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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARAN
Leonardo Teixeira de Oliveira
O DITIRAMBO DE ARQULOCO A SIMNIDES:
UMA INTRODUO S FONTES PRIMRIAS
Curitiba-PR
2012
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LEONARDO TEIXEIRA DE OLIVEIRA
O DITIRAMBO DE ARQULOCO A SIMNIDES:
UMA INTRODUO S FONTES PRIMRIAS
Monografia apresentada disciplina
Orientao Monogrfica II como
requisito parcial obteno de
bacharelado em Letras Grego do Setor
de Cincias Humanas, Letras e Artes da
Universidade Federal do Paran.
Orientador: Prof. Dr. Roosevelt Arajo da Rocha Jnior
Curitiba-PR
2012
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Agradecimentos
Gostaria de registrar minha gratido queles que influenciaram a realizao
deste trabalho e ningum como a minha famlia ofereceu tantas formas de apoio para
que ele se tornasse possvel: dedico este trabalho a ela, em especial minha me, meu pai
e minha av.
Tambm sou grato ao meu professor orientador Roosevelt Arajo da Rocha
Jnior no apenas pelo auxlio e pela pacincia durante o desenvolvimento desta
pesquisa, como por ter sido o meu melhor crtico, ter proporcionado oportunidades que
resultaram em outras pesquisas realizadas em trabalhos apresentados em congressos e
iniciaes cientficas, e pelos livros e recursos providenciais que me foram confiados.
Do mesmo modo fao meno aos professores que alm dele fizeram parte da
minha formao em estudos clssicos na Universidade Federal do Paran, aos quais
serei sempre grato pelo privilgio do convvio e das crticas nos momentos decisivos da
minha aprendizagem: Pedro Ipiranga Jnior a quem tambm devo o envolvimento
direto na avaliao deste trabalho , Alessandro Rolim de Moura, Bernardo Guadalupe
dos Santos Lins Brando, Giovanna Mazzaro Valenza, Guilherme Gontijo Flores, Irene
Cristina Boschiero, Jorge Ferro Piqu, Rodrigo Tadeu Gonalves e Tho de Borba
Moosburger.
Este perodo de formao e particularmente o da elaborao deste trabalho
contaram em diversos momentos com o gentil auxlio de professores de outras
universidades, os quais me sinto honrado em mencionar: em especial Ricardo de Souza
Nogueira da Universidade Federal do Rio de Janeiro pelos muitos livros e pelo
estmulo inspirador na fase inicial dos meus estudos , Ettore Cingano da Universit
Ca Foscari Venezia, Giorgio Ieran da Universit degli Studi di Trento, Leonardo
Medeiros Vieira da Universidade Federal da Bahia, Paula da Cunha Corra da
Universidade de So Paulo e William Harris (in memoriam) do Middlebury College.
Tambm agradeo a alguns amigos e colegas que de forma geral tornaram este
perodo de aprendizado e de pesquisa no apenas menos solitrio, como mais
inspirador: os amigos classicistas Bruno Salviano Gripp, Elias Paraizo Jr., rika
Oliveira Silva, Fernando Barreto de Morais, Lucia Sano, Maisa Ribeiro Alves da Silva,
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Marcelo Bourscheid e Rafael Cosan, bem como Alexandre Sugamosto, Evelyn
Petersen, Fernando Randau, Frederico Toscano e Ilton Jardim de Carvalho Jnior.
Por fim, meu agradecimento especial a Danielle Raniel Lopes, por seu afeto
encorajador e sua cumplicidade, pelos quais serei sempre grato.
Soli Deo Gloria
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, , ,
,
:
,
,
,
, ,
, ,
,
.
Nono de Panpolis (sc. V d.C.), Dionisaca I, 1-10
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Resumo
Esta monografia reproduz parte de um trabalho mais abrangente: a traduo do
corpus dos ditirambos de Pndaro (518/22 438 a.C.) e Baqulides (c. 520 450 a.C.),
realizada durante o perodo concedido pela Pr-Reitoria de Pesquisa e Ps-Graduao
da Universidade Federal do Paran entre outubro de 2011 e julho de 2012 em seu
programa de iniciao cientfica. Precedido de uma apresentao do gnero potico
dessas composies, o ditirambo, o trabalho para esta traduo terminou produzindo
uma introduo s principais teorias antigas e modernas acerca do ditirambo na
Antiguidade, sendo agora apresentada em uma escala mais adequada na publicao
desta monografia. Seguem reproduzidos os captulos dedicados etimologia do
ditirambo e s suas referncias de Arquloco (sc. VII a.C.) at Simnides de Cos (c.
556 468 a.C.), incluindo um captulo sobre as evidncias de competies corais nos
principais festivais gregos em que o ditirambo possivelmente foi apresentado entre os
perodos arcaico e clssico. Desse modo, a traduo dos ditirambos de Pndaro e
Baqulides e os captulos dedicados sua anlise e discusso da classificao potica
do ditirambo em Plato (424/3 348/7 a.C.) at a edio alexandrina no sc. III a.C.
passam a ser reservados para a oportunidade de uma publicao mais abrangente ao fim
do trabalho de um mestrado.
Ao apresentar as principais peas de fontes primrias da histria da poesia
ditirmbica de Arquloco a Simnides e de seus testemunhos, as citaes so
acompanhadas de tradues e seguidas do exame de um pequeno estado de arte das suas
leituras tradicionais. Todas as tradues apresentadas no decorrer do trabalho so de
minha autoria.
Palavras-chave: ditirambo, poesia lrica grega arcaica, estudos de gnero.
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Abstract
This monograph reproduces part of a more comprehensive work: a translation of
the corpus of dithyrambs of Pindar (518/22 438 BC) and Bacchylides (c. 520 450
BC) held during the period granted by the Pr-Reitoria de Pesquisa e Ps-Graduao of
Universidade Federal do Paran between October 2011 and July 2012 with its
undergraduate research program. Preceded by a presentation of the poetic genre of these
compositions, the dithyramb, the work for this translation ended by producing an
introduction to the main ancient and modern theories about the dithyramb in Antiquity,
now seized in a proper scale with the publication of this monograph. Following are
reproduced the chapters devoted to the etymology of the dithyramb and to its references
since Archilochus (7th century BC) to Simonides of Coeus (c. 556 468 BC), including
a chapter on the evidence for choral competitions in major Greek festivals where the
dithyramb was possibly performed between the archaic and classical periods. Thus, the
translation of the dithyrambs of Pindar and Bacchylides and the chapters devoted to
their analysis and to the discussion of the poetic classification of the dithyramb in Plato
(424/3 348/7 BC) until the Alexandrian edition in the 3rd century BC are now
reserved for the opportunity of a more comprehensive publication at the end of a
masters degree.
By presenting the main pieces of the primary sources of the history of
dithyrambic poetry since Archilochus to Simonides and their testimony, the quotes are
followed by translations and an examination of a brief state of art of their traditional
readings. All translations presented in this work are my own.
Keywords: dithyramb, archaic Greek lyric poetry, genre studies.
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Sumrio
Lista de Abreviaturas ....................................................................................................... 10
1. O testemunho e o corpus ditirmbico .......................................................................... 15
2. Etimologia ................................................................................................................... 17
3. De Arquloco a Laso de Hermone .............................................................................. 21
3.1. Arquloco ............................................................................................................. 21
3.2. Aron de Metimna ................................................................................................ 24
3.3. bico ..................................................................................................................... 30
3.4. Laso de Hermone ................................................................................................ 32
4. O ditirambo em festivais.............................................................................................. 42
4.1. Festivais atenienses .............................................................................................. 44
4.1.1. Grandes Dionsias ........................................................................................ 44
4.1.1.1. Tribos e ................................................................................... 45
4.1.1.2. Poetas, auletas e coreutas ..................................................................... 46
4.1.1.3. Local ..................................................................................................... 47
4.1.1.4. Apresentao ........................................................................................ 47
4.1.1.5. Juzes, vencedores e prmios................................................................ 51
4.1.1.6. Poemas.................................................................................................. 52
4.1.2. Targlias ....................................................................................................... 53
4.1.3. Pequenas Panateneias ................................................................................... 55
4.1.4. Prometeias .................................................................................................... 57
4.1.5. Hefesteias ..................................................................................................... 58
4.2. Festivais no atenienses ....................................................................................... 58
-
4.2.1. Delfos ........................................................................................................... 58
4.2.2. Delos ............................................................................................................ 59
5. Simnides .................................................................................................................... 61
6. Concluso .................................................................................................................... 67
Bibliografia ...................................................................................................................... 69
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Lista de Abreviaturas
A. = Aeschylus () = squilo
Ael. = [Claudius] Aelianus ([]
) = [Cludio] Eliano
NA = De Natura Animalium (
) = Sobre a
Natureza Animal
Ael. Arist. = Aelius Aristides (
) = lio Aristides
Aeg. = =
Para o Mar Egeu
Aeschin. = Aeschines () =
squines
1 = In Timarchos ( ) =
Contra Timarco
Alciphr. = Alciphro () =
Alcifro
Alcm. = Alcman () = lcman
An. Ox. = Anedocta Graeca
Antid. = Antidotus () =
Antdoto
Antigen. = Antigenes () =
Antgenes
Antiph. = Antiphanes () =
Antfanes
AP = Anthologia Palatina
Apollod. = [Pseudo-]Apollodorus
() = [Pseudo-
]Apolodoro
Bibl. = Bibliotheca () =
Biblioteca
Ar. = Aristophanes () =
Aristfanes
Ach. = Acharnenses () = Os
Acarnenses
Av. = Aves () = As Aves
Nu. = Nubes () = As Nuvens
Ra. = Ranae () = As Rs
Th. = Thesmophoriazusae
() = As
Tesmoforiantes
Ar. Byz. = Aristophanes Byzantinus
( ) =
Aristfanes de Bizncio
Archil. = Archilochus () =
Arquloco
Arist. = Aristoteles () =
Aristteles
Ath. = Atheniensium Respublica
( ) =
Constituio Ateniense
Pol. = Politica () = Poltica
Ps.-Arist. Probl. = Problemata
() = Problemas
Aristid. Quint. = Aristides Quintilianus
( ) = Aristides
Quintiliano
-
Aristox. = Aristoxenus () =
Aristxeno de Tarento
Harm. = Elementa Harmonica
( ) =
Elementos da Harmonia
Athen. = Athenaeus [Naucratita]
( [N]) = Ateneu
[de Naucratis]
B. = Bacchylides () =
Baqulides
CA = Collectanea Alexandrina
Call. = Callimachus () =
Calmaco
Clearch. = Clearchus (Ko) =
Clearco
Clem. Al. = Clemens Alexandrinus
( ) =
Clemente de Alexandria
Strom. = Stromateis () =
Stromata
D. = Demosthenes () =
Demstenes
21 = In Midiam (
) = Contra Mdias
22 = = Contra
os mercadores de cereais
D.H. = Dionysius Halicarnassensis
( ) =
Dionsio de Halicarnasso
Com. = de Compositione Verborum
( )
D.T. = Dionysius Thrax (
) = Dionsio Trcio
EM = Etymologicum Magnum
( )
E. = Euripides () = Eurpides
Ba. = Bacchae () = As
Bacantes
Epich. = Epicharmus () =
Epicarmo
Eus. = Eusebius Caesariensis = Eusbio
de Cesareia
PE = Praeparatio Evangelica
FGE = Further Greek Epigrams
FGrH = Fragmente der griechischen
Historiker
Fronto = Fronto
Ep. = Epistulae = Epstulas
Harp. = Harpocratio () =
Harpocratio
Hellanic. = Hellanicus () =
Helnico
Heph. = Hephaestio () =
Hefstio
Poem. = Poemata ( )
Her. = Herodotus () =
Herdoto
-
Hes. = Hesiodus () = Hesodo
Th. = Theogonia () =
Teogonia
Hesych. = Hesychius ( [
]) = Hesquio [de
Alexandria]
Him. = Himerius ()
Or. = Orationes () = Oraes
Hymn. Hom. = Hymni Homerici =
Hinos Homricos
IG = Inscriptiones Graecae
Isoc. = Isocrates () =
Iscrates
Istrus () = Istro
Las. = Lasus Hermioneus (
) = Laso de Hermone
LSCG = Lois sacres des cits grecques
LSS = Lois sacres des cits grecques,
Supplment
Luc. = Lucianus Samosatensis
( ) =
Luciano de Samsata
Salt. = De Saltatione (
) = Sobre a Dana
Tim. = Timon ()
Lys. = Lysias () = Lsias
21 =
= Defesa contra a
acusao de propinas
Marm. Par. = Marmor Parium
Paus. = Pausanias () =
Pausnias
Pherecr. = Pherecrates () =
Ferecrates
Philod. = Philodamus [Scarpheus]
( [ ]) =
Filodamo [de Escarfeia]
Pae. Dion. = Paean in Dionysum
( ) = Pe para
Dioniso
Philostr. = Philostratus ([]
) = Filstrato
VS = Vitae Sophistarum (
) = As Vidas dos
Sofistas
Phot. = Photius () = Fcio
Bibl. = Bibliotheca ()
= Biblioteca
Lex. = Lexicon (
)
Pi. = Pindarus () = Pndaro
O., P., N., I. = Olimpicae, Pythicae,
Nemeae, Isthmicae Odae
(, ,
, ) = Odes
Olmpicas, Pticas, Nemeias,
stmicas
-
Pl. = Plato () = Plato
Lg. = Leges () = Leis
R. = Respublica () =
Repblica
Plu. = Plutarchus () =
Plutarco
Apophtegm. Lac. = Apophthegmata
Laconica (
) = Mximas
Espartanas
Conv. = Septem sapientium
convivium (
) = Banquete dos Sete
Sbios
De E = De E apud Delphos (
) = Sobre o E de
Delfos
Sen. Resp. = An seni respublica
gerenda sit (
) = Se um ancio pode
participar do governo
Ps.-Plu. de Mus. = De Musica (
) = Sobre a Msica
Ps.-Plu. X Or. = Vitae Decem
Oratorum (
) = Vidas dos Dez
Oradores
PMG = Poet Melici Grci (Page)
PMGD = Poetarum Melicorum
Graecorum fragmenta (Davies)
Poll. = Pollux ([] )
= Plux
Porph. = Porphyrius [Tyrius]
() = Porfrio [de Tiro]
POxy. = Oxyrhynchus Papyri
Praxill. = Praxilla () = Praxila
Procl. = Proclus [Lycaeus] ( [
]) = Proclo [Lcio]
S. = Sophocles ()
Simon. = Simonides (
) = Simnides de Cos
Stesich. = Stesichorus () =
Estescoro
Str. = Strabo () = Estrabo
Syrian. = Syrianus () =
Siriano
in Hermog. = In Hermogenem
Commentaria (
)
Theon Smyrn. = Theon Smyrnaeus
( ) = Ton de
Esmirna
Theophr. = Theophrastus = Teofrasto
()
Tz. = Tzetzes ([] )
ad Lyc. = [Scholia] ad Lycophronem
([] )
Val. Max. = Valerius Maximus =
Valrio Mximo
-
Vit. Ambros. = Vita Ambrosiana
X. = Xenophon () = Xenofonte
Hipp. = Hipparchicus (de Equitum
magistro) () = O
Comandante de Cavalaria
Oec. = Oeconomicus ()
= Econmico
Ps.-X. Ath. = Respublica
Atheniensium (
)
Zen. = Zenobius () = Zenbio
-
15
O TESTEMUNHO E O CORPUS DITIRMBICO
As notcias da Antiguidade a respeito do ditirambo o apresentam como uma
forma potica particularmente dedicada a Dioniso1 ( . . .
), de natureza movimentada2 (), tomada de grande
arrebatamento com suas danas corais3 ( ),
apropriada para as paixes mais comuns dessa divindade4 (
), a quem eram cantados ditirambos
cheios de paixes e modulao contendo certa instabilidade e disperso5
(
) sob o efeito do vinho6. No entanto, o corpus da poesia ditirmbica a que
temos acesso mostra uma realidade muito mais mltipla e mesmo paradoxal, difcil de
ser conciliada com as principais definies repetidas pelos testemunhos antigos. No
apenas critrios objetivos de sua definio tais como a forma coral, a meno a Dioniso,
o modo narrativo7 e a estrutura antistrfica8 mostram-se variveis ou sob disputa, como
a prpria impresso deixada pelo estilo empregado nos poemas nem sempre
corresponde agitao9 () descrita por suas fontes. Essa variedade, que
parece ter confundido os prprios comentadores antigos10, torna evidente a necessidade
de uma contextualizao histrica e diacrnica que situe a poesia ditirmbica, as
ocasies das suas apresentaes e mesmo a sua classificao pelas teorias posteriores de
gneros poticos, o que deve ser feito com a discusso do valor de cada uma das
evidncias mais relevantes das suas fontes primrias. Dos poemas que compem o
corpus ditirmbico, o material mais substancial a que temos acesso at a idade clssica
so os poemas e fragmentos preservados de Pndaro (518/22 438 a.C.) e de Baqulides
(c. 520 450 a.C.) toda a poesia anterior incorporada histria do ditirambo tema
sobretudo para conjecturas com base em testemunhos posteriores. Para a escala desta
monografia, uma traduo e anlise da poesia ditirmbica de Pndaro e Baqulides
1 Archil. fr. 120 W. Cf. ainda A. fr. 355 Radt; Pi. O. 13; Pl. Lg. 3.700b. 2 Procl. apud Phot. Bibl. V, 320b12-16 Henry. Cf. ainda Arist. Pol. VII, 1342b 1-12. 3 Procl. ibid. Cf. ainda Pl. Lg. 3.700a-1a. 4 Procl. ibid. 5 Plu. De E 389a-b Pohlenz-Sieveking. 6 Athen. 11, 464f-465b. Cf. ainda Athen. 14, 628a-b; Procl. apud Phot. Bibl. V, 320b, 161, 21-3 Henry;
Luc. Tim. 46; Archil. fr. 120 W. 7 Pl. R. 394c; Ps.-Plu. de Mus. 10, 1134e; Schol. Lond. D.T. 451. 21 Hilg. 8 Ps.-Arist. Probl. 19. 9 Procl. apud Phot. Bibl. V, 320b12-16 Henry. 10 Cassandra de Baqulides: pe (segundo Calmaco) ou ditirambo (segundo Aristarco)? Cf. POxy. 2368.
Xencrito: compositor de pes ou de ditirambos? Cf. Ps.-Plu. de Mus. 10, 1134e.
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16
foram destacadas para um trabalho futuro mais abrangente e o perodo imediatamente
anterior na histria do gnero foi delimitado para ser examinado a seguir, iniciando por
consideraes acerca da etimologia da palavra e acompanhando as
evidncias para o ditirambo de Arquloco (sc. VII a.C.) a Simnides de Cos (c. 556
468 a.C.).
-
17
2. ETIMOLOGIA
A palavra e seu contexto original apontam para as origens do
culto a Dioniso na Grcia: vinculaes do ditirambo a Dioniso sugerem uma ntima
relao entre ambos, em que ditirambo podia ser um nome de Dioniso11 ou a prpria
cano em seu culto12, antes mesmo de uma forma potica mais desenvolvida13. Sua
etimologia, no entanto embora conjecturas tenham eliminado teorias antigas e a
reconheam como uma palavra no grega , no pde ser esclarecida satisfatoriamente.
Desde a Antiguidade14 prevalecia uma noo etimolgica popular da palavra,
derivando-a do prprio grego e relacionando-a ao duplo nascimento de Dioniso o deus
que, tendo nascido uma segunda vez15, teria vindo por duas portas ():
,
' ,
,
, , .
O ditirambo escrito para Dioniso, de quem toma o seu nome seja por
Dioniso ter sido criado em uma caverna de duas portas16 no interior de
Nisa17, seja por ele ter sido encontrado quando eram soltas as costuras de
Zeus18, seja porque ele parece ter nascido duas vezes, uma vez de Smele, e
uma segunda da coxa [de Zeus]19.
Proclo apud Fcio, Bibliotheca, V 320a25-33
11 E. Ba. 527; Philod. Scarph. Pae. Dion. (Powell CA 169); Heph. Poem. VII, 70 Consbr.; Athen. 1, 30b;
4, 175a; 9, 465a; 12, 563c; EM 274, 44-55. 12 Archil. fr. 120 W; Cratin. fr. 56 Kassel-Austin (apud Suda s.v. ); A. fr. 355 Radt. 13 Her. I, 23; Pi. fr. 128c Maehler; Pl. Lg. III, 700a-1a; Arist. apud Procl. apud Phot. Bibl. 239. 14 E. Ba. 532 ff. 15 A verso mais conhecida do mito do nascimento de Dioniso conta que Smele, grvida de Zeus, foi
induzida por Hera a pedir que Zeus se mostrasse a ela em toda a sua glria. Tendo prometido lhe atender
qualquer pedido, Zeus se revelou em sua forma fulminante, diante da qual Smele, incapaz de suportar a
viso dos raios, tombou incinerada. Zeus apressou-se em arrancar-lhe a criana que trazia no ventre, ainda
no sexto ms de gestao, e a coseu imediatamente dentro de sua prpria coxa. Chegando o fim da
gestao, tirou Dioniso, o deus nascido duas vezes, perfeitamente formado e vivo. Cf. Apollod. Bibl. III,
4, 2 e 5, 3; h Hom. 34, 21; Hes. Th. 290 e ss; E. Ba. 1, 242 e 286. 16 Por conta de duas () portas (): (de duas portas). 17 Cf. ainda Pi. fr. 85a Maehler e EM 274, 44-55. 18 Por conta das primeiras slabas de Zeus (), soltar () e costuras (). Cf. a expresso
(solta as costuras!) em Pi. fr. 85 Maehler. 19 Por conta dos dois () triunfos () de seu duplo nascimento.
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18
Porm, tais explicaes mostraram-se filologicamente impossveis, assim como
derivaes que, interpretando - como duplo, deduzem uma referncia ao duplo
aulo20, o instrumento tradicional das execues dos ditirambos21.
Tentativas modernas se deparam com a questo do que ter ocorrido primeiro, a
ligao semntica da palavra com Dioniso ou com a cano. Se com Dioniso, assume-se
que seu significado pode ter evoludo das circunstncias mticas da divindade (como seu
nascimento); se com a cano, que pode ter evoludo das circunstncias da sua
apresentao (como os passos da sua dana).
Calder (1922: 11-14)22 reconhece a palavra / (tmulo ou
monumento sepulcral) presente em inscries frgias23, que especula se tratar de um
possvel emprstimo anatlico cujo significado mais preciso seria tmulo de duas
portas, um tipo de monumento cujo simbolismo atestado pela arqueologia na religio
frgia local. Em sua anlise, o primeiro elemento da palavra ditirambo, -,
corresponderia, portanto, a tmulo.
O segundo elemento, -, Calder identifica tendo deixado vestgio em
palavras gregas como e e supe que denote cano ou apresentao
ritual de algum tipo. Outra relao desse elemento encontrada com a terminao
anatlica -- (anloga terminao -), a qual originalmente denotaria um ttulo
divino (anlogo a )24, o que poderia significar, no contexto de , uma
cano em honra a uma divindade. Assim, teria passado para a lngua grega
da seguinte maneira:
/ (tmulo)
+
- (cano em honra a uma divindade)
=
20 Pickard-Cambridge (1927: 14). 21 Cf. AP XIII, 28 (= Antigen. 1 FGE; Simon. 144 D) (pg. 65); Pi. fr. 74a-83 Maehler; B. fr. 23 Maehler;
IG I3 962; Arist. Pol. VII, 1342b 1-12; Schol. Aeschin. 1.10; Poll. IV 81; Athen. 4, 174f-175e. 22 Cf. ainda Calder (1927). 23 Anderson (1898: 121-122) e Calder (1911: 188 e 214). 24 Pickard-Cambridge (1927: 16) identifica a slaba -- como passo ou movimento, o que, no
entanto, ele reconhece no afetar a hiptese geral de Calder.
-
19
, portanto, teria sido originalmente um treno, lamento ou cano
fnebre em honra a um deus, o prprio Dioniso uma divindade de origem
possivelmente anatlica e associada a sepulturas nessa tradio25.
A origem frgia da etimologia do ditirambo remete origem do prprio culto de
Dioniso atestado nas suas vrias rotas at chegar Grcia: por meio de Creta (onde deu
origem ao culto de Zagreu), atravessando o Egeu pelas ilhas (Lesbos, Paros, Naxos) e
pela Trcia (onde os elementos ctnicos do culto so atestados).
Outra possvel evidncia dessa origem seria o fato do modo musical
especialmente empregado no ditirambo ser o frgio26: no por acaso, conforme relata
Ateneu27 (scs. II-III d.C.), havia uma antiga tradio segundo a qual as frgia
e ldia haviam chegado Grcia trazidas por Plops, o lendrio filho de Tntalo, em sua
vinda da sia menor.
Na avaliao de Pickard-Cambridge (1927: 17), se esse hino dionisaco e essa
msica eram de fato originalmente frgios, torna-se fcil entender que o ditirambo e o
modo frgio tambm viessem a ser encontrados em Paros28 e Naxos29, e que Dioniso
seja um deus de tribos trcio-frgias. Suas ressalvas teoria de Calder, no entanto, so
feitas natureza especulativa da interpretao do significado frgio tmulo de duas
portas, que no conta com outras evidncias de apoio, e ao lembrar que no h
nenhuma evidncia independente de ligaes do ditirambo com tmulos.
Precedendo ainda uma breve resenha crtica em que rejeita a hiptese de Cook30
e Harrison31, Pickard-Cambridge (1927: 14-15) prope uma teoria por meio de outra
analogia etimolgica. Ele observa que as palavras , e triump(h)us
25 Idem, ibid. Cf. ainda Calder (1927); Rutherford (2010); Taylor-Perry (2003: 19-21). 26 Arist. Pol. VIII, 7; Procl. apud Phot. Bibl. 320b. 27 Athen. 14, 626. 28 Archil. fr. 120 W. 29 Pi. fr. 115 Maehler. 30 Cook (1914: I 681-2) prope a ligao com a raiz -, lanar-se, a partir de onde deduz a conotao
de gerar para sugerir que dithyramb was properly the song commemorating the union of Zeus with
Semele, and the begetting of their child Dionysus. 31 Harrison (1914: 204) segue Cook na identificao da raiz - e interpreta como the song
that makes Zeus leap or beget.
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20
so relacionadas etimologicamente32, e que e , ambas designando
cano a Dioniso, so palavras sinnimas.
A slaba -- nas trs palavras, em analogia a palavras como , ,
, , , e , significaria passo ou
movimento33. E em analogia palavra , que possivelmente significa trs
passos, corresponderia a uma forma modificada e sinnima de *-
, com - denotando a ligao com um deus, significando, portanto: [dana
de] trs passos ligada a um deus.
As conjecturas sobre a palavra ditirambo, embora no possam esclarec-la
satisfatoriamente34, indicam que ele provavelmente se originou na Frgia, ou ao menos
entre povos trcio-frgios, e que veio para a Grcia com o culto de Dioniso, quando
inicialmente devia pertencer sua esfera ritual.
32 Cf. Chantraine (1977: 440-441) s.v. . No perodo romano (sc. II a.C.), o termo
tendia a ser cada vez mais traduzido por triumphus em latim. 33 E assim a etimologia de seria [dana do] passo frente; de , homem com passo
de lobo; de , possivelmente [dana dos] dois passos; etc. 34 Cf. Chantraine (1977: 282) s.v. .
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21
3. DE ARQULOCO A LASO DE HERMONE
3.1. Arquloco
A primeira meno conhecida palavra se encontra em Arquloco
de Paros (sc. VII a.C.) em um fragmento citado por Ateneu35:
.
Sei como entoar o ditirambo, belo canto do senhor Dioniso,
eu que tenho a mente fulminada pelo vinho.
Arquloco, Fr. 120 W
A classificao tradicional36 do ditirambo identificou no fragmento a evidncia
de uma fase pr-literria do gnero, em que o canto, ligado sua funo religiosa,
ainda no havia sido propriamente organizado e institudo como forma potica. Mas,
alm de atestarem a ligao do ditirambo ao culto de Dioniso ao final do sculo VII
a.C., esses dois versos j demonstram a conscincia de certo grau de elaborao original
ao mencionarem o conhecimento pessoal () do poeta sobre como principiar
() um ditirambo, cuja beleza ( ... ) ele sabe objetivar, mesmo quando
a tradio antiga s ir conferir ao ditirambo uma tradio propriamente potica inicial
com Aron de Metimna37 (scs. VII-VI a.C.) e Laso de Hermone38 (segunda metade do
sc. VI a.C.).
A forma que esse canto ditirmbico teria assumido ao tempo de Arquloco, e
mesmo a natureza do canto a que esse fragmento pertence, tem sido diversamente
especulada: Wilamowitz (1907: 64) deduz do fragmento um contexto simposistico que
atestaria a existncia de um ditirambo mondico, mas sua concluso tem sido
relativizada por discusses em torno da palavra (entoar ou principiar), a
qual remeteria ao tradicional , o lder do coro na poesia coral39. Privitera (1957:
35 Athen. 14, 628a-b. 36 Zimmermann (1999: 487); Pickard-Cambridge (1927: 18-19). 37 Her. I, 23; Schol. Pi. O. 13; Procl. apud Phot. Bibl. V 320a-b; Phot. s.v. ; Suda s.v.
( 3886); Tz. ad Lyc. 112, 15-17 Koster. Cf. cap. 3.2. 38 Clem. Al. Strom. I 16, 78, 5; Schol. Pi. O. 13 26b BDEQ; Ps.-Plu. de Mus. 29, 1141c; Tz. ad Lyc. 112,
15-17; Suda s.v. ( 139). Cf. cap. 3.4. 39 Confrontar com a ocorrncia de em Archil. fr. 121 W:
. Cf. Harvey (1955: 172); Privitera (1957: 101); Rosenmeyer (1968: 220); West (1997: 43-4).
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101) v no fragmento o documento de uma nova conscincia potica na atividade do
canto coral, em que Arquloco j assumiria, no contexto do culto de Dioniso, o tpico
papel de um . Luetcke (1829: 64) j propunha que o uso do verbo
implica a existncia de um coro ao qual, de acordo com Privitera, Arquloco proclama
saber no apenas dar o tom, mas oferecer um ditirambo composto por ele prprio40. E
Melena (1983: 184), citando um verso de Calmaco como apoio41, sugere que o
fragmento pertena ao promio citardico de um ditirambo.
As ressalvas a essas interpretaes partem da contextualizao de que uma
diferenciao entre cano () e poesia () uma concepo posterior,
do sculo V a.C. (fazendo sua primeira apario em prosa em Herdoto42), o que torna
anacrnica uma concepo lrica aplicada a Arquloco. Ieran (1997: 170) afirma que
no possvel supor que o prprio fragmento derive de um ditirambo, pois, com o verbo
mesmo que ele seja entendido especificamente como dar incio ao invs de
genericamente entoar , Arquloco estaria dizendo apenas que sabe como dar incio
ao canto ditirmbico, o que no seria suficiente para creditar o fragmento como parte de
um promio ditirmbico, como argumenta Melena, nem compatvel com a afirmao
orgulhosa do poeta. Pickard-Cambridge (1927: 18-19) no v no fragmento a sugesto
de uma composio potica, mas uma referncia prpria atividade de cantar em honra
a Dioniso. E a ideia de que o fragmento tenha pertencido a um ditirambo, ou que sequer
Arquloco tenha composto um canto de caractersticas poticas devidamente
desenvolvidas no que chamou de ditirambo, se ope tradio que reconhece
posteriormente em Aron o seu 43. Alm disso, a prpria tradio da transmisso
e leitura de Arquloco atestada durante a Antiguidade no possui qualquer meno
explcita a um ditirambo ou mesmo sua prtica nesse tipo de poesia embora o possua
em relao a outro tipo de canto dionisaco, o ibaco44. O indcio mais prximo
encontrado nos blocos de mrmore do Archilocheion de Paros45 erigidos por Mnesepes
40 Privitera (1957) relega a tradio posterior que reconhece em Aron o do ditirambo. Cf. n. 37
supra. 41 Call. fr. 544 Pfeiffer: . 42 Liddell & Scott (1996: 1429) s.v. . Cf. Ford (2002: 146-47 e 152). 43 Cf. n. 37 supra. Para uma relativizao dessa tradio, cf. Privitera (1957). 44 Heph. Poem. XV 16, 53 Consbr. Cf. Privitera (1957: 100). 45 Archilocheion: tmulo monumental (), fosso ritual () ou altar () em que Arquloco
era honrado como heri, talvez desde o sc. VI a.C. Cf. Clay (2004: 3-29).
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na segunda metade do sc. III a.C.46, cujo texto se refere a um episdio em que
Arquloco teria sido punido pelos habitantes de Paros por ter composto e feito um coro
apresentar um canto em honra a Dioniso considerado jmbico demais ()
Dioniso, em resposta, teria vingado o poeta golpeando os parianos nas genitais47.
Ieran (1997: 169) relata a histria como indcio de que a figura de Arquloco usufrua
de uma saga de resistncia prpria nessa tradio, que consagrava a figura do poeta
como tipicamente dionisaca. Em outra passagem48, a inscrio j descreve Arquloco
como um tpico que teria ensinado ao coro de Paros um canto
composto por ele prprio o que para Privitera (1988: 28) tem o valor de uma
indicao histrica da evoluo do papel do , que da esecutore principale era
diventato autore e istruttore.
Quanto ao contedo do canto ditirmbico de Arquloco, Pickard-Cambridge
(1927: 18-19) especula que pudesse se tratar de uma improvisao do poeta ao assumir
o papel de , seguida possivelmente de um refro tradicional cantado pelo coro
fosse em um contexto convivial ou no , comparvel execuo do treno descrito na
Ilada, 24, 750. Ieran (1997: 168) v no fragmento uma conscincia potica insipiente
que iria no mnimo alm de algo to primitivo como a improvisao do . E
Zimmermann (1999: 487), embora situe o fragmento como um testemunho pr-literrio,
o interpreta como evidncia de que Arquloco desempenhou virtualmente o papel de um
, um mestre de coro.
Quanto referncia ao vinho, Ateneu cita o fragmento para associar o ditirambo
ao vinho e embriaguez, e em seguida cita um verso do Filoctetes de Epicarmo (c. 540
450 a.C.)49, o que mostra que em alguma medida o ditirambo embriagado persistiu
por um sculo e meio ou mais depois de Arquloco50. Mathiesen (1999: 72) observa que
a embriaguez no deve ser entendida simplesmente como intoxicao, mas como uma
46 Blocos de mrmore com inscries literrias erigidos por Mnesepes para o Archilocheion
provavelmente no sc. III a.C. (cf. Archil. frr. 88 e 89 W) Archil. Test. 4T E1 col. 3 35 ss. Cf. Corra
(1998: 193-207); Hawkins (2009). 47 Em Schol. Ar. Ach. 243, a mesma punio dada por Dioniso aos atenienses, acusados de recusarem o
seu culto. 48 Archil. Test. 4T E1 col. 3 116 ss. 49 Epich. fr. 132 Kaibel: . 50 Cf. ainda Athen. 11, 464f-465b para uma referncia presena do vinho nas Grandes Dionsias que
pode remontar ao sc. III (com o testemunho de Filocoro) e IV a.C. (com o testemunho de Ferecrates).
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infuso de Dioniso que estimula os poderes criativos do compositor um sentido que
assume importante funo no culto dionisaco51.
E assumisse ou no uma forma que j pudesse ser chamada de ditirambo com
um sentido potico nesse gnero, o fragmento demonstra um nvel de conscincia
potica prprio do desenvolvimento de canes originalmente religiosas cuja
composio passaria a assumir convenes reconhecidas por uma tradio de poetas
tal como foi feito em um estgio mais avanado por Terpandro, lcman, Xencrito e
Estescoro com formas como o hino, o nomo, o prosdio e o pe52.
3.2. Aron de Metimna
A primeira referncia origem do ditirambo se encontra em Herdoto (c. 484
425 a.C.), que relata a lenda do poeta Aron de Metimna (scs. VII-VI a.C.), raptado e
lanado ao mar por piratas e salvo por um golfinho que o carregou at o cabo Tnaro,
extremidade sul do Peloponeso:
. . . ( )
,
, ,
.
. . . como de fato relatam os corntios (e os lsbios com eles concordam),
aconteceu-lhe a maior maravilha durante sua vida53: Aron de Metimna foi
trazido por um golfinho at Tnaro ele que foi um citaredo como nenhum
outro em seu tempo e o primeiro homem, at onde sabemos, a compor,
nomear e ensinar o ditirambo em Corinto.
Herdoto, Histrias I, 23
51 Cf. Burkert (22011: 249-51); Privitera (1957: 97). 52 Cf. ainda West (1974: 131) sobre a adequao textual do fragmento espcie das canes conviviais
jmbicas em sua edio de Arquloco contrastada com o problema mtrico do primeiro verso, cujas
solues ligam o fragmento a procedimentos conhecidos ou em elegias ou em Laso de Hermone, Pndaro
e Baqulides. 53 Herdoto se refere, na verdade, a Periandro, de quem o texto tratava anteriormente, e em cuja vida o
testemunho desse acontecimento maravilhoso de Aron situado.
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Essa passagem tem sido tradicionalmente54 entendida, aps o testemunho de
Arquloco, como a indicao da origem propriamente potica do ditirambo, quando o
coro55 teria se tornado estacionrio () e recebido como cano um poema
regular, com um tema definido56.
A atribuio do ditirambo a Aron cumpre a abordagem etiolgica dos relatos de
Herdoto e se tornou um testemunho fundamental para a histria do ditirambo. Aron
nasceu em Metimna, na ilha de Lesbos, e viveu em Corinto durante o reinado de
Periandro57 (c. 626-585 a.C.) cidade de populao drica, em que canes corais
foram especialmente cultivadas58. Pndaro, em sua Olmpica XIII59, j aponta para a
origem do ditirambo em Corinto e esclios passagem60 confirmam tratar-se de uma
referncia a Aron embora haja igualmente notcias de que Pndaro se referiu, em
poemas de diferentes ocasies, a Tebas e a Naxos61 como ptrias do ditirambo. Como
poeta comissionado, Pndaro era comprometido a exaltar a cidade dos vencedores
celebrados em seus epincios e das comunidades a que dirigia seus ditirambos e
hiporquemas, mas uma tradio antiga de ditirambos, talvez em suas formas pr-
literrias62, de fato deve ter existido nessas cidades, justificando o sentido das
referncias de Pndaro ou, ao menos, esses podem ter sido lugares de destaque na
geografia mtica e cultual do dionisismo63.
A tradio de Aron como o inventor do ditirambo prolongada at o fim da
idade bizantina64, mas ela impe um impasse em vista do testemunho de Arquloco, seu
ilustre exponente mais antigo, e as razes deste ter sido ignorado pela tradio. A
discusso sobre o significado exato da atribuio do ditirambo a Aron por Herdoto
54 Pickard-Cambridge (1927: 20-22); Harvey (1955: 172); Zimmermann (1999: 487). 55 Indicado na afirmao de que Aron ensinou () o ditirambo. 56 Cf. Suda s.v. ( 3886): . . . . 57 Her. I, 23-24. 58 Os primeiros poetas gregos conhecidos por terem composto canes corais, a quem fragmentos que
sobreviveram so atribudos, so Eumelo de Corinto (final do sc. VIII a.C.) (Paus. 4, 4,1) e lcman de
Esparta (c. 650-600 a.C.). O dialeto falado em Corinto e Esparta era o drico, e, como resultado de sua
poesia ser fixada por escrito, o drico se tornou o dialeto predominante de toda cano lrica coral
subsequente, independente da origem do poeta. Cf. Maehler (2004: 10-11). 59 Pi. O. 13, 18-19, em que faz a pergunta retrica: /
;. 60 Schol. Pi. O. 13, 26b-c. 61 Pi. fr. 71 Maehler. 62 Pickard-Cambridge (1927: 22). 63 Ieran (1997: 171). 64 Her. I, 23; Schol. Pi. O. 13; Procl. apud Phot. Bibl. V 320a-b; Phot. s.v. ; Suda s.v.
( 3886); Tz. Proleg. ad Lycoph. 112, 15-17 Koster.
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depende do entendimento do seu enunciado: Zimmermann (2000: 16) sugere que
Herdoto cuidadoso em no afirmar que Aron inventou () o ditirambo,
informando-nos, ao invs, que o que se atribui a Aron a atitude de dar ao seu novo
produto potico o antigo nome , enquadrando-o na antiga forma cultual
com um novo contedo e submetendo-o a uma nova forma de apresentao. Ieran
(1997: 189-90) v no modo como a notcia de Herdoto articulada traos essenciais do
processo formador da tradio, que viu em Aron o primeiro ditirambgrafo em razo de
ele ter sido o primeiro a compor ditirambos com sua caracterstica essencial: conter um
relato mtico autnomo.
A deduo de que Aron teria composto ditirambos com contedo mtico est
ligada discusso do significado do verbo (nomear) no testemunho de
Herdoto, que a princpio parece significar que Aron foi o primeiro a dar ttulos aos
seus ditirambos, como a tradio posterior de Simnides, Pndaro e Baqulides, de quem
h notcias dos ditirambos Mmnon65, Crbero66 ou Teseu67. Mas Luetcke (1829: 30)
nota que, se fosse esse o significado, Herdoto poderia ter usado a palavra ditirambo
no plural (), e no no singular, o que para Privitera (1957: 103) significa
que Herdoto atribui a Aron a iniciativa de dar nome no aos ditirambos, mas ao
gnero do ditirambo, por de fato consider-lo (diferente da interpretao textual de
Zimmermann) seu prprio inventor. Isto se explicaria, de acordo com Privitera,
simplesmente pelo desconhecimento do historiador da referncia a Arquloco se
Erodoto si fosse ricordato di Archiloco non avrebbe detto inventore Arione non solo
del nome ma neanche del Ditirambo68.
De todo modo, a ideia de que Aron tivesse composto ditirambos de contedo
mtico e, assim, se tornado referncia para a tradio potica do gnero tem outro
contexto a ser explorado: o contexto histrico-cultural no qual foram compostas as
obras dos cantores de Lesbos. Ieran (1997: 190-91) observa que, ativo no Peloponeso,
Aron provavelmente participava das festas espartanas de Carneia, visto que Helnico
65 Simon. PMG 539. 66 Pi. fr. 70b Maehler. 67 B. 17 Maehler. 68 Cf. ainda Podlecki (1974: esp. 16) sobre a rivalidade entre Paros (cidade de Arquloco) e Delfos
(patronada por Corinto (cidade de Periandro e da estadia de Aron)), que teria influenciado a recepo
tardia de Arquloco na Grcia.
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(sc. V a.C.) o cita em sua lista de 69, o que pode lig-lo a lcman (sc. VII
a.C.) cuja permanncia em Esparta conhecida e que, segundo a Suda70 (sc. X d.C.),
pode ter sido professor de Aron e a Terpandro (primeira metade do sc. VII a.C.)
poeta igualmente ligado a Esparta, de quem Aron pode ter sido rival71.
A Terpandro e s escolas espartanas atribuda a difuso, entre os sculos VII e
VI a.C., de uma onda de renovao potico-musical, representada por uma poesia que
inseria relatos mticos em seus cantos cultuais em honra aos deuses72. Foi esse o caso,
por exemplo, de Xencrito de Lcrida, ativo em Esparta ao fim do sculo VII a.C., e
que (Pseudo-)Plutarco73 relata ter sido objeto de disputa entre ser classificado como
compositor de pes ou de ditirambos, pois seus poemas continham temas heroicos e
aes74 o que para a crtica posterior parecia denotar um critrio de distino a favor
do ditirambo. Dos poetas possivelmente relacionados a Aron, lcman oferece o
primeiro testemunho direto de uma poesia coral cultual caracterizada pela presena de
mitos heroicos75. E Terpandro se destaca no movimento de renovao da poesia cultual
com sua reforma do nomo citardico, que consistiu essencialmente na introduo de
mitos heroicos nessa forma de canto a Apolo76.
Inserido nesse contexto, Aron parece ter sido responsvel, na leitura de Ieran
(1997: 192), por ter introduzido partes narrativas nos cantos ditirmbicos, tal como
Terpandro com respeito ao nomo apolneo. No por acaso, tradies dionisacas j eram
desenvolvidas em Corinto em forma de cantos picos por Eumelo (segunda metade do
sc. VIII a.C.), o rapsodo da nobre estirpe dos Baquadas, das quais Aron pode ter
extrado matria para os seus ditirambos77. E Zimmermann (2000), retomando algo dos
dados examinados por Ridgeway (1915) que via nas origens do ditirambo o culto a
69 Lista dos vencedores nos jogos de Carneia (o mais importante festival de msica de Esparta), incluindo
notcias de eventos especiais. Cf. Hellanic. FGrHist 4 F 86 apud Schol. Ar. Av. 1403. 70 Suda s.v. ( 3886). 71 Aron reconhecido por ter aperfeioado vrias das invenes musicais de Terpandro, sobretudo no
campo citardico. Cf. Procl. apud Phot. Bibl. V 160, 25. 72 Ieran (1997: 191). 73 Ps.-Plu. de Mus. 10, 1134e. 74 Idem: , de onde se deduz
um contedo mtico. 75 Cf. Alcm. frr. 2a, 95, 96, 97 102 Calame; Ieran (1997: 191 n. 12). 76 Plu. Apophthegm. Lac. 238b. Ieran (1997: 191) cita Poll. IV 66 para indicar que, das sete partes de que
se compunham os nomos de Terpandro, a mais importante, o , era narrativa. Cf. Ps.-Plu. de Mus.
3-4, 1132. 77 Cf. Ieran (1992: 48-50).
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heris, mais do que sua relao com Dioniso78 , apresenta Aron como o responsvel
pelo ditirambo dionisaco ter adquirido caractersticas adicionais, no exclusivamente
dionisacas, atravs de sua associao com cultos heroicos.
A atitude mais especfica de Aron em relao organizao do coro para o
canto do ditirambo discutida a partir do testemunho encontrado na Suda:
, , , ,
. .
: .
.
.
Aron, de Metimna, lrico, filho de Cicleu, nasceu na 38 Olimpada. Alguns
tambm registraram que foi aluno de lcman. Escreveu canes: promios
para picos em dois [livros]. Dizem tambm que foi o inventor do estilo
trgico e o primeiro a estabelecer um coro, cantar um ditirambo, nomear o
que o coro cantou e introduzir Stiros falando em verso. [Seu nome] retm
[o mega] tambm no genitivo.
Suda, s.v. ( 3886)
A afirmao de que Aron foi o primeiro a (ter estabelecido um
coro) sugere, de acordo com Pickard-Cambridge (1927: 20-22) e Webster (1970: 69),
que Aron foi o primeiro a organizar um coro e a mant-lo em um ponto definido (o
conceito de 79), ao invs de dispor de convivas caminhando aleatoriamente ou
de cantores em uma procisso. Ieran (1997: 194), no entanto, julga que, ao confrontar a
Suda e outros testemunhos da inveno do ditirambo por Aron, possvel supor que
a expresso da Suda tenha um significado genrico, simplesmente indicando Aron
como o primeiro poeta a ter organizado um espetculo coral ditirmbico.
Uma importante referncia coral tambm feita atravs do nome dado a seu pai,
, Cicleu uma bvia aluso ligao entre o ditirambo e o , o
coro cclico de cinquenta homens ou garotos que se sabe ter apresentado o ditirambo
78 O que no entanto confrontado por Pickard-Cambridge (1927: 5-14). 79 Cf. Kranz (1933).
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em festivais atenienses80. Neste passo, Zimmermann (1992: 26) julga que a importante
transformao do ditirambo, deixando de ser uma cano cultual a Dioniso para ser um
poema81, se deve a Aron ter composto ditirambos para serem apresentados por um
82, um coro que j demandaria maior tempo de preparao. E Ieran
(1997: 190) sugere que uma das razes pelas quais Aron foi considerado o inventor do
ditirambo pode ter sido por ele ter promovido grandes espetculos corais com o
ditirambo no contexto de importantes festas cvicas.
Essas interpretaes aceitam no apenas a vinculao de Aron a inovaes
poticas algo tradicional do antigo tpos do 83 , mas tambm a
instituio de novas formas de apresentao de poesia em festivais cvicos. Fearn (2007:
169) alerta para a deficincia de se assumir uma viso que atribua a instituio de
formatos de apresentao potica a um poeta individual: no contexto pblico da poesia
coral grega, novas formas de poesia concebidas para apresentaes festivais dependiam
no apenas do gnio criativo do poeta, mas do papel do estado, ou da classe de nobres
que produziu os tiranos, em sancion-las. A esse respeito, a probabilidade geral,
segundo Fearn, que tenha sido o estado, mais do que um poeta individual, o promotor
da ideological driving force behind the institution of a new form of public performance
poetry84.
necessrio observar que no h evidncias da apresentao do ditirambo em
festivais de poesia em Corinto, o que torna vaga a especulao do papel de Aron em
promov-lo em apresentaes festivais. Uma nica possvel referncia se encontra na j
mencionada Olmpica XIII85 de Pndaro, que indica Corinto como a cidade das
. . . (alegrias de Dioniso com o ditirambo
condutor de bois). Como relata Pickard-Cambridge (1927: 6-7), o epteto
(condutor de bois) dado ao ditirambo d margem para diferentes interpretaes86, mas
podia se referir a um costume de competies ditirmbicas de Corinto. O escoliasta da
80 Fearn (2007: 169). Cf. cap. 4.1.4. 81 Fearn (2007: 170) critica a terminologia de Zimmermann como anacrnica ao se referir aos cantos
ditirmbicos de Aron como poemas (Dichtungen). Cf. Ford (2002: 146-47 e 152). 82 Cf. ainda Tz. ad Lyc. 112, 15-17:
. 83 Cf. Kleingnther (1933). 84 Fearn (2007: 170). 85 Pi. O. 13, 18-19. Cf. Schol. Pi. O. 13, 26a BCDEQ. 86 O Schol. Pi. O. 13, 26a BCDEQ registra o epteto como uma referncia conduo do boi (ao altar ou
como prmio) pelo vencedor de competies ditirmbicas.
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Repblica 394c de Plato declara que o vencedor do primeiro prmio de competies
ditirmbicas recebia um boi, e como essa declarao segue a explicao de que o
ditirambo foi inventado por Aron em Corinto, ele pode estar se referindo, como
Pndaro no poema, a um costume de Corinto. Contudo, tanto o escoliasta quanto
Pndaro podem ter em mente as competies ditirmbicas de Atenas, conhecidas por
toda a Grcia em 464 a.C., a data do epincio, e onde se sabe ter sido promovido o ritual
em que um boi era ofertado87. De todo modo, o ponto de Fearn permanece: mesmo
Corinto enquanto estado, quanto mais um poeta individual, no teria inventado uma
nova forma de canto coral, a do ditirambo, ex nihilo: seria mais provvel a modificao
e adaptao de uma forma pr-existente que com o tempo passasse a assumir um papel
mais central na cultura da cidade.
A figura de Aron assume traos lendrios em uma tradio de estrias
extraordinrias88 e canes esprias89, mas seu possvel papel na histria do ditirambo
ao ser situado em um contexto histrico-cultural revela traos de relevncia essencial.
Como afirma Ieran (1997: 194), ao fim e ao cabo ainda restam questes difceis de
serem explicadas, como qual seria a relao entre a aulodia, tradicionalmente ligada
poesia dionisaca90, e a citarodia em que Aron foi mestre91. Koller (1963: 142),
colhendo as evidncias sobre Aron e o ditirambo, lhe atribui um ditirambo citardico,
uma especulao natural, ainda que motivada por evidncias indiretas. Outros
problemas so trazidos ainda pela atribuio da Suda inveno de Aron de um estilo
trgico ( ) e de Stiros falando em verso ( . . .
), o que, ao menos, mostra-se independente e no corresponde a dados que
permitam deduzir um ditirambo dramtico-satrico92.
3.3. bico
A notcia do esclio Andrmaca de Eurpides (c. 480 406 a.C.) que atribui
um ditirambo a bico (segunda metade do sc. VI a.C.) apresenta o primeiro dentre os
poetas do cnone alexandrino de Nove Poetas Lricos na histria do ditirambo:
87 Cf. cap. 4.1.5. 88 Plu. Conv. 160e. Cf. Schamp (1976: 97). 89 Ael. NA XII 45 = PMG 939. Cf. Bowra (1963: 124-7). 90 Cf. AP XIII, 28 (= Antigen. 1 FGE; Simon. 144 D) (pg. 65); Pi. fr. 74a-83 Maehler; B. fr. 23 Maehler;
IG I3 962; Arist. Pol. VII, 1342b 1-12; Schol. Aeschin. 1.10; Poll. IV 81; Athen. 4, 174f-175e. 91 Her. I, 23; Fronto Ep. 241, 1. 92 Ieran (1997: 194).
-
31
( ) .
.
.
(bajulando uma traioeira cadela93): vencido pelos dons de Afrodite. So
mais bem tratados pelos [versos] de bico94: pois Helena se refugia no
templo de Afrodite e ali dialoga com Menelau, que por amor deixa cair sua
espada. Algo muito parecido co de Rgio diz em um
ditirambo95.
Esclio a Eurpides, Andrmaca 631 (2,293 Schwartz)96
Este testemunho foi por muito tempo negligenciado, em parte pela incerteza na
leitura da passagem crucial que identifica bico como o autor do ditirambo referido97. A
lio de Schwartz98, embora adotada provisoriamente, era contestada por Wilamowitz99,
at que uma nova recenso do Cdice Marciano 471, realizada por Cingano (1990: 215-
219), pde confirm-la (e em parte corrigi-la).
Conforme observa Ieran (1997: 195), o esclio permite obter duas
consequncias importantes para a histria do ditirambo: 1) o ditirambo de bico
continha uma narrativa mtica, o que confirma a caracterstica basilar do mito heroico na
poesia ditirmbica pelo menos desde o sculo VI a.C.; e, 2) oriundo de Rgio, na Magna
Grcia, bico confirma uma tradio ditirmbica magnogrega que, com ele, j
remontaria ao sc. VI a.C.100
93 O esclio se refere cena em que Peleu repreende Menelau por no ter assassinado Helena aps a
queda de Troia: E. Andr. 630. 94 + acus: pelos (versos) de bico. Cf. Cingano (1990: 215); Liddell & Scott (1996: 1367), s.v.
(C.5); Schwyzer & Debrunner (1939-1971 II 504). 95 A sentena final, aparentemente independente do resto do esclio, parece ser um esclio alternativo ou
uma perorao que acrescenta se tratar de um ditirambo (no h notcias de outro poeta homnimo a
bico). 96 A notcia classificada por Davies na obra de bico como fr. 296 PMGF. 97 Ieran (1997: 195). 98 . 99 Wilamowitz apud Cingano (1990: 215-6 n. 89). 100 H notcias de ditirambgrafos magnogregos como Clemenes, tambm de Rgio, no sc. V a.C.
(Schol. EM Ar. Nu. 332a); Carilau em Lcrida no sc. IV a.C. (IG II2 3052); Teodorida em Siracusa no
sc. III a.C. (Athen. 15, 699f e 7, 302b); bem como o Xencrito de Lcrida mencionado por Ps.-Plu. de
Mus. 10, 1134e, debatido sobre ter sido um autor de ditirambos ou de pes, cuja atividade potica remonta
ao sculo VII a.C. Ieran (1997: 196) especula que Stesich. PMG 212, composto em modo frgio, tambm
possa ter sido um ditirambo.
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32
Ieran especula ainda que o ditirambo de bico pode ter assumido caractersticas
dramticas, como a Ode 18 Maehler de Baqulides, ou que ao menos tivesse sees
dialogadas, como a Ode 17 Maehler, o que seria indicado pelo esclio ao descrever que
a Helena de bico (dialoga com Menelau). Tratam-se, no
entanto, de especulaes muito incertas.
Fearn (2007: 167 n. 13) lembra que, embora bico tenha tido sua poesia
compilada e editada em Alexandria no sc. III a.C. em sete livros101, ns no ouvimos
falar de nenhuma edio especfica de seus ditirambos. Porm, a prpria falta de
referncias a ttulos para esses livros como as referncias aos ttulos de gneros
poticos dos livros de Pndaro e Baqulides feitas por comentadores posteriores pode
indicar que eles foram organizados contendo poemas relativamente curtos e diversos, e
entre eles os puramente narrativos102 podem ter sido considerados ditirambos.
3.4. Laso de Hermone
Laso de Hermone (segunda metade do sc. VI a.C.) comumente considerado o
responsvel pela introduo da experincia potica e musical do ditirambo em Atenas, o
que assume grande relevncia para a histria do ditirambo e seu desenvolvimento
posterior em festivais dionisacos atenienses.
Nascido na regio da Arglida, ao leste do Peloponeso e prximo a cidades de
etnia drica103, Laso referido por Herdoto104 tendo vivido em Atenas no tempo de
Hiparco (sc. VI 514 a.C.), filho de Pisstrato (incio do sc. VI 528/7 a.C.)
perodo em que lhe so particularmente atribudas inovaes na teoria e prtica
musicais105. Os testemunhos que o relacionam tradio do ditirambo o mencionam
como um dos poetas que moldaram as formas do ditirambo depois de Aron106
101 Suda s.v. ( 80). 102 Critrio comum de definio do ditirambo desde Plato (Pl. R. 394c) aos alexandrinos (POxy. 2368). 103 De acordo com Herdoto (VIII, 43) o povo de Hermone no era drico, mas drope. Pickard-
Cambridge (1927: 22) lembra que Herdoto (III, 131) relata como o povo de Argos, na segunda metade
do sculo VI a.C., era conhecido por serem os melhores msicos. E Ieran (1997: 197) lembra que em
Hermone so atestadas competies musicais em honra a Dioniso (da gide preta), cf.
Paus. 2, 35,1. 104 Her. VII, 6, 3. 105 Cf. Aristox. Harm. 3.21; Ps.-Plu. de Mus. 29, 1141b-c; Athen. 10, 455c; 14, 624e-f; Theon Smyrn.
59.4-21 (DK 18.13); Suda s.v. ( 139). 106 Tz. ad Lyc. 112, 15-17; Schol. Pi. O. 13 26b BDEQ; Ps.-Plu. de Mus. 29, 1141c.
-
33
(inclusive como criador do em algumas fontes107) ou mesmo como o seu
inventor108. A Suda ainda lhe confere as seguintes atribuies:
, , , ,
, .
, .
.
Laso, filho de Carbino, de Hermone, cidade da Acaia109 [sic], nascido na
58 Olimpada, quando Dario, o filho de Histaspes[, tambm era nascido].
Alguns o contam entre os Sete Sbios, ao invs de Periandro. Ele foi o
primeiro a escrever uma obra sobre msica, trazer o ditirambo para
competies e introduzir as obras ersticas.
Suda, s.v. ( 139)
A ideia de que Laso tenha trazido o ditirambo para competies (
) inclui uma possvel confirmao nas Vespas de Aristfanes (c.
446 386 a.C.), apresentada em 422 a.C. nas Leneias, que menciona uma competio
entre Laso e Simnides de Cos (c. 556 468 a.C.):
, .
, .
FILOCLEO No, por Zeus, mas ouve, se a ti farei jus em dizer algo.
Laso, uma vez, disputava com Simnides;
ento Laso disse: Pouco me importa.
Aristfanes, As Vespas 1409-11
A referncia de Aristfanes indica uma vitria de Simnides sobre Laso, que
teria se sado com um dito espirituoso, no que talvez seja uma reminiscncia local de
uma competio ditirmbica em Atenas. A partir dessas notcias Pickard-Cambridge
(1927: 23) interpreta que Laso pode ter ajudado a introduzir concursos ditirmbicos em
107 Schol. Ar. Av. 1403; Tz. Prol. ad Lycophr. 112, 15-17; Suda s.v. ( 2646). 108 Clem. Al. Strom. I 16, 78, 5. 109 A localizao da cidade de Hermone dada pela Suda equivocada: ela era situada na regio da
Arglida, ao leste no Peloponeso.
-
34
Atenas sob os tiranos ao final do sc. VI a.C., o que por si pode ter levado alguns
comentadores a lhe atriburem a inveno dos 110, associados execuo
do ditirambo nos festivais dionisacos atenienses. No entanto, a inscrio do Marmor
Parium111 (sc. III a.C.) atribui a vitria da primeira competio de
coros de homens, como tambm o eram os 112 a Hipdico de Clcis, j
na democracia do arcontado de Lisgoras (509/8 a.C.):
, (?) []
[] [], (?), .
Desde que os coros de homens primeiro competiram, quando Hipdico de
Clcis venceu como instrutor113, [passaram-se] 246 anos, e Lisgoras era
arconte de Atenas.
Marmor Parium A 46
Este testemunho impe um impasse hiptese de Laso ter institudo
competies ditirmbicas em festivais atenienses, pois a referncia a quando
(primeiro) os coros masculinos competiram, sem qualquer meno a Laso, parece
reivindicar uma precedncia que no se concilia com a tradio que atribua a Laso ser o
(primeiro) a ter levado os ditirambos para competies, como afirma a
Suda.
preciso observar que a referncia aos coros de homens ( . . .
) mais especfica do que a compreenso tradicional de coros ditirmbicos,
pois sabe-se que estes, nas Grandes Dionsias, foram formados no apenas por um coro
de homens, mas tambm por um coro de meninos () formado parte114. Esta
qualificao, por um lado, introduz o problema de qual dos dois coros foi formado e
aceito primeiro em competies ditirmbicas, mas, por outro, pode solucionar o
110 Cf. n. 107 supra. 111 Mrmore Prio: coluna do sc. III a.C. encontrada em Paros contendo a inscrio de uma tbua
cronolgica com eventos histricos do mundo grego desde a poca do lendrio rei Ccrops (1581 a.C.)
at Diodmeto (264 a.C.). 112 Schol. Aeschin. 1.10. Para referncias a no contexto de competies ditirmbicas, cf.
Lys. 21, 1f.; 27 FGE (Simon. 77 D) (pgs. 61-2) e AP VI, 213 (= 28 FGE; Simon. 79 D) (pg. 62). Cf.
cap. 4.1.4. 113 Em inscries corgicas dos scs. V a.C. a I-II d.C., o nome do poeta vencedor era de fato anunciado
como aquele que (instrua) o coro. Cf. Ieran (1997: 331-351 e ss). 114 Schol. Aeschin. 1.10. Cf. cap. 4.1.1.
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35
confronto entre as notcias da Suda e do Marmor Parium. De acordo com Ieran (1997:
239-40), com base nessa distino seriam possveis duas solues:
1) em 509/8 a.C. foram institudos os concursos para os , como
afirma o Marmor Parium, e apenas mais tarde os tiveram sua
participao autorizada;
2) as competies entre j haviam sido institudas, talvez pelo
prprio Laso durante o governo dos filhos de Pisstrato, quando em 509/8
a.C., seguindo o registro do Marmor Parium, surgiram as competies entre
.
Ambas as solues, no entanto, suscitam novos questionamentos. A primeira,
como observa Ieran, apenas reprope a necessidade de conciliao entre a tradio a
respeito de Laso e o testemunho do Marmor Parium. Pickard-Cambridge (1927: 25)115
sugere que a notcia do Marmor Parium ao menos possivelmente se refira primeira
vitria ditirmbica nas Grandes Dionsias desde que esta passou a ser organizada sob a
democracia ateniense (em 511/10 a.C., com a queda de Hpias). De fato, h razes para
admitir o efeito dessa mudana nas competies ditirmbicas: a reforma de Clstenes (c.
570 final do sc. VI a.C.) em 508/7 a.C. que dividiu a cidade de Atenas em dez
tribos116 se tornou o prprio critrio da diviso dos coros nas competies das Grandes
Dionsias117. Ieran, porm, acredita que a hiptese no faa razo ao citado
pelo Marmor Parium, introduzindo um limite histrico que o texto da inscrio no
contempla. Schmid e Sthlin (1934: 544-5) cogitam que a prpria competio de 509/8
a.C. seja precisamente aquela organizada por Laso, o que uma franca possibilidade em
geral admitida (conforme West (1992: 343), Ostwald (1992: 326) e Porter (2007: 1)).
Mas para autores como Privitera (1965: 88) uma reao inevitvel em vista dessa
hiptese: Come mai lagone non sarebbe stato vinto da Laso che laveva organizzato?
E come mai, pur non vincendolo, egli avrebbe conservato presso i posteri il merito di
averlo organizzato?.
A segunda soluo, de acordo com Ieran, oferece uma aporia mais plausvel, j
proposta por Bottin (1930: I 756 ss): em 509/8 a.C. teriam sido institudas as
115 Cf. ainda Privitera (1965: 87). 116 Arist. Ath. 21. 117 IG II2 2318; Schol. Aeschin. 1, 10. Cf. cap. 4.1.1.
-
36
competies de , sendo que j anteriormente Laso teria organizado competies
ditirmbicas (confirmado pela Suda), embora limitadas a coros de .
possvel questionar a razo do Marmor Parium registrar apenas a organizao
da primeira competio de , e no a de na hiptese desta ter sido
organizada por Laso. Mas a principal ressalva de Ieran (1997: 241), tambm
reconhecida por Pickard-Cambridge (1927: 25), o grau hipottico da suposio de
competies ditirmbicas no tempo dos tiranos: Pickard-Cambridge registra que no h
qualquer evidncia de competies poticas ou musicais em Atenas antes do tempo de
Pisstrato (incio do sc. VI 528/7 a.C.), mas Ieran cita uma literatura mais recente
para mostrar que, atualmente, h uma tendncia geral em datar as competies
dionisacas atenienses (juntamente s da tragdia) depois da reforma de Clstenes118. Ao
perodo anterior restaria a possibilidade de que em Atenas o ditirambo fosse apresentado
apenas como espetculo, sem a organizao de competies.
Nesse estado de incerteza, a hiptese tradicional de Laso ter institudo
competies ditirmbicas em Atenas sob os tiranos se mostra apenas especulativa,
confirmada apenas parcialmente pela notcia tardia da Suda (pois Atenas sequer
mencionada119). Em vista do testemunho de Aristfanes120, possvel que a referida
competio em que Laso e Simnides participaram tenha de fato ocorrido aps a
reforma de Clstenes.
De todo modo, a afirmao da Suda sobre a atitude pioneira de Laso em relao
ao ditirambo, inserida na tradio de outras fontes que vinculam seu nome a esse gnero
potico, parece remontar a um importante papel desempenhado por Laso na
transferncia para Atenas da experincia potica e musical ligada a Dioniso j
conhecida no Peloponeso121 e na sua prpria Arglida nativa122.
118 Feita cerca de um ano aps a competio indicada pelo Marmor Parium. Cf. Ieran (1997: 241 n. 30). 119 Ao mesmo tempo, preciso reconhecer que a ideia de Laso ter levado o ditirambo para competies
em outra cidade (Hermone?) no encontra qualquer suporte dos testemunhos a seu respeito nem
sugerido pela Suda. 120 Um testemunho ateniense para todos os efeitos. 121 Regio de ampla evidncia do culto a Dioniso no sc. VI a.C. (cf. Isler-Kernyi (2007: 17-29)) e da
cidade de Corinto, a que a inveno do prprio ditirambo era atribuda (cf. cap. 3.2) e onde Aron de
Metimna se hospedou durante o reinado de Periandro. 122 Paus. 2, 35,1 atribui cidade de Hermone um santurio e competies musicais em honra a Dioniso
(cf. n. 103 supra). Ieran (1997: 198).
-
37
Mas mais do que possivelmente por sua instituio de um potico, Laso se
distinguiu como um msico inovador123. (Pseudo-)Plutarco, reproduzindo informaes
provavelmente extradas de Aristxeno de Tarento124 (fl. 335 a.C.), lhe atribui as
seguintes inovaes:
, ,
,
.
Laso de Hermone, ao mudar os ritmos para o andamento ditirmbico e ter
imitado a multiplicidade de notas125 dos aulos, usando um nmero maior de
notas fracionadas, levou a msica anterior transformao126.
(Pseudo-)Plutarco, De Musica 29 1141b-c
A afirmao carece do emprego de uma terminologia musical mais precisa e d
margem para uma srie de interpretaes. Teriam, por exemplo, a referida mudana de
ritmos para o andamento ditirmbico e a imitao da multiplicidade de notas dos
aulos sido aplicadas prpria aulodia (com as prprias vozes agora passando a imitar a
msica desenvolvida antes apenas pela aultica127) ou citarodia? E esta segunda
inovao, que indica a imitao das notas dos aulos, ainda se refere prtica da poesia
ditirmbica ou uma afirmao independente? De todo modo, como descrio geral o
texto aponta para caractersticas que implicam que Laso desenvolveu um estilo musical
mais complexo, com uma variedade rtmica e meldica inspirada na aultica, cuja
evoluo j era indicada na prpria Arglida desde Sacadas de Argos128 (primeira
metade do sc. VI a.C.).
Procurando interpretar as especificidades do texto, Pickard-Cambridge (1927:
24) identifica que a referncia mudana da (andamento) ditirmbica diz
123 Cf. n. 105 supra. 124 Privitera (1965: 73). 125 No original , polifonia, que, no entanto, no uma traduo adequada em vista do
significado moderno deste termo na teoria musical e o que se deduz da msica grega antiga. 126 Cf. Lasserre (1954: 64) e Rocha (2007: 107). 127 A msica do aulo solo. 128 Sacadas venceu uma competio musical nos Jogos Pticos de Delfos em 584 a.C. com um nomos
pythicos, uma composio para o aulo solo executada de modo a mimetizar a batalha entre Apolo e Pton.
Paus. 9, 30,2. Cf. West (1992: 343).
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38
respeito ao tempo com que as palavras eram cantadas. Conforme exposto por Aristides
Quintiliano129 (scs. II-III d.C.), a a qualidade musical que resulta da
velocidade com que os tempi forte e fraco ( e ) da msica so contados.
Pickard-Cambridge deduz que talvez Laso tenha aumentado a rapidez da pronunciao
das palavras no canto e que seu exemplo tenha sido seguido por outros compositores,
mas o texto parece tratar de uma mudana propriamente rtmica mais significativa,
como a possibilidade de escolhas rtmicas mais livres e variadas.
Privitera (1979: 314-15), seguido por Ieran (1997: 199), e Brussich (2000: 12)
parecem deduzir um significado sutilmente diferente da primeira sentena: Laso teria
mudado os ritmos de outros gneros poticos para () a tpica ditirmbica ou
seja, teria aplicado o tratamento do tempo ditirmbico a outros gneros potico-
musicais, o que significaria uma ampliao dos valores prprios da msica dionisaca
mesmo fora de sua esfera.
Quanto referida imitao da extenso de notas da aultica (
), a distino de Lasserre (1954: 64) entre os conceitos de polifonia,
policordia e panarmonia pode ser til para ilustrar as possveis interpretaes desta
inovao. De acordo com Lasserre, o aumento do nmero de notas em um sistema
musical pode ser feito de duas maneiras: 1) atravs da diviso de sons dentro de uma
mesma oitava em intervalos menores o que seria exemplificado pelos conceitos de
polifonia e policordia na teoria musical e 2) atravs da extenso de notas para
alm de uma mesma oitava exemplificada pelo conceito de panarmonia.
Para a primeira possibilidade, West (1992: 343) lembra que a diviso do
intervalo de semitom em quartos de tom (chamados diseis) no gnero enarmnico (
de tom + de tom + 2 tons) um desenvolvimento naturalmente derivado da aultica, e
que Laso, associado pesquisa de intervalos musicais menores do que um semitom130,
pode ter introduzido o gnero enarmnico na msica vocal, aumentando a possibilidade
de intervalos musicais para a voz. Tambm possvel que essa inovao tenha sido
aplicada especificamente citarodia, em um intercmbio com a msica do aulo, como
interpretam Ieran (1997: 199) e Rocha (2002: 198): tendo Laso sido um famoso
129 Cf. Arist. Quint. de Mus. I, 13 e 19. 130 Aristox. Harm. I, 3:
, , . Cf. West (1992:
225).
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39
citaredo, ele pode ter imitado o polifonismo da aultica na ctara131, sem contudo
aumentar o nmero de cordas do instrumento (o que atribudo a msicos como Frinis e
Timteo132 (scs. V-IV a.C.)). Mas, como no caso de Aron, restaria especular: se a
aulodia tradicionalmente vinculada ao ditirambo133, esta inovao lasiana significaria
o estgio de um ditirambo citardico (acompanhado ctara, instrumento
tradicionalmente associado a Apolo)? Ou a questo desnecessria pois o contexto
ditirmbico no se aplica a esta inovao (
), mas apenas primeira mencionada (
)?
Pensando na segunda possibilidade dos conceitos de Lasserre, a panarmonia,
Borthwick (1967: 147 n. 1) se refere a uma importante qualificao que o prprio texto
acrescenta: Laso teria imitado as notas da aultica atravs do uso de um maior nmero
de notas fracionadas (). Lasserre (1954: 64) traduz a expresso
original por en se servant de notes plus nombreuses par le fractionnement des
intervales, e Borthwick julga que o sentido da expresso (literalmente
espalhadas) denota uma distribuio de notas mais abrangente que, portanto, favorece
a interpretao da panarmonia. Isto significaria que a imitao de Laso do polifonismo
da aultica teria agregado um maior nmero de notas estendendo-as para mais de uma
oitava, ou seja, alargando uma tessitura maior, o que na ctara s seria possvel atravs
do aumento do tamanho das cordas ou do seu nmero (que, como foi visto, no tem
suporte na tradio, que d grande nfase ao aumento do nmero de cordas da ctara ao
citar no Laso, mas Frinis e Timteo134). Neste caso, a inovao de Laso seria
qualificada tendo influenciado sobretudo a msica vocal, fosse ela acompanhada pela
ctara135, ou pelo prprio aulo136 agora em semelhante extenso do nmero de notas em
relao voz. West (1992: 346) de fato sugere que Laso pode ter sido o responsvel
pelo aumento do nmero de notas musicais tendo desenvolvido a antiga escala vocal
131 O que parece inspirado por Pl. Lg. 701a (talvez a prpria fonte direta ou indireta de Pseudo-Plutarco)
na crtica do Ateniense msica moderna de sua poca:
, . . . . . . 132 Pherecr. fr. 145 Kock apud Ps.-Plu. de Mus. 30, 1141e. 133 Cf. AP XIII, 28 (= Antigen. 1 FGE; Simon. 144 D) (pg. 65); Pi. fr. 74a-83 Maehler; B. fr. 23
Maehler; IG I3 962; Arist. Pol. VII, 1342b 1-12; Schol. Aeschin. 1.10; Poll. IV 81; Athen. 4, 174f-175e. 134 Cf. n. 132 supra. 135 Cf. n. 131 supra. 136 Vale notar que Aristxeno de Tarento (fr. 101 Wehrli apud Athen. 634e) nos d notcias de cinco
diferentes tipos de aulos, de acordo com sua tessitura: parthenioi, paidikoi, kitharisterioi, teleioi e
hyperteleioi. Cf. Rocha (2007: 71).
-
40
pentatnica para a escala enarmnica heptatnica (atravs da combinao de dois
tetracordes disjuntivos). necessrio acrescentar, contudo, que o aumento do nmero
de notas dentro da oitava ou alm dela no exclusivo, e que Laso, portanto, pode ter
sido responsvel por ambos em sua inovao.
Por fim, Laso se tornou conhecido na Antiguidade por suas experimentaes
eufnicas com suas odes assigmticas: cantos completamente privados do sigma, que
Pndaro137 confirma terem influenciado o ditirambo. Aristxeno138 testemunha que
msicos reconheceram na pronncia de sibilantes um problema eufnico por consider-
lo um fonema de som rspido () e inadequado para o acompanhamento do
aulo. DAngour (1997: 334-7) julga que o sigma pode ter sido considerado um
problema especfico para a sincronizao da sua pronncia por grandes coros como se
sabe ter sido o coro ditirmbico tradicional dos festivais atenienses, com cinquenta
cantores. Laso teria ento descoberto que a incmoda dessincronia sibilante do sigma
podia ser minimizada atravs da reorganizao do coro em uma formao circular em
torno de um auleta condutor: desse modo, formando precisamente o cuja
inveno lhe atribuda em algumas fontes139, o canto do coro podia ser coordenado e
as sibilantes dessincronizadas podiam ser corrigidas. Em algum momento dessa soluo
formal, Laso teria decidido testar os efeitos da supresso do sigma compondo odes
assigmticas, que notcias posteriores sugerem ter sido uma espcie de enigma
()140, talvez pela ausncia do sigma no ser anunciada, mas percebida apenas por
acaso pelo ouvinte141. Fearn (2007: 169), no entanto, acrescenta aqui a mesma
relativizao feita atribuio da origem do a Aron de Metimna,
atestando formaes corais circulares muito anteriores na histria grega e considerando
a instituio de novas formas de apresentao de poesia mais provvel sano de
estados do que por poetas individuais neste caso, de todo modo, se isso afeta a
reivindicao tpica do tpos do , no afeta diretamente a hiptese do insight de
Laso, embora altamente especulativa. Entre as odes assigmticas de Laso, h notcias de
um Hino a Demter142 e uma ode chamada Centauros (), que Pickard-
Cambridge (1927: 24) e Ieran (1997: 199) supem ter sido um ditirambo em razo da
137 Pi. fr. 70b Maehler. Cf. Athen. 10, 455 b-c. 138 Aristox. fr. 87 Wehrli apud Athen. 11, 467 a-b. Cf. tambm D.H. Comp. de Verb. 14. 139 Cf. n. 107 supra. 140 Clearch. apud Athen. 10, 455 b-c. 141 Porter (2007). Cf. DAngour (1997) para uma hiptese mais especulativa. 142 Las. PMG 702 apud Athen. 14, 624e.
-
41
caracterizao do ttulo e seu aparente argumento mitolgico. Eliano (c. 175 235
d.C.)143 menciona ainda um comentrio atribudo a Aristfanes de Bizncio (c. 257
185-180 a.C.), segundo o qual Laso, em um ditirambo, chamaria a cria dos linces de
(filhotes).
Embora ainda contemporneo a poetas como Simnides (de quem parece ter
sido rival, como foi visto), Pndaro (de quem pode ter sido professor144) e Baqulides,
Laso foi julgado pela crtica posterior145 em conexo aos poetas do movimento da Nova
Msica, da segunda metade do sc. V a.C. Sua obra, em que foram vistos elementos
comuns s inovaes do ditirambo novo, foi situada como o incio de um tratamento
transgressor da msica, em oposio aos seus prprios contemporneos, considerados
poetas clssicos cujas inovaes ainda eram feitas com dignidade e decoro146 (
). Esse tratamento, como reconhece Rocha (2007: 198-9), parece
artificial ao ligar a obra de Laso msica moderna ao invs de msica antiga. De
acordo com ele, alm de em razo das inovaes poticas e musicais atribudas a Laso,
a tradio que o identificava como o criador de competies ditirmbicas em Atenas
pode ter contribudo para a ligao de sua msica com a dos msicos posteriores, pois
desde que o ditirambo passou a ser apresentado como espetculo os msicos passaram
a buscar novas tcnicas que enriquecessem suas melodias e as tornassem mais atraentes
para os juzes e para o pblico. Privitera (1965: 81-82) considera que Aristxeno de
Tarento, um dos crticos de Laso e provvel fonte de (Pseudo-)Plutarco em sua
referncia ao poeta, pode ter julgado que as caractersticas da msica de Melanpides,
Frinis, Timteo e Filxeno como as constantes modulaes e o predomnio da
melodia sobre as palavras j estivessem presentes nas composies de Laso.
Embora sua obra basicamente no tenha sido preservada, as notcias a respeito
de Laso no deixam dvidas de que ele contribuiu em dar ao ditirambo a sua
caracterizao de forma potica aberta s mais ousadas experincias no campo potico e
musical147.
143 Ar. Byz. fr. 175 a-e Slater apud Aelian. NA VII 47. 144 Vit. Ambros. 4 Dr. Cf. Privitera (1965: 61); Brussich (2000: 13). 145 Ps.-Plu. de Mus. 20, 1140e-f. Cf. Pherecr. fr. 155 Kassel-Austin. 146 Idem. 147 Ieran (1997: 200).
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4. O DITIRAMBO EM FESTIVAIS
Que forma a poesia ditirmbica assumiu na maior parte do perodo arcaico (c.
800-480 a.C.), conforme as fontes mais relevantes que analisamos at agora, apenas
uma matria para conjecturas. Outro mtodo que poderia igualmente contribuir para a
caracterizao do ditirambo nesse perodo seria supor que ao menos algumas das
imagens de grupos de danarinos e cantores que aparecem em diversos vasos de
diferentes regies alguns coroados de hera148 e acompanhados por um auleta
retratam a apresentao de ditirambos149. Mas a partir do final do sc. V a.C., quando
a composio do ditirambo est voltada sobretudo para festivais cvicos, que passamos a
ter mais dados sobre ele.
O conhecimento dos festivais em que o ditirambo era apresentado e quais os
formatos que ele assumia essencial para o entendimento do que o definiu como um
gnero potico. Dados culturais como a oralidade e o contato da poesia grega com as
realidades da vida social e poltica da comunidade at a idade clssica a tornaram
essencialmente pragmtica, o que confere ocasio de suas apresentaes uma funo
chave para o entendimento de seus gneros poticos150.
A introduo do ditirambo na ocasio de festivais e competies o sujeitou s
demandas de um grande espetculo, em que seria julgado pelo pblico e pelos juzes.
a partir dessa fase que leituras tradicionais151 do ditirambo interpretam um progressivo
declnio do significado religioso do gnero em favor de procedimentos poticos e
musicais voltados para o prestgio imediato junto ao pblico. A influncia do agonismo
no decorrer do sc. V a.C. levou o ditirambo a incorporar uma forma mais sofisticada
em busca da superao dentro dos critrios em que era julgado o que, como observa
Burkert (22011: 162-3)152, poderia ser considerado um risco ao relacionamento
verdadeiro dessa poesia com os deuses ao ser sujeita s motivaes da rivalidade. Mas
necessrio observar que a natureza da cano tambm podia torn-la uma oferta votiva,
voltada a agradar uma divindade e ganhar o seu favor para o coro e para a comunidade
por esse motivo que competies eram incorporadas em festivais cujas atividades
148 Um dos smbolos de Dioniso. Cf. Munich 2016: Beazley, ABV 199 (560-550 a.C.); AP XIII, 28 (=
Antigen. 1 FGE; Simon. 144 D) (pg. 65); Pi. frr. 70c, 74a-83 e 128c Maehler. 149 West (1992: 16). Cf. Froning (1971) e Burkert (1966: 98). 150 Cf. Gentili (20064); Nagy (1994); Dougherty (1994). 151 Cf. Pickard-Cambridge (1928: 82) e Zimmermann (1992: 37-38; 115-116). 152 Cf. tambm Fearn (2007: 185-6).
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eram especialmente dedicadas a um deus ou heri particular. Alm disso, a excelncia
alcanada excepcionalmente pelas competies artsticas e esportivas era julgada do
interesse tanto dos deuses como dos homens.
Foi com o estabelecimento de competies ditirmbicas a partir do final do sc.
VI a.C. nas Grandes Dionsias em Atenas que o ditirambo veio a alcanar o ponto alto
de seu desenvolvimento. Mas competies corais a que o ditirambo associado tambm
so atestadas em festivais no dionisacos, como nas Targlias, Pequenas Panateneias,
Prometeias e Hefesteias em Atenas e em Delos, Delfos, nas ilhas do Egeu, na Grcia
continental e na sia menor153. A dimenso pblica privilegiada dessas apresentaes
pode ser medida em relao a outros gneros da lrica grega: como observa Fearn (2007:
168 n. 14), mesmo os poemas epincios conhecidos sobretudo na produo de Pndaro
e Baqulides , ainda que tenham sido apresentados por coros154, no podem ter sido
pblicos da maneira como o foram os ditirambos oficialmente sancionados para
apresentaes festivais. De fato, de acordo com Fearn, na Atenas do perodo clssico a
poesia coral associada ao ditirambo aquela cantada pelo (coro
cclico) e por coros de e coros de a nica poesia coral pblica (ou
seja, sancionada pelo Estado) no dramtica conhecida, com poucas excees155.
As fontes primrias para a atestao do que se assume terem sido execues do
ditirambo em diferentes festivais na Grcia nem sempre fazem referncia direta ao
ditirambo, mas sim ao tipo de coro que se sabe t-lo apresentado: o de
modo geral ou particularmente o e o , que parecem ter sido
seus subtipos156. Essas referncias tm sido assumidas pela historiografia do ditirambo
como equivalentes ao coro ditirmbico, mas suas possveis consequncias tambm
devero ser exploradas157.
De maneira geral, sabe-se que canes como o ditirambo eram comissionadas
no por indivduos, como no caso do epincio, mas por comunidades. Em papiros como
153 Para uma reunio de testemunhos literrios e epigrficos e comentrios sobre competies corais
associadas ao ditirambo em festivais gregos, cf. Ieran (1997: 49-86, 233-87 e 331-61). 154 O que uma questo controversa e possivelmente varivel de acordo com os poemas. Cf. Currie
(2005: 16-8) para uma sntese da discusso. 155 Duas excees aristocrticas: as obscuras e aparentemente atpicas , que se apresentavam
para Apolo Dlio (Theophr. fr. 119 Wimmel apud Ath. 10, 424e-f) e as apresentaes corais nas
Oscofrias, conduzidas por dois jovens nobres e que envolviam uma procisso (cf. cap. 4.1.4). Cf. Fearn
(2007: 168 n. 14). 156 IG II2 2318. Cf. Olson & Millis (2012: 6) e Fearn (2007: 181 n. 60) quanto a testemunhos epigrficos. 157 Cf. cap. 4.1.1.4 e 4.1.3.
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o de Oxirrinco 1604 e o de Londres 733, os ditirambos de Pndaro e Baqulides vm
endereados Aos Argivos, Aos Atenienses, etc., o que implica que essas
comunidades os comissionaram (fossem para competies ou no)158. Isto indica um
contexto em que o poeta era influenciado a considerar o que teria maior apelo para a sua
audincia, o que seria particularmente importante se a apresentao tomasse parte em
uma competio, como era o caso dos ditirambos apresentados nas Grandes
Dionsias159.
Para situar como as condies de apresentao do ditirambo podem ter
determinado o seu contedo potico, analisaremos a sua presena nos principais
festivais em que ele possivelmente atestado160.
4.1. Festivais atenienses
4.1.1. Grandes Dionsias
As Grandes Dionsias ( ) (ou Dionsias Urbanas (
)) um dos trs grandes festivais em honra ao deus Dioniso em Atenas
juntamente s Dionsias Rurais e s Leneias aconteciam entre o oitavo e o dcimo
oitavo dias do ms de 161 no calendrio tico, coincidindo com o fim do
inverno e o incio da primavera162. A partir do sc. VI a.C. adquiriram grande prestgio e
durante o sc. V a.C., como grande festival panelnico, tornaram-se uma demonstrao
do poder imperial de Atenas eram, por sinal, supervisionadas no pelo arconte basileu,
normalmente responsvel por eventos cvicos religiosos, mas pelo arconte epnimo163, o
magistrado eleito anualmente desde 508/7 a.C.
A origem das competies ditirmbicas no festival, como foi visto, remonta a
509/8 a.C., durante o arcontado de Lisgoras164, com um ou talvez dois dias no incio do
158 Como ser visto, em Atenas o ditirambo este