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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLIACADAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA HENRIQUE PEREIRA MASCARENHAS O PENSAMENTO DESENVOLVIMENTISTA E A CONTROVÉRSIA SOBRE A BORRACHA NA AMAZÔNIA (1940-1966). Belém 2016

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLIACADAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA

HENRIQUE PEREIRA MASCARENHAS

O PENSAMENTO DESENVOLVIMENTISTA E A CONTROVÉRSIA SOBRE A

BORRACHA NA AMAZÔNIA (1940-1966).

Belém

2016

HENRIQUE PEREIRA MASCARENHAS

O PENSAMENTO DESENVOLVIMENTISTA E A CONTROVÉRSIA SOBRE A

BORRACHA NA AMAZÔNIA (1940-1966).

Dissertação apresentada para obtenção de grau de Mestre

em Ciências Econômicas na Universidade Federal do

Pará. Área de concentração: Desenvolvimento Regional.

Orientador: Prof. Dr. Danilo Araújo Fernandes.

Belém

2016

Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP) Sistema de Bibliotecas da UFPA Biblioteca Armando Corrêa Pinto

M395 Mascarenhas, Henrique Pereira O pensamento desenvolvimentista e a controvérsia sobre a borracha na Amazônia (1940-1966) / Henrique Pereira Mascarenhas. - 2016. 168 f. : il. : 30 cm. Orientador: Danilo Araújo Fernandes. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Pará, Instituto de Ciências Sociais Aplicadas, Programa de Pós-Graduação em Economia, Belém, 2016. 1. Desenvolvimento econômico – Amazônia. 2. Borracha- Amazônia. 3. Economia – Amazônia - História. I. Fernandes, Danilo Araújo, orient. II. Título.

CDD 23. ed. 338.9811

HENRIQUE PEREIRA MASCARENHAS

O PENSAMENTO DESENVOLVIMENTISTA E A CONTROVÉRSIA SOBRE A

BORRACHA NA AMAZÔNIA (1940-1966).

Dissertação apresentada para obtenção de grau de Mestre

em Ciências Econômicas na Universidade Federal do

Pará. Área de concentração: Desenvolvimento Regional.

Orientador: Prof. Dr. Danilo Araújo Fernandes.

Data de aprovação:

Banca Examinadora

_____________________________________ Orientador

Prof. Dr. Danilo Araújo Fernandes PPGE/ICSA/UFPA

_____________________________________ Membro Interno

Prof. Dr. Francisco de Assis Costa PPGE/ICSA/ UFPA

_____________________________________ Membro Externo

Prof. Dr. Fábio Fonseca de Castro NAEA/UFPA

Belém

2016

AGRADECIMENTOS

Agradeço ao apoio e incentivo concedido pela CAPES, pelos professores e técnicos do

PPGE/UFPA, pelos meus colegas de faculdade, sobretudo David Borges, Luz Marina, Renata

Andrade, Milena Ishihara, Pedro Henrique Brandão, Pedro Neves de Castro e Danúzia

Rodrigues e outros tantos, e pelas bibliotecárias da SUDAM e do NAEA. Um agradecimento

especial vai para o meu orientador, Danilo Araújo Fernandes, pela confiança depositada.

Fica aqui registrado que sem o carinho e o afeto da minha família, dos meus amigos e

da Bárbara eu não teria conseguido superar os intensos percalços em que me envolvi no período

de elaboração desta dissertação. A eles, ontem, hoje e sempre, serei grato. Eternamente.

Também ao meu Rex, que se foi neste meio tempo. Ele não lia, mas quem lê agradecimentos...

Reuni aqui fragmentos de reclames que circulam pela região há séculos. Reivindicações

que clamaram por igualdade de oportunidades para a Amazônia. Portanto, um tributo tem de

ser pago aos interpretes da região, os quais, mesmo com seus limites e omissões, intentaram

levar à consciência brasileira as dificuldades da vida na Amazônia.

Bônus: quem descobrir o toc que impregnou a escrita da dissertação ganha um prêmio. Valendo.

“Cada palavra dita é a voz de um morto...”

(Fernando Pessoa)

“Os homens fazem sua própria história, mas não a

fazem como querem; não a fazem sob

circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas

com que se defrontam diretamente, legadas e

transmitidas pelo passado. A tradição de todas as

gerações mortas oprime como um pesadelo o

cérebro dos vivos.”

(Karl Marx)

"Do imenso reservatório do passado, o que se pode

conseguir é extrair conjuntos de perguntas

inteligentes que possam ser formuladas a temas

atuais. A importância dessa contribuição não deve

ser nem exagerada nem subestimada. A qualidade

da nossa compreensão dos problemas de hoje

depende, em grande parte, da abrangência do

nosso quadro de referência."

(Alexander Gerschenkron)

“(...) afirmar que este ou aquele regime econômico

será adotado no futuro é fazer uma profissão de fé

– é construir uma ideologia.”

(Celso Furtado)

“Parece que ali a imponência dos problemas

implica o discurso vagaroso das análises, as

induções avantajam-se demasiado os lances da

fantasia. As verdades desfecham em hipérboles”.

(Euclides da Cunha)

RESUMO

Esta dissertação estuda a ideologia e política desenvolvimentista e sua relação com a

controvérsia sobre o desenvolvimento da borracha na Amazônia entre os anos 1940 e 1966.

Uma análise histórica que investiga a interação entre a formação econômica e institucional da

região amazônica e a história do pensamento econômico brasileiro para, a partir disto,

sistematizar as ideias e as políticas para o desenvolvimento da Amazônia divulgadas em livros,

artigos e relatórios técnicos durante este período. Investigação que evidenciou a importância do

debate sobre a borracha, principalmente a controvérsia entre o extrativismo e a heveicultura,

para a emergência e consolidação do que podemos configurar como um projeto

desenvolvimentista-regionalista amazônico. Tradição de pensamento que exerceu papel ativo

na conformação das características institucionais e do conteúdo das políticas de

desenvolvimento regional que condicionaram a formação histórica e a performance econômica

da Amazônia ao longo de seu processo de desenvolvimento no século XX.

Palavras-chave: Desenvolvimentismo-regionalista. Borracha. Amazônia.

ABSTRACT

This dissertation studies the developmentalist ideology and policy and its relation with the

controversy over the development of rubber in the Amazon between the years 1940 and 1966.

A historical analysis that investigates the interaction between the economic and institutional

formation of the Amazon region and the history of thought and systematize the ideas and

policies for the development of the Amazon that are divulged in books, articles and technical

reports during this period. Research that evidenced an important debate about rubber, especially

the controversy over extractivism and a heveculture, for the emergence and consolidation of

what can configure as the Amazonian regionalist-developmentalist project. Tradition of thought

that played an active role in shaping the institutional characteristics and content of regional

development policies that conditioned the historical and economic performance of the Amazon

throughout its development process in the 20th century.

Keywords: Regionalist-developmentalism. Rubber. Amazon.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Representação de um seringueiro coagulando o látex. ........................................... 25

Figura 2 – Representação de um regatão. ................................................................................. 26

Figura 3 – Categorias presentes na controvérsia sobre a borracha na Amazônia. .................... 89

Figura 4 – Ambiente de ideias da controvérsia sobre a borracha na Amazônia (1940-1946). . 90

Figura 5 – Ambiente de ideias da controvérsia sobre a borracha na Amazônia (1947-1953) 121

Figura 6 – Síntese do ambiente de ideias na Amazônia (1940-1953). ................................... 124

Figura 7 – Zoneamento da valorização do Primeiro Plano Quinquenal. ................................ 129

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Características dos modelos de organização do seringal – Caboclo e Empório. .... 23

Tabela 2 – Amazônia: taxas de expansão econômica por setor de atividade econômica (%)

(1947-1963). ............................................................................................................................. 32

Tabela 3 – Distribuição da Renda Interna (%) por Setor e por Unidade da Federação (1949 e

1959). ........................................................................................................................................ 33

Tabela 4 – Distribuição do Setor Primário (%) (Agricultura, Produção Animal e Extrativismo)

e Borracha no Extrativismo (%) (1890 – 1960/62). ................................................................. 34

Tabela 5 – Distribuição do Setor Primário (%) (Agricultura, Produção Animal e Extrativismo)

por Unidade da Federação e Borracha no Extrativismo (%) (1959). ....................................... 34

Tabela 6 – Distribuição do Setor Terciário na Renda Interna (%) (1949-1959). ..................... 36

Tabela 7 – Amazônia: Distribuição de Renda Interna (%) entre Amazônia Ocidental e Oriental

(1947-1966). ............................................................................................................................. 37

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Amazônia: População e Renda interna (1800-1970). ............................................ 32

Gráfico 2 – Produção de borracha natural no Brasil (Toneladas) (1880-1963). ...................... 35

Gráfico 3 – Quociente do Índice de preços de venda da borracha vegetal x Índice geral de preços

(1953-1970). ............................................................................................................................. 35

Gráfico 4 – Participação das importações no consumo de borracha no país (%) (1951-1966).

................................................................................................................................................ 123

Gráfico 5 – Produção e importação de borracha no Brasil (1946-1966). ............................... 145

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Principais realizações da SPVEA (1953-1965). ................................................... 143

Quadro 2 - Aplicações da SPVEA (1954-1962). .................................................................... 144

LISTA DE ABREVIATURAS

ACA Associação Comercial do Amazonas

ACP Associação Comercial do Pará

BASA Banco de Crédito da Amazônia S.A.

BCA Banco de Crédito da Amazônia

BCB Banco de Crédito da Borracha

BRASTEC Sociedade Brasileira de Serviços Técnicos e Econômicos

DNPV Departamento Nacional de Produção Vegetal

ETA Escritório Técnico de Agricultura Brasil-Estados Unidos

FIEPA Federação das Indústrias do Estado do Pará

HPEB História do Pensamento Econômico Brasileiro

IAN Instituto Agronômico do Norte

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia

INIC Instituto Nacional de Imigração e Colonização

INPA Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia

IPEAN Instituto de Pesquisas e Experimentação Agropecuárias do Norte

MECOR Ministério Extraordinário para a Coordenação dos Organismos Regionais

NAEA Núcleo de Altos Estudos Amazônicos

PSI Processo de Substituição de Importações

REBAP Reunião de Estudos da Borracha para Aumento da Produção

SPVEA Superintendência de Valorização Econômica da Amazônia

SUDAM Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia

SUFRAMA Superintendência da Zona Franca de Manaus

SUDHEVEA Superintendência da Borracha

UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 15

2 FORMAÇÃO ECONÔMICA DA AMAZÔNIA E O SIGNIFICADO ECONÔMICO E

INSTITUCIONAL DO SISTEMA DE AVIAMENTO ....................................................... 20

2.1 A performance histórica do sistema de aviamento e seus reflexos sobre a economia

amazônica ................................................................................................................................ 21

2.2 Condições institucionais e dinâmica da economia amazônica (1940 – 1966) .............. 31

3 AS ORIGENS DO PENSAMENTO DESENVOLVIMENTISTA-REGIONALISTA

AMAZÔNICO ........................................................................................................................ 38

3.1 O desenvolvimentismo e a questão regional amazônica................................................ 39

3.2 O desenvolvimentismo-regionalista amazônico e a borracha como objeto de estudo 52

4 A CONTROVÉRSIA SOBRE A BORRACHA E O PENSAMENTO

DESENVOLVIMENTISTA-REGIONALISTA AMAZÔNICO (1940-1966) .................. 70

4.1 Do discurso do Rio Amazonas à SPVEA: a emergência de uma estratégia conciliatória

(1940 – 1953)............................................................................................................................ 72

4.1.1 O ideal desenvolvimentista em contexto adverso: a Batalha da Borracha e seus contrastes

(1940 – 1946)............................................................................................................................ 72

4.2.2 A reformulação do aparato institucional de intervenção e a institucionalização de uma

estratégia conciliatória (1947 – 1953) ...................................................................................... 92

4.2 Da Concepção Preliminar à Operação Amazônia: a estratégia conciliatória em xeque

(1954 –1966)........................................................................................................................... 122

4.2.1 Entre diagnósticos e execução: as convergências em torno da valorização da Amazônia

(1954 – 1960).......................................................................................................................... 122

4.2.2 Entre a ineficácia e a transformação: os ajustamentos da política de desenvolvimento

regional (1961 – 1966). .......................................................................................................... 142

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 159

REFERÊNCIAS.................................................................................................................... 161

15

1 INTRODUÇÃO

No início do século XXI as discussões sobre economia brasileira experimentaram o

retorno de controvérsias que por longos períodos acompanharam o trajeto histórico do

desenvolvimento do país. Questões como restrições no balanço de pagamentos, a oposição entre

política de combate à inflação e política fiscal anticíclica, a centralidade da indústria, entre

outros tópicos, voltam em cena e trazem à tona discussões, debates e proposições de ideias em

torno de atributos ancorados em tradições fortemente enraizadas na história do pensamento

econômico brasileiro (HPEB) (BIELSCHOWSKY, 1996; FONSECA, 2004, 2014;

BIELSCHOWSKY; MUSSI, 2005).

Nesta rodada histórica, retoma-se a oposição entre correntes de pensamento que

divergem entre si, principalmente, quanto a importância da atuação do Estado na superação do

subdesenvolvimento do país. De um lado, posicionam-se aqueles que são a favor de um Estado

mais ativo na condução da economia. De outro, aqueles que recomendam prudência e

moderação nas atribuições estatais. E como resultado deste embate de ideias, a noção originária,

e bastante controversa, sobre o significado do conceito de “desenvolvimentismo” voltaria a

estar presente na política, nos noticiários e nas discussões acadêmicas após décadas de

hegemonia do pensamento liberal.

E sob contexto histórico e institucional diverso daquele que possibilitou a execução de

políticas desenvolvimentistas entre as décadas de 1930 e 1980, uma série de questionamentos

emergem quanto a factibilidade de se retornar a esta tradição de pensamento e de política

econômica. Disto advém duas agendas de pesquisa importantes: 1) a articulação de bases

teóricas; e 2) a realização de genealogias historiográficas. Agendas que tem por objetivo a

construção de argumentos, a consolidação de cânones fundadores e a investigação de

experiências históricas concretas. Propriedades que revelam o conteúdo, o sentido e as razões

vinculadas a ideologia e política desenvolvimentista.

Um dos resultados destas frentes de pesquisa seria o reconhecimento do papel dos

estudos históricos, o que imprimiria a tônica da agenda de pesquisa da HPEB. Com efeito,

políticas econômicas foram revisitadas, períodos históricos reexaminados, personagens

redimensionados, autores reeditados, homenagens concedidas e institutos criados. Iniciativas

que tiveram como referência e fonte de inspiração as interpretações pioneiras da HPEB, com

destaque para o trabalho de Bielschowsky (1996), pesquisa que evidenciou a importância da

controvérsia entre ideias, ideologias e interpretações sobre as opções de políticas econômicas

16

implementadas no Brasil durante o período que ficou conhecido como o primeiro ciclo

ideológico do desenvolvimentismo no Brasil (1930-1964)1.

E neste ensejo de reconhecimento do passado e de busca pela compreensão das raízes e

alicerces deste projeto de superação do atraso e do subdesenvolvimento, ampliaram-se os

esforços para a investigação do pensamento acerca do desenvolvimento dos diversos Brasis, da

formação, da estrutura e da evolução das regiões brasileiras cujas características demonstram a

persistência de uma herança histórica ainda atual: a profunda desigualdade regional presente na

economia brasileira. Neste processo, a Amazônia, enquanto região periférica e

subdesenvolvida, observa uma retomada dos estudos historiográficos sobre a construção dos

projetos de modernização implementados na região ao longo do tempo histórico dos ciclos

ideológicos do desenvolvimentismo.

Trabalhos como Loureiro (2004), Pinto e Bastos (2007, 2014), Marques (2013),

Almeida (2008), Oliveira Jr (2009, 2013), Fernandes (2011, 2013), Fernandes et al (2015),

Andrade (2010, 2012), Lobato (2014), Santos (2014), Trindade et al. (2014), Silva e Batista

(2015) e Puga e Bastos (2016) são exemplos desta agenda de pesquisa. Estudos que partiram

de delimitações temáticas, teóricas, territoriais e temporais distintas, mas que convergiam para

a tentativa de reinterpretar a história da região a partir da compreensão da influência exercida

pelo contexto histórico da ideologia e política desenvolvimentista e de seus efeitos na

transformação das estruturas econômicas, políticas e sociais da Amazônia.

Destaca-se destes trabalhos a identificação de uma tradição de pensamento que iria

orientar as discussões acerca da superação dos dilemas da questão regional amazônica. Tradição

cujos atributos se enraizariam na história do pensamento sobre o desenvolvimento da região

amazônica, vindo a fazer parte da formação de toda uma geração de políticos, empresários,

técnicos de órgãos governamentais e intelectuais. Atores que seriam protagonistas de

acalorados debates durante a construção dos projetos de desenvolvimento que visaram a

superação dos dilemas da questão regional amazônica. Projetos cujo principal resultado seria a

cristalização de uma profunda desigualdade no acesso a bens, serviços e cidadania a ampla

parcela da população amazônica (LOUREIRO, 2004).

1 Inicialmente Bielschowsky (1996) definiu como ciclo ideológico do desenvolvimentismo os anos compreendidos

no período de 1930 a 1964. Em um reexame de sua obra Bielschowsky em parceria com Mussi (2005) estabeleceu

que o desenvolvimentismo foi hegemônico entre os anos 1930 a 1980, o primeiro ciclo contido entre os anos 1930

e 1964 e o segundo entre 1964 e 1980. O período posterior ficando conhecido como a era da instabilidade

macroeconômica inibidora das discussões sobre desenvolvimento (1980-2005), com hegemonia do pensamento

liberal.

17

Desta coletânea de trabalhos destaca-se a hipótese divulgada por Loureiro (2004) e

desenvolvida por Fernandes (2011). Hipótese que sustenta que existiria uma tradição de

pensamento e um projeto de desenvolvimento regional na Amazônia, forjado durante os anos

1940, 1950 e 1960, que seria influenciado por uma gama de vertentes teóricas e referências

intelectuais e que substanciaria a implementação dos alicerces do que a literatura interpretou,

pouco tempo depois, como um tipo de “modernização seletiva” ou “modernização de

superfície”. Uma base de reflexão que seria designada por Fernandes (2011) de

desenvolvimentismo-regionalista amazônico.

Ideário que tem sua gênese e consolidação garantida pela convergência de correntes de

ideias que acompanharam, de modo mais ou menos intenso, o decurso histórico do

desenvolvimento da região, os quais são: 1) o desenvolvimentismo; e 2) o regionalismo.

Corrente de ideias que, entre a conciliação e o conflito, dialogariam para a formação de uma

tradição de pensamento que exerceria papel ativo na conformação das características

institucionais e do conteúdo das políticas de desenvolvimento regional que condicionaram a

formação histórica e a performance econômica da Amazônia ao longo de seu processo de

desenvolvimento no século XX.

E a importância de se reconhecer a influência deste modelo explicativo nos auxilia a

reconstituir “o mosaico de conflitos, interesses e características que alimentaram (...) as regras

de funcionamento do ambiente institucional amazônico durante o chamado período do

nacional-desenvolvimentismo” (FERNANDES, p. 21, 2011). Um padrão de interpretação cujo

impacto seria a conformação de uma trajetória histórica específica à região amazônica, a qual

incorporou “biologismos, geografismos e dualismos” (ALMEIDA, p. 63, 2008) em formas de

pensar o problema amazônico que se revelariam como “limites institucionais e empecilhos para

o desenvolvimento de políticas mais adequadas de desenvolvimento regional.” (FERNANDES,

p. 25, 2011).

Um modelo cujos fundamentos explicativos produziram “obstáculos epistemológicos a

serem removidos por uma leitura crítica” (ALMEIDA, p. 63, 2008). Uma apreciação que se

constitui em uma etapa fundamental para a compreensão da complexidade das restrições

impostas ao desenvolvimento da região amazônica. Crítica que ainda não se encontra

devidamente equacionada, sobretudo quanto a investigação dos principais eventos históricos,

autores e discussões que consolidaram o desenvolvimentismo-regionalista amazônico enquanto

alternativa de interpretação dos problemas da Amazônia. Modelo que se encontra expresso nos

documentos históricos envolvidos nos debates acerca da valorização do principal produto da

pauta produtiva da região amazônica ao longo dos anos que inauguraram o moderno aparato

18

institucional de regulação e intervenção do Estado na região amazônica, isto é, sobre a borracha

e entre os anos de 1940 e 1966.

E por ter se constituído em um dos principais produtos da região amazônica desde 1850

até meados do século XX, a borracha percorreu uma trajetória de polêmicas e divergências

quanto a adequabilidade de seu modelo de produção para a sustentação de um desenvolvimento

estável e de longo prazo para a região. Discordâncias que, entre os anos de 1940 e 1966, do

Discurso do Rio Amazonas até a Operação Amazônia, fizeram parte de um ambiente

institucional que abarcou uma disputa entre três projetos: um baseado em uma concepção

agrícola e industrial, inscrito no nacional desenvolvimentismo; outro alicerçado em bases

mercantis e extrativistas, proposto pelos regionalistas e operadores do sistema de aviamento; e

o último ancorado na tentativa de conciliação entre estes dois modelos, exposto no

desenvolvimentismo-regionalista amazônico (FERNANDES, 2011).

A par de tais informações, nota-se a importância da lacuna existente na historiografia

sobre a influência exercida pelo desenvolvimentismo-regionalista amazônico nas discussões

sobre o extrativismo da borracha na Amazônia, sobretudo devido à importância deste produto

e desta ideologia nos debates acerca do desenvolvimento regional amazônico. Disto posto, o

presente trabalho constituirá um esforço para a investigação da construção deste modelo de

interpretação no debate sobre o desenvolvimento da produção de borracha na Amazônia entre

os anos de 1940 e 1966.

Dentro deste contexto, realizaremos uma sistematização das principais ideias presentes

nas discussões sobre o problema da borracha na Amazônia, o que nos auxiliará a revelar a

importância dos autores, instituições e eventos históricos para a formação do

desenvolvimentismo-regionalista amazônico e a evidenciar os conflitos inerentes a sua tentativa

de consolidação e institucionalização no período de 1940 e 1966. Investigação que revelará não

só a amplitude e os conflitos envolvidos na construção dos projetos de desenvolvimento

regional, mas também desvendará os seus principais interpretes, meios de divulgação, redes de

articulação, bases intelectuais e etc.

E para a consecução deste objetivo, empreenderemos uma leitura deste contexto

histórico a partir de uma abordagem teórico-metodológica que discuta a história econômica da

Amazônia a partir de uma interlocução dos conceitos oriundos da Nova Economia Institucional

(NEI) (NORTH, 1990; GALA, 2003; FIANI, 2011) com os principais aspectos inscritos na

agenda de pesquisa da história do pensamento econômico brasileiro (BIELSCHOWSKY, 1996;

FONSECA, 2004, 2014; BIELSCHOWSKY; MUSSI, 2005). Abordagem que será importante

para a revelação das implicações que o contexto histórico da ideologia e política

19

desenvolvimentista imprimiu na realidade da economia e sociedade amazônica ao longo do

processo de construção de estruturas que conformam a sua trajetória histórica de

desenvolvimento.

Abordagem teórica-metodológica que servirá de subsídio para a leitura do contexto

histórico que envolveu as principais publicações do debate sobre o desenvolvimento da

borracha na Amazônia. Textos que substanciaram o conteúdo do emergente aparelho do estado

atinentes as políticas de desenvolvimento regional e que derivavam de contribuições de

escritores, ensaístas políticos, historiadores, economistas, sociólogos, antropólogos, geógrafos

e demais profissionais de áreas disciplinares diversas que imprimiram visões de mundo ou

modelos explicativos que se inseriram dentro das linhas de pensamento no debate sobre a

borracha na Amazônia.

Portanto, serão objeto de nosso estudo documentos como livros, artigo de periódicos,

relatórios técnicos e etc. que foram publicados por instituições como: o Instituto Brasileiro de

Geografia (IBGE), no periódico Boletim Geográfico e na Revista Brasileira de Geografia, na

revista o Observador Econômico e Financeiro, na Superintendência de Valorização Econômica

da Amazônia (SPVEA), em suas monografias e relatórios técnicos, no Banco de Crédito da

Borracha (BCB) e no Banco de Crédito da Amazônia (BCA), em seus relatórios anuais de

exercício, no Instituto Agronômico do Norte (IAN), em seus pareceres técnicos e circulares,

entre outros veículos de divulgação.

Ademais isto, o presente trabalho está organizado em quatro capítulos, além deste

introdutório. O segundo capítulo versará sobre a formação econômica da Amazônia e

apresentará a configuração do sistema de produção que permitiu a ascensão da economia da

borracha, bem como revelará seus impactos na performance econômica da região. O terceiro

capítulo revelará o conteúdo da ideologia e política desenvolvimentista no Brasil e discutirá o

conceito de desenvolvimentismo-regionalista amazônico, além de especificar como seus

fundamentos foram apreendidos pelos autores que se ativeram ao estudo da Amazônia e da

borracha. O quarto capítulo enveredará pela análise de como essa vertente do pensamento

desenvolvimentista brasileiro emergiu e se consolidou ao longo da controvérsia sobre a

produção de borracha na Amazônia. Por fim, realizaremos considerações finais acerca das

principais conclusões a que conseguimos chegar a partir desta pesquisa.

20

2 FORMAÇÃO ECONÔMICA DA AMAZÔNIA E O SIGNIFICADO ECONÔMICO E

INSTITUCIONAL DO SISTEMA DE AVIAMENTO

Depois das contribuições teóricas seminais dos neoinstitucionalistas no que diz respeito

à importância dos aspectos históricos para a compreensão do desenvolvimento da economia de

países ou regiões, as características dos sistemas econômicos e suas interconexões com os

arranjos institucionais passaram a ser vistos como impactando de maneira decisiva na

conformação da dinâmica econômica de longo prazo (NORTH, 1990; GALA, 2003; FIANI,

2011).

Desta forma, além de fatores como acumulação de capital e progresso tecnológico, os

adeptos da NEI postulam que a compreensão dos processos de desenvolvimento devem

perpassar pela análise da formação histórica das regras que substanciam a operação dos

sistemas econômicos, políticos e sociais (GALA, p. 5, 2003). Visto que o conjunto de regras de

uma sociedade, a sua matriz institucional, delimitam os incentivos ao desempenho econômico

e os limites aos aumentos de produtividade e de bem estar.

Portanto, será somente a partir da compreensão dos fundamentos que regulam a

produção, a transação e a distribuição e suas interconexões com as institucionais políticas e

sociais que poderemos compreender as trajetórias de desenvolvimento das economias.

Dinâmica que funcionaria aos moldes de um processo path dependence, conceito que postula

que uma vez iniciada uma trajetória, torna-se cada vez mais difícil desviar deste caminho, o que

explica a persistência de padrões de desenvolvimento (NORTH, 1990).

Um processo que, para sua continuidade, requer o filtro de mediações institucionais

inerciais e de mecanismos de auto reforço. Atributos que atuam em favor de preservar os

alicerces preestabelecidos e limitar as possibilidades de alteração das trajetórias, estas que são

mediadas e reforçadas por elementos como os caminhos escolhidos no passado e o

prosseguimento de processos de baixo dinamismo, os quais derivam de configurações políticas

e sociais que promovem, em algum grau, a manutenção do status quo.

Sob esta ótica, o presente capítulo realizará uma interpretação do impacto das

características econômicas, políticas e sociais do sistema de aviamento na conformação de uma

trajetória de desenvolvimento path dependence na região amazônica. Além disso, também

avaliará os dados acerca da dinâmica da economia amazônica em meio a introdução de

mudanças institucionais que visaram alterar a trajetória histórica decorrente da exploração

baseada no extrativismo da borracha e nas trocas mercantis.

21

2.1 A performance histórica do sistema de aviamento e seus reflexos sobre a economia

amazônica

A tenacidade dos fundamentos de economia amazônica em perpetuar seus alicerces é

um fato verificado na literatura, que registra que são as características do sistema de aviamento

que concebem, em menor ou maior grau, esta invariância, sendo seus elementos constituintes e

operacionais apontados como razões da estagnação e do atraso da economia da região, seja em

tempo pretérito (1850-1920) (SANTOS, 1980; WEINSTEIN, 1993), seja no tempo histórico

em discussão (1940-1966) (TUPIASSU, 1965; BASA, 1966; VILLELA; ALMEIDA, 1966;

SANTOS, 1968). Deste modo, há reiterada constatação de que um processo path dependence

ocorrera no desenrolar do decurso histórico do desenvolvimento da Amazônia.

E as características econômicas e institucionais do sistema de aviamento impactariam

de modo substantivo na Formação Econômica da Amazônia. Para Santos (p. 158, 1980) este

sistema desempenhou “o papel de elemento sustentador e articulador de toda a estrutura do

homem rural amazônico com a sociedade nacional”. Para Tupiassu (p. 5, 1965), além de alçar

o extrativismo da borracha como o centro dinâmico da economia amazônica, se tornou o “mais

importante componente estrutural do conjunto sócio-econômico-político da região”. E para

Villela e Almeida (p. 193, 1966) acabou por se tornar o “principal obstáculo à modernização

das técnicas de produção do setor agrícola. (...) [e na] mais poderosa barreira a qualquer

tentativa de melhoria das condições de vida da população da Amazônia.”.

E o empreendimento colonial das “drogas dos sertões”, a gestão pombalina e a ascensão

do ciclo econômico da borracha são episódios históricos que iriam trazer inovações

institucionais e mudanças estruturais2 que estabeleceriam condições para a emergência,

consolidação e expansão deste sistema econômico que, “num grau incomum de complexidade

e sofisticação” (WEINSTEIN, p. 30, 1993), condicionaria a produção, a distribuição e o

consumo da economia amazônica e viabilizaria a oferta de uma matéria prima essencial a

dinâmica da economia mundial, a borracha. Modelo de regulação das trocas e de organização

política e social que por longa data perfilaria a trajetória de desenvolvimento da região.

2 Os eventos mais importantes foram: 1) a ascensão de uma economia baseada no extrativismo florestal e suas

mediações mercantis; 2) a política pombalina de integração do ímpeto comercial do português com o conhecimento

do caboclo amazônida sobre o manejo da floresta; 3) a descoberta do processo de vulcanização da borracha em

1839; 4) a implementação da navegação a vapor em 1852; 5) as frentes migratórias de retirantes em vários períodos

e as grandes levas após a grande seca de 1877; 6) o estabelecimento de casas importadoras, exportadoras, bancos

comerciais, casas de seguros, bolsas de valores, etc. (SANTOS, 1980; WEINSTEIN, 1993; COSTA, 2012).

22

Em termos históricos, o sistema de aviamento funcionou como elo de conexão entre os

seringais (estruturas isoladas, de grande área de extensão, dispersas pela vastidão do território

amazônico, especializadas na extração de látex e dependentes de abastecimento de bens de

consumo e produção) e as casas aviadoras (estruturas concentradas principalmente em Belém e

Manaus, fornecedoras de créditos e viveres e receptoras dos fluxos de produtos dos seringais e

responsáveis pela exportação da borracha), permitindo a exploração das seringueiras, da hevea

brasiliens e de outras espécies vegetais, que produziam látex.

Um elo de ligação que se materializava através dos aviamentos. Unidade básica do

sistema, esta operação financeira, que remonta os tempos da Colônia e cuja extensão e

importância percorreu todo o interior do vale, consistia no fornecimento de mercadorias via

crédito. Um tipo de crédito informal que criou um emaranhado de vínculos comerciais e

creditícios que seriam administrados por contratos entre os aviadores e seus “aviados” e

legitimados através de mecanismos jurídicos, acordos tácitos, normais sociais ou pelo uso da

violência.

No primeiro polo deste sistema, nos seringais, os seringueiros representavam os

produtores diretos da borracha. Para a execução de suas atividades, que consistia na sangria,

coagulação e coleta do látex extraído das seringueiras, estes agentes recebiam aviamentos de

bens de consumo e de insumos de trabalho dos aviadores instalados nos seringais, os

seringalistas, instituindo uma dívida a ser saldada por meio do recebimento futuro de borracha

ou outros produtos extrativos ou agrícolas que porventura estivessem em seu portfólio.

O seringalista, através da figura do barracão, exercia o monopólio da consignação de

crédito e de venda de bens aos seringueiros, aviltando juros e preços, e o monopsônio da compra

da borracha, reduzindo seu preço ao menor patamar possível. Além disso, detinha também a

função de arregimentar novos trabalhadores e disciplinar o regime de trabalho dos seringueiros.

Com efeito, os resultados de sua atividade serviam para dar continuidade a extração da

borracha, extorquindo os seringueiros até o limite de sua tolerância fisiológica e reduzindo sua

reprodução aos requisitos mínimos de subsistência, além de laborar a favor de perpetuar dívidas

de difícil resgate, cumprindo o papel de controlar e fidelizar os trabalhadores do seringal.

E em uma crítica à literatura que fez uso de visões homogeneizantes dos seringais

amazônicos, não levando em conta as diferenças sociais e culturais inscritas nos diversos

seringais espalhados pelo território amazônico, Oliveira Filho (1979) destaca a existência de

dois modelos de organização das atividades econômicas atreladas a borracha: o seringal caboclo

23

e o seringal empório3 (tabela 1). Modelos cuja especificidade garantiram a proposição de

projetos de desenvolvimento distintos visando cada tipo de estrutura, seja para preservar um ou

outro modelo de seringal.

Os seringais caboclos consistiam em estruturas herdadas do século XVIII, instaladas

principalmente nas antigas áreas de colonização, nas proximidades de Belém e ao longo dos

grandes rios. Seu contingente era formado por caboclos que incorporaram os conhecimentos

indígenas sobre o manejo da floresta e nordestinos retirantes. Praticavam uma atividade

diversificada, dedicando tempo à caça, a pesca, ao plantio de um ou mais gêneros alimentícios

e a extração florestal.

Os seringais empório consistiam em estruturas que se estabeleceram nas áreas de

expansão da fronteira econômica e política, nos territórios que viriam a ser o estado do

Amazonas, do Acre e outros. Formandos quase que integralmente por mão de obra imigrante,

principalmente por camponeses nordestinos que vinham sem família e se isolavam nos seringais

mata adentro. Suas atividades tendiam à especialização no extrativismo da borracha, com pouca

margem para a diversificação da produção.

Tabela 1 – Características dos modelos de organização do seringal – Caboclo e Empório.

Modelo Caboclo Modelo Empório

1 - Exploração nos limites da fronteira

econômica.

1 - Exploração de áreas muito além das

fronteiras do mercado.

2 - Mão de obra requisitada localmente. 2 - Mão de obra quase integralmente

importada.

3 - Força de trabalho familiar. 3 - Trabalhador isolado.

4 - Pluralidade funcional da empresa

(inclusive com atividade de subsistência).

4 - Especialização da empresa, com abandono

da agricultura.

5 - Pequena produtividade do trabalhador. 5 - Produtividade do trabalhador é bem mais

elevada.

Fonte: Oliveira Filho (1979).

Estes dois modelos de organização da produção dispunham ainda de diferentes graus de

autonomia frente as mediações mercantis, o que lhes imprimia poder de barganha diferenciados

na negociação com o barracão, o que, a depender do maior ou menor grau de autonomia, lhes

3 A denotação modelo empório foi emprestada de Costa (2012), com fins a uniformizar a narrativa.

24

permitia adquirir maiores ou menores níveis de satisfação de suas necessidades e de alguma

acumulação de capital (OLIVEIRA FILHO, 1979; WEINSTEIN, 1993).

A tentativa de diversificar suas atividades produtivas, o alto grau de mobilidade

geográfica (o que abria a possibilidade de fugas do domínio dos aviadores), a venda de seus

produtos a aviadores concorrentes, fraudes e trapaças no preparo da borracha (que só viriam a

serem descobertas bem longe do seringal) e as dificuldades do controle da mão de obra,

derivadas do isolamento e da dispersão, são exemplos de recursos utilizados pelos seringueiros

com fins a obter maior autonomia frente as imposições dos aviadores.

E com vista a contornar esta autonomia relativa dos seringueiros, o sistema instituiu

uma série de mecanismos para expandir os níveis de dependência dos seringueiros aos

aviadores. Isto foi feito com o intuito de conduzir os seringueiros a um formato mais próximo

ao do seringal tipo empório, de menor grau de autonomia, dirigindo-os a se especializar na

produção de borracha e na compra de mercadorias a crédito dos aviadores.

São exemplos destas medidas o uso da violência, o regimento do barracão4, o rígido

controle da mão de obra, a escravidão por dívidas ou a cobrança de débitos não adquiridos

advindos de falsificação, a exploração dos seringueiros como produtores e como consumidores,

a inexistência de direitos de propriedade da terra, o isolamento e a excessiva jornada de

trabalho. Além disso, também era usual os seringalistas realizarem o cerceamento de outras

atividades dentro do seringal, como a caça, a pesca e o plantio de um ou mais gêneros

alimentícios (atributos de subsistência e de autonomia), pressões para que o fornecimento de

mercadorias seja pago preferencialmente por borracha e etc.

Um ponto em comum a estes dois tipos de modelos de organização da produção nos

seringais é a produtividade decrescente do sistema de extração. As primitivas técnicas de

produção diminuíam a vida útil das seringueiras, o que impactava no esgotamento dos recursos

naturais. E, ao invés de optar pelo plantio da hevea5, o sistema acomodava esta diminuição de

4 Contrato firmado pelos operadores do sistema, de início tacitamente, mas posteriormente de maneira formal, em

assembleia, onde estavam estabelecidas as regras e normas que presidiam a relação entre aviadores e entre estes e

os seus aviados. Exemplos de suas regras são: 1) o seringueiro em débito não poderia se retirar enquanto não

saldasse suas dívidas; 2) Os seringalistas não poderiam aceitar empregados de outros seringais que estivessem em

débito, caso contrário pagariam pesadas multas; (BENCHIMOL, 1977; WEINSTEIN, 1993). Apesar da acurácia

destas regras em restringir a autonomia dos seringueiros, Weinstein (1993) questiona a ampla validade e efetiva

aplicação do regimento por toda a extensa do vale. 5 Weinstein (1993) enumera que, além da necessidades de capitais, três ordens de fatores influenciavam os riscos

e as dificuldades desta investida: 1) melhorias técnicas de sementes, plantio e manutenção das árvores; 2) o elevado

tempo de maturação da hevea (nos tempos do auge acreditava-se que levaria até 15 anos para alcançar

produtividade máxima); 3) a organização da força de trabalho regular, primeiro para a dura tarefa de desbravar a

terra, e depois, para o cuidado e manutenção constantes que o cultivo da seringueira exige. O que demonstra que

“não foi simples falta de espírito empresarial, ou temor do risco financeiro, que impediu o desenvolvimento de

uma economia de cultivo na Amazônia” (WEINSTEIN, p. 47, 1993).

25

rendimentos por meio da expansão da fronteira econômica, expandindo-se para seringais em

localidades cada vez mais distantes, o que acarretava em maiores custos de transportes e

comunicação.

Soma-se a estas características as dificuldades do meio, as condições de higiene, a

subnutrição e as doenças, fatores que imprimiram precárias condições de vida a estes

trabalhadores, fato ilustrado em vários relatos e histórias sobre o boom, como na obra de

Euclides da Cunha (2000), por exemplo. Situação que coexistia com uma mediana

produtividade do trabalho, fator que é resultante, primordialmente, das rígidas condições de

trabalho no seringal empório (OLIVEIRA FILHO, 1979) e da ciência do manejo do meio

ambiente complexo no seringal caboclo (COSTA, 2012).

Figura 1 – Representação de um seringueiro coagulando o látex

Fonte: Reproduzido de Reis (1953).

Do ponto de vista histórico, até 1880 o modelo de seringal caboclo imperava. No

entanto, após o boom da borracha o modelo caboclo iria ser gradativamente substituído pelo

modelo empório (OLIVEIRA FILHO, p. 131, 1979), pois com a expansão da demanda por

borracha e a alta de preços o capital mercantil ampliou o seu grau de controle sobre a produção,

o que induziu uma maior quantidade de seringais a funcionar no modelo do tipo empório. Efeito

26

em sentido contrário ocorreu com a crise da borracha em 1912, com um processo de transição

a um modelo mais próximo do seringa caboclo (WEINSTEIN, 1993; COSTA, 2012). E com a

eclosão da Batalha da Borracha em 1942 retoma-se uma tentativa de formação de seringais do

tipo empório, ainda que não com a mesma amplitude e condicionantes.

E para a intermediação da passagem da safra de borracha de um aviador a outro até a

sua chegada aos centros comerciais, os regatões constituíam os meios de transporte típicos da

região amazônica. Em certas ocasiões, estes agentes eram firmas contratadas pelas casas

aviadoras ou pelos seringalistas, em outras, navegavam próximo aos seringais para intervir no

contrato estabelecido entre patrão e cliente e comprar à vista a produção de látex e vender

produtos aos seringueiros. Desta forma, participavam de duas maneiras, concorrendo ou

cooperando com os demais agentes mercantis. São agentes intermediários que garantiam a

passagem da borracha para os centros urbanos, servindo tanto a continuidade da acumulação de

capital quanto para interferir nesta e drenar recursos e desarticular a relação mercantil

estabelecida entre seringueiros, seringalistas e aviadores.

Figura 2 – Representação de um regatão.

Fonte: Reproduzido de Reis (1953).

No último polo do sistema, nos centros urbanos, encontravam-se as casas aviadoras,

estruturas que detinham a função de aviar bens de consumo e de produção aos seringalistas,

recepcionar a borracha e intermediar a venda desta aos exportadores. Sua atividade era

reproduzida com base nos lucros dos aviamentos cadeia abaixo e na aquisição de créditos em

casas bancárias e casas exportadoras e importadoras, onde apresentavam os estoques de

borracha e os inventários de dívidas a serem saldadas por seus aviados como garantias. Consta-

27

se ainda que eram os agentes residentes na região que concentravam a parte mais significativa

dos rendimentos do negócio da borracha.

Nota-se que os aviadores e seringalistas recolhiam lucros de duas formas, uma através

do recolhimento de dívidas advindas da venda de artigos aos seringueiros e outra com base no

preço de compra da borracha. O que permitiu a minimização dos riscos de sua atividade, haja

vista que diversificavam os ativos de seus portfólios. Esta diversificação era de tal importância

que estimativas sugerem que a remuneração derivada da consignação a crédito de bens

respondia por algo em torno de 50 % das receitas dos aviadores (SANTOS, p. 166, 1980).

Ao lado das casas aviadoras, nos centros urbanos, também se encontravam os bancos,

agências de seguros, casas exportadoras e importadoras, etc., agentes de significação notável

mas secundários para nossos propósitos. No entanto, cabe ressalva sobre dois aspectos centrais

da relação entre casas aviadoras, casas exportadoras e bancos, tais como: 1) o preço de venda

da borracha, na época do boom, era determinado pela interação entre aviadores e exportadores,

fator que em grande parte pendia a favor de maior controle exercido pelas casas exportadoras;

e 2) o entrosamento entre crédito formal, dos bancos, e informal, dos aviadores, uma vez que

os bancos emprestavam para as casas aviadoras com base em garantias baseadas em estoques e

promessas de venda futuras de borracha.

E em termos de performance histórica econômica, o ciclo econômico da borracha e o

sistema de aviamento possibilitou que a região amazônica experimentasse um impulso de

crescimento e desenvolvimento, permitindo sua ascensão a padrões mais próximos ao de

grandes metrópoles nacionais e internacionais6. Seus efeitos se fizeram sentir no financiamento

de viagens, palácios, melhoramentos urbanos e no acesso a bens e serviços de luxo as elites

regionais. Pôde também incentivar a implantação de uma modesta diversificação da estrutura

produtiva da região, com a introdução de um pequeno parque industrial e com a dinamização

de atividades agrícolas e de produção animal.

No entanto, por trás dos índices de prosperidade escondiam-se “uma série de problemas

de curto e de longo prazo que prenunciavam a longa decadência da Amazônia.” (WEINSTEIN,

p. 192, 1993), tais como: 1) a rigidez (inelasticidade) e a instabilidade da oferta de borracha; 2)

a minimização do risco individual com a diversificação do portfólio dos aviadores (entre débitos

e produtos) que aumentava o risco sistêmico pois tolhia os incentivos à produção no agregado;

6 Progresso se desconsiderarmos todo a pobreza, sofrimento e desgaste humano que acometia o seringueiro, nos

seringais rio acima e mata adentro, este que, apesar de tudo, era “quem menos perdia, porque nada tinha a perder”

(LIMA, p. 68, 1943), o que indica a desigualdade da apropriação dos rendimentos. Paradoxalmente, Santos (p.

172, 1980) ilustra que a extensão da cadeia de intermediários permitia uma espoliação hierarquizada, onde até “os

pobres exploravam os mais pobres”, consciente ou inconscientemente.

28

3) a dissipação dos rendimentos entre inúmeros intermediários; 4) a cobrança de preços

elevados que configurava um seguro contra o revés financeiro e um rendimento adicional; 5) a

expansão do crédito que dilatava-se à medida que a acumulação de débitos crescia; 6) a

especulativa instabilidade dos preços da borracha e suas severas contrações; 7) o caráter instável

dos hábitos migratórios decorrentes da extração ser de natureza esgotável; entre outros fatores

que laboravam contra a sustentabilidade da acumulação de capital de longo prazo (LIMA, 1943;

TUPIASSU, 1965; SANTOS, 1968, 1980; DEAN, 1989; WEINSTEIN, 1993).

Problemas que concorreram para infligir uma série de resultados restritivos ao

desempenho de longo prazo ao sistema econômico da Amazônia, tais como: 1) o imperativo

econômico da especialização e da dependência do latifúndio do seringal (concentração

econômica); 2) a hipertrofia do terciário com a ampliação dos lucros financeiros e dos ganhos

do comércio e dos transportes (concentração setorial); 3) a centralização da hierarquia urbana

com o inchaço das capitais e o cerceamento do desenvolvimento de pequenas cidades no interior

(concentração espacial); 4) e a elevada parcela dos rendimentos do negócio da borracha que

eram apropriadas pelas elites extrativistas e mercantis (concentração de renda).

Efeitos das interconexões entre os fundamentos do sistema econômica e seus aspectos

institucionais, os quais delinearam a ineficiência do sistema de produção e comercialização da

borracha e seu baixo dinamismo, este que tendia “a inconsistência e a desigualdade do processo

formador de renda e de emprego” (SANTOS, p. 173, 1980). Fatores que expõem as dificuldades

do sistema de alcançar altos níveis de acumulação de capital, de eficiência administrativa e

gerencial e de distribuição mais equânime dos benefícios do crescimento (SANTOS, p. 308 a

312, 1980; WEINSTEIN, p. 295 a 301, 1993).

E sem sofrer qualquer “transformação social ou econômica fundamental”

(WEINSTEIN, p. 288, 1993), o esplendor da era da borracha se mostrou “efêmero, transitório,

alucinante.” (LIMA, p. 83, 1943). E com o abrupto fim do ciclo após o advento da concorrência

dos seringais asiáticos, de produtividade mais elevada e de menor custos de produção,

cercearam-se as janelas de oportunidades da promoção de um desenvolvimento de longo prazo

tendo por base a borracha, condições as quais somente retornariam por volta anos 1940 com o

a eclosão da Batalha da Borracha e com o progressivo deslocamento dos centros consumidores

para o mercado interno (COSTA, 2004; VERGOLINO; GOMES, 2004).

E não obstante a literatura aludir excessivamente para os efeitos econômicos e

financeiros da crise do extrativismo e do sistema de aviamento estabelecido na borracha,

resultados de outra ordem se impuseram de maneira significativa, porquanto que “algumas

características dos empreendimentos gomíferos acabaram por projetar sobre a sociedade global

29

influências peculiares e duradouras.” (TUPIASSU, p. 4, 1965), mesmo após a debacle do ciclo

econômico da borracha, ainda que com alterações substantivas. Isto posto, é possível afirmar

que, o complexo econômico da Amazônia possuiu um significado muito mais amplo, sendo

menos econômico, stricto sensu, do que aparenta. Uma vez que o sistema transbordou os limites

da produção, distribuição e consumo e ancorou-se profundamente em mediações políticas e

sociais.

E em termos implicações políticas e sociais, o sistema funcionou de maneira

determinante como filtro da participação e mobilização política entre os elos do sistema, da

menor unidade, o seringueiro, até seus vértices principais, os seringalistas e aviadores

(TUPIASSU, 1965; BENCHIMOL, 1977). Assumiu uma forma de transmissão de valores,

normas sociais e códigos de conduta, estabelecendo vínculos de compadrio e instituindo o

regimento do barracão, com suas regras restritivas e punitivas, de favores e de ameaças, de uma

relação clientelista típica entre patrão e cliente (BASA, 1966; BENCHIMOL, 1977;

WEINSTEIN, 1993), o que lhe atribuiu uma “moralidade própria” que condicionou os “hábitos

e o modo social de pensar” do amazônida (SANTOS, p. 23, 1968).

Cerceou também o surgimento de unidades concorrentes de produção, principalmente

aquelas instaladas com base em contratos de trabalho distintos (LIMA, 1943; TUPIASSU,

1965; SANTOS, 1980; WEINSTEIN, 1993). E sustentou uma dependência social dos aviados

perante os aviadores, impondo um grau de integração social tutelado, controlado pelos elos

fortes e cuja função primordial era fidelizar e regular, através da articulação de interesses por

meio dos débitos e fluxos monetários, o acesso à bens e serviços essenciais, como bens de

consumo de primeira necessidade, utensílios domésticos, insumos de trabalho e demais viveres,

além de itens como saúde, educação e favores políticos de variadas ordens (LIMA, 1943;

TUPIASSU, 1965; BASA, 1966; SANTOS, 1968, 1980; BENCHIMOL, 1977; DEAN, 1989;

WEINSTEIN, 1993).

Logo, este sistema possuiu significado econômico-institucional complexo, o que lhe

garantiu extrema capacidade de resiliência frente mudanças estruturais e institucionais,

principalmente aquelas concernentes a alterar o status quo. Sua operação serviu para legitimar

e sustentar um sistema secularmente constituído e que tinha por fundamento a manutenção da

desigualdade e a permanência de níveis de quase subsistência a ampla parcela da população

amazônica. Seu objetivo, portanto, consistia em não se desenvolver, já que, no sentido mais

usual do termo, isto requer a expansão dos níveis de vida, o que era contraproducente à própria

existência do sistema. Sua busca foi, a seu modo, a expansão de sua produtividade, sem, no

entanto, proporcionar uma redistribuição mais equânime ou equitativa de seus rendimentos, os

30

quais circularam tão somente no topo da pirâmide de comando e controle do sistema, pelas

elites regionais, extrativistas e comerciais.

Em síntese, esta descrição sumária conduz a demonstração de que o sistema de

aviamento condicionou as regras do jogo econômico, político e social da região amazônica a

evoluir dentro de restritos parâmetros necessários a sua operação em níveis normais, tendo

acomodado diversas rupturas e choques aos desígnios de suas finalidades. Funcionou, portanto,

como um dos mais interessantes e poderosos instrumentos de formatação de uma trajetória path

dependence, haja vista que limitou de maneira significativa a evolução e o desempenho

econômico da região amazônica no longo prazo7.

E a permanência do sistema ao longo do tempo se deu através da alteração de seus

contornos gerais. Seus alicerces se deslocaram para outros produtos extrativos, como castanha,

balata, madeira, pau rosa, etc., reforçaram-se na produção agrícola de subsistência, como

mandioca, arroz, etc. e em agriculturas comerciais, como a juta. Instalara-se na pecuária, na

pesca artesanal e em alguns itens de extração mineral, sendo o ouro o exemplo mais ilustrativo.

Perdera a roupagem de excessiva compulsão física da força de trabalho, sem, no entanto,

interromper seu caráter de espoliação econômica, o que garantiria maiores graus de autonomia

aos seringais, ampliando assim o contingente de seringais caboclos.

E não obstante esta continuidade, a introdução de agências bancárias, com

financiamento direto aos produtores ou cooperativas, a construção de estradas e outros meios

infra estruturais, que ampliam a disponibilidade de meios de comunicação e alternativas de

fornecimento de produtos, a incisiva concorrência dos regatões aos aviadores e o

desenvolvimento de atividades mais dinâmicas na indústria e na agricultura são fatores

apontados como mecanismos desarticuladores das bases do sistema de aviamento (TUPIASSU,

1965; BASA, 1966; SANTOS, 1968; COSTA, 2012). Desarticulação que permitiu à economia

amazônica deslocar parcela de seu núcleo dinâmico do plano extrativo e mercantil para a

indústria e agricultura.

7 Talvez poucos sejam os complexos econômicos que fincaram raízes tão profundas com a operacionalidade de

seu sistema econômico, motivo pelo qual recebe destaque em diversas análises quanto sua capacidade de não

propagar ganhos de produtividade que possibilitassem diversificação econômica e proporcionassem efeitos

dinâmicos a economia da região (SANTOS, 1980; WEINSTEIN, 1993).

31

2.2 Condições institucionais e dinâmica da economia amazônica (1940 – 1966)

No contexto histórico da Amazônia, o perfil de uma série de mudanças institucionais

introduzidas na região no período de 1940 a 1966 reforça o argumento da continuidade do

processo path dependence estabelecido pela complexa interação entre os componentes

econômicos, políticos e sociais derivados do sistema de aviamento estabelecido no extrativismo

da borracha. Entretanto, a criação de uma outra gama de instituições que visaram alterar

substancialmente os fundamentos inerciais preestabelecidos e induzir novos núcleos dinâmicos

é um fato que demonstra a inclinação destas mudanças institucionais pela promoção da

diversificação econômica regional e a destituição desta trajetória path dependence.

Tais mudanças institucionais se inseriam em um período de ampliação da participação

do aparato estatal na condução do processo de desenvolvimento da região amazônica

(D’ARAÚJO, 1992; MARQUES, 2013; TRINDADE et al., 2014). Inovações que surgiriam a

partir da alteração do papel do Estado brasileiro na ordem econômica (FERNANDES, 2011;

PUGA; BASTOS, 2016). Mudanças que introduziram instituições atinentes ao fornecimento de

crédito, ao controle de preços, a regulação da produção, ao equacionamento tecnológico e a

formulação de prognósticos e de planos econômicos como meios para superação do

subdesenvolvimento da região amazônica8.

Disto posto, o presente tópico terá por objetivo avaliar os dados da performance

econômica da região amazônica neste período, evidenciando a magnitude dos impactos que a

atividade da borracha gerava na região. Informações que corroboram a literatura que afirma que

os resultados das inovações institucionais implementadas entre os anos 1940 e 1966 somente

tiveram impactos limitados na capacidade de alteração da trajetória de desenvolvimento da

região (BASA, 1966; VILLELA; ALMEIDA, 1966; D’ARAÚJO, 1992; MARQUES, 2013).

Assertiva que ilustra a permanência do subdesenvolvimento e de um alto grau de dependência

da economia amazônica ao extrativismo e ao sistema de aviamento.

De início, a avaliação das estatísticas compiladas por Santos (1980) demonstra as

tendências gerais da história econômica da Amazônia (Gráfico 1). Dados que evidenciam

diversos eventos históricos que construíram os alicerces fundadores da Formação Econômica

da Amazônia. Neste gráfico é notável a evolução da renda interna da região a partir da instalação

8 Instituições que serão apresentadas em maiores detalhes no capítulo 4, mas cujas as mais importantes criadas no

período são: Instituto Agronômico do Norte (IAN) em 1941, Banco de Crédito da Borracha (BCB) e outro rol de

instituições decorrentes da assinatura dos Acordos de Washington em 1942, Comissão Executiva de Defesa da

Borracha (CEDB) em 1947, a reformulação do BCB com a criação do Banco de Crédito da Amazônia (BCA) em

1950, o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) em 1952 e a Superintendência do Plano de

Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA) em 1953, entre outros.

32

dos pré-requisitos operacionais que permitiram o êxito da produção extrativa da borracha, bem

como os efeitos do declínio abrupto que este ciclo ocasionou.

Gráfico 1 – Amazônia: População e Renda interna (1800-1970).

Fonte: Reproduzido de Santos (1980). Linha pontilhada: dados ignorados.

O gráfico 1 também ilustra que foi somente entre os anos de 1940 e 1970 que a economia

amazônica retomou um elevado ritmo de crescimento similar ao do grande boom da borracha

de meados do século XIX e início do XX, o que ocorreu simultaneamente a montagem do

aparelho de estado, a introdução da nova engenharia político institucional, a evolução do

processo de PSI no Brasil e a emergência da ideologia desenvolvimentista como condutora de

políticas econômicas (TAVARES, 1972; DRAIBE, 1986; BIELSCHOWSKY, 1996; NUNES,

1997; FONSECA, 2003, 2014), questões que serão apresentadas nos próximos capítulos.

A tabela 2 apresenta uma descrição detalhada desta retomada do crescimento.

Tabela 2 – Amazônia: taxas de expansão econômica por setor de atividade econômica (%)

(1947-1963).

Períodos Produto Interno Primário Secundário Terciário

1947/50 2,2 0,8 3,8 2,3

1950/55 4,7 5,7 4,3 4,6

1955/60 11,3 4,3 17,0 11,6

1960/63 5,1 6,7 6,2 3,7

1947/63 6,4 4,5 8,4 6,1 Fonte: BASA (1966) e Villela e Almeida (1966).

Observa-se que a taxa de crescimento da região amazônica entre os anos de 1947 e 1963

foi de 6,4%, número próximo ao crescimento brasileiro da época, que alcançou 5,7%. Todavia,

0

400

800

1200

1600

2000

2400

2800

3200

3600

1800 1815 1830 1840 1855 1870 1885 1900 1915 1935 1950 1965Renda Interna População total

Cabanagem Navegação a vapor

Imigração nordestina

Indústria automobilística

"Boom do mercado"

Colpaso

Batalha da borracha

SPVEA

33

não é possível afirmar categoricamente que a Amazônia expandiu seus níveis de produção

acima do ritmo de crescimento brasileiro do período, haja vista que se excluirmos do computo

a parcela relativa a indústria de manganês do Amapá (ICOMI) e a refinaria de petróleo do

Amazonas, enclaves que tinham pouca interligação com o restante da região, este número reduz

para de 4,1% (BASA, 1966; VILLELA; ALMEIDA, 1966).

Desta forma, verifica-se que o crescimento de 4,1% foi insuficiente para reverter a

trajetória do desnível regional de renda, tendo aprofundado ainda mais esta desigualdade.

Indica-se, portanto, que mesmo com a instalação do aparato institucional de planejamento e

intervenção não foi possível diminuir o atraso da região perante as demais regiões brasileiras

mais dinâmicas. Outro dado que reitera esta assertiva é a evolução da renda per capita da

Amazônia, esta que correspondia a 52% da renda per capita do Brasil no ano de 1949 e que

teve somente ligeiro crescimento para o valor de 56% em 1959, ilustrando um avanço limitado

(BASA, 1966; VILLELA; ALMEIDA, 1966).

E os dados expressos pela tabela 3 indicam a magnitude dos impactos deste crescimento

na distribuição da participação relativa dos setores econômicos9 entre as unidades da federação

da Amazônia ao longo do tempo. E a leitura conjunta da tabela 2 e 3 nos permite afirmar que o

crescimento verificado no período não decorre da evolução do setor primário ou do setor

terciário, como ocorreu nos tempos áureos da borracha, mas sim resultante uma moderada

diversificação da economia amazônica.

Tabela 3 – Distribuição da Renda Interna (%) por Setor e por Unidade da Federação (1949 e

1959).

Anos 1949 1959

UFs Primário Secundário Terciário Primário Secundário Terciário

Acre 62 2 36 62 2 36

Amazonas 30 9 61 20 34 45

Pará 21 12 68 23 18 59

Amapá 23 2 76 13 56 31

Rondônia 58 4 38 55 9 35

Roraima 35 16 49 58 2 41

Amazônia 29 12 60 23 18 58 Fonte: BASA (1966) e Villela e Almeida (1966).

9 O setor primário abrange o extrativismo, a agricultura e a produção animal. O Setor secundário expressa a

indústria. O setor terciário incorpora o comércio, administração pública, transportes e comunicações,

intermediação financeira, alugueis e outros.

34

O setor primário inclusive apresentou um declínio de sua participação na renda da

região. No entanto, este declínio ocorreu em meio a uma diversificação interna deste setor, com

uma expansão da agricultura e da produção animal em detrimento do extrativismo, como pode

ser observado na tabela 4. Além disto, a tabela 4 também indica o declínio histórico da

importância da borracha na formação da renda do segmento extrativo do setor primário.

Tabela 4 – Distribuição do Setor Primário (%) (Agricultura, Produção Animal e Extrativismo)

e Borracha no Extrativismo (%) (1890 – 1960/62).

Ano / Subsetor 1890 1900 1910 1920 1950/52 1960/62

Setor primário / Renda Interna 50.8 48.8 44.9 35.8 29.0 26.0

Agricultura 15.1 11.5 4.4 25.3 28.4 33.3

Produção Animal 14.6 10.3 5.0 28.4 20.6 31.5

Extrativismo 70.3 78.2 90.6 46.3 51.0 35.2

Borracha 98.7 99.1 98.3 58.9 62.0* 49.0** Fonte: Com base em Santos (1890-1920) e BASA (1950/52-1960/62). Renda interna a custo de fatores.

* Referente a média do período 1947/1952. ** Referente a média do período 1957/1962.

Queda que não ocorreu de maneira uniforme no território amazônico, tendo o

extrativismo da borracha permanecido com importância significativa no Acre, em Rondônia e,

em menor grau, no Amazonas (tabela 5).

Tabela 5 – Distribuição do Setor Primário (%) (Agricultura, Produção Animal e Extrativismo)

por Unidade da Federação e Borracha no Extrativismo (%) (1959).

UFs Agricultura Produção

Animal Extrativismo

Participação da

Borracha

Acre 18.7 13.5 67.8 59.9

Amazonas 36.3 26.9 36.8 23.5

Pará 32.0 51.3 16.7 7.1

Amapá 25.0 61.2 13.8 3.0

Rondônia 4.10 6.90 89.0 77.5

Roraima 45.2 42.5 12.3 7.1 Fonte: BASA (1966).

E o gráfico 2 indica que esta diminuição da participação da borracha na formação da

renda regional se deu em maior medida devido à queda do valor de produção, tendo a

quantidade produzida transitado entre 20 e 30 mil toneladas entre da década de 40 e 60, com

um volume médio, entre os anos de 1940 e 1963, de 27 mil toneladas.

35

Gráfico 2 – Produção de borracha natural no Brasil (Toneladas) (1880-1963).

Fonte: Elaboração do autor a partir de BCA (1964).

Uma produção que não cresceu de maneira expressiva mesmo com a escalada dos preços

garantidos pela política de subsídios introduzidas pelo BCB, BCA e CEDB, preços que

obtiveram aumentos acima da inflação ao longo do período (PINTO, 1984), como pode ser

observado no recorte dos anos 1953 à 1970 no Gráfico 3.

Gráfico 3 – Quociente do Índice de preços de venda da borracha vegetal x Índice geral de preços

(1953-1970).

Fonte: PINTO (1984). Linha de tendência em pontilhado.

Uma dinâmica mais sutil do que a do boom da borracha anterior à 1912, mas

significativa acerca da retomada da importância desta matéria prima ao longo destas décadas.

Dados que indicam a manutenção da importância do extrativismo da borracha para o

funcionamento da economia regional e do sistema de aviamento.

E no que diz respeito ao setor secundário, destaca-se a expansão de sua participação

relativa no Pará, Amazonas e Amapá, estados que apresentaram um maior grau de

0

10,000,000

20,000,000

30,000,000

40,000,000

50,000,000

1880 1890 1900 1910 1920 1930 1940 1950 1960

0.00

0.50

1.00

1.50

2.00

2.50

1953 1954 1955 1956 1957 1958 1959 1960 1961 1962 1963 1964 1965 1966 1967 1968 1969 1970

36

diversificação de suas atividades, enquanto estados e territórios como Acre, Rondônia e

Roraima prosseguiram com maior participação do setor primário. No Pará esta expansão se deu

sobretudo com a diversificação de sua indústria, com destaque para a participação da indústria

(no ano de 1959) de produtos alimentares (27%), de bebidas (10%), química (9%), da borracha

(8%) e da madeira (8%), que em conjunto perfazem 62% de seu produto industrial. No

Amazonas (no ano de 1959) 3 segmentos industriais perfaziam 60% de seu produto, a indústria

química e farmacêutica (25%), organizada principalmente em torno da refinaria de petróleo, a

têxtil (24%) e de produtos alimentares (11%). No Amapá sua participação industrial é resultado

direto da instalação da mineração do manganês (BASA, p. 125, 1966).

E pelas indicações da tabela 2 apresentada anteriormente destaca-se o ligeiro declínio

da participação do setor terciário na formação da renda da Amazônia. Contudo, no geral ainda

evidencia-se a prevalência do elevado peso do setor terciário na formação da renda da

Amazônia, quadro derivado do papel estruturante do comércio, dada a extrema dependência

comercial da região perante produtos produzidos por outras regiões e a importância do sistema

de aviamento na viabilidade da economia amazônica.

A tabela 6 ilustra esta assertiva e confirma as elevadas cifras derivadas da proeminência

do sistema de aviamento, que inflam a categoria comércio de mercadorias.

Tabela 6 – Distribuição do Setor Terciário na Renda Interna (%) (1949-1959).

Setor / Ano 1949 1959

Terciário 60 58

Comércio 24 25

Administração Pública 12 11

Outros 8 10

Transportes e comunicações 10 7

Intermediação financeira 4 4

Alugueis 1 1 Fonte: IPEADATA, 2016.

E a tabela 7 ilustra que o crescimento econômico do período demonstrou uma tendência

progressiva de concentração da renda na Amazônia Oriental (Pará e Amapá) em detrimento da

Amazônia Ocidental (Amazonas, Acre, Rondônia e Roraima). O que ilustra a perdas dos “laços

de solidariedade” (VERGOLINO; GOMES, 2004) entre as subunidades amazônicas, devido a

contínua diversificação econômica.

37

Tabela 7 – Amazônia: Distribuição de Renda Interna (%) entre Amazônia Ocidental e Oriental

(1947-1966).

Ano Ocidental Oriental

1947 43 57

1950 41 59

1955 38 62

1966 33 67 Fonte: PUGA e BASTOS (2016).

No agregado, este conjunto de dados indicam que a dinâmica econômica da região

amazônica no período em questão não tivera êxito em romper com o subdesenvolvimento.

Destaca-se ainda que, mesmo com a introdução de profundas mudanças institucionais, a região

amazônica não apresentou uma expressiva diversificação de sua estrutura produtiva, não

conseguindo instalar a indústria ou a agricultura na centralidade da determinação dos níveis de

acumulação de capital. Todavia, apesar desta limitação, nota-se uma moderada alteração nesta

direção, o que demonstra que as mudanças institucionais instaladas tiveram algum impacto na

destituição da trajetória path dependence em parcela do território amazônico.

No que diz respeito ao efeito da atividade gomífera sobre este resultado, a literatura é

taxativa. Villela e Almeida (p. 193, 1966) afirmam que “o erro mais grave na política de

valorização econômica da Amazônia tem sido o de vincular o desenvolvimento dessa região às

atividades extrativas, sobretudo à produção silvestre de borracha.”. Assertiva que também é

salientada por Côrrea (p. 566, 2004) quando este autor afirma que “o imobilismo social e

tecnológico continuaria sendo a tônica nas décadas de 1950 e 1960, graças à sobrevivência das

mesmas instituições que regulavam a atividade extrativista do século XIX.”.

Assim, de um modo geral, é lícito afirmar que permanecera, em termos mais modestos,

a inércia das estruturas do aviamento, uma vez que o sistema demonstra sua força por meio da

alta participação do comércio e dos níveis moderados do extrativismo, sobretudo da borracha,

com destaque para sua importância no território amazônico, principalmente nos estados do

Acre, Rondônia e Amazonas, e sua inserção em outros ramos do setor primário. Indicações que

corroboram a literatura que sustenta a permanência da importância do sistema de aviamento na

conformação da trajetória de desenvolvimento da região (TUPIASSU, 1965; BASA, 1966;

VILLELA; ALMEIDA, 1966; SANTOS, 1968), mesmo com seu expressivo declínio a partir

da expansão de outras atividades econômicas mais dinâmicas.

38

3 AS ORIGENS DO PENSAMENTO DESENVOLVIMENTISTA-REGIONALISTA

AMAZÔNICO

As transformações que a economia e a sociedade brasileira experimentaram entre os

anos de 1930 e 1964 impactaram de maneira decisiva a trajetória de desenvolvimento do país.

A crise de 1929, por exemplo, marca a ruptura do modelo agrário exportador que o Brasil

estivera ancorado por séculos. E assim, de uma economia primária exportadora baseada

sobretudo na economia do café, o país se tornaria uma economia industrial com expressivos

índices de integração vertical (TAVARES, 1972; FURTADO, 2000).

A velocidade desta transformação e sua amplitude denunciam dispositivos catalisadores

destas mudanças. Lista-se no rol de fatores que permitiram o avanço do processo de substituição

de importações (PSI) as alterações nos parâmetros chave da determinação da acumulação de

capital (FURTADO, 2000), nas instituições estatais atinentes a coordenação das variáveis

centrais da acumulação (DRAIBE, 1986) e nas relações estado e sociedade (NUNES, 1997),

elementos que transformaram as condições estruturais e institucionais do país.

Em conjunto com estes elementos, surge neste período uma maior inclinação por

mudanças nos paradigmas e estilos de política econômica, com a instituição da ideologia e

política desenvolvimentista como atributo central das discussões políticas e econômicas do

Brasil (BIELSCHOWSKY, 1996; FONSECA, 2014). Um projeto resultante de um processo

histórico de convergência de correntes de ideias que legitimavam a atuação estatal no domínio

econômico (FONSECA, 2004), possibilitando, desta forma, a implementação do PSI.

Industrialização que aprofundou as desigualdades regionais de renda (TAVARES,

1972). Situação que incitaria a retomada da controvérsia acerca da questão regional amazônica

(FERNANDES, 2011; MARQUES, 2013; TRINDADE et al, 2014). Um contexto que

fomentou estudos e reflexões sobre a formação, a estrutura e a evolução desta região.

Discussões que influenciaram a construção dos projetos de desenvolvimento que foram

implementados na Amazônia ao longo dos ciclos ideológicos do desenvolvimentismo.

Dentro deste contexto, o presente capítulo executará uma reconstituição das conexões

entre o desenvolvimentismo brasileiro e a questão regional amazônica, tal como este parece se

consolidar a partir dos anos 1950 e 1960. Identificando nesta interação as especificidades da

ideologia e política desenvolvimentista que surgiu na Amazônia entre os anos de 1940 e 1966,

revelando suas principais influências e temáticas, além de discutir sua importância na

controvérsia sobre o desenvolvimento da borracha na Amazônia.

39

3.1 O desenvolvimentismo e a questão regional amazônica

Com raízes históricas profundas, o desenvolvimentismo é um dos marcos da

transformação da economia e sociedade brasileira, tendo substanciado parcela significativa das

decisões do estado nacional de 1930 até 1980 (BIELSCHOWSKY; MUSSI, 2005). E após um

interregno neoliberal nos anos 1990, têm-se uma retomada das discussões acerca do papel do

estado na condução de um projeto de desenvolvimento nacional (FONSECA, 2014), o que

conduziu a agenda de pesquisa da HPEB a investigar o debate desenvolvimentista instalado no

país durante boa parte do século XX.

Uma das fontes de inspiração desta agenda de pesquisa vem de interpretações pioneiras,

com destaque para o trabalho de Bielschowsky (1996), uma obra que ficaria conhecida por se

debruçar sobre a investigação da construção teórica, analítica e ideológica do projeto de

desenvolvimento nacional elaborado entre os anos de 1930 e 1964, período que o autor definiria

como o ciclo ideológico do desenvolvimentismo, com sua origem (1930-1945),

amadurecimento (1945-1955), auge (1956-1960) e crise (1961-1964). Investigação que utilizou

como conceito norteador a compreensão de que desenvolvimentismo consistiu em:

“[Uma] ideologia de transformação da sociedade brasileira definida pelo projeto

econômico que se compõe dos seguintes pontos fundamentais:

a) a industrialização integral é a via de superação da pobreza e do subdesenvolvimento

brasileiro;

b) não há meios de alcançar uma industrialização eficiente e racional no Brasil através

das forças espontâneas do mercado; e por isso, é necessário que o Estado a planeje;

c) o planejamento deve definir a expansão desejada dos setores econômicos e os

instrumentos de promoção dessa expansão; e

d) o Estado deve ordenar também a execução da expansão, captando e orientando

recursos financeiros, e promovendo investimentos diretos naqueles setores em que a

iniciativa privada seja insuficiente.” (BIELSCHOWSKY, p. 7, 1996).

Uma concepção que, em geral, vincula o desenvolvimentismo à problemática do

planejamento estatal e da industrialização, relacionando estes elementos a episódios históricos

como o período de Vargas, JK e dos governos militares, assim como a fenômenos associados à

políticas econômicas tratadas como intervencionistas, tais como políticas pró-crescimento

econômico, de criação de empresas ou controles estatais, nacionalistas e etc. (FONSECA,

2014).

No entanto, posteriormente identificou-se na abordagem de Bielschowsky (1996) uma

série de restrições para a compreensão da amplitude e complexidade das experiências históricas

consideradas desenvolvimentistas. Portanto, a partir da ciência destes limites, revisões críticas

mais recentes (FONSECA, 2004, 2014; BIELSCHOWSKY; MUSSI, 2005) questionaram dois

40

pontos: 1) o conceito de desenvolvimentismo, discutindo seus critérios definidores e suas

influencias originárias; e 2) a delimitação temporal do desenvolvimentismo, revisitando os

períodos históricos que permitiram a emergência desta experiência.

Fonseca (2014), por exemplo, seria uma das principais referências nesta investigação

dos atributos formadores do desenvolvimentismo, investigando a forma como a ideologia

desenvolvimentista havia se expressado historicamente em vários contextos históricos.

Utilizando um teste de variáveis-perguntas as experiências históricas desenvolvimentistas

expressas na literatura acadêmica, Fonseca (2014) identificou quatro elementos como parte

constituinte do que ele passaria a chamar de “núcleo comum” entre as diferentes experiências

desenvolvimentistas, quais sejam: 1) um projeto nacional deliberado ou estratégia para a nação;

2) intervenção estatal consciente para viabilizar o projeto de desenvolvimento; 3)

industrialização; e 4) capitalismo como sistema econômico.

Elementos que levaram Fonseca (2014) a definir o conceito de desenvolvimentismo

como:

“a política econômica formulada e/ou executada, de forma deliberada, por governos

(nacionais ou subnacionais) para, através do crescimento da produção e da

produtividade, sob a liderança do setor industrial, transformar a sociedade com vistas

a alcançar fins desejáveis, destacadamente a superação de seus problemas econômicos

e sociais, dentro dos marcos institucionais do sistema capitalista.” (FONSECA, p. 28,

2014).

O resultado desta pesquisa produziu uma interpretação distinta das impressões expostas

por Bielschowsky (1996), ampliando as possibilidades de investigação para outras direções e

frentes de pesquisa. Em primeiro lugar, destaca-se desta conceituação que o

desenvolvimentismo deve ser compreendido enquanto um projeto nacional deliberado, o qual

se traduz em políticas econômicas que são formuladas e/ou executadas pelo Estado, seja ele em

nível nacional ou subnacional.

Nesta concepção, revela-se o atributo de intencionalidade da implementação do projeto

como atributo definidor das experiências desenvolvimentistas, o que estende a interpretação

para projetos que nem sempre tiveram êxito em sua implementação, podendo se ver restritos

tão somente a condição de planos e programações. Além disso, se reconhece a amplitude que

este projeto teve, tendo, inclusive, feito parte de experiências de âmbito estaduais ou regionais,

e não só nacionais.

Em segundo lugar, nota-se a centralidade da indústria para o desenvolvimentismo. No

entanto, Fonseca (2014) afirma que a proeminência deste atributo que historicamente estivera

na liderança do projeto e do conceito não significa a ausência de propostas para os demais

41

setores, como agricultura, comércio e etc., salientando que a industrialização deve ser

compreendida como uma das expressões da incorporação do progresso técnico e da repercussão

de seus efeitos nos demais setores da economia.

Portanto, inclui-se na definição de desenvolvimentismo as métricas de expansão da

produção e da produtividade da economia, medidas que, em geral, são acompanhadas de

progresso tecnológico. Abordagem que amplia o escopo de análise tanto por incluir políticas

não exclusivamente ligadas à indústria quanto também elencar um outro rol de políticas

institucionais, tais como a criação de leis, códigos, empresas estatais, órgãos, conselhos,

tratados internacionais e etc.

Em terceiro lugar, destaca-se os objetivos da ideologia e política desenvolvimentista,

haja vista que “transformar a sociedade com vistas a alcançar fins desejáveis, destacadamente

a superação de seus problemas econômicos e sociais”, revela o imperativo de alteração do status

quo, finalidade que requer de medidas de superação dos gargalos e restrições que se

antepunham a implementação de uma moderna economia, respeitando os “marcos institucionais

do sistema capitalista.”.

Objetivo que seria perseguido através de políticas de enfrentamento de um leque variado

de áreas, como por exemplo a baixa produtividade, a concentração de renda, as desigualdades

regionais, os baixos indicadores de saúde, da educação e da poluição ambiental, dentre outros

(FONSECA, 2014). O que demonstra que o desenvolvimentismo não se restringia somente a

industrialização como via única de superação do subdesenvolvimento, ultrapassando a restrita

visão de dominância de aspectos econômicos observada em Bielschowsky (1996).

Em relação a delimitação do temporal, Bielschowsky e Mussi (2005) redimensionaram

os limites temporais do desenvolvimentismo e argumentaram que existiram mais de um ciclo,

sendo o primeiro, o original, iniciado em 1930 e findo em 1964 com o golpe militar, e o

segundo, a modernização conservadora, abrangendo os anos de 1964 e 198010. Elencando ainda

que após estes ciclos se iniciaria uma era da instabilidade macroeconômica inibidora das

discussões sobre desenvolvimento (1980-2005). E a atualidade, segundo Fonseca (2014), seria

marcada por uma disputa entre velhos, novos, social-desenvolvimentistas e neoliberais.

E neste esforço de revisão da delimitação temporal, Fonseca (2004) seria o autor que se

debruçou de maneira mais aprofundada sobre a historicidade do desenvolvimentismo. Seus

achados ilustraram que o desenvolvimentismo seria tributário de um longo processo histórico

de amplitude e complexidade considerável, anterior mesmo a década de 1930. Fonseca (2004)

10 Período subdivido por tempos de amadurecimento (1964-1968), de auge (1968-1974) e auge e fragilização

(1974-1980).

42

argumentou que o desenvolvimentismo teria se originado na convergência de quatro correntes

de ideias que legitimavam a atuação estatal no domínio econômico e na promoção da

industrialização do país, os quais são: 1) o nacionalismo; 2) intervencionismo pró-crescimento;

3) a defesa da indústria; e 4) o positivismo11.

Elementos que emergiriam, em um corpo comum de ideias, para a formação da

ideologia e política desenvolvimentista. União que se tornaria “um guia de ação voltado a

sugerir ou justificar ações governamentais conscientes”, transformando-se no “elo que unifica

e dá sentido a toda a ação do governo” e em “um fim em si mesmo, porquanto advoga para si a

prerrogativa de ser condição para desideratos maiores, como bem-estar social, ou valores

simbólicos de vulto, como soberania nacional.” (FONSECA, p. 2 e 3, 2004).

Além disso, Fonseca (2004) também destaca que o embrião desta ideologia e política

remonta a tempos anteriores a década de 30, no Brasil e na América Latina. Mas assevera que

sua origem apareceria pela primeira vez nas medidas de Getúlio Vargas no governo do Rio

Grande do Sul em 1928, como ilustra a passagem:

“Nele as quatro vertentes formadoras do desenvolvimentismo aparecem associadas

não só como propostas, mas como medidas que o governo começa a implementar,

configurando o embrião de nova relação entre Estado, economia e sociedade, ao

sugerir que o primeiro deveria estar à frente das duas últimas, como forma de

estimular seu desenvolvimento. Esta palavra gradualmente substitui o progresso, de

matriz positivista, mas desta herda a noção de marcha progressiva, de evolução, de

um destino da história; o governo deveria estar à frente de uma construção.”

(FONSECA, p. 17, 2004).

Por fim, cabe notar que as obras de Bielschowsky e Mussi (2005) e Fonseca (2004;

2014) ilustraram a abrangência de conteúdo da ideologia e política desenvolvimentista, bem

como a historicidade de seus atributos formadores. Além disso, também evidenciaram que a

discussão sobre o desenvolvimento do país não estava restrita aos limites definidos no conceito

de desenvolvimentismo de Bielschowsky (1996), o que estende o campo de atuação e de

controvérsias desta a um amplo espectro de temáticas, ampliando seu raio de influência no

tempo e no espaço.

E estas impressões extraídas da literatura nos permitem ampliar nossos esforços para a

compreensão da complexidade das experiências históricas relacionadas ao

desenvolvimentismo. Perspectiva que nos incita a pesquisar com novos olhares a questão

regional amazônica dos anos 1940 à 1966, com maiores graus de liberdade para elaborar

11 Em trabalho posterior, Fonseca (2014) salientou que a contribuição do positivismo à gênese do

desenvolvimentismo deve-se ao fato deste corresponder a uma “consciência da necessidade da mudança para um

estágio superior ou desejável, a qual exigiria e justificaria ações e medidas voltadas para alcançar determinado

fim” (FONSECA, p. 14, 2014).

43

hipóteses sobre a incorporação da variável regional dentro do rol de possibilidade do projeto

desenvolvimentista brasileiro.

Duas razões nos indicam nesta direção. A primeira reside no fato de que “para o

economista e demais cientistas sociais, os conceitos são também instrumentos, ou seja,

ferramentas necessárias e úteis para formular e testar hipóteses.” (FONSECA p. 26, 2014) e,

portanto, se constituem em “instrumento válido e útil para respaldar a decisão do cientista social

para nele enquadrar ou não determinado fato ou objeto de investigação.” (FONSECA, p. 30,

2014). O segundo motivo é que, ainda segundo Fonseca (p. 37, 2014), enquanto persistirem as

condições históricas que deram ensejo ao surgimento do desenvolvimentismo, como a

consciência do atraso, o subdesenvolvimento e etc., permanecerá latente a importância e a

influência deste ideal enquanto estratégia de superação desta condição, ainda que seu projeto

exija permanente atualizações. O que revela a importância de se levar em conta a historicidade

dos projetos de desenvolvimento.

E será este conceito e esta delimitação temporal que norteará nossa investigação, uma

vez que toda a discussão envolvida em torno da controvérsia sobre a borracha e sobre a

problemática regional amazônica se deu em torno do problema da superação do

subdesenvolvimento, objetivo central da ideologia e política desenvolvimentista. Perspectiva

que nos incita a enveredar por análises que desvendem a complexidade dos fatores históricos

envoltos na construção das políticas de desenvolvimento regional amazônico.

Políticas que seriam formuladas a partir de uma série de interpretações acerca do

desempenho econômico, da especificidade e da complexidade do território amazônico, a partir

de obras que compõem uma ampla coletânea de estudos que abrangem áreas diversas do

conhecimento humano. Achados derivados de expedições científicas e oficiais formadas por

filósofos, naturalistas, botânicos, militares, agentes da coroa, visitantes corriqueiros, entre

outros estudiosos, que expuseram relatos sobre a região que inscreveram no imaginário certa

“fascinação e pavor a um só tempo” (WEINSTEIN, p. 21, 1993).

Alcunhas como “Paraíso Tropical”, “Inferno Verde”, “Celeiro do Mundo”, entre outros,

são exemplos destas impressões que oscilaram entre a exuberância e o infortúnio dos trópicos.

Expressões que evidenciam a controvérsia quanto a adequabilidade da Amazônia a exploração

econômica e a vida humana. Visões controversas que iriam expor um debate acerca dos

fundamentos e caminhos ideais que poderiam possibilitar ou restringir uma trajetória de

desenvolvimento virtuosa na região amazônica.

E um dos principais efeitos produzidos por esta vasta coletânea seria a exposição de

variadas formas de pensar o problema amazônico. Visões que convergiriam para a formação de

44

uma tradição de pensamento que iria orientar as discussões acerca da superação dos dilemas da

questão regional amazônica ao longo do século XX. Tradição cujos atributos se enraizariam na

história do pensamento sobre o desenvolvimento da região amazônica, vindo a fazer parte da

formação de toda uma geração de políticos, empresários, técnicos de órgãos governamentais e

intelectuais, atores que seriam protagonistas dos acalorados debates durante a construção dos

projetos de desenvolvimento para a região. Projetos cujo principal resultado seria a cristalização

de uma profunda desigualdade no acesso a bens, serviços e cidadania a ampla parcela da

população amazônica (LOUREIRO, 2004).

Desta coletânea de trabalhos destaca-se a hipótese divulgada por Loureiro (2004) e

desenvolvida por Fernandes (2011). Hipótese que sustenta que existiria uma tradição de

pensamento e um projeto de desenvolvimento regional na Amazônia, forjado durante os anos

1940, 1950 e 1960, o qual seria influenciado por uma gama de vertentes teóricas e referências

intelectuais e que substanciariam a implementação dos alicerces do que a literatura interpretou,

pouco tempo depois, como um tipo de “modernização seletiva” ou “modernização de

superfície”. Uma base de reflexão que seria designada por Fernandes (2011) de

“desenvolvimentismo-regionalista amazônico”, com a definição que segue:

“(...) um conjunto de idéias e iniciativas – de cunho político, econômico e cultural –,

que tinham em comum um conjunto de diretrizes voltadas para a formação de um

projeto de desenvolvimento regional em um caráter, ao mesmo tempo, independente

e complementar em relação ao projeto desenvolvimentista brasileiro (...)”

(FERNANDES, p. 251, 2011).

Ideário que tem sua gênese e consolidação garantida pela convergência de correntes de

ideias que acompanharam, de modo mais ou menos intenso, o decurso histórico do

desenvolvimento da região, os quais são: 1) o desenvolvimentismo; e 2) o regionalismo.

Corrente de ideias que, entre a conciliação e o conflito, dialogariam para a formação de uma

tradição de pensamento que exerceria papel ativo na conformação das características

institucionais e do conteúdo das políticas de desenvolvimento regional que condicionaram a

formação histórica e a performance econômica da Amazônia ao longo de seu processo de

desenvolvimento no século XX.

Um modelo explicativo que tivera papel ativo na conformação da realidade amazônica.

E cuja ciência de sua importância nos ajudam a reconstituir do ponto de vista histórico:

“o mosaico de conflitos, interesses e características que alimentaram (...) as regras de

funcionamento do ambiente institucional amazônico durante o chamado período do

nacional-desenvolvimentismo no Brasil. Características que passaram a se constituir

enquanto moldura de um campo institucional mais complexo que ao mesmo tempo se

conserva e se modifica ao longo do tempo, à medida que seus fatores de estabilidade

são pressionados e constrangidos por elementos externos. Conformando, ao longo da

45

história, uma determinada trajetória de evolução institucional de característica muito

específica e de dimensões e formato de natureza tipicamente “amazônica”.

(FERNANDES, p. 21, 2011).

Uma trajetória histórica que é produto deste padrão de interpretação e de ação, esta que

incorporou “biologismos, geografismos e dualismos” (ALMEIDA, p. 63, 2008) em formas de

pensar o problema amazônico que, mais tarde, se revelariam como “limites institucionais e

empecilhos para o desenvolvimento de políticas mais adequadas de desenvolvimento regional.”

(FERNANDES, p. 25, 2011). Pois, como salienta Alfredo Wagner de Almeida (2008):

“Os fundamentos do “modelo” explicativo produzem obstáculos epistemológicos a

serem removidos por esta leitura crítica. Considero, além disto, que eles devem ser

submetidos à crítica porque eles se encontram hoje derramados disciplinadamente nas

explicações eruditas, foram transmitidos por um inconsciente coletivo, característico

do mundo savant, e teceram uma camisa de força para se pensar a Amazônia, que vige

notadamente nos meandros das políticas governamentais. Este senso-comum erudito

sobre o que se denomina de “Amazônia” ergue, assim, obstáculos ao conhecimento

específico de processos reais e de realidades localizadas.” (ALMEIDA, p. 63 e 64,

2008).

Crítica que se constitui em uma etapa de fundamental importância para a compreensão

da complexidade das restrições impostas ao processo de desenvolvimento da região amazônica.

Crítica de um padrão de pensamento e de um projeto de desenvolvimento que se estabeleceu

nos seguintes pontos:

“1) Primeiro, era um projeto que buscava superar de modo definitivo, e por meio do

planejamento, o longo período considerado de letargia e estagnação que se sucederia

imediatamente à crise da economia da borracha no início do século XX.

2) Para isso, e como seu corolário principal, o novo discurso em formação pregava

também a necessidade, entre outras coisas, de diversificação da base econômica

regional rumo a uma ampliação de seus fundamentos produtivos agrícolas e

industriais;

3) Em terceiro lugar, tinha-se que entre os instrumentos propostos para superação dos

entraves e das limitações do ambiente institucional amazônico, uma atenção especial

deveria ser dada para a melhoria das condições básicas de educação, saúde e

infraestrutura (considerados como gargalos intransponíveis para um processo de

desenvolvimento regional na Amazônia);

4) Em quarto lugar teríamos uma diretriz mais de cunho científico e geopolítico

voltados para a formação de instituições de pesquisa de grande envergadura; com o

sentido, muito preciso, de desvendar as potencialidades (naturais) regionais e o

domínio (nacional) sobre a produção de conhecimento sobre a Amazônia. O que, no

contexto da década de 50, irá representar uma estratégia com o objetivo de garantir a

soberania nacional sobre a região;

5) Por fim, um certo consenso se constrói também, neste período, em relação à

necessidade de se integrar a Amazônia à economia brasileira. A novidade, no entanto,

está relacionada a uma compreensão do processo de integração que leva em conta a

preservação da identidade cultural e política da região amazônica enquanto estratégia

suplementar ao projeto desenvolvimentista de matriz nacionalista.” (FERNANDES,

p. 251 e 252, 2011).

Destaca-se desta tradição de pensamento a integração de elementos centrais do

desenvolvimentismo brasileiro (como a consciência do atraso e uma noção geral de progresso),

46

e do regionalismo (enquanto alternativa ao nacionalismo e de defesa dos interesses regionais)

como abordagem que valoriza as especificidade dos diferentes processos históricos e modelos

de colonização que permitiram a adaptação do homem aos trópicos (FREYRE, 1964; BASTOS,

2006; FERNANDES, 2011). Uma abordagem que levava em conta tanto o contexto nacional

quanto as especificidades e a complexidade históricas inerente ao estágio de evolução da

economia e sociedade amazônica, a qual deveria levar em consideração a sua diversidade

ecossistêmica, política, social e cultural, assim como a peculiaridade do extrativismo e do

sistema de aviamento.

Um projeto que imputava ao Estado a responsabilidade pela integração da região ao

restante da nação, pela manutenção da soberania nacional frente a cobiça internacional e pela

superação do atraso e da estagnação da região amazônica. Objetivos que deveriam ser

alcançados através da ocupação da “fronteira”, da ampliação dos investimentos públicos em

áreas como infraestrutura produtiva, urbana, demográfica, científica e tecnológica, creditícia e

etc., além da implementação do planejamento e de institucionalidades reguladoras, ideias caras

ao projeto desenvolvimentista. Meios que deveriam ser perseguidos para alcançar o progresso

da região.

Um projeto que se utilizaria do regionalismo como estratégia em favor de uma defesa

conciliatória dos interesses de preservação da autonomia das elites regionais em um projeto de

modernização e integração da região ao restante do país. Uma abordagem que incorporou as

discussões acerca da adaptação do homem ao meio e que exaltava a colonização realizada pelos

portugueses no Brasil, ideias que ancoravam-se, do ponto de vista intelectual, na chamada

ciência da Lusotropicologia de Gilberto Freyre (BASTOS, 2006; FERNANDES, 2011). Uma

leitura que buscaria a construção de uma certa identidade do “homem amazônida”, uma

estratégia de invisibilização dos conflitos e de preservação dos interesses e da autonomia das

elites regionais, demostrando, assim, um forte componente de manutenção do status quo.

Um modelo de interpretação que defendia uma política de diversificação da base

produtiva em direção a maior participação da indústria e da agricultura enquanto caminho para

expansão dos níveis de produtividade e das métricas de bem estar, sem, no entanto, negar a

importância da manutenção dos controles e incentivos ao extrativismo e ao sistema de

aviamento, como condição de equilíbrio da transição da modernização da economia e sociedade

amazônica. Conciliação que não excluía as acusações sobre a irracionalidade e a baixa

produtividade do extrativismo, incorporando a semântica da racionalização, do aproveitamento

das matérias primas regionais, do ideal agrícola e etc., atributos de negação do extrativismo que

47

viriam compor o núcleo do pensamento sobre o desenvolvimento da região amazônica de

maneira mais consistente a partir de então.

E no que diz respeito a consolidação deste ideal ao fim do período em destaque, destaca-

se que isto somente foi possível após intensas controvérsias durantes as discussões acerca dos

rumos da política de desenvolvimento regional na região. Discordâncias que gravitariam,

segundo nossa concepção, entre três modelos de desenvolvimento: 1) um, baseado em uma

concepção agrícola e industrial (fortemente lastreado no nacional desenvolvimentismo); 2)

outro, alicerçado na sustentação das bases mercantis e extrativistas (proposto pelos regionalistas

apoiados no sistema de aviamento); 3) e o último, ancorado na conciliação entre os outros dois

modelos, exposto no desenvolvimentismo-regionalista amazônico (FERNANDES, 2011).

Assim, de um lado, posicionaram-se aqueles pensadores que circulavam mais próximo

ao nacional desenvolvimentismo. Autores que promoviam uma ideologia fundada em bases

agrícolas e industriais como alternativa ao sistema de aviamento e ao extrativismo, o qual

acusavam o sistema tradicional de se constituir em uma barreira ao despertar de uma moderna economia

na região. Salientado a irracionalidade e a disfuncionalidade do extrativismo e do comércio enquanto suporte para

o processo de desenvolvimento que haveria de vir.

De outro lado, destacavam-se aqueles pensadores que vinculavam-se as seculares bases do

sistema de aviamento e do extrativismo da borracha. Autores que divulgavam a potencialidade

e a capacidade do extrativismo e dos recursos naturais da região em restaurar a dinâmica

previamente alcançada nos idos do grande boom da borracha, potencial que seria reforçado

pelos impositivos dos Acordos de Washington e das necessidades de fornecimento da borracha

pela indústria do Centro-Sul. Autores que acreditavam não haver contradição radical entre o

extrativismo e o desenvolvimento almejado.

E entre estes dois polos, encontravam-se aqueles novos atores e intelectuais que visavam

conciliar estas posições dispares, os chamados desenvolvimentistas-regionalistas. Autores que

discorriam sobre o imperativo de modernização da economia amazônica, sem, no entanto, negar

a imprescindibilidade de um controle sob a transição do modelo de economia extrativista

mercantil rumo à diversificação produtiva da economia amazônica, haja vista a importância

deste segmento na estruturação do produto da região e na manutenção do status quo.

Correntes de pensamento que, entre a conciliação e o conflito, dialogariam no decorrer

dos movimentos da história e das discussões acerca da superação do subdesenvolvimento da

região, em reuniões, livros, artigos, discursos e relatórios técnicos entre os anos de 1940 e 1966.

Discussões que ao fim do período alçaria o desenvolvimentismo-regionalista amazônico à

hegemonia do padrão interpretativo dos problemas da Amazônia. Uma tradição intelectual que

48

teria sua influência originária no primeiro esforço de Euclides da Cunha em tentar conciliar um

projeto de desenvolvimento que fosse ao mesmo tempo nacional, mas lastreado em reflexões

sobre a especificidade do homem amazônico (MORAES, 2001; PINTO; BASTOS, 2007;

FERNANDES, 2011, 2013).

Neste sentido, é consenso na literatura que seria Euclides da Cunha o grande responsável

pela renovação da interpretação acerca do problema amazônico em meios intelectuais no Brasil.

Fato não só reconhecido pela literatura como também explicitamente apontado pelos escritos

da época, o que ratifica o papel que Euclides da Cunha teria na construção do pensamento

desenvolvimentista na região amazônica (MORAES, 2001; PINTO; BASTOS, 2007;

FERNANDES, 2011, 2013).

E em seu ensaio Um Paraíso Perdido (primeira publicação datada de 1908) Euclides da

Cunha (2000) descreveria as vicissitudes e debilidades que infringiam a população da região à

época do auge do boom da borracha, lançando luz sobre as condições que perpetuavam o atraso

regional e despertando a consciência da nação acerca do problema amazônico. Uma obra que

assumiria o papel de um verdadeiro monumento síntese da região (MORAES, 2001;

FERNANDES, 2013). Pois como destaca Fernandes (2013):

“Será com Euclides da Cunha, portanto, segundo nossa interpretação, que teremos

pela primeira vez uma inserção realmente organizada de uma matriz de pensamento

sobre a Amazônia em íntima relação com o desvendar dos problemas das

desigualdades regionais do país. Uma abordagem que alia o ímpeto

desenvolvimentista nacionalista das décadas de 50 e 60, com a observação rigorosa

das peculiaridades, dificuldades e desafios do processo de desenvolvimento da

Amazônia.” (FERNANDES, p. 4, 2013).

Neste ensaio Euclides da Cunha explicita a tragédia da terra e do homem amazônico. A

instabilidade e o descaso dos poderes públicos, que eram figuras constantes na região. O

abandono do Estado nacional era latente. As fronteiras ainda estavam por ser definidas. O atraso

reinava enquanto o abandono e o meio influíam na operacionalização da extração da borracha.

O homem amazônico, sintetizado na figura do seringueiro, ora era visualizado como herói em

sua tratativa com o meio ora era a vítima de um destino cruel. Sua luta com a terra era ainda

mais intensa quando integrava-se as elites regionais, os barões da borracha. Uma luta contra o

sistema espoliativo do aviamento.

O conhecimento do meio ainda estava em estágio embrionário, “aos fragmentos”, e sua

exuberância e magnitude imprimiam a tônica dos discursos carregados. Características de um

espaço territorial onde as raças se adaptavam em uma simbiose, em uma ecologia, digna de nota

a ser propagandeada para o restante da nação. Um sertão onde se vivia e morria com anuência

do poder público e cumplicidade das elites, um lugar onde o homem vivia a despeito do meio,

49

este que exercia uma “função superior”, visto que “Policiou, saneou, moralizou. Elegeu e elege

para a vida os mais dignos. Eliminou e elimina os incapazes, pela fuga ou pela morte.”

(CUNHA, p. 157, 2000).

Euclides da Cunha alimenta com esta narrativa ideias como a natureza enquanto

empecilho ao desenvolvimento da região, a frágil integração territorial da Amazônia ao restante

da nação, a situação de abandono a que estava submetida e a denúncia das precárias condições

de vida que seus habitantes enfrentavam. Argumentos que alertavam para a necessidade da

intervenção do Estado nacional tendo em vista os objetivos de suplantar estes obstáculos que

restringiam as possibilidades de desenvolvimento desta parcela territorial do país. Missão que

se tornava ainda mais difícil pela falta de conhecimento e de análises das potencialidades

regionais mensuradas por análises científicas, o que dificultava a definitiva harmonização da

relação homem e natureza na região.

De certo, uma visão que sustentava um ideal de progresso, derivado sobretudo das ideias

positivistas de Euclides da Cunha. Uma ótica que causou grande impacto no público geral,

principalmente pela forma e pelo conteúdo dos problemas retratados. Seria também um ponta

pé inicial para o despertar da nação acerca do intenso desequilíbrio e instabilidade com que

confrontava a região. A partir de então, o atraso da Amazônia, tão alardeado por tantos outros

intérpretes regionais, angariaria contornos de tragédia nacional, compondo mais um dos

fracassos da República Velha. Não seria sem razão que após o alvorecer da revolução de 30 a

superação do atraso da Amazônia viesse a compor um de seus objetivos estratégicos, como uma

tentativa de romper com o legado herdado.

A tudo isso, muito se deve a Euclides da Cunha. Esta missão de despertar a consciência

nacional e alardear as dificuldades impostas pelo meio e pela sua população ao progresso da

região em tons nacionalistas, a partir de uma ótica etnográfica e culturalista, fruto de uma

investigação balizada por critérios científicos. Uma leitura que imprimiu a responsabilidade do

problema amazônico as elites, ao estado nacional, ao meio e ao extrativismo exercido na

floresta, uma atividade humana que era regida sob “a mais imperfeita organização do trabalho

que ainda engenhou o egoísmo humano.”, onde o trabalhador realizava ali uma anomalia, pois

se constituiu no “homem que trabalha para escravizar-se.” (CUNHA, p. 152, 2000).

Portanto, Euclides da Cunha traça paralelos e discute elementos que seriam inscritos na

ideologia desenvolvimentista-regionalista em formação. Seria pela interlocução da necessidade

de integração e manutenção da soberania sobre o território amazônico que este autor incitaria a

necessidade de se fortalecer o ideal de região amazônica enquanto parcela territorial brasileira

carente de esforços e auxílios do governo federal (aspecto central do conceito de

50

desenvolvimentismo), o que iria se configurar enquanto razões e objetivos das intervenções

implementadas na região.

Assertivas que funcionariam para construir certa unidade ideológica, político e social as

elites regionais que utilizariam tais dizeres com o objetivo de pleitear a integração da região à

nação e a preservação de seus interesses. Uma abordagem que salientava a especificidade e a

complexidade da adaptação do meio na região enquanto barreira a se transpor e atributo a se

negar. Utilizando disto como instrumento para angariar apoio estatal, sobretudo científico e

financeiro, para a amparar e superar o modelo de extrativismo e de comércio depreciativos das

iniciativas de desenvolvimento pleno na região.

Seria a partir destas posições que Euclides da Cunha entraria para história regional como

um intérprete de grande influência na conformação da ideologia e política que seria designada

por Fernandes (2011) como desenvolvimentismo-regionalista amazônico. E sua importância

deve-se, sobretudo, “ao reconhecimento de sua influência sobre o debate a respeito da formação

do Estado-nação brasileiro em sua missão e estratégia de integração da Amazônia ao restante

do país.” (FERNANDES, p. 5, 2013).

E os argumentos deste autor viriam a fazer parte da caracterização do meio amazônico

e se reproduzir em diversos outras obras e perspectivas, fazendo parte, sobretudo, da busca por

desvendar o problema amazônico, de tal modo que Euclides influiria, decisivamente, sobre a

“formação de uma nova geração de intelectuais amazônicos”, influentes dos rumos dos “debates

sobre a estratégia de elaboração do Plano de Valorização Econômica da Amazônia durante o

período de auge do nacional-desenvolvimentismo na década de 50.” (FERNANDES, p. 212,

2011).

Geração de pensadores que salientariam o imperativo do desvendamento das

potencialidades da região, pois, como coloca Fernandes (2011), dariam atenção especial a:

“necessidade urgente de sua sistematização e conhecimento como primeiro passo para

seu projeto civilizatório em moldes nacionalistas. Uma tradição que se prolonga em

nossa cultura política-institucional durante décadas, e que valoriza a necessidade

urgente e constante de se produzir conhecimento cada vez mais aprofundados sobre a

região, com o intuito de dominá-la em uma estratégia de integração definitiva da

Amazônia ao território brasileiro, assim como de controlar as suas potencialidades

físicas e naturais para o fornecimento de insumos e matérias-primas para o processo

de industrialização brasileira.” (FERNANDES, p. 6, 2013).

Atributo que iria influenciar a tônica do discurso desenvolvimentista-regionalista

amazônico, pois como levanta Fernandes (2011):

“a obra de Euclides da Cunha representou uma transição de uma tradição naturalista

e literária sobre a Amazônia, para uma tradição de pesquisa mais fortemente ligada à

busca pelo desvendar do conhecimento científico voltado para o desenvolvimento

51

regional. Um movimento intelectual que terá no objetivo do conhecimento das

potencialidades naturais da Amazônia, por fim, seu ponto de chegada nas décadas de

50 e 60. Uma tradição que, no entanto, também viria a receber uma forte influência

de viés regionalista com o desenrolar, e amadurecimento da literatura tropicologista,

que terá em Gilberto Freyre sua figura mais proeminente. Será, portanto, da junção

destes dois componentes (literatura científica e regionalismo tropicalista) que se

formará uma nova tradição intelectual na Amazônia, em íntima relação com os anseios

metodológicos presentes na obra embrionária de Euclides da Cunha.” (FERNANDES,

p. 217, 2011).

Influencias que se faria sentir na formação de uma geração de pensadores que fundariam

esta nova forma de pensar o problema amazônico, a qual incluiria em suas fileiras figuras como:

Araújo Lima, Péricles Moraes, Djalma Batista, Artur César Ferreira Reis, Cosme Ferreira Filho,

Agnello Bittencourt, Samuel Benchimol, Leandro Tocantins, Armando Mendes, entre inúmeros

outros. Pensadores que produziriam um conjunto de interpretações e análises sobre a Amazônia

que imprimiria o sentido e o conteúdo das políticas desenvolvimentistas levadas a cabo na

região amazônica. Autores que serão objeto de nossa investigação, sobretudo aqueles

pensadores que tiveram maior engajamento no debate de ideias no período, sob a justificativa

de terem ditado os rumos da controvérsia acerca da política da borracha na região.

52

3.2 O desenvolvimentismo-regionalista amazônico e a borracha como objeto de estudo

O problema da borracha na Amazônia se tornaria um exemplo das investigações acerca

dos fundamentos ideais que a região deveria perseguir para alcançar o desenvolvimento de sua

economia e sociedade. Sobretudo devido ao fato de que a borracha percorreu uma trajetória

histórica de polêmicas e divergências quanto a adequabilidade de seu modelo de produção para

a sustentação de um desenvolvimento estável e de longo prazo para a região.

Para a definitiva solução do problema gomífero a literatura apontou, quase que de

maneira consensual, a necessidade de se ter coordenado maiores montantes de capital, crédito,

experiência técnica, apoio governamental, além de uma ampla reorganização do sistema de

organização da produção e distribuição dos rendimentos (BASA, 1966; SANTOS, 1980;

PINTO, 1984; DEAN, 1989; WEINSTEIN, 1993), tendo em vista a implantação de um sistema

de plantio de seringueiras, a heveicultura.

No entanto, apesar destes apontamentos, permaneceu ativo um forte questionamento

quanto a factibilidade da instalação deste ideal agrícola no vale, este que compreende a

agricultura como caminho indispensável ou como sinônimo da chegada da civilização, de “uma

qualidade nova da relação do homem com o meio” (OLIVEIRA FILHO, p. 115, 1979). Um

ideal agrícola que nunca conseguiu de fato se firmar enquanto alternativa real a estrutura do

seringal (PINTO, 1984; DEAN, 1989).

E apesar de não ter resultado em expansão das métricas de produção, a controvérsia que

acompanhou a borracha teria o efeito de nortear toda a reflexão envolta na problemática do

desenvolvimento regional amazônico empreendida por uma geração de intelectuais que fizeram

parte dos debates acerca da valorização econômica da Amazônia entre os anos de 1940 e 1966,

discussões cujos atributos centrais se enraizariam no pensamento sobre ao desenvolvimento da

região Amazônia nas décadas seguintes.

Dentro deste contexto, apresentaremos neste tópico uma apresentação introdutória de

como alguns pensadores que viriam a explorar elementos do desenvolvimentismo-regionalista

durante as discussões sobre o problema da borracha no período anterior a 1940. Discussões que

revelariam uma coletânea de estudos que iriam expressar a especificidade e complexidade

amazônica em contribuições individuais que se consolidariam no pensamento sobre o

desenvolvimento da região.

E das impressões dúbias relegadas por Euclides da Cunha sobre as dificuldades de

habitabilidade e adaptabilidade das populações à região, surgiria na década de 30 um

movimento intelectual contestatório deste sentido mais negativo. Segundo Fernandes (2011),

53

seria por intermédio da obra de Araújo Lima (LIMA, 1937), intitulada “Amazônia - a terra e o

homem: com uma introdução à anthropogeographia”, publicada pela primeira vez no ano de

1933, que se iniciaria uma renovação da compreensão acerca dos “fragmentos” levantados por

Euclides da Cunha e demais investigadores da realidade amazônica (FERNANDES, p. 225,

2011). Uma obra que, segundo Moraes (p. 25, 2001), “intenta, simultaneamente, a reabilitação

da terra e do homem”.

Nesta obra, Araújo Lima, médico, cientista social, político e intelectual amazonense,

teceria um estudo que descreditaria os aspectos apontados por Euclides da Cunha quanto a

“pequenez e à incapacidade do homem amazônico” (MORAES, p. 48, 2001). Em

contraposição, iria expor uma perspectiva acerca dos determinantes que constrangiam a

possibilidade de desenvolvimento do “homem amazônico”, figura que carregaria a missão de

resignificar uma região que perdera o caminho do desenvolvimento ao estabelecer seus

alicerces em torno do extrativismo, do comércio e do crédito (LIMA, 1937).

Estabelecido na sociologia e na geografia enquanto ferramental teórico-metodológico,

Araújo Lima seria um intelectual crítico as abordagens que incorriam no determinismo do meio.

Um meio que, de certo, imprimia restrições as potencialidades humanas, mas que não poderia

ser chancelado como principal razão da estagnação e das dificuldades de adaptação do homem

à região. Como alternativa, sustentaria que as limitações decorrentes das características da

região poderiam ser contornadas a partir da introdução de avanços científicos e culturais,

instrumentos que poderiam subtrair a influência natural do meio.

É nesse sentido que Araújo Lima levanta que:

“O homem e o meio — assim devemos compreender — não se isolam, nem se

oppõem: formam um systema de inter-acções, de inter-relações, de relações

reciprocas e dependentes: acção do meio sobre o homem e reacção deste sobre aquelle.

Interdependem e se correlacionam. Formam o complexo "indivíduo-meio” (LIMA, p.

31, 1937).

Uma abordagem que destaca a importância da investigação dos fundamentos

subsidiários a relação do homem e do meio, de sua adaptação e dominação da terra, para a

avaliação das potencialidades e limites do aproveitamento da região amazônica. Uma região

que era “mal vista, pouco conhecida, erroneamente interpretada” e de onde exacerbavam-se

analises a respeito do meio ao passo que pairava ainda uma “nociva ignorância à cerca do

homem” (LIMA, p. 91 e 92, 1937).

Tal perspectiva deslocava o eixo de análise do meio para o homem e ensejava uma

reinterpretação dos fatores que levaram a região amazônica à estagnação após a crise de 1912.

O que subsidiaria o autor a acusar os baixos índices de densidade demográfica e os parcos graus

54

de aperfeiçoamentos técnico-científicos como entraves sanáveis para o desenvolvimento da

região amazônica. Uma visão que contrasta com aqueles pensadores que tributavam o meio

enquanto obstáculo intransponível, pois, como salienta o autor:

“Terra deserta, por ser povoada.

Afigura-se muito agressiva e indomavel. Não ha, em verdade, uma aggressividade

real, especifica e caracteristica da terra: o homem é que se torna muito vulneravel pela

insufficiencia numerica. Não está em causa a qualidade da terra, mas a quantidade de

gente.

A terra não é insusceptivel de ser domada; apenas ainda não o foi, porque o factor

humano é minimo, escasso, mas não é incapaz.

Essa terra não é inferno nem paraiso; não é terra mysteriosa nem terra paradoxal: é

simplesmente uma terra lastimavelmente fraudada e saqueada.” (LIMA, p. 101, 1937).

Fraudada e saqueada por um modelo de colonização que engendrou uma “decadência

precoce (...) caracterizada pela annullação da vitalidade do homem e pelo depauperamento das

fontes de riqueza” (LIMA, p. 102, 1937). Resultados que são tributários da incultura e da falta

de trato dos caboclos e nordestinos na exploração da região. Dois atores sociais que eram

considerados equidistantes do cume da civilização, mas que demonstravam a impropriedade da

noção de que a região era de fato inadaptável ao progresso e à civilização.

Com esta leitura, Araújo Lima apontava que o que faltava a população amazônica era a

pratica da cultura moderna, “o exemplo, a imitação, o treino, a instrução, a educação mental, a

civilização, numa palavra, mas exercida através dos homens e das gerações. (...) Novas idéas –

idéas directrizes, ideaes novos – aspirações despertadas e nobres de grandeza” (LIMA, p. 144,

1937). Portanto, a integração da Amazônia à civilização industrial somente seria realizada a

partir da introdução de avanços tecnológicos e culturais, o que somente seria alcançado ao se

despertar “aspirações e nobres de grandeza”, ideais de progresso.

Neste sentido, Araújo Lima levanta a importância da higiene, educação, saúde e

saneamento como elementos indispensáveis da superação de uma suposta inferioridade física,

intelectual e social dos habitantes da região. Atributos considerados exemplares da

impropriedade do determinismo do meio e das leituras baseadas no conceito de raça. Além

disso, destaca-se também o deslocamento da matriz da problemática amazônica, pois Araújo

Lima inclui o fator histórico na análise da evolução da região, tal como indica:

“Não estão em causa seres anthropologicamente inferiores e incapazes. Trata-se, em

realidade, de um facto histórico, de um estádio inferior de cultura physica e intelectual,

de um recúo, na margem civilizadora, de uma sociedade humana.

Nem fatalidade ethnica, nem fatalidade geográfica.

Acidente sanável, gerado por influencias desviáveis, a civilização fará a sua obra

restauradora, removendo-o e assignlando no seio dessa gente um momento de

esplendor da sua evolução histórica.” (LIMA, p. 147, 1937).

55

E descreditado os elementos que negavam os limites étnicos e geográficos, restava a

revelação dos fatores históricos que se antepuseram ao desenvolvimento dos habitantes da

região. Neste ponto, Araújo Lima afirma que a limitada capacidade produtiva do vale decorria

da economia destrutiva do extrativismo e do sistema de aviamento. Um sistema de organização

da produção que projetou características que favoreciam a “fraude” e o “saque” da região, sem,

em contrapartida, prover elementos dinamizadores ao desenvolvimento regional.

Um extrativismo instável, nômade e dispersador que impactava no esgotamento dos

seringais de tal maneira que, mesmo que não houvesse ocorrido a crise de 1912, ter-se-ia

declarado a desvalorização de todos os seringais amazônicos pela exaustão, haja vista que sua

operação prenunciava a “depreciação, a decadência, o esgotamento dos seringais”. (LIMA, p.

149, 1937). Um sistema produtivo cujas características impactavam na constituição de

latifúndios, no desincentivo a fixação do homem à terra e na ausência de estímulos para

aperfeiçoamentos técnicos e culturais.

Um quadro cujas características poderiam ter sido evitadas através do “recurso do

plantio de seringueiras, isto é, pela transformação dos seringaes nativos (ou silvestres) em

seringaes de cultura intensiva.” (LIMA, p. 154, 1937). Medida que iria incentivar a aglomeração

de núcleos populacionais e a criação de uma economia agrícola construtiva, ao contrário da

destruição do extrativismo. Uma alternativa que considerava factível, uma vez que o cultivo da

hévea foi uma conquista da botânica e da agricultura verdadeiramente cientifica. Um exemplo

caro da improcedência do determinismo geográfico, haja vista que a capacidade técnica poderia

suplantar as dificuldades do meio, através de um processo de adaptação. O que reiterava que “o

que constitue em realidade o meio humano é a sociedade.” (LIMA, p. 163, 1937).

Todavia, sem quaisquer medidas para transformar a situação econômica à época do

boom, a floresta permaneceu “o obstáculo máximo à expansão do homem no deserto

amazonico” (LIMA, p. 167, 1937), restringindo a economia de tempo e de esforço que a

agricultura poderia gerar na imensidão do território da região. Permanecendo o latifúndio como

um dos principais elementos da configuração da economia e da sociedade da região,

característica que, segundo o autor, seria um dos principais obstáculos de uma colonização de

pequenas propriedades, modelo que seria um importante instrumento para a fixação do homem

ao solo, economizando trabalho, barateando produtos e solidarizando a população contra as

asperezas do meio ambiente (LIMA, p. 176 e 177, 1937). Como cita:

“Só assim seria possível um dia a cultura intensiva de seringueiras ou de outras plantas

uteis, a verdadeira cultura economica, base de uma riqueza estável e de uma

prosperidade moralmente bem orientada. Essa seria a solução do problema do

trabalho, da saúde, da economia.” (LIMA, p. 178, 1937).

56

Mas o que de fato permaneceu foi uma colonização fundada por famintos e incultos em

condições de miséria fisiológica e na indigência dos mais rudimentares recursos da civilização

(LIMA, p. 179, 1937). Uma aventura comercial, de onde se originou um “regime de abuso do

credito, de excesso de confiança, de extravagante facilidade de negócios.” (LIMA, p. 180,

1937). Um regime de produção onde “plantar era um crime”, havendo mesmo proibição de

cultivo de produtos alimentícios (LIMA, p. 181, 1937), características do seringal empório.

E no empenho de todos por vender o máximo pelo maior custo, assevera Araújo Lima

que “o factor mais deprimente da vida comercial amazonica era a carestia da vida” (LIMA, p.

183, 1937). E entre a hipertrofia do débito e a atrofia do crédito, um saldo deficitário decorrente

de um sistema produtivo desorganizado, sem método e nem rendimento proporcional. Sistema

que poderia ter dado margem ao surgimento de um outro modelo de economia, como indica:

“Se, no aproveitamento desses seringaes silvestres o esforço inteligente do homem,

através de meio século de exploração, os houvesse transformado em seringaes

plantados, a cultura intensiva das heveas teria reduzido as distancias entre as arvores

e, conseguintemente, augmentado muitas vezes, talvez decuplicado, a capacidade

extractora do seringueiro.” (LIMA, p. 200, 1937).

Deste balanço, Araújo Lima seria assertivo em declarar que:

“Com a faina nefasta de devastação, através da qual se processou no Amazonas a obra

talvez mais vultosa de economia destructiva sobre a terra, ergueu-se uma systema de

trabalho defeituoso e falho, dos alicerces ao vértice, comprometedor da economia, da

producção, da grandeza e da liberdade daquella gente valorosa, que, sem recursos nem

orientação, emprehendeu a tarefa cyclopica de penetrar, desbravar e domar os sertões

amazonicos.” (LIMA, p. 206 e 207, 1937).

Portanto, não era o meio ambiente que antepunha-se ao desenvolvimento da região e

sim o meio social, “falho e desvirtuado, desapparaelhado de tudo quanto fosse capaz de annullar

os inconvenientes e favorecer os estímulos do desenvolvimento natural e hygido.” (LIMA, p.

244, 1937). Desta forma, imprimia uma interpretação de que a realidade amazônica não deveria

ser analisada sem se levar em conta os avanços da técnica e da ciência, pois:

“Socorrido da cultura mental atingida, através do penoso processo de evolução e

aperfeiçoamento, o homem domina a natureza (...)

Com os recursos que a sciencia e a indústria associadas, lhe deram, o homem deixa

de ser um simples efeito do meio, servil e passivo, e surge, na éra contemporanea,

como authentico agente natural, agente geográfico, dominando a natureza e norteando

as próprias directrizes humanas.” (LIMA, p. 253, 1937).

E assim, com este estudo, Araújo Lima teceria uma interpretação que reabilitaria as

possibilidades da região, em uma leitura favorável ao uso dos recursos da ciência na

transformação da civilização na Amazônia. Uma perspectiva que ilustrava um ideal de

57

progresso que visava superar o extrativismo e caminhar para uma estrutura produtiva mais

próxima à indústria e a agricultura, o que inauguraria uma nova modalidade de adaptação do

homem ao meio. Portanto, podemos ilustrar que os elementos contidos em Araújo Lima (1937)

repercutem aspectos centrais que estariam presentes no desenvolvimentismo e no regionalismo,

utilizando de tópicos caros à Euclides da Cunha mas negando o meio como restrição ao

desenvolvimento do vale.

E outro autor que fez fileira as discussões sobre a Amazônia e sobre a borracha foi

Cosme Ferreira Filho12. Este autor se destacaria, nos dizeres de Arthur César Ferreira Reis, pela

sua tentativa de “sensibilizar a consciência regional e nacional” ao problema amazônico, sem

“ficção, mas realismo cru” (FERREIRA FILHO, 1965). Posicionamento que seriam publicados

em uma obra que reúne textos produzidos entre os anos de 1928 a 1965. Obra que reproduz

discursos, projetos de lei, artigos de imprensa, conferências e monografias que acusaram um

diagnóstico de fragilidade da economia amazônica calcada no extrativismo da borracha e

explicitaram, segundo o autor, as razões do “porque perdemos a batalha da borracha.”

(FERREIRA FILHO, p. 13, 1965).

Em um texto de 1928, em meio a análise das possíveis impactos que o empreendimento

agrícola-industrial de plantação de borracha na Amazônia da Ford13 poderia ocasionar, discorre

o autor que, se alcançados os objetivos deste empreendimento, a borracha silvestre amazônica

e os seringueiros que a produzem não poderiam mais concorrer no mercado gomífero.

Argumenta que a borracha amazônica não conseguia acompanhar os custos da borracha de

plantio, dada a incapacidade do seringal e do sistema de aviamento em baratear os custos de

produção, empecilhos decorrentes das doenças e das distâncias e dificuldades de acesso as

árvores.

Acusava o abandono dos poderes públicos a questão da borracha, sobretudo aquela

produzida no Acre e Amazonas, afirmando que a reposta a este problema urgente da civilização

brasileira no norte tivera tons de “negativa impatriótica” (FERREIRA FILHO, p. 25, 1965),

uma vez que, apesar da pequenez da significação econômica da borracha, este produto era o

12 Político, empresário e intelectual que em vários episódios se posicionaria como porta voz do setor comercial da

região, tendo inclusive trabalhado como assessor técnico da Associação Comercial do Amazonas (ACA), mas que

destoaria de boa parte de seus representantes pela sua posição de vanguarda, por se constituir em um entusiasta

dos ensaios agrícolas e das melhorias técnicas enquanto solução para a questão da borracha e para o problema do

atraso regional. 13 Empreendimento que foi uma experiência pioneira de desenvolvimento da heveicultura na região amazônica.

Foi uma tentativa da Ford, empresa americana do ramo automobilístico, contornar a dependência de seu

abastecimento de borracha dos seringais asiáticos, o que a levou a instalar no rio tapajós, na Amazônia paraense,

um grande projeto de experimentação e plantio de borracha (COSTA, 2012).

58

responsável pela “própria integridade das nossas afastadas e desguarnecidas fronteiras com

quatro nações sul-americanas” (FERREIRA FILHO, p. 26, 1965).

Neste sentido, acusa o Estado nacional de aniquilar os esforços de colonização do

território amazônico ao negar proteção à borracha, ilustrando que foi a atividade gomífera a

responsável pela organização da civilização na região, com a construção de cidade, templos,

escolas e campos de pastagens, feitos somente alcançados através da vitalidade da indústria

extrativa. E deste diagnóstico, Cosme Ferreira Filho seria enfático em propor como solução ao

problema da borracha amazônica as seguintes diretrizes:

“o problema da salvação da borracha silvestre consiste em divorciá-la dos destinos da

borracha de plantação, emprestando-lhe uma individualidade comercial distinta,

independente e própria, tal como se ela fora, o que realmente é, uma matéria prima de

caráter e propriedades diferentes, com sua curva particular de preços e de aplicações.”

(FERREIRA FILHO, p. 28, 1965).

Seu posicionamento alude para um tratamento diferenciado a este produto, o que levaria

o autor a propor a criação de um corpo de leis reguladoras de preços compensadores a borracha

amazônica, dada as peculiaridades do sistema econômica e da qualidade deste produto. E além

de clamar por proteção oficial, Cosme Ferreira Filho destaca ainda a necessidade da

implementação, em território amazônico, de manufaturas que utilizam borracha como matéria

prima, sobretudo as fabricantes de pneumáticos e câmaras de ar, para, sob alcunha de melhor

pneumático do mundo, angariar a hegemonia produtiva e integrar verticalmente a produção.

Assim, neste texto de 1928, Cosme Ferreira Filho indicava que o extrativismo da

borracha somente poderia se manter sob proteção oficial e com a garantia de industrialização

de sua produção. Ou seja, utilizando-se de argumentos como o abandono do território e de

integração da região ao corpo da nação, o autor incita auxílio do Estado como saída a debacle

ocasionada pela produção gomífera asiática. Alternativa que deveria conciliar a produção

extrativa, agrícola e industrial como caminho para o desenvolvimento.

E Cosme Ferreira Filho, em textos publicados entre os anos 1934 e 1937, iria salientar

que a borracha constituía-se em exceção aos fundamentos que baseavam o extrativismo de

outros produtos florestais, elevando este produto ao nível de possível sustentáculo da economia

regional. No entanto, posiciona-se nestes textos com desconfiança quanto a heveicultura da

Ford, passando a conclamar uma renovação na mentalidade do empresariado regional em

direção as vantagens das grandes culturas racionais.

Assim, após o texto de 1928 onde defende o extrativismo, ainda que com ressalvas,

Cosme Ferreira Filho passaria a criticar de maneira mais incisiva a extração vegetal e discorrer

sobre os benefícios da plantação de borracha na região, dada a superior produtividade

59

proporcionada por um seringal de plantação, “uma cultura racional e intensiva” ao contrário do

“extrativismo extensivo” (FERREIRA FILHO, p. 57, 1965).

Seria a partir desta nova perspectiva que Cosme Ferreira Filho insistiria que as crises

sucessivas que acometeram a região seriam uma oportunidade para a sustentação de um novo

modelo de desenvolvimento fundado na heveicultura. Um modelo agrícola como alternativa

para o reerguimento da economia amazônica no quadro nacional e como possibilidade de uma

radical transformação dos métodos de produção.

Seus argumentos teciam considerações acerca da necessidade do estado intervir na

economia, estabelecendo medidas de amparo ao produto amazônico com o intuito de revitalizar

a economia regional, proteger as fronteiras e adaptar a estrutura produtiva regional as novas

condições técnicas de produção. Argumentação que era enfatizada com a elevação da borracha

da região ao grau de único veículo possível de autonomia da região, de preservação de seus

interesses de reerguimento da hegemonia perdida.

No entanto, seria em uma monografia publicada em 1938, de título “A Borracha –

Problema Brasileiro”, que Cosme Ferreira Filho desenvolveria de maneira mais organizada seu

pensamento acerca das vantagens do regime racional e intensivo, posição que também vinha

acompanhada de uma defesa do extrativismo amazônico, ainda que realizasse uma defesa com

ciência de seus fatores limitantes e pautasse novas diretrizes para o equacionamento deste

problema.

Inicia este texto indicando que “fora da borracha não subsiste a Amazônia econômica,

social e política. Esta lhe dá características fundamentais e decisivas de vitalidade, atribuindo-

lhe expressão de autonomia, na comunhão brasileira” (FERREIRA FILHO, p. 62, 1965). O que

denota a importância da borracha ao quadro regional e nacional, pelo seu papel na defesa do

território amazônico brasileiro e dos interesses dos países sul-americanos que a produzem.

Prossegue sua exposição discutindo que, ao contrário dos momentos históricos

anteriores, seria hora de concretizar de maneira “racional e humana” a defesa ou valorização da

borracha silvestre sul-americana. Estabelece seu posicionamento de uma maneira crítica ao

modo como produtores, comerciantes e exportadores de borracha vem fazendo há séculos, com

seus “errôneos e arraigados preconceitos” (FERREIRA FILHO, p. 64, 1965).

Discorre e tece críticas sobre quatro setores chaves para a solução do problema

amazônico e brasileiro da borracha, sobre: 1) produção florestal; 2) produção agrícola; 3)

beneficiamento de matérias primas; 4) industrialização.

Para o primeiro ponto apresenta que a saída estaria na valorização tecnológica dos

recursos naturais extrativos do seringal, disciplinando estes cientificamente. Elabora

60

recomendações acerca do refinamento dos métodos de corte e coagulação, o barateamento de

transportes, o estimulo a diversificação do seringal rumo a pecuária e agricultura e melhorias

na saúde dos trabalhadores, medidas que fomentariam seringais caboclo. Todavia, considera

que esta alternativa possuía limitações, em razão de acreditar que esta não substitui a

necessidade de aumento da produtividade, medida através do “máximo de produção no mínimo

de área”, o que é “um vício original de toda e qualquer exploração da floresta na Amazônia”

(FERREIRA FILHO, p. 67, 1965).

Do segundo ponto, ventila a fundação de uma agricultura racional da hévea, indicando

a cultura de seringueiras como alternativa de maior produtividade. Além disso, inclui no

processo de racionalização os benefícios de estabilizar, civilizar, disciplinar e higienizar as

regiões. O que justifica a conjunção de “todos os esforços no sentido de se fundar a agricultura

da seringueira na amazônica, como condição preponderante no plano de seu reerguimento.”

(FERREIRA FILHO, p. 68, 1965), projeto que deveria ser buscado sem prejuízo ao setor

extrativo. Um empreendimento que dependia de auxílio estatal para ter êxito, seja através do

incentivo à iniciativa privada ou obrigando os proprietários de seringais nativos de realizarem

plantações, este último sendo uma solução intermediária ao seringal caboclo e empório.

Todavia, discorria que estas duas medidas não iriam promover diretamente o

reerguimento do vale, somente atenuar seus efeitos, haja vista que a superprodução da borracha

nos mercados mundiais impunha um diminuto preço de venda. Entretanto, argumentava que

tais alternativas eram factíveis devido a possiblidade do Brasil se tornar num futuro próximo

grande consumidor desta matéria prima. Dizia ainda que caso o país não elevasse seus níveis

de produção, corria o risco de se tornar importar de borracha, previsão que iriam se concretizar.

Além disso, discorreu também sobre o incentivo aos setores três e quatro, o beneficiamento da

borracha no país e o estímulo à industrialização.

E após uma longa digressão acerca de cada ponto, conclui ser preferível conduzir um

programa que atue simultaneamente nestes quatro setores chave. Desta forma, elegia a

necessidade de uma reorganização técnica dos seringais, da cultura da hévea, do beneficiamento

e padronização das borrachas e da promoção da indústria da borracha no Brasil, dando menor

ênfase para a reorganização técnica dos seringais. Entretanto, Cosme Ferreira Filho tinha

consciência de que tal projeto teria de enfrentar fortes resistências dos operadores do secular

sistema extrativo e mercantil, já que estas propostas promoviam:

“uma subversão completa da primitiva ideologia salvadora da borracha, que sempre

preconizou a terapêutica da produção barata, da assistência econômico-financeira e

das facilidades de transporte e distribuição, da autonomia alimentar dos seringais,

61

como remédio específico para o conjuramento da situação de angústia em que sempre

viveu, com raros clarões de vitalidade, a produção da borracha brasileira. (...)

Esta subversão da tese clássica tem, por sua vez, a virtude de deslocar o problema de

um ambiente de puro imediatismo mercantil, para a esfera mais alta e esclarecida do

pensamento brasileiro, onde o mesmo passará a ser considerado e equacionado sob

prismas diversos e mais elevados. Ter-se-á em vista não já a obtenção de proventos

ocasionais, de ordem comercial, mas a solução de um problema de Estado,

interessando, fundamentalmente, a economia nacional e envolvendo um de seus

aspectos básicos, que é o povoamento da Amazônia, segunda fórmula de garantir, com

a presença do brasileiro, o domínio efetivo de nossas fronteiras setentrionais.”

(FERREIRA FILHO, p. 97, 1965).

Este prognóstico demonstra a sensibilidade do autor as mudanças institucionais que

vinham sendo promovidas em nível nacional, o que condiciona sua indicação de solução,

recomendando para o equacionamento do problema da borracha amazônica a criação de um

órgão central de planejamento e regulação, o Instituto Nacional da Borracha, órgão que seria

responsável pelo estímulo e amparo destes quatro setores chave.

Além destas proposições, Cosme Ferreira Filho também tece consideração sobre a

antiguidade destas propostas. Cita, por exemplo, os alarmes de Silva Coutinho e Pimenta

Bueno, personalidades que advertiram entre os anos de 1867 e 1882 sobre os “perigos da região

confiar a sua economia num só rumo de trabalho, com abandono de outas proveitosas atividades

agrícolas” (FERREIRA FILHO, p. 104, 1965). Autores que em meio a ascensão do ciclo da

borracha criticaram a proeminência da borracha e a destruição de outras atividades, além de

denunciar o nível de exploração ao qual se submetiam os trabalhadores dos seringais.

Um regime de trabalho que denotava:

“[uma] característica indelével da atividade florestal, desordenada e nômade, que não

civiliza nem constrói (...). E seria supérfluo dizer que a resposta a situação de

desordem (...) está, exclusivamente, na cultura sistemática da “hevea”, com seus

atributos de ordem, disciplina, conforto e rendimento.” (FERREIRA FILHO, (p. 105,

1965).

Ademais isto, Cosme Ferreira Filho encerra esta obra clamando pela criação de um

organismo de apoio e de estabilização dos preços da borracha, órgão que:

“preparará a Amazônia para a grande luminosa cruzada de reconquista de seus direitos

perdidos pela incúria de todos. Êsse consumo interno será o alicerce sobre o qual

ergueremos a construção, ampla e soberba, de nosso futuro agrícola, como plantadores

de ‘hevea’.” (FERREIRA FILHO, p. 107, 1965).

E de maneira mais enfática do que na abordagem de Araújo Lima, Cosme Ferreira Filho

propõe um projeto de desenvolvimento que promovia a conciliação do regime extrativo e as

demais alternativas acerca da questão da borracha. Um projeto que visava subverter o quadro

imposto pelos efeitos deletérios decorrentes da operação do sistema de aviamento e do

extrativismo amazônico. Um projeto requeria planejamento estatal para seu equacionamento,

62

além de amparo científico para a readequação das condições técnicas de produção da região.

Uma intervenção que amparasse a borracha amazônica e protegesse as fronteiras para o devir

de outro modelo de produção que não mais abarcasse o extrativismo. Abordagem que integra

aspectos contidos nos textos de Euclides da Cunha e que preparava o terreno para a emergência

do desenvolvimentismo-regionalista amazônico.

Outra obra de expressão considerável no ambiente intelectual da época foi o livro “O

Ciclo do Ouro Negro” (MOOG, 1975), publicado pela primeira vez em 1936 pelo ensaísta

brasileiro Vianna Moog, uma obra que continha relatos de suas impressões acerca da região

amazônica durante seu exílio na capital amazonense. Um dos autores responsáveis pela

divulgação da tese dos diversos Brasis, do Brasil arquipélago, de um país cindido pelas divisões

de sua estrutura geográfica, econômica, social e cultural, Moog teceria considerações sobre a

especificidade singular da Amazônia, denunciando que esta região de proporções continentais

também fazia parte do arquipélago brasileiro, a despeito o descaso dos poderes públicos.

E de suas viagens aos rios, lagos, paranás e igarapés da região, Moog refletiria sobre as

consequências dos impactos da valorização da borracha na civilização amazônica. Discorre que

o principal efeito da vertiginosa valorização da borracha foi “a ruína quase integral da

verdadeira civilização ajustável à planície” (MOOG, p. 25, 1975), esta que, segundo relata,

vinha previamente se estabelecendo na agricultura, na pecuária e na indústria. Com isto,

responsabiliza a febre do “Eldorado” provocado pelo extrativismo da borracha pelo extermínio

dos “ensaios agrícolas”, o qual teria desmantelado uma “sábia organização agrícola” e iniciou

uma “desenfreada corrida rumo aos seringais” (MOOG, p. 25, 1975).

Destaca que o boom da borracha acarretou no abandono das lavouras, das oficinas e dos

rebanhos e teria custado a negativa dos melhoramentos urbanos, a dispersão da mão de obra, a

destruição das demais atividades, sobretudo dos núcleos agrícolas do interior. Fatores que

teriam levado a perda da experiência agrícola previamente adquirida, a perda de um instrumento

de adaptação do homem ao meio, e cita, em paralelo a Euclides da Cunha e a terra sem história,

que “a arte e a ciência do cultivo da terra na Amazônia é um capítulo ainda por escrever”

(MOOG, p. 27, 1975), episódio o qual os habitantes da Amazônia teriam de recomeçar, exceto

índios e caboclos, exemplos de adaptação à terra e sua instabilidade (MOOG, p. 32, 1975).

Índios e caboclos que são exaltados como sujeitos autossuficientes, desambicionados e

com desamor a prosperidade, o que lhes logrou a conformidade e adequação com a planície

amazônica. Exaltação que destoa das interpretações que alardeiam a falta de ambição como um

defeito das populações regionais. Características que, após a crise da borracha, teriam

63

incentivado a fixação do homem a terra e a permanência de um expressivo contingente

populacional na região.

Reivindica, com isto, o título de bandeirante ainda não teatralizado ao caboclo, o que,

de certo, constitui uma espécie de idealização e um de tipo regionalismo, o estabelecimento de

uma distinção entre este homem amazônico típico e os de fora dela, angariando para este a

qualidade de uma raça (abordagem da qual se utiliza) que deve ser analisada em relação a

civilização que o meio lhe impôs. O que resulta na avaliação de seus impactos a luz das

restrições impostas pelo meio.

E é por esta ótica que Vianna Moog vaticina que, no geral, “na Amazônia não há uma

grande civilização não por culpa do homem, mas por culpa do meio” (MOOG, p. 75, 1975),

uma leitura mais próxima à abordagem de Euclides da Cunha e distinta de Araújo Lima.

Todavia, meio que não é intransponível a civilização, pois a vivência do caboclo, quando

contrastada com as experiências dos demais habitantes da região, impõe que:

“Tudo quanto o homem consegue na Amazônia para fins econômicos é com muita

luta, somente com muito trabalho.

A todos o meio tem implacavelmente derrotado.

Os outros fogem. Só o caboclo fica. A sua desambição, a sua conformidade fez dele

um adaptado à terra. E é afinal o caboclo, esse tão injuriado caboclo, quem nos

assegura a posse do deserto.” (MOOG, p. 76, 1975).

Impressão que o auxiliaria a compor uma visão prospectiva do futuro da região, onde

questiona os rumos da civilização da amazônica e interpõe: “haverá acaso um projeto, cuja

execução seja capaz de levar o homem a triunfar sobre a selva?” (MOOG, p. 115, 1975). E,

entre o contraste entre a riqueza potencial e a efetiva de ser explorada, delineia um diagnóstico

que postula que a “Amazônia é pobre, dramaticamente pobre” (MOOG, p. 116, 1975). Uma

região ainda não civilizada e que, apesar das proposições pretensiosamente simples, intuitivas

e realizáveis, tais como combate as pragas e endemias e possibilidade de exploração agrícola e

industrial, não havia alcançado êxito justamente pela região não ter sido enquadrada

cientificamente, não havia preparado esta região para se tornar “a sementeira de uma grande

civilização” (MOOG, p. 119, 1975).

Projeto que não deveria se constituir em iniciativa individual, mas sim de uma

experimentação de caráter socialista, o que, além de evocar uma alteração do modo de

produção, também ilustra o clamor pelo coletivo e pelo Estado enquanto instrumento de ação

para o reerguimento da região, assinalando, em alusão a Euclides da Cunha, que:

“Somente quando já se tenham levantado as suas cidades, dotando-as de um clima

amenizado dentro dos últimos recursos da ciência, não será mais desumano acenar

para a planície aos cativos do planeta, com as palavras do Gênesis: ‘sai da tua terra, e

64

da tua parentela, e da casa de teu pai, e vém para a terra que eu te mostrarei’” (MOOG,

1936, p. 122)

Passagem que salienta a necessidade de se suplantar os alicerces do modelo de

colonização baseada no extrativismo da borracha e demais produtos extraídos da natureza, já

que este se expressa através da dispersão das populações pelo interior e pela dizimação das

experiências agrícolas. Assim, recorre a citação sobre a Gêneses para clamar a favor da saída

do estágio primitivo ao qual estivera estabelecido a economia e a sociedade amazônica, da

exploração baseada na extração de recursos naturais para um modelo que equacionasse

problemas do clima e do meio através da ciência.

Desta forma, podemos observar na obra de Vianna Moog a utilização de elementos que

seguem a linha do amadurecimento da ideologia desenvolvimentista-regionalista amazônica,

tais como a consciência do atraso e da pobreza desta região constituinte do arquipélago

brasileiro, a necessidade da adaptação do homem ao meio, com a exaltação da ocupação do

“deserto” pelo caboclo e a revelação de sua aptidão no trato com a terra e a denúncia do

extrativismo enquanto atividade nociva ao desenvolvimento do vale.

Uma interpretação que atrela o problema amazônico aos limites do extrativismo e que,

por isso, visa a construção de uma estratégia política intencional alternativa, de transformação

da região na direção do progresso, rumo a indústria e agricultura. Assim, de uma região sem

passado e história, transformar-se-ia em uma região com futuro e desenvolvimento. Uma leitura

que se aproxima do sentido atribuído por Fonseca (2014) ao desenvolvimentismo e inspirada

na tradição de Euclides da Cunha (2000).

E nas fileiras da historiografia emergiria Arthur Cézar Ferreira Reis enquanto um novo

interprete da história da colonização da região14. Um historiador que iria investigar eventos

históricos regionais e utilizar seus achados tendo em vista ensaios prospectivos. Destaca-se de

suas obras o livro “A política de Portugal no Valle Amazônico” (REIS, 1940), publicada pela

primeira vez em 1940. Um estudo que realiza um exame da importância da política de Portugal

para a consolidação das fronteiras nacionais no extremo norte do país, identificando seus

principais personagens e conteúdo.

E como afirma Sidney Lobato apud Fernandes (p. 87, 2011), a importância de tal obra

decorre do fato de que:

14 Autor que iniciaria sua carreira de pesquisa no início da década de 30, tendo como objeto de pesquisa a

investigação da história da Amazônia e da experiência da colonização portuguesa nos trópicos, utilizando-se de

uma abordagem que exaltava o domínio português na região. Um historiador que iria fazer parte da intelectualidade

regional que participou ativamente da construção das políticas de desenvolvimento regional durante a montagem

do aparelho de estado nacional na Amazônia, tendo inclusive participado como superintendente da SPVEA e como

diretor do INPA na década de 50.

65

“Livro lançado pouco depois da instituição do Estado Novo, A política de Portugal no

vale amazônico define as questões mais amplas das pesquisas de Arthur Reis relativas

à Amazônia, de forma que cada um dos seus capítulos se desdobrará depois no tema

de outros livros. Este livro foi dedicado a Getúlio Vargas e a Salazar, bem como à

aproximação entre Brasil e Portugal. A política de Portugal constitui um esforço de

interpretação da expansão, estruturação e manutenção do domínio do Estado

Português sobre a Amazônia, enfatizando que havia um esforço diligente de Portugal

em relação à garantia do domínio do vale amazônico (Lobato, p. 87, 2009, apud

FERNANDES, p. 241, 2011).”

Portanto, nota-se que esta obra prenuncia as linhas gerais de sua interpretação sobre a

Amazônia. Interpretação que seria melhor detalhada em diversos outros livros e artigos, onde

iriam ser expressos diagnósticos e prognósticos relativos aos fatores limitantes e restritivos do

desenvolvimento do vale amazônico. Textos onde este autor divulgaria uma reflexão que teria

por base a ciência da importância do estado nacional na consolidação da soberania territorial da

Amazônia e a imprescindibilidade do direcionamento do sentido da colonização amazônica

para o efetivo domínio da terra pelo homem.

“Tentativa de interpretação. Nada mais”, como afirma ao prefaciar o livro (REIS, 1940).

Mas interpretação que teria ampla influência no ambiente intelectual amazônico da época, haja

vista este autor ter se tornado uma grande referência nos estudos sobre a Amazônia. Influência

que era bem recebida por postular uma visão favorável das possibilidades regionais, em

contraposição aqueles pensadores que tenderam a elencar perspectivas negativas quanto a

ocupação e integração da Amazônia.

Reis (1940) inicia sua reflexão com a investigação das origens da conquista da

Amazônia. Cita os perigos decorrentes do enfraquecimento do domínio português sobre o Brasil

no alvorecer de 1580 e elenca a cobiça de outras nações sobre estes territórios, contexto que

influenciou as investidas portuguesas sobre a região, atuação determinante para o

estabelecimento da cidade de Santa Maria de Belém, atual cidade de Belém. Cita ainda o

empenho português para manter a soberania sobre a colônia ante os progressos dos estrangeiros.

Embate voraz, dado o entusiasmo acerca das riquezas potenciais da região, esta que era exposta

pela literatura de maneira “impressionista” como uma promessa de abundante fertilidade e de

riquezas, tanto minerais quanto vegetais, que imprimam a Amazônia o título de “Novo Oriente”

(REIS, p. 12 e 13, 1940).

E em relação à exploração e significação econômica, Arthur Cézar Ferreira Reis narra

a “exitosa campanha” pelo interior de arregimentação de mão de obra, uma vez que o “espírito

aventuroso” do português e o instinto bandeirante do mameluco (caboclo) atuavam como

diretriz que conduziam a empreitada (REIS, p. 14, 1940). E quando expedidas ordens oficiais

para a ocupação do vale, a penetração “não encontrou embaraços que a fizessem estancar. Nem

66

o indígena, que mais de uma vez tentou cortar o passo ao bandeirante, nem os rigores do clima,

a aspereza da região, toda a acção agressiva da natureza amazônica sequer a emperraram.”,

vencendo com “coragem” e “indiferença a quanto perigo encontrou” (REIS, p. 14, 1940).

Destaca-se do exposto a exaltação das características da colonização portuguesa no

extremo norte do país, a idealização de sua aventura e a elevação do português ao patamar de

homem defensor da causa amazônica, portador, por direito, de suas riquezas e conquistador de

sua soberania. Leitura que teceu tão somente pequenas críticas aos erros, violências e

crueldades inerentes a formação territorial do Brasil, que não foram poucas, como assevera

brevemente. Percebe-se nesta curta apresentação que Arthur Cézar Ferreira Reis imprime a

metrópole portuguesa e ao português o papel de construtor da história da região, vangloriando

suas ações e afirmando que, em alusão aos escritos de Euclides da Cunha, sua chegada a região

produzia a primeira página escrita da história deste território.

Impressões que podem ser extraídas dos dois primeiros capítulos de sua obra, o primeiro

intitulado “a primeira página” e o segundo “bandeirando pela hinterlândia”. Nos demais

capítulos da obra, destaca-se a exposição de temáticas que posteriormente iria ocupar a agenda

de pesquisa deste historiador. São capítulos investigam a organização do estado, a conquista

espiritual, o tratamento do gentio, a manutenção da integridade territorial, o despertar da

inteligência, o estudo da terra e do homem e o direcionamento econômico, seguido de um

capítulo de síntese. E de suas páginas é possível destacar um reiterado pronunciamento de

argumentos que alinhavam-se a elementos que viriam a ser inseridos na ideologia e política

desenvolvimentista-regionalista amazônica.

E o capítulo de síntese congrega satisfatoriamente estes componentes discutidos no

decorrer da obra. Contrapondo a colonização estrangeira em áreas amazônicas à portuguesa,

discute os erros e desacertos dos primeiros quanto a prosperidade e a valorização da terra e do

homem. Fracassos que resultavam da não efetivação da colonização, do povoamento, da

agricultura, da exploração racional da produção nativa e da “execução de uma iniciativa, a

aplicação de um plano” (REIS, p. 111, 1940). Cita ainda a ignorância destes estrangeiros quanto

a geografia da região, de sua especificidade e complexidade característica. Fatos que levam o

autor a afirmar que “no valle amazonico, numa analyse rigosoa, só o trabalho de Portugal foi

productivo”. (REIS, p. 112, 1940).

Exaltação do feito português que é acompanhada da alusão a sua luta contra a natureza

da região, a qual puderam amoldar-se, aceitando-a, contemporizando e servindo-se (REIS, p.

112, 1940). Tendo executado uma política de constituição de uma nova família, de adaptação,

de miscigenação com os habitantes da região, os indígenas. Uma política de adaptação do

67

homem ao meio, portanto. Uma política que, ao criar habitantes adaptados e vinculados à causa

da região, de seu amparo e proteção, viria a constituir um instrumento a favor da resistência

frente a cobiça das nações estrangeiras, de seus cientistas e das investidas de “ideologias

avançadas, liberaes, o estremismo da epoca” (REIS, p. 114, 1940).

E no desvendamento da atuação estatal no âmbito da produção que este autor traça

paralelos e destaca a similaridade entre o modelo português de colonização e as políticas

pensadas no contexto histórico que circunscreve a publicação de sua obra. Semelhança que é

descrita no capítulo que investigou a direção econômica imprimida por Portugal à região. Pois,

ao exemplificar que “Nada se realizou, no campo da produção, que não tivesse sido controlado,

orientado pelo Estado.” (REIS, p. 109, 1940), Arthur Cézar Ferreira Reis iria trazer lições do

passado para aqueles tempos de alteração na mentalidade atinente à atuação do estado no

domínio econômico. E prossegue:

“Portugal, no caso especial da Amazonia, realizou uma esclarecida politica

econômica. Aproveitou-lhe as riquezas. Assistio-as carinhosamente. Evitou que as

destruíssem, como era do espirito do colono. Regulou-lhes os preços e sahida do valle.

Não as comprimio com taxações vexatórias. Defendendo-as da concorrência estranha.

Fel-as substituir espécies que rareavam pela difficuldade de as buscar no Oriente.

Manufacturou-as na região. Não impedio tentativas industriaes. Promoveo a creação

de rebanhos. Defendeo o futuro imediato da colônia vedando a exploração do sub-

solo. Promoveo a immigração de excelentes elementos para a colonização. Na

miscigenação, tentou constituir um typo humano próprio para as condições da região.

Na concessão de sesmarias, regulou-lhes a extensão, para evitar o latifundio, que desse

margem ao aparecimento do potentado. Política de orientação clarividente, portanto.

Não politica liberal, de produção desorientada. Mas politica economica em que se

pode sentir a existencia de plano. Plano de valorização, como é da technica actual.

Economia orientada, para não dizer, como hoje, economia dirigida.” (REIS, p. 109 e

110, 1940).

Diretrizes econômicas que até 1730, segundo afirma o autor, não foi estabelecida com

o intuito de valorização da terra e do homem, mas sim realizada de acordo com as contingências,

das necessidades do momento, não desprendendo-se, todavia, das condições regionais, suas

peculiaridades humanas e geográficas (REIS, p. 116, 1940). Situação que, no período posterior,

iria constituir em um programa que visava:

“promover o desenvolvimento de todas as energias do solo, a exploração racional da

produção expontanea, a fixação definitiva do colono, com a propriedade e o lar, de

par com outras varias medidas, decretadas com absoluta segurança nessa direção”

(REIS, p. 116, 1940).

Programa que, segundo relata, não se concretizou devido a erros e imprudências em sua

execução, destoando da forma e das intenções que a Coroa portuguesa ordenou. Além disso,

cita também que o meio teria atuado em sentido contrário a consecução deste plano, “meio

rebelde, agreste, ainda hoje ferozmente selvagem reagia, Ainda agora reage.” (REIS, p. 119,

68

1940). Ainda assim, para Arthur Cézar Ferreira Reis, a dominação portuguesa satisfez o

imperativo de controle geopolítico e científico da região.

Além disso, destacava como maiores feitos “o descobrimento e a conquista, o

consentimento dos naturaes, as despesas feitas pela corôa, os tratados de limites.” (REIS, p.

120, 1940). Realizações que levava este autor a concordar com Joaquim Nabuco, para quem

“Nada nas conquistas de Portugal é mais extraordinária que a conquista do valle do amazonas”,

pois, para este autor, “a política de Portugal no Valle amazônico, nos seos traços mais vivos,

constituio pagina impressionante da capacidade lusitana nos tropicos” (REIS, p. 121, 1940).

Em síntese, podemos afirmar que Arthur Cézar Ferreira Reis apresenta uma

interpretação da colonização portuguesa que assinala semelhanças com o contexto histórico e

institucional brasileiro dos anos 40. Pois questões como a manutenção da soberania nacional, a

preservação da autonomia e de interesses regionais, a intencionalidade de alterar formas de

produzir e viver e a adaptação do homem ao meio levantariam questionamentos quanto o

sentido que as políticas de valorização da região amazônica deveriam seguir.

E a exaltação do modo português de governar e exercer o controle do território que

produziu uma idealização do “homem amazônico” e de sua forma de adaptação à região. Visão

que iria influenciar a formação da política de desenvolvimento regional, esta que deveria se

assentar no apoio do estado nacional ao estabelecimento de uma economia planejada e

diversificada em bases agrícolas e industriais e não mais nos moldes extrativista e mercantil.

Uma intervenção que deveria ser fundamentada pelo conhecimento da terra e do homem.

Uma interpretação sobre Arthur Cézar Ferreira Reis que também é endossada por

Fernandes (2011), que discorre que:

“A interpretação historiográfica de Arthur Reis, deste período, ressalta a denúncia do

atraso da região amazônica e a necessidade de resposta por parte de uma intervenção

técnica do Estado brasileiro com o intuito de consolidar a soberania do Estado

nacional sobre o território amazônico (FERNANDES, p. 241, 2011).”

Portanto, nota-se nesta obra uma aproximação dos estudos de Arthur Cézar Ferreira Reis

com os debates que permearam o ambiente intelectual amazônico desde os escritos de Euclides

da Cunha. Neste, sentido, podemos compreender este autor como mais um ideológico de uma

linha de investigação que produziria reflexões que impactariam na conformação das políticas e

institucionalidades instaladas na região.

E desta prévia apresentação do modo como se apresentavam as discussões e os

fundamentos do problema amazônico por pensadores oriundos de matrizes de pensamento

diversas, podemos observar um padrão, o qual, reiteradamente, postula que “a natureza

69

majestosa e ameaçadora da Amazônia era vista por Euclides e seus seguidores, como um dos

grandes empecilhos para o seu desenvolvimento” (FERNANDES, p. 6, 2013). Constatação que,

em conjunto com a consciência do atraso da região, a busca por autonomia e preservação do

status quo e a diversidade de posições acerca da adaptação do homem ao meio, iria impor uma

virada na interpretação acerca das possibilidades e alternativas para o desenvolvimento da

região amazônica e permitir a emergência do pensamento desenvolvimentista-regionalista

amazônico.

E de maneira mais precisa, podemos destacar que o sentido do problema amazônico

esteve circunscrito a abordagens que nutriam a consciência do atraso e do subdesenvolvimento

da região. Discussão que se aproxima de atributos caros ao desenvolvimentismo, esta ideologia

e política de superação de estágios civilizatórios não desejados e que possui no ideal de

progresso um de seus traços mais marcantes (FONSECA, 2014).

Nota-se também que a especificidade e a complexidade da região impuseram a

incorporação do regionalismo, de ideias acerca da adaptação do homem ao meio, da exaltação

do domínio português e do controle da transição de um modelo extrativista mercantil para uma

economia agrícola e industrial. O que denota o caráter independente e complementar do projeto

de desenvolvimento amazônico (FERNANDES, 2011).

Além disso, pelo período histórico ao qual estivera envolvidas tais obras, é possível

ainda extrair disto a anterioridade da construção das estratégias de valorização da região, o que

retoma a questionável periodização do ano de 1930 como origem do desenvolvimentismo,

como apontado por Bielschowsky (1996), ponto que foi questionado por Fonseca (2004). O que

destaca a historicidade das reflexões acerca da questão regional amazônica.

Elementos que corroboram a interpretação de que a obra de Euclides da Cunha e seus

seguidores (Araújo Lima, Cosme Ferreira Filho, Vianna Moog e Arthur César Ferreira Reis)

abarcam a essência do pensamento acerca das alternativas de desenvolvimento regional da

Amazônia. Um projeto que tinha como objetivo a gradual transição do modelo econômico de

bases mercantis e extrativa para uma moderna economia agrícola e industrial. O que ilustra a

centralidade das discussões sobre a borracha para a emergência da ideologia e política

desenvolvimentista-regionalista amazônica. Destacando a importância da compreensão dos

fundamentos deste debate para a interpretação da história econômica da Amazônia.

70

4 A CONTROVÉRSIA SOBRE A BORRACHA E O PENSAMENTO

DESENVOLVIMENTISTA-REGIONALISTA AMAZÔNICO (1940-1966)

A borracha deixara um legado na região amazônica que ultrapassa as instâncias

materiais dos palácios históricos, dos serviços de infraestrutura urbana e do saldo exportador

durante o boom gomífero. Suas contribuições se estenderam a um amplo espectro de pilares

estruturais, como condições demográficas, formas de organização da produção, modalidades

de participação política, costumes sociais e etc.

E seja para sua negação, valorização ou desenvolvimento, diversas políticas e

institucionalidades foram implementadas com o intuito de alterar a posição da borracha no

complexo econômico, político e social da região, sobretudo no que diz respeito a substituição

dos efeitos derivados da operação do sistema de aviamento no seringal amazônico na

formatação da trajetória de desenvolvimento da região.

Políticas e institucionalidades que são produto do contexto histórico impregnado pela

ideologia e política desenvolvimentista. Iniciativas que tiveram início com o pronunciamento

do Discurso do Rio Amazonas em 1940, tendo passado por importantes modificações ao longo

do tempo, e que possuíram um momento de ressignificação com a eclosão das mudanças

institucionais decorrentes da Operação Amazônia em 1966.

E por ter se constituído em um dos principais produtos da região amazônica desde 1850

até meados do século XX, a borracha percorreu uma trajetória de polêmicas e divergências

quanto a adequabilidade de seu modelo de produção para a sustentação de um desenvolvimento

estável e de longo prazo para a região. Discordâncias que, entre os anos de 1940 e 1966, do

Discurso do Rio Amazonas até a Operação Amazônia, fizeram parte de um ambiente

institucional que abarcou uma disputa entre três projetos: um baseado em uma concepção

agrícola e industrial, inscrito no nacional desenvolvimentismo; outro alicerçado em bases

mercantis e extrativistas, proposto pelos regionalistas e operadores do sistema de aviamento; e

o último ancorado na tentativa de conciliação entre estes dois modelos, exposto no

desenvolvimentismo-regionalista amazônico (FERNANDES, 2011).

Controvérsias que serão melhor visualizadas a partir da leitura de textos de autores e

instituições que participaram ativamente do debate sobre o desenvolvimento regional na época.

Discussões presentes nas páginas de livros, relatórios técnicos, periódicos e outros meios de

divulgação que exploraram elementos da realidade amazônica, de sua história e de seus

condicionantes econômicos, políticos e sociais. Obras que expuseram uma série de perspectivas

acerca dos gargalos estruturais e das restrições impostas ao pleno desenvolvimento desta

71

extensa área territorial do país, espaço que ostentava uma áurea de desconhecimento e

imprecisões, sendo conhecida somente “aos fragmentos”, na feliz expressão de Euclides da

Cunha (2000), por meios de relato de filósofos, naturalistas, militares, agentes oficiais da coroa,

visitantes corriqueiros e etc., em expedições científicas e militares.

Gargalos estruturais e restrições que podem ser observados nas discussões acerca da

borracha amazônica, produto de importância central para a economia da região e cuja história

traz uma diversidade de relatos e proposições de autores que forneceram informações à opinião

pública “indicando e/ou fortalecendo determinada políticas quanto à borracha”, cabendo-lhes a

função de “divulgar e re-frabicar (atualizando) uma definição do ‘problema da borracha

brasileira’ – a necessidade de se passar de uma produção da borracha baseada em seringueiras

nativas à cultura racional da hevea”. (OLIVEIRA FILHO, p. 103, 1979). Discussões que

giraram em torno de antigas dicotomias ainda presentes nas discussões sobre a questão regional

amazônica: a oposição entre o “tradicional” e o “moderno”, entre “extrativismo” e

“agricultura”, entre “extrativismo” e “heveicultura”, entre “extrativismo” e “modernidade”

(ALMEIDA, 2008; FERNANDES, 2011).

Disto posto, o presente capítulo constituirá um esforço para a investigação da construção

do modelo de interpretação designado pelo termo de desenvolvimentismo-regionalista

amazônico (FERNANDES, 2011). Um modelo que, segundo nossa hipótese principal, tem no

debate sobre o desenvolvimento da produção de borracha na Amazônia, entre os anos de 1940

e 1966, seu momento de emergência e consolidação. É sobre este debate, de maneira mais

específica, que nos debruçaremos a partir de agora.

72

4.1 Do discurso do Rio Amazonas à SPVEA: a emergência de uma estratégia conciliatória

(1940 – 1953)

4.1.1 O ideal desenvolvimentista em contexto adverso: a Batalha da Borracha e seus contrastes

(1940 – 1946)

As angustias que estiveram presentes nos reclames por intensificação da atuação do

estado nacional, integração territorial e melhorias das condições de vida da região amazônica

viriam a ser sintetizadas num discurso que iria incorporar os principais atributos contidos na

discussão que previamente vinha sendo empreendida, o famoso Discurso do Rio Amazonas

proferido por Getúlio Vargas em Manaus no ano de 1940 (VARGAS, 1942). Uma “‘carta de

intenções’ que não seria cumprida” (SECRETO, p. 121 2007), mas que seria o ponto de partida

de um movimento de engajamento das elites da Amazônia e do Estado nacional em torno da

problemática central que acometia a nação e a região, a tentativa de superação do

subdesenvolvimento. Daí em diante, teria início um processo integração da região ao projeto

no desenvolvimento nacional implantado a partir do início do governo Vargas em 1930.

As diretrizes contidas em seus parágrafos foram identificadas com as ideias vinculadas

a pensadores como Euclides da Cunha, Alberto Rangel, Alfredo Ladislau (ANDRADE, 2010),

pensadores que reforçaram o imperativo da integração da Amazônia ao processo de

desenvolvimento nacional e que discutiram os imbróglios e as dificuldades de sobrevivência e

adaptação do homem da região aos imperativos do meio. Além disto, o discurso do Rio

Amazonas também foi interpretado como parte de um rol de medidas que giravam em torno da

incorporação do Sertão instada pela “Marcha para O‘este”, política que, segundo a leitura

oficial divulgada pelo departamento de propaganda varguista, “era a primeira vez que um

governo no Brasil dirigia a conquista do interior do país” (SECRETO, p. 120, 2007).

No entanto, apesar da identificação deste discurso com a obra de Euclides da Cunha,

nesta exposição Vargas iria romper com a tradição literária, científica e historiográfica que

negavam a possibilidade de superação das dificuldades do meio que constrangiam o pleno

desenvolvimento da região. Ancorar-se-ia em impressões semelhantes aos escritos de Araújo

Lima (1937), Cosme Ferreira Filho (1965), Vianna Moog (1975), Arthur Cézar Ferreira Reis

(1940), intelectuais cujos escritos carregavam elementos que iriam estar presentes nas

discussões acerca da valorização da borracha amazônica entre os anos 1940 e 196615.

15 A semelhança e proximidade deste discurso com os ideais que viriam a constituir no desenvolvimentista-

regionalista amazônico é notória ao assinalarmos que um expoente intelectual da Amazônia à época, Francisco

73

Inúmeros trechos deste discurso transmitem bem alguns dos principais alicerces da

ideologia e política desenvolvimentista em formação. “Conquistar a terra, dominar a água,

sujeitar a floresta” (VARGAS, p. 3, 1942) expõe o ideal da integração nacional, do domínio do

meio pelo Estado e pelo homem da região, componentes que iriam ser inseridos neste padrão

de interpretação e que seriam reiteradamente reforçados ao longo do discurso.

A alusão de que “os vossos problemas são, em síntese, os de todo o país” (VARGAS,

p. 3, 1942) constata uma condição de igualdade no tratamento dos problemas da nação e da

região, em sua condição de economia atrasada e subdesenvolvida. Um diagnóstico que levaria

Getúlio Vargas a incitar a necessidade de “adensar o povoamento, acrescer o rendimento das

culturas, aparelhar os transportes” (VARGAS, p. 3, 1942).

Uma proposta que surge em contraposição as visões que imputavam ao “clima

caluniado” (termo utilizado por Euclides da Cunha) a improcedência da civilização nos

trópicos, dado que “os fatos e as conquistas da técnica” comprovavam a factibilidade desta

empreitada, da implantação “às margens do grande rio” de uma “civilização única e peculiar,

rica de elementos vitais e apta a crescer e prosperar.” (VARGAS, p. 3, 1942).

O que levava Getúlio Vargas a asseverar criticamente que:

“Apenas – é necessário dizê-lo corajosamente – tudo quanto se tem feito, seja

agricultura ou indústria extrativa, constitui realização empírica e precisa transformar-

se em exploração racional. O que a natureza oferece é uma dádiva magnífica a exigir

o trato e o cultivo da mão do homem. Da colonização esparsa, ao sabor de interesses

eventuais, consumidora de energias com escasso aproveitamento, devemos passar à

concentração e fixação do potencial humano. A coragem empreendedora e a

resistência do homem brasileiro já se revelaram, admiravelmente, nas “entradas e

bandeiras do ouro negro e da castanha”, que consumiram tantas vidas preciosas. Com

elementos de tamanha valia, não mais perdidos na floresta mas concentrados e

metodicamente localizados, será possível, por certo, retomar a cruzada desbravadora

e vencer, pouco a pouco, o grande inimigo do progresso amazonense, que é o espaço

imenso e despovoado.

É tempo de cuidarmos, com sentido permanente, do povoamento amazônico. (...) O

nomadismo do seringueiro e a instabilidade econômica dos povoadores ribeirinhos

devem dar lugar a núcleos de cultura agrária, onde o colono nacional, recebendo

gratuitamente a terra desbravada, saneada e loteada, se fixe e estabeleça a família com

saúde e conforto.” (VARGAS, p. 3 e 4, 1942).

Nota-se neste trecho a incorporação de argumentos relacionados à exploração racional,

da passagem da exploração dos produtos da floresta em estado natural para o trato e cultivo

pelo homem, da transição do extrativismo para a agricultura. Proposta que vem acompanhada

de uma crítica incisiva aos efeitos da exploração extrativista estabelecida em torno do sistema

Pereira Silva, expressou que “desde aquele momento, estava iniciada a ‘Marcha da Amazônia’! O presidente,

depois de reunir todos os dados estatísticos e econômicos sobre a planície verde, foi vê-la... Viu a terra, ouviu o

homem. E compreendeu os anseios de todos” (SECRETO, p. 121, 2007).

74

de aviamento e da incitação à superação de seus limites, elencando medidas como a

concentração e a fixação dos seringueiros e ribeirinhos em “núcleos de cultura agrária” como

saída para o progresso da região amazônica (VARGAS, p. 4, 1942).

Prossegue com a promessa de que o “ingresso definitivo [da região] no corpo econômico

da nação, como fator de prosperidade e de energia criadora, vai ser feito sem demora”

(VARGAS, p. 4, 1942). Objetivo que seria alcançado através do auxílio de “todo o Brasil”, este

Brasil que demonstrava um “desejo patriótico de auxiliar o surto do seu desenvolvimento”

(VARGAS, p. 4, 1942). Projeto este, que no caso específico da região, deveria ter como objetivo

principal o impulso de “aumentar o comércio e as indústrias, e não, como acontecia antes,

visando formar latifúndios e absorver a posse da terra, que legitimamente pertence ao caboclo

brasileiro.” (VARGAS, p. 5, 1942), o que corresponde a uma reiteração da crítica a estrutura

produtiva prevalecente do extrativismo.

E para tal finalidade ser alcançada, para que o Amazonas deixasse de ser um “simples

capítulo da história da Terra” e tornasse “um capítulo da história da civilização” (VARGAS, p.

5, 1942), Vargas propunha que se deixasse de lado o “fácil deslumbramento, repleto de imagens

ricas e metáforas preciosas” pelo “estudo objetivo da realidade” (VARGAS, p. 5, 1942),

destacando a importância da investigação científica dos fundamentos e oportunidades da região,

para que fosse possível avaliar sua viabilidade à exploração econômica. Estudo que deveria ser

realizado devido a “riqueza potencial imensa” desta “extremidade setentrional do território

pátrio”, que “atraia cobiças e apetites de absorção” de nações e povos estrangeiros (VARGAS,

p. 6, 1942). Uma alusão a necessidade de integração da região como instrumento para se

contrapor à cobiça internacional.

Do resumo deste importante discurso temos a evidência do amplo uso de atributos

centrais da ideologia e política desenvolvimentista. O que depõe a favor da constatação de que

os desígnios deste modelo de interpretação dos problemas da Amazônia começavam a fazer

parte dos anseios do Estado nacional na formulação de seus diagnósticos e proposições em

termos de políticas de desenvolvimento regional.

Desta forma, percebe-se que o que Vargas propunha era uma política de Estado para o

crescimento da produtividade da economia amazônica, uma política que, baseada no domínio

da técnica e da ciência, deveria resguardar a soberania nacional sobre o território, integrar a

região “vazia e escassamente povoada” ao restante da nação e suplantar a produção extrativista

por um novo modelo de desenvolvimento estabelecido em bases agrícolas. Uma proposta que

não incluía expedientes de regionalismo, como o resguardo do status quo e o enaltecimento de

uma figura idealizada de homem da região, mas que fugia de rupturas fortes com os reclames

75

por maiores graus de autonomia regional, nutrindo tão somente a tentativa de incorporar este

homem aos desígnios da nação, à prosperidade, à superação do atraso.

Em conjunto, este discurso traz à tona um exemplo claro da emergência da ideologia e

política desenvolvimentista na região. Um conjunto de ideias que carregavam elementos

ilustrados por Euclides da Cunhas e reexaminados por Araújo Lima e demais autores que viriam

a fazer parte das estratégias de desenvolvimento regional a partir de então. Atributos que, por

conseguinte dos imperativos do contexto histórico de montagem do aparelho de estado voltado

a tarefa de intervenção no domínio econômico (DRAIBE, 1986; NUNES, 1997) e de formação

de uma ideologia de superação do subdesenvolvimento nacional (BIELSCHOWSKY, 1996;

FONSECA, 2004), seriam incorporados ao cerne de uma série de instituições que viriam a ser

criadas para tratar o problema do desenvolvimento regional amazônico.

Cabe notar que o efeito imediato deste discurso foi o de despertar os anseios das elites

amazônicas por um projeto de modernização16. No entanto, a criação do Instituto Agronômico

do Norte (IAN) (decreto-lei 1.245 de 04 de maio de 1939 (BRASIL, 1939)) e sua

regulamentação (decreto-lei 3.044 de 12 de fevereiro de 1941 (BRASIL, 1941)) demonstra a

intencionalidade de Vargas em promover a superação das deficiências tecnológicas da região

em favor de uma política agrícola. Uma instituição que detinha o objetivo de realizar

“investigações e trabalhos experimentais sobre os fatores da produção agrícola e, promover a

difusão, o melhoramento, defesa e aproveitamento econômico das plantas cultivadas e silvestres

da região” (Decreto-lei 3.044 de 12/02/1941). Ou seja, promovia uma política de incentivo as

culturas agrícolas e ao aumento dos rendimentos do extrativismo, objetivos próximos aos que

foram elencados pelo discurso do Rio Amazonas.

Seria dentro deste contexto histórico de emergência de novas ideias que se iniciaria um

processo de construção de um discurso de desenvolvimento alinhado ao desenvolvimentismo a

nível nacional (FERNANDES, 2011). Todavia, o movimento de incorporação destas ideias nas

políticas de desenvolvimento regional não ocorreria sem reflexos e ruídos de vetor contrário,

haja vista que sua tentativa de institucionalização teria de enfrentar conflitos e conciliações com

os desígnios dos regionalistas operadores do sistema de aviamento.

16 Elites que desde tempos longínquos se encontravam frustradas e desacreditas sobre a possível chegada de um

auxílio governo federal. O que criou um sentimento difuso nos habitantes da região de abandono, o que explicita

a tensa relação existente entre a nação e a região (SANTOS, 1980; FERNANDES, 2011; MARQUES, 2013).

Weinstein (p. 122, 1993) inclusive classifica o relacionamento entre a Amazônia e o Governo Central, mesmo

antes do insucesso do Plano de Defesa da Borracha criado em 1912 para reerguer a região, como um caso de

“reciprocidade negativa, cada uma das partes pouco esperando e pouco recebendo da outra.”.

76

E os embates entre estas correntes de ideias podem ser observados nas páginas de livros,

relatórios, periódicos e outras publicações do período. Obras que explicitam as divergências e

controvérsias acerca dos rumos e alternativas do desenvolvimento regional amazônico.

Publicações derivadas de áreas e disciplinas diversas do conhecimento humano, tais como

economia, geografia, sociologia e etc., além de discursos políticos que surtiam grande

influência no ambiente intelectual da época.

Um primeiro exemplo destes embates pode ser observado nas discussões que giraram

em torno dos efeitos da Segunda Guerra Mundial sobre a economia amazônica. Discussões que

podem ser acompanhadas nas páginas do periódico O Observador Econômico Financeiro,

revista de renome nacional de publicação mensal que circulou entre 1936 e 1962 e que era

presidida por Valentim Bouças17 (BIELSCHOWSKY, 1996). Periódico que publicou uma série

de reflexões sobre a problemática da Amazônia.

Assinam artigos sobre esta temática dois autores vinculados ao chamado grupo de

desenvolvimentistas brasileiros, Valentim Bouças e Rômulo Almeida18, e um autor mais

alinhado ao segmento extrativo da Amazônia, Firmo Dutra19. Destaca-se destes artigos a

existência de um debate acerca da possibilidade de inserção do segmento gomífero amazônico

no esforço de guerra norte americano, com divergências quanto aos caminhos a se tomar para

que o sistema produtivo da Amazônia se adequasse as contingências do novo contexto

internacional e superasse definitivamente seu atraso.

Firmo Dutra (1940), discutiria a importância da proteção de matérias primas estratégicas

para o avanço da indústria e para a segurança nacional, destacando a posição privilegiada da

borracha neste caso. Situação que, em tempos de guerra, impunha o país a voltar a ser um grande

produtor e exportador desta matéria prima, sobretudo devido a demanda americana e à ascensão

do mercado interno, o que redirecionava novamente os olhos para a Amazônia.

17 Um autor identificado com a corrente desenvolvimentista não nacionalista (BIELSCHOWSKY, 1996). Era

empresário, proprietário e diretor da revista, além de representante de firmas estrangeiras no país. Após a

Revolução de 30 tornou-se bastante próximo do presidente Getúlio Vargas, tendo inclusive assumido a direção da

Comissão de Estudos Financeiros e Econômicos dos Estados e Municípios e a coordenação da Dívida Externa

Brasileira, além de ter coordenado a Comissão dos Acordos de Washington durante a segunda guerra mundial. 18 Um autor identificado com a corrente desenvolvimentista nacionalista (BIELSCHOWSKY, 1996). Em suas

contribuições destaca-se seu parecer favorável à proposta de Roberto Simonsen em 1944 durante a controvérsia

sobre o planejamento e o seu cargo de presidente da assessoria econômica durante o segundo governo Vargas

(1951-1954), onde tivera proeminência na condução de projetos como a Petrobrás, Banco do Nordeste e etc., além

de ter sido um dos redatores da lei 1.086/1953, que versava sobre a criação e atribuições da SPVEA. Destaca-se

também a sua vinculação a trabalhos envolvendo a questão regional brasileira. 19 Um autor representativo das elites regionais amazônicas, com seus interesses vinculados ao extrativismo e a

defesa da borracha. Personagem que seria presidente do BCB em 1946 e 1947, membro do conselho consultivo

do BCA em várias gestões e representante das classes extrativistas e comerciais durante as diversas discussões

sobre a intervenção federal na região.

77

E para o soerguimento da economia gomífera amazônica, estagnada desde a crise de

1912, Firmo Dutra (1940) destaca o imperativo de o Estado promover a redução dos custos de

produção dos seringais, elevando seus níveis de produtividade. Para isto, elencava medidas

como: 1) arregimentação de mão de obra; 2) melhorias nos transportes; 3) barateamento

insumos; 4) promoção de assistência sanitária (DUTRA, p. 111, 1940).

Afirma ainda que o Estado somente deveria trilhar outras alternativas após a

implementação destas diretrizes. Alternativas que, a exemplo da experiência do Oriente e da

Ford, deveriam incentivar a agricultura da hévea e de outras plantas, além de implementar

usinas de beneficiamento. Uma investida cujo auxílio do IAN seria imprescindível, instituição

que deveria prestar assistência técnica a capitais privados e cooperativas agrícolas.

Portanto, Firmo Dutra prescreveria um plano para a reativação dos seringais tipo

empório como pré-requisito para a execução de outras políticas. Intervenções que requeriam a

ingestão de crédito, porquanto, como coloca o autor, “haverá necessidade, essa immediata,

imperativa e de salvação, de cuidar do financiamento da região, de erguer-lhe as energias gastas

e consumidas em mais de quarto de século de lutas e prejuízos” (DUTRA, p. 111, 1940).

Valentim Bouças (1940), discorreria sobre a importância da borracha para o quadro

econômica nacional, enumerando suas contribuições à época do boom e incitando o país a se

empenhar no incentivo à produção deste recurso estratégico. Relata sua viagem a cidade de

Belém e arredores, apresentando uma caracterização do problema amazônico e elencando as

deficiências e as potencialidades de aprimoramento de seu sistema produtivo.

Faz isto com o objetivo de demonstrar o potencial a ser explorado na região, que poderia

ser incentivado por três vias: 1) a expansão do esforço gomífero através de melhorias técnicas;

2) o incentivo à produção de outros produtos dentro do seringal; e 3) uma política de

diversificação da estrutura produtiva da região para além da borracha, em direção ao petróleo e

as fibras vegetais, por exemplo.

Insere tal problemática no contexto de mudanças institucionais implementadas por

Vargas, estas que significavam uma “nova mentalidade a germinar em nossa terra.” (BOUÇAS,

p. 54, 1940), uma percepção acerca da emergência do desenvolvimentismo no país

(BIELSCHOWSKY, 1996). E dado o contexto de guerra, cita que a Amazônia poderia surgir

como fornecedora de matérias primas aos desígnios da nação e dos países aliados.

Deste modo, para a consecução deste objetivo e para o reerguimento da região,

posicionava-se favorável ao incentivo dos fundamentos dos seringais tipo caboclo e a uma

política de diversificação da estrutura produtiva da região. Estratégias que tornavam-se factíveis

78

neste contexto de alteração da mentalidade em relação à atuação do Estado na economia, uma

intervenção pró-crescimento da produção e da produtividade.

Rômulo Almeida (1941), estudaria o Acre e traçaria um paralelo entre a economia deste

território e da Amazônia, listando alternativas ao regime de produção da borracha. Criticaria a

espoliação que os seringueiros sofriam, tanto pelas intempéries da natureza e quanto por suas

relações com o sistema de aviamento. Um sistema de produção que não resistiu à concorrência

asiática e que demandava uma reorganização para retomar sua dinâmica histórica.

Relata ser favorável a uma reorganização direcionada por três vias: 1) aumentos de

produtividade do seringal; 2) o plantio de seringueiras; e 3) o incentivo a castanha, a madeira,

a agropecuária, entre outros. Opções que promoveriam um ajuste nas condições estruturais que

levaram ao vazio econômico e demográfico da planície através do incentivo a seringais do tipo

caboclo, da agricultura e da diversificação produtiva do setor primário.

Políticas que auxiliariam a contornar os empecilhos da natureza e do sistema de

aviamento. Alternativas que desde a crise de 1912 ganhavam espaço, mas que sofriam restrições

a sua expansão, uma vez que a “agricultura sofre colapsos, com a evasão do pessoal para os

seringais, se os produtos ‘dão altos preços’” (ALMEIDA, p. 71, 1941). O que destaca sua visão

acerca do caráter deletério da borracha à diversificação produtiva da região.

Resultado cujos efeitos derivam da ausência de conhecimento científicos e de incentivos

à fixação na terra, fruto, sobretudo, do descaso do Estado. Pois, ao contrário do Oeste, o domínio

daquele território ainda não carregava o denominador econômico da “Nação”, o que levanta o

imperativo de integração econômica da região, cabendo ao Estado auxiliar e dirigir a

reorganização total da economia do Acre e da região amazônica.

E destes três autores destaca-se a interpretação comum de que o sentido que a política

de desenvolvimento da Amazônia deveria tomar era o aumento de produtividade do seringal e

a diversificação da estrutura produtiva regional. Abordagens que salientaram argumentos como

a imprescindibilidade de se conhecer cientificamente as potencialidades regionais, o abandono

do estado nacional e a possibilidade da borracha se tornar um dos sustentáculos da transição

para uma economia agrícola e industrial. Posições que se aproximam dos desígnios elencados

no discurso do Rio Amazonas e das ideias de Euclides da Cunha (2000), Araújo Lima (1937),

Cosme Ferreira Filho (1965), Vianna Moog (1975) e Arthur Cézar Ferreira Reis (1940).

Todavia, cabe salientar que a ênfase elencada por cada autor difere. Para Firmo Dutra,

por exemplo, o incentivo ao seringal empório deveria ser pré-condição à retomada da economia

amazônica, enquanto que para Valentim Bouças e Rômulo Almeida o essencial seria o incentivo

ao aperfeiçoamento tecnológico e a produção de outros produtos paralelamente à extração,

79

rumo a implantação de seringais do tipo caboclo. Sendo comum aos dois polos o incentivo ao

plantio de seringueiras e a instalação de outras atividades agrícolas e industriais.

E a assinatura dos Acordos de Washington20 em 1942 introduziria novos condicionantes

a este contexto histórico. Deste acordo, seria criado o Banco de Crédito da Borracha (BCB)

(Decreto-lei 4.841 de 17 outubro de 1942 (BRASIL, 1942)), principal instrumento da tentativa

de reativar a produção gomífera da Amazônia, tarefa executada através do fornecimento de

crédito e do monopólio de compra e venda de borracha. Além do BCB, outras medidas foram

instaladas visando equacionar os gargalos estruturais que restringiam a produção gomífera21.

Instituições que fizeram parte de um evento histórico que ficaria conhecido como a “Batalha da

Borracha” (PINTO, 1984; MARTINELLO, 1988; DEAN, 1989).

Um conjunto de políticas que iriam garantir “sobrevida assegurada ao arcaico e

reacionário sistema de crédito e distribuição” (PINTO, p. 101, 1984), reativando o extrativismo

da borracha estabelecido no sistema de aviamento, com créditos, viveres, mão de obra, controle

de doenças e uma reorganização política do território. Um resultado que, oposto aos desígnios

dos desenvolvimentistas, derivava de uma mudança da posição de Vargas e do Estado quanto

ao problema amazônico (SECRETO, 2007), dado que “o imediatismo pragmático terminou por

predominar, deixando de lado o esforço modernizador inicial, em troca do crescimento, o mais

veloz possível, da produção.” (OSÍRIS DA SILVA, p. 618, 2004).

Uma política cuja a urgência no suprimento de borracha colocariam em rota de colisão

o governo americano, o brasileiro e as elites extrativistas e mercantis (PINTO, 1984;

MARTINELLO, 1988; DEAN, 1989). Um primeiro embate ocorreu quando a SAVA executou

uma política de fornecimento de suprimentos diretamente aos seringueiros em 1942. Um

segundo conflito se estabeleceu sobre o preço da borracha definido pelo BCB em 1943. E o

terceiro caso demonstrou a tentativa de regular o funcionamento do seringal amazônico22.

20 Os Acordos de Washington foram um conjunto de pautas firmadas entre o governo brasileiro e o norte

americano, onde se definiu, entre outras medidas, a criação da Siderúrgica de Volta Redonda, o envio de tropas

brasileiras a guerra e o suprimento de borracha amazônica aos americanos (DEAN, 1989). 21 Lista-se no conjunto de instituições criadas: 1) o Serviço de Encaminhamento de Trabalhadores (SEMTA),

substituído pela Comissão Administrativa do Encaminhamento de Trabalhadores para a Amazônia (CAETA); 2)

a Superintendência do Abastecimento do Vale Amazônico (SAVA); 3) o Serviço Especial de Saúde Pública

(SESP); 4) a Serviço de Navegação e Administração do Porto do Pará (SNAPP); e 5) a criação dos territórios

federais do Guaporé (atualmente Rondônia), Rio Branco (atualmente Roraima) e Amapá (CÔRREA, 2004;

COSTA, 2004; OSÍRIS DA SILVA, 2004) 22 Regulação que seria executada por meio da introdução de artigos na lei de criação do BCB, os quais versavam

sobre aspectos estruturais do seringal. Um destes artigos propunha uma distribuição proporcional dos lucros

resultantes dos preços da borracha entre seringueiros e aviadores dos lucros. Outros dispunham sobre garantias

aos seringueiros, como a permissão a caça, pesca, a coleta de castanha e o cultivo da terra. Ou seja, estabeleciam

medidas que promoviam um seringal de menor espoliação e mais diversificado, formato mais próximos do seringal

tipo caboclo.

80

Políticas que visavam desmanchar os desincentivos à produção, diminuir os custos do

esforço de guerra e expandir os graus de autonomia e os rendimentos dos seringueiros. Conflitos

que seriam vencidos sempre em favor das elites regionais, fomentando a reestruturação de

seringais tipo empório a partir da restrição as atividades da SAVA, do aumento do preço da

borracha e do descanso com as regras impostas pelo BCB23.

Situação que demonstra a extrema capacidade de resiliência do sistema de aviamento às

mudanças estruturais e institucionais, principalmente aquelas concernentes a alterar seu status

quo. E o que também denota a existência de rupturas entre os distintos projetos para o

reerguimento da economia amazônica durante a década de 1940, os quais iriam impor restrições

as alterações institucionais que visavam a diversificação da estrutura produtiva regional.

Projetos que angariariam apoios e dissidências durante a construção da política de

desenvolvimento regional amazônica. Disputas que fortaleceriam uma estratégia alinhada à

diversificação da estrutura produtiva amazônica, em direção à indústria e a agricultura, ao

mesmo tempo em que mantinha os amparos ao modelo extrativista mercantil. Ideias caras ao

desenvolvimentismo-regionalista amazônico (FERNANDES, 2011).

Ideologia e política que, para sua consolidação, seria refinada ao longo do debate sobre

o desenvolvimento da produção de borracha na amazônica. Discussões que, entre os anos de

1940 e 1946, apresentariam teses que aproximavam-se dos elementos centrais do que seria

definido por uma nova matriz de pensamento de linhagem e inspiração desenvolvimentista,

apesar da hegemonia dos operadores do sistema de aviamento. O que destaca a importância das

controvérsias acerca da política da borracha engendradas ao longo do período.

Dentro deste contexto, podemos citar a retomada das discussões na revista O

Observador Econômico e Financeiro. Valentim Bouças (1942), por exemplo, destacaria que o

BCB deveria ser vinculado à recuperação econômica da Amazônia, tendo por base a goma

elástica. Argumentando ser natural seguir no caminho do extrativismo devido a disponibilidade

de seringueiras no vale, o que considera ser suficiente para dinamizar outras atividades.

Ou seja, estabelece no extrativismo gomífero uma pré-condição para o desenvolvimento

do vale, perspectiva mais próxima à de Firmo Dutra (1940). Defendia ainda o apoio estatal para

o saneamento e o cultivo científico, demonstrando também uma inclinação pela promoção de

um novo estágio de desenvolvimento:

23 É interessante notar a importância da Associação Comercial do Pará (ACP) e da Associação Comercial do

Amazonas (ACA), as seculares instituições representativas da classe mercantil e extrativista da Amazônia, na

resolução destes conflitos.

81

“agrícola-industrial – o empirismo cedendo lugar à técnica científica, a aventura à

racionalização – o que por si só constituirá a consolidação das riquezas criadas (...)

capaz de absorver, de fixar e dar abastança a camadas consideráveis do povo

brasileiro” (BOUÇAS, p. 5, 1942).

Uma ótica que elevava o BCB à “função de, pela borracha, incluir a Amazônia na

prosperidade que se alastra por outras regiões do Brasil” (BOUÇAS, p. 5, 1942). Papel que

seria examinado em Bouças (1943), onde este autor analisaria o desempenho da Batalha da

Borracha, destacando o papel do crédito, do fornecimento de alimentos pela SAVA e da

mobilização de trabalhadores realizada pelo SEMTA para a reativação dos seringais.

Criticaria o apetite das elites regionais por aumentos do preço da borracha. Medida que,

segundo o autor, acarretava no aumento das margens de lucros dos comerciantes e a diminuição

da produção de alimentos, aumentando o custo de vida deste sistema econômico e exercendo

somente pequenos ou nulos efeitos dinamizadores na região. Destaca ainda que a real solução

do problema amazônico deve ser a busca de:

“um programa de longo alcance, uma política de equilíbrio e estabilização, que nos

permita, após o conflito, continuar a produzir em condições melhores e de

concorrência. Com êste escopo se deverá promover o plantio da seringueira, ao passo

que se fomenta a extração da árvore nativa para atender às necessidades imediatas e

inadiáveis da guerra.” (BOUÇAS, p.14, 1943).

Assinalava, portanto, ser o plantio de seringueiras a única alternativa para se evitar o

colapso da economia regional após o fim dos acordos, retornando a um posicionamento mais

crítico aos operadores do sistema de aviamento. No entanto, cita ser necessário, para a transição,

diminuir os preços dos bens complementares à produção de borracha e a expansão do

contingente de trabalhadores.

O que demonstra sua preferência por incentivar os seringais tipo empório no curto prazo,

endossando os interesses das elites regionais, ao mesmo tempo em que se processa um plano

de longo prazo. Indicando que mesmo os desenvolvimentistas, e neste caso, o presidente da

Comissão dos Acordos de Washington, apresentava-se favorável ao controle da transição de

um modelo extrativista-mercantil para um outro modelo de matriz agrícola e industrial.

Preocupação que também esteve presente em Almeida (1943a), texto onde avaliou os

benefícios dos acordos de Washington e esboçou uma estratégia para a estabilização da

Amazônia. Objetivo que somente seria alcançado através da diversificação produtiva e da

racionalização do extrativismo, em direção a outros produtos extrativos, agrícolas e

agropecuários, e com a integração vertical à indústria, tanto para auto abastecimento quanto

como “fontes de riqueza exportável” (ALMEIDA, p. 17, 1943a).

82

Uma proposta que visava prevenir a região das altas e baixas da atividade gomífera, que

influíam na especialização da economia amazônica no extrativismo e restringiam outras

atividades e o auto abastecimento do vale. E vislumbrando neste novo modelo um futuro

próspero, tal como indica:

“é possível que as necessidades do auto-abastecimento e o programa de preparação da

nova economia amazônica libertada da dependência exclusiva da indústria extrativa

leve a Amazônia (...) a se tornar numa grande região agrícola do país, apesar da pouca

gente e da floresta monstruosa e alagada que para muita gente simboliza a inutilidade

de qualquer esforço de fixação e de domínio.” (ALMEIDA, p. 19, 1943a).

Portanto, vislumbra a fixação à terra e o domínio do território como fins factíveis,

descreditando os baixos índices de densidade demográfica e o meio como empecilhos ao

desenvolvimento da região. Finalidade cujo maior entrave seria o equacionamento tecnológico

e cultural: tecnológico, pois a diversificação e a racionalização produtiva dependia disto;

cultural, pois a integração da Amazônia ao Brasil deve ser realizada de forma harmônica, ao

tempo da floresta e ao modo de vida do caboclo.

Problema cultural, cuja responsabilidade residiria nas elites amazônicas e não nos

caboclos, visto que as “escolas, com programas universais e verbalistas, desintegra do seu meio

e desvia do seu destino de submetê-lo ao serviço da civilização amazônica.” (ALMEIDA, p.

23, 1943a). Elite que em outro artigo (ALMEIDA, 1943b) seria criticada por seu nomadismo

mercantil e sua sede pelo lucro imediato, que não estabelece um senso de permanência na região

e não se preocupa com o futuro.

Para Rômulo Almeida (1943b), não havia na Amazônia uma orientação disciplinadora

e nem assistência técnica que guiasse os objetivos de longo prazo. Por isso, discorre que “a

observação da vida amazônica levou-nos à conclusão de que o problema mais agudo para a

reorganização da economia regional é o do comércio, o do intermediário, o da mentalidade

mercantil” (ALMEIDA, p.58, 1943b).

Mentalidade que cristalizou os efeitos deletérios do extrativismo e resultou na distância

das elites às experiências científicas, como Fordlândia, o que gerou certo “abandono

psicológico” dos problemas regionais (ALMEIDA, p. 49, 1943b). Cenário que teria

oportunidade de ser revertido com uma reorganização da produção gomífera por intermédio

"das plantações e da industrialização da produção” (ALMEIDA, p. 57, 1943b).

Neste contexto, elenca a importância das inovações institucionais, citando o IAN, com

suas pesquisas e experiências agrícolas, o BCB, com o financiamento da safra, da entressafra,

das plantações e da colonização de novas áreas, e ilustrando também a SAVA, o SEMTA e o

83

SESP e seu papel de abastecimento, alocação de mão-de-obra e assistência médica e social.

Destacando ainda o contexto propício a um processo de transição da economia amazônica.

E da elucidação do conteúdo destes textos podemos perceber nítidas divergências entre

projetos de desenvolvimento, mas também o consenso de que a manutenção do extrativismo

seria pré-condição à retomada e a diversificação da economia amazônica. Controvérsia que

abarcaria ainda uma multiplicidade de outros autores, tais como Felisberto Camargo e Samuel

Benchimol, além da reinserção de Araújo Lima e Cosme Ferreira Filho.

Felisberto Camargo24, por exemplo, seria um dos maiores críticos da política de

revitalização dos seringais tipo empório produzida pela Batalha da Borracha, posicionamento

que lhe garantiu ferrenha oposição dos operadores do sistema de aviamento (DEAN, 1989).

Nacionalista, situaria a Amazônia, pelo potencial de seus recursos naturais, como uma das

alternativas para o enriquecimento do país.

Um autor que pautou sua carreira pela divulgação da factibilidade da instalação do ideal

agrícola na Amazônia, uma região paupérrima, que sofria de crises de fome e desnutrição e que

dependia da produção alimentar de outras regiões do país. E Felisberto Camargo (1944), em

um texto intitulado “Plantação de Seringueiras” e publicado pela primeira vez em 1943,

pontuaria o imperativo de uma política de colonização baseada em pequenos agricultores, aos

moldes de seringais tipo caboclo, em um consórcio de cultura de seringueira e culturas e

criações de subsistência.

Um projeto remontava uma antiga tradição de política de colonização na Amazônia,

aventada por Pimenta Bueno e Silva Coutinho ainda no século XIX (OLIVEIRA FILHO, 1979),

ponto também citado em Cosme Ferreira Filho (1965). Plano que vislumbrava na associação da

lavoura e da extração a saída para atacar simultaneamente o problema alimentar e de escassez

de borracha. Política que poderia contar com o apoio da tecnologia de clones resistentes a

moléstias e de alta produtividade, achado ainda por ser refinado pelo IAN.

Um plano mais “geopolítico e militar do que agronômico, mas cheio de dados sobre

produtividades de clones, solos e condições climáticas” (DEAN, p. 149, 1989). Plano que tinha

como alicerce os predicados de fixação e adaptação do homem à terra, instalando uma nova

qualidade de relação com o meio, a partir do respaldo de critérios científicos. Uma obra que

deveria ter como finalidade transformar a Amazônia em produtora mundial de borracha, haja

vista os imperativos econômicos e políticos do desenvolvimento da região.

24 Nacionalista, amigo pessoal do presidente Vargas e agrônomo indicado para o comando do IAN, tendo ficado a

frente deste órgão de 1941 até 1952, comandando uma instituição de vanguarda nas pesquisas científica na região,

a qual produziu tecnologias agrícolas, agropecuárias e de racionalização do extrativismo.

84

Outro autor importante seria Araújo Lima (1943), em um texto intitulado “A Explotação

Amazônica”, publicado na Revista Brasileira de Geografia, editada pelo IBGE. Obra que

listaria os feitos da conquista portuguesa, tal como Arthur Cézar Ferreira Reis (1940), sobretudo

a manutenção da soberania territorial e o direcionamento econômico rumo a agricultura e a

indústria, plano frustrado pelas investidas do extrativismo. Interpretação que reiterava

elementos presentes em Araújo Lima (1937) que reabilitaram o homem e da terra da região.

Neste contexto histórico diverso, Araújo Lima elencaria a oportunidade de a região

suplantar definitivamente as vicissitudes decorrentes da exploração extrativista e mercantil.

Finalidade que o levava a apontar as razões da improcedência da sustentação da atividade

gomífera por via extrativa em ambiente de superprodução mundial, haja vista que:

“Sem malabarismo de paradoxo, pode-se asseverar, após aprofundada análise, que o

grande mal da Amazônia é a borracha: porque monopoliza todo o trabalho, porque

desvia, da agricultura e outras fontes de vida, todos os braços e todas as aspirações; é

uma ocupação extrativa, instável, e sobretudo destruidora, que não fixa o homem e

não lhe firma vínculos da vida social, forçando-o a saquear e esgotar os seringais.”

(LIMA, p. 85, 1943).

Uma especialização produtiva nociva ao desenvolvimento do vale, cujos efeitos vinham

sendo aprofundados com a retomada dos seringais empório. Situação a qual, para ser

contornada, necessitaria se ancorar no mesmo ente causador, na “economia dirigida, de alta

envergadura, presidida por uma orientação técnica e financeira de responsabilidade

insuspeitável” (LIMA, p. 91, 1943) da Batalha da Borracha.

Uma intervenção que, além de relembrar características das intervenções elencadas

pelos portugueses, necessitava de ajustes para se adequar aos imperativos da região, e que

deveria desdobrar-se num “plano de soerguimento da Amazônia, a obra econômica definitiva,

sôbre cujos alicerces se firmará uma grandeza estável e duradora; será o aproveitamento

agrícola da região, que exige capital e tempo.” (LIMA, p. 92 1943).

Obra que seria realizada através do “plantío de héveas, além da cultura dos artigos

alimentícios sôbre a qual se apoiará a vida humana nos seringais, isto como duplo objetivo de

saúde e equilíbrio orçamentário.” (LIMA, p. 92 1943). Política que visava a instalação de

seringais tipo caboclo e de um ideal agrícola, pois como coloca:

“Pôr-se-á em prova, então, a competência técnica especializada, que se demonstrará

através da seleção dos tipos de seringueira, da preferência dos terrenos a cultivar, do

aparelhamento dos campos de plantação, da assistência alimentar e sanitária aos

trabalhadores, das medidas propagadoras de instrução e educação, dêstes e de suas

famílias, ensinando-lhes hábitos salutares, tendentes a erguer o nível mental do

homem, aprestando-o para a civilização. Serão postas em prática tôdas as providências

pertinentes à grande obra a instalar-se na bacia Amazônica, à maneira Ford, do

85

Tapajoz, mas em grande tomo, ciclópica no seu vulto e em sua finalidade.” (LIMA,

p. 92 1943).

E Cosme Ferreira Filho (1965), em um apanhado de textos que acompanharam a linha

do tempo daquele contexto histórico (de 1940 à 1946), iria expor os fatores que antepunham-se

ao desenvolvimento da Amazônia na Batalha da Borracha. Cita a necessidade de harmonizar

os interesses para preparar a transição para o tempo de paz, com medidas que se destinassem a

estabilizar e processar a passagem para um outro modelo econômico na região.

Destaca que “a volta do modo primitivo de produzir, viver e comerciar constitui um

problema que impõe dificuldades que requerem consideráveis reajustamentos, os quais somente

a planificação poderá romper com a artificialidade do período de guerra.” (FERREIRA FILHO,

p. 129, 1965), pois, como assevera:

“Planificação (...) submissa às contingências inexoráveis do nosso meio econômico e

geográfico e promovida com a sábia ajuda dos verdadeiros e autorizados

conhecedores dos nossos problemas.

Planificação urgente e inadiável, a ser reclamada, iniciada e conduzida, tão cêdo

quanto possível, pelos nossos administradores e através das instituições locais

responsáveis pela supervisão e destino dos vários grupos sociais que vivem, trabalham

e constróem, neste pedaço singular e mal definido do território brasileiro, e sem a qual

nos reservaremos um período de amargas confusões, que podemos e devemos evitar.”

(FERREIRA FILHO, p. 136, 1965).

Considerava ser imprescindível a aquisição de conhecimento acerca dos fatores que

limitavam a reorganização da vida econômica da região. De uma transformação que deveria

passar pela racionalização das atividades florestais e a sistematização das culturas vegetais, com

a borracha à frente desta intervenção, haja vista ser um produto decisivo para a conquista

territorial e principal fator do progresso da economia amazônica (FERREIRA FILHO, p. 139,

1965).

Posicionava-se de maneira otimista quanto aos cenários para a produção gomífera

devido a previsão da expansão da indústria nacional, crescimento que poderia inclusive

provocar déficits no futuro. Cenário que, em conjunto com a entrada de Firmo Dutra na

presidência do BCB em 1946, levava Cosme Ferreira Filho a postular a necessidade de se

ampliar as iniciativas que visavam o equilíbrio da borracha brasileira, rumo a um novo ciclo

para a economia amazônica.

E seria em meio a este contexto de críticas à Batalha da Borracha que insurgiria Samuel

Benchimol25 como um autor de relevância para a interpretação dos problemas amazônicos.

Contribuição que seria expressa no trabalho “O Cearense na Amazônia - Inquérito

25 Empresário, economista, cientista social e intelectual amazônida, publicou mais de uma centena de trabalhos

relacionados à causa amazônica, identificando os obstáculos ao desenvolvimento da região.

86

Antropogeográfico sobre um tipo de Imigrante”, publicado pela primeira vez em 1944 e editado

como livro em 1946, também contido em Benchimol (1977).

Tributário do regionalismo de Gilberto Freyre e fazendo uso do ferramental teórico-

metodológico da geografia, da sociologia e do pensamento social brasileiro, Samuel Benchimol

estudaria a imigração e a adaptação do nordestino à esta região tão distinta do sertão. Uma área

geográfica e econômica de penetração pioneira, de fronteira, que começava a apresentar novas

formas econômicas mais vantajosas, motivo pelo qual a imigração requeria controle, estímulos

e propaganda.

Neste texto, aborda o fluxo migratório de nordestinos para a Amazônia impulsionados

pela borracha, um fato histórico e contemporâneo à sua época. Um movimento instável,

aleatório e de um povoamento efêmero. E um processo que, para sua estabilização e sucesso,

requeria a adaptação do imigrante as asperezas da natureza, o que levava o autor a asseverar

que:

“O que precisamos é de uma política econômica que ajuda o imigrante a se fazer

colono, a gostar da terra a ter amor ao seu trabalho. (...) Já é hora de esquecermos os

métodos econômicos predatórios que até hoje estão em vigor e procurar, dentro de

nossa peculiaridade regional, uma economia mais justa e mais humana. Não queremos

soluções ingênuas ou líricas, Lutamos por uma economia que alie o interesse

econômico do imigrante ao interesse e ao destino da terra que acolhe.”

(BENCHIMOL, p. 213, 1977).

Destaca que a imigração constituiu um dos principais traços da expansão brasileira,

contribuindo para o alargamento territorial e conservação da unidade nacional. Uma expansão

que tornava visível o contraste entre o trabalho e a aventura, entre a fixação e a imigração, o

que, no caso da economia amazônica, seria expresso na antítese entre o caboclo e o nordestino,

tendo em vista que “o homem do rio é a antítese do homem da seca.” (p. 171, 1977).

Uma interpretação de caboclos e nordestinos, categorias definidas a partir de critérios

semelhantes aos de seringais caboclo e seringais empório que utilizamos neste trabalho, que

ilustrava uma crítica à política de colonização concebida pela Batalha da Borracha, a qual

considerava imprópria ao desenvolvimento do vale, pois como coloca:

“O regime de vida, terrivelmente destrutivo, vence o amor e instaura em seu lugar a

cobiça e a aventura. Sem base agrícola a fixar o imigrante não se pode falar em

colonização. Faltam-nos as raízes estabilizadoras do amanho da terra, o amor ao

trabalho, à criação, o conforto. Por muito tempo seremos ainda assim. O quadro de

ontem, com pouca diferença, ainda é o de hoje. Nada pode competir com a borracha

em tempo de alta. Abandona-se a agricultura, escasseia o braço, desaparece o roçado.

Todo mundo se dirige para os seringais. Ela é como muito bem disse Cosme Ferreira

Filho: “o único sismográfico de sua vida econômica”. (BENCHIMOL, p. 174 e 175,

1977).

87

Portanto, compara a borracha aos demais ciclos econômicos brasileiros, ao do ouro, ao

do açúcar e etc., identificando nestes produtos efeitos esterilizantes à agricultura, uma vez que

“agricultura não rima bem com seringa” (BENCHIMOL, p. 176, 1977). Característica que, em

conjunto com a opulência do regime de produção da borracha, impactava no pequeno número

de imigrantes que se adaptavam ao meio e ao seringal. Cenário que aprofundava ainda mais a

instabilidade da ocupação da Amazônia.

Efeitos que eram potencializados pela Batalha da Borracha, impactando na restrição as

alternativas ao desenvolvimento da região, haja vista que a “mentalidade da seringa invade e

influencia todas as outras. Contamina imprudência e destruição em derredor de seu meio.”

(BENCHIMOL, p. 177, 1977). E citando Euclides da Cunha (2000), Araújo Lima (1937),

Vianna Moog (1975) e Arthur Cézar Ferreira Reis (1940), discorre que as políticas de

desenvolvimento da Amazônia deveriam visar a autonomia do seringueiro como caminho para

a conquista territorial, leitura que incentivava seringais tipo caboclo, agentes que se adaptavam

mais facilmente ao meio amazônico, ao contrário dos nordestinos.

Uma problemática que requeria como solução uma política de colonização do imigrante

e do colono que compreendesse a especificidade do homem do rio e vislumbrasse na exploração

sistemática da terra a chegada da civilização. Perspectiva que seria melhor explorada em

Benchimol (1946), em texto intitulado “O Aproveitamento das Terras Incultas e a Fixação do

Homem ao Solo”, publicado e, 1946 no periódico Boletim Geográfico, editado pelo IBGE.

Neste texto, Samuel Benchimol realizaria um estudo sobre o imperativo da ocupação do

território brasileiro, indicando as linhas gerais de uma política de colonização, com ênfase sobre

a região amazônica. Destaca neste artigo a importância da ciência e da técnica na remoção dos

obstáculos à penetração nos vazios demográficos, função que vem diminuindo as influências

das leituras baseadas no “determinismo geográfico” (BENCHIMOL, p. 685, 1946).

Para o autor, sem a ciência e a técnica, se observará o que ocorria na região amazônica,

“onde uma economia destrutiva impiedosa acabará por dizimar as espécies vegetais e animais,

a menor que se tome uma providência de ordem técnica e demográfica para o aproveitamento

racional da terra.” (BENCHIMOL, p 686, 1946). E prossegue dissertando que:

“O ideal seria que pudéssemos escolher os tipos de imigrantes que melhor se

adaptassem às diferentes regiões brasileiras. Na Amazônia, por exemplo, as condições

geográficas e econômicas especiais deram origem a um problema um pouco diferente

do observado em outras zonas.

A generalização da economia extrativa-destrutiva da borracha, castanha, balata, pau-

rosa, couros, etc., é um obstáculo permanente para a organização do trabalho agrícola

sistematizado. Antes do ciclo da borracha o Amazonas tinha a sua agricultura

regularmente desenvolvida, agricultura que veio morrer por falta de braços e de

88

iniciativa; braços e iniciativa encaminhados para os seringais e castanhais dos altos

rios.” (BENCHIMOL, p. 686, 1946).

Uma leitura crítica acerca dos efeitos da economia gomífera no domínio da região

amazônica. Assim, assevera que a política de colonização deveria se ater ao “tipo de cultura, a

natureza do trabalho agrícola, a forma de exploração, o clima, o regime de vida dominante”

(BENCHIMOL, p. 687, 1946). O que, para seu sucesso, deveria ser executado em paralelo a

melhoria dos problemas de saúde, alimentação, transporte, educação, que somente deveriam ser

atacados em núcleos humanos organizados, em cidades, vilas, povoados e colônias agrícolas.

Política que deveria ter como fundamento norteador o fato de que:

“A terra precisa ser valorizada pelo trabalho e pelo homem. Êste precisa ser reabilitado

como força econômica de produção. As florestas precisam ser transformadas em

campos de cultura agrícola racional. (...)

Hoje já não pode existir a ficção literária do “homem intruso e impertinente” nem tão

pouco a imagem do “inferno verde” onde a vida humana é impossível. Estes

preconceitos serviram para quebrar a iniciativa de uma colonização do norte, sob o

pretêxto de ser uma região impossível de ser habitada pelo homem.” (BENCHIMOL,

p. 688 e 689, 1946).

Portanto, a ciência, a técnica e a cultura racional deveriam ser o alvo da política,

recomendações opostas as implementadas na Batalha da Borracha, pois como coloca:

“o pensamento dominante nessa imigração dirigida oficialmente foi exclusivamente

o de produzir mais borracha. Não o de colonizar e de fixar o homem ao solo. Fêz-se

assim, novamente, como das vêzes, anteriores, uma obra efêmera de povoamento

transitório e nunca uma obra colonizadora fecunda. O resultado foi o fracasso que

acabamos de assistir dessa empreitada imigrantista.” (BENCHIMOL, p. 695, 1946).

O que ilustra que para Samuel Benchimol a instalação do ideal agrícola seria a única

alternativa para superar os efeitos deletérios do extrativismo e do sistema de aviamento na

economia amazônica. Objetivo que deveria ser conduzido através da imigração e da

colonização levada a cabo a partir dos avanços científicos, organizando o trabalho agrícola

sistemático e fixando o homem ao solo. Diretrizes que permitiriam a superação dos gargalos e

restrições que minaram a experiência da Batalha da Borracha.

Assim, destaca-se dos textos de Felisberto Camargo, Araújo Lima, Cosme Ferreira Filho

e Samuel Benchimol a reiteração de atributos presentes nos debates sobre a Amazônia.

Encontram-se presentes nestes textos componentes como a confiança no progresso da região, o

papel do Estado e do planejamento na promoção do desenvolvimento, o ideal da diversificação

da estrutura produtiva regional, principalmente em direção à agricultura, o imperativo do

controle da integração territorial, a capacidade de adaptação dos nordestinos e dos caboclos ao

meio, a centralidade da ciência e da tecnologia para a consecução deste projeto, a amplitude de

89

áreas temáticas a se tratar (educação, saneamento, transportes, crédito e etc.) e a necessidade de

controlar a transição de uma economia extrativa à uma economia diversificada.

E do apanhado geral do conjunto de textos apresentados neste tópico, ressalta-se o

contraste entre os ideais desenvolvimentista presentes em Vargas, Valentim Bouças, Rômulo

Almeida e Felisberto Camargo, e os desígnios dos operadores do aviamento, sub representados

no debate intelectual mas ativos na conformação institucional, exposto por Firmo Dutra.

Embate que expressa a passagem das intenções iniciais divulgadas pelo Estado e seus

intelectuais para a instalação de um projeto contrário aos seus fundamentos, imposto pela

alteração na conjuntura nacional e internacional sintetizada na Batalha da Borracha.

Uma intervenção que seria executada em meio a fortes controvérsias, as quais abririam

espaço para a emergência de um padrão de interpretação dos problemas da Amazônia que seria

exposto por pensadores vinculados ao que estamos chamando aqui de projeto

desenvolvimentista-regionalista amazônico, de autores como Araújo Lima, Cosme Ferreira

Filho e Samuel Benchimol. Um ideário que seria originário de contribuições destes autores e

também tributário de outras obras como as de Vianna Moog, Arthur Cézar Ferreira Reis e,

principalmente, de Euclides da Cunha. Um projeto que integrava as ideias desenvolvimentistas

e regionalistas, com a convergência do ideal de diversificação econômica da região e a

manutenção do extrativismo da borracha, como condição de controle da transição da tradição

(extrativismo) à modernidade (desenvolvimento) (FERNANDES, 2011).

Uma forma de visualizar o apanhado de ideias divulgadas ao longo deste período é

exibindo quais autores mais se aproximaram ou se afastaram desta estratégia

desenvolvimentista-regionalista. O método que encontramos para sintetizar a exposição destas

ideias foi classificar cada obra como mais ou menos alinhada com as categorias presentes na

controvérsia, tal como definidas na figura 3.

Figura 3 – Categorias presentes na controvérsia sobre a borracha na Amazônia.

Fonte: Elaborado pelo autor.

E especificados os critérios para a classificação das ideias, construímos a figura 4.

• Progresso

• HeveiculturaDesenvolvimentismo

• Tradição

• ExtrativismoRegionalismo

Desenvolvimetismo-regionalista

• Conciliação da transição à

modernidade

• Progresso sem rupturas com o

exrtrativismo

90

Figura 4 – Ambiente de ideias da controvérsia sobre a borracha na Amazônia (1940-1946).

Fonte: Elaborado pelo autor com base nas obras dos pensadores.

Posições acerca de um modelo de desenvolvimento que, no caso da borracha, alçaria ao

ambiente intelectual um projeto de colonização do território amazônico que possuía profundas

raízes no pensamento sobre o desenvolvimento da região, inspirados em cânones indicados por

autores como Pimenta Bueno e Silva Coutinho desde o século XIX (FERREIRA FILHO, 1965;

OLIVEIRA FILHO, 1979). Um plano que também esteve presente durante o auge do ciclo

econômico da borracha, como também revelado por Weinstein (1993), que cita que:

“Os mais ardorosos defensores da colonização na Amazônia acreditavam em geral

que a economia extrativa era responsável pela dispersão física e pela degradação

espiritual da população rural. Em resumo, as colônias seriam centros de progresso

econômico e cultural, ao mesmo tempo. Ampliando o nível cultural dos habitantes

rurais, com iniciativas em técnicas agrícolas mais aprimoradas e hábitos mais

diligentes de trabalho.” (WEINSTEIN, p. 141, 1993).

Uma política de colonização que almejava a instalação da agricultura de borracha, da

heveicultura, em paralelo à criação de culturas e criações de subsistência. Proposta que visava

desarticular o sistema de aviamento e de extração de borracha e estabelecer a fixação do homem

ao solo, a ocupação territorial, a adaptação do homem ao meio (tecnicamente qualificada) e a

instauração de um novo ciclo econômico à região. Problemáticas coligadas a alcunhas como a

racionalização das atividades florestais e a sistematização das culturas vegetais.

Um modelo que vislumbrava na promoção de seringais caboclos o desenvolvimento da

produção de borracha na Amazônia. Uma política que somente seria integrada ao arcabouço

institucional amazônico após a promulgação da constituição de 1946, se inserindo nas

91

discussões e intervenções do braço executor do artigo 199 da Carta Magna de 194626, por

intermédio, principalmente, da Superintendência do Plano de Valorização Econômica da

Amazônia (SPVEA).

Uma das diversas mudanças institucionais que teriam papel decisivo na construção da

política de desenvolvimento regional amazônica. Instituições que, apesar de não terem

apresentado resultados tão significativos na destituição da trajetória path dependence inscrita

no sistema de aviamento e na promoção da diversificação da estrutura produtiva da região, são

importantes para a compreensão da consolidação das ideias divulgadas na controvérsia sobre o

desenvolvimento da produção de borracha na Amazônia.

26 Artigo que versava sobre a reserva de 3% da renda tributária da União e dos Estados, Territórios e Municípios

da Amazônia Brasileira para a aplicação durante 20 anos no Plano de Valorização Econômica da Amazônia

(PVEA).

92

4.2.2 A reformulação do aparato institucional de intervenção e a institucionalização de uma

estratégia conciliatória (1947 – 1953)

As incertezas decorrentes da proximidade do fim dos Acordos de Washington (previsto

para 1947) suscitaram um verdadeiro pânico nas elites amazônicas. Temia-se o desmonte do

recente aparelho de estado instalado para a efetivação da Batalha da Borracha, a extinção de

um conjunto de instituições que revitalizaram o secular sistema de aviamento e o extrativismo

da borracha. Políticas que, mesmo sob alvo de críticas, se constituíram no principal instrumento

responsável pela ruptura da estagnação da região (PINTO, 1984; DEAN, 1989).

Preocupações que surgiam em meio ao amadurecimento de uma ideologia mais alinhada

ao planejamento estatal (BIELSCHOWSKY, 1996) e a efervescência da questão regional

brasileira (FERNANDES, 2011), o que incentivaria a inserção na constituição de 1946 de

artigos que visavam a diminuição das desigualdades regionais. Deste modo, o Nordeste, o Vale

do São Francisco e a Amazônia seriam contemplados com a reserva de recursos do Estado para

o planejamento de seu desenvolvimento (D’ARAÚJO, 1992).

E no que diz respeito ao caso específico da região amazônica, passada a Batalha da

Borracha, episódio que “inibiu uma política mais duradoura e com resultados de mais longo

prazo” (D’ARAÚJO, p. 9, 1992), insurgiriam reflexões acerca dos impactos limitados desta

experiência na expansão da produção gomífera e na dinamização da região. Questionamentos

que levantariam o imperativo de alteração das diretrizes da atuação estatal na região, em direção

ao efetivo planejamento da diversificação econômica da Amazônia.

Dentro deste contexto, após um longo processo de discussões, que vão desde

encaminhamentos na Constituinte de 1946, proposições na I, II e III Conferência da Borracha

(realizadas em 1946, 1948 e 1949), deliberações na Comissão Especial de Valorização

Econômica da Amazônia (entre os anos de 1947 e 1953), disputas na Conferência Técnica

Administrativa (de 1951) e a apresentação de substitutivos de lei e diversas outras publicações,

teria espaço uma reformulação do aparato institucional de intervenção federal na região.

Assim, logo após o fim da guerra, seriam extintos o CAETA e a SAVA, mantendo-se

ativos somente o BCB, o SNAPP, o SESP e o IAN. Além disso, no decorrer do período, seriam

instaladas três importantes mudanças institucionais, quais sejam: 1) a Comissão Executiva de

Defesa da Borracha (CEDB), órgão regulador do mercado da borracha; 2) o Banco de Crédito

da Amazônia (BCA), a partir da reformulação do BCB; e 3) a Superintendência de Valorização

Econômica da Amazônia (SPVEA), braço executivo do artigo 199 da constituição de 1946.

93

A CEDB foi criada pela lei 86 de 08 de setembro de 1947 (BRASIL, 1947), cabendo-

lhe a função de regular o mercado da borracha, observando os níveis de produção, estoques,

exportação, importações e preços. Além disso, esta legislação também promulgou a

manutenção da política de créditos e preços subsidiados à borracha via BCB até 1950. Um

aparato institucional que resultava da pressão encabeçada pelas Associações Comerciais,

grupos políticos regionais e indústrias de artefatos de borracha leves e pesadas.

E com a aproximação do fim da vigência da lei 86 de 1947, intensificou-se a pressão

para a continuidade desta política de crédito para a Amazônia. Com efeito, têm-se a criação do

BCA pela lei 1.184 de 30 de agosto de 1950 (BRASIL, 1950), alteração que manteve o

monopólio de compra e venda de borracha do BCB e a CEDB, além de ter ampliado o rol de

atividades aptas a serem financiadas pelo banco27. Uma política que visava conceder maiores

montantes de crédito para a diversificação da economia amazônica28.

Por fim, teríamos a criação da SPVEA pela lei 1.806 de 06 de janeiro de 1953 (BRASIL,

1953), órgão que seria encarregado de coordenar, por meio de planos quinquenais29, a

realização de empreendimentos, obras e serviços que teriam a finalidade de promover a

diversificação da estrutura produtiva e a melhoria das condições infra estruturais e institucionais

que impediam o desenvolvimento da região amazônica. Valorização que possuía um sentido

econômico, político, social e geopolítico de ocupação e controle de uma região que ocupava

mais de 60% do território nacional.

Em síntese, destaca-se a criação de um conjunto de instituições que pautariam os debates

acerca dos rumos e alternativas que a política de desenvolvimento regional deveria tomar.

Instituições cujas normas diretrizes de suas políticas são de fundamental importância para a

27 Para fazer frente à ampliação das atribuições do BCA, criou-se o Fundo de Fomento à Produção, um fundo

formado pela reserva do montante de 10% dos recursos do artigo 199 da constituição de 1946. Fundo que era

destinado ao financiamento de empreendimentos agrícolas, pecuários, industriais, de transporte e bem como

qualquer outro ramo da economia regional, mas preferencialmente o incentivo à produção da borracha por meio

de seringais de cultura organizada. 28 Todavia, apesar das atribuições do banco alinhadas com a diversificação, existiam restrições à esta finalidade.

O Conselho Consultivo do BCA, por exemplo, era um órgão de perfil corporativo (NUNES, 1997) responsável

por propor: 1) a política de crédito gomífera; 2) a abertura, o fechamento e os eixos de atuação das agências do

banco; e 3) o plano de financiamento do Fundo de Fomento à Produção. E haja vista que este órgão era formado

por representantes dos Estados e Territórios amazônicos, de suas Associações Comerciais, da Associação de

Seringalistas e da Confederação Nacional da Industria, destaca-se o controle exercido pelos operadores do sistema

de aviamento, contrários à diversificação (CÔRREA, 2004). 29 Para a formulação dos planos a SPVEA contava com dois órgãos: a Superintendência e a Comissão de

Planejamento. A Superintendência era encarregada de executar os planos e presidir a Comissão de Planejamento,

enquanto esta última instância era responsável por elaborar pesquisas e projetos que subsidiariam o plano

quinquenal. A Comissão de Planejamento era composta pelo superintendente e por mais quinze membros, sendo

seis técnicos correspondentes a áreas chaves do plano (Produção Agrícola, Recursos Naturais, Transportes,

Comunicações e Energia, Crédito e Comércio, Saúde, Desenvolvimento Cultural) e mais nove representantes dos

estados e territórios da região. Um órgão que misturava elementos técnicos e políticos, conjugando o

corporativismo e o insulamento burocrático (NUNES, 1997).

94

compreensão da construção de um projeto de diversificação econômica da Amazônia, este que

alçaria ao centro da problemática amazônica a imprescindibilidade da borracha para a

consecução do desenvolvimento da região.

Um projeto que vinha se formando desde tempos anteriores à década de 1940, sendo

revigorado com a entrada em vigor da Batalha da Borracha e resignificado com esta

reformulação do aparato institucional de intervenção. Ideal que promovia, em termos gerais,

que o desenvolvimento da região deveria abarcar uma transição de uma economia extrativista

e mercantil para uma industrial e agrícola, controlando este processo para resguardar os

interesses das elites regionais amazônicas (FERNANDES, 2011).

Uma política que se consolidaria por meio das alterações institucionais promovidas

entre os anos de 1947 e 1953, pois como indica Pinto (1984):

“A articulação dos interesses industriais, predominantes na política nacional, e os do

grupo, fundamentalmente regional e comercial, envolvido na exploração da atividade

extrativista amazônica, resultou numa solução de compromisso que foi a Lei n. 86 de

8 de setembro de 1947, acompanhada, de forma indissociável, do já referido artigo

199 da Constituição de 1946 (PINTO, 1984, p. 104).”

Passagem que expõem a interpretação de que a promulgação da lei 86 de 08/09/1947

(que acabou por impulsionar a criação do BCA posteriormente) e a inserção do artigo 199 da

constituição de 1946 eram partes constituintes de uma estratégia de conciliação de interesses

dos desenvolvimentistas e dos regionalistas extrativistas e mercantis. Articulação que

compreendia anteparos a exploração gomífera e a intencionalidade da promoção de um plano

de desenvolvimento para a região de amplitude maior que os até então esboçados.

Mudanças institucionais que, apesar da intencionalidade em instituir um novo modelo

de política econômica, findariam por sustentar a manutenção da política de preços subsidiados

da borracha e tão somente a implementar moderadas alterações estruturais na economia

amazônica. Resultados que não impactariam significativamente na alteração da trajetória path

dependence inscrita no sistema de aviamento da borracha em parcela do território amazônico

(como indicado no capítulo 2).

Questões que ganhariam contornos cada vez mais graves com o prosseguimento do PSI,

uma vez que ocorreria um vertiginoso crescimento da demanda por borracha pelas indústrias

de artefatos de borracha instaladas no Centro Sul do país (PINTO, 1984). Consumo que cresceu

638% entre os anos de 1941 e 1960, magnitude que não conseguiu ser acompanhada pela

produção nacional, que cresceu somente 47,3%, com os déficits sendo cobertos por importações

a partir de 1951 (CÔRREA, p. 570, 2004).

95

E dada a rigidez das safras de borracha e a restrição na capacidade de importar do PSI,

a solução do problema gomífero se tornava ainda mais urgente. O que colocava em xeque o

seringal tipo empório revitalizado pela Batalha da Borracha, assim como promovia a

intensificação do debate acerca de concepções alternativas para a superação das fragilidades da

economia da região. Elementos que substanciariam a atuação do aparato institucional de

intervenção e as interpretações acerca das vicissitudes e possibilidades amazônicas.

Um contexto histórico que impactaria na introdução de uma série de proposições ao

centro das mudanças institucionais, inaugurando um novo momento na história do pensamento

sobre o desenvolvimento da região. Com controvérsias que conquistariam espaços

institucionais privilegiados, de onde cada matriz de pensamento teria um ambiente propício à

formulação de diagnósticos, auxiliando assim a institucionalização de uma estratégia

conciliatória alinhada as ideias desenvolvimentistas e regionalistas.

E seguindo a linha do tempo das proposições apresentadas ao debate, temos o retorno

de Arthur Cézar Ferreira Reis, autor que em 1947 produziu uma série de textos sobre a

introdução do planejamento estatal na Amazônia e sobre as características da dominação

portuguesa na região, tomando esta experiência como um marco para a valorização econômica.

Autor que aliava pesquisa histórica com prognósticos para a atualidade, ilustrando elementos

do passado que legitimavam um projeto de desenvolvimentista para a Amazônia.

Reis (1947a), em nota intitulada “Planificação da Amazônia” publicada no Boletim

Geográfico do IBGE, discorre sobre a importância da participação de técnicos especialistas nas

especificidades regionais na formulação da empreitada valorativa. Criticava também o fracasso

das antigas políticas implementadas na região, as quais teriam levado a nação a duvidar da

factibilidade do desenvolvimento da Amazônia, sendo exemplar o contraste entre a falência da

borracha amazônica e o êxito das plantações asiáticas e da indústria sintética.

Fracassos que não excluíam o imperativo da urgente recuperação da Amazônia,

sobretudo em face das angústias políticas, sociais e econômicas que acometiam a região. E,

para se solucionar tais infortúnios, discorre ser necessário:

“a proposição do problema em todos os seus aspectos, inclusive aquêle, tão delicado,

da importância político-militar da região. Uma vez proposto o problema, então,

organizar, à luz da experiência e dos ensinamentos da técnica de nossos dias, o

programa de trabalho, a ser executado sem desfalecimentos, por homens capazes

quanto à competência e quanto à seriedade de propósitos e de ação.” (REIS, p. 1477,

1947a).

Um trecho que ilustra o ideal do progresso da Amazônia, que somente seria efetivado a

partir da investigação técnica e científica de seus principais fundamentos, visando, sobretudo o

96

apaziguamento das incertezas geopolíticas de controle do território amazônico. Obra que

deveria estar a cargo do órgão executor do artigo 199 da constituição, instituição que seria

responsável pela “definitiva integração da Amazônia na comunhão humana e econômica do

país” (REIS, p. 1478, 1947a).

Projeto que já vinha sendo ensaiado pelos órgãos estatais em operação na região.

Planificação que apoiava-se nas autoridades e elites técnicas destes órgãos e na “experiência de

três séculos de vida aventurosa ali vivida” (REIS, p. 1478, 1947a), nos interlúdios da história

regional. Política que deveria ser construída por “técnicos, homens ligados de verdade aos

problemas da região, servidos de propósitos de brasilidade acima de qualquer dúvida” (REIS,

p. 1478, 1947a).

E em texto intitulado “A Amazônia brasileira: flagrantes de sua formação e de sua

atualidade”, publicado na Revista Brasileira de Geografia do IBGE, Reis (1947b) analisa a

evolução histórica da região. Inicia ponderando que o “cenário amazônico tem sido objeto de

uma literatura intensa e nem sempre exata. Seu descritivo é difícil”, visões que expunham a

singularidade de sua fisionomia, “sintetizável em águas abundantes, florestas gigantes,

humanidade escassa, fauna riquíssima, economia destrutiva” (REIS, p. 85, 1947b).

Enaltece a conquista da terra, a qual, por intermédio da destruição e da miscigenação,

constituiu uma composição social que, sob a tutela do estado português, foi determinante para

o domínio do território amazônico. Composição de tipos sociais que sofriam com a desnutrição,

a falta de assistência médica e a imposição de preços altos pelo sistema de aviamento.

Conjuntura que passara incólume por diversos momentos históricos, transcorrendo, segundo

classificação do autor, a era da conquista, do domínio, da Cabanagem e do ouro negro.

Períodos históricos que, destarte as tentativas de direcionamento econômico do período

pombalino e da defesa da borracha após a crise de 1912, consolidaram uma primitiva economia

gomífera como o centro dinâmico da economia regional (REIS, 1947b). Uma estrutura

econômica que, pelos idos de 1947, era percebida como um obstáculo a ser superado pelo

Estado brasileiro, como um capítulo a ser escrito na história da civilização contemporânea, de

uma região que possuía imenso potencial de matérias primas necessárias ao Brasil.

E em diálogo com Euclides da Cunha (2000), tido como um dos maiores observadores

das coisas amazônicas, afirma que “o homem estava ali presente ainda como um intruso com

um rendimento de atividades insignificante” (REIS, p. 101, 1947b). Patamar inferior de

desenvolvimento que não significava descrédito do homem e do ambiente, uma vez que, apesar

da economia destrutiva e dos intemperes históricos, as capitais Belém e Manaus demonstravam

o esforço e a capacidade da construção de centros modernos na região.

97

Reitera, assim, sua crença na factibilidade do progresso da Amazônia. Da possibilidade

de se alcançar patamares de desenvolvimento mais elevados neste espaço onde as riquezas

potenciais da floresta exigiam a continuidade de esforços. Tarefa que deveria ser uma realizada

gradualmente, visto que “o homem amazônico, por outro lado, não possa abandonar suas

atividades repentinamente, desprezando o que criou em dois séculos de trabalho para ajustar-se

a outros tipos de civilização econômica” (REIS, p. 101, 1947b).

Textos que demonstram que Arthur Cézar Ferreira Reis conciliava um ideal de

progresso com a defesa dos interesses das elites extrativistas e mercantis. Realizando isto com

base em uma ótica que descreditava os infortúnios do homem e do meio como responsáveis

pelo atraso da região e de onde, em um contexto de clamor pelo planejamento, indicava o acerto

das diretrizes malograda política de defesa da borracha de 191230, intervenção exemplar que:

“fixou os aspectos do problema amazônico e preparou o clima para as tarefas de

magnitude que ora se executam para a recuperação regional.

Êsse esfôrço de recuperação envolve a colonização, a regulamentação e o aumento da

produção, a tarefa de saneamento, o reequipamento financeiro e técnico.” (REIS, p.

97, 1947b).

Conjunto de diretrizes que poderiam se transformar na matriz central da experiência de

valorização que estava sendo formulada nas instituições regionais. E em relação a antiguidade

das propostas que retornavam ao debate, Reis (1947c) em texto intitulado “Aspectos

econômicas da dominação lusitana na Amazônia”, publicado na revista Boletim Geográfico do

IBGE, refletiria sobre o conteúdo dos planejamentos executados pelos portugueses, atendo-se

especificamente ao período da conquista e de domínio do território.

Ousadia, impetuosidade, solidariedade com o mameluco (caboclo), heroicidade são

adjetivos que Reis (1947c) utilizava para caracterizar a conquista do extremo norte do país pelo

português. Um feito que somente foi possível com a introdução de novas técnicas de conquista,

dado o ambiente (a)diverso que encontraram. Meio onde a técnica encontrara limites à

eficiência, mas que “longe desses processos de trabalho, não será possível qualquer êxito no

espaço amazônico” (REIS, p. 263, 1947c).

Deste modo, Reis (1947c) realiza um apanhado histórico dos principais momentos dos

portugueses na Amazônia, discorrendo sobre temas como a vivência indígena, as especiarias, a

tradição agrária, as riquezas da região, questionando a ideia de que Portugal abandonara a

região. Buscava com isto demonstrar a existência de iniciativas que visaram a recuperação do

30 Plano de Defesa da Borracha (decreto n. 9.521 de 17 de abril de 1912) que previa: o incentivo à indústria

extrativa e a plantação de borracha, a criação de indústrias de artefatos de borracha, a assistências aos imigrantes

nacionais e estrangeiros, facilidades para os transportes, o fomento à produção de gêneros alimentícios no vale, a

distribuição de terras no Acre, medidas de proteção e amparo a produção da borracha, entre outras coisas.

98

vale (REIS, p. 253, 1947c). Observações que vão de encontro à ideia de terra sem história de

Euclides da Cunha.

Ilustra que a Amazônia suscitou a impressão de terras fertilíssimas e de diversas riquezas

potenciais, lugar onde o português se adaptou as contingências, com políticas cujo fracasso não

eliminavam sua acurácia. Do período de conquista do território, destaca a incorporação dos

indígenas e do saber acerca da extração e da cultura de gêneros adequados à região. Do período

de domínio do território, relata a “transformação econômica”, a tentativa de transição do

extrativismo para a agricultura, pecuária e indústria, denotando um movimento de questionando

a validade de se ater exclusivamente ao extrativismo.

Da fase de domínio territorial, Reis (1947c) lista a imigração, a colonização e a

miscigenação como políticas estatais para a manutenção da soberania e como incentivo para a

agricultura e as cidades. Período definido como um “capítulo da ‘marcha para oeste’.” (REIS,

p. 268, 1947c). Destacando-se também a busca pela identificação das riquezas potenciais e

aprimoramento dos métodos indígenas de preparação do solo. Cabendo menção a importância

do Jardim Botânico de Belém, tido como predecessor do IAN, em sua busca por desvendar a

natureza amazônica, apurando o valor das diversidades econômica regional.

Elementos que levaram o autor a afirmar que teria ocorrido uma acurada investida de

Portugal em favor da soberania territorial, da adaptação do homem ao meio e da valorização

das riquezas regionais. Experiência que, por suas similaridades com os desafios da época,

evidencia uma tradição de ideias na Amazônia. Uma perspectiva que valorizava a tradição

portuguesa enquanto alicerce para a construção de um projeto de transformação da Amazônia,

conectando-se as ideias de Freyre (1964) e incorporando-as à finalidade do desenvolvimento.

E em meio à realização das conferências da borracha e de discussões acerca do formato

institucional ideal para a intervenção federal na Amazônia, surgiria uma parceria internacional

para a investigação científica das potencialidades da região. Iniciativa que seria batizada de

Instituto Internacional da Hiléia Amazônica, um órgão da Organização das Nações Unidas para

a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) que atenderia os desafios desta problemática

apontada por muitos como uma das causas do atraso da região.

No entanto, divergências quanto ao domínio do conhecimento das potencialidades da

região despertaram fervorosa oposição dos brasileiros e amazônidas nacionalistas, findando por

frustrar esta iniciativa. O que denota a importância política e ideológica da ciência e tecnologia

para o domínio territorial da região, bandeira comum a diversas correntes do pensamento sobre

o desenvolvimento da Amazônia. Um episódio que também evidenciaria o nacionalismo

pragmático de Felisberto Camargo, com sua campanha favorável ao Instituto Hiléia.

99

Felisberto Camargo e o instituto que comandava vinham sofrendo restrições deliberadas

de suas atividades por parte dos segmento políticos alinhados aos aviadores, o que comprometia

o desenvolvimento científico tecnológico de plantas e espécies eficientes para a implementação

de cultivos agrícolas e empreendimentos agropecuários (DEAN, 1989). Em meio a este

contexto seria publicado um texto que evidencia a posição nacionalista pragmática de Felisberto

Camargo (1948) acerca do problema amazônico, em trabalho intitulado “Sugestões para o

soerguimento econômico do Vale Amazônico”, publicado em 1948.

Camargo neste texto romperia de maneira enfática com qualquer tentativa de

conciliação de modelos de desenvolvimento, sobretudo devido sua crença na superioridade da

produtividade agrícola e agropecuária e ciência de que os operadores do sistema de aviamento

se opunham ferozmente à qualquer tentativa de transformação econômica, política e social. Um

texto que iria descrever seis projetos para a autossuficiência alimentar da Amazônia e para a

criação de um centro produtor de alimentos para exportação, finalidades que também serviriam

como pré-condição para a futura colonização da região.

Principia indicando ser calamitosa a situação econômica e social da Amazônia,

requerendo, por esta razão, o alívio de suas aflições o mais rápido possível. Situação que só não

seria ainda mais grave devido a artificialidade dos preços da borracha extrativo, o que, segundo

o autor, atenuava o êxodo do meio rural para as capitais. Um quadro que guardava

preocupações, haja vista que “todos os produtos de exportação da Amazônia se acham em crise

e os governos locais em grande dificuldade”, o que substanciava a necessidade de intervenção

para atenuar o que chamava de a “maior crise de sua história” (CAMARGO, p. 4, 1948).

Uma intervenção que sofreriam resistências, como pode ser observado pelo ilustrativo

relato de Felisberto Camargo, cujo valor requer a citação literal:

“a política das explorações extrativas, das ações de emergência, das soluções

intermediárias, das soluções simplistas, tem, na Amazônia, raízes tão profundas que

tentarão derrubar todas as paredes de qualquer obra da ciência pura, mesmo que os

recursos de financiamento venham de muito longe.

Que sirvam de exemplo ao I.I.H.A. (Instituto Internacional da Hiléia Amazônia) os

ataques que sofre o Instituto Agronômico do Norte e as recomendações que têm

surgido pela imprensa, por parte de alguns mentores da econômia regional, no sentido

de o Instituto Agronômico do Norte deixar de realizar trabalho científico, para se

transformar em chácara ou horta do Estado. Há exceções que reconhecem o mérito da

obra científica, mas estas são raríssimas, na Amazônia, e, por isso mesmo, muito

preciosas.” (CAMARGO, p. 4 e 5, 1948) (grifos do autor).

Destaca-se deste texto a exposição de projetos relativos à produção de carne, leite,

cereais, leguminosas, legumes e oleaginosas vegetais, cacau e outras plantas alimentícias, juta,

madeiras e de colaboração científica. Produtos que dependiam de intensa pesquisa científica e

100

tecnológica para sua efetivação enquanto alternativa para a redução das carências amazônicas.

Um objetivo da maior importância, sobretudo devido ao fato de que Camargo (p. 36, 1948)

considerar que “problema algum poderá ter solução na Amazônia, sem que se resolva, em

primeiro lugar, o da produção de gêneros alimentícios essenciais para a vida do homem.”.

E nos interstícios dos projetos que Felisberto Camargo submeteu à apreciação do

Instituto Hiléia, entre dados técnicos, cronogramas de execução e justificativas, sobressaem

alcunhas, argumentos e conceitos que norteiam toda a reflexão envolvida na questão amazônica.

Conceitos como organização produtiva, racionalização, fixação do homem ao solo e equilíbrio

econômico salientam o objetivo de suplantação do secular regime extrativo, este que, segundo

o autor, se mantinha devido a “inexistência de uma mentalidade agrícola na região amazônica,

onde sua população vive de explorações extrativas de borracha, timbó, castanha do Pará,

essência do pau rosa, madeira, pesca, caça, etc., etc., etc.” (CAMARGO, p. 50, 1948).

Além disso, Felisberto Camargo ressaltaria o exemplo da juta como alternativa de

desenvolvimento, atividade postulada como “a primeira chave do soerguimento econômico da

Amazônia” (CAMARGO, p. 50, 1948), sobre a qual prospecta que:

“irá transformar o seringueiro de uma vítima da produção de borracha extrativa, em

um homem novo, com uma mentalidade de agricultor e, possivelmente, muitos irão,

posteriormente, se dedicar à obra de formação de seringais de cultura e de outras

culturas, que não necessitaram de leis de proteção e de medidas de economia artificial

de emergência”. (CAMARGO, p. 50, 1948).

Também merece exposição o conflito entre o BCA e o IAN relatado por Felisberto

Camargo, quando descreve que o fim do acordo de pesquisa científica e tecnológica firmado

entre estas instituições teria profundos efeitos sobre a continuidade da formação de espécies

adaptadas à região. Cita, inclusive, que a recomendação pela descontinuidade partira do então

deputado Cosme Ferreira Filho, um dos mais árduos defensores da heveicultura na Amazônia,

objeção que era defendida devido as dificuldades do BCA em manter a política de preço

subsidiado da borracha. Ou seja, é possível extrair deste episódio um dos dilemas dos

desenvolvimentistas-regionalistas, a sua dificuldade de firmar compromisso tanto com a

manutenção do sistema de extração quanto com a instalação de novos núcleos dinâmicos.

Por fim, Felisberto Camargo eleva a ciência e a tecnologia ao patamar de mediação

indispensável para o avanço das sociedades. Cita que nas regiões atrasadas há certa aversão ao

conhecimento científico, uma vez que “domina nesses casos a mentalidade do imediatismo, do

lucro a curto prazo”. (CAMARGO, p. 61, 1948). Entretanto, cita que, após 7 anos da criação

do IAN, já haveria técnicas capazes de concretizar culturas agrícolas na Amazônia, tais como

o da seringueira, do timbó e da juta. Uma transformação a ser executada pelo Estado através de

101

um planejamento de longo prazo com os recursos do artigo 199, haja vista a inexistência de

uma mentalidade agrícola na região amazônica.

E outro texto importante para a compreensão das dissidências do período é o de Cássio

Fonseca, vice-presidente da CEDB e representante do BCB nesta comissão. Em obra intitulada

“A economia da borracha: aspectos internacionais e defesa da produção brasileira” publicada

em 1950, seria apresentado um relatório acerca das recomendações reunidas na III conferência

da borracha de 1949. Um texto que substanciaria a transição do BCB para o BCA, indicando

diretrizes, possíveis limites e formatos da instituição a ser criada.

Fonseca (1950), inicia seu texto fazendo um breve apanhado histórico da atuação estatal

na região, dando ênfase para o programa de Defesa da Borracha de 1912, ponderando que

observadores da época atribuíram o fracasso deste plano ao descaso e à indiferença do governo.

Fatores que são avaliados como indissociáveis de outras razões, tal como indica o autor:

“A pobreza financeira da nação, a falta de capitais privados, a escassez de técnicos, a

feracidade silvestre das regiões extratoras, a psicologia predatória e nómade oriunda

da corrida à seringa, a ilusão aventurosa do el Dorado, a tardança na defesa do produto,

a grandiosidade do plano e sua desproporção com as posses do país, a impossibilidade

de amparar produto exclusivamente de exportação em regime de concorrência

internacional e, principalmente, a inexistência de consumo interno, de base industrial

sólida, eis outras tantas causas de fracasso.” (FONSECA, p. 3, 1950).

Indicativos sobre um plano que, mesmo se implementado antes da eclosão da crise, não

teria surtido o efeito de limitar o potencial asiático (FONSECA, p.3, 1950). Quadro que somente

se alteraria com a contenção gomífera durante a segunda guerra mundial, com fortes impactos

na retomada da extração e na descoberta de novas fontes de produção, notoriamente a borracha

sintética. Evento inesperado que providenciaria a criação de mecanismos que garantiram

sobrevida aos seringais da Amazônia.

E no que diz respeito as nuances e efeitos destas mudanças institucionais, nada podemos

acrescentar, dado que já discutimos seus principais elementos no início deste tópico. No

entanto, cabe-nos aqui esmiuçar qual diagnóstico Cássio Fonseca apresentou para justificar a

alteração institucional da política gomífera, destacando-se os seguintes fatores: 1) a expansão

da manufatura de borracha no país; 2) o peso do extrativismo na economia amazônica; e 3) a

superprodução mundial desta matéria prima.

Para fundamentar esta mudança, afirmaria ser o extrativismo amazônico um dos pilares

mais frágeis da dinâmica econômica do setor gomífero brasileiro, sobretudo devido as

limitações da estrutura produtiva e das políticas de desenvolvimento. Dificuldades que

persistiam devido ao dogmatismo de crenças, mitos e teorias e ao entusiasmo com

102

planejamentos e regras com que muitos tratavam o problema, o que levava o autor a alertar para

a imprescindibilidade da análise da realidade, como afirma:

“O que sempre prevaleceu e prevalece, não se vendo o que o possa substituir, é o

julgamento e o trabalho do homem, a cada passo, em cada um dos casos inumeráveis

a solucionar no âmbito das relações econômicas, sociais e políticas. O homem,

origem, meio e fim das coisas do mundo é que, em última análise, faz bons ou maus

os sistemas e as leis. Da execução depende fundamental que tal ou qual obra se realize

bem ou mal.” (FONSECA, p. 6, 1950).

Uma crítica das leituras que imputam a rigidez do meio ou qualquer outro fator fora do

domínio do homem como obstáculos intransponíveis, descreditando também as soluções fáceis

como alternativas para a redenção da região. Enfoque que coloca as incompreensões, a

impaciência e a falta de visão da realidade econômica como determinantes dos baixos níveis de

desenvolvimento, de onde só seria possível escapar por intermédio do estudo, da pesquisa, do

trabalho, da experiência e do tempo.

Fonseca (1950) salienta com isto sua visão de que seria somente através da investigação

da realidade que seria possível desenvolver qualquer programa factível para a promoção da

produção gomífera da Amazônia e, com isto, garantir a soberania do território e a autonomia

nacional na produção desta matéria prima primordial para qualquer nação civilizada. Ideias que

seriam expostas ao longo do texto ao lado de informações relativas a origem, evolução e razões

da configuração do mercado nacional e internacional da borracha.

E evidenciado os fatores justificadores da transição, o método e os objetivos da política

gomífera proposta por Cássio Fonseca, ilustra-se sua leitura de que o seringal daquela época já

não mais reproduzia os abusos excessivos contra os seringueiros, ainda que apresentasse

limitações quanto a produtividade, o que levava o autor a afirmar que:

“Não há que procurar subvertê-lo radical e prontamente, sob pena de desorganizar por

completo a indústria extrativa. Êsse mecanismo, a despeito de suas deficiências, foi o

único que até agora pôde funcionar na Amazônia. É tradicional. Acha-se enraizado

nos hábitos locais. Sua substituição por métodos mais consentâneos com o progresso,

capazes de maior flexibilidade e de melhores resultados, dependerá de uma

transformação gradativa, subordinada ao desenvolvimento econômico geral da

região.” (FONSECA, p. 22, 1950).

Impressão que acabava por lançar luz sobre comparações com a heveicultura, modelo

que exigia, para seu sucesso, vultosos capitais, recursos técnicos e auxílio governamental

(FONSECA, p. 30 e 31, 1950). Atividade que no sudoeste asiático havia atraído grandes

empresas monoculturas e latifundiárias e pequenos proprietários com consórcios de

seringueiras e outras plantas, tendo resultado daí um quadro de permanente superprodução,

agravado pelo advento do substituto sintético.

103

Conjuntura internacional que aliava-se ao crescimento da manufatura nacional,

impactando no consumo de borracha no país ao passo que retirava os incentivos à produção.

Contexto que urgia novas diretrizes institucionais, sobretudo devido ao fato de que a borracha

na Amazônia era considerada:

“o barômetro de sua conjuntura econômica, condicionando-lhe os períodos de crise e

prosperidade.

(...) As demais atividades são ainda incipientes, aleatórios e dependem da criação de

aparelhamento que ainda inexiste.

Daí a precariedade e a ineficácia de todas as formulas até então preconizadas o

progresso econômica-social da Amazônia, quando esquecida a borracha, gênero

básico em qualquer tentativa de organização regional.” (FONSECA, p. 147, 1950)

Sob este contexto e com o respaldo da sabedoria da experiência prévia, Fonseca (p. 177,

1950) traçaria que o único caminho seria “dedicar-se vigorosamente à melhoria de sua produção

extrativa e à intensificação do seu consumo interno.”. Projeto que não incorporava a

heveicultura como bandeira central, haja vista que o autor não acreditava que esta opção

equacionasse os problemas básicos da questão, tangenciando o assunto no seguinte trecho:

“Para outros, e talvez sejam êstes os mais prejudiciais, desconhecendo as realidades

dos complexos internacionais e nacionais, venha a utopia depressa. E haja circular os

lugares comuns: fomente da produção, racionalização da produção, redução do custo

de produção, elevação do padrão de vida, baixa de preço, industrialização, expressões

às vêzes contraditórias, pois algumas implicam a anulação de outras, e que poderiam

às vezes ser ou serão realmente objetivos consideráveis, mas só enquanto estudados

conjuntamente inter-relacionadamente, dentro dos verdadeiros contornos que a vida

do produto apresenta no Brasil e fora dele.” (FONSECA, p. 186 e 187, 1950).

A partir desta leitura, Cássio Fonseca discute quatro componentes para a promoção da

borracha, os quais são: 1) preços subsidiados; 2) monopólio de compra e venda; 3) regulação

do mercado; e 4) fomento da produção. Pontos tido como imprescindíveis para trazer confiança

e estabilidade para a borracha e para futura diversificação produtiva da região, e que, se não

implementados, surtiriam impacto no despovoamento da Amazônia. Sendo interessante notar

que estas recomendações seriam integralmente inseridas na legislação que criou o BCA.

E no que tange ao fomento da produção, Fonseca lista ser necessário expandir o esforço

gomífero simultaneamente ao de outras atividades básicas através do incentivo à iniciativa

privada “laboriosa e profícua” da região (FONSECA, p. 225, 1950). Elencado ainda ser de

difícil implementação a heveicultura pelo demorado tempo de maturação da planta e juros

reduzidos necessários para amortizar o capital investido, o que não o impedia de sugerir para

isto o destacamento de verbas do Fundo de Fomento à Produção.

Plantação de borracha que era uma experiência nova e que teria de ser “forçosamente

iniciada do nada”, advertindo que “tudo está por fazer neste sentido” (FONSECA, p. 230,

104

1950), ignorando, neste ponto, os avanços obtidos pelo IAN, para logo mais elogia-lo por seus

serviços de assistência técnica (incoerência talvez explicada pelo conflito entre BCB, CEDB e

IAN). Além disto, afirma não ser aconselhável grandes plantações latifundiárias, devido ao

volume de recursos e riscos de endemias, indicando ser preferível seguir:

“O caminho que o bom-senso está a indicar-nos será o de aproveitar as condições

criadas pela natureza, ajudá-la, promovendo maior densidade e melhores condições

de produção nos seringais que para isso apresentem situação favorável, com o que se

obteria maior remuneração por igual trabalho e, através do estímulo à produção de

géneros básicos na região, um tipo de vida satisfatório. (FONSECA, p. 230, 1950).

Uma opção intermediária aos modelos de seringal empório e caboclo que visava

expandir a produtividade gomífera e expandir a autonomia da empresa extrativista. Medida que,

de certo, solidificaria os alicerces do sistema de aviamento em um novo contexto de consumo

crescente e de pressões para importar borracha. Projeto que possuía um caráter estratégico de

defesa nacional, fixando os seringueiros, reduzindo o gasto com divisas e resguardando a

autonomia produtiva em um panorama político internacional adverso.

E passada a controvérsia quanto a transitoriedade da lei de extensão dos subsídios (lei

86/1947) e o equacionamento da questão relativa ao crédito e a borracha (criação do BCA em

1950), as atenções se voltariam ao dispositivo institucional 199, sobre o qual se arrastavam

demoradas discussões na Comissão Especial de Valorização Econômica da Amazônia. Em

meio a isto, insurgiriam diversas análises e proposições, destacando-se as ideias de Edward

Higbee, Pierre Gourou e Álvaro Adolfo.

Pierre Gourou (1951), geógrafo, em um artigo intitulado “Amazônia: problemas

geográficos”, publicado na revista Boletim Geográfico em 1951, discorreria sobre o ambiente

de lendas e impressões que percorriam a Amazônia, questionando a acurácia da noção de

prosperidade e prodigalidade da natureza, buscando com isto desvendar os problemas

amazônicos fundamentais. Um relato ciente de sua limitação, dada a extensão do território e a

infinidade de deficiências, restringido assim sua investigação sobre as razões dos baixos e

desiguais níveis de ocupação do espaço.

Negando a influência do clima, da insalubridade, dos solos e da floresta na determinação

dos pequenos índices demográficos, Pierre Gourou (1951) retoma a experiência indígena e

indaga o porquê de não terem avançado no povoamento, respondendo assertivamente que

faltavam-lhes técnicas de exploração da natureza e novos modelos de organização do território,

aspectos que o autor responsabiliza pelos reduzidos níveis de vida regionais. Critica também as

investidas portuguesas, indicando-as como uma das razões da não ocupação da região, e indo

105

ainda mais além, criticando os efeitos das diretrizes de suas políticas sobre a estrutura produtiva

e a mentalidade do vale, quando esboça:

“Os portugueses não praticaram na Amazônia uma política de povoamento e

colonização. Mais exatamente êles limitaram seu esfôrço no povoamento da região de

Belém (...) No conjunto, a Amazônia lhes apareceu como fornecedora de especiarias

como deveria acontecer logo depois à Ásia, que perderam no século XVII. A ‘droga

do sertão’ foi a única preocupação das autoridades portuguêsas; sendo portanto

impossível colonizar e povoar com semelhante disposição de espírito. Esta

“mentalidade de colheita” é responsável da lentidão do desenvolvimento econômico

da Amazônia-Belém (...) a “mentalidade de colheita” se arraigou nos hábitos, no

pensar da população amazônica ela representa, na hora atual, o principal obstáculo ao

desenvolvimento econômico e ao elevamento do nível de vida dos seus habitantes”.

(GOUROU, p. 1190, 1951).

Apesar deste histórico, Gourou (1951) prossegue indicando que os avanços dos índices

demográficos após a ascensão da borracha (de 1870 à 1950) e o controle das endemias

garantiriam num futuro próximo o equacionamento do problema do povoamento da Amazônia.

No entanto, destacaria que a contemporaneidade guardaria outros problemas, de ordem técnica

e econômica, revelando dúvidas quanto a evolução da região, pois como coloca:

“(...) a futura população amazônica viverá sob o mesmo plano da população atual;

tirará medíocres recursos da agricultura itinerante de queimada e coleta de produtos

da natureza selvagem? Ou veremos desenvolver-se uma mentalidade e técnicas novas,

uma população de agricultores praticando uma agricultura intensiva e permanente

sôbre as boas terras, que embora não sendo muito extensas na Amazônia, excedem

largamente as necessidades de uma população mais numerosa que a atual?”

(GOUROU, p. 1190, 1951).

Relata que as plantações de hévea, de arroz e de juta demonstravam, ainda que

modestamente, que a Amazônia logo estaria abandonando “um passado de coleta e pobreza,

herdada de sua pré-história índia e de sua história colonial, para entrar na vida de um futuro

melhor, apoiando em técnicas racionais e intensivas.” (GOUROU, p. 1190, 1951). Exprimindo

ser factível a superação dos efeitos nocivos oriundos da “mentalidade de coleta”, desde que

suplantados pela ciência e tecnologia, ou seja, a partir da reformulação do modelo de exploração

que organizava a configuração econômica, política e social do território e mantinham o status

quo ou impediam uma evolução fora dos parâmetros da rotina e da tradição.

Edward Higbee (1951), outro geógrafo, relataria a busca dos norte-americanos pelas

matérias primas na região amazônica durante a Batalha da Borracha. Destaca-se de seu artigo

intitulado “O homem e a Amazônia”, publicado na revista Boletim Geográfico em 1951, a farta

base material que o substancia, trazendo informações de correspondências e relatórios da equipe

de americana que trabalharam com a exploração da borracha na Pan-Amazônia, os quais

106

descreviam a natureza diversa, a situação agrícola, a fertilidade do solo, as condições sanitárias,

o transporte fluvial, as instituições comerciais, os costumes políticos e etc.

Indicando ser “uma das paixões de nossos dias” a ideia de “explorar a estrutura de áreas

não desenvolvidas para descobrir suas fraquezas, e, se possível, os remédios pelos quais elas

possam ser reabilitadas e tornadas mais produtivas e mais adequadas à existência humana”

(HIGBEE, p. 467, 1951), o autor refletiria sobre os obstáculos que constrangiam o

desenvolvimento do vale, concluindo que:

“Fatôres tanto físicos como sociais, variados e quase intermináveis, têm contribuído

para retardar a economia da Amazônia, mas parece que o próprio homem tem criado

os obstáculos mais formidáveis ao progresso, pela maneira deficiente pela qual êle

organizou o espaço e utilizou o terreno e os recursos humanos.

(...) “fôrças políticas e econômicas têm tanto, senão mais, que ver com o retardamento

da evolução da Amazônia do que obstáculos naturais.” (HIGBEE, p. 468, 1951).

Para fundamentar tal assertiva, utiliza-se dos diversos relatos sobre as difíceis condições

de operação do negócio da borracha, tecendo comentários acerca das vicissitudes amazônicas.

Lista entre os fatores debilitadores a falta de autonomia dos amazônidas acerca da determinação

das diretrizes nacionais do desenvolvimento da região, a rigidez do secular sistema de

aviamento, as dificuldades de controle da mão de obra e os baixos rendimentos dos seringais

(descrevendo tipos próximos dos seringais tipo empório e caboclo).

Além disso, investiga as dificuldades de colonização da região, indicando que uma das

razões para sua não efetivação reside na resistência das elites regionais, uma vez que se os

trabalhadores “deixassem as fazendas dos patrões para constituírem-se em pequenos

proprietários a atual organização econômica do Amazonas, que está baseada na peonagem, seria

despedaçada” (HIBGEE, p. 473, 1951). Portanto, era o sistema de crédito, esta “velha

instituição amazônica”, que impedia uma transformação mais profunda da deficiente

organização do espaço e da ineficiente administração dos escassos recursos humanos.

Discorre que a alternativa da imigração também não alterava significativamente o

quadro, haja vista que somente emigrava homens com poucos recursos e que tão logo perderiam

sua independência econômica para o aviamento, não influenciando significativamente a

expansão da extração gomífera. E trazendo lições da malfadada Batalha da Borracha, afirma

que para se alcançar algum resultado satisfatório no desenvolvimento produtivo regional teria

de ocorrer “uma revisão drástica de costumes econômicos e políticos de longa data”,

asseverando que “a estupidez humana tem, talvez, mais que ver com a sufocação do progresso

da Amazônia, do que os obstáculos da natureza” (HIBGEE, p. 478, 1951).

107

Com base neste diagnóstico, Edward Higbee afirmaria que a precariedade das condições

econômicas e sociais da época são produto de práticas políticas e econômicas imprudentes.

Assertiva que levava-o a ratificar que sem o estabelecimento de “uma atividade econômica

intensa e sem maior colonização” jamais se alterariam as condições de vida da região (HIGBEE,

p. 478, 1951). Uma leitura autointitulada realista, que visava escapar de heroicidades, perigos

e lendas, para estabelecer que os problemas amazônicos não derivavam das impressões acerca

da natureza e do meio.

Teríamos ainda a apresentação do importante parecer sobre o substitutivo de lei que

regulamentaria o artigo 199. Elaborado pelo senador paraense Álvaro Adolfo (1951), este texto

versaria sobre as bases da execução e planejamento do dispositivo constitucional 199, definindo

o conteúdo da valorização econômica da Amazônia e incorporando uma justificativa que seria

considerada uma verdadeira enciclopédia acerca das potencialidades e vicissitudes da região

amazônica31.

O texto inicia refletindo que a valorização da Amazônia decorria do imperativo da

unidade econômica do país. Uma iniciativa inovadora que visava equacionar as múltiplas

limitações deste complexo regional, atentando-se ao potencial de riquezas a serem exploradas,

a população rarefeita e ao domínio do território, um quadro que resultava do “colonialismo

retardatário dentro do seu próprio país, por defeitos da organização do trabalho regional e falta

de técnica de produção apropriada ao meio” (ADOLFO, p. 134 e 135, 1951).

Problemática cuja solução passava por uma intervenção de longo prazo que, ante os

reveses do subdesenvolvimento, deveria fomentar:

“A formação de núcleos estáveis, pela concentração de populações em áreas

escolhidas, onde encontrem melhores condições de adaptação e produção, será a

solução mais conveniente à elevação do nível de vida e ao povoamento da região,

contra o nomadismo dos inadaptados por fôrça dos rigores do meio, pela insuficiência

de recursos e a falta de uma organização de trabalho que atenda às circunstâncias

ambientes.” (ADOLFO, p. 14 e 15, 1951)

Política que, sob a luz da experiência passada, teria de atuar de forma sinérgica com as

singularidades regionais, respeitando a tradição, pois como coloca:

“A ação oficial deve, porém ter ainda um caráter supletivo, de assistência e de

estímulo às atividades privadas, no quadro econômico que a Amazônia brasileira

apresenta, de modo que o fortalecimento da economia regional se processe sem o

sacrifício do sistema tradicional de produção e decorra do influxo da ação estatal, no

sentido de uma evolução rápida, para formas mais avançadas de técnica e de cultura,

31 Uma obra que trataria de uma variedade de problemas, tais como: área geográfica, zoneamento econômico,

borracha, minérios, pecuária, transporte, comunicações, vias navegáveis, povoamento e colonização, saneamento,

industrialização e energia elétrica, o ensino técnico, crédito e financiamento e sobre a estrutura do plano de

valorização, suas diretrizes inspiradoras e normas de execução.

108

com o aproveitamento dos quadros econômicos regionais como base de

desenvolvimento. Temos o exemplo do que ocorreu quando no período da última

guerra que se efetivou a intervenção econômica a que se denominou Batalha da

Borracha que, se não produziu os resultados esperados quanto ao aumento da

produção, foi, principalmente, pela circunstância de se ter pretendido superpôr a um

sistema econômico tradicional um processo artificial de fomento, sem levar em conta

o que as atividades privadas representavam naquela economia e as peculiaridades

desta.” (ADOLFO, p. 15, 1951) (grifos nossos).

Um diagnóstico de uma região que impressionava pelo contraste entre “a exuberância

do meio e a insuficiência econômica em que o homem se debate”, de onde “tem faltado ao

homem amazônico a técnica apropriada para o domínio da floresta e sua utilização como fonte

inexaurível de riqueza.” (ADOLFO, p. 25 e 26, 1951). Citações representativas das ideias de

Álvaro Adolfo, autor que declarava-se favorável a simultânea promoção da racionalização dos

métodos de cultura e da manutenção do regime de economia extrativa.

Exemplar do seu pensamento é o seguinte trecho, onde examina o aspecto institucional

atinente a questão da borracha e indica que:

“Êsse regime de proteção à produção e à indústria de transformação é essencial para

manter o equilíbrio da indústria extrativa da borracha (...)

Enquanto não atingirmos a grande produção em seringais de cultura de alto

rendimento e pudermos enfrentar a competição dos mercados internacionais, teremos

de continuar com o sistema de defesa da nossa produção silvestre, notadamente pela

garantia de preços mínimos. Nos preços está o ponto de ruptura do equilíbrio da

economia extrativa (...). Deixar à livre concorrência um produto tão sujeito a

flutuações, pelas condições peculiares do meio geográfico e econômico seria a ruína

da economia regional.” (ADOLFO, p. 30, 1951).

Neste ponto, defende o aparelho regulatório da borracha como condição para a

estabilidade de seu patamar produtivo enquanto não se efetiva a transição para um modelo de

seringais de plantação. Um projeto de conciliação da tradição e do desenvolvimento que

levantava a necessidade da expansão da produção gomífera, devido ao crescimento do consumo

da indústria e do vindouro déficit da produção, indicando ser a melhoria da produtividade do

seringal e o desenvolvimento de plantações as saídas mais convenientes e apropriadas.

Para o primeiro ponto, a melhoria da produtividade do seringal, propõe a manutenção

dos anteparos correntes e o incentivo à produção de subsistência, a assistência sanitária e social,

a facilidade para localização e fixação de trabalhadores, o transporte, melhores métodos de

extração e etc. Alternativa que, apesar do regime de produção precário em razão da organização

do trabalho, das asperezas do meio, da dispersão de árvores do látex e etc., crê ser factível para

alcançar as safras históricas de 1912, quando se atingiu a faixa de 40 mil toneladas.

Para o segundo ponto, a plantação de seringueiras, recomenda uma exploração agrícola

de longo prazo. Prática que requer vultosos capitais e que não tem podido atrair a iniciativa

privada, à exceção da Ford, padrão a ser seguido por sua excelência do ponto de vista genético

109

e de organização técnica. Opção que requeria a observação de suas limitações, como a falta de

confiança nas inversões agrícolas de longo prazo, a disponibilidade de mão de obra, a oferta de

crédito relativamente barato, além de assistência técnica adequada e etc.

Para isto, indica ser preferível seguir as propostas de Felisberto Camargo (1944; 1948)

do IAN, ficando a cargo do governo o plano de recuperação, como um exemplo a ser imitado

pelo capital privado. Assim, designa a colonização por pequenas propriedades, com o consórcio

de culturas permanentes e temporárias, como opção para superar os limites e as ameaças de

pragas e moléstias, sobretudo se adotadas técnicas do IAN (ADOLFO, p. 36, 1951).

Rechaçando a alternativa, cogitada por Cássio Fonseca, de plantios nos seringais nativos.

Modelo de colonização que permitia maiores níveis de produtividade, racionalizando a

produção, evitando a dispersão e ocupando o território, uma pré-condição para a estabilidade

econômica da região. E quanto aos três elementos que julga serem responsáveis pelo atraso da

região amazônica (a ausência do estado, a falta de organização do trabalho e a carência da

técnica), Álvaro Adolfo tangencia estes temas quando toca no problema do povoamento e

colonização, do ensino técnico e do crédito e financiamento.

Alega que “o maior e mais grave de todos os problemas da Amazônia é, sem dúvida, o

do povoamento.” (ADOLFO, p. 94, 1951). Deficiência cuja solução requeria condições

favoráveis de vida aos grupos humanos que viriam a se estabelecer na região. E citando Pierre

Gourou, descredita o papel da raça, do clima e das análises pessimistas enquanto impeditivos

para a fixação do homem ao meio, tudo a depender das técnicas a serem utilizadas para a

colonização. Ressaltando ainda ser bem vinda a imigração nacional e estrangeira.

No que diz respeito ao ensino técnico, aspecto que afetava toda a população regional,

das elites às classes trabalhadoras, o provimento de métodos ou processos de técnicas adaptadas

às condições ecológicas e às peculiaridades regionais era considerado um pré-requisito para a

valorização econômica da Amazônia. Elencando o IAN como exemplo a ser seguido e citando

Pierre Gourou novamente, discorre que:

“É preciso, mesmo, criar uma certa unidade de pensamento, em tôrno dos problemas,

que assinale um estádio mais elevado de cultura econômica da região, pela

compreensão de técnicas de produção de maior rendimento. Uma mentalidade

amazônica nova, gerada na confiança do êxito de empreendimentos e da ação oficial,

que supere o estado depressivo em que vivem populações subdesenvolvidas, batidas

por uma crise que se vem prolongando há cêrca de quarentas anos, apesar do esfôrço

de recuperação dos últimos tempos, depois que se abriram novas perspectivas para o

renascimento da produção regional. Deve-se ter em vista êsse aspecto psicológico do

problema amazônico, para que a mobilização dos espíritos acompanhe o

desenvolvimento do trabalho de regeneração da economia em bases definitivas, numa

ação sinérgica dos que coperam na produção da riqueza com as entidades

administrativas interessadas e os órgãos de execução dos programas a realizar.”

(ADOLFO, p. 116, 1951) (grifos nossos).

110

Por fim, destaca a importância da oferta de crédito adaptados as peculiaridades de seu

sistema econômico, de modo que a iniciativa privada interaja sinergicamente com o incentivo

oficial e colabore para elevar os índices de produtividade e o padrão de vida da região. Para

isto, descreve a necessidade de créditos de curto e longo prazo, louvando as alterações do BCA

e indicando o direcionamento de crédito para cooperativas agrícolas de produção e consumo.

Instrumentos essenciais ao equilíbrio da economia regional e a vida rural amazônica.

E paralelamente à estes textos, no plano nacional, tais ideais ganhariam contornos mais

concretos com o advento do segundo governo de Getúlio Vargas (1951-1954), um período que

ficaria conhecido como amadurecimento do desenvolvimentismo no Brasil (DRAIBE, 1986;

BIELSCHOWSKY, 1996), com a efetivação de projetos de grande envergadura que alterariam

profundamente a capacidade produtiva e institucional do país. Dentro deste contexto, a

mensagem presidencial apresentada ao congresso em 1951 é uma peça chave para compreensão

da formação da estratégia de desenvolvimento regional amazônica (D’ARAÚJO, 1992).

E o início do tópico relativo aos planos regionais é ilustrativo, pois Vargas32 expressava

ciência da necessidade de tratamento diferenciado para o desenvolvimento de cada região, dada

as peculiaridades características de cada território, quando indicava que:

“No quadro especial de um imenso território como o do Brasil as relações entre o

homem e o meio ambiente assumem aspectos variados, exigem métodos diversos de

adaptação, de conquista e de conservação em cada unidade geográfica, em cada

província climática, em cada setor regional.” (VARGAS, p. 171, 1951).

Alertando com isto para a necessidade de estratégias regionais adaptadas para a

superação dos limites ao progresso decorrentes das condições do meio singular de cada região.

Políticas que deveriam apoiar-se em investigações científicas e técnicas e ser enquadradas nos

objetivos da política nacional. E ao fazer um balanço do passado amazônico, a mensagem ressoa

nas diretrizes do Discurso do Rio Amazonas, uma vez que, ao criticar as limitações do

extrativismo na região, adverte que:

“É preciso vencer essa etapa de pioneirismo, de desregramento, dominar o meio

agressivo e nêle estabelecer, firmemente, através da execução de uma política

realística, sua definitiva integração aos quadros permanentes da civilização nacional.

As lições do passado, desenvolvidas desde a experiência portuguesa até os propósitos

governamentais consagrados na legislação de 1912, não devem ser desprezadas. Os

insucessos verificados, resultantes de nossa inexperiência política e desaparelhamento

técnico, não autorizam pessimismos apriorísticos.” (VARGAS, p. 173, 1951).

32 É sabido pela literatura (DRAIBE, 1986) que quem coordenou a elaboração deste documento foi Rômulo

Almeida, um dos autores que tomaria a vanguarda do desenvolvimentismo no Brasil (BIELSCHOWSKY, 1996),

com destaque para sua atuação sobre a questão regional brasileira. Cabe ainda lembrar que Rômulo Almeida

produziu uma série de textos sobre a região amazônica, como exposto no tópico 4.1.1 deste capítulo.

111

Trecho que demonstra certa continuidade com a linha de pensamento que outrora

orientou a intencionalidade da política de desenvolvimento amazônica, incorporando ainda

algumas das ideias divulgadas por Arthur Cézar Ferreira Reis quanto ao acerto das investidas

portuguesas. Leitura que era justificada pelos “espaços potencialmente ricos e desocupados”

que despertavam “apetites perigoso num mundo de crescentes pressões demográficas e

políticas” (VARGAS, p. 173, 1951).

Razões substanciavam a formulação de uma política de exploração da Amazônia com

múltiplas diretrizes, que passavam por técnica agrícolas, exploração racional das florestas,

pecuária, crédito e etc. Plano que, no tocante a questão da borracha, esboçava uma política de

longo prazo orientada para o suprimento do mercado interno pelo “plantio racional de novos

seringais e o adensamento dos seringais nativos” (VARGAS, p. 116, 1951). O segundo ponto

destoando do Discurso do Rio Amazonas e adotando a solução intermediária apontada por

Cássio Fonseca e rechaçada por Álvaro Adolfo.

De imediato, a primeira providência advinda da intencionalidade desta mensagem seria

a convocação de uma conferência técnico-administrativa em 1951 para o levantamento da

situação e das necessidades da região. Um evento onde ocorreria uma série de debates para

averiguação de providências a se tomar para o desenvolvimento do vale, um esboço, portanto,

do planejamento a ser executado pela SPVEA. Reunião que seria presidida por Rômulo

Almeida, tendo como secretário executivo Arthur Cézar Ferreira Reis.

Um resumo do evento seria divulgado na mensagem de Vargas ao congresso em 1952

e um livro contendo os principais documentos apresentados seria editado em 1954 (BRASIL,

1954a)33. Textos que, nas palavras de Rômulo Almeida, objetivavam:

“(...) fugir de um tratamento sentimental do problema amazônico; mas, pelo contrário,

mostrar objetivamente que a Amazônia brasileira dispõe de recursos para eficiente

aproveitamento imediato, capazes e torna-la uma região florescente, crescendo sobre

seus próprios pés e contribuindo para o desenvolvimento do Brasil e dos países

vizinhos e amigos do continente”. (BRASIL, p. 6, 1954).

Neste livro encontram-se textos de Sócrates Bonfim, Gabriel Hermes, Felisberto

Camargo, Firmo Dutra, entre outros, além de sínteses compiladas pelas comissões especiais,

que, em relação a borracha, foram expressas na Comissão Agropecuária e na Comissão Especial

da Borracha. Relatos que prosseguiriam com a controvérsia sobre a valorização econômica da

Amazônia empreendida pelas diversas correntes de ideias presentes no ambiente institucional

da região.

33 Para uniformização da análise os textos publicados neste livro serão tratados como constantes ao ano de 1951.

112

Sócrates Bomfim34, em artigo intitulado “Um esboço da vida amazônica” (1954),

realizaria uma retrospectiva histórica da estrutura econômica e social da região e delinearia

projetos para o aprimoramento dos níveis econômicos e culturais do homem amazônico, fins

justificados pela unidade nacional. Relataria que a economia extrativista não tinha perspectivas

de futuro, só sendo mantida pela necessidade de sobrevivência das populações. Uma estrutura

enraizada na região que impactava nas tentativas de desenvolvimento, uma vez que:

“Há na Amazônia um temor generalizado entre as altas classes dirigentes das medidas

que possam alterar o ‘status’ social e o sistema econômico praticado na região e que

tem como base o aproveitamento dos recursos florestais. (...) Daí, os programas que

visam a defesa e prosperidade da propriedade rural como um todo, sem cogitar de sua

evolução e transformação, considerando-a, portanto, uma instituição social estável.

Essa crença na praticabilidade indefinida do atual sistema econômico amazônico é

dos mais difíceis aspectos da vida social nesta região. Muitos dos líderes sociais ou

políticos da Amazônia consideram o latifúndio extrativista como uma solução

inescapável ao problema de ocupação humana da região e enquanto persistir essa

crença essa instituição sobreviverá.” (BOMFIM, p. 17 e 18, 1954).

Uma configuração derivada da mentalidade de aventura e da inabilidade em adaptar-se

a natureza, o que influenciou na “inaptidão para construir comunidades de economia

diversificada.” (BOMFIM, p. 19, 1954). Um diagnóstico que substancia sua proscrição de

política, sobre a qual escreve que:

“A solução a longo prazo, já indicada no Discurso do Rio Amazonas, estará na

conversão das atuais atividades extrativas a uma fase agrícola pela disciplina dos

vegetais silvestres ao cultivo sistemático. Enquanto isso, e paralelamente, a floresta

deve ser objeto de uma exploração metódica que cobrirá as necessidades atuais de sua

população.

Alguns dos produtos tirados à floresta, a borracha pelo menos, são essenciais ao

equilíbrio da economia nacional. Não é possível pensar em descontinuar sua

produção. O que é necessário de imediato é procurar aumentar a produtividade e a

renda dos extratores florestais (...)” (BOMFIM, p. 23, 1954).

Portanto, Sócrates Bomfim defende uma alteração gradativa da estrutura econômica

regional. E, no tocante à borracha, indica duas soluções: 1) a racionalização e diversificação do

seringal; e 2) o plantio de seringueiras. Propondo o incentivo a seringais tipo caboclo,

endossando proposta semelhante à de Camargo (1944). Sendo também contrário a solução

intermediária de plantio em seringais nativos, em razão de ser “uma forma de fixação das

insustentáveis condições sociais em que trabalha o seringueiro”. (BOMFIM, p. 32, 1954).

Gabriel Hermes35 (1954), outro autor importante da Amazônia, produziria um sucinto

texto sobre a valorização da Amazônia. Inicia revelando o elevado peso que a goma elástica

34 Empresário e intelectual amazonense. Autor que iria fazer parte da Comissão de Planejamento da SPVEA, em

sua subcomissão de Recursos Naturais. 35 Industrial e jornalista, foi presidente do BCA (1951-1954) e da Federação das Indústrias do Estado do Pará

(FIEPA) (1950 à 1967). Também foi deputado e senador pelo estado do Pará por diversos mandatos.

113

detém no portfólio do BCA, que alcançou no ano de 1951 a cifra de 83% do seu capital, sendo

55% imobilizados em estoque de borracha, 14% nos aviadores e 13% nos seringalistas.

Destacando, com isto, o imperativo de redução dos recursos empregados na borracha extrativa

como pré-requisito para a ampliação do capital para a diversificação da economia regional.

E sem propor qualquer modificação no sistema de aviamento da extração gomífera, o

autor delinearia um plano de plantações de seringueiras na Amazônia. Recomenda ser

necessário “10% das Verbas da Valorização Econômica da Amazônia, durante 10 anos, para a

formação de seringais sob indicação técnica moderna, inclusive assistência social aos

respectivos trabalhadores e colonos.” (HERMES, p. 81, 1954) para se alcançar 70 a 80 mil

toneladas e cumprir o principal objetivo do banco, de ser sustentáculo da borracha.

Para levar isto adiante, cogita duas alternativas: 1) empresas de médio e grande porte;

ou 2) iniciativas governamentais que seriam posteriormente transformadas em colônias de

seringueiros. Ambas opções sob auxílio técnico do IAN. Indica que a segunda alternativa

deveria seguir o projeto de seringais caboclos criado por Felisberto Camargo, modelo que

intentaria estimular a produção da borracha e a “fixação definitiva do homem ao solo e a

formação de centros de vida rural” (HERMES, p. 83, 1954).

Teríamos ainda a participação de Felisberto Camargo (1954), reiterando seu modelo de

colonização por plantação de seringueiras e outras culturas de alto valor e de subsistência, em

moldes de seringais caboclos. Um texto que apresentaria inovações quanto a justificativa e o

formato operacional do projeto. No que diz respeito a justificativa, ilustraria ser recomendável

a criação de outro órgão, além de ser necessário que a política da borracha extrativa incluísse

as seguintes diretrizes:

“1º) Manter as organizações existentes que tratam da produção e do comércio da

borracha extrativa, sem alteração alguma;

2º) Conservar e não modificar a atual política de preço da borracha extrativa, durante

um período de dez anos;

3º) Determinar que os órgãos encarregados do comércio da borracha extrativa se

abstenham de imiscuir-se no problema da formação de seringais de cultura”

(CAMARGO, p. 220 e 221, 1954).

Portanto, indicava a criação de um novo órgão sem relacionamentos com o sistema de

aviamento como meio para reprimir os que buscavam absorver, despistar, desmoralizar e anular

a heveicultura (CAMARGO, p. 221, 1954). Um órgão que deveria dirigir a formação de 10 a

20 milhões de seringueiras na Amazônia, dentro do prazo de 10 anos, a fim de obter produção

mínima de 80 mil toneladas financiadas por 15% da verba do artigo 199. Política que detinha

como objetivo:

114

“Plantar seringueiras de alto rendimento, em pequenas culturas, em grandes culturas,

em associação com outras espécies vegetais, em forma de fazendas coletivas, em

forma de grandes organizações capitalistas, em forma de pequena propriedade; mas

plantar seringueiras unicamente dentro das normas técnico agronômicas mais

indicadas.” (CAMARGO, p. 221, 1954).

Ou seja, nota-se que o autor não mais restringia a política de colonização ao regime de

núcleos coloniais do tipo seringais caboclos, tal como apresentado em Camargo (1944, 1948),

mas sim ampliava seu rol de atuação para qualquer modelo de organização da produção que

pudesse “substituir o decadente sistema de seringais nativos” (CAMARGO, p. 222, 1954).

Além disso, levantava ainda que “o Brasil tem necessidade imediata de instalar, com a máxima

urgência, uma fábrica de borracha sintética” (CAMARGO, p. 222, 1954).

Tais textos iriam fazer parte de um conjunto de documentos submetidos ao debate na

Comissão de Alimentação e Produção Agropecuária da conferência técnico-administrativa,

comissão que forneceria subsídios para a elaboração do plano de valorização da Amazônia. A

questão da borracha seria tratada na Subcomissão de Agricultura36, com a temática sendo

apreciada em dois tópicos separados, um relativo a borracha extrativa, relatado por Firmo Dutra,

e o outro aos seringais de cultura, relatado por Júlio Mário da Silva Souza.

O parecer sobre a heveicultura (SOUZA, p. 138 a 145, 1954) ratificaria as

recomendações apresentadas por Sócrates Bonfim, Gabriel Hermes e Felisberto Camargo,

estabelecendo objetivos, metas e instrumentos para desenvolvimento dos seringais de cultura,

plano de longo prazo que visava a racionalização da produção. Já a borracha extrativa mereceria

atenção especial, sendo tratada na Comissão Especial da Borracha e Produtos Extrativos

vegetais, de onde saíram propostas para o aperfeiçoamento dos órgãos de amparo à borracha.

A proposta relatada por Firmo Dutra (1954) é ilustrativa da posição dos regionalistas

operadores do aviamento frente a rigidez da oferta do extrativismo gomífero. Relata que,

enquanto não for possível obter borracha de outras procedências, é necessário manter a

exploração pioneira dos seringais nativos, política que teria um caráter de longo prazo, haja

vista o tempo de demorado maturação da heveicultura e as dificuldades que enfrentaria, como

a escassez de mão de obras, de recursos técnicos e a própria magnitude do problema.

Relata que o contexto institucional do mercado da borracha e a configuração dos

seringais amazônicos, não mais tão nocivos aos seringueiros, garantiriam condições favoráveis

a esta “expedição patriótica” de manutenção do extrativismo na região, a qual poderia alcançar

as safras históricas de 1912. Para efetivar este objetivo, Firmo Dutra lista um conjunto de

36 A subcomissão de agricultura era composta por: João Ferreira Barreto (presidente), Júlio Mário da Silva Souza

(secretário), Felisberto Camargo, Sócrates Bonfim, Cássio Fonseca, Newton Beleza, Pereira Lima, Nunes Pereira

e Luis dias Rollemberg.

115

medidas, tais como: juros baixos e bonificação a aviadores e seringalistas, o fim das

experiências do IAN nas concessões da Ford, aumento do preço da borracha, de empréstimos

para produção de gêneros de subsistência, perdão das dívidas de seringais abandonados,

ampliação ou abertura de novos seringais, maior proximidade do BCA com os centros de

produção, entre outras.

Em síntese, nesta conferência seriam discutidas as bases da estratégia conciliatória que

envolveria as instituições regionais de desenvolvimento. Neste evento, fica nítido a repartição

do foco das políticas entre os órgãos da região, com o BCA e a CEDB ficando com a

manutenção do sistema extrativo e o braço executivo do artigo 199 e o IAN encarregados de

instalar um novo centro dinâmico na região, a heveicultura. Além disso, é possível notar

divergências na principal instituição de apoio ao extrativismo, o BCA, haja vista a diferença

existente entre Gabriel Hermes, então presidente do órgão, e Firmo Dutra, presidente do

Conselho Consultivo, sendo o primeiro alinhado à promoção da diversificação produtiva

regional e o segundo um defensor dos incentivos à produção extrativa de borracha.

E para além dos relatórios técnicos e documentos oficiais que realizavam diagnósticos

e prognósticos de políticas para debelar as vicissitudes que acometiam a região amazônica,

surgiria um importante ensaio literário que interpretaria aspectos regionais e apresentaria um

conjunto de sugestões para a caracterização da vida amazônica: o livro “O rio comanda a vida”

de Leandro Tocantins (1961), publicado pela primeira vez em 1952. Obra que destacaria a

importância da literatura na Amazônia e que era justificado pela ideia de que:

“a natureza absorve e prende o homem em suas malhas, apesar do lento e continuado

esfôrço para humaniza-la. Daí o rio – uma das mais poderosas fôrças do meio –

dominar a vida, que ainda é, nesta época de revolução técnica, marcada

profundamente pelos fatores geográficos” (TOCANTINS, p. 15, 1961).

Ensaio cuja relato contido no prefácio de sua segunda edição de 1961 denotaria bem o

espírito de uma época, pois quando o autor entregara um exemplar a Getúlio Vargas em 1952,

este, após folheá-lo, teria dito “Espero que o jovem escritor possa no futuro escrever outra obra

com o título A vida comanda o rio” (TOCANTINS, p. 16, 1961). Um livro que buscava “fazer

conhecida honestamente a Amazônia e chamar a atenção dos poderes governamentais para os

problemas do vale as necessidades de seu povo.” (TOCANTINS, p. 16 e 17, 1961).

E sob inspiração do regionalismo de Gilberto Freyre, Leandro Tocantins exploraria as

tradições, lendas, panoramas e fatos sociais sob a luz da história, da antropologia, da sociologia

e da geografia, intentando revelar características da região e com isto:

116

“criar uma consciência nacional em torno dos problemas da Amazônia para disciplinar

os investimentos da União na região e evoluir a mentalidade dos responsáveis pela

condução dos negócios regionais.

(...) Cada faceta de vida descrita nos capítulos deste livro é uma exortação de fé e

esperança em dias melhores, porque nos sucessos mais corriqueiros e prosaicos do

viver amazônico estão os dramas do homem, as suas lutas, as angustias, clamando

pela assistência da técnica e o amparo oficial, a fim de que a Amazônica não continue

mergulhada no primitivismo como a natureza no-la presenteou” (TOCANTINS, p. 18,

1961).

Um autor crítico do extrativismo amazônica e que almejava a integração da Amazônia

ao Brasil como instrumento para dissipar os reveses do subdesenvolvimento da região.

Integração que, aos moldes do regionalismo, visava a conciliação do progresso com a tradição.

Intenção que, nas palavras de Ribeiro apud Fernandes (p. 247 e 248, 2011), significava que:

“A palavra integração adquire, para Tocantins, um sentido de conciliação, assumindo

as dimensões de uma idéia de marcha, de um processo social que procure harmonizar

unidades diversificadas. Um processo que vise aproximar ou conciliar entidades

diversificadas numa reunião coesa. O projeto de valorização da Amazônia, proposto

a partir dessa concepção, assume um caráter de continuidade no tempo de uma forma

de dominação do passado, ao propor a coexistência de valores dentro de um equilíbrio

harmonioso entre tradição e modernidade. O passado preenche os poros do presente

impedindo qualquer forma de ruptura. Assim, a oligarquia decadente preserva seu

poder em meio às mudanças (RIBEIRO, p. 332, 2007, apud FERNANDES, p. 247 e

248, 2011).

Leitura que Fernandes (p. 250, 2011) interpretaria como “um caminho de conciliação

entre um projeto de desenvolvimento nacional e a preservação de uma certa autonomia das

elites amazônicas em um processo de condução de um projeto de desenvolvimento regional.”.

Neste livro encontra-se diversas relatos de tradições regionais, são eles: os campos do Marajó,

a obra científica de Emílio Goeldi, a culinária amazônica, a borracha que criou um mundo,

garantiu a posse do Acre e a soberania territorial, a luta entre homem, terra e rio, neste ambiente

diverso, entre outros aspectos. Um texto que aproximaria o autor de Arthur Cézar Ferreira Reis,

vindo, inclusive, a participar de sua gestão na SPVEA.

E ainda em 1952, ocorreria uma pequena reformulação institucional, com foco sobre o

campo da ciência e tecnologia e do plantio de seringueiras. Do primeiro, teríamos a criação do

Instituto de Pesquisas da Amazônia (INPA), com a finalidade de “estudo científico do meio

físico e das condições de vida da região amazônica, tendo em vista o bem estar humano e os

reclamos da cultura, da economia e da segurança nacional.” (decreto 31.672 de 29 de outubro

de 1952 (BRASIL, 1952a)), órgão congênere ao IAN37.

37 O INPA somente seria regulamentado em 1954. Entretanto, conta D’Araújo (1992) que um dos primeiros

indicados para a presidência do órgão foi Felisberto Camargo, alteração que não se efetivou, haja vista que ele

seria transferido para São Paulo, encerrando sua carreira de defensor da instalação do ideal agrícola na Amazônia.

Além disso, entre as figuras ilustres que presidiram o INPA consta Arthur Cézar Ferreira Reis (1956-1958), após

sua saída da superintendência da SPVEA, e Djalma Batista (1959-1968), eminente cientista e intelectual da região.

117

Do segundo, teríamos a promulgação da obrigatoriedade da inversão de 20% do lucro

das manufaturas de borracha nacionais na heveicultura, sob a supervisão e assistência técnica

do Ministério da Agricultura (decreto 30.694 de 31 de março de 1952 (BRASIL, 1952b)),

dispositivo que posteriormente seria aperfeiçoado (decreto 35.371 de 12 de abril de 1954

(BRASIL, 1954b)). Regulação que teria o efeito de reduzir o montante de recursos reservados

a heveicultura pelos planejamentos, apesar de seus desprezíveis resultados na expansão da

produção (DEAN, 1989).

E do último ano da sistematização das ideias realizada neste tópico, escolhemos os

textos de Cosme Ferreira Filho (1965) compilados no período (1947-1953) e o livro “O seringal

e o Seringueiro” de Arthur Cézar Ferreira Reis (1953). Escritos que encerram um ciclo de

reflexões que teria profundo impacto sobre o ambiente intelectual amazônico, concluindo com

a institucionalização de uma estratégia conciliatória, reestruturada pela regulamentação do

artigo 199, por intermédio da lei 1.806 de 6 de janeiro de 1953 (BRASIL, 1953).

Os textos de Cosme Ferreira Filho (1965) garantem o acompanhamento, ano a ano, do

debate acerca da perspicácia ou improcedência das políticas da borracha na região. Todavia,

seus textos, em geral, são atualizações, com análises de conjuntura aliadas a diagnósticos de

suas deficiências estruturais e com a divulgação dos perigos somente se investir no extrativismo

gomífero e dos benefícios da heveicultura. Questão pela qual decidimos apenas apresentar uma

síntese das principais inovações do pensamento do autor.

Para o reajustamento das condições de produção gomífera, o autor insistiria ser

necessário diversificar a produção do seringal, em busca da autarquia alimentar, da produção

outros atividades e produtos de alto valor, além da plantação de hévea. Reiterando sua posição

favorável a conciliação entre o amparo aos seringais e a instalação de seringais caboclos ou de

grandes plantações. Justificando isto pela necessidade de fornecimento de látex e de domínio

do território. Propondo, inclusive, quando deputado, uma lei para cumprir esta finalidade.

No entanto, percebe-se uma nítida evolução da visão do autor ao longo do período,

inclinando-se cada vez mais para uma defesa enfática da heveicultura. No início do período,

por exemplo, notamos a opinião de que a transição através da condição econômica artificial é

requerida para compensar o abandono do Estado pela “única fonte exploração segura, habitual

e lucrativa da Amazônia” (FERREIRA FILHO, p. 170, 1965), produto considerado um fator de

sobrevivência das populações locais e patrimônio histórico da região.

Inclusive, criticaria as alternativas à extração, pois que:

“Os remédios clássicos do plantio de héveas e do provimento daqueles serviços

subsidiários a que aludimos não constituem a solução necessária e inadiável. O

primeiro por seu caráter moroso e nada atraente como investimento capitalista; outro,

118

porque também de efeitos demorados e de natureza periférica, não alcançando o cerne

do problema, que reside na fraqueza econômica de cada seringal (...)” (FERREIRA

FILHO, p. 191, 1965).

Problema que requeria a correção do desequilíbrio do seringal, com seu “fortalecimento

econômico, firmado numa produção mais abundante e diversificada” (FERREIRA FILHO, p.

192, 1965). E reconhecendo a existência de diversas correntes de pensamento, criticaria

também as ideias dos operadores do aviamento, quando advertia que:

“A volumosa literatura, que se tem praticado, na imprensa, em relatórios, folhetos e

conferências, não logrou, até o presente momento, alterar a atitude de cômoda

expectativa em que se colocam os principais interessados responsáveis pelo futuro da

borracha. A mística do preço alto, isto é, do preço que possa pagar e cobrir todos os

vícios do atual sistema de produção, ainda é o argumento único de que nos

socorremos, imoderadamente. E com essa solução primária imediatista perpetuamos

uma situação, que deveria ser emergencial e transitória. Convertemos uma atividade

tipicamente expedicionária em regime de trabalho permanente, alheios às

advertências dos mais cautelosos e aos exemplos que nos davam povos mais

avançados, que fizeram da seringueira o tema de uma das mais largas e rendosas

experiências agrícolas de que o mundo tem conhecimento.” (FERREIRA FILHO, p.

211, 1965).

E por receio da ideia de instalação de uma fábrica de borracha sintética no país e das

plantações da Bahia e de São Paulo, que poderiam arruinar a economia regional, alegaria que

“a agricultura de hévea constitui imperativo da economia brasileira.” (FERREIRA FILHO, p.

222, 1965). Denunciando que as barreiras à heveicultura decorriam da insistência dos “homens

de negócio da Amazônia em confinar um episódio de tamanha envergadura nos lindes do

imediatismo comercial”. (FERREIRA FILHO, p. 250, 1965).

E ao fim do período discorreria ser o fascínio da extração e a inexistência de hábitos

agrícolas um dos maiores obstáculos à valorização do homem amazônico, sobre o qual pontua

que “a mentalidade extrativista, pelo menos no setor da borracha, terá que ceder aos novos

critérios, que transformaram a cultura da hévea num dos mais fascinantes capítulos da ciência

agrícola contemporânea”. (FERREIRA FILHO, p. 290, 1965). Mentalidade mais alinhada ao

comércio do que à indústria agrícola ou florestal, o que levava o autor a afirmar que:

“A heveicultura é, na Amazônia, um movimento da atualidade, que só poderá ser

seguido por aqueles que não carregam o ônus, quase secular, de um sistema de vida,

que se tornou integrante e indesarticulável de sua personalidade, de seus hábitos e de

suas inclinações.” (FERREIRA FILHO, p. 319, 1965).

Já Reis (1953) produziria um amplo histórico da formação econômica e social da

economia da borracha na região, analisando os fatores que permitiram o avanço e a ruína desta

atividade e os seus “vestígios sobre a realidade política, social e cultural amazônica.”

(FERNANDES, p. 243, 2011). Um texto que fecharia o seu ciclo de interpretações sobre os

119

períodos marcantes da história amazônica. Portanto, uma obra essencial para compreender suas

ideias acerca das políticas de desenvolvimento regional em construção.

Inicia discorrendo que a Amazônia apresentava um “primitivismo das condições

existenciais, na rarefação populacional, na economia de sentido predatório.” (REIS, p. 12,

1953), atributos que eram consequência da luta do homem para conquistar a natureza, contra

suas características peculiares, sua extensão, rios, clima, fauna e riquezas. Uma visão que

salientava as dificuldades de se romper com as pressões exercidas pelo ambiente regional, o

que destacava o imperativo de adaptação ao meio.

E para Reis (1953), as políticas portuguesas, destarte suas diretrizes tidas como

acuradas, não conseguiu evitar que a estabilidade e a constância requeridas para a adaptação e

o desenvolvimento da colonização fossem suplantadas pelo advento da economia da borracha.

Investida que, apesar das limitações desta atividade, dariam início a uma nova fronteira política

e econômica e integraria o extremo norte à civilização brasileira. Feito alcançado ao preço da

destruição dos padrões anteriores (REIS, p. 46, 1953).

Discorre que apesar do seringal ter sido um fator importante para a ocupação do

território, o fortalecimento do estado, a integração étnica de caboclos e brabos e etc., os seus

efeitos sobre a criação de uma mentalidade extrativista e de hábitos culturais que consolidaram

um peculiar sistema produtivo não passariam sem críticas na história amazônica, haja vista que

o primitivismo desta atividade substanciaria a proposição da adoção de novos métodos de

produção e a conveniência de se criar riqueza plantando (REIS, p. 58, 1953).

Lembra ainda que as antigas propostas de colonização da região por pequenas

plantações, com o consórcio de culturas de hévea e de outras de alto valor aliadas as de

subsistência, alternativa aventada por Pimenta Bueno, Silva Coutinho e outros, advinham destas

críticas. Um projeto que sofria a resistência dos defensores da extração, que, mesmo após a

grande crise, sempre esperavam o retorno de condições favoráveis e não buscavam alterar seus

métodos de produção. O que levava Arthur Cézar Ferreira Reis a afirmar que:

“É certo que essa mudança de posição importava em mudança de mentalidade e exigia

mobilização de capitais e de iniciativas. E o que se observava era uma resistência

inexplicável a qualquer modificação. Ninguém se atrevia a enfrentar a tremenda

realidade, iniciando um novo sistema de trabalho” (REIS, p. 72, 1953).

Quanto ao abastecimento do seringal, relatava que “a terra tropical, que tanta

exuberância apresentava no esplendor de floresta fechada, seria um logro e hostil ao

empreendimento agrário.” (REIS, p. 106, 1953). Quadro que seria alterado sensivelmente após

a crise, “vencendo os obstáculos naturais criados pelo meio geográfico” (REIS, p. 108, 1953).

120

Sendo possível discernir essa passagem para um maior vínculo à produção alimentar com a

alternância entre os modelos de seringais empório e caboclos.

Uma obra que reiterava a interpretação do autor de que os ciclos econômicos da

Amazônia revelavam “ciclos de civilização”, a partir da existência ou ausência da agricultura e

da indústria em contraposição ao extrativismo (OLIVEIRA FILHO, 1979). Leitura que indicava

as raízes que o extrativismo e o sistema de aviamento haviam fincado na região, consolidando-

se por mediações econômicas, políticas e sociais. Evidenciando assim as dificuldades de ruptura

com o sistema econômico vigente mesmo em meados do século XX.

Por fim, resta-nos ilustrar a configuração institucional que o artigo 199 tomou forma

com a sua regulamentação por meio da lei 1.806/1953, norma que pode ser interpretada como

um pilar central da institucionalização da estratégia conciliatória (FERNANDES, 2011). Uma

lei que visava estimular a diversificação econômica e a garantir o equilíbrio e a estabilidade da

estrutura econômica, política e social da região, a fim de coordenar, harmonicamente, o

desenvolvimento amazônico. Intentando, com isto, conciliar modernidade e tradição.

O artigo 1º desta lei delinearia os eixos da intervenção, quando afirmava que:

“Art. 1º O Plano de Valorização Econômica da Amazônia, previsto no Art. 199 da

Constituição, constitui um sistema de medidas, serviços, empreendimentos e obras,

destinados a incrementar o desenvolvimento da produção extrativa e agrícola

pecuária, mineral, industrial e o das relações de troca, no sentido de melhores padrões

sociais de vida e bem-estar econômico das populações da região e da expansão da

riqueza do País.” (BRASIL, 1953).

E do conjunto de textos apresentados neste tópico, ressalta-se a incorporação do

planejamento ao marco de instrumento de fundamental importância para suplantar o modelo de

colonização extrativista baseado no sistema de aviamento, um elemento central do

desenvolvimentismo (FONSECA, 2014). Intervenção que deveria se inspirar nas investidas

portuguesas e no plano de defesa de 1912, respeitando ainda as limitações apresentadas na

Batalha da Borracha, mantendo, assim, os anteparos ao regime extrativo, um atributo da

tradição, elemento caro ao regionalismo (FREYRE, 1964).

Política que, no curto prazo, buscaria garantir a estabilidade da produção e o equilíbrio

da economia regional e, no longo prazo, visaria incentivar núcleos coloniais de pequenos

proprietários ou empresas agrícolas que, com auxílio técnico do IAN e créditos do BCA,

executariam plantações de hévea e de outros produtos de alto valor em conjunto com gêneros

de subsistência. Uma solução intermediária que aliava sistema tradicional e técnica moderna

com fins a dinamizar a economia da borracha e restaurar o progresso e a dinâmica da região.

Um passo inicial para a tão idealizada diversificação da economia amazônica.

121

Pensamento presente nas ideias do desenvolvimentismo-regionalista amazônico,

perspectiva que nortearia a reflexão de vários de autores envolvidos na controvérsia sobre a

borracha na região. Motivo pelo qual é possível visualizar (figura 2) que as ideias divulgadas

neste período evidenciam um maior contingente de autores próximos da conciliação.

Aproximação de tal magnitude que mesmo um autor avesso à tradição como Felisberto

Camargo flexibilizaria sua posição. Deslocamento que não seria encontrado, na mesma

intensidade, nos autores vinculados ao aviamento e à “mentalidade extrativista”.

Figura 5 – Ambiente de ideias da controvérsia sobre a borracha na Amazônia (1947-1953).

Fonte: Elaborado pelo autor com base nas obras dos pensadores.

Estratégia conciliatória que posteriormente enfrentaria dificuldades em lidar com o

equacionamento dos problemas de uma região tão extensa, complexa e singular quanto a

Amazônia, fatores que seriam apontados, ao lado de outros, como responsáveis pelo insucesso

deste ensaio desenvolvimentista na região. Ainda assim, seria uma experiência que impactaria

na consolidação das diversas correntes de pensamento, com a sua institucionalização nas

instâncias regulatórias, creditícias, científicas e de planejamento, com profundos efeitos sobre

a construção das políticas de desenvolvimento.

Instituições que entrariam em xeque com o surgimento de restrições à sua eficácia,

findando por fracassar em destituir a trajetória path dependence e instalar qualquer tipo de

seringal (caboclo, intermediário ou empório) ou promover uma significativa diversificação

econômica regional. Perdendo, assim, paulatinamente, a capacidade de pautar a cena política e

institucional e formular saídas, planos e políticas para dinamizar a economia amazônica.

Sofrendo no futuro reveses irreversíveis, com a decretação do fim de um modelo de conciliação

após o advento da Operação Amazônia.

122

4.2 Da Concepção Preliminar à Operação Amazônia: a estratégia conciliatória em xeque

(1954 –1966)

4.2.1 Entre diagnósticos e execução: as convergências em torno da valorização da Amazônia

(1954 – 1960)

A esperança voltaria a rondar a Amazônia em meados da década de 50. A introdução de

uma série de instituições voltadas à programação regional daria espaço a um ambiente de

intensa atividade intelectual que não era sentido desde a avassaladora crise da borracha de 1912,

o que inauguraria um novo momento de investigações acerca das soluções para os obstáculos

que restringiam o desenvolvimento amazônico. Um sentimento coletivo que emergiria em

paralelo a aceleração do crescimento da economia nacional e regional.

No plano nacional, com a ascensão do governo de Juscelino Kubistchek (1956-1961)

ocorreria a intensificação da industrialização e do planejamento enquanto instrumentos para a

superação do subdesenvolvimento do país, processos que surtiriam profundos efeitos sobre a

transformação estrutural da economia brasileira rumo à um perfil de indústria mais

verticalmente integrada (DRAIBE, 1986). No campo do pensamento, a ideologia e política

desenvolvimentista alcançaria seu auge no Brasil (BIELSCHOWSKY, 1996).

No plano regional, teríamos a expansão da taxa de crescimento da economia da região,

impactando em uma moderada diversificação de sua estrutura produtiva, com a diminuição da

participação dos produtos extrativos no cômputo do produto regional, mesmo que a borracha

tenha continuando a desempenhar papel substantivo na determinação do produto regional

(BASA, 1966; VILLELA; ALMEIDA, 1966). Período também marcado pela consolidação do

pensamento desenvolvimentista-regionalista amazônico (FERNANDES, 2011).

E no que diz respeito as tendências do mercado da borracha, o período em questão

abrange mudanças substantivas sobre as diretrizes da política gomífera brasileira e amazônica.

A instável estratégia de preços subsidiados não alteraria significativamente o nível produção,

mantendo-se mesmo quase estagnada, com o consumo sendo coberto pela ampliação do déficit

das importações, que chegaria a atingir mais de 50% das necessidades industriais (gráfico 4).

Contexto que somente seria revertido por impulso da nacionalização da política gomífera, com

a decisão pela instalação da indústria sintética no país, a expansão das pesquisas científicas e

tecnológicas sobre borracha e a implantação da heveicultura na Bahia, em São Paulo e na

Amazônia (PINTO, 1984; DEAN, 1989).

123

Gráfico 4 – Participação das importações no consumo de borracha no país (%) (1951-1966).

Fonte: Adaptado de Dean (1989). Linha de tendência em pontilhado.

E para nossos propósitos, o que é importante destacar é o clima de otimismo que circulou

em torno das possibilidades destas instituições em alterar a trajetória de desenvolvimento.

Instituições cujas políticas sofreriam uma série de restrições a sua execução, tais como: a

escassez e a pulverização de recursos, a ampliação das obrigações incluídas nas verbas do artigo

199, as ingerências políticas, as trocas no comando das instituições, o domínio extrativista, a

tão alardeada corrupção, entre outros (CAVALCANTI, 1967; DEAN, 1989; D’ARAÚJO,

1992; CÔRREA, 2004; COSTA, 2004; VERGOLINO; GOMES, 2004; MARQUES, 2013).

E não obstante o peso destes fatores, para a compreensão das limitações desta

intervenção deve-se levar em conta o conteúdo das políticas implementadas e as controvérsias

quanto as estratégias de valorização. Construções que derivavam de interpretações e

diagnósticos acerca dos problemas fundamentais e dos eixos de atuação que o Estado deveria

executar para dinamizar a economia da região. Portanto, é importante também investigar a

história do pensamento sobre o desenvolvimento da Amazônia.

Uma investigação que tem de passar pelo exame dos planos e políticas elaboradas e/ou

executadas pelas instituições regulatórias, creditícias, científicas e de planejamento regional.

Projetos que diferenciavam-se por áreas de atuação, correntes de pensamento, autores

representativos, sugestões de políticas e instituições, tal como podemos compreender a partir

dos achados dos tópicos anteriores (figura 6). E a par destas divergências, empreenderemos

neste tópico uma sistematização das principais controvérsias vinculadas à borracha, verificando

como cada autor ou instituição transmitiu ou adaptou seus diagnósticos e prognósticos a partir

da evolução da conjuntura do mercado da borracha e da estrutura econômica da região. E com

fins a sintetizar a exposição, privilegiaremos a análise por campo institucional.

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Figura 6 – Síntese do ambiente de ideias na Amazônia (1940-1953).

Fonte: Elaboração do autor.

A SPVEA, principal instrumento de desenvolvimento regional da Amazônia,

apresentou, em seus planos, diagnósticos que são representativos de uma visão acerca das

alternativas para reversão do quadro do subdesenvolvimento amazônico e do déficit gomífero.

Três documentos expressam sua aproximação ao problema, são eles: 1) Concepção Preliminar

da Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA, 1954a); 2) Programa de Emergência

(SPVEA, 1954b); e 3) o Primeiro Plano Quinquenal (SPVEA, 1955).

A Concepção Preliminar da Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA, 1954a)

seria o primeiro documento que divulgaria as reflexões conduzidas pelo Superintendente e pela

Comissão de Planejamento da SPVEA38. Um texto que apresentaria as diretrizes preliminares

que norteariam a estratégia conciliatória do Programa de Emergência (1954) e do Primeiro

Plano Quinquenal (1955-1960). Preliminar pois poderiam vir a sofrer retificações ou mudanças

a partir do desenvolvimento de estudos e da experiência.

E a interpretação da lei da SPVEA, o contexto propenso a mudança nos estilos de

política econômica e a emergência de uma consciência do atraso regional são fatores que iriam

impor um conteúdo fortemente vinculado a uma perspectiva desenvolvimentista à estes

documentos (FERNANDES, 2011; PUGA; BASTOS, 2016). Política que, nas palavras da

38 A primeira comissão de planejamento seria composta por Arthur Cézar Ferreira Reis, superintendente (1953-

1955); Francisco Pereira da Silva, presidente ad-hoc; Sócrates Bonfim, relator; Ricardo Borges, Waldir Bouhid,

Firmo Dutra, Francisco Custódio Freire, Stélio Maroja, Raul Valdez, Jaime Vasconcelos, Armando Storni,

Francisco de Paula Valente pinheiro, Valério Caldas de Magalhães e Cid Rojas Américo de Carvalho.

125

Comissão, deveria ser entendida como “obra política, visando a integração territorial,

econômica e social da região amazônica na unidade nacional.” (SPVEA, p. 20, 1954a).

Neste documento, encontram-se um exame preliminar das linhas gerais da SPVEA para

o equacionamento dos gargalos e restrições estruturais que comprometiam o equilíbrio

econômico, político, social e cultural da região. E com base na hierarquização dos problemas

do sistema econômico amazônico, seriam definidos os seguintes objetivos para a valorização:

“a) Criar na Amazônia uma produção de alimentos pelo menos equivalente a suas

necessidades de consumo;

b) Completar a economia brasileira, produzindo na Amazônia, no limite de suas

possibilidades, matérias primas e produtores alimentares importados pelo país;

c) Promovera a exploração das riquezas energéticas e minerais da região;

d) Desenvolvera a exportação de matérias primas regionais;

e) Converter, gradualmente, a economia extrativista, praticada na floresta, e

comercial, praticada nas cidades, em economia agrícola e industrial;

f) Estimular a criação de riqueza e a sua movimentação através de sistemas de crédito

e transporte adequados;

g) Elevar o nível de vida e de cultura técnica e política de suas populações.” (SPVEA,

p. 20, 1954a) (grifos originais).

E os enunciados a, b, e e g são os tópicos que mais se vinculam à questão da borracha,

sobretudo quando anunciam a ambição de superar gradualmente o extrativismo, atividade que

era apontada como fonte causadora de dispersão e isolamento na região, o que impedia a

concentração da produção e a prestação de assistência social (saúde, educação e etc.), motivo

pelo qual recomendava-se a valorização de núcleos agrícolas, no campo, e industriais, nas

cidades. Sobre os núcleos no campo, afirmava-se:

“9- É objetivo da valorização Amazônica transformar em atividade agrícola o trabalho

florestal da maioria de suas populações, criando núcleos agrícolas onde a população

florestal se concentre e onde, a par dos cultivos necessário à sua nutrição, e outros

ecônomicamente recomendáveis, realize agricolamente a produção dos gêneros

atualmente extraídos na floresta.

10 – A exploração florestal extrativista é a base atual da economia amazônica e o seu

principal produto, a borracha, é essencial à complementação da economia nacional,

sendo sua produção atual insuficiente para atender as necessidades do consumo do

país. Porisso a conversão da economia extrativa em agrícola será gradual, iniciando-

se pelas populações marginais que já não trabalham na floresta permanentemente, mas

ainda não se tornaram agricultores. O trabalhador extrativista será orientado e

assistido para a diversificação e aumento de sua produção pelo melhor aproveitamento

dos recursos florestais e pelo aprimoramento de suas obsoletas técnicas de trabalho.”

(SPVEA, p. 21, 1954a).

Política de colonização que era elevada a posição de base da valorização da Amazônia,

uma vez que:

“Do seu sucesso no realizar uma agricultura rendosa para o lavrador é que depende,

na realidade, o êxito de todos os trabalhos de valorização da Amazônia, porque, se

não for realizada uma agricultura de rendimento econômico alto, as populações

agrícolas retornarão ao extrativismo e à dispersão do homem, a alimentação deficiente

126

continuará a ser problema crítico da saúde na Amazônia, as cidades não se poderão

desenvolver industrialmente e não haverá possibilidade de construir uma civilização

avançada nesta região.” (SPVEA, p. 24, 1954a).

Um texto que vislumbrava ainda a possibilidade de uma rápida conversão de parcela

substantiva da população do vale à agricultura, em razão do exemplo da juta, um ideal agrícola

que incluía ainda a pecuária. Finalidade que visavam a recuperação do homem amazônico pela

elevação da produtividade e pela incorporação de avanços culturais e tecnológicos, resultados

cujo “efeito futuro e a permanência” dependiam “da conversão da população a novos hábitos e

técnicas.” (SPVEA, p. 26, 1954a).

E para o alcance destes objetivos, recomendava os seguintes eixos fundamentais:

“a) a investigação científica, que revelará a realidade amazônica em profundidade e

detalhes, de modo a que, compreendendo-a, possamos enquadrar e resolver os seus

problemas;

b) a criação ou adaptação de técnicas específicas de trabalho, adequadas às condições

do meio e do homem e que permitam a este vencer as dificuldades de sua adaptação

ao ambiente;

c) a educação profissional de todos os gráus, que vulgarize, ao par dos conhecimentos

básicos, as técnicas de trabalho próprias da região;

d) o saneamento das cidades e das áreas agrícolas e a assistência médica itinerante às

áreas extrativas;

e) a alimentação das populações amazônicas, com o desenvolvimento da produção

agrícola, da pecuária e da pesca;

f) sistemas de transportes interiores, principalmente fluvial, e estradas de acesso em

zonas encachoeiradas ou de navegação impossível; vias de comunicação com o centro

e o nordeste do Brasil;

g) energia elétrica nas grandes cidades, como base para a evolução industrial;

f) auxílio técnico e financeiro à iniciativa privada, para que promova o aproveitamento

dos recursos florestais, agrícola e minerais da Amazônia.” (SPVEA, p. 28, 1954a).

Nota-se de SPVEA (1954a) a interdependência dos problemas da região amazônica. E,

no caso da borracha, destaca-se a justificativa de sua manutenção e a apresentação da

colonização como instrumento de equacionamento do déficit na produção, seguindo, assim,

uma secular tradição de ideias e políticas. No entanto, seria somente no Programa de

Emergência (1954b) e no Primeiro Plano Quinquenal (SPVEA, 1955) que seriam detalhados os

projetos para solucionar as deficiências regionais apontadas.

Documentos (SPVEA, 1954b; 1955) que seriam construídos a partir das diretrizes

estabelecidas na Concepção Preliminar (SPVEA, 1954a), com a transmissão literal dos

objetivos da valorização pelos dois planos, os quais assentavam-se em:

“a) assegurar a ocupação territorial da Amazônia em um sentido brasileiro;

b) construir na Amazônia uma sociedade economicamente estável e progressista e que

seja capaz de, com seus próprios recursos, prover a execução de suas tarefas sociais;

c) desenvolver a Amazônia num sentido paralelo e complementar ao da economia

brasileira.

Todos êsses problemas, embora diversos entre si, guardam larga margem de contacto,

porque, no fundo, o problema único consiste na adaptação do homem às condições de

127

um meio novo, na prática de tarefas com as quais não está familiarizado.” (SPVEA,

p. 24 e 25, 1955).

Planos que partilhavam o mesmo processo de formulação, haja vista que SPVEA

(1954b) e SPVEA (1955) seriam elaborados pela Comissão de Planejamento tendo por base a

Concepção Preliminar (SPVEA, 1954a), as atividades em andamento das instituições regionais

e a análise das demandas das lideranças políticas e empresarias da região39. Diferenciavam-se

em relação à profundidade e ao alcance temporal das soluções. SPVEA (1954b) procederia a

preparação de soluções imediatas de curto prazo40, enquanto SPVEA (1955), por seu tempo de

maturação mais longo, produziria projetos de maior envergadura, intentando com isto alterar

substantivamente a estrutura produtiva e institucional amazônica.

No entanto, apesar desta distinção formal entre plano de curto e longo prazo, SPVEA

(p. 23, 1955) também seria um plano de “caráter preliminar”, apresentando-se mais como “uma

tomada de posição em face do problema”, haja vista a advertência que o plano expõe:

“Constróe-se o Plano de Valorização, por isso, mais sôbre as necessidades da região

do que sôbre suas possibilidades cientificamente verificadas, entendido que a

definição dessas possibilidades resultará, como consequência, dos estudos e

levantamentos previstos no texto do plano a seguir e que irão definir, em última

análise, os objetivos a alcançar na segunda fase qüinqüenal do período de 20 anos

previsto pela constituição (SPVEA, p. 23, 1955).

Planos que compartilhavam ainda do mesmo diagnóstico acerca das causas do atraso da

região. SPVEA (1954b) discorria que o ciclo econômico da borracha silvestre na região havia

enraizado alicerces de uma configuração econômica, política e social que restringiram a criação

ou adaptação de novas condições de produção e de vida, “conjunto de fatores que

predeterminou tôda a conjuntura social e econômica da Amazônia atual. (SPVEA, p. 6, 1954b).

Evidenciando por meio disto que:

“III – Podemos, por isso, afirmar que a crise da Amazônia não decorre das condições

adversas do meio mas, da sobrevivência dos hábitos e concepções de trabalho e da

organização social do ciclo extrativista, cuja produtividade econômica tornou-se

insuficiente para sua manutenção como sistema econômico. A população local não se

adaptou às novas condições da economia mundial. Cabe ao Governo Brasileiro,

através dos trabalhos da Valorização Econômica, operar essa transformação.”

(SPVEA, p. 6, 1954b).

39 A formulação conjunta com os demais agentes políticos, corporativos e técnicos da região não causa estranheza,

haja vista que há um clamor recorrente nos textos envoltos na formulação do plano por uma intervenção auxiliar

à iniciativa privada amazônica (ADOLFO, 1951; SPVEA, 1954a), como também ficava claro na lei 1.806 de 1953.

Ademais isto, a necessidade do plano quinquenal ser aprovado no congresso nacional denotava que este deveria

ter, no mínimo, afinidade e proximidade com os projetos políticos dos parlamentares amazônicos. 40 Por requisito da lei 1.804/1953, enquanto não era aprovada a lei orçamentária dos planos quinquenais, a execução

do Valorização da Amazônia seria iniciada por um Programa de Emergência de um ano de exercício, aprovado

diretamente pelo presidente da república.

128

Do mesmo modo, SPVEA (p. 31, 1955) afirmaria que “a realização de uma sociedade à

base do extrativismo foi demonstrada impossível no decorrer das últimas gerações”, atribuindo

o atraso à extração e ao aviamento, listando pontos já levantados neste trabalho, tais como a

concentração: 1) econômica, com a especialização extrativista; 2) setorial, com a hipertrofia do

setor mercantil; e 3) espacial, com inchaços das capitais. Além de acusar a baixa produtividade

do seringueiro. Só deixando de elencar os elevados rendimentos das elites regionais.

Análise que orientaria o eixo central da recuperação e do desenvolvimento equilibrado

da sociedade e da economia amazônica, o qual se fundamentaria em:

“a) converter a população rural a um tipo de economia de base agrícola, concentrando-

a em zonas selecionadas onde haja um sistema de transporte e recursos naturais em

proporção satisfatória para a sua manutenção e progresso;

b) industrializar as cidades;

c) aproveitar os recursos florestais e minerais por um sistema racional que evite o

extrativismo e a garimpagem;

d) aperfeiçoar as técnicas de trabalho extrativista e diversificar a produção extrativista,

como um meio de melhorar as condições de vida do trabalhador florestal.” (SPVEA,

p. 41, 1955).

Além disso, em termos de conciliação entre tradição e desenvolvimento, de resguardo

dos interesses regionais inscrito no extrativismo da borracha, os documentos se equivaleriam.

O Programa de Emergência divulgaria o problema nos seguintes termos:

“O sistema extrativista atual, com todos os seus defeitos, não pode ser, entretendo,

descontinuado porque não sòmente é a base econômica da Amazônia atual e dele vive

parte maior de sua população, como ainda realiza uma tarefa do mais alto interêsse

nacional que é a produção de borracha silvestre. Sua conversão a uma fase agrícola

ou à exploração racional da floresta terá de ser gradativa, segundo fases que o Plano

Quinquenal fixará, criando condições em que a conversão se realize espontaneamente,

pelo interêsse do extrativista na obtenção de um padrão de vida mais alto.” (SPVEA,

p. 101, 1954b) (grifos nossos).

E o Primeiro Plano Quinquenal esboçaria também linhas semelhantes:

“O desenvolvimento das zonas agrícolas e industriais da Amazônia terá como efeito

uma progressiva atração e incorporação dos trabalhos florestais ao seu complexo. Será

uma absorção gradativa cuja aceleração pode ser perigosa, pois de uma parte a

sociedade atual é mantida pela produção florestal e de outra parte, constituindo a

borracha um produto essencial à complementação da economia nacional, não é

possível substituir a produção silvestre senão quando o desenvolvimento dos

programas de heveacultura patrocinados pelo Plano de Valorização, possam alcançar

volume de produção suficiente, que torne dispensável a produção de borracha

silvestre.” (SPVEA, p. 40, 1955) (grifos nossos).

Reiterando este posicionamento quando tratou do problema da recuperação das

populações extrativistas, afirmando que:

“Conquanto anti-econômica e sem possibilidades de criar condições permanentes de

desenvolvimento, a atividade extrativista é a espinha dorsal da Amazônia atual e dos

129

resultados de seu trabalho vivem as cidades, mantêm-se os poderes públicos locais e

desenvolve-se a indústria nacional de artefatos de borracha, essencial à vida

econômica do país. Não é possível, por isso, descontinuá-la, sem, antes, ter preenchido

o vácuo que deixará.” (SPVEA. p. 112, 1955).

Por fim, para a execução de suas atividades, a SPVEA realizaria ainda um zoneamento

baseado em critérios econômicos e políticos, selecionado as áreas prioritárias (figura 7).

Figura 7 – Zoneamento da valorização do Primeiro Plano Quinquenal.

Fonte: SPVEA (1954a). A áreas mais escuras correspondem áreas prioritárias da valorização.

Nos dois documentos (SPVEA, 1954b, 1955), o caso da borracha extrativa seria tratado

na subcomissão de Recursos Naturais e da heveicultura na subcomissão de Produção Agrícola.

No tocante ao extrativismo, SPVEA (1954b) destacava o imperativo da elevação produtividade

pela diversificação produtiva e pelo aperfeiçoamento das técnicas de trabalho. Objetivo que

dependia de cooperação científica e tecnológica, representadas no Projeto Borracha, Projeto

Madeiras, Projeto Pau Rosa e outros.

O Projeto Borracha previa o estudo e a disseminação de técnicas de produção mais

eficientes, trabalho que deveria ser realizado conjuntamente pelo IAN e pelo BCA, uma

alternativa factível frente a solução considerada improcedente do encaminhamento de mão de

obra para os seringais. Neste plano, seria apenas mencionada importância da heveicultura como

130

solução de longo prazo, o que pode ser constatada pela apresentação do artigo 28 do regimento

interno da subcomissão de Produção Agrícola, o qual designava que competia-lhe estudar:

“a) as condições de vida agrícola na Amazônia e a racionalização da agricultura e

pecuária da região, a ampliação das culturas alimentares e das plantas industrias, entre

estas, particularmente, as plantas produtoras de borracha, fibra e óleos;

b) os problemas ligados ao povoamento e a colonização;

c) o regime legal de terras na região e o problema do acesso à terra, para as classes

pobres.” (SPVEA, p. 40, 1954b) (grifos nossos).

SPVEA (1955) repetiria para a borracha extrativa os princípios desenvolvidos em

SPVEA (1954b), reiterando a proposta de diversificação produtiva do seringal e de melhorias

das técnicas de produção (SPVEA, p. 112, 1955). Recusaria também o recrutamento de novos

seringueiros, alternativa dispendiosa que era vista como “uma séria limitação ao esforço

racionalizador da economia e de organizar a sociedade amazônica” (SPVEA, p. 90, 1955).

Nota-se ainda a menção ao substituto sintético, sem, no entanto, se planejar algo a respeito.

Para a heveicultura, SPVEA (1955) recomendaria o modelo de colonização de pequenas

propriedades, de seringais caboclos, com a associação da hévea e plantas de alto valor com

culturas de subsistência. Intervenção que já vinha sendo ensaiada no território do Amapá e na

colônia Guamá no Estado do Pará41. No entanto, apesar das altas expectativas da atuação do

órgão, o plano trataria o problema somente em termos modestos42, justificando isto em razão

da lei que obrigava as grandes industriais de borracha a investir na heveicultura.

Em síntese, constata-se dos objetivos, dos diagnósticos e dos projetos elaborados pela

SPVEA a intencionalidade da promoção da diversificação da estrutura produtiva regional e a

melhoria das condições infra estruturais e institucionais que restringiam o desenvolvimento da

região. Pontos que evidenciam a consolidação do pensamento desenvolvimentista-regionalista

e que corroboram a centralidade dos interesses vinculados à borracha para a estratégia

conciliatória, de transição do regime extrativo para outro agrícola e industrial.

E findo a apresentação do plano de maior envergadura até então esboçado para a

recuperação do vale amazônico, resta-nos acompanhar, de forma breve, como as instituições

regionais se portaram frente a execução do planejamento da SPVEA e as alterações na

conjuntura do mercado da borracha, o que evidenciará adaptações da estratégia conciliatória.

41 Colônia cuja instalação estava programada para o ano de 1955 pelo Instituto Nacional de Imigração e

Colonização (INIC) em associação com a SPVEA e BCA. 42 Previa-se o plantio de 37.000 de hectares de seringueira, sob supervisão técnica do IAN, auxílio creditício do

Fundo de Fomento à Produção do BCA e de governos estaduais e territoriais. Plano que somente alcançava a cifra

de 3,4% dos recursos do artigo 199 (SPVEA, p. 314 a 325, 1955).

131

Ponderações que encontram-se presentes nos relatórios anuais do BCA, nas publicações da

SPVEA43, em relatórios técnicos e demais textos.

Os relatórios de exercício anuais apresentados aos acionistas pela presidência do BCA

evidenciam a movimentação financeiro do banco e sua sincronia com as diretrizes da política

de desenvolvimento regional programada pela SPVEA, proximidade que não excluía os

amparos à borracha extrativa. Publicações que veiculariam a postura do BCA acerca da

valorização e o impasse existente entre a intencionalidade da diversificação e o imperativo da

manutenção e expansão do extrativismo gomífero.

O relatório referente ao ano de 1954 (BCA, 1955)44, por exemplo, expõe os anseios que

o plano quinquenal despertava, valorização que era tida como “obra patriótica que, certamente,

tirará a Amazônia do marasmo em que viveu pelo passado, adquirindo fé em melhorias dias no

futuro e dando ao homem nela radicado a sua verdadeira situação no âmbito nacional.” (BCA,

p. 8, 1955). Intervenção que o banco anunciava aos acionistas como “uma nova éra de

prosperidade e desenvolvimento” aos negócios e aos amazônidas (BCA, p. 9, 1955).

No tocante ao exercício financeiro de 1954, o relatório se ateria à análise conjuntural da

produção gomífero e dos demais produtos amparados pelo BCA na Amazônia, tratando ainda

do financiamento da heveicultura. Quanto a extração da borracha, listaria os motivos que

restringiam sua expansão, tais como a escassez de mão de obra, elevados custos de vida do

seringal, o êxodo de seringueiros para outras atividades e para obras da SPVEA, a questão do

preço, entre outros, as mesmas razões sempre levantadas pelos operadores do aviamento.

O conteúdo deste esquema analítico seria repetido ao longo do período 1954 a 1960,

mantendo-se ativa a defesa da garantia de preços, do monopólio do banco e do incremento de

borracha e de outros produtos, alterando-se tão somente ponderações conjunturais. Apesar

disto, estes documentos também iriam apresentar inovações quanto as soluções do problema da

borracha na Amazônia. Exemplo disto são as propostas apresentadas no relatório de 1956 e no

de 1957. Vejamos em detalhes.

Frente aos fracos resultados da extração e a reduzida demanda por créditos para plantio

de hévea, o relatório referente ao ano de 1956 (BCA, 1957) apresentaria um plano de

43 Além da publicação dos planos e informes de suas atividades, a SPVEA se destacaria pela divulgação de

trabalhos científicos sobre a Amazônia, apresentando todos os anos diversas monografias sobre os principais temas

que envolviam o esforço de valorização. Três séries foram editadas, a primeira denominada “Araújo Lima”, a

segunda “Pedro Teixeira” e a terceira “ufanistas da Amazônia”. Coletânea de textos indispensáveis para

compreender o esforço de investigação histórico-científica da instituição. Ressalta-se ainda a simbologia da

homenagem à Araújo Lima, um dos renovadores do pensando sobre o desenvolvimento da região, e Pedro Teixeira,

um dos responsáveis pela conquista da Amazônia. 44 Relatórios que sempre referiam-se ao exercício do ano anterior.

132

colonização e encaminhamento de trabalhadores para expansão dos seringais. Plano que deveria

ser executado mediante convênio entre a SPVEA, que propiciaria os recursos necessários, o

INIC, que selecionaria os retirantes nordestinos e os encaminharia à Amazônia e o BCA, que

assumiria as responsabilidades de agente financeiro da iniciativa (BCA, p. 31, 1957).

Além disso, BCA (1957) discorreria que, mesmo com a execução deste plano e a

aceleração do plantio de seringueiras, o déficit no consumo nacional desta matéria prima

permaneceria elevado, o que o levava a propor a instalação de uma fábrica de borracha sintética.

Medida suplementar ao abastecimento do mercado gomífero que não cercearia os interesses da

produção da Amazônia, haja vista que a previsão do BCA era de que o déficit permaneceria

pelo menos nos próximos 20 anos.

E partilhando do diagnóstico de déficit prolongado, o relatório referente ao ano de 1957

(BCA, 1958) esboçaria um plano de ação que teria por base as seguintes recomendações:

“a) providência de resultado a curto prazo: incentivo à produção de borracha silvestre;

b) providência de resultado a prazo médio: instalação no país de uma fábrica de

borracha sintética, com capacidade de produção de pelo menos 30/40.000 toneladas

anuais; e

c) providência de resultado a longo prazo: plantio simétrico e racional de seringueiras,

em regiões que ofereçam, simultaneamente, condições ecológicas e sociais

plenamente satisfatórias.” (BCA, p. 45, 1958).

Plano que demonstrava o reconhecimento do banco de que só a produção silvestre não

equilibraria a produção e o consumo da goma elástica (BCA, p. 12, 1958). Quanto ao substituto

sintético, seria recomendado a instalação de uma fábrica na região amazônica, o que não viria

a ocorrer, tendo se instalado no Rio de Janeiro (DEAN, 1989). Em relação a heveicultura, BCA

(1958) afirmaria que a consecução de um empreendimento tão demorado e oneroso fugia das

possibilidades do capital privado da Amazônia, cabendo então a iniciativa governamental.

Para isto, sugeria a criação de uma empresa de capital misto controlada pelo BCA

denominada HEVEABRÁS – Borracha do Brasil S.A, a qual teria a finalidade de plantio

racional e manutenção dos seringais. Empresa que funcionaria com base no consórcio de hévea

e outras culturas auxiliarias e de subsistência, em seringais tipo caboclo. Projeto que deveria

contar com a colaboração da SPVEA, do Ministério da Agricultura, do INIC e demais órgãos

públicos. Proposta que foi aprovada pelos acionistas do banco em 1958 (BCA, 1959).

Além destas interessantes propostas divulgadas pelo BCA, o ano de 1958 seria marcado

por importantes reformulações na política borracha do Brasil. Dado o contexto da iminente

implantação do setor automotivo no país, as previsões sobre o crescimento do consumo de

borracha impactariam na urgência da expansão do esforço gomífero (PINTO, 1984). Em razão

disto, ocorreriam neste período dois importantes acontecimentos: 1) a lei de liberação das

133

importações de borracha (decreto 44.728 de 22 de outubro de 1958 (BRASIL, 1958)); e 2) A

Reunião de Estudos da Borracha para Aumento da Produção (REBAP).

A liberação das importações de borracha evidenciaria a existência de uma campanha

pelo fim do monopólio do BCA. Osíris da Silva (2004) relata em detalhes este episódio.

Colocavam-se contra o monopólio a grande indústria, reunida no Sindicato Indústria de

Artefatos de Borracha de São Paulo, e a ACA. O Sindicato justificava sua posição por preferir

importar diretamente do exterior, a custos menores do que o preço estabelecido pela CEDB. E

a ACA acreditava que o controle privado da produção poderia forçar a alta de preços.

A favor da manutenção do monopólio encontravam-se a ACP, a Associação de

Seringalistas do Mato Grosso e a Associação da Indústria de Artefatos de Borracha do Estado

de São Paulo, composta por pequenos e médios fabricantes nacionais. Estes agentes preferiam

o controle estatal por este garantir estabilidade nos preços e no suprimento de borracha, além

deste monopólio drenar recursos extras ao BCA, devido ao ágio de importação da borracha,

ampliando o caixa do banco para financiamento de outros empreendimentos.

E após acomodados os interesses dos pequenos e médios industriais da borracha com a

garantia de estoques, decretou-se a extinção do monopólio da importação. Mais à frente, seriam

acomodados os interesses do BCA e demais instituições regionais, uma vez que por meio do

decreto 50.422 de 07 de abril de 1961 (BRASIL, 1961) e do decreto 880 de 10 de abril de 1962

(BRASIL, 1962) instituiu-se a destinação de 10% do valor da borracha importada e do

substituto sintético para o caixa do BCA, para o financiamento da extração, da heveicultura e

da diversificação econômica.

No que diz respeito a REBAP, evento convocado pelo Grupo de Estudos da Borracha45,

teria espaço discussões que resultariam em novas diretrizes da política gomífera. Evento que

contou com a participação de mais de 100 personalidades técnicas e autoridades administrativas

e 50 entidades diversas46 e que teria suas principais contribuições publicadas em REBAP

(1960). E diante da remota possibilidade de expansão da produção extrativa e dos altos índices

de importações de borracha, o presidente da reunião iniciaria indicando o imperativo da

“substituição de importações” (REBAP, p. 25, 1960).

45 Grupo que funcionou desde junho de 1958 no Ministro da Agricultura e que fazia parte do Conselho de

Desenvolvimento Econômico da Presidência da República. Órgão formado por representantes do Departamento

Nacional de Produção Vegetal (DNPV), do Ministério da Agricultura, da CEDB e do BCA. 46 Encontro que reuniu o Conselho de Desenvolvimento Econômico, Ministério da Agricultura, DNPV, órgãos de

planejamento, divisões de fomento do governo federal, o Escritório Técnico de Agricultura Brasil-Estados Unidos

(ETA), BCA, CEDB, políticos, Associações Comerciais da Amazônia, Associações de Seringalistas, empresas

privadas, representantes da Firestone, Goodyear e Dunlop, Petrobrás, federações de associações rurais, o sindicato

da indústria de pneumáticos, bem como diversos institutos de pesquisa científica e tecnológica, como Instituto

Agronômico do Leste, o Instituto Agronômico de Campinas, o IAN, o INPA, entre inúmeras outras instituições.

134

As recomendações aprovadas pela REBAP vinculavam-se a três eixos centrais, os quais

são: 1) melhor aproveitamento dos seringais nativos; 2) instalação de uma fábrica de

elastômeros; 3) desenvolvimento da cultura racional da seringueira. Nota-se a sincronia destas

prioridades com os planos elaborados pela SPVEA e com os planos de ação esboçados pelo

BCA. No entanto, o conteúdo das recomendações aprovadas expõe inovações na política

gomífera, com medidas abrangentes que incluiriam diversas institucionalidades e regiões do

país, notadamente a Amazônia, a Bahia e São Paulo.

No que diz respeito aos seringais silvestres, foram levantadas propostas relativas a

elevação da produtividade, melhorias das condições humanas, o equacionamento da escassez

de crédito, transportes, assistência sanitária e social e etc., o plantio de gêneros agrícolas, a

revisão dos mecanismos comerciais, a exploração dos seringais do Mato Grosso, prêmios para

o aumento da produção gomífera e uma lei para reservar 10% dos recursos do artigo 199 para

a aplicação pelo BCA para maior rendimento do extrativismo.

Em relação a heveicultura, foi fixada a meta de 100.000 hectares, sob coordenação do

Ministério da Agricultura, com 60% na Amazônia e o restante na Bahia e em São Paulo. Foi

recomendado o plantio de héveas em seringais silvestres e a instalação da HEVEABRÁS

proposta pelo BCA. Além disso, os critérios técnicos seriam flexibilizados, alterando-se os

requisitos tecnológicos para o plantio conforme a distância e a acessibilidades das áreas. Sendo

também defendido prêmios ao plantio e a difusão de melhores técnicas.

Além disso, seria aprovada a execução do plano de povoamento e colonização proposto

pelo BCA, a criação de uma lei para revisão semestral dos preços da borracha e a adoção, sem

caráter de prioridade, de providencias para a instalação da fábrica de elastômeros, sendo

sugerido ainda a instituição de um órgão para a coordenação das ações de todas as entidades

interessadas no aumento da produção de borracha no país, entre outras. Indicações amplas que

o próprio documento considerava impossíveis executar de maneira integral e imediata.

O primeiro resultado deste evento seria a criação do projeto ETA-54, sucessor do Projeto

Borracha da SPVEA. Este órgão era composto por um conjunto de instituições47 e detinha o

objetivo de prover assistência técnica qualificada a formação e a exploração de seringais

silvestres e da heveicultura, fornecendo treinamento de pessoal, material para plantio,

difundindo métodos, além de agir junto as autoridades competentes a fim de concretizar as

medidas recomendadas pela REBAP.

47 O projeto ETA-54 era formado pelo Escritório Técnico Brasil-Estados Unidos (ETA), DNPV, IAN, INIC e

SPVEA.

135

No entanto, o mais importante a se destacar das diretrizes acordadas neste evento é o

alinhamento que a SPVEA, o BCA, o IAN e as demais instituições passariam a ter no tocante

ao equacionamento da questão gomífera. O que indica que os polos do debate sobre a borracha

iriam se aproximar cada vez mais do ideal da diversificação econômica e da conciliação

proposta pelos desenvolvimentistas-regionalistas. Conclusão que pode ser constatada pela

observação do pensamento dos desenvolvimentistas e regionalistas em REBAP (1960).

E do rol de autores já referenciados no debate sobre o desenvolvimento da borracha na

Amazônia, teríamos a presença nesta reunião de Firmo Dutra, Gabriel Hermes, Arthur Cézar

Ferreira Reis e Cosme Ferreira Filho, além de outros ainda não citados, como Armando Dias

Mendes48 e Rubens Rodrigues Lima49. No entanto, nem todos as intervenções e participações

foram incluídas na publicação REBAP (1960). E com fins a sintetizar a análise, nos ateremos

somente ao pensamento dos autores ligados ao BCA e IAN.

A visão do segmento extrativista consolidada no BCA seria encontrada nos textos da

ACA (1960), de Cosme Ferreira Filho50 e de Firmo Dutra (1960). Indicações que seguiam linhas

semelhantes às de BCA (1957) e REBAP (1960), com a defesa da extração, da heveicultura e

da indústria sintética. Além das pautas clássicas, estes textos recomendariam a reorganização

dos seringais rumo à diversificação de suas atividades, a racionalização dos recursos florestais

e a inclusão do plantio nos seringais silvestres. Posições mais próximas à conciliação.

Cabe ainda destacar o argumento que Cosme Ferreira Filho levantaria para admitir a

manutenção da extração enquanto não se solucionava o déficit, que colocava que:

“Na realidade, o seringal silvestre deve ser encarado pelos poderes públicos mais

como um problema social e de política demográfica do que como uma emprêsa

econômica produtora de borracha. Constituindo a única atividade sedentária de

ponderável consistência, no interior da Amazônia, porquanto as demais formas de

produzir, na área da borracha, são tôdas tipicamente expedicionárias, torna-se

indispensável para expressão de nosso domínio político na hinterlândia amazônica

mais afastada” (FERREIRA FILHO, p. 100, 1965).

A visão desenvolvimentista consolidada no IAN foi expressa por Rubens Rodrigues

Lima et al (1960), texto que afirmava que os incentivos para a heveicultura em execução não

seriam suficientes, indicando a solução intervenção estatal. Esboçaria um plano de colonização

por seringueiras e lavouras de subsistência, do tipo seringal caboclo, que deveria ser operado

48 Eminente intelectual que produziria uma vasta obra sobre a região amazônica, vindo a fundar um dos mais

importantes centros de estudos da região, o Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA). Teria também farta

experiência profissional nas instituições regionais, fazendo parte da Comissão de Planejamento da SPVEA de 1961

e presidindo o BCA entre 1964 e 1966, em anos de Operação Amazônia. 49 Engenheiro agrônomo que seria o sucessor de Felisberto Camargo na presidência do IAN. 50 Em REBAP (1960) o texto intitulado “Borracha Para o Brasil” seria publicado em nome da ACA, todavia, em

Cosme Ferreira Filho (1965) este texto seria apresentado como sendo de autoria deste autor.

136

por empresas de capital misto ou órgãos oficiais. Sendo notável revelar que a liberação para

plantio em seringais nativos ancorava-se em recomendações técnicas do IAN51.

Portanto, destaca-se a convergência dos prognósticos sobre a questão da borracha por

parte das instituições e dos autores envolvidos na construção das políticas de desenvolvimento

na Amazônia. O que não significa que as divergências haviam desaparecido, mas sim que, em

meio aos elevados índices de importação e as pessimistas perspectivas quanto à capacidade da

produção silvestre, havia uma maior inclinação para a conciliação dos interesses regionais, da

tradição e do progresso, entre extrativismo, heveicultura e substituto sintético.

E entre intenções e resultados, as iniciativas promovidas pela REBAP, pelo BCA e pela

SPVEA não obteriam êxito em alterar o sistema produtivo amazônico e o déficit gomífero.

Fracasso que resultava de vários fatores, tais como a escassez de recursos do BCA, os limites

da SPVEA, a falta de coordenação dos projetos, a amplitude dos objetivos e etc. (BCA, 1960;

REBAP, 1960; SPVEA, 1960a), além das dificuldades de desenvolvimento de espécies de

hévea de alta produtividade e resistentes ao mal das folhas (DEAN, 1989).

Todavia, apesar da frustração com os resultados, o fim do tempo de vigência do Primeiro

Plano Quinquenal influiria na edição de novos planos para a reversão do subdesenvolvimento

da Amazônia e para o equacionamento da questão gomífera. Destaca-se deste período dois

documentos: 1) a Atualização do Primeiro Plano Quinquenal (SPVEA, 1960a); e 2) SPVEA

(1954/1960) Política de Desenvolvimento da Amazônia (SPVEA, 1960b). Documentos que

realizariam críticas e reformulações dos termos da valorização.

Em SPVEA (1960a) nota-se a ciência por parte da Superintendência e da Comissão de

Planejamento52 dos obstáculos que restringiam a execução do planejamento da instituição, bem

como revela-se que os limites de SPVEA (1955) eram de amplo conhecimento na região. A

partir destas ponderações, SPVEA (1960a) apresentaria uma atualização dos projetos da

SPVEA, retificação que repetiria a conceituação, os objetivos e as diretrizes da política de

recuperação das populações amazônicas presentes no Primeiro Plano Quinquenal.

E a manutenção dos mesmos princípios para a valorização por uma Comissão de

Planejamento e Superintendência distinta demonstra a continuidade da tentativa de desenvolver

51 No entanto, não é possível afirmar categoricamente que tais indicações foram diretamente veiculadas pelo

instituto, haja vista não existir documento em REBAP (1960) assinado pelo órgão ratificando esta posição. 52 A comissão de planejamento responsável pela elaboração deste documento não seria a mesma do Primeiro Plano

Quinquenal. A nova composição deste órgão seria: Waldir Bouhid, superintendente (1956-1960), Amyntor

Virgolino de Amaral Bastos, Nady Bastos Genú, Mário Dias Texeira, Marcílio Felgueiras Viana, Elias Ribeiro

Pinto, Lourival de Oliveira Bahia, Mário da Silva Machado, Cláudio Palha de M. Bittencourt, Milton Corrêa da

Costa, Ewerton Pereira de Carvalho, Djalma Tenório de Brito, Raul Monteiro da Costa, Paulo Soter da Silveira e

Rubens da Silveira Brito.

137

a região amazônica por meio da promoção da conversão gradativa do regime extrativista para

outro modelo agrícola e industrial. E por partilhar do mesmo diagnóstico e prognóstico acerca

das saídas do atraso regional, e, desta forma, das ideias desenvolvimentistas-regionalistas, seria

novamente recomendado o incentivo à heveicultura e o amparo ao extrativismo.

Para o extrativismo, seria destacado o imperativo da elevação de sua produção até o

limite máximo da capacidade dos seringais nativos por meio do aperfeiçoamento técnico e da

diversificação produtiva. Admitindo o prosseguimento desta política por acreditar que:

“não será fácil nem justo se cortar, ex-abrupto, a vinculação de uma economia

tradicional e básica, como é a da exploração da seringueira nativa, a um contingente

humano ao qual se deve, pelo menos a ocupação efetiva desta grande parte do

território pátrio”. (SPVEA, p. 15, 1960a).

Discutia ainda que a indústria sintética em construção seria uma solução parcial, de

emergência, indicando que o equacionamento do déficit residia no incentivo a heveicultura,

estabelecendo os seguintes itens para o próximo quinquênio:

“a) Centralização técnica, no plano regional, através dos programas do ETA-projeto

54, visando a homogeneização das tarefas;

b) A formação de seringais de cultura, pequenos e médios, por emprêsas privadas,

com crédito especializado;

c) Formação de seringais-colônias do tipo Itacoatiara, em convênio, com os estado e

territórios, objetivando o povoamento em bases sólidas dos eixos rodoviários,

ferroviários e fluviais;

d) Criação do Fundo Regional de Heveacultura, com a participação dos Estados,

Territórios e Municípios interessados.” (SPVEA, p. 20, 1960a).

Portanto, SPVEA (1960a) acreditava haver compatibilidade entre as metas

estabelecidos por REBAP (1960) e BCA (1958), indicando ser necessário manter as linhas

centrais da política formulada por SPVEA (1955), somente alterando o foco da heveicultura

para pequenos e médios proprietários e colônias de povoamento ao longo das rodovias,

ferrovias e cursos fluviais, além da centralização dos esforços técnico-científicos no projeto

ETA-54 e a expansão da oferta de crédito por meio do Fundo da Heveicultura.

Em SPVEA (1960b) encontramos um balanço das atividades da instituição e a

apresentação de um modelo de planejamento para uma nova política de desenvolvimento

econômico da Amazônia. Estudo que refletiria sobre as causas do atraso regional e definiria a

necessidade de reformulação das estruturas administrativas, dos métodos financeiros e das

diretrizes de ação. Um documento produzido por uma empresa de consultoria, a Consórcio de

Planejamento e Empreendimentos S/A53.

53 Consta no relatório que a empresa tivera total autonomia na análise da política de desenvolvimento ensaiada

pela SPVEA (desde a coleta de dados primários, exame de referências, interpretações estatísticas e fatuais, até a

crítica e respectivas conclusões), livre, portanto, de interferências da Comissão de Planejamento e da

138

Em razão dos objetivos de pesquisa, nos atentaremos a dois aspectos de SPVEA

(1960b), os quais são: 1) o diagnóstico, os princípios básicos e os objetivos do plano; e 2) a

programação para a borracha. Dois elementos que evidenciam como foram avaliados à época

os impactos e as limitações desta instituição na dinamização da economia amazônica e como

seriam adaptadas as políticas de contenção do déficit gomífero em um contexto elevados níveis

de importação, de advento de substitutos sintéticos e de plantios em fase de implementação.

O diagnóstico deste estudo possui similaridades com as ideias desenvolvimentistas-

regionalistas de SPVEA (1955, 1960a), quando colocava que:

“Na Amazônia, os quadros de seu subdesenvolvimento (ou, chamemos de

subdesenvolvimento marginal), e seus fatores essenciais, começam a ser

compreendidos friamente. A economia extrativa, e com ela o latifúndio e o complexo

do ‘barracão’, dos ‘aviamentos’, do ‘regatão’, as grandes zonas de ‘mercado fechado’

ou de economia natural (que se manifestam particularmente sob a ação do latifúndio

extrativista), a escassez de poupanças para investimento, a subutilização dos fâtores

produtivos disponíveis (terra, recursos minerais, reservas florestais, fauna aquática,

etc.), o desemprego disfarçado nas áreas rurais, a deficiência de bens de equipamento

e de técnica produtiva, identifica, a um só tempo, as peças essenciais e as causas desse

estágio de subdesenvolvimento que a Amazônia, recentemente, sob a ação da SPVEA,

se arma para superar.” (SPVEA, p. 224, 1960b).

Quadro que era reforçado pela posição periférica e o sentido colonial da economia

amazônica, que sofria com a deterioração dos termos de troca (SPVEA, p. 224 e 225, 1960b).

Pontos que levariam o documento a recomendar uma série de princípios básicos ao plano, os

quais podem ser sintetizados neste trecho:

“Uma política de rompimento com as condições econômicas estruturais e

institucionais que geram o anacronismo do aparelho de produção, sua baixa

produtividade e os alarmantes níveis de vida da sociedade rural, em têrmos de

substituição por uma nova estrutura social e econômica, de tipo capitalista, onde os

fâtores produtivos, na indústria ou na agricultura, se manifestem de maneira dinâmica.

Se a economia tradicional perdeu sua capacidade competitiva e gradualmente se

distancia das condições tecnológicas e econômico-sociais imperantes nos países em

desenvolvimento, não há porque preservá-la ou reforçar suas bases.” (SPVEA, p. 229,

1960b).

Com base nestas recomendações, seriam fixados os seguintes objetivos:

“a) Pretende-se passar o extrativismo, rapidamente, para atividade econômica

residual;

b) pretende-se a ocupação mais intensa dos fâtores produtivos disponíveis

regionalmente, em especial os fâtores mais abundantes que são a terra e os recursos

econômicos naturais (minérios, floresta, etc.), no sentido de reforçar as forças

produtivas no domínio da indústria e da agricultura;

Superintendência. É possível ainda constatar que as ideias de SPVEA (1960b) alinhavam-se ao nacional-

desenvolvimentismo, por suas proposições, ligações com teóricos do desenvolvimento, como Ragnar Nurkse e

Gunnar Myrdall, e pela visão do diretor da equipe, Moacyr Paixão e Silva, economista ligado a esta corrente

(BIELSCHOWSKY, 1996).

139

c) o desenvolvimento da indústria e da agricultura devem ocorrer simultaneamente.

(SPVEA, p. 229, 1960b).

Referências que legitimavam a intervenção estatal para a aceleração do ritmo do

desenvolvimento capitalista na região, tendo em vista a integração nacional, o controle do

território e a quebra do círculo vicioso da estagnação econômica e do intenso desequilíbrio em

relação ao sistema produtivo do Centro-Sul do país (SPVEA, p. 226 a 230, 1960b). Plano que

visava romper com a “preponderância do extrativismo” e com as “relações de produção

tipicamente pré-capitalistas” (SPVEA, p. 229, 1960b).

Rompimento que buscava a incorporação de traços tradicionais, haja vista que:

“Importa, paralelamente, em abrir perspectivas de fazer-se do próprio sistema do

‘barracão’, e mesmo do regime de ‘aviamentos’, como escalão intermediário do

processo de desenvolvimento, peças dinâmicas de nova organização produtiva rural e

de comércio na Amazônia, substituindo-lhes as características semifeudais, ainda hoje

sustentadas, por um sistema estrutural e funcional do tipo capitalista.” (SPVEA, p.

229, 1960b).

Para se alcançar tais resultados, SPVEA (1960b) defenderia uma profunda reformulação

administrativa e operacional desta instituição, políticas de estímulos indiretos (tributárias,

aduaneiras, cambiais e etc.) e a coordenação dos dispêndios federais da região. E após a

discussão acerca dos objetivos e da capacidade institucional de implementação de políticas,

seriam delineados uma série de programas específicos para o desenvolvimento da região, dos

quais se destacam o programa para a expansão gomífera na Amazônia.

De início seriam listadas as perspectivas de suprimento do mercado de borracha. Em

relação ao extrativismo, o relatório levantaria que os incentivos aos seringais silvestres somente

eram justificados devido a persistência do déficit, quadro que deveria ser alterado com a

produção dos seringais de cultivo. Ratificando esta posição ao indicar que:

“A estrutura econômica e social arcaica, o caráter de envelhecimento histórico, os

custos antieconômicos, que se contêm no bojo da atividade nos seringais nativos, não

justificam o seu estímulo no futuro, pois este pertence à heveacultura e à indústria de

elastômeros”. (SPVEA, p. 323, 1960b).

Em relação a borracha sintética, seria somente levantado que a fábrica da Petrobrás no

Rio de Janeiro teria capacidade de produção de 40 mil toneladas e início previsto para 1962,

além de indicado que outra fábrica elastômeros seria instalado em Pernambuco, a partir do

álcool como matéria prima, com capacidade de 27.500 toneladas e previsão para 1963.

Ilustrando ainda que as indústrias de artefatos de borracha possuíam tecnologia para substituir

50% da borracha natural por sintética, podendo alcançar 60% com melhorias técnicas.

140

Já para a heveicultura, seriam listados os fatores que atuaram para retardar as plantações,

dos quais incluem-se os cortes de recursos para a implantação e reorganização das colônias

agrícolas, o erro de SPVEA (1955) de transferir parte do esforço da heveicultura para a

iniciativa privada, os créditos irrisórios para o custeio dos empreendimentos, a escassez de mão

de obra na região, a falta de uma ação coordenada dos diversos órgãos ligados à plantação de

seringueiras, bem como a resistência do status quo das elites extrativistas mercantis.

A partir disto, o relatório indicaria eixos prioritários para o êxito do programa da

heveicultura, os quais podem ser sintetizados em: 1) amparar as plantações em andamento para

o incremento da produção no curto prazo; 2) fomentar o plantio de seringais por grandes

empresas, núcleos coloniais e médios e pequenos produtores, por seringais caboclos aos moldes

do Núcleo Colonial do Guamá e do Seringal-Colônia de Itacoatiara; 3) promover a imediata

criação da HEVEABRÁS (SPVEA, p. 332 e 335, 1960b).

E para a execução deste novo programa integrado de ação, seria sugerido uma série de

medidas, tais como: a criação do Fundo da Heveicultura54, a ampliação da parcela do Fundo de

Fomento à Produção destinada a cultura da hévea, a restauração do monopólio estatal da

borracha, o controle rigoroso do plantio das indústrias dos artefatos de borracha, o exame das

condições de plantio nos seringais silvestres, a prestação de assistência técnica, a difusão de

métodos, entre inúmeros outros pontos (SPVEA, p. 337 e 338, 1960b).

O relatório indicaria para a coordenação deste programa a criação do Grupo Executivo

da Heveicultura da Amazônia, órgão que seria constituído pelos órgãos envolvidos no programa

da heveicultura e que teria suas atribuições relacionadas à elaboração, execução e supervisão

dos planos de plantio de seringueiras, além de promover estudos e pesquisas dos problemas da

borracha natural na Amazônia. Uma instituição que deveria ser a precursora da HEVEABRÁS

(SPVEA, p. 338, 1960b).

E do conjunto de recomendações deste programa, nota-se a sua sincronia com SPVEA

(1955, 1960a), BCA (1958) e REBAP (1960), distinguindo-se somente no menor peso atribuído

ao extrativismo amazônico. Desta forma, verifica-se que este documento de teor

desenvolvimentista partilhava dos diagnósticos e das recomendações de políticas para a

54 Fundo que seria gerido pela SPVEA ou pela HEVEABRÁS e que deveria ser constituído de: 1) taxa de 1% sobre

o valor da venda final da borracha natural nacional; 2) taxa de 3% sobre o valor da venda final de borracha natural

estrangeira; 3) taxa de 2% sobre o valor da venda final de borracha sintética nacional; 4) taxa de 5% do artigo 199;

5) taxa de 10% dos lucros das indústrias de artefatos de borracha, com garantia de recuperação em 15 anos com

juros de 5% ao ano; 6) a cooperação financeira do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico (BNDE); e

7) e a contribuição dos Estados, Territórios e municípios interessados.

141

borracha esboçadas pelas demais instituições de desenvolvimento regional e indo além, devido

ao seu escopo amplo, sugerindo novos mecanismos institucionais para a valorização.

Aproximações que não são triviais, haja vista que nos períodos anteriores havíamos

constatado a emergência das correntes de pensamento (1940 à 1946) e a sua institucionalização

nas instâncias regulatórias, creditícias, científicas e de planejamento (1947 à 1953), mas não a

convergência das linhas centrais da política gomífera. Desta forma, é possível afirmar que a

partir deste período o pensamento desenvolvimentista-regionalista passaria a estruturar parcela

significativa dos planos e políticas de desenvolvimento da Amazônia.

Desta forma, neste contexto de déficit gomífero, esta convergência consolidaria a

estratégia da transição gradual do sistema de aviamento e do extrativismo para outros polos

dinâmicos de alta produtividade, ancorados na indústria, na agricultura, nos minérios, na

floresta e etc. E a heveicultura surgia, assim, como um mecanismo para a diversificação da

estrutura produtiva, para a restauração do progresso regional e para a integração econômica da

região à nação brasileira.

Além disso, nota-se ainda neste período a alteração dos modelos projetados para o

equacionamento da questão gomífera. Desde antes de 1940 as opções para a borracha giravam

em torno dos seringais caboclo ou empório. No entanto, pouco a pouco a partir de 1940 seria

atribuído maior peso a outros modelos, de grandes, médios e pequenos proprietários, empresas

de capital misto, colônias agrícolas, plantio em seringais silvestres e etc., pontos já levantados

nos períodos anteriores mas agora integrados em ações institucionais.

E, por fim, estas convergências e alterações dos modelos evidenciam que a evolução do

mercado da borracha e da estrutura econômica e institucional amazônica impactava na perda

da capacidade do extrativismo gomífero em representar os interesses das elites regionais.

Destaca-se disto a ênfase cada vez menor das instituições de desenvolvimento nesta atividade

e, como contraposição à esta tendência, a consolidação dos atributos do ideal da diversificação

econômica regional como elementos de defesa dos interesses das elites amazônicas.

Todavia, a distância existente entre os diagnósticos e a execução das políticas instaurava

um ponto de ruptura no ambiente institucional amazônico. O que resultaria em um movimento

de críticas ao aparato estatal de intervenção que levaria à reformulação das organizações de

desenvolvimento regional com a Operação Amazônia. Mudanças institucionais que visavam

reduzir as limitações administrativas, orçamentárias e de autonomia decisória e destituir os

controles exercidos pelas seculares elites extrativistas e mercantis.

142

4.2.2 Entre a ineficácia e a transformação: os ajustamentos da política de desenvolvimento

regional (1961 – 1966).

A frustração e falta de confiança com a eficácia das políticas para a alteração da

trajetória path dependence inscrita no extrativismo e no sistema de aviamento e para a

promoção da diversificação econômica regional instalaria um clima propício à reformulação

das instituições de desenvolvimento regional, o que seria efetivado pela Operação Amazônia

em 1966. Evento que gerou alterações legislativas que instituiriam novos instrumentos de

intervenção do Estado na região amazônica (MARQUES, 2013; TRINDADE et al., 2014).

Todavia, não seria somente em razão das críticas a estas instituições que este movimento

tomaria forma. Um outro conjunto de elementos também influíram nas mudanças promovidas

pela Operação Amazônia, os quais são: 1) a crise do desenvolvimentismo; 2) o advento do golpe

civil-militar; 3) a evolução econômica e institucional da região amazônica; e 4) a nova

conjuntura da borracha (PINTO, 1984; DEAN, 1989; BIELSCHOWSKY, 1996; CÔRREA,

2004; COSTA, 2004; OSÍRIS DA SILVA, 2004; BIELSCHOWSKY; MUSSI, 2005).

Em relação à crise do desenvolvimentismo, após um intenso período de industrialização

da economia brasileira teríamos o esgotamento do PSI, o que ocorreria em decorrência,

principalmente, das dificuldades de compatibilização da inflação e do crescimento acelerado,

entre outros motivos, o que era agravado pela incapacidade de se implementar reformas

estruturais para remover os pontos de estrangulamento que laboravam contra a acumulação de

capital (TAVARES, 1972; BIELSCHOWSKY, 1996; FURTADO, 2000).

Estas restrições influenciariam em uma ampla avaliação da experiência anterior e das

possibilidades de desenvolvimento da economia brasileira, com reflexões sobre os problemas

conjunturais e estruturais do país, sob o consenso de que “dentro das estruturas institucionais

existentes, a continuidade do desenvolvimento seria problemática” (BIELSCHOWSKY;

MUSSI, p. 7, 2005). Controvérsia que acirrava-se pela intensificação da polarização político-

ideológica e pelo retorno do nacionalismo.

E com o advento do golpe civil-militar, teríamos uma etapa de amadurecimento de um

novo ciclo ideológico do desenvolvimentismo que perdurou até o fim da década de 1960. Um

período marcado por reformas institucionais que fortaleceriam o Estado brasileiro e

reafirmariam o projeto de industrialização. Mudanças que indicavam que “o governo autoritário

manifestava sua opção pela ‘modernidade’ e valorizava o planejamento e a formação de uma

tecnocracia estatal eficiente.” (BIELSCHOWSKY; MUSSI, p. 15, 2005).

143

Em relação à estrutura econômica da região, os dados do capítulo 2 indicam a ocorrência

de uma diversificação produtiva que limitou-se em alterar modestamente a trajetória path

dependence em parcela do território amazônico, permanecendo o extrativismo e o aviamento a

coordenar parte do produto regional em vários estados e territórios, principalmente no Acre, em

Rondônia e, em menor medida, no Amazonas. Além disso, indicam também uma maior

concentração da renda da região na chamada Amazônia Oriental (Pará e Amapá).

E dada a interpretação, bastante difundida à época, de que o extrativismo e o aviamento

constituíam os principais obstáculos ao despertar de uma moderna economia na Amazônia,

estas diferenciações na estrutura econômica regional implicariam no fortalecimento do ideal da

diversificação econômica. Fato constatado no tópico anterior, quando observamos que as

instituições de desenvolvimento regional inseriam em seus planos, de forma cada vez mais

enfática, a promoção da agricultura, da indústria, da mineração, da pecuária e etc.

Além disso, outras informações evidenciam algumas medidas implementadas pela

SPVEA que influenciaram na alteração da estrutura econômica e na instituição do ideal da

diversificação econômica. O que pode ser verificado pela diversidade de áreas de atuação da

instituição entre os anos de 1953 e 1965 (Quadro 1).

Quadro 1 - Principais realizações da SPVEA (1953-1965).

Nº Especificação Área

1 Mandou realizar, por peritos da FAO (Food and Agriculture Organization/Nações

Unidas), os primeiros inventários florestais na região amazônica

Pesquisa de recursos

florestais.

2 Criou o primeiro Centro de Pesquisas Florestais, instalado por especialistas da FAO

e localizado no município de Santarém, Estado do Pará.

Pesquisa de recursos

florestais.

3 Mandou realizar o primeiro levantamento aerofotogramétrico da Região, em uma

área de 420 mil km² (projeto Araguaia).

Pesquisa geológica

4 Promoveu a melhoria dos sistemas de geração e distribuição de energia elétrica, das

cidades de Belém e Manaus.

Energia elétrica

5 Instalou sistemas de abastecimento de água potável em várias cidades da região. Saneamento Urbano

6 Construiu escolas, hospitais e centros de pesquisa. Infraestrutura Social

7 Apoiou a criação da Universidade Federal do Pará e da Escola de Agronomia da

Amazônia.

Educação Superior

8 Apoiou o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA). Ciência e tecnologia.

9 Reaparelhou os principais portos fluviais da Região. Transporte fluvial

10 Adquiriu moderna frota fluvial. Transporte fluvial

11 Participou, por meio de apoio financeiro, da introdução do cultivo racional de juta e

pimento do reino, por colonos japoneses.

Agricultura

12 Projeto experimental da cultura de dendê, que serviu de base para o seu posterior

desenvolvimento na Amazônia.

Pesquisa agrícola

144

13 Financiou a refinaria de petróleo localizada em Manaus Indústria

14 Financiou uma fábrica de cimento, no estado do Pará. Indústria

15 Formação de recursos humanos em áreas estratégicas para o desenvolvimento

regional, como geologia, engenharia florestal e engenharia de pesca.

Formação de recursos

humanos

16 Construiu a rodovia Belém-Brasília, obra mais marcante e grandiosa de todo o

período de atuação da SPVEA.

Infraestrutura econômica

17 Iniciou a abertura da estrada Cuiabá-Porto Velho. Infraestrutura econômica

Fonte: Vergolino e Gomes (2004).

Cabe notar as prioridades dos recursos da SPVEA (Quadro 2). Destaca-se, mesmo antes

da aprovação da lei que estendeu os incentivos fiscais para a industrialização do Nordeste para

a Amazônia (lei 4.216 de 6 de maio de 1963 (BRASIL, 1963)), a importância do crédito para o

desenvolvimento regional55. Diretriz que aliava-se a carteira de crédito geral e o Fundo de

Fomento à Produção do BCA (CÔRREA, 2004; COSTA, 2004; OSÍRIS DA SILVA, 2004).

Quadro 2 - Aplicações da SPVEA (1954-1962).

Aplicações %

Pesquisas de recursos naturais 1.8

Atividades do setor primário 9.6

Infraestrutura econômica 28.4

Investimentos sociais 26

Financiamento aos investidores privados 33.9

Diversos 0.3

TOTAL 100

Fonte: Com base nos dados da SPVEA, extraído de MENDES (1962). Excluídos os

gastos de custeio do órgão.

Por fim, o mercado da borracha seria outro componente que intensificaria os reclames

pelo reajustamento das institucionalidades, uma vez que a redução dos preços subsidiados, a

queda da participação da borracha no produto de estados e territórios, a diversificação

econômica, a entrada da produção sintética (gráfico 5), entre outros fatores, desestimulariam o

desenvolvimento da borracha na Amazônia enquanto alternativa para o reduzir o déficit

gomífero nacional e para dinamizar a economia regional. (PINTO, 1984; DEAN, 1989).

55 A avaliação da distribuição do crédito por setor econômico na Amazônia neste período exige a sistematização

de dados e merece uma análise detalhada em trabalhos futuros. Uma análise, possivelmente, inédita. Fontes de

informações importantes para a realização desta pesquisa são os relatórios anuais de exercícios do BCA, que

discriminam as aplicações por setores, SPVEA (1960b), que analisa o financiamento aos investidores privados

realizado pela SPVEA no período 1954 à 1960, bem como os dados sobre os incentivos fiscais concedidos entre

os anos de 1963 e 1966.

145

Gráfico 5 – Produção e importação de borracha no Brasil (1946-1966).

Fonte: Baseado nos dados de Dean (1989). Em toneladas.

Observação: Produção natural é a soma de extrativa e plantada. E devido à ausência de dados sobre a produção

plantada entre os anos de 1962 e 1966, utilizamos o valor médio de 1.500 toneladas para completar o cálculo.

Mudanças conjunturais e estruturais que seriam acompanhadas por uma série de

reflexões sobre os caminhos do desenvolvimento da Amazônia e sobre as formas de resguardar

os interesses das elites regionais frente a este novo contexto histórico. A partir disto, teríamos

a construção e a divulgação de novos projetos de desenvolvimento regional na Amazônia,

alicerçados nas experiências passadas e em novas diretrizes que viriam a ser incluídas nas

mudanças institucionais implementadas pela Operação Amazônia.

E a par destes fatores indispensáveis para a interpretação da história econômica regional,

investigaremos neste tópico qual o papel que autores e instituições atribuiriam para a borracha

no desenvolvimento da Amazônia neste novo contexto histórico. Para sintetizar a exposição,

privilegiaremos a análise por textos representativos e por campo institucional, apresentando a

controvérsia que antecedeu a criação da Operação Amazônia, os documentos envolvidos nas

discussões sobre as novas diretrizes da política de desenvolvimento regional amazônica e as

alterações institucionais instaladas por este evento. Um período crucial para a compreensão de

como as ideias desenvolvimentistas-regionalistas passariam a pautar a cena política e

institucional e inserir-se em planos e políticas para a dinamização da economia amazônica.

No campo institucional da ciência e da tecnologia, mais vinculado ao

desenvolvimentismo, teríamos a apresentação de textos sobre as perspectivas da borracha na

Amazônia por Alfonso Wisniewski do IPEAN56 no Seminário Econômico da Borracha no Rio

56 Ministério da Agricultura, ao qual o IAN estava subordinado, passaria por uma reformulação administrativa e

substituiria o IAN pelo Instituto de Pesquisas e Experimentação Agropecuárias do Norte (IPEAN).

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Produção Natural Produção Sintética Importações Natural Importações Sintética

146

de Janeiro em 1962, texto publicado posteriormente no periódico deste instituto em 1963.

Nestes textos (WISNIEWSKI, 1963a, 1963b) seriam repetidas as diretrizes já divulgadas por

esta instituição e por REBAP (1960), somente atualizando-as para advertir que não havia

contradição entre a instalação da indústria sintética e o plantio de seringueiras, prosseguindo

indicando a heveicultura como opção para a diversificação econômica da Amazônia.

E Armando Mendes, intelectual amazônida, produziria neste período duas extensas

reflexões sobre a inércia da SPVEA e sobre alternativas para a valorização econômica da

Amazônia. Textos que, por haverem recebido em sua fase de elaboração críticas e

recomendações da Comissão de Planejamento da época57, seriam expressivos do pensamento

do campo institucional do planejamento e, também, das ideias inscritas no

desenvolvimentismo-regionalista.

O primeiro texto, “Linhas de Ação para a Valorização Econômica da Amazônia”, escrito

em conjunto com Adriano Menezes e Camilo Duarte, Mendes et al. (1963) realizaria a

preparação de uma proposta orçamentária da SPVEA para o ano de 1963 e desenvolveria

considerações sobre a filosofia da valorização, os instrumentos de ação e as estruturas legais e

institucionais para sua efetivação. Voltando-se, portanto, para a reorientação da estrutura do

órgão e para a fixação de princípios e meios de ação mais adequados e eficientes.

Mendes et al. (1963) definiria que o objetivo da SPVEA deveria ser a promoção de

mudanças estruturais permanentes capazes de dinamizar a economia amazônica, tendo em vista

a integração nacional, a geração de capitais regionais próprios, o crescimento da produtividade

e a inclusão dos problemas da Amazônia na consciência nacional. Para isto, aconselhava o

abandono do Primeiro Plano Quinquenal (SPVEA, 1955) e de sua Atualização (SPVEA, 1960a)

e a reformulação da lei 1.806 de 1953, que criou a SPVEA.

No segundo documento, intitulado “Uma Nova Política de Valorização da Amazônia”,

Armando Mendes (1963) desenvolveria as recomendações do texto anterior e delinearia

contribuições para a reformulação institucional dos processos de ação da SPVEA. Orientações

consideradas realistas e que insistiam no propósito de “despertar o pensamento nacional para

os problemas amazônicos” (MENDES, 1963b: 163). Assim, neste texto, seriam melhor

detalhadas novas recomendações para as políticas de desenvolvimento da Amazônia.

57 A Comissão de Planejamento da época era formada por Aldebaro Cavaleiro Klautau, superintendente, Coronel

Jarbas Passarinho, Armando Dias Mendes, Roberto Araujo Oliveira Santos, Adriano Veloso, Fernando José,

Arnaldo Corrêa, Henry Checrala Kayath, Cláudio Pala de Moraes, Antônio Nadaf, Ewerton Pereira de Carvalho,

Djalma Tenório de Brito, Camilo Montenegro Duarte, Raul Monteiro da Costa, Nelson de Figueira Ribeiro,

Rubens da Silveira Brito e David Martins de Carvalho Silva.

147

Inicia discutindo que a política de desenvolvimento da Amazônia deve se concentrar em

subáreas de maior incidência demográfica, todavia, sem dar atenção exclusiva aos programas

de fomento agrícola, e sim integrando estes com programas de industrialização primária e até

final das matérias primas locais. Destaca-se desta indicação a ausência de menções à borracha,

produto que somente seria citado quando revelaria a redução de sua importância tradicional no

produto regional, dado o avanço de outras atividades rurais.

Neste ponto, a atividade da borracha seria colocada como um indicativo permanência

da baixa produtividade do extrativismo, o que decorria de omissões, hesitações e contradições

dos responsáveis pelos destinos da região, haja vista as diversas resistências à formação de

grandes seringais de plantio. Alteração da estrutura produtiva da borracha que requeria

segurança para a aplicação de capitais de longo prazo no plantio de clones de seringueiras de

alta produtividade e resistência as doenças (MENDES, p. 172, 1963).

Mendes (1963) levantaria esta matéria prima como um exemplo dos mecanismos de

perpetuação dos círculos viciosos do subdesenvolvimento, haja vista que:

“as nossas matérias primas são industrializadas fora da área, porque não temos

mercado consumidor, ou energia, ou mão-de-obra qualificada ou produtos

complementares em quantidade suficiente. Numa segunda fase, é a própria matéria

prima que é substituída (v.g. a borracha artificial), ou simplesmente deslocada sua

produção, uma vez que não conseguimos industrializa-la. (MENDES, p. 173, 1963).

Admitia que só o planejamento e o governo federal poderiam quebrar esses círculos

viciosos, assegurando as regiões mais pobres, como a Amazônia, uma vocação específica

dentro da economia nacional. E, para isto, recomendava algumas providências relativas a

borracha, as quais assentavam-se em:

“I – numa fase de transição, a continuação da exclusividade de produtor da borracha

natural, para o Extremo-Norte

II – com os lucros obtidos através do mecanismo monopolista/monopsonista do Banco

de Crédito da Amazônia, o incentivo à sua industrialização regional

III – a transferência de parte crescente desses lucros para o fomento de outras

atividades mais remunerativas e mais definitivas” (MENDES, p. 173, 1963).

Mais à frente justificaria estas indicações em razão de acreditar que:

“O nosso pressuposto é o de que o capítulo da borracha silvestre será encerrado,

queiramos ou não, em prazo relativamente curto, e a própria borracha de plantio

tenderá a perder cada vez mais importância. A preocupação deve ser a de evitar que,

à semelhança do que ocorreu em 1912, a mudança se faça com inteira surprêsa e ante

o despreparo total da região. A borracha natural nativa deve ser utilizada como um

meio para as mudanças de estrutura econômica da Amazônia, e não como um

elemento inamovível e intocável.” (MENDES, p. 184, 1963).

148

Portanto, para Armando Mendes, a borracha não mais constituía uma das alternativas

para o desenvolvimento regional, cabendo à extração gomífera amazônica a função de ser um

elemento de transferência de recursos para a diversificação econômica regional. Indicativos que

anunciam uma reformulação dos termos da conciliação entre tradição e modernidade, uma vez

que ficaria cada vez mais nítido que os interesses regionais, agora, passavam a ir muito além da

defesa ou manutenção do extrativismo.

E este novo modelo de conciliação fica claro neste trecho:

“Se alguma aspiração a região se sente com pleno direito a anunciar é a de

semelhantemente à que o Brasil tem perante o cenário mundial, deixar de ser mera

fornecedora de matérias-primas em bruto, retendo, sempre que possível, o valor

adicionado de sua transformação industrial. Queremos deixar de ter, perante o resto

do País, o papel subdisiário das colônias, das áreas condensadas à sujeição econômica.

Isso, por um lado. Por outro, almejamos substituir parte das importações que ainda

realizamos, e que são dispensáveis se atentarmos para as possibilidades de seu fabrico

regional.” (MENDES, p. 184, 1963).

Assim, para Mendes (1963) a substituição regional de importações tornava-se o

principal mecanismo da diversificação econômica da Amazônia incluía-se e da defesa dos

interesses regionais. Adicionava que a nova política da Amazônia deveria ter como finalidade

a redução da dominação a que a região estava sujeita e o aumento do grau de dependência do

País em relação à região amazônica, o que seria alcançado por meio dos seguintes pontos:

“A - pela necessidade de importar dela certas matérias primas e alimentos que só aqui

ou predominântemente aqui sejam produzidos

B – pela necessidade de importar dela, do mesmo modo e crescentemente, produtos

industriais finais ou intermediários, que só ela pode produzir, por ser vedado adquirir

do Exterior a matéria prima

C – pela significação, tanto maior quanto mais ràpidamente crescer e mais

uniformemente se distribuir a renda ‘per capita’ da Amazônia, que ela terá com o

mercado consumidor dos produtos sulinos

D – pelo consequente adensamento, enfim, da consciência nacional da integração da

Amazônia na vida sócio-econômica do país, correspondente ao aumento do papel por

ela desempenhado e da sua insubstituibilidade.” (MENDES, p. 184 e 185, 1963).

E para se efetivar estes objetivos da valorização econômica da Amazônia, destacava ser

necessário a recuperação da lei 1.806 de 1953, da Concepção Preliminar (1954a), a extensão

para a Amazônia dos incentivos fiscais concedidos ao Nordeste, o reforço do caráter técnico

em detrimento das ingerências políticas sobre a execução orçamentária, entre outras medidas

(MENDES, p. 185, 1963), das quais se destacavam a sua indicação para a reformulação da

SPVEA e do BCA. Por fim, definia as linhas gerais desta Nova Política da seguinte forma:

“I – igualar o acesso da Amazônia aos serviços sociais e de infra-estrutura, não apenas

em termos de disponibilidade reais, como de custos de aquisição (p. ex. tarifas de

energia, fretes etc.)

149

II – preservar para a Amazônia o monopólio dos produtos que nela encontram

melhores condições de produção (borracha, pimenta, juta etc.)

III – assegurar a retenção da renda gerada na Amazônia

IV – conceder-lhe exclusividade para implantação de novas fábricas destinadas a

transformar industrialmente os seus produtos primários, sempre que constituírem

indústrias cuja localização for orientada pela matéria-prima ou pela mão-de-obra, ou

mesmo pelo mercado consumidor quando compostas de unidades divisíveis até às

dimensões do mercado regional e de sua periferia

V – concentrar recursos nas áreas e nas atividades de maior rentabilidade social por

unidade de capital empregada” (MENDES, p. 185, 1963).

Assim, Armando Mendes apresentava neste texto um projeto de desenvolvimento que

não mais abarcava a conciliação da transição do extrativismo gomífero para outros polos

dinâmicos, elegendo a diversificação econômica regional, a isonomia no tratamento da região

Amazônia no quadro nacional e a defesa das potencialidades amazônicas como meios para a

retenção da renda gerada na região, para a defesa dos interesses regionais e para superar o

subdesenvolvimento regional. O que mostrava o novo formato que o desenvolvimentismo-

regionalista ganhava a partir do declínio da borracha.

E outro campo institucional importante para a compreensão dos reclames por

reajustamentos das estratégias de desenvolvimento regional seria o BCA, instituição que, apesar

de histórica prevalência dos interesses do sistema aviamento, começava a convergir com as

ideias desenvolvimentistas-regionalistas. No relatório referente ao ano de 1962 (BCA, 1963),

por exemplo, teríamos a apresentação de preocupações quanto à industrialização da Amazônia,

setor que já absorvia 36% do crédito do banco, volume maior do que o da borracha (32%).

E em BCA (1963), no capítulo relativo à industrialização, destaca-se a intencionalidade

da exploração racional da diversidade de riquezas regionais como instrumentos para a

independência econômica e para a integração nacional. Intenções que contrastavam com a

prevalência e perseverança das atividades extrativistas, “de processos rudimentares e anti-

econômicos de duzentos anos atrás” (BCA, p. 23, 1963), especialização em produtos primários

que influenciavam na deterioração dos termos de troca da região amazônica.

Com base neste diagnóstico, o BCA chamava pra si a missão de diversificar a economia

amazônica, elencado que:

“Uma região como a nossa, quase tudo importa. Dos gêneros essenciais de

alimentação, como o feijão e o açúcar, a quanto mais se inscreva na ordem dos artigos

industriais imprescindíveis a quase tudo, no dia a dia de nossas vidas.

Somos, assim, uma região que se precisa voltar decisivamente para o trabalho de

industrialização de quanto produz, da riqueza que há nas suas florestas, no recesso de

suas matas, no fundo de suas águas, na profundeza de suas terras.” (BCA, p. 24, 1963).

Para isto, o relatório cita que o banco estava se empenhando na extensão dos favores

fiscais concedidos ao Nordeste para a Amazônia. Alteração institucional que seria efetivada em

150

1963, mudança que o relatório de 1963 considerava como uma medida que

“Incontestàvelmente, cristalizará, em definitivo, a estrutura do BCA como vida mestra da

economia regional e órgão promotor, por excelência, do desenvolvimento da Amazônia.”

(BCA, p. 7, 1964). E no que diz respeito à borracha, BCA (1964) destacaria que:

“Muito embora uma diversificação, já, de atividades produtoras na Amazônia, sua

economia continua assente, de modo especialmente marcante, na produção da

borracha, mau grado o caráter sabidamente deficitário da exploração dos seringais

nativos, como decorrência não só da sua própria condição silvestre, como da

desvalorização do homem da Planície, completamente desassistido e sangrado pela

alta incontrolável do custo das utilidades absolutamente indispensáveis à sua

subsistência.

Sem embargo, porém, a atividade extrativista não pode nem deve ser abandonada,

pelo menos enquanto não se proporcionar aos seringueiros, como sucedâneo imediato,

outro quefazer capaz de lhe assegurar melhores condições de vida” (BCA, p. 21,

1964).

E a despeito da importância atribuída ao sistema extrativista, BCA (1964) estudava os

problemas desta atividade não só base em seus aspectos econômicos, mas também nos em seus

efeitos sociais e geopolíticos no país, haja vista que dizia que a extração concorreria para manter

certo equilíbrio socioeconômico na região, no déficit gomífero nacional e na ocupação do vale

amazônico. Deste modo, advertia que:

“Reconhecemos que não será possível a mudança sumária do sistema vigente sem um

preparo, a longo prazo, de atividades correlatas que permitissem manter a mesma

economia, porém em fase de desenvolvimento e com a melhoria das condições de

vida e de trabalho da gente dos seringais.” (BCA, p. 25, 1964).

Como medida de contenção das dificuldades da extração, recomendava a preservação e

o incentivo da indústria extrativa de borracha, as cooperativas de consumo e de produção, a

diversificação produtiva do seringal, ao plantio por seringalistas, e etc., alternativas que

considerava como “melhor caminho para a estabilidade e o amparo das populações do interior.”

(BCA, p. 29, 1964). Diretrizes que eram vinculadas diretamente à industrialização, já que:

“É pacífica a tese de que não se pode estimular a industrialização de uma área sem

primeiro amparar o homem que deve produzir as matérias primas e os gêneros de

subsistência que vão alimentar as indústrias e o povo onde as mesmas se desenvolvem.

A industrialização da Amazônia será, assim, uma bonita realidade. Como deve ser o

desenvolvimento agro-pecuário. A região tem condições excepcionalmente notáveis

e o Banco de Crédito da Amazônia é o instrumento ideal para comandar êsse grande

movimento econômico. (BCA, p. 31, 1964).

O relatório apresentaria ainda um conjunto de reivindicações, tais como: o aumento de

preços da goma elástica, maiores verbas para estocagem de borracha, a ampliação para 20% do

artigo 199 destinado ao Fundo de Fomento à Produção, mais recursos para o crédito rural e para

a industrialização da Amazônia e etc. Finalizando com a exposição de um “Panorama

151

econômico da região Amazônica”, apresentando informações sobre a infraestrutura, principais

produtos industrializáveis e facilidades para investimentos na Amazônia.

Desta forma, nota-se destes relatórios do BCA publicados antes da Operação Amazônia

uma maior inclinação para a diversificação econômica regional. Ponto que sempre esteve nos

objetivos do banco, mas que agora, pela diminuição do peso da borracha em suas aplicações,

pela dinâmica das demais atividades regionais e pela interpretação da deterioração dos termos

de trocas, se equivaleria em ordem de importância com a extração da borracha. Mudança que

demonstra sua aproximação com o pensamento desenvolvimentista-regionalista.

Por fim, dos autores e instituições representativos envolvidos nas discussões sobre o

desenvolvimento da borracha na Amazônia neste período, selecionamos Cosme Ferreira Filho,

autor que levantaria os aspectos econômicos e sociais da heveicultura e criticaria a letargia das

plantações de hévea na região e o monopólio da borracha exercido pelo BCA. Textos que fazem

parte de suas reflexões sobre as razões sobre “Porque Perdemos a Batalha da Borracha”

(FERREIRA FILHO, 1965).

Em texto de 1962, iniciaria afirmando que “Está em jogo o nosso futuro, o futuro da

Amazônia, como área produtora de borracha.” (FERREIRA FILHO, p. 355, 1965), haja vista

que o avanço dos substitutos sintéticos e dos plantios na Bahia e em São Paulo ameaçam a perda

definitiva do monopólio da Amazônia na produção de borracha no país. Em texto de 1964, ao

criticar as restrições do BCA para o financiamento da heveicultura e seus limitados efeitos na

elevação da safra gomífera, discutiria que:

“Se a permanência do monopólio visa a aumentar a produção da borracha extrativa e

garantir a sobrevivência dos que trabalham nos seringais da Amazônia, está

perseguindo objetivos inteiramente contraditórios aos interesses brasileiros:

a) Porque a produção da borracha extrativa, sendo gritantemente anti-econômica,

não deve ser estimulada, nem mesmo mantida;

b) Porque essa produção impõe aos trabalhos dos seringais condições de

marginalidade, desconfôrto e impossibilidade de acesso a melhores níveis de

vida, constituindo um crime contra a pessoa humana;

c) Porque apenas contribui para conservar de pé uma estrutura sócio-econômica

incompatível com a atualidade brasileira. (FERREIRA FILHO, p. 367, 1965).

Portanto, discorre que o extrativismo da borracha cada vez mais deixava de ser uma

solução econômica para a Amazônia, atribuindo agora maior peso aos problemas sociais e

geopolíticos da atividade. E no último capítulo de seu livro, publicado em 1965, após alertar

para o progressivo despojamento da economia gomífera amazônica do mercado, questionaria

mesmo a viabilidade de se levar adianta o plantio de seringueiras na região amazônica, quando

colocava que:

152

“Será a produção de borracha na Amazônia, em têrmos de heveicultura raciona, um

investimento rendoso?

Para responder a esta pergunta, faz-se mister confrontar os custos da plantação e

exploração de seringueiras na Amazônia com os preços da borracha no mercado

internacional.

Entretanto, nem mesmo essa investigação indispensável foi feita pelos órgãos

responsáveis pela política econômica da borracha. E, sem ela, evidentemente,

ninguém possui autoridade para aconselhar ou preconizar a plantação de seringueiras

nesta área.

Por êsse e outros infortúnios, o extrativismo da borracha encerrará, melancòlicamente,

o derradeiro capítulo de sua existência.” (FERREIRA FILHO, p. 373, 1965).

Desta forma, mesmo Cosme Ferreira Filho, que desde antes de 1940 era um dos mais

árduos defensores da borracha heveicultura, viria a questionar a validade da borracha enquanto

alicerce da política de desenvolvimento regional na Amazônia. O que depõe a favor de que os

pensadores envolvidos com a tradição desenvolvimentista-regionalista neste período passavam

a reajustar seus projetos e a favorecer outras atividades como possibilidades de

desenvolvimento e de defesa dos interesses regionais.

E da experiência pioneira de intervenção no domínio econômico na região amazônica

iniciada pelo IAN/IPEAN, CEDB, BCA, SPVEA e demais instituições, teríamos o

reajustamento das políticas de desenvolvimento regional com a Operação Amazônia em 1966.

Alterações que também resultavam do embate entre intepretações quanto as opções do

desenvolvimento da Amazônia, os quais podem ser visualizados em: 1) “Desenvolvimento

Econômico da Amazônia” (BASA, 1966); e 2) “Operação Amazônia” (MECOR, 1966).

Estes documentos serviriam de subsídio para a construção das novas diretrizes da

política de desenvolvimento da borracha e da Amazônia. Destaca-se destes textos o consenso

da urgência da instalação de novas atividades, face ao horizonte que o extrativismo detinha,

com sua decadência, perda de poder gerador de renda na região e seu sentido antieconômico e

antissocial. A partir deste diagnóstico, seria recomendado, entre outras coisas, o ideal da

diversificação econômica da região amazônica.

BASA (1966) seria um estudo encomendado pelo banco da empresa de consultoria

Sociedade Brasileiro de Serviços Técnicos e Econômicos (BRASTEC)58, o qual realizou uma

avaliação da economia da borracha na Amazônia e a recomendação de novas diretrizes aos

órgãos de desenvolvimento regional para o planejamento econômico da região. E a borracha,

58 Este documento pode ser considerado um dos principais textos síntese do período, ao lado do Álvaro Adolfo

(1951). A equipe que elaborou o relatório contaria com a participação de economistas, engenheiros civis, químicos

e agrônomos, sociólogos e estatísticos. Destes, podemos notar Ramiro Nazaré, Virgílio Libonati, Ítalo Falesi e

Amilcar Tupiassu como autores que teriam vinculações com o pensamento sobre o desenvolvimento da Amazônia

em outros períodos. Além disso, cabe notar que a feição do relatório somaria a contribuição prestada de diversas

outras personalidades, tais como Djalma Batista, Cássio Fonseca, entre outros. Para checar a lista completa de

pesquisadores ver BASA (p. 18 e 19, 1966).

153

citada como um dos pilares da Operação Amazônia, seria cotada como apenas um dos capítulos

da economia regional, conquanto básico, mas em vias de superação.

No que tange ao extrativismo da borracha na Amazônia, o relatório esboça uma

interpretação que destacaria seus efeitos sobre a concentração econômica, espacial, setorial e

de renda e seus rebatimentos econômicos, políticos e sociais, em linhas bem semelhantes as

indicadas no capítulo 2 deste trabalho. E quanto aos mecanismos institucionais, criticaria o

monopólio estatal da borracha, levantando ser uma restrição para a expansão das safras e uma

forma de assegurar crédito livres das forças de mercado para as atividades comerciais.

E no capítulo referente à avaliação dos recursos, dos determinantes e das perspectivas

do desenvolvimento da Amazônia esta interpretação seria de grande valia, sobretudo por

substanciar as ponderações de que:

“O êrro mais grave na política de valorização econômica da Amazônia tem sido o de

vincular o desenvolvimento dessa região às atividades extrativas, sobretudo à

produção silvestre de borracha. (...)

Exige-se a manutenção de um monopólio estatal para garantir rentabilidade em uma

atividade primitiva, de custos crescentes, enfrentando competidores de custos

decrescentes. Esquece-se, entretanto, que essa atividade arcaica e anti-econômica é

incompatível com a o grau de civilização atual e insustentável do ponto-de-vista

técnico e econômico.

Se aceitarmos como certo que o objetivo do desenvolvimento é atingir um nível de

capacidade econômica que maximize o produto per capita em data futura, então a

produção de borracha silvestres não poderá constituir a base do processo de

desenvolvimento da Amazônia.

(...) Com certeza, não sobreviverá mais de 10 anos.” (BASA, p. 283 e 284, 1966).

E após ilustrar as mudanças na conjuntura do mercado de borracha nacional, BASA (p.

284, 1966) indagaria “Convirá à Amazônia pensar, sèriamente, em Heveicultura?”. Este

questionamento seria respondido negativamente, em razão do elevado volume de investimentos

e de mão da obra requerido e a possibilidade da substituição total das borrachas naturais pelas

sintéticas, o que tornava arriscado a heveicultura como cultura dominante na região, o que

poderia comprometer o processo do desenvolvimento regional (BASA, p. 285, 1966).

E negando os argumentos relativos à segurança nacional inseridos nos reclames pela

manutenção dos seringais, alertaria que “Enquanto a Região continuar na dependência de

atividades primárias de baixa produtividade, não se conseguirá elevar o padrão de vida das

populações locais e integrar a economia regional na economia nacional.” (BASA, p. 285, 1966).

Portanto, vislumbrava na diversificação econômica regional a saída para o longo período de

estagnação e atraso que estava inscrito na trajetória path dependence da Amazônia.

Com base nisto, destacava ser “imperativo do desenvolvimento regional a substituição

da produção silvestre, causal e nômade, por culturas racionais” (BASA, p. 287, 1966).

154

Indicando, com isto, a necessidade de a diversificação basear-se na transição de uma economia

extrativa para a silvicultura, a agricultura e a pecuária. Finalidades que requeriam amparo

técnico científico, uma política de colonização e ocupação, a implementação de rodovias e a

substituição do sistema de aviamento por um sistema oficial de crédito.

E o texto intitulado “Operação Amazônia” (MECOR, 1966) seria um relatório,

apresentado ao presidente da república, à época o general Humberto de Alencar Castelo Branco,

pelo Ministério Extraordinário para a Coordenação dos Organismos Regionais (MECOR), que

realizaria a identificação das bases para a reformulação da política de desenvolvimento e de

segurança para a Amazônia, com fins a definir uma política definitiva de integração da região

à nação. Apresentando, inclusive, anteprojetos de lei para as novas instituições.

MECOR (1966) exibiria conexões com a apreciação relatada por BASA (1966). Citaria

que o peso do extrativismo vinha reduzindo na econômica regional, o que revelava janelas de

oportunidade, levantando a recomendação da:

“A diversificação da economia amazônica sem constituir uma clara política, tem hoje

justificativa e urgência intransferíveis, face o horizonte que enfrenta o extrativismo da

borracha (...). Não restará certamente na industrialização a grande saída para

desenvolver e promover o povoamento, no prazo exigido pelas condições nacionais

de segurança e de interesse de integração regional da Amazônia. O mérito da

industrialização local estará na fixação de bases mais estáveis para o aproveitamento

dos recursos naturais existentes e potenciais. Todavia, o aproveitamento agrícola

pecuário e até mesmo, por certo tempo, o extrativismo orientado deverão oferecer

perspectivas mais efetivas para a diversificação da estrutura econômica no ritmo

acelerado exigido presentemente.” (MECOR, p. 17, 1966).

Uma leitura que identificava no extrativismo a fonte mais expressiva do

subdesenvolvimento regional. E após um amplo diagnóstico das possibilidades e das restrições

do desenvolvimento da Amazônia, indicaria que os objetivos da nova política para a Amazônia

deveria ser o de “reduzir a importância dos setores extrativos e comercial, orientando os setores

dinâmicos como o agro-pecuário” (MECOR, p. 23, 1966). Quanto à borracha amazônica,

destacaria a tendência do seu desaparecimento do mercado nacional.

Tendo em vista este panorama desfavorável, pontuava que:

“sempre serão parciais as alternativas a encontrar para sustentar a atividade extrativa

da borracha. Isto porque, somente com programa de desenvolvimento e valorização

da área poderá vir a ser substituída, em lento processo, a atividade extrativa que hoje

constitue o principal elemento de fixação da nacionalidade e da efetiva ocupação

territorial amazônica.” (MECOR, p. 30, 1966).

E dada a possibilidade de excesso de produção gomífera, recomendaria a substituição

gradativa do extrativismo e o fomento de atividades de maior produtividade. MECOR (1966)

ofereceria sugestões para alcançar este fim, tais como a flexibilização do monopólio estatal, a

155

equiparação gradual dos preços da borracha extrativa ao da de cultivo, a manutenção dos

créditos do BCA à borracha, a diversificação econômica das áreas mais dependentes da

extração, entre outros. Buscando, com isto, evitar uma crise semelhante à de 1912.

Portanto, constata-se que as ideias e projetos que há muito tempo circulavam nas

controvérsias sobre o desenvolvimento da Amazônia começavam se inserir no centro das

discussões dos novos mecanismos institucionais de intervenção. Ideias que ecoavam em uma

tradição de pensamento e política que encontrava-se cada vez mais consolidada no ambiente

intelectual amazônico, o pensamento desenvolvimentista-regionalista. Ideário que defendia a

preservação dos interesses regionais em meio ao processo de desenvolvimento regional

integrado a uma estratégia de desenvolvimento nacional.

Este que ao longo do período de análise instituiu a defesa da conciliação entre o regime

extrativista gomífero e novos polos dinâmicos baseados na indústria, na agricultura e outras

atividades, mas que agora, passava a uma defesa mais enfática do ideal da diversificação

econômica regional como pilar de sustentação dos interesses das elites regionais. O que

impactava na ruptura da estratégia conciliatória que emergiu e se consolidou no período de

1940 à 1966. Reformulação que auxilia a explicar a emergência da Operação Amazônia.

Este evento que Armando Mendes, ao prefaciar a obra BASA (1966), definia como:

“Uma nova revolução econômica e social que pode e dever ser implantada na

Amazônia através dos novos instrumentos de ação. (...)

A ‘Operação Amazônia’ cumprir-se-á na medida em que a consciência nacional se

mobilizar para a consecução de seus objetivos finais e vier a participar efetivamente

de um esforço comum de preservação da soberania nacional nesta área, através da

realização de programas e projetos que serão, não apenas politicamente indispensáveis

e socialmente urgentes, mas também economicamente rentáveis.” (BASA, p. 16,

BASA).

Apresentados os documentos que subsidiaram a Operação Amazônia, resta-nos resumir

os quatro principais fundamentos deste novo aparato de intervenção do Estado, os quais são:

1) as leis 5.173 de 27 de outubro de 1966 (BRASIL, 1966a), 5.174 de 27 de outubro de

1966 (BRASIL, 1966b) e 5.374 de 07 de dezembro de 1967 (BRASIL, 1967a), que

substituiu a SPVEA pela Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia

(SUDAM) e modificou a lei de incentivos fiscais;

2) a lei 5.122 de 28 de setembro de 1966 (BRASIL, 1966c) que transformou o BCA em

Banco da Amazônia S.A (BASA);

156

3) o decreto-lei 288 de 28 de fevereiro de 1967 (BRASIL, 1967b) que criou a

Superintendência da Zona Franca de Manaus (SUFRAMA), que reformulou a lei 3.173

06 de junho de 1957 (BRASIL, 1957) que havia criado esta Zona Franca;

4) a lei 5.227 de 18 de janeiro de 1967 (BRASIL, 1967c) que alterou o marco regulatório

do mercado da borracha e criou a Superintendência da Borracha (SUDHEVEA).

E alguns dos atributos destas mudanças institucionais ratificam a assertiva de que este

aparato estatal visava instalar uma política de desenvolvimento regional que contornasse a

inércia e os efeitos limitados dos ensaios desenvolvimentistas do passado recente e que

instalasse o ideal da diversificação econômica regional. Questões que evidenciam que a

controvérsia sobre a borracha e o pensamento desenvolvimentista-regionalista amazônico

influenciaram na construção desta nova política para a Amazônia.

No caso da SUDAM e dos incentivos fiscais, por exemplo, seriam preservados os

objetivos da SPVEA e instalado um novo formato operacional de intervenção, com a redução

da influência das instâncias políticas e das elites regionais em seu processo decisório, haja vista

a exclusão destas partes dos órgãos deliberativos e a inclusão de membros de outras entidades

estatais. Uma tentativa de remover as pressões dos interesses dos operadores do sistema de

aviamento e dar contornos mais técnicos ao planejamento.

Situação semelhante ocorreu com o BASA. O novo formato institucional do banco

restringiu a participação das Associações Comerciais do estados e territórios da região no

Conselho Técnico Consultivo, órgão congênere do Conselho Consultivo do BCA. Redução

substantiva, haja vista que reduziu-se para um só representante deste setor ao invés de um

membro de cada associação comercial, incluindo ainda membros oriundos de organizações da

indústria e da agricultura e de outras entidades estatais de perfil técnico.

Na SUFRAMA tivemos a introdução de novos incentivos e a reorganização da Zona

Franca de Manaus, com a ampliação da autonomia decisória e financeira desta instituição. Além

disso, a lei de criação da SUFRAMA também redefiniu a jurisdição política da Amazônia, com

a criação da Amazônia Ocidental (Acre, Amazonas, Guaporé (atualmente Rondônia), Rio

Branco (atualmente Roraima)), e da Amazônia Oriental (composta por Pará e Amapá), o que

substanciaria a formulação de projetos específicos para cada território.

E com a criação da SUDHEVEA seria decretado o fim do monopólio estatal de compra

e venda da borracha, estabelecendo a livre comercialização deste produto, o que impactava no

fim a política de preços subsidiados. Modificações que acarretaram no abandono da política

que vinha acompanhando o mercado da borracha desde à eclosão da Batalha da Borracha, o que

157

indica uma ruptura com os mecanismos inerciais que mantinham os anteparos e incentivos ao

sistema de aviamento e à extração.

E nestas legislações, nota-se o caráter marginal que o extrativismo estava relegado, haja

vista que encontra-se nestas leis diversos de mecanismos que incentivariam a diversificação

econômica regional. Portanto, o novo contexto político e econômico nacional, a evolução da

economia amazônica e a conjuntura da borracha influenciariam na inserção de interpretações

mais vinculadas ao desenvolvimentismo hegemônico a nível nacional (BIELSCHOWSKY;

MUSSI, 2005), como a teoria da deterioração dos termos de troca incluídas em Mendes (1963)

e BCA (1964). O que assevera a integração do pensamento desenvolvimentista-regionalista

com as teses justificadoras do processo de substituição de importações brasileiro.

Deste modo, a apresentação destas mudanças institucionais e de seu contexto histórico

evidencia a ruptura da conciliação entre o extrativismo gomífero e os demais polos dinâmicos

baseados na indústria, na agricultura e outras atividades. O que, todavia, não impôs o fim da

tradição de pensamento desenvolvimentista-regionalista amazônico, mas sim o seu ajustamento

a novas diretrizes, com a edição de novos elementos de defesa dos interesses regionais frente

ao avanço dos projetos de desenvolvimento. O que ocorreu sem a perda do ideal

desenvolvimentista e do anteparo regionalista. Assim, saia de cena a borracha mas mantinha-

se ativa a busca pela conciliação da tradição e do desenvolvimento.

Com este formato, o desenvolvimentismo-regionalista amazônico, tal como esboçado

por Fernandes (2011), se consolidaria e passaria a estruturar parcela significativa das políticas

de desenvolvimento regional na Amazônia ao longo do século XX, reeditando atributos como

a defesa nacional, a fixação da populacional, a diversificação econômica, a pesquisa científica

e tecnológica e outros, enquanto subsídios de um projeto de desenvolvimento que buscava

preservar os interesses regionais. Um ideário que encontra-se imerso no processo de

desenvolvimento amazônico e que teve sua emergência e consolidação por intermédio das

controvérsias em torno da produção de borracha na região entre os anos 1940 e 1966.

Tradição de pensamento que, num futuro próximo, apresentaria um progressivo

afastamento dos governos militares, a partir do surgimento de divergências quanto à

preservação dos interesses regionais em meio à expansão do projeto autoritário de

desenvolvimento nacional sobre a Amazônia (LOUREIRO, 2004; MARQUES, 2013;

FERNANDES et al., 2015). Projeto que passaria a exibir contornos mais nítidos a partir da

década de 1970 e a fomentar uma vocação política e econômica muito mais limitada e específica

à região amazônica, incentivando e aprofundando, assim, o seu papel de “mera fornecedora de

matérias-primas” (MENDES, p. 184, 1963). Estigma amazônico que seria inserido nos

158

discursos regionalistas das elites regionais decadentes que, como órfãos da conciliação, se

manteriam ativas na busca por um ideal de desenvolvimento regional que se mostraria cada vez

mais distante da realidade concreta e longe de qualquer possibilidade de construção de uma

política nacional de desenvolvimento para a Amazônia.

159

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A crise da economia da borracha de 1912 emitiu um alerta acerca dos limites do

extrativismo e do sistema de aviamento em sustentar um desenvolvimento estável e de longo

prazo na região amazônica. Evento que deu início a um longo período estagnação que seria

interpretado como sinônimo de esvaziamento das discussões sobre o desenvolvimento da

Amazônia. Vazio que, todavia, seria rompido com a emergência da controvérsia sobre a

borracha ao centro do debate sobre a superação dos dilemas da questão regional amazônica e

do subdesenvolvimento brasileiro entre os anos de 1940 e 1966.

No entanto, a borracha, produto que carregava heranças econômicas, políticas, sociais e

institucionais do boom gomífero, sobretudo as implicações do extrativismo e do sistema de

aviamento sobre a trajetória path dependence de desenvolvimento da região, não foi

devidamente investigada pela literatura especializada no debate sobre desenvolvimento da

região. Tendo em vista esta lacuna historiográfica, o presente estudo evidenciou que o debate

sobre a borracha, que girou em torno do extrativismo e da heveicultura, originou condições para

a emergência de novas correntes de pensamento, as quais serviram como alicerce para a

consolidação de novas instâncias institucionais e a convergência para a busca da conciliação

entre o extrativismo e os ideais de progresso que vinham se desenvolvendo no Brasil.

No caso específico da Amazônia, este novo centro dinâmico do debate sobre o

desenvolvimento começou a convergir para a consolidação de um novo ideário que vislumbrava

na diversificação econômica a principal estratégia de desenvolvimento e de defesa dos

interesses das elites regionais decadentes. Para isto, autores como Euclides da Cunha, Araújo

Lima, Cosme Ferreira Filho, Arthur Cézar Ferreira Reis, Samuel Benchimol, Leandro

Tocantins, Álvaro Adolfo, Felisberto Camargo, Firmo Dutra, Armando Mendes, entre outros,

apresentariam ideias e projetos que seriam assimilados e transformados em políticas pelas

instituições regionais, pelo IAN, BCA, SPVEA e demais órgãos. Indicações que dialogaram

com o desenvolvimentismo e com o regionalismo presente no ambiente intelectual brasileiro

do século XX.

E a conjunção desses fatores fez com que este novo corpo de ideias, originários, em

grande parte, do debate sobre a borracha, passasse a consolidar uma nova dinâmica institucional

que visava a conciliação entre o ideal de progresso e a sustentação do status quo das elites

regionais. O que se tornou um pano de fundo que ajudou a pavimentar o caminho e a evolução

discursiva da trajetória histórica de desenvolvimento da Amazônia ao longo de todo o século

XX (FERNANDES, 2011).

160

Desta forma, a controvérsia sobre a borracha integrou tópicos como o planejamento, a

expansão da produtividade, a investigação científica e tecnológica, o desígnio de reverter o

subdesenvolvimento, a defesa dos interesses regionais, a integração nacional e etc., pontos que

desde Euclides da Cunha encontravam-se presentes no ambiente intelectual amazônico, mas

que, com a ascensão do desenvolvimentismo e com o imperativo da expansão gomífera,

passariam a inserir-se nas institucionalidades e políticas de desenvolvimento regional.

O que encontra-se expresso na defesa dos modelos de desenvolvimento que abarcaram

seringais tipo empório, caboclo e demais formas de colonização que tinham por fundamento o

extrativismo ou a heveicultura. Destacando-se o plantio de seringueiras, opção que se tornou o

principal elemento do debate, haja vista que era um dos mecanismos de transição do

extrativismo e do sistema de aviamento para outros polos, como a indústria, a agricultura, a

mineração, a pecuária e etc., ou seja, um atributo da diversificação econômica regional.

Portanto, a análise dos documentos históricos destes períodos, tais como livros, artigos

e relatórios técnicos, demonstrou que as ideias e os projetos divulgados pelos pensadores e pelas

instituições de desenvolvimento com o passar do tempo passariam a partilhar dos diagnósticos

e prognósticos deste novo modelo de interpretação e de políticas para a superação do

subdesenvolvimento regional e para o equacionamento do esperado déficit gomífero nacional,

o desenvolvimentismo-regionalista amazônico.

Todavia, esta ideologia e política desenvolvimentista-regionalista, ademais seus

importantes efeitos na conformação das mudanças institucionais de significado não trivial para

o futuro da região implementadas ao longo deste período, possui ainda uma história por ser

revelada, haja vista que a literatura apontou que a sua evolução histórica tendeu para o seu

distanciamento do desenvolvimentismo hegemônico a nível nacional, dada a existência de

divergências quanto a preservação dos interesses regionais. O que evidencia o imperativo de

compreender sua evolução histórica após a Operação Amazônia, sobretudo em razão de que

este modelo de interpretação fez parte da formação de toda uma geração de políticos,

empresários, técnicos de órgãos governamentais e intelectuais que participaram da formulação

de uma série de projetos de desenvolvimento para a Amazônia. Projetos cujo principal

resultado, todavia, seria a cristalização de uma profunda desigualdade no acesso a bens, serviços

e cidadania a ampla parcela da população amazônica.

161

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BRASIL. Decreto-lei 3044 de 12 de fevereiro de 1941. Dispõe sobre o Instituto Agronômico

do Norte, criado pelo decreto-lei no 1.245, de 4 de maio de 1939 e dá outras providências.

1941.

BRASIL. Decreto-lei 4.841 de 17 de outubro de 1942. Dispõe sobre o financiamento a ser

concedido pelo Banco de Crédito da Borracha S.A. para o desenvolvimento da produção

da borracha, e dá outras providências. 1942.

BRASIL. Lei 86 de 8 de setembro de 1947. Estabelece medidas para a assistência

econômica da borracha natural brasileira e dá outras providências. 1947.

BRASIL. Lei 1.184 de 30 de agosto de 1950. Dispõe sôbre o Banco de Crédito da Borracha

S.A. 1950.

BRASIL. Decreto 31.672 de 29 de Outubro de 1952. Cria o Instituto Nacional de Pesquisas

da Amazônia nos termos do artigo 13, da Lei n.o 1.310, de 15 de janeiro de 1951. 1952a.

BRASIL. Decreto 30.694 de 31 de Março de 1952. Estabelece critério para a distribuição

de quotas de borracha nacional ou importada às emprêsas produtoras de artefatos de

borracha. 1952b.

BRASIL. Lei 1.806 de 6 de janeiro de 1953. Dispõe sôbre o Plano de Valorização

Econômica da Amazônia, cria a Superintendência da sua execução e dá outras

providências. 1953.

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aceitar a cooperação de empresas industriais de artefatos de borracha para o fomento da

produção da borracha de seringais de cultura e dá outras providências. 1954b.

BRASIL. Lei 3.173 06 de junho de 1957. Cria uma zona franca na cidade de Manaus,

capital do Estado do Amazonas, e dá outras providências. 1957.

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BRASIL. Lei 5.173 de 27 de outubro de 1966. Dispõe sôbre o Plano de Valorização

Econômica da Amazônia; extingue a Superintendência do Plano de Valorização

Econômica da Amazônia (SPVEA), cria a Superintendência do Desenvolvimento da

Amazônia (SUDAM), e dá outras p. 1966a.

BRASIL. Lei 5.174 de 27 de outubro de 1966. Dispõe sobre a concessão de incentivos fiscais

em favor da Região Amazônica e dá outras providências. 1966b.

BRASIL. lei 5.122 de 28 de setembro de 1966. Dispõe sôbre a transformação do Banco de

Crédito da Amazônia em Banco da Amazônia S. A. 1966c.

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de outubro de 1966, que dispõe sôbre o Plano de Valorização Econômica da Amazônia,

extingue a Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA),

cria a Su. 1967a.

BRASIL. Decreto-lei 288 de 28 de fevereiro de 1967. Altera as disposições da Lei número

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