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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
MESTRADO PROFISSIONAL EM AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS
LORENA DE MENEZES BRANDÃO
AVALIAÇÃO DA ASSISTÊNCIA ESTUDANTIL EM RELAÇÃO AO
RECONHECIMENTO DAS DIVERSIDADES NO CAMPUS AGRÍCOLA DE
UMIRIM/CE
FORTALEZA
2017
LORENA DE MENEZES BRANDÃO
AVALIAÇÃO DA ASSISTÊNCIA ESTUDANTIL EM RELAÇÃO AO
RECONHECIMENTO DAS DIVERSIDADES NO CAMPUS AGRÍCOLA DE UMIRIM/CE
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
graduação em Avaliação de Políticas
Públicas, da Universidade Federal do Ceará,
como requisito para a obtenção do título de
Mestre em Avaliação de Políticas Públicas.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Gema Galgani Silveira
Leite Esmeraldo.
FORTALEZA
2017
LORENA DE MENEZES BRANDÃO
AVALIAÇÃO DA ASSISTÊNCIA ESTUDANTIL EM RELAÇÃO AO
RECONHECIMENTO DAS DIVERSIDADES NO CAMPUS AGRÍCOLA DE UMIRIM/CE
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
graduação em Avaliação de Políticas
Públicas, da Universidade Federal do Ceará,
como requisito para a obtenção do título de
Mestre em Avaliação de Políticas Públicas.
Aprovada em: ___/___/_____
BANCA EXAMINADORA
______________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Gema Galgani Silveira Leite Esmeraldo (Orientadora)
Universidade Federal do Ceará (UFC)
______________________________________________________
Prof. Dr. Alcides Fernando Gussi
Universidade Federal do Ceará (UFC)
______________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Francisca Rejane Bezerra Andrade
Universidade Estadual do Ceará (UECE)
Aos sujeitos sociais a quem se destina a minha
prática profissional, que me inspiraram a
refletir sobre novas possibilidades de atuação
que corroborem para a construção de uma
sociedade mais equânime e solidária.
AGRADECIMENTOS
Durante toda trajetória de construção desse estudo, tenho muito a agradecer. Sou
grata a toda energia positiva emanada em prol do meu sucesso durante esta caminhada e, em
especial, àquelas pessoas que estiveram próximas participando dessa conquista.
Agradeço aos meus pais e à minha família, que sempre torceram e vibraram com
as minhas conquistas e sempre me incentivaram e acolheram as minhas decisões.
A minha companheira amorosa e amada que com paciência tem acolhido meus
percalços e despertado ânimo e muita determinação para os meus dias.
Aos meus amigos que compartilham das minhas alegrias e me impulsionam nas
horas difíceis.
A minha orientadora, Gema Galgani Esmeraldo, que com muita serenidade
auxiliou o meu percurso de aprendizagem, contribuindo para que eu chegasse até o fim dessa
etapa com êxito e paciência.
Aos (às) professores (as) do MAPP que contribuíram com as leituras e os debates
em sala de aula, os quais certamente estão refletidos nesta dissertação.
A minha banca de qualificação e de defesa que atendeu tão prontamente o meu
pedido e que muito contribuiu para o desenvolvimento desse trabalho, especialmente, para o
desenvolvimento da pesquisa. Com certeza, esse momento foi muito esclarecedor e
motivador!
Aos (às) meus (minhas) interlocutores (as) do trabalho de campo, que estiveram
disponíveis para participar da pesquisa e colaboraram com reflexões importantes sobre o
espaço do campus Umirim, ressignificando a minha relação profissional e humana.
Aos (às) colegas do IFCE – Umirim que viabilizaram a minha participação no
mestrado e a realização da pesquisa. A todos (as) a minha mais profunda e sincera gratidão.
“Que nada nos defina. Que nada nos sujeite.
Que a liberdade seja a nossa própria
substância”.
(Simone de Beauvoir)
RESUMO
O presente estudo tem como proposta avaliar a Assistência Estudantil e as diversidades de
gênero, étnico-racial e sexual no campus agrícola de Umirim/CE no enfrentamento às formas
associadas de desigualdades e de exclusão. A assistência estudantil configura-se como uma
política social inserida na política de educação superior e profissional, em que definimos a sua
análise em um campus do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará –
IFCE. Para efeito desse estudo problematizamos as contradições inerentes ao processo de
reordenamento do capital cujos interesses dos organismos financeiros mundiais orientam os
Estados dos países periféricos, com recorte para o Brasil, cujas reformas educacionais visam
atender as demandas do capital internacionalizado, repercutindo na reorganização dos
mercados e nas dramáticas desigualdades expressas nas relações sociais. A partir desse
contexto buscamos desvelar as possibilidades da assistência estudantil na construção de uma
sociedade mais equânime para os diferentes segmentos da sociedade inseridos na política de
educação. A pesquisa realizada é de natureza quanti-quali, pautada no método da avaliação
em profundidade (RODRIGUES 2008, 2011, 2017) que considera como dimensões de análise
o conteúdo da política; a análise do contexto em que foi formulada; a sua trajetória
institucional e o seu espectro temporal e territorial. A pesquisa bibliográfica e documental
primou pela interação da discussão teórica dos autores e as categorias de análise, com os
documentos e normativas sobre o tema, acrescido dos dados coletados com a pesquisa de
campo. Destacamos como as principais conclusões dessa avaliação a necessidade de
superação da visão de uma assistência estudantil pautada na “bolsificação” e na
assistencialização das demandas estudantis, ampliando sua atuação para outras dimensões da
vida dos sujeitos. É preciso fortalecer o entendimento de que a assistência estudantil é uma
política educacional, com o importante papel de contribuir com os processos formativos dos
(as) jovens, potencializando o seu desenvolvimento humano, cultural, social e político. Nesse
sentido, ela se insere diretamente nas expressões das desigualdades sociais, materiais e
simbólicas, exigindo respostas qualificadas, as quais precisam estar articuladas e integradas a
outras políticas sociais, assim como aos demais segmentos institucionais no espaço onde ela é
operacionalizada.
Palavras-chaves: avaliação, assistência estudantil, diversidade de gênero, étnico-racial e
sexual.
ABSTRACT
The present study aims to evaluate the Student Assistance and the diversity of gender, ethnic-
racial and sexual in the agricultural campus of Umirim/CE in facing the associated forms of
inequality and exclusion. Student assistance is defined as a social policy inserted in the policy
of higher and professional education, in which we define its analysis in a campus of the
Federal Institute of Education, Science and Technology of Ceará - IFCE. For the purpose of
this study, we problematize the contradictions inherent in the process of capital reorganization
whose interests of the world financial organisms orient the states of the peripheral countries,
with a cut for Brazil, whose educational reforms aim to meet the demands of internationalized
capital, repercussions on the reorganization of markets and in the dramatic inequalities
expressed in social relations. From this context we seek to unveil the possibilities of student
assistance in building a more equitable society for the different segments of society inserted in
education policy. The research carried out is of quanti-quali nature, based on the methodology
of the in-depth evaluation (RODRIGUES 2008, 2011, 2017) which considers as analysis
dimensions the content of the policy; the analysis of the context in which it was formulated;
its institutional trajectory and its temporal and territorial spectrum. Bibliographic and
documentary research was based on the interaction of the theoretical discussion of the authors
and the categories of analysis, with the documents and norms on the subject, plus the data
collected with the field research. We highlight as the main conclusions of this evaluation the
need to overcome the vision of an student assistance based on the "bolsification" and
assistance of student demands, expanding its performance to other dimensions of the subjects'
lives. It is necessary to strengthen the understanding that student assistance is an educational
policy, with the important role of contributing to the formative processes of young people,
enhancing their human, cultural, social and political development. In this sense, it is inserted
directly into the expressions of social, material and symbolic inequalities, demanding
qualified responses, which need to be articulated and integrated with other social policies, as
well as with other institutional segments in the space where it is operationalized.
Keywords: evaluation, student assistance, gender, ethnic-racial and sexual diversity
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Tabela 01 – Interlocutores (as) e Técnica de coleta dos dados .............................................. 38
Tabela 02 – Evadidos (as) por turma - Curso Agropecuária campus Umirim/CE ............... 43
Tabela 03 – Percepção sobre a Assistência Estudantil /Docentes (Área Técnica) ................. 99
Tabela 04 – Participação Social ............................................................................................ 106
Tabela 05 – Quanto ao segmento do Movimento Social ...................................................... 106
Tabela 06 – Quanto ao (à) Sexo/Faixa Etária/Origem/Raça-Etnia ....................................... 110
Tabela 07 – Grupo Etário/ Município ................................................................................... 129
Quadro 01 – Definição das faixas etárias e escolaridade adequada ...................................... 130
Figura 01 – Matrículas semestre letivo 2016.2 ..................................................................... 41
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 01 - Motivos apontados para a não participação dos (as) estudantes em movimentos
sociais ............................................................................................................... 107
Gráfico 02 – Faixa etária por município de Origem ............................................................. 130
Gráfico 03 – Renda per capita familiar................................................................................. 135
Gráfico 04 - Benefício da Assistência Social ........................................................................ 136
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
A.E – Assistência Estudantil
CAE – Coordenação de Assuntos Estudantis
CCA – Coordenação de Controle Acadêmico
CEFET – Centro Federal de Educação Tecnológica
CIAT - Comissão de Instalação das Ações Territoriais
CONSUP – Conselho Superior
CTP - Coordenação Técnico-Pedagógica
DAE – Diretoria de Assuntos Estudantis
DISOC - Diretoria de Estudos e Políticas Sociais - DISOC
ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente
EPT - Educação Profissional e Tecnológica
FHC – Fernando Henrique Cardoso
FNB - Frente Negra Brasileira
FONAPRACE – Fórum Nacional de Pró-Reitores de Assuntos Comunitários e Estudantis
GTI - Grupo de Trabalho Interministerial de Valorização da População Negra
IFCE – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará
IFET’s – Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia
IFES – Instituições Federais de Ensino Superior
LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação
LGBTT – Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros
MAPP – Mestrado em Avaliação de Políticas Públicas
MDA - Ministério do Desenvolvimento Agrário
MEC – Ministério da Educação
MMC - Movimento de Mulheres Camponesas
MMTR - Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais
MNU - Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial
NAPNES- Núcleos de Apoio a Pessoas com Necessidades Específicas
PDE – Plano de Desenvolvimento da Educação
PDI – Plano de Desenvolvimento Institucional
PEBE - Programa Especial de Bolsa de Estudo
PEP - Programa de Ensino Profissionalizante
PNAES – Programa Nacional de Assistência Estudantil
PNDH - Programa Nacional dos Direitos Humanos
PNE – Plano Nacional de Educação
PNQ – Plano Nacional de Qualificação
PROEN - Pró-Reitoria de Ensino
PROEJA- Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica
na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos
Projovem - Programa de Inclusão de Jovens: Educação, Qualificação e Ação Comunitária
PRONAT - Programa de Desenvolvimento Sustentável de Territórios Rurais
ProUni – Programa Universidade para Todos
REUNI – Reestruturação e Expansão das Universidades Federais
RFEPT - Rede Federal de Ensino Profissional, Científica e Tecnológica
ROD - Regulamento da Organização Didática
SDT - Secretaria de Desenvolvimento Territorial
SETEC – Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica
Sigproext - Sistema de Gerenciamento da Pró-Reitoria de Extensão
SISAE - Sistema Informatizado de Assistência Estudantil
TCU – Tribunal de Contas da União
TEN - Teatro Experimental do Negro
UNE – União Nacional dos Estudantes
UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura
SUMÁRIO
1 À GUISA DE INTRODUÇÃO ....................................................................................... 13
1.1 Construção do objeto de pesquisa: a pesquisadora e o lócus de investigação ................. 20
1.2 Os capítulos e suas discussões.......................................................................................... 23
2 AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS: DOS ELEMENTOS CONCEITUAIS
AO PERCURSO METODOLÓGICO.......................................................................... 26
2.1 Expansão da Rede Federal de Educação Profissional e o Instituto Federal de Educação
do Ceará - IFCE ............................................................................................................ 29
2.1.1 Umirim e o campus ....................................................................................................... 32
2.2 Metodologia da Pesquisa: técnicas e instrumentais ...................................................... 35
2.2.1 Interlocutores (as) da pesquisa .................................................................................... 38
3 REORDENAMENTO DO CAPITAL, DESIGUALDADES SOCIAIS E POLÍTICAS
SOCIAIS ........................................................................................................................ 45
3.1 Políticas Sociais e o desafio do combate às desigualdades ........................................... 54
3.2 A Política de Assistência Estudantil enquanto Política Social .................................... 58
3.3 Assistência Estudantil no Brasil ................................................................................... 61
3.4 A Política de Assistência Estudantil no Instituto Federal do Ceará ............................. 74
3.4.1 Política de Assistência Estudantil do IFCE e a inclusão das diferenças..................... 83
3.4.2 Campus Umirim e a Política de Assistência Estudantil do IFCE ................................ 88
4 OS SUJEITOS E SUAS DIVERSIDADES: O OUTRO LADO DA ASSISTÊNCIA
ESTUDANTIL .............................................................................................................. 109
4.1 Falando sobre Gênero .................................................................................................... 117
4.2 Juventude(s) e seus territórios ........................................................................................ 128
4.3 Desigualdade étnico-racial em foco ............................................................................... 137
4.4 Diversidade Sexual: identidades construídas ................................................................. 148
REFLEXÕES E PROPOSIÇÕES FINAIS ....................................................................... 167
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................. 175
APÊNDICE A – Questionário semiestruturado aplicado aos (às) alunos (as) do Curso
Técnico Subsequente em Agropecuária ............................................................................ 185
APÊNDICE B - Roteiro de entrevista com os (as) alunos (as) do Curso Técnico
Subsequente em Agropecuária .......................................................................................... 187
APÊNDICE C - Questionário semiestruturado aplicado aos (às) docentes da área técnica
do Curso de Agropecuária do campus Umirim/CE ......................................................... 189
APÊNDICE D - Roteiro de entrevista com os(as) gestores(as) do campus Umirim/CE ................................................................................................................................................ 191
ANEXOS .............................................................................................................................. 193
13
1. À GUISA DE INTRODUÇÃO
A partir do interesse em avaliar a Política de Assistência Estudantil do Instituto
Federal de Educação do Ceará – IFCE, campus Umirim, no atendimento às demandas das
juventudes1 marcadas pelas desigualdades e exclusões, evidenciamos as diferenças de gênero,
sexual e étnico-racial como fatores de discriminação e exclusão do processo educacional. Para
facilitar a nossa compreensão acerca do processo de produção das desigualdades e do
surgimento das políticas sociais apresentamos a discussão teórica em torno do processo de
reorganização do capital e de suas forças produtivas, com consequente influência na
consolidação do projeto nacional de educação no Brasil, em que se observam especificidades
na institucionalização da rede de educação profissional no país, a partir de 2008. O recorte
empírico da avaliação se insere como elemento de atuação da assistência estudantil no
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará - IFCE, campus Umirim/CE,
corroborando com elementos constitutivos do Programa Nacional de Assistência Estudantil –
PNAES (2010), norteador da Política de Assistência Estudantil do IFCE (2015), como se verá
no decorrer do trabalho.
Ressaltamos aqui a elaboração de normatizações e regulamentações, pelo IFCE,
que estruturam e organizam a assistência estudantil como Política, em âmbito institucional,
diferindo-se da assistência estudantil em âmbito nacional, a qual corresponde a um Programa
regulamentado por Decreto de nº 7.234/2010, o PNAES. É oportuno esclarecermos que ao nos
referirmos à assistência estudantil, em âmbito nacional e local, verificamos status
diferenciados.
Nacionalmente, ela se apresenta na forma de Programa e se estrutura por um
conjunto de princípios e diretrizes que norteiam a implantação de ações que visam garantir
aos (às) estudantes o acesso, a permanência e a conclusão, com êxito e qualidade, dos cursos
de graduação nas Instituições Federais de Ensino – IFES, incorporando-se, posteriormente, os
Institutos Federais de Educação.
Apesar de o Decreto representar um grande avanço para a Política de Assistência
Estudantil, ele ainda se configura como uma forma fragilizada para a regulamentação da
garantia desse direito, uma vez que o fato de não ser propositura do poder legislativo impede a
aquisição do caráter de lei, tornando as ações vulneráveis ao interesse político do momento.
1Compreende-se este conceito de forma ampla, superando a ideia da determinação etária, a qual enquadra todos
os jovens sem considerar suas particularidades, identidades, perfis sociocultural e econômico. Sobre o assunto
ver: PAIS (2006).
14
O PNAES prevê autonomia às instituições de ensino para a elaboração de seus
programas e políticas de assistência aos (às) estudantes. A Política de Assistência Estudantil
do IFCE, portanto, norteia-se pelas legislações instituídas em âmbito nacional, tendo sido
concebida a partir de um processo de discussão institucional, que envolveu diversos sujeitos2
respeitando os princípios e diretrizes do PNAES, na regulamentação e operacionalização de
programas, serviços e ações de assistência estudantil nos campi do IFCE.
Vale ressaltar que a base legal da assistência estudantil na esfera nacional
encontra fundamentação em outras legislações e regulamentações, como na Constituição
Federal de 1988, em seu artigo 206 e na Lei de Diretrizes e Base da Educação – LDB de
1996, em seu artigo 3º, onde ambas afirmam a “Igualdade de condições para o acesso e
permanência na escola”; no Plano de Desenvolvimento da Educação (2007) que institui o
Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais –
REUNI (2007) e o Programa Nacional de Assistência Estudantil - PNAES (2007), além dos
Planos Nacionais de Educação (2001/2010) e (2014/2024) em que citamos a Meta 12,
Estratégia 12.5 do PNE (2014) onde se prevê “Ampliar as políticas de inclusão e de
assistência estudantil”.
O arcabouço legal supracitado aponta para a necessidade de ampliação de
políticas de inclusão e atendimento aos (às) estudantes das instituições federais de ensino,
oportunizando igualdade de condições para o acesso e a permanência daqueles (as) mais
vulnerabilizados (as), encontrando amparo nas reivindicações sociais ao longo da história.
Contudo, traduzem também a efetivação das orientações dos principais organismos
multilaterais para a reforma da educação no Brasil, a fim de mantê-lo subordinado aos
interesses do grande capital que impõe suas regras para o financiamento das nações
subdesenvolvidas.
As reflexões e análises à luz dos referidos documentos contribuirão para a leitura
e apresentação da Política de Assistência Estudantil do IFCE abordando dimensões
imprescindíveis à realização de uma avaliação mais analítica, sendo fundamental investigar,
como nos sugere Rodrigues (2008), não só o conteúdo da política em questão, mas também o
contexto em que foi formulada.
2O processo de discussão do referido documento envolveu, sob a coordenação da Diretoria de Assuntos
Estudantis – DAE, diversos profissionais das equipes de assistência estudantil dos campi da Rede IFCE, entre
eles: assistentes sociais, psicólogos (as), pedagogos (as), assistentes de alunos (as), enfermeiros (as), entre outras
categorias. Vale ressaltar que os (as) coordenadores (as) das equipes de assistência estudantil e alguns/mas
representantes da classe estudantil também participaram do processo de elaboração da referida Política.
Disponível em: <http://www2.ifce.edu.br/biblioteca/3-noticias/outras-noticias/2202-ifce-debate-assistencia-ao-
estudante-mais-de-70-profissionais-estabelecem-politica-para-a-area.html> Acesso em 23 de junho 2017.
15
Retomando a apresentação sobre o objeto do presente estudo informamos que ele
possui fundamento a partir das demandas atendidas no setor de serviço social, no qual atuo
como profissional inserida na Política de Assistência Estudantil do IFCE – campus Umirim, e
vincula-se à linha de Pesquisa Educação e Mudanças Sociais do Programa de Pós-graduação
em Avaliação de Políticas Públicas – MAPP, da Universidade Federal do Ceará.
Atendimentos realizados aos (às) estudantes contribuíram para despertar o
interesse acerca de outras possibilidades na operacionalização desta Política, buscando
conhecer e compreender as diversidades3 que existem no universo educacional, onde
destacamos aquelas que se relacionam com as questões de gênero, étnico-racial e sexual,
assim como a multiplicidade de suas expressões como necessidades e vulnerabilidades que
interferem nas condições de igualdade de oportunidades para todos os segmentos inseridos na
educação.
Neste sentido, problematizamos a inserção da assistência estudantil em um
campus de natureza agrícola, no contexto de um Instituto Federal de Educação e a dinâmica
que orienta o modelo educacional brasileiro. Destacamos, entretanto, que embora a assistência
estudantil tenha avançado em uma perspectiva de direito e de garantia da educação para os
segmentos mais vulnerabilizados da sociedade, ela engendra contradições que apontam para o
viés assistencialista na constituição das políticas sociais e para o processo de financeirização
na Política de Educação no Brasil. A centralidade na oferta de auxílios (moradia, transporte,
alimentação, entre outros) para a manutenção de estudantes pobres nas instituições públicas
de ensino superior e nos Institutos Federais, em detrimento da oferta de serviços universais,
define o caráter focalista e seletivo, ainda predominante, da política de assistência estudantil.
Apesar do caráter contraditório em que se insere essa política social reconhecemos
que a destinação de recursos e criação de mecanismos para que os (às) estudantes possam
permanecer na universidade e concluir seus estudos é legítima, fazendo parte de uma luta
histórica do movimento estudantil. Entretanto, é oportuno reconhecer e identificar outros
caminhos que transcendam o fator meramente socioeconômico, abrindo possibilidades para o
convívio entre as diferenças e para a efetivação de uma educação integral, entendendo-a como
nos apresenta Gonçalves (2006, p.03):
3Trabalhamos o termo “diversidades” no sentido de identificar e reconhecer as multiplicidades das diferenças
que caracterizam os sujeitos compreendidos nos espaços de operacionalização das políticas públicas. Nesse
sentido, as políticas são colocadas diante da necessidade de repensar seus parâmetros e formatos institucionais de
atuação junto aos diversos segmentos sociais e suas demandas.
16
O conceito mais tradicional encontrado para a definição de educação integral
é aquele que considera o sujeito em sua condição multidimensional, não
apenas na sua dimensão cognitiva, como também na compreensão de um
sujeito que é sujeito corpóreo, tem afetos e está inserido num contexto de
relações. Isso vale dizer a compreensão de um sujeito que deve ser
considerado em sua dimensão biopsicossocial. Acrescentamos, ainda, que o
sujeito multidimensional é um sujeito desejante, o que significa considerar
que, além da satisfação de suas necessidades básicas, ele tem demandas
simbólicas, busca satisfação nas suas diversas formulações de realização,
tanto nas atividades de criação quanto na obtenção de prazer nas mais
variadas formas.
Delimitamos, portanto, como objeto de investigação a avaliação sobre a
assistência estudantil e as diversidades de gênero, étnico-racial e sexual no campus agrícola
de Umirim no enfrentamento às formas associadas de desigualdades e de exclusão, para isso
partimos do entendimento de que as desigualdades produzidas no conjunto da sociedade são
frutos da incorporação dos valores da sociedade do capital que configuram relações sociais e
de trabalho produtoras de exclusões e discriminações, as quais merecem atenção das políticas
sociais, em especial no âmbito da educação.
A fim de elucidar nosso objeto, procuramos: delinear a política de assistência
estudantil e de educação profissional ofertada no campus Umirim - IFCE; identificar o nível
de conhecimento de gestores (as), professores (as) e jovens sobre a Política de Assistência
Estudantil; refletir sobre as diversidades existentes no campus Umirim e sobre suas demandas
e percepções sobre o curso técnico de agropecuária e a assistência estudantil; e, por fim,
desvelar as possibilidades de atuação da equipe de assistência estudantil, no ambiente
institucional, qualificando as respostas frente às desigualdades enfrentadas pelos (as)
estudantes na Política de Educação e contribuindo para a efetivação de um processo de
formação integral.
Ao refletirmos sobre os referidos objetivos entendemos que não é possível pensar
a educação desvinculando-a de um projeto de classes, em que os interesses econômicos e do
mercado tornam-se pilares nas diretrizes que norteiam o sistema de ensino brasileiro,
estimulando a criação de políticas públicas dentro da própria política de educação, tanto para
subsidiar a sua operacionalização, como para reduzir os conflitos decorrentes da contradição
do capital alastrados para todos os espaços da vida em sociedade, incluindo a escola.
Considerando os elementos constitutivos dessa investigação, concordamos com
Gil (2007, p.17) ao definir o processo de pesquisa como um:
17
[...] procedimento racional e sistemático que tem como objetivo
proporcionar respostas aos problemas que são propostos. A pesquisa
desenvolve-se por um processo constituído de várias fases, desde a
formulação do problema até a apresentação e discussão dos resultados.
Portanto, a partir do objeto de pesquisa definido formulamos duas hipóteses que
nortearão a investigação empírica. Para tanto, identificamos como problema da pesquisa a
seguinte questão: como os (as) estudantes, gestores (as) e docentes do campus agrícola de
Umirim, compreendem a atuação da assistência estudantil no combate às desigualdades de
gênero, étnico-racial e sexual e o seu impacto no processo formativo?
Diante do problema em questão consideramos como nossa primeira hipótese que a
assistência estudantil atua diretamente no processo de formação dos (as) estudantes no
combate ao preconceito, à discriminação e às desigualdades de cunho étnico-racial, sexual e
de gênero e modifica a experiência do (a) aluno (a) com a escola e com a sociedade e; como
segunda hipótese, que a assistência estudantil tem como maior desafio a ruptura com a
concepção hegemônica de mera assistência financeira aos (às) alunos (as) mais pobres,
devendo construir, articulada a outras políticas sociais, estratégias de superação das
desigualdades sociais, econômicas e culturais que se configuram na sociedade
contemporânea.
Diante da descrição do objeto, dos objetivos, do problema da pesquisa e das
hipóteses formuladas para desvelar os caminhos possíveis para a assistência estudantil, a
partir de uma compreensão ampliada sobre a sua função, reafirmamos a delimitação dessa
avaliação sobre a execução da Política de Assistência Estudantil no campus Umirim do IFCE,
considerando especificidades de um campus Agrícola e elementos da formação profissional e
humana dos (as) estudantes. Para isso, identificamos também as percepções dos sujeitos
investigados sobre o Curso de Agropecuária, sobre a formação técnica e sua importância e,
sobre o diálogo no ambiente escolar de outras temáticas que contribuam para uma formação
ampliada, social e cidadã.
Entendemos que apreender as representações sociais acerca do nosso objeto, a
partir do olhar de outros (as) agentes que interagem no ambiente institucional, tais como
gestores (as) no âmbito de cargos de direção e de coordenação; docentes, em particular
aqueles (as) com formação em áreas técnicas, possibilita uma melhor discussão e
compreensão sobre como a Política de Assistência Estudantil se insere na dinâmica do
campus, possibilitando identificar especificidades dos Institutos Federais de Educação que
possuem, pela sua natureza de formação, elementos próprios, tanto no que tange à educação
18
ofertada como na caracterização do público atendido neste espaço. Assim, consideramos
oportuno tornar heterogêneo o grupo interlocutor, considerando os (as) estudantes como
público central, sem descartar, contudo, novos olhares.
Desse modo, compuseram a interlocução da nossa pesquisa 03 servidores (as) em
cargo de Gestão4, sendo dois docentes e um (a) técnico-administrativo e 05 professores (as) da
área técnica do Curso em Agropecuária no campus Umirim5. Além dos dois grupos, também
participaram da pesquisa 26 jovens estudantes matriculados (as) nas turmas de Subsequente6
do referido Curso. Estes procederam inicialmente à primeira etapa da pesquisa de campo, a
saber: a aplicação dos questionários semiestruturados. Dentre o grupo de 26 estudantes, 04
foram posteriormente entrevistados (as). Trouxemos ainda dados gerais sobre o perfil dos (as)
159 alunos (as) matriculados (as) dentro do período letivo de 2016, com recorte apenas das
turmas selecionadas para a investigação.
Fizemos um esforço em identificar as ações previstas pela Política de Assistência
Estudantil do IFCE, bem como suas diretrizes e seus objetivos, os quais norteiam o trabalho
com as diversidades no espaço daquela instituição, fomentando o combate ao preconceito, à
discriminação e às desigualdades de cunho étnico-racial, sexual e de gênero. Os dados
observados nos ajudaram a elucidar o objeto central desta pesquisa, a partir do
reconhecimento das diversidades existentes no campus, as quais demandam respostas
qualificadas, e nem sempre de caráter material.
Ratificamos que as vulnerabilidades econômicas precisam ser trabalhadas com os
aspectos pedagógicos e psicossociais, formatando desse modo uma Política Pública de
Assistência Estudantil que transcenda às questões de subsistência material, acolhendo o
indivíduo na sua integralidade. Assim, torna-se imprescindível a articulação entre as ações
4Priorizamos para a realização das entrevistas os (as) gestores (as) ligados (as) ao ensino e à assistência
estudantil. Na previsão inicial fizemos um recorte para quatro direções/coordenações, a saber: direção geral,
direção de ensino, coordenação técnico-pedagógica - CTP e coordenação de assuntos estudantis - CAE. Contudo,
foram realizadas três das quatro entrevistas previstas, pois a coordenadora da CTP estava de licença maternidade
no período da pesquisa. 5Foram entregues os questionários para a totalidade dos docentes do curso técnico em agropecuária, oito
professores (as). Destacamos que cinco deles (as) fizeram a devolutiva do instrumental e que não houve
apresentação de justificativa por parte daqueles (as) que não entregaram o questionário no prazo definido. 6Conforme define a Lei n° 11.741, a educação profissional técnica de nível médio articulada, prevista no inciso I
do caput do art. 36-B desta Lei, será desenvolvida de forma: I - integrada, oferecida somente a quem já tenha
concluído o ensino fundamental, sendo o curso planejado de modo a conduzir o aluno à habilitação profissional
técnica de nível médio, na mesma instituição de ensino, efetuando-se matrícula única para cada aluno; II-
concomitante, oferecida a quem ingresse no ensino médio ou já o esteja cursando, efetuando-se matrículas
distintas para cada curso, e podendo ocorrer: a) na mesma instituição de ensino, aproveitando-se as
oportunidades educacionais disponíveis; b) em instituições de ensino distintas, aproveitando-se as oportunidades
educacionais disponíveis; c) em instituições de ensino distintas, mediante convênios de intercomplementaridade,
visando ao planejamento e ao desenvolvimento de projeto pedagógico unificado. E ainda conforme o artigo Art.
36-B, II - subsequente, em cursos destinados a quem já tenha concluído o ensino médio.
19
assistenciais e o processo educativo, justificando-se para isso a importância de uma equipe
interdisciplinar (assistentes sociais, psicólogos (as), pedagogos (as), enfermeiros (as),
nutricionistas, entre outros), que trabalhe de modo integrado, a partir da compreensão do
sujeito em sua totalidade, com suas trajetórias e realidades.
A assistência estudantil, cuja premissa é de prover os recursos necessários para a
superação dos obstáculos e dos impedimentos ao bom desempenho acadêmico, transita,
enquanto política social, em todas as áreas dos direitos humanos, perpassando por ações de
saúde e articulando-se com diversas políticas setoriais (assistência social, previdência,
secretaria de educação, etc.). Em um verdadeiro caleidoscópio de possibilidades de atuação,
essa política incide desde os instrumentais pedagógicos necessários à formação profissional,
nas mais diferentes áreas do conhecimento, passando pelo acompanhamento das necessidades
educativas especiais e questões relacionadas a toda e qualquer forma de preconceito e
discriminação, até o provimento dos recursos mínimos para a sobrevivência do (a) estudante.
A expansão do ensino superior, juntamente com a criação dos cursos técnicos e
tecnológicos, associado aos demais programas do governo federal, geraram a ampliação de
vagas e o acesso de estudantes historicamente excluídos da educação formal, e isto favoreceu
ao surgimento de um novo perfil estudantil, tornando o público mais heterogêneo,
especialmente nas universidades, evidenciando a necessidade de uma abertura para o diálogo
no espaço acadêmico sobre as diversidades, a fim de atendê-las em suas diferenças garantindo
a igualdade de oportunidades.
Apesar de não ter havido uma forte modificação do perfil dos (as) estudantes nos
Institutos Federais de Educação, visto que este sempre atendeu majoritariamente filhos (as) de
trabalhadores (as), diferente da universidade que mantinha um caráter mais elitista,
verificamos que a expansão do ensino técnico e tecnológico7, agregou uma parcela da
população que não conseguia ter acesso a outros níveis de escolarização. A instalação de
unidades do IFCE no interior do Estado, por exemplo, favoreceu a ampliação da assistência
estudantil para lidar com as demandas advindas desse segmento extremamente pauperizado e
fortemente caracterizado pelas refrações da questão social8.
7Correspondem a dois outros níveis de educação previstos pela LDB (1996), sendo o nível técnico destinado aos
(às) alunos (as) egressos (as) do curso médio e o nível tecnológico para egressos (as) do curso superior. 8Segundo Iamamoto (2001, p.10) a expressão questão social “diz respeito ao conjunto das expressões das
desigualdades sociais engendradas na sociedade capitalista madura, impensáveis sem a intermediação do Estado.
Tem sua gênese no caráter coletivo da produção, contraposto à apropriação privada da própria atividade humana
– o trabalho –, das condições necessárias à sua realização, assim como de seus frutos”.
20
A visibilidade e o debate acerca das diferenças de gênero, étnico-racial e sexual,
partindo da compreensão de aspectos subjetivos destes sujeitos, assim como a reflexão sobre a
relação capital – trabalho e seus rebatimentos na constituição de políticas públicas, com
recorte para a Política de Educação, são indispensáveis para subsidiar a construção de novos
modelos de atuação da assistência estudantil, entendendo que ela se insere no bojo das
contradições geradoras da dinâmica social e histórica da realidade brasileira.
Buscamos compreender as inúmeras possibilidades de trabalho de assistência
estudantil frente ao modelo educacional adotado no Brasil, em que a emancipação humana e a
construção de cidadãos e cidadãs mais críticos e politizados (as) tornam-se secundários diante
da formação técnica para o trabalho, moldando cada vez mais os sujeitos às necessidades dos
mercados. Ao propormos uma discussão, a partir de um olhar acerca das diversidades que
compõem o espaço escolar requeremos, em primeira instância, o reconhecimento do poder
institucional que reproduz um conjunto de interdições, censuras, discursos, ideias,
representações e práticas discriminatórias e preconceituosas, normatizando padrões de
“normalidade” que se expressam na violência contra o (a) negro (a), o (a) homossexual, a
mulher, o (a) índio (a), ou sobre qualquer “outro” que não esteja amparado no conjunto
dinâmico de valores, normas e crenças da lógica dominante (JUNQUEIRA, 2009).
Dessa maneira, afirmamos que a escola cumpre um importante papel na
conformação dos sujeitos sobre o “aceitável” e o “não aceitável” dentro da sociedade, ainda
que não se atribua a ela o poder e a responsabilidade de construir identidades sociais ou de
determiná-las de forma definitiva. Assim, concordamos com Louro (1999, p.21), ao
considerar a necessidade de reconhecer que na escola “suas proposições, suas imposições e
proibições fazem sentido, têm ‘efeitos de verdade’, constituem parte significativa das histórias
pessoais.” É, pois, a partir deste reconhecimento que nos propomos discutir estruturas
conservadoras e a possibilidade de construção de espaços mais democratizados e integradores
no ambiente educacional.
A seguir apresentaremos o processo de aproximação da pesquisadora com o
campo de estudo em seu espaço sócio ocupacional, o qual se constituiu como lócus deste
estudo.
1.1 Construção do objeto de pesquisa: a pesquisadora e o lócus de investigação
O despertar para esta temática deveu-se à vivência profissional, como assistente
social da equipe de assistência estudantil, no Instituto Federal de Educação, Ciência e
21
Tecnologia do Ceará - campus Umirim, possibilitando uma aproximação direta com o objeto
em estudo. A inserção em um campus agrícola permitiu o contato com as juventudes daquele
território, bem como àquelas dos territórios adjacentes, as quais são público direto da Política
de Educação Profissional do Instituto Federal do Ceará, executada no município de Umirim, e
consequentemente da sua Política de Assistência Estudantil.
A vivência como assistente social de março de 20149 até os dias atuais instigou
questionamentos sobre a igualdade de oportunidades entre aqueles (as) jovens, pois as
narrativas e as ações institucionais dão centralidade à discussão da formação técnica e da
empregabilidade do público atendido no campus, desconsiderando muitas vezes as diferenças
e as diversidades existentes no espaço escolar. As concepções disseminadas naquela unidade
de ensino acabam por consolidar a perspectiva meritocrática, produtivista e excludente da
educação, a qual desloca para o indivíduo a responsabilidade pelo êxito acadêmico e
profissional.
O trabalho desenvolvido pelos (as) profissionais da assistência estudantil10
(assistentes sociais, psicólogos (as), pedagogos (as), enfermeiros (as), entre outros), cujo
principal desafio é articular os (as) diversos (as) agentes institucionais, a fim de viabilizar a
igualdade de oportunidades entre todos (as) os (as) estudantes, e contribuir para a melhoria do
desempenho acadêmico, visando à redução da repetência e da evasão, apresenta-se como uma
ferramenta importante para pensar um modelo de política que consiga atuar junto aos
segmentos mais vulnerabilizados e oferecer uma identidade estudantil que reflita sobre os
pensamentos discriminatórios, que corrobore com a construção de trajetórias emancipatórias,
a partir de uma formação integral e da compreensão de que todos (as) são sujeitos de direitos,
com capacidade crítica, reflexiva e dialógica para vivenciar de forma livre e autônoma as suas
vidas.
Dar visibilidade a essa discussão é fundamental para trabalhar efetivamente a
igualdade de oportunidades, o respeito às diferenças e a construção de um modelo de
educação em que haja possibilidade concreta de transformação das realidades dos sujeitos.
Por isso, acreditamos que a intervenção da Política de Assistência Estudantil nos modelos
conservadores que reproduzem estigmas, preconceitos e desigualdades na sociedade, e a
9A pesquisadora foi aprovada em concurso público realizado pelo IFCE em 2012, mas tomou posse no cargo
apenas no ano de 2014, juntamente com outros (as) servidores (as) do mesmo cargo e de outras categorias
profissionais. 10
Prevista pelo Regulamento da Assistência Estudantil do IFCE, ela esclarece em seu Artigo 3º que as ações da
Assistência Estudantil possuem dois eixos norteadores, sendo o primeiro definido como “serviços” que visam
atender a toda a comunidade discente, e o segundo, “os auxílios” que se destinam ao atendimento prioritário ao
discente em situação de vulnerabilidade social.
22
participação das Juventudes na construção de políticas públicas voltadas para este segmento,
pode se configurar como importante estratégia de construção de um novo modelo de educação
para o Brasil.
É no trabalho diário, no contato direto com as realidades dos (as) discentes que se
identificam questões latentes que permeiam as relações sociais dos indivíduos, desde as suas
necessidades mais básicas até as problemáticas mais complexas que perpassam relações
familiares, dilemas culturais e sociais, esbarrando em uma série de violências e violações que
convivem no espaço institucional, sendo em alguns casos banalizados ou naturalizados.
Vale destacar que, como pesquisadora, tenho o privilégio de investigar o lócus do
nosso exercício profissional e de aprofundar o conhecimento acerca dos nossos desafios e das
possibilidades para uma atuação mais qualificada. No entanto, nos é exigido um
estranhamento acerca dos espaços que ocupamos como profissionais, em busca de um olhar
estrangeiro, que nos permita enxergar além do aparente e além daquilo que já conhecemos.
Este desafio é instigante na medida em que nos debruçamos em outras searas, conseguindo
olhar para o todo, sem o limite recortado da nossa intervenção. Avaliar a Política de
Assistência Estudantil do IFCE, a partir dos diferentes lugares sociais e profissionais, nos é
caro e estimulador, pois aponta para a possibilidade de avaliação desta Política de forma mais
densa e complexa, o que certamente contribuirá para nosso próprio fazer profissional, como
para provocar reflexões em âmbito mais geral.
O processo de investigação, entre outras coisas, nos permite uma compreensão
mais ampliada sobre o Instituto Federal de Educação do Ceará, visto que a nossa vivência
profissional, ainda recente, se deu apenas neste campus, o que muitas vezes restringe o
entendimento sobre o todo, bem como particulariza o modo de operacionalização da
assistência estudantil, dando uma sensação de que cada campus possui a sua própria Política,
o que não deve ocorrer, uma vez que as diretrizes, os princípios e os objetivos são comuns a
todas as unidades, devendo ser respeitadas as especificidades de cada uma.
Por fim, ressaltamos a formação profissional em serviço social como um dos
elementos de aproximação com o objeto em estudo, visto que o debate aqui travado está
pautado nos princípios e valores do Projeto Ético-Político da profissão, na perspectiva da
ampliação de direitos e consolidação da cidadania, bem como na defesa dos direitos humanos
e recusa a toda e qualquer prática de discriminação, incentivando o respeito à diversidade e à
participação de grupos socialmente discriminados.
23
O espaço educacional, o diálogo com as diferenças e suas contradições no que se
refere ao desenvolvimento pleno do sujeito para a possibilidade da emancipação humana, são
questões fundantes que despertaram a necessidade deste estudo, devendo ter maior
fecundidade em discussões e reflexões futuras por parte dos sujeitos envolvidos, direta e
indiretamente, nas Políticas de Educação e de Assistência Estudantil.
Pretendemos, com esse texto, elucidar questões acerca do tema, sem, contudo,
fazer afirmações definitivas e acabadas, mas contribuir para o aprofundamento de novos
estudos sobre assistência estudantil, que possam considerar as suas múltiplas possibilidades,
entre elas a de atuar junto aos grupos historicamente marginalizados do sistema educacional
brasileiro na construção efetiva de uma sociedade mais justa e igualitária.
Apresentaremos abaixo a estrutura a qual organizamos este trabalho, a fim de
tornar a leitura mais dinâmica e facilitada a partir do encadeamento lógico de ideias e
concepções, bem como da própria construção e discussão acerca do objeto.
1.2 Os capítulos e suas discussões
Neste capítulo buscamos apresentar a problemática em torno do objeto de
investigação, situando a sua origem, as contradições que o envolve, traçando os primeiros
elementos que constituirão a nossa análise ao longo da exposição dessa avaliação. Para isso,
demarcamos claramente nosso objeto de pesquisa, bem como os objetivos a que ele se
vincula, nossas hipóteses de partida, além de descrevermos no subitem 1.1 o processo de
aproximação da pesquisadora com o tema em questão, contextualizando o lócus definido para
a pesquisa e justificando a sua escolha e relevância. Ao longo desse capítulo introdutório
foram dadas pistas acerca do que iremos desenvolver como categorias de análise, referencial
teórico-metodológico e arcabouço legal, considerando as legislações e regulamentações que
fundamentam a assistência estudantil no Brasil. Entretanto, o aprofundamento desses
elementos se dará nos capítulos seguintes.
No segundo capítulo tivemos a preocupação de situar o leitor acerca do processo
metodológico da pesquisa, demarcando aspectos conceituais e o percurso da investigação,
caracterizando o território escolhido, definindo as técnicas, os instrumentais, os (as)
interlocutores (as), bem como as etapas inerentes ao processo investigativo. Nesse capítulo
apresentamos nossa escolha metodológica na perspectiva da Avaliação em Profundidade,
caracterizando o objeto como um estudo de caso ancorado no método crítico-dialético e
definimos as técnicas utilizadas para a apreensão de dados de natureza quanti-quali, com
24
maior incidência de instrumentos e técnicas de coleta de dados qualitativos. Ressaltamos
ainda que dividimos o capítulo em subitens para tornar didática a exposição do processo
metodológico adotado, considerando os aspectos conceituais, o lócus de investigação e o
processo empírico para a coleta de dados.
Dando prosseguimento à estruturação do texto ora apresentada apontamos no
terceiro capítulo elementos políticos, econômicos e sociais que pesam sobre a formatação das
políticas sociais no Brasil. A discussão acerca do reordenamento do capital, as modificações
sofridas no mercado de trabalho e as consequências desse processo para a Política de
Educação e, consequentemente, para a Política de Assistência Estudantil foram temas
trabalhados, respectivamente, no Capítulo 3 e seus subitens 3.1 e 3.2.
Tratamos ainda da própria Política de Assistência Estudantil, tanto sobre a sua
trajetória no Brasil, como a sua configuração dentro do IFCE, situando-a sempre como uma
política social inserida na educação. Nesse sentido, fizemos o esforço de apresentar uma
discussão teórica acerca da categoria política social e de caracterizá-la dentro do contexto
institucional do nosso lócus de estudo, trazendo à baila a análise do texto da Política
formatada no IFCE à luz dos dados obtidos na pesquisa de campo. Os subitens 3.3, 3.4 e
3.4.1, elucidaram, respectivamente, de modo específico, o histórico sobre a Assistência
Estudantil no Brasil; a Política de Assistência Estudantil no IFCE, tratando da sua concepção
e organização e a Política de Assistência Estudantil operacionalizada no campus Umirim/CE.
No quarto capítulo realizamos a discussão teórica de conceitos e categorias que
compõem nosso estudo, salientando e delimitando aquelas que se caracterizam como centrais
nesta pesquisa, quais sejam: diversidades, com recorte de gênero, etnia e raça e sexualidade;
desigualdades sociais e assistência estudantil. Buscamos proceder de modo dialógico com os
dados concebidos a partir do trabalho de campo. O referido capítulo também se estrutura em
subitens, os quais abordam suas discussões específicas na construção dos nossos referenciais
de análise.
Por fim, trouxemos algumas considerações ao final do texto com o intuito de
inferir às hipóteses iniciais reflexões e problematizações que merecerão novos olhares e
debates, a fim de ampliar as contribuições para a área da assistência estudantil. Além disso,
apresentamos constatações secundárias, notáveis e importantes, que se constituíram durante
esse estudo. A pesquisa social como investigação da realidade social, como afirma Minayo
(2001), é uma construção histórica e essencialmente dialética, o que não deixa de ser um
25
processo em constante construção, estando sujeita a alterações e não podendo se fechar em
uma única e rígida possibilidade.
O trabalho aqui realizado não pretende esgotar qualquer discussão sobre o tema,
mas visa contribuir para a reflexão sobre as possibilidades de atuação frente às desigualdades
entre os (as) jovens no processo de formação e de vivência dentro da sociedade, suscitando
questões que circundam o cotidiano profissional das equipes de assistência estudantil, bem
como a vida dos (as) diversos (as) estudantes que buscam na educação oportunidades para a
transformação de suas realidades.
Diante da apresentação dos capítulos e discussões contidas nesse texto, daremos
continuidade ao próximo capítulo, que discorrerá sobre o processo de pesquisa situando os
aspectos conceituais e metodológicos da nossa escolha.
26
2. AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS: DOS ELEMENTOS CONCEITUAIS
AO PERCURSO METODOLÓGICO
Para Fonseca (2002), metodologia, constitui como o estudo da organização, dos
caminhos a serem percorridos para se realizar uma pesquisa, indo além da descrição dos
procedimentos, pois demarca a escolha teórica realizada pelo (a) pesquisador (a). Nesse
sentido, apontamos aqui nossa escolha pela abordagem metodológica apresentada por
Rodrigues (2008), denominada Avaliação em Profundidade, entendendo que esta supera as
abordagens tradicionais de avaliação de políticas públicas, por considerar que o processo de
avaliação de uma política e/ou programa possui uma abrangência analítica mais geral, sendo
imprescindível, para isso, realizar um processo de investigação que considere quatro
dimensões: o conteúdo da política em questão, contemplando sua formulação, as bases
conceituais e sua coerência interna; a análise do contexto em que foi formulada; a sua
trajetória institucional, e o seu espectro temporal e territorial. Portanto, nosso esforço foi o de
considerar as dimensões defendidas pela referida autora, a fim de nortear metodologicamente
a avaliação da Política de Assistência Estudantil no IFCE, com recorte para o campus
Umirim/CE.
Ressaltamos que a referida política está inserida como política social no âmbito da
política de educação, tendo como recorte a educação profissional. Nosso lócus de pesquisa
está circunscrito em um Instituto Federal de Educação, cuja função é a formação técnica,
sendo esse elemento uma especificidade no contexto das análises, contudo, não terá
centralidade em nosso estudo, pois compreendemos que a política de educação profissional
não configura o objeto da nossa pesquisa.
Partindo para as dimensões elencadas por Rodrigues (2008), consideramos para a
análise de conteúdo da política o marco regulatório, as leis, os decretos, os documentos
institucionais e outras fontes possíveis de pesquisa, para constituir a formulação da assistência
estudantil em âmbito nacional, bem como no IFCE.
Para delinearmos a trajetória percorrida pela Assistência Estudantil no Brasil até a
sua institucionalização e operacionalização no campus Umirim fez-se necessário conhecer a
concepção, formulação e bases teóricas estabelecidas em nível nacional, assim como as
discussões e legislações elaboradas no âmbito institucional do IFCE. Para obter os dados
pertinentes a este estudo utilizamos um conjunto de técnicas de pesquisa que permitiram uma
avaliação extensa e detalhada, como sugere Rodrigues (2008).
27
Iniciamos pela pesquisa bibliográfica, imprescindível no processo de investigação,
em que, no nosso caso, foi fundamental para elucidar o processo histórico e político de
concepção das primeiras práticas de assistência estudantil no país e para contextualizar a
participação dos (as) próprios (as) estudantes no processo reivindicatório para a garantia do
acesso e permanência nas universidades. A pesquisa bibliográfica, através da busca de
legislações, de decretos, de registros documentais e de trabalhos já realizados sobre a
temática, permitiu a construção de um pensamento decodificado sobre a trajetória percorrida
pelo nosso objeto de estudo. Além disso, permitiu a construção do nosso referencial teórico
para o embasamento das categorias de análise a serem trabalhadas ao longo da pesquisa.
Optamos também pela pesquisa documental, que de acordo com Matos e Vieira
(2001) nela trabalha-se com dados primários, ou seja, com aquilo que não foi analisado e
publicado, o que possibilita sua reelaboração segundo a ótica do (a) pesquisador (a). Por isso é
indispensável o diálogo entre a bibliografia pesquisada, os documentos oficiais e os dados
coletados. Também foram pesquisadas normativas e documentos institucionais para tratar
sobre a Política de Assistência Estudantil do IFCE, além de estudos realizados anteriormente
por outros (as) pesquisadores (as), considerando principalmente os apontamentos sobre o seu
processo de institucionalização e regulamentação.
No que se refere ao espectro temporal-territorial, consideramos o período da
implantação da assistência estudantil no referido campus, considerando o surgimento da
unidade em 2008 e a estruturação da Coordenação de Assuntos Estudantis em 2014.
Utilizamos essas referências no sentido de estabelecer um marco temporal que contemple
tanto a institucionalidade dos Institutos Federais, como o início da política de assistência
estudantil no campus Umirim do IFCE. Portanto, para fins de demarcação do nosso espectro
temporal, definimos os anos de 2014 a 2016, onde trabalhamos o resgate histórico da
trajetória institucional da política no campus e na própria instituição.
Com relação à pesquisa de campo, abrangemos as informações dos (as) estudantes
com matrícula ativa no semestre letivo de 2016.2, das turmas de subsequente do curso técnico
em agropecuária. Nesse caso, demarcamos temporalidades distintas, a fim de contemplarmos
a trajetória da política e a sua operacionalização no contexto mais atual.
No tocante ao espectro territorial realizamos um recorte entre os trinta e dois
campi do IFCE11
, incluindo aqui a Reitoria, onde definimos o campus de Umirim como lócus
11
Os campi do IFCE são: Acaraú, Aracati, Baturité, Boa Viagem, Camocim, Canindé, Caucaia, Cedro, Crateús,
Crato, Fortaleza, Guaramiranga, Horizonte, Iguatu, Itapipoca, Jaguaribe, Jaguaruana, Juazeiro do Norte,
Limoeiro do Norte, Maracanaú, Morada Nova, Paracuru, Pecém, Polo de Inovação Fortaleza, Quixadá, Reitoria,
28
desta pesquisa, resgatando aspectos relacionados ao seu histórico, ao seu contexto social,
político e econômico. Explicitamos mais uma vez que esta escolha foi intencional e se deu
pelas inquietações e indagações geradas ao longo do tempo de serviço nesta unidade, sendo a
Política de Assistência Estudantil do IFCE nosso referencial de análise.
Nossa investigação está circunscrita na área das ciências sociais, cujo objeto de
estudo se caracteriza como um estudo de caso, tendo sido definido o campus de Umirim/CE
como território do trabalho empírico, delimitando-se o Curso de Agropecuária na modalidade
Subsequente, como o campo analítico da pesquisa. Este estudo busca identificar elementos
que possibilitem compreender, analisar e avaliar a operacionalização da assistência estudantil,
a partir de um campus agrícola, discutindo sobre as possibilidades e os limites existentes nesta
relação.
Ressaltamos que o estudo de caso, segundo Gil (1999) é uma técnica de
investigação utilizada em pesquisas de cunho essencialmente qualitativo e se caracteriza por
um estudo mais apurado de um ou poucos objetos. Para Yin (2001), o estudo de caso propicia
a pesquisa de um elemento singular dentro de suas articulações mais gerais, sem que se perca
a percepção dessas relações, a partir de uma ótica multidimensional. Desse modo, a partir das
dimensões social, histórica e simbólica, buscamos relacionar as peculiaridades do nosso
objeto e sua inserção em um contexto mais amplo.
Apresentamos como justificativa para a delimitação do Curso de Agropecuária no
processo de pesquisa o fato de ele ter sido o primeiro a ser implantado na unidade de Umirim,
e por ter dado ao campus o status de agrícola, o que resulta em especificidades próprias dentro
da Rede IFCE. A escolha pela modalidade subsequente se dá pela diferenciação do público no
que tange à faixa etária, a natureza da formação e ao interesse dos (as) jovens pela
agropecuária, diferente das turmas de ensino médio integrado em que muitas vezes a
motivação do (a) estudante é pelo ensino médio e não pela área técnica. Esses elementos nos
classificam dentro de uma situação particular, com peculiaridades que merecem ser
evidenciadas.
A natureza do Curso também nos estimula a pensar ações de assistência estudantil
que reflitam sobre a igualdade de oportunidades e de condições diante da pluralidade dos
sujeitos, os quais apresentam questões sobre as desigualdades de gênero, sexual e étnico-
racial, vivenciadas no contexto sociofamiliar e que reverberam no espaço escolar, assim como
no espaço sócio ocupacional dos (as) jovens após a conclusão da formação. Sabemos que a
Sobral, Tabuleiro do Norte, Tauá, Tianguá, Ubajara e Umirim. Disponível em: <http://ifce.edu.br/acesso-
rapido/campi/campi> Acesso em 24 de setembro de 2016.
29
discussão deste estudo não se resume a área da agropecuária. Contudo, reconhecemos que se
consubstanciou na estrutura agrária uma herança patriarcal-conservadora que potencializa
desigualdades, especialmente no tocante à questão de gênero, merecendo um olhar cuidadoso
que possa produzir contribuições para o processo de formação dos sujeitos.
Sobre a amostra da pesquisa podemos caracterizá-la como intencional tendo sido
definidos públicos diferenciados para explorar a trajetória e a operacionalização da referida
política no campus Umirim/CE. Para isso buscamos ouvir gestores (as), professores (as) e
estudantes, os quais foram designados como interlocutores (as) desta pesquisa.
Posteriormente, discorreremos sobre a pesquisa de campo apresentando os grupos
pesquisados, bem como as técnicas e instrumentais utilizados para a coleta dos dados.
Na última etapa da pesquisa realizamos a revisão de literatura e procedemos à
análise de conteúdo, o que foi primordial para o processo de decodificação dos significados
contidos nas mensagens emitidas pelos (as) interlocutores (as) da pesquisa. Segundo Bardin
(2002, p.42), a análise de conteúdo é “um conjunto de técnicas de análise das comunicações
visando obter, por procedimentos, sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das
mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos
relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens”. Desse
modo, pretendemos tornar elucidativas as considerações que serão realizadas no decorrer do
texto.
Antes de descrevermos o processo metodológico da pesquisa, apresentaremos o
lócus da pesquisa, o campus Umirim/CE, situando o seu surgimento e caracterizando-o, a
partir de dados sobre o município onde está inserido.
2.1 Expansão da Rede Federal de Educação Profissional e o Instituto Federal de
Educação do Ceará - IFCE
É importante destacar que a ampliação da Rede Federal de Educação Profissional
e Tecnológica12
ocorrida durante o governo Lula (2003-2006 e 2007- 2010), a partir do
lançamento do Plano de Expansão em 2003, confere uma nova lógica para a Política de
Educação a partir da ampliação de vagas e cursos de nível superior, técnico e tecnológico,
possibilitando aos municípios e às suas localidades rurais, que historicamente tiveram
dificuldade para o acesso à escola, a elevação dos níveis de escolaridade da população, com
12
Ver o Plano de Expansão da Rede Federal de Educação Tecnológica - Fase III. Disponível em:
<http://www.jc.iffarroupilha.edu.br/site/midias/arquivos/201151115351796apresentacao_setec__metodologia_e
xpansao_fase_iii.pdf> Acesso em 03 de junho de 2017.
30
forte apelo ao discurso da formação profissional. Embora tenhamos críticas ao modo como se
deu essa expansão e ao próprio discurso ideológico que cria expectativas de empregabilidade
a partir da qualificação profissional, não negamos os avanços da educação profissional a partir
deste período.
Em 2008, através da promulgação da Lei nº 11.892/08 (Lei que institui a Rede
Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica), criam-se os Institutos Federais
de Educação, Ciência e Tecnologia, que transformou o Centro Federal de Educação
Tecnológica em Instituto Federal de Ciência e Tecnologia do Ceará em uma nova
institucionalidade no campo da educação profissional e tecnológica.
Embora não tenhamos a intenção de adentrar os meandros da educação
profissional, consideramos importante situar o contexto da criação da instituição onde
desenvolvemos nossa pesquisa a fim de anunciarmos os impactos deste processo na
operacionalização da Política de Assistência Estudantil do IFCE, uma vez que a trajetória
institucional está fortemente imbrincada com os processos históricos e suas implicações
políticas, econômicas, sociais e culturais.
Consideramos abaixo o texto jurídico-institucional acerca desta nova formatação
da Rede Federal, donde se apresenta o que infere o MEC:
Os novos Institutos Federais atuarão em todos os níveis e modalidades da
educação profissional com estreito compromisso com o desenvolvimento
integral do cidadão trabalhador [...] É uma instituição que articula a
educação superior, básica e profissional, pluricurricular e multicampi,
especializada na oferta de educação profissional e tecnológica em diferentes
níveis e modalidades de ensino [...] Em síntese, esse novo desenho
constituído traz como principal função a intervenção na realidade, na
perspectiva de um país soberano e inclusivo, tendo como núcleo para
irradiação das ações o desenvolvimento local e regional (BRASIL, 2010c,
p.19-21).
O texto denota uma hibridação inerente ao novo modelo instituído, que aponta
para a pluralidade de modalidades de ensino, o que torna complexa a proposta trazida para a
educação profissional. Além disso, aponta para a dimensão integral da formação do sujeito,
abrindo as possibilidades para uma reflexão sobre o modelo dualista de educação no Brasil,
embora não tenha como pretensão a sua superação, uma vez que esta Política possui
contradições inerentes ao processo de produção e reprodução da vida econômica e social dos
indivíduos, e que a base desta contradição está no modo de produção em que vivemos e a que
ela se destina e se subordina.
31
A intencionalidade do governo não pode ser percebida de modo
descontextualizado e desvinculado das exigências do mercado. A proposta político-
educacional-financeira do Banco Mundial, por exemplo, prevê a criação de instituições de
educação superior que tenham custos inferiores aos das universidades, no que se refere aos
cursos superiores técnicos, alegando que estes cursos são mais flexíveis e, portanto, mais
apropriados ao sistema produtivo (SHIROMA, MORAES e EVANGELISTA, 2002).
Essas ideias têm sido disseminadas nos países periféricos, como o Brasil, e
fortalecidas pelo discurso daqueles que planejam a educação. Segundo as referidas autoras, o
Banco Mundial estabelece as diretrizes que direcionam para o estreitamento de laços do
ensino com o setor produtivo, incentivando a interação entre setor público e setor privado,
designando para a educação profissional uma importância central na formação de
trabalhadores adaptáveis às demandas capitalistas.
Sob a nova denominação verificamos os princípios essenciais que passam a
nortear institucionalmente o Instituto Federal do Ceará - IFCE:
MISSÃO: produzir, disseminar e aplicar os conhecimentos científicos e
tecnológicos na busca de participar integralmente da formação do cidadão,
tornando-a mais completa, visando sua total inserção social, política, cultural
e ética. VISÃO: Tornar-se padrão de excelência no ensino, pesquisa e
extensão na área de Ciência e Tecnologia. VALORES: Nas suas atividades,
o IFCE valorizará o compromisso ético com responsabilidade social, o
respeito, a transparência, a excelência e a determinação em suas ações, em
consonância com os preceitos básicos de cidadania e humanismo, com
liberdade de expressão, com os sentimentos de solidariedade, com a cultura
da inovação, com ideias fixas na sustentabilidade ambiental (IFCE, 2012,
p.02)13
.
O texto institucional traduz a nova Política de Educação Profissional no Brasil,
que busca desenvolver novas potencialidades do “cidadão trabalhador”, as quais sejam úteis
ao modo de produção capitalista, mesmo sem qualquer garantia de acesso ao mercado,
tampouco de ascensão dentro da divisão social e técnica do trabalho.
No Ceará, o Plano de Expansão da Rede Federal, previsto pelo governo Lula
(2003-2006 e 2007- 2010) e mantido no primeiro mandato do governo de Dilma Rousseff
(2011-2014), ampliou as unidades do IFCE de 03 campi, em 2005, para 23 campi, em 2013,
todos distribuídos nas regiões do interior do Estado. Em 2014 foram criados mais 06
unidades, a saber: Acopiara, Boa Viagem, Horizonte, Itapipoca, Maranguape e Paracuru,
13
O texto foi aprovado pelo Conselho Superior do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará,
através da Resolução nº14, de 02 de março de 2012. Disponível em: <http://ifce.edu.br/acesso-a-
informacao/Institucional/missao-visao-e-valores> Acesso em 09 de junho de 2017.
32
totalizando em 29 campi. A Rede conta ainda com o Hotel - Escola de Guaramiranga, uma
Reitoria e um Polo de Inovação em Fortaleza, o que totaliza 32 unidades atualmente.
A operacionalização do Plano de Expansão da Rede Federal no país, prevista pelo
Ministério da Educação – MEC, através da Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica
- SETEC dividiu em três fases a criação das novas unidades: fase I (de 2005 a 2007) com
previsão de 64 novas unidades; fase II (de 2007 a 2010) pretendia-se a construção de 150
unidades de ensino e a fase III (de 2011 a 2014), já sob o governo da presidenta Dilma
Rousseff, criaram-se mais 208 unidades de ensino (Brasil/MEC/SETEC 2014).
A criação de novas unidades se deu de modo acelerado e com pouco investimento,
gerando críticas da comunidade acadêmica no tocante à ausência de discussão sobre o
funcionamento das novas unidades, visto que não havia acontecido seleção do quadro de
servidores, em especial, dos setores administrativos, os quais ficaram, provisoriamente,
gerenciados por professores (as), sem formação específica para o desenvolvimento das
atividades, sobrecarregando, inclusive, o corpo docente em suas atividades acadêmicas, haja
vista a necessidade de garantir o funcionamento do campus. Esta foi uma realidade marcante
no processo de estruturação do campus de Umirim, por exemplo.
Dando continuidade à trajetória da estruturação do campus Umirim, apontamos no
próximo tópico uma breve caracterização do município onde está situada a unidade e o
contexto de sua origem.
2.1.1 Umirim e o campus
O município de Umirim, inserido na bacia do Rio Curu, forma a região do Vale
do Curu14
, e apesar da sua emancipação política recente, 1985, quando deixou de ser um
distrito da cidade de Uruburetama, foi escolhido para sediar uma unidade do Instituto Federal
do Ceará naquela região.
Município de pequeno porte, com IDH de 0,587, em 2010, segundo o IBGE15
,
tendo como principais atividades econômicas a agricultura de subsistência (milho, feijão), a
criação de pequenos animais (ovinos, caprinos e galinhas caipiras), o pequeno comércio e
14
O território do Vale do Curu e Aracatiaçu é composto por 18 municípios, sendo eles: Umirim, Uruburetama,
Itapajé, Irauçuba, Pentecoste, Apuiarés, General Sampaio, Tejuçuoca, Amontada, Itapipoca, Itarema, Miraíma,
Tururu, Paraipaba, São Gonçalo do Amarante, São Luís do Curu, Paracuru e Trairi (PDI - Umirim 2014-2018,
p.10). 15
Informação obtida através do site: <https://cidades.ibge.gov.br/brasil/ce/umirim/panorama> Acesso em 28 de
setembro de 2017.
33
empregos diretos na administração municipal. Os documentos institucionais16
justificam a
instalação da unidade do IFCE em Umirim alegando o potencial agropecuário da região e o
seu perfil populacional, com a presença do homem e da mulher do campo. Nesse sentido, a
missão da instituição é firmada com o intuito de contribuir para o desenvolvimento local
daquela região.
Ressaltamos que o discurso do desenvolvimento local também estava previsto no
Plano de Desenvolvimento da Educação, em 2007, durante o Governo Lula (2007- 2010).
Portanto, a estruturação de uma unidade do IFCE naquela região alinhava a necessidade do
território a uma das metas da Política de Educação.
A Prefeitura Municipal de Umirim, em 1990, iniciou em parceria com o
Ministério da Educação e Cultura - MEC, a construção de uma Escola Agrícola, a qual fora
concluída em 1992 com recursos do governo federal, municipal e doações empresariais. Após
a conclusão do espaço, com as mudanças dos governos municipal e federal e a inserção de
novas políticas educacionais, o projeto da escola agrícola foi criticado e abandonado, sendo
retomada a discussão apenas em 2003, a partir da criação da Comissão de Instalação das
Ações Territoriais - CIAT17
, no Território do Vale do Curu e Aracatiaçu, a qual tinha como
objetivo propiciar discussões e decisões acerca do funcionamento de uma nova escola
agrícola de educação no campo para a região.
Na construção de um Plano Territorial, em 2005, a CIAT definiu como o
programa prioritário para o Território dos Vales do Curu e Aracatiaçu a readequação da
Escola Agrícola de Umirim à rede de escolas agrotécnicas federais. Em 2007, ocorreu um
encontro entre os dirigentes de diversas unidades da rede federal de educação profissional,
onde o então presidente Luís Inácio Lula da Silva anunciou a expansão e o fortalecimento da
rede. Na ocasião sugeriu-se uma articulação com a SETEC, a fim de incluir as demandas
locais nas metas da referida expansão18
.
Nesse sentido, percebe-se que a criação da Escola Agrícola em Umirim, naquele
período, contou com a participação da sociedade civil, tais como: de políticos e de
16
Plano de Desenvolvimento Institucional PDI 2014-2018 do IFCE - Campus Umirim (novembro de 2013) e
Documento de Criação da Escola Agrícola de Umirim, 2009. 17
A Comissão de Instalação das Ações Territoriais - CIAT é um fórum de organizações da sociedade civil do
Território do Vale do Curu e Aracatiaçu. Neste fórum são tomadas as principais decisões sobre as propostas de
políticas públicas para esses municípios de forma que sejam contempladas as principais demandas dos mesmos.
A CIAT faz parte do Programa de Desenvolvimento Sustentável de Territórios Rurais (PRONAT), vinculado à
Secretaria de Desenvolvimento Territorial – SDT do Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA, governo
federal. A CIAT tem representatividade em uma área de abrangência dos 18 municípios que compõem o
Território do Vale do Curu e Aracatiaçu (CEARÁ, 2009). 18
Disponível em: <http://ifcecampusumirim.blogspot.com.br/2012/06/nosso-historico.html> Acesso em 20 de
agosto de 2016.
34
empresários locais, tendo sido um elemento propulsor para a decisão acerca da instalação de
uma unidade de ensino no município de Umirim voltada para a política de educação
profissional. Entretanto, não é possível aprofundar como se deu de fato a participação da
sociedade civil na tomada de decisão e nos processos de discussões, pois não tivemos acesso a
textos e documentos que tratem do registro das reuniões e outros encontros que possam ter
havido à época.
Em 2008, a Escola Agrícola de Umirim tornou-se um anexo da Escola
Agrotécnica Federal de Crato, passando então a ser designada como Escola Agrotécnica
Federal de Umirim. A Escola teve suas atividades letivas iniciadas em 31 de março de 2008,
oferecendo o Curso Técnico em Agropecuária Integrado ao Ensino Médio, com duração de
três anos. Não por acaso, o nosso objeto de estudo tomou como referência o curso de
agropecuária, visto que ele motivou a CIAT para a reestruturação da Escola Agrícola de
Umirim por conta da vocação econômica da região.
Em 2009, quando as Escolas Agrotécnicas Federais passaram a integrar os
Institutos Federais de Educação a Escola Agrotécnica Federal de Umirim passou a ser campus
avançado19
do IFCE ligado ao campus Crato, inserindo-se, portanto, na terceira fase da
Expansão da Rede Federal da Educação Profissional e Tecnológica.
Salientamos que o processo de desvinculação do campus Umirim ao campus
Crato é recente, iniciado em 2012, adquirindo apenas em 2014/2015 a sua autonomia
administrativa - financeira para execução de suas atividades. Neste mesmo período, iniciou o
processo de estruturação do quadro de recursos humanos na unidade, com a posse de
servidores (as) do concurso realizado no ano de 2012, em especial para cargos de técnicos-
administrativos. Esse fato possibilitou o processo de estruturação dos setores administrativos
e das funções dos cargos necessários ao desenvolvimento das atividades.
É nesse contexto que começa a se estruturar a Coordenação de Assuntos
Estudantis no campus, que funcionou até setembro de 2014 com apenas duas assistentes
sociais e um coordenador, o qual era professor do curso técnico de agropecuária. É possível
identificar quais demandas eram remetidas inicialmente a esta coordenação, o que traduz o
entendimento institucional, à época, sobre a assistência estudantil, revelando também o
desconhecimento em torno da atuação do serviço social.
Os primeiros encaminhamentos recebidos pelas assistentes sociais possuíam um
vínculo quase que constante com a questão disciplinar, com forte apelo moral-conservador,
19
Significa dizer que Umirim estava submetido no aspecto orçamentário e administrativo ao campus de Crato.
35
especialmente, no que se referia à homossexualidade dos (as) alunos (as). A assistência
financeira também se configurou desde sempre como uma demanda primordial, talvez
justificando a própria ordem de chegada dos membros da equipe da assistência estudantil. A
associação do setor ao atendimento de questões meramente socioeconômicas teve amparo no
que os (as) gestores (as) e docentes conheciam até então, o Programa de Auxílios20
,
disseminado como a principal ou a única ação de assistência estudantil. Esses elementos
indicaram a necessidade de construção de uma identidade acerca do papel da assistência
estudantil e do próprio exercício profissional do serviço social.
Veremos ao longo do estudo o perfil das demandas direcionadas atualmente ao
setor e as percepções que foram se construindo em torno do que é a assistência estudantil.
Abordaremos mais detalhadamente a categoria de assistência estudantil no próximo capítulo,
apresentando tanto a sua história no cenário brasileiro, como na sua institucionalização no
IFCE e no próprio campus Umirim. Os dados da pesquisa de campo permitirão ainda que
sejam desveladas as compreensões acerca das ações de assistência estudantil, partindo do
olhar dos sujeitos históricos que compuseram as reflexões sobre o tema.
Dando seguimento à discussão acerca do processo metodológico que estruturou os
rumos dessa pesquisa, apresentamos o percurso da investigação, com base nos procedimentos
escolhidos e no público selecionado.
2.2 Metodologia da Pesquisa: técnicas e instrumentais
Concordando com Minayo (2001), compreendemos que a metodologia inclui as
concepções teóricas de abordagem, o conjunto de técnicas que possibilitam a apreensão da
realidade e também o potencial criativo do (a) pesquisador (a). E, ainda, que a pesquisa
científica, especialmente a pesquisa social, é uma atividade indispensável para a apreensão e
compreensão da dimensão histórica e dinâmica da sociedade.
No percurso metodológico reconhecemos a riqueza dos significados e percepções
dos sujeitos que atuam como garantidores ou como receptores da Política de Assistência
Estudantil no campus Umirim. Estes significados e percepções serão apreendidos através dos
instrumentos e técnicas de pesquisa, tais como questionários semiestruturados21
e entrevistas,
20
O Programa de Auxílios corresponde ao benefício financeiro concedido aqueles (as) estudantes com alto índice
de vulnerabilidade socioeconômica. No IFCE eles são estabelecidos a partir do Regulamento de Concessão de
Auxílios Estudantis, a partir da Resolução nº 052, de 24 de outubro de 2016. 21
Combina perguntas fechadas e abertas, onde o entrevistado tem a possibilidade de discorrer sobre o tema
proposto, sem respostas ou condições prefixadas pelo (a) pesquisador (a).
36
envolvendo grupos distintos no processo investigativo, o que nos garante múltiplos olhares, a
partir dos lugares ocupados pelos sujeitos.
A pesquisa apresenta natureza quantitativa e qualitativa que, segundo Minayo
(2000), não são duas formas de investigação irremediavelmente opostas, ao contrário, se
complementam, pois a realidade abrangida por elas interage dinamicamente. A abordagem
utilizada é considerada qualitativa porque objetiva responder a questões muito peculiares, ao
se preocupar também com questões que não podem ser mensuradas, quantificadas, pois se
trabalhou com um universo de significações processuais, opiniões, representações, atitudes,
elementos que não podem ser operacionalizados sob a forma de variáveis (MINAYO, 2001).
O estudo qualitativo foi utilizado como forma de apreender a percepção que os sujeitos
sociais envolvidos têm acerca do objeto estudado, considerando suas experiências e valores na
sociedade.
A opção por questionário semiestruturado (apêndice A e C) e entrevista (apêndice
B e D) justifica-se por possibilitar uma maior flexibilidade nas respostas e nas falas, o que
pode enriquecer ainda mais a temática de estudo escolhida (MATOS; VIEIRA, 2001).
As perguntas trabalhadas nos questionários foram aplicadas a 26 jovens, todos
(as) estudantes do Curso de Agropecuária, na modalidade Subsequente. As questões se
referiram, essencialmente, ao conhecimento dos (as) estudantes acerca da assistência
estudantil, considerando as suas ações e programas, à sua finalidade e à sua atuação junto à
formação técnica e no diálogo sobre as diversidades de gênero, étnico-racial e sexual. Além
disso, foi traçado um perfil desse grupo contendo dados sobre sexo, etnia, origem,
sexualidade, trabalho, renda e faixa etária, os quais estabeleceram um diálogo com as
categorias e conceitos preliminarmente definidos para a composição desse trabalho.
É importante informar o (a) leitor (a) que utilizamos também dados quantitativos
acessados a partir da ferramenta “IFCE em números”22
e do sistema “Q-acadêmico”23
para a
apresentação de informações sobre a evasão escolar, sexo, faixa etária e origem, do universo
total dos (as) alunos (as) que compõem as turmas do Curso Técnico de Agropecuária, na
modalidade Subsequente, a fim de compor uma caracterização ampliada do público do
22
O “IFCE em números” é uma ferramenta que traz uma coletânea de dados acadêmicos do instituto, como perfil
de estudantes, informações sobre cursos, entre outros elementos. 23
Sistema responsável pelas informações acadêmicas dos (as) discentes. A Coordenação de Controle Acadêmico
– CCA tem a responsabilidade de manter o registro dos dados de matrícula e de atualizações no decorrer do
período de permanência do (a) estudante no sistema, sendo responsável por realizar os procedimentos
institucionais de afastamentos, trancamentos, transferências, abandono, e outras situações relacionadas à vida
acadêmica dos (as) alunos (as). O Sistema é operacionalizado ainda pelos (as) docentes com a finalidade de que
sejam registradas as informações de frequência escolar, notas, conteúdos das aulas ministradas, etc.
37
referido curso. Portanto, os 26 estudantes que participaram da etapa dos questionários são um
recorte do público de 159 alunos (as) matriculados no curso e nas turmas estabelecidas,
durante do semestre letivo de 2016.2. Acrescentamos ainda que, do grupo de 26 estudantes,
04 participaram da segunda etapa da pesquisa, que correspondeu às entrevistas.
Com relação aos questionários aplicados com o grupo de docentes da área técnica
do Curso de Agropecuária podemos destacar que as perguntas buscaram compreender a
relação e a percepção dos (as) professores (as) sobre a assistência estudantil, pedindo que
fossem apontadas ações conhecidas, possíveis participações nas atividades, encaminhamentos
realizados e a importância da assistência estudantil para os (as) alunos (as), de acordo com
suas opiniões.
Optamos também pela entrevista como uma das técnicas investigativas, por
concordarmos com a compreensão apresentada por Minayo (2001), de que ela não significa
uma conversa despretensiosa e neutra, uma vez que se insere como meio de coleta de dados
dos fatos relatados por agentes, enquanto sujeitos da pesquisa, que vivenciam uma
determinada realidade que está sendo focalizada. Esta técnica possibilita captar melhor o que
as pessoas sabem ou pensam sobre determinado assunto, podendo ser observados aspectos
mais subjetivos como sua postura corporal, a tonalidade de voz, os silêncios, os olhares etc.
Entendemos que ela possibilita apreensões aprofundadas sobre determinado tema, permitindo
ao (à) pesquisador (a) conhecer ou explorar questões inicialmente deixadas de lado, uma vez
que o diálogo pode provocar outros elementos, talvez mais centrais, para aquilo que se
pretende investigar.
Os roteiros de entrevista foram elaborados para dois grupos distintos, o de
gestores (apêndice D), considerando aqueles (as) que possuem uma atuação aproximada da
assistência estudantil, e o de estudantes (apêndice B) que priorizou, dentre o grupo
respondente dos questionários, aqueles (as) estudantes referenciados (as) pelas categorias de
gênero, etnia/raça e sexualidade.
As questões abordadas nos dois roteiros primaram pela discussão sobre o processo
de formação técnica dos (as) estudantes, o qual aponta elementos que se relacionam com os
aspectos econômicos, políticos e sociais levantados nesse estudo e pelas percepções e
representações dos (as) entrevistados (as), a partir de seus valores, opiniões e crenças sobre a
assistência estudantil e as diversidades, com recorte para as categorias anteriormente
mencionadas.
38
Aos (às) gestores (as) foram acrescentadas questões que apontassem para o
planejamento, o acompanhamento e o monitoramento da política de assistência estudantil no
campus e aos (às) estudantes procurou-se obter informações acerca da vivência dos (as)
jovens e de suas famílias na atividade de agricultura; dos impactos no município após a
instalação do campus na cidade de Umirim/CE; e da inserção no mercado de trabalho após a
formação profissional.
Ressaltamos que as falas dos (as) interlocutores (as) foram reproduzidas ipisis
litteris, inclusive com os vícios de linguagem. Com essa informação, dispensaremos a
expressão [SIC] após cada transcrição.
Buscando tornar mais clara a compreensão sobre o processo de definição dos
grupos participantes de cada etapa da pesquisa, apresentamos, a seguir, os sujeitos desse
estudo, com as respectivas justificativas sobre a nossa escolha.
2.2.1 Interlocutores (as) da pesquisa
A fim de esclarecermos a escolha do público interlocutor da pesquisa de campo
elaboramos a Tabela 01 a seguir, a qual aponta para as técnicas de pesquisa e os grupos
participantes, identificando a previsão dos quantitativos e do que foi possível realizar.
Tabela 01 – Interlocutores (as) e Técnica de coleta dos dados
Público Total Quant.
Previsto
Quant.
participante
% de
participação
Técnica de
pesquisa Gestores (as) do campus 11 04 03 75% Entrevista
Docentes
(área técnica do Curso de
Agropecuária)
08 08 05 62,5% Questionário
semiestruturado
Discentes do Curso Técnico em
Agropecuária
(turmas do Curso Subsequente -
semestre 2016.2)24
159 98
26 27% Questionário
semiestruturado
Representação discente quanto
ao gênero, à etnia e à diversidade
sexual (Curso Técnico
Subsequente em Agropecuária)
--- 05 04 80% Entrevista
Fonte: Elaboração própria em junho de 2017.
Com base no Plano de Desenvolvimento Institucional – PDI (2014-2018) do
campus Umirim, verificou-se os cargos de gestão existentes, na época de sua elaboração,
definidos no organograma do campus, quais sejam: direção geral, coordenação de gestão de
24
Os dados sobre o número de alunos (as) matriculados (as) no semestre letivo 2016.2 foram retirados do site:
<http://ifceemnumeros.ifce.edu.br/> Acesso em 20 de junho de 2017.
39
pessoas, coordenação de assuntos estudantis, coordenação de ensino, coordenação de
administração geral, coordenação de controle acadêmico, coordenação de almoxarifado e
patrimônio e coordenação de infraestrutura25
.
Diante dos cargos elencados, selecionamos aqueles que se vinculam diretamente à
assistência estudantil, ou que exercem, hierarquicamente, maior poder sobre a sua
operacionalização no campus. Destacamos para compor o grupo de interlocutores (as) da
gestão os cargos da: direção geral, direção de ensino, coordenação técnico-pedagógica e
coordenação de assuntos estudantis. Compreendemos que as funções desempenhadas por
esses (as) gestores (as) ocupam um lugar central no processo de concepção e
operacionalização das ações de assistência estudantil na unidade de ensino e por isso foram
escolhidos para a participação na pesquisa. Das quatro entrevistas previstas, apenas uma não
foi possível ser realizada, a entrevista com a coordenadora da coordenação técnico-
pedagógica, devido às mudanças ocorridas no setor com o afastamento da servidora, por
licença maternidade, e o pedido de exoneração da coordenadora substituta.
No tocante ao grupo de docentes da área técnica, priorizamos aqueles (as) do
Curso de Agropecuária, de acordo com a delimitação do nosso objeto de pesquisa. Os
questionários semiestruturados foram entregues para o conjunto dos (as) professores (as) que
compõem o corpo docente do referido curso, totalizando o número de 08 servidores (as), dos
quais 05 fizeram a devolutiva do instrumental.
Os questionários foram entregues individualmente a cada docente, com a devida
explicação sobre o objetivo do estudo e a importância da contribuição das informações
prestadas. O prazo inicial para a devolução do material foi de duas semanas, com início em 13
de abril do ano corrente. Ao final do período estabelecido apenas um professor e uma
professora havia retornado os instrumentais e por isso foi redefinido um novo prazo para a
entrega dos formulários, onde se considerou o período de conclusão do semestre letivo.
Assim, estendemos o prazo até o dia 08 de junho, ampliando para 05 o número de
questionários respondidos.
Os (as) discentes, também interlocutores (as) do trabalho de campo, foram
selecionados (as) de acordo com o semestre vigente, nesse caso, o semestre 2016.2,
25
Informações retiradas do documento institucional do campus Umirim, elaborado em 2013 - Plano de
Desenvolvimento Institucional – PDI (2014-2018). No referido documento constavam apenas nove
cargos/funções. Em 2014 foi observada, a partir dos documentos oficiais do campus, a modificação na
nomenclatura da coordenação de ensino para departamento de ensino e o surgimento de duas coordenações
subordinadas, a coordenação do curso de agropecuária e a coordenação do curso de informática, além da
modificação do nome da coordenação de administração geral para departamento de administração e
planejamento.
40
considerando apenas as situações de matricula ativa no Curso Técnico Subsequente em
Agropecuária. Essa definição se deu pelo entendimento de que o diferencial deste trabalho
está em evidenciar a inserção da assistência estudantil na educação profissional, considerando
um curso de formação técnica. A escolha pelo Curso de Agropecuária foi pelo fato de ele ter
sido o primeiro a se efetivar no campus, o que lhe conferiu o status de campus Agrícola na
Rede do IFCE, trazendo, portanto, particularidades a despeito do seu perfil.
Faz-se necessária a apresentação sobre a delimitação do (as) estudantes
participantes da pesquisa, pois a constituição deste grupo exigiu uma pesquisa anterior dos
dados disponíveis nas ferramentas institucionais, “IFCE em números” e no sistema “Q-
acadêmico”, para o recorte dentro do perfil previsto. Os dados contidos nas duas bases de
dados apresentam algumas diferenciações que devem ser esclarecidas. Apesar das
inconsistências que iremos apresentar ressalto, de antemão, que foram mantidos na Tabela 01
os dados coletados no “IFCE em números”, pois são os únicos divulgados oficialmente.
Destacamos aqui que essa foi uma descoberta secundária do estudo proposto. A
pesquisa realizada nas ferramentas informatizadas, as quais contêm os dados dos (as) alunos
(as) demonstrou que estes não estão refletindo a realidade institucional. As divergências
encontradas entre duas bases de dados distintas (“Q-acadêmico” e “IFCE em números”)
sugerem a ausência de acompanhamento dos setores responsáveis para a validação das
informações, ocasionando a subnotificação dos casos de evasão, por exemplo, e de outros
dados relevantes, como etnia e raça, presença de deficiência e tipologia, dados
socioeconômicos, etc.
Tanto o não registro como a desatualização da informação compromete o
desenvolvimento de ações/projetos/programas no cotidiano da unidade de ensino. Além disso,
há dados que não estão socializados entre os setores, o que fragmenta e fragiliza o trabalho
intersetorial. Sabemos que há informações que necessitam de constante acompanhamento e
atualização, como é o caso dos (as) alunos (as) que deixam de frequentar o curso, nem sempre
formalizando seus desligamentos, inviabilizando os registros nos sistemas oficiais.
Identificamos ainda, que as informações básicas sobre o perfil dos (as) estudantes
não estão, em sua totalidade, registradas no sistema, tornando deficitários os dados para a
realização de estudos e diagnósticos. Além disso, a não atualização das informações geram
prejuízos para o acompanhamento dos (as) estudantes.
Cabe à Coordenação de Controle Acadêmico – CCA o cadastramento de todos os
dados fornecidos no ato de matrícula no sistema “Q-acadêmico”, de modo que estes possam
41
ser atualizados no decorrer dos semestres. Os (as) discentes também possuem acesso ao
sistema, através de senha própria e podem proceder ao registro de suas informações,
especialmente para efeito de atualização. Contudo, esse procedimento deve ser acompanhado
e orientado para que o (a) jovem compreenda a importância das informações solicitadas,
evitando-se a subnotificação dos dados, tais como: etnia-raça, presença de deficiência,
inclusão em Programas socioassistenciais, entre outras.
Diante disso, chamamos atenção para a necessidade de uma compreensão
institucional acerca da importância do conjunto das informações que se relacionam com o (a)
estudante, visto que elas possibilitam a produção de estudos e diagnósticos capazes de
subsidiar intervenções institucionais qualitativas e aproximadas da realidade do público
atendido.
Anteriormente, na Tabela 01, que apresenta os (as) interlocutores (as) da pesquisa
e das técnicas utilizadas para a coleta de dados, utilizamos o referencial descriminado pela
ferramenta “IFCE em números”, considerando o número de alunos (as) matriculados (as) no
semestre 2016.2, o qual seria, naquela base de dados, o de 159 alunos (as). Destes, 98 alunos
(as) estavam com o curso em andamento, 04 alunos (as) eram egressos com êxito, 16 alunos
(as) correspondiam aos egressos sem êxito, 38 alunos (as) foram integralizados em fase
escolar e 03 alunos (as) tiveram os estudos interrompidos. Esses dados podem ser
identificados na Figura 01 a seguir:
Figura 01: Matrículas semestre letivo 2016.2
Fonte: “IFCE em números
26”, 2017.
26
Dados extraídos da ferramenta “IFCE em números”. Disponível em: <http://ifceemnumeros.ifce.edu.br/>
Acesso em 20 de junho de 2017.
42
Analisando a base de dados do sistema “Q-acadêmico” tivemos acesso aos dados
brutos que são fornecidos para gerar as estatísticas apresentadas na ferramenta “IFCE em
números”. Essa busca deveu-se ao questionamento sobre o quantitativo descrito de jovens
matriculados (as) nas turmas do Curso Subsequente em Agropecuária naquele período, uma
vez que o número de alunos (as) em sala de aula aparentava ser bem menor do que aqueles
revelados no site do “IFCE em números”.
Os dados brutos, disponíveis no sistema “Q-acadêmico”, permitiu que
procedêssemos à pesquisa por turma, Subsequente I, II e III, adicionando filtro para o
semestre letivo de 2016.2, sendo possível identificar as listas dos diários de sala com os
nomes dos (as) alunos (as) matriculados (as) naquele semestre. Observamos, portanto, os
seguintes dados: 51 alunos (as) na turma Subsequente I; 39 alunos (as) na turma Subsequente
II e 34 alunos (as) na turma Subsequente III, totalizando 124 alunos (as) matriculados (as).
Inferimos, a partir da confrontação das informações obtidas, que a diferença entre
os dados de matrícula contidos no “IFCE em números”, 159 matriculados (as), e no sistema
“Q-acadêmico”, 124 matriculados (as), pode ser explicado pelos quantitativos de discentes
integralizados em fase escolar (concluindo o curso) e de discentes com estudos interrompidos
(trancamento de matrícula), sendo, respectivamente, 38 alunos (as) e 03 alunos (as), segundo
registro do “IFCE em números”.
A subtração dos dois grupos do total de 159 alunos (as) matriculados (as) aponta
para um dado comum às duas bases de dados, 124 estudantes matriculados (as) nas turmas de
subsequente no semestre 2016.2.
Destacamos dois elementos importantes que foram apreendidos com base nesse
estudo comparativo dos dados institucionais operados nas duas ferramentas: o primeiro é que
o quantitativo total de estudantes regularmente frequentando as aulas é menor que o de
matriculados, como iremos apontar adiante e o segundo é que a criação de ferramentas e
sistemas informatizados auxilia na sistematização dos dados e é importante para o acesso à
informação, mas não podem prescindir de uma análise cuidadosa, sob o risco de gerar
interpretações incompletas ou não aproximadas da realidade.
Se considerarmos os dados apresentados pela ferramenta “IFCE em números”
temos que 98 estudantes estão em curso (cursando as disciplinas), pois foi subtraído das 159
matrículas o grupo de egressos com êxito, 04 discentes; o grupo de egressos sem êxito, 16
discentes; o grupo de integralizados em fase escolar, 38 discentes; e o grupo com estudos
interrompidos, 03 discentes, o que totaliza 61 estudantes.
43
Entretanto, o sistema contabiliza apenas os processos formalizados dentro da
variável egressos sem êxito (abandono ou cancelamento voluntário), o que aponta que na
prática os números de evasão são bem maiores, pois é comum o (a) estudante deixar de
frequentar o curso e não informar aos setores responsáveis. Esses dados são utilizados como
oficiais pelas instâncias de gestão tanto nas unidades como em nível de Reitoria, mas será que
estamos conseguindo acompanhar e avaliar a realidade?
Procurando nos aproximar do número real de estudantes que estão frequentando o
Curso de Agropecuária, nas turmas de Subsequente, analisamos as listagens obtidas através
do sistema de acompanhamento acadêmico, “Q-acadêmico”. Desse modo identificamos em
cada turma um alto percentual de evasão, descrito na Tabela 02 que segue:
Tabela 02 - Evadidos(as) por turma – Curso Agropecuária campus Umirim/CE
Turma Matriculados(as) Evadidos(as) Cursando % de
Evasão
Curso Técnico em Agropecuária
- Subsequente I
51 21 30 41%
Curso Técnico em Agropecuária
- Subsequente II
39 14 25 36%
Curso Técnico em Agropecuária
- Subsequente III
34 15 19 44%
Total 124 50 74 40% Fonte: Elaboração própria em junho de 2017.
Convém explicar que os números aqui apresentados encontram embasamento nas
listagens com os nomes dos (as) estudantes matriculados, disponível no “Q-acadêmico”, e na
pesquisa individual realizada sobre a situação de frequência no curso, realizada através do
mesmo sistema. O número constante na coluna “evadidos (as)” corresponde a quatro tipos de
situações: reprovação por falta, abandono, cancelamento e falecimento, totalizando 50 casos,
com maior incidência para as reprovações por falta, que são 46.
Nosso objetivo era o de aplicar os questionários com a totalidade dos (as) alunos
(as) matriculados (as), mas só foi possível com 26 jovens, como principal motivo destaca-se a
disponibilidade de tempo para a participação, tendo sido um aspecto desfavorável o período
de coleta ter se dado no final do semestre letivo.
Como metodologia para a participação desse grupo foi feita uma sensibilização
com as turmas do Curso Subsequente em Agropecuária sobre o objeto da pesquisa e a
importância das informações para o alcance dos objetivos pretendidos, esclarecendo a livre e
voluntária adesão dos sujeitos. A pesquisadora agendou com cada turma um horário para a
apresentação do questionário (apêndice A) e do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
44
(anexo), procedendo à orientação e ao esclarecimento das dúvidas sobre o instrumental e a
pesquisa. Em seguida, foi realizada a entrega dos dois documentos, o Questionário e o Termo,
optando-se por deixar os (as) alunos (as) livres quanto ao preenchimento e o tempo para fazê-
lo, estabelecendo o prazo de 15 dias para a devolução do material. Durante o período, a
pesquisadora visitou as salas reforçando o prazo e a importância da participação dos (as)
estudantes.
Tendo em vista a dificuldade de acessá-los por conta das atividades do ensino,
seminários e provas, devido ao final do semestre, bem como por compreender que a
participação é um processo de escolha e de interesse individual, avaliamos inoportuno
recorrermos à aplicação individual ou coletiva dos instrumentais, priorizando o alongamento
do tempo para a reflexão acerca das respostas.
Com relação aos (às) discentes selecionados (as) para as entrevistas, observamos
dois critérios: o de representação dos elementos aqui evidenciados pelas questões de gênero,
étnico-racial e de diversidade sexual, bem como a expressividade do (a) jovem no meio
discente, considerando a participação em atividades e/ou programas da assistência estudantil,
do ensino, da pesquisa e da extensão. Os (as) alunos (as) selecionados (as) também são
público do Curso Técnico em Agropecuária e foram selecionados dentre o grupo participante
da etapa anterior, a dos questionários.
Apresentado o processo metodológico da pesquisa com suas técnicas,
instrumentais e interlocutores (as) densamente justificados, daremos continuidade ao trabalho,
partindo para a contextualização sobre o processo de surgimento das Políticas Públicas em
resposta às dificuldades que descendem das relações sociais desiguais, intensificadas pelo
processo de reorganização do capital e do trabalho.
45
3. REORDENAMENTO DO CAPITAL, REORGANIZAÇÃO DO TRABALHO E
POLÍTICAS PÚBLICAS
Antes de apresentarmos a Política de Assistência Estudantil do IFCE, faremos um
percurso sobre o contexto social, econômico e político que direcionou o seu surgimento no
país. Para isso, destacamos o processo de reorganização do capital e do trabalho e seus
rebatimentos na configuração da Política de Educação no Brasil, a fim de subsidiar a
compreensão sobre a influência dos grupos de interesse na orientação do modelo educacional
brasileiro no atendimento das demandas da elite nacional e do capital internacional.
Kuenzer (2007) argumenta que a concepção sobre a “dualidade estrutural”
histórica no Brasil tem raízes na organização do trabalho definidora das trajetórias educativas
diferenciadas para cada classe, em que aos dirigentes se tem uma formação acadêmica
intelectualizada e aos trabalhadores uma formação de mão de obra delimitada pela demanda
do mercado. Segundo a autora, não é possível pensar em uma superação da dualidade
estrutural a partir da mudança dos regimes de acumulação capitalista, pois a natureza da
contradição está entre a propriedade dos meios de produção e da força de trabalho, só
podendo ser superada, portanto, em outro modo de produção. Em suas palavras:
A origem da fragmentação do trabalho, portanto, não é a divisão técnica,
mas sim a necessidade de valorização do capital, a partir da propriedade
privada dos meios de produção; ou seja, a divisão técnica, que separa teoria e
prática, é consequência do processo de valorização do capital. O que vale
dizer que, se a divisão entre teoria e prática expressa à divisão entre trabalho
intelectual e manual como estratégia de dominação, tendo em vista a
valorização do capital, esta ruptura só será efetivamente superada em outro
modo de produção (Ibid., p.1162).
A dualidade que se insere a educação no Brasil é sedimentada a partir da
influência dos organismos internacionais, que possuem interesses político-econômicos nas
nações subdesenvolvidas, a fim de que elas sejam territórios para a expansão capitalista dos
países centrais, em contrapartida oferecem uma inserção periférica e dependente aos países
signatários das recomendações constantes em alguns documentos para a reforma da educação
(DOURADO, 2002).
A política social de educação, ao longo da história brasileira, foi inserida
claramente dentro do domínio do ideário neoliberal da mesma maneira que o processo
econômico, subordinando-se aos interesses das organizações mundiais:
Ao defender o princípio da priorização da educação básica, cujo foco é a
educação escolar, busca-se construir mecanismos ideológicos, sobretudo em
46
países como o Brasil que sequer garantiu a democratização do acesso à
educação básica e a permanência nesse nível de ensino. Ao priorizar a
educação básica escolar, restrita à aprendizagem das habilidades cognitivas
básicas, as propostas do Banco Mundial indicam que o discurso da
centralidade do conhecimento, a despeito de enunciado, configura-se como
um artifício de retórica e adesão às premissas do neoliberalismo, reduzindo o
processo de formação a uma visão de racionalidade instrumental, tutelada,
restrita e funcional ante o conhecimento universal historicamente produzido.
Em contrapartida, essas políticas acarretam a secundarização de projetos de
educação não formal, o redirecionamento da educação profissional e o
processo crescente de privatização da educação, especialmente da educação
superior (Ibid., p. 239-240).
É o que verificamos ao longo das últimas décadas desde a reestruturação
produtiva até a inserção brasileira no curso do capital financeiro, a consolidação de um
modelo educacional, especialmente, no âmbito da educação profissional, voltado para o
atendimento das alterações ocorridas no mundo do trabalho.
Situando o debate no cenário dos Institutos Federais de Educação, criados sob a
alegação de que os cursos por eles ministrados seriam mais “flexíveis” e de menor custo que
os universitários ditos “tradicionais”, como nos explica Otranto (2011)27
, verifica-se a
continuidade brasileira pela manutenção dos interesses dos organismos financeiros, através da
instituição de uma rede de educação profissional que incorpora “atividades próprias de
universidade, com oferecimento da graduação, licenciatura e pós-graduação, atividades de
pesquisa e extensão, além daquelas obrigatórias para os Institutos Federais, tais como: o
ensino médio, técnico e educação de jovens e adultos”. Denota-se, assim, um conjunto de
peculiaridades de extrema complexidade em que se inserem os Institutos Federais de Educação,
Ciência e Tecnologia – IFET’s.
O discurso ideológico neoliberal, que atribui a responsabilidade pela garantia de
emprego à qualificação técnica e que desloca para o indivíduo a culpa pela não ocupação
profissional, resultado da sua não qualificação para o mercado, tem forjado a exclusão própria
do modo de produção capitalista (ALVES, 2009). Nesse sentido, ressalta-se a ampla difusão
da ideologia do capital humano, considerado por Alves (2009) como elemento compositivo
do processo de precarização do trabalho, que viabiliza novas formas de consentimento social
por meio da operação psicossocial de culpabilização da vítima. Os problemas de inserção
social e do desemprego deixam de ser tratados, portanto, como questões decorrentes da
27
Texto escrito por Célia Regina Otranto A Política de Educação Profissional do Governo Lula para
apresentação na 34ª Reunião Anual da ANPEd. Natal, RN, 2011.
47
dinâmica da produção capitalista e são naturalizadas, deslocadas ao âmbito individual, como
de responsabilidade do (a) trabalhador (a) que não possui qualificação e a competência
necessária.
Se o desemprego e a exclusão social assumem dimensão individual, na lógica
neoliberal, podemos pensar que o contrário também acontece: sujeitos qualificados e com
competência necessária são amplamente absorvidos pelo mercado. Será? Destacamos a seguir
alguns trechos das entrevistas realizadas com os (as) gestores do campus Umirim – IFCE,
durante a pesquisa de campo, em que fica evidente o discurso da empregabilidade a partir da
capacitação:
Cerca de 80% dos nossos alunos estão ingressando no mercado de trabalho.
Se nós observarmos somente a cidade de Umirim hoje, as pessoas que estão
trabalhando na Ematerce, os técnicos agrícolas, os técnicos que estão
trabalhando na secretaria de agricultura e tanto nas adjacências também. Na
Ematerce de Itapajé, em ONG’s como é o caso em Itapipoca. Todas elas
estão com ex-alunos nossos, atuando no mercado e já tendo sua condição
financeira mais estável marcada por essa inserção no mercado de trabalho.
Então eu creio que este dado é um ponto positivo (A.I., Gestor, 2017).
Quantos alunos a gente tem aqui que não tinha coisa nenhuma? [...] Mas que
vinha aqui às vezes sem ter nem condição de pagar refeição. Vinha pra cá
pra se alimentar também e hoje tem empregos decentes, ganhando muito
mais que um salário mínimo, porque normalmente não se paga só um salário
mínimo para esses alunos. Então eu acho que é um ganho. Sem contar
aqueles que têm se articulado no empreendedorismo né, que a gente também
procura incentivar eles. Aqueles que já são filhos de agricultores, melhorar a
propriedade do pai deles, e aí já passa a ter alguma renda. Eu acho que para
alguns houve uma melhora muito boa (F.M., Gestora, 2017).
As narrativas parecem querer ocultar o conflito inerente ao sistema produtivo
capitalista, o qual é o principal gerador das desigualdades sociais que assolam a sociedade
contemporânea. A Coordenadora de Assuntos Estudantis do campus Umirim, em sua
entrevista, nos ajuda a refletir sobre esse processo de exclusão e exploração ao qual está
submetida à classe trabalhadora:
Eu acho o Curso de Agropecuária muito importante aqui para a cidade,
apesar de a gente ter ciência, por ouvir falar, que a mão de obra ela não é
absorvida como deveria e, quando é absorvida, o aluno geralmente, o
técnico, ele não é remunerado como deveria ser remunerado pela sua
qualidade técnica, pela sua formação. Geralmente ele vai pra ser um peão,
como a gente chama no linguajar comum, ganhando bem abaixo do que
deveria ganhar após a sua formação (R.R., Coordenadora, 2017).
48
A qualificação do (a) trabalhador (a) não se vincula, necessariamente, à garantia
de trabalho, assim como não exclui a sua precarização e a sua exploração. É neste sentido, que
desafiamos a construção de espaços na educação que estimulem à transformação dessas
relações desiguais e injustas a partir de uma reflexão crítica sobre os arranjos estruturais da
economia e do mercado. Para isso, consideramos imprescindível situar o (a) leitor (a) nos
contextos históricos28
das reconfigurações do capital e seus reflexos no âmbito das relações
produtivas e sociais, bem como os seus desdobramentos para a atuação do Estado e da
sociedade civil organizada a partir das alterações político-econômicas vivenciadas, como
faremos a seguir.
No mundo, o esgotamento do modelo fordista, no final dos anos 1960, com o
problema da superprodução e a necessidade de novos mercados consumidores alterou o curso
da economia, culminando, após a aguda recessão de 1973, na profunda crise deste modelo.
Vale ressaltar que a produção fordista29
, associada à proposta keynesiana30
, favoreceu a
expansão do capital, através da introdução de novas técnicas que aumentariam a
produtividade do trabalhador, bem como por meio da intervenção estatal que garantiria a
manutenção da demanda efetiva, evitando com isso o colapso da economia.
Segundo Behring e Boschetti (2011), a proposta de Keynes para responder à crise
de 1929 foi a intervenção do Estado, cujo objetivo era reativar a produção exercendo um
duplo papel, o de Estado produtor e regulador. As autoras atribuem o período denominado de
“gloriosos” ou de “ouro” (1929-1932) à monopolização do capital que se deu por meio da
intervenção ocasionada pelo Estado na economia e no mercado.
Na busca de alternativas para a sua crise o capital se reinventou, substituindo o
modelo fordista pelo toyotismo, o qual incrementou inovações tecnológicas e exigiu maior
polivalência dos (as) trabalhadores (as). Portanto, o novo modo de organização para o
trabalho se caracterizou por um processo produtivo flexível, levando à precarização acentuada
do trabalho e à intensificação da exploração da mão de obra. Alves (2008) chama atenção ao
fato de que esse sistema é adequado a era da mundialização do capital, por atender às
28
Utilizamos como referência central os modelos de produção capitalista, fordismo e toyotismo, para
contextualizar a reorganização do trabalho e as implicações das reconfigurações do capital para a reprodução da
vida social. Buscamos trabalhar ainda o processo de inserção brasileira na economia mundial, cujo processo de
financeirização do capital desempenha atualmente sua influência nas relações produtivas e sociais. 29
Para Frigotto (2010) as principais características do fordismo são: a forma de organização do trabalho, o
estabelecimento de um determinado regime de acumulação e certo modo de regulação social. 30
Refere-se à intervenção estatal na vida econômica com o objetivo de conduzir a um regime de pleno emprego.
Para isso o Estado teria um papel fundamental no estímulo às economias em momentos de crise e recessão
econômica (Teoria de John Maynard Keynes, 1936).
49
necessidades da acumulação na época da crise de superprodução, e, por adequar-se à nova
base técnica da produção capitalista, capaz de dar maior eficácia à lógica da flexibilidade.
Neste contexto, o deslocamento da economia para a acumulação flexível propôs
aceleradas mudanças dos padrões de desenvolvimento desigual, movimentação no setor de
serviços, organização de espaço – tempo, maior flexibilidade e mobilidade para os
empregadores exercerem maiores pressões de controle de trabalho, havendo o aumento do
número de subcontratações e a contratação de trabalhadores (as) em tempo parcial. Essas
mudanças exigiram a necessidade de uma adequação ao mercado, criando um novo perfil de
trabalhador (a).
No Brasil, verifica-se nos anos de 1930 a 1980, o aprofundamento da
industrialização e regulação das relações de trabalho, ocasionando o avanço do assalariamento
da mão de obra no país, assumindo uma nova forma de inserção na economia mundial, como
explica as autoras Silva e Yazbek (2012, p.12), com a “passagem do modelo de
desenvolvimento agroexportador para o modelo urbano-industrial”. A intensa migração
ocorrida do campo para a cidade fomenta o surgimento de um grande excedente de força de
trabalho, ocasionando o crescimento da informalidade com todas as consequências do que
isso significa, como a sujeição aos baixos salários, à instabilidade, à exclusão do Sistema de
Proteção Social, o qual se direcionava apenas para as pessoas inseridas no mercado de
trabalho. Em paralelo encontravam-se no campo pessoas vivendo da economia de
subsistência, igualmente excluídas do suporte de um Sistema de Proteção.
As referidas autoras nos apresentam, portanto, características de um mercado de
trabalho urbano heterogêneo de caráter dual, tendo-se de um lado um mercado que concentra
grande oferta de mão de obra, com baixa qualificação técnica, com instabilidade gerada pela
alta rotatividade dos postos de emprego, baixos salários, entre outros elementos, e de outro,
um mercado de trabalho bem estruturado e regulado, com empregos estáveis, maior
qualificação dos (as) trabalhadores (as), com possibilidade de ascensão e melhores salários.
O processo de constituição dos mercados, a partir da inserção da economia
brasileira no desenvolvimento do capitalismo nos países centrais, expressa diferentes
transformações ocorridas em cada período. Consideramos alguns elementos sobre as três
últimas fases de inserção do Brasil no processo de acumulação capitalista em nível mundial,
de acordo com a classificação apresentada por Paulani (2012).
50
Segundo a referida autora essa inserção brasileira se caracteriza, em sua terceira
fase31
, com o deslocamento do capital dos países do centro em busca de solução para o
problema da superacumulação, encontrando no Brasil um cenário político favorável nos anos
1950 para a instalação de grandes empresas com capital estrangeiro, onde passaria a
comandar os setores mais dinâmicos da economia de acordo com as necessidades e
imperativos do capital de fora.
Entretanto, com o desencadeamento da crise nos anos de 1970, influenciada pelos
fatores da produção fordista e pela quebra do acordo de Bretton Woods32
, em 1971, pelos
Estados Unidos, inicia-se o surgimento do que se denominou de “financeirização”, em que o
processo de acumulação se dá pela lógica da valorização financeira (PAULANI, 2012).
Portanto, o Brasil se insere nesse novo contexto da acumulação capitalista, através do
endividamento por empréstimos junto ao capital financeiro, demarcando a quarta fase da
economia brasileira no processo de desenvolvimento do capitalismo internacional. Não é à
toa, que o Brasil tornou-se um dos principais personagens na “crise das dívidas dos países
latino-americanos”, ocorrida em 1980, com consequente estagnação, por duas décadas, da sua
economia.
A partir dos anos 1990, em consequência do esgotamento do padrão centrado na
industrialização, verifica-se o alinhamento do Brasil ao movimento geral de globalização
financeira, que, para Paulani (2012), encontra no neoliberalismo o discurso e a prática da
política econômica condizentes com as necessidades dessa nova etapa da história do capital
mundial. Assim, adentramos a quinta e atual fase da história da inserção da economia
brasileira no processo mundial de acumulação, em que a estratégia adotada para escapar da
situação de crise da dívida e alta inflação foi a completa submissão às exigências dos
credores.
31
A autora caracteriza a primeira fase de inserção brasileira no circuito do capitalismo mundial como aquela da
expansão dos estados territoriais originários, sendo o Brasil objeto de espoliação das riquezas naturais e
matérias-primas, subordinada aos interesses da Europa. A segunda fase é marcada pela produção dos bens
primários, abrangendo o período do exclusivo metropolitano até o século XX. Os produtos agrícolas e matérias-
primas produzidas funcionaram como alavanca da acumulação dos países centrais. As duas fases somaram mais
de quatro séculos (PAULANI, 2012, p. 90-91). 32
O acordo de Bretton Woods foi firmado entre Nações-Estado independentes no ano de 1944, com o objetivo de
regular a política econômica internacional, a partir de um sistema de regras, instituições e procedimentos.
Contudo, o acordo foi quebrado em 1971 pelos Estados Unidos que decidiu unilateralmente não aceitar a
conversão do dólar em ouro. Quanto mais o capitalismo se desenvolvia, mais a moeda dos Estados Unidos
tornava-se o dinheiro hegemônico nas reservas mundiais e a referência de todo o sistema financeiro mundial.
Disponível em:
<http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&id=2247:catid=28&Itemid=23> Acesso em
03 de julho de 2017.
51
Carvalho (2002, p.04) nos permite refletir sobre o cenário brasileiro, considerando
como referência a experiência de ajuste brasileiro nos circuitos da mundialização do capital.
A autora caracteriza a década de 1990 / anos 2000, como o período de integração do Brasil ao
ciclo de ajuste da América Latina, coadunando com o plano estratégico do chamado Consenso
de Washington e seguindo as prescrições do FMI e do Banco Mundial. Desse modo, o Brasil
vem fazendo a sua inserção subordinada e periférica na nova ordem do capital, configurando
o que se convencionou chamar de ajuste estrutural brasileiro. “É um ajuste tardio, só iniciado
nos anos 90, mas rápido e intensivo, deflagrado na “era Collor” e consolidado na “era FHC”,
com o Plano Real”.
Portanto, os governos de Fernando Collor de Mello - Collor (1990 – 1992) e
Fernando Henrique Cardoso – FHC (1995-1998 e 1999-2002) consolidam a opção brasileira
pelo projeto neoliberal, implicando na reorganização do Estado em favor do capital com
grande expansão do setor privado e de privatizações das empresas estatais.
A nova ordem estabelecida pelo desenvolvimento do capitalismo mundial
imprime novos rumos para a educação, que desde o toyotismo, com a ideologia da
qualificação profissional como garantia de uma empregabilidade, escamoteia a dinâmica
social de exclusão própria do modo de produção capitalista, por gerar uma expectativa
frustrada de integração ao mundo do trabalho. Ressaltamos que a constituição do mercado de
trabalho brasileiro se caracteriza sob a influência do desenvolvimento capitalista em busca de
valorização e acumulação do capital internacionalizado e das relações sociais e produtivas que
derivam dele, portanto, é um processo dinâmico, em constante transformação.
Verifica-se que a partir do século XXI o sistema do capital vivencia mais
intensamente uma transformação associada à revolução da informática e da comunicação,
imprimindo novas configurações do padrão de acumulação e dos seus mecanismos de
valorização, consubstanciando novas formas de dominação social capazes de redefinir
subjetividades (CARVALHO, 2014).
É diante deste cenário que a Política de Educação Profissional no Brasil deve ser
compreendida, pois ela mantém relação com o desenvolvimento capitalista e com as novas
formas de organização do mundo do trabalho uma vez que ele se reinventa a partir dos seus
processos cíclicos de esgotamento e de reinvenção do sistema.
Com as novas configurações do processo de produção surgem ideias e concepções
com a missão político-ideológica de subsidiar as modificações necessárias à conclusão dos
objetivos de interesse dos grupos hegemônicos, sendo a educação um foco predominante
52
desses organismos. As autoras Pereira e Sousa (2012) apontam uma reflexão importante sobre
a noção de competência trazida para o seio das Políticas Públicas de Educação Profissional no
Brasil, a partir de 1990, auge da disseminação da concepção neoliberal.
Baseadas no Plano Nacional de Formação do Trabalhador (Planfor), criado e
desenvolvido no governo FHC (1995-1998 e 1999-2002) e no Plano Nacional de Qualificação
(PNQ), criado no início do governo Lula, 2003, as autoras apontam que essas políticas
surgem com o propósito de dar respostas aos efeitos dos processos de globalização da
economia, da reestruturação produtiva e da reforma do Estado sobre o mercado de trabalho,
bem como dar respostas aos dilemas históricos do país no campo da educação profissional
(PEREIRA; SOUSA, 2012).
Neste sentido, os processos de qualificação e requalificação incorporados nessas
políticas estão voltados para o nível básico da educação profissional, de acordo com o que foi
instituído pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB, aprovada em 1996,
seguindo o receituário das recomendações do Banco Mundial, conforme apontou Dourado
(2002). Configura-se, portanto, o processo de transição da noção de qualificação tradicional33
à noção de competência, que, segundo Paiva (2001), inclui a disposição do (a) trabalhador (a)
para mudar constantemente, aprendendo novas técnicas e aceitando novas relações sociais e
laborais.
Destacamos que o Plano Nacional de Qualificação – PNQ, criado no início do
governo Lula, em 2003, se deu no mesmo período em que foi lançado o Plano de Expansão da
Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica. A partir de 2008, os Institutos Federais
de Educação se tornam protagonistas no processo de formação de trabalhadores (as)
“empregáveis”, visto o deslocamento gradual da noção de emprego para a noção de
empregabilidade, em que a “empregabilidade converte-se, neste caso, num corolário dos
conhecimentos, habilidades e esforço individual de adequação” (PAIVA, 2001, p.58). Dessa
forma, “torna-se tarefa das instituições que oferecem educação tentar tornar sua clientela
empregável, adequando seus cursos à demanda e incluindo na formação elementos subjetivos
capazes de assegurar maior adesão dos quadros às instituições e seus objetivos” (Ibid., p.58).
Essa compreensão coloca sobre o indivíduo a responsabilidade pela sua
capacidade de acessar o mercado e de se manter nele. Como lembra Ramos (2010), trata-se da
33
Noção tradicional de qualificação, que associa “um saber, uma responsabilidade, uma carreira e um salário”
(HIRATA, 1994, p. 133).
53
autonomia e mobilidade que deve ter o trabalhador contemporâneo diante da instabilidade do
mundo do trabalho e das rápidas transformações que caracterizam as relações de produção.
Desse modo, parece-nos oportuna a discussão que nos propomos sobre as
diversidades e as diferenças inseridas na unidade de Umirim, campus do IFCE, a fim de
possibilitar a construção de espaços críticos de reflexão acerca das transformações ocorridas
na dinâmica das relações produtivas e sociais que seguem a lógica das redefinições do capital.
Os indivíduos, ao concluírem sua formação no Curso de Agropecuária, por exemplo, passarão
a disputar espaço nesse mercado de trabalho caracterizado pela desigualdade, precarização e
alta instabilidade, com forte agravamento para aqueles segmentos da sociedade marcados por
acentuados níveis de discriminação e exclusão nas relações econômicas, sociais, políticas e
culturais da sociedade, com forte observância para as mulheres, os (as) homossexuais, os (as)
negros (as), os (as) índios, as pessoas com deficiência, etc.
Embora a atuação da assistência estudantil na unidade de ensino seja voltada para
garantir aos (às) estudantes a igualdade de oportunidades, de acesso e de permanência nos
cursos e a redução dos índices de retenção e evasão escolar, argumentamos que sua atuação
extrapola as formalidades burocráticas para a concessão de auxílios, uma vez que a dimensão
material em si não garante o êxito no processo educacional. Nosso compromisso é, portanto, o
de repensar uma assistência estudantil que tenha como possibilidade contribuir no processo de
formação dos (as) sujeitos a partir da construção de espaços coletivos de discussão e reflexão
sobre a sociedade contemporânea e suas relações desiguais, questionando suas formas de
dominação e poder.
Destarte, faz-se necessária a apreensão dos elementos que regem a lógica do
modelo educacional no país, reconhecendo sua estreita relação com a organização do trabalho
na sociedade brasileira, o qual cria assimetrias nas relações entre os grupos sociais, com forte
consequência de demandas colocadas para o atendimento das políticas sociais.
Discorreremos a seguir sobre o processo de constituição das políticas sociais no
Brasil e seus desafios frente às distorções produzidas entre as camadas da sociedade diante do
processo de acumulação financeira e dos ataques da economia globalizada aos sistemas de
proteção social dos países capitalistas, deflagrados no Brasil, mais fortemente, a partir de
1990 sob a forte influência da ideologia neoliberal.
54
3.1 Políticas Sociais e o desafio do combate às desigualdades
A Política de Assistência Estudantil se insere em um contexto de contradições,
configurando-se de um lado como fruto de uma conquista histórica dos (as) estudantes,
estabelecendo-se como direito social, e de outro subsidiando um modelo de educação classista
e produtivista, dentro de um viés focalista e seletivo, que não se efetiva como universal.
Apesar do paradoxo ela tem como possibilidade a construção de novas percepções, através do
estímulo às ações e aos debates sobre temáticas que perpassam a vida dos indivíduos e que
dizem respeito ao modo de produção e reprodução da vida social.
Por isso, partimos do entendimento de uma educação que se volta para a formação
de trabalhadores e trabalhadoras, com forte apelo à formação técnica e à inserção no mercado
de trabalho, em que Institutos Federais de Educação são hoje protagonistas da Política de
Educação Profissional no Brasil atendendo às exigências da nova organização do trabalho,
orientada pelas transformações nas relações produtivas consubstanciadas no processo de
acumulação do capital. Como política social a educação e a assistência estudantil se inserem
no contexto dos parâmetros político, social e econômico em que se estruturaram as legislações
sociais brasileiras, atreladas às tendências do desenvolvimento capitalista e seus
desdobramentos na constituição das desigualdades.
Sobre o processo das políticas sociais nos países capitalistas as autoras Behring e
Boschetti (2011, p. 47) afirmam que “como processo social, elas se gestaram na confluência
dos movimentos de ascensão do capitalismo com a Revolução Industrial, das lutas de classe e
do desenvolvimento da intervenção estatal”. As políticas estão apresentadas, ao longo da
história, como alternativas e até enfrentamento às dimensões multifacetadas da questão social
que são ampliadas pela própria consolidação capitalista.
Ao discorrer sobre o percurso das políticas sociais nos países da Europa, as
autoras demarcam as primeiras práticas, antecedendo a Revolução Industrial, com as
conhecidas leis inglesas. Behring e Boschetti (2011, p.48 apud CASTEL, 1998, p. 99)
revelam as fundamentações dessas legislações à época:
Estabelecer o imperativo do trabalho a todos que dependiam da sua força de
trabalho para sobreviver; obrigar o pobre a aceitar qualquer trabalho que lhe
fosse oferecido; regular a remuneração do trabalho, de modo que o
trabalhador pobre não poderia negociar formas de remuneração; proibir a
mendicância dos pobres válidos, obrigando-os a se submeter aos trabalhos
“oferecidos”.
55
As regulamentações sociais, desde a sua gênese, sempre tiveram o trabalho como
parâmetro comum, fosse para destinar-se àqueles que trabalhassem ou que não trabalhassem,
com viés repressor e focalizado. Para se entender o processo de formação das políticas sociais
é preciso compreender o modelo de Estado adotado em cada fase do capitalismo, pois ele tem
um papel regulador das políticas econômicas e sociais para atender os interesses do livre
mercado. É, portanto, no contexto de transição do Estado liberal (século XIX) para o Estado
social (século XX) que se gestam as primeiras iniciativas de políticas sociais nos países
centrais, em que se pode apontar o novo contexto socioeconômico e a luta de classes como
principais estimuladores da mudança de postura assumida pelo Estado.
Ainda no final do século XIX destacam-se alguns elementos que contribuíram
para a transição da compreensão acerca das políticas sociais: a introdução da lógica do seguro
social na Alemanha, a partir de 1883, em que a intervenção estatal passa a demarcar o
reconhecimento de que a incapacidade para o trabalho devia-se por contingências (doença,
desemprego, idade avançada) e deveriam ser protegidas; e a ampliação da ideia de cidadania a
partir das políticas sociais e desfocalização de suas ações, visto que antes se destinava apenas
para a pobreza extrema (BEHRING; BOSCHETTI, 2011 apud PIERSON,1991).
A crise de 1929-1932 instaurou grande desconfiança nos pressupostos do
liberalismo econômico, pois a autorregulação do mercado, como acreditavam os defensores
dessa corrente econômica, não impediu o colapso dos mercados. A partir das consequências
trazidas com a “Grande Depressão34
” as políticas sociais se multiplicaram lentamente e se
generalizaram após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Neste sentido, elas se
sustentaram como saída da crise compondo medidas anticíclicas do período, com vistas a
amortecer as crises cíclicas da superprodução, superacumulação e subconsumo, tendo sido
também resultado de um pacto social com o movimento operário crescente à época.
Nas palavras de Behring e Boschetti (2011, p.75): “o Estado brasileiro nasceu sob
o signo de forte ambiguidade entre um liberalismo formal como fundamento e o
patrimonialismo como prática no sentido da garantia dos privilégios das classes dominantes”.
No caso brasileiro, como apontam as autoras, a falta de compromisso das elites econômicas
com a defesa dos direitos do cidadão não pode ser dissociada da configuração da política
social no país.
As primeiras legislações, colocadas como questão política aqui no Brasil se deu
na primeira década do século XX, voltando-se ao mundo do trabalho sob a pressão das lutas
34
Período da grande crise econômica do capital 1929-1932, em que se reduziu o comércio mundial a um terço do
que era antes (BEHRING; BOSCHETTI, 2011).
56
dos (as) trabalhadores (as), com particular influência dos operários europeus que já traziam
experiência das lutas trabalhistas em suas nações. Contudo, a expansão das políticas sociais
em solo brasileiro acontece durante o período de ditadura (1937-1945 e 1964-1984), com viés
de tutela e favor, representando a busca de legitimidade por parte das classes dominantes.
A alteração sofrida no modo de produção capitalista, portanto, com a substituição
do modelo taylorista e fordista, na conhecida reestruturação produtiva, que incorporou
aspectos do toyotismo, com maior exploração do trabalho humano e acumulação para o
capital, acarretou inúmeras implicações no modo de organização do trabalho e na concepção
dos parâmetros educacionais dos países, com destaque para aqueles com posição periférica e
subalterna, como é o caso do Brasil (ALVES, 2008).
Retomando o passado das políticas de emprego adotadas pelo poder público no
Brasil, Pochmann (2012, p.49) aponta o impulso governamental voltado às “primeiras escolas
de formação profissional, com vinculação ao denominado sistema “S”, geridas
exclusivamente pelo patronato, a partir da arrecadação de recursos públicos”. O autor chama
atenção para o fato de somente nas décadas de 1960 e 1970 serem implementadas as primeiras
medidas relacionadas ao tratamento social dos desempregados, com exemplo para a criação
do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS, em 1967, e do Sistema Nacional de
Emprego – SINE, em 1975.
Apesar dos baixos registros de desemprego no país, entre as décadas de 1930 e
1970, motivados pelo processo de industrialização e das altas taxas de crescimento econômico
no período, ressalta-se que as problemáticas relacionadas ao subdesenvolvimento no mercado
de trabalho brasileiro com acentuado nível de informalidade, baixos salários e elevado
patamar de desigualdade de remuneração são características que revelam a sua precariedade,
em especial para aquele (a) trabalhador (a) que sempre esteve à margem do trabalho
regulamentado e, consequentemente, da Proteção Social.
Para Pochmann (2012), o Brasil não constituiu um sistema público nacional de
emprego, com medidas integradas e articuladas entre si e universalizadas para o conjunto do
mercado de trabalho (formal e informal), sendo importante verificar que desde o ciclo de
financeirização do capital, a partir de 1980, vem ocorrendo uma maior desvalorização do
trabalho, com forte desestruturação do mercado, com o crescimento do desemprego, o
desassalariamento, o surgimento elevado do número de postos de trabalho precários,
constituindo assim um cenário nebuloso que exige medidas efetivas e eficazes de políticas
públicas nesta área.
57
A abertura neoliberal e a reestruturação produtiva de amplitude mundial tem
estabelecido a nova condição do trabalho, com a contínua perda de direitos e garantias sociais
e o consequente alargamento da precarização das relações de trabalho e de vida dos
indivíduos. No pós-fordismo e na mundialização econômico-produtiva o trabalho ilegal vem
assumindo grandes dimensões, sendo um fator associado ao deslocamento das produções dos
países industrializados para nações em que as garantias trabalhistas são mínimas e é alta a
especialização do trabalho, o que confere menores custos e maior competitividade aos
investidores. Desse modo, os governos são cada vez mais pressionados pelos capitais a
adaptar a sua legislação social nacional às exigências e aos imperativos do mercado,
destruindo direitos do trabalho (VASAPOLLO, 2005).
O processo de endividamento brasileiro, a partir da segunda metade do ano de
1970, coloca o país em uma situação de subordinação às orientações externas de programas de
austeridade econômica, resultando em altíssimos custos sociais e políticos. Para Sposati et al.
(2014, p.29) “a intensificação da pauperização e da espoliação da força de trabalho no período
de crise criou as condições políticas de rearticulação da sociedade civil”.
É diante do cenário de greves e de reivindicações dos movimentos sociais que se
recupera o espaço político das forças sociais impelindo o Estado a um enfrentamento à
questão social:
Reaparecem no cenário político forças sociais que recuperam o espaço
vedado a partir de 64 e se expressam através dos movimentos sociais,
urbanos e rurais, do sindicalismo operário aliado aos intelectuais,
profissionais e a uma parcela da igreja que se posiciona a favor dos
oprimidos. Estas forças questionam as medidas econômicas refletidas na
crescente pauperização da população (Ibid., p.31).
Entretanto, apesar da luta travada pelos trabalhadores e trabalhadoras, não
podemos afirmar que houve um rompimento mecânico do Estado brasileiro com a herança
populista e com a prática autoritária que se configuram como seu padrão de dominação,
portanto, a incorporação das demandas sociais que conformam as políticas sociais merece ser
compreendida a partir do paradoxo das pressões populares que redefiniram a atuação do
Estado frente às desigualdades e pauperização da força de trabalho e da intervenção estatal
que materializa serviços como privilégios e não como direitos.
Potyara (2012, p.04) aponta que “enquanto nos países capitalistas centrais as
políticas sociais conquistadas pela classe trabalhadora floresceram sob a égide das chamadas
58
democracias burguesas, no Brasil tais políticas floresceram e se adensaram nas ditaduras, sob
as bênçãos da burguesia”.
O denominado Estado de Bem-Estar, consolidado no pós-guerra pelas nações
capitalistas envolvidas no conflito mundial, teve como propósito a reconstrução econômica,
política e social através de um pacto interclasses, já a política social no Brasil gestou-se como
um modelo focalizado e seletivo vinculado aos interesses privados não se constituindo como
direito (SPOSATI et al., 2014).
Com isso, demarcamos as características das políticas sociais no Brasil que, desde
a sua gênese, possui um estreito vínculo com o caráter assistencial, configurando-se, como um
“conjunto de programas, cuja unidade se faz a reboque dos casuísmos de que surgiram” (Ibid.,
p.34). Estamos diante, portanto, do conflito de interesses contraditórios, em que o Estado se
torna o mediador entre as forças do capital e do trabalho, sendo as políticas sociais o espaço
de concretização dos interesses populares, embora com a manutenção do pacto de dominação.
O conjunto das transformações políticas, econômicas e sociais, influenciado pelos
interesses do capital, produziu ao longo da história inúmeras desigualdades e exclusões a
diversos segmentos da sociedade, marginalizando-os durante a constituição do Estado
brasileiro. Nosso esforço em compreender o percurso da consolidação do sistema capitalista e
seus rebatimentos na configuração da sociedade e do Estado brasileiro fomentará as
discussões sobre o desafio das políticas sociais no enfrentamento das desigualdades
produzidas, como veremos no decorrer do texto.
Adiante, discutiremos sobre a Assistência Estudantil, conhecendo a sua trajetória
no Brasil e no IFCE, a fim de desvelar como esta se insere para o fortalecimento de práticas
que possibilitem a construção de novas cidadanias, a democratização dos espaços
institucionalizados e que incida, efetivamente, sobre a desigualdade alicerçada pelo
preconceito, a repressão e a discriminação, a fim de eliminá-la em prol da defesa dos direitos
sociais e humanos dos indivíduos.
3.2 A Política de Assistência Estudantil enquanto Política Social
Para discutir a Política de Assistência Estudantil no IFCE, como política pública
diretamente vinculada à Política de Educação, selecionamos elementos fundantes do seu
desenvolvimento no contexto brasileiro considerando seu marco regulatório e histórico na
trajetória de institucionalização e operacionalização nas instituições federais de ensino.
59
Estabelecemos como temporalidade demarcadora da efervescência da assistência
estudantil no país, o segundo mandato do governo Lula (2007- 2010), momento em que
ocorre o lançamento do Plano de Desenvolvimento da Educação – PDE (2007), pelo
Ministério da Educação – MEC, compondo “um conjunto de ações que, teoricamente,
constituir-se-ia em estratégias para a realização dos objetivos e metas previstas no Plano
Nacional de Educação – PNE” (SAVIANI, 2009, p. 27).
As duas ações contempladas pelo PDE (2007), com destaque para nosso estudo,
se voltam respectivamente para a educação superior pública e para a assistência estudantil.
Citamos primeiramente o Decreto Presidencial nº 6.096, de 24 de abril de 2007, que institui o
Programa de Apoio aos Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais –
REUNI, onde salientamos o seu Art. 1º:
[...] com o objetivo de criar condições para a ampliação do acesso e
permanência na educação superior, no nível da graduação, pelo melhor
aproveitamento da estrutura física e de recursos humanos existentes nas
universidades federais (BRASIL, 2007a, p. 01).
E a segunda ação regulamentada pela Portaria Normativa nº 39, de 12 de
dezembro de 2007, editada pelo Ministro da Educação, Fernando Haddad, que institui o
Programa Nacional de Assistência Estudantil - PNAES, dando início ao processo de
institucionalização da assistência estudantil:
[...] considerando a centralidade da assistência estudantil como estratégia de
combate às desigualdades sociais e regionais, bem como sua importância
para a ampliação e a democratização das condições de acesso e permanência
dos jovens no ensino superior público federal [...] (BRASIL, 2007b, p.01).
Cabe ressaltar que o PNAES se configura como desdobramento do REUNI, uma
vez que se coloca como base complementar dessa política de democratização do ensino
superior, em que as camadas sociais mais acometidas pelas desigualdades tornaram-se público
central de intervenção da assistência estudantil.
No âmbito dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia é o Decreto
nº 7.234/2010, a partir do seu artigo 4º, que consolida as ações de assistência estudantil
ampliadas para abranger o público dessas instituições:
As ações de assistência estudantil serão executadas por instituições federais
de ensino superior, abrangendo os Institutos Federais de Educação, Ciência e
Tecnologia, considerando suas especificidades, as áreas estratégicas de
60
ensino, pesquisa e extensão e aquelas que atendam às necessidades
identificadas por seu corpo discente (BRASIL, 2010b, p. 01).
Desse modo, temos proposto uma análise acerca da assistência estudantil
destacando-a como um canal de reflexão e questionamentos sobre as temáticas que são postas
como periféricas dentro do ambiente escolar em detrimento da centralidade no discurso da
formação, da qualificação e da inserção profissional. As segregações motivadas pelas
discriminações e preconceitos dentro e fora da escola se relacionam e interferem na
permanência e no êxito acadêmico dos (as) estudantes mais vulnerabilizados (as).
Salientamos, no entanto, que utilizamos o termo vulnerabilidade sem a pretensão
de reforçar o enquadramento dos sujeitos nas representações sociais reprodutoras dos
estigmas e preconceitos, tampouco, de impelir os indivíduos e os grupos aos processos de
exclusão e subalternização dentro das estruturas da sociedade. O que se pretende é fortalecer a
defesa pela criação de uma agenda de debates que amplie o campo de atuação da assistência
estudantil dentro da educação e contribua para a promoção de mudanças concretas nas
relações e no cotidiano das pessoas. Utilizamos, portanto, o conceito de Adorno (2001) sobre
o termo vulnerabilidade:
O termo vulnerabilidade carrega em si a ideia de procurar compreender
primeiramente todo um conjunto de elementos que caracterizam as
condições de vida e as possibilidades de uma pessoa ou de um grupo – a rede
de serviços disponíveis, como escolas e unidades de saúde, os programas de
cultura, lazer e de formação profissional, ou seja, as ações do Estado que
promovem justiça e cidadania entre eles – e avaliar em que medida essas
pessoas têm acesso a tudo isso. Ele representa, portanto, não apenas uma
nova forma de expressar um velho problema, mas principalmente uma busca
para acabar com velhos preconceitos e permitir a construção de uma nova
mentalidade, uma nova maneira de perceber e tratar os grupos sociais e
avaliar suas condições de vida, de proteção social e de segurança. É uma
busca por mudança no modo de encarar as populações-alvo dos programas
sociais (ADORNO, 2001, p.12).
Consonante a definição do autor, consideramos que os elementos que
caracterizam as condições de vida e as possibilidades do sujeito são passíveis de intervenção
por meio de mediações capazes de redimensionar a própria realidade do indivíduo. É dentro
desta perspectiva que entendemos a assistência estudantil como uma ferramenta importante,
articulada à educação, para a superação das vulnerabilidades em suas diversas formas de
expressão.
Fizemos o esforço de apresentar um debate sobre avaliação que fuja da
centralidade dada à dimensão financeira, ancorada nos programas de auxílios, a fim de
61
reforçar a importância de novos estudos e pesquisas avaliativas sobre assistência estudantil
que a evidenciem para além de ações e programas, assumindo a sua defesa enquanto um
direito social, sendo necessário o seu reconhecimento enquanto política pública de caráter
social, imprescindível dentro da estrutura paradoxal da educação no Brasil.
Então, abordaremos neste capítulo as suas possibilidades de atuação diante das
questões que refletem as múltiplas dimensões da vida dos (as) alunos (as), em que se verifica
a sua importância para a construção de concepções pedagógicas que transcendam a lógica do
saber produtivista e tecnicista e que pautem as desigualdades sociais que se expressam dentro
e fora da unidade de ensino, sejam elas relacionadas ao gênero, à etnia e raça, à sexualidade, à
condição socioeconômica, etc., dentro de um viés não ingênuo que reflita as correlações de
força e poder que permeiam as estruturas de dominação.
Para isso, é importante ressaltar que ao longo do capítulo buscamos nos debruçar
sobre a trajetória institucional da política, a qual corresponde a uma das dimensões de análise
da proposta metodológica da avaliação em profundidade. Rodrigues (2011) considera essa
dimensão como um dos aspectos mais importantes para a compreensão do que realmente
ocorre no processo de formulação e implementação de uma política e/ou de um programa.
3.3 Assistência Estudantil no Brasil
Para o referido propósito iniciamos apresentando a trajetória da Assistência
Estudantil no Brasil, destacando alguns referenciais, anteriores à Constituição Federal de
1988, acerca das primeiras práticas de assistência aos estudantes, antecedendo assim o debate
político acerca do tema.
Apontamos, por exemplo, a criação em 1930 da Casa do Estudante do Brasil,
situada no Rio de Janeiro, caracterizando o que poderíamos denominar como as protoformas
da assistência estudantil no país. Dizemos protoformas como meio de destacar o seu caráter
ainda embrionário com notória influência assistencialista e ausente de reflexões sobre sua
inserção no bojo das políticas sociais que a configurasse como um direito da classe estudantil.
O restaurante popular, que se vinculava à Casa do Estudante, sendo uma de suas iniciativas,
atuava como uma benesse do Estado para os estudantes pobres, distante de ser uma política
pública estatal de atenção voltada àquele segmento.
No cenário político, o governo brasileiro tinha no poder Getúlio Vargas (1930 -
1945), cujo perfil de sua política era populista e paternalista, o que refletia na condução das
ações voltadas ao público estudantil. Contudo, foi durante o seu governo que se iniciou o
62
processo de reorganização da educação no país, buscando a elaboração de uma Política
Nacional de Educação.
A promulgação de quatro decretos teve impacto direto na educação superior do
país: o Decreto 19.85/31, denominado Lei Orgânica do Ensino Superior; o Decreto nº
19850/31 que versava sobre a criação do Conselho Nacional de Educação; o Decreto nº
19851/31 que cria o Estatuto da Organização das Universidades Brasileiras e o Decreto nº
19852/31 referente à organização da Universidade do Rio de Janeiro.
A Lei Orgânica do Ensino Superior atingiu o status constitucional em 1934 ao
incluir no texto da Carta Magna a assistência estudantil, em seu artigo 157, §2°: "Parte dos
mesmos fundos se aplicará em auxílio a alunos necessitados, mediante fornecimento gratuito
de material escolar, bolsas de estudos, assistência alimentar, dentária" (BRASIL, 1934, p.01).
Apesar do caráter assistencial e focalizado, pode-se considerar um avanço a destinação de
recursos para o seu financiamento, visto que antes eram destinadas doações do governo
federal. O texto não especifica o quantitativo do recurso, sendo um ato discricionário dos
gestores. Contudo, este marco inicial configura-se importante para o início da trajetória da
assistência estudantil no país.
Nesse contexto de reorganização da educação e de incentivo às ações de
assistência aos estudantes, o Ministério da Educação, em 1937, estimulou a criação da União
Nacional dos Estudantes - UNE, com sede administrativa na Casa do Estudante, onde seus
membros tinham como atribuições organizar a biblioteca, o serviço de saúde, a concessão de
bolsas e a distribuição de cargos empregatícios. A relação entre a UNE e a Casa do Estudante
não durou muito tempo, pois o entendimento dos (as) estudantes divergia sobre a forma como
a entidade foi criada. A entidade estudantil só passou a reconhecer a Casa do Estudante em
1938 durante o II Congresso Nacional dos Estudantes momento em que, a partir da
organização e consciência daquele segmento, criou-se e aprovou-se um plano de reforma
educacional que denunciava as problemáticas de natureza educacional e socioeconômica da
realidade do corpo estudantil.
A Constituição de 1946, ainda sob o governo de Vargas, consolidou a educação
como um direito de todos, em seu artigo 166, e tornou a assistência estudantil obrigatória para
todos os sistemas de ensino, como verificamos no artigo 172 da referida Constituição “cada
Sistema de Ensino terá, obrigatoriamente, serviços de assistência educacional que assegurem
aos alunos necessitados, condições de eficiência escolar” (BRASIL, 1946, p.01).
63
A partir da nova Constituição observam-se dois elementos que não estavam
presentes anteriormente na Carta de 1934: a oferta de “serviços de assistência educacional” e
a preocupação com que fossem “asseguradas as condições de eficiência escolar”. O Decreto
nº 20.30235
, no mesmo período, também revela a preocupação com as instalações dos
estabelecimentos de ensino superior para que estas possibilitassem em suas estruturas a
realização de ações de assistência médico-social aos (às) alunos (as). Até aqui podemos
considerar que a assistência estudantil possuía um caráter de ajuda aos (às) “necessitados
(as)”, norteada pelo viés assistencialista e paternalista daquele governo.
Com a Lei de Diretrizes e Bases – LDB / Lei nº 4.024, de 1961, a assistência
estudantil passou para outro patamar dentro da Política de Educação, passando a compreendê-
la como um direito para todos os estudantes que precisarem, e não mais como uma ajuda,
como denota os artigos 90 e 91:
Art. 90. Em cooperação com outros órgãos ou não, incumbe aos sistemas de
ensino, técnica e administrativamente, prover, bem como orientar, fiscalizar
e estimular os serviços de assistência social, médico-odontológicos e de
enfermagem aos alunos. Art. 91. A assistência social escolar será prestada
nas escolas, sob a orientação dos respectivos diretores, através de serviços
que atendam ao tratamento dos casos individuais, à aplicação de técnicas de
grupo e à organização social da comunidade (BRASIL, 1961, p.01).
Observa-se, no texto, que passam a ser designados serviços aos estudantes,
considerando o caráter técnico e os saberes específicos dos (as) profissionais envolvidos (as),
para o atendimento das demandas do corpo estudantil. Cabe destacar que, para Saviani
(1991), o contexto em que foi elaborado o texto da primeira LDB Lei nº 4.024, de 1961 traz
influências do movimento da escola nova36
no Brasil, resultando, portanto, como
consequência das contradições da velha ordem política em conflito com a formação da nova
classe dominante surgida com o processo de industrialização.
As prescrições da LDB 4.024/61 correspondiam ao desejo da sociedade brasileira
daquela época de massificar a ação educativa a fim de que o país fosse conduzido à geração
das riquezas e superação das barreiras do subdesenvolvimento econômico e cultural.
35
O Decreto de 02 de janeiro de 1946 aprova os Regimentos das Diretorias do Ensino Superior, Ensino
Secundário, Ensino Comercial e Ensino Industrial, do Ministério da Educação e Saúde. Disponível em:
<http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1940-1949/decreto-20302-2-janeiro-1946-327736-
publicacaooriginal-1-pe.html> Acesso em 15 de janeiro de 2017. 36
Segundo Gadotti (1996) a escola nova representa o mais vigoroso movimento de renovação da educação
depois da criação da escola pública burguesa. No Brasil, em 1932, é criado o Manifesto dos pioneiros da
educação nova, assinado por 27 educadores, documento político doutrinário que se opunha ao modelo tradicional
da educação. A efervescência das concepções da escola nova, no país, acontece em um período de grandes
mudanças sociais, políticas e econômicas.
64
Entretanto, a escola continuou a ser restrita e excludente, trazendo no âmbito da ideologia de
progresso e prosperidade dominante o pensamento de que ela se uniria à fábrica para ajudar
na realização do projeto político dos governos populistas que se sucederam de 1930 a 1964.
Saviani explica que dentro da nova ordem social instalada no Brasil as elites
dominantes disseminaram a ideia de escola para todos como instrumento de constituição de
sua hegemonia, pois correspondia também aos interesses do proletariado na medida em que a
educação lhe permitia participar do processo político por meio das eleições. Mas as
contradições inerentes aos interesses de classe levaram as elites a buscar uma reforma
educacional no sentido de valorizar a qualidade em detrimento da quantidade. “E surgiu a
Escola Nova, que tornou possível ao mesmo tempo o aprimoramento do ensino destinado às
elites e o rebaixamento do nível de ensino das camadas populares” (1991, p.63).
Nesse sentido, a assistência aos (às) estudantes pobres previstas no corpo da lei
era imprescindível para a incorporação dos (as) filhos (as) dos (as) trabalhadores (as) à
educação, haja vista a necessidade de qualificação da mão de obra para o desenvolvimento
nacional.
No ano seguinte, pós-sanção da LDB/61, o Conselho da UNE, a partir da
comissão de política de assistência cultural e material ao estudante encaminhou reivindicações
debatidas no II Seminário Nacional de Reforma Universitária, realizado em Curitiba
(março/1962), tais como: a criação de gráficas universitárias para impressão de jornais,
revistas, apostilas e livros; assistência médica; assistência habitacional, com a construção de
casas de estudantes; e o aumento do número de restaurantes universitários. Estas foram se
constituindo como bandeiras de luta dos (as) estudantes que pleiteavam serviços para garantir
condições para o término do curso, haja vista a inviabilidade financeira em manter despesas
advindas do processo formativo.
Na Constituição seguinte, de 1967, no artigo 168, percebe-se o reconhecimento da
educação como um direito universal. Vejamos:
Art. 168 - A educação é direito de todos e será dada no lar e na escola;
assegurada a igualdade de oportunidade, deve inspirar-se no princípio da
unidade nacional e nos ideais de liberdade e de solidariedade humana; No §
2º - Respeitadas as disposições legais, o ensino é livre à iniciativa particular,
a qual merecerá o amparo técnico e financeiro dos Poderes Públicos,
inclusive bolsas de estudo. Ainda no§ 2º - Cada sistema de ensino terá,
obrigatoriamente, serviços de assistência educacional que assegurem aos
alunos necessitados condições de eficiência escolar (BRASIL, 1967, p. 01).
65
Apesar do avanço no texto constitucional que trouxe importantes garantias no
campo da educação, o movimento estudantil vivenciava um duro embate com a ditadura
militar, o que acabou por não tornar efetivo o que se previa com a nova Carta Magna. Assim,
foi através dos movimentos e dos eventos promovidos pelos (as) estudantes que o debate foi
sendo ampliado e maturado, tendo sido de grande importância para o processo de construção
da Política de Assistência Estudantil no Brasil.
Passados três anos, em 1970, foi instituído o Departamento de Assistência ao
Estudante – DAE, o qual era vinculado ao MEC, cuja prioridade era os programas de
alimentação, moradia, assistência médica e odontológica. Apesar do objetivo de manter uma
política de assistência ao estudante universitário, em nível nacional, a duração do
departamento foi efêmera, sendo extinta nos governos seguintes (FONAPRACE, 1996).
Durante os primeiros cinco anos da década de 1970 com o governo Médici e a
ditadura no seu auge, e o fortalecimento da economia, com o chamado “milagre econômico”,
o país demandava para a educação a qualificação de mão de obra, pautada na concepção
pedagógica produtivista, conforme nos esclarece Saviani (2005), que revela a subordinação da
educação ao desenvolvimento econômico tornando-a funcional ao sistema capitalista, isto é,
colocando-a a serviço dos interesses da classe dominante. As legítimas reivindicações
estudantis foram sendo relativamente incorporadas, contudo, não desconectadas da lógica
macroestrutural do país.
Neste contexto o Decreto nº 69.927, em janeiro de 1972, foi criado para instituir o
Programa Bolsa de Trabalho, em nível nacional, numa perspectiva de inserção dos (as)
estudantes ao processo de integração do desenvolvimento econômico-social do país, com viés
focalizado nos (as) alunos (as) que comprovassem “carência de recursos financeiros”
(BRASIL, 1972).
Apesar da extinção da UNE no período da ditadura, em 1964, a entidade
continuou organizada e defendendo suas bandeiras, conseguindo em 1979, no 31º Congresso
UNE, organizar o processo de sua reconstrução, momento de transição democrática e de
conquistas de espaços. Em 1985, o cenário da luta pelas “diretas já” e da eleição de Tancredo
Neves37
, com o apoio popular, como o primeiro presidente civil após longo período foi
favorável para a abertura do diálogo entre o MEC e a UNE, o que não acontecia desde 1964.
37
Apesar de eleito Tancredo Neves não chegou a assumir a presidência, mas o apoio popular para a sua eleição é
importante para ressaltar o cenário de abertura democrática no país, após longo período de ditadura militar. O
Presidente eleito não conseguiu tomar posse do cargo, tendo sido internado antes disso e falecendo em 21 de
abril de 1985. O cargo da Presidência foi ocupado por José Sarney, seu vice.
66
É importante demarcar que o período de ditadura trouxe retrocesso ao debate acerca da
assistência estudantil, onde não havia um projeto de âmbito nacional para a garantia de ações
da manutenção dos (as) jovens na universidade, tendo sido priorizadas apenas ações pontuais
nos níveis básico e médio de ensino, excluindo-se, portanto, a educação superior.
Citamos a criação da Fundação de Assistência ao Estudante38
, denominada
anteriormente de Fundação Nacional de Material Escolar, em 1983, como exemplo da
assistência prevista para os (as) alunos (as) dos níveis de ensino básico e médio. Consultando
a Lei nº 7.091/83, observamos em seu Art. 3º a sua finalidade e os seus objetivos:
Art. 3º A Fundação de Assistência ao Estudante, terá por finalidade
assegurar os instrumentos e condições de assistência educacional nos níveis
de formação pré-escolar e de 1º e 2º Graus, constituindo seus objetivos
básicos: I - a melhoria de qualidade, a diminuição dos custos e a criação de
melhores condições de acesso dos usuários ao material escolar e didático, à
alimentação escolar e às bolsas de estudo e manutenção; II - a coordenação
da política de assistência educacional, bem como o desenvolvimento de
estudos visando a subsidiar a sua formulação; III - o apoio à administração
dos serviços de assistência educacional dos sistemas de ensino (BRASIL,
1983, p.01).
A Fundação Nacional de Material Escolar tinha por finalidade apenas a produção
e a distribuição de material didático, primando pela melhoria na qualidade, preço e utilização,
não visando fins lucrativos. A partir da sua revogação a Fundação de Assistência ao Estudante
é criada com o objetivo de se tornar instrumento para o Ministério da Educação e Cultura
executar as ações de assistência aos (às) estudantes. De acordo com o Art.3º e seus incisos I,
II e III, a finalidade e os objetivos da nova instituição altera o entendimento anterior e amplia
sua atuação junto aos (às) estudantes do ensino básico, especialmente no que se refere à
melhoria das condições de acesso ao material didático escolar, mas também à alimentação e
às bolsas de estudo e manutenção. Fica evidenciada a exclusão do ensino superior das
iniciativas voltadas à oferta de serviços para o público universitário naquele período.
Com o processo de redemocratização do país, Sarney, depois da morte de
Tancredo Neves, convoca uma Nova Constituinte e, em 1988, há a aprovação da Constituição
Federal que demarca os direitos sociais regulamentados em seu artigo 6º, sendo a educação
um destes, entendida como um direito de todos e dever do Estado.
Podemos considerar que a partir daqui se inicia uma segunda fase para a Política
de Assistência Estudantil no Brasil, surgindo agentes importantes para o fortalecimento e
38
A Fundação de Assistência ao Estudante surge a partir da revogação da Lei nº 5.327/67, que altera a
denominação da Fundação Nacional de Material Escolar, através da Lei nº 7.091/83.
67
consolidação desta política. O Fórum Nacional de Pró-Reitores de Assuntos Comunitários e
Estudantis – FONAPRACE39
, em 1987, e a Associação Nacional dos Dirigentes das
Instituições Federais de Ensino Superior - ANDIFES podem ser destacados como os mais
influentes no processo político de discussão sobre as questões educacionais e de diálogo com
o governo.
Ambos fizeram frente à integração regional e nacional das instituições de ensino
superior trazendo à baila a efetivação da política de assistência estudantil no ensino superior, a
partir da garantia de igualdade de oportunidades aos (às) estudantes das Instituições Federais
de Ensino Superior - IFES, buscando o rompimento com a lógica assistencialista e
clientelista, pautando as condições básicas para a permanência e a conclusão do curso, em
específico para os (as) alunos (as) com baixa condição socioeconômica.
O marco histórico da Constituição de 1988 acrescenta ganhos para as causas dos
movimentos sociais, ressaltando o movimento estudantil que passa a ter amparo
constitucional para a garantia universal do acesso à educação e a execução de ações de
assistência ao estudante. Contudo, na década de 1990 o avanço das ideias neoliberais dá início
aos retrocessos nas recentes conquistas sociais.
Iniciado o período de desmonte dos direitos sociais, pelo governo do então
presidente Fernando Collor de Mello (1990-1992), verificou-se com maior intensidade no
governo do presidente Fernando Henrique Cardoso em seus dois mandatos, (1995-1998 e
1999-2002), sucessivos retrocessos no que tange aos direitos sociais, em especial na área da
educação, período que ficou caracterizado pelo sucateamento e pela mercantilização do
sistema educacional no Brasil, sobremaneira no ensino superior.
Durante o seu primeiro mandato foi aprovada a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional – LDB (Lei nº. 9394, de 12/96), reafirmando a assistência estudantil como
ação indispensável para garantia do acesso e da permanência de jovens oriundos (as) de
famílias empobrecidas. Apesar disso, o governo iniciou um pacote de ajustes e reformas
alinhadas com os interesses dos agentes financeiros internacionais, consolidando o projeto
neoliberal na educação.
O FONAPRACE, no final de 1999, solicitou a inclusão da assistência estudantil
no Plano Nacional de Educação – PNE (2001), com base nos dados obtidos com a primeira
39
Segundo Nascimento (2013), o FONAPRACE emerge com uma função reivindicativa, promovendo uma
articulação entre a luta pela consolidação de uma política de Assistência Estudantil nas IFES e às bandeiras do
Movimento de Reforma Universitária defendidas pelos intelectuais, estudantes e movimentos sociais da
educação a partir da década de 1960.
68
pesquisa realizada sobre o perfil dos estudantes das Instituições Federais de Ensino Superior -
IFES. O relator do PNE (Lei nº 10.172/ 2001), Deputado Nelson Marchezan, acatou a
solicitação e previu no Plano que as IFES fossem estimuladas a adotar programas de
assistência ao estudante e, nos objetivos elencados, um deles versou sobre a redução das
desigualdades sociais e regionais no tocante ao acesso e à permanência.
As discussões acerca das legislações que tramitaram à época consensuavam que a
plenitude acadêmica dos (as) estudantes estava diretamente associada à qualidade do ensino e
a uma política efetiva de assistência estudantil, considerando elementares as demandas acerca
de moradia, alimentação, saúde, cultura e lazer, sendo igualmente importante o acesso
equânime ao material didático, aos equipamentos de aprendizagem prática, à informação e às
oportunidades de participação em eventos acadêmicos e culturais. Contudo, durante o governo
FHC (1995-1998 e 1999-2002) os investimentos na educação, em particular na assistência
estudantil, foram insuficientes para a garantia de sua efetivação, tendo sido priorizada a
política macroeconômica, que submeteu a própria educação aos seus condicionantes, visto
que os organismos internacionais impuseram suas regras em troca dos acordos e
financiamentos.
A transição do governo FHC (1999-2002) para o governo Lula (2003-2006)
apontou novos caminhos para a educação e para a assistência estudantil no Brasil,
especialmente no tocante ao investimento nestas áreas e à ampliação do acesso de estudantes
ao ensino superior, em particular, de uma parcela da população historicamente excluída.
Apesar disso, a lógica neoliberal não foi rompida, podendo ser percebida em algumas
iniciativas do referido governo, como a educação à distância e a implantação do Programa de
Ensino Profissionalizante – PEP, com forte expressividade na educação profissional, a qual se
insere na lógica da formação técnica para o mercado, além do investimento público em
instituições privadas de ensino, através do ProUni e da ampliação do Financiamento
Estudantil - FIES.
O FONAPRACE aprovou em 2001 a proposta para um Plano Nacional de
Assistência aos Estudantes de Graduação das Instituições Públicas de Ensino Superior, cuja
preocupação destacada como meta foi a garantia de destinação de recursos específicos, a
partir de 2002, para os programas de permanência nas IES para aqueles (as) alunos (as) com
maior vulnerabilidade socioeconômica.
Os resultados das pesquisas realizadas pelo Fórum tiveram um papel importante
no processo de legitimação da Assistência Estudantil em âmbito governamental. O Plano
69
elaborado a partir dos primeiros levantamentos realizados acerca da realidade socioeconômica
dos (as) estudantes das universidades públicas brasileiras foi encaminhado à Associação
Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior – ANDIFES, em 04 de
abril de 2001, tornando-se o documento base para todas as ações concernentes ao tema.
Esta proposta de Plano objetivou responder aos desafios apontados nas Pesquisas
do Perfil Socioeconômico e Cultural dos Estudantes de Graduação das IFES Brasileiras,
realizadas pelo FONAPRACE, nos períodos de 1996 - 1997 e 2003 - 2004.
Vale ressaltar que a partir do estudo realizado em 2004 pelo Fórum foi possível
identificar as precárias condições socioeconômicas de relevante parcela do segmento
estudantil que resultava na dificuldade de permanência destes nas Instituições Federais de
Ensino Superior. Para tanto foi elaborado um Plano Nacional de Assistência Estudantil40
que
apontava o diagnóstico realizado, bem como os princípios, os objetivos, as metas, as áreas
estratégicas, os investimentos, entre outros itens que deveriam ser priorizados e
implementados a partir de 2007.
A Portaria Ministerial – MEC de nº 39 deste mesmo ano coadunou com os
avanços trazidos a partir do documento apresentado, ficando instituído, em 2007, o Programa
Nacional de Assistência Estudantil – PNAES para as universidades federais, sendo fortalecido
pelo Decreto 6.096 de 24 de abril de 2007 - REUNI, sancionado no mesmo ano, pela política
governamental de expansão das IFES e de inclusão social durante o segundo mandato do
governo Lula (2007-2010), em que se verificou o reconhecimento da demanda crescente por
assistência estudantil nas instituições de educação.
Em abril de 2007, o Ministério da Educação lançou o Plano de Desenvolvimento
da Educação - PDE, em que se destacavam duas ações relacionadas à Educação Superior
Pública e à Assistência Estudantil: o Decreto Presidencial nº 6.096, de abril de 2007, que
instituiu o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades
Federais – REUNI; e a Portaria Normativa nº 39, de 12 de dezembro de 2007, o Programa
Nacional de Assistência Estudantil - PNAES.
No contexto do PDE (2007), vislumbrou-se para a Educação Superior a expansão
da oferta de vagas, a garantia da qualidade do ensino, a promoção de inclusão social pela
Educação, a ordenação territorial, que possibilitasse às áreas mais remotas o acesso ao ensino
de qualidade e ao desenvolvimento econômico e social. Destacamos, portanto, as principais
40
O documento está disponível em:
<http://www.andifes.org.br/wpcontent/files_flutter/Biblioteca_071_Plano_Nacional_de_Assistencia_Estudantil_
da_Andifes_completo.pdf> Acesso em 19 de janeiro de 2016.
70
iniciativas do Plano para atender a estes princípios: o aumento das vagas de ingresso e a
redução das taxas de evasão nos cursos presenciais de graduação por meio do Programa de
Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais – REUNI; a adoção
de políticas afirmativas através do Programa Nacional de Assistência Estudantil - PNAES;
alteração do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior - FIES que ampliava o
prazo para o (a) aluno (a) pagar o empréstimo após a conclusão do curso; ampliação do
Programa Universidade para Todos - ProUni e o Sistema Nacional de Avaliação da Educação
Superior - SINAES.
Já para a Educação Profissional e Tecnológica o Plano definiu como meta a
ampliação do parque federal da área em 150%, procedendo para isso à ampliação dos
Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia - IFET e à integração da Educação de
Jovens e Adultos - EJA, dos anos finais do ensino fundamental e ensino médio, à Educação
Profissional, através do Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a
Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos - PROEJA e pelo
Programa de Inclusão de Jovens: Educação, Qualificação e Ação Comunitária - Projovem.
O REUNI surge caracterizado pela forte defesa da ampliação das políticas de
inclusão e de assistência estudantil durante o governo Lula (2003-2006 e 2007- 2010). A
expansão do acesso ao ensino superior gratuito foi percebida pela emergência de novas
instituições públicas que geraram a abertura de novas vagas de cursos, juntamente com a
implantação de programas que visaram à democratização do ensino superior. Assim, tornava-
se necessário desenvolver instrumentos e mecanismos que viabilizassem a permanência dos
(as) que ingressavam no ensino superior.
Para tanto, a Portaria Normativa nº 39, de 12 de dezembro de 2007, que instituiu o
PNAES, configura-se como ferramenta para dar sustentabilidade ao projeto de expansão das
instituições de ensino superior e viabilização da inclusão de novos (as) estudantes. Vale
ressaltar a criação da Lei de Cotas, Lei nº 12.711 de agosto de 2012, responsável pela inserção
da camada social mais pobre e desprivilegiada do acesso aos bens e serviços produzidos. Ela
atua, portanto, como uma ação afirmativa voltada para duas variáveis do processo de
exclusão, a condição socioeconômica e a condição étnico-racial.
Sobre o financiamento da assistência estudantil, a Portaria nº 39 não se ocupou na
designação dos recursos específicos, tampouco, de aumentar os valores de repasse, como
observamos no artigo 5º do documento:
71
As despesas do PNAES correrão à conta das dotações orçamentárias
anualmente consignadas ao Ministério da Educação, devendo o Poder
Executivo compatibilizar a quantidade de beneficiários com as dotações
orçamentárias existentes observados os limites estipulados na forma da
legislação orçamentária e financeira (BRASIL, 2007b, p.01).
A não institucionalização da assistência estudantil enquanto Política Nacional,
durante o Governo Lula (2007- 2010), a torna vulnerável tanto para a sua ampliação, quanto na
sua própria manutenção. A não definição de orçamento específico reforça a fragilidade do
Programa, que se torna ameaçada pelas medidas adotadas pelo atual governo, Michel Temer
(2016), que, sob a justificativa do pagamento da dívida pública, para equilíbrio das contas do
governo tem desonerado o Estado, através do ataque direto aos direitos sociais, tais como a
educação, a saúde, a previdência, entre outros.
Apesar de a assistência estudantil no Brasil ser caracterizada como focalizada e
seletiva, não sendo essa uma exceção do modelo de política social no país, a concessão de
auxílios aos (às) alunos (as) mais pobres compreende-se como uma assistência fundamental
para a permanência desses (as) estudantes. Contudo, o orçamento dispensado ao tratamento
dessa demanda tem sido muito aquém da necessidade identificada pelos (as) profissionais das
equipes de assistência estudantil, em particular os (as) assistentes sociais.
Verifica-se que permanece ativo o debate nacional movido pelas entidades e
organizações como o FONAPRACE e a UNE, bem como no interior das categorias
profissionais das equipes de assistência estudantil, sobre a oferta de serviços de caráter
universal, que contemplem um número ampliado de estudantes e que contemplem outras
necessidades e outros segmentos sociais, como as mulheres, os (as) negros (as), indígenas, o
público LGBTs e as pessoas com deficiência, a fim de criar condições reais de
democratização do ensino aos grupos menos favorecidos. Nesse sentido, afirmamos a
necessidade de a Assistência Estudantil se efetivar como uma política social, com ascensão à
Política Pública, consolidada como um direito de cidadania.
Apesar do cenário de crise na economia mundial, em 2008, período de maior
expansão das Instituições Federais de Ensino, as IFES foram contempladas com recursos
específicos o que garantiu a implementação das ações previstas no Plano de Desenvolvimento
da Educação – PDE (2007). Cabe elencar alguns dos elementos que impulsionaram a política
econômica brasileira naquele momento: o aquecimento do mercado interno motivada pelas
políticas de crédito destinado à população e à ampliação dos programas de transferência de
renda, bem como com a alta demanda para a exportação de commodities, que permitiu o
72
crescimento do país mesmo diante da crise mundial (PAULANI, 2012). Isso nos ajuda a
compreender como o Brasil conseguiu manter o investimento previsto no campo da educação,
assim como em outras áreas.
O programa de frente neodesenvolvimentista (PEREIRA, 2012) adotado naquele
período pelo governo reuniu elementos importantes da política econômica e social, com
destaque para a política de recuperação do salário mínimo e de transferência de renda, o que
favoreceu ao aumento do consumo interno; o financiamento da taxa de juros para as grandes
empresas nacionais, através do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico - BNDES; o
foco na exportação de mercadorias e de capitais fomentando uma política externa de apoio às
grandes empresas brasileiras ou instaladas no Brasil; uma política econômica anticíclica.
Todas essas medidas contribuíram para a manutenção da demanda agregada durante a crise
econômica.
A referida autora explica o termo desenvolvimentismo a partir da integração da
esfera nacional com a internacional, na promoção do crescimento econômico com inclusão
social, cujas particularidades do modelo adotado no Brasil, especialmente durante os dois
mandatos do ex-presidente Lula, centravam-se na intervenção estatal, num contexto de
estabilidade institucional e monetária; na capacidade econômica do país projetando-o como
potência emergente na lógica da globalização neoliberal, mantendo certo resguardo de uma
soberania relativa; e a pretensão brasileira de uma liderança regional (Ibid., 2012).
Entender o cenário brasileiro e as políticas econômicas e sociais priorizadas como
alternativas possibilita refletir sobre os processos de rupturas e continuidades que marcam a
trajetória brasileira no curso da história, bem como esclarecem que “no Brasil, as definições e
os rumos da política social não estão imunes a influências internacionalmente hegemônicas,
que, embora se processem de forma diferenciada, não estão desconectadas” (PEREIRA, 2012,
p.02).
Retomando as legislações que tratam sobre a assistência estudantil no Brasil,
destacamos o Decreto nº 7.234/2010, que dispõe sobre o Programa Nacional de Assistência
Estudantil – PNAES, ampliando o seu campo de atuação para os Institutos Federais de
Educação Ciência e Tecnologia – IFETs, expresso em seu Art. 4º. Portanto, a discussão sobre
a assistência estudantil no âmbito dos Institutos Federais é muito recente, da mesma forma
que a nova institucionalidade da educação profissional operacionalizada a partir do segundo
mandato do governo Lula (2007- 2010).
73
No cenário político a sucessão do presidente Lula para a gestão de Dilma
Rousseff (2011-2014) não alterou a perspectiva de democratização do ensino superior e o
modelo de expansão da educação profissional. Contudo, a partir de 2014, com o
endividamento público e as dificuldades no contexto econômico advindos da redução de
exportações das commodities, entre outros elementos, a equipe do governo procedeu a um
ajuste fiscal, recaindo tais medidas sobre as políticas sociais. Diante disso, os recursos
destinados à educação, assim como para outros segmentos, sofreram contingenciamentos e
cortes, impactando na manutenção dos (as) estudantes nas Universidades e nos Institutos
Federais.
Em 2015 a situação foi agravada, o que gerou uma greve dos (as) trabalhadores
(as) e estudantes das instituições do ensino federal, sendo maior a adesão nos Institutos
Federais. A principal pauta debatida no período era reverter o corte na educação, anunciado e
implementado pelo governo Dilma no início de seu segundo mandato, o qual repercutiu
diretamente no funcionamento das instituições e nas ações de assistência estudantil.
A atual conjuntura brasileira, pós-processo de impeachment da Presidenta Dilma
Rousseff, em 2016, tem efetivado retrocessos das políticas sociais no país, materializado por
emendas constitucionais, medidas provisórias que sinalizam os novos rumos para a educação,
para a educação profissional e para o ensino médio, com repercussões severas previstas para a
assistência estudantil, os programas de bolsas de pesquisa e extensão, bem como no número
de instituições de ensino superior e, consequentemente, de vagas em seus cursos. Portanto, as
Políticas Públicas no Brasil, com destaque para a Educação, compreendendo outras políticas,
programas e ações que nela estejam inseridas, estão desafiadas a repensarem as formas de
enfrentamento aos desmontes anunciados.
Segundo Martins41
( 2017), o golpe de Estado de 2016 teve como intento atingir a
organização dos trabalhadores (as) e o protagonismo dos movimentos sociais que se
expressava na elevação da atividade sindical; nas explosões sociais de junho de 2013 pela
ampliação de direitos sociais como o transporte público gratuito e a garantia de direitos
constitucionais, como o acesso público à saúde e educação de qualidade; e nas políticas
sociais voltadas para o acesso aos rendimentos do trabalho pela população de baixa renda,
41
Artigo escrito por Carlos Eduardo Martins, em maio de 2017, para o Blog da Boitempo. O autor é doutor em
Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), professor do Programa de Estudos sobre Economia Política
Internacional (UFRJ), coordenador do Laboratório de Estudos sobre Hegemonia e Contra-Hegemonia
(LEHC/UFRJ), coordenador do Grupo de Integração e União Sul-Americana do Conselho Latino-Americano de
Ciências Sociais (Clacso). Disponível em: <https://blogdaboitempo.com.br/2017/05/29/notas-sobre-a-crise-
politica-brasileira/> Acesso em 12 de setembro de 2017.
74
notadamente através da elevação do salário mínimo, e também dos programas de renda
mínimas e cotas sociais de acesso à educação superior.
O autor afirma que estamos vivenciando um plano radical de reestruturação do
Estado brasileiro, onde se tem avançado em:
Reformas neoliberais como o congelamento dos gastos públicos primários
por 20 anos, a reforma trabalhista, a lei de terceirizações, a reforma da
Previdência, o fim das políticas industriais do BNDES, a retomada de
privatização de empresas ou a eliminação do monopólio da Petrobrás e da
política de conteúdo nacional para investimentos no Pré-Sal. Por meio das
políticas de elevação da superexploração do trabalho e da atração de capital
estrangeiro procurava-se compensar a restrição de gastos públicos primários
e retomar o dinamismo econômico, associando-o ao aumento das taxas de
exploração, da lucratividade e do investimento (MARTINS, 2017, p.01).
Diante da grande ofensiva de ataque aos direitos sociais, promovendo o
acirramento das desigualdades estruturais no país, reafirmamos a importância deste estudo
para contribuir com a agenda de defesa da Educação e da Assistência Estudantil, dentro de
uma concepção de universalidade e de integração ao desenvolvimento social e ao exercício
pleno da cidadania dos sujeitos, em que ambas configuram como estratégicas para a
transformação social e política no contexto brasileiro.
A seguir, apresentaremos a Política de Assistência Estudantil do IFCE, tomando
como base o documento que regulamenta a referida Política na instituição e outras
regulamentações institucionais. Antes de nos determos propriamente ao processo de
elaboração e implantação da Política no âmbito da instituição, achamos relevante descrever a
trajetória da assistência estudantil no Instituto Federal do Ceará, o que nos permitirá trabalhar
a Trajetória Institucional da Política, prevista como uma das dimensões do método Avaliação
em Profundidade (RODRIGUES, 2008).
3.4 A Política de Assistência Estudantil no Instituto Federal do Ceará
Destarte, traçaremos um breve percurso da Política de Assistência Estudantil no
contexto institucional do IFCE, diferenciando-a do PNAES que se configura como uma
legislação nacional não impeditiva à elaboração de regulamentações próprias nas instituições
públicas de ensino que norteiem e organizem a operacionalização da assistência estudantil em
suas unidades. Para isso, consideramos a sua trajetória institucional no IFCE a partir do
processo de redemocratização do acesso ao ensino superior, bem como da ampliação de vagas
para o ensino técnico e tecnológico.
75
Esse processo incorporou parte da população historicamente excluída do sistema
de ensino, especialmente aquela residente nas zonas mais afastadas das áreas urbanas dos
municípios do interior do Estado cujo déficit de instituições públicas de ensino superior,
profissional e tecnológico é elevado. Isso resultou tanto no crescimento como no surgimento
de novas demandas apresentadas aos (às) profissionais dos campi do IFCE, exigindo a
ampliação das equipes que já atuavam nas unidades em funcionamento, bem como a
realização de concurso público para a composição de quadros profissionais para as novas
unidades.
A ampliação das novas sedes e, consequentemente, das equipes de trabalho gerou
uma necessidade de organização institucional para o acompanhamento dos campi na
implementação e execução da assistência estudantil. A criação de uma Diretoria específica
para acompanhar os diversos campi do IFCE garantindo o suporte técnico aos (às)
profissionais e às coordenações e coordenadorias foi o passo dado para o gerenciamento do
processo de operacionalização do Programa Nacional de Assistência Estudantil – PNAES e,
posteriormente, da Política de Assistência Estudantil do IFCE, a qual está fundamentada pelas
diretrizes nacionais.
Apesar da elaboração recente dessa Política na instituição, vale ressaltar que há
registros de práticas voltadas à assistência dos (as) estudantes quando esta ainda se
denominava Escola Técnica Federal do Ceará, cujas ações estavam engendradas na lógica do
trabalho tendo como exemplo o Programa Especial de Bolsa de Estudo – PEBE, que estava
voltado para trabalhadores (as) sindicalizados (as) e seus dependentes, regulamentado pelo
Decreto 57.870, de 25 de fevereiro de 1966, de acordo com o Boletim de Serviço do CEFET
do ano 2000.
A vinculação ao trabalho como forma de atenção à juventude pobre é uma
característica trazida desde a criação da instituição, em 1909, sob a designação de Escola de
Aprendizes e Artífices - EAA, através do Decreto nº 7.566 de 23 de setembro de 1909,
assinado por Nilo Peçanha durante a velha república. Marcada pela preocupação com a
infância sob um discurso econômico, higienista e político de proteção do Estado às crianças
carentes, em especial aos abandonados e delinquentes, justificou-se a criação de instituições
de confinamento moldadas por valores burgueses para a formação do caráter da criança dentro
da ética do trabalho (GOMES, 2003, p. 03). Portanto, a gênese dessas instituições estava
centrada no projeto de criação de uma sociedade do trabalho, com viés disciplinador da
76
pobreza. Ratifica-se o caráter da criação das EAAs a partir do próprio texto do Decreto que
considera:
Que o aumento constante da população das cidades exige que se facilite às
classes proletárias os meios de vencer as dificuldades sempre crescentes da
luta pela existência; que para isso se torna necessário, não só habilitar os
filhos dos desfavorecidos da fortuna com o indispensável preparo técnico e
intelectual, como fazê-los adquirir hábitos de trabalho profícuo que os
afastará da ociosidade ignorante, escola do vício e do crime; que é um dos
primeiros deveres do Governo da República formar cidadãos úteis à Nação
(BRASIL, 1909, p.01).
O texto denota a preocupação do Estado na intervenção dos novos problemas
postos pela urbanização como, por exemplo, aumento das populações nas cidades e o
crescimento de trabalhadores (as) livres. Para isso, há investimento do Estado na condução de
uma ação educativa para o desenvolvimento de hábitos de trabalho, como: ordem, submissão,
racionalidade, pontualidade, bom uso do tempo, utilização adequada dos instrumentos de
trabalho; hábitos delineadores do perfil do trabalhador produtivo, integrado à vida social.
Não desejamos fazer uma análise sobre as institucionalidades anteriores a dos
Institutos Federais de Educação, contudo, salientamos que é considerável não perdermos de
vista o seu contexto de criação e de desenvolvimento, atentando para o fato de que ele nos dá
informações sobre a perspectiva adotada pelo Estado e suas instituições na intervenção junto
às demandas sociais, nesse caso, no campo da educação.
Dessa forma, identificamos que as ações de assistência estudantil, durante a
Escola Técnica Federal do Ceará, estavam direcionadas para a oferta de bolsas de trabalho,
onde os (as) estudantes realizavam suas atividades, preferencialmente, em laboratórios e
oficinas. Concomitantemente, também eram ofertados serviços médicos e odontológicos, a
merenda escolar e os materiais de proteção e fardamento. No contexto político, destacamos
que a Escola Técnica Federal do Ceará foi instituída pela portaria ministerial nº 331, de 06 de
junho de 1968, no governo Militar de Marechal Artur da Costa e Silva, portanto, influenciada
pelo viés desenvolvimentista da política nacional e o caráter assistencialista das políticas
sociais brasileiras.
Durante o período da Ditadura Civil-Militar (1964-1985) as reivindicações dos
(as) estudantes foram marcadas pelo conflito direto com os governos militares. As instituições
refletiam o modelo burocratizado do Estado, em que as políticas sociais atuavam como
mediadoras da sua relação com a sociedade. Após a abertura política e a promulgação da
Constituição de 1988, a educação passava a ser um direito público dirigido a todas as classes.
77
Apesar da conquista a década de 1990 não foi satisfatória em avanços para a política de
educação, em particular, para o ensino superior. O governo de Fernando Henrique Cardoso
(1995-2002) foi marcado pela falta de investimentos públicos nas instituições de ensino, com
escassez de verbas para a manutenção dos estabelecimentos, para o incentivo à pesquisa,
defasagem salarial dos (as) profissionais da educação e outras medidas de ataque à educação
pública superior, em defesa do projeto político-econômico neoliberal42
(VASCONCELOS,
2010).
Retomando a realidade da Escola Técnica do Ceará e a trajetória da assistência
estudantil nessa instituição, afirmamos que, de acordo com Dumaresq (2014), a criação do
setor de Serviço Social na instituição, em 1991, vinculado ao Serviço de Orientação
Educacional, iniciou o processo de sistematização das ações realizadas pelos diversos setores
voltadas para a assistência aos (às) estudantes, de modo que elas foram aglutinadas para evitar
uma execução fragmentada como vinha acontecendo.
Apontamos, portanto, a criação do setor de Serviço Social como um marco
importante na trajetória da assistência estudantil, antes mesmo da sua configuração como
IFCE.
Em 1994, com a criação do Departamento de Apoio e Extensão, os serviços de
psicologia, médico-odontológico, Bolsa Trabalho e demais auxílios, passaram a ser
desenvolvidos através do Serviço de Apoio ao Discente. Ressaltamos que neste mesmo ano o
então presidente da República Itamar Franco, sanciona a Lei Federal nº 8.948 para
transformar as Escolas Técnicas em Centros Federais de Educação Tecnológica, tendo como
missão institucional ampliar a atuação em Ensino, Pesquisa e Extensão.
Diante das demandas crescentes e da necessidade de organização e sistematização
das ações de assistência estudantil, em 1998, criou-se a Coordenação de Serviço Social, que
passou a gerenciar o Programa através dos recursos da Ação 2994. Aqui, vale destacar, que
essa estruturação se dá no campus de Fortaleza43
, pois neste período não havia o número de
unidades que se tem hoje.
42
Segundo Ferrer o ideário neoliberal consiste na implantação de reformas necessárias ao desenvolvimento e
reprodução do capitalismo financeiro, podendo ser caracterizado como a sua expressão política (FERRER, p.12,
2012). 43
O campus Fortaleza foi criado no dia 29 de dezembro de 2008 pela Lei nº 11.892, sancionada pelo então
presidente Luís Inácio Lula da Silva. O Instituto Federal do Ceará congrega os extintos Centros Federais de
Educação Tecnológica do Ceará (CEFETs/CE) e as Escolas Agrotécnicas Federais dos municípios de Crato e de
Iguatu. Atualmente, conta com 32 unidades distribuídas no estado cearense. Informação disponível em:
<http://ifce.edu.br/fortaleza/menu/o-campus>. Acesso em 20 de setembro de 2017.
78
Identificamos pelas atividades catalogadas naquele período que elas refletiam às
legislações vigentes que orientavam o acesso ao fardamento, à merenda escolar, ao material
didático, constituindo-se como ações focalizadas e assistenciais de auxílio aos (às) estudantes.
As ações se determinavam, portanto, por três lógicas: a do trabalho; a da saúde médico-
ambulatorial e a do socioassistencial. É importante dizer que apesar dos avanços que vêm
acontecendo nos debates sobre a assistência estudantil ainda é recorrente concepções que se
limitam à dimensão financeira e social, vinculando-a ao viés meramente material, como
observamos nos dados obtidos com a pesquisa de campo.
O surgimento dos Institutos Federais de Educação a partir da Lei nº 11.892/2008,
promulgada durante o governo de Luís Inácio Lula da Silva, passou a abranger a vocação
institucional dos antigos Centros Federais de Educação Tecnológica – CEFET’s para
ministrar o ensino superior de graduação e pós-graduação lato sensu e stricto sensu. Nasce,
portanto, uma nova institucionalidade e com ela o projeto de Expansão da Rede Federal.
Naquele momento, inaugurando 38 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia,
dentre eles, o do Estado do Ceará, o qual iniciou com nove campi em funcionamento e mais
três em construção.
A partir desse momento ocorreu uma alteração na dinâmica institucional do IFCE,
que passou a ser organizado através de Pró-Reitorias. Embora a assistência estudantil não
tenha alcançado o status de Pró-Reitoria ela esteve vinculada, de 2008 a 2012, à Pró-Reitoria
de Extensão e hoje, configura como uma Diretoria Sistêmica de Assuntos Estudantis - DAE,
ligada diretamente à Reitoria. A criação da DAE teve relação com a Expansão da Rede
Federal, que, com a criação de novos campi e a necessidade de gerenciamento das diversas
ações de assistência estudantil, tornou-se inadiável a sua estruturação.
Segundo o Regimento Interno do IFCE44
(p.113, 2016), no seu Art.80, a referida
Diretoria tem como objetivo “estabelecer política, diretrizes, incentivar, planejar e
acompanhar planos, programas e projetos, contribuindo para a melhoria do desempenho
acadêmico e desenvolvimento integral do estudante”, o que estabelece um novo lugar para a
assistência estudantil dentro do IFCE, uma vez que esta passa a ser reconhecida como parte
importante no processo de inclusão e desenvolvimento dos (as) alunos (as).
Percebemos que o objetivo da DAE se vincula ao que prevê o PNAES. Entretanto,
amplia a concepção no que se refere à ideia de uma educação integral, que embora não seja
44
O referido documento está respaldado na Resolução Nº 007, de 04 de março de 2016. Disponível em:
<http://ifce.edu.br/instituto/documentos-institucionais/resolucoes/2016/007-aprova-o-regimento-geral-do-
ifce.pdf/view> Acesso em 10 de julho de 2017.
79
apresentada no documento, aparece de modo subliminar na descrição das atribuições do (a)
Diretor (a) de Assuntos Estudantis, quando menciona, por exemplo, a articulação desta
Diretoria com a Pró-Reitoria de Extensão para o desenvolvimento de ações de apoio político,
social, cultural e desportivo aos (às) estudantes, assim como o incentivo a participação dos
(as) estudantes em atividade técnico-científica, desportiva e artístico-cultural do IFCE.
As possibilidades para a atuação da assistência estudantil começam a ser
ampliadas, não se limitando apenas a ações fragmentadas e assistencialistas de cunho
meramente financeiro. Não desconsideramos aqui, a importância e a necessidade dos recursos
para a execução destas ações. Ao contrário, afirmamos a importância da ampliação do
financiamento através da integração com outras áreas como o ensino e a extensão, por meio
de editais, programas e projetos que vislumbrem a participação dos (as) estudantes nas
múltiplas dimensões do conhecimento.
Nesse sentido, afirmamos a importância de que os (as) profissionais trabalhem
com uma visão mais ampliada acerca do que se relaciona à assistência ao educando, visto que
a elaboração do PNAES, de modo geral, possui centralidade na assistência pecuniária, embora
não se resuma apenas a esta esfera. Por isso a estruturação de outros programas que
possibilitem trabalhar de modo integral as múltiplas questões que vulnerabilizam a
permanência do (a) jovem dentro da instituição são fundamentais e urgentes para a efetividade
de uma Política que tenha como primazia o desenvolvimento integral dos (as) estudantes,
garantindo a estes (as) oportunidades para o êxito acadêmico e para uma permanência com
qualidade.
Sobre o processo de elaboração das legislações e regulamentações no Instituto
Federal do Ceará, destacamos que o debate está alinhado às diretrizes nacionais e às
legislações regulamentadoras da assistência estudantil no Brasil. No primeiro encontro
organizado pela Diretoria de Assuntos Estudantis com os (as) profissionais das coordenações
e coordenadorias de assistência estudantil da Rede IFCE resultou na formulação do
Regulamento de Assistência Estudantil, que foi aprovado pela Resolução nº 023/2011 no
Conselho Superior – CONSUP45
.
O referido documento normatizou a concessão dos auxílios aos (às) estudantes,
trazendo como objetivo, em seu Art. 7º “Ampliar as condições de permanência e apoio à
formação acadêmica dos discentes” (IFCE, 2011, p.01). Respaldada pelo PNAES, ela aponta
45
As legislações e documentos institucionais do IFCE referentes à Assistência Estudantil estão disponíveis em:
<http://www2.cefetce.br/aluno/assuntos-estudantis/legislacao.html> Acesso em 15 de agosto de 2017.
80
no inciso I do referido artigo o texto do Programa Nacional de Assistência Estudantil, como
segue:
I. As ações de assistência estudantil devem considerar a necessidade de
viabilizar a igualdade de oportunidades, contribuir para a melhoria do
desempenho acadêmico e agir, preventivamente, nas situações de retenção e
evasão decorrentes da insuficiência de condições financeiras (BRASIL,
2010b, p.01).
Podemos inferir, portanto, que o objetivo deste documento foi orientar os (as)
profissionais, em particular os (as) assistentes sociais, e os (as) estudantes, sobre as
modalidades de auxílios, os critérios para a concessão e a manutenção dos mesmos, bem
como seus percentuais de valores, a fim de garantir a operacionalização do Programa de
Auxílios.
Em 2014, com a ampliação do quadro de servidores (as), a Diretoria de Assuntos
Estudantis convidou os (as) trabalhadores (as) das coordenações ligados à pasta para um
segundo encontro que visava à reformulação do Regulamento do Programa de Auxílios.
Houve uma ampla participação dos (as) profissionais e gestores (as) envolvidos (as) na
execução do Programa, contudo, a representação estudantil não foi de todos os campi e
expressou-se muito aquém do quantitativo de alunos (as) matriculados (as) na Rede IFCE.
Isso nos faz refletir sobre a dificuldade das políticas sociais de incluir os sujeitos receptores
dos programas nos processos de planejamento e avaliação e sobre o orçamento da Assistência
Estudantil que inviabiliza, por exemplo, a participação de profissionais e estudantes em
eventos promovidos pela DAE, pela escassez de recursos financeiros.
Apesar da ausência de uma participação efetiva do corpo estudantil a revisão do
documento, Regulamento do Programa de Auxílios, estabeleceu princípios, objetivos e
diretrizes que demarcam uma nova fase para a assistência estudantil no IFCE, haja vista a
compreensão do (a) estudante enquanto ser social que interage com a sociedade, a escola, a
família e com o mundo, exigindo sobre ele (a) um olhar integral, o qual o (a) reconheça como
sujeito de direitos e destinatário (a) de uma formação que o (a) estimule para a autonomia, a
igualdade e a participação.
A Resolução nº 052, de outubro de 2016, que revogou a Resolução nº 008/2016,
aprovou o novo Regulamento de Concessão de Auxílios Estudantis da Política de Assistência
Estudantil do IFCE, reforçando, em seus objetivos, aquilo que se tem estabelecido pelo
PNAES no que se refere à ampliação das condições de permanência e apoio à formação
acadêmica dos (as) discentes, contribuindo para a redução da evasão e para a melhoria do
81
desenvolvimento acadêmico. Possibilita ainda, a redução dos efeitos causados pelas
desigualdades sociais, através do trabalho de reconhecimento das diversidades e do debate
acerca das diferenças, promovendo assim, a inclusão social pela Educação.
A Resolução nº 052/2016, agrega outras ações voltadas aos (às) discentes como o
desenvolvimento biopsicossocial destes (as) e o estímulo à participação no mundo acadêmico,
visando à formação integral dos (as) estudantes.
O documento ampliou a discussão acerca da universalização do acesso à
assistência estudantil, ainda que a vulnerabilidade social seja o critério de prioridade para o
atendimento das demandas de ordem financeira. A definição de eixos norteadores
denominados “serviços” e “auxílios” possibilitou que sejam vislumbrados princípios da
universalização do acesso dos (as) estudantes às ações da A.E, pois, o primeiro eixo visa o
atendimento de toda a comunidade discente, independente do perfil socioeconômico.
Em Umirim, por exemplo, destacamos como “serviços” o acesso ao refeitório, os
atendimentos psicossociais e o acompanhamento pedagógico destinado a todos os (as) alunos
(as). Já os “auxílios” destinam-se em forma de pecúnia, considerando-se a disponibilidade
orçamentária no campus, bem como os critérios para concessão, estabelecidos no
Regulamento de Concessão de Auxílios Estudantis no âmbito do IFCE. Vale ressaltar que o
documento prevê, em seu Art. 35, a sua revisão a cada dois anos com a participação da
Diretoria de Assuntos Estudantis, das Coordenações de Assuntos Estudantis, assistentes
sociais e de pelo menos um (a) representante estudantil, por campus.
Durante o evento que discutiu a reformulação do Regulamento da Assistência
Estudantil foram elucidadas questões sobre a atuação dos (as) profissionais das equipes nos
campi e sobre as diretrizes que amparavam o trabalho destes (as). Na ocasião foi formada uma
comissão de trabalho que estabeleceu as diretrizes e os referenciais profissionais das
categorias envolvidas na execução das atividades de Assistência Estudantil no IFCE, com
representação de cada área de atuação (serviço social, psicologia, nutrição, pedagogia e
outras), resultando na elaboração da Política de Assistência Estudantil do IFCE, aprovada
através da Resolução Nº 24 de 22 de junho de 2015.
A participação dos múltiplos agentes envolvidos na execução das ações e
programas de assistência estudantil no IFCE na elaboração do documento que regulamenta os
objetivos, os princípios, as diretrizes e o funcionamento da assistência prestada ao corpo
estudantil naquela instituição, assim como na elaboração dos referenciais de atuação das
diversas categorias profissionais, propôs um exercício coletivo de sistematização das
82
demandas expressas cotidianamente pelos (as) estudantes e de catalogação das ações
realizadas pelas equipes nos campi da Rede IFCE.
Apesar da criação de um dispositivo institucional para efetivação da Política de
Assistência Estudantil no âmbito do IFCE verifica-se que há desafios que dificultam a
operacionalização das ações nas unidades da Rede, inclusive com críticas quanto ao modo de
implantação e quanto ao cumprimento do que preconiza o documento sobre a formação das
equipes mínimas, como aponta a Coordenadora de Assuntos Estudantis do campus Umirim:
Eu não participei do processo, mas eu peguei ainda em implantação. Eu
entrei em 2015 [...]. O campus é jovem, é um campus jovem. Então, assim,
foi implantado na realidade meio que, na minha opinião, meio que - não
sei se é certo dizer de cima pra baixo. Foi jogado dentro dos campi sem
uma preparação anterior, sem organizar espaços, sem profissionais pra
formar uma equipe mínima, que é necessária [...]. E ao chegar aqui no
Umirim, especificamente, já encontrei uma equipe maior, mas ainda com
ausência de profissionais, principalmente pedagogo. Com ausência de
enfermeiro, com ausência de dentista. Então isso dificulta o desenvolvimento
pleno da Política (R.R., Coordenadora, 2017, grifo nosso).
O estímulo para investigar a assistência estudantil extrapolando uma concepção
reduzida de que ela se efetiva apenas pelo Programa de Auxílios e pelos serviços médico-
odontológicos, se deu a partir do contato com as demandas apresentadas no espaço sócio
ocupacional pelos (as) estudantes do campus Umirim, as quais possuíam vínculo com as
dimensões subjetivas e simbólicas daqueles indivíduos.
As questões trazidas ao serviço social, durante atendimentos espontâneos aos (às)
estudantes, apontavam para demandas associadas a situações de discriminação e preconceito,
vivenciadas dentro e fora da instituição, com maior recorrência para os conflitos de gênero e
de orientação sexual. Esse fato chamou nossa atenção para a necessidade de uma intervenção
voltada para reduzir e eliminar as situações geradoras daquelas violências, entendendo que
elas produzem um efeito negativo no campo das significações e subjetividades e possuem
forte impacto para a permanência dos (as) estudantes nas unidades de ensino, bem como para
o êxito acadêmico dos (as) jovens. O preconceito, como nos explica Agnes Heller (1992),
impede a autonomia do [ser humano], ou seja, diminui sua liberdade relativa diante do ato de
escolha, ao deformar e, consequentemente, estreitar a margem real de alternativa do
indivíduo.
Nesse sentido, consideramos que a Política de Assistência Estudantil do IFCE,
conseguiu incorporar essa demanda como parte do trabalho a ser desempenhado pelas equipes
83
multidisciplinares dos campi, cujas ações reconheçam e dialoguem com as diversidades no
ambiente escolar mantendo contínuos os debates entre as categorias profissionais.
3.4.1 Política de Assistência Estudantil do IFCE e a inclusão das diferenças
Nacionalmente, as discussões sobre a inclusão dos segmentos historicamente
excluídos da educação estimularam as instituições a construírem seus processos de trabalho
incorporando as necessidades, de naturezas diversificadas, dos segmentos que passaram a
ocupar as unidades de ensino. A partir dessa realidade está posta a necessidade do
planejamento de programas e de políticas institucionais, que abranjam o diálogo com as
diferenças e promovam a reflexão e o questionamento das desigualdades produzidas nas
múltiplas esferas da vida social.
Para contribuir nesses debates foram lançadas várias publicações durante o
governo Lula (2003-2006 e 2007- 2010), com destaque para a Coleção Educação para Todos,
lançada em 2004, pelo MEC e pela UNESCO, em que foram elaborados textos que debatiam
gênero, etnia e raça, orientação sexual, no ambiente escolar, entre outras temáticas. Desse
modo, a educação passa a reconhecer a importância de abordar as diferenças e as diversidades
como dimensões do processo educativo.
Esta compreensão está presente na Política de Assistência Estudantil do IFCE
(2015a), onde verificamos em seus princípios norteadores, Art. 2º, inciso I, o “respeito à
liberdade e dignidade humanas” e em suas diretrizes, no Art. 3º, inciso IX o “combate a todas
as formas de preconceito e discriminação”. Desse modo, abre-se um leque de ações que
podem ser pensadas pelas equipes de Assistência Estudantil – A.E46
no fomento ao combate
as situações de bullying, machismo, opressão de gênero, homofobia, racismo, misoginia, entre
outros. Além disso, o referido documento baseia-se na participação dos (as) estudantes, e no
diálogo entre a escola, a família e a comunidade, como mecanismos de promover a cidadania,
a participação e organização social.
Destacamos ainda o inciso II, Art. 2º, onde a educação e à assistência estudantil
estão reconhecidos como um direito social e universal. Portanto, a concepção sobre A.E e
sobre educação se pautam na ampliação do acesso a estas políticas, em que ambas,
articuladamente, possibilitem a formação integral dos (as) estudantes.
46
As equipes de Assistência Estudantil são compostas por profissionais de diferentes áreas de formação (serviço
social, psicologia, pedagogia, nutrição, enfermagem, assistentes de alunos, odontólogos, médicos). Entretanto,
não há uma mesma composição em todos os campi, embora esteja prevista uma composição mínima dessa
equipe pela Política elaborada na instituição.
84
O texto do documento tem importantes avanços no que se refere a conceitos e
concepções, vislumbrando uma perspectiva diferente daquela que restringe a assistência
estudantil à ações focalizadas e assistencialistas. A intersetorialidade entre as diversas
políticas sociais, por exemplo, aparece como uma de suas diretrizes, e configura-se como uma
potencialidade para a articulação das ações de modo integrado com outras políticas setoriais.
Diante disso, observa-se que o texto do documento institucional coaduna com as
regulamentações nacionais, contudo, avança na perspectiva de uma assistência estudantil que
atue mais amplamente e integralmente junto aos sujeitos.
Destacamos ainda que a Política de Assistência Estudantil do IFCE dá ênfase ao
atendimento de inclusão às pessoas com deficiência, dentro dos seus objetivos e prevê o
planejamento e avaliação para cada ação que se pretenda implementar, portanto, a partir da
elaboração deste documento, cria-se para as equipes profissionais dos diversos campi da Rede
um conjunto de possibilidades para se trabalhar com as diversidades inseridas no ambiente
acadêmico.
A Política recém-aprovada avança ainda no detalhamento acerca da gestão e da
sua operacionalização, regulamentando, inclusive, uma equipe multidisciplinar mínima, a qual
deverá ser composta por pedagogo (a), assistente social, psicólogo (a), enfermeiro (a) e
nutricionista. Contudo, não restringe as equipes apenas a esses (as) profissionais, prevendo a
possibilidade de inserção de outras áreas, nos casos de equipes completas, como: educador (a)
físico, médico (a), odontólogo (a), assistente de alunos e técnico (a) em assuntos educacionais.
Apesar disso, diante do cenário de ajustes do governo, e da falta de planejamento institucional
do IFCE, não tem sido cumprida a formação de equipe mínima nos campi, com pior impacto
para aqueles recém-inaugurados. Ilustra bem a realidade a fala da coordenadora da assistência
estudantil do campus Umirim, ao dizer que:
Participei de alguns fóruns. E a gente percebeu que mesmo depois de um ano
já no Instituto, eu percebi que não houve mudança nessa questão de fazer as
equipes mínimas. Dificilmente em um campus, eu acredito que talvez o
campus Fortaleza seja o único, não tenho dados específicos, mas acho que
talvez seja o único que tenha equipe mínima completa. Todo esse trabalho
vem sendo prejudicado por falta desses profissionais, a implementação
completa da Política. E aí é uma falha que prejudica o bom trabalho, a
eficiência da política da assistência, essa falta de profissionais (R.R.,
Coordenadora, 2017).
A previsão de uma estrutura organizacional em cada campus, com a composição
de equipes mínimas, multidisciplinares, e diretamente vinculadas às direções gerais favorece a
85
execução dos programas, projetos e ações de assistência estudantil, requerendo destes (as)
profissionais a capacidade de mediação e compreensão acerca da Política, a fim de conquistar
a autonomia necessária para a operacionalização de um direito de cidadania.
Destacamos que o documento incorporou os referenciais de atuação de cada área
profissional, normatizando aquilo que na prática já estava sendo desenvolvido pelas equipes
nos campi. Os referenciais foram produzidos após vários encontros segmentados, por área,
que possibilitou o debate entre cada categoria profissional dos diversos campi da Rede IFCE.
Essas discussões subsidiaram a catalogação das ações e das principais rotinas de trabalho,
comum a todas as unidades de ensino, mapeando as atividades inerentes ao cargo e à área de
atuação dos (as) servidores (as), a partir das suas especialidades.
É importante dizer que a própria estrutura do texto da Política de Assistência
Estudantil do IFCE apresenta, didaticamente, os Programas e as Ações a serem trabalhados
para o atendimento dos princípios, das diretrizes e dos objetivos da Política. Destacamos aqui,
o Art. 14, § 1º, em que foram descritas as seguintes áreas temáticas, inciso I - Trabalho,
Educação e Cidadania; inciso II – Saúde; inciso III – Cultura e Arte; inciso IV – Alimentação
e Nutrição; inciso V – Cultura e Desporto e inciso VI – Auxílios em forma de pecúnia (IFCE,
2015a).
Foram apresentados os Programas Sistêmicos vinculados a cada área temática e,
depois, os objetivos e as ações de cada programa. Realizando um recorte dentro da proposta
desta pesquisa, destacamos a área temática I - Trabalho, Educação e Cidadania, vinculada
ao Programa Sistêmico de Inclusão Social, Diversidade e Acessibilidade, inciso III, Art.
15, sendo descritos no seu §3 os objetivos e as ações que nortearão esse Programa:
O Programa de Inclusão Social, Diversidade e Acessibilidade cumprirá os
seguintes objetivos e ações: I – Combater a qualquer tipo de discriminação,
promovendo valores democráticos de respeito à diferença e à diversidade no
IFCE; II – Constituir-se-á a partir das seguintes ações: a) promover o
acompanhamento psicossocial contínuo do discente que porventura se
encontre sem pleno acesso às atividades que deseja desempenhar na
instituição; b) apoiar as ações e decisões dos Núcleos de Apoio a Pessoas
com Necessidades Específicas- NAPNES de cada campus; c) proporcionar a
mediação de conflitos e situações de sofrimento em virtude de preconceito,
bullying e outras formas de violência e exclusão; d) promover eventos,
atividades de conscientização e prevenção (IFCE, 2015a).
No que se refere ao programa sistêmico e suas ações verificamos que foram
contempladas as preocupações acerca das demandas que se associam às desigualdades
geradas no ambiente escolar devido à intolerância e ao preconceito com as diferenças.
86
Portanto, iniciativas que se destinem ao combate das múltiplas formas de violência e
discriminação são colocadas como prática da assistência estudantil, vislumbrando-se que
todos (as) tenham as mesmas oportunidades e tratamento dentro do espaço estudantil.
Outro ponto a ser evidenciado é o acompanhamento e a avaliação da Política,
pautados no corpo do documento, contemplando o envolvimento das equipes (coordenações e
departamentos) das unidades e destacando o caráter sistemático e contínuo do
acompanhamento, através do registro em relatórios mensais, os quais são cadastrados no
sistema eletrônico da assistência estudantil47
e remetidos à Diretoria de Assuntos Estudantis,
semestralmente. Sob a responsabilidade desta Diretoria fica prevista a avaliação anual, a qual
se norteará por critérios de eficácia, eficiência e efetividade. No final do Capítulo XI, que
trata sobre o acompanhamento e a avaliação, fica descrito em parágrafo único: “Essa
avaliação não dispensa o ato avaliativo de cada programa, a ser feito anualmente pelo campus,
envolvendo a participação do discente” (IFCE, 2015a).
Apesar de se identificar a previsão de acompanhamento e avaliação para as ações
realizadas, concluímos que o modelo pensado, pautado nos parâmetros clássicos de avaliação,
não consegue mensurar de modo qualitativo o impacto dos programas, projetos e ações de
assistência estudantil nos campi, o que denota a dificuldade das políticas em criar mecanismos
satisfatórios de acompanhamento e de avaliação.
Ao informar sobre como se dá a avaliação das ações realizadas no campus
Umirim, a coordenadora da pasta explicou que “a gente faz uma avaliação da ação e produz
uma ata, um relatório e aí a gente documenta [...] inclusive feita também pelos alunos, nós
temos um instrumental de avaliação ao final de cada ação” (R.R., Coordenadora, 2017).
Contudo, observa-se que não há produção teórica ou mesmo técnica sobre os registros e
dados, não havendo retorno para a comunidade acadêmica e para o núcleo gerencial da
política. Não são gerados indicadores avaliativos para mensurar os resultados pretendidos e
alcançados com cada ação. O que parece haver é muito mais um arquivamento das
informações, a fim de ter uma memória da atividade realizada, embora se leve em
consideração alguns apontamentos, seja da equipe ou do público destinatário da ação, para as
próximas atividades.
47
O sistema utilizado é o Sistema Informatizado da Assistência Estudantil – SISAE. Entretanto, o relatório do
Sistema Integrado de Monitoramento do Ministério da Educação – SIMEC - é elaborado em um instrumental
limitado, de caráter quantitativo, tendo pouca ou nenhuma capacidade de análise qualitativa. O SIMEC é
registrado mensalmente no referido sistema pelos (as) Coordenadores (as) ou chefias de departamento.
87
Fazemos uma ressalva para a previsão da participação do corpo estudantil no
processo de avaliação das ações de assistência aos (às) estudantes, uma vez que o texto do
regulamento da política estabelece o acompanhamento mensal palas coordenações e
departamentos locais e, semestralmente, pela Diretoria de Assuntos Estudantis. Embora não
haja impedimento para as equipes realizarem nos campi a avaliação sistemática das ações com
os (as) alunos (as), assim como com os demais membros da comunidade acadêmica, a não
menção à previsão da participação de outros sujeitos causa fragilidade para a efetivação de
mecanismos de controle e participação cidadã, ficando a critério de cada unidade a sua
realização.
Nesse sentido, observamos maior preocupação com os dados quantitativos para a
padronização das informações referentes aos números de atendimentos realizados por cada
categoria profissional da equipe técnica e de auxílios e refeições executadas no mês, quando
da existência de refeitório estudantil. Apenas na avaliação anual da Política fica prevista a
realização de uma avaliação dos programas em cada unidade, ficando expressa a participação
discente.
A realidade estudantil em cada campus do IFCE, destacando a de Umirim, aponta
para a necessidade de desenvolvimento de uma Política de Assistência Estudantil capaz de
garantir efetivamente igualdade nas condições de acesso e permanência de seus/suas
estudantes, no tocante à dimensão econômica e de oportunidades de aprendizado e de
participação, eliminando qualquer forma de discriminação e preconceito, compreendendo a
pluralidade e as diferenças como elementos comuns à coletividade e saudáveis para o
convívio em sociedade.
Desta feita, avaliamos novos rumos para a Política de Assistência Estudantil do
IFCE, a partir da orientação de serviços de caráter universal e de ações que se vinculam à
compreensão do (a) estudante como sujeito de direito e que destaquem a assistência estudantil
como parte integrante na formação integral do (a) aluno (a).
A fim de avaliarmos como a assistência estudantil vem sendo operacionalizada no
atendimento às demandas geradas pelos conflitos de gênero, etnia e raça e orientação sexual,
discorreremos a seguir sobre a Política de Assistência Estudantil do IFCE em seu espectro
territorial e temporal, analisando o contexto em que foi formulada e sua inserção do campus
Umirim. Desse modo, trabalharemos dimensões imprescindíveis da avaliação em
profundidade Rodrigues (2008).
88
3.4.2 Campus Umirim e a Política de Assistência Estudantil do IFCE
A partir daqui nos debruçaremos sobre o lócus das nossas análises, o campus
Umirim/CE, tecendo as articulações necessárias para o desvelamento dos objetivos e das
hipóteses iniciais deste trabalho. Para isso, iniciamos com a apresentação do processo de
estruturação da Coordenação de Assuntos Estudantis na referida unidade e a caracterização
dos programas e das ações desenvolvidas pela sua equipe da assistência estudantil.
Em meio ao cenário de implementação das Fases II (de 2007 a 2010) e III (de
2011 a 2014) do Plano de Expansão da Rede Federal de Educação Profissional e
Tecnológica (2003), que fora mantido pelo governo da então presidenta Dilma Rousseff
(2011 – 2014), surge o campus Umirim. Naquele período, segundo o relatório de gestão da
SETEC, referente ao ano de 2010, estava previsto para o primeiro ano, 2011, a implantação de
86 novos campi, em que 46 eram remanescentes da Fase II.
Previa-se ainda a implantação de 60 novas unidades de ensino a cada ano, que
perduraria durante a vigência do Plano Nacional de Educação (2011 a 2020), resultando em
1000 unidades na Rede Federal até o final da atual década (BRASIL, 2011). A Fase III
objetivou, portanto, o atendimento, de forma qualitativa, das principais demandas
relacionadas à formação profissional possibilitando a interiorização da oferta de ensino
superior público, além de potencializar a oferta de ensino médio em cada estado brasileiro
(BRASIL, 2011).
Em termos numéricos, a Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica -
SETEC/MEC, divulgou em seu site um balanço da expansão da Rede Federal de Ensino
Profissional, Científica e Tecnológica - RFEPT, que apontou que, de 1909 a 2002, foram
construídas 140 escolas técnicas no país. O MEC concretizou, entre 2003 e 2016, a construção
de mais de 500 novas unidades referentes ao plano de expansão da Educação Profissional e
Tecnológica - EPT, totalizando 644 campi em funcionamento, em que 61 destes foram criados
no período de 2015 a 2016. Ao todo, são 38 IFs presentes em todos estados, atendendo a 568
municípios (BRASIL, 2016).
É inegável a capilaridade da expansão da Rede EPT, fomentando a inclusão de
camadas sociais alijadas historicamente dos processos de desenvolvimento e modernização do
Brasil. Contudo, há ressalvas que precisam ser evidenciadas para a garantia de uma postura
crítica diante da análise desse processo expansionista. Para citar os limites e desafios que se
fazem presentes na operacionalização do Plano consideramos o que diz o Diretor do Campus
Umirim sobre o surgimento da unidade:
89
Como o campus Umirim é um campus relativamente recente e iniciou em
uma situação que a gente pode chamar de 2,5 [...] Havia a expansão II de
alguns campi que teve uma verba de implantação e houve finalmente a
implantação III. Nesse ínterim o MEC autorizou a instalação de dez campi
dos trinta hoje existentes que não tiveram a verba de implantação, então
Umirim foi um deles [...]. Então a gente começou em uma estrutura bem
precária doada pela prefeitura e a princípio foi muito difícil. Hoje que a
gente já vem se estruturando e isso impactou até os dias atuais, porque nós
começamos e passamos um bom tempo apenas com o Curso Técnico em
Agropecuária. Agora a pouco, tá com uns dois anos que a gente abriu o
Curso Técnico em Informática. Neste ano, no início do ano, nós abrimos o
Integrado em Informática e nós estamos trabalhando no projeto de alguns
Cursos Superiores já aprovados em audiência pública (A.I., Gestor, 2017).
É possível identificar no trecho acima que o processo de ampliação da rede sofreu
duramente com o déficit de verbas, demonstrando que a meta prevista pelo governo foi
cumprida, mas com prejuízo para o público atendido, uma vez que as condições precárias de
estrutura reverberaram no processo de ampliação de ofertas de cursos, bem como na formação
dos (as) estudantes, pela ausência de laboratórios, biblioteca equipada com amplo acervo e de
espaços para atividades de cultura, lazer e esporte, indispensáveis ao processo formativo dos
sujeitos. Situação que perdura até os dias atuais.
Tomando como referência o Relatório de Auditoria Operacional em Ações da
Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, elaborado pelo Tribunal de
Contas da União – TCU verificou-se que foram apontadas as carências estruturais nos
Institutos Federais quanto à disponibilidade de bibliotecas, computadores, salas de aula e
laboratórios, assim como: a evasão nos cursos; a dificuldade de parcerias entre os IFs e os
setores produtivos locais; déficit de professores associado à oferta insuficiente de cursos de
formação pedagógica; carência de técnicos de apoio administrativo; entre outros elementos
que ressaltam os limites do processo de expansão dessas instituições de ensino.
O campus Umirim, por exemplo, apresenta vários dos desafios listados no
relatório do TCU e que mesmo depois de ter adquirido, em 2013, a sua autonomia em relação
ao campus Crato, passando a contar com uma Direção Administrativa ocupada por um
professor efetivo do quadro de servidores (as), continua sofrendo as consequências de como
se deu a sua implantação. Anteriormente, Umirim figurava apenas como campus avançado do
campus Crato, quando da institucionalidade firmada pelos Institutos Federais de Educação em
2009. Apesar das mudanças gerenciais ocorridas em 2012 ainda permanecia a dependência
àquele campus, sobretudo, no aspecto financeiro e de recursos humanos, visto que os (as)
professores (as) eram vinculados (as) àquela unidade.
90
No contexto de organização e estruturação da unidade de Umirim citamos as
Portarias publicadas no Diário Oficial da União de nº 631/GR, de 17 de Junho, e nº918/GR de
11 de setembro, em 2013, que tratam da Estrutura Organizacional do Campus e seus setores
administrativos, inclusive da própria Coordenação de Assuntos Estudantis - CAE. Apesar de
funcionar como campus avançado, desde 2009, apenas a partir de 2013/2014 inicia-se a
estruturação desta Coordenação.
Em março de 2014, chegaram ao campus os (as) servidores (as) do último
concurso de 2012, para assumir suas funções administrativas, entre estes (as) duas assistentes
sociais para compor a CAE, ocupada até aquele momento por apenas um professor da área
técnica do Curso de Agropecuária, com a função de coordenador, inexistindo uma equipe
técnica mínima para dar andamento às atividades pertinentes à pasta. O setor permaneceu com
essa configuração até setembro do mesmo ano, quando se somaram à equipe o profissional de
psicologia, a de enfermagem e uma assistente de alunos. Posteriormente, somaram-se mais
dois assistentes de alunos e uma nutricionista.
Verifica-se que ainda é muito recente todo o processo de emancipação do campus,
assim como de estruturação administrativa-organizacional e composição das equipes de cada
setor da unidade, levando-se em consideração o alto nível de rotatividade dos cargos de nível
médio do corpo administrativo, devido aos processos de remoções para outros campi da Rede
IFCE. Todos esses elementos dificultam a consolidação dos espaços ocupacionais e das
rotinas de trabalho dos setores, sendo um grande desafio à prática da intersetorialidade no
campus, como podemos apreender da fala do gestor:
Eu creio que essa intersetorialidade poderia ser bem mais efetiva. Eu até em
reuniões de gestão, que a gente chama os coordenadores, a gente chama os
coordenadores de curso, a gente chama o coordenador de CTP, da CAE, a
gente conversa pedindo justamente isso, pedindo que haja mais conversa
entre os setores. Que os setores se visitem, que o coordenador então possa
visitar o colega e dar o seu cronograma e ver sugestões, porque já ocorreu
caso aqui de CAE promover um evento e CTP também tá pensando em um
evento na mesma época e chocar e isso é um problema. Porque a escola ela
não pode ser pulverizada por cada setor e cada um independente, tudo está
interligado, estamos todos trabalhando aqui em prol do aluno. Então as ações
precisam ser de fato até mais divididas, pra que não fique só na mão da CTP
- é o evento da CTP, é o evento da Assistência ou é o evento da Direção.
Não. É um evento da escola onde todos participam (A.I., Gestor, 2017).
A dificuldade de interação entre os setores, bem como entre as políticas públicas
são um desafio antigo, que impele às instituições a necessidade de estratégias gerenciais para
a construção de espaços de diálogo e planejamento coletivo, assim como o aprimoramento da
91
informação e da comunicação entre as diversas áreas. No campus Umirim, a coordenadora da
assistência estudantil atribuiu essa dificuldade à falta de um planejamento integrado e à
escassez de momentos sistemáticos de encontro entre as coordenações e a direção. Ela ressalta
que “cabe aí à direção que é a gestão maior fazer essa aproximação das coordenações, já
deixar marcado uma reunião mensal, deixar marcado um horário que a gente possa ter tempo
de discutir, de dialogar, de conversar mesmo, de trocar ideias, de trocar problemas, de pedir
orientação um ao outro [...]” (R.R., Coordenadora, 2017).
Coadunamos, portanto, com a concepção defendida por Sposati (2006) que vê a
intersetorialidade não só como um campo de aprendizagem dos agentes institucionais, mas
também como caminho ou processo estruturador da construção de novas respostas, novas
demandas para cada uma das políticas públicas. A autora considera ser necessário que “a
intersetorialidade sempre seja corretiva de irracionalidades entre pessoal, funções ou gastos
sobrepostos, pois é um mecanismo racionalizador da ação porque é uma estratégia de gestão
institucional que busca trazer mais qualidade por permitir ultrapassar limites que ocorreriam
na abordagem somente setorial” (Ibid., p. 137).
Outro fator identificado durante a pesquisa realizada, que também se articula à
questão gerencial do campus, é com relação aos dados para o acompanhamento dos
indicadores do ensino, da pesquisa, da extensão e da assistência estudantil, onde se identificou
uma fragilidade do acompanhamento e da avaliação das ações realizadas. Apesar de haver
sistemas informatizados para subsidiarem a sistematização dos dados em cada pasta, como é o
caso do Sistema Acadêmico - Q-acadêmico, do Sistema de Gerenciamento da Pró-Reitoria de
Extensão – Sigproext, do Sistema Informatizado de Assistência Estudantil do IFCE – SISAE
(o mais recente entre eles - 2015) é notório que há limites quanto ao manuseio dessas
ferramentas.
Citamos, como exemplo, a ausência de uma interface automatizada entre os
referidos sistemas; o não registro sistemático das informações por parte dos (as) servidores
(as) e em alguns casos, dos (as) estudantes, especialmente no Q-acadêmico, que é responsável
por armazenar os dados da vida estudantil, tais como: rendimento, nota, frequência, dados
pessoais, socioeconômicos dos (as) alunos (as); bem como a baixa utilização dos registros e
das informações na proposição de ações estratégicas de intervenção e na realização de um
planejamento pedagógico integrado. Os sistemas acabam por servir mais ao controle externo
por parte das Pró-Reitorias e Diretorias Sistêmicas do que para orientar as atividades e o
trabalho no campus.
92
Durante entrevista realizada com a diretora de ensino, ela afirmou que os sistemas
são utilizados para o mapeamento das realidades e práticas interventivas, para utilizar suas
palavras “todos esses índices são acompanhados dentro do sistema que a gente tem [...]
quando um aluno se evade [...] aí a pedagoga, o pedagógico entra, aí vai faz a visita [...] se ele
não vier mais aí faz aquele protocolo e a gente bota no acadêmico” e complementou
referindo-se à Pró-Reitoria de Ensino - PROEN “tanto quando eles querem saber alguma
coisa, a taxa de evasão, a taxa de etnia, raça, tudo isso é tirado do acadêmico, nada é relatório”
(F.M., Gestora, 2017, grifo nosso). Contrariando a argumentação da professora lotada na
direção de ensino, apresentamos o que disse a coordenadora da CAE:
Essa questão de dados para que a gente possa acompanhar, nosso CCA ele
não é alimentado, ele não é alimentado diariamente, muitas vezes ele não é
alimentado mensalmente, então é muito difícil pra gente colher dados no
sistema acadêmico daqui. Então sem esses dados fica complicado a gente
fazer essa avaliação. Muitos alunos com notas muito baixas. Não há um
programa por parte do ensino de uma recuperação desses alunos, pelo
contrário há uma culpabilização desses alunos, aquele pensamento de que ele
não quer estudar ‘ah, eu dei a matéria, ele que tem que se virar’ [...] o
sistema acadêmico aqui sequer é lançado às presenças e as faltas com
frequência, se eu precisar pra ver se um aluno se enquadra na questão do
auxílio, nós não vamos ter essas informações [...] (R.R., Coordenadora,
2017).
O relato descrito pela servidora evidencia a problemática com relação ao
acompanhamento e à avaliação das ações realizadas no campus, especialmente relacionadas
ao ensino, sendo esse um fator importante para o nosso estudo, haja vista haver uma conexão
direta entre a assistência estudantil e a garantia de resultados positivos no âmbito acadêmico,
previstos pelo PNAES e ratificado na Política de Assistência Estudantil do IFCE.
No trecho que segue verificamos uma posição de entremeio às duas anteriores, em
que o diretor geral ratifica a utilização do sistema como mecanismo de registro das
informações, mas reconhece a deficiência com relação aos indicadores de acompanhamento:
Há alguns instrumentais para isso, até formais da própria PROEN, que já
vem pra gente preencher. A CCA ela é até obrigada a preencher esses dados.
Então o que é que a gente vê no ensino, o coeficiente de rendimento desse
aluno, ou seja, nota, frequência e, algumas outras ações, que são às vezes até
mais importante que uma nota, elas acabam não sendo vistas, como por
exemplo, essas das ações da assistência, quantos alunos que são declarados
usuários de drogas ou que deixaram de fazer uso ou que se inseriram no
mercado de trabalho, alunos que já foram delinquentes, que já passaram
pelo conselho tutelar, nós não temos esses dados. Então eu acho que isso aí
também deveria fazer parte da nossa catalogação de informações,
porque nós lidamos com gente, nós não lidamos só com números. Então eu
93
acho que a gente ainda está deficiente com esses indicadores (A.I., Gestor,
2017, grifo nosso).
Consideramos na fala do diretor geral uma mediação importante na compreensão
de que o registro e a utilização das informações nesses sistemas são necessários para
qualificar o trabalho dos setores, reconhecendo, inclusive, que há um déficit em relação aos
indicadores apreendidos. Guardamos ressalvas quanto à sua defesa sobre a inclusão de
informações pertinentes à vida do (a) estudante que permitam mensurar, por exemplo, o
número de usuários de drogas e de jovens em conflito com a lei, sob o risco de contribuirmos
para a estigmatização dos (as) jovens em situação de vulnerabilidade e/ou risco social.
Entendemos que esses dados precisam ser trabalhados de modo qualitativo por equipes com
especialização adequada para que, de modo integrado e articulado com outras políticas
públicas promova-se o atendimento e o encaminhamento necessário para cada situação.
Apesar de haver uma preocupação com o não tratamento do (a) aluno (a) apenas
como número, apreende-se da ideia apresentada uma mera quantificação de casos, cuja
natureza no âmbito escolar, geralmente, é vinculada à questão disciplinar e moral.
As equipes de assistência estudantil são na maioria das vezes a porta de entrada de
demandas relacionadas à drogadição, à prática de delitos, dentro e fora da escola, tanto quanto
outras que podem se associar a práticas delituosas e/ou demandar medidas protetivas, sendo
tênue a linha que divide os dois lados. Desse modo, entendemos que cabe aos profissionais da
assistência estudantil uma atuação, a partir de suas competências específicas, voltadas para a
garantia do direito à educação, tendo nesta uma concepção de política de inclusão social, bem
como de proteção dos direitos civis e sociais dos (as) jovens inseridos (as) na escola, ainda
que em algum momento seja necessário o encaminhamento a instâncias de responsabilização,
por possíveis práticas de violência ou violações, dentro ou fora da instituição.
Voltando a discorrer sobre o processo de estruturação da Coordenação de
Assuntos Estudantis de Umirim, para que fique clara a natureza das ações e das demandas que
a ela se vinculam, destacamos os Programas e as atividades desenvolvidas desde a chegada
das primeiras profissionais, assistentes sociais, ao campus.
Naquele período, 2014, o Programa de Moradia Estudantil funcionava
precariamente em duas salas administrativas do campus, abrigando temporariamente cerca de
20 jovens do sexo masculino. A ausência de uma equipe para realizar o acompanhamento dos
alunos e, para gerenciar o Programa, fez com que os gestores da unidade de Umirim junto
com o Coordenador de Assuntos Estudantis, único membro lotado na CAE, conduzissem, sem
94
referenciais de atuação, o processo de ingresso e de permanência na “moradia”48
, sem que
houvesse um acompanhamento efetivo das realidades e das demandas daquele grupo.
A partir do momento em que as profissionais do serviço social chegaram ao
campus iniciou-se um processo de organização do acesso ao Programa, mediante a abertura
de edital para regulamentar o trâmite de ingresso e permanência dos estudantes. Buscou-se
também iniciar um acompanhamento aos jovens, bem como o estreitamento da relação com as
suas famílias, o que surtiu bons resultados no período.
Contudo, a dificuldade dos profissionais em obter normatizações e referenciais de
atuação para o desenvolvimento do Programa de Moradia Estudantil, em que se teve acesso
apenas às regulamentações internas de outros campi, como é o caso do campus Crato e do
campus Iguatu, teve repercussão na operacionalização das ações voltadas para o público em
regime de internato no campus Umirim. Um dos grandes desafios enfrentados pela equipe da
CAE situa-se na desconstrução, ainda em processo, da cultura advinda do modelo das antigas
Escolas Agrícolas, cuja perspectiva disciplinadora se sobrepõe à perspectiva de direito e
socioeducativa.
Outro grande limite encontrado foi a ausência de um espaço adequado para a
acomodação dos alunos, resultando na suspensão de novas vagas a partir do semestre 2016.2.
Atualmente, o Programa só conta com 06 estudantes, haja vista o posicionamento
desfavorável da equipe de assistência estudantil quanto à inserção de novos alunos,
vinculando a abertura de um novo processo seletivo às condições físicas das instalações do
Programa de Moradia Estudantil. Nota-se que apesar da natureza do campus, agrícola, e da
demanda para o regime de internato, visto que muitos alunos são de cidades e localidades
distantes, a unidade de Umirim não conseguiu se estruturar fisicamente para o fornecimento
de espaços adequados, condizentes com o que preconiza o Regimento de Moradias do IFCE,
através da Resolução nº 54, de 14 de dezembro de 2015.
No Art. 1º do Regimento fica claro em que consiste o programa de moradia
estudantil, bem como a quem se destina “concessão de alojamento, mobiliário básico e
utensílios, por parte dos campi (que possuam estrutura física, logística e de recursos humanos)
para discentes regularmente matriculados e que tenham passado previamente por seleção”
(IFCE, 2015b). O documento prevê ainda a existência de uma coordenação própria para gerir
a Moradia Estudantil. Contudo, vale ressaltar que, no campus Umirim, essa função nunca foi
48
Utilizamos aspas para ressaltar que o formato adotado não se constituía como Moradia Estudantil, estando mais
caracterizado como um alojamento improvisado, com péssimas condições de salubridade e de habitabilidade.
95
ocupada, resultando na incorporação das demandas relativas ao Programa à Coordenação de
Assuntos Estudantis.
Com relação ao Programa de Auxílios49
, até 2014, pela ausência de profissionais
do serviço social, não havia a realização de processo seletivo para o acesso dos (as) estudantes
ao Programa, limitando-se apenas a oferta de duas modalidades de auxílios, os quais não
demandavam editais: o auxílio visita/viagem técnica50
, ligado às atividades acadêmicas, e o
auxílio PROEJA, o qual se destina a subsidiar os deslocamentos e outras despesas dos
discentes do Programa de Educação de Jovens e Adultos, durante os meses letivos (IFCE,
2016).
Até aquele momento, houve o direcionamento do recurso da assistência estudantil
apenas para os auxílios diretamente ligados ao ensino, com grande prejuízo das demandas
associadas à vulnerabilidade social e econômica dos (as) estudantes. No mesmo ano, ainda
houve a abertura de Edital para a composição de um processo seletivo para a formação de
cadastro de reserva no Programa de Auxílios, o que permitiu conhecer a demanda dos (as)
alunos (as) por modalidade de auxílio. Somente em 2015 foi possível iniciar efetivamente o
pagamento aos (às) jovens das parcelas geradas pelo novo edital lançado naquele ano, pois o
recurso da assistência estudantil passou a ser gerenciado pelo Serviço Social possibilitando a
efetivação do Programa de Auxílios.
Além do Programa de Moradia Estudantil e do Programa de Auxílios ofertou-se,
desde a origem do campus, alimentação para todos (as) os (as) alunos (as) matriculados (as).
Os itens alimentícios eram comprados e enviados pela unidade de Crato e o gerenciamento do
serviço em Umirim era realizado por uma servidora com o cargo de auxiliar-administrativo, já
que à época não havia um (a) profissional de nutrição.
Compõe, portanto, o conjunto dos Programas executados pela equipe de
assistência estudantil do campus Umirim o Programa de Auxílios, o Programa de Moradia
Estudantil e o Programa de Restaurante Estudantil, sendo possível afirmar que a partir de
2014/2015 houve a ampliação dos serviços da Coordenação de Assuntos Estudantis - CAE,
estabelecendo como concepção a promoção da garantia do direito social dos (as) estudantes,
49
O Programa de Auxílios corresponde ao benefício financeiro concedido aqueles (as) estudantes com alto índice
de vulnerabilidade socioeconômica. No IFCE eles são estabelecidos a partir do Regulamento de Concessão de
Auxílios Estudantis, a partir da Resolução nº 052, de 24 de outubro de 2016. 50
É o auxílio destinado aos discentes para subsidiar despesas com alimentação e/ou hospedagem, em visitas e
viagens técnicas, programadas pelos docentes dos cursos. (Guia Prático – Auxílios aos Estudantes do IFCE,
2015. Disponível em: <http://ifce.edu.br/espaco-estudante/assistencia-
estudantil/arquivos/guia_auxilio_aos_alunos.pdf/view> Acesso em 20 de dezembro de 2016).
96
ressaltando a vinculação dos Programas executados ao PNAES (2010) e, posteriormente, à
Política de Assistência Estudantil, elaborada no âmbito do IFCE.
Nesse contexto de surgimento e estruturação da CAE refletimos sobre as
demandas colocadas aos (às) profissionais, pois elas revelavam a concepção do corpo
acadêmico acerca da assistência estudantil. Inicialmente, os encaminhamentos e demandas
levadas aos (às) profissionais daquela coordenação, ainda no início da atuação das assistentes
sociais, possuíam um vínculo constante com a dimensão disciplinar ou de assistência
financeira, configurando-se como indicador de que a identidade de assistência estudantil no
campus restringia-se aos (às) alunos (as) pobres e/ou desagregadores, cujos comportamentos
causavam a desordem e à desobediência, cabendo medidas punitivas.
Os dados coletados na pesquisa in loco sobre a concepção dos (as) estudantes, dos
(as) gestores e professores (as) acerca da assistência estudantil nos ajudam a identificar se
houve alteração do modo como se concebeu a natureza das ações voltadas para os (as)
educandos (as). Verificamos que, apesar da centralidade ainda recair na importância do
recurso financeiro ao (à) aluno (a) mais pobre, ampliou-se a compreensão sobre o papel da
assistência estudantil, seja entre os (as) servidores (as), seja entre os (as) alunos (as).
Ao perguntarmos aos (às) discentes e aos (às) gestores (as) qual a compreensão
sobre a assistência estudantil, constatamos que, para os dois grupos, ela se coloca além da
mera concessão de auxílios, destacando-se a sua importância para o atendimento das
demandas de cunho social, psicológico, nutricional e de natureza conflitiva na interação dos
sujeitos. Nos relatos dos (as) estudantes entrevistados (as), identificamos que suas percepções
vão mais adiante ao conseguirem mapear nas ações de assistência estudantil a dimensão da
cidadania, da cultura, da promoção de interação social e da formação humana.
Vejamos o que disse uma das alunas entrevistadas:
Eu acho que é tudo que não exatamente vai amparar o aluno, mas eu acho
que o que vai servir de útil para a vida do aluno. Eu acho que tá dentro
como fora da escola. É isso que eu vejo. Porque tem muitas ações aqui sobre
drogas, sobre sexualidade e isso não vai acontecer aqui na escola e eu vejo
que isso leva para fora dos muros da escola. Eu vejo também questões
ligadas à raça e etnia que hoje em dia é mais focado na escola, mas de uma
forma bem superficial e a escola trata disso. Vejo também falando de
problemas mentais, que são as ações que eu já participei e eu acho isso
bacana demais, até pra formação cidadã. Eu sei que a escola tem esse
papel, mas se a gente for pegar a escola tradicional que a gente vive no
ensino público não tem isso não. Se tiver é muito superficial, se for pra
tratar de respeito a alguma coisa é só naquela data comemorativa e é só o
momento. É tipo alusão. É só uma apresentação cultural só pra ficar naquilo
ali, não é trabalhado é só pra passar e pronto. E aqui eu vejo que não é, aqui
as meninas seguem sempre uma linha de pensamento, volta e meia se aquele
97
assunto está sendo necessário elas tão ali, até pede sugestão, que de vez em
quando a gente dá sugestão. Mas eu vejo isso aí bem bacana. (N.F., Aluna,
2017, grifo nosso).
A discente expressa claramente que as ações de assistência estudantil fazem parte
do processo de formação dos sujeitos atuando no desenvolvimento crítico e humano,
complementando a formação técnica. Ao destacar e comparar as ações praticadas no campus
Umirim às ações das escolas “tradicionais”, como ela denomina, fica evidente uma nova
concepção atribuída à educação, que fomenta pilares fundamentais de uma educação integral.
Não afirmamos, portanto, que ela se dê de modo efetivo naquela unidade de ensino, mas
entendemos que ela se diferencia por pensar no desenvolvimento do indivíduo de modo
contextualizado, a partir das configurações que definem as relações em sociedade,
transcendendo o viés seletivo e focalizado que envolve o Programa de Auxílios, uma vez que
ele sozinho não proporciona a universalidade do acesso à assistência estudantil, tampouco
pode ser vislumbrado como a única prática de assistência estudantil.
Enquanto diretor do campus e professor, o entrevistado expôs a importância da
assistência estudantil para a permanência dos (as) discentes no IFCE, enfatizando os
atendimentos e acompanhamento das demandas dos (as) jovens. Relata que:
A Assistência Estudantil no âmbito do Instituto Federal é uma organização
que facilita a permanência do aluno. A questão maior da Assistência seria
ajudar o aluno a permanecer nas instituições e desenvolver aquilo que eles
vieram de fato fazer, que é realizar o curso para saírem profissionais. Só que
nós enquanto instituição de ensino não podemos também ser tão técnicos
assim. Então por isso a assistência no meu entender ela tem uma importância
muito grande aqui dentro, porque é ela que vai identificar na maioria dos
casos os jovens que precisam de um cuidado maior, o que está acontecendo
com os jovens que não conseguem se adaptar. Problemas, inúmeros,
relacionados ao bullyng, relacionados à questão da homofobia. Então são
vários casos que ao identificar, quando o setor identifica, ele pode interagir,
ele pode atuar. E, além disso, também no próprio sentido do auxílio
financeiro que esses jovens muitas vezes recebem quando a assistência
estudantil faz a triagem e identifica aquele jovem que tem necessidade
financeira maior que os demais. Porque a assistência tem uma verba própria,
tem uma rubrica específica e pode destinar um valor financeiro para custear
uma verba quando é pai ou mãe ou uma verba pra custear deslocamento ou
uma verba para custear a estadia, a moradia. Então é de suma importância
pra instituição (A.I., Gestor, 2017).
O gestor considera ainda que “a escola não é feita só do conteúdo técnico
ministrado em sala de aula, tem toda uma formação humana que está por trás, nos bastidores
e que fazem de fato a própria formação do cidadão [...]” e finaliza afirmando a
98
importância da assistência estudantil para a promoção da inclusão dos (as) alunos (as),
concluindo que “ela tem um papel fundamental nessa constituição do cidadão, nessa formação
que é educativa também, então ela é de grande importância” (A.I., Gestor, 2017, grifo nosso).
A expressão utilizada “bastidores” sugere um lugar secundário, de não
centralidade, enfatizando o caráter subsidiário da Política de Assistência Estudantil, sem,
contudo, retirar a sua importância para a construção do percurso formativo dos (as) jovens.
Embora, os Institutos Federais, assim como todas as instituições de ensino,
tenham como finalidade a educação, no nosso caso, a educação profissional, entendemos que
a assistência estudantil, assim como outros programas e políticas que se desenvolvem no
espaço educacional, atua formatada por ações de inclusão, de formação social, política e
humana, não sendo, portanto, indevido considerá-la como estratégica por atingir de modo
diferenciado outras dimensões da vida dos sujeitos, com influência direta no processo ensino-
aprendizagem fomentando a participação, a autonomia e a cidadania dos (as) estudantes.
Portanto, também se constitui como ação educativa.
Apesar do reconhecimento, pelo público interlocutor, acerca da importância da
assistência estudantil, denotamos, através da pesquisa de campo, que os (as) professores (as),
incluindo aqueles (as) que ocupam cargos de gestão, estiveram alheios (as) ao processo de
elaboração da Política no IFCE, bem como das discussões que envolvem a sua
operacionalização no campus, o que limita o entendimento sobre as ações desenvolvidas e
cria por diversas vezes um campo de disputa entre o ensino e à assistência estudantil,
diferentemente dos (as) estudantes que vislumbram o potencial formativo que integra as suas
diretrizes de atuação.
Na pesquisa realizada com os (as) gestores (as), perguntamos sobre como se deu o
processo de elaboração da Política de Assistência Estudantil do IFCE, a fim de identificarmos
se houve participação dos mesmos (as) e até que ponto se conhece o documento e suas
diretrizes. O resultado denota que ainda é baixo o nível de debate, leitura e reflexão acerca das
normativas institucionais, de modo que cada pasta parece não ter grande interesse naquilo que
está sob a designação de outrem. A diretora de ensino resume bem esta sensação ao dizer que
depois da chegada da equipe de assistência estudantil no campus não se teve mais acesso ao
que diz respeito ao setor, em suas palavras “Não, eu acho que quando a gente começou aqui
tudo era lá pelo Crato, tudo era mais difícil, o pessoal vir de lá e depois quando vocês
assumiram aí foi que a gente não teve mais acesso” (F.M., Gestora, 2017, grifo nosso).
99
Graças a Deus que vocês chegaram, porque no início os alunos não eram
como eu acho que são agora. Hoje a gente aqui tem muito mais problemas e
ainda bem que vocês estão aqui pra fazer, porque se a gente tivesse só, como
era antes, com esses problemas desses alunos que a gente tem agora [...].
Antes não, eram turmas boas, pequenas, era o pessoal que queria, hoje não.
Aliás, isso não é privilégio nosso não, é de todos os campi. Hoje em dia não
se faz mais um processo seletivo, com prova, com aluno que quer. Não. Hoje
é só o histórico. E você sabe que no Estado os meninos vão passando por
nota, ninguém tá nem aí, vem aqui e se matricula do mesmo jeito (F.M.,
Gestora, 2017).
O relato evidencia a dicotomia entre o ensino e a assistência estudantil, assim
como a dificuldade dos (as) professores (as) para a realização de um trabalho de inclusão, sem
recair na culpabilização dos (as) discentes por estes (as) não conseguirem alcançar bons
rendimentos escolares. A nosso ver os (as) estudantes que chegam até o campus Umirim, com
todas as dificuldades de acesso, com um baixo nível de expectativa de empregabilidade e
pouco incentivo público, em alguns casos até da própria família, revela que os (as) jovens têm
buscado a escola, contudo, talvez a escola não esteja conseguindo criar estratégias
pedagógicas satisfatórias para lidar com os limites cognitivos dos (as) seus (suas) alunos (as)
e a defasagem do aprendizado da educação básica, por onde passaram o público do IFCE nos
municípios do interior do Estado. Além disso, expressou-se em diversos trechos das
entrevistas que os (as) docentes, em especial da área técnica, possuem baixa habilidade para
intervir em situações de cunho humanístico e social.
Os (as) professores (as) do Curso Subsequente em Agropecuária também foram
perguntados (as), por meio de questionário, se conheciam a Política de Assistência Estudantil
do IFCE, e apenas uma pessoa dos cinco pesquisadas disse conhecê-la. Considerando esse
grupo respondente apresentamos a Tabela 03 a seguir, como resultado de como os (as)
docentes percebem a assistência estudantil no campus Umirim:
Tabela 03 – Percepção sobre a Assistência Estudantil /
Docentes (Área Técnica)
Assistência Estudantil
Conhece a Política de Assistência Estudantil do
IFCE 01
Conhece ações da A.E 05
Já participou de alguma atividade da Assistência
Estudantil 03
Já encaminhou algum discente para a Assistência
Estudantil 04
100
Teve conhecimento sobre a realização de
encaminhamento acerca da demanda levada à
equipe
02
Quanto à demanda do(a) aluno(a) encaminhado(a)
Questão socioeconômica 01
Drogadição 02
Questão disciplinar 03
Dificuldade de concentração e de aprendizado 01
Fonte: Elaboração própria (2017).
Apesar do baixo nível de conhecimento sobre o documento que rege a Política na
instituição podemos identificar que todos os pesquisados (as) conhecem alguma ação de
assistência estudantil e que quatro deles (as) já realizaram encaminhamento de alunos (as)
para a equipe. Entretanto, é importante ressaltar que, quando verificamos a natureza das
demandas encaminhadas, fica evidente que os (as) professores (as) associam o trabalho do
setor à regulação dos comportamentos dos indivíduos, sendo esta uma discussão muito
necessária acerca das competências nos Institutos Federais sobre eventos de ordem
disciplinar.
Tal fenômeno tem raiz na incorporação híbrida de públicos com perfis diferentes,
visto que englobam alunos (as) de ensino médio, de curso técnico, de ensino superior e de
pós-graduação, bem como das identidades anteriores assumidas nos diversos contextos de
institucionalidades pelas quais passaram os Institutos Federais. Nesse sentido, tem sido uma
questão de divergência entre os (as) profissionais, especialmente, entre aqueles (as) que
integram as equipes de assistência estudantil, sobre de quem é o papel de intervir nas
comissões disciplinares previstas pelo Regulamento da Organização Didática – ROD51
,
instituído através da Resolução Consup Nº 56, de 14 de dezembro de 2015, versão atualizada,
na resolução de eventos de natureza sociodisciplinar. Destacamos que o referido documento
se equipara ao Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, 1990, no que concerne ao trâmite
disciplinar junto ao corpo discente, utilizando inclusive os mesmos termos e designações de
cunho jurídico. Em seu próprio texto, faz referência a esta legislação e prevê que a aplicação
das medidas socioeducativas observarão todos os princípios da LDB/96 e do ECA/90.
51
O documento institucional prevê as diretrizes gerais do IFCE, a organização acadêmica da instituição, no que
se refere às modalidades de curso e ofertas previstas, dispõe sobre o ingresso do (a) estudante, trata dos direitos e
deveres do grupo docente e do grupo discente e apresenta um título específico, Título VI – Do Sistema
Disciplinar, para o sistema disciplinar utilizado pelo IFCE, aplicável tanto aos (às) professores (as) quanto aos
(às) alunos (as), considerando as especificidades entre os dois grupos.
101
Segundo o ROD, em seu Art. 209, “caberá à Direção - Geral do campus designar, por meio de
Portaria, uma Comissão Disciplinar que deverá ter mandato no mínimo durante 01 (um) ano e
até concluir todos os processos sob sua responsabilidade” (IFCE, 2015c).
Os principais argumentos que refutam a associação dessas demandas aos
profissionais da assistência estudantil na questão do mérito da análise e aplicação de medidas
têm como fundamento a desvinculação do caráter punitivo que recai sobre a equipe,
especialmente, da categoria de assistentes sociais, que já trazem no seu processo histórico o
ranço da cultura fiscalizadora e policialesca atribuída às ações de assistência pecuniária, em
nosso caso a concessão dos auxílios, sendo um desafio desses (as) profissionais a construção
de uma identidade livre desse estigma. Isso requer uma atenção por parte da categoria para
que não se reforce uma prática soterrada nos processos meramente burocráticos, ausentes de
reflexão teórica, sob o risco de desconexão com o conteúdo político da educação, recaindo em
uma prática de vigilância social ou no policiamento social dos pobres.
Portanto, o modo de atuação dos membros das equipes de assistência estudantil
nas comissões disciplinares precisa ser discutido amplamente a fim de evitar a fragilização
dos laços de confiança dos (as) estudantes junto aos (às) técnicos (as) no acompanhamento de
suas demandas de ordem subjetiva, além de ser necessário considerar que as questões
disciplinares, geralmente, surgem como consequências de elementos que precisam ser
compreendidos e trabalhados de modo integrado e interdisciplinar sob a dimensão educativa,
social, ética e política, opondo-se ao olhar meramente disciplinador e coercitivo presente nos
processos burocráticos de âmbito institucional.
Ao indagarmos uma estudante sobre a que os (as) alunos (as) vinculam à
assistência estudantil no campus Umirim ela deixou evidente que ainda predomina a visão dos
auxílios e da dimensão disciplinar.
Com certeza totalmente financeira ou então a punição. Porque
principalmente os meninos do alojamento eles falam muito ‘ah ela vai é me
punir, porque eu sou do alojamento’. Tá com comportamento errado aí eles
associam à punição. Mas falar em assistência estudantil só lembra dos
auxílios e a maioria diz ‘se não fosse o auxílio eu não estaria nem aqui’.
Porque realmente pra muita gente é fundamental o auxílio. Porque a gente
vem sabendo que não tem o auxílio, assim de certeza, a gente sabe da
possibilidade, mas quando chega que a gente vê o tanto de dificuldade que
passa realmente sem o auxílio muita gente tava voltando pra casa. Isso aí é
um fato. Ali da minha sala eu acho que 90% dos que recebem auxílio, eu
acho que se não recebesse auxílio tava em casa (N.F., Aluna, 2017).
102
O processo de monetarização das políticas sociais, concordando com Granemann
(2007), gerou uma concepção hegemônica em torno do modelo de execução das políticas no
Brasil, em que a fragmentação e a focalização por meio da seletividade de ofertas de bolsas
prevalecem em detrimento do investimento público em equipamentos como restaurantes
acadêmicos, residências estudantis e creches para os filhos (as) das mulheres estudantes.
Verifica-se a primazia da oferta de auxílios, os quais, na maioria das vezes, não
contemplam a real necessidade dos (as) jovens, visto que os critérios e os requisitos adotados
ignoram as realidades totalmente diversas e específicas e funcionam mais como elementos
dificultadores do acesso à moradia, ao transporte, à alimentação, do que como um direito
universal à assistência na Política de Educação. Além disso, os cortes orçamentários acirram
os processos de seletividade da pobreza, havendo, portanto, um movimento de exclusão
daqueles que já se encontram nesse perfil. O trecho retirado da entrevista com um dos alunos
interlocutores da pesquisa de campo denota a dificuldade encontrada pelos (as) estudantes na
questão burocrática para atender os critérios do Programa de Auxílios do IFCE:
Para os auxílios o empecilho foi mais a questão de documentação. A gente
correu muito pra conseguir a documentação no prazo definido e aí a gente
conseguiu, mas deu bastante trabalho, porque a gente mora muito longe. Aí
vai e volta, às vezes falta aula, aí tem que ir no banco tirar extrato. E aí tudo
isso torna-se uma dificuldade (A.C., Aluno, 2017).
Sobre o viés punitivo, ao qual também se refere à jovem entrevistada, podemos
identificar a existência da reprodução das estruturas de dominação e hierarquização do poder
no âmbito escolar, em que se apresenta muito do formato das antigas escolas agrícolas
reconhecidas pela sua concepção reformadora por meio da disciplina e da punição. A
referência dos jovens, em especial daqueles em regime de internato, é de um modelo
institucional de confinamento com regras, normas e controles rígidos. Desse modo, faz-se
necessário repensarmos nossa atuação institucional e, especialmente, enquanto assistência
estudantil procurarmos rever que práticas têm reforçado para que os estudantes atribuam tais
competências e entendimentos sobre o papel da equipe, estando completamente em desacordo
com as diretrizes e os objetivos da Política de Assistência Estudantil do IFCE.
Refletir sobre as percepções do corpo estudantil e de servidores (as) professores
(as), seja em cargo de gestão ou não, proporciona uma análise de como tem se construído o
caminho de efetivação da Política de Assistência Estudantil no campus Umirim, entendendo
que ela é recente na instituição e também na própria unidade. Os desafios são inúmeros e são
também compartilhados pelo público receptor das ações, com destaque para a defesa de maior
103
espaço na unidade de ensino para a realização de atividades juntos aos (às) discentes, para a
integração dos temas trabalhados dentro da carga horária do curso, de modo que evite
prejuízos para uma ou outra atividade e que garanta as ações da Coordenação de Assuntos
Estudantis, para a ampliação dos recursos financeiros para a realização das atividades e maior
acesso ao Programa de Auxílios e a construção de espaços físicos adequados para a promoção
de atividades coletivas.
Duas passagens da entrevista realizada com uma das estudantes resumem bem as
sugestões dos (as) alunos (as) para que possa haver melhorias do trabalho da equipe de
assistência estudantil no campus Umirim:
[...] como prioridade aqui da escola eu daria exatamente esse espaço de
horário e de estrutura para a assistência estudantil, porque se é os
estudantes que é a base da escola isso tem que ser visto com mais
carinho ainda. Porque do financeiro eu sei que não depende do gestor da
escola, mas se tivesse como fazer o pedido para uma entidade maior seria
ampliar até o financeiro para essas atividades. Às vezes até as meninas
querem fazer alguma coisa, mas até um papel não tem pra fazer uma
atividade mais bacana (N.F., Aluna, 2017, grifo nosso).
Tudo isso é importante pra vida da gente, porque fala da saúde, fala de tudo,
fala da saúde mental, fala dos cuidados com violência, fala de uma
infinidade de coisas que é da nossa realidade, que parece que a gente anda
vendado pra essas coisas da vida da gente. Tá na pele, tá nas necessidades
mesmo, acho que é por aí mesmo. Acho que só precisa é de mais espaço pra
expandir, talvez se chegue em mais pessoas. E também essa coisa de tentar
trazer os alunos pra construir, pra ver se eles tomam mais gosto (N.F.,
Aluna, 2017, grifo nosso).
A participação dos (as) estudantes é também um dos pontos de destaque na fala da
jovem, sendo um elemento que precisa ser mais bem planejado para que haja efetivamente a
garantia de espaços de participação e de construção coletiva com os (as) alunos (as), assim
como com outros membros da comunidade escolar. Tomando como referência o que
preconiza a Política de Assistência Estudantil do IFCE nos Capítulos II e III que tratam
sobre seus princípios e diretrizes, respectivamente, podemos inferir que o campus Umirim
ainda não conseguiu cumprir efetivamente o inciso III do Art. 2º e os incisos II e III do Art.
3º, que expressam:
Art. 2º A política de assistência estudantil se pautará nos seguintes
princípios: III - participação ampliada dos sujeitos nos processos de
construção dos programas e projetos institucionais;
Art. 3° Serão observadas, essencialmente, as seguintes diretrizes
norteadoras: II - criação de mecanismos de participação e controle social;
104
III - participação do estudante por meio de suas organizações
representativas, na formulação, implementação e avaliação dos planos,
programas e projetos a serem desenvolvidos (IFCE, 2015a);
Podemos atribuir dois aspectos fundantes para a baixa representatividade
estudantil nos processos de planejamento, avaliação e exercício do controle social como
mecanismo de cidadania e democracia. O primeiro pode ser compreendido a partir da cultura
institucional que tem como tendência uma prática tutelada e/ou disciplinadora/coercitiva, que
restringe a participação e a autonomia dos sujeitos. Para ratificar nossa afirmativa
descrevemos a opinião da Coordenadora de Assuntos Estudantis sobre a prática conservadora
e hierarquizada da instituição:
Aqui no Instituto, campus Umirim, há regras criadas e não oficializadas no
próprio Instituto, pertinentes aqui ao campus, que são feitas de maneira, a
meu ver, mesmo de cima para baixo, muito conservadoras. Com relação à
vestimenta dos alunos [...] porque em nenhum Instituto Federal há uma
questão de você proibir aluno e indicar como o aluno deve se vestir, já
começa daí. A questão conservadora aqui é tão forte que você já começa
fazendo uma barreira para o aluno quanto à questão da vestimenta [...] (R.R.,
Coordenadora, 2017).
O controle sobre o modo de vestir, de falar, de se comportar expressa aquilo que
Foucault (1987) chamou de sociedade disciplinar, no mundo pós-Revolução Francesa, uma
modalidade de poder que perduraria até os dias atuais, tendo como preocupação a vigilância e
a disciplina. Ela nasce ao final do século XVIII e se caracteriza como um modo de organizar o
espaço, controlar o tempo e obter um registro ininterrupto do indivíduo e de sua conduta. Do
ponto de vista do exercício do poder, essa sociedade se caracteriza por implantar o autor
denominou de “poder panóptico”52
.
Com o controle e o monitoramento dos indivíduos é possível fazer as correções de
suas tendências, reorientando-as. Esse poder se legitima por meio do surgimento de uma série
de instituições que referendam o modelo do Panapticon, como a fábrica, a prisão, o hospital, a
escola, entre outras. Essas Instituições exercem vigilância sobre as pessoas, controlando-as e,
assim, permitindo a garantia da ordem e a manutenção do poder.
52
Panapticon de Bentham é o modelo de um edifício arquitetônico em que idealmente se poderiam vigiar e
controlar as ações de todos os delinquentes. Com celas dispostas em torno de um círculo e ao centro uma torre
elevada, seu desenho previa que o vigia colocado na torre central podia ver todos os movimentos daqueles
trancafiados nas celas, sem que estes pudessem ver seu incontinente observador (FOUCAULT, 1987).
105
O segundo aspecto de análise para compreender a ausência de engajamento dos
(as) alunos (as) nas ações, programas, projetos do campus e da assistência estudantil, está
centrado na fragilidade da mobilização dos (as) estudantes para a construção de espaços de
representação, de proposição e de reivindicação das demandas pertinentes à realidade deste
grupo. Atualmente, o campus não dispõe de nenhuma entidade estudantil organizada, situação
que vem se prolongando por pelo menos dois anos.
Apesar de a Política de Assistência Estudantil do IFCE colocar como atribuição
das equipes técnicas o fomento à participação democrática dos (as) discentes e de prevê a
participação destes (as) no acompanhamento e na avaliação da Política, conforme o Capítulo
XI, e na revisão do referido documento, prevista para acontecer a cada dois anos, é notável a
desagregação do segmento estudantil para a criação de mecanismos de controle, participação
e de resistência.
Sem elementos suficientes para adentrarmos nas possíveis causas sobre esse
fenômeno nos limitamos a dizer que, dos dados e discursos obtidos, durante a pesquisa de
campo, identificou-se que os (as) alunos (as), em sua maioria, não despertaram para a
importância dos espaços de organização do corpo discente dentro da instituição, o que reflete
o baixo índice de atividade política exercida por esses (as) jovens em suas comunidades e nas
demais políticas desenvolvidas em seus municípios.
Corroboram com essa análise os dados obtidos com a aplicação de questionários
junto aos (às) 26 educandos (as) das turmas de Subsequente do Curso de Agropecuária
quando foram perguntados (as) se conheciam movimentos sociais em suas localidades e se
estavam inseridos (as) em alguma das organizações populares e/ou sindicais.
Tabela 04: Participação Social
Conhece movimentos sociais na cidade de
origem
Sim 13
Não 13
Participa de Movimentos Sociais
Sim 07
Não 19 Fonte: Elaboração própria (2017).
Dos (as) 26 estudantes que responderam as duas questões acima, vale ressaltar
que apenas 06 residem em Umirim, enquanto os demais, 20, são oriundos de outras
localidades. Identificamos, conforme se observou na Tabela 04, que 50% do grupo que tinha
conhecimento sobre algum movimento social em sua cidade/localidade, apenas 27% possuíam
106
algum tipo de engajamento social, quase metade do total daqueles (as) que conhecem alguma
organização social.
Destacamos duas variáveis importantes obtidas a partir da pesquisa de campo,
uma que se refere à atuação dos (as) jovens em movimentos sociais e a identificação dessas
organizações, como verificamos na Tabela 05 que segue:
Tabela 05: Quanto ao segmento do Movimento Social
Fonte: Elaboração própria (2017).
As informações sobre quais segmentos sociais estão mobilizados sugere pistas
sobre as questões que estão sendo debatidas nessas localidades. No nosso estudo identificou-
se a representação dos grupos de juventude, de mulheres, dos (as) trabalhadores (as) sem terra
e da população indígena. Portanto, inferimos que as demandas que se associam a esses
segmentos estão postas com suas especificidades em cada lócus, e refletem os conflitos
históricos, sociais e econômicos da formação do território brasileiro, como a questão do
patriarcalismo, da questão agrária, da concentração de riquezas e expropriação de
trabalhadores e trabalhadoras da riqueza.
Nesse sentido, faz-se necessário que, como instituição de ensino, inserida no
contexto dinâmico da sociedade, busquemos conhecer e nos aproximar das realidades que
envolvem a história e a vida das populações atendidas no campus Umirim, haja vista a
importância de nos aproximarmos das demandas coletivas e sociais, as quais geram
requisições no campo individual e subjetivo do nosso público, seja no que se refere ao aspecto
material ou às relações humanas.
Sobre a segunda variável, ela aponta os motivos da não participação dos (as)
estudantes em grupos da sociedade civil organizada, destacando, como principal justificativa,
o desconhecimento dos (as) jovens sobre tais organizações em suas localidades ou mesmo a
inexistência delas. Contudo, a inexistência de movimentos sociais em determinado município
e/ou localidade precisa ser um dado relativizado uma vez que também pode expressar o
desconhecimento do público.
Quantidade de estudantes em Movimentos Sociais
Juventude 02
Mulheres 02
Movimento dos Trabalhadores Sem Terra 02
Indígena 01
Total 07
107
O Gráfico 01 ilustra as quatro causas listadas pelos (as) 26 pesquisados (as), além
da primeira já citada foram destacadas ainda a falta de tempo e de interesse como principais
justificativas, seguida por conflitos políticos.
Gráfico 01: Motivos apontados para a não participação
dos (as) estudantes em movimentos sociais
Fonte: Elaboração própria (2017).
Sem adentrar o mérito dos motivos apresentados, queremos ressaltar apenas que é
preciso estimular a juventude para a participação coletiva, nos debates, nas lutas, na formação
política e social e nas reivindicações de classe, assumindo uma posição de responsabilidade
frente ao fortalecimento de uma prática pedagógica voltada para a superação das visões
conformadas e das relações de poder e desigualdade, em que se possa contribuir para a
formação de sujeitos, educadores (as) e educandos (as), questionadores (as) e reflexivos (as)
diante da sociedade dominadora em que estamos inseridos (as).
Dito isso, acreditamos que a Política de Assistência Estudantil possa ser uma
política social no âmbito da Política de Educação, capaz de fomentar um diálogo próspero no
seio da comunidade acadêmica alertando para as pluralidades que permeiam a vida em
sociedade e para as diferenças que caracterizam os indivíduos e os grupos sociais a que
pertencem, considerando-as como centrais na construção das desigualdades, mas também para
a superação destas.
As políticas públicas sociais ao conceberem negros (as), indígenas, homossexuais,
mulheres, pobres, e outros segmentos, como sujeitos de direitos e designarem a estes (as)
políticas especiais, políticas afirmativas e de inclusão, elas demarcam o reconhecimento do
Estado no atendimento das reivindicações históricas dos movimentos sociais. No entanto, a
organização em torno das lutas e bandeiras coletivas precisam ser permanentes e sistemáticas,
para resistir aos ataques e desafios postos aos direitos conquistados e aos avanços que vinham
sendo progressivamente alcançados.
108
Destarte, percebemos os desafios das políticas sociais no Brasil para garantirem
materialidade ao que preconizam. Citamos, como exemplo, três diretrizes e três objetivos da
Política de Assistência Estudantil do IFCE que estão alinhados ao nosso objeto de pesquisa:
Art.3º: I - respeito à liberdade e à dignidade humana; II - educação e
assistência estudantil como um direito social e universal; III - participação
ampliada dos sujeitos nos processos de construção dos programas e projetos
institucionais; Art.4º: I - reduzir as desigualdades sociais; III - ampliar as
condições de participação democrática, para formação e o exercício de
cidadania visando à acessibilidade, à diversidade, ao pluralismo de ideias e à
inclusão social; e V - contribuir para a inserção do aluno no mundo do
trabalho, enquanto ser social, político e técnico (IFCE, 2015a).
Portanto, a Política de Assistência Estudantil do IFCE fundamenta-se em
princípios e objetivos que estão articulados com um modelo de sociedade mais justa e livre.
Pauta-se por caminhos que superam a visão meramente assistencial e estimula a busca por
uma concepção ideológica ancorada no exercício de uma prática educativa voltada para a
emancipação dos sujeitos e transformação de suas realidades.
Trataremos no Capítulo seguinte sobre os outros olhares da Assistência
Estudantil, trabalhando as diferenças e as expressões das desigualdades no âmbito da
sociedade e da Política de Educação. Para isso, colocamos em pauta as categorias de análise
que refletem sobre as diversidades de gênero, etnia e raça e sexualidade, a fim de refletirmos
como elas se configuram dentro das relações sociais e de poder.
109
4. OS SUJEITOS E SUAS DIVERSIDADES: O OUTRO LADO DA ASSISTÊNCIA
ESTUDANTIL
Retomada a questão de partida da pesquisa avaliamos a assistência estudantil no
reconhecimento das diversidades de gênero, étnico-racial e sexual do campus Umirim – IFCE
para o enfrentamento às desigualdades e às exclusões nesta unidade de ensino e na sociedade,
onde se identificam demandas de ordem material e simbólica. Para isso, faz-se imprescindível
a discussão sobre a construção das diferenças e das identidades nas relações sociais, a fim de
compreender como se fundamentam as assimetrias no conjunto da sociedade e quais os seus
rebatimentos na vida dos indivíduos. As reflexões produzidas no contexto das relações de
classe, de gênero/sexualidade, de raça e etnia, ajudarão a elucidar a atuação do Estado por
meio das políticas sociais na equalização de direitos e das condições para os diferentes
segmentos dando visibilidade aos interesses contraditórios que direcionam as suas decisões e
ações.
Entre os (as) interlocutores (as) dessa pesquisa destacamos os (as) estudantes
como segmento central, uma vez que nosso objeto é uma política social voltada para esse
público. Discutir as desigualdades e as diferenças que caracterizam esses indivíduos é o
primeiro passo para identificar os vários perfis que compõem o cenário da política social em
evidência. Para tanto traçamos a partir dos dados coletados na ferramenta “IFCE em
números”53
características sobre os (as) estudantes do Curso Técnico em Agropecuária,
campus Umirim – IFCE, considerando as variáveis sobre sexo, faixa etária, origem e etnia.
Em uma primeira caracterização sobre o universo total de estudantes,
considerando os (as) 159 matriculados (as) no ano letivo de 2016.2, nas turmas de
subsequente, verificamos que se trata de um público de hegemonia masculina (59%), na faixa
etária jovem, com idade entre 18 e 29 anos (93%), de raça/etnia parda (50%). Quanto à
disposição do grupo nos territórios verificamos que a maioria tem origem no município de
Umirim (39%), seguidamente pelas cidades circunvizinhas de Itapajé (21%) e de Itapipoca
(8%). Ressaltamos que 32% do público são provenientes de outros municípios, onde
destacamos apenas aqueles de maior incidência.
53
Os dados considerados para caracterização do perfil dos (as) estudantes das turmas de Subsequente Curso
Técnico em Agropecuária tem como fonte a ferramenta “IFCE em números”, com 159 alunos (as) matriculados
(as), conforme explicação contida no subtópico “2.2.1. Os (as) interlocutores (as) da pesquisa”, constante nesse
mesmo estudo.
110
Já, a pesquisa de campo, dividida em duas etapas, aplicação de questionários e
realização de entrevistas, contou em sua primeira fase com a participação de 26 estudantes,
todos (as) pertencentes ao grupo dos (as) 159 matriculados (as). Os dados sobre o perfil dessa
amostra ratificaram as características observadas no universo total, com exceção para a
informação sobre a origem do (a) aluno (a), onde se identificou que os (as) pesquisados (as)
eram, sem sua maioria, residentes de outros municípios. Elaboramos a Tabela 06 para facilitar
a observação das informações coletadas junto ao referido grupo:
Tabela 06: Quanto ao (à) Sexo/Faixa Etária/
Origem/Raça-Etnia Sexo %
Masculino 62%
Feminino 38%
Faixa Etária %
18 a 24 anos 85%
25 a 29 anos 11%
acima de 29 anos 4%
Origem %
Umirim 23%
Outra cidade 77%
Etnia /Raça %
Pardos 73%
Pretos 8%
Brancos 15%
Indígena 4% Fonte: Elaboração própria
54 (2017).
A visualização dos dados sobre esses sujeitos permite uma interpretação
preliminar das variáveis que compõem as diversidades inseridas no campus Umirim.
Iniciaremos no próximo tópico pela análise da variável sobre sexo, onde discutiremos acerca
da categoria de gênero, do mesmo modo percorreremos as demais variáveis compondo as
análises e reflexões sobre as categorias pretendidas nesse estudo.
Como já apontado no percurso metodológico, acrescentamos como interlocutores
(as) dessa pesquisa alguns dos (as) gestores (as) do campus Umirim, os (as) quais
participaram, através de entrevista, do debate sobre questões ligadas ao nosso objeto, que se
referem primordialmente, às temáticas sobre assistência estudantil, gênero, etnia e raça e
sexualidade. Os sujeitos entrevistados reconheceram a importância do tema deste trabalho,
destacando que o preconceito e à discriminação contra minorias no ambiente escolar precisam
ser pautados e que a assistência estudantil tem um papel fundamental na condução de ações
54
Dados obtidos a partir da sistematização dos questionários aplicados com os (as) 26 estudantes das turmas de
subsequente do Curso Técnico de Agropecuária (Pesquisa de campo, 2017).
111
que incidam sobre esses temas, assim como de outros assuntos que se espraiam no espaço da
instituição causando divergências e conflitos.
A seguir, identificamos as falas dos (as) entrevistados (as) sobre suas
compreensões acerca da assistência estudantil e como avaliam a sua importância para a
educação. As representações descritas nos permitiram delinear o caminho a ser percorrido
acerca do conjunto de significados que envolvem os mecanismos de construção das
desigualdades dentro do complexo universo das diferenças. Além disso, nos estimulou a
pensar intervenções, através da educação, que concebam novas configurações identitárias
questionadoras das relações de poder e emancipadas de suas estruturas de subordinação.
As citações55
apontam para a representação da assistência estudantil por parte de
servidores (as) que atuam no âmbito da direção geral, direção de ensino e da coordenação de
assuntos estudantis. Optamos por não associar as falas aos cargos, a fim de ressaltar a
aproximação entre as compreensões em torno da categoria em evidência.
Verifica-se que a vinculação do tema à assistência, ao atendimento dos (as) alunos
(as) mais pobres, assim como a questão da adaptação do (a) jovem diante dos conflitos e da
permanência na instituição são centrais nos discursos apreendidos.
Destacamos inicialmente os trechos que relacionam diretamente à assistência
estudantil à permanência do (a) aluno (a) na instituição, fortalecendo a diretriz nacional da
permanência e êxito acadêmico, vejamos: “A assistência estudantil no âmbito do Instituto
Federal é uma organização que facilita a permanência do aluno”; “Fortalecer o vínculo
do aluno com a instituição”; “Seria ajudar o aluno a permanecer nas instituições e
desenvolver aquilo que eles vieram de fato fazer, que é realizar o curso para saírem
profissionais”.
O Programa Nacional de Assistência Estudantil - PNAES (2010) traz a
concepção de permanência e êxito acadêmico de modo ressaltado, colocando a centralidade
das ações de assistência estudantil em torno de um público específico, o qual demanda,
sobretudo, assistência financeira.
As narrativas dos (as) gestores (as) corroboram com nossa análise. Em suas
palavras afirmam: “Quando a gente fala em assistência estudantil a gente leva logo para o
financeiro. Eu acho que não é só isso. O lado financeiro tem um peso muito grande, porque a
gente sabe da carência dos nossos alunos, mas eu acho que o social tem uma importância
55
Extraídas das entrevistas realizadas com os (as) Gestores (as) do campus Umirim/CE, em 2017. Foram
destacados em negrito alguns fragmentos de texto relevantes para a análise realizada.
112
muito grande”; “Além disso, também no próprio sentido do auxílio financeiro que esses
jovens muitas vezes recebem quando a assistência estudantil faz a triagem e identifica aquele
jovem que tem necessidade financeira maior que os demais”; “Ter oportunidades que, com
certeza, ele não teria se não fosse essa instituição e essa Política de Assistência ao Aluno,
principalmente ao aluno de baixa renda”; “A importância dela é dar condição
principalmente ao aluno mais pobre que não tem recurso para estar em uma escola
particular, uma faculdade particular”; “Acolhimento do aluno, fazer com que ele permaneça
na escola através dos auxílios, principalmente”.
Portanto, podemos perceber que os discursos não estão desconectados do que
preconizam as normativas sobre assistência estudantil e o direcionamento dado às suas ações
nas instituições de ensino, as quais tendem priorizar programas associados à dimensão
socioeconômica dos (as) estudantes.
Os olhares indicam ainda, em cinco referências dos (as) pesquisados (as), a
importância da assistência estudantil no trabalho com as questões que envolvem as
diversidades e os conflitos como bullyng e homofobia, denotando a importância das ações
realizadas, mesmo quando não se tem uma compreensão mais ampliada sobre o assunto.
Destacamos: “Eu acho que é muito importante para a educação, essa parte mesmo de
inclusão, acompanhamento pedagógico”; “Os jovens que não conseguem se adaptar,
problemas, inúmeros, relacionados ao bullyng, relacionados à questão da homofobia”;
Trabalhar todas as questões de diversidade”; “A compreensão é falha, a gente
compreende muito pouco, mas essa falta de compreensão não quer dizer que eu não ache
isso importante”; “É ela que vai identificar na maioria dos casos os jovens que precisam de
um cuidado maior”.
Observamos que apesar de não terem sido realizadas reflexões mais aprofundadas
sobre os princípios das ações de atenção aos (às) estudantes, os interlocutores (as)
reconhecem a existência de demandas que se vinculam a outras esferas da vida dos sujeitos,
interferindo diretamente nas subjetividades e na construção dos significados que norteiam as
relações. Assim, reafirmamos a importância do atendimento integral dos (as) estudantes,
considerando as múltiplas configurações que expressam as diversidades e as diferenças entre
os grupos, bem como seus impactos na formação humana e social dos (as) jovens.
Achamos oportuno apresentar ainda as percepções do grupo docente em relação à
importância que eles atribuem à assistência estudantil para os (as) alunos (as).
113
Segundo os dados obtidos por meio de pergunta aberta no questionário da
pesquisa, identificamos que os argumentos giram em torno da permanência dos (as)
estudantes e da dimensão financeira e social, sendo estes os principais elementos de
intervenção da A.E, de acordo com o grupo em questão. Os dados assemelham-se ao que
ficou evidenciado na análise anterior com base nas entrevistas com o grupo de gestores (as).
Entretanto, apreendemos dois posicionamentos que indicaram para outras dimensões da
assistência ao educando. O primeiro ressaltou que: "Eles possuem um amparo legal e
afetivo. Eles partilham suas dificuldades e sonhos". O segundo posicionamento considerou
como importante o fato de a A.E “Desenvolver atividades que orientam e formam
socialmente o aluno e auxilia as coordenações nas tomadas de decisões".
Notamos, portanto, que no primeiro trecho o (a) aluno (a) é trazido para a
centralidade das ações de assistência estudantil, abordando outras esferas de sua vida, não se
resumindo à questão material e social. Já no segundo fragmento a assistência estudantil é
destacada como participante no processo formativo dos (as) estudantes, tendo o poder de
subsidiar os direcionamentos das decisões institucionais, através de seu olhar e intervenção. O
que denota positivamente a incorporação de novas compreensões sobre o exercício da A.E na
Política de Educação.
Damos continuidade ao texto com a apresentação preliminar de alguns resultados
das análises das entrevistas realizadas com os (as) gestores (as), por entendermos que esses
dados nos ajudam a retomar nossos objetivos e hipóteses centrais, contribuindo para o
desenvolvimento das nossas discussões ao longo do trabalho.
A partir das análises dos dados qualitativos e quantitativos, inferimos dos
discursos que: há uma compreensão associada entre gênero e diversidade sexual, onde as duas
categorias são abordadas intrinsecamente como sinônimos; há o reconhecimento de que as
práticas discriminatórias dentro do campus se concentram nas questões de gênero e de
orientação sexual, com menor destaque para a questão étnico-racial; as discriminações contra
as mulheres, os (as) homossexuais e os alunos indígenas são, na maioria das vezes,
escamoteada pelo discurso da “brincadeira”, da piada; há um processo de invisibilização da
diferença e, consequentemente, do preconceito e da discriminação; é ressaltado o discurso da
igualdade a partir da rejeição das diferenças entre os sujeitos; há certa dificuldade no
reconhecimento dessas violências por parte do grupo docente, especialmente na distinção do
que se apresenta como prática discriminatória e preconceituosa; existe uma compreensão de
que o papel da assistência estudantil se vincula também à discussão dessas temáticas, tanto
114
com os (as) estudantes, como com o grupo docente, na promoção de ações de prevenção às
diversas formas de opressão e preconceito; se reconhece a importância de trabalhar a
formação cultural e humana dos (as) alunos (as), como forma de melhorar as questões ligadas
à interação, ao social e à aprendizagem.
Antes de adentrarmos nas variáveis coletadas na pesquisa de campo e de
realizarmos a discussão teórica sobre as categorias de análise desse estudo, informamos de
qual perspectiva partimos ao abordar os conceitos de identidades e diferenças, os quais são
fundamentais para o objeto proposto. Ancoramos nosso entendimento no que defende Silva
(2014, p.81):
A identidade e a diferença estão, pois, em estreita conexão com as relações
de poder. O poder de definir a identidade e de marcar presença não pode ser
separado das relações mais amplas de poder. A identidade e a diferença não
são, nunca, inocentes.
O viés atribuído pelo autor à questão da identidade e da diferença é importante
porque acrescenta o debate sobre os conflitos sociais e as desigualdades a partir de um lugar
de não neutralidade, em que desvela os interesses e as disputas de poder. Vale dizer que, em
sua concepção, identidade e diferença são mutuamente determinadas, em que a diferença vem
em primeiro lugar. Logo, a formação da identidade tem origem na diferença, que é por si o ato
ou processo de diferenciação. Ambas são criações do mundo cultural e social, em que os atos
de linguagem institucionalizados permitem que seja possível definir qual a nossa identidade.
Achamos oportuno destacar sobre a obra de referência e a argumentação do autor
a aplicação pedagógica do tema multiculturalismo, onde é criticada a postura pacifista que
defende a tolerância e o respeito à diversidade e à diferença sem debater a produção delas.
Para Silva (2014), é preciso um projeto pedagógico que supere a mera convivência com a
diferença, posto que a identidade, enquanto construção social se dá em um jogo de relações de
inclusões e exclusões, poder e força. Argumenta que:
Uma política pedagógica e curricular da identidade e da diferença tem a
obrigação de ir além das benevolentes declarações de boa vontade para com
a diferença. Ela tem que colocar no seu centro uma teoria que permita não
simplesmente reconhecer e celebrar a diferença e a identidade, mas
questioná-las (SILVA, 2014, p.100).
Nesse sentido, chama nossa atenção para o fato de que devemos atentar para a
incorporação da identidade definida como “normal”, porque ela tem uma força
homogeneizadora que a invisibiliza dentro das relações sociais, tornando-a desejável, única. O
115
autor cita como exemplo uma sociedade onde a supremacia branca impera, logo o “ser
branco” não é considerado uma identidade étnica ou racial, ela é a identidade e, portanto, a
etnia passará a servir para definir a identidade do outro. Em suas palavras “na perspectiva da
diversidade, a diferença e a identidade tendem a ser naturalizadas, cristalizadas,
essencializadas [...] Em geral, a posição socialmente aceita e pedagogicamente recomendada é
de respeito e tolerância para com a diversidade e a diferença” (SILVA, 2014, p.73).
A crítica realizada nos remete à reflexão de como temos abordado tais temáticas
no campus Umirim e quais discursos e intenções estão direcionando as ações pedagógicas no
tocante às diferenças e às multiplicidades56
nessa unidade de ensino.
Ao questionarmos os (as) gestores (as) sobre a convivência entre os (as) alunos
(as) com relação à questão étnico-racial e também à diferença de gênero e de orientação
sexual, por exemplo, obtivemos graus diferenciados quanto à percepção individual e,
consequentemente, do grupo social ao qual pertencem, espelhando pontos divergentes e/ou
assemelhados ao referirem-se às diferenças dos (as) alunos (as) dentro do recorte definido na
pesquisa. São essas divergências e semelhanças que nos ajudaram a situar nossas análises e a
identificar as relações de poder que se estabelecem nas concepções descritas.
Selecionamos duas passagens, nas entrevistas com os (as) interlocutores (as) da
gestão, que dialogam entre si e nos permitem compreender a crítica do autor sobre as
abordagens pedagógicas e curriculares das escolas que tendem ao não aprofundamento do
conhecimento sobre as diferentes culturas, havendo uma escolha pela superficialidade com
que se apresentam as temáticas aos estudantes e às estudantes. À medida que não se discute,
não se problematiza as relações de poder envolvidas na produção das identidades e das
diferenças, estas acabam sendo reforçadas “ao construir o outro por meio das categorias do
exotismo e da curiosidade” (SILVA, 2014, p.99). Observemos o trecho que segue:
Eu acho que os alunos olham como algo exótico e gostam até. Em vários
momentos que a gente promoveu da assistência, do campus, que o campus
desenvolveu eventos como a semana cultural, os alunos eles podem trazer
essa cultura, cultura africana, cultura indígena e fazem aqui cursos de como
fazerem aquela indumentária de cabeça e os alunos gostam disso, de se
pintar. Então eles promovem ali aquele momento de fazer várias tatuagens
com essa resina [...] os alunos acabam respeitando isso, porque indígena
56
A adoção desse termo se faz em referência ao autor Tomaz Tadeu da Silva que apresenta em sua obra (já citada
anteriormente) a distinção entre diversidade e multiplicidade, em que a primeira tem uma tendência ao
estático, ao idêntico, enquanto a segunda se manifesta como movimento, como algo ativo, produtivo (SILVA,
2014. p.100). Dentro da compreensão do autor sobre a pedagogia da diferença o termo multiplicidade captura
melhor a ideia defendida. Portanto, utilizamos aqui o termo multiplicidade como forma de incorporar a
argumentação de Tomaz Tadeu.
116
mesmo eu acho que nós temos três alunos que são dessa comunidade
Tremembé e depois de uma festividade eles chegam aqui com o rosto todo
pintado, com o braço pintado e é interessante, chama atenção, é preciso
respeitar, é preciso valorizar. Acho que é isso, acho que essa convivência ela
tem dado certo aqui (A.I., Gestor, 2017).
A passagem selecionada dá a exata noção do que nos informa Tomaz Tadeu57
sobre a visão que criamos do outro. Tomando como exemplo a fala de um gestor no campus
Umirim/CE, onde se verifica uma perspectiva pedagógica do respeito à diferença, através da
visibilidade dos traços culturais, dos costumes e dos hábitos das etnias negra e indígena, para
a garantia do não estranhamento dos demais sujeitos “não índios” e “não negros”. Expressa,
portanto, o exotismo e a curiosidade na construção do outro como se referiu anteriormente o
autor, refutando qualquer intenção de aprofundar o conhecimento sobre as culturas e
identidades não hegemônicas, menos ainda de questionar os conflitos que permeiam as
diferenças e produzem as desigualdades entre os grupos étnicos.
É importante destacar que os lugares ocupados pelos gestores (as) do campus
modicam seus posicionamentos de acordo com os espaços sociais assumidos. A dinamicidade
nas relações possibilita uma mobilidade dentro do sistema de significações e hierarquias, o
qual acomoda representações simbólicas de um grupo em relação ao outro. O cargo de direção
geral, por exemplo, traz consigo uma posição de hierarquia dentro da estrutura organizacional
da instituição, que por si já se destaca sobre os outros grupos.
A citação destacada pelo gestor anteriormente atribuiu à Coordenação de
Assuntos Estudantis a idealização de ações culturais no campus, qualificando-as
positivamente na promoção e valorização das culturas. Então vejamos o que diz a
Coordenadora da pasta sobre essas ações:
A proposta do Instituto de Educação é outra, é a educação, é arte. Nós não
temos, nós não temos espaço para fazer atividades artísticas. Nós não temos
espaço nem para fazer as atividades da CAE. A gente pede espaços
emprestados fora da escola e, as minorias são totalmente, pela grande
maioria dos técnicos, dos servidores em geral, elas são excluídas de tudo.
Quando não, elas são usadas para fazer uma caracterização, não para
falar de suas culturas, não para ter a sua cultura respeitada ou sua
escolha respeitada, é para caracterizar. Ela é feita uma caricatura da
pessoa ou do grupo étnico ou do grupo de gênero ao qual ela pertence.
Então é um meio também de discriminação. É tratado como se fosse uma
57
Atualmente é professor colaborador do Programa em Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul e possui um vasto estudo sobre: currículo, diferença, Deleuze, Foucault, neoliberalismo,
Estudos Culturais, identidade e pós-modernismo. Tomaz Tadeu da Silva organizou o livro Identidade e
diferença: a perspectiva dos estudos culturais, em 2014.
117
piada, como se fosse para rir, como se fosse legal ver um menino que se diz
mulher todo pintado parecendo um humorista, pra fazer chacota, pra rir [...]
(R.R., Coordenadora, 2017, grifo nosso).
Há uma possível discordância nas duas narrativas, evidenciando que as
perspectivas pedagógicas se diferem, o que nos assegura que há vários determinantes que
influenciam na forma como cada um lida com as diferenças sociais e culturais e como as
percebem. As representações simbólicas para cada sujeito é carregada de traços diferenciados
que se associam aos determinantes de classe, de gênero, de cor, dos espaços sociais ocupados,
entre outros fatores (SILVA, 2014).
É a partir desse emaranhado de constatações e relações complexas que estamos
procurando construir um caminho de diálogo, mas, sobretudo de reflexão e questionamento
acerca das estruturas dominantes que exercem sua hegemonia sobre os grupos subalternizados
dentro da lógica das relações econômicas, políticas, culturais e sociais. Entendemos que é a
partir desse universo heterogêneo que precisamos pensar novas práticas de ações e
intervenções não dissociadas da compreensão sobre as relações de poder que desequilibram as
forças entre os diversos grupos sociais. Para isso, consideramos fundamental a discussão
dessas diferenças e das desigualdades que se produzem, questionando-se as ideologias e
identidades dominantes a partir de um movimento que deve ser estimulado e potencializado
nos segmentos vulnerabilizados da sociedade.
A seguir, discorreremos sobre as variáveis e as categorias que norteiam esse
estudo, a fim de discutir as desigualdades sociais relacionadas ao gênero, à etnia e raça e à
sexualidade, em que se fará necessário abordar também conceitos e assuntos que estão
associados diretamente ao nosso debate, tais como juventude, pobreza, ações afirmativas, e
outros.
4.1 Falando sobre Gênero
Optamos por iniciar, entre as categorias de análise selecionadas, com a discussão
sobre gênero, uma vez que ela se apresentou em destaque como uma questão elementar
inserida na própria concepção acerca do perfil do Curso de Agropecuária e por identificarmos
que essa temática possui transversalidade nas demais discussões, uma vez que as
desigualdades de gênero são potencializadas pela questão étnico-racial, etária, social e de
orientação sexual. Desse modo, escolhemos iniciar o debate considerando a variável sobre
sexo, a partir da pesquisa com os (as) estudantes.
118
Isolando o dado sobre a participação das mulheres no Curso Técnico de
Agropecuária no campus Umirim verifica-se que há maior incidência do sexo masculino,
apesar de não haver grande disparidade, quando consideramos o público total de 159 alunos
(as), sendo de 59% a participação masculina e de 41% a participação feminina. Partimos para
a discussão sobre esse dado considerando duas vertentes de análise interdependentes: a
primeira que se associa ao perfil do curso investigado o qual é norteado por velhos estigmas
sociais que refletem a desigualdade das relações entre mulheres e homens na sociedade,
especialmente no cenário rural; a segunda que trata da invisibilidade do trabalho feminino na
esfera da produção direcionando as mulheres para o trabalho doméstico não remunerado,
agindo de modo a mascarar a prática da atividade de agropecuária de base familiar e de
autoconsumo sob o discurso da “ajuda” feminina.
As duas situações refletem a desigualdade entre os gêneros e criam um sistema de
interdependência para a reprodução de concepções machistas e discriminatórias e de exclusão
da mulher do mundo produtivo.
Neste sentido, defendemos que o espaço educacional não deve se abster do debate
sobre as opressões de gênero e suas desigualdades, uma vez que elas são incorporadas e
naturalizadas em diversas formas de violências que se expressam diretamente na escola.
Pensamos, portanto, as diferenças e as desigualdades como objeto de trabalho dos
(as) profissionais que compõem a instituição de ensino, com grande necessidade de atuação
das equipes de assistência estudantil integradas a outros setores da instituição e às demais
políticas sociais que desempenham ações de promoção da igualdade e de combate às
discriminações, somando esforços também aos movimentos da sociedade que se mobilizam
na discussão dessas agendas.
Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD, a participação
das mulheres na educação em termos de nível de escolarização e anos de estudos, é maior que
a dos homens, onde as pessoas com 11 anos ou mais de estudo, cuja idade seja de 25 anos
acima, totalizam para o sexo feminino e para o sexo masculino, respectivamente, 44,5% e
40,2%, (PNAD, 2014)58
.
Comparando a participação feminina no Curso de Agropecuária do campus
Umirim, constatamos que, apesar de ainda ser menor que a masculina, tem havido um
aumento da inserção das mulheres a cada semestre, mesmo diante da concepção hegemônica
58
Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento, Pesquisa Nacional por Amostra
de Domicílios 2014. Disponível em: <http://brasilemsintese.ibge.gov.br/educacao/anos-de-estudo-e-sexo.html>
Acesso em 18 de dezembro de 2016.
119
no imaginário social de que o perfil do curso é masculino. Corrobora com esse entendimento
a fala do diretor geral do campus Umirim, onde se percebe o esforço em romper com esse
pensamento e de reforçar a necessidade de construção de uma nova identidade sobre a
formação nessa área. Nas palavras do gestor:
[...] As mulheres têm direito de atuar. A mulher no Curso de Agropecuária
que muita gente diz que é um curso de homem, não é. É um curso de quem
quiser fazer. Se as meninas querem fazer e se se dão bem, se gostam, elas
têm direito sim e de fazer e de atuar no mercado de trabalho. E aqui a gente
luta em prol de que elas consigam vagas no mercado de trabalho como várias
delas estão atuando hoje (A.I., Gestor, 2017).
Além disso, a participação das mulheres na economia também é crescente, assim
como a incorporação da força de trabalho desse segmento em atividades historicamente
ocupadas por homens. Entretanto, não podemos deixar de destacar que a precarização e a
desvalorização do trabalho feminino ainda é maior que a do trabalho masculino, sendo ainda
mais agravada no caso das mulheres pobres e do campo.
Faria59
(2009) em seu artigo sobre A economia feminista e agenda de luta das
mulheres no meio rural aborda especificidades do campo que nos permite compreender as
implicações na relação de poder que se estabelece nas relações de gênero. Ela destaca o
aprofundamento das desigualdades no cenário rural pela imbricação de classe, gênero e raça-
etnia, elementos que favorecem a migração feminina, especialmente da parcela jovem, que
busca oportunidades na vida urbana, maior autonomia e liberdade, como alternativa às
relações patriarcais que se expressam nas relações familiares. O que se verifica muitas vezes é
a inclusão precária dessas jovens nas cidades, com salários baixos, altas jornadas de trabalho,
geralmente associado ao trabalho doméstico (FARIA, 2009, p.21).
Outro fator de destaque abordado em seu texto é a invisibilidade do trabalho da
mulher nas atividades ligadas ao roçado, em que “historicamente muitas das atividades
produtivas realizadas pelas mulheres são consideradas uma extensão do trabalho doméstico”
(Ibid., p.18). A discussão trazida pela economia feminista questiona a compreensão da
economia dominante sobre o trabalho doméstico, esclarecendo que:
Na sociedade capitalista as esferas mercantil e salarial dependem do trabalho
doméstico e dos bens e serviços que aí se produzem. A produção mercantil
não é autônoma e depende do trabalho não remunerado nos lares. Nesse
59
O Artigo de Nalu Faria foi publicado no livro Estatísticas Rurais e a Economia Feminista: Um olhar sobre o
trabalho das mulheres (2009). Ele traz uma reflexão sobre o trabalho das mulheres no meio rural, ancorada na
economia feminista e no debate sobre a divisão sexual do trabalho.
120
sentido, há uma falsa autonomia dos homens que utilizam os bens e serviços
realizados pelas mulheres (Ibid., p.17).
Portanto, a posição da mulher na sociedade pode ser associada aos fortes nexos
com a divisão sexual do trabalho que atribuiu valores diferentes ao trabalho feminino e
masculino e à cultura machista e conservadora herdada da família patriarcal brasileira que
historicamente destinou às mulheres o espaço doméstico, da casa e do cuidado com a família,
designando-as para o trabalho reprodutivo, longe da esfera da produção e geração de valor
para o capital, espaço este predominantemente ocupado pelos homens.
Nas entrevistas realizadas durante a pesquisa de campo foi possível identificar a
presença da cultura do patriarcado, do conservadorismo e do patriarcalismo na regulação da
vida familiar e comunitária dos (as) alunos (as), como descreveu uma das alunas participantes
ao dizer que “com o tempo, nós mulheres, começamos a frequentar né, só que com aquele
preconceito todo na comunidade, a gente saia pra ir pros roçado muita gente ficava olhando:
‘ah, mulher capinando, roçando, colhendo feijão, milho’” (D.D., Aluna, 2017).
A aluna falava sobre o preconceito na localidade onde mora, no município de
Itapajé60
, pela prática do Curso de Agropecuária por mulheres. Ela descreve ainda um diálogo
com um senhor que mora em sua região:
Eu vinha no ônibus pra cá aí um senhor me perguntou: qual o curso você
está fazendo? Aí eu falei: ‘agropecuária’. Aí ele falou: ‘e porque que você
num faz um curso de costureira?’ Aí eu: ‘não, porque o curso que eu gosto é
agropecuária, eu gosto de estar com os agricultores, eu gosto de estar no
campo’. Aí ele disse assim: ‘mas você vê algum futuro pra você em relação a
isso’? Aí eu: ‘Sim, qual o problema de uma mulher trabalhar na roça, eu não
vejo problema algum, até porque eu estou estudando, frequentando esse
curso para ajudar na minha comunidade’ [...]” (D.D., Aluna, 2017).
Os dois trechos da entrevista revelam um duplo caráter discriminatório, o primeiro
motivado pela figura da mulher na prática da atividade de agropecuária e o segundo pelo não
reconhecimento da atividade de agropecuária como geradora de valor e riqueza, pois
incorpora a lógica do trabalho concebida pelo capitalismo. Vale ressaltar que as famílias dos
(as) jovens estudantes atuam, em sua maioria, na agricultura de base familiar e para o
autoconsumo, onde se percebe a desvalorização dessa prática como trabalho produtivo,
60
Microrregião de Uruburetama, cidade do interior do Estado do Ceará, com 50.211 habitantes, sendo a
população urbana 33.990 habitantes e a população rural 14.360 habitantes. Fonte: Anuário 2013/2014.
Disponível em: <http://www20.opovo.com.br/ceara/itapaje/> Acesso em 11 de julho de 2017.
121
geradora de riqueza. As assimetrias causadas pela apropriação das terras e dos meios
produtivos, marcadamente no campo, explicam a pauperização dos (as) trabalhadores (as)
rurais e da forte relação de dominação entre aqueles que detêm as propriedades e aqueles (as)
que nelas trabalham, nem sempre em troca de um salário, podendo receber apenas a comida e
a moradia para si e/ou sua família.
Abrimos aqui um breve espaço para caracterizarmos o Curso de Agropecuária e a
vivência das famílias e dos (as) estudantes com a prática dessa atividade. Esse foi um dos
questionamentos realizados na entrevista com os (as) jovens, em que se buscou compreender
até que ponto a formação profissional tem contribuído para o trabalho já desenvolvido por ele
(a) e/ou sua família. A coordenadora de assuntos estudantis fez uma afirmação que ratifica o
perfil do público definido para nosso estudo no campus Umirim/CE:
Aqui no campus Umirim a gente já percebeu que a maioria dos alunos que
trabalham na agricultura e na agropecuária, eles trabalham no sistema de
agricultura familiar. Não é do meu conhecimento grandes empresas ou
fazendas aqui na cidade de Umirim e a meu ver no entorno também (R.R.,
Coordenadora, 2017).
A diretora de ensino aponta em sua entrevista a escassez de trabalho em empresas
ou fazendas na região, restando como opção ao (à) concludente à busca de emprego em outras
cidades e até estados, uma vez que não são eles (as) e suas famílias os (as) detentores (as) das
terras e dos meios de produção:
É um curso bastante abrangente, não restam dúvidas. Se aqueles alunos,
aqueles que realmente querem a agropecuária, eles têm uma base muito boa,
porque não só os professores, nós professores, mas o conteúdo em si ele se
arranja bem mesmo as necessidades dos alunos [...] o que é que tem aqui em
Umirim, quase nada, né? [...] então muitos deles saem daqui, vão para outros
municípios próximos (F.M., Gestora, 2017).
Atuando também como professora do curso a interlocutora destaca a facilidade de
o conteúdo se arranjar às necessidades dos (as) alunos (as), visto a sua adaptação às práticas já
desenvolvidas nas pequenas propriedades ou mesmo nos quintais produtivos, seja no cultivo
de hortas e na criação de animais de pequeno porte. Entretanto, contrapondo-se ao discurso da
empregabilidade muito comum entre professores (as) e gestores (as) ligados (as) ao ensino,
apreende-se da fala da diretora de ensino que apesar da vocação produtiva do município de
Umirim e das cidades vizinhas para esse ramo da economia não há um nicho amplo de
122
mercado de trabalho, o que parece ser justificado pelo fato da atividade de agricultura ser
voltada para pequenas produções, com características de subsistência.
Daí, ressaltamos que a formação em agropecuária é uma potencialidade,
aparentemente ainda adormecida, no desenvolvimento da agricultura familiar e na
organização dos (as) trabalhadores (as) rurais em torno das lutas e conflitos do campo gerados
pela concentração das terras e dos meios produtivos que exclui e expropria a força de trabalho
do acesso aos bens de produção. Essa consciência parece estar mais evidente no corpo
estudantil do que na classe docente.
Nas entrevistas com os (as) estudantes, dos (as) quatro entrevistados (as), todos
(as) têm convivência com a atividade de agropecuária, seja por meio de seus familiares ou por
eles (as) próprios (as) a praticarem. Desse modo, constatou-se que o referido Curso oferecido
no campus Umirim, na modalidade Subsequente, tem fortalecido o desenvolvimento das
atividades de pequenos (as) produtores (as) locais, sendo os (as) seus (suas) filhos (as) os (as)
principais ingressantes na instituição junto aos (às) filhos (as) de agricultores (as) da
agricultura familiar.
Percebemos ainda que há um interesse desses (as) jovens, em especial daqueles
(as) que vêm de outros municípios para estudar em Umirim, no desenvolvimento do
conhecimento técnico para qualificar as suas atividades e para o repasse aos (às) agricultores
(as) de suas localidades, portanto, a formação profissional do campus na área de agropecuária
parece estar mais conectada ao desenvolvimento da atividade junto aos grupos de
trabalhadores (as) rurais do que ao empresariado agrário, o que marca uma especificidade do
território, fator esse que possibilita um trabalho mais fecundo junto às famílias e às
comunidades dos (as) alunos (as), seja por meio de projetos de pesquisa e de extensão ou pelo
acompanhamento multidisciplinar às demandas e realidades dessas populações.
Os (as) jovens destacaram também nas entrevistas que o curso tem especializado a
mão de obra e que tem ampliado as suas possibilidades de atuação, seja para a extensão rural,
seja para a inserção em órgãos do governo, como a EMATERCE, comumente citada, ou ainda
para o empreendedorismo, área bastante disseminada dentro do curso. Na fala de uma aluna
podemos sintetizar o sentimento do grupo no tocante à formação técnica:
Quando chega aqui abre uma infinidade de possibilidades, porque antes a
gente tava resumido ao canteiro básico [...] Pro meu município eu vejo que a
gente tem uma mão de obra especializada, se a gente quiser ter oportunidade
nesse ramo de agricultura. E aí eu vejo também na parte de extensão, a gente
levar essas informações até os agricultores [...] (N.F., Aluna, 2017).
123
Segundo Paulilo (2004) embora o reconhecimento da agricultura familiar como
empreendimento econômico seja existente no Brasil, não podemos afirmar a existência da
categoria profissional “trabalhador (a) familiar”, no campo das estatísticas produzidas a
mulher e os filhos são designados como “membros não remunerados da família”, ocultando-se
a dimensão do trabalho e consolidando a ideia da ajuda, como podemos verificar no trecho
que segue:
Quando na infância eu já ajudei o pai já, capinava de mão. Quando era pra
trazer a colheita pra casa sempre nós ajudava a trazer de bicicleta, todo
mundo na sua bicicleta trazia, pra apanhar feijão no roçado, só que não
direto, porque eu estudava, meu irmão, não era direto, mas ajudava” (N.F.,
Aluna, 2017).
Se para a criança parece uma simples brincadeira ou mesmo uma obrigação pela
determinação do pai, para a mulher, como esposa, a atividade da agricultura estende-se,
muitas vezes, ao âmbito doméstico, não se incorporando à dimensão da produção e, portanto,
do trabalho.
Retomando a discussão sobre a categoria em análise concordamos com o que nos
apresenta Esmeraldo (1997, p.01) ao dizer que a “categoria gênero estrutura a percepção e a
organização concreta e simbólica de toda a vida social, construindo no seu interior referências
que conferem poder na forma de controle e de acesso diferenciado aos produtos materiais e
simbólicos”. A interação, portanto, dessas diferenças que direcionam o modo de vida coletivo
e a formação das subjetividades dos indivíduos precisam ser problematizadas na perspectiva
dialética, perpassando as estruturas e as instituições sociais.
Essa relação de poder do masculino sobre o feminino é perceptível em diversas
dimensões da vida, seja na família, na escola, na igreja, no trabalho, entre tantos outras.
Citamos um trecho da entrevista com um dos estudantes onde ele descreve a relação de poder
sobre as mulheres em sua localidade, zona rural do município de Itapajé:
Agora na minha localidade eu vejo uma diferença. Existe sim a diferença.
Existe sim o autoritarismo masculino. E a mulher ela tida como uma pessoa
mais frágil - a mulher não tem capacidade para gerir isso, que não tem
capacidade suficiente para comandar uma família, etc. - e que o homem [...]
é como se fosse o dominante. Existe essa situação (A.C., Aluno, 2017).
Além de denunciar a desigualdade de gênero comum naquela localidade o jovem
reforça nossa argumentação no que se refere aos espaços construídos socialmente que
direcionam um e outro para a ocupação de lugares pré-estabelecidos (espaço público
124
destinado aos homens e espaço privado destinado às mulheres) como também para as
representações simbólicas sobre os significados de ser homem e de ser mulher, sob a
demarcação de diferenças biológicas, fisiológicas e emocionais.
Segundo Faria (2009) o processo de formação social brasileiro renegou o espaço
da mulher dentro da sociedade subtraindo direitos civis e políticos no âmbito da vida comum,
fortalecendo a herança conservadora que vem perpetuando relações sociais regidas pela
cultura da dominação e patriarcal. Entretanto, encontra-se muita resistência e organização
desse segmento, com destaque para o movimento de mulheres, no enfrentamento das
desigualdades de gênero na vida social.
Na trajetória das mulheres na história brasileira destacam-se as lutas para serem
aceitas como sindicalizadas nos sindicatos dos trabalhadores rurais, pelo acesso à previdência
e à licença-maternidade nos anos 1980, incorporadas como questões centrais na discussão
acerca da divisão sexual do trabalho e da visão de que as mulheres são destinadas apenas ao
trabalho reprodutivo (FARIA, 2009).
Não temos a intenção de discorrer sobre o processo histórico de todas as
conquistas para as mulheres, de lá até aqui, mas achamos oportuno mencionar que, segundo a
referida autora, a partir de 2003, com o governo Lula, consolidam-se mudanças positivas para
o segmento de mulheres, com notório avanço por meio de diversas ações implementadas no
âmbito da Assessoria Especial para Igualdade de Gênero, Raça e Etnia – AEGRE, do
Ministério do Desenvolvimento Agrário - MDA, em parceria com a Secretaria de Políticas
para as Mulheres - SPM. Defende ainda que: o estabelecimento de uma política de crédito
específico, por meio do Pronaf Mulher; o Programa Nacional de documentação da
Trabalhadora Rural; o fomento à comercialização; as ações de assistência técnica e outras,
cumpriram um importante papel nas mudanças ocorridas para esse grupo, especialmente para
as mulheres que vivem no campo.
Apesar dos avanços, o preconceito e a discriminação contra as mulheres são
recorrentes, revelados pelos alarmantes dados de violência doméstica, abusos sexuais e o
número de homicídios. Houve nos últimos anos um avanço no campo legislativo que aprovou
leis que visam à redução das violências e violações contra as mulheres. Entretanto, com base
no Atlas da violência 201761
, publicado pelo IPEA, verifica-se que os dados registraram um
aumento de 7,3% entre 2005 e 2015 da taxa de homicídio de mulheres, ainda que se observe
61
O documento está disponível em: <http://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/download/2/2017> Acesso em 09 de
agosto de 2017.
125
uma redução gradual dessa taxa entre 2010 e 2015, de 1,5%. Os dados também revelam que
há uma diferença entre o grupo de mulheres negras e não negras, em que o primeiro grupo é
ainda mais atingido evidenciando uma combinação entre a desigualdade de gênero e o
racismo. Em 2015, por exemplo, 65,3% das mulheres mortas por agressão no Brasil eram
negras (IPEA, 2017).
Ante o exposto, não podemos negar ou silenciar em meio à violência praticada,
sendo necessário que seja dado o primeiro passo para o enfrentamento de tais situações, o
qual consiste no reconhecimento da existência das desigualdades e das diferenças que
ocasionam práticas de intolerância, discriminação e violência, inclusive com dados alarmantes
de morte.
A tendência à negação das diferenças para a conformação destas e a produção de
uma falsa homogeneidade entre os grupos e os indivíduos é comum nas práticas individuais e
também institucionalizadas, mas esse modelo não promove a ruptura com as exclusões e
discriminações envolvendo as minorias sociais e os grupos estigmatizados por grupos
dominantes, pois não questionam as relações de poder que originam as diferenças e que geram
as diversas desigualdades de ordem econômica, de gênero, de etnia e raça, de orientação
sexual, e outras. Nesse caso, há uma eficiência apenas para ocultá-las, mas não para
questioná-las e superá-las.
Ao perguntarmos, por exemplo, aos dois alunos do sexo masculino sobre a
identificação de práticas abusivas e discriminatórias contra mulheres na unidade de ensino de
Umirim ou em seus municípios de origem verificamos a dicotomia entre a presença do
pensamento patriarcal/conservador e o discurso da igualdade entre os gêneros:
Pra mim, particularmente, não existem tantas diferenças. Claro que existem
diferenças, mas pra mim essas diferenças são quase irrelevantes, porque
existem várias mulheres que possuem o pensamento bem fixo e elas
desenvolvem um trabalho espetacular, independente da área.
Às vezes desenvolvem um trabalho até melhor que alguns homens [...]
(A.C., Aluno, 2017).
O pequeno texto apresenta tanto o esforço em negar as diferenças entre homens e
mulheres, como em afirmar que elas (as mulheres) “às vezes desenvolvem um trabalho até
melhor que alguns homens”, denotando uma tendência natural da inferioridade do trabalho
feminino, mas que pelo mérito, aquelas que se determinam conseguem até superar alguns
homens. Além disso, observa-se uma preocupação na desmistificação sobre o perfil do curso,
126
que pauta a capacidade individual em detrimento das desigualdades de condições entre
homens e mulheres para acessarem e permanecerem no curso.
A Coordenadora de Assuntos Estudantis pontua a dificuldade de trabalhar a
temática de gênero na instituição com os (as) educadores (as), sendo estes (as), em sua
maioria, reprodutores (as) das repressões e discriminações sociais, ainda que, em alguns
casos, de forma velada. Em suas palavras, afirma: “nós temos um campus estritamente
conservador, a maioria dos servidores são conservadores [...] a questão de gênero é difícil de
ser trabalhada aqui, porque a gente não consegue apoio, principalmente, dos próprios docentes
[...]” (R.R., Coordenadora, 2017).
Diante da análise dos discursos nas entrevistas ratificamos a importância de
estratégias que atuem na perspectiva de disseminação da justiça, da equidade e da liberdade
como valores centrais que atinjam amplamente os sujeitos e a sociedade, promovendo uma
reformulação das práticas institucionais, onde os (as) agentes sejam convocados (as) a
refletirem sobre suas ações e agreguem elementos positivos para a promoção de uma
transformação sociocultural.
Portanto, entendemos que o papel da educação, em seu sentido mais amplo, é
central na consolidação das mudanças sociais, através da cultura, da arte, da formação cidadã
e política. Destacamos trechos das entrevistas com os (as) jovens que reforçam o argumento
de que a escola e os movimentos sociais, por exemplo, proporcionam mudanças na
consciência e no comportamento humano, favorecendo a ruptura com o preconceito e com os
estigmas socialmente reproduzidos. Vejamos:
Até mesmo em relação à escola, que a gente tem bastante esclarecimento na
escola [...] entendendo mais essa questão da diferença, o que tem de
diferente de um gênero para outro [...]. Eu fui entendendo, participando de
muitas conversas, até mesmo palestras que às vezes a gente participa. Aí, a
gente entende que o gênero não influencia tanto (A.C., Aluno, 2017).
Pra mim, hoje em dia, de tanto que eu participo de movimentos eu não
classifico a pessoa por ser homem ou ser mulher [...]. Pra mim, que eu já
participo muito, ainda é uma coisa até difícil de chegar. Eu consigo falar
numa boa porque eu já vejo muita gente falando, mas cada vez que eu
participo tem mais uma diversidade, mais uma infinidade de possibilidades
que eu não sei. Até falo: ‘é só isso não, é tudo isso’. Até a gente fica perdido,
porque ainda é um mundo novo pra ser trabalhada essa questão de gênero
realmente (N.F., Aluna, 2017).
Há, portanto, outros elementos que alteram a dinâmica social e cultural, o próprio
movimento da sociedade com seus acontecimentos históricos, políticos, econômicos, sociais
127
acabam por exercer uma influência no modo como as pessoas passam a conceber esse ou
aquele tema. Citamos o exemplo dado por uma das alunas entrevistadas que nos contou como
a mudança no cenário político, a partir da inserção de uma mulher na presidência da
república, gerou um sentimento positivo em muitas mulheres da sua localidade que passaram
a questionar o preconceito acerca das profissões ditas masculinas. Nas palavras da jovem: “eu
acho que foi tipo [...], presidência né? Entrou uma presidente mulher – ah, entrando uma
presidente mulher, porque não as mulheres fazer os trabalhos dos homens?” (D.D., Aluna,
2017).
A aluna disse que à época esse foi o grande motivador para que as mulheres da
sua família passassem a realizar a atividade no roçado, que até então era visto como uma
atividade exclusiva dos homens. Portanto, a dinamicidade da vida social precisa ser entendida
com base nos processos históricos, sociais, políticos, econômicos e culturais, uma vez que
agem como molas propulsoras para a transformação dos pensamentos, costumes e hábitos.
Ao falarmos de um processo educacional que compreenda a necessidade de
formação do indivíduo para além da esfera produtiva, admitimos a possibilidade de se criarem
condições para o questionamento das desigualdades que se expressam desde a inclusão e
exclusão das forças produtivas até a reprodução do ciclo de exclusão social e humana no
acesso aos bens sociais, culturais, educacionais, com notório destaque para as mulheres, os
(as) negros, os (as) índios (as) e a população LGBT62
, entre tantas outras minorias.
O preconceito de empregadores em empresas e fazendas, assim como dos
trabalhadores que atuam nesses lugares, embora velado, está presente e não podemos negá-lo,
pois o trabalho na área de agropecuária é arraigado pelo machismo e pelos estigmas sociais.
Na entrevista com o diretor da unidade do IFCE no município de Umirim ele afirma sobre a
preferência do mercado de trabalho para técnicos agrícolas do sexo masculino, o que ratifica
nossa argumentação. Para utilizar suas palavras: “sempre há preconceito, alguns
empregadores dizem que não há distinção entres homens e mulheres, mas a gente sempre nota
62
Destacamos que ao longo do texto serão adotadas outras variações da sigla LGBT para designar o segmento
não-heterossexual. Explicamos que as determinações das “letras” possuem fundamentos nas discussões dos
movimentos da população LGBT. Citamos como variações: GLB, LGB, LGBT, entre outras que não serão
trabalhadas nesse texto. O deslocamento da letra “L” para antes do “G” tem justificativa na defesa da
visibilidade lésbica, reivindicada por movimentos feministas de mulheres lésbicas. E o surgimento da letra “T”
buscou incluir os Transexuais, os Transgêneros e as Travestis, como forma de promover a diversidade das
culturas baseadas em identidades sexuais e de gênero. Os termos possuem outras variações, incluindo outros
segmentos. Além disso, sofrem alterações também de acordo com cada país. Entretanto, destacamos que nossa
referência, adotada desde os anos de 1990, é o termo LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais
e Transgêneros). Informações obtidas a partir do site <http://www.politize.com.br/lgbt-historia-movimento/>
Acesso em 23 de agosto de 2017.
128
que há uma dificuldade, não somente dos empregadores, mas às vezes dos próprios
empregados nas empresas, nas fazendas [...]” (A.I., Gestor, 2017).
Apesar das conquistas sociais femininas nas últimas décadas do século XX
precisamos demarcar que elas não se deram de modo uniforme para todas as mulheres, pois
existem outras variáveis que acirram as desigualdades de gênero, assim como limitam o
acesso às referidas conquistas sociais femininas. A condição social, a escolarização, a
etnia/raça, a relação urbano-rural, são variáveis que potencializam os processos de dominação
e exploração sobre a mulher, sendo oportuno discuti-las na perspectiva de uma formação ética
e crítica dos sujeitos, fomentada pela educação, através da compreensão analítica sobre a
estrutura da sociedade em suas relações sociais, políticas, econômicas e culturais.
É nesse sentido que defendemos uma formação que extrapole o conhecimento dos
conteúdos técnicos, que acolha a reflexão sobre a sociedade, que imprima possibilidades para
o enfrentamento das desigualdades expressas cotidianamente, quer seja na escola, na igreja,
na família, na comunidade, no mercado de trabalho, sendo esse o desafio daqueles e daquelas
que estão comprometidos com a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.
4.2 Juventude (s) e seus territórios
Avançando para outro elemento do perfil dos (as) estudantes participantes da
pesquisa de campo apresentamos a variável sobre a faixa etária, a qual caracteriza o segmento
juvenil de 18 a 24 anos de idade como predominante. Antes de estabelecermos um
comparativo entre as populações dos municípios de residência do público pesquisado, cabe
informar sobre a composição heterogênea dos territórios de origem dos (as) jovens em
questão.
Tabela 07: Grupo Etário/ Município
Município Hab. Grupo de 18-24 anos (%) Grupo de 18-29 anos (%)
Umirim 19.835 14% 21%
Itapajé 50.721 13% 21%
Itapipoca 121.569 13% 22%
Apuiarés 14.792 12% 19%
Tejuçuoca 17.740 14% 22%
Pentecoste 37.343 12% 20%
São Luís do Curu 13.066 13% 21% Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010
63.
63
As informações foram extraídas município por município através do site:
<http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/home.php> Acesso em 15 de julho de 2017.
129
Umirim pertence à região do Vale do Curu64
, o qual possui 12 municípios
componentes, a saber: Amontada, Apuiarés, General Sampaio, Irauçuba, Itapajé, Itapipoca,
Miraíma, Pentecoste, Tejuçuoca, Tururu, Umirim e Uruburetama. Desses municípios 07 estão
destacados como aqueles com maior incidência de matrículas em 2016.265
nas turmas de
Subsequente do Curso de Agropecuária: Umirim, 39% das matriculas; Itapajé, 21% das
matriculas; Itapipoca, 8% das matriculas, Apuiarés, 6% das matriculas, Tejuçuoca, 5% das
matriculas, Pentecoste e São Luís do Curu com 3% das matriculas, cada. Portanto, tomando
como base o grupo etário predominante em nossa pesquisa, de 18 a 24 anos, analisamos como
ele se expressa dentro dos contingentes populacionais das cidades destacadas.
Ainda na Tabela 07 é possível identificar uma proporcionalidade no que tange ao
número de pessoas inseridas no mesmo intervalo de idades, com um percentual aproximado
em cada um dos municípios analisados. Quando ampliamos a faixa etária até os 29 anos de
idade, percebemos relativo acréscimo do contingente, mantendo-se a proporcionalidade entre
os municípios. Para ampliar a caracterização dos grupos, a partir da compreensão das faixas
etárias nos períodos escolares, elaboramos o Quadro 01:
Quadro 01 – Definição das faixas etárias e escolaridade adequada
Faixa etária Ciclo escolar Escolaridade
04 e 05 anos Educação Infantil Pré escolar.
06 a 14 anos Ensino Fundamental Frequenta da 1ª à 9ª série do ensino fundamental.
15 a 17 anos Ensino Médio
O período mínimo para sua conclusão são três anos,
resguardados os casos previstos pela LDB (1996). Há
possibilidade de articulação com a educação profissional de
nível técnico.
Acima de 18 anos Educação superior ou
Outras modalidades de
Ensino
Educação Superior; Educação Profissional; Educação de
Jovens e Adultos; A idade ideal para conclusão da educação
básica é 18 anos.
Fonte: Elaboração própria (2017).
A descrição do ciclo escolar e da escolaridade adequada a cada faixa etária,
conforme o Quadro anterior serviu de referência para a identificação dos intervalos de idade
dentro dos territórios de origem dos (as) alunos (as) que compõem o Curso pesquisado no
campus Umirim/CE. Esses intervalos representam o perfil geracional desses municípios,
sendo fundamental para o recorte de políticas sociais e para a criação de ações públicas
direcionadas aos grupos etários de acordo com seus interesses e demandas.
64
IPECE. Perfil das regiões de planejamento Litoral Oeste/Vale do Curu – 2016. Disponível em:<
http://www2.ipece.ce.gov.br/estatistica/perfil_regional/2016/Regiao_LitoralOeste_Vale_Curu2016.pdf> Acesso
em 15 de julho de 2017. 65
Disponível em: < http://ifceemnumeros.ifce.edu.br/> Acesso em 14 de julho de 2017.
130
Ilustramos no Gráfico 02 os percentuais de participação das populações nos
intervalos de idade entre: 4 e 5 anos, 6 a 14 anos, 15 a 17 anos, 18 a 24 anos e de 18 a 29
anos, com base nas populações totais de cada território, de acordo com o Censo 2010, do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE.
De acordo com as referências de idade estabelecidas pelos anos escolares é
possível identificar, por exemplo, que nos municípios onde residem os (as) estudantes do
Curso de Agropecuária do campus Umirim há um contingente elevado de crianças e
adolescentes em fase escolar, com notório destaque para a faixa de 06 a 14 anos, como está
representado como segue:
Gráfico 02: Faixa etária por município de Origem
Fonte: Dados IBGE, Censo 2010
66.
Com base na imagem observamos valores similares para cada intervalo nas
populações dos sete municípios, o que nos sugere o mesmo perfil etário comparativamente.
Tomando como base os intervalos adotados, utilizamos para a classificação entre as faixas
etárias, apenas o grupo representado pelas idades de 18 a 29 anos, suprimindo o grupo de 18 a
24 anos, uma vez que na definição de políticas voltadas para a juventude a demarcação tem se
estendido até os 29 anos.
66
Elaboração própria, em 2017. Dados disponíveis em: <http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/home.php>
Acesso em 15 de julho de 2017.
131
Justificamos que, para efeito da representação gráfica, foi considerada a faixa de
18 a 24 anos, por ser esse o perfil dos (as) jovens participantes da pesquisa de campo que
envolve esse estudo, sendo importante destacar que o público predominantemente atendido
pela política de educação profissional desenvolvida pelo campus Umirim, na modalidade de
curso subsequente, possui um percentual relevante no conjunto das populações totais, com
percentual médio de 12% a 13%.
Portanto, as faixas etárias de maior representatividade e menor representatividade
nos municípios pesquisados, foram respectivamente, de 18 a 29 anos e de 4 e 5 anos. Os
dados revelam ainda um percentual significativo de crianças e adolescentes entre 6 e 14 anos,
seguido daqueles (as) entre 15 e 17 anos.
A delimitação etária se faz necessária tanto para fins de definição de política
pública, elaboração de legislações, assim como para a realização de pesquisas. No nosso caso,
o grupo etário de 18 a 24 anos caracteriza particularidades próprias de uma fase da vida que
precisa ser compreendida dentro de um processo permanente de construção social e histórica,
variando no tempo de uma cultura para outra, e até mesmo no interior de uma mesma
sociedade.
No Brasil, a adoção do recorte etário de 15 a 29 anos no âmbito das políticas
públicas é bastante recente, anteriormente tomava-se por “jovem” a população na faixa etária
entre 15 e 24 anos. A ampliação desta faixa para os 29 anos não é uma singularidade
brasileira, configurando-se, na verdade, numa tendência geral dos países que buscam instituir
políticas públicas de juventude. Se observarmos as cidades onde residem os (as) jovens
matriculados (as) no Curso de Agropecuária do campus Umirim é possível identificar que as
suas populações têm maior contingente no grupo de 18 a 29 anos, seguido do grupo de 6 a 14
anos, denotando dois perfis com demandas específicas no tocante às políticas sociais.
Camarano67
(2006), responsável pela organização da obra - Transição para a
vida adulta ou vida adulta em transição? - ajuda-nos a explicar as mudanças que
influenciaram a alteração na demarcação etária do grupo jovem no Brasil, onde se destacam a
maior expectativa de vida para a população em geral, e maior dificuldade desta geração em
ganhar autonomia em função das transformações no mundo do trabalho.
O estudo organizado pela autora explica que as transformações na esfera
produtiva e no mundo do trabalho são apenas parte dos aspectos levados em conta na reflexão
em torno da problemática da transição para a vida adulta na atualidade, apontando que a
67
Ana Amélia Camarano é pesquisadora da Diretoria de Estudos e Políticas Sociais (DISOC) do Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
132
emergência de novos padrões comportamentais no exercício da sexualidade, da nupcialidade e
na configuração dos arranjos familiares também tem sido considerada nas tentativas de
compreensão e explicação das mudanças nos marcos tradicionais da passagem da condição
jovem para a condição adulta.
A inserção na escola e no mercado de trabalho são eventos que informam sobre as
características das juventudes de acordo com variáveis de gênero, classe social, etnia, entre
outras que demarcam o lugar social desses sujeitos. Segundo os dados apresentados no estudo
de Camarano e Kanso (2012) sobre os (as) jovens que não estudam, não trabalham e que não
procuram trabalho, as autoras apontam que as mulheres notadamente são as mais afetadas
entre o subgrupo jovem que não estuda e não trabalha, sendo 23,2% o percentual feminino,
enquanto que entre os homens jovens esse percentual é de 11,2%, segundo dados do IBGE em
2010.
Apesar de ter sido verificado que entre os homens esse contingente aumentou em
1.107 mil pessoas e que entre as mulheres diminuiu em 398 mil, ainda é predominante a
desigualdade entre os dois sexos. Os fatores normalmente associados ao desempenho da
maternidade e do trabalho doméstico, tradicionalmente remetido à mulher, revelam um forte
componente de gênero que influencia diretamente a relação com a escola e com a vida
laboral.
Portanto, as discrepâncias entre os sujeitos variam de acordo com diversos
determinantes sociais, que nos colocam diante do desafio de observá-los, analisa-los e
descrevê-los, estabelecendo relações de interação entre os variados fenômenos e suas
consequências.
As demandas no campo das políticas de educação, cultura, esporte, lazer e
trabalho para a população jovem é comum em todo o território brasileiro, contudo, exige-se
maior atenção por parte do Estado para aqueles municípios com baixos índices de
desenvolvimento social e econômico, vítimas das discrepâncias regionais, urbanas e rurais, as
quais afetam fortemente a vida dos indivíduos, com o aprofundamento dos níveis de
desigualdade e violência, como é o caso de Umirim.
Ao constatarmos, por exemplo, o número de instituições de ensino médio,
superior e profissional nos municípios de residência dos (as) jovens circunscritos no objeto da
nossa pesquisa, denota-se a dificuldade daquela juventude na continuidade dos estudos, tanto
para o término da educação básica (conclusão do ensino médio) como para o acesso à
formação profissional de nível técnico ou o ingresso na educação superior.
133
Marcadamente, os dois campos de maior centralidade nas discussões que
envolvem esse segmento, educação e qualificação para o trabalho, apresentam um déficit no
que tange ao número de vagas das instituições de ensino, apesar do que aponta Andrade
(2010) sobre a política de ampliação de vagas na modalidade de ensino médio integrado à
educação profissional para o interior do Estado, cujo objetivo é o atendimento de uma
significativa parcela de jovens residentes nos municípios cearenses.
A oferta do Curso Técnico em Agropecuária, na modalidade Subsequente e,
articulado ao ensino médio, em uma instituição federal de ensino, garantiu aos (às)
adolescentes e aos (às) jovens de Umirim e das localidades circunvizinhas a ampliação de
oportunidade para a conclusão da educação básica e para a qualificação profissional, com
notório interesse dos (as) filhos (as) de produtores locais, pequenos (as) agricultores (as),
especialmente aqueles (as) voltados para a prática da agricultura familiar ou de autoconsumo,
como já mencionamos.
A inserção dos segmentos mais isolados, em comunidades mais afastadas, trouxe
ao campus Umirim um público marcado predominantemente por uma condição social
precária, com forte demanda por trabalho e renda, de baixo acesso a política de saúde e com
alto déficit de aprendizagem nos anos iniciais da educação básica, o que faz com que nos
deparemos com níveis acentuados de vulnerabilidade das famílias e dos (as) estudantes, onde
seus direitos básicos foram violados ou não garantidos de maneira plena.
As questões que se relacionam à dimensão socioeconômica de alunos (as) sem
condições para custear o deslocamento até a unidade de ensino, com dificuldade de moradia
na cidade para fins estudantis e de alimentação, tem sido o grande mote de atuação dos (as)
profissionais da assistência estudantil no campus Umirim. Nesse sentido, os Programas de
Auxílios, de Moradia Estudantil e o serviço de Restaurante Estudantil têm contribuído para a
inserção da população urbana e, principalmente rural, tanto da cidade de Umirim como dos
municípios vizinhos, nesta unidade do IFCE.
Com base nos dados divulgados pela Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios – PNAD (2015)68
sobre o rendimento da renda per capita69
dos (as) brasileiros
(as), a média foi de R$ 1.270,00 (mil duzentos e setenta reais). Considerando as desigualdades
regionais verifica-se no mesmo estudo que o rendimento médio da renda per capita nas
68
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios: síntese de indicadores, 2015 / IBGE, Coordenação de Trabalho
e Rendimento. Rio de Janeiro: IBGE. 2016. p.108. Disponível em:
<http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv98887.pdf> Acesso em 19 de julho de 2017. 69
Significa a divisão do rendimento mensal familiar pelo número de componentes da família.
134
Grandes Regiões foi de R$ 859,00 (oitocentos e cinquenta e nove reais) no Norte; de R$
796,00 (setecentos e noventa e seis reais) no Nordeste; de R$ 1.504,00 (mil e quinhentos e
quatro reais) no Sudeste; de R$ 1.513,00 (mil e quinhentos e treze reais) no Sul; e de R$
1.525,00 (mil quinhentos e vinte e cinco) no Centro-Oeste.
Em 2016 o Ceará registrou uma média de renda por pessoa no domicílio familiar
no valor de R$ 751,00 (setecentos e cinquenta e um reais), segundo a PNAD70
daquele ano.
Para fins de comparação, identificamos a maior e a menor renda per capita entre os (as) 26
alunos (as) respondentes ao questionário de pesquisa, obtendo-se respectivamente os valores
de R$ 700,00 (setecentos reais), e R$ 28,57 (vinte e oito reais e cinquenta e sete centavos)71
.
Esses dados evidenciam a pobreza das famílias dos (as) alunos (as) e denotam as
distorções entre os estados brasileiros, em que o Ceará desponta muito aquém das médias da
região nordeste e do Brasil.
Salientamos que não contabilizamos para efeito de cálculo da renda bruta os
benefícios assistenciais. Desse modo, podemos afirmar que são elevadas as assimetrias entre
as famílias do público pesquisado, apresentando um alto nível de vulnerabilidade
socioeconômica, como podemos verificar no Gráfico 03:
Gráfico 03: Renda per capita familiar
Fonte: Elaboração própria, 2017.
A maior parte dos (as) pesquisados (as) possui renda per capita de até R$234,25
(um quarto de salário), seguido daqueles (as) com per capita maior que ¼ do salário mínimo
70
Fonte: PNAD, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento, Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios Contínua 2016. Disponível em: <http://ibge.gov.br/estadosat/perfil.php?sigla=ce>
Acesso em 19 de julho de 2017. 71
Para efeitos de informação destacamos que foram considerados apenas os dados com base na renda monetária
do sistema capitalista. Portanto, não foram registradas as rendas indiretas, com a produção de alimentos na
atividade de agricultura, por exemplo, responsável pela reprodução familiar, assim como não foram informadas
as rendas esporádicas advindas de trabalhos temporários ou denominados comumente como “bicos”.
135
até meio salário (R$468,50). A renda mensal média entre o grupo chegou ao máximo de dois
salários (R$1.874,00), com registro de 35% das famílias com renda mensal menor que um
salário mínimo.
Se observarmos a informação sobre a composição da renda familiar desses (as)
jovens percebemos que a responsabilidade financeira pelas famílias ainda está centrada na
figura do pai e/ou da mãe, representando 69% das realidades pesquisadas, em que a principal
atividade exercida como geradora de renda é a agricultura. Dos (as) respondentes ao
questionário 65% informaram que suas famílias possuem inserção na agricultura e destes 17%
também exercem a atividade. Inferimos, desse modo, que o grupo participante desse estudo,
estabelece uma relação direta entre a prática da agricultura como principal atividade para
geração de renda na família.
Ainda sobre o componente socioeconômico temos uma forte adesão das famílias
dos (as) discentes aos programas da assistência social, tendo sido mencionado por 46% dos
(as) pesquisados (as), 12 de 26 jovens, o recebimento de benefícios socioassistenciais.
O Gráfico 04 informa que 71% daqueles (as) que participam de programas
assistenciais do governo recebem o benefício do Programa Bolsa Família, o qual é voltado
principalmente para as populações em situação de extrema pobreza. Os outros 29%
informaram receber outros benefícios assistenciais.
Gráfico 04: Benefício da Assistência Social
Fonte: Elaboração própria, 2017.
Desse modo, os dados ratificam o perfil de pobreza do público inserido na política
de educação profissional ofertada no campus Umirim - IFCE.
Refletindo sobre o fenômeno da desigualdade social que tem raízes no processo
de acumulação capitalista e possui sua base na desigualdade econômica, apontamos os dados
136
do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA, a partir das análises sobre os dados da
PNAD de 2014.
A nota técnica intitulada PNAD 2014 – Breves Análises72
, produzida pelo Diretor
da Diretoria de Estudos e Políticas Sociais - DISOC, André Calixtre, apresenta elementos para
justificar as mudanças sociais ocorridas no período marcado pelos governos petistas, entre os
ciclos de (2003-2010) e (2011-2014), atribuindo ao desenvolvimento observado nos últimos
anos a combinação do avanço da política social (tanto as universais quanto as focalizadas) e
das melhorias estruturais do mercado de trabalho, donde se aponta a redução do desemprego e
ganhos reais no salário mínimo.
Comparativamente, observou-se uma redução da taxa de pobreza extrema em
todas as linhas de corte utilizadas. Os dados da PNAD (2014) registraram, com relação à linha
de R$ 77,00 (setenta e sete reais) do programa bolsa família, que 2,48% da população estava
naquele período em situação de pobreza extrema, índice 63% menor que o do ano de 2004.
Entre os anos de 2013 e 2014 a redução foi de 29,8%, segundo a análise realizada pela
DISOC.
Portanto, o documento associa a redução do número de brasileiros (as) na linha de
pobreza extrema ao reajuste de 10% nos valores do Programa Bolsa Família, à ampliação do
acesso ao Benefício de Prestação Continuada e ao aumento do número de pessoas protegidas
pela previdência social, além da melhoria metodológica, pelo IBGE, para o registro das
rendas extremamente baixas no ano da pesquisa, 2014. Explica ainda o documento que a
trajetória de redução da pobreza extrema foi combinada com a redução da desigualdade da
renda, expresso pelo índice de Gini73
, de 0,515, que revelou a redução de 9,7% das
assimetrias relacionadas à renda no país, desde 2004, e pela elevação da renda domiciliar per
capita real de R$ 549,83 (quinhentos e quarenta e nove reais e oitenta e três centavos) em
2004 para R$ 861,23 (oitocentos e sessenta e um reais e vinte e três centavos) em 2014.
Apesar do notório avanço observado nos indicadores registrados até 2014, os
quais denotam o crescimento da renda do trabalho, a diminuição de suas desigualdades, o
aumento da escolaridade e das condições gerais de vida dos indivíduos, ainda há enorme
72
IPEA. Nota Técnica. PNAD 2014 – Breves Análises. Nº 22, Brasília, 2015. Disponível no site:
<http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/nota_tecnica/151230_nota_tecnica_pnad2014.pdf> Acesso
em 19 de julho de 2017. 73
É uma medida do grau de concentração de uma distribuição, cujo valor varia de zero (a perfeita igualdade) até
um (a desigualdade máxima). Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. IBGE, 2015. Disponível:
<http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv98887.pdf> Acesso em 19 de julho de 2017.
137
discrepância na efetivação da igualdade de condições entre negros (as) e brancos (as),
mulheres e homens, trabalhadores (as) rurais e urbanos, heterossexuais e homossexuais, entre
outros segmentos, que precisam ser questionadas e superadas.
A pauperização dos (as) estudantes que chegam ao campus Umirim é marcada
pela dificuldade de manutenção de muitos deles (as) no curso, especialmente aqueles (as) que
saíram de suas cidades e/ou localidades para estudarem naquela unidade do IFCE. Os laços de
solidariedade surgem em meio ao desejo comum da formação e pela identificação com as
realidades assemelhadas, com a observância de que alguns/mas já estabelecem laços de
parentesco ou de amizade fruto de uma convivência anterior nas comunidades de origem.
Entretanto, há aqueles (as) que são totalmente estranhos (as) e que as relações passam a se
estreitar muitas vezes para o espaço fora do ambiente institucional, uma vez que constituem,
em vários casos, moradias coletivas engendrando relações de afetos e cuidados entre eles,
como também de conflitos.
O público jovem é por natureza o segmento da sociedade que mais facilmente se
vincula tanto ao cometimento de atos de natureza violenta e discriminatória como são as
principais vítimas dessas mesmas ações. Essa constatação nos coloca diante do desafio de
planejar atividades, projetos, programas que sejam capazes de dialogar com aqueles (as) que
atuam violando direitos, como com aqueles (as) que sofrem essas violações, fato nem sempre
causados por outro (a) jovem.
Nessa mistura, estão presentes as diversidades, as quais se caracterizam como
desafio, mas também como potencialidade para o trabalho dos (as) profissionais da educação,
com ênfase para aqueles (as) que atuam no suporte direto aos (às) estudantes e aos (às)
professores (as), no exercício da reflexão sobre as diferenças e a produção das desigualdades
de gênero, sexual, étnico-raciais, entre outras.
A seguir, daremos continuidade ao percurso das desigualdades no Brasil
abordando aquelas com o viés étnico-racial.
4.3 Desigualdade étnico-racial em foco
Partindo para a variável que informa o perfil étnico-racial dos (as) estudantes no
campus Umirim, destacamos sua vinculação às contradições do sistema de produção
capitalista, e, portanto, ao processo histórico que apresenta avanços a partir de políticas de
ações afirmativas, com forte expressividade no campo da educação, voltadas diretamente para
o enfrentamento da discriminação e da desigualdade étnico-racial no Brasil.
138
Apesar de todos os avanços que ainda precisamos fazer a partir de uma discussão
política acerca das diferenças é fundamental considerar as transformações ocorridas na cena
pública brasileira a partir dos anos 2000, com a demanda pelo movimento social negro e a
implementação de ações afirmativas pelos governos e instituições públicas de Ensino
Superior, em que passou a se prever formas de acesso diferenciado para o ingresso de
estudantes negros (as) nas universidades.
A criação de organismos específicos no governo executivo federal, a partir do
primeiro mandato do governo Lula (2003-2006), para trabalhar políticas com o perfil de
atenção aos (às) negros (as), às mulheres, aos jovens, entre outros segmentos, destaca a
visibilidade pública no reconhecimento das diferenças entre os diversos grupos da sociedade e
das desigualdades que os envolvem, bem como a atenção dada por parte do Estado para estes
segmentos subalternizados.
A Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial - SEPPIR74
, a
Secretaria de Políticas para as Mulheres – SPM, a Secretaria Nacional de Juventude - SNJ,
são exemplos concretos da iniciativa do governo para construir uma agenda de políticas e
ações que respondessem às demandas colocadas pelos movimentos sociais em torno desses
grupos. Nesse sentido, podemos destacar também a ampliação dos espaços de participação
social, a partir do estabelecimento de Conselhos Setoriais e Gestores de Políticas Públicas,
além do elevado número de Conferências Setoriais realizadas sobre as temáticas diretamente
ligadas aos grupos mais vulnerabilizados dentro da vida social e pela política institucional
brasileira.
Partindo para uma particularização da questão étnico-racial no Brasil
discorreremos brevemente sobre o contexto histórico e político da construção de uma política
de reconhecimento voltada para essa temática.
O projeto de modernização conservadora iniciado pelo Governo de Getúlio
Vargas em 1930, estendendo-se até meados dos anos de 1980, fundamentou a constituição da
ideologia da democracia racial no Brasil, que com o advento do moderno Estado-nacional no
país conformou a pretensa ideia de união harmônica das “três raças” (indígenas, negros e
brancos).
74
SEPPIR e a SPM foram instituídas em 2003, primeiro ano do governo Lula e ganharam status de ministério no
segundo mandato deste presidente. A SNJ foi instituída em 2005 e foi vinculada à Secretaria-Geral da
Presidência da República, ministério responsável principalmente pelas relações entre governo e sociedade civil.
Disponível em: <www.balancodegoverno.presidencia.gov.br> Acesso em 24 de julho de 2017.
139
Guimarães (2002, p.110), entende que o mito da democracia racial, mesmo como
formação ideológica do racismo em nossa sociedade, foi também responsável pelo
“compromisso político e social do moderno Estado republicano brasileiro” na orientação da
ação estatal para uma integração subordinada da população negra. A cidadania dominante,
portanto, não só é uma forma de estratificação pelo mundo do trabalho através da ocupação,
como também pela origem étnico-racial ou pela forma como as pessoas são identificadas
socialmente por sua cor ou raça. Para esse autor a democracia racial é um “constructo
político-cultural”, não deixando de atuar como uma política de reconhecimento. Utilizando
suas palavras diz o autor que a democracia racial no país assume:
[...] um compromisso duplamente limitado: por um lado, incluía apenas os
trabalhadores das cidades, deixando de fora não apenas outros segmentos
populares urbanos, como, por exemplo, os empregados domésticos, mas
todos os trabalhadores do campo; por outro lado, era um pacto de poder
restringido pelo fato de não haver espaço para o reconhecimento de
formações étnico-raciais que pretendessem participar do sistema político
(GUIMARÃES, 2006, p.270).
A crítica à democracia racial como política de reconhecimento surge na
resistência do regime autoritário de 1964-1985, que passa a ser identificada pelos militantes
do movimento social negro como uma ideologia para encobrir o racismo existente na
sociedade brasileira. O nascimento do Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação
Racial – MNU, em 1978, guarda em seu discurso a relação de continuidade com as
organizações precedentes, como a Frente Negra Brasileira - FNB, da década de 1930, e o
Teatro Experimental do Negro - TEN, de fins dos anos de 1940 e início de 1950, mas
distingue-se em relação a estas organizações anteriores, por combinar, segundo Guimarães
(2002, p.160) “[...] três movimentos em um: a luta contra o preconceito racial; a luta pelos
direitos culturais da minoria afro-brasileira; a luta contra o modo como os negros (as) foram
definidos e incluídos na nacionalidade brasileira”, ou seja, se opõe ao compromisso político-
cultural que representa a democracia racial.
Em função da mobilização civil durante a Marcha Zumbi dos Palmares (1995)
contra o Racismo, pela Cidadania e a Vida, que contou com a participação de dezenas de
milhares de pessoas em homenagem ao tricentenário da morte de Zumbi dos Palmares (IPEA,
2003), o então presidente Fernando Henrique Cardoso, que recebeu um documento com
informações sobre a situação dos (as) negros (as) no país, criou o Grupo de Trabalho
Interministerial de Valorização da População Negra - GTI População Negra, ligado ao
140
Ministério da Justiça, através de decreto, em 1995. No ano seguinte, foi lançado o I Programa
Nacional dos Direitos Humanos – PNDH pela Secretaria da pasta, em que foi priorizada a
criação de ações para o acesso da população negra aos cursos profissionalizantes, às
universidades e às áreas tecnológicas, assim como políticas compensatórias de cunho social e
econômico, voltadas para esse público (MOEHLECKE, 2002).
Apesar do I PNDH, que propôs uma série de ações norteadas pelos princípios da
equidade e da reparação histórica, verificou-se que no campo legislativo, na década de 1990,
os projetos de lei com previsão de políticas reparatórias para a população negra foram
rejeitados sistematicamente, tendo aprovação apenas em 2001 de uma proposta com base na
política de ação afirmativa de recorte racial, que estabelece o sistema de cotas para a
ampliação dos (as) negros (as) nos diversos setores sociais (MOEHLECKE, 2002). A
continuidade da política desenvolvida durante o referido governo se deu no campo das
discussões por meio de Grupos de Trabalho com o direcionamento para a eliminação da
discriminação especialmente no campo do emprego. O marco do debate público acerca do
tema se deu na III Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a
Xenofobia e Intolerâncias Correlatas em Durban, na África do Sul, que resultou na criação do
Comitê Nacional para a preparação da participação brasileira no evento.
A discussão das desigualdades raciais na política de educação, assim como em
outras políticas públicas, foi mais fortemente incorporada a partir da segunda metade da
década de 1990 e mais ainda nos anos 2000, no decorrer do mandato de Luiz Inácio Lula da
Silva. Nesse sentido, discordamos da abordagem de Guimarães (2002) ao considerar a nova
política de reconhecimento das diferenças étnico-racial necessariamente vinculada a um
“multiculturalismo neoliberal” presente no “mercado internacional de ideias” associando-a ao
governo Lula.
O autor concebe como mera continuidade ou como aprofundamento do projeto
neoliberal o referido governo, desconsiderando a ampliação dos espaços para a participação
da sociedade nos assuntos públicos, inserida na concepção de um projeto político
democrático-participativo, em oposição à concepção de participação do projeto neoliberal,
como aborda Dagnino (2004) em seu artigo Sociedade civil, participação e cidadania: de
que estamos falando? Portanto, não podemos refletir de modo unilateral o governo Lula
(2003-2010), entendendo que embora não tenha representado uma ruptura com o modelo
neoliberal, ele se diferenciou em diversos aspectos das políticas adotadas pelos seus
antecessores, especialmente no que tange às questões associadas às minorias sociais.
141
Foram adotadas medidas em diversas áreas para reduzir as desigualdades étnico-
raciais no país, como, por exemplo, na educação, que possibilitou o acesso de estudantes
negros (as), indígenas, quilombolas, bem como aqueles (as) advindos das camadas sociais
mais pobres à educação superior.
De acordo com Carvalho e Barbosa (2010) as medidas como o Fundo de
Financiamento ao Estudante do Ensino Superior - FIES e o Programa Universidade para
Todos - PROUNI, bem como o Programa de Apoio aos Planos de Reestruturação e Expansão
das Universidades Federais - REUNI, foram desenvolvidas para reverter o quadro de
ociosidade das vagas geradas com a expansão do ensino superior da rede privada
implementada no governo FHC, no período de 1995 a 2002, que não conseguiu êxito na
inclusão de novos estudantes devido à dificuldade da população de baixa renda de arcar com
os custos das mensalidades.
A solução do governo Lula para a ocupação das vagas criadas no governo
anterior, portanto, foi de possibilitar aos (às) alunos (as) de baixa renda financiar ou isentar-se
de mensalidade, via FIES e PROUNI, viabilizando sua incorporação ao ensino privado, ao
passo que também aumentou a oferta de vagas nas universidades federais, a partir da
construção e ampliação de novas unidades e campi. Não negamos, porém, que os interesses
do empresariado do setor educacional foram garantidos, rendendo lucros mediante
investimento público.
Em paralelo, o governo federal criou incentivos para as universidades públicas
aderirem a programas de promoção de igualdade de oportunidades. De acordo com o MEC
(2007), uma das diretrizes do REUNI é que as universidades contempladas desenvolvam
“mecanismos de inclusão social para garantir igualdade de oportunidades de acesso e
permanência na universidade pública a todos os cidadãos”.
Utilizamos aqui o conceito apresentado por Gomes (2001) para explicar o que se
quer dizer com ações afirmativas:
[...] concebidas pioneiramente pelo Direito dos Estados Unidos da América,
as ações afirmativas consistem em políticas públicas (e também privadas)
voltadas à concretização do princípio constitucional de igualdade material e
à neutralização dos efeitos da discriminação racial, de gênero, de idade, de
origem nacional e de compleição física. Impostas ou sugeridas pelo Estado,
por seus entes vinculados e até mesmo por entidades puramente privadas,
elas visam a combater não somente as manifestações flagrantes de
discriminação, mas também a discriminação de fundo cultural, estrutural,
enraizada na sociedade.
142
Durante o período de 2003 a 2011 três leis foram discutidas no Congresso, em que
destacamos a Lei Federal nº 12.288, de 20 de julho de 2010, conhecida como Estatuto da
Igualdade Racial, que oficialmente reconheceu o Brasil como um país multirracial e
multiétnico no qual as pessoas de descendência africana estiveram sujeitas à discriminação
racial.
O Estatuto previu ações afirmativas de corte étnico-racial em diversas áreas, como
educação, cultura, esporte e lazer, saúde, trabalho, segurança, moradia, financiamentos
públicos, acesso a terra, à justiça e a outros. Ele criou um Sistema Nacional de Promoção da
Igualdade Racial – SINAPIR voltado à implementação do conjunto de políticas e serviços
destinados a superar as desigualdades raciais existentes no país e estabeleceu que as escolas
de todos os níveis, da rede pública e privada, incluíssem a história e a cultura dos afro-
brasileiros em seus currículos, além disso, proibiu a discriminação racial (BRASIL, 2010a).
Todavia, programas de ação afirmativa em universidades públicas foram deixados de fora da
lei durante as negociações, naquele governo, fato que não impediu que as instituições
continuassem elaborando os seus próprios programas.
Na administração de Dilma Rousseff, já no início do seu primeiro mandato (2011-
2014), houve uma rápida mudança acerca de tais ações no país, causados principalmente por
dois eventos: a declaração da constitucionalidade das cotas e do PROUNI pelo Supremo
Tribunal Federal, e a aprovação da lei que tornava obrigatória a adoção da ação afirmativa nas
universidades federais. Em agosto de 2012 a então presidente Dilma sancionou a Lei Federal
nº 12.711/2012, conhecida como “Lei das Cotas”, que passou a instituir a reserva de 50% das
vagas das universidades federais, com percentuais para negros (as) e indígenas na proporção
da população de cada estado.
Verifica-se, portanto, o prosseguimento das políticas instituídas anteriormente,
com avanço no campo legislativo, como se observa com a aprovação em maio de 2014 da lei
que reserva 20% das vagas em concursos públicos da administração federal para candidatos
(as) que se declararem negros (as) ou pardos (as). Os prazos para a aplicabilidade da política
de cotas é de dez anos, não se estendendo aos editais publicados antes da vigência da lei.
Os discursos daqueles (as) que discordam das ações afirmativas argumentam que
elas ferem o princípio jurídico de isonomia que tem como base o tratamento igual a todos os
civis. Entretanto, as ações afirmativas tendem a revelar o caráter ideológico da isonomia que
despreza as diferenças como forma de reforçar e garantir a manutenção das estruturas de
poder e distinção social. Assim, apontamos como um dos efeitos das políticas afirmativas nas
143
desigualdades e relações sociais o fato de que estas são políticas de democratização, pois na
democracia a política consiste na criação daquilo a que, necessariamente, todos devem ter
acesso.
A partir das considerações já traçadas, que nos permitiu uma síntese sobre o
processo de discussão da questão étnico-racial no Brasil, discorreremos a seguir sobre os
dados coletados na pesquisa de campo e sobre os elementos teóricos que norteiam a
compreensão das análises.
Na Tabela 06, página 110, anteriormente apresentada, os dados sobre a
participação dos grupos étnicos na composição dos (as) jovens pesquisados (as) informam que
a grande maioria não é branca. O IBGE caracteriza como população negra aqueles (as) que se
declaram como pretos (as) e pardos (as), dessa forma utilizamos a mesma referência para os
dados da nossa pesquisa. Entre os (as) 26 alunos (as) pesquisados (as) 73% estão definidos
(as) como pardos (as); 15% como brancos (as) e que apenas 8% se declararam como pretos
(as), referindo-se à apenas duas pessoas. Estudante indígena participante da pesquisa foi
apenas um, representando 4% do grupo.
Ampliando o recorte para todas as turmas do Curso Técnico de Agropecuária,
temos que 50,31% se consideram pardos (as)75
, 3,14% pretos (as), 5,03% brancos (as) e
41,5% não informaram ou não souberam declarar. Não há registros também da população
indígena, o que sugere uma subnotificação das informações, uma vez que temos
conhecimento de pelo menos três estudantes, do sexo masculino, oriundos de comunidades
indígenas. Os percentuais elevados para os itens não informado e não declararam chamam
atenção alertando sobre dois aspectos: o primeiro para a falta de importância dada ao
tratamento da informação, tanto por quem é responsável por registrá-la no sistema (sendo
possível a sua não alimentação) como por quem é responsável por conferir os dados no ato da
matrícula, assim como pelos (as) próprios (as) alunos(as) que deixam de prestar a informação;
o segundo diz respeito à dificuldade de alguns (mas) jovens no reconhecimento e
compreensão sobre a sua origem étnica, tendo sido registrados 09 casos de etnia não
declarada, o que sugere a possibilidade de outros casos entre aqueles (as) onde não consta
informação, pois não é possível saber o motivo pelo qual o dado não foi informado no
sistema.
75
A raça/cor “parda” presente nas formas de recenseamento da população é criticada pelo movimento negro sob
o argumento de que ela surgiu como expressão ideológica da política de democracia racial, gerando um processo
de branqueamento da população, alterando as percepções dos sujeitos sobre si. Fonte:
<https://www.geledes.org.br/cor-e-raca-nos-censos-demograficos-nacionais/> Acesso em 02 de outubro de 2017.
144
Observa-se, portanto, que os dados sobre o público geral, 159 estudantes, refletem
a mesma realidade dos (as) 26 pesquisados (as), em que a maioria se define como pardo (a),
seguido da etnia/raça branca e depois da etnia/raça preta, embora tenha havido apenas dois
registros para essa etnia/raça.
Na realização das entrevistas tanto com os (as) gestores (as), como com os (as)
alunos (as), verificou-se que as discriminações e exclusões, a partir da questão étnico-racial,
são mais veladas se comparada à questão de gênero e de orientação sexual. Entretanto, estão
igualmente presentes no cotidiano da instituição, bem como nas relações de poder e de
hierarquia que se expressam nas desigualdades entre brancos (as) e negros (as); professor (a) e
aluno (a); empregador (a) e empregado (a), homem e mulher, heterossexual e homossexual,
pessoa sem deficiência e pessoa com deficiência, etc.
Capturamos em alguns trechos das entrevistas a materialização direta do
preconceito pela diferença racial e étnica, contra negros (as) e os estudantes indígenas. Uma
das alunas descreveu que já foi vítima do preconceito relacionado à questão racial: “Ah,
algumas vezes eu sofri preconceito aqui, do meu cabelo [...]. Eu tava na sala e chegou um
colega que estudava comigo, aí começou a me chamar de feia, de cabelo duro, cabelo de
negro. Eu fiquei triste, né” (D.D., Aluna, 2017).
Já outro aluno falou sobre a discriminação étnica com relação aos alunos de
origem indígena:
Eu percebo que às vezes existe, né, às vezes existe. Mas [...] no sentido de
não aceitação [...], uma determinada pessoa não gostar de se enturmar ‘ah,
mas ele é índio, né, não sei da onde [...]’ isso não é frequente que eu esteja
vendo todo dia. Mas existir existe, né? (A.C., Aluno, 2017).
As falas denotam a difusão do preconceito e da discriminação na instituição, que
ocorre nem sempre de forma direta, mas que produz segregações, exclusões e rejeições, com
significações simbólicas que interferem na autoestima, no modo de socialização dos
indivíduos e na própria construção da identidade étnica.
Nas entrevistas realizadas com os (as) gestores (as) foi possível analisar duas
questões centrais no tocante à discussão sobre essa temática. A primeira é que há uma
tendência de homogeneização das diferenças, negando assim a ocorrência de desigualdades e,
por conseguinte, de conflitos, argumentando-se a miscigenação étnica como uniformização
cultural, em que parece haver um deslocamento da questão racial sobre a questão cultural; o
segundo é que as representações sociais sobre o negro (a) e o índio (a) atribuem conexões
145
estigmatizantes sobre esses dois segmentos. Por exemplo, a cor da pele (preto) com a classe
social (pobre) e, por consequência, à prática de delitos; e da etnia indígena com a ideia de
“não civilização”, estabelecendo um lugar de inferioridade etnocêntrica. Essas representações
foram percebidas a partir das análises das entrevistas.
Um dos gestores do campus Umirim/CE, ao falar sobre como os (as) alunos (as)
lidam com as diferenças na convivência diária, apontou que aqueles (as) que se sentem parte
de uma minoria tendem a um processo de autoexclusão, de não procurar ajuda, “eles tendem
mais uma vez a se isolar, já são isolados na sociedade, muitas vezes são isolados na própria
casa, quando não é aceito por determinados quesitos e na escola acaba sendo um reflexo
porque a escola é um microcosmo da sociedade” (A.I., Gestor, 2017).
Enfatizamos a necessidade do cuidado para que não se inverta para esses grupos a
responsabilidade pelo isolamento social, uma vez que essa realidade já configura como
consequência do processo de discriminação e exclusão a que são submetidos (as) negros (as),
índios (as), os (as) homossexuais, as mulheres, e outros segmentos, pois do ponto de vista
sociológico esses grupos são considerados minorias por estarem em desvantagens sociais se
comparados com a população majoritária.
As diferenças étnicas e raciais comumente associam-se às desigualdades em
relação à riqueza e ao poder e dessa forma reproduz rótulos e preconceitos em todos os
espaços da vida em sociedade. Além disso, as culturas vêm ao longo do processo de
globalização da produção e das nações sofrendo alterações que modificam as identidades
culturais, influenciando-as diretamente, através da disseminação consumista dos meios de
comunicação em massa, o nosso modo de comer, vestir, assistir, ouvir, usar, comprar,
aprofundando a segmentação social.
Retomando as questões centrais identificadas nas entrevistas com os (as) gestores
(as) a despeito da temática, destacamos primeiro a tendência à homogeneização das
diferenças, com notória sobreposição da questão racial sobre a questão cultural, em que a
miscigenação parece promover a uniformização das culturas e das diferenças, conforme
expressa o trecho a seguir:
É a gente não tem sentido muito entrave, até mesmo porque no Ceará e essa
região norte do Ceará é uma região composta por muita comunidade
indígena. A população negra é muito mesclada, a gente nota pelos traços
fisionômicos é muito indígena, tem algumas comunidades quilombolas,
então há também bastante negros. Não são mais os autênticos, mas a
afrodescendência ainda é muito forte aqui nessa região norte do Ceará.
Então, assim, não há uma discriminação porque a maioria na verdade é essa
146
população que hoje ela é mesclada, o pardo. Então hoje a maioria da
população é parda, então não tem nem como discriminar já que a
maioria está dentro dessa realidade (A.I., Gestor, 2017, grifo nosso).
Identificamos no discurso analisado a tendência à ocultação da diferença, em que
se tem uma ideia de homogeneização da população e, portanto, da ausência de conflitos. Há
presente na fala descrita uma noção do senso comum que classifica o outro a partir dos
parâmetros da sua própria identidade. O gestor sugeriu uma ideia de que índio (a) é tudo igual
e negro (a) também, mesmo aqueles (as) que não possuem as características “autênticas”,
segundo os seus parâmetros, pois raça e etnia os definem, sobrepondo-se às culturas e às
identidades. E complementa seu entendimento a partir da existência de uma identidade
comum a todos, o (a) pardo (a), conformando o discurso de igualdade e de não diferença.
Sobre o segundo aspecto que remete à representação social associada ao (à) negro
(a) e ao (à) índio (a) destacam-se dois trechos das entrevistas que podem corroborar com essa
análise:
Nós tivemos um caso de furto aqui e aí o menino foi pegue e já era um
menino bem mais moreno e acredito que até por conta disso, pelo estado de
pobreza dele, a questão da cor, houve medidas muito exageradas para o
tamanho da proporção do que aconteceu [...]. Então assim, essa questão
racial, como todo o Brasil, ela é velada, mas ela é insistente, ela está aí todos
os dias, silenciosamente muitas vezes, mas muito clara pra quem sofre esse
tipo de abuso (R.R., Coordenadora, 2017).
[...] acho que pra muita gente para ele ser índio ele deveria vir nu, pintado.
Não poderia usar uma roupa normal, não poderia usar um celular, ou seja, a
pessoa tem que andar só dentro daquilo que a outra pessoa acha que é
característico daquela etnia ou daquele gênero ou da questão da escolha da
sua sexualidade (R.R., Coordenadora, 2017).
Para analisar as representações sociais sobre os grupos, é preciso entender como
se dá o processo de produção da identidade e da diferença, para isso partimos do conceito de
Woodward76
(2014, p. 19) sobre as representações, em que diz que “todas as práticas de
significação que produzem significados envolvem relações de poder, incluindo o poder para
definir quem é incluído e quem é excluído”. A autora fala que a representação é um
mecanismo simbólico de classificação do mundo e de nossas relações dentro desse mundo,
em que o outro é apenas uma representação que faço dele, mas que ao mesmo tempo o eu
76
Texto traduzido por Tomaz Tadeu da Silva do original “Concepts of identity and difference” de Kathryn
Woodward, extraído do livro Identity and difference, em 1997, organizado pela própria autora. O texto está na
obra SILVA, Tomaz Tadeu da. Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais/Tomaz Tadeu da
Silva (org.). STUART, Hall, WOODWARD, Kathryn. 15. ed. – Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.
147
encontra-se representado pelo outro. Nesse sentido, afirma que a identidade é marcada pela
diferença, pois para afirmar uma identidade é preciso negar as demais, reconhecendo,
portanto, o que as diferencia. Parece contraditório, portanto, que tentemos negar essas
diferenças, mas qual seria então à importância em reconhecê-las e questioná-las?
A centralidade aqui, para responder a importância de reconhecermos e
questionarmos as diferenças, está em assumirmos uma assistência estudantil integrada a uma
prática pedagógica que promova a discussão sobre as relações de poder que subordinam as
identidades não dominantes, a fim de que os sujeitos reflitam sobre suas condições e
construam seus processos identitários de forma autônoma e emancipatória.
Os trechos anteriores podem servir como exemplo para revelar como as
representações criam seus sistemas simbólicos que produzem significações dentro de um
campo antagônico de forças, onde prevalecem as conclusões de um grupo sobre o outro.
Nas palavras da autora “a representação inclui as práticas de significação e os
sistemas simbólicos por meio dos quais os significados são produzidos, posicionando-nos
como sujeito. É por meio dos significados produzidos pelas representações que damos sentido
à nossa experiência e àquilo que somos”. Complementa ainda dizendo que nós somos
posicionados e impelidos a nos posicionar de formas diferentes em cada contexto ou “campos
sociais77
”, citando Bourdieu. Exercemos, portanto, graus variados de escolha e autonomia em
cada uma dessas instituições ou “campos sociais”, mas cada um possui um contexto material e
um conjunto de recursos simbólicos (WOODWARD, 2014, p.30).
Nesse sentido, concordamos com concepção de identidades colocada por Hall78
(2014, p.108) que afirma que “identidades não são nunca unificadas; que elas são na
modernidade tardia cada vez mais fragmentada e fraturada; que elas não são nunca singulares,
mas multiplamente construídas”. Esse entendimento confronta a visão de identidade como
algo estático e relativamente “estabelecido” para as populações e as culturas.
Os estudos na área da psicanálise contribuíram para a formulação de que as
perspectivas subjetivas do sujeito e de seu inconsciente, a formação do sujeito, incluem vários
significados contraditórios e que se antagonizam, tornando a identidade algo fragmentado.
77
Woodward utiliza o conceito de Bourdieu para se referir a “campos sociais” em que o “campo” é um espaço
simbólico que possui relações objetivas históricas e atuais no qual ocorre o posicionamento e disputas entre os
agentes por meio dos diferentes tipos de capital. 78
Texto traduzido do original “Who needs ‘identity’?”, de Stuart Hall, extraído do livro Questions of identity,
organizado por Stuart Hall e Paul du Gay, 1996. O texto utilizado como referência para esse estudo foi
consultado na obra Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais, sendo uma tradução de
Tomaz Tadeu da Silva em 2014.
148
Não temos, então, uma identidade fixa e, por isso mesmo, o autor nos sugere para melhor
compreensão deste processo, o uso do termo identificação.
Vale salientar que as identidades em algum momento possam se encontrar em
pontos comuns, uma vez que a identidade interage constantemente com o meio conferindo-lhe
a capacidade de variáveis articulações, contudo, as diferenças entre os grupos tratarão de não
tornar duradouros esses encontros. Se tomarmos como exemplo os alunos e as alunas do
Curso Técnico em Agropecuária do campus Umirim, certamente teremos aspectos comuns
sobre o ensino, sobre as dificuldades do corpo docente, sobre a própria área de formação,
entre outros aspectos. No entanto, as diferenças étnicas e raciais, de gênero, sexuais, e outras,
irão se manifestar e fragmentá-los (as) de acordo com suas identificações. Os (as) estudantes
indígenas irão se identificar com causas comuns da sua turma, mas certamente apresentarão
questões específicas em relação ao grupo majoritário o qual é composto por “não indígenas”.
Na seção seguinte explicitaremos sobre as desigualdades e violências decorrentes
da diferença sexual, que encontra na cultura patriarcal e nas relações de gênero, variadas
formas de estigmatização e exclusão social, tornando necessário o direcionamento de politicas
públicas para a superação das assimetrias causadoras da marginalização histórica desse
segmento.
4.4 Diversidade Sexual: identidades construídas
A ampliação do acesso à Política de Educação por meio da criação de instituições
de ensino técnico-profissional e superior por todo o país, democratizando a oferta de vagas
por meio de políticas e programas sociais de estímulo à inclusão e à permanência do público
inserido, oportunizou que as populações das cidades do interior e de suas áreas de zona rural
dessem continuidade aos seus estudos, criando-se a expectativa por trabalho e renda. Essa
inserção resultou na visibilidade de demandas históricas que atravessam a formação
sociocultural do território brasileiro e que sugerem a criação de estratégias cautelosas para
lidar, por exemplo, com situações de “machismo”, homofobia, misoginia, racismo, que
reverberam no espaço acadêmico como expressão dos conflitos vivenciados nas relações
sociais, em que na maioria das vezes estão naturalizados e perpetuados entre gerações.
Consideramos, aqui, essencial a caracterização dos sujeitos pesquisados durante a
investigação de campo, a fim de oferecer dados sobre seus perfis, nos aproximando de
reflexões cabíveis quanto à temática. Relembramos que nosso universo de amostragem foi de
149
26 estudantes do Curso Técnico em Agropecuária, na modalidade Subsequente, os (as) quais
ofereceram informações no que tange à suas sexualidades.
Apontamos anteriormente que 61% dos (as) pesquisados (as) nessa amostra são
do sexo masculino, onde a maioria tem o estado civil de solteiro, tendo sido apenas três
identificados como casados ou com união estável. Ao perguntarmos sobre a sexualidade do
grupo, obtivemos que 81% se denominam como heterossexuais, considerando tanto os
homens como as mulheres, e apenas uma pessoa do grupo, do sexo masculino, se identificou
como bissexual.
Sabemos que o componente da sexualidade é de natureza íntima, portanto, não
temos a pretensão de fazer dele um dado estatístico, mas de apenas apontar para duas
questões: uma que se refere a possível predominância da sexualidade hétero entre o grupo em
estudo, e a segunda que se refere à percepção dos sujeitos sobre a sua própria sexualidade,
assim como, ela é manifestada, ou não. Dizemos isso por observarmos que quatro dos (as)
estudantes respondentes ao questionário disseram não saber informar se eram homossexuais,
heterossexuais, bissexuais, transexuais ou travestis. Cabe esclarecer que a pergunta não
objetivou a rotulação ou a invasão da privacidade dos indivíduos, para isso, evitamos a
identificação dos (as) mesmos (as) nas fichas/formulários de resposta. Pretendeu-se, apenas,
captar como se estabelece a identidade sexual daquele grupo.
Não podemos apontar categoricamente o que revela o fato de quatro alunos (as)
não saberem identificar a sua sexualidade, pois são múltiplas as respostas que poderíamos
chegar, mas acreditamos que a dimensão da identidade sexual é apenas um dentre outros
temas que precisam ser abordados dentro do ambiente educacional. A quantificação de alunos
(as) homossexuais não deve ser a preocupação dos (as) profissionais que atuam na escola, e
por isso, entendemos que a abertura de espaços democráticos para o debate sobre as demandas
históricas dos movimentos sociais, tanto ligados ao segmento LGBT, como de outras
organizações e associações de iniciativa popular, juntamente com as respostas alcançadas,
através de políticas públicas estabelecidas pelo Estado, precisam ser amplamente difundidas e
coletivizadas, independente da orientação ou identidade sexual, da etnia, do gênero, da classe
social, uma vez que estamos tratando de assuntos que devem interessar a todos os setores da
sociedade e todos os seus segmentos, haja vista, estarmos tratando de cidadania, de direitos e
de justiça social.
A aproximação com os desafios enfrentados por jovens homossexuais,
especificamente, do sexo masculino, no Curso Técnico em Agropecuária, durante o período
150
de minha atuação profissional no campus Umirim, permitiu reconhecer a Política de Educação
e de Assistência Estudantil como uma alternativa para aqueles sujeitos. Enquanto profissional,
nossa atuação tem sido a de promover essa discussão no âmbito institucional, fazer
intervenções junto ao ambiente familiar e dar orientações sobre mecanismos de acesso à
justiça, quando necessário, bem como oferecer suporte psicossocial necessário em cada caso.
Entretanto, a visibilidade da temática, a compreensão de aspectos subjetivos dos sujeitos e o
debate sobre as Políticas Públicas pensadas para o segmento juvenil e para os segmentos mais
vulneráveis, tornam-se indispensáveis à construção de novas ações profissionais, à execução
de políticas sociais no âmbito da educação e à mudança no posicionamento dos sujeitos sobre
o tema.
Concordamos com Butler (2003) ao dizer que o gênero resulta de práticas
culturais e processos de subjetivação, que se produzem a partir do ato de repetição de normas
sociais rígidas, reforçados tanto no público quanto no privado, apresentando-as como reais,
naturais, binárias e hierarquizadas, sendo estas produtoras de “violência sobre os corpos,
além, de realizar, estabelecer, criar e recriar, e, eventualmente, subverter essas relações de
poder”.
Diante dessa compreensão admitimos o papel da educação na construção de
processos identitários e culturais que se posicionem contrários às formas estabelecidas de
poder, que questionem às estruturas hierarquizadas e naturalizadas dos padrões dominantes.
Para isso, não podemos nos abster da problematização entre o público e o privado, tendo sido
esta relação fortemente definidora de lugares e papeis sociais durante o processo de formação
do Estado Brasileiro, expressando práticas patriarcais, colonialistas e exploratórias que
influenciaram a vida e os costumes do povo brasileiro, e manifesta-se até os dias atuais,
expressando um modelo de sociedade extremamente patriarcal e patrimonial, que reproduz
um sistema hierárquico de dominação e incorpora as dimensões da sexualidade
heteronormativa (AGUIAR, 2000).
A normatização dos modelos reproduzidos pelos grupos hegemônicos da
sociedade acabou por “moldar” os sujeitos, negando as suas subjetividades e suas vivências,
tidas como desviantes pelo modelo dominante. A escola, como instituição reguladora, tornou-
se e torna-se repetidas vezes um espaço de reprodução das normas de uma conduta moral
adequada e dentro da “normalidade” preestabelecida, negando a expressão da diversidade.
Neste contexto são exercidas diversas formas de violências, por diversos agentes, não estando
a escola, livre da condição de agressora ou espaço da agressão.
151
Situando a discussão sobre as sexualidades na territorialidade rural, apontamos
para a transformação desse espaço a partir da década de 1990, onde a terra perdeu sua
centralidade em detrimento das ocupações rurais não agrícolas, o que acabou por conferir
maior visibilidade das relações homoafetivas, uma vez que a tríade “terra, família e trabalho”
perdeu força no contexto da nova organização do espaço rural (BARDUNI FILHO, 2010).
Favareto (2007), quando apresenta o seu estudo sobre o surgimento das cidades, e
de sua relação com o campo, defende que se perde a dicotomia entre eles, pois, com a
modernização das relações de trabalho, a partir da Revolução Industrial, acontece o fim de um
tipo apenas rural, anterior a este momento histórico.
Essa construção simbólica sobre os papéis sociais masculinos e femininos também
está presente no meio rural, tal como a maternidade é tida dentro da cultura camponesa como
um papel do feminino, a lida no campo é vista apenas como “ajuda” pelos homens,
caracterizando a divisão social e de gênero do trabalho no campo. É importante ressaltar que
os Movimentos de Mulheres Camponesas – MMC e de Mulheres Trabalhadoras Rurais -
MMTR têm lutado para afirmarem seus papéis econômicos, políticos, além do
reconhecimento por novas configurações de conjugalidades e sexualidades.
O tema diversidade sexual agrupa duas questões centrais, sexo e gênero, onde as
relações de gênero imprimem aos homossexuais maior controle sobre a sua sexualidade,
caracterizando o seu comportamento como desviante, recaindo sobre sua vivência todo o
preconceito da cultura heteronormativa e patriarcal, que coloca sobre o homem a obrigação da
virilidade, da masculinidade expressa na força, e na repressão dos seus sentimentos, não
sendo possível a demonstração dos seus afetos. Articulam-se ainda ao tema os conceitos sobre
identidade de gênero, sexualidade e orientação sexual, visto que trazem compreensões sobre
aspectos biopsicossociais da formação de uma pessoa. Conhecer esses conceitos e publicizar a
discussão sobre o assunto é fundamental para a construção de novas concepções e
desmistificação de padrões naturalizados e incorporados socialmente.
Vale lembrar o que Butler (1998) aponta sobre gênero e sexo, diferenciando-os
pela sua natureza, em que atribui ao primeiro uma construção cultural e ao segundo a
definição biológica natural. Portanto, homens e mulheres podem ser diferentes
biologicamente, mas socialmente devem ter os mesmos direitos e deveres, sendo o processo
histórico e cultural de uma sociedade que se encarregará de oferecer as mesmas oportunidades
e possibilidades para ambos, ou não. Assim, Butler (1998, p. 26) afirma que, “[...] não a
biologia, mas a cultura se torna o destino”.
152
Sobre identidade de gênero podemos dizer que se trata da forma como o indivíduo
se identifica, se percebe, tanto para si como para os que o rodeiam. Refere-se à uma
identificação do indivíduo na sociedade, tanto com base no papel social do gênero como no
sentimento de identidade da pessoa, podendo se reconhecer com o gênero "masculino" ou
"feminino", ou ambos. Esses conceitos são facilmente confundidos, quando se fala em gênero,
por exemplo, é comum que as pessoas já associem à sexualidade. Da mesma forma
observamos a dificuldade no entendimento sobre identidade de gênero e orientação sexual. As
duas classificações são independentes, um homem transgênero (mulher que se identifica com
o gênero masculino), por exemplo, pode ser homossexual (caso sinta atração por homens) ou
heterossexual (caso sinta atração por mulheres), diferente do que muitos pensam.
A seguir destacamos um caso narrado pelo Gestor do campus Umirim/CE sobre
uma aluna transexual na referida unidade. O discurso denota a dificuldade no direcionamento
das ações que precisam ser endossadas no ambiente da escola, onde intervenções específicas
são feitas para o controle de conflitos, sem que haja um plano institucional para privilegiar
espaços de discussão com envolvimento de toda a comunidade acadêmica que assegure, por
exemplo, esse tema como pauta. Optamos por transcrever o fragmento do texto na íntegra,
conforme segue, destacando os trechos que consideramos relevantes:
Nós já tivemos aqui no campus uma aluna biologicamente homem, mas
que se identificava como mulher e que se veste como mulher, com todo
aparato, que namora rapazes. E o que foi que a gente fez? Receosos,
juntamente aqui com a assistência estudantil, a gente sentou e bolou uma
ideia, uma estratégia, porque escola de período integral, os alunos precisando
usar banheiro. Então, a gente ficou receoso dessa jovem ser atacada dentro
do banheiro por rapazes. Aí foi sugerido que dos banheiros a gente
selecionasse um e deixasse o banheiro conjugado, um banheiro misto que
entra rapazes e moças. Então a moça que não se sente confortável com
aquilo vai para o banheiro só feminino, o rapaz que não se sente
confortável vai para o banheiro só masculino, quem não se importa usa o
banheiro misto. E hoje esse banheiro é um sucesso aqui no campus, ele
entre rapazes e moças, entra professor e todo mundo se respeita e
aprendeu a respeitar. Então assim, houve alguns choques? Houve. Houve
alguns questionamentos, houve alunos que queriam boicotar e jogavam
preservativos, às vezes até usados, muitas vezes fajutos, forja e joga ali
pra inviabilizar aquele espaço, pra causar a comoção. Mas é com
jeitinho é com conversa que a gente vem lidando e hoje é uma realidade e
tá dando certo. E eu acho que essa é uma forma de respeitar sem excluir,
porque se a gente colocasse um banheiro só para aquela pessoa que
precisa usar, porque tem medo de entrar no banheiro só masculino,
talvez criaríamos um problema muito maior, que é o da exclusão. E hoje,
que foi esse trabalho aqui juntamente com a assistência estudantil do
153
campus, que a gente colocou essa ideia e que vem surtindo muito efeito (A.I.
Gestor, 2017, grifo nosso).
Fica evidente o receio do gestor com relação a possíveis violências físicas e/ou
sexuais contra a aluna, o que o impeliu à busca de alternativas para reduzir os riscos de tal
situação. A “estratégia” do banheiro, como ressalta o entrevistado, foi motivada também pela
necessidade de dar respostas às famílias das demais alunas e a elas próprias, que igualmente
temiam uma “violência” praticada pela aluna transexual. Diante da não possibilidade de
utilização do banheiro masculino e do banheiro feminino, então, criou-se o banheiro unissex.
Neste caso, verificamos que foi mais fácil construir uma alternativa que oferecesse opção
àqueles (as) que não se sentem confortáveis com a diferença.
Destacamos outro trecho, contendo o relato da coordenadora de assuntos
estudantis, que trata do mesmo assunto. Ela diz:
[...] uma dificuldade muito grande pra gente colocar um banheiro unissex
aqui. Foi uma luta e está sendo ainda. Porque os alunos não conseguem
compreender, principalmente um aluno que se vê como mulher, ele não pode
entrar no banheiro da mulher, ele só pode usar o banheiro se for unissex.
Porque há um conservadorismo ainda muito grande das pessoas
acharem que ele está se aproveitando dessa condição de ter se declarado
mulher pra ficar olhando as meninas. E não é só por parte dos alunos,
muito mais por parte dos servidores, da gestão também. A gestão
também é muito conservadora, nós temos muitas pessoas aqui de famílias
tradicionais. Muito complicado trabalhar a questão de gênero aqui (R.R.
Coordenadora, 2017).
O registro acima revela o preconceito nas relações cotidianas, envolvendo,
inclusive, os (as) gestores (as) da unidade de ensino, o que reforça a necessidade de diálogos
permanentes dentro da comunidade escolar que aproximem os sujeitos dessa temática. Além
disso, é preciso que seja viabilizada a construção coletiva de um planejamento institucional
que contemple à reflexão sobre como as diferenças se expressam e se relacionam naquele
espaço, e nas demais relações da vida em sociedade, perpassando por formações continuadas
do corpo técnico e docente que atua no campus.
Apesar de não negarmos a importância da experiência e da solução encontrada
naquele momento, destacamos que ela se tornou incompleta quando não foi transformada em
um movimento interno de questionamento e de reflexão sobre como e porque a diferença
incomoda e causa assimetrias, desconfortos, conflitos e estigmas.
Há uma forte resistência dos setores mais conservadores da sociedade para
abertura ao tema, os quais acusam estudiosos da área de quererem destruir o modelo
154
tradicional da família e submeter às crianças, a partir do contato com o tema nas escolas, a
uma formação desviante.
É notável que os meios de comunicação venham contribuindo para a tratativa do
assunto nas famílias brasileiras, diante da ampla capilaridade que possui nas residências,
especialmente por meio de suas telenovelas, o que confere visibilidade às discussões que
envolvem o segmento LGBT e os Transgêneros. Entretanto, é legítima a luta dos coletivos
para o reconhecimento de direitos e de políticas públicas para atendimento de suas
necessidades específicas e de demandas ligadas à saúde, à educação, à segurança, ao trabalho,
que embora se constituam como direitos elementares de todos (as) cidadãos (ãs) são negados
historicamente aos grupos marginalizados, vítimas do preconceito, da exclusão e da violência.
Tido como um dos aspectos da sexualidade humana a orientação sexual, segundo
Araguaia (2017)79
diz respeito à atração que se sente por outros indivíduos. Ela geralmente
também envolve questões sentimentais, e não somente sexuais. Nesse caso, estamos falando
sobre indivíduos que se sentem atraídos sexualmente e/ou afetivamente por pessoas do sexo
oposto (heteroafetividade), do mesmo sexo (homoafetividade) ou por ambos (biafetivos).
Caberiam ainda outras designações, mas no momento ficaremos com essas três. O termo
afetividade em substituição a sexualidade pressupõe a dimensão do sentimento, retirando a
conotação meramente sexual do termo.
Com base na apresentação dos conceitos acima é possível dizer que a sexualidade
não é determinável ou reduzível a elementos físicos e biológicos, devendo ser entendida como
um processo de construção histórico-cultural, dinâmico e contínuo, formador da nossa
identidade pessoal e sexual.
Buscamos em nossa pesquisa trabalhar a percepção dos (as) estudantes e dos (as)
gestores (as) que atuam na unidade de ensino sobre essa categoria no sentido de identificar a
relação que se estabelece com a diferença sexual e como a assistência estudantil se insere
nessa discussão.
A compreensão dos (as) jovens sobre diversidade demonstrou um significado
positivo sobre a convivência das diferenças, pela inserção de grupos étnicos e sociais em um
mesmo espaço, seja o campus ou a sociedade. Dois deles destacaram junto com essa
convivência a noção do respeito, onde podemos inferir que a percepção positiva agregada à
categoria diversidade tem muito do desejo pessoal daqueles (as) estudantes na supressão das
discriminações e preconceitos para uma convivência harmônica entre os diversos grupos.
79
O texto está disponível em: <http://brasilescola.uol.com.br/sexualidade/orientacao-sexual.htm> Acesso em 13
de setembro de 2017.
155
Verifica-se, portanto, que o desejo comum pela passividade não pontua ou questiona a
construção dessas diferenças e suas relações desiguais. Vejamos o que apontou um dos alunos
entrevistados sobre esse assunto:
O campus ele está englobando diferentes classes. Tanto indígenas, os estilos
também, isso eu acho que entra também [...]. Bom, eu vejo que isso é
bastante significativo, porque você está respeitando realmente o que
aquela pessoa quer ser, sem preconceito. Eu, até então minha orientação
sexual é diferente e é até complicado eu falar sobre isso, porque eu nunca
falo sobre isso para muitas pessoas, mas eu acho que isso, essa diversidade é
bastante fluente aqui, porque você observa pessoas diferentes (R.C., 2017,
grifo nosso).
O jovem que se autodeclarou negro e bissexual traz em seu discurso uma
satisfação pela inclusão de diversos grupos no ambiente escolar atribuindo a isto uma
manifestação de respeito e de não preconceito. Para o aluno, a “aceitação” institucional de
segmentos sociais marginalizados confere a positividade expressa em sua avaliação, visto que
nem sempre as instituições tiveram a abertura para inclusão desses setores da sociedade.
Nesse sentido, concordamos com Junqueira (2009, p.369) ao dizer que:
[...] parece indispensável atentarmos para os limites de determinadas
políticas multiculturalistas que, embora aparentemente generosas quanto ao
“respeito à diferença”, não se mostram dispostas a favorecer um
reconhecimento da diversidade que possa colocar em risco normas, valores e
hierarquias estabelecidas e promover distribuição de recursos.
O aluno, quando questionado se percebia a ocorrência de discriminações e
preconceitos no âmbito do campus, respondeu:
De certa forma não é só quem tem orientação sexual diferente ou um jeito de
se vestir diferente. Tudo, tudo em uma forma geral sofre preconceito. As
meninas também, eu vejo muitos meninos chamando as meninas de
palavrão, essas coisas. Já presenciei bastante (R.C., Aluno, 2017).
O acesso de pessoas negras, indígenas, homossexuais, com deficiência, no sistema
educacional, ainda que por políticas afirmativas e de inclusão, por si só não confere a
reparação das assimetrias causadas pelo longo processo de exclusão, discriminação e
desigualdade a que foram e ainda estão submetidos esses segmentos. É nesse sentido, que
ratificamos a necessidade de fortalecermos ações e políticas institucionais que garantam o
amplo debate, a desconstrução dos preconceitos e o questionamento das estruturas de poder
na sociedade. Acreditamos que a Política de Assistência Estudantil pode ser uma das
156
ferramentas para a criação de estratégias que visem à superação dessas deformações nas
relações sociais, contribuindo para a construção de uma educação integral e cidadã dos
indivíduos.
Para isso, é preciso o envolvimento da educação, questionando-se de modo
permanente seus valores, práticas e correlações de forças, para que possamos construir uma
“cultura de reconhecimento da pluralidade e multiplicidade das manifestações humanas, das
quais a diversidade sexual é autêntica expressão” (JUNQUEIRA, 2009, p. 353).
A operacionalização das políticas passa pelos sujeitos sociais, os quais são alvos
também do processo ideológico ao longo de suas trajetórias que os condicionam às
determinadas posturas, dentro de normas, valores e crenças que disseminam o preconceito e a
discriminação. Verificamos que as experiências de cada um modificam, ou não, a forma como
cada sujeito lida com a diferença de gênero, étnico-racial, sexual, entre outras que estão
circunscritas na vida em grupo. Em entrevista com a diretora de ensino notamos que ela
atribui à sua formação técnica a falta de habilidade para abordar situações em que se expresse
uma violência ou opressão, por exemplo, contra homossexuais. Novamente observa-se a
tentativa de invisibilizar a diferença para a manutenção de uma ordem aparente, negando que
ali existam relações de conflito e de poder, causadoras de desigualdade.
Em sua fala a professora e gestora relatou como atua diante das situações de
discriminação e preconceito no ambiente institucional ou fora dele “a medida seria o que faço,
eu pego e converso, eu não gosto dessa história de preconceito [...] eu tento trabalhar todo
mundo igual, então como eu não vejo muito essas diferenças, eu procuro fazer com que os
outros também não vejam” e concluiu dizendo “eu não tenho muito traquejo, porque a minha
formação é bem técnica, mas eu procuro mostrar que todo mundo tem que respeitar a
diversidade, que ninguém é igual e que todo mundo tem que ter esse respeito. Mas eu não sei
abordar” (F.M., Gestora, 2017).
Em outro trecho a diretora de ensino expressa contradição no modo como percebe
a diferença sexual. Ela explicou que a visibilidade de homossexuais no município e nas
comunidades adjacentes é comum e que isso torna “normal” a presença desse público no
campus e negou a existência de preconceito, apesar de reconhecer a prática de “brincadeiras”
pejorativas no ambiente escolar. Em suas palavras:
A região em si tem muito homossexual [...] ninguém vê isso como uma
coisa diferente não. Normal eu acho [...]. Nunca percebi.
A não ser assim, brincadeiras ‘ei bicha, não sei o que [...]’, mas realmente
157
pra dizer ‘não, não quero conversa com ele não, porque ele é homossexual’,
não vou negar, eu nunca vi realmente não (F.M., Gestora, 2017, grifo nosso).
O que verificamos é a heterogeneidade das percepções acerca do que se
compreende como diferença, preconceito e desigualdade, não sendo estas dissociadas do
conjunto de signos e valores criados hegemonicamente. Dito isto, não temos como pretensão a
crítica individual aos interlocutores desta pesquisa pela forma como estão expressas as suas
compreensões, ao contrário, elas são fundamentais para refletirmos sobre o sistema simbólico
que imprime no imaginário coletivo os valores, as normas e as regras que norteiam nossas
ações e posicionamentos. Pretendemos esclarecer que o desafio no âmbito das instituições é o
de superar as visões pessoais, agregando nestes espaços as discussões trazidas pelos
movimentos sociais, pelos estudos no campo teórico e pelas bases jurídicas que dão
sustentação aos argumentos oriundos das reivindicações históricas dos coletivos minoritários
e vulnerabilizados em nossa sociedade.
De acordo com Facchini (2016), a história que envolve a luta do movimento
LGBTT no Brasil encontra raízes no tratamento repressor e patológico com o qual se abordou
a temática no início do século XX. Embora não tenha havido legislações proibindo a
homossexualidade no país, a classe médica em colaboração com a polícia tratou de dar
encaminhamento patológico ou criminal aos comportamentos ligados à sexualidade desses
indivíduos.
Os criminologistas também não deixaram de propor relações entre uma
“sexualidade desviante” e a prática de delitos criminosos, sendo que a
sexualidade do sujeito poderia ser sempre um agravante para a sua situação
legal, mesmo que isso não fosse explícito. Havia uma colaboração muito
eficaz da polícia com a classe médica, que aplicava uma ciência de cunho
positivista aos casos que lhe eram encaminhados pelos policiais. Assim, os
que escapassem à norma heterossexual eram muitas vezes internados em
institutos psiquiátricos ou perseguidos pela polícia nas ruas (Ibid., 2016,
p.01).
As restrições sofridas pelos sujeitos homossexuais causou uma identificação de
grupo que, através de redes de sociabilidade, foram construindo laços de identidade,
especialmente no meio urbano. Vale lembrar que o movimento tem sua trajetória de luta
deflagrada em diversos países, inclusive, tendo sido demarcado o “Dia do Orgulho Gay”, a
partir da revolta de Stonewall, em um bar de frequência homossexual em Nova York, em 28
de junho de 1969, em que a população LGBTT revidou contra a polícia local durante uma
ação de repressão e criminalização da homossexualidade.
158
No Brasil, o período em que eclodiam os movimentos sociais no mundo, entre as
décadas de 1960 e 1970, o cenário era de ditadura militar, em que o principal expoente de luta
era o movimento estudantil. Em 1970 começa a ter visibilidade o movimento feminista, e a
surgirem às primeiras organizações do movimento negro e do movimento homossexual.
Naquele período o surgimento da AIDS, associado a todo o movimento de divulgação da
doença e de enfrentamento à epidemia acabou por dar visibilidade ao tema da
homossexualidade, contudo, reforçando a sua estigmatização quando definiu esse segmento
como grupo de risco, havendo uma forte disseminação de que a AIDS era uma “doença de
gay”.
A autora Facchini (2016), divide o movimento LGBT no Brasil em três períodos,
com surgimento no final da década de 1970, onde se iniciaria o que ela denominou de
“primeira onda”. Havia vários grupos formados para propor a alteração das hierarquias
sociais, especialmente relacionadas a gênero e sexualidade. A organização do grupo Somos de
Afirmação Homossexual, de São Paulo, em 1978, teve forte expressão, assim como o jornal
Lampião da Esquina, editado no Rio de Janeiro, que era um “jornal da mídia alternativa, onde
se falavam sobre organização política e social da resistência e a comunidades LGBT, vários
de seus jornalistas foram presos e perseguidos”80
.
É importante dizer que os movimentos nesse período se caracterizaram por ter um
forte viés antiautoritário, haja vista o ranço da ditadura militar no país. Nesse período a luta
estava centrada na contestação das relações desiguais, sendo o machismo o principal elemento
de influência, que ditava estereótipos, inclusive, nas relações homossexuais, definindo papéis
e comportamentos sociais. No Rio de Janeiro, em 1979, um grupo de militantes se reuniu pela
primeira vez e pautou como luta:
A reivindicação da inclusão do respeito à “opção sexual” – o próprio
movimento ainda falava em “opção sexual” nesse momento – na
constituição federal; uma campanha para retirar a homossexualidade da lista
de doenças, ou seja, a luta contra a patologização; e a convocação de um
primeiro encontro de um grupo de homossexuais organizados, o que
aconteceu em abril de 1980, em São Paulo (FACCHINI, 2016, p.01).
As demandas de outros segmentos vão surgindo dentro do próprio coletivo, o que
resulta em cisões e criação de novos movimentos com notoriedade de pautas específicas e
invisibilizadas, inclusive pelo próprio movimento homossexual. Foi o que aconteceu com a
80
Extraído do blog Parada 24. O blog visa notícias e ideias de discussão e formação sobre o movimento LGBT
em Santa Catarina e Brasil. Disponível em: <https://parada24.wordpress.com/2016/11/13/grupo-somos-primeiro-
grupo-de-afirmacao-gay-lgbt-no-brasil/> Acesso em 14 de setembro de 2017.
159
criação em 1980, do primeiro grupo exclusivamente lésbico, a partir de uma cisão no grupo
Somos de São Paulo. Vale dizer que o grupo Somos se dissolveu em 1983. Contudo, a partir
dessa década surgem novos grupos em vários estados brasileiros, inclusive na região nordeste,
sendo o Grupo Gay da Bahia - GGB e o Grupo Triângulo Rosa e Atobá, do Rio de Janeiro, os
de maior expressão ativista naquele período.
A “segunda onda” desse movimento no Brasil, a que se refere à autora, está
compreendido na década dos anos de 1980, momento de abertura política e democratização
do país e também da eclosão do vírus HIV/AIDS. O foco do coletivo nesse momento estava
centrado na garantia dos direitos civis e ações contra discriminações e violência. Buscava-se a
obtenção de organizações formais, com a formação de diretorias com cargo e funções
definidas, a fim de imprimir legitimidade para a reivindicação dos direitos requisitados. Nesse
sentido, o GGB e o Grupo Triângulo Rosa surgem como os primeiros a se formalizarem
legalmente como associações voltadas para os direitos de homossexuais.
O uso do termo “orientação sexual” também passou a ser defendido e
disseminado, tendo como principal argumentação que a sexualidade não pode ser vista como
uma escolha individual racional e voluntária, como também não pode ser entendida como
uma determinação simples, não sendo coerente designá-la como uma “opção” ou como uma
“condição” inata.
Cabe dizer que, várias das reivindicações atuais do Movimento LGBT já se
encontravam presentes na década de 1980, como cita Facchini (2016, p.01) sobre um encontro
nacional ocorrido na Bahia, que apontava para uma “legislação antidiscriminatória, pela
legalização do que na época se denominava como “casamento gay”, por tratamento positivo
da homossexualidade na mídia e pela inclusão da educação sexual nos currículos escolares”.
A denominada “terceira onda” do movimento tem início nos anos 1990, com o
fortalecimento da organização em torno da cobrança de respostas governamentais para a
questão do HIV e para o acolhimento comunitário a vítimas da doença. Surgem, portanto,
ONG’s coordenados por grupos que acumularam experiência e conhecimento para trabalhar
com projetos de prevenção financiados por programas estatais de combate à AIDS.
Considera-se, desse modo, que as pautas do movimento se deram pela saúde, não
tendo havido o reconhecimento das demandas de cidadania do público LGBT, tampouco o
direcionamento de políticas públicas ou a criação de conselhos de direitos para discussão das
demandas advindas desse segmento. A inserção de outros setores da sociedade para o
160
enfrentamento da doença, fez com que partidos políticos, grupos religiosos, acadêmicos, entre
outros, trabalhassem diretamente com o assunto da homossexualidade.
Nesse processo, a diferenciação dos sujeitos internos se dá de modo mais
específico, onde gays, lésbicas, bissexuais, transexuais, travestis, passam a discutir suas
demandas em seus próprios coletivos. Não detalharemos as lutas de cada um desses
movimentos, entretanto, reforçamos que a visibilidade e a compreensão sobre a origem dessas
organizações é fundamental para o conhecimento de suas demandas, conquistas e desafios,
sendo imprescindível a sua associação ao movimento mundial pelos direitos humanos.
Os anos 2000 representou uma abertura no campo político para o apoio às causas
e coletivos do público LGBTT. E 2004 foi criado o programa Brasil sem Homofobia-
Programa de Combate à Violência e à Discriminação contra GLTB e de Promoção da
Cidadania Homossexual como resultado da 1ª Conferência Nacional GLBT81
para promover
ações, programas e assegurar políticas que combatam a discriminação com equidade das
ações durante o governo Lula (2003-2006). Vale lembrar que o Programa reuniu o
envolvimento de diversos ministérios no combate à homofobia e que, através de grupos de
trabalho compostos por gestores, técnicos e ativistas, seriam elaboradas proposições de
políticas públicas e seu controle social.
No campo jurídico, os projetos de lei que conferem respostas às demandas dos
homossexuais ao longo da história no Brasil, destacam-se: o reconhecimento do direito à
constituição de famílias, através do reconhecimento de uniões homoafetivas; a garantia de
direitos quanto à paternidade/maternidade; restrição de comportamentos discriminatórios; e a
garantia do reconhecimento da identidade social de travestis e transexuais.
Diversificam-se as demandas dos sujeitos políticos que compõem o movimento,
onde podemos observar, por exemplo, aquelas circunscritas aos homens homossexuais, tidos
como o grupo “homens que fazem sexo com outros homens – HSH”, os quais usufruem de
certas prerrogativas de gênero. Os espaços onde ocorrem as diferentes formas de violência de
gênero também se alteram de acordo com o perfil da vítima, sendo mais comum a prática de
violências contra homens homo e bissexuais em espaços públicos, enquanto que contra
mulheres homo e bissexuais em ambientes privados, com forte incidência da violência
intrafamiliar e de vizinhança.
81
Foi utilizada a sigla GLTB (Gays, Lésbicas, Transgêneros e Bissexuais) no documento oficial de criação do
Programa Brasil sem Homofobia, do Ministério da Saúde/Conselho Nacional de Combate à Discriminação, em
2004.
161
As demandas que mais se associam aos bissexuais centram-se no reconhecimento
e no respeito de sua identidade, inclusive no interior do movimento. Em contrapartida, o
reconhecimento das uniões entre pessoas do mesmo sexo e pela adoção ou acesso às novas
tecnologias reprodutivas por casais formados por pessoas do mesmo sexo une tanto homens
como mulheres, homo e bissexuais.
As travestis e os (as) transexuais apresentam outras especificidades não comuns
aos outros grupos. A questão da prostituição, do combate à violência e a garantia do acesso e
permanência na escola são dilemas centrais das organizações de travestis. Entre transexuais, a
principal demanda esbarra em políticas de saúde, pois a necessidade de transformações
corporais capazes de adequar os corpos às identidades de gênero são questões de grande
pertinência. Os dois grupos buscam a conquista do direito de adequação da identidade jurídica
(mudança de prenome) e possibilidade de uso e reconhecimento do nome social em serviços
de saúde e escolas.
Algumas entidades já regulamentaram o uso do nome social, independente de
autorização judicial, como é previsto para o caso de alteração dos documentos civis. O
Decreto nº. 8.727 de abril de 2016 dispõe sobre o uso do nome social e o reconhecimento da
identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais, no âmbito da administração pública
federal direta, autárquica e fundacional.
As bandeiras de luta contra a discriminação e a violência e pelo respeito à
laicidade do Estado, por sua vez, fazem com que se unam os diferentes segmentos que
compõem o movimento LGBT. Contudo, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei
5002/13, do deputado Jean Wyllys (Psol-RJ) e da deputada Erika Kokay (PT-DF), que versa
sobre o direito à identidade de gênero. Essa proposta de lei obrigaria os planos de saúde e o
Sistema Único de Saúde – SUS a custear os tratamentos hormonais integrais e cirurgias de
mudança de sexo a todos os interessados maiores de 18 anos, sem que haja a necessidade de
qualquer tipo de diagnóstico, tratamento ou autorização judicial, contrariando o que ocorre
hoje pelo SUS, que realiza a cirurgia de mudança de sexo, a partir do acompanhamento de
equipe multidisciplinar por pelo menos dois anos.
O tempo de espera para a realização desse tipo de procedimento é bastante
elevado. Até janeiro deste ano eram apenas cinco centros no país que ofertavam
procedimentos como terapia hormonal e acompanhamento dos usuários em consultas e no pré
e pós-operatório, tendo sido ampliado o serviço para mais quatro centros. O atendimento a
transexuais e travestis no SUS, entre 2015 e 2016, aumentou em 32% nos atendimentos
162
ambulatoriais, passando de 3.388 em 2015 para 4.467 em 2016. E o número de cirurgias de
mudança de sexo do masculino para o feminino cresceu 48% de 23, em 2015, para 34 em
2016. A terapia hormonal no processo transexualizador também subiu de 52 para 149
procedimentos, aumento de 187%, segundo informações repassadas pelo Ministério da
Saúde82
. Destacamos ainda que apenas cinco dos nove centros oferecem a cirurgia de
mudança de sexo, chamada de redesignação sexual.
O Projeto de Lei 5002/13, também prevê a modificação do prenome para maiores
de 18 anos, sem a necessidade de autorização judicial, liberando ainda a alteração do sexo nos
documentos pessoais, com ou sem cirurgia de mudança de sexo. Nesse caso, os números dos
documentos devem ser mantidos e os nomes originais totalmente omitidos. Conforme o
projeto, também será possível que as pessoas trans adotem um nome social diferente do que
está registrado na carteira de identidade, sem necessidade de fazer a retificação dos
documentos em cartório. Esse nome terá de ser respeitado por órgãos públicos e empresas
privadas, similar ao que regulamenta o Decreto nº. 8.727 de abril de 2016 para as instituições
públicas federais.
Uma das conquistas que podemos apontar para o coletivo LGBTT é o direito a
União Homoafetiva, reconhecida no dia 05 de maio de 2011 pelos Ministros do Supremo
Tribunal Regional – STF, o que permitiu a ampliação a outros direitos, através de uma
equiparação à união estável heterossexual. Citamos: o direito de comunhão parcial de bens; o
direito a pensão alimentícia no caso de separação; o direito a pensão do INSS em caso da
morte do parceiro; o direito de colocar o companheiro como dependente em Planos de Saúde;
o direito a mencionar o parceiro como dependente ao declarar o Imposto de Renda; o direito
de adotar crianças, não dando preferência apenas a casais heterossexuais.
Entretanto, a Constituição Federal de 1988 estabelece em seu Art.226, que a lei
deve facilitar a conversão das uniões estáveis em casamento. Uma votação no Conselho
Nacional de Justiça – CNJ, em 14 de maio de 2013, acabou por aprovar uma resolução
obrigando todos os cartórios brasileiros a realizarem o casamento entre pessoas do mesmo
sexo. Apesar da resolução do CNJ, podemos dizer que no Brasil não há, estabelecido em lei, o
casamento homoafetivo.
Na área da saúde destacaram-se o Plano Nacional de Enfrentamento da
Epidemia de AIDS e DST entre Gays, outros Homens que fazem Sexo com Homens
82
Informações disponíveis no site: <http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/cidadao/principal/agencia-
saude/27417-webserie-conta-a-historia-de-travestis-e-transexuais-atendidos-no-sus> Acesso em 03 e outubro de
2017.
163
(HSH) e Travestis, de 2007, com previsão até 2011; e a Política Nacional de Saúde
Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, de 2012, lançada pelo
Ministério da Saúde, instituída pela Portaria nº 2.836, de 1° de dezembro de 2011, e pactuada
pela Comissão Intergestores Tripartite - CIT, conforme Resolução n° 2 do dia 6 de dezembro
de 2011, que orienta o Plano Operativo de Saúde Integral LGBT.
O Plano Nacional de Enfrentamento à AIDS objetivou a defesa dos direitos
humanos das pessoas que vivem com AIDS e das populações mais vulneráveis com promoção
de ações de atenção à saúde, e respeito à diversidade sexual. Segundo o Ministério da Saúde,
a sua elaboração esteve alinhada às diretrizes do Programa Brasil sem Homofobia e contou
com a colaboração e aporte de vários parceiros, incluindo Pessoas que Vivem com HIV/AIDS
(PVHA), representantes dos movimentos de AIDS e de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis
e Transexuais (GLBT), profissionais de saúde e gestores (BRASIL, 2007d, p.04).
Já a Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais,
Travestis e Transexuais teve como propósito a busca pelo reconhecimento, o fim da
discriminação, repressão, exclusão, a fim de suprir as necessidades no âmbito da saúde,
garantido à igualdade e a universalidade desejada pelo segmento LGBT. Essa política foi
constituída por um conjunto de princípios éticos e políticos que reconhecem os efeitos
causados pelos processos de discriminação e de exclusão sobre a saúde. Para isso, incluiu
ações de fortalecimento das práticas participativas e do controle social, e teve a preocupação
de inserir conteúdos na formação e educação permanente dos (as) trabalhadores (as) de saúde,
com ações voltadas para a qualificação dos profissionais do Sistema Único de Saúde - SUS,
além de realizar estudos para melhorar as tecnologias necessárias ao atendimento desta
população.
Um dos passos importantes dado pelo Ministério da Saúde, através da Política
Nacional de Saúde Integral à População LGBT, foi entender a importância de que uma
pessoa com “orientação sexual” e “identidade de gênero” distinta tenha o seu “nome social”
respeitado no seu “Cartão Nacional de Saúde”, assegurando dessa forma o respeito à
diferença no que se refere à orientação sexual e/ou identificação de gênero de um indivíduo,
reduzindo a discriminação, o preconceito e a exposição daqueles e daquelas que precisam
acessar a rede pública de saúde.
Podemos afirmar, portanto, que muitos avanços e conquistas se deram no campo
dos direitos LGBT, especialmente durante a gestão dos ex-presidentes Luís Inácio Lula da
Silva e Dilma Rousseff, tendo ambos, abordado à questão dos Direitos Humanos como
164
verdadeira política de Estado. Desse modo, refletimos aqui sobre a importância das políticas
públicas para a vida das pessoas, em especial daquelas que sofrem pela intolerância, pelo
preconceito, pela discriminação de cor, classe, gênero, idade, e orientação sexual, o que nos
coloca diante da necessidade e do desafio de nos posicionarmos enquanto sujeitos sociais na
construção de uma sociedade mais justa e equânime.
Apesar das conquistas, sabemos que há muito a fazer, superando, inclusive, as
derrotas ao longo dessa trajetória de luta, expressas, por exemplo, no veto do material do
Projeto Escola sem Homofobia, o qual foi ideologicamente distorcido e disseminado
pejorativamente como “kit gay”; nos cortes sofridos nas Secretarias que cuidam das ações de
políticas LGBT, bem como de direitos humanos, de políticas voltadas para as mulheres, para a
população negra, indígena e quilombola; nos altos índices de violência e de mortes,
especialmente, contra travestis e transexuais; entres tantas outras questões.
É oportuno lembrar que até outubro de 2015, ainda sob o governo da ex-
presidente Dilma Rousseff, a maioria das ações voltadas para as minorias sociais estavam
sendo conduzidas por três secretarias com status de ministério: a Secretaria de Direitos
Humanos - SDH, a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial - SEPPIR e a
Secretaria de Políticas para Mulheres - SPM. No começo de outubro de 2015, a então
presidente aglutinou as três secretarias em uma única pasta, denominando-a de Ministério das
Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos.
Entretanto, o novo ministério durou apenas sete meses devido ao processo de
impeachment da Presidente eleita, Dilma Rousseff, que a destituiu do poder, assumindo ao
cargo o Vice-Presidente Michel Temer. Como primeiro ato do seu governo, em maio de 2016,
o então Presidente Michel Temer, alterou a organização dos Ministérios estruturados no
Governo da Presidente Dilma. Hoje, as secretarias são parte da estrutura do Ministério da
Justiça, o que tem trazido grandes preocupações aos movimentos sociais daqueles segmentos,
inclusive pelo menor poder de influência da Secretaria de Direitos Humanos, agora não mais
com status de ministério, sobre políticas públicas de outras pastas que afetam diretamente a
população LGBT, como na área da Saúde e da Educação, assim como a outros grupos sociais.
O jogo político que culminou na cassação da Presidente eleita pelo povo tem
raízes profundas na corrupção, nos interesses de grupos políticos e do grande empresariado
brasileiro e estrangeiro, pois o objetivo central do “golpe” político tem sido a implementação
165
do plano de governo do PMDB, denominado de “Uma Ponte Para o Futuro83
”, lançado em
outubro de 2015, antevendo uma possível derrubada do Governo Petista. Destacamos um
trecho do referido documento para ilustrar exatamente as medidas já dotadas pelo atual
Governo:
Se quisermos atingir o equilíbrio das contas públicas, sem aumento de
impostos, não há outra saída a não ser devolver ao orçamento anual a sua
autonomia [...] Para isso, é necessário, em primeiro lugar, acabar com as
vinculações constitucionais estabelecidas, como no caso dos gastos com
saúde e educação (PMDB, 2015).
Fica claro que os investimentos sociais em políticas públicas serão reduzidos e
não priorizados, desrespeitando as garantias constitucionais conquistadas a partir de 1988. A
aprovação da PEC 241/PEC 5584
, que congela os investimentos da educação e saúde, por
exemplo, por 20 anos, revela o desmonte dos direitos sociais e o sucateamento dos serviços
públicos, os quais têm sido repassados ao grande capital para a sua mercantilização. A
aprovação da Reforma Trabalhista, recentemente, e a luta pela aprovação da Reforma
Previdenciária seguem no mesmo intento que, apesar dos constantes escândalos de corrupção
e da impopularidade do governo pela adoção das medidas de ajuste e reformas, não têm
encontrado resistência para impedir os seus avanços.
Outro trecho do documento “Uma Ponte Para o Futuro”, o qual norteia o Projeto
Político do Governo de Michel Temer revela o pensamento acerca dos direitos trabalhistas, já
contemplados pela alteração no Congresso. Vejamos: “É fundamental, na área trabalhista,
permitir que as convenções coletivas prevaleçam sobre as normas legais, salvo quando aos
direitos básicos” (PMDB, 2015). Tal pensamento embasou fortemente os discursos daqueles
(as) que defendiam a reforma trabalhista, contudo, os críticos defenderam que tal alteração
precarizaria ainda mais a relação entre empregadores e empregados, priorizando os acordos
em detrimento das leis.
Os impactos das medidas tomadas pesam apenas sobre a classe trabalhadora e os
mais pobres, abonando-se o grande capital e a classe política de qualquer ônus da “nebulosa”
crise econômica. Aos últimos, têm sido oferecidos vultosos recursos de emendas
83
Documento disponível em: <http://pmdb.org.br/wp-content/uploads/2015/10/RELEASE-TEMER_A4-
28.10.15-Online.pdf> Acesso em 11 de setembro de 2017. 84
A proposta de emenda constitucional cria um teto para os gastos públicos, a PEC 241 (Trâmite na Câmara
dos Deputados) ou PEC 55 (Trâmite no Senado Federal), dependendo da Casa legislativa, congela as
despesas do Governo Federal, com cifras corrigidas pela inflação, por até 20 anos.
166
parlamentares em troca da fidelidade dos votos em pautas que interessem ao governo, um
modelo, sem precedentes, da corrupção institucionalizada no Brasil.
Portanto, os rumos que seguem o tratamento dado às políticas sociais no Brasil
nos colocam em alerta sobre a necessidade de mobilização social, pois se antes nossa luta era
pela ampliação e universalização dos direitos já conquistados, agora o esforço tem sido em
direção da manutenção destes.
Diante do exposto, tanto no que tange à luta histórica do coletivo LGBT e outros
segmentos, quanto à perspectiva do governo de Michel Temer e de seus aliados políticos que
ocupam o Congresso Nacional, os quais comungam de um perfil altamente conservador e
patriarcal, com viés patriarcal e homofóbico, ratificamos a necessidade de articulação entre as
políticas sociais, em que pese a grande importância da Educação e da Saúde, no contexto de
luta dos movimentos LGBT, para a continuidade de ações, políticas e programas, assim como
a criação de novos, que objetivem a erradicação das manifestações de discriminação e
preconceito e que assegurem os direitos sociais, civis e sexuais dos homossexuais, travestis,
bissexuais, lésbicas, transexuais, transgêneros e quaisquer outras designações que abranja a
diversidade de gênero e sexual.
167
REFLEXÕES E PROPOSIÇÕES FINAIS
O momento final desse estudo consolida nosso esforço para cumprir com a
proposta a que nos dispomos, qual seja, a de investigar a Política Social de Assistência
Estudantil no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará, campus
Umirim/CE, no enfrentamento às formas associadas de desigualdades e de exclusão que
tenham origem nas diferenças de gênero, étnico-racial e sexual.
Com base nos resultados do trabalho de campo, nas leituras realizadas e nas
discussões apresentadas ao longo do texto, nos arriscamos em algumas reflexões e
proposições sobre o assunto abordado.
Os programas de assistência estudantil atuam, primordialmente, para viabilizar as
condições de permanência dos (as) estudantes nas IFES, com forte apelo ao público mais
pobre, os quais são, algumas vezes, destinatários (as), também, de políticas e/ou ações
afirmativas que visam à inclusão dos segmentos marginalizados socialmente, o que é legítimo
e fundamental para a democratização da educação no país.
Entretanto, nossa argumentação durante todo o trabalho foi em defesa da
ampliação do campo de atuação da A.E, buscando desvinculá-la do caráter meramente
assistencial e economicista. Nesse sentido, concordamos com Nascimento (2012) ao afirmar
que é necessário que a assistência ao estudante seja entendida enquanto política educacional,
pois trata de ações desenvolvidas no âmbito da educação, ainda que tenham o viés
assistencial.
Segundo Behring e Boschetti (2006, p.51), “as políticas sociais [...] são
desdobramentos e até mesmo respostas e formas de enfrentamento – em geral setorializadas e
fragmentadas - às expressões multifacetadas da questão social do capitalismo, cujo
fundamento se encontra nas relações de exploração do capital sobre o trabalho”. Por esse
motivo não podemos deixar de compreender a Assistência Estudantil no Brasil desconectada
da conjuntura da educação no país, assim como as demandas históricas dos (as) estudantes.
As perspectivas nacionais sobre a Política de Educação, apresentadas no decorrer do trabalho,
denunciam o seu alinhamento aos interesses dos grupos financeiros, nos levando à
problematização acerca do papel das Políticas Sociais, que se inserem, de um lado, agregando
conquistas às lutas dos movimentos sociais e, de outro, reforçando e/ou subsidiando as
reformas da agenda neoliberal, com forte incidência, a partir dos anos 2000.
168
Nesse sentido, buscamos apresentar a Política de Assistência Estudantil do IFCE
compreendendo-a como uma política educacional capaz de garantir amplamente o acesso e a
permanência de todos os indivíduos, independente de cor, de credo, de sexo e de classe.
Na pesquisa de campo, produzimos reflexões acerca das hipóteses iniciais que
fundamentaram a investigação empírica. Nela, destacamos a estreita relação da assistência
estudantil com a dimensão socioeconômica dos (as) estudantes e a possibilidade de sua
vinculação a outras dimensões da vida desses sujeitos, inclusive, na construção de uma
formação cidadã, capaz de contribuir com o desenvolvimento social, humano, econômico e
político dos (as) jovens e, consequentemente, de suas localidades, através do envolvimento da
comunidade local em projetos de extensão, em ações de cunho educativo, da articulação com
outras políticas no território, assim como com entidades, associações e movimentos que
organizam a luta dos segmentos populares.
Em nossa primeira hipótese de investigação sobre a Assistência Estudantil,
buscamos refletir sobre a sua atuação no processo de formação dos (as) estudantes no
combate ao preconceito, à discriminação e às desigualdades de gênero, étnico-racial e sexual,
verificando se ela modifica a experiência do (a) aluno (a) com a escola e com a sociedade.
Verificou-se, na pesquisa realizada junto aos (às) estudantes, que eles (as) reconhecem tanto
as ações da Assistência Estudantil, como as ações produzidas nos espaços da sociedade civil
organizada, a exemplo dos movimentos sociais e das organizações sindicais, como uma
referência para a construção de um processo de formação ampliada, de uma formação livre,
questionadora, propositiva e comprometida com valores e princípios éticos.
Foi possível perceber, a partir dos dados coletados e das entrevistas realizadas,
que a A.E tem uma participação importante na formação dos sujeitos. Ela atua diretamente na
ampliação do conteúdo cultural, humano e social dos indivíduos. Apresentaram-se como
ações que potencializam a experiência positiva dos (as) jovens aquelas que contribuem para o
acesso à informação sobre temas pouco difundidos ou desconhecidos entre os (as) estudantes;
a abertura de canais de participação, através de atividades que estimulam a reflexão e a crítica,
assim como o exercício do contraditório; a prática de atividades culturais e esportivas que
vislumbrem o desenvolvimento de outras habilidades, tais como: a solidariedade, a
criatividade, a desenvoltura em público, o gosto pela arte, pelo esporte, entre outras.
Em Umirim, podemos verificar que a assistência estudantil vem disseminando
ações voltadas, no campo formativo, para dimensões que extrapolam o conhecimento técnico
formal. É perceptível que os (as) interlocutores (as) da pesquisa, tanto servidores (as), como
169
alunos (as), assimilam as ações desenvolvidas no campus como uma prática de formação
humana e social e, reforçam a importância de que elas sejam ampliadas. Apesar do caráter
ainda embrionário da Política de Assistência Estudantil no IFCE, assim como no campus
Umirim, é possível vislumbrar novos rumos e dimensões a serem exploradas por ela,
transcendendo o viés economicista e assistencialista da Política.
Nesse sentido, a A.E tem contribuído satisfatoriamente para ampliar percepções,
desconstruir pensamentos patriarcais que reproduzem preconceitos, além de possibilitar novos
olhares sobre as construções sociais, estimulando a assimilação de novas subjetividades e
identidades socioculturais.
Com relação a nossa segunda hipótese, identificamos na pesquisa de campo com o
corpo docente, do Curso Técnico em Agropecuária, que o entendimento do grupo sobre
assistência estudantil está associado à viabilização dos auxílios. Entretanto, foram destacadas
outras atividades e ações de A.E vinculadas ao percurso formativo dos (as) jovens.
Os (as) gestores (as) e, os (as) próprios (as) estudantes, também fizeram referência
à importância dos auxílios para a manutenção dos alunos (as) na Instituição, diante do perfil
socioeconômico do público atendido e da necessidade de descolamento que muitos jovens
possuem por morarem em outros municípios e estudarem em Umirim. Contudo, os dois
segmentos ressaltaram que a A.E tem conseguido proporcionar um atendimento de qualidade
aos (às) estudantes do campus e tem ampliado as perspectivas da formação para além da
dimensão técnica, devido às abordagens coletivas e individuais sobre questões que incidem
diretamente no cotidiano das relações sociais dos sujeitos.
Podemos afirmar, portanto, que a A.E no campus Umirim possui uma identidade
vinculada às demandas de natureza socioassistencial, o que nos remete à reflexão sobre o
desafio da assistência estudantil na ruptura com a concepção hegemônica de mera assistência
financeira aos (às) alunos (as) mais pobres, como apontamos na segunda hipótese desse
estudo.
Segundo Nascimento e Arcoverde (2012, p.173), o chamado processo de
“bolsificação” da A.E exclui do debate a necessidade de universalização da política e a
consequente ampliação de direitos. Para as autoras, isso gera o “esvaziamento de uma
proposta de ensino que garanta o direito à permanência do estudante, favorecendo espaços
coletivos e com caráter universal”.
Ressaltamos que a A.E não deve ser vista como redentora no espaço institucional,
tampouco, como autônoma na construção de mediações e intervenções complexas, por isso,
170
reforça-se a necessidade de interação junto a outros setores, evitando-se a fragmentação e
setorialização das ações. A Coordenação de Assuntos Estudantis do campus Umirim precisa
atuar transversalmente dentro das demais Coordenações, a fim de orientar a sua prática na
condução de projetos, programas e ações que concebam o (a) estudante de modo integral, em
suas múltiplas dimensões.
No que observamos sobre as diferenças de gênero, étnico-racial e sexual,
afirmamos que se manifestam no campus Umirim, com maior intensidade, as desigualdades
de gênero e sexual, em que ambas possuem uma relação direta. Na sociedade contemporânea,
os papéis culturalmente construídos e atribuídos a homens e a mulheres estão ainda pautados
nas diferenças biológicas.
De acordo com Nolasco (1993, p. 42) a formação dos contornos da subjetividade
masculina e feminina desde cedo, se dá no âmbito da família, da escola, da Igreja e demais
instituições presentes na sociedade que vão configurando uma imagem de que para o menino
se fazer homem precisa ser viril, corajoso, esperto, conquistador, forte, imune a fragilidades,
inseguranças e angústias e para a menina a ideia de fragilidade, de submissão, de delicadeza.
Esses lugares e papéis estruturam as relações de poder e de dominação, que resultam nas
inúmeras desigualdades que se apresentam no cotidiano.
Os (as) interlocutores (as) da pesquisa, de todos os segmentos, reconhecem, ainda
que de formas distintas, a necessidade de se trabalhar as diferenças e suas consequências para
as relações humanas no ambiente escolar e fora dele. Os dados empíricos evidenciaram a
presença do preconceito, da discriminação, da misoginia, da homofobia e do racismo nas
relações estabelecidas entre as diversidades na unidade de ensino. Entretanto, enfatizamos o
elemento da invisibilização das diferenças como forma de mascarar as desigualdades
decorrentes delas, tanto quanto a dificuldade, especialmente do corpo docente, em distinguir
uma situação de discriminação ao aceitar o discurso da “brincadeira”, que introjetam de forma
escamoteada o preconceito contra o pobre, o negro, a mulher, o homossexual, o deficiente, o
índio, o gordo, e todas as minorias estigmatizadas pelos grupos hegemônicos.
Entendemos que essas questões precisam compor o objeto de trabalho das equipes
de A.E, as quais devem ter a capacidade de resposta cada vez mais qualificada, diante da
complexidade de como se materializam. A intervenção dos (as) profissionais da assistência
estudantil nas demandas associadas às desigualdades sociais encontra apoio na compreensão
de que sua inserção, como política social no âmbito da educação, configura-se como porta de
entrada para o acesso a outras políticas públicas. Além disso, ela possui uma dimensão
171
pedagógica e educativa que se direciona para princípios e objetivos marcadamente
comprometidos com a transformação da sociedade e de seus valores sociais.
São inúmeros os desafios que inviabilizam a consolidação da assistência
estudantil como política pública, o que reforça a necessidade de que todos os segmentos
envolvidos, servidores (as), gestores (as) e discentes, participem amplamente dos espaços de
construção, controle e avaliação, a fim de reivindicar o seu reconhecimento como Politica de
Estado. Para Leite (2008; 2012) só será possível a efetivação da A.E enquanto um direito,
estabelecendo-se definitivamente como uma política pública, quando sua organização
acontecer através de políticas estruturais, financiada total e exclusivamente pelo Estado e que
seja de usufruto de todo e qualquer discente.
Vale salientar os avanços obtidos no campus Umirim, desde o surgimento da
Coordenação de Assuntos Estudantis, em 2014, até os dias atuais, no que tange aos aspectos
estruturais, à ampliação de recursos humanos, ao gerenciamento do setor e da política na
unidade. Apesar disso, precisam ser dados passos longos para a efetivação da Política de
Assistência Estudantil do IFCE naquele espaço.
É necessária a ampliação do tempo destinado para a proposição de atividades
coletivas, que podem ser ajustadas pela integração da A.E com o ensino, na construção de
planejamentos articulados e na elaboração de matrizes curriculares que abranjam temas
transversais ao conteúdo didático. Além disso, configura-se como essencial a adoção de
mecanismos mais apurados de obtenção dos resultados ligados às ações desenvolvidas e aos
Programas executados, contemplando-se a participação do público discente nas avaliações e
nos planejamentos da equipe.
Por fim, elencamos de maneira conclusiva e sistematizada, a seguir, os principais
achados da pesquisa de campo, a fim de que estes sirvam de direcionamento para a
formatação de modelos avaliativos e gerenciais sobre a Política de Assistência Estudantil no
campus Umirim.
Uma das descobertas relevantes nesse estudo foi a ausência de processos de
avaliação e monitoramento das ações realizadas institucionalmente. No campus Umirim não
há indicadores de referência para o acompanhamento dos resultados qualitativos acerca das
políticas, dos programas e dos projetos executados na unidade de ensino. Dessa forma, não foi
possível identificar os resultados em relação às modificações que a A.E tem promovido no
que se refere às questões de gênero, etnia e raça e sexualidade e, por isso, trabalhamos apenas
com as percepções e opiniões dos sujeitos participantes da pesquisa.
172
É oportuno destacar que a recente estruturação administrativa e gerencial da
unidade, bem como a elaboração e a implantação da Política de Assistência Estudantil no
IFCE e no campus de Umirim, são aspectos que devem ser levados em consideração na
avaliação da Política em questão. O modelo de avaliação previsto no próprio documento, por
exemplo, adota parâmetros da avaliação tradicional voltados para a mensuração da eficiência,
da eficácia e da efetividade da Política de Assistência Estudantil. Nesse caso, o presente
estudo tem como pretensão trazer novas dimensões avaliativas que permitam a elaboração de
um desenho de avaliação institucional amplo e detalhado, superando a visão econométrica.
A baixa intersetorialidade no campus, outra descoberta importante, ajuda a
desvelar os desafios da efetivação da Política de Assistência Estudantil em Umirim. A falta de
interação entre os setores dificulta a prática de qualquer ação, especialmente, aquelas de
caráter universal. Nas entrevistas com os (as) gestores (as), foi unânime o reconhecimento de
que há, no campus, um problema relacionado a esta questão. Apontou-se ainda, que as
coordenações têm dificuldade com a comunicação interna, fator que gera desgastes das
relações de trabalho e limita a potencialidade do trabalho coletivo. Nesse quesito, a Política de
Assistência Estudantil encontra grande desafio, pois ela tem, em sua essência, a necessidade
de articulação com outros serviços, programas e políticas, dentro e fora da instituição onde
está inserida.
Para a construção de uma Política de Assistência Estudantil que atenda
satisfatoriamente as demandas causadas pelas diferenças de gênero, sexual e étnico-racial,
acreditamos na importância de uma ampla discussão acerca das matrizes curriculares dos
cursos ofertados na unidade, pois o debate precisa começar na própria formação.
Na pesquisa de campo verificamos a dificuldade do corpo docente em dialogar
com temas que sugiram reflexões acerca das diversidades e do multiculturalismo, com forte
tendência à homogeneização do público e a invisibilização das diferenças. Esse elemento
corrobora para a fragmentação dos papéis e dos saberes que compõem o ambiente de ensino.
Desse modo, torna-se imprescindível o que destaca Leite (2008) sobre a necessidade de
vincular assistência e educação, integrando em sua construção os segmentos que compõem o
espaço acadêmico: docentes, discentes e servidores técnico-administrativos. Esses agentes
precisam atuar de modo articulado de acordo com as questões, os dilemas, os conflitos que
estão postos no cotidiano da escola, mas que refletem as relações vivenciadas fora dela,
inclusive, mais tarde, na vida profissional dos (as) jovens estudantes.
173
Esse fato, identificado no processo de Avalição da Política, instiga o debate acerca
dos currículos acadêmicos, para que os (as) estudantes tenham acesso aos conteúdos
relacionados aos direitos humanos, aos direitos sociais, assim como a outros conteúdos e
linguagens que possibilitem a formação social e política dos sujeitos, evitando-se a mera
reprodução de conhecimentos tecnicistas.
A última descoberta deste estudo, a ser apontada com destaque, diz respeito à
subnotificação dos registros relacionados à vida acadêmica dos (as) alunos (as) e, da
caracterização sociofamiliar e econômica dos (as) estudantes. A evasão escolar, por exemplo,
foi uma das informações que evidenciou essa problemática na unidade de ensino.
Salientamos, que a base de dados obtida ao longo da trajetória do (a) aluno (a) na instituição,
desde o preenchimento da ficha de matrícula, passando pelos registros acadêmicos sobre
notas, frequências, participação em atividades extracurriculares, etc., possibilitam a
elaboração de diagnósticos e pesquisas para um trabalho orientado, planejado e integrado,
entre os diferentes níveis de acompanhamento, seja pela pedagogia, pelas coordenações de
curso ou pela assistência estudantil.
Na pesquisa empírica foi identificado que os dados sobre os (as) estudantes estão
armazenados em sistemas informatizados, criado uniformemente para toda a Rede IFCE.
Esses sistemas servem para aperfeiçoar os processos de catalogação e sistematização dos
registros e informações. Contudo, é necessário que haja uma constante validação das
informações, através de acompanhamentos sistemáticos e integrados entre os setores que
compõem a unidade de ensino. É importante também a produção de estudos analíticos, com
base nos dados institucionais, que permitam uma leitura contextualizada e aproximada da
realidade aparentemente revelada pelos números.
Em Umirim, verificamos que isso não acontece. Há por parte dos (as) gestores
(as) uma confiabilidade nas informações contidas nos sistemas de controle acadêmico, como é
o caso do Q-acadêmico, mas não há uma prática de acompanhamento e monitoramento das
informações nele contidas, visto que elas são dinâmicas e mutáveis. Diante disso, os dados
produzidos não conseguem subsidiar as rotinas de trabalho na orientação das ações
promovidas no campus, o que corrobora para a falta de planejamento, de intersetorialidade e,
consequentemente, de avaliação.
A Política de Assistência Estudantil do IFCE tem como diretriz o
desenvolvimento de ações voltadas para as diversidades. O estudo realizado em Umirim
demonstrou que há o reconhecimento, por parte dos (as) servidores (as) e dos (as) alunos (as),
174
sobre a importância do trabalho desenvolvido pela A.E sobre as temáticas de gênero, etnia e
raça e sexualidade. Isto se configura como uma potencialidade para a elaboração de uma
Política da diversidade nos diversos campi da Rede. Para isso, é preciso que o planejamento, o
acompanhamento e a avaliação das atividades aconteçam à luz da Política de Assistência
Estudantil, o que não foi percebido durante a pesquisa de campo. Dessa forma, ocorre uma
descaracterização da Política, passando a mera execução de ações pontuais, as quais não
permitem a realização de uma avaliação densa dos seus resultados.
O modelo de avaliação que pensamos para o desenvolvimento desse trabalho
esteve pautado na Avaliação em Profundidade (RODRIGUES, 2008), o qual nos permitiu o
exercício de pensar a Política de Assistência Estudantil para além das dimensões tradicionais
e, ampliar o horizonte investigativo, inclusive, enxergando a potencialidade dessa Política.
Existem novas perspectivas avaliativas, que não foram trazidas nesse texto, mas que precisam
ser exploradas e adotadas para os próximos estudos, especialmente, em avaliações de políticas
públicas, aproximando-se da abordagem que elas trazem sobre Avaliação como Processo de
Aprendizagem e como Processo de Transformação.
Sem a intenção de encerrar a discussão e as conclusões acerca do estudo
realizado, pretendemos despertar novas inquietações e novos olhares acerca das abordagens
aqui propostas e das lacunas que marcam todos os processos investigativos.
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SAVIANI, Demerval. Escola e democracia. 23. ed. São Paulo: Cortez, 1991.
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185
APÊNDICE A QUESTIONÁRIO SEMIESTRUTURADO APLICADO AOS (ÀS) ALUNOS (AS) DO
CURSO TÉCNICO SUBSEQUENTE EM AGROPECUÁRIA
(Campus Umirim – IFCE) Data: ___/___/____
1. Identificação do(a) Estudante
a) Município origem: _________________________ Localidade: ____________Idade: ___
b) Estado Civil: ______________Tem filhos? ( ) Não ( ) Sim Quantos? ______
c) Quanto a sua sexualidade você se considera: ( ) Homossexual ( ) Heterossexual
( ) Transexual ( ) Bissexual ( ) Travesti ( ) Outra ________________ ( ) Não sei
d) Etnia: ( ) Negro ( ) Branco ( ) Indígena ( ) Pardo ( ) Quilombola
e) Sexo: ( ) Masculino ( )Feminino
2. Quantas pessoas residem na sua casa, incluindo você? _______
2.1 Sobre a composição da Renda Mensal (Membros da família que possuem renda, incluindo
o(a) estudante
Parentesco Idade Profissão/Ocupação
(Informar a atividade laboral
realizada)
Renda Mensal (R.M)
(Não considerar benefícios
assistenciais) ( ) Trabalho Formal
( ) Trabalho Informal
( ) Pensão _____________________
( ) Aposentadoria
( ) Não Possui Renda
Média da R.M: R$ __________
( ) Trabalho Formal
( ) Trabalho Informal
( ) Pensão _______________________
( ) Aposentadoria
( ) Não Possui Renda
Média da R.M: R$ __________
( ) Trabalho Formal
( ) Trabalho Informal
( ) Pensão _______________________
( ) Aposentadoria
( ) Não Possui Renda
Média da R.M: R$ __________
( ) Trabalho Formal
( ) Trabalho Informal
( ) Pensão ______________________
( ) Aposentadoria
( ) Não Possui Renda
Média da R.M: R$ __________
( ) Trabalho Formal
( ) Trabalho Informal
( ) Pensão ______________________
( ) Aposentadoria
( ) Não Possui Renda
Média da R.M: R$ __________
2.2 Média da Renda Mensal: ____________ Média da Renda Per Capita: _______________
2.3 Você ou sua família recebe algum benefício da Assistência Social: ( ) Bolsa Família
186 ( ) Benefício Variável Jovem (BVJ) ( ) Seguro Safra ( ) Benefício de Prestação Continuada –
BPC ( ) Outro(s): ___________________________________________
2.4 Quem recebe? _______________________ Valor do(s) benefício(s) recebido(s):R$ ______
3 Com que idade começou a trabalhar? ______ ( ) Nunca trabalhei
3.1 Já exerceu trabalho NÃO remunerado? ( ) Sim ( ) Não
Qual(is): ______________________________________________________________
3.2 Já exerceu trabalho formal (Regido pela Lei Trabalhista)? ( )Sim ( )Não
Por quanto tempo? __________________
4. Você já sofreu alguma discriminação/violência dentro do IFCE – Campus Umirim?
( ) Não ( ) Sim Que tipo? ( )física ( )psicológica ( )moral ( ) sexual ( ) outra(s)_______________
4.1 Quem praticou? ( ) professor ( ) servidor técnico ( ) estudante ( ) terceirizado
5. Sobre a Assistência Estudantil
5.1Descreva quais ações/serviços você entende como assistência estudantil no campus Umirim?
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
5.2 Já participou de alguma ação/atividade ou Programa da Assistência Estudantil?
( ) Sim ( ) Não Qual(is) __________________________________________________________
5.3 Você entende Assistência Estudantil como (pode ser marcado mais de um item):
( ) auxílio financeiro aos estudantes mais pobres ( ) um serviço voluntário da Instituição
( ) sem impacto para a permanência e o êxito dos estudantes no campus
( ) vai além do caráter financeiro, pois trabalha outras dimensões do processo formativo
( ) não tenho opinião formada sobre o assunto
5.4 Os serviços prestados pela assistência estudantil tem algum impacto no processo formativo
dos(as) estudantes? ( ) Sim ( ) Não
Justifique:
_______________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________
6. Participação Social
6.1 Quais movimentos sociais existem no seu município de origem: ( ) de Juventude
( ) de Mulheres ( ) LGBT ( ) Movimento dos Trabalhadores Sem Terra ( ) em defesa dos negros ( )
em defesa dos índios ( ) outro(s) ____________________________________
( ) não existe nenhum ( ) desconheço
6.2 Você participa de algum movimento social? ( ) Sim ( ) Não Qual(is)?_____________
Caso Não participe aponte o motivo ( ) não tenho interesse ( ) não tenho tempo
( ) conflitos políticos ( ) não sou a favor ( ) outro _____________________________
7. Você considera que as ações de Assistência Estudantil podem contribuir com o diálogo
acerca das diversidades de gênero, étnico-raciais e sexual? ( ) Sim ( ) Não
De que forma:_______________________________________________________________
187
APÊNDICE B
ROTEIRO DE ENTREVISTA COM OS (AS) ALUNOS (AS) DO CURSO TÉCNICO
SUBSEQUENTE EM AGROPECUÁRIA
(Campus Umirim – IFCE)
I. Dados pessoais e formação técnica
1. Identificação:
Nome: ____________________________ Idade: ______ Turma: _______________
Município de origem: ____________________ Comunidade:___________________
Local de moradia da família: ( ) rural ( ) urbana
2. Possui vivência na agricultura? Descreva sua experiência. (informar também sobre inserção
da família na atividade de agricultura)
3. Qual a importância do curso de agropecuária para o seu município de origem? E para você
e sua família?
4. Diga quais mudanças você consegue perceber na realidade de Umirim após a instalação do
campus do IFCE, no tocante à:
a) geração de emprego e renda;
b) ao desenvolvimento local;
c) qualificação de mão-de-obra para o mercado de trabalho;
5. Você consegue perceber contribuição da sua formação técnica para o desenvolvimento da
agricultura familiar na sua região?
II. Compreensão sobre diversidades: gênero, sexual e étnico-racial
6. O que você entende por diversidade?
7. Como você se comporta com as diferenças de:
a) gênero;
b) sexual;
c) étnico-racial;
8. Aponte suas diferenças e como percebe que os outros lidam com ela(s) no campus e na
cidade. E você, como se percebe?
9. Qual é o acolhimento que você recebeu dos seus colegas e dos profissionais do campus
(técnicos e professores)?
10. Como se dá essa relação entre você e seus pares e entre você e os servidores do campus?
188
III. Compreensão da Política de Assistência Estudantil
11. O que você entende por Política de Assistência Estudantil?
12. Quais as principais dificuldades que você enfrentou para chegar até aqui?
13. Quais as principais dificuldades para se manter estudando no campus Umirim?
14. Como a Assistência Estudantil trata as diferenças de gênero, étnico-raciais e de orientação
sexual?
15. De que forma você acha que a Assistência Estudantil poderia trabalhar com os estudantes
as diferenças de gênero, étnico-raciais e de orientação sexual?
16. Qual a importância de atividades/ações que discutam: gênero, diversidade sexual e étnico-
racial no campus?
17. Qual a importância de se trabalhar outras temáticas além do conteúdo técnico?
18. Se você fosse um gestor qual a sua prioridade, dentro do campus Umirim, com relação à
assistência estudantil?
189
APÊNDICE C
QUESTIONÁRIO SEMIESTRUTURADO APLICADO AOS (ÀS) DOCENTES DA
ÁREA TÉCNICA DO CURSO DE AGROPECUÁRIA DO CAMPUS UMIRIM
Data: ___/___/____
1. Identificação do(a) Profissional a ) Sexo: ( ) feminino ( ) masculino Idade: _____ b) Tempo de Instituição (no IFCE):________ Tempo de lotação em Umirim: ___________ c) Graduação (Curso): ___________________________ Maior titulação: __________________ d) Estado Civil: __________________ Nº de Filhos? ____ ( ) Não tenho e) Nº de membros familiares (incluindo você : _____ f) Etnia: ( ) Negro ( ) Branco ( ) Indígena ( ) Pardo g) Renda Média Familiar: _______ Renda Média Per Capita: _______ h) Participa de algum movimento social e/ou sindical? ( ) sim ( ) não Qual? ________________ i) Já participou? ( ) sim ( ) não Qual? __________________________ 2. Atuação Profissional a) Já atuou na área da educação antes do seu ingresso no IFCE? ( ) sim ( ) não
Função exercida: ( ) professor(a) ( ) outra _______________________________________ b) Já atuou em outra(s) área(s) antes do ingresso no IFCE? ( ) sim ( ) não
Qual(is): ( ) saúde ( ) assistência social ( ) iniciativa privada ( ) judiciário ( ) previdência ( )
outro(s) _____________________________________________________________________ 3. Você conhece ações da Assistência Estudantil (A.E)? ( )sim ( )não Qual (is): __________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________ 4.Você já participou de alguma atividade da Assistência Estudantil? ( ) sim ( ) não 5. Você já encaminhou algum discente para a Assistência Estudantil: ( ) sim ( ) não
5.1 Foi realizado algum encaminhamento pela equipe? ( ) sim ( ) não ( ) não sei 5.2 A demanda do(a) aluno(a) estava relacionada à: ( ) discriminação/violência de gênero ( ) discriminação/violência de raça/etnia ( ) questão socioeconômica ( ) drogadição
( ) discriminação/violência pela orientação sexual ( ) violência doméstica ( ) questão disciplinar ( ) outra ____________________________________________________________________ 6. Você conhece a Política de Assistência Estudantil do IFCE? (Legislação) ( ) sim ( ) não 6.1 Qual a importância da assistência estudantil para os(as) estudantes do campus Umirim?
___________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ 7. Avalie as afirmativas abaixo de acordo com a sua compreensão sobre Assistência Estudantil: a) As ações de assistência estudantil não contribuem para a formação técnica e subjetiva dos
estudantes, sua importância se dá apenas no campo do auxílio financeiro para a garantia da
frequência escolar. ( ) concordo ( ) discordo ( ) Não tenho opinião sobre Justifique:_________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________ b) Estudantes negros, homossexuais, indígenas, mulheres, quilombolas, deficientes, possuem as
mesmas condições que os demais estudantes, portanto não devem ser tratados de forma
190 diferenciada através de ações afirmativas, pois isso potencializa a discriminação e o
preconceito. ( ) concordo ( ) discordo ( ) Não tenho opinião sobre Justifique:_________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________ c) A Política de Cotas para estudantes negros, advindos de escolas públicas, de origem
indígena e quilombola, bem como de baixa condição socioeconômica, favoreceu o acesso deste
público nas Instituições de Ensino Superior, mas não resolveu o problema da permanência visto
que a escola ainda é um espaço excludente. ( ) concordo ( ) discordo ( ) Não tenho opinião sobre Justifique:_________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ d) A Assistência Estudantil é importante para garantir a permanência de grupos
historicamente excluídos e marginalizados no sistema educacional, porém ainda não consegue
ter o êxito desejado e possível. ( ) concordo ( ) discordo ( ) Não tenho opinião sobre Justifique:_________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ e) Ações afirmativas no espaço educacional para grupos sociais vulnerabilizados são menos
importantes do que a oferta de subsídio financeiro, a partir do Programa de Auxílios, para
garantir o acesso e a permanência dos estudantes no campus. ( ) concordo ( ) discordo ( ) Não tenho opinião sobre Justifique:_________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________ 8. Como a assistência estudantil pode contribuir para o processo de formação dos(as) estudantes
de Umirim? __________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
191
APÊNDICE D
ROTEIRO DE ENTREVISTA COM OS(AS) GESTORES(AS) DO CAMPUS UMIRIM (Direção de Ensino, Direção Geral, Coordenação Técnico Pedagógica e Coordenação de
Assuntos Estudantis)
I. QUESTÕES INTRODUTÓRIAS
1. Identificação do(a) servidor(a):
Nome____________________________ Cargo/função___________________________
Tempo na instituição IFCE _________ Tempo no campus Umirim _______________
2. Qual a sua compreensão sobre Assistência Estudantil e a sua importância para a Educação;
3. Fale sobre a Educação Profissional no campus Umirim e a sua importância para o
desenvolvimento local. Aponte dados, fontes, informações que possam ratificar a sua fala;
4. Conhece como se deu o processo de elaboração da Política de Assistência Estudantil do
IFCE? Participou deste processo? De que forma?
5. Que temáticas considera prioridade para serem trabalhadas pela Assistência Estudantil?
II. SOBRE TERMOS E REPRESENTAÇÕES SUBJETIVAS
6. Como o trabalho da assistência estudantil pode contribuir para a permanência de estudantes
historicamente excluídos do processo educacional, seja pela discriminação étnico-racial, seja
pela discriminação de gênero e/ou sexual?
7. Como você atua diante das situações de preconceito e discriminação dentro do ambiente
institucional? E fora dele?
8. Como você se comporta com as diferenças de:
a) gênero;
b) sexual;
c) étnico-racial;
9. Como você percebe a convivência das diversidades de gênero, sexual e étnico-racial dentro
do campus?
III. SOBRE OS RESULTADOS
10. Existe algum acompanhamento dos resultados obtidos nas ações da Assistência
Estudantil?
11. E os dados sobre o Ensino, quais são os principais índices/indicadores acompanhados?
Aponte-os;
12. Como se dá a intersetorialidade entre os setores ligados ao ensino, tais como coordenação
de assuntos estudantis, coordenação técnico pedagógica, coordenação de curso, controle
192
acadêmico e direção de ensino? Aponte as principais dificuldades e as estratégias de
superação;
13. O que caracteriza o sucesso ou o fracasso da implementação da Política de Assistência
Estudantil no campus?
193
ANEXO A
UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ – UFC
MESTRADO EM AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS – MAPP 2017
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Prezado (a) Técnico(a) ou Gestor (a),
Você está convidado(a) a participar de um estudo que tem a finalidade de Avaliar
a Política de Educação e de Assistência Estudantil do Instituto de Educação, Ciência e
Tecnologia do Ceará – IFCE, com recorte em um campus agrícola no município de Umirim.
Caso você concorde em participar, será solicitado a responder algumas perguntas
para conhecermos a sua opinião acerca dos programas, projetos, ações, objetivos da
Política de Assistência Estudantil executada no IFCE, com recorte para o campus
Umirim. As perguntas serão feitas através de entrevistas ou roda de conversa e/ou por meio
de questionários. No caso de entrevista ou roda de conversa as suas respostas serão gravadas
em MP3/MP4 para uso exclusivo da pesquisa. Manteremos seu nome em sigilo (caso prefira),
identificando-o(a) apenas como: profissional da gestão, profissional do campus, cargo ou
função.
Sua participação é livre e voluntária, e qualquer dúvida você pode procurar a pesquisadora,
Lorena de Menezes Brandão.
Agradecemos desde já sua colaboração.
CONSENTIMENTO PÓS-ESCLARECIDO
Declaro que, após convenientemente esclarecido pela pesquisadora, conforme acima descrito,
e ter entendido o que me foi explicado, consinto que minhas opiniões e ideias sejam utilizadas
conforme o presente protocolo de pesquisa.
Fortaleza, ___ de ___________________ de 2017.
_________________________________ ______________________________________
Assinatura do Entrevistado Lorena de Menezes Brandão - Pesquisadora
194
UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ – UFC
MESTRADO EM AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS – MAPP 2016
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Prezado (a) Jovem,
Você está convidado(a) a participar de um estudo que tem a finalidade de Avaliar
a Política de Educação e de Assistência Estudantil do Instituto de Educação, Ciência e
Tecnologia do Ceará – IFCE, com recorte em um campus agrícola no município de Umirim.
Caso você concorde em participar, será solicitado a responder algumas perguntas
para conhecermos a sua opinião acerca dos programas, projetos, ações, objetivos da
Política de Assistência Estudantil executada no campus Umirim, bem como perguntas
sobre juventude, trabalho, participação, gênero, etnia, diversidade sexual e sobre o
próprio município de Umirim. As perguntas serão feitas através de questionários, entrevista
individual e/ou roda de conversa. No caso das entrevistas e/ou roda de conversa as suas
respostas serão gravadas em MP3/MP4 para uso exclusivo da pesquisa. Manteremos seu
nome em sigilo, identificando-o (a) apenas pela turma de estudo ou por um codinome.
Sua participação é livre e voluntária, e qualquer dúvida você pode procurar a pesquisadora,
Lorena de Menezes Brandão.
Agradecemos desde já sua colaboração.
CONSENTIMENTO PÓS-ESCLARECIDO
Declaro que, após convenientemente esclarecido pela pesquisadora, conforme acima descrito,
e ter entendido o que me foi explicado, consinto que minhas opiniões e ideias sejam utilizadas
conforme o presente protocolo de pesquisa.
Fortaleza, ___ de ___________________ de 2017.
_________________________________ ______________________________________ Assinatura do Entrevistado Lorena de Menezes Brandão - Pesquisadora
_____________________________________
Responsável legal (no caso de adolescentes)