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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
SETOR DE CIÊNCIAS HUMANAS – SCH
DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA – DECISO
MARCUS PAULO DOS SANTOS DE FREITAS
OS SIGNIFICADOS DO CONSUMO DE ROUPAS DE SEGUNDA MÃO ENTRE
JOVENS EM UM BAZAR NA CIDADE DE CURITIBA
CURITIBA
2017
MARCUS PAULO DOS SANTOS DE FREITAS
OS SIGNIFICADOS DO CONSUMO DE ROUPAS DE SEGUNDA MÃO ENTRE
JOVENS EM UM BAZAR NA CIDADE DE CURITIBA
Trabalho de Conclusão de Curso apresentadocomo requisito para obtenção do título de Bacharelem Ciências Sociais, com ênfase em Sociologia,pelo curso de Ciências Sociais da UniversidadeFederal do Paraná.
Orientação: Prof.ª Dr.ª Ana Luisa Fayet Sallas
CURITIBA
2017
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AGRADECIMENTOS
à vida, por em seus métodos dizer calma.
à minha mãe Márcia, mulher corajosa e forte que sempre está comigo, sem ela, malpoderia me manter de pé.
ao meu pai Moacir e meus irmãos Maiara e Mateus, pela felicidade em poderchamá-los família e ter neles o apoio para prosseguir caminhando, independente deonde meus pés me levarem.
aos amigos que fiz na Reitoria e no curso, certamente, sem vocês e as tardesdesperdiçadas (aproveitadas) no pátio, eu não teria suportado todos esses anos.
aos colegas do PET Ciências Sociais, por todo aprendizado, parceria e “a bolsa jácaiu?” que passamos, tudo contribuiu imensamente para a minha formaçãoacadêmica e pessoal.
à professora Ana Luisa, por sua orientação, confiança e comentários certeiros.
aos professores e professoras, que ao longo desses anos me abriram perspectivasde compreensão sobre o mundo e sobre mim mesmo.
ao chá de camomila, que me salvou tantas vezes enquanto escrevia.
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RESUMO
O presente trabalho têm por objetivo analisar os significados do consumo de
roupas de segunda mão pelos jovens em um bazar na cidade de Curitiba. Para além
de uma perspectiva utilitarista, investigo a moda e o consumo de vestuário de
segunda mão a partir de suas características sociais, nas quais a moda é um
elemento que gera identificação e diferenciação entre os indivíduos e grupos de uma
sociedade e o consumo, uma forma de comunicar aspectos simbólicos de
pertencimento e separação. Em suma, pensar como os jovens se comunicam a
partir das roupas de segunda mão e qual mensagem transita nesse hábito de
consumo. Para tanto, realizo um estudo de caso de jovens que frequentam o Bazar
do Asilo São Vicente de Paulo, a partir de um período de observação participante no
bazar e da realização de entrevistas com sete desses jovens. Os resultados da
pesquisa apresentam perspectivas que correlacionam o consumo das roupas de
segunda mão a expressão de uma moda “vintage”, que, ademais do preço baixo das
peças do bazar, comunica aos jovens noções de “estilo” e ser “descolado”.
Palavras-chave: Moda; Consumo; Bazar; Roupas de segunda mão.
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ABSTRACT
The objective of this final paper is to analyze the meanings of the consumption
of secondhand clothes by youngers in a bazaar in the city of Curitiba. Beyond a
utilitarian perspective, I intend to investigate the fashion and consumption of second-
hand clothing from social characteristics, in which fashion is an element that
generates identification and differentiation between the individuals and groups of a
society and the consumption, like the form of communicate symbolic objects of
resemblance and separation. In short, to analyze how young people communicate by
the consumption of second-hand clothes and what message they pass through that
consumption. To do so, I carry out a case study of young people who attend the São
Vicente de Paulo Asylum Bazaar, from a observation period in the bazaar and
interviews with seven youngs. The results of the search relate the consumption of
second-hand clothing to "vintage" fashion, which, in addition to the low price of the
pieces in the bazaar, communicates notions of "style" and being "fashionable".
Keywords: Fashion; Consumption; Bazaar; Second hand clothes.
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Frente do bazar do Asilo São Vicente de Paulo...………………...……….34
Figura 2 – Fila na entrada do bazar antes da abertura………………………………...37
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APÊNDICES
Apêndice A – Quadro de informações sobre as pessoas entrevistadas……………..80
Apêndice B – Termo de autorização para uso de informação…………………………81
Apêndice C – Roteiro das entrevistas……………………………………………………82
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SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO…………………………….……….……………………………………..9
2. APARÊNCIA QUE COMUNICA: NOTAS SOBRE A MODA E O VESTUÁRIO….12
2.1 A moda e o vestuário: objetos de estudo sociológico……………..……………….12
3. O CONSUMO DA MODA: UMA PERSPECTIVA ANTROPOLÓGICA……………20
3.1 O consumo como aspecto social……………………………………………………..20
3.2 Notas para uma antropologia do consumo…………………………………...……..24
3.3 A antropologia do consumo de roupas de segunda mão………………………….26
4. UM ESTUDO DE CASO: O BAZAR DO ASILO SÃO VICENTE DE PAULO…...31
4.1 O bazar do Asilo São Vicente de Paulo……………………………………..………31
4.2 O período em campo…………………………………….……………………………34
4.3 A realização das entrevistas……………………………….…………………………39
5. ANÁLISE DAS ENTREVISTAS…………………………………………………....….43
5.1 O método da análise de conteúdo……………………………………………….…..43
5.2 As categorias de análise……………………………………………………………...45
6. RESULTADOS DAS ENTREVISTAS…………………………………………….…...48
6.1 Os perfis dos jovens que consomem roupas de segunda mão……………….….48
6.2 Os jovens e o bazar do Asilo São Vicente de Paulo…………………………….…53
6.3 Abordando o espaço do bazar como um “pedaço”…………………………….…..58
6.4 Os significados presentes nas roupas de segunda mão…………….…………....61
6.5 A revenda de roupas de bazar no contexto curitibano………………………….…66
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS…………………………………..…………….…………74
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1. INTRODUÇÃO
Esta pesquisa visa analisar os significados culturais presentes no consumo de
roupas de segunda mão pelos jovens1 no bazar do Asilo São Vicente de Paulo
(localizado próximo ao centro da cidade de Curitiba), com o objetivo de
compreender: o que os motiva e orienta na procura por peças no ambiente do bazar
(o dito “garimpo”), quais são seus perfis de consumo e como estes se relacionam no
espaço do bazar. Na ambição de pensar o contexto curitibano de venda de vestuário
de segunda mão para além do bazar do Asilo São Vicente de Paulo, investigo
também as opiniões dos jovens frente a revenda de roupas provenientes do bazar.
As hipóteses em que assentei a pesquisa abordavam que o consumo de
roupas de segunda mão entre os jovens no bazar do Asilo São Vicente de Paulo
ocorria menos pelo baixo preço das peças vendidas e mais pelos significados
presente nas peças, as quais transmitiam códigos a outros indivíduos que também
possuíam o mesmo hábito de consumo; logo, a noção de vintage2 e estilo
“descolado” eram mais relevantes que o preço, posto que os jovens frequentadores
do bazar também compravam das pessoas que revendiam as roupas do bazar em
seus brechós (a um preço mais caro, obviamente). Outra hipótese era de que
frequentar o bazar constituía uma opção de lazer na qual os jovens iam para
encontrar os seus iguais, pessoas com um mesmo tipo de consumo e que
manejavam as mesmas condutas de vestir-se.
Em função de existirem poucos estudos a cerca da temática das roupas de
segunda mão, empreendo esta pesquisa me pautando, primeiramente, numa
perspectiva da moda (especificamente a voltada ao vestuário) enquanto forma de
comunicação entre os indivíduos, visto que a aparência compartilha diversos
códigos construídos e movimentados pelos consumidores de roupas. Seguidamente,
opero do ponto de vista de que o consumo pode ser estudado a partir de seu caráter
social, em que os significados presentes nos bens de consumo são arranjados pelos
indivíduos para a constituição e propagação de uma identidade.
1 Segundo o Estatuto da Juventude, instituído pela Lei Nº 12.852 no dia 5 de agosto de 2013, jovenssão “pessoas com idade entre 15 (quinze) e 29 (vinte e nove) anos”. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12852.htm> Acesso em: 18 deoutubro de 2017.
2 Termo que se refere a roupa que é datada a uma determinada época passada, em que se épossível – a partir da peça – reler os comportamentos que orientavam a moda da época.
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As informações apresentadas foram obtidas a partir da aplicação de dois
métodos: a observação participante, pela qual frequentei o bazar do Asilo São
Vicente de Paulo durante todo o mês de julho de 2017 e pude apreender o modo
como os jovens compravam, o que estes compravam e como se relacionavam
naquele espaço; e, logo após, a realização de sete entrevistas semiestruturadas, as
quais possibilitaram, mediante roteiro pré estabelecido e formulação de categorias
de análise, tomar diversas notas sobre as compreensões dos jovens acerca do
fenômeno das roupas de segunda mão.
A fim de auxiliar o(a) leitor(a), estruturo o texto de modo que nos primeiros
capítulos se tenha uma base dos referenciais teóricos que me orientaram acerca da
moda e do consumo. Para em seguida, abordar como ocorreram os dias no campo,
as entrevistas e a análise que se obteve a partir das falas dos jovens.
Desse modo, no capítulo 2, apresento as perspectivas de autores(as) que de
alguma forma – direta ou indiretamente – abordam o estudo da moda a partir de sua
característica comunicadora, na qual esta transmite – por meio da conduta que
orienta o vestir-se – códigos que geram identificação ou diferenciação entre os
indivíduos e grupos de uma sociedade. A questão principal é conferir a moda o
princípio de ordenador social repleto de significação.
No capítulo 3, seguindo a construção dessa fundamentação teórica,
primeiramente relaciono as concepções de autores(as) que abordaram o consumo
para além de uma compreensão mercantil utilitarista, mas sim a partir de seu
aspecto social. Na seção seguinte, traço de que forma se estrutura uma perspectiva
antropológica do consumo, para a qual este é trazido ao centro do processo social
enquanto um aspecto que possibilita a compreensão de como o indivíduo se
enxerga e se relaciona em sociedade. Por fim, apresento um levantamento –
resultado do estado da arte – sobre outros trabalhos acadêmicos que já abordaram
uma semelhante perspectiva do consumo para analisar a venda de roupas de
segunda mão, salientando em que se assemelham e/ou diferem a minha pesquisa.
Abordando o estudo de caso que desenvolvi nessa pesquisa, no capítulo 4,
apresento informações referentes ao bazar do Asilo São Vicente de Paulo, mediante
o período em campo no qual realizei o método da observação participante.
Utilizando notas retiradas de meu diário de campo, apresento o espaço do bazar ao
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(a) leitor(a), as dinâmicas que se repetiram durante o período em observação e as
características referentes ao seu funcionamento. Neste capítulo, descrevo também
como ocorreu o período em campo e o modo com que dirigi o meu olhar. Na última
seção, descrevo como ocorreram as entrevistas com os jovens, abordando aspectos
mais gerais referentes aos métodos, datas, locais e características mais aparentes
dos entrevistados.
Antes de iniciar a análise do resultado das entrevistas, apresento, no capítulo
5, a metodologia que norteou meu processo de investigação das falas dos
entrevistados: o método da análise de conteúdo. Além de apresentar as categorias
utilizadas para analisar as informações presentes no discurso das pessoas
entrevistadas.
Finalmente, no capítulo 6, empreendo os resultados dessa pesquisa, a partir
das concepções teóricas acerca da moda e do consumo, das notas tomadas sobre o
bazar do Asilo São Vicente de Paulo no período de observação e das entrevistas
realizadas. Agrupando subcategorias que analisassem informações de uma zona em
comum, o resultado das entrevistas foi dividido em cinco seções, que tratam
respectivamente: dos diferentes perfis de consumo dos jovens que consomem
roupas de segunda mão; da relação entre esses jovens e o bazar do Asilo São
Vicente de Paulo; da sociabilidade presente no espaço do bazar; dos significados
presentes nas roupas de segunda mão; e, na pretensão de entender mais do
contexto curitibano de venda de roupas de segunda mão, as opiniões dos jovens
frente a revenda de roupas compradas em bazar.
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2. APARÊNCIA QUE COMUNICA: NOTAS SOBRE A MODA E O VESTUÁRIO
Componente expressivo do ordenamento social, a forma como se opta vestir
o corpo não deve ser relegada a uma escolha individual desprovida de caráter
sociopolítico e cultural. Sendo preciso analisar o caráter social da moda, neste
capítulo, desenvolvo uma análise teórica a partir das perspectivas de autores que
compreendem a moda para além de conjunto de comportamentos ditados de épocas
em épocas, mas enquanto um sistema de comunicação que permite a identificação
e diferenciação de indivíduos e grupos em uma sociedade. Logo, apresento uma
perspectiva da moda – especificando a referente ao vestuário – enquanto objeto de
estudo sociológico.
Vale ressaltar que o capítulo não se propõe a abordar a história da moda
cronologicamente ou pensar como a origem de seus fundamentos se refletem nos
tempos atuais, antes, visa perceber o quanto o princípio da moda de comunicar
significados está associado à organização da sociedade moderna ocidental, não
como um elemento secundário, de pequena importância, mas como elemento
primordial, que informa tanto sobre o indivíduo quanto acerca do indivíduo inserido
em um grupamento social.
2.1 A moda e o vestuário: objetos de estudo sociológico
Longe de estar relacionada apenas a gostos estéticos individuais, ou às
maisons3 que determinam quais peças e tecidos serão tendências em uso na
próxima temporada, ou tão somente a uma superficialidade que remete às coisas
fúteis da vida, a moda – forma particular e coletiva de expressão – têm muito a dizer
enquanto fator sociológico. Ora, se as pessoas vestem os seus corpos, elas o fazem
– conscientemente ou inconscientemente – segundo algum princípio, sendo este
orientado por uma moda que habita antes o meio social.
A respeito de analisar a moda a partir de seu caráter social, George Simmel
(2008), em seu texto clássico “Filosofia da moda e outros escritos”, apreende a
3 Palavra de origem francesa cujo significado em português seria algo similar a “casa” ou “mansão”.Tal expressão é utilizada, desde o século XIX, para designar as casas de “alta-costura”, porexemplo, Chanel, Dior, Versace e Givenchy.
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moda enquanto uma forma particular de expressão, para a qual “a tendência para a
igualização social se une à tendência para a diferença e as diversidades individuais
num agir unitário” (SIMMEL, 2008, p. 24). Desse modo, segundo o autor, as duas
funções básicas e inseparáveis da moda são “unir” e “diferenciar”, sendo possível –
a partir da moda que rege o vestuário – caracterizar indivíduos como pertencentes
ou não a um determinado grupo. Cabe notar que, para Simmel (2008), as classes
superiores constituíam o “lugar genuíno da moda” (SIMMEL, 2008, p.30), as quais,
uma vez imitadas pelas classes inferiores, destinavam-se a outra linguagem de
moda a fim de diferenciar-se:
Logo que as classes inferiores começam a apropriar-se da moda,ultrapassando assim a fronteira instituída pelas superiores (…), as classessuperiores desviam-se desta moda e viram-se para outra, graças à qual denovo se diferenciam das grandes massas e na qual o jogo mais uma vez seinicia. Pois, naturalmente, as classes inferiores olham para cima e procuramsubir e conseguem isto sobretudo nas áreas que estão sujeitas à moda,porque estas são, de longe, as mais acessíveis à imitação externa. (SIMMEL,2008, p. 27)
De acordo com Simmel (2008), a moda seguia esse círculo de imitação
constantemente, em que as classes baixas, desejando ascender socialmente,
copiavam a moda (pela aparência) presente nas classes superiores, que por sua vez
reiniciavam o ciclo, instituindo uma nova moda quando a anterior alcançava as
massas da população. Partindo do pensamento proposto por Simmel (2008) quanto
ao circuito de imitação da moda, o crítico de arte e filósofo italiano Gillo Dorfles
(1996), em seu livro “Modas & modos”, afirma que tal sistema não cabe mais ser
compreendido exclusivamente dessa forma, visto ser preciso considerar cada vez
mais a presença economicamente determinante das classes médias no setor da
moda, uma vez que:
se o controle do processo produtivo continua nas mãos das classesburguesas, é também verdade que esse controle produtivo será orientadopara a satisfação das exigências mais numerosas, que já não partem dasclasses ‘hegemônicas’, mas sim das classes médias e das grandes massasde consumidores. (DORFLES, 1996, p. 60)
Contudo, Dorfles (1996) não pretende contrapor a concepção de Simmel
(2008), pois reconhece que tal “democratização” é apenas aparente, visto que a
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imposição do que seria compreendido enquanto “pertencente a moda” ainda partiria
de cima, das classes superiores, uma vez que “a produção da mercadoria e a
distribuição da mesma, continuará a ficar nas mãos dos industriais e dos
comerciantes e não nas do grande público dos consumidores” (DORFLES, 1996, p.
62). Sendo a definição de “moda” designada às classes populares ainda
determinada pelas classes superiores, ocorreria apenas uma adaptação do “ciclo de
imitação das classes” proposto por Simmel (2008). Apesar disso, de uma forma
esperançosa, Dorfles (1996), crê em um momento em que a moda deixe de
constituir um ordenamento social pelo qual as classes sociais se diferenciem,
passando a ser tão somente uma postura estética (DORFLES, 1996, p. 64).
Contudo, cabe retomar que, mesmo enquanto postura estética, a moda continuaria a
gerar padrões de diferenciação entre os indivíduos, visto que as roupas portam
outros valores além de marcar as classes sociais.
Quanto a compreensão de “moda” para Dorfles (1996), cabe ressaltar que o
autor possui a ambição de “considerar a moda não apenas como vestuário, alta-
costura (…) mas como fator sociológico e estético, alargado não só a roupa como
também ao objeto, ao adorno, a perspectiva filosófica, politica, científica e literária”
(DORFLES, 1996. p.15). Dorfles (1996) credita o princípio da moda a coesão e a
diferenciação entre os indivíduos de uma comunidade, uma vez que a moda é “um
elemento semiótico de primeira ordem” (DORFLES,1996, p. 65), ou seja, a moda e o
vestuário comunicam tanto ou mais que outros sistemas de sinais, como a fala e a
escrita, por exemplo.
Para Dorfles (1996), as tentativas institucionalizadas de se eliminar o
vestuário – visando alcançar uma espécie de naturalismo – são ingênuas, visto que
a urgência do indivíduo de diferenciar-se (e também a de assemelhar-se) a outros
indivíduos é uma necessidade da esfera social (DORFLES, 1996, p. 27). Nesse
caso, o modo de se vestir caberia enquanto expressão semiológica que geraria
diferenciação e coesão social entre determinados grupos. Para exemplificar tal
princípio, o autor utiliza o exemplo dos jovens que:
ao rejeitar aquele que era o modo de vestir da sociedade estabilizada,querem demonstrar que não partilham dos mesmos valores da geração queos antecedeu. E um dos meios mais eficazes para mostrar isso é exatamentevestir-se de maneira diferente. (DORFLES, 1999, p. 63).
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Logo, a moda – através do vestuário, calçados e acessórios – transmite
valores sobre o indivíduo e qual posição este ocupa em determinado arranjo social,
de modo que, em um conflito de valores (como no exemplo de uma geração jovem
que nega os valores da geração anterior), o modo de se vestir torna-se uma forma
de comunicar seus ideais. Em vista disso, é possível, a partir do vestuário, pressupor
convicções, classe social, grupos e espaços que o indivíduo revela pertencer e/ou se
distanciar.
Ora, a concepção de que por meio da leitura das aparências se pode
expressar características individuais condiz tão somente a manipulação de códigos
sociais, como exemplo, Dorfles (1996) reflete sobre pessoas de classes inferiores
que imitam padrões das classes sociais mais altas (DORFLES, 1996, p. 59). Tal
argumento demonstra que, utilizando o exemplo citado acima, é possível confundir
indivíduos de classes distintas a partir do modo em que estão vestidos, se estes
tiverem conhecimentos acerca dos mesmos códigos. Segundo Dorfles (1996) isso
ocorre devido a moda ser um elemento carregado de significação – consciente ou
inconsciente – que, atuando como um “sistema comunicativo”, recorre a uma
linguagem partilhada entre os indivíduos de uma comunidade, produzindo diversos
códigos de aproximação e distanciamento. Presente em todos os indivíduos, os
princípios da moda, tal qual uma linguagem social, orientam também aqueles que se
posicionam contrários a algum tipo de moda.
Aqueles ao qual Simmel (2008) categoriza de “anti-moda” são, na realidade, a
ordem inversa que cumpre o mesmo papel dos que seguem a moda, visto que:
a mesma combinação obtida por uma extrema obediência à moda se podealcançar também justamente por meio da oposição a ela. Quem,conscientemente, se veste ou se comporta de forma não moderna adquire osentimento de individualização a tal associado, não por autêntica qualificaçãoindividual, mas pela simples negação do exemplo social. Se a modernidade éimitação deste último, então a não-modernidade deliberada é a sua aimitação com sinais inversos; mas nem por isso oferece um testemunhomenor do poder da tendência social que, de qualquer modo positivo ounegativo, de si nos torna dependentes (SIMMEL, 2008, p. 36)
Simmel (2008) aponta que, quer seja em maior ou menor deliberação, todo o
indivíduo cria para si uma conduta (um “estilo”) que se caracteriza como moda pela
sua manifestação, sendo assim, mesmo quando se intenta não seguir algum
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determinado padrão instituído pela moda social, adotando um comportamento
avesso a ela, tal conduta permanece sustida pela “necessidade individual de
diferença e documenta a mesma tendência que atua na moda social” (SIMMEL,
2008, p. 47). Assim como Dorfles (1996), Simmel (2008) reconhece essa
característica principalmente nos jovens, que exibem – primeiramente a partir de
como se vestem – interesses que regem toda sua consciência e expressão, surgindo
com a mesma facilidade com que desaparecem, estes são orientados pela vontade
de contrariar normas estabelecidas. Frequentemente a partir do que compreendem
ser uma moda pessoal (um “estilo próprio”), são jovens pautados – na realidade –
por um outro tipo de moda social, que alcança também outros jovens a partir dessa
manifestação contrária as “coisas da moda”.
Dessa forma, a concepção do ato de vestir-se ultrapassa apenas a
significação estética, correspondendo – antes – a linguagem que orienta a estética,
a sua finalidade e o modo com que o indivíduo se apresenta socialmente. Seguindo
este raciocínio, Letícia Lanz (2014), em sua dissertação de mestrado em Sociologia
“O corpo da roupa”, aborda como a roupa “afeta e reflete a percepção que cada um
tem de si mesmo, atuando como um filtro e fazendo a conexão entre o nosso eu
interno e o nosso eu social” (LANZ, 2014, p. 93). Embora sua pesquisa esteja
direcionada a investigar em que o comportamento transgênero viola e subverte a
ordem binária de gêneros (sendo o subtítulo do seu trabalho “a pessoa transgênera
entre a transgressão e a conformidade com as normas de gênero”), sua reflexão a
cerca do caráter social da roupa cabe ao presente trabalho.
Segundo Lanz (2014), “nos vestimos fundamentalmente para tornar os
nossos corpos inteligíveis dentro da matriz cultural.” (LANZ, 2014, p. 94), uma vez
que a roupa seria a “apresentação social do corpo” (idem). Correlacionando o ato de
vestir-se a uma “dimensão essencial da articulação da identidade de gênero”
(LANZ, 2014, p. 97), Lanz (2014) abrange a roupa como um código (dando enfoque
a classificação das categorias “homem” e “mulher”) em que:
Por estar associada a uma intensa regulamentação sociocultural de usos ecostumes, a roupa adquire o poder ímpar de promover a inclusão ou aseparação (desvio) do indivíduo em relação ao grupo, contribuindo assimpara o surgimento de subgrupos sociais. (LANZ, 2014, p. 94)
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A compreensão de Lanz (2014) corresponde a de Simmel (2008) na medida
em que aborda a roupa (a moda) como uma forma de promover inclusão ou
separação, logo, de unir e diferenciar indivíduos em relação a outros. Sendo seu
enfoque e distinção (marcado pela análise ao comportamento transgênero) no modo
em que os códigos de vestuário também são utilizados para categorizar e controlar
os corpos, os quais também corroboram para um ordenamento social, visto que:
através da roupa a identidade é ainda mais controlada pelo poder, uma vezque as pressões sociais obrigam os indivíduos a permanecerem submissosaos rígidos protocolos culturais que estabelecem o que é um “corpo normal” equal é a vestimenta adequada para cada ocasião. (LANZ, 2014, p. 97)
Embora não caiba a esta pesquisa aprofundar-se nas indagações a respeito
do cumprimento as normas do “código de se vestir” e suas infrações, convém, a
partir da abordagem de Lanz (2014), enfocar a característica social e socializante
presente no ato de vestir uma roupa, além do quanto esta é relacionada a uma
representação do indivíduo em sociedade e da sociedade no indivíduo.
No que se refere ao modo de se vestir ser empreendido enquanto um código
no qual o indivíduo reproduz uma mensagem e também assimila diversas outras em
seu meio social, cabe retomar os apontamentos de Erving Goffman (1999) em seu
texto “As representações do eu na vida cotidiana”. Goffman (1999), apesar de não
tratar especificamente das questões do vestuário, vai desenvolver uma reflexão
acerca de como as representações de um indivíduo (o “eu”) estão voltadas às
aparências e maneiras expressas socialmente. Compreendendo “aparência” como
“estímulos que funcionam para nos revelar o status social do ator” (GOFFMAN,
1999, p. 31) e “maneiras” como “a interação desse ator social em determinada
situação” (idem).
Goffman (1999) afirma que, habitualmente, se espera que haja uma
compatibilidade entre aparência e maneira, de modo que não se pressupõe que um
indivíduo que pareça ser de posição mais elevada haja de uma maneira que o
aproxime de um determinado grupo social inferior (GOFFMAN, 1999, p. 32). Nessas
situações, é possível inferir a categoria da “aparência” do vestuário e seus códigos,
tendo em vista que o mesmo notifica a qual classe social e grupo o indivíduo
aparenta (grifo meu) pertencer. Segundo Goffman (1999), quando um indivíduo se
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apresenta frente a outros este projeta – consciente ou inconscientemente – uma
representação de si, estando esta vinculada ao seu vestuário e como suas roupas o
representam socialmente.
Doravante, a fim de pensar as investigações da moda de uma forma que suas
manifestações não sejam apenas reduzidas aos fenômenos de estratificação social
ou a rivalidade de classes, o filósofo Gilles Lipovetsky (1989) dedicou-se a
compreender como a moda tomou lugar na história da humanidade (LIPOVETSKY,
1989, p. 10). Em seu livro “O império do efêmero”, Lipovetsky (1989) reitera que a
moda não deve ser associada tão somente ao signo das ambições e disputas entre
as classes sociais, pois tais símbolos, postos enquanto origem do sentido da moda,
tratam-se apenas de umas de suas tantas funções sociais.
Apesar de entender o vestuário como esfera apropriada pelo qual o sistema
da moda surge, visto que – semelhante a perspectiva de Goffman (1999) – “a
inteligibilidade da moda passa em primeiro lugar pela aparência” (LIPOVETSKY
1989, p. 24), Lipovetsky (1989) concebe a moda para muito além do ato de se vestir,
constituindo um dos princípios organizadores da vida coletiva moderna (idem).
Dessa forma, Lipovetsky (1989), corroborando a compreensão teórica que me
orientou nesta pesquisa, trata a questão da moda não somente como uma
consequência do consumo perceptível ou uma forma de diferenciação entre classes,
mas, também, como resultado de uma relação do indivíduo para com os outros, em
que o cerne é a afirmação de uma identidade própria, o que, segundo o autor, se
forma a partir das classes altas no fim da Idade Média. Tal compreensão o diferencia
de alguns teóricos que estudam o fenômeno da moda, uma vez que este cerca os
bens de consumo não sobre a perspectiva da obtenção de prestígio social, mas sim
enquanto a busca pela obtenção de um prazer próprio, ligado a uma questão da
individualidade exacerbada. Em síntese, Lipovetsky (1989) aponta para uma
individualização das pessoas a partir do consumo da moda:
Longe de aparecer como um vetor de reprodução das diferenciações esegregações sociais o sistema da moda permitiu, mais que qualquer outrofenômeno, prosseguir a trajetória da conquista da autonomia individual(LIPOVETSKY, 1989, p. 175)
Ademais, ao remontar a atuação da moda em diferentes períodos históricos,
Lipovetsky (1999) traz a tona um princípio relevante ao se pesquisar a moda: sua
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variabilidade (salientando que a moda deve ser estudada como um fenômeno
passível de transformações organizacionais, sociais e culturais).
Por fim, valendo-me dos apontamentos teóricos apresentados acima,
empreendo a discussão acerca do uso das roupas de segunda mão pelos jovens no
bazar do Asilo São Vicente de Paulo a partir da perspectiva da moda como uma
forma de comunicação entre eles (DORFLES, 1996), na qual os jovens buscam
assemelhar-se e diferenciar-se pelo manejamento de um código (SIMMEL, 2008;
LANZ 2014) pautado na aparência com que se vestem (GOFFMAN 1999), a partir
da qual afirmam a construção de suas identidades em relação aos outros indivíduos
(LIPOVETSKY, 1999; LIPOVETSKY, 1989). Expando essas reflexões no decorrer do
capítulo 6, destinado aos resultados da pesquisa.
Quanto ao capítulo seguinte, prossigo a exposição das referências teóricas
que orientaram meu projeto de pesquisa. Partindo de uma análise da moda como
meio de comunicação, sigo a uma abordagem para pensar os significados de aderir
a moda a partir do consumo. Divergindo de um debate estritamente econômico,
exponho o consumo a partir de sua compreensão enquanto um aspecto social. Para
tanto, utilizo a abordagem da Antropologia do consumo, um campo de estudos
dedicado a analisar o consumo para além de uma concepção material que o define
pela mera busca por aquisição de bens e distinção social, visando explorar os
significados e valores implícitos nos hábitos de consumo e quais resultados estes
produzem no âmbito social.
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3. O CONSUMO DA MODA: UMA PERSPECTIVA ANTROPOLÓGICA
Tendo em vista que a partir da moda os indivíduos comunicam signos de
identificação ou diferenciação, é concebível que tal linguagem – em uma sociedade
capitalista e amplamente globalizada – transite a partir do consumo de artigos da
moda. No caso da moda ligada ao vestuário, as roupas, sapatos e acessórios
funcionam como símbolos que – representando determinadas condutas ao se vestir
– expressam códigos no meio social.
Demarcadoras de pertencimento ou distanciamento a determinado grupo, as
roupas comunicam a moda, que por sua vez concebe a racionalidade presente no
consumo, mesmo quando este é – erroneamente – tido por irracional. Desse modo,
considerando o recorte da pesquisa acerca do consumo de roupas de segunda mão
e seus significados para os jovens que frequentam o bazar do Asilo São Vicente de
Paulo, é preciso abordar o consumo além das concepções que o encerram em um
fenômeno econômico, ligado estritamente as classes sociais. Sendo assim, nesse
capítulo, pretendo retomar a produção de autores que ultrapassaram tal concepção,
abordando o consumo a partir de uma perspectiva antropológica, que o transporta
ao centro dos processos sociais, para se compreender a relação de indivíduos em
dada sociedade.
3.1 O consumo como aspecto social
Néstor Canclini (1999), em seu reconhecido texto sobre a relação entre
consumo e cidadania, aponta precisamente para a desconstrução das noções que
julgam os comportamentos dos consumidores enquanto irracionais; seu intento é
retirar do consumo a figura de ação supérflua, onde as escolhas feitas pelos
indivíduos são normalmente associadas as estratégias publicitárias (CANCLINI,
1999, p. 45), trazendo-o para o domínio da cidadania:
ser cidadão não tem a ver apenas com os direitos reconhecidos pelosaparelhos estatais para os que nasceram em um território, mas também comas práticas sociais e culturais que dão sentido de pertencimento, e fazem comque se sintam diferentes os que possuem uma mesma língua, formassemelhantes de organização e de satisfação das necessidades (CANCLINI,1999, p. 46)
20
Canclini (1999) aponta para as práticas sociais e culturais que dão sentido de
pertencimento mas também de diferenciação, sendo estas responsáveis pela
formação de grupamentos sociais distintos, inclusive entre indivíduos de um “mesmo
povo”. Segundo Canclini (1999), a partir do consumo se institui parte dessa
racionalidade comunicativa de uma sociedade, logo, o consumo seria o lugar de
discriminação tanto em classes sociais distintas – tal qual apontado por Simmel
(2008) e Dorfles (1996) no que se refere a moda – quanto em grupos pertencentes
as mesmas classes sociais, tendo em vista os aspectos simbólicos de pertencimento
e separação presentes no ato de consumir. Em suma, os indivíduos se comunicam a
partir do modo que consomem, logo, Canclini (1999) estabelece uma percepção de
mercado “não como simples lugar de troca de mercadorias, mas como parte de
interações socioculturais”(CANCLINI, 1999, p. 90); assim como o consumo é visto
“não como a mera possessão individual de objetos isolados mas como a apropriação
coletiva, em relações de solidariedade e distinção com outros, de bens que servem
para enviar e receber mensagens” (idem).
A maior contribuição de Canclini (1999) para esse campo de estudos é
apresentar o consumo além de um mero exercício de gosto individual – tal qual as
pesquisas de marketing interpretam – ou como algo de valor mundano que se reflete
na compra do que é desnecessário. Segundo o autor, “o consumo é o conjunto de
processos socioculturais em que se realizam a apropriação e os usos dos produtos”
(CANCLINI, 1999, p. 77), visto que:
quando selecionamos os bens e nos apropriamos deles, definimos o queconsideramos publicamente valioso, bem como os modos com que nosintegramos e nos distinguimos na sociedade, com que combinamos opragmático e o aprazível (CANCLINI, 1999, p. 45)
No caso da presente pesquisa, ao selecionar uma peça de roupa, o
consumidor manifesta-se publicamente juntamento ao conjunto de pessoas que
compartilham de um mesmo gosto em relação a certos bens de consumo, estando
as sociedades civis cada vez mais organizadas a partir dessa compreensão de
“comunidades de consumidores”, do que pela compreensão de unidades territoriais,
linguísticas e políticas (CANCLINI, 1999, p. 285). Ora, a partir do consumo de
roupas de segunda mão, jovens de diferentes classes sociais e regiões da cidade
21
podem partilhar uma mesma linguagem, embora possuam comunidades civis
completamente distintas. É a essa característica de formar uma nova compreensão
de cidadania que Canclini (1999) atribui ao consumo, visto que através dele
“também se pensa, se escolhe e reelabora o sentido social, é preciso analisar como
esta área de apropriação de bens e signos intervem em formas mais ativas de
participação” (CANCLINI, 1999, p. 55)
A partir desta perspectiva do consumo enquanto aspecto cultural associado a
cidadania, Daniel Miller (2007) – em seu texto “Consumo como cultura material” – se
assemelha aos apontamentos de Canclini (1999), afirmando que para analisar
aspectos do consumo é preciso tanto desfazer as críticas preconcebidas a partir da
moralidade quanto a naturalização do consumo, que não considera o sistema
capitalista que o sustenta (MILLER, 2007, p. 39). Miller (2007) contribui aos estudos
acerca do consumo na época por elaborar um ponto de vista que não cerca o
consumo somente como “expressão do capitalismo que produz bens para vender”
(MILLER, 2007, p. 47), segundo o autor, “enquanto isso às vezes pode ser verdade,
havia também a possibilidade de que o consumo pudesse ser visto como a negação
da produção capitalista” (idem). Para tanto, é preciso pensar o papel do objeto e sua
inserção na cultura material, uma vez que o consumo de um objeto não possui
sempre o mesmo significado, mas sim uma diversidade. É necessário reconhecer a
cultura materializada nos objetos4, pois uma vez nos objetos, esta se manifesta
também a partir do consumo.
Corroborando a essa compreensão, Grant Mccraken (2007) vai apreender
que os bens de consumo possuem significados além de sua utilidade e de seu valor.
Segundo o autor, os bens de consumo são comunicadores dos significados culturais
presentes em uma sociedade (MCCRAKEN, 2007, p. 100). Todavia, é necessário
estar atento aos constantes trânsitos em que estes significados estão, visto que eles
fluem entre o mundo social – devido aos coletivos e indivíduos que os empregam –
localizando-se em três lugares: “no mundo culturalmente constituído, no bem de
consumo e no consumidor individual, movendo-se numa trajetória com dois pontos
4 Um dos notórios estudos para pensar a relação do objeto inserido em uma cultura material é apesquisa de MAUSS (2003) acerca da dádiva, na qual, o papel do objeto nas relações sociais édominante e estruturante. Claramente, vale apontar que no texto, Mauss compreende a dádiva deforma extensiva, sendo esta não somente representada enquanto um objeto, podendo ser desdepresentes como também visitas, festas, comunhões, heranças, e diversas “prestações”.
22
de transferência: do mundo para o bem e do bem para o indivíduo” (MCCRAKEN,
2007, p. 100).
Para Mccraken (2007), o ponto original em que se situa o significado cultural
que reside no objeto de consumo é o próprio mundo culturalmente estabelecido,
constituído pelas premissas de cada cultura, sendo as categorias culturais
continuamente materializadas pela prática humana (MCCRAKEN, 2007, p. 101). De
acordo com Mccraken (2007), a função do objeto está em contribuir para a
construção desse mundo cultural, atribuindo significado ao que sem ele seria
inalcançável. Desse modo, o vestuário, por exemplo, funciona como símbolo que
diferencia homens e mulheres (LANZ, 2014), classes sociais, ambientes de trabalho
e de casa, expondo diferenças que se presumem nessas categorias. Logo, através
das roupas pode se comunicar aspectos de um mundo culturalmente construído e
simultaneamente corroborar a esse processo de construção. Nesses trânsitos, o
significado reside primeiro no mundo culturalmente constituído e, ao ser transferido
desse mundo para os bens, passa a residir nos bens de consumo (MCCRAKEN,
2007, p. 103).
Propondo analisar o modo como o significado transita do bem de consumo
para a vida do consumidor, o autor vai classificar diversos rituais para o qual o
consumidor manipula o significado cultural visando uma categorização, a fim de
afirmar, atribuir ou rever os significados presentes nos objetos (MCCRAKEN, 2007,
p. 78). Mccraken (2007) ordena quatro tipos de ritual: troca, posse, embelezamento
e desapropriação; todos representando o processo pelo qual o símbolo presente no
bem de consumo se move ao consumidor. (MCCRAKEN, 2007, p.108).
Haja vista o recorte específico desta pesquisa, abordarei somente os rituais
de posse e desapropriação, uma vez que estes se aplicam diretamente ao contexto
da compra de roupas de segunda mão no bazar. Isto posto, nos “rituais de posse”,
os consumidores limpam, exibem, comparam seus bens de consumo a fim de
estabelecer uma “personalização” que reclame a posse daquele bem para si. Tal
comportamento nas compras de roupas de segunda mão é evidente, visto que o
processo de lavar e exibir a peça comprada reflete o intuito de afirmar na peça a
identidade de seu novo proprietário, o que, de acordo com Mccraken, caracteriza
“uma tentativa de transferir significado do mundo próprio do indivíduo para o bem
23
recém-adquirido” (Mccraken, 2007, p. 109)
Semelhantemente, ligados aos “rituais de posse”, estão os “rituais de
desapropriação”, que objetivam retirar do bem de consumo todo significado
atribuído. No ambiente do bazar, o “ritual de desapropriação” está presente tanto
para a pessoa que compra uma peça, quanto para aquela que a doa ao bazar, pois
está pautado na compreensão de que “os bens devem ser esvaziados de significado
antes de serem passados adiante, e esvaziados de significado ao serem assumidos”
(MCCRAKEN, 2007, p. 110). Tal medida visa evitar que se ocorra uma perda ou
contágio de significado, reconhecendo o caráter simbólico presente no bem de
consumo para quem o adquire e para quem o passa adiante.
É a partir dos rituais que os significados culturais chegam ao consumidor, e
em ambos, a noção partilhada é de que os bens de consumo – no caso dessa
pesquisa, as roupas de segunda mão – constituem categorias da cultura
materializada que, a partir do trânsito do sentido (que passa do mundo culturalmente
estabelecido aos bens e dos bens aos consumidores), comunicam percepções entre
os indivíduos. Estes, por sua vez, apesar de as assumirem individualmente,
partilham seus significados em coletivo.
3.2 Notas para uma antropologia do consumo
Todos os autores apresentados na seção acima, ao estudar o consumo sob
uma perspectiva que considerasse seus aspectos subjetivos e participantes no
processo social, acabaram por desenvolver – conscientes disso ou não – uma visão
antropológica acerca do consumo. Entretanto, nenhum deles teve o intuito de
formular uma teoria antropológica que discutisse o consumo em diversas sociedades
(mesmo nas consideradas tribais). Tal é o caso de Mary Douglas e Baron Isherwood
(2006), que – em sua obra “O mundo dos bens: para uma antropologia do consumo”
– propõem formular uma definição antropológica de consumo que tivesse um vasto
alcance explicativo, apresentando os aspectos sociais do consumo tanto em
sociedades industriais quanto nas sociedades tribais que mal conheceram o
comércio.
24
Com o intuito de expressar o consumo como parte do processo social
(partindo de uma conjunção entre teorias econômicas e antropológicas), os autores
realizam comparações entre diversas sociedades, abordando as relações de troca e
consumo em diferentes culturas. É fato de que suas considerações não estão
voltadas ao estudo da moda, todavia, suas observações são essenciais para
compreender as relações estabelecidas pelo consumidor com seus bens de
consumo e – principalmente – com outros indivíduos.
Tal qual Miller (2007) e Canclini (1999), Douglas e Isherwood (2006) procuram
se distanciar dos preconceitos acerca do consumo, apontando que este necessita
ser analisado fora de um viés moralizante que relaciona o ato de consumir à
alienação e futilidade, em que o consumidor está condicionado somente pelo desejo
de copiar ou imitar as classes sociais com mais status. Antes, para os autores é
preciso atentar-se para as dimensões culturais e simbólicas do consumo, levando
em conta as diversas motivações e interesses presentes no ato de consumir.
Definindo que o consumo “usa os bens para tornar firme e visível um conjunto
particular de julgamentos nos processos fluidos de classificar pessoas e eventos”
(DOUGLAS; ISHERWOOD, 2006, p. 115), os autores o compreendem enquanto um
ritual que visa o estabelecimento e a manutenção de relações sociais. Ora, uma vez
que uma pessoa “precisa de bens para comunicar-se com os outros e para entender
o que se passa à sua volta” (DOUGLAS; ISHERWOOD, 2009, p.149), os bens
passam a ser portadores de significados, embora nenhum o seja por si mesmo, pois
o significado reside nas relações entre os bens (DOUGLAS; ISHERWOOD, 2009,
p.121). Assim sendo, os bens de consumo são como marcadores: “a ponta visível do
iceberg que é o processo social como um todo” (DOUGLAS; ISHERWOOD, 2009,
p.123).
Na perspectiva de Douglas e Isherwood (2006), os bens são categorias de
classificação, funcionando como comunicadores de valores sociais e categorias
culturais. Tendo por certo que as escolhas de consumo representam concepções
morais e valores culturalmente dados, os bens de consumo possuem a capacidade
de portar significados sociais relevantes, demonstrando a rede de relações a qual
um indivíduo está associado (DOUGLAS; ISHERWOOD, 2009, p.131).
25
A partir dos apontamentos de Douglas e Isherwood (2006), é possível
formular uma abordagem do consumo que não o considere apenas
economicamente, mas compreenda seus significados e símbolos presentes nas
relações sociais. Tal postura aproxima-se de uma concepção antropológica, em que
o consumo é observado como “arena em que a cultura é objeto de lutas que lhe
conferem forma” (DOUGLAS; ISHERWOOD, 2009, p. 103).
Portanto, afastando dos bens consumo a visão mercantil que os encaixa
somente como meros objetos dotados de valor de uso e de troca, é possível
conceber, a partir da antropologia do consumo, uma relação entre cultura e
consumo. Nessa compreensão, destaca-se a dimensão cultural que atravessa as
práticas de consumo, entendendo-o como um processo sociocultural que envolve,
além do uso, a troca e a comunicação entre os indivíduos consumidores.
3.3 A antropologia no consumo de roupas de segunda mão
Tal abordagem do consumo e seu aspecto social serviu de referência ao
realizar o estado da arte de minha pesquisa, ao qual, principalmente na área da
pesquisa antropológica, me deparei com trabalhos pautados na análise do consumo
de roupas a partir de seu caráter simbólico. Dentre eles, destaca-se a monografia de
Valentina L. Bittencourt (2013), “O consumo de roupas de brechó: um olhar
antropológico”. Nela, Bittencourt (2013) expõe variadas formas de compreensão do
consumo (especificando-o no contexto da moda), além de evidenciar seu caráter de
signo componente para a constituição da identidade. Segundo a autora: “Consumir
passa a ser uma forma do sujeito se auto conhecer (…) A identidade deste sujeito
não estaria nos objetos que ele consome, mas na relação que se estabelece com
eles” (BITTENCOURT, 2013, p. 24).
Em sua pesquisa, Bittencourt (2013) pretende – de forma abrangente – traçar
um panorama sobre os brechós na região de Porto Alegre, classificando-os por tipos
e funções. Apesar de não elaborar uma acentuada discussão acerca das
informações coletadas através das visitas aos brechós e das falas recolhidas, seu
trabalho é pautado numa compreensão antropológica do consumo, que o concebe
como elemento comunicador.
26
Juntamente a Bittencourt (2013), a pesquisa de Sílvia B. Corrêa e Veranise
Dubeux (2015) – publicada no artigo “Comprando roupa de brechó: uma análise
sobre o consumo de vestuário de segunda mão entre jovens na cidade do Rio de
Janeiro” – me serviu de referência ao utilizar da perspectiva da antropologia do
consumo para estudar o vestuário de segunda mão a partir dos valores atribuídos
pelos jovens em diferentes bairros na cidade do Rio de Janeiro. Diferente da
pesquisa de Bittencourt (2013), Corrêa e Dubeux (2015) delimitam bem seu método
e o modo pelo qual alcançaram os resultados de sua pesquisa. A partir da
observação de alguns brechós localizados nas zonas Norte, Sul e no Centro da
cidade do Rio de Janeiro e da aplicação de entrevistas aos jovens frequentadores
desses espaços, Corrêa e Dubeux (2015) compreendem o consumo de roupas de
segunda mão pelos jovens “como manifestação do estilo de vida ‘alternativo’ e
também como manifestação política e ética” (CORRÊA e DUBEUX, 2015, p. 44)
Traçando paralelos entre as pesquisas apresentadas e a minha, suas
abordagens se aproximam na medida em que também analisam o consumo de
roupas de segunda mão por um viés antropológico, mas se distanciam no que se
refere ao recorte, principalmente na pesquisa realizada por Bittencourt (2013), posto
que a autora escreve sobre muitos brechós sem falar especificamente de nenhum;
com a pretensão de elaborar uma compreensão mais geral da cena dos brechós em
Porto Alegre, suas lentes de observação não compreendem detalhes que apenas
um trabalho continuado e focado poderiam alcançar. Já Corrêa e Dubeux (2015),
apesar de uma excelente metodologia e estudo de caso, se distanciam por seu
recorte compreender um grupo de jovens consumidores de roupas de segunda mão
muito semelhantes em suas motivações: são jovens que frequentam brechós (físicos
ou online) apenas para consumo próprio.
No que se refere a minha pesquisa, me diferencio dos trabalhos apresentados
acima por analisar um espaço relacionado a venda de roupas de segunda mão que
se encontra numa posição anterior aos brechós e pode ser apontado (como
explicitarei nos capítulos seguintes) um de seus principais alimentadores: o bazar.
Ademais, diferente de Bittencourt (2013), não é meu intento compreender todo o
circuito de bazares presentes na cidade de Curitiba ou formular um panorama deles,
nem mesmo, como Corrêa e Dubeux (2015), analisar as semelhanças entre o perfil
27
de jovens que consomem vestuário de segunda mão em uma determinada região;
antes, pretendo, especificamente a partir do bazar do Asilo São Vicente de Paulo,
analisar o modo com que os jovens compreendem o consumo de roupas de
segunda mão e como interagem por meio deste, dando atenção as diferentes
finalidades pelo qual estes frequentam o bazar e consomem roupas de segunda
mão. No próximo capítulo explanarei mais gradualmente acerca do bazar do Asilo
São Vicente de Paulo e suas especificidades, além dos aspectos relacionados ao
período em que realizei a observação de campo.
Neste momento, cabe prosseguir a apresentação de pesquisas recentes que
correlacionam os significados culturais dos bens de consumo e o vestuário de
segunda mão. Nesse campo de estudos, é basilar citar a dissertação de mestrado
de Paula Krüger (2010), “O processo de construção e de movimento dos significados
culturais do consumo de roupa de segunda mão em um brechó no Rio de Janeiro”.
Krüger (2010) analisa como o mercado de roupas de segunda mão, antes
compreendido enquanto ligado a caridade e as classes mais pobres da população,
transitou desse caráter social (predominante até a década de 1980) para novos
significados, que atingem inclusive as classes altas.
Partindo dessa problemática, Krüger (2010) realiza um estudo de campo sobre
um brechó sofisticado no Rio de Janeiro, focalizando a movimentação de
significados culturais das roupas de segunda mão no funcionamento do brechó e
nos consumidores que o frequentam. Krüger (2010), assim como a presente
pesquisa, visa pensar a relação existente entre pessoas e bens de consumo, numa
perspectiva de que os indivíduos criam e mobilizam significados culturais através do
consumo, pelo qual a moda, no tocante ao vestuário, seria uma forma de construir e
comunicar uma ordem social (KRÜGER, 2010). Para realizar sua pesquisa, Krüger
passa o período de dois meses frequentando um Brechó Chique (como ela
denomina), empreendendo os métodos de observação participante e entrevistas
para analisar o funcionamento desse Brechó, quem são suas consumidoras e quais
os significados inerentes ao consumo neste brechó. Krüger conclui que “o Brechó
Chique tem seu funcionamento informal, baseado na confiança existente entre as
consumidoras, proprietárias e funcionárias” (KRÜGER, 2010, p. 113).
28
Obviamente, a questão do meu recorte ser um bazar já apresenta um ponto
divergente entre minha pesquisa e a análise de Krüger (2010), visto que abordo os
significados das roupas de segunda mão num espaço não elitizado, embora isso não
necessariamente signifique que este seja destinado as classes sociais mais baixas.
Além disso, acrescento a perspectiva de enfocar as relações entre os jovens no
bazar a partir do seu consumo em comum, o que Krüger (2010) também faz em sua
pesquisa – ao reconhecer que as relações desenvolvidas pelas consumidoras no
espaço do Brechó Chique são tão ou mais importantes que seu consumo –
entretanto, não aplicando uma discussão teórico sociológica acerca de como essas
relações podem ser compreendidas.
No que tange a diferenciar o sentido entre os termos “brechó” e “bazar” a partir
do que foi apresentado das pesquisas realizadas na área, cabe empregar o estudo
de Ivianny Crescêncio e Lorena Ferreira (2011), a partir de sua análise sobre o
comércio de roupas usadas na cidade de Juiz de Fora (MG). Com base em
entrevistas realizadas com 25 donos de estabelecimentos de roupas usadas e 19
consumidores, as autoras apontam que especificamente em Juiz de Fora:
Um total de 47,37% dos consumidores disse não haver diferença entre osdois termos. Já os consumidores entrevistados que conseguiram apontar anatureza da distinção entre os termos, apresentaram como principal diferençaa sofisticação e o preço caro dos itens apresentados nos brechós.(CRESCÊNCIO e FERREIRA, 2011, p. 69)
Desse modo, Crescêncio e Ferreira (2011) caracterizam o preço e a
sofisticação das roupas como as principais diferenças apontadas entre brechó e
bazar, embora em ambos haja a relação com o comércio de roupas de segunda
mão. Ao passo de que para Bittencourt (2013), tais diferenças são apreendidas
pelos consumidores em relação aos espaços não aos títulos, no que ela categoriza
como “brechó-para-poucos” (que preza por exclusividade e autenticidade) e “brechó-
para-muitos” (que se distingue pela grande diversidade e o baixo valor, sendo
próximo ao que os consumidores entendem por bazar).
Considerando que tais diferenças são de ordem não somente econômica mas
também simbólica, nesta pesquisa, situo “bazar” enquanto um espaço em que a
venda das roupas de segunda mão se dá por uma instituição filantrópica sem fins
lucrativos, nesse caso, o Asilo São Vicente de Paulo; sendo “brechó” todo o conjunto
29
de lojas (físicas ou online) que recorrem ao bazar para prover seu negócio de venda
de roupas de segunda mão, possuindo um fim lucrativo.
No capítulo adiante, descrevo como foi aplicado o método da observação
participante no ambiente do bazar. Sem o intuito de enquadrar tal observação
próxima a concepção de uma etnografia (visto o curto período de cinco semanas de
realização), a compreendo somente enquanto exercício antropológico para uma
mais intensa focalização do funcionamento e espaço do bazar, a fim de produzir
notas acerca dos comportamentos e interações entre os jovens no ambiente do
bazar do Asilo São Vicente de Paulo. Além de informações sobre o bazar e do
período específico ao campo, o capítulo também introduz como ocorreram as
entrevistas com os jovens frequentadores do bazar, sendo voltado a abordagem das
informações que constituíram o exercício empírico dessa pesquisa.
30
4. UM ESTUDO DE CASO: O BAZAR DO ASILO SÃO VICENTE DE PAULO
Salientar o bazar do Asilo São Vicente de Paulo enquanto meu estudo de
caso – método caracterizado enquanto “um tipo de pesquisa cujo objeto é uma
unidade que se analisa profundamente” (GODOY, 1995, p. 25) – significa dizer que,
empiricamente, empreendi nele (durante determinado tempo) um enfoque
exploratório e descritivo. Até o momento, as ideias expostas acima sobre moda e
consumo serviram de aparato teórico para a realização da pesquisa de campo na
medida em que permitiram a elaboração e verificação de hipóteses. O objetivo
central foi analisar que valores são atribuídos às roupas de segunda mão pelos
jovens, quais as finalidades pelos quais eles frequentam o bazar do Asilo São
Vicente de Paulo e como, a partir da prática desse consumo, formam sua identidade
e interagem entre si. Neste capítulo, abordarei o estudo de caso dessa pesquisa,
apresentando o espaço e funcionamento do bazar, os dias em que me dediquei a
aplicação da observação participante e como, a partir dos contatos de jovens
recolhidos nesse período, foram realizadas as entrevistas semiestruturadas.
4.1 O bazar do Asilo São Vicente de Paulo
Visado como “uma forma (...) de trazer recursos para o Asilo e também de
ajudar àquelas pessoas que têm dificuldades para comprar roupas e produtos de
casa” – segundo fala do Pe. José Aparecido (Diretor Executivo da Ação Social do
Paraná) em reportagem ao portal de notícias Bem Paraná5 – o bazar do Asilo São
Vicente de Paulo (doravante Asilo São Vicente) têm, há alguns anos, sido
referencial no circuito de venda de roupas de segunda mão nas regiões próximas ao
centro da cidade de Curitiba, principalmente aos proprietários de brechós que
abastecem suas lojas a partir das roupas do bazar.
O bazar ocupa uma grande sala nas imediações do próprio Asilo São Vicente.
Quanto ao Asilo, cabe retomar brevemente sua história: foi fundado enquanto Centro
de Mendicância em 30 de outubro de 1926, pelo então presidente de Estado da
5 “Asilo São Vicente de Paulo realiza bazar de roupas e utensílios de casa”. Bem Paraná.Reportagem de 25 de maio de 2007. Disponível em:<http://www.bemparana.com.br/noticia/29923/asilo-sao-vicente-de-paulo-realiza-bazar-de-roupas-e-utensilios-de-casa> Acesso em: 20 de setembro de 2017.
31
Província do Paraná Caetano Munhoz da Rocha, possuindo, hoje, a capacidade de
acolher até 160 moradoras. Quanto a sua cronologia, destaca-se que por quase 80
anos as responsáveis por sua administração foram as Irmãs Passionistas, contudo,
em 2004, atendendo às especificações da nova Política de Atendimento ao Idoso, a
gestão do Asilo passa para a Fundação Educacional Itaqui. Desde janeiro de 2009, a
administração do Asilo está sob responsabilidade da Ação Social do Paraná
(REVISTA, 2016). No que se refere a localidade geográfica, cabe considerar que o
Asilo São Vicente, com o passar das décadas e o crescimento da cidade de Curitiba,
passou a ocupar um espaço num região habitacional valorizada, próxima a
universidades e condomínios, num dos bairros vizinhos ao Centro da cidade.
O bazar – segundo relato de uma funcionária – funciona há mais de quinze
anos e já passou por diversos horários e dias de funcionamento. Atualmente, abre
sua porta – situada na Rua São Vicente, nº 100, no bairro Juvevê – todas as quintas-
feiras, das 08h00m às 12h00m e das 13h30m às 16h30m. O espaço destinado ao
bazar é grande e está dividido em zonas, para qual o preço das peças é
diversificado. A seguir, a partir do período em que dediquei-me a observar o
ambiente do bazar e das anotações feitas em meu diário de campo, descreverei seu
espaço, de modo que seja possível elaborar um mapa de reconhecimento
geográfico.
Logo ao entrar, um pouco a esquerda, o consumidor se depara com seis
grandes caixotes de madeira, posicionados em duas fileiras, com três caixotes em
cada fila. Cobertos de roupas diversas que – não raramente – se espalham pelo
chão ao redor, neles se encontram as peças de menor valor; não havendo nesse
setor critério de organização ou separação de peças, todos os tipos se misturam nos
caixotes, sendo a aleatoriedade a característica predominante.
À direita da entrada, se encontram roupas dispostas em cabides postos em
araras, o que visivelmente facilita uma organização e distinção entre as peças;
sendo estas as de maior valor no bazar, nessa zona se encontram roupas mais
conservadas ou mesmo novas, como jaquetas, casacos, calças, vestidos de festa,
vestidos de noiva e roupas de alfaiataria.
Na parte de trás, após os caixotes e as roupas postas em araras, há diversas
roupas empilhadas sobre mesas; do lado esquerdo, roupas de inverno que estão
32
separadas por ser majoritariamente de lã; do lado direito, também empilhadas sobre
mesas, roupas infantis e cachecóis, além de uma estante repleta de malas, bolsas
de viagem e um expositor de cintos.
Vale ressaltar que, além dos itens descritos, o bazar ainda possui espaço
para a venda de livros (localizado em estantes logo à esquerda da entrada),
utensílios domésticos (pratos, copos, panelas, etc.) e calçados diversos (ambos
localizados à esquerda dos caixotes de madeira), além de caixas de papelão e
pequenas estantes espalhadas pelo salão, em que pode se encontrar lenços,
armações para óculos, colchas, brinquedos, discos e acessórios variados. O bazar
conta ainda com três provadores (localizados à esquerda da entrada, após as
estantes de livros) e dois banheiros (localizados no fundo do salão).
Referente aos preços, há uma diversidade, embora as peças retiradas dos
caixotes de madeira com roupas diversas, os sapatos, as bolsas, os brinquedos e
acessórios em geral sejam vendidos por R$ 2,50 (dois reais e cinquenta centavos) –
menor preço para roupas no bazar –, as roupas de lã e de manga comprida são
vendidas por R$ 5,00 (cinco reais) e as que estão separadas nas araras são
vendidas por R$ 10,00 (dez reais) ou mais, dependendo de qual peça. O menor
preço se atribui aos livros, vendidos unitariamente por R$ 1,00 (um real). Após os
funcionários contarem e classificarem as peças sob mesas que ficam localizadas
como uma divisória entre os caixotes de madeira e o setor das araras, as peças e
utensílios são levadas ao caixa – localizado do lado direito assim que se entra no
bazar – onde é efetuado o pagamento. O pagamento só pode ser realizado em
dinheiro e o bazar não se responsabiliza em fornecer sacos, logo, cabe ao cliente o
modo em que ele transportará suas compras.
Tendo tomado notas sobre a organização do espaço no bazar – na esperança
de que o(a) leitor(a) tenha se situado espacialmente mesmo que nunca tenha
comparecido a ele6 – pretendo, a seguir, abordar os aspectos de como sucederam
as cinco quintas-feiras em que estive no bazar a fim de realizar o método da
observação participante, tendo por foco os padrões que se repetiram e as interações
dos jovens com esse espaço.
6 Infelizmente, no período em que realizei a observação participante, não me foi consentido pelafuncionária responsável realizar fotos do espaço do bazar.
33
4.2 O período em campo
FIGURA 1 – FRENTE DO BAZAR DO ASILO SÃO VICENTE DE PAULO
FONTE: Imagens Google Street View (fev. 2017)
Durante todo o mês de julho de 2017 (e primeira semana de agosto),
dediquei-me a aplicar o método da observação participante no bazar do Asilo São
Vicente. Tendo em vista que a observação participante é o caminho para se alcançar
o que não está explícito, a fim de apreender conceitos e significados no cotidiano do
grupo social que dão sentido a suas práticas (MALINOWSKI, 1978). Todavia,
embora tenha feito uso de princípios epistemológicos que orientam a prática
etnográfica, não me posiciono enquanto etnógrafo, tendo em vista o curto tempo de
inserção no campo e acompanhamento do grupo, além da falta de conhecimento
próprio para a produção de um texto etnográfico. A partir da técnica da observação
participante, pretendi somente tomar notas. Reconhecendo que esta técnica:
consiste na obtenção de dados a partir da possibilidade de acompanhar pormeio da visão e dos demais sentidos o cotidiano dos informantes. [...] éconsiderada participante na medida em que houver a intenção e as condiçõespara que o pesquisador, mesmo parcialmente, atue no papel de observador e,
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ao mesmo tempo, em outros papéis que cotidianamente os informantesassumem. (SILVA e FANTINEL, 2014, p. 07)
Desse modo, acompanhei os jovens no cotidiano do bazar a partir de suas
interações, conjuntamente enquanto também assumia o papel de comprador ao
vasculhar as peças e me inserir no ambiente do bazar.
O intuito principal era gerar notas acerca do consumo de roupas de segunda
mão e os valores envolvidos nessa relação para os jovens que frequentam o bazar.
Ademais, nas semanas em que realizei a observação participante, visava também
abordar alguns jovens a fim de recolher seus contatos, para que pudessem me
conceder futuras entrevistas, com o intuito de fornecer material empírico para a
minha pesquisa. O que, de fato, ocorreu cerca de um mês após a primeira quinta
feira em que estive no bazar.
Vale destacar que, embora eu já frequentasse o bazar para compras pessoais
alguns meses antes de iniciar a pesquisa, a experiência de enxergá-lo atentamente,
tomando notas sobre seu funcionamento e as pessoas que transitavam por seu
espaço, me ampliou perspectivas sobre o método etnográfico e como este expõe,
mesmo em contextos que pareçam familiares, uma relação de alteridade. De tal
forma que, o que antes me parecia conhecido, pelo fato de eu despender trinta
minutos do meu dia em longos intervalos de semanas, foi se ampliando a cada
semana em que eu retornava ao bazar (para passar nele cerca de quatro horas e
meia em observação).
Sendo assim, durante cinco quintas-feiras consecutivas estive em observação
participante no bazar do Asilo São Vicente. Obedecendo ao princípio metodológico
apontado por Magnani (2002), orientei meu olhar para uma observação “de perto e
de dentro”, ou seja, situando o foco “nem tão de perto que se confunda com a
perspectiva particularista de cada usuário e nem tão de longe a ponto de distinguir
um recorte abrangente, mas indecifrável e desprovido de sentido” (p. 17). Logo, um
foco não somente no jovem separado das relações desenvolvidas no espaço do
bazar (que envolvem, por exemplo, conflitos de interesses e gerações distintas),
mas também não tão abrangente, visto que sendo esse um trabalho de conclusão
de curso de uma graduação, não cabe estender o recorte a outros espaços de
vendas de roupas de segunda mão em Curitiba.
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Assim sendo, nas semanas em que realizei a observação, preocupei-me em
investigar quais seriam os significados culturais atribuídos e partilhados pelos jovens
consumidores de roupas de segunda mão do bazar do Asilo São Vicente, a fim de
analisar de que forma, para estes jovens, o vestuário de segunda mão está
relacionado a constituição de uma identidade e como esta se expressa na
coletividade, a partir da categoria de “pedaço” empregada por Magnani (2000).
Inicialmente, pretendia alternar os horários de observação (em uma semana
iria pela manhã e na semana seguinte iria à tarde), contudo, na segunda semana, ao
realizar a observação no horário da tarde, percebi que o bazar apresenta uma
demanda bem menor, haja vista que a maior parte das peças já haviam sido
compradas no período matutino. Sendo assim, resolvi, a partir de então, restringir o
horário de observação pela manhã, visto que a quantidade de jovens que
frequentavam o bazar e as possibilidades de interações entre eles eram mais
suscetíveis nesse horário.
Na minha primeira semana de observação saí de casa 08h30m (imaginava
que o bazar abria às 09h00m), logo, não consegui acompanhar o momento em que
se abria a porta do bazar (às 08h00m); todavia, nas semanas seguintes em que fui
pela manhã, cheguei às 07h30m, meia hora antes do bazar abrir, permanecendo até
o intervalo de almoço dos(as) funcionários(as), às 12h00. Em todas as quintas do
campo, além de observar os perfis de jovens que frequentavam o bazar e recolher
contatos para a realização de entrevistas, observei cenários que se repetiam como
características do funcionamento do bazar do Asilo São Vicente, os quais aponto a
seguir.
Primeiramente, há filas. E estas se formam muito antes do bazar abrir, como
indica o seguinte relato extraído de meu diário de campo do dia 13 de julho de 2017:
Saio de casa 07h15m e chego à entrada do bazar às 07h30m. De longe jáfico surpreendido com a quantidade de pessoas que espera na fila a aberturado bazar. Enquanto me dirijo para o final da fila, conto quantas pessoasestariam à minha frente: vinte e sete pessoas. E mesmo após a minhachegada, a fila continuou a crescer. Estimo que antes de abrir, pelo menos,trinta e cinco pessoas esperavam em fila do lado de fora. (Nota do diário decampo do autor, 2017)
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FIGURA 2 – FILA NA ENTRADA DO BAZAR ANTES DA ABERTURA
FONTE: O autor.
Situações semelhantes com a descrita acima ocorreram em todas as manhãs
durante a observação. O perfil de consumidores que se podia apreender na fila, era
o de senhoras, jovens (sozinhos ou em conjunto) e grupos familiares, mas
principalmente senhoras7. A partir da formação de uma fila antes do bazar abrir, já se
observa a seguinte característica repetidamente frequente no ambiente do bazar: a
disputa. Quanto a essa, segue relato retirado de meu diário de campo do dia 13 de
julho de 2017:
No início da fila ouvi uma baixa discussão sobre precisar ter calma e que‘todo mundo vai entrar’. Considerando que naquele espaço as pessoas seapertavam próximas a porta, observei bem para o que aconteceria nomomento em que esta abrisse. No instante em que o relógio marcou 08h00 apequena porta localizada na esquina da rua São Vicente abre e as pessoasentram aceleradas. O movimento é intenso, pessoas correndo de um ladopara o outro. Observo duas senhoras que, enquanto a maioria vai em direçãoaos sacos pretos com roupas sortidas (que quase instantaneamenteacabam), se direcionam às roupas das araras e recolhem praticamente todasem uma pilha. (Nota do diário de campo do autor, 2017)
7 Tendo em vista que meu recorte específico era observar o consumo dos jovens, a pesquisa nãovisa abarcar questões quanto ao consumo dessas senhoras (visto que escapa ao que pretendiobservar), embora alguns desses aspectos tenham sido apreendidos a partir do período queestive em observação no bazar.
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Observei que circunstâncias como a descrita acima ocorriam
corriqueiramente, evidenciando que, no espaço do bazar (principalmente no instante
em que ele abre) há um embate por quem seleciona mais e melhores roupas.
Provavelmente, à frente deste embate, estão as pessoas que compram roupas no
bazar para revender a terceiros, contudo, a disputa não se resume apenas a elas,
uma vez que o próprio funcionamento do bazar estipula “abonos” aos que se
colocam na dianteira das filas antes do bazar abrir: sacos pretos cheios de roupas
sortidas vendidos ao valor de R$ 10,00 (dez reais). A presença desses sacos não
acontece sempre (ao menos não ocorreu em todas as manhãs em que observei o
bazar abrir), mas ocupa o imaginário dos consumidores que frequentam o bazar e
disputam um bom lugar na fila. Como aponta o sequente relato extraído de meu
diário de campo da manhã do dia 20 de julho de 2017:
Em menos de quinze minutos após a abertura do bazar já existem roupasespalhadas pelo chão ao redor dos caixotes. Reparo em um grupo de setejovens que chega ao bazar. Direcionam-se rapidamente para os caixotes ecomeçam a vasculhar entre as peças. Ouço-os reclamar que chegaram tardee que próxima semana deveriam chegar mais cedo para pegar os sacospretos com roupas sortidas. (Nota do diário de campo do autor, 2017)
Atrelado a essa disputa de quem “garimpa” melhor no ambiente do bazar é
quem – além de chegar mais cedo na fila – consegue ver e selecionar mais peças
em menos tempo, se configura uma desordem característica do espaço. Em todas
as minhas idas ao bazar, o cenário a partir de quinze minutos de abertura era o
mesmo: diversas roupas pelo chão, espalhadas nas bordas dos caixotes de
madeiras, por vezes dificultando a passagem, amontoadas em pilhas por todo o
salão, marcando território para um(a) comprador(a) que só depois terá tempo de
sentar e realmente selecionar as peças que levará ou não. Conforme anotações do
meu diário de campo do dia 27 de julho de 2017:
Às 08h10m a porta abre e de repente tudo vira mãos vasculhando eseparando roupas. Pessoas retirando aos montes roupas dos caixotes eamontoando aos seus pés para que, só depois de passada a correria deabertura do bazar, poder selecionar as peças que levarão. Uma jovemreclama exatamente disso, ao passo de que uma senhora responde ‘não eraassim antes, agora tá bastante, você não chega nem a ver as roupas… Brasilné.. isso é muita falta de educação’ (Nota do diário de campo do autor, 2017)
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Na prática, tanto a formação de filas, a disputa e a desorganização do espaço
se dão pelo mesmo motivo: a busca pelas melhores peças do dia. Sendo todas as
características do ambiente do bazar acima indicadas resultadas do aspecto que
alçou o bazar do Asilo São Vicente a ser reconhecido como um referencial na
compra de roupas de segunda mão: o preço. Economicamente viável tanto para
quem deseja comprar roupas para si como para quem compraria para terceiros
(revendendo), o preço das peças do bazar possibilita que em apenas uma ida se
adquira diversas roupas. Logo, chegar antes, vasculhar os caixotes e araras a fim de
ver e selecionar mais roupas representa, em aspectos de consumo, pagar pouco
levando o melhor.
Além de analisar as interações e particularidades que se repetiam no
ambiente do bazar do Asilo São Vicente durante as cinco quintas-feiras em que
realizei minha observação participante, recolhi catorze contatos (e-mail ou número
de telefone) de jovens interessados em participar da fase das entrevistas que seria
realizada posteriormente. Obviamente – como é de se esperar no andamento de
uma pesquisa – presumi que nem todas as pessoas que me passariam o contato
estariam realmente dispostas algumas semanas após minha abordagem no bazar;
entretanto, para minha sorte, sete delas estavam.
Na seção seguinte, tratarei de como foram realizadas as entrevistas, para nos
capítulos seguintes, abordar como se deu a análise das informações recolhidas e
desenvolver o que através delas pode ser expressado.
4.3 A realização das entrevistas
Primeiramente, cabe apontar qual critério foi utilizado para selecionar as
pessoas entrevistadas. Ora, tendo por embasamento que o recorte da pesquisa se
limitava a faixa etária jovem e ao bazar do Asilo São Vicente, decidi que estas
seriam as categorias principais que todas as pessoas entrevistadas deveriam
possuir em comum. Logo, era importante que, apesar de suas diferentes motivações
para frequentar o bazar e comprar roupas de segunda mão, todas fossem jovens e
possuíssem algum nível de familiaridade com o espaço do bazar do Asilo São
Vicente. Para facilitar essa busca, decidi que os convites para as entrevistas
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ocorreriam no próprio espaço do bazar, a partir do período em que realizei a
observação participante.
Pressupondo que a disponibilidade dos jovens em conceder uma entrevista
durante suas compras seria pequena e também considerando que realizar uma
entrevista no ambiente do bazar seria uma tarefa praticamente impossível, tendo em
vista a quantidade de pessoas que se movimentam por todo o espaço e a
dificuldade em registrar um áudio em meio a grande diversidade de sons e ruídos,
optei por somente abordá-los brevemente enquanto estes “garimpavam” suas peças.
A abordagem consistia em me apresentar enquanto estudante de Ciências Sociais e
explicar sucintamente sobre o que se tratava a pesquisa, para então pedir seus
contatos a fim de que – em outro instante e lugar – me concedessem uma
entrevista.
Obtive êxito. A grande maioria das pessoas abordadas se interessaram pela
pesquisa e concederam seus contatos para uma comunicação posterior. No total,
recolhi catorze contatos (considerando que este não seria o número efetivo de
pessoas entrevistadas, visto que muitas delas poderiam não continuar dispostas a
participar passado o momento em que foram abordadas).
Minha expectativa estava correta. Ao contatar as catorze pessoas, apenas
sete delas responderam confirmando dias e horários em que estariam disponíveis.
Sendo esse um número de entrevistas que me permitiria traçar paralelos sobre as
diferentes motivações de compra e uso de roupas de segunda mão pelos jovens que
frequentam o bazar do Asilo, fiquei satisfeito e me empenhei em realizá-las num
curto período de tempo, de modo que se produzisse contrastes prontamente durante
a realização das entrevistas, conforme as impressões de cada uma delas.
Sendo assim, planejei realizar as sete entrevistas durante uma semana,
alternando entre horários disponíveis pela manhã e pela tarde, o que, por pouco,
quase ocorreu plenamente, visto que consegui realizar seis das sete entrevistas
durante uma semana. Entre os dias 21 de agosto e 25 de agosto ocorreram as seis
primeiras, sendo a sétima e última entrevista realizada uma semana após (a partir
da disponibilidade da entrevistada), no dia 30 de agosto. Logo, o período destinado
à realização das entrevistas ocorreu no prazo de dez dias.
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Cumprindo as prescrições de uma entrevista semiestruturada, o roteiro8
desenvolvido combinava perguntas abertas e fechadas, abordando aspectos
relacionados às motivações, às práticas, aos significados e à construção de valor do
vestuário de segunda mão, de modo que as pessoas entrevistadas tivessem mais
liberdade de discorrer sobre o tema proposto a partir de suas próprias
compreensões sobre, tendo em vista que todas possuíam familiaridade com o
assunto. A proposta não era abordá-las como se estas respondessem a um
questionário, mas sim deixá-las à vontade como em uma conversa informal (BONI et
all, 2005).
Quanto aos locais em que as entrevistas ocorreram, das seis realizadas
durante a primeira semana, cinco tiveram por local a sala 903, do prédio Dom Pedro
I, na Reitoria da Universidade Federal do Paraná (situada na rua XV de Novembro,
1299, Centro de Curitiba); a outra se deu no saguão do prédio da pessoa
entrevistada, também no Centro de Curitiba. A sétima entrevista foi realizada na
sede do brechó Flamingos9, no bairro Mercês (próximo a região central da cidade).
No que se refere a duração de cada entrevista, não houve um padrão fixo.
Considerando que utilizei o mesmo roteiro para todas as pessoas, ocorreu o fato de
algumas possuírem mais disposição em falar (principalmente se suas compras não
estavam destinadas apenas ao consumo próprio). Quanto isso, abordarei
posteriormente no capítulo destinado ao resultado das entrevistas, para o momento,
cabe apenas salientar que o tempo de cada entrevista durou em média quinze
minutos, tendo – algumas – alcançado mais de vinte minutos, contudo não atingindo
a marca dos trinta minutos.
Anterior a realização das entrevistas foi considerado como hipótese haver ao
menos dois perfis de jovens que frequentam o bazar do Asilo Vicente: os que
compram roupas de segunda mão para um consumo próprio e os que compram
roupas para revender a terceiras pessoas. Desse modo, no capítulo 6, abordarei
ambos os perfis e suas respectivas motivações para compra e uso de peças de
segunda mão, além do modo em que isso se expressa em seus grupos.
8 Disponível em sua íntegra no APÊNDICE C.9 Nome fictício criado por mim para preservar a identidade da entrevistada, fundadora de uma das
principais lojas de revenda de roupas de segunda mão em Curitiba. Discorro sobre ela na p. 70.
41
Todas as falas das entrevistas foram devidamente autorizadas10 para
gravação em áudio e uso nesta pesquisa. Após gravados, os áudios foram
posteriormente transcritos no software LibreOffice Writer. A fim de elucidar o método
pelo qual as informações das entrevistas foram analisadas, escrevo o próximo
capítulo, tratando da metodologia da análise de conteúdo e da criação de categorias
de análise que orientaram a investigação.
10 Conforme o APÊNDICE B.
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5. ANÁLISE DAS ENTREVISTAS
Após abordar quais concepções teóricas pautaram minha compreensão
acerca da moda enquanto sistema de comunicação entre os indivíduos, o consumo
como forma de construção de uma identidade que gera reconhecimento e
diferenciação em determinado grupo social, as notas referentes ao período de
observação em que estive no bazar do Asilo São Vicente e de como sucederam as
entrevistas com os jovens que a partir do bazar pude contatar, dedico-me, no
presente capítulo, a tratar do processo pelo qual alcancei os resultados das
entrevistas. Para tanto, num primeiro momento apresento metodologicamente como
foi orientada minha análise, para, em seguida, demarcar as categorias de análise
que direcionaram a investigação das falas dos jovens.
5.1 O método da análise de conteúdo
Para explorar o consumo de roupas de segunda mão entre os jovens em
Curitiba de modo que fossem ressaltadas suas perspectivas acerca deste, foi
realizada – por meio das falas obtidas através das entrevistas – uma análise de
conteúdo. Tal técnica, cuja estruturação enquanto método remonta aos anos 1920 (a
partir de estudos sobre a propaganda utilizada durante a Primeira Guerra Mundial),
visa “fornecer meios precisos para descrever o conteúdo de qualquer tipo de
comunicação: jornais, programas de rádio, filmes, conversações quotidianas,
associações livres, verbalizadas, etc.” (JANIS11, 1982, p. 53 apud CARLOMAGNO &
ROCHA, 2016, p.175). Apesar de usualmente empregado em pesquisas da
Comunicação Social, o método da análise de conteúdo não está restrito a esta área,
sendo atualmente muito utilizado em pesquisas das Ciências Sociais. Um exemplo
comum de seu uso está na análise de discursos políticos em períodos eleitorais
(CARLOMAGNO & ROCHA, 2016).
Quanto a designação desse método, há uma discussão teórica se a análise
de conteúdo está mais próxima a uma abordagem quantitativa ou qualitativa. A
perspectiva quantitativista compreende que as categorias de análise, mesmo que se
11 JANIS, I. L. 1982. O problema da validação da análise de conteúdo. In: LASSWELL, H; KAPLAN,A. A linguagem da política. Brasília: Editora da Universidade de Brasília.
43
refiram a qualidades de um objeto ou a falas de um discurso, ao serem operadas em
um quadro ou tabela a fim de serem quantificadas produzem informações
quantitativas (CARLOMAGNO & ROCHA, 2016, p. 177). Já a abordagem
qualitativista assume que, sendo o objeto de estudo formado por diferentes
categorias de análise e passível de interpretação, trata-se de um tratamento
qualitativo (SILVA, C. R. et al., 2005, p. 74). Na compreensão de Godoy (1995), tal
diferença se dá devido a formulação de tal técnica, o que o autor resume da
seguinte forma:
Nos seus primórdios, a análise de conteúdo sofreu as influências da busca dacientificidade e da objetividade recorrendo a um enfoque quantitativo que lheatribuía um alcance meramente descritivo. A análise das mensagens então seefetuava por meio do simples cálculo de frequências. Nesse caso, asinformações obtidas pelo emprego da técnica se reduziam aos índices defrequência com que surgem certas características do conteúdo. Mas anecessidade de interpretação dos dados encontrados fez com que a análisequalitativa também tivesse lugar dentro da técnica. Nesta análise, opesquisador busca compreender as características, estruturas e/ ou modelosque estão por trás dos fragmentos de mensagens tomados em consideração.(GODOY, 1995, p. 23)
Nesta pesquisa, orientei-me pela definição clássica de Laurence Bardin
(1977), tendo em vista que sua abordagem é evidenciada em todos os textos lidos
acerca da análise de conteúdo. Segundo Bardin (1977), a análise de conteúdo se
define como:
um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, porprocedimentos, sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo dasmensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência deconhecimentos relativos às condições de produção/recepção destasmensagens. Pertencem, pois, ao domínio da análise de conteúdo, todas asiniciativas que, a partir de um conjunto de técnicas parciais mascomplementares, consistam na explicitação e sistematização do conteúdodas mensagens e da expressão deste conteúdo (BARDIN, 1977, p. 42)
O que Bardin (1977) ressalta em sua definição fundamenta o enfoque que
empreendo nesta pesquisa: sistematizar o conteúdo das mensagens, para pensar
sobre o quê estas informam.
A partir dos teóricos expostos, enquadro o exercício da seguinte análise
enquanto uma abordagem qualitativa, tendo em vista que, apesar de me ser útil
computar as frequências em que determinados assuntos foram expostos nas falas
das pessoas entrevistadas, pretendo focar minha análise na interpretação dos
44
discursos, abordando os significados e as compreensões acerca do consumo de
vestuário de segunda mão pelos jovens no bazar do Asilo São Vicente. Como auxílio
para essa investigação, utilizo a criação de categorias de análise a partir do NVivo,
um programa para análise qualitativa de dados, “projetado para organizar, analisar e
encontrar informações em dados não estruturados ou qualitativos como: entrevistas,
respostas abertas de pesquisa, artigos, mídia social e conteúdo web”12. Nas seções
seguintes exponho como ocorreu a formulação das categorias e o modo em que
ocorreram suas aplicações.
5.2 As categorias de análise
A formulação de categorias apropriadas para analisar quer seja um conjunto
de documentos e informações ou, como no caso desta pesquisa, uma diversidade
de discursos, é uma etapa crucial no método da análise de conteúdo. Longe de
serem criadas de forma aleatória, as categorias – para que cumpram sua função na
análise – necessitam seguir alguns preceitos, apontados didaticamente por
Carlosmagno & Rocha (2016).
Primeiramente, é preciso explicitar como surgiram, de modo que seja
compreensível o processo que desencadeou a formulação das categorias. Somado
a isto, para que haja confiabilidade na análise, as categorias devem ser excludentes,
ou seja, a informação abordada por uma categoria não pode estar em outra.
Seguindo este cuidado, é preciso delimitar bem a abrangência de uma categoria,
para que esta não seja demasiadamente ampla e gere informações dúbias.
(CARLOSMAGNO & ROCHA, 2016, p. 177-182). Somado a esses princípios, cabe a
consideração de que a categoria “deve receber um nome o qual esteja relacionado
aos dados que representa e seja explicativo do conteúdo” (SILVA, C. R. et al., 2005,
p. 76), a fim de facilitar ao leitor o entendimento acerca do que a categoria abarca.
Seguindo estas orientações, criei previamente – a partir do roteiro que guiou
as entrevistas – subcategorias de análise, a fim de esquematizar quais perspectivas
eram mais abordadas já durante a realização das entrevistas, com o intuito de,
posteriormente, reagrupá-las em categorias-chave. Obviamente, tendo em vista os
12 Informação retirada do site oficial do programa NVivo. Disponível em:<http://www.qsrinternational.com/nvivo-portuguese> Acesso em: 10 de outubro de 2017.
45
andamentos das entrevistas, algumas subcategorias necessitaram ser
acrescentadas ao roteiro e análise, tendo em vista seu surgimento nas próprias falas
das pessoas entrevistadas. Vale ressaltar que, como me permiti modificar o conjunto
de categorias-chave em função da análise no decorrer da pesquisa (principalmente
ao reagrupar as subcategorias), minhas categorias obedecem a um “modelo misto”.
(SILVA, C. R. et al., 2005, p. 76).
Dito isso, realço que a criação de minhas categorias está imbricada ao
período de observação participante no bazar do Asilo São Vicente de Paulo, onde
pude verificar algumas características do consumo de roupas de segunda mão pelos
jovens, tais como: a grande maioria realizava o “garimpo” em grupo, os perfis se
dividiam principalmente em quem comprava para si e quem comprava para revenda,
a noção de estilo e “cultura underground” estava relacionada ao porquê daquele
bazar ser um bom local para realizar compras, o preço funcionava como atrativo,
etc. Evidentemente, seguindo os preceitos já apontados, visei a criação de
categorias não tão abrangentes e que tratassem de tópicos específicos. Desse
modo, as categorias para análise dos conteúdos das falas foram:
(1) perfil de consumo – na qual foram abarcadas as subcategorias “a pessoa
entrevistada compra roupas de segunda mão apenas para si”, “a pessoa
entrevistada compra roupas de segunda mão para revender”, “a pessoa entrevistada
já possui/possuiu um negócio de revenda de roupas de segunda mão”;
(2) vínculo entre os jovens e o bazar – que aborda as subcategorias acerca
do “conhecimento da pessoa entrevistada sobre o bazar”, “tempo em que a pessoa
entrevistada frequenta o bazar”, “experiências da pessoa entrevistada em ir ao
bazar” e os “aspectos referentes ao baixo preço das roupas de segunda mão do
bazar e sua atratividade”;
(3) a sociabilidade no ambiente do bazar – que trata das subcategorias que
indagam se “a pessoa entrevistada vai sozinha ao bazar” ou se “a pessoa
entrevistada vai acompanhada de amigos ao bazar”, além de pensar se “a pessoa
entrevistada possui amigos que também frequentam o bazar”;
(4) significados presentes nas roupas de bazar – que apreende os sentidos
das roupas de segunda mão para os jovens a partir de subcategorias como
“vintage”, “alternativo” e/ou “descolado”.
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(5) percepções quanto a revenda de roupas de bazar – intentando ampliar a
compreensão acerca desse fenômeno de consumo para além do bazar do Asilo São
Vicente, tal categoria abrange as subcategorias “a pessoa entrevistada aprova a
revenda de roupas de segunda mão compradas no bazar”, “a pessoa entrevistada
aprova a revenda de roupas de segunda mão compradas no bazar, mas possui
ressalvas”, “a pessoa entrevistada aponta que o público-alvo comprador de roupas
revendidas provenientes do bazar são jovens”.
Evidentemente, quando escrevo “bazar”, me refiro estritamente ao bazar do
Asilo São Vicente de Paulo, embora algumas categorias excedam esse espaço e
permitam uma rasa compreensão do contexto de bazares em Curitiba. Quanto as
demais particularidades, abordarei especificamente no capítulo seguinte, destinado
a analisar e retomar falas das pessoas entrevistadas a partir das categorias acima
citadas.
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6. RESULTADOS DAS ENTREVISTAS
Tendo elucidado o método pelo qual orientei a análise das entrevistas,
pretendo, neste capítulo, apresentar os tópicos fundamentais de minha pesquisa,
resultados das leituras empreendidas, do período em campo e das entrevistas
realizadas. Com o intuito de apresentar as mensagens contidas nos discursos dos
jovens entrevistados em paralelo as formulações teóricas a cerca da moda enquanto
meio de comunicação e do consumo pela sua perspectiva antropológica, viso traçar
um panorama do consumo de roupas de segunda mão pelos jovens no bazar do
Asilo São Vicente de Paulo que possibilite, juntamente, entender parte do contexto
curitibano de bazares e do comércio de vestuário de segunda mão.
Para tanto, abordo as categorias de análise em seções específicas, acerca
dos perfis dos jovens que frequentam o bazar (referentes também ao seu tipo de
consumo), qual a relação destes com o bazar, como estes se reconhecem no
espaço do bazar – a qual aplico a compreensão de “pedaço” apontada por Magnani
(2000) –, suas concepções acerca das roupas de bazar (através de termos
específicos utilizados nas falas) e, numa projeção para além do bazar do Asilo São
Vicente de Paulo, como esses jovens enxergam a revenda de roupas de segunda
mão provenientes do bazar.
6.1 Os perfis dos jovens que consomem roupas de segunda mão
Para pensar nas mensagens presentes nos discursos dos jovens que
concederam entrevista é necessário antes analisar quem são estes jovens13. Os sete
jovens (seis mulheres e um homem) que entrevistei são pessoas habituadas ao
Centro da cidade de Curitiba (quer seja por morarem ou estudarem nele) e possuem
similaridades que vão além do fato de frequentarem o bazar do Asilo São Vicente de
Paulo. Em questões como escolaridade, todas estão cursando (ou já cursaram) o
Ensino Superior e, em aspectos financeiros – com exceção das duas jovens que
revendem roupas de segunda mão –, são pessoas que não trabalham.
13 No APÊNDICE A apresento um quadro com informações gerais acerca desses jovens.
48
No que se refere as suas distinções, o principal fator a ser considerado é o
consumo e qual a relação deste com o bazar do Asilo São Vicente de Paulo. Quanto
ao perfil de consumo das roupas de segunda mão, abarcado pela categoria de
análise (1), as falas das entrevistas demonstraram haver ao menos dois diferentes
perfis: o para si e o para uma terceira pessoa através da revenda. Referentes a
estes perfis, as sete pessoas entrevistadas compõem diferentes amostras de
perspectiva. As quais apresentarei a seguir.
As entrevistadas Ana14 (19 anos), Cecília (22 anos) e Luíza (19 anos)
possuem um ponto de vista semelhante em relação ao seu consumo no bazar do
Asilo São Vicente de Paulo. Estas o frequentam especificamente para um consumo
próprio, possuindo uma compreensão de consumo consciente, voltado a questões
de reutilização e fuga dos padrões fast-fashion15. Para Ana, o consumo de roupas de
segunda mão é um escape “fora dessa parada fast fashion tipo consumo muito
acelerado assim… que as lojas só socam na tua cara e… você vê que consome
inconscientemente…” (ANA, entrevista 2). Já Cecília, que assume o bazar como sua
forma principal de consumo de roupas, também menciona o fast-fashion, para qual o
bazar se torna uma alternativa contrária viável, em suas palavras:
o principal negócio de comprar em loja normal é que hoje não dura nada né…se você compra em fast-fashion assim… por isso faz tempo que eu nãocompro roupa em loja normal… só coisas específicas que não encontro lá [nobazar] do meu tamanho… mas não lembro a última vez que comprei qualquertipo de roupa fora do bazar. (CECÍLIA, entrevista 4)
Semelhantemente, Luíza frequenta bazares para consumo próprio, incluindo o
do Asilo São Vicente. Hábito que possui há cerca de seis anos, a compra de roupas
de bazar representa, para ela, uma forma de lazer. Em suas palavras:
boa parte do meu guarda-roupa são roupas de bazar… é uma coisa defamília… uma coisa da minha irmã… a gente viajava assim e um dosprazeres de viajar era procurar brechó diferente… coisas diferentes… então éuma coisa que eu estou acostumada até… em ir lá no asilo [...] não vou todasemana por causa da aula não dá tempo… a primeira vez eu fui até com meunamorado que nunca tinha ido… e ele ficou muito surpreso e eu fiquei tiponossa eu já fui em muitos lugares parecidos com esses [...] vários eventos
14 Todos os nomes das pessoas entrevistadas neste trabalho são fictícios. Por questões éticas e afim de preservar a identidade dos(as) jovens, decidi manter seus nomes reais em sigilo.
15 Termo que numa tradução literal ao português significa “moda rápida”, está relacionado arenovação constante das peças comercializadas nas redes varejistas do mercado da moda(SILVA e BUSARELLO, 2016).
49
assim beneficentes que tem esse mesmo estilo… então pra mim eu já toacostumada (LUÍZA, entrevista 6).
O entrevistado Fábio (23 anos), além de frequentar o bazar para consumo
próprio, enxerga no bazar – devido a sua formação no curso de Cinema – uma
forma de “arranjar umas roupas pro acervo de direção de arte”. Quando perguntado
acerca de seu consumo no bazar, ele responde: “é pra mim mesmo e pra guardar…
porque geralmente eu vou usar em alguma produção de cinema ou de foto” (FÁBIO,
entrevista 1). O que denota uma disposição em ir ao bazar não apenas para si,
caracterizando um olhar que mede as roupas não somente pelo seu corpo mas
pelos corpos das outras pessoas que poderão vir a usá-las. Contudo, não orientado
por um viés de revender as peças, mas utilizá-las em uma produção artística. Apesar
da perspectiva de Fábio possuir características particulares (se comparada ao
consumo que as entrevistadas 2, 4 e 6 apresentam), esta permanece
correspondendo a um perfil de consumo próprio.
Inicialmente, foi pensado abarcar tais particularidades em uma subcategoria
de análise específica, para compreender o perfil do jovem que comprasse roupas do
bazar para que outras pessoas usassem sem que houvesse necessariamente uma
relação comercial implícita, como um perfil intermediário entre aquele que compra
apenas para si e o que compra para revender às outras pessoas. Entretanto, a partir
de uma reflexão, percebeu-se que, embora Fábio fosse ao bazar com uma intenção
de consumir roupas que vestissem outros corpos, as peças continuavam sendo de
sua propriedade; como ele mesmo afirma, compra “pra guardar”, ou seja, mesmo
que outras pessoas venham a utilizá-las, é a ele que as roupas reportam numa
perspectiva do consumo, logo, tal análise permanece incluída ao perfil da pessoa
que “compra roupas de segunda mão apenas para si”.
O caso de um ponto de vista de consumo diferente das outras entrevistas que
ocasionou a inclusão de uma nova subcategoria de análise foi o da entrevistada
Rosa (21 anos), a qual já possuiu um brechó suprido pelas roupas compradas no
bazar do Asilo São Vicente, que encerrou as atividades em Janeiro de 2017. Embora
no período em que foi realizada a entrevista a mesma se encaixasse na
subcategoria de “consumo próprio”, o período em que frequentou o bazar
assiduamente não poderia ser deixado de lado e não ser abordado especificamente.
50
Logo, seu exemplo se encaixa no que foi abordado anteriormente sobre
subcategorias de análise que surgiram mediante as entrevistas16. Suas falas são
interessantes para a pesquisa por revelar contrastes, tanto em relação a quem
consome para si quanto para quem consome para revender, além de revelar uma
visão diferente sobre o funcionamento de um negócio de revenda, como aponta o
seguinte relato:
as vezes que eu fui pra compras pessoais eu chegava lá dez da manhã…onze da manhã… chegava despreocupada lá… tava mais vazio… eugarimpava o que eu queria ficava cansada e ia embora… mas quando eu iacomo compradora pra loja.. aí a experiência era muito diferente… porque eume programava pra sair de casa seis de manhã… pegava o carro… aí ia decarro até o Asilo… chegava lá ficava na fila… entrava rolava aquela‘brigaiada’ parecia black friday todo mundo se socando… inclusive a primeiravez que eu fui sete da manhã eu lembro de ouvir outros donos de brechócomemorarem por dar uma cotovelada de outra pessoa enquanto estavaentrando… uma cotovelada na cara de uma senhora aliás (ROSA,entrevistada 3)
Quanto as especificidades de suas críticas referentes ao sistema de revenda
de roupas de segunda mão, abordarei adiante, na seção em que trato das opiniões
sobre a revenda de roupas de bazar. No momento, cabe discorrer das últimas duas
perspectivas de consumo referentes ao último perfil presente na amosta de pessoas
entrevistadas.
Relativo ao perfil que “compra roupas de segunda mão para revender”, Joana
(24 anos) e Amanda (28 anos) possuem atualmente negócios de revenda de roupas
de segunda mão que provêm (também) do bazar do Asilo São Vicente. Embora
ambas frequentem o bazar, estão separadas por uma diferença notória de
experiência no ramo de revenda. Uma vez que Amanda já revende roupas de bazar
há cerca de quatro anos, enquanto Joana iniciou há pouco tempo, embora já
frequentasse espaços de revenda de roupas de bazar há mais tempo, como
demonstra seu relato:
eu sempre ia nesses lugares que vendiam roupa usada... já conhecia assim...daí eu comecei procurando roupas pra mim… mas eu sempre tive vontade de
16 Vale ressaltar que, embora todas as jovens fossem ao bazar, o conhecimento sobre asmotivações pelo qual elas frequentavam só se dava a partir das entrevistas, logo, é concebívelque algumas subcategorias não tenham sido anteriormente estabelecidas, uma vez que seconhecia somente por hipóteses as relações das entrevistadas com o bazar. Como no caso deRosa (entrevista 3), ocorreu um elemento a mais, o que motivou a criação de uma novasubcategoria que o abarcasse.
51
ter meu próprio brechó… mas de ser uma parada itinerante… de expor na ruae em eventos… aí eu conheci duas meninas… tem mais ou menos um mêsque elas expõe as roupas na Praça 29 de março [bairro Mercês, próximo aoCentro de Curitiba]… dái eu troquei uma ideia com elas e elas me convidarampra participar também (JOANA, entrevista 5)
Ao passo que Amanda, proprietária e fundadora de uma das lojas mais
conhecidas pelos jovens17 no circuito de revenda de roupas de segunda mão em
Curitiba, revende há quatro anos, embora já há cerca de dez anos frequente o bazar
do Asilo São Vicente. No que se refere em como transitou de um hábito de consumo
próprio para a ocasião de revender às outras pessoas, Amanda relata:
há 4 anos atrás eu já me vestia de um jeito legal… alternativo… umas peçasdiferentes… e as pessoas sempre me perguntavam onde eu comprava asminhas roupas… e eu ia no bazar e fazia a festa assim… eu pra mim semprecurti me vestir bem só que eu nunca tinha grana mesmo então pra mim foimassa que existe isso… e daí eu comecei a entender que eu poderia fazerisso pros outros e não só pra mim… aí eu tinha uma amiga que ela era aúnica pessoa na cidade que eu conhecia que fazia evento que garimpavapeças pras pessoas e vendia… daí eu falei ‘amiga quero muito fazer isso comvocê’… daí começamos a fazer isso juntas… só que não era a pira delaisso… ela queria fazer isso pra ganhar uma grana… ela ganhou uma grana elargou mão… e eu pensei isso tem muito potencial… e daí eu comeceivendendo roupa em balada… em feira… até que começou aparecer várioseventos de brechó e começou a aparecer tipo a oportunidade de ter umespaço… de virar uma loja (AMANDA, entrevista 7)
Desse modo, os perfis expostos – quem consome para si, quem consome
para revender as peças e quem, por determinado tempo, já consumiu para revender
– estão presentes na amostra de jovens entrevistados. Em todos os perfis
apresentados, o consumo de roupas de segunda mão não segue um padrão
irracional (CANCLINI, 1999), antes, opera uma racionalidade comunicativa, na qual
por meio das roupas os jovens transmitem significados culturais (sobre/para si e
sobre/para os outros), que transitam do mundo culturalmente estabelecido às roupas
de bazar (MCCRAKEN, 2007) e são assumidas pelos indivíduos. Desenvolvo mais
dessa discussão acerca dos significados presentes nas roupas de bazar na seção
6.4. No momento, uma vez que o conhecimento acerca do perfil de consumo desses
jovens foi exposto, pretendo dar continuidade (a partir das categorias de análise) as
seções que discutam a relação dos jovens com o bazar do Asilo São Vicente de
Paulo, o modo com que esses jovens se relacionam no espaço do bazar, quais são
17 Nas entrevistas 1, 3 e 5 a loja foi citada pelas pessoas entrevistadas ao lembrarem de espaços derevenda de roupas provindas do bazar.
52
suas percepções em relação as roupas de segunda mão e ao comércio de revenda
de roupas de segunda mão.
6.2 Os jovens e o bazar do Asilo São Vicente de Paulo
Desde o instante em que desenhei a abrangência da pesquisa e elaborei seu
estado da arte, percebi que não caberia nesse momento de minha formação
acadêmica abranger um recorte extenso, visto o pouco conhecimento teórico e
prático para tanto, logo, nunca foi minha intenção compreender todo o circuito de
bazares da cidade de Curitiba. Em vista disso, considerei que, a partir de um recorte
específico bem delimitado, poderia apresentar uma boa amostra de um contexto que
seria bem maior (SILVA, C. R. et al, 2005). À vista disso, compreendi que deveria
selecionar um bazar com notória expressão no circuito de bazares da cidade e um
grupo específico que fosse base para os processos de observação, entrevista e
análise. Tal percurso concluiu-se na escolha do bazar do Asilo São Vicente de Paulo
e no grupo dos jovens, levando em conta que eu mesmo, enquanto jovem,
frequentava o bazar e percebia nele uma grande movimentação desta faixa etária.
Até o instante das entrevistas e suas transcrições, minhas percepções sobre
a relação entre os jovens e o bazar do Asilo São Vicente constituíam apenas
hipóteses. Por exemplo, o preço ser um notório motivo que os levava ao bazar e que
estes despendiam menos tempo do que as senhoras que semana após semana
disputavam peças para seus brechós eram algumas das ponderações que creditava
ao período em que estive no bazar em observação. Todavia, após as entrevistas, as
percepções quanto a essa relação se ampliaram, as quais abarquei na categoria de
análise (2).
No que se refere ao modo como os jovens tomaram conhecimento sobre o
bazar, há certa unanimidade, a maioria foi apresentada e levada por amigos. Como
demonstra o relato de Joana:
conversando com um amigo que vendia roupas em casa ele acabou soltandoque ia no bazar… e eu ‘ai que massa’… aí outros amigos meus falaram ‘vai lámesmo você vai curtir’ e daí eu fui e acabei também frequentando por todaessa pira né do consumo sustentável… (JOANA, entrevista 5)
53
Que coincide com a fala de Rosa:
começou por conversas na universidade mesmo.. de frequentar outrosbrechós que já eram muito baratos… daí as pessoas falavam ‘tem um queainda é mais barato… e é babado você tem que ir lá sacolas de roupa tudomais’ então eu falei ‘ótimo eu vou’... aí encontrei uma amiga e ela meapresentou… porque ela já ia há mais tempo assim… (ROSA, entrevista 3)
Considerando que o bazar do Asilo São Vicente não possui nenhuma página
em rede social ou divulgação mais voltada a internet18, é coerente que a maioria dos
jovens tenha tomado conhecimento do bazar a partir de informação passada por um
amigo (atributo que traz à tona as redes de sociabilidade presentes no consumo de
roupas de segunda mão pelos jovens, ao qual abordarei mais a frente).
Cabe ressaltar dois exemplos em que não necessariamente um amigo
interpelou essa relação, o caso de Ana, cujo conhecimento do bazar era atribuído a
proximidade geográfica do mesmo ao seu trabalho; e Amanda, que fala de como
conheceu o bazar numa época em que este não era tão popular, o relacionando ao
fato de ter cursado Artes Cênicas na Faculdade de Artes do Paraná:
foi o primeiro bazar que eu fui na vida… porque ele era do lado de onde euestudava… naquele tempo ele era mais conhecido no meu meio assim…porque eu vim do teatro… das artes da FAP… e daí a gente todo mundousava roupas de brechó e de bazar… (AMANDA, entrevista 7)
Efetivamente, Amanda foi a única entrevistada a possuir uma trajetória mais
longa de conhecimento sobre o bazar, seguida por Luíza, devido seu hábito de
frequentar brechós e bazares há mais tempo. Todas as outras pessoas entrevistadas
possuíam menos de dois anos de conhecimento e prática de consumo de roupas de
segunda mão. Esse aspecto acerca do tempo em que os jovens entrevistados
possuem o hábito de consumir roupas de bazar é imprescindível para, numa escala
maior, salientar se essa é uma prática que está mais difundida recentemente.
Quanto a isso, as perspectivas de Amanda e Luíza apontam que nos últimos
anos ocorreu uma significativa mudança na compreensão sobre roupas de bazar.
Para Amanda, “virou algo super descolado usar roupa de bazar… é tipo nossa…
porque existia um mega preconceito há uns 10 anos atrás” (AMANDA, entrevista 7).
Uma compreensão a qual Luíza também compartilha:
18 Há apenas uma nota referente ao seu endereço e horário de funcionamento no portal do próprioAsilo São Vicente de Paulo. Disponível em: <http://asilosaovicente.org.br/bazar/>
54
eu acho engraçado que tipo agora as pessoas falam que arranjou essa roupade bazar e fica super feliz e fala nossa paguei cinco reais… tipo ela ficaorgulhosa disso assim… eu acho que há um tempo atrás ela até não gostariade mostrar assim… ficaria mais com vergonha ou algo assim… por isso euacho que tem se expandido além das pessoas mais underground… essegosto assim tem se expandido bastante (LUÍZA, entrevista 6)
Na fala de Luíza, é possível perceber que a busca por roupas de bazar tem se
expandido a públicos distintos, o que ela chama de “além das pessoas mais
underground”. Em relação a esse “novo público jovem”, que tem procurado consumir
roupas de bazar, Amanda apresenta uma opinião contrária a noção de que o preço é
um dos principais atrativos. Segundo ela:
antes era um público mais alternativo true assim sabe… uma galera quecomprava porque não tinha grana pra comprar… agora eu sinto que é umagalera que tem muita grana mas que quer ter um estilo descolado entendeu?quer usar uma roupinha de bazar e tal [...] se você perceber… as pessoasque trabalham e que precisam viver de trampo elas não vão lá… porque tipoé a galera que não tem nada pra fazer… são os jovens que tem granamesmo… que vão lá comprar… porque a galera que compraria porqueprecisa comprar uma peça de roupa mais barata tá trabalhando nessehorário… lógico que o preço causa um êxtase na pessoa assim… a pessoafica enlouquecida… mas não é por causa do preço que ela vai lá… porque sefosse por causa do preço os meus clientes não viriam aqui… entendeu?tipo… não todos os meus clientes… mas eu sempre encontro clientes meuslá… sempre… só que eles nunca deixaram de vir aqui entendeu? (AMANDA,entrevista 7)
Amanda denota que o preço não constitui o principal atrativo e sim as roupas,
pois os clientes que compram em seu brechó (os quais ela também encontra no
bazar) optam por pagar mais caro em uma peça de seu brechó, mesmo que também
possuam o hábito de frequentar o bazar do Asilo São Vicente e saibam que a peça
veio de lá. Tal concepção assemelha-se ao que Luíza aponta quando perguntada se
essa expansão da procura dos jovens por roupas de bazar está relacionado ao baixo
preço das peças:
eu acho que a primeira coisa que as pessoas pensam antes da reciclagem eda questão ambiental é a coisa ser muito barata né… porque é muito maisbarato na maioria dos casos… mas assim eu vejo que em Curitiba aspessoas são muito das ondas… começa a ir em brechó e vira uma coisalegal… daí começa a ir todo mundo… no asilo a primeira vez que eu fui… fazuns quatro anos assim… tipo só tinha mais gente tipo de condição financeiraruim… gente que tava ali pra achar coisa barata… não pra achar uma roupacool assim… não tinha isso… agora eu acho que tá nessa onda… tem váriaspessoas indo pra montar brechó… e ficar garimpando por aí né… é assim… éuma onda (LUÍZA, entrevista 6)
55
A noção de “achar uma roupa cool”, segundo Luíza, estaria a frente do baixo
preço, no que tange à procura dos jovens. Sendo assim, ambas as entrevistadas
compreendem que nos últimos anos essa prática tem ganhado destaque entre os
jovens, não necessariamente por uma questão econômica, mas devido a busca por
um estilo em comum. O que remete as teorias da moda enquanto sistema de
comunicação entre indivíduos (DORFLES, 1996; SIMMEL, 2008), visto que a
procura desses jovens não necessariamente interessa o preço da roupa, mas sim
qual mensagem ela transmite, se ela é “descolada”.
É possível perceber esse valor referente ao “estilo das roupas” e a linguagem
que elas transmitem mesmo em falas que enfatizam o baixo preço das peças do
bazar. Como, por exemplo, no relato de Ana, para qual é possível “imprimir muito do
que você é no que você veste e eu acho isso legal… as pessoas se vestirem da
forma que elas gostariam e isso ser barato” (ANA, entrevista 2); assim como no de
Fábio:
é mais por ser acessível pra mim né… é um preço mais barato.. é umaquestão econômica muito forte… e também porque tem roupas que na minhalinguagem e no meu gosto de roupas a gente só encontra em brechótambém.. então é isso... é o lance de ser mais barato… de ser mais acessívelpra mim… e o fato também de que são roupas que me interessam mais… asvezes eu não acharia uma roupa que eu acho em brechó em uma loja caraentão é tipo unir o útil ao agradável (FÁBIO, entrevista 1)
Logo, a questão do baixo preço ocupa uma posição relevante, contudo, não
se constitui como um fator primordial para compreender o consumo de roupas de
bazar pelos jovens no contexto curitibano, antes, deve se considerar a noção de
consumo por identidade (MCCRACKEN, 2007) e a moda como forma de
transmissão de significados que permeiam a identificação e a diferenciação entre os
jovens (SIMMEL, 2008).
Por fim, ainda abarcando a relação dos jovens e o bazar, cabe salientar quais
experiências estes afirmam ter em seus momentos de “garimpo”, tendo por
consideração todas as informações descritas no capítulo 4, quanto ao espaço e
funcionamento do bazar do Asilo São Vicente. Sobrelevo que, pensar experiências
no ambiente do bazar em relação ao consumo de roupas é enfocar as subjetividades
dos jovens no momento em que estes procuram suas peças. Pensar sobre o que
56
sentem, o que procuram, descrevendo expectativas e vontade. Sendo esta uma
abordagem que me aproxima a perspectiva da Antropologia dos sentidos19.
Posto isso, a palavra que norteou os relatos referentes as experiências foi:
“surpresa”. Ligada a sensação que as pessoas entrevistadas possuíam enquanto
“garimpavam” no bazar, devido nunca saberem o que podem encontrar ao vasculhar
as peças. Conforme fala da entrevistada Joana, “é sempre uma expectativa… você
mexe nas roupas com uma ansiedade de encontrar uma peça bonita e de pagar
barato nela” (JOANA, entrevista 5). Ao que complementa a experiência de Amanda:
fazer garimpo pra mim significa sempre uma surpresa e ir especialmente nobazar é tipo eu nunca sei o que eu vou encontrar lá e acho que por isso queeu me motivo sabe… a ir todas as quintas feiras… porque eu nunca sei o queeu vou encontrar e é sempre uma coisa diferente (AMANDA, entrevista 7)
O que por sua vez, assimila-se ao relato de Fábio: “pra mim é a novidade.. é
eu saber que eu vou voltar com muita peça legal pra casa… por isso eu acho que
esse jogo de bazar e de roupa usada é o futuro e é negócio pra todo mundo”
(FÁBIO, entrevista 1). Em suma, não ocorreram consideráveis distinções quanto as
experiências descritas. Todos os jovens entrevistados associaram a experiência de ir
ao bazar com a expectativa de quais peças encontrariam. Com o intuito de
apresentar um relato extenso que descreva bem o que apresento por experiência,
descrevo abaixo a fala narrada por Luíza, na sexta feira (25 de agosto), dia em que
realizamos a entrevista:
eu tenho aula todo dia quinta de manhã e é o dia que eu tenho maischamadas e não posso sair da aula… daí nessa quarta a noite eu descobrique não tinha aula a partir das 09h30m na quinta e eu fiquei tipo ‘nossa voupoder ir no bazar’… eu fiquei super feliz pensando nisso na quarta a noite…daí quinta eu fui pra aula… e tipo pensando nisso o tempo todo… nossaainda bem que eu vou conseguir ir no bazar… daí eu falei pra uma amiga quetava lá… tem tanta coisa tem muita gente hoje… será que vale a pena ir atélá? mas eu fui e sei lá… saí de lá bem orgulhosa assim… eu acho que terconseguido comprar coisa legal e acho que por ser um espaço que eu gostosabe… que me faz bem… além de ser um espaço bem democrático… temgente de todo tipo lá… desde as pessoas com condição financeira mais ruimaté as meninas ratazanas de brechó que gostam de garimpar e de fuçar e derevender as roupas depois (LUÍZA, entrevista 6)
No relato acima, evidencio que Luíza se refere ao bazar como “um espaço
que a faz bem”, apresentando uma noção do bazar enquanto um espaço de lazer.
19 LE BRETON, David. Antropologia dos sentidos. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2006.
57
Ora, um aspecto pensado a partir da compreensão de “experiência” era considerar
que as motivações para que os jovens frequentassem o bazar, além de passar por
critérios econômicas, de consumo e de identidade, também poderiam abarcar
aspectos de lazer, do modo como este é compreendido por Magnani (2000): uma
“prática que supõe formação de vínculos e implica determinadas formas de relação
com o espaço” (MAGNANI, 2000, p. 34). Conceber o bazar do Asilo São Vicente
como um local de lazer para os entrevistados é um ponto crucial para pensar a
seção seguinte, na qual, os escritos de Magnani (2002), pautam o questionamento
se, para estes jovens que frequentam o bazar, a concepção de lazer em “garimpar” e
encontrar os seus iguais pode estar vinculada a formação de um “pedaço”.
6.3 Abordando o espaço do bazar como um “pedaço”
Em seu texto “De perto e de dentro: notas para uma etnografia urbana”,
Magnani (2002) caracteriza que, “quando o espaço torna-se ponto de referência
para distinguir determinado grupo de frequentadores como pertencentes a uma rede
de relações”, este recebe o nome de “pedaço” (MAGNANI, 2002, p. 21). A
abordagem de Magnani (2003) parte da percepção de que a Antropologia é
imprescindível a “compreensão do fenômeno urbano, mais especificamente para a
pesquisa da dinâmica cultura e das formas de sociabilidade nas grandes cidades
contemporâneas” (MAGNANI, 2003, p. 83), logo, ademais da “tentação da aldeia”, o
método etnográfico aplicado aos grandes centros urbanos, revela outros cenários
em relação ao exercício da cidadania, das práticas urbanas e dos rituais da vida
pública (MAGNANI, 2002, p. 15).
Embora, segundo Magnani (2000), a noção de “pedaço” seja visível na
dinâmica de bairros, devido as “relações de família e vizinhança ou práticas
compartilhadas no horizonte do dia a dia” (MAGNANI, 2000, p. 33), o
reconhecimento de “pedaços” em regiões centrais não é difícil, cabe apenas o
exercício de interpretação, visto que:
diferentemente do que ocorre no contexto da vizinhança, os frequentadoresnão necessariamente se conhecem – ao menos não por intermédio devínculos construídos no dia a dia do bairro – mas sim se reconhecem comoportadores dos mesmos símbolos que remetem a gostos, orientações,
58
valores, hábitos de consumo e modos de vida semelhantes (MAGNANI, 2002,p. 22)
Pautado na teoria de lazer proposta por Magnani (2000) e sua perspectiva de
reconhecimento dos indivíduos em um espaço por partilharem dos mesmos gostos e
hábitos de consumo, visei, a partir da categoria de análise (3) abarcar de que modo
os jovens reconhecem o espaço do bazar em uma escala individual, coletiva e em
relação a outros jovens frequentadores. A hipótese é de que o bazar do Asilo São
Vicente de Paulo funcionaria enquanto um “pedaço” para estes jovens que,
conhecendo-se ou não, partilhavam de uma mesma opção de lazer.
Para tanto, busquei investigar o modo em que estes iam ao bazar, se iam
sozinhos ou acompanhados de amigos, a fim de delimitar se estes jovens possuíam
uma rede de sociabilidade que também frequentava o bazar; além dos aspectos
referentes as experiências, que como já apresentada na seção 6.2, analisa que
estes jovens frequentam o bazar por ser um espaço em que se sentem bem,
constituindo uma forma de lazer.
Quanto a ir sozinhos ou acompanhados, as opiniões dos jovens foram
divergentes. Enquanto para alguns, como Cecília e Fábio, ir sozinho significa “ficar
mais à vontade para fazer seu tempo”, para Amanda, cuja visão de revender as
peças encontradas orienta seu “garimpo”, a opinião era de que ir sozinha se tornava
desvantajoso, visto que o ambiente do bazar se tornou uma competição:
há uns anos atrás ir sozinha no bazar do asilo era colocar uma música ficarouvindo e achar umas peças top… porque tinha muita coisa você nãoprecisava ficar mexendo naquele monte de coisa… as peças pulavam assimna sua mão… hoje em dia ir no asilo virou uma competição sabe… tipo vocêchega lá tem sete meninas de brechó de internet… procurando a mesmacoisa que você… fora as dez meninas que estão procurando a roupa quevocê ia vender pra elas… então tipo… eu não vou sozinha né… esse é meuganha pão… esse é meu trabalho e eu vou chegar cedo… eu vouacompanhada… é tipo… questão de conseguir pegar mais peças (AMANDA,entrevista 7)
Percebeu-se a partir dos relatos que, as principais diferenças entre ir sozinho
ou acompanhado estavam relacionadas ao perfil de consumo das pessoas
entrevistadas, de modo que, Joana – que também possui um negócio de revenda de
roupas de bazar – apresenta opinião semelhante à de Amanda:
59
vir acompanhada é bom… hoje por exemplo minha amiga super me ajudouna escolha das peças… as vezes eu juntava um monte e não sabia o quelevar… então é bom ter uma segunda opinião… o bom de vir acompanhada éisso que você tem outro olhar pra te ajudar assim… e também consegueachar mais peças (JOANA, entrevista 5)
Para além de uma compreensão apenas utilitarista, o relato de Joana, aponta
também para um “outro olhar” que ajuda na escolha de peças, como uma segunda
opinião no “garimpo”. Tal perspectiva é muito próxima as falas de Ana, Rosa e Luíza,
que relataram ir ao bazar mais acompanhadas. De acordo com Ana:
o bom é porque tem mais um filtro… além do seu tem o da sua amigaassim… aí você olha ‘o que você acha dessa roupa aqui’ ou as vezes não éuma coisa que você mesma viu mas tua amiga te mostrou e sabe que você iacurtir... as vezes não é da tua concepção mas se outra pessoa acha e temostra e fala você já pensa em levar (ANA, entrevista 2)
Ao passo que para Rosa:
quando você vai sozinha… eu pelo menos não consigo ter noção se a roupaia passar por descolada ou se era totalmente brega… porque tem uma linhamuito tênue entre isso né... aí eu sempre ficava ‘nossa será que é minha avóse vestindo ou é alguém da Reitoria’ sabe? [risos] aí eu ficava em dúvida e eunão sabia… por isso acho muito importante ter a opinião de outras pessoas(ROSA, entrevista 3)
Por fim, temos o relato de Luíza:
é legal quando você está com amigos... principalmente com amigos que temum tamanho diferente do seu… porque daí você vê coisas pra ele e ele vêcoisas pra você… tem essa troca e aí você acaba conseguindo ver maiscoisas e rodando mais no bazar (LUÍZA, entrevista 6)
Tais relatos evidenciam que ir acompanhado de amigos as compras no bazar
é instituir uma troca, na qual as pessoas envolvidas assentam em procurar peças
não somente para si, mas também para o outro. Fato esse que corrobora a hipótese
do espaço do bazar constituir para estes jovens um “pedaço”, visto que nele, “o
determinante são as relações que se estabelecem entre seus membros, pelo manejo
de símbolos e códigos comuns e o espaço enquanto ponto de referência”
(MAGNANI, 2000, p. 42).
Baseado no excerto acima, há um conhecimento pelos jovens a cerca dos
membros presentes no espaço do bazar, nesse caso, os membros são seus amigos;
contudo, segundo Magnani (2000), tal limitação não é necessariamente precisa para
60
a compreensão de “pedaço”, uma vez que estes jovens – como demonstrado pela
categoria de análise (2) – correlacionam o espaço do bazar também a uma atividade
de lazer, em que, mesmo não conhecendo os membros do espaço, “vão até lá para
encontrar seus iguais, exercitar-se no uso de códigos comuns e apreciar símbolos
escolhidos para marcar as diferenças” (MAGNANI, 2000, p. 40). Logo, cabe a
interpretação de que, para estes jovens, ir ao bazar do Asilo São Vicente de Paulo
trata-se de um lazer (MAGNANI, 2000) que, acrescido da compreensão de
identificação e diferenciação da linguagem fornecida pela moda (SIMMEL, 2008)
acarreta na formação de um “pedaço”, em que o código comum partilhado é o
consumo de roupas de segunda mão.
Notoriamente, uma discussão que correlacione os escritos sobre lazer e
etnografia urbana de Magnani (2000) às práticas e códigos presentes no ambiente
do bazar poderiam suster uma análise demasiadamente profunda, podendo gerar
uma pesquisa dedicada somente a pensar essas perspectivas. Contudo, me atendo
a condição de que realizei apenas algumas observações e não uma etnografia no
bazar do Asilo São Vicente, considero que não cabe a essa seção fazer
apontamentos mais conceituais frente aos escritos de Magnani além de aplicar sua
compreensão de lazer e “pedaço”, cuja contribuição já muito acrescenta a essa
breve investigação dos hábitos de consumo dos jovens no bazar.
Dito isso, na seção seguinte, retomo algumas das falas já apresentadas para
analisar os significados das roupas de segunda mão para os jovens entrevistados, a
partir de algumas subcategorias que surgiram com base em seus discursos.
6.4 Os significados presentes nas roupas de segunda mão
Tendo em conta a discussão de que a moda comunica mensagens (SIMMEL,
2008) que ocupam primeiramente o mundo culturalmente estabelecido e
posteriormente – a partir da manipulação dos símbolos (MCCRAKEN, 2007)
presentes no vestuário – são transmitidas aos consumidores, viso, nesta seção,
empreender uma investigação quanto aos significados das roupas de segunda mão
para os jovens entrevistados. Evidentemente, parte dessas percepções já foram
captadas nas seções anteriores, todavia, considero necessário, a partir da categoria
61
de análise (4) apreender especificamente – com base nos discursos – os
significados das roupas de bazar para esses jovens (como as compreendem e a que
as associam).
Abarcadas pelo roteiro, principalmente, a partir da pergunta “o que o(a)
entrevistado(a) procura em uma peça quando está garimpando no bazar?”, as
respostas quanto aos gostos20 das pessoas entrevistadas acerca de como
selecionam as peças no ambiente do bazar, em sua maioria, situaram duas
subcategorias: o “vintage” e o “alternativo” (e/ou “descolado”), todas estas referentes
a uma noção de “estilo”. Como já abarcado na seção 6.2, o preço não configura o
principal fator pelo qual os jovens frequentam o bazar, mas sim a busca por peças
que transmitam a mensagem de um estilo “descolado” (tal qual apontam as falas de
Amanda e Luíza na p. 55). Desse modo, a presente seção propõe enfatizar as
concepções acerca de qual seria esse “estilo” presente nas roupas de segunda mão,
elucidando o conteúdo da mensagem comunicada através da moda.
Quanto aos aspectos que orientam o “garimpo” desses jovens, um dos termos
que fundamentam o que procuram em uma peça é o estilo “vintage”, ligado a
concepção de roupas que datam a uma época passada. Tal percepção fica evidente
na fala de Luíza, para qual, as roupas de segunda mão que busca:
são coisas antigas assim… realmente antigas… eu vejo algumas coisas maisde senhora assim… eu também tenho um pouco de prática de costura daí euvou lá e ajusto… tipo tem muita coisa de senhora lá… eu tenho saia de lá…blazer de lá… de senhor também… de gente mais velha que dá pra dar umaajustada… e são coisas que você não encontra em lojas de departamentomais (LUÍZA, entrevista 6)
Tal percepção assemelha-se a de Fábio, para o qual:
o bazar oferece uma opção de estilo diferente até por conta de ser uma coisaantiga de alguém… uma peça que já foi usada e tem uma história e tem uma
20 No que se refere a concepção de “gosto”, cabe pontuar as definições apresentadas por PierreBourdieu, na primeira parte de sua obra clássica “A distinção: crítica social do julgamento”.Bourdieu (2006), ao analisar a existência de gostos variáveis segundo diferentes condições deaquisição de capital (seja econômico e/ou cultural), afirma que a competência cultural apreendidapelos bens consumidos e a maneira de consumi-los diverge conforme as categorias de percepçãodos indivíduos e segundo os domínios de alguns códigos aos quais tais categorias se aplicam,desde a gostos artísticos (pintura e música) até as questões do cotidiano (como vestuário ealimentação, por exemplo).
62
estética que não é a estética que tá vendendo atualmente no mercado de lojasabe assim… (FÁBIO, entrevista 1)
Ainda a respeito dessa compreensão de roupas antigas (“vintage”), Joana
situa que o circuito de vendas de roupas de segunda mão dos brechós na cidade de
Curitiba é orientado por este estilo; em suas palavras:
eu acho assim… que por conhecer e frequentar por muito tempo os brechósdo centro e da cidade mesmo... e já ter uma noção do estilo que elesvendem.. e por ter consumido por bastante tempo essas roupas… você vêque tem coisas em comum... uma coisa mais retrô vintage… mas claro vaitambém de entender um pouco de moda… e saber o que tá acontecendoagora… de ler um pouco… das redes sociais também.. ver o que os jovensestão usando nos seus instas [risos] (JOANA, entrevista 5)
Nas três falas, o “vintage” surge atrelado a uma maneira de se vestir que
orienta os jovens a frequentarem espaços que vendem roupas de segunda mão,
tanto o bazar quanto outros brechós da cidade que ofertam este estilo. Para Luíza e
Fábio, constitui uma estética diversificada do que se vê nas vitrines contemporâneas
das lojas convencionais de vestuário; já para Joana, que possui um negócio de
revenda de roupas de bazar, trata-se de um estilo recorrente aos brechós da cidade
que vendem roupas de segunda mão, caracterizando uma procura de estilo a qual
ela também se interessa, tendo em vista que ela – além de consumir – também
revende essas peças a um público-alvo majoritariamente jovem21. Corroborando a
concepção de Joana, Rosa, ao retomar como orientava sua procura de peças no
bazar para revender em seu brechó, afirma:
a gente queria coisas que iriam vender fácil… e como nosso público era umpúblico jovem que se interessava por roupas de bazar… uns jovens mais ‘aieu sou descolado… sou vintage’… a gente foi mais por aí (…) foi mais essacoisa meio de vamo vender tudo que todo mundo quiser comprar (ROSA,entrevista 3)
Semelhante a concepção de Rosa e Joana, Amanda, sendo a mais experiente
no que se refere a revenda de roupas de bazar, caracteriza bem o estilo de roupas
que procura, não se distanciando da concepção de estilo “vintage” abordado pelas
outras entrevistadas:
21 Quanto a essa discussão acerca do público-alvo ser em sua maioria jovens, ver p. 71.
63
as peças que eu sei que são da década de 70, 80 e 90… por anos degarimpo… você olha a peça e já sabe da onde ela vem e o que elarepresentou… e umas coisas que são chave assim… que você sabe quetodas as pessoas vão gostar… jeans… camisas de estampa variadas (...) sãocoisas que eu vendo há quatro anos e há quatro anos se eu não tiver não temgente… não tem público pra comprar (AMANDA, entrevista 7)
Divergindo das opiniões acima citadas, para Cecília, interessa apenas a roupa
“ter uma cor interessante”, quando perguntada sobre como seria essa peça, a
mesma sucintamente respondeu que basta “não ter uma cor vibrante… porque eu
não gosto muito”22 (CECÍLIA, entrevista 4). Já para Ana, a roupa remeter a uma
outra época não representa um diferencial, visto que a mesma não procura nada em
específico, em suas palavras: “é mais o que eu olho assim e acho legal23 (…) eu levo
sempre o que serve em mim ou o que eu tenho que fazer pequenos ajustes… tipo…
uma costura… algo que minha avó possa arrumar mesmo” (ANA, entrevista 2).
Um aspecto da fala de Rosa relatada acima (p. 63) que demonstra uma outra
subcategoria presente nas falas dos jovens entrevistados é a correlação entre as
roupas de bazar e um estilo “descolado”/”alternativo”. Retomando uma fala de
Amanda, para a qual “virou algo super descolado usar roupa de bazar… é tipo
nossa… porque existia um mega preconceito há uns 10 anos atrás” (AMANDA,
entrevista 7), é possível estabelecer um embate entre o que era se vestir com
roupas de bazar antes e o que isto significa hoje. Segundo Amanda:
“antes era um público mais alternativo true assim sabe… uma galera quecomprava porque não tinha grana pra comprar… agora eu sinto que é umagalera que tem muita grana mas que quer ser descolado entendeu?”(AMANDA, entrevista 7)
.
De acordo com Amanda, o consumo de roupas de bazar pelos jovens denota
a procura de um estilo que não está atrelado ao baixo preço. Apesar das roupas no
bazar serem baratas, interessa mais o estilo, adequar-se a uma moda mais
“descolada”; o que remete a uma oposição entre o “alternativo verdadeiro” (jovens
que compravam roupas no bazar por não ter condições de comprar roupas em lojas
convencionais) e o “alternativo” interessado apenas em um estilo “descolado”
22 Interpretando livremente que, no ambiente do bazar, as roupas de cor mais opaca são geralmenteas antigas, também poder-se-ia agrupar sua procura a uma norma “vintage”, contudo, talapontamento foge a análise do discurso proferido, constituindo apenas uma indagação minha
23 É contestável sua concepção de escolher uma peça por “achá-la legal”, visto que mesmo suaspreferências e gostos estão relacionadas mais a uma moda social do que a uma escolhaindividual (SIMMEL, 2008; DORFLES, 1996)
64
(jovens que possuem condições financeiras para comprar roupas em outras lojas
mas optam pelas roupas de bazar devido a uma questão de estilo).
Tal procura por roupas de bazar dessa segunda categoria de “alternativo”
(que para Amanda trata-se da atual) remete a uma moda social: “de estar
procurando sua identidade num jeito mais descolado de se vestir… de querer o que
tá todo mundo usando assim sabe…” (AMANDA, entrevista 7). Quanto a essa noção
de moda social atrelada a busca por uma identidade, cabe retomar a fala de Luíza
(p. 55), segundo ela: “em Curitiba as pessoas são muito das ondas… começa a ir
em brechó e vira uma coisa legal… daí começa a ir todo mundo” (LUÍZA, entrevista
6), logo, a busca pelo estilo das roupas de bazar seria também uma forma de
adequação social para os jovens.
Quanto aos significados presentes nas roupas, convém caracterizar também
que, estando as escolhas dos jovens em consumir roupas de segunda mão
conscientemente contrárias aos padrões fast fashion da moda presente nas lojas
convencionais de vestuário24, a moda do consumo de roupas de bazar, para os
jovens, estaria assimilada a percepção de anti-moda proposta por Simmel (2008),
para o qual nega-se os efeitos de uma moda vigente, contudo – como já explicitado
– tal aversão registra uma mesma tendência em gerar uma moda social, ou seja,
contrariando a moda presente nas vitrines de grandes departamentos de vestuário,
os jovens, que frequentam espaços de venda de roupas de segunda mão, instauram
uma nova moda social, que, como toda moda, gera diversos padrões de
aproximação e distanciamento entre indivíduos e grupos em sociedade.
Tendo explanado sobre as categorias que recortavam a análise abordando
questões sobre os jovens entrevistados e o ambiente do bazar do Asilo São Vicente,
encerro, na seção seguinte, as observações resultantes da aplicação das categorias
de análise nas entrevistas. Visando ampliar – moderadamente – a compreensão
acerca do consumo de vestuário de segunda mão pelos jovens na cidade de Curitiba
(para além do bazar), analiso suas percepções em relação a revenda de roupas de
bazar em um aspecto geral.
6.5 A revenda de roupas de bazar no contexto curitibano
24 Conforme falas presentes na p. 49.
65
A partir da fase exploratória da pesquisa, passando as semanas em que
realizei a observação, despontava o fato do bazar do Asilo São Vicente de Paulo ser
um dos locais mais procurados por proprietários de brechó e lojas de revenda de
vestuário de segunda mão. De modo que não foi surpreendente nas primeiras
semanas de observação constatar que algumas pessoas saiam com sacolas
abarrotadas de roupas, gastando mais de R$ 100,00 (cem reais) em uma única
manhã. Provavelmente, aquelas várias peças seriam revendidas por um preço muito
maior do que foram adquiridas, gerando assim uma altíssima margem de lucro para
os brechós.
Observando esses fatores e cogitando – a partir dos dados obtidos pelas
entrevistas – salientar vagamente esse circuito de revendas de roupas de bazar no
contexto curitibano, empreendi a categoria de análise (5) para compreender as
percepções dos jovens entrevistados acerca do processo de revenda de vestuário
de segunda mão.
Um dos princípios que despontam na análise é a percepção do lucro obtido
por esses brechós no processo de revenda. Relacionado principalmente ao baixo
valor com que a maioria das peças do bazar são taxadas, o lucro, segundo Fábio,
torna o empreendimento de montar um brechó que revende roupas de bazar um
negócio viável, como demonstra sua fala:
é um custo-benefício muito bom né... tipo dois e cinquenta uma peça emesmo vendendo barato você não vai ter prejuízo… principalmente emCuritiba que é mais fácil pra galera abrir [brechós] por conta do Asilo que éum start né… que é um gatilho… por isso que eu acho que agora deu umbum né... que nos últimos doze meses tá cheio de gente abrindo brechó eonde você vê tem alguém diferente abrindo um brechó… porque a galera tádescobrindo mais e tá vendo ‘mano aqui tem tanta roupa legal porque que eunão abro um brechó e passo pra frente?’ (FÁBIO, entrevista 1)
Na opinião de Fábio (cujo consumo no bazar é apenas para si) é perceptível
uma compreensão favorável sobre a revenda de roupas de bazar, relacionado a uma
propagação das peças de bazar a outras pessoas. Contudo, para as outras pessoas
entrevistadas que também frequentam o bazar do Asilo para consumo próprio, há
certos impasses que devem ser considerados no processo de revenda. Para Cecília,
o impasse ocorre ainda no instante em que os proprietários de brechó realizam suas
66
compras no bazar, visto que – como apresentado no capítulo 4 – os mesmos
recolhem todas as roupas de determinada zona em pilhas, para somente depois
concluírem quais peças levarão, ao que Cecília relata:
eu acho válido revender… é uma forma de trabalho né… o que eu fico meioassim é eles pegarem tudo sem dar a oportunidade das pessoas veremantes… até porque no final eles acabam descartando um monte de coisa edaí fica só as sobras mesmo pro pessoal que não chega correndo e tá semajuda… que tá ali só pra comprar pra si mesmo (CECÍLIA, entrevista 4)
A fala de Cecília demonstra que a “disputa” entre os proprietários de brechó
no ambiente do bazar (descrita na p. 37) desconsidera quem o frequenta somente
para consumo próprio, sendo sua crítica relacionada mais ao momento em que os
brechós compram. Todavia, para além do bazar do Asilo São Vicente de Paulo, as
pessoas entrevistadas apresentaram um outro problema acerca da revenda de
roupas provenientes de bazar: o preço. De acordo com Ana:
é uma coisa legal que a pessoa pense em revender e tal... só que muitosganham em cima de quem precisa entende? tipo… você vai ali no bazar ecompra por dois reais uma blusa e vai querer vender ela por vinte reais?(ANA, entrevista 2)
Sua concepção está relacionada a de Cecília, visto que sua crítica é aos
proprietários de brechó que levam muitas peças para revender a preço maior,
impossibilitando “quem precisa” de realmente conseguir comprar no bazar. Embora
seja evidente uma crítica ao preço elevado das roupas revendidas se comparado ao
preço com que estas foram compradas no bazar, aspectos quanto ao empenho
físico e o “garimpo” constituírem uma forma de trabalho que demanda esforço não
foram ignorados, como aponta a fala de Luíza:
a pessoa tem que ter noção né de que a gente sabe que ela pagou muitobarato por aquela coisa… apesar de todo o esforço que ela teve… que não éuma coisa fácil você ir lá… tem uma pilha de roupa que noventa por centonão interessa assim… mas ela tem que ter noção que apesar desse trabalhoela não pode cobrar tão caro assim… ela tá querendo fugir da lógica docapital do dinheiro da produção absurda e em massa pra tipo fazer umaparada legal que é vender roupa reutilizada mas ela coloca um preço muitomais alto do que ela pagou… e é muito fácil cair nisso né… você paga doisreais né… dois é muito pouco… e se colocar trinta ainda tá barato né… se eucolocar trinta e cinco vai ter gente que vai comprar ainda… então é muito fácilcair nessa lógica (LUÍZA, entrevista 6)
67
A opinião de Luíza revela um ponto interessante quanto a crítica do preço
excessivo das roupas de bazar revendidas em brechós, para ela, as motivações
apontadas pelos proprietários de brechós e espaços de revenda de roupas usadas
são contraditórias, visto que, embora geralmente estejam vinculadas as
compreensões de consumo consciente, sustentável e fora dos padrões de fast
fashion, o preço com que revendem as peças não se distancia tanto a mesma lógica
de uma loja convencional. Quanto a essa crítica, relaciono a fala de Rosa, tendo em
vista que esta, por ter optado encerrar um brechó que revendia roupas dos bazares,
possui uma diferente perspectiva acerca da revenda e das motivações que levam as
pessoas a abrir esse tipo de negócio:
todo mundo fala que tá fazendo isso pelo consumo consciente… pelaecologia... mas não é isso que acontece… no fim a pessoa quer vender… sefosse eu… eu ia querer vender também… eu acredito que tenham simbrechós muito legais… que realmente promovam coisas… mas eu vejo que amaioria fica num discurso muito raso assim… eu mesma falei em transcendero discurso… mas daí você acaba vendo que o negócio dá lucro… é fácil nãotem esforço… você gosta porque você tem um monte de roupa que veiodesse lugar sabe… então… junta o útil ao agradável… e se torna só umafonte de lucro mesmo (ROSA, entrevista 3)
Rosa, semelhante ao dito por Luíza, aponta para a falha no discurso desses
proprietários de brechó que revendem roupas de bazar, considerando que, embora
eles apresentem muitas razões além de obter lucro como motivações, a vantagem
de revender peças a um preço muito maior do que foram adquiridas permanece
sendo a causa principal. Quando questionada quanto aos motivos pelo qual ela
decidiu encerrar as atividades de seu brechó, Rosa relata:
eu parei justamente por eu achar que eu tava fazendo um negócio muitoporco assim [...] o peso disso começou a me incomodar… eu me sentiaculpada por estar comprando uma coisa por dois reais e tendo um lucro dequinhentos seiscentos por cento em cima daquilo pra muito mais assim…porque o lucro era ridículo [...] só aí quando você começa a ir nesses lugarese você tem contato com o público que você tá vendendo... chegou a hora queeu não consegui me sentir bem de estar vendendo pra uma pessoa que morano interior… uma pessoa que até pede desconto e eu falo ‘ah não tem comodar desconto esse é o preço final não sei o quê’ eu não conseguia sabe… meforçar a enganar tanto as pessoas quando eu sabia que era tão barato aroupa… sem contar que na questão estética a gente não saia do lugar quetava todo mundo… porque você fala que quer comprar roupa pra um públicoque não é você... você acaba que você não compra pra esse público sabe?[…] daí situações desconfortáveis foram se criando [...] e tudo começou a sedeturpar sabe… depois não existia mais sentido (ROSA, entrevista 3)
68
Cabe notar que, os motivos pelos quais Rosa optou por encerrar as atividades
de seu brechó correspondem as suas principais críticas ao circuito de revendas de
roupas de bazar: a duplicidade do discurso que fala de consumo consciente e
sustentável mas se interessa mais em obter um grande margem de lucro e o
discurso estético, na qual todos visam inovar mas acabam atendendo a um mesmo
público. Para ela, embora hajam brechós “que realmente promovam coisas”, a
maioria se encontra numa mesma posição de discurso raso e estética semelhante,
aproveitando sua forma de lazer (o gosto por “garimpar”) a fim de obter lucro.
Visando abordar a perspectiva desses jovens que gerenciam um negócio de
revenda de roupas de bazar, é interessante notar que Joana, cujo brechó iniciou há
pouco tempo, possui uma opinião crítica aos altos preços de alguns brechós;
segundo ela, este foi o principal motivo que a impulsionou a criar um brechó que
revendesse roupas de bazar de uma forma barata:
tem uns lugares que ‘vassoram’ no preço… em que você vai lá e paga opreço de uma roupa de loja… por isso eu prefiro vir no bazar… acordar cedoe vir do que ir lá e pagar setenta reais numa peça sabe.. isso não é consumosustentável… não faz nenhum sentido quando a pessoa deve ter pago nomáximo cinco reais naquela peça… e mesmo eu revendendo as roupas eunão pretendo ganhar muito dinheiro com elas assim… é uma fonte de rendamas também não quero ser injusta sabe? continuar nessa mesma linha deconsumo consciente… de moda acessível… mas não cobrar o preço caro porelas…(JOANA, entrevista 5)
No plano do discurso, a fala de Joana possui elementos pelos quais as
críticas de Rosa e Luíza se baseiam. Desse modo, a questionei acerca do preço
pelo qual vende em seu brechó as roupas que compra no bazar, ao que ela
respondeu: “em torno de cinco a dez reais… depende da peça assim… blusas de lã
ficam por quinze assim… mas o máximo que vai é quinze reais… de cinco a quinze
reais… nunca ultrapasso disso assim” (JOANA, entrevista 5).
Outra perspectiva de uma jovem que gerencia um negócio de revenda de
roupas de bazar é a de Amanda, cujo fato de manter o negócio ativo há cerca de
quatro anos a confere experiência na área. Acerca de seu brechó e como ela o
compreende, Amanda aponta:
69
eu entendo que esse lugar além de ser um brechó é um lugar deresistência… é um lugar que fala sobre gênero… é um lugar que éautônomo... que fala sobre empreendedorismo… que fala sobresustentabilidade… que fala sobre moda… que fala sobre consumo… entãoeu sinto que agora a Flamingos virou uma referência de brechó e é uma coisaque saiu do meu controle… as vezes eu não tenho dimensão do que elasignifica pras pessoas por exemplo (AMANDA, entrevista 7)
Sendo lembrado durante outras entrevistas como um brechó de referência na
revenda de roupas de segunda mão, a Flamingos é apontada como um local em que
os jovens podem comprar as roupas de bazar quando estes não conseguem ir
diretamente ao bazar, como aponta a fala de Fábio:
eu já comprei muito lá… inclusive essa blusa de lã é de lá da Flamingos... eeu compro dela assim geralmente… porque as vezes eu não tenho tempo deir no bazar… ou não tenho paciência pra ir de manhã lá… então eu vou naFlamingos… até porque ela compra de lá (FÁBIO, entrevista 1)
Tal relato é comparável ao já apresentado por Amanda, quando perguntada
se o preço era o principal atrativo para os jovens frequentarem o bazar, o que ela
respondeu que não, visto que “se fosse por causa do preço os meus clientes não
viriam aqui [na Flamingos] [...] eu sempre encontro clientes meus lá…sempre… só
que eles nunca deixaram de vir aqui entendeu?” (AMANDA, entrevista 7). Logo, a
Flamingos corresponde a um espaço pelo qual os jovens podem encontrar o “estilo”
das roupas que o bazar proporciona, estando alguns destes dispostos a pagar por
ele um preço mais caro do que o oferecido no bazar.
Retomando a discussão acerca do circuito de brechós que revendem roupas
de bazar, Amanda, não surpreendentemente (visto que se trata de um negócio ao
qual ela participa), apresenta uma opinião favorável. Segundo ela:
é uma saída maravilhosa pra ganhar dinheiro… acho que esse é o futuroentendeu… porque a gente tá numa era que se você não falar desustentabilidade… se você não falar sobre consumo consciente… se vocênão falar sobre essas coisas não vai dar certo [...] eu acho que tem que fazermesmo… tem muita roupa no mundo e assim… acho que revender primeiroque é uma alternativa independente e autônoma de ganhar uma grana…segundo que as roupas de loja de departamento… as roupas de loja de fastfashion ou lojas que tem um estilista e etc. são muito mais caras… e a gentetá numa crise… então eu acho que esse é o caminho sabe… mas tambémnão é tão fácil assim… não é uma coisa fácil de se fazer… eu acordo todosos dias sete da manhã sabe… é um trabalho… acho que isso for encaradocomo um trabalho é um trabalho ótimo (AMANDA, entrevista 7)
70
Desponta na fala de Amanda duas informações que a mesma enumera, a
primeira referente a forma como ela enxerga o negócio de revenda de roupas de
bazar, pois, apesar de generalidades como “consumo consciente” e
“sustentabilidade” estarem presentes em seu discurso, sua compreensão da
revenda de roupas de bazar ser “uma alternativa independente e autônoma de
ganhar uma grana” demonstra que a mesma não vê problemas em, a partir do
brechó, obter lucro, visto que o enxerga como uma forma de trabalho; a segunda,
trata-se da compreensão de que – embora o preço das roupas vendidas em seu
brechó não sejam ao preço de bazar – os preços das roupas de fast fashion e lojas
de departamento são muito mais elevados, o que caracteriza uma posição contraria
a crítica exposta por Joana, por exemplo.
Na tentativa de vislumbrar se o consumo de roupas de bazar é uma prática a
qual a faixa etária jovem está diretamente relacionada busquei inferir se esta
constitui o público comprador principal, novamente, visando expandir relativamente
esse estudo para além do contexto do bazar do Asilo São Vicente de Paulo. Para
tanto, cabe destacar, principalmente as respostas de Rosa, Joana e Amanda, tendo
em vistas suas experiências em revender as roupas. Para Rosa, o público-alvo que
comprava em seu brechó se dividia em dois grupos:
um era um grupo de pessoas entre vinte e vinte cincos anos que conheciam agente... que tinham ligação direta com quem a gente era… seja por parte dauniversidade ou por trabalho ou por qualquer coisa assim [...] e o outro eraum grupo de pessoas que acabaram conhecendo a gente pelo instagram…que a maioria morava mais no interior [...] então a gente vendia pra bastantemenina de dezesseis até vinte e cinco anos… mais ou menos… que moravano interior e queria ter esse… esse estilo assim mais ‘diferentão’ sabe… edava pra ver que mesmo que com frete que as vezes era do mesmo valor dapeça... mesmo assim elas achavam que valia a pena porque elas queriamaquela peça específica que não tinha como encontrar na cidade delas(ROSA, entrevista 3)
O relato de Rosa demonstra que, além do público-alvo de seu brechó ter sido
em sua maioria jovens, seu consumo era orientado pela busca de um “estilo
diferentão”, ao que Rosa ressalta a venda às meninas de cidades do interior, que
embora – devido o valor do frete – pagassem um preço ainda mais elevado pela
peça, optavam por ainda assim comprar as roupas, visto que estas caracterizaram
71
um “estilo” que elas não encontrariam em suas cidades. No que refere-se a essa
percepção de “estilo”, Joana apresenta um pensamento semelhante, segundo ela:
tem bastante jovens mas também tem muita família assim… mães e pais…classe média brasileira sabe… mas acho que nosso público principal são daminha faixa etária… de vinte a vinte e poucos anos… e que frequenta essemesmo circuito social… que eu não sei classificar em palavras mas essecircuito de jovens descolados… que frequentam a são francisco e a trajano…(JOANA, entrevista 5)
É interessante perceber que Joana amplia a compreensão acerca dos jovens
que compram em seu brechó como um grupo de pessoas que frequenta um “mesmo
circuito social”. Na compreensão de Magnani (2000), um “circuito” caracteriza um
conjunto de “machas”25 de lazer, sendo um espaço de escala maior que “une
estabelecimentos, espaços e equipamentos caracterizados pelo exercício de
determinada prática ou oferta de determinado serviço” (MAGNANI, 2000, p. 45), um
exemplo de circuito seriam os brechós localizados na rua Riachuelo no Centro da
cidade de Curitiba, ou, como citado por Joana, os bares e estabelecimentos das
ruas São Francico e Trajano Reis26, também localizadas no Centro. Desse modo,
Joana localiza os espaços que esses jovens consumidores de roupas de segunda
mão frequentam, além de também se utilizar de uma compreensão próxima a estilo,
uma vez que se tratam de “jovens descolados”.
Quanto a essa percepção de um perfil particular a esses jovens (ao qual se
aplica a expressão “descolado”), a fala de Amanda caracteriza especificidades:
são jovens entre 16 à 25 anos… esses jovens que tão procurando umaidentidade num jeito mais descolado de se vestir… vegetarianos…engajados… de arte ou de publicidade… e os dois gêneros são bemequilibrados assim… tipo não é um público feminino ou masculino assim… eisso é bem legal assim… eu tenho bastante cliente homem e bastante clientemulher (AMANDA, entrevista 7)
Ampliando a compreensão acerca de quem são esses jovens “descolados” –
análise abarcada pela categoria (4) – Amanda atribui características a seus hábitos
25 A “mancha” de lazer constitui uma implantação mais estável tanto na paisagem dos centrosurbanos, quanto no cenário. Sendo caracterizadas, segundo Magnani (2000), enquanto “áreascontíguas do espaço urbano, dotadas de equipamentos que marcam seus limites e viabilizamuma atividade ou prática dominante.” (MAGNANI, 2000, p. 42)
26 Ruas onde se encontra a maioria dos bares e ambientes de lazer noturno do centro da cidade de Curitiba, sendo também locais próximos as principais ruas do “circuito de brechós”.
72
alimentares, possíveis vínculos com artes e publicidade, além de reforçar a procura
desses jovens por uma identidade mais “descolada” a partir do modo com que se
vestem. O que reforça a concepção dos bens de consumo enquanto portadores de
significados (DOUGLAS; ISHERWOOD, 2009), no qual as roupas de segunda mão
possuem significados além de sua utilidade e valor, constituindo formas de
comunicação dos símbolos culturais presentes em determinado grupo (MCCRAKEN,
2007), no caso dos jovens, a compreensão de “descolado”.
73
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo deste trabalho analisei os significados presentes nas roupas de
segunda mão para os jovens que frequentam o bazar do Asilo São Vicente de Paulo,
com o propósito principal de pensar de que forma, para os jovens, o vestuário de
segunda mão está relacionado a constituição de uma identidade e como esta se
expressa no ambiente do bazar e no meio social. Ora, para tanto, foi imprescindível
empreender uma discussão sobre a moda e sua forma de comunicar códigos que
geram identificação ou diferenciação (SIMMEL, 2008; DORFLES 1996), tendo em
vista que, por meio do vestuário de segunda mão, os jovens comunicam e
constituem significados que, apesar de assumidos individualmente, são partilhados e
compreendidos coletivamente (LANZ, 2014). Foi preciso pensar a aparência
(LIPOVETSKY, 1989) para além do caráter de constituir um “estilo próprio”, mas
como uma forma de códigos expressos socialmente (GOFFMAN, 1999), que passa
do mundo culturalmente estabelecido às roupas de segunda mão (MCCRACKEN,
2007).
Nesse sentido, foi necessário abordar a relação existente entre pessoas e
bens de consumo, numa perspectiva de que os indivíduos constituem e movimentam
significados culturais através do consumo (DOUGLAS; ISHERWOOD, 2006), pelo
qual a moda, relacionada ao modo de se vestir, seria uma forma de construir e
comunicar uma ordem social. A partir de suas características de unir ou distanciar,
as roupas comunicam a moda, que por sua vez apreende a racionalidade presente
no ato de consumir, ainda que este seja relegado a uma ação irracional (MILLER,
2007). Não é. Neste trabalho, empenhei-me a evidenciar a teoria de Canclini (1999)
de que através do consumo os indivíduos exercem aspectos da cidadania, pois, por
meio dele, interagem socioculturalmente, gerando distinções entre diferentes classes
sociais, mas também no interior das mesmas classes sociais, tendo em vista a
formação de comunidades que se aproximam (e distanciam) mediante seus hábitos
de consumo (CANCLINI, 1999).
Partindo da compreensão que tal processo de construção e de movimento
dos significados culturais presentes nos bens de consumo não se apresenta em
forma de uma estrutura rígida, definida e unidirecional, cabe exemplificar a
74
reconfiguração do termo “roupa usada”, antes de conotação negativa e agora
ressimbolizado pelas classes médias como “vintage”. Tal mudança de perspectiva
está relacionada a roupa ultrapassar uma significação estética, correspondendo
antes a linguagem que orienta e comunica a estética, a sua finalidade e o modo pelo
qual essa mensagem se apresenta socialmente. No caso das roupas de segunda
mão, muda-se a significação e a mensagem transmitida, o que por sua vez, interfere
na estética e converte o que antes era “roupa usada” em um estilo “vintage”
(“descolado”).
Considerando o período em observação, as hipóteses estabelecidas e as
falas obtidas através das entrevistas, concluo que o bazar do Asilo São Vicente de
Paulo constitui um espaço onde o consumo de roupas de segunda mão ocorre por
pessoas de diferentes idades e motivações, entretanto, representa um atrativo
principal ao público que possui interesses em revender as roupas compradas,
devido seus baixos preços. No que se refere ao público jovem, recorte específico de
minha pesquisa, o bazar, ademais de fornecer vestuário a um preço baixo, oferta um
“estilo” de roupas diferente do que as lojas convencionais ofertam. Marcada por uma
temporalidade presente nas peças, a moda “vintage” caracteriza o principal atrativo
para que jovens em Curitiba frequentem espaços como o bazar do Asilo São
Vicente, principalmente os jovens que vivem no centro da cidade ou em regiões
próximas ao centro. Embora, hajam jovens empenhados na revenda dessas roupas,
a pesquisa apreendeu um perfil de consumo mais voltado a um consumo próprio,
sendo este – especificamente no caso do bazar do Asilo – não atrelado apenas a
questão do baixo preço, mas sim a “experiência de garimpar”, a qual, nesse
trabalho, intentei aproximar das teorias de lazer propostas por Magnani (2000), a fim
de conceber uma sociabilidade presente no bazar, para o qual os indivíduos –
através do lazer – formam um vínculo e relação com o espaço ademais das
finalidades realizadas neste, fazendo do espaço um “pedaço”, uma vez que
partilham códigos e semelhanças em estilo com outros jovens consumidores de
roupas de segunda mão.
Em relação ao princípio de uma análise referente ao circuito de revenda de
roupas de bazar (no caso, os brechós), projetei um breve retrato, evidentemente
com ressalvas e limitações, tendo em vista que me baseei nas perspectivas de
75
jovens que frequentam o bazar do Asilo São Vicente para pensar as vendas de
roupas de segunda mão numa abrangência mais ampla. Tal perspectiva limitada
implicou, por exemplo, em suas críticas aos preços com que peças de segunda mão
são (re)vendidas nos brechós, visto que conhecem o preço pelo qual foram
compradas (em bazares, como o do Asilo São Vicente). Entretanto, suas
concepções favoreceram o ponto de vista de que hoje, nas regiões centrais da
cidade de Curitiba, os jovens que frequentam espaços de venda de roupas de
segunda mão buscam um “estilo” em comum ligado a uma identidade “alternativa”,
que é contrária aos padrões da moda das lojas de departamento e pra isso, recorre
a um estilo passado, ressimbolizando o antigo como algo “alternativo” (“vintage”),
criando novos padrões do que é “estar na moda”.
76
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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APÊNDICE A – Quadro de informações sobre as pessoas entrevistadas
Nomes* Idade Gênero Escolaridade
Entrevista 1 FÁBIO 23 anos Masculino Ensino Superior completo
Entrevista 2 ANA 19 anos Feminino Ensino Superior incompleto
Entrevista 3 ROSA 21 anos Feminino Ensino Superior incompleto
Entrevista 4 CECÍLIA 22 anos Feminino Ensino Superior incompleto
Entrevista 5 JOANA 24 anos Feminino Ensino Superior incompleto
Entrevista 6 LUÍZA 19 anos Feminino Ensino Superior incompleto
Entrevista 7 AMANDA 28 anos Feminino Ensino Superior completo
*Todos os nomes apresentados são fictícios, a fim de preservar a identidade das pessoasentrevistadas.
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APÊNDICE B – Termo de autorização para uso de informação
Concordo em participar, como voluntário(a), do estudo que tem como
pesquisador responsável o aluno de graduação Marcus Paulo dos Santos de Freitas,
do curso de Ciências Sociais da Universidade Federal do Paraná (UFPR), que pode
ser contatado através do e-mail [email protected].. Tenho conhecimento
de que o estudo possui o objetivo de entrevistar jovens que compram roupas de
segunda mão no Bazar do Asilo São Vicente de Paulo, visando, por parte do referido
aluno, a realização do Trabalho de Conclusão do Curso. Minha participação
consistirá em conceder uma entrevista que será gravada e transcrita. Entendo que
esse estudo possui finalidade de pesquisa acadêmica e que os dados obtidos não
serão divulgados, a não ser com prévia autorização, e nesse caso será preservado o
anonimato dos(as) participantes, assegurando assim minha privacidade. Além disso,
sei que posso abandonar minha participação na pesquisa quando quiser e que não
receberei nenhum pagamento por esta participação.
_____________________________RG
______________________________________Assinatura
Curitiba, ___ de _________ de 2017
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APÊNDICE C – Roteiro das entrevistas
01 – Apresentação da pesquisa e da necessidade da entrevista.
02 – Solicitar autorização do(a) entrevistado(a) para gravar a entrevista a fim de transcrevê-la posteriormente.
03 – Esclarecer que o(a) entrevistado(a) deve se sentir livre para perguntar caso tenhaalguma dúvida durante a entrevista.
04 – Iniciar a entrevista de forma descontraída, pedindo que o(a) entrevistado(a) fale umpouco sobre si (seu nome, idade, gênero, escolaridade, valores pessoais, etc.).
05 – Há quanto tempo o(a) entrevistado(a) se interessa por roupas de bazar.
06 – Como o(a) entrevistado(a) tomou conhecimento sobre o Bazar do Asilo São Vicente dePaulo?
07 – Há quanto tempo e com que frequência o(a) entrevistado(a) compra roupas desegunda mão no Bazar do Asilo São Vicente de Paulo?
08 – O(a) entrevistado(a) compra roupas exclusivamente em bazares?
09 – Quais as motivações e percepções do(a) entrevistado(a) em relação ao consumo deroupas de segunda mão no bazar do Asilo São Vicente?
10 – O que é determinante ao(a) entrevistado(a) para realizar a compra no bazar?
11 – O que o(a) entrevistado(a) procura em uma peça quanto está “garimpando” no bazar?
12 – Para qual finalidade o(a) entrevistado(a) compra as roupas do bazar? Para consumopróprio ou para revender?
12.a – Se “para revender”: para qual público?
12.b – Se “para consumo próprio”: o(a) entrevistado(a) conhece ou até mesmo já comproude algum jovem que iniciou um negócio de revenda de roupas de segunda mão?
13 – Qual a opinião do(a) entrevistado(a) sobre a revenda de roupas de bazar?
14 – O(a) entrevistado(a) costuma ir ao bazar sozinho (a) ou acompanhado?
15 – O(a) entrevistado(a) têm amigos que compram no bazar do Asilo São Vicente?
16 – Para o(a) entrevistado(a) há alguma diferença em ir ao bazar sozinho ouacompanhado? Se sim, qual?
17 – Pedir ao(a) entrevistado(a) que descreva como enxerga a experiência em ir ao bazar ecomprar roupas de segunda mão.
18 – Agradecimentos.
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