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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
CENTRO DE CIÊNCIAS
DEPARTAMENTO DE FÍSICA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FÍSICA
GELSON LUIZ CLEMENTE RODRIGUES
TRANSIÇÕES DE FASE NO MULTIFERRÓICO Bi5FeTi3O15 INVESTIGADAS POR
ESPECTROSCOPIA VIBRACIONAL
FORTALEZA
2015
i
GELSON LUIZ CLEMENTE RODRIGUES
TRANSIÇÕES DE FASE NO MULTIFERRÓICO Bi5FeTi3O15 INVESTIGADAS POR
ESPECTROSCOPIA VIBRACIONAL
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Física, do
Centro de Ciências da Universidade Federal
do Ceará, como requisito parcial para
obtenção do Título de Mestre em Física, área
de concentração: Investigação
espectroscópica de Materiais Multiferróicos.
Orientador: Prof. Dr. Alejandro Pedro
Ayala.
FORTALEZA
2015
iv
Dedico este trabalho ao meu filho Samuel,
minha esposa Roseli e a todos os amigos e
familiares que acreditaram e contribuíram
para a realização deste trabalho.
v
AGRADECIMENTOS
Agradecer a todos que colaboraram em minha jornada de uma só vez até que é fácil,
mas agradecer individualmente, já se torna uma tarefa mais árdua, pois o risco de cometer
injustiças ou esquecer alguém é grande. Mas como tenho que fazê-lo, começo agradecendo a
Deus pela minha vida, por tudo que tenho e por ter colocado pessoas formidáveis em meu
percurso, que sempre me ajudaram no que fosse necessário.
À minha esposa Roseli pelo amor, paciência, dedicação, companheirismo e por ter
aceitado o desafio de cuidar de tudo praticamente sozinha durante todo esse tempo.
Ao meu filho Samuel pelas alegrias e por me dar motivos suficientes para jamais desistir
e sempre ir em frente.
À minha mãe Francisca Clemente e meu irmão (compadre) Delson Rodrigues pela
imensurável ajuda à minha esposa nos cuidados com meu filho durante todo esse período.
Ao professor Alejandro Pedro Ayala por ter aceitado o desafio de me orientar sem ao
menos me conhecer, pela paciência, pela orientação objetiva e pelo incentivo, enfatizando
sempre a independência que o pesquisador deve ter em seu trabalho.
Ao professor Dr. Pierre Basílio Almeida Fechine, membro da banca examinadora, por
aceitar participar da avaliação e correção deste trabalho e, por ter cedido as amostras utilizadas
neste estudo.
À professora, componente desta banca examinadora, Dra. Gardênia de Sousa Pinheiro
por ter aceitado participar da avaliação e correção deste trabalho.
Ao professor Dr. José Alves de Lima Junior pela contribuição neste trabalho.
Ao amigo André Aguiar por sintetizar as amostras e dividir comigo o aprendizado e as
dificuldades a respeito do material objeto de nossa pesquisa.
Ao amigo Bruno Sousa por ter compartilhado de seu aprendizado sobre a utilização dos
equipamentos do laboratório, mostrando sempre a maneira mais eficaz de usá-los.
Aos amigos Manuela Castro, Jéssica Fonseca, Silmara Alves, Yara Santiago, Laura
Vidal, Luciana Nogueira, Fábio Medeiros, Felipe Campelo, David Hermann, Samuel Morais
pelas conversas, desabafos e momentos de descontração.
vi
Aos amigos Keilla Façanha, Nailson Vasconcelos, Rodrigo Almeida, Antônio Sousa
(Raul), Stanley Oliveira pela companhia diária, pela amizade e por terem trazido um pouco do
Piauí para o Ceará. Sem vocês por perto, as coisas seriam bem mais difíceis.
Às amigas Evânia Carvalho e Maria Vieira pelo apoio e incentivo.
Aos amigos da família Nascimento pelo apoio durante toda minha jornada.
Ao amigo Benedito Gledson pela ajuda, incentivo e apoio durante esta etapa da minha
vida.
Ao amigo Danilo Borges por ter me estendido a mão quando cheguei nesta cidade até
então desconhecida.
À amiga Jarma Aragão por facilitar minhas viagens para que eu pudesse ver minha
família.
Ao meu amigo Ricardo Duarte pela força, incentivo, conselhos dados, mesmo após o
término da graduação.
A todos os professores e profissionais do Departamento de Física da UFC pelo bom
trabalho realizado e pelas condições cedidas para que este projeto pudesse se concretizar.
Aos demais colegas de uma forma geral por todo apoio oferecido.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo apoio
financeiro.
vii
RESUMO
No presente trabalho investigamos as propriedades do composto multiferróico Bi5FeTi3O15
(BFTO) em função da temperatura e pressão através das técnicas de espectroscopia Raman e
infravermelho (IR). Os modos Raman observados em baixa frequência estão relacionados com
os átomos de Bi no sítio A. Os modos em alta frequência estão relacionados à deformação e
estiramento dos octaedros (Ti/Fe)O6. A análise do espectro a baixas temperaturas mostrou que
os modos não apresentam mudanças em seu comportamento exceto por uma tendência a
degenerescência apresentada pelo material devido à agitação térmica. Também foi possível
observar que o antiferromagnetismo é estável e mantido pela interação spin-fônon. O espectro
Raman em função de altas temperaturas mostrou divergência em relação aos resultados
reportados na literatura anteriormente, bem como uma transição de fase intermediária por volta
de 800 K evidenciada pelo comportamento soft mode do modo em 27cm-1. Os espectros Raman
em função da pressão sugerem que o BFTO sofre transições de fase em torno 1,0 GPa, 2,0 GPa,
3,0 GPa, 7,5 GPa e 10,5 GPa.
Palavras chave: Espectroscopia Raman, Transições de fase, Multiferróicos, Fase Aurivillius.
viii
ABSTRACT
In this work we investigate the properties of the multiferroic compound Bi5FeTi3O15 (BFTO)
as a function of temperature and pressure using Raman and infrared (IR) spectroscopy. The
Raman modes observed show that the low-frequency bands are related to the Bi atoms in A
sites. The high-frequency modes are related to the bending and stretching of the (Ti/Fe)O6
octahedra. The analysis of the low-temperature spectra showed that the modes do not present
changes in their behavior except for a tendency to degeneration due to thermal agitation. Also,
it was possible to observe that the antiferromagnetism is stable and maintained by a spin-phonon
interaction. The Raman spectra at high-temperatures showed deviation in relation to the results
reported in the literature and an intermediate phase transition around 800 K as evidenced by a
soft mode behavior of the mode at 27 cm-1. The Raman spectra as a function of pressure suggest
that BFTO undergoes phase transitions around 1.0 GPa, 2.0 GPa, 3.0 GPa, 7.5 GPa and 10.5
GPa.
Key words: Raman spectroscopy, phase transitions, multiferroic, Aurivillius phase.
ix
ÍNDICE DE FIGURAS
Figura 1: Ciclo de histerese dos três ordenamentos. .................................................................. 3
Figura 2: Estrutura na fase Aurivillius. Figura retirada da referência [63]. ................................ 2
Figura 3: Estrutura cristalina do BFTO. Figura retirada e adaptada da referência [49]. ............ 4
Figura 4: Processo de Síntese do BFTO. .................................................................................... 7
Figura 5: Espectrômetro FT-IR VERTEX 70v – Bruker. .......................................................... 8
Figura 6: Esquema do sistema de análise de refletância especular. ........................................... 9
Figura 7: Criostato de Nitrogênio VPF-amostra em váculo (JANIS). ....................................... 9
Figura 8: Espectrômetro Raman Triplo T64000 – Jobyn-Yvon (HORIBA) ............................ 11
Figura 9: Sistema de refrigeração de ciclo fechado de hélio: (a) visão completa do
equipamento, (b) detalhe da câmara de temperatura sem a tampa. .......................................... 12
Figura 10: Forno de fabricação própria usado para experimentos de espectroscopia Raman a
altas temperaturas. .................................................................................................................... 12
Figura 11: Capô, Corpo, Pistâo (Da esquerda para a direita) e Célula de Pressão montada
(parte inferior esquerda). .......................................................................................................... 13
Figura 12: Esquema de funcionamento da célula de pressão. .................................................. 14
Figura 13: Refinamento do BFTO ............................................................................................ 16
Figura 14: Gráfico de Williamson-Hall da amostra de BFTO. ................................................ 16
Figura 15: Espectro de refletância no infravermelho do BFTO na faixa de frequência entre 40
- 1000 cm-1. ............................................................................................................................... 19
Figura 16: Modos transversais ópticos 𝜔𝑇𝑂 e modos longitudinais ópticos 𝜔𝐿𝑂 do BFTO,
obtidos a partir das relações de Kramers-Kronig. .................................................................... 20
Figura 17: Espectros dos modos 𝜔𝑇𝑂 em função da temperatura. .......................................... 21
Figura 18: Ajuste dos modos 𝜔𝑇𝑂. .......................................................................................... 22
Figura 19: Espectros dos modos 𝜔𝐿𝑂 em função da temperatura. .......................................... 22
Figura 20: Ajuste dos modos 𝜔𝐿𝑂. .......................................................................................... 23
Figura 21: Espectro Raman normal (vermelho) e espectro Raman reduzido (preto) para o
BFTO. ....................................................................................................................................... 24
Figura 22: Região espectral compreendida entre 10cm-1 a 180 cm-1. ...................................... 26
Figura 23: Região espectral compreendida entre 180cm-1 a 450 cm-1. .................................... 26
Figura 24: Região espectral compreendida entre 450cm-1 a 1000 cm-1. .................................. 27
Figura 25: Evolução do espectro Raman do BFTO em função da temperatura. ...................... 27
x
Figura 26: Evolução térmica dos modos centrados em 68, 100 e 123 cm-1.............................. 29
Figura 27: Espectro Raman do BFTO em função de altas temperaturas.................................. 31
Figura 28: Comportamento típico de soft mode do modo centrado em 27 cm-1. ..................... 32
Figura 29: Comportamento dos modos situados abaixo de 200 cm-1 em função da temperatura.
.................................................................................................................................................. 33
Figura 30: Comportamento dos modos situados entre 200 cm-1 e 400 cm-1 em função da
temperatura. .............................................................................................................................. 34
Figura 31: Comportamento dos modos situados entre 400 cm-1 e 1000 cm-1 em função da
temperatura. .............................................................................................................................. 34
Figura 32: Espectros Raman em condições ambiente, obtidos antes e depois do processo de
compressão/descompressão. ..................................................................................................... 36
Figura 33: Espectro Raman em função da pressão para o BFTO na região de baixas
frequências. ............................................................................................................................... 38
Figura 34: Espectro Raman em função da pressão para o BFTO na região de frequências
médias. ...................................................................................................................................... 39
Figura 35: Espectro Raman em função da pressão para o BFTO na região de altas frequências.
.................................................................................................................................................. 40
Figura 36: Dependência com a pressão dos modos vibracionais do BFTO, na região de baixos
números de onda. ...................................................................................................................... 43
Figura 37: Dependência com a pressão dos modos vibracionais do BFTO, na região de 200 a
450 cm-1. ................................................................................................................................... 44
Figura 38: Dependência com a pressão dos modos vibracionais do BFTO, na região de 450 a
670 cm-1. ................................................................................................................................... 45
Figura 39: Dependência com a pressão dos modos vibracionais do BFTO, na região de 200 a
450 cm-1. ................................................................................................................................... 46
Figura 40: Transmissão de um filme fino com incidência não normal e suas respectivas
função 𝜀 e (1∕ ε ) em função de 𝜔. Figura retirada da referência [84]. ..................................... 64
xi
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 1
1.1 Multiferróicos .............................................................................................................. 3
1.2 Fase Aurivillius ............................................................................................................ 4
1.3 Bi5FeTi3O15 (BFTO) .................................................................................................... 3
2. PROCEDIMENTO EXPERIMENTAL .............................................................................. 6
2.1 Síntese do BFTO .......................................................................................................... 6
2.2 Difração de Raios-X .................................................................................................... 7
2.3 Experimentos de espectroscopia no Infravermelho ..................................................... 8
2.3.1 Experimentos de refletância no infravermelho ..................................................... 8
2.3.2 Experimentos de refletância no infravermelho a baixas temperaturas ................. 9
2.4 Espectroscopia Raman ............................................................................................... 10
2.4.1 Por que utilizar espectroscopia Raman? ............................................................. 10
2.4.2 Espectroscopia Raman sob condições ambientes ............................................... 11
2.4.3 Espectroscopia Raman em função da temperatura ............................................. 12
2.4.4 Espectroscopia Raman em função da pressão .................................................... 13
3. RESULTADOS E DISCUSSÕES .................................................................................... 15
3.1 Difração de Raios-X .................................................................................................. 15
3.2 Análise da teoria de grupos ........................................................................................ 17
3.3 Espectro de refletância no infravermelho à temperatura ambiente ............................ 19
3.4 Espectro de refletância no infravermelho em função da temperatura ........................ 21
3.5 Espectro Raman sob condições ambiente .................................................................. 23
3.6 Espectro Raman a baixas temperaturas...................................................................... 27
3.7 Espectro Raman a altas temperaturas ........................................................................ 31
3.8 Espectro Raman sob altas Pressões............................................................................ 35
4. CONCLUSÕES ................................................................................................................. 47
5. REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 50
xii
APÊNDICE A - Relação entre constantes ópticas, refletividade complexa e transformada de
Hilbert ....................................................................................................................................... 59
ANEXO A – Espectroscopia no infravermelho ....................................................................... 62
ANEXO B – Relações de Kramers-Kroning ............................................................................ 66
1
1. INTRODUÇÃO
A busca por dispositivos eletrônicos mais otimizados, principalmente os dispositivos de
armazenamento de dados, tem estimulado bastante o interesse de pesquisadores sobre o estudo
de novos materiais que possam apresentar duas ou mais propriedades físicas com forte potencial
tecnológico. Esses materiais, atualmente, são chamados de materiais multifuncionais ou
materiais ativos/inteligentes [1], e entre eles destacam-se os multiferróicos. O termo
“multiferróico” foi empregado por Schmid [2] e os materiais assim classificados são definidos
como aqueles que apresentam, na mesma fase estrutural, pelo menos duas propriedades
ferróicas [3]–[5]. Essas propriedades, juntamente com a ferroelasticidade, compõem as
propriedades ferróicas primárias e, podem aparecer de forma independente ou de forma
acoplada.
Entre os materiais que apresentam propriedades ferróicas primárias acopladas destacam-
se os magnetoelétricos, que exibem um acoplamento entre os ordenamentos magnético e
ferroelétrico [6]. Porém, devido à mútua exclusão destes ordenamentos, materiais
multiferróicos monofásicos tornam-se raros[6], [7]. Assim, dentre os multiferróicos, ganham
destaque os compostos da família Aurivillius tais como Bi8Fe4Ti3O24, Bi6Fe2Ti3O18 e
Bi5FeTi3O15 que apresentam simultaneamente ferroeletricidade e (anti)ferromagnetismo [8],
[9]. Esses compostos apresentam fórmula geral Bi2Am-1BmO3m+3 [10] e, estruturalmente, são
caracterizados por m camadas de (Bi2O2)2+ intercaladas por (m-1) camadas de perovskita,
(Am-1BmO3m+1)2-, onde m é um número inteiro, geralmente entre 1 e 5. De um modo geral a
posição A é tomada por um cátion monovalente, bivalente ou trivalente (Na+, Sr2+, Ba2+, Pb2+,
Ca2+, Bi3+, etc.), enquanto B, na maioria dos casos, é um metal de transição com uma
configuração d0, ou seja, B é um cátion tetravalente, pentavalente ou hexavalente (Ti4+, V5+,
Ta5+, Nb5+, Mo6+, W6+, etc.) e m representa a quantidade de camadas de perovskita contendo
octaedros BO6 entre as camadas de (Bi2O2)2+.
Além dos compostos da família Aurivillius, outros óxidos tais como BiFeO3 [11],
BiMnO3 [12], BiNiMnO6 [12], YMnO3 [13], TbMnO3 [14] apresentam a existência simultânea
dos ordenamentos ferroelétricos e (anti)ferromagnético e o acoplamento magnetoelétrico [7].
Tanto compostos da família Aurivillius como compostos pertencentes a outros tipos de
estruturas, podem ser estudados por meio de diversas técnicas experimentais, destacando-se
aquelas que utilizam as variáveis termodinâmicas (pressão e temperatura) como parâmetros.
2
Técnicas como espalhamento Raman, espectroscopia no infravermelho, difração de
raios-X, microscopia óptica, calorimetria, medidas dielétricas, etc., podem fornecer
informações importantes sobre a estrutura e possíveis transições de fases, que são de grande
relevância para a Física do Estado Sólido. Em particular, a espectroscopia Raman apresenta-se
como uma ferramenta muito útil no estudo das propriedades ferróicas dos materiais, seja em
condições normais, seja em condições extremas de pressão e temperatura. Por meio deste
recurso experimental, pode-se determinar a estrutura, transições de fase [15] e efeitos de
dopagem [16], [17] em cerâmicas e monocristais.
Dentre os materiais cerâmicos estudados através da espectroscopia Raman, o
Bi5FeTi3O15 (BFTO), pertencente à família Aurivillius, apresenta-se como multiferróico
promissor devido ao seu grande potencial para aplicações tecnológicas. Originado a partir da
combinação do óxido de ferro e bismuto, também chamada de ferrita de bismuto, BiFeO3 (BFO)
que apresenta estrutura perovskita com o ferroelétrico estruturado em camadas (BLSF –Bismuth
layer-structured ferroelectric) titanato de bismuto Bi4Ti3O12 (BTO) [18], o BFTO exibe
transições de fase por volta de 800 e 1003 K [19]. Kubel et al. [18] e Li et al. [20] identificaram
transições de fase com a variação da temperatura, e um ordenamento antiferromagnético (AFM)
foi identificado para a temperatura de Néel (TN) em 80 K [21]. Neste trabalho investigaremos
as propriedades do BFTO em função da temperatura e, uma vez que estudos dependentes da
pressão desta família de compostos são escassos [22]–[27], também estudaremos os efeitos da
variação da pressão hidrostática sobre sua estrutura cristalina por meio da técnica do
espalhamento Raman com o intuito de aumentar a compreensão a respeito de suas propriedades
físicas.
3
1.1 Multiferróicos
Materiais multiferróicos, como dito anteriormente, são definidos como aqueles que
apresentam, na mesma fase estrutural, pelo menos duas propriedades ferróicas [3]–[5]. O
prefixo “ferro” presente nestas três ordens “ferróicas” origina-se, historicamente, do ferro
(latim: ferrum) que exibe uma magnetização espontânea �⃗⃗� e que pode ser controlada por um
campo magnético externo aplicado. Da mesma forma, a polarização �⃗� de um ferroelétrico pode
ser ajustada por um campo elétrico externo e a deformação ferroelástica por uma tensão
mecânica aplicada. Em outras palavras, essas propriedades podem ser descritas por um
fenômeno conhecido por histerese. Um ciclo de histerese mostra como dois parâmetros estão
relacionados, como, por exemplo, a relação entre a tensão e o stress mecânico exibido por
materiais ferroelásticos [28]. Os ciclos de histerese dos três ordenamentos são mostrados na
Figura 1.
Essas propriedades podem aparecer de forma independente, o que caracteriza os
multiferróicos tipo I, ou podem vir acopladas entre si, o que identifica os multiferróicos tipo II
[4], [5], [29]. Os multiferróicos tipo I são os mais antigos e são encontrados em maior
quantidade. Normalmente, eles apresentam boa resposta ferroelétrica, com uma polarização
espontânea relativamente alta, porém o acoplamento entre a ferroeletricidade e o ordenamento
Figura 1: Ciclo de histerese dos três ordenamentos.
4
magnético se apresenta fraco, sendo que, em temperaturas mais elevadas, a ferroeletricidade se
faz mais presente do que o ordenamento magnético.
Já os multiferróicos tipo II só exibem a ferroeletricidade em um estado magneticamente
ordenado [29]. Entre eles, os magnetoelétricos ganham destaque por apresentarem acoplamento
entre as propriedades ferroelétrica e (anti)ferromagnética [29]. Esses materiais tem conquistado
notável atenção devido as mais diversas aplicações em dispositivos multifuncionais [7], [30],
como, por exemplo, a aplicação em dispositivos de armazenamento de dados, onde os mesmos
são gravados eletricamente e lidos magneticamente [4]. Essa possibilidade de manipular o
(anti)ferromagnetismo e a ferroeletricidade de um único composto por meio de um campo
elétrico ou magnético aplicado, nessa ordem, oferece muitas alternativas quanto ao seu emprego
em tecnologia [7], [31], [32]. Poucos materiais exibem a presença simultânea dos ordenamentos
ferroelétrico e (anti)ferromagnético e o acoplamento entre os mesmos [7]. Dentre estes
compostos, óxidos como BiFeO3 [7], [11], BiMnO3 [12], Bi2NiMnO6 [12], etc., e os que
apresentam estrutura do tipo Aurivillius também são reportados por exibirem essas
propriedades.
1.2 Fase Aurivillius
Óxidos à base de bismuto tiveram suas estruturas estudadas pela primeira vez em 1949
por Aurivillius [10]. A fórmula geral para estes compostos é dada por Bi2Am-1BmO3m+3 [10] e,
sua estrutura é formada por m camadas de (Bi2O2)2+ intercaladas por (m-1) camadas de
perovskita, (Am-1BmO3m+1)2-, onde m é um número inteiro compreendido entre 1 e 5. Um
exemplo é dado na Figura 2.
Nesses compostos a posição A é ocupada por um cátion monovalente, bivalente ou
trivalente (Na+, Sr2+, Ba2+, Pb2+, Ca2+, Bi3+, etc.) e, a posição B é ocupada por um metal de
transição com configuração d0, ou seja, a posição B é tomada por um cátion tetravalente,
pentavalente ou hexavalente (Ti4+, V5+, Ta5+, Nb5+, Mo6+, W6+, etc.) e, a quantidade de camadas
de perovskita contendo octaedros BO6 entre as camadas de (Bi2O2)2+ é representada por m.
Estes materiais são conhecidos como ferroelétricos de estrutura Aurivillius ou BLSFs (bismuth
layer-structured ferroeletrics) [33]. O PbBi2Nb2O9, descoberto por Smolenskii et al. [34], foi o
primeiro material estruturado em camadas de (Bi2O2)2+ a ser estudado. Anos depois, Subbarao
2
[35] listou uma certa quantidade de materiais na fase Aurivillius que exibiam ferroeletricidade
e que poderiam ter aplicações tecnológicas formidáveis, despertando assim, um grande
interesse dos pesquisadores por esse campo.
Uma explicação, baseada na estrutura, para justificar o grande número de compostos
ferroelétricos na fase Aurivillius foi proposta por Newnham et al. que postularam que a
polarização espontânea de compostos nessa fase se dá, em grande parte, devido ao
deslocamento dos cátions octaédricos (cátions B na estrutura geral) a partir da posição ideal
situada no centro dos octaedros de oxigênio [36]. Apesar de apontar uma explicação para a alta
taxa de materiais ferroelétricos na fase Aurivillius, o trabalho de Newnham et al. ficou obsoleto
mediante outro trabalho que sugeria uma estrutura revisada para o Bi3NbTiO9, onde Thompson
et al. concluíram que o deslocamento em Bi3+, em vez do deslocamento dos cátions octaédricos,
Figura 2: Estrutura na fase Aurivillius. Figura retirada da referência [63].
3
seria o maior responsável pelo comportamento ferroelétrico desses compostos [37].
Posteriormente, Thompson et al. mostraram que isso também acontecia em outros compostos
na fase Aurivillius, contrariando trabalhos anteriores [38]. Esses estudos explicam as sutis
distorções estruturais nesses óxidos, que são fatores determinantes dos ordenamentos
ferroelétricos, e são reforçados por pesquisas realizadas em perovskitas multiferróicas, tais
como BiMnO3 e BiFeO3, onde o comportamento ferroelétrico também se deve ao deslocamento
do cátion A [39].
Compostos na fase Aurivillius têm despertado bastante interesse em pesquisadores nos
últimos anos devido ao seu forte apelo tecnológico. Por se tratarem de multiferróicos
monofásicos, tornam-se muito propícios a aplicações em dispositivos de armazenamento de
dados [6], [40], pois estes materiais são raros devido a mútua exclusão dos ordenamentos [7],
[8]. Muitos materiais na fase Aurivillius ganharam destaque devido à presença simultânea dos
ordenamentos ferroelétrico e magnético, entre eles os compostos Bi8Fe4Ti3O24, Bi5FeTi3O15 e
Bi6Fe2Ti3O18 [9], [41]. Nestes compostos, as variações no número de camadas de bismuto e de
perovskita podem influenciar diretamente suas propriedades ferroelétricas. Dentre muitos
estudos realizados com o intuito de otimizar as propriedades destes compostos, aqueles que
utilizaram óxidos metálicos como dopantes obtiveram os melhores resultados [42].
1.3 Bi5FeTi3O15 (BFTO)
O Bi5FeTi3O15 (BFTO) é um membro da família de compostos com estrutura Aurivillius
que apresenta fórmula geral (Bi2O2)2+ (Am-1BmO3m+1)
2-, onde A = Bi, B = Ti/Fe e m = 4, onde m
representa o número de camadas com estrutura perovskita entre as camadas de Bi2O2 [10]. Este
composto pode ser considerado uma solução sólida do titanato de bismuto Bi4Ti3O12 (BTO)
com a ferrita de bismuto BiFeO3 (BFO) [43]. Pode-se obter compostos com 4, 5 e 8 camadas,
ou seja, Bi5FeTi3O15, Bi6Fe2Ti3O18 e Bi9Fe5Ti3O27, que exibem simultaneamente
ferroeletricidade e antiferromagnetismo, ao combinar um mol de BTO e m moles de BFO, com
m = 1, 2 e 5 [44]. O primeiro composto da solução é um ferroelétrico que apresenta estrutura
ortorrômbica, com grupo espacial Fmmm [45], também baseada em camadas, com 3 camadas
de (Bi2Ti3O10)2- entre duas camadas de (Bi2O2)
2+ [15] e, cujas propriedades físicas o tornam um
forte candidato em aplicações em altas temperaturas [46]. Já o segundo material apresenta uma
estrutura romboédrica distorcida com grupo espacial R3c (𝐶3𝑣6 ) [47], e é o multiferróico mais
4
estudado devido às suas propriedades magnéticas (antiferromagnetismo) e ferroelétricas a
temperatura ambiente [48].
O BFTO teve sua estrutura cristalina reportada pela primeira vez por Kubel e Schmid
que, a partir de dados obtidos por difração de raios-X em monocristais, propuseram que sua
estrutura pertence ao grupo espacial Fmm2 com 𝑎 ≈ 5,43 Å, 𝑏 ≈ 5,47 Å e 𝑐 ≈ 41,1Å, o que
corresponde a F 2mm na representação mais convencional para perovskitas em camadas, tendo
“c” como único eixo [18], [19]. Apesar de polar ao longo do eixo “a”, a alta simetria do grupo
espacial permite apenas deslocamentos ao longo do eixo “a” e nenhuma inclinação dos
octaedros BO6. No entanto, baixando a simetria para A21am (que pode ser considerada como
derivada a partir de uma fase arquetípica próxima do grupo espacial I4/mmm (𝐷4ℎ17)) e incluindo
o fato de que o ordenamento entre os cátions Fe3+ e Ti4+ é completamente aleatório, a inclinação
dos octaedros BO6 passa a ser permitida como se pode ver na Figura 3 [36], [37], [49]. Alguns
Figura 3: Estrutura cristalina do BFTO. Figura retirada e adaptada da referência [49].
5
estudos dão suporte à essa estrutura para o BFTO [50] e, outros tem reportado que esta simetria
é a ideal para ferroelétricos na fase Aurivillius com um número par de camadas perovskitas
[36].
Muitos estudos a respeito da transição de fase ferroelétrica (FE) nos compostos da família
Aurivillius com m ≤ 4 já foram realizados [20], evidenciando que estes materiais a altas
temperaturas apresentam simetria tetragonal (grupo espacial I4/mmm) porém, apresentando
simetrias em diferentes grupos espaciais quando resfriadas, A21am para compostos com um
número par de camadas e B2cb para compostos com um número ímpar de camadas [19], [36],
[49], [51], [52]. Compostos com número par de camadas, no que tange a transição FE, exibem
comportamento diferente em relação aos materiais com número ímpar de camadas. Enquanto
os primeiros apresentam uma única transição estrutural [36], [51], os últimos manifestam duas
transições [18], [36], [49], [52]. No caso do BFTO, a ferroeletricidade é exibida com
temperatura de Curie (TC) por volta de 1023 K e o ordenamento antiferromagnético (AFM)
com temperatura de Néel (TN) de aproximadamente 80 K [53]. Estudos utilizando
birrefringência sugeriram que duas transições de fases ocorrem no BFTO à temperaturas
próximas de 800 K e 1023 K com a seguinte sequência de fases: ferroelétrica ortorrômbica ↔
paraelétrica ortorrômbica ↔ paraelétrica tetragonal [18].
6
2. PROCEDIMENTO EXPERIMENTAL
2.1 Síntese do BFTO
As amostras de BFTO utilizadas neste estudo foram preparadas no laboratório GQMAT
(Grupo de Química dos Materiais) pelo aluno de mestrado em Química da Universidade Federal
do Ceará – UFC Francisco André Andrade de Aguiar sob a orientação do Professor Dr. Pierre
Basílio Almeida Fechine, através do método de reação no estado sólido, onde os óxidos
precursores constantes na Tabela 1, com elevado grau de pureza, são submetidos a um
tratamento térmico até a formação do pó cerâmico.
Tabela 1: Óxidos Precursores.
SÍMBOLO NOME PUREZA FABRICANTE
Bi2O3 Óxido de Bismuto 99,9 % Aldrich
Fe2O3 Óxido de Ferro 99 % Aldrich
Ti2O3 Óxido de Titaneo 99 % Dinâmica
Os óxidos foram misturados estequiometricamente e homogeneizados em um moinho
planetário Fritsch Pulverisette 6 com velocidade de rotação de 370 rpm durante 1 h. A moagem
foi realizada à temperatura ambiente num reator de aço inoxidável de volume 222 cm3, usando
10: 1 em percentagem de massa (esferas de aço inoxidável / óxidos precursores). Em seguida,
a mistura foi calcinada em um forno resistivo JUNG – LF0912, com taxa de aquecimento de
5°C/min até uma temperatura de 900°C, sob condições ambiente durante 1h. Após o
resfriamento, o pó de BFTO obtido foi misturado manualmente, com o auxílio de um almofariz
e um pistilo, a 5% em massa de álcool polivinílico (PVA) que consiste em um aglutinante
utilizado para reduzir a fragilidade das pastilhas a serem formadas.
Na sequência, usando uma prensa hidráulica uniaxial, o material obtido foi prensado em
pastilhas cilíndricas de 13 mm e 15mm de diâmetro sob pressão de 4 toneladas, as quais foram
submetidas à temperatura de sinterização a 900 ° C durante 1 h com taxa de aquecimento de
5°C /min. Este procedimento é utilizado, comumente, em trabalhos com materiais cerâmicos,
tanto no processo de calcinação para obtenção de fase, como no processo de sinterização [54].
O material obtido foi caracterizado através das técnicas de difração de raios X (DRX),
7
espectroscopia no infravermelho e espectroscopia Raman. O fluxograma apresentado na Figura
4 mostra o processo de produção do material.
2.2 Difração de Raios-X
Para analisar as fases do BFTO, utilizou-se um difratômetro para amostras
policristalinas modelo XPert Pro MPD – Panalytical equipado com tubo de CuK-α (λ =
1,5405Å), utilizando voltagem de 40kV sob corrente de 30mA. Para a realização das análises,
cada pastilha foi previamente macerada até a obtenção do pó cerâmico que, em seguida, foram
acomodados no porta amostra do difratômetro de raios-X. Os difratogramas foram coletados
em uma faixa de 10° - 90°, com passo de 0,02°.
Figura 4: Processo de Síntese do BFTO.
8
2.3 Experimentos de espectroscopia no Infravermelho
2.3.1 Experimentos de refletância no infravermelho
Os espectros de refletância do BFTO foram obtidos usando um espectrômetro
infravermelho evacuado por transformada de Fourier VERTEX 70v, da marca Bruker (Figura
5). As fontes utilizadas para obtenção de espectros na região do infravermelho distante (Far
infrared – FIR) e na região do infravermelho médio (Mid infrared – MIR), foram uma lâmpada
de vapor de mercúrio e uma fonte de Globar, respectivamente, munidos de detectores
piroelétricos DLaTGS para captação de sinais emitidos pela amostra. Uma fonte de laser HeNe
com comprimento de onda de 633 nm faz parte deste equipamento, o que possibilita a calibração
do caminho óptico do feixe infravermelho junto aos espelhos internos do espectrômetro.
Este aparelho trabalha com resolução de 4 cm-1 e divisor de feixe (beamspliter)
composto por silício que permite o uso em experimentos nas regiões do infravermelho médio e
distante. O uso do vácuo na obtenção dos espectros foi de fundamental importância, uma vez
que otimiza a sensibilidade do detector para picos na região do infravermelho distante (baixas
frequências), onde a radiação eletromagnética é sujeita a uma grande absorção pelo vapor de
água ou CO2 que pode provocar imperfeições no espectro obtido. Na Figura 6 é apresentado o
esquema do funcionamento do aparato de medidas de refletância especular, onde pode-se
Figura 5: Espectrômetro FT-IR VERTEX 70v – Bruker.
9
observar a posição do porta amostra em relação aos espelhos e o caminho óptico percorrido
pelos raios.
2.3.2 Experimentos de refletância no infravermelho a baixas temperaturas
Além do equipamento citado na seção anterior, também foi utilizado um criostato de
nitrogênio VPF - 100 da marca Janis, que opera temperaturas entre 77 K e 800 K (Figura 7).
Figura 7: Criostato de Nitrogênio VPF-amostra em váculo (JANIS).
Figura 6: Esquema do sistema de análise de refletância especular.
10
2.4 Espectroscopia Raman
Espalhamento e absorção são fenômenos resultantes da interação da radiação
eletromagnética com a matéria em um nível molecular. O processo de espalhamento pode ser
classificado como Rayleigh que ocorre quando a frequência espalhada possui o mesmo valor
da frequência da onda incidente. Quando a frequência da onda eletromagnética espalhada
possui frequência maior ou menor do que a frequência da onda incidente, tem-se o
espalhamento Raman. Esse fenômeno foi previsto por Smekal em 1923 e comprovado
experimentalmente por Raman em 1928. Até o fim da década de 50, os espectros Raman eram
obtidos por meio da radiação de 435,8 nm gerada por arcos de mercúrio para excitação de
espectros e espectrógrafos que usavam prismas como difratores e detectores [55].
No começo da década de 60, Porto e Wood utilizaram lasers pulsantes de rubi como
fonte de excitação dos espectros [56]. Em 1963, Porto e Kogelnik utilizaram um laser contínuo
com fonte de HeNe (632,8 nm) nas análises de espectroscopia Raman. E no fim da mesma
década, os lasers de Ar+ e Kr+ utilizados em espectrômetros Raman equipados com
monocromadores duplos ou triplos, se mostraram mais eficientes frente às técnicas anteriores.
Hoje em dia, espectrômetros Raman usam detectores multicanais, conhecidos como
dispositivos de carga acoplada (charge-couplede device – CCD), que permitem a obtenção de
espectros em instantes.
2.4.1 Por que utilizar espectroscopia Raman?
Como se sabe, tanto o espalhamento Raman quanto a refletância no infravermelho são
técnicas não destrutivas e atraentes que se complementam e que podem fornecer informações
valiosas sobre as vibrações da rede e as variações estruturais dos materiais estudados. Os
espectros de dispersão dos modos de vibração em diferentes frequências tornam-se importantes
ferramentas de medição para se investigar transições de fase [57]. Como não há muitas
exigências morfológicas para realização das medições, o espalhamento Raman é amplamente
utilizado para caracterizar bulks, filmes e materiais nanoestruturados.
Com base na análise espectral, o padrão dos modos pode ser explicado por variações de
frequência, intensidade e largura total à meia altura (full width half maximum – FWHM). Dessa
11
forma, a aplicação da espectroscopia Raman é aceitável na análise das vibrações de estruturas,
incluindo efeitos de deformação, texturas, etc. Além disso, como já foi dito anteriormente, por
meio deste recurso experimental pode-se determinar a estrutura, transições de fase [15], efeitos
de dopagem [16], [17] em cerâmicas e monocristais, e muitos outros fenômenos.
2.4.2 Espectroscopia Raman sob condições ambientes
Os experimentos de espalhamento Raman do BFTO foram realizadas utilizando-se um
espectrômetro Jobin-Yvon, modelo T64000, munido de um dispositivo de carga acoplada
(charge-coupled device – CCD) resfriada a nitrogênio líquido (Figura 8). Um laser de argônio
operando com 532 nm de comprimento de onda e 150 mW de potência. Por meio de um
microscópio OLYMPUS BX40, o feixe do laser foi focalizado, formando um spot de
aproximadamente 2 µm2 sobre a superfície da amostra. As fendas do espectrômetro foram
ajustadas para obter uma resolução de espectros da ordem de 2 cm-1.
Figura 8: Espectrômetro Raman Triplo T64000 – Jobyn-Yvon (HORIBA)
12
2.4.3 Espectroscopia Raman em função da temperatura
Para a realização dos experimentos Raman a baixas temperaturas foi utilizado um
sistema de refrigeração de ciclo fechado de hélio modelo CSA-202 da Air Products and
Chemicals (CGI), o qual foi ajustado por um controlador de temperatura do modelo Lakeshore
330, como mostrado na Figura 9.
Para os experimentos de espectroscopia Raman a altas temperaturas, foi utilizado um
forno de fabricação própria, como mostrado na Figura 10, automatizado por um controlador de
temperatura do tipo PID (proportional integral-differential).
Figura 9: Sistema de refrigeração de ciclo fechado de hélio: (a) visão completa do equipamento,
(b) detalhe da câmara de temperatura sem a tampa.
Figura 10: Forno de fabricação própria usado para experimentos de espectroscopia Raman a altas temperaturas.
13
2.4.4 Espectroscopia Raman em função da pressão
Para os experimentos sob altas pressões, além do aparato utilizado para as medidas sob
condições ambiente, foram utilizados uma célula de pressão (Diamond Anvil Cell) do tipo
membrana (MDAC) [58], diamantes com um culet de 400 µm de diâmetro e uma gaxeta com
orifício de 150 µm de diâmetro em aço inoxidável (200 nm de espessura pré-identada de 40nm)
e argônio como meio transmissor de pressão.
A Figura 11 exibe um esquema desta célula que é composta por três partes: capô, corpo
e pistão que estão dispostos da esquerda para a direita. Já a Figura 12 mostra um corte
transversal da mesma célula. Para se montar esse experimento, uma gaxeta foi colocada sobre
o diamante do corpo e em seguida foram inseridos o rubi e a amostra de BFTO no furo da
gaxeta. Na sequência, o pistão é colocado por cima e a célula é fechada torcendo-se o capô
sobre o pistão. Após o fechamento, a célula de pressão é inserida em uma câmara conectada a
uma bomba, a qual injeta gás na câmara de modo a preencher o furo da gaxeta e funcionar como
meio transmissor de pressão. Depois de injetado o gás, o capô é apertado mais um pouco para
evitar vazamento do gás. Em seguida, o gás é insuflado no capô fazendo com que a membrana
nele contida pressione o pistão contra o corpo da célula aumentando ainda mais a pressão sobre
a amostra.
Figura 11: Capô, Corpo, Pistâo (Da esquerda para a direita) e Célula de Pressão montada
(parte inferior esquerda).
14
Esse tipo de célula de pressão foi pioneira na França [59] e a membrana pode ser
preenchida com diversos gases como argônio, neônio, hélio entre outros. Uma das principais
vantagens desta célula está numa maior precisão no controle da pressão interna da mesma, uma
vez que tem-se um controle muito preciso da quantidade de gás que preenche a membrana. A
calibração da pressão no interior da câmara foi feita utilizando-se técnica da luminescência do
rubi (𝐴𝑙2𝑂3: 𝐶𝑟3+). Esta técnica foi inserida por Forman [60] que mostrou que as linhas 𝑅1 e 𝑅2
do Rubi deslocam-se de modo linear em função da pressão. A pressão em GPa no interior da
célula foi calculada com base na equação abaixo
𝑃(𝜔) =
𝜔𝑅𝑖 − 𝜔𝑅𝑖0
7,535, ( 1 )
onde 𝜔𝑅𝑖 é o número de onda (medido em cm-1) da respectiva linha 𝑅𝑖 em uma pressão 𝑃𝑖
qualquer e 𝜔𝑅𝑖0 é o número de onda da linha 𝑅𝑖 à pressão ambiente.
Assim, a calibração da pressão interna das câmaras é determinada pelas linhas de
emissão do fragmento de rubi que é colocado na gaxeta junto com a amostra e o meio
compressor no momento de montagem das câmaras. O meio compressor tem como principal
finalidade manter a amostra sobre pressão hidrostática, permitindo dessa forma que toda a
estrutura cristalina do material esteja submetida a mesma tensão.
Figura 12: Esquema de funcionamento da célula de pressão.
15
3. RESULTADOS E DISCUSSÕES
Os resultados obtidos para o BFTO a partir dos experimentos de DRX, refletância no
infravermelho e espalhamento Raman serão discutidos neste capítulo. Inicialmente,
apresentaremos os experimentos de difração de raios-X e na sequência os espectros de
refletância no infravermelho a temperatura ambiente e em função da temperatura. Logo após,
com base nos espectros obtidos por experimentos de espalhamento Raman, trataremos o
comportamento dos modos vibracionais do BFTO à temperatura ambiente, e também em função
da temperatura, com suas respectivas transições estruturais e mudanças de ordenamento,
finalizando com a análise do espectro sob o efeito de altas pressões hidrostáticas. Para realizar
a análise dos modos verificados, compararemos os modos obtidos com outros resultados
reportados em trabalhos sobre compostos na fase Aurivillius com o intuito de ampliar a
compreensão a respeito de suas propriedades físicas.
3.1 Difração de Raios-X
A caracterização do BFTO por DRX está apresentada na Figura 13. O refinamento foi
realizado pelo método de Rietveld com o auxílio dos programas “X’Pert High Score Plus” e
“DBWS tools”. O BFTO foi refinado utilizando o padrão de difração ICSD 74037, na qual
observou-se que o gráfico calculado se adequa ao gráfico observado.
Conforme o principal fator de qualidade do refinamento, representado por S(Rwp/Rexp),
goodness of fit, quanto mais próximo de 1 for este fator de qualidade, maior similaridade entre
o gráfico calculado e o observado. Nessas condições, o refinamento da amostra de BFTO
apresentou o valor de “S” igual a 1,43. Isso implica que a qualidade do refinamento foi
satisfatória. Já o tamanho do cristalino do material foi calculado pelo método de Sherrer,
obtendo-se como resultado aproximado 29,97 nm. A Tabela 2 descreve os dados do
refinamento.
Tabela 2: Dados do Refinamento
RWP REXP S Tamanho de cristalito por Sherrer Erro
22,46% 15,64% 1,43 29,97 nm ±1,2
17
O gráfico representado na Figura 14 foi plotado de acordo com a equação de
Williamson-Hall, visando calcular o tamanho do cristalito da amostra de BFTO e sua
microdeformação. Uma curvatura que se distancia bem do formato linear esperado foi
observada, o que impossibilitou o cálculo do tamanho de cristalito pelo coeficiente linear e a
microdeformação pelo coeficiente angular. Gráficos obtidos pelo modelo Williamson-Hall,
apresentando curvatura, revelam pouca significância geometricamente. O que se pode dele
concluir apenas é que a amostra possui tamanho de cristalito heterogêneo.
Uma comparação entre os dados cristalográficos obtidos no experimento de DRX e os
dados reportados na literatura estão presentes na Tabela 3.
Tabela 3: Dados cristalográficos obtidos para o Bi5FeTi3O15.
Elemento Simetria a (Å) b (Å) c (Å) Ref.
Fmm2 5,43 5,47 41,1 [18]
A21am 5,438 5,469 41,197 [49]
A21am 5,4406 5,4637 41,2626
3.2 Análise da teoria de grupos
O BFTO apresenta 24 átomos por molécula, 04 moléculas por célula unitária e pertence
ao grupo espacial 𝐴21𝑎𝑚 (𝐶2𝑣12), o que implica em dois pontos da rede por célula. Dessa forma,
de acordo com a tabela 7A da referência [61], pode-se ver que os sítios tem simetria 𝐶1 e 𝐶𝑠𝑦𝑧
dados por
∞[𝑏𝐶1(8)] + ∞[𝑎𝐶𝑠𝑦𝑧(4)]. ( 2 )
Ainda com base na referência [61], porém usando a tabela 7B, é possível definir a contribuição
de cada sítio na distribuição dos modos conforme mostrado na Tabela 4. A classificação dos
modos quanto a sua atividade (Raman, Infravermelho e acústico) foi realizada através da
plataforma Bilbao Crystallographic Server.
Assim, conforme a Tabela 4, 141 modos são Raman ativos, 136 são infravermelhos
ativos e 03 são acústicos. Dentre os 141 modos Raman ativos previstos pela teoria de grupo,
18
somente 20 puderam ser observados através do ajuste do espectro Raman obtido com funções
de Lorentz. A discrepância entre o número de modos previstos pela teoria de grupos e o número
de modos observados pode ser atribuída à distorção muito baixa da estrutura ortorrômbica (b/a
= 1,0054) em relação à estrutura tetragonal com grupo espacial I4/mmm (D4h17) e,
consequentemente, muitos modos que deveriam aparecer distintos, surgem mesclados
originando bandas mais largas [62].
Tabela 4: Distribuição dos modos normais de vibração para o BFTO à temperatura ambiente.
Átomo Sítio de Wyckoff Simetria Representações irredutíveis
Bi 4a Csyz
2A1 + A2 + B1 + 2B2
Bi 8b C1 3A1 + 3A2 + 3B1 + 3B2
Bi 8b C1 3A1 + 3A2 + 3B1 + 3B2
Ti/Fe 8b C1 3A1 + 3A2 + 3B1 + 3B2
Ti/Fe 8b C1 3A1 + 3A2 + 3B1 + 3B2
O 4a Csyz
2A1 + A2 + B1 + 2B2
O 8b C1 3A1 + 3A2 + 3B1 + 3B2
O 8b C1 3A1 + 3A2 + 3B1 + 3B2
O 8b C1 3A1 + 3A2 + 3B1 + 3B2
O 8b C1 3A1 + 3A2 + 3B1 + 3B2
O 8b C1 3A1 + 3A2 + 3B1 + 3B2
O 8b C1 3A1 + 3A2 + 3B1 + 3B2
O 8b C1 3A1 + 3A2 + 3B1 + 3B2
Total 37A1 + 35A2 + 35B1 + 37B2
Acústicos A1 + B1 + B2
Raman 36A1 + 35A2 + 34B1 + 36B2
Infravermelho 36A1 + 34B1 + 36B2
19
Vale ressaltar, como já foi dito anteriormente, que a distribuição dos cátions Fe3+ e Ti4+ é
completamente aleatória [49] e por isso considera-se que estes cátions ocupam o mesmo sítio
no cristal. Isso implica em um caso típico de desordem dos cátions nos octaedros da camada
perovskita. Um modo de resolver esse problema de ocupação é usar a aproximação do cristal
virtual (VCA) [63]. Sistemas que possuem desordem posicional podem ser tratados por este
modelo e ter o potencial calculado a partir da interação de átomos de dois ou mais elementos.
No caso do BFTO, tem-se 75 % de átomos de Ti e 25% de átomos de Fe desordenados sobre
o mesmo sítio, onde, para o qual pode-se assumir um único tipo de átomo “virtual” que é
caracterizado pelo raio e pela massa ponderada do Ti e Fe.
3.3 Espectro de refletância no infravermelho a temperatura ambiente
A Figura 15 mostra o espectro de refletância no infravermelho obtido para o BFTO à
temperatura ambiente, o qual exibe bandas de reflexão na faixa de frequência compreendida
entre 40 – 1000 cm-1. Os modos transversais ópticos 𝜔𝑇𝑂 e longitudinais ópticos 𝜔𝐿𝑂 foram
obtidos a partir das relações de Kramers-Kronig calculadas numericamente e são exibidos na
Figura 15: Espectro de refletância no infravermelho do BFTO na faixa de frequência
entre 40 - 1000 cm-1.
20
Figura 16. Através de ajustes com funções de Lorentz, foi possível observar 16 modos 𝜔𝐿𝑂 e
16 modos 𝜔𝑇𝑂.
Os modos 𝜔𝑇𝑂 estão centrados na região compreendida entre 90 e 835 cm-1 e os modos
𝜔𝐿𝑂 estão localizados entre 140 e 845 cm-1. O modo 𝜔𝐿𝑂 situado em torno de 145 cm-1 pode
ser associado com o movimento dos átomos de Bi3+, o modo 𝜔𝐿𝑂 localizado em torno de 275
cm-1 está relacionado ao bending do octaedro (Ti/Fe)O6, e o modo 𝜔𝑇𝑂 centrado em torno de
844 cm-1 está associado ao stretching do octaedro (Ti/Fe)O6 [64]. Estes dois últimos modos
podem ser relacionados aos modos Raman situados em 265 e 852 cm-1.
Figura 16: Modos transversais ópticos 𝜔𝑇𝑂 e modos longitudinais ópticos 𝜔𝐿𝑂 do BFTO, obtidos a
partir das relações de Kramers-Kronig.
21
3.4 Espectro de refletância no infravermelho em função da temperatura
As Figuras 17 a 20 mostram os espectros de refletância no infravermelho em função da
temperatura dividido nos modos 𝜔𝐿𝑂 e 𝜔𝑇𝑂 a partir de 80K até 300 K e seus respectivos ajustes.
Nenhuma mudança aparente foi observada no comportamento dos modos para esta faixa de
temperatura. Jiang et al. reportaram que os modos localizados em 146, 396 e 470 cm-1
apresentam tendência à degenerescência, associando-os à uma desordem das vibrações
atômicas com o aumento da temperatura, porém, neste trabalho, esse comportamento não foi
observado para os modos 𝜔𝐿𝑂 e 𝜔𝑇𝑂 próximos a esses valores de frequência. Ainda segundo
Jiang et al., esses modos surgem a partir da interação spin-fônon no ordenamento
antiferromagnético e desaparecem na fase paramagnética resultante da degeneração [65].
O modo 𝜔𝑇𝑂 situado em torno de 289 cm-1 diminui gradualmente sua intensidade com
a temperatura e ao atingir uma temperatura próxima de 200 K desaparece no espectro. Da
mesma forma, modo 𝜔𝐿𝑂 centrado em 547 cm-1 também passa pelo mesmo fenômeno. Neste
trabalho, nenhuma mudança aparente com a temperatura, exceto pelos modos supracitados, foi
observada, tanto nos modos 𝜔𝑇𝑂 como nos modos 𝜔𝐿𝑂.
Figura 17: Espectros dos modos 𝜔𝑇𝑂 em função da temperatura.
23
3.5 Espectro Raman sob condições ambiente
A Figura 21 mostra o experimento de espalhamento Raman realizada no BFTO, na
região espectral compreendida entre 12 cm-1 a 1100 cm-1, à temperatura ambiente. A fim de
melhorar a observação do espectro de fônons ativos no espalhamento Raman para o BFTO, foi
realizada a correção do fator de Bose-Einstein. Essa correção é realizada para eliminar a
contribuição do fator de população de Bose-Einstein a partir da intensidade do espectro Raman.
A redução da intensidade do espectro Raman é escrita como:
𝑅(𝜈) =
𝐼(𝜈)
[𝑛(𝜈) + 1] (3)
onde 𝐼(𝜈) corresponde a intensidade do espectro Raman e o fator de Bose-Einstein é dado por
𝑛(𝜈) =
1
𝑒ℏ𝜈𝑘𝑇 − 1
, (4)
Figura 20: Ajuste dos modos 𝜔𝐿𝑂.
24
onde 𝑘 e a constante de Boltzman e 𝑇 é a temperatura absoluta. Todos os espectros Raman do
BFTO apresentados a partir do espectro mostrado na Figura 21, serão mostrados com esta
correção.
Os modos de baixa frequência, compreendidos na região espectral abaixo de 200 cm-1
(Figura 22), estão relacionados às massas atômicas maiores [66]. Nesta região foi possível
observar nove modos vibracionais. O modo situado por volta de 63 cm-1 (𝐴1) origina-se do
estiramento (stretching) do íon Bi3+ na camada Bi2O2 e indica que a inserção do BFO na camada
perovskita não afeta as camadas de Bi2O2 [66]. Já os modos localizados em torno de 99 cm-1,
122 cm-1 e 146 cm-1 são relacionados ao deslocamento dos íons Bi3+ no sítio A na camada
perovskita [67], [68]. O modo situado em torno de 116 cm-1, também relacionado ao movimento
do íon Bi3+ no sítio A, pode ser constituído de simetrias 𝐴1, 𝐴2, 𝐵1 e 𝐵2 [66] e, como, para os
modos relacionados ao movimento no sítio A, este modo é o mais importante, pode-se concluir
que apenas os íons Bi3+ ocupam o sítio A, enquanto que em outros compostos como o
SrBi4Ti4O15, por exemplo, o sítio A é ocupado aleatoriamente por íons de Bi e Sr [69].
Já os modos situados acima de 200 cm-1 (Figura 23) são resultantes da deformação
(bending) e do estiramento (stretching) dos octaedros Ti/FeO6 [68]. Esses modos, provenientes
das vibrações internas destes octaedros, surgem devido ao fato da energia de ligação do
Figura 21: Espectro Raman normal (vermelho) e espectro Raman reduzido (preto) para o BFTO.
25
intragrupo dentro do octaedro Ti/FeO6 ser maior que a energia de ligação do intergrupo e/ou do
cristal [70]. A banda situada em torno de 264 cm-1 origina-se a partir da deformação (torsional
bending) do octaedro TiO6 e pode consistir em simetrias 𝐴1 ou 𝐴2 [71]. Os modos localizados
em 326 cm-1 e 348 cm-1 também estão relacionados ao octaedro TiO6 [66], [68]. O modo
localizado em torno de 459 cm-1 está relacionado à variação na distância das ligações entre os
átomos de Bi na camada Bi2O2 com os átomos de O no topo do bloco perovskita [64].
Um pico duplo é observado em 542 cm-1 e 569 cm-1, onde o modo situado em 542 cm-1
está relacionado ao octaedro TiO6 e o modo em 569 cm-1 origina-se do octaedro FeO6 pois como
o Fe possui maior massa atômica, o modo proveniente deste octaedro é deslocado para região
de menor número de onda [66]. O modo situado em torno de 704 cm-1 pode ser correlacionado
à vibração do octaedro FeO6 devido ao fato desta banda não ter sido observada em alguns óxidos
baseados em camadas de bismuto, tais como Bi4Ti3O12, SrBi4Ti4O15, CaBi4Ti4O15, PbBi4Ti4O15
[68], mas ter sido verificada em óxidos com camadas de bismuto que contém ferro, tais como
LaBi4FeTi3O15, YBi4FeTi3O15 e LaFeO3 e muitas outras perovskitas que possuem os íons
magnéticos Fe e Mn [69]. Além disso, este modo pode ser relacionado à redes de baixa simetria
como a ortorrômbica ou a romboédrica relaxada [72], [73]. Esse fato permite concluir que o
Fe entra na rede e ocupa o sítio B no BFTO [74]. O modo situado em 860 cm-1 (Figura 24)
surge devido ao estiramento simétrico, que é assinalado como um modo 𝐴1, do octaedro TiO6.
Este modo possui menor número de onda quando comparado ao de outras amostras, por
exemplo SrBi4Ti4O15 que apresenta o fônon deste octaedro em 865 cm-1. Isso ocorre devido ao
fato dos íons de Fe serem mais pesados que os íons de Ti, fazendo com que esse modo diminua
sua frequência indicando que o octaedro FeO6 é inserido no BTO com sucesso [75], [76].
Em suma, a análise de espalhamento Raman realizada sob condições ambiente revela
que os modos de baixa frequência situados abaixo de 200 cm-1 estão relacionados ao
deslocamento dos íons Bi3+ e que apenas estes ocupam espaço no sítio A. O BFO inserido na
camada perovskita não afeta as camadas Bi2O2. Os modos localizados acima de 200 cm-1 estão
relacionados ao bending e stretching dos octaedros Ti/FeO6 e que estes surgem devido às
vibrações internas destes octaedros. O menor número de onda do modo em 860 cm-1 quando
comparado com outras amostras (SrBi4Ti4O15) se dá devido ao fato dos íons de Fe serem mais
pesados que os íons de Ti, o que indica que o octaedro FeO6 é inserido no BTO com sucesso.
26
Figura 23: Região espectral compreendida entre 180cm-1 a 450 cm-1.
Figura 22: Região espectral compreendida entre 10cm-1 a 180 cm-1.
27
3.6 Espectro Raman a baixas temperaturas
Figura 25: Evolução do espectro Raman do BFTO em função da temperatura.
Figura 24: Região espectral compreendida entre 450cm-1 a 1000 cm-1.
28
Os experimentos de espalhamento Raman realizados no BFTO a baixas temperaturas são
apresentados na Figura 25. A amostra foi submetida a uma variação de temperatura a partir da
temperatura ambiente até 30 K. Como se pode notar os modos localizados em 265 cm-1 e 864
cm-1 não apresentam nenhuma mudança com a temperatura, o que pode indicar que os octaedros
(Ti/Fe)O6 podem não apresentar qualquer bending ou stretching em seu comportamento durante
a transição de fase magnética [77]. Estes e todos os demais modos não apresentam mudanças
aparentes em suas posições preferenciais, exceto por uma tendência a degenerescência devido
à expansão térmica, e por um pequeno deslocamento dos modos centrados em 63, 100 e 124
cm-1 relacionados com a vibração dos átomos de Bi. Estes deslocamentos não são suficientes
para comprovar uma transição de fase, pois a transição de fase magnética prevista para baixas
temperaturas é muito sutil para ser predita apenas por anomalias dos modos supracitados [64].
A evolução térmica dos modos centrados em 67, 100 e 123 cm-1 está presente na Figura
26. Este comportamento pode ser associado a expansão térmica da rede e à interação
anarmônica fônon-fônon [78]. Já o modo localizado em torno de 129 cm-1 em 30K
gradualmente se desloca para a região de menor número de onda com o aumento da
temperatura. Esse deslocamento se torna mais perceptível quando a temperatura começa a
ultrapassar 80K, e não pode ser explicado apenas pelo efeito da temperatura. Essa anomalia dos
modos pode ser explicada em termos da mudança da força de restauração, que é originada a
partir da modulação da troca de energia durante a reorientação do spin [79]. Essa troca de
energia origina-se, principalmente, a partir da interação de super troca do Fe-O-Fe.
Vale ressaltar que tanto o modo em 103 cm-1 como o modo em 129 cm-1 estão
relacionados ao movimento dos átomos de Bi no sitio A no bloco perovskita, o que pode indicar
que estes exercem grande influência na super troca entre os íons de Fe e seus vizinhos mais
próximos separados por átomos de oxigênio. A variação entre os átomos de Bi e O nas ligações
Fe-O-Fe resultam na inclinação dos octaedros Fe-O-Fe, que desfaz o ordenamento da interação
de super troca e causa a transição da fase antiferromagnética para paramagnética por volta de
80 K [64]. A inclinação do octaedro mostra que não é possível compreender a interação entre
o parâmetro de ordem magnética e a inclinação dos octaedros [80]. No entanto, a substituição
atômica no sitio A pode inclinar os octaedros FeO6 e com isso liberar a magnetização bloqueada
no ordenamento antiferromagnético, o que aumentaria suas propriedades magnéticas [81], [82].
Esse fenômeno pode indicar a possibilidade de acoplamento entre os parâmetros de ordem
magnética e ferroelétrica [64].
29
A ordem e a desordem da fase magnética têm diferentes interações com a
ferroeletricidade, o que pode resultar em diferentes dependências da temperatura dos átomos
de Bi. O modo situado em 29 cm-1 apresenta um comportamento típico de soft mode, o qual
será discutido nos resultados a altas temperaturas. Já o modo em 63 cm-1 é denotado como um
modo rígido [64]. A largura deste modo aumenta com o aumento da temperatura e permanece
inalterado acima de 80K, o que sugere que as vibrações dos íons de Bi na camada Bi2O2 são
insensíveis à temperatura na fase paramagnética [70]. Já o aumento da largura dos modos em
Figura 26: Evolução térmica dos modos centrados em 68, 100 e 123 cm-1.
30
129 e 104 cm-1 indica que os átomos de Bi no bloco perovskita podem ser perturbados
facilmente pela variação térmica.
O antiferromagnetismo é estável e sustentado pela interação spin-fônon em baixa
temperatura, enquanto que a perturbação térmica quebra o equilíbrio e dá origem a reorientação
do spin do momento magnético com o aumento da temperatura. A interação spin-fônon acopla
o ordenamento magnético (spin) com o estado vibracional da rede cristalina (fônon). O
comportamento característico desta interação é dado por uma anomalia na curva típica da
anarmonicidade dos fônons que, dependendo do seu comportamento, pode resultar numa
estabilização do ordenamento magnético que ocorre quando a frequência do fônon é reduzida,
ou pode resultar numa desestabilização do ordenamento magnético que acontece quando a
frequência do fônon aumenta. Dessa forma a interação spin-fônon pode estabilizar ou
desestabilizar o ordenamento magnético e com isso influenciar as propriedades magnéticas do
material. Assim, a evolução térmica dos modos pode ser explicada pela relação do ordenamento
magnético com a desordem da transição de fase [64].
O estudo do comportamento dos modos normais de vibração do BFTO a baixas
temperaturas demonstrou que praticamente todos modos observados não apresentam mudanças
com a temperatura, exceto por uma tendência à degenerescência devido a agitação térmica. Um
pequeno deslocamento dos modos em 67, 100 e 123 cm-1 foi observado e associado à expansão
térmica da rede e à interação anarmônica fônon-fônon. A ordem e a desordem da fase magnética
têm diferentes interações com a ferroeletricidade. O modo em 29 cm-1 apresenta um
comportamento típico de soft mode e o modo em 63 cm-1 pode ser denotado como um modo
rígido. O antiferromagnetismo é estável e mantido pela interação spin-fônon.
31
3.7 Espectro Raman a altas temperaturas
A Figura 27 exibe o comportamento do espectro Raman do BFTO a partir da
temperatura ambiente até 973 K. Além do alargamento dos modos com o aumento da
temperatura, nenhum outro fenômeno foi claramente verificado. Praticamente nenhum modo
apresenta mudanças em suas posições preferenciais, com exceção de alguns modos que exibem
variações sutis em seu comportamento, os quais serão discutidos a seguir.
O modo situado em torno de 27 cm-1 move-se gradualmente para região de menor
número de onda com o aumento da temperatura. Essa diminuição de frequência pode ser
explicada pela agitação térmica da rede [78] e prossegue até uma temperatura de 800 K
aproximadamente. A partir desta temperatura, o modo sofre um pequeno aumento em sua
frequência como mostrado na Figura 28 e em seguida começa a reduzir novamente até a
temperatura máxima alcançada. Esse é um comportamento típico de soft mode e pode ser
associado a instabilidades na estrutura, o que pode acarretar em transições de fase de primeira
ou segunda ordem [83].
Pode-se definir um soft mode como uma excitação coletiva na qual a frequência diminui
de forma anômala quando o ponto de transição é atingido [83]. Essa diminuição de frequência
Figura 27: Espectro Raman do BFTO em função de altas temperaturas.
32
(amolecimento) pode ocorrer quando a temperatura se aproxima da temperatura de transição,
tanto a partir de valores mais altos como a partir de valores menores de temperatura [83]. Ainda
considerando o modo em 27 cm-1 (soft mode), a transição que ocorre em 800 K pode ser
considerada de primeira ordem pois esta ocorre antes que a frequência seja capaz de ir a zero.
Some-se a isso o fato de que, para uma transição de segunda ordem, a frequência do soft mode
deveria desaparecer no ponto de transição, o que de fato não ocorre [83]. Esta transição presente
em 800 K é a mesma transição de fase intermediaria reportada por Jiang et al. [75]. A Figura
28 também traz a largura total à meia altura (full width at half maximum – FWHM) do modo
em 27 cm-1 que reforça a afirmação sobre a transição de fase. Nela é possível observar um
crescimento praticamente linear da largura da banda com a temperatura até 800 K, onde, a partir
desta, uma perca de continuidade é observada.
A Figura 29 mostra os modos situados na região espectral abaixo de 200 cm-1 com
exceção do modo em 27 cm-1, o qual já foi discutido anteriormente. Os modos situados em 41,
52, 63, 100, 116, 127 e 146 cm-1 praticamente não sofrem alterações em suas posições
preferenciais. Isso denota uma insensibilidade destes modos frente às mudanças de temperatura
devido ao fraco aumento da frequência. Vale ressaltar que os modos centrados em 100 cm-1 e
127 cm-1 apresentam comportamento diferente daquele reportado por Jiang et al. [75]. Eles
observaram um deslocamento gradual dos modos em 100 e 127 cm-1 para 79 e 103 cm-1,
Figura 28: Comportamento típico de soft mode do modo centrado em 27 cm-1.
33
respectivamente, com o aumento da temperatura, no entanto, esse comportamento não foi
observado neste trabalho. Além do comportamento observado para estes modos, Jiang et al.
também observaram uma diminuição da frequência no modo centrado em 260 cm-1, a qual seria
responsável pela transição de fase intermediária em 800 K, porém este comportamento também
não foi observado neste trabalho.
Os modos situados na região espectral compreendida entre 200 cm-1 e 1000 cm-1 são
mostrados nas Figura 30 e Figura 31. Os modos centrados entre 200 e 400 cm-1 também não
apresentam mudanças em seu comportamento com o aumento da temperatura. A única exceção
nesta região espectral está no modo centrado em torno de 355 cm-1, que diminui sua intensidade
gradativamente com a variação térmica e desaparece quando a temperatura atinge 900 K
aproximadamente. Os modos na região compreendida entre 400 e 1000 cm-1 também não
apresentam mudanças em suas posições preferenciais. Dessa forma, a única mudança
encontrada neste trabalho que evidencia uma transição de fase intermediaria em função da
temperatura é o comportamento do soft mode em 27 cm-1.
Figura 29: Comportamento dos modos situados abaixo de 200 cm-1 em função da temperatura.
34
Figura 30: Comportamento dos modos situados entre 200 cm-1 e 400 cm-1 em função da temperatura.
Figura 31: Comportamento dos modos situados entre 400 cm-1 e 1000 cm-1 em função da temperatura.
35
Com base nos experimentos de espectroscopia Raman a altas temperaturas, nenhuma
mudança aparente no comportamento dos modos foi observada. Os modos situados em 100,
127 e 260 cm-1 não apresentam o mesmo comportamento reportado por Jiang et al. [75]. No
trabalho apresentado por eles, estes modos deslocam-se para a região de menor número de onda
com a temperatura, o que implicaria em uma transição de fase intermediária em 800K. Porém,
esse comportamento não foi observado neste trabalho. A única evidência que revela uma
transição de fase intermediária em 800 K é o comportamento típico de soft mode do modo
localizado em torno de 27 cm-1.
3.8 Espectro Raman sob altas Pressões
Nesta seção serão apresentados os experimentos de espectroscopia Raman do BFTO
submetido a pressões de até 15,22 GPa. Mudanças relevantes foram observadas nos números
de modos, tanto nos modos de baixa frequência como nos de alta frequência, além de perdas de
continuidade nos gráficos do número de onda × pressão. Em geral, uma transição de fase pode
ser evidenciada por várias combinações no deslocamento dos modos e como se sabe, o
deslocamento dos átomos de Bi ao longo do eixo a está fortemente relacionado à
ferroeletricidade [19]. A partir da Figura 33 até a Figura 35 tem-se a evolução do espectro
Raman do BFTO em função da pressão. Como se pode observar, o alargamento dos modos,
assim como o deslocamento para regiões de maiores números de ondas são bastante nítidos.
Além disso, é possível notar o surgimento de novos modos, o desdobramento de alguns e o
desaparecimento de outros.
Nesta etapa da pesquisa, 22 modos puderam ser observados em toda a região espectral
medida. É possível notar deslocamentos dos picos para regiões de frequência maiores, e um
alargamento dos mesmos que ocorrem devido ao fato da pressão induzir um encurtamento das
ligações atômicas e uma distorção na rede. Este processo vai desde a pressão ambiente até a
pressão máxima atingida no experimento.
A Figura 32 apresenta os espectros Raman inicial em condições ambiente e o final
também nas mesmas condições. Ambos foram obtidos dentro da câmara de pressão, onde o
primeiro foi obtido antes e o segundo após o processo de compressão/descompressão. Pode-se
notar que os modos situados na região de baixas frequências, assim como os demais modos
36
voltam à configuração inicial, com algumas pequenas diferenças na intensidade, porém com as
mesmas posições na região espectral. Essa reversibilidade no processo
compressão/descompressão também pode ser vista a partir Figura 36 até a Figura 39, onde são
apresentados o comportamento dos fônons em função da pressão, onde os pontos em azul
indicam o processo de compressão e os pontos em vermelho indicam o processo de
descompressão.
O modo localizado em torno de 29 cm-1 à pressão ambiente sofre redução na sua
intensidade com o aumento da pressão e, ao ultrapassar 1,0 GPa, desaparece no espectro. Os
modos situados em 42 e 52 cm-1 se aproximam e, quando a pressão atinge um valor de,
aproximadamente, 3,0 GPa, formam um único modo em torno de 46 cm-1 que diminui sua
frequência até 39 cm-1 em 4,19 GPa e, em seguida, começa a aumentar sua frequência
novamente até alcançar 45 cm-1 em 6,0 GPa e se mantém constante até a pressão máxima
alcançada.
Figura 32: Espectros Raman em condições ambiente, obtidos antes e depois do processo de
compressão/descompressão.
37
O pico em 63 cm-1 relacionado ao stretching do íon de Bi3+ na camada de Bi2O2
permanece praticamente constante até 1,0 GPa, onde começa a se dividir em dois modos
distintos. O primeiro destes modos surge em 61 cm-1 e diminui um pouco sua frequência até 58
cm-1 e assim permanece até a pressão máxima atingida. Já o segundo modo surge em torno de
68 cm-1. Um modo próximo de 72 cm-1 surge quando a pressão alcança a marca de 3,0 GPa.
Este modo, juntamente com o modo situado em 68 cm-1 seguem constantes até a pressão chegar
a um valor próximo de 11,0 GPa onde, a partir desta pressão, sofrem um aumento abrupto em
suas frequências e passam a assinalar 70 cm-1 e 79 cm-1, respectivamente, mantendo esses
valores até 15,22 GPa.
Os próximos modos identificados estão relacionados ao movimento dos íons Bi3+. O
primeiro deles está situado próximo de 99 cm-1. Esse modo fica constante até a pressão atingir
1,0 GPa, e a partir de então se divide em dois modos, um em 95 cm-1 e outro em 105 cm-1, os
quais se mantém constantes até a 15,22 GPa, exceto pela intensidade que aumenta
gradativamente com o aumento da pressão. O modo em 116 cm-1 sofre apenas uma pequena
alteração em sua frequência com o aumento da pressão, assinalando 123 cm-1 ao atingir a
pressão final do experimento. O modo situado em 122 cm-1 tem sua intensidade ampliada até a
pressão atingir 1,0 GPa e após esse valor, fixa-se em 137 cm-1 até a última pressão alcançada
nos experimentos aumentando apenas sua intensidade. Já o modo centrado em 146 cm-1 amplia
sua intensidade gradativamente com o aumento da pressão e também aumenta sua frequência
até atingir 178 cm-1 em 15,22 GPa.
As observações realizadas nos modos situados na região de baixas frequências estão
presentes na Figura 35 e mostram que o BFTO sofre transições de fase em torno de 1,0 GPa
devido ao desaparecimento do modo situado em 29 cm-1 e ao desdobramento dos modos
localizados em 63 cm-1 e 99 cm-1. Também passa por transições em 3,0 GPa em virtude da fusão
dos modos centrados em 42 e 52 cm-1, e por causa do surgimento do modo em 72 cm-1. Além
destas transições, observou-se uma perda de continuidade dos modos situados em 68 e 72 cm-1
que, por volta 11,0 GPa, passam abruptamente para 70 e 79 cm-1, respectivamente.
41
Os modos observados na região espectral acima de 200 cm-1, provenientes das vibrações
internas (bending e stretching) dos octaedros Ti/FeO6, apresentam o primeiro pico centrado em
227 cm-1. Esse modo aumenta gradativamente sua frequência com o aumento da pressão até
atingir 246 cm-1 em 15,22 GPa. Os modos localizados em 265 cm-1 e 283 cm-1 à pressão
ambiente aproximam-se com o aumento da mesma e em torno de 2,0 GPa formam um único
modo localizado em 269 cm-1 que permanece constante até 10,0 GPa, onde divide-se novamente
em dois modos, um em 260 cm-1 e outro em 276 cm-1. Esses dois novos modos permanecem
com suas respectivas frequências até pressão máxima atingida no experimento. Já o modo
centrado em 326 cm-1 aumenta um pouco sua frequência com o aumento da pressão, e ao atingir
337 cm-1 em 1,0 GPa, permanece com esse valor até o final do experimento. O modo encontrado
em 348 cm-1 aumenta gradativamente sua frequência até 10,0 GPa, onde passa a formar um
único modo em 406 cm-1 com o modo que se situava incialmente em 390 cm-1, e que também
aumentou sua frequência com o aumento da pressão. Após a união desses modos em 406 cm-1,
a frequência continua a crescer com a pressão até atingir o valor final de 430 cm-1 em 15, 22
GPa.
Com o aumento da pressão, o modo situado em 490 cm-1 aumenta gradativamente sua
frequência, atingindo o valor de 553 cm-1 na pressão máxima alcançada. Da mesma forma, o
modo centrado em 542 cm-1 também aumenta sua frequência até a pressão próxima de 7,5 GPa,
onde seu valor assinala 595 cm-1, a partir desta pressão divide em dois modos, um localizado
em 590 cm-1 e outro em 605 cm-1. Esses dois modos continuam ampliando suas frequências
com o aumento da pressão atingindo 615 cm-1 e 632 cm-1, respectivamente. Um novo modo
centrado em 688 cm-1, aproximadamente, surge quando a pressão atinge cerca de 3,0 GPa e
aumenta sua frequência alcançando 744 cm-1 em 15,22 GPa. Já o modo, relacionado ao octaedro
FeO6, situado em 704 cm-1, à pressão ambiente, amplia sua frequência com o aumento da
pressão e chega a 793 cm-1 na pressão máxima atingida. A variação positiva na pressão induz
um aumento de frequência do modo situado em 810 cm-1 e, uma diminuição na intensidade
deste modo. Ao alcançar 11,5 GPa, o modo situado inicialmente em 810 cm-1, assinala 860 cm-
1 e devido à redução de sua intensidade, desaparece no espectro. Já o modo localizado em 859
cm-1 aumenta gradativamente sua frequência com o aumento da pressão e ao alcançar 15,22
GPa, assinala 923 cm-1. O comportamento dos modos está apresentado nas Figura 36 a 39 e
exibem a evolução dos mesmos em função da pressão, onde, como já foi dito antes, os pontos
em azul correspondem ao processo de compressão e os pontos em vermelho correspondem ao
processo de descompressão.
42
A análise do comportamento dos fônons na região de médias e altas frequências
confirmam algumas transições supracitadas e mostram outros valores de pressão em que o
BFTO também sofre transições de fase. Uma transição é observada por volta de 2,0 GPa,
denotada por uma junção em 269 cm-1 dos modos situados em 265 e 283 cm-1. Outra transição
foi evidenciada por volta de 10,5 GPa onde o modo que surgiu em 269 cm-1 desdobra-se em
dois modos, um em 260 e outro em 276 cm-1. Esta transição também é evidenciada pelos modos
situados em 348 e 390 cm-1 que se unem e formam um único modo em 406 cm-1. O BFTO
também passa por uma transição por volta de 7,5 GPa, onde o modo situado incialmente em
542 cm-1 aumenta sua frequência e ao atingir 595 cm-1 divide-se em dois modos, um em 590 e
outro em 605 cm-1. A transição citada anteriormente para a pressão de 3,0 GPa ganha reforço
pelo surgimento do modo em 688 cm-1. Da mesma maneira, a transição em torno de 10,5 GPa
também se evidencia pelo desaparecimento do modo em 810 cm-1.
43
Figura 36: Dependência com a pressão dos modos vibracionais do BFTO, na região de baixos
números de onda.
44
Figura 37: Dependência com a pressão dos modos vibracionais do BFTO, na região de 200 a 450 cm-1.
45
Figura 38: Dependência com a pressão dos modos vibracionais do BFTO, na região de 450 a 670 cm-1.
46
Figura 39: Dependência com a pressão dos modos vibracionais do BFTO, na região de 200 a 450 cm-1.
47
4. CONCLUSÕES
Materiais que apresentam duas ou mais propriedades físicas simultaneamente possuem
forte apelo tecnológico e tem despertado bastante o interesse de pesquisadores. Dentre estes
materiais, o multiferróico Bi5FeTi3O15 (BFTO) pertencente à família de compostos Aurivillius
ganha destaque por apresentar simultaneamente a ferroeletricidade e o (anti)ferromagnetismo.
Nos últimos anos, este composto tem sido objeto de estudo de muitos pesquisadores e suas
propriedades físicas o tornam um forte candidato para uso em tecnologia, como, por exemplo,
o uso em dispositivos de armazenamento de dados, onde os mesmos são gravados eletricamente
e lidos magneticamente. Muitas informações sobre suas propriedades físicas já foram obtidas,
no entanto, o mesmo ainda carece de mais estudos para que se tenha um total conhecimento de
suas potencialidades.
Estudos que aplicam as variáveis termodinâmicas (pressão e temperatura) ainda são
escassos para este material, o que abre um leque de possibilidades de experimentos a serem
realizados a fim de se obter mais informações sobre seu comportamento em condições extremas
de temperatura e pressão. Neste trabalho utilizou-se as técnicas de espalhamento Raman e
espectroscopia no infravermelho. O uso destas técnicas justifica-se pelo fato delas serem
mutuamente complementares, não invasivas e não destrutivas e por meio delas é possível obter
informações sobre a estrutura molecular e transições de fase. Além destas técnicas também se
fez uso da difração de raios-X nas amostras em pó antes da confecção das pastilhas.
A análise da difração de raios-X mostrou que o gráfico calculado concorda com o
gráfico observado. O valor de “S” foi de 1,43 indicando que o refinamento foi satisfatório. Além
disso, o tamanho médio do cristalito foi calculado pelo método de Sherrer, onde o resultado
aproximado indica 29,97 nm. Também se calculou o tamanho do cristalito pela equação de
Williamson-Hall, onde verificou-se que a amostra de BFTO possui tamanho de cristalito
heterogêneo.
O estudo do espectro Raman em condições ambiente revela que os modos de baixa
frequência situados abaixo de 200 cm-1 estão relacionados ao deslocamento dos íons Bi3+ e que
apenas estes ocupam espaço no sítio A. O BFO inserido na camada perovskita não afeta as
camadas Bi2O2. Os modos localizados acima de 200 cm-1 estão relacionados ao bending e
stretching dos octaedros Ti/FeO6 e que estes surgem devido às vibrações internas destes
octaedros. O menor número de onda do modo em 860 cm-1 quando comparado com outras
48
amostras (SrBi4Ti4O15) se dá devido ao fato dos íons de Fe serem mais pesados que os íons de
Ti, o que indica que o octaedro FeO6 é inserido no BTO com sucesso.
As medidas de espalhamento Raman a baixas temperaturas demonstraram que,
praticamente, todos modos observados não apresentam mudanças com a temperatura, exceto
por uma tendência à degenerescência devido a agitação térmica. Um pequeno deslocamento
dos modos em 67, 100 e 123 cm-1 foi observado e associado à expansão térmica da rede e à
interação anarmônica fônon-fônon. A ordem e a desordem da fase magnética têm diferentes
interações com a ferroeletricidade. O modo em 29 cm-1 apresenta um comportamento típico de
soft mode e o modo em 63 cm-1 pode ser denotado como um modo rígido. O
antiferromagnetismo é estável e mantido pela interação spin-fônon.
O espectro Raman a altas temperaturas não apresenta nenhuma mudança aparente no
comportamento dos modos. Os modos situados em 100, 127 e 260 cm-1 não apresentam o
mesmo comportamento reportado por Jiang et al [75]. No trabalho apresentado por eles, estes
modos deslocam-se para a região de menor número de onda com a temperatura, o que implicaria
em uma transição de fase intermediária em 800K. Porém, esse comportamento não foi
observado neste trabalho. A única evidência que revela uma transição de fase intermediária em
800 K é o comportamento típico de soft mode do modo localizado em torno de 27 cm-1.
Os resultados obtidos a altas pressões mostram que espectros Raman inicial em
condições ambiente e o final também nas mesmas condições, ambos obtidos dentro da câmara
de pressão, onde o primeiro foi obtido antes e o segundo após o processo de
compressão/descompressão, apresentam a mesma configuração. Pode-se notar que os modos
situados na região de baixas frequências, assim como os demais modos voltam a configuração
inicial, com algumas pequenas diferenças na intensidade, porém com as mesmas posições na
região espectral, indicando que o processo sofrido pelo BFTO é reversível.
Foram observadas transições de fase em torno de 1,0 GPa devido ao desaparecimento
do modo situado em 29 cm-1, ao desdobramento dos modos localizados em 63 cm-1 e 99 cm-1.
Uma transição é observada por volta de 2,0 GPa, denotada por uma junção em 269 cm-1 dos
modos situados em 265 e 283 cm-1. Também se verificou uma transição em 3,0 GPa em virtude
da fusão dos modos centrados em 42 e 52 cm-1, por causa do surgimento do modo em 72 cm-1
e também devido ao surgimento do modo em 688 cm-1. O BFTO também passa por uma
transição por volta de 7,5 GPa, onde o modo situado incialmente em 542 cm-1 aumenta sua
frequência e ao atingir 595 cm-1 divide-se em dois modos, um em 590 e outro em 605 cm-1.
49
Além destas transições, observou-se um perca de continuidade dos modos situados em
68 e 72 cm-1 que, por volta 10,5 GPa, passam abruptamente para 70 e 79 cm-1, respectivamente.
Esta mesma transição é evidenciada quando o modo que surgiu em 269 cm-1 desdobra-se em
dois modos, um em 260 e outro em 276 cm-1, e quando os modos situados em 348 e 390 cm-1
que se unem e formam um único modo em 406 cm-1. Esta transição também se evidencia pelo
desaparecimento do modo em 810 cm-1.
Assim, pode-se concluir que o BFTO passa por transições de fase em função da pressão
quando esta atinge valores em torno de 1,0 GPa, 2,0 GPa, 3,0 GPa, 7,5 GPA, e 10,5 GPa e que
estas transições são reversíveis quando se retorna as condições ambientes.
50
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APÊNDICE A - Relação entre constantes ópticas, refletividade complexa e
transformada de Hilbert
O valor do índice de refração associado à reflexão (𝜂𝑟) pode ser escrito em função da
refletividade da seguinte forma
𝜂𝑟 − 1
𝜂𝑟 + 1= √𝑅(𝜔)𝑒𝑖𝜃(𝜔) [ 1 ]
𝜂𝑟 − 1 = (𝜂𝑟 + 1)√𝑅(𝜔)𝑒𝑖𝜃(𝜔) [ 2 ]
𝜂𝑟 − 1 = 𝜂𝑟√𝑅(𝜔)𝑒𝑖𝜃(𝜔) + √𝑅(𝜔)𝑒𝑖𝜃(𝜔) [ 3 ]
𝜂𝑟(√𝑅(𝜔)𝑒𝑖𝜃(𝜔) − 1 = −1 − √𝑅(𝜔)𝑒𝑖𝜃(𝜔) [ 4 ]
Desenvolvendo a exponencial em seno e cossenos e admitindo o caráter complexo do
índice de refração, obtém-se:
�̂� =−(1 + √𝑅(𝜔)𝑒𝑖𝜃(𝜔))
(√𝑅(𝜔)𝑒𝑖𝜃(𝜔) − 1)= −
[1 + √𝑅(𝜔) cos(𝜃(𝜔)) + 𝑖√𝑅(𝜔) sin(𝜃(𝜔)) ]
−1 + √𝑅(𝜔) cos(𝜃(𝜔)) + 𝑖√𝑅(𝜔) sin(𝜃(𝜔)) [ 5 ]
Os termos da parte real e imaginária da equação acima podem ser rearranjados para
simplificação dos cálculos desta forma:
�̂� =[−1 − √𝑅(𝜔) cos(𝜃)] − 𝑖 [√𝑅(𝜔) sin(𝜃(𝜔))]
[−1 + √𝑅(𝜔) cos(𝜃(𝜔))] + 𝑖 [√𝑅(𝜔) sin(𝜃(𝜔))]=
𝑢 − 𝑖𝑣
𝑤 + 𝑖𝑣 [ 6 ]
onde
𝑢 = −1 − √𝑅(𝜔) cos(𝜃(𝜔)) ;𝑤 = −1 + √𝑅(𝜔) cos(𝜃(𝜔)) ; 𝑣 = √𝑅(𝜔) sin 𝜃(𝜔))
Separando a parte real e imaginária do índice de refração complexo, tem-se que
�̂� =
(𝑢 − 𝑖𝑣)
(𝑤 + 𝑖𝑣)∗(𝑤 − 𝑖𝑣)
(𝑤 − 𝑖𝑣)=
(𝑢 − 𝑖𝑣)(𝑤 − 𝑖𝑣)
(𝑤 + 𝑖𝑣)(𝑤 − 𝑖𝑣)= (
𝑢𝑤 − 𝑣2
𝑤2 + 𝑣2) = 𝑖𝑣 (
𝑢 + 𝑤
𝑤2 + 𝑣2) [ 7 ]
Fazendo as substituições de u, v e w, o índice de refração n e o coeficiente de extinção
k pode ser determinado.
𝑛 = (
(𝑢𝑤 − 𝑣2)
𝑤2 + 𝑣2) = (
1 − 𝑅(𝜔) cos2 𝜃(𝜔) − 𝑅(𝜔) sin2 𝜃(𝜔)
1 − 2√𝑅(𝜔) cos 𝜃(𝜔) + 𝑅(𝜔) cos2 𝜃(𝜔) + 𝑅(𝜔) sin2 𝜃(𝜔))…
𝑛 = (
1 − 𝑅(𝜔)
1 − 2√𝑅(𝜔) cos 𝜃(𝜔) + 𝑅(𝜔)) [ 8 ]
𝑘 = −𝑣 (
𝑢 + 𝑤
𝑤2 + 𝑣2) = −√𝑅(𝜔) sin 𝜃 (
−2
1 − 2√𝑅(𝜔) cos 𝜃(𝜔) + 𝑅(𝜔))…
𝑘 =
2√𝑅(𝜔) sin 𝜃(𝜔)
1 − 2√𝑅(𝜔) cos 𝜃 + 𝑅(𝜔) [ 9 ]
Assim, o índice de refração complexo pode ser expresso na forma abaixo em termos das
constantes ópticas.
�̂� = 𝑛 + 𝑖𝑘 [ 10 ]
Por outro lado, para se obter o ângulo de fase θ para determinar as constantes ópticas,
deve-se utilizar a transformada de Hilbert. A forma geral simplificada da transformada de
Hilbert é:
�̂� = 𝑏1 + 𝑖𝑏2 [ 11 ]
𝑏1(𝜔0) =
2
𝜋𝑃 ∫
𝜔
𝜔2 − 𝜔02 𝑏2(𝜔)𝑑𝜔
∞
0
[ 12 ]
𝑏2(𝜔0) = −
2
𝑝𝑖𝑃 ∫
𝜔0
𝜔2 − 𝜔02 𝑏1(𝜔)𝑑𝜔
∞
0
[ 13 ]
Neste caso, a transformada de Hilbert é aplicada à equação da refletividade complexa
que é determinada como:
�̂�(𝑣) = √𝑅(𝜔)𝑒𝑖𝜃(𝜔) [ 14 ]
Aplicando ln na equação anterior obtemos
𝑙𝑛�̂�(𝜔) = 𝑙𝑛√𝑅(𝜔) + 𝑖𝜃(𝜔) [ 15 ]
Considerando as partes real e imaginária e através da transformada de Hilbert, pode-se
encontrar o ângulo de fase θ calculando a integral sobre todo o espectro de refletância, como
mostrado abaixo.
𝑙𝑛√𝑅(𝜔0) =
2
𝑝𝑖∫ 𝜃(𝜔)
𝜔
(𝜔2 − 𝜔02)
𝑑𝜔∞
0
[ 16 ]
𝜃(𝜔0) = −
2𝜔0
𝜋𝑃 ∫
𝑙𝑛√𝑅(𝜔)
(𝜔2 − 𝜔02)
𝑑𝑣∞
0
[ 17 ]
ANEXO A – Espectroscopia no infravermelho
A espectroscopia no infravermelho é uma das técnicas mais antigas usadas na
caracterização da estrutura molecular de materiais. Nos experimentos que utilizam
infravermelho, normalmente mede-se a transmissão ou a reflexão da radiação. No entanto,
outros fenômenos podem estar presentes num mesmo experimento.
Através desta técnica é possível obter informações sobre as propriedades estruturais e
ópticas do material em estudo. Em particular, espectros no infravermelho obtidos por reflexão
fornecem dados que possibilitam o estudo de propriedades ópticas de materiais. A determinação
de parâmetros dielétricos nesta faixa de frequência (na ordem de TeraHertz) não é possível com
técnicas tradicionais de medidas dielétricas. Assim, a determinação de parâmetros dielétricos
através dos dados experimentais torna-se uma alternativa interessante. Muitas técnicas de
análise de dados espectrais podem ser utilizadas para a obtenção de informações das
propriedades ópticas de materiais. Entre elas, pode-se citar o modelo analítico da constante
dielétrica complexa e as relações de Kramers-Kronig (KK), entre outras.
Para se obter um espectro na região do infravermelho são necessárias duas condições:
A primeira consiste no fato de que a radiação eletromagnética deve possuir a mesma frequência
de um dos modos normais de vibração da molécula componente do material em estudo. Quando
isso ocorre, tem-se o fenômeno da ressonância e a molécula passa a oscilar com amplitude de
oscilação maior, tal qual um sistema massa-mola. A segunda condição é que a vibração normal
da molécula que interage com a radiação deve provocar uma mudança no momento de dipolo
elétrico da molécula. Caso esta condição não seja satisfeita, o modo normal de vibração não é
ativo no infravermelho.
A técnica de espectroscopia no infravermelho por transformada de Fourier (FTIR)
possibilita que os espectros sejam obtidos pelos métodos de transmissão e reflexão. Os
espectros de reflexão podem ser obtidos por reflexão difusa ou especular. Na reflexão especular,
o material tem que ter uma superfície plana e polida.
Para compreender a espectroscopia de infravermelho é necessário relembrar como se dá
a interação da onda eletromagnética com o meio material. A interação entre a radiação
eletromagnética e o um meio material finito pode acontecer por meio de fenômenos tais como
reflexão, refração e absorção e podem ser explicados macroscopicamente por meio das
equações de Maxwell. Um campo elétrico associado a uma onda eletromagnética ao percorrer
um meio real deve ter sua amplitude reduzida durante sua propagação devido as perdas que
podem ser descritas por uma densidade de corrente, relacionada ao campo elétrico através da
condutividade 𝜎, onde
𝐽 = 𝜎�⃗� . (A. 1)
Considerando um meio homogêneo, isotrópico e com densidade de cargas livre nula
(𝜌 = 0), podemos manipular as equações de Maxwell a nosso favor, de modo que seja possível
obter uma equação de propagação da onda eletromagnética, tal qual a solução para o campo
elétrico �⃗� possa ser dada por
�⃗� (𝑥 , 𝑡) = [�⃗� 0𝑒𝑖(
𝜔𝑐𝜂𝑥−𝜔𝑡)] 𝑒−
𝜔𝑐𝑘𝑥, (A. 2)
onde �⃗� 0 é o vetor amplitude do campo elétrico antes da onda atingir o material, 𝜔 é a frequência
angular da onda, 𝑐 é a velocidade da luz, 𝜂 e 𝑘 são as partes real e imaginária do índice de
refração do material. Isso permite ver que o campo elétrico é descrito por uma função harmônica
que decai exponencialmente durante a propagação através do material, ou seja, 𝑘 é responsável
pelo decaimento exponencial na amplitude do campo elétrico oscilante que atinge o material,
sendo chamado de coeficiente de extinção ou coeficiente de amortecimento. Esse coeficiente
faz com que a radiação seja extinta a uma determinada distância a partir da superfície do
material.
Separando a função dielétrica do material em suas partes real e imaginária (𝜀 = 𝜀′ +
𝑖𝜀") e, calculando a parte real do divergente do valor esperado do vetor de Poynting 𝑆 , pode-se
obter a energia dissipada pela onda eletromagnética por unidade de volume. Assim
𝐼𝑑𝑖𝑠𝑠𝑖𝑝 = 𝑅𝑒(∇⃗⃗ ⋅ ⟨𝑆 ⟩) ∝ 𝜀"𝜀0|�⃗� |2 (A. 3)
onde 𝜀0 é a permissividade elétrica do vácuo. A Equação (A. 3) mostra que a dissipação é
proporcional à amplitude do campo elétrico �⃗� e à parte imaginária da função dielétrica do meio,
𝜀". Dessa forma, a radiação deve ser também reduzida por um meio absorvente em proporção
direta a
𝜀′′2
𝜀′2 − 𝜀′′2= 𝐼𝑚 (
1
𝜀). (A. 4)
A Figura 40 mostra a intensidade de luz transmitida por um filme fino (incidência fora
da normal) bem como as quantidades 𝜀 e (1 𝜀⁄ ) em suas parcelas real e imaginária em função
da frequência angular da radiação incidente 𝜔. Vale ressaltar que os picos de absorção
coincidem com os máximos de 𝜀′′ e 𝐼𝑚(1 𝜀⁄ ). Com isso, pode-se concluir que para conhecer
as frequências para as quais a absorção da radiação seja máxima, basta que se obtenha uma
expressão para a função dielétrica com relação a 𝜔 [84].
Como se sabe, a posição central do núcleo atômico em um sólido com temperatura
acima de 0 K não é fixa, pois este oscila em torno de uma posição de equilíbrio devido à agitação
térmica. Caso as forças eletrostáticas responsáveis pelas ligações químicas entre os átomos
sejam dependentes da distância entre eles, qualquer deslocamento, por menor que seja, de um
Figura 40: Transmissão de um filme fino com incidência não normal e suas respectivas função
𝜀 e (1∕ ε ) em função de 𝜔. Figura retirada da referência [84].
átomo em seu sítio na rede cristalina, faz com que seus vizinhos experimentem uma diferença
no módulo das forças. Esse movimento é responsável por gerar uma força restauradora que tem
por finalidade restabelecer a posição inicial do átomo. Do mesmo modo como ocorre em um
sistema massa-mola, os átomos apresentam uma tendência de continuar oscilando em torno de
suas posições centrais, com uma frequência natural de oscilação que depende,
fundamentalmente, das intensidades das forças que agem sobre eles. Essas forças dependem
das propriedades intrínsecas como a massa dos átomos, as distâncias e as constantes de forças
entre eles [84].
Se em um sólido, os átomos puderem se organizar de maneira assimétrica ao longo das
diferentes direções espaciais, espera-se que os modos normais de oscilação possam se
apresentar com diferentes naturezas (óptica e acústica) e direções (transversal ou longitudinal)
de propagação. Os movimentos periódicos dos núcleos atômicos positivos resultam em
deslocamentos relativos das cargas elétricas negativas, gerando um momento de dipolo
oscilante local, que influi na permissividade do material. A função dielétrica de um material
pode ser escrita em função das frequências de seus modos de vibração longitudinal óptico (𝜔𝐿𝑂)
e transversal óptico (𝜔𝑇𝑂), da forma
𝜀(𝜔) = 𝜀0 (
𝜔𝐿𝑂2 − 𝜔2
𝜔𝑇𝑂2 − 𝜔2
), (A. 5)
em que 𝜀0 é a chamada constante dielétrica de alta frequência do material.
Baseado na Equação (A. 4) e observando novamente a Figura 40, pode-se identificar
que o máximo da função 𝐼𝑚(𝜀) coincidente com um pico de absorção e ocorre devido à
frequência de ressonância do meio quando o modo transversal óptico é excitado. A Equação
(A. 4) também ajuda a entender o segundo pico de absorção na Figura 40, referente ao máximo
da função 𝐼𝑚(1 𝜀⁄ ), e identificá-lo como concernente à frequência natural de oscilação do modo
longitudinal óptico. Dessa forma, uma radiação eletromagnética que incide sobre um meio será
atenuada por ele quando a frequência do campo elétrico oscilante coincidir com as frequências
dos modos de vibração longitudinal óptico 𝜔𝐿𝑂 ou transversal óptico 𝜔𝑇𝑂. Normalmente, as
frequências das vibrações ópticas de um sólido estão localizadas na faixa do espectro
eletromagnético correspondente à radiação infravermelha, por isso que a utilização desse tipo
de radiação em experimentos de espectroscopia de absorção óptica se tornam bastante útil
quando se objetiva extrair informações sobre os modos vibracionais dos materiais [84].
ANEXO B – Relações de Kramers-Kroning
As relações de Kramers-Kroning constituem em uma formulação matemática de uma
conexão fundamental entre as partes real e imaginária de funções complexas [85]. Entre estas
funções, pode-se citar o índice de refração, a constante dielétrica, a refletividade, etc. Tal
conexão existe tanto no sistema físico clássico quanto no quântico e deriva diretamente a partir
do princípio da causalidade. Além de ser de grande importância para a Física de altas energias,
Física Estatística e Acústica, essas relações são ferramentas básicas e amplamente aceitas na
investigação das propriedades ópticas lineares de materiais, uma vez que permitem a realização
da chamada inversão de dados ópticos, ou seja, a obtenção de conhecimentos sobre os
fenômenos de dispersão por meio de medições de fenômenos de absorção ao longo de todo o
espectro de energia e vice-versa [85].
Quando a onda eletromagnética interage com a matéria, com frequências dentro da faixa
do infravermelho, um atraso na onda refletida pode ser observado. Isso ocorre devido às
contribuições tanto eletrônica quanto iônica para a polarização, ou seja, a onda refletida sofre
uma mudança no ângulo de fase (𝜃(𝜔)), o que vai diferenciá-la da onda incidente. Ondas
eletromagnéticas nesta faixa espectral excitam os modos transversais ópticos (𝜔𝑇𝑂) [86].
As medidas ópticas que dão informações completas sobre a reflexão num sistema são
obtidas pela função refletividade, que consiste em uma função complexa analítica que obedece
ao princípio da causalidade. O princípio básico da causalidade diz que a resposta do material
não pode anteceder ao estímulo [87]. Além disso, a resposta de qualquer material a um campo
eletromagnético externo garante que tanto a permissividade quanto a permeabilidade, que são
funções analíticas no semi-plano de frequência complexa, obedecem as relações de Kramers-
Kronig [88]. Dessa forma, a mudança no ângulo de fase pode ser determinada através da relação
da refletividade da luz com incidência quase normal ao material e com as relações de Kramers-
Kronig. A refletividade complexa �̂�(ω) é definida como a razão entre os campo elétrico refletido
e incidente, ou seja
�̂�(𝜔) ≡
�̂�𝑟
�̂�𝑖
≡ √𝑅(𝜔)𝑒𝑖𝜃(𝜔), (B. 1)
onde 𝑅(𝜔) é a refletância e o campo elétrico é dado por �̂�(𝑥, 𝑡) = 𝐴𝑒(𝑘𝑥−𝑖𝜔𝑡+𝜙).
Ainda não existem detectores capazes de responder a um campo elétrico com
frequências na ordem de 1012 Hz, que compreende a região do infravermelho. O que existe são
detectores capazes de responder à potência radiante. Esses detectores são conhecidos como
detectores da lei dos quadrados. Para eles, o que importa não é a amplitude do campo �⃗� , mas o
quadrado de �⃗� , que corresponde à intensidade do campo elétrico �⃗� .
Dessa forma, o que é obtido experimentalmente é a razão das intensidades entre os
campos elétricos refletido e incidente, ou seja, a refletância que é dada por
�̂�(𝜔)∗�̂�(𝜔) =
Ê𝑟∗ �̂�𝑟
Ê𝑖∗ �̂�𝑖
=𝐼𝑟𝐼𝑖
= 𝑅(𝜔). (B. 2)
A forma simples das relações de Kramers-Kronig para o ângulo de fase é obtida
aplicando a transformada de Hilbert à equação da refletividade complexa (Equação (B. 1)).
Assim
𝜃(𝜔𝑖) = −
2𝜔𝑖
𝜋𝑃 ∫ ln
𝑅(𝜔)
(𝜔2 − 𝜔𝑖2)
𝑑𝜔∞
0
, (B. 3)
sendo 𝑅 a refletância, 𝜃 o ângulo de fase e 𝑃 é o valor principal da integral de Cauchy. A
integral é calculada excluindo o termo de divergência. Porém, os espectros experimentais são
obtidos somente numa faixa de frequência, e devido a esta limitação é necessário utilizar alguns
métodos de correção para poder considerar a integração em toda faixa de frequências definida
na Equação (B. 3).
A partir da refletividade complexa, as constantes ópticas podem ser obtidas pelas
equações (B. 4) e (B. 5):
𝜂(𝜔) =
1 − 𝑅(𝜔)
1 − 2√𝑅(𝜔)𝑐𝑜𝑠𝜃(𝜔) + 𝑅(𝜔), (B. 4)
𝑘(𝜔) =
2√𝑅(𝜔) sin 𝜃(𝜔)
1 − 2√𝑅(𝜔) cos 𝜃(𝜔) + 𝑅(𝜔). (B. 5)
Assim, o índice de refração complexo pode ser completamente determinado. O coeficiente de
absorção (𝛼(𝜔)) está relacionado com o coeficiente de extinção 𝑘(ω) por 𝛼(𝜔) =
4𝜋𝑘(𝜔)𝜔 𝑐⁄ . Apesar de usar o termo “constante ópticas” para 𝜂(𝜔) e 𝑘(𝜔), é evidente que as
mesmas variam com a frequência.
Sabendo que o índice de refração absoluto de um meio material é dado pela seguinte
expressão
𝑛 =𝑐
𝑣= √
𝜀𝜇
𝜀0𝜇0, (B. 6)
onde 𝜀 e 𝜇 são a permissividade e a permeabilidade do meio e que, para meio transparentes, a
permeabilidade magnética é muito próxima à do espaço livre, podemos simplificar a Equação
(B. 6) para
𝑛 =𝑐
𝑣= √
𝜀
𝜀0= √𝜀𝑑 , (B. 7)
onde 𝜀𝑑 é a parte real da constante dielétrica complexa.
De posse da Equação (B. 7), pode-se obter a função dielétrica complexa, o que resulta
nas equações abaixo
𝜀′(𝜔) = 𝜂2(𝜔) − 𝑘2(𝜔), (B. 8)
𝜀′′(𝜔) = 2𝜂(𝜔)𝑘(𝜔). (B. 9)
Também vale ressaltar que, para determinar as constantes ópticas por meio das relações
de Kramers-Kronig, a partir das medidas de refletância de espectros no infravermelho, é
necessário obter o ângulo de fase. Mais detalhes podem ser vistos no apêndice A.
Como foi visto, a análise de Kramers-Kronig é muito útil e versátil e por meio dela
pode-se obter o índice de refração complexo de materiais como cristais isotrópicos, cerâmicas,
vidros, material orgânico, a partir de seus espectros de reflexão especular com ângulo de
incidência normal. A grande vantagem desta técnica é que uma gama muito grande de materiais
pode ser analisada. No entanto, o problema do ajustes de dados fora da região mensurável está
sempre presente [85].