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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO PROFISSIONAL EM AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS LORENA DE MENEZES BRANDÃO AVALIAÇÃO DA ASSISTÊNCIA ESTUDANTIL EM RELAÇÃO AO RECONHECIMENTO DAS DIVERSIDADES NO CAMPUS AGRÍCOLA DE UMIRIM/CE FORTALEZA 2017

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO

MESTRADO PROFISSIONAL EM AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

LORENA DE MENEZES BRANDÃO

AVALIAÇÃO DA ASSISTÊNCIA ESTUDANTIL EM RELAÇÃO AO

RECONHECIMENTO DAS DIVERSIDADES NO CAMPUS AGRÍCOLA DE

UMIRIM/CE

FORTALEZA

2017

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LORENA DE MENEZES BRANDÃO

AVALIAÇÃO DA ASSISTÊNCIA ESTUDANTIL EM RELAÇÃO AO

RECONHECIMENTO DAS DIVERSIDADES NO CAMPUS AGRÍCOLA DE UMIRIM/CE

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

graduação em Avaliação de Políticas

Públicas, da Universidade Federal do Ceará,

como requisito para a obtenção do título de

Mestre em Avaliação de Políticas Públicas.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Gema Galgani Silveira

Leite Esmeraldo.

FORTALEZA

2017

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LORENA DE MENEZES BRANDÃO

AVALIAÇÃO DA ASSISTÊNCIA ESTUDANTIL EM RELAÇÃO AO

RECONHECIMENTO DAS DIVERSIDADES NO CAMPUS AGRÍCOLA DE UMIRIM/CE

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

graduação em Avaliação de Políticas

Públicas, da Universidade Federal do Ceará,

como requisito para a obtenção do título de

Mestre em Avaliação de Políticas Públicas.

Aprovada em: ___/___/_____

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________________

Prof.ª Dr.ª Gema Galgani Silveira Leite Esmeraldo (Orientadora)

Universidade Federal do Ceará (UFC)

______________________________________________________

Prof. Dr. Alcides Fernando Gussi

Universidade Federal do Ceará (UFC)

______________________________________________________

Prof.ª Dr.ª Francisca Rejane Bezerra Andrade

Universidade Estadual do Ceará (UECE)

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Aos sujeitos sociais a quem se destina a minha

prática profissional, que me inspiraram a

refletir sobre novas possibilidades de atuação

que corroborem para a construção de uma

sociedade mais equânime e solidária.

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AGRADECIMENTOS

Durante toda trajetória de construção desse estudo, tenho muito a agradecer. Sou

grata a toda energia positiva emanada em prol do meu sucesso durante esta caminhada e, em

especial, àquelas pessoas que estiveram próximas participando dessa conquista.

Agradeço aos meus pais e à minha família, que sempre torceram e vibraram com

as minhas conquistas e sempre me incentivaram e acolheram as minhas decisões.

A minha companheira amorosa e amada que com paciência tem acolhido meus

percalços e despertado ânimo e muita determinação para os meus dias.

Aos meus amigos que compartilham das minhas alegrias e me impulsionam nas

horas difíceis.

A minha orientadora, Gema Galgani Esmeraldo, que com muita serenidade

auxiliou o meu percurso de aprendizagem, contribuindo para que eu chegasse até o fim dessa

etapa com êxito e paciência.

Aos (às) professores (as) do MAPP que contribuíram com as leituras e os debates

em sala de aula, os quais certamente estão refletidos nesta dissertação.

A minha banca de qualificação e de defesa que atendeu tão prontamente o meu

pedido e que muito contribuiu para o desenvolvimento desse trabalho, especialmente, para o

desenvolvimento da pesquisa. Com certeza, esse momento foi muito esclarecedor e

motivador!

Aos (às) meus (minhas) interlocutores (as) do trabalho de campo, que estiveram

disponíveis para participar da pesquisa e colaboraram com reflexões importantes sobre o

espaço do campus Umirim, ressignificando a minha relação profissional e humana.

Aos (às) colegas do IFCE – Umirim que viabilizaram a minha participação no

mestrado e a realização da pesquisa. A todos (as) a minha mais profunda e sincera gratidão.

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“Que nada nos defina. Que nada nos sujeite.

Que a liberdade seja a nossa própria

substância”.

(Simone de Beauvoir)

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RESUMO

O presente estudo tem como proposta avaliar a Assistência Estudantil e as diversidades de

gênero, étnico-racial e sexual no campus agrícola de Umirim/CE no enfrentamento às formas

associadas de desigualdades e de exclusão. A assistência estudantil configura-se como uma

política social inserida na política de educação superior e profissional, em que definimos a sua

análise em um campus do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará –

IFCE. Para efeito desse estudo problematizamos as contradições inerentes ao processo de

reordenamento do capital cujos interesses dos organismos financeiros mundiais orientam os

Estados dos países periféricos, com recorte para o Brasil, cujas reformas educacionais visam

atender as demandas do capital internacionalizado, repercutindo na reorganização dos

mercados e nas dramáticas desigualdades expressas nas relações sociais. A partir desse

contexto buscamos desvelar as possibilidades da assistência estudantil na construção de uma

sociedade mais equânime para os diferentes segmentos da sociedade inseridos na política de

educação. A pesquisa realizada é de natureza quanti-quali, pautada no método da avaliação

em profundidade (RODRIGUES 2008, 2011, 2017) que considera como dimensões de análise

o conteúdo da política; a análise do contexto em que foi formulada; a sua trajetória

institucional e o seu espectro temporal e territorial. A pesquisa bibliográfica e documental

primou pela interação da discussão teórica dos autores e as categorias de análise, com os

documentos e normativas sobre o tema, acrescido dos dados coletados com a pesquisa de

campo. Destacamos como as principais conclusões dessa avaliação a necessidade de

superação da visão de uma assistência estudantil pautada na “bolsificação” e na

assistencialização das demandas estudantis, ampliando sua atuação para outras dimensões da

vida dos sujeitos. É preciso fortalecer o entendimento de que a assistência estudantil é uma

política educacional, com o importante papel de contribuir com os processos formativos dos

(as) jovens, potencializando o seu desenvolvimento humano, cultural, social e político. Nesse

sentido, ela se insere diretamente nas expressões das desigualdades sociais, materiais e

simbólicas, exigindo respostas qualificadas, as quais precisam estar articuladas e integradas a

outras políticas sociais, assim como aos demais segmentos institucionais no espaço onde ela é

operacionalizada.

Palavras-chaves: avaliação, assistência estudantil, diversidade de gênero, étnico-racial e

sexual.

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ABSTRACT

The present study aims to evaluate the Student Assistance and the diversity of gender, ethnic-

racial and sexual in the agricultural campus of Umirim/CE in facing the associated forms of

inequality and exclusion. Student assistance is defined as a social policy inserted in the policy

of higher and professional education, in which we define its analysis in a campus of the

Federal Institute of Education, Science and Technology of Ceará - IFCE. For the purpose of

this study, we problematize the contradictions inherent in the process of capital reorganization

whose interests of the world financial organisms orient the states of the peripheral countries,

with a cut for Brazil, whose educational reforms aim to meet the demands of internationalized

capital, repercussions on the reorganization of markets and in the dramatic inequalities

expressed in social relations. From this context we seek to unveil the possibilities of student

assistance in building a more equitable society for the different segments of society inserted in

education policy. The research carried out is of quanti-quali nature, based on the methodology

of the in-depth evaluation (RODRIGUES 2008, 2011, 2017) which considers as analysis

dimensions the content of the policy; the analysis of the context in which it was formulated;

its institutional trajectory and its temporal and territorial spectrum. Bibliographic and

documentary research was based on the interaction of the theoretical discussion of the authors

and the categories of analysis, with the documents and norms on the subject, plus the data

collected with the field research. We highlight as the main conclusions of this evaluation the

need to overcome the vision of an student assistance based on the "bolsification" and

assistance of student demands, expanding its performance to other dimensions of the subjects'

lives. It is necessary to strengthen the understanding that student assistance is an educational

policy, with the important role of contributing to the formative processes of young people,

enhancing their human, cultural, social and political development. In this sense, it is inserted

directly into the expressions of social, material and symbolic inequalities, demanding

qualified responses, which need to be articulated and integrated with other social policies, as

well as with other institutional segments in the space where it is operationalized.

Keywords: evaluation, student assistance, gender, ethnic-racial and sexual diversity

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Tabela 01 – Interlocutores (as) e Técnica de coleta dos dados .............................................. 38

Tabela 02 – Evadidos (as) por turma - Curso Agropecuária campus Umirim/CE ............... 43

Tabela 03 – Percepção sobre a Assistência Estudantil /Docentes (Área Técnica) ................. 99

Tabela 04 – Participação Social ............................................................................................ 106

Tabela 05 – Quanto ao segmento do Movimento Social ...................................................... 106

Tabela 06 – Quanto ao (à) Sexo/Faixa Etária/Origem/Raça-Etnia ....................................... 110

Tabela 07 – Grupo Etário/ Município ................................................................................... 129

Quadro 01 – Definição das faixas etárias e escolaridade adequada ...................................... 130

Figura 01 – Matrículas semestre letivo 2016.2 ..................................................................... 41

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 01 - Motivos apontados para a não participação dos (as) estudantes em movimentos

sociais ............................................................................................................... 107

Gráfico 02 – Faixa etária por município de Origem ............................................................. 130

Gráfico 03 – Renda per capita familiar................................................................................. 135

Gráfico 04 - Benefício da Assistência Social ........................................................................ 136

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

A.E – Assistência Estudantil

CAE – Coordenação de Assuntos Estudantis

CCA – Coordenação de Controle Acadêmico

CEFET – Centro Federal de Educação Tecnológica

CIAT - Comissão de Instalação das Ações Territoriais

CONSUP – Conselho Superior

CTP - Coordenação Técnico-Pedagógica

DAE – Diretoria de Assuntos Estudantis

DISOC - Diretoria de Estudos e Políticas Sociais - DISOC

ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente

EPT - Educação Profissional e Tecnológica

FHC – Fernando Henrique Cardoso

FNB - Frente Negra Brasileira

FONAPRACE – Fórum Nacional de Pró-Reitores de Assuntos Comunitários e Estudantis

GTI - Grupo de Trabalho Interministerial de Valorização da População Negra

IFCE – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará

IFET’s – Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia

IFES – Instituições Federais de Ensino Superior

LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação

LGBTT – Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros

MAPP – Mestrado em Avaliação de Políticas Públicas

MDA - Ministério do Desenvolvimento Agrário

MEC – Ministério da Educação

MMC - Movimento de Mulheres Camponesas

MMTR - Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais

MNU - Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial

NAPNES- Núcleos de Apoio a Pessoas com Necessidades Específicas

PDE – Plano de Desenvolvimento da Educação

PDI – Plano de Desenvolvimento Institucional

PEBE - Programa Especial de Bolsa de Estudo

PEP - Programa de Ensino Profissionalizante

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PNAES – Programa Nacional de Assistência Estudantil

PNDH - Programa Nacional dos Direitos Humanos

PNE – Plano Nacional de Educação

PNQ – Plano Nacional de Qualificação

PROEN - Pró-Reitoria de Ensino

PROEJA- Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica

na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos

Projovem - Programa de Inclusão de Jovens: Educação, Qualificação e Ação Comunitária

PRONAT - Programa de Desenvolvimento Sustentável de Territórios Rurais

ProUni – Programa Universidade para Todos

REUNI – Reestruturação e Expansão das Universidades Federais

RFEPT - Rede Federal de Ensino Profissional, Científica e Tecnológica

ROD - Regulamento da Organização Didática

SDT - Secretaria de Desenvolvimento Territorial

SETEC – Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica

Sigproext - Sistema de Gerenciamento da Pró-Reitoria de Extensão

SISAE - Sistema Informatizado de Assistência Estudantil

TCU – Tribunal de Contas da União

TEN - Teatro Experimental do Negro

UNE – União Nacional dos Estudantes

UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura

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SUMÁRIO

1 À GUISA DE INTRODUÇÃO ....................................................................................... 13

1.1 Construção do objeto de pesquisa: a pesquisadora e o lócus de investigação ................. 20

1.2 Os capítulos e suas discussões.......................................................................................... 23

2 AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS: DOS ELEMENTOS CONCEITUAIS

AO PERCURSO METODOLÓGICO.......................................................................... 26

2.1 Expansão da Rede Federal de Educação Profissional e o Instituto Federal de Educação

do Ceará - IFCE ............................................................................................................ 29

2.1.1 Umirim e o campus ....................................................................................................... 32

2.2 Metodologia da Pesquisa: técnicas e instrumentais ...................................................... 35

2.2.1 Interlocutores (as) da pesquisa .................................................................................... 38

3 REORDENAMENTO DO CAPITAL, DESIGUALDADES SOCIAIS E POLÍTICAS

SOCIAIS ........................................................................................................................ 45

3.1 Políticas Sociais e o desafio do combate às desigualdades ........................................... 54

3.2 A Política de Assistência Estudantil enquanto Política Social .................................... 58

3.3 Assistência Estudantil no Brasil ................................................................................... 61

3.4 A Política de Assistência Estudantil no Instituto Federal do Ceará ............................. 74

3.4.1 Política de Assistência Estudantil do IFCE e a inclusão das diferenças..................... 83

3.4.2 Campus Umirim e a Política de Assistência Estudantil do IFCE ................................ 88

4 OS SUJEITOS E SUAS DIVERSIDADES: O OUTRO LADO DA ASSISTÊNCIA

ESTUDANTIL .............................................................................................................. 109

4.1 Falando sobre Gênero .................................................................................................... 117

4.2 Juventude(s) e seus territórios ........................................................................................ 128

4.3 Desigualdade étnico-racial em foco ............................................................................... 137

4.4 Diversidade Sexual: identidades construídas ................................................................. 148

REFLEXÕES E PROPOSIÇÕES FINAIS ....................................................................... 167

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................. 175

APÊNDICE A – Questionário semiestruturado aplicado aos (às) alunos (as) do Curso

Técnico Subsequente em Agropecuária ............................................................................ 185

APÊNDICE B - Roteiro de entrevista com os (as) alunos (as) do Curso Técnico

Subsequente em Agropecuária .......................................................................................... 187

APÊNDICE C - Questionário semiestruturado aplicado aos (às) docentes da área técnica

do Curso de Agropecuária do campus Umirim/CE ......................................................... 189

APÊNDICE D - Roteiro de entrevista com os(as) gestores(as) do campus Umirim/CE ................................................................................................................................................ 191

ANEXOS .............................................................................................................................. 193

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1. À GUISA DE INTRODUÇÃO

A partir do interesse em avaliar a Política de Assistência Estudantil do Instituto

Federal de Educação do Ceará – IFCE, campus Umirim, no atendimento às demandas das

juventudes1 marcadas pelas desigualdades e exclusões, evidenciamos as diferenças de gênero,

sexual e étnico-racial como fatores de discriminação e exclusão do processo educacional. Para

facilitar a nossa compreensão acerca do processo de produção das desigualdades e do

surgimento das políticas sociais apresentamos a discussão teórica em torno do processo de

reorganização do capital e de suas forças produtivas, com consequente influência na

consolidação do projeto nacional de educação no Brasil, em que se observam especificidades

na institucionalização da rede de educação profissional no país, a partir de 2008. O recorte

empírico da avaliação se insere como elemento de atuação da assistência estudantil no

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará - IFCE, campus Umirim/CE,

corroborando com elementos constitutivos do Programa Nacional de Assistência Estudantil –

PNAES (2010), norteador da Política de Assistência Estudantil do IFCE (2015), como se verá

no decorrer do trabalho.

Ressaltamos aqui a elaboração de normatizações e regulamentações, pelo IFCE,

que estruturam e organizam a assistência estudantil como Política, em âmbito institucional,

diferindo-se da assistência estudantil em âmbito nacional, a qual corresponde a um Programa

regulamentado por Decreto de nº 7.234/2010, o PNAES. É oportuno esclarecermos que ao nos

referirmos à assistência estudantil, em âmbito nacional e local, verificamos status

diferenciados.

Nacionalmente, ela se apresenta na forma de Programa e se estrutura por um

conjunto de princípios e diretrizes que norteiam a implantação de ações que visam garantir

aos (às) estudantes o acesso, a permanência e a conclusão, com êxito e qualidade, dos cursos

de graduação nas Instituições Federais de Ensino – IFES, incorporando-se, posteriormente, os

Institutos Federais de Educação.

Apesar de o Decreto representar um grande avanço para a Política de Assistência

Estudantil, ele ainda se configura como uma forma fragilizada para a regulamentação da

garantia desse direito, uma vez que o fato de não ser propositura do poder legislativo impede a

aquisição do caráter de lei, tornando as ações vulneráveis ao interesse político do momento.

1Compreende-se este conceito de forma ampla, superando a ideia da determinação etária, a qual enquadra todos

os jovens sem considerar suas particularidades, identidades, perfis sociocultural e econômico. Sobre o assunto

ver: PAIS (2006).

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O PNAES prevê autonomia às instituições de ensino para a elaboração de seus

programas e políticas de assistência aos (às) estudantes. A Política de Assistência Estudantil

do IFCE, portanto, norteia-se pelas legislações instituídas em âmbito nacional, tendo sido

concebida a partir de um processo de discussão institucional, que envolveu diversos sujeitos2

respeitando os princípios e diretrizes do PNAES, na regulamentação e operacionalização de

programas, serviços e ações de assistência estudantil nos campi do IFCE.

Vale ressaltar que a base legal da assistência estudantil na esfera nacional

encontra fundamentação em outras legislações e regulamentações, como na Constituição

Federal de 1988, em seu artigo 206 e na Lei de Diretrizes e Base da Educação – LDB de

1996, em seu artigo 3º, onde ambas afirmam a “Igualdade de condições para o acesso e

permanência na escola”; no Plano de Desenvolvimento da Educação (2007) que institui o

Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais –

REUNI (2007) e o Programa Nacional de Assistência Estudantil - PNAES (2007), além dos

Planos Nacionais de Educação (2001/2010) e (2014/2024) em que citamos a Meta 12,

Estratégia 12.5 do PNE (2014) onde se prevê “Ampliar as políticas de inclusão e de

assistência estudantil”.

O arcabouço legal supracitado aponta para a necessidade de ampliação de

políticas de inclusão e atendimento aos (às) estudantes das instituições federais de ensino,

oportunizando igualdade de condições para o acesso e a permanência daqueles (as) mais

vulnerabilizados (as), encontrando amparo nas reivindicações sociais ao longo da história.

Contudo, traduzem também a efetivação das orientações dos principais organismos

multilaterais para a reforma da educação no Brasil, a fim de mantê-lo subordinado aos

interesses do grande capital que impõe suas regras para o financiamento das nações

subdesenvolvidas.

As reflexões e análises à luz dos referidos documentos contribuirão para a leitura

e apresentação da Política de Assistência Estudantil do IFCE abordando dimensões

imprescindíveis à realização de uma avaliação mais analítica, sendo fundamental investigar,

como nos sugere Rodrigues (2008), não só o conteúdo da política em questão, mas também o

contexto em que foi formulada.

2O processo de discussão do referido documento envolveu, sob a coordenação da Diretoria de Assuntos

Estudantis – DAE, diversos profissionais das equipes de assistência estudantil dos campi da Rede IFCE, entre

eles: assistentes sociais, psicólogos (as), pedagogos (as), assistentes de alunos (as), enfermeiros (as), entre outras

categorias. Vale ressaltar que os (as) coordenadores (as) das equipes de assistência estudantil e alguns/mas

representantes da classe estudantil também participaram do processo de elaboração da referida Política.

Disponível em: <http://www2.ifce.edu.br/biblioteca/3-noticias/outras-noticias/2202-ifce-debate-assistencia-ao-

estudante-mais-de-70-profissionais-estabelecem-politica-para-a-area.html> Acesso em 23 de junho 2017.

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Retomando a apresentação sobre o objeto do presente estudo informamos que ele

possui fundamento a partir das demandas atendidas no setor de serviço social, no qual atuo

como profissional inserida na Política de Assistência Estudantil do IFCE – campus Umirim, e

vincula-se à linha de Pesquisa Educação e Mudanças Sociais do Programa de Pós-graduação

em Avaliação de Políticas Públicas – MAPP, da Universidade Federal do Ceará.

Atendimentos realizados aos (às) estudantes contribuíram para despertar o

interesse acerca de outras possibilidades na operacionalização desta Política, buscando

conhecer e compreender as diversidades3 que existem no universo educacional, onde

destacamos aquelas que se relacionam com as questões de gênero, étnico-racial e sexual,

assim como a multiplicidade de suas expressões como necessidades e vulnerabilidades que

interferem nas condições de igualdade de oportunidades para todos os segmentos inseridos na

educação.

Neste sentido, problematizamos a inserção da assistência estudantil em um

campus de natureza agrícola, no contexto de um Instituto Federal de Educação e a dinâmica

que orienta o modelo educacional brasileiro. Destacamos, entretanto, que embora a assistência

estudantil tenha avançado em uma perspectiva de direito e de garantia da educação para os

segmentos mais vulnerabilizados da sociedade, ela engendra contradições que apontam para o

viés assistencialista na constituição das políticas sociais e para o processo de financeirização

na Política de Educação no Brasil. A centralidade na oferta de auxílios (moradia, transporte,

alimentação, entre outros) para a manutenção de estudantes pobres nas instituições públicas

de ensino superior e nos Institutos Federais, em detrimento da oferta de serviços universais,

define o caráter focalista e seletivo, ainda predominante, da política de assistência estudantil.

Apesar do caráter contraditório em que se insere essa política social reconhecemos

que a destinação de recursos e criação de mecanismos para que os (às) estudantes possam

permanecer na universidade e concluir seus estudos é legítima, fazendo parte de uma luta

histórica do movimento estudantil. Entretanto, é oportuno reconhecer e identificar outros

caminhos que transcendam o fator meramente socioeconômico, abrindo possibilidades para o

convívio entre as diferenças e para a efetivação de uma educação integral, entendendo-a como

nos apresenta Gonçalves (2006, p.03):

3Trabalhamos o termo “diversidades” no sentido de identificar e reconhecer as multiplicidades das diferenças

que caracterizam os sujeitos compreendidos nos espaços de operacionalização das políticas públicas. Nesse

sentido, as políticas são colocadas diante da necessidade de repensar seus parâmetros e formatos institucionais de

atuação junto aos diversos segmentos sociais e suas demandas.

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O conceito mais tradicional encontrado para a definição de educação integral

é aquele que considera o sujeito em sua condição multidimensional, não

apenas na sua dimensão cognitiva, como também na compreensão de um

sujeito que é sujeito corpóreo, tem afetos e está inserido num contexto de

relações. Isso vale dizer a compreensão de um sujeito que deve ser

considerado em sua dimensão biopsicossocial. Acrescentamos, ainda, que o

sujeito multidimensional é um sujeito desejante, o que significa considerar

que, além da satisfação de suas necessidades básicas, ele tem demandas

simbólicas, busca satisfação nas suas diversas formulações de realização,

tanto nas atividades de criação quanto na obtenção de prazer nas mais

variadas formas.

Delimitamos, portanto, como objeto de investigação a avaliação sobre a

assistência estudantil e as diversidades de gênero, étnico-racial e sexual no campus agrícola

de Umirim no enfrentamento às formas associadas de desigualdades e de exclusão, para isso

partimos do entendimento de que as desigualdades produzidas no conjunto da sociedade são

frutos da incorporação dos valores da sociedade do capital que configuram relações sociais e

de trabalho produtoras de exclusões e discriminações, as quais merecem atenção das políticas

sociais, em especial no âmbito da educação.

A fim de elucidar nosso objeto, procuramos: delinear a política de assistência

estudantil e de educação profissional ofertada no campus Umirim - IFCE; identificar o nível

de conhecimento de gestores (as), professores (as) e jovens sobre a Política de Assistência

Estudantil; refletir sobre as diversidades existentes no campus Umirim e sobre suas demandas

e percepções sobre o curso técnico de agropecuária e a assistência estudantil; e, por fim,

desvelar as possibilidades de atuação da equipe de assistência estudantil, no ambiente

institucional, qualificando as respostas frente às desigualdades enfrentadas pelos (as)

estudantes na Política de Educação e contribuindo para a efetivação de um processo de

formação integral.

Ao refletirmos sobre os referidos objetivos entendemos que não é possível pensar

a educação desvinculando-a de um projeto de classes, em que os interesses econômicos e do

mercado tornam-se pilares nas diretrizes que norteiam o sistema de ensino brasileiro,

estimulando a criação de políticas públicas dentro da própria política de educação, tanto para

subsidiar a sua operacionalização, como para reduzir os conflitos decorrentes da contradição

do capital alastrados para todos os espaços da vida em sociedade, incluindo a escola.

Considerando os elementos constitutivos dessa investigação, concordamos com

Gil (2007, p.17) ao definir o processo de pesquisa como um:

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[...] procedimento racional e sistemático que tem como objetivo

proporcionar respostas aos problemas que são propostos. A pesquisa

desenvolve-se por um processo constituído de várias fases, desde a

formulação do problema até a apresentação e discussão dos resultados.

Portanto, a partir do objeto de pesquisa definido formulamos duas hipóteses que

nortearão a investigação empírica. Para tanto, identificamos como problema da pesquisa a

seguinte questão: como os (as) estudantes, gestores (as) e docentes do campus agrícola de

Umirim, compreendem a atuação da assistência estudantil no combate às desigualdades de

gênero, étnico-racial e sexual e o seu impacto no processo formativo?

Diante do problema em questão consideramos como nossa primeira hipótese que a

assistência estudantil atua diretamente no processo de formação dos (as) estudantes no

combate ao preconceito, à discriminação e às desigualdades de cunho étnico-racial, sexual e

de gênero e modifica a experiência do (a) aluno (a) com a escola e com a sociedade e; como

segunda hipótese, que a assistência estudantil tem como maior desafio a ruptura com a

concepção hegemônica de mera assistência financeira aos (às) alunos (as) mais pobres,

devendo construir, articulada a outras políticas sociais, estratégias de superação das

desigualdades sociais, econômicas e culturais que se configuram na sociedade

contemporânea.

Diante da descrição do objeto, dos objetivos, do problema da pesquisa e das

hipóteses formuladas para desvelar os caminhos possíveis para a assistência estudantil, a

partir de uma compreensão ampliada sobre a sua função, reafirmamos a delimitação dessa

avaliação sobre a execução da Política de Assistência Estudantil no campus Umirim do IFCE,

considerando especificidades de um campus Agrícola e elementos da formação profissional e

humana dos (as) estudantes. Para isso, identificamos também as percepções dos sujeitos

investigados sobre o Curso de Agropecuária, sobre a formação técnica e sua importância e,

sobre o diálogo no ambiente escolar de outras temáticas que contribuam para uma formação

ampliada, social e cidadã.

Entendemos que apreender as representações sociais acerca do nosso objeto, a

partir do olhar de outros (as) agentes que interagem no ambiente institucional, tais como

gestores (as) no âmbito de cargos de direção e de coordenação; docentes, em particular

aqueles (as) com formação em áreas técnicas, possibilita uma melhor discussão e

compreensão sobre como a Política de Assistência Estudantil se insere na dinâmica do

campus, possibilitando identificar especificidades dos Institutos Federais de Educação que

possuem, pela sua natureza de formação, elementos próprios, tanto no que tange à educação

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ofertada como na caracterização do público atendido neste espaço. Assim, consideramos

oportuno tornar heterogêneo o grupo interlocutor, considerando os (as) estudantes como

público central, sem descartar, contudo, novos olhares.

Desse modo, compuseram a interlocução da nossa pesquisa 03 servidores (as) em

cargo de Gestão4, sendo dois docentes e um (a) técnico-administrativo e 05 professores (as) da

área técnica do Curso em Agropecuária no campus Umirim5. Além dos dois grupos, também

participaram da pesquisa 26 jovens estudantes matriculados (as) nas turmas de Subsequente6

do referido Curso. Estes procederam inicialmente à primeira etapa da pesquisa de campo, a

saber: a aplicação dos questionários semiestruturados. Dentre o grupo de 26 estudantes, 04

foram posteriormente entrevistados (as). Trouxemos ainda dados gerais sobre o perfil dos (as)

159 alunos (as) matriculados (as) dentro do período letivo de 2016, com recorte apenas das

turmas selecionadas para a investigação.

Fizemos um esforço em identificar as ações previstas pela Política de Assistência

Estudantil do IFCE, bem como suas diretrizes e seus objetivos, os quais norteiam o trabalho

com as diversidades no espaço daquela instituição, fomentando o combate ao preconceito, à

discriminação e às desigualdades de cunho étnico-racial, sexual e de gênero. Os dados

observados nos ajudaram a elucidar o objeto central desta pesquisa, a partir do

reconhecimento das diversidades existentes no campus, as quais demandam respostas

qualificadas, e nem sempre de caráter material.

Ratificamos que as vulnerabilidades econômicas precisam ser trabalhadas com os

aspectos pedagógicos e psicossociais, formatando desse modo uma Política Pública de

Assistência Estudantil que transcenda às questões de subsistência material, acolhendo o

indivíduo na sua integralidade. Assim, torna-se imprescindível a articulação entre as ações

4Priorizamos para a realização das entrevistas os (as) gestores (as) ligados (as) ao ensino e à assistência

estudantil. Na previsão inicial fizemos um recorte para quatro direções/coordenações, a saber: direção geral,

direção de ensino, coordenação técnico-pedagógica - CTP e coordenação de assuntos estudantis - CAE. Contudo,

foram realizadas três das quatro entrevistas previstas, pois a coordenadora da CTP estava de licença maternidade

no período da pesquisa. 5Foram entregues os questionários para a totalidade dos docentes do curso técnico em agropecuária, oito

professores (as). Destacamos que cinco deles (as) fizeram a devolutiva do instrumental e que não houve

apresentação de justificativa por parte daqueles (as) que não entregaram o questionário no prazo definido. 6Conforme define a Lei n° 11.741, a educação profissional técnica de nível médio articulada, prevista no inciso I

do caput do art. 36-B desta Lei, será desenvolvida de forma: I - integrada, oferecida somente a quem já tenha

concluído o ensino fundamental, sendo o curso planejado de modo a conduzir o aluno à habilitação profissional

técnica de nível médio, na mesma instituição de ensino, efetuando-se matrícula única para cada aluno; II-

concomitante, oferecida a quem ingresse no ensino médio ou já o esteja cursando, efetuando-se matrículas

distintas para cada curso, e podendo ocorrer: a) na mesma instituição de ensino, aproveitando-se as

oportunidades educacionais disponíveis; b) em instituições de ensino distintas, aproveitando-se as oportunidades

educacionais disponíveis; c) em instituições de ensino distintas, mediante convênios de intercomplementaridade,

visando ao planejamento e ao desenvolvimento de projeto pedagógico unificado. E ainda conforme o artigo Art.

36-B, II - subsequente, em cursos destinados a quem já tenha concluído o ensino médio.

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assistenciais e o processo educativo, justificando-se para isso a importância de uma equipe

interdisciplinar (assistentes sociais, psicólogos (as), pedagogos (as), enfermeiros (as),

nutricionistas, entre outros), que trabalhe de modo integrado, a partir da compreensão do

sujeito em sua totalidade, com suas trajetórias e realidades.

A assistência estudantil, cuja premissa é de prover os recursos necessários para a

superação dos obstáculos e dos impedimentos ao bom desempenho acadêmico, transita,

enquanto política social, em todas as áreas dos direitos humanos, perpassando por ações de

saúde e articulando-se com diversas políticas setoriais (assistência social, previdência,

secretaria de educação, etc.). Em um verdadeiro caleidoscópio de possibilidades de atuação,

essa política incide desde os instrumentais pedagógicos necessários à formação profissional,

nas mais diferentes áreas do conhecimento, passando pelo acompanhamento das necessidades

educativas especiais e questões relacionadas a toda e qualquer forma de preconceito e

discriminação, até o provimento dos recursos mínimos para a sobrevivência do (a) estudante.

A expansão do ensino superior, juntamente com a criação dos cursos técnicos e

tecnológicos, associado aos demais programas do governo federal, geraram a ampliação de

vagas e o acesso de estudantes historicamente excluídos da educação formal, e isto favoreceu

ao surgimento de um novo perfil estudantil, tornando o público mais heterogêneo,

especialmente nas universidades, evidenciando a necessidade de uma abertura para o diálogo

no espaço acadêmico sobre as diversidades, a fim de atendê-las em suas diferenças garantindo

a igualdade de oportunidades.

Apesar de não ter havido uma forte modificação do perfil dos (as) estudantes nos

Institutos Federais de Educação, visto que este sempre atendeu majoritariamente filhos (as) de

trabalhadores (as), diferente da universidade que mantinha um caráter mais elitista,

verificamos que a expansão do ensino técnico e tecnológico7, agregou uma parcela da

população que não conseguia ter acesso a outros níveis de escolarização. A instalação de

unidades do IFCE no interior do Estado, por exemplo, favoreceu a ampliação da assistência

estudantil para lidar com as demandas advindas desse segmento extremamente pauperizado e

fortemente caracterizado pelas refrações da questão social8.

7Correspondem a dois outros níveis de educação previstos pela LDB (1996), sendo o nível técnico destinado aos

(às) alunos (as) egressos (as) do curso médio e o nível tecnológico para egressos (as) do curso superior. 8Segundo Iamamoto (2001, p.10) a expressão questão social “diz respeito ao conjunto das expressões das

desigualdades sociais engendradas na sociedade capitalista madura, impensáveis sem a intermediação do Estado.

Tem sua gênese no caráter coletivo da produção, contraposto à apropriação privada da própria atividade humana

– o trabalho –, das condições necessárias à sua realização, assim como de seus frutos”.

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A visibilidade e o debate acerca das diferenças de gênero, étnico-racial e sexual,

partindo da compreensão de aspectos subjetivos destes sujeitos, assim como a reflexão sobre a

relação capital – trabalho e seus rebatimentos na constituição de políticas públicas, com

recorte para a Política de Educação, são indispensáveis para subsidiar a construção de novos

modelos de atuação da assistência estudantil, entendendo que ela se insere no bojo das

contradições geradoras da dinâmica social e histórica da realidade brasileira.

Buscamos compreender as inúmeras possibilidades de trabalho de assistência

estudantil frente ao modelo educacional adotado no Brasil, em que a emancipação humana e a

construção de cidadãos e cidadãs mais críticos e politizados (as) tornam-se secundários diante

da formação técnica para o trabalho, moldando cada vez mais os sujeitos às necessidades dos

mercados. Ao propormos uma discussão, a partir de um olhar acerca das diversidades que

compõem o espaço escolar requeremos, em primeira instância, o reconhecimento do poder

institucional que reproduz um conjunto de interdições, censuras, discursos, ideias,

representações e práticas discriminatórias e preconceituosas, normatizando padrões de

“normalidade” que se expressam na violência contra o (a) negro (a), o (a) homossexual, a

mulher, o (a) índio (a), ou sobre qualquer “outro” que não esteja amparado no conjunto

dinâmico de valores, normas e crenças da lógica dominante (JUNQUEIRA, 2009).

Dessa maneira, afirmamos que a escola cumpre um importante papel na

conformação dos sujeitos sobre o “aceitável” e o “não aceitável” dentro da sociedade, ainda

que não se atribua a ela o poder e a responsabilidade de construir identidades sociais ou de

determiná-las de forma definitiva. Assim, concordamos com Louro (1999, p.21), ao

considerar a necessidade de reconhecer que na escola “suas proposições, suas imposições e

proibições fazem sentido, têm ‘efeitos de verdade’, constituem parte significativa das histórias

pessoais.” É, pois, a partir deste reconhecimento que nos propomos discutir estruturas

conservadoras e a possibilidade de construção de espaços mais democratizados e integradores

no ambiente educacional.

A seguir apresentaremos o processo de aproximação da pesquisadora com o

campo de estudo em seu espaço sócio ocupacional, o qual se constituiu como lócus deste

estudo.

1.1 Construção do objeto de pesquisa: a pesquisadora e o lócus de investigação

O despertar para esta temática deveu-se à vivência profissional, como assistente

social da equipe de assistência estudantil, no Instituto Federal de Educação, Ciência e

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Tecnologia do Ceará - campus Umirim, possibilitando uma aproximação direta com o objeto

em estudo. A inserção em um campus agrícola permitiu o contato com as juventudes daquele

território, bem como àquelas dos territórios adjacentes, as quais são público direto da Política

de Educação Profissional do Instituto Federal do Ceará, executada no município de Umirim, e

consequentemente da sua Política de Assistência Estudantil.

A vivência como assistente social de março de 20149 até os dias atuais instigou

questionamentos sobre a igualdade de oportunidades entre aqueles (as) jovens, pois as

narrativas e as ações institucionais dão centralidade à discussão da formação técnica e da

empregabilidade do público atendido no campus, desconsiderando muitas vezes as diferenças

e as diversidades existentes no espaço escolar. As concepções disseminadas naquela unidade

de ensino acabam por consolidar a perspectiva meritocrática, produtivista e excludente da

educação, a qual desloca para o indivíduo a responsabilidade pelo êxito acadêmico e

profissional.

O trabalho desenvolvido pelos (as) profissionais da assistência estudantil10

(assistentes sociais, psicólogos (as), pedagogos (as), enfermeiros (as), entre outros), cujo

principal desafio é articular os (as) diversos (as) agentes institucionais, a fim de viabilizar a

igualdade de oportunidades entre todos (as) os (as) estudantes, e contribuir para a melhoria do

desempenho acadêmico, visando à redução da repetência e da evasão, apresenta-se como uma

ferramenta importante para pensar um modelo de política que consiga atuar junto aos

segmentos mais vulnerabilizados e oferecer uma identidade estudantil que reflita sobre os

pensamentos discriminatórios, que corrobore com a construção de trajetórias emancipatórias,

a partir de uma formação integral e da compreensão de que todos (as) são sujeitos de direitos,

com capacidade crítica, reflexiva e dialógica para vivenciar de forma livre e autônoma as suas

vidas.

Dar visibilidade a essa discussão é fundamental para trabalhar efetivamente a

igualdade de oportunidades, o respeito às diferenças e a construção de um modelo de

educação em que haja possibilidade concreta de transformação das realidades dos sujeitos.

Por isso, acreditamos que a intervenção da Política de Assistência Estudantil nos modelos

conservadores que reproduzem estigmas, preconceitos e desigualdades na sociedade, e a

9A pesquisadora foi aprovada em concurso público realizado pelo IFCE em 2012, mas tomou posse no cargo

apenas no ano de 2014, juntamente com outros (as) servidores (as) do mesmo cargo e de outras categorias

profissionais. 10

Prevista pelo Regulamento da Assistência Estudantil do IFCE, ela esclarece em seu Artigo 3º que as ações da

Assistência Estudantil possuem dois eixos norteadores, sendo o primeiro definido como “serviços” que visam

atender a toda a comunidade discente, e o segundo, “os auxílios” que se destinam ao atendimento prioritário ao

discente em situação de vulnerabilidade social.

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participação das Juventudes na construção de políticas públicas voltadas para este segmento,

pode se configurar como importante estratégia de construção de um novo modelo de educação

para o Brasil.

É no trabalho diário, no contato direto com as realidades dos (as) discentes que se

identificam questões latentes que permeiam as relações sociais dos indivíduos, desde as suas

necessidades mais básicas até as problemáticas mais complexas que perpassam relações

familiares, dilemas culturais e sociais, esbarrando em uma série de violências e violações que

convivem no espaço institucional, sendo em alguns casos banalizados ou naturalizados.

Vale destacar que, como pesquisadora, tenho o privilégio de investigar o lócus do

nosso exercício profissional e de aprofundar o conhecimento acerca dos nossos desafios e das

possibilidades para uma atuação mais qualificada. No entanto, nos é exigido um

estranhamento acerca dos espaços que ocupamos como profissionais, em busca de um olhar

estrangeiro, que nos permita enxergar além do aparente e além daquilo que já conhecemos.

Este desafio é instigante na medida em que nos debruçamos em outras searas, conseguindo

olhar para o todo, sem o limite recortado da nossa intervenção. Avaliar a Política de

Assistência Estudantil do IFCE, a partir dos diferentes lugares sociais e profissionais, nos é

caro e estimulador, pois aponta para a possibilidade de avaliação desta Política de forma mais

densa e complexa, o que certamente contribuirá para nosso próprio fazer profissional, como

para provocar reflexões em âmbito mais geral.

O processo de investigação, entre outras coisas, nos permite uma compreensão

mais ampliada sobre o Instituto Federal de Educação do Ceará, visto que a nossa vivência

profissional, ainda recente, se deu apenas neste campus, o que muitas vezes restringe o

entendimento sobre o todo, bem como particulariza o modo de operacionalização da

assistência estudantil, dando uma sensação de que cada campus possui a sua própria Política,

o que não deve ocorrer, uma vez que as diretrizes, os princípios e os objetivos são comuns a

todas as unidades, devendo ser respeitadas as especificidades de cada uma.

Por fim, ressaltamos a formação profissional em serviço social como um dos

elementos de aproximação com o objeto em estudo, visto que o debate aqui travado está

pautado nos princípios e valores do Projeto Ético-Político da profissão, na perspectiva da

ampliação de direitos e consolidação da cidadania, bem como na defesa dos direitos humanos

e recusa a toda e qualquer prática de discriminação, incentivando o respeito à diversidade e à

participação de grupos socialmente discriminados.

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O espaço educacional, o diálogo com as diferenças e suas contradições no que se

refere ao desenvolvimento pleno do sujeito para a possibilidade da emancipação humana, são

questões fundantes que despertaram a necessidade deste estudo, devendo ter maior

fecundidade em discussões e reflexões futuras por parte dos sujeitos envolvidos, direta e

indiretamente, nas Políticas de Educação e de Assistência Estudantil.

Pretendemos, com esse texto, elucidar questões acerca do tema, sem, contudo,

fazer afirmações definitivas e acabadas, mas contribuir para o aprofundamento de novos

estudos sobre assistência estudantil, que possam considerar as suas múltiplas possibilidades,

entre elas a de atuar junto aos grupos historicamente marginalizados do sistema educacional

brasileiro na construção efetiva de uma sociedade mais justa e igualitária.

Apresentaremos abaixo a estrutura a qual organizamos este trabalho, a fim de

tornar a leitura mais dinâmica e facilitada a partir do encadeamento lógico de ideias e

concepções, bem como da própria construção e discussão acerca do objeto.

1.2 Os capítulos e suas discussões

Neste capítulo buscamos apresentar a problemática em torno do objeto de

investigação, situando a sua origem, as contradições que o envolve, traçando os primeiros

elementos que constituirão a nossa análise ao longo da exposição dessa avaliação. Para isso,

demarcamos claramente nosso objeto de pesquisa, bem como os objetivos a que ele se

vincula, nossas hipóteses de partida, além de descrevermos no subitem 1.1 o processo de

aproximação da pesquisadora com o tema em questão, contextualizando o lócus definido para

a pesquisa e justificando a sua escolha e relevância. Ao longo desse capítulo introdutório

foram dadas pistas acerca do que iremos desenvolver como categorias de análise, referencial

teórico-metodológico e arcabouço legal, considerando as legislações e regulamentações que

fundamentam a assistência estudantil no Brasil. Entretanto, o aprofundamento desses

elementos se dará nos capítulos seguintes.

No segundo capítulo tivemos a preocupação de situar o leitor acerca do processo

metodológico da pesquisa, demarcando aspectos conceituais e o percurso da investigação,

caracterizando o território escolhido, definindo as técnicas, os instrumentais, os (as)

interlocutores (as), bem como as etapas inerentes ao processo investigativo. Nesse capítulo

apresentamos nossa escolha metodológica na perspectiva da Avaliação em Profundidade,

caracterizando o objeto como um estudo de caso ancorado no método crítico-dialético e

definimos as técnicas utilizadas para a apreensão de dados de natureza quanti-quali, com

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maior incidência de instrumentos e técnicas de coleta de dados qualitativos. Ressaltamos

ainda que dividimos o capítulo em subitens para tornar didática a exposição do processo

metodológico adotado, considerando os aspectos conceituais, o lócus de investigação e o

processo empírico para a coleta de dados.

Dando prosseguimento à estruturação do texto ora apresentada apontamos no

terceiro capítulo elementos políticos, econômicos e sociais que pesam sobre a formatação das

políticas sociais no Brasil. A discussão acerca do reordenamento do capital, as modificações

sofridas no mercado de trabalho e as consequências desse processo para a Política de

Educação e, consequentemente, para a Política de Assistência Estudantil foram temas

trabalhados, respectivamente, no Capítulo 3 e seus subitens 3.1 e 3.2.

Tratamos ainda da própria Política de Assistência Estudantil, tanto sobre a sua

trajetória no Brasil, como a sua configuração dentro do IFCE, situando-a sempre como uma

política social inserida na educação. Nesse sentido, fizemos o esforço de apresentar uma

discussão teórica acerca da categoria política social e de caracterizá-la dentro do contexto

institucional do nosso lócus de estudo, trazendo à baila a análise do texto da Política

formatada no IFCE à luz dos dados obtidos na pesquisa de campo. Os subitens 3.3, 3.4 e

3.4.1, elucidaram, respectivamente, de modo específico, o histórico sobre a Assistência

Estudantil no Brasil; a Política de Assistência Estudantil no IFCE, tratando da sua concepção

e organização e a Política de Assistência Estudantil operacionalizada no campus Umirim/CE.

No quarto capítulo realizamos a discussão teórica de conceitos e categorias que

compõem nosso estudo, salientando e delimitando aquelas que se caracterizam como centrais

nesta pesquisa, quais sejam: diversidades, com recorte de gênero, etnia e raça e sexualidade;

desigualdades sociais e assistência estudantil. Buscamos proceder de modo dialógico com os

dados concebidos a partir do trabalho de campo. O referido capítulo também se estrutura em

subitens, os quais abordam suas discussões específicas na construção dos nossos referenciais

de análise.

Por fim, trouxemos algumas considerações ao final do texto com o intuito de

inferir às hipóteses iniciais reflexões e problematizações que merecerão novos olhares e

debates, a fim de ampliar as contribuições para a área da assistência estudantil. Além disso,

apresentamos constatações secundárias, notáveis e importantes, que se constituíram durante

esse estudo. A pesquisa social como investigação da realidade social, como afirma Minayo

(2001), é uma construção histórica e essencialmente dialética, o que não deixa de ser um

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processo em constante construção, estando sujeita a alterações e não podendo se fechar em

uma única e rígida possibilidade.

O trabalho aqui realizado não pretende esgotar qualquer discussão sobre o tema,

mas visa contribuir para a reflexão sobre as possibilidades de atuação frente às desigualdades

entre os (as) jovens no processo de formação e de vivência dentro da sociedade, suscitando

questões que circundam o cotidiano profissional das equipes de assistência estudantil, bem

como a vida dos (as) diversos (as) estudantes que buscam na educação oportunidades para a

transformação de suas realidades.

Diante da apresentação dos capítulos e discussões contidas nesse texto, daremos

continuidade ao próximo capítulo, que discorrerá sobre o processo de pesquisa situando os

aspectos conceituais e metodológicos da nossa escolha.

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2. AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS: DOS ELEMENTOS CONCEITUAIS

AO PERCURSO METODOLÓGICO

Para Fonseca (2002), metodologia, constitui como o estudo da organização, dos

caminhos a serem percorridos para se realizar uma pesquisa, indo além da descrição dos

procedimentos, pois demarca a escolha teórica realizada pelo (a) pesquisador (a). Nesse

sentido, apontamos aqui nossa escolha pela abordagem metodológica apresentada por

Rodrigues (2008), denominada Avaliação em Profundidade, entendendo que esta supera as

abordagens tradicionais de avaliação de políticas públicas, por considerar que o processo de

avaliação de uma política e/ou programa possui uma abrangência analítica mais geral, sendo

imprescindível, para isso, realizar um processo de investigação que considere quatro

dimensões: o conteúdo da política em questão, contemplando sua formulação, as bases

conceituais e sua coerência interna; a análise do contexto em que foi formulada; a sua

trajetória institucional, e o seu espectro temporal e territorial. Portanto, nosso esforço foi o de

considerar as dimensões defendidas pela referida autora, a fim de nortear metodologicamente

a avaliação da Política de Assistência Estudantil no IFCE, com recorte para o campus

Umirim/CE.

Ressaltamos que a referida política está inserida como política social no âmbito da

política de educação, tendo como recorte a educação profissional. Nosso lócus de pesquisa

está circunscrito em um Instituto Federal de Educação, cuja função é a formação técnica,

sendo esse elemento uma especificidade no contexto das análises, contudo, não terá

centralidade em nosso estudo, pois compreendemos que a política de educação profissional

não configura o objeto da nossa pesquisa.

Partindo para as dimensões elencadas por Rodrigues (2008), consideramos para a

análise de conteúdo da política o marco regulatório, as leis, os decretos, os documentos

institucionais e outras fontes possíveis de pesquisa, para constituir a formulação da assistência

estudantil em âmbito nacional, bem como no IFCE.

Para delinearmos a trajetória percorrida pela Assistência Estudantil no Brasil até a

sua institucionalização e operacionalização no campus Umirim fez-se necessário conhecer a

concepção, formulação e bases teóricas estabelecidas em nível nacional, assim como as

discussões e legislações elaboradas no âmbito institucional do IFCE. Para obter os dados

pertinentes a este estudo utilizamos um conjunto de técnicas de pesquisa que permitiram uma

avaliação extensa e detalhada, como sugere Rodrigues (2008).

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Iniciamos pela pesquisa bibliográfica, imprescindível no processo de investigação,

em que, no nosso caso, foi fundamental para elucidar o processo histórico e político de

concepção das primeiras práticas de assistência estudantil no país e para contextualizar a

participação dos (as) próprios (as) estudantes no processo reivindicatório para a garantia do

acesso e permanência nas universidades. A pesquisa bibliográfica, através da busca de

legislações, de decretos, de registros documentais e de trabalhos já realizados sobre a

temática, permitiu a construção de um pensamento decodificado sobre a trajetória percorrida

pelo nosso objeto de estudo. Além disso, permitiu a construção do nosso referencial teórico

para o embasamento das categorias de análise a serem trabalhadas ao longo da pesquisa.

Optamos também pela pesquisa documental, que de acordo com Matos e Vieira

(2001) nela trabalha-se com dados primários, ou seja, com aquilo que não foi analisado e

publicado, o que possibilita sua reelaboração segundo a ótica do (a) pesquisador (a). Por isso é

indispensável o diálogo entre a bibliografia pesquisada, os documentos oficiais e os dados

coletados. Também foram pesquisadas normativas e documentos institucionais para tratar

sobre a Política de Assistência Estudantil do IFCE, além de estudos realizados anteriormente

por outros (as) pesquisadores (as), considerando principalmente os apontamentos sobre o seu

processo de institucionalização e regulamentação.

No que se refere ao espectro temporal-territorial, consideramos o período da

implantação da assistência estudantil no referido campus, considerando o surgimento da

unidade em 2008 e a estruturação da Coordenação de Assuntos Estudantis em 2014.

Utilizamos essas referências no sentido de estabelecer um marco temporal que contemple

tanto a institucionalidade dos Institutos Federais, como o início da política de assistência

estudantil no campus Umirim do IFCE. Portanto, para fins de demarcação do nosso espectro

temporal, definimos os anos de 2014 a 2016, onde trabalhamos o resgate histórico da

trajetória institucional da política no campus e na própria instituição.

Com relação à pesquisa de campo, abrangemos as informações dos (as) estudantes

com matrícula ativa no semestre letivo de 2016.2, das turmas de subsequente do curso técnico

em agropecuária. Nesse caso, demarcamos temporalidades distintas, a fim de contemplarmos

a trajetória da política e a sua operacionalização no contexto mais atual.

No tocante ao espectro territorial realizamos um recorte entre os trinta e dois

campi do IFCE11

, incluindo aqui a Reitoria, onde definimos o campus de Umirim como lócus

11

Os campi do IFCE são: Acaraú, Aracati, Baturité, Boa Viagem, Camocim, Canindé, Caucaia, Cedro, Crateús,

Crato, Fortaleza, Guaramiranga, Horizonte, Iguatu, Itapipoca, Jaguaribe, Jaguaruana, Juazeiro do Norte,

Limoeiro do Norte, Maracanaú, Morada Nova, Paracuru, Pecém, Polo de Inovação Fortaleza, Quixadá, Reitoria,

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desta pesquisa, resgatando aspectos relacionados ao seu histórico, ao seu contexto social,

político e econômico. Explicitamos mais uma vez que esta escolha foi intencional e se deu

pelas inquietações e indagações geradas ao longo do tempo de serviço nesta unidade, sendo a

Política de Assistência Estudantil do IFCE nosso referencial de análise.

Nossa investigação está circunscrita na área das ciências sociais, cujo objeto de

estudo se caracteriza como um estudo de caso, tendo sido definido o campus de Umirim/CE

como território do trabalho empírico, delimitando-se o Curso de Agropecuária na modalidade

Subsequente, como o campo analítico da pesquisa. Este estudo busca identificar elementos

que possibilitem compreender, analisar e avaliar a operacionalização da assistência estudantil,

a partir de um campus agrícola, discutindo sobre as possibilidades e os limites existentes nesta

relação.

Ressaltamos que o estudo de caso, segundo Gil (1999) é uma técnica de

investigação utilizada em pesquisas de cunho essencialmente qualitativo e se caracteriza por

um estudo mais apurado de um ou poucos objetos. Para Yin (2001), o estudo de caso propicia

a pesquisa de um elemento singular dentro de suas articulações mais gerais, sem que se perca

a percepção dessas relações, a partir de uma ótica multidimensional. Desse modo, a partir das

dimensões social, histórica e simbólica, buscamos relacionar as peculiaridades do nosso

objeto e sua inserção em um contexto mais amplo.

Apresentamos como justificativa para a delimitação do Curso de Agropecuária no

processo de pesquisa o fato de ele ter sido o primeiro a ser implantado na unidade de Umirim,

e por ter dado ao campus o status de agrícola, o que resulta em especificidades próprias dentro

da Rede IFCE. A escolha pela modalidade subsequente se dá pela diferenciação do público no

que tange à faixa etária, a natureza da formação e ao interesse dos (as) jovens pela

agropecuária, diferente das turmas de ensino médio integrado em que muitas vezes a

motivação do (a) estudante é pelo ensino médio e não pela área técnica. Esses elementos nos

classificam dentro de uma situação particular, com peculiaridades que merecem ser

evidenciadas.

A natureza do Curso também nos estimula a pensar ações de assistência estudantil

que reflitam sobre a igualdade de oportunidades e de condições diante da pluralidade dos

sujeitos, os quais apresentam questões sobre as desigualdades de gênero, sexual e étnico-

racial, vivenciadas no contexto sociofamiliar e que reverberam no espaço escolar, assim como

no espaço sócio ocupacional dos (as) jovens após a conclusão da formação. Sabemos que a

Sobral, Tabuleiro do Norte, Tauá, Tianguá, Ubajara e Umirim. Disponível em: <http://ifce.edu.br/acesso-

rapido/campi/campi> Acesso em 24 de setembro de 2016.

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29

discussão deste estudo não se resume a área da agropecuária. Contudo, reconhecemos que se

consubstanciou na estrutura agrária uma herança patriarcal-conservadora que potencializa

desigualdades, especialmente no tocante à questão de gênero, merecendo um olhar cuidadoso

que possa produzir contribuições para o processo de formação dos sujeitos.

Sobre a amostra da pesquisa podemos caracterizá-la como intencional tendo sido

definidos públicos diferenciados para explorar a trajetória e a operacionalização da referida

política no campus Umirim/CE. Para isso buscamos ouvir gestores (as), professores (as) e

estudantes, os quais foram designados como interlocutores (as) desta pesquisa.

Posteriormente, discorreremos sobre a pesquisa de campo apresentando os grupos

pesquisados, bem como as técnicas e instrumentais utilizados para a coleta dos dados.

Na última etapa da pesquisa realizamos a revisão de literatura e procedemos à

análise de conteúdo, o que foi primordial para o processo de decodificação dos significados

contidos nas mensagens emitidas pelos (as) interlocutores (as) da pesquisa. Segundo Bardin

(2002, p.42), a análise de conteúdo é “um conjunto de técnicas de análise das comunicações

visando obter, por procedimentos, sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das

mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos

relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens”. Desse

modo, pretendemos tornar elucidativas as considerações que serão realizadas no decorrer do

texto.

Antes de descrevermos o processo metodológico da pesquisa, apresentaremos o

lócus da pesquisa, o campus Umirim/CE, situando o seu surgimento e caracterizando-o, a

partir de dados sobre o município onde está inserido.

2.1 Expansão da Rede Federal de Educação Profissional e o Instituto Federal de

Educação do Ceará - IFCE

É importante destacar que a ampliação da Rede Federal de Educação Profissional

e Tecnológica12

ocorrida durante o governo Lula (2003-2006 e 2007- 2010), a partir do

lançamento do Plano de Expansão em 2003, confere uma nova lógica para a Política de

Educação a partir da ampliação de vagas e cursos de nível superior, técnico e tecnológico,

possibilitando aos municípios e às suas localidades rurais, que historicamente tiveram

dificuldade para o acesso à escola, a elevação dos níveis de escolaridade da população, com

12

Ver o Plano de Expansão da Rede Federal de Educação Tecnológica - Fase III. Disponível em:

<http://www.jc.iffarroupilha.edu.br/site/midias/arquivos/201151115351796apresentacao_setec__metodologia_e

xpansao_fase_iii.pdf> Acesso em 03 de junho de 2017.

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30

forte apelo ao discurso da formação profissional. Embora tenhamos críticas ao modo como se

deu essa expansão e ao próprio discurso ideológico que cria expectativas de empregabilidade

a partir da qualificação profissional, não negamos os avanços da educação profissional a partir

deste período.

Em 2008, através da promulgação da Lei nº 11.892/08 (Lei que institui a Rede

Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica), criam-se os Institutos Federais

de Educação, Ciência e Tecnologia, que transformou o Centro Federal de Educação

Tecnológica em Instituto Federal de Ciência e Tecnologia do Ceará em uma nova

institucionalidade no campo da educação profissional e tecnológica.

Embora não tenhamos a intenção de adentrar os meandros da educação

profissional, consideramos importante situar o contexto da criação da instituição onde

desenvolvemos nossa pesquisa a fim de anunciarmos os impactos deste processo na

operacionalização da Política de Assistência Estudantil do IFCE, uma vez que a trajetória

institucional está fortemente imbrincada com os processos históricos e suas implicações

políticas, econômicas, sociais e culturais.

Consideramos abaixo o texto jurídico-institucional acerca desta nova formatação

da Rede Federal, donde se apresenta o que infere o MEC:

Os novos Institutos Federais atuarão em todos os níveis e modalidades da

educação profissional com estreito compromisso com o desenvolvimento

integral do cidadão trabalhador [...] É uma instituição que articula a

educação superior, básica e profissional, pluricurricular e multicampi,

especializada na oferta de educação profissional e tecnológica em diferentes

níveis e modalidades de ensino [...] Em síntese, esse novo desenho

constituído traz como principal função a intervenção na realidade, na

perspectiva de um país soberano e inclusivo, tendo como núcleo para

irradiação das ações o desenvolvimento local e regional (BRASIL, 2010c,

p.19-21).

O texto denota uma hibridação inerente ao novo modelo instituído, que aponta

para a pluralidade de modalidades de ensino, o que torna complexa a proposta trazida para a

educação profissional. Além disso, aponta para a dimensão integral da formação do sujeito,

abrindo as possibilidades para uma reflexão sobre o modelo dualista de educação no Brasil,

embora não tenha como pretensão a sua superação, uma vez que esta Política possui

contradições inerentes ao processo de produção e reprodução da vida econômica e social dos

indivíduos, e que a base desta contradição está no modo de produção em que vivemos e a que

ela se destina e se subordina.

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31

A intencionalidade do governo não pode ser percebida de modo

descontextualizado e desvinculado das exigências do mercado. A proposta político-

educacional-financeira do Banco Mundial, por exemplo, prevê a criação de instituições de

educação superior que tenham custos inferiores aos das universidades, no que se refere aos

cursos superiores técnicos, alegando que estes cursos são mais flexíveis e, portanto, mais

apropriados ao sistema produtivo (SHIROMA, MORAES e EVANGELISTA, 2002).

Essas ideias têm sido disseminadas nos países periféricos, como o Brasil, e

fortalecidas pelo discurso daqueles que planejam a educação. Segundo as referidas autoras, o

Banco Mundial estabelece as diretrizes que direcionam para o estreitamento de laços do

ensino com o setor produtivo, incentivando a interação entre setor público e setor privado,

designando para a educação profissional uma importância central na formação de

trabalhadores adaptáveis às demandas capitalistas.

Sob a nova denominação verificamos os princípios essenciais que passam a

nortear institucionalmente o Instituto Federal do Ceará - IFCE:

MISSÃO: produzir, disseminar e aplicar os conhecimentos científicos e

tecnológicos na busca de participar integralmente da formação do cidadão,

tornando-a mais completa, visando sua total inserção social, política, cultural

e ética. VISÃO: Tornar-se padrão de excelência no ensino, pesquisa e

extensão na área de Ciência e Tecnologia. VALORES: Nas suas atividades,

o IFCE valorizará o compromisso ético com responsabilidade social, o

respeito, a transparência, a excelência e a determinação em suas ações, em

consonância com os preceitos básicos de cidadania e humanismo, com

liberdade de expressão, com os sentimentos de solidariedade, com a cultura

da inovação, com ideias fixas na sustentabilidade ambiental (IFCE, 2012,

p.02)13

.

O texto institucional traduz a nova Política de Educação Profissional no Brasil,

que busca desenvolver novas potencialidades do “cidadão trabalhador”, as quais sejam úteis

ao modo de produção capitalista, mesmo sem qualquer garantia de acesso ao mercado,

tampouco de ascensão dentro da divisão social e técnica do trabalho.

No Ceará, o Plano de Expansão da Rede Federal, previsto pelo governo Lula

(2003-2006 e 2007- 2010) e mantido no primeiro mandato do governo de Dilma Rousseff

(2011-2014), ampliou as unidades do IFCE de 03 campi, em 2005, para 23 campi, em 2013,

todos distribuídos nas regiões do interior do Estado. Em 2014 foram criados mais 06

unidades, a saber: Acopiara, Boa Viagem, Horizonte, Itapipoca, Maranguape e Paracuru,

13

O texto foi aprovado pelo Conselho Superior do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará,

através da Resolução nº14, de 02 de março de 2012. Disponível em: <http://ifce.edu.br/acesso-a-

informacao/Institucional/missao-visao-e-valores> Acesso em 09 de junho de 2017.

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totalizando em 29 campi. A Rede conta ainda com o Hotel - Escola de Guaramiranga, uma

Reitoria e um Polo de Inovação em Fortaleza, o que totaliza 32 unidades atualmente.

A operacionalização do Plano de Expansão da Rede Federal no país, prevista pelo

Ministério da Educação – MEC, através da Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica

- SETEC dividiu em três fases a criação das novas unidades: fase I (de 2005 a 2007) com

previsão de 64 novas unidades; fase II (de 2007 a 2010) pretendia-se a construção de 150

unidades de ensino e a fase III (de 2011 a 2014), já sob o governo da presidenta Dilma

Rousseff, criaram-se mais 208 unidades de ensino (Brasil/MEC/SETEC 2014).

A criação de novas unidades se deu de modo acelerado e com pouco investimento,

gerando críticas da comunidade acadêmica no tocante à ausência de discussão sobre o

funcionamento das novas unidades, visto que não havia acontecido seleção do quadro de

servidores, em especial, dos setores administrativos, os quais ficaram, provisoriamente,

gerenciados por professores (as), sem formação específica para o desenvolvimento das

atividades, sobrecarregando, inclusive, o corpo docente em suas atividades acadêmicas, haja

vista a necessidade de garantir o funcionamento do campus. Esta foi uma realidade marcante

no processo de estruturação do campus de Umirim, por exemplo.

Dando continuidade à trajetória da estruturação do campus Umirim, apontamos no

próximo tópico uma breve caracterização do município onde está situada a unidade e o

contexto de sua origem.

2.1.1 Umirim e o campus

O município de Umirim, inserido na bacia do Rio Curu, forma a região do Vale

do Curu14

, e apesar da sua emancipação política recente, 1985, quando deixou de ser um

distrito da cidade de Uruburetama, foi escolhido para sediar uma unidade do Instituto Federal

do Ceará naquela região.

Município de pequeno porte, com IDH de 0,587, em 2010, segundo o IBGE15

,

tendo como principais atividades econômicas a agricultura de subsistência (milho, feijão), a

criação de pequenos animais (ovinos, caprinos e galinhas caipiras), o pequeno comércio e

14

O território do Vale do Curu e Aracatiaçu é composto por 18 municípios, sendo eles: Umirim, Uruburetama,

Itapajé, Irauçuba, Pentecoste, Apuiarés, General Sampaio, Tejuçuoca, Amontada, Itapipoca, Itarema, Miraíma,

Tururu, Paraipaba, São Gonçalo do Amarante, São Luís do Curu, Paracuru e Trairi (PDI - Umirim 2014-2018,

p.10). 15

Informação obtida através do site: <https://cidades.ibge.gov.br/brasil/ce/umirim/panorama> Acesso em 28 de

setembro de 2017.

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empregos diretos na administração municipal. Os documentos institucionais16

justificam a

instalação da unidade do IFCE em Umirim alegando o potencial agropecuário da região e o

seu perfil populacional, com a presença do homem e da mulher do campo. Nesse sentido, a

missão da instituição é firmada com o intuito de contribuir para o desenvolvimento local

daquela região.

Ressaltamos que o discurso do desenvolvimento local também estava previsto no

Plano de Desenvolvimento da Educação, em 2007, durante o Governo Lula (2007- 2010).

Portanto, a estruturação de uma unidade do IFCE naquela região alinhava a necessidade do

território a uma das metas da Política de Educação.

A Prefeitura Municipal de Umirim, em 1990, iniciou em parceria com o

Ministério da Educação e Cultura - MEC, a construção de uma Escola Agrícola, a qual fora

concluída em 1992 com recursos do governo federal, municipal e doações empresariais. Após

a conclusão do espaço, com as mudanças dos governos municipal e federal e a inserção de

novas políticas educacionais, o projeto da escola agrícola foi criticado e abandonado, sendo

retomada a discussão apenas em 2003, a partir da criação da Comissão de Instalação das

Ações Territoriais - CIAT17

, no Território do Vale do Curu e Aracatiaçu, a qual tinha como

objetivo propiciar discussões e decisões acerca do funcionamento de uma nova escola

agrícola de educação no campo para a região.

Na construção de um Plano Territorial, em 2005, a CIAT definiu como o

programa prioritário para o Território dos Vales do Curu e Aracatiaçu a readequação da

Escola Agrícola de Umirim à rede de escolas agrotécnicas federais. Em 2007, ocorreu um

encontro entre os dirigentes de diversas unidades da rede federal de educação profissional,

onde o então presidente Luís Inácio Lula da Silva anunciou a expansão e o fortalecimento da

rede. Na ocasião sugeriu-se uma articulação com a SETEC, a fim de incluir as demandas

locais nas metas da referida expansão18

.

Nesse sentido, percebe-se que a criação da Escola Agrícola em Umirim, naquele

período, contou com a participação da sociedade civil, tais como: de políticos e de

16

Plano de Desenvolvimento Institucional PDI 2014-2018 do IFCE - Campus Umirim (novembro de 2013) e

Documento de Criação da Escola Agrícola de Umirim, 2009. 17

A Comissão de Instalação das Ações Territoriais - CIAT é um fórum de organizações da sociedade civil do

Território do Vale do Curu e Aracatiaçu. Neste fórum são tomadas as principais decisões sobre as propostas de

políticas públicas para esses municípios de forma que sejam contempladas as principais demandas dos mesmos.

A CIAT faz parte do Programa de Desenvolvimento Sustentável de Territórios Rurais (PRONAT), vinculado à

Secretaria de Desenvolvimento Territorial – SDT do Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA, governo

federal. A CIAT tem representatividade em uma área de abrangência dos 18 municípios que compõem o

Território do Vale do Curu e Aracatiaçu (CEARÁ, 2009). 18

Disponível em: <http://ifcecampusumirim.blogspot.com.br/2012/06/nosso-historico.html> Acesso em 20 de

agosto de 2016.

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34

empresários locais, tendo sido um elemento propulsor para a decisão acerca da instalação de

uma unidade de ensino no município de Umirim voltada para a política de educação

profissional. Entretanto, não é possível aprofundar como se deu de fato a participação da

sociedade civil na tomada de decisão e nos processos de discussões, pois não tivemos acesso a

textos e documentos que tratem do registro das reuniões e outros encontros que possam ter

havido à época.

Em 2008, a Escola Agrícola de Umirim tornou-se um anexo da Escola

Agrotécnica Federal de Crato, passando então a ser designada como Escola Agrotécnica

Federal de Umirim. A Escola teve suas atividades letivas iniciadas em 31 de março de 2008,

oferecendo o Curso Técnico em Agropecuária Integrado ao Ensino Médio, com duração de

três anos. Não por acaso, o nosso objeto de estudo tomou como referência o curso de

agropecuária, visto que ele motivou a CIAT para a reestruturação da Escola Agrícola de

Umirim por conta da vocação econômica da região.

Em 2009, quando as Escolas Agrotécnicas Federais passaram a integrar os

Institutos Federais de Educação a Escola Agrotécnica Federal de Umirim passou a ser campus

avançado19

do IFCE ligado ao campus Crato, inserindo-se, portanto, na terceira fase da

Expansão da Rede Federal da Educação Profissional e Tecnológica.

Salientamos que o processo de desvinculação do campus Umirim ao campus

Crato é recente, iniciado em 2012, adquirindo apenas em 2014/2015 a sua autonomia

administrativa - financeira para execução de suas atividades. Neste mesmo período, iniciou o

processo de estruturação do quadro de recursos humanos na unidade, com a posse de

servidores (as) do concurso realizado no ano de 2012, em especial para cargos de técnicos-

administrativos. Esse fato possibilitou o processo de estruturação dos setores administrativos

e das funções dos cargos necessários ao desenvolvimento das atividades.

É nesse contexto que começa a se estruturar a Coordenação de Assuntos

Estudantis no campus, que funcionou até setembro de 2014 com apenas duas assistentes

sociais e um coordenador, o qual era professor do curso técnico de agropecuária. É possível

identificar quais demandas eram remetidas inicialmente a esta coordenação, o que traduz o

entendimento institucional, à época, sobre a assistência estudantil, revelando também o

desconhecimento em torno da atuação do serviço social.

Os primeiros encaminhamentos recebidos pelas assistentes sociais possuíam um

vínculo quase que constante com a questão disciplinar, com forte apelo moral-conservador,

19

Significa dizer que Umirim estava submetido no aspecto orçamentário e administrativo ao campus de Crato.

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especialmente, no que se referia à homossexualidade dos (as) alunos (as). A assistência

financeira também se configurou desde sempre como uma demanda primordial, talvez

justificando a própria ordem de chegada dos membros da equipe da assistência estudantil. A

associação do setor ao atendimento de questões meramente socioeconômicas teve amparo no

que os (as) gestores (as) e docentes conheciam até então, o Programa de Auxílios20

,

disseminado como a principal ou a única ação de assistência estudantil. Esses elementos

indicaram a necessidade de construção de uma identidade acerca do papel da assistência

estudantil e do próprio exercício profissional do serviço social.

Veremos ao longo do estudo o perfil das demandas direcionadas atualmente ao

setor e as percepções que foram se construindo em torno do que é a assistência estudantil.

Abordaremos mais detalhadamente a categoria de assistência estudantil no próximo capítulo,

apresentando tanto a sua história no cenário brasileiro, como na sua institucionalização no

IFCE e no próprio campus Umirim. Os dados da pesquisa de campo permitirão ainda que

sejam desveladas as compreensões acerca das ações de assistência estudantil, partindo do

olhar dos sujeitos históricos que compuseram as reflexões sobre o tema.

Dando seguimento à discussão acerca do processo metodológico que estruturou os

rumos dessa pesquisa, apresentamos o percurso da investigação, com base nos procedimentos

escolhidos e no público selecionado.

2.2 Metodologia da Pesquisa: técnicas e instrumentais

Concordando com Minayo (2001), compreendemos que a metodologia inclui as

concepções teóricas de abordagem, o conjunto de técnicas que possibilitam a apreensão da

realidade e também o potencial criativo do (a) pesquisador (a). E, ainda, que a pesquisa

científica, especialmente a pesquisa social, é uma atividade indispensável para a apreensão e

compreensão da dimensão histórica e dinâmica da sociedade.

No percurso metodológico reconhecemos a riqueza dos significados e percepções

dos sujeitos que atuam como garantidores ou como receptores da Política de Assistência

Estudantil no campus Umirim. Estes significados e percepções serão apreendidos através dos

instrumentos e técnicas de pesquisa, tais como questionários semiestruturados21

e entrevistas,

20

O Programa de Auxílios corresponde ao benefício financeiro concedido aqueles (as) estudantes com alto índice

de vulnerabilidade socioeconômica. No IFCE eles são estabelecidos a partir do Regulamento de Concessão de

Auxílios Estudantis, a partir da Resolução nº 052, de 24 de outubro de 2016. 21

Combina perguntas fechadas e abertas, onde o entrevistado tem a possibilidade de discorrer sobre o tema

proposto, sem respostas ou condições prefixadas pelo (a) pesquisador (a).

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36

envolvendo grupos distintos no processo investigativo, o que nos garante múltiplos olhares, a

partir dos lugares ocupados pelos sujeitos.

A pesquisa apresenta natureza quantitativa e qualitativa que, segundo Minayo

(2000), não são duas formas de investigação irremediavelmente opostas, ao contrário, se

complementam, pois a realidade abrangida por elas interage dinamicamente. A abordagem

utilizada é considerada qualitativa porque objetiva responder a questões muito peculiares, ao

se preocupar também com questões que não podem ser mensuradas, quantificadas, pois se

trabalhou com um universo de significações processuais, opiniões, representações, atitudes,

elementos que não podem ser operacionalizados sob a forma de variáveis (MINAYO, 2001).

O estudo qualitativo foi utilizado como forma de apreender a percepção que os sujeitos

sociais envolvidos têm acerca do objeto estudado, considerando suas experiências e valores na

sociedade.

A opção por questionário semiestruturado (apêndice A e C) e entrevista (apêndice

B e D) justifica-se por possibilitar uma maior flexibilidade nas respostas e nas falas, o que

pode enriquecer ainda mais a temática de estudo escolhida (MATOS; VIEIRA, 2001).

As perguntas trabalhadas nos questionários foram aplicadas a 26 jovens, todos

(as) estudantes do Curso de Agropecuária, na modalidade Subsequente. As questões se

referiram, essencialmente, ao conhecimento dos (as) estudantes acerca da assistência

estudantil, considerando as suas ações e programas, à sua finalidade e à sua atuação junto à

formação técnica e no diálogo sobre as diversidades de gênero, étnico-racial e sexual. Além

disso, foi traçado um perfil desse grupo contendo dados sobre sexo, etnia, origem,

sexualidade, trabalho, renda e faixa etária, os quais estabeleceram um diálogo com as

categorias e conceitos preliminarmente definidos para a composição desse trabalho.

É importante informar o (a) leitor (a) que utilizamos também dados quantitativos

acessados a partir da ferramenta “IFCE em números”22

e do sistema “Q-acadêmico”23

para a

apresentação de informações sobre a evasão escolar, sexo, faixa etária e origem, do universo

total dos (as) alunos (as) que compõem as turmas do Curso Técnico de Agropecuária, na

modalidade Subsequente, a fim de compor uma caracterização ampliada do público do

22

O “IFCE em números” é uma ferramenta que traz uma coletânea de dados acadêmicos do instituto, como perfil

de estudantes, informações sobre cursos, entre outros elementos. 23

Sistema responsável pelas informações acadêmicas dos (as) discentes. A Coordenação de Controle Acadêmico

– CCA tem a responsabilidade de manter o registro dos dados de matrícula e de atualizações no decorrer do

período de permanência do (a) estudante no sistema, sendo responsável por realizar os procedimentos

institucionais de afastamentos, trancamentos, transferências, abandono, e outras situações relacionadas à vida

acadêmica dos (as) alunos (as). O Sistema é operacionalizado ainda pelos (as) docentes com a finalidade de que

sejam registradas as informações de frequência escolar, notas, conteúdos das aulas ministradas, etc.

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referido curso. Portanto, os 26 estudantes que participaram da etapa dos questionários são um

recorte do público de 159 alunos (as) matriculados no curso e nas turmas estabelecidas,

durante do semestre letivo de 2016.2. Acrescentamos ainda que, do grupo de 26 estudantes,

04 participaram da segunda etapa da pesquisa, que correspondeu às entrevistas.

Com relação aos questionários aplicados com o grupo de docentes da área técnica

do Curso de Agropecuária podemos destacar que as perguntas buscaram compreender a

relação e a percepção dos (as) professores (as) sobre a assistência estudantil, pedindo que

fossem apontadas ações conhecidas, possíveis participações nas atividades, encaminhamentos

realizados e a importância da assistência estudantil para os (as) alunos (as), de acordo com

suas opiniões.

Optamos também pela entrevista como uma das técnicas investigativas, por

concordarmos com a compreensão apresentada por Minayo (2001), de que ela não significa

uma conversa despretensiosa e neutra, uma vez que se insere como meio de coleta de dados

dos fatos relatados por agentes, enquanto sujeitos da pesquisa, que vivenciam uma

determinada realidade que está sendo focalizada. Esta técnica possibilita captar melhor o que

as pessoas sabem ou pensam sobre determinado assunto, podendo ser observados aspectos

mais subjetivos como sua postura corporal, a tonalidade de voz, os silêncios, os olhares etc.

Entendemos que ela possibilita apreensões aprofundadas sobre determinado tema, permitindo

ao (à) pesquisador (a) conhecer ou explorar questões inicialmente deixadas de lado, uma vez

que o diálogo pode provocar outros elementos, talvez mais centrais, para aquilo que se

pretende investigar.

Os roteiros de entrevista foram elaborados para dois grupos distintos, o de

gestores (apêndice D), considerando aqueles (as) que possuem uma atuação aproximada da

assistência estudantil, e o de estudantes (apêndice B) que priorizou, dentre o grupo

respondente dos questionários, aqueles (as) estudantes referenciados (as) pelas categorias de

gênero, etnia/raça e sexualidade.

As questões abordadas nos dois roteiros primaram pela discussão sobre o processo

de formação técnica dos (as) estudantes, o qual aponta elementos que se relacionam com os

aspectos econômicos, políticos e sociais levantados nesse estudo e pelas percepções e

representações dos (as) entrevistados (as), a partir de seus valores, opiniões e crenças sobre a

assistência estudantil e as diversidades, com recorte para as categorias anteriormente

mencionadas.

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38

Aos (às) gestores (as) foram acrescentadas questões que apontassem para o

planejamento, o acompanhamento e o monitoramento da política de assistência estudantil no

campus e aos (às) estudantes procurou-se obter informações acerca da vivência dos (as)

jovens e de suas famílias na atividade de agricultura; dos impactos no município após a

instalação do campus na cidade de Umirim/CE; e da inserção no mercado de trabalho após a

formação profissional.

Ressaltamos que as falas dos (as) interlocutores (as) foram reproduzidas ipisis

litteris, inclusive com os vícios de linguagem. Com essa informação, dispensaremos a

expressão [SIC] após cada transcrição.

Buscando tornar mais clara a compreensão sobre o processo de definição dos

grupos participantes de cada etapa da pesquisa, apresentamos, a seguir, os sujeitos desse

estudo, com as respectivas justificativas sobre a nossa escolha.

2.2.1 Interlocutores (as) da pesquisa

A fim de esclarecermos a escolha do público interlocutor da pesquisa de campo

elaboramos a Tabela 01 a seguir, a qual aponta para as técnicas de pesquisa e os grupos

participantes, identificando a previsão dos quantitativos e do que foi possível realizar.

Tabela 01 – Interlocutores (as) e Técnica de coleta dos dados

Público Total Quant.

Previsto

Quant.

participante

% de

participação

Técnica de

pesquisa Gestores (as) do campus 11 04 03 75% Entrevista

Docentes

(área técnica do Curso de

Agropecuária)

08 08 05 62,5% Questionário

semiestruturado

Discentes do Curso Técnico em

Agropecuária

(turmas do Curso Subsequente -

semestre 2016.2)24

159 98

26 27% Questionário

semiestruturado

Representação discente quanto

ao gênero, à etnia e à diversidade

sexual (Curso Técnico

Subsequente em Agropecuária)

--- 05 04 80% Entrevista

Fonte: Elaboração própria em junho de 2017.

Com base no Plano de Desenvolvimento Institucional – PDI (2014-2018) do

campus Umirim, verificou-se os cargos de gestão existentes, na época de sua elaboração,

definidos no organograma do campus, quais sejam: direção geral, coordenação de gestão de

24

Os dados sobre o número de alunos (as) matriculados (as) no semestre letivo 2016.2 foram retirados do site:

<http://ifceemnumeros.ifce.edu.br/> Acesso em 20 de junho de 2017.

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39

pessoas, coordenação de assuntos estudantis, coordenação de ensino, coordenação de

administração geral, coordenação de controle acadêmico, coordenação de almoxarifado e

patrimônio e coordenação de infraestrutura25

.

Diante dos cargos elencados, selecionamos aqueles que se vinculam diretamente à

assistência estudantil, ou que exercem, hierarquicamente, maior poder sobre a sua

operacionalização no campus. Destacamos para compor o grupo de interlocutores (as) da

gestão os cargos da: direção geral, direção de ensino, coordenação técnico-pedagógica e

coordenação de assuntos estudantis. Compreendemos que as funções desempenhadas por

esses (as) gestores (as) ocupam um lugar central no processo de concepção e

operacionalização das ações de assistência estudantil na unidade de ensino e por isso foram

escolhidos para a participação na pesquisa. Das quatro entrevistas previstas, apenas uma não

foi possível ser realizada, a entrevista com a coordenadora da coordenação técnico-

pedagógica, devido às mudanças ocorridas no setor com o afastamento da servidora, por

licença maternidade, e o pedido de exoneração da coordenadora substituta.

No tocante ao grupo de docentes da área técnica, priorizamos aqueles (as) do

Curso de Agropecuária, de acordo com a delimitação do nosso objeto de pesquisa. Os

questionários semiestruturados foram entregues para o conjunto dos (as) professores (as) que

compõem o corpo docente do referido curso, totalizando o número de 08 servidores (as), dos

quais 05 fizeram a devolutiva do instrumental.

Os questionários foram entregues individualmente a cada docente, com a devida

explicação sobre o objetivo do estudo e a importância da contribuição das informações

prestadas. O prazo inicial para a devolução do material foi de duas semanas, com início em 13

de abril do ano corrente. Ao final do período estabelecido apenas um professor e uma

professora havia retornado os instrumentais e por isso foi redefinido um novo prazo para a

entrega dos formulários, onde se considerou o período de conclusão do semestre letivo.

Assim, estendemos o prazo até o dia 08 de junho, ampliando para 05 o número de

questionários respondidos.

Os (as) discentes, também interlocutores (as) do trabalho de campo, foram

selecionados (as) de acordo com o semestre vigente, nesse caso, o semestre 2016.2,

25

Informações retiradas do documento institucional do campus Umirim, elaborado em 2013 - Plano de

Desenvolvimento Institucional – PDI (2014-2018). No referido documento constavam apenas nove

cargos/funções. Em 2014 foi observada, a partir dos documentos oficiais do campus, a modificação na

nomenclatura da coordenação de ensino para departamento de ensino e o surgimento de duas coordenações

subordinadas, a coordenação do curso de agropecuária e a coordenação do curso de informática, além da

modificação do nome da coordenação de administração geral para departamento de administração e

planejamento.

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40

considerando apenas as situações de matricula ativa no Curso Técnico Subsequente em

Agropecuária. Essa definição se deu pelo entendimento de que o diferencial deste trabalho

está em evidenciar a inserção da assistência estudantil na educação profissional, considerando

um curso de formação técnica. A escolha pelo Curso de Agropecuária foi pelo fato de ele ter

sido o primeiro a se efetivar no campus, o que lhe conferiu o status de campus Agrícola na

Rede do IFCE, trazendo, portanto, particularidades a despeito do seu perfil.

Faz-se necessária a apresentação sobre a delimitação do (as) estudantes

participantes da pesquisa, pois a constituição deste grupo exigiu uma pesquisa anterior dos

dados disponíveis nas ferramentas institucionais, “IFCE em números” e no sistema “Q-

acadêmico”, para o recorte dentro do perfil previsto. Os dados contidos nas duas bases de

dados apresentam algumas diferenciações que devem ser esclarecidas. Apesar das

inconsistências que iremos apresentar ressalto, de antemão, que foram mantidos na Tabela 01

os dados coletados no “IFCE em números”, pois são os únicos divulgados oficialmente.

Destacamos aqui que essa foi uma descoberta secundária do estudo proposto. A

pesquisa realizada nas ferramentas informatizadas, as quais contêm os dados dos (as) alunos

(as) demonstrou que estes não estão refletindo a realidade institucional. As divergências

encontradas entre duas bases de dados distintas (“Q-acadêmico” e “IFCE em números”)

sugerem a ausência de acompanhamento dos setores responsáveis para a validação das

informações, ocasionando a subnotificação dos casos de evasão, por exemplo, e de outros

dados relevantes, como etnia e raça, presença de deficiência e tipologia, dados

socioeconômicos, etc.

Tanto o não registro como a desatualização da informação compromete o

desenvolvimento de ações/projetos/programas no cotidiano da unidade de ensino. Além disso,

há dados que não estão socializados entre os setores, o que fragmenta e fragiliza o trabalho

intersetorial. Sabemos que há informações que necessitam de constante acompanhamento e

atualização, como é o caso dos (as) alunos (as) que deixam de frequentar o curso, nem sempre

formalizando seus desligamentos, inviabilizando os registros nos sistemas oficiais.

Identificamos ainda, que as informações básicas sobre o perfil dos (as) estudantes

não estão, em sua totalidade, registradas no sistema, tornando deficitários os dados para a

realização de estudos e diagnósticos. Além disso, a não atualização das informações geram

prejuízos para o acompanhamento dos (as) estudantes.

Cabe à Coordenação de Controle Acadêmico – CCA o cadastramento de todos os

dados fornecidos no ato de matrícula no sistema “Q-acadêmico”, de modo que estes possam

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41

ser atualizados no decorrer dos semestres. Os (as) discentes também possuem acesso ao

sistema, através de senha própria e podem proceder ao registro de suas informações,

especialmente para efeito de atualização. Contudo, esse procedimento deve ser acompanhado

e orientado para que o (a) jovem compreenda a importância das informações solicitadas,

evitando-se a subnotificação dos dados, tais como: etnia-raça, presença de deficiência,

inclusão em Programas socioassistenciais, entre outras.

Diante disso, chamamos atenção para a necessidade de uma compreensão

institucional acerca da importância do conjunto das informações que se relacionam com o (a)

estudante, visto que elas possibilitam a produção de estudos e diagnósticos capazes de

subsidiar intervenções institucionais qualitativas e aproximadas da realidade do público

atendido.

Anteriormente, na Tabela 01, que apresenta os (as) interlocutores (as) da pesquisa

e das técnicas utilizadas para a coleta de dados, utilizamos o referencial descriminado pela

ferramenta “IFCE em números”, considerando o número de alunos (as) matriculados (as) no

semestre 2016.2, o qual seria, naquela base de dados, o de 159 alunos (as). Destes, 98 alunos

(as) estavam com o curso em andamento, 04 alunos (as) eram egressos com êxito, 16 alunos

(as) correspondiam aos egressos sem êxito, 38 alunos (as) foram integralizados em fase

escolar e 03 alunos (as) tiveram os estudos interrompidos. Esses dados podem ser

identificados na Figura 01 a seguir:

Figura 01: Matrículas semestre letivo 2016.2

Fonte: “IFCE em números

26”, 2017.

26

Dados extraídos da ferramenta “IFCE em números”. Disponível em: <http://ifceemnumeros.ifce.edu.br/>

Acesso em 20 de junho de 2017.

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42

Analisando a base de dados do sistema “Q-acadêmico” tivemos acesso aos dados

brutos que são fornecidos para gerar as estatísticas apresentadas na ferramenta “IFCE em

números”. Essa busca deveu-se ao questionamento sobre o quantitativo descrito de jovens

matriculados (as) nas turmas do Curso Subsequente em Agropecuária naquele período, uma

vez que o número de alunos (as) em sala de aula aparentava ser bem menor do que aqueles

revelados no site do “IFCE em números”.

Os dados brutos, disponíveis no sistema “Q-acadêmico”, permitiu que

procedêssemos à pesquisa por turma, Subsequente I, II e III, adicionando filtro para o

semestre letivo de 2016.2, sendo possível identificar as listas dos diários de sala com os

nomes dos (as) alunos (as) matriculados (as) naquele semestre. Observamos, portanto, os

seguintes dados: 51 alunos (as) na turma Subsequente I; 39 alunos (as) na turma Subsequente

II e 34 alunos (as) na turma Subsequente III, totalizando 124 alunos (as) matriculados (as).

Inferimos, a partir da confrontação das informações obtidas, que a diferença entre

os dados de matrícula contidos no “IFCE em números”, 159 matriculados (as), e no sistema

“Q-acadêmico”, 124 matriculados (as), pode ser explicado pelos quantitativos de discentes

integralizados em fase escolar (concluindo o curso) e de discentes com estudos interrompidos

(trancamento de matrícula), sendo, respectivamente, 38 alunos (as) e 03 alunos (as), segundo

registro do “IFCE em números”.

A subtração dos dois grupos do total de 159 alunos (as) matriculados (as) aponta

para um dado comum às duas bases de dados, 124 estudantes matriculados (as) nas turmas de

subsequente no semestre 2016.2.

Destacamos dois elementos importantes que foram apreendidos com base nesse

estudo comparativo dos dados institucionais operados nas duas ferramentas: o primeiro é que

o quantitativo total de estudantes regularmente frequentando as aulas é menor que o de

matriculados, como iremos apontar adiante e o segundo é que a criação de ferramentas e

sistemas informatizados auxilia na sistematização dos dados e é importante para o acesso à

informação, mas não podem prescindir de uma análise cuidadosa, sob o risco de gerar

interpretações incompletas ou não aproximadas da realidade.

Se considerarmos os dados apresentados pela ferramenta “IFCE em números”

temos que 98 estudantes estão em curso (cursando as disciplinas), pois foi subtraído das 159

matrículas o grupo de egressos com êxito, 04 discentes; o grupo de egressos sem êxito, 16

discentes; o grupo de integralizados em fase escolar, 38 discentes; e o grupo com estudos

interrompidos, 03 discentes, o que totaliza 61 estudantes.

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Entretanto, o sistema contabiliza apenas os processos formalizados dentro da

variável egressos sem êxito (abandono ou cancelamento voluntário), o que aponta que na

prática os números de evasão são bem maiores, pois é comum o (a) estudante deixar de

frequentar o curso e não informar aos setores responsáveis. Esses dados são utilizados como

oficiais pelas instâncias de gestão tanto nas unidades como em nível de Reitoria, mas será que

estamos conseguindo acompanhar e avaliar a realidade?

Procurando nos aproximar do número real de estudantes que estão frequentando o

Curso de Agropecuária, nas turmas de Subsequente, analisamos as listagens obtidas através

do sistema de acompanhamento acadêmico, “Q-acadêmico”. Desse modo identificamos em

cada turma um alto percentual de evasão, descrito na Tabela 02 que segue:

Tabela 02 - Evadidos(as) por turma – Curso Agropecuária campus Umirim/CE

Turma Matriculados(as) Evadidos(as) Cursando % de

Evasão

Curso Técnico em Agropecuária

- Subsequente I

51 21 30 41%

Curso Técnico em Agropecuária

- Subsequente II

39 14 25 36%

Curso Técnico em Agropecuária

- Subsequente III

34 15 19 44%

Total 124 50 74 40% Fonte: Elaboração própria em junho de 2017.

Convém explicar que os números aqui apresentados encontram embasamento nas

listagens com os nomes dos (as) estudantes matriculados, disponível no “Q-acadêmico”, e na

pesquisa individual realizada sobre a situação de frequência no curso, realizada através do

mesmo sistema. O número constante na coluna “evadidos (as)” corresponde a quatro tipos de

situações: reprovação por falta, abandono, cancelamento e falecimento, totalizando 50 casos,

com maior incidência para as reprovações por falta, que são 46.

Nosso objetivo era o de aplicar os questionários com a totalidade dos (as) alunos

(as) matriculados (as), mas só foi possível com 26 jovens, como principal motivo destaca-se a

disponibilidade de tempo para a participação, tendo sido um aspecto desfavorável o período

de coleta ter se dado no final do semestre letivo.

Como metodologia para a participação desse grupo foi feita uma sensibilização

com as turmas do Curso Subsequente em Agropecuária sobre o objeto da pesquisa e a

importância das informações para o alcance dos objetivos pretendidos, esclarecendo a livre e

voluntária adesão dos sujeitos. A pesquisadora agendou com cada turma um horário para a

apresentação do questionário (apêndice A) e do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

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(anexo), procedendo à orientação e ao esclarecimento das dúvidas sobre o instrumental e a

pesquisa. Em seguida, foi realizada a entrega dos dois documentos, o Questionário e o Termo,

optando-se por deixar os (as) alunos (as) livres quanto ao preenchimento e o tempo para fazê-

lo, estabelecendo o prazo de 15 dias para a devolução do material. Durante o período, a

pesquisadora visitou as salas reforçando o prazo e a importância da participação dos (as)

estudantes.

Tendo em vista a dificuldade de acessá-los por conta das atividades do ensino,

seminários e provas, devido ao final do semestre, bem como por compreender que a

participação é um processo de escolha e de interesse individual, avaliamos inoportuno

recorrermos à aplicação individual ou coletiva dos instrumentais, priorizando o alongamento

do tempo para a reflexão acerca das respostas.

Com relação aos (às) discentes selecionados (as) para as entrevistas, observamos

dois critérios: o de representação dos elementos aqui evidenciados pelas questões de gênero,

étnico-racial e de diversidade sexual, bem como a expressividade do (a) jovem no meio

discente, considerando a participação em atividades e/ou programas da assistência estudantil,

do ensino, da pesquisa e da extensão. Os (as) alunos (as) selecionados (as) também são

público do Curso Técnico em Agropecuária e foram selecionados dentre o grupo participante

da etapa anterior, a dos questionários.

Apresentado o processo metodológico da pesquisa com suas técnicas,

instrumentais e interlocutores (as) densamente justificados, daremos continuidade ao trabalho,

partindo para a contextualização sobre o processo de surgimento das Políticas Públicas em

resposta às dificuldades que descendem das relações sociais desiguais, intensificadas pelo

processo de reorganização do capital e do trabalho.

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45

3. REORDENAMENTO DO CAPITAL, REORGANIZAÇÃO DO TRABALHO E

POLÍTICAS PÚBLICAS

Antes de apresentarmos a Política de Assistência Estudantil do IFCE, faremos um

percurso sobre o contexto social, econômico e político que direcionou o seu surgimento no

país. Para isso, destacamos o processo de reorganização do capital e do trabalho e seus

rebatimentos na configuração da Política de Educação no Brasil, a fim de subsidiar a

compreensão sobre a influência dos grupos de interesse na orientação do modelo educacional

brasileiro no atendimento das demandas da elite nacional e do capital internacional.

Kuenzer (2007) argumenta que a concepção sobre a “dualidade estrutural”

histórica no Brasil tem raízes na organização do trabalho definidora das trajetórias educativas

diferenciadas para cada classe, em que aos dirigentes se tem uma formação acadêmica

intelectualizada e aos trabalhadores uma formação de mão de obra delimitada pela demanda

do mercado. Segundo a autora, não é possível pensar em uma superação da dualidade

estrutural a partir da mudança dos regimes de acumulação capitalista, pois a natureza da

contradição está entre a propriedade dos meios de produção e da força de trabalho, só

podendo ser superada, portanto, em outro modo de produção. Em suas palavras:

A origem da fragmentação do trabalho, portanto, não é a divisão técnica,

mas sim a necessidade de valorização do capital, a partir da propriedade

privada dos meios de produção; ou seja, a divisão técnica, que separa teoria e

prática, é consequência do processo de valorização do capital. O que vale

dizer que, se a divisão entre teoria e prática expressa à divisão entre trabalho

intelectual e manual como estratégia de dominação, tendo em vista a

valorização do capital, esta ruptura só será efetivamente superada em outro

modo de produção (Ibid., p.1162).

A dualidade que se insere a educação no Brasil é sedimentada a partir da

influência dos organismos internacionais, que possuem interesses político-econômicos nas

nações subdesenvolvidas, a fim de que elas sejam territórios para a expansão capitalista dos

países centrais, em contrapartida oferecem uma inserção periférica e dependente aos países

signatários das recomendações constantes em alguns documentos para a reforma da educação

(DOURADO, 2002).

A política social de educação, ao longo da história brasileira, foi inserida

claramente dentro do domínio do ideário neoliberal da mesma maneira que o processo

econômico, subordinando-se aos interesses das organizações mundiais:

Ao defender o princípio da priorização da educação básica, cujo foco é a

educação escolar, busca-se construir mecanismos ideológicos, sobretudo em

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países como o Brasil que sequer garantiu a democratização do acesso à

educação básica e a permanência nesse nível de ensino. Ao priorizar a

educação básica escolar, restrita à aprendizagem das habilidades cognitivas

básicas, as propostas do Banco Mundial indicam que o discurso da

centralidade do conhecimento, a despeito de enunciado, configura-se como

um artifício de retórica e adesão às premissas do neoliberalismo, reduzindo o

processo de formação a uma visão de racionalidade instrumental, tutelada,

restrita e funcional ante o conhecimento universal historicamente produzido.

Em contrapartida, essas políticas acarretam a secundarização de projetos de

educação não formal, o redirecionamento da educação profissional e o

processo crescente de privatização da educação, especialmente da educação

superior (Ibid., p. 239-240).

É o que verificamos ao longo das últimas décadas desde a reestruturação

produtiva até a inserção brasileira no curso do capital financeiro, a consolidação de um

modelo educacional, especialmente, no âmbito da educação profissional, voltado para o

atendimento das alterações ocorridas no mundo do trabalho.

Situando o debate no cenário dos Institutos Federais de Educação, criados sob a

alegação de que os cursos por eles ministrados seriam mais “flexíveis” e de menor custo que

os universitários ditos “tradicionais”, como nos explica Otranto (2011)27

, verifica-se a

continuidade brasileira pela manutenção dos interesses dos organismos financeiros, através da

instituição de uma rede de educação profissional que incorpora “atividades próprias de

universidade, com oferecimento da graduação, licenciatura e pós-graduação, atividades de

pesquisa e extensão, além daquelas obrigatórias para os Institutos Federais, tais como: o

ensino médio, técnico e educação de jovens e adultos”. Denota-se, assim, um conjunto de

peculiaridades de extrema complexidade em que se inserem os Institutos Federais de Educação,

Ciência e Tecnologia – IFET’s.

O discurso ideológico neoliberal, que atribui a responsabilidade pela garantia de

emprego à qualificação técnica e que desloca para o indivíduo a culpa pela não ocupação

profissional, resultado da sua não qualificação para o mercado, tem forjado a exclusão própria

do modo de produção capitalista (ALVES, 2009). Nesse sentido, ressalta-se a ampla difusão

da ideologia do capital humano, considerado por Alves (2009) como elemento compositivo

do processo de precarização do trabalho, que viabiliza novas formas de consentimento social

por meio da operação psicossocial de culpabilização da vítima. Os problemas de inserção

social e do desemprego deixam de ser tratados, portanto, como questões decorrentes da

27

Texto escrito por Célia Regina Otranto A Política de Educação Profissional do Governo Lula para

apresentação na 34ª Reunião Anual da ANPEd. Natal, RN, 2011.

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47

dinâmica da produção capitalista e são naturalizadas, deslocadas ao âmbito individual, como

de responsabilidade do (a) trabalhador (a) que não possui qualificação e a competência

necessária.

Se o desemprego e a exclusão social assumem dimensão individual, na lógica

neoliberal, podemos pensar que o contrário também acontece: sujeitos qualificados e com

competência necessária são amplamente absorvidos pelo mercado. Será? Destacamos a seguir

alguns trechos das entrevistas realizadas com os (as) gestores do campus Umirim – IFCE,

durante a pesquisa de campo, em que fica evidente o discurso da empregabilidade a partir da

capacitação:

Cerca de 80% dos nossos alunos estão ingressando no mercado de trabalho.

Se nós observarmos somente a cidade de Umirim hoje, as pessoas que estão

trabalhando na Ematerce, os técnicos agrícolas, os técnicos que estão

trabalhando na secretaria de agricultura e tanto nas adjacências também. Na

Ematerce de Itapajé, em ONG’s como é o caso em Itapipoca. Todas elas

estão com ex-alunos nossos, atuando no mercado e já tendo sua condição

financeira mais estável marcada por essa inserção no mercado de trabalho.

Então eu creio que este dado é um ponto positivo (A.I., Gestor, 2017).

Quantos alunos a gente tem aqui que não tinha coisa nenhuma? [...] Mas que

vinha aqui às vezes sem ter nem condição de pagar refeição. Vinha pra cá

pra se alimentar também e hoje tem empregos decentes, ganhando muito

mais que um salário mínimo, porque normalmente não se paga só um salário

mínimo para esses alunos. Então eu acho que é um ganho. Sem contar

aqueles que têm se articulado no empreendedorismo né, que a gente também

procura incentivar eles. Aqueles que já são filhos de agricultores, melhorar a

propriedade do pai deles, e aí já passa a ter alguma renda. Eu acho que para

alguns houve uma melhora muito boa (F.M., Gestora, 2017).

As narrativas parecem querer ocultar o conflito inerente ao sistema produtivo

capitalista, o qual é o principal gerador das desigualdades sociais que assolam a sociedade

contemporânea. A Coordenadora de Assuntos Estudantis do campus Umirim, em sua

entrevista, nos ajuda a refletir sobre esse processo de exclusão e exploração ao qual está

submetida à classe trabalhadora:

Eu acho o Curso de Agropecuária muito importante aqui para a cidade,

apesar de a gente ter ciência, por ouvir falar, que a mão de obra ela não é

absorvida como deveria e, quando é absorvida, o aluno geralmente, o

técnico, ele não é remunerado como deveria ser remunerado pela sua

qualidade técnica, pela sua formação. Geralmente ele vai pra ser um peão,

como a gente chama no linguajar comum, ganhando bem abaixo do que

deveria ganhar após a sua formação (R.R., Coordenadora, 2017).

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48

A qualificação do (a) trabalhador (a) não se vincula, necessariamente, à garantia

de trabalho, assim como não exclui a sua precarização e a sua exploração. É neste sentido, que

desafiamos a construção de espaços na educação que estimulem à transformação dessas

relações desiguais e injustas a partir de uma reflexão crítica sobre os arranjos estruturais da

economia e do mercado. Para isso, consideramos imprescindível situar o (a) leitor (a) nos

contextos históricos28

das reconfigurações do capital e seus reflexos no âmbito das relações

produtivas e sociais, bem como os seus desdobramentos para a atuação do Estado e da

sociedade civil organizada a partir das alterações político-econômicas vivenciadas, como

faremos a seguir.

No mundo, o esgotamento do modelo fordista, no final dos anos 1960, com o

problema da superprodução e a necessidade de novos mercados consumidores alterou o curso

da economia, culminando, após a aguda recessão de 1973, na profunda crise deste modelo.

Vale ressaltar que a produção fordista29

, associada à proposta keynesiana30

, favoreceu a

expansão do capital, através da introdução de novas técnicas que aumentariam a

produtividade do trabalhador, bem como por meio da intervenção estatal que garantiria a

manutenção da demanda efetiva, evitando com isso o colapso da economia.

Segundo Behring e Boschetti (2011), a proposta de Keynes para responder à crise

de 1929 foi a intervenção do Estado, cujo objetivo era reativar a produção exercendo um

duplo papel, o de Estado produtor e regulador. As autoras atribuem o período denominado de

“gloriosos” ou de “ouro” (1929-1932) à monopolização do capital que se deu por meio da

intervenção ocasionada pelo Estado na economia e no mercado.

Na busca de alternativas para a sua crise o capital se reinventou, substituindo o

modelo fordista pelo toyotismo, o qual incrementou inovações tecnológicas e exigiu maior

polivalência dos (as) trabalhadores (as). Portanto, o novo modo de organização para o

trabalho se caracterizou por um processo produtivo flexível, levando à precarização acentuada

do trabalho e à intensificação da exploração da mão de obra. Alves (2008) chama atenção ao

fato de que esse sistema é adequado a era da mundialização do capital, por atender às

28

Utilizamos como referência central os modelos de produção capitalista, fordismo e toyotismo, para

contextualizar a reorganização do trabalho e as implicações das reconfigurações do capital para a reprodução da

vida social. Buscamos trabalhar ainda o processo de inserção brasileira na economia mundial, cujo processo de

financeirização do capital desempenha atualmente sua influência nas relações produtivas e sociais. 29

Para Frigotto (2010) as principais características do fordismo são: a forma de organização do trabalho, o

estabelecimento de um determinado regime de acumulação e certo modo de regulação social. 30

Refere-se à intervenção estatal na vida econômica com o objetivo de conduzir a um regime de pleno emprego.

Para isso o Estado teria um papel fundamental no estímulo às economias em momentos de crise e recessão

econômica (Teoria de John Maynard Keynes, 1936).

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49

necessidades da acumulação na época da crise de superprodução, e, por adequar-se à nova

base técnica da produção capitalista, capaz de dar maior eficácia à lógica da flexibilidade.

Neste contexto, o deslocamento da economia para a acumulação flexível propôs

aceleradas mudanças dos padrões de desenvolvimento desigual, movimentação no setor de

serviços, organização de espaço – tempo, maior flexibilidade e mobilidade para os

empregadores exercerem maiores pressões de controle de trabalho, havendo o aumento do

número de subcontratações e a contratação de trabalhadores (as) em tempo parcial. Essas

mudanças exigiram a necessidade de uma adequação ao mercado, criando um novo perfil de

trabalhador (a).

No Brasil, verifica-se nos anos de 1930 a 1980, o aprofundamento da

industrialização e regulação das relações de trabalho, ocasionando o avanço do assalariamento

da mão de obra no país, assumindo uma nova forma de inserção na economia mundial, como

explica as autoras Silva e Yazbek (2012, p.12), com a “passagem do modelo de

desenvolvimento agroexportador para o modelo urbano-industrial”. A intensa migração

ocorrida do campo para a cidade fomenta o surgimento de um grande excedente de força de

trabalho, ocasionando o crescimento da informalidade com todas as consequências do que

isso significa, como a sujeição aos baixos salários, à instabilidade, à exclusão do Sistema de

Proteção Social, o qual se direcionava apenas para as pessoas inseridas no mercado de

trabalho. Em paralelo encontravam-se no campo pessoas vivendo da economia de

subsistência, igualmente excluídas do suporte de um Sistema de Proteção.

As referidas autoras nos apresentam, portanto, características de um mercado de

trabalho urbano heterogêneo de caráter dual, tendo-se de um lado um mercado que concentra

grande oferta de mão de obra, com baixa qualificação técnica, com instabilidade gerada pela

alta rotatividade dos postos de emprego, baixos salários, entre outros elementos, e de outro,

um mercado de trabalho bem estruturado e regulado, com empregos estáveis, maior

qualificação dos (as) trabalhadores (as), com possibilidade de ascensão e melhores salários.

O processo de constituição dos mercados, a partir da inserção da economia

brasileira no desenvolvimento do capitalismo nos países centrais, expressa diferentes

transformações ocorridas em cada período. Consideramos alguns elementos sobre as três

últimas fases de inserção do Brasil no processo de acumulação capitalista em nível mundial,

de acordo com a classificação apresentada por Paulani (2012).

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50

Segundo a referida autora essa inserção brasileira se caracteriza, em sua terceira

fase31

, com o deslocamento do capital dos países do centro em busca de solução para o

problema da superacumulação, encontrando no Brasil um cenário político favorável nos anos

1950 para a instalação de grandes empresas com capital estrangeiro, onde passaria a

comandar os setores mais dinâmicos da economia de acordo com as necessidades e

imperativos do capital de fora.

Entretanto, com o desencadeamento da crise nos anos de 1970, influenciada pelos

fatores da produção fordista e pela quebra do acordo de Bretton Woods32

, em 1971, pelos

Estados Unidos, inicia-se o surgimento do que se denominou de “financeirização”, em que o

processo de acumulação se dá pela lógica da valorização financeira (PAULANI, 2012).

Portanto, o Brasil se insere nesse novo contexto da acumulação capitalista, através do

endividamento por empréstimos junto ao capital financeiro, demarcando a quarta fase da

economia brasileira no processo de desenvolvimento do capitalismo internacional. Não é à

toa, que o Brasil tornou-se um dos principais personagens na “crise das dívidas dos países

latino-americanos”, ocorrida em 1980, com consequente estagnação, por duas décadas, da sua

economia.

A partir dos anos 1990, em consequência do esgotamento do padrão centrado na

industrialização, verifica-se o alinhamento do Brasil ao movimento geral de globalização

financeira, que, para Paulani (2012), encontra no neoliberalismo o discurso e a prática da

política econômica condizentes com as necessidades dessa nova etapa da história do capital

mundial. Assim, adentramos a quinta e atual fase da história da inserção da economia

brasileira no processo mundial de acumulação, em que a estratégia adotada para escapar da

situação de crise da dívida e alta inflação foi a completa submissão às exigências dos

credores.

31

A autora caracteriza a primeira fase de inserção brasileira no circuito do capitalismo mundial como aquela da

expansão dos estados territoriais originários, sendo o Brasil objeto de espoliação das riquezas naturais e

matérias-primas, subordinada aos interesses da Europa. A segunda fase é marcada pela produção dos bens

primários, abrangendo o período do exclusivo metropolitano até o século XX. Os produtos agrícolas e matérias-

primas produzidas funcionaram como alavanca da acumulação dos países centrais. As duas fases somaram mais

de quatro séculos (PAULANI, 2012, p. 90-91). 32

O acordo de Bretton Woods foi firmado entre Nações-Estado independentes no ano de 1944, com o objetivo de

regular a política econômica internacional, a partir de um sistema de regras, instituições e procedimentos.

Contudo, o acordo foi quebrado em 1971 pelos Estados Unidos que decidiu unilateralmente não aceitar a

conversão do dólar em ouro. Quanto mais o capitalismo se desenvolvia, mais a moeda dos Estados Unidos

tornava-se o dinheiro hegemônico nas reservas mundiais e a referência de todo o sistema financeiro mundial.

Disponível em:

<http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&id=2247:catid=28&Itemid=23> Acesso em

03 de julho de 2017.

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51

Carvalho (2002, p.04) nos permite refletir sobre o cenário brasileiro, considerando

como referência a experiência de ajuste brasileiro nos circuitos da mundialização do capital.

A autora caracteriza a década de 1990 / anos 2000, como o período de integração do Brasil ao

ciclo de ajuste da América Latina, coadunando com o plano estratégico do chamado Consenso

de Washington e seguindo as prescrições do FMI e do Banco Mundial. Desse modo, o Brasil

vem fazendo a sua inserção subordinada e periférica na nova ordem do capital, configurando

o que se convencionou chamar de ajuste estrutural brasileiro. “É um ajuste tardio, só iniciado

nos anos 90, mas rápido e intensivo, deflagrado na “era Collor” e consolidado na “era FHC”,

com o Plano Real”.

Portanto, os governos de Fernando Collor de Mello - Collor (1990 – 1992) e

Fernando Henrique Cardoso – FHC (1995-1998 e 1999-2002) consolidam a opção brasileira

pelo projeto neoliberal, implicando na reorganização do Estado em favor do capital com

grande expansão do setor privado e de privatizações das empresas estatais.

A nova ordem estabelecida pelo desenvolvimento do capitalismo mundial

imprime novos rumos para a educação, que desde o toyotismo, com a ideologia da

qualificação profissional como garantia de uma empregabilidade, escamoteia a dinâmica

social de exclusão própria do modo de produção capitalista, por gerar uma expectativa

frustrada de integração ao mundo do trabalho. Ressaltamos que a constituição do mercado de

trabalho brasileiro se caracteriza sob a influência do desenvolvimento capitalista em busca de

valorização e acumulação do capital internacionalizado e das relações sociais e produtivas que

derivam dele, portanto, é um processo dinâmico, em constante transformação.

Verifica-se que a partir do século XXI o sistema do capital vivencia mais

intensamente uma transformação associada à revolução da informática e da comunicação,

imprimindo novas configurações do padrão de acumulação e dos seus mecanismos de

valorização, consubstanciando novas formas de dominação social capazes de redefinir

subjetividades (CARVALHO, 2014).

É diante deste cenário que a Política de Educação Profissional no Brasil deve ser

compreendida, pois ela mantém relação com o desenvolvimento capitalista e com as novas

formas de organização do mundo do trabalho uma vez que ele se reinventa a partir dos seus

processos cíclicos de esgotamento e de reinvenção do sistema.

Com as novas configurações do processo de produção surgem ideias e concepções

com a missão político-ideológica de subsidiar as modificações necessárias à conclusão dos

objetivos de interesse dos grupos hegemônicos, sendo a educação um foco predominante

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desses organismos. As autoras Pereira e Sousa (2012) apontam uma reflexão importante sobre

a noção de competência trazida para o seio das Políticas Públicas de Educação Profissional no

Brasil, a partir de 1990, auge da disseminação da concepção neoliberal.

Baseadas no Plano Nacional de Formação do Trabalhador (Planfor), criado e

desenvolvido no governo FHC (1995-1998 e 1999-2002) e no Plano Nacional de Qualificação

(PNQ), criado no início do governo Lula, 2003, as autoras apontam que essas políticas

surgem com o propósito de dar respostas aos efeitos dos processos de globalização da

economia, da reestruturação produtiva e da reforma do Estado sobre o mercado de trabalho,

bem como dar respostas aos dilemas históricos do país no campo da educação profissional

(PEREIRA; SOUSA, 2012).

Neste sentido, os processos de qualificação e requalificação incorporados nessas

políticas estão voltados para o nível básico da educação profissional, de acordo com o que foi

instituído pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB, aprovada em 1996,

seguindo o receituário das recomendações do Banco Mundial, conforme apontou Dourado

(2002). Configura-se, portanto, o processo de transição da noção de qualificação tradicional33

à noção de competência, que, segundo Paiva (2001), inclui a disposição do (a) trabalhador (a)

para mudar constantemente, aprendendo novas técnicas e aceitando novas relações sociais e

laborais.

Destacamos que o Plano Nacional de Qualificação – PNQ, criado no início do

governo Lula, em 2003, se deu no mesmo período em que foi lançado o Plano de Expansão da

Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica. A partir de 2008, os Institutos Federais

de Educação se tornam protagonistas no processo de formação de trabalhadores (as)

“empregáveis”, visto o deslocamento gradual da noção de emprego para a noção de

empregabilidade, em que a “empregabilidade converte-se, neste caso, num corolário dos

conhecimentos, habilidades e esforço individual de adequação” (PAIVA, 2001, p.58). Dessa

forma, “torna-se tarefa das instituições que oferecem educação tentar tornar sua clientela

empregável, adequando seus cursos à demanda e incluindo na formação elementos subjetivos

capazes de assegurar maior adesão dos quadros às instituições e seus objetivos” (Ibid., p.58).

Essa compreensão coloca sobre o indivíduo a responsabilidade pela sua

capacidade de acessar o mercado e de se manter nele. Como lembra Ramos (2010), trata-se da

33

Noção tradicional de qualificação, que associa “um saber, uma responsabilidade, uma carreira e um salário”

(HIRATA, 1994, p. 133).

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autonomia e mobilidade que deve ter o trabalhador contemporâneo diante da instabilidade do

mundo do trabalho e das rápidas transformações que caracterizam as relações de produção.

Desse modo, parece-nos oportuna a discussão que nos propomos sobre as

diversidades e as diferenças inseridas na unidade de Umirim, campus do IFCE, a fim de

possibilitar a construção de espaços críticos de reflexão acerca das transformações ocorridas

na dinâmica das relações produtivas e sociais que seguem a lógica das redefinições do capital.

Os indivíduos, ao concluírem sua formação no Curso de Agropecuária, por exemplo, passarão

a disputar espaço nesse mercado de trabalho caracterizado pela desigualdade, precarização e

alta instabilidade, com forte agravamento para aqueles segmentos da sociedade marcados por

acentuados níveis de discriminação e exclusão nas relações econômicas, sociais, políticas e

culturais da sociedade, com forte observância para as mulheres, os (as) homossexuais, os (as)

negros (as), os (as) índios, as pessoas com deficiência, etc.

Embora a atuação da assistência estudantil na unidade de ensino seja voltada para

garantir aos (às) estudantes a igualdade de oportunidades, de acesso e de permanência nos

cursos e a redução dos índices de retenção e evasão escolar, argumentamos que sua atuação

extrapola as formalidades burocráticas para a concessão de auxílios, uma vez que a dimensão

material em si não garante o êxito no processo educacional. Nosso compromisso é, portanto, o

de repensar uma assistência estudantil que tenha como possibilidade contribuir no processo de

formação dos (as) sujeitos a partir da construção de espaços coletivos de discussão e reflexão

sobre a sociedade contemporânea e suas relações desiguais, questionando suas formas de

dominação e poder.

Destarte, faz-se necessária a apreensão dos elementos que regem a lógica do

modelo educacional no país, reconhecendo sua estreita relação com a organização do trabalho

na sociedade brasileira, o qual cria assimetrias nas relações entre os grupos sociais, com forte

consequência de demandas colocadas para o atendimento das políticas sociais.

Discorreremos a seguir sobre o processo de constituição das políticas sociais no

Brasil e seus desafios frente às distorções produzidas entre as camadas da sociedade diante do

processo de acumulação financeira e dos ataques da economia globalizada aos sistemas de

proteção social dos países capitalistas, deflagrados no Brasil, mais fortemente, a partir de

1990 sob a forte influência da ideologia neoliberal.

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54

3.1 Políticas Sociais e o desafio do combate às desigualdades

A Política de Assistência Estudantil se insere em um contexto de contradições,

configurando-se de um lado como fruto de uma conquista histórica dos (as) estudantes,

estabelecendo-se como direito social, e de outro subsidiando um modelo de educação classista

e produtivista, dentro de um viés focalista e seletivo, que não se efetiva como universal.

Apesar do paradoxo ela tem como possibilidade a construção de novas percepções, através do

estímulo às ações e aos debates sobre temáticas que perpassam a vida dos indivíduos e que

dizem respeito ao modo de produção e reprodução da vida social.

Por isso, partimos do entendimento de uma educação que se volta para a formação

de trabalhadores e trabalhadoras, com forte apelo à formação técnica e à inserção no mercado

de trabalho, em que Institutos Federais de Educação são hoje protagonistas da Política de

Educação Profissional no Brasil atendendo às exigências da nova organização do trabalho,

orientada pelas transformações nas relações produtivas consubstanciadas no processo de

acumulação do capital. Como política social a educação e a assistência estudantil se inserem

no contexto dos parâmetros político, social e econômico em que se estruturaram as legislações

sociais brasileiras, atreladas às tendências do desenvolvimento capitalista e seus

desdobramentos na constituição das desigualdades.

Sobre o processo das políticas sociais nos países capitalistas as autoras Behring e

Boschetti (2011, p. 47) afirmam que “como processo social, elas se gestaram na confluência

dos movimentos de ascensão do capitalismo com a Revolução Industrial, das lutas de classe e

do desenvolvimento da intervenção estatal”. As políticas estão apresentadas, ao longo da

história, como alternativas e até enfrentamento às dimensões multifacetadas da questão social

que são ampliadas pela própria consolidação capitalista.

Ao discorrer sobre o percurso das políticas sociais nos países da Europa, as

autoras demarcam as primeiras práticas, antecedendo a Revolução Industrial, com as

conhecidas leis inglesas. Behring e Boschetti (2011, p.48 apud CASTEL, 1998, p. 99)

revelam as fundamentações dessas legislações à época:

Estabelecer o imperativo do trabalho a todos que dependiam da sua força de

trabalho para sobreviver; obrigar o pobre a aceitar qualquer trabalho que lhe

fosse oferecido; regular a remuneração do trabalho, de modo que o

trabalhador pobre não poderia negociar formas de remuneração; proibir a

mendicância dos pobres válidos, obrigando-os a se submeter aos trabalhos

“oferecidos”.

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As regulamentações sociais, desde a sua gênese, sempre tiveram o trabalho como

parâmetro comum, fosse para destinar-se àqueles que trabalhassem ou que não trabalhassem,

com viés repressor e focalizado. Para se entender o processo de formação das políticas sociais

é preciso compreender o modelo de Estado adotado em cada fase do capitalismo, pois ele tem

um papel regulador das políticas econômicas e sociais para atender os interesses do livre

mercado. É, portanto, no contexto de transição do Estado liberal (século XIX) para o Estado

social (século XX) que se gestam as primeiras iniciativas de políticas sociais nos países

centrais, em que se pode apontar o novo contexto socioeconômico e a luta de classes como

principais estimuladores da mudança de postura assumida pelo Estado.

Ainda no final do século XIX destacam-se alguns elementos que contribuíram

para a transição da compreensão acerca das políticas sociais: a introdução da lógica do seguro

social na Alemanha, a partir de 1883, em que a intervenção estatal passa a demarcar o

reconhecimento de que a incapacidade para o trabalho devia-se por contingências (doença,

desemprego, idade avançada) e deveriam ser protegidas; e a ampliação da ideia de cidadania a

partir das políticas sociais e desfocalização de suas ações, visto que antes se destinava apenas

para a pobreza extrema (BEHRING; BOSCHETTI, 2011 apud PIERSON,1991).

A crise de 1929-1932 instaurou grande desconfiança nos pressupostos do

liberalismo econômico, pois a autorregulação do mercado, como acreditavam os defensores

dessa corrente econômica, não impediu o colapso dos mercados. A partir das consequências

trazidas com a “Grande Depressão34

” as políticas sociais se multiplicaram lentamente e se

generalizaram após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Neste sentido, elas se

sustentaram como saída da crise compondo medidas anticíclicas do período, com vistas a

amortecer as crises cíclicas da superprodução, superacumulação e subconsumo, tendo sido

também resultado de um pacto social com o movimento operário crescente à época.

Nas palavras de Behring e Boschetti (2011, p.75): “o Estado brasileiro nasceu sob

o signo de forte ambiguidade entre um liberalismo formal como fundamento e o

patrimonialismo como prática no sentido da garantia dos privilégios das classes dominantes”.

No caso brasileiro, como apontam as autoras, a falta de compromisso das elites econômicas

com a defesa dos direitos do cidadão não pode ser dissociada da configuração da política

social no país.

As primeiras legislações, colocadas como questão política aqui no Brasil se deu

na primeira década do século XX, voltando-se ao mundo do trabalho sob a pressão das lutas

34

Período da grande crise econômica do capital 1929-1932, em que se reduziu o comércio mundial a um terço do

que era antes (BEHRING; BOSCHETTI, 2011).

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dos (as) trabalhadores (as), com particular influência dos operários europeus que já traziam

experiência das lutas trabalhistas em suas nações. Contudo, a expansão das políticas sociais

em solo brasileiro acontece durante o período de ditadura (1937-1945 e 1964-1984), com viés

de tutela e favor, representando a busca de legitimidade por parte das classes dominantes.

A alteração sofrida no modo de produção capitalista, portanto, com a substituição

do modelo taylorista e fordista, na conhecida reestruturação produtiva, que incorporou

aspectos do toyotismo, com maior exploração do trabalho humano e acumulação para o

capital, acarretou inúmeras implicações no modo de organização do trabalho e na concepção

dos parâmetros educacionais dos países, com destaque para aqueles com posição periférica e

subalterna, como é o caso do Brasil (ALVES, 2008).

Retomando o passado das políticas de emprego adotadas pelo poder público no

Brasil, Pochmann (2012, p.49) aponta o impulso governamental voltado às “primeiras escolas

de formação profissional, com vinculação ao denominado sistema “S”, geridas

exclusivamente pelo patronato, a partir da arrecadação de recursos públicos”. O autor chama

atenção para o fato de somente nas décadas de 1960 e 1970 serem implementadas as primeiras

medidas relacionadas ao tratamento social dos desempregados, com exemplo para a criação

do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS, em 1967, e do Sistema Nacional de

Emprego – SINE, em 1975.

Apesar dos baixos registros de desemprego no país, entre as décadas de 1930 e

1970, motivados pelo processo de industrialização e das altas taxas de crescimento econômico

no período, ressalta-se que as problemáticas relacionadas ao subdesenvolvimento no mercado

de trabalho brasileiro com acentuado nível de informalidade, baixos salários e elevado

patamar de desigualdade de remuneração são características que revelam a sua precariedade,

em especial para aquele (a) trabalhador (a) que sempre esteve à margem do trabalho

regulamentado e, consequentemente, da Proteção Social.

Para Pochmann (2012), o Brasil não constituiu um sistema público nacional de

emprego, com medidas integradas e articuladas entre si e universalizadas para o conjunto do

mercado de trabalho (formal e informal), sendo importante verificar que desde o ciclo de

financeirização do capital, a partir de 1980, vem ocorrendo uma maior desvalorização do

trabalho, com forte desestruturação do mercado, com o crescimento do desemprego, o

desassalariamento, o surgimento elevado do número de postos de trabalho precários,

constituindo assim um cenário nebuloso que exige medidas efetivas e eficazes de políticas

públicas nesta área.

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57

A abertura neoliberal e a reestruturação produtiva de amplitude mundial tem

estabelecido a nova condição do trabalho, com a contínua perda de direitos e garantias sociais

e o consequente alargamento da precarização das relações de trabalho e de vida dos

indivíduos. No pós-fordismo e na mundialização econômico-produtiva o trabalho ilegal vem

assumindo grandes dimensões, sendo um fator associado ao deslocamento das produções dos

países industrializados para nações em que as garantias trabalhistas são mínimas e é alta a

especialização do trabalho, o que confere menores custos e maior competitividade aos

investidores. Desse modo, os governos são cada vez mais pressionados pelos capitais a

adaptar a sua legislação social nacional às exigências e aos imperativos do mercado,

destruindo direitos do trabalho (VASAPOLLO, 2005).

O processo de endividamento brasileiro, a partir da segunda metade do ano de

1970, coloca o país em uma situação de subordinação às orientações externas de programas de

austeridade econômica, resultando em altíssimos custos sociais e políticos. Para Sposati et al.

(2014, p.29) “a intensificação da pauperização e da espoliação da força de trabalho no período

de crise criou as condições políticas de rearticulação da sociedade civil”.

É diante do cenário de greves e de reivindicações dos movimentos sociais que se

recupera o espaço político das forças sociais impelindo o Estado a um enfrentamento à

questão social:

Reaparecem no cenário político forças sociais que recuperam o espaço

vedado a partir de 64 e se expressam através dos movimentos sociais,

urbanos e rurais, do sindicalismo operário aliado aos intelectuais,

profissionais e a uma parcela da igreja que se posiciona a favor dos

oprimidos. Estas forças questionam as medidas econômicas refletidas na

crescente pauperização da população (Ibid., p.31).

Entretanto, apesar da luta travada pelos trabalhadores e trabalhadoras, não

podemos afirmar que houve um rompimento mecânico do Estado brasileiro com a herança

populista e com a prática autoritária que se configuram como seu padrão de dominação,

portanto, a incorporação das demandas sociais que conformam as políticas sociais merece ser

compreendida a partir do paradoxo das pressões populares que redefiniram a atuação do

Estado frente às desigualdades e pauperização da força de trabalho e da intervenção estatal

que materializa serviços como privilégios e não como direitos.

Potyara (2012, p.04) aponta que “enquanto nos países capitalistas centrais as

políticas sociais conquistadas pela classe trabalhadora floresceram sob a égide das chamadas

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democracias burguesas, no Brasil tais políticas floresceram e se adensaram nas ditaduras, sob

as bênçãos da burguesia”.

O denominado Estado de Bem-Estar, consolidado no pós-guerra pelas nações

capitalistas envolvidas no conflito mundial, teve como propósito a reconstrução econômica,

política e social através de um pacto interclasses, já a política social no Brasil gestou-se como

um modelo focalizado e seletivo vinculado aos interesses privados não se constituindo como

direito (SPOSATI et al., 2014).

Com isso, demarcamos as características das políticas sociais no Brasil que, desde

a sua gênese, possui um estreito vínculo com o caráter assistencial, configurando-se, como um

“conjunto de programas, cuja unidade se faz a reboque dos casuísmos de que surgiram” (Ibid.,

p.34). Estamos diante, portanto, do conflito de interesses contraditórios, em que o Estado se

torna o mediador entre as forças do capital e do trabalho, sendo as políticas sociais o espaço

de concretização dos interesses populares, embora com a manutenção do pacto de dominação.

O conjunto das transformações políticas, econômicas e sociais, influenciado pelos

interesses do capital, produziu ao longo da história inúmeras desigualdades e exclusões a

diversos segmentos da sociedade, marginalizando-os durante a constituição do Estado

brasileiro. Nosso esforço em compreender o percurso da consolidação do sistema capitalista e

seus rebatimentos na configuração da sociedade e do Estado brasileiro fomentará as

discussões sobre o desafio das políticas sociais no enfrentamento das desigualdades

produzidas, como veremos no decorrer do texto.

Adiante, discutiremos sobre a Assistência Estudantil, conhecendo a sua trajetória

no Brasil e no IFCE, a fim de desvelar como esta se insere para o fortalecimento de práticas

que possibilitem a construção de novas cidadanias, a democratização dos espaços

institucionalizados e que incida, efetivamente, sobre a desigualdade alicerçada pelo

preconceito, a repressão e a discriminação, a fim de eliminá-la em prol da defesa dos direitos

sociais e humanos dos indivíduos.

3.2 A Política de Assistência Estudantil enquanto Política Social

Para discutir a Política de Assistência Estudantil no IFCE, como política pública

diretamente vinculada à Política de Educação, selecionamos elementos fundantes do seu

desenvolvimento no contexto brasileiro considerando seu marco regulatório e histórico na

trajetória de institucionalização e operacionalização nas instituições federais de ensino.

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Estabelecemos como temporalidade demarcadora da efervescência da assistência

estudantil no país, o segundo mandato do governo Lula (2007- 2010), momento em que

ocorre o lançamento do Plano de Desenvolvimento da Educação – PDE (2007), pelo

Ministério da Educação – MEC, compondo “um conjunto de ações que, teoricamente,

constituir-se-ia em estratégias para a realização dos objetivos e metas previstas no Plano

Nacional de Educação – PNE” (SAVIANI, 2009, p. 27).

As duas ações contempladas pelo PDE (2007), com destaque para nosso estudo,

se voltam respectivamente para a educação superior pública e para a assistência estudantil.

Citamos primeiramente o Decreto Presidencial nº 6.096, de 24 de abril de 2007, que institui o

Programa de Apoio aos Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais –

REUNI, onde salientamos o seu Art. 1º:

[...] com o objetivo de criar condições para a ampliação do acesso e

permanência na educação superior, no nível da graduação, pelo melhor

aproveitamento da estrutura física e de recursos humanos existentes nas

universidades federais (BRASIL, 2007a, p. 01).

E a segunda ação regulamentada pela Portaria Normativa nº 39, de 12 de

dezembro de 2007, editada pelo Ministro da Educação, Fernando Haddad, que institui o

Programa Nacional de Assistência Estudantil - PNAES, dando início ao processo de

institucionalização da assistência estudantil:

[...] considerando a centralidade da assistência estudantil como estratégia de

combate às desigualdades sociais e regionais, bem como sua importância

para a ampliação e a democratização das condições de acesso e permanência

dos jovens no ensino superior público federal [...] (BRASIL, 2007b, p.01).

Cabe ressaltar que o PNAES se configura como desdobramento do REUNI, uma

vez que se coloca como base complementar dessa política de democratização do ensino

superior, em que as camadas sociais mais acometidas pelas desigualdades tornaram-se público

central de intervenção da assistência estudantil.

No âmbito dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia é o Decreto

nº 7.234/2010, a partir do seu artigo 4º, que consolida as ações de assistência estudantil

ampliadas para abranger o público dessas instituições:

As ações de assistência estudantil serão executadas por instituições federais

de ensino superior, abrangendo os Institutos Federais de Educação, Ciência e

Tecnologia, considerando suas especificidades, as áreas estratégicas de

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ensino, pesquisa e extensão e aquelas que atendam às necessidades

identificadas por seu corpo discente (BRASIL, 2010b, p. 01).

Desse modo, temos proposto uma análise acerca da assistência estudantil

destacando-a como um canal de reflexão e questionamentos sobre as temáticas que são postas

como periféricas dentro do ambiente escolar em detrimento da centralidade no discurso da

formação, da qualificação e da inserção profissional. As segregações motivadas pelas

discriminações e preconceitos dentro e fora da escola se relacionam e interferem na

permanência e no êxito acadêmico dos (as) estudantes mais vulnerabilizados (as).

Salientamos, no entanto, que utilizamos o termo vulnerabilidade sem a pretensão

de reforçar o enquadramento dos sujeitos nas representações sociais reprodutoras dos

estigmas e preconceitos, tampouco, de impelir os indivíduos e os grupos aos processos de

exclusão e subalternização dentro das estruturas da sociedade. O que se pretende é fortalecer a

defesa pela criação de uma agenda de debates que amplie o campo de atuação da assistência

estudantil dentro da educação e contribua para a promoção de mudanças concretas nas

relações e no cotidiano das pessoas. Utilizamos, portanto, o conceito de Adorno (2001) sobre

o termo vulnerabilidade:

O termo vulnerabilidade carrega em si a ideia de procurar compreender

primeiramente todo um conjunto de elementos que caracterizam as

condições de vida e as possibilidades de uma pessoa ou de um grupo – a rede

de serviços disponíveis, como escolas e unidades de saúde, os programas de

cultura, lazer e de formação profissional, ou seja, as ações do Estado que

promovem justiça e cidadania entre eles – e avaliar em que medida essas

pessoas têm acesso a tudo isso. Ele representa, portanto, não apenas uma

nova forma de expressar um velho problema, mas principalmente uma busca

para acabar com velhos preconceitos e permitir a construção de uma nova

mentalidade, uma nova maneira de perceber e tratar os grupos sociais e

avaliar suas condições de vida, de proteção social e de segurança. É uma

busca por mudança no modo de encarar as populações-alvo dos programas

sociais (ADORNO, 2001, p.12).

Consonante a definição do autor, consideramos que os elementos que

caracterizam as condições de vida e as possibilidades do sujeito são passíveis de intervenção

por meio de mediações capazes de redimensionar a própria realidade do indivíduo. É dentro

desta perspectiva que entendemos a assistência estudantil como uma ferramenta importante,

articulada à educação, para a superação das vulnerabilidades em suas diversas formas de

expressão.

Fizemos o esforço de apresentar um debate sobre avaliação que fuja da

centralidade dada à dimensão financeira, ancorada nos programas de auxílios, a fim de

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reforçar a importância de novos estudos e pesquisas avaliativas sobre assistência estudantil

que a evidenciem para além de ações e programas, assumindo a sua defesa enquanto um

direito social, sendo necessário o seu reconhecimento enquanto política pública de caráter

social, imprescindível dentro da estrutura paradoxal da educação no Brasil.

Então, abordaremos neste capítulo as suas possibilidades de atuação diante das

questões que refletem as múltiplas dimensões da vida dos (as) alunos (as), em que se verifica

a sua importância para a construção de concepções pedagógicas que transcendam a lógica do

saber produtivista e tecnicista e que pautem as desigualdades sociais que se expressam dentro

e fora da unidade de ensino, sejam elas relacionadas ao gênero, à etnia e raça, à sexualidade, à

condição socioeconômica, etc., dentro de um viés não ingênuo que reflita as correlações de

força e poder que permeiam as estruturas de dominação.

Para isso, é importante ressaltar que ao longo do capítulo buscamos nos debruçar

sobre a trajetória institucional da política, a qual corresponde a uma das dimensões de análise

da proposta metodológica da avaliação em profundidade. Rodrigues (2011) considera essa

dimensão como um dos aspectos mais importantes para a compreensão do que realmente

ocorre no processo de formulação e implementação de uma política e/ou de um programa.

3.3 Assistência Estudantil no Brasil

Para o referido propósito iniciamos apresentando a trajetória da Assistência

Estudantil no Brasil, destacando alguns referenciais, anteriores à Constituição Federal de

1988, acerca das primeiras práticas de assistência aos estudantes, antecedendo assim o debate

político acerca do tema.

Apontamos, por exemplo, a criação em 1930 da Casa do Estudante do Brasil,

situada no Rio de Janeiro, caracterizando o que poderíamos denominar como as protoformas

da assistência estudantil no país. Dizemos protoformas como meio de destacar o seu caráter

ainda embrionário com notória influência assistencialista e ausente de reflexões sobre sua

inserção no bojo das políticas sociais que a configurasse como um direito da classe estudantil.

O restaurante popular, que se vinculava à Casa do Estudante, sendo uma de suas iniciativas,

atuava como uma benesse do Estado para os estudantes pobres, distante de ser uma política

pública estatal de atenção voltada àquele segmento.

No cenário político, o governo brasileiro tinha no poder Getúlio Vargas (1930 -

1945), cujo perfil de sua política era populista e paternalista, o que refletia na condução das

ações voltadas ao público estudantil. Contudo, foi durante o seu governo que se iniciou o

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processo de reorganização da educação no país, buscando a elaboração de uma Política

Nacional de Educação.

A promulgação de quatro decretos teve impacto direto na educação superior do

país: o Decreto 19.85/31, denominado Lei Orgânica do Ensino Superior; o Decreto nº

19850/31 que versava sobre a criação do Conselho Nacional de Educação; o Decreto nº

19851/31 que cria o Estatuto da Organização das Universidades Brasileiras e o Decreto nº

19852/31 referente à organização da Universidade do Rio de Janeiro.

A Lei Orgânica do Ensino Superior atingiu o status constitucional em 1934 ao

incluir no texto da Carta Magna a assistência estudantil, em seu artigo 157, §2°: "Parte dos

mesmos fundos se aplicará em auxílio a alunos necessitados, mediante fornecimento gratuito

de material escolar, bolsas de estudos, assistência alimentar, dentária" (BRASIL, 1934, p.01).

Apesar do caráter assistencial e focalizado, pode-se considerar um avanço a destinação de

recursos para o seu financiamento, visto que antes eram destinadas doações do governo

federal. O texto não especifica o quantitativo do recurso, sendo um ato discricionário dos

gestores. Contudo, este marco inicial configura-se importante para o início da trajetória da

assistência estudantil no país.

Nesse contexto de reorganização da educação e de incentivo às ações de

assistência aos estudantes, o Ministério da Educação, em 1937, estimulou a criação da União

Nacional dos Estudantes - UNE, com sede administrativa na Casa do Estudante, onde seus

membros tinham como atribuições organizar a biblioteca, o serviço de saúde, a concessão de

bolsas e a distribuição de cargos empregatícios. A relação entre a UNE e a Casa do Estudante

não durou muito tempo, pois o entendimento dos (as) estudantes divergia sobre a forma como

a entidade foi criada. A entidade estudantil só passou a reconhecer a Casa do Estudante em

1938 durante o II Congresso Nacional dos Estudantes momento em que, a partir da

organização e consciência daquele segmento, criou-se e aprovou-se um plano de reforma

educacional que denunciava as problemáticas de natureza educacional e socioeconômica da

realidade do corpo estudantil.

A Constituição de 1946, ainda sob o governo de Vargas, consolidou a educação

como um direito de todos, em seu artigo 166, e tornou a assistência estudantil obrigatória para

todos os sistemas de ensino, como verificamos no artigo 172 da referida Constituição “cada

Sistema de Ensino terá, obrigatoriamente, serviços de assistência educacional que assegurem

aos alunos necessitados, condições de eficiência escolar” (BRASIL, 1946, p.01).

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A partir da nova Constituição observam-se dois elementos que não estavam

presentes anteriormente na Carta de 1934: a oferta de “serviços de assistência educacional” e

a preocupação com que fossem “asseguradas as condições de eficiência escolar”. O Decreto

nº 20.30235

, no mesmo período, também revela a preocupação com as instalações dos

estabelecimentos de ensino superior para que estas possibilitassem em suas estruturas a

realização de ações de assistência médico-social aos (às) alunos (as). Até aqui podemos

considerar que a assistência estudantil possuía um caráter de ajuda aos (às) “necessitados

(as)”, norteada pelo viés assistencialista e paternalista daquele governo.

Com a Lei de Diretrizes e Bases – LDB / Lei nº 4.024, de 1961, a assistência

estudantil passou para outro patamar dentro da Política de Educação, passando a compreendê-

la como um direito para todos os estudantes que precisarem, e não mais como uma ajuda,

como denota os artigos 90 e 91:

Art. 90. Em cooperação com outros órgãos ou não, incumbe aos sistemas de

ensino, técnica e administrativamente, prover, bem como orientar, fiscalizar

e estimular os serviços de assistência social, médico-odontológicos e de

enfermagem aos alunos. Art. 91. A assistência social escolar será prestada

nas escolas, sob a orientação dos respectivos diretores, através de serviços

que atendam ao tratamento dos casos individuais, à aplicação de técnicas de

grupo e à organização social da comunidade (BRASIL, 1961, p.01).

Observa-se, no texto, que passam a ser designados serviços aos estudantes,

considerando o caráter técnico e os saberes específicos dos (as) profissionais envolvidos (as),

para o atendimento das demandas do corpo estudantil. Cabe destacar que, para Saviani

(1991), o contexto em que foi elaborado o texto da primeira LDB Lei nº 4.024, de 1961 traz

influências do movimento da escola nova36

no Brasil, resultando, portanto, como

consequência das contradições da velha ordem política em conflito com a formação da nova

classe dominante surgida com o processo de industrialização.

As prescrições da LDB 4.024/61 correspondiam ao desejo da sociedade brasileira

daquela época de massificar a ação educativa a fim de que o país fosse conduzido à geração

das riquezas e superação das barreiras do subdesenvolvimento econômico e cultural.

35

O Decreto de 02 de janeiro de 1946 aprova os Regimentos das Diretorias do Ensino Superior, Ensino

Secundário, Ensino Comercial e Ensino Industrial, do Ministério da Educação e Saúde. Disponível em:

<http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1940-1949/decreto-20302-2-janeiro-1946-327736-

publicacaooriginal-1-pe.html> Acesso em 15 de janeiro de 2017. 36

Segundo Gadotti (1996) a escola nova representa o mais vigoroso movimento de renovação da educação

depois da criação da escola pública burguesa. No Brasil, em 1932, é criado o Manifesto dos pioneiros da

educação nova, assinado por 27 educadores, documento político doutrinário que se opunha ao modelo tradicional

da educação. A efervescência das concepções da escola nova, no país, acontece em um período de grandes

mudanças sociais, políticas e econômicas.

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Entretanto, a escola continuou a ser restrita e excludente, trazendo no âmbito da ideologia de

progresso e prosperidade dominante o pensamento de que ela se uniria à fábrica para ajudar

na realização do projeto político dos governos populistas que se sucederam de 1930 a 1964.

Saviani explica que dentro da nova ordem social instalada no Brasil as elites

dominantes disseminaram a ideia de escola para todos como instrumento de constituição de

sua hegemonia, pois correspondia também aos interesses do proletariado na medida em que a

educação lhe permitia participar do processo político por meio das eleições. Mas as

contradições inerentes aos interesses de classe levaram as elites a buscar uma reforma

educacional no sentido de valorizar a qualidade em detrimento da quantidade. “E surgiu a

Escola Nova, que tornou possível ao mesmo tempo o aprimoramento do ensino destinado às

elites e o rebaixamento do nível de ensino das camadas populares” (1991, p.63).

Nesse sentido, a assistência aos (às) estudantes pobres previstas no corpo da lei

era imprescindível para a incorporação dos (as) filhos (as) dos (as) trabalhadores (as) à

educação, haja vista a necessidade de qualificação da mão de obra para o desenvolvimento

nacional.

No ano seguinte, pós-sanção da LDB/61, o Conselho da UNE, a partir da

comissão de política de assistência cultural e material ao estudante encaminhou reivindicações

debatidas no II Seminário Nacional de Reforma Universitária, realizado em Curitiba

(março/1962), tais como: a criação de gráficas universitárias para impressão de jornais,

revistas, apostilas e livros; assistência médica; assistência habitacional, com a construção de

casas de estudantes; e o aumento do número de restaurantes universitários. Estas foram se

constituindo como bandeiras de luta dos (as) estudantes que pleiteavam serviços para garantir

condições para o término do curso, haja vista a inviabilidade financeira em manter despesas

advindas do processo formativo.

Na Constituição seguinte, de 1967, no artigo 168, percebe-se o reconhecimento da

educação como um direito universal. Vejamos:

Art. 168 - A educação é direito de todos e será dada no lar e na escola;

assegurada a igualdade de oportunidade, deve inspirar-se no princípio da

unidade nacional e nos ideais de liberdade e de solidariedade humana; No §

2º - Respeitadas as disposições legais, o ensino é livre à iniciativa particular,

a qual merecerá o amparo técnico e financeiro dos Poderes Públicos,

inclusive bolsas de estudo. Ainda no§ 2º - Cada sistema de ensino terá,

obrigatoriamente, serviços de assistência educacional que assegurem aos

alunos necessitados condições de eficiência escolar (BRASIL, 1967, p. 01).

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Apesar do avanço no texto constitucional que trouxe importantes garantias no

campo da educação, o movimento estudantil vivenciava um duro embate com a ditadura

militar, o que acabou por não tornar efetivo o que se previa com a nova Carta Magna. Assim,

foi através dos movimentos e dos eventos promovidos pelos (as) estudantes que o debate foi

sendo ampliado e maturado, tendo sido de grande importância para o processo de construção

da Política de Assistência Estudantil no Brasil.

Passados três anos, em 1970, foi instituído o Departamento de Assistência ao

Estudante – DAE, o qual era vinculado ao MEC, cuja prioridade era os programas de

alimentação, moradia, assistência médica e odontológica. Apesar do objetivo de manter uma

política de assistência ao estudante universitário, em nível nacional, a duração do

departamento foi efêmera, sendo extinta nos governos seguintes (FONAPRACE, 1996).

Durante os primeiros cinco anos da década de 1970 com o governo Médici e a

ditadura no seu auge, e o fortalecimento da economia, com o chamado “milagre econômico”,

o país demandava para a educação a qualificação de mão de obra, pautada na concepção

pedagógica produtivista, conforme nos esclarece Saviani (2005), que revela a subordinação da

educação ao desenvolvimento econômico tornando-a funcional ao sistema capitalista, isto é,

colocando-a a serviço dos interesses da classe dominante. As legítimas reivindicações

estudantis foram sendo relativamente incorporadas, contudo, não desconectadas da lógica

macroestrutural do país.

Neste contexto o Decreto nº 69.927, em janeiro de 1972, foi criado para instituir o

Programa Bolsa de Trabalho, em nível nacional, numa perspectiva de inserção dos (as)

estudantes ao processo de integração do desenvolvimento econômico-social do país, com viés

focalizado nos (as) alunos (as) que comprovassem “carência de recursos financeiros”

(BRASIL, 1972).

Apesar da extinção da UNE no período da ditadura, em 1964, a entidade

continuou organizada e defendendo suas bandeiras, conseguindo em 1979, no 31º Congresso

UNE, organizar o processo de sua reconstrução, momento de transição democrática e de

conquistas de espaços. Em 1985, o cenário da luta pelas “diretas já” e da eleição de Tancredo

Neves37

, com o apoio popular, como o primeiro presidente civil após longo período foi

favorável para a abertura do diálogo entre o MEC e a UNE, o que não acontecia desde 1964.

37

Apesar de eleito Tancredo Neves não chegou a assumir a presidência, mas o apoio popular para a sua eleição é

importante para ressaltar o cenário de abertura democrática no país, após longo período de ditadura militar. O

Presidente eleito não conseguiu tomar posse do cargo, tendo sido internado antes disso e falecendo em 21 de

abril de 1985. O cargo da Presidência foi ocupado por José Sarney, seu vice.

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É importante demarcar que o período de ditadura trouxe retrocesso ao debate acerca da

assistência estudantil, onde não havia um projeto de âmbito nacional para a garantia de ações

da manutenção dos (as) jovens na universidade, tendo sido priorizadas apenas ações pontuais

nos níveis básico e médio de ensino, excluindo-se, portanto, a educação superior.

Citamos a criação da Fundação de Assistência ao Estudante38

, denominada

anteriormente de Fundação Nacional de Material Escolar, em 1983, como exemplo da

assistência prevista para os (as) alunos (as) dos níveis de ensino básico e médio. Consultando

a Lei nº 7.091/83, observamos em seu Art. 3º a sua finalidade e os seus objetivos:

Art. 3º A Fundação de Assistência ao Estudante, terá por finalidade

assegurar os instrumentos e condições de assistência educacional nos níveis

de formação pré-escolar e de 1º e 2º Graus, constituindo seus objetivos

básicos: I - a melhoria de qualidade, a diminuição dos custos e a criação de

melhores condições de acesso dos usuários ao material escolar e didático, à

alimentação escolar e às bolsas de estudo e manutenção; II - a coordenação

da política de assistência educacional, bem como o desenvolvimento de

estudos visando a subsidiar a sua formulação; III - o apoio à administração

dos serviços de assistência educacional dos sistemas de ensino (BRASIL,

1983, p.01).

A Fundação Nacional de Material Escolar tinha por finalidade apenas a produção

e a distribuição de material didático, primando pela melhoria na qualidade, preço e utilização,

não visando fins lucrativos. A partir da sua revogação a Fundação de Assistência ao Estudante

é criada com o objetivo de se tornar instrumento para o Ministério da Educação e Cultura

executar as ações de assistência aos (às) estudantes. De acordo com o Art.3º e seus incisos I,

II e III, a finalidade e os objetivos da nova instituição altera o entendimento anterior e amplia

sua atuação junto aos (às) estudantes do ensino básico, especialmente no que se refere à

melhoria das condições de acesso ao material didático escolar, mas também à alimentação e

às bolsas de estudo e manutenção. Fica evidenciada a exclusão do ensino superior das

iniciativas voltadas à oferta de serviços para o público universitário naquele período.

Com o processo de redemocratização do país, Sarney, depois da morte de

Tancredo Neves, convoca uma Nova Constituinte e, em 1988, há a aprovação da Constituição

Federal que demarca os direitos sociais regulamentados em seu artigo 6º, sendo a educação

um destes, entendida como um direito de todos e dever do Estado.

Podemos considerar que a partir daqui se inicia uma segunda fase para a Política

de Assistência Estudantil no Brasil, surgindo agentes importantes para o fortalecimento e

38

A Fundação de Assistência ao Estudante surge a partir da revogação da Lei nº 5.327/67, que altera a

denominação da Fundação Nacional de Material Escolar, através da Lei nº 7.091/83.

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consolidação desta política. O Fórum Nacional de Pró-Reitores de Assuntos Comunitários e

Estudantis – FONAPRACE39

, em 1987, e a Associação Nacional dos Dirigentes das

Instituições Federais de Ensino Superior - ANDIFES podem ser destacados como os mais

influentes no processo político de discussão sobre as questões educacionais e de diálogo com

o governo.

Ambos fizeram frente à integração regional e nacional das instituições de ensino

superior trazendo à baila a efetivação da política de assistência estudantil no ensino superior, a

partir da garantia de igualdade de oportunidades aos (às) estudantes das Instituições Federais

de Ensino Superior - IFES, buscando o rompimento com a lógica assistencialista e

clientelista, pautando as condições básicas para a permanência e a conclusão do curso, em

específico para os (as) alunos (as) com baixa condição socioeconômica.

O marco histórico da Constituição de 1988 acrescenta ganhos para as causas dos

movimentos sociais, ressaltando o movimento estudantil que passa a ter amparo

constitucional para a garantia universal do acesso à educação e a execução de ações de

assistência ao estudante. Contudo, na década de 1990 o avanço das ideias neoliberais dá início

aos retrocessos nas recentes conquistas sociais.

Iniciado o período de desmonte dos direitos sociais, pelo governo do então

presidente Fernando Collor de Mello (1990-1992), verificou-se com maior intensidade no

governo do presidente Fernando Henrique Cardoso em seus dois mandatos, (1995-1998 e

1999-2002), sucessivos retrocessos no que tange aos direitos sociais, em especial na área da

educação, período que ficou caracterizado pelo sucateamento e pela mercantilização do

sistema educacional no Brasil, sobremaneira no ensino superior.

Durante o seu primeiro mandato foi aprovada a Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional – LDB (Lei nº. 9394, de 12/96), reafirmando a assistência estudantil como

ação indispensável para garantia do acesso e da permanência de jovens oriundos (as) de

famílias empobrecidas. Apesar disso, o governo iniciou um pacote de ajustes e reformas

alinhadas com os interesses dos agentes financeiros internacionais, consolidando o projeto

neoliberal na educação.

O FONAPRACE, no final de 1999, solicitou a inclusão da assistência estudantil

no Plano Nacional de Educação – PNE (2001), com base nos dados obtidos com a primeira

39

Segundo Nascimento (2013), o FONAPRACE emerge com uma função reivindicativa, promovendo uma

articulação entre a luta pela consolidação de uma política de Assistência Estudantil nas IFES e às bandeiras do

Movimento de Reforma Universitária defendidas pelos intelectuais, estudantes e movimentos sociais da

educação a partir da década de 1960.

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pesquisa realizada sobre o perfil dos estudantes das Instituições Federais de Ensino Superior -

IFES. O relator do PNE (Lei nº 10.172/ 2001), Deputado Nelson Marchezan, acatou a

solicitação e previu no Plano que as IFES fossem estimuladas a adotar programas de

assistência ao estudante e, nos objetivos elencados, um deles versou sobre a redução das

desigualdades sociais e regionais no tocante ao acesso e à permanência.

As discussões acerca das legislações que tramitaram à época consensuavam que a

plenitude acadêmica dos (as) estudantes estava diretamente associada à qualidade do ensino e

a uma política efetiva de assistência estudantil, considerando elementares as demandas acerca

de moradia, alimentação, saúde, cultura e lazer, sendo igualmente importante o acesso

equânime ao material didático, aos equipamentos de aprendizagem prática, à informação e às

oportunidades de participação em eventos acadêmicos e culturais. Contudo, durante o governo

FHC (1995-1998 e 1999-2002) os investimentos na educação, em particular na assistência

estudantil, foram insuficientes para a garantia de sua efetivação, tendo sido priorizada a

política macroeconômica, que submeteu a própria educação aos seus condicionantes, visto

que os organismos internacionais impuseram suas regras em troca dos acordos e

financiamentos.

A transição do governo FHC (1999-2002) para o governo Lula (2003-2006)

apontou novos caminhos para a educação e para a assistência estudantil no Brasil,

especialmente no tocante ao investimento nestas áreas e à ampliação do acesso de estudantes

ao ensino superior, em particular, de uma parcela da população historicamente excluída.

Apesar disso, a lógica neoliberal não foi rompida, podendo ser percebida em algumas

iniciativas do referido governo, como a educação à distância e a implantação do Programa de

Ensino Profissionalizante – PEP, com forte expressividade na educação profissional, a qual se

insere na lógica da formação técnica para o mercado, além do investimento público em

instituições privadas de ensino, através do ProUni e da ampliação do Financiamento

Estudantil - FIES.

O FONAPRACE aprovou em 2001 a proposta para um Plano Nacional de

Assistência aos Estudantes de Graduação das Instituições Públicas de Ensino Superior, cuja

preocupação destacada como meta foi a garantia de destinação de recursos específicos, a

partir de 2002, para os programas de permanência nas IES para aqueles (as) alunos (as) com

maior vulnerabilidade socioeconômica.

Os resultados das pesquisas realizadas pelo Fórum tiveram um papel importante

no processo de legitimação da Assistência Estudantil em âmbito governamental. O Plano

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elaborado a partir dos primeiros levantamentos realizados acerca da realidade socioeconômica

dos (as) estudantes das universidades públicas brasileiras foi encaminhado à Associação

Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior – ANDIFES, em 04 de

abril de 2001, tornando-se o documento base para todas as ações concernentes ao tema.

Esta proposta de Plano objetivou responder aos desafios apontados nas Pesquisas

do Perfil Socioeconômico e Cultural dos Estudantes de Graduação das IFES Brasileiras,

realizadas pelo FONAPRACE, nos períodos de 1996 - 1997 e 2003 - 2004.

Vale ressaltar que a partir do estudo realizado em 2004 pelo Fórum foi possível

identificar as precárias condições socioeconômicas de relevante parcela do segmento

estudantil que resultava na dificuldade de permanência destes nas Instituições Federais de

Ensino Superior. Para tanto foi elaborado um Plano Nacional de Assistência Estudantil40

que

apontava o diagnóstico realizado, bem como os princípios, os objetivos, as metas, as áreas

estratégicas, os investimentos, entre outros itens que deveriam ser priorizados e

implementados a partir de 2007.

A Portaria Ministerial – MEC de nº 39 deste mesmo ano coadunou com os

avanços trazidos a partir do documento apresentado, ficando instituído, em 2007, o Programa

Nacional de Assistência Estudantil – PNAES para as universidades federais, sendo fortalecido

pelo Decreto 6.096 de 24 de abril de 2007 - REUNI, sancionado no mesmo ano, pela política

governamental de expansão das IFES e de inclusão social durante o segundo mandato do

governo Lula (2007-2010), em que se verificou o reconhecimento da demanda crescente por

assistência estudantil nas instituições de educação.

Em abril de 2007, o Ministério da Educação lançou o Plano de Desenvolvimento

da Educação - PDE, em que se destacavam duas ações relacionadas à Educação Superior

Pública e à Assistência Estudantil: o Decreto Presidencial nº 6.096, de abril de 2007, que

instituiu o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades

Federais – REUNI; e a Portaria Normativa nº 39, de 12 de dezembro de 2007, o Programa

Nacional de Assistência Estudantil - PNAES.

No contexto do PDE (2007), vislumbrou-se para a Educação Superior a expansão

da oferta de vagas, a garantia da qualidade do ensino, a promoção de inclusão social pela

Educação, a ordenação territorial, que possibilitasse às áreas mais remotas o acesso ao ensino

de qualidade e ao desenvolvimento econômico e social. Destacamos, portanto, as principais

40

O documento está disponível em:

<http://www.andifes.org.br/wpcontent/files_flutter/Biblioteca_071_Plano_Nacional_de_Assistencia_Estudantil_

da_Andifes_completo.pdf> Acesso em 19 de janeiro de 2016.

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iniciativas do Plano para atender a estes princípios: o aumento das vagas de ingresso e a

redução das taxas de evasão nos cursos presenciais de graduação por meio do Programa de

Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais – REUNI; a adoção

de políticas afirmativas através do Programa Nacional de Assistência Estudantil - PNAES;

alteração do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior - FIES que ampliava o

prazo para o (a) aluno (a) pagar o empréstimo após a conclusão do curso; ampliação do

Programa Universidade para Todos - ProUni e o Sistema Nacional de Avaliação da Educação

Superior - SINAES.

Já para a Educação Profissional e Tecnológica o Plano definiu como meta a

ampliação do parque federal da área em 150%, procedendo para isso à ampliação dos

Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia - IFET e à integração da Educação de

Jovens e Adultos - EJA, dos anos finais do ensino fundamental e ensino médio, à Educação

Profissional, através do Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a

Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos - PROEJA e pelo

Programa de Inclusão de Jovens: Educação, Qualificação e Ação Comunitária - Projovem.

O REUNI surge caracterizado pela forte defesa da ampliação das políticas de

inclusão e de assistência estudantil durante o governo Lula (2003-2006 e 2007- 2010). A

expansão do acesso ao ensino superior gratuito foi percebida pela emergência de novas

instituições públicas que geraram a abertura de novas vagas de cursos, juntamente com a

implantação de programas que visaram à democratização do ensino superior. Assim, tornava-

se necessário desenvolver instrumentos e mecanismos que viabilizassem a permanência dos

(as) que ingressavam no ensino superior.

Para tanto, a Portaria Normativa nº 39, de 12 de dezembro de 2007, que instituiu o

PNAES, configura-se como ferramenta para dar sustentabilidade ao projeto de expansão das

instituições de ensino superior e viabilização da inclusão de novos (as) estudantes. Vale

ressaltar a criação da Lei de Cotas, Lei nº 12.711 de agosto de 2012, responsável pela inserção

da camada social mais pobre e desprivilegiada do acesso aos bens e serviços produzidos. Ela

atua, portanto, como uma ação afirmativa voltada para duas variáveis do processo de

exclusão, a condição socioeconômica e a condição étnico-racial.

Sobre o financiamento da assistência estudantil, a Portaria nº 39 não se ocupou na

designação dos recursos específicos, tampouco, de aumentar os valores de repasse, como

observamos no artigo 5º do documento:

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As despesas do PNAES correrão à conta das dotações orçamentárias

anualmente consignadas ao Ministério da Educação, devendo o Poder

Executivo compatibilizar a quantidade de beneficiários com as dotações

orçamentárias existentes observados os limites estipulados na forma da

legislação orçamentária e financeira (BRASIL, 2007b, p.01).

A não institucionalização da assistência estudantil enquanto Política Nacional,

durante o Governo Lula (2007- 2010), a torna vulnerável tanto para a sua ampliação, quanto na

sua própria manutenção. A não definição de orçamento específico reforça a fragilidade do

Programa, que se torna ameaçada pelas medidas adotadas pelo atual governo, Michel Temer

(2016), que, sob a justificativa do pagamento da dívida pública, para equilíbrio das contas do

governo tem desonerado o Estado, através do ataque direto aos direitos sociais, tais como a

educação, a saúde, a previdência, entre outros.

Apesar de a assistência estudantil no Brasil ser caracterizada como focalizada e

seletiva, não sendo essa uma exceção do modelo de política social no país, a concessão de

auxílios aos (às) alunos (as) mais pobres compreende-se como uma assistência fundamental

para a permanência desses (as) estudantes. Contudo, o orçamento dispensado ao tratamento

dessa demanda tem sido muito aquém da necessidade identificada pelos (as) profissionais das

equipes de assistência estudantil, em particular os (as) assistentes sociais.

Verifica-se que permanece ativo o debate nacional movido pelas entidades e

organizações como o FONAPRACE e a UNE, bem como no interior das categorias

profissionais das equipes de assistência estudantil, sobre a oferta de serviços de caráter

universal, que contemplem um número ampliado de estudantes e que contemplem outras

necessidades e outros segmentos sociais, como as mulheres, os (as) negros (as), indígenas, o

público LGBTs e as pessoas com deficiência, a fim de criar condições reais de

democratização do ensino aos grupos menos favorecidos. Nesse sentido, afirmamos a

necessidade de a Assistência Estudantil se efetivar como uma política social, com ascensão à

Política Pública, consolidada como um direito de cidadania.

Apesar do cenário de crise na economia mundial, em 2008, período de maior

expansão das Instituições Federais de Ensino, as IFES foram contempladas com recursos

específicos o que garantiu a implementação das ações previstas no Plano de Desenvolvimento

da Educação – PDE (2007). Cabe elencar alguns dos elementos que impulsionaram a política

econômica brasileira naquele momento: o aquecimento do mercado interno motivada pelas

políticas de crédito destinado à população e à ampliação dos programas de transferência de

renda, bem como com a alta demanda para a exportação de commodities, que permitiu o

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crescimento do país mesmo diante da crise mundial (PAULANI, 2012). Isso nos ajuda a

compreender como o Brasil conseguiu manter o investimento previsto no campo da educação,

assim como em outras áreas.

O programa de frente neodesenvolvimentista (PEREIRA, 2012) adotado naquele

período pelo governo reuniu elementos importantes da política econômica e social, com

destaque para a política de recuperação do salário mínimo e de transferência de renda, o que

favoreceu ao aumento do consumo interno; o financiamento da taxa de juros para as grandes

empresas nacionais, através do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico - BNDES; o

foco na exportação de mercadorias e de capitais fomentando uma política externa de apoio às

grandes empresas brasileiras ou instaladas no Brasil; uma política econômica anticíclica.

Todas essas medidas contribuíram para a manutenção da demanda agregada durante a crise

econômica.

A referida autora explica o termo desenvolvimentismo a partir da integração da

esfera nacional com a internacional, na promoção do crescimento econômico com inclusão

social, cujas particularidades do modelo adotado no Brasil, especialmente durante os dois

mandatos do ex-presidente Lula, centravam-se na intervenção estatal, num contexto de

estabilidade institucional e monetária; na capacidade econômica do país projetando-o como

potência emergente na lógica da globalização neoliberal, mantendo certo resguardo de uma

soberania relativa; e a pretensão brasileira de uma liderança regional (Ibid., 2012).

Entender o cenário brasileiro e as políticas econômicas e sociais priorizadas como

alternativas possibilita refletir sobre os processos de rupturas e continuidades que marcam a

trajetória brasileira no curso da história, bem como esclarecem que “no Brasil, as definições e

os rumos da política social não estão imunes a influências internacionalmente hegemônicas,

que, embora se processem de forma diferenciada, não estão desconectadas” (PEREIRA, 2012,

p.02).

Retomando as legislações que tratam sobre a assistência estudantil no Brasil,

destacamos o Decreto nº 7.234/2010, que dispõe sobre o Programa Nacional de Assistência

Estudantil – PNAES, ampliando o seu campo de atuação para os Institutos Federais de

Educação Ciência e Tecnologia – IFETs, expresso em seu Art. 4º. Portanto, a discussão sobre

a assistência estudantil no âmbito dos Institutos Federais é muito recente, da mesma forma

que a nova institucionalidade da educação profissional operacionalizada a partir do segundo

mandato do governo Lula (2007- 2010).

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No cenário político a sucessão do presidente Lula para a gestão de Dilma

Rousseff (2011-2014) não alterou a perspectiva de democratização do ensino superior e o

modelo de expansão da educação profissional. Contudo, a partir de 2014, com o

endividamento público e as dificuldades no contexto econômico advindos da redução de

exportações das commodities, entre outros elementos, a equipe do governo procedeu a um

ajuste fiscal, recaindo tais medidas sobre as políticas sociais. Diante disso, os recursos

destinados à educação, assim como para outros segmentos, sofreram contingenciamentos e

cortes, impactando na manutenção dos (as) estudantes nas Universidades e nos Institutos

Federais.

Em 2015 a situação foi agravada, o que gerou uma greve dos (as) trabalhadores

(as) e estudantes das instituições do ensino federal, sendo maior a adesão nos Institutos

Federais. A principal pauta debatida no período era reverter o corte na educação, anunciado e

implementado pelo governo Dilma no início de seu segundo mandato, o qual repercutiu

diretamente no funcionamento das instituições e nas ações de assistência estudantil.

A atual conjuntura brasileira, pós-processo de impeachment da Presidenta Dilma

Rousseff, em 2016, tem efetivado retrocessos das políticas sociais no país, materializado por

emendas constitucionais, medidas provisórias que sinalizam os novos rumos para a educação,

para a educação profissional e para o ensino médio, com repercussões severas previstas para a

assistência estudantil, os programas de bolsas de pesquisa e extensão, bem como no número

de instituições de ensino superior e, consequentemente, de vagas em seus cursos. Portanto, as

Políticas Públicas no Brasil, com destaque para a Educação, compreendendo outras políticas,

programas e ações que nela estejam inseridas, estão desafiadas a repensarem as formas de

enfrentamento aos desmontes anunciados.

Segundo Martins41

( 2017), o golpe de Estado de 2016 teve como intento atingir a

organização dos trabalhadores (as) e o protagonismo dos movimentos sociais que se

expressava na elevação da atividade sindical; nas explosões sociais de junho de 2013 pela

ampliação de direitos sociais como o transporte público gratuito e a garantia de direitos

constitucionais, como o acesso público à saúde e educação de qualidade; e nas políticas

sociais voltadas para o acesso aos rendimentos do trabalho pela população de baixa renda,

41

Artigo escrito por Carlos Eduardo Martins, em maio de 2017, para o Blog da Boitempo. O autor é doutor em

Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), professor do Programa de Estudos sobre Economia Política

Internacional (UFRJ), coordenador do Laboratório de Estudos sobre Hegemonia e Contra-Hegemonia

(LEHC/UFRJ), coordenador do Grupo de Integração e União Sul-Americana do Conselho Latino-Americano de

Ciências Sociais (Clacso). Disponível em: <https://blogdaboitempo.com.br/2017/05/29/notas-sobre-a-crise-

politica-brasileira/> Acesso em 12 de setembro de 2017.

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notadamente através da elevação do salário mínimo, e também dos programas de renda

mínimas e cotas sociais de acesso à educação superior.

O autor afirma que estamos vivenciando um plano radical de reestruturação do

Estado brasileiro, onde se tem avançado em:

Reformas neoliberais como o congelamento dos gastos públicos primários

por 20 anos, a reforma trabalhista, a lei de terceirizações, a reforma da

Previdência, o fim das políticas industriais do BNDES, a retomada de

privatização de empresas ou a eliminação do monopólio da Petrobrás e da

política de conteúdo nacional para investimentos no Pré-Sal. Por meio das

políticas de elevação da superexploração do trabalho e da atração de capital

estrangeiro procurava-se compensar a restrição de gastos públicos primários

e retomar o dinamismo econômico, associando-o ao aumento das taxas de

exploração, da lucratividade e do investimento (MARTINS, 2017, p.01).

Diante da grande ofensiva de ataque aos direitos sociais, promovendo o

acirramento das desigualdades estruturais no país, reafirmamos a importância deste estudo

para contribuir com a agenda de defesa da Educação e da Assistência Estudantil, dentro de

uma concepção de universalidade e de integração ao desenvolvimento social e ao exercício

pleno da cidadania dos sujeitos, em que ambas configuram como estratégicas para a

transformação social e política no contexto brasileiro.

A seguir, apresentaremos a Política de Assistência Estudantil do IFCE, tomando

como base o documento que regulamenta a referida Política na instituição e outras

regulamentações institucionais. Antes de nos determos propriamente ao processo de

elaboração e implantação da Política no âmbito da instituição, achamos relevante descrever a

trajetória da assistência estudantil no Instituto Federal do Ceará, o que nos permitirá trabalhar

a Trajetória Institucional da Política, prevista como uma das dimensões do método Avaliação

em Profundidade (RODRIGUES, 2008).

3.4 A Política de Assistência Estudantil no Instituto Federal do Ceará

Destarte, traçaremos um breve percurso da Política de Assistência Estudantil no

contexto institucional do IFCE, diferenciando-a do PNAES que se configura como uma

legislação nacional não impeditiva à elaboração de regulamentações próprias nas instituições

públicas de ensino que norteiem e organizem a operacionalização da assistência estudantil em

suas unidades. Para isso, consideramos a sua trajetória institucional no IFCE a partir do

processo de redemocratização do acesso ao ensino superior, bem como da ampliação de vagas

para o ensino técnico e tecnológico.

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Esse processo incorporou parte da população historicamente excluída do sistema

de ensino, especialmente aquela residente nas zonas mais afastadas das áreas urbanas dos

municípios do interior do Estado cujo déficit de instituições públicas de ensino superior,

profissional e tecnológico é elevado. Isso resultou tanto no crescimento como no surgimento

de novas demandas apresentadas aos (às) profissionais dos campi do IFCE, exigindo a

ampliação das equipes que já atuavam nas unidades em funcionamento, bem como a

realização de concurso público para a composição de quadros profissionais para as novas

unidades.

A ampliação das novas sedes e, consequentemente, das equipes de trabalho gerou

uma necessidade de organização institucional para o acompanhamento dos campi na

implementação e execução da assistência estudantil. A criação de uma Diretoria específica

para acompanhar os diversos campi do IFCE garantindo o suporte técnico aos (às)

profissionais e às coordenações e coordenadorias foi o passo dado para o gerenciamento do

processo de operacionalização do Programa Nacional de Assistência Estudantil – PNAES e,

posteriormente, da Política de Assistência Estudantil do IFCE, a qual está fundamentada pelas

diretrizes nacionais.

Apesar da elaboração recente dessa Política na instituição, vale ressaltar que há

registros de práticas voltadas à assistência dos (as) estudantes quando esta ainda se

denominava Escola Técnica Federal do Ceará, cujas ações estavam engendradas na lógica do

trabalho tendo como exemplo o Programa Especial de Bolsa de Estudo – PEBE, que estava

voltado para trabalhadores (as) sindicalizados (as) e seus dependentes, regulamentado pelo

Decreto 57.870, de 25 de fevereiro de 1966, de acordo com o Boletim de Serviço do CEFET

do ano 2000.

A vinculação ao trabalho como forma de atenção à juventude pobre é uma

característica trazida desde a criação da instituição, em 1909, sob a designação de Escola de

Aprendizes e Artífices - EAA, através do Decreto nº 7.566 de 23 de setembro de 1909,

assinado por Nilo Peçanha durante a velha república. Marcada pela preocupação com a

infância sob um discurso econômico, higienista e político de proteção do Estado às crianças

carentes, em especial aos abandonados e delinquentes, justificou-se a criação de instituições

de confinamento moldadas por valores burgueses para a formação do caráter da criança dentro

da ética do trabalho (GOMES, 2003, p. 03). Portanto, a gênese dessas instituições estava

centrada no projeto de criação de uma sociedade do trabalho, com viés disciplinador da

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pobreza. Ratifica-se o caráter da criação das EAAs a partir do próprio texto do Decreto que

considera:

Que o aumento constante da população das cidades exige que se facilite às

classes proletárias os meios de vencer as dificuldades sempre crescentes da

luta pela existência; que para isso se torna necessário, não só habilitar os

filhos dos desfavorecidos da fortuna com o indispensável preparo técnico e

intelectual, como fazê-los adquirir hábitos de trabalho profícuo que os

afastará da ociosidade ignorante, escola do vício e do crime; que é um dos

primeiros deveres do Governo da República formar cidadãos úteis à Nação

(BRASIL, 1909, p.01).

O texto denota a preocupação do Estado na intervenção dos novos problemas

postos pela urbanização como, por exemplo, aumento das populações nas cidades e o

crescimento de trabalhadores (as) livres. Para isso, há investimento do Estado na condução de

uma ação educativa para o desenvolvimento de hábitos de trabalho, como: ordem, submissão,

racionalidade, pontualidade, bom uso do tempo, utilização adequada dos instrumentos de

trabalho; hábitos delineadores do perfil do trabalhador produtivo, integrado à vida social.

Não desejamos fazer uma análise sobre as institucionalidades anteriores a dos

Institutos Federais de Educação, contudo, salientamos que é considerável não perdermos de

vista o seu contexto de criação e de desenvolvimento, atentando para o fato de que ele nos dá

informações sobre a perspectiva adotada pelo Estado e suas instituições na intervenção junto

às demandas sociais, nesse caso, no campo da educação.

Dessa forma, identificamos que as ações de assistência estudantil, durante a

Escola Técnica Federal do Ceará, estavam direcionadas para a oferta de bolsas de trabalho,

onde os (as) estudantes realizavam suas atividades, preferencialmente, em laboratórios e

oficinas. Concomitantemente, também eram ofertados serviços médicos e odontológicos, a

merenda escolar e os materiais de proteção e fardamento. No contexto político, destacamos

que a Escola Técnica Federal do Ceará foi instituída pela portaria ministerial nº 331, de 06 de

junho de 1968, no governo Militar de Marechal Artur da Costa e Silva, portanto, influenciada

pelo viés desenvolvimentista da política nacional e o caráter assistencialista das políticas

sociais brasileiras.

Durante o período da Ditadura Civil-Militar (1964-1985) as reivindicações dos

(as) estudantes foram marcadas pelo conflito direto com os governos militares. As instituições

refletiam o modelo burocratizado do Estado, em que as políticas sociais atuavam como

mediadoras da sua relação com a sociedade. Após a abertura política e a promulgação da

Constituição de 1988, a educação passava a ser um direito público dirigido a todas as classes.

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Apesar da conquista a década de 1990 não foi satisfatória em avanços para a política de

educação, em particular, para o ensino superior. O governo de Fernando Henrique Cardoso

(1995-2002) foi marcado pela falta de investimentos públicos nas instituições de ensino, com

escassez de verbas para a manutenção dos estabelecimentos, para o incentivo à pesquisa,

defasagem salarial dos (as) profissionais da educação e outras medidas de ataque à educação

pública superior, em defesa do projeto político-econômico neoliberal42

(VASCONCELOS,

2010).

Retomando a realidade da Escola Técnica do Ceará e a trajetória da assistência

estudantil nessa instituição, afirmamos que, de acordo com Dumaresq (2014), a criação do

setor de Serviço Social na instituição, em 1991, vinculado ao Serviço de Orientação

Educacional, iniciou o processo de sistematização das ações realizadas pelos diversos setores

voltadas para a assistência aos (às) estudantes, de modo que elas foram aglutinadas para evitar

uma execução fragmentada como vinha acontecendo.

Apontamos, portanto, a criação do setor de Serviço Social como um marco

importante na trajetória da assistência estudantil, antes mesmo da sua configuração como

IFCE.

Em 1994, com a criação do Departamento de Apoio e Extensão, os serviços de

psicologia, médico-odontológico, Bolsa Trabalho e demais auxílios, passaram a ser

desenvolvidos através do Serviço de Apoio ao Discente. Ressaltamos que neste mesmo ano o

então presidente da República Itamar Franco, sanciona a Lei Federal nº 8.948 para

transformar as Escolas Técnicas em Centros Federais de Educação Tecnológica, tendo como

missão institucional ampliar a atuação em Ensino, Pesquisa e Extensão.

Diante das demandas crescentes e da necessidade de organização e sistematização

das ações de assistência estudantil, em 1998, criou-se a Coordenação de Serviço Social, que

passou a gerenciar o Programa através dos recursos da Ação 2994. Aqui, vale destacar, que

essa estruturação se dá no campus de Fortaleza43

, pois neste período não havia o número de

unidades que se tem hoje.

42

Segundo Ferrer o ideário neoliberal consiste na implantação de reformas necessárias ao desenvolvimento e

reprodução do capitalismo financeiro, podendo ser caracterizado como a sua expressão política (FERRER, p.12,

2012). 43

O campus Fortaleza foi criado no dia 29 de dezembro de 2008 pela Lei nº 11.892, sancionada pelo então

presidente Luís Inácio Lula da Silva. O Instituto Federal do Ceará congrega os extintos Centros Federais de

Educação Tecnológica do Ceará (CEFETs/CE) e as Escolas Agrotécnicas Federais dos municípios de Crato e de

Iguatu. Atualmente, conta com 32 unidades distribuídas no estado cearense. Informação disponível em:

<http://ifce.edu.br/fortaleza/menu/o-campus>. Acesso em 20 de setembro de 2017.

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Identificamos pelas atividades catalogadas naquele período que elas refletiam às

legislações vigentes que orientavam o acesso ao fardamento, à merenda escolar, ao material

didático, constituindo-se como ações focalizadas e assistenciais de auxílio aos (às) estudantes.

As ações se determinavam, portanto, por três lógicas: a do trabalho; a da saúde médico-

ambulatorial e a do socioassistencial. É importante dizer que apesar dos avanços que vêm

acontecendo nos debates sobre a assistência estudantil ainda é recorrente concepções que se

limitam à dimensão financeira e social, vinculando-a ao viés meramente material, como

observamos nos dados obtidos com a pesquisa de campo.

O surgimento dos Institutos Federais de Educação a partir da Lei nº 11.892/2008,

promulgada durante o governo de Luís Inácio Lula da Silva, passou a abranger a vocação

institucional dos antigos Centros Federais de Educação Tecnológica – CEFET’s para

ministrar o ensino superior de graduação e pós-graduação lato sensu e stricto sensu. Nasce,

portanto, uma nova institucionalidade e com ela o projeto de Expansão da Rede Federal.

Naquele momento, inaugurando 38 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia,

dentre eles, o do Estado do Ceará, o qual iniciou com nove campi em funcionamento e mais

três em construção.

A partir desse momento ocorreu uma alteração na dinâmica institucional do IFCE,

que passou a ser organizado através de Pró-Reitorias. Embora a assistência estudantil não

tenha alcançado o status de Pró-Reitoria ela esteve vinculada, de 2008 a 2012, à Pró-Reitoria

de Extensão e hoje, configura como uma Diretoria Sistêmica de Assuntos Estudantis - DAE,

ligada diretamente à Reitoria. A criação da DAE teve relação com a Expansão da Rede

Federal, que, com a criação de novos campi e a necessidade de gerenciamento das diversas

ações de assistência estudantil, tornou-se inadiável a sua estruturação.

Segundo o Regimento Interno do IFCE44

(p.113, 2016), no seu Art.80, a referida

Diretoria tem como objetivo “estabelecer política, diretrizes, incentivar, planejar e

acompanhar planos, programas e projetos, contribuindo para a melhoria do desempenho

acadêmico e desenvolvimento integral do estudante”, o que estabelece um novo lugar para a

assistência estudantil dentro do IFCE, uma vez que esta passa a ser reconhecida como parte

importante no processo de inclusão e desenvolvimento dos (as) alunos (as).

Percebemos que o objetivo da DAE se vincula ao que prevê o PNAES. Entretanto,

amplia a concepção no que se refere à ideia de uma educação integral, que embora não seja

44

O referido documento está respaldado na Resolução Nº 007, de 04 de março de 2016. Disponível em:

<http://ifce.edu.br/instituto/documentos-institucionais/resolucoes/2016/007-aprova-o-regimento-geral-do-

ifce.pdf/view> Acesso em 10 de julho de 2017.

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apresentada no documento, aparece de modo subliminar na descrição das atribuições do (a)

Diretor (a) de Assuntos Estudantis, quando menciona, por exemplo, a articulação desta

Diretoria com a Pró-Reitoria de Extensão para o desenvolvimento de ações de apoio político,

social, cultural e desportivo aos (às) estudantes, assim como o incentivo a participação dos

(as) estudantes em atividade técnico-científica, desportiva e artístico-cultural do IFCE.

As possibilidades para a atuação da assistência estudantil começam a ser

ampliadas, não se limitando apenas a ações fragmentadas e assistencialistas de cunho

meramente financeiro. Não desconsideramos aqui, a importância e a necessidade dos recursos

para a execução destas ações. Ao contrário, afirmamos a importância da ampliação do

financiamento através da integração com outras áreas como o ensino e a extensão, por meio

de editais, programas e projetos que vislumbrem a participação dos (as) estudantes nas

múltiplas dimensões do conhecimento.

Nesse sentido, afirmamos a importância de que os (as) profissionais trabalhem

com uma visão mais ampliada acerca do que se relaciona à assistência ao educando, visto que

a elaboração do PNAES, de modo geral, possui centralidade na assistência pecuniária, embora

não se resuma apenas a esta esfera. Por isso a estruturação de outros programas que

possibilitem trabalhar de modo integral as múltiplas questões que vulnerabilizam a

permanência do (a) jovem dentro da instituição são fundamentais e urgentes para a efetividade

de uma Política que tenha como primazia o desenvolvimento integral dos (as) estudantes,

garantindo a estes (as) oportunidades para o êxito acadêmico e para uma permanência com

qualidade.

Sobre o processo de elaboração das legislações e regulamentações no Instituto

Federal do Ceará, destacamos que o debate está alinhado às diretrizes nacionais e às

legislações regulamentadoras da assistência estudantil no Brasil. No primeiro encontro

organizado pela Diretoria de Assuntos Estudantis com os (as) profissionais das coordenações

e coordenadorias de assistência estudantil da Rede IFCE resultou na formulação do

Regulamento de Assistência Estudantil, que foi aprovado pela Resolução nº 023/2011 no

Conselho Superior – CONSUP45

.

O referido documento normatizou a concessão dos auxílios aos (às) estudantes,

trazendo como objetivo, em seu Art. 7º “Ampliar as condições de permanência e apoio à

formação acadêmica dos discentes” (IFCE, 2011, p.01). Respaldada pelo PNAES, ela aponta

45

As legislações e documentos institucionais do IFCE referentes à Assistência Estudantil estão disponíveis em:

<http://www2.cefetce.br/aluno/assuntos-estudantis/legislacao.html> Acesso em 15 de agosto de 2017.

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no inciso I do referido artigo o texto do Programa Nacional de Assistência Estudantil, como

segue:

I. As ações de assistência estudantil devem considerar a necessidade de

viabilizar a igualdade de oportunidades, contribuir para a melhoria do

desempenho acadêmico e agir, preventivamente, nas situações de retenção e

evasão decorrentes da insuficiência de condições financeiras (BRASIL,

2010b, p.01).

Podemos inferir, portanto, que o objetivo deste documento foi orientar os (as)

profissionais, em particular os (as) assistentes sociais, e os (as) estudantes, sobre as

modalidades de auxílios, os critérios para a concessão e a manutenção dos mesmos, bem

como seus percentuais de valores, a fim de garantir a operacionalização do Programa de

Auxílios.

Em 2014, com a ampliação do quadro de servidores (as), a Diretoria de Assuntos

Estudantis convidou os (as) trabalhadores (as) das coordenações ligados à pasta para um

segundo encontro que visava à reformulação do Regulamento do Programa de Auxílios.

Houve uma ampla participação dos (as) profissionais e gestores (as) envolvidos (as) na

execução do Programa, contudo, a representação estudantil não foi de todos os campi e

expressou-se muito aquém do quantitativo de alunos (as) matriculados (as) na Rede IFCE.

Isso nos faz refletir sobre a dificuldade das políticas sociais de incluir os sujeitos receptores

dos programas nos processos de planejamento e avaliação e sobre o orçamento da Assistência

Estudantil que inviabiliza, por exemplo, a participação de profissionais e estudantes em

eventos promovidos pela DAE, pela escassez de recursos financeiros.

Apesar da ausência de uma participação efetiva do corpo estudantil a revisão do

documento, Regulamento do Programa de Auxílios, estabeleceu princípios, objetivos e

diretrizes que demarcam uma nova fase para a assistência estudantil no IFCE, haja vista a

compreensão do (a) estudante enquanto ser social que interage com a sociedade, a escola, a

família e com o mundo, exigindo sobre ele (a) um olhar integral, o qual o (a) reconheça como

sujeito de direitos e destinatário (a) de uma formação que o (a) estimule para a autonomia, a

igualdade e a participação.

A Resolução nº 052, de outubro de 2016, que revogou a Resolução nº 008/2016,

aprovou o novo Regulamento de Concessão de Auxílios Estudantis da Política de Assistência

Estudantil do IFCE, reforçando, em seus objetivos, aquilo que se tem estabelecido pelo

PNAES no que se refere à ampliação das condições de permanência e apoio à formação

acadêmica dos (as) discentes, contribuindo para a redução da evasão e para a melhoria do

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desenvolvimento acadêmico. Possibilita ainda, a redução dos efeitos causados pelas

desigualdades sociais, através do trabalho de reconhecimento das diversidades e do debate

acerca das diferenças, promovendo assim, a inclusão social pela Educação.

A Resolução nº 052/2016, agrega outras ações voltadas aos (às) discentes como o

desenvolvimento biopsicossocial destes (as) e o estímulo à participação no mundo acadêmico,

visando à formação integral dos (as) estudantes.

O documento ampliou a discussão acerca da universalização do acesso à

assistência estudantil, ainda que a vulnerabilidade social seja o critério de prioridade para o

atendimento das demandas de ordem financeira. A definição de eixos norteadores

denominados “serviços” e “auxílios” possibilitou que sejam vislumbrados princípios da

universalização do acesso dos (as) estudantes às ações da A.E, pois, o primeiro eixo visa o

atendimento de toda a comunidade discente, independente do perfil socioeconômico.

Em Umirim, por exemplo, destacamos como “serviços” o acesso ao refeitório, os

atendimentos psicossociais e o acompanhamento pedagógico destinado a todos os (as) alunos

(as). Já os “auxílios” destinam-se em forma de pecúnia, considerando-se a disponibilidade

orçamentária no campus, bem como os critérios para concessão, estabelecidos no

Regulamento de Concessão de Auxílios Estudantis no âmbito do IFCE. Vale ressaltar que o

documento prevê, em seu Art. 35, a sua revisão a cada dois anos com a participação da

Diretoria de Assuntos Estudantis, das Coordenações de Assuntos Estudantis, assistentes

sociais e de pelo menos um (a) representante estudantil, por campus.

Durante o evento que discutiu a reformulação do Regulamento da Assistência

Estudantil foram elucidadas questões sobre a atuação dos (as) profissionais das equipes nos

campi e sobre as diretrizes que amparavam o trabalho destes (as). Na ocasião foi formada uma

comissão de trabalho que estabeleceu as diretrizes e os referenciais profissionais das

categorias envolvidas na execução das atividades de Assistência Estudantil no IFCE, com

representação de cada área de atuação (serviço social, psicologia, nutrição, pedagogia e

outras), resultando na elaboração da Política de Assistência Estudantil do IFCE, aprovada

através da Resolução Nº 24 de 22 de junho de 2015.

A participação dos múltiplos agentes envolvidos na execução das ações e

programas de assistência estudantil no IFCE na elaboração do documento que regulamenta os

objetivos, os princípios, as diretrizes e o funcionamento da assistência prestada ao corpo

estudantil naquela instituição, assim como na elaboração dos referenciais de atuação das

diversas categorias profissionais, propôs um exercício coletivo de sistematização das

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demandas expressas cotidianamente pelos (as) estudantes e de catalogação das ações

realizadas pelas equipes nos campi da Rede IFCE.

Apesar da criação de um dispositivo institucional para efetivação da Política de

Assistência Estudantil no âmbito do IFCE verifica-se que há desafios que dificultam a

operacionalização das ações nas unidades da Rede, inclusive com críticas quanto ao modo de

implantação e quanto ao cumprimento do que preconiza o documento sobre a formação das

equipes mínimas, como aponta a Coordenadora de Assuntos Estudantis do campus Umirim:

Eu não participei do processo, mas eu peguei ainda em implantação. Eu

entrei em 2015 [...]. O campus é jovem, é um campus jovem. Então, assim,

foi implantado na realidade meio que, na minha opinião, meio que - não

sei se é certo dizer de cima pra baixo. Foi jogado dentro dos campi sem

uma preparação anterior, sem organizar espaços, sem profissionais pra

formar uma equipe mínima, que é necessária [...]. E ao chegar aqui no

Umirim, especificamente, já encontrei uma equipe maior, mas ainda com

ausência de profissionais, principalmente pedagogo. Com ausência de

enfermeiro, com ausência de dentista. Então isso dificulta o desenvolvimento

pleno da Política (R.R., Coordenadora, 2017, grifo nosso).

O estímulo para investigar a assistência estudantil extrapolando uma concepção

reduzida de que ela se efetiva apenas pelo Programa de Auxílios e pelos serviços médico-

odontológicos, se deu a partir do contato com as demandas apresentadas no espaço sócio

ocupacional pelos (as) estudantes do campus Umirim, as quais possuíam vínculo com as

dimensões subjetivas e simbólicas daqueles indivíduos.

As questões trazidas ao serviço social, durante atendimentos espontâneos aos (às)

estudantes, apontavam para demandas associadas a situações de discriminação e preconceito,

vivenciadas dentro e fora da instituição, com maior recorrência para os conflitos de gênero e

de orientação sexual. Esse fato chamou nossa atenção para a necessidade de uma intervenção

voltada para reduzir e eliminar as situações geradoras daquelas violências, entendendo que

elas produzem um efeito negativo no campo das significações e subjetividades e possuem

forte impacto para a permanência dos (as) estudantes nas unidades de ensino, bem como para

o êxito acadêmico dos (as) jovens. O preconceito, como nos explica Agnes Heller (1992),

impede a autonomia do [ser humano], ou seja, diminui sua liberdade relativa diante do ato de

escolha, ao deformar e, consequentemente, estreitar a margem real de alternativa do

indivíduo.

Nesse sentido, consideramos que a Política de Assistência Estudantil do IFCE,

conseguiu incorporar essa demanda como parte do trabalho a ser desempenhado pelas equipes

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multidisciplinares dos campi, cujas ações reconheçam e dialoguem com as diversidades no

ambiente escolar mantendo contínuos os debates entre as categorias profissionais.

3.4.1 Política de Assistência Estudantil do IFCE e a inclusão das diferenças

Nacionalmente, as discussões sobre a inclusão dos segmentos historicamente

excluídos da educação estimularam as instituições a construírem seus processos de trabalho

incorporando as necessidades, de naturezas diversificadas, dos segmentos que passaram a

ocupar as unidades de ensino. A partir dessa realidade está posta a necessidade do

planejamento de programas e de políticas institucionais, que abranjam o diálogo com as

diferenças e promovam a reflexão e o questionamento das desigualdades produzidas nas

múltiplas esferas da vida social.

Para contribuir nesses debates foram lançadas várias publicações durante o

governo Lula (2003-2006 e 2007- 2010), com destaque para a Coleção Educação para Todos,

lançada em 2004, pelo MEC e pela UNESCO, em que foram elaborados textos que debatiam

gênero, etnia e raça, orientação sexual, no ambiente escolar, entre outras temáticas. Desse

modo, a educação passa a reconhecer a importância de abordar as diferenças e as diversidades

como dimensões do processo educativo.

Esta compreensão está presente na Política de Assistência Estudantil do IFCE

(2015a), onde verificamos em seus princípios norteadores, Art. 2º, inciso I, o “respeito à

liberdade e dignidade humanas” e em suas diretrizes, no Art. 3º, inciso IX o “combate a todas

as formas de preconceito e discriminação”. Desse modo, abre-se um leque de ações que

podem ser pensadas pelas equipes de Assistência Estudantil – A.E46

no fomento ao combate

as situações de bullying, machismo, opressão de gênero, homofobia, racismo, misoginia, entre

outros. Além disso, o referido documento baseia-se na participação dos (as) estudantes, e no

diálogo entre a escola, a família e a comunidade, como mecanismos de promover a cidadania,

a participação e organização social.

Destacamos ainda o inciso II, Art. 2º, onde a educação e à assistência estudantil

estão reconhecidos como um direito social e universal. Portanto, a concepção sobre A.E e

sobre educação se pautam na ampliação do acesso a estas políticas, em que ambas,

articuladamente, possibilitem a formação integral dos (as) estudantes.

46

As equipes de Assistência Estudantil são compostas por profissionais de diferentes áreas de formação (serviço

social, psicologia, pedagogia, nutrição, enfermagem, assistentes de alunos, odontólogos, médicos). Entretanto,

não há uma mesma composição em todos os campi, embora esteja prevista uma composição mínima dessa

equipe pela Política elaborada na instituição.

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O texto do documento tem importantes avanços no que se refere a conceitos e

concepções, vislumbrando uma perspectiva diferente daquela que restringe a assistência

estudantil à ações focalizadas e assistencialistas. A intersetorialidade entre as diversas

políticas sociais, por exemplo, aparece como uma de suas diretrizes, e configura-se como uma

potencialidade para a articulação das ações de modo integrado com outras políticas setoriais.

Diante disso, observa-se que o texto do documento institucional coaduna com as

regulamentações nacionais, contudo, avança na perspectiva de uma assistência estudantil que

atue mais amplamente e integralmente junto aos sujeitos.

Destacamos ainda que a Política de Assistência Estudantil do IFCE dá ênfase ao

atendimento de inclusão às pessoas com deficiência, dentro dos seus objetivos e prevê o

planejamento e avaliação para cada ação que se pretenda implementar, portanto, a partir da

elaboração deste documento, cria-se para as equipes profissionais dos diversos campi da Rede

um conjunto de possibilidades para se trabalhar com as diversidades inseridas no ambiente

acadêmico.

A Política recém-aprovada avança ainda no detalhamento acerca da gestão e da

sua operacionalização, regulamentando, inclusive, uma equipe multidisciplinar mínima, a qual

deverá ser composta por pedagogo (a), assistente social, psicólogo (a), enfermeiro (a) e

nutricionista. Contudo, não restringe as equipes apenas a esses (as) profissionais, prevendo a

possibilidade de inserção de outras áreas, nos casos de equipes completas, como: educador (a)

físico, médico (a), odontólogo (a), assistente de alunos e técnico (a) em assuntos educacionais.

Apesar disso, diante do cenário de ajustes do governo, e da falta de planejamento institucional

do IFCE, não tem sido cumprida a formação de equipe mínima nos campi, com pior impacto

para aqueles recém-inaugurados. Ilustra bem a realidade a fala da coordenadora da assistência

estudantil do campus Umirim, ao dizer que:

Participei de alguns fóruns. E a gente percebeu que mesmo depois de um ano

já no Instituto, eu percebi que não houve mudança nessa questão de fazer as

equipes mínimas. Dificilmente em um campus, eu acredito que talvez o

campus Fortaleza seja o único, não tenho dados específicos, mas acho que

talvez seja o único que tenha equipe mínima completa. Todo esse trabalho

vem sendo prejudicado por falta desses profissionais, a implementação

completa da Política. E aí é uma falha que prejudica o bom trabalho, a

eficiência da política da assistência, essa falta de profissionais (R.R.,

Coordenadora, 2017).

A previsão de uma estrutura organizacional em cada campus, com a composição

de equipes mínimas, multidisciplinares, e diretamente vinculadas às direções gerais favorece a

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execução dos programas, projetos e ações de assistência estudantil, requerendo destes (as)

profissionais a capacidade de mediação e compreensão acerca da Política, a fim de conquistar

a autonomia necessária para a operacionalização de um direito de cidadania.

Destacamos que o documento incorporou os referenciais de atuação de cada área

profissional, normatizando aquilo que na prática já estava sendo desenvolvido pelas equipes

nos campi. Os referenciais foram produzidos após vários encontros segmentados, por área,

que possibilitou o debate entre cada categoria profissional dos diversos campi da Rede IFCE.

Essas discussões subsidiaram a catalogação das ações e das principais rotinas de trabalho,

comum a todas as unidades de ensino, mapeando as atividades inerentes ao cargo e à área de

atuação dos (as) servidores (as), a partir das suas especialidades.

É importante dizer que a própria estrutura do texto da Política de Assistência

Estudantil do IFCE apresenta, didaticamente, os Programas e as Ações a serem trabalhados

para o atendimento dos princípios, das diretrizes e dos objetivos da Política. Destacamos aqui,

o Art. 14, § 1º, em que foram descritas as seguintes áreas temáticas, inciso I - Trabalho,

Educação e Cidadania; inciso II – Saúde; inciso III – Cultura e Arte; inciso IV – Alimentação

e Nutrição; inciso V – Cultura e Desporto e inciso VI – Auxílios em forma de pecúnia (IFCE,

2015a).

Foram apresentados os Programas Sistêmicos vinculados a cada área temática e,

depois, os objetivos e as ações de cada programa. Realizando um recorte dentro da proposta

desta pesquisa, destacamos a área temática I - Trabalho, Educação e Cidadania, vinculada

ao Programa Sistêmico de Inclusão Social, Diversidade e Acessibilidade, inciso III, Art.

15, sendo descritos no seu §3 os objetivos e as ações que nortearão esse Programa:

O Programa de Inclusão Social, Diversidade e Acessibilidade cumprirá os

seguintes objetivos e ações: I – Combater a qualquer tipo de discriminação,

promovendo valores democráticos de respeito à diferença e à diversidade no

IFCE; II – Constituir-se-á a partir das seguintes ações: a) promover o

acompanhamento psicossocial contínuo do discente que porventura se

encontre sem pleno acesso às atividades que deseja desempenhar na

instituição; b) apoiar as ações e decisões dos Núcleos de Apoio a Pessoas

com Necessidades Específicas- NAPNES de cada campus; c) proporcionar a

mediação de conflitos e situações de sofrimento em virtude de preconceito,

bullying e outras formas de violência e exclusão; d) promover eventos,

atividades de conscientização e prevenção (IFCE, 2015a).

No que se refere ao programa sistêmico e suas ações verificamos que foram

contempladas as preocupações acerca das demandas que se associam às desigualdades

geradas no ambiente escolar devido à intolerância e ao preconceito com as diferenças.

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Portanto, iniciativas que se destinem ao combate das múltiplas formas de violência e

discriminação são colocadas como prática da assistência estudantil, vislumbrando-se que

todos (as) tenham as mesmas oportunidades e tratamento dentro do espaço estudantil.

Outro ponto a ser evidenciado é o acompanhamento e a avaliação da Política,

pautados no corpo do documento, contemplando o envolvimento das equipes (coordenações e

departamentos) das unidades e destacando o caráter sistemático e contínuo do

acompanhamento, através do registro em relatórios mensais, os quais são cadastrados no

sistema eletrônico da assistência estudantil47

e remetidos à Diretoria de Assuntos Estudantis,

semestralmente. Sob a responsabilidade desta Diretoria fica prevista a avaliação anual, a qual

se norteará por critérios de eficácia, eficiência e efetividade. No final do Capítulo XI, que

trata sobre o acompanhamento e a avaliação, fica descrito em parágrafo único: “Essa

avaliação não dispensa o ato avaliativo de cada programa, a ser feito anualmente pelo campus,

envolvendo a participação do discente” (IFCE, 2015a).

Apesar de se identificar a previsão de acompanhamento e avaliação para as ações

realizadas, concluímos que o modelo pensado, pautado nos parâmetros clássicos de avaliação,

não consegue mensurar de modo qualitativo o impacto dos programas, projetos e ações de

assistência estudantil nos campi, o que denota a dificuldade das políticas em criar mecanismos

satisfatórios de acompanhamento e de avaliação.

Ao informar sobre como se dá a avaliação das ações realizadas no campus

Umirim, a coordenadora da pasta explicou que “a gente faz uma avaliação da ação e produz

uma ata, um relatório e aí a gente documenta [...] inclusive feita também pelos alunos, nós

temos um instrumental de avaliação ao final de cada ação” (R.R., Coordenadora, 2017).

Contudo, observa-se que não há produção teórica ou mesmo técnica sobre os registros e

dados, não havendo retorno para a comunidade acadêmica e para o núcleo gerencial da

política. Não são gerados indicadores avaliativos para mensurar os resultados pretendidos e

alcançados com cada ação. O que parece haver é muito mais um arquivamento das

informações, a fim de ter uma memória da atividade realizada, embora se leve em

consideração alguns apontamentos, seja da equipe ou do público destinatário da ação, para as

próximas atividades.

47

O sistema utilizado é o Sistema Informatizado da Assistência Estudantil – SISAE. Entretanto, o relatório do

Sistema Integrado de Monitoramento do Ministério da Educação – SIMEC - é elaborado em um instrumental

limitado, de caráter quantitativo, tendo pouca ou nenhuma capacidade de análise qualitativa. O SIMEC é

registrado mensalmente no referido sistema pelos (as) Coordenadores (as) ou chefias de departamento.

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Fazemos uma ressalva para a previsão da participação do corpo estudantil no

processo de avaliação das ações de assistência aos (às) estudantes, uma vez que o texto do

regulamento da política estabelece o acompanhamento mensal palas coordenações e

departamentos locais e, semestralmente, pela Diretoria de Assuntos Estudantis. Embora não

haja impedimento para as equipes realizarem nos campi a avaliação sistemática das ações com

os (as) alunos (as), assim como com os demais membros da comunidade acadêmica, a não

menção à previsão da participação de outros sujeitos causa fragilidade para a efetivação de

mecanismos de controle e participação cidadã, ficando a critério de cada unidade a sua

realização.

Nesse sentido, observamos maior preocupação com os dados quantitativos para a

padronização das informações referentes aos números de atendimentos realizados por cada

categoria profissional da equipe técnica e de auxílios e refeições executadas no mês, quando

da existência de refeitório estudantil. Apenas na avaliação anual da Política fica prevista a

realização de uma avaliação dos programas em cada unidade, ficando expressa a participação

discente.

A realidade estudantil em cada campus do IFCE, destacando a de Umirim, aponta

para a necessidade de desenvolvimento de uma Política de Assistência Estudantil capaz de

garantir efetivamente igualdade nas condições de acesso e permanência de seus/suas

estudantes, no tocante à dimensão econômica e de oportunidades de aprendizado e de

participação, eliminando qualquer forma de discriminação e preconceito, compreendendo a

pluralidade e as diferenças como elementos comuns à coletividade e saudáveis para o

convívio em sociedade.

Desta feita, avaliamos novos rumos para a Política de Assistência Estudantil do

IFCE, a partir da orientação de serviços de caráter universal e de ações que se vinculam à

compreensão do (a) estudante como sujeito de direito e que destaquem a assistência estudantil

como parte integrante na formação integral do (a) aluno (a).

A fim de avaliarmos como a assistência estudantil vem sendo operacionalizada no

atendimento às demandas geradas pelos conflitos de gênero, etnia e raça e orientação sexual,

discorreremos a seguir sobre a Política de Assistência Estudantil do IFCE em seu espectro

territorial e temporal, analisando o contexto em que foi formulada e sua inserção do campus

Umirim. Desse modo, trabalharemos dimensões imprescindíveis da avaliação em

profundidade Rodrigues (2008).

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3.4.2 Campus Umirim e a Política de Assistência Estudantil do IFCE

A partir daqui nos debruçaremos sobre o lócus das nossas análises, o campus

Umirim/CE, tecendo as articulações necessárias para o desvelamento dos objetivos e das

hipóteses iniciais deste trabalho. Para isso, iniciamos com a apresentação do processo de

estruturação da Coordenação de Assuntos Estudantis na referida unidade e a caracterização

dos programas e das ações desenvolvidas pela sua equipe da assistência estudantil.

Em meio ao cenário de implementação das Fases II (de 2007 a 2010) e III (de

2011 a 2014) do Plano de Expansão da Rede Federal de Educação Profissional e

Tecnológica (2003), que fora mantido pelo governo da então presidenta Dilma Rousseff

(2011 – 2014), surge o campus Umirim. Naquele período, segundo o relatório de gestão da

SETEC, referente ao ano de 2010, estava previsto para o primeiro ano, 2011, a implantação de

86 novos campi, em que 46 eram remanescentes da Fase II.

Previa-se ainda a implantação de 60 novas unidades de ensino a cada ano, que

perduraria durante a vigência do Plano Nacional de Educação (2011 a 2020), resultando em

1000 unidades na Rede Federal até o final da atual década (BRASIL, 2011). A Fase III

objetivou, portanto, o atendimento, de forma qualitativa, das principais demandas

relacionadas à formação profissional possibilitando a interiorização da oferta de ensino

superior público, além de potencializar a oferta de ensino médio em cada estado brasileiro

(BRASIL, 2011).

Em termos numéricos, a Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica -

SETEC/MEC, divulgou em seu site um balanço da expansão da Rede Federal de Ensino

Profissional, Científica e Tecnológica - RFEPT, que apontou que, de 1909 a 2002, foram

construídas 140 escolas técnicas no país. O MEC concretizou, entre 2003 e 2016, a construção

de mais de 500 novas unidades referentes ao plano de expansão da Educação Profissional e

Tecnológica - EPT, totalizando 644 campi em funcionamento, em que 61 destes foram criados

no período de 2015 a 2016. Ao todo, são 38 IFs presentes em todos estados, atendendo a 568

municípios (BRASIL, 2016).

É inegável a capilaridade da expansão da Rede EPT, fomentando a inclusão de

camadas sociais alijadas historicamente dos processos de desenvolvimento e modernização do

Brasil. Contudo, há ressalvas que precisam ser evidenciadas para a garantia de uma postura

crítica diante da análise desse processo expansionista. Para citar os limites e desafios que se

fazem presentes na operacionalização do Plano consideramos o que diz o Diretor do Campus

Umirim sobre o surgimento da unidade:

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Como o campus Umirim é um campus relativamente recente e iniciou em

uma situação que a gente pode chamar de 2,5 [...] Havia a expansão II de

alguns campi que teve uma verba de implantação e houve finalmente a

implantação III. Nesse ínterim o MEC autorizou a instalação de dez campi

dos trinta hoje existentes que não tiveram a verba de implantação, então

Umirim foi um deles [...]. Então a gente começou em uma estrutura bem

precária doada pela prefeitura e a princípio foi muito difícil. Hoje que a

gente já vem se estruturando e isso impactou até os dias atuais, porque nós

começamos e passamos um bom tempo apenas com o Curso Técnico em

Agropecuária. Agora a pouco, tá com uns dois anos que a gente abriu o

Curso Técnico em Informática. Neste ano, no início do ano, nós abrimos o

Integrado em Informática e nós estamos trabalhando no projeto de alguns

Cursos Superiores já aprovados em audiência pública (A.I., Gestor, 2017).

É possível identificar no trecho acima que o processo de ampliação da rede sofreu

duramente com o déficit de verbas, demonstrando que a meta prevista pelo governo foi

cumprida, mas com prejuízo para o público atendido, uma vez que as condições precárias de

estrutura reverberaram no processo de ampliação de ofertas de cursos, bem como na formação

dos (as) estudantes, pela ausência de laboratórios, biblioteca equipada com amplo acervo e de

espaços para atividades de cultura, lazer e esporte, indispensáveis ao processo formativo dos

sujeitos. Situação que perdura até os dias atuais.

Tomando como referência o Relatório de Auditoria Operacional em Ações da

Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, elaborado pelo Tribunal de

Contas da União – TCU verificou-se que foram apontadas as carências estruturais nos

Institutos Federais quanto à disponibilidade de bibliotecas, computadores, salas de aula e

laboratórios, assim como: a evasão nos cursos; a dificuldade de parcerias entre os IFs e os

setores produtivos locais; déficit de professores associado à oferta insuficiente de cursos de

formação pedagógica; carência de técnicos de apoio administrativo; entre outros elementos

que ressaltam os limites do processo de expansão dessas instituições de ensino.

O campus Umirim, por exemplo, apresenta vários dos desafios listados no

relatório do TCU e que mesmo depois de ter adquirido, em 2013, a sua autonomia em relação

ao campus Crato, passando a contar com uma Direção Administrativa ocupada por um

professor efetivo do quadro de servidores (as), continua sofrendo as consequências de como

se deu a sua implantação. Anteriormente, Umirim figurava apenas como campus avançado do

campus Crato, quando da institucionalidade firmada pelos Institutos Federais de Educação em

2009. Apesar das mudanças gerenciais ocorridas em 2012 ainda permanecia a dependência

àquele campus, sobretudo, no aspecto financeiro e de recursos humanos, visto que os (as)

professores (as) eram vinculados (as) àquela unidade.

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No contexto de organização e estruturação da unidade de Umirim citamos as

Portarias publicadas no Diário Oficial da União de nº 631/GR, de 17 de Junho, e nº918/GR de

11 de setembro, em 2013, que tratam da Estrutura Organizacional do Campus e seus setores

administrativos, inclusive da própria Coordenação de Assuntos Estudantis - CAE. Apesar de

funcionar como campus avançado, desde 2009, apenas a partir de 2013/2014 inicia-se a

estruturação desta Coordenação.

Em março de 2014, chegaram ao campus os (as) servidores (as) do último

concurso de 2012, para assumir suas funções administrativas, entre estes (as) duas assistentes

sociais para compor a CAE, ocupada até aquele momento por apenas um professor da área

técnica do Curso de Agropecuária, com a função de coordenador, inexistindo uma equipe

técnica mínima para dar andamento às atividades pertinentes à pasta. O setor permaneceu com

essa configuração até setembro do mesmo ano, quando se somaram à equipe o profissional de

psicologia, a de enfermagem e uma assistente de alunos. Posteriormente, somaram-se mais

dois assistentes de alunos e uma nutricionista.

Verifica-se que ainda é muito recente todo o processo de emancipação do campus,

assim como de estruturação administrativa-organizacional e composição das equipes de cada

setor da unidade, levando-se em consideração o alto nível de rotatividade dos cargos de nível

médio do corpo administrativo, devido aos processos de remoções para outros campi da Rede

IFCE. Todos esses elementos dificultam a consolidação dos espaços ocupacionais e das

rotinas de trabalho dos setores, sendo um grande desafio à prática da intersetorialidade no

campus, como podemos apreender da fala do gestor:

Eu creio que essa intersetorialidade poderia ser bem mais efetiva. Eu até em

reuniões de gestão, que a gente chama os coordenadores, a gente chama os

coordenadores de curso, a gente chama o coordenador de CTP, da CAE, a

gente conversa pedindo justamente isso, pedindo que haja mais conversa

entre os setores. Que os setores se visitem, que o coordenador então possa

visitar o colega e dar o seu cronograma e ver sugestões, porque já ocorreu

caso aqui de CAE promover um evento e CTP também tá pensando em um

evento na mesma época e chocar e isso é um problema. Porque a escola ela

não pode ser pulverizada por cada setor e cada um independente, tudo está

interligado, estamos todos trabalhando aqui em prol do aluno. Então as ações

precisam ser de fato até mais divididas, pra que não fique só na mão da CTP

- é o evento da CTP, é o evento da Assistência ou é o evento da Direção.

Não. É um evento da escola onde todos participam (A.I., Gestor, 2017).

A dificuldade de interação entre os setores, bem como entre as políticas públicas

são um desafio antigo, que impele às instituições a necessidade de estratégias gerenciais para

a construção de espaços de diálogo e planejamento coletivo, assim como o aprimoramento da

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informação e da comunicação entre as diversas áreas. No campus Umirim, a coordenadora da

assistência estudantil atribuiu essa dificuldade à falta de um planejamento integrado e à

escassez de momentos sistemáticos de encontro entre as coordenações e a direção. Ela ressalta

que “cabe aí à direção que é a gestão maior fazer essa aproximação das coordenações, já

deixar marcado uma reunião mensal, deixar marcado um horário que a gente possa ter tempo

de discutir, de dialogar, de conversar mesmo, de trocar ideias, de trocar problemas, de pedir

orientação um ao outro [...]” (R.R., Coordenadora, 2017).

Coadunamos, portanto, com a concepção defendida por Sposati (2006) que vê a

intersetorialidade não só como um campo de aprendizagem dos agentes institucionais, mas

também como caminho ou processo estruturador da construção de novas respostas, novas

demandas para cada uma das políticas públicas. A autora considera ser necessário que “a

intersetorialidade sempre seja corretiva de irracionalidades entre pessoal, funções ou gastos

sobrepostos, pois é um mecanismo racionalizador da ação porque é uma estratégia de gestão

institucional que busca trazer mais qualidade por permitir ultrapassar limites que ocorreriam

na abordagem somente setorial” (Ibid., p. 137).

Outro fator identificado durante a pesquisa realizada, que também se articula à

questão gerencial do campus, é com relação aos dados para o acompanhamento dos

indicadores do ensino, da pesquisa, da extensão e da assistência estudantil, onde se identificou

uma fragilidade do acompanhamento e da avaliação das ações realizadas. Apesar de haver

sistemas informatizados para subsidiarem a sistematização dos dados em cada pasta, como é o

caso do Sistema Acadêmico - Q-acadêmico, do Sistema de Gerenciamento da Pró-Reitoria de

Extensão – Sigproext, do Sistema Informatizado de Assistência Estudantil do IFCE – SISAE

(o mais recente entre eles - 2015) é notório que há limites quanto ao manuseio dessas

ferramentas.

Citamos, como exemplo, a ausência de uma interface automatizada entre os

referidos sistemas; o não registro sistemático das informações por parte dos (as) servidores

(as) e em alguns casos, dos (as) estudantes, especialmente no Q-acadêmico, que é responsável

por armazenar os dados da vida estudantil, tais como: rendimento, nota, frequência, dados

pessoais, socioeconômicos dos (as) alunos (as); bem como a baixa utilização dos registros e

das informações na proposição de ações estratégicas de intervenção e na realização de um

planejamento pedagógico integrado. Os sistemas acabam por servir mais ao controle externo

por parte das Pró-Reitorias e Diretorias Sistêmicas do que para orientar as atividades e o

trabalho no campus.

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Durante entrevista realizada com a diretora de ensino, ela afirmou que os sistemas

são utilizados para o mapeamento das realidades e práticas interventivas, para utilizar suas

palavras “todos esses índices são acompanhados dentro do sistema que a gente tem [...]

quando um aluno se evade [...] aí a pedagoga, o pedagógico entra, aí vai faz a visita [...] se ele

não vier mais aí faz aquele protocolo e a gente bota no acadêmico” e complementou

referindo-se à Pró-Reitoria de Ensino - PROEN “tanto quando eles querem saber alguma

coisa, a taxa de evasão, a taxa de etnia, raça, tudo isso é tirado do acadêmico, nada é relatório”

(F.M., Gestora, 2017, grifo nosso). Contrariando a argumentação da professora lotada na

direção de ensino, apresentamos o que disse a coordenadora da CAE:

Essa questão de dados para que a gente possa acompanhar, nosso CCA ele

não é alimentado, ele não é alimentado diariamente, muitas vezes ele não é

alimentado mensalmente, então é muito difícil pra gente colher dados no

sistema acadêmico daqui. Então sem esses dados fica complicado a gente

fazer essa avaliação. Muitos alunos com notas muito baixas. Não há um

programa por parte do ensino de uma recuperação desses alunos, pelo

contrário há uma culpabilização desses alunos, aquele pensamento de que ele

não quer estudar ‘ah, eu dei a matéria, ele que tem que se virar’ [...] o

sistema acadêmico aqui sequer é lançado às presenças e as faltas com

frequência, se eu precisar pra ver se um aluno se enquadra na questão do

auxílio, nós não vamos ter essas informações [...] (R.R., Coordenadora,

2017).

O relato descrito pela servidora evidencia a problemática com relação ao

acompanhamento e à avaliação das ações realizadas no campus, especialmente relacionadas

ao ensino, sendo esse um fator importante para o nosso estudo, haja vista haver uma conexão

direta entre a assistência estudantil e a garantia de resultados positivos no âmbito acadêmico,

previstos pelo PNAES e ratificado na Política de Assistência Estudantil do IFCE.

No trecho que segue verificamos uma posição de entremeio às duas anteriores, em

que o diretor geral ratifica a utilização do sistema como mecanismo de registro das

informações, mas reconhece a deficiência com relação aos indicadores de acompanhamento:

Há alguns instrumentais para isso, até formais da própria PROEN, que já

vem pra gente preencher. A CCA ela é até obrigada a preencher esses dados.

Então o que é que a gente vê no ensino, o coeficiente de rendimento desse

aluno, ou seja, nota, frequência e, algumas outras ações, que são às vezes até

mais importante que uma nota, elas acabam não sendo vistas, como por

exemplo, essas das ações da assistência, quantos alunos que são declarados

usuários de drogas ou que deixaram de fazer uso ou que se inseriram no

mercado de trabalho, alunos que já foram delinquentes, que já passaram

pelo conselho tutelar, nós não temos esses dados. Então eu acho que isso aí

também deveria fazer parte da nossa catalogação de informações,

porque nós lidamos com gente, nós não lidamos só com números. Então eu

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acho que a gente ainda está deficiente com esses indicadores (A.I., Gestor,

2017, grifo nosso).

Consideramos na fala do diretor geral uma mediação importante na compreensão

de que o registro e a utilização das informações nesses sistemas são necessários para

qualificar o trabalho dos setores, reconhecendo, inclusive, que há um déficit em relação aos

indicadores apreendidos. Guardamos ressalvas quanto à sua defesa sobre a inclusão de

informações pertinentes à vida do (a) estudante que permitam mensurar, por exemplo, o

número de usuários de drogas e de jovens em conflito com a lei, sob o risco de contribuirmos

para a estigmatização dos (as) jovens em situação de vulnerabilidade e/ou risco social.

Entendemos que esses dados precisam ser trabalhados de modo qualitativo por equipes com

especialização adequada para que, de modo integrado e articulado com outras políticas

públicas promova-se o atendimento e o encaminhamento necessário para cada situação.

Apesar de haver uma preocupação com o não tratamento do (a) aluno (a) apenas

como número, apreende-se da ideia apresentada uma mera quantificação de casos, cuja

natureza no âmbito escolar, geralmente, é vinculada à questão disciplinar e moral.

As equipes de assistência estudantil são na maioria das vezes a porta de entrada de

demandas relacionadas à drogadição, à prática de delitos, dentro e fora da escola, tanto quanto

outras que podem se associar a práticas delituosas e/ou demandar medidas protetivas, sendo

tênue a linha que divide os dois lados. Desse modo, entendemos que cabe aos profissionais da

assistência estudantil uma atuação, a partir de suas competências específicas, voltadas para a

garantia do direito à educação, tendo nesta uma concepção de política de inclusão social, bem

como de proteção dos direitos civis e sociais dos (as) jovens inseridos (as) na escola, ainda

que em algum momento seja necessário o encaminhamento a instâncias de responsabilização,

por possíveis práticas de violência ou violações, dentro ou fora da instituição.

Voltando a discorrer sobre o processo de estruturação da Coordenação de

Assuntos Estudantis de Umirim, para que fique clara a natureza das ações e das demandas que

a ela se vinculam, destacamos os Programas e as atividades desenvolvidas desde a chegada

das primeiras profissionais, assistentes sociais, ao campus.

Naquele período, 2014, o Programa de Moradia Estudantil funcionava

precariamente em duas salas administrativas do campus, abrigando temporariamente cerca de

20 jovens do sexo masculino. A ausência de uma equipe para realizar o acompanhamento dos

alunos e, para gerenciar o Programa, fez com que os gestores da unidade de Umirim junto

com o Coordenador de Assuntos Estudantis, único membro lotado na CAE, conduzissem, sem

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referenciais de atuação, o processo de ingresso e de permanência na “moradia”48

, sem que

houvesse um acompanhamento efetivo das realidades e das demandas daquele grupo.

A partir do momento em que as profissionais do serviço social chegaram ao

campus iniciou-se um processo de organização do acesso ao Programa, mediante a abertura

de edital para regulamentar o trâmite de ingresso e permanência dos estudantes. Buscou-se

também iniciar um acompanhamento aos jovens, bem como o estreitamento da relação com as

suas famílias, o que surtiu bons resultados no período.

Contudo, a dificuldade dos profissionais em obter normatizações e referenciais de

atuação para o desenvolvimento do Programa de Moradia Estudantil, em que se teve acesso

apenas às regulamentações internas de outros campi, como é o caso do campus Crato e do

campus Iguatu, teve repercussão na operacionalização das ações voltadas para o público em

regime de internato no campus Umirim. Um dos grandes desafios enfrentados pela equipe da

CAE situa-se na desconstrução, ainda em processo, da cultura advinda do modelo das antigas

Escolas Agrícolas, cuja perspectiva disciplinadora se sobrepõe à perspectiva de direito e

socioeducativa.

Outro grande limite encontrado foi a ausência de um espaço adequado para a

acomodação dos alunos, resultando na suspensão de novas vagas a partir do semestre 2016.2.

Atualmente, o Programa só conta com 06 estudantes, haja vista o posicionamento

desfavorável da equipe de assistência estudantil quanto à inserção de novos alunos,

vinculando a abertura de um novo processo seletivo às condições físicas das instalações do

Programa de Moradia Estudantil. Nota-se que apesar da natureza do campus, agrícola, e da

demanda para o regime de internato, visto que muitos alunos são de cidades e localidades

distantes, a unidade de Umirim não conseguiu se estruturar fisicamente para o fornecimento

de espaços adequados, condizentes com o que preconiza o Regimento de Moradias do IFCE,

através da Resolução nº 54, de 14 de dezembro de 2015.

No Art. 1º do Regimento fica claro em que consiste o programa de moradia

estudantil, bem como a quem se destina “concessão de alojamento, mobiliário básico e

utensílios, por parte dos campi (que possuam estrutura física, logística e de recursos humanos)

para discentes regularmente matriculados e que tenham passado previamente por seleção”

(IFCE, 2015b). O documento prevê ainda a existência de uma coordenação própria para gerir

a Moradia Estudantil. Contudo, vale ressaltar que, no campus Umirim, essa função nunca foi

48

Utilizamos aspas para ressaltar que o formato adotado não se constituía como Moradia Estudantil, estando mais

caracterizado como um alojamento improvisado, com péssimas condições de salubridade e de habitabilidade.

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ocupada, resultando na incorporação das demandas relativas ao Programa à Coordenação de

Assuntos Estudantis.

Com relação ao Programa de Auxílios49

, até 2014, pela ausência de profissionais

do serviço social, não havia a realização de processo seletivo para o acesso dos (as) estudantes

ao Programa, limitando-se apenas a oferta de duas modalidades de auxílios, os quais não

demandavam editais: o auxílio visita/viagem técnica50

, ligado às atividades acadêmicas, e o

auxílio PROEJA, o qual se destina a subsidiar os deslocamentos e outras despesas dos

discentes do Programa de Educação de Jovens e Adultos, durante os meses letivos (IFCE,

2016).

Até aquele momento, houve o direcionamento do recurso da assistência estudantil

apenas para os auxílios diretamente ligados ao ensino, com grande prejuízo das demandas

associadas à vulnerabilidade social e econômica dos (as) estudantes. No mesmo ano, ainda

houve a abertura de Edital para a composição de um processo seletivo para a formação de

cadastro de reserva no Programa de Auxílios, o que permitiu conhecer a demanda dos (as)

alunos (as) por modalidade de auxílio. Somente em 2015 foi possível iniciar efetivamente o

pagamento aos (às) jovens das parcelas geradas pelo novo edital lançado naquele ano, pois o

recurso da assistência estudantil passou a ser gerenciado pelo Serviço Social possibilitando a

efetivação do Programa de Auxílios.

Além do Programa de Moradia Estudantil e do Programa de Auxílios ofertou-se,

desde a origem do campus, alimentação para todos (as) os (as) alunos (as) matriculados (as).

Os itens alimentícios eram comprados e enviados pela unidade de Crato e o gerenciamento do

serviço em Umirim era realizado por uma servidora com o cargo de auxiliar-administrativo, já

que à época não havia um (a) profissional de nutrição.

Compõe, portanto, o conjunto dos Programas executados pela equipe de

assistência estudantil do campus Umirim o Programa de Auxílios, o Programa de Moradia

Estudantil e o Programa de Restaurante Estudantil, sendo possível afirmar que a partir de

2014/2015 houve a ampliação dos serviços da Coordenação de Assuntos Estudantis - CAE,

estabelecendo como concepção a promoção da garantia do direito social dos (as) estudantes,

49

O Programa de Auxílios corresponde ao benefício financeiro concedido aqueles (as) estudantes com alto índice

de vulnerabilidade socioeconômica. No IFCE eles são estabelecidos a partir do Regulamento de Concessão de

Auxílios Estudantis, a partir da Resolução nº 052, de 24 de outubro de 2016. 50

É o auxílio destinado aos discentes para subsidiar despesas com alimentação e/ou hospedagem, em visitas e

viagens técnicas, programadas pelos docentes dos cursos. (Guia Prático – Auxílios aos Estudantes do IFCE,

2015. Disponível em: <http://ifce.edu.br/espaco-estudante/assistencia-

estudantil/arquivos/guia_auxilio_aos_alunos.pdf/view> Acesso em 20 de dezembro de 2016).

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ressaltando a vinculação dos Programas executados ao PNAES (2010) e, posteriormente, à

Política de Assistência Estudantil, elaborada no âmbito do IFCE.

Nesse contexto de surgimento e estruturação da CAE refletimos sobre as

demandas colocadas aos (às) profissionais, pois elas revelavam a concepção do corpo

acadêmico acerca da assistência estudantil. Inicialmente, os encaminhamentos e demandas

levadas aos (às) profissionais daquela coordenação, ainda no início da atuação das assistentes

sociais, possuíam um vínculo constante com a dimensão disciplinar ou de assistência

financeira, configurando-se como indicador de que a identidade de assistência estudantil no

campus restringia-se aos (às) alunos (as) pobres e/ou desagregadores, cujos comportamentos

causavam a desordem e à desobediência, cabendo medidas punitivas.

Os dados coletados na pesquisa in loco sobre a concepção dos (as) estudantes, dos

(as) gestores e professores (as) acerca da assistência estudantil nos ajudam a identificar se

houve alteração do modo como se concebeu a natureza das ações voltadas para os (as)

educandos (as). Verificamos que, apesar da centralidade ainda recair na importância do

recurso financeiro ao (à) aluno (a) mais pobre, ampliou-se a compreensão sobre o papel da

assistência estudantil, seja entre os (as) servidores (as), seja entre os (as) alunos (as).

Ao perguntarmos aos (às) discentes e aos (às) gestores (as) qual a compreensão

sobre a assistência estudantil, constatamos que, para os dois grupos, ela se coloca além da

mera concessão de auxílios, destacando-se a sua importância para o atendimento das

demandas de cunho social, psicológico, nutricional e de natureza conflitiva na interação dos

sujeitos. Nos relatos dos (as) estudantes entrevistados (as), identificamos que suas percepções

vão mais adiante ao conseguirem mapear nas ações de assistência estudantil a dimensão da

cidadania, da cultura, da promoção de interação social e da formação humana.

Vejamos o que disse uma das alunas entrevistadas:

Eu acho que é tudo que não exatamente vai amparar o aluno, mas eu acho

que o que vai servir de útil para a vida do aluno. Eu acho que tá dentro

como fora da escola. É isso que eu vejo. Porque tem muitas ações aqui sobre

drogas, sobre sexualidade e isso não vai acontecer aqui na escola e eu vejo

que isso leva para fora dos muros da escola. Eu vejo também questões

ligadas à raça e etnia que hoje em dia é mais focado na escola, mas de uma

forma bem superficial e a escola trata disso. Vejo também falando de

problemas mentais, que são as ações que eu já participei e eu acho isso

bacana demais, até pra formação cidadã. Eu sei que a escola tem esse

papel, mas se a gente for pegar a escola tradicional que a gente vive no

ensino público não tem isso não. Se tiver é muito superficial, se for pra

tratar de respeito a alguma coisa é só naquela data comemorativa e é só o

momento. É tipo alusão. É só uma apresentação cultural só pra ficar naquilo

ali, não é trabalhado é só pra passar e pronto. E aqui eu vejo que não é, aqui

as meninas seguem sempre uma linha de pensamento, volta e meia se aquele

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assunto está sendo necessário elas tão ali, até pede sugestão, que de vez em

quando a gente dá sugestão. Mas eu vejo isso aí bem bacana. (N.F., Aluna,

2017, grifo nosso).

A discente expressa claramente que as ações de assistência estudantil fazem parte

do processo de formação dos sujeitos atuando no desenvolvimento crítico e humano,

complementando a formação técnica. Ao destacar e comparar as ações praticadas no campus

Umirim às ações das escolas “tradicionais”, como ela denomina, fica evidente uma nova

concepção atribuída à educação, que fomenta pilares fundamentais de uma educação integral.

Não afirmamos, portanto, que ela se dê de modo efetivo naquela unidade de ensino, mas

entendemos que ela se diferencia por pensar no desenvolvimento do indivíduo de modo

contextualizado, a partir das configurações que definem as relações em sociedade,

transcendendo o viés seletivo e focalizado que envolve o Programa de Auxílios, uma vez que

ele sozinho não proporciona a universalidade do acesso à assistência estudantil, tampouco

pode ser vislumbrado como a única prática de assistência estudantil.

Enquanto diretor do campus e professor, o entrevistado expôs a importância da

assistência estudantil para a permanência dos (as) discentes no IFCE, enfatizando os

atendimentos e acompanhamento das demandas dos (as) jovens. Relata que:

A Assistência Estudantil no âmbito do Instituto Federal é uma organização

que facilita a permanência do aluno. A questão maior da Assistência seria

ajudar o aluno a permanecer nas instituições e desenvolver aquilo que eles

vieram de fato fazer, que é realizar o curso para saírem profissionais. Só que

nós enquanto instituição de ensino não podemos também ser tão técnicos

assim. Então por isso a assistência no meu entender ela tem uma importância

muito grande aqui dentro, porque é ela que vai identificar na maioria dos

casos os jovens que precisam de um cuidado maior, o que está acontecendo

com os jovens que não conseguem se adaptar. Problemas, inúmeros,

relacionados ao bullyng, relacionados à questão da homofobia. Então são

vários casos que ao identificar, quando o setor identifica, ele pode interagir,

ele pode atuar. E, além disso, também no próprio sentido do auxílio

financeiro que esses jovens muitas vezes recebem quando a assistência

estudantil faz a triagem e identifica aquele jovem que tem necessidade

financeira maior que os demais. Porque a assistência tem uma verba própria,

tem uma rubrica específica e pode destinar um valor financeiro para custear

uma verba quando é pai ou mãe ou uma verba pra custear deslocamento ou

uma verba para custear a estadia, a moradia. Então é de suma importância

pra instituição (A.I., Gestor, 2017).

O gestor considera ainda que “a escola não é feita só do conteúdo técnico

ministrado em sala de aula, tem toda uma formação humana que está por trás, nos bastidores

e que fazem de fato a própria formação do cidadão [...]” e finaliza afirmando a

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importância da assistência estudantil para a promoção da inclusão dos (as) alunos (as),

concluindo que “ela tem um papel fundamental nessa constituição do cidadão, nessa formação

que é educativa também, então ela é de grande importância” (A.I., Gestor, 2017, grifo nosso).

A expressão utilizada “bastidores” sugere um lugar secundário, de não

centralidade, enfatizando o caráter subsidiário da Política de Assistência Estudantil, sem,

contudo, retirar a sua importância para a construção do percurso formativo dos (as) jovens.

Embora, os Institutos Federais, assim como todas as instituições de ensino,

tenham como finalidade a educação, no nosso caso, a educação profissional, entendemos que

a assistência estudantil, assim como outros programas e políticas que se desenvolvem no

espaço educacional, atua formatada por ações de inclusão, de formação social, política e

humana, não sendo, portanto, indevido considerá-la como estratégica por atingir de modo

diferenciado outras dimensões da vida dos sujeitos, com influência direta no processo ensino-

aprendizagem fomentando a participação, a autonomia e a cidadania dos (as) estudantes.

Portanto, também se constitui como ação educativa.

Apesar do reconhecimento, pelo público interlocutor, acerca da importância da

assistência estudantil, denotamos, através da pesquisa de campo, que os (as) professores (as),

incluindo aqueles (as) que ocupam cargos de gestão, estiveram alheios (as) ao processo de

elaboração da Política no IFCE, bem como das discussões que envolvem a sua

operacionalização no campus, o que limita o entendimento sobre as ações desenvolvidas e

cria por diversas vezes um campo de disputa entre o ensino e à assistência estudantil,

diferentemente dos (as) estudantes que vislumbram o potencial formativo que integra as suas

diretrizes de atuação.

Na pesquisa realizada com os (as) gestores (as), perguntamos sobre como se deu o

processo de elaboração da Política de Assistência Estudantil do IFCE, a fim de identificarmos

se houve participação dos mesmos (as) e até que ponto se conhece o documento e suas

diretrizes. O resultado denota que ainda é baixo o nível de debate, leitura e reflexão acerca das

normativas institucionais, de modo que cada pasta parece não ter grande interesse naquilo que

está sob a designação de outrem. A diretora de ensino resume bem esta sensação ao dizer que

depois da chegada da equipe de assistência estudantil no campus não se teve mais acesso ao

que diz respeito ao setor, em suas palavras “Não, eu acho que quando a gente começou aqui

tudo era lá pelo Crato, tudo era mais difícil, o pessoal vir de lá e depois quando vocês

assumiram aí foi que a gente não teve mais acesso” (F.M., Gestora, 2017, grifo nosso).

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Graças a Deus que vocês chegaram, porque no início os alunos não eram

como eu acho que são agora. Hoje a gente aqui tem muito mais problemas e

ainda bem que vocês estão aqui pra fazer, porque se a gente tivesse só, como

era antes, com esses problemas desses alunos que a gente tem agora [...].

Antes não, eram turmas boas, pequenas, era o pessoal que queria, hoje não.

Aliás, isso não é privilégio nosso não, é de todos os campi. Hoje em dia não

se faz mais um processo seletivo, com prova, com aluno que quer. Não. Hoje

é só o histórico. E você sabe que no Estado os meninos vão passando por

nota, ninguém tá nem aí, vem aqui e se matricula do mesmo jeito (F.M.,

Gestora, 2017).

O relato evidencia a dicotomia entre o ensino e a assistência estudantil, assim

como a dificuldade dos (as) professores (as) para a realização de um trabalho de inclusão, sem

recair na culpabilização dos (as) discentes por estes (as) não conseguirem alcançar bons

rendimentos escolares. A nosso ver os (as) estudantes que chegam até o campus Umirim, com

todas as dificuldades de acesso, com um baixo nível de expectativa de empregabilidade e

pouco incentivo público, em alguns casos até da própria família, revela que os (as) jovens têm

buscado a escola, contudo, talvez a escola não esteja conseguindo criar estratégias

pedagógicas satisfatórias para lidar com os limites cognitivos dos (as) seus (suas) alunos (as)

e a defasagem do aprendizado da educação básica, por onde passaram o público do IFCE nos

municípios do interior do Estado. Além disso, expressou-se em diversos trechos das

entrevistas que os (as) docentes, em especial da área técnica, possuem baixa habilidade para

intervir em situações de cunho humanístico e social.

Os (as) professores (as) do Curso Subsequente em Agropecuária também foram

perguntados (as), por meio de questionário, se conheciam a Política de Assistência Estudantil

do IFCE, e apenas uma pessoa dos cinco pesquisadas disse conhecê-la. Considerando esse

grupo respondente apresentamos a Tabela 03 a seguir, como resultado de como os (as)

docentes percebem a assistência estudantil no campus Umirim:

Tabela 03 – Percepção sobre a Assistência Estudantil /

Docentes (Área Técnica)

Assistência Estudantil

Conhece a Política de Assistência Estudantil do

IFCE 01

Conhece ações da A.E 05

Já participou de alguma atividade da Assistência

Estudantil 03

Já encaminhou algum discente para a Assistência

Estudantil 04

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Teve conhecimento sobre a realização de

encaminhamento acerca da demanda levada à

equipe

02

Quanto à demanda do(a) aluno(a) encaminhado(a)

Questão socioeconômica 01

Drogadição 02

Questão disciplinar 03

Dificuldade de concentração e de aprendizado 01

Fonte: Elaboração própria (2017).

Apesar do baixo nível de conhecimento sobre o documento que rege a Política na

instituição podemos identificar que todos os pesquisados (as) conhecem alguma ação de

assistência estudantil e que quatro deles (as) já realizaram encaminhamento de alunos (as)

para a equipe. Entretanto, é importante ressaltar que, quando verificamos a natureza das

demandas encaminhadas, fica evidente que os (as) professores (as) associam o trabalho do

setor à regulação dos comportamentos dos indivíduos, sendo esta uma discussão muito

necessária acerca das competências nos Institutos Federais sobre eventos de ordem

disciplinar.

Tal fenômeno tem raiz na incorporação híbrida de públicos com perfis diferentes,

visto que englobam alunos (as) de ensino médio, de curso técnico, de ensino superior e de

pós-graduação, bem como das identidades anteriores assumidas nos diversos contextos de

institucionalidades pelas quais passaram os Institutos Federais. Nesse sentido, tem sido uma

questão de divergência entre os (as) profissionais, especialmente, entre aqueles (as) que

integram as equipes de assistência estudantil, sobre de quem é o papel de intervir nas

comissões disciplinares previstas pelo Regulamento da Organização Didática – ROD51

,

instituído através da Resolução Consup Nº 56, de 14 de dezembro de 2015, versão atualizada,

na resolução de eventos de natureza sociodisciplinar. Destacamos que o referido documento

se equipara ao Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, 1990, no que concerne ao trâmite

disciplinar junto ao corpo discente, utilizando inclusive os mesmos termos e designações de

cunho jurídico. Em seu próprio texto, faz referência a esta legislação e prevê que a aplicação

das medidas socioeducativas observarão todos os princípios da LDB/96 e do ECA/90.

51

O documento institucional prevê as diretrizes gerais do IFCE, a organização acadêmica da instituição, no que

se refere às modalidades de curso e ofertas previstas, dispõe sobre o ingresso do (a) estudante, trata dos direitos e

deveres do grupo docente e do grupo discente e apresenta um título específico, Título VI – Do Sistema

Disciplinar, para o sistema disciplinar utilizado pelo IFCE, aplicável tanto aos (às) professores (as) quanto aos

(às) alunos (as), considerando as especificidades entre os dois grupos.

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Segundo o ROD, em seu Art. 209, “caberá à Direção - Geral do campus designar, por meio de

Portaria, uma Comissão Disciplinar que deverá ter mandato no mínimo durante 01 (um) ano e

até concluir todos os processos sob sua responsabilidade” (IFCE, 2015c).

Os principais argumentos que refutam a associação dessas demandas aos

profissionais da assistência estudantil na questão do mérito da análise e aplicação de medidas

têm como fundamento a desvinculação do caráter punitivo que recai sobre a equipe,

especialmente, da categoria de assistentes sociais, que já trazem no seu processo histórico o

ranço da cultura fiscalizadora e policialesca atribuída às ações de assistência pecuniária, em

nosso caso a concessão dos auxílios, sendo um desafio desses (as) profissionais a construção

de uma identidade livre desse estigma. Isso requer uma atenção por parte da categoria para

que não se reforce uma prática soterrada nos processos meramente burocráticos, ausentes de

reflexão teórica, sob o risco de desconexão com o conteúdo político da educação, recaindo em

uma prática de vigilância social ou no policiamento social dos pobres.

Portanto, o modo de atuação dos membros das equipes de assistência estudantil

nas comissões disciplinares precisa ser discutido amplamente a fim de evitar a fragilização

dos laços de confiança dos (as) estudantes junto aos (às) técnicos (as) no acompanhamento de

suas demandas de ordem subjetiva, além de ser necessário considerar que as questões

disciplinares, geralmente, surgem como consequências de elementos que precisam ser

compreendidos e trabalhados de modo integrado e interdisciplinar sob a dimensão educativa,

social, ética e política, opondo-se ao olhar meramente disciplinador e coercitivo presente nos

processos burocráticos de âmbito institucional.

Ao indagarmos uma estudante sobre a que os (as) alunos (as) vinculam à

assistência estudantil no campus Umirim ela deixou evidente que ainda predomina a visão dos

auxílios e da dimensão disciplinar.

Com certeza totalmente financeira ou então a punição. Porque

principalmente os meninos do alojamento eles falam muito ‘ah ela vai é me

punir, porque eu sou do alojamento’. Tá com comportamento errado aí eles

associam à punição. Mas falar em assistência estudantil só lembra dos

auxílios e a maioria diz ‘se não fosse o auxílio eu não estaria nem aqui’.

Porque realmente pra muita gente é fundamental o auxílio. Porque a gente

vem sabendo que não tem o auxílio, assim de certeza, a gente sabe da

possibilidade, mas quando chega que a gente vê o tanto de dificuldade que

passa realmente sem o auxílio muita gente tava voltando pra casa. Isso aí é

um fato. Ali da minha sala eu acho que 90% dos que recebem auxílio, eu

acho que se não recebesse auxílio tava em casa (N.F., Aluna, 2017).

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O processo de monetarização das políticas sociais, concordando com Granemann

(2007), gerou uma concepção hegemônica em torno do modelo de execução das políticas no

Brasil, em que a fragmentação e a focalização por meio da seletividade de ofertas de bolsas

prevalecem em detrimento do investimento público em equipamentos como restaurantes

acadêmicos, residências estudantis e creches para os filhos (as) das mulheres estudantes.

Verifica-se a primazia da oferta de auxílios, os quais, na maioria das vezes, não

contemplam a real necessidade dos (as) jovens, visto que os critérios e os requisitos adotados

ignoram as realidades totalmente diversas e específicas e funcionam mais como elementos

dificultadores do acesso à moradia, ao transporte, à alimentação, do que como um direito

universal à assistência na Política de Educação. Além disso, os cortes orçamentários acirram

os processos de seletividade da pobreza, havendo, portanto, um movimento de exclusão

daqueles que já se encontram nesse perfil. O trecho retirado da entrevista com um dos alunos

interlocutores da pesquisa de campo denota a dificuldade encontrada pelos (as) estudantes na

questão burocrática para atender os critérios do Programa de Auxílios do IFCE:

Para os auxílios o empecilho foi mais a questão de documentação. A gente

correu muito pra conseguir a documentação no prazo definido e aí a gente

conseguiu, mas deu bastante trabalho, porque a gente mora muito longe. Aí

vai e volta, às vezes falta aula, aí tem que ir no banco tirar extrato. E aí tudo

isso torna-se uma dificuldade (A.C., Aluno, 2017).

Sobre o viés punitivo, ao qual também se refere à jovem entrevistada, podemos

identificar a existência da reprodução das estruturas de dominação e hierarquização do poder

no âmbito escolar, em que se apresenta muito do formato das antigas escolas agrícolas

reconhecidas pela sua concepção reformadora por meio da disciplina e da punição. A

referência dos jovens, em especial daqueles em regime de internato, é de um modelo

institucional de confinamento com regras, normas e controles rígidos. Desse modo, faz-se

necessário repensarmos nossa atuação institucional e, especialmente, enquanto assistência

estudantil procurarmos rever que práticas têm reforçado para que os estudantes atribuam tais

competências e entendimentos sobre o papel da equipe, estando completamente em desacordo

com as diretrizes e os objetivos da Política de Assistência Estudantil do IFCE.

Refletir sobre as percepções do corpo estudantil e de servidores (as) professores

(as), seja em cargo de gestão ou não, proporciona uma análise de como tem se construído o

caminho de efetivação da Política de Assistência Estudantil no campus Umirim, entendendo

que ela é recente na instituição e também na própria unidade. Os desafios são inúmeros e são

também compartilhados pelo público receptor das ações, com destaque para a defesa de maior

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espaço na unidade de ensino para a realização de atividades juntos aos (às) discentes, para a

integração dos temas trabalhados dentro da carga horária do curso, de modo que evite

prejuízos para uma ou outra atividade e que garanta as ações da Coordenação de Assuntos

Estudantis, para a ampliação dos recursos financeiros para a realização das atividades e maior

acesso ao Programa de Auxílios e a construção de espaços físicos adequados para a promoção

de atividades coletivas.

Duas passagens da entrevista realizada com uma das estudantes resumem bem as

sugestões dos (as) alunos (as) para que possa haver melhorias do trabalho da equipe de

assistência estudantil no campus Umirim:

[...] como prioridade aqui da escola eu daria exatamente esse espaço de

horário e de estrutura para a assistência estudantil, porque se é os

estudantes que é a base da escola isso tem que ser visto com mais

carinho ainda. Porque do financeiro eu sei que não depende do gestor da

escola, mas se tivesse como fazer o pedido para uma entidade maior seria

ampliar até o financeiro para essas atividades. Às vezes até as meninas

querem fazer alguma coisa, mas até um papel não tem pra fazer uma

atividade mais bacana (N.F., Aluna, 2017, grifo nosso).

Tudo isso é importante pra vida da gente, porque fala da saúde, fala de tudo,

fala da saúde mental, fala dos cuidados com violência, fala de uma

infinidade de coisas que é da nossa realidade, que parece que a gente anda

vendado pra essas coisas da vida da gente. Tá na pele, tá nas necessidades

mesmo, acho que é por aí mesmo. Acho que só precisa é de mais espaço pra

expandir, talvez se chegue em mais pessoas. E também essa coisa de tentar

trazer os alunos pra construir, pra ver se eles tomam mais gosto (N.F.,

Aluna, 2017, grifo nosso).

A participação dos (as) estudantes é também um dos pontos de destaque na fala da

jovem, sendo um elemento que precisa ser mais bem planejado para que haja efetivamente a

garantia de espaços de participação e de construção coletiva com os (as) alunos (as), assim

como com outros membros da comunidade escolar. Tomando como referência o que

preconiza a Política de Assistência Estudantil do IFCE nos Capítulos II e III que tratam

sobre seus princípios e diretrizes, respectivamente, podemos inferir que o campus Umirim

ainda não conseguiu cumprir efetivamente o inciso III do Art. 2º e os incisos II e III do Art.

3º, que expressam:

Art. 2º A política de assistência estudantil se pautará nos seguintes

princípios: III - participação ampliada dos sujeitos nos processos de

construção dos programas e projetos institucionais;

Art. 3° Serão observadas, essencialmente, as seguintes diretrizes

norteadoras: II - criação de mecanismos de participação e controle social;

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III - participação do estudante por meio de suas organizações

representativas, na formulação, implementação e avaliação dos planos,

programas e projetos a serem desenvolvidos (IFCE, 2015a);

Podemos atribuir dois aspectos fundantes para a baixa representatividade

estudantil nos processos de planejamento, avaliação e exercício do controle social como

mecanismo de cidadania e democracia. O primeiro pode ser compreendido a partir da cultura

institucional que tem como tendência uma prática tutelada e/ou disciplinadora/coercitiva, que

restringe a participação e a autonomia dos sujeitos. Para ratificar nossa afirmativa

descrevemos a opinião da Coordenadora de Assuntos Estudantis sobre a prática conservadora

e hierarquizada da instituição:

Aqui no Instituto, campus Umirim, há regras criadas e não oficializadas no

próprio Instituto, pertinentes aqui ao campus, que são feitas de maneira, a

meu ver, mesmo de cima para baixo, muito conservadoras. Com relação à

vestimenta dos alunos [...] porque em nenhum Instituto Federal há uma

questão de você proibir aluno e indicar como o aluno deve se vestir, já

começa daí. A questão conservadora aqui é tão forte que você já começa

fazendo uma barreira para o aluno quanto à questão da vestimenta [...] (R.R.,

Coordenadora, 2017).

O controle sobre o modo de vestir, de falar, de se comportar expressa aquilo que

Foucault (1987) chamou de sociedade disciplinar, no mundo pós-Revolução Francesa, uma

modalidade de poder que perduraria até os dias atuais, tendo como preocupação a vigilância e

a disciplina. Ela nasce ao final do século XVIII e se caracteriza como um modo de organizar o

espaço, controlar o tempo e obter um registro ininterrupto do indivíduo e de sua conduta. Do

ponto de vista do exercício do poder, essa sociedade se caracteriza por implantar o autor

denominou de “poder panóptico”52

.

Com o controle e o monitoramento dos indivíduos é possível fazer as correções de

suas tendências, reorientando-as. Esse poder se legitima por meio do surgimento de uma série

de instituições que referendam o modelo do Panapticon, como a fábrica, a prisão, o hospital, a

escola, entre outras. Essas Instituições exercem vigilância sobre as pessoas, controlando-as e,

assim, permitindo a garantia da ordem e a manutenção do poder.

52

Panapticon de Bentham é o modelo de um edifício arquitetônico em que idealmente se poderiam vigiar e

controlar as ações de todos os delinquentes. Com celas dispostas em torno de um círculo e ao centro uma torre

elevada, seu desenho previa que o vigia colocado na torre central podia ver todos os movimentos daqueles

trancafiados nas celas, sem que estes pudessem ver seu incontinente observador (FOUCAULT, 1987).

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105

O segundo aspecto de análise para compreender a ausência de engajamento dos

(as) alunos (as) nas ações, programas, projetos do campus e da assistência estudantil, está

centrado na fragilidade da mobilização dos (as) estudantes para a construção de espaços de

representação, de proposição e de reivindicação das demandas pertinentes à realidade deste

grupo. Atualmente, o campus não dispõe de nenhuma entidade estudantil organizada, situação

que vem se prolongando por pelo menos dois anos.

Apesar de a Política de Assistência Estudantil do IFCE colocar como atribuição

das equipes técnicas o fomento à participação democrática dos (as) discentes e de prevê a

participação destes (as) no acompanhamento e na avaliação da Política, conforme o Capítulo

XI, e na revisão do referido documento, prevista para acontecer a cada dois anos, é notável a

desagregação do segmento estudantil para a criação de mecanismos de controle, participação

e de resistência.

Sem elementos suficientes para adentrarmos nas possíveis causas sobre esse

fenômeno nos limitamos a dizer que, dos dados e discursos obtidos, durante a pesquisa de

campo, identificou-se que os (as) alunos (as), em sua maioria, não despertaram para a

importância dos espaços de organização do corpo discente dentro da instituição, o que reflete

o baixo índice de atividade política exercida por esses (as) jovens em suas comunidades e nas

demais políticas desenvolvidas em seus municípios.

Corroboram com essa análise os dados obtidos com a aplicação de questionários

junto aos (às) 26 educandos (as) das turmas de Subsequente do Curso de Agropecuária

quando foram perguntados (as) se conheciam movimentos sociais em suas localidades e se

estavam inseridos (as) em alguma das organizações populares e/ou sindicais.

Tabela 04: Participação Social

Conhece movimentos sociais na cidade de

origem

Sim 13

Não 13

Participa de Movimentos Sociais

Sim 07

Não 19 Fonte: Elaboração própria (2017).

Dos (as) 26 estudantes que responderam as duas questões acima, vale ressaltar

que apenas 06 residem em Umirim, enquanto os demais, 20, são oriundos de outras

localidades. Identificamos, conforme se observou na Tabela 04, que 50% do grupo que tinha

conhecimento sobre algum movimento social em sua cidade/localidade, apenas 27% possuíam

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106

algum tipo de engajamento social, quase metade do total daqueles (as) que conhecem alguma

organização social.

Destacamos duas variáveis importantes obtidas a partir da pesquisa de campo,

uma que se refere à atuação dos (as) jovens em movimentos sociais e a identificação dessas

organizações, como verificamos na Tabela 05 que segue:

Tabela 05: Quanto ao segmento do Movimento Social

Fonte: Elaboração própria (2017).

As informações sobre quais segmentos sociais estão mobilizados sugere pistas

sobre as questões que estão sendo debatidas nessas localidades. No nosso estudo identificou-

se a representação dos grupos de juventude, de mulheres, dos (as) trabalhadores (as) sem terra

e da população indígena. Portanto, inferimos que as demandas que se associam a esses

segmentos estão postas com suas especificidades em cada lócus, e refletem os conflitos

históricos, sociais e econômicos da formação do território brasileiro, como a questão do

patriarcalismo, da questão agrária, da concentração de riquezas e expropriação de

trabalhadores e trabalhadoras da riqueza.

Nesse sentido, faz-se necessário que, como instituição de ensino, inserida no

contexto dinâmico da sociedade, busquemos conhecer e nos aproximar das realidades que

envolvem a história e a vida das populações atendidas no campus Umirim, haja vista a

importância de nos aproximarmos das demandas coletivas e sociais, as quais geram

requisições no campo individual e subjetivo do nosso público, seja no que se refere ao aspecto

material ou às relações humanas.

Sobre a segunda variável, ela aponta os motivos da não participação dos (as)

estudantes em grupos da sociedade civil organizada, destacando, como principal justificativa,

o desconhecimento dos (as) jovens sobre tais organizações em suas localidades ou mesmo a

inexistência delas. Contudo, a inexistência de movimentos sociais em determinado município

e/ou localidade precisa ser um dado relativizado uma vez que também pode expressar o

desconhecimento do público.

Quantidade de estudantes em Movimentos Sociais

Juventude 02

Mulheres 02

Movimento dos Trabalhadores Sem Terra 02

Indígena 01

Total 07

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107

O Gráfico 01 ilustra as quatro causas listadas pelos (as) 26 pesquisados (as), além

da primeira já citada foram destacadas ainda a falta de tempo e de interesse como principais

justificativas, seguida por conflitos políticos.

Gráfico 01: Motivos apontados para a não participação

dos (as) estudantes em movimentos sociais

Fonte: Elaboração própria (2017).

Sem adentrar o mérito dos motivos apresentados, queremos ressaltar apenas que é

preciso estimular a juventude para a participação coletiva, nos debates, nas lutas, na formação

política e social e nas reivindicações de classe, assumindo uma posição de responsabilidade

frente ao fortalecimento de uma prática pedagógica voltada para a superação das visões

conformadas e das relações de poder e desigualdade, em que se possa contribuir para a

formação de sujeitos, educadores (as) e educandos (as), questionadores (as) e reflexivos (as)

diante da sociedade dominadora em que estamos inseridos (as).

Dito isso, acreditamos que a Política de Assistência Estudantil possa ser uma

política social no âmbito da Política de Educação, capaz de fomentar um diálogo próspero no

seio da comunidade acadêmica alertando para as pluralidades que permeiam a vida em

sociedade e para as diferenças que caracterizam os indivíduos e os grupos sociais a que

pertencem, considerando-as como centrais na construção das desigualdades, mas também para

a superação destas.

As políticas públicas sociais ao conceberem negros (as), indígenas, homossexuais,

mulheres, pobres, e outros segmentos, como sujeitos de direitos e designarem a estes (as)

políticas especiais, políticas afirmativas e de inclusão, elas demarcam o reconhecimento do

Estado no atendimento das reivindicações históricas dos movimentos sociais. No entanto, a

organização em torno das lutas e bandeiras coletivas precisam ser permanentes e sistemáticas,

para resistir aos ataques e desafios postos aos direitos conquistados e aos avanços que vinham

sendo progressivamente alcançados.

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Destarte, percebemos os desafios das políticas sociais no Brasil para garantirem

materialidade ao que preconizam. Citamos, como exemplo, três diretrizes e três objetivos da

Política de Assistência Estudantil do IFCE que estão alinhados ao nosso objeto de pesquisa:

Art.3º: I - respeito à liberdade e à dignidade humana; II - educação e

assistência estudantil como um direito social e universal; III - participação

ampliada dos sujeitos nos processos de construção dos programas e projetos

institucionais; Art.4º: I - reduzir as desigualdades sociais; III - ampliar as

condições de participação democrática, para formação e o exercício de

cidadania visando à acessibilidade, à diversidade, ao pluralismo de ideias e à

inclusão social; e V - contribuir para a inserção do aluno no mundo do

trabalho, enquanto ser social, político e técnico (IFCE, 2015a).

Portanto, a Política de Assistência Estudantil do IFCE fundamenta-se em

princípios e objetivos que estão articulados com um modelo de sociedade mais justa e livre.

Pauta-se por caminhos que superam a visão meramente assistencial e estimula a busca por

uma concepção ideológica ancorada no exercício de uma prática educativa voltada para a

emancipação dos sujeitos e transformação de suas realidades.

Trataremos no Capítulo seguinte sobre os outros olhares da Assistência

Estudantil, trabalhando as diferenças e as expressões das desigualdades no âmbito da

sociedade e da Política de Educação. Para isso, colocamos em pauta as categorias de análise

que refletem sobre as diversidades de gênero, etnia e raça e sexualidade, a fim de refletirmos

como elas se configuram dentro das relações sociais e de poder.

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109

4. OS SUJEITOS E SUAS DIVERSIDADES: O OUTRO LADO DA ASSISTÊNCIA

ESTUDANTIL

Retomada a questão de partida da pesquisa avaliamos a assistência estudantil no

reconhecimento das diversidades de gênero, étnico-racial e sexual do campus Umirim – IFCE

para o enfrentamento às desigualdades e às exclusões nesta unidade de ensino e na sociedade,

onde se identificam demandas de ordem material e simbólica. Para isso, faz-se imprescindível

a discussão sobre a construção das diferenças e das identidades nas relações sociais, a fim de

compreender como se fundamentam as assimetrias no conjunto da sociedade e quais os seus

rebatimentos na vida dos indivíduos. As reflexões produzidas no contexto das relações de

classe, de gênero/sexualidade, de raça e etnia, ajudarão a elucidar a atuação do Estado por

meio das políticas sociais na equalização de direitos e das condições para os diferentes

segmentos dando visibilidade aos interesses contraditórios que direcionam as suas decisões e

ações.

Entre os (as) interlocutores (as) dessa pesquisa destacamos os (as) estudantes

como segmento central, uma vez que nosso objeto é uma política social voltada para esse

público. Discutir as desigualdades e as diferenças que caracterizam esses indivíduos é o

primeiro passo para identificar os vários perfis que compõem o cenário da política social em

evidência. Para tanto traçamos a partir dos dados coletados na ferramenta “IFCE em

números”53

características sobre os (as) estudantes do Curso Técnico em Agropecuária,

campus Umirim – IFCE, considerando as variáveis sobre sexo, faixa etária, origem e etnia.

Em uma primeira caracterização sobre o universo total de estudantes,

considerando os (as) 159 matriculados (as) no ano letivo de 2016.2, nas turmas de

subsequente, verificamos que se trata de um público de hegemonia masculina (59%), na faixa

etária jovem, com idade entre 18 e 29 anos (93%), de raça/etnia parda (50%). Quanto à

disposição do grupo nos territórios verificamos que a maioria tem origem no município de

Umirim (39%), seguidamente pelas cidades circunvizinhas de Itapajé (21%) e de Itapipoca

(8%). Ressaltamos que 32% do público são provenientes de outros municípios, onde

destacamos apenas aqueles de maior incidência.

53

Os dados considerados para caracterização do perfil dos (as) estudantes das turmas de Subsequente Curso

Técnico em Agropecuária tem como fonte a ferramenta “IFCE em números”, com 159 alunos (as) matriculados

(as), conforme explicação contida no subtópico “2.2.1. Os (as) interlocutores (as) da pesquisa”, constante nesse

mesmo estudo.

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110

Já, a pesquisa de campo, dividida em duas etapas, aplicação de questionários e

realização de entrevistas, contou em sua primeira fase com a participação de 26 estudantes,

todos (as) pertencentes ao grupo dos (as) 159 matriculados (as). Os dados sobre o perfil dessa

amostra ratificaram as características observadas no universo total, com exceção para a

informação sobre a origem do (a) aluno (a), onde se identificou que os (as) pesquisados (as)

eram, sem sua maioria, residentes de outros municípios. Elaboramos a Tabela 06 para facilitar

a observação das informações coletadas junto ao referido grupo:

Tabela 06: Quanto ao (à) Sexo/Faixa Etária/

Origem/Raça-Etnia Sexo %

Masculino 62%

Feminino 38%

Faixa Etária %

18 a 24 anos 85%

25 a 29 anos 11%

acima de 29 anos 4%

Origem %

Umirim 23%

Outra cidade 77%

Etnia /Raça %

Pardos 73%

Pretos 8%

Brancos 15%

Indígena 4% Fonte: Elaboração própria

54 (2017).

A visualização dos dados sobre esses sujeitos permite uma interpretação

preliminar das variáveis que compõem as diversidades inseridas no campus Umirim.

Iniciaremos no próximo tópico pela análise da variável sobre sexo, onde discutiremos acerca

da categoria de gênero, do mesmo modo percorreremos as demais variáveis compondo as

análises e reflexões sobre as categorias pretendidas nesse estudo.

Como já apontado no percurso metodológico, acrescentamos como interlocutores

(as) dessa pesquisa alguns dos (as) gestores (as) do campus Umirim, os (as) quais

participaram, através de entrevista, do debate sobre questões ligadas ao nosso objeto, que se

referem primordialmente, às temáticas sobre assistência estudantil, gênero, etnia e raça e

sexualidade. Os sujeitos entrevistados reconheceram a importância do tema deste trabalho,

destacando que o preconceito e à discriminação contra minorias no ambiente escolar precisam

ser pautados e que a assistência estudantil tem um papel fundamental na condução de ações

54

Dados obtidos a partir da sistematização dos questionários aplicados com os (as) 26 estudantes das turmas de

subsequente do Curso Técnico de Agropecuária (Pesquisa de campo, 2017).

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que incidam sobre esses temas, assim como de outros assuntos que se espraiam no espaço da

instituição causando divergências e conflitos.

A seguir, identificamos as falas dos (as) entrevistados (as) sobre suas

compreensões acerca da assistência estudantil e como avaliam a sua importância para a

educação. As representações descritas nos permitiram delinear o caminho a ser percorrido

acerca do conjunto de significados que envolvem os mecanismos de construção das

desigualdades dentro do complexo universo das diferenças. Além disso, nos estimulou a

pensar intervenções, através da educação, que concebam novas configurações identitárias

questionadoras das relações de poder e emancipadas de suas estruturas de subordinação.

As citações55

apontam para a representação da assistência estudantil por parte de

servidores (as) que atuam no âmbito da direção geral, direção de ensino e da coordenação de

assuntos estudantis. Optamos por não associar as falas aos cargos, a fim de ressaltar a

aproximação entre as compreensões em torno da categoria em evidência.

Verifica-se que a vinculação do tema à assistência, ao atendimento dos (as) alunos

(as) mais pobres, assim como a questão da adaptação do (a) jovem diante dos conflitos e da

permanência na instituição são centrais nos discursos apreendidos.

Destacamos inicialmente os trechos que relacionam diretamente à assistência

estudantil à permanência do (a) aluno (a) na instituição, fortalecendo a diretriz nacional da

permanência e êxito acadêmico, vejamos: “A assistência estudantil no âmbito do Instituto

Federal é uma organização que facilita a permanência do aluno”; “Fortalecer o vínculo

do aluno com a instituição”; “Seria ajudar o aluno a permanecer nas instituições e

desenvolver aquilo que eles vieram de fato fazer, que é realizar o curso para saírem

profissionais”.

O Programa Nacional de Assistência Estudantil - PNAES (2010) traz a

concepção de permanência e êxito acadêmico de modo ressaltado, colocando a centralidade

das ações de assistência estudantil em torno de um público específico, o qual demanda,

sobretudo, assistência financeira.

As narrativas dos (as) gestores (as) corroboram com nossa análise. Em suas

palavras afirmam: “Quando a gente fala em assistência estudantil a gente leva logo para o

financeiro. Eu acho que não é só isso. O lado financeiro tem um peso muito grande, porque a

gente sabe da carência dos nossos alunos, mas eu acho que o social tem uma importância

55

Extraídas das entrevistas realizadas com os (as) Gestores (as) do campus Umirim/CE, em 2017. Foram

destacados em negrito alguns fragmentos de texto relevantes para a análise realizada.

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muito grande”; “Além disso, também no próprio sentido do auxílio financeiro que esses

jovens muitas vezes recebem quando a assistência estudantil faz a triagem e identifica aquele

jovem que tem necessidade financeira maior que os demais”; “Ter oportunidades que, com

certeza, ele não teria se não fosse essa instituição e essa Política de Assistência ao Aluno,

principalmente ao aluno de baixa renda”; “A importância dela é dar condição

principalmente ao aluno mais pobre que não tem recurso para estar em uma escola

particular, uma faculdade particular”; “Acolhimento do aluno, fazer com que ele permaneça

na escola através dos auxílios, principalmente”.

Portanto, podemos perceber que os discursos não estão desconectados do que

preconizam as normativas sobre assistência estudantil e o direcionamento dado às suas ações

nas instituições de ensino, as quais tendem priorizar programas associados à dimensão

socioeconômica dos (as) estudantes.

Os olhares indicam ainda, em cinco referências dos (as) pesquisados (as), a

importância da assistência estudantil no trabalho com as questões que envolvem as

diversidades e os conflitos como bullyng e homofobia, denotando a importância das ações

realizadas, mesmo quando não se tem uma compreensão mais ampliada sobre o assunto.

Destacamos: “Eu acho que é muito importante para a educação, essa parte mesmo de

inclusão, acompanhamento pedagógico”; “Os jovens que não conseguem se adaptar,

problemas, inúmeros, relacionados ao bullyng, relacionados à questão da homofobia”;

Trabalhar todas as questões de diversidade”; “A compreensão é falha, a gente

compreende muito pouco, mas essa falta de compreensão não quer dizer que eu não ache

isso importante”; “É ela que vai identificar na maioria dos casos os jovens que precisam de

um cuidado maior”.

Observamos que apesar de não terem sido realizadas reflexões mais aprofundadas

sobre os princípios das ações de atenção aos (às) estudantes, os interlocutores (as)

reconhecem a existência de demandas que se vinculam a outras esferas da vida dos sujeitos,

interferindo diretamente nas subjetividades e na construção dos significados que norteiam as

relações. Assim, reafirmamos a importância do atendimento integral dos (as) estudantes,

considerando as múltiplas configurações que expressam as diversidades e as diferenças entre

os grupos, bem como seus impactos na formação humana e social dos (as) jovens.

Achamos oportuno apresentar ainda as percepções do grupo docente em relação à

importância que eles atribuem à assistência estudantil para os (as) alunos (as).

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Segundo os dados obtidos por meio de pergunta aberta no questionário da

pesquisa, identificamos que os argumentos giram em torno da permanência dos (as)

estudantes e da dimensão financeira e social, sendo estes os principais elementos de

intervenção da A.E, de acordo com o grupo em questão. Os dados assemelham-se ao que

ficou evidenciado na análise anterior com base nas entrevistas com o grupo de gestores (as).

Entretanto, apreendemos dois posicionamentos que indicaram para outras dimensões da

assistência ao educando. O primeiro ressaltou que: "Eles possuem um amparo legal e

afetivo. Eles partilham suas dificuldades e sonhos". O segundo posicionamento considerou

como importante o fato de a A.E “Desenvolver atividades que orientam e formam

socialmente o aluno e auxilia as coordenações nas tomadas de decisões".

Notamos, portanto, que no primeiro trecho o (a) aluno (a) é trazido para a

centralidade das ações de assistência estudantil, abordando outras esferas de sua vida, não se

resumindo à questão material e social. Já no segundo fragmento a assistência estudantil é

destacada como participante no processo formativo dos (as) estudantes, tendo o poder de

subsidiar os direcionamentos das decisões institucionais, através de seu olhar e intervenção. O

que denota positivamente a incorporação de novas compreensões sobre o exercício da A.E na

Política de Educação.

Damos continuidade ao texto com a apresentação preliminar de alguns resultados

das análises das entrevistas realizadas com os (as) gestores (as), por entendermos que esses

dados nos ajudam a retomar nossos objetivos e hipóteses centrais, contribuindo para o

desenvolvimento das nossas discussões ao longo do trabalho.

A partir das análises dos dados qualitativos e quantitativos, inferimos dos

discursos que: há uma compreensão associada entre gênero e diversidade sexual, onde as duas

categorias são abordadas intrinsecamente como sinônimos; há o reconhecimento de que as

práticas discriminatórias dentro do campus se concentram nas questões de gênero e de

orientação sexual, com menor destaque para a questão étnico-racial; as discriminações contra

as mulheres, os (as) homossexuais e os alunos indígenas são, na maioria das vezes,

escamoteada pelo discurso da “brincadeira”, da piada; há um processo de invisibilização da

diferença e, consequentemente, do preconceito e da discriminação; é ressaltado o discurso da

igualdade a partir da rejeição das diferenças entre os sujeitos; há certa dificuldade no

reconhecimento dessas violências por parte do grupo docente, especialmente na distinção do

que se apresenta como prática discriminatória e preconceituosa; existe uma compreensão de

que o papel da assistência estudantil se vincula também à discussão dessas temáticas, tanto

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com os (as) estudantes, como com o grupo docente, na promoção de ações de prevenção às

diversas formas de opressão e preconceito; se reconhece a importância de trabalhar a

formação cultural e humana dos (as) alunos (as), como forma de melhorar as questões ligadas

à interação, ao social e à aprendizagem.

Antes de adentrarmos nas variáveis coletadas na pesquisa de campo e de

realizarmos a discussão teórica sobre as categorias de análise desse estudo, informamos de

qual perspectiva partimos ao abordar os conceitos de identidades e diferenças, os quais são

fundamentais para o objeto proposto. Ancoramos nosso entendimento no que defende Silva

(2014, p.81):

A identidade e a diferença estão, pois, em estreita conexão com as relações

de poder. O poder de definir a identidade e de marcar presença não pode ser

separado das relações mais amplas de poder. A identidade e a diferença não

são, nunca, inocentes.

O viés atribuído pelo autor à questão da identidade e da diferença é importante

porque acrescenta o debate sobre os conflitos sociais e as desigualdades a partir de um lugar

de não neutralidade, em que desvela os interesses e as disputas de poder. Vale dizer que, em

sua concepção, identidade e diferença são mutuamente determinadas, em que a diferença vem

em primeiro lugar. Logo, a formação da identidade tem origem na diferença, que é por si o ato

ou processo de diferenciação. Ambas são criações do mundo cultural e social, em que os atos

de linguagem institucionalizados permitem que seja possível definir qual a nossa identidade.

Achamos oportuno destacar sobre a obra de referência e a argumentação do autor

a aplicação pedagógica do tema multiculturalismo, onde é criticada a postura pacifista que

defende a tolerância e o respeito à diversidade e à diferença sem debater a produção delas.

Para Silva (2014), é preciso um projeto pedagógico que supere a mera convivência com a

diferença, posto que a identidade, enquanto construção social se dá em um jogo de relações de

inclusões e exclusões, poder e força. Argumenta que:

Uma política pedagógica e curricular da identidade e da diferença tem a

obrigação de ir além das benevolentes declarações de boa vontade para com

a diferença. Ela tem que colocar no seu centro uma teoria que permita não

simplesmente reconhecer e celebrar a diferença e a identidade, mas

questioná-las (SILVA, 2014, p.100).

Nesse sentido, chama nossa atenção para o fato de que devemos atentar para a

incorporação da identidade definida como “normal”, porque ela tem uma força

homogeneizadora que a invisibiliza dentro das relações sociais, tornando-a desejável, única. O

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autor cita como exemplo uma sociedade onde a supremacia branca impera, logo o “ser

branco” não é considerado uma identidade étnica ou racial, ela é a identidade e, portanto, a

etnia passará a servir para definir a identidade do outro. Em suas palavras “na perspectiva da

diversidade, a diferença e a identidade tendem a ser naturalizadas, cristalizadas,

essencializadas [...] Em geral, a posição socialmente aceita e pedagogicamente recomendada é

de respeito e tolerância para com a diversidade e a diferença” (SILVA, 2014, p.73).

A crítica realizada nos remete à reflexão de como temos abordado tais temáticas

no campus Umirim e quais discursos e intenções estão direcionando as ações pedagógicas no

tocante às diferenças e às multiplicidades56

nessa unidade de ensino.

Ao questionarmos os (as) gestores (as) sobre a convivência entre os (as) alunos

(as) com relação à questão étnico-racial e também à diferença de gênero e de orientação

sexual, por exemplo, obtivemos graus diferenciados quanto à percepção individual e,

consequentemente, do grupo social ao qual pertencem, espelhando pontos divergentes e/ou

assemelhados ao referirem-se às diferenças dos (as) alunos (as) dentro do recorte definido na

pesquisa. São essas divergências e semelhanças que nos ajudaram a situar nossas análises e a

identificar as relações de poder que se estabelecem nas concepções descritas.

Selecionamos duas passagens, nas entrevistas com os (as) interlocutores (as) da

gestão, que dialogam entre si e nos permitem compreender a crítica do autor sobre as

abordagens pedagógicas e curriculares das escolas que tendem ao não aprofundamento do

conhecimento sobre as diferentes culturas, havendo uma escolha pela superficialidade com

que se apresentam as temáticas aos estudantes e às estudantes. À medida que não se discute,

não se problematiza as relações de poder envolvidas na produção das identidades e das

diferenças, estas acabam sendo reforçadas “ao construir o outro por meio das categorias do

exotismo e da curiosidade” (SILVA, 2014, p.99). Observemos o trecho que segue:

Eu acho que os alunos olham como algo exótico e gostam até. Em vários

momentos que a gente promoveu da assistência, do campus, que o campus

desenvolveu eventos como a semana cultural, os alunos eles podem trazer

essa cultura, cultura africana, cultura indígena e fazem aqui cursos de como

fazerem aquela indumentária de cabeça e os alunos gostam disso, de se

pintar. Então eles promovem ali aquele momento de fazer várias tatuagens

com essa resina [...] os alunos acabam respeitando isso, porque indígena

56

A adoção desse termo se faz em referência ao autor Tomaz Tadeu da Silva que apresenta em sua obra (já citada

anteriormente) a distinção entre diversidade e multiplicidade, em que a primeira tem uma tendência ao

estático, ao idêntico, enquanto a segunda se manifesta como movimento, como algo ativo, produtivo (SILVA,

2014. p.100). Dentro da compreensão do autor sobre a pedagogia da diferença o termo multiplicidade captura

melhor a ideia defendida. Portanto, utilizamos aqui o termo multiplicidade como forma de incorporar a

argumentação de Tomaz Tadeu.

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mesmo eu acho que nós temos três alunos que são dessa comunidade

Tremembé e depois de uma festividade eles chegam aqui com o rosto todo

pintado, com o braço pintado e é interessante, chama atenção, é preciso

respeitar, é preciso valorizar. Acho que é isso, acho que essa convivência ela

tem dado certo aqui (A.I., Gestor, 2017).

A passagem selecionada dá a exata noção do que nos informa Tomaz Tadeu57

sobre a visão que criamos do outro. Tomando como exemplo a fala de um gestor no campus

Umirim/CE, onde se verifica uma perspectiva pedagógica do respeito à diferença, através da

visibilidade dos traços culturais, dos costumes e dos hábitos das etnias negra e indígena, para

a garantia do não estranhamento dos demais sujeitos “não índios” e “não negros”. Expressa,

portanto, o exotismo e a curiosidade na construção do outro como se referiu anteriormente o

autor, refutando qualquer intenção de aprofundar o conhecimento sobre as culturas e

identidades não hegemônicas, menos ainda de questionar os conflitos que permeiam as

diferenças e produzem as desigualdades entre os grupos étnicos.

É importante destacar que os lugares ocupados pelos gestores (as) do campus

modicam seus posicionamentos de acordo com os espaços sociais assumidos. A dinamicidade

nas relações possibilita uma mobilidade dentro do sistema de significações e hierarquias, o

qual acomoda representações simbólicas de um grupo em relação ao outro. O cargo de direção

geral, por exemplo, traz consigo uma posição de hierarquia dentro da estrutura organizacional

da instituição, que por si já se destaca sobre os outros grupos.

A citação destacada pelo gestor anteriormente atribuiu à Coordenação de

Assuntos Estudantis a idealização de ações culturais no campus, qualificando-as

positivamente na promoção e valorização das culturas. Então vejamos o que diz a

Coordenadora da pasta sobre essas ações:

A proposta do Instituto de Educação é outra, é a educação, é arte. Nós não

temos, nós não temos espaço para fazer atividades artísticas. Nós não temos

espaço nem para fazer as atividades da CAE. A gente pede espaços

emprestados fora da escola e, as minorias são totalmente, pela grande

maioria dos técnicos, dos servidores em geral, elas são excluídas de tudo.

Quando não, elas são usadas para fazer uma caracterização, não para

falar de suas culturas, não para ter a sua cultura respeitada ou sua

escolha respeitada, é para caracterizar. Ela é feita uma caricatura da

pessoa ou do grupo étnico ou do grupo de gênero ao qual ela pertence.

Então é um meio também de discriminação. É tratado como se fosse uma

57

Atualmente é professor colaborador do Programa em Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do

Rio Grande do Sul e possui um vasto estudo sobre: currículo, diferença, Deleuze, Foucault, neoliberalismo,

Estudos Culturais, identidade e pós-modernismo. Tomaz Tadeu da Silva organizou o livro Identidade e

diferença: a perspectiva dos estudos culturais, em 2014.

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117

piada, como se fosse para rir, como se fosse legal ver um menino que se diz

mulher todo pintado parecendo um humorista, pra fazer chacota, pra rir [...]

(R.R., Coordenadora, 2017, grifo nosso).

Há uma possível discordância nas duas narrativas, evidenciando que as

perspectivas pedagógicas se diferem, o que nos assegura que há vários determinantes que

influenciam na forma como cada um lida com as diferenças sociais e culturais e como as

percebem. As representações simbólicas para cada sujeito é carregada de traços diferenciados

que se associam aos determinantes de classe, de gênero, de cor, dos espaços sociais ocupados,

entre outros fatores (SILVA, 2014).

É a partir desse emaranhado de constatações e relações complexas que estamos

procurando construir um caminho de diálogo, mas, sobretudo de reflexão e questionamento

acerca das estruturas dominantes que exercem sua hegemonia sobre os grupos subalternizados

dentro da lógica das relações econômicas, políticas, culturais e sociais. Entendemos que é a

partir desse universo heterogêneo que precisamos pensar novas práticas de ações e

intervenções não dissociadas da compreensão sobre as relações de poder que desequilibram as

forças entre os diversos grupos sociais. Para isso, consideramos fundamental a discussão

dessas diferenças e das desigualdades que se produzem, questionando-se as ideologias e

identidades dominantes a partir de um movimento que deve ser estimulado e potencializado

nos segmentos vulnerabilizados da sociedade.

A seguir, discorreremos sobre as variáveis e as categorias que norteiam esse

estudo, a fim de discutir as desigualdades sociais relacionadas ao gênero, à etnia e raça e à

sexualidade, em que se fará necessário abordar também conceitos e assuntos que estão

associados diretamente ao nosso debate, tais como juventude, pobreza, ações afirmativas, e

outros.

4.1 Falando sobre Gênero

Optamos por iniciar, entre as categorias de análise selecionadas, com a discussão

sobre gênero, uma vez que ela se apresentou em destaque como uma questão elementar

inserida na própria concepção acerca do perfil do Curso de Agropecuária e por identificarmos

que essa temática possui transversalidade nas demais discussões, uma vez que as

desigualdades de gênero são potencializadas pela questão étnico-racial, etária, social e de

orientação sexual. Desse modo, escolhemos iniciar o debate considerando a variável sobre

sexo, a partir da pesquisa com os (as) estudantes.

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118

Isolando o dado sobre a participação das mulheres no Curso Técnico de

Agropecuária no campus Umirim verifica-se que há maior incidência do sexo masculino,

apesar de não haver grande disparidade, quando consideramos o público total de 159 alunos

(as), sendo de 59% a participação masculina e de 41% a participação feminina. Partimos para

a discussão sobre esse dado considerando duas vertentes de análise interdependentes: a

primeira que se associa ao perfil do curso investigado o qual é norteado por velhos estigmas

sociais que refletem a desigualdade das relações entre mulheres e homens na sociedade,

especialmente no cenário rural; a segunda que trata da invisibilidade do trabalho feminino na

esfera da produção direcionando as mulheres para o trabalho doméstico não remunerado,

agindo de modo a mascarar a prática da atividade de agropecuária de base familiar e de

autoconsumo sob o discurso da “ajuda” feminina.

As duas situações refletem a desigualdade entre os gêneros e criam um sistema de

interdependência para a reprodução de concepções machistas e discriminatórias e de exclusão

da mulher do mundo produtivo.

Neste sentido, defendemos que o espaço educacional não deve se abster do debate

sobre as opressões de gênero e suas desigualdades, uma vez que elas são incorporadas e

naturalizadas em diversas formas de violências que se expressam diretamente na escola.

Pensamos, portanto, as diferenças e as desigualdades como objeto de trabalho dos

(as) profissionais que compõem a instituição de ensino, com grande necessidade de atuação

das equipes de assistência estudantil integradas a outros setores da instituição e às demais

políticas sociais que desempenham ações de promoção da igualdade e de combate às

discriminações, somando esforços também aos movimentos da sociedade que se mobilizam

na discussão dessas agendas.

Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD, a participação

das mulheres na educação em termos de nível de escolarização e anos de estudos, é maior que

a dos homens, onde as pessoas com 11 anos ou mais de estudo, cuja idade seja de 25 anos

acima, totalizam para o sexo feminino e para o sexo masculino, respectivamente, 44,5% e

40,2%, (PNAD, 2014)58

.

Comparando a participação feminina no Curso de Agropecuária do campus

Umirim, constatamos que, apesar de ainda ser menor que a masculina, tem havido um

aumento da inserção das mulheres a cada semestre, mesmo diante da concepção hegemônica

58

Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento, Pesquisa Nacional por Amostra

de Domicílios 2014. Disponível em: <http://brasilemsintese.ibge.gov.br/educacao/anos-de-estudo-e-sexo.html>

Acesso em 18 de dezembro de 2016.

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no imaginário social de que o perfil do curso é masculino. Corrobora com esse entendimento

a fala do diretor geral do campus Umirim, onde se percebe o esforço em romper com esse

pensamento e de reforçar a necessidade de construção de uma nova identidade sobre a

formação nessa área. Nas palavras do gestor:

[...] As mulheres têm direito de atuar. A mulher no Curso de Agropecuária

que muita gente diz que é um curso de homem, não é. É um curso de quem

quiser fazer. Se as meninas querem fazer e se se dão bem, se gostam, elas

têm direito sim e de fazer e de atuar no mercado de trabalho. E aqui a gente

luta em prol de que elas consigam vagas no mercado de trabalho como várias

delas estão atuando hoje (A.I., Gestor, 2017).

Além disso, a participação das mulheres na economia também é crescente, assim

como a incorporação da força de trabalho desse segmento em atividades historicamente

ocupadas por homens. Entretanto, não podemos deixar de destacar que a precarização e a

desvalorização do trabalho feminino ainda é maior que a do trabalho masculino, sendo ainda

mais agravada no caso das mulheres pobres e do campo.

Faria59

(2009) em seu artigo sobre A economia feminista e agenda de luta das

mulheres no meio rural aborda especificidades do campo que nos permite compreender as

implicações na relação de poder que se estabelece nas relações de gênero. Ela destaca o

aprofundamento das desigualdades no cenário rural pela imbricação de classe, gênero e raça-

etnia, elementos que favorecem a migração feminina, especialmente da parcela jovem, que

busca oportunidades na vida urbana, maior autonomia e liberdade, como alternativa às

relações patriarcais que se expressam nas relações familiares. O que se verifica muitas vezes é

a inclusão precária dessas jovens nas cidades, com salários baixos, altas jornadas de trabalho,

geralmente associado ao trabalho doméstico (FARIA, 2009, p.21).

Outro fator de destaque abordado em seu texto é a invisibilidade do trabalho da

mulher nas atividades ligadas ao roçado, em que “historicamente muitas das atividades

produtivas realizadas pelas mulheres são consideradas uma extensão do trabalho doméstico”

(Ibid., p.18). A discussão trazida pela economia feminista questiona a compreensão da

economia dominante sobre o trabalho doméstico, esclarecendo que:

Na sociedade capitalista as esferas mercantil e salarial dependem do trabalho

doméstico e dos bens e serviços que aí se produzem. A produção mercantil

não é autônoma e depende do trabalho não remunerado nos lares. Nesse

59

O Artigo de Nalu Faria foi publicado no livro Estatísticas Rurais e a Economia Feminista: Um olhar sobre o

trabalho das mulheres (2009). Ele traz uma reflexão sobre o trabalho das mulheres no meio rural, ancorada na

economia feminista e no debate sobre a divisão sexual do trabalho.

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sentido, há uma falsa autonomia dos homens que utilizam os bens e serviços

realizados pelas mulheres (Ibid., p.17).

Portanto, a posição da mulher na sociedade pode ser associada aos fortes nexos

com a divisão sexual do trabalho que atribuiu valores diferentes ao trabalho feminino e

masculino e à cultura machista e conservadora herdada da família patriarcal brasileira que

historicamente destinou às mulheres o espaço doméstico, da casa e do cuidado com a família,

designando-as para o trabalho reprodutivo, longe da esfera da produção e geração de valor

para o capital, espaço este predominantemente ocupado pelos homens.

Nas entrevistas realizadas durante a pesquisa de campo foi possível identificar a

presença da cultura do patriarcado, do conservadorismo e do patriarcalismo na regulação da

vida familiar e comunitária dos (as) alunos (as), como descreveu uma das alunas participantes

ao dizer que “com o tempo, nós mulheres, começamos a frequentar né, só que com aquele

preconceito todo na comunidade, a gente saia pra ir pros roçado muita gente ficava olhando:

‘ah, mulher capinando, roçando, colhendo feijão, milho’” (D.D., Aluna, 2017).

A aluna falava sobre o preconceito na localidade onde mora, no município de

Itapajé60

, pela prática do Curso de Agropecuária por mulheres. Ela descreve ainda um diálogo

com um senhor que mora em sua região:

Eu vinha no ônibus pra cá aí um senhor me perguntou: qual o curso você

está fazendo? Aí eu falei: ‘agropecuária’. Aí ele falou: ‘e porque que você

num faz um curso de costureira?’ Aí eu: ‘não, porque o curso que eu gosto é

agropecuária, eu gosto de estar com os agricultores, eu gosto de estar no

campo’. Aí ele disse assim: ‘mas você vê algum futuro pra você em relação a

isso’? Aí eu: ‘Sim, qual o problema de uma mulher trabalhar na roça, eu não

vejo problema algum, até porque eu estou estudando, frequentando esse

curso para ajudar na minha comunidade’ [...]” (D.D., Aluna, 2017).

Os dois trechos da entrevista revelam um duplo caráter discriminatório, o primeiro

motivado pela figura da mulher na prática da atividade de agropecuária e o segundo pelo não

reconhecimento da atividade de agropecuária como geradora de valor e riqueza, pois

incorpora a lógica do trabalho concebida pelo capitalismo. Vale ressaltar que as famílias dos

(as) jovens estudantes atuam, em sua maioria, na agricultura de base familiar e para o

autoconsumo, onde se percebe a desvalorização dessa prática como trabalho produtivo,

60

Microrregião de Uruburetama, cidade do interior do Estado do Ceará, com 50.211 habitantes, sendo a

população urbana 33.990 habitantes e a população rural 14.360 habitantes. Fonte: Anuário 2013/2014.

Disponível em: <http://www20.opovo.com.br/ceara/itapaje/> Acesso em 11 de julho de 2017.

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geradora de riqueza. As assimetrias causadas pela apropriação das terras e dos meios

produtivos, marcadamente no campo, explicam a pauperização dos (as) trabalhadores (as)

rurais e da forte relação de dominação entre aqueles que detêm as propriedades e aqueles (as)

que nelas trabalham, nem sempre em troca de um salário, podendo receber apenas a comida e

a moradia para si e/ou sua família.

Abrimos aqui um breve espaço para caracterizarmos o Curso de Agropecuária e a

vivência das famílias e dos (as) estudantes com a prática dessa atividade. Esse foi um dos

questionamentos realizados na entrevista com os (as) jovens, em que se buscou compreender

até que ponto a formação profissional tem contribuído para o trabalho já desenvolvido por ele

(a) e/ou sua família. A coordenadora de assuntos estudantis fez uma afirmação que ratifica o

perfil do público definido para nosso estudo no campus Umirim/CE:

Aqui no campus Umirim a gente já percebeu que a maioria dos alunos que

trabalham na agricultura e na agropecuária, eles trabalham no sistema de

agricultura familiar. Não é do meu conhecimento grandes empresas ou

fazendas aqui na cidade de Umirim e a meu ver no entorno também (R.R.,

Coordenadora, 2017).

A diretora de ensino aponta em sua entrevista a escassez de trabalho em empresas

ou fazendas na região, restando como opção ao (à) concludente à busca de emprego em outras

cidades e até estados, uma vez que não são eles (as) e suas famílias os (as) detentores (as) das

terras e dos meios de produção:

É um curso bastante abrangente, não restam dúvidas. Se aqueles alunos,

aqueles que realmente querem a agropecuária, eles têm uma base muito boa,

porque não só os professores, nós professores, mas o conteúdo em si ele se

arranja bem mesmo as necessidades dos alunos [...] o que é que tem aqui em

Umirim, quase nada, né? [...] então muitos deles saem daqui, vão para outros

municípios próximos (F.M., Gestora, 2017).

Atuando também como professora do curso a interlocutora destaca a facilidade de

o conteúdo se arranjar às necessidades dos (as) alunos (as), visto a sua adaptação às práticas já

desenvolvidas nas pequenas propriedades ou mesmo nos quintais produtivos, seja no cultivo

de hortas e na criação de animais de pequeno porte. Entretanto, contrapondo-se ao discurso da

empregabilidade muito comum entre professores (as) e gestores (as) ligados (as) ao ensino,

apreende-se da fala da diretora de ensino que apesar da vocação produtiva do município de

Umirim e das cidades vizinhas para esse ramo da economia não há um nicho amplo de

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mercado de trabalho, o que parece ser justificado pelo fato da atividade de agricultura ser

voltada para pequenas produções, com características de subsistência.

Daí, ressaltamos que a formação em agropecuária é uma potencialidade,

aparentemente ainda adormecida, no desenvolvimento da agricultura familiar e na

organização dos (as) trabalhadores (as) rurais em torno das lutas e conflitos do campo gerados

pela concentração das terras e dos meios produtivos que exclui e expropria a força de trabalho

do acesso aos bens de produção. Essa consciência parece estar mais evidente no corpo

estudantil do que na classe docente.

Nas entrevistas com os (as) estudantes, dos (as) quatro entrevistados (as), todos

(as) têm convivência com a atividade de agropecuária, seja por meio de seus familiares ou por

eles (as) próprios (as) a praticarem. Desse modo, constatou-se que o referido Curso oferecido

no campus Umirim, na modalidade Subsequente, tem fortalecido o desenvolvimento das

atividades de pequenos (as) produtores (as) locais, sendo os (as) seus (suas) filhos (as) os (as)

principais ingressantes na instituição junto aos (às) filhos (as) de agricultores (as) da

agricultura familiar.

Percebemos ainda que há um interesse desses (as) jovens, em especial daqueles

(as) que vêm de outros municípios para estudar em Umirim, no desenvolvimento do

conhecimento técnico para qualificar as suas atividades e para o repasse aos (às) agricultores

(as) de suas localidades, portanto, a formação profissional do campus na área de agropecuária

parece estar mais conectada ao desenvolvimento da atividade junto aos grupos de

trabalhadores (as) rurais do que ao empresariado agrário, o que marca uma especificidade do

território, fator esse que possibilita um trabalho mais fecundo junto às famílias e às

comunidades dos (as) alunos (as), seja por meio de projetos de pesquisa e de extensão ou pelo

acompanhamento multidisciplinar às demandas e realidades dessas populações.

Os (as) jovens destacaram também nas entrevistas que o curso tem especializado a

mão de obra e que tem ampliado as suas possibilidades de atuação, seja para a extensão rural,

seja para a inserção em órgãos do governo, como a EMATERCE, comumente citada, ou ainda

para o empreendedorismo, área bastante disseminada dentro do curso. Na fala de uma aluna

podemos sintetizar o sentimento do grupo no tocante à formação técnica:

Quando chega aqui abre uma infinidade de possibilidades, porque antes a

gente tava resumido ao canteiro básico [...] Pro meu município eu vejo que a

gente tem uma mão de obra especializada, se a gente quiser ter oportunidade

nesse ramo de agricultura. E aí eu vejo também na parte de extensão, a gente

levar essas informações até os agricultores [...] (N.F., Aluna, 2017).

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Segundo Paulilo (2004) embora o reconhecimento da agricultura familiar como

empreendimento econômico seja existente no Brasil, não podemos afirmar a existência da

categoria profissional “trabalhador (a) familiar”, no campo das estatísticas produzidas a

mulher e os filhos são designados como “membros não remunerados da família”, ocultando-se

a dimensão do trabalho e consolidando a ideia da ajuda, como podemos verificar no trecho

que segue:

Quando na infância eu já ajudei o pai já, capinava de mão. Quando era pra

trazer a colheita pra casa sempre nós ajudava a trazer de bicicleta, todo

mundo na sua bicicleta trazia, pra apanhar feijão no roçado, só que não

direto, porque eu estudava, meu irmão, não era direto, mas ajudava” (N.F.,

Aluna, 2017).

Se para a criança parece uma simples brincadeira ou mesmo uma obrigação pela

determinação do pai, para a mulher, como esposa, a atividade da agricultura estende-se,

muitas vezes, ao âmbito doméstico, não se incorporando à dimensão da produção e, portanto,

do trabalho.

Retomando a discussão sobre a categoria em análise concordamos com o que nos

apresenta Esmeraldo (1997, p.01) ao dizer que a “categoria gênero estrutura a percepção e a

organização concreta e simbólica de toda a vida social, construindo no seu interior referências

que conferem poder na forma de controle e de acesso diferenciado aos produtos materiais e

simbólicos”. A interação, portanto, dessas diferenças que direcionam o modo de vida coletivo

e a formação das subjetividades dos indivíduos precisam ser problematizadas na perspectiva

dialética, perpassando as estruturas e as instituições sociais.

Essa relação de poder do masculino sobre o feminino é perceptível em diversas

dimensões da vida, seja na família, na escola, na igreja, no trabalho, entre tantos outras.

Citamos um trecho da entrevista com um dos estudantes onde ele descreve a relação de poder

sobre as mulheres em sua localidade, zona rural do município de Itapajé:

Agora na minha localidade eu vejo uma diferença. Existe sim a diferença.

Existe sim o autoritarismo masculino. E a mulher ela tida como uma pessoa

mais frágil - a mulher não tem capacidade para gerir isso, que não tem

capacidade suficiente para comandar uma família, etc. - e que o homem [...]

é como se fosse o dominante. Existe essa situação (A.C., Aluno, 2017).

Além de denunciar a desigualdade de gênero comum naquela localidade o jovem

reforça nossa argumentação no que se refere aos espaços construídos socialmente que

direcionam um e outro para a ocupação de lugares pré-estabelecidos (espaço público

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destinado aos homens e espaço privado destinado às mulheres) como também para as

representações simbólicas sobre os significados de ser homem e de ser mulher, sob a

demarcação de diferenças biológicas, fisiológicas e emocionais.

Segundo Faria (2009) o processo de formação social brasileiro renegou o espaço

da mulher dentro da sociedade subtraindo direitos civis e políticos no âmbito da vida comum,

fortalecendo a herança conservadora que vem perpetuando relações sociais regidas pela

cultura da dominação e patriarcal. Entretanto, encontra-se muita resistência e organização

desse segmento, com destaque para o movimento de mulheres, no enfrentamento das

desigualdades de gênero na vida social.

Na trajetória das mulheres na história brasileira destacam-se as lutas para serem

aceitas como sindicalizadas nos sindicatos dos trabalhadores rurais, pelo acesso à previdência

e à licença-maternidade nos anos 1980, incorporadas como questões centrais na discussão

acerca da divisão sexual do trabalho e da visão de que as mulheres são destinadas apenas ao

trabalho reprodutivo (FARIA, 2009).

Não temos a intenção de discorrer sobre o processo histórico de todas as

conquistas para as mulheres, de lá até aqui, mas achamos oportuno mencionar que, segundo a

referida autora, a partir de 2003, com o governo Lula, consolidam-se mudanças positivas para

o segmento de mulheres, com notório avanço por meio de diversas ações implementadas no

âmbito da Assessoria Especial para Igualdade de Gênero, Raça e Etnia – AEGRE, do

Ministério do Desenvolvimento Agrário - MDA, em parceria com a Secretaria de Políticas

para as Mulheres - SPM. Defende ainda que: o estabelecimento de uma política de crédito

específico, por meio do Pronaf Mulher; o Programa Nacional de documentação da

Trabalhadora Rural; o fomento à comercialização; as ações de assistência técnica e outras,

cumpriram um importante papel nas mudanças ocorridas para esse grupo, especialmente para

as mulheres que vivem no campo.

Apesar dos avanços, o preconceito e a discriminação contra as mulheres são

recorrentes, revelados pelos alarmantes dados de violência doméstica, abusos sexuais e o

número de homicídios. Houve nos últimos anos um avanço no campo legislativo que aprovou

leis que visam à redução das violências e violações contra as mulheres. Entretanto, com base

no Atlas da violência 201761

, publicado pelo IPEA, verifica-se que os dados registraram um

aumento de 7,3% entre 2005 e 2015 da taxa de homicídio de mulheres, ainda que se observe

61

O documento está disponível em: <http://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/download/2/2017> Acesso em 09 de

agosto de 2017.

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uma redução gradual dessa taxa entre 2010 e 2015, de 1,5%. Os dados também revelam que

há uma diferença entre o grupo de mulheres negras e não negras, em que o primeiro grupo é

ainda mais atingido evidenciando uma combinação entre a desigualdade de gênero e o

racismo. Em 2015, por exemplo, 65,3% das mulheres mortas por agressão no Brasil eram

negras (IPEA, 2017).

Ante o exposto, não podemos negar ou silenciar em meio à violência praticada,

sendo necessário que seja dado o primeiro passo para o enfrentamento de tais situações, o

qual consiste no reconhecimento da existência das desigualdades e das diferenças que

ocasionam práticas de intolerância, discriminação e violência, inclusive com dados alarmantes

de morte.

A tendência à negação das diferenças para a conformação destas e a produção de

uma falsa homogeneidade entre os grupos e os indivíduos é comum nas práticas individuais e

também institucionalizadas, mas esse modelo não promove a ruptura com as exclusões e

discriminações envolvendo as minorias sociais e os grupos estigmatizados por grupos

dominantes, pois não questionam as relações de poder que originam as diferenças e que geram

as diversas desigualdades de ordem econômica, de gênero, de etnia e raça, de orientação

sexual, e outras. Nesse caso, há uma eficiência apenas para ocultá-las, mas não para

questioná-las e superá-las.

Ao perguntarmos, por exemplo, aos dois alunos do sexo masculino sobre a

identificação de práticas abusivas e discriminatórias contra mulheres na unidade de ensino de

Umirim ou em seus municípios de origem verificamos a dicotomia entre a presença do

pensamento patriarcal/conservador e o discurso da igualdade entre os gêneros:

Pra mim, particularmente, não existem tantas diferenças. Claro que existem

diferenças, mas pra mim essas diferenças são quase irrelevantes, porque

existem várias mulheres que possuem o pensamento bem fixo e elas

desenvolvem um trabalho espetacular, independente da área.

Às vezes desenvolvem um trabalho até melhor que alguns homens [...]

(A.C., Aluno, 2017).

O pequeno texto apresenta tanto o esforço em negar as diferenças entre homens e

mulheres, como em afirmar que elas (as mulheres) “às vezes desenvolvem um trabalho até

melhor que alguns homens”, denotando uma tendência natural da inferioridade do trabalho

feminino, mas que pelo mérito, aquelas que se determinam conseguem até superar alguns

homens. Além disso, observa-se uma preocupação na desmistificação sobre o perfil do curso,

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que pauta a capacidade individual em detrimento das desigualdades de condições entre

homens e mulheres para acessarem e permanecerem no curso.

A Coordenadora de Assuntos Estudantis pontua a dificuldade de trabalhar a

temática de gênero na instituição com os (as) educadores (as), sendo estes (as), em sua

maioria, reprodutores (as) das repressões e discriminações sociais, ainda que, em alguns

casos, de forma velada. Em suas palavras, afirma: “nós temos um campus estritamente

conservador, a maioria dos servidores são conservadores [...] a questão de gênero é difícil de

ser trabalhada aqui, porque a gente não consegue apoio, principalmente, dos próprios docentes

[...]” (R.R., Coordenadora, 2017).

Diante da análise dos discursos nas entrevistas ratificamos a importância de

estratégias que atuem na perspectiva de disseminação da justiça, da equidade e da liberdade

como valores centrais que atinjam amplamente os sujeitos e a sociedade, promovendo uma

reformulação das práticas institucionais, onde os (as) agentes sejam convocados (as) a

refletirem sobre suas ações e agreguem elementos positivos para a promoção de uma

transformação sociocultural.

Portanto, entendemos que o papel da educação, em seu sentido mais amplo, é

central na consolidação das mudanças sociais, através da cultura, da arte, da formação cidadã

e política. Destacamos trechos das entrevistas com os (as) jovens que reforçam o argumento

de que a escola e os movimentos sociais, por exemplo, proporcionam mudanças na

consciência e no comportamento humano, favorecendo a ruptura com o preconceito e com os

estigmas socialmente reproduzidos. Vejamos:

Até mesmo em relação à escola, que a gente tem bastante esclarecimento na

escola [...] entendendo mais essa questão da diferença, o que tem de

diferente de um gênero para outro [...]. Eu fui entendendo, participando de

muitas conversas, até mesmo palestras que às vezes a gente participa. Aí, a

gente entende que o gênero não influencia tanto (A.C., Aluno, 2017).

Pra mim, hoje em dia, de tanto que eu participo de movimentos eu não

classifico a pessoa por ser homem ou ser mulher [...]. Pra mim, que eu já

participo muito, ainda é uma coisa até difícil de chegar. Eu consigo falar

numa boa porque eu já vejo muita gente falando, mas cada vez que eu

participo tem mais uma diversidade, mais uma infinidade de possibilidades

que eu não sei. Até falo: ‘é só isso não, é tudo isso’. Até a gente fica perdido,

porque ainda é um mundo novo pra ser trabalhada essa questão de gênero

realmente (N.F., Aluna, 2017).

Há, portanto, outros elementos que alteram a dinâmica social e cultural, o próprio

movimento da sociedade com seus acontecimentos históricos, políticos, econômicos, sociais

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acabam por exercer uma influência no modo como as pessoas passam a conceber esse ou

aquele tema. Citamos o exemplo dado por uma das alunas entrevistadas que nos contou como

a mudança no cenário político, a partir da inserção de uma mulher na presidência da

república, gerou um sentimento positivo em muitas mulheres da sua localidade que passaram

a questionar o preconceito acerca das profissões ditas masculinas. Nas palavras da jovem: “eu

acho que foi tipo [...], presidência né? Entrou uma presidente mulher – ah, entrando uma

presidente mulher, porque não as mulheres fazer os trabalhos dos homens?” (D.D., Aluna,

2017).

A aluna disse que à época esse foi o grande motivador para que as mulheres da

sua família passassem a realizar a atividade no roçado, que até então era visto como uma

atividade exclusiva dos homens. Portanto, a dinamicidade da vida social precisa ser entendida

com base nos processos históricos, sociais, políticos, econômicos e culturais, uma vez que

agem como molas propulsoras para a transformação dos pensamentos, costumes e hábitos.

Ao falarmos de um processo educacional que compreenda a necessidade de

formação do indivíduo para além da esfera produtiva, admitimos a possibilidade de se criarem

condições para o questionamento das desigualdades que se expressam desde a inclusão e

exclusão das forças produtivas até a reprodução do ciclo de exclusão social e humana no

acesso aos bens sociais, culturais, educacionais, com notório destaque para as mulheres, os

(as) negros, os (as) índios (as) e a população LGBT62

, entre tantas outras minorias.

O preconceito de empregadores em empresas e fazendas, assim como dos

trabalhadores que atuam nesses lugares, embora velado, está presente e não podemos negá-lo,

pois o trabalho na área de agropecuária é arraigado pelo machismo e pelos estigmas sociais.

Na entrevista com o diretor da unidade do IFCE no município de Umirim ele afirma sobre a

preferência do mercado de trabalho para técnicos agrícolas do sexo masculino, o que ratifica

nossa argumentação. Para utilizar suas palavras: “sempre há preconceito, alguns

empregadores dizem que não há distinção entres homens e mulheres, mas a gente sempre nota

62

Destacamos que ao longo do texto serão adotadas outras variações da sigla LGBT para designar o segmento

não-heterossexual. Explicamos que as determinações das “letras” possuem fundamentos nas discussões dos

movimentos da população LGBT. Citamos como variações: GLB, LGB, LGBT, entre outras que não serão

trabalhadas nesse texto. O deslocamento da letra “L” para antes do “G” tem justificativa na defesa da

visibilidade lésbica, reivindicada por movimentos feministas de mulheres lésbicas. E o surgimento da letra “T”

buscou incluir os Transexuais, os Transgêneros e as Travestis, como forma de promover a diversidade das

culturas baseadas em identidades sexuais e de gênero. Os termos possuem outras variações, incluindo outros

segmentos. Além disso, sofrem alterações também de acordo com cada país. Entretanto, destacamos que nossa

referência, adotada desde os anos de 1990, é o termo LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais

e Transgêneros). Informações obtidas a partir do site <http://www.politize.com.br/lgbt-historia-movimento/>

Acesso em 23 de agosto de 2017.

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128

que há uma dificuldade, não somente dos empregadores, mas às vezes dos próprios

empregados nas empresas, nas fazendas [...]” (A.I., Gestor, 2017).

Apesar das conquistas sociais femininas nas últimas décadas do século XX

precisamos demarcar que elas não se deram de modo uniforme para todas as mulheres, pois

existem outras variáveis que acirram as desigualdades de gênero, assim como limitam o

acesso às referidas conquistas sociais femininas. A condição social, a escolarização, a

etnia/raça, a relação urbano-rural, são variáveis que potencializam os processos de dominação

e exploração sobre a mulher, sendo oportuno discuti-las na perspectiva de uma formação ética

e crítica dos sujeitos, fomentada pela educação, através da compreensão analítica sobre a

estrutura da sociedade em suas relações sociais, políticas, econômicas e culturais.

É nesse sentido que defendemos uma formação que extrapole o conhecimento dos

conteúdos técnicos, que acolha a reflexão sobre a sociedade, que imprima possibilidades para

o enfrentamento das desigualdades expressas cotidianamente, quer seja na escola, na igreja,

na família, na comunidade, no mercado de trabalho, sendo esse o desafio daqueles e daquelas

que estão comprometidos com a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

4.2 Juventude (s) e seus territórios

Avançando para outro elemento do perfil dos (as) estudantes participantes da

pesquisa de campo apresentamos a variável sobre a faixa etária, a qual caracteriza o segmento

juvenil de 18 a 24 anos de idade como predominante. Antes de estabelecermos um

comparativo entre as populações dos municípios de residência do público pesquisado, cabe

informar sobre a composição heterogênea dos territórios de origem dos (as) jovens em

questão.

Tabela 07: Grupo Etário/ Município

Município Hab. Grupo de 18-24 anos (%) Grupo de 18-29 anos (%)

Umirim 19.835 14% 21%

Itapajé 50.721 13% 21%

Itapipoca 121.569 13% 22%

Apuiarés 14.792 12% 19%

Tejuçuoca 17.740 14% 22%

Pentecoste 37.343 12% 20%

São Luís do Curu 13.066 13% 21% Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010

63.

63

As informações foram extraídas município por município através do site:

<http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/home.php> Acesso em 15 de julho de 2017.

Page 131: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ PRÓ-REITORIA DE PESQUISA …£o.… · The research carried out is of quanti-quali nature, based on the methodology of the in-depth evaluation (RODRIGUES

129

Umirim pertence à região do Vale do Curu64

, o qual possui 12 municípios

componentes, a saber: Amontada, Apuiarés, General Sampaio, Irauçuba, Itapajé, Itapipoca,

Miraíma, Pentecoste, Tejuçuoca, Tururu, Umirim e Uruburetama. Desses municípios 07 estão

destacados como aqueles com maior incidência de matrículas em 2016.265

nas turmas de

Subsequente do Curso de Agropecuária: Umirim, 39% das matriculas; Itapajé, 21% das

matriculas; Itapipoca, 8% das matriculas, Apuiarés, 6% das matriculas, Tejuçuoca, 5% das

matriculas, Pentecoste e São Luís do Curu com 3% das matriculas, cada. Portanto, tomando

como base o grupo etário predominante em nossa pesquisa, de 18 a 24 anos, analisamos como

ele se expressa dentro dos contingentes populacionais das cidades destacadas.

Ainda na Tabela 07 é possível identificar uma proporcionalidade no que tange ao

número de pessoas inseridas no mesmo intervalo de idades, com um percentual aproximado

em cada um dos municípios analisados. Quando ampliamos a faixa etária até os 29 anos de

idade, percebemos relativo acréscimo do contingente, mantendo-se a proporcionalidade entre

os municípios. Para ampliar a caracterização dos grupos, a partir da compreensão das faixas

etárias nos períodos escolares, elaboramos o Quadro 01:

Quadro 01 – Definição das faixas etárias e escolaridade adequada

Faixa etária Ciclo escolar Escolaridade

04 e 05 anos Educação Infantil Pré escolar.

06 a 14 anos Ensino Fundamental Frequenta da 1ª à 9ª série do ensino fundamental.

15 a 17 anos Ensino Médio

O período mínimo para sua conclusão são três anos,

resguardados os casos previstos pela LDB (1996). Há

possibilidade de articulação com a educação profissional de

nível técnico.

Acima de 18 anos Educação superior ou

Outras modalidades de

Ensino

Educação Superior; Educação Profissional; Educação de

Jovens e Adultos; A idade ideal para conclusão da educação

básica é 18 anos.

Fonte: Elaboração própria (2017).

A descrição do ciclo escolar e da escolaridade adequada a cada faixa etária,

conforme o Quadro anterior serviu de referência para a identificação dos intervalos de idade

dentro dos territórios de origem dos (as) alunos (as) que compõem o Curso pesquisado no

campus Umirim/CE. Esses intervalos representam o perfil geracional desses municípios,

sendo fundamental para o recorte de políticas sociais e para a criação de ações públicas

direcionadas aos grupos etários de acordo com seus interesses e demandas.

64

IPECE. Perfil das regiões de planejamento Litoral Oeste/Vale do Curu – 2016. Disponível em:<

http://www2.ipece.ce.gov.br/estatistica/perfil_regional/2016/Regiao_LitoralOeste_Vale_Curu2016.pdf> Acesso

em 15 de julho de 2017. 65

Disponível em: < http://ifceemnumeros.ifce.edu.br/> Acesso em 14 de julho de 2017.

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130

Ilustramos no Gráfico 02 os percentuais de participação das populações nos

intervalos de idade entre: 4 e 5 anos, 6 a 14 anos, 15 a 17 anos, 18 a 24 anos e de 18 a 29

anos, com base nas populações totais de cada território, de acordo com o Censo 2010, do

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE.

De acordo com as referências de idade estabelecidas pelos anos escolares é

possível identificar, por exemplo, que nos municípios onde residem os (as) estudantes do

Curso de Agropecuária do campus Umirim há um contingente elevado de crianças e

adolescentes em fase escolar, com notório destaque para a faixa de 06 a 14 anos, como está

representado como segue:

Gráfico 02: Faixa etária por município de Origem

Fonte: Dados IBGE, Censo 2010

66.

Com base na imagem observamos valores similares para cada intervalo nas

populações dos sete municípios, o que nos sugere o mesmo perfil etário comparativamente.

Tomando como base os intervalos adotados, utilizamos para a classificação entre as faixas

etárias, apenas o grupo representado pelas idades de 18 a 29 anos, suprimindo o grupo de 18 a

24 anos, uma vez que na definição de políticas voltadas para a juventude a demarcação tem se

estendido até os 29 anos.

66

Elaboração própria, em 2017. Dados disponíveis em: <http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/home.php>

Acesso em 15 de julho de 2017.

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131

Justificamos que, para efeito da representação gráfica, foi considerada a faixa de

18 a 24 anos, por ser esse o perfil dos (as) jovens participantes da pesquisa de campo que

envolve esse estudo, sendo importante destacar que o público predominantemente atendido

pela política de educação profissional desenvolvida pelo campus Umirim, na modalidade de

curso subsequente, possui um percentual relevante no conjunto das populações totais, com

percentual médio de 12% a 13%.

Portanto, as faixas etárias de maior representatividade e menor representatividade

nos municípios pesquisados, foram respectivamente, de 18 a 29 anos e de 4 e 5 anos. Os

dados revelam ainda um percentual significativo de crianças e adolescentes entre 6 e 14 anos,

seguido daqueles (as) entre 15 e 17 anos.

A delimitação etária se faz necessária tanto para fins de definição de política

pública, elaboração de legislações, assim como para a realização de pesquisas. No nosso caso,

o grupo etário de 18 a 24 anos caracteriza particularidades próprias de uma fase da vida que

precisa ser compreendida dentro de um processo permanente de construção social e histórica,

variando no tempo de uma cultura para outra, e até mesmo no interior de uma mesma

sociedade.

No Brasil, a adoção do recorte etário de 15 a 29 anos no âmbito das políticas

públicas é bastante recente, anteriormente tomava-se por “jovem” a população na faixa etária

entre 15 e 24 anos. A ampliação desta faixa para os 29 anos não é uma singularidade

brasileira, configurando-se, na verdade, numa tendência geral dos países que buscam instituir

políticas públicas de juventude. Se observarmos as cidades onde residem os (as) jovens

matriculados (as) no Curso de Agropecuária do campus Umirim é possível identificar que as

suas populações têm maior contingente no grupo de 18 a 29 anos, seguido do grupo de 6 a 14

anos, denotando dois perfis com demandas específicas no tocante às políticas sociais.

Camarano67

(2006), responsável pela organização da obra - Transição para a

vida adulta ou vida adulta em transição? - ajuda-nos a explicar as mudanças que

influenciaram a alteração na demarcação etária do grupo jovem no Brasil, onde se destacam a

maior expectativa de vida para a população em geral, e maior dificuldade desta geração em

ganhar autonomia em função das transformações no mundo do trabalho.

O estudo organizado pela autora explica que as transformações na esfera

produtiva e no mundo do trabalho são apenas parte dos aspectos levados em conta na reflexão

em torno da problemática da transição para a vida adulta na atualidade, apontando que a

67

Ana Amélia Camarano é pesquisadora da Diretoria de Estudos e Políticas Sociais (DISOC) do Instituto de

Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

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132

emergência de novos padrões comportamentais no exercício da sexualidade, da nupcialidade e

na configuração dos arranjos familiares também tem sido considerada nas tentativas de

compreensão e explicação das mudanças nos marcos tradicionais da passagem da condição

jovem para a condição adulta.

A inserção na escola e no mercado de trabalho são eventos que informam sobre as

características das juventudes de acordo com variáveis de gênero, classe social, etnia, entre

outras que demarcam o lugar social desses sujeitos. Segundo os dados apresentados no estudo

de Camarano e Kanso (2012) sobre os (as) jovens que não estudam, não trabalham e que não

procuram trabalho, as autoras apontam que as mulheres notadamente são as mais afetadas

entre o subgrupo jovem que não estuda e não trabalha, sendo 23,2% o percentual feminino,

enquanto que entre os homens jovens esse percentual é de 11,2%, segundo dados do IBGE em

2010.

Apesar de ter sido verificado que entre os homens esse contingente aumentou em

1.107 mil pessoas e que entre as mulheres diminuiu em 398 mil, ainda é predominante a

desigualdade entre os dois sexos. Os fatores normalmente associados ao desempenho da

maternidade e do trabalho doméstico, tradicionalmente remetido à mulher, revelam um forte

componente de gênero que influencia diretamente a relação com a escola e com a vida

laboral.

Portanto, as discrepâncias entre os sujeitos variam de acordo com diversos

determinantes sociais, que nos colocam diante do desafio de observá-los, analisa-los e

descrevê-los, estabelecendo relações de interação entre os variados fenômenos e suas

consequências.

As demandas no campo das políticas de educação, cultura, esporte, lazer e

trabalho para a população jovem é comum em todo o território brasileiro, contudo, exige-se

maior atenção por parte do Estado para aqueles municípios com baixos índices de

desenvolvimento social e econômico, vítimas das discrepâncias regionais, urbanas e rurais, as

quais afetam fortemente a vida dos indivíduos, com o aprofundamento dos níveis de

desigualdade e violência, como é o caso de Umirim.

Ao constatarmos, por exemplo, o número de instituições de ensino médio,

superior e profissional nos municípios de residência dos (as) jovens circunscritos no objeto da

nossa pesquisa, denota-se a dificuldade daquela juventude na continuidade dos estudos, tanto

para o término da educação básica (conclusão do ensino médio) como para o acesso à

formação profissional de nível técnico ou o ingresso na educação superior.

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133

Marcadamente, os dois campos de maior centralidade nas discussões que

envolvem esse segmento, educação e qualificação para o trabalho, apresentam um déficit no

que tange ao número de vagas das instituições de ensino, apesar do que aponta Andrade

(2010) sobre a política de ampliação de vagas na modalidade de ensino médio integrado à

educação profissional para o interior do Estado, cujo objetivo é o atendimento de uma

significativa parcela de jovens residentes nos municípios cearenses.

A oferta do Curso Técnico em Agropecuária, na modalidade Subsequente e,

articulado ao ensino médio, em uma instituição federal de ensino, garantiu aos (às)

adolescentes e aos (às) jovens de Umirim e das localidades circunvizinhas a ampliação de

oportunidade para a conclusão da educação básica e para a qualificação profissional, com

notório interesse dos (as) filhos (as) de produtores locais, pequenos (as) agricultores (as),

especialmente aqueles (as) voltados para a prática da agricultura familiar ou de autoconsumo,

como já mencionamos.

A inserção dos segmentos mais isolados, em comunidades mais afastadas, trouxe

ao campus Umirim um público marcado predominantemente por uma condição social

precária, com forte demanda por trabalho e renda, de baixo acesso a política de saúde e com

alto déficit de aprendizagem nos anos iniciais da educação básica, o que faz com que nos

deparemos com níveis acentuados de vulnerabilidade das famílias e dos (as) estudantes, onde

seus direitos básicos foram violados ou não garantidos de maneira plena.

As questões que se relacionam à dimensão socioeconômica de alunos (as) sem

condições para custear o deslocamento até a unidade de ensino, com dificuldade de moradia

na cidade para fins estudantis e de alimentação, tem sido o grande mote de atuação dos (as)

profissionais da assistência estudantil no campus Umirim. Nesse sentido, os Programas de

Auxílios, de Moradia Estudantil e o serviço de Restaurante Estudantil têm contribuído para a

inserção da população urbana e, principalmente rural, tanto da cidade de Umirim como dos

municípios vizinhos, nesta unidade do IFCE.

Com base nos dados divulgados pela Pesquisa Nacional por Amostra de

Domicílios – PNAD (2015)68

sobre o rendimento da renda per capita69

dos (as) brasileiros

(as), a média foi de R$ 1.270,00 (mil duzentos e setenta reais). Considerando as desigualdades

regionais verifica-se no mesmo estudo que o rendimento médio da renda per capita nas

68

Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios: síntese de indicadores, 2015 / IBGE, Coordenação de Trabalho

e Rendimento. Rio de Janeiro: IBGE. 2016. p.108. Disponível em:

<http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv98887.pdf> Acesso em 19 de julho de 2017. 69

Significa a divisão do rendimento mensal familiar pelo número de componentes da família.

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Grandes Regiões foi de R$ 859,00 (oitocentos e cinquenta e nove reais) no Norte; de R$

796,00 (setecentos e noventa e seis reais) no Nordeste; de R$ 1.504,00 (mil e quinhentos e

quatro reais) no Sudeste; de R$ 1.513,00 (mil e quinhentos e treze reais) no Sul; e de R$

1.525,00 (mil quinhentos e vinte e cinco) no Centro-Oeste.

Em 2016 o Ceará registrou uma média de renda por pessoa no domicílio familiar

no valor de R$ 751,00 (setecentos e cinquenta e um reais), segundo a PNAD70

daquele ano.

Para fins de comparação, identificamos a maior e a menor renda per capita entre os (as) 26

alunos (as) respondentes ao questionário de pesquisa, obtendo-se respectivamente os valores

de R$ 700,00 (setecentos reais), e R$ 28,57 (vinte e oito reais e cinquenta e sete centavos)71

.

Esses dados evidenciam a pobreza das famílias dos (as) alunos (as) e denotam as

distorções entre os estados brasileiros, em que o Ceará desponta muito aquém das médias da

região nordeste e do Brasil.

Salientamos que não contabilizamos para efeito de cálculo da renda bruta os

benefícios assistenciais. Desse modo, podemos afirmar que são elevadas as assimetrias entre

as famílias do público pesquisado, apresentando um alto nível de vulnerabilidade

socioeconômica, como podemos verificar no Gráfico 03:

Gráfico 03: Renda per capita familiar

Fonte: Elaboração própria, 2017.

A maior parte dos (as) pesquisados (as) possui renda per capita de até R$234,25

(um quarto de salário), seguido daqueles (as) com per capita maior que ¼ do salário mínimo

70

Fonte: PNAD, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento, Pesquisa Nacional por

Amostra de Domicílios Contínua 2016. Disponível em: <http://ibge.gov.br/estadosat/perfil.php?sigla=ce>

Acesso em 19 de julho de 2017. 71

Para efeitos de informação destacamos que foram considerados apenas os dados com base na renda monetária

do sistema capitalista. Portanto, não foram registradas as rendas indiretas, com a produção de alimentos na

atividade de agricultura, por exemplo, responsável pela reprodução familiar, assim como não foram informadas

as rendas esporádicas advindas de trabalhos temporários ou denominados comumente como “bicos”.

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até meio salário (R$468,50). A renda mensal média entre o grupo chegou ao máximo de dois

salários (R$1.874,00), com registro de 35% das famílias com renda mensal menor que um

salário mínimo.

Se observarmos a informação sobre a composição da renda familiar desses (as)

jovens percebemos que a responsabilidade financeira pelas famílias ainda está centrada na

figura do pai e/ou da mãe, representando 69% das realidades pesquisadas, em que a principal

atividade exercida como geradora de renda é a agricultura. Dos (as) respondentes ao

questionário 65% informaram que suas famílias possuem inserção na agricultura e destes 17%

também exercem a atividade. Inferimos, desse modo, que o grupo participante desse estudo,

estabelece uma relação direta entre a prática da agricultura como principal atividade para

geração de renda na família.

Ainda sobre o componente socioeconômico temos uma forte adesão das famílias

dos (as) discentes aos programas da assistência social, tendo sido mencionado por 46% dos

(as) pesquisados (as), 12 de 26 jovens, o recebimento de benefícios socioassistenciais.

O Gráfico 04 informa que 71% daqueles (as) que participam de programas

assistenciais do governo recebem o benefício do Programa Bolsa Família, o qual é voltado

principalmente para as populações em situação de extrema pobreza. Os outros 29%

informaram receber outros benefícios assistenciais.

Gráfico 04: Benefício da Assistência Social

Fonte: Elaboração própria, 2017.

Desse modo, os dados ratificam o perfil de pobreza do público inserido na política

de educação profissional ofertada no campus Umirim - IFCE.

Refletindo sobre o fenômeno da desigualdade social que tem raízes no processo

de acumulação capitalista e possui sua base na desigualdade econômica, apontamos os dados

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136

do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA, a partir das análises sobre os dados da

PNAD de 2014.

A nota técnica intitulada PNAD 2014 – Breves Análises72

, produzida pelo Diretor

da Diretoria de Estudos e Políticas Sociais - DISOC, André Calixtre, apresenta elementos para

justificar as mudanças sociais ocorridas no período marcado pelos governos petistas, entre os

ciclos de (2003-2010) e (2011-2014), atribuindo ao desenvolvimento observado nos últimos

anos a combinação do avanço da política social (tanto as universais quanto as focalizadas) e

das melhorias estruturais do mercado de trabalho, donde se aponta a redução do desemprego e

ganhos reais no salário mínimo.

Comparativamente, observou-se uma redução da taxa de pobreza extrema em

todas as linhas de corte utilizadas. Os dados da PNAD (2014) registraram, com relação à linha

de R$ 77,00 (setenta e sete reais) do programa bolsa família, que 2,48% da população estava

naquele período em situação de pobreza extrema, índice 63% menor que o do ano de 2004.

Entre os anos de 2013 e 2014 a redução foi de 29,8%, segundo a análise realizada pela

DISOC.

Portanto, o documento associa a redução do número de brasileiros (as) na linha de

pobreza extrema ao reajuste de 10% nos valores do Programa Bolsa Família, à ampliação do

acesso ao Benefício de Prestação Continuada e ao aumento do número de pessoas protegidas

pela previdência social, além da melhoria metodológica, pelo IBGE, para o registro das

rendas extremamente baixas no ano da pesquisa, 2014. Explica ainda o documento que a

trajetória de redução da pobreza extrema foi combinada com a redução da desigualdade da

renda, expresso pelo índice de Gini73

, de 0,515, que revelou a redução de 9,7% das

assimetrias relacionadas à renda no país, desde 2004, e pela elevação da renda domiciliar per

capita real de R$ 549,83 (quinhentos e quarenta e nove reais e oitenta e três centavos) em

2004 para R$ 861,23 (oitocentos e sessenta e um reais e vinte e três centavos) em 2014.

Apesar do notório avanço observado nos indicadores registrados até 2014, os

quais denotam o crescimento da renda do trabalho, a diminuição de suas desigualdades, o

aumento da escolaridade e das condições gerais de vida dos indivíduos, ainda há enorme

72

IPEA. Nota Técnica. PNAD 2014 – Breves Análises. Nº 22, Brasília, 2015. Disponível no site:

<http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/nota_tecnica/151230_nota_tecnica_pnad2014.pdf> Acesso

em 19 de julho de 2017. 73

É uma medida do grau de concentração de uma distribuição, cujo valor varia de zero (a perfeita igualdade) até

um (a desigualdade máxima). Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. IBGE, 2015. Disponível:

<http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv98887.pdf> Acesso em 19 de julho de 2017.

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137

discrepância na efetivação da igualdade de condições entre negros (as) e brancos (as),

mulheres e homens, trabalhadores (as) rurais e urbanos, heterossexuais e homossexuais, entre

outros segmentos, que precisam ser questionadas e superadas.

A pauperização dos (as) estudantes que chegam ao campus Umirim é marcada

pela dificuldade de manutenção de muitos deles (as) no curso, especialmente aqueles (as) que

saíram de suas cidades e/ou localidades para estudarem naquela unidade do IFCE. Os laços de

solidariedade surgem em meio ao desejo comum da formação e pela identificação com as

realidades assemelhadas, com a observância de que alguns/mas já estabelecem laços de

parentesco ou de amizade fruto de uma convivência anterior nas comunidades de origem.

Entretanto, há aqueles (as) que são totalmente estranhos (as) e que as relações passam a se

estreitar muitas vezes para o espaço fora do ambiente institucional, uma vez que constituem,

em vários casos, moradias coletivas engendrando relações de afetos e cuidados entre eles,

como também de conflitos.

O público jovem é por natureza o segmento da sociedade que mais facilmente se

vincula tanto ao cometimento de atos de natureza violenta e discriminatória como são as

principais vítimas dessas mesmas ações. Essa constatação nos coloca diante do desafio de

planejar atividades, projetos, programas que sejam capazes de dialogar com aqueles (as) que

atuam violando direitos, como com aqueles (as) que sofrem essas violações, fato nem sempre

causados por outro (a) jovem.

Nessa mistura, estão presentes as diversidades, as quais se caracterizam como

desafio, mas também como potencialidade para o trabalho dos (as) profissionais da educação,

com ênfase para aqueles (as) que atuam no suporte direto aos (às) estudantes e aos (às)

professores (as), no exercício da reflexão sobre as diferenças e a produção das desigualdades

de gênero, sexual, étnico-raciais, entre outras.

A seguir, daremos continuidade ao percurso das desigualdades no Brasil

abordando aquelas com o viés étnico-racial.

4.3 Desigualdade étnico-racial em foco

Partindo para a variável que informa o perfil étnico-racial dos (as) estudantes no

campus Umirim, destacamos sua vinculação às contradições do sistema de produção

capitalista, e, portanto, ao processo histórico que apresenta avanços a partir de políticas de

ações afirmativas, com forte expressividade no campo da educação, voltadas diretamente para

o enfrentamento da discriminação e da desigualdade étnico-racial no Brasil.

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138

Apesar de todos os avanços que ainda precisamos fazer a partir de uma discussão

política acerca das diferenças é fundamental considerar as transformações ocorridas na cena

pública brasileira a partir dos anos 2000, com a demanda pelo movimento social negro e a

implementação de ações afirmativas pelos governos e instituições públicas de Ensino

Superior, em que passou a se prever formas de acesso diferenciado para o ingresso de

estudantes negros (as) nas universidades.

A criação de organismos específicos no governo executivo federal, a partir do

primeiro mandato do governo Lula (2003-2006), para trabalhar políticas com o perfil de

atenção aos (às) negros (as), às mulheres, aos jovens, entre outros segmentos, destaca a

visibilidade pública no reconhecimento das diferenças entre os diversos grupos da sociedade e

das desigualdades que os envolvem, bem como a atenção dada por parte do Estado para estes

segmentos subalternizados.

A Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial - SEPPIR74

, a

Secretaria de Políticas para as Mulheres – SPM, a Secretaria Nacional de Juventude - SNJ,

são exemplos concretos da iniciativa do governo para construir uma agenda de políticas e

ações que respondessem às demandas colocadas pelos movimentos sociais em torno desses

grupos. Nesse sentido, podemos destacar também a ampliação dos espaços de participação

social, a partir do estabelecimento de Conselhos Setoriais e Gestores de Políticas Públicas,

além do elevado número de Conferências Setoriais realizadas sobre as temáticas diretamente

ligadas aos grupos mais vulnerabilizados dentro da vida social e pela política institucional

brasileira.

Partindo para uma particularização da questão étnico-racial no Brasil

discorreremos brevemente sobre o contexto histórico e político da construção de uma política

de reconhecimento voltada para essa temática.

O projeto de modernização conservadora iniciado pelo Governo de Getúlio

Vargas em 1930, estendendo-se até meados dos anos de 1980, fundamentou a constituição da

ideologia da democracia racial no Brasil, que com o advento do moderno Estado-nacional no

país conformou a pretensa ideia de união harmônica das “três raças” (indígenas, negros e

brancos).

74

SEPPIR e a SPM foram instituídas em 2003, primeiro ano do governo Lula e ganharam status de ministério no

segundo mandato deste presidente. A SNJ foi instituída em 2005 e foi vinculada à Secretaria-Geral da

Presidência da República, ministério responsável principalmente pelas relações entre governo e sociedade civil.

Disponível em: <www.balancodegoverno.presidencia.gov.br> Acesso em 24 de julho de 2017.

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139

Guimarães (2002, p.110), entende que o mito da democracia racial, mesmo como

formação ideológica do racismo em nossa sociedade, foi também responsável pelo

“compromisso político e social do moderno Estado republicano brasileiro” na orientação da

ação estatal para uma integração subordinada da população negra. A cidadania dominante,

portanto, não só é uma forma de estratificação pelo mundo do trabalho através da ocupação,

como também pela origem étnico-racial ou pela forma como as pessoas são identificadas

socialmente por sua cor ou raça. Para esse autor a democracia racial é um “constructo

político-cultural”, não deixando de atuar como uma política de reconhecimento. Utilizando

suas palavras diz o autor que a democracia racial no país assume:

[...] um compromisso duplamente limitado: por um lado, incluía apenas os

trabalhadores das cidades, deixando de fora não apenas outros segmentos

populares urbanos, como, por exemplo, os empregados domésticos, mas

todos os trabalhadores do campo; por outro lado, era um pacto de poder

restringido pelo fato de não haver espaço para o reconhecimento de

formações étnico-raciais que pretendessem participar do sistema político

(GUIMARÃES, 2006, p.270).

A crítica à democracia racial como política de reconhecimento surge na

resistência do regime autoritário de 1964-1985, que passa a ser identificada pelos militantes

do movimento social negro como uma ideologia para encobrir o racismo existente na

sociedade brasileira. O nascimento do Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação

Racial – MNU, em 1978, guarda em seu discurso a relação de continuidade com as

organizações precedentes, como a Frente Negra Brasileira - FNB, da década de 1930, e o

Teatro Experimental do Negro - TEN, de fins dos anos de 1940 e início de 1950, mas

distingue-se em relação a estas organizações anteriores, por combinar, segundo Guimarães

(2002, p.160) “[...] três movimentos em um: a luta contra o preconceito racial; a luta pelos

direitos culturais da minoria afro-brasileira; a luta contra o modo como os negros (as) foram

definidos e incluídos na nacionalidade brasileira”, ou seja, se opõe ao compromisso político-

cultural que representa a democracia racial.

Em função da mobilização civil durante a Marcha Zumbi dos Palmares (1995)

contra o Racismo, pela Cidadania e a Vida, que contou com a participação de dezenas de

milhares de pessoas em homenagem ao tricentenário da morte de Zumbi dos Palmares (IPEA,

2003), o então presidente Fernando Henrique Cardoso, que recebeu um documento com

informações sobre a situação dos (as) negros (as) no país, criou o Grupo de Trabalho

Interministerial de Valorização da População Negra - GTI População Negra, ligado ao

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140

Ministério da Justiça, através de decreto, em 1995. No ano seguinte, foi lançado o I Programa

Nacional dos Direitos Humanos – PNDH pela Secretaria da pasta, em que foi priorizada a

criação de ações para o acesso da população negra aos cursos profissionalizantes, às

universidades e às áreas tecnológicas, assim como políticas compensatórias de cunho social e

econômico, voltadas para esse público (MOEHLECKE, 2002).

Apesar do I PNDH, que propôs uma série de ações norteadas pelos princípios da

equidade e da reparação histórica, verificou-se que no campo legislativo, na década de 1990,

os projetos de lei com previsão de políticas reparatórias para a população negra foram

rejeitados sistematicamente, tendo aprovação apenas em 2001 de uma proposta com base na

política de ação afirmativa de recorte racial, que estabelece o sistema de cotas para a

ampliação dos (as) negros (as) nos diversos setores sociais (MOEHLECKE, 2002). A

continuidade da política desenvolvida durante o referido governo se deu no campo das

discussões por meio de Grupos de Trabalho com o direcionamento para a eliminação da

discriminação especialmente no campo do emprego. O marco do debate público acerca do

tema se deu na III Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a

Xenofobia e Intolerâncias Correlatas em Durban, na África do Sul, que resultou na criação do

Comitê Nacional para a preparação da participação brasileira no evento.

A discussão das desigualdades raciais na política de educação, assim como em

outras políticas públicas, foi mais fortemente incorporada a partir da segunda metade da

década de 1990 e mais ainda nos anos 2000, no decorrer do mandato de Luiz Inácio Lula da

Silva. Nesse sentido, discordamos da abordagem de Guimarães (2002) ao considerar a nova

política de reconhecimento das diferenças étnico-racial necessariamente vinculada a um

“multiculturalismo neoliberal” presente no “mercado internacional de ideias” associando-a ao

governo Lula.

O autor concebe como mera continuidade ou como aprofundamento do projeto

neoliberal o referido governo, desconsiderando a ampliação dos espaços para a participação

da sociedade nos assuntos públicos, inserida na concepção de um projeto político

democrático-participativo, em oposição à concepção de participação do projeto neoliberal,

como aborda Dagnino (2004) em seu artigo Sociedade civil, participação e cidadania: de

que estamos falando? Portanto, não podemos refletir de modo unilateral o governo Lula

(2003-2010), entendendo que embora não tenha representado uma ruptura com o modelo

neoliberal, ele se diferenciou em diversos aspectos das políticas adotadas pelos seus

antecessores, especialmente no que tange às questões associadas às minorias sociais.

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141

Foram adotadas medidas em diversas áreas para reduzir as desigualdades étnico-

raciais no país, como, por exemplo, na educação, que possibilitou o acesso de estudantes

negros (as), indígenas, quilombolas, bem como aqueles (as) advindos das camadas sociais

mais pobres à educação superior.

De acordo com Carvalho e Barbosa (2010) as medidas como o Fundo de

Financiamento ao Estudante do Ensino Superior - FIES e o Programa Universidade para

Todos - PROUNI, bem como o Programa de Apoio aos Planos de Reestruturação e Expansão

das Universidades Federais - REUNI, foram desenvolvidas para reverter o quadro de

ociosidade das vagas geradas com a expansão do ensino superior da rede privada

implementada no governo FHC, no período de 1995 a 2002, que não conseguiu êxito na

inclusão de novos estudantes devido à dificuldade da população de baixa renda de arcar com

os custos das mensalidades.

A solução do governo Lula para a ocupação das vagas criadas no governo

anterior, portanto, foi de possibilitar aos (às) alunos (as) de baixa renda financiar ou isentar-se

de mensalidade, via FIES e PROUNI, viabilizando sua incorporação ao ensino privado, ao

passo que também aumentou a oferta de vagas nas universidades federais, a partir da

construção e ampliação de novas unidades e campi. Não negamos, porém, que os interesses

do empresariado do setor educacional foram garantidos, rendendo lucros mediante

investimento público.

Em paralelo, o governo federal criou incentivos para as universidades públicas

aderirem a programas de promoção de igualdade de oportunidades. De acordo com o MEC

(2007), uma das diretrizes do REUNI é que as universidades contempladas desenvolvam

“mecanismos de inclusão social para garantir igualdade de oportunidades de acesso e

permanência na universidade pública a todos os cidadãos”.

Utilizamos aqui o conceito apresentado por Gomes (2001) para explicar o que se

quer dizer com ações afirmativas:

[...] concebidas pioneiramente pelo Direito dos Estados Unidos da América,

as ações afirmativas consistem em políticas públicas (e também privadas)

voltadas à concretização do princípio constitucional de igualdade material e

à neutralização dos efeitos da discriminação racial, de gênero, de idade, de

origem nacional e de compleição física. Impostas ou sugeridas pelo Estado,

por seus entes vinculados e até mesmo por entidades puramente privadas,

elas visam a combater não somente as manifestações flagrantes de

discriminação, mas também a discriminação de fundo cultural, estrutural,

enraizada na sociedade.

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142

Durante o período de 2003 a 2011 três leis foram discutidas no Congresso, em que

destacamos a Lei Federal nº 12.288, de 20 de julho de 2010, conhecida como Estatuto da

Igualdade Racial, que oficialmente reconheceu o Brasil como um país multirracial e

multiétnico no qual as pessoas de descendência africana estiveram sujeitas à discriminação

racial.

O Estatuto previu ações afirmativas de corte étnico-racial em diversas áreas, como

educação, cultura, esporte e lazer, saúde, trabalho, segurança, moradia, financiamentos

públicos, acesso a terra, à justiça e a outros. Ele criou um Sistema Nacional de Promoção da

Igualdade Racial – SINAPIR voltado à implementação do conjunto de políticas e serviços

destinados a superar as desigualdades raciais existentes no país e estabeleceu que as escolas

de todos os níveis, da rede pública e privada, incluíssem a história e a cultura dos afro-

brasileiros em seus currículos, além disso, proibiu a discriminação racial (BRASIL, 2010a).

Todavia, programas de ação afirmativa em universidades públicas foram deixados de fora da

lei durante as negociações, naquele governo, fato que não impediu que as instituições

continuassem elaborando os seus próprios programas.

Na administração de Dilma Rousseff, já no início do seu primeiro mandato (2011-

2014), houve uma rápida mudança acerca de tais ações no país, causados principalmente por

dois eventos: a declaração da constitucionalidade das cotas e do PROUNI pelo Supremo

Tribunal Federal, e a aprovação da lei que tornava obrigatória a adoção da ação afirmativa nas

universidades federais. Em agosto de 2012 a então presidente Dilma sancionou a Lei Federal

nº 12.711/2012, conhecida como “Lei das Cotas”, que passou a instituir a reserva de 50% das

vagas das universidades federais, com percentuais para negros (as) e indígenas na proporção

da população de cada estado.

Verifica-se, portanto, o prosseguimento das políticas instituídas anteriormente,

com avanço no campo legislativo, como se observa com a aprovação em maio de 2014 da lei

que reserva 20% das vagas em concursos públicos da administração federal para candidatos

(as) que se declararem negros (as) ou pardos (as). Os prazos para a aplicabilidade da política

de cotas é de dez anos, não se estendendo aos editais publicados antes da vigência da lei.

Os discursos daqueles (as) que discordam das ações afirmativas argumentam que

elas ferem o princípio jurídico de isonomia que tem como base o tratamento igual a todos os

civis. Entretanto, as ações afirmativas tendem a revelar o caráter ideológico da isonomia que

despreza as diferenças como forma de reforçar e garantir a manutenção das estruturas de

poder e distinção social. Assim, apontamos como um dos efeitos das políticas afirmativas nas

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143

desigualdades e relações sociais o fato de que estas são políticas de democratização, pois na

democracia a política consiste na criação daquilo a que, necessariamente, todos devem ter

acesso.

A partir das considerações já traçadas, que nos permitiu uma síntese sobre o

processo de discussão da questão étnico-racial no Brasil, discorreremos a seguir sobre os

dados coletados na pesquisa de campo e sobre os elementos teóricos que norteiam a

compreensão das análises.

Na Tabela 06, página 110, anteriormente apresentada, os dados sobre a

participação dos grupos étnicos na composição dos (as) jovens pesquisados (as) informam que

a grande maioria não é branca. O IBGE caracteriza como população negra aqueles (as) que se

declaram como pretos (as) e pardos (as), dessa forma utilizamos a mesma referência para os

dados da nossa pesquisa. Entre os (as) 26 alunos (as) pesquisados (as) 73% estão definidos

(as) como pardos (as); 15% como brancos (as) e que apenas 8% se declararam como pretos

(as), referindo-se à apenas duas pessoas. Estudante indígena participante da pesquisa foi

apenas um, representando 4% do grupo.

Ampliando o recorte para todas as turmas do Curso Técnico de Agropecuária,

temos que 50,31% se consideram pardos (as)75

, 3,14% pretos (as), 5,03% brancos (as) e

41,5% não informaram ou não souberam declarar. Não há registros também da população

indígena, o que sugere uma subnotificação das informações, uma vez que temos

conhecimento de pelo menos três estudantes, do sexo masculino, oriundos de comunidades

indígenas. Os percentuais elevados para os itens não informado e não declararam chamam

atenção alertando sobre dois aspectos: o primeiro para a falta de importância dada ao

tratamento da informação, tanto por quem é responsável por registrá-la no sistema (sendo

possível a sua não alimentação) como por quem é responsável por conferir os dados no ato da

matrícula, assim como pelos (as) próprios (as) alunos(as) que deixam de prestar a informação;

o segundo diz respeito à dificuldade de alguns (mas) jovens no reconhecimento e

compreensão sobre a sua origem étnica, tendo sido registrados 09 casos de etnia não

declarada, o que sugere a possibilidade de outros casos entre aqueles (as) onde não consta

informação, pois não é possível saber o motivo pelo qual o dado não foi informado no

sistema.

75

A raça/cor “parda” presente nas formas de recenseamento da população é criticada pelo movimento negro sob

o argumento de que ela surgiu como expressão ideológica da política de democracia racial, gerando um processo

de branqueamento da população, alterando as percepções dos sujeitos sobre si. Fonte:

<https://www.geledes.org.br/cor-e-raca-nos-censos-demograficos-nacionais/> Acesso em 02 de outubro de 2017.

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Observa-se, portanto, que os dados sobre o público geral, 159 estudantes, refletem

a mesma realidade dos (as) 26 pesquisados (as), em que a maioria se define como pardo (a),

seguido da etnia/raça branca e depois da etnia/raça preta, embora tenha havido apenas dois

registros para essa etnia/raça.

Na realização das entrevistas tanto com os (as) gestores (as), como com os (as)

alunos (as), verificou-se que as discriminações e exclusões, a partir da questão étnico-racial,

são mais veladas se comparada à questão de gênero e de orientação sexual. Entretanto, estão

igualmente presentes no cotidiano da instituição, bem como nas relações de poder e de

hierarquia que se expressam nas desigualdades entre brancos (as) e negros (as); professor (a) e

aluno (a); empregador (a) e empregado (a), homem e mulher, heterossexual e homossexual,

pessoa sem deficiência e pessoa com deficiência, etc.

Capturamos em alguns trechos das entrevistas a materialização direta do

preconceito pela diferença racial e étnica, contra negros (as) e os estudantes indígenas. Uma

das alunas descreveu que já foi vítima do preconceito relacionado à questão racial: “Ah,

algumas vezes eu sofri preconceito aqui, do meu cabelo [...]. Eu tava na sala e chegou um

colega que estudava comigo, aí começou a me chamar de feia, de cabelo duro, cabelo de

negro. Eu fiquei triste, né” (D.D., Aluna, 2017).

Já outro aluno falou sobre a discriminação étnica com relação aos alunos de

origem indígena:

Eu percebo que às vezes existe, né, às vezes existe. Mas [...] no sentido de

não aceitação [...], uma determinada pessoa não gostar de se enturmar ‘ah,

mas ele é índio, né, não sei da onde [...]’ isso não é frequente que eu esteja

vendo todo dia. Mas existir existe, né? (A.C., Aluno, 2017).

As falas denotam a difusão do preconceito e da discriminação na instituição, que

ocorre nem sempre de forma direta, mas que produz segregações, exclusões e rejeições, com

significações simbólicas que interferem na autoestima, no modo de socialização dos

indivíduos e na própria construção da identidade étnica.

Nas entrevistas realizadas com os (as) gestores (as) foi possível analisar duas

questões centrais no tocante à discussão sobre essa temática. A primeira é que há uma

tendência de homogeneização das diferenças, negando assim a ocorrência de desigualdades e,

por conseguinte, de conflitos, argumentando-se a miscigenação étnica como uniformização

cultural, em que parece haver um deslocamento da questão racial sobre a questão cultural; o

segundo é que as representações sociais sobre o negro (a) e o índio (a) atribuem conexões

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estigmatizantes sobre esses dois segmentos. Por exemplo, a cor da pele (preto) com a classe

social (pobre) e, por consequência, à prática de delitos; e da etnia indígena com a ideia de

“não civilização”, estabelecendo um lugar de inferioridade etnocêntrica. Essas representações

foram percebidas a partir das análises das entrevistas.

Um dos gestores do campus Umirim/CE, ao falar sobre como os (as) alunos (as)

lidam com as diferenças na convivência diária, apontou que aqueles (as) que se sentem parte

de uma minoria tendem a um processo de autoexclusão, de não procurar ajuda, “eles tendem

mais uma vez a se isolar, já são isolados na sociedade, muitas vezes são isolados na própria

casa, quando não é aceito por determinados quesitos e na escola acaba sendo um reflexo

porque a escola é um microcosmo da sociedade” (A.I., Gestor, 2017).

Enfatizamos a necessidade do cuidado para que não se inverta para esses grupos a

responsabilidade pelo isolamento social, uma vez que essa realidade já configura como

consequência do processo de discriminação e exclusão a que são submetidos (as) negros (as),

índios (as), os (as) homossexuais, as mulheres, e outros segmentos, pois do ponto de vista

sociológico esses grupos são considerados minorias por estarem em desvantagens sociais se

comparados com a população majoritária.

As diferenças étnicas e raciais comumente associam-se às desigualdades em

relação à riqueza e ao poder e dessa forma reproduz rótulos e preconceitos em todos os

espaços da vida em sociedade. Além disso, as culturas vêm ao longo do processo de

globalização da produção e das nações sofrendo alterações que modificam as identidades

culturais, influenciando-as diretamente, através da disseminação consumista dos meios de

comunicação em massa, o nosso modo de comer, vestir, assistir, ouvir, usar, comprar,

aprofundando a segmentação social.

Retomando as questões centrais identificadas nas entrevistas com os (as) gestores

(as) a despeito da temática, destacamos primeiro a tendência à homogeneização das

diferenças, com notória sobreposição da questão racial sobre a questão cultural, em que a

miscigenação parece promover a uniformização das culturas e das diferenças, conforme

expressa o trecho a seguir:

É a gente não tem sentido muito entrave, até mesmo porque no Ceará e essa

região norte do Ceará é uma região composta por muita comunidade

indígena. A população negra é muito mesclada, a gente nota pelos traços

fisionômicos é muito indígena, tem algumas comunidades quilombolas,

então há também bastante negros. Não são mais os autênticos, mas a

afrodescendência ainda é muito forte aqui nessa região norte do Ceará.

Então, assim, não há uma discriminação porque a maioria na verdade é essa

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população que hoje ela é mesclada, o pardo. Então hoje a maioria da

população é parda, então não tem nem como discriminar já que a

maioria está dentro dessa realidade (A.I., Gestor, 2017, grifo nosso).

Identificamos no discurso analisado a tendência à ocultação da diferença, em que

se tem uma ideia de homogeneização da população e, portanto, da ausência de conflitos. Há

presente na fala descrita uma noção do senso comum que classifica o outro a partir dos

parâmetros da sua própria identidade. O gestor sugeriu uma ideia de que índio (a) é tudo igual

e negro (a) também, mesmo aqueles (as) que não possuem as características “autênticas”,

segundo os seus parâmetros, pois raça e etnia os definem, sobrepondo-se às culturas e às

identidades. E complementa seu entendimento a partir da existência de uma identidade

comum a todos, o (a) pardo (a), conformando o discurso de igualdade e de não diferença.

Sobre o segundo aspecto que remete à representação social associada ao (à) negro

(a) e ao (à) índio (a) destacam-se dois trechos das entrevistas que podem corroborar com essa

análise:

Nós tivemos um caso de furto aqui e aí o menino foi pegue e já era um

menino bem mais moreno e acredito que até por conta disso, pelo estado de

pobreza dele, a questão da cor, houve medidas muito exageradas para o

tamanho da proporção do que aconteceu [...]. Então assim, essa questão

racial, como todo o Brasil, ela é velada, mas ela é insistente, ela está aí todos

os dias, silenciosamente muitas vezes, mas muito clara pra quem sofre esse

tipo de abuso (R.R., Coordenadora, 2017).

[...] acho que pra muita gente para ele ser índio ele deveria vir nu, pintado.

Não poderia usar uma roupa normal, não poderia usar um celular, ou seja, a

pessoa tem que andar só dentro daquilo que a outra pessoa acha que é

característico daquela etnia ou daquele gênero ou da questão da escolha da

sua sexualidade (R.R., Coordenadora, 2017).

Para analisar as representações sociais sobre os grupos, é preciso entender como

se dá o processo de produção da identidade e da diferença, para isso partimos do conceito de

Woodward76

(2014, p. 19) sobre as representações, em que diz que “todas as práticas de

significação que produzem significados envolvem relações de poder, incluindo o poder para

definir quem é incluído e quem é excluído”. A autora fala que a representação é um

mecanismo simbólico de classificação do mundo e de nossas relações dentro desse mundo,

em que o outro é apenas uma representação que faço dele, mas que ao mesmo tempo o eu

76

Texto traduzido por Tomaz Tadeu da Silva do original “Concepts of identity and difference” de Kathryn

Woodward, extraído do livro Identity and difference, em 1997, organizado pela própria autora. O texto está na

obra SILVA, Tomaz Tadeu da. Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais/Tomaz Tadeu da

Silva (org.). STUART, Hall, WOODWARD, Kathryn. 15. ed. – Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.

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encontra-se representado pelo outro. Nesse sentido, afirma que a identidade é marcada pela

diferença, pois para afirmar uma identidade é preciso negar as demais, reconhecendo,

portanto, o que as diferencia. Parece contraditório, portanto, que tentemos negar essas

diferenças, mas qual seria então à importância em reconhecê-las e questioná-las?

A centralidade aqui, para responder a importância de reconhecermos e

questionarmos as diferenças, está em assumirmos uma assistência estudantil integrada a uma

prática pedagógica que promova a discussão sobre as relações de poder que subordinam as

identidades não dominantes, a fim de que os sujeitos reflitam sobre suas condições e

construam seus processos identitários de forma autônoma e emancipatória.

Os trechos anteriores podem servir como exemplo para revelar como as

representações criam seus sistemas simbólicos que produzem significações dentro de um

campo antagônico de forças, onde prevalecem as conclusões de um grupo sobre o outro.

Nas palavras da autora “a representação inclui as práticas de significação e os

sistemas simbólicos por meio dos quais os significados são produzidos, posicionando-nos

como sujeito. É por meio dos significados produzidos pelas representações que damos sentido

à nossa experiência e àquilo que somos”. Complementa ainda dizendo que nós somos

posicionados e impelidos a nos posicionar de formas diferentes em cada contexto ou “campos

sociais77

”, citando Bourdieu. Exercemos, portanto, graus variados de escolha e autonomia em

cada uma dessas instituições ou “campos sociais”, mas cada um possui um contexto material e

um conjunto de recursos simbólicos (WOODWARD, 2014, p.30).

Nesse sentido, concordamos com concepção de identidades colocada por Hall78

(2014, p.108) que afirma que “identidades não são nunca unificadas; que elas são na

modernidade tardia cada vez mais fragmentada e fraturada; que elas não são nunca singulares,

mas multiplamente construídas”. Esse entendimento confronta a visão de identidade como

algo estático e relativamente “estabelecido” para as populações e as culturas.

Os estudos na área da psicanálise contribuíram para a formulação de que as

perspectivas subjetivas do sujeito e de seu inconsciente, a formação do sujeito, incluem vários

significados contraditórios e que se antagonizam, tornando a identidade algo fragmentado.

77

Woodward utiliza o conceito de Bourdieu para se referir a “campos sociais” em que o “campo” é um espaço

simbólico que possui relações objetivas históricas e atuais no qual ocorre o posicionamento e disputas entre os

agentes por meio dos diferentes tipos de capital. 78

Texto traduzido do original “Who needs ‘identity’?”, de Stuart Hall, extraído do livro Questions of identity,

organizado por Stuart Hall e Paul du Gay, 1996. O texto utilizado como referência para esse estudo foi

consultado na obra Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais, sendo uma tradução de

Tomaz Tadeu da Silva em 2014.

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Não temos, então, uma identidade fixa e, por isso mesmo, o autor nos sugere para melhor

compreensão deste processo, o uso do termo identificação.

Vale salientar que as identidades em algum momento possam se encontrar em

pontos comuns, uma vez que a identidade interage constantemente com o meio conferindo-lhe

a capacidade de variáveis articulações, contudo, as diferenças entre os grupos tratarão de não

tornar duradouros esses encontros. Se tomarmos como exemplo os alunos e as alunas do

Curso Técnico em Agropecuária do campus Umirim, certamente teremos aspectos comuns

sobre o ensino, sobre as dificuldades do corpo docente, sobre a própria área de formação,

entre outros aspectos. No entanto, as diferenças étnicas e raciais, de gênero, sexuais, e outras,

irão se manifestar e fragmentá-los (as) de acordo com suas identificações. Os (as) estudantes

indígenas irão se identificar com causas comuns da sua turma, mas certamente apresentarão

questões específicas em relação ao grupo majoritário o qual é composto por “não indígenas”.

Na seção seguinte explicitaremos sobre as desigualdades e violências decorrentes

da diferença sexual, que encontra na cultura patriarcal e nas relações de gênero, variadas

formas de estigmatização e exclusão social, tornando necessário o direcionamento de politicas

públicas para a superação das assimetrias causadoras da marginalização histórica desse

segmento.

4.4 Diversidade Sexual: identidades construídas

A ampliação do acesso à Política de Educação por meio da criação de instituições

de ensino técnico-profissional e superior por todo o país, democratizando a oferta de vagas

por meio de políticas e programas sociais de estímulo à inclusão e à permanência do público

inserido, oportunizou que as populações das cidades do interior e de suas áreas de zona rural

dessem continuidade aos seus estudos, criando-se a expectativa por trabalho e renda. Essa

inserção resultou na visibilidade de demandas históricas que atravessam a formação

sociocultural do território brasileiro e que sugerem a criação de estratégias cautelosas para

lidar, por exemplo, com situações de “machismo”, homofobia, misoginia, racismo, que

reverberam no espaço acadêmico como expressão dos conflitos vivenciados nas relações

sociais, em que na maioria das vezes estão naturalizados e perpetuados entre gerações.

Consideramos, aqui, essencial a caracterização dos sujeitos pesquisados durante a

investigação de campo, a fim de oferecer dados sobre seus perfis, nos aproximando de

reflexões cabíveis quanto à temática. Relembramos que nosso universo de amostragem foi de

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26 estudantes do Curso Técnico em Agropecuária, na modalidade Subsequente, os (as) quais

ofereceram informações no que tange à suas sexualidades.

Apontamos anteriormente que 61% dos (as) pesquisados (as) nessa amostra são

do sexo masculino, onde a maioria tem o estado civil de solteiro, tendo sido apenas três

identificados como casados ou com união estável. Ao perguntarmos sobre a sexualidade do

grupo, obtivemos que 81% se denominam como heterossexuais, considerando tanto os

homens como as mulheres, e apenas uma pessoa do grupo, do sexo masculino, se identificou

como bissexual.

Sabemos que o componente da sexualidade é de natureza íntima, portanto, não

temos a pretensão de fazer dele um dado estatístico, mas de apenas apontar para duas

questões: uma que se refere a possível predominância da sexualidade hétero entre o grupo em

estudo, e a segunda que se refere à percepção dos sujeitos sobre a sua própria sexualidade,

assim como, ela é manifestada, ou não. Dizemos isso por observarmos que quatro dos (as)

estudantes respondentes ao questionário disseram não saber informar se eram homossexuais,

heterossexuais, bissexuais, transexuais ou travestis. Cabe esclarecer que a pergunta não

objetivou a rotulação ou a invasão da privacidade dos indivíduos, para isso, evitamos a

identificação dos (as) mesmos (as) nas fichas/formulários de resposta. Pretendeu-se, apenas,

captar como se estabelece a identidade sexual daquele grupo.

Não podemos apontar categoricamente o que revela o fato de quatro alunos (as)

não saberem identificar a sua sexualidade, pois são múltiplas as respostas que poderíamos

chegar, mas acreditamos que a dimensão da identidade sexual é apenas um dentre outros

temas que precisam ser abordados dentro do ambiente educacional. A quantificação de alunos

(as) homossexuais não deve ser a preocupação dos (as) profissionais que atuam na escola, e

por isso, entendemos que a abertura de espaços democráticos para o debate sobre as demandas

históricas dos movimentos sociais, tanto ligados ao segmento LGBT, como de outras

organizações e associações de iniciativa popular, juntamente com as respostas alcançadas,

através de políticas públicas estabelecidas pelo Estado, precisam ser amplamente difundidas e

coletivizadas, independente da orientação ou identidade sexual, da etnia, do gênero, da classe

social, uma vez que estamos tratando de assuntos que devem interessar a todos os setores da

sociedade e todos os seus segmentos, haja vista, estarmos tratando de cidadania, de direitos e

de justiça social.

A aproximação com os desafios enfrentados por jovens homossexuais,

especificamente, do sexo masculino, no Curso Técnico em Agropecuária, durante o período

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de minha atuação profissional no campus Umirim, permitiu reconhecer a Política de Educação

e de Assistência Estudantil como uma alternativa para aqueles sujeitos. Enquanto profissional,

nossa atuação tem sido a de promover essa discussão no âmbito institucional, fazer

intervenções junto ao ambiente familiar e dar orientações sobre mecanismos de acesso à

justiça, quando necessário, bem como oferecer suporte psicossocial necessário em cada caso.

Entretanto, a visibilidade da temática, a compreensão de aspectos subjetivos dos sujeitos e o

debate sobre as Políticas Públicas pensadas para o segmento juvenil e para os segmentos mais

vulneráveis, tornam-se indispensáveis à construção de novas ações profissionais, à execução

de políticas sociais no âmbito da educação e à mudança no posicionamento dos sujeitos sobre

o tema.

Concordamos com Butler (2003) ao dizer que o gênero resulta de práticas

culturais e processos de subjetivação, que se produzem a partir do ato de repetição de normas

sociais rígidas, reforçados tanto no público quanto no privado, apresentando-as como reais,

naturais, binárias e hierarquizadas, sendo estas produtoras de “violência sobre os corpos,

além, de realizar, estabelecer, criar e recriar, e, eventualmente, subverter essas relações de

poder”.

Diante dessa compreensão admitimos o papel da educação na construção de

processos identitários e culturais que se posicionem contrários às formas estabelecidas de

poder, que questionem às estruturas hierarquizadas e naturalizadas dos padrões dominantes.

Para isso, não podemos nos abster da problematização entre o público e o privado, tendo sido

esta relação fortemente definidora de lugares e papeis sociais durante o processo de formação

do Estado Brasileiro, expressando práticas patriarcais, colonialistas e exploratórias que

influenciaram a vida e os costumes do povo brasileiro, e manifesta-se até os dias atuais,

expressando um modelo de sociedade extremamente patriarcal e patrimonial, que reproduz

um sistema hierárquico de dominação e incorpora as dimensões da sexualidade

heteronormativa (AGUIAR, 2000).

A normatização dos modelos reproduzidos pelos grupos hegemônicos da

sociedade acabou por “moldar” os sujeitos, negando as suas subjetividades e suas vivências,

tidas como desviantes pelo modelo dominante. A escola, como instituição reguladora, tornou-

se e torna-se repetidas vezes um espaço de reprodução das normas de uma conduta moral

adequada e dentro da “normalidade” preestabelecida, negando a expressão da diversidade.

Neste contexto são exercidas diversas formas de violências, por diversos agentes, não estando

a escola, livre da condição de agressora ou espaço da agressão.

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Situando a discussão sobre as sexualidades na territorialidade rural, apontamos

para a transformação desse espaço a partir da década de 1990, onde a terra perdeu sua

centralidade em detrimento das ocupações rurais não agrícolas, o que acabou por conferir

maior visibilidade das relações homoafetivas, uma vez que a tríade “terra, família e trabalho”

perdeu força no contexto da nova organização do espaço rural (BARDUNI FILHO, 2010).

Favareto (2007), quando apresenta o seu estudo sobre o surgimento das cidades, e

de sua relação com o campo, defende que se perde a dicotomia entre eles, pois, com a

modernização das relações de trabalho, a partir da Revolução Industrial, acontece o fim de um

tipo apenas rural, anterior a este momento histórico.

Essa construção simbólica sobre os papéis sociais masculinos e femininos também

está presente no meio rural, tal como a maternidade é tida dentro da cultura camponesa como

um papel do feminino, a lida no campo é vista apenas como “ajuda” pelos homens,

caracterizando a divisão social e de gênero do trabalho no campo. É importante ressaltar que

os Movimentos de Mulheres Camponesas – MMC e de Mulheres Trabalhadoras Rurais -

MMTR têm lutado para afirmarem seus papéis econômicos, políticos, além do

reconhecimento por novas configurações de conjugalidades e sexualidades.

O tema diversidade sexual agrupa duas questões centrais, sexo e gênero, onde as

relações de gênero imprimem aos homossexuais maior controle sobre a sua sexualidade,

caracterizando o seu comportamento como desviante, recaindo sobre sua vivência todo o

preconceito da cultura heteronormativa e patriarcal, que coloca sobre o homem a obrigação da

virilidade, da masculinidade expressa na força, e na repressão dos seus sentimentos, não

sendo possível a demonstração dos seus afetos. Articulam-se ainda ao tema os conceitos sobre

identidade de gênero, sexualidade e orientação sexual, visto que trazem compreensões sobre

aspectos biopsicossociais da formação de uma pessoa. Conhecer esses conceitos e publicizar a

discussão sobre o assunto é fundamental para a construção de novas concepções e

desmistificação de padrões naturalizados e incorporados socialmente.

Vale lembrar o que Butler (1998) aponta sobre gênero e sexo, diferenciando-os

pela sua natureza, em que atribui ao primeiro uma construção cultural e ao segundo a

definição biológica natural. Portanto, homens e mulheres podem ser diferentes

biologicamente, mas socialmente devem ter os mesmos direitos e deveres, sendo o processo

histórico e cultural de uma sociedade que se encarregará de oferecer as mesmas oportunidades

e possibilidades para ambos, ou não. Assim, Butler (1998, p. 26) afirma que, “[...] não a

biologia, mas a cultura se torna o destino”.

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Sobre identidade de gênero podemos dizer que se trata da forma como o indivíduo

se identifica, se percebe, tanto para si como para os que o rodeiam. Refere-se à uma

identificação do indivíduo na sociedade, tanto com base no papel social do gênero como no

sentimento de identidade da pessoa, podendo se reconhecer com o gênero "masculino" ou

"feminino", ou ambos. Esses conceitos são facilmente confundidos, quando se fala em gênero,

por exemplo, é comum que as pessoas já associem à sexualidade. Da mesma forma

observamos a dificuldade no entendimento sobre identidade de gênero e orientação sexual. As

duas classificações são independentes, um homem transgênero (mulher que se identifica com

o gênero masculino), por exemplo, pode ser homossexual (caso sinta atração por homens) ou

heterossexual (caso sinta atração por mulheres), diferente do que muitos pensam.

A seguir destacamos um caso narrado pelo Gestor do campus Umirim/CE sobre

uma aluna transexual na referida unidade. O discurso denota a dificuldade no direcionamento

das ações que precisam ser endossadas no ambiente da escola, onde intervenções específicas

são feitas para o controle de conflitos, sem que haja um plano institucional para privilegiar

espaços de discussão com envolvimento de toda a comunidade acadêmica que assegure, por

exemplo, esse tema como pauta. Optamos por transcrever o fragmento do texto na íntegra,

conforme segue, destacando os trechos que consideramos relevantes:

Nós já tivemos aqui no campus uma aluna biologicamente homem, mas

que se identificava como mulher e que se veste como mulher, com todo

aparato, que namora rapazes. E o que foi que a gente fez? Receosos,

juntamente aqui com a assistência estudantil, a gente sentou e bolou uma

ideia, uma estratégia, porque escola de período integral, os alunos precisando

usar banheiro. Então, a gente ficou receoso dessa jovem ser atacada dentro

do banheiro por rapazes. Aí foi sugerido que dos banheiros a gente

selecionasse um e deixasse o banheiro conjugado, um banheiro misto que

entra rapazes e moças. Então a moça que não se sente confortável com

aquilo vai para o banheiro só feminino, o rapaz que não se sente

confortável vai para o banheiro só masculino, quem não se importa usa o

banheiro misto. E hoje esse banheiro é um sucesso aqui no campus, ele

entre rapazes e moças, entra professor e todo mundo se respeita e

aprendeu a respeitar. Então assim, houve alguns choques? Houve. Houve

alguns questionamentos, houve alunos que queriam boicotar e jogavam

preservativos, às vezes até usados, muitas vezes fajutos, forja e joga ali

pra inviabilizar aquele espaço, pra causar a comoção. Mas é com

jeitinho é com conversa que a gente vem lidando e hoje é uma realidade e

tá dando certo. E eu acho que essa é uma forma de respeitar sem excluir,

porque se a gente colocasse um banheiro só para aquela pessoa que

precisa usar, porque tem medo de entrar no banheiro só masculino,

talvez criaríamos um problema muito maior, que é o da exclusão. E hoje,

que foi esse trabalho aqui juntamente com a assistência estudantil do

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campus, que a gente colocou essa ideia e que vem surtindo muito efeito (A.I.

Gestor, 2017, grifo nosso).

Fica evidente o receio do gestor com relação a possíveis violências físicas e/ou

sexuais contra a aluna, o que o impeliu à busca de alternativas para reduzir os riscos de tal

situação. A “estratégia” do banheiro, como ressalta o entrevistado, foi motivada também pela

necessidade de dar respostas às famílias das demais alunas e a elas próprias, que igualmente

temiam uma “violência” praticada pela aluna transexual. Diante da não possibilidade de

utilização do banheiro masculino e do banheiro feminino, então, criou-se o banheiro unissex.

Neste caso, verificamos que foi mais fácil construir uma alternativa que oferecesse opção

àqueles (as) que não se sentem confortáveis com a diferença.

Destacamos outro trecho, contendo o relato da coordenadora de assuntos

estudantis, que trata do mesmo assunto. Ela diz:

[...] uma dificuldade muito grande pra gente colocar um banheiro unissex

aqui. Foi uma luta e está sendo ainda. Porque os alunos não conseguem

compreender, principalmente um aluno que se vê como mulher, ele não pode

entrar no banheiro da mulher, ele só pode usar o banheiro se for unissex.

Porque há um conservadorismo ainda muito grande das pessoas

acharem que ele está se aproveitando dessa condição de ter se declarado

mulher pra ficar olhando as meninas. E não é só por parte dos alunos,

muito mais por parte dos servidores, da gestão também. A gestão

também é muito conservadora, nós temos muitas pessoas aqui de famílias

tradicionais. Muito complicado trabalhar a questão de gênero aqui (R.R.

Coordenadora, 2017).

O registro acima revela o preconceito nas relações cotidianas, envolvendo,

inclusive, os (as) gestores (as) da unidade de ensino, o que reforça a necessidade de diálogos

permanentes dentro da comunidade escolar que aproximem os sujeitos dessa temática. Além

disso, é preciso que seja viabilizada a construção coletiva de um planejamento institucional

que contemple à reflexão sobre como as diferenças se expressam e se relacionam naquele

espaço, e nas demais relações da vida em sociedade, perpassando por formações continuadas

do corpo técnico e docente que atua no campus.

Apesar de não negarmos a importância da experiência e da solução encontrada

naquele momento, destacamos que ela se tornou incompleta quando não foi transformada em

um movimento interno de questionamento e de reflexão sobre como e porque a diferença

incomoda e causa assimetrias, desconfortos, conflitos e estigmas.

Há uma forte resistência dos setores mais conservadores da sociedade para

abertura ao tema, os quais acusam estudiosos da área de quererem destruir o modelo

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tradicional da família e submeter às crianças, a partir do contato com o tema nas escolas, a

uma formação desviante.

É notável que os meios de comunicação venham contribuindo para a tratativa do

assunto nas famílias brasileiras, diante da ampla capilaridade que possui nas residências,

especialmente por meio de suas telenovelas, o que confere visibilidade às discussões que

envolvem o segmento LGBT e os Transgêneros. Entretanto, é legítima a luta dos coletivos

para o reconhecimento de direitos e de políticas públicas para atendimento de suas

necessidades específicas e de demandas ligadas à saúde, à educação, à segurança, ao trabalho,

que embora se constituam como direitos elementares de todos (as) cidadãos (ãs) são negados

historicamente aos grupos marginalizados, vítimas do preconceito, da exclusão e da violência.

Tido como um dos aspectos da sexualidade humana a orientação sexual, segundo

Araguaia (2017)79

diz respeito à atração que se sente por outros indivíduos. Ela geralmente

também envolve questões sentimentais, e não somente sexuais. Nesse caso, estamos falando

sobre indivíduos que se sentem atraídos sexualmente e/ou afetivamente por pessoas do sexo

oposto (heteroafetividade), do mesmo sexo (homoafetividade) ou por ambos (biafetivos).

Caberiam ainda outras designações, mas no momento ficaremos com essas três. O termo

afetividade em substituição a sexualidade pressupõe a dimensão do sentimento, retirando a

conotação meramente sexual do termo.

Com base na apresentação dos conceitos acima é possível dizer que a sexualidade

não é determinável ou reduzível a elementos físicos e biológicos, devendo ser entendida como

um processo de construção histórico-cultural, dinâmico e contínuo, formador da nossa

identidade pessoal e sexual.

Buscamos em nossa pesquisa trabalhar a percepção dos (as) estudantes e dos (as)

gestores (as) que atuam na unidade de ensino sobre essa categoria no sentido de identificar a

relação que se estabelece com a diferença sexual e como a assistência estudantil se insere

nessa discussão.

A compreensão dos (as) jovens sobre diversidade demonstrou um significado

positivo sobre a convivência das diferenças, pela inserção de grupos étnicos e sociais em um

mesmo espaço, seja o campus ou a sociedade. Dois deles destacaram junto com essa

convivência a noção do respeito, onde podemos inferir que a percepção positiva agregada à

categoria diversidade tem muito do desejo pessoal daqueles (as) estudantes na supressão das

discriminações e preconceitos para uma convivência harmônica entre os diversos grupos.

79

O texto está disponível em: <http://brasilescola.uol.com.br/sexualidade/orientacao-sexual.htm> Acesso em 13

de setembro de 2017.

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Verifica-se, portanto, que o desejo comum pela passividade não pontua ou questiona a

construção dessas diferenças e suas relações desiguais. Vejamos o que apontou um dos alunos

entrevistados sobre esse assunto:

O campus ele está englobando diferentes classes. Tanto indígenas, os estilos

também, isso eu acho que entra também [...]. Bom, eu vejo que isso é

bastante significativo, porque você está respeitando realmente o que

aquela pessoa quer ser, sem preconceito. Eu, até então minha orientação

sexual é diferente e é até complicado eu falar sobre isso, porque eu nunca

falo sobre isso para muitas pessoas, mas eu acho que isso, essa diversidade é

bastante fluente aqui, porque você observa pessoas diferentes (R.C., 2017,

grifo nosso).

O jovem que se autodeclarou negro e bissexual traz em seu discurso uma

satisfação pela inclusão de diversos grupos no ambiente escolar atribuindo a isto uma

manifestação de respeito e de não preconceito. Para o aluno, a “aceitação” institucional de

segmentos sociais marginalizados confere a positividade expressa em sua avaliação, visto que

nem sempre as instituições tiveram a abertura para inclusão desses setores da sociedade.

Nesse sentido, concordamos com Junqueira (2009, p.369) ao dizer que:

[...] parece indispensável atentarmos para os limites de determinadas

políticas multiculturalistas que, embora aparentemente generosas quanto ao

“respeito à diferença”, não se mostram dispostas a favorecer um

reconhecimento da diversidade que possa colocar em risco normas, valores e

hierarquias estabelecidas e promover distribuição de recursos.

O aluno, quando questionado se percebia a ocorrência de discriminações e

preconceitos no âmbito do campus, respondeu:

De certa forma não é só quem tem orientação sexual diferente ou um jeito de

se vestir diferente. Tudo, tudo em uma forma geral sofre preconceito. As

meninas também, eu vejo muitos meninos chamando as meninas de

palavrão, essas coisas. Já presenciei bastante (R.C., Aluno, 2017).

O acesso de pessoas negras, indígenas, homossexuais, com deficiência, no sistema

educacional, ainda que por políticas afirmativas e de inclusão, por si só não confere a

reparação das assimetrias causadas pelo longo processo de exclusão, discriminação e

desigualdade a que foram e ainda estão submetidos esses segmentos. É nesse sentido, que

ratificamos a necessidade de fortalecermos ações e políticas institucionais que garantam o

amplo debate, a desconstrução dos preconceitos e o questionamento das estruturas de poder

na sociedade. Acreditamos que a Política de Assistência Estudantil pode ser uma das

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ferramentas para a criação de estratégias que visem à superação dessas deformações nas

relações sociais, contribuindo para a construção de uma educação integral e cidadã dos

indivíduos.

Para isso, é preciso o envolvimento da educação, questionando-se de modo

permanente seus valores, práticas e correlações de forças, para que possamos construir uma

“cultura de reconhecimento da pluralidade e multiplicidade das manifestações humanas, das

quais a diversidade sexual é autêntica expressão” (JUNQUEIRA, 2009, p. 353).

A operacionalização das políticas passa pelos sujeitos sociais, os quais são alvos

também do processo ideológico ao longo de suas trajetórias que os condicionam às

determinadas posturas, dentro de normas, valores e crenças que disseminam o preconceito e a

discriminação. Verificamos que as experiências de cada um modificam, ou não, a forma como

cada sujeito lida com a diferença de gênero, étnico-racial, sexual, entre outras que estão

circunscritas na vida em grupo. Em entrevista com a diretora de ensino notamos que ela

atribui à sua formação técnica a falta de habilidade para abordar situações em que se expresse

uma violência ou opressão, por exemplo, contra homossexuais. Novamente observa-se a

tentativa de invisibilizar a diferença para a manutenção de uma ordem aparente, negando que

ali existam relações de conflito e de poder, causadoras de desigualdade.

Em sua fala a professora e gestora relatou como atua diante das situações de

discriminação e preconceito no ambiente institucional ou fora dele “a medida seria o que faço,

eu pego e converso, eu não gosto dessa história de preconceito [...] eu tento trabalhar todo

mundo igual, então como eu não vejo muito essas diferenças, eu procuro fazer com que os

outros também não vejam” e concluiu dizendo “eu não tenho muito traquejo, porque a minha

formação é bem técnica, mas eu procuro mostrar que todo mundo tem que respeitar a

diversidade, que ninguém é igual e que todo mundo tem que ter esse respeito. Mas eu não sei

abordar” (F.M., Gestora, 2017).

Em outro trecho a diretora de ensino expressa contradição no modo como percebe

a diferença sexual. Ela explicou que a visibilidade de homossexuais no município e nas

comunidades adjacentes é comum e que isso torna “normal” a presença desse público no

campus e negou a existência de preconceito, apesar de reconhecer a prática de “brincadeiras”

pejorativas no ambiente escolar. Em suas palavras:

A região em si tem muito homossexual [...] ninguém vê isso como uma

coisa diferente não. Normal eu acho [...]. Nunca percebi.

A não ser assim, brincadeiras ‘ei bicha, não sei o que [...]’, mas realmente

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pra dizer ‘não, não quero conversa com ele não, porque ele é homossexual’,

não vou negar, eu nunca vi realmente não (F.M., Gestora, 2017, grifo nosso).

O que verificamos é a heterogeneidade das percepções acerca do que se

compreende como diferença, preconceito e desigualdade, não sendo estas dissociadas do

conjunto de signos e valores criados hegemonicamente. Dito isto, não temos como pretensão a

crítica individual aos interlocutores desta pesquisa pela forma como estão expressas as suas

compreensões, ao contrário, elas são fundamentais para refletirmos sobre o sistema simbólico

que imprime no imaginário coletivo os valores, as normas e as regras que norteiam nossas

ações e posicionamentos. Pretendemos esclarecer que o desafio no âmbito das instituições é o

de superar as visões pessoais, agregando nestes espaços as discussões trazidas pelos

movimentos sociais, pelos estudos no campo teórico e pelas bases jurídicas que dão

sustentação aos argumentos oriundos das reivindicações históricas dos coletivos minoritários

e vulnerabilizados em nossa sociedade.

De acordo com Facchini (2016), a história que envolve a luta do movimento

LGBTT no Brasil encontra raízes no tratamento repressor e patológico com o qual se abordou

a temática no início do século XX. Embora não tenha havido legislações proibindo a

homossexualidade no país, a classe médica em colaboração com a polícia tratou de dar

encaminhamento patológico ou criminal aos comportamentos ligados à sexualidade desses

indivíduos.

Os criminologistas também não deixaram de propor relações entre uma

“sexualidade desviante” e a prática de delitos criminosos, sendo que a

sexualidade do sujeito poderia ser sempre um agravante para a sua situação

legal, mesmo que isso não fosse explícito. Havia uma colaboração muito

eficaz da polícia com a classe médica, que aplicava uma ciência de cunho

positivista aos casos que lhe eram encaminhados pelos policiais. Assim, os

que escapassem à norma heterossexual eram muitas vezes internados em

institutos psiquiátricos ou perseguidos pela polícia nas ruas (Ibid., 2016,

p.01).

As restrições sofridas pelos sujeitos homossexuais causou uma identificação de

grupo que, através de redes de sociabilidade, foram construindo laços de identidade,

especialmente no meio urbano. Vale lembrar que o movimento tem sua trajetória de luta

deflagrada em diversos países, inclusive, tendo sido demarcado o “Dia do Orgulho Gay”, a

partir da revolta de Stonewall, em um bar de frequência homossexual em Nova York, em 28

de junho de 1969, em que a população LGBTT revidou contra a polícia local durante uma

ação de repressão e criminalização da homossexualidade.

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No Brasil, o período em que eclodiam os movimentos sociais no mundo, entre as

décadas de 1960 e 1970, o cenário era de ditadura militar, em que o principal expoente de luta

era o movimento estudantil. Em 1970 começa a ter visibilidade o movimento feminista, e a

surgirem às primeiras organizações do movimento negro e do movimento homossexual.

Naquele período o surgimento da AIDS, associado a todo o movimento de divulgação da

doença e de enfrentamento à epidemia acabou por dar visibilidade ao tema da

homossexualidade, contudo, reforçando a sua estigmatização quando definiu esse segmento

como grupo de risco, havendo uma forte disseminação de que a AIDS era uma “doença de

gay”.

A autora Facchini (2016), divide o movimento LGBT no Brasil em três períodos,

com surgimento no final da década de 1970, onde se iniciaria o que ela denominou de

“primeira onda”. Havia vários grupos formados para propor a alteração das hierarquias

sociais, especialmente relacionadas a gênero e sexualidade. A organização do grupo Somos de

Afirmação Homossexual, de São Paulo, em 1978, teve forte expressão, assim como o jornal

Lampião da Esquina, editado no Rio de Janeiro, que era um “jornal da mídia alternativa, onde

se falavam sobre organização política e social da resistência e a comunidades LGBT, vários

de seus jornalistas foram presos e perseguidos”80

.

É importante dizer que os movimentos nesse período se caracterizaram por ter um

forte viés antiautoritário, haja vista o ranço da ditadura militar no país. Nesse período a luta

estava centrada na contestação das relações desiguais, sendo o machismo o principal elemento

de influência, que ditava estereótipos, inclusive, nas relações homossexuais, definindo papéis

e comportamentos sociais. No Rio de Janeiro, em 1979, um grupo de militantes se reuniu pela

primeira vez e pautou como luta:

A reivindicação da inclusão do respeito à “opção sexual” – o próprio

movimento ainda falava em “opção sexual” nesse momento – na

constituição federal; uma campanha para retirar a homossexualidade da lista

de doenças, ou seja, a luta contra a patologização; e a convocação de um

primeiro encontro de um grupo de homossexuais organizados, o que

aconteceu em abril de 1980, em São Paulo (FACCHINI, 2016, p.01).

As demandas de outros segmentos vão surgindo dentro do próprio coletivo, o que

resulta em cisões e criação de novos movimentos com notoriedade de pautas específicas e

invisibilizadas, inclusive pelo próprio movimento homossexual. Foi o que aconteceu com a

80

Extraído do blog Parada 24. O blog visa notícias e ideias de discussão e formação sobre o movimento LGBT

em Santa Catarina e Brasil. Disponível em: <https://parada24.wordpress.com/2016/11/13/grupo-somos-primeiro-

grupo-de-afirmacao-gay-lgbt-no-brasil/> Acesso em 14 de setembro de 2017.

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criação em 1980, do primeiro grupo exclusivamente lésbico, a partir de uma cisão no grupo

Somos de São Paulo. Vale dizer que o grupo Somos se dissolveu em 1983. Contudo, a partir

dessa década surgem novos grupos em vários estados brasileiros, inclusive na região nordeste,

sendo o Grupo Gay da Bahia - GGB e o Grupo Triângulo Rosa e Atobá, do Rio de Janeiro, os

de maior expressão ativista naquele período.

A “segunda onda” desse movimento no Brasil, a que se refere à autora, está

compreendido na década dos anos de 1980, momento de abertura política e democratização

do país e também da eclosão do vírus HIV/AIDS. O foco do coletivo nesse momento estava

centrado na garantia dos direitos civis e ações contra discriminações e violência. Buscava-se a

obtenção de organizações formais, com a formação de diretorias com cargo e funções

definidas, a fim de imprimir legitimidade para a reivindicação dos direitos requisitados. Nesse

sentido, o GGB e o Grupo Triângulo Rosa surgem como os primeiros a se formalizarem

legalmente como associações voltadas para os direitos de homossexuais.

O uso do termo “orientação sexual” também passou a ser defendido e

disseminado, tendo como principal argumentação que a sexualidade não pode ser vista como

uma escolha individual racional e voluntária, como também não pode ser entendida como

uma determinação simples, não sendo coerente designá-la como uma “opção” ou como uma

“condição” inata.

Cabe dizer que, várias das reivindicações atuais do Movimento LGBT já se

encontravam presentes na década de 1980, como cita Facchini (2016, p.01) sobre um encontro

nacional ocorrido na Bahia, que apontava para uma “legislação antidiscriminatória, pela

legalização do que na época se denominava como “casamento gay”, por tratamento positivo

da homossexualidade na mídia e pela inclusão da educação sexual nos currículos escolares”.

A denominada “terceira onda” do movimento tem início nos anos 1990, com o

fortalecimento da organização em torno da cobrança de respostas governamentais para a

questão do HIV e para o acolhimento comunitário a vítimas da doença. Surgem, portanto,

ONG’s coordenados por grupos que acumularam experiência e conhecimento para trabalhar

com projetos de prevenção financiados por programas estatais de combate à AIDS.

Considera-se, desse modo, que as pautas do movimento se deram pela saúde, não

tendo havido o reconhecimento das demandas de cidadania do público LGBT, tampouco o

direcionamento de políticas públicas ou a criação de conselhos de direitos para discussão das

demandas advindas desse segmento. A inserção de outros setores da sociedade para o

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enfrentamento da doença, fez com que partidos políticos, grupos religiosos, acadêmicos, entre

outros, trabalhassem diretamente com o assunto da homossexualidade.

Nesse processo, a diferenciação dos sujeitos internos se dá de modo mais

específico, onde gays, lésbicas, bissexuais, transexuais, travestis, passam a discutir suas

demandas em seus próprios coletivos. Não detalharemos as lutas de cada um desses

movimentos, entretanto, reforçamos que a visibilidade e a compreensão sobre a origem dessas

organizações é fundamental para o conhecimento de suas demandas, conquistas e desafios,

sendo imprescindível a sua associação ao movimento mundial pelos direitos humanos.

Os anos 2000 representou uma abertura no campo político para o apoio às causas

e coletivos do público LGBTT. E 2004 foi criado o programa Brasil sem Homofobia-

Programa de Combate à Violência e à Discriminação contra GLTB e de Promoção da

Cidadania Homossexual como resultado da 1ª Conferência Nacional GLBT81

para promover

ações, programas e assegurar políticas que combatam a discriminação com equidade das

ações durante o governo Lula (2003-2006). Vale lembrar que o Programa reuniu o

envolvimento de diversos ministérios no combate à homofobia e que, através de grupos de

trabalho compostos por gestores, técnicos e ativistas, seriam elaboradas proposições de

políticas públicas e seu controle social.

No campo jurídico, os projetos de lei que conferem respostas às demandas dos

homossexuais ao longo da história no Brasil, destacam-se: o reconhecimento do direito à

constituição de famílias, através do reconhecimento de uniões homoafetivas; a garantia de

direitos quanto à paternidade/maternidade; restrição de comportamentos discriminatórios; e a

garantia do reconhecimento da identidade social de travestis e transexuais.

Diversificam-se as demandas dos sujeitos políticos que compõem o movimento,

onde podemos observar, por exemplo, aquelas circunscritas aos homens homossexuais, tidos

como o grupo “homens que fazem sexo com outros homens – HSH”, os quais usufruem de

certas prerrogativas de gênero. Os espaços onde ocorrem as diferentes formas de violência de

gênero também se alteram de acordo com o perfil da vítima, sendo mais comum a prática de

violências contra homens homo e bissexuais em espaços públicos, enquanto que contra

mulheres homo e bissexuais em ambientes privados, com forte incidência da violência

intrafamiliar e de vizinhança.

81

Foi utilizada a sigla GLTB (Gays, Lésbicas, Transgêneros e Bissexuais) no documento oficial de criação do

Programa Brasil sem Homofobia, do Ministério da Saúde/Conselho Nacional de Combate à Discriminação, em

2004.

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161

As demandas que mais se associam aos bissexuais centram-se no reconhecimento

e no respeito de sua identidade, inclusive no interior do movimento. Em contrapartida, o

reconhecimento das uniões entre pessoas do mesmo sexo e pela adoção ou acesso às novas

tecnologias reprodutivas por casais formados por pessoas do mesmo sexo une tanto homens

como mulheres, homo e bissexuais.

As travestis e os (as) transexuais apresentam outras especificidades não comuns

aos outros grupos. A questão da prostituição, do combate à violência e a garantia do acesso e

permanência na escola são dilemas centrais das organizações de travestis. Entre transexuais, a

principal demanda esbarra em políticas de saúde, pois a necessidade de transformações

corporais capazes de adequar os corpos às identidades de gênero são questões de grande

pertinência. Os dois grupos buscam a conquista do direito de adequação da identidade jurídica

(mudança de prenome) e possibilidade de uso e reconhecimento do nome social em serviços

de saúde e escolas.

Algumas entidades já regulamentaram o uso do nome social, independente de

autorização judicial, como é previsto para o caso de alteração dos documentos civis. O

Decreto nº. 8.727 de abril de 2016 dispõe sobre o uso do nome social e o reconhecimento da

identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais, no âmbito da administração pública

federal direta, autárquica e fundacional.

As bandeiras de luta contra a discriminação e a violência e pelo respeito à

laicidade do Estado, por sua vez, fazem com que se unam os diferentes segmentos que

compõem o movimento LGBT. Contudo, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei

5002/13, do deputado Jean Wyllys (Psol-RJ) e da deputada Erika Kokay (PT-DF), que versa

sobre o direito à identidade de gênero. Essa proposta de lei obrigaria os planos de saúde e o

Sistema Único de Saúde – SUS a custear os tratamentos hormonais integrais e cirurgias de

mudança de sexo a todos os interessados maiores de 18 anos, sem que haja a necessidade de

qualquer tipo de diagnóstico, tratamento ou autorização judicial, contrariando o que ocorre

hoje pelo SUS, que realiza a cirurgia de mudança de sexo, a partir do acompanhamento de

equipe multidisciplinar por pelo menos dois anos.

O tempo de espera para a realização desse tipo de procedimento é bastante

elevado. Até janeiro deste ano eram apenas cinco centros no país que ofertavam

procedimentos como terapia hormonal e acompanhamento dos usuários em consultas e no pré

e pós-operatório, tendo sido ampliado o serviço para mais quatro centros. O atendimento a

transexuais e travestis no SUS, entre 2015 e 2016, aumentou em 32% nos atendimentos

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ambulatoriais, passando de 3.388 em 2015 para 4.467 em 2016. E o número de cirurgias de

mudança de sexo do masculino para o feminino cresceu 48% de 23, em 2015, para 34 em

2016. A terapia hormonal no processo transexualizador também subiu de 52 para 149

procedimentos, aumento de 187%, segundo informações repassadas pelo Ministério da

Saúde82

. Destacamos ainda que apenas cinco dos nove centros oferecem a cirurgia de

mudança de sexo, chamada de redesignação sexual.

O Projeto de Lei 5002/13, também prevê a modificação do prenome para maiores

de 18 anos, sem a necessidade de autorização judicial, liberando ainda a alteração do sexo nos

documentos pessoais, com ou sem cirurgia de mudança de sexo. Nesse caso, os números dos

documentos devem ser mantidos e os nomes originais totalmente omitidos. Conforme o

projeto, também será possível que as pessoas trans adotem um nome social diferente do que

está registrado na carteira de identidade, sem necessidade de fazer a retificação dos

documentos em cartório. Esse nome terá de ser respeitado por órgãos públicos e empresas

privadas, similar ao que regulamenta o Decreto nº. 8.727 de abril de 2016 para as instituições

públicas federais.

Uma das conquistas que podemos apontar para o coletivo LGBTT é o direito a

União Homoafetiva, reconhecida no dia 05 de maio de 2011 pelos Ministros do Supremo

Tribunal Regional – STF, o que permitiu a ampliação a outros direitos, através de uma

equiparação à união estável heterossexual. Citamos: o direito de comunhão parcial de bens; o

direito a pensão alimentícia no caso de separação; o direito a pensão do INSS em caso da

morte do parceiro; o direito de colocar o companheiro como dependente em Planos de Saúde;

o direito a mencionar o parceiro como dependente ao declarar o Imposto de Renda; o direito

de adotar crianças, não dando preferência apenas a casais heterossexuais.

Entretanto, a Constituição Federal de 1988 estabelece em seu Art.226, que a lei

deve facilitar a conversão das uniões estáveis em casamento. Uma votação no Conselho

Nacional de Justiça – CNJ, em 14 de maio de 2013, acabou por aprovar uma resolução

obrigando todos os cartórios brasileiros a realizarem o casamento entre pessoas do mesmo

sexo. Apesar da resolução do CNJ, podemos dizer que no Brasil não há, estabelecido em lei, o

casamento homoafetivo.

Na área da saúde destacaram-se o Plano Nacional de Enfrentamento da

Epidemia de AIDS e DST entre Gays, outros Homens que fazem Sexo com Homens

82

Informações disponíveis no site: <http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/cidadao/principal/agencia-

saude/27417-webserie-conta-a-historia-de-travestis-e-transexuais-atendidos-no-sus> Acesso em 03 e outubro de

2017.

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(HSH) e Travestis, de 2007, com previsão até 2011; e a Política Nacional de Saúde

Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, de 2012, lançada pelo

Ministério da Saúde, instituída pela Portaria nº 2.836, de 1° de dezembro de 2011, e pactuada

pela Comissão Intergestores Tripartite - CIT, conforme Resolução n° 2 do dia 6 de dezembro

de 2011, que orienta o Plano Operativo de Saúde Integral LGBT.

O Plano Nacional de Enfrentamento à AIDS objetivou a defesa dos direitos

humanos das pessoas que vivem com AIDS e das populações mais vulneráveis com promoção

de ações de atenção à saúde, e respeito à diversidade sexual. Segundo o Ministério da Saúde,

a sua elaboração esteve alinhada às diretrizes do Programa Brasil sem Homofobia e contou

com a colaboração e aporte de vários parceiros, incluindo Pessoas que Vivem com HIV/AIDS

(PVHA), representantes dos movimentos de AIDS e de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis

e Transexuais (GLBT), profissionais de saúde e gestores (BRASIL, 2007d, p.04).

Já a Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais,

Travestis e Transexuais teve como propósito a busca pelo reconhecimento, o fim da

discriminação, repressão, exclusão, a fim de suprir as necessidades no âmbito da saúde,

garantido à igualdade e a universalidade desejada pelo segmento LGBT. Essa política foi

constituída por um conjunto de princípios éticos e políticos que reconhecem os efeitos

causados pelos processos de discriminação e de exclusão sobre a saúde. Para isso, incluiu

ações de fortalecimento das práticas participativas e do controle social, e teve a preocupação

de inserir conteúdos na formação e educação permanente dos (as) trabalhadores (as) de saúde,

com ações voltadas para a qualificação dos profissionais do Sistema Único de Saúde - SUS,

além de realizar estudos para melhorar as tecnologias necessárias ao atendimento desta

população.

Um dos passos importantes dado pelo Ministério da Saúde, através da Política

Nacional de Saúde Integral à População LGBT, foi entender a importância de que uma

pessoa com “orientação sexual” e “identidade de gênero” distinta tenha o seu “nome social”

respeitado no seu “Cartão Nacional de Saúde”, assegurando dessa forma o respeito à

diferença no que se refere à orientação sexual e/ou identificação de gênero de um indivíduo,

reduzindo a discriminação, o preconceito e a exposição daqueles e daquelas que precisam

acessar a rede pública de saúde.

Podemos afirmar, portanto, que muitos avanços e conquistas se deram no campo

dos direitos LGBT, especialmente durante a gestão dos ex-presidentes Luís Inácio Lula da

Silva e Dilma Rousseff, tendo ambos, abordado à questão dos Direitos Humanos como

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verdadeira política de Estado. Desse modo, refletimos aqui sobre a importância das políticas

públicas para a vida das pessoas, em especial daquelas que sofrem pela intolerância, pelo

preconceito, pela discriminação de cor, classe, gênero, idade, e orientação sexual, o que nos

coloca diante da necessidade e do desafio de nos posicionarmos enquanto sujeitos sociais na

construção de uma sociedade mais justa e equânime.

Apesar das conquistas, sabemos que há muito a fazer, superando, inclusive, as

derrotas ao longo dessa trajetória de luta, expressas, por exemplo, no veto do material do

Projeto Escola sem Homofobia, o qual foi ideologicamente distorcido e disseminado

pejorativamente como “kit gay”; nos cortes sofridos nas Secretarias que cuidam das ações de

políticas LGBT, bem como de direitos humanos, de políticas voltadas para as mulheres, para a

população negra, indígena e quilombola; nos altos índices de violência e de mortes,

especialmente, contra travestis e transexuais; entres tantas outras questões.

É oportuno lembrar que até outubro de 2015, ainda sob o governo da ex-

presidente Dilma Rousseff, a maioria das ações voltadas para as minorias sociais estavam

sendo conduzidas por três secretarias com status de ministério: a Secretaria de Direitos

Humanos - SDH, a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial - SEPPIR e a

Secretaria de Políticas para Mulheres - SPM. No começo de outubro de 2015, a então

presidente aglutinou as três secretarias em uma única pasta, denominando-a de Ministério das

Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos.

Entretanto, o novo ministério durou apenas sete meses devido ao processo de

impeachment da Presidente eleita, Dilma Rousseff, que a destituiu do poder, assumindo ao

cargo o Vice-Presidente Michel Temer. Como primeiro ato do seu governo, em maio de 2016,

o então Presidente Michel Temer, alterou a organização dos Ministérios estruturados no

Governo da Presidente Dilma. Hoje, as secretarias são parte da estrutura do Ministério da

Justiça, o que tem trazido grandes preocupações aos movimentos sociais daqueles segmentos,

inclusive pelo menor poder de influência da Secretaria de Direitos Humanos, agora não mais

com status de ministério, sobre políticas públicas de outras pastas que afetam diretamente a

população LGBT, como na área da Saúde e da Educação, assim como a outros grupos sociais.

O jogo político que culminou na cassação da Presidente eleita pelo povo tem

raízes profundas na corrupção, nos interesses de grupos políticos e do grande empresariado

brasileiro e estrangeiro, pois o objetivo central do “golpe” político tem sido a implementação

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do plano de governo do PMDB, denominado de “Uma Ponte Para o Futuro83

”, lançado em

outubro de 2015, antevendo uma possível derrubada do Governo Petista. Destacamos um

trecho do referido documento para ilustrar exatamente as medidas já dotadas pelo atual

Governo:

Se quisermos atingir o equilíbrio das contas públicas, sem aumento de

impostos, não há outra saída a não ser devolver ao orçamento anual a sua

autonomia [...] Para isso, é necessário, em primeiro lugar, acabar com as

vinculações constitucionais estabelecidas, como no caso dos gastos com

saúde e educação (PMDB, 2015).

Fica claro que os investimentos sociais em políticas públicas serão reduzidos e

não priorizados, desrespeitando as garantias constitucionais conquistadas a partir de 1988. A

aprovação da PEC 241/PEC 5584

, que congela os investimentos da educação e saúde, por

exemplo, por 20 anos, revela o desmonte dos direitos sociais e o sucateamento dos serviços

públicos, os quais têm sido repassados ao grande capital para a sua mercantilização. A

aprovação da Reforma Trabalhista, recentemente, e a luta pela aprovação da Reforma

Previdenciária seguem no mesmo intento que, apesar dos constantes escândalos de corrupção

e da impopularidade do governo pela adoção das medidas de ajuste e reformas, não têm

encontrado resistência para impedir os seus avanços.

Outro trecho do documento “Uma Ponte Para o Futuro”, o qual norteia o Projeto

Político do Governo de Michel Temer revela o pensamento acerca dos direitos trabalhistas, já

contemplados pela alteração no Congresso. Vejamos: “É fundamental, na área trabalhista,

permitir que as convenções coletivas prevaleçam sobre as normas legais, salvo quando aos

direitos básicos” (PMDB, 2015). Tal pensamento embasou fortemente os discursos daqueles

(as) que defendiam a reforma trabalhista, contudo, os críticos defenderam que tal alteração

precarizaria ainda mais a relação entre empregadores e empregados, priorizando os acordos

em detrimento das leis.

Os impactos das medidas tomadas pesam apenas sobre a classe trabalhadora e os

mais pobres, abonando-se o grande capital e a classe política de qualquer ônus da “nebulosa”

crise econômica. Aos últimos, têm sido oferecidos vultosos recursos de emendas

83

Documento disponível em: <http://pmdb.org.br/wp-content/uploads/2015/10/RELEASE-TEMER_A4-

28.10.15-Online.pdf> Acesso em 11 de setembro de 2017. 84

A proposta de emenda constitucional cria um teto para os gastos públicos, a PEC 241 (Trâmite na Câmara

dos Deputados) ou PEC 55 (Trâmite no Senado Federal), dependendo da Casa legislativa, congela as

despesas do Governo Federal, com cifras corrigidas pela inflação, por até 20 anos.

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parlamentares em troca da fidelidade dos votos em pautas que interessem ao governo, um

modelo, sem precedentes, da corrupção institucionalizada no Brasil.

Portanto, os rumos que seguem o tratamento dado às políticas sociais no Brasil

nos colocam em alerta sobre a necessidade de mobilização social, pois se antes nossa luta era

pela ampliação e universalização dos direitos já conquistados, agora o esforço tem sido em

direção da manutenção destes.

Diante do exposto, tanto no que tange à luta histórica do coletivo LGBT e outros

segmentos, quanto à perspectiva do governo de Michel Temer e de seus aliados políticos que

ocupam o Congresso Nacional, os quais comungam de um perfil altamente conservador e

patriarcal, com viés patriarcal e homofóbico, ratificamos a necessidade de articulação entre as

políticas sociais, em que pese a grande importância da Educação e da Saúde, no contexto de

luta dos movimentos LGBT, para a continuidade de ações, políticas e programas, assim como

a criação de novos, que objetivem a erradicação das manifestações de discriminação e

preconceito e que assegurem os direitos sociais, civis e sexuais dos homossexuais, travestis,

bissexuais, lésbicas, transexuais, transgêneros e quaisquer outras designações que abranja a

diversidade de gênero e sexual.

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REFLEXÕES E PROPOSIÇÕES FINAIS

O momento final desse estudo consolida nosso esforço para cumprir com a

proposta a que nos dispomos, qual seja, a de investigar a Política Social de Assistência

Estudantil no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará, campus

Umirim/CE, no enfrentamento às formas associadas de desigualdades e de exclusão que

tenham origem nas diferenças de gênero, étnico-racial e sexual.

Com base nos resultados do trabalho de campo, nas leituras realizadas e nas

discussões apresentadas ao longo do texto, nos arriscamos em algumas reflexões e

proposições sobre o assunto abordado.

Os programas de assistência estudantil atuam, primordialmente, para viabilizar as

condições de permanência dos (as) estudantes nas IFES, com forte apelo ao público mais

pobre, os quais são, algumas vezes, destinatários (as), também, de políticas e/ou ações

afirmativas que visam à inclusão dos segmentos marginalizados socialmente, o que é legítimo

e fundamental para a democratização da educação no país.

Entretanto, nossa argumentação durante todo o trabalho foi em defesa da

ampliação do campo de atuação da A.E, buscando desvinculá-la do caráter meramente

assistencial e economicista. Nesse sentido, concordamos com Nascimento (2012) ao afirmar

que é necessário que a assistência ao estudante seja entendida enquanto política educacional,

pois trata de ações desenvolvidas no âmbito da educação, ainda que tenham o viés

assistencial.

Segundo Behring e Boschetti (2006, p.51), “as políticas sociais [...] são

desdobramentos e até mesmo respostas e formas de enfrentamento – em geral setorializadas e

fragmentadas - às expressões multifacetadas da questão social do capitalismo, cujo

fundamento se encontra nas relações de exploração do capital sobre o trabalho”. Por esse

motivo não podemos deixar de compreender a Assistência Estudantil no Brasil desconectada

da conjuntura da educação no país, assim como as demandas históricas dos (as) estudantes.

As perspectivas nacionais sobre a Política de Educação, apresentadas no decorrer do trabalho,

denunciam o seu alinhamento aos interesses dos grupos financeiros, nos levando à

problematização acerca do papel das Políticas Sociais, que se inserem, de um lado, agregando

conquistas às lutas dos movimentos sociais e, de outro, reforçando e/ou subsidiando as

reformas da agenda neoliberal, com forte incidência, a partir dos anos 2000.

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Nesse sentido, buscamos apresentar a Política de Assistência Estudantil do IFCE

compreendendo-a como uma política educacional capaz de garantir amplamente o acesso e a

permanência de todos os indivíduos, independente de cor, de credo, de sexo e de classe.

Na pesquisa de campo, produzimos reflexões acerca das hipóteses iniciais que

fundamentaram a investigação empírica. Nela, destacamos a estreita relação da assistência

estudantil com a dimensão socioeconômica dos (as) estudantes e a possibilidade de sua

vinculação a outras dimensões da vida desses sujeitos, inclusive, na construção de uma

formação cidadã, capaz de contribuir com o desenvolvimento social, humano, econômico e

político dos (as) jovens e, consequentemente, de suas localidades, através do envolvimento da

comunidade local em projetos de extensão, em ações de cunho educativo, da articulação com

outras políticas no território, assim como com entidades, associações e movimentos que

organizam a luta dos segmentos populares.

Em nossa primeira hipótese de investigação sobre a Assistência Estudantil,

buscamos refletir sobre a sua atuação no processo de formação dos (as) estudantes no

combate ao preconceito, à discriminação e às desigualdades de gênero, étnico-racial e sexual,

verificando se ela modifica a experiência do (a) aluno (a) com a escola e com a sociedade.

Verificou-se, na pesquisa realizada junto aos (às) estudantes, que eles (as) reconhecem tanto

as ações da Assistência Estudantil, como as ações produzidas nos espaços da sociedade civil

organizada, a exemplo dos movimentos sociais e das organizações sindicais, como uma

referência para a construção de um processo de formação ampliada, de uma formação livre,

questionadora, propositiva e comprometida com valores e princípios éticos.

Foi possível perceber, a partir dos dados coletados e das entrevistas realizadas,

que a A.E tem uma participação importante na formação dos sujeitos. Ela atua diretamente na

ampliação do conteúdo cultural, humano e social dos indivíduos. Apresentaram-se como

ações que potencializam a experiência positiva dos (as) jovens aquelas que contribuem para o

acesso à informação sobre temas pouco difundidos ou desconhecidos entre os (as) estudantes;

a abertura de canais de participação, através de atividades que estimulam a reflexão e a crítica,

assim como o exercício do contraditório; a prática de atividades culturais e esportivas que

vislumbrem o desenvolvimento de outras habilidades, tais como: a solidariedade, a

criatividade, a desenvoltura em público, o gosto pela arte, pelo esporte, entre outras.

Em Umirim, podemos verificar que a assistência estudantil vem disseminando

ações voltadas, no campo formativo, para dimensões que extrapolam o conhecimento técnico

formal. É perceptível que os (as) interlocutores (as) da pesquisa, tanto servidores (as), como

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alunos (as), assimilam as ações desenvolvidas no campus como uma prática de formação

humana e social e, reforçam a importância de que elas sejam ampliadas. Apesar do caráter

ainda embrionário da Política de Assistência Estudantil no IFCE, assim como no campus

Umirim, é possível vislumbrar novos rumos e dimensões a serem exploradas por ela,

transcendendo o viés economicista e assistencialista da Política.

Nesse sentido, a A.E tem contribuído satisfatoriamente para ampliar percepções,

desconstruir pensamentos patriarcais que reproduzem preconceitos, além de possibilitar novos

olhares sobre as construções sociais, estimulando a assimilação de novas subjetividades e

identidades socioculturais.

Com relação a nossa segunda hipótese, identificamos na pesquisa de campo com o

corpo docente, do Curso Técnico em Agropecuária, que o entendimento do grupo sobre

assistência estudantil está associado à viabilização dos auxílios. Entretanto, foram destacadas

outras atividades e ações de A.E vinculadas ao percurso formativo dos (as) jovens.

Os (as) gestores (as) e, os (as) próprios (as) estudantes, também fizeram referência

à importância dos auxílios para a manutenção dos alunos (as) na Instituição, diante do perfil

socioeconômico do público atendido e da necessidade de descolamento que muitos jovens

possuem por morarem em outros municípios e estudarem em Umirim. Contudo, os dois

segmentos ressaltaram que a A.E tem conseguido proporcionar um atendimento de qualidade

aos (às) estudantes do campus e tem ampliado as perspectivas da formação para além da

dimensão técnica, devido às abordagens coletivas e individuais sobre questões que incidem

diretamente no cotidiano das relações sociais dos sujeitos.

Podemos afirmar, portanto, que a A.E no campus Umirim possui uma identidade

vinculada às demandas de natureza socioassistencial, o que nos remete à reflexão sobre o

desafio da assistência estudantil na ruptura com a concepção hegemônica de mera assistência

financeira aos (às) alunos (as) mais pobres, como apontamos na segunda hipótese desse

estudo.

Segundo Nascimento e Arcoverde (2012, p.173), o chamado processo de

“bolsificação” da A.E exclui do debate a necessidade de universalização da política e a

consequente ampliação de direitos. Para as autoras, isso gera o “esvaziamento de uma

proposta de ensino que garanta o direito à permanência do estudante, favorecendo espaços

coletivos e com caráter universal”.

Ressaltamos que a A.E não deve ser vista como redentora no espaço institucional,

tampouco, como autônoma na construção de mediações e intervenções complexas, por isso,

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reforça-se a necessidade de interação junto a outros setores, evitando-se a fragmentação e

setorialização das ações. A Coordenação de Assuntos Estudantis do campus Umirim precisa

atuar transversalmente dentro das demais Coordenações, a fim de orientar a sua prática na

condução de projetos, programas e ações que concebam o (a) estudante de modo integral, em

suas múltiplas dimensões.

No que observamos sobre as diferenças de gênero, étnico-racial e sexual,

afirmamos que se manifestam no campus Umirim, com maior intensidade, as desigualdades

de gênero e sexual, em que ambas possuem uma relação direta. Na sociedade contemporânea,

os papéis culturalmente construídos e atribuídos a homens e a mulheres estão ainda pautados

nas diferenças biológicas.

De acordo com Nolasco (1993, p. 42) a formação dos contornos da subjetividade

masculina e feminina desde cedo, se dá no âmbito da família, da escola, da Igreja e demais

instituições presentes na sociedade que vão configurando uma imagem de que para o menino

se fazer homem precisa ser viril, corajoso, esperto, conquistador, forte, imune a fragilidades,

inseguranças e angústias e para a menina a ideia de fragilidade, de submissão, de delicadeza.

Esses lugares e papéis estruturam as relações de poder e de dominação, que resultam nas

inúmeras desigualdades que se apresentam no cotidiano.

Os (as) interlocutores (as) da pesquisa, de todos os segmentos, reconhecem, ainda

que de formas distintas, a necessidade de se trabalhar as diferenças e suas consequências para

as relações humanas no ambiente escolar e fora dele. Os dados empíricos evidenciaram a

presença do preconceito, da discriminação, da misoginia, da homofobia e do racismo nas

relações estabelecidas entre as diversidades na unidade de ensino. Entretanto, enfatizamos o

elemento da invisibilização das diferenças como forma de mascarar as desigualdades

decorrentes delas, tanto quanto a dificuldade, especialmente do corpo docente, em distinguir

uma situação de discriminação ao aceitar o discurso da “brincadeira”, que introjetam de forma

escamoteada o preconceito contra o pobre, o negro, a mulher, o homossexual, o deficiente, o

índio, o gordo, e todas as minorias estigmatizadas pelos grupos hegemônicos.

Entendemos que essas questões precisam compor o objeto de trabalho das equipes

de A.E, as quais devem ter a capacidade de resposta cada vez mais qualificada, diante da

complexidade de como se materializam. A intervenção dos (as) profissionais da assistência

estudantil nas demandas associadas às desigualdades sociais encontra apoio na compreensão

de que sua inserção, como política social no âmbito da educação, configura-se como porta de

entrada para o acesso a outras políticas públicas. Além disso, ela possui uma dimensão

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pedagógica e educativa que se direciona para princípios e objetivos marcadamente

comprometidos com a transformação da sociedade e de seus valores sociais.

São inúmeros os desafios que inviabilizam a consolidação da assistência

estudantil como política pública, o que reforça a necessidade de que todos os segmentos

envolvidos, servidores (as), gestores (as) e discentes, participem amplamente dos espaços de

construção, controle e avaliação, a fim de reivindicar o seu reconhecimento como Politica de

Estado. Para Leite (2008; 2012) só será possível a efetivação da A.E enquanto um direito,

estabelecendo-se definitivamente como uma política pública, quando sua organização

acontecer através de políticas estruturais, financiada total e exclusivamente pelo Estado e que

seja de usufruto de todo e qualquer discente.

Vale salientar os avanços obtidos no campus Umirim, desde o surgimento da

Coordenação de Assuntos Estudantis, em 2014, até os dias atuais, no que tange aos aspectos

estruturais, à ampliação de recursos humanos, ao gerenciamento do setor e da política na

unidade. Apesar disso, precisam ser dados passos longos para a efetivação da Política de

Assistência Estudantil do IFCE naquele espaço.

É necessária a ampliação do tempo destinado para a proposição de atividades

coletivas, que podem ser ajustadas pela integração da A.E com o ensino, na construção de

planejamentos articulados e na elaboração de matrizes curriculares que abranjam temas

transversais ao conteúdo didático. Além disso, configura-se como essencial a adoção de

mecanismos mais apurados de obtenção dos resultados ligados às ações desenvolvidas e aos

Programas executados, contemplando-se a participação do público discente nas avaliações e

nos planejamentos da equipe.

Por fim, elencamos de maneira conclusiva e sistematizada, a seguir, os principais

achados da pesquisa de campo, a fim de que estes sirvam de direcionamento para a

formatação de modelos avaliativos e gerenciais sobre a Política de Assistência Estudantil no

campus Umirim.

Uma das descobertas relevantes nesse estudo foi a ausência de processos de

avaliação e monitoramento das ações realizadas institucionalmente. No campus Umirim não

há indicadores de referência para o acompanhamento dos resultados qualitativos acerca das

políticas, dos programas e dos projetos executados na unidade de ensino. Dessa forma, não foi

possível identificar os resultados em relação às modificações que a A.E tem promovido no

que se refere às questões de gênero, etnia e raça e sexualidade e, por isso, trabalhamos apenas

com as percepções e opiniões dos sujeitos participantes da pesquisa.

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É oportuno destacar que a recente estruturação administrativa e gerencial da

unidade, bem como a elaboração e a implantação da Política de Assistência Estudantil no

IFCE e no campus de Umirim, são aspectos que devem ser levados em consideração na

avaliação da Política em questão. O modelo de avaliação previsto no próprio documento, por

exemplo, adota parâmetros da avaliação tradicional voltados para a mensuração da eficiência,

da eficácia e da efetividade da Política de Assistência Estudantil. Nesse caso, o presente

estudo tem como pretensão trazer novas dimensões avaliativas que permitam a elaboração de

um desenho de avaliação institucional amplo e detalhado, superando a visão econométrica.

A baixa intersetorialidade no campus, outra descoberta importante, ajuda a

desvelar os desafios da efetivação da Política de Assistência Estudantil em Umirim. A falta de

interação entre os setores dificulta a prática de qualquer ação, especialmente, aquelas de

caráter universal. Nas entrevistas com os (as) gestores (as), foi unânime o reconhecimento de

que há, no campus, um problema relacionado a esta questão. Apontou-se ainda, que as

coordenações têm dificuldade com a comunicação interna, fator que gera desgastes das

relações de trabalho e limita a potencialidade do trabalho coletivo. Nesse quesito, a Política de

Assistência Estudantil encontra grande desafio, pois ela tem, em sua essência, a necessidade

de articulação com outros serviços, programas e políticas, dentro e fora da instituição onde

está inserida.

Para a construção de uma Política de Assistência Estudantil que atenda

satisfatoriamente as demandas causadas pelas diferenças de gênero, sexual e étnico-racial,

acreditamos na importância de uma ampla discussão acerca das matrizes curriculares dos

cursos ofertados na unidade, pois o debate precisa começar na própria formação.

Na pesquisa de campo verificamos a dificuldade do corpo docente em dialogar

com temas que sugiram reflexões acerca das diversidades e do multiculturalismo, com forte

tendência à homogeneização do público e a invisibilização das diferenças. Esse elemento

corrobora para a fragmentação dos papéis e dos saberes que compõem o ambiente de ensino.

Desse modo, torna-se imprescindível o que destaca Leite (2008) sobre a necessidade de

vincular assistência e educação, integrando em sua construção os segmentos que compõem o

espaço acadêmico: docentes, discentes e servidores técnico-administrativos. Esses agentes

precisam atuar de modo articulado de acordo com as questões, os dilemas, os conflitos que

estão postos no cotidiano da escola, mas que refletem as relações vivenciadas fora dela,

inclusive, mais tarde, na vida profissional dos (as) jovens estudantes.

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Esse fato, identificado no processo de Avalição da Política, instiga o debate acerca

dos currículos acadêmicos, para que os (as) estudantes tenham acesso aos conteúdos

relacionados aos direitos humanos, aos direitos sociais, assim como a outros conteúdos e

linguagens que possibilitem a formação social e política dos sujeitos, evitando-se a mera

reprodução de conhecimentos tecnicistas.

A última descoberta deste estudo, a ser apontada com destaque, diz respeito à

subnotificação dos registros relacionados à vida acadêmica dos (as) alunos (as) e, da

caracterização sociofamiliar e econômica dos (as) estudantes. A evasão escolar, por exemplo,

foi uma das informações que evidenciou essa problemática na unidade de ensino.

Salientamos, que a base de dados obtida ao longo da trajetória do (a) aluno (a) na instituição,

desde o preenchimento da ficha de matrícula, passando pelos registros acadêmicos sobre

notas, frequências, participação em atividades extracurriculares, etc., possibilitam a

elaboração de diagnósticos e pesquisas para um trabalho orientado, planejado e integrado,

entre os diferentes níveis de acompanhamento, seja pela pedagogia, pelas coordenações de

curso ou pela assistência estudantil.

Na pesquisa empírica foi identificado que os dados sobre os (as) estudantes estão

armazenados em sistemas informatizados, criado uniformemente para toda a Rede IFCE.

Esses sistemas servem para aperfeiçoar os processos de catalogação e sistematização dos

registros e informações. Contudo, é necessário que haja uma constante validação das

informações, através de acompanhamentos sistemáticos e integrados entre os setores que

compõem a unidade de ensino. É importante também a produção de estudos analíticos, com

base nos dados institucionais, que permitam uma leitura contextualizada e aproximada da

realidade aparentemente revelada pelos números.

Em Umirim, verificamos que isso não acontece. Há por parte dos (as) gestores

(as) uma confiabilidade nas informações contidas nos sistemas de controle acadêmico, como é

o caso do Q-acadêmico, mas não há uma prática de acompanhamento e monitoramento das

informações nele contidas, visto que elas são dinâmicas e mutáveis. Diante disso, os dados

produzidos não conseguem subsidiar as rotinas de trabalho na orientação das ações

promovidas no campus, o que corrobora para a falta de planejamento, de intersetorialidade e,

consequentemente, de avaliação.

A Política de Assistência Estudantil do IFCE tem como diretriz o

desenvolvimento de ações voltadas para as diversidades. O estudo realizado em Umirim

demonstrou que há o reconhecimento, por parte dos (as) servidores (as) e dos (as) alunos (as),

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sobre a importância do trabalho desenvolvido pela A.E sobre as temáticas de gênero, etnia e

raça e sexualidade. Isto se configura como uma potencialidade para a elaboração de uma

Política da diversidade nos diversos campi da Rede. Para isso, é preciso que o planejamento, o

acompanhamento e a avaliação das atividades aconteçam à luz da Política de Assistência

Estudantil, o que não foi percebido durante a pesquisa de campo. Dessa forma, ocorre uma

descaracterização da Política, passando a mera execução de ações pontuais, as quais não

permitem a realização de uma avaliação densa dos seus resultados.

O modelo de avaliação que pensamos para o desenvolvimento desse trabalho

esteve pautado na Avaliação em Profundidade (RODRIGUES, 2008), o qual nos permitiu o

exercício de pensar a Política de Assistência Estudantil para além das dimensões tradicionais

e, ampliar o horizonte investigativo, inclusive, enxergando a potencialidade dessa Política.

Existem novas perspectivas avaliativas, que não foram trazidas nesse texto, mas que precisam

ser exploradas e adotadas para os próximos estudos, especialmente, em avaliações de políticas

públicas, aproximando-se da abordagem que elas trazem sobre Avaliação como Processo de

Aprendizagem e como Processo de Transformação.

Sem a intenção de encerrar a discussão e as conclusões acerca do estudo

realizado, pretendemos despertar novas inquietações e novos olhares acerca das abordagens

aqui propostas e das lacunas que marcam todos os processos investigativos.

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IFCE. Conselho Superior - CONSUP. Aprova o Regimento das Moradias do IFCE.

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181

INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO CEARÁ -

IFCE. Conselho Superior - CONSUP. Aprova as alterações no ROD aprovado em 22 de

junho de 2015 pela Resolução Consup nº35. Resolução nº 56/CONSUP/IFCE, de 14 de

dezembro de 2015c.

INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO CEARÁ -

IFCE. Conselho Superior- CONSUP. Aprova o Regulamento de concessão de auxílios

estudantis no âmbito Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará.

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185

APÊNDICE A QUESTIONÁRIO SEMIESTRUTURADO APLICADO AOS (ÀS) ALUNOS (AS) DO

CURSO TÉCNICO SUBSEQUENTE EM AGROPECUÁRIA

(Campus Umirim – IFCE) Data: ___/___/____

1. Identificação do(a) Estudante

a) Município origem: _________________________ Localidade: ____________Idade: ___

b) Estado Civil: ______________Tem filhos? ( ) Não ( ) Sim Quantos? ______

c) Quanto a sua sexualidade você se considera: ( ) Homossexual ( ) Heterossexual

( ) Transexual ( ) Bissexual ( ) Travesti ( ) Outra ________________ ( ) Não sei

d) Etnia: ( ) Negro ( ) Branco ( ) Indígena ( ) Pardo ( ) Quilombola

e) Sexo: ( ) Masculino ( )Feminino

2. Quantas pessoas residem na sua casa, incluindo você? _______

2.1 Sobre a composição da Renda Mensal (Membros da família que possuem renda, incluindo

o(a) estudante

Parentesco Idade Profissão/Ocupação

(Informar a atividade laboral

realizada)

Renda Mensal (R.M)

(Não considerar benefícios

assistenciais) ( ) Trabalho Formal

( ) Trabalho Informal

( ) Pensão _____________________

( ) Aposentadoria

( ) Não Possui Renda

Média da R.M: R$ __________

( ) Trabalho Formal

( ) Trabalho Informal

( ) Pensão _______________________

( ) Aposentadoria

( ) Não Possui Renda

Média da R.M: R$ __________

( ) Trabalho Formal

( ) Trabalho Informal

( ) Pensão _______________________

( ) Aposentadoria

( ) Não Possui Renda

Média da R.M: R$ __________

( ) Trabalho Formal

( ) Trabalho Informal

( ) Pensão ______________________

( ) Aposentadoria

( ) Não Possui Renda

Média da R.M: R$ __________

( ) Trabalho Formal

( ) Trabalho Informal

( ) Pensão ______________________

( ) Aposentadoria

( ) Não Possui Renda

Média da R.M: R$ __________

2.2 Média da Renda Mensal: ____________ Média da Renda Per Capita: _______________

2.3 Você ou sua família recebe algum benefício da Assistência Social: ( ) Bolsa Família

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186 ( ) Benefício Variável Jovem (BVJ) ( ) Seguro Safra ( ) Benefício de Prestação Continuada –

BPC ( ) Outro(s): ___________________________________________

2.4 Quem recebe? _______________________ Valor do(s) benefício(s) recebido(s):R$ ______

3 Com que idade começou a trabalhar? ______ ( ) Nunca trabalhei

3.1 Já exerceu trabalho NÃO remunerado? ( ) Sim ( ) Não

Qual(is): ______________________________________________________________

3.2 Já exerceu trabalho formal (Regido pela Lei Trabalhista)? ( )Sim ( )Não

Por quanto tempo? __________________

4. Você já sofreu alguma discriminação/violência dentro do IFCE – Campus Umirim?

( ) Não ( ) Sim Que tipo? ( )física ( )psicológica ( )moral ( ) sexual ( ) outra(s)_______________

4.1 Quem praticou? ( ) professor ( ) servidor técnico ( ) estudante ( ) terceirizado

5. Sobre a Assistência Estudantil

5.1Descreva quais ações/serviços você entende como assistência estudantil no campus Umirim?

__________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________

5.2 Já participou de alguma ação/atividade ou Programa da Assistência Estudantil?

( ) Sim ( ) Não Qual(is) __________________________________________________________

5.3 Você entende Assistência Estudantil como (pode ser marcado mais de um item):

( ) auxílio financeiro aos estudantes mais pobres ( ) um serviço voluntário da Instituição

( ) sem impacto para a permanência e o êxito dos estudantes no campus

( ) vai além do caráter financeiro, pois trabalha outras dimensões do processo formativo

( ) não tenho opinião formada sobre o assunto

5.4 Os serviços prestados pela assistência estudantil tem algum impacto no processo formativo

dos(as) estudantes? ( ) Sim ( ) Não

Justifique:

_______________________________________________________________________________

_______________________________________________________________________________

_______________________________________________________________________________

6. Participação Social

6.1 Quais movimentos sociais existem no seu município de origem: ( ) de Juventude

( ) de Mulheres ( ) LGBT ( ) Movimento dos Trabalhadores Sem Terra ( ) em defesa dos negros ( )

em defesa dos índios ( ) outro(s) ____________________________________

( ) não existe nenhum ( ) desconheço

6.2 Você participa de algum movimento social? ( ) Sim ( ) Não Qual(is)?_____________

Caso Não participe aponte o motivo ( ) não tenho interesse ( ) não tenho tempo

( ) conflitos políticos ( ) não sou a favor ( ) outro _____________________________

7. Você considera que as ações de Assistência Estudantil podem contribuir com o diálogo

acerca das diversidades de gênero, étnico-raciais e sexual? ( ) Sim ( ) Não

De que forma:_______________________________________________________________

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187

APÊNDICE B

ROTEIRO DE ENTREVISTA COM OS (AS) ALUNOS (AS) DO CURSO TÉCNICO

SUBSEQUENTE EM AGROPECUÁRIA

(Campus Umirim – IFCE)

I. Dados pessoais e formação técnica

1. Identificação:

Nome: ____________________________ Idade: ______ Turma: _______________

Município de origem: ____________________ Comunidade:___________________

Local de moradia da família: ( ) rural ( ) urbana

2. Possui vivência na agricultura? Descreva sua experiência. (informar também sobre inserção

da família na atividade de agricultura)

3. Qual a importância do curso de agropecuária para o seu município de origem? E para você

e sua família?

4. Diga quais mudanças você consegue perceber na realidade de Umirim após a instalação do

campus do IFCE, no tocante à:

a) geração de emprego e renda;

b) ao desenvolvimento local;

c) qualificação de mão-de-obra para o mercado de trabalho;

5. Você consegue perceber contribuição da sua formação técnica para o desenvolvimento da

agricultura familiar na sua região?

II. Compreensão sobre diversidades: gênero, sexual e étnico-racial

6. O que você entende por diversidade?

7. Como você se comporta com as diferenças de:

a) gênero;

b) sexual;

c) étnico-racial;

8. Aponte suas diferenças e como percebe que os outros lidam com ela(s) no campus e na

cidade. E você, como se percebe?

9. Qual é o acolhimento que você recebeu dos seus colegas e dos profissionais do campus

(técnicos e professores)?

10. Como se dá essa relação entre você e seus pares e entre você e os servidores do campus?

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188

III. Compreensão da Política de Assistência Estudantil

11. O que você entende por Política de Assistência Estudantil?

12. Quais as principais dificuldades que você enfrentou para chegar até aqui?

13. Quais as principais dificuldades para se manter estudando no campus Umirim?

14. Como a Assistência Estudantil trata as diferenças de gênero, étnico-raciais e de orientação

sexual?

15. De que forma você acha que a Assistência Estudantil poderia trabalhar com os estudantes

as diferenças de gênero, étnico-raciais e de orientação sexual?

16. Qual a importância de atividades/ações que discutam: gênero, diversidade sexual e étnico-

racial no campus?

17. Qual a importância de se trabalhar outras temáticas além do conteúdo técnico?

18. Se você fosse um gestor qual a sua prioridade, dentro do campus Umirim, com relação à

assistência estudantil?

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189

APÊNDICE C

QUESTIONÁRIO SEMIESTRUTURADO APLICADO AOS (ÀS) DOCENTES DA

ÁREA TÉCNICA DO CURSO DE AGROPECUÁRIA DO CAMPUS UMIRIM

Data: ___/___/____

1. Identificação do(a) Profissional a ) Sexo: ( ) feminino ( ) masculino Idade: _____ b) Tempo de Instituição (no IFCE):________ Tempo de lotação em Umirim: ___________ c) Graduação (Curso): ___________________________ Maior titulação: __________________ d) Estado Civil: __________________ Nº de Filhos? ____ ( ) Não tenho e) Nº de membros familiares (incluindo você : _____ f) Etnia: ( ) Negro ( ) Branco ( ) Indígena ( ) Pardo g) Renda Média Familiar: _______ Renda Média Per Capita: _______ h) Participa de algum movimento social e/ou sindical? ( ) sim ( ) não Qual? ________________ i) Já participou? ( ) sim ( ) não Qual? __________________________ 2. Atuação Profissional a) Já atuou na área da educação antes do seu ingresso no IFCE? ( ) sim ( ) não

Função exercida: ( ) professor(a) ( ) outra _______________________________________ b) Já atuou em outra(s) área(s) antes do ingresso no IFCE? ( ) sim ( ) não

Qual(is): ( ) saúde ( ) assistência social ( ) iniciativa privada ( ) judiciário ( ) previdência ( )

outro(s) _____________________________________________________________________ 3. Você conhece ações da Assistência Estudantil (A.E)? ( )sim ( )não Qual (is): __________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________ 4.Você já participou de alguma atividade da Assistência Estudantil? ( ) sim ( ) não 5. Você já encaminhou algum discente para a Assistência Estudantil: ( ) sim ( ) não

5.1 Foi realizado algum encaminhamento pela equipe? ( ) sim ( ) não ( ) não sei 5.2 A demanda do(a) aluno(a) estava relacionada à: ( ) discriminação/violência de gênero ( ) discriminação/violência de raça/etnia ( ) questão socioeconômica ( ) drogadição

( ) discriminação/violência pela orientação sexual ( ) violência doméstica ( ) questão disciplinar ( ) outra ____________________________________________________________________ 6. Você conhece a Política de Assistência Estudantil do IFCE? (Legislação) ( ) sim ( ) não 6.1 Qual a importância da assistência estudantil para os(as) estudantes do campus Umirim?

___________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ 7. Avalie as afirmativas abaixo de acordo com a sua compreensão sobre Assistência Estudantil: a) As ações de assistência estudantil não contribuem para a formação técnica e subjetiva dos

estudantes, sua importância se dá apenas no campo do auxílio financeiro para a garantia da

frequência escolar. ( ) concordo ( ) discordo ( ) Não tenho opinião sobre Justifique:_________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________ b) Estudantes negros, homossexuais, indígenas, mulheres, quilombolas, deficientes, possuem as

mesmas condições que os demais estudantes, portanto não devem ser tratados de forma

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190 diferenciada através de ações afirmativas, pois isso potencializa a discriminação e o

preconceito. ( ) concordo ( ) discordo ( ) Não tenho opinião sobre Justifique:_________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________ c) A Política de Cotas para estudantes negros, advindos de escolas públicas, de origem

indígena e quilombola, bem como de baixa condição socioeconômica, favoreceu o acesso deste

público nas Instituições de Ensino Superior, mas não resolveu o problema da permanência visto

que a escola ainda é um espaço excludente. ( ) concordo ( ) discordo ( ) Não tenho opinião sobre Justifique:_________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ d) A Assistência Estudantil é importante para garantir a permanência de grupos

historicamente excluídos e marginalizados no sistema educacional, porém ainda não consegue

ter o êxito desejado e possível. ( ) concordo ( ) discordo ( ) Não tenho opinião sobre Justifique:_________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ e) Ações afirmativas no espaço educacional para grupos sociais vulnerabilizados são menos

importantes do que a oferta de subsídio financeiro, a partir do Programa de Auxílios, para

garantir o acesso e a permanência dos estudantes no campus. ( ) concordo ( ) discordo ( ) Não tenho opinião sobre Justifique:_________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________ 8. Como a assistência estudantil pode contribuir para o processo de formação dos(as) estudantes

de Umirim? __________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________

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191

APÊNDICE D

ROTEIRO DE ENTREVISTA COM OS(AS) GESTORES(AS) DO CAMPUS UMIRIM (Direção de Ensino, Direção Geral, Coordenação Técnico Pedagógica e Coordenação de

Assuntos Estudantis)

I. QUESTÕES INTRODUTÓRIAS

1. Identificação do(a) servidor(a):

Nome____________________________ Cargo/função___________________________

Tempo na instituição IFCE _________ Tempo no campus Umirim _______________

2. Qual a sua compreensão sobre Assistência Estudantil e a sua importância para a Educação;

3. Fale sobre a Educação Profissional no campus Umirim e a sua importância para o

desenvolvimento local. Aponte dados, fontes, informações que possam ratificar a sua fala;

4. Conhece como se deu o processo de elaboração da Política de Assistência Estudantil do

IFCE? Participou deste processo? De que forma?

5. Que temáticas considera prioridade para serem trabalhadas pela Assistência Estudantil?

II. SOBRE TERMOS E REPRESENTAÇÕES SUBJETIVAS

6. Como o trabalho da assistência estudantil pode contribuir para a permanência de estudantes

historicamente excluídos do processo educacional, seja pela discriminação étnico-racial, seja

pela discriminação de gênero e/ou sexual?

7. Como você atua diante das situações de preconceito e discriminação dentro do ambiente

institucional? E fora dele?

8. Como você se comporta com as diferenças de:

a) gênero;

b) sexual;

c) étnico-racial;

9. Como você percebe a convivência das diversidades de gênero, sexual e étnico-racial dentro

do campus?

III. SOBRE OS RESULTADOS

10. Existe algum acompanhamento dos resultados obtidos nas ações da Assistência

Estudantil?

11. E os dados sobre o Ensino, quais são os principais índices/indicadores acompanhados?

Aponte-os;

12. Como se dá a intersetorialidade entre os setores ligados ao ensino, tais como coordenação

de assuntos estudantis, coordenação técnico pedagógica, coordenação de curso, controle

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192

acadêmico e direção de ensino? Aponte as principais dificuldades e as estratégias de

superação;

13. O que caracteriza o sucesso ou o fracasso da implementação da Política de Assistência

Estudantil no campus?

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193

ANEXO A

UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ – UFC

MESTRADO EM AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS – MAPP 2017

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Prezado (a) Técnico(a) ou Gestor (a),

Você está convidado(a) a participar de um estudo que tem a finalidade de Avaliar

a Política de Educação e de Assistência Estudantil do Instituto de Educação, Ciência e

Tecnologia do Ceará – IFCE, com recorte em um campus agrícola no município de Umirim.

Caso você concorde em participar, será solicitado a responder algumas perguntas

para conhecermos a sua opinião acerca dos programas, projetos, ações, objetivos da

Política de Assistência Estudantil executada no IFCE, com recorte para o campus

Umirim. As perguntas serão feitas através de entrevistas ou roda de conversa e/ou por meio

de questionários. No caso de entrevista ou roda de conversa as suas respostas serão gravadas

em MP3/MP4 para uso exclusivo da pesquisa. Manteremos seu nome em sigilo (caso prefira),

identificando-o(a) apenas como: profissional da gestão, profissional do campus, cargo ou

função.

Sua participação é livre e voluntária, e qualquer dúvida você pode procurar a pesquisadora,

Lorena de Menezes Brandão.

Agradecemos desde já sua colaboração.

CONSENTIMENTO PÓS-ESCLARECIDO

Declaro que, após convenientemente esclarecido pela pesquisadora, conforme acima descrito,

e ter entendido o que me foi explicado, consinto que minhas opiniões e ideias sejam utilizadas

conforme o presente protocolo de pesquisa.

Fortaleza, ___ de ___________________ de 2017.

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Assinatura do Entrevistado Lorena de Menezes Brandão - Pesquisadora

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ – UFC

MESTRADO EM AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS – MAPP 2016

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Prezado (a) Jovem,

Você está convidado(a) a participar de um estudo que tem a finalidade de Avaliar

a Política de Educação e de Assistência Estudantil do Instituto de Educação, Ciência e

Tecnologia do Ceará – IFCE, com recorte em um campus agrícola no município de Umirim.

Caso você concorde em participar, será solicitado a responder algumas perguntas

para conhecermos a sua opinião acerca dos programas, projetos, ações, objetivos da

Política de Assistência Estudantil executada no campus Umirim, bem como perguntas

sobre juventude, trabalho, participação, gênero, etnia, diversidade sexual e sobre o

próprio município de Umirim. As perguntas serão feitas através de questionários, entrevista

individual e/ou roda de conversa. No caso das entrevistas e/ou roda de conversa as suas

respostas serão gravadas em MP3/MP4 para uso exclusivo da pesquisa. Manteremos seu

nome em sigilo, identificando-o (a) apenas pela turma de estudo ou por um codinome.

Sua participação é livre e voluntária, e qualquer dúvida você pode procurar a pesquisadora,

Lorena de Menezes Brandão.

Agradecemos desde já sua colaboração.

CONSENTIMENTO PÓS-ESCLARECIDO

Declaro que, após convenientemente esclarecido pela pesquisadora, conforme acima descrito,

e ter entendido o que me foi explicado, consinto que minhas opiniões e ideias sejam utilizadas

conforme o presente protocolo de pesquisa.

Fortaleza, ___ de ___________________ de 2017.

_________________________________ ______________________________________ Assinatura do Entrevistado Lorena de Menezes Brandão - Pesquisadora

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Responsável legal (no caso de adolescentes)