H. Op. cit., p. 2.

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Posteriormente, ao alterar seu nome de nascimento para Akhenaton, ele modificou as

demais titulaturas reais, sendo que as duas citadas acima tornaram-se respectivamente

“Grande de realeza em Akhetaton” e “Que eleva o nome de Aton”, como parte de sua

política de centralização do culto e do poder político em Amarna.

Além da titulatura oficial de Tutankhamon, a Estela da Restauração traz muitas

outras referências a ele, em diversos epítetos que o ligam às divindades e o legitimam

como governante do Egito. Deuses como Ptah, Thoth, Atum, entre outros passam a ser

citados novamente, assim como o templo de Karnak, sendo que Tutankhamon é

descrito na fonte como “o que está a frente de Karnak”. Epítetos como “Senhor dos

rituais”, “Amado de Amon” e “Bom deus, filho de Amon” estão entre os que destacam

a proximidade entre deuses e faraó e são legitimadores de seus atos como governante.

De acordo com Gralha, o epíteto, “bom deus” ou “deus perfeito” tinha importância nas

ações administrativas, reais e templárias e enfatizava o caráter divino do monarca.113

Um dos aspectos mais enfatizados pela Estela da Restauração é o estado de

decadência dos templos egípcios quando da ascensão de Tutankhamon:

Agora, quando Sua Majestade surgiu como rei, os templos de deuses e deusas, de Elefantina [às] lagoas do Delta,[...] tinham [caído] em ruínas. Seus santuários tinham caído em deterioração e tinham se tornado ruínas repletas de plantas – [...]. Seus santuários estavam como se eles nunca tivessem existido, seus templos eram trilhas. 114

Essa imagem de desolação induz à atividade restauradora de Tutankhamon,

também exaltada na fonte: “Ele restaurou o que estava em ruínas, como monumentos de

época eterna”. A relação do faraó com os monumentos é de extrema relevância no

exercício do poder:

A criação desses monumentos é tarefa do rei e insere-se, aliás, no papel do deus criador sobre a terra. Para cumprir essa missão, o rei começa, logo a seguir à coroação, a projectar grandes construções; assim, mesmo reinados relativamente curtos caracterizam-se por uma abundância surpreendente de monumentos.115

                                                            113 GRALHA, Júlio César Mendonça. Op. cit., p. 92. 114 T.A. 115 HORNUNG, Erik. Op. cit., p. 257.

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Dentre os monumentos construídos pelos faraós, os templos e santuários

estavam entre os de maior destaque, por isso o texto da estela ressalta que Tutankhamon

reedificou vários santuários que estavam abandonados: “construindo seus santuários

novamente, como monumentos de época eterna, dotados com permanência para a

eternidade”. 116

O templo tem um valor simbólico de microcosmo no Egito Antigo, e é o

espaço onde as funções divinas do faraó são legitimadas, no qual o governante renova

ciclicamente seu poder e é celebrado como “Hórus na terra.” Por isso, a ligação rei-deus

se realiza entre outras coisas na construção de templos pelo faraó, como ato de

obediência ao desejo divino: ao construir, conservar, ampliar os monumentos em honra

do deus, o faraó recebe em troca o reino de Hórus por “milhões de anos”. Quando o rei

“constrói monumentos para seu pai, o deus” é o mesmo que dizer que o faraó construiu

algo duradouro, mantenedor de um status, e que está obedecendo a vontade do deus.

São os monumentos construídos para os deuses que garantem a harmonia do mundo.117

Hornung afirma que esse era um dos aspectos fundamentais do comportamento

histórico do faraó, e que seus títulos sempre fazem referência à construção de

monumentos, que podiam ser edifícios, estelas, obeliscos e estátuas.118 Além da Estela

da Restauração mencionar Tutankhamon como “rico em monumentos abundante em

maravilhas, [...] que constrói monumentos por sua própria iniciativa para seu pai Amon” 119, um dos epítetos encontrados em sua tumba reafirma sua atividade construtora, como

expõe Cyril Aldred:

Certainly a great deal of reconstruction and restoration of former temples was initiated during the reign of Tutankhamun, and the epithet that is applied to him on one of the seals of his tomb, ‘who spent his life in making images of the gods’, might well serve as his epitaph.120

O período da restauração foi também marcado pela confecção, reparo ou

substituição de inúmeras imagens e estátuas novas de deuses:

                                                            116 T.A. 117 AMENTA, Alessia. Op. cit., pp. 30 – 31. 118 HORNUNG, Erik. Op. cit., p. 257. 119 T.A. 120 ALDRED, Cyril. Op. cit., p. 295.

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“Above and beyond Tutankhamun’s building activity was the manufacture of divine figures, an activity high-lighted in the Restoration Stela and a necessary remedy for Akhenaten`s iconoclasm, particularly against Amun.121

De fato, esse feito é enfatizado pela fonte: “E Sua Majestade construiu

monumentos para os deuses, [confeccionando] suas estátuas com verdadeiro electro”. 122

Mesmo que tenha sido faraó por um curto período, cerca de dez anos, durante o

governo de Tutankhamon, várias obras foram levadas a cabo, até mesmo a possível

construção de um templo em Tebas, denominado Templo de Nebkheperure.

Tutankhamon preocupou-se também em continuar os trabalhos iniciados por

Amenhotep III: “Most prominent is Tutankhamun’s completion of Amenhotep III’s

entrance colonnade at the Luxor Temple.”123 Com o retorno aos cultos tradicionais, a

colunata iniciada por Amenhotep III foi concluída e adornada com pinturas do Festival

Opet. E ainda: “[…] Tutankhamun was responsible for laying out the sphinx avenue

that led from the southern gateway of the Amun complex – at Tutankhamun’s accession

the incomplete Pylon X of Amenhotep III – to the nearby temple of Mut.”124

Não se conhece com exatidão a parentagem de Tutankhamon, talvez ele seja

filho ou irmão de Akhenaton. O empenho de Tutankhamon em prosseguir com as obras

de Amenhotep III pode estar relacionado a sua tentativa de ligar-se a esse faraó como

seu antecessor direto, colocando-se como seu filho, como ele faz em uma estátua no

templo de Sulb125, e dessa forma,pulando uma geração a fim de apagar da história

egípcia o governo de Akhenaton:

There were also new additions to existing work, one of the most notable being the insertion of a small figure of Tutankhamun behind each of tow figures of Amenhotep III in a relief on the rear face of Pylon III at Karnak. This way presumably an attempt to associate Tutankhamun formally with his most recent “acceptable” ancestor – both his parents now clearly not being so – a link that is reinforced in a number of important contexts.126

                                                            121 DODSON, Aidan. Op. cit., p. 78. 122 T.A. 123 DODSON, Aidan. Op. cit., p. 70. 124 Idem, p. 68. 125 ALDRED, Cyril. Op. cit., p. 293. 126 DODSON, Aidan. Amarna Op. cit., p. 70.

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Como citado anteriormente,outro vestígio do elo forjado entre os dois faraós

está em uma das estátuas de um par de leões de granito que tinham sido encomendados

para o templo de Amenhotep III em Sulb, Núbia; mas que foi concluída por

Tutankhamon e dedicada por ele ao “seu pai”, quando na verdade possivelmente trata-se

de seu avô e não o seu pai verdadeiro, que seria Akhenaton.127

Até mesmo a posição em que a Estela da Restauração foi encontrada evidencia

uma aproximação entre Tutankhamon e Amenhotep III, uma vez que essa estela estava

perto do pilone III, construído por Amenhotep III. Se essa foi a posição original em que

a estela foi colocada, isso pode ser interpretado como uma associação de sucessão entre

Amenhotep III - cujo governo sob o Egito foi um período pacífico e de efervescência

cultural - e Tutankhamon, visando o esquecimento do conturbado período amarniano.

Depois da desordem gerada no Egito pela reforma de Akhenaton, era preciso

que um novo governante assumisse o trono e restabelecesse a harmonia, necessidade

que se alia perfeitamente à metáfora egípcia para cada nova coroação, que, segundo

Hornung representa um novo ciclo da criação do mundo, em que o faraó recém-coroado

surge como o Sol, dissipando o caos e fazendo com que a vida se renove.128 Essa

perspectiva cíclica dos egípcios é explicada pelo fato de que o mundo e sua perfeição

são constantemente ameaçados pelo caos do qual foram gerados em um primeiro

momento, e portanto, devem regenerar-se regularmente a fim de oprimir essas forças.

Por isso, a tarefa do faraó é cuidar do restabelecimento e da regeneração da Maat, o

conceito egípcio que engloba verdade, ordem, justiça e harmonia, visto que o rei é o

único capaz de garantir a ordem estabelecida no início dos tempos.129 Entre as funções

de um faraó estão providenciar o culto divino e as necessidades de seu povo e proteger

as fronteiras do país. Somente agindo nessas vertentes o soberano realiza Maat, e ao

desempenhar essa tarefa ele é legitimado pelos deuses. Outra garantia de legitimação ao

trono é a obediência que o faraó deve prestar aos deuses. Essa via legitimadora é

eficiente em criar uma metáfora de aplicação terrena, pois assim como o faraó vive

devido ao favor divino, os homens vivem devido ao favor do faraó, por isso é

fundamental que os homens obedeçam ao soberano, visto que ele é a única garantia de

vida dos seus súditos.

                                                            127 Idem, p. 71. 128 HORNUNG, Erik. Op. cit., p. 256. 129 AMENTA,Alessia. Op. cit., p. 45.

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Ao ser alçado ao trono do Egito, Tutankhamon tratou de desempenhar o

principal papel de um faraó: restabelecer a Maat. E para reafirmar sua legitimidade,

gravou seus feitos na Estela da Restauração, com uma clara intenção propagandística:

“Ele dissipou a injustiça pelas Duas Terras e a Maat foi estabelecida [em seu lugar].” 130

Sendo assim, Tutankhamon inicia seu período no poder colocando-se como um

restaurador da ordem, remontando à metáfora da nova coroação, na qual todo início de

governo é saudado como um novo início de mundo, e a contagem dos anos recomeça a

cada novo faraó que ascende ao trono. Quando um rei egípcio morre, a população teme

o estabelecimento do caos, um temor que só a coroação de um novo rei pode arrefecer,

pois simboliza uma recriação do mundo ordenado.131 Quando sobe ao poder, o novo

faraó “recria” os acontecimentos do início do mundo, tornando-se um doador de vida,

iluminando o cosmo como o Sol e revelando-se um deus-criador. É esse papel que a

Estela da Restauração pretende relacionar a Tutankhamon, sendo dessa forma,

concebida como um documento que legitima o novo faraó:

Another purpose of the text on the stela was to legitimize Tutankhamun’s right to rule. On a cosmic level his actions symbolically portrayed him in the role a creator god who was bringing order to a chaotic universe. He was acting according to maat, reinstating the balance necessary for the universe to function.132

Para reordenar o mundo terreno, eram necessárias diversas medidas que

superassem o que já havia sido feito antes, como explica Hornung:

O papel do criador obrigava cada rei a fundar algo de novo, a superar as obras dos seus antecessores, por exemplo, com o “alargamento das fronteiras” através de campanhas militares. Essa missão é facilitada pela concepção do templo egípcio que, ao contrário do grego, nunca é projetado como uma estrutura acabada e que pode, portanto, ser constantemente ampliado.133

Esse preceito da ampliação daquilo que existe134 exige que soberano supere

tudo que foi realizado antes dele, a grandiosidade da ação real está em cumprir um

objetivo nunca antes alcançado, seja em batalha ou qualquer outro gênero, seja na                                                             130 T.A. 131 Idem, P 47. 132 SILVERMAN, David P., WEGNER, Josef W e WEGNER, Jennifer Houser. Op. cit., p. 177. 133 HORNUNG, Erik. Op. cit., p. 258. 134 Idem, p 258.

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construção de algo grandioso, nunca antes visto; ou que ampliou mais que nenhum

outro alguma construção, ou que derrotou mais povos estrangeiros, entre outras

façanhas. Podemos perceber exemplos desse princípio na Estela da Restauração:

Ele superou o que tinha sido feito antes. Ele confeccionou (a imagem de) seu pai Amon sobre 13 estandartes, sua imagem sagrada com electro, lápis lazuli, [turquesa],e todo tipo de pedra preciosa. Enquanto que outrora a Majestade deste nobre deus tinha estado sobre 11 estandartes.

Outro exemplo da superação do preexistente citado na Estela da Restauração

diz respeito à situação dos templos: “Todos os [tributos] para os templos foram

[aumentados], dobrados, triplicados e quadruplicados” 135. No Egito, o templo possuía

também função social, estava inserido na esfera política e sócio-econômica, servindo

como local de troca, redistribuição e mercado e empregando vários funcionários em

uma diversidade de cargos.136

Por isso, o templo além de representar o cosmo egípcio, também tinha um

papel importante na organização governamental e vários tributos eram destinados a ele.

Entretanto, com o advento da reforma amarniana e o fechamento dos templos dos

deuses habituais, provavelmente houve um prejuízo para os sacerdotes, principalmente

os do deus Amon, que estavam entre os mais poderosos do Egito:

Sua reforma religiosa deve ter afetado profundamente a economia e a prosperidade do Egito. O fechamento de velhos templos teria privado de trabalho muitas pessoas, já que a relação entre os templos e a população sempre fora tanto econômica quanto religiosa: os templos empregavam a maior força de trabalho do país, que incluía posições seculares e também sacerdotais. A construção da nova cidade de Akhenaton teria substituído uma preocupação adicional sobre a economia e seus recursos.137

Talvez por esses motivos citados por Rosalie David, fosse interessante para

Tutankhamon registrar os benefícios que ele conseguiu introduzir no Egito,

especialmente desenvolvendo a economia, mesmo que não fossem condizentes com a

realidade, era importante que estivessem escritos para que pudessem ocorrer, dada a

crença egípcia de que o que foi escrito tem poder de ação por si só. A relação com as                                                             135 T.A. 136 GRALHA, Júlio César Mendonça. Deuses Op. cit., p. 104. 137 DAVID, A. Rosalie. Op. cit., p. 314.

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benesses trazidas pelo faraó também tem por objetivo uma legitimação como bom

governante, que provê tudo o que a aristocracia egípcia considerava essencial, como os

seguintes produtos citados pela fonte: “com prata, ouro, lápis lazuli, turquesa e todo tipo

de pedra preciosa,linho real, pano branco, linho fino, óleo de moringa, resina, gordura,

[...] incenso, bálsamo, mirra, sem limite de qualquer coisa boa.” 138

Pode-se notar aí a profusão de elementos como os metais preciosos e materiais

como incenso, importantes para as antigas formas de adoração aos deuses, e que,

durante o período amarniano não foram priorizadas, em prol de um culto mais

semelhante ao de Heliópolis, no qual as oferendas eram feitas simplesmente com flores

e alimentos:

A forma do culto, nos templos de Aton, manifestava evidente influência heliopolitana. Não havendo estátuas nos templos, estes não tinham teto: o Sol neles penetrava diretamente para receber as oferendas. Estas, como em Heliópolis, incluíam flores e guirlandas com alguma proeminência. Das etapas do culto, a iconografia de Amarna insiste numa só: uma profusão de altares sobre os quais se empilham alimentos.139

A riqueza das oferendas de Tutankhamon, compostas de ouro, prata, cobre,

entre outros artigos luxuosos remontam à grandiosidade faraônica, enquanto as ofertas

feitas por Akhenaton em suas Estelas de Fronteira eram de alimentos e produtos mais

simples: “fazendo uma grande oferenda de pão e cerveja, gado grande e pequeno,

galinha, vinho, fruta, incenso, e todos os tipos de boas ervas, no dia da fundação de

Akhetaton para o Aton vivo [...]”140

Outro aspecto que se nota em relação às benesses trazidas ao Egito, é sua

proveniência estrangeira, uma vez que a paz e a extensão territorial do Egito nos tempos

das conquistas mudaram a visão egípcia sobre os estrangeiros, antes vistos como arautos

da desordem, mas devido à diplomacia de Amenhotep III, deu-se uma abertura às

culturas externas, e o Egito fez relações amigáveis com elas141, muitos produtos

importados dessas localidades tornaram-se de uso constante para os egípcios, dado que

as rotas comerciais não deixaram de existir mesmo durante períodos de conflitos

políticos, como o governo de Akhenaton.

                                                            138 T.A. 139 CARDOSO, Ciro Flamarion. De Amarna … Op. cit., p. 123. 140 LICHTHEIM, Miriam. Op. cit., p. 49 (T.A.) 141 SHAW, Ian. Op. cit., p. 272.

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Durante a XVIIIª dinastia, os faraós expandiram o território egípcio, sendo que

um dos epítetos de Tutankhamon presentes na estela é “Senhor de toda terra

estrangeira”, conquistando outras localidades que forneciam variados artigos em forma

de tributo, como se observa a partir do texto da Estela da Restauração: “Sua Majestade,

Vida, Prosperidade, Saúde! talhou suas barcas no rio, de cedro novo dos melhores

terraços, o cume de Negau, folheado com ouro da melhor das terras estrangeiras, para

que ele possa iluminar o rio.” Essas barcas de que tratam a fonte poderiam ser as barcas

sagradas dos deuses,feitas geralmente com madeira do Líbano e folheadas a ouro, nas

quais eles apareciam em procissões, que poderiam ser tanto terrestres como ao longo do

Nilo. Os festivais e procissões em que a imagem do deus era carregada em público,

eram uma manifestação de extrema importância da religião e da vida social do Egito142,

e a partir desse trecho da fonte, pode-se deduzir que essas formas de cultuar os deuses

voltaram a ser praticadas.

Para reabilitar a adoração habitual aos deuses, além de reabrir os templos e

restaurá-los, Tutankhamon teve que consagrar novos sacerdotes, a fim de aumentar a

influência desse grupo social e receber seu apoio: “ele iniciou sacerdotes- w‘b e

sacerdotes- hm-ntr, crianças dos oficiais de suas cidades, filhos de homens notáveis

cujos nomes eram conhecidos.” 143 Isso pode ser considerado também uma medida

restauradora dos cultos anteriores a Akhenaton, já que este faraó, quando esteve no

poder, buscou pessoas não vinculadas aos velhos templos para tornarem-se sacerdotes

de Aton, por isso a Estela da Restauração indica a importância de nomear novos

sacerdotes visando à reconstituição do sacerdócio tradicional.144

A princípio, a nomeação dos sacerdotes era prerrogativa do faraó:

[...] que em certos casos nomeava pessoalmente o sacerdote (em geral, de uma classe mais elevada) por razões de oportunidade política, por exemplo, para recompensar com uma rica prebenda um funcionário devotado, ou por razões de política geral, como a necessidade de controlar o clero de um templo particularmente importante. 145

                                                            142 SHAWN, Ian. Op. cit., p. 311. 143 T.A. 144 CARDOSO, Ciro Flamarion. De Amarna ... Op. cit., p. 126. 145 PERNIGOTTI, Sergio. “O Sacerdote”. In: DONADONI, Sergio (org.) O Homem Egípcio. Editorial Presença. Lisboa, 1994 p. 115.

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Esses motivos citados por Pernigotti se ajustam perfeitamente à situação

política em que se encontrava Tutankhamon quando ascendeu ao trono do Egito. Como

os templos tinham um papel importante no aspecto econômico e cultural, o sacerdócio

tinha uma grande participação na vida política e moral, e todo faraó que quisesse ser

apoiado em suas ações precisava dedicar suas atenções aos sacerdotes.

Contudo, o sacerdócio não era o único grupo social que deveria ser contentado,

havia também os militares. O Reino Novo foi marcado por uma crescente militarização,

dada a expulsão dos hicsos no começo desse período. O grupo militar da sociedade

egípcia é contemplado pela Estela da Restauração quando da descrição do estado

caótico do Egito antes do governo de Tutankhamon: “Se [um exército fosse] mandado

para Djahy para alargar as fronteiras do Egito, eles não encontrariam sucesso.” 146

Djahy estaria localizada entre Síria e Palestina147, que estavam sob domínio egípcio.

Porém, durante o governo de Akhenaton, muitos territórios foram perdidos, e a

influência egípcia diminuiu nessas localidades. O conjunto de fontes denominado Cartas

de Amarna revela que as relações do Egito com outros povos estavam se atenuando

durante o período amarniano: “Elas fornecem uma visão única sobre a política exterior

contemporânea, indicando o fato de que a ajuda militar egípcia aos seus vassalos na

Síria/Palestina estava menos disponível e confiável do que nos anos anteriores.”148

Quando a Estela da Restauração se refere ao fracasso do exército egípcio, isso

significa apontar também para a ausência de um poder centralizado que controlasse as

forças do caos, visto que é função do faraó ser vitorioso sobre os inimigos estrangeiros a

fim de preservar a Maat. A fonte ressalta as qualidades militares de Tutankhamon

através de comparações figurativas, como: “Aquele de braço poderoso, Grande de

Força, mais eminente que os vitoriosos” 149 e “de braço poderoso como Hórus, não

existe ninguém igual a ele entre os bravos de todas as terras juntas”. 150 É pouco

provável que Tutankhamon, em tenra idade, tenha participado efetivamente de alguma

batalha, embora seu exército continuasse ativo sob o comando de Horemheb, porém, era

necessário que o faraó se justificasse como vencedor dos inimigos, mesmo que se

tratasse de uma idealização militar:

                                                            146 T.A. 147 DORANLO, H. Op. cit., p. 5. 148 DAVID, A. Rosalie. Op. cit., p. 297. 149 T.A. 150 T.A.

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Muitas das campanhas militares que nos foram transmitidas não exprimem uma real necessidade política ou econômica, mas apenas uma necessidade de “derrotar o inimigo” meramente ritual; de facto, o faraó, a partir do preciso momento em que assumia o poder, devia afirmar-se de imediato como triunfador dos seus inimigos. 151

A fim de restabelecer a ordem e desenvolver o Egito, as ações de Tutankhamon

se referem ainda a um outro grupo social: os escravos. Geralmente ligam-se aos afazeres

religiosos, visto que a partir de Amenhotep III, o trabalho forçado nos templos passa a

ser executado por escravos e escravas152:

Para o escravo, uma outra possibilidade de emancipação é ser “purificado” (sw ‘b) pelo rei, passando assim a fazer parte, como homem livre, do serviço do templo: a formulação mais clara desse tipo de emancipação está contida na chamada estela da restauração.153

É possível que como parte do reforço restaurador de Tutankhamon, ele tenha

aumentado o número de pessoas para trabalhar nos templos, devido às ampliações que

estavam sendo levadas a cabo: “Sua Majestade, Vida, Prosperidade, Saúde! consagrou

escravos e escravas, cantoras e dançarinas que tinham sido servas no palácio, e seus

pagamentos foram custeados pelo palácio.” 154

As reconstruções nos templos não eram uma prerrogativa da cidade de Tebas,

apesar dela ter recuperado seu prestígio como principal centro religioso e os sacerdotes

de Amon terem garantido seu poder e influência. Durante o governo de Tutankhamon,

outras cidades ganharam destaque, como por exemplo, Mênfis:

The other site with physical evidence for state building work under Tutankhamun is Menphis, a city whose status seems to increase markedly in his reign; indeed, it seems to have been from this city that the decree published on the Restoration Stela was issued.155

A afirmação de Dodson de que Tutankhamon tenha proclamado a Estela da

Restauração de Mênfis se apóia no fato de que após o abandono de Akhetaton, o faraó

                                                            151 HORNUNG, Erik. Op. cit., p. 256. 152 LOPRIENO, Antonio. “O Escravo”. In: DONADONI, Sergio (org.) O Homem Egípcio. Editorial Presença. Lisboa, 1994. P 177. 153 Idem, p. 180. 154 T.A. 155 DODSON, Aidan. Amarna Op. cit., p. 72.

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transferiu a capital para a tradicional sede administrativa do Egito: “No início deste

reinado, a nova religião foi abandonada, embora só mais tarde tivesse sido

completamente excluída e perseguida, e Mênfis, que tinha sido, durante muito tempo, a

principal cidade tornou-se a capital do país.” 156

A instalação do faraó e sua corte em Mênfis pode ser deduzida a partir de

trechos da Estela da Restauração: “Agora, Sua Majestade estava em seu palácio, que é

na casa de Aakheperkare, como Rá no céu, e Sua Majestade estava executando os

planos desta terra e governando as Duas Margens.” 157 Aakheperkare é o prenome de

Tutmés I, cujo palácio situava-se em Mênfis: “A decision must have been taken early to

move the court from Akhetaten. The great palace complex founded by Tuthmosis I at

Memphis was still flourishing, and the king is reported in his Restoration Stela as

residing there when he issued his edicts.”158

Com a mudança da sede de governo de Akhetaton para Mênfis, a retomada dos

cultos tradicionais, a reconstrução e reativação dos templos e o aumento do número de

seus funcionários, o processo de restauração da religião habitual egípcia estava se

encaminhando sem aparentes conflitos. O deus Amon voltou a ser o mais importante do

panteão, e seus sacerdotes recuperaram a influência sobre os assuntos do cotidiano

egípcio. Os demais deuses negligenciados por Akhenaton também tiveram seus cultos

retomados, e dessa forma a instituição faraônica retornou aos seus princípios

legitimadores anteriores, através da proximidade entre soberano e divindades,

especialmente Amon, que aparece em lugar de destaque em epítetos, estelas votivas e

representações de oferendas:

After the Amarna Period, the problem of the unity and plurality of the gods, which Akhenaten had tried to solve by denying the existence of all but one sole god,was solved in a different way: Amun-Ra became the universal, transcendent god, who existed far away, independent of his creation; the other gods and goddesses were aspects of him, they were his immanent manifestations.159

Posteriormente, ainda no Reino Novo, houve uma abertura da religião, na qual

não só o faraó, mas também outras pessoas provenientes da elite egípcia ou particulares

                                                            156 BAINES, John e MÁLEK, Jaromír. Op. cit., p. 45. 157 T.A. 158 ALDRED, Cyril. Op. cit., p. 295. 159 SHAW, Ian. Op. cit., p. 311.

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como artesãos, estavam fazendo tumbas, utilizando os textos que eram de prerrogativa

faraônica e nomeando-se como Osíris a fim de obter uma boa passagem para a

eternidade. Isso é interpretado por alguns pesquisadores como uma reação à política

centralizadora da religião de Akhenaton, na qual apenas o faraó poderia ser adorado

como forma de se conectar ao deus Aton, essa nova possibilidade de rito funerário que

se abriu para civis buscava, portanto, minimizar a intermediação do rei para o culto aos

deuses.160

Em relação a Tutankhamon, a principal incumbência de seu governo foi

cumprida com sucesso: os cultos aos deuses tradicionais foram retomados, a influência

da política amarniana foi diminuída, os sacerdotes de Amon tiveram seu poder acrescido

e as atividades construtoras floresceram:

Tutankhamun wanted to be remembered for the following: his rebuilding of the temples and shrines that he found in ruins, his reestablishment of the traditional deities whom he stated had forgotten humankind, and his bringing back the rituals, offerings, and prayes that sustained the deities.161

Através do retorno aos padrões tradicionais da religião egípcia, Tutankhamon

teve seu governo legitimado e identificou-se na Estela da Restauração como restaurador

da Maat, desempenhando a função primordial que se esperava de um faraó: agir como

um deus criador a fim de manter a ordem do Egito.

                                                            160 Idem, p.289. 161 SILVERMAN, David P., WEGNER, Josef W e WEGNER, Jennifer Houser. Op. cit., p. 177.

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Considerações parciais

A instituição faraônica desenvolveu diversos dispositivos simbólicos como

instrumento de dominação e reafirmação de seu poder. Um dos meios legitimadores

mais reconhecidos era a identificação e associação do faraó com as divindades do

panteão egípcio. O governo do Egito deveria ser exercido pelo Hórus vivo na terra, o

filho de Rá, e portanto, a ascendência divina era um fator de justificação ao trono.

Quando Akhenaton promoveu a reforma amarniana, esses mecanismos legitimadores

foram substituídos por outros relacionados ao deus Aton. Por isso, quando Tutankhamon

ascendeu ao trono como seu sucessor, era importante que os cultos aos deuses

tradicionais fossem retomados até mesmo como forma de retornar à ideologia da

monarquia egípcia.

Esse retorno às formas anteriores de legitimação divina se expressa

primeiramente na adoção de epítetos que ressaltassem o componente do deus Amon e a

atividade pacificadora de Tutankhamon, faraó que restabeleceu a ordem no Egito,

descrito na fonte como um lugar abandonado pela proteção dos deuses devido ao caos

suscitado pelo período do governo amarniano, cujo rompimento com o culto do deus

Amon perpetrado por Akhenaton revelou-se contraproducente, uma vez que a

importância dessa divindade aumentou consideravelmente durante o restante do Reino

Novo. Os motivos da ruptura de Akhenaton com o culto de Amon ainda são

desconhecidos, porém, tenham eles partido de uma iniciativa religiosa pessoal do faraó

ou de uma disputa de poder com o sacerdócio desse deus, o fato é que as medidas da

reforma amarniana geraram consequências na política faraônica e no tradicional modo

de governar, e analisando essas implicações à luz da História, compreendemos que elas

culminaram na necessidade da confecção da Estela da Restauração, a fim de reafirmar a

retomada da legitimidade divina ligada aos deuses Rá, Hórus, Amon, entre outros. Por

isso, a Estela da Restauração apresenta também uma função propagandística, fazendo

referência aos benefícios trazidos ao Egito através do governo de Tutankhamon, sendo o

maior deles a reconciliação com os deuses do panteão egípcio através de sua política

restauradora de templos e monumentos.

Após o conturbado período amarniano, verifica-se então o arrefecimento do

culto a Aton estimulado por Akhenaton, e a reabilitação dos antigos deuses, além do

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triunfo da adoração ao deus Amon, que se expressa na influência e riqueza detidas por

seus sacerdotes. A partir da restauração do culto de Amon, os faraós dos períodos

posteriores que desejaram ter seu governo apoiado pela providência divina assumiram

um compromisso de fortalecimento do sacerdócio. Em uma perspectiva na qual religião

e governo são indiscerníveis, notamos através da Estela da Restauração o sentido

político da retomada da religião tradicional, visto que Tutankhamon é amparado por

esse ato em sua busca de legitimidade perante aos sacerdotes quando de sua ascensão ao

trono.

No Egito, onde ser faraó era ser um deus, Tutankhamon era respaldado pelos

processos legitimadores anteriores a Akhenaton – formados a partir da associação aos

deuses habituais – e por isso estava apto a decretar como política de governo a

restauração do culto a esses deuses. Contudo, embora o ato de retomar a religião

tradicional do Egito fosse justificado pela própria ascendência divina de Tutankhamon,

o que permitiria que ele “restaurasse o que estava em ruínas”, essa ação repercute

também em uma reafirmação do soberano como mantenedor da ordem, o que funciona

como propaganda e elemento legitimador de seu governo, visto que esse faraó ascendeu

ao trono em uma complicada conjuntura de sucessão real. Portanto, a legitimação ocorre

em uma via de mão dupla: ao mesmo tempo em que a restauração da religião é legítima

devido aos mecanismos ideológicos faraônicos anteriores ao período amarniano, ela

funciona ainda como reforçadora da legitimidade do governo de Tutankhamon.

Dessa forma, apesar de ser um faraó largamente conhecido por causa dos

tesouros arqueológicos encontrados em 1922 por Howard Carter em sua câmara

funerária, os aspectos historiográficos do período em que Tutankhamon esteve no poder

quase sempre são negligenciados. Entretanto, seu governo representa um momento de

transição fundamental para a restauração da religião tradicional, alterada pelos preceitos

da reforma amarniana de Akhenaton. É sob o comando de Tutankhamon que tem fim o

período amarniano, e a partir da retomada dos cultos anteriores, observa-se uma

consolidação da importância do deus Amon na legitimação dos soberanos egípcios do

Reino Novo.

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Referências Bibliográficas

Documentação:

BENNETT, John. “The restoration inscription of Tut'ankhamun”. The Journal of

Egyptian Archaeology, 25:8-15, 1939.

DORANLO, H. “La stèle de la Restauration de Toutânkhamon”. Rennes Egyptologie

2011.

MURNANE, William J. Texts from the Amarna Period in Egypt. Edited by Edmund S.

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NEDERHOF, M. Restoration Stela of Tutankhamun. 2006. Disponível em

http://www.cs.standrews.ac.uk/~mjn/egyptian/texts/corpus/pdf/RestorationTutankham

un.pdf

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Bibliografia consultada:

ALDRED, Cyril. Akhenaten – King of Egypt. Thames & Hudson Ltd, 1988.

ALDRED, Cyril. “El-Amarna”. In: Excavating in Egypt – The Egypt Exploration

Society 1882-1982. Edited by T.G.H. James. University of Chicago Press, 1982.

AMENTA, Alessia. Il Faraone – Uomo, Sacerdote, Dio. Salerno Editrice, Roma, 2006.

ARAÚJO, Emanuel. Escrito para a eternidade - a literatura no Egito faraônico.

Editora Universidade de Brasília. São Paulo. Imprensa Oficial do Estado, 2000.

ARBORIO MELLA, Federico A.O Egito dos Faraós. Editora Hemus. s/d

BAINES, John e MÁLEK, Jaromír. O Mundo Egípcio – Deuses, Templos e Faraós.

Volume I. Edições del Prado, 1996.

CARDOSO, Ciro Flamarion. “De Amarna aos Ramsés”. In: Phoînix/ UFRJ.

Laboratório de História Antiga. Ano VII – 2001. Rio de Janeiro: 7Letras, 2001.

_______________________. Antiguidade Oriental: Política e Religião. São Paulo:

Contexto, 1997.

_______________________. Narrativa, Sentido, História. Papirus Editora, 1997

CARTER, Howard e MACE, A.C. A Descoberta da Tumba de Tutankhamon. Tradução

Lucia Brito. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2004.

DAVID, A. Rosalie. Religião e Magia no Antigo Egito. Tradução: Angela Machado.

Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011.

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DODSON, Aidan. Amarna Sunset: Nefertiti, Tutankhamun, Ay, Horemheb, and the

Egyptian Counter-Reformation. Cairo: The American University in Cairo Press, 2009.

DONADONI, Sergio (org.) O Homem Egípcio. Editorial Presença. Lisboa, 1994.

GABOLDE, Marc. “Ay, Toutankhamon et les martelages de la Stele de la Restauration

de Karnak (CG 34183)”. Bulletin de la Société d’Égyptologie, Genève 11,1987.

GRALHA, Júlio César Mendonça. Deuses, faraós e o poder: legitimidade e imagem do

deus dinástico e do monarca no antigo Egito. Rio de Janeiro. Barroso Produções

Editoriais 2002.

LICHTHEIM, Miriam. Ancient Egyptian Literature – Volume II: The New

Kingdom.University of California Press, [2006 ed.]

SALES, José das Candeias. A Ideologia Real Acádica e Egípcia. Editorial Estampa.

Lisboa, 1997.

SHAFER, Byron E. (org.) As religiões no Egito Antigo – deuses, mitos e rituais

domésticos. Tradução de Luis S. Krausz. São Paulo: Nova Alexandria, 2002.

SHAW, Ian. The Oxford History of Ancient Egypt. Oxforf University Press, 2000.

SHORTER, M.A. Alan. Os Deuses Egípcios. Editora Cultrix, São Paulo. s/d.

SILVERMAN, David P., WEGNER, Josef W e WEGNER, Jennifer Houser. Akhenaten

and Tutankhamun. University of Pennsylvania Museum of Archaeology and

Anthropology, Philadelphia, 2006.

VERCOUTTER, Jean. O Egito Antigo. Tradução de Francisco G. Heidemann. Difusão

Editoria S.A.1980.

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Anexos

Anexo 1

Estela da Restauração

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SILVERMAN, David P., WEGNER, Josef W e WEGNER, Jennifer Houser. Akhenaten and Tutankhamun. University of Pennsylvania Museum of Archaeology and Anthropology, Philadelphia, 2006. Pg 162.

Anexo 2

Mapa do Egito

http://www‐scf.usc.edu/~cipolla/virtour2.htm 

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Anexo 3

Cronologia162

XVIIIª dinastia - 1550 – 1295 a.C.

Ahmés – 1550- 1525

Amenhotep I – 1525 – 1504

Tutmés I – 1504 – 1492

Tutmés II – 1492 – 1479

Tutmés III – 1479 – 1425

Hatshepsut – 1473 – 1458

Amenhotep II – 1427 – 1400

Tutmés IV – 1400 – 1390

Amenhotep III – 1390 – 1352

Amenhotep IV/ Akhenaton – 1352 – 1336

Neferneferuaten / Smenkhare - 1338 – 1336

Tutankhamon – 1336 – 1327

Ay – 1327 – 1323

Horemheb - 1323 – 1295

                                                            162 SHAW, Ian. The Oxford History of Ancient Egypt. Oxford University Press. 2000.

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Anexo 4

Tradução da Estela da Restauração

Inscrições da Luneta da Estela

a| O Rei do Alto e Baixo Egito, Senhor das Duas Terras,[...] [...] dotado de vida para

sempre.

b| Amon-Rá, Senhor dos Tronos das Duas Terras, Senhor do Céu, Rei dos Deuses.

c| Mut, Senhora de Asheru, Senhora de Todos os Deuses.

d| Ele dá vida, toda vida, estabilidade e domínio.

e| Oferecendo plantas para que a ele seja dada a vida

f| Toda proteção, vida , estabilidade, domínio e saúde com ele, como Rá para sempre.

1| [Ano 1163] quarto mês da estação da inundação, dia 19, sob a Majestade de

Hórus: Touro Poderoso, Perfeito de Nascimentos;

Duas Senhoras: Belo de [leis, que pacifica] as Duas Terras;

Hórus de Ouro: quem veste a coroa, quem apazigua os deuses;

                                                            163 Bennett e Murnane afirmam que a data é incerta. BENNETT, John. The restoration inscription of Tut'ankhamun. The Journal of Egyptian Archaeology,25:8-15, 1939. MURNANE, William J. Texts from the Amarna Period in Egypt.Edited by Edmund S. Meltzer. 1995.

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O Rei do Alto e Baixo Egito:[...] Filho de Rá, [...]164 dotado de vida como Rá para

sempre [eternamente],

2| Amado de [Amon- Rá], Senhor dos Tronos das Duas Terras, o que está a frente de

Karnak,

de Atum, Senhor das Duas Terras e Heliópolis, de Re-Har-akhety,

de Ptah, Sul de seu Muro, Senhor de [Ankh-Tawi] e de Thoth, Senhor dos Hieróglifos,

o que aparece [no] [trono] de Hórus [dos vivos], como seu pai Rá diariamente.

3| Bom [Deus] , filho de Amon, descendência de Kamutef, semente gloriosa, ovo

sagrado,

gerado pelo próprio Amon, [Pai das Duas Terras],

que molda seu modelador, que cria seu criador;

4| por cuja criação os bas de Heliópolis se reuniram,

para agir como Rei da Eternidade, um Hórus que perdura pela eternidade,

um bom governante, que faz o que é benéfico para seu pai e todos os deuses.

5| Ele restaurou o que estava em ruínas, como monumentos de época eterna.

Ele dissipou a injustiça pelas Duas Terras

e a Maat foi estabelecida [em seu lugar]. Ele considera a falsidade uma abominação,

                                                            164 [ Nebkheperure] e [ Tutankhamon, príncipe de Heliópolis do Sul] . Trechos apagados e reapropriados por Horemheb.

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e a terra como seu tempo primordial. Agora, quando Sua Majestade surgiu como rei,

6| os templos de deuses e deusas, de Elefantina [às] lagoas do Delta,

[...] tinham [caído] em ruínas.

7| Seus santuários tinham caído em deterioração

e tinham se tornado ruínas repletas de plantas – [...].

Seus santuários estavam como se eles nunca tivessem existido, seus templos eram

trilhas.

8| A terra estava em aflição, os deuses estavam se afastando desta terra.

9| Se [um exército fosse] mandado para Djahy para alargar as fronteiras do Egito,

eles não encontrariam sucesso. Se alguém orasse para um deus para pedir uma coisa

dele,

ele não viria. Similarmente, se alguém orasse para qualquer deusa, ela não viria.

10| Seus corações estavam fracos em seus corpos. Eles destruíram o que tinha sido

construído.

Depois que alguns dias se passaram depois disso, Sua Majestade apareceu no trono de

seu pai

e ele governou as localidades de Hórus. A Terra Negra e a Terra Vermelha estavam sob

seu domínio,

11| e toda terra foi se curvando ao seu poder.

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Agora, Sua Majestade estava em seu palácio, que é na casa de Aakheperkare,

como Rá no céu, e Sua Majestade estava executando os planos desta terra

e governando as Duas Margens.

12| Então Sua Majestade aconselhou-se com seu coração

buscando cada excelente ação, procurando o que era benéfico para seu pai Amon,

confeccionando sua nobre imagem em verdadeiro electro. Ele superou o que tinha sido

feito antes.

13| Ele confeccionou (a imagem de) seu pai Amon sobre 13 estandartes,

sua imagem sagrada com electro, lápis lazuli, [turquesa],

e todo tipo de pedra preciosa.

14 | Enquanto que outrora a Majestade deste nobre deus tinha estado sobre 11

estandartes.

Ele confeccionou (uma estátua de)165 Ptah, Sul de seu Muro, Senhor de Ankh-Tawi,

sua nobre imagem de electro, sobre 11 estandartes,

sua nobre imagem de electro, lápis lazuli, turquesa, e todo tipo de pedra preciosa,

15| enquanto que outrora a Majestade deste nobre deus tinha estado sobre [7]

estandartes.

                                                            165 Bennett especifica que se trata de uma estátua. BENNETT, John. The restoration inscription of Tut'ankhamun. The Journal of Egyptian Archaeology,25:8-15, 1939

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E Sua Majestade construiu monumentos para os deuses, [confeccionando] suas estátuas

com verdadeiro electro,

da melhor das terras estrangeiras,

16| construindo seus santuários novamente

como monumentos de época eterna, dotados com permanência para a eternidade,

reservando oferendas divinas para eles como um sacrifício diário, suprindo suas

oferendas sobre a terra.

17| Ele superou o que tinha sido feito antes,

ele sobrepujou o que tinha sido feito desde o tempo de seus ancestrais,

ele iniciou sacerdotes- w‘ b e sacerdotes- hm-ntr, crianças dos oficiais de suas cidades,

filhos de homens notáveis cujos nomes eram conhecidos

18| Ele multiplicou seus [altares] com ouro, prata, bronze e cobre sem limite de [nada].

Ele encheu suas oficinas com escravos e escravas, trazidos como um butim de Sua

Majestade.

19| Todos os[tributos] para os templos foram [aumentados], dobrados, triplicados e

quadruplicados,

com prata, ouro, lápis lazuli, turquesa e todo tipo de pedra preciosa,

linho real, pano branco, linho fino, óleo de moringa, resina, gordura,

20| [...] incenso, bálsamo, mirra,

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sem limite de qualquer coisa boa. Sua Majestade, Vida, Prosperidade, Saúde! talhou

suas barcas

21| no rio, de cedro novo dos melhores terraços, o cume de Negau,

folheado com ouro da melhor das terras estrangeiras, para que ele possa iluminar o rio.

Sua Majestade, Vida, Prosperidade, Saúde! consagrou escravos e escravas,

22| cantoras e dançarinas que tinham sido servas no palácio

e seus pagamentos foram custeados pelo palácio

e pelo [tesouro] do Senhor das Duas Terras.

23| “Eu deixo que sejam guardados e protegidos pelos meus antepassados, por todos os

deuses,

para apazigua-los, fazendo o que seus kas apreciam, para que eles possam proteger o

Egito.”

Os deuses e deusas que estão nesta terra, seus corações rejubilam-se,

24| os senhores dos santuários estão felizes, as margens estão ovacionando e exultando,

o júbilo está por [toda] a terra, desde que o bom [estado] ressurgiu.

A Enéade no Grande Templo, seus braços estão levantados em adoração,

25| suas mãos estão cheias do festival- Sed [por] toda eternidade.

Toda vida e domínio com eles são oferecidas nas narinas do forte rei,

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Hórus, que repete o nascimento, amado filho [de seu pai Amon-Rá, rei] dos deuses,

que criou-se de sua própria criação, Rei do Alto e Baixo Egito, [...] amado de Amon,

26| [seu] verdadeiro filho mais velho, seu amado, que protege o pai que o gerou,

que exerce o reinado [de] (seu) pai Osíris, filho de Rá [...],

filho que é benéfico para ele, que o criou, rico em monumentos abundante em

maravilhas, [...]

27| que constrói monumentos por sua própria iniciativa para seu pai Amon, Perfeito de

Nascimentos,

soberano que [restaurou] o Egito.Neste dia, aquele que está no bom palácio,

que é a casa de Aakheperkare, justificado,

28| enquanto [Sua Majestade,Vida, Prosperidade, Saúde!] é jovem,

Apoderando-se de quem se apressa (a atacar) o seu corpo, que Khnum moldou, […]

Aquele de braço poderoso, Grande de Força, mais eminente que os vitoriosos,

Grande de Força como o filho de Nut,[...]

29| de braço poderoso como Horus,

não existe ninguém igual a ele entre os bravos de todas as terras juntas,

ele que é conhecedor como Rá, [engenhoso como] Ptah, perceptivo como Thoth,

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que ordena leis, eficaz do comando,[...]

30| excelente de julgamento,

O Rei do Alto e Baixo Egito, Senhor das Duas Terras,

Senhor dos Rituais, Senhor da Força [...] que apazigua [...] [filho de Rá] de seu corpo,

seu amado,

Senhor de toda terra estrangeira, Senhor das Coroas[...]

dotado de vida, estabilidade e domínio, como Rá [ para sempre e por toda eternidade].