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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ARNALDO SOARES SERRA JÚNIOR DELEGADOS RÉGIOS E MAGISTRADOS ELETIVOS EM TEMPOS DE CONSTRUÇÃO DO ESTADO NACIONAL: as relações entre os chefes do executivo provincial e os juízes distritais no Maranhão (1827-1841) São Luís MA 2015

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

ARNALDO SOARES SERRA JÚNIOR

DELEGADOS RÉGIOS E MAGISTRADOS ELETIVOS EM TEMPOS DE

CONSTRUÇÃO DO ESTADO NACIONAL: as relações entre os chefes do executivo

provincial e os juízes distritais no Maranhão (1827-1841)

São Luís – MA

2015

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ARNALDO SOARES SERRA JÚNIOR

DELEGADOS RÉGIOS E MAGISTRADOS ELETIVOS EM TEMPOS DE

CONSTRUÇÃO DO ESTADO NACIONAL: as relações entre os chefes do executivo

provincial e os juízes distritais no Maranhão (1827-1841)

Dissertação de mestrado apresentada ao

Programa de Pós-Graduação em História, da

Universidade Federal do Maranhão, para a

obtenção do título de Mestre em História.

Orientador:

Prof. Dr. César Augusto Castro

São Luís – MA

2015

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Serra Júnior, Arnaldo Soares

Delegados régios e magistrados eletivos em tempos de construção do Estado

Nacional: as relações entre os chefes do executivo provincial e os juízes distritais

no Maranhão (1827-1841) / Arnaldo Soares Serra Júnior. – São Luís, 2015.

193 f.

Orientador: Prof. Dr. César Augusto Castro.

Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Maranhão, Programa de

Pós-Graduação em História, 2015.

1. Estado Nacional. 2. Província do Maranhão. 3. Presidentes de província. 4.

Juízes de paz. 5. Conflito de poderes. I. Título.

CDU 930.23:34(812.1)

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DELEGADOS RÉGIOS E MAGISTRADOS ELETIVOS EM TEMPOS DE

CONSTRUÇÃO DO ESTADO NACIONAL: as relações entre os chefes do executivo

provincial e os juízes distritais no Maranhão (1827-1841)

ARNALDO SOARES SERRA JÚNIOR

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________

Prof. Dr. César Augusto Castro

(Orientador)

____________________________________________

Profª. Drª. Regina Helena Martins de Faria

(Examinadora Interna)

_____________________________________________

Prof. Dr. Marcelo Cheche Galves

(Examinador Externo)

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AGRADECIMENTOS

“Como é estranho a natureza do conhecimento! Uma vez adquirido, ele adere à

mente como o musgo à pedra. Desejei algumas vezes me livrar de todo o pensar e

sentir, mas aprendi que só existia uma maneira de superar a sensação de dor, e essa

era a morte.”

Mary Shelley – Frankenstein

Fazer pesquisa é mais ou menos assim. Na busca de realizar uma vontade pessoal, de

matar a curiosidade que fica alfinetando a nossa cabeça, nos envolvemos em uma jornada que

já conhecemos muito bem o caminho que iremos percorrer: várias noites mal dormidas; ficar

perdido entre inúmeros livros, documentos e anotações; recusar aqueles convites para se

distrair um pouco, pois existem prazos a serem cumpridos; entrar em desespero quando não

vemos mais a luz no fim do túnel. Ainda bem que existem pessoas em nossas vidas que

conseguem, à sua maneira, tornar essa jornada menos turbulenta, nos acalmando e dando

força para continuar com o que já começamos. Por isso, não é sem propósito que reservo estas

palavras de agradecimento aos que tornaram possível a realização de mais um objetivo.

Primeiramente, tenho que agradecer a toda minha família, em especial minha mãe,

Raimunda Santos Brandão, ao meu padrasto, Antônio Portela Costa Filho, e ao meu pai,

Arnaldo Soares Serra, por terem me dado todo apoio moral e suporte material para prosseguir

com minhas pesquisas.

Agradeço à minha namorada, Raianne Rodrigues Lima, por ser essa pessoa

maravilhosa e importante para a concretização deste trabalho. Desde os tempos de graduação

pude contar com o seu apoio, principalmente naqueles momentos de dificuldade e apreensão

com a pesquisa e com a escrita da dissertação. Ela chegou até deixar de lado a sua aversão

pela História para me ajudar, propondo-se a ler as inúmeras páginas do meu trabalho e

consertar aqueles erros gramaticais mais evidentes, que passam despercebidos pela vista de

quem escreveu e reescreveu as mesmas páginas.

Ao professor César Castro, que um dia me falou: “não sei quem foi mais doido, tu em

continuar como meu orientando, ou eu em querer te orientar”. Lendo simplesmente assim, no

papel, estas palavras podem causar certa estranheza e ter uma conotação negativa, porém

quem conhece a pessoa animada e descontraída que o professor é, saberá interpretá-la de

maneira apropriada. Essa frase foi marcante para mim, pois ela resumiu bem como foi a nossa

convivência durante esses dois anos. Nós possuímos campos de pesquisa totalmente distintos

(eu na política e ele na educação), com referenciais teóricos estranhos um ao outro, mas

mesmo assim trocamos muitos conhecimentos durante as nossas conturbadas reuniões, pois a

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cada minuto de conversa, outro era dividido com uma pessoa que chegava à sua sala, pedindo

para assinar algum papel. E isso eu não tomo como algo negativo, pois eu admirava como

alguém conseguia dar conta de tanta coisa ao mesmo tempo, sem perder a alegria e a

compostura. Não posso deixar de fora, também, o fato de eu nunca ter visto a paixão tamanha

de uma pessoa aos documentos – e desafio a qualquer um em ter uma conversa com César e

não querer sair dali para correr até um arquivo ou biblioteca, pegar um documento e iniciar

uma pesquisa qualquer.

À minha querida professora e eterna orientadora, Regina Faria, por ter me mostrado os

caminhos da história política e por estar sempre disposta a me ajudar, reservando-me espaço

na sua apertada agenda para sanar as minhas dúvidas ou me disponibilizar materiais de

pesquisas. Certamente, ela teve e terá um papel fundamental em toda a minha formação

acadêmica.

Ao professor Marcelo Cheche, que em outros tempos já me ajudou nas minhas

pesquisas de monografia, indicando leituras e emprestando livros, mas que agora tenho o

prazer de tê-lo como membro examinador externo da minha banca de mestrado. Sou muito

grato por ter aceitado meu convite.

Aos meus amigos de graduação Allan Michael, Marcio Braga, Antônio Castro e Deniz

Costa. Os momentos de conversas e distrações com vocês se tornaram verdadeiras fontes de

força e apoio nessa jornada.

Aos colegas de turma do mestrado: André, Samuel, Pyetra, Raissa, Rafael, Pedro,

Jéssica, Jozenilma, Antônio Marcos, Camila, Adrian, Leina, Celeste e Michelle. A

convivência com vocês foi importante, pois possibilitou a troca de conhecimentos e tornou

mais divertido os dias de aula. Sendo assim, cada um de vocês teve papeis individuais e

significantes para o meu aprendizado.

Agradeço aos professores com os quais tive a oportunidade de ser aluno. Com certeza

ampliei bastante os meus conhecimentos a cada aula frequentada, entrando em contato com

novos temas e aportes teóricos.

Ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Maranhão

(PPGHIS-UFMA) e aos funcionários que estavam sempre dispostos a me ajudar nos trâmites

burocráticos do mestrado.

Aos funcionários do Arquivo Público do Estado do Maranhão (APEM), em especial

dona Raimunda, da sessão de documentos avulsos, que tornaram as manhãs de pesquisas mais

agradáveis e prazerosas.

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À Fundação de Amparo à Pesquisa e Desenvolvimento Científico do Maranhão

(FAPEMA), por ter concedido o apoio financeiro, o que me possibilitou ter mais tempo para a

pesquisa.

Obrigado a todos vocês que tornaram possível a concretização de mais um sonho em

minha vida.

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“As folhas daquele ano secaram antes que meu trabalho chegasse próximo de seu

fim; mas a cada dia podia ver com mais e mais clareza o sucesso de meus esforços.

Assim, meu entusiasmo se contrapunha à minha ansiedade, e parecia mais um escravo arruinado nas minas ou em qualquer outro negócio do que um artista

ocupado de seu mais gratificante trabalho.”

Mary Shelly

“Eu o terminaria porque o devia a mim mesmo, eu o terminaria porque era um

escritor e não podia ser outra coisa, porque escrever era a única coisa que podia

me permitir olhar para a realidade sem me destruir, a única coisa que podia dotá-la

de um sentido ou uma ilusão de sentido, a única coisa que, tal como ocorrera

durante aqueles meses de confinamento, e trabalho, e vã espera, e dedução, ou persuasão, ou demonstração, me permitira vislumbrar, de fato e sem saber, o fim da

viagem.”

Javier Cercas

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RESUMO

A presente dissertação tem como objetivo analisar a interação entre os presidentes da

província e os juízes de paz no Maranhão, no âmbito da administração pública, entre os anos

de 1827 e 1841. Considera-se que no início do século XIX o Brasil incorporou novas ideias

oriundas da Europa e adentrou em um processo de modernização política. Contudo, existiam

forças consideradas dissidentes, como as diversas elites políticas nas províncias e a população

pobre, ambas buscando novos canais de representatividade de seus interesses, por isso o

governo central preocupou-se em criar espaços institucionais para acomodar essas demandas.

Ao mesmo tempo, instituiu o cargo de presidente de província que atuaria nas diferentes

regiões em nome do Imperador e na defesa do Estado. Os juízes de paz foram previstos na

Constituição de 1824, a fim de agilizar os processos judiciais, mas que durante a “década

liberal” despontaram como maiores autoridades em nível local, em especial por suas funções

policiais. Com a ocorrência de vários movimentos de caráter popular, os presidentes tinham a

empreitada de manter a ordem social e a civilização da população, mas, para concretizá-la,

dependiam dos novos magistrados para exercerem seus poderes de controlar a massa

desajustada. Para tanto, analisamos a coleção de leis do Império para entendermos como os

presidentes de província e os juízes de paz se inseriam na nova estrutura administrativa do

país; as atas do Conselho Presidial e os ofícios trocados entre os presidentes e os juízes foram

utilizados para entendermos o que cada um demandava, assim como atentar para as

dificuldades pelas quais os magistrados passavam no exercício de suas funções; e os relatórios

dos presidentes deram base para compreendermos as representações lançadas pelos

governantes sobre os juízes dos distritos. Os resultados constatados mostraram a importância

dos juízes enquanto representantes políticos das camadas populares e pontuaram a ausência de

estrutura para o exercício das suas atribuições. Foram verificadas as críticas por parte dos

presidentes, considerando os magistrados como ponto de atraso da administração da justiça, e

o fortalecimento da esfera executiva provincial para corrigir tal problema.

Palavras-chave: Estado Nacional; Província do Maranhão; Presidentes de Província; Juízes de

Paz; Conflito de Poderes.

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ABSTRACT

This dissertation has the objective analyze the interaction between the presidents of the

province and the justices of the peace in Maranhão, in the public administration, between the

years 1827 and 1841. Considering that at the beginning of the nineteenth century Brazil has

incorporated new ideas from Europe, the country entered by a political modernization

process. However, there were forces considered dissidentes like the various political elites in

the provinces and the poor population, both seeking new representation channel for their

interests, so the central government was concerned with creating institutional spaces to

accommodate these demands, while also established the post of provincial president who

would act in different regions of the country on behalf of the Emperor and in defense of the

State. The justices of the peace were provided by the Constitution of 1824, in order to

expedite the legal proceedings, but during the 'liberal decade "emerged as leading authorities

at the local level, especially for its police functions. With the occurrence of several popular

rebellions, the presidents had the task of maintaining social order and civilization of the

population of the provinces, but realizes it they were dependent of the new magistrates to

exercise their powers to control the mass misfit. As a research method we analyze the

collection of the Empire laws, to understand how the provincial presidents and justices of the

peace were part of the new administrative structure of the country; the minutes of the Council

Presidial and the messages exchanged between the two agents were used to understand what

each demanded the other, as well as pay attention to the difficulties experienced by

magistrates in the exercise of its functions; and the president’s reports provided the basis for

understanding the representations released by the government about the judges of the districts.

The predicted and observed results showed the importance of judges as the political

representatives of the lower classes and lack of structure for the performance of their duties.

Was verified the criticism of the president, considering the magistrates as the problem of the

and the strengthening of the provincial executive sphere to correct this problem.

Keyword: National State; Maranhão Province; Province Presidentes; Judge of the Peace;

Conflict of Powers

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LISTA DE QUADROS E MAPAS

QUADRO 1 – Os presidentes da província do Maranhão e suas respectivas origens (1827-

1841) ................................................................................................................................... 56

QUADRO 2 – Os presidentes e vice-presidentes da província do Maranhão e suas respectivas

formações acadêmicas e tempo de ocupação do cargo (1827-1841) ...................................... 79

QUADRO 3 – Os cargos públicos assumidos pelos presidentes e vice-presidentes da

província do Maranhão (1827-1841) .................................................................................... 81

MAPA 1 – A organização judiciária da província do Maranhão (1833) .............................. 135

MAPA 2 – A organização judiciária da província do Maranhão (1835) .............................. 136

MAPA 3 – A organização judiciária da província do Maranhão e o número dos respectivos

empregados (1843)............................................................................................................. 137

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 13

CAPÍTULO 1 – A PRESIDÊNCIA DE PROVÍNCIA NO CONTEXTO DE

CONSTRUÇÃO DO ESTADO NACIONAL.................................................................... 28

1.1 O desenvolvimento do Estado brasileiro: modernização política e disputas por

espaços de poder .......................................................................................................... 31

1.1.1 As influências da Revolução Vintista na administração brasileira e a importação do ideal

constitucionalista ................................................................................................................. 34

1.1.2 A Constituição de 1824 e suas adequações para um desenho institucional final ........... 43

1.2 Os presidentes de província na estruturação do Estado brasileiro ............................ 52

1.2.1 Os delegados régios no processo de modernização política .......................................... 55

1.2.2 A presidência de província na cultura do bacharelismo: as características de ocupação do

cargo .................................................................................................................................... 75

CAPÍTULO 2 – A JUSTIÇA DE PAZ EM TEMPOS DE MODERNIZAÇÃO

POLÍTICA BRASILEIRA ................................................................................................ 84

2.1 A magistratura de paz nos capítulos da historiografia ............................................... 86

2.2 O juizado de paz no processo de modernização política brasileiro ............................ 97

2.2.1 O sistema judiciário na colônia portuguesa .................................................................. 97

2.2.2 Os magistrados eletivos na nova ordem política imperial ........................................... 102

2.3 A experiência da magistratura de paz no Maranhão ................................................ 113

CAPÍTULO 3 – OS DELEGADOS RÉGIOS EM MEIO A MAGISTRADOS LEIGOS:

A MEDIAÇÃO PARA UMA CIVILIZAÇÃO E AS PROPOSTAS PARA O

MELHORAMENTO DA JUSTIÇA DO MARANHÃO ................................................ 126

3.1 Os presidentes e os desajustes da sociedade .............................................................. 127

3.2 Os juízes paz enquanto mediadores do poder dos presidentes da província ........... 133

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3.3 A magistratura de paz nos relatos dos presidentes e as repercussões da lei das

prefeituras ........................................................................................................................ 144

3.3.1 As interações entre o executivo provincial e o judiciário distrital ............................... 145

3.3.2 As representações sobre a magistratura leiga nos relatos dos presidentes e a lei das

prefeituras .......................................................................................................................... 158

CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 174

REFERÊNCIAS ............................................................................................................... 178

APÊNDICES .................................................................................................................... 190

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INTRODUÇÃO

Nas altas bandeiras de São Marcos, exclamaram todos a uma voz: - Bandeira

imperial no tope grande! Ouvindo tal, sua excelência, como tocado por alguma

corrente elétrica, deu um pulo da cadeira, arrancou o óculo da mão de um dos

circunstantes e o assestou arrebatadamente contra o negro Leviatã que vinha

rasgando as ondas com tanta sobranceria e velocidade. Na viu no primeiro momento; apenas os seus olhos turvos e encadeados eram feridos por uma multidão

de pequenos globos furta-cores que dançavam na extremidade oposta do

instrumento. Agoniado com a obscuridade da sua vista sempre tão clara, passou

lenço pela fronte alagada, graduou o óculo e, assestando-o de novo, viu então a

bandeira, mas esta lhe pareceu primeiro encarnada, e logo após negra como fumo e o

bojo do vapor; eis que sem muita tardança um indiscreto raio de sol, iluminando a

tela auriverde naquele instante desferida por inteiro ao vento, lhe tirou todas as

dúvidas, fazendo-lhe efetivamente ver o pavilhão imperial. [...]. Há de ser bispo –

dizia um. Ou então presidente do Pará – acudia outro [...]. Ele, arriado o galhardete

desta fortaleza, e enquanto se prepara e sobe o outro, no pequeno circulo cortezão

todas as respirações ficam suspensas, e reina um silencio mortal e ansioso. Presidente para o Maranhão!, anunciou o fatal telégrafo, e um ah! Estupido e

sufocado ressoou de todos os pontos.

[...] A cidade já atroada com as salvas começou a sê-lo com os toques de chamada,

com o tropel da tropa em marcha, e com o bulício universal da multidão que corria

açodada à rampa e pau da bandeira para presenciar o desembarque, e toda a cena a

que ele dá ocasião. Acudiam pretas, negros, moleques, estudantes, o grosso e miúdo

comercio da praça vizinha, os militares avulsos, os empregados que suspendiam os

trabalhos, os políticos interessados nas novidades e até os possuidores de bilhetes de

loteria que do mesmo lance iam saber do presidente e da sorte grande.

[...] Porquanto o presidente sobrevive ao suplício, e bem pode, no interesse da

ciência fazer a exposição das suas impressões1.

Chegou, então, na província do Maranhão o seu novo presidente. Através do texto de

João Francisco Lisboa, percebemos o quão significativo era a vinda de um novo governante

para a região, tanto para a população alvoroçada, quanto para os políticos que aqui atuaram.

Mas, ao mesmo tempo, o publicista destacou a angústia do novo governante, pois, ao aceitar o

cargo, ele assumia a alcunha de estabelecer uma ligação entre dois universos distintos: o

mundo da Corte e o mundo da Província. Esta angústia estava relacionada ao seu futuro

político, tendo em vista que, estando em uma província possivelmente desconhecida, deveria

obedecer às ordens régias para evitar a sua destituição do cargo, ao mesmo tempo em que era

necessária a constituição de laços de sociabilidade política para viabilizar a sua própria função

enquanto chefe do poder executivo provincial.

Esse ambiente, onde estava inserido, foi fruto do contexto político brasileiro na

primeira metade do século XIX, que correspondia à criação e consolidação do Estado

moderno nacional. Neste momento, surgiram ideias e projetos respaldados na noção de

liberalismo, que defendiam princípios como direitos individuais e civis; igualdade perante a

1 João Francisco. Jornal de Timon: partidos e eleições no Maranhão. São Paulo: Companhia das Letras, 1995,

p. 55-59.

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lei; governo baseado no livre consentimento dos governados e na representatividade,

estabelecida através de eleições livres.

Originado na Europa, o pensamento liberal se difundiu através de movimentos como a

Revolução Inglesa e Francesa, a expansão do modelo industrial e, no caso específico do

Brasil, a Revolução Vintista. Como consequência, o Império brasileiro sofreu os seus

impactos, repercutindo, por exemplo, nas suas dinâmicas políticas e sociais locais, e levando-

o a adentrar em um processo de releitura de sua forma de administrar o espaço público e a

população.

Esse liberalismo foi incorporado por uma elite política, que identificava no

absolutismo um despotismo que não combinava com o “caminho da civilização”, uma vez

que uma monarquia sem liberdade significaria a escravidão de seus súditos. Esta “liberdade”

só poderia ser garantida através de Leis que afirmassem os direitos individuais dos cidadãos e,

consequentemente, suas representatividades políticas. Então, passaram a defender uma

monarquia constitucionalista, como meio de garantir esses direitos e deveres do cidadão,

juntamente com a permanência da existência do cativo. Esse pensamento alterou também a

ordem social, inspirando as lutas de Independência, o sentimento antilusitano, insurreições

populares e uma tendência centrífuga por parte de movimentos separatistas. Ele transformou o

conjunto de cidadãos em autêntica esfera pública de poder, pois concedeu-lhes certos direitos

que até então não tinham, podendo ser convertidos em manifestações públicas e colocando em

risco a ordem e tranquilidade pública.

Contudo, a operacionalização da modernização política no Brasil esbarrou em algumas

limitações, pois houve a permanência de traços do Antigo Regime, como, por exemplo, o

simbolismo da figura do rei enquanto árbitro da justiça e o próprio escravismo. Isto fica claro

quando atentamos para a continuidade das características sociais coloniais, inviabilizando a

difusão de ideias e comportamentos que pendessem para movimentos de transformação

social, pois qualquer alteração neste sentido seria uma ameaça ao próprio Estado brasileiro em

formação, por isso este assunto não estava na ordem do dia do governo central, muito menos

o fim da escravidão. Havia uma representação pessimista sobre as camadas populares, “sem

civilização e sem arte”. Logo, “essa visão sombria, amplamente difundida, era como um

convite a uma arregimentação das elites para a sua missão paternalista de vigilantes ilustrados

de um povo bárbaro, carente de luzes, necessitando de liderança e disciplina”2. Este

pessimismo em unir grupos heterogêneos num mesmo seio social serviu como um dos

2 DIAS, Maria Odila Leite da Silva. A interiorização da metrópole e outros estudos. São Paulo: Alameda,

2005, 136.

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principais argumentos para a tessitura de uma Constituição que consagrasse um governo

centralizado e com força necessária para se impor nas diferentes províncias, ao mesmo tempo

em que atendia às diversas demandas.

A Assembleia Constituinte de 1823 foi o principal espaço para o debate dessa questão,

pois foi quando os deputados representantes das províncias foram convocados, levando suas

reivindicações e visões de administração pública. Porém, mesmo com a apresentação de

diferentes projetos foi consenso entre a maioria dos grupos políticos envolvidos nas

discussões a manutenção da monarquia. A figura do monarca foi percebida como a única

capaz de manter a unidade das diversas regiões, mas que deveria seguir um modelo

constitucionalista, sustentado por um aparato burocrático, com leis que regulassem o Estado e

assegurassem a participação política dos grupos que reivindicavam esse sistema político.

Dissolvida a Assembleia, em 1824 foi outorgada a primeira Constituição do país, tomando a

figura de Dom Pedro I enquanto símbolo do poder centralizado e consagrando a existência de

quatro esferas de poder (legislativo, judiciário, executivo e moderador), conferindo status de

cidadania para uma parcela de brasileiros livres3 e mantendo o escravismo.

Mesmo após a oficialização da Carta Constitucional, os embates políticos não

cessaram, pois a elite política que atuava no governo central não possuía uma visão

homogênea sobre qual configuração administrativa deveria ser adotada por esse Estado.

Existiam diferentes projetos que refletiam a diversidade de interesses, dos quais dois deles

ocuparam o centro dos debates no período. Cada um articulava uma concepção de nação

própria e um desenho institucional específico: o projeto federalista e o projeto reformista

centralizador.

O primeiro projeto ganhou força com a abdicação de Dom Pedro I, em 1831, e tinha

como um dos principais elementos a defesa de um governo centralizado, porém dando

margem para a participação política das elites provinciais nas decisões do Estado, resultando

na coexistência dos dois níveis de poder (regional e central), com limites definidos pela

Constituição. Já o segundo projeto defendia o modelo proposto pela Constituição de 1824,

com um regime mais centralizado, onde o governo central monopolizava as decisões, mas

criava instituições como forma de concessão política para os poderes provinciais poderem

acomodar seus interesses.

3 Ilmar Rohloff de Mattos chama a atenção para os efeitos da Constituição na sociedade brasileira. A partir de

agora, na sociedade havia a diferença política entre os cidadãos, pois existiam os cidadãos ativos (aqueles que

tinham a capacidade de ser votantes e eleitores), que eram representados enquanto “povo”, e os cidadãos não

ativos, vistos enquanto a “plebe”. No que se refere ao universo do trabalho, existiam os escravos, cabendo a eles

o trabalho nas propriedades rurais e nas cidades, e o povo mais pobre representando a “desordem” por ocuparem

especialmente as ruas (MATTOS, 2011).

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Mas, foi no decorrer da década de 1820 que se formou a arena onde o Estado

brasileiro se desenharia, pois as facções políticas foram ganhando traços mais nítidos, com

ideias definidas. Foram eles: os liberais exaltados, adeptos de uma postura radical e de feições

jacobinas, buscando conjugar princípios democráticos com a instauração de uma república

federativa; os moderados, organizados em 1826, estavam compostos por uma geração de

políticos que desejavam promover reformas políticas e institucionais, a fim de reduzir o poder

do imperador, aumentar os poderes das Câmaras dos Deputados e a autonomia do judiciário,

além de garantir a implementação dos direitos de cidadania; e os caramurus, tendo uma

vertente mais conservadora, contrária a qualquer reforma na Constituição de 1824, afirmando

uma monarquia centralizada, chegando existir alguns casos excepcionais de defensores de

uma restauração do absolutismo4. Esse mosaico político perdurou até os anos finais da

regência.

A respeito desse conturbado processo, a historiografia já possui um amplo catálogo de

obras, onde diversos autores abordam a temática através de diferentes olhares. Destacamos

como exemplo uma interpretação mais tradicional, defendida por Raymundo Faoro5.

Segundo ele, durante o processo de consolidação do Estado, o projeto centralizador, que

tomou como base o modelo administrativo português, saiu vencedor, esmagando as forças

locais e provinciais, pois o governo central funcionava como um meio de domínio do

monarca.

José Murilo de Carvalho6 defendeu a mesma tese do centralismo político, afirmando

que a herança burocrática portuguesa concedeu não só as bases para a manutenção da unidade

territorial, mas também para a formação de uma elite política brasileira, responsável pela

condução do processo de construção do Estado. Neste ponto é que podemos perceber as

diferenças entre os dois autores. Na percepção de Faoro, a elite política brasileira era aquela

patrimonialista e detentora do aparato burocrático, enquanto para Carvalho a elite nacional

não funcionava como um estamento controlador da nação, pois era dividida em diversos

setores, porém homogeneizada, atuando a partir da necessidade de manter a unidade interna e

combater o modelo republicano de governo.

A homogeneização desse grupo se deu por sua postura ideológica, adquirida a partir da

socialização entre os membros e do treinamento recebido através da formação em cursos

4 BASILE, Marcello. O laboratório da nação: a era regencial (1831-1840) in: GRINBERG, Keila; SALLES,

Ricardo (orgs.). O Brasil Imperial: 1808-1831. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011. 2v. 5 FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato brasileiro. 3º ed. São Paulo: Globo, 2001. 6 CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem: a elite política imperial. 4. ed. Rio de Janeiro:

Civilização Brasileira, 2008.

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superiores na metrópole portuguesa, levando-os a defenderem e viabilizarem uma monarquia

centralizada. Foi justamente por esta elite que as maiores decisões foram tomadas, como a

elaboração da Constituição e sua reforma em 1834, e a criação dos Códigos Liberais.

Baseando-se nisto, o autor fez a sua análise através das relações políticas entre duas esferas de

poder: governo central e governo provincial. A burocracia herdada de Portugal e conduzida

pela elite dirigente conseguiu estabilizar o país através do combate das forças dissidentes, que

ameaçavam a unidade territorial e traziam “para a esfera pública a administração do conflito

privado”. Porém, este arranjo, ao mesmo tempo em que viabilizou a estabilidade política do

Brasil, restringiu a extensão da cidadania, ou seja, o acesso de grande parte da população “ao

conteúdo público do poder”7.

Quanto às semelhanças, tanto Murilo de Carvalho quanto Raymundo Faoro destaca o

papel do governo central nesse processo, diminuindo a participação de setores privados, como

os proprietários de terras e suas famílias.

Contrariando as ideias de José Mutilo de Carvalho, mas continuando na linha do

centralismo político, temos Ilmar Rohloff de Mattos8. Ele discorda que essa homogeneidade

das elites políticas fosse determinante para a construção do Estado brasileiro, pois havia a

tendência do governo central em atender os interesses da “classe senhorial”. Esse processo

esteve associado com a formação de uma classe senhorial e dirigente, formada por

fazendeiros da região do Vale do Paraíba, que tinham seus interesses representados pelo

partido Saquarema.

Dessa forma, esse grupo, ligado ao aparelho do Estado, conseguiu expandir seus

interesses, impondo uma dominação capaz de exercer o direcionamento político, intelectual e

moral do país. Esta estratégia possibilitou a defesa dos seus projetos na esfera pública,

viabilizando a permanência do escravismo e a implementação de um projeto civilizador. Isto

ocorreu a partir da centralização política da Corte, momento conhecido como o regresso

conservador. Porém, o autor reduziu este processo aos saquaremas, em especial aos

cafeicultores fluminenses.

É difícil pensarmos essas transformações políticas, que afetaram de maneira

significativa todas as províncias do Brasil, respaldando-se em apenas uma única região, seja

por meio de uma elite de ideias homogeneizadas, seja por uma classe econômica específica,

pois tornam as demais regiões como meros espectadores passivos. Entendemos que a

proximidade geográfica entre uma região e a Corte, assim como o destaque de uma economia

7 Ibid., 159. 8 MATTOS, Ilmar Rohloff de. O Tempo Saquarema. 5º edição, São Paulo: Editora Hucitec, 2004.

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no cenário nacional, não são fatores suficientes para esquecermos aquelas províncias mais

distantes do Rio de Janeiro, assim como as elites e os demais setores sociais que ali residiam,

pois estes também eram peças atuantes na dinâmica política que se desenvolveu no século

XIX.

Essa explicação foi assumida por Miriam Dolhnikoff9. Ela entende que as reformas da

década de 1830, em especial o Ato Adicional de 1834, trouxeram mudanças de natureza

federalista. A partir de então, concretizou-se o projeto que há tempos vinha sendo debatido,

pois os setores das elites que estavam preocupados em preservar a sua capacidade de intervir

nos negócios públicos, agora possuíam meios institucionais e legais para fazê-lo, sobretudo

pela existência de uma combinação entre os interesses do governo central e das províncias.

Em sua análise, a autora destaca a importância das elites regionais, tendo em vista que elas

também eram classificadas enquanto elites políticas, mostrando que seus desejos de

autonomia estavam relacionados a um projeto que acomodava as reivindicações das

províncias, de modo que a influência desse grupo foi decisiva no jogo político imperial,

especialmente por garantir a unidade interna do país. Assim, elaborou-se um arranjo

institucional, resultante dos embates e negociações entre várias elites provinciais, a qual

deveria integrar a nova nação com o governo central.

A reforma constitucional foi especialmente importante por consagrar a autonomia das

províncias na gestão dos seus negócios, pois promoveu uma profunda transformação

institucional que permitiu a divisão legal das competências legislativas, tributárias e

coercitivas entre o governo central e os governos das províncias. As elites regionais passaram

a tratar de negócios importantes de sua região, como a cobrança de tributos, a criação de

cargos provinciais e municipais, e o investimento em obras públicas. Mesmo após as reformas

centralizadoras do regresso conservador, este arranjo institucional foi preservado, pois as

medidas implementadas, como a Reforma do Código de Processo Criminal de 1841,

restringiram-se ao sistema judiciário, não alterando questões centrais como o pacto

federalista.

O poder legislativo provincial se tornou o principal objeto de análise de Maria de

Fátima Silva Gouvêa10. Ela advoga que as províncias tiveram um papel fundamental na

formação da monarquia constitucional. Mesmo as Assembleias estando submetidas ao

governo central, através dos presidentes das províncias, os deputados se utilizaram de diversas

9 DOLHNIKOFF, Miriam. O pacto imperial: as origens do federalismo no Brasil. São Paulo: Globo, 2005. 10 GOUVÊA, Maria de Fátima Silva. O império das províncias: Rio de Janeiro, 1822-1889. Rio de Janeiro:

Civilização Brasileira, 2008.

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estratégias que transformaram estas instituições em locais de acomodação dos seus interesses

e de debates políticos em torno da definição do perfil do Estado e da nação.

Andréa Slemian11 parte do pressuposto que os legisladores do império se utilizaram da

valorização do Direito Público para pensar a estrutura jurídica do país, elaborando a

Constituição e as demais legislações que regulariam o aparato burocrático nacional,

assumindo a preocupação de preservar a capacidade do governo central em conduzir o

processo de construção do Estado. Ela não nega que a criação das Assembleias Provinciais

“instituiu definitivamente, na ordem constitucional, um espaço de jurisdição local, com

Executivo e Legislativos próprios”12, mas havia a vinculação destes diversos níveis de poder

com a Corte, pois isto era necessário para preservar a unidade do território. Nas províncias, tal

manobra ocorreu através do fortalecimento do poder executivo provincial, como a base

institucional para o projeto do império, uma vez que a instituição da presidência de província

estava vinculada à necessidade de garantir a separação e o equacionamento de poderes entre o

Executivo e o Legislativo das diferentes regiões do país.

Com essas novas abordagens, percebemos que os grupos provinciais tinham relevância

política suficiente para influenciar no direcionamento do Estado. Além da ocorrência das

chamadas revoltas regenciais que abalaram a tranquilidade pública, havia diversas elites

políticas pelo país que buscavam espaço de representatividade e poder político. Isto

dificultava a própria ação do governo imperial, pois os interesses entre as duas esferas

administrativas poderiam entrar em choque. Para contornar tal situação, o governo central se

utilizou dos presidentes como forma de expandir os seus poderes, a fim de introduzir os seus

projetos nas províncias. Desta forma, diante das preocupações do governo central, esses

governantes atuavam como verdadeiros delegados régios nas províncias.

Tomaremos esses agentes como objetos de análise por entendermos que eles

personificam o governo central, servindo como uma extensão dele. No geral, por serem

indivíduos oriundos de outras regiões, suas atuações se davam em uma configuração social

específica. Precisavam adentrar nas relações de interdependência, pois havia outros postos

políticos na administração provincial e municipal que influenciavam suas atividades. Por isso,

analisaremos também os juízes de paz, que, em especial na Regência, eram vistos como a

expressão máxima da força dos interesses locais no Brasil.

11 SLEMIAN, Andréa. Sob o império das leis: constituição e unidade nacional na formação do Brasil (1824-

1834). Tese (Doutorado em História) – Universidade de São Paulo – USP, São Paulo, 2006. 12 Ibid., p. 302.

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Diferentemente da chegada “glamourosa” do presidente maranhense na descrição de

Francisco Lisboa, o diplomata e dramaturgo Martins Pena nos apresenta um juiz de paz

pitoresco em sua peça teatral:

ESCRIVÃO, lendo - Diz João de Sampaio que, sendo ele “senhor absoluto de um

leitão que teve a porca mais velha da casa, aconteceu que o dito acima referido leitão

furasse a cerca do Sr. Tomás pela parte de trás, e com a sem-ceremônia que tem todo

o porco, fossasse a horta do mesmo senhor. Vou a respeito de dizer, Sr. juiz, que o

leitão, carece agora advertir, não tem culpa. porque nunca vi um porco pensar como

um cão, que é outra qualidade de alimária e que pensa às vezes como um homem. Para V. Sa. não pensar que minto, lhe conto uma história: a minha cadela Tróia,

aquela mesma que escapou de morder a V. Sa. naquela noite, depois que lhe dei uma

tunda, nunca mais comeu na cuia com os pequenos. Mas vou a respeito de dizer que

o Sr. Tomás não tem razão em querer ficar com o leitão só porque comeu três ou

quatro cabeças de nabo. Assim, peço a V. Sa. que mande entregar-me o leitão.

Espero receber mercê.” JUIZ - É verdade, Sr. Tomás, o que o Sr. Sampaio diz?

TOMÁS - É verdade que o leitão era dele, porém agora é meu.

SAMPAIO - Mas se era meu, e o senhor nem mo comprou, nem eu lho dei, como

pode ser seu?

TOMÁS - É meu, tenho dito.

SAMPAIO - Pois não é, não senhor. (Agarram ambos no leitão e puxam, cada um

para sua banda.) JUIZ, levantando-se - Larguem o pobre animal, não o matem!

TOMÁS - Deixe-me, senhor!

JUIZ - Sr. Escrivão, chame o meirinho. (Os dois apartam-se) Espere. Sr. Escrivão,

não é preciso. (Assenta-se.) Meus senhores, só vejo um modo de conciliar esta

contenda, que é darem os senhores este leitão de presente a alguma pessoa. Não digo

com isso que mo dêem.

TOMÁS - Lembra Vossa Senhoria bem. Peço licença a Vossa Senhoria para lhe

oferecer.

JUIZ - Muito obrigado. É o senhor um homem de bem, que não gosta de demandas.

E que diz o Sr. Sampaio?

SAMPAIO - Vou a respeito de dizer que se Vossa Senhoria aceita, fico contente. JUIZ - Muito obrigado, muito obrigado! Faça o favor de deixar ver. Ó homem, está

gordo, tem toucinho de quatro dedos! Com efeito! Ora. Sr. Tomás, eu que gosto

tanto de porco com ervilha!

TOMÁS - Se Vossa Senhoria quer, posso mandar algumas.

JUIZ - Faz-me muito favor. Tome o leitão e bote no chiqueiro quando passar. Sabe

aonde é?

TOMÁS - Tomando o leitão - Sim senhor.

JUIZ - Podem se retirar, estão conciliados.

[...]

JUIZ - O certo é que é bem bom ser juiz de paz cá pela roça. De vez em quando

temos nossos presentes de galinhas, bananas, ovos, etc., etc.13

Utilizando-se da sátira e da comédia de costumes, Pena esboçou de forma exagerada

os traços que caracterizariam os juízes de paz no Império. Esses magistrados se destacavam

diante da população pobre das vilas, sendo responsáveis pelas conciliações e por trazerem a

justiça para a sociedade, mas estavam também suscetíveis a barganharem com as partes

envolvidas as suas decisões nos processos. Esta representação não foi uma exclusividade do

escritor, pois outras autoridades públicas que dividiam espaço na administração com esses

13 PENA, Martins. O juiz de paz da roça. São Paulo: Martin Claret, 2004.

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juízes também os viam dessa forma. Em nosso entendimento, isto se deu por conta do

acúmulo de poderes políticos adquiridos na década de 1830, o que, independentemente do

modo de condução das suas atribuições, incomodava outros polos de poder.

Trazendo essa questão para o período regencial, momento em que houve o chamado

“avanço liberal” e a ampliação dos espaços de poder das elites políticas que se encontravam

nas províncias, os juízes de paz ganharam relevância no cenário político por terem adquirido

um grande número de atribuições, indo além daquelas destinadas à conciliação, previstas na

Constituição de 1824. A Lei de 15 de outubro de 1827, quando o cargo foi criado, direcionou

o poder de julgar pequenas demandas para estes agentes, além de vigiar/fiscalizar a população

dos distritos. Mas, foi a partir do Código do Processo Criminal de Primeira Instância, de

1832, que esses magistrados se tornaram os agentes públicos com maiores poderes na esfera

paroquial, o que, segundo os seus críticos, abriu espaço para uma atuação arbitrária e

ineficiente.

Além disso, a regência foi marcada por tensões sociais que, muitas vezes, resultaram

em manifestações violentas. Diversos protestos e revoltas eclodiram em todo o país, como a

Cabanagem, a Farroupilha e a Balaiada, ameaçando não somente a ordem pública, mas a

estabilidade do Império. Dessa forma, a adequação da população mais simples e pobre a uma

ordem constitucional, moral e civilizada, se tornou uma necessidade na agenda política do

governo central e, consequentemente, dos presidentes. Para tal empreitada eram destinadas

políticas voltadas tanto para o disciplinamento quanto para a coerção e repressão desta

população desajustada.

É diante de tal contexto que o nosso trabalho insere a seguinte problemática: entender

os conflitos políticos que envolviam os presidentes e os juízes de paz, uma vez que os

governantes, defendendo o processo de modernização do Estado nacional, lançavam críticas à

magistratura de paz, pois era através da mediação desses “juízes policiais” que o seu poder de

controlar a massa desordeira poderia ser efetivado nos distritos.

Portanto, nosso objetivo geral é entender como se deu a interação entre o executivo

provincial e o judiciário distrital no Maranhão, no contexto da consolidação do Estado

nacional. Para chegarmos à compreensão acerca desta interação, buscamos responder às

seguintes questões norteadoras: Como os presidentes de província e os juízes de paz se

inseriam no processo de modernização política brasileira? O que cada agente demandava um

do outro nos momentos do exercício de suas atribuições? Qual o sentido das críticas dos

governantes sobre a magistratura de paz? Quais as propostas feitas pelo executivo provincial

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para a Assembleia Provincial, a fim de superar o suposto “atraso” causado pelos magistrados

leigos na administração da justiça maranhense?

O trabalho se sustentou na hipótese de que essas críticas não se restringiam

simplesmente à capacidade dos magistrados em pôr em prática as suas atribuições legais, mas

também no conflito de poderes entre os dois níveis administrativos e na tendência do governo

central, após o Ato Adicional, de restringir a autonomia municipal, vinculando-a ao executivo

provincial.

A periodização do trabalho tomou o ano de 1827 como ponto de partida, pois foi

quando o governo central oficializou a criação da Justiça de Paz. Percorreremos então o

período regencial, momento de conquistas liberais e de cunho descentralizador, quando foram

aprovadas novas leis, em especial o Código do Processo de 1832, conferindo não só uma nova

dinâmica ao sistema judiciário, mas também estabelecendo os magistrados distritais enquanto

maiores autoridades em suas jurisdições. Além disso, atentaremos para a criação da

Assembleia Provincial do Maranhão com o Ato Adicional de 1834 e a regulamentação das

atribuições dos presidentes de província. Nesta instituição eram tratados assuntos importantes,

como: educação pública, orçamentos municipais e provinciais, culto religioso, tranquilidade

pública e a própria administração da justiça. Através dos relatórios apresentados aos

deputados provinciais, os presidentes identificavam a situação da província, propondo

mudanças de ordem material, moral e institucional. As mudanças de ordem material

relacionavam-se à melhoria do aspecto físico das cidades e à estruturação dos setores

produtivos; as de ordem moral eram expressas por um discurso que tinha como finalidade

provocar modificações na maneira de pensar e agir para construir um (novo) meio social; e as

institucionais se destinaram ao aperfeiçoamento de determinados órgãos ou cargos

específicos, através da elaboração de novas leis que conferissem melhores métodos de

fiscalização, uma nova redistribuição de funções ou a criação de novos agentes, a fim de

impor uma maior eficácia e agilidade para determinado ramo da administração pública.

Decidimos colocar o ano de 1841 como marco final da nossa periodização por causa da

aprovação da Reforma do Código do Processo Criminal, quando a Corte brasileira centralizou

o aparato judicial, transferindo as funções policiais do juizado de paz para autoridades

representantes do poder executivo provincial.

Escolhemos o Maranhão como delimitação espacial por causa da documentação

trabalhada e pela ocorrência da Balaiada, movimento considerado anárquico pelas

autoridades, que abalou a tranquilidade pública, o funcionamento das instituições e também a

própria legitimidade do Estado. Isto fez com que os presidentes tivessem uma maior atenção

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com os cargos e instituições voltadas para o controle social das camadas mais baixas (em

especial os pobres livres), sendo uma delas o próprio juizado de paz.

Quanto às fontes, trabalhamos com a “Coleção das leis do Império do Brasil”,

disponíveis no site do Senado Brasileiro; com os “Relatórios dos Presidentes de Província”;

os “Índices dos Anais da Assembleia Provincial”; as “Coleções de Leis e Regulamentos da

província do Maranhão”; os “Livros de Registros e Correspondências dos Presidentes de

Província com os Magistrados”; e os “Ofícios dos juízes de paz e dos prefeitos para os

presidentes” que se encontram no APEM.

A Constituição de 1824 foi importante no nosso estudo, pois, a partir dela, foi

delineado o arcabouço institucional assumido pelo Império, possibilitando-nos perceber as

especificidades adquiridas pelo Estado que estava se constituindo. As demais leis, decretos

oficiais e códigos aprovados até 1841 viabilizaram a captação do sentido em que se deu o

processo de modernização no país, como meio de aperfeiçoar a administração pública e de

fazer concessões e reajustes políticos. A Carta de 1823, o Ato Adicional e a Lei de 3 de

outubro de 1834 foram utilizadas para entender o desenvolvimento do cargo de presidente de

província, atentando para as suas funções diante dos poderes provinciais. A respeito do

juizado de paz, privilegiamos a Carta Constitucional, a lei 15 de outubro de 1827, a de 1º de

outubro de 1828, o Código do Processo Criminal e a sua reforma em 1841, pois o cruzamento

desses documentos possibilitou o entendimento das suas atribuições adquiridas na “década

liberal” e suas implicações.

As atas do Conselho Presidial expõem o que foram debatidos nas sessões comandadas

pelos governantes. Os livros de registros e correspondências dos presidentes de província com

os magistrados são compostos pelos ofícios expedidos pelos governantes, que serviam de

diálogo com diversas autoridades do aparato judiciário, em especial o juiz de paz, servindo

ainda como meio para os presidentes cobrarem alguma ação dos magistrados em suas

jurisdições. Quanto aos ofícios dos juízes de paz, estes eram escritos e enviados por estas

autoridades, servindo também como meio para demandarem ações específicas do poder

executivo provincial, além de informarem a situação de determinada região, transmitirem

mapas estatísticos, entre outros. A partir desses materiais, podemos compreender o que os

presidentes exigiam dos magistrados e vice-versa, assim como perceber a falta de estrutura da

província no fornecimento das bases para o policiamento dos distritos, que interferia

diretamente na atuação desses juízes, na importância desse cargo para a população enquanto

canal de representação política e em alguns conflitos de poderes entre diferentes cargos.

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Os relatórios dos presidentes são sínteses de outros relatórios, mapas estatísticos,

ofícios e demais escritos oficiais que chegavam à Secretaria de Governo, oriundos de diversas

instituições e autoridades atuantes, nos quais os governantes escolhiam as temáticas que

consideravam mais relevantes para serem abordadas durante a abertura das sessões da

Assembleia Provincial. Na nossa pesquisa, eles foram fundamentais para identificarmos as

representações e críticas lançadas sobre a magistratura de paz e as suas visões sobre a

sociedade maranhense durante os anos de 1836 (quando foi apresentado o primeiro relatório

aos deputados da província) a 1841. Estas fontes foram analisadas junto com as anteriores, o

que nos possibilitou problematizar as representações dos presidentes sobre os magistrados de

paz.

Utilizamos outros instrumentos também para embasar algumas ideias trabalhadas no

texto, como os índices dos anais da Assembleia Provincial e as Coleções de Leis e

Regulamentos da Província do Maranhão. O primeiro é um documento que, de maneira

sintética, organizava por ordem alfabética os assuntos tratados pelos deputados maranhenses

nas sessões, como obras públicas e comércio. Nele identificamos a opinião resumida de

alguns legisladores acerca da justiça de paz e das divisões judiciárias. O segundo contém as

leis elaboradas pelos deputados e aprovadas pelos presidentes, em sessão da Assembleia, no

qual destacamos a lei das prefeituras, a fim de entendermos a centralização do aparato policial

pelo executivo provincial.

No primeiro capítulo tratamos do desenvolvimento do Estado imperial brasileiro e de

como os presidentes de província se inseriam no mesmo, diante da necessidade de preservar a

ordem social e promover a modernização política. Aqui procuramos expor a estrutura

adquirida pelo Estado, dentro do contexto de reivindicações das elites das províncias e da

população mais pobre, por espaço de representações políticas. Destacamos a influência da

importação de ideias, tais como o constitucionalismo e o liberalismo, em especial após a

Revolução Vintista, que mexeram com o cotidiano político da então colônia portuguesa,

levando não só ao movimento de independência, mas à abertura de uma Assembleia

Constituinte e outorga da Constituição, ambas trazendo em seu bojo as necessidades de dar

forma a um Estado centralizado e, ao mesmo tempo, que atendesse as diversas demandas

sociais.

Essa análise foi feita em torno da noção de modernização política, de Gianfranco

Pasquino, que afirma que nesse momento as mudanças operadas pelo governo buscavam não

só a implementação de ideias que afetassem a esfera política, econômica e social, mas

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também que aumentassem a capacidade do governo de exercer sua autoridade no território

que lhe competia.

No outro momento, analisamos especificamente os presidentes de província,

destacando o seu papel nesse novo contexto político produzido, considerando-os enquanto

agentes régios que assumiam um discurso de defesa do Estado, assim como indivíduos

públicos que estavam inseridos em uma cultura política específica. Finalizamos o capítulo

abordando as características de ocupação do cargo, dentro de uma cultura política de

valorização do bacharelismo.

No segundo capítulo tratamos da instituição da Justiça de Paz e como esta instituição

estava presente no desenvolvimento do Estado moderno. Iniciamos com a abordagem da

magistratura de paz na historiografia para termos uma noção prévia dos enfoques dados sobre

o cargo; em seguida, fazemos um panorama do sistema judiciário brasileiro nos tempos

coloniais, compreendendo as suas inadequações dentro da nova ordem imperial;

posteriormente, analisamos especificamente a magistratura de paz, trazendo como fontes as

Leis que tratavam do poder judiciário e, em especial, aquelas que previam, criavam e

regulavam o cargo; por fim, para encerrar o capítulo, abordamos a experiência da magistratura

leiga no Maranhão em seus primeiros anos de atividade.

No último capítulo trabalhamos a proposta central da pesquisa, que é a interação entre

os presidentes da província e os juízes de paz. Trouxemos para a nossa análise o que Pasquino

chamou de crise de integração e penetração, fenômenos ocorridos em alguns Estados, onde o

poder do governo encontrava obstáculos e não conseguia estar presente em diversos setores

sociais. Esta percepção é valiosa para o nosso contexto, pois foi quando se ressaltou uma

maior preocupação das autoridades em controlar a população mais simples, sobretudo por

considerá-la como um inimigo em potencial da ordem pública, já que na época houve a

eclosão de diversos movimentos sociais pelo país, como a Balaiada.

Para compreender tais questões, lançamos mão dos relatórios dos presidentes para

identificarmos como a sociedade maranhense foi representada e quais as políticas públicas

direcionadas para adequar esta camada desajustada aos padrões de civilidade, moralidade e

ordem. A partir disso, por ficar evidente a tendência de controlar a sociedade pelos meios

coercitivos, os juízes de paz tiveram um papel importante na concretização dos projetos dos

presidentes, pois eram através destes magistrados, responsáveis pela vigilância e policiamento

dos distritos, que os poderes dos governantes chegavam às mais diversas regiões.

Demos ainda enfoque para as dificuldades e embaraços enfrentados pelos magistrados

no exercício de suas funções, às representações feitas pelos presidentes sobre os magistrados e

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às propostas para uma melhoria da administração da justiça, como a transferência das

atribuições policiais dos juízes para os prefeitos e subprefeitos, medidas consideradas

necessárias para viabilizar um controle social mais eficiente. Para finalizar, analisamos a

experiência das prefeituras na província, fazendo um comparativo com as atividades

empreendidas pelos antigos juízes policiais.

A ideia deste trabalho surgiu a partir de adequações necessárias feitas no projeto

inicial de mestrado. Já nos tempos de graduação, a política imperial, os debates sobre a

construção do Estado nacional e, mais especificamente, a atuação dos presidentes nas

províncias eram temas que despertaram não só a minha atenção, mas a curiosidade necessária

para me fazer mergulhar nas pesquisas sobre este universo. Para mim, é interessante estudar a

atuação de um agente do governo central dentro de um espaço social e político, muitas vezes

estranho a quem ocupava o cargo, pois existam ali configurações sociais específicas e elites

políticas que rivalizavam pelo espaço de poder. Por isso, no trabalho monográfico, propus-me

analisar as representações dos presidentes sobre a população pobre e livre do Maranhão, e as

sugestões feitas por eles aos deputados da província, a fim de controlar, disciplinar e civilizar

essa população desclassificada. Utilizei, então, as falas, relatórios e discursos dos presidentes.

Essa documentação tinha me chamado a atenção pelo modo como os governantes

tratavam os juízes de paz, abordando-os geralmente de forma depreciativa, como pontos de

atraso da justiça maranhense. Sem conhecer muito os embates e as polêmicas que envolviam

esses magistrados, deixei-os de lado e elaborei o projeto de seleção de mestrado com o

objetivo de compreender as relações entre os presidentes e os deputados maranhenses, assim

como as possíveis práticas clientelísticas as quais os governantes se envolviam, a fim de

desenvolver o seu papel institucional e promover sua carreira política. Mas, por conta de uma

imaturidade teórica, o tema se mostrou amplo demais e as fontes eram inviáveis para

responder às questões propostas. Assim, com o decorrer do curso, fiz novas leituras, tive

acesso a fontes alternativas e pude debater o projeto diversas vezes com o meu orientador,

César Castro, tanto nas disciplinas quanto no grupo de estudo coordenado pela professora

Regina Faria.

A partir disso, o projeto ganhou uma nova estrutura, tomando como base a relação

entre o chefe do executivo provincial e os juízes distritais. Esta adequação demandou um

estudo aprofundado sobre um agente que, até então, eu não tinha familiaridade, mas que se

tornou extremamente interessante e cada vez mais revelador sobre como se deu o conturbado

processo de construção e consolidação do Estado brasileiro. Assim, o trabalho ganhou a forma

que vos apresento nas páginas seguintes, com a expectativa de que ele contribua para o

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avanço das pesquisas em torno da história política e para uma melhor compreensão dos

embates relacionados à construção do Estado, assim como dos agentes públicos envolvidos na

temática.

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CAPÍTULO 1 – A PRESIDÊNCIA DE PROVÍNCIA NO CONTEXTO DE

CONSTRUÇÃO DO ESTADO NACIONAL

No tópico “tranquilidade pública”, presente no relatório elaborado aos deputados do

Maranhão, o presidente da província Jeronimo Martiniano de Mello apontava a seguinte

situação:

A desastrosa guerra civil, que por mais de dois anos, assolou esta bela Província,

diminuiu-lhe a riqueza, paralisou-lhe a indústria, abriu-lhe feridas que ainda

infelizmente sangram, afrouxou-lhe os laços de obediência e respeito às leis, e às Autoridades, e por tal forma desmontou a máquina social, que só o tempo por um

lado, e por outro a energia e bom senso das autoridades, e o patriotismo de todos os

Cidadãos honestos, podem remediar os estragos, que essa guerra causou14.

A guerra civil, a qual o presidente se refere, é o movimento que ficou conhecido como

a Balaiada. Nestas palavras, escritas três anos após o término da rebelião, encontramos as

marcas de um acontecimento que se enraizou no discurso político do período como um

espectro que assombrava os esforços de preservação da tranquilidade pública e o

estabelecimento de uma ordem civilizada, através do funcionamento ágil e eficiente das

instituições públicas da época. Os motivos estavam relacionados não somente à natureza

violenta assumida pelos membros envolvidos, mas também ao questionamento da própria

legitimidade do Estado, que estava em processo de consolidação, e de rompimento com os

ideais de cidadãos defendidos pelos administradores do Império – pessoas ordeiras e

seguidoras das leis que lhes eram impostas.

A Balaiada ocorreu no período Regencial, momento em que houve não só um vácuo

no trono da Corte do Rio de Janeiro, mas também a ocorrência de várias deflagrações sociais

em diferentes regiões, como, por exemplo, a Cabanagem no Pará e a Sabinada na Bahia. Este

contexto fez com que a historiografia considerasse a Regência como um dos períodos mais

conturbados do Império. Porém, tal percepção se torna incompleta se observarmos apenas

pelo prisma dessas rebeliões, pois houve interesse das elites políticas do país, que enxergavam

na abdicação de Dom Pedro I uma oportunidade de angariar maior autonomia e poder em

relação ao governo central.

Na década de 1820, em meio a um cenário de difusão de preceitos constitucionalistas e

liberais, já havia discussões sobre qual configuração administrativa serviria de base para o

14 MARANHÃO. Relatório que à Assembleia Legislativa da província do Maranhão appresentou o exm.

Presidente da mesma província, Jeronimo Martiniano de Mello, na sessão de 3 de maio de 1843. Maranhão,

na Typographia de I. J. Ferreira, 1843, p. 3.

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governo imperial, o qual deveria ser capaz de viabilizar não só a unidade nacional e a

civilização no país, mas também o atendimento das demandas políticas das diversas regiões.

Nas sessões da Assembleia Constituinte, por exemplo, havia a participação de deputados que

representavam suas províncias, proferindo em seus discursos a crença de que o Estado era o

único capaz de garantir e manter o ordenamento social, através do monopólio da violência

física em nome do “interesse coletivo”. Além disso, eles tratavam sobre a organização

administrativa das Províncias, propondo modelos que abrissem espaços de atuação mais

independentes em relação ao governo central, refletindo assim a heterogeneidade de

interesses, em especial das elites políticas assentadas nas províncias (elites regionais e elites

locais15).

Já nas sessões da Assembleia Constituinte de 1823, o governo central incorporou

essas questões, elaborando diversas legislações e decretos, com o objetivo de garantir não só a

expansão do seu poder e moldar a sociedade brasileira dentro de uma nova ordem política,

mas também de atender as diversas demandas daquele momento, evitando assim possíveis

forças centrífugas que ameaçassem a unidade interna e a ação do governo central nas

províncias.

Ao considerar esses fatos, podemos afirmar que a constituição do país, enquanto

Estado nacional, não foi um processo que se tornou pronto e acabado com a sua emancipação

política em 1822 e nem com a elaboração da Carta Constitucional de 1824. O governo central

se encontrava na difícil tarefa de manter a integridade territorial, ao mesmo tempo em que

garantia o espaço de representatividade política dos diversos setores da sociedade e a ordem

social. Para tais necessidades, uma de suas estratégias foi a criação do cargo de presidente de

província, um agente do governo central que assumia não só o discurso de defesa do Estado,

15 A ideia de “elites” que utilizaremos durante este trabalho é aquela apresentada por Norberto Bobbio, a qual

está relacionada aos grupos minoritários existentes em cada sociedade, compostos por pessoas detentoras de

poder em detrimento de uma maioria. Este poder se traduz na capacidade de tomar decisões válidas não apenas

para os seus grupos, mas também para toda a sociedade a qual pertence. Outro ponto importante destacado pelo

filósofo é a impossibilidade de se trabalhar com a noção de “elite” no singular, pois existem vários níveis de

poder coexistindo, cada qual com suas próprias elites e tendo como principal característica a aquisição do poder político em sua área de atuação. Como exemplo, levaremos em consideração a existência de três “grupos” de

elites que atuavam em esferas administrativas específicas: as locais (que tinham seus poderes legais restritos ao

âmbito municipal ou paroquial), as regionais (aquelas que tinham suas competências em nível provincial) e as

nacionais (que estavam alocadas nas instituições da Corte do Rio de Janeiro, como o Senado e a Câmara dos

Deputados; tomavam decisões válidas para todo o território brasileiro). Bobbio aponta também que, no caso das

sociedades modernas, esses poderes são legalmente válidos, pois seguem o princípio constitucional, ou seja, eles

podem ser adquiridos com a participação de indivíduos em instituições específicas (como as câmaras municipais,

juizado de paz, Assembleia Provincial e presidência de província), que são regidas por leis e regulamentos

próprios (BOBBIO, 2010).

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mas também as ações de um “delegado régio”16, fiscalizando as diversas instituições,

autoridades públicas e sociedade da região em que atuava, e fazendo propostas de medidas

políticas específicas que garantissem o “progresso da província e da nação”.

Neste capítulo trataremos do processo de modernização política do Brasil nas décadas

de 1820 e 1830, para então entendermos como os governantes da província se inseriam neste

cenário. Partiremos com a contextualização do período, atentando para os embates políticos

acerca do modelo administrativo que o Estado assumiria (centralizado ou descentralizado) e

para as transformações pelas quais as legislações e as instituições passaram, além das

características consolidadas após o regresso conservador, destacando tanto o alargamento do

poder do Estado na vida social das pessoas, quanto a alocação das elites políticas residentes

nas províncias em diversas instituições públicas. Posteriormente, analisaremos a criação da

presidência de província para compreendermos o seu papel institucional, o modelo

administrativo em que esse cargo se desenvolveu e a relação que assumia com outras

autoridades e instituições das províncias.

Para fazermos tais considerações, lançaremos mão da noção de “modernização

política”, de Gianfranco Pasquino, que é definida como um conjunto de mudanças operadas

nas esferas política, econômica e social, caracterizando os dois últimos séculos. Praticamente,

a data do início desse processo poderia ser colocada na Revolução Francesa de 1789 e na

quase contemporânea Revolução Industrial Inglesa, provocando uma série de mudanças de

grande alcance na esfera política e econômica. No que se referem à atuação do governo, as

mudanças ocorriam quando se verificava um aumento da capacidade das autoridades em

dirigir os negócios públicos, controlar as tensões sociais e enfrentar as exigências dos

membros do sistema. Isto se desenvolvia através de um processo amplo, complexo e difuso,

que organizava a administração pública e buscava o ordenamento da vida social. Ao se referir

à população, o autor aponta que essa modernização ocorria quando havia uma passagem da

condição generalizada de súditos para cidadãos, implicando na adesão destes ao princípio de

igualdade e por uma maior aceitação do valor das leis a serem seguidas. Assim, destacamos

que no Estado imperial brasileiro, os presidentes de província tinham competências

legalmente adquiridas, legitimadas por um aparato burocrático, de forma a garantir a ordem

social de uma população17.

16 SLEMIAN, Andréa. “Delegados do chefe da nação”: a função dos presidentes de província na formação do

Império do Brasil. Disponível em: http://www.almanack.usp.br/PDFS/6/06_artigo-01.pdf. Acesso em 10 de jun.

2013. 17 PASQUINO, Gianfranco. Modernização. In: BOBBIO, Noberto (org) et all. Dicionário de política. Vol. 1, 11

ed. Brasília: Editora Unb, 2010. P 768.

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1.1 O desenvolvimento do Estado brasileiro: modernização política e disputas por

espaços de poder

Analisando as primeiras décadas do período oitocentista, podemos identificar um

cenário político brasileiro que já sinalizava o desgaste do modelo absolutista. A vinda da

Família Real, a ruptura com o pacto colonial, a Revolução Vintista em Portugal e a difusão

dos preceitos liberais e constitucionalistas são alguns exemplos de acontecimentos que foram

sentidos e apropriados por diversos grupos sociais, transformando a população em

verdadeiros agentes públicos de poder18. Estes acontecimentos resultaram na intensificação

dos debates políticos, que tinham como foco a defesa da representatividade política dos

diversos grupos sociais.

Isso ameaçava a estrutura administrativa da colônia portuguesa (que inviabilizava não

só a unidade territorial, mas também dificultava a centralidade política) e acalentava o clima

de ruptura com a então metrópole, através de movimentos de contestação do domínio de um

sobre o outro e da Independência política do Brasil (pois vários governos das

capitanias/províncias queriam manter seus privilégios, buscando formas de canalizar os seus

interesses). Tal clima de conturbação política demonstrava que o modelo de Estado que se

ancorava nos fundamentos do Antigo Regime não se sustentava mais, dando espaço à

instauração de uma nova estrutura, respaldada nos regimes adotados nas sociedades modernas

e amparada por uma Constituição própria que, ao conferir a legitimidade a este Estado,

deveria abarcar os anseios políticos das diferentes demandas sociais existentes no país, além

de garantir mecanismos legais de controle social que permitissem a preservação da

tranquilidade pública, evitando a possível fragmentação territorial.

A preocupação com tal fragmentação ganhou maior relevância na agenda política de

Portugal e do Brasil, especialmente após os fatos ocorridos em uma realidade muito próxima

ao território da América portuguesa: os movimentos de emancipação política das colônias

espanholas, que resultaram não apenas nos seus sucessos, rompendo com o regime

absolutista, mas também na formação de diversos Estados independentes. A possibilidade de

um desmembramento do Brasil passou a preocupar a Corte Portuguesa, que pretendia manter

seu império luso-americano, assim como as elites políticas residentes nas províncias, que já

possuíam suas bases sólidas de dominação nas antigas características coloniais e nas relações

comerciais com Portugal, e que buscavam manter seus privilégios.

18 GUIMARÃES, Lúcia Maria Paschoal (org.); PRADO, Maria Emília (org.). O liberalismo no Brasil

imperial: origens, conceitos e práticas. Rio de Janeiro: Ed. Revan: UERJ, 2001.

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Entendemos então que o desgarramento do Antigo Regime e do absolutismo foi fruto

da modernidade política19, a qual buscava a criação de uma estrutura administrativa mais

eficiente, que possibilitasse a expansão do poder do Estado aos diferentes sujeitos que ali

viviam, através da formação de uma estrutura administrativa homogênea coesa e com uma

cadeia de poderes hierárquicos bem definidos.

Antes, a sociedade era pensada como um grande corpo com diferentes órgãos e

funções distintas, sem uniformidade nos seus procedimentos, cada um possuindo seus direitos

e deveres específicos, privilégios e leis próprias, as quais definiam sua posição em relação aos

outros e ao Estado. A partir do novo ideário, desenvolveu-se uma nova percepção de homem,

de sociedade e de política. Este homem deixou de ser um sujeito coletivo para ser um sujeito

individual, que não se via mais inserido nos padrões de sociedade estamental, mas sim nas

sociedades contratuais, onde a soberania para conduzi-la pertencia ao povo que se expressava

pelos seus representantes, escolhidos por um sistema de competição20. Neste modelo de

Estado moderno, os indivíduos que ali se encontravam, além de legitimá-lo, eram por ele

regidos através de leis e regulamentos que seguiam o princípio de “trazer o bem-estar

coletivo”.

Somamos a essas transformações a concepção de que a administração moderna

deveria ser amparada em uma burocracia legal, racional e ágil, opondo-se ao modelo

corporativista característico das sociedades absolutistas. A visão de que o rei era quem

conservava a ordem social passou a dar espaço para a intervenção de instituições criadas e

organizadas de modo racional e que garantissem a expansão do poder do Estado nas

diferentes esferas da sociedade, em prol da manutenção da ordem. Para compreendermos o

que seria esta burocratização e a concepção de Estado moderno – que o Brasil se esforçou

para implantar –, lançamos mão de algumas concepções weberianas.

Max Weber nos mostra que o Estado moderno é aquele que tem o monopólio do uso

legítimo da força física, mas que só pode ser utilizado através da aceitação por parte dos

19 Analisando o contexto de independência da América Espanhola, Xavier Guerra fala que o mundo hispânico

passou por uma modernidade política também. Esta modernidade se deu pela ruptura com o Antigo Regime,

permitindo a realização de novas formas de representatividade política e pela criação de inesperadas experiências

vivenciadas pelos homens daquele tempo, construindo novos conceitos, palavras e projetos para o Estado, o qual era calcado na representatividade política popular. Nele, o soberano não é quem lhe dava legitimidade, mas sim a

população, através da escolha de seus representantes (GUERRA, 1992, apud. MÄDER, 2014). 20 É interessante destacar a percepção de absolutismo de Pierangelo Schiera, segundo o qual neste regime

político as autoridades não são soberanas, sem limites de poder ou de atribuições, assim como não é um Estado

juridicamente concretizado, que através deste atua sem limites. O absolutismo se diferencia de forma clara da

tirania, pois o governo possuir limitações, que podem ser de diversas naturezas, como uma lei natural ou divina,

e as leis do seu reino. Assim, elas teriam limites demarcados, especialmente por crenças e valores. O autor

conclui afirmando que, em muitos casos ocidentais, o absolutismo foi uma primeira etapa do Estado Nacional

Moderno, pois contribuiu fundamentalmente para a secularização e racionalização do poder (SCHIERA, 2010).

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dominados. Esta dominação pode se dar por três meios: a tradicional, a carismática e a

dominação em virtude da legalidade. O tipo que prevaleceu no Brasil do século XIX foi esta

última, na qual a legitimidade partia “da fé na validade do estatuto legal e da ‘competência’

funcional, baseada em regras racionalmente criadas”21. Então tínhamos um Estado que

possuía seus próprios mecanismos de controle social, legitimado pelas leis, que regulavam os

aparelhos burocráticos. Esta burocracia seria uma estrutura administrativa que serviria como o

tipo mais puro da dominação legal22. Para que ela se concretizasse, foi necessária a existência

de regras abstratas, que vinculassem o detentor (ou detentores) do poder, o aparelho

administrativo e os dominados. As ordens passaram a ser legítimas à medida que quem as

emitisse não ultrapassasse a ordem jurídica impessoal da qual recebeu seu poder, assim como

a obediência de outros, que também tinham seus limites fixados por essa ordem jurídica. As

relações de autoridade passaram a ser hierarquizadas, onde cada parte tinha suas competências

definidas legalmente e as relações entre pessoa e cargo deviam estar separadas no sentido de

que os empregados não podiam se apoderar do cargo e nem utilizá-lo com fins distintos

daqueles em que foi configurado23.

Analisando a década de 1820 e a trajetória do Estado brasileiro em seus primeiros anos

de constitucionalidade, Andréa Slemia faz algumas considerações importantes. Ela toma

como hipótese a ideia de que a lei foi apropriada pelos legisladores do império como fonte

principal para a criação das bases jurídicas do Brasil, refletindo na valorização do Direito

Público, que se desdobrava em dois principais ramos: o Administrativo, tomado como um

complexo de leis que demarcaria a ação positiva do governo na vida pública; e o

21 WEBER, Max. A política como vocação. In: _________. Ensaios de sociologia. 5º ed. Rio de Janeiro, Ed. Guanabara, 1979. p. 98. 22 Id. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Brasília: Editora Universidade de

Brasília, 2012. 2º Vol. 23 Devemos abrir um parêntese no nosso texto para afirmar que, segundo os estudos feitos por Max Weber, este

seria um “modelo” de Estado moderno ocidental, empreendido por aqueles países que se utilizaram da

dominação legal como base para se constituir. Por isso, não estamos afirmando que no contexto brasileiro isto

transcorreu de forma inalterada e sem desvios. Aqui havia uma configuração social própria e cultura política

específica, com a existência de práticas clientelísticas e patrimonialistas, por exemplo, que subvertiam com esta

lógica weberiana. Imbricada ao Estado, a política é como uma tentativa de participação do poder ou de

influenciá-lo. Nesse sentido, aquele que “pratica” a política clama por poder. Tanto o Estado quanto a política

são formas de dominação de homens sobre homens, porém, para que essa conexão exista, é necessário que os dominados se submetam à autoridade do dominador. Nobert Elias avança em relação a Weber, mas não o anula,

ao defender a ideia de que este monopólio do poder não é efetivo, uma vez que estes indivíduos que teriam tal

monopólio se encontram em uma cadeia de interdependência com outros sujeitos “menores” (ELIAS, 1990). O

Estado não é uma imposição de uma classe ou grupo, que possui o controle das decisões, mas é fruto de embates

entre diferentes interesses diante de uma configuração histórica específica. Sendo assim, o governo imperial e

seus representantes não podem ser vistos como uma mão controladora de indivíduos passivos, mas que as suas

ações estão relacionadas com outros sujeitos, refletindo a inter-relação entre estrutura e indivíduos. Por isso, nos

próximos capítulos desta dissertação analisaremos a relação conflituosa entre a presidência de província e o

juizado de paz.

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Constitucionalismo, que foi incorporado enquanto “direito fundamental” do cidadão. A ação

do Estado sobre os cidadãos foi vista como um meio de prover as necessidades coletivas,

onde as resoluções das questões debatidas entre os agentes públicos não visariam conquistas

de benefícios particulares, mas o atendimento dos “interesses gerais”.

Em um ambiente conturbado como as primeiras décadas do Brasil independente, “o

funcionamento das instituições políticas reforçaria a crença coeva de que o ordenamento geral

da sociedade poderia, de fato, ser mediado pelo poder público”. A organização jurídica

tomava como base a noção do uso permanente da violência como meio necessário para

“controlar os focos de dissidência e garantir a estabilidade do Império”24. Isso levou os

legisladores do novo Estado a assumirem uma postura de valorização das instituições como

justificativa para transformar a ordem vigente, através de medidas que colocassem em prática

um processo de modernização política que possibilitasse a instauração de um novo

ordenamento administrativo, reformulando aquele modelo pelo qual se baseava a colônia

portuguesa.

Mas, durante as décadas de 1820 e 1830, essa modernização no Brasil aconteceu em

conjunto com os anseios das elites políticas das províncias, que tendiam a ampliar os seus

espaços de poder na nova ordem estatal que se desenhava, havendo momentos de maior

centralização política em torno do governo central e outros em que as províncias detinham

maior autonomia para gerirem seus negócios. Para entendermos tal afirmação, devemos

analisar o contexto que precedeu a Constituição de 1824, para então abordarmos a

organização administrativa instituída pela mesma e os futuros acréscimos e modificações

feitas à Carta Constitucional.

1.1.1 As influências da Revolução Vintista na administração brasileira e a importação do

ideal constitucionalista.

No início do século XIX, a América portuguesa estava profundamente marcada pelas

estruturas do Antigo Regime, existindo um verdadeiro mosaico de atribuições e poderes entre

os diversos órgãos administrativos, que geralmente se entrelaçavam e se confundiam25. Estes

poderes se distribuíam em três níveis principais: os vice-reis, os governadores gerais das

capitanias e as Câmaras Municipais. Este modelo de administração abria margem para o

24 SLEMIAN, 2006, p. 31. 25 NEVES, Lúcia Maria Bastos P. Estado e política na independência. In: GRINBERG, Keila; SALLES, Ricardo

(orgs.). O Brasil Imperial: 1808-1831. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009. 1v, p. 96-135.

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fortalecimento das elites econômicas e políticas locais, resultando no que Maria Isaura Pereira

de Queiroz26 chamou de “mandonismo local”. Raymundo Faoro afirma que o esquema

verticalizado da administração colonial, organizado em uma ordem ascendente de poder

(autoridades municipais, os capitães, governadores-gerais e rei), embora apresentasse uma

linha simples hierárquica de poder, “dissimulada e complexa”, era “confuso e tumultuaria a

realidade”27.

O período colonial também foi bastante influenciado pela economia essencialmente

agrária e escravocrata, que somadas com as políticas de doação de terras pela metrópole para

grupos de investidores, favoreceram o surgimento de “verdadeiros chefes locais”28. Estes, por

sua vez, utilizavam-se do seu poder de mando em sua localidade para introduzir

representantes na estrutura administrativa vigente (seja apoiando-os nas eleições de familiares

e apadrinhados ou tecendo redes de sociabilidades com as elites políticas já constituídas),

principalmente nas Câmaras Municipais – que, diferentemente do Império, neste momento

elas tinham grandes poderes de interferência nos negócios públicos.

As Câmaras só existiam nas localidades que possuíam categoria de “Vila”, concedida

por ato régio. A sua estrutura foi transplantada do modelo português, quando primeiramente

era orientada pelas Ordenações Manuelinas e, mais tarde, pelas Ordenações Filipinas. A

composição das Câmaras era feita pelos juízes ordinários (ou juízes de fora, se houvesse), três

vereadores e outros postos (como procuradores, tesoureiros e escrivães), sendo que todos

estes funcionários eram investidos por eleição. Eles tinham poderes de nomear outros

funcionários públicos, como os juízes de vintena, almotacés, depositários, quadrilheiros e

outros29.

Os cargos oficiais, em especial os vereadores e juízes, tinham suas atribuições de

ordem local, que se misturavam e se confundiam com as de natureza executiva, legislativa e

judiciária, ou seja, não havia uma separação bem definida entre os poderes. As Câmaras

exerciam atribuições normativas, como a elaboração de posturas e editais, a fim de controle

social, e o tratamento das benfeitorias locais (como construções de calçadas, pontes e outras

obras públicas). Para tais tarefas, as Câmaras tinham rendas próprias ou recorriam para

contribuições especiais destinadas a obras determinadas30.

26 QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. O mandonismo local na vida política brasileira e outros ensaios. 1º ed.

São Paulo: Editora Alfa-Ômega. 1976. 27 FAORO, 2001. 28 QUEIROZ, 1976, p. 39. 29 LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil. 5º ed.

São Paulo: Editora Alfa-Ômega. 1986. 30 Ibid.

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A capacidade de interferência nos assuntos do Estado era tão expressiva que chegavam

a modificar as próprias leis da colônia de acordo com os seus interesses particulares. Além

disso, esses poderes locais estavam sujeitos aos vice-reis apenas no que tocava à política

geral, prestando obediência direta aos secretários de Estado em Lisboa, o que lhes garantia

uma atuação mais autônoma31.

Embora houvesse uma hierarquia entre os níveis administrativos, as elites políticas

locais acabavam por burlá-la, tendo uma grande autonomia em gerir os assuntos de sua

competência em relação aos demais. Esta realidade de sociedade corporativa dificultava a

formação de uma estrutura burocrática homogênea que integrasse os diferentes níveis

políticos e administrativos existentes no Brasil, indo de encontro ao novo modelo que se

tentava construir no século XIX. Neste modelo, a concepção de administração se baseava na

divisão racional e adequada das funções públicas, a fim de transformar o aparelho burocrático

do Estado em um instrumento ativo. Foi com a instalação da Corte no Rio de Janeiro que se

iniciou uma ação legislativa mais forte para superar tal quadro.

Destaca-se também na administração colonial o cargo de governador-geral (também

chamado de vice-rei). Faoro aponta este cargo como o principal elo entre a metrópole e a

colônia, onde o governador tinha “poderes escritos de grande profundidade e alcance, embora

não logr[ass]e subjugar as capitanias e os focos de autoridade local, as câmaras, em comando

vertical e completo”. Contudo, as funções do governador-geral, “de caráter militar na sua

expressão essencial” 32, adentravam em todos os setores, regulando a economia e a

administração nos seus mínimos detalhes. Porém, além das atribuições militares, eles tinham

funções civis, que lhes proporcionavam destaque naquela sociedade. Para que eles exercessem

suas governanças, adquiriam títulos de capitão-mor e governador: o primeiro lhes garantia

status de representantes do poder real e supremo nas atividades militares do Brasil; e o

segundo título exibia o seu caráter civil dentro de uma administração formal.

Em 1808, a Família Real e toda a comitiva que a acompanhava desembarcaram nos

portos brasileiros. A partir deste momento, intensificou-se o processo de centralização

política, a fim de conferir uma maior organização administrativa e a hierarquização entre as

esferas de poder. Não houve alterações imediatas na concepção dos poderes já existentes nos

Setecentos, contudo, os desdobramentos políticos foram bastante relevantes, uma vez que a

região Centro-Sul se transformou no local do poder real português, e isso significava dizer

que:

31 SLEMIAN, 2006. 32 FAORO, 1986, p. 214.

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se alternava a forma como o Brasil estava inserido na dinâmica imperial, pois que as

rotas políticas, econômicas e mesmo simbólicas que anteriormente ligavam as partes do Império a Lisboa passaram a convergir para a urbe carioca, onde entrou em

funcionamento uma série de órgão antes inexistentes. Novas sobreposições de

funções e cargos, sobretudo na nova sede de poder, informariam a ação

administrativa ainda carregada de marcas do Antigo Regime33.

Desta forma, as partes do território, que antes gozavam de um forte senso de

autonomia, viram-se inseridas em uma nova relação de hierarquia, tendo como centro

administrativo o Rio de Janeiro. Esta medida foi uma das estratégias adotadas para viabilizar a

unidade territorial. Todas as regiões deveriam se constituir enquanto partes integrantes do

Império, em condições de igualdade social e política, o que era um dos maiores entraves

herdados pelo sistema colonial. Para isso, afirma Lucia Maria Bastos, a monarquia passou a se

preocupar em fornecer um corpo político melhor organizado, substituindo o despotismo dos

capitães gerais e os desmandos das Câmaras Municipais. Assim, a centralização

governamental, a partir do Rio de Janeiro, levou a um declínio da autonomia local. Como

resultado:

em alguns momentos de tensão do jogo político, as diversas províncias, que

compunham esse imenso território do Brasil, adotaram posturas que evidenciaram um conflito entre o centralismo da corte fluminense e o seu desejo de um

autogoverno provincial. Acabaram, por muitas vezes, por ter que escolher entre

Lisboa e o Rio de Janeiro, como aconteceu quando da eclosão do movimento

constitucionalista português e, posterior, quando das guerras de independência34.

Com a centralização do poder e a imposição de uma unidade no país, algumas

capitanias passaram a enxergar o surgimento de uma nova metrópole nas terras brasileiras,

com meios mais efetivos de interferência na dinâmica dos poderes locais e regionais. Mesmo

após a elevação da categoria do Brasil a Reino, a sensação de retorno ao pacto colonial pelas

capitanias levou ao surgimento de movimentos revolucionários, como em Pernambuco, em

1817 – que tinha tendência republicana, contando com o apoio de outras capitanias como

Alagoas, Paraíba e Rio Grande do Norte35. Isto nos mostra que, mesmo rompendo com o

pacto colonial, a chegada da Família Real não garantiu a integração entre as diferentes partes

do país36. Mas foi com a Revolução Liberal do Porto (ou Revolução Vintista) que ocorreram

33 Ibid., 2006, p. 45. 34 NEVES, 2009, p. 110. 35 COSTA E SILVA, ALBERTO. As marcas do período. In: GRINBERG, Keila; SALLES, Ricardo (orgs.). O

Brasil Imperial: 1808-1831. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009. 1v. 36 Richard Graham (2001) chama atenção para o fato de ser comum a leitura equivocada deste período. Ao

analisarmos tais acontecimentos, com o fim das relações entre o país e Portugal, poderíamos incorrer em erro ao

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mudanças substanciais na política brasileira, pois não se resumiriam apenas às transformações

administrativas, mas também a um intenso aprendizado político que afetou a cultura política

do país.

Iniciada em 1820, na cidade do Porto, o Vintismo foi um movimento lusitano gerido

pela insatisfação de diversos setores sociais, por causa do novo reordenamento político do

Império português e das transformações políticas feitas por Dom João VI no Brasil, que

rompia com o seu monopólio comercial sobre a sua ex-colônia. Os participantes desta

revolução reivindicavam o retorno do Imperador às terras europeias, assumindo um governo

pautado em uma Constituição, assim como já havia ocorrido na Inglaterra e na França. Esta

medida era entendida como um sinônimo da conquista dos direitos individuais dos cidadãos,

pois tal Constituição deveria ser elaborada a partir das Cortes, órgãos legislativos que teria a

finalidade de debater os artigos que lhe dariam forma, incorporando os anseios políticos dos

portugueses e representando uma limitação no poder do monarca absolutista. Esses

pressupostos afetaram o Brasil, pois deram margem para “o advento de um grande número de

projetos e leis que pretendiam reformular a organização imperial, e que colocaria o rei a

reboque de sua centralidade legislativa”37, sendo conveniente para aqueles brasileiros que se

sentiram retaliados com as mudanças administrativas desse momento.

Nesse quadro político, as já então chamadas “províncias” passaram a apoiar, conforme

os seus interesses, diferentes centros de poder: as Cortes Lisboetas ou a Corte bragantina no

Rio de Janeiro. As províncias da região Centro-Sul, por exemplo, eram contrárias ao retorno

de Dom João para Portugal, pois viam nisso um meio não só de reestabelecer o pacto colonial

no Brasil com as terras lusitanas, mas a inviabilização da unidade nacional e da criação de

uma monarquia. Ao contrário destas, as províncias do Nordeste (como foi o caso do

Maranhão, Bahia e Pará) estreitaram seus laços com Lisboa, considerando o movimento

revolucionário vintista um meio de manutenção dos seus interesses e de atendimento das suas

reivindicações, como aquelas de anular os excessos cometidos pela Corte bragantina.

Ana Lívia Aguiar destaca o caso do Maranhão, onde os habitantes se alinharam ao

Império português, devido à transferência da Corte para o Brasil, que havia desestruturado a

economia provincial, pois tiveram uma sobrecarga nos tributos.

afirmarmos que “o Brasil já existia enquanto nação”, ou seja, enquanto unidade territorial, política, social e

cultural, onde um grupo de pessoas se unia por laços naturais. Neste momento, não importando que algumas

regiões reivindicassem a separação com Lisboa, existiam outras que não viam com bons olhos o governo do Rio

de Janeiro. Isto só foi possível com a constituição de um Estado monárquico, que se baseava no uso racional de

suas forças (seus agentes e instituições) para combater os distúrbios sociais e conflitos entre as elites políticas. 37 SLEMIAN, 2006.

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Um destes impostos, a siza, foi criada pelo alvará de 3 de junho de 1809. No

Maranhão, os cidadãos e a deputação nas Cortes lutam pela extinção deste tributo,

que incidia sobre os bens de raiz-escravos, casas/prédios e testamentos, sendo

recorrentes as reclamações nas documentações transcritas38.

Dentro dessa situação, as Cortes portuguesas serviram também com um espaço de

representação dos interesses daquelas províncias, contrárias ao movimento centralizador

tomado pelo Rio de Janeiro. Eram vários os pedidos, reclamações, elogios e moções de

repúdio que saíram das terras maranhenses para Portugal. Um dos exemplos destacados por

Ana Lívia foi a carta remetida às Cortes por Miguel José Nogueira Guimarães, opositor do

governador da província Pinto da Fonseca. Ele, além de denunciar as práticas de corrupção

entre os funcionários públicos e a postura despótica do governador, que fazia perseguições

políticas àqueles contrários às suas “imposições”, queixava-se das injustiças acometidas pelos

impostos sobre os “prédios urbanos, da décima dos bens e da siza aplicada na venda de

escravos”, o que, segundo o próprio Miguel Nogueira, era injusto pagar tais tributos em uma

“época de geral penúria e estagnação dos negócios em que a máquina do Estado chega a sua

total decadência”39.

Em 1821, quando o Brasil já tinha adquirido o estatuto de Reino (em 1815), as Cortes

Constituintes tentavam organizá-lo sob um novo regime, visando controlar a atuação do então

regente Dom Pedro I, regulamentando os governos das províncias e aperfeiçoando a

administração brasileira. Assim, foram criadas as Juntas Provisórias, órgãos que seriam

acomodados nas capitais de cada província, substituindo os capitães gerais. As Juntas eram

compostas por cinco ou sete membros, elegíveis em suas localidades, mas sujeitos às ordens

portuguesas. Em suas competências tinham autoridade e jurisdição na parte civil, econômica,

administrativa e de polícia, e os magistrados e autoridades civis ficavam subordinados às

mesmas Juntas.

Algumas províncias aderiram à relação de centralização, como foi o caso daquelas que

eram contrárias ao fortalecimento do governo estabelecido no Rio de Janeiro. O Pará deu o

pontapé inicial com a criação da Junta Provisória de Belém (1º de janeiro de 1821), logo

seguido pela Bahia (10 de fevereiro de 1821). As elites locais faziam parte dessa instituição,

tendo ampla autonomia nos negócios internos, transformando seus governos em “pequenas

pátrias”40 devido à grande influência da administração local nos assuntos de níveis

38 SENA, Ana Lívia Aguiar de. As cortes gerais e extraordinárias da nação portuguesa: espaço do cidadão

maranhense na resolução de suas querelas. Disponível em: http://www.outrostempos.uema.br/anais/pdf/sena.pdf.

Acesso em 25 de out. 2014, p. 5. 39 Ibid., p. 8. 40 NEVES, 2009.

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provinciais. Na época, essas adesões chegaram a constranger o próprio Dom João VI, que se

viu obrigado a ceder às imposições das Cortes Constituintes.

Mesmo tendo províncias que as apoiavam, as Juntas intensificaram o clima de tensão e

instabilidade política. Dom Pedro I, partilhando a ideia de um Império luso-brasileiro, se

aproximou da facção mais conservadora e experiente da elite brasileira, formada por sujeitos

que tinham, em sua maioria, cursado o nível superior em Coimbra e exercido funções

administrativas41. Muitos ficaram ao lado do futuro Imperador, tendo em vista que, mesmo

com caráter eletivo, as Juntas eram representadas como uma forma de submissão do Brasil às

vontades de Portugal, vinculando os governos das províncias diretamente a Lisboa, que

entrava em choque com o discurso de defesa da condição de Reino do Brasil, pois retirava a

autonomia e a autoridade de príncipe regente. Além disso, alguns membros dessas elites viam

seus interesses pessoais ameaçados, levando-os a contestar a própria legitimidade das

Cortes42.

Um fator importante, que se somou às contestações contra Portugal, foi a propagação

das noções de liberalismo e constitucionalidade pela própria revolução Vintista. Isso marcou

profundamente o percurso político do país, por causa do grau de politização proporcionado à

sua sociedade, que passou a defender novos valores e ideais para o Estado brasileiro.

Destacamos aqui a participação da imprensa, que foi um poderoso instrumento político, onde

ocorriam embates e defesa de interesses de grupos, assim como críticas às autoridades,

mobilizando opiniões da população e incentivando ideias de projetos de construção de uma

realidade constitucional e derrocada do absolutismo, em especial após a revolução de 1820.

Sobre isso, Andréa Slemian informa que:

uma das consequências do juramento da Constituição realizada na sede da Corte em

26 de fevereiro de 1821 foi a suspensão de censura prévia que existia para todos os

escritos do Império. Em Portugal, o movimento revolucionário já havia declarado a

liberdade de imprensa em setembro de 1820, mas os limites e a extensão dessa

liberdade ainda seriam muito discutidos nas Cortes. O fato é que a medida

representava uma grande novidade, pois ainda era a Imprensa Régia que controlava a publicação de quase todos os impressos, apesar das mudanças já produzidas na

circulação de notícias desde a vinda da Família Real para o Brasil em 180843.

41 CARVALHO, 2008. 42 Houve, por parte de algumas capitanias, interesses em aderir às Juntas de Governo e à Revolução Vintista,

como foi o caso do Pará e da Bahia. Elas viam a oportunidade de ter novamente o seu antigo crescimento

econômico, afetado pelas imposições comerciais inglesas. Assim, aqueles que defendiam a revolução eram

comumente identificados como o discurso de “modernização constitucional”, enquanto os que eram contra foram

classificados como “absolutistas” e “retrógrados”. 43 Andréa; PIMENTA, João Paulo G. O “nascimento político” do Brasil: as origens do Estado e da nação

(1808-1825). Rio de Janeiro: DP$&A, 2003, p. 68-69.

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Após sua expansão, a imprensa proporcionou maiores discussões políticas no Brasil,

pois, ao possuir um papel “pedagógico”, ela educou a sociedade a exercer o jogo político do

Estado e da nação moderna. Uma importante medida tomada ainda no governo de Dom João

VI no território americano foi a criação da Imprensa Régia, em 1808. Ela tinha como

finalidade imprimir e tornar pública as leis, decretos e demais decisões oficiais tomadas pelo

governo como forma de viabilizar seus cumprimentos, assim como, em um sentido mais

simbólico, instituir a presença do monarca no cotidiano da sociedade. Mas, para além destas

intenções, a Imprensa Régia colaborou para que a população ficasse familiarizada com o

universo político, aprendendo o seu linguajar, os trâmites legais, os assuntos tratados e

ressignificando ideias contidas nos impressos.

Com a suspensão da censura prévia dos escritos impressos, em 1821, esse aprendizado

ganhou maior fôlego e se intensificou, pois a imprensa passou a colocar no papel amplos

debates públicos sobre assuntos políticos. Dessa forma:

o espaço da imprensa passava a ser, mais do que nunca, um instrumento poderoso de

embate e defesa de interesses de grupos ou províncias, de críticas às autoridades

instituídas, de mobilização das opiniões da população, de difusão de projetos

alternativos na construção de uma nova realidade constitucional após a derrocada do Absolutismo44.

Nesse momento ocorreu na imprensa a identificação das ideias liberais com a

revolução do Porto, relacionando a palavra “despotismo” com “absolutismo” e elogios feitos à

constitucionalidade. Esse liberalismo foi incorporado principalmente por uma elite intelectual

e política, a qual se identificava com a defesa da formação de um grande Império, mas

combatendo o absolutismo em prol de uma monarquia constitucional, em que o rei

representava toda a nação e garantia à unidade territorial.

Mas essas ideias não ficaram circunscritas a um grupo restrito. Houve outras

literaturas que eram mais acessíveis para aquelas camadas populares, como folhetos e

panfletos políticos.

Essas obras faziam chegar notícias e informações a uma plateia mais ampla, gerando

um clima febril em diversas províncias, como Pará, Maranhão, Pernambuco e São

Paulo, regiões em que, posteriormente, se instalaram oficinas impressoras,

aumentando ainda mais a circulação desses inscritos45.

A dinâmica de circulação de escritos políticos proporcionou a difusão dos ideais

defendidos pela revolução, como o liberalismo e o constitucionalismo, sendo apropriados pela

44 Idem. 45 NEVES, 2009, p. 118.

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população brasileira para definir uma nova cultura política. O constitucionalismo, por

exemplo, criou expectativas de transformação da ordem política e social, superando os traços

absolutistas presentes, abrindo espaço para a instalação de um governo que representasse a

sociedade civil.

Para Nicola Matteucci, “o absolutismo, em qualquer das suas formas, prevê a

concentração do exercício do poder; o Constitucionalismo, pelo contrário, prevê que esse

exercício seja partilhado”. Complementando a sua ideia, ele afirma que “a definição mais

conhecida de Constitucionalismo é a que o identifica com a divisão do poder ou, de acordo

com a formulação jurídica, com a separação dos poderes”. Se transplantarmos essa percepção

para a realidade política dos anos pré-constitucionais, significa dizer que aqueles que

defendiam a adoção de um Estado constitucional buscavam o rompimento com os modelos de

governo despótico em prol de uma organização de Estado com poderes racionalmente

divididos, no qual o seu exercício ganharia legitimidade pela via legal, estando subordinado às

necessidades coletivas, como a manutenção dos “direitos fundamentais do indivíduo, ou seja,

a liberdade pessoal, a liberdade de imprensa, a liberdade religiosa e, finalmente, a

inviolabilidade da propriedade privada” 46.

Quanto aos preceitos liberais difundidos, Maria Odila da Silva Dias47 identifica o

desenvolvimento de duas correntes na primeira metade do século XIX. A primeira geração

coincidiu com o momento da Independência48 e com o modelo de governo configurado pela

Carta de 1824, sendo apropriado por uma minoria culta e letrada, a qual era inspirada nas

ideias de despotismo ilustrado do século XVII e que desejava modernizar o país sem

comprometer as características sociais e econômicas (como o escravismo e a economia

baseada no modelo agroexportador). Já a segunda se identificou com as reformas da década

de 1830, defendendo o modelo norte-americano, o federalismo, porém contra o seu teor

democrático, sem englobar todos os setores sociais e em nome das oligarquias dominantes.

Essas duas visões de liberalismo não se sucederam, mas se confrontaram durante todo este

período.

46 MATTEUCCI, Nicola. Constitucionalismo. In: BOBBIO, Noberto (org) et all. Dicionário de política. Vol. 1,

11 ed. Brasília: Editora Unb, 2010. p 248. 47 DIAS, Maria Odila Leite da Silva. A interiorização da metrópole e outros estudos. São Paulo: Alameda,

2005. 48 Segundo Lucia Maria Bastos, o processo de independência do Brasil deve ser inserido dentro do contexto do

século XVIII, período do “desmoronamento do Antigo Regime na Península Ibérica, ou seja, um processo único

que possibilitou o advento da modernidade nas monarquias do Antigo Regime”. Diferentemente do que

aconteceu com as colônias espanholas, as instituições brasileiras assumiram características modernas, mas

conviviam “paradoxalmente com outras, como a escravidão e exclusão social” (2009, p. 92).

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Movido por esses dois preceitos, os legisladores do Império reafirmavam a questão da

representatividade política, principalmente após a independência do Brasil, vindo à tona a

necessidade de elaborar uma estrutura político-administrativa, moldada necessariamente em

torno de um conjunto de leis próprias, algo até então não existente, uma vez que o Brasil era

regido pelas legislações portuguesas, em especial as Ordenações Filipinas.

1.1.2 A Constituição de 1824 e suas adequações para um desenho institucional final

No ano de 1822, pelo decreto de 3 de junho, Dom Pedro I convocou todas as

províncias a enviarem seus deputados representantes para que fossem discutidos os artigos

que deveriam compor aquela que seria a primeira Constituição brasileira. Em 3 de maio de

1823, deram-se início aos trabalhos da Assembleia Constituinte, sendo consenso na maior

parte dos grupos políticos a adoção de uma monarquia constitucional, pois este modelo seria

capaz de racionalizar a administração pública, manter a ordem social e a unidade do

Império49. Mas também as sessões representaram um esforço do governo central em

acomodar os diversos desejos das diferentes regiões por participação política50. Porém, surgiu

um impasse que já se encontrava nas reuniões das Cortes de Lisboa: como contemplar os

diversos interesses das Províncias numa ordem constitucional? Como criar um espaço de

representatividade política, dando relativa autonomia para as Províncias e embarcando

interesses distintos? De que forma poderia o governo central equacionar e balancear os

poderes políticos (executivo, judiciário, legislativo e moderador) e garantir a

representatividade dos cidadãos (e, por conseguinte, as forças políticas locais) frente ao

governo central?

Através da Assembleia Constituinte de 1823, entrou em pauta a extinção das Juntas

Provisórias, o que viria ocorrer, mas com a substituição das mesmas pelo cargo de presidente,

49 Como bem destacado por Richard Graham, “os reis ofereciam legitimidade”. É com esta afirmação que o autor

analisa a ligação dos homens ricos das províncias com a monarquia. Esses homens tinham seu poder sustentado

pelos recursos econômicos, nas alianças políticas ou na força coercitiva. Mas, para que fossem aceitas as suas

autoridades pelos seus seguidores, eles tinham que estar legitimados. O rei, por ter uma figura “paternalista” em

seu status simbólico, era um personagem estratégico neste sentido. Desta forma, era bom que o rei se tornasse uma figura fortalecida, uma vez que a “a legitimação imperial e a efetivada autoridade do monarca serviam aos

líderes locais melhor do que poderiam fazer qualquer república fragmentada. Portanto, suas ações tiveram tanto

uma proposta social (controlar as classes inferiores), quanto uma proposta política. O governo central não foi

imposto às pessoas influentes, ou até mesmo ‘vendido’ a eles. Eles a escolheram” (GRAHAM, 2001, p. 17). 50 É consenso na historiografia que a Independência não foi resultante de uma concordância entre os diferentes

interesses existentes naquele momento. Isto fez com que o governo central levasse em consideração essas

diversas demandas políticas e econômicas para reduzir as forças contrárias à sua administração. Como exemplo,

demonstra Maria de Fátima Silva Gouvêa, ele garantiu a permanência de algumas estruturas coloniais, como o

escravismo e a valorização da economia agroexportadora, na Constituição de 1824 (GOLVÊA, 2008).

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a partir da Lei de 20 de outubro de 1823, permanecendo após a oficialização da Constituição.

Esses presidentes também teriam as províncias como lócus administrativo e as pessoas que

fossem nomeadas tinham que assumir um discurso de defesa dos interesses da nação e do

Imperador. Por ser a maior autoridade do poder executivo nas províncias, os presidentes

seriam escolhidos exclusivamente pelo governo central, podendo ser destituídos pelo mesmo,

conforme já dito anteriormente.

Em 1824 tivemos a outorga da primeira Constituição do Brasil, que passou a regular a

distribuição racional de direitos e deveres, objetivando uma maior agilidade e eficácia

administrativa, através de estatutos legais e da competência legítima, baseada em regras

racionalmente criadas. Apresentando um forte teor liberal, influenciado e combinando ideias

da Constituição espanhola e francesa51, esse conjunto de leis brasileiras passou a ser o alicerce

da estruturação da administração imperial, do seu funcionamento e da legitimidade de seu

poder frente à população. Logo em seu primeiro Título, ficou firmado que o Brasil passaria a

ser um Império governado por uma monarquia hereditária, constitucional e representativa,

através de um monarca e uma estrutura bicameral – as instituições representantes da nação

seriam o próprio Imperador e a Assembleia Geral (constituída pela Câmara dos Deputados e

pelo Senado). O Estado reafirmou a sua independência e manteve a divisão do território em

províncias, as quais poderiam ser subdivididas como fosse conveniente ao bem do país, e

possuindo instituições que permitissem a acomodação de interesses das elites provinciais.

Mirian Dolhnikoff destaca as influências francesas e inglesas na Constituição52. O

Senado vitalício, por exemplo, foi uma característica incorporada da Câmara dos Lordes da

Inglaterra e da Câmara dos Pares. Mas, diferente destas, o senado brasileiro tinha um caráter

mais “democrático”, pois a nomeação dos senadores partia de uma lista tríplice, produzida a

partir de eleições nas províncias. Assim, a escolha do imperador não era tão livre. Outro ponto

diferencial era que não se podia alterar o número de senadores, pois este respeitava as regras

impostas pela Carta de 1824 (que dizia que o número deveria ser a metade do total de

integrantes das Câmaras dos deputados).

Sobre os indivíduos que aqui se encontravam, parte deles deixou de ser súdito,

adquirindo status de cidadão, conforme os requisitos do artigo 6º53. No que diz respeito à

51 GRINBERG, Keila. Constituição. In: VAINFAS, Ronaldo (org.). Dicionário do Brasil imperial. Rio de

Janeiro: Objetiva, 2008, p. 170-171. 52 DOLHNIKOFF, Miriam. Representação política no Império. Disponível em:

http://www.snh2011.anpuh.org/resources/anais/14/1300648001_ARQUIVO_OgovernorepresentativonoBrasildo

seculoXIX.pdf. Acesso em 10 de dez. 2011. 53 Eram considerados cidadãos aqueles que nascessem no Brasil, quer fossem ingênuos ou libertos, ainda que o

pai fosse estrangeiro, uma vez que este não residisse por serviço em sua nação; os filhos de pai brasileiro e os

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concepção de “cidadania”, a Constituição também absorveu traços do modelo francês,

estabelecendo os cidadãos ativos (que tinham direitos ao voto) e os passivos. Além disso,

incorporou o modelo de eleição em duas fases: na primeira, os votantes54 escolhiam os

eleitores55 e, na segunda, estes elegiam os deputados. Vemos que a igualdade de direitos não

se estendia a todos os cidadãos, pois estes foram diferenciados a partir de direitos políticos

por meio de critérios censitários, ou seja, só possuíam acesso a todos os direitos apenas quem

tivesse renda suficiente para participar diretamente da eleição.

Em relação ao escravismo, a instituição foi mantida, não tendo nenhum artigo que

sinalizasse para o fim da mesma. No Título 8º, que trata das disposições gerais das garantias

dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros, não foram mencionadas as palavras

“escravo” ou “escravidão”, havendo apenas a abolição dos açoites, da tortura à marca de ferro

quente e todas as demais penas cruéis. Segundo Hebe Maria Mattos, o conceito de cidadania

implantado aqui não teve a pretensão de englobar aqueles acometidos pela escravidão, pois

eram tidos como propriedades, fazendo parte de um patrimônio particular. Para muitos

deputados, a preservação dessa instituição era necessária, visto que a economia neste

momento era pautada principalmente pela monocultura e extração de recursos naturais a partir

desta mão de obra56.

Uma das suas principais características liberais foi a instituição de quatro esferas de

poderes assimétricos57 e independentes: Poder Legislativo (composto por senadores,

deputados gerais e provinciais), Poder Executivo (chefiado pelo Imperador e representado

pelos seus ministros e pelos presidentes de província), Poder Judiciário (representado pelos

magistrados e pelos tribunais de justiça) e Poder Moderador (exclusivo do Imperador).

Entendemos que a instituição destes quatro poderes independentes, mesmo que três deles

ilegítimos de mãe brasileira, nascidos em país estrangeiro, que viessem estabelecer domicílio no Império; os

filhos de pai brasileiro que estivessem em país estrangeiro a serviço do Império, embora eles não viessem a

estabelecer domicílio no Brasil; todos os nascidos em Portugal e suas possessões, que sendo já residentes no

Brasil na época em que se proclamou a Independência das províncias onde habitavam, aderissem a esta expressa,

ou tacitamente pela continuação da sua residência; e os estrangeiros naturalizados, qualquer que fosse a sua

religião (BRASIL, 1824). 54 Aqueles que não tinham renda líquida anual de cem mil réis por bens de raiz, indústria, comércio ou emprego

não tinham a capacidade de voto nas eleições primárias. 55 Os que tinham renda anual de quatrocentos mil réis de renda líquida por bens de raiz, indústria, comércio ou emprego poderiam ser eleitores. 56 MATTOS, Hebe Maria. Escravidão e Cidadania no Brasil Monárquico. 2ª Ed., Rio de Janeiro: Jorge Zahar

Editora, 2004. 57 Em O gigante e o espelho, Ilmar Rohloff Mattos destaca a hierarquia entre os poderes como forma de

preservação da ordem. Adotada pela Constituição de 1824, “o poder moderador era tido como a chave da

organização política, assim como na atribuição ao poder executivo – do qual o imperador era o chefe, exercendo-

o por seus ministros – de papel fundamental na construção de um poder forte e centralizado” (MATTOS, 2009,

p. 24).

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coexistissem com o Poder Moderador, o qual se sobrepunha aos demais58, foi uma

preocupação em racionalizar a ação estatal, resultando na definição das especificidades de

cada poder e da sua área de atuação, conferindo-lhes ainda maior agilidade e eficácia nas suas

ações administrativas. O mesmo acontecia com as criações constantes de freguesias, Câmaras

Municipais e divisões judiciárias, que possuíam seus quadros de funcionários e políticos

específicos, e auxiliavam na expansão do Estado, tornando-se mais presente nas Províncias e

nos Municípios. Além disso, propiciaram a criação de leis que ordenassem o cotidiano das

pessoas (tais como os Códigos de Postura, por exemplo) e as políticas de controle social.

Portanto, a burocratização do Estado foi um dos caminhos adotados para expandir o seu

poder.

Com a existência de diversas reivindicações de grupos políticos espalhados pelo Brasil

naquele momento, na Constituição de 1824 houve um esforço em considerá-las, evitando o

fortalecimento de forças centrífugas. A partir de então, foram criadas diferentes instituições

que possibilitaram a participação política das elites locais e provinciais, como, por exemplo, o

Conselho Geral de Província, a Assembleia Provincial e o Conselho Presidial. Além disso,

houve a elaboração dos códigos liberais (em destaque para a Lei de 15 de outubro de 1827,

que criou o cargo de juiz de paz, já previsto na Constituição, o Código de Processo Criminal

de 1832 e o Ato Adicional de 1834), que ampliariam gradativamente os canais de

representação política das províncias e de seus cidadãos.

Os Conselhos Gerais de Província foram criados pela Constituição de 1824, contudo

só foram instalados e regimentados a partir da lei de 1º de outubro de 1828. Estes órgãos

representavam o poder legislativo local, sendo um espaço de garantia da participação dos

cidadãos nos negócios públicos através de seus conselheiros. Eles funcionariam nas capitais

das províncias, trabalhando juntamente com os presidentes de província, dando-lhes suporte

em sua administração, e tinham como objetivos propor, discutir e deliberar sobre os negócios

pertinentes à província, formando projetos para solucionar/melhorar uma causa específica. Os

Conselhos eram compostos por membros eletivos e não permanentes, que se reuniam duas

vezes por ano, entretanto esta convocação poderia ser alterada caso os governantes julgassem

necessário.

Outra instituição representante dos interesses políticos provinciais e que atuava

juntamente com os presidentes de província era o Conselho Presidial (ou Conselho de

58 Art. 98 - O Poder Moderador é a chave de toda a organização política. Ele é delegado privativamente ao

Imperador, como Chefe Supremo da Nação, e ao seu Primeiro Representante, para que incessantemente vele pela

manutenção da Independência, equilíbrio e harmonia dos demais poderes políticos.

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Presidência). O Conselho foi criado pela Lei de 20 de outubro de 1823, ainda na Assembleia

Constituinte, a partir de um projeto proposto pelo deputado Antônio Carlos de Andrada

Machado. O legislador defendia tal instituição sob um discurso que se baseava nos princípios

de racionalização do governo; de organização da administração em nível regional, atendendo

assim ao “clamor dos povos”; do estado de anarquia das províncias, devido às administrações

das Juntas Provisórias; e do combate ao despotismo59. Essas duas instituições duraram até a

aprovação do Ato Adicional, quando foram criadas as Assembleias Provinciais.

Antes de darmos continuidade à análise da modernização do país, devemos destacar

que na Assembleia Constituinte já aparecia nos debates das sessões, seja para criticá-lo ou

para defendê-lo, o conceito de federalismo enquanto princípio político que deveria nortear a

criação das instituições representativas dos cidadãos. O federalismo defendia a autonomia

provincial e a participação política das elites regionais no governo central, com a finalidade de

ampliar seus papeis políticos na Corte. Contudo, a autonomia provincial não era

necessariamente contrária à permanência de um monarca no poder, pois defendia a

coexistência dessas duas esferas de poderes autônomos nos assuntos que lhes competiam60.

Porém, rondava nos discursos dos deputados que esse modelo de governo “envolvia a

ideia de que as províncias poderiam sufragar, ou não, o pacto firmado na Assembleia

Constituinte”61, mesmo que ambos os grupos reconhecessem a possibilidade da

compatibilidade entre a federação e a monarquia. O principal interesse dos federalistas era,

fundamentalmente, assegurar a descentralização política em prol da autonomia das províncias

e frente ao governo central nos assuntos que envolvia a sua região. Um desses defensores

desse modelo foi o deputado paulista Nicolau Pereira de Campos Vergueiro, que na sessão de

18 de setembro de 1823 afirmou que:

Cada cidadão é independente para tratar dos seus interesses, salvas as relações que o

unem com a sociedade. E porque não havemos de conceder a mesma independência

aos municípios e províncias? Assim como cada um é independente para prover em

seus interesses, sem oposição ao interesse geral, muitos reunidos devem ter a mesma

independência circunscrita do mesmo modo e sempre subordinada à inspeção geral

do governo, a quem compete vigiar sobre os interesses particulares, porque da sua

soma resulta o interesse geral, que lhe toca promover62.

59 FERNANDES, Renata Silva. A organização dos governos das províncias do Império do Brasil: o

Conselho da Presidência e o Conselho Geral de Província (1823-1834). Disponível em:

http://www.snh2013.anpuh.org/resources/anais/27/1371243416_ARQUIVO_ArtigoCompletoANPUH.pdf.

Acesso em 10 de abr. 2014. 60 DOLHNIKOFF, 2005. 61 COSER, Ivo. O debate entre centralizadores e federalistas no século XIX: a trama dos conceitos.

Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbcsoc/v26n76/11.pdf. Acesso em 12 de abr. de 2011, p. 193. 62 VERGUEIROS, 1823, apud. COSER, 2011, p. 193.

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Após a Carta Constitucional, o governo central refletiu a sua tendência centralizadora,

mesmo criando instituições que ampliassem a ação política das elites nas províncias. Isso fez

com que os deputados legisladores continuassem a defender a produção de novas

regulamentações e leis que viabilizassem um ordenamento institucional, a fim de garantir

maior atuação do Estado no ordenamento social, porém que coincidissem com suas

necessidades.

Algumas alterações e acréscimos foram feitos na Constituição, com a pretensão de

estabelecer melhor a relação de poder entre os níveis administrativos (central, provincial e

municipal) e garantir uma cadeia hierárquica entre os mesmos. Uma das alterações mais

importantes que afetou de maneira significativa os poderes locais foi a Lei de 1º de outubro de

1828, que tinha por finalidade dar nova forma às Câmaras Municipais, marcando as suas

atribuições. Segundo o artigo 24, as Câmaras se tornaram corporações meramente

administrativas, não podendo exercer nenhuma jurisdição contenciosa. Em fins práticos, o

poder executivo local ficou sujeito ao poder legislativo provincial, perdendo aquelas

características dos tempos coloniais, em que tinham grandes poderes de interferência na

política regional. Um dos exemplos desta nova relação de poder foi o caso do artigo 39 desta

mesma lei, no qual as Câmaras teriam apenas o poder de propor as posturas municipais,

ficando a cargo do Conselho Geral (e da Assembleia Provincial, após 1834), juntamente com

o presidente da província, analisá-las, aprová-las e/ou sugerir modificações.

Conforme Iamashita:

Este declínio municipal já estava implícito na Constituinte de 1824 que previa uma

gerência nos negócios dos municípios, já que a tradicional indistinção existente

naqueles corpos, entre as funções políticas, jurídicas e administrativas, revelara-se

incompatíveis com as concepções racionalistas e modernizadoras dos “novos

tempos”. Neste postulava-se uma rigorosa divisão de tais funções, além, é claro, da

necessidade de vencer os localismos, percebidos como obstáculo à uma

padronização nacionalizadora e centralizadora pretendida pelo Estado nacional63.

As retaliações de suas atribuições ocorreram também no âmbito policial. Em tempos

coloniais, ao congregar os poderes executivo, legislativo e judiciário no âmbito municipal, as

Câmaras, através de seus funcionários civis, tinham a tutela do poder de policiamento64. Mas,

63 IAMASHITA, Léa Maria Carrer. Modernização e Rebeldia: A dinâmica política regencial e a Revolta da

Balaiada no Maranhão (1831-1841). Tese (Doutorado) – Universidade de Brasília, Programa de Pós-Graduação

em História, Brasília, 2010, p. 107. 64 Maria Isaura advoga a ideia de que, mesmo com as perdas brutais de poder das Câmaras Municipais, símbolo

do mandonismo local, as elites agrárias continuaram interferindo na dinâmica da política imperial. Por exemplo,

elas investiam nas cadeias de relacionamento com outros agentes políticos, como deputados e presidentes de

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a partir dessa lei, esses poderes foram realocados para o juiz de paz, o que para alguns

autores, como Thomaz Flory65 e Regina Helena Faria66, foi o cargo que deu o pontapé inicial

para o chamado avanço liberal. Não faremos neste momento uma análise aprofundada sobre

esse cargo e as legislações que envolviam suas atribuições, pois esta temática fará parte do

nosso segundo capítulo. Porém, anteciparemos algumas informações sobre o mesmo.

Com a finalidade de tornar a justiça “mais próxima do povo” e garantir maior eficácia

nos processos judiciários, o governo imperial previu a criação do juizado de paz e

concretizou-a com a Lei de 15 de outubro de 1827. Tendo os distritos como área de atuação,

ele passou a representar os poderes locais/municipais.

Durante o período regencial, as forças políticas das províncias viram que este

momento era propício para barganharem maior espaço de poder, já que não existia a figura

física de um monarca no comando das atividades políticas. Assim, esse foi o período que as

conquistas descentralizadoras das províncias ganharam maiores amplitudes, em especial com

o Código do Processo Criminal, em 1832.

Em pleno processo de consolidação de um Estado nacional independente, não era mais

viável ter as leis portuguesas como parâmetros para realizar os processos criminais (como era

o caso do Livro V das Ordenações Filipinas). Sob a tutela dos liberais moderados, os regentes

do governo central aprovaram a criação do Código Criminal (1830) e do Código do Processo

Criminal (1832), responsáveis pela organização do judiciário e das questões criminais do

Império. Notadamente influenciados pelas ideias liberais (por criar, por exemplo, a

democrática instituição do Júri), o Código de 1832 ampliou bastante os poderes do juizado de

paz, chegando a se tornar a maior autoridade em nível municipal. Para Ivo Coser, a partir

desse juiz e dessa legislação, o conceito de federalismo ganhou um novo sentido, justamente

pelo fato da descentralização chegar aos níveis municipais67.

Não demorou muito para que os parlamentares do Rio de Janeiro debatessem medidas

que conferissem à administração pública um novo ordenamento dos poderes, sendo consenso

entre a maioria deles a submissão dos poderes municipais às elites políticas provinciais e aos

presidentes de província. Argumentavam ainda que as instituições, como a Justiça de Paz e as

Câmaras Municipais, não tinham atingido o grau de racionalidade de seus procedimentos,

província, e também no investimento da formação intelectual de sua prole, possibilitando a tessitura de sua

política para representar seus interesses na administração pública (QUEIROZ, 1976). 65 FLORY, Thomas. El juez de paz y el jurado en el Brasil imperial. México: Fondo de Cultura Económica,

1986. 66 FARIA, Regina Helena Martins de. Em nome da ordem: a constituição de aparatos de policiamento no

universo luso-brasileiro (século XVIII e XIX). Tese (Doutorado) – Universidade Federal de Pernambuco,

Programa de Pós-Graduação em História, Recife, 2007. 67 COSER, 2011.

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pois condiziam seus trabalhos de forma pessoal, atendendo necessidades privadas68, o que não

era compatível com a lógica da modernização política.

Dentro dos projetos federalistas, podemos encontrar divergências entre eles acerca do

grau de atribuições adquiridas pelas províncias, mas:

o elemento em comum que as une reside na precedência do interesse provincial na

montagem do Estado-nação. [...] A ideia do interesse provincial como uma dimensão fundamental do conceito de federalismo emerge conjuntamente com a

crítica ao funcionamento do Código do Processo. A corrente federalista rechaçava a

possibilidade de que, a partir dos interesses do cidadão ativo situado no município,

fosse possível construir o Estado-nação69.

Na década de 1830, com a ausência de um Imperador no trono, intensificaram-se os

debates a respeito de uma reforma constitucional. Marcello Basile (2011) destaca que a maior

polêmica estava na existência de três forças conflitantes: os federalistas exaltados, os unitários

caramurus e os indecisos e divididos moderados.

Para os exaltados, a centralização política era um sinônimo de despotismo, de conflito

entre as províncias e de falta de agilidade administrativa dos aparelhos burocráticos do

Estado, que ameaçavam a própria integridade territorial. Já para os caramurus, qualquer

mudança na constituição e no sistema de governo vigente resultaria no estabelecimento de um

estado anárquico no Brasil, pois as províncias se rebelariam e se dissolveriam, sustentando-se

num federalismo semelhante ao das repúblicas democráticas. Por último, os moderados,

grupo que liderou o período Regencial, tinham um posicionamento ambíguo sobre este

assunto; antes da abdicação do Imperador, eles eram contra qualquer reforma, pois não viam

que o mal estava na Constituição, mas na sua execução, já que estava “restringido e burlado

pelas arbitrariedades de Dom Pedro I”70. Durante a regência e com o fortalecimento das ideias

federalistas, ocorreu o primeiro racha entre eles, quando muitos aderiram ao movimento em

defesa da reforma constitucional.

Um dos pontos mais polêmicos dessa reforma entre os deputados era sobre a liberdade

das províncias. Os caramurus e uma parte dos moderados, numa visão geral, assumiam um

posicionamento a favor da limitação do poder legislativo provincial. Já os exaltados e a outra

parte dos moderados defendiam maiores autonomias às províncias ao ampliar seus poderes

legislativos.

68 DOLHNIKOFF, 2005. 69 COSER, 2011, p. 196. 70 BASILE, 2011, p. 77.

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No final dessa polêmica, foi oficializado o Ato Adicional em 1834, trazendo mudanças

como a extinção do Conselho de Estado (órgão representante do poder do Imperador, no qual

os componentes eram sujeitos nomeados exclusivamente por ele), a substituição da Regência

Trina pela Regência Una e a criação das Assembleias Legislativas Provinciais. Desta forma, o

Ato Adicional conferiu maior autonomia para as províncias, pois a partir de então os

deputados que ali atuavam obtiveram a capacidade de legislar sobre os assuntos da sua região.

Contudo, a autonomia municipal foi vetada, pois essa esfera administrativa estava sujeita aos

representantes do poder provincial e central.

Em suma, a reforma constitucional completou a série de conquistas liberais alcançadas

durante a década de 1830, nas quais “juntas, ajudaram a remover uma parcela significativa

dos resíduos ‘absolutistas’ do Estado imperial, identificados à forte centralização política”71.

Porém, não tardou para que surgissem críticas contra essa reforma, em especial por causa da

eclosão de diversas revoltas sociais. Parlamentares da ala mais conservadora, como Paulino

José Soares (o Visconde do Uruguai), se colocaram contrários à autonomia concedida às

províncias. Segundo Paulino, as elites regionais poderiam formar grupos oligárquicos,

juntamente com as demais forças contidas nas localidades, aprovando medidas que

favorecessem os seus interesses particulares, em detrimento das necessidades do Estado. Nos

anos de 1838 e 1839, o Visconde fez diversas intervenções na Assembleia Geral para criticar

o Ato Adicional, mostrando-se a favor de fazer alterações em vários de seus artigos. Na

sessão de 27 de agosto de 1838, ele afirmou que “o Ato Adicional enfraqueceu o elemento

monárquico da Constituição, em benefício das províncias (...)”. Assim, para resolver tal

problema era necessário dar ao “Ato Adicional uma interpretação que acautelasse os abusos e

dúvidas a que se tem dado lugar”72.

Com a renúncia de Antônio Feijó, em 1837, Araújo Lima assumiu a regência e os

conservadores passaram a dar o direcionamento político no governo central, iniciando a fase

conhecida como regresso conservador. O programa dos conservadores estava focado em

reforçar a autoridade monárquica, restabelecer a centralização político-administrativa

(reduzindo os poderes dos municípios e das províncias) e estabelecer a tranquilidade pública

nas províncias, que foram acometidas por rebeliões “anárquicas”.

As devidas medidas centralizadoras ganharam formas pela Lei de Interpretação do Ato

Adicional (1840) e pela Reforma do Código do Processo Criminal (1842). A primeira

71 Ibid., p. 82. 72 PINTO, Clarisse de Paula Ferreira. O Visconde do Uruguai e o Regresso Conservador: A política de

centralização na construção do Estado Imperial. In: Anais do XV Encontro Regional de História da ANPUH,

2012.

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legislação focou em retirar algumas atribuições dadas às Assembleias Provinciais, tais como a

de legislar sobre empregos criados pelo governo geral, mas podendo ainda ter competência

para ordenarem os empregos municipais e provinciais. Já a reforma do Código de 1832 visava

a centralização do aparato judiciário pelo governo central e a limitação dos poderes dos juízes

de paz (grande parte de suas atribuições foram distribuídas entre os novos cargos de

delegados e subdelegados).

Em algumas províncias, essa tendência centralizadora foi antecipada com a

promulgação da lei das prefeituras. São Paulo, Sergipe, Alagoas, Ceará, Pernambuco, Piauí e

Maranhão foram as províncias que aprovaram essa lei, criando o cargo de prefeitos e

subprefeitos73, os quais eram nomeados pelos presidentes de província, incorporando os

poderes de polícia dos magistrados de paz.

Analisando as alterações feitas pelos conservadores nos códigos liberais, Mirian

Dolhnikoff conclui em sua obra que o sentido dessa revisão não era anular as autonomias

provinciais, mas garantir uma melhor racionalização do aparelho administrativo, deixando a

esfera municipal sob o cuidado dos poderes provinciais, e demarcar os limites dos poderes

regionais e central, “impedindo que os governos das províncias surgissem invadindo as

esferas de atuação do governo central, como vinham fazendo desde a promulgação do Ato

Adicional”74. Isso possibilitou a reafirmação do “pacto federalista” no Império.

Assim, durante a década de 1820 e 1830, o governo imperial passou por um intenso

processo de transformação e adequação de suas instituições, a fim de conferir maior poder de

gerência das instituições públicas, ao mesmo tempo em que tentavam atender às expectativas

das elites políticas das províncias. Dentro deste processo de formação de Estado, os delegados

régios desempenharam um papel de grande valia para o governo central, pois eles atuavam

enquanto braço extensor dos seus poderes, agindo sob o lema da defesa da nação e dos

interesses do rei, fazendo chegar as suas necessidades nas províncias. É esse agente político

que analisaremos a partir de agora.

1.2 Os presidentes de província na estruturação do Estado brasileiro

Reuniram-se o coronel Pantaleão, os doutores Bavio e Mavio, redatores da

Trombeta, alguns deputados provinciais, três ou quatro influentes do interior que se

achavam na capital, e mais uns vinte dos mais acérrimos partidistas; e, à proporção

que iam entrando, começavam logo a praticar sobre o grande assunto do dia pouco

mais ou menos pelo teor seguinte:

73 FLORY, 1986. 74 DOLHNIKOFF, 2005, p. 150

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– Os patifes não contavam com esta pela proa.

– O tal Anastácio ficou mesmo com a cara de asno.

– Quero ver agora no que dá a sua grande candidatura espontânea e livre!

– Se vocês vissem como ele empalideceu quando deu com os olhos em mim no

portão!

– Nunca me ri tanto em dias de minha vida.

– O Afrânio comeu-se de raiva por ver o novo presidente conversar comigo com

tanta atenção na sala grande. Parecia que me queria engolir com os olhos.

– Ah bandalhos que nem sempre dará as cartas!

– Tudo isso está muito bom, mas o caso é que eles estão rodeando o presidente, e as

intriguinhas e mentiras do costume hão de estar trabalhando. Todos nós devemos procura-lo, e já amanhã.

– É verdade; o nosso partido sempre tem sofrido porque não cerca o presidente

como eles.

– Ninguém falte à posse do homem.

– Cumpre avisar toda a nossa gente.

– Você que é da câmara, deve recitar um discurso análogo, desmascarando toda essa

corja.

– Doutor, você por que não apressa agora o seu baile para convidá-lo?

– Deixem estar que eu tenho de dar um jantar no dia dos meus anos, e nos havemos

todos de reunir.

– Eu também pretendo agora dar um baile no batizado da minha pequena. – O doutor deve quanto antes fazer um artigo bem-feito, elogiando o homem, e

prevenindo-o acerca dos manejos da facção, logo que chega um presidente novo.

Cante-lhe a ladainha bonito e asseado.

– Não se esqueça de me escovar bem o bestalhão do Anastácio.

– Agora que as coisas mudaram, e sem nós o esperarmos, é preciso expedirmos

próprios para todos os pontos, animando os nossos amigos e a se organizarem para a

próxima campanha.

– Está bem livre que eles já não tenham cuidado nisso.

– E que carapetões não estarão impingindo, para não desalentar a pandilha! Esta

gente não dorme. [...]

Sua excelência, ora risonho, ora sério, ora afável, ora mais grave, mas sempre reguçado e retraído, respondia a todos com as trivialidades do costume, sem lhe

escapar que a sua missão era toda de paz, que tinha unicamente por fim executar

imparcialmente as leis, distribuir justiça a todos, promover os melhoramento

materiais e morais da província, consolidando dessa forma a ordem e mantendo a

segurança individual e de propriedade; e que por muito feliz se daria se conseguisse

deixar congraçada a grande família maranhense, como tão positivamente lhe havia

recomendado a sua majestade o imperador quando lhe confiara uma empresa tão

árdua para as usas débeis forças75.

Esse é um trecho retirado de um dos textos de João Francisco Lisboa. Durante a

década de 1830, desde muito jovem, o escritor participou ativamente da vida política

maranhense. Aos dezenove anos já se envolvia nesse campo, assinando manifestos

antilusitanos durante a Setembrada (1831). No ano seguinte iniciou a sua carreira de jornalista

e escritor ao publicar o seu primeiro jornal, O Brazileiro, e ao reviver O Pharol Maranhense,

que havia fechado por ocasião da Setembrada. Em 1834, ele criou o Echo Maranhense (mas

retirado em 1836) e, em 1838, o seu jornal mais crítico e combativo, o Chronica Maranhense.

De 1842 a 1855, ele dirigiu o seu último jornal, o Publicador Maranhense. Além de atuar na

escrita, edição e direção dos jornais, Lisboa trabalhou na administração pública como

75 LISBOA, 1995, p. 69-72

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secretário do governo durante três anos e depois seguiu um período de duas legislaturas como

deputado provincial.

Com vasta experiência e conhecimento da vida política do Maranhão, no Jornal de

Timon (1855) Lisboa mostrou o seu desencanto com as práticas políticas de sua época,

dedicando-se em mostrar os bastidores políticos e denunciando as práticas eleitorais e

partidárias, comandadas por homens imorais que se deixavam levar pela avidez, ambição,

mesquinhez e cobiça ao poder. Os relatos contidos nesta obra são valorosos, pois temos uma

percepção apurada sobre como ocorriam as interações cotidianas entre os diferentes cargos da

administração pública, que iam para além das relações impessoais e legais, ficando evidente

as disputas e buscas pelo poder.

Por ter dividido espaço com a presidência de província, em especial quando assumiu a

secretaria do presidente Francisco Bibiano de Castro, em 1837, Lisboa deu ênfase a esse

cargo, destacando a sua frequente utilização em beneficiar alguns grupos partidários, que

trocavam favores entre si. O desembarque do presidente nas terras do Maranhão era um

momento de grande comoção social e política, despertando não só a atenção da população

mais pobre, que se levava pela curiosidade de entender o que se passava no porto, mas

também a oportunidade dos agentes políticos locais, que se aproximaram e conquistaram

apoio do enviado da Corte, uma vez que ele, além de servir como uma ponte entre o Rio de

Janeiro e a província, poderia conceder benefícios políticos, como a nomeação de alguns

indivíduos aos cargos públicos. Assim, Lisboa denunciou a dependência dos grupos locais em

relação ao governo central, pois, através dos presidentes nomeados, eles eram capazes de

regular os conflitos, os quais, muitas vezes, acabavam quando os presidentes assumiam uma

posição que favorecesse um grupo específico.

Contudo, entendemos que mesmo sendo as maiores autoridades na província,

detentores de diversas atribuições administrativas e titulações, os delegados régios agiam em

conjunto com outros agentes públicos. Essa relação poderia ocorrer através de práticas

clientelísticas ou de apadrinhamento (servindo como estratégia para aumentar a sua rede de

sociabilidade e viabilizar uma carreira política ascendente) e, até mesmo, dentro da própria

administração pública (que era composta por diversos cargos, cada um com suas atribuições

racionalmente distribuídas e justapostas, formando a burocracia estatal). No nosso trabalho,

daremos destaque a este último aspecto. Afirmamos, desde já, que deixaremos de lado as

práticas clientelísticas e as redes de sociabilidade tecidas pelos presidentes, uma vez que as

documentações trabalhadas não nos permitem assumir tal empreitada, além do que esta seria

uma temática que, por si só, renderia um trabalho exclusivo.

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Ao elaborar um arcabouço burocrático e institucional, o processo de modernização

política procurou conferir maior agilidade e eficiência às instituições, expandindo o poder do

Estado. Nesse processo houve a valorização do Direito Público pelos legisladores do governo

imperial, para o qual as leis foram as bases para a formação jurídica do país. Nesse sentido,

essas leis eram concebidas como instrumentos de implantação de uma visão de Estado,

incorporadas e transmitidas pelas instituições públicas no momento que essas legislações

especificavam as suas atribuições e (re)definiam seus espaços de atuação. Dessa forma, os

aparatos institucionais e burocráticos do país funcionavam como meio de ação prática do

poder do Estado na sociedade. Isso tornou possível a manutenção da ordem a partir do

controle social.

Além disso, as legislações não se mantiveram estáticas, pois as suas modificações

foram necessárias para o aperfeiçoamento das instituições que elas regiam, ampliando o

campo de ação do próprio Estado – por isso não foi sem propósito que, mesmo após o

estabelecimento de uma Carta Constitucional, houve diversos acréscimos e modificações na

mesma, em busca de uma melhor racionalização e eficácia da ordem administrativa. Isso

possibilitou que elas conseguissem transmitir ideias e valores específicos à população (o que

não significa dizer que elas foram sentidas e incorporadas de forma homogênea pela

sociedade), como as de nação, cidadania e civilidade.

Mas, como já afirmamos anteriormente, esse processo coincidiu com as reivindicações

das elites provinciais, que almejavam maior autonomia administrativa e participação nas

atividades do Estado. Como resultado, chegou-se a um arranjo institucional que lhes concedeu

alguns privilégios. Isso nos leva a destacar a figura dos presidentes enquanto agentes régios,

que, mesmo sendo as maiores autoridades públicas nas províncias, estavam sujeitos às

diversas instituições para agir de acordo com os seus papéis legalmente estabelecidos, manter

a ordem social e o bom funcionamento das instituições públicas. Entendemos, então, que os

governantes foram peças importantes do Estado imperial para a garantia da implementação de

uma ordem institucional, tendo em vista que, durante a sua atuação nas províncias, eles

assumiam a tarefa de propor, fiscalizar e executar as leis. Ao mesmo tempo, os presidentes

estavam envoltos com outros agentes que deveriam atuar em conjunto.

1.2.1 Os delegados régios no processo de modernização política

A instituição do cargo ocorreu em paralelo com a formatação da administração

provincial. Isso se deu dentro de um cenário político marcado pelas críticas às Juntas

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Provisórias, onde, para muitos, elas ameaçavam a soberania de Dom Pedro I em gerenciar o

território brasileiro e afetavam os interesses de algumas regiões, em especial aquelas do

Centro-sul do país.

Como analisamos acima, diversos setores sociais estavam imbuídos por ideias

constitucionalistas e liberais, que levaram à abertura da Assembleia Constituinte em 1823,

tendo como objetivo reunir deputados das províncias que debateriam sobre qual desenho

institucional o Estado brasileiro assumiria. Era consenso entre grande parte dos legisladores

que a unidade territorial e a manutenção da ordem social só seriam possíveis através de uma

monarquia constitucional. Entretanto, nas sessões se destacavam duas visões de administração

antagônicas: uma mais centralista e outra que defendia o federalismo, garantindo maior

autonomia aos poderes provinciais. Perante este dilema, emergiu a figura do presidente de

província.

Em 1823, as províncias ganharam uma formatação provisória através da Lei de 20 de

outubro, cuja essência seria mantida em vigor até 1834. Em seu primeiro artigo foram

atendidas as reivindicações de extinção das Juntas Provisórias e, no artigo seguinte,

determinou-se que os governos regionais ficariam confiados, provisoriamente, aos Conselhos

Presidiais e aos presidentes de província.

Os presidentes, além de serem os executores e administradores da província, eram

agentes nomeados e amovíveis pelo Imperador. Entendemos que esse foi um mecanismo do

governo central de fazer o seu poder presente nas províncias e abrandar o exercício autônomo

dos poderes locais e regionais. Ao mesmo tempo em que seriam introduzidos sujeitos que

estariam em sincronia com as necessidades da Corte do Rio de Janeiro, os próprios

governantes em exercício passariam a incorporar a sua agenda política, para evitar a sua

remoção do cargo e um deslize na sua carreira política. Outra preocupação tomada nesse

sentido era a indicação de indivíduos oriundos de regiões distintas daquelas em que atuavam,

que era o caso da maioria daqueles analisados no nosso trabalho.

QUADRO 1 – Os presidentes da província do Maranhão e suas respectivas origens (1827-

1841)

NOME ORIGEM

Manuel da Costa Pinto Rio de Janeiro

Candido José de Araújo Viana (Conde de Palma) Rio de Janeiro

Joaquim Vieira da Silva e Sousa Maranhão

Antônio Pedro da Costa Ferreira (Barão de Pindaré) Maranhão

Francisco Bibiano de Castro Rio de Janeiro

Vicente Tomás Pires Figueiredo Camargo Minas Gerais

Manuel Felizardo de Sousa e Melo Minas Gerais

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Luiz Alves de Lima (Duque de Caxias) Rio de Janeiro

João Antônio de Miranda Rio de Janeiro

Fonte: LIMA, 2008; MARQUES, 2008; SACRAMENTO BLAKE, 1895.

Podemos perceber que entre os anos de 1827 e 1841, a maioria dos presidentes era de

outras regiões do país – com algumas exceções, como foi o caso dos presidentes Antônio

Pedro da Costa Ferreira e Francisco Bibiano de Castro. Em tese, esta medida seria um meio

de dificultar a cooptação dos governantes pelas elites que se encontravam nas províncias,

certificando assim que eles estariam em sintonia com a visão administrativa da Corte carioca

e não com os interesses particulares locais. Já os vice-presidentes eram sujeitos de sua própria

região, sendo esta uma forma de concessão política da Corte para as províncias.

Quanto aos Conselhos, estes seriam compostos por seis conselheiros, cada um eleito

da mesma forma em que eram eleitos os deputados da Assembleia Geral, ou seja, através de

eleições indiretas – no primeiro momento, os cidadãos ativos votavam naqueles que seriam os

eleitores, e estes, por sua vez, elegiam os deputados ou os conselheiros. No final das eleições,

aqueles que tivessem a maior quantidade de voto seriam empossados também como vice-

presidente de província e assumiriam o posto de presidente em caso de ausência do mesmo.

Não poderiam ser eleitos os cidadãos com menos de trinta anos e sem terem estabelecido

residência na província por, no mínimo, seis anos – essa exigência mostrava a preocupação de

alocar no Conselho pessoas que tivessem conhecimentos sobre a região, assim como um meio

de estabelecer um espaço de atuação para as elites políticas no governo.

As reuniões deveriam ocorrer obrigatoriamente uma vez por ano, mas os delegados

régios poderiam convocar os conselheiros e abrir sessões extraordinárias, caso eles julgassem

necessário. Ali, os assuntos eram postos em debate, onde ambos faziam propostas de leis para

serem votadas e deliberadas. Durante as votações, os conselheiros teriam o voto deliberativo,

aprovando ou não as propostas que viriam a se tornar lei, enquanto o presidente teria o voto de

qualidade, ou seja, o voto de desempate. Assim, os conselheiros participavam dos projetos

que envolviam a sua província, mas, ao mesmo tempo, essa instituição lhes oferecia a

oportunidade de colocar em pauta interesses que julgassem necessários, viabilizando o

atendimento das vontades das elites locais. Tal dinâmica já seria uma forma de privilegiar os

grupos locais específicos, ao indicar a construção de uma ponte ou estrada em uma localidade,

em detrimento de outra, favorecendo o desenvolvimento comercial e agrícola de fazendeiros

que tivessem parcerias com os membros do Conselho.

Outra importante atribuição dessa instituição foi em relação às decisões sobre as

finanças e despesas provinciais. As Juntas continuaram a tratar da administração e

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arrecadação da fazenda pública, mas o Conselho Presidial tinha à sua disposição, para

despesas ordinárias, a oitava parte das sobras das rendas da Província, cabendo ao presidente,

juntamente com os conselheiros, determinar as despesas extraordinárias – porém não antes da

aprovação prévia do Imperador.

Avaliando esses artigos, percebemos que durante os debates da Assembleia

Constituinte houve a preocupação em criar nas províncias uma instituição que acomodasse os

poderes políticos que ali se encontravam. Porém, essas medidas não poderiam ser vistas

enquanto uma vitória para aqueles que defendiam o federalismo. Os Conselhos Presidiais

funcionariam enquanto porta-vozes dos cidadãos e de atendimento dos interesses das elites

regionais; a presidência da província, por sua vez, refletiria a tendência centralizadora do

governo, pois, neste desenho administrativo, os delegados régios possuíam maiores poderes

de decisão e de fiscalização em relação às demais forças provinciais.

Isso fica mais claro no artigo 8º, por garantir que os presidentes despachariam e

decidiriam, por si só, todos os negócios da província, ou seja, a palavra final era dele. Esses

negócios eram:

1º Fomentar a agricultura, comércio, industriam, artes, salubridade, e comodidade

geral;

2° Promover a educação da mocidade;

3° Vigiar sobre os estabelecimentos de caridade, prisões, e casas de correção e

trabalho.

4° Propor que se estabeleçam Câmaras, onde as deve haver;

5° Propor obras novas, e concertos das antigas, e arbítrios para isto, cuidando

particularmente na abertura de melhores estradas e conservação das existentes;

6° Dar parte ao Governo dos abusos, que notar na arrecadação das rendas; 7° Formar censo, e estatística da Província;

9° Promover as missões e catequese dos Índios, a colonização dos estrangeiros, a

laboração das minas, e o estabelecimento de fábricas minerais nas Províncias

metalíferas;

10º Cuidar em promover o bom tratamento dos escravos, e propor arbítrios para

facilitar a sua lenta emancipação;

11º Examinar anualmente as contas de receita e despesa dos Conselhos, depois de

fiscalizadas pelo Corregedor da respectiva comarca, e bem assim as contas do

Presidente da Província;

12º Decidir temporariamente os conflitos de jurisdição entre as Autoridades. Mas si

o conflito aparecer entre o Presidente e outra qualquer Autoridade, será decidido

pela Relação do Distrito; 15º Atender às queixas, que houver contra os funcionários públicos, mormente

quanto á liberdade da imprensa, e segurança pessoal, e remetê-las ao Imperador,

informadas com audiência das partes, presidindo o Vice-Presidente, no caso de

serem as queixas contra o Presidente;

16º determinar por fim as despesas extraordinárias, não sendo, porém, estas

determinações postas em execução sem prévia aprovação do Imperador. Quanto ás

outras determinações do Conselho, serão obrigatórias, enquanto não forem

revogadas, e se não opuserem ás Leis existentes76.

76 BRASIL. Carta de 20 de outubro de 1823. Art 24º

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As 13º e 14º atribuições, que falavam a respeito da suspensão de magistrados e

comandantes militares, respectivamente, eram as únicas que os presidentes deveriam deliberar

em conjunto com os seus conselheiros.

Os governantes possuíam também o papel de conciliador, atuando como árbitro dos

conflitos administrativos, políticos e mesmo pessoais, para que não houvesse sobreposições

de poderes na ordem administrativa e cada cargo exercesse as funções que lhes eram próprias.

Mesmo sendo independentes dos presidentes e dos Conselhos, as administrações da Justiça e

da Força Armada sofriam influências dos chefes do executivo provincial, pois poderiam

suspender comandantes militares e magistrados. Sobre as queixas contra funcionários

públicos prevaricadores, liberdade de imprensa e pessoal, os presidentes, em conjunto com os

conselheiros, deveriam remetê-las ao Imperador depois da audiência com as partes envolvidas

– vale destacar que o mesmo presidente poderia sofrer queixas também, para o qual as

audiências seriam presididas pelo seu vice. No caso da justiça, os magistrados seriam

independentes, mas quando ocorressem atos de motins e revoltas, os governadores poderiam

suspendê-los. Este processo aconteceria em Conselho e de acordo com o Chanceler, depois

que o magistrado acusado fosse ouvido. Após a suspensão, os presidentes dariam parte à

Secretaria de Justiça, remetendo-lhe os autos comprobatórios que seriam enviados para o

Tribunal competente.

Nessa legislação também ficou estabelecida a dependência do Comandante Militar em

relação à autoridade civil. Caso fosse necessário empregar as Forças Armadas “contra os

inimigos internos”, os comandantes deveriam ter uma resolução prévia dos presidentes e

somente após a aprovação em Conselho é que seriam convocadas as assistências militares

necessárias. Já na Marinha Nacional, quando estacionassem nos portos da província, ela

ficaria subordinada ao governante que estivesse atuando ali, dando a “direção, que exigir o

bem e a segurança pública do Estado”77.

Além dessas atribuições que colocavam os presidentes em uma posição

institucionalmente privilegiada, podemos destacar outro ponto que lhes davam maiores

poderes e visibilidade nas províncias. Eles, assim como os antigos capitães-gerais, recebiam

tratamentos de Excelência e continência militar, conferindo-lhes status simbólico diante das

demais autoridades públicas e indivíduos da região.

77 Ibid., art. 32º.

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A existência dessa legislação de 1823 não foi bem recebida por algumas províncias,

em especial aquelas do norte do país, pois criticavam não só a extinção das Juntas Provisórias,

mas também os alcances do poder executivo do presidente. Este tema foi debatido nas sessões

da Assembleia Constituinte, onde alguns deputados apontavam o cargo enquanto um ato

“despótico” do Imperador, para que ele controlasse as províncias. Houve então propostas,

porém sem sucesso, para amenizar esta percepção, como foi o caso daquela proferida por

Pernambuco Henriques de Resende, que defendia a indicação de alguém de dentro da

província para ocupar o cargo de chefe do poder executivo78.

A Lei de 20 de outubro de 1823, mesmo sendo provisória, já mostrava sinais para o

estabelecimento de uma hierarquia entre os poderes nacionais, provinciais e municipais,

tomando os presidentes enquanto centros, uma vez que eles possuíam uma evidente

autoridade sobre os poderes instituídos nas províncias. Após a dissolução da Assembleia

Constituinte, foi outorgada a Carta Constitucional de 1824. A essência dessa lei permaneceu,

pois grande parte das atribuições que foram definidas para tais instituições permaneceram

inalteradas até o ano de 1834.

No artigo 165º ficou reafirmada a criação do cargo de presidente de província e sua

área de atuação, onde “em cada Província um Presidente, nomeado pelo Imperador, que o

poderá remover, quando entender, que assim convém ao bom serviço do Estado”79. Este

presidente permanecia enquanto chefe do Poder Executivo na província, atuando sob a égide

do discurso de “defesa dos interesses do Estado”, pois estava suscetível de ser destituído do

cargo quando não apresentasse um “bom serviço”, ou seja, quando não cumprisse as ordens

emanadas pelo governo central. E, como já apontamos, uma das preocupações do governo

central era a garantia da ordem social e da unidade entre as distintas regiões, fazendo com que

os presidentes assumissem o mesmo discurso para evitar uma possível destituição e

inviabilizar as suas próprias carreiras políticas.

Quanto ao Conselho Presidial, não foi feita nenhuma referência, o que não impediu

que essa instituição continuasse fazendo parte da estrutura administrativa imperial.

Ao ignorar o Conselho Presidial, por lapso, negligência ou por interpretar que a

Carta de 1823 atendia a todos os aspectos relacionados ao órgão, a Carta

Constitucional de 1824 corroborou com o projeto, permitindo que os Conselhos

Presidiais fossem instituídos nas províncias.80

78 SLEMIAN, 2006. 79 BRASIL, 1824, art. 165º, grifo nosso. 80 CIRINO, Raissa Gabrielle Vieira. O Conselho Presidial do Maranhão (1825 – 1829). 85p. Monografia

(Graduação em História) – Universidade Estadual do Maranhão – UEMA, São Luís, 2013, p. 24.

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Vale destacar que esse Conselho durou até o ano de 1834, sendo extinto pela Lei nº 40

de 3 de outubro, que regulamentava as atribuições dos presidentes, mostrando que não era

mais adequada a utilização de conselheiros. Porém, o Ato Adicional criou as Assembleias

Legislativas Provinciais, levando os presidentes a governarem em conjunto com os deputados

provinciais.

Retomando à Constituição, no Capítulo V do Título 4º ficou instituído outro

mecanismo de representatividade política das províncias: os Conselhos Gerais de Província.

Essa instituição foi claramente influenciada por ideais liberais, pois elas garantiam o “direito

de intervir todo o cidadão nos negócios de sua Província”81. Esses Conselhos deveriam ser

alocados nas Capitais das províncias e a quantidade de componentes variava de acordo com o

número da população, sendo vinte e um para as mais populosas (como era o caso do

Maranhão, Pará, Ceará, Pernambuco, Bahia, Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul) e

as demais seriam compostas por treze membros. Os conselheiros deveriam ter idade superior

a vinte e cinco anos e seriam eleitos de forma indireta, assim como no caso dos membros dos

Conselhos Presidiais. Não poderiam concorrer ao cargo o presidente da província, o seu

secretário e nem os Comandantes de Armas.

Todos os anos haveria sessões que durariam por dois meses, podendo ser prorrogadas

por mais um mês, caso fosse conveniente para os conselheiros. Aqui já percebemos uma

diferença entre o Conselho Geral e o Conselho Presidial, pois a prorrogação das sessões não

dependeria dos presidentes de província, mas sim dos próprios conselheiros provinciais.

Nessas sessões, assim como no Conselho de Presidência, os conselheiros tinham como

função “propor, discutir e deliberar sobre os negócios mais interessantes das suas Províncias,

formando projetos peculiares e acomodados às suas localidades e urgência”82, ficando

proibido de versarem sobre assuntos de “interesses gerais da nação”, de quaisquer ajustes de

outras províncias ou de assuntos que eram de competência da Câmara dos Deputados. Caso

isso ocorresse, cabia aos presidentes intervirem.

As sessões eram momentos de grande valia para fazendeiros e grandes proprietários de

terras, por exemplo, devido aos assuntos que lhes diziam respeito, como escravidão,

arrecadação fiscal, obras públicas e tranquilidade pública. Estes temas ainda poderiam ganhar

destaque nas sessões e receber legislações específicas que aprimorassem determinado ramo.

Todavia, mesmo sendo espaços de debates sobre projetos voltados para a província, os

Conselhos não tinham a capacidade de legislarem sobre os assuntos abordados, pois todas as

81 BRASIL, 1824, art. 71º. 82 Id., 1824, art. 81º.

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resoluções tratadas ali teriam que ser avaliadas pelos presidentes. É nessa relação que os

governantes se sobrepõem aos conselheiros, pois eles analisavam se determinadas propostas

eram ou não necessárias para o desenvolvimento das províncias, para só então remetê-las à

Assembleia Geral. O mesmo acontecia na esfera municipal, pois os projetos tratados pelas

Câmaras, acerca dos assuntos locais, eram expedidos ao Conselho Geral para serem

analisados pelo presidente e enviados à Assembleia Geral.

Caso a Assembleia se encontrasse reunida, as propostas seriam enviadas pela

respectiva Secretaria de Estado para serem classificadas como “projetos de lei”, para obterem

ou não a aprovação da Câmara dos Deputados e ganharem status de “lei”. Se a Assembleia

não se encontrasse reunida, cabia ao Imperador interinamente suspendê-los ou aprová-los.

Dessa forma, os presidentes de província tinham importância fundamental na interlocução das

esferas municipais e provinciais com o governo central.

Mesmo sendo previstos na Constituição de 1824, os Conselhos Gerais só foram

regulamentados e efetivados em 1828, com a Lei de 1º de outubro. No Maranhão, ele foi

instalado em 1º de dezembro de 1829, com a posse dos 21 conselheiros, tendo como

presidente Cândido José de Araújo Vianna. Isto fez com que o Conselho Presidial

redimensionasse as suas tarefas e discussões para evitar uma possível justaposição de poderes.

As discussões que envolvessem as Câmaras Municipais e suas obrigações, por exemplo, agora

deveriam ser repassadas ao Conselho Geral. Medidas como esta evitavam possíveis

rivalidades durante a coexistência dos dois órgãos, proporcionando uma atuação

complementar, a fim de contribuir para o processo de modernização política83. Em fevereiro

de 1835 esse Conselho encerrou suas atividades, sendo substituído pela Assembleia

Legislativa Provincial.

Nota-se aqui que não estamos afirmando que a Constituição de 1824 buscou um

esvaziamento dos poderes provinciais, pelo contrário, essas instituições (Conselho Presidial e

Conselho Geral de Província) foram um meio de atender às reivindicações das elites

regionais. Por isso, juntamente com os presidentes, buscou-se um equacionamento dos

poderes entre governo central e governos das províncias, onde o resultado final seria a criação

de canais de representatividade política, ao mesmo tempo em que fosse garantido um

balanceamento favorável ao centralismo político, através do fortalecimento dos presidentes.

A coexistência entre a presidência de província e os Conselhos Gerais não findou as

discussões políticas entre as autoridades políticas provinciais e o governo central. Pelo

83 CIRINO, 2013.

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contrário, fomentaram-se novas questões no que diz respeito ao equilíbrio de poderes entre

estes, ficando ainda mais evidentes as tentativas de garantir uma autonomia administrativa

provincial frente ao projeto reformista centralizador iniciado por Dom Pedro I.

Até o final da década de 1820, foram intensos os debates na Câmara dos Deputados a

respeito dos delegados régios. As principais críticas feitas a este cargo eram a respeito das

suas atribuições. Os agentes do Imperador, ao acumularem em torno de si várias atribuições,

passaram a ser vistos pelos poderes das províncias como “déspotas” em potencial. Eles eram

responsáveis, por exemplo, por inspecionar o cumprimento das leis, sejam em âmbito

provincial, sejam na esfera municipal; tratavam do auxílio à educação, à agricultura, das

decisões de jurisdição nos distritos; eram responsáveis pelas Juntas da Fazenda Pública; e

fiscalizavam as despesas e receitas da província. Além disso, por eles passavam todas as

legislações elaboradas pelos Conselhos Gerais de Província e pelas Câmaras Municipais, que,

após o aval, eram encaminhadas à Assembleia Geral para serem aprovadas. Mas, ainda assim,

esses governantes possuíam certas limitações administrativas, como quando observamos que,

ao deliberar sobre algum objeto, eles deveriam prestar esclarecimentos aos Conselhos Gerais

quando solicitados, ou quando suspendessem magistrados e comandantes militares – estes em

caso de motim.

Nesse contexto, não podemos dizer que os poderes locais se acomodavam diante da

situação. Muitas eram as propostas de revisão do cargo de presidente de província que saíam

das províncias e chegavam às discussões na Câmara dos Deputados, através de seus

representantes que ali ocupavam um cargo. Um dos assuntos mais recorrentes nas sessões da

Câmara era a regulamentação do cargo dos presidentes, através de um regimento que tivesse a

possibilidade de reduzir o seu poder administrativo, sobretudo para que não se tornasse um

“déspota” em nível provincial, garantindo assim uma maior autonomia dos Conselhos Gerais.

Andrea Slemian, em um dos seus estudos84, aborda os debates que ocorriam na

Câmara dos Deputados acerca dessa temática. Ela destaca, por exemplo, o caso do deputado

paulista Francisco de Paula Souza e Mello, que propôs uma emenda constitucional para que a

fiscalização das receitas e despesas provinciais passasse a ser atividade exclusiva dos

Conselhos Gerais. Contudo, este projeto de lei foi recusado pela Câmara.

Outro caso, ainda na Assembleia Constituinte de 1823, a autora analisa a fala do

deputado Antônio Carlos de Andrada Machado, que tratou a respeito da exclusividade do

84 SLEMIAN, Andréa. “Delegados do chefe da nação”: a função dos presidentes de província na formação do

Império do Brasil. Disponível em: http://www.almanack.usp.br/PDFS/6/06_artigo-01.pdf. Acesso em 10 de jun.

2013.

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Imperador em poder escolher estes presidentes. Urdido de um discurso de “participação do

povo na escolha de seus representantes”, ele propôs que a seleção dos presidentes deveria se

efetivar por eleição, na qual cada província enviaria uma lista com três nomes de candidatos a

serem escolhidos pelo imperador. Este projeto também foi rejeitado.

Essas e outras propostas entraram em pauta para que fossem incorporadas em um

regimento direcionado aos presidentes de província, mostrando os esforços políticos

provinciais em reduzir as atribuições dos governantes e, consequentemente, garantir suas

autonomias administrativas frente ao poder central. Contudo, tal regimento não fora criado de

imediato, mas apenas em 1834, com a “Lei nº 40, de 3 de outubro”. Esta demora se deu por

causa do “avanço liberal”, período no qual se tem um vácuo no trono brasileiro e muitos

deputados passaram a se preocupar com uma reforma constitucional, que resultaria no Ato

Adicional de 1834 e no pacto federalista85, proporcionando uma maior autonomia às

províncias.

Antes de abordarmos as Assembleias Provinciais e a regulamentação do cargo de

presidente de província, vale destacar a participação das Câmaras Municipais neste cenário.

Como já abordado anteriormente, as Câmaras Municipais eram órgãos que representavam as

elites locais e que durante o período colonial gozavam de grande autonomia, inclusive o de

interferência na legislação em que estavam sujeitas, o que inviabilizava a criação de um

aparato institucional coeso e homogêneo no Brasil.

Na Constituição de 1824, elas foram rebaixadas ao centro administrativo das Cidades

e Vilas, onde exerceriam suas funções municipais (como a elaboração de posturas policiais e

aplicação de suas rendas). Tal condição foi reafirmada com a Lei de 1º de outubro de 1828,

colocando-as sob inspeção direta dos Conselhos Gerais e fiscalização indireta dos presidentes.

Esta iniciativa possibilitou que o governo central, através do governo das províncias,

controlasse os poderes locais, delineando padrões de inserção no novo Estado. Após 1834,

ocorreu então a instituição dos governos provinciais autônomos, que funcionavam também

enquanto um prolongamento dos poderes da Corte, garantindo uniformidade na organização

das Câmaras, através de leis que seriam equivalentes para toda a nação86.

Victor Nunes Leal diz que, desde o regresso de Dom João VI para Portugal até o ano

de 1828, tomaram-se diversas medidas para enfraquecer a esfera municipal. O governo central

tomava como concepção a chamada “doutrina da tutela, [...] que consistiria em comparar o

85 DOLHNIKOFF, 2005. 86 Idem.

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município, na ordem administrativa, não menos, na ordem civil”87, onde a incapacidade destas

Câmaras em exercer suas funções justificaria a fiscalização destas por outros “poderes

adultos”, que seriam o Conselho Geral e o presidente da província.

Com a promulgação do Ato Adicional, em 1834, ocorreram mudanças fundamentais,

refletindo a conquista de espaço do modelo federalista na política imperial. As províncias

ganharam maior relevância no aparato institucional que se desenhava. A principal mudança

neste sentido foi a extinção dos Conselhos Gerais e a criação das Assembleias Legislativas

Provinciais, instituição que passou a ser a representante das elites provinciais.

Os deputados provinciais continuavam sendo eleitos em suas regiões, da mesma forma

que eram os antigos conselheiros. Eles atuavam juntamente com o presidente da província,

mas diferentemente dos Conselhos Gerais, o número de deputados mudou, aumentando para

36 membros nas províncias de Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro, Minas e São Paulo; 28 nas

do Pará, Maranhão, Ceará, Paraíba, Alagoas e Rio Grande do Sul; e 20 em todas as outras –

este número poderia ser alterado por Lei Geral. A elevação da quantidade de membros

participantes mostrou indícios do governo central em ampliar a margem de participação dos

poderes das províncias nos assuntos que lhes competiam. Contudo, uma das alterações mais

importantes foi a possibilidade dos deputados provinciais de legislarem sobre os temas e

assuntos referentes à sua província.

Conforme o artigo 10, agora as Assembleias poderiam legislar sobre:

1º Sobre a divisão civil, judiciária, e eclesiástica da respectiva Província, e mesmo

sobre a mudança da sua Capital para o lugar que mais convier.

2º Sobre instrução pública e estabelecimentos próprios a promovê-la, não

compreendendo as faculdades de Medicina, os Cursos Jurídicos, Academias

atualmente existentes e outros quaisquer estabelecimentos de instrução que para o

futuro forem criados por lei geral;

3º Sobre os casos e a forma por que pode ter lugar a desapropriação por utilidade

municipal ou provincial;

4º Sobre a polícia e economia municipal, precedendo propostas das Câmaras. 5º Sobre a fixação das despesas municipais e provinciais, e os impostos para elas

necessários, com tanto que estes não prejudiquem as imposições gerais do Estado.

As Câmaras poderão propor os meios de ocorrer ás despesas dos seus municípios.

6º Sobre repartição da contribuição direta pelos municípios da Província, e sobre a

fiscalização do emprego das rendas públicas provinciais e municipais, e das contas

da sua receita e despesa.

7º Sobre a criação e supressão dos empregos municipais e provinciais, e

estabelecimento dos seus ordenados.

8º Sobre obras públicas, estradas e navegação no interior da respectiva Província,

que não pertençam a administração geral do Estado.

9º Sobre construção de casas de prisão, trabalho e correção, e regime delas. 10 Sobre casas de socorros públicos, conventos e quaisquer associações políticas ou

religiosas88.

87 LEAL, 1986, p. 74-75.

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O Ato Adicional refletiu o pacto federalista incorporado pelo Estado brasileiro, uma

vez que se criou um arranjo institucional entre o central e as províncias, sendo que cada esfera

tinha o poder de legislar sobre os seus próprios assuntos. Os grupos provinciais que resistiam

ao domínio do Rio de Janeiro, temendo o republicanismo, preferiram aderir a uma monarquia

federalista, aos padrões dos Estados Unidos, mas negando as características democráticas

deste, excluindo grande parte dos setores sociais e garantindo os interesses de uma minoria.

Mas, além de atender aos anseios dos poderes provinciais, a federação foi tomada como forma

de conceder maior eficiência administrativa para as Províncias, garantindo expansão do poder

do Estado e possibilitando que estes adentrassem nas mais distantes regiões do país. Sobre

isso, Mirian Dolhnikoff afirma:

Governos provinciais autônomos eram sinônimo de eficiência administrativa, por

terem eles recursos para se impor a um território longínquo demais para ser

alcançado pela burocracia da Corte. O Estado que então se constituía carecia de um

aparelho burocrático e administrativo capaz de impor sua hegemonia sobre todo o

território da América portuguesa. As dificuldades de comunicação e de transporte,

aliada à escassez de funcionários, tornavam impossível uma centralização excessiva.

A criação de governos autônomos provinciais significava a organização de um

aparato administrativo local que poderia e deveria servir como braço do Estado na

região, uma condição sine qua non para a construção de um Estado nacional

viável89.

Nesse cenário, as Assembleias Provinciais foram as principais instituições em que os

grupos dominantes locais poderiam assumir a direção político-administrativa das províncias.

Contudo, os deputados contavam com a participação dos presidentes de província, como

forma de limitar os seus poderes e garantir que as ordens do governo central entrassem em

pauta nas discussões dos deputados que ali atuavam.

Uma das competências que antes era dos presidentes, em conjunto com os Conselhos

Gerais, mas que foi direcionada aos deputados, foi a possibilidade de cobrar impostos

internos. Esta autonomia tributária se tornava condição para a eficácia na cobrança dos

impostos, pois os governos das províncias estavam mais bem aparelhados para efetuá-la em

sua localidade já que conheciam melhor a sua realidade. Esta autonomia tributária garantia,

por exemplo, verbas para o desenvolvimento de obras públicas, como o investimento em

estradas e vias de transporte que auxiliassem no escoamento de mercadorias – em especial,

poderia ser um meio de favorecer elites econômicas que tivessem alguma relação com os

88 BRASIL, Lei nº 16, de 12 de agosto de 1834, art. 10º. 89 DOLHNIKOFF, 2005, p. 64.

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deputados, beneficiando a localidade em que determinada fazenda se encontrava. Para o

governo central, esta autonomia tributária tinha uma dupla função:

Primeiro, evitava o surgimento de movimentos separatistas, pois essa era uma das

principais reivindicações das elites provinciais. Segundo, ao transferir para as

províncias os chamados impostos internos, o governo central tornava mais eficiente

sua arrecadação, ampliando a receita do Estado, ao qual esses governos provinciais

estavam vinculados90

Outra atribuição que antes pertencia aos presidentes, mas que agora foi incorporada

pelos deputados, foi a possibilidade de suspensão e demissão de Magistrados. Isto aconteceria

no caso de queixa de crime de responsabilidade. A respeito do funcionário público, os

deputados poderiam também controlar os empregos provinciais e municipais, cuja nomeação,

criação, extinção e modificação de empregados se efetivavam através das Assembleias

Provinciais. Os empregos públicos tinham função estratégica no jogo político, já que eram

utilizados como “moedas de troca” nas redes clientelistas em que os deputados se

encontravam.

As constantes solicitações de emprego eram medidas pela influência política, no que

diz respeito aos empregos provinciais e municipais, os deputados dispunham de

ampla margem de ação para fornecer seus apadrinhados, maior inclusive do que o

próprio presidente da província. [...] O controle sobre os empregos provinciais e

municipais, garantia para a elite provincial capacidade de organizar uma

administração pública autônoma e instrumentos para se impor no jogo político

clientelista.91

Percebemos que as Assembleias serviam como ambientes para acomodações de

diversas elites e interesses, promovendo a conexão entre estes grupos e a expressão de seus

desejos, o que transformou estas Assembleias em espaços de estratégias políticas e

negociações destes grupos. Maria de Fátima Silva Gouvêa, ao analisar o caso da Assembleia

fluminense, destaca que esta instituição era um importante espaço para desenrolar de conflitos

políticos existentes entre grupos locais opositores. Ela divide ainda os deputados provinciais

em dois grupos: aqueles que, através de uma complexa rede de relações, criadas dentro das

Assembleias, tinham capacidade suficiente para reforçar seus pedidos e ganhar apoio; e o

outro grupo que não tinha influência, não conseguindo tanta representatividade nas sessões,

permanecendo, muitas vezes, em silêncio e não expressando suas ideias. A pesquisadora

afirma ainda que os deputados utilizavam esta instituição como forma de pressionar o governo

90 Ibid., 171. 91 Ibid., p. 192-193

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central a atender às necessidades de sua região92. Isto mostra que os governantes estavam

envolvidos com as elites econômicas e políticas provinciais, com poderes político-

administrativos relevantes para ter que deixar de lado um posicionamento unilateral de suas

práticas políticas, o que favoreceria apenas o governo central. Ou seja, considerar a

interferência dessas elites viabilizava o papel enquanto agentes régios e tecia as suas carreiras

políticas.

Nessa mesma legislação ficaram especificadas algumas atribuições dos presidentes de

província, como a de convocar as reuniões ordinárias e extraordinárias das Assembleias;

suspender ou vetar as leis provinciais, caso elas extrapolassem o campo de jurisdição

provincial ou se mostrassem dissonantes com as necessidades do governo central; e expedir

ordens, instruções e regulamentos adequados para a “boa execução das leis provinciais”93.

O veto da presidência foi um dos principais mecanismos de cercear o poder de decisão

dos deputados provinciais. Este veto poderia ser derrubado caso dois terços dos deputados

votassem contra. Mesmo sendo um quórum alto e difícil de atingir, os presidentes tinham que

ser capazes de negociar com um terço da elite provincial assentada na Assembleia, fazendo-

lhes concessões para poder exercer seus deveres constitucionais.

Em 3 de outubro foi oficializada a Lei nº 40, que extinguia os Conselhos Presidiais e

regimentava os presidentes de província. Em seu primeiro artigo foi reafirmado que os

presidentes seriam as maiores autoridades de região e que “todos os que nela se acharem serão

subordinados, seja qual for a sua classe ou graduação”94. A Lei nº 40 garantia também as

mesmas honrarias concedidas pela Lei de 20 de outubro de 1823, de Excelência e horas

militares; e determinava os seus ordenados – os presidentes do Rio de Janeiro, Bahia,

Pernambuco, Maranhão, Pará, Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul teriam o

ordenado anual de quatro contos de réis; os das outras províncias receberiam três contos e

duzentos mil réis. Estabelecia também as suas atribuições, que eram:

1º Executar, e fazer executar as Leis;

2º Exigir dos empregados as informações e participações em julgar convenientes

para a boa execução das Leis; 3º Inspecionar todas as Repartições, para conhecer o estado delas, e dar as

providencias necessárias para que estejam, e se conservem segundo as Leis;

4º Dispor da força a bem da segurança e tranquilidade da Província. Somente porém

nos casos extraordinários, e indispensáveis, fará remover as Guardas Nacionais para

fora dos seus Municípios, nem consentirá que os exercícios, mostra, ou paradas se

92 GOUVÊA, Maria de Fátima Silva. O império das províncias: Rio de Janeiro, 1822-1889. Rio de Janeiro:

Civilização Brasileira, 2008. 93 BRASIL, 1834, art. 24. 94 BRASIL, 1834, art. 1º.

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fação fora das Paróquias respectivas: exceto se forem contiguas, ou tão próximas

umas ás outras, que pouco incomodo cause a reunião dos Guardas delas;

5º Exercer sobre as Tesourarias Provinciais as atribuições conferidas pela Lei de 4

de Outubro de 1831, que organizou o Tesouro Nacional;

6º Prover os empregos que a Lei lhe incumbe, e provisoriamente aqueles, cuja

nomeação pertença ao Imperador;

7º Cometer a empregados gerais negócios provinciais, e vice-versa;

8º Suspendera a qualquer empregado por abuso, omissão, ou erro cometido em seu

ofício, promovendo imediatamente a responsabilidade do mesmo, observando-se a

respeito dos Magistrados o que se acha disposto no art. 17 da Lei de 14 de Junho de

1831, que marcou as atribuições da Regência; 9 º Cumprir, e mandar cumprir todas as ordens e Decretos do Governo sobre

qualquer objeto da administração da Província, para o que lhe serão diretamente

remetidos;

10º Receber juramento, e dar posse aos empregados, cujo exercício se estenda a toda

a Província ou a uma só Comarca. Se forem corporações, o juramento e posse será

dado aos Presidentes delas;

11º Decidir temporariamente os conflitos de jurisdição, que se suscitarem entre as

autoridades da Província;

12º Participar ao Governo os embaraços, que encontrar na execução das Leis, e

todos os acontecimentos notáveis, que tiverem lugar na Província ou suas

imediações, ajuntando-lhes as reflexões sobre a origem, circunstancias e resultados das mesmas;

13º Informar com brevidade os requerimentos ou representações, que por seu

intermédio se fizerem ao Governo. Bem assim as promoções militares, as quais lhe

devem ser apresentadas, para dar sobre elas o seu parecer, sem o que não poderão

ser confirmadas;

14º Conceder licença aos empregados públicos, não excedendo este o prazo de três

meses, e havendo para isso justo motivo95.

Vimos então que os presidentes deveriam que atuar como uma espécie de fiscais e

executores das leis nas províncias, assumindo que estas leis tinham papéis importantes na

constituição do Estado, pois, ao mesmo tempo em que trabalhavam para estabelecer uma

ordem institucional, transmitiam regras e valores específicos na “moldagem” da população e

das instituições. Assim, era comum eles abrirem seus relatórios, mostrando a sua disposição

em fazer uma sondagem acerca das instituições públicas, para então propor as medidas que

viabilizassem a prosperidade da província. Isto fica exemplificado na fala de Manuel

Felisardo de Sousa e Mello:

Em observância do preceito, que me impoem o Artigo 8º da Lei de 12 de Agosto de

1834, venho expor-vos o estado das necessidades, que a Provincia sente nos diversos

ramos da Publica Administração; e indicar-vos os remédios, que mais conducentes

me parecem à remoção das mesmas: afim de que, decretando aquelles que forem

compativeis com os nossos recursos, hajaes de concorrer comigo para o

desenvolvimento dos preciosos germens de prosperidade, que encerra esta

interessante parte do territorio Brasileiro96.

95 Ibid., art. 5º 96 MARANHÃO. Discurso que recitou o Exm. Srn. Manoel Felisardo de Sousa e Mello, Presidente desta

Província, na occazião da abertura da Assembleia Legislativa Provincial no dia 3 de maio de 1839.

Maranhão: Typographia de I.J. Ferreira. 1839, p. 1.

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Nos relatórios podemos identificar a abordagem de temas como tranquilidade e ordem

pública, instrução, culto e policiamento público, administração da justiça e da fazenda,

municipalidades, saúde pública, catequese e civilização dos índios. Nestes eram comuns os

presidentes indicarem mudanças que giravam em torno de dois eixos principais: o primeiro se

referia às transformações de ordem material, as quais ocorreriam através de políticas públicas

específicas, direcionadas ao melhoramento do espaço físico das cidades (construção de fontes

e instalação de lampiões nas ruas) e ao desenvolvimento da economia regional (com a criação

de estradas e pontes); no segundo estavam aquelas mudanças de ordem moral da sociedade,

expressando-se em um discurso de defesa da civilização e moralidade pública, a fim de

aperfeiçoar o meio social e proporcionar uma transformação dos hábitos considerados

incompatíveis com o padrão de sociedade desejado. Contudo, as medidas indicadas pelos

governantes, como melhores caminhos a serem trilhados pelos deputados da província, tinham

em seu bojo a necessidade de fazê-los legislarem conforme as necessidades do governo

central.

A permanência do cargo de presidente, enquanto maior autoridade da província, não

era uma estratégia para reduzir os poderes provinciais, mas uma forma de adequar e garantir

que as decisões políticas tratadas pelos deputados estivessem dentro da agenda política do

governo central. O governo fiscalizava as instituições e os cargos ocupados nas províncias e

adequava as suas ações ao modelo de Estado defendido pelo Imperador e em nome do

Imperador.

Mas, além de delegados régios, os governantes poderiam fazer a intermediação entre

os deputados das províncias com a Assembleia Geral. Encontramos alguns casos de

requerimentos de deputados maranhenses aos presidentes, pedindo que estes levassem suas

representações para o governo central. Foi o que aconteceu em 1837, quando João Francisco

Lisboa, percebendo uma insuficiência no Tesouro provincial para a administração dos

negócios públicos da província, solicitou ao presidente Francisco Bibiano que levasse à

Assembleia Geral um projeto de representação, “pedindo uma nova partilha de rendas mais

favoráveis a Província, bem como a divisão dos bens nacionais e geraes e provinciais”97.

Outro projeto de representação, apresentado na mesma sessão da Assembleia Provincial, do

deputado Francisco Sotero dos Reis, solicitava o aumento do número de representantes do

Maranhão no Senado e na Câmara dos Deputados.

97 Id. Índice dos Anais da Assembleia Provincial do Maranhão (1835-1841). Setor de Códices. Arquivo

Público do Estado do Maranhão. Sessão de 5 de junho de 1837.

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Reafirmamos que a federalização defendida aqui não era aquela que desconsiderava o

governo central, mas que possibilitava a autonomia provincial em tratar dos assuntos que

competissem à sua região, pois além de atender aos interesses políticos regionais, ela

possibilitava uma maior intervenção disciplinadora do governo provincial naquelas

instituições que se encontravam distantes “dos mais banais rituais do Estado moderno”98, já

que estava mais próximo dos governos municipais, resultando em uma ação mais efetiva. Esta

ação contaria também com a participação do presidente da província, fazendo com que os

órgãos municipais se enquadrassem nos procedimentos padrões da burocracia estatal. Isto nos

permite afirmar que a modernização política do Estado contribuiu tanto para a concessão de

favores e acomodação de interesses, quanto para a adequação daquelas instituições

consideradas atrasadas em relação a uma ordem constitucional e burocrática.

Analisando os relatórios dos presidentes, podemos afirmar que as instituições que

recebiam as maiores atenções e críticas eram as que atuavam em níveis locais, como as

Câmaras Municipais, a Guarda Rural, a Guarda Nacional, o Juizado de Paz e o Corpo de

Jurados. Tomemos aqui como exemplo o caso das Câmaras Municipais, que eram

representadas pelos presidentes enquanto “corpos sem vida”99.

Como ficara definido pela reforma constitucional, competia aos deputados

organizarem anualmente o orçamento das receitas e despesas das Câmaras. Para tal, os

deputados deveriam se basear nos dados expostos pelos presidentes, que, por sua vez,

deveriam recebê-los dos vereadores, conforme a Lei provincial nº 88 de 1840. Porém, a

ineficiência desses órgãos em seguir esta lei “tão esquecida, ou burlada”, impedia os trabalhos

legais da Assembleia Provincial e dos governantes. Logo, “de todas as Câmaras da Província,

as únicas que cumpriam o seu dever foram as de Guimarães e Paço, que remeteram seus

Orçamentos e Balanços em Fevereiro aquella e em Abril esta”100.

Esse caso apresentado pelo presidente João Antônio de Miranda não era isolado. A

mesma representação foi lançada pelo seu sucessor, Jerônimo Martiniano de Mello, que além

de apontar a ineficiência destas instituições, afirmava que os vereadores eram sujeitos faltosos

e que levavam suas “intrigas” e interesses privados para o espaço público:

Nada tenho que acrescentar ao que vos disse um dos meus antecessores sobre estes

Corpos Coletivos, que tão necessários são e tão profícuos deveriam ser em nossa organização social, e que entretanto se tem tornado, como por experiência sabeis,

98 DOLHNIKOFF, 2005, p. 47. 99 MARANHÃO, Discurso recitado pelo exmº snrº doutor João Antonio de Miranda, prezidente da

província do Maranhão, na abertura da Assembleia Legislativa Provincial no dia 3 de julho de 1841.

Maranhão: Typographia Monárquica Const. F. de S. N. Cascaes, 1841b, p.98. 100 Idem

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instituição sem vida e sem zelo pelo bem estar do solo, se que deveriam curar, como

se tudo ai estivesse bem feito e otimamente administrado. As reuniões das Câmaras

se não fazem nas épocas marcadas por falta de comparecimento dos vereadores, e se

se fazem as intrigas particulares de mãos dadas com o espírito de partido que as

encapa dividem esses Empregados, inutilizam os esforços dos patriotas e fazem

aparecer resultados mesquinhos ou prejudiciais101.

Em um Estado que se encontrava em processo de consolidação enquanto nação, a

preservação de uma hierárquica de funções e poderes entre as instituições era necessário para

que os processos administrativos se tornassem mais ágeis e eficazes. Por isso, as legislações

tinham que ser tomadas enquanto regras a serem seguidas à risca, pois eram elas que

organizavam e distribuíam as atribuições de cada órgãos e agentes públicos no aparato

burocrático. Mas os casos destacados acima são exemplos de subversão deste ideal.

No Ato Adicional ficou determinado que os presidentes deveriam instruir os

deputados sobre o estado dos negócios públicos, apontando não só o panorama da situação

das instituições públicas e da sociedade, mas também a proposição de leis específicas para a

resolução de problemas que eles achavam mais urgentes e relevantes para o bem do Estado.

No período estudado, por exemplo, um dos assuntos em destaque nas falas dos presidentes em

seus relatórios, direcionados aos deputados provinciais, era a instrução pública. Este ramo

tinha grande importância para eles, pois era um dos mecanismos de moralização da sociedade

e adequação dos cidadãos a um padrão de civilidade102. Em 1838, o presidente Vicente de

Camargo, ao traçar um panorama da educação maranhense e suas instituições, teceu críticas à

Lei de 15 de outubro de 1827, que criava escolas de primeiras letras em todas as cidades, vilas

e lugares mais populosos do Império103, estabelecendo os locais do ensino, os ordenados dos

professores, as suas atribuições e as matérias a serem lecionadas104. As críticas levantadas

101 Id., Relatório que à Assembleia Legislativa da província do Maranhão appresentou o exm. Presidente

da mesma província, Jeronimo Martiniano de Mello, na sessão de 3 de maio de 1843. Maranhão, na

Typographia de I.J. Ferreira, 1843, p. 49-50. 102 SERRA JÚNIOR; Arnaldo Soares. Em defesa do estado e da ordem pública: representações, controle e

civilização dos pobres livres nos relatos dos presidentes de província do Maranhão (1836-1849). 85 p. 2011.

Monografia (Graduação em História) – Universidade Federal do Maranhão – UFMA, São Luís, 2011. 103 BRASIL. Lei de 15 de outubro de 1827. 104 Segundo a lei ficava estabelecido que:

Art. 1º Em todas as cidades, vilas e lugares mais populosos haverá as escolas de primeiras letras que forem

necessárias; Art. 2º Os Presidentes das províncias, em Conselho e com audiência das respectivas Câmaras, enquanto não

estiverem em exercício os Conselhos Gerais, marcarão o número e localidades das escolas, podendo extinguir as

que existem em lugares pouco populosos e remover os Professores delas para as que se criarem, onde mais

aproveitem, dando conta a Assembleia Geral para final resolução;

Art. 3º Os presidentes, em Conselho, taxarão interinamente os ordenados dos Professores, regulando-os de

200$000 a 500$000 anuais, com atenção às circunstâncias da população e carestia dos lugares, e o farão presente

a Assembleia Geral para a aprovação;

Art. 4º As escolas serão do ensino mútuo nas capitais das províncias; e serão também nas cidades, vilas e lugares

populosos delas, em que for possível estabelecerem-se;

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pelo governante diziam respeito ao levantamento estatístico dos mapas entregues pelos

professores, os quais “não oferecem o quadro completo dos indivíduos, que recebem a

instrução primária e secundária n’esta Província”105. Isto, segundo o presidente, era fruto da

baixa remuneração recebida pelos Mestres, pois, desta forma, os professores não tinham

incentivos de “instruir a mocidade, uma vez que, em troco, se lhe outorgam tão poucas

vantagens”106. Como resultado, ele previu que:

as escolas serão pois regidas por Mestres inábeis, e quando por ventura, pessoa de

talento exerça o Magistério, vendo mal retribuídas as suas fadigas, não empregará

inteiro desvelo no ensino. De tudo isso resulta, que os alunos, ou alcançam vagaroso

adiamento, ou as aulas são pouco frequentadas107.

Para o melhoramento desse cenário, Vicente Camargo indicou que a educação

precisava de “Leis mais perfeitas do que a de 15 de outubro de 1827”. A partir do Ato

Adicional, a educação primária passou a ser de responsabilidade do governo provincial.

Assim, o presidente propôs aos deputados que eles criassem uma lei que:

imprima uniformidade na instrução elementar; que sujeite os Mestres a uma restrita

fiscalização; marque-lhes uma gratificação, em razão do aproveitamento do maior

número de alunos manifestados por exames rigorosos; descreva regras para

jubilação; determine os casos em que eles podem ser demitidos: uma Lei em fim,

que revista de considerações os Professores aos seus próprios olhos, e aos do

Público, convença aos omissos da certeza do castigo, e seduza os diligentes pelo

atrativos da recompensa108.

As falas desses agentes refletem muito mais que uma visão técnica sobre a província,

pois elas eram frutos de um contexto político e cultural, que serviu como base constituinte das

ideias políticas incorporadas e defendidas pelos governantes, além de suas concepções de

mundo moderno e civilizado. Assim, eles abordavam assuntos que seriam urgentes para a

Art. 5º Para as escolas do ensino mútuo se aplicarão os edifícios, que couberem com a suficiência nos lugares

delas, arranjando-se com os utensílios necessários à custa da Fazenda Pública e os Professores que não tiverem a

necessária instrução deste ensino, irão instruir-se em curto prazo e à custa dos seus ordenados nas escolas das

capitais;

Art. 6º Os professores ensinarão a ler, escrever, as quatro operações de aritmética, prática de quebrados, decimais e proporções, as noções mais gerais de geometria prática, a gramática de língua nacional, e os

princípios de moral cristã e da doutrina da religião católica e apostólica romana, proporcionados à compreensão

dos meninos; preferindo para as leituras a Constituição do Império e a História do Brasil (BRASIL, 1827). 105 MARANHÃO, Discurso que recitou o Exm. Snr. Vicente Thomaz Pires do Figueiredo Camargo,

Presidente desta Província, na occazião da abertura da Assembleia Legislativa Provincial no dia 3 de maio

de 1838. Maranhão: Typographia de I.J. Ferreira. 1838, p. 10. 106 Idem. 107 Idem. 108 Ibid., p. 11.

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manutenção da ordem na província e para a promoção de seu desenvolvimento material e

econômico.

Em seus relatórios, além de apresentarem para os deputados as necessidades pelas

quais a província passava, os presidentes tinham que assumir um discurso cujo objetivo seria

o de sensibilizar e convencer os seus leitores. Tomemos como exemplo o relatório de 1838,

do então presidente Vicente Thomaz Pirez do Figueiredo Camargo. Depois de apresentar todo

o seu relatório, abordando assuntos como tranquilidade pública, culto religioso, instrução

pública, polícia, administração da justiça, obras públicas, administração e secretaria da

fazenda, ele concluiu o seu texto com as seguintes palavras:

Não aspiro, Senhores, a outra gloria senão a de convosco concorrer para a felicidade

da Província, a que tenho a honra de Presidir. Assegurar-vos pois n’esta ocasião a

minha franca e leal coadjuvação em todos os vossos atos, é a prova mais solene que

vos posso dar, da convicção que tenho de vosso patriotismo e boas intensões.109

O que podemos retirar dessa exposição é a tentativa do presidente de comover os

deputados com a utilização de termos como “franca” e “leal”, para expressar as qualidades

que ele carregava ao estar coadjuvando os trabalhos com os legisladores maranhenses,

mostrando-lhes que, ao analisar o contexto da província para produzir o seu documento, ele

não tinha em mente outra coisa senão a vontade de trazer a “felicidade” para a província,

deixando de lado qualquer posicionamento parcial. Outra noção utilizada com frequência

pelos presidentes foi o “patriotismo”. Esta seria mais uma estratégia discursiva para

sensibilizar os leitores, mostrando que sentimentos de defesa do progresso e de ordem da

nação dos deputados para com o Estado, levá-los-iam à concordância das propostas indicadas

no relatório. Esta situação pode ser vista também no encerramento do texto de seu antecessor,

Francisco Bibiano de Castro:

Haveis de sempre achar-me pronto e oferecido a vos prestar a mais leal cooperação;

e digo que não serão iludidas as esperanças que o povo Maranhense tem posto nos seus dignos Representantes, quando entre tantas partes e virtudes que os distinguem,

me recordo do seu acrisolado patriotismo, da sua qualificada prudência, e da força

d’alma com que, para comum proveito, sabem fazer calar o espírito de partido,

sacrificando opiniões e ressentimentos110.

Mais uma vez podemos destacar termos como “dignos representantes”, “acrisolado

patriotismo” e “qualificada prudência”, como forma de mobilizar os leitores a deixarem de

109 Ibid., p. 18. 110 Id. Relatório do Presidente da Província do Maranhão Dr. Francisco Bibiano de Castro, apresentado à

Assembleia Provincial do Maranhão, aos 03 de junho de 1837, p. 15.

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lado o seu “espírito de partido”, para debaterem e legislarem sobre as matérias selecionadas

pelos presidentes.

O uso da figura do rei também era recorrente nos discursos dos governantes, a qual era

acionada no intuito de fazer valer suas prerrogativas. Como exemplo, citamos o caso do

presidente Antônio de Miranda, ao assegurar aos deputados, na redação do relatório, que ele

agiu com “leal cooperação para a glória do Imperador e prosperidade do país”, tendo “um

respeito ilimitado ao Monarca Brasileiro, único penhor de nossa união e futura grandeza,

com um amor cego e decidido aos Princípios constitucionais”111. Este era um esforço dos

presidentes em homogeneizar as visões políticas e criar um sentimento de união e integração

entre os indivíduos, relacionando a figura do rei ao sentimento de patriotismo e nacionalismo.

Ainda na década de 1830, fora aprovada mais uma lei que concedeu maiores poderes

aos presidentes: a lei dos prefeitos. A lógica do pensamento federalista, empreendido no

avanço liberal, era criar um arcabouço institucional que garantisse a autonomia em nível

provincial, e não aos municípios e paróquias, de modo que os potentados locais deveriam

estar submetidos a uma elite provincial e comprometidos com o Estado nacional. Neste

sentido, como apontamos acima, as Câmaras Municipais foram reduzidas aos órgãos

meramente administrativos, sob supervisão dos Conselhos e das Assembleias Provinciais.

A criação da lei das prefeituras foi uma resposta dada pelos presidentes de província

ao cargo de juiz de paz, que durante o avanço liberal acumulou diversas atribuições, como as

judiciais e policiais, tornando-se maior autoridade local. Numa tentativa de reduzir as suas

atribuições, esta lei retirava os poderes de polícia desses magistrados, transferindo-os para

prefeituras. Estes novos agentes eram de nomeação exclusiva dos governantes da província, o

que lhes garantia poderes mais amplos para interferir não só nas instituições voltadas para a

tranquilidade pública, mas também no cotidiano da população. Esta lei merece uma análise

mais apurada, devido à sua relação com o juizado de paz e com a ocorrência das revoltas

regenciais. Esta análise será apresentada nos capítulos seguintes.

1.2.2 A presidência de província na cultura do bacharelismo: as características de ocupação

do cargo

Ao explicar o processo de dominação legal, Weber nos coloca que o Estado moderno

se utiliza de meios materiais e do recrutamento de agentes que acreditam nos sentidos das

111 Id., 1841b, p. 107, grifo nosso.

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instituições em que participam e que possam difundir esta crença para outras pessoas. Esses

agentes conseguem ter um conhecimento na sua esfera de atuação, possibilitando a

manipulação e a imposição de sentidos sobre o mundo112. Como podemos perceber, esta

analogia pode ser utilizada no caso dos presidentes de província. Porém, além desse

recrutamento no ofício público, temos que ter em mente que no jogo político não existem

apenas estratégias por parte do Estado para se sustentar, legitimar e ampliar sua área de poder,

mas também há a participação de sujeitos, que, como tais, possuem sua subjetividade e

interesses próprios. Eles não são movidos por uma mão controladora do Estado, mas

adentram neste campo político e se adequam às suas regras pré-existentes por possuírem

ideais de vida e projetos particulares, sendo um deles a tessitura de uma carreira política

sólida, que lhes possa viabilizar cargos cada vez mais altos na hierarquia da administração

imperial.

Uma das mudanças que o Estado moderno trouxe foi o surgimento gradativo de

indivíduos especializados na política. No Brasil, durante o século XIX, podemos observar um

crescimento no número de agentes públicos com formação superior, em especial nos cursos

de Direito, refletindo desde então suas preocupações em criarem estratégias para construir

suas carreiras políticas. Estes indivíduos entram no campo universitário para apreender um

conjunto de técnicas de condutas e conhecimentos, incorporando-os para utilizá-los como

meio de conquistar espaço de poder. O curso de Direito foi um dos principais difusores dessas

técnicas e conhecimento113.

O bacharelismo na cultura política imperial já é um tema bastante estudado pela

historiografia brasileira, sobretudo por juristas interessados em analisar aquilo que o Visconde

de Uruguai chamou de “a chaga do funcionalismo”114, associando este tema, muitas vezes, ao

empreguismo. Mas, historiadores como Sérgio Buarque de Holanda passaram a relacionar

este fenômeno às academias de ciências jurídicas, que eram frequentadas por jovens que

buscavam a obtenção de empregos públicos e a inserção na burocracia estatal. Sergio Buarque

entende que havia uma continuidade entre as práticas lusitanas e a formação em cursos de

Direito pelos brasileiros, quando a carta de bacharel passou a ser tão considerada uma carta de

recomendação para a ocupação de altos cargos115.

112 WEBER, Max. A política como vocação. In: _________. Ensaios de sociologia. 5º ed. Rio de Janeiro, Ed.

Guanabara, 1979. P. 97-153. 113 CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem: a elite política imperial. 4. ed. Rio de Janeiro:

Civilização Brasileira, 2008. 114 BESSONE, Tânia. Bacharelismo. In: VAINFAS, Ronaldo (org.). Dicionário do Brasil imperial. Rio de

Janeiro: Objetiva, 2008, p. 68-69. 115 HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

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Para além da aquisição de um diploma, a formação superior dos jovens aspirantes à

carreira política favoreceu a aproximação destes com outros sujeitos que potencializavam a

sua carreira. Jonas Moreira Vargas, ao estudar a elite política do Rio Grande do Sul, analisa os

percursos de algumas figuras proeminentes da província. Ele afirma que este processo de

formação superior fazia parte de um projeto familiar. Os jovens, desde cedo, entravam em

contato com a política por meio de sua família, pois muitos já faziam parte deste círculo.

Quando não, os seus pais eram, na maioria, estancieiros, comerciantes ou empregados

públicos, o que os qualificava como homens de alto prestígio em sua localidade116.

A condição financeira era importante nesse projeto, pois o investimento na formação

intelectual de sua prole era essencial e dispendiosa. Os jovens se preparavam em escolas

secundárias do país, outros chegavam a frequentar cursos de estudos preparatórios, como o

disputado Colégio Pedro II, na Corte, a fim de ingressarem com uma melhor qualidade nas

academias, para depois irem para as universidades. Aquelas famílias que tinham poucos

recursos econômicos, poderiam completar a sua educação secundária nos seminários ou em

escolas públicas.

Além da formação intelectual, as academias eram importantes também na criação de

círculos de amizades, dando suporte para futuras formações de redes sociais117 com outras

famílias da elite. Portanto, havia um nítido processo de aprendizado político que vinha desde

a adolescência, no qual o estudante trazia opiniões políticas e entrava em contato com outros

garotos que trocavam informações, experiências, além de constituírem laços de amizade com

outras elites provinciais.

Na primeira metade do século XIX, a principal instituição de formação em Direito

frequentada pelos jovens da elite brasileira foi a Universidade de Coimbra. Tal instituição foi,

segundo José Murilo de Carvalho, um poderoso elemento de unificação ideológica da elite

imperial. Essa unidade foi possível por três fatores:

Em primeiro lugar, porque quase toda a elite possuía estudos superiores, o que

acontecia com pouca gente fora dela: a elite era uma ilha de letrados num mar de

116 VARGAS, Jonas Moreira. Entre a Paróquia e a Corte: uma análise da elite política do Rio Grande do Sul (1868-1889). 276 p. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRS,

Porto Alegre, 2007. 117 A título de esclarecimento, indicamos aqui a noção de “redes sociais” utilizada por Jonas Moreira Vargas. Ele

considera que as redes não podem contar com uma coesão de classe, ordem ou corporação. Ela estabelece

normas e pressão constantes, uns sobre os outros, para que os sujeitos se adequem à rede social. A rede é

também permeada pelas relações de reciprocidade pessoal. As redes não são homogêneas, podendo envolver

relações entre amigos, parentes ou indivíduos, em situação de desigualdade, ou seja, há diferentes pessoas em

uma mesma rede social. Ele conclui que as redes sociais não são permanentes, pois a permanência de um

indivíduo nesta depende de sua disposição (VARGAS, 2007).

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analfabetos. Em segundo lugar, porque a educação superior se concentrava na

formação jurídica e fornecia, em consequência, um núcleo homogêneo de

conhecimento e habilidades. Em terceiro lugar, porque se concentrava, até a

Independência, na Universidade de Coimbra118.

Desde o século XVIII, essa universidade teve influência do Iluminismo italiano e do

francês, mas pendendo mais para as características do primeiro. A explicação de tal afirmação

é porque o Iluminismo francês carregava consigo um teor revolucionário e de questionamento

da autoridade, em particular da autoridade real, inspiradas em pensadores como Jean Jacques

Rousseau e Voltaire – por isso, personalidades da época, como Marques de Pombal,

combatiam tais pensamentos a fim de preservar o poder do rei lusitano. Assim, os cursos

ministrados em Coimbra tinham menos características revolucionárias, tornando-se

“essencialmente progressista[s], reformista[s] e humanista[s]. Era o Iluminismo italiano: um

Iluminismo essencialmente cristão e católico”119, que preservava nos jovens políticos

brasileiros um espírito “reformista” do Estado centralizado.

Juntamente com a Universidade de Coimbra, existiam outras duas instituições de

ensino importantes para a formação da elite brasileira: a Real Academia de Marinha e o

Colégio dos Nobres. As duas eram voltadas para a formação militar, sendo que a última tinha

como finalidade proporcionar uma alternativa aos filhos nobres para os serviços do governo,

que não fosse as carreiras eclesiásticas.

Então, o curso de Direito em Coimbra foi utilizado como um espaço voltado para a

formação de um corpo de funcionário público, treinado para atuar na administração do Estado

imperial que estava se constituindo, e que pudesse exercer altos cargos na burocracia pública,

tais como juízes, senadores, diplomatas e deputados. Como aponta Carvalho, ocorreu uma

verdadeira:

síndrome [da] educação superior/educação jurídica/educação em Coimbra

[proporcionando às elites] da primeira metade do século [XIX] aquela

homogeneidade ideológica e treinamento [...] necessário para as tarefas de

construção do poder nas circunstâncias históricas em que o Brasil se encontrava120.

No caso da administração do Maranhão, ao observarmos as características de

formação dos presidentes da província, podemos fazer a mesma afirmação. Vejamos a tabela

abaixo:

118 CARVALHO, 2008. p.65. 119 Ibid., p. 67. 120 Ibid., p. 84.

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QUADRO 2 – Os presidentes e vice-presidentes da província do Maranhão e suas respectivas

formações acadêmicas e tempo de ocupação do cargo (1827-1841)

NOME FORMAÇÃO CARGO ASSUMIDO NA PROVÍNCIA

Romualdo Antônio Franco de

Sá ------------ -Vice-Presidente (01/03/1827 a 28/02/1828)

Manoel da Costa Pinto Militar -Presidente (28/02/1828 a 14/01/1829)

Candido José de Araújo Viana

(Conde de Palma)

Bacharel em

Direito -Presidente (14/01/1829 a 13/101832)

Joaquim Vieira da Silva e Sousa Bacharel em

Direito -Presidente (13/10/1832 a 17/03/1834)

Manuel Pereira da Cunha ------------ -Vice-Presidente (17/03/1834 a 03/05/1835)

Raimundo Filipe Lobato ------------ -Vice-Presidente (05/05/1834 a 30/10/1834)

Antônio José Quim ------------ -Vice-Presidente (30/10/1834 a 21/01/1835)

Antônio Pedro da Costa

Ferreira (Barão de Pindaré)

Bacharel em

Direito -Presidente (21/01/1835 a 03/05/1837)

Francisco Bibiano de Castro ------------ -Presidente (03/05/1837 a 03/03/1838)

Vicente Thomás Pires

Figueiredo Camargo ------------ -Presidente (03/03/1838 a 03/03/1839)

Manuel Felizardo de Sousa e

Melo

Bacharel em

Matemática -Presidente (03/03/1839 a 7/01/1840)

Luiz Alves de Lima (Duque de

Caxias)

Na Academia

Militar Real -Presidente (07/01/1840 a 13/03/1841)

João Antônio de Miranda Bacharel em

Direito -Presidente (13/03/1841 a 03/04/1841)

Francisco de Paula Pereira

Duarte

Bacharel em

Direito -Vice-Presidente (03/04/1841 a 25/07/1842)

Fonte: LIMA, 2008; MARQUES, 2008; SACRAMENTO BLAKE, 1895.

Como podemos verificar, essa tabela possui nomes de quem foi nomeado e ocupou o

cargo como presidente de províncias e como vice-presidente. Esta medida foi proposital para

podermos ter uma maior visibilidade da influência que o curso de Direito passou a ter nas

carreiras políticas durante o Império e na administração pública. Entre os anos de 1827 a

1841, constatamos que dos catorze nomes que passaram pelo poder executivo provincial, oito

possuíam cursos superiores, dos quais cinco detinham a carta de bacharel em Direito. Por não

conseguirmos encontrar maiores dados nas fontes pesquisadas, estes números se tornam

imprecisos. Porém, existe a possibilidade de ter havido um maior número de presidentes e/ou

vice-presidentes que investiram na formação superior como meio de viabilizar uma carreira

política sólida e ascendente.

Como o cargo de presidente era de exclusiva nomeação do governo central, além da

formação superior, as redes de amizades e a posição social e econômica influenciavam

bastante na aproximação desses políticos nos círculos restritos da Corte. Assim, além de bons

cargos, os candidatos poderiam conseguir uma boa localização para atuar. A “qualidade” da

localização era definida de acordo com o potencial econômico da província. Se fosse uma

região que tivesse uma forte economia, maior seria a contribuição desta com o poder central.

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Ao mesmo tempo, seus governantes tinham a possibilidade de acumular novas amizades com

as famílias mais influentes da localidade ou, até mesmo, conseguir um casamento com uma

filha de pais influentes, que pudesse alavancar a sua carreira política121.

João Francisco Lisboa, em “Jornal de Timon”, criou uma narrativa que nos fornece

uma visão de como era a política da época, no caso específico do Maranhão, mostrando a

convivência dos presidentes com os demais grupos políticos locais. Ao descrever a lastimável

residência em que os governantes moravam, caracterizando-as como locais pobres,

desconfortáveis, com assoalhos nus e tapetes velhos e esburacados, molhados por conta das

buraqueiras no telhado, Francisco Lisboa sarcasticamente assumiu a fala de um presidente,

dizendo que “entretanto, se eu com esta presidência pudesse arranjar um bom casamento...

certamente que não sou o primeiro quem isto lembra... e se viesse por ai assim uma senatoria

desgarrada?”122. Ou seja, temos aqui um panorama da cultura política local, em que as redes

sociais eram tão importantes quanto o próprio exercício do cargo, já que o cargo de presidente

poderia possibilitar casamentos valiosos para a carreira política. Estes, por sua vez, poderiam

abrir portas para a ascensão política, quem sabe chegando à “senatoria”.

Além dos governantes atuarem como uma extensão do poder do governo central nas

regiões do país (fazendo com que os interesses provinciais e imperiais andassem em sintonia),

eles construíam novas redes de amizade, o que era essencial para o seu futuro político. Nas

províncias menos importantes, a atuação dos presidentes servia também como forma de

treinamento na administração pública123. Como eram de nomeação exclusiva do imperador,

que “por um ato de consumada bondade se dign[ava] a confiar[-lhes]”124 este cargo, eles

também poderiam ser por ele destituídos, o que os pressionava a incorporar o discurso de

defesa do Estado nacional.

As nomeações para quem seria o presidente de determinada província não eram

aleatórias ou unicamente fruto de relações de amizades, mas uma ação bem planejada pelo

governo central, pois se relacionava com as necessidades políticas pelas quais a região

passava. Primeiramente, como já destacamos anteriormente, a maioria dos governantes era

oriundo de regiões diferentes daquelas em que atuariam. Tal medida, somada com intensa

mobilidade e rotatividade dos ocupantes desses cargos – que podiam ocupá-los por um ou

dois anos, ou por poucos dias, como demonstra o Quadro 2 –, foi uma forma de o poder

central inviabilizar uma postura unilateral dos presidentes, favorecendo as necessidades

121 Ibid. 122 LISBOA, 1995, p. 102-103 123 CARVALHO, 2008. 124 MARANHÃO. 1843, p.3.

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políticas locais em detrimento daquelas do governo central, e dificultar a cooptação desses

presidentes pelos grupos políticos da província, preservando a sua imparcialidade ao tratarem

dos assuntos públicos.

Outro ponto que devemos destacar sobre a nomeação para esse posto era a

preocupação do governo central em alocar pessoas que já tinham alguma experiência no ramo

da administração pública. Vejamos a tabela abaixo:

QUADRO 3 – Os cargos públicos assumidos pelos presidentes e vice-presidentes da

província do Maranhão (1827-1841)

NOME OUTROS CARGOS PÚBLICOS

Antônio José Quim ----------------------------------------------

Antônio Pedro da Costa

Ferreira (Barão de

Pindaré)

-Secretário do Governo do Maranhão (1827);

-Fiscal e Superintendente da Junta da Vila de Alcântara;

-Deputado Geral pelo Maranhão (1830);

-Senador do Império do Brasil (1837).

Candido José de Araújo

Viana (Conde de Palma)

-Governador e Capitão-General da capitania de Minas Gerais (1815);

-Juiz de Fora da cidade de Mariana (1821);

-Provedor da Fazenda dos Defuntos e Ausentes, Resíduos e Capelas de Mariana

(1822); - Deputado pela província de Minas Gerais à Constituinte em 1823, 1ª

legislatura (1826-1829), 2ª legislatura (1830-1833), 3ª legislatura (1834-1837), e

4ª legislatura (1838-1839);

-Desembargador da Relação de Pernambuco (1826) eda Bahia (1832);

-Presidente de província de Alagoas (1826);

- Ministro de Estado das pastas da Justiça e da Fazenda (1832);

-Ministro do Supremo Tribunal de Justiça (1849);

-Senador (1840) e presidiu o senado de 4 de janeiro de 1851 a 7 de maio de

1854.

Francisco Bibiano de

Castro

-Inspetor chefe de divisão no Arsenal Imperial de Marinha da Corte

-Capitão-de-mar-e-guerra.

Francisco de Paula

Pereira Duarte

-Desembargador;

-Ouvidor Geral do Maranhão;

-Corregedor de Comarca.

João Antônio de

Miranda

-Presidente da Província do Ceará (1839) e do Pará (1840);

-Deputado Geral do Maranhão (1843 a 1844);

-Senador do Império do Brasil (1855 a 1861).

Joaquim Vieira da Silva

e Sousa

-Provedor da Fazenda dos Defuntos e Ausentes

-Ouvidor da Província do Ceará; -Deputado Provincial do Maranhão (1834-1837 e 1838-1841);

-Desembargador da Relação do Maranhão (2 de dezembros nomeado em 1839);

-Ministro da Guerra;

-Ministro do Supremo Tribunal da Justiça

-Ministro do Império

-Ministro da Marinha

-Deputado da Junta do Comércio do Maranhão-Juiz de Fora de Fortaleza;

-Ministro do Supremo Tribunal de Justiça (nomeado em 1º de março de 1864);

-Ministro da Marinha e da Guerra;

-Senador do Império do Brasil (1860 a 1864).

Luiz Alves de Lima

(Duque de Caxias)

-Presidente da Província do Rio Grande do Sul (1845);

-Presidente do Conselho de Ministro;

-Ministro da Guerra; -Senador do Império do Brasil.

Manoel da Costa Pinto -Segundo Tenente de Artilharia em Portugal (1802);

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-Marechal de Campo (1828);

-Tenente-general (1837)

Manuel Felizardo de

Sousa e Melo

-Presidente da Província do Ceará (1838), Alagoas (1840 e 1842), São Paulo

(1844) e Pernambuco (1859);

-Inspetor da tesouraria provincial de S. Pedro do Sul; -Brigadeiro da Escola Militar das Agulhas Negras;

-Deputado Geral;

-Tenente Coronel de Engenheiros;

-Senador do Império do Brasil (1849 a 1866).

Manuel Pereira da

Cunha ----------------------------------------------

Raimundo Filipe Lobato ----------------------------------------------

Romualdo Antônio de Sá ----------------------------------------------

Vicente Thomás Pires

Figueiredo Camargo

-Presidente de Província de Alagoas (1833 a 1834);

-Vice-Presidente de Pernambuco (1835 e 1837);

-Juiz de paz;

-Vereador da Câmara Municipal de Olinda;

-Coronel Chefe da Segunda Legião da Guarda Nacional.

Fonte: LIMA, 2008; MARQUES, 2008; SACRAMENTO BLAKE, 1895.

Se pegarmos como exemplo o presidente Candido José de Araújo Viana, que iniciou a

sua administração em 1829, ele já havia ocupado diversos cargos, como Governador e

Capitão-general da capitania de Minas Gerais (1815), Juiz de Fora (1821), Provedor da

Fazenda dos Defuntos e Ausentes, Resíduos e Capelas de Mariana (1822), Deputado pela

província de Minas Gerais à Constituinte (1823), Desembargador da Relação de Pernambuco

(1826) e Presidente de província de Alagoas (1826). Isto não é um caso isolado se

observarmos o caso de Antônio Pedro da Costa Ferreira. Presidente no ano de 1836, ele já

tinha ocupado o cargo de Secretário do Governo do Maranhão (1827) e de Deputado Geral

(1830). Na mesma tabela, podemos identificar que houve um considerável número de ex-

presidentes que conseguiu ascender na carreira política, chegando a se tornar senador do

Império.

Comparando o contexto em que os presidentes atuavam com a sua formação

acadêmica, Léa Iamashita125 faz algumas considerações iniciais que devem ser analisadas

mais a fundo. Nos primeiros anos da Regência, momento em que houve um maior número na

produção de emendas constitucionais, códigos, leis e decretos, quem ocupou o posto foram

advogados ou juristas, como Candido Vianna, Joaquim Franco de Sá e Antônio Pedro da

Costa. Mas, a partir de 1837, com as revoltas regenciais, em especial a Cabanagem no Pará

(que, por ser vizinha do Maranhão, ameaçava a ordem e a tranquilidade pública local) e a

Balaiada, foram nomeados presidentes vinculados à formação militar ou que já tinham

ocupado cargo relacionado ao meio militar, como Francisco Bibiano de Castro (Capitão de

125 IAMASHITA, 2010

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Mar e Guerra), Manuel Felizardo de Sousa e Melo (Tenente-coronel de Engenheiros) e Luiz

Alves de Lima (formado na Academia Militar Real e chegou a ser Ministro da Guerra). Isto,

segundo a autora, dá indícios que, nos primeiros anos da Regência, o governo central se

preocupava em manter um governo que preservasse a lei, coordenando as autoridades e

instruindo-os conforme as estratégias definidas pelo Estado moderno, mas, com o abalo da

ordem pública, a atenção do governo central se voltou para o controle social e para a

imposição de obediência de forma mais dura.

Contudo, quando observamos as características dos presidentes que assumiram o posto

em outras províncias que passaram por deflagração social, o cenário que identificamos foi

diferente. Realmente, nas províncias do Pará126 e do Rio Grande do Sul127, locais em que

ocorreram a Cabanagem (1835 a 1840) e a Farroupilha (1835 a 1845), respectivamente, houve

a participação de presidentes militares. Mas na Bahia128, durante a Sabinada, e

Pernambuco129, quando ocorreu a Setembrada e a Novembrada, quem ocupou os postos ali

foram pessoas com formação jurídica.

Então, analisando estruturação dos governos provinciais e a atuação dos presidentes

nas províncias em que administravam, entendemos a criação deste cargo como um

instrumento articulador entre o governo central e as províncias. O centro provincial, com

todas as demais autoridades em nível municipal (executivas, judiciárias e militares), além de

balancear os poderes entre as três esferas administrativas (municipal, provincial e central),

garantia o poder do governo central e a inserção de sua agenda política nas províncias. Ao

mesmo tempo, viabilizava o projeto dos presidentes em tecerem suas próprias carreiras

políticas.

126 Francisco José de Sousa Soares de Andréa possuía formação militar, no Curso de Engenharia e Navegação.

Atuou enquanto presidente entre os anos de 1836 a 1839. 127 Luís Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias, após apaziguar a província do Maranhão, governou a

província do Rio Grande do Sul, durante os anos de 1842 a 1846. 128 Francisco de Sousa Martins (1834-1836), Francisco de Sousa Paraíso (1836-1837) e Antônio Pereira Barreto

Pedroso (1837-1838), todos tinham formação jurídica. 129 Joaquim José Pinheiro de Vasconcelos governou a província de Pernambuco durante os anos de 1830 a 1831

e tinha formação em Direito.

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CAPÍTULO 2 – A JUSTIÇA DE PAZ EM TEMPOS DE MODERNIZAÇÃO

POLÍTICA BRASILEIRA

Constando-me que nesta Vila tem sido ameaçada a tranquilidade pública em razão

de serem espalhados boatos aterradores, que tem assustado a população, ordeno ao

Senhor Juiz de Paz que dê todas as providências para que sessem o quanto ante

semelhantes germes de desordem, procedendo na forma da lei contra todos que se

encontrassem em semelhantes planos. E outro sim lhe recomendo que faça o quanto

esteja em si pela organização da Polícia Rural e preenchimento do número de

recrutas como já lhe ordenara muitas vezes, que anteriormente lhe designei. Deus guarde o nosso Maranhão, em 18 de novembro de 1835.

Antônio Pedro da Costa Ferreira – Ao Senhor Juiz de Paz do 1º Distrito da Vila de

Caxias.

Igual aos Juiz de Paz do 2º e 3º Distritos da mesma Vila130.

A questão da tranquilidade pública e do ordenamento social era uma das principais

pautas da agenda política do governo central, pois, nas duas primeiras décadas do

constitucionalismo brasileiro, emergiram intensos embates políticos e movimentos sociais que

ameaçavam a nascente nação. Neste cenário, fomentado por diferentes facções das elites

políticas, que buscavam seu quinhão neste novo Estado, e por camadas populares que

almejavam a ampliação dos meios de representatividade, surgiram diversos esforços de

organização e redefinição dos poderes institucionais da época, instaurando então uma nova

ordem política.

Além da presidência de província, o sistema judiciário foi outro ramo da

administração pública que ganhou atenção dos legisladores do Império, sendo incluso no

processo de modernização política, na tentativa de superar os traços característicos do modelo

colonial e absolutista, adequando-o aos paradigmas modernos, dentre eles o jusnaturalismo.

Este princípio passou a ser largamente utilizado nas sociedades modernas, por defender o

abandono da concepção de “Estado de natureza”, conceito que fora aproveitado pelas

monarquias absolutistas como forma de legitimar os poderes pessoais do rei. O conceito

afirmava ainda que o Estado seria a projeção “natural” dos seus poderes e que só ele seria

capaz de organizar a sociedade que se encontrava ameaçada pelos indivíduos que se deixavam

levar por suas “paixões”, oriundas de seus estados naturais. A corrente jusnaturalista moderna

ia de encontro com tal noção, pois ela afirma que o Estado não deveria ser conduzido pelo

direito natural, mas por Leis “positivas” que, além de tutelar a sociedade, organizaria a mesma

130 MARANHÃO, Livro de registro da correspondência dos presidentes de província com os magistrados

(1831-1834). Códice 468. Setor de Códice. Arquivo Público do Estado do Maranhão, ofício nº 240, em 18 de

novembro de 1835.

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com a distribuição e delimitação de direitos e deveres dos cidadãos, inclusive os próprios

reis131.

Dentro desses paradigmas, o poder judiciário ganhou novos contornos, no intuito de

possibilitar a propagação do poder do Estado através da competência reguladora de seus

agentes e instituições, na tentativa de garantir a ordem e difundir a civilização. Nesse sentido,

uma das novidades trazidas pela Constituição de 1824 foi a previsão da criação de um

magistrado em nível local, que seria eleito e teria o papel de conciliar as partes envolvidas nos

processos judiciais: o juiz de paz. Refletindo a incorporação de ideias liberais pelos

parlamentares da Assembleia Geral, o Estado tentava com este cargo conceder uma maior

agilidade nos processos e abrir um novo canal de representatividade política popular.

Contudo, como podemos perceber no ofício do presidente Antônio Pedro da Costa Ferreira,

enviado para o magistrado eleito da vila de Caxias, a atividade exigida ali não era a de

conciliação, estando mais próxima aquela relacionada ao policiamento dos distritos em que

trabalhavam.

Isso foi resultado não só das transformações legais pelas quais o cargo passou desde o

ano de sua criação, mas também pela forma de desestabilizar os poderes tradicionais do

monarca, que encontrava no sistema judiciário uma forma de estender os seus poderes

pessoais. Deste modo, foram criadas e aprovadas várias Leis, Decretos e Códigos que

alteraram o funcionamento deste cargo, com o objetivo de contornar as dificuldades do

sistema jurídico colonial e aperfeiçoar os aparatos voltados para o controle social, nos quais,

dentre eles, estavam os juízes leigos que, gradativamente, adquiriram maiores poderes de

interferência na vida cotidiana da população.

Além disso, vale ressaltar que o juizado de paz foi uma das instituições que melhor

refletiu o desenrolar do jogo político imperial e as discussões que giravam em torno dos temas

descentralização e centralização política. Durante o avanço liberal, a incorporação de

diversas atribuições, diferentes daquelas previstas inicialmente na Constituição, tornou esta

magistratura uma das maiores forças políticas nas províncias em nível local, trazendo novas

implicações para a dinâmica da política da província e, porque não, nacional, levando-a a ser

um dos principais alvos das reformas promovidas durante a fase do regresso conservador.

Neste capítulo, o foco será analisá-la, especialmente no momento em que ela se constituiu e se

fortaleceu, deixando as questões que envolvem a redução dos seus poderes para o próximo.

131 FASSÒ, Guido. Jusnaturalismo. In: BOBBIO, Noberto (org) et all. Dicionário de política. Vol. 1, 11 ed.

Brasília: Editora Unb, 2010. p. 655-660.

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2.1 A magistratura de paz nos capítulos da historiografia

A justiça de paz não foi uma criação do governo português ou do Estado brasileiro,

mas sim da Inglaterra. Durante o século XII, através de uma proclamação real, originou-se a

Justice of the Peace, que tinha como objetivo criar os “cavaleiros da paz”, com o dever de

auxiliar os xerifes locais no cumprimento da lei. Nesse momento, as suas funções tinham mais

características administrativas do que judiciárias. Durante o século XIV, com o declínio dos

xerifes, esses juízes (agora conhecidos também como custodes pacis, ou mantedores da paz)

receberam funções judiciais. Eles geralmente não possuíam nenhuma qualificação legal, o que

não os impediram de acumular outras atribuições, como poderes estatutários, para punir os

próprios xerifes a quem um dia já estiveram submetidos, e criminais, para castigar todos os

delitos cometidos em sua jurisdição. Assim, eles se tornavam uma peça importante para a

justiça local. Envolvidos em diversas polêmicas, devido ao seu destaque enquanto autoridade

local, a partir do século XIX começaram os primeiros movimentos para a limitação dos seus

poderes, como foi o caso do Ato das Sessões Trimestrais, em 1842132.

No Brasil, os juízes de paz tiveram um percurso semelhante, pois foram pensados

inicialmente enquanto agentes que viabilizariam a paz entre as partes envolvidas em

processos judiciais, mas depois do acúmulo de diversas atribuições, eles se tornaram as

maiores autoridades em nível dos distritos. Contudo, o desenvolvimento deste cargo se ateve

às especificidades políticas e culturais do país no momento de configuração do Estado.

Ainda são poucos os trabalhos dedicados a estudarem esses personagens da política

imperial. Um dos autores que podemos elencar aqui é Oliveira Viana, quando em 1949 lançou

a sua obra intitulada Instituições Políticas Brasileiras. Aqui, ele trabalhou em uma

perspectiva de “conflitos culturais”, refletida nos choques/interação entre a “elite letrada” e o

“povo-massa”. A primeira se caracterizou pela importação de ideias estrangeiras, as quais

foram utilizadas como base para a formação de um direito formal e escrito; a segunda, por sua

vez, se distanciou deste modelo, pois tomava enquanto regra as práticas criadas no dia a dia,

ou seja, o direito “surge desta atividade espontânea da sociedade”133.

Ao abordar a magistratura de paz, Viana destaca-a enquanto um cargo derivado do

pensamento liberal do período, sendo peça importante para o ordenamento administrativo do

país, pois possibilitou a efetivação das ordens constitucionais do país nas localidades. Mas,

132 VIEIRA, Rosa Maria: O juiz de paz: do império aos nossos dias. 2º ed. Brasília: editora Universidade de

Brasília, 2002. 133 VIANNA, Oliveira. Instituições políticas brasileiras. Brasília: Conselho Editorial do Senado Federal, 1999,

p. 44.

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além disso, esses magistrados viabilizaram a implementação prévia de um self-government,

um autogoverno, onde as municipalidades se destacariam através de seus “chefes de clãs

feudais ou parentais”. Estes eram grupos familiares e grandes fazendeiros que tinham uma

posição de destaque na região onde atuavam, ameaçando o modelo centralizado imposto por

Portugal e fortalecendo a instalação de uma “democracia municipalista”. Isso aconteceu, em

especial, com a promulgação do Código do Processo Criminal em 1832, pois, “com a sua

democracia municipalista, obrigava, forçava mesmo, estes senhores rurais a entendimentos e

combinações entre si para elegerem as autoridades locais – como os juízes de paz (que tinham

funções policiais)”134.

Segundo o autor, as relações que os potentados locais buscavam eram aquelas que em

tempos coloniais se davam através das Câmaras Municipais, onde as elites locais viam nos

agentes públicos um meio de canalização de seus interesses privados para a esfera pública.

Agora, no Império, eram os magistrados eleitos quem ocupavam o espaço das antigas práticas

aristocráticas, pois, ao serem autoridades eleitas de forma direta e possuidores de amplos

poderes, os senhores rurais criavam novos acordos e apadrinhamentos para viabilizar a vitória

nas eleições dos seus candidatos ao cargo.

No entanto, aqui se destaca um elemento novo: a participação popular direta nesse

processo eleitoral. Como vimos anteriormente, a política colonial se restringia a uma restrita

elite local, enquanto a população mais pobre estava excluída desse privilégio. Com o juiz de

paz, esse “povo-massa” se tornou mais um componente a ser inserido nas relações sociais

estabelecidas pelos senhores rurais.

Vale afirmar que Oliveira Viana tem uma visão pessimista sobre esses magistrados,

afirmando que eram fortes as tradições sociais baseadas em laços familiares e relações

clientelistas. A falta de uma educação política da sociedade também incapacitou grande parte

dos homens daquele momento em exercer o seu direito ao voto de maneira imparcial e

impessoal, mostrando que o municipalismo, ancorado em uma sociedade de “clã”,

representou um entrave para as práticas eficientes dos direitos políticos. A leitura feita pelo

autor sobre este período é interessante quando nos permite verificar a importância do juiz de

paz no âmbito local, sobretudo no que diz respeito às ressignificações das antigas práticas

políticas. A descentralização política proporcionada pelos magistrados viabilizou uma maior

participação política de uma parcela significativa da população, resultando na emergência de

novas relações nas vilas e freguesias.

134 Ibid., p. 259.

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Outro estudo clássico que abordou os magistrados de paz foi Os Donos do Poder, de

Raymundo Faoro. Indo na esteira de Oliveira Viana, ele destaca que o cargo derivou do

modelo inglês, principalmente quando houve a aprovação do Código de 1832, que lhe

concedeu amplos poderes judiciais e policiais. A partir desse fortalecimento, houve uma dupla

consequência: o enfraquecimento do governo central e o fortalecimento da autonomia local.

Faoro afirma também que as mudanças ocorridas ali favoreceram o estabelecimento do self-

government nas municipalidades, que operava “articulado às bases sociais da comunidade

integrada, com o centro nas famílias e na associação dos grupos locais, organicamente

eletivo”135.

Assim como Viana, Faoro também tem uma visão negativa sobre a atuação do

magistrado. Na sua interpretação, embasada em pensadores da época como Tavares Bastos e o

Visconde do Uruguai, estes juízes leigos tendiam a utilizar seus amplos poderes para

benefícios próprios, geralmente favorecendo uma parcela específica da sociedade, como os

fazendeiros e latifundiários. Como exemplo, os poderes locais se utilizavam destes agentes

para conquistarem resultados favoráveis nas eleições (já que eles eram responsáveis também

pela organização dos processos eleitorais), deixando a população mais pobre a reboque. O

autor afirma então que a elite nacional, “para fugir ao despotismo do trono e da Corte,

entrega-se ao despotismo do juiz de paz”136.

Tanto Viana quanto Faoro tratavam os juízes de paz como personagens coadjuvantes

de suas obras, refletindo o cenário da historiografia do período, quando não se tinha estudos

destinados a analisar especificamente a Justiça de Paz. Foi com o norte-americano Thomaz

Flory que esta carência começou a ser superada, especialmente ao lançar o seu trabalho El

juez de paz y el jurado en el Brasil imperial. No contexto de implementação de uma

monarquia constitucional e construção do Estado nacional, Flory destacou a participação de

homens militantes que corroboraram a implementação de mudanças de cunho liberal.

Focando a sua análise no aparato judicial e nas reformas pelo qual o mesmo passou, o autor

destaca duas instituições que refletem bem as mudanças operadas pelos políticos liberais

daquele momento: o juizado de paz e os corpos de jurados.

Destacando o período que ele chama de “década liberal” (1827 a 1837), Flory afirma

que este foi o momento do liberalismo nacional, isto é, “la fase verdadeiramente

revolucionaria de la Independencia de Brasil”137. Para fazer tal ponderação, ele tomou a

135 FAORO, 2001, p. 370. 136 Ibid., p. 371. 137 FLORY, 1986, p.17.

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independência de 1822 enquanto uma independência formal e incompleta, pois refletiu uma

“história de gradualismo”, ou seja, deu-se através de vários sucessos bem espaçados e

circunstanciais, como a vinda da Família Real em 1808, as mudanças empreendidas por Dom

João VI e a própria independência de 1822 – considerando-a como uma independência

ganhada e facilitada por Portugal.

Como resultado, ocorreu um acúmulo de reações e insatisfações de diversos setores,

que não viram as suas necessidades atendidas, levando-os a tomarem como medida a

introdução de pessoas compromissadas com as suas causas. Assim, o autor considerou que o

Brasil só alcançou na prática a sua independência quando este grupo de políticos, alocado no

governo central, “comenzó a derribar la colonia que había herdado y a construí un Estado que

duraria casi hasta fin del siglo”138. Este processo, verdadeiramente revolucionário, só deu seus

primeiros passos após cinco anos, com o início da chamada década liberal. Isto possibilitou

que o país se destacasse, já nos anos de 1840, como um modelo de estabilidade política diante

dos demais Estados da América Latina.

Sobre os grupos que comandou essas transformações no Brasil, Flory afirma que não

havia uma elite institucional capaz de preencher o vazio político produzido pela

independência, pois no cenário nacional havia elites heterogêneas, disformes e provincianas,

ou seja, elas eram bem localizadas em suas regiões, assim como os seus interesses. Portanto,

ao colocarem em prática as mudanças institucionais, em busca de uma maior descentralização

política, demonstraram que não se seguiria à risca a cartilha do liberalismo europeu, mas sim

um compromisso filosófico com o localismo, criando suas próprias modificações do

pensamento em prol da paróquia: esfera administrativa caracterizada enquanto uma família

legalmente amplificada. Logo, “politicamente, era el Estado en una miniatura extrema y

remota”139.

Tecendo tais considerações, o historiador afirma que a grande reforma liberal do

século XIX e a primeira modificação importante do sistema judicial foi a criação do cargo de

juiz de paz. Idealizado como estratégia para sobrepujar o atraso da justiça colonial e os

resquícios que permaneceram pós-constituição, os liberais reformadores conceberam este

cargo como um “estandarte” de suas preocupações filosóficas e políticas, como a democracia,

a autonomia local e a descentralização do poder político da Corte. Já para a ala mais

conservadora do Império, tal cargo era visto como uma ameaça ao controle social e à ordem

do país. Em um debate político mais amplo, a Justiça de Paz foi concebida também como uma

138 Idem. 139 Ibid., p. 12.

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estratégia dos liberais para reduzir os poderes tradicionais de Dom Pedro I, uma vez que, até

então, grande parte deles estava centrado no sistema judiciário.

Assim, em 1827, foi criado o Juizado de Paz, uma magistratura popular e eletiva, com

poderes que se destinavam, especialmente, à conciliação dos processos civis, tendo algumas

poucas e limitadas atribuições coercitivas para o controle da população. A partir de então,

foram elaborados decretos, leis e códigos que amplificaram as atribuições e o campo de

atividade dos magistrados de paz. Mas, segundo o autor, foi com o Código do Processo

Criminal de 1832 que ocorreu a principal transformação do aparato judiciário, concedendo a

eles amplos poderes, especialmente na esfera judiciária e policial. Desta forma, “el Código

confiaba los passos más básicos del procedimento penal a los juices de paz locales, ampliando

así sus poderes considerablemente. Bajo el Código Procesal de 1832 el juices de paz Ilegó a

ser la piedra angular de la judicatura imperial”140.

Para Flory, o que aconteceu foi uma inversão de prioridades, pois se antes esses

funcionários públicos atuavam principalmente na conciliação, agora eles se tornaram os

principais agentes de controle social, através da coerção, pois adquiriram diversos atributos

penais e de vigilância.

La ley original de 1827 había creado un magistrado com poderes principalmente conciliatorios y civiles que, no obstante, tenía certo potencial coercitivo para

movilizar la resistencia local ante una amenaza absolutista. El Código Procesal

invirtió el orden de prioridades, quitándole importancia a la jurisdicción civil del

juez da paz en favor de sus poderes penales y de vigilancia141.

Em decorrência da extensão do território brasileiro, a aplicação das legislações de

maneira uniforme era um trabalho complexo, pois as leis teriam que se adequar às

especificidades das regiões. Isto tornou o papel dos juízes de paz importante, pois o principal

fator de controle da sociedade e a garantia da aplicabilidade da lei estavam relacionados às

suas capacidades de interação com os habitantes de seus Distritos.

Com esse acúmulo de atribuições, não tardou para que os juízes de paz se tornassem

personagens controversos e problemáticos no cenário político da década de 1830. Muitas

autoridades da época enxergavam esses magistrados enquanto sujeitos que atrasavam a

administração da justiça, pois lhes faltavam conhecimentos na área jurídica e sobrava

ignorância das leis (uma vez que não lhes eram cobrados o diploma de Bacharel em Direito).

140 Ibid., p.179. 141 Ibid., p.102.

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Geralmente, eles cometiam abusos de poder e entravam em conflitos de jurisdição com outras

autoridades.

La primeira de las reformas jurídicas liberales, el Juzgado de Paz, fue siempre la

más vulnerable a la crítica porque los juices individualmente abusaban

frecuentemente de su poder, hacían enemigos, o se convertían em las figuras

centrales de las disputas locales142.

Como consequência, Flory colocou que os juízes leigos paz trouxeram um

afrouxamento dos laços de obediência entre a população e o governo central, pois tornaram o

sistema judiciário local em um exemplo de ineficiência. O Código do Processo Criminal, que

uma vez foi apontado como a grande reforma da justiça brasileira, foi colocado também como

um instrumento de controle pouco ágil, pois concentrou todo o seu potencial coercitivo em

uma autoridade não controlável. Foi apenas em 1841, durante o regresso conservador, que

houve a reforma do Código, que teve como um dos objetivos reverter este quadro,

transferindo os poderes de polícia e penais para outras autoridades nomeadas pelo próprio

governo.

Luego, para 1832, el juez de paz había evolucionado hasta convertise en una

institución de contradicciones internas: un funcionario electo con poderes oficiales

virtualmente ilimitado a nivel local, pero esencialmente fuera del control del

gobierno que lo creó143.

Desse modo, Flory tira como uma de suas conclusões que o cargo de juiz de paz

representou uma contradição frente ao projeto liberal daquele momento, pois, por ter sido

criado sob o discurso de rompimento do monopólio real sobre a justiça, ele possibilitou que

seus agentes tivessem amplos poderes, fugindo do controle do governo central e

inviabilizando a desejada melhoria do sistema judiciário.

Thomaz Flory, assim como os dois autores anteriores, reflete a tendência

historiográfica da época em colocar em evidência os aspectos negativos que os homens do

governo tinham na época sobre os magistrados eletivos, mostrando-os enquanto sujeitos

suscetíveis aos desmandos e abusos dos seus podres, facilmente cooptados por latifundiários

ou qualquer pessoa que pudesse lhes conceder algum benefício, o que seria ruim naquele

momento, pois ameaçaria a eficácia da justiça imperial. Porém, estes e outros estudos

142 Ibid., p. 209. 143 Ibid., p. 108.

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clássicos deram suporte para o aparecimento de novas abordagens sobre a magistratura de

paz.

Ivan de Andrade Vellasco é um dos autores que sai desse viés interpretativo, que toma

a formação do Estado simplesmente pelo viés da dominação da sociedade, onde o poder

judiciário era mais um instrumento deste poder. Em As seduções da ordem: violência,

criminalidade e administração da justiça Minas Gerais, século XIX, ele destacou a

participação da sociedade na política, onde os juízes de paz foram peças fundamentais para a

construção da cidadania brasileira, uma vez que havia os sujeitos que buscavam o sistema

judiciário para resolverem suas queixas144. Como os magistrados leigos eram os

representantes do poder público mais próximo da população, eles se tornavam os principais

elos entre estas vítimas e o Estado, devendo garantir a justiça social para a população.

Tal como Flory, Vellasco estuda as leis de criação dos magistrados e os códigos que

estruturaram o poder judiciário, afirmando que estes alteraram o funcionamento cotidiano da

justiça, apontando que as ideias de criação deste cargo giraram em torno de dois argumentos

principais: os problemas judiciais herdados da colônia e a necessidade de estender o poder

judiciário a todas as regiões do Império. Vellasco reafirmou também que o sistema

implantado pelo Código de 1832 possibilitou a perpetuação dos poderes locais, tendo em vista

que os grupos dominantes locais tinham a capacidade de interferir na nomeação de juízes

municipais e de direito, e de conduzir o processo eleitoral para escolherem os candidatos a

juízes de paz que estivessem mais afinados com os seus interesses.

Porém, o autor traz uma nova percepção sobre a atuação dos magistrados quando ele

analisou os seus dois primeiros anos de atividade. Utilizando os “livros de rol dos culpados”

(documentação escrita pelos próprios juízes de paz, que continha as denúncias, queixas e

nomes de pessoas pronunciadas à prisão ou ao livramento), ele percebe um aumento da

produção do mesmo. Isto o leva a concluir previamente que, diferente das análises já

consagradas, a Justiça de Paz possibilitou a expansão da capacidade da ação judiciária do

Estado.

Na sua tese de doutorado, Em nome da ordem: a constituição de aparatos policiais no

universo luso-brasileiro (séculos XVIII e XIX), Regina Faria faz uma análise weberiana sobre

as montagens (e remontagens) dos aparatos repressivos e as redefinições pelas quais eles

passaram. Em tempos marcados pelo clima de avanços liberais e regresso conservador, de

144 VELLASCO, 2004, apud. NASCIMENTO, Joelma Aparecida do. Os “homens” da administração e da

justiça no império: eleição e perfil social dos juízes de paz em Mariana, 1824-1841. Dissertação (Mestrado em

História) – Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2010.

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descentralização e centralização política, ela atenta para as dificuldades políticas do início do

século XIX de manter a unidade territorial e para as tensões existentes entre Dom Pedro I e as

elites políticas nacionais, destacando que o confronto estabelecido em torno da Constituição

de 1824 foi o prenúncio do conturbado clima político que marcaria o Primeiro Reinado. Esta

legislação, assim como as demais que foram elaboradas durante o processo de construção do

Estado, decorreram de “lutas travadas no Parlamento e na imprensa, entre as tendências

liberais e conservadoras, sobre a montagem do arcabouço institucional do Estado”145. Na

constituição dos aparatos repressivos do Estado desse momento, os legisladores mantiveram

as mesmas orientações dos tempos coloniais, quando as funções policiais destes tinham que

ser exercidas por instituições diferentes: de um lado estaria o policiamento militar e do outro o

policiamento civil.

Nesse trabalho, o juizado de paz é abordado enquanto a “espinha dorsal” do

policiamento civil, “configurando um quadro de judicialismo policial”146. Nos Códigos

liberais ficou exposta a figura de um “juiz policial”, termo utilizado a partir da denominação

de Bernardo Pereira de Vasconcelos, contemporâneo daquele momento, ou seja, de um

funcionário público que tinha vastas atribuições relacionadas ao sistema judiciário e policial.

Isto ficou evidente quando foi posto que os juízes eletivos teriam à sua disposição outros

cargos, como os secretários, os inspetores de quarteirões e os oficiais de justiça, além de

outras instituições, tais como a Guarda Nacional e o Corpo de Polícia. Estes órgãos poderiam

convocá-los para lhes dar suporte em casos de motins ou combate de quilombos, por exemplo.

A intenção dos legisladores, como destaca Regina Faria, não foi apenas conceder maior

autonomia aos poderes locais, mas ampliar o controle do Estado sobre a população através

dos aparatos repressivos.

Léa Iamashita foi mais uma historiadora que analisou os magistrados de paz para

compreender o processo de modernização da política nacional. Mas, além disso, ela abordou

este cargo também enquanto um meio de representação política das camadas populares

durante o período Regencial. Ela optou por mudar de foco em sua análise, saindo do campo

institucional para o âmbito popular, a fim de compreender a implantação do Estado moderno,

assim como dar “visibilidade às ações das pessoas comuns na experiência regencial da

sociedade maranhense”147.

145 FARIA, 2007, p. 62. 146 Ibid., p. 64. 147 IAMASHITA, 2010, p. 20.

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Questionando interpretações sobre a independência já consagrada, como aquelas de

Sergio Buarque de Holanda e Emilia Viotti, que trataram os movimentos regenciais como

resultados da frustração popular pelo processo de independência “mau acabado”, levando à

indignação das classes populares por permanecerem excluídas, Iamashita tomou estas revoltas

enquanto componentes do próprio processo de construção do Estado. As transformações

políticas do século XIX, como, por exemplo, o liberalismo e o constitucionalismo brasileiro,

não foram percebidos de maneira passiva pela população. A autora se utilizou da categoria

cultura política, mostrando que o processo de modernização política, ao mesmo tempo em

que abriu espaço para as representações políticas populares, foi apreendido e ressignificado

por essa mesma camada, que criou sua própria compreensão de política.

Aqui, os juízes de paz são abordados enquanto uma das principais conquistas

populares em termos de participação política, tendo em vista que a sua eletividade direta e o

fato deles serem “homens da vila” tornava-os mais próximos daqueles sujeitos que

mantinham contatos cotidianos. Dessa forma, para esta massa era mais fácil o Estado escutar

as suas necessidades, pois estes agentes teriam o compromisso de levar as suas demandas.

Já em 1838, a população sofreu um duro golpe do governo provincial com a

promulgação da lei dos prefeitos, que retirou grande parte das atribuições conquistadas pelos

magistrados durante o avanço liberal. Os prefeitos e subprefeitos foram vistos como

verdadeiros déspotas locais, exercendo seus poderes de forma arbitrária, em especial nos

momentos da condução dos recrutamentos forçados. Esta situação se converteu em

insatisfação popular, pois os mais pobres viram seus direitos políticos cerceados, levando à

eclosão da Balaiada. Assim, além de destacar o importante papel político desses magistrados

para esta camada social, a autora lança crítica à historiografia tradicional, que os destacam

como símbolos do “localismo”. Mesmo sendo autoridades de grande prestígio dos distritos e

freguesias, e que se articulavam com os interesses locais, seja por laços clientelísticos ou pelo

patrimonialismo, isto não seria o suficiente para colocar, especialmente a eles, tal

responsabilidade de representação dos interesses locais. As redes de poderes políticos,

naquele momento, envolviam diversos sujeitos e instituições, tal como comandantes militares,

chefes da Guarda Nacional, vereadores, entre outros.

Algumas pesquisas de mestrado também já se esforçam para conferir ao juizado de

paz novas matrizes explicativas, abordando outros pontos de vistas sobre a instituição do

cargo. Citamos aqui dois exemplos. O primeiro é a dissertação de Kátia Sausen da Motta, Juiz

de paz e cultura política no início o oitocentos (Província do Espírito Santo, 1824-1842).

Percebendo que a historiografia, até então, não havia dado a devida atenção para as

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características eleitorais dos juízes de paz, principalmente quanto a esta característica não ter

sido alterada ou questionada durante as reformas conservadoras, Motta notou que este aspecto

se tornou um ponto de interesse importante para compreender melhor o funcionamento da

justiça de paz na cultura política vigente e a participação política dos cidadãos nos primeiros

anos do Império. Utilizando como base as documentações, como as Atas Eleitorais e os Anais

da Assembleia Legislativa Provincial, ela investigou a dinâmica política local, que girava em

torno desses magistrados e do processo eleitoral, a fim de identificar não só as características

de quem ocupava o cargo, mas também o cotidiano das eleições.

No jogo político da paróquia, a pesquisadora percebeu que a magistratura de paz foi

um objeto de ambição de um grupo considerável da elite política provincial, pois o cargo

abria novas oportunidades àqueles que o ocupavam, como o acesso direto às urnas e às listas

de qualificação de votantes. Estas atribuições poderiam ser convertidas em meios de

conquistar benefícios particulares, através das trocas de favores, o que fez com que muitos

homens de projeção política provincial iniciassem suas carreiras nesta magistratura. Além

disso, Motta afirma que os juízes eletivos eram importantes também para os “homens

comuns” da paróquia, pois representavam não só um meio de participação política direta, mas

uma oportunidade de inseri-los nas relações de “barganha” no processo eleitoral, já que a elite

política local tinha interesse em estabelecer esta prática para garantir a vitória de seus

candidatos.

Os grupos oligárquicos, por sua parte, procuravam manter sob sua tutela os cidadãos

titulares de direitos eleitorais. As listagens de cidadãos ativos, que até ressuscitavam

mortos, prestavam-se a todo tipo de manipulação. A escolha dos magistrados não

fugia a essa regra148.

Kátia Motta não aborda o juizado de paz apenas como um cargo que implicou na

instauração de um modelo democrático (no sentido de representação da maioria), mas também

como uma possibilidade de dar bases de sustentação às carreiras políticas de quem era eleito e

viabilizar a inserção dos cidadãos locais no processo político e na configuração de certa

cultura política.

O segundo estudo que destacamos é a dissertação de Joelma Aparecida do

Nascimento, intitulada Os “homens” da administração e da justiça no império: eleição e

148 MOTTA, Kátia Sausen da. Juiz de paz e cultura política no início o oitocentos (Província do Espírito

Santo, 1824-1842). Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de Pernambuco, Programa de

Pós-Graduação em História, Recife, 2001. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal do

Espírito Santo, Centro de Ciências Humanas e Naturais, 2013, p. 164.

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perfil social dos juízes de paz em Mariana, 1824-1841. A autora tomou as mudanças do

sistema jurídico e administrativo como pano de fundo de sua pesquisa, que visou garantir o

exercício do poder do governo central nas localidades, assim como a aplicação da justiça. No

centro desta questão, ela destaca o seu objeto de estudo, o juiz de paz. Seu principal objetivo

foi compreender quem eram os homens eleitos para este cargo.

Ela utilizou como delimitação espacial o Termo de Mariana, que fez parte da Comarca

de Vila Rica. Este espaço social foi fundamental para a sua compreensão sobre quem seriam

os magistrados eleitos, pois esta era uma região que, desde o início de sua ocupação, se

destacou pela exploração do ouro. Por esse motivo, ocorreu então uma forte e intensa

movimentação econômica e populacional, tornando-a um dos principais polos administrativos

de Minas Gerais durante o século XVIII e no início do XIX.

Lançando mão de uma vasta documentação, como os livros de atas de eleições,

correspondências oficiais, livros de censos, entre outros, Nascimento deu uma atenção

especial aos inventários post-mortem e aos testamentos para compreender o perfil social e

econômico daqueles sujeitos eleitos a juiz de paz.

Ao todo, a pesquisadora encontrou 496 homens que foram votados e eleitos, chegando

a um dado curioso: todos eles foram detentores de escravos. Joelma Nascimento chegou a

fazer uma classificação destes homens, agrupando-os em três faixas de fortuna, para fins de

comparação. O primeiro grupo eram os pequenos e médios proprietários, com patrimônio

avaliado até 12.000$000 (doze contos de réis). O segundo fazia parte dos grandes

proprietários, com fortunas avaliadas de 12.000$000 até 32.000$000 (trinta e dois contos de

réis). Por último estavam os mais afortunados, que tinham sua riqueza acima de 32.000$000.

Nesses grupos se destacou, além das posses de terras, a concentração de grande parte

de suas riquezas em escravos, sendo que em muitos desses casos esta posse superava os

outros bens declarados, fazendo-a concluir que em Mariana os juízes de paz fizeram parte de

um grupo escravista. Nascimento relativizou as condições sociais destes homens eleitos, pois

vários magistrados tinham fortunas menores, chegando até 6.000$000 (seis contos de réis), ou

seja, fazer parte de uma elite econômica não era um pré-requisito para se eleger juiz. Outra

constatação é o fato de que muitos dos juízes eleitos não trabalhavam exclusivamente na

magistratura, pois aliavam suas atividades políticas às outras econômicas, ou seja, “cada

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homem exercia várias outras ocupações e foram ainda assim cometidos a serem juiz de paz

naquela sociedade”149.

Esses são alguns exemplos de novos estudos que mostram outras facetas políticas que

giravam em torno desses magistrados e dos seus poderes instituídos, complementando aquelas

interpretações tradicionais que os tratam enquanto representantes dos interesses privados. O

nosso trabalho se beneficia destas pesquisas, sendo interessante ressaltar que os juízes de paz

eram concebidos como um meio para contornar os problemas herdados da colônia e

produtores de outros efeitos perante a sociedade que o elegia.

2.2 O juizado de paz no processo de modernização política brasileiro

2.2.1 O sistema judiciário na colônia portuguesa

Nos esforços de configurar o nascente Estado brasileiro, os legisladores do Império

trabalharam para organizar as antigas e as novas instituições públicas, moldando-as a partir

das novas concepções incorporadas pelo governo central, como as ideias liberais e as

constitucionalistas, tomando-as também como um meio de garantir o exercício pleno do poder

do Estado nas diversas regiões do país. Nesse contexto, o sistema judiciário teve também que

se adequar a esses novos princípios defendidos, inclusive na incorporação dos preceitos

jusnaturalistas.

Mas a permanência de alguns traços da colônia entrava em choque com essa ideia de

justiça “racional”, pois, além de manter uma confusão de atribuições, ela ainda se respaldava

na figura do rei enquanto símbolo de justiça, concentrando em torno de si uma forte influência

no Poder Judiciário150. Esse processo foi fruto das forças das tradições do Antigo Regime, que

se manteve presente na organização política e administrativa imperial. Conforme afirma

Guido Fassò, o pensamento social neste momento se baseou em um modelo de sociedade

organicista, onde a estratificação dela foi algo natural (pois a caracterização social seria uma

qualidade inerente da própria natureza individual) e desigualmente ordenada (onde cada

indivíduo, em seu status quo, teria uma função específica que colaboraria com o

funcionamento ideal de sua sociedade)151.

149 NASCIMENTO, Joelma Aparecida do. Os “homens” da administração e da justiça no império: eleição e

perfil social dos juízes de paz em Mariana, 1824-1841. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade

Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2010, p. 172. 150 LEAL, 1986. 151 FASSÒ, 2010.

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Como já abordamos anteriormente, o modelo de administração seguido pelo Brasil

colonial foi o português, regulamentado por suas Ordenações (primeiramente as Manuelinas,

criadas em 1521, e depois as Filipinas, postas em vigência no ano de 1603). Neste escopo, as

Câmaras Municipais foram os principais órgãos reguladores, por meio da atuação dos homens

da localidade que assumiam os postos oficiais. Estes órgãos tinham atribuições políticas,

administrativas, judiciais, fazendárias e policiais. O sistema jurídico nesse momento esteve

atrelado às Câmaras, pois além de se inserirem ali autoridades como vereadores e

magistrados, eram feitas nomeações de alguns juízes (como os juízes de vintena e almotacés).

Por isso, a instalação dessas Câmaras não representou apenas uma tentativa de implementação

de um governo local, abarcando os interesses das elites que as circundavam, mas também um

meio de aplicação da justiça local152.

Com as Ordenações Filipinas, a justiça ficou estruturada em duas instâncias. Os

Tribunais que estavam nas comarcas correspondiam à primeira instância153. Os cargos que

atuavam ali eram os ouvidores-gerais154, corregedores, ouvidores de comarca, provedores,

Juiz de Fora155, Juiz Ordinário (ou Juiz da Terra)156, Juiz de Vintena, Juiz de Órfãos157,

almotacés, alcaides e vereadores. Estes cargos eram auxiliados pelos meirinhos e escrivães,

sendo que poderiam ser nomeados ou eleitos entre os membros da elite econômica local. A

partir da expansão do território da colônia, foram criadas as chamadas Juntas das Capitanias,

que tinham a função de julgar e processar os crimes contra a paz pública158.

152 LEAL, 1986. 153 Esta jurisdição consistia em uma ou mais cidades consideradas importantes, incluindo os povoados

circundantes. Naquelas regiões pouco habitadas do interior, poderiam ter grandes extensões de terras, mas sem uma delimitação precisa, enquanto aquelas mais povoadas (geralmente as grandes regiões agrícolas) poderiam

ser menores, porém cuidadosamente delineadas (FLORY, 1986). 154 Chamados algumas vezes de corregedores, eram juízes profissionais, ou seja, graduados na Faculdade de Leis

de Coimbra. Estes magistrados sancionavam periodicamente e presidiam casos civis e penais, assim como

supervisionavam a ordem pública da sua jurisdição. Eles também poderiam supervisionar a atuação de

funcionários menores da estrutura judicial (Ibid.). 155 Eram nomeados dentre bacharéis letrados, com o objetivo de serem o suporte do rei nas localidades,

garantindo a aplicação das ordenações gerais do Reino. Este era o posto mais baixo da justiça portuguesa,

atuando em nível municipal. A diferença entre este e os ouvidores é o fato deles terem sido introduzidos apenas

no século XVII, mas tendo o número de ocupantes do cargo ampliado ao longo do século XVIII como forma da

Coroa portuguesa de estender o controle real sobre as crescentes cidades e de combater os casos de anarquia que surgiam na colônia. Eles também presidiam oficialmente o conselho municipal da cidade em que eram alocados

(Ibid.). 156 O grau de bacharel em Direito não era um pré-requisito e a ocupação do cargo se dava através de eleições

anuais. Tinham como jurisdição as vilas ou cidades, nas quais obrigatoriamente deveriam residir (por isso eram

também chamados de juízes da terra). Eram fiscalizados pelos juízes de fora, pois, por serem sujeitos da

localidade, poderiam estar enredados nas tramas de interesses locais (Ibid.). 157 Tinham a função de serem guardiões dos órfãos e das heranças, solucionando as questões sucessórias a eles

ligadas (VIEIRA, 2002). 158 Ibid.

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Em segunda instância estavam os Tribunais de Relação, órgãos responsáveis pela

administração da Justiça na Colônia. De início, foram instaladas duas Relações: a do Rio de

Janeiro e da Bahia. Para aqueles casos acima de um conto e duzentos mil-réis, havia a

possibilidade de enviar recursos para o Desembargo do Paço de Lisboa. Assim, diante do

crescimento populacional e da ampliação do território colonial, a justiça passou a caminhar

mais lentamente, pois a estrutura vigente não suportou a demanda daquele momento, não

conseguindo estar presente em todas as regiões do Brasil, precisando ser então reformada.

Com a chegada da Família Real, a administração judiciária portuguesa foi

transplantada para o Brasil, através de algumas alterações no modelo que aqui existia. Foram

criadas mais duas Relações, a do Maranhão (1811) e a de Pernambuco (1821), além da

instalação dos Supremos Tribunais (Desembargo do Paço e Mesa da Consciência e Ordens),

do Supremo Conselho Militar e Justiça, e da Intendência Geral de Polícia:

Em síntese, a Justiça nos tempos coloniais foi administrada pelas quatro relações: a da Bahia, primeiro; em seguida a do Rio de Janeiro, separada daquela; e afinal a do

Maranhão e a de Pernambuco. Anteriormente, foi por Ouvidorias-Gerais, que

correspondiam a diferentes seções administrativas, e, em caráter especial, por

alçadas especiais, como as Juntas de Justiça, as Juntas Militares e os auditores159.

Essa ampliação do aparato judiciário no Oitocentos se mostrou enquanto uma tentativa

de superação dos entraves existentes na estrutura colonial. Ainda marcada por fortes

influências das forças locais, a justiça precisava atingir um grau maior de eficiência nas

demandas judiciais, para garantir a tranquilidade pública e viabilizar a expansão do poder do

Estado – além de desvincular o sistema judiciário dos poderes locais, estando assim à

“disponibilidade” do governo central.

Lançando sua interpretação sobre a justiça colonial, Thomaz Flory mostrou que ela

estava atrelada à própria dominação de Portugal sobre o Brasil. O aparato judiciário português

e a administração do reino estavam intimamente ligados aos níveis mais altos de poder do

governo lusitano, onde o vice-rei, nomeado pela Coroa para administrar a colônia, e o

Tribunal Superior lusitano se encontravam lado a lado na efetivação deste domínio. Em outras

palavras, “cuando un monarca portugués deseaba regulamentar algún aspecto crucial de la

vida colonial, rara vez enviaba tropas, intendentes reales, o recolectores de impuesto. Las más

de las veces enviaba jueces dotados de amplios poderes de administración”160.

159 Ibid., p. 35. 160 FLORY, 1986, p. 58.

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A aproximação entre administração metropolitana e o poder judiciário colonial foi

considerada em sua análise como uma manobra consciente do monarca português, tornando o

sistema judiciário colonial como um instrumento para a realeza efetivar o seu controle na

colônia, ou seja, um braço legal que estendia e solidificava a sua autoridade.

A nomeação de magistrados profissionais pelo governo real para atuarem na colônia,

como era o caso dos Juízes de Fora, dos Juízes Ordinários e dos ouvidores-gerais, foi uma

forma de deixar presente a figura simbólica do rei. Mas isto acarretou em uma mescla e

confusão dos sistemas de governabilidade, tornando problemática a adoção do conceito de

uma burocracia abstrata e impessoal, tendo em vista que “los lazos de personales de

mutualismo entre el rey y el magistrado contribuyeron aún más a hacer du personal legal (los

propios jueces individuales) el centro dinâmico del sistema legal portugés”161.

Durante o Antigo Regime, o monarca foi aquele que representava a legislação, era o

supremo juiz, “dispensador de graças, mercês ou castigos, segundo sua vontade soberana”162.

Em sua figura esteve depositada a imagem de detentor natural da administração da justiça. As

autoridades coloniais acabavam detendo uma parte deste status, pois eram eles quem

representava a realeza. Isto permitiu Flory afirmar também que estes magistrados, que

atuavam nos tribunais inferiores, se utilizavam de sua posição hierárquica e simbólica na

colônia (pois se destacavam devido à nomeação real) e se envolviam em ações extrajudiciais

da sociedade local, sobretudo por criarem laços formais e informais, e conquistarem

benefícios particulares, ameaçando a eficácia do sistema judiciário do período.

Victor Nunes Leal teceu também suas considerações sobre a organização judiciária

colonial. Formando uma estrutura composta por diversas autoridades, a legislação portuguesa

demarcou imperfeitamente as atribuições dos seus funcionários, “sem a preocupação –

desusada na época – de separar as funções por sua natureza”163. Percebendo que

governadores, vereadores e magistrados estavam envoltos por atribuições judiciais e policiais,

o autor afirma que esses funcionários normalmente caíam em conflito de jurisdição ao mesmo

tempo em que se tornavam alvos de cooptação dos senhores rurais e latifundiários, os quais

almejavam suportes institucionais para fazer valer seus interesses particulares.

Essa estrutura judiciária refletiu as características de uma monarquia corporativista

portuguesa, que teve como princípio o poder real partilhado. Em um campo político

constituído por diferentes hierarquias de poderes entrelaçados, onde os oficiais régios

161 Ibid., p. 59. 162 IAMASHITA, 2010, p.87. 163 LEAL, 1986, p. 181.

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gozavam de uma forte proteção dos seus direitos e com diversas atribuições, este sistema se

estendeu à colônia portuguesa, não havendo assim um mecanismo geral de domínio, mas sim

diversos meios para justificarem a sua expansão colonial.

A falta de uma constituição colonial unificada provocou a “heterogeneidade de laços

políticos [que] impedia o estabelecimento de uma regra uniforme de governo, ao mesmo

tempo em que se criava limites ao poder da coroa ou dos seus delegados”164. A monarquia

portuguesa, portanto, mostrou a inconsistência do direito colonial com os princípios

jusnaturalistas, que tomava a jurisprudência em um patamar de superioridade em relação à

política – ou seja, onde a ação político-administrativa era mais importante, tendo o rei que

respeitar a jurisdição dos demais corpos políticos. Para Antônio Manuel Hespanha:

o paradigma jusnaturalista limitava fortemente a capacidade de ação da coroa. Não

só ao persistir numa concepção do poder que apenas parcamente lhe concedia

poderes integráveis numa “administração ativa”, promotora de novos equilíbrios

sociais e políticos, como ao subordinar toda a atividade da coroa às regras de uma

prudentia iuris, norteada pela conservação da ordem estabelecida e servida por um

estamento corporativista e eminentemente conservador (no sentido mais radical do

termo)165.

Com a difusão dos paradigmas modernos nas terras lusitanas, a partir do movimento

vintista e do projeto constitucionalista, rompeu-se também com os direitos que se

respaldavam na tradição e colocavam o rei enquanto árbitro da Lei, iniciando uma nova fase,

na qual o Estado deveria atuar em benefício de um todo. Agora, a valorização do Direito

Público e do jusnaturalismo ofereciam novos status às legislações, sendo elas subsidiárias de

uma nova ordem estatal, dentro de uma razão positiva com a criação de constituições e

códigos166. No Brasil, o esforço para a implementação desse jusnaturalismo ocorreu no

Primeiro Reinado, com a Constituição de 1824 e com o Código Criminal de 1830. Estes

foram os dois principais dispositivos legais que tentaram regulamentar as relações entre os

cidadãos do Império, definindo as garantias básicas da igualdade jurídica e de propriedade a

partir das Leis.

164 HEPANHA, 2004, apud, NASCIMENTO, 2010, p. 25. 165 Ibid., p.26. 166 Para Antonio Manuel Hespanha, houve foi a transição de um Estado de Polícia para um Estado de Direito, o

que significa dizer que o Estado agora tinha limites, mas que estes não eram simples direitos individuais, pois as

normas da lei era o que os tornavam efetivos. Neste momento, o objetivo era a instauração de um Estado que a

imposição do poder se materializasse na forma de Lei. Desta forma, percebe-se que o projeto político liberal se

preocupou em estabelecer a positividade da ordem política, quando deu um novo significado ao conceito de

Estado e restaurando a ideia de nação.

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2.2.2 Os magistrados eletivos na nova ordem política imperial

No início do século XIX houve várias críticas à estrutura judiciária, em especial após a

Independência, por parte dos liberais. Um dos principais problemas apontados era a

centralização da justiça nas mãos de autoridades reais e a corrupção dos magistrados. Os

liberais afirmavam que ali imperava um “espírito corporativista”167 e o exclusivismo da

magistratura real, o que “amargura em los años posteriores a la Independencia”168. Este

corporativismo do sistema judiciário, além de alimentar a corrupção, seria a causa da

ineficiência burocrática, levando:

Naturalmente a demandas de reforma institucional en los años veite. La propia

Constitución de 1824 hace alusión al estabelecimiento estatutario de um nuevo juez

de conciliaciones local, y de um sistema de jurado para complementar la jerarquía

judicial regular169.

Como já abordamos na primeira parte deste trabalho, após a emancipação política em

1822, o Brasil assumiu o desafio de estruturar o Estado, baseando-se em leis próprias que

conseguissem manter a ordem e a tranquilidade pública, e fazer a conciliação entre os poderes

provinciais e o governo central. Desta forma, a organização do sistema judiciário passou a ser

repensada, pois ele carregava consigo vícios e resquícios do modelo colonial.

Nas sociedades que tomaram o liberalismo como ponto norteador de sua estruturação,

foram elaboradas Constituições modernas (como forma de afirmar as liberdades individuais) e

Códigos Liberais (enquanto manuais de conduta da população), que, em comparação com o

Antigo Regime, proporcionaram um controle social dos indivíduos mais efetivo e uma maior

interferência do poder do governo no cotidiano da sociedade, onde a lei foi dotada de um

caráter “positivo” (sendo tomada enquanto instrumento de defesa da propriedade e dos

direitos do cidadão). A sua criação foi pensada de modo a distribuir e a delimitar as

atribuições entre os agentes do Estado de forma racional, propondo uma organização social

que prevenisse e combatesse os delitos de forma mais eficiente170. Assim, no Brasil, as

legislações e os códigos criados após a independência ganharam um caráter limitador dos

167 Thomaz Flory afirma que o corporativismo foi o resultado da educação comum desses magistrados. A

formação desses Bacharéis no curso de Direito da Universidade de Coimbra, ao mesmo tempo que possibilitou a

formação de redes de sociabilidades entre os estudantes, contribuiu para que incorporassem um espírito de

opressão e arrogância na magistratura brasileira, uma vez que frequentar a Faculdade de Leis de Coimbra era

privilégio de poucos. 168 FLORY, 1986, p. 67. 169 Ibid., p. 71. 170 HEPANHA, 1994, apud IAMASHITA, 2010.

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direitos, da liberdade (para que os sujeitos não extrapolassem o que estava definido por lei) e

da ordenação da vida cotidiana, apontando os passos necessários para se atingir a paz social.

Após muitos confrontos entre as facções das elites políticas nacionais foi outorgada a

Constituição, contendo um forte teor liberal e consagrando a independência do Poder

Judiciário. Esta Carta propôs uma estrutura hierárquica, dividindo a magistratura em alta e

baixa: a primeira era chamada de Supremo Tribunal de Justiça e existia apenas na Capital do

Império e nas capitais das províncias; era formada por magistrados letrados, nomeados por

critério de antiguidade em suas relações e recebiam título de conselheiro; já a baixa

magistratura seria composta pelos juízes e jurados171.

Dentro da baixa magistratura ficou especificado dois tipos de juízes: o juiz de direito e

o juiz de paz. Entendemos que, a partir de agora, os magistrados e os tribunais foram elevados

ao status de poder político, após a declaração de sua independência. No entanto, esta

independência era apenas parcial, pois o juiz de direito refletia a continuidade de algumas

características do sistema judiciário colonial, atuando nas causas civis. Os juízes tinham

formação profissional em Direito, eram perpétuos e poderiam ser nomeados, suspensos e

removidos (o que só aconteceria através de sentença) pelo Imperador. Esta capacidade do

Imperador de nomear e punir os magistrados foi reveladora, pois mostrou o seu poder em

intervir na justiça. Além disso, a exigência do diploma indicava que este magistrado era

oriundo de um estrato social privilegiado da elite imperial, representando proprietários de

terras, por exemplo, e se destacando no âmbito em que frequentava. Em suma, o sistema

judiciário que se instalou com a Constituição apresentou uma combinação dos fundamentos

teóricos do Antigo Regime com os do modelo liberal.

Porém, essa percepção de uma figura que representasse na prática e simbolicamente a

expressão máxima da justiça, começou a dar espaço para a ideologia liberal. Mesmo estando o

Poder Judiciário submetido ao Poder Executivo e Moderador, a Carta de 1824 abriu espaço

para a participação popular e leiga neste sistema, através da instituição dos jurados e dos

juizados de paz. Ambos os postos representaram uma ameaça aos conservadores e à

magistratura profissional, pois possibilitou uma maior participação das forças locais no poder

do Estado172.

O Tribunal do Júri, composto pela população cidadã ativa, tornou pessoas comuns,

que até então estavam excluídas dos meios de participação política direta, em eventuais

árbitros da justiça. Mesmo não possuindo jurisdição, eles tinham, a partir de agora, a

171 FARIA, 2007. 172 FLORY, 1986.

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competência para julgar as causas que fossem sorteadas ou indicadas, e aplicar as leis

pronunciadas pelos de direito.

Quanto aos juízes de paz, eles foram imaginados enquanto uma magistratura popular,

não sendo obrigatória a formação jurídica para a ocupação do cargo. Eram eleitos de forma

direta, assim como eram os vereadores das Câmaras. Foram concebidos enquanto agentes

conciliadores, que deveriam empregar meios pacíficos para tentar apaziguar as partes

envolvidas – este processo era obrigatório para que se pudesse dar início ao processo judicial.

A criação da Justiça de Paz no Brasil possuía a mesma conotação histórica de outros países:

foi uma forma de reação ao poder autoritário do Estado/monarcas:

[...] ao lado da preservação dos princípios liberais e do autoritarismo estatal, surgia o

princípio da conciliação, primeiro passo para vigorar, em toda a sua plenitude, a

Justiça de Paz, cuja denominação por si só, deixa bem explicito a importância de sua

finalidade: distribuir a paz, a união, a harmonia, a concórdia entre os cidadãos e, por

meio da reconciliação (ou conciliação)173.

Além disso, eles colaboravam para uma maior agilidade dos processos judiciais, pois o

princípio da conciliação deixou explícita essa finalidade, evitando que as partes evolvidas

recorressem a um procedimento judicial longo, lento e repleto de formalismo em suas

diversas fases. Vale ressaltar aqui que esta noção de conciliação não era uma novidade da

Constituição de 1824, pois este princípio já se encontrava nas ordenações portuguesas. Em

1446, por exemplo, esta ideia apareceu nas Ordenações Afonsinas, o mais antigo código das

leis de Portugal; nas Ordenações Manuelinas, D. João II criou a figura dos consertadores,

tendo como principal missão restabelecer a paz e a harmonia; e nas Ordenações Filipinas este

cargo foi extinto e suas atribuições foram transferidas aos juízes, que tinham que julgar os

feitos e propor preliminarmente a conciliação174.

A conciliação refletiu também as importações de ideais estrangeiras pelos legisladores

do Império. Países como França, Inglaterra e Estados Unidos foram frequentemente utilizados

nas práticas discursivas dos deputados, para dar maior peso e legitimidade às suas ideias na

hora que tentavam aprovar algum projeto de lei. Da França foram oriundas as concepções de

“conciliação” (prevista no Código de Processo Civil francês) e a “eletividade” popular dos

juízes de paz (algo que foi mal visto pela aristocracia desse país); já da Inglaterra veio a

percepção de que seriam eles quem manteriam a paz nas vilas e colocariam a população sob a

égide do poder real, punindo os desobedientes e anulando qualquer foco de distúrbio; e dos

173 VIEIRA, 2002, p. 45. 174 Ibid.

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Estados Unidos veio a aproximação da Justiça de Paz com a noção de “democracia popular”,

pois a ocupação do cargo não exigia o conhecimento das leis, já que a principal tarefa ali era a

de policiamento da localidade e de execução das atividades administrativas175.

Mas, o início da adoção da conciliação não foi algo que aconteceu de imediato, pois

foi somente com o decreto de 17 de novembro de 1824 que ela passou a ser uma atividade

obrigatória e preliminar em todos os processos:

Atendendo às repetidas queixas, que muitas pessoas pobres e miseráveis das

diversas Províncias diariamente fazem subir á Minha Augusta Presença, sobre a

impossibilidade de intentarem os meios ordinários dos processos, não só por

incômodos, gravosos e tardios, mas até pelas grandes distancias, em que muitos

residem, das Justiças competentes; e desejando que todos os habitantes deste

Império gozem já quanto possível for, dos benefícios da Constituição176.

Uma vez que as atribuições conciliatórias fossem destinadas aos magistrados de paz,

não seria possível acatar as ordens estabelecidas na Constituição, pois ainda não tinha sido

criado o referido cargo.

[...] nenhum processo possa desde já ter princípio, sem que primeiro se tenham

intentado os meios de reconciliação, como é também recomendado pela Ordenação

do Reino, Liv. 3º, Tit. 20, § 1º, devendo esta providencia ser geral, e

indefectivelmente observada por todos os Juízes, e Autoridades, a quem competir,

em quanto não houverem os Juízes de Paz, decretados pelo art. 162. da mesma

Constituição Clemente Ferreira França, do Meu Conselho de Estado, Ministro e

Secretário de Estado dos Negócios da Justiça, o tenha assim entendido, e faça

executar, expedindo para esse fim os despachos necessários177.

Estudando os debates nas Câmaras dos Deputados, Kátia Motta destacou que esta

ordem não foi bem acolhida pelos deputados da ala liberal. Eles acusavam que tais medidas

eram inconstitucionais e consideravam-nas “absurdas” e “tirânicas”, pois as atribuições dos

magistrados leigos acabaram caindo sob a tutela dos magistrados profissionais, ou seja, os

juízes de direito. Os deputados afirmavam ainda que isto colocava em estado de urgência os

debates em torno da regulamentação do Juizado de Paz. Analisando as sessões na Assembleia

Geral, entre os anos de 1826 a 1842, sendo 2.010 da Câmara dos Deputados e 1.938 do

Senado, Motta apontou que o juizado de paz foi mencionado 515 vezes pelos deputados e 342

175 MOTTA, 2013. 176 BRASIL. Decreto de 17 de novembro de 1824. 177 Idem.

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pelos senadores, sendo que 3,9% das reuniões da Câmara tiveram como assunto principal o

Juizado de Paz, enquanto que no Senado este percentual foi maior (6,5%)178.

A respeito dos debates sobre o projeto que regulamentaria os poderes dos juízes de

paz, Rosa Vieira identificou a existência de dois grupos de deputados com visões opostas. O

primeiro grupo interpretou a Constituição de forma restritiva, ou seja, não admitia que

houvesse aumentos de atribuições para esses magistrados, ficando assim limitados às simples

atividades conciliatórias, podendo eventualmente cuidar das prevenções de delitos. Faziam

parte deste grupo os deputados Feijó, Luiz Cavalcante, Augusto Xavier e Oliveira Salgado. O

segundo grupo tinha uma visão oposta, defendendo a necessidade de ampliação das

atribuições dos juízes, concedendo-lhes funções de polícia e judiciárias, para que elevasse o

seu grau de importância. Isto atrairia para o cargo pessoas mais cultas e inteligentes,

resultando em uma ação mais eficiente da administração da justiça, na prevenção e repressão

dos crimes de forma mais efetiva. Bernardo Pereira de Vasconcelos e Miguel Calmon du Pin

e Almeida (o Marquês de Abrantes) eram alguns dos nomes defensores destas medidas179.

Porém, a criação dessa instituição só aconteceu após três anos, com a Lei de 15 de

outubro de 1827, estabelecendo o seu campo de atuação nas freguesias e nas capelas curadas,

podendo haver um juiz de paz e um suplente em cada uma. Reafirmou-se que esses

magistrados seriam eleitos da mesma forma que os vereadores das Câmaras Municipais.

Foram delimitadas ainda as suas atribuições em quatro áreas: as atividades conciliatórias, que

eram exercidas quando os magistrados assistiam as discussões e procuravam resolvê-las de

forma pacífica, com a finalidade de encontrar a paz; as judiciárias, no momento em que eles

processavam e julgavam as causas civis que lhes eram garantidas pela lei; as policiais, no

momento de adotarem providências para prevenir o crime, mantendo assim a segurança

pública; e as administrativas, quando presidiam e interviam em determinados atos

extrajudiciais, sejam para conferir uma melhor execução, sejam para fiscalizá-los, como era o

caso de sua participação nos serviços eleitorais, que tinham que convocar os eleitores para

votar, assistir e fiscalizar o processo eleitoral, além de nomear e organizar as mesas

eleitorais180.

Concebidos em princípio enquanto agentes conciliadores, os juízes de paz foram se

tornando gradativamente as maiores autoridades policiais e judiciais da localidade. Desta

forma, eles deveriam fazer o auto do corpo de delito, julgar pequenas demandas (com valores

178 MOTTA, 2013. 179 VIEIRA, 2002. 180 Ibid.

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que não superassem 16$000), separar ajuntamentos, inibir a circulação de mendigos e vadios

(obrigando-os a viver do trabalho honesto), colocar em custódia os bêbados, observar o

seguimento das posturas municipais pelos moradores de sua jurisdição e assinar os termos de

bem viver dos turbulentos e das meretrizes escandalosas. Muitas dessas atribuições tinham

um importante papel no controle de hábitos cotidianos e costumeiros da população, devendo

os magistrados dos distritos adequá-las a uma ordem civilizatória desejada. Eles deveriam

também atuar na destruição de quilombos e impedir casos de motim (e se ocorressem alguns,

eles poderiam dispor da força armada para combatê-los).

Na Lei de 1º de outubro de 1828, a mesma que deu forma às Câmaras Municipais e

reduziu os seus poderes, regulamentou-se o processo de eleição dos vereadores e dos juízes de

paz. As eleições deveriam ser feitas de quatro em quatro anos, ou seja, este seria o tempo de

atividade de cada um dos candidatos que ocupasse o cargo. Ficou determinado também o dia

em que elas aconteceriam (7 de setembro), sendo efetuadas em “todas as paróquias dos

respectivos termos das cidades ou vilas, nos lugares que as Câmaras designarem”181.

Na Constituição foi estabelecido um sistema de eleição dividido em duas fases, que

era direcionado para a nomeação de deputados, senadores e membros dos Conselhos Gerais

das províncias. A primeira seria uma eleição indireta, elegendo em Assembleias Paroquiais os

cidadãos ativos eleitores – aqui os votantes eram aqueles cidadãos brasileiros que estavam em

pleno gozo dos seus direitos políticos e os estrangeiros naturalizados182. Já na segunda fase só

participavam aqueles hábeis a serem votantes (exceto os que não possuíssem uma renda

líquida de quatrocentos mil réis), os que fossem estrangeiros naturalizados e aqueles que não

professavam a religião do Estado. Percebe-se, então, que uma boa parte da população estava

excluída desta segunda etapa por não ter renda o suficiente para ser eleitor. No caso da eleição

para juiz de paz, isto não acontecia, pois a população participava de forma direta, ou seja, o

processo todo só acabava na primeira fase.

Essa foi uma importante inovação, fruto das transformações políticas e administrativas

do constitucionalismo. Em termos de participação política desta camada mais pobre, ampliou-

181 BRASIL. Lei de 1º de outubro de 1828, art. 2º. 182 Segundo Art. 92 da Constituição, estavam excluídos da votação nas Assembleias Paroquiais: os menores de

vinte e cinco anos que não fossem casados; os Oficiais Militares, que fossem maiores de vinte e um anos; os

Bacharéis formados e Clérigos de Ordens Sacras; os filhos de famílias que estivessem na companhia de seus

pais, salvo se servirem ofícios públicos; aqueles criados para servir, em cuja classe não entram os Guarda-livros

e os primeiros caixeiros das casas de comércio; os Criados da Casa Imperial, que não forem de galão branco e os

administradores das fazendas rurais e fábricas; religiosos ou qualquer outro que vivam em Comunidade claustral;

os que não tiverem renda líquida anual de cem mil réis por bens de raiz, indústria, comércio ou empregos.

Conforme o Art. 93, estes que não poderiam votar nas Assembleias Primárias de Paróquia, não tinham o direito

também de serem membros e nem de votarem na nomeação de alguma autoridade eletiva nacional ou local.

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se a sua margem de participação política, pois parte de seus componentes tinha agora a

possibilidade de eleger diretamente os candidatos a juízes, sem a necessidade de

intermediários que os representassem. Ainda que este fosse um modelo de representação

política desigual, isto pode ser considerado como uma alteração importante em termos de

sociabilidade, pois esses eleitores estariam colocando nos postos oficiais pessoas próximas de

suas realidades cotidianas locais. Esta seria uma mudança inerente ao processo de

modernização política, que não se atém apenas nas transformações dos aparatos burocráticos e

institucionais, mas também na comunidade política em geral.

Existe, portanto, Modernização política quanto à população de uma comunidade política em seu conjunto, quando se verifica a transição de uma condição

generalizada de súditos para um número crescente de cidadãos unidos entre si por

vínculos de colaboração, passagem que é acompanhada pela expansão do direito de

voto e da participação política, por uma maior sensibilidade e adesão aos princípios

de igualdade, e por uma mais ampla aceitação do valor das leis erga omnes183.

A participação direta no processo eleitoral foi importante também quanto ao próprio

fundamento das eleições em si. Esse foi o mecanismo legal de competição que legitimava a

autoridade e colocava os cidadãos em posição de igualdade, mesmo que temporária e

circunstancial. No cenário brasileiro, isso foi um conceito radical, pois a sociedade, até então,

estava adequada a um modelo de sociedade estamental, onde as classes inferiores viam quem

estava no topo da hierarquia tomando as rédeas das decisões políticas. Por isso, “certamente, o

processo eleitoral apresentou-se à sociedade da época como novidade muito interessante por

articular a ela um campo de possibilidade de mudanças”184.

Inserindo a instituição desse cargo no debate político da época, Flory destacou-o

enquanto símbolo dos preceitos liberais descentralizadores, criado com o objetivo de romper

com a importância da magistratura profissional nomeada e de reduzir o poder pessoal do

Imperador, pois, uma vez que os juízes de paz fossem eleitos, eles teriam um maior potencial

de “independência” dentro do sistema judiciário nacional. Logo, “a medida que corescía la

oposición al emprerador, sus adversários en la legislatura vieron anómalo magistrado de la

parroquia como un médio de sabotear el poder judicial tradicional y como un contrapeso a

uma tiranía antecipada”185.

Como já afirmamos, o judiciário imperial se desenvolveu incorporando elementos

coloniais portugueses e pensamentos institucionais modernos. Neste quadro, a magistratura

183 PASQUINO, 2010, p. 765. 184 IAMASHITA, 2010, p. 82. 185 FLORY, 1986, p. 85.

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eletiva foi mais um avanço na superação do “atraso” colonial. Na década de 1830, Dom Pedro

I renunciou ao cargo e a facção liberal moderada assumiu o comando da Regência, o que

possibilitou novos avanços legais no sentido de uma maior descentralização do poder. A partir

de então, o Livro V das Ordenações Filipinas deixou de ser utilizado nos processos criminais

por causa da promulgação do Código de Processo Criminal de Primeira Instância de 1832.

Além disso, os juízes de paz tiveram os poderes ampliados novamente.

No Código, os distritos foram reafirmados enquanto campo de atuação dos juízes,

cabendo a eles dividi-los em Quarteirões, contendo em cada um pelo menos vinte e cinco

casas habitadas. Também eram responsáveis pelo mapeamento da população que estava sob a

sua jurisdição, pelos registros de nascimentos e mortes, censo demográfico, estatísticas

criminais (como mapas de criminosos que estivessem em processo ou já em julgamento),

acompanhamento da situação das escolas em seus distritos e informações aos presidentes das

ocorrências em sua localidade (tais como assassinatos, relatos de vadiagem ou de escravos

fugidos). Estas informações eram importantes para outras autoridades, pois elas serviam de

base para a condução de suas medidas políticas e execução de suas funções legalmente

estabelecidas.

Quanto à sua eleição, houve uma pequena modificação. Eles continuavam a ser eleitos

diretamente, mas não ocupavam o cargo por quatro anos. Agora seria eleita uma lista com

quatro cidadãos mais votados, na qual cada um assumiria o posto durante o período de um

ano. A ordem de ocupação obedecia à quantidade de votos, ou seja, os mais votados seriam os

primeiros.

Eles contavam também com agentes para auxiliá-los. Os Escrivães deveriam ser

nomeados pela Câmara Municipal sobre a proposta do próprio juiz de paz, o qual indicava

pessoas de bons costumes acima de 21 anos. Tinham a competência de escrever aquilo que

era requerido pelo magistrado (como os processos, ofícios e mandatos) e de assistir as

audiências fazendo nelas citações por palavras ou cartas.

Os Inspetores de Quarteirões seriam nomeados da mesma forma que os escrivães. O

seu trabalho teria a duração de um ano, podendo ser renovado por mais um, conforme o seu

interesse. Não eram remunerados, mas os ocupantes possuíam algumas vantagens, como o

fato de estarem dispensados dos serviços na Guarda Nacional e militares nas tropas de

primeira linha, ou seja, estavam livres do recrutamento forçado. Este era o agente que tinha o

contato mais próximo com a população, pois atuava enquanto agente policial civil, vigiando a

população de sua área, a fim de preservar o seguimento das leis, a manutenção da ordem e a

repressão dos crimes.

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Os Oficiais de Justiça eram nomeados diretamente pelo próprio juiz eleito,

competindo-lhes fazer pessoalmente as citações, prisões e demais diligências, além de fazer

executar as ordens do magistrado.

Com esse Código, houve uma inversão de prioridades, pois se antes os juízes de paz

eram funcionários que tinham como principal função a conciliação e os processos civis, agora

eles tinham como atividade principal o controle social. No final das contas, suas funções

estavam voltadas para a formação de corpo de delito, apreensão de contraventores, condução

do recrutamento e qualificação de pessoas para a Guarda Nacional. Além disso, os

magistrados teriam que vigiar os distritos, dissolvendo qualquer ajuntamento que fosse

considerado ilícito, dentre outras funções destinadas ao ordenamento social. Mas, para além

destas atribuições, eles tinham agora grande influência na eleição local, pois eram os

responsáveis pela organização das listas de votantes, estabelecendo quem estaria apto ou não

a participar do processo; obtiveram novas funções criminais como a possibilidade de prender,

reunir provas e conduzir a formação de culpa (fase preliminar do processo criminal), fazer as

denúncias nos processos criminais e proceder com o Auto de Corpo de Delito.

Introduziu-se também o corpo de jurados. A composição deste deveria ser feita em

cada distrito, através de uma Junta presidida pelo juiz de paz, que era auxiliado por párocos,

capelães e/ou vereadores presidentes das Câmaras Municipais. Os processos só teriam início

quando as queixas chegavam ao magistrado, o qual deveria investigar, fazer a formação de

culpa e declarar se a queixa era ou não procedente. Caso procedesse, essa queixa ia ao corpo

de jurados que era convocado para retificar ou não a posição do juiz sobre o caso, para então

estabelecer a sentença.

O Código criou também mais dois cargos que faziam parte da baixa magistratura e

atuavam em primeira instância: os juízes de direito e os juízes municipais. Os primeiros

substituíram os ouvidores coloniais, mas guardavam muitas das características de seus

predecessores, como a nomeação pelo Imperador e a formação em Direito. A sua jurisdição

eram as comarcas, sendo que nas Cidades mais populosas poderia haver dois desses

magistrados, sendo um deles Chefe de Polícia. Eles também presidiriam o Tribunal do Júri,

sendo responsáveis, por exemplo, em dar ordem e intermediar os debates entre as partes

envolvidas, os advogados e as testemunhas, dar instruções ao corpo de jurados sobre os

processos que deveriam ser julgados, cuidar e zelar pela aplicabilidade da lei de forma justa.

Quanto aos juízes municipais, eles substituíram os juízes de fora. Eram bacharéis em Direito e

nomeados pelo presidente da província em que atuavam, através de uma lista tríplice formada

pela Câmara Municipal. Trabalhariam nos termos durante três anos e o seu principal dever era

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substituir os juízes de direito, seu superior imediato, quando este se encontrasse ausente, e

também fazer executar as suas ordens, sentenças e mandatos.

Flory destaca ainda que, durante a década liberal, os magistrados de paz congregaram

os poderes de três instituições coloniais que, até então, existia dentro do sistema judiciário

Imperial. São eles: o Juiz Ordinário, o Juiz de Vintena (ambos os cargos foram extintos com o

Código do Processo Criminal de 1832) e o Juiz Almotacel (abolido com o Decreto de 26 de

agosto de 1830).

O juiz ordinário era eleito a cada três anos, em uma eleição indireta, que, na teoria

representava a voz e o voto do povo. Na primeira etapa da eleição, a população votante

escolhia seis eleitores. Estes, numa segunda etapa, elegiam os magistrados. Segundo Flory, as

ordens dos juízes eleitos poderiam ser manipuladas por esses eleitores, pois os mesmos

tinham influências na mesa que presidiam a eleição – que geralmente era ocupada por um

magistrado real do distrito: o ouvidor. Quanto às suas atribuições, eles atuavam sobre as

questões civis que giravam em torno do valor de três mil réis nas cidades com mais de

duzentos habitantes e em casos relacionados aos bens de raízes – caso as cidades tivessem

menos habitantes, as questões civis eram reduzidas ao valor de mil e oitocentos réis.

Atuando geralmente nos povoados e nos pequenos arraiais mais afastados da vila,

submetidos às autoridades do Juiz Ordinário, o Juiz de Vintena tinha a sua autoridade

reduzida às questões penais, não tendo nenhum poder sobre as questões que envolviam os

bens de raiz. O Juiz de Almotaçaria, ou Almotacel, exercia o cargo durante um ano e era

nomeado pela Câmara Municipal. Ele tinha o trabalho de garantir que as leis e as ordens

desses Conselhos fossem aplicadas, além de controlar e fiscalizar os pesos e medidas de

produtos, como a carne. Com a acumulação dos poderes destes cargos, percebemos que os

magistrados leigos se tornaram autoridades com poderes amplos e refletiam a tendência dos

legisladores imperiais em combater o monopólio real sobre a justiça. Esses juízes também

foram uma revitalização para a administração local, pois resgatou “los poderes de três

instituciones portuguesas moribundas y reuniéndolos em las manos de um solo magistrado

más poderoso”186, o que só veio a reforçar a sua posição privilegiada frente aos poderes

municipais.

Assim, o Código de 1832 deixou para o nível local a polícia, a justiça e a

administração, enquanto para o governo central restou apenas a atuação dos presidentes no

âmbito provincial e dos juízes de direito na comarca – que, na prática, tinham poderes bem

186 Ibid., p. 90.

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menores que os dos juízes dos distritos, pois restou-lhes apenas funções judiciais. Os

delegados régios, no exercício de suas funções, passaram a ter uma maior dependência desses

agentes locais, pois eles eram elementos importantes na manutenção da paz e da ordem

pública. Talvez isso explique a grande quantidade de ofícios que encontramos, encaminhados

pelos presidentes aos magistrados, contendo palavras do tipo:

[...] participando achar-se empossado do cargo de juiz de paz dessa villa, tendo

recomendar-lhe todo zelo e manutenção na atividade da tranquilidade publica de seu

distrito, afim de não fazer malogrado a confiança em que fizeram em Vossa

Senhoria os seus Concidadãos para o mencionado cargo187.

Os aumentos de atribuições desses juízes revelaram o próprio projeto de criar os

mecanismos mais adequados para homogeneizar os procedimentos político-administrativos,

assim como o comportamento da sociedade através do controle social. Mas, concomitante a

isso, eles se tornaram figuras controversas, pois, após a aprovação do Código do Processo

Criminal, as suas responsabilidades se tornaram amplas, fazendo com que qualquer indivíduo

que se encontrasse em seu distrito estivesse passível de sofrer as penas da lei através do

exercício de seu poder:

Em tese, todas as pessoas que moravam ou transitavam pelo distrito onde atuava o juiz de paz estavam subordinadas ao seu controle. Devia se informar sobre

desconhecidos e pessoas suspeitas que ali fossem morar. Vigiar quem fosse

considerado mendigo, vadio, contendor, desordeiro, turbulento, bêbado e meretriz

escandalosa. Admoestá-los e colocá-los sob custódia em suas próprias casas, se

perturbassem o sossego público. Com os reincidentes, devia atuar como reformador

social, conciliando os rixosos, compelindo vadios e mendigos ao trabalho,

recuperando bêbados e aquietando desordeiros188.

Diante desse acúmulo de atribuições, os magistrados leigos receberam críticas e

acusações a respeito de seu papel na administração da justiça, pois outras autoridades viram

abalados seus status de poder e seus prestígios diante da sociedade:

[...] padres se sentiram prejudicados porque perderam para eles o tradicional papel

de conciliadores da comunidade; as Câmaras Municipais se queixavam de que não puniam os infratores das posturas municipais, como era de sua competência; os

políticos de tendência conservadora, porque viam no fortalecimento do localismo

uma ameaça à governabilidade; e os magistrados profissionais, por fazerem

restrições à autonomia e ao exagerado poder concedido a pessoas sem formação em

cursos jurídicos189.

187 MARANHÃO, Códice 468, ofício nº 230, em 11 de dezembro de 1834. 188 FARIA, 2007, p. 67. 189 Ibid., p. 72.

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Contudo, a partir de 1837, com o regresso conservador, esses magistrados viram os

seus poderes se esvaziarem. Em algumas províncias, como foi o caso do Maranhão, este

processo se iniciou com a lei das prefeituras, mas, em nível nacional, este projeto se

oficializou com a Reforma do Código de Processo Criminal de 1841. Aqui, além da extinção

das prefeituras nas províncias que as implementaram, foram criados os cargos de chefes de

polícias, delegados e subdelegados. Os primeiros seriam escolhidos entre os desembargadores

e juízes de direito, enquanto os delegados e subdelegados dentre quaisquer juízes e cidadãos.

Todos eles eram nomeados ou pelo Imperador ou pelo presidente da província

correspondente.

No tocante à magistratura de paz, as principais mudanças estavam na transferência

daquelas atribuições que os tornavam maiores autoridades do distrito para os novos agentes

judiciários. Eles não poderiam mais, por exemplo, fazer o pronunciamento e a prisão de réus,

declarar culpados, proceder com o corpo de delito e nem julgar contravenções às posturas

municipais. Assim, basicamente, todas as suas funções criminais e policiais foram

transmitidas para representantes do poder central, pois o que se pretendeu com a reforma do

Código foi a centralização do poder judiciário.

Independentemente dos efeitos produzidos, os juízes de paz continuaram sendo eleitos

diretamente pelo povo. Esses magistrados no Império reafirmaram uma importante faceta do

Estado moderno em termos de direitos individuais: a possibilidade de participação direta na

política daquela população que, até então, dependia de intermediários, assim como um novo

canal de reivindicação de suas necessidades. Portanto, sendo agentes públicos próximos desta

população, os magistrados frequentemente eram procurados para atenderem às suas diversas

necessidades e representarem essas vozes queixantes dentro do restrito espaço político

imperial.

2.3 A experiência da magistratura de paz no Maranhão

Nos primeiros anos de constitucionalidade, podemos constatar que houve um intenso

trabalho legislativo, especialmente na pretensão de atingir um modelo ideal de Estado.

Tomando como base a ação positiva das leis, estas deveriam garantir os direitos dos cidadãos,

bem como viabilizar a ação do governo na vida pública, através de uma divisão racional dos

atributos das instituições, delimitando os poderes de cada um dos seus agentes. Com o

direcionamento liberal e descentralizado conferido pelos primeiros governos regenciais, o juiz

de paz foi concebido enquanto um magistrado popular que teria a função de estender a força

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normalizadora do Estado, fazendo com que a população das vilas, freguesias e distritos se

moldassem dentro dos parâmetros legais de vivência. Mas, ao mesmo tempo, o juiz

viabilizava a participação cidadã dessa população que um dia foi súdita.

Analisando as atividades dos magistrados distritais do Maranhão durante as décadas

de 1820 e 1830, percebemos que não foi fácil a inserção deles dentro dos parâmetros da

administração pública, pois, muitas vezes, eles não sabiam como proceder com suas

atribuições conforme as leis especificavam. Em 1833, no dia 14 de fevereiro, por exemplo, foi

recebido pelo presidente da província um ofício do juiz de paz, Fernando Jorge de Miranda,

pedindo explicações sobre como proceder com as eleições. Por conta de um processo que

estava exposto na Constituição, o magistrado não sabia se os cidadãos de vinte e um anos

poderiam ter voto as eleições ou apenas aqueles com vinte e cinco anos, como descrito no

artigo 22º; assim também, ele não sabia como deveria “entender o mesmo artigo na parte em

que diz os que não tiverem de renda líquida cem mil réis anual”190, querendo confirmar se

tinha que se basear na renda líquida ou bruta do cidadão.

No mesmo ano, o juiz do 4º distrito da Capital, José Antônio de Lemos, quando foi

enviado para inspecionar as embarcações que atracaram no porto, também pediu informações

para o presidente, afirmando que havia “diversas inteligências”, ou seja, várias interpretações

sobre o decreto de 12 de abril de 1832 – que regulamentava a execução da Lei de 7 de

novembro de 1831, a qual se referia sobre como proceder com o tráfico de escravos. Ele

pedia, então, esclarecimentos específicos sobre como deveria agir nos seguintes casos:

1º Se tendo eu noticia de qualquer contrabando ou fabrico de moeda falsa no

Districto alheio em terras ou mar, posso ir lá proceder ao encargo que a Lei tem

cometido aos juízes de paz; pois que estes Ministros são Policiais, o Decreto é

concebido n’este gênero, e sobre tudo a Lei de 26 de outubro de 1831191 parece dar

muita analogia para o caso sujeito;

2º Se admitido o procedimento, como o caso requerer segredo até a prisão do

complicado, devo ou não continuar na diligencia até o grau de conjuctura, ou se sobre estar no primeiro passo para comunicá-lo ao Juiz respectivo e segui ele o

termoulterior;

3º Finalmente se as visitas ordenadas para aquela Lei sobre o contrabando de

escravos é cumulativa para os Juizes vizinhos: ou se privativo só d’aquele que o

Governo por uma vez nomear192.

190 Ofício do juiz de paz Fernando Jorge de Miranda, do 5º distrito da Capital, em 5 de junho de 1833. In:

MARANHÃO. Correspondências dos juízes de paz com os presidentes da província (1833). Caixa 531.

Setor de Avulsos. Arquivo Público do Estado do Maranhão. 191 Esta Lei descreve como se deve processar os crimes públicos e particulares, e informa as competências

policiais quanto a este quesito. 192 Ofício do juiz de paz José Antônio de Lemos, do 4º distrito da Capital, em 2 de janeiro de 1833. In:

MARANHÃO. Correspondências dos juízes de paz com os presidentes da província (1833). Caixa 531.

Setor de Avulsos. Arquivo Público do Estado do Maranhão.

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Para alguns magistrados, as legislações eram de difícil compreensão e acusavam

diversas vezes que faltavam nelas informações mais precisas. Vejamos mais um caso enviado

pelo juiz eleito na freguesia do Mearim ao Conselho Presidial, em 1829, apresentando suas

dúvidas sobre como proceder nos seguintes quesitos:

1º Qual o meio de fazer executar as Sentenças do Juiz de Paz quando decidem as

pequenas demandas na fr.º do § 2º do Art. 5 do seu regimento, quando a parte é refractaria. 2º Por que maneira hão de satisfazer ao preceito Art.º 9º sem Officiaes,

que conduzão os desobedientes. Á sua presença, e sem cazas de coercção. 3º Quaes

os casos, em que terá applicação o Art.º 11.º a vista do Artº 9º. 4º Si o Juiz de paz

deve fazer effectiva a pena no caso de violação de Postura, fazendo a elle mesmo

executar, ou remetter o processo ao Juiz Criminal. 5º Si o seu Escrivão deve prestar

o signal Publico na Camara, ou na Chancellaria. 6º Si em todo o cazo, em que

houver imposição de pena ainda mesmo na hypothese do § 2º do Ar.to 5, deve ir o

processo ao Juiz Criminal? 7º Como serão punidos os vadios? 8º Quaes as madeiras

reservadas por Lei, e quaes as matas, e florestas Publicas, em que tem lugar o

disposto no § 12 do Ar.to 5?193.

Em suas palavras ficam expostas algumas lacunas existentes na Lei de 15 de outubro

de 1827, pois, quando verificamos a mesma, não encontramos em nenhum dos seus artigos

palavras que deem um direcionamento para as questões que ele levanta. Cabia então ao poder

legislativo e ao presidente da província sanar tais faltas, como foi o que aconteceu neste caso,

durante a mesma sessão:

[...] tomando o Exmo Conselho em consideração os referidos quesitos resolveu, que

se declare em resposta aos mesmos o seguinte. Quanto ao 1.º e 4: Que visto a Lei

não prohibir ao Juiz de Paz a execução do seu julgado no cazo do § 20º do Artº 5

não ha obstáculo, para que elle mesmo não o faça executar pelos meros, que o seu Regimento lhe dá para se fazer obedecer, ou observando as Leis Geraes, que regulão

as execuçoens das sentenças; pois não só este procedimento é favorável às partes por

mais breve, mas tão bem confor-ma se com o disposto na Lei do 1º de 8brº de 1828

Art.º 88, que constitui o Juiz de Paz julgador primitivo, e executor das penas por

contravençoens às Pos-turas. Quanto ao 2º: Que o Juiz de Paz deva decidir quanto

antes o seu Destricto em Quarteiroens; e nomear os Officiaes, que executem as suas

ordens, podendo na falha delles deprecar aos Juizes Territoriaes os que lhe forem

neces-sarios. A respeito da Caza de Correcção resolveu se, que se faça ver às Cama-

ras da Provincia a necessidade de as estabelecer, onde convier. Quanto ao 3º: Que o

Art 11 da lei de 15 de 8bril é applicavel a todos os cazos, em que o Juiz de Paz

houver de impor penas, fóra da caza de desobediência, em que tem lugar o Artº 9º.

Quanto ao 5º: Que o Escrivão de Juiz de Paz pode prestar o seu Signal Publico na Camara, e na Chancellaria, ou somente na Camara, Lendo se deverá remetter a

Chancellaria por ser necessario, que seja aqui conhecido. Quanto ao 6º: Que sendo

geral a disposição Artº 13 da Lei, deva o Juiz de Paz remetter ao Criminal quaes

quer processos, cujas sentenças imporem pena. Quanto ao 7º a respeito dos vadios

deve o Juiz de Paz regular se pela Legislação existente a tal respeito usando dos

meios, que lhe dá o seu regimento, fazendo os assignar termo de se mostrarem

occupados dentro do curo prazo debaixo das penas, que lhe parecerem justas, as

quaes deverão ser análogas ao vicio, que se pretende corrigir, e por conseguinte

193 Id. Conselho Presidial, Livro de Atas, Sessão Ordinária de 27 de junho de 1829, p. 83, v. 1.

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deverão ser os vadios punidos com trabalho. Quanto ao 8º Resolveu se que o S.r

Preside a vista das ordens, que devem existir na Secretaria faça a declaração das

madeiras reservadas por Lei, devendo o Juiz de Paz regularse pelas Portarias das

Camaras, que deve fazer observar a respeito das matas particulares, e das madeiras

não reservadas por Lei194.

Em nossas pesquisas foi comum encontrarmos casos desses tipos citados acima, onde

autoridades menores buscavam os governantes maranhenses, a fim de obterem informações

sobre como discorrer no trabalho da administração pública. A imprecisão nas legislações ou

interpretações equivocadas poderia resultar em casos de conflitos de jurisdição, como o

ocorrido na freguesia da Conceição, quando um juiz de paz exerceu atribuições da Câmara

Municipal, remetendo editais que proibiam os festejos do Espírito Santo de fazerem batucadas

nas horas de silêncio, afirmando que seria penalizado aquele que descumprisse o seu mandato.

Logo, o Conselho Presidial interviu através de uma representação da Câmara do município, na

qual o magistrado atuava, afirmando que esta atribuição cabia apenas aos vereadores com a

elaboração de posturas municipais195.

Tomando como base a quantidade de ofícios que foram enviados pelos juízes de paz

aos presidentes da província, analisados para este trabalho, e o número de vezes que se

repetiam esses pedidos de explicações das leis, não podemos fazer uma afirmação

generalizada de que esses magistrados leigos eram incapacitados de compreender as próprias

regras que definiam as suas atividades, pois o número de ocorrências era relativamente baixo.

Além disso, eles não eram as únicas autoridades que passavam por tais inconvenientes, uma

vez que houve momentos em que outros agentes públicos tinham essas dúvidas.

Em 25 de outubro de 1833, numa representação enviada ao presidente Joaquim Vieira

da Silva, o juiz do 2º distrito da Capital questionou a competência do juiz de direito de ser um

chefe de polícia e de poder presidir sobre as receitas do Teatro União. Esta questão foi

discutida no Conselho Presidial, quando ficou reafirmado que o magistrado de comarca teria

sim tal competência. Contudo, o mesmo juiz tornou a enviar a mesma dúvida e, como

anteriormente, ela foi debatida novamente em Conselho. Contudo, dessa vez, o presidente

chegou à conclusão de que “a Legislação a esse respeito está um pouco escura”. Recorreu

então ao Secretário de Estado dos Negócios da Justiça: “[...] espero que V.Exª se digue a leva-

la ao Conhecimento da Regência em nome do Imperador a fim de esclarecer se o Chefe de

194 MARANHÃO. Conselho Presidial, Livro de Atas, Sessão Ordinária de 10 de junho de 1829, p. 79, v.1. 195 Idem.

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Polícia nas Comarcas onde há hum Juiz de Direito deixa de existir, ou se é esse mesmo Juiz

de Direito”196.

Outro exemplo foi quando o mesmo presidente tentou colocar em execução a sentença

de morte contra um escravo. No caso descrito por ele, o juiz municipal se recusou a fazê-la

por falta de carrasco e pelo fato do Código de Processo não explicar como proceder. Segundo

Joaquim Vieira, essa impunidade resultante de uma lacuna deixada pelo Código, tinha feito

“aparecer nesta Cidade um escravo que ousou assassinar uma filha de seu Senhor por lhe dar

um pequeno castigo, e outro a poucos dias [que] deu 3 facadas no seu Senhor”. Com tais

considerações acerca desta imprecisão da lei, o presidente disse: “[...] espero que V. Exª.

designará levar ao Conhecimento da Regência em nome do Imperador, espero eu me

determine o que eu devo obrar para se executar a sentença suprindo-se a falta de carrasco” 197.

Era costume do governo provincial, ao receber os questionamentos dos agentes

públicos, fazer extensas sessões para debaterem as leis, códigos e decretos recém-lançados.

Um desses casos foi o da sessão de 8 de junho de 1831, do Conselho Presidial, que um ano

após a aprovação do Código Criminal de 1830, recebeu uma representação de um juiz de paz

suplente, que tinha dúvida de como seguir contra escravos que cometiam crimes policiais ou

de qualquer outra natureza:

Foi lida uma representação do juiz de Paz suplente da Freguesia de Nossa Senhora

da Conceição desta cidade pedindo providencias para o promto castigo correcional

dos escravos que cometessem crimes policiais, ou quaisquer outros. Houve longa discussão e se resolveu que levantando-se o zelo do juiz de paz se lhe declarasse que

a Lei de 15 de Outubro de 1827, o decreto de 11 de Dezembro de 1830 e o código

criminal oferecem as providencias que se podem desejar em matéria policial porque

tudo se acha acautelado pelas ditas leis, cuja execução o Excelentissimo conselho

muito recomendada esperando da reconhecida atividade prudência e habilidde do

mesmo juiz de paz e da de mais autoridades a continuação do sossego de que goza

esta cidade198

.

Observando a data de envio desses ofícios e os anos em que eram aprovadas as

legislações referidas por aqueles que pediam explicações, podemos inferir que não só o

magistrado leigo, mas as demais autoridades da província tinham dificuldades em se adaptar

de imediato às redistribuições de poderes, às reorganizações das instituições e aos novos

procedimentos elaborados pelo parlamento imperial. Até que houvesse tais ajustes, os agentes

196 Id. Livro de registro da correspondência dos presidentes de província com o ministro e secretário de

Estado dos negócios da justiça (1828-1842). Códice 419. Setor de Códice. Arquivo Público do Estado do

Maranhão, ofício nº 39, em 25 de outubro de 1833. 197 Ibid., ofício nº 45, em 16 de dezembro de 1833. 198 Id. Conselho Presidial, Livro de Atas, Sessão Ordinária de 8 de junho de 1831, p. 119, v.2

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recorriam aos seus superiores para se informar como agir dentro da lei e/ou como preencher

espaços vazios contidos na mesma.

Identificamos também que nesse momento era comum que os magistrados dos

distritos procurassem os presidentes da província para prestarem queixas contra outros

funcionários que não cumpriam com os seus deveres e que inviabilizavam as suas próprias

atividades. Tivemos como exemplo a sessão ordinária do Conselho Presidial, em 1829, onde o

juiz da freguesia de Nossa Senhora da Conceição enviou um ofício afirmando que não

conseguiu exercer as suas atividades por causa da incompetência de outras instituições em

seguir as suas atribuições. Primeiramente, ele disse que as casas existentes em sua jurisdição

não foram devidamente enumeradas, o que dificultava a divisão dos quarteirões e a nomeação

dos oficiais e denunciou o estado de indisciplina dos milicianos, “que se julgão independentes

das Authoridades Civis de Paz”. Deliberada tais questões na sessão, o Conselho resolveu que

“se lembre a Câmara Municipal a necessidade da numeração das Cazas, e designação dos

nomes das ruas, visto que lhe compete pelo seu regimento”. Quanto ao caso de

insubordinação dos milicianos, foi expedida a seguinte ordem ao juiz:

para que se guardem as Leis, que Marcão os limites da jurisdicção Civil, e Militar,

fazendo ver, que os Soldados Milicianos, não estando em effectivo serviço, como os

da 1.a Linha, não gozão de Foro especial, e explicando com clareza qual a marcha

legal, que cumpre seguir se acerca dos prezos pelas rondas policiais, que se devem

dirigir ao Juiz de Paz199.

No mesmo ofício, o magistrado acusou problemas na legislação quanto ao combate de

quilombos e de escravos fugidos, pois não existiam regulamentos específicos que explicassem

como deveriam ser feitas as caças destes e nem as gratificações ou emolumentos dos Capitães

do Mato. Em resposta, o Conselho resolveu que os Capitães e seus homens deviam estar

subordinados à autoridade dos juízes de paz e que a Câmara Municipal tinha que elaborar uma

postura municipal que regulamentasse tal procedimento.

Esses magistrados também passavam por outros momentos de constrangimento, como

pelo fato de algumas autoridades se sentirem incomodadas com as atividades exercidas por

eles. Os juízes dos distritos tinham a competência, por exemplo, de fazer as inspeções das

escolas de primeiras letras e, de acordo com a lei que deu forma às Câmaras Municipais, no

Título que fala sobre as “Posturas Policiais”, estas instituições poderiam fazer a:

199 Ibid. Sessão Ordinária de 10 de junho de 1829, p. 81, v.2.

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[...] inspeção sobre as escolas de primeiras letras, e educação, e destino dos órfãos

pobres, em cujo número entram os expostos; e quando estes estabelecimentos, e os

de caridade, de que trata o art. 69, se achem por Lei, ou de facto encarregados em

alguma cidade, ou vida a outras autoridades individuais, ou coletivas, as Câmaras

auxiliarão sempre quanto estiver de sua parte para a prosperidade, e aumento dos

sobreditos estabelecimentos200.

Nos conformes da lei, cabia ao juiz de paz fazer a execução de tais posturas, podendo

inclusive penalizar os contraventores. Contudo, nas atas do Conselho de Governo existiam

casos em que esses magistrados eram impedidos de fazer as inspeções das escolas, como

podemos perceber na sessão extraordinária de 30 de setembro de 1829, onde:

Manuel de Jozias Lima, que se queixa do Juiz de Paz da Freguesia do Rosario, e

sendo presente a informação deste, resolveu o Conselho, que o Supplicante deve

cumprir os seus deveres, e respeitar ao Juiz de Paz encarregado de inspeccionar a

escola e que o Juiz de Paz o deverá tratar com toda a moderação, participando

qualquer irregularidade201.

No mesmo ano, o Capitão de pedestres da Freguesia de Nossa Senhora da Conceição

da Villa de S. Bernardo, Thimoteo Pedro Alexandrino, também se queixava do magistrado

responsável pelo distrito em que trabalhava, afirmando que este abusava das atribuições do

seu cargo a fim de praticar atos ilícitos. O juiz acusado (no qual não conseguimos identificar a

freguesia em que ele atuava e nem o seu nome) teria se ausentado do cargo, deixando como

substituto um dos seus filhos, ao invés de chamar o seu suplente, para colocar em circulação

moedas falsas202.

Na historiografia sobre o juizado de paz está cristalizada uma noção de que muitos dos

sujeitos que passavam por esse cargo, diante do acúmulo de poder que eles tinham em suas

mãos, constantemente eram flagrados abusando dos seus poderes para ganhos pessoais.

Contudo, conforme pudemos constatar na documentação utilizada para a nossa pesquisa, tal

afirmação não pode ter um caráter tão rígido e generalizante, pois diante do volume

documental trabalhado, os casos em que eles eram proferidos para responderem contra as

acusações eram bem esparsas. Para se ter uma resposta mais precisa, faz-se necessária uma

pesquisa de maior fôlego, baseada em uma massa documental mais ampla, que dê voz àquelas

autoridades que se relacionavam com o magistrado, e não só aos presidentes de província

como é a proposta deste texto.

200 BRASIL, Lei de 1º de outubro de 1828, art. 70. 201 MARANHÃO. Conselho Presidial, Livro de Atas, Sessão Ordinária de 4 de julho de 1829, p. 86, v.2. 202 Ibid. Conselho Presidial, Livro de Atas, Sessão Ordinária de 1 de julho de 1829, p. 84, v. 1.

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Vale destacar que algumas dessas queixas partiam dos próprios magistrados leigos de

outros distritos ou dos seus suplentes, que identificavam irregularidades na atividade exercida

ou omissão das autoridades. É o que aconteceu na Vila do Rosário, onde o juiz de paz

suplente, João Joaquim dos Santos, juntamente com o promotor público daquela região,

pronunciou Ciriaco Antônio, o magistrado eleito e em atividade, por crime de

responsabilidade. O ofício encaminhado não deixou exposto o que o acusado fez, mas logo o

presidente Vicente Camargo determinou cumprir o que estava prescrito no Artº 165 § 2º do

Código de 1832, suspendendo-o do exercício de todas as funções públicas e dando permissão

para que o seu suplente assumisse o cargo. Inconformado com a resolução do presidente, o

dito Ciriaco deu voz de prisão ao prender o escrivão que lhe intimou. Logo, o presidente

Camargo deu a seguinte ordem:

o referido Ciriaco obesivamente continua a exercer funções públicas, como me

consta que o tem feito até agora V.S. prende-lo-a como flagrante, procedendo

imediatamente contra ele como na forma das leis em vigor. Mas se por algum

impedimento, que eu ignoro, V.S. não se pode empossar do Cargo, avisará para esse

fim o Cidadão José Roberto Pinheiro, remetendo-lhe este oficio para que ele o

cumpra fielmente, e como se fora nomeadamente dirigido203.

Então, esse e outros exemplos não nos permitem generalizar a idoneidade dos juízes

leigos, pois isso era relativo, existindo também aqueles magistrados que se preocupavam em

ter zelo por sua atividade.

Como analisamos no tópico anterior, as funções policiais e judiciais se destacavam

dentre as demais atribuições desses juízes e, por isso, a maioria das documentações que

trabalhamos abordava-os nas atividades voltadas para o controle social, pois geralmente eram

para estas funções que os presidentes da província os acionavam, a fim de manter a

tranquilidade pública nas localidades. Este era um meio de fazer com que o poder provincial

alcançasse as municipalidades, através do intermédio de magistrados. Foi o que aconteceu no

Termo de Alcântara, na noite de oito de abril de 1833, quando houve o assassinato do cafuzo

Thomaz, em que não se sabia quem era o assassino. Logo, o presidente remeteu um ofício ao

recém-eleito juiz de paz Joaquim Vieira da Silva e Sousa, para que ele procedesse com o

corpo de delito e investigasse o assassinato. Quase duas semanas depois, o magistrado

remeteu um ofício dizendo que enviou “o prezo José Eleutério Pacheco, pronunciado neste

juízo por autor da morte do cafuzo Thomaz”, esperando assim que a “Vossa Excelência lhe de

203 Id. Livro de registro da correspondência dos presidentes de província com os magistrados (1837-1841).

Códice 471. Setor de Códice. Arquivo Público do Estado do Maranhão, ofício nº 142, em 12 de dezembro de

1837.

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devido destino, pois que vacila sobre a competência da autoridade criminal a quem deveria

remeter”204. Vemos não só o sucesso da ação do magistrado em “levar a justiça”, mas o seu

cuidado em remeter o preso ao presidente, para não entrar em conflito com a autoridade

competente neste processo.

Outro exemplo que podemos mostrar foi o ocorrido da noite de 30 de fevereiro de

1832, quando o presidente Candido José de Viana convocou o magistrado da freguesia da

Conceição, na Capital, mandando prender qualquer indivíduo bêbado, a fim de defender o

sossego público205. Vale afirmar que os maiores volumes documentais referentes ao juizado

de paz eram provenientes da Capital. Provavelmente, isto reflete uma atividade coercitiva

mais intensa ali devido à importância da região em termos políticos e administrativos. Esses

casos de contravenção da ordem, em especial das posturas municipais, são constantes nos

ofícios dos juízes de paz remetidos aos presidentes, como indica o do juiz Raimundo Joaquim,

também da Capital:

Remeto a Vossa Excelencia o criado livre João José da Sousa, disendo que é

pescador, ocupa-se unicamente em debochar, furtando e insultando os que vivem

laboriosamente e pacíficos, e incomodando-me constantemente com estes maus

procedimentos. V. Exª lhe dará o destino que for servido. Este Distrito está cheio destes vadios; que acho melhor enviá-los, bem como os matriculados pescadores em

Redes, que só servem em aqueles tráficos, em quanto há recrutamento e passado o

que seja, fogem das Redes para ocuparem-se em jogos e bebedeiras; queira a V. Exª

dizer-me se posso remeter uns e depois outros e serem eles pela V. Exª empregados

no Serviço Nacional206.

As contravenções cotidianas não eram um problema apenas para os presidentes, mas

também para os próprios juízes dos distritos, tendo em vista que a ocorrência deles em sua

jurisdição comprometia não só a ordem local, mas a imagem do magistrado frente aos

governantes da província.

Um traço importante, que deve ganhar maior espaço nos trabalhos que tratam sobre a

magistratura de paz, é quanto à sua importância política para as classes mais pobres. O Estado

que antes era comandado por um monarca, que tinha a sua autoridade tradicionalmente e

simbolicamente legitimada, agora passou a depender da vontade soberana do povo, que o

204 Ofício do juiz de paz Joaquim Vieira da Silva e Sousa, do distrito de Alcântara, em 21 de abril de 1833. In:

Id. Correspondências dos juízes de paz com os presidentes da província (1833). Caixa 531. Setor de

Avulsos. Arquivo Público do Estado do Maranhão. 205 Ofício do juiz de paz Bazilio Antonio Martins, da freguesia da Conceição, em 31 de janeiro de 1832. In: Id.

Correspondências dos juízes de paz com os presidentes da província (1832). Caixa 559. Setor de Avulsos.

Arquivo Público do Estado do Maranhão. 206 Ofício do juiz de paz Raimundo Joaquim, em 22 de junho de 1836. Id. Correspondências dos juízes de paz

com os presidentes da província (1836). Caixa 537. Setor de Avulsos. Arquivo Público do Estado do

Maranhão.

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legitimava através das eleições, por exemplo. A partir desse fundamento, os cidadãos

adquiriram direitos legais e este Estado assumiu o dever constitucional de garantir o mesmo.

Nesse sentido, os estreitos laços existentes entre a população e os magistrados eleitos

significavam também a aproximação dos cidadãos com o Estado, que, há muito tempo, era

vista por esta camada enquanto algo distante e controlador. Por isso, esses juízes não eram

apenas um instrumento de poder do governo provincial, mas também um agente relevante

para as causas da população dos distritos em que foram eleitos. Desta forma, para os cidadãos

pobres a atuação dos magistrados não era necessariamente um sinônimo de arbitrariedade do

poder público, mas sim um meio de garantir as suas liberdades individuais e a segurança da

comunidade.

Trazemos como exemplo um acontecimento na Vila do Rosário, onde uma mulher

(cujo nome não foi identificado) procurou o juiz de paz para que ele prendesse o assassino do

seu marido, João dos Reis, morto a facadas. O magistrado mandou então sua representação

através de dois ofícios ao vice-presidente Raimundo Filipe Lobato, pedindo o envio de

homens para reforçar o policiamento daquela localidade e prender os assassinos. Como

resposta, o presidente disse:

Tomando em consideração o seu officio de 23 e 29 do mês findo agosto, tenho a accomendar-lhe toda atividade para que se prenda o assassino ou assassinos de João

dos Reis [...] por quanto concém muito prezimir semelhantes atentados, pois cumpre

a todos forcerjar-mos para que desapareça da face desta Provincia semelhantes fatos.

E para que V. S. não deixe de ter meios para poder conseguir a prisão de tal

malvado, marchão nesta ocasião cinco homens de 1º Linha, que reunidos aos três

que ahi existem, ficaram a sua disposição até segunda ordem207.

Esse exemplo demonstra a capacidade desses juízes de fazerem a interlocução da

população com o governo da província, conseguindo ajudas diante das suas dificuldades e

necessidades. Ele é ainda mais significativo quando observamos em outros ofícios os

constantes relatos dos governantes sobre a falta de homens para compor os aparatos de

repressão, requerendo dos magistrados leigos constantes recrutamentos para aumentar o

efetivo policial – porém, este é um assunto que trataremos no capítulo posterior.

Não eram apenas problemas referentes ao policiamento que a população buscava

solução através desta instituição, mas, sobretudo, para questões relacionadas à saúde de entes

207 Id. Livro de registro da correspondência dos presidentes de província com os magistrados (1833-1834).

Códice 469. Setor de Códice. Arquivo Público do Estado do Maranhão, ofício nº 245, em 23 de setembro de

1834.

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próximos, como podemos ver nesta resposta dada pelo mesmo presidente a um ofício, enviada

a ele:

Respondendo ao officio de 42 correntes em que me pede providências sobre o doido

João Mendes, que não quiseram receber no Hospital da Misericordia, sou a dizer-lhe

o deve mandar apresentar ao Inspector do mesmo Hospital, Joaquim Manoel da

Costa, a quem expedi ordens para o receber208.

Mais uma vez, temos uma demanda da população atendida, quando o presidente usou

seus poderes institucionais para garantir uma vaga no Hospital ao dito doido do ofício. Um

pedido de representação semelhante aconteceu no 5º distrito da Capital, quando o juiz

responsável, Fernando Jorge de Miranda, constatou a existência “de alguns infelizes tocado

pela Elephantiase”, pedindo ao presidente Joaquim Vieira uma vaga na Santa Casa de

Misericórdia, a “uma infeliz de nome Mariana, que não tendo parente algum [...] consta ser

merecedora de proteção”209. Logo, não eram apenas as pessoas desvalidas que procuravam os

juízes eleitos para tentarem se tratar de alguma enfermidade, mas também os cidadãos

comuns, como:

Antonio Bernardino Ferreira Coelho Professor de 1.as Letras da Villa de Icatu, que

pede licença de um mez, para vir a esta Cidade tratar de sua Saude, e como não

viesse documentado, e o supplicante dissesse não haver ali Facultativos, e constasse

não estar a Camara Municipal em Sessão, remetteu-se ao Juiz de Paz para

informar210.

Assim também acontecia com qualquer morador do distrito que precisasse recorrer ao

poder do Estado para fazer suprir alguma necessidade sua. O caso da freguesia da Conceição,

na Capital, é exemplar, pois as famílias que ali moravam se queixavam da falta de professores

de primeiras letras, restando ao juiz de paz, Antônio Gomes Claro, enviar um ofício ao

mesmo presidente, afirmando que havia “duzentos e tantos meninos que querendo seus Pais

aplicá-los aos estudos não há quem os ensinem”211. No mesmo ofício, ele deu voz ao

professor Alexandre José Rodrigues, que denunciou a falta de estabelecimentos para abrigar

as crianças, baseando-se no estado em que se encontravam as casas destinadas a este fim e

afirmando que dos 200 alunos matriculados ele só poderia lecionar para 54.

208 Ibid., ofício nº 469, s/d. 209 Ofício do juiz de paz Fernando Jorge de Miranda, do 5º distrito da Capital, em 7 de dezembro de 1833. In: Id.

Correspondências dos juízes de paz com os presidentes da província (1833). Caixa 530. Setor de Avulsos.

Arquivo Público do Estado do Maranhão. 210 Id. Conselho Presidial, Livro de Atas, Sessão Ordinária de 17 de junho de 1829, p. 81, v.1 211 Ofício do juiz de paz Antônio Gomes Claro, da freguesia da Conceição, em 28 de janeiro de 1833. In: Id.

Caixa 530.

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Casos de calamidade pública também eram relatados aos governantes via os

magistrados eleitos. O cidadão Theodoro José Correa procurou o mesmo juiz Antônio Gomes

para reportar a falta de chuva que tinha estagnado a produção de farinha de mandioca.

Somado a esse problema, o reclamante acusou a existência de uma concorrência desleal deste

gênero com mercadores da província de Pernambuco, já que “os monopolistas, disputando a

preferência, onde chegam, atracam e vendem por um modo exclusivo, pelo preço que querem

ao povo”212. Através do magistrado, o cidadão pedia que o presidente tomasse medidas mais

enérgicas, a fim de valorizar o produto da província e garantir um comércio mais justo diante

da concorrência.

Como a principal função desses juízes neste momento era o controle social, a

população também os procurava para denunciar casos de contravenção à ordem e fazer reinar

a tranquilidade nos distritos. No 2º distrito da Capital, em 1839, uma mulher de nome

Mariposa Conceição acusou a sua vizinha Ana Maria do Nascimento, cafuza liberta, de fazer

vozerias na vizinhança e de ameaçá-la de morte. O magistrado daquela jurisdição, Joaquim

Manoel da Penha, convocou a acusada e a fez assinar o termo de bem viver. Mas, continuando

a incomodar os moradores, quebrando o termo, o juiz enviou um ofício ao presidente Manuel

Felizardo, dizendo que agiu da seguinte maneira:

Esta mulher assinou o termo de bem viver perante mim [...], porém tendo quebrado

o termo procedi a ela na forma do Art. 122 do Código de Processo Criminal, e sendo

relevante da vizinhança a prova contraria, foi condenada a cumprir a pena que era de

mudar-se de Distrito segundo ela mesmo concordou213.

Contudo, não era apenas a população pobre livre que se beneficiava com essa

magistratura, mas também escravos e índios. No dia 15 de março de 1832214, por exemplo, o

juiz de paz Bazílio Antônio Martins representou um escravo chamado José Maria dos Santos,

diante do Conselho Geral maranhense. Com a morte de seus senhores, Raimundo dos Santos

Freire Bruce e Ana Josepha, o dito escravo recorreu ao magistrado pedindo para que o

presidente Candido Vieira lhe concedesse a carta de liberdade, tal como constava em

testamento deixado pelo casal.

212 Ibid., em 5 de abril de 1833. 213 Ofício do juiz de paz Joaquim Manoel da Penha, do 2º distrito da Capital, em 15 de março de 1839. In: Id.

Correspondências dos juízes de paz com os presidentes da província (1839-1840). Caixa 542. Setor de

Avulsos. Arquivo Público do Estado do Maranhão. 214 Ofício do juiz de paz Bazílio Antônio Martins, da freguesia da Conceição, em 15 de março de 1832. In: Id.

Correspondências dos juízes de paz com os presidentes da província (1832). Caixa 559. Setor de Avulsos.

Arquivo Público do Estado do Maranhão.

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Na sessão ordinária em 7 de maio de 1830, do Conselho Presidial, foi apresentado um

ofício do juiz suplente da freguesia de Santo Antônio das Almas, que denunciou os maus

tratos de um habitante a um cativo, “que lhe imprimio na testa com ferro abrazado com ferro

de marcar gado”. O Conselho resolveu que o juiz deveria “certificar se da verdade pelos

meios júri-dicos por testemunhas, e inspecção ocular, ouvindo o Senhor argüido para depois

proceder como for justo” 215, e depois deveria fazer o auto do corpo de delito e remetê-lo ao

juiz criminal.

Na mesma sessão do Conselho foi lido outro ofício, agora tratando de um

requerimento de índios da Vila de Viana, que se queixavam da usurpação de suas terras por

diversas pessoas. Como resposta, os conselheiros recomendaram ao:

Juiz de Paz Supplente da Villa de Viana para que procure por meios amigáveis

conciliar as partes, persuadindo os intrusos a sahirem das terras indevidamente

occupadas, e fazendo lhes pagar uma indemnização rasoavel pelo injusto uso das

mesmas, informando se para este fim dos limites delles, e procedendo ás diligencias

necessarias, dando parte do resultado216.

Esses e outros são alguns dos episódios que nos permitem perceber novas facetas

relacionadas ao juiz de paz, pois mostram que eles não estavam limitados a representarem um

self-government, utilizando o seu poder institucional para fins particulares, ou então de terem

suas capacidades de atuação restringidas pela falta de um diploma de Direito. Eles, assim

como outras autoridades, passavam por dificuldades de inserção nos trâmites da burocracia,

pois houve neste momento uma intensa produção de códigos, decretos e leis que, muitas

vezes, levavam tempo para serem assimiladas e compreendidas. No que tange à sua

proximidade com as classes mais desfavorecidas, eles representavam uma ponte com o

governo provincial e a possibilidade de se alcançar a justiça social. Porém, ainda assim, na

concepção dos presidentes maranhenses, os magistrados leigos foram o ponto de atraso da

administração da justiça.

215 Id. Conselho Presidial, Livro de Atas, Sessão Ordinária de 7 de maio de 1830, p. 96, v.1 216 Idem.

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CAPÍTULO 3 – OS DELEGADOS RÉGIOS EM MEIO A MAGISTRADOS LEIGOS:

A MEDIAÇÃO PARA UMA CIVILIZAÇÃO E AS PROPOSTAS PARA O

MELHORAMENTO DA JUSTIÇA DO MARANHÃO

Illmº. E Excmº. Senhor

Com o maior pezar, e indignação acabo de saber, que no termo do Iguará, um

desgraçado vândalo, de nome Raimundo Gomes, reunido alguns seus iguaes, entrou

na villa da Manga, e apoderando-se do Quartel do Destacamento, chamou este a si, e

soltou os criminosos que existião prexos; tudo para o fim que V. Exª. Verá do

officio, por copia incluso, que me dirigio o subprefeito do dito termo.

A Força da 1º linha que ha aqui, alem da maior parte ser recrutas novos, e estarem

desarmados, não é o suficiente para por si só ir fazer frente àquelles revoltosos, por

isso estou reunindo com toda a preça, o maior numero possivel de paisanos, capazes de marchar, para enorporado àquella irem quanto antes debelar a nascente hydra da

revolta, antes que se unão a ella, os inconsiderados inimigos da boa ordem, e se

tornem assim mais formidaveis; o que não é muito difícil, à vista dos descontentes

que existem, avessos a nova ordem de cousas, e outros stigmatizados por efeito do

recrutamento forçado [...]

Joaquim José Gonçalvez

Prefeito da Comarca217

Em 1839, o presidente Vicente Thomaz Pires recebeu a notícia do ataque de Raimunda

Gomes e seus companheiros na cadeia da vila da Manga, fato que ficou comumente

conhecido como o início da Balaiada. Tal episódio ocorreu nos anos regenciais, período

marcado não só pelo acirramento dos debates políticos entre as elites nacionais, mas pela

eclosão de diversos movimentos sociais que criticavam a postura do Estado diante da

população mais pobre. Além disso, questionavam a legitimidade do desenho institucional que

os funcionários do Império concediam ao Brasil. Nesse período, o tema “tranquilidade

pública” ganhou bastante atenção dos presidentes da província do Maranhão, mas, a partir da

rebelião, ele ganhou maior importância nas sessões da Assembleia Provincial.

As camadas populares frequentemente eram representadas pelos governantes como um

grupo de pessoas que necessitavam de “apoio” do Estado para se adequarem à nova ordem

constitucional e civilizatória. Para tal tarefa, os governantes tinham que se utilizar dos

mecanismos legais, destinados à normalização, moralização e repressão deste nicho social.

Assim, os aparatos educacionais, as instituições religiosas, o uso do policiamento e dos cargos

que faziam parte do sistema judiciário eram amplamente utilizados para moldar a população

dentro deste arquétipo de sociedade desejada, viabilizando a tão desejada ordem pública.

217 Oficio do Prefeito da Comarca do Itapecuru-Mirim ao Presidente da Província, em 16 de dezembro de 1838.

In: ARAÚJO, Maria Raimunda. (Org.). Documentos para a história da Balaiada. São Luís: Edições

FUNCMA/APEM, 2001. p. 32-34.

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Retomando as considerações de Pasquino acerca do processo de modernização

política, ele destaca a ocorrência de dois fenômenos chamados de crise de penetração e crise

de integração. Tais crises se referem às dificuldades encontradas por aqueles Estados, mais ou

menos centralizados, na expansão de suas forças e autoridades para os diversos setores da

sociedade, a fim de exigirem obediência. Para isso:

As autoridades centrais procurarão constituir uma burocracia estatal; recrutar um

exército de provada lealdade e, especialmente, um corpo de polícia; unificar

mercados e moedas e construir infraestruturas viárias que facilitem as comunicações

entre o centro e as periferias218.

No nosso estudo, podemos identificar tais “crises” quando os presidentes do Maranhão

se viam em dificuldades de implantar medidas voltadas para a adequação da população a um

ordenamento social e político específico. Mesmo se utilizando de todo um arcabouço

institucional, o poder do Estado muitas vezes não se efetivava no cotidiano dos maranhenses.

Nesses termos, na década de 1830, uma das figuras que teve maior atenção dos governantes

foram os juízes de paz. Em seus relatórios, durante os anos de 1834 a 1842, todos eles

guardavam algumas linhas, ou várias páginas, para tratar em particular destes magistrados.

Quando analisavam a administração da justiça na província, após o acúmulo de funções na

década liberal, esses magistrados se tornaram os principais agentes reguladores da população

dos distritos.

Em 1838 foi aprovada a Lei das Prefeituras. Criada a partir das duras críticas dos

presidentes aos juízes de paz, esta lei trouxe como principal efeito a transferência de parte dos

seus poderes policiais para os prefeitos de comarcas, assim como a própria eclosão da

Balaiada, uma vez que a população se viu privada de um importante canal de representação

política, ficando submetida a uma instituição arbitrária e autoritária. Para compreendermos

melhor este processo, vejamos então como se deu a relação entre os presidentes e os

magistrados distritais dentro do contexto político e social da década de 1830.

3.1 Os presidentes e os desajustes da sociedade

O período regencial foi representado pela historiografia como um dos momentos mais

conturbados da história política imperial. Em seus primeiros anos, com a emergência da ala

liberal moderada, foram implantadas reformas políticas e administrativas que deu um

218 PASQUINO, 2010, p. 769.

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significativo avanço para as ideias liberais, como, por exemplo, o conceito de federalismo. As

legislações foram aprovadas, conferindo novas dinâmicas entre as diferentes esferas de

poderes políticos e exprimindo uma nova percepção de sociedade.

Nesse escopo, a população deveria se adequar a um novo ideal de sociedade, que se

respaldava em noções de civilidade, manifestadas nas legislações que pretendiam

regulamentar comportamentos e hábitos dos indivíduos. Essa expressão, civilização, foi muito

utilizada pelas elites políticas, jurídicas, letradas e religiosas do Brasil imperial. Para elas, o

país tinha que progredir neste sentido, se aproximando da realidade dos Estados europeus,

implementando medidas que possibilitassem tal avanço. Nos dicionários da época, o termo

“civilidade” se relacionava à “cortesia”, “urbanidade”, “boas maneiras”, “delicadeza”, ou seja,

a um conjunto de comportamentos e hábitos que contrastavam com a rusticidade grosseira dos

setores sociais mais baixos. Os presidentes da província em seus discursos refletiam

concepções de mundo moderno, respaldando-se no racionalismo como fonte do conhecimento

e no autocontrole da exteriorização dos desejos e vontades219. Assim, para eles, viver em um

meio civilizado seria estar submetido aos princípios da razão e da disciplina.

O modelo de civilização que se pretendeu difundir aqui no país foi aquele instaurado

nas sociedades europeias, visando uma sociedade disciplinada, onde os indivíduos deveriam

conter seus impulsos e paixões, se tornando politicamente dóceis220. No campo político, a

civilização passou a ser vista como a meta do ensino e formação profissional; na

implementação de hábitos e costumes da população como um todo; na transformação do

espaço físico das cidades, objetivando uma boa aparência em seu traçado; e nos serviços

urbanos. Enfim, a civilização deveria estar presente em todos os aspectos da sociedade,

modelando valores, normas e padrões daqueles que ocupavam o espaço.

Para a introjeção desses novos hábitos e valores, as instituições públicas passaram a

funcionar como uma ponte que ligava ideias e projetos dos governantes às camadas populares,

os alvos principais. Neste sentido, a participação dos delegados régios nas províncias foi

importante, uma vez que eles atuavam enquanto um braço extensor do poder do governo

central, viabilizando o cumprimento das normas e regras ali estabelecidas. Eles deviam

garantir o funcionamento das instituições de forma mais eficaz e dentro dos parâmetros das

leis que as regulavam, assim como manter a tranquilidade pública da província, controlando

os sujeitos que ali residiam e inserindo-os dentro de uma ordem civilizatória.

219 SERRA JÚNIOR, 2011. 220 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: O nascimento da prisão. 32. ed. Petrópolis: Vozes, 1987.

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Na década de 1830, os assuntos que envolviam a tranquilidade e ordem pública

ganhavam maior destaque nos seus discursos, pois durante esses anos havia diversos levantes

populares em todo o território nacional, sendo que em algumas regiões esses distúrbios

ganhavam maiores proporções e repercussão, mostrando-se como verdadeiras revoltas sociais.

Na visão das autoridades públicas, essas revoltas não passavam de movimentos anárquicos

com participação de facínoras, rebeldes, maltrapilhos, gente desclassificada que queria apenas

ameaçar a segurança pública. Foi o caso da Balaiada no Maranhão, que além de abalar a

ordem social, afetou as instituições públicas, desestabilizando a economia provincial e

mostrando o quanto a população mais pobre estava distante dos padrões de civilidade

desejado.

Mas, anos antes do estouro dessa rebelião, os presidentes maranhenses já se viam

incomodados e preocupados com o que acontecia nas outras províncias. Em 1835, por

exemplo, o movimento cabano inflamava a região vizinha, com lutas contra as autoridades

públicas, quando uma “horda feroz, que sem dó assassina os habitantes do malfadado Pará,

sem distinção de sexo ou idade roubando os escravos, talando as habitações e lavouras das

victimas sacrificadas à sua sanha”221. Isso preocupou o presidente Antônio Pedro da Costa,

pois o mesmo já começava a adentrar no Maranhão, pelo “Tury-Assú, villa assentada na

margem esquerda do rio do mesmo nome, o qual baliza e dividi a nossa Provincia”. A

inquietação do governante sobre esse movimento estava relacionada tanto com o distúrbio da

ordem pública regional, quanto com a cooptação do “bom povo Maranhense” e com desvão

da anarquia. Por isso, logo ele enviou ajuda para aquela província, como munições de guerra,

soldados e marinheiros, além de reforçar o seu próprio território com o aumento das

guarnições, uma vez que “os pacíficos Cidadãos ainda não gozão d’aquella inteira seguridade

e proteção, que lhes devem, e affianção as Leis de um Paiz Constitucional”222.

Esse exemplo serve para entendermos que, para os presidentes, os comportamentos,

como o dos rebeldes paraenses, não poderiam ser tolerados, pois iam de encontro com os

ideais de sociedade planejada pelo governo central. Por isso, nas suas falas foi comum

identificarmos propostas que visavam o aperfeiçoamento e reestruturação de instituições,

como escolas públicas, igrejas, corpos de polícias, guardas nacionais e justiça, por exemplo,

pois seriam estas as mediadoras das ideias empreendidas nos seus discursos, através da prática

do controle e moralização da sociedade. Porém, as medidas de controle social das classes

221 MARANHÃO. Relatório do Presidente da Província do Maranhão Sr. Antonio Pedro da Costa,

apresentado à Província do Maranhão, no dia 3 de maio de 1836. 222 Idem.

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pobres, indicadas pelos presidentes maranhenses, eram baseadas em suas próprias

representações acerca destas. Como sujeitos históricos, eles eram frutos do seu meio social e

cultural, onde estas percepções sobre os populares constituíam as suas ideias sobre os

mesmos. Mas, estas representações, muitas vezes, tinham caráter ambíguo, pois mostravam

que o povo maranhense, enquanto ordeiro e pacato, era uma massa pobre que não se

encontrava em um estado pleno de civilidade223.

Francisco Bibiano de Castro, quando comentou o estado em que se encontrava a

tranquilidade pública do Maranhão, comparando com o cenário paranaense, que passava pela

Cabanagem, destacou que a cobiçada paz tinha se preservado na província, graças ao “caráter

do bom Povo Maranhense [...] se tem sabido conservar limpo de crimes, sempre respeitador

das Leis e das Autoridades”224.

Mas os presidentes tinham uma desconfiança desse caráter, pois não viam essa

população completamente inserida na ordem civilizada. Manuel Felizardo de Sousa e Mello

chegou a afirmar que eles “nunca poderão chegar à aquisição do que propriamente se chama

luzes”, mas que caberiam ao governo arrancá-los da “ignorância inculta e bárbara, que é sua

infalível partilha nos países mal civilizados”. Um discurso marcado por um determinismo

social, o presidente mostrou a sua descrença quanto à capacidade das camadas populares em

não só adquirir o conhecimento intelectual, mas também de se preservarem distantes do

comportamento considerado “bárbaro”. Por isso, caberia ao poder público inseri-los dentro de

uma ordem legal, mostrando-os os “deveres do Homem, e do Cidadão”225. Com isso, os

governantes poderiam moldar o comportamento dessa população para que respeitassem as

autoridades do Estado, uma vez que eles estariam cientes de que existiam leis e regulamentos

que deveriam ser respeitados, sob o risco de sofrerem represálias do poder público, caso não

fossem cumpridos.

Nas sociedades modernas, a lei se tornou instrumento de defesa da propriedade e

espaço de luta para impor uma visão de Estado, de nação e de cidadania. Não é à toa que

durante as décadas de 1820 e 1830 houve uma intensa produção de legislações que tentavam

impor uma visão específica de Estado (centralizado ou descentralizado) e de sociedade. A

elaboração dos códigos criminais, por exemplo, foi fundamental para moldar a ação dos

aparatos institucionais e manter a ordem pelo controle social a partir de condutas específicas.

223 SERRA JÚNIOR, 2011. 224 MARANHÃO, 1837, p. 1. 225 Id. Discurso que recitou o Exm. Srn. Manoel Felisardo de Sousa e Mello, Presidente desta Província, na

occazião da abertura da Assembleia Legislativa Provincial no dia 3 de maio de 1839. Maranhão:

Typographia de I.J. Ferreira. 1839, p. 5.

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Mas, após a Balaiada, a preocupação com o ordenamento da população pobre ganhou mais

força, tendo em vista que este movimento não foi percebido pelos governantes apenas pelo

seu traço violento, que abalou a tranquilidade pública, mas também porque “diminuiu-lhe a

riqueza, paralisou-lhe a indústria, abriu-lhe feridas que ainda infelizmente sangram, afrouxou-

lhe os laços de obediência e respeito às leis, e às Autoridades”226, indo de encontro com o

arquétipo de cidadão defendido pelo Estado imperial.

Após a guerra civil – como muitos dos governantes chamavam o movimento –, esse

grupo social passou a ser visto com maior desconfiança por essas autoridades, pois o

movimento foi abordado especialmente por seus aspectos violento e anárquico, distanciando-

se de qualquer comprometimento político. Os presidentes passaram a dar destaque àquela

visão de que a ordem pública fora abalada por causa das “atrocidades e latrocínios”227 dos

insurgentes.

Um dos principais significados dado ao movimento correspondia a uma “rebelião

sertaneja”, sentido atribuído por causa do imaginário social, por conta da região de sertão que

possuía. A região ficou estigmatizada desde o período colonial, quando o termo “sertão” era

utilizado para designar uma ampla área do interior, pouco conhecida e estando distante do

poder das autoridades, tornando mais difícil o combate de vadios, facínoras, índios bravos,

escravos fugitivos e desordeiros que por ali passavam. Por conta das características da

colonização lusitana, que privilegiou a região litorânea para o estabelecimento dos centros

administrativos e econômicos, as autoridades responsáveis passaram a observar o sertão

enquanto “a terra dos não civilizados, do inculto, da desordem, dos selvagens, da

irracionalidade”228. Durante o Império, estes estigmas perduraram nos discursos dos

governantes.

Um dos problemas com as regiões sertanejas foi a falta de conhecimento das

autoridades deste espaço e de sua gente, o que representou um obstáculo para o

estabelecimento de uma unidade territorial. Por isso, as expedições de caráter oficial foram

criadas pelo governo central e realizadas por militares, como o exemplo de Francisco de Paula

Ribeiro. Ele foi um militar português, enviado para a Província do Maranhão, comandando

diversas expedições no interior. Estas campanhas tinham tanto caráter amistoso, para o

reconhecimento das regiões, quanto caráter punitivo, a fim de controlar os índios que

226 Id., 1843. p. 3. 227 Id. Falla que recitou o Exm. Presidente e Commandante das armas da Província do Maranhão o

Coronel Luiz Alves de Lima N’abertura da Assembleia Legislativa Provincial no dia 3 de maio de 1840.

Maranhão: Typographia de I.J. Ferreira. 1840, p. 4. 228 IAMASHITA, 2010, p. 28.

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incomodavam os produtores locais, na apreensão de facínoras e bandidos. O militar esteve

envolvido em vários processos de fundação de vilas e povoações na região centro-sul do

Maranhão, e estudou a Capitania/Província, identificando suas potencialidades econômicas e

as possibilidades de uma exploração racional de suas riquezas.

Em seus relatos, Paula Ribeiro descreve os sertanejos enquanto pessoas que não

possuíam nenhuma atividade econômica regular, vivendo apenas “do peixe que pescam, não

do rio, que cria em si muito pouco, porém do mar, de que eles estão perto”229. As riquezas

naturais dali eram vistas por ele enquanto um elemento que facilitava a sobrevivência, mas, ao

mesmo tempo, desestimulava o espírito empreendedor dessa gente, uma vez que preferiam

viver dos pequenos e esporádicos comércios. Assim, o autor toma a pobreza desta região

como um resultado da inaptidão dos sertanejos ao universo do trabalho regular, pois os

excessos de recursos naturais lhes garantiam as condições mínimas de sobrevivência. E isso:

marcará as representações das elites locais acerca dessa parcela população. Não raro os pobres livres eram vistos como criaturas, por natureza, ociosas, indolentes, sem

instrução, que viviam fora dos costumes civilizados. E como a pobreza era maior

nas zonas rurais, os “sertanejos”, por possuírem costumes mais simples, decorrentes

de sua própria condição social, eram traçados como os indivíduos de hábitos mais

atrasados e rudes da Província. Faltava-lhes delicadeza e moral. Eram retratados

como pessoas sujeitas à bebida e à jogatina, fáceis de cometerem crimes, presos ao

desmazelo e à preguiça230.

A ação dos índios também ganhou destaque nos relatos do militar, afirmando que nos

territórios de Caxias e Pastos Bons se encontravam os Timbiras, apontando-os como os mais

cruéis. Ela descreve que muitas expedições de paisanos foram derrotadas por eles, que

comumente insistiam em praticar furtos nas fazendas de gados e afugentavam a população das

regiões as quais atacavam.

Nesse cenário de desconhecimento de espaços físicos e existência de pessoas

potencialmente perigosas, a criação do cargo de juiz de paz foi uma importante estratégia para

a ampliação do raio de ação do Estado, possibilitando a expansão do seu poder às esferas

municipais. Com base nos relatórios dos presidentes maranhenses, podemos identificar duas

formas utilizadas por eles para combater a desordem pública e adequar as camadas pobres ao

padrão de sociedade almejado. A primeira foi com instituições destinadas à instrução,

disciplinarização e moralização pública, como, por exemplo, aquelas voltadas para o culto

229 RIBEIRO, Francisco de Paula. Memórias dos sertões maranhenses. São Paulo: Siciliano, 2002, p. 71. 230 SERRA JÚNIOR, 2011, p. 43

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público231 e instrução escolar232; já a segunda se dava através dos aparatos de coerção, tais

como a Guarda Nacional, o Corpo de Polícia, a Polícia Rural e o próprio sistema judiciário.

No próximo tópico daremos maior atenção aos mecanismos repressivos, pois o policiamento

estava atrelado diretamente ou indiretamente ao poder judiciário e ao juiz de paz, personagem

conflitante com os presidentes da província.

3.2 Os juízes paz enquanto mediadores do poder dos presidentes da província

Como destacamos no capítulo anterior, durante o período colonial a relação de poder

entre o centro e as localidades se deu especialmente numa representação da figura do rei

enquanto símbolo de poder. Já nas sociedades modernas, como foi o caso do Brasil

oitocentista, seguiu-se a tendência de tornar o poder central bastante regulador, criando

diferentes estratégias para se fazer mais presente e próximo do cotidiano da população. Para

isso, os presidentes assumiram a alcunha de coordenar a sociedade da província, tomando a

justiça de paz como um dos mecanismos de extensão de seus poderes, a fim de coibir os

corpos desajustados com a ordem pública. O propósito foi, pois “[...] alcançar um poder de

pressão rumo a homogeneização de procedimentos político-administrativos, bem como de

231 Na monarquia brasileira, as instituições clericais se relacionavam com a esfera política, sendo utilizadas como

instrumento de poder do Estado sobre a população. Nos relatórios dos governantes, o “culto público” era um

tópico indispensável, pois, segundo eles, sem religião, “não há liberdade nem civilização”; a sua falta “concorre

para a insurreição das classes inferiores” (MARANHÃO, 1840, p. 7).

Através dessas instituições, temos a difusão de preceitos cristãos católicos, sendo apontados como a “base

principal da moral pública, da tranquilidade e civilização dos povos, e finalmente da felicidade dos Estados” (Id.,

1838, p. 4). Isto porque elas estimulariam os vínculos dos indivíduos com Deus, resultando em um maior

controle dos pensamentos e regramento das suas ações, pois eles evitariam um castigo divino em busca da

salvação da alma, o que colaboraria não só para o “aprimoramento” espiritual, mas também para a própria sociedade. 232 Quanto ao letramento da população pobre, a partir do Ato Adicional de 1834, o governo provincial assumiu a

responsabilidade das Escolas de Primeiras Letras e a difusão do ensino primário para a população. Nos relatórios

constantemente os presidentes se mostrarem dispostos em difundir o ensino para as camadas mais baixas, pois

buscavam moldar os jovens em uma nova ordem que privilegiassem a civilidade, a moralidade e o respeito às

autoridades públicas. Para que incorporassem a “moralidade” desejada, as instituições tinham que ter

obrigatoriamente o ensino religioso, o qual, como vimos, deveria aproximar os homens de Deus, o que garantiria

um maior controle de suas ações, colaborando para a segurança pública. As demais disciplinas seriam as de

leitura e escrita, além de noções de aritmética. Estes conteúdos seriam o suficiente para que as classes populares

se moldassem nas necessidades do Estado, evitando assim de ser um problema para a sociedade.

Os governantes davam uma atenção especial às instituições de ensino profissionalizantes, como a Casa dos Educandos Artífices, que era voltada para os meninos desvalidos. Ela possuía uma rígida disciplina militar, onde

os educandos recebiam instrução de primeiras letras e de princípios religiosos, além de aprenderem ofícios como

o de alfaiate, pedreiro, carpinteiro, charuteiro e sapateiro, trabalhar em obras públicas e particulares. Ou seja,

atividades econômicas complementares que atendiam às necessidades das elites. Já para as garotas, havia o

Recolhimento de Nossa Senhora da Anunciação dos Remédios, casa que fora fundada em 1752, onde recolhia

garotas pobres das ruas, que poderiam ficar ali até completarem vinte e um anos. Por ser dirigido por clérigos, o

governo provincial não tinha poder de intervenção, fazendo com que os presidentes da província criticassem tal

instituição, pois eles viam na mesma um espaço de formação de freiras, o que na concepção deles não era o

melhor destino para essas garotas.

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comportamentos e de controle social, ruma à tão desejada racionalização, percebida como

essencial ao ideal de modernização”233.

Através dos juízes de paz, a atuação do Estado, em tese, pôde se efetivar de forma

mais concreta e eficaz sobre os comportamentos irregulares do cotidiano da população, pois

esses magistrados, com seus amplos poderes de policiamento, tinham a competência de

exercer sua autoridade naqueles espaços sociais mais remotos do país.

Como nos primeiros anos do Império havia ainda o problema do reconhecimento da

territorialidade do país, fez-se necessário o esforço de organização e reordenamento espacial

das províncias, criando distritos, termos e comarcas de forma racional, e instalando novas

divisões judiciárias. De acordo com os documentos pesquisados, constatamos que isto ocorreu

em larga escala no Maranhão regencial, pois existiam várias leis provinciais e projetos de

deputados que tentavam conferir novas divisões na província, o que resultavam em novas

configurações espaciais.

Devemos de antemão apontar que havia vários “tipos” de divisões das províncias. A

divisão civil, por exemplo, que dividia a região em vilas e cidades; a divisão administrativa,

criando os municípios; as divisões eleitorais, estabelecendo os distritos e colégios eleitorais; a

divisão eclesiástica, criando as freguesias; e o judiciário234. Esta última divisão é a que nos

interessa, pois, a partir dela, a província era dividida em comarcas (jurisdição do juiz de

direito), que então poderiam ser divididas em termos (que estava sob tutela dos juízes

municipais). Estes, por sua vez, eram divididos em distritos (campo de atuação dos juízes de

paz)235.

Nos debates do Conselho Geral do ano de 1830, identificamos propostas de leis que

visavam um redimensionamento das freguesias, como aquela do deputado Manoel Gomes da

Silva Belfort. Na sessão de 11 de janeiro, ele sugeriu que parte da freguesia de Rosário,

pertencente ao termo da Capital, fizesse parte do termo de Itapecuru-Mirim, pois, segundo o

deputado, o acesso da população aos juízes eleitos da Capital era mais difícil, uma vez que

tinham que percorrer longas e perigosas distâncias, “com risco notável de vida”236.

233 IAMASHIRA, p. 101. 234 MARQUES, César Augusto. Dicionário histórico-geográfico da província do Maranhão. 3º ed., São Luís:

Edições AML, 2008. 235 Vale ressaltar que, embora a freguesia fosse uma divisão eclesiástica e as vilas divisões civis, por exemplo,

estas terminologias eram frequentemente utilizadas pelas autoridades para se referirem ao espaço de atuação dos

juízes de paz, ou seja, elas serviam também como uma referência à divisão judiciária. Por isso, em alguns casos

extraídos das documentações, há a utilização desses termos para se referirem ao espaço de atuação do poder

judiciário. 236 MARANHÃO. Índice dos Anais da Assembleia Provincial do Maranhão (1835-1841). Setor de Códices.

Arquivo Público do Estado do Maranhão. Sessão de 11 de janeiro de 1830.

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No mesmo ano, o deputado Manoel Pereira da Cunha, observando que existiam

expressivas movimentações de facínoras, vadios e malfeitores pela província, pediu que

fossem feitas as divisões dos termos já existentes para se ter um maior número de freguesias.

Como justificativa, ele disse que, além de promover o acesso do povo aos locais de eleição,

isto iria aumentar o número de juízes de paz ativos, o que ampliaria o poder coercitivo do

governo contra estes contraventores237.

Na sessão de 21 de fevereiro de 1832, os deputados Francisco Sotero dos Reis,

Antônio José de Sousa e Antônio Gomes Claro lançaram duas propostas ao Conselho. Na

primeira, solicitaram uma nova divisão de freguesias no distrito de São Bento do Brejo, no

qual “os limites de cada uma das quatro freguesias em que ficava dividido aquele distrito em

quais eram Nossa Senhora da Conceição de São Bernardo, Nossa Senhora de Araguaes, São

Bernardo e Santa Anna do Burity”238. Na segunda, eles pediram a divisão do termo de

Guimarães em três freguesias, onde teriam como limites as freguesias de São José de

Guimarães, Santa Helena e São João de Guimarães.

Enfim, após o lançamento de diversas propostas, a primeira divisão judiciária oficial

que encontramos foi posta durante a sessão do Conselho Geral, no dia 19 de abril de 1833. Tal

sessão foi destinada para que o presidente de província Joaquim Vieira da Silva e Souza

colocasse em execução o Código do Processo Criminal. Como no mesmo código se previu tal

divisão, foi apresentado o novo “Plano de Divisão da Província em Termos e Comarcas”239 e

a “Divisão da Província em Comarcas”240. No final dos seus Artigos, o Maranhão passou a ter

a seguinte configuração:

MAPA 1 – A organização judiciária da província do Maranhão (1833)

COMARCAS TERMOS

Ilha do Maranhão

Cidade do Maranhão

Vila do Vinhas

Paço do Lumiar

Alcântara

Vila de Alcântara

São Bento

Viana

Guimarães

Itapecuru

Itapecuru-Mirim

Nossa Senhora do Rosário

Icatú

237 Idem. 238 Id., Sessão de 21 de fevereiro de 1832. 239 Id. Ministério Público do Estado do Maranhão: fontes para a sua história. São Luís: Procuradoria Geral de

justiça, 2004, p. 257. 240 Ibid., p. 259.

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Iguará

Brejo São Bernardo

Tutoia

Altas Aldeias

Vila de Caxias

Urubu

São José

Pastos Bons Pastos Bons

Riachão Fonte: MARANHÃO. Ministério Público do Estado do Maranhão: fontes para a sua história. São Luís:

Procuradoria Geral de justiça, 2004. Vol. 2, p. 257-259.

Porém, continuaram as propostas dos deputados, a fim de remodelarem a organização

judiciária, baseando-se frequentemente na justificativa de que isso melhoraria a ação do

governo diante da população. Com este propósito, em 1834, Manoel Gomes da Silva Belfort

novamente propôs mais divisões na província, sugerindo a criação das seguintes freguesias:

São Joaquim do Bacanga; Santa Rita da vila Urubú; São José na vila do mesmo

nome; Nossa Senhora de Nazaré, na vila do Riachão; São Sebastião na povoação de

Passagem Franca; São Sebastião da Manga no Iguará; Senhor do Bomfim da

Chapada, na Povoação de São Paulo do Norte, na margem do Rio Grajaú241.

Entre essas e outras propostas, em 1835 foi criada a Lei provincial nº 7 de 29 de abril,

aprovada pelo presidente Antônio Pedro da Costa Ferreira, conferindo ao Maranhão a

seguinte divisão judiciária:

MAPA 2 – A organização judiciária da província do Maranhão (1835)

COMARCAS TERMOS

Ilha do Maranhão Cidade do Maranhão

Paço do Lumiar

Alcântara

Alcântara

São Bento

Guimarães

Viana Viana

Mearim

Itapecuru

Itapecuru-mirim

Rosário

Icatú

Iguará

São Bernardo Brejo

Tutoia

Caxias

Caxias

Urubu

São José

Pastos Bons Pastos Bons

Riachão Fonte: MARANHÃO, Collecção das leis, decretos e resoluções da província do Maranhão. Setor de

Códices. Arquivo Público do Estado do Maranhão, 1847.

241 Id. Sessão de 21 de fevereiro de 1832.

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Em comparação com o mapa anterior, observamos que subiu de seis para sete o

número de comarcas, enquanto os termos de Caxias e Viana foram elevados de categoria.

Durante todo o período estudado, constaram-se diversas representações de deputados que

defendiam novas divisões judiciárias da província, pretendendo aperfeiçoar a administração

da justiça. Nós temos em mente a deficiência destes dois primeiros mapas apresentados, pois,

por conta da imprecisão das fontes, não conseguimos apresentá-los com dados mais

completos, ficando de fora os distritos existentes na província. Contudo, podemos afirmar que

havia sessenta e quatro no total, de acordo com o relato do presidente Francisco Bibiano242.

Nessas leis que já destacamos, assim como nas demais que foram aprovadas243, ficaram

expostos apenas os distritos que foram criados e aqueles desmembrados ou aglutinados, não

tornando possível identificar todos aqueles que já existiam. Aliás, em um relatório

apresentado em 1843, o presidente Jeronimo Martiniano de Mello apresentou em anexo um

mapa completo da divisão judiciária do Maranhão, dando-nos uma percepção de como ficou a

sua configuração.

MAPA 3 – A organização judiciária da província do Maranhão e o número dos respectivos

empregados (1843)

COMARCAS

JU

IZ D

E

DIR

EIT

O

PR

OM

OT

OR

ES

TERMOS

JU

IZE

S

MU

NIC

IPA

IS

FREGUESIA

JU

IZE

S D

E P

AZ

Capital 2 1

Capital

2

Nossa Senhora de Vitória 2

Nossa Senhora da Conceição 2

Paço do Lumiar

São João Baptista de Vinhais 1

São Joaquim do Bacanga 1

Nossa Senhora da Luz 1

São José dos Índios 1

Alcântara 1 1

Alcântara 1

Apóstolo São Matias 2

São João de Cortes 1

Santo Antonio e Almas 2

São Bento São Bento 2

São Vicente Ferre 1

Guimarães 1 1

Guimarães

1

São José 1

Cururupu São João 1

Santa Helena Santa Helena 2

Viana 1 1 Viana

1 Nossa Senhora da Conceição 4

Mearim São Francisco Xavier de Monção 1

242 Id., 1837. 243 A Lei Nº 13 de 8 de maio de 1835 criou novas freguesias, a partir dos desmembramentos de outras já

existentes; a Lei Nº 64 de 14 de junho de 1838 criou novos Termos, também desmembrando outros antigos; a

Lei Nº 65 de 15 de junho de 1838 inaugurou em alguns municípios novas freguesias e estabeleceu novas divisões

de Comarcas; na Lei Nº 71 de 23 de julho de 1838 foram estabelecidas novas freguesias, assim como a Lei Nº 73

de 23 de julho de 1838, onde, além de criar novas, dividiu outras que já existiam.

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Nossa Senhora de Nazaré 5

Itapecuru 1 1

Itapecuru-Mirim 1

Nossa Senhora das Dores 3

Manga do Iguará São Sebastião 1

Nossa Senhora das Dores 1

Rosário

1

Nossa Senhora do Rosário 1

Icatú Nossa Senhora da Lapa e Pias 1

Nossa Senhora da Conceição 2

Nossa Senhora Priá 1

Caxias 1 1

Caxias 1

N. S. da Conceição e S.José 1

São Benedito 1

São José N. S. de Nazaré da Trizidela 1

São José 3

Codó 1 Santa Rita 2

Brejo 1 1

São Bernardo 1

N. S. da Conceição do Brejo 3

São Bernardo 1

Tutóia São Félix de Balsas 1

N. S. da Conceição de Araioses 2

Pastos Bons 1 1

Pastos-Bons 1

São Bento 3

Passagem Franca São Félix de Balsas 1

São Sebastião 1

Chapada 1 1 Chapada

1 Senhor do Bonfim 1

Riachão Nossa Senhora de Nazaré 1

Total 10 9 13 61

FONTE: MARANHÃO, 1843.

O reordenamento espacial do Maranhão não só conferiu uma melhor estrutura para a

atividade judiciária, como também possibilitou a distribuição racional dos poderes e recursos

que as comarcas, termos e distritos teriam à sua disposição. Assim, além de permitir uma

melhor administração destes espaços, a divisão destes ampliou o poder do sistema judiciário

sob a sociedade, viabilizando o reconhecimento da população que ali vivia.

Para o estabelecimento mais preciso das divisões judiciárias, era necessário o

conhecimento estatístico da população maranhense, fazendo com que os presidentes

requeressem dos juízes de paz mapas censitários, contendo o número de habitantes que

moravam em determinada área da província. Os pedidos desses mapas eram geralmente

oficializados através do lançamento de circulares pelos governantes, tais como este:

Circular a todos os Juizes de Paz da Província

O Presidente da Provincia ordena o juiz de paz do 1º Distrito desta Cidades que

proceda imediatamente, auxiliados pelos seus Inspetores de Quarteirão e pelo

Paroco da Freguesia no que for possível a um arrolamento qual de todos os seus

Distritos, afim de organizar e remeter o quanto antes a este governo um mappa exato

da população do Distrito, com a declarações e na conformidade do modelo,

enviando ao mesmo tempo outro igual mappa ao Juiz de Direito da Comarca, e em

impedimento ou ausência deste, ao Juiz Municipal do 1º Termo. O Governo muito

recomenda ao mesmo Juiz de Paz pontualidade no cumprimento destas ordens, o

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que confia sua intelectualidade e zelo pelo serviço publico e peculiar interesse da

Província, não ocorrendo de novo atrasos como no ano passado244.

Percebe-se que além de fazer o requerimento, o presidente Vicente Camargo destacou

a necessidade de zelo do juiz e a pontualidade do cumprimento das ordens, para que não

ocorressem atrasos como aconteciam no ano passado. No entanto, é importante frisar que

mesmo sendo um pedido de mapeamento específico da população do 1º distrito da Capital,

esta circular, assim como as demais que encontramos, eram remetidas a todos os magistrados

leigos, mostrando a preocupação do governante em não só ter os dados requeridos de forma

rápida, mas que todos os juízes dos distritos ficassem cientes das suas exigências.

Nesses mapas recebidos pelos presidentes era comum a exposição de dados da

população informando o sexo dos moradores, a raça, idade e se os indivíduos se encontravam

nas condições de escravos, livres, libertos ou eram índios245. A partir de tais elementos, eles

poderiam formular medidas específicas relacionadas ao combate de quilombolas e de índios

bravos, saber quem daqueles distritos estavam aptos a serem recrutados pelos juízes de paz ou

ter uma noção da quantidade de policiais, que seria necessário para determinada localidade e

para manter o ordenamento público.

Partindo para as questões do ordenamento público, vale ressaltar que o poder de ação

dos governantes nos distritos estava diretamente vinculado à magistratura de paz, pois, como

analisamos no capítulo anterior, durante o período estudado, eles tinham se tornado as

maiores autoridades em nível local, já que o seu principal papel deixou de ser a conciliação

para ser o controle social. Por isso, nesse momento, o campo judiciário foi um dos principais

canais do Estado destinado para a regulamentação do corpo social. Isso fez com que os ofícios

emitidos pelos presidentes aos magistrados tivessem como principal temática a vigilância e o

policiamento dos distritos.

No ofício246 do presidente Antônio Pedro Costa da Silva, direcionado ao juiz do 1º e

do 2º distrito da Vila de Guimarães e para o juiz da Freguesia de Santa Helena, ele contou que

recebeu informações a respeito de criminosos de Turiaçu, que se evadiram para esta parte da

província. A partir de tal informação, o presidente pediu que os respectivos magistrados se

“movimentassem” e “caçassem” os malfeitores. Notícias de perambulação de criminosos,

vadios e facínoras eram constantes nos relatórios e ofícios dos presidentes do Maranhão, os

quais se baseavam nos registros de outros funcionários públicos, que enviavam para a

244 MARANHÃO. Códice 471, ofício nº 18, em 11 de fevereiro de 1837. 245 Vid. Apêndice A. 246 MARANHÃO, Códice 468, ofício nº 24, em 4 de fevereiro de 1836.

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Secretaria de Governo a ocorrência desses eventos. A partir destes, os respectivos gestores da

província encaminhavam as medidas necessárias para aquelas autoridades que atuavam nos

diferentes níveis judiciários, como foi o caso do juiz de paz de Caxias:

Constando-me que neste Município dessa Villa [Urubu] e da Cidade de Caxias,

beira-rio, existe um magote de indivíduos armados, perpetrando toda sorte de

atentados contra os pacíficos Cidadãos que tem a desgraça de por lá passarem, e

convindo dar-se cada quanto antes de semelhante reunião que até já tem chegado a

ponto de cometerem alguns assassinatos, ordeno que V.S. que de acordo com a

autoridade daquela Cidade faça extinguir esse bando de malfeitores, e se poder

capturar bom será remeter para esta Capital afim de se lhe dar algum destino, que os

separe da vida a que se vão habituando247.

Outro tipo de relato comum em seus ofícios é o que diz respeito às fugas de presos, tal

como o que fizeram “José Valentim Francisco Régio e outros dous criminosos de morte”, que

se aproveitaram das condições precárias da cadeia “da Fortaleza da Barra desta Cidade”,

conseguindo se evadirem dali. Quando o presidente tomou conhecimento sobre os ditos

foragidos, eles já se encontravam “na passagem do Outeiro, em Pericuman”. Logo, Antônio

Pedro da Costa Ferreira acionou o juiz do distrito de Santa Helena para que ele fizesse

“imediatamente a captura dos semelhantes indivíduos, remetendo-os com a maior segurança a

esta Capital, a fim de terem o destino legal”248.

Quando havia fugas de presos, os presidentes geralmente pediam explicações ao

magistrado do distrito em que o fato ocorria. Muitas vezes, eles suspeitavam de que havia

nessas infrações a facilitação das fugas pelos próprios funcionários que guardavam as cadeias

envolvidas. Na Vila do Paço aconteceu um exemplo disso, onde Luizino José e José Joaquim,

por resistirem ao recrutamento forçado, foram presos pelo Cidadão Antônio Raimundo da

Fonseca Garcez. Após a fuga deles, o carcereiro se tornou o principal suspeito de entrar em

conluio com os prisioneiros, deixando-os escaparem. Para tirar a prova real de quem foi o

culpado envolvido na infração, o presidente ordenou o juiz de paz daquela vila a reunir os

agentes da cadeia “para que se faça ouvir os respectivos carcereiros e demais indivíduos

encarregados de guarda-los [...], pois consta a este governo que a fuga foi arranjada”249.

Os ataques às terras de fazendeiros e roubos de gado foram outro problema recorrente

nos relatos dos presidentes, levando-os a lançarem mão dos magistrados leigos. Por exemplo,

o juiz do 5º distrito do termo de Mearim informou ao presidente Antônio Pedro de que “vários

facínoras, escravos da Fazenda da Nossa Senhora das Mercês, se ocupam em roubarem por

247 Ibid., oficio nº 26, em 5 de fevereiro de 1836. 248 Ibid., oficio nº 28, em 9 de fevereiro de 1836. 249 Ibid., oficio nº 1, em 5 de janeiro de 1837.

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esse distrito o gado alheio, navegando publicamente e bem armados”250. Além dos roubos

desses animais, o juiz contou ao presidente que eles praticavam assassinatos naquela região.

Atentados como este infligiam a segurança pública, ameaçavam a propriedade particular, a

economia provincial e os indivíduos que dependiam de pequenas criações de boi e que muitas

vezes eram as suas únicas fontes de renda. Mas, principalmente, o que preocupava as

autoridades era que ocorrências desta natureza poderiam fomentar a fuga de escravos, pois,

como consta nesse ofício, os “pretos” envolvidos eram escravos fugidos e aquilombados.

A existência de quilombos no interior maranhense foi mais uma preocupação dos

governantes, fazendo com que o juiz de paz tivesse que combatê-los. Embrenhados nas matas,

os escravos foragidos se aproveitavam das dificuldades de acesso dos agentes públicos, assim

como do desconhecimento destas regiões para realizarem assaltos aos fazendeiros. Esta

prática levou ao vice-presidente Raimundo Filipe Lobato a considerar que esses “pretos

foragidos” fossem os principais causadores dos ataques aos criadores de boi:

Tendo-me constando que a maior parte do roubo de gado pelas fazendas dos

lavradores desse Distrito [Vila de Guimarães] são feitos por escravos fugidos, em

que grande numero existem aqui aquilombados com apoio de alguns moradores.

Ordeno que V.S, assim como recomendo a cada Inspectores de Quarteiroes do seu

Distrito, maiores atividades e vigilância na destruição dos quilombos e appreenção

dos escravos e mesmo de quaisquer desertores, remetendo a seus respectivos

Corpos, e os escravos aos seus donos Senhores na forma das ordens a este respeito

estabelecido, e dar me conta do resultado, ficando V.S responsável por qualquer

falta que haja no cumprimento desta Ordem251.

Atentamos para o fato de que esse grupo de escravos não atuava sozinho, contando

também com a simpatia e ajuda de alguns moradores pobres livres daquela região. Todavia,

além dos pobres livres e dos escravos fugidos e quilombolas, os índios foram outro

componente social que incomodava a tranquilidade de alguns distritos, cabendo novamente

aos magistrados eleitos a tomarem as providências legais cabíveis.

Em 18 de fevereiro de 1837252, Joaquim Francisco de Sá descreveu uma situação sobre

o 2º distrito da Comarca de Caxias, relatando a existência de “Índios Selvagens” que

atacavam fazendas. Para acabar com os atentados, ele enviou alguns policiais do 4º distrito,

que foram insuficientes para colocar fim ao problema. Diante disso, ele buscou auxílio do

magistrado responsável pelo distrito acometido e daqueles outros vizinhos que deveriam

organizar a polícia rural de onde se achavam. Exemplo semelhante aconteceu na vila de

250 Ibid., oficio nº 9, em 14 de fevereiro de 1837. 251 Id., Códice 469, oficio nº 182, em 10 de outubro de 1833. 252 Id., Códice 468, oficio nº 12, em 15 de fevereiro de 1837.

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Caxias, onde foram enviados destacamentos de ligeiros para combater as ameaças dos

gentios, porém sendo diminutos os efeitos produzidos pelos destacamentos. O presidente

determinou que o juiz de paz dali organizasse a sua polícia rural, pois era ela “o primeiro

destas Forças instituídas para repelir as agressões dos Índios ferozes [...] e para executar em

geral todas as diligencias ordenadas pelas Authoridades Policiaes”253.

Vemos então uma corporação que servia de instrumento de auxílio aos magistrados de

paz. Legalmente, esse Corpo era um dos mecanismos utilizados pelos juízes no combate aos

crimes e às desordens sociais no interior do Maranhão. Foi durante a gestão do presidente

Antônio Pedro da Costa Ferreira que a Lei nº 5 de 23 de abril de 1835 foi aprovada, criando

em cada distrito da província um Corpo de Polícia Rural. Este deveria ser composto por um

comandante, com um número mínimo de três soldados e no máximo de dez, cabendo aos

presidentes decidirem este quantitativo mediante as informações apresentadas pelas Câmaras

Municipais, tais como a densidade demográfica e o estado da ordem do distrito, a extensão do

território e a necessidade do policiamento.

Contudo, a legislação não direcionou a criação de um corpo igual a esse para São Luís.

Isso poderia ser explicado pelo fato da Capital já possuir as Guardas Municipais

Permanentes254 e porque o principal objetivo deste, “se não fosse mesmo o principal, [era] a

captura de escravos fugidos, a destruição e combate aos quilombos”255. Assim, os distritos do

interior seriam o foco da ação desta polícia.

Com relação aos juízes de paz, os Corpos de Polícias Rurais tinham que cumprir as

suas ordens, pois na estrutura estabelecida eles estavam diretamente subordinados a esses

magistrados. Os policiais rurais deveriam auxiliá-los no desempenho de seus deveres, ou seja,

no combate dos malfeitores, criminosos, escravos fugidos, índios bravos e quilombolas,

devendo atendê-los sempre que requisitados, além de prestarem serviços às demais

autoridades judiciais (juízes municipais e juízes de direito).

Em caso de escravos fugidos, a referida legislação determinou o procedimento que os

juízes deveriam tomar. Quando eles fossem apreendidos, deveriam ser entregues ao

magistrado do distrito competente, onde ele daria o destino legal ao negro, que seria mantê-lo

sob custódia até que seu dono se apresentasse, “sendo antes castigados na forma das leis

253 Ibid., ofício nº 14, em 18 de fevereiro de 1837. 254 Corporações criadas no início da regência, com o objetivo de substituir os Corpos de Milícias de Ordenanças.

Eram tropas remuneradas e profissionais, ordenadas por uma espécie de código disciplinar militar (FARIA,

2007). 255 Ibid., p. 164

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existentes, se tiverem abertamente resistido no ato da prisão”256. Mas para que os donos

ficassem cientes de que seu escravo fora capturado, os juízes deveriam toda semana fixar em

editais, nos locais públicos, e todo mês publicar na imprensa, a relação de nomes dos escravos

apreendidos.

Sobre a indisciplina ou ausência dos funcionários para com o policiamento rural, os

magistrados podiam suspender os comandantes (mediante os recursos apresentados ao

presidente da província), ou mesmo demiti-los (neste caso, o comandante deveria ser ouvido

antes, juntamente pelo juiz acusador, pela Câmara Municipal). Quanto aos soldados, eles

podiam sofrer penas de correções com prisão de até vinte dias, demissões (se eles estivessem

nos seus três primeiros anos de atividade) ou suspensões (quando tivessem mais de três anos

de serviço).

Porém, mesmo sendo corpos destinados especificamente à manutenção da ordem no

interior da província, eles se mostravam insuficientes diante das ameaças dos indivíduos

desconexos com a ordem pública que ali viviam. Nesses casos, geralmente foram feitas

requisições aos presidentes para enviarem forças auxiliares. O juiz de direito da comarca de

Caxias, por exemplo, sob pedido do juiz de paz da Vila do Urubu, mandou uma representação

ao presidente Francisco Bibiano de Castro, requisitando um destacamento para aquela região,

pois, confirme ele afirmou, “a Villa se acha em grande perigo, por causa de um abando de

malfeitores que a título de vingarem a morte de um tal José Pereira Jacú, intendiam ataca

aquella Villa”. Como resposta, ele recebeu o envio de “um pequeno destacamento de 1º

Linha”, juntamente com ordens de que o magistrado eleito deveria “empenhar todos os seus

zelos e patriotismo a fim de socorrer esta força, não só com as Guardas Nacionaes, a quem a

V.S. convocará, pois todos se devem prestar em uma ocasião em que mais se precisa dos seus

esforços” 257.

Existem diversos ofícios nos quais os juízes de paz pediam ajuda para forçar policiais

extras e auxiliá-los na preservação e manutenção da ordem pública em seu distrito.

Respondendo ao ofício enviado no dia 13 de fevereiro de 1838, pelo magistrado responsável

pela Vila de São Bernardo, em que dizia ser necessário um maior contingente policial em seu

distrito, o presidente Bibiano resolveu enviar a ele uma “marcha para esse distrito [de] um

destacamento de 6 pessoas de 1º Linha, comandada pelo cadete José Luiz Teixeira Lopes,

256 Lei Nº 5 de 23 de abril de 1835, Art. 5º. In: MARANHÃO, Collecção das leis, decretos e resoluções da

província do Maranhão. Setor de Códices. Arquivo Público do Estado do Maranhão, 1847. 257 Id., Códice 471, oficio nº 116, em 6 de novembro de 1837.

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afim de montar a polícia fazendo a V.S. prender e punir os malfeitores que infestão esses

lugares”258.

Além da falta de pessoas dispostas e recrutadas para ocuparem as fileiras policiais e do

exército, as atividades de vigilância e de preservação da paz dos juízes sofriam também com

os constantes casos de desertores das corporações policiais. No mesmo ofício em que Bibiano

enviava mais soldados para a vila de São Bernardo, ele requeria do magistrado que fosse feita

“a captura de oito desertores [...], que armados acometem os passageiros que transitavam” ali.

Relatos como esses nos mostram que, mesmo sendo autoridades de maiores poderes

políticos em seu campo de atuação, os juízes eleitos se deparavam com problemas em outras

instituições, como a falta de estrutura nos aparatos repressivos, que, de certa forma,

prejudicava as suas funções estabelecidas nas leis do Império. Igualmente, os presidentes

passavam por apertos, tendo que gerenciar os escassos recursos disponíveis de forma mais

eficiente possível, a fim de garantir não só o apoio aos magistrados, mas também viabilizar a

tranquilidade pública e adequação da sociedade maranhense em uma ordem constitucional e

civilizatória.

3.3 A magistratura de paz nos relatos dos presidentes e as repercussões da lei das

prefeituras

Dos Juizes de Paz, não são muitos os que cumprem direitamente com todas as suas

obrigações, fallecem os alistamentos exactos da população, ignora-se inteiramente

quem entra ou sahe dos districtos; e os processos são pela maior parte mal

organisados, e abundam em motivos [ilegível]. Não tem sido possível ao Governo

obter uma estatistica dos crimes, ainda mesmo pouco exacta, e a este respeito cabe

ponderar-vos que havendo-se, por ordem superior, determinado aos Juizes de Direito que em periodos certos inviassem um mappa dos crimes commenttidos em as suas

respectivas Commarcas, pouco se tem podido alcançar, por quanto ainda que elles

pela sua parte tenham dado mais ou menos cumprimento áquella determinação,

viram-se todavia impossibilitados de o fazerem como cumpria, por lhes falleceram

quase sempre os dados que incumbe aos Juizes de Paz ministrar-lhes259

Esse relato do presidente Bibiano sobre a administração da justiça mostra o que todos

os presidentes analisados para o nosso trabalho consideravam acerca da Justiça de Paz no

Maranhão e, em algumas vezes, no Brasil como um todo. Aqueles que ocuparam o cargo

eram representados enquanto pontos de atraso do sistema judiciário, que atrapalhavam não só

as áreas que lhes competiam, mas as demais do ramo público, em que suas amplas

258 Ibid., ofício nº 117, em 6 de novembro de 1837. 259 Id., 1837.

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competências tocavam, tais como a produção de mapas e de censos estatísticos, o

policiamento dos distritos, a vigilância e o controle da população.

Tais percepções resumem os pensamentos dos presidentes, que se respaldam nas

experiências adquiridas a partir de suas interações com esses magistrados, levando-os a

criarem mecanismos de contenção dos seus poderes, sendo que o principal destes foi a lei das

prefeituras. Passamos, então, a ver como isso aconteceu.

3.3.1 As interações entre o executivo provincial e o judiciário distrital

As correspondências trocadas entre os presidentes do Maranhão e os magistrados

distritais nos possibilitam compreender, em termos práticos, as ações que estes governantes

identificavam nos juízes leigos, as quais eram consideradas incoerentes com a agenda política

imperial. Para termos uma noção do que isso significa, começamos abordando alguns

exemplos de conflitos entre autoridades, tendo os juízes de paz como protagonistas e os

presidentes enquanto mediadores e “apaziguadores” das partes envolvidas.

Em 1834, o juiz de direito da Comarca de Itapecurú-Mirim acusou ao presidente o juiz

do 1º distrito de não reconhecer as suas atribuições de Chefe de Polícia, assim como a de seu

substituto, o juiz municipal, que, conforme o Decreto de 15 de outubro de 1833, poderia

ascender a este posto quando fosse necessário260. Segundo o magistrado acusador, isso foi um

caso de insubordinação à sua pessoa e de rompimento com os preceitos legais estabelecidos

pelo Código de 1832, pois, conforme o artigo 46 §9º261, estava explícito que os juízes de paz

estavam sujeitos ao poder dos magistrados de comarcas, podendo receber instruções e sofrer

fiscalização dos mesmos. A partir dessa representação, o presidente encaminhou um ofício262

ao juiz do distrito, afirmando que não só o juiz de direito tinha o poder legal de supervisionar

as suas ações, como também o juiz municipal do termo poderia assumir o posto de Chefe de

Polícia, dentro do caso exposto.

O mesmo transtorno se repetiu no 2º distrito de Rosário, onde o magistrado ali eleito

entrou em conflito de poder com o juiz municipal do termo, levando novamente o presidente a

intervir no embaraço entre os dois magistrados, pedindo explicações ao juiz desobediente:

260 Art. 1º Nas cidades populosas, em que houverem dous, ou mais Juizes de Direito serão uns supplentes dos

outros, da mesma fórma, e nos mesmos casos, que se dispõe a respeito dos Juizes de Paz nos arts. 10 e 62 do

Codigo do Processo Criminal, e só no impedimento de todos terá lugar a substituição dos Juizes Municipaes, na

conformidade do art. 35 do referido Codigo, e do art. 33 das Instrucções de 13 de Dezembro do anno passado. 261 Art. 46. Ao Juiz de Direito compete: [...] §9º Inspeccionar os Juizes de Paz e Municipaes, instruindo-os nos

seus deveres, quando careçam. 262 MARANHÃO, Códice 471, ofício nº 68, em 30 de agosto de 1837.

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Constando-me por officio do Juiz Municipal desse Termo, que exerce

indeterminadamente as funções de Juiz de Direito e de Chefe de Polícia, que V.S. não cumpri as ordens que o mesmo lhe transmite, cumpre que V.S. imediatamente

me informe a razão de sua desobediência, ficando certo de que se continuar nella

sera processado como desobediente na forma da Lei263.

Casos de insubordinação como esses iam de encontro com o que estava estabelecido

nas leis, onde estava tecida uma cadeia hierárquica entre as autoridades do sistema judiciário,

de forma a introduzir uma divisão eficiente entre os poderes e uma racionalização do aparato

jurídico. Contudo, momentos como esses não ocorreram apenas entre os magistrados, mas

também com o próprio presidente da província. Em 24 de junho de 1834, o vice-presidente

Raimundo Filipe Lobato recebeu uma representação do 1º Comandante da 2º Companhia da

Guarda Municipal permanente, acusando o juiz do 4º distrito da Capital, José Antônio de

Lemos, de proceder com a prisão de um guarda de forma arbitrária, não tendo ordens para

efetuar tal captura. Assim, em defesa da “boa disciplina militar” e tentando evitar

“inconvenientes que podem resultar semelhante procedimento”, o presidente enviou um ofício

no dia seguinte para o juiz pronunciado, questionando a sua atitude de não ter informado

previamente a prisão do guarda ao Comandante. Sentindo a sua autoridade e seu poder de

ação ameaçado pelo governante, o magistrado acusou-o de querer limitar as suas atribuições.

Essa postura de independência em relação ao presidente levou-o a receber a seguinte resposta:

No meu oficio de 25 de junho não lhe foi determinado coisa alguma contra a sua

jurisdição de juiz de paz, e nem se tratou de processo [ilegível] concedido aos

Guardas Municipaes como V.S falou maliciosamente [ilegível] o seu oficio de 26 do

mesmo mês, apenas lhe ordenei que nos casos de pronuncias de indivíduos que

estiverem sujeitos ao Comandante Militar deveria registrar a prisão dos reos ao

respectivo Comandante e nos casos de flagrantes delitos, participar a sua prisão aos

mesmo Comandantes, como convem a boa disciplina Militar, conforme com as disposições do alvará de 21 de outubro de 1789264.

Nesse episódio fica explícito não só o abuso de autoridade do magistrado, indo de

encontro com os preceitos normativos militares, mas também de uma atitude de confronto do

juiz com o presidente, acusando-o de querer diminuir a sua autoridade perante o fato em

questão. Isso poderia ser um problema para os governantes, pois dependia da disposição e

obediência desses agentes para acatarem as suas ordens e viabilizarem a inserção da

população aos padrões de sociedade desejada.

263 Ibid., oficio nº 109, s/d. 264 Id. Códice 468, ofício nº 64, em 12 de julho de 1834.

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Mas, se tomarmos apenas essas ocorrências que expomos até aqui e colocá-las como

um costume generalizado e exclusivo dos juízes de paz, podemos restringir a nossa percepção

e abordar novamente estes agentes enquanto uma expressão do self-government, ou tratá-los

como uma espécie de déspotas distritais, utilizando-se de suas amplas competências como um

meio de conquistarem benefícios pessoais. Atitudes como estas não eram uma exclusividade

dos magistrados eleitos, pois os juízes de direito, por exemplo, também se envolviam em

polêmicas de conflito de atribuições, quando chegavam a exercer as funções de outrem.

Vejamos aqui um caso do juiz de comarca Joaquim Manoel de Aragão, para ilustrar o

que queremos dizer. Em 11 de agosto de 1838, esse magistrado recebeu acusações do juiz do

2º distrito de Caxias, Manoel Machado Vieira, onde este recorreu ao presidente Vicente

Camargo, afirmando que o dito Aragão mandou efetuar o alistamento de pessoas voluntárias

indevidamente, além de se intrometerem na organização do Corpo de Polícia Rural. Porém,

mesmo sendo atuações que iam de encontro com a lei, o presidente afirmou que os feitos do

juiz Aragão foram “inteiramente justificados” e as queixas “menos procedentes”265, ignorando

a queixa do juiz distrital. Dias antes, em 1º de agosto, já tinha ocorrido outra polêmica entre

esses dois magistrados, quando o dito Manoel Machado acusou Joaquim Manoel de ter

procedido com Habeas Corpus ilegalmente. Apelando ao presidente, ele recebeu um ofício

dizendo que: “a vista da razão que se desenvolveu e que restabelecem o acontecido do

mesmo, fica inteiramente justificada a postura do juiz de direito”266. Nesses exemplos,

poderíamos afirmar que o presidente foi movido pelo que Thomas Flory chamou de “espírito

corporativista” contra os magistrados populares.

Porém, parece que as “rixas” entre esses dois agentes não se davam apenas nos

conflitos de jurisdição. Em alguns casos, os juízes de comarcas acusavam os juízes distritais

de não exercerem suas funções e, em contrapartida, estes últimos procuravam os governantes

para desmentirem tais acusações e provarem o contrário. Foi o que aconteceu, por exemplo,

no 3º distrito da Capital, com o magistrado ali eleito, José Raimundo da Rocha Araújo,

quando foi denunciado pelo juiz de direito Joaquim Azevedo Ramos de prevaricação. Em

explicação, José Raimundo emitiu um ofício ao presidente Manuel Felizardo de Sousa e

Melo, afirmando que:

[...] todos os juízes de paz tem cumprido para a melhor forma que lhes é possível as

decisões de V.Ex.ª; como Ramos, que bastantemente se ha feito importuno, pelo seu gênio, em todas as auditorias do Maranhão, não cessa, já sem motivo algum, de

265 Códice 471., ofício nº 78, em 11 de agosto de 1838. 266 Ibid., ofício nº 75, em 1 de agosto de 1838.

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dirigir a V.Ex.ª requerimento sobre objetos já providenciados e executados, dando

suspeitas de querer somente comprometer os juízes de paz267.

Um ponto que provavelmente preocupou os presidentes foi a morosidade dos juízes

distritais de acatarem as suas ordens. No 1º distrito da Vila de São Bento, por exemplo, o

presidente Antônio Pedro da Costa teve que expedir mais de um ofício requerendo ao juiz o

envio de uma cópia autenticada da representação contra um reverendo do Convento do

Carmo268. Já em outros momentos, os magistrados simplesmente não cumpriam com as

ordens recebidas, tais como o recrutamento de cidadãos capacitados para reforçarem o

policiamento da província:

Inteirado de que V.S se atreveu a abster o recrutamento a que mandei proceder o

Comandante do Destacamento por minha ordem, como lhe tenho feito, limitando-me

por ora estranha este procedimento, como menos bem pensado e filha da irreflexão,

por expressar que outro igual não se repita, e ordeno-lhe pelo contrario que haja de

prestar todos os auxílios, que estiverem ao seu alcance ao referido Comandante, para

o bom resultado das diligencias interrompidas por culpa de V.S. e que nesta mesma

data mandei continuar269.

Inconvenientes desse tipo também ocorreram com o Corpo de Polícia Rural e

qualificação dos sujeitos alistados para atuarem nesta corporação. Foi praticamente um

consenso entre os presidentes em abordar a falta de organização dos corpos e indisciplina dos

soldados que faziam parte, cabendo ao juiz do distrito tomar as devidas providências para

aperfeiçoá-los, pois “pelo que diz respeito aos soldados da Polícia Rural que são reclamados

de péssimos costumes, no art. 8º da lei de 23 de abril de 1835, que similhante polícia criou,

achará V.S. a providencia que pede a este governo”270.

Conforme Vicente Camargo, essa situação seria um reflexo da falta de critério dos

magistrados na hora de escolherem quem iria compor a força do interior. Em seu ofício de nº

27, ele disse que tinha recebido informações de outros funcionários da Comarca de Caxias,

onde o juiz da vila do Urubu não empregou zelo suficiente para a seleção dos recrutados à

polícia rural.

Constando-me que não tem sido boa a escolha que V.S. tem feito dos indivíduos

para o policiamento rural deste distrito, como recomenda a lei de sua criação, espero

que V.S tenha muito em vista que tais indivíduos além de serem de bons

267 Ofício do juiz de paz José Raimundo da Rocha Araújo, do 3º distrito da Capital, em 22 de outubro de 1840.

In: Id. Caixa 542. 268 Id. Códice 471, ofício nº 10, em 11 de janeiro de 1836. 269 Ibid., ofício nº 56, em 15 de junho de 1838. 270 Ibid., ofício nº 16, em 20 de março de 1838.

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procedimentos, gozem de sua confiança, pois não são pequenos mantos das

diligencias que de ordinário lhes são cometidos271.

O governante mostrou então a sua face fiscalizadora quanto ao trabalho irregular do

juiz, expondo que essa possível displicência na escolha dos componentes da polícia rural

poderia representar uma pedra no caminho nas suas amplas atribuições. Mas, além de

problemas disciplinares, os corpos de polícia rural passavam por dificuldades financeiras.

Como ficou decretado na lei que criou tais corporações, os pagamentos e gratificações dos

soldados seriam feitos através das rendas provinciais, e quando não fosse possível, as

Câmaras Municipais assumiriam tais despesas272. Porém, conforme o relato do presidente

Costa Ferreira, essas prerrogativas não eram cumpridas:

A Lei Provincial de 23 de Abril de 35, que autorizou a criação da Policia rural,

dividido em Secçõs Districtanas, não tem sido executada; por que as Camaras Municipais, que pelo preceito do Artigo 3º desta Lei, e do 24 do Orçamento

Provincial forão incumbidos de fornecer, meios para sua execução, tem representado

ao Governo, em resposta ás suas recommendações, que ellas não tem rendas, e que

os Cidadão dos seus. Termos não tem querido prestar as necessárias quantias para

assoldadar as pessoas, que devem policiar os seus Districtos.273

Isso mostra que, diante das “enérgicas representações dos Juízes de Paz”, os habitantes

do interior sofriam pela “frieza de patriotismo”274 de algumas instituições, pois tanto os cofres

municipais quanto os provinciais não possuíam verbas suficientes para manter estas

corporações, e provavelmente outras voltadas para o policiamento.

Retomando a questão do recrutamento e alistamento de sujeitos para trabalharem na

vigilância dos distritos, os mesmos cuidados dos juízes deveriam recair sobre a seleção dos

inspetores de quarteirões. Além de atuarem no sentido de vigiar e delatar a sua comunidade,

eles eram indivíduos que tinham um contato próximo com a vizinhança onde foram criados,

podendo ter relações que ultrapassassem a imparcialidade e se envolvendo em polêmicas. No

3º distrito do Icatú, em 22 de janeiro de 1836, por exemplo, ocorreu a fuga de prisioneiros,

271 Ibid., ofício nº 27, em 5 de abril de 1838. 272 Art. 3º - Cada hum dos soldados vencerá seis mil reis por mês, e ao comandantes oito, sendo todos pagos em quanto não houver rendas Provinciais suficientes, pelos cofres Municipais, e por folhas assignadas pelo Juiz de

Paz respectivo, a quem será entregue trimestralmente pelas Câmaras a importância das mesmas folhas para

realizar o pagamento perante o seu escrivão, e este lavrará em livro próprio uma verba da cada hum dos

pagamentos, que assignará com o Juiz de Paz, e soldado, ou outro por ele quando não saiba ler. Alem deste

soldo, o soldado ou comandante que prender hum escravo fugido receberá do senhor do escravo a gratificação de

dois mil reis, quando a prisão tiver sido feita em povoado, quando fora dele a de cinco mil reis, e quando em

quilombo dez mil réis, pagos estes prêmios antes da entrega do mesmo escravo. 273 MARANHÃO, 1836. 274 Idem.

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que contaram com a ajuda do inspetor de quarteirão José Francisco Frazão275, cabendo ao juiz

desta jurisdição, Manoel José da Fonseca, investigar este inconveniente.

Mas, além disso, incidentes administrativos como esses poderiam comprometer a

própria governabilidade dos presidentes, em especial no que diz respeito aos seus planos para

o controle social e para a viabilização da ordem pública, pois estava claro que a interlocução

entre os poderes desses governantes e a população que circulava pelas freguesias e vilarejos

dependia diretamente da mediação feita pelos magistrados eleitos. Por isso, quando os

distritos se encontravam com sua tranquilidade fora dos padrões mínimos exigidos, logo os

juízes eram acionados:

O estado desgraçado em que se acha no seu Distrito a segurança individual, e de

propriedade segundo V.S. representa em officio de 20 de Dezembro próximo

passado é certamente deplorável e merecedor de toda atenção deste Governo, que

deseja remedia o quanto antes como lhe convier tão graves males tem já expedido as convenientes ordens [...]. Devo muito recomendar-lhe que aja de reunir todo o seu

zelo e autoridade afim de organizar e nesse Distrito a Secção de Polícia Rural que

lhe toca, porque mau dará a V.S. um grande recurso para remover os malfeitores e

os males que se acham expostos nesse lugar, ameaçando os Cidadãos pacíficos276.

Essa fala é reveladora, pois além de atestar o estado em que se encontrava o distrito, o

presidente assumia os poucos recursos que o magistrado tinha disponível para executar o seu

papel de controlador social. Esta falta de estrutura parece ser endêmica durante o período que

analisamos, pois encontramos inúmeros exemplos de casos em que os juízes pediam auxílios

ao executivo provincial, como o envio de destacamentos para colaborar com o combate de

malfeitores ou com a denúncia da falta de estruturas para punir e adequar os infratores quanto

à nova ordem desejada.

Esse é o caso do magistrado eleito, José Egyto Pereira da Silva, responsável pela vila

da Manga, que quando assumiu o cargo se preocupou em fazer uma sondagem desta região

para saber como se encontrava o estado dos aparatos repressivos disponíveis ali. Logo, ele

procurou o presidente para relatar a falta de tropas e policiais rurais, tornando-se quase

impossível fazer o policiamento desta região.

Cumpre o dever que tenho de Participar a V.Ex.ª que hoje tomei posse de juiz de paz do 1º Districto da Manga e pronto a executar pontualmente as minhas obrigações.

Tenho a pedir a V.Ex.ª, que me facilite meios com ums força militar Superior o que

prezentemente aqui existe, sem o qual o juiz que quiser ser restrito fico inteiramente

impossibilitado. Eu assevero a V.Ex.ª que a força Militar que esta Villa precisa e eu

requero não poder ser menos de 30 Pessoas razas e 1 oficial activo e de boa

275 Id. Códice 471, ofício nº 18, em 22 de janeiro de 1836. 276 Ibid., ofício nº 1, em 5 de janeiro de 1837.

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confiança. Pode V.Ex.ª conciliar o Iguará como o Districto o mais perigoso, ele

serve de refugio aos malvados do Icatu277.

O mesmo fez o magistrado José Feliciano Cardozo, nos seus primeiros dias de

trabalho no 2º distrito do Itapecuru-Mirim. Ele questionava o presidente Camargo:

Como Senhor continuarei minhas funções se apenas são quatro [praças de Polícia

Rural] inclusive o Comandante? Número diminutíssimo e quase insuficiente para o

policiamento de um Distrito como este assaz e extenso e que compreende ambos os

lados do Rio [Itapecuru], sendo de mais a mais infeccionado pelos Índios

Selvagens278.

O juiz José Fernando Frazão, do distrito de Miritiba, também atestou que estava tendo

problemas com os índios ferozes, pedindo ao presidente que lhe enviasse uma força policial

com 15 praças, mas, para sua frustração, recebeu a seguinte resposta:

Não sendo possível estacionar em cada Districto um destacamento de 15 praças

como V.S. requisitou para o seu, unicamente o bem da polícia interna do mesmo,

visto não haver nesse lugar receito algum de agressão dos Índios Selvagens, compre

que V.S tome o seu maior cuidado a boa organização da Polícia Rural, cujos

soldados reunidos aos de 1º Linha que ai se acham do destacamento da villa do Icatú

poderão bem desempenhar o serviço policial do Districto279.

Não só os magistrados passavam por tais inconvenientes, mas os presidentes também,

pois com o baixo número de soldados, praças e policiais, eles tinham que ter a capacidade de

gerenciar da melhor forma possível os escassos recursos disponíveis. Neste exemplo acima, o

pedido do juiz foi recusado, pois, na percepção do presidente, os índios que por ali se

encontravam não representavam um problema tão grave ao ponto de ter que aumentar o

efetivo policial daquela região, sob o risco de prejudicar a distribuição para outros distritos,

vilas e freguesias em que os casos seriam mais urgentes.

Frustração semelhante teve o juiz de paz da vila de Santo Ignácio, Bazílio Antonio

Martins, no dia 19 de julho de 1833, quando pedia ao presidente Joaquim Vieira que lhe

concedesse uma ordenança militar “para o bom desempenho e pronta execução da justiça”.

Porém, ele teve como resposta um ofício recebido no dia 24 do mesmo mês, que negava o seu

pedido por causa do “estado actual da força da 1º linha”. Desta forma, por conta do contexto

277 Ofício do juiz de paz José Egyto Pereira da Silva, da vila da Manga, em 2 de agosto de 1838. In: Id.

Correspondências dos juízes de paz com os presidentes da província (1838). Caixa 541. Setor de Avulsos.

Arquivo Público do Estado do Maranhão. 278 Ofício do juiz de paz José Feliciano Cardozo, do 2º distrito do Itapecurú-Mirim, em 9 de janeiro de 1838. In:

Ibid. 279 Id. Códice 471, ofício nº 15, em 21 de fevereiro de 1837.

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de escassez no policiamento, o magistrado foi levando a administração da justiça com

dificuldades, fazendo-o a apelar, mais uma vez, no dia 11 de novembro, a ajuda do presidente:

Lembro a V.E., [que] a dita ordenança por ser muito necessário por este juízo que

muitas vezes deixa de executar seus deveres pela demora que ha em requisitar ao

Comandante Militar auxilio dos soldados que se achão estacionados na fortaleza

desta villa280.

Para combater essa falta de soldados, os presidentes recorriam ao alistamento e

recrutamento de novos membros. Como o principal espaço para a apresentação e debates dos

projetos dos presidentes, após o Ato Adicional, foi a Assembleia Provincial, eles levaram

essas necessidades para serem apreciadas pelos deputados. Em alguns casos, encontramos os

presidentes afirmando aos juízes que levariam tais problemas à Assembleia, como foi a

resposta dada ao juiz da vila da Chapada:

Em resposta tenho a dizer-lhe que por ora não poder ter lugar a remessa do

destacamento da 1º linha que pede [...], atento a falta que presentemente há nesta

Capital, que mal chega para o indispensável serviço das guarnições, mas havendo bem fundados as esperanças que a força policial seja aumentada pela Assembleia

Provincial para então aguardo da satisfação do que requisitar281.

Porém, diante das necessidades urgentes, os trâmites burocráticos do poder legislativo

poderiam levar muito tempo até que fosse elaborada uma legislação específica para essa causa

ou não. Assim, os presidentes colocavam a responsabilidade de aquisição de novos membros

para os aparatos de policiamento nos juízes distritais, através de “circulares de recrutamento”

como este:

Aos Juízes de Paz da Cidade

Tendo todos os Juízes de Paz da Província encarregados de fazer o recrutamento

necessário para o preenchimento do 4º Batalhão de Caçadores de 1º Linha, e sendo

de esperar que os juízes de fora da Cidade remetão recrutas suficientes para

preencher o dito Batalhão282.

Nesse processo de recrutamento, os presidentes criticavam constantemente os

magistrados leigos, geralmente por causa da demora no envio dos recrutas. Muitas vezes,

quando isso acontecia, os juízes se defendiam apontando fatores externos que não os

280 Ofício do juiz de paz Bazílio Antonio Martins, da vila de Santo Ignácio, em 21 de abril de 1833. In: Id.

Correspondências dos juízes de paz com os presidentes da província (1833). Caixa 530. Setor de Avulsos.

Arquivo Público do Estado do Maranhão. 281 Id. Códice 471, ofício nº 35, em 28 de abril de 1838. 282 Id. Códice 468, ofício nº 112, em 19 de setembro de 1834.

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permitiam fazê-lo de imediato. O magistrado do 5º distrito da Capital, por exemplo, alegou

que estava ocupado com o processo eleitoral e com o combate do grande número de

criminosos desta região283. Caso semelhante aconteceu também na Freguesia da Conceição,

na Capital, onde o juiz suplente, Antônio Gomes Claro, levou a culpa de não ter feito a

remessa dos recrutas, sendo que esta seria a tarefa de seu antecessor:

Cumpre-me responder que no dia 6 de Novembro tomei posse do cargo de Juiz de

Paz Suplente, e o juiz que me antecedeu não me remeteo tal oficio [cobrando

recrutamento], o que provo pelo Documento junto, logo não me pertence a censura

que V.E. me faz em seu officio, e sim aquelle que não cumpriu284.

Vemos nesses exemplos que, além da sobrecarga de trabalho de alguns juízes, eles se

viam dentro de um espaço administrativo que dependia de outros agentes, onde a falta ou

atraso de algum deles poderia acarretar em um desequilíbrio na cadeia produtiva das

instituições. Para além deste aspecto, um fator importante que atrasava os recrutamentos foi a

repulsa da população, muitas vezes fugindo do local de sua moradia durante o período do

“pega”. Tal quadro levou o presidente Francisco Bibiano de Castro a emitir um ofício para o

Ministro da Justiça, afirmando que:

[...] grande é a aversão que tem a população desta Província ao serviço Militar, de

qualquer natureza que seja ele, aversão que foi apadrinhado pelo extinto Conselho

Geral de Província, o qual representou à Assembleia e Governo Geraes, contra os

exercícios periódicos dos Corpos [...] esta repugnância em nada diminuiu, antes

cresceu sensivelmente285.

E, continuando o presidente, para aqueles que ocupavam as fileiras das instituições de

policiamento, faltavam-lhes disciplina e ilustração necessária para seguirem ordens de seus

superiores. Este foi mais um obstáculo pelo qual os magistrados eleitos passavam. Na vila da

Manga, o juiz de paz Joaquim José Frazão informou ao presidente Bibiano de Castro que

tinha mandado processar e julgar, na forma da lei, o Comandante senhor João Pedro de

Araújo, pois ele se queixava de sofrer “insultos, desleixos, arbitrariedades e insubordinações

do Comandante do Destacamento”286. Assim também se expressou o magistrado distrital José

Jerônimo de Araújo Ferreira, destacando a indisciplina e insubordinação do Corpo de Polícia

Rural que era responsável:

283 Ofício do juiz de paz Fernando Jorge de Miranda, do 5º distrito da Capital, em 31 de setembro de 1833. In:

Id., Caixa 530. 284 Ofício do juiz de paz José Antonio de Lemos, do 4º distrito da Capital, em 2 de janeiro de 1833. In: Ibid. 285 Id. Códice 419, 13 de novembro de 1837, ofício nº 23. 286 Ofício do juiz de paz Joaquim José Frazão, da vila da Manga, em 3 de abril de 1837. In: Id, Caixa 540.

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Participo a V.Ex.ª, que por impedimento do atual juiz de paz, passou a

administração da mesma justiça por me competir, achando eu um grande desleixo

nas guardas Rurais, e já a Freguesia quase coberta de maus costumes, e ocorrendo

por ela negros fugidos por conta desses agouro dos guardas, vendo eu corrigi-lo por

meio da Justiça não avançava tanto como demiti-lo o que logo passei a fazer pondo

outro Comandante, outros soldados e não podendo ser este Comandante legalmente

aprovado sem a mister informação do qual espero em V.Ex.ª lhe dê o cumprimento

devido287.

Tais medidas mostram a preocupação de alguns juízes em garantir um estado mínimo

de disciplina e ordem dos oficiais que atuavam em sua jurisdição. Contudo, para isso, eles se

utilizavam de seus poderes legais destinados à disciplinarização e punição dos infratores. Em

um local em que o baixo efetivo policial não colaborava, no sentido de manter a ordem social

da população contraventora, ter oficiais que não tinham senso de disciplina e de respeito às

autoridades superiores significaria colocar em risco as suas administrações. Para contornar tal

situação, em alguns casos os presidentes autorizavam a substituição dos destacamentos, como

o que aconteceu em 18 de dezembro de 1838, quando o mesmo juiz de paz José Jerônimo

pediu que fizesse a substituição do destacamento de sua vila, porque a má disciplina dos seus

componentes estava atrapalhando o policiamento em sua jurisdição288.

Parece que esses casos de insubordinação e indisciplina eram comuns nos relatos dos

presidentes e presentes nas suas pautas de reivindicações. Nos relatórios enviados à

Assembleia Provincial, eles deixavam expostos este cenário. Sobre a Guarda Nacional, por

exemplo, imperava a visão negativa sobre a instituição, pois era frequentemente acometido

pelo discurso da falta: “falta de disciplina e subordinação, de organização, de armamentos e

fardamentos”289. O mesmo podemos falar do Corpo de Polícia Rural, como já abordamos

anteriormente, e até dos marinheiros que por aqui atuavam, que se envolviam em diversos

casos de desordem e até de assassinatos. Este quadro fazia com que os presidentes, além de

tentarem aprovar legislações específicas para contornar tal estado de indisciplina, recorressem

aos juízes distritais para procederem com a captura e prisões de marinheiros, praças,

inspetores de quarteirões, militares e quaisquer outros agentes que saíssem dos ordenamentos

estabelecidos pelas leis290.

287 Ofício do juiz de paz José Jerônimo de Araújo Ferreira, do 3º distrito de Alcântara, em 27 de julho de 1838. In: Id, Caixa 541. 288 Id. Códice 471, ofício n 15º, em 23 de março de 1838. 289 SERRA JÚNIOR, p. 54. 290 Vale ressaltar que no período estudado, a única instituição que recebia elogios dos presidentes era o Corpo de

Polícia do Maranhão. Criado em 1836, a partir da Lei provincial nº 21 de 17 de junho, ele era administrado a

partir da Capital, para onde eram enviados destacamentos aos demais municípios, quando necessários. Os

policiais seguiam uma rígida disciplina militar, chegando a ser considerado uma espécie de exército provincial

(FARIA, 2007). Em seu relatório, João Antônio de Miranda propôs aos deputados maranhenses que este corpo

substituísse a malfadada Guarda Nacional.

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O presidente Costa Ferreira recebeu informações da vila do Rosário, onde o soldado

José Pereira do Nascimento tinha desertado do Quartel do Campo de Ourique. Pediu então

que o juiz de paz daquele local, juntamente com o juiz do 1º distrito de Itapecuru-Mirim, lhe

enviasse um ofício291 contendo informações, como nome, filiação, idade e o Corpo em que o

deserto estava alocado, para que o foragido fosse preso.

Durante a administração de Bibiano também ocorreram casos semelhantes, como os

exemplos dos soldados Gripino José da Cruz292 e Joaquim Raimundo Marques293, que

fugiram da Capital, restando aos juízes do 1º distrito da Capital e da vila da Santa Helena

capturarem respectivamente os foragidos. Mas, além desses casos de fugas, ocorriam

denúncias dos magistrados sobre abusos de autoridades militares, como o caso do Tenente

Diego Taylor. Representando Joaquim Pedro e João Almeida do Figueiredo, o juiz Joaquim

Manoel da Penha mandou indiciar o 1º Tenente da Armada Imperial, que estando a bordo do

Cutter na vila do Minim, espancava quase que diariamente as vítimas queixantes.

No dia 29 para o dia 30 do mez de maio próximo pretérito pela meia noite pouco

mais ou menos descendo os queixosos da Cachoeira do Minim, foram chamados

abordo do Cutterde Registro, que é comandado pelo delinquente, e ai sem motivo

algum foram espancados pelo Comandante com pancadas, que rezultaram as contusões e mais ofensas constantes do Corpo de Delicto. Cometeu assim o

delinquente o sobredito crime de violência a pretexto de exercer as funções do seu

emprego conforme o Art. 145ºdo Código Criminal acompanhado das circunstâncias

agravantes no Art. 16 §1 e 6 do mesmo Código, e dele foram testemunhas Isaac

Espaz de Miranda, José Antônio de Castro, João Francisco Coelho, Aleixo José dos

Santos e Ricardo Antônio Pinheiro294.

Esses acontecimentos aviltavam não só as corporações, mas também o próprio

trabalho dos presidentes e dos juízes na hora de tomarem providências para viabilizar a

tranquilidade pública. Igualmente, os problemas estruturais em certas instituições ganhavam

novas proporções, no sentido de que as outras atividades eram afetadas pela indisciplina e

arbitrariedade daqueles que faziam parte das instituições repressoras. O mesmo problema é

possível identificar nas cadeias da província.

A falta de segurança e as péssimas estruturas das cadeias eram um dos principais

problemas que preocupavam os juízes, pois isso geralmente abria brechas para as fugas de

291 Id. Códice 469, ofício nº 235, em 14 de novembro de 1835. 292 Id., ofício nº 10, em 15 de janeiro de 1837. 293 Ibid., ofício nº 17, em 23 de fevereiro de 1837. 294 Ofício do juiz de paz Joaquim Manoel Penha, da vila do Brejo, em 1 de julho de 1840. In: Id. Caixa 542.

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detentos. Antônio Ribeiro de Matos, juiz do 2º distrito do Icatú, relatou295, por exemplo, que

negros capturados, criminosos e desertores se juntavam com outros presos para tramar planos

de fuga. E isso somado com o desleixo do Comandante do Destacamento, responsável por

aquela região, e dos sentinelas de plantão, fizeram com que eles conseguissem arrombar a

cadeia.

Os poucos números de cadeias existentes na província também eram um fator que

gerava uma intensa transferência de prisioneiros entre as regiões, pois quando um

determinado distrito não possuía locais adequados para manter os prisioneiros, ou

simplesmente não existiam prisões, o juiz de paz tinha que remeter os prisioneiros para algum

local que fosse possível proceder com o encarceramento. Foi o que aconteceu com Vicente

Pereira e Francisco da Silva, criminosos apreendidos pelo magistrado José Francisco Frazão,

no 3º distrito de Icatu, onde foram transferidos para o 1º distrito para serem julgados e

processado. Contudo, o juiz receptor José Mario Lima escreveu ao presidente que “como a

cadeia desta villa não tem segurança, os mesmos [criminoso] tentaram fazer um

arrombamento para fugirem”296.

Essa falta de segurança, de cadeias e de pessoas qualificadas para vigiarem os

prisioneiros tornavam as prisões da Capital os principais pontos de envio dos presos. São

diversos casos em que os magistrados responsáveis julgavam necessário o envio de seus

contraventores para São Luís, como podemos observar na medida tomada pelo juiz da vila de

Alcântara, Antônio Raimundo de Sá. Ao efetuar a apreensão de criminosos no dia 23 de

março de 1834, ele enviou um ofício para o vice-presidente Antônio José Quim, afirmando

que a cadeia existente em sua jurisdição não era segura, sendo então necessário que estes

contraventores fossem encaminhados para a Capital. Porém, havia outro problema: o distrito

não tinha barcos para fazer o transporte dos prisioneiros. Ele concluiu o ofício dizendo:

Não desejando afrouxar o desempenho de minhas funções e obrigações, estando a

cada momento obstáculos pela falta de meios precisos para a expedição da justiça e

policia, rogo a V. Ex.ª que a bem do sossego e segurança desta villa, faça que se

efetue a remessa de dinheiro votado pelo Exmº Conselho para as obras públicas da

villa, pois agora não deverá ter pretexto que dava-se de não permitirem os cofres por

estar nosso estado financeiro em atitude assaz lisonjeiros, e que manda reforçar o

Destacamento desta villa, que tem apenas dois Soldados com mais 4 de 1º Linha, e

295 Ofício do juiz de paz Antônio Ribeiro de Matos, do 2º distrito do Icatú, em 5 de junho de 1837. In: Id.

Correspondências dos juízes de paz com os presidentes da província (1837). Caixa 540. Setor de Avulsos.

Arquivo Público do Estado do Maranhão. 296 Ofício do juiz de paz José Mario Lima, do 1º distrito do Icatú, em 8 de abril de 1837. In: Ibid.

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quando isso não possa ter lugar ao menos se me envie uma ordenança para eu com

mais presteza poder promover as diligencias d’este cargo297.

Então, o juiz, além de atestar os problemas relacionados às cadeias, apresentava os

problemas que a maioria dos magistrados eletivos passava em suas administrações. Vale

ressaltar que estas eram apenas denúncias e constatações que partiram deles, mas também dos

presidentes, mostrando que estavam a par da situação, levando as constantes reclamações para

as sessões da Assembleia Provincial. Antônio Pedro, por exemplo, afirmava aos deputados

que, naquela reunião do dia 3 de maio, não poderia dar melhores informações sobre as

prisões, pois em toda a província, até mesmo na Capital, elas continuavam com os mesmos

problemas já levantados pelos seus antecessores, “sem segurança de modo que não á muito se

evadirão de uma dellas criminozos de primeira classe, e alguns condenads pelo Jury a pena

capital”298.

As propostas lançadas pelos governantes eram em relação às reformas das cadeias e à

construção de novas em pontos estratégicos da província. Porém, outro problema agravante

era que, mesmo já tendo iniciadas as reformas ou construções, as empreiteiras demoravam na

conclusão das obras. Como expôs Bibiano:

A casa de correcção vai continuando com muito vagar, pela razão que vereis no

documento numero 1. A Cadeia Publica desta Cidade ainda senão acabou de reparar,

bem que nisso se trabalhe há cousa de cinco annos, e o motivo não é outro, senão o defeito dos contractos de arrematação; por quando só depois de concluídos os

primeiros reparos contractados é que se conhece que uma só ordem de grades de

ferro nas portas e janellas não offerecia a necessária segurança, faz-se pois um novo

contracto para remediar esta falta299.

Parece que os contratos com os empreiteiros realmente era algo sintomático para essas

reformas, pois os presidentes davam um significativo destaque a eles, já que, mesmo após a

celebração dos contratos e os envios das verbas, eles não entregavam as obras no prazo

previsto. Nestes termos, o presidente Manoel Felizardo chamava a atenção dos deputados:

Sinto em diser-vos que a desharmonia ocorrida entre os empreiteiros da casa de correcção tem dificultado o acabamento da mesma, vindo d’esta arte á retardar se o

momento [...] transformando as prisões em hospícios moraes [...]. Entretanto tendo

já expirado o praso marcado para a conclusão da obra, pela condição 3º do contracto

celebrado entre os empreiteiros, e o Governo, encarreguei ao Inspector do Thesouro

297 Juiz de paz Antonio Franco de Sá, da vila de Alcântara, em 23 de março de 1834. In: Id. Correspondências

dos juízes de paz com os presidentes da província (1834). Caixa 534. Setor de Avulsos. Arquivo Público do

Estado do Maranhão. 298 Id., 1836. 299 Id., 1837.

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Publico Provincial de fazer effectiva pelos meios competentes a multa, em que os

referidos se achão em curso300.

Mediante tal cenário de falta de policiais e soldados, indisciplina dos agentes,

problemas com a qualidade e a quantidade das cadeias, os trabalhos dos magistrados nos

distritos passavam por obstáculos que, muitas vezes, eles não tinham como superá-los através

de suas atribuições. Por esse motivo, dependiam dos presidentes para que fossem realizadas as

devidas melhorias, permitindo uma maior eficiência da administração da justiça.

Reconhecendo este quadro de desestruturação das instituições, Costa Ferreira apelou aos

deputados que eles focassem suas atenções no combate daqueles desajustados com a ordem

provincial.

Uma vez quase unisoma clama de todas as Comarcas, de todos os Termos, e

Districto que a impunidade ainda alenta os malfeitores, e criminozos, por não haver força policial que os prenda, cadeias que os guardem, e juízes que os sentenciem. O

Governo impelido por tão justos queixumes pede em nome de toda Provincia a

vossa attenção para estes trez objectos, e de vossa solicitude espera promptos

providências quanto [ilegível] dois primeiros por caberem [ilegível] circulo de

vossas attribuições301.

Contudo, mesmo percebendo que havia diversos obstáculos a serem superados, os

presidentes, ainda assim, consideravam os juízes de paz como um dos principais estorvos do

sistema judiciário, impedindo a manutenção da tranquilidade pública neste período, deixando

prevalecer em seus discursos os aspectos negativos sobre quem ocupava o cargo, como os

conflitos de jurisdição, o não seguimento das suas ordens e os desleixos para com as suas

atribuições, independente dos motivos que estes juízes apresentavam.

3.3.2 As representações sobre a magistratura leiga nos relatos dos presidentes e a lei das

prefeituras

Era consenso entre os presidentes, ao analisar a justiça maranhense, frisar o péssimo

estado deste ramo da administração pública. Palavras como as de Antônio de Miranda

simplificam muito bem o que os demais governantes relatavam nas sessões da Assembleia

Provincial:

Si a administração da Justiça já se achava reduzida á estado deplorável, como em

todas as partes do Império, porque ella se ressente de vícios e imperfeições, contra

300 Id., 1839, p. 52. 301 Id., 1836.

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que somente se pode achar allivio no lento progresso da civilização, e nos

melhoramentos, de que só é capaz uma reforma circunspecta.302

Aqui, ele já acena para a existência de problemas que acometeria não só o Maranhão,

mas o Brasil como um todo, a fim de mostrar que era necessária uma ampla reforma no

sistema judiciário. As principais críticas dos governantes recaem principalmente sobre as

instituições representantes do liberalismo e do poder local, previstas na Constituição de 1824:

o Juizado de Paz e o Tribunal de Jurados. Ambos são tratados enquanto símbolos do atraso,

pois graças a eles “a Administração da Justiça oferece em quase toda a Província o aspecto

mais lamentável”303. Os juízes de paz, por exemplo, eram frequentemente descritos como

pessoas faltosas diante das suas obrigações e abusadores de seus poderes, enquanto os corpos

de jurados poucas vezes se reuniam e muitas vezes absolviam os criminosos. Esta:

falta de Juizes e Tribunaes, bem como de prizões seguras, cuja falta se experimente

em quase todos os pontos da Província, é a mutiplicidade de vadios e malfeitores,

que não já individualmente mas numerosas cabildas tem infestado vários lugares

[...], onde tem commettido roubos, devastações e assassinatos.304

As análises que faremos a partir desse ponto serão direcionadas especificamente para

as percepções dos chefes do executivo provincial acerca dos magistrados leigos, pois foi a

interação entre esses dois poderes que nos propomos estudar. Mas, como algumas das

atribuições desses juízes estavam vinculadas ao Tribunal do Júri, é certo mostrarmos que a

composição desta instituição estava sujeita ao seu crivo, pois, como determinava o Código de

1832, eles deveriam analisar a situação de cada sujeito e observar se, além de serem aptos a

participarem das eleições, eles eram pessoas idôneas. Só a partir de então é que seriam

formadas as listas de jurados, cabendo ao juiz do distrito, juntamente com um pároco ou um

capelão e o presidente da Câmara dos Vereadores (ou um vereador substituto), escolher quem

seriam os mais adequados a comporem as mesmas. Alguns presidentes colocavam sob

questão a eficácia deste método de seleção, pois afirmavam que nem sempre eram escolhidas

as pessoas de melhor caráter e determinadas a passarem pelos ócios do ofício. Isto resultaria

diretamente na impunidade dos criminosos, já que ou os jurados poderiam estar em conluio

com os acusados ou temeriam uma provável vingança destes, tendo em vista que, muitas

vezes, ambos compartilhavam o mesmo espaço social como moradia, onde os componentes

do júri poderiam ser reconhecidos pelos transgressores e sofrer represálias. Para Vicente

302 Id., 1841, p. 26 303 Id.,1837, p. 16. 304 Idem.

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Camargo, o problema estava diretamente relacionado às condições sociais das pessoas que

chegavam a fazer parte do Tribunal, pois, movido por uma percepção de que os pobres livres

não tinham atingido um patamar de civilidade desejável, ele afirmava que só:

quando o Jury se compozer das pessoas mais opulentas, e mais ilustradas da

Provincia, se não hade prostituir aos empenhos, e despresará as ameaças dos

criminoso: alem disso, mais concio, de que se não deve furtar aos encargos da

Sociedade, fará os maiores sacrifícios para exercer as funcções de tão sublime

Magistratura305.

Um aspecto bastante criticado sobre os juízes de paz foi quanto a elaboração dos

mapas estatísticos. Como já abordamos anteriormente, a produção desses mapas sobre a

população era de suma importância, pois a partir deles seriam dadas as divisões e

redimensionamentos dos distritos, dos termos e das comarcas mais adequadas. Além disso,

serviam de base para que fossem feitas as melhores distribuições da força policial e

possibilitavam a identificação de quem estava apto ao recrutamento e se havia a circulação de

pessoas indesejadas em determinadas áreas. Como declarou o presidente Camargo, “ninguém

haverá que deixe de reconhecer a necessidade de uma Estatística, para esclarecimento do

Governo Geral e Província, e coadjuvação de muitos dos seus actos”. Porém, na mesma fala,

ele alega que em sua gestão, assim como nas anteriores, “nenhum ramo da Administração

existe em maior atraso na Província”306. Antônio de Miranda também expôs a importância das

estatísticas, acentuando a sua relação com os mapas dos crimes, pois os mesmos ajudariam os

governantes:

á considerar os delinquentes em todas as suas relações e affeições possíveis, afim de podermos nas lições da experiência, nos factos incontrastáveis da vida humana,

descobrir as bases reaes, que devam servir aos cálculos do legislador, e da

administração, sendo um dos mais concludentes dados para avaliarmos o grau de

moralidade e civilização de um povo307.

Como estava na ordem do dia o controle social e a adequação da população provincial

a uma ordem civilizada, a produção desses dados era de grande relevância para o

direcionamento de políticas específicas. Sendo assim, eram necessárias que estas estatísticas

fossem produzidas com informações precisas e entregues com o mínimo de atraso, sendo

também importante a atuação de funcionários eficientes e comprometidos, uma vez que tal

atividade “demanda[va] de tantos factos, e por conseguintes indagações tão minuciosas, tão

305 Id., 1838, p. 18. 306 Ibid., p. 31. 307 Id., 1841, p. 28.

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conscienciosos exames, tantos conhecimentos”308. Na avaliação dos governantes, tal

empreitada era inviabilizada por conta do grau de civilização das instituições e dedicação dos

seus agentes, que não conseguiam adquirir e lançar informações completas sobre a população

que vivia no vasto território no Maranhão, “com a necessária classificação de condição, cor,

idade, sexo, estado e profissão”309.

Ficando os juízes de paz os responsáveis pela coleta de dados sobre a população,

território e crimes, os problemas ocorridos com a elaboração e aquisição das estatísticas eram

tidos como resultado da irresponsabilidade desses magistrados, pois:

poucos, ou nenhum dos Juizes de Paz cumprem com a disposição da Lei, que lhes incumbem o alistamento da população [...]. Seja qual for a causa da omissão dos

Empregados [...] mencionados, a consequência d’ella tem sido falecerem matérias

para se formar a Estatística dos Crimes, e da População de Provincia310.

Aproveitando o momento da sessão da Assembleia, Vicente Camargo afirmou que se

os deputados criassem uma legislação oficializando as prefeituras, seria possível a obtenção

de dados precisos sobre a população, com a devida regularidade, pois os juízes dos distritos

teriam agora uma entidade fiscalizadora que cobraria deles os respectivos dados necessários.

Foi apenas em 1841, no relatório de Antônio de Miranda, que finalmente foi apresentado o

primeiro mapa estatístico da população da província, mas, ele ressaltou que isto não foi graças

às instituições competentes, e sim pelo “Cidadão Manoel Jozé de Medeiros”. Ou seja, a

inaptidão dos magistrados com o seu serviço levou o governo a procurar ajuda de terceiros

para produzir o mapeamento dos cidadãos, dos crimes e criminosos, e dos processos julgados

pelos júris na província, mesmo “não sendo possível assegurar a exactidão do mappa”311

As seleções problemáticas de jurados, a falta de listagem da população, a não

fiscalização da entrada, a saída de indivíduos nos distritos, a falta de controle com o

mapeamento dos crimes ocorridos em suas jurisdições, entre outros fatores levantados,

inviabilizavam a implantação de políticas específicas direcionadas à tranquilidade pública e à

civilização da população. No que concerne ao policiamento, o presidente Camargo afirmou

que havia naquelas instituições uma má organização delas, não permitindo a existência de

uma unidade em seus procedimentos e nem um centro administrativo “que coopere com o

Governo, fazendo chegar a força executiva aos pontos mais remotos da Província”312. Tal

308 Id., 1839, p. 46. 309 Ibid., p.47. 310 Id. 1838, p. 31. 311 Id. 1841, p. 37. 312 Id., 1838, p. 14.

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situação seria por conta da vinculação e dependência da polícia a três agentes judiciários: os

juízes de direito e chefes de polícia, os juízes municipais e os juízes de paz.

Dentre esses, apenas os juízes de comarcas eram apontados pelos governantes como

pessoas que pregavam as diligências necessárias para se executar as suas funções, já aos

juízes de paz pesavam-lhes críticas e adjetivações como “desleixados” e “incompetentes”,

pois estavam “acobertados com a jurisprudência absurda”313, o que não lhes deixava recair

nenhum tipo de multa ou punição. Diante destes agentes, os corpos de policiamento viam suas

atividades afetadas, e bandidos e criminosos se beneficiavam do “patronato escandaloso”,

praticado por esses juízes “covardes e prevaricadores”314. Asseverava-se também a estes a

responsabilidade do não cumprimento da lei provincial nº 21 de 17 de junho de 1836, que

criava o Corpo de Polícia. A lei previa que este corpo deveria possuir uma força total de 412

praças, mas, graças aos magistrados, esse número até o presente momento era de 315, pois

eles facilmente concediam numerosas escusas para os cidadãos recrutáveis. Apresentando tal

visão acerca dos magistrados eleitos, o presidente alertava a Assembleia Provincial sobre os

problemas causados por eles com as seguintes palavras:

Senhores, é impossível que deixeis de conhecer todos os excessos cometidos pelos

Juizes de Paz. Abri a sua historia, e vereis cada pagina manchada com os factos os

mais monstruosos, filhos da ignorância, e da maldade, um luxo de arbitrariedade, e

perseguição contra os bons, inaudita proteção aos maus, e porfiada guerra ás

Authoridades315.

Diante dos inconvenientes dos juízes de paz, os governantes apresentavam diferentes

propostas para o aperfeiçoamento do sistema judiciário no Maranhão, as quais se baseavam na

redução dos poderes dessa magistratura através de alterações no Código do Processo de 1832.

É desta forma que Costa Ferreira propôs melhorias para a administração da justiça, sondando

“alguns defeitos da mesma Lei Geral”, como o não pagamento de ordenados para os juízes de

paz, promotores públicos, juízes municipais e juízes de órfãos. A remuneração destes

funcionários seria importante para que fosse “compensando o trabalho, comprometimento, e

odiosidades de suas funções”316. Quanto à Bibiano, ele concorda com o seu antecessor,

reafirmando a necessidade de remuneração dos magistrados distritais, pois eles eram:

sujeitos falidos de doutrina, que o Estado não lhes pagar ordenado algum que os

compense dos prejuisos que devem necessariamente soffrer com o abandono dos

313 Ibid., p. 17. 314 Ibid., p. 18. 315 Ibid., p. 19. 316 Id., 1836.

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seus estabelecimentos e profissões, e finalmente e que no exercicio dos seus cargos

não encontram as mais das veses senão excessivos trabalhos e gravíssimos

comprometimento317.

Complementando as suas sugestões, o presidente destacou a necessidade de

implementação de mudanças a nível provincial, pois os seus efeitos seriam mais rápidos. Ele

lançou então a ideia de reduzir o número de juízes eleitos e de seus respectivos distritos (que

até aquele momento eram 64), e conclamou os deputados a encaminharem representações à

Assembleia Geral, enumerando os males que acometeram a justiça na província, para que se

conseguisse a simplificação das atribuições desses magistrados. No mesmo sentido foi

transmitido o discurso de Antônio de Miranda, que afirmava que:

a maior parte das autoridades judiciais não cumprem seus deveres, [...] ou por

desleixo e falta de zelo, ou por motivo da vontade de terceiros; a justiça não priside

á maior parte da decisões, ou por ignorância dos Juízes, ou por defeito dos

processos, ou pela sciencia da impunidade [...] o Governo quase nunca recebe as

informações necessárias sobre a perpetração dos delictos, ou as colhe sempre

defeituosas318.

Sob tais alegações, ele convidou os membros da Assembleia a “dar maior publicidade

às nossas queixas e levar a constancia progressiva dos nossos flagelos ao conhecimento da

Nação e de seus Representantes”319. Para isso, os deputados deveriam tomar o seu discurso

como base, para exigirem as reformas necessárias.

Como essa reforma seria algo que demandaria maiores debates e esforços para a

aprovação na Assembleia Geral, os governantes defendiam mudanças em nível provincial,

sendo a principal delas a lei que criaria as prefeituras. Foi durante o governo de Vicente

Camargo que houve uma forte exaltação e apelo por esta proposta. O presidente já tinha

experiência com a referida lei, pois ele havia sido vice-presidente em Pernambuco quando foi

colocada em prática tal cargo. Além disso, ao elaborar o seu discurso de defesa desta nova

instituição, ele tomou como base a legislação que foi aprovada ali e na Paraíba, onde foi

reformada a justiça destas províncias através da regulamentação e reordenamento dos poderes

dos juízes. Nas suas críticas à magistratura de paz, ele afirmava que suas funções policiais,

assim como a chefia de polícia dos juízes de direito, a inspeção das escolas, a qualificação do

corpo de jurados, a execução das sentenças criminais e os corpos de delitos deveriam recair

nas mãos dos prefeitos.

317 Id., 1837. 318 Id., 41, p. 27. 319 Idem.

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A creação de um só Agente, em cujas mãos se acumulem as funções Policiais de

uma Comarca, bem como os Prefeitos da Provincia de Pernambuco, e da Paraiba, no meo modo de pensar, faria desaparecer todos estes inconvenientes320.

Dessa forma, o policiamento das comarcas deveria ser função dos prefeitos,

utilizando-se das Guardas Nacionais e do Corpo Policial para isso. Já os cidadãos, “que por

falta de rendimento não podem ser Guardas Nacionaes”321, ficariam submetidos aos poderes

dos subprefeitos. Ambos os cargos seriam de nomeação exclusiva dos presidentes, o que

significava afirmar que o executivo provincial centralizaria em torno de si as atividades de

policiamento provincial. Ele concluiu esta ideia dizendo que:

é de mais a mais necessário na minha opinião, que os Juizes de Paz não só

depositem em as mãos dos Prefeitos, se os creades, suas funções policiaes, [...]

ficando então suprimida toda a sua jurisdição, que não for pertencente á

conciliações, eleições e julgamento de causas cíveis athé a quantia de cincoenta mil

reis322.

Em outras palavras, esses juízes deveriam ter as mesmas competências adquiridas com

a lei de 15 de outubro de 1827. Complementando as suas propostas, ele destacou que o

número de magistrados de paz deveria ser reduzido ao mesmo número de freguesias e apenas

uma pessoa deveria ser eleita para trabalhar durante o período de quatro anos, assim como era

antes do Código de 1832. Sobre a eletividade dos juízes, Camargo não via com bons olhos a

participação popular no seu processo de seleção, pois “enquanto a nomeação do Juiz de Paz

depender de eleição popular, o espírito de facção elevará a este tão importante Cargo, á par do

homem de bem, o ignorante, o torpe, e o acelerado”323.

Como esses magistrados eram pessoas próximas do convívio do seu eleitorado, o

presidente entendia que havia uma brecha para se desenvolver relações clientelísticas,

distanciando a administração dos padrões de política moderna que preservava a

impessoalidade e o exercício de tais atividades públicas para o bem coletivo, caindo numa

dinâmica de trocas de favores. Estas palavras serviam, também, como forma de justificar a

nomeação dos prefeitos pelos presidentes, uma vez que eles, supostamente, seriam sujeitos

com níveis de esclarecimento adequados e conhecedores das necessidades e realidade da

província. Assim, ele questionou os deputados:

320 Id., 1838, p. 14. 321 Ibid., p. 15. 322 Ibid., p. 19. 323 Idem.

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será justo que os nosso julgamentos dependão do arbítrio de um Juiz que obedecerá

sempre caprichos, que presidio á sua nomeação? Arrancai-lhes, pois, Senhores, para nossa segurança, e para a boa administração da justiça, essas atribuições, que tem

feito tantos males ao Brazil; arrancai, mesmo, para rehabilitar uma Magistratura

creada, debaixo de tão belos auspícios, pela nossa Lei fundamental324.

Percebemos então o mal-estar sentido pelos presidentes diante do Código do Processo

Criminal e da Justiça de Paz. O que se deve ressaltar de curioso nessas críticas é que elas não

são exclusivas dos governantes que assumiram durante o regresso conservador. Se fizéssemos

uma relação direta entre o momento político nacional e os discursos dos presidentes, essas

representações negativas deveriam aparecer a partir do governo de Vicente Camargo, o

primeiro governante a ocupar o cargo no Maranhão após a eleição de Araújo Lima enquanto

regente, em 1837 – marcando o retorno da ala conservadora no controle da Regência.

Contudo, mesmo quando os liberais moderados estavam na direção do governo central, já

existiam posições contrárias ao Código e às demais instituições representantes dos poderes

municipais, o que nos leva a atentar para o fato de que, na visão da elite dirigente do país, a

autonomia política concedida às províncias deveria atingir apenas o âmbito regional e não o

municipal/paroquial.

A respeito das discussões das leis das prefeituras, estes debates já apareciam nas

reuniões da Assembleia Geral desde 1827, onde se tinha como proposta o estabelecimento de

uma centralização política através de uma autoridade municipal forte e independente,

vinculada ao executivo provincial. Os deputados Diogo Antônio Feijó e Nicolau Pereira de

Campos Vergueiro, por exemplo, defendiam projetos sobre a administração municipal,

visando a criação de “delegados do presidente”, que seriam agentes independentes nos

municípios. Não sendo aprovadas, essas propostas emergiam novamente nos debates acerca

da reforma constitucional, durante a década de 1830, passando pela aprovação da Câmara dos

Deputados, mas não do Senado325. Mesmo sendo reprovadas enquanto Lei Geral, as

prefeituras se tornaram realidades em algumas províncias, como foi o caso de São Paulo,

Sergipe, Pernambuco, Paraíba, Piauí, Ceará, Alagoas e Maranhão326, tendo em vista que o Ato

Adicional concedeu às Assembleias Provinciais a capacidade de legislar sobre os empregos

públicos e a polícia municipal – mas não atentando para o que estava posto no Código de

Processo, conduzindo assim as mudanças na estrutura judiciária.

324 Idem. 325 DOLHNIKOFF, 2005. 326 FLORY, 1986.

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A ideia da criação desses novos cargos na província também foi algo que já vinha

sendo discutido na Assembleia Provincial antes do governo de Vicente Camargo, quando, na

sessão de 1836, o deputado Manoel Gomes da Silva Belfort havia proposto o projeto de lei nº

13, que criava “um lugar na Capital de Prefeito bem como cada uma das villas da

Província”327, já marcando quais seriam as suas atribuições, como o de exercer o controle

sobre a polícia municipal e a fiscalização das atribuições da justiça. Já nas sessões presididas

por Camargo, o número de adeptos às prefeituras aumentou, pois juntamente com Belfort, os

deputados Antônio de Aguiar da Silva e Francisco Sotero dos Reis, por exemplo, também

apresentavam seus projetos sobre a organização do serviço policial, as novas divisões

judiciárias e a criação das prefeituras328.

Em 26 de junho de 1838, foi aprovada a lei nº 79, que oficializava no Maranhão os

cargos de prefeitos e seus secretários, subprefeitos e comissários de polícia. Através destes

cargos, cada um teve como jurisdição as comarcas, os termos e os distritos, respectivamente.

Em paralelo com o que ficaria estabelecido no Código do Processo, cada um desses agentes

dividiria espaço com os juízes de direito, juízes municipais e juízes de paz.

Os prefeitos eram nomeados pelo próprio presidente, devendo ser pessoas qualificadas

para o desempenho das atividades que lhes seriam destinadas, assim como os subprefeitos.

Estes últimos, por sua vez, eram indicados pelos prefeitos dentre “os cidadãos que tenham

necessário idoneidade”329. Para os comissários, seguia-se a mesma lógica, já que os

subprefeitos indicariam os nomes para os prefeitos, servindo ao posto por dois anos. Ficou

claro o fortalecimento dos presidentes e o centralismo político que se instaurou no Maranhão,

pois eles tinham o controle da nomeação de pessoas afinadas às suas necessidades e à visão de

governo.

Isso era mais evidente quando se tratava da demissão de alguém desses cargos, pois,

como já afirmamos nas nossas primeiras páginas, o governo central tinha o controle da

nomeação dos presidentes, sendo eles pessoas oriundas de regiões distintas daquelas em que

eles trabalhavam, enquanto os seus vices seriam homens da própria província. Nesse sentido,

a lei dos prefeitos determinou que, em caso da demissão de algum dos novos agentes, apenas

o presidente poderia proceder com tal conduta. Se o vice-presidente quisesse deliberar contra

alguém, ele dependeria da autorização da Assembleia Provincial. Este obstáculo, posto para

327 MARANHÃO, Índice dos Anais da Assembleia Provincial do Maranhão (1835-1841). Setor de Códices.

Arquivo Público do Estado do Maranhão, Sessão em 1836. 328 Ibid., Sessão em 1838. 329 Lei de 26 de junho de 1838, art. 3º. In: Id., Collecção das leis, decretos e resoluções da província do

Maranhão. Setor de Códices. Arquivo Público do Estado do Maranhão, 1847.

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os vices, seria uma estratégia para garantir que os prefeitos fossem realmente pessoas ligadas

ao presidente.

Quanto às atividades empreendidas por cada agente, essencialmente deveriam vigiar e

reportar qualquer fato relevante em sua jurisdição para seu superior imediato.

Especificamente aos prefeitos, eles teriam que garantir o cumprimento das leis e decretos

provinciais e gerais, fazendo com que as ordens dos governantes fossem acatadas pela

população. Deveriam também fiscalizar a arrecadação das rendas provinciais, exigir das

autoridades das comarcas as informações necessárias para a execução das leis e proceder com

os recrutamentos. Porém, a implicação de maior impacto na estrutura judiciária foi a

transferência de grande parte dos poderes policiais dos magistrados distritais para os prefeitos,

como a prisão de contraventores na forma da lei, o procedimento com os corpos de delitos e a

formação da culpa, o término de qualquer quilombo ou ajuntamento que representasse perigo,

a custódia de bêbados e o combate dos malfeitores, além da chefia de policiais, que antes era

dos juízes de direito.

Os poderes dos prefeitos ganharam maiores destaques por conta das honrarias que o

cargo trazia, sendo as mesmas dos Coronéis, enquanto os subprefeitos teriam as honrarias dos

Tenentes Coronéis, e os secretários e comissários dos Capitães. Dessa forma, os prefeitos

tinham uma proeminência política em relação às demais autoridades locais, inclusive os juízes

de paz. E, como afirma Regina Faria:

Para não empanar o brilho que o governo queria dar aos prefeitos e subprefeitos ou

para não emaranhar novamente as funções policiais, que aquele presidente declarara

querer concentrar num único agente, todos os integrantes da nova estrutura ficavam

isentos de ocupar outro emprego ou cargo público. E nenhum juiz de direito,

municipal ou de paz poderia acumular as funções de prefeito ou subprefeito330.

Quanto à experiência das prefeituras no Maranhão, deve-se destacar que os seus

funcionários passaram pelos mesmos apertos e embaraços dos juízes de paz, principalmente

no que diz respeito à falta de estrutura para a execução de suas funções e acusações de

arbitrariedades. Em um período marcado pela eclosão da Balaiada, o uso de uma força

policial competente e bem equipada era essencial para o combate da massa anárquica. Porém,

não é este o cenário encontrado pelo prefeito de Caixas, João Paulo Dias Carneiro, que relatou

ao presidente a existência de uma tropa de paisanos comandada por Raymundo Gomes, que

tinha tomado a cadeia e o quartel daquela vila, soltando criminosos e cercando a casa do

330 FARIA, 2007, p. 81.

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comissário que ali residia, “dizendo querer sustentar a Constituição”331. Segundo o prefeito,

isto só aconteceu por causa da falta de tropas suficientes, armas para auxiliá-lo no combate

desses malfeitores e cadeias seguras.

A indisciplina e as fugas de soldados retardavam ainda mais as atribuições dos novos

agentes policiais. O prefeito da comarca de Brejo, Severêno Alves de Carvalho, em 30 de

setembro de 1838, notificou ao presidente Camargo que soldados insubordináveis entraram

em conluio com outros do destacamento que lhes foram enviados, resultando na fuga de seis

deles, sendo que um desistiu. Diante de tal acontecimento, o prefeito afirmou que era preciso

assentar mais cinquenta praças em sua comarca, pois “tem havido em toda ela grande número

de assassenios”332. Meses depois, em 12 de dezembro, ele reportou ao presidente que um dos

fugitivos, Vicente Ferreira, foi encontrado vendendo armas, que antes eram do destacamento,

para os rebeldes da Balaiada. Assim, além de enfrentarem a escassez de recursos e a

indisciplina dos membros da força policial, eles viam os soldados colaborando com os

“anarquistas”, tornando ainda mais problemática a possibilidade de manutenção da ordem

pelos prefeitos em tempos de guerra civil. Diante de tal estado de precariedade, o prefeito

disse para o presidente:

Tenho feito a V.Exª. por diferentes vezes as criticas cerconstancias em que axo por falta de número suficiente de tropa, e ainda agora torno a ponderar a mesma

necessidade de tropa: o crime continúa em progreço; os cremenozos e malfeitores

como a porfia não sessão de pôrem em pratica suas malvadezas; e o mais é que com

o maior escândalo andão publicamente a face da justiça, sem que esta possa fazer

nada333.

Os anos de prefeitura se destacaram também por conflitos que envolviam os juízes de

paz, quando geralmente esses magistrados os acusavam de arbitrariedades diante da

população, sobretudo por conta dos poderes que lhes foram instituídos. Os casos mais

conhecidos, e com maior aparição nas documentações pesquisadas, estão relacionados com as

práticas de recrutamento irregular e truculenta dos prefeitos.

Observando ocorrências como essas, o juiz de paz da vila de Viana, Raymundo José

Duarte, acusou o subprefeito da vila do Rosário, Raimundo Pedro da Silva, de recrutar

ilegalmente um cidadão, “que não estava no caso de ser”334, para fazer parte da Guarda

331 Ofício do Prefeito de Caxias ao Presidente da Província, João Paulo Dias Carneiro, s/d. In: Id, Caixa 541. 332 Ofício do Prefeito da Comarca do Brejo ao Presidente da Província, em 30 de setembro de 1838. In:

ARAÚJO, Maria Raimunda. (Org.). Documentos para a história da Balaiada. São Luís: Edições

FUNCMA/APEM, 2001. p. 23. 333 Ibid., p. 31. 334 Id. Códice 471, 20 de maio de 1841, ofício Nº 33.

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Nacional. No mesmo ofício, o magistrado descreveu um caso protagonizado pelo prefeito

daquela comarca, José Joaquim da Silva, acusando-o de ter dissolvido o conselho de jurados

sem apresentar um motivo justificável, levando os componentes do júri a protestarem e a

pedirem que fossem ouvidos pelo presidente. Percebe-se aqui que, além de sentirem o peso do

poder dos prefeitos, a população ainda via a magistratura eletiva como um meio de se fazer

representar politicamente e de combater o despotismo dos prefeitos.

Não se dando por satisfeito, o juiz abriu um processo contra o referido prefeito,

encaminhando para o presidente Antônio de Miranda. Mas, para a surpresa do magistrado, o

presidente lhe enviou uma resposta anulando o seu processo e lhe impondo a suspensão de

suas atividades, afirmando que a sua atitude tinha sido irregular. Logo, a partir de agora eles

iriam “cesar inúmeros abusos que se cometiam até agora só para efeito de alcançar um juizado

de paz coerente, bem como os atos irregulares e escandalosos que muitos acobertão pelo

manto de uma quase inviolabilidade [ilegível] de sua impunidade”335. Nós não tivemos acesso

ao referido processo, o que inviabilizou a obtenção de uma resposta mais adequada, porém o

que transparece neste caso é, ainda, a desconfiança do presidente para com a magistratura de

paz e uma tendência em defender os seus novos agentes policiais.

Outra queixa levantada contra um prefeito foi quando o juiz da vila do Brejo, José

Thomaz Henrique, acusou a demolição indevida de uma casa336. Representando os interesses

da proprietária, dona Ignácia Maria do Rosário, o magistrado informou ao presidente Luís

Alves de Lima que o Tenente Francisco de Assis, a mando do prefeito daquela comarca,

procedeu com a derrubada da casa da dita mulher, sem que lhe fossem apresentados motivos

justificáveis. Na tentativa de obter alguma explicação, o juiz afirmou que o Tenente não

respeitou a sua autoridade, afirmando que ele estaria subordinado apenas ao prefeito daquela

jurisdição.

O abuso de autoridade também pode ser visto em relação ao tratamento com escravos.

No termo de Itapecuru-Mirim, o magistrado distrital Joaquim Antonio Cardozo relatou a

desobediência de um escravo, chamado Manoel. O subprefeito daquela região mandou

conduzi-lo ao pelourinho para que fosse castigado, mas, como afirmou o juiz, a execução se

deu de forma excessiva. Quando tentou interromper, foi questionado pelo prefeito “com que

autoridade tinha mandado interromper aquele castigo que só a ele pertencia como Chefe de

Polícia”337.

335 Ibid., nº 44, s/d. 336 Ofício do juiz de paz José Thomaz Henrique, da vila do Brejo, s/d. In: Id. Caixa 542. 337 Ofício do juiz de paz Joaquim Antonio Cardozo, do termo do Itapecuru-Mirim, s/d. In: Ibid.

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Com esses e outros exemplos podemos afirmar que o convívio entre esses dois

poderes não se deu de forma tranquila, pois eram frequentes as acusações feitas pelos juízes

dos distritos, como espancamento indevido de escravos, prisão de cidadãos sem provas

relevantes, falta de capacidade em garantir a segurança individual das regiões e até usurpação

de propriedade. Além disso, esta lei não só piorou a situação de vida daquela população mais

pobre das vilas maranhenses, como também significou um retrocesso quanto ao formato de

representação política inaugurado pela magistratura de paz e expressada pela eleição. Essa

perda de espaço na participação política resultou no ápice do descontentamento da população

contra o governo maranhense, levando à deflagração da Balaiada.

As sucessivas tentativas de redistribuição de competências mexeram como jogo de

poderes entre localidade/província, e desorganizaram o cotidiano da sociedade,

causando muitas insatisfações. A Lei das Prefeituras no Maranhão foi um momento

clímax desse processo de reordenamento, e, ao mesmo tempo, um ponto de saturação, a partir do qual, os conflitos irromperam num movimento armado contra

o governo provincial338.

No quadro de reordenamento político, os prefeitos representaram para o executivo

provincial um contrapeso favorável na balança dos poderes, podendo então ter um maior

controle das localidades, uma vez que os presidentes conseguiam extrapolar as limitações

impostas pelo avanço liberal e submetiam as municipalidades aos seus poderes. Esta

estratégia de obter um executivo forte nas mãos dos governantes foi duramente recriminada

por publicitas, como João Francisco Lisboa. Crítico feroz do governo de Vicente Camargo, o

ex-deputado provincial chegou a comemorar a saída deste presidente em seu jornal, dizendo

que “está[va] finalmente demitido o sr. Camargo; o seu sucessor, o sr. Manuel Felizardo de

Sousa e Melo, tomou posse do governo desta província [...]. Que bens ou que males se

esperam desta mudança?”339.

Da mesma forma que os juízes de paz, a impressa liberal da época não via com bons

olhos a nova instituição. João Francisco Lisboa, por exemplo, teceu diversas críticas sobre as

prefeituras no Crônicas Maranhenses, por conta das arbitrariedades cometidas por aqueles

que faziam parte desta instituição, tais como o recrutamento forçado, prisões ilegais, uso da

força policial para maltratar os cidadãos e escravos. Na sua percepção, “eis o que tem

produzido as prefeituras: aparece uma desordem, em consequências de suas prepotências, os

338 IAMASHITA, p. 145. 339 LISBOA, João Francisco. Crônica maranhense. Rio de Janeiro: Francisco Alves; Brasília: INL, 1969. 2 v.,

p. 39.

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sediciosos e o seu chefe devassam livremente e de mão armada o território da província”340.

Em outro momento, ele afirmou que com as prefeituras “restaurou-se o absolutismo puro”341.

Lisboa denunciou também a inconstitucionalidade dessa lei, dizendo que ela ia de

encontro com o Ato Adicional, pois não estava previsto que o legislativo provincial pudesse

criar agentes para o poder executivo e nem alterar o que estava expresso na “lei geral”, como

a retirada dos poderes dos juízes de paz estabelecidos pelo Código de 1832:

A lei é evidentemente contrária ao ato adicional [...]. A faculdade de criar e suprir

empregos municipais e provinciais concedida às assembleias provinciais pelo § 7º

do art. 10 do ato adicional somente diz respeito ao número dos empregos, sem

alteração da sua natureza e atribuições, quando forem estabelecidos por leis gerais,

relativas a objetos, sobre os quais mão podem legislar as referidas assembleias342.

Estevão Rafael de Carvalho, editor de O Bemtivi, ex-deputado geral e provincial, e

liberal exaltado, utilizou-se também de seus impressos para criticar o rumo da regência e a

criação dos novos cargos. Nas primeiras edições publicadas, ele se preocupou em fazer uma

análise da situação em que se encontrava a província, destacando os pontos motivadores,

explicando como o Maranhão descambou na lei das prefeituras. O seu jornal foi utilizado

como forma de alertar a população sobre o que estava ocorrendo nos bastidores políticos e o

que significava na prática a efetivação desta lei no cotidiano da população343. Afirmou ainda

que, a partir de então, a liberdade da população desapareceria, pois o prefeito:

[...] pode de tudo quanto podiam os antigos comandantes gerais; mais tudo quanto

podiam os antigos capitães mores; pode mais fazer o recrutamento como, quando, e

onde quiser; pode obrigar a todo e qualquer serviço que lhe parecer a qualquer

cidadão, e prendê-lo no caso de recusa; pode tanto quanto podiam os juízes de paz;

pode mais que o vice-presidente da província: tudo isto reunido pode! Ninguém tem

recursos contra um prefeito! Se ele mandar prender, recrutar, desterrar etc. a um

cidadão, está feito porque nenhuma outra autoridade pode desfazer os seus atos. O único castigo, que essa bárbara e malvada lei lhe dá, é o de ser suspenso pelo

presidente da província; mas não pelo vice-presidente quando servir344.

Para Carvalho, a lei das prefeituras refletiu a tendência centralizadora e conservadora

da regência de Araújo Lima, através do fortalecimento do executivo provincial. Devido às

críticas direcionadas às prefeituras e à direção conservadora do Maranhão, o publicita chegou

340 Ibid., p. 25 341 Ibid., p. 3. 342 LISBOA, 1969, p. 18 343 SOUSA, Lucimar Carvalho. Os Pasquins em São Luís na primeira metade do século XIX. Monografia

(Pós-Graduação em História) – Universidade Estadual do Maranhão – UEMA, São Luís, 2006. 344 CARVALHO, apud. FARIA, 2007, p. 84.

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a ser apontado como o responsável pelo início da Balaiada, uma vez que as ideias defendidas

por ele coincidiam com as reivindicações dos rebeldes.

Enquanto isso, na gestão de Antônio de Miranda, as impressões sobre a instauração

das prefeituras eram bem positivas. Segundo ele, graças a esta lei é que se pôde ter uma

melhoria nas estatísticas. Diante dos problemas de exatidão dos dados, ele afirmou que só

uma autoridade de pulso firme e caprichoso é que poderia efetivar as devidas correções. Por

isso, ele ordenou aos subprefeitos para que “não só tratassem de alcançar os esclarecimentos

altinentes naquele ponto, mas ainda coligissem as devidas informações, pelos quaes podessem

avaliar as instrucções, produtos da indústria, riqueza, extensão e particularidades dos

distritos”345.

Já Manuel Felizardo mostrou que o subprefeito de Codó estava aplicando todas as suas

diligências e exercendo um ótimo comando das forças policiais, conseguindo banir os negros

quilombolas que ameaçavam as fazendas de pessoas abastardas. Quanto ao controle dos

revoltosos, disse que os prefeitos maranhenses, juntamente com os do Piauí, vinham

trabalhando mutuamente para aniquilar qualquer rastro de desordem causado pelos rebeldes.

Por isso, quando chegou a analisar a administração da justiça, apontou que os mapas dos

crimes tinham apresentado uma considerável redução das ocorrências de contravenções e do

número de malfeitores, justamente por causa do recrutamento de policiais mais zelosos, pois

os prefeitos estavam aperfeiçoando os seus métodos de seleção.

Percebemos então que nos relatos acerca das atividades das prefeituras, produzidas

pelos presidentes, o Maranhão estava superando os problemas herdados pelo modelo

judiciário anterior. Porém, estas apreciações se invertiam quando outras autoridades, como os

juízes de paz e a imprensa, lançavam seus olhares sobre esta instituição, não estando assim

muito distantes daquelas apresentadas pelos presidentes sobre os magistrados leigos.

Enfim, na tentativa de garantir a tranquilidade pública e de instaurar uma ordem

civilizada na população, os presidentes se viam diante de uma relação de interdependência

com os magistrados leigos, pois o exercício efetivo do seu poder perante a população

dependia destes. Enquanto isso, os magistrados, ao se posicionarem dentro de uma cadeia

hierárquica inferior em relação aos governantes, foram estigmatizados pelos governantes, seja

porque muitas vezes não estavam no trilho das decisões emanadas por eles, seja pela falta de

estrutura administrativa e policial para se realizar as suas atribuições, o que, de uma forma ou

de outra, inviabilizou a implementação efetiva das políticas idealizadas pelos presidentes.

345 MARANHÃO, 1841, p. 40.

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Assim, a prefeitura foi tomada como um meio eficiente de superação dos problemas da

administração da justiça, o que nos leva a repensar as próprias representações levantadas por

estes presidentes acerca da justiça de paz, ficando sobressalente a tendência desses delegados

régios em retirar a autonomia das municipalidades, submetendo-a à tutela do poder regional,

ou seja, com a supervisão dos seus próprios poderes.

Mas, em conjunto com tais questões, essa nova instituição trouxe um forte impacto

não só nas relações de poder do jogo político na província (onde as elites locais tinham, até

então, os meios mais eficazes para acomodar seus interesses privados no espaço público), mas

também na participação política da população mais pobre. A figura do juiz de paz significou

para grande parte da sociedade um meio de se fazer ouvir suas queixas diárias e de busca por

justiça social, porém, com as prefeituras, esta gente simplesmente viu ser extirpado um dos

seus principais canais de representação política por ela eleita, para ficarem a mercê das

vontades dos prefeitos, nomeados pelo presidente em nome da ordem e do bem-estar social.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nas primeiras décadas do século XIX, o Brasil foi marcado por um conturbado cenário

político, em especial quando atentamos para o fato de que, neste momento, o país esteve em

pleno processo de reafirmação de seus pressupostos políticos, quando a valorização de ideias

liberais e constitucionalistas resultou na aproximação dos moldes dos Estados modernos

europeus. Esta transição não foi nada simples, tendo em vista as dificuldades do governo

central em preservar a unidade territorial, manter o equilíbrio entre os poderes políticos e

adequar a população a uma nova ordem institucional e civilizatória.

Tomou-se então como questão qual seria o ordenamento administrativo capaz de

viabilizar este novo Estado. Foi consenso entre a maioria dos legisladores da Corte que o

centralismo político, em torno da figura do Imperador, seria o melhor caminho para a

preservação da unidade nacional. Contudo, o governo central teve que considerar a existência

de diferentes elites políticas, que possuíam as suas bases de poder consolidadas nas províncias

e que almejavam seu quinhão nesta nova configuração política, assim como a necessidade de

criar novos meios de representação da população mais pobre, através de instituições públicas.

Diante de tais necessidades, abriram-se os primeiros debates na Assembleia

Constituinte, em 1823, onde foi proposta a criação da presidência de província. Este cargo

seria ocupado por pessoas nomeadas diretamente pelo governo central, que atuariam nas

diferentes regiões do país, fazendo a interlocução entre o centro e as províncias, e

introduzindo ali os programas políticos estabelecidos pelo governo central. Ao mesmo tempo,

levariam para o plano da Corte as vozes reivindicadoras das elites regionais e locais. Contudo,

a Assembleia já sinalizava a concessão de poderes políticos para as províncias, através, por

exemplo, da instituição dos Conselhos Presidiais, colocando os presidentes em atuação

conjunta com os conselheiros da província.

Em 1824 foi outorgada a primeira Constituição do país, trazendo consigo os reflexos e

resultados desses debates, estabelecendo quatro poderes distintos (legislativo, executivo,

judiciário e moderador) e propondo a criação de novas instituições que funcionariam

enquanto espaços de participação política desses grupos reivindicadores, tais como o

Conselho Geral de Província, o Tribunal do Júri e o Juizado de Paz. Porém, tais medidas não

foram suficientes para acalmar os ânimos políticos, permanecendo os embates sobre o grau de

poder que cada esfera administrativa deveria ter. Emergiram, assim, grupos defensores de

modelos administrativos distintos, passando pelo conservadorismo reformador e pela ala

liberal moderada e exaltada. Cada um defendia níveis de autonomia política provincial e

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municipal distintos, sobretudo em relação ao poder central. Diante deste cenário, os delegados

régios se mostravam como pedra de equilíbrio na balança dos poderes central, provincial e

municipal.

Passando por tempos de avanço liberal, pacto federalista e regresso conservador, os

presidentes atuaram fiscalizando as instituições públicas – e, consequentemente, os poderes

por elas representadas –, para que elas estivessem em sintonia com a agenda política do

governo central. Quanto à população, durante a Regência, a ação desses governantes se

tornava mais delicada, pois foi durante esses anos que eclodiram diversos movimentos sociais

que questionavam a legitimidade do Estado e o desenho institucional que os funcionários do

Império concediam ao país. Desta forma, eles tinham que adequar a população residente em

seu local de atuação à nova ordem constitucional, o que André Slemian chamou de “império

das leis”, moldando-os dentro de um padrão de civilidade e moralidade para viabilizar o

almejado ordenamento social.

No bojo desse processo de modernização política, ocorreram transformações

substanciais no sistema judiciário. Em tempos de Antigo Regime, quando a figura do rei se

confundia com o próprio Estado, o monarca era visto enquanto árbitro supremo da justiça. Na

colônia portuguesa prevalecia a confusão de atribuições entre os agentes do município, o que

tornava a justiça seletiva, lenta e ineficiente.

Atendendo à necessidade de superação desse atraso, a Constituição de 1824 garantiu a

independência do poder judiciário, porém manteve sob a tutela do Imperador as nomeações de

alguns magistrados, como era o caso dos juízes de direito e dos juízes municipais. Mesmo

diante dessa tendência centralizadora, a Carta previu a criação de duas novas instituições de

cunho liberal, as quais ampliavam não só a independência do judiciário, como também

aumentava a participação política da população: o Tribunal de Jurados e a Justiça de Paz.

Quanto aos juízes de paz, eles se diferenciavam dos demais magistrados do Império

por serem eleitos diretamente pela população votante e pelo diploma de Direito, que não era

um pré-requisito para a ocupação do cargo. Porém, além dessas características, com o

desenrolar do jogo político imperial, esses magistrados se tornaram gradativamente as

maiores autoridades dos distritos, sob a égide do discurso de independência e aproximação da

justiça com a população. Previstos primeiramente enquanto agentes conciliadores, outras

legislações, em especial o Código do Processo Criminal de 1832, firmaram novas atribuições

aos juízes de paz, tornando-os verdadeiros “juízes policiais”, o que no cenário político

nacional representou o fortalecimento do localismo e da autonomia política na esfera

municipal.

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A atuação desses juízes no Maranhão significou para a população mais carente (seja

pobre livre, escrava, liberta ou indígena) um canal de representatividade política, pois através

dele podia-se levar as queixas e os conflitos cotidianos até os presidentes, a fim de cobrarem

maiores esforços públicos para se fazer justiça social. Entretanto, ao mesmo tempo, esses

magistrados, com seus amplos poderes, produziram uma relação conflituosa entre o executivo

provincial e o judiciário distrital.

Como os presidentes tinham o dever de fazer vigorar as leis emanadas pelo governo

central e de estabelecer o ordenamento social, eles se utilizavam do arcabouço institucional

público, que, por sua vez, deveriam agir de forma eficiente e conforme as leis que os

regulavam. Por isso, nas sessões da Assembleia Provincial, eles prezavam não só pelo bom

funcionamento dessas instituições, mas pela utilização das mesmas na adequação da

população mais pobre a um ideal de civilidade, seja através de meios disciplinadores e

moralizadores, seja através da vigilância e coerção. Neste momento, os magistrados leigos

foram peças fundamentais para a atividade dos governantes, pois como as suas principais

atribuições estavam relacionadas ao policiamento e vigilância dos distritos, a interlocução

entre a massa desajustada e o exercício efetivo do poder dos presidentes dependiam deles.

Durantes a Regência, esses juízes se tornaram alvos de críticas dos presidentes, sendo

questionados desde a sua competência, para exercerem tamanhas funções, até a sua

idoneidade e caráter. Um fato curioso que foi evidente no Maranhão é que,

independentemente das condições estruturais para o exercício das atribuições dos juízes, os

governantes da província se mostravam uníssonos ao tecerem críticas ao modelo de

administração de justiça implantada pelo Código de 1832. O enfoque era dado para a

incapacidade dos magistrados eletivos em garantir a ordem dos distritos e em atrapalhar as

demais instituições a eles vinculadas. Por isso, em seus relatórios e discursos elaborados aos

deputados provinciais, eles frequentemente representavam tais juízes enquanto faltosos, sem

compromisso com o Estado, prevaricadores e falidos de moral.

Aqui abrimos um espaço para relativizar a análise da historiografia tradicional, que

colocou sobre os juízes de paz o símbolo do localismo do desmando político nos distritos.

Tanto este magistrado quanto os juízes de direito, prefeitos, membros da Guarda Nacional e

da Assembleia Provincial ou demais agentes públicos, se encontravam dentro de uma rede de

poderes políticos, possuíam os instrumentos públicos de poder que lhes colocavam em

posição privilegiada para exercer o seu cargo de forma pessoal, na intenção de costurar novas

negociações e conquistar benefícios pessoais.

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Para a nossa interpretação, entendemos que as representações lançadas pelos

governantes estavam vinculadas principalmente a um conflito entre seus poderes com os dos

magistrados leigos, e não necessariamente a uma questão de falta de preparo dos juízes.

Porém, refletindo a tendência centralizadora dos anos finais da década de 1830, foi aprovada a

lei das prefeituras, através da qual o executivo provincial teve seus poderes fortalecidos. Nesta

nova lei, os cargos criados (prefeitos, subprefeitos e comissários de polícias) estavam

vinculados à autoridade dos presidentes do Maranhão, pois eram nomeados por eles ou a

partir de sua supervisão.

Como resultado imediato, esses novos agentes incorporaram os poderes policiais dos

juízes de paz. Mas outros efeitos no plano administrativo foram possíveis de serem

percebidos, pois nos relatos da imprensa liberal da época e dos próprios juízes distritais

constatamos posturas arbitrárias dos prefeitos e subprefeitos, mostrando-se incapazes de

combater a rebeldia popular e manter a ordem na província. Além disso, colocavam as massas

sob a prática de recrutamentos forçados e irregulares. Em suma, os prefeitos e subprefeitos

estavam marcados na memória coletiva e na imprensa pela mesma imagem constituída pelos

presidentes sobre os juízes leigos.

Independentemente desses relatos, o que os presidentes manifestaram em suas falas e

discursos foi o melhoramento não só da justiça, mas da segurança e ordenamento social do

Maranhão. Isto nos leva a afirmar que as críticas ao modelo de justiça, implantado com o

Código do Processo e as defesas de sua reforma, revelou a tendência dos presidentes em

empreender um “pacto federalista” que se sustentasse na ideia de autonomia da esfera

regional, colocando, em contrapartida, o âmbito municipal/paroquial sob a supervisão e

controle dos poderes provinciais, o que inclui os seus próprios poderes.

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REFERÊNCIAS

1- Documentos

a) Manuscrito

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Público do Estado do Maranhão.

____________. Correspondências dos juízes de paz com os presidentes da província

(1832). Caixa 559. Setor de Avulsos. Arquivo Público do Estado do Maranhão.

____________. Correspondências dos juízes de paz com os presidentes da província

(1833). Caixa 530. Setor de Avulsos. Arquivo Público do Estado do Maranhão.

____________. Correspondências dos juízes de paz com os presidentes da província

(1833). Caixa 531. Setor de Avulsos. Arquivo Público do Estado do Maranhão.

____________. Correspondências dos juízes de paz com os presidentes da província

(1833). Caixa 532. Setor de Avulsos. Arquivo Público do Estado do Maranhão.

____________. Correspondências dos juízes de paz com os presidentes da província

(1834). Caixa 533. Setor de Avulsos. Arquivo Público do Estado do Maranhão.

____________. Correspondências dos juízes de paz com os presidentes da província

(1834). Caixa 534. Setor de Avulsos. Arquivo Público do Estado do Maranhão.

____________. Correspondências dos juízes de paz com os presidentes da província

(1834). Caixa 535. Setor de Avulsos. Arquivo Público do Estado do Maranhão.

____________. Correspondências dos juízes de paz com os presidentes da província

(1835). Caixa 536. Setor de Avulsos. Arquivo Público do Estado do Maranhão.

____________. Correspondências dos juízes de paz com os presidentes da província

(1836). Caixa 537. Setor de Avulsos. Arquivo Público do Estado do Maranhão.

____________. Correspondências dos juízes de paz com os presidentes da província

(1836). Caixa 538. Setor de Avulsos. Arquivo Público do Estado do Maranhão.

____________. Correspondências dos juízes de paz com os presidentes da província

(1837). Caixa 539. Setor de Avulsos. Arquivo Público do Estado do Maranhão.

____________. Correspondências dos juízes de paz com os presidentes da província

(1837). Caixa 540. Setor de Avulsos. Arquivo Público do Estado do Maranhão.

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____________. Correspondências dos juízes de paz com os presidentes da província

(1838). Caixa 541. Setor de Avulsos. Arquivo Público do Estado do Maranhão.

____________. Correspondências dos juízes de paz com os presidentes da província

(1839-1840). Caixa 542. Setor de Avulsos. Arquivo Público do Estado do Maranhão.

____________. Correspondências dos juízes de paz com os presidentes da província

(1841). Caixa 543. Setor de Avulsos. Arquivo Público do Estado do Maranhão.

____________. Correspondências dos prefeitos e subprefeitos de diversas comarcas com

os presidentes da província (1838). Caixa s/n. Setor de Avulsos. Arquivo Público do Estado

do Maranhão.

____________. Índice dos Anais da Assembleia Provincial do Maranhão (1835-1841).

Códice ?. Setor de Códices. Arquivo Público do Estado do Maranhão.

____________. Livro de registro da correspondência dos presidentes de província com o

ministro e secretário de Estado dos negócios da justiça (1828-1842). Códice 419. Setor de

Códice. Arquivo Público do Estado do Maranhão.

____________. Livro de registro da correspondência dos presidentes de província com

os magistrados (1831-1834). Códice 468. Setor de Códice. Arquivo Público do Estado do

Maranhão.

____________. Livro de registro da correspondência dos presidentes de província com

os magistrados (1833-1834). Códice 469. Setor de Códice. Arquivo Público do Estado do

Maranhão.

____________. Livro de registro da correspondência dos presidentes de província com

os magistrados (1837-1841). Códice 471. Setor de Códice. Arquivo Público do Estado do

Maranhão.

b) Impressas

Legislação

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__________. Código criminal de 1830. Disponível em:

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__________. Código do processo criminal de primeira instância de 1832. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LIM/LIM-29-11-1832.htm. Acesso em 24 abr.

2015

__________. Constituição do Império brasileiro de 1824. Disponível em:

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__________. Decreto de 17 de novembro de 1824. Disponível em:

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567442-publicacaooriginal-90798-pe.html. Acesso em 5 de mai. 2015

__________. Decreto de 29 de março de 1833. Disponível em:

http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret_sn/1824-1899/decreto-37764-29-marco-1833-

565107-publicacaooriginal-88979-pe.html. Acesso em 8 de mai. 2015.

__________. Decreto de 15 de outubro de 1833. Disponível em:

http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret_sn/1824-1899/decreto-37837-15-outubro-1833-

565286-publicacaooriginal-89116-pe.html. Acesso em 10 de jun. 2015.

__________. Lei de 20 de outubro de 1823. Disponível em:

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__________. Lei de 15 de outubro de 1827. Disponível em:

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mai. 2015.

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__________. Lei de 18 de setembro de 1828. Disponível em:

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APÊNDICE

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APÊNDICE A: Mapas da população de alguns distritos, emitidos pelos juízes de paz aos presidentes da província

Mapas da população do 3º Distrito do Termo de Icatú, Comarca do Itapecurú em o anno de 1837

ANNOS DE

IDADE

BRANCOS ÍNDIOS E PARDOS

LIVRES PARDOS ESCRAVOS PARDOS LIVRES PRETOS ESCRAVOS TOTALIDADES

HOMENS MULHERES HOMENS MULHERES HOMENS MULHERES HOMENS MULHERES HOMENS MULHERES

De 1 a 5 20 31 130 101 3 9 13 16 35 42 400

De 5 a 14 35 33 142 122 9 11 6 5 52 46 461

De 14 a 25 18 20 78 113 13 12 5 9 40 50 358

De 25 a 50 48 37 150 161 6 9 10 8 111 105 645

De 50 para

cima 12 14 48 30 2 1 4 2 11 7 131

Povoação de São José do Priá. 3º Distrito de Paz, 29 de abril de 1837

Mapa da população do 2º Distrito da Vila da Manga, Comarca do Itapecurú Mirim em o anno de 1837

ANNOS DE

IDADE

BRANCOS ÍNDIOS E PARDOS

LIVRES PARDOS ESCRAVOS PARDOS LIVRES PRETOS ESCRAVOS TOTALIDADES

HOMENS MULHERES HOMENS MULHERES HOMENS MULHERES HOMENS MULHERES HOMENS MULHERES

De 1 a 5 46 45 242 252 21 20 20 29 37 39 763

De 5 a 14 89 70 294 289 46 49 28 24 50 39 978

De 14 a 25 60 62 3016 411 97 111 107 119 103 112 4192

De 25 a 50 140 144 305 344 104 99 198 147 225 199 905

De 50 para

cima 12 14 104 89 55 61 24 29 38 51 477

Povoação de Chapadinha, 15 de julho de 1837

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Mapa da população do 2º Distrito do Termo da Comarca da Cidade de Alcantara em o anno de 1837

ANNOS DE

IDADE

BRANCOS ÍNDIOS E PARDOS

LIVRES PARDOS ESCRAVOS PARDOS LIVRES PRETOS ESCRAVOS TOTALIDADES

HOMENS MULHERES HOMENS MULHERES HOMENS MULHERES HOMENS MULHERES HOMENS MULHERES

De 1 a 5 21 19 21 13 25 21 18 11 30 27 216

De 5 a 14 25 23 16 11 16 14 11 10 45 38 209

De 14 a 25 20 27 21 16 17 11 33 35 62 55 297

De 25 a 50 41 38 11 19 18 42 31 46 153 112 511

De 50 para

cima 8 11 6 10 7 9 12 6 31 21 121

Carvalho 2º Distrito do Termo da Cidade de Alcântara, aos 11 de maio de 1837

Mapa da população do 4º Distrito do Termo da Comarca da Cidade de Alcântara em o anno de 1837

ANNOS DE

IDADE

BRANCOS ÍNDIOS E PARDOS

LIVRES PARDOS ESCRAVOS PARDOS LIVRES PRETOS ESCRAVOS TOTALIDADES

HOMENS MULHERES HOMENS MULHERES HOMENS MULHERES HOMENS MULHERES HOMENS MULHERES

De 1 a 5 32 37 24 19 14 15 6 7 42 40 236

De 5 a 14 43 30 23 14 20 11 7 11 61 44 264

De 14 a 25 29 33 48 37 45 48 7 14 101 78 350

De 25 a 50 63 53 32 28 14 8 12 10 85 70 376

De 50 para

cima 22 17 4 12 4 3 9 17 40 30 158

Page 194: UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO CENTRO DE CIÊNCIAS ...§ão-Arnaldo... · mente como o musgo à pedra. Desejei algumas vezes me livrar de todo o pensar e sentir, mas aprendi que

193

Mapa da população do 2º Distrito da Villa e Termo o Icatú, Comarca do Itapecuru Mirim em o anno de 1837

ANNOS DE

IDADE

BRANCOS ÍNDIOS E PARDOS

LIVRES PARDOS ESCRAVOS PARDOS LIVRES PRETOS ESCRAVOS TOTALIDADES

HOMENS MULHERES HOMENS MULHERES HOMENS MULHERES HOMENS MULHERES HOMENS MULHERES

De 1 a 5 45 67 67 46 6 4 3 4 32 31 305

De 5 a 14 70 59 93 64 11 7 8 8 37 44 411

De 14 a 25 53 70 58 62 5 7 6 12 65 79 417

De 25 a 50 92 71 83 95 2 4 15 17 154 154 667

De 50 para

cima 20 21 18 22 2 5 6 6 45 33 178

Mapa da população do 1º Distrito da Villa do Icatú, Comarca do Itapecuru Mirim em o anno de 1837

ANNOS DE

IDADE

BRANCOS ÍNDIOS E PARDOS

LIVRES PARDOS ESCRAVOS PARDOS LIVRES PRETOS ESCRAVOS TOTALIDADES

HOMENS MULHERES HOMENS MULHERES HOMENS MULHERES HOMENS MULHERES HOMENS MULHERES

De 1 a 5 50 51 131 102 8 4 13 8 25 32 424

De 5 a 14 50 47 129 105 7 14 17 10 66 42 487

De 14 a 25 59 46 112 123 9 8 11 14 66 49 477

De 25 a 50 90 61 96 158 13 8 22 18 113 95 664

De 50 para

cima 21 20 42 48 5 8 14 7 23 9 197

Vila do Icatú em 19 de abril de 1837