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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA COORDENAÇÃO DE PESQUISA Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica PIBIC Projeto de Pesquisa: Racismo, Branqueamento e Democracia Racial Área de Concentração: Ciências Humanas/Psicologia Social Código CNPq: Ciências Humanas 7.07.00.00-1 / Psicologia Social 7.07.05.00-3 Bolsista: Michelle de Farias Leite Departamento de Psicologia Matrícula: 201410038470 Orientador(a): Professor Dr. Marcus Eugênio Oliveira Lima Responsável: Grupo de Pesquisa Normas Sociais, Estereótipos, Preconceitos e Racismo. Departamento de Psicologia /UFS salas 115-117, Didática 1. http://gruponsepr.wordpress.com/ Relatório Final Período Agosto 2014 a Julho 2015 Este projeto é desenvolvido com bolsa de iniciação científica PIBIC/CNPq São Cristóvão/SE 2015

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA

COORDENAÇÃO DE PESQUISA

Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica – PIBIC

Projeto de Pesquisa: Racismo, Branqueamento e Democracia Racial

Área de Concentração: Ciências Humanas/Psicologia Social

Código CNPq: Ciências Humanas 7.07.00.00-1 / Psicologia Social 7.07.05.00-3

Bolsista: Michelle de Farias Leite

Departamento de Psicologia

Matrícula: 201410038470

Orientador(a): Professor Dr. Marcus Eugênio Oliveira Lima

Responsável:

Grupo de Pesquisa Normas Sociais, Estereótipos, Preconceitos e Racismo.

Departamento de Psicologia /UFS – salas 115-117, Didática 1.

http://gruponsepr.wordpress.com/

Relatório Final

Período

Agosto 2014 a Julho 2015

Este projeto é desenvolvido com bolsa de iniciação científica PIBIC/CNPq

São Cristóvão/SE

2015

RESUMO

Esse trabalho aborda do Racismo, fazendo um levantamento sobre os principais pontos que

permeiam esse tema. Procedemos a uma discussão conceitual das formas de expressão do

Racismo e analisamos sua presença nas relações interpessoais e intergrupais. Trabalhamos,

também, a temática da Despersonalização, sua relação com o Racismo e suas consequências nos

serviços de saúde. A pesquisa empírica foi feita com 34 estudantes residentes de medicina da

Universidade Federal de Sergipe, sendo 10 deles entrevistados nesta fase. Os resultados indicam

que não encontramos nossas hipóteses principais da fase 1 deste estudo. Já os resultados da fase 2

demonstram que os participantes significativamente demoram mais tempo para formar a

impressão sobre os brancos (M = 1952,58; DP = 546,65) do que sobre os negros (M = 1662,24;

DP = 595,62), (F(1,33) = 10,21; p = 0,003). Ou seja, os participantes investem mais tempo em

avaliar sujeitos brancos que negros, sendo este um vestígio de Despersonalização e Racismo

implícito.

Palavras-chaves: racismo, despersonalização

Sumário Apresentação: .................................................................................................................................. 4

1- Conceito de Racismo ................................................................................................................ 6

2- Tipos de Racismo ..................................................................................................................... 8

3- Racismo nas relações interpessoais e intergrupais ................................................................. 10

4- O Fenômeno da Despersonalização ....................................................................................... 13

5-Método ....................................................................................................................................... 16

5.1- Participantes ........................................................................................................................ 16

5.2- Procedimentos e instrumentos ............................................................................................ 16

6- Resultados .............................................................................................................................. 19

7- Considerações Finais .............................................................................................................. 20

8- Referências Bibliográficas ..................................................................................................... 24

9- Anexo 1 .....................................................................................................................................26

4

Apresentação:

O conceito de raça é bastante discutido principalmente em ciências humanas. O Brasil

desde o relato dos primeiros viajantes foi destacado por suas diversas cores e costumes. As raças

são evidentes em alguns países. “Ali, como todos têm um sexo, uma idade, uma nacionalidade,

têm também uma raça” (Guimarães, 1999). No entanto, muitos estudiosos, criticam a ideia da

existência das raças humanas. Fala-se em negros, índios, amarelos, todas essas denominações

baseadas em diferenças fenotípicas. Guido Barbujani (2007), geneticista italiano, demonstra em

seu livro “A Invenção das Raças”, que há uma única raça humana. Segundo o autor, o conceito de

raça é uma construção social e não um dado biológico, é inventado por nós. Ele ainda argumenta

que a palavra “raça” não indica nenhuma unidade reconhecível no nosso DNA e por isso não é

possível ver qualquer um de nós como membros de outra espécie.

Tanto aqueles que defendem a existência das diversas raças quanto esses que a criticam

não podem negar a existência do racismo. Diferença, diversidade, pluralismo e hibridismo são

alguns dos assuntos mais debatidos do nosso tempo, a tal ponto que entender quando e porque a

“diferença” faz diferença torna-se uma questão central (Geertz, 2001, Lima 2011).

No Brasil, episódios recorrentes de racismo têm chamado atenção. Muitos são os casos de

racismo no esporte, como os casos do goleiro “Aranha” e do jogador de futebol “Tinga”, ambos

chamados abertamente de “macacos” pelas torcidas adversárias. Ofensas também são encontradas

nas redes sociais, como o caso da garota de 20 anos que foi alvo de ofensas. Ela, negra,

compartilhou uma foto com seu namorado, branco. Uma enxurrada de comentários racistas

invadiu sua página: “é seu dono?”, “me vende ela”, “onde comprou essa escrava?”. (Yahoo

notícias)1

No entanto, casos como esses não faziam parte das características particulares do racismo

à brasileira. “Qualquer estudo sobre o racismo no Brasil deve começar por notar que, aqui, o

Racismo é um tabu” (Guimarães, 1999). Isso se deve ao fato de que o Brasil durante muito tempo

foi percebido como um país sem preconceito racial, onde reinava a democracia racial. Este termo

foi cunhado por Gilberto Freyre, em seu livro, Casa Grande e Senzala, na década de 1930. O que

5

possibilitou o surgimento desse termo foi o fato de que no Brasil o racismo não ter sido tão

flagrante como era nos Estados Unidos e na África do Apartheid. Como é explicado por Antônio

Guimarães (1999, p.39) do seguinte modo:

Essa pretensão a um antirracismo institucional tem raízes profundas, tanto na nossa

história, quanto na nossa literatura. Desde a abolição da escravatura, em 1888, não

experimentamos nem segregação, ao menos ao plano formal, nem conflitos raciais. Em

termos literários, desde os primeiros estudos de Gilberto Freyre, no início dos anos trinta,

seguidos por Donald Pierson, nos anos quarenta, até pelo menos, os anos setenta, a

pesquisa especializada de antropólogos e sociólogos, de um modo geral, reafirmou (e

tranquilizou), tanto aos brasileiros quanto ao resto do mundo, o caráter relativamente

harmônico de nosso padrão de relações raciais.

O fato de se acreditar que vivemos numa democracia racial torna o Racismo difícil de ser

compreendido e combatido. Isso poderia explicar a pouca quantidade de estudos que envolvem o

tema. Pois, como afirma Nelson Rodrigues (apud. Dias & Silva, 2013, p.73): “Não caçamos

pretos, no meio da rua, a pauladas, como nos Estados Unidos. Mas fazemos o que talvez seja

pior. A vida do preto brasileiro é toda tecida de humilhações. Nós tratamos com uma cordialidade

que é o disfarce pusilânime de um desprezo que fermenta em nós, dia e noite”.

O Racismo nem sempre aparece isoladamente. Ele se relaciona com outros fenômenos tais

como exclusão, desumanização e despersonalização. A exclusão acontece a partir do afastamento

de algo ou alguém, sendo a exclusão social uma das mais conhecidas, na qual o indivíduo,

geralmente pertencente a grupos desfavorecidos, é marginalizado da sociedade devido a sua

condição social. A desumanização é resultado de atribuição de características negativas ou

subumanas a um grupo de modo a excluí-lo. E, por último, a despersonalização, refere-se a

concepção de que há seres humanos que não despertam interesse ao outro, que são considerados

como “não indivíduos”, como não dotados de uma dimensão psicológica particular, tornando-os

invisíveis aos olhos do mundo. (Teixeira, 2014)

1 Extraído de https://br.noticias.yahoo.com/blogs/jornalismo-wando/novos-episodios-do-racismo-a-brasileira-e-a-

loucura-dos-004347194.html em 17/01/2015

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Em razão disto, torna-se importante a realização deste trabalho na busca por uma melhor

compreensão do Racismo em conjunto com outras temáticas como a despersonalização. Com

auxílio de teorias que permeiam o tema trazemos mais uma discussão dentre as poucas sobre o

assunto dentro da Psicologia Social.

Este relatório apresenta a pesquisa teórica, o método do trabalho e os resultados obtidos.

Esse texto aborda o conceito e os tipos de Racismo e sua presença nas relações interpessoais e

intergrupais. Trazemos também uma breve discussão sobre Despersonalização e apresentamos o

método da pesquisa empírica juntamente com os resultados encontrados.

1- Conceito de Racismo

Racismo, em primeiro lugar, é referido como sendo uma doutrina, quer se queria

cientifica, quer não, que prega a existência de raças humanas, com diferentes qualidades e

habilidades, ordenadas de tal modo que as raças formem um gradiente hierárquico de qualidades

morais, psicológicas, físicas e intelectuais. (Guimarães, 2004)

Guimarães propõe que o racismo além de doutrina é também referido como sendo um

conjunto de atitudes, preferências e gostos instruídos pela ideia de raça e de superioridade racial,

seja no plano moral, estético, físico ou intelectual. E, por fim, ele ainda classifica o racismo como

um sistema de desigualdades, presente na estrutura das sociedades, seja na educação, renda, saúde

etc.

“O termo “racismo” costuma ser utilizado de forma vaga e irrefletida para descrever os

sentimentos hostis ou negativos por parte de um grupo étnico ou “povo” para com outro e as

ações resultantes de tais atitudes. Mas, por vezes, a antipatia de um grupo para com outro é

expressa e efetivada com uma ingenuidade e brutalidade que ultrapassam largamente o

preconceito e snobismo resultantes da consciência de grupo, os quais parecem constituir um

defeito humano quase universal.” (Fredrickson, 2002, p. 11)

“Ele representa um sistema organizado de privilégios e preconceitos que sistematicamente

coloca em desvantagem um grupo de pessoas percebidas por pertencerem a uma raça específica.”

(Dovidio, Gaertner & Kawakami, 2010, p 312; tradução nossa). Ainda segundo esses autores, o

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racismo possui três elementos: reflete uma crença culturalmente compartilhada na qual os grupos

têm características baseadas em raças distintas, comuns aos membros do grupo; características

raciais inerentes e percebidas de outro grupo torna-o inferior ao próprio grupo; envolve não

apenas atitudes e crenças negativas mas também o poder social que permite traduzir resultados

díspares entre os grupos, estando em desvantagem os membros de outros grupos e em vantagem

os membros do próprio grupo.

O racismo está presente em vários momentos da história. Casos notáveis podem ser

usados para demonstrar a força dessa ideologia. Hitler, na Alemanha Nazista, invocou teorias

racistas para justificar o tratamento genocida infligido à comunidade judaica. Dessa forma

podemos perceber que o racismo está intimamente ligado com outros tipos de discriminação

como a xenofobia e o etnocentrismo. As características atribuídas a determinado grupo são

generalizadas e consideradas imutáveis ao mesmo tempo em que são reinventadas e

reinterpretadas em função do momento histórico e das normas sociais vigentes na época.

O racismo também pode ser entendido como um processo de hierarquização, exclusão e

discriminação contra um indivíduo ou toda uma categoria social que é definido como diferente

com base em alguma marca física externa, a qual é ressignificada em termos de uma marca

cultural interna, que define padrões de comportamento. (Lima, 2002) Ainda segundo Lima, o

racismo é, portanto, uma redução do cultural ao biológico, uma tentativa de fazer o primeiro

depender do segundo. “Dessa forma, o processo de “naturalização” está presente em todas as

hierarquias sociais, sendo um traço constitutivo das relações de dominação.” (Guimarães, 1999)

Após a conceituação de racismo, faz-se necessário distingui-lo de dois termos pelos quais

é constantemente confundido: preconceito e discriminação. Brehm, Fein e Kassin (1999) trazem a

definição do preconceito de uma forma muito simples: “são sentimentos negativos para com as

pessoas com base na participação delas em determinados grupos”. (p.143; tradução nossa)

Gordon Allport (1954), define o preconceito como uma atitude hostil contra um indivíduo,

só pelo fato dele pertencer a um grupo desvalorizado socialmente. E por existirem muitos grupos

desvalorizados socialmente, existem diversos tipos de preconceito, por exemplo, contra

nordestinos, mulheres, idosos, homossexuais, mulçumanos, entre outros. O tipo de preconceito

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em particular que é confundido com o racismo é o preconceito racial. No entanto, existem

características que podem diferenciar tais termos. O racismo repousa sobre uma crença na

distinção natural entre os grupos, pois se liga à ideia de que os grupos são diferentes porque

possuem elementos essenciais que os fazem diferentes, sendo esta diferença definida por formas

fixas e imutáveis (Hirschfeld, 1998, apud. Lima, 2002), ao passo que o preconceito não implica

na essencialização ou naturalização das diferenças. Outra diferença entre racismo e preconceito é

de que o racismo, diferentemente do preconceito, não existe apenas a um nível individual, mas

também a nível institucional e cultural (Jones, 1998, apud Lima 2002). O racismo é muito mais

que episódios individuais de discriminação, como acontece no preconceito, o racismo envolve

uma ideologia e o poder de negar a outro grupo ou a indivíduos, por causa da sua pertença social,

oportunidades e direitos iguais.

Já por discriminação tem-se o entendimento de diferenciação, distinção, restrição, dentre

outros, e torna-se percebida quando ocorre a exteriorização de uma conduta. O ato de discriminar

consiste em ação dolosa do agente depreciando alguém, ao tratá-lo diferenciadamente, em função

de sua raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, dentre outros. A discriminação

corresponde sempre a uma exteriorização intencional de vontade do agente, por ação ou omissão,

recusando ou impedindo o exercício regular do direito pela pessoa discriminada. (JusBrasil)2

Depois de termos procedido às diferenciações e delimitações conceituais, especialmente

de racismo, faz-se também necessário abordar os tipos de racismo existentes e como ele se

encontra nas relações interpessoais e intergrupais.

2- Tipos de Racismo

O racismo apresenta suas diversas características de acordo com o contexto histórico ou

de acordo com determinado lugar. No Brasil, um racismo velado, sutil, onde as normas

antirracistas já apareciam desde a abolição da escravatura. Nos Estados Unidos ou África, um

racismo aberto e flagrante, onde era nítida sua presença com violentas formas de discriminação

contra os grupos ditos minoritários. As expressões abertas que tem surgido atualmente no Brasil

2 Extraído de http://regial.jusbrasil.com.br/artigos/111968110/definicao-dos-termos-normativos-raca-cor-preconceito-

discriminacao-racismo em 17/01/2015

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podem ser explicadas pelo sentimento de ameaça à posição dos grupos e a lógica do “lugar do

negro”. (Lima ET Al., 2014)

Herbert Blumer, com a sua teoria do senso de posição grupal (sense of group position

theory), propõe que o preconceito racial existe basicamente como resultado de relações que

ameaçam o poder ou a dominação de um grupo sobre o outro. Assim, o sentimento mais comum

no preconceito racial é o de que o grupo subordinado está ameaçando ou poderá ameaçar a

posição do grupo dominante. De acordo com Blumer (-1958 apud. Lima 2002), o grupo

dominante não está preocupado com o grupo dominado como tal, mas apenas com sua posição

face ao grupo subordinado; assumindo uma lógica do tipo: “está tudo certo quando cada raça está

em seu lugar”

À vista disso, é possível perceber que o racismo possui diversas formas de expressão. São

elas a diferenciação cultural, hetero-etnização das minorias, negação dos sentimentos do

exogrupo, desculturalização dos exogrupos e despersonalização dos membros dos grupos

minoritários (Lima, 2002).

Lima ainda traz em seu estudo diversos tipos de racismo: simbólico, moderno, aversivo,

ambivalente, sutil e cordial. O racismo simbólico representa uma forma de resistência a mudanças

no status quo das relações racializadas, que se baseia em sentimentos e crenças de que os Negros

violam os valores tradicionais americanos do individualismo. Os negros constituem uma ameaça

aos valores estimados pelo endogrupo (Kinder & Sears apud. Lima, 2002).

O racismo moderno reflete a percepção de que os Negros estão recebendo mais do que

merecem e violando valores – igualdade e liberdade - importantes para os Brancos (McConahay

apud. Lima 2002). O racismo aversivo considerado como decorrente da coexistência de um

sistema de valores igualitários com sentimentos e crenças negativos direcionados aos negros. É

um tipo de atitude racial que caracteriza muitos americanos brancos que possuem fortes valores

igualitários, mas que experienciam um tipo particular de ambivalência, na qual o conflito é entre

sentimentos e crenças associados a valores igualitários e sentimentos negativos face aos Negros

(Gaertner e Dovidio apud. Lima, 2002).

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O racismo ambivalente aborda a ambivalência de sentimentos na expressão do racismo.

Tal ambivalência resulta da dupla percepção de que os Negros são desviantes e, ao mesmo tempo,

estão em desvantagem em relação aos brancos (Lima, 2002). Dessa forma esse tipo de racismo se

assemelha em muitos pontos ao racismo aversivo, ambos procuram manter a autoimagem e

imagem pública de pessoa igualitária e não preconceituosa.

O racismo sutil é uma forma mais velada e disfarçada de valorização do outro sendo,

dessa forma, mais difícil de ser identificado e combatido. Corresponde à aceitação da norma,

acompanhada de expressões de racismo não censuradas por esta (Cabecinhas, 2007). Segundo

Lima, esse tipo de racismo é composto por três dimensões: defesa dos valores tradicionais,

exagero das diferenças culturais e negação das emoções positivas para com os membros do

exogrupo.

E, por último, o racismo cordial é definido como uma forma de discriminação contra os

cidadãos não Brancos que se caracteriza por uma polidez superficial que reveste atitudes e

comportamentos discriminatórios, que se expressam ao nível das relações interpessoais através de

piadas, ditos populares e brincadeiras de cunho “racial”.

Esse último tipo caracteriza o racismo brasileiro. “O racismo à brasileira é uma mácula na

nação. É aquele racismo que não se mostra racista, que diz que aceita porque toma café junto mas

não mistura o sangue, que diz que sempre tratou bem aos negros porque deu sapatos usados para

a empregada e que passa isso de forma atávica para os filhos por meio das pequenas estruturas

condicionantes de desigualdade que desqualificam a diferença”. (Brasilpost)3

A pesquisa realizada neste trabalho busca expressões de racismo velado por parte dos

estudantes de medicina num contexto clinico junto com seus pacientes. Continuaremos a

discussão abordando a presença do racismo nas relações interpessoais e redes de relacionamento e

as consequências de tal fato para os grupos minoritários, agregando à discussão a temática da

despersonalização.

3- Racismo nas relações interpessoais e intergrupais

3 Extraído de http://www.brasil/post.com.br/valeria-brandini/do-diferente-ao-desigual-o-racismo-cordial-

/brasileiro_b_5315882.html em 18/01/2015

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Segundo Aristóteles (1985), o homem é por natureza um animal social:

“[...] a cidade é uma criação natural, e que o homem é por natureza um animal social, e

que é por natureza e não por mero acidente, não fizesse parte de cidade alguma, seria

desprezível ou estaria acima da humanidade [...] Agora é evidente que o homem, muito

mais que a abelha ou outro animal gregário, é um animal social. Como costumamos dizer,

a natureza não faz nada sem um propósito, e o homem é o único entre os animais que tem

o dom da fala. Na verdade, a simples voz pode indicar a dor e o prazer, os outros animais

a possuem (sua natureza foi desenvolvida somente até o ponto de ter sensações do que é

doloroso ou agradável e externa-las entre si), mas a fala tem a finalidade de indicar o

conveniente e o nocivo, e portanto também o justo e o injusto; a característica específica

do homem em comparação com os outros animais é que somente ele tem o sentimento do

bem e do mal, do justo e do injusto e de outras qualidades morais, e é a comunidade de

seres com tal sentimento que constitui a família e a cidade” (p. 15, 1253a).

Dessa forma, as relações interpessoais estão sempre presentes na vida em sociedade e

podem ser definidas como uma relação entre duas ou mais pessoas. Este tipo de relacionamento é

marcado pelo contexto onde ele está inserido, podendo ser um contexto familiar, escolar,

de trabalho ou de comunidade. Implica em um conjunto de normas comportamentais que

orientam as interações entre membros de uma sociedade. Assim, podemos conceituar relações

interpessoais como uma disposição interior, uma aceitação do outro que transparece no modo de

falar, de olhar, na postura e, sobretudo, na forma de agir adequadamente.

O racismo presente nas relações interpessoais pode gerar muitas consequências: violência,

intolerância e até guerras. Em 2010, morreram no Brasil 49.932 pessoas vítimas de homicídio, ou

seja, 26,2 a cada 100 mil habitantes e 70,6% das vítimas eram negras (Revista Carta Capital)4.

Dados mais recentes, do Mapa da Violência de 2014, indicam uma acentuada tendência de queda

no número de homicídios da população branca e de aumento no número de vítimas na população

negra. “Entre os brancos, no conjunto da população, o número de vítimas diminui de 19.846 em

2002 para 14.928 em 2012, o que representa uma queda de 24,8%. Entre os negros, as vítimas

4 Extraído de http://www.cartacapital.com.br/sociedade/a-violencia-contra-jovens-negros-no-brasil/ em 18/01/2015

12

aumentam de 29.656 para 41.127 nessas mesmas datas: crescimento de 28,7%.” (Mapa da

Violência 2014, p. 130). A diferença é ainda mais gritante entre a população jovem, o índice de

vitimização que em 2002 era de 79,9, em 2012 sobe para 168,6: para cada jovem branco que

morre assassinado morrem 2,7 jovens negros. (Mapa da Violência 2014)5

Mas por que alguns grupos sentem-se mais à vontade para perpetuar a violência do tipo

homicídio contra outrem? Mas muitas vezes o grupo vítima não fez nada para justificar a

violência contra eles, exceto na mente dos criminosos. Frequentemente, há dois níveis de

motivação no comportamento prejudicial, incluindo atos de maldade. Uma delas é "dano"

causado por uma pessoa ou um grupo, outra é para cumprir alguma meta que o ato lesivo

supostamente serve. Agressores podem apresentar e, muitas vezes, na verdade, ver suas ações

como a serviço de ideais "superiores" e de resultados benéficos, mesmo para as próprias vítimas

(ajudar uma boa criança), para a sociedade (a criação de igualdade social), ou para toda a

humanidade (criação um mundo melhor) (Staub, 1999).

A despersonalização das vítimas é um dos principais fatores que facilitam violência contra

grupos minoritários. Isto se deve ao fato de que na despersonalização, não é levado em conta a

personalidade do outro; ou seja, a percepção de que o indivíduo é uma pessoa. O violentado é

visto como um objeto facilitando, assim, uma atitude violenta.

De acordo com Brandão, Camino, Gomes e Maciel (1996), a percepção pressupõe as

sensações acrescidas dos significados que se lhes atribuem. Na percepção, os dados sensoriais não

estruturados integram-se em formas coerentes significativas. Se durante esse processo, um

criminoso, por exemplo, não reconhece e percebe o outro indivíduo como pessoa tal como ele é, o

ato violento é muito mais fácil de ser empregado já que não se está agindo de fato sobre uma

“pessoa”.

Consequências também podem ser vistas no âmbito da saúde. Será que uma pessoa negra

recebe a mesma atenção básica de saúde que uma pessoa branca? Será que nos consultórios

clínicos existe tal diferenciação? É sobre tais questões que nossa pesquisa se debruça, a fim de

5 Extraído de http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2014/Mapa2014_JovensBrasil_Preliminar.pdf em 18/01/2015

13

investigar como os estudantes de medicina percebem pacientes (personalizam ou

despersonalizam) brancos e negros, pobres e ricos.

4- Fenômeno da despersonalização

É comum criarmos de forma quase automática impressões das pessoas com as quais nos

deparamos. Levamos em consideração muitas vezes a primeira impressão que temos, embora o

julgamento possa mudar posteriormente. Realizar tal inferência tem a vantagem de rapidamente

nos fornecer informações relevantes para saber como interagir e o que esperar das outras pessoas.

De fato, e de acordo com Hamilton (1986), as nossas percepções sobre as outras pessoas

constituem importantes elementos na nossa adaptação ao mundo social, uma vez que uma

interação eficaz requer que sejamos capazes de perceber e antecipar como os outros irão,

provavelmente, agir, as suas motivações e os seus objetivos.

DeLamater, Michener e Myers (2005) afirmam que a percepção social refere-se à

construção e ao entendimento do mundo social a partir dos dados obtidos por meio dos nossos

sentidos. Ou seja, refere-se aos processos pelos quais formamos nossas impressões das

características e da personalidade das outras pessoas.

Os modelos de formação de impressões de Brewer (1988), e Fiske e Neuberg (1990)

afirmam que a formação de impressões está baseada na possibilidade de dois tipos de

processamento da informação: a) um menos controlado, não consciente, que implica baixo

esforço cognitivo e conduz à formação de uma impressão baseada na ativação automática do

estereótipo da categoria social de pertença do alvo; e b) um processamento mais controlado e

consciente de informação, do tipo data-driven, que envolve mais esforço cognitivo e conduz à

individualização (Fiske, Lin & Neuberg, 1999 apud Lima, 2002), ou à personalização do alvo

(Brewer, 1988 apud Lima 2002).

No dia a dia, formamos impressões das pessoas apenas por observar suas aparências e

comportamentos. Pode-se definir como impressão o conjunto de avaliações afetivas, morais e

instrumentais que elaboramos sobre uma determinada pessoa (Brandão at al., 1996). Ainda

segundo esses autores:

14

Convém lembrar que as pessoas, mesmo possuindo poucos indícios do comportamento do

outro, sentem-se aptas a emitir juízos sobre uma série de atributos deste, de maneira

convicta e unificada. Nesse sentido, as impressões cumprem a função geral da percepção

social de orientar o indivíduo em suas relações com o meio social. (p. 25)

A formação de impressões e percepção de pessoas são temas ligados ao estereótipo. A

categorização é um dos nossos processos mentais mais básicos, é a nossa tendência para perceber

os estímulos como integrantes de grupos ou classes em vez de entidades isoladas e únicas

(DeLamater at al., 2005). De acordo com esses autores, os estereótipos indicam os atributos e os

comportamentos considerados como típicos dos integrantes de um grupo ou de uma categoria

social. Exemplos de estereótipos seriam aqueles que dizem que “baiano é preguiçoso” ou que as

“mulheres são frágeis”.

Uma das explicações pelas quais estereotipamos estaria no fato de assim organizarmos as

informações que recebemos o mundo ao nosso redor, entendê-lo e reagir com eficiência. Porém, o

uso dos estereótipos tem seus riscos. As pessoas claramente aceitam informações que se

encaixam com coerência em um esquema cognitivo. Quando as pessoas se deparam com falta de

informação, elas preenchem as lacunas de conhecimento acrescentando elementos que são

consistentes com seus esquemas. Às vezes, esses elementos acrescentados revelam-se errôneos ou

incorretos. Quando isso acontece, eles naturalmente geram interpretações ou inferências inexatas

a respeito das pessoas, grupos ou acontecimentos. (DeLamater at al., 2005)

Ou seja, características que são aceitas e tidas como esquemas estereotipados de alguns

grupos, nem sempre revelam a realidade sobre os modos de ser e estar do membro daquele grupo.

É preciso lembrar de dentro dos grupos existem pessoas e que, por definição, pessoa é quem

possui idiossincrasias, ou seja, com características próprias e que nem sempre apresentarão aquela

que é tida como pertencente ao grupo. Inclusive, muitas vezes, os estereótipos carregam

informações supergeneralizadas e exageradas que não traduzem a realidade.

Os estereótipos e a formação de impressões fazem parte do processo de percepção de

pessoas. Teixeira (2014) aponta a definição da personalização como um processo de percepção do

outro como diferentes indivíduos de uma mesma espécie, associado ao processo de individuação.

No entanto, na despersonalização, é evidente a falta de interesse em avaliar, julgar ou formar

15

impressões sobre o outro, que não pertence ao seu grupo. Inicialmente, este processo está ligado

ao pertencimento grupal do indivíduo, o qual ele deixa de ser compreendido como indivíduo e

assume a posição de membro do grupo. Ou ainda, ao modo de percepção do outro em função ao

modo de como se comportam em contextos grupais, neste caso ele perde o seu status de “pessoa”

e torna-se um objeto, uma coisa.

É importante distinguir a despersonalização com a qual estamos tratando neste relatório

do transtorno de despersonalização. Segundo a Associação Americana de Psiquiatria (1994 apud.

Medford, 2005) o transtorno de despersonalização pode ser definido como uma alteração na

percepção ou experiência de si de modo que a pessoa se sente separada do corpo, como se um

fosse um observador externo dos próprios processos corporais e mentais.

Já a despersonalização com a qual estamos trabalhando está relacionada com a falta de

interesse no outro, a não formação de impressão do outro por desinteresse em fazê-la. Sua causa

pode ser explicada por meio da teoria da identidade social e de dominação. Alguns indivíduos são

captados como únicos e pertencentes a grupos dominantes, ao passo dos dominados, que

apresentam características atribuídas as definições grupais e não as individualidades de cada

membro. Surgindo assim dois grupos, um denominado de sujeitos e outro de objetos. (Teixeira,

2014)

A despersonalização juntamente com o racismo trazem diversas consequências, são

fatores de riscos para os grupos minoritários. Entre os fatores de risco encontra-se a saúde dos

negros. Saúde essa que deveria ser direito de todos e dever no Estado, no entanto, tal afirmação,

não é a realidade para muitos “não brancos” no país.

Segundo relatório da UFRJ, em 2008, a importância do SUS para pretos e pardos era

19,5% superior do que para os brancos, e eles responderam por 55,2% de todos os atendimentos.

No entanto, nas consultas os negros e pardos são minoria. Quando se trata, por exemplo, de pré-

natal, 71% das mães de filhos brancos fizeram mais de sete consultas; o número de mães de filhos

pretos e pardos que passaram pelos mesmos exames é 28,6% inferior.

16

Por fim, nosso intuito em realizar essa pesquisa envolvendo racismo sutil e

despersonalização é contribuir na quebra do beneficiamento de apenas alguns grupos tidos como

maioritários através da busca de dados que possam comprovar nossa hipótese.

5-Método

5.1- Participantes

Participaram do estudo 34 estudantes finalistas do curso de medicina da Universidade

Federal de Sergipe. Os estudantes que responderam a pesquisa cursavam entre o sétimo e o

décimo período de medicina, ou seja, estavam na fase de maior atividade de prática clínica do

curso, uma vez que é a partir desse período que os estudantes cursam a disciplina “Clínica

Médica 1”, na qual realizam atendimentos com objetivo de diagnosticar e realizar o tratamento.

5.2- Procedimentos e instrumentos

A pesquisa foi realizada em três etapas. Na primeira etapa foi pedido ao estudante que

assistisse a quatro vídeos, gravados antecipadamente, com atores pré-selecionados. No total

foram oito vídeos, quatro homens (dois brancos e dois negros) e quatro mulheres (duas brancas e

duas negras). Por aluno foram mostrados apenas quatro vídeos, aos sujeitos ímpares foram

mostrados os vídeos das pessoas brancas (dois homens e duas mulheres) e aos sujeitos pares os

vídeos das pessoas negras (dois homens e duas mulheres). Tanto no vídeo das pessoas brancas

quanto das negras foram relatadas as mesmas doenças e com o mesmo tempo de duração.

A coleta foi realizada no Hospital Universitário de Sergipe (HU) e duraram em média 30

minutos por estudante. Eles foram avisados que a pesquisa referia-se à percepção e memória e

que ela possuía três fases as quais deveriam responder com atenção e cuidado.

Na primeira fase foi mostrado ao estudante os vídeos nos quais ele deveria realizar o

diagnóstico e os possíveis tratamentos. Antes de iniciarem a visualização dos vídeos, os alunos

receberam quatro prontuários, os quais são compostos por dados pessoais dos pacientes como o

nome, a idade, o sexo, a religião, o estado civil, a escolaridade. Compunham também, o tipo de

encaminhamento (SUS ou Convênio Particular), atributos físicos (cor da pele), psicossociais

(profissão, vivência familiar) e clínicos (sintomas, exames, medicamentos). Tudo que o estudante

deveria fazer apareceu na tela do computador antes da apresentação dos vídeos, inclusive o termo

17

de consentimento. O objetivo dessa fase foi testar se os residentes de medicina demorariam mais

tempo diagnosticando pacientes brancos que negros, sendo este um vestígio de racismo sutil.

Os alunos foram orientados de que poderiam interromper a qualquer momento o vídeo

como também poderiam assisti-lo novamente. Dentre os participantes, 3 assistiram os vídeos pela

segunda vez, todos referentes aos pacientes brancos. No final do vídeo, aparecia na tela do

computador um espaço em branco, no qual os estudantes de medicina determinavam o

diagnóstico e o possível tratamento para as doenças relatadas nos vídeos.

Na segunda fase, verificou-se o grupo que é mais personalizado pelos estudantes por meio

do tempo de resposta com o intuito de testar a hipótese de que há um maior tempo dependido

pelos residentes em formar impressões sobre os alvos brancos do que sobre os alvos negros. Essa

fase foi realizada por meio do Inquisit, onde foi elaborada uma tabela de formação de impressões.

Apareciam palavras no centro da tela do computador e os estudantes indicavam se elas eram

positivas (apertando a tecla “A”) ou negativas (apertando a tecla “L”). As palavras foram

apresentadas de maneira aleatória, repetidas por duas vezes, foram elas: AGRESSIVO,

IGNORANTE, TRABALHADOR, DESCONTROLADO, MAU CIDADÃO, DESONESTO,

INTELIGENTE, MENTIROSO, SINCERO, BOM CIDADÃO, SENSÍVEL, HONESTO.

Figura 1: Indicar adjetivos como positivos ou negativos.

18

Ainda nessa mesma fase, associações entre fotos apresentadas e as palavras citadas logo

acima foram realizadas. Para os participantes pares, a apresentação era uma foto de um homem

branco e para os ímpares, um homem negro. As fotografias dos alvos brancos e negros são

intercaladas e o alunos deve atribuir a cada foto doze palavras, determinando se cada palavra

demonstrada caracteriza (aperta a tecla “A”) ou não caracteriza (aperta a tecla “L”) a associação

com a pessoa representada pela foto.

Figura 2: Indica se a associação entre a imagem facial e o atribuição caracteriza ou não caracteriza

Na terceira fase foi verificado se os alunos lembravam-se das quatro imagens faciais dos

pacientes apresentados na fase nos vídeos (a primeira). Foi utilizada uma tarefa no programa

“Word” de recordação de imagens faciais, na qual foram selecionadas 27 fotografias tamanho ¾

de pessoas desconhecidas, sendo 14 brancas e 13 negras. Dentro dessas 27 fotos, estavam as 8

fotos dos atores que representaram os pacientes na primeira fase. O objetivo dessa fase foi

verificar se os estudantes lembram mais das fotos dos pacientes brancos que dos negros.

(ANEXO I)

No estudo havia também uma quarta etapa, na qual os participantes tinham que descrever

aspectos sociais, físicos, clínicos dos pacientes atendidos por eles na primeira fase do estudo (fase

19

dos vídeos). Porém, decidimos retirar pois, nessa etapa, os sujeitos suspeitavam que a temática do

estudo é o racismo, fato que interferiria nos resultados.

Para a primeira e segunda fase deste estudo utilizamos o programa Implicit Association

Test (IAT). Foi por meio dele que calculamos o tempo de visualização do vídeo até a escrita do

suposto diagnóstico e seu tratamento. Na segunda fase, por meio de tarefas de formação de

impressão, podemos identificar o preconceito implícito contra negros.

6- Resultados

Os dados foram analisados por meio do software SPSS 20.0.

Para a primeira hipótese acreditamos que haveria distinção no tempo (expresso aqui em

milésimos de segundo) depreendido pelos estudantes aos pacientes brancos e negros e também

aos pacientes encaminhados pelo convênio ou pelo SUS (Sistema Único de Saúde). A cor da pele

e o tipo de encaminhamento seriam fatores geradores de um atendimento mais cuidadoso por

parte do estudante. Dezessete estudantes cuja numeração é ímpar assistiram a 4 vídeos de

pacientes brancos, sendo que dois possuíam convênio e dois eram encaminhados pelo SUS. Os

outros dezessete de numeração par assistiram a 4 vídeos de pacientes negros, sendo que dentre

eles dois também possuíam convênio e dois eram encaminhados pelo SUS.

Tabela 1: Média (expresso em milésimos de segundos) do tempo despendido no diagnóstico em função da cor

do paciente e da condição social

COR DO PACIENTE SUS PLANO TOTAL

Branco 147676,26 123627,58 135651,92

Negro 111495,34 115987,76 113741,55

TOTAL 129585,80 119807,67 124696,73

Embora visualmente o tempo para formar o diagnóstico tenha diferido em função da cor

do paciente e da condição social, os testes estatísticos mostram que na verdade grande parte dos

casos se deve ao acaso, não corroborando nossa hipótese. Não encontramos efeito significativo da

condição social do paciente (SUS ou Plano) (F (1,32) = 0,81; p= 0,37). Também não encontramos

20

interação entre cor da pele do paciente e condição social (F (1,32) = 1,73; p = 0,19). Outrossim,

não foi encontrado efeito geral da cor do paciente (F(1,32) = 0,97; p = 0,33).

Outra hipótese do nosso estudo está relacionada com a fase 2, na qual os participantes

formam impressões sobre pessoas negras e brancas. Acreditávamos que seria desprendido mais

tempo para formação de impressão de pessoas brancas que para pessoas negras. Uma análise de

variância indicou que os participantes significativamente demoram mais tempo para formar a

impressão sobre os brancos (M = 1952,58; DP = 546,65) do que para os negros (M = 1662,24; DP

= 595,62), (F(1,33) = 10,21; p = 0,003).

Durante a fase 3, foi pedido para os participantes realizarem uma tarefa no programa que

consistia no reconhecimento mnemônico das fotos dos pacientes que foram diagnosticados na

fase 1 (fase dos vídeos). Indo de encontro a mais uma hipótese, os participantes acertaram mais

fotos quando diagnosticaram pacientes negros (M = 3.23; DP = 0.75) que pacientes brancos (M =

2.52; DP = 1.37), com resultados tendencialmente significativos (F(1,33) = 3.44; p = 0.07). Ou

seja, houve maior reconhecimento dos pacientes negros que brancos, o que, de acordo com

nossos postulados teóricos e contrariamente às nossas hipóteses empíricas, indicariam uma

formação de impressão mais personalizadora do negro que do branco.

7- Considerações Finais

O objetivo principal desse trabalho foi investigar vestígios de Racismo implícito e

Despersonalização dentro de um contexto clínico e como fenômenos como cor de pele e condição

social interferem nesse processo. Procedemos também com uma discussão conceitual de Racismo

e suas formas de expressão.

A análise dos resultados mostrou que nossa primeira hipótese não foi corroborada, os

testes mostraram que não foram encontrados efeitos significativos em relação à cor da pele nem à

condição social do paciente. Uma provável explicação para estes resultados deve-se ao fato de

que os participantes ficavam presos à tarefa diagnóstica e não prestavam atenção às características

do paciente nem na sua procedência (plano ou SUS). Foi percebido que os estudantes

21

concentravam suas atenções ao prontuário, onde estavam contidos os sintomas e as informações

clínicas dos pacientes, e pouca atenção davam aos vídeos, escutando apenas o áudio.

Outra provável explicação para os resultados encontrados deve-se à pequena quantidade

de participantes. A pesquisa demandava tempo dos estudantes fato que dificultou a coleta e o

aumento da amostra. Mesmo com horários agendados muitos participantes cancelavam e outros

apresentavam bastante resistência para participar.

Porém, mesmo com os dados encontrados, acreditamos que o fenômeno ainda exista no

cotidiano. Apenas significa que o racismo e despersonalização apresentam-se de forma cada vez

mais sutil e velada sendo assim difícil de serem percebidos. Talvez as normas sociais vigentes

dificultem o aparecimento desses fenômenos, inibindo o comportamento racista dos participantes.

Encontramos também, na fase 2, que os estudantes significativamente demoram mais

tempo para formar impressões de pessoas brancas que pessoas negras, corroborando, assim, nossa

hipótese. Resultados semelhantes foram encontrados em outros estudos, Vala, Pereira, Lima &

Leyens (2011) encontraram que os participantes brancos investem mais tempo em avaliar os alvos

brancos do que os alvos negros. Com relação à atribuição de traços, também favorecem mais

positivamente do que negativamente ambos os alvos. (Ferreira, 2014)

E, por fim, na terceira fase desse estudo foi encontrado que os participantes lembravam

mais das fotos dos pacientes negros do que as dos pacientes brancos. Isso pode ser explicado pelo

“Over-exclusion effect”. Esse efeito explica que as pessoas tem mais propensão à reconhecer ou

classificar membros ambíguos como membros de exogrupos do que do endogrupo. Segundo

Rubin e Paolini (2014), o efeito overexclusion em grupo é um efeito intergrupo em que as pessoas

têm critérios mais rigorosos e menos propensão para classificar indivíduos como membros do

própro grupo, do que para classificar como membro do exogrupo. Assim, por exemplo, as

pessoas pedem uma quantidade relativamente grande de informações antes de classificar os

indivíduos como membros do próriop grupo e menos informação antes de classificar os

indivíduos como membros do exogrupo (Dazzi, Voci, Brambilla & Capozza , 1996; Leyens &

Yzerbyt, 1992).

22

Além disso, o over-exclusion effect explica que pessoas com preconceitos contra outros

grupos, possuem maior capacidade de reconhecer membros desses grupos. Por exemplo, uma

pessoa homofóbica possui grande capacidade de reconhecer uma pessoa homossexual do que uma

pessoa que não é homofóbica. Logo, esta pode ser uma explicação para os resultados encontrados

na etapa 3.

A não aceitação do outro, com suas diferenças e origens, pode acarretar num episódio

racista em sociedade, podendo se manifestar de diversas formas. Porém, o racismo não é só uma

questão de relações interpessoais, como na escola, no trabalho, no ambiente familiar, na

sociedade, mas também é uma questão política e institucional. Apesar dos avanços na

participação política, inclusive dos negros, e mesmo na forma como os governos populistas

encaravam a questão social, estávamos longe de colocar a questão racial como um tema central da

política brasileira. (Guimarães, 2011). Em suma, se considerarmos o âmbito institucional, a

situação do negro e da negra parece estática. É verdade que hoje eles podem escolher de quatro

em quatro anos quem os governarão pelo próximo período. É verdade também que temos canais

de participação política e mesmo a possibilidade dos negros e negras tornarem-se senadores/as da

república e/ou ministros. Dessa forma cabe aos nossos governantes investirem em ações

afirmativas com o intuito de diminuir o preconceito racial.

Segundo Silva (2002), ação afirmativa é uma iniciativa de promoção da igualdade e seu

principal objetivo é combater o racismo e seus efeitos duradouros de ordem psicológica. E para

que um programa de ações afirmativas seja efetivo, oferecer oportunidades é apenas um dos

primeiros passos. É fundamental garantir, aos protagonistas em questão, as condições materiais e

simbólicas para que as dificuldades ou desníveis possam ser superados e as escolhas possam ser

feitas de maneira lúcida e consequente, a médio e longo prazo.

Dessa forma, essa pesquisa veio como uma contribuição para o estudo do racismo, a fim

de ajudar nas descobertas desse fenômeno que se encontra cada vez mais sutil e velado devido às

normas mas que porém, deve deixar de existir.

Foi muito gratificante para mim participar do projeto PIBIC, certamente uma experiência

que me trouxe muito conhecimento na área da Psicologia Social. Aprendi muito com meu

23

orientador Marcus Eugênio O. Lima, ao qual deixo aqui meus agradecimentos. Conhecer mais

sobre esse tema que se encontra tão presente na sociedade em que vivemos é de grande

importância e acredito que minhas leituras e minha participação junto ao grupo de pesquisa

NSEPR (Normas Sociais, Estereótipo, Preconceito e Racismo) se tornaram fundamentais para

meu crescimento intelectual e amadurecimento pessoal.

24

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9- ANEXO 1