universidade federal de santa catarina departamento de...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
DEPARTAMENTO DE SERVIO SOCIAL
CENTRO SOCIOECONMICO
BIA CRUZ FREITAS
O PROCESSO DE CUIDADO DE CRIANAS E ADOLESCENTES COM
DEFICINCIA E OU DOENAS CRNICAS: UMA REFLEXO SOBRE A
RESPONSABILIZAO DA FAMLIA
Florianpolis
2014.2
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BIA CRUZ FREITAS
O PROCESSO DE CUIDADO DE CRIANAS E ADOLESCENTES COM
DEFICINCIA E OU DOENAS CRNICAS: UMA REFLEXO SOBRE A
RESPONSABILIZAO DA FAMLIA
Trabalho de Concluso de Curso
apresentado ao Departamento de Servio
Social da Universidade Federal de Santa
Catarina como requisito parcial obteno
de ttulo de Bacharel em Servio Social.
Orientadora: Profa. Dra. Keli Regina Dal
Pr.
Florianpolis
2014.2
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Trabalho de Concluso de Curso, aprovado como requisito parcial para obteno
dottulo de Bacharel em Servio Social, Departamento de Servio Social, Centro
Socioeconmico, Universidade Federal de Santa Catarina UFSC.
Monografia aprovada em ______/______/2014.
BANCA EXAMINADORA:
______________________________________
Orientadora Profa. Dra. Keli Regina Dal Pr
Departamento de Servio Social - UFSC
_______________________________________
1a Examinadora
Esp. Fernanda Lapa Assistente Social
__________________________________________
2a Examinadora
Profa. Dra. Liliane Moser
Departamento de Servio Social - UFSC
Florianpolis
2014.2
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Dedico
Ao universo por conspirar minha inclinao ao servio social em
tempo; minha famlia em toda sua extenso pela fora e
orgulho na escolha desta to, to, longa jornada.
Em especial aosmeus pais Vera R e Dado que me deram a vida
minha madrinha Bea, que me deu impulso de ser a diferena,
ao meu marido Diego, pela pacincia e motivao e meu filho
Gui por tanto amor, sem eles eu nada seria.
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AGRADECIMENTOS
Agradeo a todos que de alguma forma fizeram parte de tudo isso: Universo,
famlia, amigos, colegas, professores e orientadores... Sou imensamente grata por todo
aprendizado que cada um e cada espao me proporcionaram nesta jornada.
Agradeo minha me por me proporcionar uma criao repleta de vos,
liberdade e responsabilidade, ao meu Pai, por assegurar pousos e acreditar em cada
empreitada de uma mente aquariana criativa. Ambos me proporcionaram crescer em
diversos ambientes e pontes areas, me presenteando com uma vida repleta de olhares,
percepes, culturas, autenticidade e exemplos, formando meu ser - em frequente
modificao - vivenciando conhecimentos alm dos expressos em livros, fundamentais
minha ndole. Obrigada por estarem sempre presentes mesmo quando distantes.
Ao meu amado, Diego, maior encorajador acadmico de todos os tempos,
dotado de pacincia em esperar meus muitos anos de graduanda, maravilhoso pai,
motorista, enfermeiro, marido, crtico e companheiro de ritmos interminveis de
trabalhos distantes, estudos noturnos e aos finais de semana... Segurando a barra, ou
melhor, nosso maior tesouro em seus braos (prximo ao peito) suprindo minha
ausncia sem que nosso guizinho pudesse senti-la.
Agradeo meu filho, Gui, por sorrisos dirios e convico de que todo dia um
dia lindo, me fazendo sempre enxergar alm e me encorajando a ir em frente e me
tornar a cada dia uma pessoa ainda melhor nossa sociedade.
Agradeo ao meu irmo, por apoios tecnolgicos, meu fraco e por aturar por
toda minha vida esse meu gnio forte.
A toda a equipe da Sade Criana/Florianpolis, em especial Lapa que com
toda pacincia se disps em orientar-me nos estgios obrigatrios I e II me propiciando
vivncias profissionais alm da academia e aes interdisciplinares.
Agradeo minha professora, tutora, orientadora e dala Keli que
disponibilizou seu tempo s minhas ideias de produo, orientando meu
desenvolvimento, cobrando e problematizando meu tema de modo a provocar e
encorajar a adentrar na abordagem da deficincia e seus desdobramentos nas famlias
frutos deste estudo: vulnerveis, culpabilizadas, com mulheres-mes, chefes de
famlia que lutam por direitos e pela sobrevivncia de seus filhos. E agradeo Liliane
Moser pela honra de t-la como professora, referncia e banca.
E finalmente, agradeo a Deus, pelo dom da vida. T tudo certo.
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RESUMO
FREITAS, Bia Cruz.O processo de cuidado de crianas e adolescentes com
deficincia e ou doenas crnicas: uma reflexo sobre a responsabilizao da
famlia. 2014. Trabalho de Concluso de Curso (Graduao em Servio Social)
Universidade Federal de Santa Catarina, Florianpolis, 2014.
O presente trabalho de concluso de curso tem como tema as transformaes a cerca dos
modelos pr-estabelecidos socialmente de famlia e a responsabilizao das famlias em
situao de vulnerabilidade social, em especial das mulheres/mes, pelos processos de
cuidado em sade de crianas e adolescentes com deficincia e ou doenas crnicas
com histrico de reinternao hospitalar.O objetivo geral refletir sobre a dinmica de
cuidados das mes de crianas e adolescentes com deficincia e ou doenas crnicas
com histrico de reinternao hospitalar em situao de vulnerabilidade socialatendidas
por uma instituio do terceiro setor, situada no municpio de Florianpolis.
Metodologicamente o estudo foi realizado a partir de pesquisa de campo, de natureza
qualitativa, tendo como tcnicas de levantamento de dados, a reviso de literatura, a
observao participante e a entrevista semiestruturada. Como principais resultados da
pesquisa aponta-se: as famlias atendidas na instituio so
majoritariamenteencaminhadas pela rede do Sistema nico de Sade (SUS) e do
Sistema nico de Assistncia Social (SUAS); h prevalncia de modelos de famlia
com referncia feminina; as mulheres envolvidas nos cuidados possuem baixa
escolaridade;h insuficincia de condies de sustento atribudo a trabalhos informais
para fins de complementao de renda; h uma complexidade de cuidados em sade; a
frequncia de reinternaes decorrentes da associao de vulnerabilidade social
dificuldade em reestabelecer a sade; a necessidade de profissionalizao das mulheres
envolvidas nos cuidados aliadas a onerosas rotinas de encaminhamentos e inexistncia
de rede de apoio governamental, fatores estes que contribuem para determinao social
da sade das crianas e adolescentes.
Palavras-chave: Famlia; Famlia com referncia feminina; Cuidados em sade;
Vulnerabilidade social.
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SUMRIO
1. INTRODUO _____________________________________________________ 8
2. FAMLIA BRASILEIRA NOES, REPRESENTAES E REFERNCIAS __ 10
2.1. FAMLIA: DIVERSIDADE DE CONCEITOS __________________________ 10
2.2. O PAPEL DA MULHER NA COMPOSIO FAMILIAR: UM PROCESSO
HISTRICO _________________________________________________________ 18
2.2.1. FAMLIAS MONOPARENTAIS COM REFERNCIAFEMININA ________ 24
3. FAMLIA E CUIDADO: AS MULHERES MES E AVS DE CRIANAS COM
DEFICINCIA E DOENAS CRNICAS_________________________________ 31
3.1 ASPECTOS METODOLGICOS DA PESQUISA _______________________ 31
3.2 A RESPONSABILIZAO DA MULHER PELO CUIDADO ______________ 33
CONSIDERES FINAIS _____________________________________________ 59
REFERNCIAS ______________________________________________________ 61
APNDICE A - MODELO TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E
ESCLARECIDO ______________________________________________________ 66
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1. INTRODUO
Este trabalho de concluso de curso pretende abordar a temtica dos cuidados
em sade, entendendo que h necessidade de problematizar o conceito de famlia e suas
constantes modificaes, que refletem diretamente em sua composio, direo e na
responsabilizao das famlias em situao de vulnerabilidade social, em especial das
mulheres/mes, pelos processos de cuidado em sade de crianas e adolescentes com
deficincia e ou doenas crnicas.Para tanto, o objetivo geral deste trabalho refletir
sobre a dinmica de cuidados das mes de crianas e adolescentes com deficincia e ou
doenas crnicas com histrico ou risco de (re) internao hospitalar e em situao de
vulnerabilidade social atendidas por uma instituio do terceiro setor, situada no
municpio de Florianpolis.
A escolha do tema em questo emerge de vivncia do estgio curricular
obrigatrio em Servio Social I e II realizado no ano de 2014 em uma organizao sem
fins lucrativos de Florianpolis, que no ter o nome mencionado por questes ticas,a
fim de resguardar s famlias atendidas.
Esta instituio desenvolve aes voltadas s famlias em situao de
vulnerabilidade social residentes na Grande Florianpolis (Ilha, Continente, So Jos,
Biguau e Palhoa) a fim de garantir direitos sociais esade integral de crianas e ou
adolescentes com histrico, ou risco de (re) internaes hospitalares e intercorrncia em
consultas emergenciais devido adiagnsticos de deficincia e ou doena crnica.
A ao institucional se d atravs de trabalho em equipe multidisciplinar e
intersetorial a partir de uma dinmica de acolhimento, apoio e promoo de auto
sustento destas famlias (provenientes de unidades pblicas de sade e assistncia
social) com objetivo de ofertar a elas, de forma integral, condies mnimas de sade e
emancipao. A instituio compreende que para alcanar integralidade de ateno,
necessita apoiar as famlias assistidas em cinco eixos prioritrios: sade; educao;
moradia; cidadania e profissionalizao e renda, tendo em vista a emancipao,
fortalecimento de vnculos, autoestima, garantia de direitos, bem-estar e
sustentabilidade. O surgimento da instituio ocorreu da ausncia de servios voltados
ao atendimento da deficincia no Estado com intuito de quebrar o ciclo de misria
doena internao hospitalar alta morte.
Faz-se necessrio compreender a onerosa e complexa dinmica de cuidados em
sade vivenciada por estasmulheres.Trata-se de rotinas ambulatoriais, circulao em
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entidades de apoio, terapias complementares, encaminhamentos jurdicos entre outros,
tais como: solicitao de benefcios sociais, requisio de medicamentos especiais,
requerimento de educador especializadojunto rea da educao, atendimento em
servios que tange as reas da seguridade social (sade, assistncia social e previdncia
social), alm de rotinas de constantes consultas com mdicos especialistas, tratamentos
especializados, programas de transferncia de renda e direitos previdencirios.
Para tanto, foi realizado levantamento de dados, atravs de pesquisa qualitativa,
contemplando abordagem direta com as famlias atendidas na instituio, reviso de
literatura para fundamentao terica e pesquisa documental. Destaca-se que o
levantamento de dados ocorreu com todas as famlias atendidas pela instituio.
A reviso de literaturaa qual fundamentou este trabalho, utilizou-se, entre os
principais autores: Brum (2014), Cerveny (2002), Gelinski e Moser (2012), Wiese e
Santos (2014),Woortmann e Woortmann (2002),Hirata (2012), Mioto (2008; 2010),
Pereira (2006) e Szymanski (2007).
O trabalho est dividido em duas sees: a primeira aborda com foco central o
conceito de famlia e as famlias com referncia feminina e, a segunda contempla a
responsabilizao da mulher pelo cuidado em sade, a deficincia, a relao entre
fatores sociais e reinternao ilustradas na pesquisa que caracteriza o perfil das famlias
acompanhadas, com aspectos apreendidos em observao participante que
possibilitaram a apreenso da dinmica das mulheres -mes e avs - em suas diversas
jornadas de acesso a direitos sociais e encaminhamentos, bem como anlise crtica dos
dados coletados na pesquisa.
Por fim, apresenta-se as consideraes finais onde retoma-se aspectos
problematizados ao longo do trabalho.
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SEO I
2. FAMLIA BRASILEIRA NOES, REPRESENTAES E REFERNCIAS
Nesta seo busca-seapresentar a amplitude de conceitos que envolvem a
temtica da famlia no contexto brasileiro. Esta diversidade de compreenses se justifica
pela complexidade e constantes transformaes as quais a famlia vem sendo
submetida,tanto pelosprocessos sociais e estruturais que envolvem aglobalizao,
quanto pelosimpactos gerados pelomodo de produo capitalista, no existindo um
conceito unificado que abranja em totalidade sua representao.Realizar-se- um recorte
emfamlias em situao devulnerabilidade social com crianas com doenas crnicas
e/ou deficincias com histrico de reinternao hospitalar, que possuem em sua
caracterstica a refernciafeminina.Este recorte permitir observar aspectos
relacionados ao processo de responsabilizao familiar pelo bem-estar e cuidados de
seus membros.
2.1. FAMLIA: DIVERSIDADE DE CONCEITOS
Ao procurarno dicionrio o significado do termo famlia, dispe-se das seguintes
definies: todos os parentes de uma pessoa, e, principalmente os que moram com
ela; o conjunto formado pelos pais e pelos filhos; o conjunto formado por duas
pessoas ligadaspelocasamentoepelosseuseventuaisdescendentesou ainda, o conjunto
depessoasquevivemna mesma casa (PRIBERAM, 2014).
As definies indicadas se referem tanto famlia formada por laos
consanguneos (parentes e pais), pelo matrimnio ou pelo local de moradia/residncia.
No entanto, observa-se dentre as definies, que estas no so suficientes para abranger
o significado atual de famlia. O fato que a compreenso de famlia vai alm de
indivduos que se encontram em um mesmo espao fsico, agregados por laos de
consanguinidade e configurao de pais e filhos (CERVENY, 2002).
Tratar de famlia na atualidade significa perceb-la como um processo social em
constante mudana, destacando novos arranjos e composies, sem se atentar a
conceitos ou moldes estereotipados e pr-definidos, estabelecidos ao longo do nosso
processo histrico como: ideais, normais ou estruturados (WIESE; SANTOS, 2014).
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A Constituio Federalde1988 aborda o tema famlia nos artigos 226, 227,228,
229 e 230, considerando a famlia como base da sociedade e definindo-a a partir do
casamento (homem-mulher) onde esta entidade se mostra possuidora de proteo
integral do Estado, estabelecendo como centro desta definio os laos de
consanguinidade. No dia16 de maio de 2013 houve a incorporao da Resoluo n.175
do Conselho Nacional de Justia na legislao brasileira, agregando em todo territrio
nacional o direito ao casamento casais do mesmo sexo1 ampliando o conceito de
famlia e incorporando os casais homoafetivos at ento excludos de proteo2
(BRASIL, 2013).
A fim de problematizar o tema famlia, Freitas, Braga e Barros (2012, p.3)
tencionam o tema a cerca dos modelos de famlias tradicionais (ao exemplo de casais
heterossexuais com filhos), entre outros, que j fizeram parte da formao da famlia em
outros momentos ou sculos, com reflexes: uma casa em que s moram mulheres no
deve ser entendida como famlia em virtude da ausncia da figura masculina? E no caso
em que o pai mora sozinho com os filhos?.
Hoje os novos arranjos familiares3 no podem mais ser desprezados, o
casamento homoafetivo j est legitimado bem como o registro dos filhos podem ser
realizado de modo homoparental ou ainda com o nome de dois pais e uma me (ou vice
e versa), considerando as relaes de afeto na reconfigurao das famlias, este novo
arranjo vem sendo chamado de multiparental4.
1Segundo o Supremo Tribunal de Justia A Resoluo veio em uma hora importante. No
havia ainda no mbito das corregedorias dos tribunais de justia uniformidade de interpretao e
de entendimento sobre a possibilidade do casamento entre pessoas do mesmo sexo e da converso da unio estvel entre casais homoafetivos em casamento, disse o conselheiro
Guilherme Calmon. Alguns estados reconheciam, outros no. Como explicar essa disparidade
de tratamento? A Resoluo consolida e unifica essa interpretao de forma nacional e sem
possibilidade de recursos (STJ, 2013, s/p). 2No Brasil, a Constituio Federal de 1988 outorgou proteo famlia e no mais ao
casamento. Assim, a famlia deixa para trs seu antigo modelo singular e passa ao pluralismo
das formas de entidades familiares (BRUM, 2014, p.1). Nessa linha, Veloso (1999,apudBRUM, 2014, p.1) enfatiza que num nico dispositivo, o constituinte espancou sculos de hipocrisia e
preconceito. 3O Supremo Tribunal Federal, em deciso indita, recentemente, por unanimidade de votos,
reconheceu as unies homoafetivas como uma das possibilidades de construo familiar,
concedendo, desse modo, a essas unies afetivas status de entidade familiar constitucionalmente
protegida, assegurando, assim, aos parceiros homossexuais os mesmos direitos e deveres dos
companheiros das unies estveis (BRUM, 2014). 4As relaes de afeto tm reconfigurado a estrutura das famliase tambm a do documento
oficial a certido de nascimento (...). Atentas a essas mudanas, decises judiciais tm aberto
http://exame.abril.com.br/topicos/familia%E2%80%8E
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Embora esteja legitimado o casamento homoafetivo, ainda nos dias de
hoje existem vertentes conservadoras que buscam retroceder ou
minimizar este direito conquistado. Na pgina virtual da Cmara dos Deputados, possvel aferir a enquete sobre o conceito de famlia
disponibilizada em 11.02.2014 cujo objetivo avaliar se os cidados
so favorveis ou contrrios ao conceito includo no Projeto de Lei 6583/13, do deputado Anderson Ferreira (PR-PE), que cria o
Estatuto da Famlia. O texto trata das diretrizes de polticas pblicas
voltadas a entidade familiar, e na obrigao do poder pblico na
garantia de contribuir a sobrevivncia deste ncleo a partir da concepo de que famlia formada a partir da unio entre homem e
mulher (CMARA DOS DEPUTADOS, 2014, s/p).
A argumentao do deputado para tamanho retrocesso baseado no seguinte
discurso:
[...] a famlia vem sofrendo com as rpidas mudanas ocorridas em sociedade. E que, apesar de a Constituio prever que o Estado deva
proteger esse ncleo, o fato que no h polticas pblicas efetivas
voltadas para a valorizao da famlia e ao enfrentamento de questes complexas no mundo contemporneo(CMARA DOS
DEPUTADOS, 2014, s/p).
A enquete pode ser votada via internet, limitando um voto por computador, veja
a situao atual da enquete na Figura 1.
Figura 1 Enquete da Cmara dos Deputados referente ao conceito de Famlia
para o Estatuto da Famlia situao da votao em 14.11.2014
Fonte: Cmara dos Deputados(2014, s/p).
caminho para que em um registro civil coexistam, sem conflitos, dois pais e uma me ou um pai e duas mes - so as famlias multiparentais (...). A ideia defendida por alguns juzes,
promotores e advogados de que disputas entre quem cria e a me ou o pai biolgico da
criana podem virar filiao tripla no registro civil. A soluo j foi implementada em pelo
menos sete Estados por meio de aes de adoo ou investigao de paternidade. No fim de 2012 um casal de lsbicas incluiu o irmo de uma delas na certido do filho. A inteno era de
que a criana tivesse tambm uma figura paterna (BOTTINI, 2013).
http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/DIREITOS-HUMANOS/461518-PROJETO-EM-ANALISE-NA-CAMARA-CRIA-ESTATUTO-DA-FAMILIA.html
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O Cdigo Civil Brasileiro trata no livro IV como fonte das relaes jurdicas
familiares o casamento, o parentesco (descendncia ou progenitor comum),a afinidade
(vnculo que liga cada um dos cnjuges aos parentes do outro) e a adopo (vnculo
semelhante filiao natural, independentemente dos laos do sangue). Para o Cdigo
Civil Brasileiro o casamento representa o contrato de um casal que pretende construir
uma famlia.
J aPoltica Nacional de Assistncia Social (PNAS) conceitua famlia como o
grupo de pessoas que se acham unidas por laos consanguneos, afetivos ou de
solidariedade(MDS, 2014, s/p). E estabelece que ao se trabalhar com famliasdeve-se:
(...) considerar novas referncias para a compreenso dos diferentes arranjosfamiliares, superando o reconhecimento de um modelo nico
baseado na famlia nuclear, e partindo do suposto de que so funes
bsicas das famlias: prover a proteo e asocializao dos seus membros; constituir-se como referncias morais, de vnculosafetivos e
sociais; de identidade grupal, alm de ser mediadora das relaes dos
seusmembros com outras instituies sociais e com o Estado. (...) As
novas feies da famliaesto intrnseca e dialeticamente condicionadas s transformaes societriascontemporneas, ou seja,
s transformaes econmicas e sociais, de hbitos ecostumes e ao
avano da cincia e da tecnologia (MDS, 2004, p.29-35).
Para o IBGE (2014), o conceito de famliatrata doconjunto de pessoas ligadas
por laos de parentesco, dependncia domstica ou normas de convivncia5, residente
na mesma unidade domiciliar, ou pessoa que mora s em uma unidade domiciliar.
OIBGE entende por dependncia domstica a relao estabelecida entre a pessoa de
referncia (o responsvel pela residncia), os empregados domsticos e agregados da
famlia, e por normas de convivncia as regras estabelecidas para o convvio de pessoas
que moram juntas, sem estarem ligadas por laos de parentesco ou dependncia
domstica.
A Estratgia Sade da Famlia (ESF), enquanto elemento estruturante do modelo
de atenobsicaem sadeno pas considera que:
5Consideram-se como famlias conviventes as constitudas de, no mnimo, duas pessoas cada
uma, que residam na mesma unidade domiciliar (domiclio particular ou unidade de habitao
em domiclio coletivo) (PNAD, 1992, 1993, 1995, 1996) (IBGE, 2014).
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(...) a famlia6, passa a ser o objeto precpuo de ateno, entendida a
partir do ambienteonde vive. Mais que uma delimitao geogrfica, nesse espao que se constroem as relaes intra e extra familiares e
onde se desenvolve a luta pela melhoria das condies de vida
permitindo, ainda, uma compreenso ampliada do processo
sade/doena e, portanto, da necessidade de intervenes de maior impacto e significao social(BRASIL, 1997apud GELINSKI;
MOSER, 2012, p.8).
Dispe-se de diversas definies de famlia, mas no h um conceito fechado
que consiga contemplar a totalidade dessas relaes. Cerveny (2002, p. 19) entende que
a famlia passa por transformaes inevitveis (globalizao, tecnologia, questes de
gnero, aumento populacional, entre outros) que geram novas formas de adaptao.
Essas formas de adaptao representam segundo Gelinski e Moser (2012), uma
necessidade de sobrevivncia a tantas responsabilidades (ao exemplo dos cuidados em
sade7) que foram transferidas do Estado famlia.
Podemos acrescentar ainda que a construo da famlia no se d apenas pelo
privado, o pblico tem papel importante na estruturao da sociedade em aspectos
sociais, polticos e econmicos. Neste contexto Mioto, Campos e Lima (2004, apud
MIOTO, 2010, p.168) dizem que a famlia que cobre as insuficincias das polticas
pblicas, ou seja, longe de ser um refgio num mundo sem corao atravessada pela
questo social. Tais concepes visam quebra de predefinies estruturaisao se tratar
de famlia(papis pr-definidos), em concepes relacionais8 e consequentemente que
tornam a famlia como principal responsvel pelo bem-estar dos seus membros
(culpabilizao dos sujeitos) desconsiderando as mudanas societrias.
6Segundo Scott (2006, apud GELINSKI; MOSER, 2012, p.7) a falta de orientao sobre como
perceber a famlia est plasmada naconfigurao do formulrio do Sistema de Informao da
Ateno Bsica (SIAB), haja vista aausncia de campos para registrar o grau de parentesco dos
moradores de uma casa. A noo deque a famlia em certas comunidades se dilui na categoria parentesco (que se alarga para agregarvizinhos ou famlias prximas) - noo esta que guia a
prtica dos Agentes de Sade - decorre daconvivncia desses profissionais com a populao
adstrita e no das ferramentas e orientaesnormativas que norteiam o trabalho com famlias. 7Segundo Gelisnki (2011, apud GELINSKI; MOSER, 2012, p.8) embora a Estratgia de Sade
da Famlia tenhacomo pilar a corresponsabilidade das famlias nos cuidados no h meno, nos
documentos que anormatizam, parte que cabe s famlias nessa partilha de responsabilidades. Enquanto os trabalhadores em sade (mdicos, enfermeiros, agentes comunitrios de sade,
etc.) tm as suas funes estabelecidas, parece no haver o mesmo nvel de clareza no que tange
aosencargos das famlias na corresponsabilidade pelos cuidados. 8Mioto (2010, p.168) se contrape a concepes em perspectiva relacional da famlia. Ou seja,
limitar as relaes familiares s relaes estabelecidas na famlia, seja em domiclio ou rede
social primria. Devem-se incorporar outras relaes ao exemplo das relaes com o Estado.
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Dentre as mudanas que merecem destaques Mioto (2010, p.168) aponta:
As de carter econmico, relacionados ao mundo do trabalho e as de carter tecnolgico, particularmente, quelas vinculadas ao campo de
reproduo humana da informao. Alm, sem dvida, das novas
configuraes demogrficas, que incluem famlias com mais idosos e
tambm das novas formas de sociabilidade desenhadas no interior da famlia.
Estas mudanas evidenciam a carncia de condies objetivas das famlias em
arcar com exigncias impostas na sociedade contempornea, especialmente em pases
como Brasil, marcado por desigualdade estrutural (MIOTO, 2010).
Segundo Wiese e Santos (2014), houve nos ltimos vinte e cinco anos mudanas
socioeconmico-culturais, oriundas da globalizao e economia capitalista, que
modificaram a dinmica e estrutura das famlias, sobretudo as em situao de
vulnerabilidade social. Antes da industrializao o papel da famlia era divido por
gnero onde o homem, pai de famlia, era responsvel pela produo (agrcola) e
sustento familiar, j a mulher era criada para cuidar da casa e dos filhos.
A configurao da composio familiar era reconhecida por famlia nuclear
burguesa, onde as famlias ditas normais deveriam ter em sua composio um
homem, uma mulher e filhos consanguneos com papis definidos, baseados na
interferncia de instituies como a igreja, com primrdios bblicos, morais e religiosos
(WIESE; SANTOS, 2014, p.2).
Aps a revoluo industrial, houve uma brusca mudana do papel da mulher na
sociedade, o campo deixa de ser objeto de sustento familiar, gerando xodo rural e
concentrao de populao em grandes cidades industriais, onde o salrio ofertado no
dava conta do sustento familiar, dando incio explorao da mo de obra de crianas e
mulheres (classe de trabalhadores), tornando a mulher responsvel pelo trabalho e
afazeres domsticos aliados emancipao social e sexual, ocasionando mudanas
gradativas nas famlias e nos auxiliando a compreender tais transformaes (WIESE;
SANTOS, 2014).
Hoje, associado denominao de famlia, existem diversas composies que
incluem laos consanguneos, relaes no formalizadas por parentescos, unies
estveis, famlia conjugal extensa, ncleo domstico, unies homoafetivas, entre outros.
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Alm disso, possvel observar que as famlias estoreduzindo e com isso h uma
tendncia da ampliao das relaes sociais9 (CERVENY, 2002).
Segundo Gelinski e Moser (2012), esta ampliao das relaes, apresenta-se
mais frequente em famlias pobres, onde se transformam vizinhosou amigos prximos,
em parentes superando laos sanguneos, possibilitando trocas de dinheiro, de apoio e
de afeto. Tal afirmao pode ser observada devido ausncia de proteosocial do
Estado, ao exemplo da falta de creches, desemprego estrutural e necessidade de ingresso
cada vez mais cedo no mercado de trabalho acarretando em abandono escolar.
Gelinski e Moser (2012) acreditam em dois fatores principais que resultam na
reduo da famlia. O primeiro diz respeito a fatores demogrficos: reduo do nmero
de filhos, alcances de idade maiores (avanos da medicina e sistema de sade), aumento
do nmero de divrcios, aumento de famlias em que a mulher a responsvel familiar
e responsvel pelos filhos, pessoas que optam em morar sozinhas formando famlias
unicelulares,entre outros. O segundo trata de mudanas impostas por escolha ou
enfrentamento, estes compreendem desde decises individuais, conquistas pessoais e
empoderamento de alguns segmentos a situaes adversas potencializadas pela pobreza.
Ao exemplo de mudanas impostas, teremos as famlias monoparentais com
referncia feminina de mes de crianas com deficincias e ou doenas crnicas em
situao de vulnerabilidade social que trataremos posteriormente nasegunda seodeste
trabalho, elucidando a transferncia de responsabilidades do Estado para a famlia e a
ausncia de proteo para este segmento invisvel.
Dispomos no Brasil de uma forte tendncia ao familismo, este representado
nos sistemas de proteo social em que o Estado considera impe que as unidades
familiares devem assumir a principal responsabilidade por seu bem-estar, resultando em
menor proviso por sua parte (ESPING-ANDERSEN, 2000, apud MIOTO, 2008,
p.135-136).Mioto (2010, p.169) amplia a discusso do familismo a partir da afirmao
de que existem dois canais naturais de satisfao das necessidades dos indivduos: a
famlia e o mercado onde somente quando esses falham que interferncia pblica
deve acontecer e de maneira transitria, ou seja, remete a ideia de falncia da famlia e
9Segundo Cerveny (2002, p.20) a reduo das famlias pode influenciar famlias extensas nas
prximas geraes e as redes sociais de relaes ou mesmo a comunidade vo se configurar no
futuro como substitutivas dessa famlia ampliada.
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de poltica pblica compensatria e transitria, correspondendo menor proviso de
bem-estar por parte do Estado.
O fracasso da famlia entendido como resultado da incapacidade de
gerirem e otimizarem seus recursos, alm de desenvolver estratgia de
sobrevivncia e convivncia, mudanas comportamentais e de estilo
de vida, articulao em rede e sobretudo incapacidade de se capacitarem para cumprir com as obrigaes familiares (MIOTO,
2010, p. 170).
Apesar da centralidade atual da famlia nas polticas sociais (direcionadaa
famlias em sua maioria pobres ou extremamente pobres), h mais de trinta anos
possvel evidenciar a transferncia de responsabilidades do Estado para a famlia, o que
nos remete preocupao pela ausncia de construes slidas de proteo que deem
conta das demandas atuais e das geraes futuras (GELINSKI; MOSER, 2012).
Segundo Geertz (1997, apud, FREITAS; BRAGA; BARROS, 2012. p.17-18):
Aprendemos que as relaes de parentesco so resultado da
combinao de trs relaes bsicas: a descendncia entre pais e
filhos; a consanguinidade entre irmos; e a afinidade a partir do casamento, sendo a famlia considerada como grupo social por meio
do qual se realizam esses vnculos. Contudo, temos convivido com
realidades diferenciadas que conformam a constituio desse fenmeno (Famlia) para alm das relaes de parentesco.
A definio descrita por Mioto (2010, p.167) de famlia a compreende em suas
mais diversas configuraes, constituindo-se como um espao altamente complexo,
construda e reconstruda historicamente e cotidianamente, atravs das relaes e
negociaes que estabelecem, tais negociaes compreendem tanto entre seus
membros, quanto em outras esferas como o Estado, trabalho e mercado10
.
Segundo Teixeira (2010), Mioto descreve a famlia de forma ampliada, se
contrapondo s concepes que tratam famlias a partir de determinada estrutura,
tomada como ideal e com papis pr-definidos. Teixeira (2010) aponta a importncia de
no se analisar a famlia como instituio natural, mas social e histrica.
Tratando de reconhecer a existncia de diversos arranjos familiares, Afonso e
Figueiras (1995, apud FREITAS; BRAGA; BARROS, 2012) apontam, ao constatar essa
10Mioto (2010, p.168) destaca que as negociaes no acontecem entre sujeitos iguais, uma vez
que a desigualdade grassa tanto no interior da famlia, como na relao dela com outras esferas
da sociedade. Tais desigualdades vinculam-se a trs eixos fundamentais: classe, gnero e etnia.
-
18
diversidade, para no naturalizar as famlias, escapando de uma leitura dicotomizada e
empobrecedora de distino de famlia por polaridades como: estruturada x
desestruturada.
Gomes e Pereira (2005, apud WIESE; SANTOS, 2014, p.362-363) pontuam,
referente fuga dessas polaridades, princpios ao se tratar do atendimento famlia, tais
como: rompercom aideia de famlia sonhada (ideal, estruturada, etc.) e ter a famlia
real como alvo; considerar a famlia com foco ampliado, sua vulnerabilidade e
fragilidade; no considerar a famlia de modo fragmentado.
Assim, tratando-se da instncia famlia, necessrio compreende-la de forma
ampliada, sem pr-julgamentos ou enquadramento em um perfil moralmente moldado
ou idealizado por uma parcela da sociedade.A famlia no pode ser descrita de modo
esttico. Ela complexa, adapta-se, sobrevive e vive em constante transformao e
novos arranjos ocasionados ou impostospor determinaes estruturais capitalistas,
tecnolgicas, sociais, culturais e questes demogrficas, entre outros.
necessrio compreender que os impactos de determinaes estruturais
acentuam a questo social e fragilizam as classes subalternas - carentes degarantia de
direitos e bem-estar -em longo prazo, pois o cenrio atual retrata aes fragmentadas,
imediatistas, focalizadas, de cunho de ajustamento social, responsabilizao dos
indivduos por sua vulnerabilidade e imposio de responsabilidades.
2.2. O PAPEL DA MULHER NA COMPOSIO FAMILIAR: UM PROCESSO
HISTRICO
Como se retratou brevemente no primeiro item desta seo, a instituio familiar
vem sofrendo profundas transformaes no ltimo sculo em todo o ocidente. Referidas
mudanas tem suas razes histricas na Revoluo Industrial e na Revoluo Francesa.
E a partir da Revoluo Industrial, com o declnio do patriarcalismo, da rediviso
sexual do trabalho e da revoluo feminista, que novos paradigmas passam a nortear a
famlia, produzindo, com isso, bruscas alteraes na estrutura societria e familiar
(BRUM, 2014).
Durante a escravido em nosso Pas (poca colnia) dispusemos do modelo de
arranjo familiar matrifocal que se organiza em torno da mulher quando no h um
companheiro, mas assume forma patriarcal quando h. Nesta poca a proibio de
formao de famlias entre escravos e herana matriarcal de alguns grupos contribuiu
-
19
para a marginalizao do homem em algumas camadas da sociedade (SZYMANZKI,
2007).
Enquanto na Casa grande prevaleciam as relaes prximas a modelos
paternalistas, na senzala o modelo familiar era semelhante ao matrifocal descrito por
Szymanski (2007). Segundo Woortmann (1987 apud WOORTMANN;
WOORTMANN, 2002, p.14):
[...] o paternalismo no eliminava a desumanizao doescravo; apenas
a configurava de forma distinta. Se de um lado o paternalismo combinado estabilidade demogrfica permitia aexistncia de
famlias escravas, bem possvel que afetassediferencialmente a
homens e mulheres [...]. O escravo poderia ser um 'genitor', mas dificilmente um 'pater'; de fato, difcil mentepoderia ser um homem,
no pleno sentido da palavra, tal como dado por uma ideologia
patriarcalista. Portanto, ao se considerar as possibilidades de uma
famlia escrava no Nordeste no suficiente observar que o sistema senhorial-paternalista permitia a existncia de unidades familiares de
escravos - e talvez mesmo a estimulasse - mas torna-se necessrio
indagar, tambm, sobre a 'possibilidade de papis' no contexto da ideologia dominante [...]. Se, de um ponto de vista material, o sistema
nordestino pode ter favorecido a formao de famlias escravas [...] os
componentesideolgicos do sistema impunham severas limitaes a essafamlia.
Nacontemporaneidade, no podemos definir um modelo de famlia a ser
seguido unicamente, pois a famlia possui particularidades. As famlias possuem
diversas formas de enfrentamento das consequncias do processo de produo
capitalista e da sociedade consumista (WIESE; SANTOS, 2009, p.10).
Em um estudo realizado com famlias que viviam em um bairro de periferia em
So Paulo, Szymanski (1988) observou que famlias em vulnerabilidade, em uma
perspectiva matrifocal, dividiam-se entre as formas de viver de famlia dada como
modelo e aquelas que escolhiam devido s dificuldades que passavam, onde quanto
mais intensa a realidade vivida, mais esta se distanciava dos modelos que assistiam em
meios de comunicao. Foi possvel aferir neste estudo, que em algumas famlias, a
mulher assume o papel de chefe. Os homens nessas famlias entraram e saram, porm o
ncleo permanecia sobre responsabilidade da mulher (DESCHESNAY, 1986 apud
SZYMANZKI, 2007, p.49-51).
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20
Segundo Aris (1981, apud FREITAS; BRAGA; BARROS, 2012), o novo papel
da mulher na famlia (esteretipo domito do amor materno11
) teve incio a partir do
sculo XVIII, com o surgimento da escola, da preocupao com privacidade e igualdade
entre os filhos, da manuteno das crianas junto aos pais e valorizao do sentimento
de famlia junto s instituies sociais (como a igreja ou a medicina). Ressaltamos que
tal constituio respondia a necessidades de dado momento histrico.
Diante das exposies referentes s transformaes da famlia at a atualidade,
Amaral (2001, apud WIESE; SANTOS, 2009, p.4) indica que:
Famlia uma construo social que varia segundo as pocas,
permanecendo, no entanto, aquilo que se chama sentimento de
famlia, que se forma a partir de um emaranhado de emoes e aes
pessoais, familiares e culturais, compondo o universo familiar.
Segundo Durham (1983, apud BRUSCHINI; RIDENTI, 1994), se houvesse um
grupo natural, este seria a mulher e sua prole.
Para Bruschini e Ridente (1994) o modelo nuclear de famlia, que hoje aparenta
ser natural foi consolidado no sculo XVIII com a privatizao da famlia e
valorizando o amor materno. A famlia deixa de ser uma unidade econmica e passa a
ser um refgio de afetividade.
Tais resgates histricos se fazem necessrios para compreenso das
transformaes sofridas pela famlia e ainda para que possamos aferir por que algumas
prticas persistem ainda nos dias de hoje. No entanto, lembramos que se faz necessrio
sair da polaridade famlia estruturada x desestruturada a fim de evitar leituras
dicotomizantes e empobrecedoras (AFONSO; FIGUEIRAS, 1995, apud FREITAS;
BRAGA; BARROS, 2012).
Bruschini e Ridenti (1994) tratam os laos familiares acima de limites de
moradia, considerando a famlia como grupo de pessoas ligadas por laos afetivose
psicolgicos, abordando a necessidade de desconstruo do modelo de famlia dito
natural para que outras formas vlidas, como famlias com apenas um cnjuge ou
chefiadas por mulheres, no sejam consideradas incompletas, irregulares ou
11Badinter (1986, apud FREITAS; BRAGA; BARROS, 2012) rebate o discurso acerca da
propenso natural que haveria nas mulheres para a maternidade, tentando pensar como esse
desejo natural foi sendo construdo historicamente, ao passo de hoje, fazer-se presente em nosso dia a dia, muitas vezes como algo inquestionvel. A autora relata ainda o modo em que as
mulheres sempre se rebelaram contra esse destino.
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desorganizadas. Para as autoras, famlias so grupos sociais dinmicos, em constante
transformao em virtude dos processos demogrficos e socioeconmicos, semelhante
compreenso de Moser e Geliski (2012).
Segundo Sarti (2007, p.68, apud GELINSKI; MOSER, 2012, p.5):
(...) A sobrevivncia de grupos familiares chefiados pormulheres
possibilitada pela mobilizao cotidiana de uma rede familiar que
ultrapassa os limites das casas.
Dessa forma, a redefamiliar difunde-se por vrios lares, com base nos parentes.
A tentativa de se determinar ou enquadrar a famlia segundo uma definio
amplamente aceita, resulta em bloqueio do caminho para compreenso deste espao
(STACK, 1974 apud GELINSKI; MOSER, 2012, p.5).
Observando o Censo Demogrfico doIBGEde 2010, Oliveira, Ribeiro e Longo
(2012, p.1), apontam o crescimento da incidncia de famlias unipessoais, biparentais e
as de referncia feminina, onde os mesmos relacionam estes arranjos como fruto da
modernidade que parece conviver com a desigualdade, fazendo com que a famlia
brasileira continue sendo marcada pela descontinuidade, heterogeneidade e
diferenciao. Os autores complementam que um dos principais traos das
transformaes familiares se evidencia pela falncia do modelo tradicional de famlia
conjugal assentada na tica do provedor. Isso no inibe a coexistncia de valores
voltados tanto para modernidade quanto ao tradicionalismo.
Tais transformaes de gnero na referncia familiar se originam no
crescimento do nmero de divrcios, das unies consensuais, dos nascimentos fora do
casamento, o aumento da idade mdia ao casar, reduo do nmero de filhos e o seu
espaamento, aumento da escolaridade feminina e insero em massa de sua fora de
trabalho (OLIVEIRA; RIBEIRO; LONGO, 2012, p.2).
Segundo Gelinski e Moser (2012)na anlise de polticas pblicas podemos aferir
a diversificao dos conceitos e critrios operacionais que as definem. Na literatura
brasileira percebem-se dois grupos para distino de concepes de famlias: o primeiro
quanto caracterizao de sua estrutura e funes a partir da formao histrica da
sociedade brasileira (ao exemplo do modelo patriarcal) e o segundo quanto a
constituio familiar e seu papel ao exemplo de famlia ampliada, em rede, diviso de
tarefas, ganhado importncia por apreender a famlia de modo mais ampliado, como
uma complexa rede de relaes (SARTI, 2005; 2007, apud MOSER; GELISKI, 2012)
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22
em tempos de transformaes de noes de famlias (casais homoafetivos, famlia sem
casais, casais que residem em casas distintas, entre outros).
Segundo Di Sato (2008), o pai como figura maior da famlia (modelo patriarcal)
vem perdendo seu valor. Em, por exemplo, algumas favelas, em que h falta de homens
de 14 a 25 anos, mortos de maneira violenta (em grande maioria por decorrncia do
trfico de drogas), a me vema assumir as funes maternas e paternas.
A ideia da famlia em rede se contrape definio clssica de famlia de
Murdock, no qual a definia como grupo social caracterizado pelaresidncia conjunta,
a cooperao econmica e a reproduo, [a qual incluiria] adultos de ambos ossexos,
pelo menos dois dos quais mantm um relacionamento socialmente aprovado, e um
oumais filhos, prprios ou adotivos, dos adultos que coabitam sexualmente
(GERSTEL, 1996, apud MOSER; GELINSKI, 2012, p.4)
Segundo Szymanzki (2007), o modelo de famlia nuclear (tambm chamado por
alguns autores de famlia nuclear burguesa) conjugal moderna (pai, me e filhos) no
formato em que na atualidade definida, no foi sempre assim. Esta configurao
tornou-se usual aps o fim da escravatura, durante o processo de industrializao, o que
segundo Teixeira (2010, p.7).
A famlia normal a nuclear tradicional, tomada como padro ou as famlias eram definidas segundo a presena de um casal
heterossexual e sua prole, concepo difundida por vrias disciplinas
cientficas, como por exemplo, a psicologia e os terapeutas familiares, psicanlise, dentre outras. Para estas disciplinas, a maior parte das
outras formas de composio familiar ou era encarada como
patolgica, incompleta, insuficiente, ou era simplesmente invisvel.
Embora na atualidade brasileira ainda predomine o arranjo familiar do modelo
nuclear, j possvel evidenciar mudanas neste perfil. Dispomos em nossa sociedade
um elevado nmero de famlias recompostas (formadas por nova unio, diante do
trmino de unio anterior) e de famlias monoparentais com referncia feminina. Para
elaborao do perfil das famlias em pesquisa no presente estudo, observaremos quatro
arranjos familiares: nuclear; nuclear recomposto; nuclear ampliada e monoparental com
referncia feminina.
Para Bruschini e Ridenti (1994) a representao da famlia dominante no
Brasilcomposta por casal heterossexual e seus filhos abrigados em uma mesma
residncia, com diviso assimtrica de papis onde o homem o provedor e a mulher
responsvel pelos cuidados com a casa justificada como mais presente em
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levantamentos censitrios, mas nem sempre reproduzem o que ocorre no dia-a-dia por
no considerar a rede de parentesco que no reside no mesmo teto, como parentes que
moram no mesmo terreno ou prdio. Da mesma forma que considera indivduos que
residem juntos como se fosse famlia, quando na verdade partilham a moradia.
Seguindo o padro de pases capitalistas industrializados, o Brasil sofreu uma
modernizao precria, o modelo biparental com filhos, embora dominante, vem
perdendo sua importncia nos mbitos dos arranjos familiares, onde podemos
evidenciar o efeito da metropolizao na transformao de arranjos e suas alternativas
de organizao de famlias e domiclios (OLIVEIRA; RIBEIRO; LONGO, 2012, p.3).
Ainda significativo o nmero de famlias monoparentais, este termo usual
para denominar o pai ou a me como responsveis. Esta configurao pode ser
considerada recomposta segundo o Cdigo Civil Brasileirono momento em que o
responsvel pela famlia venha a se casar ou viver com um novo cnjuge (WIESE;
SANTOS, 2009).
Famlias nucleares com ou sem filhos, famlias ampliadas pela presena de
parentes (como avs) ou famlias com refernciafeminina tem necessidades e
possibilidades distintas, sobretudo em se tratando do mercado de trabalho (formal ou
informal) (BRUSCHINI; RIDENTI, 1994).
Buschini (1989, apud BRUSCHINI; RIDENTI, 1994) observa, por exemplo, que
as brasileiras casadas mesmo sendo mes que possuem instruo superior, a atividade
econmica compensam a sada do lar. Para famlias das camadas mdias, a escolaridade
um canal de ascenso social (tendo instruo elevada, possvel pagar os servios de
uma substituta nas tarefas domsticas). Nas camadas menos privilegiadas, os filhos
aderem cada vez mais cedo ao mercado de trabalho, enquanto a me (com poucas
oportunidades de enfrentamento) dedica-se a atividades domsticas e atividades
econmicas informais no prprio domiclio (BRUSCHINI; RIDENTI, 1994).
A moradia , por tanto um espao familiar e de trabalho, principalmente para
mulheres, de qualquer camada social (sobretudo as menos favorecidas), que ocupam
tanto atividade domstica quanto trabalho informal (BRUSCHINI; RIDENTI, 1994).
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24
2.2.1. FAMLIAS MONOPARENTAIS COM REFERNCIA FEMININA12
Ao abordar a transformao da famlia, Pereira (2006, p.38) constata que h
vrios tipos de famlia e que tal diversidade vem se distanciando do tradicional modelo
nuclear composto de um casal legalmente unido e seus filhos, no qual o homem
assume encargos de proviso e a mulher, as tarefas cotidianas da casa sendo um fator
relevante ao seu esgotamento participao feminina no mercado de trabalho e na
chefia do lar.
Os arranjos monoparentais com referncia feminina apresentam:
tendncias heterogneas que se expressam por intermdio da
coexistncia de prticas e de valores voltados tanto para a tradio quanto para a modernidade. No perodo colonial h registros
numerosos de unidades familiares chefiadas por mulheres,
contestando a centralidade da figura masculina como regra nica (SAMARA, 1987, apud OLIVEIRA; RIBEIRO; LONGO, 2012,
p.12).
Woortman e Woortman (2002, apud OLIVEIRA; RIBEIRO; LONGO, 2012)
apontam em seus estudos que o segmento acima se refere a mulheres de baixa renda, em
sua maioria vivas, solteiras ou mulheres que foram abandonadas ou abandonaram os
maridos. J os arranjos monoparentais com referncia feminina que refletem valores e
prticas modernas so presentes em mulheres de condio mdia e alta com maior grau
de instruo e rendimentos que optaram por essa condio.
Desta forma os arranjos monoparentais com referncia feminina possuem
conotaes distintas de acordo com rendimentos e ainda sendo ambas as tendncias
encontradas com mais intensidade no espao metropolitano do pas (OLIVEIRA;
RIBEIRO; LONGO, 2012, p.12).
Atualmente possvel aferir a partir dos censos demogrficos, que muitos
domiclios no contam com presena masculina como fonte de sustento ou apoio moral.
A reestruturao da famlia e sua preponderncia a ser gerida e sustentada por mulheres
levantam questionamentos quanto aos encargos cotidianos de crianas, enfermos, idosos
debilitados, deficientes, alm de responsabilidades de proviso e gesto do lar, pois ela
12 O termo referncia feminina elucidado por Oliveira, Ribeiro e Longo (2012) e ser
utilizada ao longo deste trabalho em substituio do termo famlia chefiada por mulheres devido ao carter opressor que a palavra chefiada pode conotar em sua interpretao,
sobretudo ao movimento feminista.
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25
tradicionalmente arcava com esse nus na proviso mista de bem-estar (sendo essa
viso tradicional pertinente na atualidade) mesmo considerando as transformaes da
famlia, esperando-se das mulheres, a renncia das conquistas do campo de trabalho e
da cidadania social (PEREIRA, 2006, p.39).
Entretanto, nas ltimas dcadas possvel acompanhar o crescimento do nmero
de famlias chefiadas por mulheres, sobretudo a partir dos anos 1990, onde exigiram
revolucionrias mudanas conceituais e jurdicas em temas como: virgindade, adultrio,
casamento, sobrenome, igualdade de direitos e obrigaes entre homem e mulher
eunies homoafetivas. O casamento, no objetiva a reproduo ou constituio familiar
e sim comunho para uma plena vida (PEREIRA, 2006, p.39).
Sendo assim Jonhson (1990, apud PEREIRA, 2006, p.40) afirma quanto ao
objetivo da poltica social com relao famlia, ou ao chamado setor informal que:
no deve ser o de pressionar as pessoas para que elas assumam
responsabilidades alm de suas foras e de sua alada, mas o de
oferecer-lhes alternativas realistas de participao cidad. Assim, se o pluralismo de bem-estar quiser fazer jus ao prprio nome e angariar
algum mrito no campo democrtico, ele dever ajudar a estender, em
vez de restringir, a cidadania social (...). Isso no significa a
desconsiderao da solidariedade informal e do apoio primrio, prprios da famlia, mas sim, a considerao que essas formas de
proteo no devam ser irreais a ponto de lhes serem exigidas
participaes descabidas e impraticveis.
Segundo o Censo Demogrfico do IBGE de 2000 (Tabela 1) uma em cada
quatro famlias brasileiraspossui referncia feminina, correspondendo a 11.1 milhes de
famlias. Aferindo os resultados disponibilizados noreferidocenso, o nmero de
domiclios cuja pessoa responsvel a mulher corresponde a 22,2 milhes (38% do total
de domiclios brasileiros), sendo que destes apenas 27% compartilham a
responsabilidade com outro membro familiar.
Nascimento (2006, apud OLIVEIRA; RIBEIRO; LONGO, 2012, p.4), aponta
que entre famlias monoparentais:
Sobressaram aquelas com referncia feminina, muito embora j se
possa constatar crescimento de lares constitudos por homens sozinhos e seus filhos. O nmero de famlias com liderana feminina passou de
18,1% em 1970 para 25,5% em 2000.
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Tabela 1- Mulheres responsveis pelos domiclios, em nmeros absolutos e relativos,
por situao do domiclio em 2010.
Fonte: IBGE (2010, s/p).
Gelinski e Moser (2012, p.9) acreditam que mesmo com as limitaes que o
uso da categoria domiclio impe para a compreenso dascaractersticas das famlias,
cabe destacar cinco elementos de mudana nas famlias brasileiras: queda do tamanho
familiar; aumento da idade mdia da populao; manuteno da taxa de nupcialidade
legal e aumento do nmero de divrcios;aumento do nmero de famlias cujo
responsvel familiar a mulher e aumento do nmero de famlias unipessoais. Esses
elementos consolidam os traos caractersticos da famlia deste incio do sculo XXI em
contrastea dcada de 1960 ponto de inflexo nos costumes e naformao das
famlias, devido ao ingresso acentuado das mulheres no mercado de trabalho e
aocontrole da natalidade propiciado pela plula anticoncepcional.
Segundo Oliveira (2005, apud OLIVEIRA; RIBEIRO; LONGO, 2012)
dispomos ainda no Brasil urbano, uma proporo em torno de 32,3% de mulheres
cnjuges na categoria de co-provedoras.
Outro aspecto na mudana organizacional da famlia remete-se ao novo papel
feminino em termos de proviso familiar, muito embora os rendimentos destas sejam
inferiores aos masculinos e dispondo ainda de jornadas ampliadas oriundas de
agregao de trabalho domstico.Tal mudana foi impactada por alteraes na condio
feminina propiciada pelo aumento da escolaridade entre outros fatores como condies
sociais e econmicas (OLIVEIRA; RIBEIRO; LONGO, 2012).
A insero da mulher no mercado de trabalho nos faz refletir as desigualdades
de gneros presentes em nossa sociedade neoliberal. O capitalismo foi o combustvel do
nosso processo de modernizao. A modernizao por sua vez, se estruturou na
-
27
precarizao (principalmente do trabalho) e resultou em crescimento, principalmente de
vulnerabilidade social - uma das expresses da questo social13
.
Neste cenrio tensionado entre processos de individualizao e desigualdade
estrutural, a famlia no dispe de condies objetivas para arcar com tamanhas
exigncias que lhe so atribudas, principalmente a mulher, ao qual recaem com
indiscutvel prevalncia as relaes de cuidados com lar, criana, idosos e deficientes.
Em respeito luta por subsistncia familiar, estudos sobre famlia tm apontado
que emprego remunerado est longe de ser a nica renda do grupo familiar. H
atividades informais, domiciliares, recursos de transferncia de renda e recursos no
monetrios ao exemplo de servios pblicos e benefcios sociais ofertados pelo Estado,
instituies privadas e instituies do terceiro setor (BRUSCHINI; RIDENTI, 1994).
Mioto (2010, p.127) retrata que no existe um consenso sobre a definio de
famlia e nem pelo que se entende por sustentara famlia, alm disso, discorre sobre a
invisibilidade do trabalho familiar, realizado essencialmente pelas mulheres que acabam
por deter recursos da poltica social acarretando em seu no favorecimento na diviso
do trabalho no interior da famlia.
As famlias vulnerveis compreendem o grupo de famlias brasileiras que
segundo Vasconcelos (1999, apud WIESE; SANTOS, 2014) esto ligadas a servios
locais de sade e rgos de assistncia social ligados a entidades filantrpicas e
organizaes-no-governamentais que desenvolvem programas de acompanhamento
familiar a famlias em especial dificuldade.
Para Sarti (1996, apud WIESE; SANTOS, 2014, p.5) a famlia para os pobres
associa-se aqueles em que se pode confiar. (...) Como no h status ou poder a ser transmitido, o que define a extenso da famlia entre os
pobres a rede de obrigaes que se estabelece: so da famlia aqueles
com quem se pode contar, isto quer dizer, aqueles que retribuem ao
que se d, aqueles, portanto para com quem se tem obrigaes. So essas redes de obrigaes que delimitam os vnculos, fazendo com que
as relaes de afeto se desenvolvam dentro da dinmica das relaes
(...).
13Segundo Iamamoto (2008, p.155-156) a questo social indissocivel da sociedade capitalista.
A gnese da questo social na sociedade burguesa deriva do carter coletivo da produo
contraposto apropriao privada da prpria atividade humana - o trabalho- das condies
necessrias a sua realizao, assim como de seus frutos. Assim a questo social condensa o conjunto das desigualdades e lutas sociais, produzidas e reproduzidas no movimento
contraditrio das relaes sociais.
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28
Assim podemos justificar a ampliao da famlia extensa neste segmento
vulnervel baseados na necessidade de suprir ausncias estatais (falta de creches,
centro-dia para idosos e pessoas com deficincia, etc.) gerando novos arranjos e
relaes de afeto que ultrapassam laos de consanguinidade ao exemplo dos vizinhos.
Neste trabalho, abordaremos em especial, famlias em situao de
vulnerabilidade socialcom crianas com deficincias e ou doenas crnicas atendidas
pelas instncias de sade pblica, em especial alta complexidade. Isso nos remete a
ausncia por parte do Estado em dar conta desta demanda que acaba por acarretar
famlia, sobretudo mulher, a responsabilidade pelo cuidado. Esta por sua vez, no
dispe de suporte necessrio, por meio das polticas sociais garantidas naConstituio
Federalde 1988 e por conta de sua situao econmica no d conta de restabelecer
sade da criana em seu domiclio acarretando em reinternaes hospitalares.O Grfico
01 apresenta quais so as instituies que encaminham as famlias com crianas com
doena crnica ou deficincia para a instituio em estudo.
As famlias em questo so encaminhadas a uma instituio do terceiro setor, em
sua grande parte por instncias do Estado (84%). Destes, 77% dos encaminhamentos
so oriundos do Sistema nico de Sade (SUS), sendo: Hospital Infantil (HI) 9
famlias(21%);Hospital Universitrio da UFSC (HU) 2 famlias (5%);Centro de
Ateno Psicossocial(CAPSI) 1 famlia (2%);Policlnica 1 famlia (2%)eNcleo de
Apoio Sade da Famlia (NASF) 5 famlias (5%). Os demais7% dos
encaminhamentos so oriundos do Sistema nico de Assistncia Social (SUAS), sendo:
Centro de Referncia em Assistncia Social (CRAS) 2 famlias (5%) e Centro de
Referencia Especializado em Assistncia Social (CREAS) 1 famlia (2%). Por fim
16% so oriundos da sociedade civil, que compreende encaminhamento das mes
atendidas e outras organizaes sem fins lucrativosda grande Florianpolis.
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29
Fonte: Elaborao da autora a partir da coleta de dados.
O presente estudo contou com amostra de 100% das famlias atendidas
pelainstituio, totalizando 42famlias em um universo composto por 174 pessoas:67
adultos, 08idosos, 42 adolescentes e 53 crianas.
O Grfico 02 elucida, a tendncia de famlias menos numerosas, cuja mdia de
integrantes de 04 pessoas por famlia, sendo destas 02 crianas ou adolescentes.
Fonte: Elaborao da autora a partir da coleta de dados.
Woortmann e Woortmann (2002, p.27) indicam a reduo do grupo domstico,
atribuindo-o principalmente reduo do nmero de filhos - seja pela queda das taxas
defecundidade, seja porque aumentou a tendncia dos filhos de seretirarem do grupo
domstico de origem a partir de certa idade. Outro fator ressaltado a reduo da
proporo de pessoas vivendo emarranjos nucleares.
A famlia tem sido cada vez mais requisitada pelo Estado a assumir o papel de
responsvel na gesto de segmentos como criana e adolescente, idosos, pessoas com
deficincia, conforme estabelecido em alguns estatutos, onde dever da famlia, da
33, 77%
7, 16%
3, 7%
Grfico 1: Instncia encaminhadora das famlias instituio - 2014
SUS - 33
Sociedade Civil - 7
SUAS - 3
5%
39%
25%
31%
Grfico 2 : Composio familiar das famlias estudadas - 2014
IDOSO
ADULTO
ADOLESCENTE
CRIANA
-
30
comunidade, da sociedade civil e do Estado,assegurar atendimento e garantia de direitos
dos mesmos (WIESE; SANTOS, 2014, p.5-6).
Gomes e Pereira (2006, apud WIESE; SANTOS, 2014, p.6) afirmam que diante
da ausncia de polticas pblicas de proteo social populao pauperizada,
decorrncia do retraimento do Estado.
[...] a famlia chamada a responder por esta deficincia sem receber condies para tanto. O Estado reduz suas intervenes na rea social
e deposita na famlia uma sobrecarga que ela no consegue suportar
tendo em vista sua situao de vulnerabilidade socioeconmica.
Mioto (2004, apud WIESE; SANTOS, 2014) avalia que se tratando de
assistentes sociais, observa-se conscincia das transformaes ocorridas nas famlias e
um consenso sobre a diversidade de arranjos familiares, carter temporrio das relaes
conjugais e questes relacionadas reproduo. Porm, a expectativa em relao s
tarefas da famlia tem se mostrado preservada, considerando o mesmo padro de
resposta independente de sua condio social, caladas em postulaes culturais
tradicionais referentesa papis paternos e principalmente maternos.
possvel identificar apriorizao da responsabilidade famlia pela PNAS
onde, (...) independente dos formatos ou modelos que assume, mediadora das
relaes entre os sujeitos e a coletividade, delimitando, continuamente os deslocamentos
entre o pblico e o privado, bem como geradora de modalidades comunitrias de vida
(WIESE; SANTOS, 2014, p.8).
Segundo Wiese e Santos (2014, p.8) o Estado passa por um processo de
desresponsabilizao das aes diretas junto aos usurios diretos da assistncia social e
responsabilizando a famlia. Devendo o Estado subsidiar essas famlias, em maior
parte vulnerveis e sem condio de resposta as responsabilidades impostas, cumprindo
seu papel de proteo.
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SEO II
3. FAMLIA E CUIDADO: AS MULHERES MES E AVS DE CRIANAS
COM DEFICINCIA E DOENAS CRNICAS
Esta seo destina-se a exposio e anlise dos dados coletados em pesquisa
qualitativa a partir de acompanhamento da prtica profissional do Servio Social em
uma instituio do terceiro setor com sede em Florianpolis a qual, por questes ticas e
respeito identidade e integridade das famlias acompanhadas, se manter sigilo14
. A
instituio em estudo atua com famlias em situao de vulnerabilidade social que
possuem crianas com doenas crnicas e ou deficincias, com incidncia ou risco de
reinternao hospitalar, aos quais 84% dos encaminhamentos so realizados por
instituies pblicas que atuam nos eixos da seguridade social.
3.1 ASPECTOS METODOLGICOS DA PESQUISA
Para realizao desta pesquisa, os dados sistematizados foram coletados a partir
de documentos institucionais (primeira e segunda etapa) onde foram utilizados fichas de
avaliao familiar - realizadas aps acolhimento familiar junto a referida instituio -,
ficha de Plano de Ao Familiar (PAF) - preenchida pelo setor de Servio Social
durante atendimentos mensais s famlias no perodo de dois anos aos quais estas
permanecem na instituio -, percepes oriundas de observao participante de nove
meses acompanhando o atendimento das famlias durante estgio obrigatrio I e II
compreendido entre os meses de maro e novembro de 2014, reunies interdisciplinares
mensais com a equipe de atendimento (assistente social, nutricionista, mdico pediatra
homeopata, psicloga, fisioterapeuta, e pedagoga), socializao de relatrios de
atendimentos mensais e entrevista semiestruturada (terceira etapa).
14A Autorizao emitida pela instituio ficar alocada durante cinco anos a contar da data de
publicao destetrabalho, na sala n. 17, do Departamento de Servio Social, situado no Centro Socioeconmico, no campus de Florianpolis da Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC).
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Para Minayo (2012), a entrevista semiestruturada corresponde combinao de
perguntas fechadas e abertas, em que o entrevistado pode discorrer a cerca do tema sem
se prender indagao elaborada.
A observaoparticipante se tornou aliada na alimentao dos dados, tendo em
vista que utilizada para obteno de aspectos da realidade. Marconi e Lakatos (2003,
p.191) afirmam que:
A observao ajuda o pesquisador a identificar e obter
provas a respeito de objetivos sobre os quais os indivduos no tem conscincia, mas que orientam seu
comportamento.
Tambm foram utilizados, alm de documentos institucionais, citaes
decorrentes do acompanhamento dos atendimentos com as responsveis familiares na
instituio em questo, oportunizadas pela experincia de estgio.
Destaca-se que a coleta de dados ocorreu com a autorizao da instituioe foi
dividida em 03 etapas, sendo: a primeira com dados referentes caracterizao das
famlias; a segunda referente caracterizao das doenas e deficincias das crianas e
adolescentes e a terceira compreendendo a caracterizao do trabalho e renda das
famlias. As duas primeiras etapas da coleta de dados institucionais compreenderam um
questionrio estruturado para o registro das informaes. J a terceira etapa de coleta,
compreendeu dados de entrevista semiestruturada, realizada durante as atividades
profissionais no eixo de profissionalizao com as mes atendidas pela instituio e que
ficaram anexadas aos pronturios das famlias em arquivo institucional.
Trivios (1987, p.16) afirma quea entrevista semiestruturada, para alguns tipos
de pesquisa qualitativa, um dos principais meios disponveis para a investigao e
coleta de dados. Esse autor privilegia a entrevista semiestruturada pela crena em que ao
mesmo tempo em que valoriza a presena do investigador, oferece todas as perspectivas
possveis para que o informante disponha de liberdade e espontaneidade necessrias que
enriquecero a investigao.
O objetivo da entrevista foi a aproximao com a dinmica das mulheres e o
conhecimento de suas necessidades no que se refere s questes de profissionalizao.
Essas entrevistas fizeram parte do plano de interveno de estgioetendo em vista
ariqueza da coleta se fez indispensvel para socializao dos resultados na elaborao
deste trabalho.
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Por fim, o ttulo desta seo refere-se constatao de que as responsveis em
sade das crianase adolescentes atendidos na instituioso mulheres mes e avs e
que apresentam em sua composio familiar a caracterstica de mononuclearidade e
extenso com direo feminina.
3.2 A RESPONSABILIZAO DA MULHER PELO CUIDADO
A partir da Constituio Federal de 1988, obtivemos uma das maiores
conquistas de proteo social integral - a Seguridade Social-integrada por trs
polticas sociais: a sade considerada dever do Estado e direito de todos, a previdncia
social contributiva e a assistncia social a quem necessitar. Tratando-se de sade,
obtivemos na Lei Orgnica n. 8.080/1990 a regulamentao do SUS e o entendimento
da sade:
Os nveis de sade expressam a organizao social e econmica do Pas, tendo a sade como determinantes e condicionantes, entre
outros, a alimentao, a moradia, o saneamento bsico, o meio
ambiente, o trabalho, a renda, a educao, a atividade fsica, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e servios essenciais (BRASIL,
2013, s/p).
Mesmo com o reconhecimento do Estado como provedor dasade, os governos
brasileiros sempre se beneficiaram da participao autonomizada e voluntarista da
famlia na proviso do bem-estar de seus membros, dificultando abordar polticas de
famlia no Brasil ofertadas pelo poder pblico de modo a impactar positivamente em um
contexto influenciado por uma tradio de relacionamento do Estado com a sociedade,
que exige autoproteo, salvo excees conquistadas, sendo as mais recentes nos
campos do direito da mulher e da criana. So exemplos,a ampliao da licena
maternidade sem prejuzo do emprego ou salrio, licena paternidade, garantia de
direito creche e o preceito de igualdade de direitos e obrigaes entre homens e
mulheres (PEREIRA, 2006, p.29).
Em referncia aos cuidados de pessoas com deficincia, este majoritariamente
desenvolvido por mulheres, seja no interior das famlias ou em instituies - onde as
qualidades requeridas ao cuidado so tidas como naturais ou inatas. No caso das
mes de crianas com deficincias e ou doenas crnicas (que elucidam a pesquisa),
reafirma-se a crena, ainda na atualidade,de vises estereotipadas do amor materno e da
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responsabilizao da mulher por cuidados com as crianas e enfermos(HIRATA;
GUIMARES, 2013).
Tais crenas baseadas em questes morais e de valores neoliberais (machistas)
afastam da mulher, at a atualidade, direitos sobre o corpo e a maternidade, por
exemplo.
O trabalho do care, diz respeito ao cuidado com o outro visando o bem-estar.
Seu conceito se assemelha a outros, como trabalho e gnero e seu termo conota
conceitos equivalentes em outras lnguas15
(GUIMARES; HIRATA; SUGITA, 2012,
p.154). O que se mostra novo, segundo Hirata e Guimares (2013), a reao de mais
uma ocupao no arcabouo dos cuidados, podendo ser formal ou informal, com ou sem
remunerao.
Mesmo inserido no setor de servios o care apresenta-se mais fortemente no
mbito familiar, devido representao social de que as famlias as mulheres devem
responsabilizar-se pelo cuidado devido ao grau de parentesco e ou proximidade.
O trabalho care trabalho emocional feito por mulheres pobres, no
brancas e imigrantes, na maioria das vezes no ambiente familiar, sem regras claras de profissionalizao e desvalorizado socialmente -, ao
lado do fenmeno do envelhecimento populacional, j o
transformaram em categoria social da maior relevncia, a ser assumida, mesmo que parcialmente, pela esfera pblica (HIRATA;
GUIMARES, 2013, p.3).
Dentre as famlias participantes do estudo, 98% so responsveis pelos
principais cuidados em sade das crianas e adolescentes com deficincia e ou doenas
crnicas16
. Destes cuidados, 100% recaem sobre a mulher17
: 93 % sobre a me e 7 %
sobre a av materna, conforme tendncia elucidada por Hirata (2012).
Neste universo incluem-se demandas de cuidados complexos, tais como:
15No Brasil e em pases de lngua espanhola, a traduo da palavra care, seria cuidado -
utilizado para designar a atitude sendo o verbo cuidar, designado a ao. Desta forma as
noes de cuidar foram inseridas em expresses cotidianas, onde o cuidar da casa, assim como cuidar das crianas tem sido tarefas exercidas por agentes femininos e subalternos aos
quais se associam a submisso (GUIMARES; HIRATA; SUGITA, 2012, p.154). 16
Apenas a famlia 116, no a principal responsvel pelos cuidados em sade, por se tratar de tratamento quimioterpico com necessidade de transplante de medula ssea (leucemia). Porm
tratando-se de responsvel por cuidados domiciliares, a me a principal responsvel, se
tratando esta de uma famlia monoparental com referncia feminina. 17
Segundo documentos internos da instituio em pesquisa (2014, s/p) dentre as 135 famlias atendidas desde 2008, houve apenas um caso em que o pai era responsvel pelos cuidados em
sade (famlia mononuclear com direo masculina).
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Manuseio e higienizao de colostomia18;
Manuseio de sondas vesicais (no aparelho urinrio);
Manuseio de curativos complexos;
Administrao de diversificao de remdios (ao exemplo de: coquetis
para HIV positivo (doena infecciosa), aliados terapia floral e
homeopatia);
Cuidados referente disfagia (dificuldade de deglutio), com
necessidades de ateno e cuidado durante alimentao com posio
adequada (Fowler - sentado em ngulo de 45 - ou semi-fowler),
ingesto de alimentos de acordo com a necessidade de cada criana (uso
de espessantes, dieta lquida, frmulas especiais, entre outros.
Em duas famlias acompanhadas, houve a opo de abrir mo da sonda de
alimentao - assumindo o risco da aspirao para o pulmo do alimento ingerido - em
busca de propiciar qualidade de vida criana, que acarretaram em xito e exigindo
cuidados semelhantes aos citados acima em casos de disfagia.
Tratando-se ainda dos cuidados, possvel apreender que ao se deparar com
estas situaes extremas que exigem constante cuidados e demandam diversos
encaminhamentos em sade, ocorre uma abdicao das mes s atividades laborais
formais, continuidade de estudos, atividades de lazer, entre outros. Ainda que estes
elementos e anseios estejam presentes em suas falas, sua rotina morosa e cansativa
limita sua reinsero e contribuem para manuteno de sua vulnerabilidade social,
sobretudo a econmica.
Tendo a escolaridade como princpio norteador da insero no mercado de
trabalho, destaca-se que a mdia de anos de estudo das responsveis familiares das
crianas e adolescentes de seisanos. Alm da baixa escolaridade ao qual discutiremos
com mais nfase adiante, esta se associa a fatores sociais e econmicos, possvel aferir
que tais conhecimentos no contemplam cursos na rea da sade para assegurar os
procedimentos que realizam nos cuidados com seus filhos ou qualquer suporte com os
cuidados das crianas por parte de equipes de sade da ateno bsica ou especializada
18Ostoma ou estoma trata-se da extenso de um rgo inserido a partir de ato cirrgico devido a
mau funcionamento ou retirada de um rgo. A colostomia trata-se da extenso do clon intestinal. A bolsa de colostomia trata-se de uma proteo externa da colostomia que permite a
proteo da pele e excreo de fezes (MENDES, 2007).
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dependendo da doena (exceto tratamento quimioterpico relatado anteriormente).
Alm desses aspectos est tambm vinculado estas os cuidados com a casa e com os
demais filhos (quando possuem).
Tratando do trabalho do cuidado em sade no mbito familiar, Mioto (2008)
destaca o impacto moral que define a mulher como cuidadora por excelncia,
reconhecendo esta, de forma distinta em famlias burguesas e proletrias. J tratando das
polticas sociais, estas evidenciam a responsabilizao da famlia na proviso de bem-
estar e processos de focalizao em programas de transferncia de renda ao invs de
polticas universais e proteo aos trabalhadores (MIOTO, 2010).
O trabalho do care no Brasil pode ser caracterizado, segundo Guimares, Hirata
e Sugita (2012), como ocupao relativa ao cuidado com questo de gnero muito
presentena medida em que esta atividade est profundamente naturalizada como
inerente posio e disposio feminina - atuao macia feminina - baixa remunerao
(quando h), baixo status e pouca contribuio previdenciria. A tarefa de cuidar de
crianas, idosos, enfermos e pessoas com deficincia em todo o nosso processo
histrico tem sido exercida por:
Agentes subalternos e femininos, os quais (talvez por isso mesmo) no
lxico brasileiro tm estado associados com a submisso, seja dos
escravos (inicialmente), seja das mulheres, brancas ou negras (posteriormente) (GUIMARES; HIRATA; SUGITA, 2012, p.154).
O que devemos ressaltar sobre o care que este definitivamente, uma questo
de relevncia social e acadmica assim como todos aqueles que se dedicam ao
cuidado de pessoas dependentes e que se faz necessria seu reconhecimento e
questionamento da gratuidade do servio em mbito domstico, associando-o como
profisso e ainda desnaturalizando esta como naturalmente feminina (HIRATA;
GUIMARES, 2013, p.5).
Faz-se necessrio o questionamento do trabalho domstico gratuito, para seu
reconhecimento e valorizao como trabalho; em outras palavras, a associao do
trabalho care com uma profisso feminina deixa de ser natural (GUIMARES;
HIRATA; SUGITA, 2012, p.157).
A partir de dados estatsticos da PNAD-2007, Guimares, Hirata e Sugita (2012,
p.158), afirmam que o trabalho das cuidadoras:
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- um trabalho sem proteo formal: em 2007, apenas 24% delas
tinham carteira de trabalho assinada (...) a esse respeito as
cuidadoras muito se aproximam das trabalhadoras domsticas, entre as quais 28% tinham contratos formais.
- exercido por trabalhadoras com baixo grau de escolaridade: 63%
delas tm apenas o ensino fundamental, o que novamente as aproxima das empregadas domsticas, dentre as quais 80% tm no mximo oito
anos de estudo, e as distancia dos auxiliares de enfermagem, os quais
75% tinham mais que o ensino fundamental.
- um trabalho de baixa remunerao: 66% das cuidadoras ganham at um salrio mnimo.
Problematizando a prestao de cuidadosas mesmas autoras afirmam que:
A distribuio da prestao de cuidados entre o Estado, as comunidades, as organizaes voluntrias, o mercado e a famlia ,
por exemplo, muito diferente a depender do campo considerado
(GUIMARES; HIRATA; SUGITA, 2012, p.157).
Como exemplo, pode-se observar odireto da criana com deficincia
participao escolar (BRASIL, 1996). Seu acesso depende
da articulao entre profissionais, famlias e sociedade para o cumprimento de diretrizes educacionais, destinao de recursos
humanos e materiais e formao de profissionais habilitados para o
enfrentamento dos diferentes desafios trazidos pela prtica cotidiana do ensino (BRIANT; OLIVER, 2012, p.2).
No caso das famlias em estudo, foi possvel observar que 83% das crianas e
adolescentes possuem doena crnica e50% das famlias possuem crianas com
deficincia(s), dentre elas, 08 crianas (38%) utilizam os servios da Associao dos
Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), e 19 crianas frequentam a escola regular
com professor especialista19
. Neste universo so diversos os diagnsticosdas crianas:
atraso no desenvolvimento neurolgico, paralisia cerebral, fenda no palato, lbio
leporino, disfagia orofarngea, deficincia auditiva, sndrome de Tuner, encefalopatia,
hipoxico isqumica, microcefalia, autismo, neoplasia, deficincia fsica, HIV, sndrome
de Prader Willi, cardiopatia, linfoma (leucemia), sndrome do cromossomo 18 em anel,
fungo no sangue, sndrome de Kabuki, hidrocefalia, anomalias congnitas, insuficincia
renal,epilepsia, hipertenso pulmonar, sndrome de Server, sndrome de Asperger, entre
outros como desnutrio e sobrepeso resultantes de alguns desses diagnsticos.
19Professor especialista o termo designado ao professor com especialidade em crianas com
diferentes tipos de deficincia (BRIANT, OLIVER, 2012, p.2).
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Em estudo realizado em cinco escolas de So Paulo, Briant e Oliver (2012, p.1)
entrevistaram 11 professores (dentre eles, 10 mulheres) entre agosto de 2006 a junho de
2007 com o objetivo deconhecer, do ponto de vista do professor do ensino
fundamental da rede pblica municipal, as estratgias pedaggicas que utilizavam para a
incluso de crianas com deficincia na classe comum. Para tanto se fez o recorte com
base na percepo da diversidade, ou ainda, as atitudes dos professores que
prevaleceram em relao aos alunos com deficincia onde sobressaem aquelas
relacionadas:
necessidade de cumprimento legal da matrcula desses alunos e sua
aceitao forada no ambiente escolar, pois os professores veem
poucas possibilidades de aprendizagem para esses alunos. Essas
reflexes so importantes, pois a atitude e a posio que o professor ocupa frente diversidade cultural, biolgica, psicolgica ou social de
seus alunos tem papel decisivo em sua prtica cotidiana (BRIANT,
OLIVER, 2012, p.6).
Uma das professoras entrevistadas afirmou:
Eu nem acho que d para fazer uma adaptao curricular para ela
(aluna), ela est muito abaixo do normal, no rabisca, no escreve nem
o nome, o nvel dela muito baixo, s est nessa sala porque incluso mesmo (P1 - Entrevista 1) (BRIANT; OLIVER, 2012, p.6).
Uma das famlias em estudo atribuiu a retirada da criana (hoje adolescente)com
deficincia mental da escola regular aps a concluso do ensino fundamental, devido ao
no acompanhamento da mesma disciplina. Segundo depoimento da av e cuidadora:
conversei com a escola e j que e a minha neta j vai para APAE toda tarde e no
acompanhava a turma em nada, ela no ia ficar to cansada sic! (FAMLIA 79).
Quantas crianas com deficincias possuem seus direitos de inclusoeducacional
violados no Brasil? difcil mensurar, mas a partir da observao participante pode-se
indicarque as famlias em situao de vulnerabilidade socialpesquisadassofrem com
acessos geogrficos e de servios, sobretudo os especializados, que recaem com maior
prevalncia em instituies do terceiro setor como APAE, Associao dos Surdos da
Grande Florianpolis (ASGF)e Instituto de Audio e Terapias de Linguagem (IATEL).
Acrescenta-se ainda que, mesmo aps 13 anos de vigor da Lei 10.098 de 19 de
dezembro de 2010, que trata da acessibilidade de pessoas com deficincia ou
mobilidade reduzida, os acessos geogrficos no esto adaptados em sua totalidade e
essa realidade ultrapassa as reas de risco social e dizem respeito a espaos de lazer,
educao e sade.
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A coleta de dados da pesquisa permitiu uma reflexo a cerca
daresponsabilizao dos indivduos por seu estilo de vida nos processos de cuidados em
sade, sobretudo a transferncia de responsabilidades do Estado ao terceiro setor, forte
tendncia neoliberal.
O primeiro tensionamento observado foi de que a instituio realiza um servio
voltado s pessoas com deficincia e que este tipo de atendimento no est disposto na
rede pblica, que por sua vez realiza 84% dos encaminhamentos das famlias
atendidaspela instituio, caracterizando a transferncia da responsabilidade do Estado e
a tendncia neoliberal elucidada por Salvador (2010).
A instituio no recebe auxlio governamental, no possui cunho religioso e
enfoca seu trabalho em fortalecer o vnculo das famlias com o servio pblico,
principalmente com o SUS e o SUAS, de modo a no substituir estes servios, e sim
referenci-los e complement-los em prol do restabelecimento da sade,
empoderamento, emancipao, acesso a informao e direitos sociais, sendo esta a
principal ao para construo de conscincia coletiva de direitos da populao
vulnervel e por vezes invisvel, fortalecendo e executando medidas que assegurem que
o Estado execute seu papel de provedor de bem-estar social. A sustentabilidade da
instituio se d a partir de projetos apresentados a empresas, para que, mesmo de forma
minimalista, esta participe da distribuio de excedente20
. Outro fator o total apoio s
instituies encaminhadoras, atuando com as mesmas em rede possibilitando troca de
informaes e visando a integralidade da ateno.
visvel a responsabilizao das famlias atendidas pela instituio nos
cuidados em sade aps a alta de internaes hospitalares ou tratamentos de sade. Na
maioria dos casos estudados a mulher - me - protagonista mais presente nestas
famlias que dispe de condies objetivas para arcar com tamanhas exigncias de
cuidado aos quais so submetidas. As violaes de direitos observados durante o
perodo de realizao do estgioretratam a violncia e a penalizao desses sujeitos por
sua situao de vulnerabilidade e ausncia de conhecimento. Uma das famlias, por
exemplo, teve seu direito de realizar o Cadastramento nico para acesso aos benefcios
sociais negadono CRAS por sua renda ser incompatvel com um dos benefcios sociais
ofertados (o Programa Bolsa Famlia), exigindo a interveno da instituio para fazer
20 Uma das principais empresas financiadoras da instituio a Tractebel Energia, alm disso, a
mesma conta com doaes internacionais.
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valer seu direito. Situaes como esta ocorrem quase que diariamente, porm a
aproximao e interveno nessas situaes gera mudanas significativas aos usurios
destes servios pblicos e fortalecem o acesso aos poucos direitos sociais que estes
possuem por sua condio de extrema vulnerabilidade social.
A dinmica de vida das mes e avs dessas famlias se torna mais intensa tendo
em vista que seus filhos e ou netos so crianas e adolescentes que exigem inmeros
cuidados em sade.
O grfico 03, aponta a idade das crianas e adolescentes assistidas pela
instituio. possvel aferir maior preponderncia est na faixa etria de crianas e
adolescentes entre 07 e 16 anos de idade (50%), tal informao nos d melhor dimenso
da complexidade de cuidados, uma vez que estas crianas j se encontram em idade
mais avanada e ainda no superaram sua condio de vulnerabilidade em sade e,
sobretudo acarretam maiores complexidades em seus cuidados, pois exigem literalmente
mais fora seja para locomoo, banho, troca de fraldas alm disso, apresenta a
tendncia de dependncia cuidadora, que acompanha o crescimento de seus filhos e
netos e j adentram em idades mais avanadas.
Fonte: Elaborao da autora a partir da coleta de dados.
Identifica-se tambm dificuldades que so ampliadas com o crescimento dessas
crianas e adolescentes, a grande maioria possui extrema dificuldade de acesso
geogrfico, duas delas precisam carregar o filho (sem mobilidade) nos braos, pois a
localidade em que residem no est adaptada a condio de vida de seus filhos.
6, 14%
15, 36%
21, 50%
Grfico 03: Idade da criana/adolescente das famlias estudadas - 2014
ENTRE 0 E 1 ANO
DE IDADE
ENTRE 2 E 6 ANOS
DE IDADE
ENTRE 7 E 16 ANOS
DE IDADE
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H, em duas famlias estudadas, uma grande barreira a ser superada, as crianas
j com idade de 09 e 16 anos se encontram em extremo baixo peso, o que afeta
diretamente em sua sade e imunidade. A instituio trabalha interdisciplinarmente na
conscientizao com as cuidadoras da importncia do ganho de peso em seu quadro
clnico (ambos com deficincia fsica e mental em risco de morte). Foi possvel observar
nessas cuidadoras medo de no conseg