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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO REDE DE RELAÇÕES: A TESSITURA DO COTIDIANO DE UM CURSO DE PEDAGOGIA VITÓRIA 2004

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO

CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

REDE DE RELAÇÕES: A TESSITURA DO COTIDIANO DE UM CU RSO DE

PEDAGOGIA

VITÓRIA

2004

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LIZETE BRANDÃO RAMOS

REDE DE RELAÇÕES: A TESSITURA DO COTIDIANO DE UM CU RSO DE

PEDAGOGIA

A minha mãe e a meu pai, pelo zelo na tessitura de nossa identidade. A meu filho, cujo amor e carinho me fazem acreditar num mundo em redes.

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VITÓRIA

2004

LIZETE BRANDÃO RAMOS

REDE DE RELAÇÕES: A TESSITURA DO COTIDIANO DE UM CU RSO DE

PEDAGOGIA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Vitória do Espírito Santo, como requisito para obtenção do título de Mestre em Educação.

Orientadora: Profa. Dra. Martha Tristão

Co-Orientador: Prof. Dr. Carlos Eduardo Ferraço

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VITÓRIA

2004

AGRADECIMENTOS

A Deus – a força maior que impulsiona as descobertas, os sonhos, a coragem e a

tessitura dos saberes na concretização do projeto humano.

À minha mãe, pelas vibrações no inicio dessa caminhada e a saudade no momento

de sua conclusão.

A meu filho Pedro, pela paciência nos momentos de ausência e por inspirar a

esperança de novas conquistas.

À minha família, pelo carinho, pela força e pela cumplicidade tecida ao longo da

vida.

À minha irmã Luzimar pelo carinho nos momentos difíceis e pela troca de idéias e

estímulo.

A Matha Tristão, minha orientadora, pelas intervenções necessárias à concretização

deste trabalho.

Ao Professor Carlos Eduardo Ferraço, pela amizade tecida e partilhada na

caminhada desse curso.

Ao amigo Elmo, pela troca de idéias e conhecimentos na dinâmica desta pesquisa.

À minha cunhada Heloíza Helena, pela inspiração poética e pela disponibilidade de

tempo para revisão do texto.

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A Aparecida Brandão, amiga e colega mestranda pelas intermináveis trocas de

idéias tramadas ao longo do curso.

Ao grupo NOVOS RUMOS, por almejar um futuro melhor para FFPP, sobretudo pela

dignidade na condução de um processo sonhado à luz da transparência, do

colegiado e da ética.

Aos alunos do 7.º período do curso de Pedagogia da FFPP pela adesão e seriedade

assumida neste estudo.

Ao prof. Hiran Pinel por ter acreditado na realização e nas possibilidades desta

pesquisa.

À amiga professora Sônia Passos pelo carinho na revisão detalhada de todo o texto.

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RESUMO Este trabalho evidencia e analisa as práticas discursivas do/no cotidiano do curso de

Pedagogia da Faculdade de Formação de Professores de Petrolina – FFPP, campus

da Universidade de Pernambuco – UPE, identificando as possíveis influências

presentes no campo das redes de significação (culturas) tecidas entre alunos/as e

professores/as, desdobradas e relacionadas às mudanças de paradigmas

vivenciadas na atualidade. Inicialmente, foi narrada a experiência da

professora/pesquisadora, delineando, assim, o foco de interesse que norteou este

trabalho. Na introdução, apresenta-se uma visão global da pesquisa. Em seguida,

procura-se contextualizá-la na dimensão espaço/tempo, apresentando um breve

histórico da cidade de Petrolina, onde está situada a FFPP, local da realização dos

trabalhos desta pesquisa. No plano teórico e histórico, discorre sobre como o

currículo e os estudos culturais foram pensados e suas contribuições para esta

pesquisa. Também, nessa mesma dimensão, define um quadro sobre cotidiano,

identidade, conhecimento em rede, paradigma e hibridismo, tecendo uma

metodologia que incorpora, os elementos determinantes das tendências teóricas

examinadas. Os enunciados merecem destaque à medida em que ilustram os

desdobramentos dos temas, possibilitando chegar-se à conclusão que evidencia a

importância do cotidiano para o currículo e o conhecimento em redes, onde se abre

o entrelugar na tessitura das identidades.

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ABSTRACT

This work up and analyses the discursive practices of the everyday life of the

pedagogy course of the Faculdade de fornação de Professores – FFPP (Teacher’ s

Collge), canpus of the Universidade de Pernembuco – UPE (Pernambuco

University), identifying the possible influences in the field of the meaning network

(cultures) weaves among thhe students and teachers, unfolded and related to the

changes of the stanndard experienced at the present time. At first, it was quoted the

teacher-researchers’ experience, outlining, thus, tde interest focus which conducted

this work. In rhe introduction, we show an overview of the research. Thenn, we look

for to contextualize it in the space/time dimension, presenting a brief history of

Petrolina City, where the FFPP is located, the place of realization of rhe work of this

research. In the theoretical and historical plan, it goes about how the curriculum and

the cultural studies were thought and thei contributions for this research. Also in this

same dimension it defines a picture about ths everyday life, identity, knowledge,

standard and hybridism,weaving a methodology that incorporates, the defined

elemrnts of the examined theoretical trends. The enunciations deserves prominence

in far as they ilustrate the developments of the themes, allowing thhem to reach a

conclision which proves the importance of the everyday life for the curriculum and for

the knowledge, where it opens the place in the weaving of identities.

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sumário

1 MEMÓRIAS TECIDAS EM REDES: UMA TRAJETÓRIA EM

DIFERENTES ESPAÇOS

2 INTRODUÇÃO

CAPÍTULO 1

3 ESPAÇOS EM REDES: IMPLICAÇÕES POLÍTICAS E SOCIAIS

NA TESSITURA DA HISTÓRIA

3.1 A ECONOMIA LOCAL

3.2 AGRICULTURA

3.3 REDES ESCOLARES

3.4 CONTEXTO POLÍTICO

3.5 CULTURA

3.6 UM RIO UMA HISTÓRIA

CAPÍTULO 2

4 CURRÍCULO E ESTUDOS CULTURAIS: ABORDAGENS

TRAMADAS A PARTIR DAS REDES DE RELAÇÕES TECIDAS NA

ESTEIRA DAS TEORIAS

4.1 HISTORIZANDO O CURRÍCULO

4.2 DIMENSÕES HISTÓRICAS NO BRASIL

4.3 ESTUDOS CULTURAIS: DIMENSÕES SÓCIO-HISTÓRICAS

4.4 CURRÍCULO E ESTUDOS CULTURAIS: TESSITURAS

ATUAIS

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CAPÍTULO 3

5 IDENTIDADE, CONHECIMENTO, PARADIGMA E

HIBRIDISMO: REFERENCIAIS QUE TECEM CONCEITOS E

FAZERES EM REDES

5.1 DIFERENÇA E IDENTIDADE

5.2 DIMENSÕES ATUAIS

5.3 NOVO PARADIGMA

5.4 CONHECIMENTO EM REDE

5.5 HIBRIDISMO

CAPÍTULO 4

6 VOZES EM REDES: UM APRENDIZ

6.1 ABORDAGENS METODOLÓGICAS E PROCESSOS VIVIDOS

CAPÍTULO 5

7 TECENDO A ANÁLISE

7.1 O CONTEXTO DO COTIDIANO

7.2 O CONTEXTO DA EDUCAÇÃO

7.3 O CONTEXTO DA CULTURA/PODER

7.4 O CONTEXTO DO CONHECIMENTO/CURRÍCULO

7.5 O CONTEXTO DA IDENTIDADE

7.6 O CONTEXTO PARADIGMÁTICO

7.7 O CONTEXTO DO HIBRIDISMO

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8 INCONCLUSO

9 REFERENCIAS

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1. MEMÓRIAS TECIDAS EM REDE: UMA TRAJETÓRIA EM DIFE RENTES

CONTEXTOS

“No mundo em que viajo, estou continuamente a criar-me”. Frantz Fanon

A epígrafe de Fanon, citada por Homi Bhabha, extraído do livro significativamente

intitulado “O Local da Cultura” (1998), projeta uma imagem do que interrogamos

neste trabalho de pesquisa.

Entendendo que minha tessitura identitária como professora/pesquisadora não se

dissocia da tessitura de minha vida, de me experimentar no entrelugar das formas

complexas, híbridas e miscigenadas, é que percebo importante um mergulho em

minha memória – a memória se torna uma ferramenta para a tessitura não apenas

do passado, mas da própria história. Neste mergulho em que lembrar é rememorar

atitude crítico-reflexiva, que nos possibilita recuperar; no passado, promessas não

cumpridas no presente, ao fazer da rememoração uma arqueologia da memória,

processo, através da minha história, articulando memória e conhecimento, resgata

saberes que a memória registra.

De início, destacamos a convivência familiar como fator relevante, constituinte da

minha própria identidade. Exatamente o que me deu a coragem e otimismo mesmo

quando tudo parecia nostálgico. Não poderia deixar de registrar tão importante fato

no mergulho dessa história que me tece, a cada momento, a pessoa de minha mãe

que apenas cursou os quatro primeiros anos do ensino fundamental e que a tarefa

de juntar letra com letra foi mais do que sons, foi dando sentido ao que foi sendo

tecido socialmente. No seu difícil momento com a perda do filho primogênito,

escreve sua dor, em um livro, com o titulo: “Lembranças e Saudades””. Fui assim

compreendendo que não se cria do nada, não se aprende do nada, mas a partir de

vivências. Como não perceber que os saberes se articulam em redes, em

associações e em processos crescentes de complexidade?

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Como educadora lancei-me à leitura desse livro, em busca de respostas às minhas

práticas pedagógicas.

A convivência com minha falecida mãe, migrante de uma pequena cidade de

Pernambuco - com nome de origem indígena “Óroco” - para uma maior cidade do

interior de Pernambuco, Petrolina – “cidade dos impossíveis” - em busca de melhor

aprendizagem para seus filhos, possibilitou-me uma compreensão dos processos de

sua tessitura de identidade. Sempre a vi projetando as construções ou reformas de

nossa casa, e como Green citado por Bhabha (1998) fazia certas associações entre

certas divisões binárias como superior e inferior. Todos os espaços transformavam-

se no processo de interação simbólica, o tecido de ligação que tece a diferença

(Bhabha, 1998:22). Com meu pai, que aos 93 anos recita, mesmo com sua mente

comprometida pela idade, mas presente sua preocupação com o outro, como tem

sido toda sua vida, com as formas que se excluíam os homens e mulheres desse

nosso nordeste, recitando todos os dias o que de melhor tem sua memória:

De tanto ver triunfar as nulidades De tanto ver crescer as injustiças De tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, O homem desliga das virtudes, Rir-se da honra E tem vergonha de ser honesto. Rui Barbosa

Neste período, estava convencida de que essa dominação econômica tinha uma

profunda influência hegemônica sobre as ordens de informação do mundo ocidental.

A exclusão, vista pelo viés da economia e da honra, tão forte no homem nordestino

de mãos calejadas pela luta diária era uma constante. Tudo isso permitiu que seus

filhos, em constante solidariedade, estivessem sempre à frente dos movimentos

políticos e sociais, lutando pelos seres humanos, impossibilitados de participar dos

processos sociais, daí a participação de sua família no processo político na cidade

de Petrolina.

Nessa rememoração, sou levada a pensar como Souza (2003:253): a cultura da

pobreza, que é a maneira ainda freqüente, como se vê e se explica a existência dos

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sujeitos das classes populares, está associada à falta, à carência, à negatividade.

Para também, como ela, concluir:

A carência exposta na pobreza é expandida para a compreensão da pobreza como uma falta natural e totalizante dos sujeitos que são pobres. Ignora-se que a pobreza é uma condição histórica social e política e, portanto, produto de um sistema de relações que não reduz os sujeitos da pobreza à carência, nem elimina a riqueza e complexidade de suas existências humanas (...)

Nesse espaço familiar, onde o público/privado se misturavam em um único

espaçotempo de tessitura do eu que se faz Outro, minha memória traz a lembrança

da música com a qual fui tantas vezes embalada: “que a gente consegue um sonho

realizar”, sonhos de um mundo melhor com a superação de diferentes formas de

exclusões, mesmo que fosse numa leitura de naturalizar a pobreza.

Outro momento que merece destaque é o da vida escolar, misturado, imbricado e

dedicado à instituição escolar, no cumprimento de variados papéis: estudante em

todos os níveis, como agora, por exemplo, no mestrado; professora, nas diversas

esferas públicas, no ensino fundamental, ensino médio e terceiro grau;

administradora escolar, supervisora escolar, membro da comissão de reformulação

do curso de pedagogia. Nesses diferentes espaços – da escola e da vida social –

toda trajetória profissional e acadêmica foi trilhada.

O exercício dessas funções possibilitou-me conhecer mais de perto a

problematização da exclusão e as possibilidades de inclusão através das quais o

educador procura acreditar num mundo novo, sem fronteiras, onde a diferença seja

de se estar no Outro e não apenas na diversidade, no respeito ao outro. O educador

se faz em constante busca do novo, procurando entender, no cotidiano, a

multiplicidade toda que há dentro de cada um. E essa busca, essa inquietação,

sempre fizeram parte da minha caminhada, durante todo o processo profissional e,

daí, esta pesquisa. Como diz Ferraço (2003:156)

Estamos sempre em busca de nós mesmos, de nossas histórias de vida, de nossos “lugares”, tanto como alunosalunas que fomos quanto como porfessorprofessoras que somos. Estamos sempre retornando a esses “lugares

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(Lefebvre) “entrelugares” (Bhabha), “não-lugares” (Auge), de onde, de fato, nunca saímos (2003:158).

Embora sem saber explicar as sensações e inquietudes, sentia-as no Colégio Nossa

Senhora Auxiliadora, onde cursei o magistério e dei meus primeiros passos na

profissão que abracei. Evidenciavam-se, em sala de aula e na vida, sinais de

discriminação em relação a negros, pobres e diferentes. A escola, de formação

religiosa, não permitia, em suas procissões e novenas, “anjos de cor”. As alunas

escolhidas precisavam ser brancas, belas para adornarem os altares. Tocada por

essa experiência e, sem definir como, arquitetavam-se sonhos de construir uma

pátria sem fronteiras.

Aos poucos, fui percebendo que a escola refletia a sociedade. Uma senhora humilde

habilidosa tecelã de lindas rendas de bilro, que fazia parte da minha família, na sua

simplicidade, referia-se às crianças brancas como modelos de beleza e, como ela,

muitos outros reproduziam essas crenças.

Os artesões nordestinos podem ser os precursores do conhecimento em rede, dos

Estudos Culturais ricos em sua diversidade simples? Podemos estabelecer uma

relação das rendas com a metáfora dos rizomas? Essa conexão se torna

compreensiva? De fato, por mais complexo que seja o movimento das rendeiras o

produto (a renda) é algo regular, com simetria o tempo todo. O que não é o caso das

redes, nem dos rizomas.

A formação acadêmica foi concluída dentro de um currículo centrado nos conteúdos

metodológicos, sem possibilitar outros sentidos para se perceber e compreender o

processo educacional. Essa formação do técnico em educação, hoje problematizada

por muitos como nos fala Certeau (1994:679) não podendo ater-se ao que sabe, o

perito se pronuncia em nome do lugar em que sua especialidade lhe valeu. Assim,

ele se inscreve e é inscrito numa ordem comum onde a especialização tem valor de

iniciação enquanto regra e prática hierarquizante de economia produtivista. Por se

ter submetido, com êxito, a esta prática iniciática, ele pode, sobre questões

estranhas à sua competência técnica, mas não ao poder que por ela se adquire,

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proferir autoritariamente um discurso que já não é o do saber, mas o da ordem

sócio-econômica. Não consegui me afinar com esta tendência, e a todo tempo

procurava negar essa formação, participando dos movimentos, nos quais

questionávamos as políticas educacionais do governo de Pernambuco.

Essa formação foi sustentada na voz de Luiz Gonzaga – cantor nordestino – com o

canto/desencanto:

Lá no meu sertão pros caboclo lê Têm que aprender um outro ABC O jota é ji, o ele é lê O esse é si, mas o erre Tem nome ré Até o ypsilon lá é pssilone O eme é mê, O ene é nê O efe é fê, o gê chama-se quê Na escola é engraçado ouve-se tanto “ê”

O caboclo da luta, o homem dos sonhos, a escola excluía.

Nesse modelo, a ênfase curricular está centrada nos conteúdos metodológicos, sem

possibilitar uma reflexão sobre os princípios que estruturavam a prática de sala de

aula.

Poderia a escola desprezar e menosprezar a experiência que cada aluno trazia

como riqueza e bagagem cultural? Nessas experiências, cada aluno, em suas

muitas significações, interage, abrindo possibilidades de entrelugar: deslocamentos

que realizam estranhamentos, como uma ponte que nos desloca e nos leva a

transitar por territórios culturais diferentes, realizando uma estranha tessitura de

caminhar. O entrelugar que aqui se manifesta é do hibridismo que tece teias de

significações, e impede que se estabeleçam padrões culturais fixos e estáveis.

Devemos lembrar como nos diz Bhabha (1998) que é o “inter” – o fio constante da

tradução e da negociação, o entrelugar – que carrega o fardo do significado da

cultura.

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Nesse momento, cheia de contradições, dúvidas e indagações, fui aprofundando o

conhecimento sobre a importância de um sentido mais minucioso sobre a questão

do currículo e as diferentes culturas. Dentro dessa teoria, fui percebendo que o

multiculturalismo, até então presente em discussões e contribuições dos

pesquisadores, vem da colocação da questão da solidariedade, onde as diferenças

sociais eram vistas simplesmente através da experiência de uma tradição cultural já

autenticada. Numa tendência atual, a cultura é teorizada dentro das bem-

intencionadas polêmicas moralistas contra o preconceito e o estereótipo ou da

asserção generalizadora do racismo individual ou institucional – isso descreve o

efeito e não a estrutura do problema. Era preciso desconstruir a lógica binária

através da qual identidades de diferença são freqüentemente tecidas –

negro/branco, eu/outro. (Bhabha, 1998). Essa noção de diferença cultural, não é da

diversidade cultural. O conceito de diferença cultural concentra-se no problema da

ambivalência da autoridade cultural: a tentativa de dominar em nome de uma

supremacia cultural, que é ela mesma produzida no momento da diferenciação.

Diversidade cultural é um objeto epistemológico – a cultura como objeto do

conhecimento empírico -, enquanto a diferença cultural é o processo da enunciação

da cultura como “conhecível”, legítimo, adequado à construção de sistemas de

identificação cultural. (Bhabha, 1998)

Essas inúmeras inquietações foram se constituindo de forma mais nítida, ao longo

de minha formação profissional, principalmente a participação na Comissão de

Reformulação do Curso de Pedagogia, da Faculdade de Formação de Professores

de Petrolina - FFPP, que me proporcionaram reflexões a respeito da problemática

presente no currículo desse curso.

O momento histórico atual é caracterizado pela velocidade das mudanças e pela

ruptura dos paradigmas tradicionais que provocaram no mundo do trabalho e das

ciências, com reflexo direto no campo das instituições educacionais, um emergir de

novas formas de conhecer, um constante reaprender para se estar num mundo em

constante mutação. Pensar esse tempo-já, díspare, heterogêneo e plural é que leva

a concluir que entre as ruínas que se escondem atrás das fachadas, podem

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pressentir-se os sinais, por enquanto vagos, da emergência de um novo paradigma

(Santos, 2001:16).

Nesse contexto, surge a idéia de um estudo sobre o tema/objeto currículo, que se

constituiu, nessa dissertação de Mestrado em Educação da Universidade Federal do

Espírito Santo (UFES), como interesse em contribuir para a discussão que se trava

nos currículos acadêmicos e que se torna importante na medida em que se

desenvolvem concepções diferenciadas e, às vezes, antagônicas na compreensão

dos currículos e nas diferenças culturais.

Acentua-se, assim, de forma mais forte, a preocupação com o currículo do curso de

pedagogia da FFPP, nas discussões e estudos, nos créditos do mestrado da UFES,

onde se deu início a esta pesquisa: "Rede de relações: à tessitura do cotidiano de

um curso de Pedagogia”, teci uma reflexão sobre o currículo do curso de Pedagogia,

uma vez que também sou responsável pela formação do Pedagogo, tão em

destaque dentro da comunidade.

Já nos primeiros passos, a pesquisa deu conta de que nenhuma cultura jamais é

unitária em si mesma, nem simplesmente dualista na relação do Eu com o Outro.

(Bhabha, 1998:65). Para tanto, tem como objetivo refletir sobre a tessitura de

identidades desses alunos/as/professores/as no tocante às mudanças de

paradigmas.

Nesta viagem, fui tecendo, nos vários contextos, minha identidade e como bem nos

fala Frantz Fanon, estou continuamente a criar-me.

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2. INTRODUÇÃO

Meu trabalho tem muito a ver com um tipo de fluidez, um movimento de vaivém, sem aspirar a nenhum modo específico ou essencial de ser.

Reneé Green O desejo de realizar uma pesquisa com alunos/as e professores/as do curso de

Pedagogia da FFPP nasceu do convívio diário com esses mesmos/as alunos/as,

além de desenvolver uma prática de formação desses profissionais. Como

formadora de pedagogos, preocupava-me a prática daí resultante. Este desejo foi se

consolidando à medida em que participava das discussões geradas no decorrer do

cumprimento dos créditos do programa de mestrado em educação na UFES -

Universidade Federal do Espírito Santo.

Toda essa problemática, envolvendo as práticas em sala de aula tem contribuído

ainda mais para reforçar a necessidade de se discutir o papel da educação e do

currículo para os/as professores/as e suas influências presentes no curso de

Pedagogia da FFPP, vivenciadas pelos/as alunos/as, despertando apreciação à

diferença cultural para que superem os preconceitos a eles relacionados.

A escolha por pesquisar esse tema/objeto é resultante de atalhos percorridos que,

em diferentes momentos, me ajudaram a delinear este problema, que, com a

contribuição da minha professora orientadora e os estudos realizados, foi a mim

permitindo analisar quais as influências no curso de Pedagogia da FFPP, das redes

de significados (culturais) tecidos entre alunos/as e professores/as no cotidiano da/s

sala/s de aula.

O argumento central é que a formação de um/a professor/a comprometido/a política

e academicamente pode ser a preocupação com a diversidade de cultura. Diante

desse questionamento, surgiu a perspectiva de voltar a minha investigação para o

entendimento das influências do universo discursivo-cultural no processo de

formação dos/as alunos/as do curso de Pedagogia da FFPP.

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Parece inegável que o fato maior do mundo atual são as lógicas da exclusão e o

alastramento da insensibilidade que as acompanham. Baseando-se nisso é que

alguns pensadores dizem que a educação terá um papel determinante na criação da

sensibilidade social necessária para orientar a humanidade (Assmann, 1998:26).

Crê-se, assim, estar surgindo uma hipótese desafiadora: a humanidade entrou numa

fase em que nenhum poder econômico ou político é capaz de controlar e colonizar

inteiramente a explosão de espaços do conhecimento. A internet parece ser um bom

exemplo.

Uma alternativa que parece bastante produtiva é a ocupação criativa dos acessos ao

conhecimento e a geração de propostas de direcionamento dos processos coletivos

que dinamizem o tecido social.

No contexto exposto, é que este trabalho foi realizado para ampliar a discussão,

remetendo a uma das preocupações contemporâneas sobre identidade e como os

currículos vêm contribuindo para este entendimento: Rede de relações: A tessitura

de um curso de pedagogia.

Uma questão que surge imediatamente está ligada às implicações dos Estudos

Culturais para a análise do currículo e para o currículo. Uma resposta possível é que

os Estudos Culturais permitem conceber o currículo como um campo de luta em

torno da significação e da identidade. Nesse entendimento, ao lado da cultura, o

currículo pode ser concebido como uma prática discursiva que tece identidades

sociais.

Essa discussão fundamenta-se nas contribuições pós-modernas e pós-colonialistas

que estão voltadas para as formas discursivas de produções, - um currículo tece

identidades sociais. Essa tendência busca formas alternativas de discurso

curriculares, de forma a tecer vozes culturais plurais e o diálogo da diferença.

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O foco da nossa pesquisa é descrever as diversas formas de conhecimento

corporificadas no currículo como resultado de um processo de tessitura social. Esse

enredamento procurou incorporar ao currículo as múltiplas pesquisas e teorizações

feitas no âmbito mais amplo dos estudos culturais. Nesse contexto, o conhecimento

não é uma revelação ou um reflexo da natureza ou da realidade, mas o resultado de

um processo de criação e interpretação social. Não se separa o conhecimento

supostamente mais objetivo das ciências naturais e o conhecimento supostamente

mais interpretativo das ciências sociais ou das artes. Também não há uma

separação rígida entre o conhecimento o “cientifico” e o conhecimento cotidiano das

pessoas envolvidas no currículo. Percebe-se, sim, todo conhecimento como um

objeto cultural.

Pensar em um cotidiano alternativo que valorize a pluralidade cultural e contribua

para a formação da cidadania multicultural passa a se impor. Surgem, então, outras

questões, tais como a emergência das preocupações dos Estudos Culturais no

currículo, ligadas a que sentidos eles têm apresentado às novas possibilidades da

tessitura do conhecimento e o perigo que podem representar interpretações

dogmáticas, reducionistas dos mesmos.

As preocupações suscitadas em entender o currículo em novas possibilidades levam

a diversas reflexões. É o caso de Alves que diz: nossa preocupação está na

necessidade que percebemos de que os estudos de currículo, para além da análise

das políticas oficiais, se dediquem a compreender como cotidianamente são

enredados os conhecimentos e realizados os currículos (Alves, 2002:9). Dirá

também Certeau (1994) que a preocupação é buscar nesse cotidiano, para além de

entendê-lo como lugar de reprodução e consumo, o que nele se cria no uso dos

produtos e regras que neles são postos pelo poder proprietário.Acredita-se, pois,

que para apreender a 'realidade' da vida cotidiana em qualquer “espaçotempo1” em

1 Para Nilda são necessárias novas maneiras para expressar novos modos de pensar e fazer, com o

objetivo de superar a maneira dicotomizada da modernidade tenho buscado modos de escrever que,

pelo menos, mostrem essa necessidade.

21

que ela se dá, é preciso estar atenta a tudo o que nela se passa, se acredita, se

repete, se cria e se inova, ou não (Alves, 2001:19).

Pensar o currículo nessa tendência induz-nos a uma aproximação com um dos

teóricos de escrita mais profunda e criativa. O afastamento das singularidades de

“classes” ou “gênero” como categorias conceituais e organizacionais básicas

resultou em uma consciência das posições do sujeito – de raça, gênero, geração,

local institucional, localidade geopolítica, orientação sexual – que habitam qualquer

pretensão à identidade no mundo moderno. O que é teoricamente inovador e

politicamente crucial é a necessidade de passar além das narrativas de

subjetividades originárias e iniciais e de focalizar aqueles momentos ou processos

que são produzidos na articulação de diferenças culturais. Esses “entrelugares”

fornecem o terreno para a elaboração de estratégias de subjetivação – singular ou

coletiva – que dão início a novos signos de identidades e postos inovadores de

colaboração e contestação, no ato de definir a própria idéia de sociedade. (Bhabha,

1998:20)

È na emergência dos interstícios – a sobreposição e deslocamento de domínios da

diferença – que as experiências intersubjetivas e coletivas de nação, o interesse

comunitário, ou o valor cultural são negociados.

A articulação social da diferença, no contexto da minoria, é uma negociação

complexa, em andamento, que procura conferir autoridade aos hibridismos culturais

que emergem em momentos de transformações históricas. O “direito” de se

expressar a partir da periferia do poder e do privilégio autorizado não depende da

persistência da tradição; ele é alimentado pelo poder da tradição de se reinscrever,

através das condições de contingência e contrariedade, que presidem sobre as

vidas dos que estão “na minoria”. O reconhecimento que a tradição outorga é uma

forma parcial de identificação. Ao reencenar o passado, este introduz outras

temporalidades culturais incomensuráveis na inversão social. (Bhabha, 1998:20-21).

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O que significa penetrar no currículo a partir dos Estudos Culturais e sua

contribuições para a tessitura de identidades? E o que significa, no sentido em que

aqui assumimos, esta identidade? E a cultura?

Para Bhabha (1998) esses termos que apontam insistentemente para o além –

significam distância espacial, marcam um progresso, prometem o futuro – só

poderão incorporar a energia inquieta e revisionária deste se transformarem o

presente em um lugar expandido e excêntrico de experiência e aquisição de poder.

Por exemplo: se o interesse no pós-modernismo limitar-se a uma celebração da

fragmentação das “grandes narrativas” do racionalismo pós-iluminista, então, apesar

de toda sua efervescência intelectual, ele permanecerá em empreendimento

profundamente provinciano. O lugar da diferença cultural pode tornar-se mero

fantasma de uma terrível batalha disciplinar na qual ela própria não terá espaço ou

poder. As tendências aqui adotadas buscam constituir uma coerência interna e

contribuem, produtivamente, para a reflexão sobre o currículo e sobre o próprio

projeto político-pedagógico da instituição pesquisada.

Tomando como base os teóricos do currículo e dos estudos culturais é que

penetramos no cotidiano da escola e das salas de aulas, ouvindo e dialogando com

os diversos atores dessa tessitura, buscando interpretar os sentidos atribuídos aos

diversos valores constitutivos das diversas práticas desenvolvidas no cotidiano do

curso de Pedagogia da FFPP.

Para nortear e dinamizar a leitura do nosso trabalho desenvolvemos a seguinte

organização:

No primeiro capitulo não se poderia deixar de contemplar a história da cidade,

espaço dessa discussão, sem querer tornar um trabalho exaustivo, porém com o

intuito de demonstrar os enredamentos existentes nesse contexto e o foco da

presente pesquisa.

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No segundo, traçamos um paralelo entre currículo e os Estudos Culturais,

procurando apontar os entendimentos que melhor dêem corpo às tendências da

atualidade e que mais se aproximam do meu estudo, ressaltando a relação existente

entre essa pesquisa e o local de referência.

No terceiro, problematizamos os diferentes conhecimentos, suas metáforas e o

significado de hibridismo, dentro da noção de redes de conhecimento. Embasado

nas idéias de Certeau e Nilda Alves, tentamos compreender o cotidiano como

espaçotempo de tessitura de identidade.

No quarto, apresentamos a tessitura da metodologia elaborada em alguns

momentos, demolida em outros, numa gestão sofrida, porém muito gostosa. Não foi

adotado um método, pois este foi sendo tecido durante o processo. A análise dos

dados buscou outros tipos de análises, rompendo com os cartéis opressores e

conservadores.

No quinto capítulo, concluímos com ênfase na riqueza do cotidiano escolar,

destacado nos enunciados responsáveis pelo entrincamento de cada tema

estudado.

24

CAPÍTULO 1

3. ESPAÇO EM REDE: IMPLICAÇÕES POLÍTICAS E SOCIAIS NA TESSITURA DA HISTÓRIA

Todo Nordeste é mágico, mas o sertão é o espanto. Frederico Pernambucano de Mello

Entendemos que falar da Faculdade de Formação de Professores de Petrolina –

FFPP - nos remete a Petrolina, geograficamente no Nordeste da magia e do espanto

do sertão, como nos fala o sociólogo Pernambucano.

É o sertão do amansador de burros brabos, do matador de onças, dos vaqueiros,

dos cantadores de violas, da Sinhá parteira, dos cangaceiros/as e de Canudos.

Pensamos em tudo isso para podermos falar de Petrolina, cidade que desde a sua

origem tem características muito fortes de estrangeiros. Nesse contexto, acolhe o

hibridismo sem ser possível nenhuma cultura nacional, mesmo que lhe seja imposta

por uma família tradicional que, de certa forma, dita valores, estabelece uma certa

tradição, uma tradição econômica, que tem como principal objetivo preservar o

poder, poder econômico e poder político dentro de sua própria família.

Três trabalhos muito significativos sobre o município contribuíram no traçar desse

percurso: o primeiro “As práticas do coronelismo: estudo sobre o domínio político

dos Coelhos em Petrolina PE”, de João Morais de Sousa, tese de doutorado na

Universidade Federal de Pernambuco; o segundo, “As frutas Amargas do Velho

Chico: irrigação e desenvolvimento no vale do São Francisco”, de Didier Bloch, com

iniciativa da Oxfam, agência de desenvolvimento com sede na Inglaterra que apóia

projetos de organizações não-governamentais e movimentos sociais no Brasil desde

1968 e, o terceiro, o livro “Opara”, do professor/sociólogo, Esmeraldo Lopes.

25

Segundo os seus registros, os primeiros habitantes de Petrolina datam de meados

do século XVIII. O local era apenas uma passagem pouco movimentada para

Juazeiro, do lado da província baiana. De ponto de encontro de viajantes –

especialmente boiadeiros que cruzavam o gado para o outro lado do rio São

Francisco - passou a ser povoado com a intensificação da demanda de viajantes das

províncias do Piauí, Ceará e Maranhão. Foi inicialmente chamada de “passagem”

em decorrência da travessia do rio São Francisco, atendendo ao transporte de

pessoas e cargas que era feito em canoas entre as margens das províncias de

Pernambuco e da Bahia. No início do século XIX, com a intensificação dos viajantes

e o crescimento do povoado de Juazeiro, passou a ser chamada “passagem de

Juazeiro”.

Antiga “passagem de Juazeiro”, logo foi ocupada pelos capuchinhos que, em 1860,

inauguram uma capela que, junto com a agricultura e a comunidade, estimulam o

nascimento do povoado.

Petrolina é um dos principais centros urbanos da micro região do Sertão do São

Francisco, no Estado de Pernambuco. Encontra-se às margens do Rio São

Francisco, no ponto de divisa entre Pernambuco e Bahia, ligando-se através de uma

ponte com a cidade bahiana de Juazeiro que bem nos diz Heidegger citada por

Bhabha (1998) A ponte reúne enquanto passagem que atravessa.

É um município essencialmente urbano, com alta taxa de crescimento e imigração.

Possui 218.336 habitantes. (IBGE ano 2000).

Petrolina possuía, em 1998, uma densidade demográfica de 46,79% habitantes por

Km2 e ocupava a quinta colocação no Estado em crescimento populacional, com

uma taxa anual de 3,2% e elevadas taxas de migração. Também possuía uma taxa

de urbanização de 77%. Segundo dados preliminares do IBGE, do censo 2000, a

população de Petrolina é de 218.336 habitantes, sendo 166.113 (76%) na zona

urbana e 52.223 (24%) na zona rural.

26

Segundo Sousa (2001), o espanhol Padre Martinez exerceu, durante as últimas

décadas do século XIX, grande influência na região no que diz respeito ao seu

espírito empreendedor e de busca de prosperidade social, econômica e religiosa.

Este mesmo religioso favoreceu os seguidores de Antonio Conselheiro pelo que foi

preso e torturado.

Apesar da imprensa apresentar quase sempre o município enquanto próspero,

econômica e politicamente, do ponto de vista social não se pode dizer a mesma

coisa.

É um município que sofreu forte influência da Igreja Católica, tendo se desenvolvido

sob a égide dos seus bispados aqui instalados. O clero foi pioneiro no que se refere

ao processo de desenvolvimento da agricultura irrigada, tendo sido o realizador da

Primeira Semana Ruralista em 1953, juntamente com a sociedade política estadual

e federal importantes membros da sociedade civil-local. A partir daí, Petrolina

passou a ser o centro nodal da agricultura irrigada no submédio do São Francisco,

sendo, inclusive, sede da Comissão de Desenvolvimento do Vale do São Francisco

– CODEVASF e da EMBRAPA (Empresa Brasileira de pesquisa Agropecuária),

órgãos federais de planejamento e pesquisa.

3.1 A ECONOMIA LOCAL:

A economia local e regional é orientada pelo comércio exportador de produtos

agrícolas e de agroindústria. O pólo Petrolina/Juazeiro, sob a égide do capital

comercial, tem se tornado um núcleo urbano de quase 400.000 habitantes, grande

pólo de extração de migrantes o que proporciona uma intensa circulação de

passageiros, de mercadorias e de reprodução do capital, daí sua designação de

“CALIFÓRNIA DO SERTÃO” ou “CALIFÓRNIA DO NORDESTE”. Apesar destas

denominações, o modelo de desenvolvimento adotado não tem proporcionado

investimentos na área social, constituindo-se, na verdade, como todo o Brasil, numa

região de grande contigente de oferta de mão-de-obra, o que reduz em grande

proporção o seu valor. De acordo com Bloch (1996:11), os fatos mostram que

27

indicadores econômicos aparentemente favoráveis podem esconder tristes

realidades sociais.

Em Petrolina, a pobreza cresce a passos largos, não existindo projetos no sentido

de minimizá-la. As políticas oficiais têm estimulado as empresas e não as

cooperativas e/ou pequenos produtores, segundo Sousa (2001) e Bloch (1996).

Em Petrolina, os trabalhadores rurais dependem do trabalho sazonal e de salário

muito baixos. Vivem alojados em barracos, à beira das estradas e vendendo

diariamente sua força de trabalho, sem qualquer perspectiva de futuro.

A partir desse contexto, pontuamos que uma das saídas para o município seja o

Desenvolvimento Sustentável. Este aponta respostas para a crise ambiental

provocada pela modernização industrial, pela globalização da economia.

Segundo Tristão (2001:80)

O desenvolvimento sustentável emerge como fruto da insatisfação humana contra um modelo falido de desenvolvimento cunhado na racionalidade instrumental e como subversão à ordem econômica dominante. Daí, só é possível pensar esse compromisso e responsabilidade com as futuras gerações a partir da incerteza do conhecimento científico e técnico e da constatação dos desequilíbrios constantes de todos sistemas.

O desenvolvimento sustentável propõe-se a mudar os valores individualistas e

competitivos que desembocam na exclusão social, por uma visão comunitária cuja

base seja a inclusão. Por outro lado, há que se pensar não na forma utópica em

desenvolvimento sustentável, mas em sociedades sustentáveis.

A sustentabilidade pressupõe a criação de espaços institucionais de participação, o

deslocamento da racionalidade econômica para o campo da ética e a tradução dos

valores em necessidades humanas. Ou seja, a política deve estar voltada para a

democracia e a participação dos cidadãos e das cidadãs assim como para a

autodeterminação dos povos, a diversidade biológica, cultural e social.

28

A sociedade sustentável pratica a gestão do meio ambiente com participação, com

pesquisa científica, vislumbrando-se as sabedorias de vida e os valores éticos.

Condição fundamental a esta sociedade é o acesso à educação.

Na realidade, a economia instalada na região está inserida no processo de

globalização, posto que a região constitui-se num “mercado livre” voltado para a

exportação, em detrimento da segurança alimentar local.

Consideramos que a alternativa para Petrolina seja aumentar as possibilidades de

formação política, assim como da ética e da moral. No sentido de formação da

cidadania em contra posição à exclusão vigente.

3.2 AGRICULTURA:

O bi-pólo juazeiro/Petrolina sofreu um verdadeiro boom populacional. Os migrantes

e os trabalhadores da terra foram deslocados da agricultura familiar para a grande

irrigação, formando exército de mão-de-obra desqualificada, barata e sazonal;

procuram trabalho nas plantações de tomate, cebola, manga, e uva. Apenas na

plantação de uva, os assalariados têm um emprego permanente – onde, no entanto,

ocorrem diversas irregularidades no uso das leis trabalhistas. O bi-pólo tem ainda

como uma de suas atividades mais rentáveis, a produção de frutas voltada para os

centros urbanos do país e a exportação.

Petrolina, atualmente, confunde-se com a agricultura irrigada. Para Bloch (1996), o

desenvolvimento da agricultura irrigada no submédio São Francisco é o tema de

grande atualidade e vem sendo objeto de estudos que abordam aspectos os mais

variados, como o crescimento populacional e econômico da área atingida pelo

impacto da irrigação; a atuação de órgãos federais, como a CODEVASF e a

EMBRAPA nas transformações que vêm ocorrendo na economia regional; a

importância que a região adquiriu como exportadora de produtos tropicais oriundos

da agroindústria, ou apenas da agricultura; as modificações e adaptações de uma

nova tecnologia agrícola e os impactos sobre o meio ambiente.

29

Em 1964, foi instalada a CODEVASF, órgão comunitário sem fins lucrativos, para

lutar por instrumentos e ações em prol da região do submédio São Francisco, tendo

como centro gravitacional o bi-pólo juazeiro/Petrolina. A idéia da criação do órgão

partiu dos Coelhos, especialmente de Paulo Coelho e do seu parente Luiz Augusto

Fernandes, das dioceses de Petrolina e Juazeiro e de outros colaboradores do meio

empresarial e político dessas cidades. Guilherme Murphy presidiu o ato de

instalação da Codevasf, tornando-se o primeiro presidente. (Sousa, 2001)

A fruticultura é, junto com a produção de cana, cebola e tomate, uma das principais

atividades produtivas do submédio São Francisco. A produção de frutas, destinada

aos grandes centros urbanos do país e à exportação, é também uma das atividades

mais rentáveis do vale. Existe, assim, uma grande variedade de frutas cultivadas

nas áreas irrigadas: limão, banana, manga, melão, melancia, maracujá, coco, caju,

goiaba, acerola, pitanga, abacaxi e até figo. O setor, como um todo, está em nítida

expansão na região: entre 1987 e 1992, a produção de frutas passou de oito mil

para 55 mil toneladas e as exportações saltaram de seiscentas toneladas para 28

mil toneladas.

A implantação da agricultura irrigada no Submédio São Francisco não parece

obedecer a um plano de desenvolvimento regional em sentido amplo, integral. A

impressão que dá, pelo modo como têm atuado os órgãos do Estado, as tradicionais

oligarquias locais e o empresariado, é que a irrigação torna-se sob o discurso da

solução definitiva para o Nordeste, e com uma boa dose de irresponsabilidade social

e ecológica – uma nova “galinha dos ovos de ouro” (Bloch, 1996: 77-78).

Para Bloch (1996), a irrigação praticada no São Francisco carrega uma boa

dosagem de “irresponsabilidade social e ecológica”.

3.3 REDES ESCOLARES: Atualmente, existem duas faculdades no município: a FACAPE, com 2.200 alunos,

uma autarquia ligada ao município, onde funcionam os cursos de Administração,

Ciências Contábeis, Turismo, Secretariado, Ciências da Computação e Economia e

30

a FFPP, com 3.500 alunos, Campos da Universidade de Pernambuco, que oferece

os seguintes cursos: História, Geografia, Matemática, Biologia, Letras e Pedagogia.

Oferece ainda cursos de especialização nessas áreas – cursos por módulos, em

período de férias. A Faculdade de Formação de Professores de Petrolina foi criada

pela Lei Municipal nº 31 de 29.10.68, na gestão do Sr. Prefeito Municipal, José de

Souza Coelho, com o objetivo de formar professores e especialistas de nível

superior, realizar ensino de qualidade e promover pesquisa e extensão.

Autorizada a funcionar pelo Conselho Estadual de Pernambuco, a FFPP realizou

seu primeiro Vestibular em fevereiro de 1969, oferecendo os Cursos de Licenciatura

Curta (3 anos) em Letras, Ciências e Estudos Sociais, em regime seriado até o ano

de 1973. No ano letivo de 1974, criou-se o sistema de crédito com os vestibulares

realizados através do CESESP até janeiro de 1982. Em julho de 1982, a FESP se

desliga do CESESP e realiza o seu primeiro vestibular, quando também foi

implantada a 2ª entrada dos cursos oferecidos. Os Cursos de Licenciatura Curta

foram reconhecidos em 1975, através do Decreto nº 75617/75, de 16 de abril de

1975, legalizando, assim, a expedição de Diplomas dos Licenciados.

Em 1978, através da Resolução nº 05, de 12.04.78 e Parecer nº 7778 do Conselho

Estadual de Educação, os cursos foram convertidos em Licenciatura Plena com 8

períodos, tendo sido realizado o seu primeiro vestibular em janeiro de 1979 nas

seguintes Licenciaturas: Letras com habilitação em Português/Inglês; Ciências com

habilitação em Matemática e Biologia, História e Geografia, todos reconhecidos pela

Portaria nº 615 de 07.08.85, publicada no Diário Oficial de 12.08.85. Em 1988, foi

implantado o Curso de Pedagogia com as habilitações: Administração e Supervisão

Escolar, reconhecido pela Portaria nº 0964 de 12.06.91, publicada no Diário Oficial

de 13.06.91. Hoje, a Faculdade oferece as habilitações Magistério das Disciplinas

Pedagógicas e Supervisão Escolar.

Foi oferecido, também, o Curso de Licenciatura Plena em Educação Física, uma

extensão da ESEF-Escola Superior de Educação Física - Recife para suprir

necessidades das Escolas Públicas de Petrolina e Juazeiro. Em 1994, foi implantada

31

a Escola de Aplicação Professora Vande de Souza Ferreira - Ensino Fundamental e

Ensino Médio, servindo de campo de estágio para as Licenciaturas oferecidas na

FFPP. Nos seus 29 anos de atividades, a FFPP foi dirigida pelos professores

Nicolau Boscardin, Manoel de Sá Ferraz, Carlos Alberto Pires, Ana Amélia

Fernandes de Araújo de Souza, Joaquim Silva e Santana, Maria do Socorro de

Araújo Matos. Atualmente, a FFPP é dirigida pelas professoras Maria do Socorro

Ribeiro Nunes (Diretora) Diris Guerra de Morais Torres (Vice-Diretora), eleitas para o

quadriênio 2000/2004.

Os/as alunos/as do Curso de Pedagogia são oriundos/as de diversas regiões. São,

em sua grande maioria, trabalhadores/as em diversos espaços, a exemplo de

domésticas e alunos-as/trabalhadores/as da educação. Temos conhecimento, ainda,

de que os/as alunos/as das diferentes cidades, realizam, diariamente, uma longa

jornada entre suas cidades de origem e o campos universitário. Temos alunos/as

que chegam em suas residências apenas às 3 h da manhã e, logo às 6 h, deverão

chegar ao trabalho.

Foi implantada recentemente a “Universidade do São Francisco”, (UNIVASF) que,

segundo o MEC (Ministério da Educação), atenderá 1.100 municípios do Semi-Árido

de Pernambuco e da Bahia. O primeiro vestibular deverá acontecer em 2004. A

UNIVASF está sendo implantada pela Universidade Federal do Espírito Santo.

No que tange ao Ensino Médio, o município dispõe da Escola Agrotécnica Federal –

oferecendo os cursos de Agropecuária, Zootecnia, Agricultura, infra-estrutura e

Agroindústria - , da Escola Técnica Federal de Pernambuco (Unidade Petrolina) –

funcionando os cursos de Agrimensura, Edificações, Eletrotécnica, Química,

Refrigeração e Saneamento.

3.4 CONTEXTO POLÍTICO

A partir de 1930, Petrolina passou a ser liderada pela oligarquia Coelho que

mantém até hoje, relações de compadrio no processo de administração da coisa

32

pública. Com o fortalecimento do poder central, o poder local passou a ser atrativo,

pois a política despontou como aliada no crescimento regional. Surge, então, a

oligarquia Coelho, atualmente no comando do PPS local. Ao assumir o controle do

poder político em Petrolina – tênue ou ausente nas resoluções de serviços

essenciais -, os Coelhos e/ou seus cabos eleitorais passaram a prestar serviços

atribuídos a esse poder, principalmente, em casos de doenças e solicitações de

pequenos préstimos. Os principais fatores motivadores da prestação desses

serviços eram as relações de compadrio/amizade e, ainda, princípios religiosos –

alguns membros do grupo afirmaram ajudar seus dependentes/subordinados em

situações críticas porque, em outras justificativas, temiam ser castigadas, já que se

encontravam ocupando posições/postos, para os quais se consideravam designados

por Deus. (Sousa, 2001)

Nessas situações, os recursos particulares dos chefes locais assumiam conotação

pública. Porém, o caráter dessas relações era particularizado e se constitui em

dívida para os que necessitavam dos serviços e, em crédito, para os chefes e/ou

cabos eleitorais controladores dos mesmos e, portanto, controladores dos

“necessitados”. Os Coelhos, além dos ganhos políticos, passaram a pleitear os

gastos dos serviços prestados aos seus dependentes (os diversos préstimos

pessoais), junto às esferas públicas: estadual e federal, o que caracterizaria o fim da

dívida/fator para com os dependentes.(Sousa, 2001:155 – 156)

Entretanto, o sentimento de gratidão e/ou de dívida era despertado pelos próprios

membros do grupo Coelho e/ou pelos seus seguidores aos que necessitavam dos

serviços. Estes, sentindo-se em dívida para com aqueles, ofertavam o principal

“bem” responsável pelo benefício recebido: o voto seja ao próprio grupo, ou aos

candidatos indicados por ele. É importante lembrar que a cobrança pela dívida em

forma de voto não fica restrito somente à pessoa que se beneficiava do serviço, mas

aos seus familiares e amigos.

Aqui, fica claro que muitas das decisões para o desenvolvimento da região partem

de decisões tomadas, não levando em conta as instituições, os canais democráticos

33

de participação, absorvendo os anseios da população local, mas o interesse de

apenas um grupo que decide por todos. Também, é patente que muitas dessas

decisões são determinadas pelas relações pessoais de amizade e se sobrepõem e

extrapolam as vias institucionais, excluindo as discussões com segmentos da

sociedade civil organizada e se distanciando da impessoalidade e dos interesses

nacionais. Aqui, prevalecem os interesses do grupo e, como posto antes, eles

nascem através dos laços de amizade, da troca de gentilezas, dos apoios

barganhados entre grupos que não representam necessariamente os interesses da

comunidade. (Sousa, 2001)

3.5 CULTURA:

Petrolina parece-nos um pouco de tudo isso, embora os estudos sobre a cultura

precisem determinar melhor esse “vigor” e essa influência. Existem cidades que se

destacam pela sua história, outras pelo seu dinamismo econômico. Existem cidades

que também se destacam pela sua posição estratégica no desenvolvimento regional,

ou pelo vigor da sua influência cultural. Com efeito, Petrolina se destaca por seu

desenvolvimento econômico, sendo, portanto, importante refletir esse contexto,

sobre as questões culturais: em Petrolina, existe uma forte predominância do poder

político entregar parte da nossa riqueza nas mãos de estrangeiros. Petrolina, como

uma cidade de contrates, nossa economia de monopólio é voltada para

agroindústria; os nossos valores não são equilibrados, porém contraditórios e

divergentes.

Não há no mercado, trabalho suficiente para todos. Os/as trabalhador/as são

obrigados/as a viverem de sub emprego e desemprego. Do ponto de vista da

cultura, afirma-se como nos fala Bhabha (1998) não existe uma cultura nacional,

são híbridos, porque tem uma característica bem especial. Nós vivemos em fronteira

com os Estados: Bahia, Piauí e Ceará, entendendo que ninguém se translade de um

lugar para outro sem ser afetado porque cada um herda ou se apropria de culturas

diversas, é que se entende, que esses imigrantes mesmos organizados em

associações na busca de preservarem suas tradições, suas culturas e, ao mesmo

34

tempo, economicamente eles buscam se integrar à cidade, do ponto de vista dos

valores, das suas tradições, de suas crenças etc., é que reafirmamos o pensamento

de Bhabha de que não existe uma cultura nacional.

Petrolina reúne todas essas qualidades num único espaço. Cidade para onde

converge, desde o início do século passado, pessoas de distintas culturas, projeta-

se na região como uma terra de oportunidades, reunindo da vitalidade da produção

agrícola ao dinamismo da indústria e do comércio, bem como o gosto pelas artes, a

literatura e a cultura popular.

Percebemos que nos três trabalhos que subsidiaram esse texto, existe uma forte

tendência em afirmar que, aqui se impõe uma cultura nacional. Para tanto,

entendemos que o próprio conceito de culturas nacionais homogêneas, a

transmissão consensual ou contígua de tradições históricas, ou comunidades

étnicas “orgânicas” – enquanto base do comparativismo cultural -, estão em

profundo processo de redefinição. O extremismo odioso do nacionalismo sérvio

prova que a própria idéia de uma identidade nacional pura, “etnicamente purificada”,

só pode ser atingida por meio da morte, literal e figurativa, dos complexos

entrelaçamentos da história e por meio das fronteiras culturalmente contingentes da

nacionalidade [natioonbood] moderna. (Bhabha, 2003:24).

Cremos que Bhabha (1998) dá conta de explicar a problemática cultural de Petrolina

Ele fala do ponto de vista dos sujeitos marcados por histórias de deslocamentos

geográficos e culturais, com todas as contradições, movimentos e sínteses culturais

na tessitura de nossas identidades. Como citado anteriormente, Petrolina parece

imprimir uma cultura nacional, mas, segundo (...) cada vez mais, as culturas

“nacionais” estão sendo produzidas a partir da perspectiva de minorias destituídas

(1998:25).

Entendemos ser uma importante orientação metodológica compreender a cultura da

sobrevivência que significa a realidade cotidiana na perspectiva de abrir-lhe

entrelugares capazes de possibilitar sua inserção na busca por hegemonia.

35

Por outro lado, mesmo estando presente na realidade do cotidiano e tendo por base

o imediato e o provisório, a cultura da sobrevivência vincula-se à história veiculada

oralmente e, assim, presente na memória.

3.6 UM RIO - UMA HISTÓRIA

O Rio São Francisco, inicialmente chamado pelos índios de rio Opara, foi para eles

local de refúgio, quando fugiam do poderio português que procurava metais

preciosos na região, implantando, aí a violência. O objetivo era escravizar os

“Índios”. Isto permaneceu até a primeira metade do século XVII, quando a região do

São Francisco passou a ser ocupada por criadores de gado que a povoavam com a

criação de gado, atividade econômica que permanece hegemônica até meados do

século XX. “Além da pecuária e da agricultura de subsistência praticada no sequeiro,

havia também a agricultura de Várzea, que se aproveita das margens férteis do São

Francisco. Essa atividade praticamente desapareceu com a construção das

barragens e com o advento da agricultura irrigada” (Bloch, 1996:10)

O Rio São Francisco, chamado carinhosamente de “Velho Chico”, é também

conhecido como “Rio da Unidade Nacional” por localizar-se, inteiramente, no interior

do país, ligando os Estados de Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Sergipe e

Alagoas.

Um dos fatores determinantes para a vida no lugar é o rio que banha a cidade. O rio

São Francisco percorre cerca de 3100 quilômetros, da sua nascente na Serra da

Canastra (MG) até sua foz, atravessando ou materializando a fronteira dos cincos

estados acima citados.

O contexto petrolinense é importante para que possamos compreender melhor os

meandros e potencialidade da cultura da sobrevivência, em que estão mergulhados

os/as nossos/as alunos/as de classes populares.

36

Compreender para abrir entrelugares, no nosso fazer educação, que possibilitem

pensar na inserção dessa realidade cotidiana e, metodologicamente, atuar na

esfera do hibridismo, na mistura destas forças antagônicas.

A importância da cidade de Petrolina vai muito além do rio São Francisco, tendo em

vista sua articulação com outros centros econômicos das regiões Sul e Sudeste e do

exterior para fortalecer a economia nordestina e, sobretudo, a do Estado de

Pernambuco.

Observar Petrolina é ver uma cidade inserida em dois contextos territoriais: um

político-institucional e outro econômico. Este último é um território virtual, que se

insere dentro de uma nova geografia e uma nova lógica de organização do espaço,

onde as fronteiras físicas cedem vez às fronteiras econômicas.

Um novo território se estende das margens do São Francisco às franjas do Araripe;

do sertão de Salgueiro ao interior do Piauí. Uma vasta área econômica que tem em

Petrolina sua capital, seu principal núcleo de produção e pólo maior de geração de

riqueza. Petrolina, o novo pólo do desenvolvimento de Pernambuco.

A cidade enfrenta problemas graves, comuns aos grandes centros, como: formação

de periferias pobres, desemprego, violência, consumismo, descaso com a educação

e saúde, falta de habitação, entre outros.

Diante dessa realidade, torna-se necessária a integração de todos os segmentos

sociais / institucionais para um trabalho coletivo que busque tecer um homem

cidadão e uma mulher cidadã, capaz de interferir na tessitura de uma sociedade

democrática, eticamente saudável, justa e solidária.

Como criaturas literárias e animais políticos, é preciso que haja preocupação com a

compreensão da ação humana e do mundo social como um momento em que

algo está fora de controle, mas não fora da possibilidade de organização. Nossa

tarefa, entretanto, continua sendo mostrar como a intervenção histórica se

37

transforma através do processo significante, como o evento histórico é representado

em um discurso de algum modo fora de controle. Isto está de acordo com a

sugestão de Hannah Arendt de que o autor da ação social pode ser o inaugurador

de seu significado singular, mas, como agente, ele ou ela não podem controlar seu

resultado. (Bhabha, 1998: 34).

38

CAPÍTULO 2

4 CURRÍCULO E ESTUDOS CULTURAIS: ABORDAGENS TRAMADAS A

PARTIR DAS REDES DE RELAÇÕES TECIDAS NA ESTEIRA DAS TEORIAS

Ao propormos um estudo sobre as possibilidades da tessitura do conhecimento na

FFPP, destacando as implicações de determinadas práticas envolvendo o currículo,

impõe um diálogo com a literatura recente sobre esse discurso. Pensar o currículo

em seus múltiplos aspectos, sua diversidade e heterogeneidade, obriga-nos a rever

quais têm sido as formas pelas quais o currículo e os Estudos Culturais têm sido

concebidos, começando a pensar a partir da teorização dos dois campos de

estudos. Entendemos que nenhum desses campos se inscreve numa linearidade,

pois são problemáticos, dado que outras localidades podem ser identificadas.

Etimologicamente, a palavra currículo provém da palavra latina scurrere, correr, e

refere-se a curso ou carro de corrida, conforme informações de Goodson (1995).

Isso significa que desde sua origem epistemológica, o currículo representa um

percurso pré-estabelecido, implicando uma posição de interesses por parte daqueles

que o elaboraram.

Ele consiste num conjunto de conteúdos previamente programados. Historicamente, a prática de elaboração de currículo está, na sua origem, vinculada a disciplina. Surgiu com o Calvinismo em fins do século XVI, existia uma relação homóloga entre currículo e disciplina para a prática calvinista, embora a primeira se referisse à prática educacional e a segunda, à social. (Goodson, 1995:32).

4.1 HISTORICIZANDO O CURRÍCULO

É conhecida a periodização que envolve o currículo. Um dos seus inícios é a

Revolução Industrial que imprimiu o sistema de sala de aula, em substituição às

classes, sob a tutela do estado. O currículo surge, sistematicamente, um século

depois, nas escolas dos Estados Unidos, reproduzindo o modelo taylorista adotado

nas fábricas. Essa doutrina extrapola para a sala de aula, desenvolvendo uma visão

39

de que os estudantes poderiam ser domesticados e manipulados como os produtos

fabris. Conseqüentemente, compreendia-se o currículo como um conjunto de

procedimentos e métodos que visavam à obtenção de resultados que pudessem ser

mensurados. Tratava-se, pois, de uma visão mecanicista do ensino e da educação

como um todo. O modelo de homem que se queria formar era o homem máquina,

concebido em série, dentro de uma racionalidade que privilegiava a produtividade, o

mercado e o capital.

Não se deve negar que alguns avanços existiram ao longo do século XX, pois

muitas propostas apareceram em algumas partes do mundo. Não se deve

desconsiderar, por exemplo, que as novas tendências da educação e da

aprendizagem concorreram para novas apreciações sobre a questão curricular, mas

é inegável, também, que o estado nunca conseguiu ou teve interesse em se

desvincular do modelo da fábrica.

Ao admitir o modelo de homem máquina, os estudiosos do currículo partem para

uma perspectiva do pressuposto de que o mundo moderno está em crise, sendo

necessário criar novas perspectivas para a tematização curricular, destacando-se

que a discussão sobre conhecimento em rede ganhou destaque nos estudos em

currículo a partir da metade da década de 1996, apesar de originar-se de estudos

que datam dos anos de 1980. (Lopes e Macedo, 2002:29 - 30). É exatamente desse

conhecimento em rede que advêm as reflexões mais proveitosas sobre o currículo.

Tais estudos referenciam-se, em sua maioria, a bibliografia francesa, especialmente

em autores como Certeau, Morin, Lefèbvre, Guatarri e Deleuze. Mais recentemente,

Boaventura Souza Santos tem sido importante referência, no qual se apóia uma

nova possibilidade de currículo. Tais autores estão, mesmo que supostamente,

contemplados nesta pesquisa.

Na medida em que as relações contemporâneas tendem à maior fluidez, horizontalidade, criatividade e coletividade, a centralidade do conhecimento tradicional que estaria na base do currículo moderno começa a ceder espaço para outros saberes relacionados à ação cotidiana. Nesse sentido, a centralidade da

40

razão, com seu espaço privilegiado de expressão – as ciências, passa a ser questionada (Lopes e Macedo, 35-36).

Quem contribuiu para a discussão foi Tura, ao afirmar-se aliada a alguns autores,

que destacou o pensamento de que a escola é um local privilegiado de troca de

idéias, de encontros, de legitimação de práticas sociais, de interação entre gerações,

de articulação entre diversos padrões culturais e modelos cognitivos. Dirá, ainda,

que a escola é o lugar onde se tecem identidades, onde se delimitam diferenças,

onde “sistema simbólico fornecem novas formas de dar sentido à experiência das

divisões e desigualdades sociais e aos meios pelos quais alguns grupos são

excluídos e estigmatizados (Tura, 2002:157)”.

Ao avaliar os confrontos que permeiam as diversas práticas, a autora dirá:

A intertextualidade que permeia o confronto de posições, sentidos e estilos de vida no ambiente pedagógico permite entendê-lo como um importante espaço de circularidade entre culturas e avaliar as complexas articulações produzidas entre os diversos discursos e redes simbólicas que convivem em seu interior e as determinações e proposições de um currículo escolar rigidamente formalizado hierarquizado e seletivo (Tura,2002:157).

A circularidade entre culturas, que explica o relacionamento circular feito de

influências recíprocas entre as culturas dominantes e dominadas e que se movia

tanto de cima para baixo quanto de baixo para cima. Esta análise se opõe ao

conceito de autonomia e continuidade de qualquer cultura (Ginzburg,1987). Assim,

ao se estudar a relação entre conhecimento e poder na instituição pedagógica estão

em questão os processos de dominação da cultura escolar, que se desdobram em

seus ritos de instituição e nos inúmeros mitos que sustentam diversas formas de

controle e regulação. Reafirma-se, aqui, o impasse e a crítica a uma determinada

ordem.

Essa questão do poder é sempre recorrente entre os estudiosos vinculados às

novas abordagens. Para Tomaz Tadeu da Silva (2002:15), por exemplo, o currículo

é sempre o resultado de uma seleção de um universo mais amplo de conhecimento

e saberes, seleciona-se aquela parte que constitui, precisamente, o currículo. Este

mesmo autor chama também a atenção para o fato de que, antes de se definir o

41

currículo, tem-se em vista que tipo de pessoa se quer formar. A cada modelo de

pessoa humana corresponde um determinado currículo. O currículo está, pois,

ligado à nossa identidade, à nossa subjetividade.

O currículo tem, ainda, o poder para determinar o que pode ser tratado em sala de

aula, como também para descortinar o mundo a que os alunos têm acesso. Neste

processo, a origem de classe dos alunos encontra seu corolário no tipo de

conhecimento a que tem acesso. Uma outra questão a ser considerada é que o

currículo, como encerra uma questão de poder, uma vez que busca dizer aquilo que

deve ser conhecido, seleciona, privilegia determinados conhecimentos.

O reconhecimento da dimensão de poder inscrita no currículo vai delimitar e

circunscrever as teorias do currículo entre teorias tradicionais, críticas e pós-críticas.

As tradicionais pretendem-se teorias neutras, científicas, desinteressadas. A crítica e

a pós-crítica explicam suas imbricações com as questões do poder.

A discussão sobre o poder se prende a “o que deve ser ensinado nas escolas”

envolve diferentes abordagens da teoria curricular como uma tessitura social. Tais

abordagens que discutem a relação do currículo com o poder nos levam a uma

reflexão sobre as questões, pois nos colocam diante de uma visão de sociedade

dividida em conflitos entre grupos, categorias, classes. A discussão sobre o poder

está vinculada aos estudos desenvolvidos, por exemplo, por Foucault. Sabemos

também que todos os objetos da cultura são tecidos socialmente, o que está

apontado nos próprios estudos sobre a linguagem e o discurso. O conhecimento,

como o tecido no curso de Pedagogia da FFPP é uma tessitura que revela múltiplos

sentidos ordenados pelas instituições, professores/as e alunos/as.

Tura (2002) esclarece que no desenvolvimento do currículo escolar se incorporam

novos conhecimentos e reelaboram saberes em redes de significados que têm seus

sentidos, lógicas e técnicas sendo construídas em lugares, por vezes, diferentes

daqueles da cultura escolar. Percebe-se que esta autora amplia as possibilidades de

abordar o currículo, apresentando algo que deve ser desvelado e com um certo

42

poder transformador. Acrescentam-se, aqui, novas regras, novas organizações, o

destaque dado às muitas diferenças culturais que mantêm diálogo no ambiente

escolar.

Para a teoria pós-crítica, o currículo é uma linguagem dotada de significados,

imagens, falas, posições discursivas, um discurso em que se comunicam códigos

distintos. Para a autora, os conhecimentos escolares corporificam o mais importante

veículo propulsor da circularidade entre as culturas que convivem no ambiente

escolar o que inclui seus hibridismos e sincretismos que se interpõem na

organização curricular e na estrutura disciplinar. É no campo da cultura que se

destaca a função social da escola. As mudanças nas funções da escola, sinalizam,

então, para o fato de que ela constitui atualmente local privilegiado de encontros e

articulações entre modelos culturais contraditórios (Tura,2002:168).

No início dos anos 90, ganham força algumas novidades no campo do currículo. Na

metade da década de 1990, o pensamento curricular começa a incorporar enfoques

pós-modernos e pós-estruturalistas, que convivem com as discussões modernas.

(Lopes, Macedo 2002: 16).

É assim que Lopes e Macedo (2002) dizem não haver possibilidade de uma

educação, de um currículo e/ou de uma pedagogia que estejam do lado de uma

visão libertadora, justa, igualitária do homem e da sociedade, pois tal possibilidade

constituiria uma metanarrativa, negada pelo pós-modernismo, em função de seu

caráter opressor e da complexidade e variedade do mundo. Para Boaventura, uma

das fraquezas da teoria crítica moderna foi não ter reconhecido que a razão que

critica não pode ser a mesma que pensa, constrói e legitima aquilo que é criticável.

(Santos 2001: 29).

Para pensar o conhecimento em rede e o currículo, a tessitura de uma compreensão

teórica do currículo envolve considerar os espaços cotidianos em que esses

currículos acontecem, valorizando o fazer curricular como uma produção de sentido

(Lopes e Macedo – 2002: 37). Deve-se pensar o currículo em termos de hibridação,

43

sendo que isso contribui para analisar a complexidade dos processos de produção

culturais, políticos e sociais e muitos outros.

Passa-se, então, a um novo currículo. Essa visão pode ser representada por um

pós-currículo. Este situa-se à esquerda, nunca à direita, nem ao centro. “Por isso

está sempre comprometido com a educação pública, gratuita e de qualidade para

todos os homens, mulheres e crianças. Repudia as políticas sociais e educacionais

dos governos neoliberais do mundo que mundializam o capital e a exclusão”

(Corazza 2002:104).

Trata-se, também, de uma perspectiva de currículo na qual os estudos culturais não

configuram uma “disciplina”, mas uma área onde diferentes disciplinas interatuam,

visando ao estudo de aspectos culturais da sociedade. (Escosteguy 2001).

A mesma autora dirá:

Um campo de estudos em que diversas disciplinas se interseccionarn no estudo de aspectos culturais da sociedade contemporânea, constituindo um trabalho historicamente determinado. Os estudos culturais são um campo interdisciplinar onde certas preocupações e métodos convergem; a utilidade dessa convergência é que ela nos propicia entender fenômenos e relações que não são acessíveis através das disciplinas existentes. (Escosteguy 2001: 28)

Ainda, segundo a autora, os estudos culturais propõem um estudo interdisciplinar

que entende os processos culturais como independentes e não como fenômeno

isolado, como é a prática usual da maioria das disciplinas. Essa interdependência

caracteriza uma relação dinâmica com outras esferas, principalmente com a

estrutura ou os processos produtivos, considerando-se, aqui, os múltiplos aspectos

da vida social.

Outros autores defendem a mesma posição sobre a pertinência interdisciplinar dos

estudos, como Johnson (2000:22), para quem os processos culturais não

correspondem aos contornos do conhecimento acadêmico na forma como ele existe.

44

Nenhuma disciplina acadêmica é capaz de apreender a plena complexidade de

análise. Os estudos culturais devem ser interdisciplinares em sua tendência.

A complexidade, aliada a uma visão libertária e à valorização das culturas, era,

segundo Costa (2002:136), um entendimento tão ameaçador para a cultura de elite,

que alguns chegaram a propor introduzir nos currículos escolares um treinamento de

resistência à cultura de massa. Trata-se de uma visão muito presente no cotidiano

escolar da atualidade, inclusive na própria faculdade onde realizamos a nossa

pesquisa. Uma reação dá-se, de fato, quando propomos observar o currículo

enquanto tessitura social, linguagem, significação:

Para os estudos pós-estruturais – os objetos não existem para nós, sem que antes tenham passado pela significação. A significação é um processo social de conhecimento. Toda a teorização corrente sobre a escola, a educação, o ensino, a pedagogia, a aprendizagem, o currículo, constitui um conjunto de discursos, de saberes, que, ao explicar como essas coisas funcionam e o que são, as institui. (Costa 2002: 141 –142).

É importante observar que existe sempre uma filosofia pensando os saberes,

fazeres e suas transformações. O currículo, como artefato meramente técnico,

neutro, foi desafiado pela teoria crítica, que evidenciou as relações de poder à base

das “escolhas” curriculares e da seleção de conhecimentos escolares. Apontou para

a presença de vozes ligadas a camadas dominantes da sociedade e para o

silenciamento daquelas economicamente marginalizadas. Buscar pesquisar formas

pelas quais a escola reproduzia a desigualdade social, mas também espaços de

resistência e de busca de transformação. Canen (2002) dirá que, no campo do

currículo, desconfia de discursos que se apresentam como meramente técnicos,

buscando perceber neles vozes autorizadas e vozes silenciadas nos mesmos.

Conclui que a necessidade de se compreender o currículo como uma seleção

cultural impregnado por uma visão de mundo branco, masculino, heterossexual e

eurocêntrico passa a ser central em estudos curriculares, que buscam pensar em

currículos alternativos, multiculturais (Canen, 2002:179).

Nas observações sobre o impacto do currículo, verificamos que, geralmente, o/a

aluno/a não percebe que todos os conhecimentos vivenciados na escola são

45

possibilidades diferentes de uma mesma e única realidade no currículo organizado

em disciplinas. Disciplinar o aluno (a) é também fazer com que ele (a) perceba seu

lugar social.

Deslocar o currículo desse espaço homogêneo, de falsa diversidade, é afirmar,

como quer Gallo (2001), que podemos tentar fazer de nossos currículos novos

mapas, não mais marcados por territórios fragmentados, mas tentando ultrapassar

fronteiras, vislumbrar novos territórios de integração de saberes. Para o autor

Interdisciplinaridade é a tentativa de superação de um processo histórico de abstração do conhecimento que culmina com a total desarticulação do saber que nossos estudantes (e também nossos professores) têm o desprazer de experimentar. O saber articulado, aparentemente contraditório em meio a uma perspectiva de heterogeneidade, chama os problemas dos Estudos Culturais de problemas híbridos, ao tempo em que opera uma desarticulação de uma determinada imagem. O campo dos vários saberes é compreendido, tradicionalmente, pela metáfora da árvore. O paradigma arbóreo implica uma hierarquização do saber, como forma de mediatizar é regular o fluxo de informações pelos caminhos internos da árvore do conhecimento (Gallo, 2001:29-30)

É importante também enfatizar que o currículo que interessa a este estudo vai além

das prescrições e sobre isso alguns autores colocam-se muito bem. Por isso se diz

que o currículo real, na prática, é a conseqüência de se viver uma experiência em

um ambiente prolongado que propõem – impõem todo um sistema de

comportamento e de valores e não apenas de conteúdos de conhecimento a

assimilarem (Sacristán, 1995: 86). Diz, ainda, o autor que uma coisa é o currículo

considerado como uma intenção, um plano ou uma prescrição que explica o que

designamos que ocorresse nas escolas e outra o que existe nelas, o que realmente

ocorre no seu interior. O currículo real é o que nos interessa acrescentar às

discussões na experiência da FFPP:

O currículo tem que ser entendido como a cultura real que surge de uma série de processos, mas do que como um objeto delimitado e estático que se pode planejar e depois implantar; aquilo que é, na realidade, a cultura nas salas de aula, fica configurado em uma série de processos: as decisões prévias acerca do que se vai fazer no ensino, as tarefas acadêmicas reais que são desenvolvidas, a forma como a vida interna das salas de aula e os conteúdos de ensino se vinculam com o mundo exterior, as relações grupais, o uso e o aproveitamento de matérias, as práticas de avaliação (Sacristán,1995:86-87).

46

Na verificação disso, deve-se partir, segundo o autor, de que uma idéia de currículo

real nos levaria a analisar a linguagem dos professores (as), os exemplos que

utilizariam, suas atitudes para com as minorias ou culturas, as relações sociais entre

alunos (as), as formas de agrupá-las, as práticas de jogos e brinquedos fora da sala

de aula, os estereótipos que são transmitidos através de livros, aquilo que é exigido

na avaliação. E isso significa que um estudo sobre currículo real implica considerar a

mudança dos métodos pedagógicos e propiciar outra formação docente,

estimulando uma tendência cultural que abrange a complexidade da cultura e da

experiência humana (Sacristán, 1995:88).

Estabelecendo relações entre currículo e cultura, ou seja, sobre o currículo real, diz

o autor que todos os materiais pedagógicos utilizados por professor/as e alunos/as

são mediadores muito decisivos da cultura nas escolas, porque são os artifícios do

que e do como se apresenta essa cultura a professores/as e alunos/as. Ali se reflete

de forma constante e elaborada a cultura real que se aprende (Sacristán, 1995).

Finalizando/iniciando este percurso teórico que contribui para pensar o currículo e

suas articulações no eixo proposto por nossa investigação, pensa-se que

Um curso não está feito no momento em que se chega a um consenso ou se impõe um determinado segmento hegemônico entre as forças existentes na unidade que o está propondo. Nem mesmo quando os órgãos internos da Universidade ou do MEC o aprovam e permitem seu funcionamento. Estes são apenas momentos de um processo muito rico que começou antes e continuará a ser criado cotidianamente no embate permanente de pensamentos e ações divergentes e mesmo contraditórios. É neste processo que realmente se tece o currículo praticado de um curso (Manhães, 2001: 79).

4.2 DIMENSÕES HISTORICAS NO BRASIL

Existe a tese, muito divulgada, que as teorias e práticas curriculares teriam surgido

no Brasil por transferência dos Estados Unidos. Essa interpretação pressupõe um

determinado conceito de transferência educacional e faz-se necessário abordá-la.

Transferência educacional é aqui entendida como a passagem de modelos

47

institucionais e de práticas educativas de um país para outro. Sob este contexto, na

transferência educacional, desenvolveram-se duas correntes: a do Imperialismo

Cultural e a do Neocolonialismo.

Um dos principais educadores situados dentro da corrente do Imperialismo cultural é

Martin Cânon que escreveu o texto Education as culturas imperialismo em 1974. A

corrente do imperialismo cultural considera que não é a escola que determina os

papéis sociais das pessoas, mas, sim, sua origem de classe. Neste sentido, a escola

atua como instrumento de controle social, contribuindo, assim, para manter a ordem

vigente. A análise dos defensores do Imperialismo Cultural no que tange à relação

entre educação e sociedade é bastante simplificada. Eles vêem a escola

desempenhando, predominantemente, o papel de reprodução da estrutura social.

Pensamos que tal relação não pode se dá de forma mecânica e absoluta.

A dimensão neocolonialista objetiva superar as contradições da visão do

Imperialismo Cultural. Para estes, a educação colonial necessariamente não aliena o

campo colonizado. Ao contrário do Imperialismo Cultural, os expoentes do contexto

neocolonialista acentuam o grau de liberdade exercida pelos países do terceiro

mundo. Diferentemente, estes estudiosos levam em consideração as concepções

dos grupos e países periféricos, vendo-as como capazes de imprimir suas próprias

marcas nos programas egressos dos países centrais. No entanto, os teóricos do

neocolonialismo não chegaram a apresentar um quadro teórico que desse conta da

temática. Podemos afirmar que o Brasil, a partir de um determinado momento de

sua história recente, apresenta essas características.

Vê-se, pois, que os dois estudos acerca de transferência educacional não

consideram que as teorias, tanto nos países centrais quanto periféricos, são

mediadas pelos seus respectivos contextos culturais, políticos, sociais, históricos e

institucionais, que provocam tanto resistência quanto adaptações e rejeições em

meio ao processo. Daí, sua pequena capacidade em contribuir para a compreensão

das trilhas seguidas pelo campo do currículo, tanto nos países centrais quanto nos

periféricos.

48

feita esta introdução, é importante ver como os autores brasileiros vêem os

desdobramentos da citada transferência no Brasil. Para Lopes e Macedo (2002), as

primeiras preocupações com o currículo, no Brasil, datam dos anos vinte do século

passado. Esse campo foi marcado até 1980, também, pela transferência

instrumental de teorizações americanas. Essa transferência centrava-se na

assimilação de modelos para elaborações curriculares, em sua maioria, de viés

funcional. A teoria tradicional do currículo baseava-se, como se percebe, numa

concepção conservadora de cultura fixa, estável, herdada.

O pensamento brasileiro sobre a prática curricular iniciou-se com o entendimento de

que, tendo sido transferido dos Estados Unidos nos anos setenta, sob o domínio da

ditadura militar, o campo curricular no Brasil inicia-se de forma subserviente, sem

que se levassem em consideração as nossas peculiaridades nacionais.

Diante dos três paradigmas fundamentais adotados internacionalmente pela

literatura sobre currículo (técnico-linear, circular-consensual e o dinâmico-dialogal),

alguns teóricos identificam o técnico-linear como sendo o que mais influenciou o

campo do currículo no Brasil, na fase inicial. Admite-se que, contemporaneamente,

já existem no campo de estudo do currículo, autores brasileiros críticos associados à

pedagogia crítico-social dos conteúdos e à educação popular (Moreira, 1995: 28). O

que não se consegue é explicar como esta existência acima referida, foi possível em

meio às idéias tecnicistas americanas. É certo que se abrem, aqui, algumas

possibilidades de explicação. A questão cultural ganha importância nessa

explicação.

Caberá, pois, a este nosso trabalho, não apenas um esforço em objetivar a inserção

crítica na discussão do currículo, mas, também, verificar como os Estudos Culturais

contribuem para uma postura pós-crítica que possa apresentar contribuições para

uma nova educação no país. Trata-se de uma discussão que deverá levar em conta

a instauração de novos paradigmas.

49

Toda ênfase nas questões culturais é dada, na análise, tanto dos componentes,

quanto dos veículos desses componentes, no estudo do currículo, bem como na

maneira pela qual se desenvolvem na escola. A variável “inclusão/exclusão” é

amplamente empregada nessa mesma análise. Mas não se trata, aqui, de ver a

cultura como algo geral, genérico, abrangente, categoria universal. Trata-se, mais,

de descobrir na cultura as diferenças mínimas, mas significativas, dinâmicas,

diferenças que produzem diferenças:

É significativo o cuidado, por exemplo, de vários autores e autoras e

docentes, em ressaltar a diferença que se faz ao tratar de homem ou de

mulher, de professor ou de professora, quando a categoria gênero entra em

cena na análise dos fenômenos sociais. Daí a explicar-se o fato da utilização,

na linguagem escrita e mesmo falada, da forma masculina e feminina

(homem/mulher-professor/professora...), grafia e verbalização,

convenhamos, incômoda, mas reveladora de sentidos. Nos Estudos Culturais

voltados para o currículo não se podem mais ignorar as diferenças culturais,

de gênero, de raça, de cor, de sexo etc. (Berticelli, 1999:173).

O currículo é real, um pós-currículo que se abre na dispersão da cultura. E, nessa

perspectiva, os estudos culturais não se constituem numa nova disciplina, mas, sim,

em um campo de estudos onde diversas disciplinas se interseccionam no estudo de

aspectos culturais da sociedade contemporânea. Isto significa que os Estudos

Culturais são uma área onde diferentes disciplinas interagem. (Escosteguy,

2000:138). Sintetiza Schulman (2000:169): Os Estudos Culturais foram concebidos

desde o início, como um empreendimento interdisciplinar. Abre-se, deste modo, uma

possibilidade para enfatizar a aproximação entre Estudos Culturais e currículo.

4.3 ESTUDOS CULTURAIS: DIMENSÕES SÓCIO-HISTÓRICAS

O reconhecimento das dimensões políticas do currículo, modalizado pelo poder,

abre caminho para pensá-lo como tessitura cultural, deslocando o interesse para a

sua verificação no espaço dos estudos culturais.

50

Nas diversas teorizações e histórias que, inicialmente, discutiram a cultura, esta era

usada para referir-se ao cultivo de terra, cultivo de plantações e cultivo de animais

no século XV. Já no início do século XVI, estende-se à idéia de cultivo da terra e de

animais para a mente humana, ou seja, fala-se em mente humana cultivada,

chegando a conceber a cultura como prática social. Cultura corresponde,

atualmente, ao conjunto de práticas por meio das quais os significados são

produzidos e compartilhados em um grupo. A cultura impõe os sentidos.

As primeiras manifestações dos estudos culturais têm origem na Inglaterra, no final

dos anos 50, especialmente em torno do trabalho de Richard Hoggart, Raymond

Williams e Edward Palmer Thompson. Este entendimento é comum em muitas das

reconstituições das origens deste campo de estudo. De outro lado, tem-se tornado

também motivo gerador de debates, discussões e contendas, sobretudo, nos últimos

tempos.

Na história dos Estudos culturais, os primeiros encontros foram com a crítica

literária. Jonhnson (2000), Ana Carolina Escosteguy (2001) e Norma Schulman

(2000), em seus estudos, analisam três textos que surgiram no final dos anos 50,

identificados como a base dos Estudos Culturais. Destaque-se que tais estudos

surgiram na Inglaterra.

O campo dos Estudos Culturais surge, de forma organizada, através do Centre for

Contemporary Cultural Studies (CCCS), diante da alteração dos valores tradicionais

da classe operária da Inglaterra do pós-guerra. Inspirado na sua pesquisa, Richard

Hoggart publica The Uses of Literaty (1957) que tratará, em parte, de conteúdo

autobiográfico e, em parte, de história cultural do meio do século XX. Neste texto,

conforme Escosteguy (2001:22), o foco de atenção recai sobre materiais culturais,

antes desprezados, de cultura popular e dos meios de comunicação de massa,

através de metodologia qualitativa. Este trabalho inaugura o estudo de que no

âmbito popular não existe apenas submissão, mas, também, resistência, o que, bem

mais tarde, será recuperado pelos estudos de audiência dos meios massivos.

51

Destaquem-se as contribuições de Willians e Thompson: o segundo texto de

Raymond Willians com Culture end Socity (1958), que constrói um histórico do

conceito de cultura, culminando com a idéia de que a “cultura comum ou ordinária”

pode ser vista como um modo de vida em condição de igualdade de existência com

o mundo das Artes, Literatura e Música. Escosteguy (2001) reconhece que:

A contribuição teórica de William é fundamental para os Estudos Culturais, a partir desse texto, através de um olhar diferenciado sobre a história literária, ele mostra que a cultura é uma categoria chave que conecta a cultura a análise literária com a investigação social.

A edição brasileira data de 1969 cuja apresentação de Anísio Teixeira, que também

é um dos tradutores, afirma:

Raymond William dá-nos neste livro uma descrição, uma análise e uma interpretação da herança intelectual, imaginativa e sentimental que recebeu a geração contemporânea para compreender e rever a sua própria cultural (...). Sem exagero, o livro nos mergulha numa atmosfera como a dos diálogos de Platão. É a nossa república que se desdobra a nossos olhos, com o seu ethos e o seu pathos, com as suas esperanças e as suas desilusões e, sobretudo, com a sua experiência, tudo se enovelando para a criação de uma cultura nova, complexa e insegura, que é a cultura em que hoje nos debatem.

A terceira contribuição vem de E.P. Thompson The Kaking of The English Working-

class (1963) que reconstrói uma parte da história da sociedade inglesa de um ponto

de vista particular – a história “dos de baixo”. Os estudos de Thompson podem-se

dizer, que influenciam o desenvolvimento da história social britânica de dentro da

tradição marxista.

Nesse inicio dos Estudos Culturais, há de ressaltar ainda que, embora não seja

citado como membro do trio fundador, Stuart Hall é considerado importante, pois

incentiva o desenvolvimento da investigação de práticas de resistência de

subculturas e de análise dos meios massivos, identificando seu papel central na

direção da sociedade.

É importante observar que esses estudos surgiram de uma grande reflexão sobre a

sociedade, em um mundo em transformação. Na Inglaterra, destaque-se que isso

52

tenha acontecido no império da tradição, sendo marcantes duas características que

vão contribuir para os Estudos Culturais: o impacto da organização capitalista das

formas culturais no campo das relações sócio-culturais, em que se observa a ruptura

das culturas tradicionais de classe em conseqüência do alastramento dos meios de

comunicação de massa. A segunda característica seria o colapso do império

britânico onde a suposta integridade começa a implodir. Essas duas características

que representam uma fratura no próprio sistema, produziriam novas formas de

pensar a sociedade e a cultura.

Faz-se necessário reconhecer que existem desarcordos entre os considerados pais

e fundadores” dos Estudos Culturais: Williams, Thompson e Hoggart. Porém, para a

constituição dos Estudos Culturais é mais significativo destacar os pontos de vista

compartilhados entre eles. É importante ressaltar, então, que os três autores citados

como os fundadores deste campo de estudos, embora não tenham uma intervenção

coordenada entre si, revelam um leque comum de preocupação que abrange as

relações entre cultura, história e sociedade, ou seja, a união, o elo. É uma

abordagem que insiste em afirmar que, através da análise da cultura de uma

sociedade – as formas textuais e as práticas documentadas de uma cultura – é

possível reconstituir o comportamento padronizado e as constelações de idéias

compartilhadas pelos homens e mulheres que produzem e consomem os textos e as

práticas culturais daquela sociedade. É uma abordagem que enfatiza a “atividade

humana”, a produção ativa da cultura, ao invés de seu consumo passivo

(Escosteguy, 2001:25 – 26).

Como nos informa Johnson (2001:11) Uma segunda matriz dos Estudos Culturais foi

o desenvolvimento das tradições da História Social, no pós-guerra, com seu foco na

cultura popular ou na cultura do povo, especialmente sob suas formas políticas.

Foi,fundamentalmente, neste caso, o grupo de historiadores do Partido Comunista

em seu projeto – dos anos 40 e início dos anos 50 – de historicizar o velho

marxismo, adaptando-o, ao mesmo tempo, às situações britânicas.

Essa influência foi, de certa forma, paradoxal, pois os historiadores estavam menos preocupados com a cultura contemporânea ou mesmo com o século XX,

53

colocando suas energias, em vez disso, uma compreensão da longa transição britânica do feudalismo para o capitalismo, bem como nas lutas populares e nas tradições de dissidência associadas com essa transição (Johnson, 2000:11).

É importante observar que se dá um redimensionamento do próprio conceito de

cultura para que houvesse intenso interesse pelas questões culturais. São

preocupações que aconteceriam, obviamente, no mundo ocidental. Costa

(2002:133) esclarece que, dentre outros motivos, tais interesses são decorrentes

das transformações na ordem mundial delineadas ao longo do século XX, mais

acentuadamente no período pós Segunda Guerra. Estas mudanças decorrem não

apenas das novas conquistas nos domínios tecnológicos, mas também dos

emergentes arranjos políticos, econômicos, sociais e culturais que se configuraram

nesse período de confrontos.

Ainda segundo Costa, nos meados da década de cinqüenta do século passado, deu-

se o surgimento de fortes críticas à concepção de cultura até então dominante na

teoria cultural.

Neste período são questionadas claramente as concepções inspiradas na tradição arnoldiana – cujo foco central deste posicionamento é uma visão elitista e discriminadora da cultura, expressão clássica do pensamento não-igualitário e que dominaram por mais de cem anos as análises culturais ocidentais. Na visão arnoldiana, a cultura adjetivada como popular era sinônimo de desordem social e política, ao passo que “cultura”, grafada no singular e seus adjetivos, seria o mesmo que harmonia e beleza (Costa, 2002: 135).

É sob a inspiração de Arnold que surge, na primeira metade do século XX, na

Inglaterra, uma das mais influentes análises culturais que se conhece, cujo objetivo

era fazer frente ao declínio cultural, ao que aquele crítico chamava de “cultura de

padronização e do nivelamento por baixo”.

Levado a efeito por Frank Raymond Leavis, esse projeto teve, como sempre teria

sido sustentado, por uma minoria que mantinha vivos os padrões de massa estavam

ameaçando esses padrões, afastando as pessoas dos cânones da literatura e das

artes e transformando o mundo em massas de indivíduos incultos ou semicultos

(Costa, 2002: 136).

54

Os Estudos Culturais precisam continuar abertos a possibilidades inesperadas,

inimaginadas ou até mesmo não-solicitadas. Ninguém pode esperar controlar esses

desdobramentos. Eles constituem um campo interdisciplinar, transdisciplinar e

algumas vezes contra-disciplinar que atua na tensão entre suas tendências para

abranger tanto uma concepção ampla, antropológica, de cultura, quanto uma

concepção estreitamente humanística de cultura.

Compreendemos, pois, que nas tradições dos Estudos Culturais, pois, a cultura é

entendida tanto como forma de vida – compreendendo idéias, atitudes, linguagens,

práticas, instituições e estruturas de poder – quanto toda uma gama de práticas

culturais: formas, textos, cânones, arquitetura, mercadorias produzidas em massa, e

assim por diante.(...) Como diz Hall, citado por Silva (1995:14) cultura significa o

terreno real, sólido das práticas, representações, línguas e costumes de qualquer

sociedade histórica específica”, bem como “as formas contraditórias de ‘senso

comum’ que se enraízam na vida popular e ajudaram a moldá-la.

Os Estudos Culturais compõem, hoje, uma tendência importante da crítica cultural

que questiona o estabelecimento de hierarquias entre formas e práticas culturais,

estabelecidas a partir de oposições como cultura “alta” ou “superior” e “baixa” ou

“inferior”. Adotada essa premissa, a investigação da cultura popular que assume

uma postura crítica em relação àquela definição hierárquica de cultura, na

contemporaneidade, suscita o remapeamento global do campo cultural, das práticas

da vida cotidiana aos produtos culturais, incluindo, é claro, os processos sociais de

toda produção cultural.

Nas reflexões sobre a hierarquia das culturas, sub-jaz a crença de formas culturais

próprias das classes populares, ao contrário daquilo defendido pela alta cultura.

Novas formas de pensar insistem em que o estudo da cultura não poderia ser

confinado a uma disciplina única, mas era necessariamente inter, ou mesmo

antidisciplinar. A expansão dos Estudos Culturais, como estamos a observar novos

55

relatos, apontam para novas possibilidades, dentro de novas bases e princípios que

não mais permitem certos preconceitos e exclusões.

No espaço opaco das significações da cultura – é que vamos ver aqui essa

opacidade que é própria do conceito de cultura. Há duas grandes reorientações nas

análises culturais propostas pelos estudos culturais: um amplo espectro de

significados e práticas que move e constitui a vida social. O alargamento do conceito

de cultura, incluindo práticas e sentidos do cotidiano – sendo esse o foco de minha

pesquisa - propiciou, por sua vez, uma segunda mudança importante: todas as

expressões culturais devem ser vistas em relação ao contexto social das

instituições, das relações de poder e da história.

As questões políticas estão intrinsicamente ligadas aos estudos culturais, por isso a multiplicidade de objetos de investigação também caracteriza os estudos culturais. Resulta da convicção de que é impossível abstrair a análise da cultura das relações de poder e das estratégias de mudança social. A ausência de uma síntese completa sobre os períodos, enfrentamento político e de deslocamentos teóricos contínuos de método e objeto faz com que, de forma geral e abrangente, o terreno de sua investigação circunscreva-se aos temas vinculados às culturas populares e aos meios de comunicação de massa e, posteriormente, à temática relacionada com as identidades, sejam elas sexuais, de classe, étnica, geracionais etc. (Escosteguy, 2001:29)

Em relação aos estudos que emergem agora, não se pode deixar de perceber a

importância dos anos 70. No início desses anos, os estudos concentraram-se em

torno da emergência de várias subculturas que pareciam resistir a alguns aspectos

da estrutura dominante de poder. A partir da segunda metade dessa mesma década,

percebe-se a importância crescente dos meios de comunicação de massa, vistos

não somente como entretenimento, mas como aparelhos ideológicos do estado.

Nessa época, os estudos das culturas populares pretendiam responder a

indagações sobre a constituição de um sistema de valores e de um universo de

sentido, sobre o problema de sua autonomia. (Escosteguy, 2001:30).

Ainda nessa época, o trabalho em torno das diferenças de gênero através do

feminismo que irrompe em cena e os desenvolvimentos em torno da idéia de

“resistência”, também marcam o período. Hall (citado por Escosteguy) aponta o

56

feminismo como uma das rupturas teóricas decisivas que alterou uma prática

acumulada em Estudos Culturais, reorganizando sua agenda em termos bem

concretos. Desta forma, destaca sua influência nos seguintes aspectos: a abertura

para o entendimento do âmbito pessoal como político e suas conseqüências na

construção do objeto de estudo dos Estudos Culturais; a expansão da noção de

poder, que, embora bastante desenvolvida, tinha sido apenas trabalhada no espaço

da esfera pública; a centralidade das questões de gênero e sexualidade para a

compreensão da própria categoria “poder”; a inclusão de questões em torno do

subjetivo e do sujeito e, por último, a “reabertura” da fronteira entre teoria social e

teoria do inconsciente – psicanálise. (Escosteguy, 2001:31). Este foco introduziu

novas variáveis, deixando-se de ver os processos de tessituras da identidade

unicamente através da cultura de classe e sua transmissão geracional. Outras

possibilidades começaram a atuar.

Nessa historização dos estudos culturais, a autora diz que a partir dos anos 80, há

indícios de que a importância do CCCS (Centre for Contemporary Cultural Studies)

como pólo de difusão da proposta dos Estudos Culturais começa a arrefecer, isto é,

surge uma força de descentralização.

Durante esse processo, nota-se a expansão do projeto dos Estudos Culturais para outros territórios, para além da Grã-Bretanha, ocorrendo mutações importantes, decorrentes, principalmente, de uma observação sobre a desestabilização das identidades sociais, ocasionada, sobretudo, pela aceleração do processo de globalização. O foco central passa a ser a reflexão sobre as novas condições de constituição das identidades sociais e sua recomposição numa época em que as solidariedades tradicionais estão debilitadas. Enfim, trata-se de uma ênfase à dimensão subjetiva e à pluralidade dos modos de vida vigentes em novos tempos – ‘New Times’ (Escosteguy, 2001:35).

Já nos anos 90, as investigações distinguem-se para captar a experiência, a

capacidade de ação dos mais diversos grupos sociais, baseando-se nas relações de

identidade em visão global, nacional, local e individual, raça, etnia, novas

tecnologias, a mídia e a influência na constituição da identidade e relação de poder.

Trata-se de um período que ainda está sendo avaliado, pois os Estudos Culturais

interessam a estudiosos de todas as partes do mundo, em diferentes concepções.

Estão descentradas geograficamente e múltiplos teoricamente. A conseqüência

57

natural desse debate é a revisão dos cânones estéticos ou mesmo de identidades

regionais que se apresentam como universais ao negarem ou encobrirem

determinações de raça, gênero e classe. (Escosteguy, 2001:41)

Neste período, torna-se imperativo explicar e analisar os conflitos através de uma

única contradição: a diferença de classe. Isso impedia de pensar a pluralidade de

matrizes culturais, a diversidade cultural. A flexibilidade dessa lógica permitia o

redesenho das relações entre cultura e classe social. O redefinido é tanto o sentido

de cultura quanto o de política, permitindo (re)descobrir as culturas populares e a

constituição de identidade. Isso em grande medida se deve à incorporação de parte

do pensamento gramsciano. (Escosteguy, 2001).

Do ponto de vista britânico, Hall, citado por Escosteguy (2001:91) aponta a reflexão

de Antonio Gramsci como instigadora e fundamental na constituição dos Estudos

Culturais, se considerados os “silêncios” do marxismo sobre uma questão muito cara

aos Estudos Culturais, isto é, o âmbito do simbólico

A opção de incorporar parte da reflexão de Gramsci pelos Estudos Culturais,

incentivada, principalmente, através da liderança de Stuart Hall, deve-se, em grande

medida, ao seu ataque ao economicismo e reducionismo dentro do marxismo

clássico.

Para os britânicos, as contribuições de Gramsci consideram o silêncio do marxismo

no âmbito do simbólico. Atacam, os teóricos, assim como o próprio Foulcaut o

economicismo do marxismo clássico. Essa visão pode, também, ser criticada, assim

como todos os outros que desprezam a influência da infraestrutura. A economia não

é tudo, mas não pode ser desprezada.

As influências de Gramsci abriram também para uma reflexão sobre a cultura popular porque em linhas gerais, os Estudos Culturais estão, sobretudo, preocupados com as inter-relações entre domínios culturais supostamente separados, interrogam-se sobre as mútuas determinações entre culturas populares e outras formas discursivas e estão atentos para o terreno do cotidiano de vida popular e nas mais diversas práticas culturais. No final dos anos setenta, tais discussões concentravam-se em duas oposições, representadas pelo estruturalismo e culturalismo. O elemento que deslocou essa polaridade foi a

58

incorporação das reflexões de Antonio Gramsci sobre o tema da hegemonia. A contribuição gramsciana configurou um novo tipo de ênfase na análise da cultura popular. (Escosteguy, 2001:108).

Quanto à influência do pensamento gramsciana nos Estudos Culturais, a

incorporação do conceito de hegemonia abre espaço para se pensar questões da

cultura popular e mesmo de identidade, constituindo-se no atual debate sobre a

cultura: A teoria da hegemonia permitiu a tessitura de uma análise de dentro do

marxismo, que evita ver o popular como um bloco homogêneo de oposição,

decorrente somente de uma posição de pertencimento fixo a uma classe. Propiciou,

também, pensar na possibilidade de existência da separação relativa de diferentes

regiões de enfrentamento cultural como classe, gênero e raça, assim como

sobreposições entre essas categorias em diferentes circunstâncias históricas.

(Escosteguy, 2001:109).

Já a abordagem centrada na subjetividade, os estudos de Johnson apontam para

novas aquisições nos Estudos Culturais: Inicia as suas indagações, criticando o

contexto britânico, afirmando que os Estudos Culturais têm se destacado, por sua

preocupação com a “teoria”, mas o grau de conexão com a filosofia não tem sido

óbvio.

4.4 CURRÍCULO E ESTUDOS CULTURAIS: TESSITURAS ATUAI S

No nosso entendimento, não seria demais afirmar que a partir dos anos 60 e 70 – do

século passado – o mundo não foi mais o mesmo. Além de todas as convulsões e

transformações operadas, podem-se apontar dois movimentos que redefiniram os

estudos sobre a sociedade e, particularmente, sobre a cultura das mulheres e das

lutas contra o racismo. Tais movimentos ampliam o debate político, produzem mais

objetos de investigação e deslocam as dimensões da critica interior baseada na

noção de ideologia, para as identidades, as subjetividades, o popular e o prazer.

Tiveram também o mérito de influenciar as ciências humanas, em novos enfoques

para a literatura e a estética, ligando-as às questões sociais.

59

Johnson destaca a política nos Estudos Culturais, afirmando que, boa parte das

fortes continuidades da tradução dos Estudos Culturais está contida no termo

singular “cultura”, que continua útil não como uma categoria rigorosa, mas como

uma espécie de síntese de uma história: Este sentimento de uma conexão entre o

trabalho intelectual e o trabalho político tem sido importante para os Estudos

Culturais. Significa que a pesquisa e a escrita têm sido políticas, mas não em

qualquer sentido pragmático imediato. Este posicionamento político – intelectual é

possível porque a política que buscamos criar não está plenamente formada.

(Johnson, 2000:21)

Johnson (2000:21), Vai afirmar, então, que os Estudos Culturais também estão

preocupados com sociedades inteiras (ou formações sociais mais amplas) e como

elas se movimentam, mas eles examinam os processos sociais a partir de um outro

ponto de vista:

“Nosso” projeto é o de abstrair, descrever e reconstruir, em estudos concretos, as formas através das quais os seres humanos “vivem", tornam-se conscientes e se sustentam subjetivamente. A ênfase nas formas é reforçada por alguns insights do estruturalismo amplo. Eles têm ressaltado o caráter estruturado das formas que subjetivamente ocupamos: a linguagem, os signos, as ideologias, os discursos, os mitos. Eles têm apontado para as regularidades e para os princípios de organização – ou, se quisermos, para aquelas coisas que fazem com que haja uma “forma”. Embora com freqüência enunciados em nível demasiadamente alto de abstração (por exemplo, a linguagem em geral, em vez da linguagem em particular), eles têm fortalecido nossa sensibilidade sobre dureza, o caráter determinado e, na verdade, sobre a existência real de formas sociais que exercem suas pressões através do lado subjetivo da vida da forma, neste sentido, é suficiente. É também importante ver a natureza histórica das formas subjetivas. (Johnson, 2001: 29).

Preocupado com a linguagem e a subjetividade e com as verdades

institucionalizadas pela ciência, métodos, modelos e aparelhos, Johnson (2001:31-

32) se questiona:

que tal se as teorias existentes – os modos de pesquisas com elas associados – realmente expressassem diferentes lados do mesmo e complexo processo? Que tal se elas fossem todas verdadeiras, mas apenas até certo ponto, verdadeiras para aquelas partes do processo que elas têm mais claramente em vista? Que tal se elas fossem todas falsas ou incompletas, sujeitas a enganar, na medida em que elas são apenas parciais e não podem, portanto, apreender o processo como um todo? Seu mérito

60

imediato, entretanto, está no fato de que ajuda a explicar uma das características – chave dos Estudos Culturais: as fragmentações teóricas e disciplinares já observadas. Estas poderiam, naturalmente, ser explicadas pelas diferenças políticas também já discutidas, especialmente as divisões intelectuais e acadêmicas de trabalho e a reprodução social de formas especializadas de capital cultural.

As influências sobre os Estudos Culturais criticados pelo autor vão ao encontro de

estudiosos como Bourdieu e Foucault, para pensar, por exemplo, a questão de

poder: “Os Estudos Culturais estão necessariamente e profundamente implicados

em relações de poder. Eles são parte dos próprios circuitos que buscam descrever.

Eles podem, tal como os conhecimentos acadêmicos e profissionais, policiar a

relação entre o público e o privado ou eles podem criticá-la. Eles podem estar

envolvidos na vigilância da subjetividade dos grupos subordinados ou nas lutas para

representá-las mais adequadamente do que antes. Uma abordagem mais

sistemática da produção cultural tem sido uma preocupação relativamente recente

da sociologia, da literatura, da arte ou das formas culturais populares”. (Johnson,

2000:51 - 52)

Sobre o papel do marxismo na questão sobre cultura, o autor analisa que no

cruzamento das discussões mais estéticas e políticas, tem havido uma preocupação

generalizada com a influência das condições capitalistas de produção e do mercado

de massa das mercadorias culturais sobre a “autenticidade” da cultura, incluindo as

artes populares e faz, então, a defesa das contribuições marxistas: É aqui,

naturalmente, que os paradigmas marxistas têm ocupado um lugar bastante central,

mesmo quando se continua a argumentar contra eles. Os primeiros trabalhos

marxistas afirmaram a primazia das condições de produção, freqüentemente

reduzindo-as a alguma versão estreitamente concebida “das forças e das relações

de produção”.

Mesmo essas análises reducionistas tinham um certo valor: a cultura era compreendida como um produto social e não como simplesmente uma questão de criatividade individual. Em trabalhos marxistas posteriores, analisavam-se as formas históricas da produção e a organização da cultura – “as superestruturas”. (Johnson, 2000: 54).

61

O mesmo autor destaca o papel de Gramsci, afirmando que ele foi, talvez, o primeiro

importante teórico marxista e líder comunista a considerar as culturas das classes

populares como objeto de estudo sério e de prática política e que o seu trabalho

constitui o mais sofisticado e fértil desenvolvimento de uma abordagem marxista via

produção cultural. A julgar pelo trabalho disponível em inglês, parece que ele estava

menos interessado em como as formas culturais funcionam subjetivamente do que

em como organizá-las externamente. (Johnson, 2000:55)

Johnson vai apontar para os estudos interdisciplinares, dizendo que grande parte

daquilo que se conhece sobre a organização textual das formas culturais é agora

ensinado nas disciplinas acadêmicas, convencionalmente agrupadas como

“Humanidades” ou “Artes”. As principais disciplinas das “Humanidades”, mais

especialmente a Lingüística e os Estudos Literários têm desenvolvidos meios de

descrição formal que são indispensáveis para a análise cultural:

Na análise literária das formas de narrativa, mas também da análise de formas sintáticas, na analise das possibilidades e transformações em Lingüísticas, na análise formal de atos e trocas na fala, na análise de algumas formas elementares de teoria cultural feita pelos filósofos e nos conceitos tomados de empréstimo, pela crítica e pelos Estudos Culturais, da semiologia e de outros estruturalismos. (Johnson, 2000:66)

Os estudos sobre a linguagem, sobre os conteúdos e sobre o sentido formulados

linguisticamente, parecem, para o autor, privilegiados. O exemplo considerado mais

impressionante, no momento, é o da Lingüística, que parece uma verdadeira caixa

do tesouro para a análise cultural, mas que está soterrada sob uma mística técnica e

um profissionalismo acadêmico exagerados dos quais, felizmente, está começando

a emergir. Entretanto, o paradoxo está em que as disciplinas das Humanidades, que

estão tão claramente preocupadas em identificar as formas subjetivas de vida, são,

já, Estudos Culturais em embrião! (Johnson, 2000:66-67)

O autor está preocupado com os novos horizontes dos Estudos Culturais,

principalmente com os procedimentos analíticos, afirmando que importantes são

todas as influências modernistas e pós-modernistas, particularmente aquelas

62

associadas com o estruturalismo, com a Lingüística pós-saussureana e a semiologia

e até da Lingüística anglo-americana:

Os Estudos Culturais têm, muitas vezes, se aproximado dessas vertentes de uma forma um tanto acalorada, tendo lutas acirradas, em particular, com aqueles tipos de análises de texto inspiradas pela Psicanálise, mas as renovadas infusões modernistas continuam a ser uma fonte de desenvolvimentos. A análise formal moderna promete uma descrição realmente cuidadosa e sistemática das formas subjetivas e de suas tendências e pressões. Ela nos tem permitido identificar, por exemplo, a narratividade como uma forma básica de organização da subjetividade. Dá indicações sobre o repertório das formas narrativas contemporaneamente existente - as estórias reais características de diferentes modos de vida. (Johnson, 2000:69)

A importância dos estudos semióticos é destacada pelo autor porque o elemento

mais característico das semiologias mais recentes é a asseração de que elas

proporcionam uma teoria de produção de sujeitos, pois apresentam diversas

camadas de teorização da subjetividade, as quais são difíceis de desenredar. Esse

conjunto complicado de fusões e enredamentos combinava importantes insight com

desastres teóricos.

Diz, entretanto, que o problema consiste em saber como aprender os momentos

mais concretos e mais privados da circulação cultural. Isso coloca dois tipos de

pressão. O primeiro vai na direção de métodos que possam detalhar, recompor e

representar conjuntos complexos de elementos discursivos e não-discursivos tais

como eles aparecem na vida de grupos sociais particulares. O segundo vai na

direção de uma “análise social” ou de uma busca ativa de elementos culturais que

aparecem na esfera pública ou que aparecem apenas de forma abstrata e

transformada. (Johnson, 2000:95)

Em suas críticas, Johnson vai aconselhar que temos de manter um olhar inquieto sobre as linhagens históricas e as atuais ortodoxias daquilo que é, algumas vezes, chamado de “etnografia” – a prática de representação das culturas dos outros. A prática, tal como a palavra, já amplia a distância social e constrói relações de “conhecimento–como-poder”. ‘’Estudar” formas culturais é já diferir de uma ocupação mais implícita da cultura, que é a principal forma de “senso comum” em todos os grupos sociais. (E quero dizer todos os grupos sociais – os “intelectuais” podem ser ótimos em descrever os pressupostos “implícitos” de outras pessoas, mas são tão implícitas

63

quanto quaisquer outros quando se trata de seus próprios pressupostos (Johnson,2000 :96)

Em sua elaboração, o autor questiona quais são os diferentes modos através dos

quais as formas subjetivas são ocupadas – ludicamente ou numa profunda

seriedade, através da fantasia ou em acordo racial, porque se trata da coisa a fazer

ou da coisa a não fazer? Tendem essas formas culturais a reproduzir as formas

existentes de subordinação ou opressão? Ou são elas formas que permitem um

questionamento das relações existentes e sua superação em termos de desejo?

Para se responder a tais questões, propõe que existem três modelos principais de

pesquisas em Estudos Culturais: estudos baseados na produção, estudos baseados

no texto e estudos baseados nas culturas vividas. Entretanto, cada abordagem

também implica em uma concepção diferente da política cultural.

Neste trabalho de pesquisa, a tendência para a qual nos referendamos foi às

culturas vividas no cotidiano do curso de Pedagogia da FFPP. Não se pauta em

representações, mas nas suas contribuições, nas tessituras de identidades.

Os estudos baseados na produção implicam uma luta para controlar ou transformar

os mais poderosos meios alternativos pelos quais estratégias contra-hegemônicas

poderiam ser buscadas; apoiados no texto, ao serem focalizados nas formas dos

produtos culturais, têm, em geral, se preocupado com as possibilidades de uma

prática cultural transformativa. Eles têm se dirigido, mais freqüentemente, aos

praticantes da vanguarda, aos críticos e aos professores. Essas abordagens têm

atraído, especialmente, educadores profissionais em faculdades ou escolas, porque

os conhecimentos apropriados à prática crítica têm sido adaptados (não sem

problemas) a um conhecimento direcionado a leitores críticos.

A pesquisa das culturas vividas tem estado estreitamente associada a uma política

da “representação”, apoiando as formas vividas dos grupos sociais subordinados e

criticando as formas públicas dominantes à luz de sabedorias ocultas. Este trabalho

pode, inclusive, aspirar a contribuir para tornar hegemônicas culturas que são

comumente privatizadas, estigmatizadas ou silenciadas. (Johnson, 2000:105)

64

Para o autor, aquelas pessoas preocupadas com estudos de produção precisam

examinar mais de perto, por exemplo, as condições especificamente culturais de

produção. Mas já no momento da produção, espera-se encontrar relações mais ou

menos íntimas com a cultura vivida de grupos sociais particulares, nem que seja

apenas a dos produtores. Estudos no momento da produção podem antecipar os

outros aspectos do processo mais amplo e preparar o terreno para uma análise mais

adequada. São modos de estudos textuais que se articulem com as tendências da

produção e da leitura. Como podemos verificar, os estudos propostos pelo autor são

muito ligados aos elementos dos estudos da linguagem:

Não há por que abandonar formas existentes de análise textual, mas estas têm que ser adaptadas ao estudo das práticas reais de leitura dos diferentes públicos, em vez de substituí-los. Em primeiro lugar, a leitura formal de um texto tem que ser tão aberta ou tão multi-estratificada quanto possível, identificando, certamente, posições preferidas ou quadros de referências preferenciais, mas também leituras alternativas e quadros de referências subordinados, mesmo que esses possam ser discernidos apenas como fragmentos ou como contradições nas formas dominantes. (Johnson, 2000:108)

Para concluir um diálogo sobre as diversas tendências que se ocupam dos temas, é

preciso destacar que as discussões sobre os estudos culturais encontram seu

grande interlocutor em Bhabha, cuja produção teórica se destaca pela diversidade

da reflexão, pelos textos que lhe servem de dados, pela linguagem que analisa e

através da articulação de seus próprios enunciados. Seus estudos dão um novo

estatuto para os Estudos Culturais:

Nossa existência hoje é marcada por uma tenebrosa sensação de sobrevivência, de viver nas fronteiras do "presente", para as quais não parece haver nome próprio além do atual e controvertido deslizamento do prefixo "pós": pós--modernismo, pós-colonialismo, pós-feminismo (...). Esse vazio se faz preencher na afirmação de que encontramo-nos no momento de trânsito em que espaço e tempo se cruzam para produzir figuras complexas de diferença e identidade, passado e presente, interior e exterior, inclusão e exclusão. (Bhabha, 1998:19)

Admitindo o afastamento das singularidades de "classe" ou "gênero" como

categorias conceituais e organizacionais básicas o autor afirma que uma consciência

das posições do sujeito - de raça, gênero, geração, local institucional, localidade

65

geopolítica, orientação sexual - que habitam qualquer pretensão à identidade no

mundo moderno. O que é teoricamente inovador e politicamente crucial é a

necessidade de passar além das narrativas de subjetividades originárias e iniciais e

de focalizar aqueles momentos ou processos que são produzidos na articulação

das diferenças culturais. Esses "entre - lugares" fornecem o terreno para elaboração

de estratégias de subjetivação – singular ou coletiva que dão início a novos signos

de identidade e postos inovadores de colaboração e contestação, no ato de definir a

própria idéia de sociedade. (Bhabha, 1998:19 - 20).

Nas questões entre colonizador e colonizados, Bhabha conclui que o acesso ao

poder político e o crescimento da causa multiculturalista vêm da colocação de

questões de solidariedade e comunidade em uma perspectiva intersticial. Diz ainda,

que as diferenças sociais não são simplesmente dadas à experiência através de

uma tradição cultural já autenticada e que elas são os signos da emergência da

comunidade concebida como projeto – “ao mesmo tempo uma visão e uma

construção - que leva alguém para "além" de si para poder retornar, com um

espírito de revisão e reconstrução, às condições políticas do presente”. (Bhabha,

1998:21-22)

Para o autor, nessas relações, as tradições nativas são traduzidas em oposição à

autoridade, abrindo outro lugar cultural e político de enfrentamento no cerne da

representação colonial. Aqui a palavra da autoridade divina é profundamente afetada

pela asserção do signo nativo e, na própria prática da dominação, a linguagem do

senhor se hibridiza - nem uma coisa nem outra. “O incalculável sujeito colonizado -

semi-aquiescente, semi-opositor, jamais confiável - produz um problema irresolvível

de diferença cultural para a própria interpelação da autoridade cultural colonial”.

(Bhabha, 1998:62).

Nesse contesto, a problemática envolvendo a identidade está contemplada na

discussão sobre a diferença. A diferença cultural não pode ser compreendida como

um jogo livre de polaridades e pluralidades no tempo homogêneo e vazio da

comunidade nacional. O abalo de significados e valores causados pelo processo de

66

interpretação cultural é o efeito da perplexidade do viver nos espaços liminares da

sociedade nacional que se tentou delinear. A diferença cultural, como uma forma de

intervenção, participa de uma lógica de subversão suplementar semelhante às

estratégias do discurso minoritário. A questão da diferença cultural nos confronta

com uma disposição de saber ou com uma distribuição de práticas que existem lado

a lado, “abseits”, designando uma forma de contradição ou antagonismo social que

tem que ser negociado em vez de ser negado.

A analítica da diferença cultural intervém para transformar o cenário de articulação,

não simplesmente para expor a lógica da discriminação política. Ela altera a posição

de enunciação e as relações de interpelação em seu interior; não somente aquilo

que é falado, mas de onde é falado; não simplesmente a lógica da articulação, mas

os topos da enunciação. O objetivo da diferença cultural é a rearticulação, a soma

do conhecimento a partir da abordagem da posição de significação da minoria, que

resiste à totalização.

O sujeito do discurso da diferença é dialógico ou transferencial à maneira da

psicanálise. Ele é constituído através do lócus do outro, o que sugere que o objeto

de identificação é ambivalente e ainda, de maneira mais significativa, que a agência

de identificação nunca é pura ou holística, mas sempre constituída em um

processo de substituição, deslocamento ou projeção.

Não basta simplesmente se tornar consciente dos sistemas semióticos que

produzem os signos da cultura e sua disseminação. Como estamos argumentando

nesse capítulo, tal processo crítico exige uma temporalidade cultural que é tanto

disjuntiva quanto capaz de articular, nos termos de Lévi-Strauss, “formas de

atividade que são, ao mesmo tempo, nossas e outras".

Uma aproximação que nos faz pensar a questão do currículo e, mais

especificamente, o currículo e a cultura é a relação entre as disciplinas. A

interdisciplinaridade é o reconhecimento do signo emergente da diferença cultural

produzida no movimento ambivalente entre a interpelação pedagógica e a

67

performativa. Ela nunca é simplesmente a adição harmoniosa de conteúdos e

contextos que aumentam a positividade de uma presença disciplinadora ou

simbólica pré-estabelecida. Assim, na tradução cultural, lugares híbridos de sentido

abrem uma clivagem na linguagem da cultura, sugerindo que a semelhança do

símbolo, ao atravessar os locais culturais, não deve obscurecer o fato de que a

repetição do signo é, em cada prática social específica, ao mesmo tempo diferente e

diferencial.

È na amplitude de sua reflexão, nas relações de poder que aparecem definições

para o conceito de cultura: Toda uma gama de teorias críticas contemporâneas

sugere que é com aqueles que sofreram o sentenciamento da história - subjugação,

dominação, diáspora, deslocamento - que aprendemos nossas lições mais

duradouras de vida e pensamento. Há mesmo uma convicção crescente de que a

experiência afetiva da marginalidade social - como ela emerge em formas culturais

não-canônicas - transforma nossas estratégias críticas. Ela nos força a encarar o

conceito de cultura exteriormente aos objetos d’art ou para além da canonização da

“idéia” de estética, a lidar com a cultura como produção irregular e incompleta de

sentido e valor, freqüentemente composta de demandas e práticas incomensuráveis,

produzidas no ato da sobrevivência social. A cultura se adianta para criar uma

textualidade simbólica, para dar ao cotidiano alienante uma aura de individualidade,

uma promessa de prazer. A transmissão de culturas de sobrevivência não ocorre no

organizado “musée imaginaire” das culturas nacionais com seus apelos pela

continuidade de um "passado" autêntico e um "presente" vivo. (Bhabha,1998:240).

Bhabha afirma que a cultura, como estratégia de sobrevivência, é tanto

transnacional como tradutória. Ela é transnacional porque os discursos pós-coloniais

contemporâneos estão enraizados em histórias específicas de descolamento

cultural, e é tradutória porque essas histórias espaciais de deslocamento - agora

acompanhadas pelas ambições territoriais das tecnologias "globais" de mídia -

tornam a questão de como a cultura significa, ou o que é significado por cultura, um

assunto bastante complexo:

68

A dimensão transnacional da transformação cultural - migração, diáspora, deslocamento, relocação - torna o processo de tradução cultural uma forma complexa de significação. O discurso natural(izado), unificador, da “nação", dos "povos" ou da tradição "popular" autêntica, esses mitos incrustados da particularidade da cultura, não pode ter referências imediatas. A grande, embora desestabilizadora, vantagem dessa posição é que ela nos torna progressivamente conscientes da construção da cultura e da invenção da tradição.(Bhabha, 1998:241)

Localizados no espaço dos novos paradigmas, para esse autor os debates atuais

do pós-modernismo questionam a astúcia da modernidade - suas ironias

históricas, suas temporalidades disjuntivas, seus paradoxos do progresso, sua

aporia da representação. Isto também sugere, implicitamente, que a linguagem

dos direitos e deveres, tão central ao mito moderno de um povo, deve ser

questionada com base no estatuto legal e cultural anômalo e discriminatório

atribuído às populações migrantes, diaspóricas e refugiadas. “Inevitavelmente, elas

se encontram nas fronteiras entre culturas e nações, muitas vezes do outro lado da

lei”. (Bhabha, 1998:244)

Em seu depoimento sobre o seu processo intelectual, Bhabha diz: minha passagem

do cultural como objeto epistemológico à cultura como lugar enunciativo,

promulgador, abre a possibilidade de outros " tempos" de significado cultural. Minha

intenção ao especificar o presente enunciativo na articulação da cultura é

estabelecer um processo pelo qual outros objetificados possam ser transformados

em sujeitos de sua história e de sua experiência.(Bhabha, 1998:248).

Discutindo, ainda, os grandes conflitos desse tempo, o autor retoma e explicita

alguns fatos, ao afirmar que as críticas pós-colonial e negra propõem formas de

subjetividade contestatórias que são legitimadas no ato de rasurar as políticas da

oposição binária - as polaridades invertidas de uma contra-política (Gates). Há uma

tentativa de construir uma teoria do imaginário social que não requeria um sujeito

que expresse uma angústia da origem (West), uma auto-imagem única (Gates), uma

afiliação necessária ou eterna (Hall). (Bhabha, 1998:249).

Para o autor, de “O local da cultura”, as diferenças culturais devem ser

compreendidas no momento em que constituem identidades - de modo contingente,

69

indeterminado - no intervalo entre a repetição da vogal I/eu - que pode sempre ser

reinscrita e relocada - e a restituição do sujeito I/eu. Lidas deste modo, no intervalo

entre o I/eu-como-símbolo e o I/eu-como-símbolo e o I/eu-como-signo, as

articulações da diferença - raça, história, gênero – nunca são singulares. (Bhabha,

1998:322).

Colocando as suas reflexões sobre o espaço gerador de novos conhecimentos e um

novo discurso, nos quais a nossa pesquisa busca inspiração, Bhabha afirma

categoricamente: É uma forma de “negatividade” que torna disjuntivo o presente

enunciativo da modernidade. Ela abre um entre-tempo no momento em que falamos

da humanidade através de suas diferenciações - gênero, raça, classe - que marcam

uma marginalidade excessiva da modernidade.(Bhabha, 1998:329).

Todo esse percurso por nós realizado, que vai desde a origem dos Estudos Culturais

até o momento atual, tem um único objetivo que é a articulação com o objeto

currículo. Ao destacar tais estudos, fomos guiados pela hipótese e quase convicção

de que, como seres sociais e culturais, não poderíamos perder a oportunidade de

destacar um conhecimento que é tecido e reafirmado nas redes. Como linguagem, o

currículo pressupõe lugares e entrelugares que o articulam e que, por sua vez, neles

se reflete. Discutir o currículo fora de uma dimensão social ampla é como retornar à

tradição de uma ordem que exclui tudo que não é igual à norma. Eis o porquê de

nossa incursão, até agora, deste trabalho.

70

CAPÍTULO 3

5- IDENTIDADE, CONHECIMENTO, PARADIGMA E HIBRIDISMO :

REFERENCIAIS QUE TECEM CONCEITOS E FAZERES EM REDE

5.1 DIFERENÇA E IDENTIDADE

Pensar em como se tecem as identidades culturais, a partir das formulações no

contexto do início deste século XXI, é o eixo de minha pesquisa, aproximando a

discussão do currículo e do discurso dos/as alunos/as da FFPP.

Ao colocar-nos questões sobre como a cultura é (re) tecida no cotidiano da escola,

imediatamente observamos que o conceito de cultura está diretamente ligado ao de

identidade, bem destacado por Tristão (2001) como um conjunto de práticas, de

significados, produzidos, compreendidos e compartilhados; a cultura é formadora de

identidades. Na tendência pragmática de verificar a dinâmica de práticas de poder

no currículo, interessa, aqui, pensar que se trata de um discurso e, portanto, tecido a

partir da linguagem, determinada ideológica e politicamente.

Na dinâmica apontada pelos estudiosos da identidade, não é ela concebida

enquanto unidades prontas e acabadas, mesmo porque é algo tecida e não algo que

se encontra por aí “in natura”, mas em constante processo de tessituras: A

identidade é compreendida não mais de maneira fixa ou permanente, forma-se e

transforma-se o tempo todo, correspondendo a maneira como as representações

interpelam o sujeito nos sistemas sociais e culturais (Tristão, 2001:51).

Assim como a autora, também no âmbito deste estudo, só se consegue

compreender essas dimensões articuladas, fazendo um percurso que nos coloque

diante dessas múltiplas dimensões pensadas em vários níveis.

71

De forma geral, afirma-se que este debate torna-se um problema teórico a partir da

modernidade, quando a identidade passa a ser encarada como algo sujeito a

mudanças e inovações. A tentativa operada e o relacionamento do tema da

identidade com a discussão sobre o sujeito e sua inserção no mundo, sobre os

indivíduos e suas identidades pessoais – como nos tecemos, percebemo-nos,

interpretamos e nos apresentamos para nós mesmos e para os outros; sobre o

deslocamento do indivíduo do seu lugar na vida social e de si mesmo. (Escosteguy,

2001). Não se entenda, porem, tal individuo dissociado do contexto social.

Tomando como base os conceitos e noções envolvidas com a problemática por nós

apontada, destacamos um aprofundamento que permite a nossa análise,

compreendendo que o debate sobre as identidades, conforme nos aponta a autora,

oscila basicamente entre duas grandes matrizes, denominadas de essencialismo e

construção social, sendo a primeira caracterizada por compreender a existência de

grupos ou comunidades através de uma categoria inerente e inata aos mesmos, e a

segunda posição, por atribuir a sua presença como produto social.

No debate da tessitura das identidades, é preciso fazer referência ao contexto mais

geral onde essa temática assume importância, reconhecendo a desestabilização

gerada pela modernidade nessa discussão e destacando as implicações da

problemática da pós-modernidade e seus interesses na tessitura das identidades.

Para compreender a identidade, um outro elemento muito importante é ligado ao

contexto. Uma outra preocupação que deve ser considerada para compreender a

identidade é o fenômeno complexo da globalização, debatida e polemizada pelos

pensadores contemporâneos: a identidade é uma busca permanente, está em

constante construção, trava relações com o presente e com o passado, tem história

e, por isso mesmo, não pode ser fixa, determinada num ponto para sempre, implica

movimento (Escosteguy, 2001:142).

Esse movimento, como o vemos, e também respeitando a relação com o “outro”, às

vezes, consensual e, outras vezes, polêmica. Isso pode ser notado na própria

constituição dos estados nacionais, ou mesmo no processo de globalização, no qual

72

a relação estável entre identidade cultural nacional e Estado-Nação começam a

mudar. Essa cultura de massa global está centrada no ocidente.

Interessa-nos, para essa discussão, a contribuição dos pensadores das novas

metodologias, pois são eles que redimensionam e dinamizam os conceitos que

abarcam determinadas problemáticas, contribuindo para as reflexões sobre o

currículo, a escola, a cultura.

Para os estudiosos da cultura, os estudos sobre a identidade são imperativos ao

mundo contemporâneo, no qual o reconhecimento da diversidade cultural é

imperativo. Hall, citado por Escosteguy (2001) sinaliza que o grande risco surge de

formas de identidade, sendo esta um espaço onde um conjunto de novos discursos

teóricos se interseccionam e onde um novo grupo de práticas culturais emergem. É

importante destacar, entretanto, que não se pode conceituar a própria noção de

identidade com rigor e consistência.

Quando nos referimos à identidade, a questão crucial, como bem aponta Santos

(1999) é conhecer quem pergunta pela identidade, em que condições, contra quem,

com que propósitos e com que resultados. Estamos sendo convocados, desde já, a

definir o que vem a ser identidades como resultados transitórios e fugazes do

processo de identificação, ou seja, são identificações em curso. Compreende-se que

é através da representação que novas identidades são constantemente afirmadas e

reivindicadas, isto é, elas só existem, quando há quem as reivindique. Devemos,

então, pensar a identidade no contexto de um confronto que possibilite algumas

especificidades por parte de quem a reivindica.

Não existe identidade, assim como não existe significação, ou sentido, sem se

buscar o espaço da não-significação ou o espaço do não-sentido, pois não há

conhecimento sobre o uno, mas, sempre sobre um sistema de valores, isto é, da

diferença: as identificações, além de plurais, são determinadas pela obsessão da

diferença e pela hierarquia das distinções (Santos, 1999:135). Verifica-se a analogia

com os estudos da linguagem, principalmente aqueles mais ligados às praticas

73

discursivas. Está presente, de alguma maneira, a idéia de valor, enquanto alguma

forma, espaço, o que, paradoxalmente, não deve ser o outro. É assim que

compreendemos as formações destacadas, como compreendemos, também, que

sem o outro não há sentido.

Ao analisarmos a história, suas transformações, seus mapas e rotas, concluiremos

que a modernidade nasce da preocupação com a identidade, nasce com ela. Se o

humanismo renascentista imprimiu a individualidade como subjetividade, é com o

advento de uma mudança fundamental que surge a subjetividade como primeiro

nome moderno da identidade. Temos, então, uma dupla tensão: subjetividade

individual / subjetividade coletiva; subjetividade contextual / subjetividade universal:

Estão na base das duas grandes tradições da teoria social e política da modernidade (...) o paradigma da modernidade é um projeto sócio-cultural muito amplo, prenhe de contradições e de potencialidades que, na sua matriz, aspira a um equilíbrio entre a regulação social e a emancipação social (Santos, 1999:137).

A análise do autor é ampla, pois ele procura pensar a identidade nas relações

políticas e históricas, atraindo o pensamento filosófico. Tal amplitude, entretanto,

não inviabiliza pensar a identidade no local, como é o caso por nós estudado. Para

Santos, existiu uma crescente promiscuidade entre o projeto de modernidade e o

desenvolvimento do capitalismo, por meio de uma teoria política liberal que

preconizava a individualidade e o abstrato, um estado liberal como sujeito

monumental. Rousseau, por sua vez, visava a uma síntese complexa e dinâmica

entre indivíduo e Estado. Tais tensões instauraram uma nova era de fanatismo, de

racismo e de centro centrismo.

Significativamente, em ambos os casos, a subjetividade do outro é negada pelo “facto” de não corresponder a nenhuma das subjetividades hegemônicas da modernidade em construção: o indivíduo e o estado (...) o discurso jurídico suporte crucial da linguagem abstrata que permite descontextualizar e conseqüentemente negar a subjetividade do outro (Santos, 1999:139)

Em sua reflexão sobre a identidade, Santos antecipa que pretende pensar o caso

português, mas abre espaço para uma reflexão sobre o caso brasileiro. Diz, então,

que no nascimento da modernidade, no próprio espaço europeu, a

74

descontextualização e a polarização das identidades hegemônicas, o indivíduo e o

Estado passaram por momentos de forte contestação.

O autor explica que o romantismo trouxe uma busca radical da identidade, o

reencontro com o outro da modernidade. O conflito matricial da modernidade entre

regulação e emancipação passa a ser definido segundo as classes que o

protagonizam. Isso, na chave marxista, quer dizer que o supra-sujeito é a classe,

não o estado. A contestação romântica propõe a recontextualização da identidade

por via de três vínculos principais: o vínculo étnico, o vínculo religioso e o vínculo

com a natureza. A contestação marxista propõe, como vimos, a recontextualização

através do vínculo da classe (Santos, 1999:141).

Segundo o autor, o vinculo religioso foi marginalizado por uma política liberal.

Observa-se, também, a descaracterização do vínculo étnico pelo racismo

dominante e sua absorção no conceito de nação (inventado): denominador sócio-

cultural comum, homogêneo, para poder funcionar como base social adequada à

obrigação política geral e universal, exigida pelo Estado, autodesignado Estado-

Nação. (Santos, 1999:14- 142). A degradação do vínculo com a natureza dá-se no

início dos primórdios da modernidade com a revolução científica galilaica e

newtoniana. A concepção dos povos ameríndios como “homo naturalis” traz

consigo a descontextualização de sua subjetividade:

O papel do Estado foi crucial por ter sido indirecto ao criar e aplicar um regime jurídico de propriedade que simultaneamente legitimava pelo mesmo princípio e mantinha incomunicáveis dois processos históricos simbióticos: a exploração da natureza pelo homem e a exploração do homem pelo homem (Santos, 1999:142).

Ainda por tal ponto de vista, a modernidade deixou que as múltiplas identidades e os

respectivos contextos intersubjetivos que a habitavam fossem reduzidos à lealdade

terminal ao estado. Afirma, também, categoricamente, que as ciências sociais

estiveram, desde a sua gênese, implicadas nesse processo: a globalização das

múltiplas identidades na identidade global do Estado tornou possível pensar uma

identidade simétrica do Estado, global e idêntica como ele – a sociedade (Santos,

1999:142-143).

75

Em tal reflexão, dois clássicos do pensamento sociológico são convocados, alem

do próprio Marx. A questão de Durkheim discutiu o princípio da solidariedade na

sociedade, se ela foi sempre produzida nas subunidades como igreja, família,

comunidade local, tornava possível uma forma mais avançada, complexa e

orgânica de solidariedade. Já Max Weber coloca a problemática de definir a

identidade da modernidade capitalista liberal européia, por achá-la excepcional. Tal

excepcionalidade – a passagem de particularismos contextualizados a

universalismos sem contexto, processos chamados de racionalização,

secularização, burocratização, formalização jurídica, democratização, urbanização,

globalização - foi transformada em regra, colocando todos os paradigmas sócio-

culturais na contingência de questionarem a sua identidade, a partir de uma posição

de carência e subordinação:

A separação disciplinar entre a sociologia (o estudo de “nós”, “civilizados”) e a antropologia (o estudo “deles”, “primitivos”) caucionou e, de facto, promoveu esta transformação. A paridade epistemológica entre as duas disciplinas passou a ocultar a assimetria que Lévi-Strauss eloqüentemente denunciou ao afirmar que nós pudemos transformá-los em nossos selvagens, mas eles não podem transformar-nos em seus selvagens (Santos, 1999: 143).

Pensamos que a referência a Weber dá-se em razão do mesmo ter percebido tais

relações nos próprios limites europeus. Atualmente, podemos verificar a supremacia

de um modelo norte-americano sob o qual não apenas os Estados subdesenvolvidos

ou emergentes estejam subordinados, mas a própria Europa, por questões

econômicas, tem enfrentado dificuldades de reação.

Da negação de uma subjetividade que se preenchia quer pelo Estado, quer pela

classe, observa-se uma mudança nos últimos anos, provocando revisões profundas

nos discursos e nas práticas identitária. O que se percebe é o surgimento de uma

nova concepção de identidade necessária para pensarmos a dinâmica social.

Santos observa que esta guinada deixa, no ar, algumas dúvidas: a concepção

hegemônica de modernidade se equivocou na identificação das tendências dos

processos sociais? As tendências se inverteram, totalmente em tempos recentes?

Trata-se de inversão de tendências, ou cruzamentos múltiplos de tendências

76

opostas sem que seja possível identificar os vetores mais patentes? O que

presenciamos é, realmente novo, ou é apenas novo o olhar com que presenciamos?

O foco está mudando, mas a realidade também deve ter mudado.

O clima geral das revisões é que o processo histórico de descontextualização das identidades e de universalização das práticas sociais é muito menos homogêneo e inequívoco do que antes se pensou já que com ele concorreram velhos e novos processos de recontextualização e de particularização das identidades e das práticas. Eis algumas das revisões. A propósito da reemergência da etnicidade, do racismo, do sexismo e da religiosidade, fala-se do novo “primordialismo”, do regresso da solidariedade mecânica, do direito às raízes (...) a base étnica das nações modernas torna-se cada vez mais evidente e o Estado-Nação, longe de ser uma entidade estável, natural, começa a ser visto como a condensação temporária dos movimentos que verdadeiramente caracterizam a modernidade política: Estados em busca de nações e nações em busca de Estados (Santos, 1999:144).

Destaque-se, também, que aliada às questões de etnicidade, religiosidade, direito às

raízes e à evidência da base étnica das nações modernas, existe ainda uma cultura

nacional confrontada com pressões contraditórias. De um lado, a cultura global; do

outro, as culturas locais e as regionais: a recontextualização e a reparticularização

das identidades e das práticas a conduzir a uma reformulação das interrelações

entre os diferentes vínculos como o nacional classista, racial, étnico e sexual. Tal

reformulação é exigida pela verificação de fenômenos convergentes ocorrendo nos

mais díspares lugares do sistema mundial (Santos, 1999 145).

O neo-racismo europeu é novo na medida em que o seu tema dominante não é a

superioridade biológica, mas antes as insuperáveis diferenças culturais, a conduta

racial em vez da pretensão social. É assim, também, que o conceito de imigração

substitui o de raça e disssolve a consciência de classe. A crise do pensamento

estratégico emancipatório, mais que uma crise de princípios, é uma crise dos

sujeitos sociais interessados na aplicação destes e também dos modelos de

sociedade em que tais princípios se podem traduzir; é difícil pensar um modelo não-

produtivista de sociedade, quando o sistema mundial cada vez mais se polariza

entre um minúsculo centro hegemônico pós-produtivista e hiperconsumista e uma

imensa periferia pré-produtivista e subconsumista. Isso quer dizer que há algumas

77

transformações nos paradigmas, mas a desfocagem do estado e da cultura nacional

ocorre sem comprometimento do capitalismo.

Quais são, pois, os desafios? A recontextualização das identidades exige, nas condições actuais, que o esforço analítico e teórico se concentre na dilucidação das especificidades dos campos de concentração e de negociação em que as identidades se formam e dissolvem e na localização dessas especificidades nos movimentos de globalização do capital e, portanto, no sistema mundial (...) Cabe, pois, perguntar, quem sustenta a nova, ou renovada, tensão entre demos e ethnos? Julgo que a cultura. Daí a autoconcepção das identidades contextuais como multiculturalidades, daí o renovado interesse pela cultura nas ciências sociais, e daí, finalmente, a crescente interdisciplinaridade entre ciências sociais e humanidades (Santos, 1999:147-148).

Para verificarmos as questões de identidade é necessário, pois, re-analisar as

culturas das nações, questionando as tessituras oficiais da cultura nacional. Santos

diz que três orientações metodológicas são fundamentais: não sendo nenhuma

cultura autocontida, os seus limites nunca coincidem com os limites do Estado; não

sendo autocontida, nenhuma cultura é indiscriminadamente aberta; a cultura de um

grupo social não é nunca uma essência, mas uma autocriação, uma negociação de

sentidos que ocorre no sistema mundial e que não é compreensível sem a análise

da trajetória histórica e da posição desse grupo no sistema mundial.

Ao referir-se ao caso português, Santos afirma que a cultura portuguesa não tem

conteúdo, apenas forma e que essa forma é a fronteira ou zona fronteiriça: as

culturas nacionais, enquanto substâncias, são uma criação do século XIX, são,

como vimos, o produto histórico de uma tensão entre universalismo e particularismo

gerido pelo estado. O papel do Estado é dúplice: por um lado, diferencia a cultura do

território nacional face ao exterior; por outro lado, promove a hegemoneidade

cultural no interior do território nacional (Santos, 1999:151). Para o autor, o Estado

português nunca desempenhou nenhum desses dois papéis.

Chamam-nos a atenção essas colocações porque são análoga a análise do

simbólico e dos estudos do conteúdo. A dificuldade de diferenciação e de

identificação cria, por um lado, um vazio substantivo, mas, por outro, consolida uma

forma cultural muito específica, a fronteiriça ou zona fronteiriça que é híbrida,

babélica, onde os contactos se pulverizam e se ordenam segundas micro-

78

hierarquias pouco susceptíveis de globalização. Em tal zona, são imensas as

possibilidades de identificação e de criação cultural, todas igualmente superficiais e

igualmente subvertíveis (Santos, 1999:152-53).

A identidade surge como tema fundamental no trabalho que visualizamos pois não

podemos pensar em currículo sem destacar a cultura da comunidade onde ele se

faz real. Isso significa gerar esforços para uma nova recontextualização e

emancipação, considerando-se as novas metodologias, a nova subjetividade e as

imposições imprescindíveis acarretadas pelos estudos das identidades. Em relação

ao currículo, a questão é importante diante do conhecimento que se quer constituir e

por se atribuir a tantas práticas nem sempre bem sucedidas o distanciamento

existente entre conhecimento e subjetividade, ainda que esta seja heterogênea,

assim como o é a cultura e, conseqüentemente, a própria identidade.

Como já foi repetido, identidades não são nunca completas, finalizadas e estão em

permanente mudança, pois é sempre em parte, uma narrativa, sempre em parte um

tipo de representação. Numa análise menos abrangente que em Santos, pois muito

ligada à individualidade, Escosteguy (2001) vê a identidade articulada ao passado e

ao presente, em permanente tessitura, atravessando tanto pelos discursos públicos,

quanto pelas práticas e experiências dos sujeitos, estranhamento numa determinada

conjuntura histórica.

Um aspecto a ser também observado e apontado por Hall, citado por Escosteguy

(2001) presta acurada atenção às identidades diaspóricas, isto é, o que a

experiência de “migração” afeta a identidade, pois ninguém se translada de um lugar

a outro ou herda e se apropria de culturas diversas sem ser afetado por essa

experiência. Daí a autora concluir que a forma de Hall pensar a identidade é

diferente da análise pós-moderna. Embora admita um certo descentramento do

sujeito na atual conjuntura, nega a existência de algo tão novo e completamente

diferente e certa maneira unificada como a condição pós-moderna.

79

Um caminho para discutir a identidade na nova concepção, em meio aos estudos

culturais e pós-coloniais e que apontam a insuficiência e reducionismo de algumas

abordagens são as reflexões de Homi Bhabha, que têm norteado maiores

direcionamentos, pois desenvolvem um entendimento da identidade, articulada a

uma compreensão da diferença: Ela reflete sobre a necessidade de compreender a

diferença cultural como produção de identidade minoritário que se “fendem” – que

em si acham divididas – no ato de se articular em um corpo coletivo (Bhabha,

1998:19).

Pensa-se, aqui, em uma discussão entrecortada por um presente multifacetado,

pois, segundo o autor, encontramo-nos no momento de trânsito em que espaço e

tempo se cruzam para produzir figuras complexas de diferença e identidade,

passado e presente, interior e exterior, inclusão e exclusão. (Bhabha, 1998:19).

Como em Santos, a questão da identidade e da diferença, encontra o seu espaço

nas relações de poder: A força dessas questões é corroborada pela “linguagem” de

recentes crises sociais detonadas por histórias de diferença cultural. Os recentes

atentados terroristas no Oriente Médio, nos Estados Unidos, e agora, na Espanha

ilustram tais conflitos que, por sua vez, resultaram em ondas de antiislamismo

evidenciadas no mundo inteiro. Já estamos assistindo a guerras nesses espaços. De

que modo se formam sujeitos nos “entrelugares”, nos excedentes da soma das

“partes” da diferença (geralmente expressas como raça/classe/gênero etc)?

(Bhabha, 1998:20)

5.2 DIMENSÕES ATUAIS

A diferença e a identidade merecem, entretanto, uma nova reflexão:

A significação mais ampla da condição pós-moderna reside na consciência de que os “limite” epistemológicas daquelas idéias etnocêntricas são também as fronteiras enunciativas de uma gama de outras vozes e histórias dissonantes, até dissidentes - mulheres, colonizados, grupos minoritários, os portadores de sexualidade policiadas. Isto porque a demografia do novo internacionalismo é a história da migração pós-colonial, as narrativas da diáspora cultural e política, os grandes deslocamentos sociais de comunidades camponesas e aborígenes, as poéticas do exílio, a prosa austera dos refugiados políticos e econômicos. É nesse

80

sentido que a fronteira se torna o lugar a partir do qual algo começa a se fazer presente em um movimento não dissimilar ao da articulação ambulante, ambivalente, do além que venho traçando: Sempre, e sempre de modo diferente, a ponte acompanha os caminhos morosos ou apressados dos homens para lá e para cá, de modo que eles possam alcançar outras margens. A ponte reúne enquanto passagem que atravessa. (Bhabha, 1998:23 – 24)

A fronteira que demarca e intersecta é o espaço da reflexão sobre identidade, pois o

trabalho fronteiriço da cultura exige um encontro com "o novo" que não seja parte

do contínuum de passado e presente, ou seja, cria uma idéia do novo como ato

insurgente de tradução cultural. Essa arte não apenas retoma o passado como

causa social ou precedente estético; ele renova o passado, refigurando-o como um

''entre-lugar" contingente, que inova e interrompe a atuação do presente. O

"passado-presente" torna-se parte da necessidade, e não da nostalgia, de viver.

(Bhabha, 1998: 27).

Nesse novo pensamento, existe uma crítica sobre os diversos “ismos”: O que exige

maior discussão é se as “novas” linguagens da crítica teórica (semiótica, pós-

estruturalismo, desconstrucionista e as demais) simplesmente refletem aquelas

divisões geopolíticas e suas esferas de influência, produzindo um discurso do Outro

que reforça sua própria equação conhecimento – poder (Bhabha, 1998:45). Uma

reflexão sobre os próprios discursos, os enunciados da cultura são presentes na

obra.

As formulações teóricas do autor recolocam, em novo espaço, as discussões sobre

os discursos, a identidade, a diferença e a diversidade. Estando além da teoria

critica, vai apoiar-se não na noção de diferença cultural, mas de diversidade cultural.

A diversidade cultural é um objeto epistemológico - a cultura como objeto do

conhecimento empírico, enquanto a diferença cultural é o processo da enunciação

da cultura como "reconhecível", legítimo, adequado à tessitura de sistemas de

identificação cultural. Se a diversidade é uma categoria da ética, estética ou

etnologia comparativas, a diferença cultural é um processo de significação através

do qual afirmações da ou sobre a cultura diferenciam, discriminam e autorizam a

produção de campos de força, referência, aplicabilidade e capacidade.

81

É importante, pois, compreendermos que a diversidade cultural é o reconhecimento

de conteúdos e costumes culturais pré-dados; mantida em um enquadramento

temporal relativista, ela dá origem a noções liberais de multiculturalismo, de

intercâmbio cultural ou da cultura da humanidade. A diversidade cultural é também a

representação de uma retórica radical da separação de culturas totalizadas que

existem intocadas pela intertextualidade de seus locais históricos, protegidas na

utopia de uma memória mítica de uma identidade coletiva única. Conforme afirma o

autor, desenvolvendo o caráter epistemológico, a diversidade cultural pode inclusive,

emergir como um sistema de articulação e intercâmbio de signos culturais em certos

relatos antropológicos do início do estruturalismo. (Bhabha, 1998:63). Tem, como

podemos observar, um caráter institucional.

A partir de então, o autor vai explicar as relações dos enunciados culturais:

Por meio do conceito de diferença cultural quero chamar a atenção para o solo comum e o território perdido dos debates críticos contemporâneos. Isso porque todos eles reconhecem que o problema da interação cultural só emerge nas fronteiras significatórias das culturas, onde significados e valores são (mal) lidos ou signos são apropriados de maneira equivocadas. A cultura só emerge como um problema, ou uma problemática, no ponto em que há uma perda de significado na contestação e articulação da vida cotidiana entre classes, gêneros, raças, nações. Todavia, a realidade do limite ou texto-limite da cultura é raramente teorizada fora das bem-intencionadas polêmicas moralistas contra o preconceito e o estereótipo ou da asserção generalizadora do racismo individual ou institucional - isso descreve o efeito e não a estrutura do problema. A necessidade de pensar o limite da cultura como um problema da enunciação da diferença cultural é rejeitada. (Bhabha, 1998:63).

Em observando e destacando a diferença que se materializa em enunciados da

cultura, o autor esclarece que os mesmos processam rupturas, pois o conceito de

diferença cultural concentra-se no problema da ambivalência da autoridade cultural:

a tentativa de dominar em nome de uma supremacia cultural que é ela mesma

produzida apenas no momento da diferenciação. E é a própria autoridade da cultura,

como conhecimento da verdade referencial,que está, em questão, no conceito e no

momento da enunciação.

A ruptura anunciada por Bhabha dá-se a partir do momento em que o processo

enunciativo introduz uma quebra no presente performativo da identificação cultural,

82

uma quebra entre a exigência culturalista tradicional de um modelo, uma tradição,

uma comunidade, um sistema estável de referência e a negação necessária da

certeza na articulação de novas exigências, significados e estratégias culturais no

presente político, como prática de dominação ou resistência: A luta se dá

freqüentemente entre o tempo e a narrativa historicistas, teleológicos ou míticos, do

tradicionalismo - de direita ou de esquerda - e o tempo deslizante,

estrategicamente deslocado, da articulação de uma política histórica de negociação,

(...) Um tempo de incerteza cultural e, mais crucialmente, de indecidibilidade

significatórias ou representacional. (Bhabha, 1998:64).

A enunciação colocada pelo autor está muito ligada ao conceito de intertextualidade.

A enunciação da diferença cultural problematiza a divisão binária de passado e

presente, tradição e modernidade, no nível da representação cultural e de sua

interpelação legítima. Trata-se do problema de como, ao significar o presente, algo

vem a ser repetido, recolocado e traduzido em nome da tradição, sob a aparência

de um passado que não é necessariamente um signo fiel da memória histórica, mas

uma estratégia de representação da autoridade em termos do artifício do arcaico:

Isto exige que repensemos nossa perspectiva sobre a identidade da cultura. Nenhuma cultura é jamais unitária em si mesma, nem simplesmente dualista na relação do Eu com o Outro. Não é devido a alguma panacéia humanista que, acima das culturas individuais, todos pertencemos à cultura da humanidade; tam pouco é devido a um relativismo ético que sugerem que, em nossa capacidade cultural de falar sobre os outros e de julgá-los,nós necessariamente "nos colocamos na posição deles ", em um tipo de relativismo da distância sobre o qual Bernard Williams tanto escreveu. (Bhabha, 1998: 65)

Neste entendimento, a enunciação cultural ligada à diferença e à identidade coloca,

em destaque, a escritura e a subjetividade porque o ato de enunciação cultural - o

lugar do enunciado - é atravessado pela diferença da escrita. É essa diferença no

processo da linguagem que é crucial para a produção do sentido e que, ao mesmo

tempo, assegura que o sentido nunca é simplesmente mimético e transparente, pois

o próprio discurso, segundo os analistas, é opaco. Quanto à subjetividade, diz o

autor que a diferença lingüística que embasa qualquer performance cultural é

dramatizada no relato semiótico, comum, da disjunção entre o sujeito de uma

proposição e o sujeito da enunciação, que não é representado no enunciado, mas

83

que é o reconhecimento de sua incrustação e interpelação discursiva e sua

posicionalidade cultural.

Sobre a questão da identidade, que muito interessa às nossas reflexões, Bhabha

explica: a questão da identificação nunca é afirmação de uma identidade pré-dada,

nunca uma profecia autocumpridora - é sempre a produção de uma imagem de

identidade e a transformação do sujeito ao assumir aquela imagem. É, então, como

compreendemos, uma identidade que existe no momento mesmo da enunciação e

que, para tanto, convoca outros entendimentos:

O problema da identidade atrai outros termos como hibridismo: O objeto híbrido, por outro lado, conserva a semelhança real do símbolo autorizado, mas reavalia sua presença, resistindo a ele como o significante do Entstellung – após a intervenção da diferença. O poder desta estranha metonímia da presença consiste em perturbar de tal forma a construção sistemática (e sistêmica) de saberes discriminatórios que o cultural, antes reconhecido como meio da autoridade, se torna virtualmente irreconhecível. A cultura, como espaço colonial de intervenção e agonismo, como traço do deslocamento de símbolo a signo, pode ser transformada pelo desejo imprevisível e parcial do hibridismo. (Bhabha, 1998:167)

O autor procede, então, alguns questionamentos, como, de que modo se pode

encontrar o passado como uma anterioridade que, continuamente introduz uma

outridade ou alteridade dentro do presente? De que modo então narrar o presente

como forma de contemporaneidade que não é nem pontual, nem sincrônica? Em

que tempo histórico tais configurações de diferença cultural assumem formas de

autoridade cultural e política? Buscando respostas, diz que a diferença cultural não

representa simplesmente a controvérsia entre conteúdos oposicionais ou tradições

antagônicas de valor cultural. A diferença cultural introduz no processo de

julgamento e interpretação cultural aquele choque repentino do tempo sucessivo,

não-sincrônico, da significação, ou a interrupção da questão suplementar (Bhabha,

1998:228).

A incompletude dos enunciados culturais levam Bhabha a pensar que as

designações da diferença cultural interpelam formas de identidade que, devido à sua

implicação contínua em outros sistemas simbólicos, são sempre "incompletas" ou

abertas à tradução cultural, pois reconstituir o discurso da diferença cultural exige

84

não apenas uma mudança de conteúdos e símbolos culturais: uma substituição

dentro da mesma moldura temporal de representação nunca é adequada. Isto

demanda uma revisão radical da temporalidade social na qual histórias emergentes

possam ser escritas; demanda também a rearticulação do "signo" no qual se

possam inscrever identidades culturais. (Bhabha, 1998:240).

De tudo que se disse sobre a identidade e a diferença, uma das conclusões a que

podemos chegar, até o momento, é que a partir dos novos paradigmas, observa-se

a complexidade de culturas e que a posição enunciativa dos estudos culturais

contemporâneos é complexa e problemática porque, de alguma maneira, tenta

institucionalizar uma série de discursos transgressores cujas estratégias não

apenas diferem em conteúdos mas, muitas vezes, produzem sistemas incompatíveis

de significação e envolvem formas distintas de subjetividade social: Para obter um

imaginário social baseado na articulação de momentos diferenciais, até disjuntivos,

da história e da cultura, os críticos contemporâneos apelam para a temporalidade

peculiar da metáfora da linguagem.É como se a arbitrariedade do signo, a

indeterminação da escrita, a cisão do sujeito da enunciação, esses conceitos

teóricos, produzissem as descrições mais úteis da formação de sujeitos culturais

“pós-moderno” (Bhabha,1998:245 – 246).

A metáfora da "linguagem" traz, à tona, a questão da diferença, já que representa a

temporalidade do significado cultural como "multi-acentuada", "rearticulada

discursivamente". É um tempo do signo cultural que desestabiliza a ética liberal da

tolerância e a moldura pluralista do multiculturalismo. Cada vez mais, o tema da

diferença cultural emerge em momentos de crise social,e as questões de identidade

que ela traz à tona são agonísticas; a identidade é reivindicada a partir de uma

posição de marginalidade ou em uma tentativa de ganhar o centro.(Bhabha,

1998:247)

Como estamos verificando, não se pode falar de identidade, diferença, ou mesmo de

estudos culturais sem a presente intervenção da linguagem, aqui destacada até

mesmo na reapropriação da metalinguagem. Vejamos, como exemplo, que a idéia

85

do diálogo sempre inconcluso, conforme os estudos bakhtinianos, está contemplada

em Bhabha, na seguinte formulação: O enunciativo é um processo mais dialógico

que tenta rastrear deslocamentos e realinhamentos que são resultado de

antagonismo e articulações culturais, subvertendo a razão do momento hegemônico

e recolocando lugares híbridos. Podemos inferir, conforme sempre apontou o autor,

que, nesse processo, nessa interação, a identidade está ligada a um sujeito pós-

moderno, sempre em crise, transformado, dinâmico, na eterna busca de um

reencontro, da emergência de novas interlocuções, novas enunciações, de um novo

diálogo.

5.3 NOVO PARADIGMA:

Estamos vivendo um tempo onde as coisas acontecem numa rapidez que, por

vezes, nos assustam. Essas tais coisas e sustos não podem mais ser descartados

por determinismos que se impõem como a fórmula de pensar a vida, o mundo, o

humano e o social. Existe uma opção legítima por novos paradigmas sob os quais

os objetos que se apresentam não tão evidentes e não tão palpáveis sejam

transformados em reflexão pertinente. Persegue-se, assim, um todo não totalitário e

uma incompletude mais completa. As opções são necessárias. E as que se

apresentaram no contexto deste estudo, levaram-nos a fazer um percurso conforme

indicado por determinados autores que pensam sobre um passado articulado a um

futuro, numa espécie de historiografia do homem e seu mundo. Trata-se, aqui, de

incluir uma reflexão de caráter epistemológico que nos conduza e justifique a nossa

opção por tal forma de pensar e agir nessa investigação.

O século XX marcou-se por inúmeras mudanças: duas grandes guerras

aconteceram, dizimando milhares de pessoas. O processo de industrialização

alcançou escalas gigantescas. A ciência caminhou a passos longos, produzindo

tecnologias novas em todos os campos: a tecnologia informa e transforma o império

da comunicação, “conectando” o mundo todo, num só instante; o mercado foi aos

poucos rompendo as barreiras das nações-estados e hoje está globalizado.

Globalização essa sempre retornada no debate sobre tudo que diz respeito ao

social.

86

Mudanças acontecem em todos os âmbitos: sociais, científicos, econômicos,

políticos e, também, na educação. Espalha-se em todas as esferas a idéia de crise.

Veiculam-se notícias sobre a crise da instituição escolar.

O projeto da modernidade parece estar posto em xeque em nossa atualidade. A

crença no progresso, através do uso da razão e da ciência, começa a ruir diante das

guerras e da miséria. As promessas da modernidade, atreladas à racionalidade

iluminista, de emancipação e de liberdade social iluminista, de emancipação e de

liberdade social e política não conseguiram se concretizar.

As catástrofes têm marcado os novos momentos da história, ou mesmo a sua

falência como querem alguns. O mundo nunca mais seria o mesmo, dizem alguns

críticos, depois do holocausto e das bombas despejadas sobre Hiroshima e

Nagasaki, eventos dramáticos por uma violência e pela demonstração da

intolerância humana (...) Outro momento mais próximo é o atentado, em setembro

de 2001, às torres do World Trade Center, em Nova Iorque, entre tantos outros, são

evidências contundentes de um mundo conflagrado pelos embates entre culturas

(Costa, 2002: 134). Sobre este episódio, cabe-nos perguntar qual a sua importância

real como causa ou conseqüência para a história.

A visão de um mundo dividido em classes dominantes e dominadas, opressores e

oprimidos, direita e esquerda, passa a ser desafiada em função de acontecimentos

mundiais e de transformações das idéias. Pensar dialeticamente parece ser

insuficiente para explicar as conjunções agora desveladas. O social aparece com

força em novas tessituras, ao tempo em que impõe um coletivo na própria forma de

pensar. Alguns pensadores despontam como atestadores de um novo momento.

As grandes promessas da modernidade permanecem incumpridas ou o seu cumprimento redundou em efeitos perversos. No que respeita à promessa da igualdade os países capitalistas avançados com 21% da população mundial controla 78% da produção mundial de bens e serviços e consomem 75% de toda a energia produzida. Os trabalhadores do Terceiro Mundo do setor têxtil ou da eletrônica ganham 20 vezes menos que os trabalhadores da Europa e da América do Norte na realização das mesmas tarefas e com a mesma produtividade. Desde que a crise da dívida rebentou no início da década de 80, os paises devedores do

87

Terceiro Mundo têm vindo a contribuir em termos líquidos, para a riqueza dos paises desenvolvidos, pagando a este em média por ano mais de 30 bilhões de dólares do que receberam em novos empréstimos (SANTOS, 2001: 23-24).

Muitos outros problemas poderiam ser enumerados, porém acreditamos que os

apontados são suficientes para nos causar desconforto ou indignação. A

modernidade aparece como uma grande contradição aos nossos estudos.

O paradigma da modernidade é um projeto ambicioso e revolucionário, mas é

também um projeto com contradições internas. Por um lado, a envergadura das

suas propostas abre um vasto horizonte à inovação social e cultural; por outro, a

complexidade dos seus elementos constitutivos torna praticamente impossível evitar

que o cumprimento das promessas sejam sempre excessivos e muito insuficientes.

Forjada nos valores da ilustração, a modernidade caracterizou-se pela crença no

poder da razão, no controle e na manutenção da vida e do processo social através

do conhecimento sistematicamente proposto pela ciência e tecnologia.

Os preceitos cartesianos fundavam a crença na possibilidade de compreender o

mundo e o próprio homem de maneira linear, precisa e objetiva, previsível e estável

e de considerar a razão como sendo capaz de proceder à conquista de certeza

inabalável. Neste mundo, o homem foi compreendido de forma também estanque,

dividido em compartimentos incomunicáveis onde residiam solitariamente razão,

emoção, conhecimento e ação e onde as fronteiras entre corpo e alma estavam

rigidamente estabelecidas, superando - as. A promessa da dominação da natureza e

do seu uso para benefício comum da humanidade conduziu a uma exploração

excessiva e despreocupada de recursos naturais, à catástrofe ecológica, a ameaça

nuclear, a destruição da camada de ozônio, e a emergência da biotecnologia da

engenharia e de conseqüente conversão do corpo humano em mercadoria (Santos,

2001: 56).

Uma exigência ou possibilidade de observar o mundo de hoje como conseqüência

do ontem, alerta o autor, é que para entender corretamente o desenvolvimento

desequilibrado e hipercientizado do pilar da emancipação é necessário não

88

esquecer o desenvolvimento concomitante, e igualmente desequilibrado, do pilar da

regulação nos últimos dois séculos (...). Trata-se de um percurso que nos leva a

concluir que em vez de um desenvolvimento harmônico dos três princípios da

regulação – Estado, mercado e comunidade -, assistimos geralmente ao

desenvolvimento excessivo do princípio de mercado em detrimento do princípio do

Estado e do princípio da comunidade. (Santos 2001:56)

A razão, para Santos, não é pecaminosa, mas o modelo de racionalidade que

preside à ciência moderna constitui-se a partir da revolução científica do século XVI

e foi desenvolvido nos séculos seguintes basicamente no domínio das ciências

naturais. Este mesmo modelo é transportado, no século XIX, para as ciências

sociais emergentes, obrigadas que são a explicar os eventos civilizatórios. Vivemos

o apogeu do método, tentando dar conta das relações e patologias sociais:

A partir de então pode falar-se de um modelo global (isto é, ocidental) de racionalidade científica que admite variedade interna, mas que defende ostensivamente de duas formas de conhecimento não científico (e, portanto potencialmente perturbadoras); o senso comum e as chamadas humanidades ou estudos humanísticos em que se incluíram, entre outros, os estudos históricos, filológicos, jurídicos, literários, filosóficos e teológicos (Santos, 2001:60- 61).

A instauração de um modelo - palavra que, ao nosso ver, deve ser sempre

problematizada - global é avaliado também como totalitário, na medida em que a

nova racionalidade científica nega o caráter racional a todas as formas de

conhecimento que se não partem pelos seus princípios epistemológicos e pelas

suas regras metodológicas. Dá-se o apogeu da matemática que fornece à ciência

moderna, não só o instrumento privilegiado de análise, como também a lógica da

investigação e ainda o modelo de representação da própria estrutura de matéria:

Deste lugar central da matemática na ciência moderna derivam duas conseqüências principais. Em primeiro lugar, conhecer significa quantificar. O rigor científico afere-se, pelo rigor das mediações. Em segundo lugar, o método científico assenta na redução da complexidade. O mundo é complicado e a mente humana não o pode compreender completamente. Conhecer significa dividir e classificar para depois poder determinar relações sistemáticas entre o que se esperou (Santos 2001: 63).

89

A lei da ruptura entre o conhecimento científico e o senso comum é provocada por

uma nova lei: As leis das ciências modernas são um tipo de causa formal (tipo de

causa de Aristóteles) que privilegia o como funcionam as coisas em detrimento de

qual o agente ou qual o fim das coisas (Santos 2001:64). Não há a possibilidade de

convivência entre o formal e o prático, pois se neste a causa e a intenção convivem

sem problemas, na ciência, a determinação da causa formal obtém-se ignorando a

intenção.

Um conhecimento baseado na formulação de leis tem como pressuposto metateórico a idéia de ordem e de estabilidade do mundo, a idéia que o passado se repete no futuro. Segundo a mecânica newtoniana, o mundo da matéria é uma máquina cujas operações se podem determinar, exatamente por meio de leis físicas e matemáticas, um mundo estático e eterno a flutuar num espaço vazio, um mundo que o racionalismo cartesiano torna cognoscível por via da sua decomposição nos elementos que o constituem (Santos 2001: 64).

Pensa-se, aqui, o quanto é surpreendente e até paradoxal que uma forma de

conhecimento nesta concepção de mundo tenha vindo a constituir um dos pilares da

idéia de progresso e, mais, do estudo da natureza para o estudo da sociedade.

Bacon, Vico e Montesquieu figuram como os grandes precursores da ciência

positiva.

Consciência filosófica da ciência moderna, que tivera no racionalismo cartesiano e no empirismo baconiano as suas primeiras formulações, veio a condensar-se no positivismo oitocentista. Dado que, segundo este, só há duas formas de conhecimento científico – as disciplinas formais da lógica e da matemática e as ciências empíricas segundo o modelo mecanicista das ciências naturais – as ciências sociais nasceram para ser empíricas. O modo como o modelo mecanicista foi assumido teve, no entanto, algumas variantes. Distingo duas vertentes principais: a primeira, sem dúvida dominante, consistiu em aplicar, na medida do possível, ao estudo da sociedade, todos os princípios epistemológicos e metodológicos que dominavam o estudo da natureza desde o século XVI; a segunda, durante muito tempo marginal, mas hoje cada vez mais seguida, consistiu em reivindicar para as ciências sociais um estatuto epistemológico e metodológico próprio, com base na especificidade do ser humano e na má distinção radical em relação a natureza. (Santos 2001: 65).

Para estudar os fenômenos sociais como se fossem fenômenos naturais, ou seja,

para conceber os fatos sociais como coisas, como pretendia Durkheim - já citado

neste nosso trabalho, quando falávamos sobre identidade - é necessário reduzir os

factos sociais às suas dimensões externas, observáveis e mensuráveis. Pretende-

90

se, aqui, uma crítica dessa sociologia clássica indignada com a dispersão e com a

não-cientificidade dos fenômenos circundantes da realidade positiva.

Os obstáculos são enormes, mas não são insuperáveis. Ernest Nagel, em A

Estrutura da Ciência, simboliza bem o espaço desenvolvido nesta variante para

identificar os obstáculos e apontar as vias de sua superação. Nagel, citado, por

Santos (2001), dirá:

As ciências sociais não dispõem de teorias explicativas que lhes permitam

abstrair do real para depois buscar nele, de modo metodologicamente controlado, a prova adequada; as ciências sociais não podem estabelecer leis universais porque os fenômenos sociais são historicamente condicionados e culturalmente determinados; as ciências sociais não podem produzir previsões viáveis porque os seres humanos modificam o seu comportamento em função do conhecimento que sobre ele se adquire; os fenômenos sociais são de natureza subjectiva e, como tal, não se deixam captar pela objectividade, do comportamento; as ciências sociais não são objectivas porque o cientista social não pode libertar-se, o acto de observação, dos valores que informam a sua prática em geral e, portanto, também a sua prática de cientista (Santos, 2001:61)

Evoluindo para um campo definitório e particular, uma nova sociologia reivindica

para si um estatuto metodológico próprio. Segundo Santos (2001), o argumento

fundamental é que a ação humana é radicalmente subjetiva; o comportamento

humano, ao contrário dos fenômenos naturais, não pode ser descrito e muito menos

explicado com base nas suas características extensões e objetiváveis, uma vez que

o mesmo ato externo pode corresponder a sentidos de ação muito diferentes.

Esta concepção de ciências sociais reconhece-se numa postura antipositivista.

Numa concepção, tal como tem vindo a ser elaborado, revela-se mais subsidiária do

modelo de racionalidade das ciências naturais do que parece. Partilha com este

modelo a distinção natureza/ser humano e, tal como ele, tem de natureza uma

análise mecanicista à qual contrapõe, com evidência esperada, a especificidade do

ser humano.

Está, pois, instaurada a tão propalada crise:

A esta distinção, primordial na revolução científica do século XVI, vão sobrepor-se nos séculos seguintes outras, tais como a distinção natureza/cultura e a distinção

91

ser humano/animal, para no século XVIII se poder celebrar o caráter único do ser humano (...) são hoje muitos e fortes os sinais de que o modelo de racionalidade científica que acabo de descrever em alguns dos seus traços principais atravessa uma profunda crise. (Santos, 2001: 67-68).

Dá-se a crise, quando aparece um novo paradigma. Thomas Kuhn, citado por

Ferreira (1998), tece um conceito de paradigma, definindo-o como uma teoria ou

sistema conceitual aceitos por uma comunidade científica e que durante algum

tempo orienta a sua atividade.

Para Kuhn não são critérios objetivos e sim critérios subjetivos relacionados com as vinculações institucionais, com a história de vida e com as visões de mundo dos cientistas, que determinam a sua escolha por um outro paradigma, entre em confronto com outras posições que defendem a utilização de critérios lógico-formais (Ferreira, 1991: 26).

Proposta de superação da concepção dualista parte do princípio fundamental de que

há uma relação dialética entre realidade e conhecimento. Não são intrinsecamente

interligados. Nesta abordagem o conhecimento científico não pode ser visto de

forma isolada de sua inserção na realidade concreta, que intervém e ao mesmo

tempo é modificado por ele (Ferreira, 1998:30).

Uma outra fonte, que busca pensar a intervenção da subjetividade no conhecimento

objetivo, é Japiassu (1996), para quem Bacon e Descartes tentaram nos libertar da

pesada carga de preconceitos prescritos pela religião e pelas tradições. A

superstição foi combatida pelo racionalismo cartesiano como único guia do espírito.

Para Descartes precisamos uma vez em nossa vida, desfazer-mos de todas as

opiniões que recebemos e reconstruir novamente, desde o fundamento, todos os

sistemas de nosso conhecimento (Japiassú 1996: 58). O autor conclui que é

lamentável que muitos perderam a confiança na ciência, no progresso e nos poderes

da razão e estão adotando posturas claramente neo-obscurantistas e promovendo o

perigoso retorno do irracional (Japiassú, 1996: 59)

Para Kuhn, existem paradigmas que dominam o conhecimento científico numa certa

época e as grandes mudanças de uma revolução científica acontecem quando um

paradigma cede seu lugar a um novo paradigma, isto é, há uma ruptura das

92

concepções do mundo de uma teoria para outra. Existem alguns, entretanto, que

não acreditam em revoluções científicas.

Um outro pensador das mudanças de paradigmas é Morin (2000: 45), que trouxe

uma importante contribuição para dar visibilidade para o que ele chama de

paradigma.

Para Kuhn (e outros autores como Feyerasend) eles afirmavam que não se pode dizer que as teorias cientificas se acumulam uma sobre as outras, sendo a nova maior, mais extensa e absorvendo a precedente. Afirmaram que há saltos antológicos de um universo para outro (Morin 2000: 45-46).

Acredita-se que vivemos, de fato, em tempo de transição paradigmática. A transição

epistemológica ocorre entre o paradigma dominante da ciência moderna e o

paradigma emergente que designo por paradigma de um conhecimento prudente

para uma vida decente. (Santos, 2001:16). A crise do paradigma dominante é o

resultado interativo de uma pluralidade de condições.

Einstein constitui o primeiro rombo no paradigma da ciência moderna. Um dos pensamentos mais profundos de Einstein é o da relatividade da simultaneidades. Einstein distingue entre a simultaneidade de acontecimentos presentes no mesmo lugar e a simultaneidade de acontecimentos distantes, em particular de acontecimentos separados por distâncias astronômicas. (Santos 2001: 68).

A teoria de Einstein veio revolucionar as nossas concepções de espaço e de tempo,

pois sem a simultaneidade universal, o tempo e o espaço absolutos de Newton

deixam de existir. Acrescente-se, como segunda condição teórica da crise de

paradigma dominante, o desenvolvimento da mecânica quântica. Se Einstein

relativizou o rigor das leis de Newton no domínio da astrofícina, a mecânica qüântica

fê-lo no domínio da microfísica. Heisenberg e Bohr demonstram que não é possível

observar ou medir um objeto sem interferir nele, sem alterar, e a tal ponto que o

objeto que sai de um processo de medição não é o mesmo que lá entrou. (Santos,

2001: 69).

93

A idéia de que não conhecemos do real senão o que nele introduzimos, ou seja, que

não conhecemos do real senão a nossa intervenção nele, está bem expressa no

princípio da incerteza de Heisemberg citado por Santos (2001): não se podem

reduzir simultaneamente os erros da medição da velocidade e da posição das

partículas: o que for feito para reduzir o erro de uma das medições aumenta o erro

da outra.

Outra crise do paradigma newtoniano é constituída pelos progressos do

conhecimento nos domínios da microfísica, da química e da biologia nos últimos

trinta anos. Na matemática, a teoria do caos se transforma na ciência da

complexidade.

A relação entre o moderno e pós-moderno é, pois uma relação contraditória. Não é de ruptura total como querem alguns, nem de linear continuidade com querem outros. É uma situação de transição em que há momento de ruptura e momento de continuidade (Santos,1999: 103).

Discutidos os paradigmas, a necessidade de aproximação do objeto e a confessa

intenção em uma reflexão que vá além da modernidade, surgem algumas questões:

Como a mudança de paradigma produz alguma mudança na formação inicial do

professor? A mudança de paradigma contribui para o silenciamento ou para a

tomada da palavra de quem tem sido historicamente impedido de falar, vítima de

discriminação, rotulação, segregação e exclusão na sociedade e na escola?

Possibilidades de respostas preliminares são investigadas:

Concluirá o autor que o paradigma da modernidade foi o paradigma da modernidade

ocidental que para se tornar hegemônica, silenciou outras epistemologias, tradições

culturais, projeto de sociedade alternativas.

É na contramão desse saber acabado e homogêneo da segurança da estaticidade

que se pretende discutir a questão curricular. Acredita-se que a heterogeneidade, a

multiplicidade de concepções, a diversidade, a dinamicidade dos sentidos e o

estabelecimento de novas redes de relações entre sujeito e objetos são aspectos

94

que redimensionam o ser e o fazer social e, conseqüentemente, novas formas de

apreciar tais relações.

5.4 CONHECIMENTO EM REDE

Pensamos com o auxílio de metáforas, de pequenos modelos concretos, muitas

vezes de origem técnica. Pensar o mundo, hoje, é também se valer de uma nova

linguagem que implica e amplia os sentidos da reflexão. Não é mais viável o império

do cartesianismo para todas as respostas, conclusões e reflexões. Existe o

impalpável a interferir nas redes dos diversos fenômenos que compõem a parte

visível do homem e da sociedade.

Os estudos sobre o conhecimento estão configurados mediante algumas metáforas

que lhes servem de explicação. Tais metáforas contribuem para pensar a questão

do currículo. Trata-se de um percurso que submete criticamente a metáfora arbórea

às redes, na perspectiva de uma estrutura de risoma: O paradigma arbóreo implica

uma hierarquização do saber, como forma de mediatizar e regular o fluxo de

informações pelos caminhos internos da árvore do conhecimento (Gallo 2001:29-

30).

Para pensar a nova dimensão que nos é imposta pelos problemas híbridos, como os

Estudos Culturais e os currículos, precisamos de outra metáfora, pois a árvore já

não dá conta:

A Metáfora do rizoma subverte a ordem da metáfora arbórea, tomando como paradigma aquele tipo de caule radiciforme de alguns vegetais; formado por uma miríade de pequenas raízes emaranhadas em questão a relação intrínseca entre as várias áreas do saber, representados cada uma delas pelas inúmeras linhas fibrosas de um rizoma, que se entrelaçam e se engalfinham formando um conjunto complexo no qual os elementos remetem necessariamente uns aos outros e mesmo para fora do próprio conjunto (Gallo, 2001: 30).

Trata-se, como se percebe, de uma visão não-sistemática, compreendendo aqui

todos os elementos que escapam a uma estrutura fechada e/ou ramificada. No

rizoma são múltiplas as linhas de fuga e, portanto, múltiplas as possibilidades de

conexões, aproximações cortes, percepções etc. Ao romper com essa hierarquia

95

estanque, o rizoma pede, porém, uma nova forma de trânsito por entre seus

inúmeros campos de saberes, podemos encontrá-la na transversalidade (Gallo,

2002: 32).

Lopes e Macedo (2002) questionam que o conhecimento e o saber constituem fonte

de libertação, esclarecimento e autonomia. A hierarquia reflete uma relação de

poder. Se se pensar, por exemplo, no discurso e na produção de sentidos, não há

uma situação de não-poder, mas sim um estado permanente de luta contra posições

e relações de poder. Se o mundo é constituído, anteriormente, ao sujeito e pela

linguagem, não há como falar em uma consciência e em um sujeito autônomo. É

preciso conviver com a instabilidade e provisoriedade dos múltiplos discursos e das

múltiplas realidades constituídos por esses discursos.

A metáfora do rizoma permitiu o questionamento das fronteiras estabelecidas pela modernidade entre o conhecimento científico e o conhecimento tecido nas esferas cotidianas da sociedade. A incorporação das idéias de redes de conhecimentos e de tessituras de conhecimentos em redes torna-se fundamental em face da multiplicidade e da complexidade de relações nas quais estamos permanentemente envolvidos e nos quais criamos conhecimentos e os tecemos com os conhecimentos de outros seres humanos (Lopes e Macedo, 2002: 35-36).

O conhecimento passa por uma discussão que abarca, hoje, todos os processos

naturais e sociais onde se geram e a partir daí são levadas em conta, formas de

aprendizagens. É pensando assim que Assmann (1998:25) dirá que tudo aquilo que

é capaz de aprender cumpre processos cognitivos. Diante de tendências

redutivistas, não se devem desconsiderar as enormes diferenças de grau e nível

nessas operações cognitivas. Um tema–chave para a escola do futuro é, sem

dúvida, a interatividade cognitiva entre aprendentes humanos e máquinas

inteligentes e aprendentes.

A novidade consiste no fato de haver surgido um traço comum, ou seja, um conjunto inegável de semelhanças fortes, entre os mais diversos sistemas cognitivos complexos. Sob este ponto de vista, desfez-se a nitidez das fronteiras diferenciadoras entre eles, que antes, pareciam evidentes. E é sobre as surpreendentes semelhanças entre os mais diversos sistemas cognitivos que avançam rapidamente certas propostas teóricas. É por isso inevitável que começamos a familiarizar-nos com esse tipo de linguagens. (Assmann 1998: 25-26).

96

O mesmo autor compreende, filosoficamente, que os processos cognitivos e os

processos vitais finalmente descobrem seu encontro, desde sempre marcado, em

pleno coração do que a vida é, enquanto processo de auto-organização, desde o

plano biofísico até os das esferas societais, a saber, a vida quer continuar sendo

vida – a vida se “gosta” e se ama – e anela ampliar-se em mais vida. Em meio ás

discussões sobre a cognição, reaparece o novo paradigma.

A discussão sobre pedagogia pós-moderna reenfatiza o caráter pluri-sensual – prefiro esse termo a “pluri-sensorial” – do conhecimento ligado ao entrejogo entre certezas e incertezas, nos processos adaptativos que a vida real nos impõe. A concepção dinâmica ao cérebro/mente é particularmente importante para essa discussão e ela aponta para uma pedagogia que aceite trabalhar com esse entrejogo de certeza e incerteza. Nosso cérebro/mente está neuronalmente predisposto para lidar com vacilações, agüentando-as e superando-as, conforme lhes é conveniente. Esta é uma das pontas mais fascinantes do tema prazerosidade (Assmann 1998: 30).

Na sociedade atual, talvez mais que nunca, o tema do conhecimento virou tema

obrigatório. Fala-se muito em sociedade do conhecimento e, agora, também em

sociedade aprendente. Tentando acompanhar os passos do autor, conclui-se que é

importante saber decodificar criticamente e encarar positivamente o desafio

pedagógico, expressando uma série de novas linguagens.

No mundo de hoje, os aspectos instrucionais da educação já não conseguem dar conta da profusão de conhecimentos disponíveis e emergentes mesmo em áreas específicas. Por isso não deveria preocupar-se tanto com a memorização dos saberes instrumentais, privilegiando a capacidade de “acessá-los”, descodificá-los, e manejá-los. O aspecto instrucional deveria estar em função de emergência do aprender (emergent learning), ou seja, da mosfogênese personalizada do conhecimento. (Assmann 1998:33).

Uma nova metáfora representativa da produção do conhecimento remonta à filosofia

cartesiana que concebia alegoricamente o conhecimento como uma grande árvore,

com as raízes na metafísica (englobando o pensamento religioso), tendo como

tronco a Física (ou seja, a Filosofia Natural), e sendo formada por múltiplos ramos,

como a Astronomia, a Medicina, etc. A matemática, não era considerada um dos

ramos do conhecimento, mas a condição de possibilidade do conhecimento, em

qualquer ramo, como a seiva que percorre e alimenta todo o organismo

representado. À língua, não era atribuído qualquer papel de relevo na árvore do

97

conhecimento. (Machado, 2000: 121-122). Por que a língua não ocupava nenhum

desses espaços? Por que a sua existência era metafísica?

Para Alves, (2001:14) são enormes as dificuldades para identificar todas as origens

de nossos tantos conhecimentos, pois eles só podem começar a ser explicados se

nos dedicarmos a perceber as intricadas redes nas quais são verdadeiramente

enredados.

O paradigma significador entendemos, é visto como um prescritor que não pode

admitir, como mecanismo de autopreservação, da pluralidade de sentidos. Ele

funciona, autoritariamente, ao mesmo tempo em que se afirma, impõe

silenciamentos.

Surgem, assim, os novos paradigmas, negando essa lógica do poder, que é a lógica

da negação e da exclusão do diferente.

O pensamento moderno está tão contaminado pela idéia de estabilidade que diante da impossibilidade que a multiplicidade e a complexidade do real apresentam de continuar a ser explicado por ele, rompe-se, entra em crise, dando passagem à criação de outras formas de pensar as relações sujeito/mundo. Os chamados novos paradigmas. (Azevedo, 2001: 62).

A perplexidade atual à qual sempre se esteve fazendo referência ao longo dessa

exposição é um momento em que o paradigma moderno ainda é o hegemônico, mas

apresenta rupturas das quais emergem novos paradigmas que ainda não possuem

perfil definido, mesmo porque, ao negar o outro, não se permite um delineamento de

alta definição.

Admitir a complexidade do real afasta do paradigma disciplinar fortemente marcado

pelo positivismo, suas hipóteses e dados estatísticos, suas certezas e verdades

imutáveis.

Mergulhando em tudo isso, parto do entendimento de que a realidade não é só múltipla como também complexa e de que, para me aproximar dela, para ter uma compreensão, menos opaca, não posso me deixar aprisionar pela unidirecionalidade, mas empreender a difícil opção pelo multidirecionamento, buscando matrizes teóricos vindos de diversos campos (Azevedo, 2001: 64).

98

È resultante dessa reflexão que surgem as novas possibilidades de pensar o

conhecimento, a educação e o currículo de um outro espaço não vazio de

racionalidade, mas de um não-espaço que dá sentido a este projeto de reflexão.

A metáfora da rede implica pensar, desde um ponto de vista epistemológico, na possibilidade de interação de diversidade, isto é, em buscar as formas de articulação entre o local e o global entre o particular e o universal, entre o uno e o diverso, ou seja, entre cada escola e a rede escolar, entre a formação realizada coletivamente pelos professores de uma mesma escola e programas mais amplos, inclusive aquela propiciada pelos cursos de formação (Manhães, 2001: 71).

A árvore possibilitou, então, uma transformação em rizomas solidários, não

modulares, mas, sim, interligados em uma dinâmica de alimentação e

realimentação. São as redes nas quais se move incessantemente o conhecimento.

A tessitura do conhecimento em rede reconhece que nenhuma análise pode espelhar a realidade, nem é produto de um sujeito radicalmente separado da natureza. O observador é participante e criador de conhecimento, sendo, cada um, responsável pela inclusão de novos nós na própria rede. O conhecimento que se faz a partir das relações que se enredam ultrapassam a busca de certezas e aceita a incerteza para também superá-la.; contra o destino fixado procurar a responsabilidade da escolha; negando a existência de uma única e privilegiada perspectiva de conhecimento (Manhães , 2001: 71)

Crê-se, aqui, ter-se satisfeito o objetivo de aproximação entre a educação, a

formação de professores e o currículo, porque não se pode mais pensar

sistematicamente como se fazia há décadas com prejuízos visíveis para o próprio

conhecimento.

Pensar, por exemplo, a formação de professores a partir da idéia de tessitura do conhecimento em rede é, em primeiro lugar, investir no saber da experiência e numa pedagogia interativa e dialógica, como um processo investigativo constante que se faz solidariamente com parceiros na própria caminhada. A formação de professores (e de outros educadores) tem sido um grande desafio, para as políticas educacionais, já que a expansão das redes de ensino trouxe consigo a necessidade de mais e melhores docentes, mas essa demanda não foi acompanhada, por opção dos grupos hegemônicos, de políticas públicas que contemplassem a educação e a valorização profissional (Manhães, 2001: 72).

Ao se pensar em um mundo em que a criatividade é necessária enquanto

intervenção de um sujeito que é, também, a sua criação, indo de encontro a um

objeto descrito da distância permitida pela objetividade do conhecimento é que o

99

paradigma emergente, ao entrelaçar prática e teoria, sempre afogado na realidade

dos contextos em que se pratica, sugere uma perspectiva próxima (Manhães, 2001).

A oposição à metáfora da árvore coloca, em questão, os saberes híbridos que

contribuem para pensar o currículo, na dimensão aqui adotada.

5.5 HIBRIDISMO:

Nestor Garcia introduziu, no início da década de 90, a idéia de “culturas híbridas”

para pensar a modernidade latino-americana. Argumentado com as visões

“etapistas” da história regional que postulavam não caber falar de pós-modernidade

quando a modernidade nem sequer chegava a ser um projeto inconcluso, Canclini

postulou que as sociedades latino-americanas haviam produzido uma modernidade

sui generis. Trata-se, segundo o autor, de uma modernidade fora do lugar –

retomando a formulação do brasileiro Roberto Schwaz – caracterizada pela

hibridação de culturas, pela proliferação de estratégias e pela pluralização de

temporalidades (Dussel, 2002: 55).

O texto de Canclini surgiu, em paralelo com outras produções de teóricos anglo-

saxões, que começaram a centrar-se no sincretismo e na hibridação das identidades

coletivas e individuais, dos objetos culturais e das práticas simbólicas e materiais.

Os trabalhos de Homi Bhabha e Stuart Hall, dentre outros, deram relevo à

ambivalência das identidades binárias que até então eram pensadas como

homogêneas e orgânicas. Hall, por exemplo, comentado por Dussel (2002), em um

artigo sobre as novas etnias, assinalou um reconhecimento crescente da diáspora

das identidades negras, já não racialmente determinadas, mas configuradas por

processos que desacomodam, recombinam e hibridizam as experiências identitárias.

Pode-se observar uma linha ascendente na difusão do conceito: hoje, ele aparece

como um termo estabelecido como ortodoxia nos Estudos Culturais e na teoria

social, a ponto de uma compilação recente (Brah & Coomes, 2000) se ocupar dos

muitos descontentamentos que sua utilização vem gerando (Dussel, 2002: 56).

100

Os descontentamentos são variados. Para Brah e Coombes, atrás dessa rápida expansão, se escondem as origens problemáticas do termo, profundamente enraizado no projeto colonial de dominação racial do século XIX, e se produz uma elaboração acrítica das diferenças que deixa de lado desigualdades fundantes. Young (1995), por outro lado, já havia discutido, há alguns anos, a cumplicidade entre os primeiros usos do conceito e os desejos coloniais, ainda que acreditasse rearticular o termo com tradições críticas emancipatórias ou desconstrutivas (Dussel, 2002: 56-57).

O autor afirma, categoricamente, que pensar o currículo em termos de hibridação

contribui para analisar a complexidade dos processos de produções culturais,

políticas e sociais que o configuram, introduzindo novas idéias em um campo cujas

perguntas foram, muitas vezes, pobres teórica e tecnicamente (por exemplo),

buscando formas curriculares puras, "à prova de professores”, ou postulando

aplicações simplistas de teorias psicológicas ou sociológicas.

Sobre a origem de sua utilização, o termo híbrido, informa Young, citado por Dussel,

(2002) começou a ser utilizado no idioma inglês no século XIX, com rotina desde o

século XVII. Fortaleceu-se com o impulso classificatório da ciência do século XIX,

preocupado em identificar as espécies em taxionomias de conhecimento. Em 1828,

segundo o dicionário Webster, o híbrido era “um mestiço ou mula;” um animal ou

uma planta produzida pela mistura de espécies. O uso do termo aplicado a seres

humanos data de meados do século XIX. Em 1813, Prichard, argumentando que os

humanos eram provenientes tolos de uma mesma espécie, falava em “raças mistas”

ou “intermediárias”. No entanto, apenas em 1860, passou-se a aceitar o uso do

termo híbrido para o “filho de pais humanos de diferentes raças ou mestiços”.

(Dussel, 2002: 58).

Nas últimas décadas, a noção de hibridação ganhou novo impulso, desta vez para

descrever os fenômenos difusos da cultura contemporânea. Para alguns, essa

disseminação ou proliferação de diferenças, essa mistura de fronteiras, é o signo

mais claro da ruptura da modernidade e da irrupção de nova lógica. Entretanto, não

queremos repetir a autoconfiança pós-moderna que defende que esta é a primeira

vez na história que os seres humanos podem desfrutar de um mundo complexo,

mais difuso e mais fragmentado: A complexidade não é patrimônio dos

101

contemporâneos. De qualquer maneira, temos que ser cuidadosos em assinalar os

elementos novos na experiência atual que marcam algumas rupturas em como se

expressa e se vive essa complexidade. (Dussel, 2002: 64-65).

A hibridação não só se refere a combinação particular de questões díspares, como

nos recorda que não há formas (identitárias, materiais, tecnologias de governo, etc.)

puras intrinsecamente coerentes, ainda que essa mescla não seja intencional.

Compreende-se, reiteramos, ainda, baseados nas reflexões de Dussel (2002) que a

complexidade não é patrimônio dos contemporâneos, mas cremos que há alguns

elementos novos na experiência atual, pelos diversos fatores elencados no início

deste capítulo.

Um retorno às nossas questões sobre a educação, leva-nos a afirmar que não existe

a uniformidade, a monofonia nos discursos sobre a educação. O possível leva-nos

ao encontro de discursos híbridos, apontados por alguns autores na emergência da

escola pública. A própria noção de currículo, visto neste contexto da linguagem,

pode ser considerada como um híbrido, se pensada como o resultado de uma

alquimia que seleciona a cultura e a traduz a um ambiente e a uma audiência

particular.

Os discursos curriculares, também, têm sido estudados como híbridos que combinam distintas tradições e movimentos disciplinares, construindo coalizões que dão lugar a consensos particulares. Kleibard (1986), por exemplo, tem assinalado que o currículo norte-americano é um híbrido de pelo menos quatro tradições: a humanista, centrada nas disciplinas tradicionais; a pedagogia centrada na criança ou paidocentrismo; o eficientismo social de Taylor e Bobbit; e o reconstrucionismo social dos anos de 1930, que postulava a importância da reforma social como eixo do currículo. Para Kliebard o currículo “ajustado às solicitações da vida”, que emerge nos anos 1950, é o resultado das lutas entre essas tradições (Dussel, 2002: 70).

É impressionante como, neste trabalho, tudo nos leva, também, a uma reflexão

sobre a linguagem, ou seja, sobre a representação de algo que não é o mesmo. A

hibridação, por exemplo, opera através da mobilização de distintos discursos dentro

de um âmbito particular, ou seja, num gênero, numa tipologia, conforme sugerem os

autores.

102

É a partir dessas concepções que estão justapostas, ao mesmo tempo em que

verticalizam a essência de nossas reflexões, que pretendemos analisar nos diversos

discursos produzidos no cotidiano da FFPP, as relações entre currículo e cultura, o

que se mostrou inviável sem o percurso teórico que nos apontasse um lugar de onde

nos fizéssemos sujeito de um dizer que não contornasse as implicações impostas

pelo próprio objeto de investigação. Pensa-se que tudo o que se disse, até aqui, é

procedente e necessário, como podemos demonstrar nas partes que se seguem.

103

CAPÍTULO 4

6. VOZES EM REDES: UM APRENDIZ

6.1 ABORDAGENS METODOLÒGICAS E PROCESSOS VIVIDOS

Neste capítulo, pretendo compreender a reflexão que fizemos nas práticas

discursivas - os discursos se tecem e são usados na ação Spink citada por Tristão

(2001:146) - do currículo do curso de Pedagogia da FFPP, onde são produzidas,

como elas se constituem na tessitura de identidades.

A pesquisa em educação deve instigar contribuições diversas para que possamos

encontrar teorias que atendam às exigências que ora se fazem presentes no homem

e na mulher do século atual. A idéia de escrever sobre o tema que se constituiu

nessa dissertação, nasceu de nossa preocupação como professora que está nas

salas de aulas, na FFPP, campus da Universidade de Pernambuco, desde de 1992.

Por todos esses anos temos lecionado a disciplina Currículo e Programas II,

obrigatória no curso de pedagogia.

A pesquisa foi desenvolvida tendo os/as acadêmicos/as do curso de pedagogia, da

Faculdade de Formação de Professores de Petrolina, um espaço que se constitui no

campo de pesquisa. A escolha do referido curso se caracterizou por ser a área de

atuação da pesquisadora.

Como em toda pesquisa, cremos que o primeiro passo é o trabalho de pesquisa

bibliográfica, que foi sendo concluído ao longo da nossa formação neste programa

de pós-graduação, acrescida das especificidades do campo em que investigamos e

atuamos. O ponto de partida surgiu a partir das leituras de Nilda Alves, Certeau,

Boaventura e Bhabha onde procuramos identificar determinadas noções de cada um

104

deles, e a partir das discussões travadas em sala de aula dos créditos das

disciplinas obrigatórias do curso. Entendemos que, como ponto de partida, devemos

tecer uma discussão em torno daquilo que dizem acerca da produção teórica, no

sentido de que suporte a nossa compreensão de que o conhecimento é gerado,

inicialmente, na prática. Neste sentido, pensar o conhecimento a partir da prática –

currículo real – leva-nos a problematizar a própria noção de teoria.

Silva (2001), em seu livro Documento de Identidade, concebe a teoria como

representação de uma realidade que cronológica e ontologicamente a precede.

Assim sendo, este autor desloca o conceito de teoria para o conceito de discurso.

Para ele, não se pode separar o objeto da trama lingüística que pretende descrevê-

lo. Este deslocamento para o discurso permite, inclusive, a opção por temas em

detrimento das fechadas categorias analíticas.

Nessa análise, é possível superar a compreensão idealista de que a realidade deriva

de um modelo ideal. No caso em estudo, de acordo com o que nos ensina Alves

(1998), a realidade escolar, ao invés de emergir, pelo menos sob a forma de

representação, estaria submersa por um determinado modelo, e assim, impassível

de reformulações e, portanto de novas teorizações. A pesquisadora Mirian Limoeiro

Cardoso (1978), em seu trabalho Ideologia do Desenvolvimento- Brasil: JK-JQ,

apesar de também compreender a teoria como representação do objeto, concebe o

processo de avanço teórico pela via da experimentação e não da prática. Segundo

esta autora, é através da experimentação que problemas novos se apresentam à

formulação teórica (Limoeiro, 1978:27).

Consideramos o avanço dessa autora sobre a compreensão do desdobramento

teórico a partir da própria teoria que, por muito tempo, foi hegemônica, mas leva

substituição da prática pela experimentação, sendo, portanto, inadequada para

nosso estudo.

A dimensão por nós adotada é, pois, a inicialmente descrita, ou seja, a teoria

derivada do objeto; tem-se a seqüência prática-teoria-prática e assim,

105

indefinidamente, em um infinito exercício de alimentação – realimentação. Isto

porque compreendemos ser o currículo inerente a uma prática. Assim, o objeto foi

estudado dentro do seu próprio espaço. Optamos por permanecer nas aproximações

aqui apresentadas, por entender, como afirma Ferraço (2001), que um

enquadramento teórico na sua totalidade é humanamente impossível, posto que não

estamos diante de uma experimentação, mas de uma prática.

Já delimitando contribuições muito ligadas ás preocupações deste estudo, nas

relações teoria/prática ligadas ao aspecto mesmo da cultura, é que se antecipa uma

concepção que pode ser bastante pertinente à reflexão:

A metáfora da linguagem abre um espaço onde o teórico é usado para ir além da teoria. Uma forma de experiência e identidade cultural é concebida em uma descrição teórica que não cria uma polaridade teoria-prática; a teoria também não se torna “anterior” à contingência da experiência social. Este “além da teoria” é ele mesmo uma forma liminar de significação que cria um espaço para a articulação contingente, indeterminada, da “experiência” social, que é particularmente importante para a concepção de identidades culturais emergentes (Bhabha, 1989:250).

A teoria não encontra simplesmente sua oposição , teoria/prática, mas um “lado de

fora” que coloca a articulação das duas – teoria e prática – em uma relação

produtiva similar à noção derridiana de suplementaridade: Roland Barthes, citado

por Bhabha, (1989;251) um meio-termo não-dialético, uma estrutura de predicação

conjunta, que não pode ser compreendida pelos predicados que distribui. Não que

esta capacidade demonstre uma falta de poder; mais propriamente, esta

incapacidade é constitutiva da própria possibilidade da lógica da identidade.

A estrutura performática do texto revela uma temporalidade do discurso que acredito

ser significativa. Ela inaugura uma estratégia narrativa para a emergência e

negociação daquelas agências do marginal, da minoria, do subalterno ou do

diásporico, que nos incitam a pensar através – e para além –da teoria (Bhabha,

1989:253).

Uma outra questão que precisamos explicitar diz respeito à noção de prática ora

trabalhada. Como compreendemos, o estudo de uma determinada prática remete à

106

concepção de cotidiano, posto que é no cotidiano que se desenrola uma prática

específica. A forma como concebemos o cotidiano está, pois implícita na nossa

decisão de tomá-la como objeto de estudo. Empiricamente, o cotidiano parece

absorver os indivíduos de forma passiva e disciplinada. No entanto, é possível

observar que no cotidiano ocorrem resistências ao poder dominante, que os

usuários buscam imprimir no dia-a-dia os seus interesses próprios, estabelecendo

assim suas próprias regras.

Este entendimento pode ser encontrado em Michel de Certeau, em sua obra A

Invenção do Cotidiano: as artes de fazer. Para este autor, o cotidiano consiste nesta

atividade de formiga, onde impossível descobrir os procedimentos, as bases, os

efeitos, as possibilidades de resistência (Certeau, 1994).

Estudando o cotidiano na sala de aula, propomo-nos a resgatar o discurso do

próprio aluno/as e do professor/as tendo-os/as como narradores/as, buscando

encontrar neste discurso as fronteiras do conhecimento. Neste sentido, estaremos

considerando que o/a aluno/a narrador/a se introduz em nossas técnicas,

reorganizando o lugar de onde se produz o discurso. O cotidiano, enquanto tema,

mas também como procedimento, tem um argumento lapidar: A preocupação é

buscar nesse cotidiano, para além de entendê-los como lugar de reprodução e

consumo, o que nele se cria no uso dos produtos e regras que neles são postos pelo

poder proprietário (Certeau, 1994).

Nesse entendimento, o nosso interesse centrou-se em analisar os currículos que

são, de fato, realizados nos cotidianos das escolas e salas de aulas, entendendo

que eles são produzidos e realizados por pessoas concretas em determinados

contextos sociais e históricos. Entendemos que não se constrói um currículo e sim

vários currículos no cotidiano.

Para tanto, como nos confere Ferraço (1995:225) pressupomos que esses currículos

reais envolvem, em sua produção, uma multiplicidade de saberes, valores, ações,

idiossincrasias, atitudes, formações, histórias de vida, que caracterizam as redes de

107

ações/relações produzidas e compartilhadas pelos sujeitos que convivem nesse

cotidiano

Nesse sentido, a pesquisa entrelaçou narrativas das práticas, em observações em

salas de aulas, na própria prática docente da pesquisadora e em seminários. Em um

primeiro momento, pretendia apenas utilizar a observação participativa, em uma

disciplina no 7º período do curso de pedagogia. Nessa mesma turma, ministro a

disciplina Currículo e Programas. A partir das observações fui dando conta de que

somos narradores de nossas próprias experiências, fui assim, mudando o itinerário

inicial para também, experiênciar-me como docente/pesquisadora. Nesse “mergulho”

no cotidiano, encontrei um espaçotempo – indicam as condições de possibilidade

dos seres, das coisas, do mundo Leff citado por Tristão (2001:117) - de ações

diversas, que me permitiram uma nova vivência, como afirma Alves (1998:2)

que sejamos capazes de mergulhar inteiramente em uma determinada realidade buscando referência de sons, sendo capazes de engolir sentindo variedades de gostos, caminhar tocando coisas e pessoas e se deixando tocar por elas, cheirando os cheiros que a realidade vai colocando a cada ponto do caminho diário.

Nesse intrincado das práticas coletivas e individuais, onde os sujeitos vivem, sofrem

e alegram-se, num mundo que se produz atravessado por complexas redes de

relações, que vão desde as econômico-sociais, até tramas amorosas. Daí tomarmos

o currículo como ser de linguagem.

Um fato que muito contribui para aceitar esse desafio, foi a aprovação dos/as alunos

/as em serem atores/as dessas redes, sem oferecer para tanto nenhum obstáculo.

Para não perder referências pelas falhas da memória, todas as observações foram

registradas com uso do gravador, para assim guardar com carinho tudo que parecia

não ser importante naquele momento. Esse também foi um grande nó. Como

entender o que era importante e o que não era importante? O mais que podia fazer,

era compreender que precisava estabelecer limite na pesquisa por questão de

organização do texto – só isso foi que ajudou a eleger determinados enunciados -

enunciados, esses, que se redimensionam em temas e que foram emergindo na

tessitura do estudo, portanto, a pesquisa foi constituindo esses agrupamentos

temáticos. Isso sinaliza para o leitor da pesquisa uma melhor visibilidade da análise.

108

Contudo, a ênfase não está nessa análise temática, mas no caráter processual dos

dados ou eventos coletados e estudados. Esse era um dos nós que fomos

desatando, porque outros nós foram sendo criados, mas o prazer em procurar

desata-los, tornava a procura um entrelaçado de incertezas, próprio dos rizomas.

Entendíamos que não havia um ponto que identificasse o inicio, não sendo possível

buscar nenhuma certeza.

Com efeito, os temas emergiram a partir de uma teia de relações tramadas no

próprio currículo do Curso de Pedagogia da FFPP, especificamente nas disciplinas:

“Avaliação da Aprendizagem”, “Currículos e programas II” e no seminário que

tematizou o dia da “Consciência Negra” e no movimento dos espaços que tecem os

currículos.

Na tentativa de querer compreender e interpretar sensações, falas, imagens, a

metodologia vai sendo tecida no processo, sempre como uma preparação, voz que

se relaciona interdiscursivamente com as pesquisas com o cotidiano. Por esse

pensar, caminha-se ao encontro de uma desconstrução que pleiteia o

estabelecimento de novos conhecimentos, de uma reestruturação semântica que vai

além das visões dicotômicas da modernidade que teve o seu grande apogeu nas

teses da dupla face significante/significado e que se perpetuam nos estudos da

linguagem.

Dentre os diversos elementos dessa investigação, destacam-se as falas

constitutivas do grande diálogo estabelecido entre os diversos atores/as do espaço

institucionalizado como educacional. Cabe, aqui, destacar a escola como o cenário

não de sujeitos empíricos, mas de vozes que o constituem. Vozes perpassadas por

uma certa hegemonia criticável que não impede que os antagonismos se

presentifiquem e que, muitas vezes, se estabeleça como a modalidade

determinante.

A pesquisa pretendida está muito ligada, enquanto análise de dados, às questões

discursivas, compreendendo o discurso como efeito de sentidos numa situação

109

intercomunicativa. E, para dar conta de tal empreendimento, devemos considerar os

esforços de teóricos como Foucault, Bakhtin e Bhabha, que se preocuparam em

definir a problemática enunciativa, este último numa análise dos estudos culturais.

Distante de nós querermos teorizar a linguagem como o fazem os lingüistas e

semiólogos. Deles apenas buscamos algumas contribuições para pensar o discurso

e a sua análise, na tentativa de otimizar a interpretação das falas de alunos/as

professores/as e palestrantes que colocaram as suas vozes a serviço deste

empreendimento. É a partir, também, desse lugar discursivo que pensamos o nosso

próprio estudo.

Um estudioso de grande importância para os estudos da linguagem, numa

abordagem que critica o subjetivismo abstrato e o formalismo idealista é Bakhtin,

muito solicitado para as pesquisas sobre o discurso, sendo o mesmo o fundador de

uma teoria que coloca o diálogo como centro de toda a discussão sobre a própria

língua. Longe de pensá-la como algo abstrato, sistemático e presa a uma estrutura,

Bakhtin vai afirmar a sua materialidade e a sua função comunicacional. Para tanto,

destacará o seu caráter discursivo e ideológico. Nessa concepção, a linguagem

existe a serviço da interação verbal, pois não dizemos palavras, mas, sim,

produzimos discursos e ideologias, como nos estudos culturais, as enunciações são

culturais.

Nessa idéia de uma linguagem que é sempre dialógica é que surgem os outros

estudos que darão corpo ás diversas análises dos discursos. E é compreendendo

esse dialogismo, o conceito renovador de polifonia que buscamos algumas noções

das teorias do discurso para analisar as diversas falas que se apresentaram à nossa

investigação. Cabe aqui destacar que o próprio Bakhtin não constituiu método, nem

categorias ou formulações definitivas. A própria análise do discurso vale-se de

diversas construções.

Falar em discurso, em qualquer das suas concepções, pressupõe-se o

acontecimento da enunciação que, na definição clássica, é o colocar em ação um

determinado enunciado, sendo este o seu produto. Isso quer dizer que não podemos

110

refletir sobre um determinado dito sem observar os elementos constitutivos de seu

dizer que são, dentre outros, os enunciadores, o espaço e tempo, as condições de

produção do discurso. Entre nós, muitos autores dos novos olhares na pesquisa

sobre educação, como Veiga-Neto, falam sobre enunciados. Queremos, aqui,

colocar o que esse conceito representa no interior dessa nossa elaboração, a partir

de uma relação interdisciplinar com os estudos da linguagem, já que entre os

próprios estudiosos da área a enunciação é definida de diversas maneiras.

Destacar o fenômeno da enunciação é traço comum entre as recentes teorias

preocupadas com a questão do sentido. Afirma-se que a frase, unidade lingüística,

descontextualizada, possui significação, mas é o enunciado que possui um contexto

que contribui para o seu sentido. Opera-se, então, um deslocamento no objeto da

própria lingüística, pois o enunciado, a palavra viva, passa a ser a unidade

discursiva, projetando-se além de um sistema de signos e regras, código único e

homogêneo e mesmo da frase. É da crítica à lingüística estrutural e,

paradoxalmente, de seu aproveitamento que surgem os estudos enunciativos, em

sua primeira versão. Dessa maneira, podemos observar a transformação de uma

frase em enunciado, em um ato de fala – eis a concepção pragmática – numa

relação derivada em um contexto, com seus interlocutores, em um tempo e espaço

da produção, ou seja, em um contexto preciso.

Para Bakhtin (1986), a enunciação é de natureza social, prevendo-a como interação

verbal e as relações entre linguagem, sociedade, história e ideologia, em que a

situação de enunciação é componente necessário na compreensão e explicação da

semântica dos atos de comunicação verbal. Por esse estudo, o enunciado é uma

síntese dialética entre as minhas palavras e as palavras dos outros. O enunciado é

uma unidade da comunicação verbal e devemos compreender que a estrutura da

linguagem reflete a relação recíproca dos locutores.

Para estabelecer um diálogo entre as concepções de enunciação, consideremos o

princípio estabelecido por Bakhtin, de que o ato de fala, o seu produto, a

enunciação, não pode ser considerado como individual no sentido estrito do texto

111

(Bakhtin, 1986:109). A enunciação é o produto de dois indivíduos organizados. A

palavra dirige-se a um interlocutor, é função da pessoa desse interlocutor, é o

território comum do locutor e do interlocutor. Abre-se, então, a incorporação do outro

como constitutivo do sujeito. Não existe um sujeito uno e homogêneo, mas um

sujeito que divide o espaço discursivo com o outro. O sujeito é histórico e ideológico,

e a enunciação é pensada no quadro discursivo, entendido enquanto interação no

espaço histórico-social. O sentido é, pois, algo que é produzido historicamente pelo

uso e o discurso são concebidos como efeito de sentido entre locutores

posicionados em diferentes contextos. Esse “histórico” tem necessariamente de

levar em conta as formações discursivas, anunciadas por Foucault. A enunciação é,

pois, o acontecimento sócio-histórico da produção do enunciado.

A escola, o diálogo em sala de aula, a prática do debate, a interlocução pedagógica,

a intervenção de um texto-base, o olhar dialógico com o mural, com a observação do

todo ocorrencial, tudo aponta, na escola, para uma troca e tessitura de grande valor

argumentativo. É importante observar, nos diversos enunciados recortados para

essa amostragem, que eles argumentam. Existe, por parte de todos os/as atores/as

e actantes (alunas/as, professores/as, palestrantes) um empenho intensivo em dizer

algo sobre o mundo, o conhecimento e disciplinas, os referenciais, as vivências e, às

vezes, quererem que suas falas sejam valorizadas mais que outras.

A forma de argumentar é também importante para o estudo dos enunciados.

Pressupõe-se, com essa afirmação, que a argumentatividade está presente em

todos os tipos de texto e que não existe o discurso neutro. A tentativa de provocar a

“adesão dos espíritos” a teses apresentadas pode ser verificada, destacando o papel

fundamental que a argumentação desempenha enquanto força motriz na articulação

discursiva.

Percebemos que muitos enunciados caracterizam-se como atos de linguagem que

procuram atingir a vontade, os sentimentos dos/as interlocutores/as, levando-os/as a

aderirem aos argumentos apresentados. Uma leitura possível desses fragmentos é

que eles argumentam dirigindo os interlocutores para uma conclusão favorável a um

112

novo estudo sobre as práticas escolares e educacionais, valendo-se de diversos

recursos no estabelecimento da direção.

Assim como antevia Bakhtin, diversas vozes articulam os enunciados, sendo estes a

unidade de tessitura do discurso e o sentido do enunciado é uma descrição de sua

enunciação e para essa descrição, ele fornece indicações. O sentido seria, então, o

valor semântico do enunciado e significação, o da frase. Existem, aqui, elementos

muito importantes para pensarmos a tessitura, determinada arquitetura que sustenta

o discurso, ou seja, é possível analisar as redes a partir da estruturação dos

enunciados.

Bhabha (1989) vai mergulhar no universo da produção discursiva para questionar a

própria cultura, traduzindo-a em enunciações culturais. Amplia, portanto, os

conceitos, para observar a identidade, a diversidade e a diferença, afirmando que a

necessidade de pensar o limite da cultura como um problema de enunciação da

diferença cultural é rejeitada. A enunciação é colocada, como processo e produto

das vozes de dominação e resistência. Diz o autor que a diferença no processo de

linguagem que é crucial para a produção do sentido e que, ao mesmo tempo,

assegura que o sentido nunca é simplesmente mimético e transparente e isso é

afirmado em todas as teorias do discurso. Tomando como base as teorias

enunciativas é que faz a distinção entre o sujeito do enunciado e o sujeito da

enunciação que não é representado no enunciado, mas que é o reconhecimento de

sua incrustação e interpelação discursiva, sua posicionalidade cultural, sua

referência a um tempo presente e a um espaço específico. (Bhabha 1989):

Trabalhar com a análise de seqüências quer dizer que a linguagem é vista como

processo e produto dinâmicos. Aquilo que pode ser considerado como enunciação

cultural em Bahbha, já de um nível de formulação elaborado dentro dos quadros da

polifonia, leva-nos a pensar que o interesse incide sobre o discurso, a língua em sua

integridade concreta e viva, como solicita os estudos com o cotidiano. É assim que

aparece o enunciado como tessitura comunicativa, não tessitura abstrata para

propósitos teóricos e práticos.

113

É sobre as manifestações dos enunciados e suas enunciações e constituições de

sujeitos empíricos (alunos/as, professores/as, palestrantes), de sujeitos do

enunciado e de sujeitos da enunciação – essas múltiplas vozes que se apresentam

como formações mais amplas ligadas aos discursos da cultura – que propomos o

nosso olhar, ou seja, é buscando penetrar no jogo discursivo que propomos a nossa

análise sobre tais vozes e sobre o próprio cotidiano, tentando uma compreensão dos

autores que nos influenciam e que nos mostraram uma certa supremacia da

linguagem e de caminhos para dar conta da pesquisa proposta.

114

CAPÍTULO 5

7.TECENDO A ANÁLISE

Estudando o cotidiano na sala de aula, propomo-nos a resgatar o discurso do/a

próprio/a aluno/a e do professor/a tendo-os/as como narradores/as, buscando

encontrar neste discurso as fronteiras do conhecimento. Neste sentido, estaremos

considerando que o aluno/a narrador/a se introduz em nossas técnicas,

reorganizando o lugar de onde se produz o discurso (Certeau, 1994:60)

Na xerox, (espaço excessivamente ocupado na FFPP) o currículo é experienciado

por todos que ali trabalham, inclusive pelo funcionário que consegue estabelecer as

diferenças entre os diversos conteúdos, pela simples manipulação dos textos,

depositados nas pastas pelos professores/as. Nessa prática, eles percebem a

tessitura do seu próprio conhecimento.

Ouvimos outras vozes: na cantina, na hora dos intervalos - instituídos pelos

próprios/as alunos/as - enquanto esperam o lanche, eles/as tecem redes nas trocas

de receitas culinárias, nas confidências sentimentais, nos comentários sobre os

conteúdos das diferentes disciplinas e na avaliação informal que fazem da prática

pedagógica dos professores/as. Uma aluna justifica sua ausência à sala de aula com

uma critica à metodologia usada pela professora, que, segundo a mesma, é sempre

muito monótona. Esse enunciado é rico de aprendizagens que acontecem a partir

das mil maneiras de jogar, das burlas, das táticas e das artimanhas (Certeau, 1994).

Tudo expressa currículo, experienciado neste cotidiano dando prolongamento às

redes ou trançando-as num movimento continuo, sem porto seguro. São práticas

inventivas produzidas a partir das artimanhas e táticas (Certeau, 1994) que os/as

alunos/as criam cotidianamente para sobreviver aos diferentes que lhes são

colocados.

Com esses sabores, fomos experimentando os lugares, fomos absorvendo seus

gostos, na cantina, na xerox, nos corredores, na sala dos professore/as e até nas

115

salas de aulas. Os cheiros sempre densos, porque o uso fica impregnado dos

nossos cheiros, de nossas marcas. Prenhe de odor e sabores onde as redes são

tecidas (Alves 2001).

O corredor é pleno de vida e de movimento. Nele se cruzam os/os alunos/as

apressados/as que estão atrasados/as para o trabalho, outros/as que não estão

dispostos a assistir às aulas, filhos/as de alunos/as que esperam o final da aula para

retornarem a casa com suas mães. Cartazes nas paredes retratam o cotidiano,

traduzindo os currículos que são praticados nos diferentes cursos e na Escola de

Aplicação da FFPP. Nesses cartazes, existem imagens centradas em diferentes

possibilidades, em que há uma mistura de saberes, mas nem sempre pode ser

encarado como negativo ou reprodutor, como nos fala Alves (2001). Daí que, nos

cartazes, podemos ler imagens centradas na valorização das ciências como o único

conhecimento e imagens que se abrem para a multiplicidade das redes.

Nesse corredor, também, se experienciam os currículos. No pavilhão de Matemática,

os/as alunos/as ouvem uma banda, em comemoração ao dia do/a estudante.

Percebemos uma irritação por parte de alunos/as e professores/as de outros cursos

que não conseguem ministrar suas aulas por conta do barulho. Na sala dos/as

professores/as, todos reclamam do barulho e atribuem toda a confusão à direção,

pois não foram avisados sobre essa atividade. Os comentários vão desde a falta de

organização das atividades, ao descaso com os trabalhos que estão sendo

realizados.

Para compreensão do agrupamento dos enunciados, utilizamos as nomenclaturas T

indicando os temas e a numeração indicando os momentos de observação

/participação, análise e movimento da prática. Por isso, de T1 a T7 se deram às

observações participativas na disciplina “Avaliação da Aprendizagem” ministrada no

sétimo período do Curso de pedagogia; T8 a T13 essas observações se deram a

partir do movimento da prática exercida por essa professora/pesquisadora na

disciplina “Currículo e Programas II” no mencionado período acima e ainda o T14

116

relativo ao seminário realizado pelo Curso de História, cujo tema centrava-se no

evento do dia da “Consciência Negra”.

As escolhas destes espaços se deram a partir da realização do planejamento no

inicio do semestre, na tentativa de um trabalho interdisciplinar. È o sétimo período do

curso um espaço de trabalho onde já ministramos, no semestre anterior, a disciplina

Currículos e Programas I, que possibilitou para a professora/pesquisadora uma

grande interação com os/as alunos/as em estudo. Outro fator que determinou a

escolha foi à inserção do próprio conteúdo programático da disciplina em análise:

Avaliação Educacional e Currículos e programas II. Já o espaço onde foi realizado o

seminário sobre a Consciência Negra, no curso de História, foi inserido no momento

da caça no/do cotidiano. Como a pesquisadora se encontrava mergulhada neste

cotidiano foi surpreendida com esse momento tão importante para seu estudo dada

a temática do próprio seminário.

Propomos, aqui, um passeio pelas redes do/no cotidiano da faculdade, em forma de

enunciados produzidos ao calor da hora. O que significa uma pesquisa com o

cotidiano? Não se trata mesmo de cristalizar imagens ou de aprisionar o tempo, mas

dispersar-se na própria instabilidade daquilo que conhecemos ou que tomamos

como representação de um universo bio-socio-cultural. Os próprios atores/as

(alunos/as, professoras/as das aulas observadas) dizem aquilo que pensam do

cotidiano, definido mediante a explicitação de como o compreendem. Captamos

fragmentos dos enunciados tecidos por alunos/as, professores/as e palestrantes nos

diferentes espaços, nas observações em sala de aula (T a T7), nas observações da

professora/pesquisadora (T8 a T13) em aulas dialogadas, ou em apresentação de

trabalhos e no seminário onde os enunciados se aproximam. Sob a inspiração de

Certeau, colocou-se a necessidade de procurar se existem entre eles categorias

comuns e se, com tais categorias, seria possível explicar o conjunto das práticas.

(Giard na introdução do livro A Invenção do Cotidiano 1994) e os diferentes

discursos que permitem um entre/lugar (Bhabha 1998).

117

Narrados os cotidianos, chegamos à tessitura da análise, cruzando falas para

descobrir os sentidos que são tecidos pelos alunos/as e professores/as. Os

conteúdos trabalhados nas aulas de observação e na própria prática pedagógica da

professora/pesquisadora não são, infelizmente, pensados com os alunos. São temas

já planejados pelos/as professores/as, no cumprimento do conteúdo programático

das disciplinas.

7.1 O CONTEXTO DO COTIDIANO

Uma análise do cotidiano escolar a partir das redes de relações e conhecimento que

são produzidos, nos revela princípios reforçados na tradição da ciência moderna ao

mesmo tempo em que a transcendemos. Os enunciados que envolvem o contexto

do cotidiano, são enredados, dado que as vozes são encontradas em diferentes

momentos.

A partir do enunciado abaixo transcrito da fala da professora (observação

participativa) quando explicava sobre avaliação, veio à tona o tema cotidiano

Avaliação da aprendizagem, estar bem mais ligada ao cotidiano da sala de aula, cotidiano da escola. (professora T-2)

Numa apresentação de trabalhos da disciplina Currículos e Programas II, a aluna

apresenta um trabalho sobre modernidade e pós-modernidade e explica.

Olhe eu estou falando aqui de forma geral, mas penso que falo também da educação que não é diferente, o que está acontecendo no cotidiano não pode ser desconsiderado (T – 8)

Processos, contextualizações, repetição temporal, tais falas referem-se a um

cotidiano , no sentido mesmo do dicionário, mas é perceptível que apontam para

uma certa complexidade das práticas desenvolvidas no âmbito escolar. As relações

estabelecidas entre outros referenciais como avaliação, poder, educação e este

cotidiano apontado e mal definido levam-nos a pensar sobre a persistência de

entrecruzamentos. Não se fala exclusivamente de algo em si, mas de um complexo

que aponta para diversas direções. O dia-a-dia para a professora, o continuum, para

118

a aluna, refletem, de alguma maneira, uma preocupação de reconstruir um

determinado presente, mediante as lentes da educação.

Caberia observar, primeiramente, que existem cotidianos. Não se sabe, nessa forma

de conceber, que é no cotidiano que se desenvolvem práticas específicas. Este

cotidiano não é constituído de indivíduos passivos, simplesmente assujeitados por

práticas disciplinares.

Quando se fala do dia-a-dia, nesse tempo/espaço observados como os mesmos,

anda não se percebe a instauração do diferente, do outro resistente a práticas

institucionalizadas, ao poder dominante. Como pensa Certeau (1994), existem os

procedimentos, as bases, os efeitos, as possibilidades de resistência. Não existem,

pois, nessa análise do cotidiano, os comportamentos transformadores. Ir ao

encontro dessa subversão parece ser um caminho que norteia, constitue as

narrativas dos/as atores/as no cotidiano escolar, produzindo os novos discursos que

articulem os múltiplos sujeitos, as possibilidades criativas, o entrecruzamento das

fronteiras do conhecimento e as abordagens de ações transformadoras. Não há, no

cotidiano, o olhar e o fazer neutros. Não parecem, essas narrativas, estarem

buscando a si mesmas, mas apenas os outros. Observar o cotidiano é atingir a auto-

representação.

A aula ocorre normalmente, como sempre aconteceu no espaço da faculdade. Não

há, de fato, em sua dinâmica, nada de novo. O que existe de importante é o diálogo

que se estabelece entre os/as diversos/as interlocutores/as institucionalmente

localizados e preocupados com a construção do conhecimento. Em meio a essa

aparente repetição do pré-estabelecido, desafios parecem convocar conhecimentos

pré-tecidos que não estão simplesmente presos ao programa do curso nem ao

assunto da aula, mas existe uma memória que trabalha incessantemente e que se

abre para refleti-lo.

7.2 O CONTEXTO DA EDUCAÇÃO:

119

Independentemente de toda e qualquer temática ou abordagem, a tessitura do

saber, cujo papel concorre fundamentalmente para a função escolar, a

disciplinaridade, inter, multi e transdisciplinaridade, explícita ou implicitamente, em

um curso de pedagogia, o tema recorrente é a educação. Muitas visões buscam

definir o que significa esse processo, em aulas da disciplina Currículos e Programas,

da professora/pesquisadora.

Normalmente só se lembra que na escola pública não tem material didático etc., mas existem possibilidades de desenvolver um bom trabalho, vai depender do profissional, cada um reconhecendo os seus limites, a escola publica, pode ser uma escola melhor, graça a essas possibilidades que as pessoas estão estudando e estão pensando. A escola publica tem melhorado bastante. Eu acho, que essa é a questão. Tem escola publica aqui que desenvolve melhor trabalho do que a escola particular. (aluna T-8)

Na mesma aula, uma aluna referindo-se ao conteúdo sobre currículo, abordou:

Afinal para que serve a escola? Para transmitir conhecimentos sistematizados (saberes)? Ou, além disso, possibilita que o individuo aprenda outras tantas coisas: a conviver coletivamente, a relacionar-se com as pessoas diferentes, pelo menos diferentes do eu e dos nós, ou seja, a individualidade, a família e os grupos mais restritos de parentes, vizinhos e conhecidos? É evidente e precisam ser evidenciados pela escola os outros tantos espaços de socialização fora da escola, onde os indivíduos aprendem e vivem valores, trocam saberes, desenvolvem simbologias, conceitos e preconceitos. E que o que a escola precisa valorizar e ampliar esses conhecimentos possibilitando que as pessoas aprendam a representar o mundo de uma forma diferente daquela anterior ao processo de escolarização, uma vez que é a escola um espaço mediado pelo conhecimento sistematizado e, sobretudo pelo saber legitimado; porque a escola é esse espaço primordial de disputa de saberes e conseqüentemente de poderes. Que precisam transformar o espaço escolar possibilitando que lá se desenvolvam outras noções de valores, outras formas de valor do mundo, agora o mundo que se amplia e se faz numa relação mais pública; em que existe um grupo maior e mais diverso de pessoas num cruzamento fantástico de informações e de saberes. (aluna T-13)

Coincidentemente, percebemos que nos diversos enunciados o possível aparece

como modalizador das vozes. É a possibilidade como chave da educação, de uma

escola pública de qualidade, inclusive, de transformação de noções e valores. Dá-se

um entrecruzamento de temas ligados à educação, tentativas de formulação de

redes, algumas mais pertinentes que outras, mas todas muito relevantes para a

discussão dessas possibilidades. Se em uma das falas são verificadas pistas para

uma contradição na defesa de um certo tipo de educação e escola, em outra, dá-se

a crítica contundente à instituição, à discriminação e ao próprio currículo. Trata-se de

enunciados entrecortados por idéias de conhecimento, cultura, exclusão, poder e

120

identidade que refletem falas preocupadas com uma nova maneira de pensar a

educação. Percebem-se, ainda conflitantes, reflexões, em uma mesma fala, sobre a

ordem do discurso ou o poder sobre o saber: a escola.

Em uma aula sobre avaliação, a professora observada cita o autor do texto-base, da

disciplina Avaliação da Aprendizagem, produzindo a seguinte fala:

Ainda explicou que a avaliação da aprendizagem também conhecida como avaliação do rendimento escolar, tem como dimensão de análise do conhecimento do aluno, do professor, avaliação como um todo, todo o processo, toda situação do ensino, que observa que somente o aluno é avaliado. (Professora T – 1)

Refere-se à uma fala que reproduz o discurso pedagógico e a própria forma do

discurso acadêmico, em um trabalho citativo que produz talvez a ilusão de uma

suposta autoridade, ainda que a intenção venha a ser de nega-la. No caso

específico dessa fala, cabe destacar que o enunciado referencializa a própria

avaliação, o tema-base da aula em questão, redimensionando-o dentro de uma

visão crítica daquilo que até o momento se entende por tal noção ou finalidade.

Existe, neste estudo, uma preocupação com a questão da avaliação porque o que

fazemos, na realidade, é também uma avaliação de prática e instituições, como o

currículo. Quando se volta para a avaliação do simples rendimento, abrindo-se para

todo o processo, muitos elementos complexos devem ser considerados. A avaliação

proposta no caso específico desse enunciado inclui, também, a questão curricular.

Embora se trate de uma fala que reflete uma idéia crítica e que até se pretende

como pós-crítica, é proferida em meio a um auditório que simplesmente a repete,

sem entretanto sistematiza-la com dados da realidade concreta e implementá-la. A

voz primeira, repetição de pré-construídos através da história do conhecimento

educacional e escolar, vê-se repetida sem sentido do real, porque, ao nosso ver, a

avaliação sempre deve iniciar-se pelo currículo.

7.3 CONTEXTO DA CULTURA/PODER Verifica-se, na fala a seguir, a preocupação com tópicos fundamentais desta

pesquisa. Poderíamos até afirmar que a cultura e o poder se entrelaçam em

121

múltiplas dimensões para pensar o currículo. As vozes ouvidas são registros de uma

aula na disciplina Currículos e Programas II que debatia sobre Estudos Culturais.

Nossa formação de fato, o curso de pedagogia, me parece que a gente não aponta

pra discutir as diferenças culturais como poder, cultura é uma questão de poder. (professora T-10)

No entrelaçamento das vozes, outra aluna concluirá falando do mesmo tema:

A escola sempre se apresentou como uma instituição que destitui os traços mais nítidos de um modo de ser dos indivíduos que a ele recorrem, especialmente daqueles que residem no meio rural, no interior, na caatinga, de outras raças etc. Esse modo de ser é constituído de saberes e sentidos que a escola tradicionalmente desvaloriza em nome de outro modo mais civilizado de ser; em nome da chamada “cultura universal”. Dessa forma, a escola sempre praticou um tipo de re-socialização do homem e da mulher nordestina, sertaneja, negra – principalmente do meio rural – para lançá-la para fora, mandá-la embora. (aluna T-13)

O enunciado problematiza a instituição escola onde os currículos organizados por

disciplinas, acabam compartimentalizando, legitimando as divisões e desigualdades

sociais; atenta para a necessidade de um currículo que seja um campo de conflito

em torno do conhecimento e da identidade. O discurso abre para a questão do poder

que se exerce sobre as chamadas culturas populares ou locais e busca entender a

exclusão que expulsa dos centros aquelas que se tornam monstro. Na cultura se

destaca a função social da escola e que o currículo deponha como uma solução

cultural tornando-o híbrido. Observa-se também dentro das culturas negadas o

poder de resistência da mulher nordestina, sertaneja, negra. O enunciado ainda

abre para o poder que se exerce sobre o outro – a cultura de um grupo social não é

nunca uma essência – precisando o currículo trabalhar não o direito às raízes, mas a

necessidade desse currículo ser pensado nos diferentes vínculos, até porque a

escola hoje precisa romper com o isolamento das disciplinas para sofrer mutações.

Neste sentido, faz-se necessário um trabalho do conhecimento em redes – tecendo

uma reflexão produtiva sobre currículo.

Podemos observar o enredamento do conhecimento que vai das observações

participativas, ao seminário realizado no Curso de História, no dia da “Consciência

Negra”.

122

O poder político sustentava isso, o poder da igreja servia para poder amansar os negros rebeldes com sua catequese. O povo que foi seqüestrado dessa forma, vivenciou durante trezentos anos – que não são trezentos dias – são três séculos, e depois por uma questão econômica disseram que nós estamos livres.(membro do grupo dos Quilombolas T-14)

Existe uma reflexão do/a aluno/a, uma educação que passa a ser encarada como

processo de intervenção, de sujeitos também em constituição, experiências de vida

miscigenadas, hibridizadas, recriadas nesse processo articulado em redes,

associações e complexidade. Subjaz, também, nessa fala, uma crítica aos

educadores, para que os mesmos migrem para os cotidianos, no plural da escola.

Uma questão que se apresenta como fundamental em todo e qualquer trabalho

sobre educação, relevando os seus aspectos políticos, apontam para uma discussão

sobre o poder e, ainda no mesmo seminário, um membro do grupo dos Quilombolas

diz:

A partir do momento que a gente passou a perceber que a gente podia trabalhar

em nível do Brasil, para saber até que ponto chegava essa condição de quilombo no país, eu vi nesse instante alguém achando estranho quilombo, porque falar de quilombo é falar de hostilidade, falar de um povo que, além de ser inferior, era um povo incapaz, que tem que viver isolado do resto do mundo, porque o mundo não ficou pra esse povo. Então a partir daí, queríamos provar que é o contrário, que o que a gente teve na verdade não foi incapacidade, não foi inferioridade, mas, sim a possibilidade que nos deram de ingressarmos numa sociedade. (membro do grupo dos Quilombolas T-14)

O mesmo palestrante, membro dos Quilombolas, continua falando para os/as

alunos/as.

O trabalho que nós temos não quer dizer que a gente não reconheça a luta do indígena, não reconheça o sofrimento de todo aquele povo. O índio também é lembrado e nós estamos buscando esse trabalho junto, principalmente quando ele se organiza na defesa de suas terras, porque foram pessoas que perderam bastante, que para o índio já existe um pouco de reparação as terras de índios são terras dos índios, eles brigaram e se auto identificam. Os índios foram para o congresso e foram recebidos, os negros vão ao ministério e é coisa de assalto. Então, não estamos querendo descriminar índios, cada um trabalha na sua dimensão, buscando reparação naquilo que foi perdido. Na constituição vocês vão ver que o caso do índio é diferente. (membro do grupo dos Quilombolas T 14)

Verificamos, na fala seguinte, a preocupação com o tema poder, na fala da

professora da observação participativa.

123

Tem gente que diz que não adianta o discurso, eu penso que o discurso já é importante, sua prática já vai mudando,embora isso seja lento. O discurso político é importante. (professora T-2)

A política, entendida como forma de atividades ou de práxis humana, está

estreitamente ligada ao poder, palavra que, em seu significado mais geral, designa a

capacidade de agir, de produzir efeitos. Assim, o poder político pertence à categoria

do homem sobre o homem, sendo esse poder, dentre várias formas, apenas uma

delas. A literatura clássica sobre o conceito de poder colocou-o, inicialmente, como

“coisa” para depois percebê-lo como “relação”.

Retomamos, aqui, as indicações de Foucault, para quem o poder não é algo unitário

e global, mas formas heterogêneas, em constante transformação. É uma prática

social construída historicamente. Essa fala da professora coloca em destaque a

questão do político, abrindo espaço para a reflexão entre as relações, entre práticas

pedagógicas avaliativas e práticas de poder. Segundo a literatura sobre o assunto,

todo discurso é político, pois todos estão ligados à esfera das ideologias. E isso é

muito importante para pensar, inclusive, as redes estabelecidas nesses diversos

enunciados e mesmo no discurso científico e pedagógico. O enunciado em questão

nega, de fato, o próprio discurso pedagógico transformador, dizendo-o insuficiente

para as mudanças necessárias no universo educacional. Destaca, entretanto, a sua

necessária existência.

O poder tem provocado discussões em sala de aula, ora ligado à sua estrutura, ora

à sua função, ora a seus malefícios ou conseqüências. Trata-se de um tema sempre

intrínseco à problemática educacional. Nos enunciados, investidos também do poder

de ao menos aparecerem, foram constantes as relações de poder do político com as

práticas escolares, com a cultura e com as questões raciais, sexuais e de gênero.

Colocam-se, também, discussões sobre a relação entre nações, rural e urbano,

sempre permeados pelas diferenças econômicas. Pensar o poder proporciona

convocar a presença de Foucault.

124

Para o filósofo francês, os poderes funcionam como uma rede de dispositivos e

mecanismos a que nada ou ninguém escapa e estão dispersos em toda a estrutura

social: o poder não existe; existem práticas de poder. Homens dominam outros

homens e é assim que nasce a diferença de valores; classes dominam classes e é

assim que nasce a idéia de liberdade; homens se apoderam de coisas das quais

eles têm necessidade para viver, ele lhes impõe uma duração que elas não têm, ou

eles as assimilam pela força - e é o nascimento da lógica (Foucault, 1986:24).

Por tal ponto de vista, o poder não deve ser considerado negativo; pode ser positivo

porque o seu exercício é também um lugar de formação do saber que, por sua vez,

assegura o exercício de um poder. Ele é luta, afrontamento, relação de força,

situação estratégica e o seu objetivo é econômico e político. Da idéia de poder como

sistema de regras,o filósofo afirma: O grande jogo da história será de quem se

apoderar das regras, de quem tomar o lugar daqueles que as utilizam, de quem se

disfarçar para pervertê-las, utilizá-las ao inverso e voltá-las contra aqueles que as

tinham imposto; de quem, se introduzindo no aparelho complexo, o fizer funcionar de

tal modo que os dominadores encontrar-se-ão dominados por suas próprias regras

(Foucault, 1986:25).

Em relação a este poder, quanto à hegemonia reinante nos diversos espaços,

levantam-se vozes e ações. São vozes resistentes que têm pretendido ir de encontro

ao outro, instaurando um espaço polêmico aberto. Os/as atores/as atuantes na

faculdade, parecem já ter compreendido essa dinâmica do poder, embora não se

tenha materializado em ações. Percebem-se, no entanto, em silêncios ou barulhos,

ou mesmo numa resistência orquestrada em enunciados, resultados de uma

formação política incipiente que já admitem poder enquanto relação de lugares de

poder.

7.4 O CONTEXTO DO CONHECIMENTO/CURRÍCULO:

A proposta deste trabalho está ligada a uma temática maior e também,

paradoxalmente, mais específica e às suas dimensões colocadas em redes. Tudo

que se falou até aqui está ligado à questão do currículo, que aparece explicitamente,

125

nos enunciados elencados a seguir, sempre inter-relacionados a outros temas que

constituem a identidade cultural. Tal inter-relação vai, inevitavelmente, fazer

aparecer a finalidade maior da escola que é a de tecer o conhecimento. Sempre que

nos referimos à educação, referimo-nos ao conhecimento, porque a aprendizagem,

de alguma maneira, a ele está sempre ligada. Quando se fala em representações

simbólicas, quaisquer que sejam, simbolismo e linguagem, aparecem as questões

ligadas ao conhecimento.

Há, nas falas dos alunos/as, uma preocupação com a tessitura em si, mas também

com as formas representadas/desenvolvidas na educação escolar. Existe, por parte

do aluno/a uma compreensão que, muitas vezes, supera os limites propostos pelos

próprios professores/as. Assim, extrapolando tais limites, registramos enunciados

em uma observação participativa cujo tema emerge com outros conteúdos:

Não generalizar o conhecimento do aluno, pois cada um aprende de forma diferente.Ter cuidado com a avaliação por relação quantitativa que bloqueia e traumatiza o aluno. A utilização de conteúdo fora do contexto do aluno provoca desânimo e sonolência. (aluna T-1)

Identificamos as redes no enunciado, em um diálogo, na aula da

professora/pesquisadora.

Eu concordo com você, e a forma como a gente ainda é trabalhada, o próprio curso de pedagogia vem trabalhando com vocês ainda é nessa perspectiva de diversidade que dificulta. (professora T-10)

Na disciplina Avaliação da Aprendizagem, o tema analisado garante seu

enredamento nas duas vozes:

Esses métodos que são utilizados são baseados no currículo. (aluna T-2) O problema é que nossas práticas são tradicionais, bastantes tradicionais. (professora T-2)

È importante verificar que todos concordam com as amarras as chamadas “práticas

tradicionais”, muito combatidas principalmente pelo testemunho das experiências

citadas. Os novos documentos oficiais também apresentam um discurso de

126

socialização, de criatividade e embora existam tentativas esparsas, os atores

concluem que nada representa mudanças consideráveis. Na compreensão de uma

aluna, o sistema sofre coerções externas. Em aula da observação participativa, em

discussões sobre avaliação, ouvimos o seguinte relato:

A escola tem uma prática de dentro pra fora, agora é que está voltando, de fora pra dentro. Como a escola não faz a sociedade está exigindo. (aluna T-4)

As aulas que privilegiam aparentemente, o conhecimento cientifico, são traduzidas

no enunciado critico sobre uma aula da observação participativa.

Eu tenho muita preguiça de ler, e se for um texto científico, a gente começa a antipatizar o professor e a matéria, a gente pensa que é o profº que é ruim, não sabe a matéria. Só agora eu entendi o que é currículo. (aluna T-4)

O enunciado nos remete para o tema currículo, embora a recorrência apareça

generalizada em forma de uma certa monofonia:

A gente sente que falta diálogo na escola. (Aluna T-5)

Sendo os enunciados tecidos na disciplina Currículos e Programas II, o tema se faz

sempre presente em indagações que demonstram a insatisfação de atores que

abdicam de um papel meramente decorativo numa situação de debate de uma única

voz. È perceptível que, ainda que não sejam mensuradas, algumas mudanças de

posicionamento se mostram evidentes:

Voltando para a questão do currículo, eu me preocupo muito: que currículo nós estamos construindo? Em que ponto nós estamos avançando na questão do currículo e até que ponto a gente vai atingir o novo? Por que o currículo não tem nada de autonomia? Até que ponto nós vamos mudar o currículo? (aluna T-9)

Não se deve desconsiderar que os conteúdos programáticos da disciplina Currículos

e programas II vão contribuir para tecer esses enunciados, gerando provocações e

reações diversas. Assim, o tema é provocador de vozes desejosas de pensar o

currículo na prática pedagógica da professora/pesquisadora.

127

É hora de nós pensarmos que é possível construir nossos currículos e dar uma baixa nas propostas oficiais. Essa é a questão de estarmos estudando currículo. (aluna T-9)

Como já registramos, todos os espaços da escola têm sido cenografia para intenso

debate, ações e reações que, aparentemente, podem não ser significativas, mas que

sustentam uma cadeia de temas diversificados, como se esta escola, a FFPP,

tivesse atingido um certo patamar reservado às discussões pertinentes a um novo

momento histórico; por exemplo, mesmo não sendo o eixo central do seminário,

observamos uma preocupação com o contexto pelo seu caráter de tessitura:

Agora mesmo no curso nós estamos com a história da África. Por que é que na faculdade nós não temos a disciplina Historia da África? Nós estamos com o 1º ao 8º período, tem alguma matéria sobre a historia da África? Isso é uma coisa natural? Se grande parte da população é formada do negro, se grande parte de nossa riqueza foi construída pelo povo negro, por que a gente não estuda a historia da África? E aí vêm as duas palavrinhas chaves, a gente precisa entender que a África é o berço da civilização e berço da humanidade. (membro do grupo dos Quilombolas T-14)

Destacando metodologias ou considerações a um contexto que lhe é constitutivo, a

problemática do “conteúdo” aparece como fundamentalmente importante nas

discussões em sala de aula, mesmo naquelas em que o currículo não aparece como

o tema do dia, o que nos leva mais uma vez a concluir que a própria disciplina

currículo, quando não nuclear, sempre se apresenta em relação interdisciplinar com

todas as demais áreas do curso de pedagogia, como avaliação, metodologia e

tantas outras, dada à importância do seu campo conceitual e de sua resistência de

questionamento. É isso que, inicialmente, podemos perceber nos enunciados

destacados. Por tal percepção, já vemos imbricadas algumas pistas para pensar o

currículo em meio a uma diversidade do conhecimento, mas o enunciado vai muito

além. Não admitem o “modelo de fábrica” e percebem, nitidamente, que estão ainda

envoltos nos modelos que vigoraram até o século passado, mas querem ultrapassa-

lo, ainda que se afirme como podemos perceber, a dificuldade no lidar com a norma

culta do português leva o membro dos Quilombolas a não expressar o pensamento

com clareza.

128

Muitos dos enunciados aderem à discussão sobre o conhecimento em rede e

defendem os estudos curriculares desenvolvidos sobre saberes relacionados à ação

cotidiana, de articulação entre diversos padrões culturais e modelos cognitivos, por

ser a escola, segundo Tura, o lugar privilegiado onde se tecem identidades e onde

se delimitam diferenças. Essa nova maneira de conceber o espaço escolar como

encontros e legitimação de idéias, de circularidade entre culturas ganha corpo e

torna-se, atualmente, o debate mais importante dentro do curso de pedagogia.

Ainda sobre a mesma temática, na aula da disciplina Avaliação da Aprendizagem,

os/as alunos/as interferiram, dizendo:

A avaliação não deve ser aplicada com a finalidade de somar e medir os conhecimentos do aluno, é contra indicada também usar da avaliação para punir o aluno. (aluno T-2)

Outro aluno se pronuncia na mesma aula sobre avaliação, destacando a própria

plurissignificação do tema e as diversas manifestações de abordagens. Vê-se a

importância de se chegar a algum lugar, ainda que não seja o mesmo.

A avaliação como tema da educação é complexa, estudamos bastante para chegarmos a um denominador comum porque cada tema há muitos teóricos para estudar e analisar. (aluno-2)

A negação da ênfase na discussão sobre a importância que a escola atribui ao

conhecimento científico é contestada pela aluna na aula de observação da

pesquisadora.

Favorece o desenvolvimento da capacidade do paciente (aluno) de propiciar-se de conhecimento científico, sociais e tecnológicos levando-o a ter pedagocídio, baixa-estima e uma possível evasão escolar. Tendo como efeito colateral um ato não dinâmico, sem qualificação e momento de inovação (Alina T-1)

Enunciado rico na problemática estabelecida na aula da disciplina Avaliação da

Aprendizagem. Não às potencialidades, às competências, já que cada um ocupa

lugares diferentes de objetivação, parece ser uma preocupação também recorrente.

Não generalizar o conhecimento do aluno, pois cada um aprende de forma diferente. Cuidado com a avaliação por relação quantitativa que bloqueia e

129

traumatiza o aluno. A avaliação punitiva traz indicação de dor de cabeça, mau humor e evasão ao aluno. Bom é o aluno ser estimulado com desafio e não com elogio (aluno T-1).

Sendo o conhecimento trançado nas vozes que se ouvem em outra aula da

disciplina Avaliação da Aprendizagem, uma aluna continua a problemática do tema:

Eu acho que a auto-avaliação vai avaliar mais ou menos o que o aluno aprendeu durante aquele instrumento usado, leitura e etc. Só que além de avaliar o aluno ele vai se auto-avaliar o que ele aprendeu e também avaliar a parte dele, a parte cognitiva, do pensamento dela desorganizado de quando ele entrou na escola e o que ele foi adquirindo a partir dos conteúdos, o que ele foi capaz de aprender, passar do conhecimento desorganizado para esse conhecimento crítico, mais completo. (aluno T-7)

Na disciplina Currículos e programas II, outra voz trata do tema, mesmo não sendo

previsto no conteúdo programático, porém, recorrente ao contexto abordado:

Eu não vejo avaliação como um mal necessário, eu vejo a avaliação como processo, faz parte do processo, processo de trabalho, processo de vida. O mal é avaliar de maneira errada. Faz parte da vida (aluna T-8)

È importante destacar, nessas vozes que se entrecruzam, como os/as alunos/as vão

tecendo relações que estabelecem uma ética da avaliação e apontam para a

politização de tema, desvelada, segundo eles, pela ótica da complexidade. O

“pedagocídio” aparece como uma tentativa de diagnose dos males de uma avaliação

estratificada e cristalizada em valores obsoletos. A grande preocupação desses

enunciados está ligada a algo bem mais complexo que é, de fato, a complexidade da

construção do conhecimento e que permeia todas as atividades educacionais. O

tema da avaliação aparece como suporte para reflexão que destaca muitos outros

elementos como currículo e conhecimento em rede.

Na disciplina Currículos e programas II, outra voz trata do tema em análise da

prática pedagógica da professora/pesquisadora:

Neste sentido o cotidiano escolar, desafia ao próprio ambiente com normas e desvios, reconhecendo a existência da diversidade, significa que os vários conhecimentos não são formas aceitáveis para atingir um verdadeiro conhecimento (professora T-8)

130

Outra aluna se pronuncia na mesma disciplina, tentando dialogar com discursos

outros do cancioneiro popular, na tentativa de demonstrar de forma artística e de

protesto que as representações existem. Tratou-se de um trabalho de grupo

apresentado na disciplina Avaliação da aprendizagem, cujo tema foi

exclusão/inclusão.

CIDADÃO

Ta vendo aquele edifício moço? Eu também trabalhei lá Foi um tempo de aflição Era quatro condução Duas pra ir, duas pra voltar. Hoje depois dele pronto Olho pra cima e fico tonto Mas me vem um cidadão Que me diz desconfiado Tu taí admirado ou ta querendo roubar Meu domingo ta perdido Vou pra casa entristecido Dá vontade de beber E pra aliviar o meu tédio Eu nem posso olhar pro Prédio que eu ajudei a fazer. Ta vendo aquele colégio moço Eu também trabalhei lá Lá eu quase arrebento Pus a massa, pus cimento Ajudei a rebocar Vem pra mim toda contente

Pai vou me matricular Mas me diz um cidadão Criança de pés no chão

Aqui não pode estudar...

Sabe-se que não se cria e não se aprende a partir do nada; que o conhecimento é

individual e coletivo, advindo de experiências e aprendizagens pré-existentes. O

conhecimento é sempre produzido pelo pré-construído, e mais, é dinâmico,

processual, contínuo, transformação e recriação. Como afirma Souza (2003:259):

transformação e recriação que são significados, que adquirem sentido, também, no

próprio cotidiano de existências sociais e culturais vivenciados.

O trabalho em grupo alcançou uma hegemonia dentro das práticas pedagógicas por

questões bastante óbvias no respeitante à socialização do pensamento e do

131

conhecimento. Esse trabalho grupal que pode ser associado a um coletivo

necessário à reconstrução de práticas sociais e solidárias, reflete nos discursos, da

seguinte maneira:

É difícil fazer um trabalho em conjunto. (aluna T-2)

Quando eu trabalho em grupo, quando a avaliação é feita em grupo eu cresço também como cidadão, porque eu vou socializar o meu aprendizado. (aluna T-2)

A inclusão dá-se em um determinado grupo ou numa diversidade. O grupo, na

escola, é pensado enquanto meio de ação e execução, redefinindo expectativas,

desempenhos, prazeres, uma tentativa de socialização. Pensar em grupo é pensar

em interações. Um contexto que se apresenta, após tudo o que se disse até o

momento, está ligado à problemática do grupo e seus cotidianos nas atividades da

escola. Nessas atividades, a interação permite o diálogo entre redes, estabelecendo

novos conhecimentos, novas ações e recriações. Pelos enunciados, temando sobre

a questão, nem sempre os grupos cumprem a sua função dentro da escola. O

trabalho em grupo vem sendo muito questionado.

Percebe-se, nos diversos enunciados, um diálogo privilegiado – em detrimento do

poder-saber que exclui e estigmatiza – com as novas tendências que verificam que o

currículo está ligado à identidade e à subjetividade como local privilegiado de

encontros e contradições entre modelos culturais ou enunciações culturais.

São perceptíveis, também, nos enunciados, a quebra de silenciamentos impostos

pela prescrição, a tentativa de inversão do estabelecido institucionalmente, a

invasão por outras vozes, da voz supostamente una detentora do poder

determinante de sempre ocupar o espaço do saber mediante a estrutura disciplinar.

7.5 O CONTEXTO DA IDENTIDADE :

Imediatamente, como bem vincula Bhabha, dois vocábulos existem em

reciprocidade. Intrínseca às discussões sobre diferença, abre-se um espaço para

atrair as questões sobre a identidade, um dos temas fundamentais para se pensar a

132

cultura. Aqui adotamos espaços T4, T10, T12; T13; dado à relevância do tema

entende ser necessário à inserção das várias vozes que tecem a identidade.

Não é porque nós quatro vamos ser formados numa mesma turma, que vamos ter o mesmo modelo de pedagogas, cada uma vai ser uma pedagoga de acordo com sua autonomia, de acordo com aquilo que eu aprendi, de acordo com o que eu vou produzir, de acordo com o que eu pesquisei (aluna T-4)

O que significa ser bom, o que significa ser carinhoso, o que significa amar o próximo, o que significa respeitar as diferenças? Tem essa questão da homossexualidade, como é que você pode conviver com a pessoa respeitando a pessoa que ela é, sendo o que ela é mesmo você não concordando com aquilo mas é possível se conviver com uma pessoa ela sendo algo que você não concorda mas você ao mesmo tempo respeitar aquilo, a posição dela, então a escola trabalha isso também e eu tenho achado isso muito interessante, eu acho que é assim que se forma a identidade do indivíduo.O currículo está sendo trabalhado nesse sentido, então cada conteúdo que é dado na questão de ciências, geografia, português, essas coisas, quando tem uma brecha então o professor lembra os valores, lembra o projeto que está sendo trabalhado. (aluno T-10)

Construção de identidade numa perspectiva da diferença com uma análise dentro da questão do poder, se eu vou dizer que as identidades são construídas, então eu já estou dizendo que elas não são fixas (professora T-10)

Todo mundo lá, nós podemos analisar não com a presença física das raças, das etnias, mais esse todo mundo lá vai mais além, a diversidade, a cultura, o pensamento. (aluna T-12)

Vivemos um momento de imenso debate sobre a questão da identidade. Até mesmo

as políticas afirmativas deixam por conta do próprio indivíduo a indicação de sua cor,

para o ingresso na universidade pelo sistema de cotas. Pensa-se, com isso, em

contribuir para a auto-afirmação dos afrodescendentes.

Inevitavelmente, esta pesquisa nos levaria a enfrentar o problemático tema da

identidade, já que suas hipóteses estão fortemente ligadas aos estudos culturais.

Nas narrativas dos/as atores/as comparece, também de forma contundente e

impositiva, essa discussão. Ora ligada à questão racial, sexual, regional ou ora

caracterizando o próprio espaço petrolinense da faculdade, os enunciados procuram

argumentar positivamente ao encontro de uma educação ou de uma sociedade que

considere a identidade dos sujeitos ou grupos.

133

Tratar de identidade significa gerar esforços para uma nova recontextualização e

emancipação, considerando-se os novos paradigmas, a pós-modernidade, a nova

subjetividade e as imposições imprescindíveis acarretadas pelos estudos das

identidades.

É muito importante ressaltar que os enunciados falam de identidade muitas vezes

referenciando a diferença. É certo que alguns pensam, como Souza (2000:259) que

vivemos em uma sociedade multiétnica que deve garantir o direito à pluralidade e às

diferenças, para recuperar a memória plural, a origem e desenvolvimento

miscigenado e híbrido, o orgulho de uma experiência cultural miscigenada, mesmo

que etnicamente possamos não apresentar traços de hibridismo porque

culturalmente percebemos e acreditamos com base em valores culturais de vários

povos. Muitos, entretanto, discordam, em suas falas, de que somos já, desde o

nascimento, no Brasil, híbridos na nossa maneira de pensar, agir e crer.

Está muito presente nas narrativas, a forma como Santos (1999:135) entende a

questão. Não existe identidade porque as identificações são plurais e determinadas

pela obsessão da diferença e pela hierarquia dessas diferenças. Bhabha (1998) por

sua vez, afirma que cada vez mais, o tema da diferença cultural emerge em

momentos de crise social, e as questões de identidade que ele traz à tona são

agonísticos; a identidade é reivindicada a partir de uma posição de marginalidade ou

em uma tentativa de ganhar o centro: em ambos os sentidos, excêntricos.

Algumas falas contemplam esse contexto, mas a discussão sobre identidade na sala

de aula requer, sem dúvida, uma melhor elaboração. Exige-se, porém, quase como

militância, ou como necessidade primordial, a determinação da identidade sobre

todos os processos respeitantes à educação.

Enunciados muito expressivos colocam a questão de como a diferença vem sendo

apresentada e interpretada dentro da sala de aula, em uma das práticas

pedagógicas da professora/pesquisadora.

134

Pegando o gancho de Márcia, eu quero saber como é que a escola, o currículo da escola, como é que nós, enquanto professores, temos trabalhado essas diferenças? Quando ela fala que já houve uma discussão aqui sobre a questão da homossexualidade, como é que nós no currículo temos lidado com essas diferenças para que o aluno construa a sua identidade? (aluno T-10)

Sobre esse contexto há relatos muito importantes para demonstrar como as

questões das diferenças estão presentes no dia-a-dia da escola. São relatos

coletados, em diferentes espaços, mas que se cruzam em cadeamentos:

Professores devem observar se realmente o meu sobrinho tem esse jeito. Ela havia notado que ele tinha algum jeito, quer dizer, nesse momento a professora, como ela me contou, percebeu, ela já estava dispensando qualquer possibilidade da criança ter uma manifestação afeminada, quer dizer, ela rejeitava isso, a opinião dela, a posição foi de quem já rejeitava isso porque ela achou que os colegas já evitavam, e se fosse realmente uma realidade do aluno dela? Se ele realmente tivesse vivendo esse conflito de identidade sexual? Se ele tivesse tendo manifestações afeminadas? (aluno T 10)

Tem uma fala de um livro que eu tava lendo de Fábio Vieira onde ele coloca que tem que romper com esse pensamento de que diferente é deficiente ou até que a diferença não é deficiência, que nós costumamos ver a diferença como deficiência e não é deficiência, é diferença, só isso. (professora T-7)

No seminário no Curso de História o contexto também se faz presente:

Quando ele fala da questão da paz, fica difícil você pregar a paz quando, na verdade, lhe impõem a guerra e, infelizmente, a luta contra o racismo tem que ser nesse jeito ainda, em forma de guerra, porque não dá pra você trabalhar uma paz, que paz você tem quando você chega no seu trabalho e o cara vai lá, te corrige de tal forma, você ficou em paz ainda? Continuou em paz? Então como eu vou ter uma paz de igualdade quando me pregam a diferença? E não vamos ser iguais em terra nenhuma, nós vamos sempre ser diferentes, é uma questão de aceitação, é uma questão de discutir, é uma questão do ser mesmo, da compreensão e do seu eu, eu sou o que sou, você é o que você é, mas nós vamos ser sempre diferentes, não vai existir a igualdade, podemos combater a discriminação racial, agora iguais não vamos ser nunca porque não existe esse tipo de igualdade. (membro do grupo dos quilombolas T14)

São falas que imprimem a convicção de que não estamos sozinhos, mas tentando

estabelecer conexões entre sujeitos e entre objetos, procurando dar conta de

conhecimentos, de aproximações, de poderes, de práticas discursivas, de formações

culturais e de uma visão social ampla que nos permite todo um cuntinuum de

significações tecidas em enunciados que querem, à sua maneira, avaliar práticas

exclusivas e desvelá-las. Estão aqui contempladas, nessas falas, as mais diversas

questões envolvendo objetos dos estudos culturais e a sua inserção, ainda que

transversalmente, no grande diálogo em sala de aula.

135

A identidade coloca também a problemática da exclusão. São vozes demonstrando

preocupação com o tema, nas práticas pedagógicas em sala de aula:

E a terceira que ela coloca construção de uma avaliação democrática imersa numa

pedagogia da inclusão, o que está mais presente no texto dela é a questão da inclusão, que a avaliação vem funcionando num processo excludente. (professora T-8)

Muitas vezes o próprio professor em sala de aula é preconceituoso sim, a gente

acha que, eu concordo que é uma questão da cultura que muitas vezes é bonitinha você dizer: não, mas eu sou uma pessoa que eu tenho consciência de que essa manifestação é uma forma também cultural. (aluna T-10)

Na nossa escola já tem, assim as escolas em geral elas discriminam muito a

questão do índio, em todas as instituições há a discriminação dos índios, não se respeita sua cultura como já foi também comentado aqui, não tem respeito o índio é excluído da escola. (aluna T-11)

E a diferença é maior ainda quando a gente vai olhar pro lado feminino, é que a

diferença é grande, aonde é que a mulher negra trabalha? (VOZES) ariando panela não é? Aonde é que a mulher branca trabalha? Aí vem a questão, vem a questão: vamos olhar uma coisa hoje, só pegando esse...(aluno T-14)

A identidade, a diferença e a exclusão participam, via os estudos culturais ou

exclusivamente sociológicos, lado a lado, implicados, das discussões sobre a

escola. São debates polêmicos que atraem estudos da sociedade, de grupos

políticos, de concepções de educação. É o conceito de diversidade que procura

amenizar posições excludentes. São os chamados movimentos sociais que

fomentam criticamente as denúncias contra a discriminação.

A questão da exclusão, ligada ao estranho, não é própria das minorias e está muitas

vezes ligada ao bloqueio do novo que não deve entrar no mundo (Bhabha,

2003:312). Diz ainda o autor que é muito fácil ver os discursos da minoria como

sintomas da condição pós-moderna, se considerar que as posições de minorias

encenam a forma simbólica de auto-identificação, representada através da

fragmentação e oclusão da soberania do “eu”, embora, nos enunciados dos/as

alunos/as, palestrando, os/as atores/as-enunciadores/as estejam incluídos na

exclusão.

136

É pertinente destacar que os sujeitos empíricos se têm como senhores de seus

próprios enunciados, abandonando as posições do simplesmente livresco, atraindo o

próprio senso comum, o cotidiano, as experiências vividas: as discriminações são

coisas que estão impregnadas na escola, na família, na rua e na sala de aula, como

adverte o enunciado.

7.6 O CONTEXTO PARADIGMÁTICOS:

A reivindicação de novas práticas aponta para uma nova escola, sustentada sobre

nova maneira de pensar a vida, o homem e a sociedade. É assim que surgem aquilo

denominado como novos paradigmas. As discussões sobre esse algo que se

apresenta como uma outra forma de pensar, que vai além do pensamento logicista

cartesiano e positivista, está contemplado nas falas dos alunos:

São decorrentes desse tema tantos outros temas como conhecimento e poder.

Ouçamos as vozes:

Estamos vivendo mudança de paradigma. (professora T-3) A questão da ideologia que todo muito pensa, que todas as pessoas reproduzem os mesmos gestos de sair na rua como passa na televisão, e a gente pensou assim, essa capacidade de não refletir, é de uma pessoa que não consegue ter uma idéia própria, que não consegue ter uma reflexão critica da sua realidade, isso aí a gente pensou é uma coisa que não tem na pós-modernidade, pelo menos a pós-modernidade já pensa um pouco a pessoa como alguém que é capaz de pensar, e a educação mesmo que não tenha dado grandes passos, nós temos discussões que já podem ser consideradas avanços, então já podemos considerar que nós somos mais ou menos pessoas criticas, se não sobre pós-modernidade eu não sei, mais a gente já consegui fazer uma ligação desse tipo. (aluna T-9).

Tem um texto que diz, e eu discordo, que a pós-modernidade nega toda a

modernidade, eu acho que não, a pós-modernidade surgi como instrumento de analise, eu entendo que a modernidades surgir como uma razão fixa, única, que não combate à fome, a sede, então a pós-modernidade surgi como instrumento de analise, se você afirma que a pós-modernidade nega tudo da modernidade então tudo aquilo que foi feito tem que ser desconsiderado, penso que não, se não você vai volta para a modernidade. (aluna T-9).

Em uma apresentação de trabalhos de grupo na disciplina em análise, as alunas

tecem um dialogo entre os dois paradigmas. São conteúdos previstos na disciplina

Currículos e programas:

137

Busco minha identidade dentro das minhas reflexões como: desconfio do progresso, será que ele é um mal necessário? (aluna T-13)

Não sou mais um homem, sou a dúvida em pessoa, não tenho certezas em minha

mente, contido não reclamo, melhor assim que viver enganado e até disseminando mentiras para os outros, inculcando nos outros a escuridão para suas vidas.isso fizeram e fazem ainda as metanarrativas, com interesse ou não, propunham verdades generalizantes, universais e sobre qualquer assunto. (Aluna T-13)

Catástrofes e todas as espécies de crise – identidade, poder, familiar, social, sexual,

educacional, científica, econômica - têm sido associadas ou surgem como o marco

de um novo momento histórico. Aliem-se a esses fatos os embates entre culturas,

como causas de conflitos e as outras transformações no campo da cultura e do

conhecimento científico ou não. Mesmo que não possa mensurar cientificamente tais

motores, o senso comum não cessa de afirmar que o mundo está mudado ou em

mudança, como percebendo que a modernidade entrou em contradição com o seu

próprio projeto, abrindo espaço para um novo tempo, um novo sujeito e novas

relações sociais.

Nos enunciados acima, articulados pelos/as alunos/as, percebe-se que a mudança

de realidade provocou revisões no discurso, ou mesmo que se transformaram

realidade e discurso. Esses enunciados permitem examinar o problema que nos

dispusemos a estudar. O processo de tessitura de identidade não fixa em cultura

hegemônica, porém, subverte-a e desestabiliza-a, impedindo qualquer fixação.

Nesta abordagem, o mundo social não está dividido para privilegiar, rompendo com

as estruturas de oposições binárias, que sempre centram em torno de duas classes

polarizadas. Observa que o homem deixa de ser o centro de tudo (sujeito

cartesiano) a partir do entendimento do seu descentramento onde a certeza é

substituída pela dúvida. Seu recolhimento apresenta-se como forma de resistência

às contradições postas pelo poder do pensamento hegemônico, abrindo

possibilidades de entrelugares: deslocamento que transita por territórios culturais

diferentes, um movimento do ir e vir, exigindo novas significações.

138

Existem, de fato, todas as dúvidas sobre a mudança de paradigmas e, inclusive,

atropelos visíveis quanto ao seu entendimento. Mas o que deve ser algo de especial

atenção é que existe um espaço pavimentado para trocas, diálogos e ações. A

vaquinha vitória é iconizada para a interpretação do novo tempo. Por sua vez, a

questão cultural aparece, além da abordagem teórica e analítica, como “sentimento”.

O cotidiano do curso, segundo, também, nossas próprias observações, demonstra a

complexa rede de interações que abre também para o encontro com culturas

híbridas e desconhecidas. Todo o discurso desconstrói os argumentos de exclusão a

partir das verdades universais, sendo o conhecimento em redes o balizador desse

enunciado do currículo, momento em que o cotidiano rompe com a rotina e se torna

um lócus de análise e intervenção.

Na teia desses novos paradigmas que entremeiam as discussões na sala de aula no

Curso de Pedagogia e no seminário do curso de História, um dos conceitos basilares

dessa nova análise é entre-lugar:

Pra começar, eu queria fazer assim, eu queria fazer uma regressão, com fazem na Yoga. Todo mundo vai fechar os olhos, todos sentados, posição ereta, respire, vamos fazer regressão, só que não vamos voltar pra o útero da mãe, a gente vai voltar a muitos anos atrás. Fechem os olhos e a gente vai fazer uma viagem ao nosso passado. (membro do grupo dos Quilombolas T-14)

E aí a gente, negócio de voltar não existe, nós temos que construir nossa luta aqui

e aí eu fiquei assim, pôxa, quer dizer que eu sou discriminado aqui, se eu voltar pra lá, então onde é que eu fico? No meio do Oceano Atlântico? Lembrou-me essa história, acabou com essa idéia minha de querer voltar pra África imediatamente, vim construir a liberdade aqui mesmo. (membro do grupo dos Quilombolas T 14)

O lugar da subjetividade não é esse daqui que impõe a exclusão, nem é o de lá, que

não é mais o mesmo, porque os sujeitos também não o são. O espaço, como o

próprio enunciado coloca é o da liberdade “aqui mesmo”, este lugar permeado por

tantos outros onde as enunciações culturais se façam presentes. Essa última fala vai

de encontro às falas que defendem a África-aqui, ou seja, desfaz as outras falas –

ligando as teses da pós-modernidade e “entre-lugar”.

139

Os estudos com os cotidianos acontecem em meio ao que está sendo feito.

Expressam o entremeado das relações das redes cotidianas, nos diferentes

espaços, tempos vividos pelos sujeitos cotidianos. Acontecem nos processos de

tessitura e contaminação dessas redes. A não-fixidez, essa condição espacial, o não

estar em lugar nenhum, tudo isso vem contribuir, nas práticas da escola, para se

pensar sobre as diversas interrogações que afligem os/as atores/as em suas

experiências com a realidade. Implicitamente, nas falas, a cultura acaba por orientar

os enunciados.

Pensar o cotidiano é atuar no território do interstício, do entrelugar, ou seja, nesse

cotidiano. O gosto de aventura de abrir espaço para a realidade, para situações,

criações e recriações, de experimentar no entrelugar das formas híbridas,

complexas e miscigenadas do próprio cotidiano.

O entrelugar é o do hibridismo dos conhecimentos no cotidiano da existência

humana. Hibridismo que tece teias de significações e impede que se estabeleçam

padrões culturais fixos e estáveis. Deve-se considerar a complexidade do saber e as

inúmeras modalidades de se estabelecer relações com esse saber.

7.7 O CONTEXTO DO HIBRIDISMO

Alguns enunciados colocam-se em redes de significações e interpretações com o

pensamento híbrido nos espaços:

Essa questão de você dizer: ah, sou descendente negro porque minha cor, minha pele é negra, tal, mais marrom, tal, aquela questão toda, mas veja bem, minha família é misturada, caramba, eu tenho gente de todo tipo, tenho índios em minha família, tenho brancos em minha família, eu tenho primos do olho verde, então como Bob Marley dizia, o meu pai era um almirante da escola inglesa, branco, minha mãe era uma negra, por que eu vou discriminar um ou outro? Não posso, não tem nem como, então eu não posso tomar partido de um lado, discriminando um, e deixar o outro lado, eu tenho que mais pregar o que? (aluno T-14)

O cotidiano é prenhe de zonas fronteiriças, redes em que as significações

interagem, abrindo possibilidades de entrelugares: deslocamentos que realizam

140

estranhamentos, como uma ponte que nos leva a transitar por territórios culturais

diferentes, realizando uma estranha tessitura de caminhar: aqui e lá, de todos os

lados para lá e para cá, para frente e para trás num movimento de ir e vir, no

território do inter, nos invadindo e nos desnorteando, provocando, distanciando do

familiar e exigindo novas significações, como compreende Bhabha. Os enunciados

destacados estão dispersos no híbrido em sentido literal, mas conseguem avançar

para uma tendência constitutiva do entrelugar. Nem isso, nem aquilo, parecem ser o

pensamento que norteia a avaliação ou mesmo as formas de se pensar a

identidade. Nem certos, nem errados, apenas maneiras de ver aquilo que é o real,

mas que pode também ser criada.

141

8-INCONCLUSO

A importância dos estudos sobre Currículo e Estudos Culturais vai se configurando

no reconhecimento de que esses serão sempre analisados a partir dos espaços que

vão sendo tecidos, que se abrem para diferentes interpretações, pois permitem a

compreensão dos escritos no/do cotidiano, tecidos nas vozes presentes neste

espaço prenhe de surpresas e de dúvidas.

Nos diversos processos desenvolvidos em salas de aulas ligados ao conhecimento,

às vivências individuais em experiências coletivas, os enunciados que se

apresentaram e se doaram de forma voluntária e aleatoriamente, deram voz a esta

pesquisa, contribuindo para que possamos perceber que aquilo que denominamos

complexidade já se instalou dentro das salas de aulas, não de maneira

institucionalizada, mas em parte constitutiva, ao menos, nos diversos discursos

dos/as alunos/as por uma necessidade de expressarem as suas angústias e

contribuições. Trata-se de vozes que, mesmo equivocadas diante daquilo que

tomamos como raciocínio lógico ou lógico semântico, apontam para a proliferação

de sentidos, para a heterogeneidade, para a tessitura de algo que pode ser

chamado de realidade.

No tocante ao currículo, constatamos, a partir deste estudo, que o currículo da FFPP

é tecido nas práticas discursivas, não se reduzindo apenas à sala de aula, mas na

amplitude do cotidiano. Sendo assim, a vivência do currículo contribui na tessitura da

identidade, dada a partir da sua dimensão nesse cotidiano – nas falas, nos

encontros, nas vozes de sala de aula e no contexto como um todo. Neste sentido,

reiteramos que o conhecimento é tecido em rede.

O trabalho foi iniciado traçando um contexto histórico da problemática do estudo,

abrindo mão das idéias totalizadoras ou universais, como nos sugerem os autores:

Bhabha e Boaventura. O desafio que se coloca é que devemos lidar com os

enunciados que irão expressar a tessitura de identidade.

142

Nos diferentes discursos, encontramos atores que transformam o espaçotempo a si

próprio e as práticas de percepção de um cotidiano vividos na arte de inventar.

Caberia observar, principalmente, que não existe cotidiano, mas cotidianos. O

processo de tecer o conhecimento em redes questiona o modelo do conhecimento

em árvore, provocando revisões na tessitura do currículo. Nesse sentido, é no

cotidiano que se desenvolvem práticas específicas. Este cotidiano não é constituído

de indivíduos passivos, simplesmente assujeitados por práticas disciplinadas.

No tocante à cultura, percebemos que esta deve ser encarada como domínio

hermenêutico, tecida sobre múltiplas interpretações. As culturas são discursos e

evocam sentidos. São, sobretudo, significações. Uma cultura percebida, implícita e

desvelada pela dinamicidade, na multiplicidade suscita novas produções dos

sentidos.

A cultura ordinária oculta uma diversidade fundamental de situações, interesses e

contextos, sob a repetição oponente dos objetos de que se serve. A pluralização

nasce do uso ordinário, daquela reserva imensa constituída pelo número e pela

multiplicidade das diferenças. Uma das mais recentes tendências quanto aos

estudos curriculares é a de ligar o tema às questões culturais. Os Estudos Culturais,

que tiveram sua origem na Inglaterra, vêm influenciando significativamente a

questão do currículo, como se ressaltou acima. É pertinente, portanto, o que

afirmam Moreira & Silva (1994). A cultura é o terreno em que se enfrentam

diferentes e conflitantes concepções de vida social, é aquilo pelo qual se luta e não

aquilo que recebemos.

Chegamos, então, àquilo que se discute como sendo os Estudos Culturais na

atualidade, um espaço para o qual converge a tessitura de seus sentidos,

constituídos de interesses sociais e políticos diversos, em lutas travadas nos dias

atuais. Silva, (1995) ao identificar as dimensões de tais estudos e seus diversos

efeitos, defende uma discussão relacionada à sua história intelectual, sem

definições, filiações, afinidades e sem futuro.

143

Os Estudos Culturais têm sido vistos como uma espécie de processo, uma alquimia

para produzir conhecimento útil sobre o amplo domínio da cultura humana. Trata-se,

agora, de uma alquimia que se aproveita dos muitos campos principais de teoria das

últimas décadas, desde o marxismo e o feminismo até a psicanálise, o pós-

estruturalismo e o pós-modernismo. Afirma, ainda, que sua metodologia deve ser

entendida como uma bricolagem. A metodologia que escolhi pode fornecer

importantes insights e conhecimentos.(Silva, 1995:10)

Essas vozes outras trazem, à tona, a idéia de uma escola múltipla e que privilegie a

discussão sobre a cultura porque é esse o substantivo que tudo amplia e tudo

sintetiza. São vozes que reivindicam e que resistem em torno de uma compreensão

ampla da complexidade e da variedade do mundo, como afirma Boaventura.

As questões sobre a cultura e, mais especificamente, sobre a tessitura da identidade

cultural, atravessam todos os enunciados, naquilo que os estudos culturais colocam

como a cultura não da pobreza – essa não é assumida e contra a mesma as falas

demonstram resistências – mas da sobrevivência, que inverte a percepção cultural,

traz a idéia de ação, de intervenção, de criatividade, de coragem, de cooperação, de

solidariedade, de enfrentamento. Algo produzido nos entrelugares e que, por uma

questão também de sobrevivência, hibridiza-se com a emergência do imediato, com

os múltiplos contextos, com os demais discursos que lhe dão sentido. Não é

perceptível apenas e implicitamente o local da cultura nordestina, ribeirinha,

caatingueira, mas, explicitamente, o local dos enfrentamentos e das resistências

frente ao sistema senhor da cultura.

Os enunciados que vislumbram essa nova análise colocam, com muita propriedade,

a compreensão de que o currículo tem de considerar os espaços cotidianos, a

hibridação, a complexidade dos processos da produção de sentidos numa sociedade

que deve ser solidária, mas que precisa se ver enquanto diversidade, diferença e

cujas ações devem destacar práticas identitárias.

144

Nenhuma das vozes presentes, nesse trabalho, é uma voz individual, pois elas só

foram compreendidas, integrando-se ao caso complexo das outras vozes já

presentes. Isso é verdadeiro não apenas para essa pesquisa, mas também para

todo discurso e conduziu ao esboço de uma nova interpretação da cultura: a cultura

é composta de discursos que retêm a memória coletiva. Memória em tessitura,

afirmamos:

Os enunciados, em seus diálogos incessantes com os outros, livrescos ou não, na

relação orgânica entre os seus vários aspectos, funcionaram como um elo verbal de

uma determinada esfera da comunicação verbal, fronteiras determinadas muitas

vezes pela alternância dos sujeitos falantes, jamais indiferentes uns aos outros,

refletindo-se mutuamente, reflexão que determina o caráter.

Tratam-se de enunciados envolvidos pelas lembranças de outros enunciados, elos

do diálogo, quer como resposta, réplica, refutação, confirmação ou para completá-

los, basear-se neles, instaurando a heterogeneidade, o hibridismo, as diferenças ou

identidades, em torno de referencialidades e sentidos constitutivos de todo

enunciado. Aquilo que poderia ser chamado de tema (Bakhtin) e sobre os quais,

ainda que involutariamente, os enunciados aparentemente se dirigem. Trata-se, na

verdade o todo do enunciado como um ato discursivo que está direcionado ao tema,

não à palavra, frase ou ao período. A significação, elemento abstrato igual a si

mesmo, é absorvida pelo tema e dilacerada por suas contradições vivas, para

retornar, enfim, sob a forma de uma nova significação com uma estabilidade e uma

identidade igualmente provisórias.

Nesse sentido, podemos falar de enunciados ou falas, e não de temas que

aprisionariam o nosso entendimento e limitariam a integralização interpretativa. Mas,

as falas dizem por si, entre si, muito mais que qualquer hierarquização temática ou

metodológica. Como não ouvir as vozes? Após longa jornada pelos cotidianos da

faculdade de Petrolina, ecos de falas justificam o fazer da educação e o nosso fazer

pesquisa?

145

REFERÊNCIAS

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