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UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO SUJEITOS EM DIÁLOGO NA PESQUISA COM FORMAÇÃO: OS CAMINHOS DA MEDIAÇÃO TEÓRICA PELAS REFLEXÕES SOBRE A PRÁTICA PEDAGÓGICA DE PROFESSORES DE LÍNGUA PORTUGUESA Ana Maria Silva de Lucena Manaus-AM 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS FACULDADE DE EDUCAO

PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO SUJEITOS EM DILOGO NA PESQUISA COM FORMAO: OS CAMINHOS DA MEDIAO TERICA PELAS REFLEXES SOBRE A PRTICA PEDAGGICA

DE PROFESSORES DE LNGUA PORTUGUESA

Ana Maria Silva de Lucena

Manaus-AM 2018

UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS FACULDADE DE EDUCAO

PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO

ANA MARIA SILVA DE LUCENA (Bolsista CAPES)

SUJEITOS EM DILOGO NA PESQUISA COM FORMAO: OS CAMINHOS DA MEDIAO TERICA PELAS REFLEXES SOBRE A PRTICA PEDAGGICA

DE PROFESSORES DE LNGUA PORTUGUESA

Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Educao da Universidade Federal do Amazonas, como requisito final para a obteno do ttulo de Doutora em Educao, sob orientao da Prof. Dr. Michelle de Freitas Bissoli.

Manaus-AM 2018

ANA MARIA SILVA DE LUCENA

SUJEITOS EM DILOGO NA PESQUISA COM FORMAO: OS CAMINHOS DA MEDIAO TERICA PELAS REFLEXES SOBRE A PRTICA PEDAGGICA

DE PROFESSORES DE LNGUA PORTUGUESA

Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Educao da Universidade Federal do Amazonas, como requisito final para a obteno do ttulo de Doutora em Educao, sob orientao da Prof. Dr. Michelle de Freitas Bissoli.

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. Michelle de Freitas Bissoli - Presidente

Faculdade de Educao Universidade Federal do Amazonas (UFAM)

Prof. Dr. Dagoberto Buim Arena Membro

Faculdade de Filosofia e Cincia Universidade Estadual Paulista Jlio Mesquita

Filho (UNESP)

Prof. Dr. Lucola Ins Pessoa Cavalcante - Membro

Faculdade de Educao Universidade Federal do Amazonas (UFAM)

Prof. Dr. Carlos Humberto Alves Corra Membro

Faculdade de Educao Universidade Federal do Amazonas (UFAM)

Prof. Dr. Ilaine Ins Both

Faculdade de Educao Universidade Federal do Amazonas (UFAM)

Aos que resistem a pular fora da ponte e da vida. E aos que

acreditam na formao continuada como espao de dilogo com a

teoria, buscando novos modos de enxergar o real e ressignificar uma

atividade plena de sentido como a escrita.

AGRADECIMENTOS

Agora, momento de agradecer. A tradio latina me ensina que sua origem

vem de gratus e significa agradvel ou reconhecimento pelo bem que nos fizeram.

Ao contrrio da palavra obrigado, no h uma relao de obrigao, mas de gratido

para toda a vida. De modo geral, quero agradecer a todos que contriburam direta e

indiretamente nesta caminhada, inclusive queles que, porventura, tornaram-na

mais difcil, porque na adversidade tambm aprendi a lidar com os desafios para dar

passos frente.

De maneira especial, quero agradecer, in memoriam, aos meus pais, Znite

de Lucena e Ernande de Lucena, que se foram to cedo, mas deixaram seu

exemplo de luta, at o ltimo dia de suas vidas, para manter uma famlia unida,

ensinando com o prprio exemplo a ter interesse pelo mundo da escrita, mesmo que

fosse pela prosa romntica, a gosto de mame ou os textos em tom memorialista, a

gosto de papai. Meu amor, gratido e eterna saudade.

Aos meus irmos, Carlos, Jovana, Gilvane, Rosana e Raifran, a quem a vida

nos afastou da convivncia entre irmos, para que fssemos lutar pela

sobrevivncia. Mas que a prpria vida nos aproximou pelos meus sobrinhos

amados. Minha gratido pela torcida de vocs nas minhas conquistas e por terem

ajudado a me criar, como podiam, quando ficamos rfos.

Com todo o carinho, sou grata ao Carlos, meu esposo, pelo estmulo e por

suportar minhas quase interminveis exposies sobre o tema desta tese. Agradeo,

tambm, a Ftima Rodrigues, minha cunhada, pelo cuidado familiar quando no

podia me fazer presente. Igualmente, agradeo ao Mateus e a Gabriela, meus filhos,

que souberam esperar a concluso de uma pgina, de um captulo, de uma tese. A

Josie, minha sobrinha-filha, companheira de pesquisa, com quem dividi as vivncias

na construo de nossos projetos de tese. minha famlia, minha carinhosa gratido

e a merecida dedicatria deste trabalho.

Na Universidade Federal do Amazonas, minha gratido eterna professora

doutora Michelle de Freitas Bissoli, orientadora desta tese, que teve a pacincia e a

sensibilidade de discutir comigo, por inmeras vezes, qual era o propsito desta

pesquisa, dando orientaes valiosas que corrigiram diversas imprecises.

Agradeo pelo carinho, as palavras de incentivo, a generosidade e a coragem de me

receber, vinda de outro programa de pesquisa, para participar do Grupo de Estudos

e Pesquisa sobre a Escola de Vigotski (GEPEV).

Ao professor doutor Carlos Humberto Alves Corra, que me recebeu pela

primeira vez no PPGE, pelo apoio na minha caminhada inicial, sempre to gentil e

com palavras de confiana que me incentivaram a trazer o tom mais sensvel na

escrita da tese, sem medo de momentos subjetivos.

professora doutora Lucola Ins Pessoa Cavalcante, pelas leituras

preciosas no campo da formao e que me proporcionaram imprimir um acento mais

forte, de indignao e de denncia que trago nesta tese.

Aos professores participantes da pesquisa, diretora e aos funcionrios da

escola, pelo aceite em participar da pesquisa emprica e por me receberem sempre

com tanto carinho e alegria. Agradeo pela confiana depositada e espero retribuir

com outros projetos para ressignificar as atividades de escrita.

Ao Centro de Educao Tecnolgica do Amazonas (CETAM), instituio onde

trabalho, pelo apoio que recebi da gesto institucional, nas diversas etapas deste

estudo. Em especial, meus agradecimentos a duas pessoas no CETAM importantes

nesta trajetria: Carmem Lcia Ribeiro e Josiany Dantas, companheiras de labuta,

pelo incentivo e apoio em minha trajetria acadmica.

Agradeo, ainda, ao professor doutor Dagoberto Buim Arena que diminuiu a

distncia entre Marlia e Manaus, apontando, na banca de qualificao, aspectos

importantes para reviso do texto final e indicando referenciais valiosos citados

nesta tese.

Aos colegas do GEPEV, pelo convvio fraterno e solidrio da partilha do

conhecimento para compreendermos parte do real pela mediao do abstrato.

Vocs so parte importante do meu processo de humanizao. Em especial,

amiga Aline Janell, que sempre me incentivou, lendo meus textos e dando

sugestes e conselhos nessa caminhada. s minhas amigas do doutorado, Cleia

Printes, Snia Cludia Fonseca, Isabel Cristina Ferreira e Rita Luna, professoras

pesquisadoras com quem dividi as orientaes e leituras preliminares. s queridas

professoras doutoras Arlene Arajo e Ilaine Both, minhas fontes de inspirao como

pesquisadoras e autoras, pela beleza, cuidado e fora de seus textos.

CAPES pelo apoio financeiro na pesquisa.

RESUMO

A presente tese traz os resultados produzidos da pesquisa de doutorado intitulada SUJEITOS EM DILOGO NA PESQUISA COM FORMAO: os caminhos da mediao terica pelas reflexes sobre a prtica pedaggica de professores de lngua portuguesa, desenvolvida em uma unidade escolar pblica municipal, no municpio de Iranduba (AM), com a participao de quatro professores de lngua portuguesa. Tive por objetivo compreender como as reflexes sobre a prtica pedaggica dos professores, por meio da mediao terica, possibilitam-lhes perceber como ocorre o processo de desenvolvimento da escrita nos anos finais do Ensino Fundamental e as possibilidades de atuar intencionalmente sobre ele. A hiptese da qual parti para esta investigao que o repensar da prtica pedaggica, pela mediao do abstrato como instrumento de anlise do real, oferece ao professor de lngua portuguesa suporte terico para a compreenso do processo de desenvolvimento da escrita, favorece melhor conhecimento sobre a prtica pedaggica e contribui para refletir sobre a intencionalidade do trabalho docente. Como problema de pesquisa, indaguei: como as reflexes sobre a prtica pedaggica, por meio da mediao terica, podem contribuir para a compreenso do processo de desenvolvimento da escrita e, consequentemente, para uma ao intencional do professor sobre sua atividade? Para responder a esse questionamento, pautada no mtodo Materialista Histrico-Dialtico e com suporte na Teoria Histrico-Cultural (THC), conduzi uma formao continuada no primeiro e segundo semestres de 2017, com o grupo que se reuniu semanalmente para leitura, discusso e sesses de autorreflexo sobre os textos da coletnea de O texto na sala de aula: leitura e produo (GERALDI, 1984), com aproximaes tericas da THC feitas por mim. Os resultados evidenciam que as reflexes, mediadas pelo dilogo com a Teoria, trouxeram contribuio compreenso do sentido de lngua escrita dentro da sua funo social e como parte do processo de humanizao.

Palavras-chave: Escrita. Formao de Professores. Teoria Histrico-Cultural.

RESUMEN

Esta tesis aporta los resultados obtenidos de la investigacin doctoral titulada "SUJETO EN DILOGO EN LA INVESTIGACIN-FORMACIN: las formas de mediacin terica por la reflexin sobre la prctica docente de los profesores de lengua portuguesa", desarrollado en una unidad de la escuela pblica en el municipio de Iranduba (AM), con la participacin de cuatro profesores de lengua portuguesa. En el caso de los profesores, por medio de la mediacin terica, les permite percibir cmo ocurre el proceso de desarrollo de la escritura en los aos finales de la Enseanza Fundamental y las posibilidades de actuar intencionalmente sobre l. La hiptesis que me fui para esta investigacin es que el replanteamiento de la prctica docente, a travs de la mediacin de lo abstracto y la herramienta de anlisis real, ofrece al profesor de lengua portuguesa la base terica para entender el desarrollo del proceso de escritura, promueve una mejor comprensin de la prctica pedaggica y contribuye a reflexionar sobre la intencionalidad del trabajo docente. Como problema de investigacin, pregunt: cmo las reflexiones sobre la prctica pedaggica, por medio de la mediacin terica, pueden contribuir a la comprensin del proceso de desarrollo de la escritura y, consecuentemente, a una accin intencional del profesor sobre su actividad? Para responder a ese cuestionamiento, pautada en el mtodo Materialista Histrico-Dialctico y con soporte en la Teora Histrico-Cultural (THC), condujo una formacin continuada en el primer y segundo semestres de 2017, con el grupo que se reuni semanalmente para lectura, discusin y sesiones de autorreflexin sobre los textos de la coleccin de "O texto na sala de aula: leitura e produo (GERALDI, 1984), con aproximaciones tericas de la THC hechas por m. Los resultados evidencian que las reflexiones, mediadas por el dilogo con la Teora, aportaron a la comprensin del sentido de la lengua escrita dentro de su funcin social y como parte del proceso de humanizacin.

Palabras clave: Escritura. Formacin de profesores. Teora Histrico-Cultural.

ABSTRACT

The present thesis presents the results of the doctoral research entitled "SUBJECTS IN DIALOGUE IN RESEARCH-TRAINING: the paths of theoretical mediation by reflections on the pedagogical practice of Portuguese-speaking teachers", developed in a municipal public school unit in the municipality of Iranduba (AM), with the participation of four Portuguese-speaking teachers. The purpose of this study was to understand how reflections on teachers' pedagogical practice through theoretical mediation enable them to understand how the process of writing development occurs in the final years of elementary school and the possibilities of acting intentionally on it. The hypothesis of this research is that the rethinking of pedagogical practice, through the mediation of the abstract as an instrument of analysis of the real, offers the Portuguese teacher a theoretical support for the understanding of the writing development process, favors a better knowledge about the pedagogical practice and contributes to reflect on the intentionality of the teaching work. As a research problem, I asked: how can reflections on pedagogical practice, through theoretical mediation, contribute to the understanding of the writing development process and, consequently, to an intentional action of the teacher on his / her activity? In order to respond to this questioning, based on the Materialist Historical-Dialectic method and supported by the Historical-Cultural Theory (THC), I conducted a continuous formation in the first and second semesters of 2017, with the group that met weekly for reading, discussion and sessions of self-reflection on the texts of the collection of O texto na sala de aula: leitura e produo (GERALDI, 1984), with theoretical approximations of THC made by me. The results show that the reflections, mediated by the dialogue with the Theory, have contributed to the understanding of the sense of written language within its social function and as part of the process of humanization.

Keywords: Writing. Training of Teachers. Historical-Cultural Theory.

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Biblioteca da Escola ...............................................................................125

Figura 2 Professores em formao .......................................................................125

Figura 3 Acervo e ainda algumas caixas ..............................................................126

Figura 4 Datashow em uso ...................................................................................126

Figura 5 Cho da sala alagado ............................................................................141

Figura 6 Cho da sala alagado (b) .......................................................................141

Figura 7 Livro selecionado ...................................................................................145

Figura 8 Livro selecionado (b) ..............................................................................145

Figura 9 Troca de textos .......................................................................................150

Figura 10 Troca de textos (b) ...............................................................................150

Figura 11 Marcadores de leitura ...........................................................................151

Figura 12 Leitura individual...................................................................................153

Figura 13 Leitura individual (b)..............................................................................153

Figura 14 - Professora em leitura.............................................................................154

Figura 15 - Livro escolhido pela professora.............................................................154

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 Organizao das turmas em 2017..........................................................46

Quadro 2- Participantes da pesquisa ........................................................................53

Quadro 3 Roteiro de textos para estudo do grupo dialogal ...................................74

Quadro 4 - Periodizao etria segundo D.B. Elkonin ............................................101

Quadro 5 Distribuio da frequncia de uso dos trisslabos, tetrasslabos e pentasslabos com relao data de criao lexical para palavras proparoxtonas e no-proparoxtonas .................................................................................................180

LISTA DE GRFICOS

Grfico 1: Gnero dos responsveis.............................................................................223

Grfico 2: Estado civil dos responsveis.......................................................................223

Grfico 3: Profisso/Ocupao profissional dos responsveis....................................224

Grfico 4: Situao profissional dos responsveis.......................................................224

Grfico 5: Responsveis que recebem algum benefcio social...................................225

Grfico 6: Tipo de benefcio social recebido.................................................................225

Grfico 7: Renda mensal familiar informada.................................................................226

Grfico 8: Nmero de moradores por domiclio............................................................226

Grfico 9: Residncia......................................................................................................227

Grfico 10: Escolaridade dos responsveis..................................................................227

SUMRIO

INTRODUO: SENTIDOS E MOTIVOS DA PESQUISA ..................................... 16

1 OS CAMINHOS DA PESQUISA PELO MATERIALISMO HISTRICO-DIALTICO

................................................................................................................................ 24

1.1 O princpio dialgico................................................................................ ....... 26

1.2 O princpio de prtica pelo marxismo...................................................... ....... 28

1.3 O mtodo e as categorias metodolgicas assumidas na pesquisa........ ........ 30

1.3.1 O objeto de anlise da investigao ........................................................ 31

1.3.2 O princpio explicativo para o objeto de anlise ....................................... 33

1.3.3 A unidade de anlise que articula o objeto e o princpio explicativo ........ 37

1.3.4 O modo de proceder anlise que unifique objeto, princpio explicativo e

unidade de anlise ............................................................................................ 39

1.4 Percurso metodolgico............................................................................ ....... 40

1.4.1 A escola: o lcus de anlise .................................................................... 41

1.4.2 A proposta de pesquisa com formao .................................................... 50

1.4.3 Os participantes da pesquisa e seu universo de trabalho ........................ 52

1.4.4 A construo do perfil dos sujeitos em dilogo na pesquisa com formao

.......................................................................................................................... 54

1.4.5 A organizao e o desenvolvimento do grupo de estudos ....................... 70

1.4.6 Textos-base para estudo e discusso no grupo dialogal e textos

norteadores para mediaes com o grupo ....................................................... 74

1.4.6.1 Fundamentando o trabalho com O Texto na Sala de Aula............... ........ 79

2 O SENTIDO HUMANIZADOR DO TRABALHO DOCENTE E DE ESCRITA PARA

O PROFESSOR DE LNGUA PORTUGUESA ....................................................... 83

2.1 O esvaziamento do sentido humanizador da atividade docente do professor de

lngua portuguesa.......................................................................................... ....... 84

2.2 O sentido da formao continuada na atividade de estudo................... ........ 89

2.3 A atividade de estudo do professor......................................................... ....... 91

2.4 O trabalho com a linguagem na adolescncia........................................ ........ 95

2.4.1 A idade de transio e o papel da escola no desenvolvimento dos

interesses do adolescente ................................................................................ 95

2.4.2 A produo de textos na escola e sua relao com a formao do

pensamento conceitual na idade de transio ................................................ 106

2.4.3 A situao social de desenvolvimento na idade de transio ................ 111

3 O ESPAO DIALGICO NA PESQUISA COM FORMAO: NO RIO DE

REFLEXES SOBRE A PRTICA, POSSIBILIDADES DE PONTES DE

MEDIAO TERICA .......................................................................................... 117

3.1 No dilogo, as concepes e sentidos de linguagem e ensino da lngua pelos

professores participantes.............................................................................. ...... 117

3.1.1 O menino e a professora ....................................................................... 117

3.1.2 Nas reflexes, as pontes ....................................................................... 126

3.2 Vivncias de/com a lngua escrita dos professores em suas trajetrias de vida

e de profisso................................................................................................ ..... 134

I Parte - Vivncias com/de escrita na vida cotidiana e no cotidiano escolar . 135

3.2.1 A professora e o mdico ........................................................................ 135

3.2.2 A professora e a promotora ................................................................... 138

3.2.3 Os professores e os pombos ................................................................. 139

II Parte - Prtica de leitura de textos, prtica de produo de textos e prtica

de anlise lingustica .......................................................................................... 143

3.2.4 Prtica de leitura de textos .................................................................... 144

3.2.5 Intenes de prtica de produo de textos .......................................... 158

3.2.6 Prtica de anlise lingustica ................................................................. 172

3.3 Algo mais a dizer sobre a importncia da formao continuada e a dimenso

formadora da escrita no processo de humanizao da pesquisadora e dos

participantes da pesquisa.............................................................................. ..... 186

CONCLUSO ....................................................................................................... 193

REFERNCIAS ..................................................................................................... 198

APNDICE A - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para os Pais .. 211

APNDICE B Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para o (a)

Professor (a) ........................................................................................................ 215

APNDICE C Termo de Assentimento para Alunos ...................................... 219

APNDICE D Grficos da coleta de dados do questionrio socioeconmico

.............................................................................................................................. 223

APNDICE E Sntese dos textos-base para discusso no grupo dialogal .. 228

APNDICE F Roteiro de perguntas do encontro do grupo dialogal ............ 235

APNDICE G - Projeto de leitura e escrita em sala de aula ............................. 236

ANEXO A Autorizao da pesquisa pela Escola ........................................... 245

ANEXO B - Autorizao para realizao da pesquisa pela SEMEI .................. 246

ANEXO C- Parecer CEP ...................................................................................... 247

ANEXO D Questionrio socioeconmico ....................................................... 248

16

INTRODUO: SENTIDOS E MOTIVOS DA PESQUISA

Este estudo tem como foco as reflexes sobre a prtica pedaggica do

professor de lngua portuguesa no processo de desenvolvimento da escrita nos anos

finais do ensino fundamental e o sentido desta pesquisa, para mim, volta-se a

compreender, analisar e explicar qual o sentido que os professores atribuem sua

prtica e prpria relao que estabelecem com a escrita.

Como professora de lngua portuguesa dos anos finais do ensino fundamental

de escolas da rede pblica estadual e municipal de educao no Amazonas, desde

1992, pude perceber a tenso existente entre o conhecimento dos professores de

lngua portuguesa (entre os quais me incluo) sobre os processos de

desenvolvimento da escrita nos anos finais do ensino fundamental e a prtica

pedaggica realizada nas atividades de produo textual. Percebia que, mesmo

adotando prticas pedaggicas sustentadas nos conceitos tericos da lingustica

textual, esta, por si s, no era suficiente para responder s dificuldades que se

apresentavam (e se apresentam) ao ensino da escrita.

Ao ingressar no mestrado em Letras, na rea de concentrao em estudos da

linguagem, no ano de 2011, o interesse sobre a prtica pedaggica do professor de

lngua portuguesa ficou mais evidente, ocasio em que integrei o grupo de estudos

da oralidade e da escrita da fala amazonense, de onde partiram discusses no

campo da Sociolingustica Educacional que muito me estimularam a prosseguir nos

estudos sobre as relaes entre linguagem e atividade educativa no processo de

desenvolvimento da escrita.

Em 2013, ao participar das reunies do grupo de pesquisa Teoria Histrico-

Cultural, Infncia e Pedagogia, fui constituindo uma compreenso das contribuies

tericas da Escola de Vigotski e seus colaboradores como fundantes para a

conformao de uma concepo de linguagem a partir de um referencial Histrico-

Cultural.

Nesse percurso, observei no referencial terico Histrico-Cultural uma

possibilidade de contemplar uma nova forma de organizao da atividade

pedaggica que pudesse enxergar o aluno como sujeito de mltiplas linguagens,

capaz e ativo na apropriao da cultura (BISSOLI, 2005, p. 15), trazendo para

17

discusso a importncia de se compreender o desenvolvimento da escrita a partir

das interaes presentes nas relaes pedaggicas, desvelando a funo da

atividade educativa na compreenso desse processo na esfera escolar.

Dessa forma, a partir dos pressupostos da Teoria Histrico-Cultural, minha

hiptese consistiu em que: a reflexo sobre a prtica pedaggica, pela mediao do

abstrato como instrumento de anlise do real, oferece ao professor de lngua

portuguesa suporte terico para a compreenso do processo de desenvolvimento da

escrita, favorece melhor conhecimento sobre a prtica pedaggica e contribui para

refletir sobre a intencionalidade do trabalho docente.

A partir da hiptese formulada, o problema enunciou-se da seguinte forma:

como as reflexes sobre a prtica pedaggica, por meio da mediao terica,

podem contribuir para a compreenso do processo de desenvolvimento da escrita e,

consequentemente, para uma ao intencional do professor sobre sua atividade?

No sentido de responder ao questionamento formulado, delimitei como

objetivo primrio: compreender como as reflexes sobre a prtica pedaggica dos

professores participantes da pesquisa, com base nas mediaes tericas,

possibilitam-lhes perceber como ocorre o processo de desenvolvimento da escrita

nos anos finais do Ensino Fundamental e as possibilidades de atuar

intencionalmente sobre ele.

Como objetivos especficos, elegi: a) Discutir, a partir de aproximaes com

os pressupostos da Teoria Histrico-Cultural, as concepes de lngua, linguagem e

escrita e suas especificidades nos anos finais do ensino fundamental; b) Examinar

as relaes entre as experincias de/com escrita, vividas pelos professores, sua

prtica pedaggica e as condies em que desenvolvem seu trabalho; c) Refletir

sobre a funo da formao continuada dos professores para a compreenso dos

processos de desenvolvimento da escrita nos anos finais do ensino fundamental.

Ao tomar por referncia Vygotski1 (2000), para quem toda a capacidade

grfica de expresses do prottipo mdio de homem culto do nosso tempo

expressa-se na escrita, possvel, ento, compreender por que, para o autor, uma

abordagem do ensino da escrita a partir de um ponto de vista histrico, ou seja,

1 A grafia do nome do autor aparece de distintas formas em suas obras, bem como em textos de autores

contemporneos que o estudam: Vigotskii, Vigotski, Vygotski. Neste estudo, fizemos a opo por utilizar a verso em portugus do seu nome (Vigotski), mais comumente adotada por pesquisadores do Brasil. No entanto, quando se tratar de citaes, ser mantido o nome como escrito nos originais.

18

com a inteno de compreend-la ao longo de todo o desenvolvimento histrico

cultural da criana a porta de passagem para a busca de uma das solues

acerca de toda psicologia da escrita (VYGOTSKI, 2000b, p. 184).

Assim, todo o desenvolvimento do processo metodolgico desta pesquisa

est voltado para que os professores se apropriem teoricamente dos conhecimentos

sobre a escrita, buscando compreender a gnese, a essncia do conceito de

linguagem que, nos pressupostos da Teoria Histrico-Cultural, deve ser

compreendido como constituinte do pensamento por meio dos signos, no seu

significado social, pois, segundo Vygotski (1993, p. 56-57), a funo inicial da

linguagem a de comunicao, de conexo social, de influncia naqueles que nos

rodeiam, tanto por parte dos adultos como da criana.

Isso nos mostra que, ao investigar o processo de desenvolvimento da escrita

sob um referencial histrico-cultural, observar-se- a atividade educativa como uma

formao constitutiva do ser humano em toda a sua totalidade, por meio da qual se

transmite s novas geraes o saber historicamente produzido, que pode contribuir

para a mxima humanizao dos indivduos.

Nesse sentido, tambm parti da compreenso de atividade pedaggica como

ato educativo intencional e diferenciado que focaliza os processos de ensino e de

aprendizagem de professores e alunos na esfera escolar. O desafio posto para esta

tese foi, ento, o acompanhamento de quatro2 professores de lngua portuguesa dos

anos finais do ensino fundamental, verificando, aps dois semestres letivos, as

contribuies do referencial Histrico-Cultural em sua compreenso acerca das

prticas pedaggicas necessrias para a mediao do processo de desenvolvimento

da escrita dos alunos dos anos finais do ensino fundamental. A categoria de

Atividade passou, ento, a orientar a proposta de trabalho com os professores, na

perspectiva da pesquisa com formao.

Conforme postula Kosik (2002),

No possvel compreender imediatamente a estrutura da coisa ou a coisa em si mediante a contemplao ou mera reflexo, mas sim

2 Durante a pesquisa, a professora Mariah teve deferimento de seu pedido de licena mdica, retornando

escola em maio de 2017. Tambm em maio de 2017, a professora Maiara solicitou licena-prmio e afastou-se da pesquisa a partir de 17 de maio de 2017. Assim, o grupo que, inicialmente, tinha quatro participantes, passou a ter trs com as participaes das professoras Mariah (meses de maio, junho, julho, agosto e setembro) e da professora Maiara (meses de maro, abril e maio).

19

mediante uma determinada atividade. No possvel penetrar na coisa em si [sem] responder pergunta que coisa a coisa em si? sem a anlise da atividade mediante a qual ela compreendida; ao mesmo tempo, esta anlise deve incluir tambm o problema da criao da atividade que estabelece o acesso coisa em si. Estas atividades so vrios aspectos ou modos da apropriao do mundo pelos homens. (KOSIK, 2002, p. 28, grifos no original).

Se, de acordo com Kosik (2002), o conhecimento se constri mediante a

atividade, compreender a atividade mediadora do professor de lngua portuguesa

sob a perspectiva histrico-cultural implica compreender como essa prtica se

constitui historicamente. E analisar a atividade por meio da qual o ensino da lngua

se constitui e a partir da qual se constri conhecimento sobre ele, em especfico,

conhecimento sobre a escrita, contribui para a compreenso do trabalho educativo

intencional com a linguagem como parte do processo de humanizao. Por outro

lado, mediante a atividade de pesquisa em que a pesquisadora e os professores

participantes se colocam como sujeitos produtores de significados e sentidos sobre

o objeto, em uma relao dialgica , que se acessa efetivamente e se torna

possvel compreender a coisa em si, ou o processo pedaggico no interior do qual

se desenvolve a escrita nos anos finais do Ensino Fundamental.

Importou para a anlise dos dados gerados a fundamentao nos

pressupostos estabelecidos por Vygotski (1993) sobre a relao entre aprendizagem

e desenvolvimento psicolgico e qual Davidov (1982)3 atribuiu grande importncia

ao aprofundar os estudos sobre o papel do ensino no desenvolvimento do aluno,

por meio da estruturao de sua atividade de estudo e com foco no conhecimento

terico e nas generalizaes tericas (LIBNEO; FREITAS, 2013, p. 329).

Como sua preocupao central deu-se em razo da formulao de uma teoria

de ensino-aprendizagem que relacionasse a influncia da educao e do ensino no

desenvolvimento do aluno, Davidov (1996,1997), em pesquisas realizadas com

Elkonin, formulou a teoria do ensino desenvolvimental com foco na atividade de

estudo, propondo, nos anos de 1960, a criao de novos programas de ensino a

partir dos postulados vigotskianos de que a base do desenvolvimento intelectual das

3 A grafia do nome do autor aparece de distintas formas em suas obras, bem como em textos de autores que o

estudam: Davydov, Davdov e Davidov. Assim como na grafia do nome de Vigotski, tambm fizemos a opo por empregar a grafia em portugus do seu nome (Davidov), mais comumente adotada por pesquisadores brasileiros. Mas, quando tratarmos de citao, ser mantida a grafia conforme os originais.

20

crianas est no contedo dos conhecimentos assimilados. E, assim, criou-se o

conhecido sistema didtico Elkonin-Davidov4, cuja hiptese central a de que as

crianas pequenas podem desenvolver o pensamento terico por meio da

assimilao do conhecimento terico.

O sistema didtico Elkonin-Davidov, em oposio escola tradicional

sovitica da poca em que o ensino se baseava no conhecimento emprico (a partir

da aparncia do objeto, prprio da prtica cotidiana) prope uma perspectiva inversa

de anlise que parte do aspecto gentico e essencial dos objetos (mtodo geral), na

perspectiva de uma compreenso da articulao entre o todo e as partes, ao que

denominou de pensamento terico.

Com base no conceito de atividade, indicado por Leontiev5 (1978), Davydov

identificou o conhecimento terico como o contedo central e especfico da atividade

de estudo do aluno e que supe a necessidade de apropriao da experincia social

e histrica da humanidade representada pelos objetos do conhecimento.

Assim, a importncia do pensamento terico est relacionada ao

desenvolvimento de processos mentais para chegar a conceitos e, ento,

transform-los em ferramentas para generalizaes conceituais e aplicao em

problemas especficos.

A partir desse princpio, o papel do professor, especialmente, o de lngua

portuguesa, estruturar e organizar atividades de estudo que sejam favorecedoras

dessas abstraes e generalizaes dos conceitos e tornem os alunos capazes de

utiliz-los na anlise e soluo de problemas especficos que envolvam o objeto do

4 Para ampliao da leitura sobre o tema, sugerimos o artigo, em portugus, Didtica desenvolvimental da

atividade: o sistema Elkonin-Davidov (1958-2015), de Roberto Valds Puentes (2017). Segundo Puentes (2017), a concepo terica de ensino desenvolvida por Davidov, Elkonin, Repkin e seus colaboradores passou a ser chamada inicialmente de sistema Elkonin-Davidov e depois de Ensino Desenvolvimental ou Teoria da Atividade de Estudo. O sistema didtico foi aplicado pela primeira vez, de forma experimental, na escola n. 91 de Moscou, em 1959. As pesquisas foram interrompidas por quatro anos (1982-1986) devido a perseguies polticas aos pesquisadores e intrigas no meio acadmico. Mas, nos anos de 1986 a 1994, o governo russo reconheceu o trabalho dos pesquisadores e adotou em massa o sistema Elkonin-Davidov como um dos trs sistemas da Didtica Desenvolvimental da Atividade, junto com o sistema Galperin-Talzina e o sistema Zankoviano. Com o fim da Unio Sovitica, as pesquisas do grupo tiveram seu financiamento drasticamente reduzido ou cessado no caso das escolas localizadas nas ex-repblicas soviticas. Atualmente, com a asceno ao poder do presidente Vladiminr Putin, indo agora para mais um mandato em 2018, as reformas polticas e econmicas implementadas por Putin afetaram duramente o sistema nacional de educao e os sistemas didticos alternativos como o sistema Elkonin-Davidov. Segundo Puentes (2017), o sistema sobrevive com a ajuda de poucos pesquisadores e escolas, existindo praticamente na clandestinidade. 5 Segundo Leontiev (1978, 2014), a atividade so processos psicologicamente caracterizados por uma

macroestrutura de vnculos que se movem, como um todo, em direo a um objetivo que coincide, sempre, com o motivo que mobilizou o sujeito a executar tal atividade para satisfazer uma necessidade especial.

21

conhecimento terico, nesse caso, o conceito terico de escrita como instrumento

cultural complexo.

Considerando a proposta terica de generalizao conceitual e

desenvolvimento do pensamento terico, o conceito de escrita a ser apropriado

dever seguir o caminho da abstrao e generalizao, a partir da realizao de

atividades de estudo em que, primeiramente, seja desenvolvido o conceito de escrita

em sua funo social, como cultura escrita, para depois, com base nesse conceito,

proceder anlise do objeto em suas formas mais distintas e em contextos

especficos.

Nesse sentido, as atividades de estudo devero partir das necessidades e

motivos para apropriao das riquezas culturais da humanidade; segundo, a

formulao de tarefas de estudo do objeto como fenmeno universal abstrato;

depois, a anlise de suas diversas manifestaes em forma imediata, substantiva,

dos conceitos especficos do conhecimento terico. Isto significa compreender, por

exemplo, nos estudos sobre a escrita, que no se deve comear pelo estudo

estrutural, morfossinttico da palavra, mas pelo significado semntico que esta traz

para, depois, estabelecer sua relao com tipos estveis de enunciados da lngua,

que permitam, ao estudante, apropriar-se de estratgias de construo discursiva

que o capacitem a se tornar um usurio efetivo da escrita na sociedade em que vive.

Esse parece ser o desafio maior, como resume Mello (2010a): trazer a cultura

escrita para dentro da escola, por meio do trabalho com uma variedade de suportes

textuais nos quais se sustentam os diversos gneros discursivos para que, ento,

possa-se fazer da escola um espao da cultura escrita por excelncia.

Considerando a teoria do ensino desenvolvimental de Davidov para o trabalho

com a escrita a ser desenvolvido com e pelos professores de lngua portuguesa,

esta se demonstrou importante para a pesquisa, considerando as implicaes da

teoria da atividade e dos conceitos de atividade de estudo para aprofundamento das

investigaes dos problemas do ensino e da escrita, bem como para refletir sobre a

atividade de ensino dos professores por meio do desenvolvimento do pensamento

terico, que deve partir das abstraes, generalizaes e conceitos, em substituio

aos conceitos espontneos, de base emprica, que, pelo processo de superao,

elevam-se ao nvel do conceitual terico.

22

Assim, pensar a escrita a partir do pensamento terico implica substituir os

princpios que ainda regem o ensino da lngua como ensino mnemnico das

estruturas lingusticas, como hbito motor, mecnico da produo textual e romper

com a superficialidade na apresentao dos conceitos tericos, direcionando o

ensino da escrita, desde os primeiros anos escolares, para a formao do

pensamento terico.

Dessa forma, tanto os contedos quanto os procedimentos metodolgicos

estaro voltados, secundariamente, para que os alunos se apropriem teoricamente

dos conhecimentos sobre a escrita que parta do geral, buscando compreender a

gnese, a essncia do conceito.

Assim, entendemos que a reflexo do docente de lngua portuguesa, a partir

das mediaes tericas, pode contribuir para o desenvolvimento no processo da

escrita nos anos finais do Ensino Fundamental e favorecer uma prtica pedaggica

situada, intencional e sistematizada para a constituio do ser humano como sujeito

de linguagem que precisa apropriar-se desta como maneira de colocar-se no mundo,

fundando sua prpria historicidade.

Apresentarei, a seguir, a estrutura deste trabalho e explicitarei os caminhos

trilhados a partir das bases terica, metodolgica, axiolgica, filosfica, conceitual e

epistemolgica que guiaram nosso pensamento, nossas aes e embasaram esta

pesquisa.

O primeiro captulo explicita OS CAMINHOS DA PESQUISA PELO

MATERIALISMO HISTRICO-DIALTICO a partir do referencial Histrico-Cultural e

discute o mtodo e as categorias metodolgicas assumidas na pesquisa. Apresenta,

ainda, o percurso metodolgico e o campo da pesquisa que contemplam a escola

como lcus de anlise, os participantes e seu universo de trabalho. Tambm

organizamos um quadro estruturante com as leituras realizadas, mas sem a inteno

de didatizar o trabalho com O texto na sala de aula, apenas para evidenciar o

caminho que pretendamos percorrer com o grupo de professores, naquele dado

momento e dentro de determinadas condies do trabalho docente.

O segundo captulo apresenta O SENTIDO HUMANIZADOR DO TRABALHO

DOCENTE E O SIGNIFICADO DE ESCRITA PARA O PROFESSOR DE LNGUA

PORTUGUESA, enfocando a formao continuada do professor de lngua portuguesa

23

como possibilidade para uma reflexo sobre sua prtica e a transformao do seu

trabalho com a escrita em atividade humanizadora sua e de seus alunos.

No terceiro captulo, intitulado O ESPAO DIALGICO: no rio de reflexes

sobre a prtica, as pontes de mediao terica, apresento, a partir das fontes

geradoras de dados (dirios de campo, discusses do grupo dialogal, registros de

autorreflexo dos professores e o questionrio do primeiro encontro do grupo), as

anlises que partem das leituras realizadas pelo grupo de professores participantes em

articulao aos conceitos trabalhados durante o processo de formao continuada

proposto na pesquisa. Na anlise, apresento no s os achados da pesquisa, mas

tambm os equvocos cometidos na conduo da investigao e que seguem

apresentados como limites e possibilidades deste trabalho. Explicito as estratgias

construdas com os professores e utilizadas nas turmas, alm das anlises dos dados

gerados pela pesquisa sobre o processo de apropriao da escrita, enfocando os

sentidos do trabalho docente para os professores nos processos de produo de textos

com os alunos, as condies em que desenvolvem seu trabalho e sua formao.

Ao finalizar a apresentao do relatrio de pesquisa, teo as concluses

deste trabalho com o intuito de referendar a tese proposta para esta investigao e

apontar caminhos compreenso de uma prtica pedaggica situada e intencional

para a mediao do processo de desenvolvimento da escrita dos alunos dos anos

finais do ensino fundamental.

24

1 OS CAMINHOS DA PESQUISA PELO MATERIALISMO HISTRICO-DIALTICO

Se pesquisar a formao de professores implica compreender o que significa

formao e pesquisa, parte desta compreenso deve-se assuno de um ponto de

vista tanto conceitual quanto poltico sobre esses significados. Como destacam

Bissoli e Both (2016, p. 16), fundamentadas em Mszros (2005), Formar

professores , por isso, assumir uma postura filosfico-ideolgica, conceitual e

axiolgica que pode se perfilar lgica neoliberal ou, antes, constituir lcus de

contrainternalizao, resistncia e transgresso.

Assim, se a pesquisa procede de uma conscincia que se identifique com as

massas, essa ser a condio para a qual se voltar o seu resultado,

independentemente de qualquer finalidade previamente destinada, como pontua

Pinto (1969).

Nesse ponto, destaca-se a dialtica entre singularidade, particularidade e

universalidade, segundo a qual a pesquisa assume a tarefa de perceber, nas

situaes singulares que investiga, como a particularidade que envolve as histrias

dos sujeitos, ou suas condies materiais de existncia que se expressam

diferentemente de acordo com a classe social a que pertenam na sociedade

capitalista , permite ou no que esses mesmos sujeitos se aproximem (ou se

distanciem) do desenvolvimento mais avanado alcanado pela humanidade.

Conforme Oliveira (2005), a dialtica singular-particular-universal

[...] constitui-se na relao entre a singularidade (o indivduo) e a universalidade (o gnero humano), a qual se concretiza atravs das mltiplas mediaes determinadas pelas relaes sociais especficas do contexto (a particularidade) em que esse indivduo est inserido. (OLIVEIRA, 2005, p. 20).

Como define Oliveira (2005), essa a compreenso fundamental que se deve

ter, na condio de pesquisador ou profissional que pretende contribuir para a

emancipao humana, ao considerar que todo esse processo entre o singular (o

indivduo) e o universal (o gnero humano) se materializa por meio das relaes que

esse indivduo singular mantm com a particularidade. A questo a ser discutida,

ento, como essa singularidade humana construda na sua relao com a

universalidade, em que a funo da particularidade, enquanto mediao social por

25

meio da qual a universalidade se concretiza na singularidade, pode estar sendo

suprimida pelo bvio, como Mello (1993) alerta. Para a autora, a obviedade

estabelece uma relao direta e restrita entre indivduo-sociedade e indivduo-

genericidade, como processo adaptativo ao social, conforme denuncia Oliveira

(2005, p. 19-20), numa adaptao [que] no visa universalizao do homem, mas

universalizao do mercado.

A pesquisa se coloca, pois, como investimento na atividade de compreender

os mltiplos determinantes que medeiam as relaes entre os sujeitos singulares e o

humano genrico, como pontua Oliveira (2005) ou, mais especificamente, de

entender como as condies do contexto em que os professores de lngua

portuguesa produzem seu trabalho e sua formao alterados pela presena da

pesquisadora e pelas mediaes que produz permitem ou no a sua humanizao

e a de seus alunos.

Em outros termos, este trabalho assume os pressupostos vigotskianos de que

o desenvolvimento das funes psquicas superiores (VYGOTSKI, 2000a), que visa

a garantir a apropriao do patrimnio humano-genrico por todas as pessoas,

especialmente quelas que pertencem s camadas sociais que dele esto

expropriadas, deve caminhar de uma conscincia interpsquica que reside na prtica

social dos homens outra intrapsquica. Por meio das mediaes tericas do

trabalho de pesquisa, como atividade de mediao social do homem da cincia,

pretende-se interferir positivamente sobre o processo de tomada de conscincia dos

professores a respeito de seu trabalho com a escrita. preciso compreender que ao

pesquisador, cuja existncia tambm condicionada pelas determinaes da elite

que o dirige, cabe, por seu turno, a assuno consciente do seu papel como agente

de uma prxis transformadora, ao construir conhecimentos sobre e nas relaes que

estabelece com os sujeitos da realidade investigada, conforme pontua Snchez

Vzquez (2011).

Para o materialismo histrico-dialtico, a compreenso processual e totalitria

de dado fenmeno encontra respaldo, sobretudo, na dialtica, cujo fundamento da

anlise sustenta-se no estabelecimento de nexos entre singular e universal,

permitindo enxergar, em dado fenmeno, em que medida a singularidade condensa

a universalidade (MARTINS, 2015, p. 38).

26

Considerando neste estudo a adoo de uma concepo de pesquisa pela

epistemologia materialista histrico-dialtica e, ainda, dentro de uma perspectiva da

pesquisa com formao, que congrega a dimenso formativa como elemento

potencial e primordial da investigao, a opo terico-metodolgica pela Teoria

Histrico-Cultural e suas implicaes na perspectiva de realizao de uma pesquisa

com formao tornaram-se escolhas imbricadas.

Sob uma orientao dentro de um enfoque histrico-cultural, Delari Jr. (2015)

destaca que a questo do mtodo se coloca como uma questo central de busca da

verdade, como um dos meios necessrios para que a investigao cientfica atinja

um conhecimento crtico sobre a realidade humana e traga luz fundamentos para a

sua transformao coletiva em direo emancipao do gnero humano.

Para caminhar na direo dessa busca da criticidade, dois princpios devero

estar articulados: o princpio dialgico e o princpio da prtica.

1.1 O princpio dialgico

O princpio dialgico ou dialogismo pode ser compreendido nos estudos de

Volchinov (2017) sobre tema e significao na lngua em relao aos problemas da

compreenso. Segundo Volchinov (2017, p. 232), Toda a verdadeira compreenso

ativa e possui um embrio de resposta. Apenas a compreenso ativa capaz de

dominar o tema, pois o processo de formao s pode se apreendido com a ajuda

de outro processo em formao.

Desse modo, segundo Volchinov (2017), para compreender o discurso do

outro preciso que nos orientemos em relao a ele e, a cada palavra de enunciado

compreendida, acrescentemos nossas prprias camadas de palavras responsivas.

Nesse processo de compreenso ativa e responsiva, o autor reafirma o postulado de

que Toda a compreenso dialgica (VOLCHINOV, 2017, p. 232).

Nesse sentido, o dialogismo compreendido a partir do sentido de enunciado

como formas de discursos verbais vivos e integrais que compem a estrutura

socioideolgica. Assim, ao partirmos para uma anlise dialgica:

27

necessria uma anlise profunda e detalhada da palavra na qualidade de signo social, com o propsito de compreender a sua funo com um meio da conscincia.

Esse papel excepcional da palavra como um meio da conscincia determina o fato de que a palavra acompanha toda a criao ideolgica como seu ingrediente indispensvel. A palavra acompanha e comenta todo ato ideolgico. (VOLCHINOV, 2017, p. 100).

Mesmo assim, Volchinov (2017, p. 101) destaca que a palavra no capaz

de substituir por completo todos os signos ideolgicos, mas todos os signos

ideolgicos apoiam-se na palavra e so acompanhados por ela que est presente

em todo ato de compreenso e em todo ato de interpretao. Por isso, as prprias

formas e mecanismos da refrao ideolgica no signo e na conscincia devem ser

estudados no elemento material lingustico da palavra.

Considerando os parmetros de anlise dos registros de autorreflexo e as

produes orais dos sujeitos enunciadores, o princpio dialgico, conjugado com os

estudos da funo do signo no desenvolvimento das funes psquicas superiores,

definida por Vygotski (2007), busquei identificar as vozes que os sujeitos assumiram,

ou a quem atribumos a responsabilidade pelos enunciados nas atividades coletivas

mediadas pelas prticas de linguagem.

Analisei as instncias enunciativas s quais pertencem as vozes dos

sujeitos enunciadores: vozes do personagem (autor-personagem), vozes das

instncias sociais ou vozes do autor emprico, no perdendo de vista, nas anlises

realizadas, que voz ou vozes tinham assumido a responsabilidade pelos enunciados

e como ocorreu seu gerenciamento pelos sujeitos enunciadores que se apropriam

dessas vozes.

Assim, a palavra que buscamos nas anlises, como postula Bakhtin (1997, p.

393), precisa estar fundamentada, pois tem A obrigao de ser o representante de

algum. O cientista dispe de suas teorias, de sua experincia, de suas

experimentaes. Talvez, nesse ponto o cientista se aproxime mais do jornalista,

para quem Bakhtin (1997, p. 393) considera que Vive na esfera das questes que

podem ser resolvidas na contemporaneidade (ou, pelo menos, num tempo prximo).

Participa de um dilogo que pode ser concludo, de um dilogo que pode passar

ao, pode converter-se em fora emprica.

28

Se, como pontua Delari Jr. (2015), o relativismo e o dogmatismo negam o

dilogo, o princpio dialgico, por outro lado, estabelece o confronto para buscar a

maior objetividade que o critrio essencial para chegar crtica, como nos ensina

Saviani (1991), pois a criticidade demanda atentar para as contradies do real

como critrio de objetividade.

Porm, Delari Jr. (2015) alerta que o dilogo no suficiente para garantir a

existncia da objetividade, pois necessrio tambm o confronto com a realidade

material mediante uma interveno prtica que atue sobre, dentro e como

componente dessa prpria realidade. Assim, o princpio dialgico, cujo

entendimento busquei em Volchinov (2017), complementa-se ao princpio da

prtica, fundamentada nos postulados marxistas.

1.2 O princpio de prtica pelo marxismo

Embora o dilogo seja um princpio potencializador que permite a articulao de

pontos de vista parciais para a compreenso objetiva do conjunto da realidade, no

princpio da prxis, como prtica transformadora da realidade e possibilitadora da

emancipao do ser humano como ser humano genrico, que se constitui a fonte e o

destino do conhecimento crtico.

importante destacar que teoria e prtica no podem ser pensadas

separadamente, como momentos estanques em que uma s comea quando a outra

termina. Ou ainda pior, como se apregoa no senso comum, que na teoria uma coisa,

mas na prtica outra, como se teoria e prtica pudessem ser atividades

independentes e desconectadas. Como muito bem pontua Snchez Vzquez (2011, p.

242), O senso comum o sentido da prtica. [...]. A conscincia simples se v a si

mesma em oposio teoria, j que a intromisso dessa no processo prtico lhe

parece perturbadora.

A teoria , pois, um momento importante da prxis, pois o que vai qualific-la,

distinguindo-a de uma atividade cega, repetitiva. Do mesmo modo, a prxis, para existir,

precisa ser realizada por indivduos livres, conscientes, no podendo ser confundida

29

como simples prtica laboral, pois, como nos orienta Marx, a liberdade comea onde

cessa o trabalho condicionado pela necessidade e por fins externos.

Pensado a categoria da prxis a partir do ngulo do trabalhador, Marx auxilia na

compreenso de que, historicamente, as concepes sobre teoria e prtica

desenvolveram-se a partir do modo de produo do sistema capitalista que transformou

a fora de trabalho em mercadoria, igual a qualquer outro produto, comprado ou

vendido por um preo sujeito a avaliaes puramente quantitativas.

Como pesquisadora da rea da formao de professores cujo campo conjuga a

dimenso da formao e do trabalho docente, acredito no necessrio esforo cognitivo,

nesse processo de articulao entre teoria e prtica, mediado pelo dilogo, para

resgatar nos participantes da pesquisa as inquietaes que j mobilizavam os gregos

antigos, isto , envolver tambm a atividade moral, a participao nos dilogos e

decises com demais membros da sociedade, a fim de pensarmos uma formao

docente em que professores, livres e crticos, nos limites e possibilidades da estrutura

social vigente, possam refletir sobre sua realidade e, assim, ter condies de

transform-la.

Apesar dos nossos esforos em pesquisa, sabemos que existem muitas

limitaes e desafios que se colocam prtica pedaggica do professor para o

desenvolvimento de uma prtica transformadora e emancipatria na escola.

necessrio esforo cognitivo, leituras e compromisso tico para entender que teoria e

prtica, embora sejam diferentes e contraditrias, so os dois lados opostos de uma

mesma moeda.

Pasqualini (2015), em pesquisa sobre a prtica pedaggica do professor da

educao infantil, pontua, dentre as dificuldades de realizar pesquisa dentro do

materialismo histrico-dialtico, a compreenso dicotmica do docente sobre a

totalidade concreta, que vislumbra a busca pelo conhecimento crtico como atividade

prpria do pesquisador, cabendo-lhe, apenas, na funo de docente, realizar a prtica a

partir das orientaes que o campo terico indicar, como se este fosse superior quela.

A articulao dos dois princpios para a busca da criticidade, o dialogismo e a

prtica, permite estabelecer uma relao de contradio e de interdependncia entre os

elementos constitutivos da realidade que precisa ser mudada, interpretada, refletida e

pensada criticamente.

30

Como a grande preocupao de Vigotski esteve sempre voltada questo do

mtodo, como questo primria que permite realizar a busca da verdade, acredito que

essa seja tambm uma preocupao vital no desenvolvimento de todo percurso de

pesquisa que se coloque dentro de uma concepo materialista histrico-dialtica e de

uma orientao histrico-cultural.

Nesse sentido, nossa pesquisa sobre as reflexes dos professores de lngua

portuguesa acerca do processo de apropriao da escrita na esfera escolar, nos anos

finais do ensino fundamental, seguiu os caminhos da cognio traados por Vigotski e

didaticamente explicitados por Delari Jr. (2015), o qual passo a expor, partindo sempre

de uma compreenso do mtodo como campo terico-filosfico e como prtica da

investigao cientfica, e de metodologia como as problematizaes acerca do mtodo

que reflete criticamente sobre as prprias condies de possibilidades para que o

conhecimento terico se d (DELARI JR, 2015, p. 55).

1.3 O mtodo e as categorias metodolgicas assumidas na pesquisa

Considerando os conceitos de mtodo e de metodologia tomados na Teoria

Histrico-Cultural, cabe apresentar as categorias metodolgicas gerais postuladas por

Vigotski e que esto a problematizar o processo de investigao por meio das seguintes

questes: (i) qual o objeto de anlise; (ii) qual o princpio explicativo para o objeto de

anlise; (iii) qual a unidade de anlise que articula concretamente o objeto ao seu

princpio explicativo; e (iv) qual o modo de proceder anlise que perpassa o objeto a

ser analisado, o seu princpio explicativo e a unidade de anlise articulatria entre

objeto-princpio explicativo.

Anuncio neste subitem que, para a anlise dos dados gerados, as categorias de

Humanizao, Atividade e Desenvolvimento, articuladas s unidades de anlise do

significado e das vivncias e partindo do princpio explicativo da mediao pedaggica e

da necessidade de apropriao-objetivao da escrita, devem permear todo o processo

da pesquisa, desde as discusses no grupo dialogal, a anlise de narrativas de

autorreflexo, a observao participante das turmas e os registros do dirio de campo,

como possibilidade de compreenso das mltiplas relaes e contradies da realidade

pesquisada.

31

Apresentadas as categorias metodolgicas, passarei a explicitar o delineamento

da pesquisa, a partir da articulao que estabeleo entre o estudo desenvolvido, o

objeto de anlise, o princpio explicativo do objeto, a unidade de anlise e o modo de

proceder anlise.

1.3.1 O objeto de anlise da investigao

Ao considerarmos, dentro da psicologia histrico-cultural, como seus grandes

objetos de anlise a conscincia, a personalidade e o prprio homem, uma vez que

estes, como pontua Delari Jr. (2015), no so dentro da tradio marxista da psicologia

histrico-cultural entes com vida prpria, seres em si, mas seres sociais, podem-se

encontrar tambm as denominadas funes psquicas superiores (FPS) como

importantes objetos de anlise e que, por definio, so desenvolvidas de maneira

consciente, no meio social, de forma mediada e voluntria.

Para Vygotski (2012), as funes psicolgicas do ser humano esto regidas,

dentro de um sistema amplo e complexo, por aspiraes, atraes e interesses

sedimentados na personalidade. Essas so foras motrizes que variam de acordo com

a idade e seu desenvolvimento determina as mudanas que ocorrem na prpria

conduta.

Para o autor bielorrusso, preciso ver esse processo de desenvolvimento em

toda a sua complexidade real e tomar em conta todas as novas formaes reais que

surgem quando a criana passa de uma idade outra (VYGOTSKI, 2012, p. 12,

traduo nossa).

Como uma das formas superiores de conduta, a escrita constitui-se como

elemento da conscincia humana que contm todas as contradies desse conjunto. A

escrita, como instrumento cultural, no s possibilita o registro, a comunicao, a

expresso das formas mais elaboradas da cultura humana, mas, sobretudo, como

elucida Vygotski (2000b), do ponto de vista psicolgico,

[...] o domnio da escrita no deve ser entendido como uma forma de conduta puramente externa, mecnica, dada desde fora, mas como um determinado momento no desenvolvimento do comportamento que surge de modo inevitvel em um determinado ponto e est

32

vinculado geneticamente com tudo que o preparou e o tornou possvel. O desenvolvimento da linguagem escrita pertence primeira e mais evidente linha do desenvolvimento cultural, uma vez que est relacionado com o domnio do sistema externo de meios elaborados e estruturados no processo do desenvolvimento cultural da humanidade. (VYGOTSKI, 2000b, p. 185).

A importncia da funo psquica superior da linguagem, destacada por

Vygotski (2000b), reside justamente no fato de pertencer a essa primeira linha do

desenvolvimento cultural que permite a conexo social entre humanos e a

capacidade de influenciar no seu desenvolvimento por meio da apropriao das

objetivaes humano-genricas6.

Sobre a categoria objetivao-apropriao na relao entre o pensamento e a

linguagem, Grillo (2017, pp. 18-19), em ensaio introdutrio obra Marxismo e

Filosofia da Linguagem (MFL) de Volchinov (2017), ao citar Humboldt7 (2013),

destaca que a essncia da linguagem ser mediao entre os homens e deles com

o mundo [...] e a lngua elo entre os homens, pois este s compreende a si mesmo

depois de certificar-se da compreenso de suas palavras pelos demais.

Nesse sentido, Vygotski (2012, p. 73) tambm argumenta que Para captar a

prpria dinmica espiritual, para compreender as prprias percepes externas, o

indivduo deve objetivar cada uma delas em palavras e relacionar com outras

palavras (VYGOTSKI, 2012, p. 73).

6 Conforme Heller (1977), as objetivaes humano-genricas so o resultado da atividade humana, usado como

sistema de referncia contextual e concretizado historicamente pelos homens ao longo das geraes, no percurso de toda a histria da humanidade. Dividem-se em objetivaes em-si (ontologicamente primrias: linguagem, usos e costumes) e para-si (ontologicamente secundrias: Cincia, Arte, Moral, Poltica e Filosofia). Ainda segundo Heller (1977), como as objetivaes humano-genricas se efetivam por meio da socialidade e dentro da estrutura social em que o indivduo vive, tambm s podem ser concretizadas em sua plenitude quando esse indivduo consegue superar as determinaes histrico-sociais e se apropriar das possibilidades j apresentadas pelo gnero humano.

7 Importante linguista alemo, Wilhelm von Humboldt (1767-1835) considerado o fundador da

lingustica geral embora no Brasil esse ttulo seja atribudo a Saussure - e foi quem deu as bases para os estudos histricos da linguagem dentre tantos outros na rea da filosofia, teoria literria, filologia clssica, lnguas basca, indgena das Amricas e chins. Na obra MFL, Volchinov (2017) destaca a influncia determinante desse terico para a lingustica russa, dado que seu pensamento mais amplo, complexo e contraditrio, e por isso que Humboldt se tornou mentor de orientaes bastante dspares (VOLCHINOV, 2017, p. 149).

33

Grillo (2017, p. 26), ao sintetizar os princpios da concepo de Potebni8

(2010) sobre a relao entre pensamento e linguagem, argumenta que A palavra

contm a representao do elemento unificador do objeto bem como a imagem

partilhada; ambos compem o elemento estvel da representao ao mesmo tempo

que encerram a possibilidade do novo, do inesperado.

E como no se pode perder de vista que o projeto da psicologia histrico-

cultural desenvolver a cincia do novo homem, pois, reiterando a mxima da

Teoria Histrico-Cultural, o compromisso maior de seus pesquisadores est em

explicar a realidade no s como ela , mas como ela pode ser, todo objeto de

anlise da THC deve voltar-se a um projeto de transformao da sociedade,

contribuindo para que seja justa e igualitria e, como tambm nos orienta Pinto

(1969), que adote uma posio em favor das massas mais sacrificadas da

sociedade.

Nesse aspecto, delimitei como objeto primrio de anlise nesta tese a

formao continuada dos professores de lngua portuguesa e, como objeto

secundrio, a compreenso da lngua escrita nos anos finais do ensino fundamental.

Sustento que, a partir dessa categoria metodolgica, as anlises dos objetos podem

contribuir para as transformaes sociais, em que alunos compreendam o

significado social de escrita e seus professores recuperem o sentido da atividade

mediadora do trabalho pedaggico, o senso crtico diante da realidade e,

consequentemente, a humanizao.

1.3.2 O princpio explicativo para o objeto de anlise

Para a THC, no basta eleger o objeto e analis-lo. preciso, alm disso,

estabelecer os nexos causais entre o objeto e aquilo que explica sua origem

histrica. Se, para o materialismo histrico-dialtico, as relaes sociais

estabelecidas historicamente marcam a ontognese humana, suas contradies,

8 Fillogo russo-ucraniano, Aleksandr Potebni (1835-1891) considerado um dos expoentes russos

do subjetivismo individualista de tendncia humboldtiana. Embora convirjam em muitos pontos, Potebni tece vrias crticas a Humboldt e assume, em sua concepo da relao entre pensamento e linguagem, que As leis de criao da linguagem so psicolgicas, portanto, a origem da linguagem est nas leis do psiquismo individual (GRILLO, 2017, p. 25).

34

avanos, retrocessos e superaes, possvel, ento, compreender por que, para a

psicologia histrico-cultural, no h outro princpio explicativo para a conscincia, as

funes psquicas superiores e a personalidade que no seja necessariamente pelas

relaes sociais humanas.

Como pontua Delari Jr. (2015), o surgimento de diferentes momentos do

desenvolvimento ontogentico, como as fases de transio, explica os diferentes

modos de relao social que se apresentam na existncia humana, em cada idade

psicolgica. As relaes sociais so fonte, fora motriz e princpio explicativo de

anlise das funes psquicas humanas.

Em um trecho lapidar, Vygotski (2012, p. 21, traduo nossa) declara que,

De fato, somente o homem no processo de seu desenvolvimento histrico consegue criar novas foras motrizes da conduta, to s ao longo do processo histrico-social do ser humano tem surgido, tem se formado e tem se desenvolvido suas novas necessidades ao tempo em que as prprias necessidades naturais tm experimentado uma profunda mudana no desenvolvimento histrico do homem. (VYGOTSKI 2012, p. 21, traduo nossa).

Assim, segundo Vygotski (2012, p. 21), preciso levar em considerao a

mudana da natureza humana no processo de desenvolvimento histrico, o carter

histrico das novas formaes psquicas, que se pode denominar de interesses, e

compreender que as necessidades humanas se refratam mltiplas vezes no prisma

das complexas relaes.

preciso, ainda, compreender as relaes sociais no apenas como fatores

externos, do meio ambiente em interao com o indivduo ou, tampouco, simples

contexto, pano de fundo, cenrio. As relaes sociais como princpio explicativo so,

segundo Vygotski (2012), situaes sociais marcantes e de profundo impacto que

ocorrem no ser humano. Considerando a adolescncia, especialmente, a fase de

transio, existem mudanas qualitativas significativas no pensamento do

adolescente, com o aparecimento de uma forma completamente nova de relao

entre o abstrato e o concreto, uma nova forma de fuso ou de sntese, cujo ncleo

fundamental a formao de conceitos, que aglutina todas as mudanas que se

produzem no pensamento do adolescente.

Dessa forma, considerando como objeto de anlise a compreenso, pelo

professor de lngua portuguesa, do processo de apropriao da escrita nos anos

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finais do ensino fundamental, por meio das mediaes realizadas no grupo dialogal,

preciso pensar tambm sobre as mltiplas determinaes que esto a influir no

adolescente durante a idade de transio9, o que implica compreender, por exemplo,

que preciso criar a necessidade da escrita a partir da formao de interesses (que

so necessidades culturais superiores) pela escrita que movero o jovem a

estabelecer, com esse instrumento cultural complexo, uma ligao com as demais

atividades que sucessivamente aparecero em sua vida.

Como as relaes pessoais, nessa fase, so o ponto de partida, h de se

considerar que o adolescente se completa, enriquece-se e se orienta pelo social,

conforme nos orienta Vygotski (2012) que, ao citar Zalkind (s.d.), alerta, ainda, que

preciso partir dos grandes interesses do adolescente e, aos poucos, ir orientando e

transformando seus interesses e atividades por meio da insero de atividades

correntes, do cotidiano, que tambm so importantes nessa relao entre o pessoal

e o social, o intrapsquico e o interpsquico.

preciso, pois, como sustenta Vygotski (2012, p. 24), compreender que

todos os mecanismos da conduta do adolescente comeam a funcionar em um

mundo interno e externo completamente distinto, em que interesses internos e

influxos incitadores externos so responsveis pelas mudanas profundas que

experimentam os adolescentes neste perodo.

Pensando mais especificamente sobre as atividades de escrita, alm da

mediao pedaggica do professor e/ou de um par mais avanado, preciso

considerar os interesses egodominantes dos adolescentes, os interesses centrais e

que podem mov-los para os atos de escrita. Assim, o professor, como aquele que

organiza os elementos externos mediadores do processo de apropriao-objetivao

do conhecimento historicamente acumulado, precisa pensar em propostas de

atividades de leitura e produo de textos que saiam das temticas habituais, sejam

mais desafiadoras e projetem o pensamento do adolescente para as grandes

9 Ao citar os estudos de Blonski (1930), Vygotski (2012, p. 255, nossa traduo) destaca etapas e estgios do

perodo de vida infantil que so separados entre si por crises mais [etapas] ou menos [estgios] violentas. Essas etapas so perodos da vida infantil marcados por mudanas no desenvolvimento que, s vezes, apresentam-se sob a forma de crises agudas. Na idade de transio, por volta dos treze anos, diversos autores descrevem uma crise que denota uma fase negativa da idade de maturao sexual, marcada pela queda no rendimento escolar que se d pela mudana do pensamento visual-direto a uma forma superior de atividade intelectual voltada deduo e compreenso. Os perodos de crise se intercalam com perodos estveis e confirmam a tese de que o desenvolvimento da criana um processo dialtico, em que a passagem de um estgio a outro no se d pela via evolutiva, mas pela via revolucionria.

36

questes que lhe despertam o interesse e lhe encaminhem rumo s objetivaes

genricas para-si (HELLER, 1977).

Nesse sentido, verifica-se a importncia da escola na modificao de

interesses, permutando-os, educando-os e formando novos interesses culturalmente

desenvolvidos nos adolescentes, a partir da apropriao das objetivaes genricas

que podem ampliar a viso de mundo dos estudantes. Significa, pois, que a escola

pode influenciar positivamente essas tendncias que o adolescente traz,

canalizando essa potncia para outros interesses que so foras motrizes do

desenvolvimento das funes psquicas superiores e para a formao de sua

conscincia e personalidade.

Quanto aos interesses culturais, destaca-se a importncia da escola em

apresentar aos alunos, nesse perodo, os patrimnios culturais desenvolvidos pela

humanidade. Mas preciso questionar, dentro do modo de produo capitalista que

tudo massifica, transformando em produto para ser produzido e consumido em larga

escala, a dificuldade de se desenvolverem interesses culturais fora do que a

indstria cultural tem oferecido aos jovens, impedindo-os, como alerta Adorno

(2002), de se tornarem autnomos, independentes, com capacidade de julgar e

decidir conscientemente.

Ao citar Gramsci (1966), Both (2016, p.148) destaca tambm que a

apropriao desse patrimnio cultural no ocorre espontaneamente, mas necessita

que seja ensinada ao aluno pelo professor, ou seja,

Em outros termos, requer que os conhecimentos que integram o patrimnio cultural da humanidade sejam transmitidos, pelos indivduos que possuem experincia mais rica, para os indivduos menos desenvolvidos (GRAMSCI, 1966), com o propsito de promover a elevao das capacidades na perspectiva humanizadora. (BOTH, 2016, p.148).

Para que esse processo de apropriao ocorra, o adulto tambm dever ter

se apropriado do patrimnio cultural da humanidade. Essa questo coloca em foco o

problema da formao cultural do professor que, como destaca Vygotski (2012),

como adulto mais desenvolvido, deve apresentar ao adolescente os patrimnios

culturais que contribuiro para reorientar seus interesses nessa fase. Mas o

problema incide no fato de que a formao precarizada do professor e suas

condies limitadoras de vida e de trabalho o impedem de ajudar a desenvolver

37

interesses culturais, pois ele mesmo tambm no se apropriou do patrimnio cultural

da humanidade. Afinal, a mxima de que ningum pode dar o que no tem aplica-se

tambm a essa situao.

Dessa forma, pensar sobre o princpio explicativo do objeto, na psicologia

histrico-cultural, no significa apenas saber se os estudantes tm ou no interesse

pelo estudo, pela escrita, pois em uma viso fatalista a partir da qual os interesses

seriam definidos apenas a partir de disposies internas aos indivduos, se no o

tm, jamais estudaro de fato. Significa, entretanto, saber como ser esse interesse

do jovem, de onde procede, como pode ser modificado e ampliado. Assim,

acreditamos que a atividade mediadora do professor, ao partir dessa compreenso

das necessidades culturais que precisam ser cultivadas na idade de transio, cria

uma situao verdadeira em que o adolescente encontra o sentido real da escrita

como um instrumento que ele poder utilizar em suas relaes com as pessoas que

fazem parte de seu universo existencial (BASSAN, 2012, p. 12).

Do mesmo modo, nesta pesquisa, as reflexes realizadas no grupo dialogal e

os registros de autorreflexo que objetivam o processo de transmutao das

relaes interpsquicas do processo formativo em ponderaes dos prprios

sujeitos, mediadas pelo pensamento terico acerca do desenvolvimento da escrita ,

possibilitaram o reencontro (ou mesmo o encontro) do professor com o sentido

humanizador da atividade docente, qualificando a sua prtica pedaggica.

1.3.3 A unidade de anlise que articula o objeto e o princpio explicativo

Como orienta Delari Jr. (2015), no enfoque histrico-cultural, pautado na

prpria epistemologia do materialismo histrico-dialtico, a relao entre o objeto e

seu princpio explicativo no se d de forma direta, mas pela mediao de unidades

de anlise que se constitui como realidade material e dinmica que preserva as

caractersticas essenciais da totalidade. E no sendo possvel, pois, ao investigador

pesquisar a totalidade da conscincia humana e a totalidade das relaes sociais

em seu desenvolvimento, cabe ao pesquisador eleger as unidades de anlise que

iro permitir investigar essa realidade complexa em suas caractersticas mais

concentradas.

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Nesse direcionamento, esta pesquisa considerou como unidades de anlise

que articulam o objeto e seu princpio explicativo duas unidades: a primeira a do

significado social da escrita; a segunda a vivncia do significado social da escrita.

Compreendo essas duas unidades de anlise como cruciais para essa

categoria metodolgica, uma vez que no s articulam o objeto e o princpio

explicativo, mas tambm esto intrinsecamente relacionadas, j que o significado

social da escrita decorre das vivncias, como uma forma particular de experincia

pela qual passamos, uma experincia vivida muito intensamente (DELARI JR.,

2015, p. 62). Do mesmo modo, s podemos partilhar das vivncias de outrem

mediante a apropriao do significado da palavra, materializada nos signos cujos

sentidos e significado do-se na relao com o social.

Assim como ocorre na compreenso da escrita na idade de transio, em que

possvel verificar como as vivncias, aglutinadas pelo signo lingustico, podem

possibilitar no s o desenvolvimento da conscincia (a ampliao da viso de

mundo dos adolescentes), mas tambm podem promover o desenvolvimento da

personalidade, do mesmo modo, considerou-se o significado da escrita por parte do

professor de lngua portuguesa, bem como as vivncias do significado social da

escrita.

Dessa forma, busquei, no material coletado/produzido por intermdio das

observaes participantes, do grupo dialogal e dos registros autorreflexivos e do

questionrio do primeiro encontro do grupo, categorizar os sentidos atribudos pelos

professores participantes da pesquisa ao processo de desenvolvimento da escrita

nos anos finais do ensino fundamental, destacando a forma pela qual compreendem

seu trabalho.

Os sentidos da palavra tanto nos discursos orais quanto escritos dos

participantes so tomados como fonte para a apreenso da realidade estudada,

permitindo buscar compreender as relaes entre a realidade em que o trabalho dos

professores se desenvolve, sua formao inicial e continuada (e aquela induzida

pela pesquisa) e as possibilidades de ressignificao da atividade docente no

processo de apropriao da escrita como instrumento cultural complexo. Assim, os

sentidos produzidos pelos professores, ao refletirem sobre a apropriao da escrita

no contexto escolar, suas possibilidades e desafios, constituram o corpus da

pesquisa sobre o qual me debrucei na anlise.

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Cabe, ainda, o alerta feito por Delari Jr. (2015) para o cuidado de no se

confundir unidade de anlise (significado e vivncia), objeto (a compreenso do

ensino de linguagem pelo professor de lngua portuguesa) e princpio explicativo

(relaes interpsquicas, no contexto da formao continuada, em que esto

presentes as reflexes do grupo dialogal, observaes participantes e os registros

autorreflexivos), uma vez que so dimenses muito amplas da pesquisa e com alto

grau de importncia. Compreender um objeto de estudo por meio de uma unidade

de anlise implica encontrar nesse objeto as contradies e os processos de

desenvolvimento que se encontram no objeto como tal (DELARI JR, 2015, p. 77).

Assim, as vivncias partilhadas no contexto da formao continuada com os

professores participantes da pesquisa foram a unidade mediadora para

compreenso dos sentidos de linguagem escrita que os professores desenvolveram.

Para Vygotski (2012), as vivncias continuam se aprofundando com o

desenvolvimento de conceitos e, nesse aspecto, o importante papel da formao

continuada na escola para a sistematizao desses sentidos partilhados socialmente

permite que o indivduo adentre em sua realidade interna, no mundo das suas

prprias vivncias, percorrendo o caminho do interpsquico ao intrapsquico.

1.3.4 O modo de proceder anlise que unifique objeto, princpio explicativo e

unidade de anlise

Considerando a tradio das pesquisas dentro da Teoria Histrico-Cultural, o

mtodo gentico ou gentico-causal consiste num modo de pesquisa que, para

Vigotski, implica buscar saber as causas dos processos investigados dentro de sua

dinmica que inclui aspectos formais, estruturais, funcionais e sistmicos.

Nesta pesquisa, o estudo nos domnios genticos da ontognese da funo

psquica da escrita na idade de transio, alm da anlise microgentica do

desenvolvimento social das funes psquicas superiores dentro do espao da sala

de aula, durante um perodo de nove meses, mediante processos de observao

participante, registros de autorreflexo e grupos dialogais com os professores,

atenderam parte das necessidades deste trabalho de pesquisa e das necessidades

sociais do grupo com o qual trabalhei.

40

No tive, desde o incio, a expectativa ilusria de que, no curto espao de

tempo (de maro a novembro 2017), o grupo alcanaria a superao da

pseudoconcreticidade e a apropriao dos conceitos tericos com a ascenso ao

abstrato-universal, pois, como nos alerta Pasqualini (2015, p. 139), o tempo do

processo de pesquisa e o tempo do processo de formao, em geral no coincidem,

impondo desafios ou mesmo dilemas ao pesquisador na conduo do processo.

Nesta pesquisa, conjuguei, ainda, alguns elementos da pesquisa-formao

que, para Perrelli, Rebolo, Teixeira e Nogueira (2013) trata-se de uma pesquisa que

no se limita a recolher e analisar os dados, mas promove a formao dos

participantes. Nesse sentido, busquei legitimar a pesquisa a partir das tcnicas de

observao participante, grupo dialogal, registros de autorreflexo e questionrio

aplicado no primeiro encontro do grupo. Essas tcnicas foram conjugadas e

adaptadas pesquisa, quando, ento, intentei construir um caminho coerente com a

prpria teoria que assumi aqui, o que s se tornou possvel a partir das mediaes

com os princpios e conceitos da Teoria Histrico-Cultural. Estes foram o ponto de

partida e de chegada da anlise dos dados construdos.

1.4 Percurso metodolgico

A partir do referencial Histrico-Cultural para compreender os sentidos que os

professores atribuem prtica do docente de lngua portuguesa e pautada na

aproximao com o materialismo histrico-dialtico para compreenso crtica da

realidade social, esta pesquisa, com especial fundamento na Atividade de Estudo,

foi orientada na organizao de um grupo de quatro professores de lngua

portuguesa dos anos finais do ensino fundamental, na escola investigada, com o

objetivo de compreender como a reflexo sobre a prtica pedaggica desses

professores, a partir das mediaes tericas, incide no processo de compreenso

sobre o desenvolvimento da escrita. A inteno foi apresentar textos-base da

coletnea de O texto na sala de aula (GERALDI, 1984) que tratam da relao

terico-prtica sobre o ensino da lngua portuguesa sem, contudo, trabalhar

diretamente a teoria.

41

A mediao terica com fundamento na THC foi realizada por meio de textos

norteadores cuja leitura foi de responsabilidade minha, considerando que, medida

que o grupo de professores ganhava estofo nas leituras dos textos-base que so

mais ancorados na prtica, tambm sentiria a necessidade de aumentar seu

arcabouo terico, quando, ento, eu fazia a mediao terica pela THC com os

textos norteadores.

Minha inteno no foi a de limitar o acesso dos textos da THC ao grupo de

professores, pois cheguei a sugerir a incorporao das leituras norteadoras ao

nosso cronograma de estudos. Mas a realidade objetiva se imps sobre os sujeitos

reais. E como a realidade deve ser o critrio de verdade, os sujeitos no dispuseram

(porque tambm no dispunham) mais do que 1h30min por semana para ler, discutir

e refletir sobre os textos-base que selecionamos para abordar a prtica pedaggica

no trabalho com a escrita.

Assim, no planejamento dos encontros do grupo dialogal, realizei snteses

que articulavam as leituras dos textos-base com os textos norteadores, tentando

antever uma prtica que no tinha acontecido. Mas, medida que os encontros

ocorriam, tambm revisava os textos norteadores, os conceitos, num processo de

retomada constante, pois o grupo reconhecia que este era o meu lugar

epistemolgico, o de produzir o conhecimento cientfico pela mediao terica das

reflexes que faziam sobre sua prtica pedaggica.

Para a gerao dos dados da anlise, utilizei quatro fontes de informao,

quais sejam: a) o roteiro de discusso no grupo dialogal, realizado a partir das

leituras e discusses com os professores e redigido pela pesquisadora; b) narrativas

de autorreflexo, realizadas pelos professores, a partir das leituras dos textos

propostos; c) dirio de campo da pesquisadora, redigido a partir das observaes da

prtica em sala de aula, das discusses e das narrativas de autorreflexo e d) o

roteiro de perguntas do primeiro encontro do grupo dialogal (APNDICE F).

1.4.1 A escola: o lcus de anlise

A pesquisa foi realizada em uma Escola Pblica Municipal da zona urbana de

Iranduba-AM, municpio da regio metropolitana de Manaus.

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O primeiro contato com a Escola pesquisada aconteceu em 2015 e os

trmites para autorizao da pesquisa (anexos A e B) ocorreram em 2016, bem

como a autorizao do Comit de tica por meio do processo CEP no 1.821.103

(anexo C). Em 2017 comearam os encontros semanais no grupo dialogal que se

estenderam durante o primeiro semestre letivo (maro a julho). A proposta para o

segundo semestre foi fazer encontros quinzenais (de agosto a novembro), uma vez

que tinha observado, no segundo semestre, que as escolas da rede municipal

possuem um conjunto de atividades programadas pela Secretaria de Educao, em

articulao com uma empresa privada de comunicao e o Exrcito Brasileiro, que

demandam reunies para traar estratgias ou tticas, como distingue Charlot10

(2014), de participao da escola e que incidem sobre o tempo d