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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ SETOR DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES - SCHLA DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS - DECISO CAMILA MARIANE DE SOUZA TRABALHO, LAZER, SOCIABILIDADE E GÊNERO NO GAUCHISMO: O CTG 20 DE SETEMBRO DE CURITIBA - PR CURITIBA 2014

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

SETOR DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES - SCHLA

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS - DECISO

CAMILA MARIANE DE SOUZA

TRABALHO, LAZER, SOCIABILIDADE E GÊNERO NO GAUCHISMO: O CTG 20

DE SETEMBRO DE CURITIBA - PR

CURITIBA

2014

CAMILA MARIANE DE SOUZA

TRABALHO, LAZER, SOCIABILIDADE E GÊNERO NO GAUCHISMO: O CTG 20

DE SETEMBRO DE CURITIBA - PR

Monografia apresentada à disciplina Orientação Monográfica – Sociologia, como requisito parcial à conclusão do Curso de Ciências Sociais, Departamento de Sociologia, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Paraná. Orientadora: Prof.ª. Dr.ª Miriam Adelman

CURITIBA

2014

Dedico este trabalho aos meus pais, sem os quais nada disso seria possível.

AGRADECIMENTOS

Muitas foram aqueles e aquelas que, de uma maneira ou outra, contribuíram

para a realização e conclusão deste trabalho.

Gostaria de agradecer inicialmente à professora e orientadora Miriam

Adelman, pela atenção de sempre, apoio e confiança. Ao grupo de pesquisa sobre

as representações e relações de gênero no Tradicionalismo Gaúcho, assim como à

Fundação Araucária, entidade que me concedeu bolsa até o final da minha

graduação. Ao grupo PET de Ciências Sociais, ao qual participei durante quase três

anos e tive contato com a pesquisa acadêmica e discussões teóricas, e que, além

disso, me subsidiou com bolsa a fim de me manter na Universidade.

Aos meus/minhas amigas do Ensino Médio e colegas de curso, sobretudo os

que compartilham o “GRR2009”, pela amizade, companheirismo e ajuda (seja ela na

compreensão de algum teórico das Ciências Sociais ou mesmo pelas “interas” para

um almoço no R.U.). Momentos de monitoria de eventos, Semana Acadêmica ou

momentos de descontração como festas no DCE ou no pátio da reitoria foram muito

importantes por ter a presença de vocês, colegas, comigo. Aos meus amigos da

banda Gramoflora, que o curso de Sociais me deu. É lindo poder fazer música com

vocês, piás!

Ao meu amor, companheiro e amigo Marcus Vinícius, obrigada por esse

encontro e por surgir na minha vida para podermos sonhar e construir juntos. Te

amo!

A minha mãe, pai e irmãos, pelo apoio e força de todas as horas, que apesar

de não entenderem o que são as “Ciências Sociais” sempre apoiaram as minhas

escolhas. Desculpem-me se em alguns momentos me ausentei da presença de

vocês a fim de me dedicar a outras coisas como as da faculdade.

À CEUC, por ser um “Lar em terra estranha”. Por ter me concedido uma

vaga, a fim de me possibilitar certa comodidade ao não precisar tomar quatro ônibus

todos os dias da semana, após a volta das aulas na Universidade e do trabalho.

Ao Adriano, meu professor de Sociologia do Ensino Médio, que me

apresentou pela primeira vez a “Ciência da Sociedade” e me instigou a pensar

sociologicamente. Obrigada pela influência, se hoje sou (ou melhor, tento ser!)

professora de sociologia no Ensino Médio, você tem contribuição nisso! Agradeço a

todos e todas as professoras que tive em minha trajetória até aqui e pela

possibilidade que tenho de concluir um curso superior Público (minha educação

básica também o foi). Que muitos filhos e filhas da classe trabalhadora também

possam, cada vez mais, terem acesso e permanência nas Universidades Públicas!

Aos interlocutores do trabalho, pessoal do CTG 20 de Setembro, obrigada

pela solicitude.

A “Deus”, ou seria melhor, “Deusa”? Por ter chego até aqui e poder concluir

mais uma fase importante de minha vida.

Às feministas de ontem e de hoje, que lutaram e que lutam cotidianamente

para a libertação das mulheres e efetiva condição de igualdade em relação aos

homens.

Enfim, agradeço ao sol de quase todas as manhãs que bate na minha janela

e ao ar que respiro. Gratidão!

RESUMO

A presente pesquisa integra um projeto mais amplo no qual objetiva-se um estudo etnográfico acerca do universo “Tradicionalista Gaúcho”, no que tange aos seus desdobramentos no estado do Paraná. Tendo sua criação reivindicada por um grupo de jovens secundaristas na cidade de Porto Alegre, no final da década de 1940, o “Tradicionalismo Gaúcho” como um movimento organizado almejou a “recuperação” de costumes de um suposto e idealizado passado rural, definindo e orientando práticas para serem “revividas” em entidades denominadas Centros de Tradições Gaúchas (CTGs). A fim de compreender discursos e práticas dos sujeitos que compartilham da visão de mundo e estilo de vida ‘tradicionalista gaúcho’, analisam-se as relações de lazer, trabalho e sociabilidade entre homens e mulheres participantes do CTG 20 de Setembro, situado em Curitiba-PR, bem como identificam-se particularmente diferenças de gênero, quanto ao acesso ao tempo livre e sua relação com o trabalho remunerado, de modo a compreender a configuração entre a dimensão do trabalho, lazer e vida familiar para os/as participantes dessa realidade. A partir do trabalho de campo e das narrativas dos interlocutores desta pesquisa, realizada no referido CTG, percebe-se que em um mesmo espaço social, são verificadas práticas de lazer e de sociabilidade, sobretudo, dos associados, os quais dançam e competem, assim como práticas profissionais de trabalho, como é o caso da atendente de lanchonete, localizada dentro do CTG, ou mesmo dos professores de danças folclóricas e da secretária administrativa da entidade. No entanto, há um processo dialógico entre trabalho e lazer, podendo estes ser confundidos ou sem fronteiras claras entre si, uma vez que muitos que trabalham no local realizam suas atividades de lazer no mesmo, ou seja, também frequentam o CTG para o fim de lazer. Em contrapartida, outros, em sua maioria associados, os quais utilizam o espaço para fins de lazer e sociabilidade, assumem práticas de trabalho não remunerado para o CTG em momentos de eventos e festas. Assim, é possível perceber que há momentos em que o trabalho se configura de maneira alternativa ao seu sentido tradicional, assumindo características de lazer. Em relação ao gênero, as práticas de lazer das mulheres casadas, as quais possuem dupla jornada de trabalho, estão significativamente relacionadas a ambientes familiares, nos quais os filhos podem frequentar juntos com suas mães. Palavras-chave: Práticas de lazer. Trabalho. Sociabilidade. Gênero.

Tradicionalismo gaúcho.

ABSTRACT

This research is part of a wider project in which the goal is an ethnographic study of the "Gaucho" traditionalist universe, in relation to its developments in the state of Paraná. Having its creation claimed by a group of young high school students in the city of Porto Alegre, in the late 1940s, the "Gaucho" traditionalism as an organized movement craved the "recovery" of the customs of a supposed and idealized rural past, defining and guiding practices to be "revived" in entities called Gaucho Tradition Centers (CTGs). In order to understand the discourses and practices of individuals who share the worldview and 'Gaucho Traditionalist' lifestyle , analyzes the relationship of leisure, work and sociability among male and female participants of the CTG 20th September, situated in Curitiba-PR, as well as identify particularly gender differences in relation to access to free time and its relation to paid work, in order to understand the configuration between the dimension of work, leisure and family life for the participating in this reality. From the fieldwork and narratives of the interlocutors of this survey, conducted in that CTG, realizes that in the same social space, leisure practices and sociability are checked, particularly the members, who dance and compete, well as professionals working practices, such as the bar attendant, located within the CTG, or even teachers of folk dances and the administrative secretary of the entity. However, there is a dialogical process between work and leisure, and they may be confused or without clear boundaries between them, since many working on site perform their leisure activities in there, ie, also attending the CTG for the purpose of leisure. In contrast, others, mostly associated, which use the space for recreational purposes and sociability practices, take unpaid work for CTG in times of events and parties. So, it's possible to see that there are times when the work is configured as an alternative to its traditional sense way, assuming leisure features. Regarding gender, the leisure practices of married women, which have double shifts, are significantly related to family environments in which children can attend together with their mothers.

Keywords: Leisure practices. Work. Sociability. Gender. Gaucho traditionalism.

LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 - O HOMEM GAÚCHO (PEÃO) .................................................................................... 26

FIGURA 2 - A MULHER GAÚCHA (PRENDA) .............................................................................. 27

FIGURA 3 - CASAL TRADICIONALISTA ....................................................................................... 28

FIGURA 4 - A INDUMENTÁRIA TRADICIONALISTA .................................................................. 29

FIGURA 5 - OS BRASÕES DE ARMAS DO MTG-RS. ................................................................ 32

FIGURA 6 - SÍMBOLOS GAÚCHOS ............................................................................................... 32

FIGURA 7 - A BANDEIRA OFICIAL DO MTG-RS ........................................................................ 33

FIGURA 8 - EMBLEMA DO MTG-PR ............................................................................................. 46

FIGURA 9 – BRASÃO DO CTG COM O LEMA: “O PARANÁ GAÚCHO NASCEU AQUI” ... 49

FIGURA 10 - FUNDO DO SÍTIO DO CTG, QUE MOSTRA A BANDEIRA DO PARANÁ, DO

RIO GRANDE DO SUL E O BRASÃO DA ENTIDADE TRADICIONALISTA ........................... 50

FIGURA 11 - BRASÃO DO CTG 20 DE SETEMBRO .................................................................. 52

FIGURA 12 - PLACA DA ENTRADA DO GALPÃO DO CTG 20 DE SETEMBRO .................. 52

FIGURA 13 - CARTAZ SOBRE AS AULAS DE DANÇA DE SALÃO DO CTG ........................ 53

FIGURA 14 - AULAS DE DANÇAS DE SALÃO DO CTG ........................................................... 54

FIGURA 15 - FLYER DO CTG ......................................................................................................... 55

FIGURA 16 - FOLDER DAS INVERNADAS ARTÍSTICAS DO CTG ......................................... 58

FIGURA 17- OUTRO LADO DO FOLDER, DA LOJA “GAUCHÃO REGALOS” ...................... 59

FIGURA 18 - PORTÃO DE ACESSO AO RODEIO ...................................................................... 62

FIGURA 19 - PARTE DOS ACAMPAMENTOS DO RODEIO ..................................................... 63

FIGURA 20 - CANCHA DAS ATVIDADES CAMPEIRAS ............................................................ 64

FIGURA 21 - SALÃO DE BAILE ...................................................................................................... 65

FIGURA 22 - AVISOS DE PROIBIÇÕES DENTRO DO BAILE .................................................. 67

FIGURA 23 - PROVA DE DECLAMAÇÃO FEMININA ................................................................. 69

FIGURA 24 - APRESENTAÇÃO DO CTG 20 DE SETEMBRO .................................................. 69

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 11

2. TRADICIONALISMO GAÚCHO E OS OBJETIVOS DA PESQUISA ........................... 15

2.1 A FORMAÇÃO DO MOVIMENTO TRADICIONALISTA GAÚCHO (MTG) E A

CONSTRUÇÃO SOCIAL DA IDENTIDADE GAÚCHA ......................................................... 15

2.2 SÍMBOLOS E FIGURAS DA CULTURA GAÚCHA, SEGUNDO O MTG-RS E SEUS

CRÍTICOS ........................................................................................................................... 25

2.3 RELAÇÕES DE LAZER, TRABALHO E GÊNERO NO TRADICIONALISMO GAÚCHO35

3. TRADICIONALISMO GAÚCHO NO PARANÁ: O TRABALHO DE CAMPO NO CTG 20

DE SETEMBRO .................................................................................................................. 43

3.1. O MTG NO PARANÁ E EM CURITIBA ......................................................................... 43

3.2. APRESENTANDO O CAMPO: O CTG 20 DE SETEMBRO .......................................... 48

3.3. O RODEIO TRADICIONALISTA NA CIDADE DE RIO NEGRINHO – SC ..................... 59

4. LAZER, TRABALHO, SOCIABILIDADES E GÊNERO NO CTG 20 DE SETEMBRO .. 70

4.1. ENTREVISTAS COM OS/AS PARTICIPANTES ........................................................... 70

4.2. O CTG COMO ESPAÇO DE CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADES, SOCIABILIDADES,

TRABALHO, LAZER E GÊNERO ........................................................................................ 76

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................... 85

ANEXO A - PROGRAMAÇÃO DO RODEIO REALIZADO EM RIO NEGRINHO - SC ........ 91

ANEXO B – CARTAZ DE DIVULGAÇÃO DO RODEIO EM RIO NEGRINHO-SC .............. 92

ANEXO C - POEMA “MULHER GAÚCHA”, DE ANTÔNIO AUGUSTO FAGUNDES ......... 93

ANEXO D – TROFÉU DE PARTICIPAÇÃO NO RODEIO DE RIO NEGRINHO EM

“DANÇAS TRADICIONALISTAS”DO CTG 20 DE SETEMBRO......................................... 99

11

1. INTRODUÇÃO

Ao ingressar na Universidade, no curso de Ciências Sociais, não tinha claro

para mim o interessante caminho o qual percorreria durante minha trajetória. No

segundo período do curso, entrei no grupo PET- Programa de Educação Tutorial, no

qual permaneci por cerca de três anos e pude ter muitos ensinamentos relativos ao

mundo acadêmico. Atuei como entrevistadora de campo em instituto de pesquisa,

fora da academia, para complementação de renda. Em meados de janeiro de 2013,

surge uma oportunidade de bolsa de iniciação científica com a professora Miriam

Adelman, a qual já havia tido contato em disciplinas obrigatórias sobre Teoria

Sociológica Contemporânea. Pelo meu interesse pessoal em investigar relações de

gênero em nossa sociedade, assim como pensar cultura e identidades, iniciei a

pesquisa que aqui é apresentada.

Tendo como intuito a complementaridade e continuidade das pesquisas

desenvolvidas sob a orientação da professora Miriam Adelman, como o trabalho de

Becker (2011), iniciei no ano de 2013, inserções etnográficas no meio dos rodeios

crioulos e CTGs1 paranaenses, dentro de uma agenda de pesquisa financiada pelo

CNPQ, intitulada “Sobre 'prendas', 'peões' e 'tradições' ressignificadas: relações e

representações de gênero num mundo em mudança”, liderada pela professora. O

projeto de pesquisa no qual este trabalho está inserido tem como objetivo realizar

análises sociológicas de modo a contemplar inúmeras interseccionalidades, como

pensar a relação entre o rural e o urbano, gênero, corporalidades, identidades,

subjetividades, trabalho, lazer e sociabilidades, tendo cada integrante do grupo de

pesquisa um foco específico, explorado em seus trabalhos individuais.

Durante o ano de 2013, o nosso enfoque de pesquisa consistiu em

observações de campo exclusivamente em rodeios gaúchos, os quais privilegiavam

o segmento campeiro2 do Tradicionalismo Gaúcho, e cabanhas, locais onde ocorrem

torneios de laço, modalidade relacionada ao cavalo dentro do Gauchismo, e que

1 Sigla para “Centros de Tradições Gaúchas”, a qual permeará o presente trabalho de modo

significativo. Refere-se a entidades criadas no contexto urbano para “reviver” e “recriar” hábitos e costumes de um suposto passado rural. (OLIVEN, 2006). 2 O Tradicionalismo Gaúcho e os CTGs contemplam atividades campeiras, as quais são relacionadas

com o cavalo, como provas de laço, rédeas e gineteadas. Além de práticas artísticas, como a dança, a música, o canto e a declamação de poesia; atividades esportivas como jogos de bocha e atividades culturais como concursos, palestras, oficinas.

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também servem como espécie de hotel para o animal. Frequentamos, neste período,

dois rodeios crioulos, tendo o primeiro sido realizado na cidade de Fazenda Rio

Grande e o outro em Mandirituba, municípios pertencentes à Região Metropolitana

de Curitiba. Contudo, devido à escassez de rodeios crioulos realizados em cidades

próximas à Curitiba, para que pudéssemos desenvolver a investigação, optamos por

fazer o trabalho de campo em um local específico, fixo e acessível, sem que

houvesse grandes custos financeiros ou dificuldades de mobilidade. O CTG 20 de

Setembro de Curitiba mostrou-se atraente e tangível para que começássemos

nossas observações e entrevistas com seus e suas participantes por dois motivos

significativos. Por se localizar em Curitiba, no km 107 da BR 116, no bairro

Pinheirinho, e por ser a instituição mais antiga da cidade, fundada em 1962, voltada

ao culto das tradições gaúchas na cidade, o que representa motivo de orgulho para

muitos frequentadores da entidade. Então, em janeiro de 2014, eu e mais uma

pessoa integrante do grupo de pesquisa iniciamos o trabalho de campo na entidade

tradicionalista.

Primeiramente, fizemos contato via telefone para verificarmos a

disponibilidade do CTG e em que datas poderíamos realizar o trabalho de campo no

local. Conversamos com a secretária e com o presidente do lugar, denominado

“patrão”. O universo de pesquisa é, portanto, o CTG, além de uma oportunidade de

visita a um rodeio artístico com os participantes do próprio CTG, que fornecem os

dados empíricos que trazemos para o presente trabalho.

A pesquisa etnográfica apresenta-se como escolha metodológica para o

desenvolvimento do trabalho, o qual tem a pesquisadora como uma “observadora-

participante” da realidade analisada, bem como a utilização de técnicas de pesquisa

como entrevistas abertas, realizadas a partir da elaboração de um roteiro norteador

da conversa dialogada. Considerando trabalhos anteriores sobre a temática do

Tradicionalismo Gaúcho como de Oliven (1983/84; 1990; 1992; 1993; 2006),

Sopelsa (2003;2005), Becker (2011) e outros tantos utilizados como referência e

inspiração, o presente trabalho procura analisar as relações sociais estabelecidas no

Centro de Tradições Gaúchas, 20 de Setembro, ligado ao Movimento Tradicionalista

Gaúcho, com suas contundentes repercussões no estado do Paraná.

O objetivo desta pesquisa é compreender, especificamente, a relação entre

lazer, sociabilidade e trabalho para homens e mulheres participantes do referido

CTG, bem como identificar particularmente as diferenças de gênero presentes neste

13

universo, em relação ao acesso ao tempo-espaço que permite a existência de

“tempo livre”; a relação deste último com o “tempo para trabalho” remunerado, ou em

outras palavras, como se configura a relação trabalho/lazer/vida familiar para os/as

participantes deste meio social.

Conforme a literatura sociológica acerca da temática do lazer, podemos

afirmar que pesquisar a relação entre trabalho e lazer é de grande relevância, pois

de acordo com a literatura, o espaço de lazer vem sendo reconhecido como

importante na construção e produção de subjetividades e identidades. “O lazer é tido

como bem cobiçado, e sua provável distribuição desigual entre os gêneros pode

designar uma desigualdade fundamental em termos de acesso a recursos

socialmente valorizados, como espaços de construção da subjetividade, assim como

espaços e tempos destinados à sociabilidade”. (MCGINNIS, MCQUILLAN, CHUN,

2003; WHITE, 2004; ROBERTS, 2010; ADELMAN, 2013). Além disso, na

contemporaneidade as fronteiras entre as práticas de lazer e trabalho já não estão

delimitadas de maneira rígida e não são tão fixas. (BRASILEIRO, 2013). Assim,

pensar as relações de gênero, entre homens e mulheres, quanto as suas atividades

de lazer, considerando suas atuações profissionais e familiares, constitui uma

perspectiva adotada na pesquisa, ao analisarmos o CTG 20 de Setembro, sendo

que a investigação pode contribuir para a compreensão dessas relações sociais nele

presentes, dialogando com o campo teórico.

Na primeira parte, apresentarei a constituição histórica do Movimento

Tradicionalista Gaúcho e seu desenvolvimento como um movimento cultural

organizado, o qual cultua tradições, costumes e cria identidades sociais específicas.

Explicarei o processo de “invenção das tradições”, conceito formulado por

Hobsbawm e Ranger, ao analisar a indumentária gaúcha e outros elementos da

cultura gaúcha, além de salientar o discurso de gênero produzido pelo movimento a

partir das representações da prenda e do peão. Para isso, utilizarei trabalhos que

abordam tal temática como os realizados por Oliven (1983/84; 1990; 1992; 1993;

2006), Marcon (2009), Dutra (2002), Neto (2009) e Becker (2011).

Em seguida, no segundo capítulo, discutirei a “desterritorialização” do

Tradicionalismo, nos termos de Oliven (2006), sobretudo a sua repercussão no

estado do Paraná, a fim de contextualizar o trabalho de campo realizado no CTG 20

de Setembro, situado em Curitiba-PR. Apresentarei minhas observações sobre os

lugares, meu olhar a respeito das relações e organização, e dados empíricos,

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obtidos com os sujeitos participantes desse espaço. Primeiramente, analisarei os

ensaios dos grupos de danças tradicionais os quais acompanhei durante quase três

meses. Depois, abordarei minha experiência no Rodeio Gaúcho ocorrido em Rio

Negrinho-SC.

Por fim, apresentarei meus interlocutores e interlocutoras da pesquisa, os

quais entrevistei e estabeleci contato no CTG 20 de Setembro. Articularei suas

narrativas e discursos com a discussão teórica delimitada acerca da sociologia do

lazer, trabalho, sociabilidade, gênero e identidades.

15

2. TRADICIONALISMO GAÚCHO E OS OBJETIVOS DA PESQUISA

2.1 A FORMAÇÃO DO MOVIMENTO TRADICIONALISTA GAÚCHO (MTG) E A

CONSTRUÇÃO SOCIAL DA IDENTIDADE GAÚCHA

Para analisarmos e compreendermos como se configura o Tradicionalismo

Gaúcho na contemporaneidade, seus discursos, ideários, práticas e representações,

mostra-se elementar contextualizarmos a sua trajetória, sua formação histórica, suas

influências e desenvolvimento, a fim de entendê-lo como um movimento cultural

organizado, o qual evoca tradições e identidades regionais e que se difundiu

enormemente, como veremos no decorrer do trabalho.

Ao falarmos a respeito do ‘gaúcho’, figura do Tradicionalismo, não falamos

apenas da pessoa nascida no estado do Rio Grande do Sul, remetemos porém, às

narrativas e representações acerca de um personagem emblemático, presente nos

pampas argentinos e uruguaios, e também em parte do campesinato paraguaio e

chileno. (FREITAS & SILVEIRA, 2004; MARCON, 2009). Portanto, apesar de

focarmos nossa análise sobre esse movimento cultural no Brasil, precisamos

considerar que este se trata de um processo relacionando a outros países latino-

americanos, como Argentina, Uruguai, Paraguai e Chile.

O tradicionalismo, originariamente, é comum às regiões onde hoje se

localizam a Argentina, o Uruguai e o estado do Rio Grande do Sul. Nesses

territórios, historicamente faz-se referência à presença do gaúcho, homem

identificado com a vida rural, cuja principal atividade econômica consistia no

apresamento de gado xucro para a comercialização do couro. (BRUM, 2005).

De acordo com Neto (2009), o tradicionalismo é uma das mais contundentes

manifestações contemporâneas da cultura gaúcha. Foi cunhado e lapidado ao longo

dos anos e hoje se apresenta através das práticas e discursos referentes ao homem

do campo e a todo seu universo simbólico. Oliven (2006, p.97) compartilha dessa

ideia ao afirmar que o modelo construído, quando nos referimos às tradições

gaúchas, está sempre fundado no campo, especificamente na região da Campanha

(localizada no sudoeste do Rio Grande do Sul, fronteira com Argentina e Uruguai) e

na figura do gaúcho, “homem livre e errante, que vagueia soberano em seu cavalo,

16

tendo como interlocutor privilegiado a natureza das vastas planícies da área

pastoril”.

A constituição e origem do culto às tradições gaúchas tem estreita ligação

com mudanças históricas e econômicas que alteraram a representação da figura do

gaúcho:

Há vários momentos no culto dessas tradições. Ele começa em meados do século XIX quando a figura marginal do gaúcho, assim como se imagina que este teria sido no passado, não existia mais, dadas as transformações pelas quais passou e que significaram sua gradativa incorporação como peão de estância. Por volta de 1870, o estado experimentou modificações econômicas, caracterizadas pelo cercamento dos campos, o surgimento de novas raças de gado e a disseminação de uma rede de transporte. Essas mudanças significaram uma grande modernização da área da Campanha, acarretando a simplificação das atividades da pecuária e a eliminação de certas atividades servis como as dos posteiros e dos agregados, que acabaram em grande parte sendo expulsos do campo. (OLIVEN, 2006, p.98).

Considerando a historiografia, a formação do estado do Rio Grande do Sul

remonta-se ao ano de 1870, quando mudanças expressivas foram observadas na

pecuária, com o cercamento dos campos, o surgimento de novas raças de gado e a

disseminação da rede de transportes. Essas mudanças afetaram fortemente a área

da Campanha3, devido à eliminação de determinadas atividades servis de posteiros

e agregados, os quais foram expulsos do campo. (FREITAS; SILVEIRA, 2004). No

contexto do final da Primeira Guerra Mundial surgiram frigoríficos estrangeiros,

resultando na decadência da charqueada. Ocorre, a partir de então, o processo de

constituição do chamado “mito do gaúcho”, nos termos de Gonzaga (1996), apud

Freitas e Silveira (2004).

Houve também uma mudança considerável quanto à representação social

do gaúcho, a qual sofreu transformações e reelaborações culturais ao longo do

tempo. Primeiramente, até meados do século XIX, o termo possuía um sentido

pejorativo, referente a um tipo social desviante. A partir de então, com a organização

da estância, passou a designar o peão e o guerreiro. O termo foi ressemantizado, ou

seja, foi apropriado, reelaborado e resignificado, de marginal e desviante o gaúcho

passou a ter conotação positiva e ser símbolo da identidade cultural do estado do

Rio Grande do Sul. (OLIVEN, 1993, p.24,25).

3 Região sudoeste do Rio Grande do Sul, a qual faz fronteira com a Argentina e Uruguai.

17

Segundo Freitas e Silveira (2004), a figura emblemática e mítica do gaúcho

obteve a sua constituição e sua invenção forjada devido às condições históricas que

possibilitaram o seu surgimento, sendo apropriada por discursos literários e políticos

sendo, contemporaneamente símbolo das pessoas nascidas no Rio Grande do Sul.

Tal figura ainda está relacionada à concepção de “nação gaúcha”, que durante a

Revolução Farroupilha (1835-1845) alcançou visibilidade e se permeia até hoje.

Na perspectiva de culto a figura tradicional do gaúcho, um grupo de

intelectuais e literatos formaram a Sociedade Partenon Literário, durante a Guerra

do Paraguai, a fim de louvar uma identidade regional gaúcha. Essa entidade surgiu

em 18 de junho de 1868, em Porto Alegre, e sua criação significou o surgimento das

representações e discursos acerca da temática regional gaúcha por meio da

exaltação, a fim de constituir uma identidade regional. Conforme Oliven (2006), o

surgimento de uma entidade realmente tradicionalista se verificou somente em 1898,

com o Grêmio Gaúcho de Porto Alegre. Tal entidade era voltada às tradições

gaúchas por meio de realização de festas, desfiles de cavalarianos, palestras, etc.

Seu fundador foi João Cezimbra Jacques, militar positivista precursor do MTG, um

dos criadores do Partido Republicano Rio-Grandense. Essas duas organizações

possuíam como preocupação comum a questão da tradição e da modernidade, as

relações entre passado e presente, velho e novo.

O Partenon ao mesmo tempo que tem como modelo literário a Europa culta e aquilo que se imaginava que ela oferecia de mais avançado, evoca a figura tradicional do gaúcho e louva seus valores que estavam sendo abalados. O Grêmio Gaúcho, nas palavras de seu fundador, procura manter as tradições sem excluir os costumes do presente. Nas duas associações encontramos como pano de fundo um Estado que começa a transformar-se e no qual a tensão entre o passado e o presente começa a se fazer sentir. (OLIVEN, 1993, p.26).

Um dos marcos históricos, para pensarmos o nascimento do movimento

tradicionalista que se conhece hoje, se remete a 5 de setembro de 1947, data na

qual Barbosa Lessa e um grupo de oito cavaleiros4, pilchados5, em uma praça em

Porto Alegre, esperavam o jipe que transportava os restos mortais do general Davi

4 São eles: Antônio João Sá de Siqueira, Cilço Araújo Campos, Ciro Dias da Costa, Cyro Dutra

Ferreira, Fernando Machado Vieira, João Carlos D’Ávila Paixão Cortes, João Machado Vieira e Orlando Jorge Degrazia. Todos eles estudantes secundaristas do Colégio Estadual Júlio de Castilhos, de Porto Alegre. (site do MTG). 5 Vestidos com indumentárias gaúchas.

18

Canabarro6. Tal acontecimento se referia ao contexto dos festejos da Semana da

Pátria daquele ano e a ideia era realizar uma “guarda de honra”, um

acompanhamento aos restos do corpo do “herói farroupilha”. O grupo em questão

organizou e fundou um Departamento de Tradições Gaúchas do Grêmio Estudantil,

do Colégio Estadual Júlio de Castilhos. Realizaram a primeira “Ronda Gaúcha” (hoje

Semana Farroupilha), ocorrida do dia 7 de setembro (Independência do Brasil) a 20

de setembro (dia do início da Revolução Farroupilha). (NETO, 2009).

Dutra (2002) afirma que, no contexto de 1947, o Rio Grande do Sul

enfrentava o impacto do avanço político e econômico dos Estados Unidos sobre o

Brasil, no qual 70% da população dependia de atividades rurais, a pecuária

recuperava-se dos efeitos econômicos que atingiam o setor durante a II Guerra

Mundial (1939-1945) e a agricultura modificava-se pelo uso da tecnologia. As

transformações ocorridas nesse período, de modo sucinto, podem ser descritas pela

penetração de multinacionais no país e pelas fortes manifestações do êxodo rural da

população do campo para a cidade, a fim de servir de mão de obra ao setor

industrial.

Em 1948, na cidade de Porto Alegre, o 35 CTG, primeiro Centro de

Tradições Gaúchas, é criado pelo mesmo grupo fundador do Departamento de

Tradições Gaúchas do Colégio Júlio de Castilhos, formado por estudantes

secundaristas, exclusivamente rapazes, sendo quase todos oriundos do interior do

Rio Grande do Sul. Segundo Oliven (2006) o grupo se reunia nas tardes de sábado,

em um galpão improvisado na casa de um dos rapazes, para tomar chimarrão e

imitar hábitos do interior e conversas que os peões costumam ter no galpão das

estâncias. O nome do CTG faz referência à deflagração da Revolução Farroupilha,

ocorrida entre 1835 e 1845, além de fazer alusão ao grupo de trinta e cinco jovens

rapazes que juntos compuseram o grupo fundador do primeiro centro de tradições

gaúchas da história. (NETO, 2009).

Após a criação do primeiro CTG, procedeu-se à “criação” de inúmeras

tradições, a fim de recuperar os hábitos e costumes existentes na região da

6 Foi um militar brasileiro que aderiu à Revolução Farroupilha (1835-1945) e serviu a República Rio-

Grandense, chegando ao posto de general e comandante-em-chefe do exército no final do movimento. Recusou o auxílio argentino para combater o Exército imperial brasileiro, por considerar-se "brasileiro, antes de republicano". Participou da assinatura do tratado de paz assinado com o Império brasileiro em 1845. Disponível em http://educacao.uol.com.br/biografias/davi-jose-martins-canabarro.jhtm Acesso em 24 Maio 2014.

19

Campanha e estâncias, as quais seriam consideradas tradições gaúchas

“autênticas”.

Embora não quisessem constituir uma entidade que refletisse sobre a tradição, mas que procurasse revivê-la era necessário recriar o que os jovens imaginavam ser os costumes do campo. Assim, a estrutura interna do 35 CTG não utilizou a nomenclatura que normalmente existe em associações, mas adotou os nomes usados na administração de um estabelecimento pastoril, já que os jovens queriam evocar o ambiente da estância. No lugar de presidente, vice-presidente, secretário, tesoureiro, diretor, empregaram-se os títulos de patrão, capataz, sota-capataz, agregados, posteiros. No lugar de Conselhos Deliberativos ou Consultivos, foi colocado o Conselho de vaqueanos, e em vez de departamentos foram criadas invernadas. De forma semelhante, todas as atividades culturais, cívicas ou campeiras receberam nomes que tivessem origem nos usos e costumes das estâncias gaúchas, tais como rondas, rodeios, tropeadas. (OLIVEN, 2006, p. 110, 111).

Esse período histórico foi marcado politicamente pelo fim do regime ditatorial

de Getúlio Vargas, o qual encarnou uma política centralizadora, proibiu partidos

políticos e símbolos regionais, queimando bandeiras e abolindo hinos estaduais.

Esse episódio de certa maneira marcou a alma gaúcha e o sentimento regional tão

significativo do Rio Grande do Sul. (DUTRA, 2002, p.23).

Outro fato histórico relevante para se pensar a constituição do Gauchismo

remete ao ano de 1954. Conforme Oliven (1983), é necessário perceber que depois

de 1948 muitos Centros de Tradições Gaúchas se proliferaram. Neste contexto foi

realizado, em meados de 1950, o 1º Congresso Tradicionalista, reunindo CTGs na

cidade de Santa Maria, no Rio Grande do Sul. Nessa ocasião foi apresentada, por

Luiz Barbosa Lessa, estudante fundador do 35 CTG, a tese-matriz do Movimento

Tradicionalista Gaúcho: “O sentido e o valor do Tradicionalismo”. A partir de então,

os CTGs passaram a se reunir anualmente. Durante o VIII Congresso, ocorrido em

Taquara, em 1961, aprovou-se a “Carta de Princípios do Movimento Tradicionalista”

de autoria de Glaucus Saraiva, escrito que orienta e disciplina todas as entidades

tradicionalistas. Tal documento fixa os objetivos do Movimento Tradicionalista

Gaúcho, como:

Cultuar e difundir nossa História, nossa formação social, nosso folclore, nossa tradição, como substância basilar da nacionalidade. Facilitar e cooperar com a evolução e o progresso, buscando a harmonia social e criando a consciência do valor coletivo, combatendo o enfraquecimento da cultura comum e a desagregação que daí resulta. Fazer de cada CTG um núcleo transmissor da herança social e, através da prática e divulgação dos hábitos locais, noção de valores, princípios morais, reações emocionais,

20

etc.; criar em nossos grupos sociais uma unidade psicológica, com maneira de agir e pensar coletivamente, valorizando e ajustando o homem ao meio, para a reação em conjunto frente aos problemas. Prestigiar e estimular quaisquer iniciativas que, sincera e honestamente, queiram perseguir objetivos correlatos com os do tradicionalismo. Influir na literatura, artes clássicas e populares e outras formas de expressão espiritual de nossa gente, no sentido de que se voltem para os temas nativistas. Zelar pela pureza e fidelidade dos nossos costumes autênticos, combatendo todas as manifestações individuais ou coletivas, que artificializem ou descaracterizem nossas coisas tradicionais. Procurar penetrar e atuar nas instituições públicas e privadas, principalmente nos colégios e no seio do povo buscando conquistar para o Movimento Tradicionalista Gaúcho a boa vontade e a participação dos representantes de todas as classes e profissões dignas. Revalidar e reafirmar os valores fundamentais da nossa formação, apontando às novas gerações rumos definidos de cultura, civismo e nacionalidade. Buscar, finalmente, a conquista de um estágio de força social que lhe dê ressonância nos Poderes Públicos e nas Classes Rio-Grandenses para atuar poderosa e eficientemente, no levantamento dos padrões de moral e de vida do nosso Estado, rumando, fortalecido, para o campo e para o homem rural, suas raízes primordiais, cumprindo, assim, sua alta distinção histórica em nossa Pátria. (Apud Neto, 2009, p. 85,86.

Excertos da Carta de Princípios do Tradicionalismo, site7 MTG).

Na 12ª edição desse encontro, realizada em Tramandaí, em 1966, foi

fundado o Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG), que agrupa a maior parte das

entidades tradicionalistas do estado do Rio Grande do Sul. Essa data se refere à

formação do gauchismo enquanto um movimento cultural organizado, com cartas e

princípios delimitados que norteariam o discurso e as práticas dos tradicionalistas.

(OLIVEN, 2006).

O Tradicionalismo como um movimento cultural que procura “recuperar”

valores rurais de um “suposto” passado e, ao mesmo tempo, reviver tal passado

campeiro no contexto urbano, pode, portanto, ser entendido ao acionarmos o

conceito de “rurbano”. Segundo Maria da Silva (2001, p.85-103), o conceito de

rurbanidade foi uma noção utilizada no 19º Congresso Europeu de Sociologia Rural,

em Dijon (França), de 3 a 7 de setembro de 2001 para designar a invasão do rural

pelo urbano ou a urbanização do meio rural. O Congresso contribuiu para um

questionamento da clássica distinção entre cidade e campo, a modernidade e a

tradição, que entende as dinâmicas rurais sociais como formada somente pelo

urbano. O conceito “rurbano” remete-se à complexidade da organização

contemporânea entre espaços rurais e urbanos, nos quais observamos uma

integração, com impossibilidade de demarcar fronteiras tão precisas. Tal concepção

apresenta-se como uma forma de nos referirmos a possíveis diálogos e

7 Disponível em: www.mtg.org.br Acesso em Maio 2014.

21

reformulações entre ideários e práticas antes tidas como pertencentes somente à

dimensão urbana ou rural. Não considerando campo e cidade como extremos e

opostos, mas enquanto esferas dialógicas, a ideia de “rurbano” rompe com

dualismos e possibilita pensarmos em canais de comunicação entre dimensões

anteriormente consideradas separadas.

De acordo com Oliven (2006), a tese do tradicionalismo enfatiza a cultura

transmitida pela tradição, para que a sociedade funcione como uma unidade, de

modo a evitar as desintegrações culturais e sociais. Conforme o tradicionalista

Barbosa Lessa:

[...]para que o grupo social funcione como unidade, é necessário que os indivíduos que o compõem possuam modos de agir e de pensar coletivamente. Isto é conseguido através da "herança social" ou da "cultura". Graças à cultura comum, os membros de uma sociedade possuem a unidade psicológica que lhes permite viverem em conjunto, com um mínimo de confusão. A cultura, assim, tem por finalidade adaptar o indivíduo não só ao seu ambiente natural, mas também ao seu lugar na sociedade. Toda a cultura inclui uma série de técnicas que ensinam ao indivíduo, desde a infância, a maneira como comportar-se na vida grupal. E graças à Tradição, essa cultura se transmite de uma geração a outra, capacitando sempre os novos indivíduos a uma pronta integração na vida em sociedade. (LESSA, Barbosa. O valor e o sentido do tradicionalismo, disponível site do MTG).

Barbosa Lessa enfatiza a ideia de ‘cultura’ e de ‘tradição’, as quais teriam

relações muito tênues e possuiriam, no seu ponto de vista, o papel de garantir a

manutenção da sociedade. Para atestar e justificar suas considerações

cientificamente, ele elenca ideias das ciências sociais, mais especificamente de

antropólogos e sociólogos norte-americanos, para legitimar sua análise. Começa

salientando a relevância da cultura transmitida pela tradição, para que a sociedade

funcione como uma unidade. O problema era que isso não estava ocorrendo de

modo satisfatório, devido à forte desintegração da sociedade ocidental,

principalmente nas áreas urbanas que apresentavam altas taxas de criminalidade e

problemas sociais. Essa desintegração social estaria atrelada a dois fatores,

segundo Lessa: o enfraquecimento das culturas locais e o desaparecimento

gradativo dos grupos locais, sendo estes locais transmissores de cultura. (OLIVEN,

2006).

Para Oliven (2006), os movimentos regionalistas, como é o caso do

Gauchismo, surgem a partir de configurações sobre o passado e o presente, acerca

22

da tradição e modernidade, velho e o novo. O Movimento Tradicionalista surge em

um contexto no qual o estado do Rio Grande do Sul estava se modernizando,

sobretudo a sua capital, Porto Alegre, a qual aumentou sua população

consideravelmente na década de 1950, e a qual foi influenciada pela indústria

cultural norte-americana, que adentrava os centros urbanos através do cinema de

Hollywood e indústria fonográfica, fato contundentemente desaprovado e criticado

pelos tradicionalistas. Os jovens que, em sua maioria, provinham de áreas

interioranas, para se sentirem seguros perante a essa conjuntura de mudanças e

transformações, resolveram se apegar ao que julgavam como seguro e claro, ou

seja, o passado e o campo, e passaram a cultuá-los.

Assim, podemos afirmar que a ideia de tradição é reivindicada em contextos

de mudanças e transformações modernizadoras, ao se “reinventar” um passado e

passar a cultuá-lo, a partir da experiência do gauchismo. (BECKER, 2011). Além de

vincular a figura mítica do gaúcho e um passado pastoril à cultura gaúcha, a

construção da identidade gaúcha sugere debates, devido ao processo de

modernização e urbanização em que o estado do Rio Grande do Sul se encontrava.

Segundo Oliven (2006) a:

evocação da tradição – entendida como um conjunto de orientações valorativas consagradas pelo passado – se manifesta freqüentemente em épocas de processos de mudança social, tais como a transição de um tipo para outro de sociedade, crises, perda de poder econômico e/ou político, etc. Nesse momento, além de se estudar o folclore, as tradições são inclusive inventadas, como assinala Hobsbawm. (OLIVEN, 2006, p. 28).

Conforme Hobsbawm e Ranger (1984), as tradições inventadas se referem a

um conjunto de práticas, rituais ou simbólicas, reguladas por regras aceitas, que

visam inculcar certos valores e normas de comportamento através da repetição, o

que implica em certa continuidade, com um passado histórico apropriado. O

passado histórico no qual a nova tradição é inserida não precisa ser remoto, pode

ser recente. Na medida em que há referência a um passado histórico, as tradições

“inventadas” caracterizam-se por estabelecer com ele uma continuidade artificial.

São consideradas reações a situações novas que ou assumem a forma de

referência a situações anteriores, ou estabelecem seu próprio passado através da

repetição obrigatória. As tradições, inclusive as inventadas, possuem como

característica a invariabilidade. O passado real ou forjado a que elas se remetem

23

impõe práticas fixas, como a repetição. Assim, a “invenção das tradições” é um

processo de formalização e ritualização, caracterizado por referir-se ao passado,

mesmo que apenas pela imposição da repetição.

Deste modo, as “tradições inventadas ou recriadas” estão fortemente ligadas

ao culto do “sempre foi assim” e do “desde sempre”, que ao reinventar um passado

repetindo-o no presente, almeja alcançar credibilidade e legitimidade. (NETO, 2009,

p.76). No entanto, quando entramos no mérito de discutir o que é real e o que é

inventado, nesta evocação, também corremos o risco de inventar o real e naturalizar

o inventado. (MARCON, 2009, p. 56). E, muito além de definir a cultura gaúcha,

como “real ou inventada”, devemos compreender como os sujeitos manipulam e

lidam com seu universo simbólico e orientam, bem como significam, as suas ações e

práticas.

Entretanto, no início da constituição e formação do movimento

tradicionalista, a grande preocupação dos tradicionalistas foi a de estabelecer o que

era a tradição gaúcha. Assim, os intelectuais tradicionalistas iniciaram um estudo

acerca das lendas, canções, danças, poesias e indumentárias gaúchas. No entanto,

concluíram que o material existente acerca do folclore gaúcho era muito ínfimo. Tal

argumento foi utilizado como justificativa para a necessidade de inventar8 as

tradições do Rio Grande do Sul, o que seria mais cômodo do que realmente

pesquisá-las. (OLIVEN, 1992).

Sopelsa (2005) argumenta a respeito da preocupação dos tradicionalistas

pioneiros em definir como seria o “autêntico” homem rio-grandense:

De fato, ao questionarem-se sobre como seria o “autêntico” homem rio-grandense, os rapazes do “35” foram ao encontro aos trabalhos da historiografia regional, nos quais encontraram a figura mitológica do gaúcho, sobretudo nos relatos acerca da Revolução Farroupilha. Como foi visto, o “decênio heróico” - como ficou conhecida a revolta dos farrapos no âmbito interno – foi descrito pelos historiadores da República rio-grandense como sendo o evento em que comprovou-se a heroicidade do gaúcho. Ou seja, a idéia de heroísmo, altivez e honradez, associadas principalmente a Bento Gonçalves, foi estendida a todos os homens do estado, sem distinção entre proprietários rurais e peões. Todos eram participantes desse grande feito, todos eram gaúchos, embora dentro da visão positivista da história fossem ressaltados somente os nomes que pertenciam ao primeiro grupo. (SOPELSA, 2005, p.33).

8 Ver conceito de “invenção das tradições” de Eric Hobsbawm e Terence Ranger.

24

De acordo com Oliven (2006), a construção social da identidade gaúcha é

realizada a partir de um passado, o qual não é passível de grandes modificações e

que, além disso, é “inventado” e “reinventado”. Trata-se de uma construção de

identidade que exclui mais do que inclui, pois deixa de lado grande parte do território

sul-riograndense e de seus grupos sociais, como os descendentes dos colonos

alemães e italianos e, principalmente, os negros e índios, os quais são palidamente

representados nesse processo de constituição da identidade regional. No entanto,

uma contundente invisibilidade social e simbólica é notada, principalmente acerca da

figura do negro, no Rio Grande do Sul.

Conforme Dantas, apud Oliven (2006), ao examinarmos o regionalismo

nordestino, cita Dantas que observou uma exaltação da cultura negra na criação de

uma cultura nacional. Na Bahia, o negro é representado como um dos constituidores

da identidade cultural, diferente do Rio Grande do Sul, no qual sua imagem é

relegada a um segundo plano e sua existência negada, ao se pensar que no estado

e em Porto Alegre a atividade umbandista e de batuque é expressiva. A figura do

índio, no entanto é reivindicada para os gaúchos. É motivo de orgulho dizer que em

veias gaúchas corre sangue de índio. Tal figura está associada à representação de

bravura e altivez com o fato de charruas e minuanos, grupos que não existem mais e

que habitavam a região da Campanha no sudoeste do Rio Grande do Sul quando os

ibéricos lá chegaram, terem sido guerreiros e, a partir da introdução do cavalo e

hábeis cavaleiros, permitiu-se associá-los à figura valente e altaneira do gaúcho, em

permanente contato e luta com a natureza. (OLIVEN, 2006, p. 159).

A identidade gaúcha é reposta enquanto expressão de uma distinção

cultural, ativada acionando itens como o passado rural do estado e a figura do

gaúcho, que permitem o estatuto de elementos distintivos. E no Rio Grande do Sul,

para os gaúchos, só se chega ao nacional através do regional, isto é, só é possível

ser brasileiro sendo gaúcho antes, de tão forte e expressiva a construção da

identidade regional. A identidade gaúcha insere-se num processo de construção

social, que evoca as singularidades do Rio Grande do Sul, ao mesmo tempo em que

afirmam o pertencimento ao território nacional brasileiro, contradição que mostra o

dilema das relações entre região e nação. O regionalismo é constantemente

reivindicado em configurações históricas, econômicas e políticas novas, devido a

sua relação com a Nação brasileira, marcada de um lado pela autonomia e de outro

pela integração. (OLIVEN, 2006). Segundo Marcon (2009), a peculiaridade da

25

relação entre RS e Brasil é o que parece ter firmado o que hoje compreendemos

como cultura gaúcha. Esta evoca identidades, mitos e facetas, escamoteando outras

tantas possíveis. É na própria relação que encontramos uma infinidade de gaúchos

que, para além de sua concretude e pureza, despertam agremiações, CTGs,

festivais de música e tantos outros eventos e festividades os quais celebram tal

identidade gaúcha.

2.2 SÍMBOLOS E FIGURAS DA CULTURA GAÚCHA, SEGUNDO O MTG-RS E

SEUS CRÍTICOS

Nesta seção, enfatizaremos mais minuciosamente a construção da cultura

gaúcha, sua identidade regional, o culto a seus símbolos e figuras como do ‘peão’ e

da ‘prenda’, a partir dos próprios tradicionalistas os quais fundaram o

Tradicionalismo enquanto movimento cultural organizado, assim como algumas

críticas efetuadas por questionadores do Gauchismo. Utilizaremos

fundamentalmente fontes virtuais como sites, blogs e a literatura acerca do tema.

A cultura regional gaúcha é marcada por inúmeros símbolos e figuras.

Porém, o homem gaúcho, denominado ‘peão’ dentro de tal cultura, ocupa uma

posição central, senão privilegiada. A figura do gaúcho passou por um processo de

ressignificação, pois primeiramente possuía uma conotação negativa, concebida

como um tipo social desviante e marginal. No entanto, posteriormente o termo

adquiriu um significado positivo e designado como “guerreiro” e “peão de estância9”.

Hoje é considerada como importante elemento simbólico da identidade gaúcha e da

cultura tradicionalista. (OLIVEN, 2006).

Dutra (2002) vai de encontro com esse pensamento ao afirmar que a figura

do gaúcho sofreu transformações em diferentes momentos históricos até chegar ao

que é hoje. O termo é originalmente aplicado para se referir a mestiços, índios,

espanhóis e portugueses os quais se dedicavam a atividades relacionadas ao gado

nos pampas argentinos, uruguaios e rio-grandenses, durante o período colonial. Nos

séculos XVII e XVIII, esse tipo social era composto por desertores e aventureiros,

que realizavam atividades predatórias de extração de couro no extremo sul do

Brasil, denominados tanto como guasca, gaudério e gaúcho como sinônimo de

9 Estância refere-se ao estabelecimento rural, destinado, sobretudo, a criação de gados,

apresentando grandes proporções de terras.

26

“homens fora da lei”. Logo após, o gaúcho foi adaptado como peão de estância, pela

luta em manutenção de fronteiras portuguesas na região do Prata e com o

estabelecimento de fazendas de gado. Somente no fim do século XIX, a figura do

gaúcho passa a se referir ao homem relacionado às lides campeiras e trabalho

pastoril nas estâncias, aos poucos adquirindo o significado positivo do guerreiro,

forte e virtuoso.

FIGURA 1 - O HOMEM GAÚCHO (PEÃO)

FONTE: Blog “Culturas do Sul” (19/05/2014).

Para Dutra (2002), a formulação do Movimento Tradicionalista não previa a

participação das mulheres, pois as reuniões que sucederam as comemorações de

20 de setembro de 1947 foram exclusivamente masculinas, ocorrendo em 1948 a

criação do 35 CTG, um galpão10 simbólico de homens. A construção social da figura

da prenda11 se desenvolve no momento em que o gaúcho é reelaborado pelo

Movimento, encarnando o herói e o guerreiro livre e viril, e se dedica a pensar como

deveria ser a mulher deste gaúcho, imprimindo a ela também determinados

significados. Na década de 40, os tradicionalistas precisaram “inventar” uma

identidade feminina gaúcha e a construíram. Assim, baseado em determinados

discursos acerca da mulher e visões essencializadas, criou-se a figura da prenda

como uma mulher “recatada, pura, ingênua e graciosa”, além de “bela, delicada e

simpática”.

10

“Galpão simbólico” seria uma boa definição para o CTG, já que tal entidade visa recriar o ambiente do galpão, da estância, ou seja, do mundo pastoril no contexto urbano. 11

Prenda significa a mulher gaúcha para os tradicionalistas.

27

FIGURA 2 - A MULHER GAÚCHA (PRENDA)

FONTE: Site “Só tendências” (19/05/2014)

A respeito da indumentária típica gaúcha, chamadas ‘pilchas’, elas são

detalhadamente reguladas pelo MTG – Movimento Tradicionalista Gaúcho, por meio

do documento “Diretrizes12 para a Pilcha Gaúcha”. Ao consultar o sítio virtual do

movimento, pudemos acessar tal documento e verificar que há exigências impostas

quanto ao traje, tanto aos peões quanto às prendas, e alterações de acordo com a

categoria dos mesmos.

12

Para mais informações, acessar o sítio: http://www.mtg.org.br/docs/DOCUMENTOS/2_0_DIRETRIZ_PILCHA.pdf Acesso dia 19 de maio de 2014.

28

FIGURA 3 - CASAL TRADICIONALISTA

FONTE: “Blog do churrasco” (19/05/2014).

Conforme a figura 4, as vestimentas do peão são compostas pela

bombacha, camisa, botas, colete, cinto (guaiaca), chapéu, paletó (“em ocasiões

formais”), lenço, faixa, pala, esporas e faca. E a vestimenta da prenda é o vestido,

saia, saia de armação, blusa ou bata, casaquinho, bombachinha, meia calça,

sapatilha ou botinha (salto de até no máximo 5 centímetros), meia, fichú13, enfeite do

cabelo e cabelos e maquiagens discretos e simples. As ‘prendinhas’14, prendas da

categoria mirim, não podem fazer uso de maquiagens. A produção das prendas

devem preservar o recato e a simplicidade, sem exageros, cores dos vestidos devem

ser “harmoniosas, sóbrias ou neutras”, não é permitido decote às mulheres e muitas

restrições quanto ao tipo de material de chapéus, botas e vestidos, sendo estes

últimos permitidos apenas os de microfibra, crepes e Oxford, os tecidos “brilhosos,

fosforescentes, transparentes, slinck, lurex, rendão e similares” não são aceitos.

13

Espécie de xale, que tem como finalidade cobrir pescoço e ombros das mulheres. 14

São designadas as meninas gaúchas, da categoria mirim dentro do CTG, que apresentam de 7 a 12 anos.

29

FIGURA 4 - A INDUMENTÁRIA TRADICIONALISTA

FONTE: Blog “Entre mates e guitarra” (19/05/2014).

O vestido da prenda é considerado peça chave que envolve a “invenção das

tradições”, já que tal vestimenta deveria enfeitar a mulher, valorizar seus

movimentos nas danças e traduzir a ideia da mulher romântica, “naturalmente”

delicada, dócil e dependente do homem forte e independente. (DUTRA, 2002). A

“tradição” também pode ser considerada “inventada”, no que tange a outros itens da

indumentária típica do gaúcho e da gaúcha, como é o caso específico da bombacha.

Para Glaucus Saraiva (1968), um dos fundadores do 35 CTG e autor do “Manual do

Tradicionalista” aborda a questão da indumentária gaúcha e argumenta que tal veste

é democrática, pelo fato de ser utilizada tanto por peões quanto por patrões e

estancieiros. Contrapondo a essa ideia, Franco apud Oliven (2006), afirma que as

pilchas gaúchas eram utilizadas como trajes de trabalho, geralmente pelos peões e

não pelos estancieiros, o que possibilitou que o movimento tradicionalista buscasse

a valorização das camadas inferiores da sociedade rural, não se utilizando das elites

como modelo à tradição. Tau Golin (1983), no entanto, salienta que a bombacha tem

30

sua origem no mercantilismo inglês, foi uma imposição inglesa aos gaúchos. Essa

discussão enfatiza a questão da autenticidade de um lado e, de outro, da imposição

britânica da bombacha. (OLIVEN, 2006).

A vestimenta das prendas, das mulheres gaúchas, também pode ser

compreendida na chave da “invenção”, conforme Oliven (1992) já que foi preciso

inventar ou criar a indumentária feminina também, após a inserção da primeira

mulher no 35, o CTG pioneiro. Para a sua criação e invenção, consultaram fotos

antigas de família, basearam-se no “traje de china” das tradicionalistas uruguaias e

até mesmo no “vestido caipira”, que curiosamente combatiam.

Com o desenvolver do Movimento Tradicionalista e o ingresso das primeiras

mulheres nos CTG’s foi necessária a criação do termo ‘prenda’ para a denominação

das sócias femininas e a partir de fotografias antigas, convencionou-se o vestido de

prenda, recatado, simples e com pudor. A função da indumentária feminina é servir

de moldura à graça e à beleza e não torná-las grotescas e ridículas. A figura que se

exalta para os tradicionalistas, é sempre a do homem em detrimento da mulher

(prenda), que ocupa um papel subalterno e secundário dentro do gauchismo.

(OLIVEN, 1992). Percebemos construções, invenções e posições ocupadas por

homens e mulheres nesse universo simbólico.

Dentre seus críticos mais ferrenhos, o professor universitário e historiador

Tau Golin ocupa um papel importante de questionamento referente ao Movimento

Tradicionalista. Em A Ideologia do Gauchismo, argumenta a respeito da ‘ideologia’

dos movimentos tradicionalistas e nativistas, ao criticar que o MTG – Movimento

Tradicionalista Gaúcho possui uma ideologia15 unificadora, na qual explorados e

exploradores defendem o mesmo ordenamento de mundo. (OLIVEN, 1992). Ou seja,

tanto os peões ou trabalhadores rurais, quanto os grandes estancieiros latifundiários

compartilham e convivem em um mesmo mundo, de modo harmônico e pacífico,

ocultando os conflitos e interesses divergentes em nome de um discurso ideológico

tradicionalista, com base cultural e identitária.

Segundo Oliven (1992), dentro do próprio Gauchismo, especialmente em

situações específicas como os festivais de música, verificam-se embates e disputas

em relação a quem tem a legitimidade em definir a cultura gaúcha e o que vem a sê-

la. Há basicamente dois grupos que encabeçam esse conflito: de um lado os

15

Para mais informações, ver o conceito de “Ideologia” para o pensador Karl Marx.

31

chamados nativistas e do outro os tradicionalistas. O primeiro grupo é composto por

artistas e jornalistas. São considerados não dogmáticos, não ligados a critérios pré-

estabelecidos e reconhecem a existência de outros estados brasileiros além do Rio

Grande do Sul. Além disso, não condenam a presença de instrumentos musicais

como a guitarra elétrica e sintetizadores em suas músicas, o que tradicionalistas

abominam. Para esse grupo também há flexibilidade quanto a vestimentas gaúchas.

Já o grupo dos tradicionalistas é composto pelos mais antigos atores do

gauchismo e para eles é crucial demarcar os “verdadeiros” valores gaúchos. Em

seus discursos predomina a ideia de “ameaça”, que pairaria sobre a integridade

gaúcha advinda da massificação e introdução de costumes considerados

“alienígenas” disseminados pelos meios de comunicação de massa. Há uma

preocupação constante com a demarcação de fronteiras ao definir o que é certo e o

que é errado, autêntico ou não. Dessa maneira, o grupo dos tradicionalistas, acaba

sendo um grupo de intelectuais que detém um conhecimento como mecanismo de

poder. Tem o monopólio sobre o direito de afirmar o que é e o que não é tradição e

cultura gaúcha e também exercer influência sobre um mercado de bens simbólicos.

A definição de “cultura gaúcha” constitui um campo conflituoso e polêmico, em

disputa. (OLIVEN, 1983, 1992).

Oliven (1992) salienta que as diferenças entre nativistas e tradicionalistas

residem no estilo. Enquanto os primeiros parecem mais “progressistas e

inovadores”, pretendendo fazer uma ponte entre passado e presente do Rio Grande

do Sul, os outros assumem uma posição mais “conservadora e pouco elaborada”.

No entanto, em comum possuem a preocupação com as origens gaúchas.

Deixando algumas polêmicas um pouco de lado, como disputas ideológicas

entre tradicionalistas e nativistas, é interessante compreendermos como são

representados e justificados, o Movimento Tradicionalista e suas ações para seus

fundadores, bem como seus símbolos de culto, objetos e cultura, em especial em

um instrumento de comunicação e informação como é o caso de sites.

Segundo o site16 do MTG, o Brasão de Armas do Tradicionalismo foi

constituído no XII Congresso Tradicionalista Gaúcho, em Tramandaí. O autor do

projeto foi Hermes Gonçalves Ferreira. Com o passar dos anos, o brasão foi

16

Para mais informações: http://www.mtg.org.br/ Acesso em 21 de maio de 2014.

32

alterado, passando a constar na elipse superior, a sigla MTG ao invés da palavra

"Tradicionalismo", como podemos perceber nas figuras abaixo.

FIGURA 5 - OS BRASÕES DE ARMAS DO MTG-RS.

FONTE: Site “MTG-RS” (21/05/2014)

A simbologia e o conceito de brasão conforme o sítio institucional do MTG,

no que tange as cores “representam as profissões liberais, sustentáculo sócio-

econômico de um povo ou organismo. No preto, a ciência; no branco, a cultura; no

azul, a engenharia; no amarelo, a química; no verde, a medicina; no vermelho, o

direito”. Quanto aos chamados “símbolos”, referem-se, segundo eles, à cultura

gaúcha. São eles, “o tronco”, o qual representa o passado; “o broto”, que representa

o presente; “as sete folhas”, que representam o tradicionalismo como organismo

social de natureza nativista, cívica, cultural, literária, artística e folclórica; “o mate

(chimarrão)”, que simboliza uma das virtudes que melhor caracteriza o homem do

Rio Grande do Sul: a hospitalidade; e, por fim, “o cavalo”, que se refere à liberdade e

é o traço de união entre os povos.

FIGURA 6 - SÍMBOLOS GAÚCHOS

FONTE: Site “MTG-RS” (21/05/2014)

33

A Bandeira oficial do MTG é representada por um retângulo branco e tem o

Brasão oficial do MTG como assente em sua parte central. A cor branca representa

algumas “virtudes gaúchas” como a coerência, a compostura, a harmonia, a paz,

amoderação, a prudência, a quietude, a serenidade, a transigência e a tolerância.

FIGURA 7 - A BANDEIRA OFICIAL DO MTG-RS

FONTE: Site MTG-RS (21/05/2014)

Outro elemento cultural, símbolo considerado importante para o Movimento,

é o “Hino Tradicionalista”, aprovado no 43º Congresso Tradicionalista Gaúcho,

realizado na cidade de Santa Cruz do Sul no ano de 1998, com letra e música de

Luiz Carlos Barbosa Lessa.

“Eu agradeço a Salamanca do Jarau

Por me ensinar o que aprendeu com “Velho” Blau:

Com alma forte e sereno coração

Achei meu rumo pra sair da escuridão.

Vi uma luz que se tornou fogo-de-chão.

sorvi a luz no ritual do Chimarrão,

E descobri que é a Cordialidade

Que nos conduz à real felicidade.

34

Avante, cavaleiro mirim!

Em frente, veterano peão!

Lado a lado, prenda e prendinha!

Todos juntos dando a mão.

Avante, seguindo os avós!

Em frente, trazendo os piás!

Coisa linda é se ver gerações

Convivendo em santa paz.

E dá uma gana de sair dançando,

ou gritando com força juvenil:

“Viva a tradição gaúcha

dos campeiros do Brasil” ( bis ).”

Conforme o site do MTG-RS, a entidade se define como “uma sociedade

civil sem fins lucrativos, dedica-se à preservação, resgate e desenvolvimento da

cultura gaúcha, por entender que o tradicionalismo é um organismo social de

natureza nativista, cívica, cultural, literária, artística e folclórica, conforme descreve

simbolicamente o Brasão de Armas do MTG, com as sete ( 7 ) folhas do broto, que

nasce do tronco do passado”. Sua administração constitui-se por conselheiros

efetivos e por conselheiros suplentes, os quais compõem o Conselho Diretor, pelas

trinta Coordenadorias Regionais e por Conselheiros da Junta Fiscal, sem qualquer

remuneração. Todos se dedicam graciosamente para que o MTG tenha condições

de atingir seus objetivos, os quais estão pautados na ideia de “Congregar os Centros

de Tradições Gaúchas e entidades a fins, e preservar o núcleo da formação gaúcha,

cuja filosofia decorrente da sua Carta de Princípios do MTG”.

Ou seja, trata-se de uma instituição que visa coordenar, catalisar, orientar e

disciplinar as atividades das suas entidades filiadas e associativas ao congregar

mais de 140017 entidades tradicionalistas como Centros de Tradições Gaúchas. O

MTG – RS possui 30 Regiões Tradicionalistas (RTs), ou seja, o estado do Rio

Grande do Sul é dividido em 30 RTs, sendo cada uma delas composta por

determinadas cidades. A capital, Porto Alegre, por exemplo, pertence a 1ª RT do

MTG-RS, juntamente com outras cidades e municípios.

17

Dados apresentado do site do MTG-RS.

35

Segundo o MTG-RS:

através da atividade campeira, artística, literária, recreativa ou esportiva, que o caracteriza - sempre realçando os motivos tradicionais do Rio Grande do Sul - o Tradicionalismo procura, mais que tudo, reforçar o núcleo da cultura rio-grandense, tendo em vista o indivíduo que tateia sem rumo e sem apoio dentro do caos de nossa época. (Site MTG-RS).

Tais construções simbólicas referentes à cultura e identidade gaúcha podem

ser compreendidas na concepção de “invenções de tradições” de Hobsbawm e

Ranger, para legitimar e dar credibilidade a um movimento cultural de massa como é

o Tradicionalismo, o qual reivindica o título de “maior movimento de cultura popular

do mundo ocidental, com cerca de dois milhões de participantes ativos”18. Notamos

uma relação existente entre as concepções sociológicas de cultura popular e cultura

de massas. Tomamos a perspectiva dos estudos culturais para pensar a ideia de

cultura, que segundo Costa (2000, p.23), os compreende enquanto “surgimento de

um conjunto de análises identificado como ‘estudos culturais’ é o corolário de uma

movimentação teórica e política que se articulou contra concepções elitistas de

cultura”.

2.3 RELAÇÕES DE LAZER, TRABALHO E GÊNERO NO TRADICIONALISMO

GAÚCHO

A presente pesquisa, ao conceber o CTG 20 de Setembro como local

específico de investigação, almeja a realização de uma análise sociológica acerca

das relações entre práticas de lazer, sociabilidade e trabalho, sob uma perspectiva

de gênero, ao realizar entrevistas com homens e mulheres participantes do referido

CTG. Desta forma, pretende identificar diferenças de gênero presentes neste

universo, em relação ao acesso ao tempo e espaço de “tempo livre”, bem como

compreender este em relação ao “tempo para trabalho remunerado”, de modo a

analisar a configuração relacionada às dimensões do trabalho, lazer e vida familiar

para os/as sujeitos investigados.

Fundamentamos nossos objetivos de pesquisa com discussões sociológicas

a respeito do lazer, trabalho e gênero, entendendo esta última categoria a partir de

Joan Scott (1990), que a entende como elemento constitutivo de relações sociais

18

Ver Ruben Oliven (1992).

36

fundamentadas acerca das diferenças percebidas entre os sexos biológicos, sendo,

assim, uma construção social e histórica dos sexos. Tal autora realiza, portanto, uma

análise do conceito e da categoria gênero no campo das ciências humanas e

sociais, para as quais o conceito de gênero se remete à construção social de

campos simbólicos do sexo anatômico, ou aquilo que se é produzido baseado a

partir das diferenças percebidas entre os sexos.

Judy White (2004), em “Gender, Work and Leisure”19, reflete acerca das

epistemologias e metodologias no desenvolvimento de abordagens feministas para

lazer, pesquisa e teoria de gênero. Expõe os fundamentos de discussões teóricas

desde a década de 1970 e as consequências da realização de pesquisas em

gênero, trabalho e lazer. Na década de 1970 devido a escassez de mulheres na

academia e as várias campanhas com as quais elas estavam envolvidas, não havia

muito que fazer em relação às pesquisas acadêmicas sobre lazer, e nem havia

tempo ou os recursos suficientes para fazê-las. Isto foi verdade tanto para estudos

do lazer como para qualquer outro campo. Tais estudos foram definidos e

dominados por homens, que inventaram e sustentaram a divisão “trabalho-lazer"

como ela se encaixa em suas experiências masculinas, o que os manteve em uma

posição dominante. As acadêmicas feministas reconheciam este mundo, mas

percebiam que ele era dominado por outros agentes.

Ao realizar um estado da arte em Sociologia do lazer, Ken Roberts (2010)

apresenta que a preocupação sociológica relacionada a gênero e lazer, que se

estabeleceu na década de 1980, a partir de críticas de feministas oriundas da

Segunda Onda do Feminismo, as quais afirmavam que as pesquisas em lazer

negligenciavam o gênero de modo geral, e o lazer das mulheres, particularmente.

Sua análise mostra evidências de como significações de gênero são menos

limitantes em alguns aspectos do que eram no passado, ainda que, na maioria dos

casos, o gênero ainda é considerado significativo em diversos aspectos.

White (2004) analisa que as feministas nos anos 1970 e 1980 criticaram a

inadequação das noções epistemológicas tradicionais da separação de trabalho e

lazer e contribuíram na abordagem da complexidade das funções de cuidado

desempenhadas pelas mulheres. A autora traz um estudo de 1980, realizado em

Sheffield, como primeiro estudo do Reino Unido a se propor a explicar em detalhes o

19

Este artigo é originalmente escrito na língua inglesa, sendo que o mesmo foi traduzido por mim para utilizá-lo no presente trabalho.

37

que significam experiências de lazer para as pessoas que o experimentam, e sua

importância em relação a outros aspectos de suas vidas. Tal intento é levado em

consideração na presente pesquisa, que procura compreender justamente, os

significados das experiências e práticas de lazer para aqueles e aquelas que o

experimentam, relacionando-o com outras dimensões da vida.

Embora as oportunidades de lazer de homens e mulheres possam ser

limitadas por restrições aparentemente semelhantes, como trabalho assalariado e de

paternidade/maternidade, pobreza ou mesmo solidão, esses fatores incidem de

maneiras diferentes, e em maior ou menor grau, em mulheres e homens. Por

exemplo, algumas restrições, tais como o medo de ficar sozinho depois de

escurecer, aplicam-se a maioria das mulheres, mas para poucos homens. Outros se

aplicam a ambos em determinados grupos sociais, como os da mesma faixa etária

ou categoria socioeconômica, mas o gênero pode ser uma fonte significativa de

diferença. Por exemplo, os homens brancos, idosos, solitários e de baixa renda,

ainda possuem a opção de sair para um bar ou clube, mesmo que gastando pouco

para tal, ao mesmo tempo em que esta opção parece ser menos viável, ou aceitável,

como atividade de lazer para uma mulher. (WHITE, 2004).

Conforme Firat (1994), apud McGinnis, Chun e McQuillan20 (2003), muitas

das atividades que foram historicamente desempenhadas no âmbito privado na era

moderna, tais como jardinagem, costura e culinária, tem sido substituídas pela

pronta disponibilidade de seus produtos ou serviços finais, tornando tais esforços

desnecessários. Essas atividades, na sociedade moderna, foram associadas às

mulheres, por estas ficarem em casa e adquirirem tais habilidades. Em casa, as

pessoas desempenhavam tarefas consideradas não qualificadas e profanas, como

limpar, comer, cozinhar, cuidar das crianças, dormir e desempenhar atividades de

lazer. Homens, mais uma vez, estavam relacionados a atividades no local de

trabalho, e menos relacionados com as de casa. Para os homens, a casa era

fundamentalmente uma parada estratégica para reenergização, devido ao seu papel

de provedor. Hoje podemos notar essa separação semelhante em esportes e lazer.

McGinnis, Chun e McQuillan (2003), realizaram um levantamento do estado

da arte referente às pesquisas em lazer e esporte. Para isso, acionaram várias

pesquisadoras como a revisão de Henderson (1990), que indica que as mulheres

20

Este artigo está escrito originalmente em língua inglesa, no entanto apresento suas ideias em português, com tradução realizada por mim.

38

tendem a realizar as atividades de lazer nas proximidades de seus lares, quando

não neles próprios, por estas poderem ser fundidas com tarefas domésticas ou por

haver poucas oportunidades de lazer fora de casa. Muitos pesquisadores (Allison e

Duncan 1987; Chambers, 1986; e Shank, 1986) descobriram que o lazer das

mulheres de carreira dupla é, em grande parte, associado a ambientes familiares,

principalmente com crianças.

Elias e Dunning (1992) apresentam contribuições muito férteis para os

estudos do lazer, de modo que têm sido referências para o campo de saber. Os

autores criticam as pesquisas sociológicas clássicas por não terem privilegiado em

suas abordagens o lazer, não o reconhecendo como objeto importante de

investigação. Na literatura sociológica, a temática do lazer é abordada de modo

problemático, como mero acessório na análise do trabalho, enquanto um meio para

atingir determinado fim, seja para alívio de tensões ou para melhorar a capacidade

de produção. Inserem a discussão acerca do lazer e tempo livre na sociedade

moderna enquanto categorias distintas entre si, não considerando como ponto de

partida o conceito de trabalho, buscando, assim, uma nova perspectiva teórica.

Os estudos de lazer, como área de investigação sociológica, são deixados

de lado, apesar de representar importância na vida das pessoas. Muitas vezes o

lazer é evocado como irreal, como uma fantasia ou, ainda, como uma perda de

tempo, implicando a ideia de que somente o trabalho é real. As atividades de lazer

devem ser compreendidas enquanto um fenômeno social próprio, interdependente

de atividades de não lazer, de valor não inferior e não subordinadas a elas. (ELIAS;

DUNNING, 1992, p. 142).

O lazer é enunciado como única esfera pública, dentro da sociedade do

trabalho, na qual as decisões individuais são realizadas sob a alcunha da satisfação.

É caracterizado por ser desempenhado no tempo livre, sendo o sujeito um ator ou

espectador, não incluindo a participação em uma ocupação especializada a qual se

ganha a vida, pois

neste caso, deixam de ser atividades de lazer e tornam-se uma forma de trabalho, implicando todas as obrigações e restrições características do trabalho em sociedades do tipo da nossa — mesmo que as atividades como estas possam ser sentidas como sendo muito agradáveis. (ELIAS; DUNNING, 1992, p. 110).

39

De acordo com Brasileiro (2013), o conceito de lazer, tal como entendemos

e vivenciamos na contemporaneidade, inicia-se com a sociedade moderna. A autora,

em seu artigo recente “O lazer e as transformações socioculturais contemporâneas”,

está preocupada em refletir sobre a influência das transformações socioculturais no

lazer e suas manifestações na contemporaneidade. Para uma definição

contemporânea de lazer, temos que incorporar aspectos complexos da dimensão

humana e das sociedades contemporâneas. O atual período de crises de

paradigma, de incertezas e de contradições da realidade social moderna/pós-

moderna contribui para este contexto atual do lazer.

Entretanto, na diversidade interpretativa do fenômeno do lazer, consideramos o lazer como experiências subjetivas, materializadas em práticas físico-esportivas, turísticas, artísticas e recreativas que formam parte de uma estrutura social, vivenciada por um período de tempo, sem caráter obrigatório. É um tempo para si mesmo, com um grau relativamente elevado de eleição individual, dentro de um contexto social. Os indivíduos que destas práticas participam, manifestam suas emoções mais latentes, como um modo de ser e perceber a vida, dentro de um descontrole socialmente aprovado. Entretanto, pensar uma definição de lazer dentro do contexto contemporâneo, em que as sociedades se encontram num processo entre a modernidade e a pós-modernidade, é complexo e arriscado, já que sentimentos, vivências e realidades bem opostas estão presentes tanto nas práticas de lazer como de trabalho. (BRASILEIRO, 2013, p. 103).

A posição de Brasileiro (2013) quanto à definição de lazer converge com a de

Elias e Dunning (1992), devido à tendência de despolarização da dimensão de lazer,

trabalho e tempo livre. As concepções convencionais de trabalho e lazer, segundo

os últimos autores mencionados, estão relacionadas a juízos de valor dicotômicos

atribuídos a cada uma delas. Enquanto o trabalho tem um sentido superior de um

dever moral, o lazer é referenciado à preguiça e à ociosidade.

Hoje em dia, a noção de que as atividades de lazer podem ser explicadas como complementares do trabalho parece ser, com frequência, evidente. Isso raramente e considerado problemático; é habitual ser tratado como um ponto de partida óbvio para a investigação. [...] Da forma como o problema se situa no presente, as características que os distinguem um do outro estão longe de ser nítidas. Ambos os conceitos foram distorcidos por uma herança de juízos de valor. O trabalho, de acordo com a tradição, classifica-se a um nível superior, como um dever moral e um fim em si mesmo; o lazer classifica-se a um nível inferior, como uma forma de preguiça e indulgência. Este, aliás, é identificado com frequência com o prazer, ao qual também se atribui uma avaliação negativa na escala de valores nominal das sociedades industriais. Apesar da recente preocupação com os problemas da satisfação no trabalho, de uma maneira geral, como uma herança de Adão, este é

40

considerado, por inerência, a antítese do prazer. (ELIAS; DUNNING, 1992, p. 106).

Conforme Brasileiro (2013), o trabalho no contexto contemporâneo está

relacionado não somente à profissão que se tem, mas, principalmente, com a

qualidade do trabalho que se possui, dos sentimentos que se experimentam e da

percepção e valorização que lhe atribuímos. O lazer, dentro deste contexto, já não

apresenta fronteiras tão delimitadas e fixas em relação ao trabalho. Um indivíduo

pode se realizar e se satisfazer tanto nas atividades de lazer como nas de não lazer.

O lazer e o trabalho, neste sentido, são compreendidos como conceitos construídos

a partir de significados e vivências individuais, gerados em contextos coletivos,

dentro de uma lógica de prazer e de realização pessoal.

Segundo De Masi (2000) e Cuenca Cabeza (1999), citado por Brasileiro

(2013), a relação atual entre o trabalho e o lazer se estrutura a partir de duas

perspectivas: uma que diferencia claramente o trabalho do lazer, dentro de uma

visão mais moderna de sociedade; a outra que estabelece relação de identidade e

interconexão entre o lazer e o trabalho, a qual situamos dentro dos valores pós-

modernos. Nesta segunda perspectiva está uma revalorização das vivências de

lazer. Neste entendimento, o trabalho não vai desaparecer e tampouco vamos viver

a civilização do lazer. Na realidade, o desenvolvimento do lazer está trazendo outras

formas de trabalho, mas o lazer vem ocupando um espaço na vida das pessoas que,

ao longo da historiam, só era vivenciado pelas elites.

A oposição tradicionalmente estabelecida entre trabalho e lazer nas

sociedades modernas sempre remete o primeiro a um modo peculiar de trabalho,

como aquele que os indivíduos realizam a fim de ganhar a vida, tendo um caráter

especializado e em um tempo regulado. Em outro extremo no seu tempo livre,

os membros destas sociedades têm em geral de fazer uma boa parte de trabalho sem remuneração. Só uma porção do seu tempo livre pode ser votada ao lazer, no sentido de uma ocupação escolhida livremente e não remunerada — escolhida, antes de tudo, porque e agradável para si mesmo. Nas sociedades como as nossas, cerca de metade do tempo livre dos indivíduos e, em geral, dedicado ao trabalho. Um dos primeiros passos para o estudo mais adequado do lazer nos factos observáveis traduz-se na exigência de uma distinção mais penetrante e na definição mais nítida das relações entre o tempo livre e lazer. Tempo livre, de acordo com os atuais usos linguísticos, e todo o tempo liberto das ocupações de trabalho. Nas sociedades como as nossas, só parte dele pode ser voltado às atividades de lazer. Podem distinguir-se cinco esferas diferentes no tempo livre das pessoas, as quais se confundem e se sobrepõem de várias maneiras, mas que, todavia, representam categorias diferentes de atividades, que, até

41

certo ponto, levantam problemas diferentes. (ELIAS; DUNNING, 1992, p. 107, 108).

Ou seja, lazer e tempo livre não são sinônimos. O lazer está circunscrito no

tempo livre, além do trabalho não remunerado e outras atividades, como trabalho

doméstico, descanso, atividades biológicas, visitar alguém ou viajar. Nem todas as

atividades opostas ao trabalho remunerado podem ser consideradas como de lazer,

já que outro tipo de trabalho é realizado pelos indivíduos durante seu tempo livre.

Contudo, todas as atividades de lazer podem ser consideradas como de tempo livre,

mas nem todas as atividades de tempo livre são de lazer. Assim, somente parte

desse tempo livre é realmente empregado no lazer ou para as atividades

efetivamente prazerosas e satisfatórias. O que podemos afirmar é que, nas

sociedades modernas e industrializadas, metade do tempo livre das pessoas é

dedicado ao trabalho. O “espectro do tempo livre”, segundo Elias e Dunning (1992),

permite perceber a diferença entre as atividades de tempo livre e de lazer. Além de

contribuir também para que o pesquisador do lazer considere que, para a

compreensão acerca das características específicas das atividades de lazer, deve

perceber não apenas as suas relações com o trabalho assalariado, mas também

com as demais atividades do tempo livre não-recreativas.

O trabalho contemporâneo é complexo, multidimensional e multifatorial,

assim como são as sociedades pós-modernas. Esta complexidade no trabalho e na

vida cotidiana cria uma forte interconexão entre trabalho e lazer. O lazer e o trabalho

se apresentam, assim, como dimensões criativas, com fortes influências nas

dimensões da vida como um todo. Isto porque, na perspectiva pós-moderna, existe

uma mútua influência entre o tempo profissional e o tempo que atualmente

conceituamos como tempo livre, e, por consequência, com o tempo de lazer. Nesta

perspectiva, o tempo contemporâneo é um tempo de transição entre o trabalho

material/mecânico, moderno, e o trabalho/lazer imaterial, criativo, pós-moderno. O

processo de trabalho/lazer criativo ainda encontra-se pouco disseminado na

população, principalmente dos países em desenvolvimento ou subdesenvolvidos.

Uma das causas da falta da disseminação desses novos valores do trabalho/lazer

pode ser encontrada no processo educativo, visto que a educação é um dos fatores

essenciais para a construção de novos valores. (BRASILEIRO, 2013, p.104).

O rompimento das fronteiras entre o lazer e o trabalho nos leva, portanto, a

todas estas reflexões, e nos faz pensar que as vivências e concepções do lazer

42

estão gradativamente se tornando um fator que tem mais em conta a qualidade da

experiência para o indivíduo durante as atividades realizadas que o tipo de atividade

realizada. As vivências de lazer nas sociedades pós-modernas, assim mesmo,

parecem estar mais determinadas por fatores subjetivos na realização das mesmas

que por fatores objetivos, que antes determinavam as vivências do lazer moderno.

Isto não quer dizer que estamos em um processo de dissociação entre o sistema e

as pessoas, ou uma desagregação do mundo coletivo para um mundo

completamente da subjetividade. Trata-se de vivências humanas e sociais,

experimentadas a partir de novos contornos, e que favorecem ao aparecimento de

novos tipos de comunitarismos e de individualismos. (BRASILEIRO, 2013, p.106).

43

3. TRADICIONALISMO GAÚCHO NO PARANÁ: O TRABALHO DE CAMPO

NO CTG 20 DE SETEMBRO

3.1. O MTG NO PARANÁ E EM CURITIBA

Neste capítulo abordaremos algumas questões referentes ao processo de

“desterritorialização” da cultura gaúcha, o qual é discutido pelo antropólogo Ruben

Oliven (2006), para pensarmos acerca da presença do tradicionalismo gaúcho e dos

CTGs no estado do Paraná, como é o caso específico da nossa análise sobre o

CTG 20 de Setembro de Curitiba-PR.

Conforme Oliven (1993; 2006), o processo de “desterritorialização” da

cultura gaúcha se desenvolve em dois momentos. Um primeiro, dentro do próprio

RS, com os descendentes de italianos e alemães fora da região da Campanha (local

de origem do gauchismo), e um segundo, com os emigrantes que se instalaram em

outros estados brasileiros.

A adoção da tradição gaúcha, originária da região da Campanha, por parte de habitantes de outras áreas do Rio Grande do Sul, como os descendentes de alemães e italianos, significou um primeiro processo de desterritorialização da cultura gaúcha que saiu de sua área de origem e adquiriu novos significados em outros contextos do estado. A manutenção da cultura gaúcha por parte dos rio-grandenses que migraram para outros estados brasileiros representa um novo processo de desterritorialização que é importante porque a cultura gaúcha continua com seus descendentes, que à medida que o tempo passa não só nasceram fora do Rio Grande do Sul como frequentemente nunca estiveram lá. Isso se reflete no fato de os migrantes levarem consigo e cultuarem as tradições gaúchas. (OLIVEN, 2006, p.147).

Entre 1948 e 1954 surgiram trinta e cinco novos centros de tradição

gaúchas, em praticamente todas as regiões do RS, mas concentrados em áreas

pastoris, no interior do estado. Em Porto Alegre, criou-se apenas uma espécie de

mini-CTG doméstico. A diáspora gaúcha também está relacionada à alta taxa de

emigração da população rio-grandense, que migram de seu interior para o interior de

outros estados, sobretudo Santa Catarina e Paraná, em busca de terras para a

prática da agricultura. Em 2000, havia cerca de 1.012.590 gaúchos vivendo fora do

Rio Grande do Sul, ou seja, 9,94% da população do estado. (OLIVEN, 1993; 2006).

44

Diante dessa expressiva e singular diáspora, não surpreende que os emigrantes saídos do Rio Grande do Sul e seus descendentes criem Centros de Tradições Gaúchas nos lugares onde se radicam. O culto às tradições gaúchas é uma forma de manter sua identidade enquanto grupo com características distintas. Os CTGs passam a ser o lugar onde esse culto é desenvolvido e as tradições são ritualizadas. (OLIVEN, 2006, p.142).

No Paraná, a cultura gaúcha cresceu contundentemente com a vinda de

migrantes gaúchos, que se fixaram na região oeste e sudoeste do estado. Assim, a

adesão ao tradicionalismo se desenvolve principalmente através de entidades como

os CTGs, que apresentam grande expressividade no estado, por iniciativas de

gaúchos, seus descendentes ou até mesmo indivíduos que não possuem relação

com o Rio Grande do Sul. O gaúcho é considerado como um tipo social resultante

das contribuições étnicas distintas, relativas aos indígenas, portugueses, negros e

migrantes alemães e italianos. No entanto, frente a essa mistura étnica, é

representado enquanto um tipo único, em contraste com os demais brasileiros.

Acaba, assim, formando um grupo étnico cujas características são homogêneas e

transmitidas genética e culturalmente, ou seja, os filhos de gaúchos continuam

sendo gaúchos, mesmo quando nascidos fora do RS. (OLIVEN, 2006).

O gauchismo é uma questão tão arraigada no Paraná que, certa vez, uma

edição da revista da Fundação Cultural de Curitiba dedicou-se à temática. Arthur

Tramujas Neto (1989), apud Oliven (2006), defende em seu texto, intitulado “Passe a

cuia, tchê!”, que

não se veja nos CTGs algo exclusivamente do Rio Grande do Sul. (...) Os Centros de Tradições Gaúchas, os CTGs, revivem uma tradição que é comum a Uruguai, Argentina, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. Somos todos ‘gaúchos’ ou gaúchos na realidade, velhos conhecidos, tomadores de mate e comedores de churrasco”. (OLIVEN, 2006, p.143, 144).

Tramujas Neto reivindica uma identidade cultural comum que engloba tanto

países do Cone Sul, como Argentina e Uruguai, quanto os estados brasileiros

situados no sul do Brasil. Ou seja, é clara a noção de “desterritorialização” da cultura

gaúcha, que não se refere a somente um território específico, mas a uma identidade

cultural que abrange hábitos, costumes e tradições comuns, como tomar chimarrão

e comer churrasco em determinadas regiões.

De acordo com observações e conversas informais em campo, interlocutores

do CTG 20 de Setembro comentam que “ser gaúcho é uma filosofia de vida”, pois as

45

práticas tradicionalistas não são restritas ao espaço do CTG, mas se estendem para

o âmbito familiar e na criação dos filhos. E, além disso, muitos apontaram que há

diferenças entre ser gaúcho e nascer no RS, já que quem nasce é considerado rio-

grandense, e gaúcho é quem cultiva a tradição, hábitos e costumes, como tomar

chimarrão, dançar danças típicas ou folclóricas, apreciar um bom churrasco, etc.

Sopelsa (2005), em sua dissertação de mestrado, discute o culto às

tradições gaúchas em Ponta Grossa-PR, cidade na qual surgiu, em 1958, o primeiro

CTG fora do estado do RS, criado dez anos após o pioneirismo do 35 CTG – o

Centro de Tradições Gaúchas Vila Velha. Tendo como exemplo as entidades

anteriores, o CTG Vila Velha reproduzia e cultuava os valores e a ideologia

vivenciada nos centros rio-grandenses em outro mundo e contexto social, cujo

desenvolvimento histórico não havia conhecido a formação de estâncias ou lutas

pela demarcação de fronteiras, nem mesmo peões guerreiros e campeadores que

pudessem ser mitificados e convertidos em heróis, como apesentado pelo RS. No

entanto, o passado campeiro de Ponta Grossa fundamentou o discurso sobre sua

origem e foi o que legitimou a entidade gaúcha na cidade.

A cultura gaúcha no Paraná pode ser compreendida pela sua vinda com os

tropeiros de gado, além da grande migração de gaúchos, sobretudo, para as regiões

oeste e sudoeste do estado, como já comentado. Para Sopelsa (2005), nas

primeiras décadas do século XIX outra atividade mostrou-se mais rentável que o

criatório de gados, o tropeirismo, a qual fazendeiros aderiram, pela possibilidade de

aumentar seus lucros. Percorriam os caminhos que iam do Rio Grande do Sul em

direção à feira da cidade de Sorocaba. Além disso, a partir da análise na fundação

do primeiro CTG fora do estado do RS, argumenta que ser gaúcho deixa de estar

somente relacionado ao habitante da região dos pampas para denominar o indivíduo

do campo, que se dedica as lidas campeiras.

O Movimento Tradicionalista Gaúcho do Paraná (MTG-PR) foi criado no ano

de 1975. Seu lema é: “Povo sem tradição, morre a cada geração.” Atualmente há

aproximadamente 31121 entidades filiadas junto ao Movimento, sendo 285 CTG’s e

26 piquetes22. O MTG-PR é composto por 17 regiões tradicionalistas (RT’s),

21

Estes dados foram fornecidos pela secretaria administrativa do MTG_PR e pelo site do MTG-PR: http://www.mtgparana.org.br/web/index.php Acesso em 22 Maio 2014. 22

Os “piquetes” (o termo evoca os pequenos potreiros ao lado da casa onde são colocados para pastar os animais) seriam apenas um departamento do CTG, teria somente a “parte campeira” a qual é relacionada com práticas com o cavalo, como rodeios e gineteadas. Os CTG’s são caracterizados

46

compostas cada uma por determinadas cidades e municípios paranaenses. Cada

uma delas apresenta uma coordenadoria, a qual é responsável pela realização de

eventos e pelas entidades tradicionalistas de determinada região do estado. A 1ª

Região Tradicionalista (1ª RT) compreende a capital, Curitiba, a sua região

metropolitana e municípios do litoral, que em seu total possui 70 entidades filiadas,

sendo 53 CTGs e 17 piquetes.

FIGURA 8 - EMBLEMA DO MTG-PR

FONTE: Site “MTG-PR” (22/05/2014)

No site do MTG-PR também é possível encontrar o Hino oficial da entidade,

de autoria de Oélios Martins Alves.

Somos a origem de um povo

Guapo que luta e que vence

Com sua marca na história

Neste chão paranaense

Mostrando sua cultura

Com clareza e liberdade

E a tradição do gaúcho

Com sua hospitalidade

A erva e o chimarrão

pelas várias atividades que executam na área “social” como festas e bailes, atividades culturais (execução de músicas, declamações, danças) e atividades “campeiras”, e podem funcionar como uma espécie de clube. (OLIVEN, 1993).

47

Que há muito foi consagrado

Simboliza a tradição

Costumes do nosso estado

As verdes matas em paz

A gralha azul e a araucária

No campo agricultura

Com a grandiosa pecuária.

Obrigado ao povo gaúcho

Orgulhosos iremos cantar

Obrigado aos tradicionalistas

Gerações vivas do Paraná

No ano de setenta e cinco

Começava uma integração

O M.T.G Paraná

Foi o berço de cada região

Irmanando no sul do Brasil

O mais árduo evento campeiro

Chama viva que aquece a alma

Desse povo heróico brasileiro

Ingressando o nosso folclore

A dança da prenda e o peão

Essência pura que encanta e acolhe

Num floreio de gaita na mão

O ginete e o laçador

Bravos homens com habilidade

Consagrando alguns braços de ouro

Nessa união do campo e da cidade.

Por fim, o tradicionalismo apresenta-se como mostra-se um sentimento de

muita força e alcance no estado do Paraná. Isso se verifica pela grande quantidade

de entidades tradicionalistas que existem em regiões rurais e urbanas, e pelos

inúmeros eventos realizados em todo o território paranaense, como rodeios

artísticos e campeiros, bailes gaúchos e demais festas relacionadas à cultura e

tradição gaúcha. Nas próximas seções veremos a história da entidade e dos sujeitos

48

que fundamentaram a parte empírica desta pesquisa, qual seja, o CTG 20 de

Setembro.

3.2. APRESENTANDO O CAMPO: O CTG 20 DE SETEMBRO

A presente pesquisa possui um recorte específico, ou seja, o CTG 20 de

Setembro, e optamos pela metodologia qualitativa, por esta se mostrar mais

condizente com nossos objetivos de pesquisa, levando em consideração Minayo

(1992). Por meio de observações, almejamos compreender os processos de

interação entre os sujeitos da realidade de análise. Assim, apresentaremos algumas

percepções, bem como a minha perspectiva sobre espaços e situações

presenciadas, além de meu olhar acerca das relações entre os indivíduos deste

universo.

A pesquisa em Ciências Sociais é, de maneira geral, distinta do modelo

científico verificado nas ciências naturais e exatas. A metodologia empregada na

elaboração do trabalho, que é a pesquisa de campo consiste, em síntese, na

observação participante, com a presença do pesquisador/a no espaço estudado, no

qual ações, práticas e discursos são evidenciados e registrados, a fim de compor um

quadro analítico capaz de nos dizer algo sobre a realidade analisada, composta por

suas relações, condutas e visões de mundo específicas. A utilização de entrevistas,

como as realizadas neste trabalho, faz parte também da obtenção de dados dentro

da pesquisa de campo. Além disso, o observador está em relação face-a-face com

os observados e, ao participar da vida deles em seu cenário natural, retira e acumula

dados. O observador é parte do contexto de observação e, ao mesmo tempo

modifica e é modificado pelo contexto. (CICOUREL, 1969).

Assim, com o intuito de realizar uma análise cultural no presente trabalho,

partimos da ideia de que a cultura é como uma teia de significados construída pelos

próprios agentes, de modo que o pesquisador está em busca destes significados

para compreendê-los e interpretá-los. Para que a análise seja realizada, deve-se

considerar as diversas situações e relações sociais para que sejam percebidas e

interpretadas. A etnografia, assim, é concebida uma descrição densa por englobar

uma multiplicidade de estruturas complexas que o antropólogo deve apreender e

apresentar, além de interpretar discursos sociais e analisá-los. (GEERTZ, 1989).

49

Apesar da reivindicação da entidade tradicionalista, a qual tem como lema:

“O Paraná gaúcho nasceu aqui”, evocando-se como “o primeiro CTG23 fundado fora

do Rio Grande do Sul”, o 20 de Setembro tem sua fundação no dia 20 de setembro

de 1962, na cidade de Curitiba, Paraná. O CTG considerado pioneiro no estado do

Paraná é o Vila Velha, de Ponta Grossa, conforme os estudos de Sopelsa (2003;

2005). No entanto, aquele é considerado um dos primeiros Centros de Tradições

Gaúchas criado fora do Rio Grande do Sul, e é o mais antigo de Curitiba.

FIGURA 9 – BRASÃO DO CTG COM O LEMA: “O PARANÁ GAÚCHO NASCEU AQUI”

FONTE: Site “CTG 20 de Setembro” (21/05/2014)

O nome do CTG 20 de Setembro possui um significado histórico muito forte

e singular relacionado à cultura gaúcha. O dia 20 de Setembro é considerado “Dia

do Gaúcho”, pelo fato de que em 20 de Setembro de 1835 iniciou-se a Revolução

Farroupilha, que durou cerca de 10 anos, pelo fato da Província de São Pedro, atual

estado do Rio Grande do Sul, ter declarado guerra contra o império por causa dos altos

impostos cobrados pelo charque. É um dia considerado feriado no estado do RS e dia

dos gaúchos “resgatarem” a tradição24.

23

Um CTG é uma espécie de réplica dos galpões existentes nas fazendas da região da Campanha do estado do RS. 24

Para mais informações, ver a notícia no endereço eletrônico: http://g1.globo.com/economia/agronegocios/vida-rural/noticia/2013/09/dia-do-gaucho-e-comemorado-com-festa-e-reverencias-no-rs.html Acesso 29 Maio 2014.

50

FIGURA 10 - FUNDO DO SÍTIO DO CTG, QUE MOSTRA A BANDEIRA DO PARANÁ, DO RIO GRANDE DO SUL E O BRASÃO DA ENTIDADE

TRADICIONALISTA

FONTE: Site “CTG 20 de Setembro” (29/05/2014)

Em janeiro do ano de 2014, eu e mais uma integrante do grupo de pesquisa

da professora Miriam Adelman iniciamos o trabalho de campo no CTG 20 de

Setembro. O galpão25 do Centro de Tradições Gaúchas se localiza na Linha Verde,

no bairro Pinheirinho, na cidade de Curitiba. Entramos em contato com a entidade

tradicionalista, especificamente com o presidente (“patrão”) da instituição e com a

secretaria do lugar. Ambos foram muito solícitos e atenciosos conosco e sanaram

muitas de nossas dúvidas, além de terem permitido a realização de nossas

incursões a campo para desenvolvimento do presente trabalho. Em praticante todas

as situações mostraram-se “hospitaleiros”, qualidade que julgam ser essencial ao

gaúcho, como relatado por um participante do CTG.

A secretária Cleonice26, nossa primeira interlocutora, informou-nos sobre a

programação provisória anual do CTG, dizendo que no mesmo prevalece, sobre a

categoria campeira27, a qual conta com um grupo minoritário dentro da entidade, a

existência de grandes grupos artísticos28 de associados. As aulas de dança

possuem o valor de sete reais por aula e por pessoa, acontecendo nas segundas,

quartas e sextas, das 20h às 22h, ocasiões nas quais participam pessoas de todas

25

Construção existente nas estancias, destinadas ao abrigo de homens e de animais. O galpão característico do Rio Grande do Sul é uma construção rústica, de regular tamanho, em geral de madeira bruta e parte de terra batida, onde o fogo de chão está sempre aceso. Serve de abrigo e aconchego à peonada da estancia e a qualquer tropeiro ou gauderio que dele necessite. 26

Em todo este trabalho, utilizamos pseudônimos ao nos referirmos aos interlocutores do campo de pesquisa, devido a motivos éticos. 27

Compreende as atividades que envolvem o cavalo, como tiros de laço, rédeas e gineteadas. 28

Esta modalidade compreende as atividades relacionadas às danças folclóricas, danças de salão, concursos individuais de declamação de poesia, gaita e canto.

51

as idades, principalmente as consideradas “de fora” do CTG, pois a grande maioria

do público não é associada à entidade.

Os grupos de danças folclóricas, componentes das invernadas29 artísticas,

são divididos por faixa etária e realizam seus ensaios nas terças e quintas feiras à

noite, e nos sábados a partir das 14 horas. Pessoas a partir dos sete anos, e até

com mais de 30 anos, dançam nos grupos, sendo classificados na categoria “mirim”

as com idade entre 7 a 12 anos, na “juvenil” entre 13 e 17 anos, na “adulta” as acima

de 17 anos e na categoria “veterana” as com mais de 30 anos de idade. Na

invernada campeira há predominância de pessoas entre 19 e 40 anos de idade,

majoritariamente homens. Foi-nos apresentado que o CTG promove muitos bailes,

jantares dançantes e reuniões, nas denominadas “Domingueiras”, nas quais as

meninas associadas mostram o que “sabem fazer”, como atividades relacionadas ao

tricô, bordado, culinária; e os meninos também.

Percebemos que o espaço físico da entidade é amplo, composto por um

grande salão, onde acontecem as aulas de dança, os bailes e as festas. O terreno é

do próprio CTG, portanto, não há taxa de aluguel.

A localização do CTG, particularmente, não foi muito estratégica para mim,

já que pelo fato de não possuir carteira de habilitação e muito menos automóvel,

restou-me a alternativa de tomar no mínimo dois ônibus, em todas as vezes as quais

me desloquei até lá. Um ônibus até o terminal do Pinheirinho e outro para

chegarmos ao galpão do CTG, além de passar por um passarela para atravessar a

Br 116, na Linha Verde.

Na primeira experiência em campo, fotografamos, principalmente com a

permissão do patrão, a fechada, o brasão do CTG e alguns cartazes que estavam

expostos no local.

29

Grande extensão de campo cercado. Nas estâncias, geralmente há diversas invernadas: para engordar, para cruzamento de raças, etc. Nos CTGs, o termo “invernada” designa departamento, sendo comum a existência das invernadas artística, cultural e campeira nas entidades tradicionalistas. Corriqueiramente, quando se fala apenas em “invernada”, refere-se ao grupo de danças tradicionais folclóricas, organizado pela Invernada Artística, como pude observar durante o trabalho de campo. A Invernada cultural compreende atividades como palestras, projetos e concursos (de prenda e de peão). A campeira está relacionada com as lidas campeiras, atividades ligadas ao cavalo como provas de laço, rédeas, gineteadas. E por fim, a invernada artística abrange a dança, a música, o canto e a declamação de poesia.

52

FIGURA 11 - BRASÃO DO CTG 20 DE SETEMBRO

FONTE: A autora (2014)

FIGURA 12 - PLACA DA ENTRADA DO GALPÃO DO CTG 20 DE SETEMBRO

FONTE: A autora (2014)

53

FIGURA 13 - CARTAZ SOBRE AS AULAS DE DANÇA DE SALÃO DO CTG

FONTE: A autora (2014)

A figura 12 mostra uma placa situada em frente ao CTG, em comemoração

aos cinquenta anos de existência da entidade tradicionalista. A imagem apresenta

os integrantes dos cargos da “Patronagem executiva”, “Conselho Vaqueano” e

“Conselho de Agregados Vitalícios”, além de mostrar o lema da entidade: “O Paraná

gaúcho nasceu aqui”, o qual percebemos que sempre é evocado aos finais de todos

os ensaios das invernadas artísticas, ou seja, ensaios dos grupos de danças

folclóricas. Trataremos mais a respeito dos ensaios adiante. A frase: “O Brasil vale

mais pela cultura, tradição e humanidade”, também me parece ser emblemática,

enquanto pesquisadora, logo no início da pesquisa, pelo fato de simbolizar algo

muito forte, no que tange a ideais e valores cultuados pelos sujeitos do mundo

tradicionalista gaúcho.

As figuras 13 e 14 representam cartazes das aulas de danças de salão

promovidas pelo CTG. Podemos observar que muitas são as restrições impostas

aos indivíduos, sobretudo às mulheres, como a não permissão de roupas curtas

(como minissaias), transparentes ou decotadas (regatas), a fim de manter o “recato”

feminino, condizente à representação da mulher no discurso tradicionalista.

54

FIGURA 14 - AULAS DE DANÇAS DE SALÃO DO CTG

FONTE: Site “CTG 20 de Setembro” (21/05/2014)

Após o primeiro contato com o campo, muitas foram as ocasiões em que

voltamos ao mesmo para compreender relações e significados da cultura gaúcha

dentro do Paraná, especificamente na capital Curitiba. Nossas observações se

verificaram, sobretudo, nas tardes de sábado nos ensaios das invernadas artísticas.

Nestas situações estabelecemos conversas informais com os interlocutores da

pesquisa, assistimos aos ensaios das danças folclóricas e tradicionais, e

fotografamos e realizamos entrevistas gravadas com participantes.

Iniciamos nossas observações empíricas no mês de fevereiro de 2014. No

mês de Janeiro, devido às férias do CTG, somente a secretaria administrativa

encontrava-se em funcionamento, e foi durante este período que estabelecemos os

primeiros contatos com o patrão e secretária do CTG. Durante cerca de dois meses,

minhas tardes de sábados foram dedicadas a frequentar o CTG 20 de Setembro,

observar, dialogar e compreender relações sociais no local, tendo como enfoque de

pesquisa, desde o princípio, as relações e práticas entre lazer e trabalho dentro da

entidade.

Em um dos primeiros ensaios das invernadas artísticas que assisti, o

professor de danças folclóricas gaúchas, meu interlocutor e entrevistado, estava

vestido com uma camiseta, na qual havia a seguinte frase: “Dançar a cultura e as

tradições de um povo nos mostra de onde viemos e para onde vamos.” Isso se

55

mostrou ser muito emblemático, pois me apresentou um provável sentido atribuído

ao ato de participar daquele contexto de danças tradicionais gaúchas.

A partir de conversas informais com interlocutores, pude saber que o valor

de associação ao CTG é de trinta e cinco reais por família, sendo que, atualmente, a

entidade possui, aproximadamente, cinquenta famílias associadas pagantes. Ao ser

associado, paga-se mais barato pelas aulas de danças de salão, promovidas três

vezes por semana na entidade, ou seja, são cobrados cinco reais por aula de dança

de associados e sete reais para não associados. Podemos ver na imagem seguinte

como a entidade e as vantagens em ser associado da mesma são apresentados,

além da ênfase dada à imagem de um ambiente seguro e familiar, discurso muito

frequente entre os participantes. Tais discursos remetem à força que a família possui

no imaginário tradicionalista e dentro do CTG, sendo este um espaço saudável, no

qual toda a família participa reunida e onde os filhos e as crianças estão protegidos

de problemas externos, como a violência, as drogas e o álcool.

FIGURA 15 - FLYER DO CTG

FONTE: CTG 20 de Setembro

56

O CTG gasta em torno de seis mil reais em despesas mensais, segundo

informante, sendo mantido, basicamente, pelos eventos realizados, como bailes,

jantares, almoços, “domingueiras”, “bailantas”, “tertúlias”, shows com músicos

nativistas (os quais ocorrem pelo menos duas vezes ao mês) e aulas de dança de

salão, pois as taxas de associação não são tão expressivas.

A “patronagem executiva”, ou seja, os indivíduos que ocupam cargos

administrativos dentro da entidade tradicionalista é sempre composta pelo casal,

formado por um homem e uma mulher. O casal não precisa ser casado para ocupar

um cargo na patronagem, mas, necessariamente, deve ser composto por um

homem e por uma mulher. No entanto, somente o nome do homem é colocado em

documentos oficiais. Esse fato sinaliza para o “lugar” ocupado pela mulher dentro do

discurso tradicionalista, no qual a figura do gaúcho é priorizada e colocada em

evidência no imaginário do gauchismo, no qual a mulher ocupa um espaço

secundário.

O casal de professores de danças tradicionais folclóricas gaúchas,

denominados “posteiros de dança”, foram umas das primeiras pessoas que tive

contato, pois me apresentei a eles como pesquisadora do Tradicionalismo gaúcho e

solicitei a permissão deles para assistir aos ensaios dos grupos de dança

tradicionais. Os mesmos foram atenciosos e se mostraram abertos as minhas

indagações e questionamentos sobre a cultura gaúcha. Nessa ocasião, ocorreu algo

muito significativo. Amanda, professora de danças folclóricas, comentou que é

considerada pela sua filha uma “gaúcha de coração”, pois é nascida no Paraná,

especificamente em Curitiba. Seu marido, Denis, também professor de danças

tradicionais, e seus filhos, são nascidos no estado do Rio Grande do Sul. Disse-me

que, quando estava grávida, viajou até o RS para ter filhos realmente “gaúchos”.

Esse fato mostra o quão forte e simbólico é nascer no RS, como se, desta forma,

houvesse mais “autenticidade” e “veracidade” no culto das tradições gaúchas. Em

contrapartida, há a corrente ideia de que “quem nasce no RS é rio-grandense, ser

gaúcho é preservar a cultura e a tradição, assim como possuir determinados

costumes”.

Por meio de conversas “informais” com informantes, soubemos que o casal

de professores de danças tradicionais, além de ministrar aulas no CTG, possui, em

sua casa, uma loja de produtos com motivos gaúchos, como bombachas, vestidos

de prenda, chapéus, botas, erva-mate, cuias, camafeus, etc. Notei que no verso de

57

um panfleto que nos deram certa vez, em ensaio dos grupos de danças, havia uma

propaganda da loja denominada “Gauchão Regalos”, de propriedade do casal de

professores, situada no bairro Capão Raso, em Curitiba. Percebemos um consumo

dos bens materiais relacionados à cultura gaúcha, e tais elementos movimentam

este mercado pelas pessoas da entidade tradicionalista. Tivemos oportunidade de

conhecer o comércio e, por consequência, a casa do casal, na ocasião em que

fomos ao Rodeio em Rio Negrinho. Fomos outra vez, a convite deles, a uma

Tertúlia30, e, na última, quando os entrevistamos.

Os ensaios dos grupos de danças tradicionais são realizados aos sábados, a

partir das 14 horas. Começam sempre com a categoria “mirim”, ou seja, crianças de

até doze anos de idade, as quais estão se preparando para competir nos rodeios

artísticos, sendo consideradas como uma categoria “de base”. A professora de

dança Amanda sempre era responsável por ensinar as crianças, diferentemente de

seu marido, que se dedicava a orientar as pessoas mais velhas dos outros grupos.

Em todo final de ensaio, Amanda organizava uma roda, conversava com os seus

alunos e alunas, davam-se as mãos e rezavam o “Pai Nosso” e “Ave Maria”, algo

que me chamou muito atenção e se mostrou controverso, já que, segundo a “Carta

de Princípios Tradicionalistas”, o gauchismo é declaradamente apartidário, assim

como isento de declaração religiosa31. O catolicismo se faz presente fortemente em

práticas do CTG que pesquisamos. Além disso, se abraçavam e diziam em voz alta

o lema da entidade: “O Paraná gaúcho nasceu aqui, vinte”. Esta última ação se

repetia nos ensaios das categorias adulta, juvenil e veterana.

Logo após o ensaio da categoria “mirim”, era a vez da “juvenil”, depois a

“adulta” e, por fim, a “veterana”. Por dependermos de transporte público e os

ensaios se prolongarem até tarde da noite, não presenciamos esta última categoria.

Nos momentos em que ocorriam os ensaios, era marcante a presença de pessoas

ao nosso redor, nas mesas e cadeiras situadas em torno do tablado de dança.

Enquanto comiam ou bebiam algo, assistiam os ensaios dos grupos de danças

tradicionais, conversavam e socializavam. Sempre com uma cuia de chimarrão por

30

Espécie de reunião de pessoas íntimas, família e amigos, de cunho artístico. 31

Nestes tópicos se evidencia a contradição vivenciada pelo CTG quanto a sua independência a dimensão política e religiosa: “X - Respeitar e fazer respeitar seus postulados iniciais, que têm como característica essencial a absoluta independência de sectarismos político, religioso e racial.” E “XIII - Evitar toda e qualquer manifestação individual ou coletiva, movida por interesses subterrâneos de natureza política, religiosa ou financeira.” Disponível em http://www.mtg.org.br/pag_cartadeprincipios.php Acesso Mai 2014.

58

perto, faziam rodas de conversas, com amigos e familiares juntos. Nesse espaço,

como comentado anteriormente, há uma lanchonete, o “Bolicho do seu Damião”, na

qual “Dona” Lídia, ou melhor, “Tia” Lídia, como todos por lá a chamam de maneira

íntima, trabalha, vendendo bebidas, como refrigerantes, cervejas, sucos e água, e

lanches, como pastéis, mini pizzas, x-burguer, etc. Nas figuras 16 e 17

apresentamos o folder de divulgação dos grupos de danças tradicionais do centro de

tradições gaúchas e a propaganda da loja “Gauchão Regalos”, do casal de

professores.

FIGURA 16 - FOLDER DAS INVERNADAS ARTÍSTICAS DO CTG

FONTE: CTG 20 de Setembro

59

FIGURA 17- OUTRO LADO DO FOLDER, DA LOJA “GAUCHÃO REGALOS”

FONTE: CTG 20 de Setembro

A pesquisa ao sitio virtual do CTG 20 de Setembro mostrou-se fundamental

para encontramos diversos materiais muito fecundos para pensarmos os elementos

culturais evocados pelos sujeitos, os quais observamos e entrevistamos durante o

desenvolvimento da investigação.

3.3. O RODEIO TRADICIONALISTA NA CIDADE DE RIO NEGRINHO – SC

A ida ao rodeio32 em Rio Negrinho, cidade localizada a 120 km de Curitiba,

no estado de Santa Catarina, proporcionou-me uma experiência em campo muito

rica. Mostrou-se uma oportunidade de melhor compreensão dos discursos e práticas

dos participantes do CTG 20 de Setembro, além de ter propiciado a análise em um

rodeio com atividades artísticas, pois, até o momento, não havia assistido provas da

modalidade artística e só conhecia os rodeios campeiros, os quais eram meu foco

de pesquisa anteriormente, como explicado na introdução deste trabalho. Na

32

O termo “rodeio”, como definido por Salvador Lamberty em “ABC do Tradicionalismo Gaúcho” (1989), refere-se ao local onde cercava-se o gado nas velhas estâncias. Hoje, é um evento geralmente organizado por um CTG, regido e regulamentado pelo MTG.

60

impossibilidade de irmos ao rodeio com o ônibus locado pelo CTG, devido a este já

estar lotado, conseguimos carona com o Sr. Irineu, um senhor de aproximadamente

50 anos, empresário, pertencente à classe média, que foi apresentado a nós por

Denis. Concebemos aqui o conceito sociológico de classe social a partir de Jessé

Souza (2010) que o define utilizando critérios além da renda. Para o sociólogo, na

classe média prevalece o “capital cultural”33 ao passo que o “capital econômico”

cumpre relevante papel secundário, porém necessário.

Nessa ocasião, uma situação constrangedora ocorreu relativa à questão de

gênero. Nós, eu e minha colega de pesquisa, por sermos mulheres e jovens, fomos

apresentadas com certo “ar de brincadeira” desnecessária, referente à namorada de

Irineu que não iria ao evento. Por termos sido apresentadas por um homem a outro

homem (por Denis a Irineu), interpretaram, erroneamente, que éramos “disponíveis e

ou possíveis parceiras”, ou algo relacionado a isso. A partir disso, observamos que o

comportamento dos homens no CTG sozinhos e junto de suas esposas, filhas ou

conhecidas (ou seja, de mulheres), muda de uma forma significativa. A realização

deste tipo de comentários e “brincadeiras” relacionadas a desejos/sexualidade

masculinos não teriam sido feitos em presença de outras mulheres do CTG, mas sim

em momentos sozinhos conosco, pois éramos mulheres e não pertencíamos ao

CTG. Estávamos à mercê de suas brincadeiras e investidas. No entanto, por não

termos outra alternativa e receosas de perdemos a oportunidade de irmos ao rodeio,

pegamos o contato de Irineu para combinarmos nossa ida ao rodeio no sábado, dia

12 de abril, pela manhã. Tal fato pode ser pensado como um problema de campo

ocorrido em algumas ocasiões, que gerou certo incômodo, mas que não inviabilizou

nossa pesquisa.

No automóvel, fomos eu, a colega de pesquisa, Irineu, sua filha e um amigo

de sua filha, estes adolescentes, sendo os três últimos participantes do CTG 20 de

Setembro, dos grupos de danças tradicionais. Durante a viagem, Irineu conversou

bastante comigo, não tenho certeza se pelo fato de ter-me sentado do banco da

frente, ao seu lado, ou por simpatia. Certo momento, enquanto conversávamos

33

Este termo se refere ao conceito do sociólogo Pierre Bourdieu. A palavra capital associada ao termo cultura configura uma analogia ao poder e ao aspecto utilitário relacionado à posse de determinadas informações, aos gostos e atividades culturais. Além do capital cultural existiriam as outras formas básicas de capital como o capital econômico, o capital social (os contatos) e o capital simbólico (o prestígio) que juntos formam as classes sociais ou o espaço multidimensional das formas de poder. Para mais informações http://repositorio.ibict.br/bitstream/123456789/215/1/OlintoSilvaINFORMAREv1n2.pdf Acesso dia 01 Jul. 2014.

61

sobre a Semana Farroupilha34, Irineu lembrou-se de algo e, só por lembrar, riu, mas

logo nos contou. Tal situação, mencionada por Denis, lembrada e nos contada por

Irineu, referia-se ao fato de que durante Revolução Farroupilha o Rio Grande do Sul

não possuía homens suficientes, e tiveram que buscar, para auxiliar e liderar a

guerra, uma pessoa de outro estado, Santa Catarina, e, ainda por cima, pelo que

percebemos, fato tido como “mais vergonhoso”, uma pessoa do sexo feminino, a

saber, Anita Garibaldi. Um silêncio constrangedor instalou-se no carro, mas logo

Irineu o rompeu com mais histórias.

Ao chegarmos no local do rodeio, não pagamos entrada, assim como não

pagamos a entrada no baile de sábado a noite, pois, como o CTG 20 de setembro

era convidado do evento, não precisaria pagar ingressos. Todos nos disseram,

então, para dizer que éramos do centro de tradições. Nesse ponto, eu e minha

colega de pesquisa aceitamos o que nos foi oferecido por nossos interlocutores e

“tornamo-nos”, neste contexto, “integrantes” da entidade com a qual estávamos. A

figura 18 ilustra a entrada do local, Fazenda Evaristo, onde foi realizado o Rodeio.

Avisos aparecem de modo explícito, delimitando regras do universo tradicionalista.

34

Os tradicionalistas comemoram a Revolução Farroupilha com atividades festivas, organizadas pelo CTG durante uma semana, iniciando-se com os festejos do dia 07 de setembro, data da Independência do Brasil, e se estendendo até dia 20, data da deflagração da mencionada Revolução.

62

FIGURA 18 - PORTÃO DE ACESSO AO RODEIO

FONTE: A autora (2014).

O evento dividiu-se entre apresentações e concursos de “atividades

artísticas”, como chulas35, gaitas ponto, piano, declamação de poemas, danças e

música, conjunto de atividades denominado por “Rodeio Artístico”. Competições de

“atividades campeiras”, as quais são praticadas com o cavalo, também se fizeram

presentes, como provas de laço36, gineteadas37 e a “Vaca Parada”, competição

destinada às crianças, as quais laçam um boi de madeira. Cada competidor e

competidora, dupla ou grupo, representa um CTG. Como premiação aos vencedores

foram distribuídas motos, foram realizadas pagamentos em dinheiro e troféus (as

categorias juvenil e mirim recebem somente troféus). Outras atividades

aconteceram, como leilão de cavalos crioulos domados, missa crioula, “gaiola cross”,

35

É uma dança típica do RS, praticada apenas por homens, “semelhante” ao sapateado. Nas competições, não se pode repetir o passo do seu oponente. 36

Prova a qual a pessoa, montada em um cavalo, deve laçar um boi em determinado tempo. 37

Provas que o indivíduo deve montar cavalos mal domados ou não domesticados, denominados “xucros”, sem selas.

63

desfiles cívicos a cavalo, bailes e shows de grupos musicais nativistas e

tradicionalistas38.

O local de realização do evento era muito amplo, tendo sido utilizado para

outros grandes eventos. Trata-se da Fazenda Evaristo39, onde o CTG Amor e

Tradição40, que organizou o rodeio, também tem suas instalações e sede. Esta

entidade tradicionalista pertence a fazenda, segundo seu site, já que o proprietário

do lugar, Evaristo Estoeberl, fundou o CTG na mesma. O centro de tradições

atualmente possui 12 piquetes de laço, um grupo de invernada artística e sua sede

dentro da Fazenda Evaristo, local onde anualmente, no mês de abril, é realizado o

evento do rodeio, um dos maiores do sul do País. Lá, havia divisão em vários

ambientes, sendo que os acampamentos, onde os participantes tradicionalistas

ficaram acampados em barracas, foram divididos por CTG. Alguns CTGs possuíam

faixas, bandeiras e cordas demarcando o território, como podemos observar na

figura 19.

FIGURA 19 - PARTE DOS ACAMPAMENTOS DO RODEIO

FONTE: A autora (2014).

A estrutura do local era composta pelo grande portão de acesso; salão dos

bailes e palcos; uma área comercial, na qual se vendiam comidas, bebidas e artigos

relacionados ao tradicionalismo gaúcho; canchas de provas; campings e tendas.

38

O flyer da programação do Rodeio em Rio Negrinho está no Anexo A deste trabalho. 39

Para mais informações, acessar o sítio virtual: http://fazendaevaristo.com.br/inicial 40

Para mais informações, acessar: http://www.ctgamoretradicao.com.br/

64

Além destas instalações, havia banheiros espalhados pela fazenda, os quais deviam

ser pagos para serem utilizados, ao curso de um real por uso. Das 23h às 7h da

manhã o banheiro ficava liberado, sendo que no domingo, após as 17h ou 18h, o

banheiro também ficava liberado. Dentro do salão de baile não se cobrou pelo uso

do banheiro em nenhum momento. Ademais, como uma das principais atrações da

Fazenda e, consequentemente, do Rodeio, pelo menos aos jovens do acampamento

do 20 de Setembro, havia uma tiroleza, uma das maiores do Brasil, com 503 metros

de comprimento, que possibilitava a visão panorâmica de todo o parque de eventos.

FIGURA 20 - CANCHA DAS ATVIDADES CAMPEIRAS

FONTE: A autora (2014).

O rodeio é um evento aberto ao público, mediante o pagamento do ingresso,

no valor de 10 reais por pessoa. Durante o dia, percebi que o público era formado

majoritariamente por pessoas que foram assistir as atividades, a fim de permanecer

o dia todo no local acompanhadas de suas famílias, assim como aqueles que

disputaram as competições, filiados a CTGs, levaram sua parentela. O baile de

sábado à noite estava no valor de 30 reais. A diferença entre o ingresso do rodeio e

do baile se explica pelo fato de os grupos musicais costumarem cobrar cachês altos,

principalmente no sábado. Ainda, essa discrepância de preços de entrada no rodeio

65

e baile se coloca como uma estratégia para a seleção dos participantes do baile, ou

seja, pessoas que possuem condições financeiras de pagar, além do ingresso da

entrada no rodeio e o valor do estacionamento, a entrada no baile e a consumação.

Isso demanda uma quantia alta e, dessa maneira, segrega os frequentadores do

baile das pessoas que ficam apenas em frente ao salão, consumindo bebidas

alcoólicas. A figura 21 ilustra o interior do salão do baile, no qual é possível notar

muitos casais dançando.

FIGURA 21 - SALÃO DE BAILE

FONTE: A autora (2014)

Outro ambiente que tivemos contato, afirmando distinções entre os

ambientes do rodeio e as pessoas frequentadoras dos mesmos, foi o leilão, evento

no qual cavalos crioulos domados foram vendidos por 10 mil reais. O leilão ocorreu

dentro do salão de bailes e shows do rodeio, tendo sido transmitido por um canal de

televisão. Havia muitas pessoas sentadas, um telão com imagens dos cavalos a

serem vendidos, com seus nomes e outras informações. Segundo informantes, os

compradores pertenciam a uma classe social alta que possui “capital econômico”,

conforme Jessé Souza (2010). Eram criadores de cavalos, donos de haras, etc,

66

pessoas estas que, no contexto, recebiam tratamento diferenciado por serem quem

são e por desempenharem papel fundamental para o andamento do leilão.

O baile foi um momento singular para percebermos muitas relações sociais

significativas. Muitas pessoas diferentes frequentaram o baile, fazendo com que os

elementos tradicionalistas gaúchos não fossem maioria. A parte musical ficou por

conta do grupo “Os Mateadores”, do estilo nativista. Oliven (1992) apontou

diferenças deste em relação à música tradicionalista, ao passo que nativistas se

mostram mais abertos às novidades, incorporando assim a guitarra, por exemplo.

Todavia, danças sensuais não eram permitidas, a ponto de haver, logo na entrada

do salão, acima da porta da entrada, como apresenta a figura 22, um aviso:

“Proibido dançar maxixe41”. Durante o baile, inclusive, havia seguranças que

estavam encarregados de retirar da festa os indivíduos que subvertessem a regra,

isto é, aqueles que dançassem maxixe. Desta forma, no espaço do baile se coloca

como ofensivo, e passível de punição, toda e qualquer forma explícita de

sensualidade. No entanto, formas implícitas são aceitas, tal como cantadas,

investidas, etc. Os homens investiam constantemente sobre as mulheres, a fim de

relações afetivo-sexuais, tanto que alguns até pediram para dançar conosco,

utilizando-se de “puxadas” em nossos braços a força, a fim de despertar nossa

atenção e falarmos com eles. Percebemos que se tratava de um contexto de

sociabilidade amorosa, de encontro e procura por parceiros e parceiras afetivo-

sexuais, contudo, um ambiente majoritariamente heteronormativo.

41

É um tipo de dança de salão brasileira criada pela população negra no Rio de Janeiro, tendo seu auge no final do século XIX e início do século XX. É caracterizada por apresentar elementos lúdicos e sensuais em seus movimentos, sendo que já foi rotulado por parte da sociedade como uma dança “indecente”. Também é conhecido como “tango brasileiro”. Para mais informações: http://cifrantiga3.blogspot.com.br/2006/02/maxixe-dana-proibida.html

67

FIGURA 22 - AVISOS DE PROIBIÇÕES DENTRO DO BAILE

FONTE: A autora (2014)

A experiência em campo se mostrou muito interessante, se pensarmos que

começamos no baile, com um grupo de gaúchos pilchados e totalmente inseridos

nas regras do baile e do tradicionalismo. Estávamos de acordo com o que se espera

dentro deste universo. Estávamos, enfim, acompanhadas dos “estabelecidos”, nos

termos de Elias e Scotson (2000). Contudo, no caminho para irmos embora, perto

das 4 horas da manhã, avistamos uma travesti em frente ao bar. Apesar do cansaço,

consensuamos que seria indispensável à pesquisa tentarmos algum tipo de contato

e estabelecer uma conversa. Conversamos com ela a respeito de seu sapato que

comprara em Curitiba, sobre o baile e ficamos acompanhadas com a mesma até o

final do evento. Disse-nos que morava em uma cidade vizinha a Rio Negrinho e

havia deixado seu carro no estacionamento por um preço elevado. Percebemos

muitos olhares de desagrado, risos e comentários desdenhosos sobre ela.

Estávamos, agora, com os “outsiders”, também chamados desviantes ou

transgressores, fazendo alusão à análise de Elias e Scotson (2000), ou seja, com o

grupo que não se adequa às regras e às convenções do que se é considerado

“correto e permitido”, dentro daquele espaço. No final, encaminhando-nos à nossa

barraca para dormir, percebemos um casal, na limitada intimidade de sua barraca,

perto de nosso acampamento, sem muita vergonha de ser notado, tendo relações

sexuais, fato incontestável pelos movimentos e sons. Isso chamou atenção devido

ao descompasso entre os discursos dos sujeitos os quais reivindicam valores e

68

comportamentos conservadores em relação à práticas e atitudes que podem

expressar fugas e desvios desses discursos.

Em nosso trânsito pelos ambientes do rodeio, pudemos perceber que há

diferenças significativas entre o departamento campeiro e o departamento artístico

do Tradicionalismo Gaúcho. São dois mundos distintos no que concerne às

indumentárias, práticas e gostos. Ao conversarmos com pessoas pertencentes à

parte artística, a qual tivemos mais contato durante a pesquisa, foram-nos

ressaltadas as diferenças presentes nos dois grandes segmentos apresentados no

gauchismo, como pelo modo distinto no vestir, pois os sujeitos da parte artística

mantém suas vestimentas muito limpas e vistosas, assim como seus sapatos e

cabelos, além de preferirem as músicas tradicionalistas e folclóricas. Já os

indivíduos da parte campeira não se preocupam muito com a condição de limpeza

de suas indumentárias, pelo fato de estarem em meio aos cavalos. Utilizam

bombacha e botas e preferem o consumo de músicas sertanejas raiz e gaúchas.

Enfim, as últimas vivências que tivemos no rodeio se deram nas provas

artísticas e na apresentação do CTG 20 de Setembro, objetivo principal da ida do

mesmo ao evento. Assistimos as provas de declamação e música, ocasião na qual

integrantes do 20 de Setembro competiram. Um poema declamado por uma menina,

“prenda juvenil” da entidade, chamou minha atenção por se intitulado “Mulher

Gaúcha” (Anexo C). Este poema reforça o discurso tradicionalista, que coloca a

mulher em um local específico, de acordo com visão tradicional de gênero,

remetendo a mesma como “pertencente” ao privado e o homem ao público. As

figuras 23 e 24 ilustram prova de declamação e a apresentação de danças

tradicionais do CTG 20 de Setembro.

69

FIGURA 23 - PROVA DE DECLAMAÇÃO FEMININA

FONTE: A autora (2014)

FIGURA 24 - APRESENTAÇÃO DO CTG 20 DE SETEMBRO

FONTE: FONTANA (2014)

70

4. LAZER, TRABALHO, SOCIABILIDADES E GÊNERO NO CTG 20 DE

SETEMBRO

4.1. ENTREVISTAS COM OS/AS PARTICIPANTES

Concomitantemente à observação participante, foram realizadas entrevistas

abertas, ou não-estruturadas, a fim de apreender o ponto de vista dos atores sociais

sobre seu universo social e sobre questões específicas relacionadas às suas

práticas de lazer, trabalho e gênero. Com esta técnica de pesquisa, como

entrevistas individuais e narrativas, buscamos compreender sentidos e significados

de experiências subjetivas. Apresentarei os sujeitos com os quais tive contato

durante o desenvolvimento da investigação e com os quais realizei as entrevistas

abertas gravadas, em forma de conversa, ou seja, por meio de um diálogo gravado,

tendo como guia um roteiro elaborado anteriormente. (MINAYO, 1992). Irei expor os

perfis das entrevistadas e entrevistados, cujas histórias de vida pude conhecer por

meio das entrevistas. Além de dados pessoais básicos, como idade e origem social,

alguns aspectos de suas trajetórias, que definem seu contato com o universo do

tradicionalismo, e suas práticas de trabalho, de lazer e suas relações de gênero, são

tidos como enfoque da investigação. A seguir:

Samara: Tem 36 anos e é nascida no Paraná. Começou seu contato com o

tradicionalismo através de sua participação nos bailes organizados pelo CTG e

considera que “ser gaúcho é um estado de espírito”. É a atual 1ª Prenda Veterana

da entidade, tendo alcançado esse título através dos “Concursos de Prendas”

promovidas pela instituição. Frequenta o CTG desde meados dos anos 2000, para

participar dos jantares dançantes promovidos pela entidade. Através de sua

cunhada, que conhecia alguns integrantes do CTG na época, era sempre convidada

aos eventos. Gostava de assistir as apresentações de danças tradicionais, mas

achava que era algo somente para gaúchos, e participar dançando era algo

intangível. Tentou se associar, mas a taxa de associação era muito cara,

comparável ao do CTG Santa Mônica, que também é um clube de lazer.

Frequentava os bailes por gostarem de dançar e pela comida, que era muito boa.

Conheceu seu marido em um baile gaúcho, e são casados há 19 anos e frequentam

o ambiente tradicionalista juntos. Em 2007, seu filho, com 7 anos, viu uma

71

apresentação da invernada mirim e pediu à mãe para dançar no grupo. Hoje, os três,

Samara, o marido e o filho, dançam no CTG, os dois primeiros da categoria veterana

e o último na categoria juvenil. Nos finais de semana costuma ir à praia, pois tem

uma casa no litoral e, muitas vezes, seu filho prefere ficar na cidade por causa dos

ensaios das invernadas de danças, que acontecem sempre aos sábados. É

professora pela Prefeitura de Curitiba, e, quando não está na escola, onde trabalha

de manhã e à tarde, está no CTG, quase todos os dias da semana. Compõe a

“patronagem executiva”, sendo coordenadora da invernada veterana e tendo como

função avisar as datas dos ensaios, fazer arrecadação de dinheiro, entregar

ingressos dos eventos, pois cada associado deve vender no mínimo quatro para

lotar a casa, e ajudar com a cobrança das aulas de dança.

João: Tem 61 anos, é nascido em Lapa-PR e criado em Curitiba-PR.

Formou-se em danças tradicionais e folclóricas pelo próprio CTG 20 de Setembro e

no Rio Grande do Sul. Atualmente ministra aulas de danças de salão na CTG 20 de

Setembro todas as segundas, quartas e sextas à noite, das 20 às 22 horas, e por

isso é considerado no meio como “Posteiro de dança”. Além disso, faz parte da

“Patronagem executiva” da entidade, como diretor de patrimônio, ou, segundo o

mundo tradicionalista “Agregado das pilchas”. Entrou no meio tradicionalista gaúcho

por meio de sua sobrinha, que queria dançar. Ele a acompanhou e acabou se

interessando pelas danças gaúchas, começando a fazer aulas e, depois, realizando

as cobranças por parte daqueles que já estavam inseridos. Participa da entidade há

9 anos. Quando viúvo, há 20 anos, casou-se com sua atual esposa, que conheceu

no CTG, pois ela o ensinou a dançar. Ele e sua esposa participam e frequentam

assiduamente o local. É aposentado há 3 anos e, por esse fato, dedica-se bastante

à entidade tradicionalista. Trabalhava na Secretaria de Meio Ambiente de Curitiba

como motorista de caminhão e era funcionário público municipal. Fora do CTG,

pratica atividades físicas, como hidroginástica, possui uma academia de ginástica

em casa e se dedica a uma horta particular.

Lídia: Mora no Paraná desde 1979, é natural de São Luis Gonzaga, cidade

pertencente à região das Missões, noroeste do Rio Grande do Sul. É gaúcha, mas

ama o Paraná. Viúva há 6 anos, veio para este estado com 19 anos e casou-se com

um catarinense. Através de um amigo, vindo do RS e que morava no Paraná, o qual

era sócio do 20 de setembro, conheceu a entidade, há cerca de 20 anos atrás. Mora

perto do CTG, no bairro Pinheirinho, em Curitiba. Tem dois filhos casados, um filho

72

que não participa do CTG e uma filha de 25 anos, a qual cresceu participando do

centro e hoje não o frequenta devido à morte de seu pai, e devido à relação que o

local estabelece com ele. Seu marido atuou como “trabalhador voluntário” no bar

dentro do CTG, denominado “bolicho42” para os gaúchos, durante muitas gestões e

ela o ajudava na cozinha. Foi duas vezes “vice-patroa”, juntamente com seu marido.

Tem o CTG como extensão de sua casa. É aposentada como vendedora de

calçados e no CTG trabalha como autônoma, pois aluga a cantina do centro, da qual

garante complementação de renda. Lá vende lanches e bebidas para os

frequentadores do local. Tem funções como abrir e fechar o CTG. Não possui outras

práticas de lazer que não na entidade. Nos domingos, seus únicos dias da semana

dedicados a ela mesma, quando não tem nenhum evento no centro de tradições, às

vezes, vai ao cinema. Sempre está à disposição do CTG, por amor a entidade, que

considera um local de culto à família.

Cleverson: É catarinense, nascido em Chapecó. Pertence a uma classe

alta. Morou muito tempo no Rio Grande do Sul, depois migrou para o Paraná, estado

no qual mora há cerca de quarenta anos. Participou em CTG no RS, e, quando se

mudou para o Paraná, entrou no 20 de Setembro através de amigos. Lá construiu

uma sede campeira para a entidade. É envolvido com o centro de tradições há mais

de trinta anos. Tem filhos e netos participando da entidade tradicionalista.

Atualmente é presidente, ou melhor, “patrão” executivo do centro de tradições e está

em seu segundo mandato. Sua esposa é considerada a “patroa” do centro. Tem

duas netas que dançam na invernada mirim, sua filha foi campeã nacional de

declamação em evento no Mato Grosso e seu filho ficou com três primeiros lugares

na gaita de botão, o qual foi seu vice-patrão na gestão passada e hoje dá aulas de

gaita para os meninos mais novos. Por ser um trabalhador autônomo, se dedica boa

parte de seu tempo para as questões do CTG. Possui terras perto da cidade de São

Mateus do Sul, nas quais tem lavouras e faz criação de gados. Teve anteriormente

uma empresa de transportes. Sua esposa atualmente é aposentada como

professora municipal. Suas atividades de lazer para além da entidade são pouco

expressivas, como participar de formaturas e outros eventos, mas seu cotidiano se

resume em estar no centro de tradições e trabalhar em sua fazenda.

42

Espécie de bar de pequeno porte, ou mesmo um mini-mercado.

73

Cleonice: Tem 38 anos e nasceu em Quedas do Iguaçu-PR. É a atual

secretária administrativa do CTG 20 de Setembro, há cerca de cinco anos. Além de

funcionária, é sócia do centro de tradições. Entrou na entidade devido ao interesse

de seu filho pela cultura gaúcha, especificamente pela dança. Descobriram o 20 de

setembro através da internet. Moravam perto do mesmo, no bairro Capão Raso, em

Curitiba, o que facilitou o acesso ao lugar. Seu filho começou a participar dos grupos

de danças tradicionais e ela acabou se interessando pelo local, por este ser familiar

e um bom espaço para levar os filhos. Sempre trabalhou como atendente de

farmácia, mas, quando a secretária anterior do centro de tradições saiu do trabalho,

chamaram Cleonice para ter a experiência de trabalhar para o CTG. Não sabia como

funcionava o tradicionalismo ao certo e somente depois que iniciou seu trabalho na

entidade é que começou entendê-lo melhor. Trabalha no período da tarde, de

segunda a sexta-feira. Tem como funções atender telefone, cobrar mensalidade dos

sócios e conversar com os mesmos. Ao acabar o expediente, vai para casa e, à

noite, volta ao lugar, às vezes, para jantar. Quando ocorrem eventos, como shows

tradicionalistas, trabalha na entidade fora do expediente, mas também se diverte.

Tem poucas atividades de lazer fora do centro, como viajar para visitar os pais e ir à

praia. Suas práticas de lazer se dão majoritariamente no centro de tradições, onde

também trabalha.

Indiara: Tem 42 anos e nasceu em São Lourenço do Oeste em Santa

Catarina. Casou-se e veio para o Paraná quando tinha 16 anos. Mora no bairro

Santa Cândida, em Curitiba. Sempre trabalhou com seu ex-esposo, como

trabalhadora autônoma. O CTG é seu primeiro emprego de carteira registrada, local

no qual trabalha há cerca de 9 anos como responsável pela limpeza, manutenção e

cozinha. Conheceu o CTG através de uma amiga que participava da patronagem

executiva. Frequentava a entidade para ajudar como trabalhadora não remunerada

na cozinha do lugar, em ocasiões de eventos. Foi diarista para o centro de tradições,

até o momento em que começou a trabalhar no local, após a pessoa que

desempenhava sua função se aposentar. Chamaram Indiara para trabalhar no local,

a mesma fez uma proposta salarial e então ingressou como trabalhadora da

instituição. Avalia o local como de família e concebe as pessoas do CTG como parte

da sua vida. Gosta de ficar na entidade e a tem como sua casa, pois tem relativa

liberdade em seu trabalho. Trabalha e segunda a sábado, das 13 horas às 18 horas.

Quando acontecem os eventos programados pela entidade nos domingos, também

74

vai para trabalhar. Não é associada ao centro de tradições. É evangélica e frequenta

uma igreja situada em Campina Grande do Sul. Gosta de ir onde se sente bem,

mesmo sendo longe. Se há algum problema em sua casa, sai mais cedo da mesma

e vai para o CTG, o qual serve de refúgio para ela, além de lhe garantir renda e

incentivar sua formação enquanto “chefe de cozinha”. Não gosta muito de sair.

Quando não está no CTG, nos domingos, geralmente vai à igreja ou ao shopping

com seu filho, mas gosta mesmo é de ficar em casa, descansar, cuidar das suas

coisas e arrumar o ambiente. No verão, às vezes, vai à praia, vai de manhã e volta

pela noite, pois não tem residência no litoral. Às vezes, sai para almoçar fora de

casa com amigas do próprio CTG e vai a alguma festa de aniversário.

Denis: É “posteiro de danças tradicionais” do CTG 20 de Setembro. Nascido

em Santigo, no Rio Grande do Sul, veio de uma família de gaúchos, nascidos no RS.

Participa de CTG desde criança, quando residia no estado natal. Participou por 7

anos no CTG Querência Santa Mônica em Colombo-PR, atual campeão paranaense

do Fepart - Festival Paranaense de Arte e Tradição Gaúcha, entidade considerada

principal “rival” do 20 de Setembro. Começaram, ele e sua esposa, Amanda, a dar

aulas de danças tradicionais gaúchas quando estavam no CTG Querência Santa

Mônica, pois lá havia um costume de se nomear como professores os casais que se

destacavam na atividade, aparecendo, depois disso, muitos convites para eles

darem aula, foi então que começaram a ministrar as aulas em outros CTGs. Desde

então, há 12 anos atuam nos CTGs daqui do Paraná e do Mato Grosso. É

proprietário da empresa “Gaúchão e Cia” desde 2002, a qual abrange a “Rádio

Gauchão”, a loja virtual e física “Gauchão Regalos” e o “Jornal O Gauchão”. Sempre

trabalhou como representante de vendas de materiais odontológicos, enquanto

dançava no grupo tradicionalista, no qual participava nos finais de semana.

Atualmente, além do CTG 20 de Setembro, é professor de danças tradicionais em

Corbélia, cidade próxima a Cascavel, que vai uma vez ao mês, e em Pontal do

Paraná. Sua intenção era ficar apenas em uma entidade, mas, devido aos convites

que recebeu e a carência de profissionais, acabou aceitando as propostas em outros

lugares. Conheceu sua esposa no grupo de jovens da igreja. Ele e depois ela,

também, entraram em um CTG em Curitiba, dançaram lá juntos por determinado

tempo. Sua esposa foi 1ª prenda da Confederação Brasileira da Tradição Gaúcha –

CBTG – e também do MTG-PR, títulos os quais adquiriu após processos de

concursos. Atualmente possuem dois filhos, uma menina e um menino, que dançam

75

nos grupos de danças tradicionais na categoria mirim da entidade. Quando não está

no CTG, está em casa, assistindo televisão. Também gosta de ler e assistir jornais,

momentos pontuais em seu cotidiano. Segundo ele, vive em um mundo fechado,

pois não tem amizades fora no Movimento Tradicionalista. Seu trabalho é seu lazer

também, pois se constitui em atividades que gosta de desempenhar. Considera-se

um crítico do Movimento Tradicionalista Gaúcho, pela postura que a entidade possui

em determinar regras e normas, como imposições arbitrárias. Critica também a atual

gestão do CTG 20 de Setembro, que, segundo ele, não prioriza o ser humano, mas

sim o retorno financeiro, ao investir somente na estrutura do local, não investindo

nos participantes e potenciais participantes.

Realizaram-se o total de sete entrevistas, sendo quatro com mulheres e três

com homens, todos participantes do CTG 20 de Setembro, a fim de analisar suas

práticas de lazer, de sociabilidade, de trabalho e de gênero. Procuramos entrevistar

pessoas de uma faixa geracional a partir dos 30 anos de idade, para estabelecer as

análises teóricas que almejamos. A maioria dos sujeitos que entrevistei pertence a

uma classe média, sendo um de alta e outro pertencente à classe popular como se

pôde inferir devido a suas histórias e padrões de vida. Percebemos que há relativa

diversidade quanto a classes sociais dentro da entidade tradicionalista, como

apontado também em algumas narrativas de interlocutores da pesquisa.

Para situar a concepção sociológica de classe social, acionamos as

postulações conceituais de Jessé Souza (2010) que elenca a existência de quatro

classes sociais distintas no Brasil. A alta detém o capital econômico essencialmente.

Na categoria média é apropriado um capital cultural valorizado em forma de

conhecimento que possui valor econômico. As classes populares não têm acesso

privilegiado a capital econômico, nem cultural nem social e não têm acesso a

pessoas importantes. Possuem um lugar no mercado, tem renda, planos e consumo

de longo prazo, mas isso não possibilita que sejam da classe média. A outra classe

tida como “sem privilégios” também, são os muito pobres, que não têm nem

precondição para aprender, a quem o autor denomina de modo provocativo de

”ralé”.

O custo da participação na entidade tradicionalista é relativamente baixo. O

valor da mensalidade por família é de 35 reais, preço considerado acessível por

todos com os quais tive contato, além dos gastos com indumentárias, calçados,

custos com viagens a rodeios, quando o próprio CTG não custeia o transporte.

76

Conforme as informações fornecidas em campo, a participação na “parte artística” é

mais acessível financeiramente do que frequentar o “segmento campeiro” do

tradicionalismo, o qual demanda gastos relacionados ao cavalo, sua alimentação,

local para sua manutenção, exames de saúde, vacinas, bem como a taxa de

inscrição nas provas do rodeio campeiro43, como o Rodeio da Vacaria, o mais antigo

do tradicionalismo, que é elevada, chegando ao valor de quatrocentos reais. No

entanto, isso não parece inviabilizar a entrada de algumas pessoas de condições

econômicas diversificas nos rodeios.

Um ponto convergente nas trajetórias de vida em questão, algo que se

repete entre os entrevistados, é o fato da entrada no tradicionalismo gaúcho ocorrer

expressivamente por meio de familiares, amigos, pessoas próximas e íntimas. O

envolvimento destes indivíduos com a tradição e a cultura gaúcha está fortemente

relacionado ao fato do CTG ser considerado um ambiente “saudável”, que possibilita

uma socialização “em família” e que “protege” as crianças, os filhos, dos males

exteriores, como a violência, drogas e álcool. Apesar de não negarem a existência

destes elementos dentro da entidade tradicionalista, pensam haver pouca

expressividade em relação à sociedade “fora” do centro de tradições.

4.2. O CTG COMO ESPAÇO DE CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADES,

SOCIABILIDADES, TRABALHO, LAZER E GÊNERO

O CTG 20 de Setembro, a partir das observações e entrevistas realizadas,

pode ser concebido como um espaço social e cultural no qual se verificam relações

e práticas tanto de lazer quanto de trabalho. Além disso, nestes espaços, formas de

sociabilidades são construídas e reconstruídas. Entrevistamos sujeitos que

trabalham, no sentido de possuir trabalho remunerado na entidade tradicionalista,

porém, simultaneamente, possuem, em outros momentos, relações distintas com o

lugar e com as pessoas do mesmo, como a participação nos eventos festivos

promovidos pelo centro de tradições gaúchas. A partir disso, é possível pensar que

as fronteiras entre o lazer e o trabalho no contexto contemporâneo não estão tão

delimitadas. (BRASILEIRO, 2013).

43

No MTG-PR o valor da prova de laço está regulamentado atualmente por 25 reais, segundo informante do CTG 20 de Setembro.

77

Em vários discursos dos entrevistados e entrevistadas, podemos verificar a ideia

de fluidez entre as categorias “trabalho” e “lazer” dentro do local, o qual possui uma

sociabilidade específica. No fragmento de entrevista a seguir, são acionados os

elementos de uma sociabilidade que se configura dentro da entidade tradicionalista,

sem outros tipos de atividades de lazer externas ao lugar, salvo permanecer em

casa e assistir jornais televisivos.

(...)eu nunca consegui, assim, ter nem amizade fora do movimento [tradicionalista], porque a gente acaba vivendo só essa realidade, muitas vezes é ruim até. Na verdade, eu leio muito jornal e assisto também o jornal. Eu gosto de assistir jornal demais, assim, mas a gente acaba vivendo num mundo fechado e na questão de lazer, assim, eu não tenho. Hoje a minha realidade é essa, se eu falar que tenho, vou estar mentindo, porque as coisas que eu gosto, é meu trabalho, que é meu lazer, às vezes o trabalho acaba dando muito certo até por causa disso (...) (Entrevista com Denis).

Denis, professor de danças tradicionais do CTG 20 de Setembro, é

contratado profissionalmente pelo CTG e tem salário, sendo que sua esposa,

Amanda, é apenas “voluntária", mas é ela quem monta as coreografias dos

espetáculos de dança, por exemplo, função de extrema importância dentro da

entidade. Ela exerce um trabalho não remunerado, como auxiliar de seu esposo, o

qual possui a autoridade e legitimidade de possuir o registro trabalhista reconhecido

pelo CTG e receber salário para sustentar a família toda, ao passo que a ela não se

confere tal patamar. Denis comenta que seu trabalho é “ingrato”, por depender de

vitórias e classificações em rodeios artísticos, nos quais compete com grupos de

outros CTGs. Acerca disso salienta: “(...) “todo esse tempo que você deu aula aí sem

receber nada, benefício tal, você já tinha comprado uma casa”. Eu falo: “é, mas é o

preço que a gente paga, a gente faz o que gosta, né?””

Outra entrevistada, Cleonice, ao me relatar acerca de seu trabalho no CTG

como secretária, afirma que, ao mesmo tempo que trabalha, também se diverte e

possui amizades, chegando a dizer, sobre suas funções, que: “é sofrido, mas é

divertido”. Salienta que o ambiente de trabalho é diferente dos demais trabalhos que

teve anteriormente. Na entidade, as atividades relacionadas ao trabalho não são

opostas ao “brincar, se divertir, tocar gaita, comer e beber” segundo suas palavras.

O CTG é seu espaço de trabalho e de lazer, gosta de estar lá, desempenhar suas

funções de trabalho e frequentar e participar dos eventos da entidade, de ver os

78

ensaios dos grupos de dança e de ir aos rodeios artísticos, nos quais acampam

todos juntos.

Indiara, outra interlocutora da pesquisa, enfatiza o grande gosto que tem

pelo seu trabalho de cozinheira e de zeladora do centro de tradições gaúchas. De

acordo com ela, poderia ter emprego perto de casa ao invés do CTG, mas, por

gostar muito de seu trabalho, permanece no atual. Ela mora no bairro Santa

Cândida, região norte de Curitiba, e trabalha na região sul da cidade, onde se

localiza a entidade. Segundo ela, trabalha porque precisa da remuneração, mas

também tem prazer em desempenhar seu trabalho. Tem o CTG como um espaço

tanto de trabalho quanto de lazer, pois quando está trabalhando, pode assistir aos

grupos de danças tradicionais e de salão ensaiando, pode dançar, se quiser, mas,

por ter muita vergonha, não o faz. Trabalha e se diverte, pois considera o ambiente

de trabalho leve, descontraído e até mesmo “terapêutico”. Em suas palavras, “o

tempo passa e a gente não vê, e nem sente a canseira do trabalho, porque você se

diverte”.

Quanto às concepções de trabalho e lazer dentro da entidade tradicionalista

para outra entrevistada, Lídia, o trabalho é um modo para continuar a “viver em

família”. Para não ficar sozinha à noite, trabalha, porque lhe dá satisfação trabalhar

no CTG. Dedica-se ao CTG depois das 16 horas, sendo que, antes disso, cuida dos

netos e de sua casa. Em todos os dias está presente no centro, somente domingo

não, salvo quando há necessidade da entidade. Viu algumas gerações passarem

pelo CTG. Frisa muito a paixão que sente pelo lugar. Como em outras entrevistas e

situações, no final de sua fala convidou-nos a participar do CTG, lançando-nos44 o

convite: “se quiserem ser tradicionalistas é só entrar no galpão!”. Essa postura de

tentativa de “conversão” ao tradicionalismo se mostrou uma constante em campo,

pois quase todas as pessoas com as quais conversamos e tivemos contato nos

convidaram a participar do CTG após a conclusão de nossa pesquisa.

A partir de narrativas dos sujeitos entrevistados, principalmente aqueles e

aquelas que ocupam algum cargo administrativo na gestão atual da “patronagem

executiva” (como Samara, João e Cleverson) estabelecem relações de trabalho não-

remunerado dentro da instituição. Tais atividades são vinculadas à organização de

eventos, bailes e shows, assim como atividades administrativas, realização de atas e

44

Na ocasião dessa entrevista com Lídia, além de mim, estava presente Andressa, outra integrante do grupo de pesquisa que também teve o CTG 20 de Setembro como local empírico de investigação.

79

prestação de contas, ou mesmo preparação da alimentação. Muitas vezes, nos

discursos das pessoas, essas atividades se confundem com o que percebem como

práticas de lazer, possuindo os mesmos sentidos e significados, que nesse caso se

apresentam como positivos e de bem estar, pois do contrário não o fariam. Dedicam-

se, assim, em grande parte de seu tempo livre, pensando-o em contraposição ao

tempo de trabalho remunerado, para questões relativas ao CTG.

Sopelsa (2003) analisa a questão da sociabilidade existente entre os sócios

do CTG Vila Velha no que concerne à sua atuação no decorrer da década de 1960,

visando apreender em que medida a mesma era moldada e direcionada por uma

série de regras tacitamente elaboradas e aceitas pelo grupo. A associação firmou-se

como composta por indivíduos que, além de compartilhar de uma identidade

gauchesca, apresentavam uma forma de sociabilidade específica e implicitamente

regida por normas internas que orientavam suas relações e trocas sociais. O grupo

do CTG Vila Velha era composto por gaúchos, nascidos do RS, e gaúchos por

escolha, que admiravam hábitos como andar a cavalo, tomar chimarrão e da lida do

campo, ou mesmo por admirar as indumentárias gaúchas, chapéus e bombachas.

Havia, ainda, aqueles que cultuavam e compartilhavam mesmos valores e

referenciais simbólicos da identidade gaúcha.

Ao apresentar que a sociabilidade foi definida por muitos outros autores,

enquanto princípio das relações entre os indivíduos, capacidade de formar grupos,

ou então como relações específicas estabelecidas em instituições particulares, Jean

Baechler (1995) propõe uma visão mais ampla acerca do tema, afirma que a

sociabilidade pode traduzir-se em agrupamentos formais e organizados, podendo constituir unidades do ponto de vista jurídico e administrativo, mas cuja finalidade própria é a de propor a seus membros espaços sociais, onde possam alcançar, cada um por si e todos em conjunto, determinados objetivos específicos, o principal deles podendo ser muito simplesmente o prazer de estar juntos. (BAECHLER, 1995, p. 82).

Além disso, a sociabilidade designa “a capacidade humana de estabelecer

redes, através das quais as unidades de atividades, individuais ou coletivas, fazem

circular as informações que exprimem seus interesses, gostos, paixões, opiniões...”.

Tais redes, consideradas como “conjunto de laços estabelecidos entre as pessoas”,

possuem graus distintos implicados no reconhecimento de três categorias de

sociabilidades. A primeira estaria ligada às “formas de sociabilidade que se

80

estabelecem espontaneamente entre indivíduos”, isto é, as redes em que estes se

integram e convivem no dia-a-dia, como as redes de parentesco, de vizinhança, de

classe, etc. Uma outra dimensão salientada pelo autor seriam as “redes de algum

modo deliberadas, no sentido de que são definidos espaços sociais, onde se

encontram, por opção, atores sociais que tem prazer e interesse em ser sociáveis

uns com os outros”, sugerindo para este tipo de rede a noção de “civilidade”, de

modo amplo. Estes agrupamentos podem ser organizados ou não, formais ou

informais, sendo que, no entanto, não chegam a constituir uma unidade de atividade

estabelecida para atingir determinados fins, chamado pelo autor como “sodalidade”.

Baechler (1995) ainda vislumbra a possibilidade de constituir uma terceira categoria

a partir da ideia de “civilização”, apontando-a “como a extensão última da

sociabilidade”.

De modo significativo, Georg Simmel (1983) contribuiu na reflexão acerca da

sociabilidade. Concebendo a sociedade como dinâmica e enquanto resultado das

interações entre os indivíduos, o autor tem um olhar sobre a vida social a partir do

dualismo “forma e matéria”. A forma, ou sociação, segundo ele, é o processo social

básico “pelo qual os indivíduos se agrupam em unidades que satisfaçam seus

interesses”. Enquanto, por conteúdos ou matérias, o teórico designa “tudo que está

presente nos indivíduos sob a forma de impulso, interesse, propósito, inclinação,

estado psíquico, movimento – tudo que está presente neles de maneira a engendrar

ou mediar influências sobre os outros, ou que receba tais influências...”. Sua

definição de sociabilidade é compreendida “como a forma autônoma ou lúdica de

sociação”.

Podemos estabelecer uma articulação com a análise apresentada por

Sopelsa (2003; 2005), ao pensarmos o CTG 20 de Setembro, o qual é formado por

pessoas com o mesmo perfil apresentado pela pesquisadora. Trata-se de um grupo

com uma clara vinculação identitária, haja vista que sua associação apoiava-se no

julgamento de que todos possuíam os mesmos valores, vontades, interesses ou

ideias. Essa identificação, ao mesmo tempo que os unia, afinal pareciam ser

idênticos sob um certo ponto de vista, também os distinguia do resto da sociedade

ponta-grossense, e isso tanto lhes permitia serem localizados quanto se localizar

socialmente em meio à mesma. Esse princípio de alteridade é necessário para que

os sujeitos se reconheçam enquanto um grupo diante do restante da sociedade, ou

seja, daqueles que seriam os “outros”.

81

Segundo Denys Cuche (1999) apud Sopelsa (2003), a identidade cultural é

relacional e situacional, e aparece como uma modalidade de categorização da

distinção nós/eles, baseada na diferença cultural. Não há uma identidade em si, nem

mesmo unicamente para si. A identidade existe sempre em relação a uma outra. Ou

seja, identidade e alteridade são intimamente ligadas e estão em relação dialética,

ou seja, a identificação acompanha a diferenciação.

Considerando a abordagem dos estudos culturais, a identidade se forma na

diferença e pela diferença, como consequência de processos identitários e da

reinvenção de tradições, verificados no dia-a-dia das pessoas da realidade

observada. Compreendemos as identidades como cada vez menos fixas e estáveis.

Para tanto, segundo Hall (2000):

Essa concepção aceita que as identidades não são nunca unificadas: que elas são na modernidade tardia, cada vez mais fragmentadas e fraturadas; e que elas não são nunca singulares, mas multiplamente construídas ao longo dos discursos, práticas e posições que podem se cruzar ou ser antagônicos. As identidades estão sujeitas a uma historicização radical, estando constantemente em processo de mudanças e transformação (HALL, 2000, p.108).

No que tange a constituição da identidade gaúcha e o que se entende por

ela, a maioria das pessoas se consideram “gaúchos do Paraná”, pois, para elas,

quem nasce no RS é rio-grandense, e gaúcho é quem veste uma pilcha e defende a

cultura e a tradição. Tanto que, para um entrevistado, João, o qual ministra aulas de

dança de salão na entidade tradicionalista analisada, segundo suas próprias

palavras: “Eu procuro não fazer aula para formar dançarino, eu quero formar

gaúchos”, tendo como intuito que o público das aulas, que são “os de fora” do centro

de tradições gaúchas, se forme nas danças e continue participando dentro do CTG.

As identidades produzidas foram mescladas sob um processo de construção

e reconstrução, embora os tradicionalistas do CTG 20 de Setembro acreditem que

suas tradições estão “preservadas” e longe de processos de mudança. Nesta

perspectiva, sobre a noção de identidade, que é construída e fabricada,

fundamentada em tradições, símbolos, discursos, práticas e crenças, analisamos as

manifestações de lazer presentes na realidade empírica.

As práticas de lazer no CTG 20 de Setembro são permeadas por um

processo de identidade cultural, a qual produz modos de sociabilidade entre o grupo.

A dimensão do lazer constrói e constitui identidades dos indivíduos da entidade

82

tradicionalista em suas diferentes manifestações. A identidade “inventada ou

reinventada” é perpassada pelas manifestações e práticas de lazer através de

discursos, símbolos, crenças e costumes acionados. Estes símbolos e elementos

culturais dão sentido de pertencimento e de sociabilidade entre os participantes da

realidade, de modo a produzir um espaço de construção e reconstrução de

identidades e relações.

O lazer na entidade tradicionalista pesquisada se apresenta como um lazer

“em família”, onde o grupo familiar participa junto, discurso evocado por todos os

entrevistados e entrevistadas. Segundo uma entrevista:

Mas no CTG é o ambiente que existe isso: “Ó... hoje tem baile com serranos”, e aí vai o pai, a mãe, o filho, o neto se tiver, vai todo mundo, então o que? As pessoas, principalmente aqui na capital, quando ouvem falar, ou vai em um evento do CTG faz de tudo(...) “vou colocar meu filho aqui, fazer com que goste, vou trazer meu neto, a gente vai entrar aqui e vamos começar a participar do CTG”. Nunca viram uma bombacha na vida entendeu? Mas o que, pra ter essa proteção né, tá ali pelo menos é o que, é aquele tempo de lazer, acaba criando um vínculo de amizade com o pessoal né, todo mundo ali acaba criando esse vínculo e acaba, como eu digo, [constituindo] sua tribo né? Curitiba cada um tem sua tribo né? E o CTG acaba sendo a deles ali entendeu? (Entrevista com Denis)

Não podemos dizer que a participação e o acesso ao CTG, enquanto espaço

de lazer, seja apenas de apenas um dos gêneros45, pensando-o como uma

categoria dual, pois, conforme nossas observações e entrevistas realizadas, trata-se

de um local o qual a família frequenta principalmente reunida, salvo duas

entrevistadas, as quais tem o CTG como espaço inicialmente de trabalho

remunerado, sendo uma viúva e outra divorciada, a saber, Lídia e Indiara, que

também frequentam o espaço para fins de lazer, mas sem a presença de suas

famílias.

Cleverson, outro interlocutor, “patrão” do centro de tradições gaúchas,

enfatiza a ideia de que o CTG é um local no qual nunca houve brigas, é um

ambiente familiar, sadio e “de respeito”, no qual toda a sua família participa, além de

ser bom lugar para criar os filhos e de cultuar valores referentes à família e à

amizade. Esta visão é condizente com a análise de Sopelsa (2003) sobre o CTG

Vila Velha da cidade de Ponta Grossa, no qual a procura por manter o ambiente

45

O conceito de gênero é definido aqui como uma construção histórico-social de campos simbólicos baseados nas diferenças entre os sexos. Aborda homens e mulheres a partir de uma perspectiva relacional, levando em conta outras categorias sociais como raça, classe e etnia.

83

limpo de condutas que eram consideradas reprováveis fazia com que o

comportamento de cada membro sempre estivesse de acordo com um contrato

implícito, que regia a coexistência no grupo e no qual se assentava seu engajamento

social. Assim, cada indivíduo aderia a esse contrato e agia conforme a expectativa

que os demais sócios do CTG possuíam dele, pois somente dessa maneira seria

reconhecido como parte integrante do centro. O receio de perder sua posição como

membro do grupo, logo parte de sua identidade, atua diretamente com uma força

para manter o código de conduta, o qual é ‘convertido em ansiedade pessoal, no

medo do indivíduo em degradar-se ou simplesmente perder o prestígio na sociedade

em que vive. (SOPELSA, 2003, p.153).

Contudo, a ocorrência de respeito e a ausência de desentendimentos eram

explicadas pelo fato desses eventos serem “um ponto de encontro entre famílias”, ou

seja, cada indivíduo conhecia os demais integrantes do centro, sabia de sua

procedência e de seu histórico pessoal. Por conseguinte, todos se percebiam como

componentes de um grupo seleto de amigos e familiares que, embora não

pertencessem à mesma classe social, cultuavam o mesmo princípio de origem

cultural, ou seja, valorizavam os mesmos valores morais e a mesma visão de

mundo. (SOPELSA, 2003).

A narrativa do entrevistado Cleverson também reforçou uma percepção

tradicional de gênero, ao dizer que é o casal (homem e mulher) que ocupa cargos

administrativos na patronagem executiva da entidade tradicionalista, com uma clara

divisão tarefas, sendo que as “mulheres atuam na cozinha” e organizam as festas,

pois, segundo ele, estas possuem mais “jeito”, e os homens fazem o “serviço

pesado”.

Diferentemente das outras entrevistas, na realizada com Denis verificamos

narrativas de conflitos dentro da realidade analisada. O entrevistado coloca-se como

um “crítico” da entidade tradicionalista na qual trabalha e do Movimento

Tradicionalista Gaúcho, enquanto instituição organizada, e questionador de um de

seus fundadores. Sua posição se explica por ser um pesquisador do gauchismo,

tanto que o próprio nos informou que estava em processo de escrita de um livro

sobre indumentária gaúcha, com outros dois professores de danças folclóricas de

CTGs do Paraná.

84

Tem um pessoal que é bem fã do Paixão [Cortez] roxo que fica bravo se escuta a gente falar isso, mas eu tenho uma visão que muita coisa o Paixão inventou, muita coisa que saiu dos livros é da cabeça dele, porque tinha resquícios nas pesquisas, ele ia lá falar, igual vocês, “ah tá, eu vou falar uma parte da história, um pouco, pode ser que não lembre mais, aí se você se contentar só com isso não vai fechar lá no final do (...) e o Paixão que que ele fez, só que só tinha ele, era ele e o Barbosa [Lessa] né. Então o que, a dança da chimarrita é assim e assim. Como que vai saber qual que era a primeira, segunda figura, o cara não sabia dançar sozinho entendeu, então muita coisa ele que foi juntando, foi inventando. A gente tem isso né, eu tenho isso, muitos não: “não o Paixão [Cortez] foi 100% do que ele pesquisou foi tirado”. Eu não acredito nisso, apesar de ser muito fã dele, leio muito, todo o material dele, até muitos não gostam assim no geral, mas esse livro aqui oh esse livro aqui, “Dança e andança”, ele conta toda a trajetória de como foi a pesquisa, como que começou as pesquisas (...) (...) Por isso que a gente fala do MTG, que o MTG na verdade ele vem e coloca dentro do estatuto dele, do regulamento: “ó tem que ser assim” e todo mundo tem que fazer aquilo. Só que daí acaba se perdendo todo o resto da história né, que é o interessante né, eu mesmo, particularmente, gosto dos primórdios da história, da onde que veio né, os primórdios da história, e isso aí o MTG acaba isolando né, entendeu? (Entrevista com Denis)

85

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta monografia teve a intenção de compreender relações estabelecidas

entre lazer, sociabilidade, trabalho e gênero para participantes, mulheres e homens,

do Centro de Tradições Gaúchas 20 de Setembro, da cidade de Curitiba. Almejamos

entender o processo acerca do tempo livre e tempo de trabalho remunerado e não

remunerado, percebidos para os sujeitos entrevistados dentro da entidade

tradicionalista, de modo a interpretar os significados atribuídos às suas atividades

profissionais, de lazer e recreativas, bem como suas relações familiares. Para atingir

tal objetivo, realizamos entrevistas semi-estruturadas, com utilização prévia de

roteiro com perguntas essenciais da investigação, além da observação-participante,

ou seja, técnicas de pesquisa compreendidas no trabalho de campo.

Iniciamos com a discussão acerca da constituição do gauchismo como um

movimento cultural organizado, criado por um grupo de homens, os quais

procuraram estabelecer práticas a serem revividas e recriadas em associações civis

denominadas CTGs – Centros de Tradições Gaúchas. Compreendemos, com o

desenvolvimento da pesquisa, conforme Oliven (2006), que o Tradicionalismo é um

movimento urbano, que procura recuperar os valores rurais de um “suposto”

passado e, ao mesmo tempo, reviver esse passado campeiro nas entidades

tradicionalistas. A construção da identidade gaúcha também foi abordada

considerando seus elementos distintivos, evocados pelos sujeitos do centro de

tradições investigado. Para apresentarmos o contexto de formação dos processos

de instauração do MTG e da identidade gaúcha, pautamo-nos em trabalhos de

autores que abordaram essas questões.

Demos continuidade, no capítulo 2, com a apresentação do processo de

diáspora da identidade gaúcha, constituída como “desterritorialização da cultura

gaúcha”, enunciada por Oliven (2006), ao analisarmos a repercussão do Movimento

Tradicionalista Gaúcho no estado do Paraná. Trouxemos observações do campo

acerca das interações sociais presenciadas na instituição tradicionalista na qual

fizemos trabalho de campo e no rodeio, assim como os principais interlocutores que

tivemos nesses locais, que nos forneceram importantes dados empíricos para a

realização da análise.

No último capítulo deste trabalho, além de apresentarmos nossos

entrevistados e entrevistadas, procuramos articular suas narrativas e discursos com

86

parte da teoria sociológica acerca das questões de lazer, trabalho, gênero e

sociabilidade. Trouxemos uma literatura que discute as relações entre lazer e

trabalho, bem como a perspectiva de gênero sobre as mesmas, ao abordar as

diferenças estabelecidas entre homens e mulheres quanto ao acesso a essas

dimensões da vida.

A partir do desenvolvimento do trabalho, podemos levantar importantes

considerações a respeito da realidade investigada. Como um local frequentado por

diversas pessoas de várias idades, homens, mulheres e crianças, no CTG 20 de

Setembro, há algo que os une por meio da identidade cultural específica, a qual

cultua valores, costumes e comportamentos particulares, fundamentando o

complexo movimento cultural que ali se estabelece, qual seja, um movimento que

tem suas raízes no tradicionalismo gaúcho, entendido como movimento urbano que

procura “recuperar” supostos valores e práticas rurais do passado, bem como revivê-

los e recriá-los. (OLIVEN, 2006).

Para a constituição da identidade gaúcha, os tradicionalistas demarcam

quais são os “verdadeiros” valores gaúchos, por isso a necessidade de se remeter à

“Tradição”. A identidade cultural gaúcha é construída a partir de oposições e

contrastes com outras identidades, ao enfatizar as diferenças e marcas de distinção

em relação a outros grupos sociais. O passado rural e a figura do gaúcho são

considerados sinais distintivos em relação ao restante do país, além do fato de sua

localização geográfica estar no extremo sul do Brasil. (OLIVEN, 1992).

A discussão sobre as tradições e cultura gaúchas partiu também da

argumentação presente na obra de Eric Hobsbawn e Terence Ranger (1984), a qual

as enuncia com o objetivo de “inculcar certos valores e normas de comportamento

através da repetição”. Hobsbawn e Ranger argumentam ainda que “elas são

reações a situações novas que ou assumem a forma de referência a situações

anteriores, ou estabelecem seu próprio passado através da repetição quase que

obrigatória”. Assim, os valores e costumes cultuados no CTG paranaense buscam

“preservar” determinadas práticas do passado, ou mesmo reinventá-las, com outros

sentidos, conforme o contexto histórico e o grupo. Acerca disso, apresentou-se, na

narrativa de um interlocutor, uma postura crítica referente a essa ideia de “invenção

das tradições”, corroborando-a, além de questionamentos quanto a imposições

arbitrárias e sem fundamento histórico por parte do MTG, ficando explícitos

posicionamentos que sugerem conflitos dentro do movimento tradicionalista.

87

A sociabilidade e as práticas de lazer em “família” também se mostraram

significativos no CTG 20 de Setembro. Nos discursos de interlocutores e

interlocutoras da pesquisa, a “conversão” e a participação na entidade tradicionalista

sempre apareceram atrelados à família e a amigos próximos, além do fato do centro

de tradições ser tido como um ambiente “saudável”. Portanto, nesse meio social,

apresenta-se uma socialização e um tempo livre em família, ou seja, atividades

coletivas, com forte sentimento conservador, ao valorizar “os bons costumes”.

O lazer das mulheres casadas, as quais possuem dupla jornada de trabalho,

ou seja, trabalham tanto no âmbito privado quanto no público, está fortemente

vinculado a locais familiares e ambientes nos quais os filhos podem frequentar

juntos, como é o caso de duas entrevistadas, Samara e Cleonice, participantes da

instituição tradicionalista. O acesso dos homens casados ao tempo livre mostra-se

também relacionado a ambientes familiares, estando suas atividades de lazer

estreitamente ligadas com suas práticas de trabalho. No entanto, no caso deles, não

se apresenta a dupla-jornada, verificada no das mulheres.

O centro de tradições gaúchas pode ser concebido como espaço no qual se

evidencia tanto práticas de trabalho quanto de lazer, tendo significados parecidos

para muitos sujeitos dessa realidade. Segundo Brasileiro (2013), o trabalho, no

contexto contemporâneo, não é somente considerado em termos de profissão, mas

também no que tange a qualidade do mesmo, como sentimentos experimentados e

valorizações atribuídas ao trabalho. A realização pessoal e o prazer também podem

se apresentar em atividades de não-lazer. Assim, as fronteiras que tradicionalmente

delimitavam as concepções de lazer e trabalho, contemporaneamente já não se

apresentam de modo tão fixo e claro, podendo até mesmo a ser “confundidos”, como

enunciados nas narrativas dos interlocutores da pesquisa.

Por fim, percebemos que essa investigação não contemplou a multiplicidade

de abordagens de temáticas que o trabalho de campo vislumbrou, como analisar o

mercado de bens simbólicos relacionados à cultura gaúcha, o qual emprega muitas

pessoas e tem grande alcance dentro do movimento cultural, ficando essa tarefa

para investigações futuras.

88

REFERÊNCIAS

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90

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91

ANEXO A - Programação do Rodeio realizado em Rio Negrinho - SC

FONTE: CTG “Amor e Tradição”

92

ANEXO B – Cartaz de divulgação do Rodeio em Rio Negrinho-SC

FONTE: A autora (2014)

93

ANEXO C - Poema46 “Mulher Gaúcha”, de Antônio Augusto Fagundes

Os velhos clarins de guerra

desempoeirando as gargantas

quero-querearam no pago.

E o patrão coronelado,

reuniu em torno parentes,

posteiros, peões e agregados.

Chegara um próprio do povo

trazendo urgente recado

que se ia pelear de novo

e o coronel, satisfeito,

dizia, fazendo graça:

"vamos ver, moçada guapa,

quem honra a estirpe farrapa

e atropela numa carga

por um trago de cachaça...Os velhos clarins de guerra

desempoeirando as gargantas

Um filho saiu tenente,

o mais velho - capitão,

um tio ficou de major.

(o pobre que passa o pior,

a oficial não chega, não:

o capataz foi sargento,

um sota ficou de cabo

e a peonada, e os posteiros,

ficaram soldados rasos

pra pelear de pé no chão...)

46

Poema declamado por uma integrante do CTG 20 de Setembro, da categoria juvenil, no Rodeio de Rio Negrinho em SC. Disponível em http://tradicionalismosemfronteiras.blogspot.com.br/2009/09/mulher-gaucha-antonio-augusto-fagundes.html Acesso em 22 Mai. 2014.

94

Carneou-se um munício farto

- vindo de estâncias vizinhas -

houve rações de farinha,

queijo, salame e bolacha,

se santinguando em cachaça

a sede dos borrachões.

E a não ser saudade e mágoa

nada ficou pra trás

a garganta dos peçuelos

misturava pesadelos

sanguessugando, voraz,

cartuchos e caramelos,

o talabarte e o pala,

bolacha e pente de bala,

fumo e chumbo - guerra e paz...

No humilde rancho de um posto,

um moço encilhou cavalo

beijou a prenda e se foi.

Na madrugada campeira

luzia a estrela boieira

sinuelando o arrebol

e as barras de um dia novo

glorificavam o horizonte

lavando a noite defronte

com tintas de sangue e sol.

E durante largo tempo

ficou a moça na porta

olhando a estrada, a chorar,

sem saber porque o marido

tem que partir e lutar,

não entendia de guerra!

Pobre só votam em quem mandam

95

e desconhece outra coisa

que não seja trabalhar.

Então a moça franzina

tomou uma decisão!

Esqueceu delicadezas,

ternuras de quase -noiva

e atou os cabelos negros

debaixo de um chapelão

e se atirou no trabalho,

cuidando da casa e campo,

do gado e da plantação.

Emagreceu e tostou-se

e enrijeceu como o aço!

Temperando-se na luta

madurou-se como a fruta

que é torcida no baraço.

Montou e recorreu campo,

botou vaca, tirou leite

e arrastou água da sanga.

Fez do tempo a sua canga

no lento girar do dia

e quando as vezes parava

comovida, acariciava

o ventre, que pouco a pouco

se arredondava e crescia.

Só a noite, quando cansada

fechava o rancho e dormia

seu homem lhe aparecia:

ora voltava da guerra,

ora peleava - e morria!...

96

Que triste o rancho vazio

nas longas noites de frio

ou nas tardes de garoa!

Que medo de ir a estância!

(e ao mesmo tempo, que ânsia

de saber notícia boa!)

Vizinha perdera o filho.

pra outra, fora o marido.

E um dos que tinham, morrido,

um moço, que era tropeiro,

quando feito prisioneiro

tinha sido degolado

sem nenhuma compaixão.

E até um filho do patrão

se ensartara numa lança

em meio a uma contradança

de berro, tiro e facão.

E o fulano? Que fulano?

Aquele, que era posteiro!

Moço guapo! No entrevero

é como um raio a cavalo.

Trezontonte levou um pealo

mas é sujeito de potra:

já está pronto pra outra,

sempre disposto e faceiro.

E a moça voltava ao rancho,

tão moça ainda, e tão só!

E quando fitava a estrada,

só via o vazio do nada,

o nada o silêncio e o pó.

97

Não sabe quem vem primeiro,

se vem o pai, ou o filho.

E os seus olhos, novo brilho

roubaram de dois luzeiros.

Cada noite, cada aurora,

vai encontrá-la a pensar:

quando o marido voltar,

de novo estará bonita

- novo vestido de chita

e novo brilho no olhar.

E quando o filho chegar,

quantas cargas de carinho

carretearão os seus dedos!

Quantos e quantos segredos

sussurrarão, bem baixinho!

E para ele, os passarinho

cantarão nos arvoredos...

Qual deles chega primeiro?

E se um deles não chegar...?

Mas a guerra segue além,

o filho ainda não vem

e ela a esperar e a esperar!...

Bendita mulher gaúcha

que sabe amar e querer!

Esposa e mãe, noiva e amante

que espera o guasca distante

e acaba por compreender

que a vida é um poço de mágoa

98

onde cada pingo d'água

só faz sofrer e sofrer.

99

ANEXO D – Troféu de participação no Rodeio de Rio Negrinho em “Danças

tradicionalistas”do CTG 20 de Setembro

FONTE: A autora (2014)