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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ DIEGO SCHNEIDER MARTINEZ USURPAÇÃO E LEGITIMAÇÃO NA HISTÓRIA CONTRA OS PAGÃOS DE ORÓSIO CURITIBA 2011

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁDIEGO SCHNEIDER MARTINEZ

USURPAÇÃO E LEGITIMAÇÃO NA HISTÓRIA CONTRA OS PAGÃOS DEORÓSIO

CURITIBA2011

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DIEGO SCHNEIDER MARTINEZ

USURPAÇÃO E LEGITIMAÇÃO NA HISTÓRIA CONTRA OS PAGÃOS DEORÓSIO

Monografia apresentada à disciplina de EestágioObrigatório em Pesquisa Histórica como requisito parcialà conclusão do curso de História, Setor de CiênciasHumanas, Letras e Artes, Universidade Federal do ParanáOrientador: Prof. Dr. Renan Frighetto

Curitiba2011

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Ás três mulheres da minha vida:

Geltrudes, Carmem e Júlia.

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Agradecimentos

Em primeiro lugar, gostaria de agradecer ao Professor Dr. Renan Frighetto pela

orientação efetuada para o presente trabalho de monografia.

Não posso deixar de agradecer aos colegas do NEMED, em especial ao Paulo,

Otávio, Janira, Elaine, André Leme, Daniel e Rafaela por sempre me incentivarem a

seguir o caminho da História Antiga.

Além deles, merecem um agradecimento especial meus colegas de turma André

Leite, vulgo Gótico, e Camila. Sem eles não teria conseguido chegar ao fim do curso

de História.

Agradeço a Universidad de Oviedo pela oportunidade de estudar por um ano letivo

em suas instalações, e em especial a Professora Dra. Rosa Cid Lopez pelas lições e

principalmente por sua atenção sempre que solicitada.

No campo pessoal, agradeço a minha mãe, Geltrudes, que desde o início se

preocupou com a minha formação e sempre me apoiou da melhor forma possível

para que eu pudesse chegar até aqui.

Agradeço a minha esposa Carmem por todo seu amor e carinho, e também pela

paciência e pela ajuda enquanto escrevia o trabalho.

Agradeço ao meu irmão Lucas pela compreensão nos momentos que não pude

dispensar toda a atenção que ele necessitava e também pelos inúmeros momentos

de descontração.

Agradeço também aos meus sogros, Luís e Patrícia, por todo o apoio.

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Taken the long way

Dark realms I went through

I arrived

My vision’s so clear

In anger and pain

I left deep wounds behind

But I arrived

Truth might be changed by victory

The Curse of Fëanor – Blind Guardian

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RESUMO

O principal objetivo do presente trabalho é identificar os mecanismos de legitimaçãoutilizados pelo presbítero hispano Orósio, em sua obra intutulada História contra ospagãos, para justificar o reinado do imperador cristão Honório (395-423), filho eherdeiro de Teodósio I (379-395). Para tanto, nos utilizaremos da comparação entrea imagem destes personagens com a imagem de dois outros imperadoresconsiderados usurpadores – Máximo (383-388) para o caso de Teodósio eConstantino III (407-411) para o caso de Honório. Em tal análise não perderemos defoco os conceitos de usurpação apresentado por Maria Victória Escribano e deAntiguidade Tardia apresentado por Renan Frighetto. A estrutura do trabalho estápensada para facilitar a comparação entre tais personagens e também para verificara existência de uma noção de continuidade entre os reinados de Teodósio I eHonório como maneira de legitimar o poder do segundo. Ao fim podemos perceberque além de legitimar o poder do imperador reinante, Orósio demonstra que ascaracterísticas de um personagem podem ser transmitidas a seus filhos, justificandoassim a política dinástica de Teodósio e defendendo as bases de uma transmissãode poder hereditária.

Palavras-chave: Legitimação, Usurpação, Antiguidade Tardia

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SUMÁRIO

Introdução...................................................................................................................8

1. Usurpadores...................................................................................................13

1.1. O que se entende por uma usurpação?..........................................................13

1.2. Quem são os usurpadores?............................................................................17

1.2.1. Trajetória de Máximo.......................................................................................17

1.2.2. Trajetória de Constantino III............................................................................21

1.3. Como Orósio vê os usurpadores?...................................................................25

1.3.1. Máximo na História Contra os Pagãos............................................................25

1.3.2. Constantino III na História Contra os Pagãos..................................................28

2. Imperadores Legítimos.................................................................................32

2.1. Quem são os Imperadores Legítimos?...........................................................32

2.1.1. O Reinado de Teodósio I.................................................................................33

2.1.2. O Reinado de Honório.....................................................................................36

2.2. Como Orósio vê os imperadores?...................................................................40

2.2.1. Teodósio I na História Contra os Pagãos........................................................40

2.2.2. Honório na História Contra os Pagãos............................................................45

Conclusões Parciais................................................................................................49

Bibliografia................................................................................................................55

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INTRODUÇÃO

O! principal! objetivo! do! presente! trabalho! é! identificar! os! mecanismos! de

legitimação!utilizados!pelo!presbítero!hispano!Orósio,!em!sua!obra!intitulada!História

Contra! os! Pagãos! (Historiae! adversus! paganos),! para! justificar! o! reinado! do

imperador! cristão! Honório! (395"423),! filho! e! herdeiro! de! Teodósio! I! (379"395)! no

Império!Romano!do!Ocidente.!Antes!de! iniciarmos!a!análise!propriamente!dita,!vale

lembrar! que! o! governo! de! Honório! foi! um! período! de! grande! instabilidade! no

Ocidente,! sendo!marcado!por! inúmeras! crises,! tanto!no!enfrentamento!a! inimigos

externos,!como!os!povos!ditos!“bárbaros”!que!viviam!além!das!fronteiras!do!Império,

quanto!a!rebeliões!internas!e!tentativas!de!usurpação!do!poder.

A! rebelião!de!Gildón,!governador!da!África,! foi!a!primeira!destas!crises.!Em

401!Alarico,!rei!de!um!importante!grupo!de!godos,!tentou!invadir!pela!primeira!vez!a

Itália.! Em! 405,! outro! chefe! bárbaro! chamado! Radagaiso! também! atravessou! os

Alpes!e!saqueou!parte!da! Itália.!Em!meados!de!406,!se! iniciaram!na! Britania!uma

série! de! usurpações! com! Marco,! seguido! de! Graciano,! culminando! com! a! de

Constantino!III,!que! logrou!estender!seu!poder!à! Galia.!Nos!últimos!dias!do!ano!de

406,! o! limes!do!Reno! foi! rompido!por!grupos!de! suevos,! vândalos!e!alanos,!que

entraram! nos! territórios! imperiais.! Após! tantas! crises,! Estilicão,! homem! forte! do

império!do!ocidente,!cai!em!desgraça!e!é!executado!pelos!partidários!do!Imperador.

Depois!disso,!Alarico! invade!novamente!a!Itália!e!saqueia!Roma.!Enquanto! isso!na

Hispania!Geroncio!se!revolta!contra!Constantino!III,!nomeando!Máximo!imperador!e

abrindo! os! passos! pirenaicos! para! a! entrada! de! bárbaros! na! Península.! Ainda

podemos! citar! as! tentativas! de! usurpação! protagonizadas! por! Jovino! na! Gália! e

Heracliano!na!Africa.

Diante!deste!clima!de! incerteza,! fazia"se!necessária!a!construção! ideológica

de! uma! imagem! deste! imperador! como! capaz! de! superar! suas! dificuldades,

legitimando!assim!sua!manutenção!no!poder.!Neste!sentido,!o!presente!trabalho!se

utiliza!do!conceito!de!Antiguidade!Tardia!como! referencial! teórico.!Renan!Frighetto

propõe!um!conceito!de!Antiguidade!Tardia,!baseado!na!idéia!de!que!a!especificidade

deste!período!está!na! reformulação!e! readequação!dos!conceitos!clássicos!a!uma

nova! realidade.!Os!conceitos!políticos!e! institucionais!na!Antiguidade!Tardia!estão

constantemente!em! intensa!reformulação,!sendo!sempre!pautados!por!um!passado

legitimador!de!uma!autoridade!renovada,!considerada!superior!que!a!anterior.!Este

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pesquisador! define! como! baliza! inicial! da!Antiguidade! Tardia! o! século! II,! quando

detecta!os!primeiros!sintomas!de! reformulação!e! readequação!com!a! transição!do

modelo! de! Principado! ao! Dominado,! a! divisão! de! poderes! entre! mais! de! um

imperador!e!a!ascensão!de!poderes!regionais#!e!como!baliza!final!o!século!IX!com!o

deslocamento!do!eixo!de!poder!do!Mediterrâneo!ao!norte!da!Europa.!O!espaço!por

excelência! da! Antiguidade! Tardia! é! o! Mar! Mediterrâneo,! porém! não! se! reduz

somente!a!ele,!já!que!a!influência!das!idéias!forjadas!neste!espaço!encontra!eco!em

lugares! mais! distantes! através! da! interação! cultural! –! como,! por! exemplo,! ao

verificarmos! a! cristianização! da! Hibernia! (atual! Irlanda),! que! nunca! esteve! baixo

domínio! romano.! Concluímos,! concordando! com! Frighetto! que:! “Reformulação,

Readequação! e! Interação:! três! conceitos! que! fazem! da! Antiguidade! tardia! um

período!histórico!único,!autônomo!e!dotado!de!identidade!própria”1.!Além!disso,!com

relação!ao!Poder!Imperial!na!Antiguidade!Tardia,!se!percebe!a!vitória!da!monarquia

no! campo! institucional,! com! a! ascensão! do! sistema! de!Dominado,! substituindo! o

Principado.! Gonzalo! Bravo! define! o! Dominado! como! um! regime! monárquico! com

tendências! absolutistas,! no! qual! o! imperador! decide! pessoalmente! o! destino! do

estado,!a!lei!emana!dele!sem!se!submeter!a!nenhum!tipo!de!controle!constitucional.

Caracteriza"se!como!um!poder!autocrático!e!autoritário2.!Frighetto!aponta!na!direção

da! divinização! da! imagem! do! imperador,! principalmente! a! partir! de! Dioclesiano,

como!uma!saída!encontrada!para!enfrentar!os!problemas!políticos!do!século! III.!O

imperador!passa,!neste!momento,! ser! considerado! como!eleito!direto!dos!deuses

(ou! mais! precisamente! do! Deus! cristão,! para! o! caso! específico! estudado! no

presente! trabalho).! Também! se! percebe! uma! tendência! ao! monoteísmo! (mesmo

quando! se! trata! de! paganismo),! como! imagem! da! centralização! do! poder.

Posteriormente,! quando! o! Império! se! torna! cristão,! estas! mesmas! idéias! são

reaplicadas! com! as! adaptações! adequadas! ao! cristianismo.!Apesar! de! toda! esta

construção! teórica!em! torno!da!centralização!do!poder,!se!percebe!que!na!prática

ocorre! a! fragmentação! deste.! ! Poderes! regionais! se! fortalecem,! ocorre! a

necessidade!de!partilha!de!poderes!entre!mais!de!um! Imperador,!usurpadores! se

elevam.!Esta!dicotomia!entre!a!centralização! teórica!e!a! fragmentação!prática!está

1 FRIGHETTO, R. A longa Antiguidade Tardia: problemas e possibilidades de um conceitohistoriográfico. ATAS DA VII SEMANA DE ESTUDOS MEDIEVAIS, Brasília, 03-06 de Novembro de2009. p. 101-121.2 BRAVO, G. Teodosio: Último Emperador de Roma, Primer Emperador Católico. Madrid: Esfera,2010. p. 30

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presente!durante!toda!a!Antiguidade!Tardia3.!É!neste!sentido!que!analisamos!a!obra

de!Orósio.!É! interessante!notar!que!apesar!de!todas!estas!crises,!Honório!teve!um

reinado!bastante! longo,! reinando!durante!vinte!e!oito!anos,!superando!a!marca!de

inúmeros! imperadores! de! períodos! muito! mais! estáveis,! demonstrando! que! a

legitimação!deste!personagem!construída!por!seus!apoiadores!deve!ter!encontrado

êxito!considerável.

Antes!de! iniciarmos!nossa!análise,!acreditamos!ser! importante! levarmos!em

consideração! alguns! dados! biográficos! acerca! do! autor,! além! de! alguns! aspectos

gerais! de! sua! obra4.! Orósio! nasceu! seguramente! na! província! da! Galaecia,! no

noroeste!da!Península!Ibérica,!por!volta!do!ano!de!383.!Não!se!sabe!exatamente!em

que! localidade! desta! província! exatamente,! sendo! que! as! duas! hipóteses! mais

prováveis! são! a! cidade! de! Brigantia! (A! Coruña! "! Espanha)! ou! Bracara! Augusta

(Braga!–!Portugal),!mas!sem!dúvidas!era!um!membro!da!igreja!de!Bracara.

Podemos!afirmar!quanto!à!origem!de!Orósio!que!ele!pertencia!a!uma!família

cristã! de! elevado! status! social,! talvez! uma! família! de! altos! funcionários.!Ele! teria

gozado!de!uma!ampla!formação!na!cultura!tradicional!romana,!aprendida!na!escola,

além!de!uma!sólida! formação!cristã.!Agostinho!de!Hipona!caracteriza!seu!gênio!da

seguinte!maneira:! “despierto!de! ingenio,!pronto!de!palabra,!entusiasta!en!su!celo,

deseando! ser! un! instrumento! útil! em! la! casa! del! Señor”5.! Devemos! levar! em

consideração! também! que! ele! vivia! na! Hispania! no! momento! da! entrada! dos

vândalos!alanos!e!suevos!nos!territórios!da!Península!Ibérica.

Sabemos!que!Orósio!esteve!envolvido!durante! toda!sua!carreira!eclesiástica

no!combate!à!heresias!que!ameaçavam!a!unidade!do!cristianismo,!em!especial!o

priscilianismo!que!estava!presente!de!maneira!bastante!sólida!em!sua! terra!natal.

Por! volta! do! ano! de! 414! o! presbítero! hispano! viajou! à! Africa! para! consultar

Agostinho!de!Hipona!sobre!as!controvérsias! teológicas!de!sua! terra!e!pedir!ajuda

para!resolver! tais!problemas.!Orósio!é!acolhido!de!maneira!calorosa!pelo!Bispo!de

Hipona!e!após!algum!tempo!de!convivência,!é!enviado!à!Belém!em!uma!importante

3 FRIGHETTO, R. Algunas consideraciones sobre las construcciones teóricas de la centralización delpoder político en la Antigüedad Tardia: Cristianismo, tradición y poder imperial. In: CORTI, P.; WIDOW,J. L.; MORENO, R. (Orgs.). Historia: entre el pesimismo y la esperanza. 1 ed. Viña del Mar:Ediciones Altazor, 2007, v. 1, p. 297-308.4 MARTINEZ CAVERO, P. El pensamiento histórico y antropológico de Orósio. Antiguedad yCristianismo, Murcia, XIX, 2002.5 Agostinho, Ep. 166, 2. apud. MARTINEZ CAVERO, P. ibdem.

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missão,! reatar! as! relações! de!Agostinho! e! Jerônimo! de!Belém! contra! um! inimigo

comum,! Pelágio.! Além! disso,! Jerônimo! poderia! ajudar! ao! presbítero! hispano! na

construção! de! sua! argumentação! contra! os! priscilianistas! especialmente! em

questões! relacionadas!à!origem!da!alma,!assunto!sobre!o!qual!Agostinho!preferia

não!pronunciar"se.

Após!esta!viagem,!no!ano!de!416,!Orósio!retornou!a!Hipona!e!provavelmente

neste!momento!iniciou!a!escrita!de!sua!principal!obra,!a!História!Contra!os!Pagãos.

Provavelmente!já!vinha!compilando!as!informações!que!se!tornariam!a!base!de!sua

História! desde! sua! primeira! estada! na! cidade! africana,! complementando! as

informações!durante!sua!viagem!ao!oriente,!a!pedido!de!Agostinho.

O! título! desta! obra,! História! Contra! os! Pagãos,! é! muito! significativo! para

entendermos! seus! objetivos.! Sua! escrita! está! relacionada! com! a! polêmica! entre

pagãos!e!cristãos!que!voltou!a!ser!bastante!forte!após!o!saque!de!Roma!por!Alarico

em!410.!Grosso!modo,!os!pagãos!culpavam!os!cristãos!pela!ruína!do!Império!graças

ao!abandono!dos!cultos! tradicionais!da!cidade!enquanto!os!cristãos!se!defendiam

afirmando!que!as!crises!pelas!quais!passavam!o! Império!eram!uma!punição!divina

contra! aqueles! que! ainda! não! aceitavam! a! “verdadeira”! religião,! ou! seja,! o

cristianismo.!Agostinho!estava!profundamente!engajado!nesta!polêmica,! lembrando

que! neste! momento! escrevia! sua! “Cidade! de! Deus”! (De! Civitate! Dei)! com! este

objetivo,! e! uma! obra! historiográfica! contra! os! pagãos! que! desse! apoio! a! sua

argumentação!poderia!ser!bastante!útil.

Neste!sentido,!o!principal!tema!tratado!por!Orósio!é!a!infelicidade!dos!tempos

antigos,!entendidos!pelo!presbítero!hispano!como!aqueles!que!se!passaram!antes

da!vinda!de!Cristo,!e!a! felicidade!dos! tempos!cristãos! (tempora!christiana)6!sendo

que!seu!principal!objetivo!é!demonstrar!aos!pagãos!que!os!tempos!cristãos!são!mais

felizes!que!os!tempos!antigos7.!A!partir!destas!informações,!agora!poderemos!iniciar

a! análise! propriamente! dita! do! texto! de! Orósio! buscando! as! relações! entre! o

contexto!de!sua!produção!e!as!idéias!apresentadas!pelo!presbítero!hispano.

6 MARTINEZ CAVERO, Aproximacion al concepto de tiempo en Orósio, Antigüedad y Cristianismo,Murcia, XII, 1995. p. 2567 MARTINEZ CAVERO, Signos y Prodigios. Continuidad y Inflexión en el piensamento de Orósio.Antiguiedad y Cristianismo, Murcia, XIV, 1997. p. 84

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O!presente!trabalho!visa!analisar!a!forma!pela!qual!a!legitimidade!de!Honório

é!construída!por!Orósio!a!partir!de!dois!pontos!de!vista!principais,!sendo!a!primeira

uma!oposição!de!sua!imagem!com!relação!à!imagem!dos!usurpadores!e!o!segundo

uma! noção! de! continuidade! com! relação! ao! reinado! de! seu! pai! Teodósio! I! –

entendido! em! certo! sentido! como! o! imperador! cristão! ideal.! Para! tanto,! foram

escolhidos!dois!personagens!para!serem!analisados!no!primeiro!capítulo,!sendo!um

deles!um!usurpador!do! reinado!de!Teodósio! I!–!Máximo! (383"388)!–!e!o!outro!do

reinado! de! Honório! –! Constantino! III! (407"411).! Já! no! segundo! capítulo,

analisaremos!a!imagem!dos!próprios!imperadores!legítimos!na!obra!de!Orósio.

A!estrutura!de!ambos!os!capítulos!foi!propositalmente!construída!de!maneira

bastante! similar,! para! facilitar! a! comparação! entre! os! personagens.! O! primeiro

capítulo!se!inicia!com!uma!discussão!teórico"historiográfica!acerca!do!que!podemos

entender! como! usurpação! no! contexto! que! estamos! trabalhando.! Em! seguida,

elaboramos! uma! discussão! acerca! dos! usurpadores! estudados! a! partir! da

bibliografia,!baseando"se!em!estudos!críticos!recentes,!para!servir!como!parâmetro

antes!de!partirmos!para!o!estudo!do!texto!orosiano!propriamente!dito,!já!que!Orósio

valora,!de!maneira!notavelmente! idealizada,!as! trajetórias!destes!personagens!de

uma! forma!extremamente!negativa.!Após! isto,! finalmente!partimos!para!um!estudo

detalhado!da!imagem!destes!personagens!–!os!usurpadores!Máximo!e!Constantino

III!–!na!obra!do!historiador!cristão.

O! segundo! capítulo! não! conta! com! uma! discussão! teórica! em! seu! início,

partindo! direto! para! a! discussão! acerca! dos! imperadores! legítimos! a! partir! da

bibliografia.!Este!estudo!prévio!se! justifica!pela! imagem!extremamente!positiva!–!e

também!idealizada!–!que!Orósio!faz!de!Teodósio!I!e!Honório,!sendo!que!este!estudo

serve!também!de!parâmetro!para!a!análise!da!fonte!propriamente!dita.!Em!seguida

são!analisados!–!da!mesma!forma!que!ocorre!no!primeiro!capítulo!–!a! imagem!dos

imperadores!legítimos!na!História!Contra!os!Pagãos.

Com! os! objetivos! e! a! forma! de! trabalho! definidas,! agora! cabe! aos! leitores

julgar! se! a! presente! monografia! foi! capaz! de! atingi"los! e! acrescentar! algo! ao

conhecimento! histórico! deste! período! que! ainda! é! tão! pouco! estudado! no! meio

acadêmico! brasileiro.! Esperamos! que! este! trabalho,! junto! a! todos! os! outros! de

nossos!colegas!que!estudam!a!Antiguidade!e!o!Medievo,!sirva!de!alguma!maneira

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para! incentivar!o!estudo!nestas!áreas!do!conhecimento!histórico!no!Brasil!–!ou!que

ao! menos! sirva! de! ponto! de! partida! para! futuros! trabalhos! que! atinjam! estes

objetivos.

1. Usurpadores

O!primeiro!capítulo!do!presente!trabalho!abordará!questões!relacionadas!com

os!usurpadores!que!atuaram!durante!os!governos!de!Teodósio!I!(379"395)! 8!e!de!seu

filho! e! sucessor! no! ocidente! Honório! (395"423)! e! a! forma! com! que! estes

personagens!são!apresentados!por!Orósio!em!sua!História!Contra!os!Pagãos.!Será

dividido!em! três!partes,!sendo!que!a!primeira!consistirá!em!uma!discussão!acerca

do! que! se! entende! por! “usurpação”,! a! segunda! parte! será! uma! exposição! da

situação! das! pesquisas! atuais! sobre! os! usurpadores! que! interessam! em! nosso

trabalho! –! principalmente! Máximo! (383"388)! e! Constantino! III! (407"411)! –! e

finalmente! na! terceira! parte! analisaremos! a! forma! como! Orósio! apresenta! estes

personagens!em!sua!obra.

1.1. O que se entende por uma usurpação?

Nada!mais!natural!para!um!trabalho!que!trate!deste!tema!começar!com!esta

pergunta.!O! termo!“usurpação”!é!derivado!do! latim! usurpare!que!significa! tomar!ou

usar! algo! sem! ter! o! direito! de! fazê"lo.! Neste! sentido,! podemos! entender! um

usurpador!como!um!personagem!que!toma!ou!usa!indevidamente!o!poder!imperial9.

Porém,!de!que!maneiras!alguém!poderia!apoderar"se!do!poder! imperial?!Quais!os

interesses! que! movem! estes! personagens! para! levar! a! cabo! uma! empresa! tão

arriscada?!Quais!os!grupos!que!apoiariam!estes!personagens?!Estas!são!algumas

das!perguntas!que!tentaremos!responder!a!seguir.

Maria! Victoria! Escribano! nos! lembra! que! há! duas! formas! de! usurpação

possíveis.!A!primeira,!chamada! ex!post,!que!se!caracteriza!por!uma!reação!contra!a

8 Todas as datas presentes neste trabalho se referem ao período depois de Cristo, salvo quandoindicado o contrário.9 ESCRIBANO, M. V. Usurpación y Religión en el s. IV d. de C.: Paganismo, Cristianismo yLegitimación Política. Antigüedad y Cristianismo, Murcia, VII, 1990. p. 250

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memória!de!um!soberano!após!sua!morte,!sendo!ele!caracterizado!então!como!um

tirano! e! sofrendo! a! damnatio! memoriae,! sem! que! ninguém! tenha! efetivamente

questionado! sua! legitimidade! durante! o! período! de! seu! reinado.! Apesar! de

aparentemente!não!se! tratar!de!uma!usurpação,!este! julgamento!após!sua!morte!o

faz!ser!caracterizado!como!alguém!que! usou!o!poder!indevidamente,!atendendo!as

exigências!para!que!seja!caracterizado!como!um!usurpador.!Este!tipo!de!usurpação

foi! bastante! comum! nos! séculos! I! e! II.! Não! é! este! tipo! de! usurpador! que! nos

interessa! neste! trabalho.! O! segundo! tipo! de! usurpação,! bastante! comum! nos

séculos! III,! IV! e! V,! se! trata! de! uma! rebelião! aberta! contra! o! imperador! legítimo

durante!o!período!de!seu!governo,!com!um!personagem!assumindo!a!posição!de

imperador!ilegitimamente10.!Porém,!o!que!faz!um!imperador!ser!considerado!legítimo

e!outro!ilegítimo?

Desde!a!época!de!Augusto,!o!imperador!havia!se!tornado!o!único!detentor!do

imperium!proconsular,!ou!seja,!o!poder!de!mando!sobre!o!Exército!Romano11.!Além

disso,! o! consenso! do! Exército! é! uma! das! principais! fontes! de! legitimação! do

imperador.! Quando! um! personagem! por! iniciativa! própria! e! em! um! ato! de

desobediência!deliberada!contra!a!autoridade!do!imperador!legítimo!passa!a!mandar

em!uma!parte!do!Exército!utilizando"se!das! insígnias! imperiais,! rompendo!assim!o

consenso,!se!caracteriza!uma!usurpação12.!Sendo!então!a!nomeação!pelo!Exército

uma! das! principais! maneiras! de! tornar"se! imperador,! se! pode! diferenciar! uma

maneira!que!poderia!ser! interpretada!como! legítima!de!se!chegar!ao!poder!sendo

nomeado! espontaneamente! pelas! suas! tropas! –! como! no! caso! de! Constantino! I

nomeado!augusto!em!30713!–!e!uma!forma! ilegítima!de!atingir!a!púrpura,!quando!o

Exército!é!forçado!a!nomear!um!personagem!–!como!no!caso!de!Carausio14.

Apesar!disso,!a!grande!diferença!entre!um!imperador!legítimo!e!um!usurpador

–!sendo!essa!a!principal!fonte!de!legitimidade!de!qualquer!personagem!–!é!a!vitória

10 ESCRIBANO, M. V. Usurpación y Religión… p. 25211 IMPERATOR; IMPERIUM; PRINCIPATUS. In: LARA PEINADO, F. et al. Diccionário deInstituciones de la Antigüedad. Madrid: Cátedra, 2009.12 ESCRIBANO, M. V. Usurpación y defensa de las Hispanias: Dídimo y Veriniano (408). Gerión,Madrid, n. 18, 2000. p. 519-52013 O fato de a nomeação de Constantino I ter sido espontânea é discutível, porém decidimosconsiderá-la assim a título de exemplo, já que é a maneira que a ascensão deste personagem émostrada nas em grande parte das fontes do período, que tinham por objetivo legitimá-lo no exercíciodo poder. Ver FRANCHI, A. P.Poder Imperial e Legitimação no Século IV d.C.: O Caso do“Panegírico de Constantino” 98 f. Dissertação (Mestrado em História) – Setor de CiênciasHumanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2009.14 RODRÍGUEZ GERVÁZ, M. J., Propaganda Política y Opinión Pública en los PanegíricosLatinos del Bajo Imperio. Salamanca: Universidad de Salamanca, 1991. p. 33

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sobre! seus! oponentes.! Ao! vencer,! um! imperador! se! torna! quase! que

automaticamente! legítimo!por!dois!motivos.!O!primeiro!é!o! fato!de!não!haver!uma

regulamentação!jurídica!clara!acerca!da!sucessão!imperial,!sendo!que!essas!regras

eram!sempre!impostas!pela!casa!imperial!em!exercício.!Sendo!assim,!considerando

a! tendência!a!uma!hereditariedade!que!percebemos!crescer!durante!a!Antiguidade

Tardia,! a! única! maneira! de! ascender! ao! poder! sem! ser! um! membro! da! família

imperial!é!através!de!uma! tentativa!de!usurpação.!O!segundo!ponto,!é!que!neste

período! se! desenvolve! também! a! idéia! de! que! o! imperador! governa! pela! graça

divina,! fato!que!é!possível!perceber!mesmo!antes!da!oficialização!do!cristianismo.

Desta! maneira,! o! imperador! legítimo! está! predestinado! à! vitória! enquanto! o

usurpador! estava! ao! fracasso15.! Novamente! podemos! utilizar! Constantino! I! como

exemplo.!Sua!ascensão!aconteceu!claramente!através!do!uso!da! força,!porém!ao

derrotar!todos!seus!oponentes,!torna"se!o!legítimo!imperador!e!todos!os!derrotados

acabam! representados! como! usurpadores,! indignos! de! sustentar! as! obrigações

imperiais16.

Com!relação!aos!interesses17!relacionados!às!tentativas!de!usurpação,!Gilvan

Ventura!da!Silva!expõe!dois! tipos!principais!de! interesse,!sendo!eles!classificados

em!subjacentes!e!manifestos.!Os! interesses!subjacentes,!ou!seja,! implícitos,!estão

relacionados!ao!fato!de!sempre!quando!existe!uma!relação!de!autoridade,!algumas

pessoas!a!detém!e!outras!não,!e!a!partir!desta!distinção!se!podem!gerar!conflitos!se

o!grupo!desprovido!da!autoridade!resolver!mudar!as!regras!do!jogo!e!tiver!condições

para!concretizar!tal!ato.!Neste!sentido,!concordamos!com!Silva!ao!afirmar!que!todas

as! usurpações! têm! um! objetivo! inicial! de! reverter! um! determinado! padrão! de

distribuição!da!autoridade!dentro!do!aparelho!estatal.

Pensando! nos! interesses! manifestos! das! usurpações,! Silva! subdivide! os

usurpadores! em! três! categorias! distintas:! na! primeira! se! encaixam! aqueles

personagens!que!vêem!sua!posição!tornar"se! insustentável!–!por!serem!vítimas!de

algum!tipo!de!acusação,!por!exemplo!–!e!utilizam!a!usurpação!como!uma!tentativa

15 Com relação às discussões de todo parágrafo, ver: ESCRIBANO, M. V. Usurpación y Religión... p.252 – SILVA, G. V. Política e Propaganda no Baixo Império: Um aspecto da reação às usurpações.História Revista, Goiânia, v. 1, 1996, p. 73 e FRIGHETTO, R. Algunas consideraciones…16 Tal como o exemplo de Majencio exposto por RODRÍGUEZ GERVÁZ, Propaganda..., p. 4417 Sobre essa questão dos interesses relacionados às usurpações, neste e nos próximos parágrafos,seguimos quase em totalidade a interpretação de SILVA, G. V. Interesses Subjacentes e InteressesManifestos no Contexto das Usurpações Romanas, Phoînix, Rio de janeiro, n. 2, 1996.

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desesperada!para!proteger!a!própria!vida18#!na!segunda!categoria!entram!aqueles

que!não!se!sentem!necessariamente!ameaçados,!porém!consideram"se!de!alguma

maneira! desprestigiados! ou! então! desprovidos! de! algo! que! acreditam! pertencer"

lhes#! já!na! terceira!categoria!encontramos!personagens!que!para! impedir!o!avanço

de!um!usurpador,!acabam!tornando"se!usurpadores!também.!Acreditamos!que!estas

categorias! são! bastante! interessantes! para! se! iniciar! uma! discussão! acerca! das

usurpações,!porém!a!realidade!que!cerca!os!usurpadores!é!mais!complexa!do!que

elas! apresentam,! podendo! um! personagem! considerado! usurpador! acabar! por

encaixar"se!em!mais!de!uma!delas!ou!até!mesmo!em!nenhuma!delas.

Ainda! seguindo! os! apontamentos! de! Silva,! é! válido! recordarmos! que! um

personagem! nunca! faz! uma! usurpação! sozinho.! É! necessário! para! que! possa

efetivamente!alçar"se!a!uma!posição!de!destaque!o!apoio!de!ao!menos!uma!parcela

da! sociedade.! Esta! perspectiva! visa! diminuir! o! caráter! individualista! em! que! as

usurpações! costumam! ser! colocadas.! Neste! sentido,! se! pode! dizer! que! uma

usurpação! está! sempre! relacionada! com! uma! insatisfação! de! algum! setor! da

sociedade!com!a!política!do!imperador!em!exercício,!e!na!impossibilidade!de!diálogo

com!o!poder!central!acaba!encontrando!num!personagem!que!se! torna!então!um

“catalisador!das!aspirações!sociais”,!usurpando!o!poder!e!sendo!visto!por!este!setor

como!o!único!capaz!de!solucionar!os!problemas!que!os!prejudicam.!Porém!também

não!podemos!considerar!o!usurpador!como!um!ser!passivo!que!age!somente!em

nome! destes! grupos,! já! que! assim! que! ele! percebe! a! situação! favorável! a! sua

tentativa! de! ascensão! tenta! fomentá"la! ainda! mais! através! da! propaganda! ou! da

distribuição!de!dinheiro!entre!seus!soldados!e/ou!da!plebe!urbana,!garantido!assim

uma!base!de!apoio!mais!solidificada.

Durante!a!Antiguidade!Tardia!percebemos!uma!construção! teórica!em! torno

da! centralização! do! poder.! O! Principado! é! substituído! pelo! Dominato,! regime

definido! por! Gonzalo! Bravo! como! um! regime! monárquico! com! tendências

absolutistas,!no!qual!o! imperador!decide!pessoalmente!o!destino!do!estado,!a! lei

emana!dele!sem!se!submeter!a!nenhum!tipo!de!controle!constitucional.!Caracteriza"

se!como!um!poder!autocrático!e!autoritário19.!Percebemos! também!uma! tendência

ao!monoteísmo! como! imagem!desta! centralização,! sendo!o! imperador! visto! como

18 Com relação a esta questão, quando a própria repressão levada a cabo pelo estado romano acabagerando este tipo de usurpação, ver SILVA, G. V., A Domus Imperial e o Fenômeno das Usurpaçõesno IV Século, Phoînix, Rio de Janeiro, n.1, 1995.19 BRAVO, G. Teodósio… p. 30

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um!verdadeiro! representante!de!Deus!na!Terra.!Porém,!se!percebe!que!na!prática

ocorre! a! regionalização! deste20.! Podemos! entender! a! prática! das! usurpações

também!como!um! reflexo!desta! regionalização,!considerando!que!muitas!vezes!os

usurpadores! representaram! os! interesses! de! uma! elite! regional! que! não! era

atendida! pelo! governo! central.!Apesar! disso,! os! usurpadores! não! contestavam! a

legitimidade! do! sistema! em! si,! mas! sim! a! legitimidade! do! governo! daquele

personagem!específico! contra!o!qual! se! revoltam.!Não!existe! com!as!usurpações

nenhuma!proposta!de!redefinição!do!sistema!imperial.21

Vale! ainda! recordar! que! todas! as! informações! que! temos! sobre! os

usurpadores!é,!via!de! regra,!deturpada.!Além!de!sofrer!a! damnatio!memoriae,!que

consistia!na!destruição!de! todas!as!referências!públicas!do!regime,!existe! todo!um

esforço!por!parte!da!propaganda! imperial!do! imperador!vencedor!na!construção!de

uma! imagem! negativa! dos! personagens! considerados! usurpadores! para! a

posteridade,! para! que! a! partir! do! exemplo! de! seus! defeitos! e! de! seu! fracasso,

ninguém!tentasse!seguir!seus!passos.!A!representação!do!usurpador!acaba!servindo

a!uma!função!de!antagonista!contra!o!imperador!considerado!legítimo,!e!sua!mácula

permite!a!otimização!deste!imperador!vencedor22.

1.2. Quem são os usurpadores?

Agora!nos!ocuparemos!da!construção!de!uma!trajetória!de!cada!um!dos!dois

usurpadores!escolhidos!para! serem!analisados!no!presente! trabalho.!Acreditamos

que!a!partir!da!interpretação!de!diversos!autores!modernos!podemos!chegar!a!uma

visão! geral! dos! feitos! destes! personagens! que! servirá! de! base! para! a! análise

posterior!da! imagem!destes!personagens!na!obra!específica!de!Orósio.!A!escolha

destes! dois! personagens,! Maximo! e! Constantino! III,! não! foi! aleatória.! O! primeiro

fator! na! escolha! de! ambos! foi! o! fato! de! o! primeiro! ser! um! usurpador! que

antagonizou!com!Teodósio!I!e!do!segundo!ter!efetuado!sua!usurpação!no!reinado!de

Honório,!dois!imperadores!legítimos!que!pretendemos!também!analisar.!Além!disso,

ambos! tiveram! trajetórias!bastante!parecidas,! iniciando!suas! rebeliões!na! Britania,

conseguindo!reconhecimento!dos! imperadores! legítimos!depois!de!algumas!vitórias

na!Galia,!sendo!eliminados!por!seus!colegas!assim!que!surge!a!oportunidade,!sendo

20 FRIGHETTO, R. Algunas consideraciones…21 SILVA, G.V., Interesses... p. 9922 Ver SILVA, Política e Propaganda... e ESCRIBANO, M.V. Usurpacíon y Religión...

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que! tais! semelhanças! podem! ser! bastante! úteis! no! momento! da! comparação! de

seus!feitos.

1.2.1. Trajetória de Maximo23

! Pouco! se! sabe! acerca! de! Maximo! antes! de! sua! rebelião! na! Britannia.

Sabemos!que!era!um!militar!de!origem!hispano,!e!havia!servido!junto!com!Teodósio!I

nas! tropas! de! Flavio! Teodósio24,! e! que! tinha! vínculos! com! a! família! teodosiana.

Quanto! à! natureza! destes! vínculos! não! há! um! consenso! total! na! historiografia.

Gonzalo! Bravo! aponta! na! direção! de! que! ele! poderia! ser! parente! da! família! de

Teodósio25,!enquanto!Maria!Victoria!Escribano!e!Luis!García!Moreno!afirmam!que

ele! seria! provavelmente! um! cliente! de! Flavio! Teodósio26.! Parece"nos! mais

interessante!a!segunda!proposição,! já!que!ambos!afirmam!que!Maximo!não! tinha

uma!origem!aristocrática!–!como!seria!no!caso!de!pertencer!diretamente!à!família!de

Teodósio.

Os!motivos!que! levaram!a!sua!rebelião!também!são!passíveis!de!discussão.

Sabe"se!que!no!momento!de!sua!ascensão!ocupava!o!cargo!de! comes!Britaniarum,

ou! seja,! comandava! as! tropas! comitatenses! da! Britania.!Escribano! afirma! que! as

tropas!estavam!previamente!descontentes!com!o! imperador! legítimo!–!vale! lembrar

que!esta!usurpação!não!foi!iniciada!contra!Teodósio!I!diretamente,!mas!sim!contra!o

representante!da!dinastia!valentiniana!no!ocidente,!Graciano!–!graças!ao!tratamento

diferenciado!dispensado!as! tropas!de!origem!bárbara!em!detrimento!dos!soldados

de!origem!cidadã!e!Máximo!se!aproveitou!desta!situação!já!que,!além!disso,!estaria

descontente!com!a!ascensão!de!seu!antigo!colega!a!dignidade! imperial,!enquanto

ele!ocupava!um!cargo!de!segundo!plano.!Já!John!Matthews!admite!que!a!principal

causa!da!usurpação!seja!a!tentativa!de!Maximo!em!se!restaurar!um!vigoroso!regime

militar!como!aquele!que!existia!nos!tempos!de!Valentiniano!I,!quando!ele!e!Teodósio

I! iniciaram! suas! carreiras,!em!detrimento!do! regime!de!um! “jovem!diletante”!e!de

uma!criança.!Nesta! linha,!o!usurpador!acreditaria! também!que!Teodósio,!como!um

23 Este tópico está baseado principalmente na confrontação das informações contidas emESCRIBANO, M. V. Usurpación y Religión... e MATTHEWS, J. Western Aristocracies and ImperialCourt A.D. 364-425. Oxford: Clarendon Press, 1975. Quando a referência provier de outrabibliografia, marcaremos.24 Sempre que utilizarmos “Flavio Teodósio”, estaremos nos remetendo ao pai do imperador TeodósioI.25 BRAVO, G. Teodósio... 146.26 GARCIA MORENO, L. A. El Bajo Imperio Romano. Madrid: Síntesis, 2005. p. 112 – ESCRIBANO,M. V. Usurpación y religión... p. 257.

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experiente!general!na!categoria!de! senior!Augustus!e!graças!a!seus!antigos!laços!de

amizade! e! suas! origens! comuns,! aceitaria! a! sua! ascensão! ao! augustado27.

Acreditamos! que! ambas! as! afirmações! são! plausíveis! e,! até! certo! ponto,

complementárias,!sendo!assim,!assumiremos!as!duas.

Graciano! recebeu!as!noticias!da! rebelião!de!Maximo!e!de! sua! incursão!na

Galia!por!volta!do!início!do!verão!de!383.!Neste!momento!o!Imperador!se!preparava

para!uma!campanha!na!Raetia!contra!os!Alamanos,!porém!deixou!esta!campanha!e

se! voltou! para! a! Galia! para! enfrentar! seu! concorrente.! Foi! a! deserção! de! quase

todas!as!tropas!ocidentais!do!império,!principalmente!a!cavalaria!moura!–!que!entre

seus!comandantes! já!devia!contar!com!antigos!companheiros!de!Maximo!da!época

das! campanhas! africanas! de! Flavio! Teodósio! –! e! o! próprio! magister! peditum

(comandante!geral!da! infantaria)!Merobaudes,!que!decidiram!a!vitória!do!usurpador

perto!de!Paris,!antes!mesmo!de!se! iniciar!um!confronto!aberto.!O!Imperador!tentou

retirar"se!em!busca!de!seus!apoios!do!outro! lado!dos!Alpes,!porém!foi!capturado!e

executado!em!Lugdunum!(Lyon).

O!próximo!passo!de!Maximo! foi!buscar!o! reconhecimento!dos! imperadores

legítimos,!enviando!embaixadas!para! Mediolanum!(Milão)!–!onde!estava!instalada!a

corte! do! garoto! Valentiniano! II,! que! tinha! apenas! doze! anos! –! e! também! para

Constantinopla!–!onde!residia!a!corte!de!Teodósio!I.!A!oferta!que!o!usurpador!fizera

a! corte!milanesa! consistia! em! oferecer! paz! em! termos! de! submissão,! incluindo! o

traslado!do!jovem!imperador!para!sua!própria!corte!em!Tréveris.!Valentiniano!II!não

estava!em!uma!posição!muito!confortável!para!recusar!a!oferta,!porém,!graças!a!um

grande!grupo!de!apoios!na!Itália,!em!especial!personagens!que!haviam!participado

ativamente! do! governo! de! seu! pai! Valentiniano! I! –! e! também! da! intervenção! de

Ambrósio,! bispo! de! Mediolanum! –! foi! possível! protelar! a! decisão! do! traslado! do

traslado!do!Imperador!até!um!ponto!que!foi!possível!a!fortificação!dos!passos!pelos

Alpes,! garantindo! assim! a! segurança,! ao! menos! temporária,! de! se! território! na

Península!Itálica.

As! exigências! da! embaixada! enviada! à! Constantinopla! foram! de! natureza

bastante!distinta.!Maximo,!sem!nenhum!tipo!de!desculpas!com!relação!ao!que!havia

acontecido! com! Graciano,! propunha! uma! aliança! e! exigia! o! reconhecimento! da

igualdade! de! seus! títulos! e! insígnias! imperiais! com!Teodósio,! ou! então! a! guerra.

Porém!Maximo!subestimou!a! lealdade!do! imperador!do!oriente!para!com!a!dinastia

27 MATTHEWS, J. Western Aristocracies... 175-176

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que!o! fez!atingir!a!dignidade! imperial.!Teodósio!aceitou!os! termos!do!usurpador!e

reconheceu! seu! título! imperial! muito! mais! por! conta! dos! problemas! que! vivia! no

oriente,!como!a!presença!dos!godos!no!interior!de!suas!províncias,!as!negociações

com! Sapor! III! com! relação! à! partilha! da!Armênia! e! a! invasão! dos! gretungios! na

Trácia,! que! impossibilitavam! o! engajamento! dos! exércitos! do! oriente! em! uma

campanha! no! ocidente.! Percebemos! claramente! que! Maximo! havia! se! enganado

quando!imaginou!que!Teodósio!aceitaria!de!bom!grado!sua!ascensão.

Em!384,!os!três!imperadores!assinaram!um!pacto!que!deixa!bastante!clara!a

posição! de! Teodósio! com! relação! à! usurpação! de! Máximo.! Neste! tratado,! a

igualdade! entre! todos! eles! é! reconhecida,! e! o! imperador! do! oriente! exige! que! o

usurpador! deixe! de! lado! suas! pretensões! exclusivistas! sobre! o! os! territórios

ocidentais,!regulamentando!a!extensão!de!seu!poder!somente!sobre!a!prefeitura!da

Galia! (que! compreendia! as! regiões! da! Galia,! Hispania! e! Britania),! enquanto

Valentiniano!II!teria!autonomia!para!governar!a!prefeitura!da!Itália!(que!compreendia

a!Península!Itálica!e!o!Norte!da!África).!Percebemos!assim!que!Teodósio!se!mantém

fiel!a!dinastia!valentiniana!e!só!não!age!de!maneira!mais!enérgica!com!relação!ao

usurpador!por!conta!de!seus!problemas!no!oriente.

Em! 385,! Máximo! leva! a! cabo! uma! de! suas! ações! mais! ambíguas:! o

julgamento!e!a!execução!de!Prisciliano!e!seus!principais!seguidores,!acusados!de

malefício28.! Este! feito! foi! interpretado! de! diversas! maneiras! pelos! historiadores

modernos!que!o!estudaram.!É!certo!que! tal!ação!está! relacionada!ao!processo!de

tentativa!de! legitimação!deste!personagem,!baseada!na! ideia!de!que!ele!seria!um

verdadeiro! imperador! católico! por! defender! a! ortodoxia! contra! as! heresias,

considerando!que!os! imperadores!valentinianos!haviam!assumido!uma!postura!de

defesa! do! arianismo.! Além! disso,! alguns! historiadores! atuais! defendem! a

interpretação!de!que!Máximo!pretendia!com! isso!uma!aproximação!com!Teodósio,

por! serem! ambos! defensores! da! ortodoxia! e! também! das! principais! autoridades

eclesiásticas,!como!por!exemplo,!Ambrósio.!Porém,!em!ambos!os!sentidos!podemos

dizer! que! esta! política! foi! falha,! já! que! não! resultou! numa! aproximação! com! o

Imperador! do! oriente! e! muito! menos! com! as! autoridades! eclesiásticas,! que! nos

28 Como malefício se entende praticas de magia e bruxaria, consideradas crime pela legislaçãoromana, e que estavam diretamente relacionados a alguns tipos de maniqueísmo. Esta acusaçãopode parecer estranha para um caso de heresia, porém serve de justificativa para a intervenção dasautoridades laicas no caso, já que se não fosse por esta questão, o caso deveria ser julgado apenaspelas autoridades eclesiásticas. Sobre este assunto, ver FERNANDEZ CONDE, F. J. Prisciliano y elPriscilianismo. Historiografía y Realidad. Gijón: Trea, 2007. p. 45.

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casos!mais!emblemáticos!de!Ambrósio!e!Martin!de!Tours,!acabaram!por!acusar!o

usurpador! de! intervir! indevidamente! em! assuntos! que! não! eram! de! sua! alçada! e

pelo!fato!de!não!ter!tido!clemência,!que!era!considerada!uma!das!principais!virtudes

de!um!imperador!cristão,!alguma!com!os!acusados.!

A!paz!entre!os!três! imperadores!sem!manteve,!apesar!de!não!muito!estável,

por!algum! tempo.!Matthews!não! interpreta!este!período!como!um!momento!de!paz

efetiva,!mas!como!uma!“guerra!fria”!na!qual!cada!uma!das!partes!apenas!esperava

o! momento! certo! para! destruir! seus! concorrentes.! No! verão! de! 387,! Máximo

entendeu! que! havia! chegado! o! momento! de! eliminar! seu! concorrente! de

Mediolanum!e!atravessou!os!Alpes,! forçando!a! fuga!da!corte!de!Valentiniano! II!em

direção!ao!oriente.!Teodósio!sela!então!sua!aliança!com!o! jovem! imperador!depois

de!casar"se!com!sua! irmã!Galla29,!e!depois!de! resolver!seus!principais!problemas

que! o! prendiam! no! oriente,! inicia! sua! campanha! para! dar! fim! a! usurpação! de

Máximo.!A!principal!batalha!desta!campanha!ocorreu!perto!de!Aquiléia!e!o!imperador

do! oriente! sagrou"se! vitorioso,! podendo! celebrar! sua! vitória! com! um! triunfo! em

Roma!no!ano!de!389,!colocando!fim!à!usurpação!e!à!vida!de!Máximo.30

1.2.2. Trajetória de Constantino III31

Constantino! III! foi! o! terceiro! personagem! de! uma! seqüência! de! usurpações! a

assumir! a! púrpura! imperial! na! Britania! entre! os! anos! de! 406! e! 407.! O! primeiro

personagem! dessa! seqüência! foi! Marco,! sobre! o! qual! não! se! encontram! muitas

informações! relevantes! nas! fontes! que! temos! a! nossa! disposição.! Javier! Sanz

Huesma!defende!que!tal!personagem!detinha!o!cargo!de! comes!Britaniarum!quando

ocorreu!a!sublevação!das!tropas!presentes!na!ilha,!em!meados!de!406.

A!discussão!acerca!dos!motivos!de! tal! sublevação!é!bastante! interessante.

Marisa!Loring,!Dionisio!Pérez!e!Pablo!Fuentes!afirmam!que!as! revoltas!das! tropas

estacionadas! na! Britania! haviam! sido! bastante! comuns! durante! os! cem! anos

anteriores!a!essa!revolta,!e!se!tratavam!de!um!instrumento!dos!grupos!dirigentes!da

29 Teodósio fora casado anteriormente com Aelia Flaccila, que faleceu em 386. São filhos desteprimeiro casamento os futuros imperadores Honório e Arcádio, e do segundo casamento nasceráGalla Placídia, que terá bastante importância política posteriormente.30 Bravo, Teodósio... 147-148.31 A trajetória de Constantino III está baseada nos seguintes trabalhos: ARCE, J. Ultimo Siglo de laHispania Romana (284-409). Madrid: Alianza, 1982. ; ARCE, J. Barbaros y Romanos em Hispania(409-507 A.D.). Madrid: Marcial Pons, 2007. ; SANZ HUESMA, F. J. Usurpaciones em Britania (406-407): hipótesis sobre sus causas y protagonistas. Gerión, Madrid, 23, n.1, 2005. Quando se tratar deuma interpretação distinta da oferecida por estes autores, estará assinalado.

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província! para! conseguir! maiores! cotas! na! distribuição! de! cargos! e! benefícios

imperiais32.!Javier!Arce!nos!informa!que!esta!sucessão!de!usurpações!é!resultado!de

um!descontentamento!da!população!da!Britannia!com! relação!ao!governo!central,

por!não! ter!suficiente!apoio!e!atenção!as!suas!necessidades.!Porém!a!motivação

principal,!segundo!Sanz!Huesma,!foi!a!falta!de!um!pagamento!regular!aos!soldados

da! Britania,! sendo! isso! resultado! dos! problemas! vividos! na!Península! Itálica! pelo

governo! imperial.! As! tropas! esperavam! uma! medida! enérgica! de! Marco! para

resolver!tal!questão,!e!ao!não!tomá"la,!acabou!sendo!assassinado!e!substituído!por

Graciano,!o!segundo!personagem!da!seqüência!de!usurpações,!por!volta!de!outubro

de!406.

Graciano!era!ao!que! tudo! indica!um!civil.!Não!aparenta!ser!a!melhor!opção

para! um! grupo! de! soldados! esperando! ações! militares! rápidas! e! decisivas

nomearem!um!civil!para!o!comando! imperial.!Sanz!Huesma!afirma!que!na!verdade

este! personagem! se! tratava! apenas! de! um! imperador! fantoche,! de! origem! local,

sendo! controlado! por! um! general! que! estaria! a! frente! das! operações! militares! e

assumiria!o!poder!de!fato!pelas!sobras.!Este!general!seria!o!próprio!Constantino!III.

Graciano! reinou! por! apenas! quatro! meses,! e! em! fevereiro! de! 407,! quando! se

mostrou! inadequado!aos!planos!de! seu!general!e! foi!eliminado.!Chegamos!então

finalmente!ao!personagem!que!realmente!nos!interessa:!Constantino!III.

Orósio!afirma!que!Constantino!III!era!um!“hombre!de!rango!militar!muy!bajo”33,

e! alguns! pesquisadores! modernos! parecem! ter! levado! tal! afirmação! de! forma

bastante!acrítica34.!Sanz!Huesma!demonstra,!através!das!ações!deste!personagem,

que!ele!não!poderia!ser!encaixado!nesta!categoria.!Seu!desembarque! imediato!no

continente,!o!envio!dos!generais!Justiniano!e!Nebiogastes!para!tomarem!o!controle

dos! exércitos! da! Galia,! sua! política! dinástica! e! a! emulação! consciente! de

Constantino!I,!o!Grande,!demonstram!que! já!existia!um!planejamento!anterior,!com

uma! complexa! geoestratégia! que! nada! tem! de! improvisada,! além! de! uma! visão

política! de! longo! alcance.! Constantino! III! certamente! não! se! limitou! a! seguir! as

ordens! de! seus! soldados,! como! algumas! vezes! tentava! fazer! aparentar,! mas

32 LORING, M. I.; PÉREZ, D.; FUENTES, P. La Hispania Tardorromana y Visigoda. Siglos V-VIII.Madrid: Síntesis, 2008., p. 6533 Orosio, VII, 40, 4. Voltaremos a esta questão na terceira parte deste capítulo, quando discutirmos aforma qual Orósio apresenta Constantino III.34 ARCE, Barbaros y Romanos… p. 34 ; BLÁZQUEZ, J. M. Evolución Político Militar en el siglo V. In:ALVAR EZQUERRA, J. (org.) Entre Fenícios y Visigodos. La Historia Antigua de la PenínsulaIbérica. Madrid: Esfera, 2008. p. 576 ; RICHARDSON, J. Hispania y los Romanos. Barcelona:Crítica, 1998. p. 262

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certamente! tinha! um! projeto! global! que! incluía! tomar! todo! o! ocidente! baixo! seu

poder.

A!ação!de!Constantino!na! Galia!foi!rápida!e!decisiva.!Foi!aceito!pelo!exército

desta! região! sem! nenhuma! resistência! aparente! e! conseguiu,! na! medida! do

possível,!pacificar!os!diversos!grupos! considerados!bárbaros,! como!os!alanos,!os

vândalos! e! os! suevos,! que! haviam! adentrado! a! porção! ocidental! do! Império! e

saqueando! seus! território! desde! o! rompimento! do! limes! renano! no!Natal! de! 406.

Estilicão,! magister! militum! e! regente! do! Império! do! ocidente,! enviou! um! de! seus

mais!destacados!generais,!o!godo!Saro,!para!reprimir!a!usurpação!e!deter!o!avanço

de! Constantino! III.! De! fato! Saro! logrou! vencer! os! dois! principais! generais! do

usurpador,! Justino! e! Nebiogastes,! obrigando! Constantino! III! a! refugiar"se! em

Valentia.!Porém!a!nomeação!de!um!novo!par!de!generais!–!Geroncio!e!Edobicus!–

fez!que!Saro!desistisse!de!sua!campanha!e!voltasse!para! Itália.!Após!esta!vitória,

Constantino! III!se! instalou!em!Arlés!e! iniciou!os!preparativos!para!o!próximo!passo

para!a!conquista!da!porção!ocidental!do!Império:!a!conquista!da!Hispania.

Javier! Arce! afirma! que! a! conquista! da! Hispania! era! essencial! para

Constantino! III,! primeiro! apontando! como! fatores! questões! de! política! e! de

propaganda,! já!que!era!desta!região!que!provinha!a!dinastia!reinante,! iniciada!com

Teodósio! I!e! representada!pelo! imperador! legítimo!Honório,!além!de!ser!essencial

em!sua!tentativa!de!emulação!do!antigo! imperium!galliarum,!de!Constantino!I!e!até

mesmo! da! usurpação! de!Maximo.!Como! segundo! fator!Arce! aponta! que! existiam

poderosos!partidários!de!Honório!na!região,!capazes!de!criar!seu!próprio!exército!e,

em!caso!de!uma!ação!coordenada!com!o!governo!de!Ravenna,!prender!o!usurpador

entre!dois! fogos.!Escribano!demonstrou!que!este! temor!era!bem! fundado,! já!que!a

organização! das! defesas! pelos! parentes! –! provavelmente! primos! –! de! Honório,

Dídimo!e!Veriniano,! foi!anterior!à!entrada!das! tropas!do!usurpador!na!Península35.

Arce!continua!adicionando!a!estes!fatores!sua!vontade!de!unificar!toda!a!Prefeitura

Gálica!–!da!qual!a!Hispania!fazia!parte!–!sob!seu!domínio.

Para! levar!a! cabo! tal! conquista,!Constantino!nomeou! como!César! seu! filho

Constante!e!o!enviou,!acompanhado!de!seu!principal!general!Geroncio!e!do!prefeito

de!pretório!Apolinário!(avô!de!Sidônio),!a! Hispania.!Atravessados!os!Alpes,!fixou!sua

capital!em! Caesaraugusta!(Zaragoza)36,!e!enviou!novos!governadores!para!todas!as

35 ESCRIBANO, M. V. Usurpacion y defensa...36 A escolha desta cidade como capital pode ser justificada pela sua posição estratégica, já que apartir dali se podia manter contato entre a Península e a capital de Constantino III em Arlés, além de

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regiões! da! Península,! que! foram! aceites! sem! contestação! pela! maior! parte! da

população.!A! resistência! ficou!por!conta!de!uma!parte!da!aristocracia,!em!especial

ligada!por!laços!de!parentesco!com!a!casa!imperial!de!Teodósio,!encabeçada!pelos

dois! jovens!primos!do! imperador!reinante!Dídimo!e!Veriniano.!Provavelmente!estes

personagens! não! detinham! nenhum! cargo! militar! nem! civil,! porém! sabemos! que

eram! ricos! a! ponto! de! conseguir! recrutar! em! suas! próprias! terras! e! manter! um

verdadeiro!exército!privado,!formado!de!escravos!e!camponeses,!as!suas!custas.!É

possível!também!que!tenham!usado!tropas!de!tipo! burgarii,!que!seriam!soldados!mal

equipados! e! mal! treinados! que! serviriam! como! milícias! urbanas,! recrutados! em

algumas! cidades! da! Lusitania.!Ao! que! tudo! indica,! lograram! colocar! em! perigo! a

empresa!de!Constante!e!Geroncio!na!Península,!mas!no!fim!acabaram!derrotados,

capturados!e!finalmente!executados!em!Arlés.

Após! a! vitória,! Constante! regressou! a! Arlés! para! celebrar! sua! vitória,

deixando!sua!corte,!que! incluía!sua!esposa,!em! Caesaraugusta!sob!a!proteção!de

Geroncio.!Ao! receber!as!notícias!do! filho,!Constantino! III!enviou!uma!embaixada!à

Ravenna,! esperando! que! Honório! reconhecesse! seu! poder.! O! imperador! legítimo

estava!passando!por!sérios!problemas!na!Itália,!sendo!o!principal!deles!a!presença

das!tropas!do!rei!godo!Alarico!em!seus!territórios,!e!não!teve!opção!senão!aceitar!a

solicitação! da! embaixada! do! usurpador! e! reconhecê"lo! como! imperador! legítimo.

Honório!esperava!com! isso! receber!apoio!da! Galia!para!combater!Alarico37,!porém

tais!reforços!nunca!chegaram.

A!posição!de!Geroncio!na! Hispania!começava!a!levantar!suspeita!por!parte!do

governo!de!Arlés,!até!o!ponto!que!Constante! foi!novamente!enviado!à!Península,

acompanhado! de! Justo,! outro! general,! com! a! provável! intenção! de! substituir! a

Geroncio.!Neste!momento,!o!já!assentado!general!inicia!uma!rebelião!aberta!contra

seus!antigos! imperadores,!nomeando!então!o!hispano!Máximo,!provavelmente!um

cliente! de! Geroncio,! como! imperador.! Foi! uma! verdadeira! usurpação! dentro! da

usurpação! de! Constantino! III,! e! teve! graves! conseqüências! para! este! e! para

Hispania.! Em! 409,! Geroncio! entrou! em! um! acordo! com! os! chefes! bárbaros

instalados! na!Aquitânia! e! estes! atravessaram! os! Pirineus,! provavelmente! com! a

se poder vigiar os passos pirenaicos. Além disso, a cidade provavelmente seria grande e teriacondições de acolher e sustentar uma corte de porte considerável. Sobre esta questão, verESCRIBANO, M. V. Zaragoza en la Antiguedad Tardía (285-714). Zaragoza: Ayuntamiento deZaragoza, 1998, p. 25-26.37 LORING, M. I.; PÉREZ, D.; FUENTES, P. La Hispania... p. 71.

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intenção! de! utilizar! seus! contingentes! contra! Constantino! III,! e! isto! acabou

significando!o!início!do!fim!da!dominação!romana!na!Hispania.

As! tropas! sob! comando! de! Geroncio! venceram! Constante! e! o! general

perseguiu!o!César!até!Vienne,!cidade!da! Galia,!onde! foi!alcançado!e!assassinado.

Geroncio! sitiou!então!Arlés,!a!própria! capital!de!Constantino! III,! com!o! imperador

usurpador! intramuros.!Honório,!que!após!a!morte!de!Alarico!e!o!passo!dos!godos

para! a! Galia! estava! em! posição! muito! mais! confortável,! resolveu! colocar! fim! às

usurpações,! percebendo! a! delicada! situação! de! seus! rivais.! Para! tal! empresa,

enviou!seu!novo! magister!militum,!Constancio.!As! tropas!do! imperador!de!Ravena

puseram!em! fuga!Geroncio!ao!se!aproximar!de!Arlés,!e!seu!exército!desertou!em

nome! do! imperador! legítimo.! Constantino! III! é! então! capturado! e! executado! pelo

magister!militum!de!Honório.!Ao!chegar!à! Hispania,!Geroncio!percebeu!seu!exército

havia!se!rebelado!e!acaba!se!suicidando.!Máximo!é!deposto,!e! foge!para!viver!em

exílio! com! os! bárbaros! que! haviam! adentrado! nos! territórios! peninsulares.! Desta

maneira!Honório! foi!capaz!de! tornar"se,!novamente,!o!único! imperador!no!ocidente

do!Império.

1.3. Como Orósio vê os usurpadores?

Neste! tópico,! analisaremos! a! forma! que! os! usurpadores! são! tratados! por

Orósio!em!sua!História!Contra!os!Pagãos,!buscando!entender!a!caracterização!dos

personagens!e!de!seus!atos!apresentada!pelo!presbítero!hispano,!sem!perder!de

vista! o! fato! de! que! ele! é! perceptivelmente! um! apoiador! da! dinastia! teodosiana

escrevendo!durante!o! reinado!de!um! imperador!que!ainda!pertence!a! tal!dinastia,

Honório,!além!de!ser!um!cristão!envolvido!diretamente!no!combate!às!heresias!e!na

polemica!entre!contra!os!cristãos.

1.3.1. Máximo na História Contra os Pagãos

A! primeira! referência! a! Máximo! presente! na! obra! de! Orósio! já! é! bastante

instigante.!O!presbítero!hispano!caracteriza!o!usurpador!como!um!homem!enérgico,

honrado! e! que! seria! digno! de! ser! augusto! se! não! tivesse! se! levantado! contra! o

juramento!que!havia!feito38.!Neste!sentido,!podemos!perceber!certo!grau!de!simpatia

do! historiador! cristão! com! relação! a! um! personagem! que! é! seu! conterrâneo,

lembrando! que! Máximo! também! provinha! da! Hispania.! Ele! teria! algumas! das

38 Oros. VII, 34, 9.

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características!necessárias!para!se! tornar!um!bom! imperador,!porém!ao! romper!o

consenso!do!exército!e!se!levantar!contra!um!imperador!já!estabelecido,!quebrando

assim!algum! tipo!de! juramento!de! lealdade!que!poderia!existir! já!que!ocupava!um

cargo! no! comando! das! tropas! da! Britania! provavelmente! nomeado! pelo! próprio

imperador!ou!então!alguém!muito!próximo!a!ele,!perdeu!a!possibilidade!de!poder

legitimar"se!aos!olhos!de!Orósio.!De!fato!desconhecemos!se!de!fato!existia!este!tipo

de!juramento,!porém!nos!parece!importante!citar!a!quebra!dele!como!um!dos!feitos

apresentados!por!Orósio!para!a!caracterização!de!Máximo!como!um!imperador!não

legítimo.

Ainda!neste!mesmo!trecho,!Orósio!afirma!que!Máximo!foi!nomeado!imperador

por!seus!soldados!quase!contra!sua!vontade.!Vemos!aí,!novamente,!um!pouco!da

simpatia!do!presbítero!hispano!por!seu!conterrâneo,!já!que!a!culpa!da!quebra!de!seu

julgamento! e! da! usurpação! não! é! totalmente! colocada! em! cima! de!Máximo,!mas

dividida!com!seus!soldados!que! já!estariam!previamente!descontentes.!É!certo!que

Orósio!não!retira! totalmente!a!culpa!do!usurpador,! já!que!em! teoria!ele!poderia! ter

optado!em!não!aceitar,!mas!aceitou!–!e!dessa!maneira!quebrou!seu!juramento.

No! trecho! seguinte,! Orósio! afirma! que! Máximo! eliminou! a! Graciano! por

traição39.! Esta! afirmação! tem! dois! sentidos! distintos.! Por! conta! da! quebra! do! já

citado! juramento,! Máximo! não! foi! leal! ao! que! deveria! ser! seu! superior,! logo

caracteriza!uma!traição.!Além!disso,!é!uma!traição!também!por!conta!de!ter!sido!um

ataque! repentino! e! sem! aviso,! pegando! de! surpresa! e! quase! sem! preparações! o

então! imperador.! Tanto! que! a! morte! de! Graciano! é! considerada! um! simples

assassinato40.!Sabemos!que!os!acontecimentos!não!se!passaram!exatamente!como

nos!conta!Orósio,!porém!estes!elementos!são!importantes!na!caracterização!que!ele

faz!da!usurpação!de!Máximo.

Em!seguida,!Orósio! já!passa!para!os!acontecimentos!que!culminaram!com!a

derrota!de!Máximo.!O!usurpador,!assentado!em!Aquiléia,!tinha!tropas!em!quantidade

superior,! contava! com! boas! estruturas! defensivas,! mas! foi! derrotado! “graças! aos

infalíveis!desígnios!de!Deus”,! já!que!seu!principal!general,!Andragatio,!abandonou

as! defesas! e! partiu! ao! encontro! das! tropas! de! Teodósio! I,! acabando! se

desencontrando!delas.!Assim,!Teodósio!teria!atravessado!os!Alpes!sem!resistência,

entrado!em!Aquiléia!e!capturado!e!vencido!o!usurpador!sem!batalha41.!Neste!trecho

39 Oros, VII, 39, 1040 Oros, VII, 35, 1.41 Oros, VII, 35, 3-4.

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percebemos!que!para!Orósio!o!destino!do!usurpador! já!estava!traçado.!Por!atentar

contra!o! imperador!escolhido!por!Deus,!e!por! isso! legítimo,!Máximo!seria!derrotado

praticamente! sem! nenhum! esforço,! já! que! desde! o! início! sua! demanda! já! estava

destinada!ao!fracasso42.

Neste! final,! Máximo! é! caracterizado! como! um! grande! inimigo,! um! homem

cruel! que! conseguia! impostos! e! tributos! apenas! pelo! medo! que! seu! nome

inspirava43.!Neste!ponto,!Orósio!está!evidentemente!aumentando!o!valor!do! inimigo

para! valorizar! ainda! mais! a! vitória! de! Teodósio.! Apesar! disso,! é! notável! sua

caracterização! como! um! “homem! cruel”.! A! crueldade! significaria! a! falta! de

clemência,! uma! virtude! considerada! essencial! pelos! autores! cristãos! aos! bons

imperadores.

Seguindo!as!regras!de!todos!os!autores!antigos!que!abordam!as!usurpações,

temos!em!Orósio!pouquíssimas! informações!acerca!de!Máximo,!contendo! também

muitas! omissões.! Entre! estas! omissões,! identificamos! três! que! nos! parecem

bastante!significativas.!A!primeira!é!o!tempo!que!Máximo!se!manteve!no!poder.!Não

há!nenhuma!referência!à!cronologia!de!seu!reinado!a!não!ser!o!fato!de!sua!rebelião

ter!se!iniciado!no!ano!383!(1138!da!fundação!da!cidade),!seis!anos!após!a!ascensão

de! Graciano! –! que! é! colocada! ao! lado! da! morte! de! Valente44.! Sabemos! que! o

usurpador!se!manteve!no!poder!por!cinco!anos,!mas!a!partir!da!leitura!de!Orósio,!a

impressão! que! temos! é! que! sua! usurpação! não! durou! mais! que! alguns! poucos

meses.!Tal! fato!certamente! tem!relação!com!a!curta!duração!do!reinado!de!muitos

imperadores! considerados! legítimos! por!Orósio,! ao! passo! de! que! se! o! presbítero

hispano!explicitasse!o!tempo!do!reinado!de!Máximo,!poderia!gerar!algum!argumento

em! seus! detratores! com! relação! à! relativa! estabilidade! encontrada! durante! o

exercício!do!poder!por!conta!deste!personagem.

A!segunda!omissão!encontrada!está! relacionada!aos!acordos!estabelecidos

entre! o! usurpador! e! os! imperadores! considerados! legítimos.! Não! há! nenhuma

referência! aos! acordos! firmados! entre! estes! personagens,! muito! menos! sobre! as

exigências!que!uns!fizeram!sobre!os!outros!para!manter!uma!frágil!e!temporária!paz.

A! partir! da! leitura! de! Orósio,! a! impressão! que! temos! é! que! logo! após! vencer

Graciano,! Máximo! se! dirige! diretamente! à! Itália! para! destronar! a! Valentiniano! II.

Entre!estes!dois!acontecimentos!sabemos!que!existiram!ao!menos!quatro!anos!de

42 Ver tópico 1.1, em especial as páginas 14 e 15.43 Oros, VII, 35, 444 Oros, VII, 34, 1

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diferença,! que! são! sumariamente! ignorados! pelo! historiador! cristão! a! partir! da

omissão! da! cronologia! que! já! havíamos! apontado! acima.! Tal! omissão! está

relacionada! com! a! própria! construção! da! imagem! de! Teodósio! como! imperador

cristão!ideal.!Como!poderia!um!imperador!cristão!compactuar,!independente!de!seus

motivos,! com! uma! traição! deste! nível,! ainda! mais! contra! o! imperador! que! o! fez

ascender!à!púrpura?

A! terceira! omissão! merece! um! tratamento! um! pouco! mais! detido,! já! que

levanta! outras! questões.! Trata"se! da! condenação! e! execução! de! Prisciliano,! por

conta! da! heresia! defendida! por! este.! Como! já! vimos,! Máximo! provavelmente

procurava! conseguir! o! apoio! tanto! dos! principais! personagens! da! Igreja,! como

Ambrósio!de!Milão,!quanto!de!Teodósio! I,!porém!a!ação!não!correspondeu!a!suas

expectativas.!Porém,!no!momento!em!que!Orósio!escrevia,!vemos!uma!situação!um

pouco! diferente.! Sabemos! que! o! presbítero! hispano! em! sua! província! natal,! a

Galaecia,!estava!diretamente!engajado!no!combate!a!esta!heresia!propagada!pelos

seguidores!de!Prisciliano,!e!que!este!foi!o!principal!motivo!de!sua!viagem!ao!Norte

da!África!para!encontrar"se!com!o!bispo!de!Hipona,!Agostinho,!viagem!que!culminou

na!escrita!da!obra!analisada!neste!trabalho.!Neste!sentido,!considerando!o!momento

da! escrita,! se! poderia! ver! uma! conotação! positiva! na! ação! do! usurpador! –! e

inclusive!se!pode!dizer!que!é!daí!que!parte!a!pequena!simpatia!sentida!por!Orósio

com!relação!à!Máximo!que! localizamos!no! início!da!análise!–!como!perseguidor!de

uma! heresia! que! ameaçava! a! unidade! do! cristianismo.! Porém! esta! conotação

positiva! não! poderia! transparecer! na! obra,! já! que! entre! seus! objetivos! podemos

identificar!a!exaltação!dos! imperadores!cristãos!da!dinastia! teodosiana!a!partir!da

valoração! negativa! de! seus! oponentes,! além! de! alimentar! a! argumentação! dos

pagãos! –! principal! alvo! de! crítica! da! obra! em! geral! –! contra! a! unidade! do

cristianismo.! Sendo! assim,! acreditamos! que! estes! são! os! principais! motivos! da

omissão!deste!acontecimento!na!obra!de!Orósio.

1.3.2. Constantino III na História Contra os Pagãos

A!primeira!referência!as!usurpações!na! Britania!que!culminaram!com!a

ascensão!de!Constantino!III!é!a!nomeação,!caracterizada!já!como!ilegal,!de!Graciano

e!seu!assassinato!quase! instantâneo.!Marco!não!é!citado,!talvez!pelo!fato!de!Orósio

não! ter! tido!noticias!sobre!ele!ou!por!simplesmente!por!não!o!considerar! relevante.

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Em!seguida!o!presbítero!hispano!cita!Constantino!III!pela!primeira!vez,!afirmando!que

sua!ascensão!tinha!muito!mais!a!ver!com!a!esperança!que!seu!nome!inspirava!–!por

ser!igual!ao!nome!de!Constantino,!o!Grande!–!do!que!por!seus!valores.!Orósio!ainda

o! caracteriza! como! um! soldado! raso,! sem! aparente! experiência! militar45.! Pode"se

perceber!claramente!que!o!presbítero!hispano!não!sente!nem!um!pouco!de!simpatia

por!Constantino! III! como! sentia!por!Máximo,!e!utiliza! sempre! todos!os!argumentos

possíveis!para!denegrir!a! imagem!do!usurpador.!Já!discutimos!acerca!da!origem!e

dos!objetivos!de!Constantino!III!no!tópico!1.2.2!e!que!estas!afirmações!de!Orósio!são

provavelmente!enganosas,!mas!é!notável!a!forma!que!o!presbítero!hispano!trata!este

personagem! em! sua! História! Contra! os! Pagãos,! tornando! este! personagem! o! pior

possível!aos!olhos!de!seus!leitores.

Na!seqüência,!Orósio!narra!os!feitos!de!Constantino!III!na! Galia,!após

atravessar!o!Canal!da!Mancha!com!suas! tropas.!Novamente,!nada!de!bom!é!visto

neste!personagem.!Em!sua! tentativa!de!pacificar!a! Galia,!é!sempre!enganado!pelos

bárbaros! que! ali! estavam! assentados,! fazendo! com! eles! pactos! que! eram! mais

danosos! do! que! vantajosos! ao! estado! romano.! Podemos! perceber! então! que,! no

ponto!de!vista!de!Orósio,!este!personagem!não!era!apto!a!governar!pelo!fato!de!não

ter!suficiente!inteligência!para!isso!já!que!até!bárbaros,!considerados!tradicionalmente

como!pessoas!de!intelecto!inferior!ao!dos!cidadãos!romanos!civilizados,!são!capazes

de!enganá"lo!com!muita!facilidade.

Além!de!ser! inapto!para!o!governo,!Constantino! III!nos!é!apresentado

também!como!um!mau!cristão.!Orósio! lança!uma!expressão!de!dor!ao!nos! informar

da! conversão!–!ao!que! tudo! indica! forçada!–!de!Constante,! filho!do!usurpador,!de

monge!em!césar46.!Constantino!retira!seu!filho!de!uma!condição!honrada!de!homem

servidor!dos!desígnios!de!Deus!e!o!transforma!em!um!traidor!da!pior!espécie,!assim

como! ele.! Piorando! ainda! mais! a! situação,! Orósio! afirma! que! o! novo! César! é

acompanhado!em!sua!campanha!contra!os!jovens!defensores!do!governo!legítimo!na

Península! Ibérica,! Dídimo! e! Veriniano,! por! bárbaros! mercenários! acolhidos! no

exército! através! dos! pactos! danosos! já! citados! e! que! por! este! motivo! acabariam

trazendo!à!ruína!a!Hispania.

A!partir!deste!ponto,!podemos!entender!um!pouco!melhor!todo!o!rancor

que! Orósio! sente! por! Constantino! III.! Tal! usurpador! e! seu! filho! são! diretamente

45 Oros. VII, 40, 446 Oros, VII, 40, 7

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considerados! responsáveis! pela! ruína! das! províncias! hispânicas,! a! terra! natal! do

historiador!cristão.!Toda!a!descrição!dos!acontecimentos!que!se!segue!sugere!isso47.

E!apesar!de!toda!a!digressão!posterior!sobre!a!invasão!e!todo!o!sofrimento!vindo!com

ela! representar!uma!punição!merecida!contra!os!pecados!e!da!clemência!de!Deus

para! com! aqueles! que! acreditam! nele48,! Orósio! não! parece! disposto! a! perdoar

Constantino!III!pelos!males!sofridos!por!sua!terra!e!seus!conterrâneos.

A!cronologia!da!usurpação!de!Constantino! III! também!é!parcialmente

omitida!por!Orósio.!Com! relação!ao!seu! início,!a!única! referência!que! temos!é!que

está!em!algum!ponto!indeterminado!entre!o!rompimento!do! limes! renano!em!40649!e!o

saque!de!Roma!por!Alarico!em!410!(1164!da!fundação!da!cidade)50.!Já!a!data!de!sua

derrota!está!colocada!de!maneira!bastante!precisa!no!ano!de!411!(1165!da!fundação

da! cidade),! quando! foi! capturado! e! executado! a! mando! do! general! de! Honório,

Constancio51.!Porém!percebemos!que!a!omissão!não!é!tão!intensa,!e!isso!se!deve!ao

fato!de!Orósio!não!ter!nenhum!argumento!em!favor!de!Constantino!III!e!não!ser!capaz

de! ver! nenhuma! estabilidade! durante! seu! reinado,! graças! a! todos! os! problemas

enfrentados!por!ele,!principalmente!os!episódios!relacionados!a! Hispania!–!a!guerra

contra! Dídimo! e! Veriniano,! a! entrada! dos! bárbaros! e! a! usurpação! dentro! da

usurpação!protagonizada!por!Geroncio!e!Máximo.

Orósio! também!omite!o!pacto! firmado!entre!Honório!e!Constantino! III

que!garantiu!a! legitimidade!do!usurpador!por!um! curto!espaço!de! tempo.!Como! já

discutimos! no! tópico! 1.2.2,! Honório! foi! forçado! a! aceitar! este! pacto! graças! aos

problemas! que! tinha! na! Itália! e! até! esperava! o! apoio! de! Constantino,! porém! uma

mudança!na!situação!de!ambos!permitiu!que!Honório!rompesse!o!pacto!e!acabasse

com! a! usurpação.!Além! dos!motivos! já! expostos! quando! tratamos! a! usurpação! de

Máximo!no!tópico!1.3.1!que!são!semelhantes,!relacionados!a!construção!de!Honório

como! um! imperador! cristão! ideal! não! podendo! compactuar! com! um! usurpador,

podemos!adicionar! também!o! fato!de!que!quem!quebrou!o!pacto!neste! caso! foi!o

próprio! imperador! legítimo.!A! imagem!de!Honório! se!afastaria!do! imperador! cristão

ideal!se!não!cumprisse!os!acordos!que!havia!firmado.

47 Oros. VII, 40, 8-10.48 Oros, VII, 41, 1-649 Na verdade, esta não é a data exposta por Orósio em seu texto. O presbítero hispano comete umerro de cronologia e nos informa que a entrada de alanos, suevos e vândalos na Gália acontece doisanos antes do saque de Roma, datado em 410 (1164 da fundação da cidade), localizando-a então em408. Oros. VII, 40, 3.50 Oros. VII, 40, 1-4 51 Oros, VII, 42, 1-3

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A! partir! de! ambas! as! apresentações! encontramos! um! ponto! de

comparação! bastante! interessante! entre! estes! dois! personagens,! ponto! este! que

interessa!muito!à!Orósio!em!sua!obra.!Trata"se!da! relação!dos!usurpadores!com!a

Hispania.! Máximo! é! um! personagem! oriundo! da! Península! Ibérica! e! isso! gera! um

grau!de!simpatia!ao!presbítero!hispano,!somado!ao!fato!dele!ter!sido!um!perseguidor

da! heresia! que! aflige! sua! terra.! Já! Constantino! III! é! considerado! como! um

responsável!direto!da!ruína!das!províncias!hispânicas,!fato!que!faz!Orósio!o! lembrar

com!muito! rancor,!somado!ao! fato!deste!personagem! também! ter!atentado!contra!a

própria! igreja!quando! forçou! seu! filho! sair!de!um! caminho!honrado!e! tornar"se!um

usurpador!também!ao!lado!dele.

Quando! comparamos! as! cronologias,! percebemos! que! enquanto

Orósio! faz!um!grande!esforço!para!não!mostrar!nenhum! lado!positivo!da!usurpação

de!Máximo,!quando!expõe!a!situação!de!Constantino!III!o!esforço!não!é!tão!grande,!já

que!os!próprios!feitos!deste!personagem!por!eles!mesmos!são!os!argumentos!contra

ele,! no! sentido! de! que! aos! olhos! do! historiador! cristão! ele! não! é! capaz! de! gerar

nenhum!tipo!de!simpatia.

Com! relação! à! omissão! dos! pactos! que! tornaram! os! usurpadores

imperadores!legítimos!por!algum!tempo,!os!objetivos!de!Orósio!são!evidentemente!os

mesmos! em! ambos! os! casos:! o! presbítero! hispano! não! pode! admitir! que! os

imperadores! legítimos! que! está! defendendo,! no! caso! Teodósio! I! e! Honório,! são

capazes!de!compactuar!com!traidores!do!estado!romano,!já!que!a!função!deles!seria

restaurar! e! defender! este! estado.! É! a! partir! deste! ponto! que! iniciaremos! as

discussões!do!próximo!capítulo.

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2. Imperadores legítimos.

Neste!segundo!capítulo,!seguiremos!praticamente!a!mesma!estrutura

apresentada! no! capítulo! anterior,! porém! focalizando! agora! nos! imperadores

considerados! legítimos! para! o! período! estudado:!Teodósio! I! e! Honório.! O! capítulo

será!dividido!em!duas!partes!principais,!sendo!que!na!primeira!se! trabalhará!com!a

descrição! dos! reinados! destes! imperadores! construídos! a! partir! da! bibliografia

estudada! e! em! um! segundo! momento! trabalharemos! com! a! análise! fonte

propriamente!dita,!buscando!a!maneira!qual!Orósio!apresenta!as!figuras!Teodósio!I!e

Honório!e!seus!respectivos!feitos!em!sua!História!Contra!os!Pagãos.

2.1. Quem são os Imperadores legítimos?

Nesta! seção! iremos! expor! a! trajetória! dos! reinados! dos! imperadores

Teodósio!I!e!Honório!a!partir!do!estudo!de!uma!bibliografia!recente,!visando!construir

uma!visão!geral!sobre!estes!reinados,!que!servirá!como!base!para!a!posterior!análise

do! texto!de!Orósio!acerca!deles.!A!escolha!destes!dois! imperadores!como!objeto!do

presente! trabalho!está! relacionada!a! três! fatores!principais.!O!primeiro!é!a! religião

defendida!por!tais! imperadores,!o!cristianismo!niceísta,!que!coincide!com!o!credo!de

Orósio,!autor!da!obra!analisada!no!presente!trabalho,!o!que!ao!nosso!ver!permite!uma

construção! idealizada! da! imagem! destes! imperadores! por! parte! do! presbítero

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hispano.! Em! segundo! lugar! está! a! proximidade! cronológica! entre! Orósio! e! tais

imperadores,!considerando!que!o!autor!da!História!Contra!os!Pagãos!nasceu!durante

o! reinado!de!Teodósio! I,! vivendo! sua! infância!em!um!período!de!hegemonia!deste

imperador!e!sua!carreira!eclesiástica!–!incluindo!a!redação!de!sua!obra!–!se!encontra

dentro!dos!limites!do!reinado!de!Honório.!Um!terceiro!fator,!talvez!menos!importante,

mas!ainda!sim!interessante!de!ressaltar,!é!que!o!local!de!origem!de!Orósio!é!bastante

próximo!ao!local!de!origem!de!Teodósio,!sendo!ambos!provenientes!da!Hispania.!Não

podemos! falar!sobre! relações!diretas!entre!suas! famílias! já!que!não!há!provas!para

isso,!porém!esta!origem!próxima!pode!reforçar!a! idealização!de!Teodósio! I!e!de!sua

dinastia! –! que! inclui! obviamente! seu! filho! e! sucessor! Honório! –! por! parte! do

historiador!cristão.

2.1.1. O Reinado de Teodósio I52.

Sobre! Teodósio! I! há! uma! vastíssima! bibliografia! abordando! sua

imagem!e!seu!reinado!a!partir!de!diversos!pontos!de!vista.!Por!este!motivo,!não!nos

alongaremos!muito!nesta!seção!já!que!não!nos!parece!estritamente!necessário!além

de!não!ser!este!o!principal!objetivo!do!presente!trabalho.

Teodósio!I!nasceu!na!Hispania,!mais!precisamente!na!cidade!de! Cauca

(atual!Coca,!na!província!de!Segovia),!segundo!nos! informa!Hidácio!de!Chaves!em

sua!crônica53.!Era!membro!de!uma!destacada! família!de!aristocratas!hispanos,!e!é

conhecido!que!vários!parentes!do!futuro!imperador,!incluindo!seu!pai,!Flávio!Teodósio,

ocuparam! altos! cargos! das! administrações! civil! e! militar! do! Império! antes! de! sua

ascensão.! Sabemos! que! seu! pai! foi! magister! equitum! durante! o! reinado! de

Valentiniano! I!e! foi!encarregado!pelo! imperador!de!enfrentar!ao!usurpador!Firmo!na

África!em!373.!Porém,!com!a!morte!inesperada!de!Valentiniano!em!novembro!de!375,

a!corte! imperial!ordenou!a!prisão!e!execução!de!Flávio!Teodósio!–! temendo! talvez

que!ele!pudesse!se!tornar!um!usurpador!por!conta!de!sua!recente!vitória!na!África.

O! filho! do! magister! equitum! também! seguia! a! carreira! militar! e! se

destacava!entre!os!oficiais.!Sabemos!que!acompanhou!seu!pai!nas!campanhas!na

Britania! e! muito! provavelmente! também! na! Germania.!Aos! 27! anos,! sabemos! que

52 Este tópico está baseado principalmente nas obras BRAVO, G. Teodósio... e MATTHEWS, J.Western Aristocracies... Quando a referência vier de outra obra, será assinalado.53 Hidacio, Chron. 2. apud BRAVO, G. Hispania y el Imperio. Madrid: Síntesis, 2001.p. 197.

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Teodósio! já! havia! atingido! o! cargo! de! dux!Moesiae! e! conseguiu! uma! considerável

vitória! sobre! os! sármatas! que! ameaçavam! a! fronteira! do! Danúbio.! Porém,! com! a

drástica!mudança!de!regime!e!a!condenação!de!seu!pai,!Teodósio!retirou"se!de!sua

promissora! carreira!e! voltou!para! sua! Hispania!natal,!onde!assumiu!o! controle!das

possessões!de!sua!família.

Em! 376! o! então! imperador! do! Oriente! Valente! aceita! acolher,! de

maneira!pacífica,!uma!parte!da!população!goda!que!vivia!na! fronteira!do!Danúbio!e

vinha!sofrendo!pressões!de!outros!povos!que!chegavam!àquela!região.!Apesar!disso,

logo! esta! situação! acaba! gerando! problemas! graças! a! corrupção! dos! legados! do

imperador! que! aumentavam! o! preço! dos! itens! necessários! à! manutenção! desta

população!visando!o!próprio!enriquecimento!e!gerando!uma!séria!revolta!deste!grupo

de!godos.!A!situação!toma!tamanha!proporção!que!o!próprio! imperador!Valente!com

seu!exército!de!campanha!se!apresenta!para!pacificar!tal!revolta,!porém!os!resultados

foram!desastrosos.!Em!378,!perto!da!cidade!de!Adrianópolis,!o!exército!imperial!sofre

uma! grande! derrota! que! culmina! com! a!morte! de! boa! parte! dos! soldados,! grande

parte!dos!oficiais!e!do!próprio!imperador!da!porção!oriental!do!Império.

A! situação! na! fronteira! do!Danúbio! era! gravíssima.!Todos! os! poucos

oficiais! que! sobraram! na! porção! oriental! do! Império! ficaram! manchados! com! tal

derrota!e!não! inspiravam!a!confiança!necessária!para!uma!ação!enérgica!e!decisiva

para!retomar!a!ordem!na!região.!Para!tanto!foi!nomeado!por!Graciano,!imperador!do

Ocidente,! para! tentar! contornar! esta! crise! um! conhecido! general,! conhecedor! da

região!e!provavelmente! também!dos!soldados! restantes!ali,!que! retornara!do!exílio

para!solucionar!a!situação!embaraçosa!vivida!pelo! Império!Romano!do!Oriente.!Tal

general! foi! Teodósio,! que! após! provar! sua! eficácia,! foi! nomeado! Augusto! dos

territórios!orientais!do!Império!por!Graciano.

Apesar! de! sua! condição! original! de! militar,!Teodósio! I! se! rodeou! de

bons!assessores!e!auxiliares!para!garantir!o!bom!funcionamento!do!aparelho!estatal

durante! seu! reinado,! incluindo! em! seu! grupo! de! apoio! a! muitos! funcionários

experientes!e!eficazes.!Tradicionalmente! se!defendia!a! tese!de!que!Teodósio!dava

preferências!a!um!grupo!de!hispanos!para!o!comando!dos!assuntos!do!estado,!porém

os! estudos! de! Gonzalo! Bravo! provaram! que! na! verdade! o! Imperador! não! se

importava!tanto!com!a!sua!origem,!fosse!ela!hispana!ou!não54,!nem!se!viesse!de!uma

54 BRAVO, G. Prosopographia theodosiana (I): en torno al llamado “clan hispano”. Gerión, Madrid, n.14, 1996.

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condição! social! não"romana! ou! mesmo! religiosa,! incluindo! entre! seus! assessores

alguns! pagãos.! O! mais! importante! para!Teodósio,! era! a! eficiência! no! exercício! de

suas!funções.

Neste! sentido,! Teodósio! I! assumiu! uma! política! de! integração! dos

bárbaros! no! Império! a! partir! do! exército,! que! levou! a! um! aumento! significativo! do

numero! de! personagens! de! origem! bárbara! ocupando! destacados! postos! de

comando.!E!mesmo!que!tenha!sido!bastante!efetiva!desde!o!princípio,!tal!política!não

foi!bem!acolhida!entre!as!elites!do!Império,!já!que!temiam!que!a!romanização!destes

personagens!significasse!uma!ameaça!a!seus!tradicionais!privilégios.

Com! relação! à! política! religiosa,! Teodósio! era! cristão! e! seguia! os

cânones!estabelecidos!no!Concílio!de!Nicéia.!Com!o!Édito!de!Tessalônica!em!380,

denominou!de!“católicos”!aqueles!que!seguiam!o!credo!niceísta!e!rechaçou!todos!os

outros!como!hereges.!Teodósio! foi!bastante! intransigente!com!aqueles!considerados

hereges,!minorias! religiosas! como!os! judeus!e! implacável! contra!os! cultos!pagãos,

tanto! que! é! considerado! pela! historiografia! tradicional! como! o! imperador! que

oficializou!o!cristianismo!definitivamente!como!a!religião!do!estado!romano.

Do!ponto!de!vista!militar,!além!da!questão! já!citada!da! instalação!dos

godos! em! territórios! imperiais,!Teodósio! teve! que! enfrentar! diversos! problemas! no

Oriente.!Os!persas!liderados!por!seu!rei!Sapor!III!pressionavam!a!fronteira!oriental!do

Império,! sendo! uma! ameaça! constante! até! a! assinatura! de! um! pacto! em! 387! que

repartia!a!Armênia!entre!romanos!e!persas!e! liberava!um!bom!contingente!de!tropas

para! outras! questões.! Além! disso,! em! 386! os! gretungios! invadiram! a! Trácia,! na

fronteira! do!Danúbio,! obrigando!Teodósio! a! utilizar! seus! principais! contingentes! de

tropas!para!restaurar!a!fronteira.

Somando"se! a! isto,! Teodósio! ainda! teve! que! intervir! nos! assuntos

relativos!ao! Império!Romano!do!Ocidente!em!duas!ocasiões!–!notavelmente,!duas

usurpações! –! sendo! a! primeira! uma! campanha! contra! Máximo,! já! trabalhada! no

tópico! 1.2.1,! e! novamente! durante! a! usurpação! de! Eugênio,! apoiada! pelo! general

Arbogastes.!Na!primeira!ocasião,!o!Imperador!do!Oriente!se!manteve!no!Ocidente!no

período!de!388!até!391!para!garantir!a! lealdade!das! regiões!ocidentais!do! Império,

aparentemente!sem!muito!êxito!já!que!logo!em!392!se!iniciou!uma!nova!revolta.

Por!volta!de!maio!de!392!o! jovem! imperador!do!ocidente,!Valentiniano

II,! foi! encontrado! morto.! Arbogastes,! general! de! origem! franca! e! delegado! de

Teodósio! no! ocidente! para! a! manutenção! de! Valentiniano! foi! acusado! de! ser! o

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mandante!do!crime,!defendendo"se!afirmando!que!o!jovem!imperador!havia!cometido

suicídio.!Pouco! podemos! saber! sobre! a! veracidade! destas! duas! versões,! porém! a

corte!oriental!não!tardou!em!considerá"lo!culpado.!Ao!perceber!que!não!tinha!muitas

escolhas!–!provavelmente!seria!preso!e!condenado!a!morte!pelo!regicídio!–!nomeou!o

civil!Eugênio,!um!simples!professor!de! retórica,!como! imperador!do!Ocidente,!numa

tentativa!desesperada!de!salvar"se.!Eugênio,!cristão,!enviou!embaixadas!a!Teodósio

buscando! seu! reconhecimento,! porém! as! embaixadas! foram! ignoradas! pelo

imperador! do! Oriente.! Vendo! sua! situação! complicar"se! com! a! iminência! de! uma

intervenção!militar!vinda!de!Constantinopla,!o!usurpador!tratou!de!buscar!o!apoio!da

aristocracia!senatorial! romana,!que!em!sua!grande!maioria!era!ainda!pagã!e!muitos

de! seus! membros! estavam! descontentes! com! a! política! religiosa! de! Teodósio! e

Valentiniano! II.! O! prefeito! de! pretório! da! Itália,! Nicômaco! Flaviano,! foi! um! dos

principais! apoiadores! do! regime.! Eugênio! atendeu! às! petições! da! aristocracia

senatorial! e! autorizou! o! re"estabelecimento! do!Altar! da!Vitória! na! casa! do! senado.

Mesmo! com! todo! os! apoios,! Eugênio! acabou! derrotado! por!Teodósio! quando! este

marchou!em!direção!ao!Ocidente,!em!394.!O!usurpador! foi!capturado!e!executado,

enquanto!Arbogastes!e!Flaviano!acabaram!cometendo!suicídio.!Poucos!meses!após

esta!vitória!Teodósio!I!faleceu!em!Milão,!a!inícios!de!395.

2.1.2. O Reinado de Honório

A!morte!de!Teodósio! I,!em!Janeiro!de!395,!gerou!um!grave!clima!de

incerteza! acerca! de! sua! sucessão,! especialmente! na! porção! ocidental! do! Império.

Seu! filho!e!herdeiro!Honório,!apesar!de! já!haver! sido!nomeado!augusto!dois!anos

antes,!era!uma!criança!com!apenas!onze!anos!de!idade.!Vale!lembrar!que!a!situação

política!estava! longe!de!ser!estável,! já!que!menos!de!um!ano!antes!Teodósio!havia

sido!obrigado!a! viajar!ao!ocidente,! trazendo! seu!exército!de! campanha!do!oriente,

para! enfrentar! um! usurpador! que! tinha! conseguido! importantes! apoios! nos! meios

aristocráticos! senatoriais,! e! apesar! de! sua! vitória,! sua! morte! tão! próxima! aos

acontecimentos! poderia! inspirar! uma! nova! tentativa! de! usurpação.! Seria! um

imperador! tão! jovem!capaz!de!manter!a!unidade?!Este!clima!de! incerteza!pode!ser

claramente!percebido!na!oração! fúnebre!a!Teodósio! (De!Obitu!Theodosii)!proferida

por!Ambrósio!de!Milão!conforme!demonstrou!David!Natal!Villazala55.

55 NATAL VILLAZALA, D. Sed non totus recessit .Legitimidad, Incertidumbre y cambio político en el DeObitu Theodosii. Gerión, 28, núm. 1, Madrid, 2010. 309-329.

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Obviamente,! o! jovem! imperador! necessitaria! de! ajuda.! Para! tanto,! o

poderoso! magister! militum! Estilicão! proclamou"se! tutor! do! príncipe,! afirmando! que

Teodósio!o!havia!nomeado!em!seu!leito!de!morte.!A!verdade!é!que!não!deve!mesmo

ter!acontecido!nenhum!grande!questionamento!à!legitimidade!de!Estilicão!como!tutor

de!Honório,!e!se!nota!que!personagens!muito!destacados!o!apoiaram,!como!no!caso

do! próprio!Ambrósio56,! já! que! a! situação! favorecia! o! apoio! a! um! homem! forte! que

fosse!capaz!de!manter!a!unidade!em!detrimento!a!disputas!internas!que!fragilizariam

a!posição!do!governo!imperial.

Mas!apesar!das!tentativas!de!Ambrósio!em!construir!uma!teoria!política

que!legitimasse!o!poder!do!filho!de!Teodósio!e!da!esperança!depositada!em!Estilicão

na!manutenção!da!unidade,!percebemos!que!o!governo!de!Honório!é!marcado!por

inúmeras!crises,!que!apenas!demonstram!que!todas!as!preocupações!com!relação!à

sucessão!de!Teodósio!I!eram,!no!mínimo,!válidas.

A!primeira!destas!crises!foi!a!rebelião!de!Gildón,!governador!da!África,

logo!após!saber!da!morte!de!Teodósio.!Segundo!nos!narra!Orósio,!o!motivo!de!esta

rebelião!foi!exatamente!a!falta!de!esperança!de!que!o!jovem!Honório!fosse!capaz!de

manter"se! no! comando! do! Império! por! muito! tempo! pelo! fato! de! ser! ainda! uma

criança57.!Tal!rebelião!foi!reprimida!sem!grandes!problemas,!mas!evidencia!o!clima!de

incerteza!que!pairava!sobre!o!ocidente!do!Império.

A! ambição! de! Estilicão,! evidenciada! por! sua! pretensão! em! estender

seu!poder!à!parte!oriental!do!Império,!logo!gerou!mais!problemas.!Em!401!Alarico,!um

dos!principais!chefes!godos,!após!alguns!problemas!no!oriente!se! trasladou!a! Itália

buscando! pressionar! o! Imperador! do! ocidente! a! ceder"lhe! um! alto! cargo! militar,

aproveitando"se!da!disputa!por!influências!na!região!do!Ilírico,!fronteira!entre!as!zonas

controladas! por! Honório! e! Arcádio! –! imperador! do! oriente.! Esta! movimentação

obrigou! a! Estilicão! a! trazer! tropas! de! outras! regiões! do! Império! para! enfrentar! a

Alarico,! vencendo"o,! mas! não! de! maneira! definitiva.!A! presença! deste! contingente

godo!nas!proximidades!da!Itália,!por!mais!que!temporariamente!apaziguado,!acabaria

por!tornar"se!um!problema!crescente!nos!anos!seguintes.

Em!405,!outro!chefe!bárbaro!chamado!Radagaiso!também!atravessou

os!Alpes! e! saqueou! parte! da! Itália.! Estilicão! se! viu,! novamente,! obrigado! a! trazer

tropas!de!outras! regiões!do! Império!para!enfrentar!este! inimigo,!que!acabou!sendo

56 NATAL VILLAZALA, D. Sed non totus… p. 31257 Oros. VII, 36, 3.

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vencido!com!certa!facilidade.!Apesar!disso,!esta!invasão!acabou!desencadeando!uma

série!de!outras!crises!e!problemas!no!Império,!como!veremos!a!seguir.

Em!meados!de!406,!se!iniciaram!na! Britania!uma!série!de!revoltas!que

culminaram! em! três! usurpações! em! um! curto! período! de! tempo.!Tais! usurpações,

incluindo!a!de!Constantino!III!que!é!um!dos!temas!principais!do!presente!trabalho,!já

foram!analisadas!no!primeiro!capítulo.

Nos! últimos! dias! do! ano! de! 406,! o! limes! do! Reno! foi! rompido! por

grupos!de!suevos,!vândalos!e!alanos,!que!entraram!nos!territórios!imperiais.!Segundo

Maria!Sonsoles!Guerras,!o!enfraquecimento!da!defesa!que!permitiu!o!rompimento!do

limes!foi!uma!conseqüência!direta!da!retirada!de!tropas!para!a!defesa!da!Itália,!levada

a! cabo!por!Estilicão58.!Este! fator!acabou! levando!a!perda!do! controle!da! Galia!por

parte!do!governo!de!Ravena!graças!ao!descontentamento!da!população! local! com

relação!a!falta!de!proteção!e!à!alternativa!de!apoio!oferecida!por!Constantino!III!com

políticas!muito!mais!eficientes!para!a!defesa!da!região.

Após!estes!reveses,!a!figura!de!Estilicão!acabou!enfraquecida!perante

a!corte!de!Honório.!Uma! tentativa!de!pactuar!com!Alarico!para!que!este! lutasse!em

nome!de!Roma!contra!o!usurpador!estabelecido!na! Galia!e!os!outros!povos!que!se

instalavam! na! região! acabou! aumentando! os! sentimentos! antigermânicos! da! corte.

Além!disso,!após!a!notícia!da!morte!de!Arcádio!no!oriente,!Estilicão!se!preparou!para

uma! viagem! a! Constantinopla! para! assegurar! seus! interesses! de! estender! sua

influência!a!parte!oriental!do!Império.!Estes!acontecimentos!aumentaram!ainda!mais!o

descontentamento!na!corte!e!Estilicão!foi!acusado!de!vender!cargos!militares,!utilizar

o!exército!em!proveito!particular!e!de!tentar!impor!seu!filho!como!imperador.!Piorando

ainda!mais!sua!situação,!seus!principais!aliados!godos,!encabeçados!por!Saro!–!rival

de!Alarico!–!também!se!revoltaram!com!a!perspectiva!de!que!o!rei!visigodo!acabaria

recebendo!melhores!condições!na!campanha!que!organizava.!Estilicão!ordenou!então

que! se! fechassem! as! portas! das! cidades! onde! estavam! as! mulheres! e! filhos! dos

soldados! bárbaros! recrutados! no! exército! romano,! conseguindo! assim! reféns! para

tentar!chegar!a!uma!negociação.!Porém,!antes!de!que! isso! fosse!possível,!Honório

ordenou!a!prisão!de!Estilicão,!aconselhado!pelo! magister!officiorum! Olimpio,!que!se

tornaria!o!novo!homem!forte!do!imperador.!Estilicão!acabou!executado!em!agosto!de

408.!A!grande!maioria!dos!partidários!do!general!acabou!tendo!sorte!similar.

58 GUERRAS, M. S. Os Povos Bárbaros. São Paulo: Ática, 1987. p. 46.

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O! novo! governo! de! fato,! encabeçado! por! Olímpio,! assumiu! uma

postura! claramente! antigermânica.! Os! soldados! romanos! aquartelados! na! Itália

massacraram!as!mulheres!e! filhos!dos!soldados!germânicos!que!haviam!apoiado!a

Estilicão!e!no!momento!eram!reféns!em!uma!ação!de!adesão!ao!novo!regime.!Além

disso,!o! magister!officiorum! se! recusou!a!continuar!as!negociações!com!Alarico.!O

principal! resultado!desta!política! foi!o! reforço!dos!contingentes!do! rei!visigodo!com

uma!grande!quantidade!de!soldados!germanos!que!desertaram!do!exército!romano.

Insatisfeito! com! esta! situação! política,! Alarico! invadiu! novamente! a! Itália! com! o

objetivo!de!obrigar!o!imperador!a!negociar.!Após!dois!anos!de!pressão,!tentativas!de

negociação!e! três!cercos!à!Roma,! finalmente!em!Agosto!de!410,!a!Cidade!Eterna!–

que! havia! permanecido! invicta! por! vários! séculos! –! foi! saqueada! pelos! soldados

visigodos.!Este!acontecimento! terá!um! impacto!bastante!profundo!no! imaginário!do

momento.

Neste! meio! tempo,! a! situação! na! Galia! não! era! das! melhores.! Já

trabalhamos! no! primeiro! capítulo! os! problemas! enfrentados! entre! Constantino! III! e

seu! general! Geroncio.! É! interessante! recordarmos! o! resultado! dessa! disputa:

Geroncio!pactuou!com!alguns!dos!grupos!de!bárbaros!que!haviam! rompido!o! limes

renano! alguns! anos! antes! e! os! convidou! para! que! entrassem! em! Hispania! para

aumentar! seu! contingente! de! soldados,! entre! Setembro! e! Outubro! de! 409.! Nesta

disputa! entre! usurpadores,! quem! acabou! sendo! favorecido! foi! Constancio! –! novo

magister!militum! de!Honório!e!novo!homem!forte!de!Ravena!após!do!curto!período!de

hegemonia!de!Olímpio!–!que!preparou!um!ataque!à!Arlès,!capital!de!Constantino! III

enquanto!as!tropas!de!Geroncio!a!sitiavam.!O!resultado!desta!campanha!foi!a!fuga!de

Geroncio,! que! acabou! suicidando"se! após! uma! rebelião! de! seus! soldados! e! a

deposição! de!Máximo,! enquanto! a! aristocracia! de!Arlès! se! rendeu! a!Constancio! e

entregou!Constantino!III!sem!batalha.!Apesar!da!vitória!da!causa!de!Honório,!a! Galia

e! a! Hispania! acabaram! sendo! ocupadas! de! maneira! definitiva! por! contingentes

bárbaros! que! fizeram! a! balança! do! poder! se! modificar! irreversivelmente! contra! o

poder!dos!imperadores!romanos.

Após!todas!estas!crises,!ainda!podemos!citar!outras!duas!tentativas!de

usurpação,!uma!acontecida!na! Galia,! levada!a!cabo!por!Jovino!apoiado!por!alguns

dos!grupos!bárbaros!ali!estabelecidos!e!alguns!dos!antigos!partidários!de!Constantino

III! e! Heracliano! em! Africa,! que! bloqueou! as! remessas! de! grãos! africanos! que

abasteciam!a! Itália.!Ambas! foram! resolvidas! com! relativa! facilidade! se! levamos!em

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consideração! todas!as!complicações,!porém!são!significativas!–! junto!com! todas!as

outras!–!do!período!de!instabilidade!vivido!pelo!Império!Romano!do!Ocidente!durante

o! reinado!de!Honório.!Mas!apesar!de! tudo! isso,!Honório! logrou!manter"se!no!poder

durante!vinte!e!oito!anos!(395"423),!marca!que!pouquíssimos! imperadores!atingiram

antes!dele,!e!nenhum!depois59.!Parece"nos!muito!significativo!o! fato!de!Honório,!em

um!período!tão!turbulento,!tenha!conseguido!manter"se!no!poder!por!tanto!tempo.

2.2. Como Orósio vê os Imperadores?

Nesta!seção!analisaremos!a! forma!qual!Orósio,!em!sua!História!Contra!os!Pagãos,

apresenta!os!reinados!dos!imperadores!da!dinastia!teodosiana,!Teodósio!I!e!Honório.

Para! tanto,! não! podemos! nos! esquecer! do! objetivo! principal! da! obra! escrita! pelo

presbítero!hispano:!provar!aos!pagãos!que!os!tempos!cristãos!são!mais!felizes!que!os

tempos! cristãos.! A! influência! deste! objetivo! durante! a! narração! dos! feitos! deste

período!se!tornará!bastante!clara!no!decorrer!da!análise.

2.2.1. Teodósio I na História Contra os Pagãos

A! primeira! referência! que! encontramos! sobre!Teodósio! I! na! obra! de

Orósio! é! o! momento! da! condenação! e! execução! de! seu! pai60.! Pouco! se! fala,! é

verdade,! sobre! o! futuro! imperador,! a! não! ser! pela! citação! de! que! o! personagem

condenado!é!o!pai!dele,!porém!demonstra!algumas!características! interessantes!de

sua! família.! Flávio! Teodósio! não! tem! medo! da! morte! e! se! entrega! ao! algoz

encarregado!de!efetuar!sua!sentença!sem!nenhum!tipo!de!resistência,!pois!acreditava

que! após! sua! vida! caracterizada! por! Orósio! como! gloriosa! na! terra,! encontraria

também!a!glória!na!vida!eterna.!Desde!esta!primeira!referência,!já!podemos!imaginar

quais!serão!as!principais!características!dos!membros!da!família!teodosiana!durante!o

desenrolar!da!narrativa!orosiana.

Saltamos!então!para!o!momento!da!ascensão!de!Teodósio!I!ao!poder.

É! bastante! explícito! por! Orósio! o! fato! de! Teodósio! I! haver! sido! escolhido! para! o

59 Seguindo a lista de imperadores apresentada por Gonzalo Bravo em Hispania y el Imperio, apenasAugusto, que reinou 41 anos e Constantino I que reinou 31 anos atingiram marcas superiores. Alémdestes, somente superaram os vinte anos de governo Tibério (23 anos), Adriano (21 anos), AntoninoPio (23 anos) e Dioclesiano (21 anos), sendo que todos eles marcam períodos considerados deestabilidade. Também superaram os vinte anos de reinado os sucessores de Honório, sua irmã GalaPlacídia (425-450) e seu sobrinho Valentiniano III (425-455), que reinaram paralelamente e tambémviveram um grave período de instabilidade.60 Oros. VII, 33, 5-7.

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comando!do! Império!do!Oriente!por!Graciano!após!a!morte!de!Valente,!sendo!que

Orósio! tece! uma! comparação! entre! Graciano! e! Nerva,! por! conta! da! boa! visão! de

ambos!em!escolher!um!imperador!hispano,!e!Teodósio!e!Trajano,!por!serem!hispanos61.!Em!ambas!as! comparações,!os! imperadores!mais!próximos! cronologicamente!a

Orósio!saem!com!vantagem.!Graciano! fez!uma!escolha!melhor!que!a!de!Nerva,! já

que!Teodósio!era!semelhante!em! todas!as!virtudes! terrenas!a!Trajano,!mas! tinha!a

grande!vantagem!de!ser!cristão!e!ter!fé!em!sua!religião62.!

Esta! comparação! entre! Teodósio! e! Trajano! é! bastante! interessante,

pois! pode! nos! demonstrar! duas! coisas,! a! primeira! é! uma! espécie! de! sentimento

regionalista!orosiano!por!defender!o!fato!de!serem!hispanos!como!uma!característica

que!os!torna!bons!imperadores!e,!muito!mais!importante!que!isso,!o!engrandecimento

de!Teodósio! já!que!Trajano!é!um! imperador!considerado! tradicionalmente!como!um

grande! e! glorioso! imperador63! mas! que,! do! ponto! de! vista! dos! cristãos,! está

manchado!pelo!fato!de!haver!sido!um!perseguidor.!Já!Teodósio!aparece!para!Orósio

como! um! Trajano! melhorado,! que! ao! invés! de! perseguir! será! responsável! por

propagar! a! Igreja.! E! como! prova! da! superioridade! de! Teodósio,! resultado! de! seu

favorecimento! divino,! este! foi! capaz! de! criar! uma! dinastia! que! ainda! comanda! o

Império!no!momento!que!escreve!Orósio,!enquanto!Trajano!não!teve!filhos64.

Para! Orósio,! o! estado! oriental! estava! arruinado! pela! ira! de! Deus65,

portanto!só!poderia!ser! restaurado!por!sua!misericórdia.! !Neste!sentido,!a! figura!de

Teodósio!seria!o! ideal!para! tal!empresa,! já!que!através!de!sua!confiança!em!Cristo

venceu! inúmeros! inimigos! temidos! durante! gerações! e! gerações.! Neste! ponto,! o

presbítero!hispano!faz!outra!comparação!bastante!interessante!entre!Teodósio!e!outro

ícone! da!Antiguidade! Clássica:!Alexandre.! O! imperador! cristão! foi! capaz! de! infligir

uma!derrota!significativa!aos!povos!escitas,! temidos!graças!a!seu!grande!número!e

deixados!de! lado!pelo!rei!macedônico66,!além!de!derrotar!também!a!alanos,!hunos!e

godos.!Neste!sentido,!Orósio! torna!a! figura!de!Teodósio!maior!que!a!de!Alexandre,

61 Oros, VII, 34, 2.62 Oros, VII, 34, 3.63 Na obra de Orósio, o reinado de Trajano está descrito em VII, 12. Em linhas gerais, ele éapresentado como um imperador vitorioso que foi capaz de reorganizar um estado arruinado eexpandir as fronteiras do Império, mas é também considerado responsável por uma série dedesastres naturais e revoltas que aconteceram neste período e mataram muitas pessoas por conta desua perseguição aos cristãos.64 Oros. VII, 34, 4.65 O estado sofria com a ira de Deus pelo fato de Valente ter sido um herege e perseguidor daortodoxia. Ver Oros. VII, 33, 9, 17 e 19.66 Oros, VII, 34, 5.

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tradicionalmente! visto! como! um! ideal! de! rei! e! general! pelos! pagãos.!E! para! todos

estes!feitos,!contou!apenas!com!um!pequeno!exército67.

Dois! importantes! inimigos! descritos! por! Orósio! são! pacificados! sem

grandes!batalhas,!graças!apenas!às!virtudes!do! imperador!cristão,!em!especial!sua

valentia!e!sua!bondade.!São!eles!os!godos,!que!após!a!morte!de!seu!rei!Atanarico!se

entregam! ao! poderio! romano68! e! os! persas! enviaram! voluntariamente! legados! a

Constantinopla! e! suplicaram! pela! paz69.! A! valentia! está! relacionada! com! as! suas

vitórias!militares!apresentadas!como! improváveis!por!Orósio!se!não!fosse!pela!ajuda

divina!e!sua!bondade,!especialmente!com! relação!aos!godos,!está! relacionada!com

sua!inclinação!à!cumprir!os!pactos!firmados!com!este!povo!em!oposição!à!exploração

a!qual!foram!submetidos!pelos!legados!do!antecessor!de!Teodósio!I!que!culminaram

com!a!derrota!de!Adrianópolis.

A!rebelião!de!Máximo,!seguida!pela!derrota!e!morte!de!Graciano!e!do

desterro!do!jovem!Valentiniano!II!obriga!ao!Imperador!do!Oriente!intervir!em!assuntos

do!Ocidente.!Em!um!primeiro!momento,!Teodósio! I!acolhe!a!Valentiniano! II!durante

sua! fuga,! com! um! amor! paternal70.!Este! amor! acabará! justificando! a! proeminência

que!Teodósio! tentará! impor!no!ocidente!após!a!derrota!de!Máximo,! já!que!Teodósio

acabará! por! tornar"se! uma! espécie! de! tutor! do! jovem! imperador! do! ocidente.! E! a

guerra!contra!o!usurpador!será!considerada!justa!e!necessária,!já!que!o!assassinato!e

o!desterro!daqueles!que!são!considerados!seus!irmãos!por!conta!de!sua!condição!de

Augusto! exigiam! a! vingança.! Porém,! a! única! vantagem! de! Teodósio! neste

enfrentamento!é!sua!fé,!já!que!em!quantidade!de!tropas!e!em!posições!estratégicas!o

inimigo!é!superior71.

E! a! fé! de! Teodósio! é,! novamente,! recompensada.! O! general! de

Máximo,!Andragatio,!abandona!sua!posição!para!tentar!antecipar!o!encontro!de!suas

tropas! com! as! do! imperador! do! Oriente! e,! graças! à! intervenção! divina,! acaba

desencontrando! o! exército! de! Teodósio! e! deixa! livre! as! passagens! dos! Alpes,

possibilitando! desta! maneira! que! a! vitória! do! imperador! cristão! acontecesse! sem

nenhuma! batalha,! sem! derramar! sangue! além! das! mortes! do! usurpador! e! seu

general,!graças!somente!a!ajuda!divina72.

67 Oros, VII, 34, 6.68 Oros, VII, 34, 7.69 Oros, VII, 34, 8.70 Oros, VII, 34, 10.71 Oros, VII, 35, 2.72 Oros, VII, 35, 3-7.

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Neste!ponto,!Orósio!antecipa!uma! característica!apresentada!por!ele

para!as!guerras!levadas!a!cabo!pelos!imperadores!legítimos!cristãos:!grandes!vitórias

sem!grandes!batalhas73.!Durante!o! restante!do! reinado!de!Teodósio!e!o! reinado!de

Honório,! Orósio! afirma! que! todas! as! vitórias! conseguidas! pelos! imperadores! são

simples!e!puras,!e! terminam! sempre! com!uma!paz! verdadeira!e!praticamente! sem

derramamento!de!sangue74.

Antes! de! voltarmos! ao! texto! de! Orósio! propriamente! dito,! cabe! um

pequeno!comentário.!Quando!discutimos!a!usurpação!de!Máximo,!comentamos!que!a

cronologia!é! suprimida!para!que!não!existisse!nenhuma! impressão!de!estabilidade

durante!seu!reinado.!Pensando!agora!no!ponto!de!vista!da! imagem!que!Orósio!quer

passar!de!Teodósio,!essa!supressão!da!cronologia!também!pode!ser!relacionada!com

a!demonstração!de!uma!resposta!rápida!do!imperador!do!Oriente!contra!o!usurpador,

quando!sabemos!que!ele!reinou!durante!praticamente!cinco!anos!antes!que!Teodósio

pudesse! intervir,! por! conta! de! seus! problemas! no! Oriente.! O! pacto! que! legitimou

durante! algum! tempo! o! usurpador! também! não! é! citado,! provavelmente! com! um

objetivo!semelhante,!como!já!discutimos75.

O! próximo! acontecimento! relacionado! ao! reinado! de! Teodósio! I! na

narrativa!orosiana!é!a!morte!de!Valentiniano! II.!O!general!Arbogastes!é!apresentado

como! o! assassino! –! que! teria! cometido! o! crime! com! suas! próprias!mãos! –! e! que

tentou!dissimular!a!morte!do!jovem!imperador!montando!um!cenário!de!suicídio76.

Começam! então! os! preparativos! para! a! guerra.! Arbogastes! nomeia

Eugênio!como!Imperador,!para!atuar!como!um!fantoche!seu!e!recruta!grande!numero

de! tropas,!muitas!delas!caracterizadas!como! invictas!pelo!historiador!cristão,!o!que

demonstra! sua! tentativa! em! aumentar! o! poder! dos! usurpadores! em! detrimento! ao

poderio!de!Teodósio77.

Neste!momento!da!obra,!é!bastante! interessante!como!Orósio!evoca

um!elemento!característico!da!historiografia!pagã!para! legitimar!a!veracidade!do!que

ele!está!narrando:!não!é!necessário!engrandecer!estes!feitos,!já!que!são!conhecidos

por!muitos!e! inclusive!existem!muitas! testemunhas!oculares!que!podem!comprová"

los.!Após!esta!afirmação,! retorna!às!suas!origens!cristãs!para!afirmar!que!a!vitória

73 Oros, VII, 35, 6.74 Oros, VII, 35, 9.75 Ver tópico 1.3.1 do presente trabalho.76 Oros, VII, 35, 10.77 Oros, VII, 35, 11.

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apenas!foi!alcançada!graças!a! intervenção!divina!e!não!por!conta!da!suficiência!das

tropas!de!Teodósio78.

Muito! significativo! para! entendermos! a! imagem! que! Orósio! faz! de

Teodósio! é! a! descrição! que! o! presbítero! hispano! faz! do! imperador! durante! os

preparativos! da! batalha.! Teodósio! estaria! abandonado! pelos! seus,! privado! de

alimento!e!cercado!por!inimigos.!Nesta!situação!complicada,!passou!a!noite!toda!em

claro! rezando! e! ao! amanhecer,! fez! o! sinal! da! cruz! e! atacou! sozinho! as! tropas

inimigas,!confiante!que!venceria!por!ter!Deus!a!seu!lado.!Tudo!parecia!encaminhar"se

para! a! morte! do! imperador,! porém! o! comandante! das! tropas! que! por! ele! foram

atacadas,!ao! invés!de!ordenar!sua!prisão!ou!morte,! ficou!comovido!com!a!presença

de!Teodósio!e!passou!para!o!lado!dele79.

Nos! momentos! anteriores! à! batalha,! uma! se! inicia! uma! grande

ventania!que!atrapalha!os! inimigos!e!ajuda!as! tropas!do! imperador,! interpretada!por

Orósio!como!a!ajuda!divina!ao!imperador!legítimo!contra!os!usurpadores.!Apavorados

com!esta!situação,!o!exército! inimigo!acaba!se!rendendo!e!apenas!seus! líderes!são

punidos80.!A! vitória! de! Teodósio! I! é! interpretada! sendo! um! juízo! dos! céus! contra

aqueles!que!são!arrogantes!com!sua!própria!força!e!confiam!em!seus!ídolos!em!favor

daqueles!que!esperam!humildemente!a!ajuda!do!Deus!cristão81.

A! partir! desta! leitura,! podemos! perceber! que! a! principal! virtude! de

Teodósio! I! segundo! a! interpretação! de! Orósio! é! sua! fé.! As! outras! virtudes

apresentadas,! em! especial! sua! bravura! relacionada! aos! seus! feitos! militares,! são

apresentadas! como! conseqüência! da! fé.! Por! exemplo,! quando! Teodósio! vence! a

todos! os! inimigos! no! início! de! seu! reinado,! levando! consigo! apenas! um! pequeno

exército,!se!pode! identificar!a!bravura,!porém!ela!só!existe!porque!o! imperador! tem

confiança!em!seu!Deus!e!é! isso!que!garante!sua!vitória.!Esta!mesma!conclusão!se

pode! extrair! do! momento! em! que! o! imperador! ataca! sozinho! as! tropas! inimigas

durante!o!enfrentamento!com!Eugênio.!Se!um!personagem!sem!a!característica!da!fé

tivesse!feito!a!mesma!ação,!seria!apenas!um! imprudente.!Porém,!com!a!fé,!se!torna

bravura!e!consegue!resultados!positivos.

Em!vários!momentos,!a! impressão!que! temos!é!de!que!Teodósio! tem

tudo!a!perder,!porém!sempre!vence!graças!a!intervenções!divinas,!que!são!resultado

78 Oros, VII, 35, 12.79 Oros, VII, 35, 14-16.80 Oros. VII, 35, 17-19.81 Oros, VII, 35, 22.

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de!sua!fé.!Desta!maneira,!podemos!afirmar!que!para!Orósio!a!própria!manutenção!do

Império!e!principalmente!do! imperador!é!resultado!da!vontade!divina,!e!esta!vontade

divina!se!torna!a!própria!legitimação!do!poder!deste!imperador!em!detrimento!a!seus

opositores.

Pensando!na!cronologia,!Orósio!a!utiliza! também!como!uma! forma!de

legitimação.!As!datas!do! reinado!de!Teodósio!não!são!marcadas!precisamente,!e!o

espaço!que!este! reinado!ocupa!na!obra! também!não!é!muito!extenso.!A! impressão

que! temos! com! a! leitura! é! a! de! que!Teodósio! não! reinou! por! muito! tempo.!Ainda

assim! foi! capaz! de! levar! a! cabo! inúmeros! feitos! e! restaurou! o! estado! de! maneira

satisfatória82,! graças! a! sua! fé! e! a! intervenção! divina,! mesmo! dispondo! de! pouco

tempo!para!isso.

2.2.2. Honório na História Contra os Pagãos

Logo!no!princípio!do! trecho! relativo!ao!governo!de!Honório,!Orósio! já

apresenta! aquela! que! é,! para! ele,! a! principal! característica! do! Imperador:! sua! fé.

Enquanto! nenhuma! outra! criança! que! havia! assumido! a! púrpura! chegou! à! idade

adulta! com! facilidade,!Honório! o! conseguiu! graças! à! tutela! de!Cristo,! resultado! da

grande!fé!do!jovem!imperador!e!também!de!seu!pai83.!A!fé!é!uma!característica!e!um

instrumento!que!será!ao!longo!do!texto!tratado!como!fundamental!por!Orósio.

Os!partidários!do!Imperador!também!são!agraciados!pela!fé.!Mascazel

logrou!vencer!a!seu!irmão!Gildón!sem!batalha!graças!a!sua!fé,!na!qual!confiou!por!ter

conhecido!os! feitos!de!Teodósio84,!que! levou!à! intervenção!de!Ambrósio!de!Milão!–

que!havia!morrido!poucos!dias!antes!e!teria!aparecido!como!santo!em!um!sonho!de

Mascazel!–!mostrando!o!caminho!da!vitória85.

Já!a!figura!de!Estilicão!na!obra!de!Orósio!tem!uma!sorte!bem!diferente.

Tal! personagem! é! representado! sempre! como! ambicioso! e! acusado! desde! sua

primeira! aparição! de! querer! substituir! o! imperador! legítimo! por! seu! filho! Euquério.

Notável!é!que!sua!pretensão!de! fazer! isto!no!oriente!não!é!citada,!assim!como!em

nenhum!momento!sua!ambição!é!dita!em!termos!de!aumentar!sua!área!de!influência

ao! oriente.! Além! disso,! é! considerado! culpado! de! todos! os! males! sofridos! pelo

82 Oros, VII, 35, 23.83 Oros. VII, 36, 3.84 Oros. VII, 36, 5.85 Oros, VII, 36, 7.

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Império! na! mão! dos! bárbaros86,! pois! além! de! ajudá"los,! os! teria! utilizado

conscientemente!para!desgastar!e!aterrorizar!o!estado87.!Com!relação!à!religião,!nada

se! fala! sobre! Estilicão! propriamente! dito,! porém! cita! que! seu! filho! já! tramava

perseguições!aos!cristãos!para!assim!que!assumisse!o!poder.!Assim!como!Honório!é

considerado!um!homem!de! fé!por!conta!da!herança!de!seu!pai,!Euquério!seria!um

idólatra! graças! a! seu! pai,! e! logo! não! seria! digno! de! nenhum! apreço! por! parte! de

Orósio.

Durante! a! invasão! de! Radagaiso,! inimigo! pagão88,! tudo! parecia

perdido.!Porém,!graças!a!fé!do!imperador!Honório!se!apresenta!a!misericórdia!divina89

e!antigos! inimigos!se! tornaram!aliados!contra!a!ameaça90,!mas!Orósio!assinala!que

Deus!não!deixa!dúvida!de!que!a!vitória!se!consegue!somente!por!sua!intervenção,!já

que! novamente,! e! apesar! dos! reforços,! o! inimigo! é! derrotado! sem! batalha91.! Esta

misericórdia! divina,! apesar! de! abarcar! todas! as! pessoas! de!Roma,! na! verdade! se

dirige! apenas! àqueles! que! acreditam! em! Deus,! pois! ela! é! temporária,! já! que! a

punição!contra!os!idólatras!viria!em!seguida!com!Alarico.!Inimigo,!mas!cristão92.

Finalmente,!quando!as!armações!de!Estilicão! foram!descobertas!pelo

exército,! ocorreu! uma! rebelião! contra! o! general,! considerada! justa! pelo! presbítero

hispano!por!estar!de!acordo!com!os!interesses!do!Imperador!e!tanto!Estilicão,!quanto

seu! filho! e! alguns! dos! seus! poucos! seguidores! foram! punidos.! Assim! se! podiam

considerar! livres,! tanto! o! próprio! Imperador! quanto! as! comunidades! cristãs,! deste

personagem!tão!odiado!por!Orósio93.

Apesar! da! fé! do! Imperador,! a! cidade! de! Roma! ainda! merecia! uma

punição!por!tantas!blasfêmias94.!Sendo!assim,!o!rei!visigodo!Alarico!sitia!e!saqueia!a

Cidade! Eterna.! O! capítulo! 39! do! sétimo! livro! da! História! Contra! os! Pagãos! é! a

narração! de! acontecimentos! relativos! a! este! acontecimento.! O! que! se! desprende

desta!descrição!são!duas!coisas!principais.!A!primeira!é!que!o!castigo!é!merecido,!e!a

segunda!que!o!saque!não!foi!tão!duro!quanto!poderia!ter!sido,!graças!ao!cristianismo

de!Alarico95.

86 Oros. VII, 37,1.87 Oros, VII, 38, 2-3.88 Oros. VII, 37, 5.89 Oros, VII, 37, 11.90 Oros, VII, 37, 12.91 Oros, VII, 37, 14.92 Oros. VII, 37, 17.93 Oros. VII, 38, 5-6.94 Oros. VII, 38, 7.95 Oros, VII, 39, 1-18.

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As!usurpações!na! Britania!são!consideradas! ilegais!desde!o!principio

da!descrição!de!Orósio96.!Orósio!sente!grande!pesar!quando!narra!o! fato!de!que!o

filho!de!Constantino!III!foi!obrigado!a!deixar!a!Igreja!para!tornar"se!César!de!seu!pai,

soltando!neste!momento!uma!expressão!de!dor97.!Orósio!também!condena!a!aliança

deste! personagem! com! os! bárbaros98! e! os! saques! perpetuados! por! estes! na

Hispania99.!Apesar!disso,!Orósio!ameniza!a! situação!afirmando!que!os!hispanos! já

passaram!por!situações!semelhantes!outras!vezes,!ou!seja,!não!se! tratava!de!uma

novidade! gravíssima100.!Além! disso,!Orósio! afirma! novamente! que! se! trata! de! uma

justa!punição,!sendo!este!fato!reconhecido!por!aqueles!que!temem!ao!Deus!cristão!e

que! aqueles! que! não! conhecem! a! religião! não! seriam! capazes! de! agüentar! tal

punição,! por! considerá"la! injusta101.!E! apesar! da! punição! justa,! a!misericórdia! para

com! aqueles! que! têm! fé! é! expressa,! já! que! todos! que! quisessem! fugir! poderiam

contar!com!os!próprios!bárbaros!que!afligiam!a!terra!como!defensores102.!Mesmo!em

meio!à! ruína!do! Império,!Orósio!encontra!argumentos!positivos.!Em! troca!da! ruína,

muitos!bárbaros!descobrem!a!religião!cristã!e!se!convertem,!enchendo!desta!maneira

as!Igrejas103.

O!presbítero!hispano!vê!de!maneira!bastante!positiva!a!ascensão!de

Constancio,!afirmando!que!a!volta!do!comando!do!exército!às!mãos!de!um!romano,

depois!de!vários!anos!sob!comando!de!bárbaros!(Estilicão,!por!exemplo)!é!de!grande

utilidade!para!o!estado!romano104.!Através!deste!general,!Honório!é!capaz!de!derrotar

a! todas! as! crises! encontradas! em! seu! reinado,! principalmente! as! usurpações! de

Constantino! III105,!de!Geroncio!e!Máximo106,!de!Jovino107!e!Heracliano108.!O! legítimo

imperador! mereceu! derrotar! todos! seus! inimigos! com! justiça,! graças! a! sua

extraordinária!fé!e!sorte109.

Neste!sentido,!podemos!afirmar!que!a!visão!positiva!que!Orósio!faz!do

reinado!de!Honório!está!apoiada!em!dois!principais!pilares.!O!primeiro!é!o!fato!de!que96 Oros, VII, 40, 4.97 Oros, VII, 40, 7.98 Oros, VII, 40, 7.99 Oros, VII, 40, 8-10.100 Oros, VII, 41, 2.101 Oros, VII, 41, 3.102 Oros, VII, 41, 4.103 Oros. VII, 41, 8.104 Oros, VII, 42, 1-2.105 Oros, VII, 42, 3.106 Oros, VII, 42, 4-5.107 Oros, VII, 42, 6.108 Oros, VII, 42, 11-14.109 Oros, VII, 42, 15-16.

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em! todos!os! revezes,!derrotas!ou! crises!a! responsabilidade!nunca!é!do! Imperador

propriamente!dito.!A!culpa!sempre!recai!em!um!personagem!considerado! indigno!de

seu!posto!ou!então!é!entendida!como!uma!punição!divina,!sempre! justa,!contra!os

pecadores! que! vivem! dentro! dos! limites! do! Império.! Já! todas! as! vitórias,! são

atribuídas!à! fé!de!Honório!e!de!seus!seguidores,!numa!nítida!noção!de!é!a!própria

vontade!divina!que!mantém!o!Imperador!em!seu!posto.!Disso,!podemos!concluir!que

para!Orósio!a!principal!virtude!que!um!Imperador!deve!ter!é!a!fé.

Além! disso,! a! fica! clara! a! preferência! por! romanos! aos! bárbaros! na

oposição!que!se!pode! fazer!entre!as! imagens!de!Estilicão!e!Constancio,!e!em!uma

escala!maior,!a!preferência!aos! cristãos! invés!dos!pagãos,!mesmo!que!os! cristãos

sejam!bárbaros!e!os!pagãos!romanos,!como!se!pode!notar!na!narração!dos!feitos!de

Alarico.

Neste!sentido,!podemos!concluir!que!a!visão!positiva!dos!reinados!de

Teodósio!e!de!Honório!com!o!objetivo!geral!da!obra!de!Orósio,!que!seria!como!vimos

acima,!demonstrar!como!os!tempos!cristãos!são!mais!felizes!que!os!tempos!pagãos.

Orósio! afirma! que! uma! das! provas! desta! felicidade! é! o! fato! de! encontrarmos! nos

tempos!cristãos! inumeráveis!vitórias!com!pouco!derramamento!de!sangue,!nenhuma

luta!e!quase!sem!mortes110.!Conforme! já!se!havia!antecipado!em!que!grande!parte

das! vitórias! atribuídas! aos! imperadores! cristãos! narradas! por! Orósio! se! encaixam

nesta!descrição.!Neste!sentido,!as!próprias!visões!positivas!acerca!dos! reinados!de

Honório!e!de!Teodósio! são!alguns!dos!principais!argumentos!do!historiador! cristão

para!provar!sua!principal!tese.

110 Oros, VII, 43, 16-17.

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CONCLUSOES PARCIAIS

Em! um! primeiro! ponto! destas! conclusões,! compararemos! as! imagens! de

Teodósio! I! e! Máximo! a! partir! de! nossa! análise! da! História! Contra! os! Pagãos! de

Orósio.!Ambos!os!personagens! tem!alguma!semelhança!em!alguns!aspectos,!pelo

fato!de!ambos!serem!hispanos!e!cristãos.!Máximo!ainda!é!considerado!um!homem

enérgico!que!poderia!ter!sido!um!imperador!eficiente!se!não!fosse!por!conta!de!sua

falta! de! fidelidade.! Já! Teodósio,! além! ter! sua! eficiência! ressaltada! com! tantas

vitórias,! é! apresentado! como! portador! da! virtude! da! fidelidade,! uma! vez! que! é

encarregado!de! trazer!a!vingança!contra!o!usurpador!que!assassinou!o! imperador

que!o!nomeou!ao!augustado.!Esta!pode!ser!a!primeira!diferença!que!podemos!notar

entre!a!imagem!criada!do!usurpador!em!oposição!ao!imperador!legítimo:!a!ausência

de!fidelidade!no!primeiro!enquanto!esta!é!uma!característica!marcante!do!segundo.

Existem! outras! características! que! podem! ser! trabalhadas! neste! mesmo

sentido.!Máximo!é!caracterizado!por!Orósio!como!um!homem!cruel,!apesar!de!não

exemplificar!em!que!sentido!esta!característica!se!manifrestou.!Já!Teodósio!exerce

sempre!que!possível!a!clemência.!Apesar!de!o!presbítero!hispano!não!utilizar!esta

palavra!quando! trate!do! Imperador,! temos!pelo!menos! três!ocasiões!que!podemos

identificar!a!utilização!desta!virtude!pelo!Imperador!do!Oriente:!a!primeira!é!quando

derrota! os! godos! e! após! a! morte! de! Atanarico! os! acolhe! entre! seus! principais

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aliados,! a! segunda! está! exatamente! na! derrota! de! Máximo,! considerando! que

segundo!o! texto!orosiano!apenas!o!próprio!usurpador! foi!condenado!por!seu!crime

enquanto! seus! apoiadores! foram! perdoados,! e! ainda! na! vitória! sobre! Eugênio,

quando!a!rendição!dos!derrotados!é!aceita!e!novamente!só!as!cabeças!da!rebelião

são!punidas.!Neste!sentido,!enquanto!um!usurpador!é!caracterizado!pela!crueldade,

um!imperador!legítimo!está!sempre!disposto!a!perdoar!seus!opositores!quando!seus

crimes!não!exigem!uma!pena!realmente!severa.

Na!contraposição!entre!Máximo!e!Teodósio!I,!surge!um!terceiro!fator!que!nos

chama! bastante! a! atenção.! O! usurpador,! em! um! sentido! próximo! ao! da! traição,

quando! enfrenta! a! Graciano! pode! também! ser! considerado! um! covarde,! por! ter

atacado!a!este! imperador!antes!de!ele!fosse!capaz!de!organizar!uma!defesa! justa,

assassinando"o!sem!chance!de!defesa,!enquanto!estava!desprevenido.!Já!Teodósio

é!sempre!apresentado!como!estando!em!situações!adversas,!com!menor!número!de

soldados,!em!posições!estratégicas!desfavoráveis!e!mesmo!assim!nunca!deixa!de

atacar!a!seus!inimigos.!Neste!sentido,!podemos!utilizar!como!exemplos!suas!vitórias

na!região!do! limes!danubiano!e,!principalmente,!os!episódios!relacionados!aos!feitos

de!Teodósio! durante! a! usurpação! de!Eugênio! como! já! trabalhamos! acima.!Neste

sentido,! percebemos! que! o! imperador! legítimo! é! caracterizado! pela! virtude! da

bravura!enquanto!o!usurpador!carece!desta!virtude.

Ainda! há! um! quarto! ponto! que! podemos! analisar! e! que! já! enfatizamos

bastante! quando! tratamos! a! questão! dos! imperadores! legítimos! no! segundo

capítulo.!É!a!questão!da!fé.!Máximo!não!é!apresentado!como!um!personagem!que

não! tem!esta! característica,!e!acreditamos!que!quanto!a!este!personagem!quase

nada! com! relação! a! religião! é! citado! na! obra! de! Orósio! por! conta! dos! episódios

relacionados! à! condena! de!Prisciliano,! como! já! trabalhamos! no! primeiro! capítulo,

que! poderiam! gerar! argumentações! em! favor! ao! usurpador! ou! então! dos! pagãos

contra!a!unidade!do!cristianismo.!Porém,!quando!se!dá!o!enfrentamento!direto!entre

Teodósio! e! o! usurpador,! o! presbítero! hispano! deixa! muito! claro! que! a! única

vantagem!do! imperador! legítimo!sobre!Máximo!é!o! fato!de!ele! ter!mais! fé,!e! isso

demonstra!de!certa!maneira!que!esta!característica!não!é!ausente!no!usurpador!em

questão,! apesar! de! aparecer! de! maneira! menos! decisiva! do! que! no! caso! do

imperador! legítimo.! Esta! diferença! na! quantidade! de! fé! entre! ambos! é! a! causa

principal!da!vitória!do!imperador!legítimo!–!escolhido!por!Deus!para!vencer!–!contra

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o!usurpador!–!destinado!à!derrota,!graças!a! intervenção!divina!direta!apresentada

pelo!historiador!cristão.

Agora!contraporemos!as!imagens!de!Honório!e!Constantino!III.!Com!relação!à

fidelidade,!não!há!nenhuma! referência!clara!com! relação!à!presença!desta!virtude

no! imperador! legítimo,! porém! tampouco! se! pode! afirmar! a! ausência! dela.

Simplesmente! não! há! referência.! E! sua! ausência! também! não! é! explicitamente

citada! quando! Orósio! se! refere! a! Constantino! III,! porém! a! própria! caracterização

como!usurpador! já!pressupõe!sua! inexistência.!Neste!sentido,!é!mais! interessante

pensarmos! na! capacidade! destes! personagens! em! inspirar! a! fidelidade! em! seus

seguidores.! O! presbítero! hispano! cita! a! luta! pela! defesa! da! Hispania! organizada

pelos!parentes!de!Honório!em! resistência!aos!bárbaros!e!aos!usurpadores!e! isso

pode! ser! interpretado! como! uma! forma! de! demonstrar! como! os! seguidores! do

legítimo! imperador!se!mantinham! fiéis!a!sua!causa.!Além!disso,!vemos!Constante

derrotar!inúmeros!inimigos!em!nome!de!Honório,!e!mesmo!sendo!o!pivô!das!vitórias

em!nenhum!momento!as!reclama!para!si,!sendo!desta!maneira!um!seguidor!fiel.!Já

no!caso!de!Constantino! III,!a!situação!é!bastante!diferente.!Primeiro,!Orósio!afirma

ele! não! é! capaz! de! inspirar! a! fidelidade! nos! povos! bárbaros! que! deixa! sob! seu

comando,! já! que! é! frequentemente! enganado! por! eles! graças! a! seu! pouco

desenvolvido! intelecto.!Nesta!mesma! linha,!a!usurpação!organizada!por!Geroncio

coroa!a! falta!de!capacidade!de!Constantino! III!em!manter!a! fidelidade!entre!seus

comandados.

A! bravura! podemos! analisar! a! partir! desta! mesma! linha! de! raciocínio.

Enquanto!Honório! tem!entre! seus!partidários!Dídimo!e!Veriniano!que! lutam!até!a

morte! para! defender! sua! causa! e! um! personagem! como! Constante! –! capaz! de

conseguir! inúmeras!vitórias!–,!Constantino! III!conta!em!suas! linhas!com!Geroncio,

que!além!de! traidor! foge!e!comete!suicídio!na!primeira!adversidade!que!encontra,

quando!os!partidários!de!Honório!marcham!em!direção!a!Arlès!para!livrá"la!do!cerco

que!ele!impusera!a!esta!cidade.!É!bastante!interessar!ambos!os!imperadores!nunca

aparecem! diretamente! no! comando! das! operações! militares! que! levam! a! cabo,

sendo! essa! opção! sempre! legada! a! um! de! seus! comandados.! Neste! sentido,! é

interessante!notar!como!a!bravura!–!ou!a!covardia!no!caso!do!usurpador!–!é!sempre

transmitida!a!estes!personagens!que!comandam!as!tropas!no!campo!de!batalha.

Com! relação!à!clemência,!cada!um!dos!personagens! tem!um!caso!em!que

ela! é! discutida! por! Orósio.! Honório! exerce! esta! virtude! no! momento! em! que! a

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suposta!rebelião!de!Estilicão!é!descoberta!por!seus!partidários.!Segundo!o!que!nos

conta! o! historiador! cristão,! apenas! os! principais! envolvidos! foram! castigados

enquanto! a! maior! parte! daqueles! que! poderiam! ter! sido! considerados! culpados

foram!perdoados.!Já!em!Constantino!III!esta!virtude!está!completamente!ausente,!já

que,!novamente!citando!o!caso!dos!partidários!de!Honório!na! Hispania,!os! jovens

primos! do! imperador! quando! foram! capturados! foram! logo! executados! assim! que

chegaram!a!sua!presença!em!Arlès.

Porém,!a!mais! importante! característica!atribuída!a!Honório!por!Orósio!é!a

sua!fé.!Como! já!discutimos!no!final!do!primeiro!capítulo,!esta!virtude!é!considerada

pelo!presbítero!hispano!a!causa!de! todas!suas!vitórias,!é!por!conta!dela!que!Deus

intervém!e!o!ajuda!a!manter"se!no!poder,!é!por!conta!dela!que!Honório!é!o!escolhido

por!Deus!para!manter!o!Império!Romano!do!Ocidente.!Já!Constantino!III,!apesar!de

seu! nome! ter! inspirado! alguma! esperança! por! ser! o! mesmo! de! Constantino! I,! o

Grande,!é!caracterizado!como!um!mau!cristão,!principalmente!graças!a!sua!falta!de

clemência! e! a! forçosa! retirada! de! seu! filho! Constante! da! vida! monástica! para

transformá"lo!também!em!um!usurpador.

A! partir! destas! duas! comparações,! podemos! chegar! a! conclusão! que! para

Orósio! são! importantes! para! o! Imperador! cristão! as! virtudes! da! Clemência,

Fidelidade!e!Bravura,!nesta!ordem.!Porém,!acima!de! todas!elas!e!verdadeira! fonte

de! todas! as! outras! está! a! Fé.! Quando! os! imperadores! que! o! presbítero! hispano

apresenta!estas!características!a!alguns!imperadores!e!demonstra!a!ausência!delas

em! outros,! está! tornando! legítimo! o! poder! dos! primeiros! e! transformando! em

ilegítimos!os!segundos.!É!desta! forma!que!Orósio! legitima!o!poder!de!Teodósio! I!e

de!Honório!sobre!seus!rivais!considerados!usurpadores.

Outro!ponto!que!nos!chamou!a!atenção!foi!a!questão!da!hereditariedade.!Ao

início!do!trabalho!já!havíamos!lançado!a!hipótese!de!que!Orósio!legitimava!o!poder

de! Honório! por! considerá"lo! um! continuador! do! trabalho! de! seu! pai! Teodósio! I.

Porém! ao! analisarmos! a! presente! questão! com! maior! profundidade,! percebemos

que!a!hereditariedade!na!obra!do!presbítero!hispano!é!mais!do!que!simplesmente!a

continuação!do!trabalho,!como!veremos!nos!exemplos!a!seguir.

Como!vimos,!a!primeira!referência!que!encontramos!a!Teodósio!I!na!obra!de

Orósio! é! quando! seu! pai,! Flávio!Teodósio,! é! citado.! Neste! trecho! os! feitos! deste

personagens!são!enaltecidos!e!no!momento!de!sua!condenação!a!morte!se!entrega

com!a!segurança!de!quem!sabe!o!que!lhe!espera!após!a!execução.!Neste!pequeno

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trecho!podemos!identificar!pelo!menos!três!virtudes:!a!bravura!daquele!que!vence!os

seus!inimigos,!a!fidelidade!daquele!que!não!se!revolta!mesmo!sabendo!que!está!em

uma! situação! complicada! e! a! fé! que! é! a! base! de! sua! confiança! na! vida! eterna.

Curiosamente,!são!três!das!quatro!virtudes!que!identificamos!em!Teodósio!I!durante

nossa! análise.! Neste! sentido,! podemos! perceber! um! sintoma! de! que! Orósio

considera! que! as! principais! características! de! um! personagem! podem! ser

transmitidas!de!pai!para!filho.

O!segundo!exemplo!que! identificamos!esta!característica!da!hereditariedade

é! quando! temos! a! descrição! de! Euquério,! filho! de! Estilicão.! Como! foi! discutido

brevemente!no!primeiro!capítulo,!Estilicão!não!é!visto!com!nenhum! tipo!de!apreço

por! Orósio,! que! frequentemente! o! acusa! de! traidor! em! vários! aspectos.! Desta

maneira,! seu! filho! também! não! poderia! ser! diferente,! já! que! é! apresentado! pelo

presbítero! hispano! como! um! personagem! que! desde! criança! já! planejava! em

segredo! iniciar!uma!perseguição!aos!cristãos!no! Império!e!restaurar!desta!maneira

os!cultos!pagãos.!Nos!parece!altamente! inverossímil!que!uma!criança! já! tenha!um

plano! político! traçado,! ainda! mais! nestes! termos,! mas! Orósio! precisa! legitimar! a

execução! dele! assim! como! a! de! seu! pai,! e! desta! maneira! constrói! ambos! os

personagens!de!maneira!bastante!próxima.

Orósio!também!transmite!as!características!encontradas!em!Teodósio!I!a!seu

filho! Honório,! tanto! direta! quanto! indiretamente.! Já! discutimos! acima! sobre! as

virtudes! que! um! imperador! cristão! deve! ter! a! partir! das! descrições! apresentadas

pelo! presbítero! hispano,! e! acreditamos! também! ter! demonstrado! como! elas! se

repetem!de!pai!para!filho.!O!historiador!cristão!chega!em!pelo!menos!um!momento

explicita!de!maneira!bastante!visível!e!direta!a!influência!das!virtudes!de!Teodósio!I

no! reinado!de!seu! filho!Honório,!quando!afirma!que!poucas! foram!os! imperadores

que! assumiram! o! reinado! enquanto! ainda! crianças! e! foram! capazes! de! chegar! à

idade! adulta! sem! enfrentar! uma! série! de! problemas,!mas!Honório! logrou! tal! feito

graças!a!grande!fé!de!seu!pai!que!o!colocou!sob!“tutela!de!Cristo”!antes!de!morrer.

Neste!sentido,!podemos!perceber!que!a!principal!das!virtudes!do!Imperador!cristão

foi!passada!de!pai!para!filho!durante!três!gerações!e!esta!é!a!principal!causa,!não!só

da!legitimidade,!mas!também!do!êxito!alcançado!–!segundo!Orósio!–!por!tal!dinastia.

Em! outro! trecho,! quando! o! presbítero! hispano! tece! a! comparação! entre

Trajano! e!Teodósio,! a! grande! diferença! entre! os! dois! é! exatamente! a! fé! que! dá

vantagens! ao! imperador! cristão.! Esta! mesma! fé! é! novamente! apresentada! como

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responsável! pelo! êxito! na! formação! de! uma! dinastia! –! já! que! Deus! teria! dado! a

Teodósio!filhos!e!netos!que!ainda!reinavam!no!momento!da!escrita!da!obra!orosiana,

Honório!no!Ocidente!e!Teodósio!II!no!Oriente!–!enquanto!Trajano!não!chegou!a!ter

filhos.

A!partir!destes!trechos,!percebemos!que!a!fé!para!Orósio!é!uma!característica

que! passa! de! pai! para! filho! e! é! considerada! fundamental! para! a! fundação! da

dinastia!teodosiana!e!essencial!para!sua!manutenção!no!poder.!Percebemos!então

que!Orósio!além!de! legitimar!o!poder!de!Honório!pelo! fato!deste!personagem!ser

filho! de!Teodósio! I,! personagem! que! pode! ser! aproximado! ao! ideal! de! imperador

cristão,! também!defende!um!verdadeiro!princípio!de!sucessão!hereditária!do!poder

baseando"se!no!fato!de!que!as!características!de!um!personagem!são!herdadas!por

seus!filhos.!Neste!sentido!o!filho!de!um!bom!imperador!poderia!sempre!tornar"se!um

bom! imperador! espelhado! em! seu! pai.! Já! os! maus! imperadores! –! incluindo! aí

também! os! usurpadores! –! devem! ter! seu! reinado! encerrado! antes! de! que! sejam

capazes!de!criar!uma!dinastia,!já!que!seus!filhos!também!serão!maus!imperadores.

Percebemos! que! este! princípio! é! válido! para! a! dinastia! teodosiana,! porém

seria! interessante! a! verificação! deste! princípio! em! um! trabalho! mais! amplo,

abarcando!toda!a!obra!de!Orósio!na!íntegra!a!partir!deste!ponto!de!vista.

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