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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ O NACIONALISMO LITERÁRIO EM OS FILHOS DA MEIA-NOITE, DE SALMAN RUSHDIE CURITIBA 2006

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

O NACIONALISMO LITERÁRIO EM OS FILHOS DA MEIA-NOITE, DE SALMAN RUSHDIE

CURITIBA 2006

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JOSEPHYNE PICANÇO DE CARVALHO

O NACIONALISMO LITERÁRIO EM OS FILHOS DA MEIA-NOITE, DE SALMAN RUSHDIE

Monografia apresentada à disciplina de Orientação Monográfica II como requisito parcial à conclusão do Curso de Letras, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná.

Orientadora: Profª Drª Luci

Collin Lavalle

CURITIBA 2006

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“Agora, olhando em retrocesso,

posso dizer que somos mais ou menos parelhos, o mundo e eu. Nós dois estamos à altura algumas vezes e decepcionamos outras. Falando só por mim (não pretendo falar pelo mundo): no que tenho de pior, sou uma cacofonia, uma massa de ruídos humanos que não se soma numa sinfonia de um ser integrado. No que tenho de melhor, porém, o mundo canta para mim, e através de mim, como um cristal.”

(RUSHDIE, O chão que ela pisa, p. 80)

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Agradecimentos

A minha mãe, Christiane Picanço, e meu irmão, Maurício Picanço, pela

paciência e compreensão com minha variações de humor e minhas aflições neste

último período letivo. A Leandro Cardoso por seu carinho, seu amor e seu incentivo.

A minha querida orientadora, professora e amiga, Luci Collin, por todo o apoio e

pelos estímulos às minhas descobertas literárias. Ao Dr. Nilson Becker pela

medicação e pelos conselhos para manter minha sanidade mental. A minha amiga

Maria, por toda a força, energia e boas vibrações que muito me ajudaram na

realização deste trabalho. Enfim, a todos os que testemunharam e, de alguma forma,

participaram do processo de criação da presente pesquisa.

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Índice

RESUMO................................................................................................................... 6

1 INTRODUÇÃO................................................................................................... 7

2 NACIONALISMO LITERÁRIO.......................................................................9

2.1 NACIONALISMO COMO LITERATURA DE COLÔNIA............................. 15

3 OS FILHOS DA MEIA-NOITE........................................................................ 19

4 PANORAMA HISTÓRICO............................................................................. 24

5 GÊMEOS SIAMESES...................................................................................... 25

6 YIN E YANG..................................................................................................... 34

7 DEUS ENTRE DEUSES................................................................................... 42

8 HISTORY OR STORY?....................................................................................51

9 CONCLUSÃO................................................................................................... 58

REFERÊNCIAS...................................................................................................... 60

ANEXOS.................................................................................................................. 62

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Resumo

A presente pesquisa tem por objetivo apresentar alguns aspectos do teor

nacionalista no romance Os Filhos da Meia-Noite, de Salman Rushdie. Para tanto,

faremos uma abordagem das definições de nacionalismo e de literatura nacionalista

de acordo com os teóricos Edward W. Said e Benedict Anderson. As questões

nacionalistas são identificadas no romance e confrontadas com a teoria sobre tais

questões. Primeiramente, apresentamos de que maneira o narrador, nascido ao

mesmo tempo em que a nação, se identifica com ela e que indícios ele nos dá de

que ambos sejam irmãos. A seguir levantamos a questão da colonização e da

influência intercultural mútua nos países colonizados assim como nos colonizadores.

Então, expomos as diferenças entre as religiões existentes dentro do subcontinente e

suas demonstrações de amor e ódio. Por fim, apresentamos as maneiras pelas quais a

história pode ser manipulada e como tal manipulação aparece no romance analisado.

Palavras-chave: nacionalismo literário, Salman, Rushdie, Os Filhos da Meia-Noite.

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1 Introdução

Salman Rushdie1 nasceu em Bombaim, Índia, no ano de 1947. É um dos

escritores mais importantes e conhecidos do nosso tempo; autor de vários romances,

um livro de contos, três ensaios e de dois filmes documentais. Foi premiado como

Autor do Ano na Alemanha, com seu romance polêmico Os Versos Satânicos, em

19892. Em 1993 Os Filhos da Meia-Noite foi considerado o Booker dos Booker

Prizes, o melhor romance a ganhar o prêmio em seu 25 anos. No mesmo ano

recebeu o Australian State Prize para a literatura européia. Com O Último Suspiro

do Mouro recebeu, em 1995, o seu segundo Whitbread Prize, e em 1996 o Prêmio

Literário Europeu Aristeion. É professor honorário de Humanidades no

Massachusetts Institute of Technology e membro da Royal Society of Literature.

Shalimar, o Equilibrista é seu mais recente romance, que teve seu lançamento

mundial na semana literária de Parati, no Brasil, no ano de 2005.

Devido à importância literária de Salman Rushdie, a presente pesquisa tem

por objetivo abordar uma de suas obras mais representativas – o romance Os Filhos

da Meia-Noite; como foco principal de nossa pesquisa temos a investigação do teor

nacionalista deste romance, que será analisado sob três aspectos principais:

influências culturais, contrapontos religiosos e manipulação da história.

O primeiro capítulo, intitulado “Nacionalismo Literário”, faz uma

contraposição das idéias apresentadas por dois teóricos da questão nacionalista,

Edward W. Said e Benedict Anderson. O capítulo que se segue chama-se

“Nacionalismo como Literatura de Colônia” e dá continuidade ao debate de idéias

dos teóricos acima citados, tendo ,agora, seu foco voltado para a construção da

literatura dos países colonizados.

1 A partir daqui, convenciona-se que autores cujos nomes aparecem seguidamente no texto serão mencionados com nome completo apenas na primeira referência. Das referências seguintes constarão apenas os sobrenomes. Assim, Salman Rushdie será, ao longo da pesquisa, mencionado como Rushdie. 2 Em 1989, com a publicação do romance Os Versos Satânicos, Rushdie foi condenado à morte pelos líderes religiosos Muçulmanos do Irã, que o acusaram de ter blasfemado contra a cultura iraniana nesta obra. (Cf. Merriam Webster’s Encyclopedia of Literature, p. 977).

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A partir do terceiro capítulo, intitulado “Os Filhos da Meia-Noite”,

começamos a apresentar o romance de mesmo nome, fazendo uma abordagem do

enredo, seguindo-se outro capítulo para uma abordagem da história da Índia no

período pré e pós-Independência. Pareceu-nos, desde sempre, positiva a inclusão de

algumas informações históricas, uma vez que as consideramos essenciais à

articulação, e subseqüente compreensão, de temas explorados por Rushdie em Os

Filhos da Meia-Noite.

Nos quatro capítulos seguintes, entramos mais a fundo no romance de

Rushdie, explorando seu teor nacionalista sob os aspectos propostos. Em “Gêmeos

Siameses” é traçada uma linha através da qual o romance se desenvolve,

estabelecendo paralelos entre as histórias narradas, a do personagem Saleem e a da

nação indiana. Já em “Yin e Yang” utilizamo-nos da teoria de Said para demonstrar

de que maneira as culturas imperialista e colonizada se influenciam mutuamente, e

como essa influência é retratada no romance. O capítulo seguinte, cujo título é

“Deus entre Deuses”, trata das diferentes religiões que são praticadas em todo o

subcontinente indiano, bem como as demonstrações de amor e ódio pelas pessoas

seguidoras de tais religiões, que podem levar a guerras e/ou sacrifícios. Por fim,

apresentamos “History or Story” – cujo título em inglês nos pareceu fazer mais

sentido do que sua tradução para o português –, que apresenta as diversas formas de

manipulação da história a ser contada, seja ela feita pelo próprio narrador ou pelo

governo do país, no caso, a “verdade” de Indira Gandhi.

Enfim, abordaremos em profundidade, baseados em teorias e expondo-as na

prática, alguns dos aspectos da manifestação de cunho nacionalista dentro do

romance de Salman Rushdie.

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2 Nacionalismo literário A trajetória de nossa investigação a respeito da definição da expressão

“nacionalismo literário” começa, intencionalmente, com uma consideração sobre o

sentido denotativo da expressão. Assim, o que os verbetes de um dicionário

convencional nos esclarecem é o seguinte:

Nacionalismo: 1. Exaltação do sentimento nacional; preferência marcante por tudo quanto é próprio da nação à qual se pertence; patriotismo. 2. Doutrina baseada neste sentimento e que subordina toda a política interna de um país ao desenvolvimento do poderio nacional. 3. Doutrina política que reivindica para um povo o direito de formar uma nação. 4. Política de nacionalização de todas as atividades dum país – indústria, comércio, artes, etc. (AURÉLIO, 1993: 1177) Nação: 1. Agrupamento humano, em geral numeroso, cujos membros, fixados num território, são ligados por laços históricos, culturais, econômicos e lingüísticos. 2. País. 3. O povo de um território organizado politicamente sob um único governo. 4. Pessoa jurídica formada pelo conjunto dos indivíduos regidos pela mesma constituição, distinta desses indivíduos, e titular da soberania. 5. Povo ou tribo indígena. 6. Raça, casta, espécie. 7. Terra natal; pátria. (AURÉLIO, 1993: 1177) O que as definições acima evidenciam é que, para começarmos a discutir o

termo “nacionalismo”, é preciso discorrer um pouco sobre condições ou panoramas

históricos e políticos também, pois, dependendo do contexto histórico da nação em

questão, num dado momento, a expressão nacionalista se manifestará de diferentes

maneiras. Aqui, vale observar que a própria teoria pós-colonial e, por derivação, do

nacionalismo, enquanto inserido nesta, que nos interessa de modo direto nesta

pesquisa, está intimamente ligada a condições históricas, como confirma Terry

Eagleton:

Como o feminismo e o pós-modernismo, e diferentemente da fenomenologia ou da teoria da recepção, a teoria pós-colonial está diretamente enraizada em desenvolvimentos históricos. O colapso dos grandes impérios europeus; sua substituição pela hegemonia econômica dos Estados Unidos; a constante erosão da nação-estado e das fronteiras geopolíticas tradicionais, ao lado de migrações globais em massa e da criação das assim chamadas

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sociedades multiculturais; a exploração intensificada de grupos étnicos no Ocidente e de sociedades ‘periféricas’ em outros lugares; o impressionante poder das novas corporações trans-nacionais: tudo isto tem se desenvolvido rapidamente desde a década de 1960 e, com isto uma autêntica revolução em nossas noções de espaço, poder, língua e identidade. (EAGLETON, 1996: 204).3

Na presente pesquisa, portanto, nos interessará focalizar e conhecer um pouco

da história da Índia e do Paquistão, analisar sua condição de colônia e, naturalmente,

explorar alguns desdobramentos que advém desta condição. Contudo, ao invés de

entrarmos diretamente no assunto da história desses países, falaremos um pouco das

colônias de uma maneira geral.

Quando abordamos o tema do colonialismo, muitas perguntas surgem de

imediato: como definir o sentimento nacionalista de um povo colonizado? Seria esse

o sentimento proveniente do colonizador? Ou seria um resquício – e possível

tentativa de resgate – de um sentimento nativo?

Um dos teóricos que pode nos ajudar a responder tais perguntas é Edward W.

Said. Em seu livro Cultura e Imperialismo, Said levanta essas mesmas questões,

dando, de início, a indicação de que nenhum sentimento presente existe sem a

intervenção de um passado, e que, muitas vezes, esse passado se confunde com o

presente, deixando o interlocutor sem saber para que ponto se dirigir: “A invocação

do passado constitui uma das estratégias mais comuns nas interpretações do

presente. O que inspira tais apelos não é apenas a divergência quanto ao que

ocorreu no passado e o que teria sido esse passado, mas também a incerteza se o

passado é de fato passado, morto e enterrado, ou se persiste, mesmo que talvez sob

outras formas” (SAID, p. 33).

3 “Like feminism and postmodernism, and unlike phenomenology or reception theory, post-colonial theory is directly rooted in historical developments. The collapse of the great European empires;their replacement by the world economic hegemony of the United States; the steady erosion of the nation state and of traditional geopolitical frontiers, along with mass global migrations and the creation of the so-called multicultural societies; the intensified exploitation of etnic groups within the West and ‘peripheral’ societies elsewhere; the formidable power of the new transnational corporations: all of this has developed apace since the 1960s, and with a veritable revolution in our notions of space, power, language, identity.” (A partir daqui, as citações de textos originalmente em inglês serão traduzidas por mim, sendo que o texto original aparecerá em nota).

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Neste trecho Said não deixa evidente se o passado por ele citado é o passado

anterior à colonização ou o período colonial em si, em se tratando de um país

independente. Porém, o próprio autor nos dá referências de que essa influência sobre

o passado não afeta apenas os países colonizados, mas também os colonizadores. De

acordo com Said, este vínculo que existe entre cultura e política imperial é

assombrosamente direto. Ele se refere à proximidade existente entre o povo

colonizado e o Império, tanto na convivência quanto nos costumes adquiridos de

ambas as partes, mesmo que seja clara a divisão de poderes e deveres entre esses

povos. Nem o imperialismo, nem o colonialismo são um simples ato de acumulação e aquisição. Ambos são sustentados e talvez impelidos por potentes formações ideológicas que incluem a noção de que certos territórios e povos precisam e imploram pela dominação, bem como formas de conhecimento filiadas à dominação: o vocabulário da cultura imperial oitocentista clássica está repleto de palavras e conceitos como “raças servis” ou “inferiores”, “povos subordinados”, “dependência”, “expansão” e “autoridade”. E as idéias sobre a cultura eram explicitadas, reforçadas, criticadas ou rejeitadas a partir das experiências imperiais. (SAID, p. 40) Outra referência marcante, que revela como os colonizadores ou imperialistas

agiam e impunham sua dominação sobre os povos ditos inferiores, era através do

trabalho e dos lucros adquiridos com esse trabalho (por muitas vezes tratava-se de

trabalho escravo). Era de interesse dos Impérios que as colônias lhes rendessem

bons dividendos, sendo que a maior parte desse montante iria direto para as mãos

dos imperadores, deixando um mínimo necessário para a sobrevivência das colônias.

Como nos esclarece o teórico: Havia um comprometimento por causa do lucro, e que ia além dele, um comprometimento na circulação e recirculação constantes, o qual, por um lado, permitia que pessoas decentes aceitassem a idéia de que territórios distantes e respectivos povos deviam ser subjugados e, por outro, revigorava as energias metropolitanas, de maneira que essas pessoas decentes pudessem pensar no imperium como um dever planejado, quase metafísico de governar povos subordinados, inferiores ou menos avançados. Não podemos esquecer que era mínima a resistência doméstica a esses impérios, ainda que muitas vezes fossem fundados e mantidos em condições adversas e desvantajosas. (SAID, p. 41)

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Em se tratando da relação Império-colônia, as discussões existentes ainda nos

dias atuais são contraditórias. Ao mesmo tempo que os países colonizados lutam por

seu desenvolvimento e reconhecimento como nações autônomas, o sentimento de

que a colonização trouxe algo de bom para a civilização de tais países é expressivo:

Mas, da mesma forma, o debate nos países de Terceiro Mundo sobre a prática colonialista e a ideologia imperialista que lhe dá respaldo é extremamente aceso e diversificado. Inúmeros grupos acreditam que a amargura e as humilhações da experiência que praticamente os escravizou mesmo assim trouxeram benefícios – idéias liberais, autoconsciência nacional e bens tecnológicos – que, com o tempo, parecem ter diminuído em muito o caráter desagradável do imperialismo. Outras pessoas na era pós-colonial refletiram retrospectivamente sobre o colonialismo para melhor entender as dificuldades do presente em países de independência recente. (SAID, p. 49)

O que Said nos deixa claro nesse trecho é que, apesar das humilhações

sofridas pelos povos colonizados, os benefícios que os imperialistas trouxeram

foram de grande valia. Mas há de se por na balança o que significa mais para a

nação recém-independente: se as idéias e tecnologia introduzidas pela cultura

dominadora, ou o sofrimento durante o período de colonização, que, como já dito,

era quase escravagista.

Mas, embora o pensamento das ex-colônias seja assim, pesando os prós e

contras da colonização, os países imperialistas descartam a idéia de que as colônias

possam vir a crescer depois de sua independência. Para os imperiais, sem a

influência do Primeiro Mundo nos países ditos inferiores, a sociedade jamais seria

civilizada e democrática, ou seja, não passariam de tribos selvagens sem leis e sem

ordem. Nas palavras de Said:

A assimetria é flagrante. Num caso supomos que a melhor parte da história nos territórios coloniais se deveu à intervenção imperial; noutro, há o pressuposto igualmente obstinado de que os empreendimentos coloniais eram marginais e talvez até excêntricos em relação às atividades centrais das grandes culturas metropolitanas. Assim, a tendência em antropologia, história e estudos culturais na Europa e Estados Unidos é tratar toda a história mundial como objeto capaz de ser abordado por uma espécie de supersujeito ocidental, cujo rigor historicizante e disciplinar tira ou, no período pós-colonial, devolve a história a povos e culturas “sem” história. Poucos estudos críticos em grande escala enfocaram a relação entre o imperialismo ocidental e sua cultura, e o fechamento dessa relação profundamente simbiótica é um resultado da própria relação. Mais particularmente, a extraordinária

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dependência formal e ideológica dos grandes romances realistas franceses e ingleses perante os fatos imperiais nunca foi estudada de um ponto de vista teórico geral. Essas elipses e negativas estão reproduzidas, a meu ver, nos estridentes debates jornalísticos sobre a descolonização, em que o imperialismo volta e meia aparece dizendo: “Vocês são o que são por nossa causa; quando saímos, vocês voltaram a seu estado deplorável; saibam disso ou não saberão nada, pois certamente há pouco a conhecer sobre o imperialismo que agora possa ajudar a vocês ou a nós”. (SAID, p. 69)

Além de Said, outro teórico que nos ilumina muito na questão do

nacionalismo é Benedict Anderson. Em seu livro Imagined Communities, Anderson

afirma que apesar de o nacionalismo em si não parecer tão enfático, o sentimento de

nação é o valor mais universalmente legítimo na vida política do nosso tempo. “A

realidade é bem simples: o “fim da era do nacionalismo”, há tanto profetizado, não

se prevê. De fato, o sentimento de nação é o valor mais universalmente legítimo na

vida política do nosso tempo” (ANDERSON, p.3)4. Mas o crítico diz que tanto

nacionalismo quanto nacionalidade são artefatos culturais atribuídos ao indivíduo ao

longo de sua vida, e que este os incorpora como se já os possuísse de nascença. Da

mesma forma, a nação à qual tal indivíduo pertence não sonha em se tornar uma

única nação no mundo. Esta nação tem consciência de que, juntamente com ela,

existem outras milhares de nações, e que cada uma é única em sua individualidade.

O sentimento nacionalista que existe no ser humano não é universal, no sentido de

que se imagine todo o planeta unido em uma única nacionalidade. Cada raça e cada

grupo de seres humanos tem consciência de sua condição de coletividade. Conforme

Anderson:

A nação é imaginada como limitada, pois até mesmo a maior delas, com talvez um bilhão de habitantes, tem fronteiras que, mesmo elásticas, têm fim, onde começam outras nações. Nenhuma nação imagina-se única na humanidade. O mais messiânico dos nacionalistas não sonha com o dia em que todos os membros da raça humana se unirão à sua nação de uma maneira que seja possível, em uma certa época, por dizer, como os Cristãos sonham com um planeta totalmente Cristão. (ANDERSON, p.7)5

4 The reality is quite plain: the “end of the era of nationalism”, so long prophesied, is not remotely in sight. Indeed, nation-ness is the most universally legitimated value in the political life of our time. 5 The nation is imagined as limited because even the largest of them, emcompassing perhaps a billion living human beings, has finite, if elastic, boundaries, beyond which lie other nations. No nation imagines itself conterminous with mankind. The most messianic nationalists do not dream of a day when all the members of

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Apesar dessa condição de desunião entre todas as nações do mundo, existe a

soberania de algumas em relação às demais. É o chamado Imperialismo. Embora o

Imperialismo seja comum a muitas nações, de acordo com Anderson, toda nação

sonha com sua liberdade, tanto política quanto cultural.

Por causa desse desejo de liberdade, muitas nações entraram em guerras,

sendo a maioria lutada em grande parte pelo povo. Mas o que leva o cidadão a dar a

vida pelo país? Segundo Anderson, o sentimento de um nacionalista é elevado ao

extremo quando ele vê a honra de seu país tendo mais valor do que sua própria vida.

Chega a ser mais do que um sentimento religioso; é o amor às suas raízes culturais

que faz o homem abrir mão da vida em benefício da nação. “Se a imaginação

nacionalista é de tal maneira, isso sugere uma forte afinidade com a imaginação

religiosa. Como essa afinidade não é eventual, pode ser útil começarmos a

considerar as raízes culturais do nacionalismo com a morte, como a última de uma

grande escala de fatalidades” (ANDERSON, p. 10)6.

No trecho acima citado, Anderson afirma que o sentimento nacionalista mais

forte a ser considerado é a morte em favor da nação. Porém o que podemos extrair

dessa citação é que existe mesmo uma proximidade muito grande entre o sentimento

de nacionalidade e o sacrifício por amor. Conforme observa o crítico: “Em uma

época em que é tão comum para intelectuais cosmopolitas e progressistas

(especialmente na Europa?) insistir na proximidade patológica do caráter do

nacionalismo, suas raízes de medo e ódio pelo Outro, e suas afinidades com o

racismo, é útil lembrarmo-nos que as nações inspiram amor, e também certamente

uma amor auto sacrificador” (ANDERSON, p. 141) 7.

the human race will join their nation in the way that it was possible, in certain epochs for, say, Christians to dream of a wholly Christian planet. 6 If the nationalist imagining is so concerned, this suggests a strong affinity with the religious imagining. As this affinity is by no means fortuitous, it may be useful to begin a consideration of the cultural roots of nationalism with death, as the last of a whole gamut of fatalities. 7 In an age when it is so common for progressive, cosmopolitan intellectuals (particularly in Europe?) to insist on the near-pathological character of nationalism, its roots in fear and hatred of the Other, and its affinities

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A diferença entre o primeiro trecho a mencionar a morte em benefício da

nação e o segundo é que no primeiro, Anderson fala de nacionalismo, ou seja, o

sentimento de pertencer a algum lugar, de fazer parte de algo. Já no segundo, fala-se

de patriotismo, o que difere muito do simples nacionalismo, pois no patriotismo

existe também a necessidade de se fazer algo por sua pátria, de ser útil a ela e, se

necessário for, de morrer por ela.

Outro fato importante a ser lembrado é que o patriotismo, ao contrário do

nacionalismo, pode gerar algo pior, o racismo. O amor pela pureza e soberania de

sua nação leva os cidadãos a discriminar estrangeiros, ou pessoas que se pareçam

com estrangeiros (bem como a discriminação entre diferentes raças, cor de pele,

religião, posição social, etc.), prejudicando a convivência e a paz dentro de seu país.

“Os sonhos do racismo, na realidade, têm suas origens nas ideologias de classe, ao

invés de se inspirar nas ideologias ligadas à nação: acima de tudo, reclama pela

divindade entre os governantes, e pelo sangue “azul” ou “branco” e pela

multiplicação da aristocracia” (ANDERSON, p.149) 8. Em outras palavras, o

racismo não presa pelo desenvolvimento ou pela liberdade do país, mas pela

grandeza e pureza de suas classes sociais.

2.1 Nacionalismo como literatura de colônia

A partir dessas definições do que é nacionalismo e de como o passado age

sobre a nação presente é que podemos começar a investigar a produção literária de

cunho nacionalista. Said, ao analisar este assunto, se utilizando do exemplo do

romancista inglês Charles Dickens, nos abre uma grande perspectiva de discussão.

Diz ele:

with racism, it is useful to remind ourselves that nations inspire love, and often profoundly, self-sacrificing love. 8 The dreams of racism actually have their origins in ideologies of class, rather than in those of nation: above all in claims to divinity among rulers and to “blue” and “white” blood and “breeding” among aristocracies.

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Perder de vista ou ignorar o contexto nacional e internacional, digamos, das representações que Dickens fez dos homens de negócios vitorianos, e enfocar apenas a coerência interna de seus papéis nos romances do autor é perder uma ligação essencial entre sua ficção e o mundo histórico dessa ficção. E compreender esse ligação não significa reduzir ou diminuir o valor dos romances como obras de arte: pelo contrário, devido à sua concretude, devido a suas complexas filiações a seu quadro real, eles são mais interessantes e mais preciosos como obras de arte. (SAID, p.44)

Para Said, o romance deve ser interpretado como uma parte da história de um

povo, independente se a nação a ser retratada na obra é imperialista ou colonialista.

Dickens é um bom exemplo de como a sociedade aparece nos romances de sua

época, assim como William Shakespeare o é para o século XVI e Machado de Assis

para a sociedade Fluminense do século XIX. Essa relação entre o autor e o retrato do

estilo de vida de sua época fica mais claro quando Said nos diz que

Em termos práticos, o que chamo de “leitura em contraponto” significa ler um texto entendendo o que está envolvido quando um autor mostra, por exemplo, que uma fazenda colonial de cana-de-açúcar é considerada importante para o processo de manutenção de um determinado estilo de vida na Inglaterra. Além disso, como todos os textos literários, eles não estão limitados por seus começos e fins históricos formais. (SAID, p. 104)

Ao ler um texto, devemos abri-lo tanto para o que está contido nele quanto para o que foi excluído pelo autor. Cada obra cultural é a visão de um momento, e devemos justapor essa visão às várias revisões que depois ela gerou (...). (SAID, p. 105)

Obras literárias, sobretudo as de tema explicitamente imperial, possuem um aspecto intrinsecamente desordenado, e até desajeitado num contexto político tão carregado. (SAID, p. 106)

É a partir de tais conceitos que podemos perceber o quão importante é a

literatura de colônia para a história de uma nação. No que diz respeito ao retrato da

sociedade, é indiscutível que uma criação literária tenha valor maior do que os

historiadores possam supor, já que o autor observa fatos e costumes para depois

apresentá-los em seus romances, tanto como críticas quanto como valorização da

cultura local.

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Mas, embora a literatura colonialista seja expressivamente “auto-retratista” e

denunciadora dos abusos imperiais, a própria sociedade imperialista sofreu grande

influência de suas colônias no âmbito da literatura. Conforme nos informa Said:

E a Índia, no final do século XIX, havia se tornado a maior, mais durável e lucrativa de todas as colônias britânicas, e talvez até mesmo européias. Desde a época em que a primeira expedição britânica lá desembarcou, em 1608, até a partida do vice-rei britânico em 1947, a Índia exerceu enorme influência sobre a vida da metrópole, no comércio e nos negócios, na indústria e na política, na ideologia e na guerra, na cultura e no âmbito da imaginação. No âmbito do pensamento e da literatura da Inglaterra, é impressionante a lista de grandes nomes que se interessaram pela Índia e escreveram sobre ela: entre outros, William Jones, Edmund Burke, William Makepeace Thackeray, Jeremy Bentham, James e John StuartMill, lorde Macaulay, Harriet Martineau e, claro, Rudyard Kipling, cuja importância é inegável na definição, imaginação e formulação do que era a Índia para o império britânico em sua fase madura, pouco antes de todo o edifício começar a rachar a desmoronar. (SAID, p.179)

Como fica claro através desse trecho, as colônias, especialmente a Índia,

influenciaram expressivamente a cultura das metrópoles, e isto se deu não apenas na

literatura, mas também na maneira de viver de cada uma das classes sociais, sendo

até considerado de bom gosto incluir artigos e costumes coloniais para suavizar ou

até mesmo requintar um ambiente.

É possível considerar que, talvez, essa influência da colônia sobre seu

império tenha sido gradativa e imperceptível às vistas dos colonizadores, mas não se

pode negar o fato de que elas ocorreram e são retratadas até hoje, tanto na literatura

quanto na própria sociedade.

Já Anderson nos diz, para justificar que o nacionalismo se fortaleça na

literatura, que esse sentimento começou a ser disseminado a partir da cultura de

impressão. Antes das línguas vernáculas se popularizarem através da Europa, a que

predominava era o latim, sendo que a maior parte da população não tinha acesso ao

estudo dessa língua. Houve então as primeiras impressões em línguas vernáculas,

diretamente dirigidas ao povo. Foi a partir daí que o sentimento de nacionalismo

começou a crescer entre a população de cada país. Essa revolução atingiu

diretamente a Igreja, uma vez que o latim estava destinado a cair em desuso. “A

união entre o Protestantismo e o capitalismo de impressão, explorando edições

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populares baratas, rapidamente criou um grande público de novos leitores – não

menos entre mercadores e mulheres, que tipicamente sabiam pouco ou nada de latim

– e simultaneamente os mobilizou para razões político-religiosas”(ANDERSON, p.

40) 9

Ao permitir ao povo acesso às leis e à literatura em si, a publicação em

línguas vernáculas fez com que esse povo, não mais excluído por não ter

conhecimento do latim, se sentisse parte do país, e sentisse também que poderia

fazer algo pelo seu crescimento. O que permitiu que esse sentimento de

nacionalismo crescesse e fosse imaginado e idealizado pela população foi, não

apenas a impressão em massa, o desenvolvimento do capitalismo, mas

principalmente a diversidade lingüística da raça humana, o que possibilitou a

tradução desse sentimento para diversos povos diferentes.

Mas o mais interessante é que, através das impressões em massa, o leitor

comum passa a ter conhecimento de milhares de outros leitores que falam a mesma

língua, formando assim uma nação imaginária criada em torno dessa leitura, dessa

fantasia de que todos estariam tendo acesso ao mesmo texto, ao mesmo tempo,

tornando-se parte de um todo; “(...) eles criaram um campo unificado de intercâmbio

e comunicação abaixo do Latim e acima das línguas vernáculas faladas. (...) Esses

companheiros-leitores, a quem eles estavam conectados através da leitura,

formaram, em sua invisibilidade visível, secular e particular, o embrião de uma

comunidade nacionalmente imaginada”(ANDERSON, p.44) 10.

A conclusão à qual chegamos depois de analisar as ponderações de Said e

Anderson, é que juntando a tecnologia de impressão e a evolução do capitalismo

com a diversidade lingüística da raça humana, foi possível a criação de uma nação

imaginária, que serviria de base para a formação da nação moderna.

9 The coalition between Protestantism and print-capitalism, exploiting cheap popular editions, quickly created large new reading public – not least among merchants and women, who typically knew little or no Latin – and simultaneously mobilized them for political-religious purposes. 10 (...) they created unified fields of exchange and communication below Latin and above the spoken vernaculars. (...) These fellow-readers, to whom they were connected through print, formed, in their secular, particular, visible invisibility, the embryo of the nationally imagined community.

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3 Os Filhos da Meia Noite

Para um melhor entendimento do trabalho a ser desenvolvido, apresentamos,

a seguir, uma breve resenha do romance de Rushdie.

O romance em questão conta a história do personagem-narrador Saleem

Sinai, que, nascido no exato momento em que a Índia tornara-se independente, tem

seu destino diretamente ligado à história de seu país. Saleem começa sua narrativa

contando um pouco sobre a vida de seu avô, Aadam Aziz, que, dono de um nariz

expressivamente grande, acaba por ferir seu órgão olfativo ao levar a testa ao chão

para rezar; a partir de então, o rapaz decide não voltar a adorar deus algum. Aadam

acaba de retornar de uma temporada de estudos na Alemanha e passa a ser

discriminado por seus antigos amigos como se fosse ele próprio um estrangeiro. O

recém-formado médico é chamado para atender a filha de um dos mais importantes

homens da Caxemira, mas encontra certa dificuldade, pois a jovem só pode ser

examinada através de um buraco de sete polegadas feito em um lençol, devido ao

cuidado excessivo do pai, que não admite que o corpo da filha seja visto pelo

médico. Apesar desse impecílio, o casal se apaixona, mesmo que aos pedaços, vindo

a casar-se logo mais.

Os recém-casados Aadam e Naseem se mudam para a Índia, onde começam a

formar sua família. É importante ressaltar que o futuro avô do narrador Saleem

demonstra ter um sentimento de vazio desde que abandonou a religião, o que o

próprio personagem descreve como “um buraco de sete polegadas” dentro de si.

Esse vazio e essa descrença são, futuramente, transmitidos aos filhos e netos do

casal. Além das particularidades do avô, Saleem descreve a personalidade da avó,

Naseem, como dominadora e impositiva, características estas que viriam a fazê-la

merecer a alcunha de Reverenda Mãe.

Passado algum tempo, Saleem nos conta a história do primeiro casamento de

sua mãe, com um poeta incapaz de fazer rimas que se esconde no porão da casa dos

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Aziz, depois de presenciar o assassinato de Mian Abdullah (líder da Aliança

Islâmica Livre). Mumtaz, a única dentre os filhos do casal que nasce com a pele

escura, é abandonada pelo marido, Nadir Khan, após dois anos de casamento. Meses

depois ela se casa novamente com aquele que deveria desposar sua irmã mais velha,

Alia. Ahmed Sinai rebatiza sua então esposa para que, com o novo nome, ela

também tenha uma vida nova; chama-a Amina Sinai. O casal Sinai muda-se para

Bombaim após um incêndio criminoso que destrói os negócios de Ahmed em Agra.

Amina está grávida de seu primeiro filho, Saleem.

A casa onde o casal passa a viver era propriedade de um inglês chamado

William Methwold, que vende suas mansões com a condição de que seus objetos

sejam mantidos no lugar; as propriedades receberam os nomes de famosos palácios

europeus: Vila Versalhes, Vila Escorial, Vila Buckingham e Sans Souci. Os novos

moradores da colina de Methwold reclamam da exigência do velho lorde, mas

acabam aceitando a condição, afinal “o preço estava ótimo!” Passados alguns meses,

os próprios moradores passam a incorporar alguns dos hábitos do antigo

proprietário, como criar os peixes, tocar a velha pianola e não abrir mão da hora do

cocktail (hábito este que acaba por fazer de Ahmed Sinai um alcoólatra).

Chegado o momento da tão esperada independência da Índia, chega também a

hora do nascimento do nosso narrador e protagonista. Exatamente à meia noite do

dia 15 de agosto de 1947, vem ao mundo Saleem Sinai, junto com seu alter-ego,

Shiva. Aconteceu que, devido à loucura de uma funcionária da maternidade, Mary

Pereira, duas crianças foram trocadas; o filho do casal rico seria criado pela família

pobre, e vice-versa. A Saleem foi atribuído o título de Filho da Meia Noite pelo

primeiro ministro, Jawaharlal Nehru, e o bebê teve sua fotografia publicada no

jornal, enquanto que Shiva, o verdadeiro filho do casal Sinai, foi criado por um

músico de rua, que mais tarde se tornaria mendigo, sem ao menos desconfiar da

verdade sobre suas origens.

Saleem cresceu e descreveu suas aventuras desde a escola até sua

adolescência, a infância ao lado da irmã, apelidada de Macaca de Cobre, e dos

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vizinhos da propriedade de Methwold. Devido a um acidente dentro da arca de

roupa suja de sua mãe, Saleem desenvolveu seu poder telepático, Dom que recebera

da hora de seu nascimento, e então passa a ter conhecimento das outras crianças que

nasceram na mesma hora mágica, e que, portanto, também tinham poderes especiais.

Mas, como Saleem haveria de nos explicar, o Dom da meia noite não era igual para

todos; quanto mais próximo da hora exata a criança tivesse nascido, mais fortes

seriam seus poderes. A Saleem foi concedido o poder de olhar dentro do coração das

pessoas, e a Shiva, o Dom da guerra. É formada então a Aliança dos Filhos da Meia

Noite, que reúne as crianças mágicas dentro da cabeça de Saleem, graças à sua

telepatia. Também por causa dessa telepatia é que o jovem protagonista consegue

interferir na vida daqueles que o rodeiam, e mais, acaba por deixar sua marca na

política do país, pois, de acordo com sua narrativa, o garoto viajava através do

pensamento dos mais importantes homens do governo, influenciando suas decisões.

Como o próprio personagem nos permite descobrir, cada fato acontecido em

sua vida reflete de alguma maneira na história política da Índia, seja de forma

positiva ou negativa. Saleem se considera uma criança especial, por ter seu Dom

especial, e acredita que sua Aliança com as outras crianças mágicas pode mudar o

destino da nação de maneira significativa. O que o garoto desconhece é que seus

poderes acabam influenciando sua vida e a daqueles que o cercam muito mais do

que ele próprio imaginava. Saleem torna-se responsável pela morte de um dos seus

vizinhos, ao denunciar o romance deste com a esposa do comandante Sabarmati,

também morador da colina.

Pouco tempo depois Saleem se vê atraiçoado por sua família, que, sem saber

dos poderes do rapaz, leva-o ao hospital para tratar uma crise de sinusite. O

tratamento é rápido mas deixa seqüelas irreversíveis ao jovem; devido à drenagem

feita em seu nariz, Saleem perde seus poderes telepáticos. No lugar da telepatia, que

acabara de se perder para sempre, o garoto descobre o poder de cheirar. Pela

primeira vez na vida, Saleem sente os odores, mas de forma muito mais poderosa

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que as pessoas normais, podendo reconhecer inclusive o cheiro dos sentimentos,

como raiva, inveja, ciúme.

Ao ser revelado o segredo da ayah Mary Pereira, aquela que havia trocado os

bebês na maternidade, Saleem descobre-se apaixonado pela irmã, a então cantora

Jamila. Neste ponto da narrativa, a família Sinai já se mudara para o Paquistão, em

busca de uma vida nova, deixando para trás os problemas e as decepções. Além de

acreditar que podia interferir na história da Índia, Saleem vê seu destino também

vinculado, de alguma forma, à história política de seu novo país, e acredita que os

governantes, tanto de uma nação quanto de outra, desejavam eliminar sua família. O

personagem chega a essa conclusão quando o Paquistão é atacado por uma chuva de

bombas, e três delas atingem seus familiares: a primeira atinge a casa recém-

construída de seus pais, a segunda extermina sua avó, Naseem, e sua tia Pia, e a

última mata seus outros parentes, os parentes ricos e importantes, a tia Emerald e seu

marido, o general Zulfikar, seu primo Zafar com a esposa Kif, e sua tia Alia.

Por alguns anos Saleem perde a memória e é enviado ao exército paquistanês

para lutar na guerra contra a Índia. Com seu nariz extremamente grande e poderoso,

olfativamente falando, Saleem ocupa na tropa o lugar de cão farejador, e por não ter

lembrança alguma de sua história, não demonstrar sentimentos aos companheiros, e

por ser o mais velho do grupo, ele é chamado de buda. O buda se embrenha na

floresta dos Sundarbans para fugir da guerra, e leva três companheiros com ele sem,

entretanto, deixá-los saber que estavam a fugir. Os três adolescentes que seguiam o

buda são mortos em combate quando o pequeno grupo consegue sair da selva, oito

meses depois de lá terem entrado. Sendo o buda o único sobrevivente, e ainda

incapaz de lembrar seu nome, ele se vê novamente na Índia. É durante um desfile de

atrações que uma antiga amiga da Aliança o reconhece e o chama pelo nome há

tanto esquecido, Saleem.

Nosso personagem passa a viver em Nova Deli, no gueto dos mágicos, junto

com a feiticeira Parvati e Singh da Fotografia, depois de passar quatrocentos e vinte

dias de luto (quarenta dias para cada pessoa da família que havia morrido) na casa

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de seu tio Mustapha. Após algum tempo Parvati apaixona-se por Saleem, que é

incapaz de amá-la devido à lembrança da irmã, a cantora Jamila. O rapaz diz não

poder ter filhos como desculpa para fugir do casamento, mas não contava que

Parvati usaria sua magia para atrair até ela o comandante Shiva, alter-ego e inimigo

pessoal de Saleem (que agora tornara-se militar), ficando grávida pouco tempo

depois. Vendo a desgraça estampada no rosto da amiga, Saleem aceita casar-se com

ela e assumir o filho de seu rival como se fosse seu.

Após um trabalho de parto de treze dias, ao exato momento em que se

instaurava na Índia o estado de Emergência, nasce o filho de Saleem, Aadam Sinai,

que assim como o pai, tem seu destino ligado ao de seu país. Durante o estado de

Emergência, a primeira-ministra, Indira Gandhi, aprisionou vários de seus inimigos

políticos, incluindo os integrantes da Aliança dos Filhos da Meia Noite. A Viúva,

como é chamada por Saleem, consegue aprisionar todos os ex-companheiros do

rapaz com a ajuda de Shiva, que acabava por se tornar um importante aliado do

Partido. Os prisioneiros foram torturados e, ao final do processo, esterilizados, para

que não pudessem se reproduzir. O que nenhum deles esperava é que o efeito da

cirurgia acabou por ter o mesmo efeito que teve o tratamento para sinusite de

Saleem, fez desaparecer por completo seus poderes mágicos.

Durante as torturas no cativeiro, antes de ser libertado, Saleem foi informado

que Parvati havia morrido. Decidiu então sair em busca de Singh da Fotografia e de

seu filho, Aadam. Depois de encontrá-los a salvo, o rapaz reencontra sua antiga

ayah, Mary Pereira, conhecida então como Mrs. Bragança, dona de uma grande

fábrica de conservas. Mary ajuda seu protegido a criar o filho, e cede a ele um

escritório dentro da fábrica, para que possa escrever sua história.

A morte persegue Saleem de perto, com a mesma doença que matou seu avô,

Aadam Aziz, uma espécie de lepra nos ossos, e o personagem se vê obrigado a

escrever para que o filho não corra o risco de crescer sem saber quem foi seu pai e o

que lhe aconteceu. Quem ouve atentamente a narrativa de Saleem é Padma, uma

funcionária da fábrica, semi-analfabeta, que se apaixona pelo personagem-narrador e

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sonha com um possível casamento. Padma sofre e se emociona com as desventuras

da família Sinai/Aziz, e termina como a platéia de Saleem, antes que seu filho possa

sê-lo. O romance é encerrado por Rushdie com uma palavra que resume

perfeitamente toda a magia que circunda a narrativa: ABRACADABRA. Palavra

esta que é dita pelo pequeno Aadam, que até então não sabia (ou recusava-se a)

falar. Ao contrário do que Saleem imaginava, esta palavra não desencadeou o fim

dos tempos, mas sim o começo de uma nova história, a história de seu filho, que

pode ou não ser tão mágica quanto a sua.

4 Panorama histórico (vide mapas no Anexo)

Após quase quinhentos anos de dominação pelo Império Britânico, a 15 de

agosto de 1947 a Índia se torna um estado independente. A transição da condição de

colônia para nação independente deu-se de maneira pacífica, quando a coroa

britânica decidiu se retirar das terras indianas, enviando ao subcontinente Lord

Mountbatten, o responsável pelo processo de independência da Índia. Mais

importante ainda que a participação de Mountbatten, foi a intervenção de Mahatma

Gandhi, que por meio de discursos, caminhadas e greves de fome, voltou o governo

a seu favor. Em capítulo sobre a descolonização na Ásia, ARRUDA assim resume o

processo de independência da Índia:

A luta pela independência da Índia foi conduzida por Mahatma Gandhi, um advogado indiano de formação européia, que tinha por princípio a não-violência. Em 1947 chegou-se a um acordo com a divisão do antigo território em Índia e Paquistão, ficando a Índia no centro do território e o Paquistão Oriental separado do Paquistão Ocidental por mais de 1.700 km. Em 1971, o Paquistão Oriental declarou-se independente em relação ao Ocidental, com apoio da Índia, passando a se chamar Bangladesh. (ARRUDA, 1980:376)

Apesar da revolução pacifista de Gandhi, e da flexibilidade do Império

Britânico em conceder a independência do Estado Indiano, havia uma rixa interna

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que seria o maior agravante da história do país: a guerra religiosa. Hindus e

muçulmanos disputavam territórios dentro da própria Índia, mas não de maneira

igualitária. Havia muito mais hindus do que muçulmanos no país, e para não terem

de sofrer com uma guerra ainda mais sangrenta, tanto o governo quando o pacifista

Gandhi concordaram em criar um estado inteiramente muçulmano, o Paquistão. Isso

gerou controvérsias entre os hindus e resultou no assassinato de Gandhi. . De acordo

com MCNEILL, numa declaração que ilustra a situação histórica da década de 1970,

a criação do Paquistão representou um fracasso histórico:

A mais embaraçosa confrontação entre o islã e a modernidade ocorreu no Paquistão. Esse novo Estado foi criado com território da Índia britânica em 1947, para dar aos muçulmanos do subcontinente um país próprio onde estivessem garantidos contra a opressão da maioria hindu. Toda a raison d’etat residia, pois, na religião. Entretanto, os esforços de criar uma constituição que se coadunasse com os preceitos muçulmanos fracassaram invariavelmente. O país tem sido governado por oficiais do exército e burocratas que, em sua maioria, foram treinados sob o regime britânico e em geral não levam muito a sério a sua religião na vida privada, mas não ousam impugnar em público a base religiosa sobre a qual se erigiu originalmente o Estado do Paquistão. (MCNEILL, 408-409).

Anos mais tarde, com armas nucleares e ameaças de guerra, Índia e Paquistão

ainda se encontram em constante tensão devido à disputa territorial. O local em

questão agora é o Caxemira, cedido à Índia por um governante, mas ainda requerido

pelo Paquistão devido à sua maioria muçulmana. Até o presente momento, duas

grandes guerras já foram travadas entre as duas nações pela posse do Caxemira,

muitas baixas foram registradas em ambos os lados, mas a situação ainda permanece

incerta.

5 Gêmeos siameses

O tema principal de Os Filhos da Meia Noite é o quão interligadas estão a

história de Saleem Sinai e a de seu país, a Índia. Para isso devemos lembrar que

nosso personagem nasceu no exato momento em que a nação torna-se independente,

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precisamente à meia noite de 15 de Agosto de 1947. Ao receber uma carta do

primeiro-ministro, Jawaharlal Nehru, felicitando-o por seu nascimento e,

metaforicamente, dizendo que “Olharemos pela tua vida com a maior atenção; ela

será, de algum modo, o espelho da nossa” (RUSHDIE, 1986, p. 120), o pequeno

Saleem, futuramente acredita que sua trajetória e a do país realmente têm caminhos

entrelaçados, ou mais profundamente, que interferem uma na outra.

Existem, de fato, coincidências sobre ações importantes que ocorrem em

ambas as histórias, e o narrador descreve-as paralelamente para que o leitor seja

capaz de ver tais coincidências e mais, para que acredite nelas. O melhor exemplo

que aqui se apresenta é o trabalho de parto de treze dias que sofre a feiticeira

Parvati, ao dar a luz o filho de Saleem, Aadam Sinai, exatamente ao mesmo tempo

em que ocorriam manifestações e crises governamentais, vindo a nascer no instante

em que se declarava na Índia o estado de Emergência.

O trabalho de parto de Parvati-Laylah durou treze dias. No primeiro dia, a primeira-

ministra recusou demitir-se, embora a condenação implicasse uma pena de proibição de toda e qualquer função oficial durante seis anos, e o colo do útero, não obstante as contrações tão dolorosas como coices de mula, recusava obstinadamente a dilatação; (...) no gueto, na barraca ao lado daquela em que eu estava sentado de pernas cruzadas e quase morto de fome, o meu filho vinha vinha vinha, já saiu a cabeça gritaram as gêmeas, enquanto a polícia prendia os responsáveis do Janata Morcha, incluindo as figuras quase mitológicas de Morarji Desai e J. P. Narayan, (...) e depois de as três contorcionistas terem lavado o bebê, de o terem embrulhado num sari vermelho e de o terem mostrado ao pai, nesse preciso momento ouviu-se pela primeira vez a expressão estado de emergência e suspensão-dos-direitos-civis, e unidades-especiais-em-estado-de-alerta e prisão-de-elementos-subversivos; algo chegava ao fim, algo nascia, e no preciso momento do nascimento da Nova Índia e do começo duma meia-noite que ia durar dois longos anos, o meu filho, o filho dum tiquetaque renovado, foi posto no mundo. (RUSHDIE, Os Filhos da Meia-Noite, p. 384-5)11

Na descrição do período que antecede seu próprio nascimento, porém, Saleem

faz um panorama geral dos acontecimentos do país e volta-se sem remorso para sua

própria história; “desviarei o olhar das violências do Bengala da longa marcha da

paz de Mahatma Gandhi. Egoísmo? Vistas estreitas? É possível, mas tenho boa

11 A partir daqui, como serão apresentadas muitas referências ao romance, usaremos apenas o nome do autor e a página a qual nos referimos.

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desculpa, julgo eu. Afinal de contas, uma pessoa não nasce todos os dias”

(RUSHDIE, p.108).

Ao narrar os treze dias de trabalho de parto de Parvati, assim como na

descrição do momento de seu próprio nascimento, Saleem faz um paralelo entre as

histórias e atribui a ambas igual importância. O que acontece ao longo do romance

não é exatamente esse tipo de comparação em forma de acontecimentos paralelos,

mas sim de causa-e-efeito, como se os fatos ocorridos em uma das histórias, seja a

de Saleem ou a da nação, refletisse de maneira trágica na outra. Como quando o

garoto, já munido de seus poderes telepáticos, tenta invadir a mente de Evie Burns e

causa nela um grande choque. Ele é empurrado pela jovem americana para o meio

de uma passeata de manifestação pela causa lingüística e acaba cantando uma

canção usada como brincadeira infantil, e que vem a se tornar uma espécie de hino,

um “canto guerreiro”, nas palavras do próprio Saleem. O resultado dessa

intervenção de nosso personagem na história de seu país foi um motim lingüístico

que fez quinze mortos e trezentos feridos, e que terminou com a divisão do estado de

Bombaim.

Esse e outros acontecimentos, como a própria evolução dos poderes de

Saleem e seu desfecho na pensão da Viúva, ele atribui a Evie Burns; a chegada dela

foi a causa, e teve várias conseqüências.

É normal que eu exprima meu reconhecimento a Evie: se ela não tivesse vindo morar ao pé de nós, a minha história nunca teria ultrapassado o turismo numa torre de relógio e a cabulice duma sala de aulas...não teria tido o apogeu na pensão duma viúva, nem haveria provas claras do sentido de minha vida, nem coda numa fábrica cheia de fumo sobre a qual paira a figura a-acender-e-a-apagar, feita de néon verde e açafrão, da deusa Mumbadevi. Mas Evie Burns (...) chegou, trazendo com ela a bicicleta de prata que me permitiu não só descobrir os filhos da meia-noite como também assegurar a divisão do estado de Bombaim. (RUSHDIE, p. 175)

Outra relação que merece ser comentada é quando Saleem relata os

acontecidos de seu décimo aniversário, sejam eles dentro de sua casa ou dentro das

fronteiras da Índia. Ao mesmo tempo em que o governo sofria com as ameaças do

partido comunista, o garoto via a mesma ameaça dentro dos olhos de sua mãe e no

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rubor de suas bochechas ao se falar do partido, devido ao amante (que também era

seu ex-marido) comunista, que viria a ser descoberto por Saleem futuramente.

Enquanto o país crescia e se desenvolvia, apesar de a taxa de analfabetismo ter-se

mantido a mesma, Saleem finalmente descobria seus quinhentos e oitenta e um

companheiros mágicos. Assim como seus vizinhos se posicionavam a favor de um

partido ou de outro, da mesma maneira a irmã de Saleem, Macaca de Cobre, decide

apoiar o garoto em sua briga particular contra Evie Burns. “Foi isso o que aconteceu

quando fiz dez anos: fora da minha cabeça tudo era confusão, dentro dela tudo eram

milagres” (RUSHDIE, p. 197)

Mas esse tipo de acontecimentos não era exclusividade de Saleem. A primeira

das coincidências históricas relatadas pelo narrador ocorre durante a juventude de

seu avô, Aadam Aziz, enquanto este conhecia sua futura esposa através de um lençol

perfurado. “Lá longe, com a Grande Guerra, as crises sucediam às crises e na casa

de teias de aranha o Dr. Aziz estava empenhado também numa guerra total contra os

infindáveis queixumes de sua doente fragmentária. E durante os vários anos que a

guerra durou, nunca Naseem teve duas vezes a mesma doença.” (RUSHDIE, p.28)

Aadam esperava que sua misteriosa paciente, Naseem Ghani, tivesse uma dor de

cabeça, para que se lhe pudesse ver o rosto através do lençol perfurado. “No dia em

que a Grande Guerra acabou, Naseem teve a dor de cabeça há tanto tempo esperada.

Uma tal coincidência histórica adubou, para não dizer que estercou, a existência da

minha família” (RUSHDIE, p. 30), para Saleem este foi o começo de tudo, onde a

história começou a governar o destino de sua família; tal influência só viria a se

concretizar com o nascimento do bebê Sinai no momento da independência da

nação.

Apesar de caxemirense, o Dr. Aziz, após mudar-se para a Índia com sua

família, torna-se um indiano. É lá que ele faz amigos diretamente ligados às causas

nacionalistas do país; entre tais amigos estavam a rani de Cooch Naheen e Mian

Abdullah, também conhecido como “o Zangão”, responsável pela criação da Aliança

Islâmica Livre, um movimento anti-separatista muçulmano. Aliado a tal causa,

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Aadam declara a sua amiga que “Comecei por ser um homem do Caxemira e não

propriamente muçulmano. Depois de ter feito esta nódoa no peito tornei-me indiano.

Continuo a não ser muçulmano, mas estou de alma e coração com Abdullah. O

combate dele é o meu...” (RUSHDIE, p. 41). Depois da morte do Zangão, Aziz

perde o interesse pelas causas do país.

Anos mais tarde, quando Saleem descobre as maravilhas de seus poderes

telepáticos e decide viajar pela mente de pessoas desconhecidas, o garoto depara-se

com a política, vindo a apoderar-se de muitos dos atos realizados por grandes

homens, como se ele próprio fosse o responsável pelo rumo que o governo do país

tomava. “Atingi o auge de minha carreira quando me tornei Jawaharlal Nehru,

primeiro-ministro e autor de cartas emolduradas: sentei-me com o grande homem no

meio dum grupo de astrólogos de barbas e dentes ralos e modifiquei o plano

qüinqüenal de modo a harmonizá-lo com a música das esferas...” (RUSHDIE, p.

168).

Porém, apesar de toda a empolgação momentânea de Saleem com a política, o

país não ia muito bem. O narrador apresenta tais fatos de uma nação jovem, porém

decadente, comparados aos de sua família, tão decadente quanto seu país.

O meu pai decadente...durante cerca de dez anos, antes de se barbear, durante o pequeno-almoço, mostrava sempre boa disposição; mas quando os pêlos da cara começaram a ficar tão brancos como a pele, o seu momento infalível de felicidade deixou de ser uma certeza; até chegar o dia em que, pela primeira vez, perdeu ao pequeno-almoço todo o sangue-frio. Foi no dia em que, ao mesmo tempo, subiram os impostos e baixaram as taxas de isenção; o meu pai, num gesto violento, atirou ao ar o Times of India e lançou em redor de si um olhar furioso, com aqueles olhos vermelhos que só tinha quando se irritava: “É como quem vai à retrete! – gritou numa tal explosão de fúria que ovos torradas chá estremeceram com o susto. – Camisa para cima e calças para baixo! Este Governo trata-nos como se fossemos uma retrete, mulher!” E a minha mãe, chorando sob a pele escura: “Olha as crianças, janum!” Mas o meu pai ia já longe e tinha-me deixado perceber claramente o que as pessoas queriam dizer quando afirmavam que o país estava na retrete. (RUSHDIE, p.192)

Essa decadência do país, Saleem tenta compensar com a criação da Aliança dos

Filhos da Meia-Noite, onde ele apresenta todos os seus sonhos de um dia poder

mudar a nação e espera que seus companheiros compartilhem desse mesmo sonho.

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“O que tenho na cabeça é mais uma espécie de federação de pessoas iguais, onde

podem ser expressos todos os pontos de vista...” (RUSHDIE, p.208-9). O garoto

acredita que, ao menos dentro de sua Aliança, todos teriam os mesmos direitos, sem

que um se sobressaísse ao outro, coisa que não estava acontecendo no país

ultimamente. Saleem toma para si o mesmo sentimento de Mian Abdullah, aquele de

se poder salvar a nação com um pequeno grupo de pessoas, mas nesse caso, tratava-

se de um grupo de crianças de dez anos de idade, que pouco se importavam com o

destino do país. Entretanto, apesar de tanta paixão pela política demonstrada de

várias maneiras ao longo de sua narrativa, no fim do romance, depois de ter sofrido

durante muito tempo nas mãos da Viúva, Saleem diz-se estar “farto, fartíssimo de

política” (RUSHDIE, p. 405).

Deixando a política de lado, o que podemos perceber, em se tratando de

extremo nacionalismo ao longo do romance, é a maneira de como os indianos se

referem aos paquistaneses. Os cidadãos de ambos os países admitem não se suportar,

ou mais precisamente, não suportar a maneira como o país vizinho se porta diante do

seu próprio. Um grande exemplo disso é a postura de Ahmed Sinai em negação aos

diversos convites de seus cunhados, Emerald e Zulfikar, e também da Reverenda

Mãe, para que levasse sua família para morar no Paquistão, onde o desenvolvimento

parecia ser bem mais seguro e imediato do que na Índia.

Outra referência direta a tal preconceito em relação aos paquistaneses aparece

quando Saleem sofre com um ataque de fúria de seu professor de geografia, Sr Emil

Zagallo. O professor agarra os cabelos do garoto e estica seu nariz para baixo, de

modo a demonstrar como seria o mapa da Índia no rosto de uma criança. “Estas

manchas – exclama são o Paquistão! Estas manchas de nascença sobre a orelha

direita é o Paquistão Oriental; e estas manchas horríbeis na face esquerda, é o

Ocidental! Lembrai-bos, meus imbecis, que o Paquistão é uma mancha no rosto da

Índia!” (RUSHDIE, p. 218). Quando o corpo do garoto cede a tal violência e ele tem

um maço de cabelos arrancados de sua cabeça, ele diz: “Eu, tão desorientado que

nem sinto qualquer dor, percebo que tenho na cabeça um sítio completamente

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tonsurado, um círculo onde nunca mais tornará a nascer cabelo, e compreendo que a

maldição do meu nascimento, a que unia o meu destino ao do país, acabava de obter

inesperado cumprimento” (RUSHDIE, p. 219).

De acordo com a análise de Neil Ten Kortenaar sobre o romance, em seu

livro Self, Nation Text in Salman Rushdie’s Midnight’s Children,

O corpo de Saleem, o sinédoque da nação, sofre de um excesso de forma. Não apenas o corpo mas o rosto também, é imaginado como replicante da nação: “Tinha a pele clara, mas desfeada por umas manchas congênitas; manchas negras que começavam ao pé do cabelo, do lado oeste, e uma mancha negra na orelha, virada para leste”, que correspondem à localização do Paquistão Oriental e Ocidental no mapa (p. 121) (...) Até mesmo o nariz de Saleem, sempre a escorrer, ecoa o formato do subcontinente, com o Ceilão gotejando na ponta (p. 219). O nariz no rosto, o rosto no corpo, o corpo nascido ao mesmo tempo que a nação: sinédoque dentro de sinédoque. (KORTENAAR, p. 83) 12

Eis então, mais uma relação entre Saleem e sua pátria; além da hora de seu

nascimento, de seu destino e o da nação estarem eterna e diretamente ligados, o

garoto descobre o mapa da Índia, incluindo seus vizinhos Paquistão e Ceilão, em seu

próprio rosto. O que é interessante, também, é a maneira como Saleem vê o

Paquistão quando passa a viver nele. “Não posso negar: nunca perdoei a Carachi o

não ser Bombaim” (RUSHDIE, p. 287)

Saleem descreve o Paquistão como sendo a Terra da Pureza; lembremos,

portanto, que Saleem é indiano e declara-se impuro a maior parte do tempo. O que

podemos concluir a partir desses poucos dados é que nosso narrador preza a

impureza ao invés da pureza, “na Terra da Pureza, a pureza tornou-se nosso ideal.

Mas Saleem continuava doente de bombaíte, com a cabeça cheia de religiões de toda

a espécie;(...)o seu corpo ia mostrar uma preferência nítida pela impureza. Estava

destinado a ser um inadaptado” (RUSHDIE, p.289). Tanto que o garoto, ao passar

sua adolescência no Paquistão, não freqüenta lugares que condizem com sua posição

12 Saleem’s body, the synecdoche of the nation, suffers from a surfeit of form. Not only the body but the face, too, is imagined as replicatinhg the nation: “Fair skin curved across my features – but birthmarks desfigured it; dark stains spread down my western hairline, a dark path coloured my eastern ear”, stains that correspond to the location of East and West Pakistan on the map (123). (...) Even Saleem’s ever-running nose echoes the shape of the subcontinent, with Ceylon dripping from the end (226). The nose in the face, the face in the body, the body born at the same time as the nation: synecdoche within synecdoche.

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social, como o fazia em Bombaim, ao contrário, costuma encontrar-se em bairros

obscuros e becos de prostituição. Desprovido de seus poderes telepáticos, Saleem

agora apresenta uma fixação por odores, e começa a classificá-los em sagrados e

profanos;

Mas tomava cada vez mais consciência duma verdade terrível que é a seguinte: o sagrado ou o bem tinham para mim pouco interesse, mesmo quando tais perfumes eram exalados pela minha irmã que cantava; já os cheiretes fortes da valeta possuíam uma atração irresistível. Além do mais, eu tinha dezesseis anos; qualquer coisa se agitava no meu baixo-ventre, dentro das minhas calças de cotim branco; e uma cidade que fecha as suas mulheres terá sempre abundância de putas. Enquanto Jamila cantava a santidade e o amor-à-pátria, eu explorava o profano e o lascivo (RUSHDIE, p.296).

No trecho acima citado fica clara a maneira de como Saleem vê a si próprio e a que

distância ele se considera da pureza de sua nova pátria. Apesar de todo esse interesse

pelo profano, após os ataques à cidade de Carachi e à destruição de toda a sua

família, Saleem perde a memória, e tal capítulo, no romance, é entitulado “Como

atingiu Saleem a pureza”, o que ele próprio descreve como “Resumindo: tornei-me

um cidadão do Paquistão” (RUSHDIE, p. 325).

Fica mais fácil entendermos o comportamento de Saleem perante sua perda

de memória se nos lembrarmos que o personagem acabava de descobrir-se

apaixonado pela própria irmã, Jamila. Tudo o que o rapaz incestuoso mais desejava

no momento era poder esquecer a vergonha que se abatera sobre ele e que lhe fora

revelada pela puta mais velha do mundo, Tai Bibi. A perda de memória era o álibi

perfeito para que toda a impureza de um amor incestuoso fosse enfim purificada, e

foi o que então aconteceu. Ao esquecer-se de todo o seu passado e inclusive de seu

primeiro nome, Saleem é alistado no exército paquistanês e enviado para guerra

contra a Índia, lutando “do lado errado da guerra” (RUSHDIE, p. 362), como bem

disse sua tia Sonia. Ao recobrar a memória perdida antes da guerra, Saleem se vê

tomado por uma grande fúria, e um desejo infindável de salvar a nação;

“transformado pela fúria, vi-me também dominado por um sentimento de simpatia

por esta Índia que não somente era minha irmã gêmea como (se me é permitido

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dizer) minha irmã siamesa, tanto que tudo o que acontecia a um acontecia a ambos”

(RUSHDIE, p. 356). É nesse momento que o rapaz finalmente entende que seu

verdadeiro amor incestuoso não era Jamila (que não era sua irmã de sangue), mas

sim a sua verdadeira irmã, a Índia.

Teria eu começado a ver nesse momento que meu amor pela cantora Jamila tinha sido, de certo modo, um erro? Teria eu então percebido que me tinha limitado a transferir para ela a adoração que agora sentia como um amor estranho e apaixonado pela pátria? Quando é que eu compreendi que os meus sentimento realmente incestuosos eram dirigidos à minha verdadeira irmã, à própria Índia, e não à cançonetista barata que me rejeitou com tanta dureza, como cobra que deita fora a pele, atirando comigo para o metafórico caixote de lixo da vida militar? (RUSHDIE, p.356-7)

Envolvido por esse sentimento recém-descoberto pela pátria, Saleem passa a ter

ressentimentos em relação à Jamila, por esta o ter abandonado após o rapaz ter-se

declarado a ela. Embora Saleem soubesse que Jamila, desde seus tempos de Macaca

de Cobre, desdenhava qualquer um que lhe manifestasse amor, o rapaz assumiu o

risco e sofreu as conseqüências. Porém, o que aparece no coração de Saleem neste

momento da narrativa, é que sua verdadeira irmã nunca o abandonou, ele é que lhe

foi arrancado dos braços para ser jogado dentro da mancha do Paquistão, vindo a

reconhecer seu amor pela pátria só depois de ter sofrido e de ter-se esquecido quem

ele realmente era. Um amor tardio, mas não vão; Saleem agora tem o desejo mais

forte dentro de si de salvar aquela que ele sempre amou, embora nunca houvesse

percebido que amava.

Talvez esta seja a conclusão à qual Rushdie quer que cheguemos ao ler o

romance: que todas as aventuras e desventuras do jovem Saleem, desde bebê até os

30 anos, não passam de uma elegia à nação. Que suas memórias, sua narrativa,

sejam uma prova de amor ao país, por quem ele sofreu e junto de quem ele cresceu.

Se, durante a campanha eleitoral, a primeira-ministra Indira Gandhi usava o slogan

Indira é a Índia e a Índia é Indira, acreditamos poder utilizar o mesmo slogan no

caso de nosso narrador, pois é ele e não a Viúva, quem vivencia de perto todos os

passos do desenvolvimento do país. Não seria exagero se o narrador terminasse suas

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memórias deixando esta mensagem para seu filho, o que evidenciaria ainda mais seu

grande amor pela nação: Saleem é a Índia e a Índia é Saleem.

6 Yin e Yang

Ao nos propormos discutir os aspectos da dominação entre culturas no

subcontinente que são apresentados no romance de Rushdie e, levando-se em

consideração as palavras de Said, somos induzidos, de maneira positiva e

construtiva, a admitir que não há dominação e influência apenas de uma parte.

Segundo Said, as culturas de partida e de chegada se influenciam mutuamente, ou

seja, a cultura da nação dominada recebe influências fortes da cultura imperialista,

porém, os imperialistas levam consigo diversos aspectos da cultura colonizada, que

passa a ser então, parte de sua própria cultura. De alguma forma, não são apenas as

grande nações que deixam sua marca nas civilizações as quais conquistaram; as

pequenas nações também se fazem presentes através do que seus dominadores

adquiriram para si de suas raízes.

Não é difícil apresentar evidências de que essa relação império-colônia

também é mostrada através do romance Os Filhos da Meia-Noite, basta começarmos

por Aadam Aziz, o jovem doutor recém chegado de uma temporada de estudos na

Europa. A primeira grande influência que Aadam demonstra ter sofrido estando

imerso na cultura exterior é a perda de sua fé, e a incapacidade de doar-se

novamente à religião; “E o meu avô, pondo-se de pé, tomou uma resolução. (...) E

quedou-se para todo o sempre em terra neutra, incapaz de adorar um Deus cuja

existência de modo algum podia negar. Uma mudança definitiva: um buraco”

(RUSHDIE, p. 16). Essa decisão dramática tomada pelo Dr. Aziz é reflexo da

maneira como ele próprio via sua pátria depois de seu regresso da Alemanha; sentia-

se estrangeiro em sua própria terra, e sentia que a terra também o via como tal.

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35

De regresso à terra natal, via tudo com olhos de viajante. (...) e deu-lhe uma grande tristeza este regresso a um lugar onde se via completamente cercado. Sentiu também (inexplicavelmente) a impressão de que aquela terra antiquíssima estava zangada com o seu regresso doutorado e estetoscopiado. Sob o manto frio do Inverno, a terra natal ter-se-ia mostrado friamente neutra, mas, assim, era evidente: os anos passados na Alemanha tinham-no devolvido a uma atmosfera hostil. (RUSHDIE, p. 15)

Assim como Aadam Aziz passa a ver sua própria terra como sendo estranha, a terra

natal também mostra-o que ele está diferente, que não é o mesmo garoto que partiu

indianizado e que agora retorna, como o próprio Saleem o descreve, “doutorado e

estetoscopiado”, ou seja, completamente embebido da cultura européia.

Mas não apenas a terra se mostra hostil ao regresso de Aadam Aziz. Seu

antigo amigo, o barqueiro Tai, que costumava contar-lhe histórias sobre a formação

das montanhas do Caxemira, também demonstra indignação e intolerância com

relação ao novo Aadam “europeizado”. A maior evidência que o barqueiro apresenta

contra o jovem doutor é uma revolta contra sua pasta de couro contendo seu

apetrechos médicos, pasta esta que estampava a escrita Heidelberga em sua lateral.

Segundo Tai, um nariz tão grande como o de Aadam não precisa de um estetoscópio

para examinar pacientes (RUSHDIE, p. 24). “O Dr. Aziz começa a estudar o

diagnóstico: para o barqueiro a pasta representa o estrangeiro; é uma coisa vinda de

fora, intromissão, progresso. E a verdade é que ela apoderou-se do espírito do jovem

médico; contém realmente facas, medicamentos contra a cólera, a malária, a varíola;

e está de fato colocada entre o médico e o barqueiro, tornando-os antagonistas”

(RUSHDIE, p. 23).

Após diversas desavenças, o barqueiro decide nunca mais se lavar, como

forma de protesto à influência negativa que o doutor representava à boa e velha

sociedade Caxemirense; para Tai, o mau cheiro seria a pior agressão que poderia

fazer a Aadam, pois este, devido a seu nariz extremamente grande, era deveras

sensível olfativamente. O que aconteceu é que Tai caiu doente, “contraiu uma

gravíssima moléstia de pele, parecida com aquela praga européia a que chama o mal

do rei” (RUSHDIE, p. 33), mas recusou a visita do doutor estrangeiro, sendo tratado

por um homeopata local.

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De acordo com a mãe de Aadam, porém, o estudo no exterior era algo de que

o rapaz deveria se orgulhar, e que lhe traria bons frutos no futuro. Entretanto,

quando a jovem Naseem Ghani adoece e seu pai manda chamar o Dr. Aziz, sua mãe

mostra-se enciumada e até mesmo enfurecida, pois de acordo com ela o filho só se

tronara um bom partido devido a sua educação na Europa; “Ghani acha que és uma

boa presa para a filha. Educado no estrangeiro e tudo. (...) de outro modo, porque

haviam eles de olhar duas vezes para a nossa família?” (RUSHDIE, p. 29).

Essa influência européia no comportamento de Aadam Aziz vai se estender

pelo resto de sua vida, inclusive na maneira como virá a educar seus filhos. Em

oposição às vontades da Reverenda Mãe, Aadam tenta fazer com que os filhos

tenham uma mentalidade moderna, o que vem a enfurecer a jovem matriarca; “Anda

a atafulhar as cabeças deles com não sei quantas línguas estrangeiras ou-lá-o-que-é,

e outras coisas sem interesse. (...) Vê lá tu ou-lá-o-que-é! A mais novinha chama-se

Emerald! Em inglês ou-lá-o-que-é! Este homem estraga-me os garotos!”

(RUSHDIE, p. 43). A reação de Naseem à maneira como Aadam educava os filhos é

própria das pessoas que estão acostumadas com coisas simples, com culturas não-

abrangentes, o que atualmente identificamos na maioria dos idosos, que sentem

dificuldade em se adequar às imposições da modernidade. A pessoa valoriza mais a

religião e as tradições do que os avanços da sociedade e o progresso, achando que

essas mudanças não trarão benefícios, ou que destruirão a mentalidade dos jovens,

fazendo deles infiéis.

Esse comportamento é reflexo do modo como o pai de Naseem tratava a filha,

fazendo-a esconder-se atrás de um lençol perfurado para ser examinada pelo médico,

e que contrasta terrivelmente com o modo como o jovem médico trata seus próprios

filhos, desejando que suas filhas tenham amigos e que vão à faculdade; “Demais a

mais, a Reverenda Mãe tomara já uma resolução inabalável; decidiu não fazer nada,

ficar silenciosa e deixar Aadam Aziz descobrir como as suas idéias modernas

estavam a ser nocivas às filhas... deixar que fosse ele a descobrir sozinho, ele que

tinha passado a vida a dizer-lhe para por de lado o seu conceito antiquado de

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37

decência” (RUSHDIE, p.56). Essa guerra entre os valores do casal acaba por resultar

no casamento de Mumtaz com Nadir Khan, o que desagradou por completo a

matriarca.

Apesar de todas estas evidências de influência estrangeira na cultura do

subcontinente, a mais gritante delas aparece na colina da Warden Road, onde estão

situadas as mansões de Methwold. Começamos a perceber algo de estranho quando

vemos Ahmed Sinai ler uma carta de seu amigo, Dr. Narlikar, dizendo que “os

ingleses estão a fugir em massa, Sinai. As casas já não valem nada.”, e aconselhando

o amigo para que vá morar em Bombaim. A descrição da propriedade é a seguinte:

Quatro casas idênticas, num estilo feito à medida dos seus primitivos habitantes (casas de conquistadores! Mansões romanas; casas de três andares, para deuses que moravam no Olimpo de dois pisos, um Kailash em miniatura!) – casas com telhados vermelhos e torreões nos cantos, torres de uma brancura de marfim encimadas por chapéus de telhas bicudos ( torres feitas para nelas serem guardadas as princesas!) – casas com varandas, com acomodações para os criados às quais se chegava subindo escadas de ferro em caracol ocultas nas traseiras – casas a que o dono, William Methwold, tinha posto nomes de antigos palácios europeus: Vila Versalhes, Vila Buckingham, Vila Escorial e Sans Souci. Todas elas cobertas de buganvílias; em lagos azul-pálidos nadavam peixes vermelhos; cresciam cactos sobre pedras; floresciam miosótis minúsculos sobre os tamarindos; havia borboletas, rosas e cadeiras de verga no meio da relva. (RUSHDIE, p. 91-2)

Mas, mais estranho do que ver cidadãos indianos morando em palácios europeus, é

ver que tais cidadãos aceitaram de boa fé as exigências feitas pelo antigo

proprietário para que as mansões fossem vendidas: tudo deveria permanecer

exatamente onde estava, não se poderia jogar fora nem mesmo uma colher

(RUSHDIE, p. 92); “Há-de se permitir que, na hora de abalar, um colono brinque

um bocadinho. Pouco mais nos resta fazer, a nós, britânicos, do que brincar”

(RUSHDIE, p. 92).

Em uma das conversas com Ahmed Sinai, o velho Methwold demonstra certa

mágoa em ter que deixar o país, pois em seu ponto de vista, a colonização foi melhor

para a Índia do que para os britânicos; “Hão-de reconhecer que não éramos tão

maus: construímos as estradas. As escolas, o caminho-de-ferro, o sistema

parlamentar são coisas de valor. O Taj Mahal já tinha ruído se os ingleses não

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38

fossem lá visitá-lo” (RUSHDIE, p. 92-3). Esse é o sentimento que Said nos explica,

quando os colonizadores acreditam ter feito um favor imenso ao industrializar e

modernizar povos primitivos, que seriam incapazes de sobreviver sozinhos. O que

os novos moradores demonstram, porém, é uma certa irritação contra Methwold,

principalmente contra seu capricho de querer que a propriedade continue a ser tal

qual era, mesmo depois de sua partida. Embora seu sentimento de frustração por não

poderem personalizar as próprias residências, as famílias indianas tratam muito bem

o velho lorde e acabam por se acostumar com algumas de suas excentricidades.

“Temos de admitir essas pequenas fantasias, não é? Nós, que temos uma

civilização tão antiga, não podemos ser tão civilizados como ele?” (RUSHDIE, p.

95). Esse comportamento demonstra exatamente a teoria de Said, que os povos

menos civilizados aceitam a submissão e até acreditam que os imperialistas fizeram

bem em colonizá-los. Tal qual os imperiais acreditavam que suas colônias eram

fracas e incapazes de se auto-modernizarem, as colônias passam a ter esse mesmo

tipo de pensamento; embora desejassem obter a independência, ainda nutriam um

forte sentimento de gratidão para com os imperialistas. De acordo com a narrativa de

Saleem,

a propriedade de Methwold transforma-os. Todas as tardes, às seis horas, os vizinhos descem ao jardim, é a hora do cocktail e, quando William Methwold telefona, todos imitam sem esforço o sotaque de Oxford; todos aprendem a lidar com as ventoinhas suspensas do teto, com os fogões a gás, aprendem a dar de comer aos periquitos e é Methwold quem supervisiona esta transformação, murmurando entre dentes! Ouçam com atenção: que diz ele? ”Sabkuch tick-tock hai”, murmura William Methwold. Tudo bem. (RUSHDIE, p. 95)

Em face a tantas exigências, os moradores acabam por adquirir alguns dos

hábitos do velho inglês, “Lila Sabarmati ficou com a pianola; Ahmed Sinai ficou

com o uísque; o velho Ibrahim acabou por se acostumar à ventoinha do teto”

(RUSHDIE, p.125). Alguns anos mais tarde, quando Ahmed Sinai começa a

empalidecer, devido a uma doença de pele, ele passa e demonstrar o preconceito

existente por debaixo da pele da maioria das pessoas.

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ele sempre tinha invejado a pigmentação da pele dos Europeus. Um dia, quando já não parecia mal dizer umas piadas (tinha passado um intervalo conveniente depois da morte do Dr. Narlikar) disse ele a Lila Sabarmati à hora do cocktail: “Por debaixo da pele, as melhores pessoas são brancas; eu deixei pura e simplesmente de fingir”. Os vizinhos, todos mais escuros do que ele, riram por delicadeza, mas ficaram envergonhados. (RUSHDIE, p. 172)

Outra evidência bastante clara da maneira como os indianos viam os

estrangeiros é a chegada de Evie Burns, e o local onde ela e os demais estrangeiros

viviam; “os americanos e outros estrangeiros viviam (tal como Evie) na Noor Ville;

as histórias bem sucedidas de indianos arrivistas tinham o seu desenlace nas Laxmi

Vilas. Do alto da propriedade Methwold, olhávamos para eles com sobranceria,

tanto os brancos como os de cor” (RUSHDIE, p. 175).

Porém, o modo como Evie se comportava perante as outras crianças,

incluindo Saleem e seus vizinhos, era de uma dominadora; assim como a garota se

portava como líder, as crianças aceitaram o fato de bom grado. “Corada, a suar, Evie

Burns apeou-se da bicicleta e declarou: ‘A partir de hoje há aqui um grande chefe.

Percebido? Há objeções, ó índios?’” (RUSHDIE, p.176). Rushdie mostra como foi

fácil para os britânicos colonizar a Índia usando a dominação de uma garota

americana sobre um grupo de crianças indianas como alegoria. Assim como seus

pais aceitaram que Methwold lhes ensinasse como deveriam viver em sua

propriedade, os filhos aceitaram que uma estrangeira viesse lhes ditar regras e

assumir o comando do grupo. Apesar de, algumas vezes, os garotos indianos

sentirem medo de desobedecer seus pais, faziam sempre o que Evie mandava, como

no dia da manifestação pela causa lingüística, “Quem disse: ‘Medo de quê? Vamos

só até meio da encosta, a espreitar...’? Os índios desobedientes seguiram de olhos

esbugalhados a chefe americana de cara sardenta. (‘Eles mataram o Dr. Narlikar’,

avisou Pêlo Oleoso com tremuras na voz. Evie cuspiu-lhe nos pés.)” (RUSHDIE, p.

182). Quando Evie deixa a Índia, depois de ser espancada pela Macaca de Cobre, o

pai da garota parece apenas querer defendê-la dos perigos da vida num país

colonizado: “Semanas depois, o pai recambiou-a para os Estados Unidos, ‘para ser

decentemente educada, longe destes selvagens’” (RUSHDIE, p. 213).

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Podemos analisar a batalha entre a Macaca de Cobre (indiana) e Evie Burns

(americana), sendo vencida pela primeira, como uma metáfora da colonização, da

luta do povo indiano para se ver livre dos imperialistas – na época, os Ingleses,

atualmente os americanos –; apesar das feridas, o país, assim como a Macaca de

Cobre, saiu vencedor, expulsando os intrusos, no caso Evie Burns, de volta para o

lugar de onde vieram, levando consigo suas influências negativas e seu regime de

opressão.

Além de Evie, outra figura que representa a dominação estrangeira sobre a

Índia é o professor de geografia da escola onde Saleem estudava, o Sr. Emil Zagallo.

O professor imitava um sotaque latinizado para fazer-se parecer superior aos alunos,

e mantinha-os sob seu controle à base do terror:

Zagallo dizia-se peruano e gostava de nos chamar indianos selvagens e amantes-de-missanga. Por cima do quadro negro tinha pendurado uma gravura com m soldado todo direito, suado, capacete em bico, calção de metal; costumava, quando fazíamos algazarra, apontar para ele dizendo: “Estais a ber, bando de selbagens? Este homem representa a cibilização! Tendes de o respeitar, olhai a espada que ele tem na mão!”(RUSHDIE, p. 217).

Vimos a saber, logo em seguida, que tal sotaque castelhano de Zagallo era falso e

que sua mãe era originária de Goa, tendo sido abandonada por um marinheiro,

“portanto, não somente era ‘anglo’ como também era bastardo” (RUSHDIE, p.217).

Outras evidências mais sutis também são apresentadas ao longo da narrativa,

como, por exemplo, os cartazes de touradas espanholas na parede do quarto de

Sonny Ibrahim (RUSHDIE, p. 202), ou o comportamento do belo Mutasim, o filho

do nawab, que usava o cabelo à Beatle e só se preocupava em tocar canções

ocidentais em sua guitarra (RUSHDIE, p. 298), assim como os discursos comunistas

de Singh da Fotografia (RUSHDIE, p. 368), e o Rover 1946, igual ao de William

Methwold, que possuía a família Sinai (RUSHDIE, p. 129), como também o

playboy indiano Anand “Andy” Shroff, proprietário do Clube Confidencial Meia-

Noite, que “passava a maior parte do tempo a bronzear-se no Hotel Areia e Sol da

praia Juhu, entre estrelas de cinema e princesas falidas. Pergunta-se: um indiano a

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bronzear? Pelo visto é normalíssimo, um playboy tem que respeitar à letra as regras

internacionais incluindo, parece-me, a que estipula a adoração quotidiana do Sol”

(RUSHDIE, p. 415).

Mas, como afirma Said, não apenas a cultura de chegada recebe influência da

cultura de partida. Esta também leva consigo algumas características daquela que foi

objeto de dominação. No romance podemos apontar três exemplos: o primeiro

aparece na descrição de Saleem para o velho professor Schaapstecker, europeu que

vivia na Índia há muitos anos:

(Com a velhice, os indianos engordam; mas Schaapstecker era europeu, pelo que ia definhando com o passar dos anos, a ponto de quase se ter sumido completamente.) (...) A idade, longe de lhe arrancar os dentes e as bolsas do veneno, fizera dele a incarnação da cobra-capelo; tal como acontece com boa parte dos europeus que ficam por cá muito tempo, as antigas demências da Índia tinham-lhe cozinhado o miolo e dava crédito a todas as superstições dos auxiliares do instituto, segundo as quais ele era o último duma linhagem iniciada pela cópula entre o macho duma cobra real e uma mulher, da qual nascera um rebento humano (com muito de serpentino)...(RUSHDIE, p. 241)

A transformação do professor Schaapstecker é uma das alegorias que Rushdie

apresenta para nos mostrar que a influência indiana na mentalidade (e até mesmo no

corpo) de um estrangeiro pode ser ainda mais nociva do que a dominação britânica o

foi para a Índia.

Como se deve observar, no início da narrativa, uma das amigas alemãs de

Aadam Aziz, Ilse Lubim, comete suicídio no lago do Caxemira, como contava o

barqueiro Tai, que antigamente as mulheres européias costumavam fazer essa última

peregrinação (RUSHDIE, p. 32). Já no final de sua história, Saleem descreve um

jovem americano que encontrou em Mathura a recitar mantras e explicar as

complexidades do hinduismo aos próprios indianos (RUSHDIE, p. 414). Assim

como o velho Shaapstecker, o rapaz americano também foi mordido pelo vírus do

orientalismo, e contaminado pelas tradições indianas.

Da maneira como nos explica Said, e através dos exemplos apresentados por

Rushdie ao longo do romance, fica fácil entendermos de que modo uma cultura

influencia a outra, seja de forma direta, como a colonização, ou de forma indireta,

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como os pequenos exemplos de estrangeiros absorvidos pela cultura indiana. É então

que vemos o significado do símbolo oriental do Yin e Yang, que nos mostra como

nada é totalmente puro, nada é totalmente intocado pelo outro; por menor que seja,

toda cultura apresenta o reflexo de uma outra, dominante ou dominada.

7 Deus entre Deuses

Quando falamos em religiões ou culturas religiosas, falamos também em

preconceito e discriminação. Este tipo de atitude perante a fé alheia é bastante

explícito no romance de Rushdie, a começar pelas diferenças e desavenças

existentes entre hindus e muçulmanos no subcontinente. A primeira e, acreditamos

que a mais marcante, acontece momentos antes de Amina Sinai anunciar

publicamente estar esperando seu primeiro filho, Saleem. O narrador descreve uma

demonstração de fantascópio realizada pelo jovem Lifafa Das (que apresentava

cartões postais e fotografias de lugares e pessoas ao redor do mundo), diante de uma

multidão que se acotovelava na esperança de um bom espaço para assistir à

demonstração. Em meio à confusão uma garotinha parece se irritar contra o rapaz,

acusando-o de ser Hindu; “No rosto da rainha anã pinta-se uma fúria incontível. E

deixa escapar entre os lábios um insulto: ‘Não devias entrar nesse muhalla. Eu sei

quem tu és: o meu pai conhece-te! Toda a gente sabe que tu és hindu!’” (RUSHDIE,

p. 74). A partir de então a multidão despeja insultos sobre Lifafa Das, apenas pelo

fato de o garoto ser de religião diferente, e por ter entrado em um local de

muçulmanos; “Violador da tua mãe! Raptor das nossas filhas!” (RUSHDIE, p. 74),

“Então é o senhor? É o senhor o hindu que desonra as nossas filhas? É o senhor o

idólatra que dorme com a irmã?” (RUSHDIE, p. 74).

Ao tentar defender o garoto dos ataques dos muçulmanos enfurecidos, Amina

acaba sendo questionada pela multidão, “Por que defender esse patife, begum

sahiba? Não fica bem...” (RUSHDIE, p. 75). Imbuída pela injustiça que estavam a

cometer contra um rapaz que nada havia feito de errado, Amina percebe que a única

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maneira de parar os ataques e insultos é revelando o segredo de sua gravidez,

“Escutai – grita então a minha mãe. – Escutai: Vou ter um filho. Estou grávida, vou

ter um filho e dou guarida a este homem. Entrai e, se quereis matá-lo, matai

também uma mãe e mostrai ao mundo que sois homens!” (RUSHDIE, p. 75 – itálico

original). É dessa forma que a jovem Amina Sinai, muçulmana, anuncia a chegada

de seu primeiro filho para salvar a vida de um rapaz hindu.

Momentos antes desse acontecido, porém, dá-se uma outra situação de

bastante importância para o desenrolar da história contada por Saleem. O pai do

narrador, Ahmed Sinai, que possuía uma empresa de artigos de plástico, recebe a

notícia de que há um bando de mafiosos hindus a aterrorizar e extorquir altas

quantias em dinheiro dos negociantes muçulmanos, apenas para que estes

garantissem a sobrevivência de seus negócios.

Que se sabe do bando de Ravana? Sabe-se que se faz passar por um movimento antimuçulmano fanático, coisa muito comum naquela época, antes dos motins a favor da secessão, numa altura em que se podia impunemente atirar cabeças de porco para os pátios das mesquitas, nas sextas-feiras. Em que, a coberto da noite, se mandava pintar nas paredes, fossem elas das cidades antigas ou das novas: SECESSÃO É A PERDIÇÃO! OS MUÇULMANOS SÃO OS JUDEUS DA ÁSIA! E coisas quejandas. Em que o bando lançava fogo às fábricas, às lojas, aos godowns dos muçulmanos. Mas há mais, há fatos menos conhecidos: por detrás desta fachada de ódio racial, o bando de Ravana era uma empresa comercial notavelmente concebida. Chamadas telefônicas anônimas, cartas escritas com palavras recortadas dos jornais eram recebidas pelos homens de negócios muçulmanos, dando-lhes a escolher entre pagar determinada quantia ou ver a sua empresa incendiada. (RUSHDIE, p. 71)

Aqui percebemos que o ódio racial aparece apenas como um disfarce, uma

fachada para a empresa dirigida pelos mafiosos hindus e que funcionava às custas do

medo que seus membros causavam aos empresários muçulmanos. Mas, o mais

comum na época em que o narrador descreve tais incidentes, era que pessoas

travassem uma pequena guerra diária contra os adversários religiosos;

Havia um grupo de três vizinhos conhecidos pelo nome de “galos de combate”, incluindo um sindi e um bengali cujas casas eram separadas uma da outra pela casa de um dos raros hindus do muhalla. O sindi e o bengali tinham pouca coisa em comum – não falavam a

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mesma língua, não comiam os mesmos cozinhados; mas eram ambos muçulmanos e ambos detestavam o hindu. Das respectivas varandas atiravam lixo para a casa do centro. Das janelas dirigiam-lhe insultos poliglotas. Punham-lhe nacos de carne à porta... ele, em troca, pagava à garotada para atirar à janela dos outros pedras embrulhadas em mensagens, mensagens que diziam: “Esperai, há-de chegar a vossa vez”. (RUSHDIE, p. 71)

Esse ódio entre hindus e muçulmanos é o que vai alimentar os soldados na guerra

entre a Índia e o Paquistão nos anos de 1970. Vemos como Rushdie trabalha tal

sentimento através do jovem soldado paquistanês Ayooba Baloch, que fazia parte da

mesma unidade em que estava o buda (Saleem); “Os hindus vão aprender! Ka-dang!

Ka-ow! São cá uns fraca-chichas, yara! São vegetarianos! As hortaliças (murmura

Ayooba) perderão sempre diante da carne. (...) Os indianos têm soldados sikhs, pá!

Com barbas e cabelos grandes que os espicaçam quando está calor e batem-se que

nem uns diabos!” (RUSHDIE, p 323)

Alguns anos antes, quando Saleem era adolescente e estava a morar, com sua

família, na casa de seu tio Zulfikar e sua tia Emerald no Paquistão, nosso narrados

presenciou o planejamento da primeira guerra entre os dois países vizinhos. Durante

um jantar, o general Zulfikar expõe a seus convidados (todos militares de alta

patente) o plano para destituir o governo e então começar a guerra. Ao mencionar os

indianos, os insultos mais correntes entre eles são sempre relacionados a religião:

“Vamos dar que fazer a esses hindus! Vamos desfazer esses invasores em

bocadinhos tão pequenos que nada reste para o dia da reencarnação!” (RUSHDIE, p.

267). Já quando seu próprio filho, Zafar, perde o controle, perante a possibilidade de

um golpe de estado, molhando as próprias calças, o general agride o garoto com

aquilo que está mais próximo de si no momento, ou seja, ofensas religiosas – apesar

de Zafar ser tão muçulmano quanto seu pai; “ ‘Covarde! Homossexual! Hindu!’: tais

eram as imprecações que saíam de sua máscara de polichinelo e perseguiram o filho

pela escada abaixo...” (RUSHDIE, p. 271). Entretanto, pouco antes da guerra dos

anos 1970, Saleem nos explica que tal ódio entre muçulmanos e hindus já vem de

tempos;

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Resta-me acrescentar que tais idéias, tal como os exércitos, progridem para sul sul sul, a partir dos cumes do Norte: a lenda de Sikandar But-shikan, o iconoclasta do Caxemira, que em fins do século XIV destruiu todos os templos hindus do vale (...) desceu dos montes para as planícies; e, cinco anos depois, o movimento dos mudjahedins de Syed Ahmad Barilwi seguiu-lhe as pegadas. Idéias de Barilwi: negação de si próprio, ódio aos Hindus, guerra santa... (RUSHDIE, p. 289)

Mas, ao longo do romance, Rushdie não apresenta apenas a guerra e o ódio

entre as religiões existentes na Índia. Há também o aparecimento do cristianismo,

que é trazido até a convivência da família Sinai através de Mary Pereira, a ayah de

Saleem, cristã convertida. Em sua primeira aparição na narrativa, a jovem Mary

aparece questionando um padre a respeito da cor da pele de Jesus. Quando o padre

responde a Mary que a cor mais provável é o azul, a moça espanta-se e pondera que

“não há no mundo pessoas azuis” (RUSHDIE, p. 99). A resposta do padre à dúvida

de Mary é uma aproximação entre o cristianismo e o hinduismo, religião de maior

abrangência na Índia:

Problemas que os neoconvertidos colocam...quando fazem perguntas sobre a cor é porque...é importante estender uma ponte, meu filho...Lembra-te de que Deus é amor (tinha dito o bispo) e o deus hindu do amor, Krishna, é sempre pintado com a pele azul; será uma espécie de ponte entre as crenças; é preciso um certo tato, tem de compreender; além do mais, o azul é a modos que uma cor neutra, o que evita problemas de cores, o ideal é não falar de branco e de negro. Não tenho dúvidas de que devemos optar pela cor azul. (RUSHDIE, p. 99-100)

Assim, como explica o bispo ao padre, para que este possa esclarecer a jovem Mary,

os neoconvertidos apresentavam dificuldade em diferenciar as religiões, embora

devamos imaginar que as conversões fossem feitas de muçulmanos para cristãos,

pela maior proximidade, visto que são religiões monoteístas, enquanto o hinduismo

apresenta um panteão de mais de três milhões de deuses e deusas.

Essa aproximação com o cristianismo pela família Sinai será mais forte com o

crescimento da filha mais nova, Macaca de Cobre que, vendo-se posta no lugar de

preferida da família, ela que sempre rejeitou toda e qualquer demonstração de afeto,

tenta ser deposta de sua nova posição. Macaca entretinha-se com as histórias da

Bíblia, lidas pela ayah, e “dizia maravilhas do Menino Jesus, tão manso e humilde;

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(...) Dava voltas em redor da casa, entoando cânticos” (RUSHDIE, p. 238), e chegou

ao ponto de pedir aos pais que lhe dessem um hábito de freira, além de enfiar grãos-

de-bico em um cordão e fazê-lo de terço, recitando a Ave-Maria o tempo todo.

“Recorreu aos maiores exageros do fervor religioso, passou a jejuar na Quaresma e

não no Ramadão, revelando uma tendência ao fanatismo que mais tarde viria a

dominar sua personalidade” (RUSHDIE, p. 238).

Ao se mudarem para o Paquistão, Macaca, então transformada em Jamila,

começa a ceder aos encantos de um país governado por Deus, e entrega-se ao

islamismo de alma e coração;

Vi a Macaca outrora revoltada e indomável tomar ares de beata e submissa que ela própria devia considerar fingidos; (...) aprendia a rezar em árabe e orava nas horas prescritas; Macaca revelava deste modo o puritanismo fanático de que tinha dado os primeiros sinais ao pedir um hábito de freira; ela, que rejeitava toda e qualquer dádiva de amor terrestre, foi seduzida pelo amor daquele Deus que dava pelo nome dum ídolo esculpido num relicário pagão construído junto de um meteorito gigante: Al-Lah, na Ka’ba, o grande relicário da pedra negra. (RUSHDIE, p. 272-3) Esse fanatismo de Jamila é reflexo de uma família criada sem a imagem de

Deus presente dentro de casa. Como o próprio Saleem nos esclarece no início de sua

narrativa, desde que seu avô, Aadam Aziz, retornou da Alemanha e perdeu a fé, a

família inteira, apesar dos cuidados e das superstições da Reverenda Mãe, acabou

valorizando mais a vida terrena do que a espiritual; “tal como os primeiros

muçulmanos da Índia, os mercadores moplas do Malabar, vivi num país cujo

número de deuses igualava o número de habitantes e, revoltando-se

inconscientemente contra essa caterva claustrofóbica de deuses, a minha família

adotou a ética dos negócios, não a da fé” (RUSHDIE, p. 289). O único capricho

religioso da família Sinai, descreve Saleem, era o jejum durante o mês do Ramadão,

mesmo porque, sendo muçulmanos, ainda que apenas na teoria, o mês sagrado é

respeitado por todas as famílias. Segundo a narrativa do rapaz, durante o Ramadão,

as crianças eram acordadas antes do sol nascer, tomavam seu desjejum e eram

levadas ao cinema todos os dias, uma espécie de recompensa pelo sacrifício do

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jejum. “A nossa família era pouco dada a rezas (...) mas aceitávamos de boamente o

jejum, porque gostávamos de cinema” (RUSHDIE, p. 174).

Com poucos exemplos religiosos em casa era normal que Jamila, em seus

tempos de Macaca de Cobre, se apegasse à única figura praticante que se encontrava

próxima de si, no caso, a ayah Mary Pereira. Como ainda era criança quando

“namorou” o cristianismo, como disse o próprio Saleem, ao desenvolver melhor sua

personalidade e ser domesticada pela família no Paquistão, Jamila passa a se dedicar

inteiramente ao islamismo, devotando inclusive sua bela voz a Deus e a sua nova

nação.

Além das manifestações de cristianismo e islamismo, que são muito bem

descritas por Rushdie, temos mais implicitamente uma introdução do hinduismo

dentro do enredo do romance. A começar pela comparação que Saleem faz de si

mesmo com o deus Ganesh; “Não serei (porque não?), com a tromba de mamute e o

nariz de Ganesh que possuo, não serei eu o Elefante? (...) Fugaz como os arco-íris,

imprevisível como o raio, palavroso como Ganesh, é de crer que eu, afinal de contas,

tenha o meu lugar na sabedoria antiga” (RUSHDIE, p. 187). E ainda pelos nomes de

dois de seus companheiros da Aliança dos Filhos da Meia-Noite, Shiva e Parvati.

Seu alter-ego e principal rival leva o nome do deus destruidor, e também procriador,

símbolo da masculinidade e da fertilidade. O símbolo principal de Shiva é um falo,

representando o poder sexual do homem, símbolo este que foi adorado pelas

mulheres que circundavam o tetrápode do Dr. Narlikar, quando pensaram que o

monumento do médico seria uma referência direta ao culto ao deus; “Aquele milagre

da tecnologia tinha se transformado em Shiva-lingam; o Dr. Narlikar, adversário da

fertilidade, ficou doido com aquele espetáculo: teve a impressão de que todas as

velhas forças da antiga Índia procriadora haviam sido lançadas contra a beleza

estéril do betão do século XX” (RUSHDIE, p. 170). Também o próprio comandante

Shiva, ao encontrar-se com a feiticeira Parvati, revela-lhe que possuía diversas

amantes e que havia engravidado a maioria delas.

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Na religião Hindu, Shiva possui uma esposa, Parvati, e um filho, Ganesh. Da

relação entre o comandante Shiva e a feiticeira Parvati nasce Aadam, um garoto com

orelhas monstruosas, que Saleem compara a Ganesh assim que o vê pela primeira

vez. Segundo Saleem, um filho proveniente de tais pais não poderia ser diferente;

“Era verdadeiro bisneto de seu bisavô, mas a elefantíase atingiu-o nas orelhas e não

no nariz, porque também era filho verdadeiro de Shiva e Parvati; era Ganesh cabeça-

de-elefante” (RUSHDIE, p. 386).

Embora sejam as mais visíveis, estas não são as únicas referências de Rushdie

ao hinduismo em Os Filhos da Meia-Noite. Outras, ainda mais sutis, aparecem ao

longo da narrativa de Saleem, conhecimentos que o próprio Saleem nos revela

possuir, apesar de descender de família muçulmana. As que podemos destacar são as

associações do Dr. Narlikar com Naga, o deus-serpente (RUSHDIE, p. 134); a

menção à Kali-Yuga, a era das Trevas, que há de fechar o ciclo do universo e fazê-lo

renascer, após sua destruição pelo terceiro olho de Shiva (RUSHDIE, p. 186); o

próprio nome da atual companheira de Saleem, Padma, que no hinduismo é o nome

da deusa Lótus, assim como também a deusa da Bosta (RUSHDIE, p. 27); as

notícias que Mary Pereira lê no jornal, sobre aparições dos antigos heróis da guerra

em Kuruskshetra, entre Kurus e Pandavas (RUSHDIE, p. 230); assim como a

comparação que Indira Gandhi faz de si mesma com um deus, ou com o próprio

significado do universo, “Para as massas a Senhora é uma manifestação do OM”

(RUSHDIE, p. 402).

Há ainda outros episódios, não relacionados com as três religiões já citadas,

especificamente. O primeiro deles é quando o jovem Saleem, então com nove anos,

tem seu primeiro contato com a telepatia que lhe seria presente de sua hora de

nascimento. O garoto passa a ouvir vozes e acredita que essas vozes sejam anjos a

guiá-lo pelo caminho correto. Ao deparar-se com tal fenômeno, Saleem tenta buscar

refúgio nas religiões em que a história se repete: ele cita o profeta Maomé, que

ouviu o anjo do alto de uma colina, e Santa Joana que obteve seu contato com o

divino no meio de um campo (RUSHDIE, p. 157-8). Ao ver-se repreendido pela

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família por pretensão e blasfêmia, Saleem é obrigado a perceber que não eram anjos,

mas sim pessoas a falar dentro de sua cabeça.

O segundo episódio é sobre a transformação de Cyrus Dubash, colega de

escola de Saleem, no maior e mais rico guru da Índia, o senhor Kushro Kushrovand.

Devido ao fanatismo de sua mãe, e depois da morte do pai, o pequeno Cyrus

abandona os estudos para se tornar um grande guru, segundo Saleem baseado na

história do Super-homem, extraída de uma revista em quadrinhos que pertencia ao

próprio Saleem. De acordo com nosso narrador, a mãe de Cyrus era dotada de um tal

fanatismo religiosos que chegou e espalhar o boato, e inclusive acreditar, que seu

filho era a reencarnação do grande senhor. “A alma do não nascido Kushro,

atravessando as INFINDAS PROFUNDESAS do Espaço-Eternidade Celestial

através desse Raio, atingiu para NOSSA FELICIDADE! a nossa Dunyia (Mundo) e

foi alojar-se no seio duma humilde parsi, mãe duma Boa Família” (RUSHDIE, p.

251); “todos os Cyrus a que nos tínhamos habituado, com os quais tínhamos

crescido, desapareceram; e no lugar deles ficou a figura obesa, quase bovina do

senhor Kushro Kushrovand. Aos dez anos, Cyrus abandonou a escola da catedral e

iniciou a meteórica ascensão do mais rico guru de toda a Índia” (RUSHDIE, p. 252).

Saleem mostra-se bastante insatisfeito com a transformação de Cyrus em guru, pois,

de acordo com ele, “O que ele é podia sê-lo eu – cheguei a pensar – Eu sou a criança

mágica; não foi só em casa que me roubaram a primazia; é a minha natureza

intrínseca que presentemente me é arrebatada” (RUSHDIE, p. 252).

Um episódio bastante intrigante é sobre o assassinato de Mahatma Gandhi, no

início de 1947. O casal Sinai assistia à estréia do filme Amantes do caxemira,

produzido por Hanif Aziz, irmão de Amina, e estrelado por sua mulher, Pia Aziz;

subitamente o filme é interrompido e o anúncio da morte do Mahatma é dado ao

público, “Esta tarde em Delhi foi assassinado o nosso bem-amado Mahatma...foi

alvejado no ventre por um louco...senhoras e senhores, deixou de viver o nosso

Bapu!” (RUSHDIE, p. 140). A reação das pessoas à notícia é variada, de acordo

com a religião de cada um: os hindus choram e se martirizam pela morte de seu

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profeta, já os muçulmanos (como a família Sinai) ficam em pânico com a

possibilidade de ter sido um muçulmano a atirar. “e durante as quarenta e oito horas

que se seguiram ao final abortado dos Amantes do Caxemira, a nossa família ficou

fechada entre as paredes da Villa Buckingham” (RUSHDIE, p. 140). Ao divulgar-se

o nome do assassino, porém, houve alívio entre os diversos muçulmanos, pois o

nome era de origem hindu: Nathuram Godse. “Graças a Deus! – exclamou Amina –

Não é nome muçulmano!” (RUSHDIE, p. 140). O medo de uma represália contra os

muçulmanos da Índia foi o que fez as diversas famílias manterem-se confinadas

dentro de casa até o anúncio oficial do nome do assassino; devido a tão grande

pânico, a alívio não poderia ser menor.

Além dessas manifestações de amor e ódio entre os seguidores e fanáticos das

diversas religiões instaladas no subcontinente, Rushdie também nos mostra como as

superstições tinham valor entre os mais velhos. Como por exemplo, as manias da

Reverenda Mãe, ou a poção mágica, feita com ervas da montanha, que Padma

prepara para Saleem, com o âmbito de devolver-lhe a virilidade.

Acreditamos que o autor apresenta essa grande variedade de religiões não

apenas para nos mostrar que os conflitos existem, mas principalmente para abrir as

fronteiras da Índia para que seus leitores tomem conhecimento de todo o tipo de

crença que lá existe. As guerras podem ser o que mais nos chama a atenção, e talvez

seja o que o narrador mais enfatiza em sua história, mas por trás de cada uma dessas

guerras, por trás de cada soldado, existe um amor pela causa, pela religião pela qual

se está lutando, e isso Rushdie nos mostra com clareza, não somente dentro do

contexto das guerras, mas entre a população também.

8 History or Story?

Ao longo da leitura de Os Filhos da Meia-Noite, nos deparamos com diversos

fatos históricos acontecidos na Índia no período pré e pós-Independência. Temos

conhecimento de muitos desses fatos, mas a dúvida que nos persegue por todo o

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romance é: Será que isso realmente aconteceu? Será que foi dessa maneira que

aconteceu? Quem pode nos responder a algumas dessas perguntas é o professor

canadense Neil Ten Kortenaar, em seu livro Self, Nation, Text in Salman Rushdie’s

Midnight’s Children.

A teoria que Kortenaar apresenta é a de que Saleem comete erros ao longo de

sua narrativa, confessando-os para os leitores. Isso fica claro quando ele descreve o

assassinato de Mahatma Gandhi; “Relido o que escrevi, descobri um erro de

cronologia. O assassínio de Mahatma Gandhi, nas páginas precedentes, tem uma

data errada. Não estou agora em condições de dizer qual foi exatamente o desenrolar

dos acontecimentos; na minha Índia, Gandhi continuará a morre na data errada”

(RUSHDIE, p. 161). Admitindo que errou, Saleem parece estar dizendo a verdade o

tempo todo, afinal de contas, quem não acreditaria em alguém que confessa seus

próprios erros? De acordo com o professor canadense, agindo dessa maneira,

Saleem prende a atenção dos leitores fazendo-os acreditar em cada palavra do que

ele diz, pois, como sabemos, quando está enganado ele nos aponta seus erros.

O que acontece, porém, é que alguns dos erros de Saleem não são apontados,

pois são erros que ele não sabe que cometeu. Um bom exemplo é quando Padma,

sua companheira e ouvinte fiel, o abandona e Saleem argumenta que Ganesh não

abandonou Valmiki enquanto este lhe ditava o Ramayana (RUSHDIE, p. 146). De

acordo com a religião Hindu, Valmiki contou a história do Ramayana a Lava e

Kusa, os filhos de Rama, enquanto, séculos depois, o poeta Vyasa ditou o

Mahabharata para o deus Ganesh. Saleem se confunde com as histórias e seus

narradores, embora este seja um erro que ele não confessa. Mas a razão pela qual

erros desta natureza não são confessados é por que Saleem não tem consciência

deles. Se o tivesse, os teria confessado.

Tanto o narrador teria assumido erros dos quais não tem consciência que

alguns erros não existentes também são confessados. Às vezes Saleem distorce datas

propositadamente para poder confessar-se depois. Segundo KORTENAAR, “mais

significativo do que o erro é a confissão que dirige a atenção ao erro. A necessidade

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de Saleem pela confissão é tanta que ele está preparado para admitir ter errado

quando dificilmente teria errado, como também para inventar erros quando estes não

existem (KORTENAAR, p. 239)”13. O próprio Saleem admite estar indo longe

demais quando assume uma posição mais importante dentro de sua narrativa do que

a história de seu país, quando ele próprio se propôs a narrar ambas de maneira

simétrica; “Fui tão longe na minha busca desesperada de significado que a minha

tendência é para deformar tudo...rescrever toda história da minha época com o mero

objetivo de dar à minha pessoa um lugar central” (RUSHDIE, p. 161).

Depois de enganar-se a respeito do assassinato de Gandhi, Saleem confessa

que também errou quanto à data das eleições de 1957.

...Mas Padma diz-me agora calmamente: “Em que data foi isso?” Respondo sem pensar: “Na Primavera.” E dou conta de que me engano uma vez mais: as eleições de 1957 foram antes e não depois do meu décimo aniversário; mas por mais que puxe pelo miolo, a memória recusa-se teimosamente a modificar a seqüência dos acontecimentos. É inquietante. Não sei o que é que não funciona. Ela, tentando em vão consolar-me diz: “ë preciso fazeres essa cara? Toda a gente esquece dessas pequenas coisas! A toda hora!” Mas se deixarmos escapar as pequenas coisas, as grandes não irão também atrás? (RUSHDIE, p. 210)

O que fica bastante claro ao longo da narrativa é que muitas vezes Saleem erra sem

ter a intenção de errar14, pois sua memória foi tão atafulhada de informações e fatos

desde seu nascimento até o ponto em que decide contar sua história, que já não se

pode mais confiar absolutamente nela. Mas o narrador nos explica de que maneira a

memória conta sua própria versão da história; “O que conto é verdade. A verdade da

memória, porque a memória tem a sua verdade particular. A memória seleciona,

elimina, modifica, exagera, minimiza, glorifica e também avilta; mas acaba por criar

a sua própria realidade, a sua versão dos acontecimentos, heterogênea, mas no geral

coerente; e nenhum ser humano saudável dará à versão de outrem mais fé do que à

sua” (RUSHDIE, p. 201).

13 More significant than the error is the confession which draws attention to the error. Saleem’s need to confess is such that he is prepared to admit to errors that are hardly errors at all and to invent them where they do not exist. 14 O “erro” é explorado pela narrativa pós-colonial.

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Porém, em uma determinada situação, Saleem mente com a intenção de

mudar o curso dos acontecimentos, vindo a confessar-se nas páginas seguintes. É o

caso em que ele descreve a suposta morte do comandante Shiva. Era uma fantasia

que o narrador tinha para poder escapar de uma possível vingança, no caso de Shiva

descobrir o segredo de Mary Pereira, a troca de bebês.

Para dizer toda a verdade, menti quanto à morte de Shiva. Foi a primeira vez que disse uma coisa de-todo-em-todo falsa (se bem que a apresentação do estado de emergência sob a forma duma longa meia-noite com seiscentos e trinta e cinco dias de extensão tenha sido excessivamente romântica, contrariando em tudo os dados meteorológicos). Seja como for e pense-se o que se pensar, é com grande relutância que Saleem consegue mentir e é de cabeça baixa que me confesso... (RUSHDIE, p. 407)

Por medo do futuro, Saleem mente para modificar o passado, mas confessa-se para

tranqüilizar sua consciência.

Que dizer então da descrição que Saleem nos apresenta do estado de

Emergência, sofrido por todo o país – mas principalmente pela Aliança dos Filhos

da Meia-Noite –, nas mãos de Indira Gandhi? Nesse caso, podemos dizer que a

história foi distorcida por duas vezes: uma por Saleem que, como ele mesmo nos

disse, exagera, aumenta e super-valoriza os acontecidos; a outra pelo próprio

governo de Indira Gandhi. “E se a Mãe da nação tivesse o cabelo todo da mesma

cor, o estado de emergência por ela decretado talvez não tivesse o seu lado negro.

Mas como ela tinha cabelos brancos de um lado e pretos do outro, também o estado

de urgência teve a sua parte branca (pública, visível, documentada, destinada aos

historiadores) e uma parte negra, secreta macabra coberta de silêncio, reservada só a

nós” (RUSHDIE, p. 387).

De acordo com nosso narrador, o estado de Emergência tinha por objetivo

aniquilar os Filhos da Meia-Noite, pois, se unidos, poderiam se transformar em

inimigos perigosos ao governo da Sra. Gandhi. Durante toda a sua narrativa, Saleem

reluta em descrever o sofrimento passado por ele e por seus companheiros no

cativeiro da pensão das viúvas; somos levados a acreditar que as atrocidades que

Saleem afirma terem sido cometidas por Indira de fato aconteceram. Porém, como

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não pode contar com o testemunho de nenhum dos demais Filhos da Meia-Noite,

Saleem põe em questão sua credibilidade diante do leitor, fazendo com que o

próprio leitor não tenha outra alternativa senão a de acreditar em suas palavras; “O

que aconteceu aconteceu, todos sabemos disso” (RUSHDIE, p. 368), “Quer creiam

quer não creiam, é verdade” (RUSHDIE, p. 422), “Tudo se passou dessa maneira

porque foi dessa maneira que tudo se passou” (RUSHDIE, p. 422). Saleem faz com

que o leitor acredite nele pois ele próprio tem dificuldade em afirmar que está com a

razão, devido ao fato de não ter provas do que está a acusar; “Não, não tenho provas

de nada. A evidência desfez-se com o fumo; os cães vadios comeram uma parte;

mais tarde, a 20 de Março, uma mãe com o cabelo de duas cores e seu filho bem-

amado queimaram os documentos” (RUSHDIE, p. 403).

Saleem dá essas diversas voltas em torno de sua própria história para fazer

com que o leitor creia nos fatos a ele apresentados. Porém, em sua posição de

narrador da própria história, ele se dá importância demais em certos casos, narrando

determinados acontecimentos como se estes tivessem ocorrido somente por sua

causa como, por exemplo, a guerra indo-paquistanesa de 1965; “Para simplificar,

dou duas razões minhas: a guerra aconteceu porque eu sonhei com o Caxemira nas

fantasias dos nossos governantes; além disso, eu continuava impuro e a guerra ia

separar-me dos meus pecados” (RUSHDIE, p. 313). É dessa maneira que nosso

narrador nos guia pelo caminho que ele próprio escolheu, o caminho da sua verdade,

da sua versão.

Segundo Saleem, o estado de Emergência foi apenas uma desculpa para que a

Viúva pudesse se livrar de seus inimigos em potencial, no caso os Filhos da Meia-

Noite;

Indira é a Índia e a Índia é Indira.. terá ela visto uma carta do pai a um filho da meia-noite na qual era negada a sua personalidade tornada slogan? Na qual me era concedido, a mim, o papel de espelho-da-naçào? Estão a ver? Não estão a ver?... Há mais provas e provas mais claras, tenho na frente uma folha do Times of India onde a própria agência noticiosa da Viúva, a Samachar, citando-a, fala na sua “determinação de combater a conspiração profunda e crescente”. Não está a referir-se ao Janata Morcha, posso afirmá-lo. Não, o estado de emergência tinha o seu lado negro e tinha o seu lado branco e o segredo durante

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muito tempo oculto sob a máscara deste período de repressão é este: o verdadeiro motivo que se ocultava atrás do estado de emergência era a vontade de esmagar, de espartiçar, de aniquilar de uma vez por todas os filhos da meia-noite (cuja aliança tinha sido, evidentemente, desfeita há alguns anos; mas a simples possibilidade da nossa reunificação era suficiente para a luz vermelha se acender). (RUSHDIE, p. 393)

Entretanto, na versão apresentada por Indira Gandhi ao público, dentro do romance,

sobre o que aconteceu durante a Emergência nenhuma atrocidade foi relatada, e

além de tudo, a ex-primeira-ministra tentava minimizar os fatos, assim como Saleem

tentava aumentá-los. “Somos quatrocentos e vinte; constituímos 0,00007% dos

seiscentos milhões de indianos. Uma insignificância no plano estatístico; e em

relação aos trinta (ou duzentos e cinqüenta) mil, constituímos 1,4 ou 0,168%”

(RUSHDIE, p. 402). De acordo com Indira, os sacrifícios feitos durante seu regime

foram perdas mínimas se comparadas à população total da Índia (RUSHDIE, p.

398).

Outras evidências de que o governo manipula a história a seu favor aparecem

durante as eleições no Paquistão, quando o partido do Governo anuncia nos jornais

uma vitória esmagadora sobre o partido de oposição, tanto que Saleem nos diz que

“tal fato veio a provar-me que sou o mais humilde entre os-que-manipulam-os-fatos;

e que, num país onde a verdade é aquilo que nos dizem ser, a realidade deixa

literalmente de existir e tudo é possível, exceto o que nos dizem estar em causa”

(RUSHDIE, p. 302). Os fatos que sucederam as eleições, como a guerra indo-

paquistanesa de 1965 também são apresentados em versões diferentes: uma oficial,

outra extra-oficial, e isto se deu de ambos os lados da guerra:

Nos cinco primeiros dias da guerra, a Voz do Paquistão anunciou a destruição de mais aviões do que a aviação indiana algum dia possuíra; em oito dias a Rádio Índia aniquilou o exército paquistanês até ao último homem e até para lá disso! (...) Mas foi verdade? Aconteceu? Ou era a Rádio Índia – imponente batalha de carros, enormes perdas paquistanesas, quatrocentos e cinqüenta tanques destruídos – que falava a verdade? Nada era real; nada era certo. (RUSHDIE, p. 314)

A guerra seguinte também teve muitos de seus fatos ocultados aos olhos do povo,

assim como do próprio governo. Segundo Saleem, que na época estava sem

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memória e passou a ser chamado de buda, o exército paquistanês havia criado uma

Unidade Canina para Despistagem e Espionagem, da qual o próprio Saleem (buda)

fazia parte, não como soldado, mas como cão farejador. O narrador nos afirma que

todos os dados e evidências e respeito da formação dessa unidade foram mantidos

em sigilo absoluto e inclusive negados após a rendição.

O campo nas colinas não consta de nenhum mapa; fica demasiado longe da estrada de Murree para se poderem ouvir os uivos dos cães, por muito apurado que seja o ouvido do automobilista. São camufladas as vedações de arame farpado; no portão não se vê qualquer símbolo, qualquer nome. Mas ele existe, existiu de fato; ainda que a sua existência tenha sido negada... quando foi da queda de Daca, por exemplo, quando o paquistanês vencido, o Tigre Niazi, foi interrogado sobre o assunto pelo antigo camarada, o general indiano vitorioso Sam Manekshaw, Tigre respondeu, zombando: “Uma Unidade Canina para Despistagem e Espionagem? Nunca ouvi falar; enganaram-te, meu velho. Que idéia tão ridícula, se me é permitido falar assim.” Apesar dessa afirmação do Tigre a Sam, eu insisto: o campo existia... (RUSHDIE, p. 322-3)

Tanto a guerra quanto as estratégias utilizadas por ambos os exércitos foram

igualmente mentidas e falsificadas, seja para enganar o adversário ou para não

deixar-se desesperar a população. O fato é que essa manipulação de fatos não

conseguiu esconder os resultados: a Índia venceu o Paquistão, embora a existência

da UCDE não tenha sido provada.

Outro fato, de menor importância para a narrativa, mas igualmente camuflado

pelo governo da época, foi a circunstância da morte de Mian Abdullah, o Zangão.

De acordo com a narrativa de Saleem, enquanto os assassinos faziam seu trabalho, o

Zangão assobiou com tanta força que todos os cães da cidade o ouviram e correram

ao seu encontro, matando aqueles que o tinham assassinado. “Cães? Assassinos? ...

Vão verificar, se não acreditam. Informem-se a respeito de Mian Abdullah e da

Aliança. Verão como a história dele foi varrida para debaixo do tapete, juntamente

com o lixo” (RUSHDIE, p. 49).

A conclusão à qual podemos chegar através da revelação de tais fatos é a de

que nenhuma verdade é maior do que aquela em que se acredita. Pelas próprias

palavras de Saleem, se um ser humano acredita em algo, nenhuma outra verdade

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será mais verdadeira do que a dele. É sabido que cada governo conta sua história de

maneira a glorificar-se ou martirizar-se diante de sua população, mas também somos

obrigados a lembrar que o próprio Saleem não é uma fonte confiável; ele mesmo já

admitiu mentir e enganar-se várias vezes; ele mesmo declarou não confiar

inteiramente em sua própria memória, por que nós, leitores, confiaríamos? Porque,

como disse nosso narrador, o poder de quem escreve uma autobiografia é

exatamente esse, o de ser capaz de criar acontecimentos do passado, bastando dizer

que eles aconteceram (RUSHDIE, p. 407).

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9 Conclusão

Os resultados de nossa pesquisa e de nossas reflexões abrangem três eixos

fundamentais.

O primeiro diz respeito à influência que as culturas imperialista e colonizada

exercem uma sobre a outra. A primeira impressão que temos quando falamos em

colonização é que apenas a cultura dominada é que recebe a influência, por muitas

vezes negativa, de seus colonizadores. Utilizando a teoria de Edward W. Said,

comprovada por exemplos dentro do romance, provamos que ambas as culturas são

afetadas, seja positiva ou negativamente.

O segundo eixo fundamental remete-se às diferentes manifestações religiosas

dentro do subcontinente indiano. Rushdie nos mostra em Os Filhos da Meia-Noite

que as diversas formas de se amar um deus, ou vários deuses, pode levar uma

população a odiar-se e, por muitas vezes, elevar esse ódio à condição de guerra.

Assim como esse mesmo amor à religião pode modificar a personalidade de uma

pessoa, tornando-a mais completa ao encontrar sua fé, ou mais vazia ao perdê-la.

Finalmente, o terceiro eixo diz respeito à manipulação que uma história pode

sofrer, dependendo do ponto de vista e dos interesses de quem a conta. No caso da

história de uma nação, o governo pode se glorificar ou se martirizar mudando, ou até

mesmo ocultando, alguns fatos históricos. Já no caso de uma autobiografia, como a

que é apresentada ao leitor por Saleem Sinai, aquele que a escreve pode alterar os

fatos passados em benefício próprio, fazendo-se parecer mais, ou menos, provido de

caráter.

Em síntese, concluímos que o teor nacionalista dentro de uma obra não

abrange somente aspectos históricos, mas pode nos mostrar como um cidadão se

sente ao olhar para sua própria cultura. Como o próprio romance nos permite

concluir, é preciso observar os fatos de um ângulo externo, mesmo que o próprio

narrador esteja incluído no enredo, pois somente dessa forma é que obteremos uma

visão ampla e onisciente do que está para ser narrado. Para usar as palavras de um

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personagem de outro romance de Rushdie, O Chão que Ela Pisa, “Os únicos a

contemplar o quadro todo são aqueles que saem da moldura”.

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Referências Bibliográficas ANDERSON, Benedict. Imagined Communities: Reflections on the Origin and Spread of Nationalism. London: Verso, 1991. ARRUDA, José J. de A. História Moderna e Contemporânea. São Paulo: Ática, 1980. ASHCROFT, Bill. The Post-Colonial Studies Reader. London: Routhedge, 1997. BRADBURY, Malcolm (ed.).The Atlas of Literature. London: De Agostini, 1996 CÂNDIDO, Antônio. Literatura Brasileira e Nacionalismo – vol. 2. EAGLETON, Terry Literary Theory, an Introduction. Great Britain: Blackwell, 1996. KORTENAAR, Neil Ten. Self, Nation, Text in Salman Rushdie’s Midnight’s Children. McGill-Queen's University Press, 2006. MCNEILL, William. História Universal – Um estudo comparado das Civilizações. São Paulo: UDUSP/Globo, 1972. RUSHDIE, Salman. Pátrias Imaginárias. – in: RUSHDIE, Salman “Pátrias Imaginárias”. Lisboa: Dom Quixote, 1994. RUSHDIE, Salman. Os Filhos da Meia-Noite. Lisboa: Dom Quixote, 1986. SAID, Edward W. Cultura e Imperialismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. Dicionários e enciclopédias: FERREIRA, Aurélio B. H. – Novo Dicionário da Língua Portuguesa, 2ª. EDIÇÃO revista, 25ª. IMPRESSÃO, RJ: Nova Fronteira, 1993. MERRIAM-WEBSTER. Encyclopedia of Literature, USA:Merriam-Webster Incorporated, 1995.

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Referência da Internet

Mapas disponíveis em http://www.india-history.com/british/india/india-in-1919-1947.html

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ANEXOS

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OBS: Não foi possível anexar os mapas ao corpo do texto na forma digital. Mapas

disponíveis no site: http://www.india-history.com/british/india/india-in-1919-1947.html