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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS LENIR MORAES MUNIZ A MATANÇA DE BÚFALOS NA BAIXADA MARANHENSE: as consequências de um projeto de desenvolvimento e o conflito sócio-ambiental São Luís 2009

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

LENIR MORAES MUNIZ

A MATANÇA DE BÚFALOS NA BAIXADA MARANHENSE:

as consequências de um projeto de desenvolvimento e o conflito sócio-ambiental

São Luís

2009

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LENIR MORAES MUNIZ

A MATANÇA DE BÚFALOS NA BAIXADA MARANHENSE:

as consequências de um projeto de desenvolvimento e o conflito sócio-ambiental

Dissertação de Mestrado em Ciências Sociais apresentada

ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da

Universidade Federal do Maranhão para defesa pública.

Orientador: Prof. Dr. Horácio Antunes de Sant’Ana Júnior

São Luís

2009

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Muniz, Lenir Moraes.

A matança de búfalos na Baixada Maranhense: as conseqüências

de um projeto de desenvolvimento e o conflito sócio-ambiental / Lenir

Moraes Muniz. – São Luís, 2009.

117 f.

Impresso por computador (fotocópia).

Orientador: Horácio Antunes de Sant’Ana Júnior.

Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Maranhão, Programa

de Pós-Graduação em Ciências Sociais, 2009.

1.Conflitos sócio-ambientais – Maranhão. 2. Trabalhador rural.

3.Meio ambiente. I. Título.

CDU 316.48:504.03 (812.1)

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LENIR MORAES MUNIZ

A MATANÇA DE BÚFALOS NA BAIXADA MARANHENSE:

as consequências de um projeto de desenvolvimento e o conflito sócio-ambiental

Dissertação de Mestrado em Ciências Sociais apresentada

ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da

Universidade Federal do Maranhão para defesa pública.

Aprovada em _____/_____/_____

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________

Prof. Dr. Horácio Antunes de Sant’Ana Júnior

Universidade Federal do Maranhão (UFMA)

____________________________________________

Prof. Dr. Marcelo Domingos Sampaio Carneiro

Universidade Federal do Maranhão (UFMA)

____________________________________________

Profª. Drª. Ilse Gomes Silva

Universidade Federal do Maranhão (UFMA)

São Luís

2009

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Dedico esse trabalho aos meus pais: Pedro Carvalho

Muniz e Maria José D. Moraes Muniz, por seus

imensuráveis esforços em contribuir com a minha

formação, tanto pessoal como acadêmica.

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AGRADECIMENTOS

...se antes de cada acto nosso, nos puséssemos a prever todas as

consequências dele, a pensar nelas a

sério, primeiro as imediatas, depois as

prováveis, depois as possíveis, depois as

imagináveis, não chegaríamos sequer a

mover-nos de onde o primeiro

pensamento nos tivesse feito parar.

José Saramago

Este trabalho não poderia ser realizado sem a ajuda de um sem-número de pessoas,

pois o trabalho intelectual nunca é solitário e a busca do conhecimento é sempre uma tarefa

compartilhada. Portanto, todos que me cercam contribuíram, de forma direta ou indireta, para

a realização deste trabalho

Agradeço em primeiro lugar ao meu Deus, El-Shadai, pela vida e por seu cuidado na

realização dos meus sonhos.

A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior e a Fundação de

Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Estado do Maranhão

(CAPES/FAPEMA) pela concessão de Bolsa de Mestrado que possibilitou o financiamento

da minha pesquisa e tornou a minha vida acadêmica menos inatingível.

O Programa Nacional de Cooperação Acadêmica (PROCAD/CAPES) por

proporcionar o intercâmbio com o Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade

Federal do Rio de Janeiro (IFCS/UFRJ), o qual muito contribuiu com minha formação

acadêmica no curso de Mestrado.

Os grupos de estudo que participei durante a minha trajetória acadêmica, desde a

Graduação até a Pós-graduação, os quais foram de fundamental importância e enriquecimento

para minha formação, por me ter possibilitado as primeiras experiências com a pesquisa

científica: o NEAB (Núcleo de Estudos Afro-Brasileiro) sob a coordenação do Prof. Drº

Carlos Benedito Rodrigues, por possibilitar minha primeira aproximação com a pesquisa

científica; o NEPP (Núcleo de Estudos em Poder e Política) sob a coordenação da Profª Drª

Ilse Gomes Silva e Profª Drª Arlete Santos Borges, por me ajudar na escolha de uma linha

teórica de pesquisa; e finalmente, ao GEDMMA (Grupo de Estudos em Desenvolvimento

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Modernidade e Meio Ambiente) coordenado pelo Prof. Ms. Élio de Jesus Pantoja e o Prof. Dr.

Horácio Antunes de Sant´Ana Júnior, pelas leituras que nortearam a análise teórica deste

trabalho e ajudaram na delimitação do objeto de estudo.

A meu Orientador, Prof. Dr. Horácio Antunes de Sant´Ana Júnior, antes de mais nada

pela paciência que teve comigo, pelos ensinamentos e dicas de pesquisa e pelas horas de leituras

dedicadas ao meu trabalho. Suas sugestões foram sempre úteis, sempre bem-vindas e acabaram

por constituir-se neste trabalho.

O Prof. Dr. Carlos Benedito Rodrigues, meu mestre, pelo exemplo de vida tanto como

profissional como pessoal na luta pela igualdade racial nesse país e pelas contribuições neste

trabalho.

O Prof. Dr. Marcelo Sampaio Domingos Carneiro, por sua contribuição no

desenvolvimento desta pesquisa.

A Profª. Drª. Ilse Gomes Silva, minha eterna Orientadora, por participar de mais uma

etapa da minha vida acadêmica e por sempre estimular o meu avanço em busca de

conhecimento sobre a temática em estudo.

A Profª. Drª. Maristela de Paula Andrade por sua contribuição no avanço da pesquisa,

no que diz respeito à delimitação do objeto de investigação científica e a metodologia

utilizada.

Ao Prof. Dr. Benedito Sousa Filho pelas “dicas” nas aulas de métodos.

A Profª. Drª. Neide Esterci por me recepcionar e contribuir com a construção deste

trabalho em suas aulas de Métodos no IFCS/UFRJ.

Aos colegas do curso de Mestrado da Turma 04 do Programa de Pós-Graduação em

Ciências Sociais da Universidade Federal do Maranhão que me fizeram aprender com as

discussões e conversas e pelos comentários e sugestões feitos aos primeiros ensaios deste

trabalho.

Aos colegas pesquisadores do GEDMMA por suas pesquisas servirem de exemplo

para minha pesquisa em particular.

A Sislene Costa Silva por sua amizade e companheirismo na cidade do Rio de Janeiro

no período do intercâmbio na UFRJ.

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O meu pai, Pedro Carvalho Muniz, por sua incansável luta contra a doença física e sua

contagiante vontade de continuar conosco neste mundo.

A minha mãe, Maria José D. Moraes Muniz, por tudo, em especial por minha

existência e por ser o exemplo vivo de dedicação e carinho em nossa família.

A meus irmãos: Ilnar Moraes Muniz, Joel Moraes Muniz, Osmar Moraes Muniz e José

de Ribamar Moraes Muniz, por serem fontes de consolo nas minhas angústias e pelo carinho e

dedicação dispensados a mim.

Os meus preciosos e inesquecíveis amigos que tive o privilégio de conquistá-los

durante a minha vida acadêmica: Ana Caroline Miranda, Carla Georgea Silva Ferreira,

Regimeire Oliveira Maciel, Antônio Marcos Gomes, Lindemberge da Luz Silva e em

especial, Dayana dos Santos Delmiro Costa por ter se tornado uma amiga mais chegada que

irmã, me permitindo compartilhar alegrias e tristezas, vitórias e derrotas ao longo dessa

caminhada.

O Sindicato de Trabalhadores Rurais de Santa Rita, na pessoa de Itamar, por me ter

disponibilizado as informações arquivadas, as quais foram de imensurável valor para a

realização da pesquisa.

O Sindicato de Trabalhadores Rurais de Anajatuba pelas informações concedidas.

O Sindicato de Trabalhadores Rurais de Rosário, especialmente, a pessoa de Dona

Zeca por sua boa vontade em me facilitar as informações necessárias ao desenvolvimento do

trabalho.

As bibliotecárias da Biblioteca Benedito Leite por me terem auxiliado na realização da

pesquisa nos jornais.

A Comissão Pastoral da Terra (CPT) - São Luís, na pessoa de Pr. Inaldo, por me ter

concedido o material de imensurável importância para o desenvolvimento da pesquisa.

A Sociedade Maranhense de Defesa dos Direitos Humanos (SMDDH), na pessoa de

Edilanir Silva, pela gentileza com que me concedeu o material de pesquisa, o qual teve uma

importante contribuição para o desenvolvimento deste trabalho.

Os meus entrevistados, pela gentileza que me concederam as informações: D. Zeca,

Tesoureira do STR de Rosário; Clóves Alves de Souza, ex- Presidente dos STR de Santa Rita

e Sebastião Lisboa, ex- Presidente do STR de Anajatuba.

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Aves numerosas povoam a imensa Baixada, sobressaindo os

palmípedes representados pelos patos, marrecos, paturis, maguaris,

meuás e mergulhões. As pernaltas vivem à margem dos lagos e

lagoas, procurando também o leito dos rios, atingindo pelo fluxo e

refluxo dos mares. Garças numerosas, jaçanãs e socós, ao cair da

tarde, quando se recolhem ao pouso noturno, sobem ao céu nuvens

brancas que se deslocam em várias direções.

No fim da estação, a medida que as chuvas vão diminuindo de

intensidade, também o nível das águas represadas vai baixando

gradativamente, até que aparecem os campos lodosos onde vem

assentar a vegetação lacustre que se desenvolve por ocasião das

cheias: o mururu, a água-pé, o arroz bravo, o junco, a canarana, a

aninga, e uma grande variedade de plantas hidrófilas, cedem lugar a

uma vegetação de gramíneas que dão aos campos o aspecto

deslumbrante de tapete esmeraldino.

Cássio Costa

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RESUMO

Esta Dissertação tem como objetivo analisar os conflitos sócio-ambientais decorrentes da

prática da criação de búfalos implementada como atividade econômica na Região da Baixada

Maranhense a partir da década de 1960. A prática da bubalinocultura foi iniciada na Baixada

Maranhense dentro de um projeto governamental de desenvolvimento econômico. Porém, a

criação de búfalos não proporcionou o dito desenvolvimento esperado pelos planejadores, ao

contrário, essa prática ocasionou problemas sociais e ambientais tanto para o meio ambiente

como para grupos sociais que dependem dos campos inundáveis e de seus recursos naturais

para se manterem. Dessa forma, esse projeto desenvolvimentista suscitou os conflitos sócio-

ambientais que se constituíram a partir da disputa entre os trabalhadores rurais da região e os

pecuaristas da bubalinocultura pelo acesso e apropriação dos campos naturais inundáveis e

seus recursos.

PALAVRAS-CHAVE: Búfalos. Conflitos sócio-ambientais. Baixada Maranhense.

Trabalhador rural. Meio ambiente.

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ABSTRACT

This Dissertation has as goal analyze the current partner-environmental conflicts of the

practice of the creation of implemented buffalos as economic activity in the Region of the

Baixada Maranhense Lowland from decade on of 1960. A practice of bubalinocultura was

initiated in the Baixada Maranhense inside a government project of economic development.

However the buffalos creation did not provide the told development waited for planners, on

the other side, this practice caused social and environmental problems, so much for the

environment as for social groups that, which depends on the field it floods and of your natural

resources to if keep. Thus, that project desenvolvimentista raised the partner-environmental

conflicts that were constituted from the disputes between rural workers of the region and cattle

breeding of bubalinocultura by the access and appropriation of the natural field it floods and

your resources.

KEYWORDS: Buffalos. Partner-environmental Conflicts, Baixada Maranhense, Rural

Worker, Environment.

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LISTA DE SIGLAS

ATAM – Associação dos Trabalhadores Agrícolas do Maranhão

APA – Área de Proteção Ambiental

APP – Área de Proteção Permanente

ABCB – Associação Brasileira de Criadores de Búfalos

ACBEM – Associação de Criadores de Búfalos do Estado do Maranhão

BEM – Banco do Estado do Maranhão

CPT – Comissão Pastoral da Terra

CMDDH – Sociedade Maranhense de Defesa dos Direitos Humanos

CMMAD – Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento

DNER – Departamento Nacional de Estradas e Rodagem

EMATER – Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural

EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária

EMAPA – Empresa Maranhense de Pesquisa Agropecuária.

EXPOEMA – Exposição Agropecuária do Estado do Maranhão.

FMI – Fundo Monetário Internacional

FETAEMA – Federação dos Trabalhadores Agrícolas do Estado do Maranhão

GEPLAN – Gerência Estadual de Planejamento

GEPEC – Grupo Especial de Proteção Ecológica da Baixada Maranhense

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IDH – Índice de Desenvolvimento Humano

IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis

IPEAN – Instituto de Pesquisa e Experimentação Agronômica do Norte

ONU – Organização das Nações Unidas

ONG – Organizações Não Governamentais

PIB – Produto Interno Bruto

PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro

PSB – Partido Socialista Brasileiro

PFL – Partido da Frente Liberal

PT – Partido dos Trabalhadores

PPA – Programa do Plano Plurianual

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SEMA – Secretaria Especial do Meio Ambiente

STR – Sindicato de Trabalhadores Rurais

STTR – Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais

SEMATUR – Secretaria de Meio Ambiente e Turismo

SEMA- Secretaria Estadual de Meio Ambiente

SMEMA – Secretaria de Minas Energia e Meio Ambiente

SNUC – Sistema Nacional de Unidade de Conservação da Natureza

SUDAM – Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia

UDR – União Democrática Ruralista

UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

UNCED – Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento

ULTAB – União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil

UEMA – Universidade Estadual do Maranhão

UFMA – Universidade Federal do Maranhão

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LISTA DE QUADROS

Quadro 01: Relação das entrevistadas realizadas....................................................................29

Quadro 02: Número de cabeças de búfalos por ano e por município no período de 1999 –

2006.................................................................................................................... .....................110

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 01: Evolução do Efetivo do rebanho bubalino do Maranhão de 1974 – 2006, por

número de cabeças e ano...........................................................................................................76

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LISTA DE FIGURAS

Figura 01: Mapa das Meso e Microrregiões do Estado do

Maranhão..................................................................................................................................49

Figura 02: Mapa da APA da Baixada Maranhense..................................................................60

Figura 03: Búfalo da raça

Murrah...................................................................................................................................... 63

Figura 04: Búfalo da raça

Mediterraneo.............................................................................................................................64

Figura 05: Búfalo da raça

Jafarabadi..................................................................................................................................64

Figura 06: Búfalo da raça

Carabao.....................................................................................................................................65

Figura 07: Charge relacionada com os problemas causados pela criação de

búfalos.......................................................................................................................................75

Figura 08: Anúncio comercial de fazendas em que é desenvolvida a prática da criação de

búfalos no Maranhão...............................................................................................................102

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LISTA DE FOTOGRAFIAS

Fotografia 01: Vegetação dos campos inundáveis transformados em pastoreio no período de

estiagem....................................................................................................................................51

Fotografia 02: Lagos dos campos inundáveis no período

chuvoso....................................................................................................... ..............................52

Fotografia03: Limite dos campos naturais com a influência das

marés.........................................................................................................................................53

Fotografia 04: Vegetação dos campos nas áreas de “tesos” no período das chuvas (maio de

2008).........................................................................................................................................54

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SUMÁRIO

RESUMO.................................................................................................................. ............... 10

ABSTRACT.................................................................................................................. ........... 11

LISTA DE SIGLAS..................................................................................................................12

LISTA DE QUADROS.............................................................................................................14

LISTA DE GRÁFICOS............................................................................................................15

LISTA DE FIGURAS...............................................................................................................16

LISTA DE FOTOGRAFIAS....................................................................................................17

1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................21

1.2 A construção sociológica do objeto científico................................................................24

1.3 Procedimentos metodológicos.........................................................................................28

2 ECOLOGIA POLÍTICA: O CAMPO DE ESTUDO DOS CONFLITOS SÓCIO-

AMBIENTAIS.........................................................................................................................31

2.1 O campo teórico da ecologia política..............................................................................35

2.2 Da percepção dos movimentos sociais sobre a questão ambiental aos conflitos sócio-

ambientais................................................................................................................................40

3 CARACTERÍSTICAS SÓCIO-AMBIENTAIS DA BAIXADA MARANHENSE E A

INTRODUÇÃO DA BUBALINOCULTURA COMO ATIVIDADE

ECONÔMICA.........................................................................................................................48

3.1 Características ecológicas da Baixada Maranhense ...................................................50

3.2 Área de Proteção Ambiental (APA) da Baixada

Maranhense.............................................................................................................................56

3.3 O búfalo: um estranho nos campos inundáveis de usufruto

comum......................................................................................................................................61

3. 4 A bubalinocultura como um projeto de desenvolvimento econômico e os impactos

sócio-ambientais nos campos da Baixada Maranhense.......................................................66

4. A DISPUTA PELOS RECURSOS NATURAIS DA BAIXADA MARANHENSE E

OS CONFLITOS SÓCIO-AMBIENTAIS ...........................................................................78

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4.1 Os atores e os diferentes interesses envolvidos na disputa pelos recursos

naturais...................................................................................................................... ..............78

4.2 A matança dos búfalos: fazendo justiça com as próprias

mãos..........................................................................................................................................83

4.3 Os búfalos “invadem” a Assembléia Constituinte de 1989..........................................92

4.4 O Ministério Público Estadual na atuação e cumprimento da legislação ambiental na

Baixada Maranhense............................................................................................................103

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................................................108

6 REFERÊNCIAS................................................................................................................112

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1 INTRODUÇÃO

O Maranhão sempre foi um estado em que os conflitos no campo estiveram presentes.

Da primeira metade do século XX para a atualidade, os conflitos vêm adquirindo diferentes

contornos, de acordo com as modificações apresentadas pela conjuntura fundiária. No final

da década de 1960, os conflitos no campo maranhense passam por mudanças significativas

com o advento da Lei de Terras1, criada pelo governo de José Sarney. José Sarney é eleito

Governador do Maranhão nas eleições diretas de 1965, com uma proposta de

desenvolvimento econômico para o estado.

A proposta de desenvolvimento econômico do Governo Sarney, adota para o

Maranhão a expansão do capitalismo no estado através da industrialização e da modernização

da agricultura. Essa proposta seria de conceder incentivos fiscais e creditícios aos grandes

empreendedores para instalação dos grandes projetos agropecuários e agroindustriais, através

de empresas capitalistas. Os grandes latifundiários tiveram o apoio do governo através de

empréstimos e incentivos para cercar, plantar e criar gado, de forma que, proporcionasse a

esses empreendedores transformar suas propriedades em empresas rurais. Paralelamente,

constata-se também uma política de atração de empresários e fazendeiros do centro-sul do

país, através de um processo de apropriação de terras, então, devolutas e intensa especulação

imobiliária.

Nesse período, a visão desenvolvimentista do governo do Estado fez introduzir, nos

campos naturais da Baixada Maranhense2, o rebanho bubalino, ocasionando conseqüências

desastrosas para o camponês e para o meio ambiente da Baixada, as quais perduram até hoje3.

Com a chegada do búfalo, desencadeou-se o processo de cercamento dos campos públicos

naturais por fazendeiros, em busca de novas áreas para a expansão dos criatórios dos

rebanhos, intensificando, ainda mais, os conflitos no campo maranhense.

Para chegar ao objeto de investigação aqui em questão, parti do seguinte

questionamento, o qual serve como orientação no desenvolvimento da investigação

sociológica: Como ocorreram os conflitos sócio-ambientais relacionados com a prática da

1 Lei nº 2.979, de 17 de julho de 1969 2 A Microrregião da Baixada Maranhense faz parte de Mesorregião Norte do Estado do Maranhão, é a região que

correspondente aos campos naturais inundáveis, estendendo-se por 1.775.035 hectares nos baixos cursos dos rios

Mearim, Pindaré, Pericumã, Aruá, Turiaçu e outros menores. Abrange extensas áreas sujeitas a inundações

periódicas: os campos naturais, caracterizadas por solo argiloso, escorregadio, e que na época da estiagem

apresenta-se ressequido e coberto por gramíneas. 3 Problemas da Baixada em relação á criação extensiva de búfalos nos campos públicos inundáveis podem ser

constatados através da reportagem do Jornal Pequeno, publicada em 01/12/2005, a qual, denuncia problemas

enfrentados pelos trabalhadores rurais em relação a criação de búfalos no município de Vitória do Mearim-MA.

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criação de búfalos na Baixada Maranhense entre os atores sociais envolvidos no conflito, no

que diz respeito à disputa pelos recursos naturais?

Cabe ressaltar aqui, que o recorte e delimitação do objeto de pesquisa se fizeram a

partir de uma primeira pesquisa que desenvolvi para a elaboração do trabalho de conclusão do

Curso de Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Maranhão4. No primeiro

momento da pesquisa eu estava interessada em investigar os conflitos fundiários, relacionados

com a bubalinocultura na Baixada Maranhense, entretanto, no decorrer da pesquisa me veio à

tona a questão ambiental, isto é, aliados ao problema social e fundiário, a prática da criação de

búfalos causa sérios impactos ambientais e conseqüente diminuição da fonte de sobrevivência

das populações residentes nos campos. Portanto nesse trabalho pretendo analisar os conflitos

desencadeados pela apropriação e acesso dos recursos ambientais dos campos naturais

inundáveis da Baixada Maranhense.

A introdução da bubalinocultura na Baixada Maranhense se deu na segunda metade

dos anos 1960, teve o apoio do Governo Estadual, visando o desenvolvimento econômico

para a região. Porém não houve um planejamento que permitisse prever os impactos sociais e

ambientais da introdução do animal em um ambiente ecologicamente sensível, com

predominância da atividade da pesca, da caça e da agricultura de subsistência. A maior

preocupação com o empreendimento foi o fator econômico, não foi levando em consideração

as populações que vivem e se mantém naquele território e dos recursos nele existentes.

Ao ser adotada como atividade econômica, a criação de búfalos na Baixada

Maranhense causa sérios problemas ao homem do campo, tanto de ordem ecológica, como

social, trabalhista e política. Pois, em geral, a criação do animal é feita de forma desordenada,

principalmente no início, quando começou a importação dos búfalos para o Estado. Dessa

forma, os principais prejudicados pela introdução da pecuária extensiva de búfalos foram os

trabalhadores rurais e pescadores. O búfalo sendo criado solto, devido suas atitudes

comportamentais, invade as roças, persegue as pessoas, mata os peixes nos lagos, destrói os

ninhos das aves e prejudica a cobertura vegetal, destruindo o pasto de outros animais, como o

gado bovino. De acordo com Lima e Tourinho (1995: 73):

Os búfalos na Baixada Maranhense foram abandonados na imensidão

dos campos, sem manjo adequado, nem mesmo o recolhimento em

currais à noite, que é o período em que eles mais se movimentam.

Ficaram com ampla liberdade de ir e vir e por isso, começaram a

4Para a conclusão do Curso de Graduação em Ciências Sociais eu elaborei a Monografia intitulada: “Violência e

Resistência: um estudo da luta pela posse da terra em Santa Rita-MA”.

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surgir casos de invasão de lavouras de pequenos agricultores,

principalmente as plantadas nas bordas das “ilhas”, próximo dos

campos inundáveis, bem como danos em apetrechos de pesca e casos de agressão física a moradores da região.

Os conflitos decorrentes daí estão diretamente ligados às disputas pelo acesso e

apropriação dos recursos naturais, os quais alguns autores denominam de conflitos sócio-

ambientais ou conflitos distributivos (Leff 2006; Martínez Alier 2007; Little 2001, Acselrad

2005). Os principais atores sociais envolvidos nos conflitos sócio-ambientais decorrentes da

atividade econômica de criação de búfalos foram: trabalhadores rurais, pescadores e

pecuaristas criadores de búfalos.

Os primeiros reivindicavam sua fonte de sobrevivência constituída pelos campos

naturais inundáveis e seus recursos. Já os demais disputavam os mesmos recursos, porém,

estes tinham a visão econômica de mercado. De acordo com a Secretaria Estadual de Meio

Ambiente e Turismo (SEMATUR) os maiores conflitos gerados pela criação de búfalos na

Baixada Maranhense aconteceram entre pecuaristas e pescadores (MARANHÃO, 1991).

Não pretendo dizer aqui que os trabalhadores rurais e pescadores acionam o discurso

ambiental no sentido de serem ambientalistas ou conservacionistas, o que esses atores

defendem é a fonte de seu sustento, os recursos naturais em disputa. Cunha e Almeida (2001:

187) advertem que não existe conservacionistas naturais, o que acontece é que determinadas

“populações tradicionais” possuem práticas culturais e ideologias que se constituem em

técnicas para o uso dos recursos naturais de baixo impacto ambiental:

Essas sociedades têm uma ideologia de exploração limitada dos

recursos naturais, em que os seres humanos são os mantenedores do

equilíbrio do universo, que inclui tanto a natureza como a sobrenatureza. Valores, tabus de alimentação e de caça, e sanções

institucionais ou sobrenaturais lhes fornecem os instrumentos para

agir em consonância com essa ideologia.

Os grandes empreendimentos econômicos dificilmente consideram os diferentes

grupos sociais presentes nas áreas de abrangência de seus projetos, ao elaborarem seus

estudos sobre os possíveis impactos ambientais decorrentes da atividade planejada. Mesmo

aqueles que admitem a presença desses grupos não apresentam diagnósticos suficientes da

organização sócio-cultural e dos impactos sociais e ambientais dos empreendimentos sobre os

territórios e populações atingidas, tornando esses grupos invisibilizados diante de tais

problemas (SANTILLI, 2005).

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De acordo com Little (2006: 92) no trabalho etnográfico sobre conflitos sócio-

ambientais o olhar antropológico é importante na medida em que pode tornar visíveis

conflitos latentes que ainda não se manifestaram politicamente no espaço público formal,

porque os grupos sociais envolvidos são politicamente marginalizados ou mesmo invisíveis

ao olhar do Estado. De acordo com o autor:

Como os antropólogos trabalham diretamente com muitos desses grupos – povos indígenas; quilombolas; agroextrativistas; ribeirinhos;

favelados – a etnografia dos conflitos socioambientais explicita as

bases latentes dos conflitos e dá visibilidade a esses grupos marginalizados. Nesse sentido, o uso de uma metodologia etnográfica

representa um aporte significativo da antropologia à ecologia política.

1.1 A construção sociológica do objeto científico

Remi Lenoir considera que a primeira dificuldade do sociólogo em apreender, definir

e conceber o seu objeto de estudo são as representações pré-estabelecidas, as quais

influenciam na análise e resultado da pesquisa, porém são necessárias na medida em que são

elas que: “(...) produzidas pela experiência banal, [as pré-noções] têm como objetivo, antes de

tudo harmonizar nossas ações com o mundo que nos cerca; são formadas pela e para a

prática” (LENOIR, 1998: 59).

Na pesquisa científica em ciências sociais o pesquisador não deve se deixar seduzir

pelo primeiro olhar, pela primeira aproximação com o objeto de investigação científica, como

se essas fossem já a verdade, o pesquisador não deve parar nesse primeiro passo, considerado

por Bachelard (1996) como “obstáculo ao conhecimento”. Este autor adverte para a necessária

vigilância que se deve ter na escolha e nos métodos de investigação do objeto.

Bourdieu (1999), compartilhando da mesma perspectiva teórica de Bachelard,

concorda com a necessidade de ruptura do conhecimento científico com o conhecimento

comum que implica na ruptura com a “sociologia espontânea”, típica do senso comum,

considerada por ele como “obstáculo epistemológico”. De acordo com Bourdieu (1999: 17), a

reflexão sociológica é importante na prática científica:

Semelhante tarefa, propriamente epistemológica, consiste em

descobrir no decorrer da própria atividade científica, incessantemente

confrontada com o erro, as condições nas quais é possível tirar o verdadeiro do falso, passando de um conhecimento menos verdadeiro

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a um conhecimento mais verdadeiro, ou melhor, como afirma

Bachelard, próximo, isto é, retificado.

A noção de “obstáculo epistemológico” é de fundamental importância para o

desenvolvimento do conhecimento científico. É na superação destes obstáculos que reside o

sucesso de uma pesquisa científica. Porém, a condição essencial para a superação dos

obstáculos é a consciência por parte dos cientistas de que eles existem e que, se não são

neutralizados, podem comprometer o processo da pesquisa, desde seus fundamentos até os

seus resultados. De acordo com Bourdieu (1999: 23), “A vigilância epistemológica impõe-se,

particularmente, no caso das ciências do homem nas quais a separação entre a opinião comum

e o discurso científico é mais imprecisa do que alhures”. E complementa: “a familiaridade do

universo social constitui, para o sociólogo, o obstáculo epistemológico por excelência”.

O objeto sociológico não existe apenas e tão somente no universo dos “problemas

sociais” que, como tais, são resultados das relações sociais, políticas e econômicas da

sociedade, mas não são em si objetos de pesquisa, sendo necessário serem construídos.

A primeira característica do objeto científico, segundo Bachelard (1996), é que ele não

é dado pela natureza, em continuidade com esta, mas, ao contrário, é construído pelo cientista.

Isso significa que, no exercício da ciência, o cientista deve romper com o senso comum e,

conseqüentemente, com os objetos advindos desse tipo de experiência. Portanto, tentarei

discutir aqui como foi construído o objeto sociológico de investigação analisado no presente

trabalho.

Lenoir afirma que na construção do objeto são as questões que o pesquisador faz que

o ajudarão a construir o seu objeto de investigação. Dessa forma, ele apresenta uma síntese de

todas essas idéias, ao afirmar que: “Os princípios de classificação do mundo social, até

mesmo os mais naturais, referem-se a fundamentos sociais” (LENOIR, 1998: 64).

Na construção científica do objeto de pesquisa, é necessário se aplicar técnicas

científicas aos objetos da “sociologia espontânea”. Para Bourdieu (1999: 48), é preciso inserir

o objeto de pesquisa em uma problemática teórica, pois:

Por mais parcial e parcelar que seja um objeto da pesquisa, ele só pode

ser definido e construído em função de uma problemática teórica que permita submeter a uma interrogação sistemática os aspectos da

realidade colocados em relação entre si pela questão que lhes é

formulada.

E ainda, segundo o mesmo autor:

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O sociólogo nunca conseguirá acabar com a sociologia espontânea e

deve se impor uma polêmica incessante contra as evidências

ofuscantes que proporcionam, sem grandes esforços, a ilusão do saber imediato e de sua riqueza insuperável (BOURDIEU, 1999:23)

O pesquisador, ao olhar seu objeto de estudo, especialmente quando este faz parte do

universo social, como é o caso da pesquisa apresentada aqui, corre o perigo de se deixar levar

pelo que lhe é visível, dando a este um estatuto de verdade pelo primeiro olhar “(...) diante do

mistério do real, a alma não pode, por decreto, tornar-se ingênua. É impossível anular, de um

só golpe, todos os conhecimentos habituais. Diante do real, aquilo que cremos saber com

clareza ofusca o que deveríamos saber” (BACHELARD, 1996: 18).

A constituição de um problema em problema social engloba a fase da construção que

envolve as “transformações que afetam a vida quotidiana dos indivíduos”, e que Lenoir

também denomina de “condições objetivas”. Para além destas transformações objetivas, é

necessário o trabalho de legitimação e de institucionalização, sem o qual o problema não se

constitui em problema social (LENOIR, 1998: 57). É baseado nessa perspectiva metodológica

que pretendemos analisar como a prática da criação de búfalos, como atividade econômica na

Baixada Maranhense, se tornou um problema social e como apreendemos aqui esse fato como

problema sociológico.

Na investigação científica o sociólogo depara-se com categorias já construídas

socialmente, sendo-lhe necessário analisar e desmontar essas construções já existentes, assim

como se confronta com definições institucionais. Por serem socialmente construídas, as

categorias são “naturalizadas”, sendo necessário ao pesquisador fazer a “problematização” das

mesmas, pois se trata de categorias preexistentes à pesquisa a ser desenvolvida. Lenoir (1998:

57) adverte que o sociólogo não deve naturalizar as categorias, mas perceber como surgiram e

foram construídas socialmente.

Para Bourdieu (1998), no que diz respeito às motivações que levam a investigar um

objeto de estudo, um pesquisador não faz uma escolha aleatória do que pretende estudar, pois

o simples fato de o objeto despertar interesse e indagações que instigam a estudá-lo decorre,

possivelmente, de afinidades com o objeto de investigação. É a pesquisa, portanto, emoção e

razão permeada de relações sociais.

E, também, considera que a escolha de um objeto de estudo é feita levando-se em

conta não só a percepção do pesquisador de que este objeto se trata de algo importante e

interessante, mas, também, a possibilidade de este objeto tornar a si próprio e ao pesquisador

interessantes e importantes frente ao campo científico em questão. Nessa perspectiva, quando

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os cientistas sociais analisam determinados objetos com os quais mantêm uma relação de

grande proximidade, a vigilância reflexiva sobre o objeto de estudo deve exercer-se ainda

com maior intensidade, buscando estabelecer uma ruptura seja com as representações

espontâneas, seja com as crenças íntimas dos profissionais do pensamento, problematizando a

relação “natural” que o investigador estabelece com o universo estudado - tornando exótico

aquilo que lhe parece familiar.

Dessa forma, a principal motivação que me despertou interesse em estudar o objeto

aqui apresentado foi o fato de se tratar de um assunto que considerado familiar, pois a

problemática da criação de búfalos, que se acentua, principalmente na década de 1980, foi

presenciada por mim, por ser descendente de trabalhadores rurais dos campos inundáveis do

município de Santa Rita.

Na época, com oito anos de idade, presenciei o período mais conturbado do conflito

em que os trabalhadores rurais, não tendo seus interesses atendidos pelas autoridades,

decidiram fazer justiça com as próprias mãos, dando início à mobilização que ficou conhecida

na imprensa estadual como a “matança dos búfalos”, a qual se constituiu no abatimento de

milhares de búfalos com o objetivo de se fazer uma limpeza nos campos da Baixada

Maranhense. Santa Rita foi um dos principais municípios em que foi efetuada a matança dos

animais.

Vivenciei o envolvimento de meus familiares no conflito, tendo parentes, como tios

e primos, que sofreram prisões, espancamento e ameaças de morte. De acordo com matéria do

Jornal de Hoje publicada no dia 26 de fevereiro de 1989, a polícia chegou ao povoado do

Caicoco no município de Santa Rita, invadindo as casas dos moradores e prendeu cerca de

dezessete homens; desrespeitando a Constituição, pois a prisão foi feita sem mandado

judicial. Nesse atentado contra os lavradores do povoado do Caicoco, os policiais destruíram a

alimentação das famílias, ameaçaram espancar dois menores.

Os trabalhadores rurais presos foram: José Daniel Carvalho, Antenor Ferreira,

Adonoram Lino de Carvalho, Manoel Simeão de Sousa, José Raimundo Carvalho, Pedro Dias

Moraes, José Ribamar Carvalho, José Ribamar Lopes, Benedito Cassiano Dias Moraes, Pedro

Carvalho, Odonel Otone de Carvalho, Raimundo de Carvalho, Beneveruto de Carvalho,

Emilson dos Santos de Carvalho (19 anos)5. Desses trabalhadores citados, cinco são meus

familiares.

5 Informações levantadas em documentos arquivados no Sindicato de Trabalhadores Rurais de Santa Rita e em

reportagem do Jornal de Hoje, publicada em 03 de março de 1989, São Luís, Maranhão.

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Nesse aspecto, Louis Pinto (1998:13) adverte que: “O sociólogo deve levar em

consideração o fato de que faz parte do mundo social que pretende descrever e compreender”.

Portanto, um “obstáculo epistemológico” pode ser o senso comum, o qual relaciona-se

especificamente com a dificuldade com a qual se depara o cientista social em separar o seu

conhecimento comum, suas opiniões, seus preconceitos, as avaliações relacionadas à sua

posição social e econômica, por exemplo, do conhecimento teórico, científico, que deve estar

comprometido com a busca da verdade, baseada em conceitos e não em preconceitos.

1.2 Procedimentos metodológicos

Na realização das atividades da pesquisa, a metodologia utilizada tentei conciliar a

pesquisa etnográfica com aquela voltada para o levantamento de informações secundárias e da

produção bibliográfica. Dessa forma, procurei fazer um levantamento bibliográfico de

trabalhos acadêmicos e documentos oficiais que discorrem sobre os problemas ocasionados

pela prática da criação de búfalos na região da Baixada Maranhense.

A realização de entrevistas com lideranças sindicais envolvidas na problemática da

criação de búfalos por meio do trabalho de campo e anotações sistemáticas em cadernos de

campo foram os principais instrumentos de levantamento de informações primárias. A escolha

das pessoas com as quais foram realizadas entrevistas se deu levando em consideração o

objetivo e delimitação da pesquisa em questão, pois não diz respeito a um trabalho

etnográfico de uma comunidade específica que tenham sofrido o ônus da atividade econômica

da bubalinocultura, mas uma análise sociológica dos conflitos sócio-ambientais relacionados

com o problema social apresentado. Portanto, decidi pela entrevista de lideranças sindicais

que se envolveram diretamente com os conflitos sócio-ambientais ocorridos no final da

década de 1980.

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Quadro 01: Relação das entrevistas realizadas

Entrevistado (a) Ocupação Data da realização da

entrevista

Dona Zeca Funcionária mais antiga do STR

de Rosário e atual Tesoureira

30/06/2008

Sebastião Lisboa Ex-Presidente do STR de

Anajatuba e atual secretário de

Políticas Sociais da FETAEMA.

20/07/2008

José Raimundo Bastos Atual Presidente do STTR de

Anajatuba

03/07/2008

Clóves Alves de Souza Ex-Presidente do STR de Santa

Rita

04/05/2006

No que se refere ao trabalho com fontes secundárias, a pesquisa procurou levantar junto

aos periódicos de circulação estadual o conjunto de notícias relativas aos problemas

ocasionados pela criação de búfalos bem como os conflitos deles decorrentes. Para isso foi

feito a cobertura no período que vai do mês de novembro de 1988 a dezembro de 1989, dos

seguintes jornais: Jornal O Estado do Maranhão, Jornal O Imparcial, Jornal Pequeno,

Jornal de Hoje e Jornal O Debate. Isto se explica pelo fato de que foi no referido período em

que houve os mais expressivos conflitos, ou pelo menos, podemos afirmar aqui, que esse foi o

período em que houve a maior atenção por parte da mídia ao problema social.

No desenvolvimento das atividades de pesquisa de campo, os municípios de Santa

Rita, Rosário, Anajatuba foram tomados como referência empírica, levando em consideração

que estes foram os municípios que tiveram maior expressividade nos conflitos. Porém, mesmo

privilegiando esse recorte, a pesquisa não descartou a observação do problema em outros

municípios da Baixada Maranhense onde ocorreram, também, os conflitos sócio-ambientais,

relacionados à criação de búfalos.

Em termos operacionais, a pesquisa procurou fazer levantamento junto ao Sindicato de

Trabalhadores Rurais desses municípios, assim como de outras instituições que se envolveram

diretamente com tal problema, tais como comissão Pastoral da Terra (CPT), Sociedade

Maranhense de Defesa dos Direitos Humanos (SMDDH) e Federação dos Trabalhadores na

Agricultara do Estado do Maranhão (FETAEMA).

Além dessa frente de trabalho, a pesquisa ainda buscou levantar e analisar os discursos

políticos proferidos em plenário na Assembléia Constituinte de 1989, junto aos Anais

publicados na Assembléia Legislativa do Estado do Maranhão, nos quais foi discutida a

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aprovação da Emenda Constitucional que limitou a prática da criação de búfalos na Baixada

Maranhense, para se analisar como se deu os jogos de interesses políticos dos diversos atores

sociais envolvidos nos conflitos sócio-ambientais relacionados com a prática de criação de

búfalos.

O trabalho está estruturado da seguinte forma: no primeiro capítulo eu faço uma

discussão sobre da ecologia política, recuperando autores que trabalham com a construção

científica de conflitos sócio-ambientais, buscando um referencial teórico que me permitisse

analisar as categorias aqui discutidas.

No segundo capítulo procuro fazer uma contextualização das características ecológicas

e sociais da Região da Baixada Maranhense, procurando contextualizar como e em que

período se deu a introdução da pecuária bubalina nos campos naturais inundáveis, enfatizando

os incentivos governamentais à atividade econômica. Nesse momento já apresento quais

foram os impactos sociais e ambientais e suas conseqüências aos trabalhadores rurais e

pescadores da região que dependem dos campos e seus recursos naturais para se manterem.

No terceiro capítulo faço uma análise de como se deram os conflitos sócio-ambientais

relacionados com a prática da criação de búfalos, sobretudo no final da década de 1980,

quando houve o que a impressa local denominou de a “matança dos búfalos” e em

contrapartida, a morte, prisão ilegal e espancamento de trabalhadores rurais envolvidos no

conflito.

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2 ECOLOGIA POLÍTICA: O CAMPO DE ESTUDO DOS CONFLITOS SÓCIO-

AMBIENTAIS

Vivemos um processo de transformação, o qual se caracterizou como o indicativo da

emergência de uma nova lógica de civilização, baseada em novos modelos e novos padrões de

acumulação. Para Deléage (1997) com a industrialização maciça do século XX,

particularmente após a Segunda Guerra Mundial, houve um limiar nas relações entre os

homens e a biosfera, em que a poluição e a degradação do ambiente se tornaram um

verdadeiro fato de civilização, adquirindo dimensões planetárias.

Uma característica fundamental desse processo é a chamada crise ambiental

evidenciada a partir da década de 1960, a qual suscita a necessidade de novos padrões de

relacionamento com a natureza e seus recursos. A crise ambiental tem repercutido sobre os

estilos de vida e de consumo, a ética e a cultura, a dinâmica política e social e a organização

do espaço em escala mundial.

Para Leff (2006a) a crise ambiental não se constitui, necessariamente, em uma

catástrofe ecológica, mas nas mudanças do pensamento com o qual temos construído e

destruído o mundo globalizado e nossos próprios modos de vida. Ele a denomina de uma

“crise civilizatória”, a qual se apresenta como um limite no real que significa e reorienta o

curso da história. A crise ambiental se constitui na crise do pensamento ocidental, da

metafísica que fez a disjunção entre “o ser e o ente”, que produziu um mundo fragmentado e

coisificado no controle e domínio da natureza. E finalmente, “se expressa como um

questionamento da ontologia e da epistemologia com as quais a civilização ocidental

compreende o ser e as coisas; da ciência e da razão tecnológica com as quais dominou a

natureza e economicizou o mundo moderno” (LEFF, 2006a: 288).

Nesse contexto os problemas ambientais ultrapassaram as fronteiras nacionais e uma

nova categoria de questões ambientais emergiu, ou seja, questões cuja conseqüências são

globais e os autores envolvidos transcendem uma única região ou país. Dentre as principais,

hoje se destacam a destruição da camada de ozônio, a mudança climática global, aquecimento

global, a poluição dos ambientes marítimos, a destruição das florestas e a ameaça à

biodiversidade.

A partir da década de 1950, nos países chamados de desenvolvidos, a problemática

ambiental, causada pelo crescimento econômico e pela industrialização, tornou-se um grave

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problema. Segundo Leff (2001:49), “La crisis ambiental vino cuestionar las bases

conceptuales que han impulsado y legitimado el crecimiento económico, negando a la

naturaleza”. A intensidade da crise ambiental começou a gestar uma nova mentalidade em que

o planeta terra passou a ser percebido como espaço comum para todos os seus habitantes.

De acordo com Vieira (1992), a disseminação de uma “consciência ecológica”

mundial a respeito da questão ambiental intensificou-se a partir da primeira Conferência das

Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, realizada em Estocolmo, em 1972.

Posteriormente, nas décadas seguintes, aprofundou-se consideravelmente o conhecimento

científico acerca dos problemas ambientais, bem como, se expandiu a percepção dos impactos

sócio-ambientais causados por esses problemas e mesmo da possibilidade de ameaça à

perpetuação da vida no planeta.

Para Sachs (2000: 118):

A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano

realizada em Estocolmo em 1972, durante a qual o “meio ambiente” surgiu na agenda internacional, foi proposta inicialmente pela Suécia, preocupada

com chuva ácida, poluição no Báltico, e os níveis de pesticida e metais

pesados encontrados em peixes e aves. Uma assim chamada

internacionalização massiva que estaria ocorrendo por mero acaso projetou sua sombra antes de seu surgimento: o lixo industrial escapa à sobra

nacional, não se apresenta na alfândega, não usa passaporte. Os países

descobriram que não eram entidades auto-suficientes, mas sujeitos à ação de outros países. Assim surgiu uma nova categoria de problemas: as “questões

globais”.

É nesse contexto que surge o debate sobre a necessidade de novos padrões de

desenvolvimento econômico, projetando-se, posteriormente, a proposta do desenvolvimento

sustentável6 apresentada como alternativa para a crise ecológica global. O conceito de

desenvolvimento sustentável tenta estabelecer meio ambiente e desenvolvimento como um

binômio indissociável, em que questões sociais, econômicas, políticas, tecnológicas e

ambientais encontram-se sobrepostas. Essa proposta assume um significado político-

diplomático, à medida que estabelece os princípios gerais que norteariam um compromisso

político em escala mundial que visa proporcionar o crescimento econômico garantindo a

sustentabilidade dos recursos naturais.

6 De acordo com o Relatório Brundtland, também denominado “Nosso Futuro Comum”, desenvolvimento sustentável “é aquele que atende às necessidades dos presentes sem comprometer a possibilidade de as gerações

futuras satisfazerem suas próprias necessidades” (CMMAD, 1991: 46).

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Leff (2006a) considera que a complexidade dos problemas sociais associados a

mudanças ambientais ao nível global abre caminho para métodos interdisciplinares de

investigação, buscando articular diferentes conhecimentos para abranger as múltiplas

relações, causalidades e interdependências que estabelecem processos nas diversas esferas da

materialidade: física, biológica, cultural, econômica e social. Para o autor (2006a: 217): “A

questão ambiental emerge de uma problemática econômica, social, política, ecológica, como

uma nova visão do mundo que transforma os paradigmas do conhecimento teórico e os

saberes práticos”.

Como já foi mencionado, na segunda metade do século XX, a questão ambiental

alcançou dimensão de problema global, mobilizando a sociedade civil organizada, os meios

de comunicação e os governos de diversos países. Este movimento trouxe um enfoque

eminentemente sociológico para a questão ambiental, contribuindo para a discussão sobre os

processos de constituição de conflitos entre grupos sociais no embate pelo uso dos recursos

naturais, os chamados conflitos distributivos, ou simplesmente conflitos sócio-ambientais.

Os movimentos sociais surgidos no mundo a partir da década de 1960 foram

acompanhados por debates intelectuais que suscitaram novos desafios para as ciências sociais.

De forma geral, tentou-se superar dicotomias como objetividade/subjetividade,

indivíduo/sociedade e natureza/cultura. Os esforços para a superação da dicotomia

natureza/cultura ligavam-se ao surgimento de uma crítica ambiental da sociedade industrial

emanada de um movimento simultaneamente político e acadêmico denominado ecologia

política e que trouxe para a discussão acadêmica e intelectual a “crise ambiental”, como

resultante do colapso entre crescimento econômico e a base finita dos recursos naturais.

De acordo com Santilli (2005), as discussões em torno do socioambientalismo no

Brasil surgiram a partir da segunda metade dos anos de 1980, em virtude de articulações

políticas entre os movimentos sociais e o movimento ambientalista, uma tendência histórica

que teve como marco inicial a conferência sobre meio ambiente promovida pela ONU em

Estocolmo, em 1972.

A autora ressalta que o socioambientalismo fundamenta-se na concepção de que um

novo paradigma de desenvolvimento deve promover não somente a sustentabilidade

estritamente ambiental, como também a sustentabilidade social. Parte do pressuposto de que

as políticas públicas ambientais só têm eficácia social e sustentabilidade política quando

incluem comunidades locais e promovem uma repartição socialmente justa e eqüitativa dos

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benefícios derivados da exploração dos recursos naturais. Preconiza ainda que a valorização

da diversidade cultural e o reconhecimento de direitos culturais e de direitos territoriais

especiais a populações tradicionais são a face mais evidente da influência do

multiculturalismo sobre os valores preconizados pelo socioambientalismo.

De acordo com Leff (2006b) o discurso emergente sobre a mudança global incorpora

diversos temas relativos à ecologização da ordem econômica mundial, como a inovação

através de tecnologias “limpas”, adequadas e apropriadas para o uso ecologicamente

sustentável dos recursos naturais; a recuperação e melhoramento das práticas tradicionais

(ecologicamente adaptadas) de uso dos recursos naturais para atender as comunidades locais;

o marco jurídico dos novos direitos ambientais para a normatividade ecológica das políticas

ambientais tanto a nível nacional como internacional; a organização do movimento ecologista;

a interiorização do saber nos paradigmas do conhecimento, nos conteúdos curriculares dos

programas educativos e nas práticas pedagógicas, e o surgimento de novas disciplinas

ambientais.

Na medida em que a questão ambiental e ecológica generaliza-se, obtendo alcance

planetário, a qual diz respeito a todos os âmbitos da organização social, aos aparatos do

Estado e a todos os grupos e classes sociais, induz um amplo e complexo processo de

transformação epistêmica no campo do conhecimento e do saber, das ideologias teóricas e

práticas e dos paradigmas científicos. De acordo com Leff (2006a: 282):

(...) a construção de racionalidade ambiental implica a necessidade de

desconstruir os conceitos e métodos de diversas ciências e campos disciplinares do saber, assim como os sistemas de valores e as crenças em

que se funda e que promovem a racionalidade econômica e instrumental na

qual repousa uma ordem social e produtiva insustentável. Essas

transformações ideológicas e epistêmicas não são efeitos diretos identificáveis a partir do questionamento do conhecimento por diversas

classes sociais: implicam processos mais complexos, que põem em jogo os

interesses de diferentes grupos de poder em relação á apropriação dos recursos naturais, aos interesses disciplinares associados à identificação e

apropriação de um saber dentro do qual se desenvolvem as carreiras

científicas e profissionais que se desdobram nas diversas instâncias institucionais do poder e na tomada de decisão. Nesse sentido, o saber

ambiental abre uma nova perspectiva à sociologia do conhecimento.

Portanto, a construção de uma racionalidade ambiental implica na necessidade de

desconstruir os conceitos de diversas ciências e campos disciplinares do saber, assim como os

sistemas de valores e as crenças em que se funda e que promovem a racionalidade econômica

e instrumental na qual repousa uma ordem social e produtiva insustentável. Nesta perspectiva,

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a problemática ambiental não deve situar-se apenas no domínio das ciências sociais e/ou das

ciências naturais. Ao contrário, deverá observar que estes sistemas estão dialeticamente

ligados e possuem autonomias e interdependências simultâneas. Muito embora, segundo Leff

(2006: 284):

As disciplinas mais profundamente questionadas pela problemática

ambiental acabam sendo as ciências sociais e as ciências naturais mais

próximas das relações entre sociedade e natureza, como a geografia, a ecologia e a antropologia. Essa transformação não apenas implicam

disciplinas práticas, como a etnobotânica e a etnotécnica, para recuperar os

saberes técnicos das práticas tradicionais de uso dos recursos, mas incluem

os paradigmas teóricos de diversas ciências biológicas e sociais

2.1 O campo teórico da ecologia política.

A ecologia política é um campo de discussões teóricas e políticas que estuda os

conflitos ecológicos distributivos, ou conflitos sócio-ambientais nascidos a partir dos estudos

de caso locais pela geografia e antropologia, porém o campo dos conflitos sócio-ambientais

ultrapassa os problemas locais e tem se estendido a nível nacional e internacional. Esse campo

teórico se fortalece principalmente a partir da década de 1980, em conseqüência da crescente

articulação entre movimentos ambientalistas e sociais no enfrentamento da “crise ambiental”.

O campo da ecologia política está agora se movimentando para além das situações rurais locais, na direção de um mundo mais amplo. A ecologia

política estuda os conflitos ecológicos distributivos. Por distribuição

ecológica são entendidos os padrões sociais, espaciais e temporais de acesso aos benefícios obtidos dos recursos naturais e aos serviços proporcionados

pelo ambiente como um sistema de suporte da vida. Os determinantes da

distribuição ecológica são em alguns casos naturais, como o clima,

topografia, padrões pluviométricos, jazidas de minerais e a qualidade do solo. No entanto, também são claramente sociais, culturais, econômicos,

políticos e tecnológicos (ALIER; 2007: 113).

A ecologia política amplia a crítica dos fundamentos filosóficos da economia

neoclássica através de questões como os conflitos distributivos e a incomensurabilidade dos

valores ambientais, ao avançar sobre a economia política de tradição marxista, incorporando

questões ecológicas no entendimento das dinâmicas econômicas e de poder que caracterizam

as sociedades modernas. E por conflitos ecológicos distributivos, Martínez Alier (2007: 11)

define como sendo os conflitos resultantes da disputa pelos recursos naturais ou serviços

ambientais, sejam eles comercializados ou não. Dessa forma:

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A ecologia política estuda conflitos ecológicos distributivos; constitui um

campo criado por geógrafos, antropólogos e sociólogos ambientais. O

enfrentamento constante entre meio ambiente e economia, com suas vicissitudes, suas novas fronteiras, suas urgências e incertezas, é analisado

pela economia ecológica (MARTÍNEZ ALIER; 2007: 15).

De acordo com Martínez Alier (2007: 110), a expressão “ecologia política” foi

introduzida em 1972, pelo antropólogo Eric Wolf, muito embora esta já houvesse sido

utilizada em 1957 por Bertrand de Jouvenel. O autor ainda considera que no campo da

ecologia política, os geógrafos têm sido mais ativos do que os antropólogos. “Porém a

antropologia e a ecologia têm estado largamente em contato, daí podemos falar em uma

antropologia ecológica ou ecologia cultural”.

Leff (2006b) afirma que a ecologia política se constitui em um campo teórico prático

que ainda está em fundação, é a construção de um novo campo do pensamento crítico e da

ação política e faz uma indagação sobre as mudanças mais recentes da condição existencial do

homem. É um campo que “ainda não adquiriu nome próprio”; portanto toma emprestado

conceitos e termos proveniente de outras disciplina para nomear os conflitos decorrentes da

distribuição desigual e as estratégias de apropriação dos recursos ecológicos, bens naturais e

os serviços ambientais. Dessa forma:

La ecología política construye su campo de estúdio y de acción en el encuentro y a contracorriente de diversas disciplinas, pensamientos, ética,

comportamientos y movimientos sociales. Allí colidan, confluyen y se

confunden las ramificaciones ambientales y ecológicas de nuevas disciplinas: la economía ecológica, el derecho ambiental, la sociología

política, la antropologia de las relaciones cultura-naturaleza, la ética política

(LEFF; 2006b: 22).

De acordo com Martínez Alier (1999: 100), em parte, a ecologia política se superpõe à

economia política, que na tradição clássica corresponde ao estudo dos conflitos relacionados à

distribuição econômica, porém muitos outros conflitos ecológicos situam-se fora da esfera dos

mercados reais e, inclusive, fictícios:

La economía política estudia los conflictos distributivos economícos. La

ecología política estudiaría los conflictos de la distribuión ecológica. Pueden

coincidir pero, em general, cubren distintos territorios, precisamente porque

la mayor parte de la ecología no está em mercados reales ni ficticios.

E, ainda, de acordo com Leff (2006a: 303-304):

O campo da ecologia política se abre num horizonte que ultrapassa o território da economia ecológica. A ecologia política se localiza nas

fronteiras do ambiente que pode ser recodificado e internalizado no espaço

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paradigmático da economia, da valorização dos recursos naturais e dos

serviços ambientais. A ecologia política se estabelece no campo dos

conflitos pela reapropriação da natureza e da cultura, ali onde a natureza e a cultura resistem à homologação de valores e processos (simbólicos,

ecológicos, políticos) incorporáveis e a serem absorvidos em termos de valor

de mercado.

Os conflitos de distribuição ecológica estão ligados ao acesso a recursos e serviços

naturais e aos danos causados pela poluição a determinada parcela da sociedade. Portanto,

existe uma forte vinculação entre as discussões da economia ecológica e dos conflitos

distributivos analisados pela ecologia política. E por distribuição ecológica entendem-se as

assimetrias ou desigualdades sociais, espaciais e temporais no uso humano dos recursos e

serviços ambientais, ou seja, está relacionado ao esgotamento dos recursos naturais, como a

erosão do solo e a perda da biodiversidade. “O conflito distributivo introduz na economia

política do ambiente as condições ecológicas de sobrevivência e produção sustentável, assim

como o conflito social que emerge das formas dominantes de apropriação da natureza e a

contaminação ambiental” (LEFF; 2006a: 302).

Nos últimos anos o campo de discussão da ecologia política tem sido revigorado pela

discussão sobre a justiça ambiental, para a qual serve como base teórica ao analisar os

conflitos distributivos a partir das desigualdades decorrentes de processos econômicos e

sociais, que acabam por concentrar as principais cargas de poluição e demais efeito deletérios

do desenvolvimento sobre as populações mais pobres, discriminadas e socialmente excluídas.

Nessa perspectiva, a dialética entre centro e periferia nos territórios e as tendências históricas

para a centralização social e a hierarquia institucional são repensadas à luz da

sustentabilidade.

Para Acselrad; Herculano e Pádua (2004: 09):

Por justiça ambiental, portanto, passou-se a entender, desde as primeiras

lutas que evocam tal noção no início dos anos 80, o conjunto de princípios que asseguram que nenhum grupo de pessoas, sejam grupos étnicos, raciais

ou de classe, suporte uma parcela desproporcional de degradação do espaço

coletivo. Complementarmente, entende-se por injustiça ambiental a condição de existência coletiva própria a sociedades desiguais onde operam

mecanismos sociopolíticos que destinam a maior carga dos danos ambientais

do desenvolvimento a grupos sociais de trabalhadores, populações de baixa

renda, segmentos raciais discriminados, parcelas marginalizadas e mais vulneráveis da cidadania.

Os autores afirmam que os conflitos sócio-ambientais decorrentes da busca pela

justiça ambiental existem no Brasil há vários anos, embora não se tenha utilizado a expressão

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“justiça ambiental”; é o caso do conjunto de ações e movimentos sociais que estiveram em

luta contra as injustiças ambientais, como é possível observar, por exemplo, no movimento

dos atingidos por barragens, no movimento de resistência de trabalhadores extrativistas, como

os seringueiros no Acre e as quebradeiras de coco no Maranhão, contra o avanço das relações

capitalistas nas fronteiras florestais e de várias ações locais contra a contaminação e a

degradação dos espaços ambientais.

Essa dialética pode ser percebida de diversas formas: nas relações comerciais e

políticas desiguais; no espaço político-institucional por meio de processos decisórios que

tendem a excluir a participação e os interesses dos afetados pelas decisões. No caso do Brasil,

os conflitos sócio-ambientais se dão, sobretudo devido à distribuição injusta de renda e do

acesso aos recursos naturais.

Nesta perspectiva, nos conflitos sócio-ambientais pela apropriação da natureza, as

comunidades tradicionais é que teriam o direito de construir seus próprios estilos de

desenvolvimento e não como algo definido e imposto pela lógica de um sistema dissociado da

realidade das pessoas que vivem no lugar. Para Leff (2006a: 307):

Para além de pensar estas racionalidades como opostos dialéticos, a ecologia

política olha a constituição dessas matrizes de racionalidade na perspectiva de uma história ambiental, cujas origens remontam a uma nova história de

resistências anticolonialistas e antiimperialistas e de onde nascem novas

identidades culturais em torno da defesa de uma natureza cultural

significada, desdobrando estratégias inovadoras de “aproveitamento sustentável dos recursos” dentre as quais são exemplares o movimento social

que levou à invenção da identidade do seringueiro e de suas reservas

extrativista na Amazônia brasileira, assim como no processo das comunidades negras do Pacífico da Colômbia.

As populações tradicionais de extrativistas e pequenos produtores que vivem nas

regiões de fronteira de expansão das atividades capitalistas, como os grandes

empreendimentos hidrelétricos, viários, de exploração mineral, agropecuários e madeireiros;

são expropriados dos recursos ambientais sofrendo as pressões do deslocamento compulsório7

de suas áreas de moradia e trabalho, perdendo o acesso a terra, às matas e aos rios dos quais

depende sua sobrevivência. Essa situação reflete um mesmo processo: a concentração de

poder na apropriação dos recursos ambientais que caracteriza a história do país.

7 Almeida (1996: 30) define deslocamento compulsório como sendo “o conjunto de realidades factuais em que

pessoas, grupos domésticos, segmentos sociais e/ou etnias são obrigados a deixar suas moradias habituais, seus

lugares históricos de ocupação imemorial ou datada, mediante constrangimentos, inclusive físicos, sem qualquer opção de se contrapor e reverter os efeitos de tal decisão, ditada por interesses circunstancialmente mais

poderosos”.

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Para Martínez Alier (2007) o conceito sociológico de “justiça ambiental” abre um

amplo espaço de debate filosófico sobre os princípios de justiça ambiental. Dessa forma, os

conflitos ecológicos distributivos correspondem aos conflitos sobre os princípios de justiça

aplicáveis às cargas de contaminação e ao acesso aos recursos e serviços ambientais. Como

um movimento consciente de si mesmo, a justiça ambiental luta contra a distribuição

desproporcional de dejetos tóxicos ou a expropriação diante de diferentes formas de risco

ambiental ocasionadas a determinadas camadas da população, como no caso dos Estados

Unidos, em que são atingidas as áreas predominantemente povoadas por populações afro-

americanas, latinas ou indígenas.

Nessa perspectiva, Martínez Alier (2007: 274) considera que:

O movimento pela justiça ambiental tem enfatizado a desproporcionalidade

com que o peso da contaminação recai sobre grupos humanos específicos. Portanto, explicitamente incorpora uma noção distributiva da justiça. Poderia

ser argumentado que a justiça ambiental potencialmente intui um aspecto

existencial, qual seja, o de que todos os seres humanos necessitam de

determinados recursos naturais e uma certa qualidade do meio ambiente para assegurar sua sobrevivência. Nessa perspectiva, o meio ambiente converte-se

em um direito humano.

A injustiça ambiental, que caracteriza o modelo de desenvolvimento dominante no

Brasil, expõe uma parte significativa da população brasileira a fortes riscos ambientais, seja

nos locais de trabalho, de moradia ou no ambiente em que vive. Estudos como o de Acselrad

(2004) demonstram que, em geral, são os grupos sociais de menor renda os que têm menor

acesso ao ar puro, à água potável, ao saneamento básico e à segurança fundiária. As

dinâmicas do crescimento econômico geram um processo de exclusão territorial e social,

levando à periferização de grande massa de trabalhadores nas cidades; e no campo impulsiona

ao êxodo rural para os grandes centros urbanos.

A noção de justiça ambiental promove uma articulação discursiva distinta

daquela prevalecente no debate ambiental corrente – entre meio ambiente e escassez. Neste último, o meio ambiente tende a ser visto como uno,

homogêneo e quantitativamente limitado. A idéia de justiça, ao contrário,

remete a uma distribuição equânime de partes e à diferenciação qualitativa do meio ambiente. Nesta perspectiva, a interatividade e o inter-

relacionamento entre os diferentes elementos do ambiente não querem dizer

indivisão. A denúncia da desigualdade ambiental sugere uma distribuição desigual das partes de um meio ambiente de diferentes qualidades e

injustamente dividido (ACSELRAD; 2004: 28).

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A ecologia política é, assim, enunciada como um campo teórico- prático que conduz

ao desenvolvimento de sentidos existenciais e civilizatórios visando à integração de diferentes

conhecimentos. Segundo Leff (2006b), esse campo teórico leva em consideração não só uma

hermenêutica dos diferentes sentidos atribuídos a natureza, mas sim também o fato de que

toda natureza é captada a partir da linguagem e de relações simbólicas que implica em visões,

sentimentos, razões, sentidos e interesses que eclodem na arena política.

2.2 Da percepção dos movimentos sociais sobre a questão ambiental aos conflitos sócio-

ambientais

Problematizando a questão ambiental através da apropriação e uso dos recursos

naturais, é atribuída aos elementos da natureza uma utilização econômica, a qual deve

considerar o controle e a proteção dos recursos naturais como a principal via de resolução da

“crise ambiental”. Essa ótica considera a gestão do meio ambiente como resultante da

participação de atores sociais, da construção de sujeitos coletivos, da constante composição e

oposição entre interesses individuais e coletivos em torno da apropriação dos bens naturais.

Assim, travam-se, em torno de problemas sócio-ambientais, confrontos entre atores sociais

que defendem diferentes lógicas para a gestão dos bens coletivos de uso comum, seguindo

lógicas próprias a cada um deles.

Na perspectiva das ciências sociais, não é possível separar a sociedade e seu meio

ambiente, pois essa perspectiva trata de pensar um mundo material socializado e dotado de

significados, no qual sociedade e meio ambiente são indissociáveis, justificando o

entendimento em que as sociedades se reproduzem por processos sócio-ecológicos. De acordo

com Acselrad (2004: 08):

Os objetos que constituem o “ambiente” não são redutíveis a meras

quantidades de matéria e energia, pois eles são culturais e históricos: os rios para as comunidades indígenas não apresentam o mesmo sentido que para as

empresas geradoras de hidroeletricidade; a diversidade biológica cultivada

pelos pequenos produtores não traduz a mesma lógica que a biodiversidade valorizada pelos capitais biotecnológicos etc. Por outro lado, todos os

objetos do ambiente, todas as práticas sociais desenvolvidas nos territórios e

todos os usos e sentidos atribuídos ao meio, interagem e conectam-se

materialmente e socialmente seja através das águas, do solo ou dá atmosfera.

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Dessa forma, objetos, práticas e sentidos interagem e conectam-se material e

socialmente através de água, solo e atmosfera, e, por esse caráter indissociável de sociedade e

ambiente, a reprodução da sociedade se constitui num projeto social e ecológico ao mesmo

tempo. No processo de sua reprodução, as sociedades se confrontam com diferentes projetos

de uso e significação de seus recursos; sendo a questão ambiental intrinsecamente conflitiva,

embora isto não seja sempre reconhecido. Nesse aspecto, Acselrad destaca o desafio de

encontrar instrumentos de análise para interpretar a complexidade dos processos sócio-

ecológicos e políticos que assentam a “Natureza” no interior dos conflitos sociais.

Considerando o meio ambiente como um terreno contestado material e

simbolicamente, Acselrad considera que os conflitos ambientais são constituídos a partir de

quatro dimensões: a apropriação simbólica e apropriação material, durabilidade, que seria a

base material necessária à continuidade de determinadas formas sociais de existência; e

interatividade que se constitui na ação cruzada de uma prática espacial sobre outra. Essas

dimensões são essenciais para apreender a dinâmica conflitiva própria aos diferentes modelos

de desenvolvimento. Partindo daí, Acselrad (2004: 26) elabora a noção de conflitos

ambientais como:

(...) aqueles envolvendo grupos sociais com modos diferenciados de

apropriação, uso e significação do território, tendo origem quando pelo

menos um dos grupos tem a continuidade das formas sociais de apropriação do meio que desenvolvem ameaçada por impactos indesejáveis –

transmitidos pelo solo, água, ar ou sistemas vivos – decorrentes do exercício

das práticas de outros grupos.

Nesse aspecto, tem-se a evidência de que o conflito ambiental se dá no embate entre

grupos e atores sociais de interesse e ação divergentes. Dessa forma, os conflitos ambientais

envolvem grupos e atores sociais com diferenciados modos de apropriação, uso e significação

do território, em que um determinado grupo se sente ameaçado em suas formas sociais de

apropriação e distribuição dos recursos naturais por impactos indesejados ocasionado por

outros grupos ou atores.

De acordo com o autor, o ramo da sociologia que estuda a questão ambiental tem

encontrado dificuldade em caracterizar os conflitos ambientais como objeto científico, devido

às suas especificidades. Os conflitos ambientais opõem entre si as diferentes formas de

adaptação dos atores sociais ao mundo natural, juntamente com suas ideologias e modos de

vida respectivos.

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Segundo a vertente de alguns autores que analisam os conflitos ambientais através da

ótica econômica:

Os conflitos ambientais seriam, para eles, de dois tipos: o primeiro, o

conflito por distribuição de externalidades, seria decorrente da dificuldade dos geradores de impactos externos assumirem a responsabilidade por suas

conseqüências; o segundo seria o conflito pelo acesso e uso dos recursos

naturais, decorrente da dificuldade de se definir a propriedade sobre os recursos (ACSELRAD,2004;17).

Os conflitos relacionados com a disputa, apropriação e distribuição dos recursos do

meio ambiente podem ser expressos de diferentes maneiras, de acordo com os interesses

particulares ou coletivos dos diversos atores em jogo. Por exemplo, a destruição de um rio por

uma empreendimento hidrelétrico não é somente uma “externalidade”8 que pode ser

compensada pelo seu valor econômico estabelecido em algum mercado real ou fictício. Nesse

mesmo contexto, atores sociais pertencentes a determinadas comunidades tradicionais locais

são diretamente atingidos por esses “externalidades” e reivindicam os direitos de uso e

benefícios ambientais oferecido por aquele território e os recursos nele existente. E ainda, um

movimento ambientalista pode fazer uma passeata para chamar a atenção para o fato de que

todos os seres humanos têm direito ao acesso aos recursos naturais e a um espaço

ecologicamente equilibrado, incorporando, dessa forma, as lutas a favor da justiça ambiental.

De acordo com Leff (2006b: 23), o conceito de distribuição ecológica foi apropriado

da economia ecológica pela ecologia política e é definido como:

(...) una categoria para comprender las externalidades ambientales y los

movimientos sociales que emergen de conflictos distributivos; es decir, para dar cuenta de la carga desigual de los costos ecológicos y sus efectos em las

variedades del ambientalismo emergente, incluyendo movimientos de

resistência al neoliberalismo, de compensación por daños ecológicos y de justiça ambiental.

Trata-se do surgimento de uma nova questão pública: a preservação do meio

ambiente. O termo “ambientalização”, segundo Leite Lopes (2004: 17) é utilizado como um

“neologismo semelhante a alguns outros usados nas ciências sociais para designar novos

fenômenos ou novas percepções de fenômenos” caracterizando a interiorização das diferentes

facetas da questão pública do meio ambiente.

8 A noção de externalidades é utilizada por Leff (2006: 303) da seguinte forma “as externalidades econômicas que são incomparáveis com os valores do mercado, mas que se assumem como novos custos a serem

internalizados pela via de instrumentos econômicos, de normas ecológicas ou dos movimentos sociais que

surgem e se multiplicam em resposta à deteriorização do ambiente e à reapropriação da natureza”

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De acordo com o autor, no processo histórico de construção e interiorização do

fenômeno da “ambientalização” dos conflitos sociais, dar-se-ia uma interiorização das

diferentes facetas da questão pública do “meio ambiente”. A incorporação e a naturalização

dessa nova questão pública do “meio ambiente” poderiam ser notadas, a partir das

transformações na forma e na linguagem de conflitos sociais e na sua institucionalização

parcial.

(...) os conflitos socioambientais locais promovem uma interiorização dos

direitos e dos argumentos ambientais, pressionando por leis e controles estatais e ao mesmo tempo sendo alimentados por tais instrumentos estatais;

por outro lado, a ambientalização como processo de interiorização de

comportamento e práticas se dá através da promoção da “educação ambiental”, uma atividade explicitamente escolar ou paraescolar, mas

também comportando formas de difusão por meios de comunicação de

massa (LEITE LOPES, 2004: 27).

Para Little (2001) a principal definição de conflitos sócio-ambientais se constitui em

embates entre grupos sociais em função de seus distintos modos de relacionamento com os

recursos naturais, isto é, com seus respectivos meios social e natural. Portanto, levando em

consideração a existência de muitos tipos de conflitos sociais, podemos classificar um conflito

determinado como sócio-ambiental quando o cerne do conflito gira em torno das interações

ecológicas. Essa definição remete à presença de múltiplos grupos sociais em interação entre si

e em interação com seu meio biofísico.

Little (2006) propôs uma definição de conflito sócio-ambiental com base nos

princípios da ecologia política, uma abordagem teórico-metodológica que vem se

consolidando nas ciências sociais, caracterizando-o como um embate entre grupos sociais que

decorre das distintas formas de inter-relacionamentos com seu meio social e natural, no qual

cada agente social possui sua forma de adaptação, ideologia e modo de vida específico que se

diferencia e se confronta com as formas de outros grupos lidarem com suas realidades,

formando a dimensão social e cultural do conflito ambiental.

A ecologia política surgiu como uma crítica aos gastos crescentes do sistema

produtivo vigente e, além da análise das contradições do modo de produção capitalista,

procurara denunciar a alienação entre a sociedade industrial e a natureza. Para Leite Lopes

(2004:19):

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O ambientalismo poderia proporcionar uma dessas formas de controle do

capitalismo ou caracterizar uma de suas transformações possíveis. O

processo histórico de ambientalização assim como outros processos similares implicam simultaneamente transformações no Estado e no

comportamento das pessoas (no trabalho, na vida cotidiana, no lazer).

De acordo com o autor essas transformações no Estado e na vida das pessoas são

possíveis a partir de cinco fatores socialmente notáveis: o crescimento da importância da

esfera institucional do meio ambiente a partir dos anos de 1970; a interiorização de novas

práticas resultantes dos conflitos sociais ao nível local; a educação ambiental como novo

código de conduta individual e coletiva; a “participação”; e a questão ambiental como nova

fonte de legitimidade e de argumentação nos conflitos.

Essa abordagem sobre conflitos sócio-ambientais que vem se consolidando nas

ciências sociais levanta vários elementos da abordagem da ecologia política tais como a

necessidade de lidar simultaneamente com as dimensões social e biofísica, e não

simplesmente, o ambiental ou o social de forma dicotômica, como fazem as ciências naturais

e as ciências sociais, respectivamente. Se a análise social confronta o desafio de incorporar as

dinâmicas do mundo biofísico dentro de sua prática, as ciências naturais enfrentam o desafio

inverso: no seu entendimento dos distintos ciclos naturais teria que levar em conta o mundo

humano e suas estruturas políticas e sócio-econômicas.

Portanto, a pesquisa em ecologia política deve analisar as principais forças biofísicas,

tais como a conformação geológica de uma região, a evolução biológica da fauna e flora e os

recursos hídricos, junto com as principais atividades humanas, tais como os sistemas

agrícolas, os dejetos industriais lançados ao ambiente e a infra-estrutura de transporte e

comunicação instalada na região.

De acordo com essa perspectiva, os intelectuais como os historiadores, por exemplo,

que antes se limitavam a abordar a história social, e os geólogos e biólogos, que tinham a

preocupação de reconstruir a história natural de um lugar, combinam seus enfoques teóricos e

epistemológicos dentro dessa nova linha de pesquisa, que procura entender as mudanças na

paisagem natural com base na análise das distintas ondas de ocupação humana e seus

respectivos impactos ambientais e sociais e a conseqüente disputa pelos recursos naturais.

Para Scotto (1997), conflitos sócio-ambientais são conflitos que se configuram de

forma implícita ou explícita, com foco e disputa em elementos da natureza e com relações de

tensões sociais entre interesses coletivos e privados, gerados pela apropriação de espaços ou

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recursos coletivos por diferentes atores sociais para atender interesses pessoais. A

identificação e análise dos principais atores sociais envolvidos se tornam uns dos elementos

fundamentais para o estudo de conflitos sócio-ambientais, uma vez, que é necessário

explicitar os interesses específicos que estão em jogo no conflito e as interações entre cada um

desses atores sociais.

A análise etnográfica de um conflito sócio-ambiental específico deve começar com a

identificação do foco central do conflito, isto é, o que realmente está em jogo. Em geral, um

conflito tem várias dimensões, movimentos ou fenômenos complexos. Little (2002: 19)

caracteriza três tipos de conflitos sócio-ambientais: conflitos em torno da disputa pelo

controle sobre os recursos naturais, tais como disputas sobre a exploração ou não de um

minério, da pesca, do uso dos recursos hídricos, florestais etc.; conflitos em torno dos

impactos sociais e/ou ambientais, gerados pela ação humana, tais como a contaminação dos

rios e do ar, o desmatamento, a construção de grandes barragens hidrelétricas, por exemplo; e

conflitos em torno de valores culturais e modo de vida, isto é, conflitos envolvendo o uso da

natureza cujo núcleo central reside num choque de valores ou ideologias.

Com relação à etnografia dos conflitos sócio-ambientais, (LITTLE, 2006: 92) aponta a

importância do olhar antropológico, no qual o foco do conflito deve ir “além de um foco

restrito nos embates políticos e econômicos para incorporar elementos cosmológicos, rituais,

identitários e morais que nem sempre são claramente visíveis desde a ótica de outras

disciplinas”. O olhar antropológico nos possibilita enxergar conflitos latentes que ainda não se

manifestaram politicamente no espaço público formal, porque os grupos sociais envolvidos

são politicamente marginalizados ou mesmo invisíveis ao olhar do Estado. Dessa forma, a

etnografia dos conflitos sócio-ambientais explicita as bases latentes dos conflitos e dá

visibilidade aos grupos marginalizados. Nesse sentido, o uso de uma metodologia etnográfica

representa um aporte significativo da antropologia à ecologia política.

As concepções que prevalecem no debate ambiental contemporâneo remetem-se à

“crise ambiental” como resultante do colapso entre crescimento econômico e a base finita dos

recursos naturais. Essa análise, na qual se põe em jogo a apropriação dos recursos de um

determinado território, é essencial para se apreender a dinâmica conflitiva correspondente aos

diferentes modelos de desenvolvimento. Para Acselrad (2004a: 27):

(...) a cada configuração do modelo de desenvolvimento, tenderemos a encontrar modalidades específicas de conflitos ambientais predominantes. E

no âmbito de cada combinação de atividades, o “ambiente” será enunciado

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como meio de transmissão de impactos indesejáveis que fazem com que o

desenvolvimento de certas práticas comprometa a possibilidade de outras

práticas se manterem.

De acordo com Leff (2006a: 282):

A conflitividade social colocada em jogo pela crise ambiental questiona, por

sua vez, os interesses disciplinares e os paradigmas do conhecimento

estabelecidos, assim como as formações teóricas e ideológicas que, como dispositivos de poder na ordem da racionalidade formal e científica,

legitimam a ordem social estabelecida – a racionalidade econômica e

jurídica que legitimaram e institucionalizaram as formas de acesso, propriedade e exploração dos recursos naturais - , que aparece à luz do saber

ambiental como a causa última da degradação socioambiental.

Dessa forma, pode-se afirmar que os problemas sócio-ambientais são formas de

conflitos sociais entre interesses individuais e coletivos, envolvendo a relação entre sociedade

e natureza. Assim, travam-se, em torno dos problemas do uso e apropriação dos recursos

naturais, confrontos entre atores sociais que defendem diferentes lógicas para a gestão dos

bens coletivos de uso comum, seguindo lógicas próprias a cada um deles. Em síntese, pode-se

afirmar que, durante o processo de confrontação entre interesses opostos, configuram-se os

conflitos sócio-ambientais.

Nesta perspectiva, os conflitos inerentes aos desiguais processos de construção e

atribuição de significados, apropriação e uso dos territórios e seus recursos naturais; questões

relativas à desigual distribuição e acesso aos recursos naturais e a desproporcional

distribuição dos riscos e das cargas de poluição ambiental a determinadas parcelas da

população originam os conflitos distributivos ou sócio-ambientais.

De acordo com Little (2001: 107):

O surgimento de inúmeros problemas ambientais nas últimas décadas – tais

como contaminação do ar e da água nas cidades, novas epidemias, secas prolongadas, enchentes devastadoras, intensos incêndios florestais, perda da

qualidade dos solos, desastre nucleares e químicos, falta de água potável e

crescimento do buraco na camada de ozônio, para só mencionar alguns –

teve a função de nos despertar de nossa arrogância humana e aceitar, mais uma vez, que no fundo somos animais com necessidades físicas e que a

nossa sustentação depende, em última instancia, do meio natural. Assim o

retorno da problemática ambiental ressuscitou os velhos temas da sobrevivência humana e das formas de adaptação, e os colocou no centro do

cenário econômico e político.

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O debate em torno da questão ambiental tornou-se pauta na agenda política em escala

mundial. É um campo em que comparecem diferentes grupos de interesse, e o debate sobre

esse tema vem-se constituindo juntamente com a questão social. É nesse sentido, que

utilizaremos aqui o conceito de conflitos sócio-ambientais, como aqueles que eclodem da

disputa pelos recursos naturais entre diferentes atores e seus mais diversos interesses, sejam

eles particulares ou coletivos.

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3 CARACTERÍSTICAS SÓCIO-AMBIENTAIS DA BAIXADA MARANHENSE E A

INTRODUÇÃO DA BUBALINOCULTURA COMO ATIVIDADE ECONÔMICA

De acordo com a divisão geográfica do IBGE (2000), a Microrregião da Baixada

Maranhense está localizada na Mesorregião Norte do Estado do Maranhão (Figura 01).

Compreende toda a região correspondente aos campos naturais inundáveis, estendendo-se

aproximadamente por 1.775.035 hectares nos baixos cursos dos rios Mearim, Pindaré,

Pericumã, Aruá, Turiaçu e outros menores. Abrange extensas áreas sujeitas a inundações

periódicas, os campos naturais, caracterizadas por solo argiloso, escorregadio, e que na época

da estiagem apresenta-se ressequido e coberto por gramíneas.

A Baixada Maranhense possui uma população de 602.871 habitantes9. A população

residente nessa região é, em grande parte, composta por trabalhadores rurais que sobrevivem

da pesca, da caça e da agricultura. Durante o período escravista, escravos e homens livres

pobres se rebelavam contra as rígidas condições de trabalho nas plantações de algodão e de

cana, fixando suas posses, de forma clandestina, nas áreas ribeirinhas próximo aos campos

inundáveis.

De acordo com Cabral (1992), a atividade pecuária de bovinos na Baixada

Maranhense surge associada ao ciclo açucareiro, como força motriz nos engenhos. Instala-se

inicialmente no baixo Itapecuru, entre os anos de 1615 e 1626, e em seguida, expande-se por

toda a região.

Na década de 1960, a Baixada Maranhense passa a contar com a atividade da criação

de búfalos, financiada pelo Governo Estadual com a finalidade alegada de promover o

desenvolvimento econômico da região. Com esse empreendimento, o Governo pretendia

substituir o gado bovino, por ser considerado de baixa produtividade, pelo gado bubalino. Os

campos naturais seriam o ambiente “ideal” para essa atividade econômica (LIMA e

TOURINHO, 1995). De acordo com Paula Andrade (1999:166):

Esses campos da Baixada Maranhense, que se inundam no período chuvoso, transformando-se em lagos, sempre foram recursos abertos, havendo

consenso, mesmo entre grandes e pequenos criadores, quanto ao seu usufruto

comum. O seu cercamento, para criação de búfalos, iniciada há

aproximadamente três décadas, vem subvertendo essas regras tradicionais de usufruto comum e afetando uma das atividades econômicas mais importantes

dos campos – a pesca.

9 Censo Demográfico, IBGE, 2000.

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Fonte: Atlas do Maranhão: GEPLAN. São Luís, 2002.

Figura 01: Mapa das Meso e Microrregiões do Estado do Maranhão.

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50

3.1 Características ecológicas da Baixada Maranhense

A Baixada Maranhense faz parte da Amazônia Legal Brasileira10

e constitui um

complexo de muitos componentes ecológicos, tais como rios, lagos, estuários, áreas alagáveis

e agro ecossistemas. É formada pelas bacias hidrográficas dos rios, Mearim, Pindaré, Grajaú,

Pericumã, Turiaçu e outros menores. De acordo com Policarpo (2002), os campos naturais

inundáveis da Baixada Maranhense são ambientes complexos do ponto de vista ecológico,

com estrutura e funcionamento bem diversificados, sendo constituídos por lagos rasos

temporários, que ocupam toda a área de campos abertos que se inundam no período das

chuvas; por lagos marginais; e também, por importantes sistemas lacustres permanentes.

Porém, essa extrema complexidade determina elevada fragilidade desses ecossistemas,

acarretando-lhes alto grau de vulnerabilidade mediante quaisquer agressões antrópicas.

Esses rios anualmente transbordam e suas águas inundam as planícies da região, que

ficam aproximadamente seis meses secas (Fotografia 01) e seis meses alagadas, períodos que

regionalmente são chamados respectivamente de “verão” (julho a dezembro) e “inverno”

(janeiro a junho). O pico das enchentes ocorre em abril e maio, enquanto que o nível mínimo

d`água se registra em novembro e dezembro, no qual os campos ficam descobertos, se

transformando em áreas de pastoreio. Na estação chuvosa, quando os rios e lagos

transbordam, os campos são inundados e transformados em extensos lagos rasos. Parte das

águas é devolvida aos rios quando seus níveis baixam (SANTOS, 2004). Segundo Moura

(2004), a precipitação anual na região, varia em torno de 2.000 mm anuais, dos quais 80%

ocorrem de janeiro a maio.

Dessa forma, os lagos temporários alagam-se rapidamente na enchente, ocasionando

um processo de mutação no ecossistema, na qual a vegetação herbácea terrestre morre e

decompõem-se enquanto que, simultaneamente, plantas aquáticas e semi-aquáticas

desenvolvem-se. No período de estiagem, gradativamente a vegetação herbácea volta a

dominar a paisagem.

10 Segundo Costa (1982: 17): “O Maranhão constitui parte integrante da Amazônia Legal, de acordo com o

dispositivo da Lei nº 1.806 de 06 de janeiro de 1953 abrangendo a parte do território maranhense que se situa

aquém do meridiano de 44º”.

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Fonte: Trabalho de campo

Fotografia 01: Vegetação dos campos inundáveis no período de

estiagem (dezembro de 2008).

Na opinião de Policarpo (2002), ocorre um ciclo de troca de energia que se renova

anualmente nesses campos, durante aproximadamente os seis meses de estiagem,

desenvolvendo-se grande produção de gramíneas e ciperáceas propícias para o pastoreio

animal. Com a chegada da estação das águas, rios e lagos perenes extravasam transformando

os campos, então fertilizados, em extensos lagos rasos (Fotografia 02), os quais apresentam

elevada produtividade de peixes, principal base alimentar e econômica dessa região. E, ainda,

de acordo com Correia (2006: 26):

Essa dinâmica de inundações é responsável pela renovação da vida e

desenvolvimento da grande biodiversidade da Baixada Maranhense, o que

garante a sobrevivência das comunidades da região. Assim, a vida na Baixada, inclusive a vida humana, é regulada pelo ciclo das águas que

proporciona uma série de mutações conforme o nível que alcançam.

A região possui terras baixas, planas, inundáveis, caracterizadas por campos, matas de

galeria, manguezais e bacias lacustres. Solos argilosos pouco consolidados com grande

capacidade de retenção de água, nos estuários. Os manguezais ocorrem penetrando os

igarapés, por entre os campos, até onde existe influência das marés (Fotografia 03). Na época

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das chuvas, os campos baixos ficam alagados restando “ilhas” de terra firme e uma área de

campos em terreno um pouco elevado, conhecidos regionalmente como “tesos” (Fotografia

04) (SANTOS, 2004).

Fonte: Trabalho de campo

Fotografia 02: Lagos dos campos inundáveis no período chuvoso

(junho de 2008) em Anajatuba-MA.

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Fonte: Trabalho de campo

Fotografia 03: Limite dos campos naturais com a influência das

marés

A vegetação da Baixada Maranhense é uma mistura que engloba desde manguezais,

campos aluviais e fluvio-marinhos, abertos, perto dos lagos, até densas florestas de galeria ao

longo dos rios, com babaçuais formando “ilhas” nas terras mais altas, pouco atingidas pelas

enchentes. Está presente na região uma rica fauna e flora aquática e terrestre, com diversas

espécies raras. Ferraz e Bacon (1987) fizeram um levantamento dos peixes mais comuns na

Baixada Maranhense, os autores ressaltam que houve dificuldades na identificação das

espécies, uma vez que um mesmo nome era usado para mais de uma espécie, e muitas

espécies ainda requerem determinação.

De acordo com Ferraz e Bacon (1987) os principais peixes dessa região são: Araçu

(Leporinus), Baginho, Bagre (Rhambdia), Bodo (Plescostomus), Branquinha (Anodus),

Cachimbo (Loricaria), Cará, Carrau, Cascudo (Plescostomus), Corvina (Sciaenidae),

Courimatá (Prochilodus), Dourado (Salminus), Graviola (Platydorus costatus), Jeju

(Hoplerythrinus), Mandi (Pimelodius clarius), Mandubé (Ageneiosus brevifilis), Mussum

(Symbranchus marmoratus), Pescada-Grande, Pescada-Pequena (Plagioscion ou Pachyurus),

Pescada-de-Água-Doce (Cynoscion), Piranha-Vermelha (Serraselmus), Pirapema, Piau

(Leporinus), Piau-Barbado, Poraquê (Electrophorus electricus), Raia (Chondrichthyes),

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Surubim (Platystoma ou Pseudoplatystoma fasciatum), Tainha, Traíra (Hoplias malabaricus),

Tubi e Viola.

De acordo com Santos (2004) no que diz respeito à flora, a vegetação que ocorre na

Baixada Maranhense, de acordo com os sistemas geoambientais, é: no sistema fluvio-

marinho, cuja unidade de paisagem é o manguezal (mangue vermelho, branco e Siriba) e

Apicum (predomina as gramíneas); no sistema flúvio-lacustre ocorrem os campos inundáveis

(gramíneas e macrófitas aquáticas), aterrados (titaras, marajá, arariba); tesos (juçara e capim

marreca); campos não inundáveis (capim navalha, algodão brabo); lagos (criviri, macrófitas

aquáticas); e nos sistemas flúvio terrestres ocorrem o babaçual (babaçu); floresta secundária

(embaúba e mata pasto).

Fonte: Trabalho de campo

Fotografia 04: Vegetação dos campos nas áreas de “tesos” no

período das chuvas (maio de 2008).

Apesar de ser uma Área de Preservação Ambiental (APA), a região vem sofrendo

danos ambientais visíveis, causada pela criação desordenada de búfalos nos campos

inundáveis iniciada na década de 1960.

A partir da década de 1970, o problema da criação de búfalos é ainda mais agravado,

em decorrência da apropriação ilegal dos campos públicos de uso comum, pois uma das

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atitudes dos criadores foi cercar grandes áreas dos campos naturais para transformá-las em

criatórios dos animais, limitando o acesso das comunidades aos recursos naturais.

Os búfalos, sendo criados soltos, devido suas atitudes comportamentais11

, invadem as

roças, perseguem as pessoas, matam os peixes e destroem os lagos dos campos inundáveis,

destroem os ninhos das aves e prejudicam a cobertura vegetal, destruindo o pasto de outros

animais, como o gado bovino. Neste contexto, os mais prejudicados são os camponeses que

dependem dos lagos para se manterem. Um dos diretores do STTR de Santa Rita explicou as

práticas comuns dos grileiros: “Numa área que era do Estado, eles compravam direitos de

alguns trabalhadores. Se compravam dez hectares, passavam a cercar cem. Se havia um grupo

de posseiros naquela área eles eram expulsos. E botavam capim” (Entrevista concedida em 18

de novembro de 2007).

Os créditos e incentivos fiscais à instalação das grandes empresas e para modernização

do latifúndio estimularam a corrida pela disputa da terra e, com isso, há o aumento da

violência e dos conflitos pela posse da terra no campo. É nesse período que se agrava, ainda

mais, o processo de falsificação de títulos de terras nos cartórios, isto é, o denominado

processo de grilagem.

Em conseqüência da rápida valorização da terra, a partir da década de 1970, o

Maranhão atraiu centenas de grileiros que cercavam grandes áreas e alegavam serem

proprietários. Uma vez que essas áreas já estavam habitadas por posseiros, os supostos donos

cobravam-lhes o foro12

ou pagamento do aluguel. Dessa forma, a expulsão dos posseiros era

inevitável, pois os novos donos queriam transformar as terras cultivadas em fazenda de gado

e, para isso, os grileiros contavam com a ajuda dos pistoleiros de aluguel e, em algumas

situações, da Polícia Militar. “A propriedade da terra no Brasil passa, em sua grande maioria

por esse processo violento e ilegal” (ASSELIN, 1982: 10).

A grilagem de terras no Maranhão é uma prática tradicionalmente usada para

incorporar terras públicas às mãos dos grandes proprietários, processo em que os “grileiros”

falsificam títulos de propriedade de terra. A grilagem é um problema de ordem estrutural, daí

11 Segundo Santos (2004: 59) “A criação extensiva, especialmente, dos búfalos pode afetar a qualidade das águas

marginais, pois o intenso pisoteio e pastoreio que esses animais praticam nas áreas alagáveis pode destruir a

vegetação, em especial as macrófitas – plantas utilizadas pelos peixes nas áreas alagadas”. 12 O foro consiste numa espécie de pagamento do arrendamento da terra ao proprietário, esse pagamento é feito

pelo arrendatário através de uma parcela dos produtos da safra anual ou mesmo em dinheiro. Ver Paula Andrade

(1982).

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ser planejada e estimulada, onde uma minoria ainda mantém a concentração da propriedade

da terra.

O grileiro é um alquimista. Envelhece papeis, ressuscita selos do império,

inventa guias de impostos, promove genealogias, dá como sabendo escrever velhos urumbebas que morreram analfabetos, embaça juízes, suborna

escrivãs (ASSELIN, 1982: 34).

De acordo com Almeida (1982:11), as fraudes cartoriais são freqüentes. Também, em

áreas de terras tituladas, é comum, nesse caso, a prática de alteração do tamanho e da

localização geográfica dos imóveis, a qual se dá da seguinte forma:

Os conflitos eclodem, com expressão mais contundente, no momento de se

fazer os “piques” e as demarcações. O corte da terra, como dizem os

lavradores, executado pelos grupos econômicos interessados na área, é feito com inúmeros pistoleiros, que vão ameaçando os que no traçado ilegal das

cercas permanecerem nas terras supostamente pertencentes aos grileiros.

Invariavelmente ocorrem tiroteios envolvendo os gerentes de fazenda, os

peões encarregados dos “piques”, os pistoleiros e os lavradores expropriados.

Dentro da complexidade da grilagem no Maranhão, constata-se, também, a grilagem

de terras em situação de herança sem partilha, na qual, um dos herdeiros apossa-se do título

da propriedade promovendo a expulsão dos demais parentes e de seus respectivos grupos

familiares. São, na maioria das vezes, aliciados por especuladores que os orientam na

adulteração dos documentos e, posteriormente às expulsões, vendem as terras aos

especuladores. “Tal situação verifica-se na Baixada Ocidental Maranhense e na região Sul do

Maranhão” (ALMEIDA, 1982: 12).

3.2 A Área de Proteção Ambiental (APA) da Baixada Maranhense

A Lei 9.985, de 18 de julho de 2000, que regulamenta o art. 225, §1º, incisos I, II e VII

da Constituição Federal, instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da

Natureza (SNUC) e estabeleceu critérios e normas para a criação, implantação e gestão das

unidades de conservação. O SNUC constitui-se do conjunto das unidades de conservação

federais, estaduais e municipais, também pertencendo a este conjunto as unidades de

conservação distritais.

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A definição de Unidade de Conservação é dada pelo art. 2º dessa Lei, abaixo

transcrito:

I - unidade de conservação: espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes,

legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e

limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção.

Os objetivos do SNUC estão dispostos no art. 4° da lei 9.985/2000, quais sejam:

contribuir para a manutenção da diversidade biológica e dos recursos genéticos no território

nacional e nas águas jurisdicionais; proteger as espécies ameaçadas de extinção no âmbito

regional e nacional; contribuir para a preservação e a restauração da diversidade de

ecossistemas naturais; promover o desenvolvimento sustentável a partir dos recursos naturais;

promover a utilização dos princípios e práticas de conservação da natureza no processo de

desenvolvimento; proteger paisagens naturais e pouco alteradas de notável beleza cênica;

proteger as características relevantes de natureza geológica, geomorfológica, espeleológica,

arqueológica, paleontológica e cultural; proteger e recuperar recursos hídricos e edáficos;

recuperar ou restaurar ecossistemas degradados; proporcionar meios e incentivos para

atividades de pesquisa científica, estudos e monitoramento ambiental; valorizar econômica e

socialmente a diversidade biológica; favorecer condições e promover a educação e

interpretação ambiental, a recreação em contato com a natureza e o turismo ecológico;

proteger os recursos naturais necessários à subsistência de populações tradicionais,

respeitando e valorizando seu conhecimento e sua cultura e promovendo-as social e

economicamente.

As Unidades de Conservação, conforme o art. 7º da referida lei, dividem-se em dois

grupos com características bem específicas: Unidades de Proteção Integral e Unidades de Uso

Sustentável.

A diferenciação entre essas categorias reside no uso que se realiza nessas unidades.

Nas Unidades de Proteção Integral não é permitido o compartilhamento de seus espaços com

atividades outras que não aquelas especificamente integradas ao objetivo da própria unidade,

ou seja, como o objetivo primordial é o de preservar a natureza, admite-se apenas o uso

indireto dos seus recursos naturais, salvo exceções previstas na própria lei.

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Já com relação às Unidades de Uso Sustentável, os recursos podem ser utilizados

diretamente, desde que de maneira sustentável, uma vez que o objetivo dessa unidade é a

compatibilização da conservação da natureza com o uso sustentável de parcela dos seus

recursos naturais.

De forma geral, as Unidades de Proteção Integral são compostas por cinco categorias

de unidades de conservação: Estação Ecológica; Reserva Biológica; Parque Nacional;

Monumento Natural e Refúgio de Vida Silvestre.

As Unidades de Uso Sustentável, por sua vez, compõem-se por sete categorias de

unidades de conservação: Área de Proteção Ambiental; Área de Relevante Interesse

Ecológico; Floresta Nacional; Reserva Extrativista; Reserva de Fauna; Reserva de

Desenvolvimento Sustentável; Reserva Particular do Patrimônio Natural (Grifo meu).

De acordo com o Art. 15º da mesma Lei, a Unidade de Conservação denominada

como Área de Proteção Ambiental é definida da seguinte forma:

Área de Proteção Ambiental é uma área em geral extensa, com um certo grau de ocupação humana, dotada de atributos abióticos, bióticos, estéticos

ou culturais especialmente importantes para a qualidade de vida e o bem-

estar das populações humanas, e tem como objetivos básicos proteger a

diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais.

E ainda, os parágrafos 1º; 2º; 3º; 4º; e 5º do mesmo artigo ratifica o seguinte:

§ 1o A Área de Proteção Ambiental é constituída por terras públicas ou

privadas.

§ 2o Respeitados os limites constitucionais, podem ser estabelecidas normas

e restrições para a utilização de uma propriedade privada localizada em uma Área de Proteção Ambiental.

§ 3o As condições para a realização de pesquisa científica e visitação pública

nas áreas sob domínio público serão estabelecidas pelo órgão gestor da unidade.

§ 4o Nas áreas sob propriedade privada, cabe ao proprietário estabelecer as

condições para pesquisa e visitação pelo público, observadas as exigências e restrições legais.

§ 5o A Área de Proteção Ambiental disporá de um Conselho presidido pelo

órgão responsável por sua administração e constituído por representantes dos órgãos públicos, de organizações da sociedade civil e da população

residente, conforme se dispuser no regulamento desta Lei.

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A Área de Proteção Ambiental (APA) da Baixada Maranhense foi criada pelo Decreto

Estadual nº 11.900, de 11/06/1991. O objetivo desta APA é disciplinar o uso e ocupação do

solo, a exploração dos recursos naturais, as atividades de pesca e caça predatórias, a criação

de gado bubalino, a integridade biológica das espécies, os padrões de qualidade da água e

proteção aos refúgios das aves migratórias (ALMEIDA, 1995).

A APA da Baixada Maranhense é atravessada em parte pela Estrada de Ferro Carajás,

ocasionando uma forte pressão antrópica sobre os ecossistemas. Os municípios abrangidos

pela APA da Baixada Maranhense são: Anajatuba, Arari, Bequimão, Cajapió, Cajari, Lago

Verde, Matinha, Mirinzal, Monção, Olho D´água das Cunhãs, Palmeirândia, Penalva, Peri-

Mirim, Pindaré-Mirim, Pinheiro, Pio XII, Santa Helena, São Bento, São João Batista, São

Mateus, São Vicente Férrer, Turiaçu, Viana, Vitória do Mearim, Bacurituba, Conceição do

Lago-Açu, Bernardo do Mearim, Tufilândia, Pedro Rosário, Presidente Sarney, Igarapé do

Meio e Olinda Nova do Maranhão (SEMATUR: 1991).

Devido a reconhecida importância da região dos campos naturais inundáveis,

o Governo do Estado do Maranhão estabeleceu a Área de Proteção Ambiental da Baixada Maranhense. Na área predominam terras planas,

baixas e inundáveis com vegetação de manguezais, campos aluviais e fluvio-

marinhos e matas de galeria. Ela possui o maior conjunto de bacias lacustre do Nordeste, as quais contribuem com elevada produtividade pesqueira,

principal base de sustentação alimentar e de renda da sua população

(POLICARPO, 2002: 22).

Na APA da Baixada Maranhense (Figura 02) são encontrados três tipos básicos de

lagos: os lagos de barragem fluvial, resultantes de antigos meandros abandonados, muito

comuns nas várzeas do Baixo Mearim; os lagos fluviais de porte médio, em áreas alagadas

dos rios regionais; os lagos que se situam em reentrâncias ou rias interiorizadas (LOPES,

1996).

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Fonte: SEMA: Mapa das Unidades de Conservação do Maranhão. São Luís, 2001

Figura 02: Mapa da Área de Proteção Ambiental da Baixada Maranhense.

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Na APA da Baixada Maranhense, de acordo com Almeida (1995), a criação de búfalos

tem sido apontada como predatória, uma vez que o gado bubalino é criado de forma

extensiva. Soltos nos campos, os búfalos pisoteiam as gramíneas e ciperáceas, aumentando a

turbidez das águas, provocando a desertificação dos solos e diminuição da produtividade

pesqueira.

3.3 O búfalo: um estranho nos campos inundáveis de usufruto comum

O búfalo teve origem na Ásia, sendo levado para a África, introduzido na Europa e,

mais recentemente, no continente americano. A história do animal no Brasil teve sua origem

aproximadamente em 1895, quando chegaram os primeiros rebanhos à Ilha de Marajó, no

Pará. Daí em diante, ocorreram diversas importações de lotes de búfalos para outras regiões

brasileiras.

De acordo com as estimativas do IBGE (2006)13

, o rebanho nacional de búfalos atinge

cerca de 1.156.870 de cabeças, dos quais, o Estado do Maranhão detém cerca de 84.205

cabeças. A Região da Baixada Maranhense, por sua vez, possui 61.038 cabeças. No

Maranhão, a finalidade principal da criação de bubalinos é para o abate, isto é, para a

produção de carne e, também, para a produção de leite destinada à fabricação de produtos

derivados. A criação do animal é efetuada no Estado sob dois regimes: o primeiro, extensivo,

utilizando os ecossistemas de pastagens nativas dos campos inundáveis da Baixada

Maranhense; o outro regime é o da pecuária intensiva de pastagens cultivadas em

propriedades particulares.

Os búfalos possuem uma grande capacidade de adaptação em regiões alagadiças e a

qualquer clima. São animais de fácil manejo, em boas condições de criação, com alimentação

e pastos sombreados. Considerados animais de múltipla aptidão, pela facilidade de exploração

e pela crescente procura pelos seus diferentes produtos, principalmente carne e queijos, os

quais possuem grande aceitação no mercado. Devido sua força, são também utilizados como

animais de tração e montaria, por causa do tipo de casco que possuem (EMATER, 2008).

13 Disponível em www.sidra.ibge.gov.br. Acesso em 10/09/2008.

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De acordo com Kasprzykowski (1978), o búfalo sempre foi visto como um animal

com adaptabilidade própria para zonas úmidas e pantanosas, o que levou a acreditar que a

Amazônia deveria ser o habitat ideal para a criação do animal.

O regime de criação de búfalos adotado na Amazônia Brasileira, onde se concentra

grande parte do rebanho bubalino do país, é essencialmente desenvolvido através da criação

em pasto, utilizando quatro diferentes ecossistemas de pastagens: nativas de áreas inundáveis

do estuário, distribuídas na ilha de Marajó, com maior concentração de cabeças; nativas de

áreas inundáveis, localizadas nas microrregiões do Baixo e Médio Amazonas, nativas de terra

firme; e cultivadas de terra firme, em áreas originalmente de floresta (EMBRAPA, 2008).

Uma das vantagens econômicas apontadas pela Associação Brasileira de Criadores de

Búfalos (ABCB) da pecuária bubalina em relação à pecuária bovina é a rusticidade do búfalo,

adaptando-o facilmente ao ambiente tropical, representada pela alta resistência às doenças

comuns do gado bovino e à alta capacidade reprodutiva. Tendo em vista as perspectivas de

um mercado lucrativo, os produtores, por sua vez, embasados em pesquisas, caminham no

sentido de incrementar a produção tanto da famosa carne “light”14

, quanto do leite e seus

derivados. Entre os derivados do leite, destaca-se o queijo Muzzarella de origem italiana,

originalmente feito com leite de búfala, o qual é muito apreciado comercialmente. O leite da

búfala apresenta uma composição química superior em relação ao leite da vaca: 43,81% nos

sólidos totais, 43,60% em gordura, 17,10% em extrato seco desengordurado, 41,54% de

proteína (caseína), 2,40% de lactose, 15,30% de resíduo mineral fixo, 42,10% de cálcio e

42,86% de fósforo15

. Na perspectiva dos criadores:

A grande vantagem do búfalo é sua precocidade e capacidade de produção em áreas onde os bovinos não apresentam bom desenvolvimento. Em média,

pode-se dizer que, em criações extensivas, em regime de campo natural, nas

áreas baixas alagadas com forragem grosseira, os búfalos produzem, dos 18

aos 24 meses, cerca de 210 a 250 Kg de carne ao abate, podendo alcançar 300 Kg aos 36 meses. Bovinos, nas mesmas condições de criação, têm

conseguido esse resultado apenas de 40 a 60 meses (KASPRZYKOWSKI,

1978: 19).

14 Segundo informações oriundas de pesquisas da ABCB, a carne de búfalo em relação à bovina possui: 40%

menos colesterol, 12% menos gordura, 55% menos calorias, 11% a mais de proteínas e 10% a mais de minerais

(Boletim do Búfalo, Nº 02). 15 E de acordo com Kasprzykowski (1978: 17): “Em função do elevado teor de gordura, a quantidade necessária

de leite de búfala para produzir um quilo de queijo ou manteiga é bem menor que o leite de vaca. Assim fabrica-se 1 quilo de queijo com 8 litros de leite de búfala, enquanto que, usando-se o leite de vaca, são necessários 12

litros. Da mesma forma 1 quilo de manteiga é obtido com 14 litros de leite de búfala, enquanto que com leite de

vaca são necessários 20 litros”.

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Segundo a ABCB (2008) as raças de búfalos criados no Brasil são: Murrah,

Mediterrâneo, Jafarabadi e Carabao. A raça Murrah, de alta produção de leite e precocidade,

possui uma conformação média e compacta. Apresenta cabeças pequenas e chifres curtos,

espiralados, enrodilhando-se em anéis na altura do crânio. São animais de boa capacidade

digestiva, elemento muito importante para as produtoras leiteiras. Seus chifres são pequenos,

relativamente finos, de seção ovalada ou triangular, descrevendo curvaturas em torno de si

mesmo, em forma de espiral:

Fonte: ABCB, 2008.

Figura 03: Búfalo da raça Murrah.

A raça Mediterrâneo apresenta porte médio e os animais são medianamente

compactos. De origem italiana, é uma raça de dupla aptidão: corte e tração, embora os

mediterrâneos brasileiros tenham mais aptidão para o corte. Seus chifres são longos, fortes e

grossos, de seção ovulada ou triangular, dirigidos para trás, para fora e para o alto, terminando

em forma semicircular ou de lira.

E de acordo com Kasprzykowski (1978: 15):

A denominação “Mediterrêneo” se aplica ao búfalo preto, tipo mais comum

e mais numeroso no Brasil, também conhecido por “Búfalo Preto” ou “Búfalo Italiano”. Descende de animais importados, desde o início do

século, trazidos da Itália para a Ilha de Marajó e para o Estado de São Paulo,

onde predominam.

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Fonte: ABCB, 2008.

Figura 04: Búfalo da raça Mediterrâneo

A raça Jafarabadi possui chifres longos, fortes e grossos, de seção ovalada ou

triangular, dirigidos para trás e para baixo, com curvatura final para cima e para dentro, em

harmonia com o perfil craniano. Segundo Kasprzykowski (1978:14): “Os búfalos Jafarabadi

são animais grandes, maciços e conseqüentemente pesados, alcançando os pesos mais

elevados dentre as raças bubalinas”.

Fonte: ABCB, 2008.

Figura 05: Búfalo da raça Jafarabadi.

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A raça Carabao é conhecida como o "trator do oriente". No Brasil, a maior população

desta raça está concentrada na Ilha de Marajó (Pará). Conhecida por sua dupla aptidão,

produção de carne e tração, tem a cabeça triangular, chifres grandes e pontiagudos, voltados

para cima, e porte médio.

De acordo com Kasprzykowski (1978) essa raça é passível de amansamento, podendo

se tornar excelente animal de trabalho, por conta de sua resistência, rusticidade e força física,

proporcional ao seu tamanho e peso. Tem massas musculares bem desenvolvidas, sendo

muito aproveitável para o abate, ou seja, para a produção de carne.

Fonte: ABCB, 2008.

Figura 06: Búfalo da raça Carabao.

Com relação às raças de búfalos criados no Estado do Maranhão, é possível observar

que são as mesmas raças criadas no Brasil, como foram descritas acima. De acordo com

Kasprzykowski (1978: 22): “Estima-se que cerca de 2/3 do rebanho bubalino maranhense

pertença à raça Mediterrâneo, dos quais apenas 10% são animais registrados; os demais são

mestiços Jafarabade e Carabao, sendo bem pouco os mestiços de Murrah.

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3.4 A bubalinocultura como um projeto de desenvolvimento econômico e os impactos

sócio-ambientais nos campos da Baixada Maranhense

Inicialmente, a chegada dos búfalos na Maranhão foi apresentada por planejadores

estatais como a redenção econômica da Baixada. Na segunda metade dos anos 1960, o

governo incentivou a importação de búfalos para o Estado com o apoio da SUDAM e

Embrapa; o Banco do Estado do Maranhão (o extinto BEM), Banco da Amazônia e o Banco

do Brasil financiaram os criadores para adquiri-los. Atendendo a solicitação de

agropecuaristas, o Banco do Brasil e o Banco da Amazônia abriram uma linha de crédito

especial para a bubalinocultura. A política de financiamento se apresentava muito atrativa,

fornecendo juros anuais de 7%, ao prazo de 12 anos com seis de carência (SMDDH, 1993).

Os búfalos vieram, principalmente, da Ilha de Marajó. As lagoas de água doce no

período de estiagem e o campo alagado no período chuvoso, eram considerados ideais para a

criação do animal, uma vez que as características da vegetação assemelham-se às daquela

ilha, de onde os búfalos procediam.

A importação dos búfalos para o Estado do Maranhão foi uma conseqüência da

proposta desenvolvimentista para o campo, a partir do governo Sarney, na segunda metade de

década de 1960. A perspectiva de desenvolvimento econômico para o campo seria instalar

grandes empreendimentos agro-pecuários e agro-industriais, através de empresas capitalistas

com incentivos fiscais. Houve incentivos aos latifundiários, por parte do governo, através de

empréstimos e estímulo para cercar, plantar e criar gado e para transformar suas propriedades

em empresas rurais. Nesse processo de desenvolvimento econômico, era reservado aos

trabalhadores rurais apenas o papel de mão-de-obra farta e barata para as cidades e os grandes

empreendimentos no campo.

De acordo com Bernardi (2005: 105), uma ação governamental fez com se instalasse,

no final da década de 1960, uma fazenda experimental, cujo objetivo principal era divulgar a

criação de búfalos na região:

Data dessa época a instalação da Fazenda Experimental de Bubalinos

pertencente à Secretaria Estadual de Agricultura do município de Pinheiro, e da Fazenda Experimental de Pascoal, pertencente ao Ministério da

Agricultura e situada no município de Peri-Mirim. A instalação da Fazenda

Bubalina de Pinheiro se deu com a doação de cem animais pelo Instituto de Pesquisa e Experimentação Agronômica do Norte, Belém. Em face do

resultado dessas fazendas experimentais, foi definido, no Governo Sarney

(1966), o Programa de Introdução de Bubalinos do Estado do Maranhão,

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com aquisição de quinhentos búfalos com recursos do próprio Estado,

visando o financiamento a criadores.

E ainda, de acordo com Lima e Tourinho (1995: 68-69):

Seu desempenho era tão conveniente que em 1962, por solicitação de

criadores, o Governo do Maranhão obteve autorização do Ministério da

Agricultura, para receber 200 búfalos adultos da Estação Experimental da Maicuru, no Baixo Amazonas, pertencente ao IPEAN. Por dificuldade de

transporte do Baixo Amazonas para a Baixada, do total da doação só saíram

de Maicuru 100 cabeças, todas da raça Mediterrâneo. (...). Em 1985, nova doação se concretizou, feita pela CPATU, sucessor do IPEAN. Desta vez

foram cedidas 40 fêmeas mestiças Murrah-Mediterrâneo e um reprodutor

puro Murrah, os quais passaram a formar o plantel inicial da recém-criada

Estação Experimental Bubalina, da EMAPA, no município de Pinheiro

Em 1975, no Governo de Nunes Freire, foram adquiridos do Estado de São Paulo

sessenta reprodutores bubalinos da raça Murrah, houve o financiamento por parte do Governo

aos criadores maranhenses com o objetivo de melhoria zootécnica do rebanho. Assim, no

âmbito do Programa de Bubalinização da Baixada, houve financiamento de ternos e quadras

de bubalinos aos criadores, além de distribuição de búfalos. Mediante incentivo dos Governos

Federal e Estadual, o Programa foi adquirindo receptividade, incrementando-se, assim, a

criação da raça Murrah nos municípios da Baixada Maranhense (BERNARDI, 2005).

Nós fomos estimulados pelos governos estadual e federal (refirindo-se à

criação de búfalos). A região era considerada um vazio econômico. E o

único animal capaz de aproveitar a Baixada Maranhense produtivamente era o búfalo, até criar esse problema social (Jornal de Hoje 05/03/1989)

16.

De acordo com Araújo (1988) no período de 1974 a 1977, a produção da carne

bubalina experimentou um acréscimo muito significativo correspondente a 59,1% do total da

carne comercializada no Maranhão. Afirma, ainda, que essa representatividade da carne

bubalina se deu em razão do elevado índice de evolução do rebanho bubalino e da

incorporação gradual da carne bubalina no hábito alimentar da população da Baixada

Maranhense.

De acordo com o diagnóstico da EMAPA, no final da década de 1980 estava havendo

a substituição gradual do rebanho bovino pelo rebanho bubalino, principalmente nos

municípios da Baixada Ocidental Maranhense. E segundo o diagnóstico, os fatores que

16 Depoimento do então presidente da Associação de Criadores de Búfalo do Maranhão, Savigny Sauáia, a

respeito do incentivo do governo para a criação de búfalos. Depoimento concedido ao Jornal de Hoje, publicado

em 05 de março de 1989, São Luís Maranhão.

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contribuíram para essa substituição foram: a boa adaptabilidade do gado bubalino aos campos

da região; a introdução de reprodutores e matrizes; a elevada capacidade reprodutora, cuja

idade inicial de reprodução é de dois anos e meio, com o índice de natalidade de 70%; e o

maior empenho dos criadores às práticas de manejo e profilaxia (ARAÚJO, 1988).

Em geral, a principal razão apresentada para explicar o aumento do rebanho bubalino

em relação ao rebanho bovino é que os fazendeiros descobriram que a criação de búfalos é

mais lucrativa do que a de gado bovino. Porém, os trabalhadores rurais e sindicalistas

sugerem, também, que o búfalo tenha sido usado como meio de expulsar os trabalhadores

rurais, quando a grilagem não teve êxito. Pois, os búfalos, sendo criados soltos, tornavam-se

uma forma de molestar os trabalhadores rurais, na medida em que ameaçavam os meios de

subsistência, a segurança e a própria vida dos camponeses locais (ADRIANCE, 1996).

A proposta de desenvolvimento econômico do governo Sarney, na mesma linha dos

governos ditatoriais, seria de expandir o capitalismo no Estado, através da industrialização e

da modernização da agricultura. Um exemplo foi o Projeto Grande Carajás e os incentivos

para a implantação de grandes empresas rurais. Para isso, o governo iniciou a construção de

infra-estrutura para esses grandes empreendimentos, como estradas e barragens. Esses

projetos desenvolvimentistas excluíram os pequenos produtores rurais e a massa de

trabalhadores rurais sem terra, ocasionando a expropriação e expulsão dos chamados

posseiros.

Não foi feito nenhum estudo para se saber como os animais se comportariam nessa

região, não foram levados em consideração os aspectos ambientais, suas peculiaridades; as

questões comportamentais dos búfalos e nem os grupos sociais que vivem nos campos e

dependem dos recursos naturais da região para se manterem. De acordo com Bernardi (2005),

a introdução do búfalo na Baixada Maranhense não ocorreu de forma planejada e estruturada,

com base em estudos técnico-científicos e previsão dos impactos sociais e ambientais de

longo prazo, o que acabou resultando em sérios conflitos na região. Prevalecia a preocupação

econômica, não ecológica, de aproveitamento das áreas da Baixada. O modelo de criação

introduzido na Baixada Maranhense não foi positivo ao meio ambiente, e nem aos moradores

da região.

Isso pode ser observado na fala seguinte de um dos entrevistados:

O campo fazia parte da reserva daquilo que o Maranhão tinha de

mais precioso na questão da sobrevivência dos lavradores e

pescadores, tanto aqui de Santa Rita como dos outros municípios.

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Eles se sentiram ameaçados porque os criadores começaram a trazer

os búfalos, vindo aí da Região do Mearim, de onde eles já estavam

sendo expulsos; os criadores entenderam que poderiam trazer para

Santa Rita. Porque você sabe, o búfalo chega: come o peixe,

transforma a água em um lamaçal, ele polui a água porque ele é

diferente do gado bovino, desse boi comum, ele vai lá bebe e tal, o

búfalo não, quer ficar detido na água e transforma a água num

lamaçal que mata o peixe. Os búfalos acabam com a vegetação que

tem nos campos, e é ali que tem os ninhos das aves, o búfalo ele

prejudica o meio ambiente e acabam também com a sobrevivência do

trabalhador do campo (Clóves Alves de Souza, ex- Presidente do STR

de Santa Rita. Entrevista concedida em 04/05/2006).

Com a introdução do rebanho bubalino nos campos naturais da Baixada Maranhense,

as conseqüências foram desastrosas para o camponês e para o meio ambiente da Baixada, as

quais perduram até hoje17

. Pois, com a chegada do búfalo, desencadeou-se o processo de

cercamento dos campos públicos naturais por fazendeiros, em busca de novas áreas para a

expansão dos criatórios dos rebanhos, intensificando, ainda mais, os conflitos no campo

maranhense. Esse foi um dos motivos que contribuiu com o aumento dos conflitos sócio-

ambientais ocorridos na década de 1980, relacionados com a prática da criação de búfalos na

Baixada Maranhense entre trabalhadores rurais e fazendeiros criadores de búfalos, em que

estavam em disputa os recursos naturais dos campos inundáveis.

De acordo com Acselrad; Herculano e Pádua (2004), não é possível chamar de

progresso e desenvolvimento o processo de empobrecimento dos que já são pobres. Os atores

sociais que defendem uma aproximação entre as lutas sociais e ambientais entendem que são

injustos os lucros das grandes empresas que se fazem à custa da miséria e da degradação do

espaço de vida da maioria. As lutas contra as injustiças ambientais não devem admitir que a

prosperidade dos ricos se dê através da expropriação ambiental dos pobres. As desigualdades

sociais no Brasil se dão através do mecanismo que faz com que a renda, os espaços e os

recursos ambientais concentrem-se nas mãos dos poderosos.

Acselrad (2004b) ressalta que os conflitos relacionados com a disputa dos recursos

ambientais, envolvem grupos sociais com modos diferenciados de apropriação, uso e

significação do território, o qual se dá quando um dos atores se sente ameaçado, em suas

formas sociais de apropriação do espaço e dos recursos naturais, por impactos indesejados

17 Problemas da Baixada Maranhense com relação à criação extensiva de búfalos nos campos públicos inundáveis podem ser constatados através da reportagem do Jornal Pequeno, publicada em 01/12/2005, a qual,

denuncia problemas enfrentados pelos trabalhadores rurais em relação à criação de búfalos no município de

Vitória do Mearim-MA.

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trazidos por outros atores. Dessa forma, os atores envolvidos em um determinado conflito

sócio-ambiental têm concepções diferenciadas do uso e significação de um determinado

território ou dos recursos naturais nele existente.

Seguimentos governamentais apresentavam a bubalinocultura como a salvação

econômica da Baixada, cuja economia era considerada estagnada. De acordo com os

planejadores, com a bubalinocultura, a região poderia se tornar uma grande bacia leiteira, bem

como, poder-se-ia incrementar a pecuária de corte, tendo em vista ser o búfalo um animal

reconhecido tecnicamente como grande produtor de carne e leite, superando o gado bovino

(SMDDH, 1993).

Nessa perspectiva os conflitos relacionados ao uso dos recursos naturais podem

ocorrer de diferentes maneiras, levando em consideração as concepções de uso e apropriação

que os atores tenham da natureza, tanto no que diz respeito à apropriação material como à

apropriação simbólica. Por exemplo, alguns atores, como as grandes empresas de

hidrelétricas, podem argumentar que a destruição de um determinado rio se constitui apenas

em uma “externalidade” compensada pelo seu valor econômico estabelecido no mercado.

Outros atores, como populações tradicionais, que vivem em suas margens e dependem do rio

para se manterem, podem defender que o rio tem um valor que está acima do valor

econômico, pois esse se constitui na fonte de sobrevivência daquela população local. A partir

dessa concepção, “vemos como os conflitos ambientais podem ser entendidos como expressão

de tensões no processo de reprodução nos modelos de desenvolvimento (ACSELRAD, 2004b:

18).

Compartilhando dessa mesma perspectiva, Zhouri; Laschefski e Pereira (2005: 12) são

taxativos no que diz respeito à forma como os problemas sócio-ambientais são encarados

pelos planejadores do desenvolvimento econômico:

Problemas ambientais e sociais são entendidos como meros problemas

técnicos e administrativos, passíveis, portanto, de medidas mitigadoras e

compensatórias. Os efeitos não-sustentáveis do desenvolvimento – pautado esse na idéia de crescimento econômico via industrialização direcionada à

exportação de mercadorias, com o objetivo de acumulação de riqueza

abstrata no contexto da globalização – são percebidos como solucionáveis por meio da utilização de novas tecnologias e de um planejamento racional.

Segundo Bernardi (2005), a justificativa do desenvolvimento econômico para

introdução da criação do búfalo na Baixada Maranhense era transformar as pastagens naturais

de “baixa qualidade” em produção de carne, trabalho e leite. Nas fazendas experimentais, os

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búfalos eram abatidos com dois ou três anos, enquanto que os bovinos criados naquela mesma

região precisavam de cinco a dez anos e ainda assim com peso inferior ao dos búfalos.

As assimetrias na classificação e na apropriação social da natureza resultam em uma

distribuição ecológica desigual. Os conflitos sócio-ambientais eclodem a partir do momento

em que, o sentido e a utilização de um espaço ambiental por um determinado grupo se

diferem dos significados e usos que outros segmentos sociais atribuem a seu território, de

forma que, assegure a reprodução do seu modo de vida.

Entendemos, pois, que projetos industriais homogeneizadores do espaço, tais

como hidrelétricas, mineração, monocultura de soja, eucalipto, cana-de-

açucar, entre outros, são geradores de injustiças ambientais, na medida em que, ao serem implementados, imputam riscos e danos às camadas mais

vulneráveis da sociedade. Os conflitos daí decorrentes denunciam

contradições, nas quais as vítimas das injustiças ambientais não só são

verdadeiramente excluídas do chamado desenvolvimento, mas assumem todo o ônus dele resultante. No entanto, esses excluídos não se constituem

como vítimas passivas do processo e vêm se organizando em vários

movimentos, associações e redes, de que são exemplos os movimentos dos atingidos por barragens, os movimentos extrativistas representados pelas

“quebradeiras de coco” e pelos seringueiros e os dos contaminados pela

indústria do amianto nas zonas industriais urbanas (ZHURI; LASCHEFSKI e PEREIRA, 2005: 18).

Assim, os conflitos sócio-ambientais surgem a partir do confronto entre atores sociais

que defendem diferentes lógicas para o uso e apropriação dos recursos naturais de uso

comum, seguindo lógicas próprias a cada um deles. Dessa forma, a considerada “pastagens de

baixa qualidade” para os empreendedores da bubalinocultura na Baixada Maranhense, era

para os outros atores sociais envolvidos no conflito, os trabalhadores rurais, fonte de sua

sobrevivência, diferentemente do ponto de vista econômico do empreendimento agropecuário.

Nessa perspectiva, a gestão do meio ambiente é vista como resultante da participação

de atores sociais, da construção de sujeitos coletivos, da constante oposição e negociação

entre interesses individuais e coletivos em torno da apropriação dos bens naturais. Os grandes

projetos de desenvolvimento econômico orientam ações e práticas nas quais prevalece a

lógica do uso privado dos bens de uso comum, e este modo de uso dos recursos naturais

acarreta danos ao meio ambiente, afetando sua disponibilidade para outros segmentos da

sociedade, prejudicando o acesso e uso comum dos recursos naturais em questão.

Isso pode ser constatado na seguinte fala de uma entrevistada na pesquisa:

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(...) agente fica imaginando, eu pelo menos que nasci e me criei em

Rosário, esse não foi só o conflito que Rosário sofreu, Rosário sofreu

com a questão da Metalman e foi horrível. Hoje o que eu gostaria é

que o campo pudesse ser realmente a fonte de sobrevivência dos

lavradores. Eu sei que o progresso traz o que eles chamam de

desenvolvimento, nê?... Já se fala de instalação siderúrgica e outras

coisas pra essa região, mas eu fico, particularmente, preocupada com

o equilíbrio ecológico, porque se está vivendo as conseqüências de

todos os danos que o desenvolvimento já causou para o meio

ambiente. Agora mesmo eu tava aqui e vi o carro recolhendo o lixo, aí

eu fiquei olhando aquela imensidão de sacolas plásticas, e aí eu fiquei

me questionando: quanto tempo vai demorar pra que essas sacolas

sejam totalmente eliminadas do nosso solo? Será que nós estamos

tendo alguns cuidados? Será que nós estamos tendo a preocupação

com o impacto ambiental dessas sacolas plásticas? Porque pede ser

que não seja pra mim ou pra você, mas quem sabe pra nossos netos.

Porque aqui é como se nós tivéssemos em um avião, se o avião cair

todo mundo morre. Sem nenhum preconceito, se o sol ficar mais forte

do que ele ta hoje, eu fico imaginando que quem é branco vai ficar

bem moreninho, morenhino mesmo (risos) (D. Zeca, Tesoureira do

Sindicato de Trabalhadores Rurais de Rosário, entrevista concedida

em 30/06/2008).

É possível observar essa questão na fala de outro entrevistado, especificamente sobre a

problemática da criação de búfalos:

Você acredita que o mal que o gado búfalo fazia em Anajatuba era no

que diz respeito à pastagem e o meio ambiente: pisoteava, acabava

com tudo. Por exemplo, se cai 10 búfalos em um açude, se quebra a

cerca e invade um açude de 50 quadros com uns dois metros de

profundidade, quando ele saía lá de dentro a água tá lamacenta,

porque ele é como um porco, fica se lamiando na barreira, quando sai

de lá acabou a água, A água fica grossa, lamacenta deles ficarem se

lamiando na barreira, é um porco, é um porco... É tipo um porco, e

quanto sai do açude, o peixe tava guajuando, tava morrendo naquele

lodo terrível. Foi um momento terrível que os trabalhadores estavam

morrendo de miséria e de fome, porque o gado dos ricos estavam

destruindo as reservas dos peixes dos trabalhadores, as ervas, o

junco, tudo que tinha ali era tudo destruído, o meio ambiente

destruído. Em Anajatuba tinham aqueles buracos terríveis que eram

feitos pelos pisoteio dos búfalos. Quando o trabalhador estava

andando no campo caçado ou pescando quando se espantava caia no

buraco, aqueles atoleirão medonho que cobria o trabalhador.

Esse era o mal maior, era o búfalo destruindo a alimentação dos

trabalhadores, as lavouras, as roças, porque você sabe ali tem

aquelas ilhas cercadas de águas pra todos os lados, onde o

trabalhador faz sua roças. E também aconteceu morte porque tinha

aqueles garrotes medonhos, os touros búfalos, que é uma fera,

atacavam as pessoas, batia, esmagava, pisoteava as pessoas. O búfalo

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invadia casas, comiam roupa, rede, comiam as tarrafas da pesca

(Sebastião Lisboa, ex- presidente do STR de Anajatuba, entrevista

concedida em 20/07/2008)

Ao ser adotada como atividade econômica, a criação de búfalos, na Baixada

Maranhense causa sérios problemas ao homem do campo, tanto de ordem ecológica, como

social, trabalhista e política. Pois, em geral, a criação do animal é feita de forma desordenada,

principalmente no início, quando começou a importação dos búfalos para o Estado. Dessa

forma, os principais prejudicados pela introdução da pecuária extensiva de búfalos foram os

trabalhadores rurais e pescadores. (MUNIZ, 2006).

A pecuária bubalina pouco contribuiu para o desenvolvimento econômico da Baixada

Maranhense, o que se constatou é que trouxe sérios problemas, principalmente para os

pequenos produtores rurais e pescadores da região. Em contrapartida, proporcionou o

enriquecimento fácil dos pecuaristas que foram beneficiados com os incentivos

governamentais. Pois, os criadores não tiveram gastos com a formação de pastos,

transformaram os campos naturais em criatórios, os búfalos eram criados soltos nos campos

sem nenhum manejo ou controle zootécnico (SMDDH, 1993).

Para Santos (2004: 95):

Infelizmente, por uma série de fatores conjugados, a bubalinocultura não contribuiu para impulsionar o desenvolvimento regional e, provavelmente,

esteja com os dias contados, pelo menos dos campos naturais públicos da

Baixada Maranhense, pois a atividade tem gerado vários conflitos de uso.

Assim o Ministério Público do Estado assumiu o papel de mediar na solução desses conflitos, envolvendo criadores, pescadores e produtores rurais.

A criação de búfalos na Baixada Maranhense é feita nos campos naturais em regime

extensivo. O manejo dos animais se dá apenas periodicamente para a domesticação e, no caso

de exploração de leite, em geral, é realizada durante o verão. Os rebanhos são manejados por

um vaqueiro18

que toma conta de cerca de 200 animais, localizados nos retiros, distantes uns

dos outros aproximadamente 2 Km. Nesses retiros, situados nas partes mais altas, os “tesos”,

ficam as instalações para manejo, compostas de curral rústico de madeira bruta ou arame e

bezerreiro coberto de palha (KASPRZYKOWSKI, 1978).

18 De acordo com Paula Andrade (1982: 59): “Os chamados vaqueiros são empregados de grandes proprietários

de gado, ou de pequenos criadores de recursos e, em alguns lugares, ainda recebem pelo tradicional sistema de

partilha (25% das crias); em outros, esta percentagem vem sendo diminuída ou mesmo substituída pelo assalariamento”. Com relação ao trabalho do vaqueiro relacionado com a pecuária bubalina, Santos (2004:86)

explica como esse se dá: “(...) os donos de búfalos somente os adquire e contratam a figura do vaqueiro para

vigiar os animais, haja vista que os mesmos não se deslocam do ambiente mesmo no período de inundação”.

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De acordo com pesquisas realizadas por Policarpo (2002), os búfalos têm um elevado

poso corporal e hábito alimentar pouco específico, podendo causar várias conseqüências ao

ecossistema, tais como a compactação do solo, através do pisoteio que praticam sobre os

sedimentos argilosos amolecidos; causam elevação nos níveis de turbidez do ambiente,

deixando a água imprópria para o consumo humano; e prejudicando a qualidade dos peixes

pois, provocam alterações em outras variáveis, principalmente na concentração de oxigênio

dissolvido na água.

Como a introdução da bubalinocultura foi realizada sem o planejamento de um

adequado manejo, a criação desses animais na maioria dos municípios era feita sem controle,

de forma extensiva, ou seja, soltos nos campos naturais e com livre acesso aos corpos d´água

da região. Assim, com o início da criação de búfalos na Baixada apareceram,

conseqüentemente, os conflitos sócio-ambientais. O relato de acontecimentos violentos

envolvendo trabalhadores, pescadores, proprietários e seus búfalos eram cada vez mais

freqüentes, especialmente no final da década de 1980 (BERNARDI, 2005).

De acordo com Nascimento (2006: 45):

Dentre os conflitos sócio-econômicos que aconteceram na região da Baixada

Maranhense, em função da pecuária bubalina, destaca-se a disputa entre pecuaristas e pescadores na década de 1980, quando surgiram as primeiras

denúncias de agressividades e ataques dos búfalos aos moradores da região,

invasão de lavouras, danos aos apetrechos de pesca, etc.

Dessa forma, o cenário na região da Baixada Maranhense envolvendo a prática da

criação de búfalos, como atividade econômica, vai se configurando com a presença dos

conflitos sócio-ambientais envolvendo diversos atos violentos, tais como invasões de

residências, com ataque a pessoas; pisoteio de plantações por búfalos, com destruição de

roças; ameaças, mortes e violências de vaqueiros e pistoleiros contra trabalhadores; prisões

arbitrárias de trabalhadores; morte de búfalos, por parte dos trabalhadores; destruição dos

instrumentos de pesca nos lagos; destruição da vegetação natural, tanto dos campos quanto

dos lagos; contaminação das águas; queimadas provocadas por proprietários de búfalos sob o

escopo de dar lugar às pastagens; diminuição de espécies da fauna e flora; compactação do

solo e desequilíbrio do ecossistema; contaminação dos campos em função da exposição de

carcaças de animais mortos; presença de animais nas estradas e rodovias públicas, causando

acidentes; apropriação ilegal dos campos naturais em função de cercamento dos campos por

parte dos criadores em áreas proibidas legalmente; entre outros.

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Fonte: Revista Tempos Novos. Ano VII, nº 49: 1989.

Figura 07: Charge relacionada aos problemas causados pela criação de

búfalos.

Segundo a avaliação do IBAMA (1990), a criação dos búfalos soltos nos campos

naturais, permitindo aos animais vaguearem livremente, ocasiona sérias conseqüências ao

meio ambiente e, conseqüentemente, ao homem do campo. Os animais perseguem as pessoas,

chegando até a matar moradores das áreas atingidas. Existe o registro de casos de pessoas

mortas vítimas do ataque de búfalos em alguns municípios do Maranhão: em Santa Rita foi

morto, vítima do ataque de búfalo, um homem conhecido como Pedro Fifita; em Igarapé

Fundo, a morte de José Mercê; em São Bento, a morte de Francisco Brecha; e a morte de

Pedrinho em São Luís19

.

Os criadores defendiam que o búfalo contribuiria para a riqueza da região na forma de

mão-de-obra empregatícia no campo para o homem da Baixada Maranhense. Porém, os dados

levantados mostram o contrário, pois segundo a Secretaria de Minas Energias e Meio

19 Jornal Pequeno, publicado em 05 de março de 1989.

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Ambiente (SMEMA, 1989), os malefícios proporcionados pela pecuária bubalina de forma

extensiva, são maiores que os benefícios trazidos pela mesma20

.

Muito embora a criação de búfalos tenha sido iniciada no Maranhão na segunda

metade dos anos 1960, houve um aumento acentuado dessa prática na década de 1980, que

levou a um acréscimo de 146.550 cabeças em 1988. Entre 1985 e 1989, os conflitos sócio-

ambientais se agravaram ocasionados por confrontos sangrentos entre fazendeiros, pistoleiros

e pequenos agricultores. Os focos de maior violência residiram nos municípios de Anajatuba,

Santa Rita, Arari, Viana, Bequimão e Rosário.

Gráfico 01: Evolução do Efetivo do rebanho bubalino do Maranhão de 1974 – 2006, por

número de cabeças e ano

0

20.000

40.000

60.000

80.000

100.000

120.000

140.000

160.000

Fonte: www.ibge.sidra.gov.br/bda/tabela. Acesso em 04.08.2008.

Observando o gráfico acima (Gráfico 01) é possível perceber o período em que o

rebanho bubalino alcançou o maior número de cabeças no Maranhão: o período que vai de

1987 a 1991, tendo seu ápice no ano de 1989 (aproximadamente 150.000 búfalos), o que

coincide com o período em que se acirraram os conflitos sócio-ambientais na Baixada

Maranhense. É, também, contemporâneo ao período da Assembléia Estadual Constituinte,

especialmente o ano de 1989, em que foi aprovada a Emenda Constitucional Nº 005/91 que

disciplina a criação de búfalos, proibindo a criação do animal no sistema de pecuária

20 Dados oriundos do Jornal de Hoje, São Luís, Maranhão, 05 de março de 1989.

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extensiva nos campos naturais inundáveis. No mesmo gráfico, ainda é possível observar que

após 1991 há um declínio e consequente estabilidade do número de cabeças de búfalos

existente no Maranhão. Contudo, é possível perceber uma retomada do crescimento a partir de

2001.

De acordo com Lima e Tourinho (1995), o crescimento do rebanho bubalino no

Maranhão ocorreu de forma acelerada. Comparando com o total de 6.297 cabeças existente no

ano de 1974, no ano de 1989, esse número passou para 140.913, com índices de crescimento

de 2.137% no período. Enquanto que, o índice de crescimento de bovinos nesse mesmo

período foi de apenas 48%.

É no ano de 1989, porém, que o problema assume proporções mais graves,

principalmente nos municípios de Anajatuba, Santa Rita, Vitória do Mearim e Rosário. Nesses municípios, trabalhadores e pescadores começam a não

suportar mais o ônus da criação de búfalos, ou seja, a destruição de seus

roçados, mortandade de peixes, destruição de instrumentos de trabalho (canoa, tarrafa, redes de pesca, entre outros). Além disso, várias pessoas

tinham sido vítimas de ataque do animal (SMDDH; 1993:61).

A redução do número de cabeças de búfalos, no Maranhão, de 1989

(aproximadamente 150.000 cabeças) a 2001 (64.574 cabeças), visualizada no gráfico acima,

deveu-se em função da expressiva campanha regional contra a presença de búfalos nos

campos inundáveis, que deram origem aos conflitos sócio-ambientais entre criadores,

trabalhadores rurais e pescadores, incluindo casos de violência extrema e morte de pessoas

envolvidas nos conflitos, assim como, a matanças de milhares de búfalos. Porém, cabe

destacar que atualmente esses conflitos, apesar de menos acirrados que no período estudado,

ainda estão presentes, mesmo que em estado latente.

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4 A DISPUTA PELOS RECURSOS NATURAIS DA BAIXADA MARANHENSE E OS

CONFLITOS SÓCIO-AMBIENTAIS

Os conflitos sócio-ambientais, em geral, são históricos e complexos, tratando de

interesses e recursos representados, públicos e/ou privados, ou não representados, como os de

gerações futuras, que transcendem os limites geográficos, temporais e políticos. Conflitos

sócio-ambientais referem-se a um conjunto complexo de embates entre grupos sociais em

função de seus distintos modos de inter-relacionamento ecológico. A análise desses conflitos

não fica restrita ao comportamento dos estoques dos recursos naturais e tenta responder a

perguntas como: quem usa os recursos? quando? por quais razões? a que preço? com quais

impactos? (Little, 2006).

Acselrad (2004a) analisa o meio ambiente como um terreno contestado material e

simbolicamente, e apreende a noção de conflitos ambientais como aqueles que envolvem

diferentes grupos sociais com modos diversos de apropriação, uso e significação de um

determinado território e dos recursos naturais nele existentes. A relação conflitiva se dá

quando, pelo menos, um dos grupos se sente ameaçado, por impactos indesejáveis decorrentes

da prática de outros grupos, no que diz respeito à continuidade das formas sociais de

apropriação e uso do meio em que vive. Esses impactos podem ser transmitidos pelo solo,

água, ar ou sistemas vivos. A partir desse conceito, Acselrad analisa que os conflitos

ambientais possuem quatro dimensões características, que seriam essenciais para apreender a

dinâmica conflitiva própria aos diferentes modelos de desenvolvimento: apropriação

simbólica e apropriação material, durabilidade e interatividade.

4.1 Os atores e os diferentes interesses envolvidos na disputa pelos recursos naturais

Para Little (2006: 86), a análise dos conflitos sócio-ambientais se constitui em um

elemento central da ecologia política, entendida pelo autor como um campo de conhecimento

que tem por objetivo “combinar o foco da ecologia humana nas inter-relações que sociedades

humanas mantêm com seus respectivos ambientes biofísicos com conceitos de economia

política que analisa as relações estruturais de poder entre essas sociedades”.

Ao colocar o conflito em si como o foco central da etnografia, e não um

grupo social em particular, o antropólogo é obrigado a identificar os distintos

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atores sociais e recursos ambientais envolvidos no conflito, analisar esses

atores em interação entre si, com seu meio biofísico e com seu meio social e

levantar as reivindicações de cada grupo e suas respectivas cotas de poder formal e informal. O mapeamento das interações políticas ajuda ao

pesquisador a entender a dinâmica própria de cada conflito. Um conflito

pode vacilar durante anos entre os estágios latentes e manifesto: pode haver

momentos do conflito ficar muito “quente” e depois perder sua visibilidade, para posteriormente “esquentar” de novo (LITTLE, 2006: 92).

A partir desse contexto, é possível observar como a expansão de um empreendimento

agropecuário de cunho desenvolvimentista, como o caso da prática da criação de búfalos na

Baixada Maranhense, é uma situação na qual se identificam conflitos latentes e manifestos.

Fatores geradores desses conflitos, dizem respeito às variáveis de condições de acesso aos

recursos naturais, de relações de poder e de posse do território, nas quais estão envolvidas

questões políticas, interesses diversos, apropriação e significação diferenciadas do uso dos

recursos naturais por parte dos atores envolvidos.

Portanto, iremos analisar aqui como se deram os conflitos relacionados com a prática

da criação de búfalos nos campos da Baixada Maranhense e as disputas pelos recursos

naturais existentes no território contestado. A identificação e análise dos principais atores

envolvidos no conflito sócio-ambiental são importantes, na medida em que, nos possibilitam

explicitar os interesses e disputas em jogo e as interações políticas.

Nessa perspectiva, as relações conflitivas referentes ao planejamento e implementação

dos chamados projetos de desenvolvimento, que envolvem diferentes atores sociais com

acesso e apropriação desiguais de um determinado território e os recursos naturais nele

existente, devem ser analisadas levando em consideração o campo teórico da ecologia

política, de forma que, nos permita avaliar os diversos sentidos atribuídos à natureza e seus

recursos pelos atores sociais envolvidos no conflito, levando em consideração, também, as

relações de poder entre os mesmos.

De acordo com relatório anual da SMDDH (1990), os conflitos relacionados com a

criação de búfalos nos campos naturais da Baixada Maranhense assumiram proporções

violentas no campo maranhense no final da década de 1980. Centenas de trabalhadores rurais

estavam há anos sendo prejudicados de diversas formas, tais como destruição de roçados,

mortandade de peixes, destruição de instrumentos de trabalho e danos ambientais. Dentro

desse quadro de gravidade, os trabalhadores rurais dos municípios de Anajatuba, Santa Rita e

Rosário, após várias tentativas junto ao poder público para solucionar o conflito, resolveram

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agir com suas próprias mãos, o que teve como conseqüência a morte de milhares de animais,

prisão e espancamento ilegal de trabalhadores rurais.

A criação de búfalos na Baixada Maranhense, formada por 23 municípios, é

responsável pelo desequilíbrio no meio ambiente de sua região, segundo um diagnóstico feito por técnicos do Instituo Brasileiro do Meio Ambiente e dos

Recursos Naturais Renováveis (Ibama) sobre a bubalinocultura. Criados

soltos nos campos naturais, os búfalos causam um problema social à população da Baixada porque destroem as pastagens, as lavouras e a fauna

silvestre. A criação de búfalos é ainda responsável pelos constantes conflitos

entre fazendeiros e lavradores da região, que nesse primeiro semestre mataram mais de 3 mil cabeças de búfalos (Jornal O Estado do Maranhão em

01/10/1989).

De acordo com Martínez Alier (2007), o interesse material pelos recursos e serviços

ambientais proporcionados pelo meio natural para a subsistência humana, caracteriza o

“ecologismo dos pobres”21

. Dessa forma, o ambientlismo da sobrevivência pode fazer uso do

discurso do sagrado; apelando para os valores culturais antigos em detrimento do valor

econômico. Nas palavras do autor (MARTÍNEZ ALIER, 2007: 347 e 351):

Muitos dos conflitos sociais dos dias de hoje, do mesmo modo como ao longo da história, estão conotados por um sentido ecológico, sentido esse

afiançado quando os pobres procuram manter sob seu controle os serviços e

os recursos ambientais que necessitam para sua subsistência, ante a ameaça

de que passem a ser propriedade do Estado ou propriedade privada capitalista. Eventualmente os atores de tais conflitos são reticentes em se

assumirem como ambientalistas ou ecologistas, que de resto é termologia

recente na história social. (...) Até bem pouco tempo, os atores representativos de tais conflitos raramente se autodefiniram como

ecologistas ou ambientalistas. Sua preocupação era a sobrevivência ou o

sustento. O ecologismo dos pobres às vezes se expressa evocando a

linguagem dos antigos direitos de propriedade comunitária legalmente estabelecidos. Em outras ocasiões, novos direitos comunitários são exigidos.

De acordo com Sant´Anna (2003: 119) ao longo do território brasileiro, encontram-se

diferentes segmentos sociais como povos indígenas, pequenos agricultores, pescadores

artesanais, produtores extrativistas, grupos remanescentes de quilombos e outros, que vivem

uma relação de dependência e muitas vezes de integração mais ou menos harmoniosa com a

natureza, cujas práticas econômicas costumam ser orientadas para a subsistência e baseadas

21 De acordo com Martínez Alier (2007: 343) “o ecologismo dos pobres refere-se a conflitos sociais com

conteúdo ecológico, atuais e históricos, dos pobres contra os relativos ricos, não se restringindo, mas dizendo respeito particularmente aos conflitos rurais”. E ainda, de acordo com o mesmo autor (2007: 347): “O

ecologismo dos pobres é um conceito que atua como um guarda-chuva para embarcar as preocupações sociais e

as formas de ação social nascidas no entendimento de que o meio ambiente é uma fonte de sustento humano”.

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numa relação de co-dependência do meio natural. Essas práticas exploratórias que visam a

manutenção do grupo, muitas vezes, dependem dos ciclos naturais:

(...) esta dependência em relação aos ciclos naturais experimentada por

segmentos da população brasileira, representa uma forma de adaptação

humana a seu ambiente, necessário a sua sobrevivência. Estas populações, segundo argumentam alguns autores, mesmo após a consolidação de uma

economia capitalista, retornam freqüentemente a pequena produção para

manterem suas condições de sobrevivência, principalmente quando vêem esgotados os grandes ciclos econômicos.

Isso é possível observar na seguinte fala de um dos entrevistados:

Aí já se começa a ver a questão da preservação ambiental, do meio,

porque parece que antes o homem tava dormindo, só destruindo e não

se atentando porque tava destruindo e não se atentava para seu meio

que ele vive. O lavrador com respaldo na Lei passa a lutar por sua

sobrevivência, pela limpeza dos campos, a manutenção dos campos,

porque lá é fonte de vida, lá há diversidade de fauna e da flora é

muito grande. Foi pra chamar atenção, porque em alguns momentos

agente percebe que as autoridades não estão atentas pra

sobrevivência daqueles que são mais carentes na sociedade, nessa

desigualdade total tem aqueles que são mais carentes. Então, tem esse

objetivo para que chegasse o momento de os búfalos serem

definitivamente retirados dos campos. Eles talvez não tivessem

conseguido naquele momento cem por cento, mas causou muito

repercussão na mídia, enfim, chamou a atenção mesmo. Mas, também

eles foram muito intimidados, né? Claro! Por donos de fazendas,

utilizaram tudo o que estava em seu alcance para intimidar os

lavradores (D. Zeca, Tesoureira do Sindicato de Trabalhadores

Rurais de Rosário, entrevista concedida em 30/06/2008.).

De acordo com diagnóstico do IBAMA (1989), sobre os impactos ecológicos

ocasionados pela criação de búfalos praticada nos campos naturais da Baixada Maranhense,

os campos são destruídos pelo pisoteio dos animais, ocasionando um impacto ambiental ao

ecossistema da região, pois o pisoteio dos animais ao se deslocarem, remove a cobertura

vegetal, expondo o solo à insolação, ao ressecamento e à conseqüente redução na sua

quantidade de nutrientes. Esse fenômeno provoca ao longo do tempo, a esterilidade dos

campos ocasionada tanto pela redução da atividade primária, como pela capacidade física e

mecânica do solo em sustentar o ecossistema.

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Segundo o representante dos lavradores e pescadores da Baixada, os búfalos

destroem as roças, contaminam os açudes e geram desequilíbrio do meio

ambiente. Já os criadores sustentam que se trata de um animal dócil, benéfico à ecologia e facilmente adaptável a solos pobres e inundados,

lembrando que sua introdução no Estado foi incentivada por agências

governamentais, como a Sudam, Embrapa e Banco do Nordeste (Jornal O

Estado do Maranhão, 27/10/1989).

Na década de 1980, ocorreram inúmeros conflitos na região de Viana, São Bento,

Vitória, Santa Rita, e outros municípios, com morte de camponeses e, em contrapartida, com

matança de búfalos. Outra conseqüência da criação de búfalos nos campos da Baixada,

segundo técnicos, é a diminuição dos peixes dos lagos e, inclusive, o desaparecimento de

certas espécies, em conseqüência do pisoteamento do solo por esses animais (PAULA

ANDRADE, 1999). Isto pode ser confirmado na fala do ex-Presidente do STR de Anajatuba:

Em Anajatuba aconteceu um problema terrível, o pessoal vinha

sofrendo muito. O gado búfalos pra mim é uma coisa terrível, desde

que ele seja criado solto como era em Anajatuba é um problema, eu

me refiro isso porque... Os açudes dos campos. Ali os trabalhadores

rurais fazem os açudes para criar os peixes e não somente os açudes

que os trabalhadores fazem pra criar os peixes quando a água vai

baixando, mas também nos poções mais antigos, é o poção, o lago

onde água fica represada, que é lá que o pescador vai para pegar o

peixe quando a água vai secando. E isso, nesse período de mais ou

menos 20 anos atrás os búfalos cada momento criando mais

problemas, cada momento a criação dos animais ia aumentando e

sem manejo. Os criadores com os búfalos soltos lá no campo e os

animais destruindo tudo, tanto roça como os materiais de pesca, os

açudes, os búfalos vão destruindo tudo. Por exemplo, para os búfalos

não tem cerca, cerca de arame farpado, as estacas e a roça, o gado

búfalo chegou destrói invade e destrói tudo, porque é gado de 500,

1000 kg. Isso foi uma coisa que vinha acontecendo, aí os

trabalhadores denunciavam, o sindicato mesmo, quando o gado

invadia as lavouras, os açudes. Agente denunciava, mas não tinha

solução, o delegado não providenciava nada pra coibir, não tomava

nenhuma solução para o problema, e aí o gado o tempo todo solto

destruindo. Aconteceu um problema terrível, de tanto sofrimento dos

trabalhadores, aí a população se rebelou para matar os búfalos

(Sebastião Lisboa, ex- presidente do STR de Anajatuba, entrevista

concedida em 20/07/2008).

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4.2 A matança dos búfalos: fazendo justiça com as próprias mãos

Em meados dos anos 1980, os trabalhadores rurais de toda a região da Baixada

Maranhense começaram a se organizar, através dos Sindicatos de Trabalhadores Rurais e da

Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Maranhão (FETAEMA). Tiveram o apoio da

Sociedade Maranhense de Defesa dos Direitos Humanos (SMDDH), de entidades ligadas à

Igreja Católica como, por exemplo, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e a Cáritas, para,

junto às autoridades locais, prefeituras, câmaras municipais e governo do Estado, reivindicar a

retirada dos búfalos dos campos inundáveis. Exigiam que, caso os criadores decidissem

permanecer com a criação dos animais, esta somente seria admissível se os búfalos fossem

criados presos em suas propriedades particulares, visto que os criadores agiam de forma

ilegal, cercando grandes áreas dos campos inundáveis que se constituem em terras devolutas

do Estado.

Os trabalhadores rurais e as entidades que apoiaram a mobilização defendiam que a

matança dos búfalos era em legítima defesa, uma vez que os trabalhadores estavam sendo

prejudicados no que diz respeito às fontes de seu sustento, e, inclusive, foram mortos vítimas

de ataque dos animais.

Pelo menos quatro lavradores já foram mortos em decorrência de chifradas de búfalos, no município de Santa Rita, a 70 quilômetros de São Luís,

enquanto as mulheres e crianças estão vivendo momentos de pânico, a ponto

de não permitirem que seus filhos freqüentem as escolas em localidades

distantes dos povoados em que moram. Os búfalos estão ainda destruindo os pequenos roçados dos lavradores, que vivem da agricultura de subsistência e

dos rios e lagos em que pescam para o sustento se sua família (Jornal O

Estado do Maranhão, 04.03.1989).

No município de São José de Ribamar, foi morto, vítima de chifradas de búfalos, no

dia primeiro de julho de 1989, um homem de 54 anos de idade, Antenor Soeiro Nunes. A

vítima trabalhava em uma fazenda naquele município e cuidava de vários animais. O acidente

ocorreu quando o vaqueiro estava tocando alguns búfalos para o cercado, quando um dos

animais se enfureceu e o atacou, atingindo-lhe a barriga, sendo arrastado pelo animal por

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vários metros. Ao ser socorrido já estava sem vida. Antenor teve seu baixo ventre rasgado

pelas chifradas do animal22

.

De acordo com documentos arquivados no Sindicato de Trabalhadores e

Trabalhadoras Rurais de Santa Rita, aproximadamente às oito horas do dia vinte e nove de

setembro de 1989, foi morto o lavrador Ananias Garcia do Nascimento, residente na rua do

Sol, Número 169, no município de Santa Rita. O Senhor Ananias se encontrava trabalhando

em sua roça, quando foi atacado violentamente por dois búfalos; os animais arremeteram-no

sobre palmeiras de tucum, causando, conseqüentemente, a fratura de sua coluna cervical. Esse

acontecimento tornou ainda mais conturbado o conflito existente na Baixada Maranhense

desencadeado por conta da matança dos búfalos.

Representantes de várias entidades civis, dentre as quais a Comissão Pastoral

da Terra e Sociedade Maranhense de Defesas dos Direitos Humanos, reuniram-se ontem na sede da CPT e discutiram o processo que pretendem

mover contra o advogado Wady Sauáia, que figura como proprietário dos

dois búfalos que mataram o lavrador Ananias da Silva Nascimento, dia 29 de setembro, em Santa Rita. Além do processo judicial, as entidades estão

organizando um documento em repúdio à criação de bubalinos na Baixada e

denunciam a violência dos animais contra lavradores e pescadores da região (Jornal O Estado do Maranhão, em 6/ 10/ 1989).

Quando perceberam que o governo e demais entidades não estavam fazendo nada para

solucionar seus problemas, os trabalhadores rurais da Baixada Maranhense começaram a

matar os búfalos, consumir a carne e distribuí-la às demais famílias residentes no local. De

acordo com matérias veiculadas nos periódicos de circulação estadual, as principais

exigências dos trabalhadores rurais eram as seguintes:

A retirada imediata de búfalos do campo; a punição dos policiais, que estão

abusando da autoridade e invadindo casas, bem como prendendo lavradores sem ordem judicial ou flagrante; a criação através da Constituinte Estadual,

de leis que preservem e defendam a exploração e uso dos campos naturais e

que o governo do Estado execute as leis de defesa do meio ambiente são alguns das reivindicações, destes lavradores que há 20 anos perdem suas

roças, açudes, caças, pesca e segurança das pessoas. A preocupação dos

lavradores é que nestes 20 anos nada foi feito em favor deles. Por onde o

gado passa destrói os meios de vida e sobrevivência da população da área (Jornal de Hoje, 03/03/1989).

22 Informações publicadas em 02/07/1989 em O Jornal O Estado do Maranhão.

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Os “justiceiros”, como eram denominados pela imprensa local, começaram a fazer

justiça com as próprias mãos. A União Democrática Ruralista (UDR) estimou que mais de

3.000 búfalos23

foram mortos dessa forma, nesse período, pelos trabalhadores rurais, em toda

a área da Baixada Maranhense.

(...) a matança dos búfalos, um tema bastante polêmico, que, nos últimos seis meses, vem sendo posto em foco pela imprensa local, sob denúncia dos

lavradores de que o animal destrói as lavouras. Usando tais argumentos, os

lavradores do município de Santa Rita, Anajatuba e Arari, principalmente, vem promovendo a matança dos búfalos ao mesmo tempo em que exigem

uma solução por parte das autoridades competentes, para resolver o

problema (Jornal O Estado do Maranhão 05.03.1989).

Uma sindicalista explica como se dava a matanças dos búfalos e como se dava a

distribuição da carne entre os justiceiros:

E o gado não ficava ali para urubu comer; a carne era dividida entre

as comunidades. Foi um enfrentamento de muito temor porque tem a

repreensão. Porque ali o Estado se fez presente através da Polícia

Militar para fazer a repreensão. Só que isso não chegou a intimidar

totalmente os lavradores, claro que eles tiveram um certo recuo, mas

eles recuaram mas, não chegaram a se afastar definitivamente da

causa. Agora, também, entre os lavadores, surge outra camada da

sociedade, uma outra categoria, uma classe das pessoas mais carente,

se envolve também na causa, mas só que alguns era só pra ir buscar

um quilo de carne para dá alimento de suas famílias. Eu que sempre

morei aqui nessa região eu, quando eu tava subindo de manhã eu

encontrava uma infinidade de homens, daquela região das invasões,

pessoas que são vítimas até do êxodo rural, que vêm morar aqui na

periferia da cidade. Então, eu encontrava uma infinidade de homens

com um cofo debaixo do braço, com saco, enfim, homens, mulheres e

crianças para buscar carne (risos) buscar carne, buscar carne... (D.

Zeca, Tesoureira do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Rosário,

entrevista concedida em 30/06/2008).

Por parte dos trabalhadores rurais foram feitas denúncias de que os criadores de

búfalos contavam com a cumplicidade e aliciamento policial; acobertando conhecidos

pistoleiros, que transitavam livremente nos povoados e na sede dos municípios, além de

serem vistos bebendo nos bares acompanhados dos policiais. Os trabalhadores rurais, por sua

vez, encontraram apoio nas lideranças sindicais e pessoas ligadas à Igreja Católica. No caso

23 Dados de reportagem do Jornal Pequeno, São Luís, Maranhão, 28 de outubro de 2003.

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do município de Santa Rita, a polícia começou a agir contra a mobilização dos trabalhadores

rurais, prendendo-os, espancando-os24

, indicando que a polícia local estava a serviço dos

fazendeiros criadores de búfalos; e, também começavam as constantes ameaças de morte ao

então pároco padre Osvaldo Marinho, e ao então presidente do Sindicato de Trabalhadores

Rurais, Clóves Alves de Souza, por serem, considerados, cabeças do movimento (MUNIZ,

2006: 55).

O trecho abaixo da fala do ex- presidente do Sindicato de Trabalhadores Rurais de

Santa Rita, Clóves Alves de Sousa, demonstra como se deu a mobilização para a “matança de

búfalos”:

Como o governo não tomou providência, nós organizamos um

movimento para retirar o búfalo do campo. Então os homens iam

buscar os búfalos um a um no campo e abatiam aqueles que estavam

soltos prejudicando o campo e matando os peixes, e a carne era

distribuída para quem quisesse. Isso aconteceu aqui em Santa Rita e

em Anajatuba. Só que isso foi um caso muito complicado, porque a

gente sofreu ameaça de fazendeiro, perdemos um amigo nosso nessa

luta (Entrevista concedida em 04/05/2006).

No trecho a seguir, o ex-presidente do Sindicato de Trabalhadores Rurais de

Anajatuba, Sebastião Lisboa, considera a matança dos búfalos como uma revolta popular:

Na hora que as pessoas começaram a matar os búfalos e carregar a

carne, tinha dia que agente via na rua cerca de 50 pessoas vindo cada

uma com o saco cheio de carne na cabeça, vinham todo

ensangüentado da cabeça aos pés, outros com carroça iam ao campo

buscar carne. Isso foi uma revolta popular, uma revolta, uma

revolta... (Sebastião Lisboa, Ex-Presidente do STR de Anajatuba,

entrevista concedida em 20/07/2080).

O critério adotado pelos trabalhadores rurais para abater os animais era o fato dos

búfalos estarem vagando soltos no campo causando danos ambientais e, conseqüentemente,

24

No dia 26 de fevereiro do corrente, por volta das 15 horas, cinco policiais de Santa Rita invadiram as casas

dos lavradores no povoado de Caicoco e prenderam novamente sem respeitar o que estabelece a Constituição,

cerca de 40 trabalhadores rurais. Dezessete foram presos. As prisões foram efetuadas, segundo os lavradores, a

mando do Dr. Wadir Sauáia, Dr. Domingos Martins Filho e Dr. Rochinha (Todos criadores de búfalos no

município de Santa Rita) (Jornal Pequeno 03/03/1989).

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problemas sociais ao homem do campo. Quando se intensificou a matança dos animais, os

moradores da região já não davam conta de consumir a carne, mas, ainda assim, os animais

eram abatidos, para se cumprir o objetivo principal da revolta, a limpeza dos campos

inundáveis da Baixada.

(...) então os lavradores começaram a se mobilizar inquietados com a

presença dos búfalos, o que pra gente aqui era uma novidade.

Temendo perder a fonte de sobrevivência, que é o peixe de água doce,

que nós chamamos de guegueu, e a caça. Eles (os trabalhadores

rurais) começaram a se mobilizar. Na época juntaram os Sindicatos

de toda essa região: Sindicato de Rosário, de Santa Rita, de

Anajatuba, toda essa região que compreende o campo da Baixada,

esse campo chega até Cajapió. Todos se mobilizaram, e essa

mobilização não foi apenas dos diretores do Sindicato, mas dos

próprios lavradores, no caso aí eles eram o principal alvo do que,

agente pode dizer que era, na verdade, uma tragédia que iria

acontecer; juntou também a Igreja. Aí eles (trabalhadores rurais)

chegaram até às vias dos fatos, eles tentaram aqueles acordos que são

pacificamente, então eles foram até ao governo que naquela época

era o Cafeteira. Foram tentar fazer uma conciliação. Mas também

envolvia gente muito forte, o trabalhador unido ele é forte, mas eles

tinham uma contradição de poder, porque geralmente o criador é

forte, tem muito poder e, às vezes, até apadrinhamento político.

Então, Rosário, Bacabeira e toda aquela região ali da BR-135, os

lavradores foram às vias dos fatos, os trabalhadores mataram

também muitos búfalos (D. Zeca, Tesoureira do Sindicato de

Trabalhadores Rurais de Rosário, entrevista concedida em

30/06/2008).

O ex-Presidente do Sindicato de Trabalhadores Rurais do município de Anajatuba

descreve, no trecho a seguir, como era a atitude dos trabalhadores no que diz respeito à

organização para praticarem a matança dos búfalos:

Os trabalhadores começaram a invadir o campo, invadiram as

malocas do gado búfalo e começaram a matar de tiro, de facão, uma

coisa terrível. Laçavam 10, 15 búfalos em uma corda só e iam

matando tudinho e lá no campo tirando o coro dos animais e outros

carregando carne na cabeça, em cofos, sacos e etc. Foi um dilúvio, eu

fiquei assustado, foi um momento muito terrível em minha vida,

porque eu era o presidente do sindicato e tava respondendo pelos

trabalhadores. Encarando fazendeiros, naquela época mais perigosa

da vida; e até podemos dizer assim era fazendeiros tirando os

coronéis que tinha lá como era Nelson Lopes, Marcos Dutra

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Mendonça. Mandava prender trabalhador, surrar, mandava fazer

cova enterrava trabalhador até no pescoço e dizia que ia matar: uma

coisa terrível que eu assisti. Acontece que nesse período que os

trabalhadores se rebelaram para matar o gado búfalo nos campos, eu

fiquei assustado porque era o tempo do Delegado Luís Moura, que

era um tirano, que mandava matar gente e os fazendeiros levaram ele

pra lá (Município de Anajatuba) nesse período, o Luís Moura, pra lá

ameaçar e torturar gente. Eu fui chamado pelo Luís Moura na

delegacia, me ameaçou, eu disse que eu não tinha mandado matar

búfalos, e não mandei. E até me omiti um pouco em defender os

trabalhadores, temendo pela minha vida, porque já tinha ameaça de

pistoleiro pra matar gente (Sebastião Lisboa ex- presidente do STR de

Anajatuba, entrevista concedida em 20/07/2008).

A considerada postura omissa do Estado contribuiu com as atrocidades dos

proprietários, os quais contaram com o apoio de seus órgãos de defesa para contrapor à

organização e mobilização dos trabalhadores rurais. Associação dos Criadores de Búfalos do

Maranhão (ACBEM) em 1989 boicotou a realização da 34ª EXPOEMA (Exposição

Agropecuária do Estado do Maranhão), como protesto ao suposto apoio do Governo estadual

aos trabalhadores rurais em relação ao conflito entre estes e os criadores de búfalos (SMDDH,

1990).

Como forma de protesto contra a matança dos búfalos e para chamar a atenção das

autoridades, no dia 26 de maio de 1989, os criadores de búfalos do Maranhão, com o apoio da

UDR, interditaram durante uma hora e meia a BR-135. Dessa forma, dois mil búfalos foram

soltos no Km 70 da rodovia, próximo ao município de Santa Rita. Os criadores protestaram

contra a considerada omissão do Governo Estadual em promover a paz no campo e o

cumprimento dos preceitos institucionais no que diz respeito à garantia da propriedade

privada. No ato, foram estendidas faixas contendo frases de protestos, tais como “Trabalho,

ordem e produção”; “UDR/MA respeito para quem produz” e “Punam os que matam e

proteção aos que trabalham”. Para contradizer os trabalhadores rurais e demonstrar que os

búfalos são animais dóceis, os criadores permitiram que várias crianças montassem nos

animais, inclusive os filhos de alguns criadores, durante o protesto.

O presidente da UDR/MA, Charles Dias e a ACBEM, acusavam o Governo do Estado,

o então Governador Epitácio Cafeteira, de se omitir na definição de uma política para resolver

os problemas do setor. Em uma audiência concedida pelo Governador Epitácio Cafeteira aos

criadores de búfalos da Baixada Maranhense, estes exigiram uma atitude mais rígida por parte

da polícia no sentido de desestimular a matança promovida pelos trabalhadores rurais. De

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acordo com o presidente da ACBEM, Savigny Sauáia, “A falta da definição de uma política

de apoio dos órgãos governamentais prejudicam a produção do Estado e constitui uma

violação ao patrimônio particular”25

. Por sua vez o Governo Epitácio Cafeteira parecia

expressar sua opinião contrária aos criadores, afirmando que; “Se os búfalos são criados

soltos para comer as roças dos lavradores, é justo que os lavradores fiquem soltos para comer

os búfalos. E eu não posso oferecer garantia de vida a quadrúpedes” 26

.

Os lavradores são contra a criação dos gados soltos nos campos, pois

segundo eles, causam prejuízos às roças, açudes, caças, rios e lagos. Já a Associação dos Criadores do Estado tenta encontrar solução para o caso

alegando que a criação de búfalos não foi uma atitude aleatória e sim

estimulada pelos governos federal e estadual, uma vez que a região era considerada um vazio econômico e o único animal capaz de aproveitar esta

região produtivamente era o búfalo até causar estes problemas sociais (Jornal

de Hoje, em 18/05/1989).

Analisando os divergentes interesses dos atores envolvidos no conflito sócio-

ambiental aqui tratado, é possível observar, como nessa relação, os usos e apropriação dos

recursos naturais são tratados de forma diferenciada. Na medida em que, para os trabalhadores

rurais, os campos e lagos e seus recursos como o peixe, a caça e mesmo a água representam

sua fonte de sobrevivência. Já os planejadores governamentais e os empreendedores da

pecuária bubalina vêem os campos como um “vazio econômico”, cuja visão de mercado faz

com que considere que a prática da criação de búfalos como a solução econômica dessa

região.

Nesse sentido, Acselrad (2005: 07) afirma que a categoria do “meio ambiente” não

pode ser vista apenas como objeto de cooperação, mas também de contestação e conflito. O

meio ambiente é atravessado por sentidos sócio-culturais e interesses diferenciados. Pois, um

determinado território e os recursos ambientais neles existentes podem ser encarados como

espaço de vida de uma população tradicional ou espaço de acumulação e reserva de valor para

a especulação fundiária. Dessa forma:

A água dos rios pode ter distintos usos: pode ser meio de subsistência de

pescadores ribeirinhos ou instrumento da produção de energia barata para firmas eletrointensivas. Trata-se de um espaço comum de recursos, sim, só

que exposto a distintos projetos, interesses, formas de apropriação e uso

material e simbólico. A causa ambiental, portanto, não é necessariamente uma, universal, comum a todos, o que faria do ambiente necessariamente um

25 Fala do presidente da Associação de Criadores de Búfalos do Estado do Maranhão (ACBEM), extraída da

matéria do Jornal O Estado do Maranhão, publicada em 27 de maio de 1989. 26 Jornal O Estado do Maranhão, 22 de maio de 1989.

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objeto de cooperação entre os distintos atores sociais. Em muitos contextos e

conjunturas, meio ambiente é, também, atravessado por conflitos sociais,

ainda que alguns prefiram não admiti-lo.

Uma comissão, formada pelos representantes das entidades que defendiam os

interesses dos criadores, marcaram uma audiência no Palácio dos Leões com o Governador,

buscando definir uma política que resolvesse o problema da matança de búfalos na Baixada

Maranhense. Caso não fosse solucionado o problema, a UDR ameaçou repetir o protesto da

BR-135, porém, dessa vez, os animais seriam soltos em frente ao Palácio dos Leões, na praça

D. Pedro II. De acordo com matéria publicada em 02/06/1989, em o Jornal de Hoje:

Os criadores de búfalos do Estado preferiram não optar pela colocação dos

animais em frente ao Palácio dos Leões como forma de protesto ao tratamento que o governador vem dando à matança de búfalos na Baixada

Maranhense, mas terão que agir dessa forma, já que o governo se nega a

adotar uma política de disciplinamento que vise coibir os atos criminosos

que vem ocorrendo no interior do Estado. A informação foi prestada pelo presidente da União Democrática Ruralista (UDR), Charles Dias que hoje se

reúne com pessoas destacadas da política nacional para discutir a questão e

definir metas a serem adotadas.

Outro acontecimento paralelo e que agrava, ainda mais, o clima de tensão e

insegurança implantada na Baixada Maranhense foi o fato de quadrilhas especializadas em

roubo de gado nessa região, se aproveitando da situação do conflito, começaram a agir de

forma criminosa, cometendo furtos e abatendo os búfalos para comercializar a carne. A

atitude dessas quadrilhas se repetia, inclusive, com o gado bovino, incriminando, assim, os

trabalhadores rurais. Em alguns municípios, como em Santa Rita, por exemplo, a situação foi

ainda mais difícil, pois se teve denúncias de que os próprios vaqueiros abatiam os búfalos e

vendiam a carne dos animais de forma clandestina.

Analisando toda a questão dos búfalos, os criadores chegaram a uma conclusão: tem quadrilhas organizadas se aproveitando da situação e

roubando o gado à luz do dia, sob os olhos do proprietário e revendendo a

carne tanto no interior quanto na capital (Jornal O Imparcial, 18.08.1989).

Essa situação atribuiu um novo caráter e desvia o verdadeiro objetivo da mobilização

dos trabalhadores rurais, pois com isso os fazendeiros criadores de búfalos começam a tratar a

questão como se fosse uma questão entre bandidos, ladrões de gado, e criadores, ou seja, uma

situação de vandalismo em que os trabalhadores invadem propriedades particulares para

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capturar os animais e abatê-los. Porém, essa maneira de ver e enfrentar o problema, era uma

forma que só atenderia aos interesses dos criadores de búfalos. É possível observar, inclusive

em determinadas matérias publicadas nos jornais, que tinham o interesse de incriminar os

trabalhadores, quando na verdade, os animais abatidos pelos trabalhadores rurais eram,

exatamente, aqueles que encontravam vagando soltos pelos campos naturais ocasionando

danos ao meio ambiente e à população local; e não os que estavam devidamente manejados

em propriedades particulares. Esse fato pode ser observado na matéria a seguir:

Armados com espingardas, revólveres, foices e facões, cerca de 100 pessoas

desceram de duas caçambas e, na manhã do último domingo, invadiram a

propriedade cercada de José Ferreira da Silva e mataram 17 búfalos, em Perizes de Baixo no município de Rosário. Numa ação rápida e gritando

palavras de ameaças à família do vaqueiro, que só pôde assistir de longe o

vandalismo, os bandidos mataram os animais e levaram toda a carne,

deixando a carcaça espalhadas na área. O proprietário José Ferreira criava 50 búfalos cercados na área e o restante resolveu levar na última terça-feira para

o matadouro. (...). Para os criadores da região, o problema está caracterizado

como roubo, já que os participantes da matança estão agindo em grupo e todos armados. Depois do assalto que fizeram no domingo, José Ferreira foi

até a prefeitura e pediu um reforço da polícia, mas não foi atendido. O

criador Edson Luís Rodrigues, contou que na semana passada o vaqueiro vinha com 22 búfalos e foi cercado por um grupo armado, que levou o

rebanho. O pecuarista João Bezerra e vice-presidente da Associação dos

Criadores de Viana disse que o problema já vem ocorrendo na Baixada. “Se

o problema é fome, somos nós, os criadores, que vamos pagar por isso? E como eles conseguem armas. Quanto custa realmente um revólver e

espingarda?” (Jornal O Estado do Maranhão, em 18.05.1989).

Os criadores de búfalos começaram a registrar denúncias contra os trabalhadores

rurais, como se tratasse de um problema de repressão policial, quando, na verdade, o

problema era de caráter social, político e ecológico. Afirmavam, ainda, que suspeitavam que

os trabalhadores rurais tivessem o apoio do Partido dos Trabalhadores (PT), de políticos e da

Igreja Católica para comprar armamentos e fretar caçambas, uma vez que os trabalhadores se

diziam famintos. Inclusive o Governador do Estado, Epitácio Cafeteira, era acusado pelos

criadores em dar apoio aos trabalhadores rurais na matança dos búfalos. “Eu não acredito que

lavradores que se diziam famintos, tenham dinheiro para comprar armas e fretar caçambas.

Alguém deve está por trás de tudo isso. Os lavradores estão sendo apenas usados” 27

.

27 Fala do então Presidente da UDR/MA, Charles Dias, ao Jornal O Imparcial publicado em 18/08/1989.

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4.3 Os búfalos “invadem” a Assembléia Constituinte de 1989.

A partir da segunda metade da década de 1980, os conflitos entre trabalhadores rurais

e criadores de búfalos se agravam cada vez mais em toda a Baixada Maranhense. Os

trabalhadores rurais da região atingida pelos problemas causados pela criação de búfalos,

começaram a se organizar de forma mais significativa para pressionar o governo estadual a

tomar alguma providência. Em junho de 1989, foi realizado o I Encontro de Lavradores e

Pescadores das Áreas Atingidas pela Criação de Búfalos, no qual foi aprovada a proposta de

apresentar uma emenda constitucional à Assembléia Estadual Constituinte de 1989. Dessa

forma, foi organizada uma caravana para entregar uma emenda à Assembléia Estadual

Constituinte, solicitando que o governo proibisse a criação de bubalinos nos campos naturais

inundáveis, lagos e terras devolutas do Estado.

Na Constituição de 89, nós participamos de audiência na Assembléia

Constituinte. Aquele Wady Sauáia, que era criador aqui nessa região

da Mata, do Afoga, em Santa Rita, nós terminamos nos peitando, até

com o filho de Wady Sauáia (Savigni Sauáia) eu me choquei um dia,

dando soco em parede aqui em delegacias, dizendo que o gado búfalo

é manso, é uma riqueza, é maravilhoso criar, que não faz mal a

ninguém. Aí eu disse pra ele:“claro pra você é muito bom mesmo, pra

você criar o gado solto prejudicando a comunidade no campo, sem

gastar nada e depois vai e vende é muito bom, mas pra nós não

presta, não queira saber o quanto é prejudicial para o trabalhador, se

você quer criar, crie na sua propriedade particular, que aí tudo bem,

é uma beleza, mas não crie solto pra nos prejudicar porque aí não

dá”. Isso aconteceu muita confusão por aí, mas o que aconteceu é que

o campo de Anajatuba agora é água e peixe, o que tem é o gado do pé

duro, e tal. (Sebastião Lisboa, ex- Presidente do STR de Anajatuba,

entrevista concedida em 20/07/2008).

Durante o encontro, foi discutido que os trabalhadores rurais das áreas atingidas pela

problemática dos búfalos não eram contra o animal, e sim, contra o sistema de criação

adotado: a pecuária extensiva utilizando as pastagens naturais dos campos inundáveis. Esse

foi o motivo alegado pela comissão que encaminhou a emenda à Assembléia Estadual

Constituinte, exigindo do governo a proibição da criação de bubalinos sem manejo nos

campos naturais inundáveis, lagos e terras públicas.

Para se ter uma idéia do modo de viver do búfalo, nestes 20 anos passados

foram destruídos diversos açudes, o que significa dizer a perda de peixes e

caças, para as famílias, sem falar da água potável que é poluída com a

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presença do gado. Com a perda das duas fontes de sobrevivência dos

lavradores, as conseqüências são fatais; a fome é a única saída que se

apresenta a eles, a matança do gado, pra preservar a sobrevivência e a vida, afinal diversas pessoas já morreram em luta com o búfalo que ataca sem

pena, enquanto que outras foram mutiladas (Jornal de Hoje, 03/03/1989).

Os trabalhadores pretendiam, ainda, elaborar um manifesto responsabilizando os

governos federal, estadual e municipal pelos conflitos já existentes e os possíveis conflitos

prestes a acontecer, caso não fosse tomada nenhuma providência.

Os lavradores exigem das autoridades a retirada imediata dos búfalos dos

campos da região; interveniência da prefeitura e da Câmara de Vereadores

dos municípios, para que tal retirada seja apressada. Punição para os policiais que agiram arbitrariamente, e garantias para os lavradores de forma

a que voltem ao trabalho. Que os constituintes estaduais criem leis que

preservem e defendam a exploração e uso dos campos naturais. Exigem também que a polícia cumpra sua função de garantir a segurança da

população, conforme manda a legislação (Jornal O Imparcial, 03/03/1989).

Foi apresentada à Assembléia Estadual Constituinte de 1989, pelo deputado Juarez

Medeiros (PSB), a Emenda Constitucional que trata da retirada dos búfalos das áreas públicas

da Baixada Maranhense. Isso causou uma grande polêmica, pois a emenda afetou,

principalmente, os interesses dos deputados ligados à UDR, os quais se declararam contra a

retirada dos búfalos dos campos da Baixada Maranhense, afirmando que a emenda era

irracional, porque prejudicaria a economia do Estado e causaria grandes problemas de ordem

social, alegando, inclusive, que a criação de búfalos teria se tornado um importante meio de

geração de emprego ao homem do campo e, com a proibição da pecuária extensiva de búfalos,

muitos vaqueiros seriam desempregados.

Aí eu vim pra cá (São Luís) para essa federação (FETAEMA)

procurar advogado porque aqui sempre teve advogado pra defender

trabalhador rural. Procurei também, Aroldo Sabóia, Juarez

Medeiros, José Costa, que eram deputados, pedi socorro pra eles, eles

foram à Anajatuba, me ajudaram, fomos à delegacia falamos com o

Luís Moura e eu acompanhado por esse pessoal e acompanhado com

advogados aqui da Federação. É... Josemar Lima foi um dos

advogados que ajudou muito a tirar trabalhador da delegacia, Paulo

Avelar, que hoje é até Promotor na capital. Esse pessoal foi que

ajudou a defender trabalhador, tirar da prisão. Mas na verdade, o

que aconteceu é que, nesse dilúvio terrível, foi que aí os donos dos

búfalos resolveram tirar o resto dos búfalos do campo. Tiraram, e era

carretas e mais carretas carregando búfalos, e gente continuavam a

matar búfalos, mesmo uns na cadeia, os outros continuavam a matar

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búfalos sem parar. Foi aí que os fazendeiros se viram obrigados a

fretar carretas e tirar os búfalos. Essa mobilização foi muito

expressiva, surtiu um grande efeito, um bom resultado, porque

tiraram todo gado do campo, todo, todo..... Viram que os

trabalhadores não paravam de matar mesmo com as prisões e as

ameaças. Se juntavam 50 homens e iam para o campo matar búfalos,

a polícia ia e não encarava, a polícia ia e ficava intimidada, recuava,

não queria atirar, não dava pra prender porque era muita gente

(Sebastião Lisboa, ex- Presidente do STR de Anajatuba, entrevista

concedida em 20/07/2008).

Dessa forma, as audiências da Assembléia Constituinte foram agitadas e polêmicas por

conta das discussões sobre os divergentes interesses quanto à Emenda Constitucional que trata

da retirada dos búfalos dos campos naturais da Baixada Maranhense defendida pelos

trabalhadores rurais. A dualidade das discussões ficava em torno dos interesses do trabalhador

do campo e dos deputados ligados a UDR, e alguns, inclusive criadores de búfalos.

Sob o Requerimento Nº 041/89 da Assembléia Estadual Constituinte foi constituída

uma comissão de Deputados para ir ao município de Anajatuba com o objetivo de observar

“in loco” as denúncias feitas sobre a matança de búfalos, tendo como justificativa que naquele

período estava havendo muitos debates sobre a matança dos animais, os quais eram

considerados, pelos planejadores e pecuaristas, de grande importância para o desenvolvimento

econômico da Baixada Maranhense28

.

A Emenda Constitucional apresentada pelo Deputado Juarez Medeiros (PSB) além de

estabelecer que os campos de servidão pública da Baixada Maranhense se tornassem

inalienáveis, pretendia retirar as cercas que cada vez mais avançavam nos campos inundáveis.

Alguns criadores se justificavam dizendo que seus animais estavam sendo criados em suas

propriedades particulares; o que na verdade, não era propriedade deles, e sim campos de

servidão pública. Em plenário, Juarez Medeiros afirma:

Portanto vamos tentar colocar no texto constitucional, e solicitamos

até o apoio de V. Exª. e dessa Casa para esses dois pontos. Primeiro a

proibição da criação de gado bubalino nos campos de servidão

pública; e segundo a inalienabilidade desses campos que são de

domínio público. (MARANHÃO: 1990, p. 09) 29

.

28 Requerimento e justificativa do Deputado José Genésio (PFL) apresentação em plenário no dia 14.02.1989. 29 Discurso do Deputado Juarez Medeiros (PSB) na Assembléia Constituinte em 15.02.1989.

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Porém, em posições opostas, apresentavam-se, também, opiniões divergentes sobre a

criação de búfalos, como a do Deputado Mário Carneiro (PFL):

Srs. Deputados eu ouvi atentamente em uma Sessão anterior, a

discussão do Deputado Juarez Medeiros. E hoje veio tratar do mesmo

assunto, o Deputado José Genésio, sobre o problema da criação de

búfalos nos campos da Baixada Maranhense. Eu quero dizer aos

nobres deputados, que concordo com o que aqui foi levantado, só que

este assunto nós vamos ter grandes oportunidades de debater nesta

tribuna, porque como nós defendemos aqueles que usam os campos

da Baixada, como usam os chapadões do sertão, como usam a Região

dos cocais, como, enfim, usam todo território do Estado do

Maranhão, devemos disciplinar as suas ações para que não tenhamos

prejuízos em ambas as partes. Mas, trazendo especificamente e

comentando especificamente o problema do búfalo na Baixada

Maranhense que nós vamos ter oportunidade na Constituição de

disciplinar a criação de búfalos na Baixada Maranhense, eu gostaria

de externar a esta Casa e aos nobres companheiros, de que o rebanho

bubalino na Baixada Maranhense, ele se constitui na maior fonte de

alimento existente naquela região. Quem conhece a criação de

búfalos, quem conhece o rendimento alimentício do búfalo, pode

muito bem, em um debate mostrar a sua grande utilidade, pode muito

bem dirigir as dúvidas e não considerar o búfalo como sendo o

animal perverso, como sendo um animal destruidor, como sendo

aquele animal que em nada contribui para o bem do povo. Não é

verdade, que tudo ele destrói. Quem desejar conhecer de perto o que é

o criatório do bubalino, como é o criatório do bubalino, como é o

criatório bovino, suíno, eqüino e caprino, pode muito bem chegar a

uma conclusão de que, na realidade, estão fazendo tempestade em

copo d’água. (...) Não devemos sacrificar aleatoriamente a criação de

búfalos, em detrimento de outras criações, que talvez não contribuem

com 1/5 do que a criação de búfalo contribui (MARANHÃO: 1990,

p.14 )30

.

O deputado José Genésio (PMDB), segue com o seguinte comentário:

Deputado, a minha preocupação, digo, nossa, não é a permanência

do búfalo, não é a maneira de como é criado o búfalo. A nossa

preocupação é que V. Exª. conhece inclusive o campo de São Bento e

Perimirim. V. Exª. é sabedor que a grande população daqueles

municípios, Palmerândia, Perimirim, Bequimão, São Vicente de

Ferrer, depende para sua sobrevivência daqueles campos. Então veja

bem, a conseqüência do búfalo é o arame que está tomando conta dos

campos. Quem se desloca, por exemplo, de São Vicente de Ferrer até

30 Palavras proferidas pelo Deputado Mário Carneiro (PFL) em 15.02.1989

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São Bento, é conhecedor que ali era um campo aberto e hoje está a

menos de três metros da estrada a cerca do arame. (...). O que ocorre

é que com essa crise do búfalo, que é uma minoria, são os chamados

fazendeiros proprietários do búfalo, porque o búfalo é criado avulso

naquela área e com essa situação criada hoje o que acontece? Eles

simplesmente estão se apropriando das áreas do campo como uma

maneira de dizer, bem o búfalo está preso. (MARANHÃO: 1990, p.

14)31

.

Como já foi mencionado acima, para defesa dos interesses dos criadores, o ato da

matança dos búfalos foi apresentado, também, na Assembléia Constituinte como um ato de

vandalismo e terrorismo praticado pelos trabalhadores rurais:

Srs. Deputados só estão matando as fêmeas, as fêmeas grávidas, foi

essa a denúncia que recebemos, com a seguinte colocação, porque

matando as fêmeas grávidas, já estão matando dois de uma vez só.

Ora Sr. Presidente, Srs. Deputados, isso é terrorismo, isto é

vandalismo é a invasão da propriedade particular. Quando invadiram

a propriedade do deputado José Genésio, a propriedade toda era

cercada, e não foram os moradores de dentro da propriedade que

fizeram aquele vandalismo, foram os moradores do município,

inclusive estão presos, porque foram considerados desviadores dos

búfalos, ou seja, os ladrões de búfalos da Baixada.(...). Se existe

roubo de búfalos, que sejam presos os ladrões, se existe invasão da

propriedade que sejam presos os que invadem a propriedade, se os

búfalos invadem a roça, o açude que os criadores segurem os seus

búfalos, mas não é essa a solução do problema (MARANHÃO, 1990:

26-28)32

.

Determinados discursos são explicitamente a favor dos interesses dos criadores de

búfalos, como o trecho seguinte da fala do Deputado Francisco Camêlo (PFL):

(...) temos a obrigação e o dever de aquelas pessoas que nos

procuram pela Associação dos Criadores de Búfalos, fomos

procurados ouvimos as suas reclamações, reclamações justas

entendemos nós que a matança indiscriminada, que vem causando ao

seu patrimônio, isso é coisa pra se lamentar, pra se repudiar porque

conflito existente na Baixada Maranhense, existem grupos tirando

proveito, esse grupo que está roubando búfalos e está botando o

caboclo contra o criador, e o criador contra o caboclo da Baixada

Maranhense, essas sabem jogar uma pessoa contra as outras. E tem

colegas nossos que não entendem essa situação, permanece a lutar

junto com essas pessoas, inflamando cada vez mais o clima de

31 Deputado Mário Carneiro (PFL) em 23.02.1989.

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violência da Baixada Maranhense, clima tal que deixa até os

criadores impossibilitados de participar de reuniões porque o clima é

tão tenso que os criadores se sentem quase como criminosos, por

terem a sua fazenda, o seu bem depredado (MARANHÃO, 1990:

330).33

O Deputado Mário Carneiro (PFL), se expressa contra a proibição da prática da

pecuária bubalina:

O Deputado Juarez Medeiros está muito preocupado com o conflito

dos búfalos na Região da Baixada, na região de Anajatuba, quer tirar

proveito eleitoreiro porque não é isso que está acontecendo na

Baixada Maranhense. Pena que ele não está hoje aqui. Conversamos

com os criadores de búfalos, os criadores de búfalos estão

constantemente em reunião com o Secretário de Agricultura e não vê

em momento algum o aludido oferecer ou dar opinião para a solução

do problema. Ora ele quer que cerque, ora ele não quer que cerque as

terras, ele se diz contrário em determinados momentos e favorável em

outros. (...) porque o Deputado José Genésio pediu uma comissão

para ir a Anajatuba, nós já fomos mais longe procuramos nos inteirar

e nos encontrar, o Deputado Carlos Braide, está em constante contato

com o prefeito, o qual foi eleito dentro do seu partido, o deputado

Carlos Braide está preocupado com a real situação, inclusive já

temos opiniões bem avançadas a respeito do assunto, não estamos

aqui, Sr. Presidente e Srs. Deputados, constituinte que somos para

tirar proveitos eleitoreiros de determinadas situações respaldado e

amparado por temas constitucionais procurar, querer explorar aquele

que está lá nos campos de Anajatuba, nos campos da Baixada

Maranhense, se julgando dono da situação como se fosse só, e a

situação daqueles que os búfalos invadem o seu açude e sua roça e

eles é que estejam certos e os demais estejam errados. Não é por aí

que nós vamos solucionar o problema, matando quem produz alguma

coisa e libertando e dando guarida àqueles que, na maioria das vezes

produzem muito pouco, não somos dessa opinião que matam nem um

e nem outro. Sr. Presidente, Srs. Deputados, é necessário que o

deputado que discute o assunto do búfalo (Deputado Juarez Medeiros

- PSB), que é o Deputado que discute o assunto da cerca, se desloque

até Anajatuba e veja a mortandade indiscriminada (MARANHÃ0,

1990:26).

É possível observar, inclusive, que a oposição à aprovação da Emenda Constitucional

justificava o cercamento dos campos como uma medida de segurança, como indica os

discursos dos Deputados Francisco Camêlo (PFL) e Mário Carneiro (PFL) a seguir:

33 Discurso proferido pelo Deputado Francisco Camêlo em 23.02.1989.

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Eu queria também fazer um esclarecimento aqui para as pessoas que

estão viajando para o lado de Viana e que verão os lagos de Viana

cercados de um lado e do outro, não pensar que as pessoas estão

cercando os lagos privatizando-os a intenção não é essa, aquilo é

uma exigência do DNER (Departamento Nacional de Estradas e

Rodagens), para que o búfalo, não venha para a pista é uma

exigência do DNER. Não é que as pessoas estejam cercando os

campos para a criação de animais. Está havendo um mal-entendio

nesse sentido.

É importante o diálogo, muita gente está sabendo dessa providência

que estão sendo tomadas pelos criadores e pelo DNER que está

exigindo isso, para que não haja acidente, para que os animais não

fiquem na pista, e muita gente está interpretando mal. Eles estão

cercando os campos, por exemplo, o campo de Jaçanã. Aquilo é

proteção para as estradas para que não haja acidentes. Essa é uma

das justificativas daquelas cercas que existem nos campos de Penalva

até Pinheiro (MARANHÃO, 1990: 34)34

.

Em concordância com o companheiro de partido político, o Deputado Mário Carneiro

(PFL) proferiu as seguintes palavras: “Como existe em toda a estrada federal cerca de um lado

e do outro V. Exa. observará também na Baixada Maranhense” (Idem).

Por sua vez, os proprietários de fazendas e criadores de búfalos justificavam o avanço

das cercas com a alegação de que o cercamento de novas áreas seria uma forma de proteger as

comunidades residentes nos campos inundáveis, próximas da atividade de bubalinocultura.

Diante desse cenário, se configura as tensões na luta pelo acesso e apropriação do território

dos campos e de seus recursos naturais.

Defendendo uma legislação que discriminasse a criação de búfalos e o cercamento dos

campos na Baixada Maranhense, a Deputada Conceição Andrade (PSB), fez o seguinte

discurso:

Se eu crio o gado eu tenho que ter terra pra criá-lo e tenho que ter

terra particular para poder cercar. Nada justifica uma cerca em

terras públicas. Mesmo porque V. Exa. sabe que a partir de um ano e

um dia, pela Legislação Federal, a pessoa já passa a ter posse, então

uma cerca, mesmo que fosse alegada necessidade de cerca para o

búfalo não adentrar as pistas federais e estaduais, mesmo nessas

circunstâncias nós já estaríamos agravando o problema pelo fato de

haver uma legislação federal que garante o direito de posse, a partir

de um ano e um dia que a pessoa se fixa na terra ou então demonstra

a utilização da terra. Primeiro ponto, os campos de servidão pública,

34 Deputado Francisco Camêlo (PFL).

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conseqüentemente são terras devolutas e conseqüentemente, não

devem ser cercadas pra que aja criação de búfalos. Segunda coisa,

quem cria tem que ter terras particulares para criar. Se diante do

quadro e diante da realidade maranhense houver a necessidade de

uma legislação específica que discipline a criação de búfalos em

áreas de servidão pública, aí tem que ter uma legislação específica,

por que? Porque o búfalo danifica o ecossistema e além de danificar

o ecossistema impede que aquelas pessoas que utilizam o campo como

meio de sobrevivência e V. Exa. sabe que são milhares de pessoas que

utilizam o campo a nível de pesca e todo o material usado por

exemplo, numa pescaria o búfalo destrói, come e isso prejudica

milhares e milhares de famílias. (MARANHÃO, 1990: 37).

De forma semelhante, o Deputado Juarez Medeiros (PSB) afirmou:

Sr. Presidente, Srs. Deputados, nós não podemos esconder que estes

campos utilizados secularmente por toda população, por gerações e

gerações que tem tirado desses campos da Baixada fonte de seu

sustento. Nossa proposta é que esses campos sejam, portanto,

indisponíveis e o seu uso seja disciplinado em lei, que assegure as

formas comunais de utilização e que garantem a preservação do Meio

Ambiente. Esta é em suma, a proposta do PSB. Mas Sr. Presidente,

Srs. Deputados, nós não podemos desconhecer que estes campos, ao

longo dos últimos anos têm sofrido a invasão do gado bubalino que

compete naquela região diferentemente dos outros tipos de rebanho,

como o gado bovino, gado suíno, eqüino e outros tipos de rebanhos. E

é justamente atendendo a essa dita população da Baixada, que

também fizemos colocar na nossa proposta, o seguinte ponto: fica

proibida a criação de gado bubalino nos campos referidos no artigo a

partir de um ano de promulgação desta Constituição. (...) Sr.

Presidente, Srs. Deputados o gado bubalino é importante para a

economia do estado, são mais ou menos duzentas mil cabeças de gado

bubalino é o segundo rebanho do Brasil, perdendo apenas para o

rebanho do Pará, contribui com o produto interno bruto para o

Estado do Maranhão, este é o lado econômico, sem ver o lado social,

o gado bubalino pode ser criado por todos os fazendeiros, só não

pode é ser criado de maneira indiscriminada causando danos a José,

a Maria, a João (MARANHÃO, 1990: 05).

Continuando, o Deputado Juarez Medeiros (PSB) se dizia representante do trabalhador

da Baixada:

(...) nesta questão dos búfalos, eu sou um representante daqueles que

não cria búfalo. Portanto, temos direito de termos posições

divergentes, antagônicas, e discutiremos essa posição

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democraticamente. Não impedindo, no entanto, que sejamos capazes

de entender uns argumentos dos outros. Gostaria, no entanto, de dizer

o seguinte: os problemas relacionados com a criação de búfalos nos

campos da Baixada, eles remontam, ainda, ha década de 70, quando

aconteceram os primeiros grandes conflitos, envolvendo criadores,

envolvendo pescadores e lavradores. (...) No ano passado o

Governador Epitácio Cafeteira fez distribuir via SECOM, está

publicado em todos os jornais do mês de junho, salvo engano uma

reportagem em que ele ainda dizia textualmente o seguinte, na coluna

Estado Maior do jornal oficioso: “ou o Maranhão acaba com os

búfalos, ou os búfalos acabam com a Baixada” (MARANHÃO, 1990:

40).

O Deputado Mário Carneiro (PFL), por sua vez, se assume como criador de búfalos,

mas, no entanto, diz não defender causa própria:

Eu sou criador de búfalos, não estou advogando em causa própria. V.

Exa. se diz defensor do agricultor daquelas regiões do campo da

Baixada, onde, também, eu me coloco em defesa porque naquela

região dou emprego e dou assistência àqueles que a minha

propriedade e as propriedades vizinhas estão ligados a mim. E vivo o

problema social, porque participo da vida cotidiana daqueles

lavradores e agricultores daquela região. E o antagonismo se acentua

mais, quando eu me considero um produtor de alimentos e V. Exa.,

um produtor de idéias. E a solução aí está, à vista de todos nós, ela

está a ponto de nós nos sentarmos à mesa, e não deixarmos que

nossos irmãos criadores e lavradores se digladiem, para o êxito

daqueles que incentivam aquela digladiação. O que nós não podemos

deixar acontecer, Sr. Presidente, Srs. Deputados, é que nossos irmãos

se digladiarem como está acontecendo nos campos de Santa Rita e

nos campos de Anajatuba (MARANHÃO, 1990: 41).

Depois de várias discussões e muita polêmica na Constituinte Estadual de 1989, houve

uma forte pressão por parte dos criadores. Primeiramente, houve a proposta de que a retirada

dos búfalos se daria dois anos após a promulgação da Constituição, depois o prazo para a

retirada dos búfalos foi dilatado para três anos após a promulgação. Finalmente, as partes

interessadas entraram em um acordo ficando estabelecido, na Emenda Constitucional Nº.

005/91, que a retirada dos búfalos das áreas públicas da Baixada dar-se-ia no prazo máximo

de um ano depois da discriminação feita pelo Estado das terras dos campos inundáveis que

teria, também, o prazo de um ano após a promulgação da nova Carta para executar esse

trabalho.

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A Constituição Estadual foi promulgada em 05 de outubro de 1989. Quanto à

preservação ecológica da Baixada Maranhense, a Constituição é taxativa. No Art. 24, do Ato

das Disposições Constitucionais Transitórias, está caracterizado o seguinte:

“As áreas das nascentes dos rios Parnaíba, Farinha, Itapecuruzinho, Pindaré, Mearim, Corda,

Grajaú, Turiaçu e ainda os campos naturais inundáveis das Baixadas Ocidental e Oriental

Maranhenses serão limitadas em lei como reservas ecológicas”.

No mesmo Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, o art. 46 prevê o

seguinte:

O criador de gado bubalino, no prazo previsto no § 2º do art. 24 do Ato das

Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição do Estado, deverá efetuar a retirada dos búfalos que estejam sendo criados nos campos públicos

naturais inundáveis das Baixadas Ocidental e Oriental Maranhenses,

observadas as condições estabelecidas nos §§ 1º e 2º deste artigo.

Esses referidos parágrafos dizem o seguinte:

§1º - A retirada dos búfalos dar-se-á imediatamente após o julgamento dos

processos discriminatórios administrativos ou judicial, cabendo ao Poder Executivo a adoção de medidas para o cumprimento do disposto neste

parágrafo.

§ 2º - Das áreas definidas nestes artigos que tenham sido discriminadas até 05 de outubro de 1991, a retirada dos búfalos dar-se-á improrrogavelmente,

no prazo de seis meses a contar dessa data.

§3º - Encerrado o prazo a que se refere o “caput” deste artigo, não será

permitida a criação de gado bubalino nas Baixada Ocidental e Oriental

Maranhense, ressalvando o direito de proprietários de terras particulares

legalmente registradas e reconhecidas pelo Estado, desde que o criatório se processe em regime de propriedade cercada.

O Art. 265 da referida Constituição complementa: “O Estado e os Municípios

disciplinarão a criação do rebanho bubalino, para conciliar essa atividade com os interesses do

pequeno produtor rural e da pesca artesanal”. E, finalmente, o Art. 195 da mesma

Constituição, determina: “São inalienáveis os campos inundáveis das terras públicas e

devolutas de domínio do Estado, e o seu uso será disciplinado por lei, que assegurará as

formas comunais de sua utilização e a preservação do meio ambiente.”

Apesar da Constituição Estadual prever a retirada das cercas e dos búfalos das terras

públicas e a preservação dos campos naturais, esse é um problema que ocasionou sérios

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conflitos nas décadas de 1980 e 1990, e que, ainda, continua presente na região. Com a

finalidade de definir quais terras eram públicas e privadas, o Estado iniciou a discriminatória

dos campos da Baixada Maranhense. Porém as duas únicas ações discriminatórias da Baixada

encaminhadas ao Ministério Público, no início da década de 1990, foram paralisadas por

ações judiciais por parte dos criadores.

A discriminatória ainda foi iniciada e um criador entrou com mandato judicial e uma liminar lhe foi concedida suspendendo os trabalhos que até

hoje não foram reiniciados. A cada ano, o número de animais soltos no

campo aumenta. Os pequenos lavradores protestam, porque se sentem acuados, impossibilitados de colher o que plantaram (Jornal Pequeno,

01.04.2004).

Na figura a seguir (Figura 08) é possível observar como a prática da criação de búfalos

na Baixada Maranhense, ainda, se constitui em uma atividade econômica expressiva tanto no

Maranhão como a nível nacional, pois se trata da divulgação comercial de duas fazendas no

Maranhão. A comercialização do gado bubalino é publicada ao nível nacional em um boletim

informativo da Associação Brasileira de Criadores de Búfalos.

FONTE: ABCB - Boletim do Búfalos Nº 02/junho de 2005.

Figura 08: Anúncio comercial de fazendas em que é desenvolvida a

prática da criação de búfalos no Maranhão.

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De acordo com a Lei Estadual nº. 5.047/90, os campos naturais da Baixada Ocidental e

Oriental Maranhense são considerados áreas de preservação ou conservação ecológica,

proibindo as atividades econômicas e a aquisição a particulares, sendo permitido apenas o

usufruto comum; e sendo admissível a pesquisa científica, o lazer de forma racional e a

educação ambiental.

A Constituição Estadual ressalta ainda, no seu Art. 246, que: “O Ministério Público

atuará na proteção e defesa do meio ambiente e do patrimônio paisagístico, cultural, artístico e

arqueológico”.

Apesar da Lei Estadual Nº 5.074, de 20 de dezembro de 1990, estabelecer no Art. 07

que: “os criadores de gado bubalino terão o prazo improrrogável de um ano para efetivar a

retirada dos búfalos que estejam sendo criados soltos nos campos públicos”, na opinião de

Almeida (1995: 58):

Tal prazo, entretanto, tem sido prorrogado e a tensão social nestas áreas

encontra-se agravada. Segundo dados do Instituto de Pesquisas Econômicas

e Sociais (IPES) existiam em 1992 cerca de 169.903 cabeças de bubalinos pastando nos campos públicos da Baixada Maranhense. A elevada densidade

provoca danos irreparáveis ao meio ambiente.

De acordo com o mesmo autor, em setembro de 1993, reuniram-se sessenta lavradores

e pescadores no município de São Bento, representando os Sindicatos de Trabalhadores

Rurais de Pinheiro, Vitória do Mearim, Bequimão, Palmeirândia, Santa Rita, São Bento,

Viana, Santa Helena, Alcântara, Peri-Mirim, Matinha, Cajari e Rosário para discutir que

providencias tomar mediante a permanência ilegal dos búfalos nos campos naturais. Dentre as

medidas aprovadas na assembléia final, destacou-se: a retirada imediata dos búfalos dos

campos naturais da Baixada, a retirada definitiva das cercas dos campos naturais, que de

acordo com a Constituição Estadual de 1989 seriam terras públicas: incentivos à conservação

dos campos e seu repovoamento com peixes, bovinos e aves de caça; e a utilização dos

campos para a agricultura de vazante.

4.4 O Ministério Público Estadual na atuação e cumprimento da legislação ambiental na

Baixada Maranhense

Em 2003, o Ministério Público do Estado do Maranhão criou o Grupo de Proteção

Ecológica da Baixada Maranhense (GEPEC), composto por 21 promotores objetivando

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atender 40 municípios da Baixada Maranhense. O GEPEC foi instituído pela Procuradoria

Geral de Justiça do Ministério Público do Estado do Maranhão, por meio do Ato nº 3.254, de

05 de junho de 2003 e está voltado para a preservação, reparação e repressão aos danos

causados ao meio ambiente (MARANHÃO, 2003).

É composto pelos titulares das promotorias da Baixada Maranhense, que têm a

atribuição de promover ações judiciais e extrajudiciais necessárias para a tutela do meio

ambiente, na ampla acepção natural, urbanística e cultural que disciplina as ações dos

Promotores de Justiça do Meio Ambiente. Fazem parte do GEPEC, as Promotorias de Justiça

das comarcas de Alcântara, Anajatuba, Arari, Barreirinhas, Bequimão, Cedral, Cururupu,

Guimarães, Humberto de Campos, Icatu, Matinha, Penalva, Pinheiro, Rosário, Santa Helena,

São Bento, São João Batista, São Vicente Férrer, Viana, Vitória do Mearim e Turiaçu.

O GEPEC criou quatro projetos em defesa dos campos naturais, o primeiro diz

respeito à ação discriminatória para serem demarcadas as terras públicas; o segundo trata da

disciplina da criação de búfalos, fazendo cumprir a legislação que proíbe a criação do animal

solto nos campos públicos da baixada; o terceiro projeto estuda uma forma de desfazer as

cercas que têm avançado por grandes áreas nos campos de preservação; e, por último, o

quarto busca desenvolver um trabalho de conscientização popular para o homem do campo.

A discriminação dos campos públicos da Baixada Ocidental Maranhense. É um

projeto que trata da questão da regularização fundiária, envolvendo o processo de

discriminação dos campos inundáveis da Baixada Maranhense, ou seja, definindo o que é

público e o que é privado. Visa sensibilizar governo e sociedade para o problema fundiário e

ambiental decorrente do uso indiscriminado dos campos públicos inundáveis. Para o GEPEC,

a falta de discriminação desses campos é o problema central dos conflitos sócio-ambientais

existentes naquela região, especialmente quanto ao uso e a ocupação da terra. Afirma-se que

há necessidade de deflagração dos processos discriminatórios, devendo tal medida ser cobrada

do Estado do Maranhão, com base no art. 46, parágrafo primeiro, do Ato das Disposições

Constitucionais Transitórias da Constituição do Estado do Maranhão.

Houve o início da discriminatória das terras da Baixada Maranhense por parte do

Estado, porém, como já foi mencionado anteriormente, em função de dois proprietários rurais

terem entrado com pedido de liminar na justiça alegando ilegitimidade na propositura das

ações discriminatórias, o processo encontra-se paralisado.

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A iniciativa da retirada dos búfalos dos campos públicos da Baixada e de

disciplinamento de sua criação em áreas particulares, está ligada diretamente à criação de

búfalos na Baixada Maranhense e ao uso do instrumento Ações Civis Públicas, por intermédio

do GEPEC. O objetivo deste projeto é reprimir a criação extensiva e abusiva de búfalos nos

campos públicos da Baixada Maranhense, em respeito à legislação federal e estadual. Com

isso espera-se do Poder Público o disciplinamento, por lei, da criação de búfalos na região,

com normas de zoneamento ambiental e de uso dos campos públicos. Embora a introdução de

gado bubalino na Baixada Maranhense tenha tido início há mais de cinqüenta anos, os danos

ambientais causados pela criação extensiva têm sido a causa de inúmeros conflitos

socioambientais.

De acordo com o Ministério Público do Maranhão, embora o art. 6º do Decreto

Estadual nº 11.900/1991, vede expressamente a criação extensiva do gado bubalino na APA

da Baixada Maranhense, nunca houve o cumprimento dessa norma. Para avançar com a

iniciativa do projeto, o GEPEC verificou o rebanho e a identificação dos criadores que

criavam búfalos de forma extensiva. Então, por meio da estratégia articulada entre seus

membros, elaborou, inicialmente, notificações extrajudiciais aos proprietários de gado

bubalino para que confinem os animais nas suas propriedades, seguidas por notificações

judiciais alertando para a ilegalidade da criação extensiva de búfalos e a necessidade de seu

confinamento nas propriedades particulares.

Como atuação judicial, o projeto envolve ainda as ações civis públicas para obrigar

proprietários e posseiros a retirar os búfalos dos campos públicos; além de ações penais pela

prática do delito previsto no art. 40 da Lei de Crimes Ambientais35

, uma vez que a Baixada

Maranhense é uma unidade de conservação. Apesar de resistências políticas, atualmente estão

tramitando aproximadamente trezentas ações civis públicas dessa natureza.

A retirada de cercas dos campos públicos e Áreas de Preservação Permanente é um

projeto que visa promover a retirada de cercas colocadas ilegalmente nos campos públicos da

Baixada Maranhense e das Áreas de Preservação Permanentes (APP), por meio de notificação

aos proprietários e posseiros, informando e alertando sobre a ilegalidade da manutenção e

colocação dessas cercas. Como atuação judicial, o projeto prevê ainda as ações civis públicas

para retirada das cercas e ações penais pela prática dos delitos previstos na Lei de Crimes

Ambientais.

35 Lei nº 9.605 de 1998.

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A conscientização popular sobre os problemas ambientais e fundiários dos campos

públicos da Baixada Maranhense é o projeto que tem o objetivo de promover a

conscientização da população quanto aos aspectos legais, ecológicos, econômicos e sociais da

Baixada, por meio da realização de audiências públicas. Em apoio ao trabalho, o GEPEC

editou a cartilha intitulada “Ajudando a preservar a Baixada”, a qual traz informações sobre

meio ambiente, ecossistema, cadeia alimentar, como preservar os recursos naturais, leis de

proteção ambiental, além de mostrar a importância da participação dos moradores na defesa

do meio ambiente e como denunciar danos e crimes ecológicos. Aponta, também, as

principais causas de problemas ambientais da Baixada Maranhense, com destaque para a

criação extensiva de búfalos, existência de cercas nos campos inundáveis, desmatamento dos

mangues, pesca predatória e queimadas.

Apesar da legislação e da atuação do Ministério Público Estadual, os conflitos

relacionados à criação de búfalos nos campos da Baixada Maranhense ainda é um problema

presente no campo. São os conflitos causados pelos mesmos motivos das décadas anteriores e,

que incentivaram a inclusão dessa legislação na Constituição promulgada de 1989. Embora,

exista o amparo legal aos trabalhadores rurais da Baixada Maranhense, no que diz respeito á

retirada dos búfalos do campo, o problema causado pela criação do animal, continua a afetar o

homem do campo e a Constituição é desrespeitada.

De acordo com o estudo de Bernardi (2005), a criação de búfalos ainda está muito

disseminada na maioria dos municípios da APA da Baixada Maranhense, embora tenha maior

destaque nos municípios de Viana, São João Batista, Matinha, Cajari, Arari, Pinheiro e Olinda

Nova do Maranhão.

Os problemas sociais e ambientais relacionados com a criação de búfalos continuam

presentes no campo maranhense, muito embora, é plausível ressaltar aqui que houve uma

expressiva redução do número de búfalos presentes na região da Baixada Maranhense a partir

de 1992, após a aprovação da legislação que trata do disciplinamento da pecuária bubalina, o

que não exclui totalmente a ocorrência dos conflitos sócio-ambientais, até porque, não se tem

uma cobertura midiática como aconteceu no final da década de 1980 com a “matança dos

búfalos”.

E, ainda, de acordo Lima e Tourinho (1995: 76), a diminuição do rebanho bubalino

nos campos da Baixada Maranhense ocorreu porque os fazendeiros criadores de búfalos

começaram a se sentirem inseguros em manterem os seus rebanhos. “Dizem que, por ocasião

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da matança de búfalos não lhes foi dado garantia de vida pessoal, nem aos seus rebanhos, e se

consideram expostos a novos vandalismos, enquanto perduram o Art. 46 da Constituição do

Estado e os Decretos nº 11.900 e 11.901”.

Portanto, essa afirmativa indica que dois fatores contribuíram com a diminuição do

rebanho bubalino nos campos inundáveis da Baixada Maranhense: “a matança de búfalos” e a

conseqüente Lei que proíbe a criação dos animais soltos nos campos. Entretanto, apesar do

número de cabeças de búfalos ter se reduzido consideravelmente, se comparado com o

número existente na década de 1980, em função dos inúmeros conflitos entre criadores e

trabalhadores rurais, tais conflitos persistem na Baixada Maranhense e, a partir de 2001, é

possível constatar uma elevação, mesmo que ainda pequena, do número de cabeças de búfalos

existentes no Maranhão (ver Gráfico 01).

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir da pesquisa desenvolvida, considero que a pesquisa científica não pode ser

dada como concluída e acabada, não estaremos falando aqui em conclusões ou término da

pesquisa. A pesquisa em questão se encerra com possibilidades de questionamentos, cujas

respostas só serão possíveis a partir de avanços futuros da investigação. De acordo com

Bourdieu (1998) o objeto de pesquisa não se encontra pronto e acabado, é durante a

investigação que o objeto é construído, e à medida que o objeto de pesquisa vai sendo

construído surgem outras necessidades na investigação e indagações que não limitam a

pesquisa, ao contrário, instigam um maior aprofundamento e enriquecimento da mesma.

A atividade da bubalinocultura acarretou os conflitos sócio-ambientais na região da

Baixada Maranhense. Os conflitos sócio-ambientais se acirram, principalmente, a partir da

década de 1980, quando os trabalhadores rurais de toda baixada se organizam exigindo dos

órgãos governamentais a retirada dos búfalos do campo. Não sendo atendidas as

reivindicações, os trabalhadores rurais de vários municípios da Baixada Maranhense se

organizaram e decretaram a “matança dos búfalos”, como forma de extinção do animal dos

campos e para a manutenção dos recursos naturais dos quais dependem seu sustento.

Somos conscientes das limitações em relação ao presente trabalho. Limitações

causadas tento pela difícil tarefa na busca da bibliografia escassa relacionada ao objeto

estudado, como da sistematização e análise dos dados. Porém, o objetivo principal deste

trabalho foi levantar e analisar como se configuraram os conflitos sócio-ambientais entre

fazendeiros criadores de búfalos e trabalhadores rurais, em razão da criação de búfalos de

forma desordenada nos campos naturais inundáveis da Baixada Maranhense, a partir da

década de 1960.

Após as lutas e reivindicações, os trabalhadores rurais conseguiram, no final da década

de 1980, que a Assembléia Constituinte de 1989 colocasse em discussão a retirada dos

búfalos dos campos naturais. Dessa forma, foi aprovada a Emenda Constitucional que

determina a proibição da bubalinocultura nos campos públicos e que a retirada dos búfalos

soltos nos campos se daria em no máximo dois anos após a promulgação da Constituição.

Apesar do amparo legal, os trabalhadores rurais de vários municípios da Baixada Maranhense,

continuam a enfrentar os mesmos problemas relacionados à prática da criação de búfalos, que

enfrentaram nas décadas anteriores.

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Apesar de ter sido iniciada a ação discriminatória pelo Ministério Público Estadual em

alguns municípios da Baixada Maranhense, o processo encontra-se paralisado, em função de

pedido de liminar, por parte dos pecuaristas, o que retrata a ineficiência da intervenção

governamental e falta de interesse político em solucionar a problemática ocasionada pela

criação de búfalos. Com isso, como não estão definidas oficialmente quais são as áreas

públicas e privadas dos campos de uso comum, a legislação ambiental não tem sido

respeitada. O avanço de cercas sobre os campos naturais, para a criação extensiva de búfalos,

vem reduzindo a obtenção de recursos naturais aos trabalhadores e pescadores, pois dificulta o

acesso das comunidades aos lagos da região.

Entretanto, houve uma expressiva redução do rebanho bubalino no Maranhão, após o

ano de 1991, período posterior ao acontecimento da “matança dos búfalos” e promulgação da

Constituição Estadual de 1989. De acordo com a pesquisa realiza por Lima e Tourinho

(1995), em 1995 a situação entre os bubalinocultures era “desoladora” se comparado com o

ano de 1988: fazendeiros que possuíam 1.500 cabeças de búfalos estavam com o rebanho

reduzido a pouco mais de 200 reses. Pois, para diminuírem os prejuízos acarretados pelo

movimento de “matança de búfalos”, se desfizeram dos animais, às pressas, vendendo-os,

inclusive para outros Estados, sendo beneficiados pela isenção especial do imposto de

exportação de búfalos, concedido pelo governo, a título de facilitar o cumprimento das

determinações contidas na Constituição.

De acordo com levantamentos feitos na pesquisa observou-se que em alguns

municípios da Baixada Maranhense a prática da criação de búfalos é realizada somente

através do sistema de pecuária intensiva, ou seja, em manejo em propriedades particulares.

Como exemplo, podemos citar aqui os municípios de Anajatuda, Santa Rita e Rosário. Já em

outros municípios, como Pinheiro, Arari e Viana, os problemas com a pecuária extensiva,

assim como o cercamento dos campos públicos de usufruto comum para criatório dos

animais, são muito evidenciados. É possível observar no quadro abaixo (Quadro 02) que nos

municípios de Pinheiro, Viana e Arrari o números de cabeças de búfalos existentes nestes

municípios são maiores após o ano de 1991, se comparados com os municípios de Anajatuba,

Santa Rita e Rosário:

Foi nesse sentido, foi dessa forma que aconteceu, tiraram todo o gado

búfalo do campo. E aí o resultado foi que essa revolta popular foi

muito importante porque você me acredita? até hoje, até hoje

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ninguém arriscou mais jogar búfalos no campo, em Anajatuba não.

Eu tenho até dito ao pessoal de Viana, Arari, Pinheiro, aquela região

que eu vejo o gado solto destruindo os campos, roças. Eu tenho dito:

olha se fosse em Anajatuba, o que eu vi lá, eu tenho certeza que esse

problema na estaria mais acontecendo, porque em Anajatuba não há

quem criem búfalos soltos, quem tem búfalo é em manejo (Sebastião

Lisboa, ex-Presidente do STR de Anajatuba, entrevista concedida em

20/07/2008).

Quadro 02: Número de cabeças de búfalos por ano e por município no período de 1991 –

2006.

NÚMERO DE CABEÇAS POR MUNICÍPIO

Ano Anajatuba Arari Rosário Santa Rita Pinheiro Viana

1991 - 4.471 1.880 2.250 31.836 23.059

1992 - 894 1.920 2.300 11.143 19.560

1993 - 1.498 1.970 2.360 8.300 13.690

1994 - 1.534 2.025 2.423 6.200 14.040

1995 - 1.563 2.085 2.495 6.500 17.269

1996 814 3.531 75 1.510 4.080 7.095

1997 895 3.572 05 1.504 2.344 7.121

1998 912 3.667 07 1.497 2.348 7.163

1999 930 1.697 08 1.458 2.418 7.206

2000 948 1.645 08 1.481 2.442 7.325

2001 962 1.666 09 1.507 2.686 11.890

2002 885 1.691 10 1.540 2.955 12.247

2003 898 2.042 - 1.550 3.044 11.295

2004 825 2.720 - 1.600 3.196 12.683

2005 837 3.945 - 1.650 3.292 19.190

2006 878 4.103 - 1.730 3.285 21.602

Fonte: www.ibge.sidra.gov.br/bda/tabela. Acesso em 03.03.2009.

Uma explicação que pode justificar essa diferença atual existente entre os municípios

da Baixada Maranhense, no que diz respeito, à forma como é praticada a bubalinocultura, o

números de cabeças de bubalinos existentes e os conseqüentes problemas sociais e

ambientais, está relacionada com a expressividade com que se deram os conflitos relacionados

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com a “matança dos búfalos” em cada um dos municípios. Um sindicalista que participou da

matança dos búfalos no município de Anajatuda dá a seguinte explicação:

Eu acredito que se os trabalhadores rurais desses municípios se

juntassem para fazer o que Anajatuba fez, eu acredito que esses

municípios não estariam passando por esse problema, porque com o

povo, a revolta popular ninguém segura. Ainda mais agora com

respaldo na Lei, na Lei maior do Estado, a Constituição. Tenho

certeza que no momento que a população se mobilizar o problema

tem solução, porque a autoridade não dá solução porque fica do lado

de quem tem dinheiro, poder financeiro, só a sociedade junta pra

combater e resolver problema, e não pode cercar o campo que é

nosso. (...). E hoje não existe mais, nem o gado no campo destruindo

nossas reservas ambientais, nem nossos peixes e mariscos. E tudo

melhorou, tudo melhorou... Esse foi o conflito de maior proporção

que me assustou em minha cidade de Anajatuba, foi mais ou menos

um ano de conflito. O sindicato ainda ficou defendendo os

trabalhadores por mais ou menos cinco anos que tinha que ir pra

audiência em outra comarca, tinha que ir pra Itapecuru, tinha que

fretar carro (Sebastião Lisboa, ex-Presidente do STR de Anajatuba,

entrevista concedida em 20/07/2008).

Portanto, podemos afirmar que, a expressiva mobilização dos trabalhadores rurais

contra a permanência dos búfalos nos campos naturais inundáveis da Baixada Maranhense, os

quais se constituem na fonte de sobrevivência destes trabalhadores, foi o fator determinante

para a diminuição do número de cabeças de búfalos e a aprovação da legislação que disciplina

a prática da bubalinocultura na Baixada Maranhense. Portanto, a partir dos dados com que nos

deparamos e analisamos no decorrer da pesquisa, é possível concluir que, os trabalhadores

rurais obtiveram uma notável vitória quanto aos seus objetivos com a “matança dos búfalos”.

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